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Capítulo IV

O Estado em geral e o Estado angolano em particular

1-O Estado como entidade jurídico-política


1.1-O sentido de Estado em geral
1.2- O elemento humano -o povo
1.3-O elemento funcional -a soberania
1.4-O elemento espacial -o território
2-O Estado como comunidade política
3-A nação comunidade de cidadãos
4-Tipos históricos de Estado
5- O Estado angolano: caracterização da República de Angola
6-A República e a dignidade da pessoa humana: o indivíduo como limite e
fundamento do domínio político da República de Angola
7-A república e a soberania autodeterminada e autogovernada
8-Concepção da função pública e cargos estritamente vinculados à prossecução do
interesse público.

1-O Estado como entidade jurídico-pública

“Jamais alguém viu o Estado. Quem poderia, no entanto, negar que


ele é uma realidade? O lugar que ocupa na nossa vida quotidiana
é de tal ordem que ele não poderia ser daí retirado sem que, do mesmo
lance, ficassem comprometidas as nossas possibilidades de viver.
Revestimo-lo de todas as paixões humanas; ele é generoso ou somítico,
engenhoso ou estúpido, cruel ou complacente, discreto ou absoluto.”
(George Burdeau- O Estado, Póvoa do Varzim p 15)

Uma parte importante no estudo do Direito Constitucional é, sem dúvidas, o


conhecimento do Estado, não só relativamente ao seu sentido mas também no que
à sua estrutura diz respeito, porquanto é, por excelência, o principal modo de
organização política e social.

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Na verdade trata-se de uma realidade variável e cessante, pois, como se sabe, nem
sempre existiu na história da humanidade, mas tem-se mantido estável na sua
essência. Significa isto que apesar das modificações sensíveis que tem vindo a
conhecer no decurso das diferentes épocas históricas, bem assim como das
diferentes concepções que o têm acompanhado, a sua natureza mantém-se estável.
Deste modo, constata-se que o Estado de hoje, herdado da idade contemporânea,
é ainda um modo de organização que satisfaz os interesses dos cidadãos, se
comparado com os outros modos de organização que têm surgido, de forma
acelerada.

A definição conceptual de Estado aponta para “uma estrutura juridicamente


personificada, que num dado território exerce um poder político soberano, em
nome de uma comunidade de cidadãos que o mesmo se vincula”.

A compreensão do Estado requer uma percepção sobre as características, dos fins,


das acções e do nome do Estado.

(i)-As características do Estado como fenómeno político-social facilitam o seu


entendimento perante realidades afins e resumem-se no seguinte:

➢ a complexidade organizatória e funcional- A compreensão que se


impõe é a de que o Estado pressupõe um mínimo de complexidade
organizacional e funcional, o que acarreta uma pluralidade de
organismos, de tarefas, de actividades de competências para levar a
cabo os seus objectivos;
➢ a institucionalização dos objectivos e das actividades- significa que o
Estado assenta na divisão da sua realidade estrutural por contraposição
aos interesses particulares e pessoais daqueles que nele desempenham
funções, criando-se um quadro próprio de referência no qual se situa a
ideia de personalidade colectiva.
➢ a autonomia dos fins- significa que no âmbito do aparelho complexo
que o caracteriza, o Estado separa os fins que prossegue dos interesses
pretendidos pelos seus membros individualmente considerados e com os
mesmos não se confundindo, decorrendo desta separação um espaço
público pertença de todos que dá lugar à ideia de bem comum;

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➢ a originalidade do poder- implica o reconhecimento de que o Estado
expressa-se em função da qualidade do poder político de que é
detentor, no caso e necessariamente um poder político originário, que
se mostra constitutivo dele mesmo, de tal sorte que é o próprio Estado a
auto-determinar-se e a auto-organizar-se nos seus diversos planos de
organização e de funcionamento, poder esse que é o poder constituinte;
➢ a sedentariedade do exercício do poder- significa que o Estado, na
prossecução dos seus fins, carece de uma localização geográfica-
espacial, uma vez que a sua actividade necessariamente se lança num
território, não havendo, por conseguinte, Estados virtuais, nem Estados
nómadas.
➢ a coersibilidade dos meios - significa que o Estado é depositário
máximo das estruturas de coersão, que podem aplicar a força física para
fazer respeitar o Direito que produz e a ordem político-social que
mantém.

(ii) Ao lado das características do Estado é de referir que a sua importância na


organização social também se mede pelos fins por que luta, pois é de atender que
a edificação de uma realidade estadual não é nem neutra nem satisfaz interesses
indiferenciados, ao invés, corresponde a desejos e a objectivos que fazem dessa
estrutura, ainda hoje, a mais relevante entidade de satisfação das necessidades
colectivas da vida em sociedade.

Os fins são agrupados em três aspectos:

a)-a segurança: a segurança pode ser externa e interna. A segurança externa


coloca-se contra as entidades agressões externas para defesa do território, das
pessoas e do poder; a segurança interna coloca-se para a manutenção da ordem
pública, da segurança de pessoas e bens, e na prevenção e repressão de danos de
bens sociais, para além da própria aplicação geral do Direito;

b)-a justiça: a justiça pode ser comutativa e distributiva. A justiça comutativa está
relacionada com o estabelecimento de relações de igualdade, abolição das
situações de privilégio e com critérios uniformes de decisão. A justiça distributiva

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tem o sentido de dar a cada um o que lhe pertence pelo mérito ou pela sua
situação real, numa visão não necessariamente igualitária.

c)-o bem-estar: o bem-estar tem que ver com a situação económica (bem-estar
económico), ou seja, da provisão de bens que o mercado não pode fornecer ou não
pode fornecer satisfatoriamente. Mas, para além do bem-estar económico existe o
bem-estar social que se traduz na prestação de serviços sociais e culturais a cargo
do Estado, normalmente situados fora do mercado.

(iii)- As acepções do Estado são um dos principais temas da filosofia


contemporânea. É através da Constituição que se concretiza as suas grandes
tarefas especificando melhor os desígnios que explicam o sentido útil que lhe está
subjacente (Ex: artigo 21.º da CRA).

Assim é que o conceito de Estado acolhe diferentes acepções que dão lugar a
diferentes acções e nele se amparam, designando muitas outras perspectivas da
estruturação do Estado, que incidem sobre os aspectos que se pretende realçar,
concretamente. Veja-se os exemplos que se seguem:

Estado no Direito Constitucional- Consubstancia o próprio conceito de


Estado uma vez que abarca tanto o Estado-poder como o Estado-
comunidade, na medida que é a mesma pessoa colectiva que detém o
poder constituinte e que interpreta mais abstractamente o interesse público
no exercício das funções legislativa e política.
O Estado-poder é o conjunto dos órgãos, titulares, atribuições e
competências. O Estado-comunidade é o conjunto das pessoas,
essencialmente cidadãos, que beneficiam da protecção conferida pelos
direitos fundamentais.

Estado no Direito Internacional Público- abarca o Estado enquanto pessoa


colectivas participantes das relações públicas internacionais;
Estado no Direito Administrativo (Estado administrativo) -é o Estado
enquanto pessoa colectiva pública, distinta de outra s pessoas colectivas
reguladas pelo Direito Administrativo, noutros níveis e sectores da
Administração Pública;

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Estado no Direito Judiciário (Estado-Poder Judiciário) - tem que ver com o
Estado enquanto pessoa colectiva pública que desenvolve a função
jurisdicional através dos órgãos judiciais, por forma a realizar a
administração da justiça;
Estado no Direito Privado- situa-se no domínio do Direito comum e
constitui tudo que não requeira a regulação dada pelos capítulos do Direito
Público.

(iv)- O nome “Estado”- é uma terminologia que se desenvolve da obra de


Nicolau Maquiavel, a partir da qual essa nomenclatura definitivamente se
instalou na doutrina político-constitucional: staus e stato. De acordo com
Maquiavel radica na sua adequação para referir uma das suas
características, que é a permanência e a intensidade do respectivo poder
político.

É uma terminologia que nem sempre teve um vocábulo para o denominar. O


Estado aparecia normalmente referido pela expressão atinente à forma
institucional de governo vigente, praticamente sendo exclusivo da
monarquia, por contraposição à república.

O sentido de Estado em geral

O sentido de Estado em geral, qualquer que seja a definição que se atribua, no


domínio do Direito Constitucional ou no domínio da Ciência Política,
necessariamente comporta três elementos de natureza diferente e têm que ver
com o factor humano, funcional e espacial.

1.1- O elemento humano – povo

O elemento humano que compõe o Estado traduz o conjunto de pessoas que


apresentam um laço de vinculação jurídico-política com determinada estrutura
estadual.

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Recebe o nome de cidadania, o conjunto de cidadãos de um Estado que adquire o
substantivo colectivo de povo. A consideração de cidadão é um valor acrescido ao
nome povo que decorre do vínculo jurídico- público com o Estado que lhe confere
projecção em relação à actividade do Estado fazendo com que ganhe uma
dimensão própria que evidencia a vertente comunitária em contraponto a outras
estruturas, que possuindo também uma parcela do poder político não ostentam
aquele substracto pessoal.

Apesar de muitas vezes confundidas, cidadania não é o mesmo que nacionalidade,


desde logo, porque esta última pode ser aplicada a pessoas não humanas, ou seja,
a pessoas jurídicas. Ex. a nacionalidade dos navios e das aeronaves.

Para além disso, é preciso ter em conta que a terminologia cidadania representa
um substracto humano que dentro do Estado como pessoa jurídica colectiva não é
apenas visível em muitos domínios, como também, e mais relevante, é em função
da sua essencialidade, que se desenvolvem os objectivos para a satisfação e
protecção sociais resultantes das respectivas actividades estaduais.

São os seguintes os domínios em que se torna mais nítida a relevância do substracto


humano da organização estadual:

a)-na escolha dos governantes (ocorre nos sistema democráticos e é uma escolha
efectuada por pessoas);

b)-no desempenho de cargos públicos (os cargos públicos, independentemente da


sua natureza são desempenhados por pessoas);

c)- na definição das prestações sociais (as preocupações com o bem-estar


económico e social, através do exercício dos direitos fundamentais económicos e
socias, são avaliados em função dos cidadãos que delas vão beneficiar);

d)- no cumprimento de alguns deveres fundamentais (ex: a defesa da Pátria, o


respectivo dever de protecção contra os agressões inimigas recaí sobre quem tem a
qualidade de cidadão desse mesmo Estado).

Conceitos afins à terminologia povo:

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a população-(pessoas residentes ou habitantes no território estadual,
independentemente do vínculo de cidadania, nacional ou estrangeiro);
a nação-(as pessoas que se ligam entre si com base num sentimento comum
que decorre de um processo de inclusão devido a laços socio-psicológicos,
resultante da comunhão da mesma cultura, religião, etnia, língua, tradição
e que por força disso gozam de tratamento igual da parte das autoridades
estaduais, formando uma comunidade com esses traços identitários;
a pátria-(é um lugar. O lugar dos antepassados, o lugar onde viviam os país
que formam uma conjugação de factores territoriais e histórico-culturais);
a nacionalidade -(stricto sensu: é a qualidade atribuída a pessoas colectivas
ou a bens móveis registáveis, como aeronaves ou a navios, que os associa a
determinada ordem jurídica, tornando-a aplicável).

A relação jurídico-pública de cidadania pode ser vista sob um duplo plano: como
estatuto e como direito.

A cidadania como estatuto = designa a atribuição de um conjunto de posições


jurídicas à pessoa que dela beneficia e com carácter marcadamente
caleidoscópico, variando em função da natureza das posições que nesse estatuto se
encontram presentes e que podem ser:

• posições activas = direitos


• posições passivas =deveres
• posições constitucionais= atribuídas pela Constituição
• posições infraconstitucionais = atribuídas por lei

A cidadania como direito = significa o estabelecimento de um determinado estatuto


mediante o respeito por algumas regras fundamentais que estabelecem uma
ligação favorável da pessoa a determinada estrutura estadual. (ex. orientações
internacionais que estabelecem os direitos dos refugiados).

1.2-O elemento funcional – a soberania

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O elemento funcional do Estado corresponde à soberania e expressa a organização
de meios que se destinam a tornar operacional a actividade estadual com vista a
alcançar os respectivos fins.

É na verdade o poder político que se assumindo numa estrutura própria toma o


nome de soberania que se manifesta no plano interno e externo.

A soberania no plano interno representa a supremacia sobre qualquer outro centro


de poder político que lhe deve obediência e cujas existência e amplitude são
forçosamente definidas pelo próprio Estado. Implica que:

a)- o Estado é a identidade máxima dentro das actividades político-estadual


desenvolvidas no seu território;

b)- o Estado é que se representa como autoridade suprema, dele dependendo a


fonte de jurisdicidade da ordem jurídica interna;

c)- é ao Estado que compete optar pela existência de outras entidades


infraestaduais ou menores, opção que normalmente se insere no respectivo texto
constitucional;

d)- traduz a orientação de que é ao Estado que incumbe o estabelecimento da


natureza, da intensidade e dos limites do poder político atribuído a essas
estruturas infraestaduais.

Estas características fazem com que a soberania interna se separe da qualidade do


poder político que é entregue às entidades infraestaduais que com ele convivem,
mas que por serem infraestruturais não podem ser soberanas. Nestes casos o
conceito usado é autonomia (esta exprime a possibilidade de se accionar meios
próprios de acção política, mas sempre condicionados, tomando o poder estadual
soberano por referência, na medida que é ele que permite a sua criação e baliza os
poderes que lhe são delegados).

Os poderes que se integram na soberania estadual interna repartem-se em:

- competências pessoais ( representam uma das tarefas mais nobres do exercício do


poder político na esfera interna, incide sobre o conjunto de pessoas que são seus

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cidadãos e demais residentes definindo áreas de protecção, de direitos, segurança
etc.)

- competências territoriais (permitem ao Estado determinar e reconhecer a


capacidade de livremente configurar o regime da utilização e aproveitamento dos
seus espaços geográficos. È unicamente o Estado a entidade que funciona como
senhorio territorial. Trata-se de um espaço onde projecta as suas leis, ou seja, a
respectiva ordem jurídica).

A soberania no plano externo significa a igualdade e a independência nas relações


com outras entidades políticas, maxime de outros Estados, nelas se reconhecendo
diversos poderes, como o direito de celebrar tratados (ius tractuum), do direito de
estabelecer relações diplomáticas e consulares (ius legationis), o direito de
apresentar queixa, o direito de exercer a legítima defesa e o direito de participar
na segurança da comunidade internacional (ius bellis). Esta representa também
que o Estado mantém relações de independência, de não sujeição, e de igualdade
de direitos no seio da sociedade internacional e simboliza a liberdade de as
estruturas estaduais escolherem os seus vínculos contratuais e diplomáticos, sem
que se possa aceitar a existência de autoridades que lhes sejam superiores, salvo
os casos de consentimento ou seja consequência lógica da viabilidade da actuação
internacional dos Estados. Mas, é preciso ter em conta que a realidade estadual por
vezes enfrenta no plano internacional vicissitudes que afectam à sua soberania,
podendo-se falar neste campo de duas categorias:

▪ Os Estados semissoberanos (os que não se apresentam com uma soberania


plena na esfera das relações internacionais);
▪ Os Estados não soberanos (São Estados soberanos apenas na ordem interna,
carecendo na ordem internacional de capacidade de actuação própria)
Os Estados semissoberanos- Na óptica do Direito Internacional assume também
relevância para o Direito Constitucional, uma vez que sofrem uma limitação da sua
capacidade. Eles podem ter diversas causas, assim como podem atingir aspectos
daquela soberania internacional1 .

1 De que se destaca os seguintes exemplos: Os Estados confederados, os Estado vassalos, os Estados


protegidos, os Estados exíguos, os Estados neutralizados e os Estados membros de organizações
supranacionais

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Os Estados não soberanos apesar do seu condicionalismo são verdadeiros Estados
para o Direito Constitucional e desdobram-se em duas modalidades
estruturalmente diferentes e que constam dos respectivos textos constitucionais.

a)- Os Estados Federados: pertencentes a federações mais amplas, seguindo o


exemplo dos Estados Unidos da América, mantêm a sua soberania interna, com os
poderes que os identificam, incluindo o poder constituinte, mas estabelecem uma
estrutura de separação entre o nível estadual e o nível federal. Os Estados
federados não são sequer sujeitos de Direito Internacional, em virtude da
transferência total dos poderes de autuação internacional para o nível federal.

b)- Os Estados membros das uniões reais: a união real é uma forma de Estado
composto e corresponde ao vínculo existente entre dois ou mais Estados em que se
fundem ou são partilhados órgãos particulares de cada Estado de modo a passarem
a existir um ou mais órgãos comuns (pelo menos o Chefe de Estado é comum).

Na união real o grau de integração dos Estados é menor do que na Federação, na


medida em que na primeira a regra é a de os Estados conservarem as suas
especificidades e algumas vezes uma limitada capacidade jurídica internacional, o
que não acontece nas Federações. Desta feita mantêm territórios e povos próprios,
mas o poder político soberano é exercido pela união. Os Estados membros de uma
união real geralmente mantêm autonomia político-administrativa.

Das uniões reais distinguem-se as uniões pessoais, na medida que as primeiras


são um Estado composto formado por dois ou mais Estados que abdicam da sua
independência para formar um novo Estado comum independente (a União)
enquanto que nas segundas, a união pessoal, é uma associação de Estados que
mantêm a sua independência, mas ambos mantém o princípio do Chefe de
Estado ser comum aos Estados membros da União. Todavia na união pessoal a
coincidência é apenas a título pessoal e não orgânico, ou seja, o comum é o
titular do órgão e não o próprio órgão; enquanto que não união real a união dos
Estados é instituída e regulada por um acto jurídico da União (tal como uma
Constituição da União), na união pessoal a união dos Estados resulta da mera
coincidência de designação da pessoa do Chefe de Estado pelos Direitos internos
de cada Estado; na união real a capacidade jurídica internacional dos Estados é

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inexistente ou, quando existe, é limitada, enquanto que na união pessoal a
capacidade jurídica internacional dos Estados é plena. Por último aponta-se o
facto de na união real existir legislação comum a toda a União (aprovada pelos
órgãos da União), o que não sucede na união pessoal em que existe apenas as
legislações internas de cada Estado. Geralmente as uniões reais são monarquias,
mas nada obsta uma união real em regime republicano. A palavra união real
nada tem que ver com realeza, mas com união de facto.

Exemplos de uniões reais sob forma de monarquia, entre outros:

-Reino na Inglaterra e Reino da Escócia depois de 1707 (sob o nome de Reino da


Grã-Bretanha – e os Estados sucessores de Reino Unido da Grã-Bretanha e
Irlanda e Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte- por meio do acordo
Tratado de União de 1707);

-Reino da Suécia e Noruega de 1815 a 1905 (sob o nome de Reino da Suécia e


Noruega)

-Império Austríaco e Reino da Hungria de 1867 a 1918 (sob o nome de Áustria-


Hungria)

-Dinamarca e Islândia de 1918 a 1944

Exemplo de união real sob forma republicana:

Tanganica e Zanzibar desde 1964 (sob o nome de Tanzânia)

Htt:pt.wikipedia.org/wiki/Uri%C3%A3o-real.

1.3- O elemento espacial - O território

O elemento espacial do Estado consiste no domínio geográfico em que poder do


Estado se faz sentir, o que se denomina por território estadual. Significa isto
que a actividade do estado nunca se desprende de um suporte físico, que é o
seu território que dá relevo às várias funções que o Estado é chamada a
desempenhar, tais como:

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-em sede dos órgãos estaduais (é no território que se situa a capital do Estado
que pode ser transferida para qualquer ponto do território nacional);

-o lugar de aplicação das políticas públicas do Estado, bem como da residência


da maioria dos seus cidadãos (definição de políticas publicas de cunho
infraestrutural beneficia os cidadãos desse mesmo Estado, propiciando mais
elevados níveis de bem - estar);

-a delimitação do âmbito de aplicação da ordem jurídica estadual ( é o


território que traça as fronteiras da aplicação do poder estadual, bem como
outros poderes, que se expressam na Ordem Jurídica que produzem e que têm
missão de preservar e defender);

-o espaço vital de independência nacional (é o território que favorece a


permanência e a independência do Estado relativamente aos respectivos
inimigos, para além de ser um espaço de construção da sua singularidade
identitária).

O elemento espacial de Estado, na medida em que possa acolher a titularidade


e o exercício de poderes de natureza soberana, deve ser suficientemente
diferenciado de outros conceitos afins que do mesmo modo podem ligam o
poder político ao espaço físico onde o mesmo se projecta, sobretudo relevando
do Direito Administrativo.

-Um desses conceitos é o do domínio público do Estado e das demais


pessoas colectivas (designa direitos de utilização de bens colectivos que,
por causa da sua função, não podem ser objecto de comércio privado,
estando sujeitos a um severo regime de imprescritibilidade e de
inalienabilidade).
-O domínio privado do Estado e das demais pessoas colectivas públicas
(sinaliza-se os direitos de utilização de bens colectivos que, ao contrário
dos primeiros inerentes ao domínio público, permitem a sua entrada no
comércio privado, sujeitos à regra geral da disponibilidade jurídica).
-O domínio privado das pessoas privadas (não têm qualquer peculiaridade
ao dominar os direitos reais comuns que se exercem sobre os bens.

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No seu território soberano, o Estado organiza a sua competência de acordo com
três características fundamentais:

a)- a permanência (o poder do Estado é duradouro)

b)-a plenitude (o poder do Estado é exercido na máxima potencialidade que se


conhece)

c)-a exclusividade (o poder do Estado não é partilhável com mais ninguém ao seu
nível de soberania).

Teorias que explicam a conexão do poder estadual em relação ao respectivo


território:

(i)- Teoria patrimonial (segundo a qual o direito sobre o território, sendo dominial,
teria as mesmas características do direito de propriedade do Direito Civil);

(ii)- Teoria imperium pessoal (segundo a qual o direito sobre o território se


exerceria sobre as pessoas que nele se situassem ou residissem);

(iii)- Teoria do direito real institucional (idêntica à primeira, mas mitigada pela
função dos servidores estaduais)

(iv)- Teoria da jurisdição ou senhorio (segundo a qual o direito sobre o território


afecta simultaneamente pessoas e bens, nunca se equiparando a um direito real).

As três modalidades do território estadual:

-o espaço terrestre;
-o espaço marítimo;
-o espaço aéreo.
Mas é por vezes possível observar-se zonas com poderes menos intensos que não
são de soberania, mas que expressam importantes vias de exploração ou de
aproveitamento, para lá dos poderes de jurisdição e de fiscalização, por vezes,
numa difícil rede de direitos e deveres. É o caso da zona contígua e da zona
económica exclusiva.

2- O Estado como comunidade política e o Estado como poder político

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O entendimento do Estado como comunidade política e como poder político põe
acento tónico no facto do“[…] o Estado ser uma comunidade constituída por um
povo que, a fim de realizar os seus ideias de segurança, justiça e bem-estar,
assenhoreia-se de um território e nele se institui, por autoridade própria, o poder
de dirigir os destinos nacionais e de impor normas necessárias à vida colectiva”,
conforme refere Diogo Freitas do Amaral.

Tem-se distinguido o Estado-comunidade do Estado-poder. O Estado-


comunidade é a “comunidade nacional independente, como país”.
Enquanto que o «Estado-poder» ou «Estado-aparelho» é “o conjunto de
órgãos e governantes incumbidos de exercer o poder político no seio de
uma comunidade nacional senhora de um território”.

Mas “não há uma ideia de poder sem uma ideia de Direito e a autoridade
dos governantes em concreto tem de ser uma autoridade constituída –
constituída por um conjunto de normas fundamentais, pela Constituição,
como quer que esta se apresente, como refere Jorge Miranda. Para este
autor não pode haver estatuto de poder sem estatuto da comunidade
política a que se reporta, nem limitação da autoridade dos governantes
sem consideração dos governados.

Para Gomes Canotilho, o Estado é uma forma histórica de organização


jurídica do poder dotada de qualidades que a distinguem de outros
“poderes” e “organizações de poder”.

Adianta que o Estado Constitucional é uma tecnologia política de


equilíbrio político-social através da qual se combateram dois “arbítrios”
ligados a modelos anteriores, a saber: a autocracia absolutista do poder
e os privilégios orgânico-corporativo medievais.

O Estado constitucional é, por conseguinte, um tipo de organização do


poder político que se caracteriza pela democracia e pelo direito, um
Estado de direito democrático ou democrático de direito.

3- A nação comunidade de cidadãos

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Da coesão nacional, nacionalismo e Estado constitucional resulta a
manutenção da união do povo do Estado e tem constituído um grande
desafio desde o século XIX. No que a África diz respeito, desde a década
de 60 do século passado, vários foram os processos de formação de novos
Estados pluriétnicos. Quer dizer, Estados cuja composição do povo não
era baseada num único grupo humano homogéneo no que à língua,
cultura história concerne. Uma etnia pode sempre aspirar a constituir-se
como o povo de um Estado. Quando essa aspiração se traduz na prática
de actos políticos que visam formar um novo Estado, ela pode ter lugar
no contexto de várias etnias ou uma etnia que vive num determinado
território. Se existir apenas uma etnia ou apenas uma colectividade
humana, a coesão nacional não será posta em causa. Porém, quando a
formação do Estado tiver como substrato humano várias etnias ou várias
colectividades humanos com línguas e culturas diversas, a coesão
nacional poderá estar em causa.

A coesão nacional, ao longo do século XVII, mas sobretudo a partir do


século XIX, tem sido abalada pelo facto de ter sido criada a doutrina do
nacionalismo. Esta doutrina defende que toda a unidade nacional deve
ter direito a uma unidade política. Dito de outra maneira, toda nação
deve dispor do direito a formar um Estado.

Uma das consequências do nacionalismo seria, preferencialmente, a


formação de Estados com um povo que tivesse uma grande
homogeneidade cultural. Um povo do Estado que tivesse apenas uma
língua, uma só cultura e uma só história. No entanto, a realidade
apresenta poucos casos de sociedades políticas nas quais a
homogeneidade linguística e cultural seja a regra. A maioria das
sociedades políticas é heterogénea, quanto à composição étnica,
linguística e cultural das pessoas que as formam.

O nacionalismo serve de justificação para o exercício do direito à


autodeterminação dos povos. Todavia, a realidade é bem mais complexa
do que se possa presumir. O sistema internacional evidencia a existência
de Estados com povos formados por várias etnias, línguas e culturas,

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como a situação mais frequente do que os Estados com povos com
homogeneidade linguística e cultural.

O Estado moderno, de tipo ocidental, não obstante o regime político


poder ser democrático ou autoritário, obedece a uma certa organização
inserida no quadro de uma economia nacional. Os Estados com territórios
pequenos e cidadãos pouco numerosos enfrentaram graves problemas de
viabilização. O número de pessoas que vivem num determinado território
é importante para a economia, na medida em que quanto maior for o
número de consumidores, maior será o poder das empresas e a
quantidade de bens e serviços produzidos. Bastará prestar atenção às
superpotências do século XX, comparando o número de cidadãos que
viveram no espaço territorial delas e a extensão do território para se
verificar que esses elementos não são despiciendos.

O nacionalismo afigura-se problemático, pois, no contexto de um


território, habitado por um povo de um Estado, linguística e
culturalmente heterogéneo, haverá sempre a possibilidade de que uma
fracção do mesmo, socorrendo-se da sua especificidade linguística e
cultural, declare a vontade de exercer o direito à autodeterminação.

Constitucionalmente, para efeitos da construção do Estado democrático


de direito, o povo do Estado não deve ser definido como uma unidade
nacional, fundada na língua e cultura. O povo do Estado deve antes ser
definido como uma comunidade de cidadãos.

O Estado de direito ou Estado Constitucional foi inventado pela doutrina


do liberalismo democrático, que coloca o indivíduo como a razão de ser
do Estado. Ele dispõe do direito de assumir uma ou várias identidades
linguísticas e culturais, desde que não abalem os alicerces do Estado
democrático de direito. Mas ele tem também o direito de formar os mais
variados grupos dentro dos quais partilha identidades.

Tendo sido inventado, nos seus traços essenciais, no século XVIII, o


liberalismo político viu-se confrontado com o advento do nacionalismo no
século XIX. O nacionalismo fundamenta o direito de uma colectividade,

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de um grupo, formar o seu próprio Estado em contraposição a outra
colectividade ou grupo humano.

A formação dos Estados ocorre desde o século XIX no contexto de


doutrinas, das quais destacamos apenas o liberalismo e nacionalismo.
Reduzindo a abordagem da realidade política no que a formação dos
Estados diz respeito, note-se que quando o Estado democrático de direito
é formado com uma «comunidade de cidadãos» linguística e
culturalmente heterogénea, se a constituição for uma constituição
normativa e o desenvolvimento democrático for contínuo, a coesão
nacional solidificar-se-á ao mesmo tempo que a democracia se consolida.

O mesmo não se poderá dizer quando se forma um Estado autoritário com


um povo do Estado, linguística e culturalmente heterogéneo.

A heterogeneidade linguística e cultural do povo de um Estado por si só


não constitui uma ameaça à coesão nacional. A coesão nacional e a
vontade de um povo linguística e culturalmente heterogéneo em
permanecer no mesmo Estado dependem do nível ou grau de legitimidade
que o Estado consegue gerar perante os seus cidadãos. A história
demonstra que os regimes democráticos (os Estados democráticos) geram
maior legitimidade do que os regimes autoritários (os Estados
autoritários).

4. Tipos históricos de Estado


Estado Oriental

Desenvolveu-se nas civilizações mediterrânicas da Antiguidade oriental:


Babilónia, Egipto e Hititas

Estados sob formas de monarquias despóticas (os monarcas eram


considerados entidades divinas, que se apoiavam nas castas sacerdotais, que
influenciavam ou chegavam mesmo a exercer o poder político)
Estados com uma grande extensão territorial que resultava de uma forte
tendência imperialista e expansionistas, quer por via da conquista, quer

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através da submissão dos Estados mais fracos à protecção de outros mais
fortes.
Estado Grego

Civilização grega, na Antiguidade clássica, em especial nos séculos VI a III


A.C.
Reduzida expressão territorial: Estado sob a forma de Polis Ou Cidade-Estado
Centro da vida política era constituído pelo povo (conjunto de cidadãos)
que, em assembleia, exerciam a autoridade suprema
Atenas assistiu ao advento de uma forma democrática de governo, elitista,
desigualitária e directa, baseada no exercício de direitos políticos por parte
dos cidadãos, sem concessão de direitos civis, garantias destes em relação
ao Estado.

Na Grécia surgiram os grandes primeiros pensadores do fenómeno político


estadual, Aristóteles, Platão, Sócrates.

Esboçaram-se as primeiras concepções do poder político e os quadros


classificatórios dos sistemas políticos que inspiraram as grandes correntes do
pensamento ocidental.

Estado Romano

As características deste tipo histórico de Estado variam em função do


período histórico em que nos situamos.
Por volta do século V A.C., Roma era uma cidade-Estado à semelhança das
gregas. Alguns séculos mais tarde, com a expansão e as conquistas, deu-se a
criação do Império, gigantesco em termos territoriais e autocrático em
termos políticos.

Desenvolveu-se a noção de poder político, como poder supremo e uno,


exercido pelo Imperador, mas tendo como fonte a comunidade política dos
cidadãos; em último grau a autoridade política residia no povo.
Concepção do Estado como separado dos indivíduos; distinção jurídica entre
poder público do Estado e o poder privado; caracterização do indivíduo
como pessoa jurídica com determinados direitos e prerrogativas.

18
No século III D. C. dá-se a extensão da cidadania a todo o Império; e no
século IV D. C., com o surgimento do cristianismo e a sua ulterior
consagração como religião oficial, dá-se a valorização da pessoa humana e a
contestação do poder absoluto do poder imperial.
Estado Medieval

Alguns autores defendem que na Idade Média não há Estado por que o
feudalismo dissolve a ideia de Estado: o poder privatiza-se e passa do
“imperium” para o “dominium” (concepção patrimonial do poder). As
estruturas urbanas autónomas (comunas, concelhos, mesteres,
universidades) vão-se desenvolvendo à margem de qualquer estrutura
centralizada de poder. A realeza, no topo da hierarquia feudal, não tem
qualquer relação directa com os vassalos, o Rei não tem qualquer relação
com os súbditos2.

Estado Estamental ou Corporativo

O Rei e os estamentos (as ordens) desenvolvem entre si uma relação na qual


o primeiro deve ter em consideração a opinião dos segundos, os quais
ganham voz através de assembleias estamentais (Cortes, Estados Gerais,
Dietas)
Numa primeira fase, o processo de centralização real do poder faz-se com as
ordens e não contra elas: monarquia limitada pelas ordens nos séculos XVI e
XVII

Estado Absoluto
-O Rei centraliza o poder e os estamentos desaparecem porque o poder

2 Freitas do Amaral entende que na Idade Média, em Portugal, existia antes um regime senhorial. Neste regime

existia uma forte descentralização política, concepção patrimonial das funções públicas (baseadas na família, na
propriedade e na sucessão hereditária), colocação do príncipe como centro da vida política (monarquia de direito
divino), elaboração das doutrinas da origem popular do poder (São Tomás de Aquino) e surgimento dos primeiros
documentos esboçando a definição de garantias individuais face ao Estado (Magna Carta).

19
absoluto pertence ao Rei que tem o poder todo e faz as leis (embora
limitado pelo Direito e sobremaneira pelas Leis Fundamentais. Ex: Luís XIV:
“L’État c’est moi”
Num primeiro momento o Rei afirma-se por “direito divino”; num segundo
momento, o iluminismo introduz o “despotismo iluminado”
-O critério da acção do Estado assenta na conveniência e na defesa do bem
público, e não na justiça ou legalidade
-Mas é importante notar que o Estado Absoluto permitiu a unidade do
Estado, através do papel da lei como fonte de direito, pela formação de
exércitos nacionais e pela intervenção em áreas até aí inéditas, como a
economia ou a assistência.

Estado Moderno

É o tipo histórico de Estado característico da Idade Moderna e da Idade


Contemporânea (sécs. XVI a XXI)
-Rápida centralização dos poderes políticos no Rei.
-Definição precisa dos limites do território e o controle efectivo deste pelos
órgãos do Estado.
-Conceptualização e afirmação da ideia do Estado-Nação.
-Definição do Estado como ente soberano, isto é, dotado de um poder
supremo na ordem interna e de um poder independente na ordem
internacional.
-Secularização do Estado.
-Culto da razão do Estado.
-O aperfeiçoamento das garantias individuais
-Início do período constitucional com as Revoluções Americana e Francesa

Deveras importantes foram as tentativas de formação do Estado Nacional e o


processo de centralização do poder político levadas a cabo pelos monarcas,
que, paulatinamente, se foram libertando da pressão daqueles que
coarctavam a sua capacidade de acção, isto é, por um lado, o Papa e, por
outro, a nobreza e o clero

20
Soberania é o poder supremo e perpétuo, independente do Estado e da
forma de Governo e que implica uma imediaticidade entre o Estado e o
indivíduo que não acontece, por exemplo, na sociedade feudal.

Estado Constitucional

-Institucionalização jurídica do poder através de uma constituição


-Ideia da soberania nacional una e indivisível
-Transformação dos súbditos em cidadãos titulares de direitos que as cartas
e as declarações enfatizaram
-Marginalização da ideia do exercício do poder por um, substituída pela ideia
de vários eleitos pelo povo e representantes da colectividade
-Os direitos e as garantias dos cidadãos e separação dos poderes passam a
ser fundamento de validade de qualquer sociedade (art. 16.º da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão)
-A ideia de liberdade cujos pressupostos doutrinários podem-se encontrar em
Adam Smith, Benjamin Constant, Alexis de Tocqueville ou Stuart Mill.
-A abolição da escravatura, a supressão lenta dos privilégios, a liberdade de
imprensa, a liberdade de associação, a liberdade sindical, sufrágio universal
Século XX, o Estado Constitucional dá lugar ao Estado social: o papel
intervencionista do Estado em diversos domínios por influência do
pensamento marxista e social- democrata
-Aparecimento de regimes totalitários de teor fascista e comunista,
descolonização, que deu azo a um mundo de Estados moldados ao tipo
europeu, embora com sistemas político-constitucionais diversos, a
organização da sociedade internacional e a protecção internacional dos
direitos do homem
-Ascensão de dois modelos constitucionais: Estado soviético ou marxista e o
Estado Fascista (nacional socialismo alemão e o fascismo italiano)

Como caracterizar o Estado hoje em dia?


Multiplicidade de tipos de Estado: democracias pluralistas, Estados
fundamentalistas islâmicos, Estados marxistas-leninistas. É arriscado falar-se

21
de um único modelo de Estado. Todos os Estados actuais têm Constituição,
sem traduzir, no entanto, a mesma forma de encarar a limitação do Poder ou
sequer mesmo a existência dessas limitações.

Estado Social de Direito: articula os direitos, liberdades e garantias com os


direitos sociais, a igualdade jurídica com a igualdade social, segurança
jurídica com segurança social.

Estado Patrimonialista

Uma chamada especial vai para o Estado patrimonialista. O patrimonialismo


é a característica de um Estado que não possui distinções entre os limites do
público e os limites do privado. Foi comum em quase todos os Estados
absolutistas em que o Estado acaba se tornando um patrimônio de seu
governante. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Patrimonialismo).
Hodiernamente o Estado patrimonialista é identificado com aquele tipo de
Estado que, subvertendo os princípios que conformam uma ordem política
justa, os titulares de cargos públicos, funcionários e agentes do mesmo se
servem dos órgãos, leis e património do próprio Estado para acumularem
riqueza e se manterem no poder.
O patrimonialismo tem existido ao longo da história do Estado moderno. No
entanto, na actualidade ele ganhou um novo nome, neo-patrimonialismo.
Jean-François Bayart (1999) aplica à realidade política africana esse
conceito, na sua obra,” O Estado em África – A Política do Ventre”.
Nesta obra é perceptível o processo de acumulação de riqueza dos titulares
de cargos públicos, funcionários e agentes do Estado através do uso e abuso
da coisa pública e da transformação desta em coisa privada.
Todavia, por força da transformação permanente da coisa pública em coisa
privada – que pode ser denominada como processo de privatização do Estado
– a classe dominante destrói a democracia representativa por via da
institucionalização do patrimonialismo e da corrupção generalizada.
Aqueles que governam distribuem os bens públicos de forma selectiva
degradando direitos em privilégios e benesses. Para manterem o sistema

22
injusto de apropriação privada da coisa pública institucionalizam uma
prática criminosa.

5- O Estado angolano: caracterização da República de Angola


O Estado de Angola, em termos constitucionais é autoreferenciado com uma ampla
definição cuja centralidade aponta para um conjunto de princípios.
Consagra o artigo 1º da Constituição da República de Angola (CRA):
“ Angola é uma República soberana e independente, baseada na dignidade da
pessoa humana e na vontade do povo angolano, que tem como objectivo
fundamental a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária,
de paz, igualdade e progresso social”.
São os seguintes princípios constitucionais que configuram o Estado de Angola na
sua caracterização jurídico-constitucional:
• Estado republicano.
• Estado de direito.
• Estado democrático.
• Estado soberano;
• Estado independente;
• Estado unitário.
Para além disso, o artigo 1º da CRA acrescenta mais duas referências essenciais que
é o facto do Estado se fundar na dignidade da pessoa humana e na vontade popular
que constituem princípios valorativos de base nos quais radica e se estrutura o
Estado angolano.
Mas a caracterização geral do Estado de Angola também passa pelos respectivos
símbolos, os quais recebem uma directa protecção constitucional. O artigo 18º da
CRA define símbolos nacionais: a Bandeira Nacional, a Insígnia Nacional e o Hino
Nacional.
A protecção dos símbolos nacionais está a cargo da legislação ordinária. A
independência nacional é celebrada a 11 de Novembro e a República de Angola tem
como língua oficial o português. De acordo com o que estipula o artigo 19º da CRA,
o Estado valoriza e promove o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas
de Angola, bem como das principais línguas de comunicação internacional.
No Estado angolano relativamente aos cidadãos, elemento humano (o conjunto de
pessoas que se lhe vinculam por um laço jurídico-público de cidadania), a cidadania
retrata uma qualidade jurídica de feição complexa, nela se perspectivando
múltiplas e heterogéneas posições jurídico-públicas, que substanciam uma relação
estrutural do Estado enquanto agremiação de pessoas como um destino colectivo.
Isto dá sentido a um projecto de poder político que é tratado pelo artigo 9º da CRA
com a epígrafe: Nacionalidade.
Nos termos do artigo 9º da CRA:
1-A nacionalidade angolana pode ser originária ou adquirida.

23
2-É cidadão angolano de origem o filho de pai ou mãe de nacionalidade angolana, nascido em Angola ou no
estrangeiro;
3-Presume-se cidadão angolano de origem o recém-nascido achado em território angolano.
4-Nenhum cidadão angolano de origem pode ser privado da nacionalidade originária.
5-A lei estabelece os requisitos de aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade angolana. (Remete para a
alínea a) do artigo 164.º da CRA)

A nacionalidade originária é determinada pelo nascimento da pessoa em causa e a


nacionalidade adquirida, por acção da vontade, sendo relevantes vários fenómenos,
como a filiação, a adopção, o casamento e a naturalização. (Ver Lei da
nacionalidade, Lei nº2/16 de 15 de Abril).
O ius sanguinis e o ius soli são os principais critérios que costumam ser invocados
para se proceder a uma conexão das pessoas relativamente aos Estados no seio de
um vínculo de cidadania, embora, na prática, não possam funcionar de forma pura,
pelo que, normalmente, dão lugar a sistemas mistos:
(i)- o ius sanguinis: significa que a cidadania permanece na descendência daquele
que, uma primeira vez, a alcançou, sendo assim cidadãos de um Estado os
descendentes dos que já o eram antes, independentemente da consideração de
outros critérios.
(ii)- o ius soli: significa, inversamente da situação anterior, que sublinha a
importância do lugar de nascimento da pessoa em questão, atribuindo-se a
cidadania do Estado em cujo território aquele aconteça com desconsideração da
ligação à cidadania dos respectivos progenitores.
A cidadania angolana comunica com toda a ordem jurídica e manifesta-se de forma
particular:
• no direito a integrar os partidos políticos;
• na capacidade para eleger e ser eleito, nos termos do direito de sufrágio;
• na exclusividade do acesso aos cargos políticos mais relevantes;
• na obrigação de defender a Pátria, no âmbito das forças armadas.
O elemento funcional estruturante do Estado angolano na sua feição soberana
sublinha a ideia comum do carácter soberano do poder político representado como
uma república e unitária. Dispõe o artigo 8º, Estado unitário, que a República de
Angola é um Estado unitário que respeita, na sua organização, os princípios da
autonomia dos órgãos do poder local e da desconcentração e descentralização
administrativa, nos termos da Constituição e da lei.
Na ordem interna, a soberania, manifesta-se na obediência a que todos devem ao
Estado através da sua Constituição, na medida que a validade dos actos jurídicos
praticados depende da conformidade com a Constituição. Na ordem externa, as
relações internacionais de Angola devem pautar-se por importantes princípios,
sendo um deles o do respeito pela soberania e independência nacional, princípio da
independência nacional que se comprova tanto no conjunto das tarefas
fundamentais do Estado como, mais solenemente, na matéria dos limites materiais
do estado como, mais solenemente, na matéria dos limites materiais de revisão
constitucional.
Definição de República- A República significa uma comunidade política, uma
“unidade colectiva” de indivíduos que se autodetermina politicamente através da
criação e manutenção de instituições políticas próprias assentes na decisão e

24
participação dos cidadãos no governo dos mesmos [self-government] (Ver Canotilho
2003: 224). Esta definição teórica encontra-se em perfeita harmonia com a
definição constitucional segundo a qual “Angola é uma República soberana e
independente” (artigo 1.º da CRA), na qual “O Estado respeita e protege a pessoa e
a dignidade humanas” (artigo 31.º/2 da CRA) e a “soberania, una e indivisível,
pertence ao povo que a exerce através do sufrágio universal, livre, igual, directo,
secreto e periódico, do referendo e das demais formas estabelecidas pela
Constituição, nomeadamente para a escolha dos seus representantes” (artigo 3.º/1
da CRA), quer dizer através da democracia representativa, mas também através da
democracia participativa (artigo 2.º/1 da CRA), estando mesmo o Estado obrigado a
“ defender a democracia, assegurar e incentivar a participação democrática dos
cidadãos e da sociedade civil na resolução dos problemas nacionais” (artigo 21.º/l
da CRA).
A República só é soberana quando for autodeterminada e autogovernada. Para
haver um autogoverno republicano impõe-se a observância de três regras: (1) uma
representação territorial; (2) um procedimento justo de selecção dos
representantes; (3) uma deliberação maioritária dos representantes limitada pelo
reconhecimento prévio de direitos e liberdades dos cidadãos, como exposto nos
artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º a Constituição da República de Angola.
O elemento espacial da República de Angola refere-se não só ao espaço físico de
Angola, composto por limites, como também à sua organização territorial no qual é
exercido o poder político (artigo 5º da CRA), sendo, ainda de referir os recursos
naturais que o integram (artigo 16º da CRA), porquanto o Estado exerce a sua
soberania sobre a totalidade do território angolano: terrestre, marítimo e aéreo.
A relevância constitucional dada ao território de Angola inclui ainda a afirmação do
princípio da integridade territorial e da inalienabilidade das suas parcelas (artigo
5º, nº6, da CRA).

6-A República e a dignidade da pessoa humana:o indivíduo como limite e


fundamento do domínio político da República de Angola
Benedita Ferreira da Silva Mac Crorie (2005) afirma que “no Estado contemporâneo, assegurar o
respeito da dignidade humana continua a ser o fim da sociedade política.”
(in a Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais, Coimbra, Almedina).

O conceito de dignidade humana significa o respeito que toda pessoa humana deve
merecer, por parte de todas as entidades privadas ou públicas. Ela é, ainda
segundo o mesmo Autor, uma qualidade intrínseca da pessoa humana.
Ingo Wolfgan define juridicamente a dignidade da pessoa humana como sendo “a
qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da
comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar a sua participação activa e co-
responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os
demais seres humanos” (Vide Kildare Gonçalves de Carvalho, op., cit., p. 674).
Desta definição jurídica de pessoa humana facilmente se retira a consequência de

25
que o princípio da dignidade humana serve de fundamento para todos os direitos,
liberdades e garantias da pessoa humana.
Paulo Otero entende que é possível formular-se “uma densificação conceptual
mínima de inspiração kantiana” do princípio da dignidade humana, segundo a qual
“a dignidade humana é lesada quando um ser humano concreto é degradado em
mero objecto, instrumento ou simples coisa, sendo descaracterizado como sujeito
de direitos ou desconsiderado como pessoa dotada de inteligência e liberdade”
A densificação acima formulada, ainda segundo Paulo Otero, tem origem em quatro
dimensões. (i)-a concepção judaico-cristã para a qual a pessoa humana é criada à
imagem e semelhança de Deus; (ii)- a concepção renascentista de Mirandola para a
qual a pessoa humana é dotada de razão e liberdade, que lhe permite ter a
capacidade de determinar o seu próprio destino, em razão da vontade que se funda
na liberdade e soberania; (iii)- a concepção kantiana da pessoa humana para qual
esta é um fim em si mesma e insusceptível de degradação em meio, coisa ou
objecto e (iv)- a concepção existencialista da pessoa humana para a qual dignidade
humana deve ser particularizada, é a dignidade de cada ser humano vivo e
concreto.
Na ordem constitucional angolana a dignidade da pessoa humana constitui um
dos pilares de uma República que se pretende um Estado democrático de direito.
Antes da aprovação da Constituição definitiva (CRA), a Constituição provisória (Lei
Constitucional de Angola – LCA) consagrava já no artigo 2.º a dignidade da pessoa
humana como um dos fundamentos da República.
O artigo 1.º da CRA reza que a República se baseia na “dignidade da pessoa humana
e na vontade do povo angolano” e que ela “promove e defende os direitos e
liberdades fundamentais do homem, quer como indivíduo quer como membro de
grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua efectivação
pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem
como por todas as pessoas singulares e colectivas” (artigo 2.º/2 da CRA). A pessoa
humana é um dos fundamentos da República. Esta deve servir a pessoa humana e
não o contrário, jamais a pessoa humana deve tornar-se um meio ao serviço da
República para se atingirem quaisquer que sejam os fins em vista.
Três ideais que informam o conteúdo do princípio da dignidade humana,
segundo Gomes Canotilho
(1) O “indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo o
seu próprio projecto espiritual”
A pessoa humana tem a liberdade de escolher as escolas nas quais quer
ser educada, a profissão que quer seguir, as pessoas com quem se quer
associar e tem liberdade de expressão quanto à forma da sua aparência
pessoal; entre outras opções mais cujo centro autónomo e final de
decisão deve ser cada indivíduo em concreto e não o Estado, o partido, a
igreja ou outro sujeito ou instituição.
No entanto, a realização da pessoa humana assenta na possibilidade de
esta dispor de oportunidades que potenciam a busca da felicidade por
ela autonomamente definida. Essas oportunidades traduzem-se na
disponibilidade de direitos políticos, civis, económicos, sociais e culturais
que permitem o desenvolvimento da personalidade humana, individual.
Contudo o homem só se realiza em sociedade. Esta é formada por

26
indivíduos e estes, tal como Estado, têm o dever de contribuir para a
realização dos projectos uns dos outros, respeitando os direitos,
liberdades e garantias dos seus semelhantes.
O homem é um animal político, que como indivíduo tem a
responsabilidade de ser um contribuinte activo e responsável, em
solidariedade, para a concretização dos direitos dos seus semelhantes.
Da condição de ser social, de ser político, sem prejuízo dos direitos de
que é titular, decorrem para todos os indivíduos em concreto deveres
para com a família, a sociedade, o Estado e outras instituições
legalmente reconhecidas. Cada pessoa em concreto deve “respeitar os
direitos, as liberdades e a propriedade de outrem, a moral, os bons
costumes e o bem comum; respeitar e considerar os seus semelhantes
sem discriminação de espécie alguma e manter com eles relações que
permitem promover, salvaguardar e reforçar o respeito e a tolerância
recíprocos” (artigo 22.º/3 da CRA).
Esses direitos existem no plano escrito, formal, e a esta existência é
preciso juntar um efectivo respeito e garantia dos mesmos pelos órgãos
do Estado, pelas pessoas singulares e pelas demais pessoas colectivas.
(2)-O indivíduo como limite e fundamento do domínio político da
República
Note-se que “A partir das revoluções liberais do séc. XVIII, a relação
política deixou de ser vista a começar do Estado, para ser visualizada da
posição do súbdito. Desta forma, o indivíduo passou a constituir a razão
do Estado. O fundamento ético da democracia, por esta razão, consiste
na autonomia do indivíduo, de todos os indivíduos, sem distinção de
qualquer natureza” (Fernando Jayme, Direitos humanos e a sua
efetivação pela corte interamericana de direitos humanos, Belo
Horizonte: Del Rey, 2005, p. 35). Os actos do Estado (os seus conteúdos)
visam realizar a pessoa humana – fundamento do domínio político – e ao
mesmo tempo o respeito pela pessoa humana deve informar a maneira (o
modo) como esses actos são praticados – limite do domínio político.
O indivíduo constitui o fundamento do domínio político na medida em
que o poder político, materialmente, só se torna legítimo enquanto for
capaz de concretizar os fins do Estado, o bem-estar, a justiça e a
segurança da pessoa humana.
O indivíduo constitui um limite ao domínio político, porque o poder
político deve prosseguir os fins a que está sujeito sem violar os direitos,
liberdades e garantias da pessoa humana.
Os poderes públicos praticam actos ou abstêm-se de os praticar
(omissões) com repercussões na esfera de direitos e liberdades da pessoa
humana. O domínio político significa poder de impor a obediência da
pessoa humana, dos cidadãos e dos estrangeiros, em relação às ordens
dimanadas dos órgãos do Estado (dos seus titulares, agentes e
funcionários). Todavia, conforme prescrito pela CRA (art. 1.º e 2.º) a
dignidade da pessoa humana e os direitos e liberdades desta
constituem limites ao exercício dos poderes públicos, por um lado. Por
outro lado, os actos dos poderes públicos têm como fundamento a

27
criação das condições indispensáveis à realização de cada pessoa humana
em concreto, segundo o que a CRA determina através da atribuição de
tarefas ao Estado e através de princípios de organização económica
financeira e fiscal (artigos 1.º e 21.º, 89.º a 104.º da CRA) e sob a forma
de direitos, liberdades e garantias (artigos 22.º a 88.º).
Quanto ao facto de o indivíduo constituir o fundamento do domínio
político, o princípio da dignidade humana significa que o Estado (poder e
comunidade) deve criar as condições mínimas indispensáveis para que
cada pessoa humana concreta possa viver com dignidade, ter uma vida
condizente com o seu estatuto de pessoa humana, desfrutando de um
conjunto de medidas estaduais, legislativas e de execução das leis, que
concorram para esse fim. Essas medidas assumem a forma de políticas
públicas, que se deduzem do conjunto de direitos económicos, sociais e
culturais (arts. 21.º/b/c/d/e/f/g/h/i/j/k/l/m/n/o/p/q, 76.º, 77.º, 79.º
80.º, 81.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 88.º da CRA).
Quanto ao facto de o indivíduo constituir um limite ao domínio
político, note-se que o princípio do Estado de Direito, um princípio
estruturante da República de Angola, tem como corolário a
responsabilidade civil solidária do Estado e outras pessoas colectivas
públicas por acções ou omissões praticadas pelos seus órgãos, respectivos
titulares, agentes e funcionários, no exercício, das funções legislativas,
jurisdicional e administrativa, ou por causa delas, de que resulte violação
de direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o titular destes ou
terceiros (art. 75.º/1 da CRA). E pressupõe igualmente a
responsabilidade criminal e disciplinar dos titulares de cargos
públicos, agentes e funcionários do Estado. Isto é, os autores dessas
acções ou omissões também podem ser criminal e disciplinarmente
responsáveis, nos termos da lei (art. 75.º/2 da CRA).

6.1-Concretização e formulação do princípio da dignidade na CRA


O indivíduo tem a liberdade de criar e desenvolver e viver de acordo com as suas
próprias visões culturais, religiosas e filosóficas; o indivíduo tem a liberdade de
criar e desenvolver de acordo com as suas próprias visões culturais, religiosas e
filosóficas, contanto que não ponham em causa o princípio de a República
constituir uma “comunidade constitucional inclusiva pautada pelo
multiculturalismo mundividencial, religioso ou filosófico […] pois a República só
poderia conceber-se como ordem livre na medida em que não se identificasse com
qualquer “tese”, “dogma”, “religião” ou “verdade” de compreensão do mundo e
da vida”.
Neste plano destacam-se a liberdade de religião, o direito ao ensino e à cultura e
de associação para a prossecução dos mais variados fins.
O princípio da dignidade humana é concretizado na formulação de vários direitos,
liberdades e garantias, que lhe emprestam várias dimensões. Este princípio tem
várias dimensões, algumas das quais se prendem com o direito à vida (artigo 30.º
da CRA); direito à integridade pessoal (artigo 31.º da CRA); direito à identidade,
privacidade e à intimidade (artigo 32.º da CRA); direito à inviolabilidade do
domicílio (artigo 33.º da CRA); direito à inviolabilidade da correspondência e das

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comunicações (artigo34.º da CRA); direito de constituir família (artigo 35.º da
CRA); direito à liberdade física e à segurança individual (36.º/1 da CRA); a
proibição de se ser privado da liberdade, excepto nos casos previstos na
Constituição e na lei (art. 36.º/2 da CRA); o direito a não ser sujeito a quaisquer
formas de violência por entidades públicas ou privadas (art. 36/3-a) da CRA); o
direito de não ser torturado nem tratado ou punido de maneira cruel, desumana ou
degradante (art. 36.º/3-b) da CRA); o direito de usufruir plenamente da sua
integridade física e psíquica (art. 36.º/3-c da CRA); o direito à segurança e ao
controlo do seu próprio corpo (art. 36.º/3-d da CRA); o direito de não ser
submetido a experiências médicas ou científicas sem consentimento prévio,
informado e devidamente fundamentado (art. 36.º/3-e da CRA); o direito de ficar
calado e não prestar declarações ou de o fazer apenas na presença de advogado da
sua escolha (art. 63.º/f da CRA) e o direito de não fazer declarações contra si
próprio (art. 63.º/g da CRA).
Na nova Constituição reafirma-se um conjunto de princípios indispensáveis a um
mínimo de dignidade humana: não discriminação da pessoa humana com base na
raça, sexo, etnia, cor, deficiência, língua nascimento, religião, convicções
políticas, ideológicas ou filosóficas, grau de instrução, condição económica ou
social ou profissão (artigo 23.º /2 da CRA).

7- A República e a soberania, autodeterminada e autogovernada

A soberania popular constitui o título de legitimação do poder nas democracias


liberais. Este princípio vinha já estabelecido na Constituição provisória (art. 3.º/
1/2 da LCA de 1992), nos seguintes termos: “A soberania reside no povo, que a
exerce segundo as formas previstas na presente Lei. [e que] O povo angolano
exerce o poder político através do sufrágio universal periódico para a escolha dos
seus representantes, através do referendo e por outras formas de participação
democrática na vida da Nação.” E passou a ter uma redacção ligeiramente
diferente na Constituição da República de Angola. O artigo 3.º/1 da nova
Constituição diz que a “a soberania, una e indivisível, pertence ao povo, que a
exerce através do sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico, do
referendo e das demais formas estabelecidas pela Constituição, nomeadamente
para a escolha dos seus representantes”. No entanto, incluindo a tarefa que se
impõe ao Estado de “assegurar e incentivar a participação democrática dos
cidadãos e da sociedade civil na resolução dos problemas nacionais” (artigo 21.º/k
da CRA), fica claro que o povo angolano poder exercer o poder político através de
outras formas de participação democrática que não seja apenas a eleição dos seus
representantes: aliás a democracia consagrada na CRA é representativa e
participativa (artigo 2.º/1).
E a República assume-se como res-publica-res populi. É uma ordem de domínio
sujeita à deliberação política de cidadãos livres e iguais na qual a forma
republicana de governo está associada à ideia de democracia deliberativa. Isto é,
“uma ordem política na qual os cidadãos se comprometem: (1) a resolver
colectivamente os problemas colocados pelas suas escolhas colectivas através da
discussão pública; (2) a aceitar como legítimas as instituições de base na medida
em que estas constituem o quadro de uma deliberação pública tomada com toda a

29
liberdade”. Pode-se verificar a perfeita sintonia da nova Constituição em relação a
esta matéria por força dos artigos 3.º/1 (soberania), 4.º /exercício do poder
político), 6.º (supremacia da Constituição e legalidade), 17.º/1 (partidos políticos),
40.º (liberdade de expressão e de informação), 41.º (liberdade de consciência, de
religião e de culto), 43.º (liberdade de criação cultural e científica), 44.º
(liberdade de imprensa), 45.º (direito de antena, de resposta e de réplica política),
46.º (liberdade de residência, circulação e emigração). 47.º (liberdade de reunião e
de manifestação), 48.º (liberdade de associação), 49.º (liberdade de associação
profissional e sindical), 50.º (liberdade sindical), 51.º (direito à greve e proibição
do lock out), 52.º (participação na vida pública), 53.º (acesso a cargos públicos),
55.º (liberdade de constituição de associações políticas e partidos políticos).
A República (vermelha)
A República adopta a ideia de socialidade. Ela respeita a propriedade privada
artigos 14.º e 37.º da CRA) e a liberdade de iniciativa privada (artigo 38.º da CRA).
Todavia, a propriedade tem uma função social (artigo 89.º/1-e da CRA) e o Estado
assume também como programa-tarefa um mecanismo regulativo público mais
orientado para a prossecução do bem comum e para a solução de assimetrias
sociais (artigos 21.º/c/d/e/f/g/m, 89.º/1, 90.º, 91.º, 99.º e 101.º da CRA) no
trabalho (artigos 76.º da CRA) e na família (artigo 35.º da CRA) do que para a
arbitragem dos interesses de grupos. A República aspira a ser uma ordem livre
marcada pela reciprocidade, igualdade e solidariedade, artigo 1.º, 21.º/d/h/k da
CRA.
A República e liberdades (República branca e azul)
A República [de Angola] é uma ordem política assente no respeito e garantia da
efectivação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais (artigo 2.º/2 e 21.º/c
da CRA). As liberdades republicanas consubstanciam-se na liberdade dos antigos e
na liberdade dos modernos, “uma articulação da liberdade-participação política
(artigos 2.º/2 democracia participativa, 21.º/l, 52.º/1, 53.º e 54.º da CRA) com a
liberdade-defesa perante o poder” (artigos 2.º/2 e 29.º da CRA). A liberdade-
participação política constitui uma prática inventada na Grécia Antiga e
basicamente significa o direito de os cidadãos participarem do exercício do poder
político. Na cidade de Antenas, os cidadãos podiam reunir-se em Eclésia
(Assembleia) para discutirem e tomarem decisões acerca dos assuntos mais
importantes para a comunidade política. A liberdade-defesa perante o poder foi
inventada pelos modernos e fundamenta-se na ideia básica de quem exerce o
poder, em razão da sua natureza humana falível, pode exercê-lo contra os
cidadãos, violando os direitos destes. A liberdade-defesa perante o Estado
pressupõe que o poder político esteja organizado de tal maneira que ao abrigo do
princípio da separação de poderes existam os tribunais, com competência para
dirimir conflitos entre os cidadãos e outros órgãos do Estado.
A República (verde)
O homem insere-se na comunidade biótica, mais vasta do que a humana, e nela
tem um papel de suma relevância, dado o facto de dispor da capacidade de
produção de profundas mudanças no meio ambiente e no ecossistema. A
responsabilidade do homem traduz-se no dever de preservar e gerir os recursos
naturais de forma a garantir no presente e no futuro a continuidade de uma certa e
determinada qualidade de vida, assegurando o devir de gerações vindouras.

30
O Estado tem, todavia, responsabilidades no sentido de adoptar “as medidas
necessárias à protecção do meio ambiente e das espécies da flora e fauna nacionais
em todo o território nacional e à manutenção do equilíbrio ecológico” (artigo 39.º/
2 da CRA), concretizando por esta via o direito que todos os cidadãos têm de viver
num meio ambiente sadio e não poluído” (artigo 39.º/1 da CRA)
A República (a «res publica» e a «res privata)
Há uma distinção clara e expressa entre a «res publica», coisa pública, e a «res
privata», coisa privada. Os titulares de cargos públicos são investidos de poderes,
constitucionalmente atribuídos e condicionados, para prosseguirem fins prescritos
pela Lei Fundamental. Não devem tirar partido dos poderes de que estão investidos
para confundirem a «res pública» com a «res privada», privatizando o Estado. Isto
é, transformar o Estado num meio ao serviço dos seus companheiros do partido,
amigos, familiares e membros do grupo étnico a que pertencem, violando-se assim
os princípios da igualdade e imparcialidade, a que devem estar sujeitos os poderes
públicos.
Os titulares de cargos públicos podem no exercício das suas funções por actos ou
omissões atentar contra o Estado democrático de direito, contra os direitos e
liberdades dos cidadãos, inclusivamente causando danos na esfera moral e
patrimonial de terceiros.
A Constituição prevê o princípio da prossecução do interesse público no que
concerne à função pública, inelegibilidades, incompatibilidades, responsabilidade
disciplinar, civil e criminal dos titulares de cargos públicos e o princípio da
responsabilidade política, tendo em vista a defesa do Estado como pessoa colectiva
de bem, que se distingue dos titulares de cargos públicos, agentes e funcionários
do Estado.

8- Concepção da função pública e cargos públicos estritamente vinculados à


prossecução do interesse público.
Concepção da função pública e cargos públicos estritamente vinculados à
prossecução do interesse público e do bem comum, artigo 198.º da CRA (art. 1.º da
LCA/Constituição de 1992/arts. 174.º da CRA (administrar a justiça em nome do
povo constitui interesse público), 198.º da CRA (expressamente se impõe à
administração pública a prossecução do interesse público), e o mesmo o faz a lei
ordinária art. 4.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95 de 15 de Dezembro. O PR deve jurar
solenemente cumprir as suas funções com dedicação, fazer cumprir a Constituição
e as leis do País, defender a independência, a soberania, a unidade da Nação e a
integridade territorial do País; defender a paz e a democracia e promover a
estabilidade, o bem-estar e o progresso social de todos os angolanos (artigo 115.º
da CRA). Todas as obrigações que o PR jura respeitar constituem interesse público.
Nesta senda também se diz dos juízes, que integram o poder judicial, ou seja, os
Tribunais. Estes são órgãos de soberania com competência de administrar a justiça
em nome do povo (artigo 174º, nº1, da CRA) e no exercício da função jurisdicional,
os Tribunais são independentes e imparciais estando apenas sujeitos à Constituição
e à lei (artigo 175º da CRA).
Os Deputados, membros eleitos para comporem o Parlamento, em Angola designado
de Assembleia Nacional, é o órgão representativo de todos os angolanos, que

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exprime a vontade soberana do povo e exerce o poder legislativo do Estado (artigo
141º da CRA).
(1) - A inelegibilidade significa que determinada pessoa, de acordo com os
critérios estabelecidos pela Constituição ou por lei ordinária, não reúne
os requisitos pré-definidos e por esta razão não se pode apresentar aos
eleitores na qualidade de candidato ou candidata a ser eleito ou eleita.
Inelegibilidades destinadas a garantir a isenção e independência dos
cargos públicos: artigo 110.º/2 da CRA (inelegibilidades do PR),
artigo145.º da CRA (inelegibilidades dos deputados).
(2) - A incompatibilidade significa que existem funções que não podem ser
exercidas pela mesma pessoa ao mesmo tempo, cumulativamente.
Incompatibilidades dos deputados, artigos 149.º e 154.º da CRA;
incompatibilidades dos juízes, artigos 179.º/5/ da CRA.
Incompatibilidades dos magistrados do Ministério Público, artigo 187.º/4
da CRA.
(3) - Responsabilidades civil, disciplinar e criminal dos titulares de cargos
públicos, agentes e funcionários (artigo 75.º da CRA). Responsabilidade
disciplinar dos deputados artigos 152.º/2-d e 153.º/1-c da CRA.
Responsabilidade criminal dos deputados, artigo 150.º/2/3 da CRA.
Responsabilidade criminal do PR, artigo 129.º/1/2 da CRA. No que
concerne à responsabilidade civil, Paulo Otero, lembra que ela pode ter
lugar por actos ilícitos ou mesmo por actos lícitos, como por exemplo, o
caso de expropriação por utilidade pública
(4) -A Responsabilidade política pode tomar a forma mais geral de
responsabilidade difusa perante a opinião pública, a que estão sujeitos os
titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado; a
responsabilidade política de um órgão político perante outro órgão
também político; e a responsabilidade política intra-orgânica, em que
membros do mesmo órgão são politicamente responsáveis perante o
titular ou chefe desse órgão.
A responsabilidade criminal dos titulares de cargos públicos é acolhida pela ordem
constitucional angolana, que é densificada, desenvolvida pela ordem jurídica
ordinária (artigo 75.º/2 da CRA) – no Código Penal, na Lei das Infracções contra a
Economia – a parte que não foi revogada –, na Lei n.º 13/03 de 10 de Junho (Lei
Derrogatória da Lei n.º 6/99, de 3 de Setembro – Lei das Infracções contra
Economia), na Lei dos Crimes Cometidos por Titulares de Cargos de
Responsabilidade, na Lei da Alta Autoridade contra a Corrupção e na Lei da
Probidade Pública.
A Lei da Alta Autoridade contra a Corrupção institui esta entidade pública como
“um órgão independente que funciona junto da Assembleia Nacional e tem por
objectivo desenvolver acções de prevenção, de averiguação e de participação à
entidade competente para a acção penal ou disciplinar dos actos de corrupção e de
fraude cometidos no exercício de funções administrativas” (art. 2.º). E esta lei
aplica-se “às acções e omissões praticadas contra o Património Público, e as
resultantes do exercício abusivo de funções públicas ou quaisquer outras lesivas dos
interesses públicos ou da moralidade da administração, cometidas pelos agentes da
Administração Pública, das Forças Armadas, da Ordem Interna, das Instituições

32
Públicas, das Empresas Públicas, das Concessionárias de Serviços Públicos ou da
exploração de bens do domínio público, incluindo as praticadas pelos titulares dos
órgãos de soberania, com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 8.º da presente
lei” (art. 4.º/1). Quer dizer, no caso de suspeita da prática de suborno pelo
Presidente da República, “a iniciativa do processo de averiguação do suborno”
compete a “1/3 dos deputados em efectividade de funções” [alínea b) do n.º 5 do
artigo 129.º da CRA].
Actos de Improbidade Pública segundo a Lei da Probidade Pública (Lei n.º 3/10
de 29 de Março)
Esta Lei no seu artigo 23.º define como “actos de improbidade pública as acções ou
omissões do agente público contrárias à moralidade administrativa e ao respeito
pelo património público”. E categoriza três tipos de actos que atentam contra a
probidade pública: “actos contra os princípios da administração”, “actos que
conduzem ao enriquecimento ilícito” e “actos que causam prejuízo ao património
público”.
Actos contra os princípios da Administração Pública (art. 24.º)
“a) praticar acto com vista a um fim proibido por lei ou regulamento; b) retardar
ou deixar de praticar acto indevidamente; c) revelar facto ou circunstância de que
tenha conhecimento em razão das competências ou tarefas e que deva permanecer
em segredo; d) negar publicidade a actos oficiais; e) frustrar a licitude de concurso
público; f) deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; g) revelar ou
permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação
oficial, teor de medida política ou económica capaz de afectar o preço da
mercadoria, de bem ou serviço ou de ter repercussões de carácter político ou
social.”
Actos que conduzem ao enriquecimento ilícito (art. 25.º)
“a) receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer
outra vantagem económica, directa ou indirecta, a título de comissão,
percentagem, gratificação ou de presente de que tenha interesse, directo ou
indirecto, que possa ser atingido ou amparado por acção ou omissão decorrente das
atribuições do agente público; b) obter vantagem económica directa ou indirecta,
para facilitar a aquisição, a permuta ou a locação de bem móvel ou imóvel, ou a
contratação de serviços pela entidade pública por preço superior ao valor do
mercado; c) obter vantagem económica, directa ou indirecta, para facilitar a
alienação, a permuta ou a locação de bem público ou o fornecimento de serviço
pela entidade pública por preço inferior ao valor do mercado; d) utilizar, em obra
ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer
natureza, de propriedade ou à disposição de entidade pública, bem como o
trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por entidade
pública; e) obter vantagem económica de qualquer natureza, directa ou indirecta,
para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de
narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra actividade ilícita ou
aceitar promessa de tal vantagem; f) obter vantagem económica de qualquer
natureza, directa ou indirecta, para fazer declaração falsa sobre medição ou
avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço ou sobre quantidade, peso,
medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer
entidade pública; g) adquirir para si ou para outrem, no exercício de mandato,

33
cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja
desproporcional à evolução do património ou à renda do agente público; h) aceitar
emprego ou exercer actividade de consultoria para pessoa física ou jurídica que
tenha interesse susceptível de ser atingido ou amparado por acção ou omissão
decorrentes das atribuições do agente público, durante a actividade; i) obter
vantagem económica de qualquer natureza, directa ou indirecta, para omitir acto
de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado; j) integrar, no seu
património, de forma ilícita, bens, rendas, verbas ou valores pertencentes ao
acervo patrimonial de entidade pública; k) usar, em proveito próprio, bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial de entidade pública; l) obter
vantagem económica para intermediar a disponibilização ou a aplicação de verba
pública de qualquer natureza.”
Actos que causam prejuízo ao património público (art. 26.º)
“a) facilitar ou concorrer, por outra forma, para a integração no património
particular de pessoa física ou jurídica, bens, rendas, verbas ou valores integrantes
do acervo patrimonial de entidade pública; b) permitir ou concorrer para que
pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes
do acervo patrimonial de entidade pública, sem a observância das formalidades
legais ou regulamentares aplicáveis; c) permitir ou facilitar a aquisição, a permuta
ou alocação de bem ou serviço por preço superior ao do mercado; d) permitir ou
facilitar a alienação, a permuta ou a locação de bem integrante do património de
entidade pública ou, ainda, a prestação de serviço por esta, por preço inferior ao
do mercado; e) realizar operação financeira sem a observância das normas legais
ou regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inadmissível; f) conceder
benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis; g) violar as regras legais sobre concursos em matéria de
contratação pública; h) ordenar ou permitir a realização de despesas não
autorizadas por lei ou regulamento; i) permitir que se utilize, em obra ou serviço
particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de
propriedade ou à disposição de qualquer entidade pública; j) permitir que se
recorra, em obra ou serviço particular, ao trabalho de servidor público, empregado
ou terceiro contrato por entidade pública; k) permitir, facilitar ou concorrer para
que terceiro enriqueça ilicitamente; l) disponibilizar verba prática sem a
observância das normas em vigor ou influir, de qualquer forma, para a sua
aplicação indevida ou ilegal.”
A Lei da Probidade Pública define o agente público como “a pessoa que exerce
mandato, cargo, emprego ou função em entidade pública, em virtude de eleição,
de nomeação, de contratação ou de qualquer outra forma de investidura ou
vínculo, ainda que de modo transitório ou sem remuneração” (art. 15.º/1). E
estabelece que “são agentes públicos, nomeadamente, as seguintes entidades: a)
os membros do Executivo; b) Os Deputados à Assembleia Nacional; c) os
magistrados judiciais e do Ministério Público de todos os tribunais, sem excepção;
d) os membros da Administração Central do Estado; e) os membros dos governos
provinciais, das administrações municipais e comunais; f) os gestores, responsáveis
e funcionários ou trabalhadores da administração pública central e local do Estado;
g) os gestores, responsáveis e funcionários dos tribunais e da Procuradoria-Geral da
República; h) os gestores de património público afectos às Forças Armadas e à
Polícia Nacional, independentemente da sua qualidade; i) os gestores, responsáveis

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e funcionários ou trabalhadores dos institutos públicos, dos fundos ou das
fundações públicas, das empresas públicas e das empresas participadas pelo
Estado; j) os titulares, responsáveis e funcionários ou trabalhadores das autarquias
locais, das associações públicas e das entidades que recebem subvenção de órgão
público; k) os titulares, responsáveis e funcionários ou trabalhadores das
instituições de utilidade pública; l) os gestores, responsáveis e trabalhadores de
empresas privadas investidas de funções públicas mediante concessão, licença,
contrato ou outros vínculos contratuais; m) os funcionários públicos, agentes
administrativos e trabalhadores dos sectores público-administrativo e empresarial,
integrados na administração directa ou indirecta do Estado, bem como na
administração autónoma ou independente.” (art. 15.º/2).
E mais diz a sobredita Lei, que “O exercício de funções públicas está sujeito à
declaração dos direitos, rendimentos, títulos, acções ou de quaisquer outra espécie
de bens e valores, localizados no País ou no estrangeiro, conforme modelo anexo,
que constituem o património privado das seguintes entidades: a) titulares de cargos
políticos providos por eleição ou por nomeação; b) magistrados judiciais e do
Ministério Público, sem excepção; c) gestores e responsáveis da Administração
Central e Local do Estado; d) gestores de património público afecto às Forças
Armadas Angolanas e à Polícia Nacional, independentemente da sua qualidade; e)
gestores e responsáveis dos institutos públicos, dos fundos ou fundações públicas e
das empresas públicas; f) titulares dos órgãos executivos e deliberativos
autárquicos.” (art. 27.º/1).
Pode dizer-se em termos genéricos que são titulares de cargos políticos, “os
sujeitos mandatados para exercer o poder político, qualquer que seja a sua
natureza, dependendo sua permanência em funções e nos respectivos cargos
também de procedimentos políticos ou constitucionalmente conformados”,
integrando o conceito, desde logo, o Presidente da República, os deputados da
Assembleia da República, os membros do Governo”.

Bibliografia

35
-JJ Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Conatituição, 7ª Edição,
Almadina,2003
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo III, a estrutura
constitucional do Estado, 5ª edição, Coimbra Editora,2004
-Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional de Angola, Editor IDILP-Instituto
do Direito de Língua Portuguesa, Campus de Campolide, Março de 2014.
- Guia da Aula Teórica/Direito Constitucional Angolano de Fernando Macedo
-Kildare Gonçalves Carvalho, Direito Constitucional, 15.º edição, Belo
Horizonte, Editora Del Rey, 2009.
-Paulo Otero, Direito Constitucional Português – Volume I. Identidade
Constitucional, Almedina, 2010,p. 114); Instituições Políticas e Constitucionais,
Volume I, Almedina.

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