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AULAS TEÓRICAS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

DR. FRANCISCO ALMEIDA

ROBERTO SANTOS 2020/2021


Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

INTRODUÇÃO

I. NOÇÃO DE DIREITO INTERNACIONAL


O DI é um ramo da ciência jurídica, ou seja, analisa- se num corpo de normas jurídicas
reguladoras de um certo tipo de relações que se estabelecem numa determinada sociedade
ou agrupamento. É simultaneamente um fator de organização social e uma ordem normativa.
Assim sendo, o DI é o direito regulador das relações entre as nações e entre os Estados. A
existência deste direito é ligada à existência de uma comunidade internacional, a qual, por
sua vez, é formada pela reunião de sociedades nacionais/internas, as quais possuem,
também, um tipo de direito, o direito interno. O direito internacional, assim, existe ao lado
do direito interno.

Direito ➔ Pressupõe sanção em caso de incumprimento das normas;

Internacional ➔ Regula predominantemente, mas não exclusivamente, as relações


estabelecidas na sociedade internacional entre os sujeitos de direito internacional (Estados,
organizações internacionais, povos não autónomos, minorias, indivíduos, ONGs, sociedades
transnacionais);

Público ➔ enquanto o privado é interno, e não propriamente internacional, (regulando, por


exemplo, situações jurídicas do direito portuário) e coordena as relações plurilocalizadas, o
público regula, predominantemente, interesses públicos, comuns, e não interesses privados
ou particulares. Critério da posição dos sujeitos em cada tipo de Direito Internacional:
• Privado: sujeitos em relações de paridade, igualdade
• Público: um dos sujeitos se encontra, na maioria das vezes, em posição de
autoridade (supra e infra ordenações; as relações são relações desiguais);
entidades públicas gozam de poderes de autoridade

Estado / Nação
Uma nação é um conjunto de indivíduos ligados por determinadas afinidades e que
manifestam vontade de viver em comum. Um Estado é a organização política e jurídica
composta por elementos como o território, população e governos. Há Estados compostos por
várias nações (Estados Multilaterais), por exemplo, África e Espanha. Há também nações que
se dissipam por vários Estados, como por exemplo, a comunidade judaica. Há matérias sobre
as quais o Direito Internacional não interfere por serem matérias de domínio reservado dos
Estados, dizendo respeito exclusivamente à sua jurisdição interna. No entanto, cada vez mais
a comunidade internacional influência na produção das legislações estatais. A noção de
Direito Internacional remete à relação necessária entre direito e sociedade e serve para
atestar a conveniência da sentença ubi societas ibi ius: onde houver sociedade, haverá Direito
– para regulá-la e discipliná-la.

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Sujeitos
No entanto, a sociedade internacional de hoje não é apenas constituída por Estados. É
constituída por um leque relativamente alargado de sujeitos de direito: os Estados, as
organizações internacionais, os povos não autónomos e o próprio indivíduo. Basicamente,
são sujeitos do Direito Internacional os sujeitos com personalidade jurídica internacional,
titulares de direitos e obrigações (no plano internacional), que se tornam destinatários diretos
de normas jurídicas internacionais.
O Direito Internacional é aplicado à sociedade internacional, constituída, atualmente, por
Estados, organizações internacionais, povos não autónomos e o próprio indivíduo.

Direito Interestadual ou Direito das Gentes


Para aludir ao Direito da sociedade internacional, a expressão mais utilizada é “direito
internacional”, isto é, em sentido etimológico, direito regulador das relações entre Nações ou
entre Estados - por consequência, direito interestadual. No entanto, os termos Estado e
Nação não compreendem, necessariamente, realidades coincidentes:
Estado ➔ organização política e jurídica de uma determinada comunidade (uma abstração)
Nação ➔ realidade sociológica formada por um conjunto de indivíduos que apresentam
características/laços comuns, ligados por certas afinidades (culturais, linguísticas, religiosas,
etc.) que manifestam vontade de viver em conjunto.
Há Estados que englobam várias nações (Espanha – problema Catalão); há nações que se
dispersam por vários Estados (povo curdo); e há, também, Estados nacionais, nos quais as
realidades jurídico-política (Estado) e sociológica (Nação) são coincidentes. Atualmente, a
sociedade internacional não é constituída apenas por Estados e a expressão "Direito
Internacional" começa a ser questionada: ela seria redutora da realidade atual da sociedade
internacional. Atualmente e a partir da 2ª metade do século XX, reconheceu-se personalidade
jurídica internacional a outras entidades para além do Estado soberano, a “sociedade
internacional” engloba muito mais do que a figura dos Estados tornando a sociedade
Internacional mais vasta, plural e diversificada, sendo "uma sociedade de entes organizatórios
dotados de verdadeira autonomia e de efetivos poderes de decisão, de povos com titularidade
do direito à autodeterminação que visam, as mais das vezes, ascender à plena independência
e até de indivíduos que, em certos domínios, são hoje destinatários de normas internacionais".
Em virtude da expansão dos sujeitos internacionais no último século e da sua maior
abrangência, hoje a expressão “Direito das Gentes” ganha força, a expressão “Direito das
Gentes” (ius gentium) permitiria englobar todos os sujeitos de Direito internacional, evitando
o entendimento erróneo de que o DI se aplica somente a Estados. No entanto, tal mudança
na nomenclatura tem pouca relevância prática: foi como "Direito das Gentes" que o Direito
Internacional foi concebido pelos seus fundadores (os quais não buscavam reduzi-lo a uma
realidade restrita) e vamos vê-las, portanto, como perfeitamente equivalentes.

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II. DIREITO INTERNACIONAL GERAL E PARTICULAR


O DI é composto por regras gerais e regras especiais/particulares, tentando assim garantir
uma eficaz relação jurídico-normativa para uma sociedade pouco homogénea e com
realidades bastante contrastantes. É formado por Estados política, económica, social e
culturalmente distintos. Compreende-se, então, que o Direito Internacional haja de refletir
essa heterogeneidade, sendo que quanto mais homogénea e integrada a sociedade
internacional é, menos importantes se tornam as normas particulares e estas normas de
Direito Internacional particular não podem infringir as de interesse comum.
Direito Internacional geral (ou comum) ➔ direito que se aplica à comunidade internacional
universal vinculando todos os sujeitos de Direito Internacional. Integram esta noção as
normas de costume geral, bem como as convenções de alcance universal. O DI geral
consubstancia-se num conjunto de normas aceites pela comunidade internacional de Estados
no seu conjunto. (artº 53 da Convenção de Viena - sanção de nulidade para os tratados que
infrinjam uma norma imperativa de DI geral refere-se aquelas que são aceites e reconhecidas
pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto.).
Direito Internacional particular ➔ assenta na distinção entre sociedade internacional global
e sociedade internacional particular. Na verdade, na relação entre a comunidade
internacional surgem, inevitavelmente, determinadas solidariedades regionais ou
particulares. Ganham forma, assim, as várias sociedades internacionais particulares,
compostas por pelo menos dois Estados e por vezes materializadas institucionalmente em
organizações internacionais. (exemplos: União Europeia, Mercosul). Este é então composto
pelas normas de costume regional e local e pelas constantes da maior parte dos tratados
internacionais. Relembrar apenas que o DI geral é hierarquicamente superior ao particular,
isto é, o particular tem de estar em conformidade com o geral/comum.

III. FUNÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL


É na época pré-estadual, na Antiguidade Clássica e na Idade Média que se encontram as
verdadeiras origens do Direito Internacional. Dentre os obstáculos que durante a Idade Média
dificultaram a concentração de poderes que é própria do Estado Moderno (enquanto ramo
autónomo da ciência jurídica, o Direito internacional é contemporâneo do Estado Moderno)
estão o feudalismo e a influência da Igreja. No feudalismo, a inexistência de autoridades
centrais fortes e a fragmentação dos centros de poder dificultam a materialização de um
Estado soberano e moderno. No entanto, durante o período feudal alguns valores que serão
importantes para o nascimento de Estados nacionais unificados nascem, como por exemplo
o dever de lealdade do vassalo ao senhor (que servirá de exemplo para a fidelidade do súbdito
ao rei) e os direitos à propriedade (que serão assimilados no direito de natureza política e no
entendimento do governo como poder absoluto). A influência da Igreja interfere também na
concentração de poderes porque retarda a consolidação de uma autoridade civil. É só após o
movimento da Reforma os Estados conseguem se emancipar do poder espiritual e criar
condições para a instauração de uma nova ordem política na Europa.

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O Direito Internacional moderno nasce no século XVII, na Europa Ocidental com os tratados
de paz de Westfália que, em 1648, puseram termo à sangrenta guerra religiosa dos Trinta
Anos, marcam o início de uma nova era, assente na emergência de entidades soberanas e
independentes, colocadas num plano (formal) de perfeita igualdade. Para unir as entidades
soberanas e independentes foi necessária a submissão dos vários Estados a um conjunto de
normas reguladoras das suas relações recíprocas. Normas essas que pudessem evitar o clima
de caos e violência que se instalaria, caso as novas entidades soberanas e independentes não
se achassem ligadas pela supremacia do Direito. Nascem, assim, os Estados Modernos
(concentradores de poder). Estas são as raízes do moderno
Direito Internacional que nos revelam as funções que, desde o início da sua existência, ou
seja, desde a paz de Westfália, no século XVII:
• Permitir a coexistência entre Estados heterogéneos e juridicamente iguais num
clima de paz
• Satisfazer necessidades e interesses comuns dos membros da comunidade
internacional
• Propiciar mecanismos normativos e institucionais para a cooperação
intraestatal
• Coexistência e cooperação são as duas funções principais que devem ser
desempenhadas pelo Direito Internacional desde a Paz de Westfália no século
XVII

IV. SOCIEDADE INTERNACIONAL E COMUNIDADE INTERNACIONAL


De acordo com uma teoria sociológica alemã, da autoria de F. Tonnies, a distinção entre
comunidade e sociedade:
• Comunidade é um produto espontâneo da vida social que se estrutura
naturalmente, os membros estão unidos apesar de tudo que os separa;
prevalecem os fatores de união;
• Sociedade resulta da vontade dos indivíduos manifestada em obediência a um
certo propósito que os leva a juntar-se e a colaborar entre si, os membros
permanecem separados apesar de tudo quanto fazem para se unir;
prevalecem os fatores de conflito;

Em qualquer agrupamento humano, há fatores de afastamento, conflito e rutura, próprios da


Natureza humano mas há também fatores de união, solidariedade, aproximação, ajuda. À
primeira vista, o conceito de comunidade internacional constituirá uma utopia pois são
profundos os desequilíbrios e os fatores de divisão entre os Estados no mundo atual. Apesar
disso, é inquestionável a existência, nas relações interestaduais, de um importante elemento
subjetivo que radica na vontade de os Estados viverem em comum, apesar de tudo aquilo que
os separa. As diferenças étnicas, culturais e civilizacionais, os conflitos ideológicos e políticos
e a desigualdade económica são muito grandes, o que parece não deixar espaço para uma
união típica das comunidades). É geral a noção, dentro dos sujeitos

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que formam a comunidade internacional, de que alguns valores como a dignidade da pessoa
humana, a paz, a cooperação e a interdependência económica devem ser respeitados.
Segundo H. Moslet, o vínculo comunitário assenta na consideração da sociedade
internacional como comunidade jurídica, ou seja, na ideia de que todos os Estados estão
submetidos ao mesmo ordenamento jurídico e aos órgãos e são capazes de o aplicar,
sobretudo a ONU. Assim, se por um lado os Estados têm a tendência de afirmar a sua
soberania e independência, por outro eles aspiram a formação de uma verdadeira
comunidade. O Direito internacional nasce dos dois movimentos e tem como objetivo torná-
los compatíveis e harmónicos.
O Direito internacional clássico (traduzido em uma ordem jurídica de coordenação de
soberanias estaduais) vem cedendo lugar para o Direito internacional moderno, o qual
começa a ser constituído após a 2ª Guerra. Esse Direito internacional moderno não se baseia
mais na soberania absoluta do Estado, mas que se abre cada vez mais para novos domínios
onde prevalecem a coesão e solidariedade entre os Estados. Desse modo, nos últimos anos
pode-se observar um reforço dos laços comunitários entre os Estados e um afrouxamento das
características societárias.

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CAPÍTULO I - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO


INTERNACIONAL

I. MODELO CLÁSSICO OU DE WESTFÁLIA (1648-1945)

INTRODUÇÃO
Os períodos históricos que antecederam o surgimento do direito internacional trazem muitos
contributos para a sua formação, contudo, a sua história tem início efetivo com o seu
aparecimento enquanto ramo autónomo da ciência jurídica, o que ocorre com o nascimento
dos Estados Modernos na Europa após a Paz de Westfália (1648). Identificamos, até hoje, dois
grandes modelos de Direito Internacional: o Clássico (ou de Westfália) e o Moderno (ou da
Carta das Nações Unidas). O modelo clássico compreende o lapso temporal que medeia entre
1648 (ano da paz de Westfália, que pôs fim à Guerra religiosa dos Trinta Anos e abriu caminho
ao surgimento do Estado Moderno) e 1945, que marcou o fim da 2ª Grande Guerra. Pode-se
comparar a estrutura da sociedade internacional desse modelo à uma "vasta planície
interestadual”: ela era composta por Estados situados num plano (formalmente) paritário, no
qual inexistiam órgãos externos (próprios da sociedade internacional) limitadores do poder
dos Estados soberanos. Os órgãos de cada Estado eram também órgãos de ordem
internacional, atuando tanto no plano interno como no plano internacional ("desdobramento
funcional").

SUJEITOS
A sociedade internacional dos primeiros tempos era composta por Estados, num plano
paritário, inexistindo órgãos próprios dessa sociedade capazes de controlar o comportamento
dos seus sujeitos. Os órgãos estaduais são simultaneamente órgãos da ordem internacional,
atuando em 2 planos – o interno e o internacional. Em matéria de sujeitos do DI, a
personalidade jurídica praticamente circunscrevia-se aos Estados soberanos. Eventualmente,
os insurretos (agentes de insurreições) também o poderiam ser caso fossem objeto de
reconhecimento internacional. Ao contrário do sujeito singular do direito internacional
clássico, havia uma pluralidade de sujeitos de direito interno de cada Estado na mesma época.
Aos Estados, enquanto únicos sujeitos de DI, não eram impostos quaisquer constrangimentos
na sua atuação concreta. Na verdade, a sua liberdade era irrestrita, já que não existiam, na
sociedade internacional, órgãos superiores a esses Estados, que estivessem habilitados a
limitar tal liberdade. Cada Estado era visto como "comunidade perfeita" e a sua soberania era
um poder absoluto. Há, assim, uma grande dispersão de poder propiciada pela
descentralização da sociedade internacional. Neste contexto, ao DI apenas era exigido o
equilíbrio de força e poder prevalecente, repartir o poder entre os membros da sociedade
internacional, sem alterar, contudo, o status quo de cada Estado, emprestando alguma
coerência e estabilidade às relações internacionais. Assim, não é de admirar que o Direito
Internacional clássico seja encarado como um direito de “laisser faire” ("deixe fazer") que não

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impõe nenhuma barreira ao princípio da autonomia da vontade dos Estados. Por isso, a
eficácia das normas e princípios do Direito internacional era, neste período, uma eficácia
limitada.

PRODUÇÃO NORMATIVA
Faziam parte do corpus do Direito internacional normas concernentes aos corolários da
soberania estadual (territorial) e, bem assim, às liberdades do mar alto; normas consagrando
privilégios e imunidades diplomáticas e consulares; outras relativas à responsabilidade
internacional; ainda respeitantes à conclusão e condições de validade dos tratados; e, por
último, normas sobre conflitos ou litígios internacionais e acerca da adoção de represálias –
como seria de esperar numa época em que se entendia que o recurso à guerra era uma
faculdade discricionária dos Estados. Nos dias de hoje, o DI regula uma infinidade de matérias,
como veremos adiante.
Em oposição ao que ocorria no direito internacional, no direito nacional há uma abundância
de sistemas jurídicos internos em cada Estado (direito Constitucional, civil, penal, etc.), os
quais cerceiam o princípio da autonomia contratual dos cidadãos. Por conta disso, a eficácia
das normas e princípios de Direito Internacional era limitada nessa época; a elas cabia, como
já dito, apenas assegurar a repartição do poder entre os membros da comunidade
internacional.
Do corpus do Direito Internacional faziam parte normas ligadas à:
• Corolários da soberania estadual;
• Condução de guerras (conflitos ou litígios internacionais e adoção de
represálias);
• Responsabilidade internacional (no âmbito específico do tratamento dado a
estrangeiros);
• Conclusão de tratados/convenções internacionais;
• Liberdades do mar alto (zona internacional fora da jurisdição de um Estado);
• Privilégios e imunidades diplomáticos e consulares.

FONTES
No modelo de Westfália, as fontes (mecanismos/processos de criação de normas jurídicas)
seriam apenas o costume e os tratados/convenções bilaterais. O costume é o modo
espontâneo de surgimento de normas jurídicas que resulta da união de dois elementos: um
objetivo/material e outro subjetivo/psicológico. O objetivo é o consuetudo, isto é, a adoção
reiterada e uniforme no tempo e no espaço de certos comportamentos (os chamados
precedentes). O elemento subjetivo é a convicção adquirida, após certo tempo, da
obrigatoriedade jurídica do comportamento adotado (opinio iuris sive necessitatis). O
costume tende a assumir maior importância em sociedades pouco centralizadas, desprovida
de órgãos vocacionados para a criação autoritária do direito. Os tratados ou convenções
bilaterais são acordos de vontade entre dois ou mais sujeitos do DI, inspirados pelo princípio
da reciprocidade (ut des), dirigidos à produção de efeitos de direito (regular juridicamente a
sua conduta) dirigidos à produção de efeitos de direito e regulados predominantemente pelo

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Direito Internacional. Serão bilaterais se celebrados apenas entre duas partes. Como
consequência da pouca institucionalização da sociedade internacional clássica (sociedade
muito relacional e desprovida de órgãos vocacionados para a criação autoritária do direito),
o costume tende a assumir uma importância acrescida no exercício das funções legislativa,
judicial e executiva: cabia a cada Estado, em função do seu poder e da sua influência –
sociedade descentralizada.
O voluntarismo assume-se como imagem de marca do DI clássico. Isto significa que as
obrigações internacionais derivam, em último lugar, da vontade dos Estados, vontade essa
que reveste a forma de uma autolimitação. Já a cominação de sanções é efetuada em regime
de autotutela.
Na falta de órgãos jurisdicionais internacionais dotados de competência obrigatória por força
da lei, toda a vez que um Estado reputa de ilícita a conduta de outro e se julga, em virtude
dela, ofendido nos seus direitos, cabe-lhe, a si próprio, defini-los, bem como ao grau de
prejuízos suportados e decretar as sanções que se lhe afigurem adequadas. Ou seja, é um
processo de auto reintegração dos direitos, sem que tenha havido recurso a um processo
judicial ou arbitral internacional.
A inexistência de um poder executivo na sociedade internacional, de um verdadeiro órgão
público de coação, abre espaço para atuações individuais e descentralizadas dos Estados,
aumentando o risco de abuso e arbitrariedade em relação ao tipo de medidas adotadas e à
sua intensidade.
Desde a paz de Westfália até o século XIX, os Estados têm plena liberdade para fazer guerra:.
Apesar do uso da força ser encarado como uma manifestação da soberania dos Estados

RECURSO À FORÇA
A precariedade dos limites jurídicos no que concerne ao recurso à força nas relações
internacionais é outra das características dominantes do DI clássico. Desde a paz de Westfália
até ao século XIX, os Estados tinham plena liberdade de fazer a guerra (recorrer à força como
instrumento de política exterior constituía uma prerrogativa normal no conceito de
soberania), de acordo com os fins (dos quais eram únicos juízos) que com ela visassem
alcançar e desde muito cedo surgiu a preocupação ética de diferenciar as guerras
justas/legítimas das guerras injustas. Consequências da liberdade originária dos Estados:
• Os princípios jurídicos internacionais, sobretudo os que garantiam a soberania
territorial e a independência política, não oferecem aos sujeitos de Direito
Internacional uma proteção consistente, mas provisória e incerta. Tais
princípios só eram respeitados pelos Estados mais poderosos se esse respeito
não conflituasse com os seus próprios interesses.
• Sendo a força o principal parâmetro de avaliação dos factos e, por isso, o
critério legitimador nas relações internacionais pós-westfalianas,
compreende-se que só as situações efetivas (já consolidadas) pudessem
produzir efeitos jurídicos. Era o que sucedia em matéria de reconhecimento de
governos e de insurretos. Isto poderia, contudo, conduzir ao reconhecimento
de situações constituídas em infração a certas normas fundamentais da ordem
jurídica internacional. Havia, então, uma espécie de

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política do facto consumado”, a que os autores denominaram de princípio da


efetividade.

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
Por um lado, a responsabilidade internacional clássica tem um caráter privado (entre os
Estados diretamente envolvidos), entre Estado autor do ato ilícito e Estado vítima, de modo
que outros sujeitos de Direito Internacional deveriam abster-se de qualquer intromissão.. A
prática de um ato ilícito, emergente da violação de uma obrigação internacional, fazia surgir
uma nova relação jurídica, de caráter bilateral (de responsabilidade), entre o Estado vítima e
o Estado autor desse procedimento ilícito. O Estado vítima tinha o direito de exigir a
reparação dos danos que lhe houvessem sido causados e o autor desse procedimento ilícito
tinha o dever de assegurar essa reparação. Por outro lado, é uma responsabilidade coletiva,
e não individual, na medida em que determina apenas a responsabilização das entidades
coletivas, que são os Estados, e jamais dos indivíduos que hajam contribuído para a
consumação dos factos ilícitos: a responsabilidade era apenas do Estado (sociedade abstrata
composta por pessoas) violador enquanto entidade coletiva. O indivíduo é visto como objeto
do poder estadual e não é responsabilizado individualmente pela consumação do ato ilícito
(não é destinatário direto das normas internacionais). As normas internacionais só atingem o
indivíduo indiretamente, ou seja, através da interposição dos órgãos estaduais. É ainda
característico da responsabilidade internacional clássica, o seu caráter meramente
reparatório. O objetivo da responsabilidade era assegurar que o Estado vítima pudesse exigir
ao Estado autor do ato ilícito a reparação dos danos que pudessem ter sido causados, isto é,
a finalidade que ela preside traduz-se, única e exclusivamente, na reparação dos danos
sobrevindos à prática de um facto internacional ilícito. Não há, neste ponto de
desenvolvimento do DI, uma dimensão sancionatória ou punitiva. Podemos dizer que o
objetivo era assegurar a reparação dos danos, sem um propósito sancionatório ou punitivo.

EM SUMA
• Objetivo do direito internacional clássico: assegurar a coexistência e justaposição
entre os Estados (modelo de mera coordenação de entidades soberanas).
• Entidades soberanas eram colocadas em um plano de paridade, sem que fossem
considerados desequilíbrios fácticos na sociedade internacional (plano paritário era
consequência da ideia que se tinha de igualdade formal das normas jurídicas vigentes)
• Direito Internacional clássico era axiologicamente neutro (neutralidade axiológica)
pois não visava alterar os dados da realidade a que se dirigia, sendo apenas um
ratificador (confirmador) acrítico do circunstancialismo existente em cada momento
na sociedade internacional.
• Normatividade no modelo clássico era horizontal, não havendo relações hierárquicas:
todas as normas tinham idêntico valor.

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II. MODELO MODERNO OU DA CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS (1945 -


HOJE)

INTRODUÇÃO
De 1945 (a partir do final da Segunda Guerra) em diante desenvolve-se um sistema jurídico
internacional diverso do precedente o direito internacional moderno assume determinadas
características que o aproximam direito interno, sendo um modelo de subordinação. Tal
similitude, todavia, tem limites, dado que o Direito Internacional nunca deixará de ter uma
intencionalidade específica e por isso é dotado de instrumentos normativos próprios; a
estrutura da comunidade internacional é muito distinta da estrutura das sociedades
estaduais. A sociedade internacional muda muito durante o século XX por força das sucessivas
descolonizações (em obediência ao princípio da autodeterminação) pós 2ª Guerra, o qual
provoca um aumento significativo do número de Estados. O Direito internacional deixa, assim,
de regular somente o círculo restrito dos Estados europeus (as autoproclamadas nações
civilizadas) nas suas relações recíprocas para passar a aplicar-se também aos novos membros
da comunidade internacional, universalizando-se. Emergem e proliferam as organizações
internacionais, que se apresentam como verdadeiros centros autónomos de imputação de
direitos e deveres. Assiste-se, assim, a uma mutação deveras significativa no plano dos
sujeitos de direito em comparação com o período anterior.

SUJEITOS
Surgem novos sujeitos de Direito Internacional para além dos Estados e dos insurretos após
1945, nomeadamente as Organizações Internacionais, os Povos não autónomos, os próprios
indivíduos, as Organizações não governamentais (ONGs) e sociedades transnacionais.

Organizações Internacionais (OI) ➔ "centros autónomos de imputação de direitos e deveres


internacionais" dotados de poderes de decisão, sendo verdadeiros sujeitos de direito (têm
personalidade jurídica internacional). Criadas através de tratados (o tratado constitutivo - o
Tratado de Roma instituiu a CEE e o Tratado de Paris criou a CECA), dotadas de órgãos
próprios (com caráter de permanência), que atuam juridicamente em nome da organização.
São associações voluntárias formadas por Estados, e, por vezes, colocam-se num plano
superior ao dos próprios Estados individuais, apontando diretrizes que os Estados devem
seguir nos mais variados domínios; os Estados membros das organizações abdicam, por vezes,
da sua soberania em nome da participação nas organizações: a estrutura da sociedade
internacional se torna uma estrutura de subordinação. Elas agregam institucionalidade à
sociedade internacional (que no modelo clássico tinha caráter apenas relacional) e, assim, o
poder (que antes era disperso e incondicionado) passa a ser concentrado, condicionado e
reprimido. A estrutura orgânica das OI é, habitualmente, tripartida: órgãos plenários, em que
participam todos os membros da organização (ideia de democracia direta), como a
Assembleia Geral da ONU; órgãos de composição restrita, abertos à participação de apenas
alguns Estados membros (ideia de democracia representativa), como o Conselho de
Segurança da ONU e, por fim, os órgãos vocacionados para o desempenho de tarefas de

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caráter técnico-administrativo como o Secretariado da ONU. A personalidade jurídica de tais


Organizações traz algumas consequências importantes, como por exemplo a justificação e
fundamentação de um conjunto de privilégios e imunidades de que todas elas dispõem.

Povos não autónomos com direito à autodeterminação ➔ organizam-se em grupos que lutam
em nome de um povo contra determinadas estruturas de opressão 1 (fenómeno dos
movimentos de libertação nacional) que, num primeiro momento, eram advindas do
colonialismo. Num momento posterior, tais grupos também lutam contra os regimes racistas
e situações de dominação estrangeira. A pouco e pouco, aos povos que se incluíssem nas três
categorias firmadas pelo Direito da ONU – povos submetidos a regimes coloniais, a regimes
racistas, ou sob ocupação estrangeira – desde que dispusessem de uma estrutura
representativa no plano internacional, foi-lhes sendo conferida uma legitimação jurídica e
política no plano internacional, a qual poderia radicar no direito à autodeterminação externa
(ou seja, direito de escolher como será legitimado o seu direito interno sem influência de
qualquer outro país). Então, os povos não autónomos têm ao dispor três modalidades
possíveis para o exercício do seu direito à autodeterminação: independência, associação ou
integração. Esses grupos organizados de indivíduos ligados por laços étnicos, históricos,
culturais, religiosos, ascenderam à qualidade de sujeitos de DI.

Indivíduos ➔ Também o indivíduo (abrange tanto pessoas físicas/singulares quanto pessoas


coletivas) integra, hoje, o elenco dos sujeitos do DI. Se no direito internacional clássico o
indivíduo é objeto do Estado nesta matéria e a norma internacional não atingia a esfera
individual, no modelo moderno as normas de internacionais de direito passam a atingir
diretamente os indivíduos, provocando assim alterações na esfera jurídica do direito
internacional. Por exemplo, quando esteja em causa a prática de determinadas infrações
internacionais com um grau de censurabilidade particularmente intenso ou, no que toca aos
domínios dos direitos humanos e às relações de trabalho. O indivíduo 1 não é, contudo, sujeito
pleno de Direito Internacional como são os Estados por exemplo, mas sim limitado porque só
possui personalidade jurídica internacional em determinados domínios, na mesma medida
em que, se não cumprir os seus deveres ou cometer crimes internacionais, é
internacionalmente responsabilizado pelos que os indivíduos passam a ser julgados por
Tribunais Internacionais ou Internos que sigam normas jurídicas internacionais.

1 Intimamente relacionado à aquisição de personalidade jurídica por povos não-autónomos e


indivíduos, há o problema dos direitos das minorias que, na sociedade atual, é cada vez mais
presente. Esta questão é internacionalizada após a Primeira Guerra Mundial: a criação de
certos Estados e o traçado artificial de fronteiras cria a necessidade da existência de
mecanismos que assegurem uma proteção efetiva dos povos deslocados, das minorias. Entre
tais direitos, destacam-se: o direito à nacionalidade, o direito ao uso da língua materna (em
matéria de relações comerciais, de religião, de ensino, de publicações, etc.), o direito à
propriedade privada e o direito a um tratamento igualitário ante os nacionais maioritários.
Em 1966, com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, os direitos

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das minorias são diretamente atribuídos; elas deixam de ser protegidas apenas pela via
diplomática e passam a ter sua personalidade jurídicas efetivamente reconhecida (a qual não
é, entretanto, autonomizada da personalidade internacional do indivíduo).

Organizações não governamentais e sociedades transnacionais ➔ têm um papel importante


nas relações internacionais pois situam-se à margem de qualquer acordo entre governos e
estados. São associações de pessoas físicas ou pessoas morais (coletivas), públicas ou
privadas, de várias nacionalidades. Atuam nos mais diferentes domínios: plano político,
ambiental, religioso, humanitário, etc. e todas se caracterizam por não possuírem fins
lucrativos. Nas últimas décadas, reforçou-se o seu estatuto jurídico – funcionam como grupos
de pressão. Têm um certo grau de personalidade jurídica internacional.

FONTES
Há também uma expansão das fontes de direito internacional no modelo moderno. Para além
das fontes clássicas (costumes e tratados internacionais bilaterais), haverá agora que
acrescentar o costume “selvagem”, os tratados multilaterais e as resoluções das organizações
internacionais.

Costume “selvagem” ➔ (ou instantâneo) caracteriza-se pela diferença no processo de


constituição. No modelo moderno, o costume continua a ser uma importante fonte, mas os
formam-se hoje muito mais rapidamente do que no passado. Já não se exige um tempo tão
alargado para que se forme um costume – é preciso que sejam adotados determinados
comportamentos de forma constante sim, mas não apenas isso. Em certos casos, há uma
inversão da ordem de criação dos costumes: há primeiro a norma e só depois se forma a
prática.

Tratados/convenções internacionais multilaterais 2 ➔ As convenções internacionais, por


outro lado, cessam de ser apenas bilaterais tornando-se cada vez mais frequente que sejam
celebradas entre mais do que duas partes. Muitos deles são tratados abertos, isto é, tratados
que permitem a um Estado não contratante tornar-se parte deles, mediante um simples ato
jurídico unilateral (assinatura/adesão), normalmente, emanados pelas OI, que passaram a ter
direitos normativos se não houver, por partes das partes originárias, qualquer imposição de
condições especiais.

2 Os tratados multilaterais gerais são uma subcategoria dos tratados internacionais


multilaterais. São acordos coletivos que têm vocação universal, sendo uma espécie de
tratados-lei acordados por Estados que buscam interesses comuns com a criação de regras
gerais e objetivas, seguindo o modelo dos atos normativos emanados pelas ordens estaduais.
Exemplos de tratados multilaterais gerais: tratados concluídos sob a proteção de
organizações internacionais; convenções sobre o controlo e a redução de armamentos;
convenções sobre a proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana.

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Atos jurídicos unilaterais ➔ (ou resoluções das organizações internacionais) podem emanar
tanto dos Estados quanto das Organizações Internacionais. No caso das Organizações
Internacionais, esses atos são designados resoluções, assumindo a forma de decisões,
recomendações e pareceres. As recomendações e os pareceres por serem desprovidos de
força jurídica obrigatória, são atos meramente exortatórios (adversativos) e constituem o
"terreno de incidência da soft law em Direito Internacional".

RECURSO À FORÇA
Se o recurso à força nas relações internacionais do modelo clássico era considerado legítimo
e os limites impostos aos Estados em relação a tal recurso eram muito ténues, no modelo
moderno o princípio da proibição do recurso à força nas relações internacionais ocupa lugar
proeminente. Artº 2, nº 4 da CNU. A restrição da liberdade dos Estados de fazerem guerra
conduz conduziu a que, na Carta das Nações Unidas, se procurasse torná-los comparticipantes
num sistema de segurança coletiva, em que o recurso à força constitui uma espécie de ultima
ratio (último recurso), que apenas cabe ao órgão internacional – o Conselho de Segurança –
centralizadamente decretar. Sendo assim, perde-se o princípio da efetividade. A força deixa,
paulatinamente, de ser um meio legítimo de diálogo nas relações internacionais e, assim, o
princípio da efetividade, estruturante do direito internacional clássico, perde importância. Tal
princípio é, inclusive, contrariado pelo dever de não reconhecimento de situações ilícitas,
surgido nos EUA. Mais tarde, a Assembleia Geral da ONU adota uma resolução que confirma
e universaliza o dever de não reconhecimento de tais situações contrárias ao Direito
Internacional, ainda que estas já se tenham efetivado e consolidado.

NOVOS DOMÍNIOS
Novas questões surgem com o Direito Internacional moderno: as relativas ao meio ambiente
(Direito Ambiental - tutela e preservação dos sistemas naturais) são uma delas. Os problemas
que surgem no meio ambiente não são de fácil resolução e são, ainda, superficialmente
conhecidos pela população no geral. O Direito Internacional, sob pena de abdicar da sua
dimensão regulativa, não pode deixar de intervir nas relações estabelecidas entre os sujeitos
de Direito Internacional e o meio ambiente. Atualmente, o Direito Internacional já consegue
intervir de maneira mais sistemática e consistente em tais relações. Apesar de recentemente
formado, o Direito ambiental é, hoje em dia, um dos mais importantes ramos do DI.
A responsabilidade internacional universaliza-se, convertendo-se em assunto público, em
algo que diz respeito a todos os Estados, cessando de se esgotar numa finalidade tão-somente
reparatória, para comportar também uma dimensão sancionatória. De acordo com a natureza
da obrigação internacional violada, insere-se a distinção entre crimes e delitos internacionais,
indiciando a existência de regimes distintos de responsabilidade internacional. Acrescenta-se
também o facto de, no modelo moderno de DI, a responsabilidade por factos ilícitos se ter
individualizado, no sentido em que o sujeito

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passivo da relação jurídica (emergente da violação de uma obrigação internacional) passa


realmente a ser o próprio indivíduo infrator.
O Direito Internacional Penal atua em casos de infrações consideradas muito graves à luz dos
padrões de justiça prevalecentes na sociedade internacional, nomeadamente dos chamados
crimes under international law: os crimes contra a paz, a humanidade e os crimes de guerra.
Para estes casos, criou-se o Tribunal Penal Internacional permanente, em 1998, incumbido de
julgar os indivíduos responsáveis por ilícitos internacionais particularmente graves. Apesar
de ter sido um processo moroso, entrou em vigor em 2002 o Tratado definidor da constituição
e estrutura desta câmara permanente. Foi um dos momentos mais significativos, ao nível
jurídico-constitucional, da progressiva afirmação do princípio da responsabilidade penal
internacional do indivíduo.

HIERARQUIZAÇÃO DA NORMATIVIDADE INTERNACIONAL


Há o surgimento de um conjunto de princípios jurídicos considerados fundamentais. O
carácter universal que, desse modo, exibem, torna-os hierarquicamente superiores aos
restantes princípios e normas que fazem parte do Direito Internacional positivo, e, em
decorrência, permite-lhes orientar a conduta dos sujeitos de Direito Internacional, mediante
a imposição de obrigações "de valor reforçado".
Este novo estado de coisas resultou da consideração de determinados valores como valores
supremos da comunidade internacional. Destes, há dois que se afirmam como absolutamente
primaciais, assim se revestindo de especial proeminência. Por um lado, o valor paz, esse
verdadeiro "bem público" no qual muitas das soluções normativas que na Carta das Nações
Unidas obtiveram acolhimento encontram o seu sentido último. Por outro, o valor da
proteção da dignidade fundamental da pessoa humana, cuja interiorização, no seio da
comunidade internacional, se concretiza a par da afirmação categórica da transcendência e
da integridade do homem.
Daí por diante, ganhou forma um amplo movimento internacional, traduzido, sobretudo, na
adoção de inúmeras convenções internacionais, destinadas a tutelar os direitos e liberdades
fundamentais de todos os homens, independentemente da raça, do sexo, da condição social
ou das convicções de que sejam portadores.
A axiologia (ciência dos valores) e as considerações ético-morais vieram impregnar o Direito
Internacional de sentido, tornando as suas normas teleologicamente orientadas, ou seja,
dirigidas à consecução de certas finalidades.

REGIMES DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL


Há, no modelo moderno, dois regimes de responsabilidade internacional:
Regime regra: herdado do modelo clássico, tutela atos ilícitos menos graves;
Regime extensional: impõe consequências jurídicas diversas no caso de violação de normas
hierarquicamente superiores. A responsabilidade internacional passa a ser, neste regime, um
assunto:
• Público ➔ perante a violação de normas qualificadas, todos os Estados passam a
poder se considerar lesados pela prática do ato ilícito - a responsabilidade
universaliza-se.

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• Individual (além de coletivo) ➔ o indivíduo também é, agora, sujeito de Direito


Internacional (no caso de atos ilícitos mais graves, os indivíduos são responsabilizados
no plano internacional). A responsabilidade internacional por factos ilícitos
individualizou-se no modelo moderno, surgindo a possibilidade de aos indivíduos
serem atribuídas responsabilidades internacionais.
• Sancionatório (para além de reparatório) ➔ o Estado que haja violado normas de
Direito Internacional hierarquicamente superiores deve reparar danos e tem uma
sanção a ele aplicada (pode ser política, económica e até militar)

A violação das normas que tutelam interesses fundamentais da comunidade internacional


não constitui mais um assunto privado entre os Estados autor e vítima do ilícito, pelo
contrário: em tais casos, a responsabilidade internacional torna-se universal, dizendo respeito
a todos os Estados. A responsabilidade internacional por factos ilícitos deixa, ainda, de ter
finalidade meramente reparatória, convertendo-se para uma dimensão sancionatória.
No contexto da violação das normas, insere-se a distinção entre crimes e delitos
internacionais. A expressão crime internacional é fonte de confusões e incertezas dada a
conotação penal própria da palavra crime, a qual não se encaixa muito bem numa sociedade
com as características da sociedade internacional, e a pressuposição de estruturas de
subordinação (conaturais a responsabilização criminal), a qual também não serve bem à
sociedade internacional. Assim, a expressão crime internacional tem, atualmente, uma
substituta, a violação grave de obrigações decorrentes de normas imperativas de Direito
Internacional. A responsabilidade dos Estados por atividades não proibidas pelo Direito
Internacional (responsabilidade objetiva pelo risco) é um outro tipo de responsabilidade, não
fundada na ilicitude, consagrada por convenções do modelo moderno em casos particulares.
Essas atividades são as atividades lícitas, mas intrinsecamente perigosas (atividade ultra-
hazard ou de risco excecional), por exemplo: a utilização pacífica e o transporte marítimo de
energia nuclear e o lançamento de engenhos espaciais.Também fazem parte da
responsabilidade objetiva dos Estados, identificados pela jurisprudência internacional, os atos
de funcionários do Estado praticados ultra vires (além dos seus poderes) e os danos
ambientais resultantes do risco anormal de vizinhança.

EM SUMA
• O Direito Internacional contemporâneo é “axiologicamente fundado e materialmente
interessado”, não mais repousando, como fazia no modelo clássico, na falsa ideia da
igualdade apenas formal entre os Estados.
• As normas internacionais, no modelo moderno, são orientadas por uma finalidade
(orientação teleológica) não mais sendo, como no modelo clássico, uma mera
ratificação do status quo da realidade internacional.
• Em vista das interdependências crescentes, a sociedade torna-se mais integrada e
institucionalizada, caminhando para um modelo de comunidade. Apesar de tal
integração, ocorrem, por vezes, situações graves no plano internacional.

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CAPÍTULO II - FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL

I. ARTIGO 38.º DO ESTATUTO DO TRIBUNAL INTERNACIONAL DE


JUSTIÇA
Vamos agora ocupar-nos dos vários procedimentos ou técnicas de criação, modificação ou
extinção das normas jurídico-internacionais. Tais mecanismos são as fontes formais
(procedimentos e técnicas de criação, são aquelas fontes ou instrumentos que criam
efetivamente o direito, transformando o que está no mundo pré-jurídico para o mundo
jurídico - atuam no âmbito da criação) e as fontes auxiliares (ou fontes materiais são fatores
que contribuem para o aparecimento das normas jurídicas internacionais, razões de caráter
político, social e económico, ajudam a descobrir o conteúdo das normas jurídicas, mas não
criam propriamente o direito - atuam no âmbito da interpretação ). No entanto, não há uma
Constituição no Direito Internacional, como no Direito Interno dos Estados e só um texto que
beneficiasse de uma aceitação generalizada na comunidade internacional poderia definir o
elenco dessas fontes. Esse texto é, de facto, o Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça
(ETIJ - com sede em Haia, principal órgão das Nações Unidas), que em função do número de
Estados que a ele aderiram, é objeto de consenso universal.
No seu artigo 38º, estão discriminadas as três fontes formais de Direito Internacional: as
convenções internacionais, o costume e os princípios gerais de direito. Ainda se faz referência
a dois modos auxiliares de determinação de regras jurídicas que, não tendo a virtualidade de
criar direito, não podem ser considerados fontes em sentido formal: a jurisprudência e a
doutrina. O segundo parágrafo do artigo alude à possibilidade de o Tribunal Internacional de
Justiça decidir de acordo com critérios de equidade, se as partes o autorizarem.
Podemos retirar três conclusões acerca do artigo 38º ETIJ. Em primeiro lugar, é a de que não
é exaustiva a lista dos modos de revelação de normas de DI nele contida, há outros
procedimentos que foram deixados de fora. É o caso, por exemplo, como é o caso dos atos
jurídicos unilaterais dos Estados e atos das Organizações Internacionais (resoluções ou
regulamentos, recomendações e pareceres).
Em segundo lugar, não há relações de hierarquia entre as fontes formais de Direito
Internacional. Mas a verdade é que não foi aleatória a ordem pela qual foram enunciadas no
artº 38 do ETIJ. Ou seja, há uma ordem sucessiva pré-estabelecida tomada em consideração.
A ordem de enunciação das fontes pelo artigo 38º não é, apesar da não hierarquia, aleatória.
As convenções internacionais são enunciadas primeiro, seguidas pelo costume e depois pelos
princípios gerais de direito. Essa ordem é a ordem sucessiva de tomada em consideração, isto
é, de recorrência. Os juízes do Tribunal Internacional de Justiça, nos casos que lhe são
submetidos para apreciar e julgar, recorrem primeiro às convenções; há uma preferência
lógica de aplicação delas pois é mais fácil provar que elas existem: o direito é mais facilmente
provado através de um papel do que de um comportamento reiterado, por exemplo. A ideia
de “não-hierarquia” não vale, entretanto, pelas normas reveladas pelas fontes formais de
direito internacional: fontes e normas são conceitos distintos.

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Enquanto as fontes são processos técnicos de produção jurídica de regras, as normas são o
próprio conteúdo das regras reveladas pelas fontes. Assim, o que há é a hierarquia entre as
normas criadas por tais fontes em virtude dos seus conteúdos ou dos seus objetos de
proteção (exemplo: prevalência das normas imperativas ou de ius cogens sobre as demais).
Os conflitos provenientes entre normas criadas por fontes formais de Direito Internacional
são resolvidos, tradicionalmente, a partir de três parâmetros/testes que se aplicam numa
ordem sucessiva e subsidiaria.
Primeiro, analisa-se a hierarquia entre as normas: uma lei superior derroga uma lei inferior
(hierarquia do conteúdo material das normas, e não formal das fontes). Se a análise da
hierarquia não solucionar o conflito, recorre-se ao critério da especialidade: uma lei especial
derroga uma lei geral. Caso este também não seja suficiente, aplica-se o critério da
atualidade: uma lei posterior derroga uma lei anterior.
A terceira conclusão é a de que nenhuma definição foi dada das fontes nele elencadas, isto é,
as fontes formais do Direito internacional estão identificadas, mas não definidas, porque os
autores do Estatuto do Tribunal Internacional da Justiça acharam que os conceitos que
existiam eram resultado do direito internacional costumeiro. Isso resulta da circunstância de
existir uma espécie de norma iminente, de validade geral, revelada consuetudinariamente,
que nos diz quais são e em que consistem as várias formas de produção jurídica admitidas na
comunidade internacional. Assim, o artº 38 mais não fez que, sob a forma escrita, dar
expressão àquela norma consuetudinária pré-existente.

II. CONVENÇÕES OU TRATADOS INTERNACIONAIS

2.1 NOÇÃO E CLASSIFICAÇÕES FORMAIS


Uma convenção internacional é um acordo de vontades concordantes, uma manifestação de
vontades concordantes 3, entre dois ou mais sujeitos 4 de Direito Internacional, destinada a
vincular juridicamente 5 a conduta desses sujeitos, e regulada concorrentemente pelo direito
interno e pelo Direito Internacional 6.

3 Manifestação de vontades concordantes pois a celebração de um acordo pressupõe o


encontro de vontades capaz de proporcionar o surgimento de normas jurídicas que
disciplinarão a conduta dos sujeitos vinculados pelo acordo. Não basta a declaração de
vontade de um único sujeito: é isso que diferencia as convenções dos atos (que são
unilaterais). Quando há vontades convergentes, as partes perseguem interesses
contraditórios (exemplo: um contrato de compra e venda – os interesses do comprador e do
vendedor são opostos, uma vez que um quer comprar e outro quer vender), quando há um
fecho de vontades no mesmo sentido, a convenção internacional assemelha-se a uma lei –
cria regras gerais e objetivas para as partes celebrantes. É justamente por conta dessa possível
não-homogeneidade de interesses que a concordância é essencial para celebrar tal acordo ver
classificação material.

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4 Tendo aumentado o número de sujeitos de Direito Internacional, assistiu-se, paralelamente,

ao surgimento de outras categorias de tratados, em que um ou ambos os intervenientes são


entidades não-estaduais: é o caso das convenções concluídas entre estados e organizações
internacionais, ou celebradas apenas entre estas. No entanto, os Tratados entre Estados
permanecem, naturalmente, como a categoria mais importante.
5 Vincular juridicamente a conduta desses sujeitos é a finalidade da convenção, seja tal
vinculação sob o ponto de vista positivo (de fazer algo) ou negativo (de não fazer algo). As
convenções criam obrigações de natureza jurídica - se elas são violadas, há consequências
jurídicas (sanções). Os tratados diferenciam-se, portanto, dos atos concertados de caráter
não convencional (ou gentlemen's agreement) que resultam de uma negociação concluída
entre representantes dos estados em seu nome pessoal, e sem a intenção de vincular os
respetivos Estados – são acordos não vinculativos para os estados e não fazem parte do
Direito Internacional. Podem até por vezes estar na antecâmera da conclusão de uma
convenção internacional, mas eles próprios não são convenções internacionais, porque deles
não resultam direitos ou obrigações para as partes. Portanto, para estarmos perante uma
convenção internacional é preciso que se criem vínculos jurídicos para os estados parte ou
organizações internacionais - é um instrumento de carater jurídico.
6Reguladas concorrentemente pelo direito interno e pelo Direito Internacional: É regulada
pelo direito internacional, evidentemente, porque se trata de um acordo concluído entre
sujeitos de direito internacional e vai produzir efeitos na ordem política internacional.
Também é regulada pelo direito interno porque é concluída na sequência de um
procedimento feito de várias etapas que são reguladas pelo direito interno dos estados,
normalmente nas constituições estaduais. A convenção depois é inserida num plano interno
e produz os seus efeitos também na ordem jurídica interna. Para além disso, a forma pela
qual os Estados demonstram a sua vontade depende do seu regulamento jurídico interno.

Classificação formal das convenções


Critério da qualidade das partes ➔ distinguem-se três tipos de convenções internacionais:
celebradas entre Estados, celebradas entre Estados e Organizações Internacionais, e as
concluídas entre Organizações Internacionais.

Critério do número de partes ➔ as convenções internacionais podem ser bilaterais ou


multilaterais, consoante na respetiva celebração tenham participado duas ou mais partes.
Dentro dos tratados multilaterais, há dois tipos: os gerais ou abertos, que tendem para a
universalidade pois o número de partes não é limitado e qualquer Estado pode se tornar parte
deles por um ato unilateral de adesão; e os restritos ou fechados, que têm número de partes
limitado (exemplo: o acordo ortográfico é uma convenção internacional multilateral restrita
– tem mais do que duas partes, mas só tem oito e não pode ter mais, visto que apenas os
países de língua oficial portuguesa podem fazer parte dela).

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Critério do procedimento de conclusão ➔ as convenções internacionais podem dividir-se em


tratados solenes ou acordos em forma simplificada. Estes últimos têm um procedimento de
conclusão, a um tempo, mais simples e mais célere do que os tratados solenes, visto não
carecerem de ratificação. Assiste-se, na prática internacional, a um recurso cada vez mais
frequente à figura do acordo em forma simplificada, sobretudo em casos nos quais a
necessidade de ratificação (pelo chefe de Estado/executivo) seja precedida por um ato
obrigatório de aprovação do legislativo (Parlamento) e a orientação deste não esteja de
acordo com a do executivo. Assim, buscando a dinamização da vida diplomática, os Estados
preferem utilizar os acordos em forma simplificada, propiciando assim uma intervenção
exclusiva do executivo (executive agreements), com a consequente perda de importância do
tratado solene. Muitas vezes, a exigência de ratificação para os tratados solenes redunda
numa morosidade do processo de formação da convenção.

Critério da forma ➔ distingue os tratados escritos dos tratados orais. Os primeiros


materializam-se num documento escrito, os segundos resultam de um comportamento
verbal. Tipicamente, a convenção é celebrada de forma escrita – a Convenção de Viena sobre
o Direito dos Tratados (conhecida pelo Tratado dos Tratados) apenas se aplica a convenções
internacionais concluídas sob a forma escrita. No entanto, é admissível que uma convenção
possa ser concluída oralmente, tal como se passa no direito interno – os contratos podem ser
escritos ou podem ser orais, mas há toda a conveniência de serem reduzidos a escrito para
que as partes estejam bem cientes dos seus direitos e das suas obrigações, de forma a que
não haja ambiente propício ao incumprimento da convenção.

Classificação material
Tratado-lei é o tratado que estipula direitos e obrigações iguais (portanto as vontades
convergem), gerais e abstratas, vinculando todos os sujeitos integrantes do tratado da mesma
forma, como por exemplo o Tratado da União Europeia;

Tratado-contrato estabelece direitos e obrigações diferentes para as partes visto que, na
ocasião desse tratado contrato, o interesse das partes é contraposto. Aquele em que as partes
prosseguem os mesmos interesses e, portanto, se assemelha a uma lei, ocasionam a criação
de situações opostas de caráter subjetivo.

2.2 PROCEDIMENTO DE CONCLUSÃO DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS


O trâmite para a conclusão de uma convenção internacional é o seguinte:
• Negociação
• Assinatura (ou autenticação)
• Aprovação
• Ratificação
• Entrada em vigor
• Registo e publicação

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1º NEGOCIAÇÃO ➔ Os representantes do Estado designados pelo direito interno para tal


tarefa ou as Organizações Internacionais negociam e modulam reciprocamente as suas
vontades, discutindo, redigindo e adotando, assim, o texto da futura convenção. No decurso
da discussão, os projetos podem ser objeto de emendas e contrapropostas. A negociação está
habitualmente a cargo dos chamados plenipotenciários, que são delegados ou
representantes governamentais, munidos de plenos poderes para participar no conjunto de
operações técnico-diplomáticas que esta primeira etapa da conclusão dos tratados envolve.
A prática da carta de plenos poderes, através das quais o órgão constitucionalmente
competente habilita os delegados governamentais a procederem à negociação dos tratados.
Hoje, esta prática persiste e foi, inclusive, acolhida pela própria CV, que confirmou o seu
caráter costumeiro (artº 7). No entanto, para determinadas entidades funciona uma
presunção de competência para negociar as convenções internacionais, visto estar implícito
na função que exercem. Não é, então, necessária uma habilitação expressa para a negociação.
É o que sucede com o Chefe de Estado, o chefe de Governo, o Ministro dos negócios
estrangeiros, os representantes acreditados dos Estados a uma conferência internacional ou
junto de uma Organização Internacional, em vista da conclusão de um tratado, etc. art. 7º,
nº2 da CV.
Em Portugal cabe ao Governo (e não aos ministros ou ministérios) negociar as convenções
internacionais (art. 197º nº1 al. B) da CRP), devendo os governos regionais participar na
negociação daquelas que versem matéria de interesse específico para as Regiões Autónomas
(art. 227º, nº 1, al. T) da CRP).
Terminada a negociação os Tratados apresentam uma estrutura própria, isto é, são
constituídos por determinados elementos formais:
• Preâmbulo ➔ nele são indicadas, em regra por ordem alfabética, as partes
contratantes, o local da conclusão e os motivos subjacentes à negociação (ou seja, a
declaração do objeto e do fim da convenção). Ele não cria direitos ou obrigações, mas
constitui um valioso elemento de interpretação porque expõe os motivos das partes,
podendo ser aplicado para interpretar o conteúdo das normas.

• Corpo ou dispositivo ➔ onde estão artigos e cláusulas finais da convenção. Os artigos


expõem os direitos e obrigações das partes contratantes. As cláusulas finais
determinam quando o tratado começará a vigorar, a extensão dos seus efeitos aos
Estados não contratantes, o procedimento de revisão, a duração, etc. O dispositivo é,
assim, juridicamente vinculativo.

• Anexos ➔ Consistem em disposições de caráter técnico complementares de artigos


do tratado que, possuído a força jurídica obrigatória do dispositivo, são
autonomizados deste, a fim de se evitar um aspeto demasiado pesado ou maçudo da
convenção.

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2º AUTENTICAÇÃO OU ASSINATURA ➔ Realizada pelos plenipotenciários. Pode a


autenticação não se substanciar numa verdadeira assinatura. É o que acontece toda a vez que
os plenos poderes não conferem ao representante do Estado a faculdade de assinar. Em tal
situação, o negociador limita-se à aposição de iniciais no texto da convenção ou assina ad
referêndum (pendente de aprovação). Em ambos os casos é necessária uma confirmação
posterior, que se traduzirá numa assinatura definitiva por parte de quem tenha plenos
poderes para o efeito.
• Acordos em forma simplificada ➔ não precisam de ratificação e, assim, a assinatura
(seguida pela aprovação) basta para a vinculação do sujeito contratante no plano
internacional, servindo assim como manifestação do consentimento à vinculação
internacional. Art. 10º, 12º, 18º da CV. Além da vinculação, os outros efeitos jurídicos
são também produzidos.
• Tratados solenes ➔ o procedimento de conclusão prossegue com um ato
especificamente dirigido à manifestação do consentimento à vinculação (art. 11º da
CV). Para estes, o texto assinado vale apenas como projeto de tratado. Essa vinculação
do Estado às disposições da convenção é expressa através da ratificação, momento
posterior da assinatura (autenticação). No entanto, com a autenticação do Tratado
surgem alguns efeitos, entre os quais: a inalterabilidade do texto previamente
adotado, o dever geral de boa fé para os Estados contratantes (traduzido em
obrigações negativas: não ir contra o previsto na convenção, não privá-la do seu fim)
e o direito de defender a integridade da Convenção, pelo qual se entende que o Estado
tem de incitar o comportamento dos seus pares direcionados de cumprir os fins da
convenção e reclamar com os seus pares quando eles se colocam contra os fins da
convenção.

3º APROVAÇÃO ➔ Todas as Convenções internacionais têm de ser aprovadas, sendo o ato


de aprovação conferente de eficácia à Convenção internacional, ou seja, da efetiva produção
de efeitos jurídicos a que tende. Qualquer ato jurídico pode ser válido, mas não eficaz (e vice-
versa): a validade é apoiada apenas na conformidade com a ordem jurídica, já a eficácia,
garantida pela aprovação por exemplo, apoia-se na efetiva produção de efeitos jurídicos do
ato. A aprovação é uma das formas de se manifestar o consentimento de um Estado em ficar
vinculado por uma convenção (para além dela há por exemplo a ratificação no caso dos
tratados solenes).

Artigo 161º da CRP:


• Convenções internacionais do tipo acordos em forma simplificada são aprovadas pelo
Governo (Conselho de Ministros) mediante decreto simples e, depois disso, tendo a
assinatura do presidente, já passam a produzir efeitos.
• Convenções internacionais do tipo tratados solenes são aprovadas pela Assemb
leia da República (parlamento) por meio de uma resolução e tem um trâmite mais
longo específico para que a produção de efeitos comece no plano internacional,

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necessitando, além da aprovação, uma carta de ratificação do presidente referendada


pelos ministros

Todos os acordos que demandam aprovação da Assembleia da República são tratados


solenes. Há alguns tratados cujas matérias são sujeitas à aprovação da Assembleia: tratados
de participação de Portugal em organizações internacionais; tratados de amizade; tratados
de paz; tratados de defesa; tratados de retificação de fronteiras; tratados respeitantes a
assuntos militares; e acordos internacionais (que são materialmente tratados solenes) que
versem matérias da competência reservada da Assembleia ou que o Governo entenda
submeter à sua apreciação. Assim, também serão matérias de tratado todas aquelas
reservadas à competência da Assembleia.
Em alguns casos, o legislador da Assembleia não segue o “caminho constitucional” para a
aprovação de tratados. A Assembleia pode, por vezes, promulgar uma lei aprovando o
tratado. É possível, também, que o presidente realize um ato que aprove os tratados. Tais
formas de aprovação diferentes podem ser ou não válidas: no caso da realização de um ato
pelo presidente, as condições para a aprovação não são preenchidas porque não há debate
parlamentar, não sendo o ato algo jurídico e coletivo e, nesse caso, o tratado é anulado.
No caso da aprovação do tratado por meio de uma lei, por outro lado, as condições para a
aprovação são preenchidas porque há o debate. A aprovação dos tratados por forma de lei é
válida pois se dá por excesso de forma: se a lei é aprovada, a resolução também foi (a lei
demanda mais requisitos, sendo uma forma hierarquicamente superior à resolução). Saber
os parâmetros de validade do ato de aprovação da Assembleia é muito importante: o que for
menos que uma resolução (escassez de forma), como o ato do presidente, invalida o tratado.

4º RATIFICAÇÃO (Existente apenas para convenções do tipo tratado solene) ➔ A ratificação


é o “ato solene pelo qual o órgão competente à face do direito constitucional (chefe de Estado)
declara a vontade do Estado se obrigar perante as disposições de um tratado, assim tornado
definitivo, comprometendo-se, daí por diante, a executá-lo”. É a ratificação que manifesta a
vontade do Estado português a vincular-se internacionalmente ao tratado solene. Todas as
Convenções têm de ser aprovadas internamente, à luz da CRP, podem ser aprovadas pelo
Governo ou pela AR e, de acordo com o art. 16º CRP compete à AR aprovar os Tratados
solenes e os acordos em forma simplificada que digam respeito a alguma sua matéria
reservada (art. 163º, 164º 165º). Os acordos em forma simplificada de outras matérias podem
ser aprovados pelo Governo (art. 161º).
Processo de aprovação de acordos ➔ Em Portugal, o Presidente da República é o responsável
por ratificar os tratados solenes que vinculam o Estado português (artigo 135º da CRP) após
a sua aprovação. A ratificação não é, entretanto, obrigatória por parte do chefe de Estado,
sendo um ato livre e discricionário (assim, o presidente pode se recusar a ratificar um
tratado). Pode acontecer que o PR ratifique um Tratado sem que, em momento anterior,
hajam sido cumpridas, ou tenham-no sido defeituosamente, determinadas

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formalidades constitucionalmente previstas. Se for esse o caso estaremos perante as


chamadas ratificações imperfeitas, como por exemplo:
• Ratificação sem prévia aprovação do tratado solene pela Assembleia da República.
• Prévia aprovação do tratado feita por meio de uma lei e não por uma resolução
havendo um excesso de forma numa das etapas que precederam a ratificação.
• Aprovação pelo próprio Chefe de Estado
• Ratificação do Presidente da República sem que na negociação do tratado tenham
participado os governos regionais no caso de a sua matéria versar sobre questões
relativas às Regiões Autónomas.
A violação da norma constitucional respeitante ao processo de conclusão dos Tratados tem
consequências jurídicas, previstas no art. 46 da CV - "a circunstância de o consentimento de
um Estado a obrigar-se por um tratado ter sido expresso com violação de um preceito do seu
direito interno respeitante à competência para a conclusão dos tratados, não pode ser
alegada por esse Estado como tendo viciado o seu consentimento, a não ser que essa violação
tenha sido manifesta e diga respeito a uma regra do seu direito interno de importância
fundamental”. Normalmente, as ratificações imperfeitas não provocam a invalidade
internacional das convenções. Um Estado não tem a permissão de invocar uma ratificação
imperfeita como meio de se eximir ao cumprimento dos seus compromissos internacionais.
A única possibilidade de a validade ser relativizada é aquele no qual se verifiquem duas
circunstâncias simultaneamente: a violação da norma de direito interno ter sido manifesta e
a violação daquela norma ser considerada de importância fundamental. Neste caso, a
ratificação imperfeita será um vício relevante e ocasionará a invalidade (nulidade relativa) da
convenção. Será uma violação manifesta quando for objetivamente evidente para qualquer
Estado que proceda, nesse domínio, de acordo com a prática habitual e de boa fé, isto é,
quando as outras partes contratantes se aperceberem (ou devessem ter se apercebido) da
violação.
Neste domínio, são fundamentalmente dois os valores aqui subjacentes: o da regularidade
do procedimento interno de conclusão dos tratados; de outro, o da estabilidade, certeza e
segurança nas relações internacionais. Ora, a Convenção de Viena privilegiou claramente o
segundo. Se fosse outra a solução, os Estados teriam ao seu dispor uma forma muito fácil de
se furtarem à observância das suas obrigações internacionais (desvinculavam-se facilmente),
pois podiam invocar toda e qualquer irregularidade (mesmo que fosse a mais insignificante)
cometida no decurso do procedimento.
À partida, todos os preceitos constitucionais são de importância fundamental, mas nem todos
são considerados como tal quando se trata da violação que acarretará na invalidade da
convenção. Nos casos de ratificação imperfeita por excesso de forma ou por ratificação pelo
chefe de Estado, o Estado português não poderia pleitear a nulidade da convenção porque
tais vícios são pouco graves. Já nos casos de ratificação imperfeita por conta da falta de
aprovação ou pela não participação dos governos regionais na negociação de tratados cuja
matéria versa sobre questões relativas às Regiões Autónomas é permitido ao Estado invocar
internacionalmente a irregularidade formal do seu consentimento a vincular-se pelo tratado.

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

No plano interno, as consequências jurídicas de uma ratificação imperfeita estão previstas no


art. 277º, nº 2 da CRP (numa norma semelhante ao 46º da CV.): a inconstitucionalidade
orgânica e formal de tratados internacionais não impede que eles sejam aplicados na ordem
jurídica do país (desde que as normas convenção sejam aplicadas na ordem jurídica da outra
parte), salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma disposição fundamental.
Assim, para que normas internacionais convencionais não se invalidem no plano interno, a
violação só pode ser de regras secundárias internas relativas à competência, à forma ou ao
procedimento de celebração ou aprovação de tratados. No entanto, a norma da constituição
portuguesa foi redigida desastrosamente. Mas percebe-se que a ideia foi consagrar uma
solução idêntica à defendida na CV.

5º ENTRADA EM VIGOR ➔ momento em que as convenções internacionais, passado a fazer


parte do direito positivo, se integram no ordenamento jurídico internacional produzindo a
partir de então os seus efeitos jurídicos, sendo assim eficaz (é na eficácia que direito e
validade se conectam). Regem, a esse respeito, os art. 24º e 25º da CV. O tratado entra em
vigor ou segundo o estipulado e na data fixada pelas suas disposições, ou em conformidade
com as modalidades acordadas pelos Estados participantes da negociação. Na falta daquelas
disposições ou acordo, o tratado entra em vigor logo que todos os Estados que hajam
participado na negociação, manifestem o seu consentimento à vinculação. De acordo para o
art. 55º da CV, em tratados multilaterais, é estipulado um número mínimo de ratificações
para entrar em vigor.
• Artigo 24º CVDT: tratado entrará em vigor ou na data por ele estipulada e fixada pelas
suas disposições ou em conformidade com o acordado entre os Estados contratantes.
Na falta de disposições ou acordo, o tratado entra em vigor assim que todos os Estados
que tenham participado da sua negociação manifestem seu consentimento à
vinculação (nesse caso, o momento da entrada em vigor coincidiria com o momento
da aprovação ou ratificação): se a convenção for multilateral restrita, entrará em vigor
no momento em que todos os Estados contratantes a tenham ratificado (manifestado
consentimento à vinculação); se ela for multilateral aberta (como por exemplo o
Estatuto Penal Internacional), entrará em vigor quando for atingido um determinado
número de ratificações (entretanto, se esse número não for atingido ela não deixa de
vigorar)
• Artigo 25º: regula a aplicação do tratado a título provisório, o que é possível em
virtude de disposições nele presentes ou de um acordo prévio entre os Estados
contratantes.

6º REGISTO E PUBLICAÇÃO ➔ Termina o procedimento de formação das convenções


internacionais com o seu registo e publicação. Estas etapas são previstas pelo artigo 102º da
Carta da ONU e pelo artigo 80º da CVDT. No plano internacional, as convenções devem ser
registadas e publicados pelo Secretariado da Organização das Nações Unidas, que funciona
como uma “conservatória internacional”. No art. 80º, nº 1 da CV é dito que um Tratado que
não seja registado junto do Secretariado da ONU será plenamente válido, no entanto, não

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

poderá ser invocado perante os órgãos daquela organização, em particular, perante o


Tribunal Internacional de Justiça, pois será nesta instância jurisdicional que os Estados terão
interesse em invocar as disposições de uma convenção internacional. Em Portugal, a
convenção é publicada no Diário Oficial do Estado.

Em suma
Há três grandes planos pelos quais uma convenção internacional deve passar para que
comece a vincular sujeitos e produzir efeitos jurídicos: o da existência, o da validade e o da
eficácia (sendo neste último que a produção de efeitos tem início com a entrada em vigor da
convenção). Após estas três etapas, há outros dois passos que não são condições de validade
ou eficácia, mas são importantes efeitos para que a comunidade internacional saiba da
existência da convenção e para que a convenção possa ser invocada perante a ONU ou
analisada pelo Tribunal de Justiça Internacional: o registo e a publicação da convenção
internacional.

2.3 MECANISMOS DESTINADOS A FACILITAR A ENTRADA DOS ESTADOS NAS CONVENÇÕES


A tendência atual é a de facilitar, o mais possível, a participação dos Estados nos Tratados
Multilaterais, quase lhes sendo reconhecido um “direito ao tratado”. Com isto se pretende
promover uma maior aproximação entre os povos, reforçando o grau de integração da
comunidade internacional e conferindo uma maior eficácia às normas de DI. São 3 os
mecanismos para alargar o leque dos Estados-partes: a assinatura diferida, a adesão e a
formulação de reservas.

Assinatura diferida
Tradicionalmente, apenas os Estados participantes na negociação, e para quem o texto-
projeto fosse considerado satisfatório, era permitida a assinatura das convenções
internacionais. Hoje, a possibilidade de assinar um Tratado existe não só para os Estados que
participaram na negociação, entendendo, todavia, por bem, (com o intuito de melhor
refletirem acerca do conteúdo desse tratado) diferir a sua assinatura para um momento
subsequente à adoção do texto, mas também para os que nela não tenham participado. Nisto
consiste a assinatura diferida (assinatura a posteriori), trata-se daquela que podem fazer os
Estados durante um prazo estabelecido na própria convenção (ou até sem qualquer limite de
tempo), tendo ou não participado na fase de negociação. Este mecanismo aplica-se a Tratados
que ainda não tenham entrado em vigor.

Adesão
Caso o Tratado já tenha entrado em vigor, através da adesão (art. 15º da CV) permite-se a um
Estado não signatário de uma convenção internacional, tornar-se parte nela,
independentemente de ter ou não participado na negociação. À semelhança da ratificação, a
adesão serve para exprimir o consentimento de um Estado a ficar vinculado por um tratado,
submetendo-se assim aos termos da negociação, pelo que constitui um meio eficaz

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de alargar o campo de aplicação do direito internacional convencional. Como a adesão não é


precedida de um ato de autenticação, a aprovação do Tratado deverá ser feita
antecipadamente. Caso não aconteça, estamos perante uma situação de ratificação
imperfeita.

Reservas
Pode ocorrer que um Estado esteja globalmente de acordo com o objeto e o conteúdo
essencial de uma convenção internacional do qual está prestes a se tornar parte, discordando,
entretanto, de certa ou certas disposições desse tratado. Nesses casos, o Estado tem a
possibilidade de fazer parte do tratado declarando, todavia, que exclui as cláusulas que não
lhe convêm ou que pretende modificar tais cláusulas, atribuindo-lhes um
significado diverso, aceitável a si próprio. Tais atos unilaterais são denominados reservas: no
primeiro caso citado, ela é de exclusão; no segundo, de modificação. As reservas podem ser
formuladas nos momentos da: assinatura, ratificação, aceitação ou aprovação, visando
“excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a esse
Estado” (artigo 2º/1d da CVDT).
No Direito Internacional Clássico, a reserva só poderia ser feita caso todos os Estados
estivessem de acordo com ela (exigência de unanimidade). Tal condição foi alterada em 1951
pelo Tribunal Internacional de Justiça frente ao caso das reservas à Convenção sobre o
Genocídio. A partir daí, passou a bastar a aceitação de um dos Estados partes para que uma
reserva formulada por um determinado Estado seja aceite, isto é, para que o Estado
formulador da reserva possa editar a disposição que pretende (desde que ela não contenda
com o objeto e o fim da convenção). Nos dois casos, a reserva altera a disposição apenas do
Estado que a formulou e solicitou.

2.4 EFICÁCIA DAS CONVENÇÕES EM RELAÇÃO A TERCEIROS


Segundo a máxima pacta tertiis nec nocent nec prosunt, tratados não produzem efeitos para
terceiros, isto é, não lhes impõe obrigações nem lhes atribui direitos.

O princípio da relatividade do efeito dos tratados


Em princípio, uma Convenção só produz efeitos para os Estados-Partes. Ao estatuir no art.
34º, que “um Tratado não cria nem obrigações nem direitos para um Estado terceiro sem o
consentimento deste último”, a CV viria a codificar um costume observado na prática estadual
internacional e unanimemente reconhecido pela jurisprudência internacional. Nisto consiste
o princípio da relatividade dos efeitos dos Tratados, ou da eficácia relativa.
Há, no entanto, duas exceções a tal princípio, as quais podem ter caráter impróprio (falsas
exceções), quando o tratado é aplicado a Estados terceiros com o seu consentimento, ou
próprio (verdadeiras exceções), quando o tratado é aplicado a terceiros sem o seu devido
consentimento.

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Aplicação das convenções a estados terceiros com o seu consentimento


Tal aplicação com consentimento configura uma exceção imprópria do princípio da
relatividade do efeito dos tratados porque há algum tipo de manifestação de vontade dos
Estados envolvidos em fazer parte do acordo, ou seja, há consentimento.
Há três instrumentos jurídicos através dos quais os efeitos de um tratado se aplicarão a um
Estado não signatário: acordos colaterais, estipulação em favor de outrem e cláusula de nação
mais favorecida.

Acordo colateral ➔ logo no art. 35º da CV, admite-se a possibilidade de um Tratado criar
obrigações para um Estado terceiro. Trata-se do mecanismo do acordo colateral. Vamos
supor que A e B, partes num tratado inicial, pretendem criar uma obrigação para C (Estado
terceiro – que não participou nas negociações). Tal intenção só logrará concretizar-se, caso C,
expressamente e por escrito, anua em ser sujeito passivo da mencionada obrigação. Daqui se
conclui que a obrigação não se impõe a C por força da convenção A-B, mas sim em resultado
de um acordo posterior em que serão intervenientes os três Estados considerados. É o acordo
colateral que constitui o fundamento jurídico da obrigação que passa a vincular o Estado
terceiro.

Estipulação em favor de outrem ➔ Tal instrumento jurídico se traduz na criação de um


direito, por Estados partes numa convenção internacional, cujo beneficiário é um terceiro
Estado. Este direito nasce de uma disposição do tratado de criá-lo e o consentimento do
Estado receptor do direito é presumido “enquanto não haja indicação em contrário, a menos
que o tratado disponha diversamente” (artigo 36º CVDT). Tal direito não pode ser revogado
ou modificado pelas partes que o atribuem sem que haja o consentimento do Estado terceiro
(se assim a convenção concluir). Por não estar em causa a imposição de uma obrigação, mas
sim a atribuição de um direito, o consentimento do Estado terceiro é presumido: presume-se
o consentimento de quem vai auferir uma vantagem. Caso o Estado terceiro não queira se
beneficiar de tal direito, é preciso haver uma manifestação expressa por parte dele.

Cláusula da nação mais favorecida ➔ outro mecanismo muito corrente, sobretudo de caráter
económico “expediente técnico destinado à criação de direitos em benefício de um terceiro”,
é o da cláusula da nação mais favorecida. Imaginemos a existência de um contrato inicial entre
A e B referente a tarifas aduaneiras incidentes na importação de certos produtos. Nele, as
partes contratantes concordam em inserir uma cláusula segundo a qual se qualquer um deles
(A ou B) concluir, no futuro, uma convenção sobre a mesma matéria com um outro Estado (C,
por exemplo) mas com condições mais favoráveis ou sob um regime mais vantajoso, essas
disposições mais favoráveis deste segundo acordo (entre A e C ou entre B e C) serão aplicadas
no primeiro (entre A e B), beneficiando também então o estado (A ou B) que esteve fora do
segundo acordo. Assim, por meio do segundo tratado nascerão direitos em cuja titularidade
ficará investido um terceiro (que era parte contratante do primeiro acordo, o qual
estabeleceu a cláusula). O consentimento de A (ou B) em ser titular de direitos surgidos com
o segundo tratado é prestado por antecipação: quando o primeiro acordo foi concluído, os

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Estados partes aceitaram beneficiar-se de um hipotético regime mais favorável que poderia
surgir com uma convenção eventualmente celebrada, em momento posterior, com um
terceiro Estado.

Aplicação das convenções a estados terceiros sem o seu consentimento


O artigo 38º da CVDT prevê a extensão a terceiros Estados, por via costumeira, das regras de
um tratado, as quais se tornam obrigatórias como normas consuetudinárias de direito
internacional. A aplicação dos instrumentos jurídicos a seguir independe da vontade do
Estado terceiro.

Criação de situações objetivas ou estatutárias ➔ Tais situações são criadas por meio de
convenções que se destinam à instituição de certos estatutos políticos ou territoriais e
apresentam um caráter de verdadeiro direito objetivo, sendo os seus efeitos sentidos por
partes não-contratantes. É o caso das convenções internacionais que consagram
determinados estatutos territoriais, como as convenções que criam uma zona de
desmilitarização (como ocorre na Antártida); que criam uma zona neutra; ou as que
determinam zonas de navegação. Tais convenções criam um estatuto político para um
território e não podem deixar de produzir efeitos para terceiros pois estabelecem algo
objetivo que terceiros terão de respeitar, como a delimitação de uma fronteira, por exemplo.
Nesses acordos que criam situações objetivas a noção de governo internacional de facto é
manifestada: um conjunto de Estados atua em nome do interesse geral da comunidade,
procurando criar regras de alcance universal, disciplinadoras da conduta de seus membros,
através de procedimentos “quase legislativos”.

Disposições convencionais destinadas à criação de um novo sujeito de direito ➔ Tais


disposições criam situações objetivas, mas, mais que isso, criam também certas entidades
cuja existência é oponível a terceiros (efeito erga omnes). O surgimento dessas entidades
reconduz-se à criação de uma situação objetiva, que a todos importará. É o caso dos tratados
constitutivos de organizações internacionais, os quais dão vida a um novo sujeito de direito
internacional de caráter universal, como a Carta das Nações Unidas ou ainda dos acordos de
independência entre a antiga colónia e a metrópole, os quais criam um Estado. Os novos
sujeitos de direito internacional produzem efeitos para a sociedade como um todo.

Os tratados normativos (ou convenções de codificação) ➔ estes podem consistir nas


chamadas convenções de codificação. Estas fazem operações de codificação, ou seja,
convertem normas costumeiras num corpo de normas escritas, devidamente agrupadas e
sistematizadas. Art. 13º da CNU e 15º ETIJ. Tais tratados procedem com a positivação e
codificação de normas costumeiras gerais preexistentes em relação a eles: dessa forma, por
ter um conteúdo previamente válido, este tratado valerá para toda a gente. A codificação de
normas costumeiras procura facilitar a prova de sua existência frente a tribunais
internacionais, por exemplo. A comissão de Direito Internacional, subsidiária da ONU, é a
responsável por proceder a codificação de normas costumeiras em normas escritas de
alcance geral e codificar normas de direito internacional imperativo (como as relativas aos

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direitos humanos, à escravidão e à tortura). Acontece então que as suas disposições não se
aplicam apenas às partes, mas também a terceiros. São exemplos desses tratados convenções
como a das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Convenção de Montego Bay), a qual, por
estar redigida como um tratado-lei, estipulando direitos e obrigações iguais, gerais e
abstratas, vinculando todos os sujeitos integrantes do tratado da mesma forma, não teria
sentido útil se não fosse acatada e observada pela generalidade dos sujeitos de direito
internacional.

Extensão por via costumeira ➔ É o caso de convenções internacionais bilaterais ou


multilaterais que, em regra, só se aplicariam aos Estados que a acordaram e ratificaram, mas
que, por conta do seu cumprimento por parte de outros Estados, vira um costume
internacional, vinculando assim a sociedade internacional como um todo. Surge, então, uma
nova fonte do direito. Para os Estados que acordaram, a fonte das obrigações é a convenção;
para os Estados terceiros, a fonte das obrigações é o costume (conteúdo do costume é,
entretanto, o mesmo da convenção).

2.5 CONDIÇÕES DE VALIDADE DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS


Para a validade de um ato jurídico, incluindo-se aqui a convenção internacional, exige-se um
sujeito capaz (capacidade das partes), uma vontade livremente exprimida (regularidade do
consentimento) e um objeto lícito frente ao ordenamento em que o ato produzirá efeitos
(licitude do objeto). Uma convenção válida é uma convenção em conformidade com a ordem
jurídica e, por isso, apta à produção de efeitos jurídicos. O efeito da declaração de invalidade
de qualquer convenção internacional é a sua retirada do mundo jurídico, de modo que
ninguém mais é obrigado a cumpri-la.

Capacidade das partes


Apenas os Estados e as Organizações Internacionais têm capacidade para concluir convenções
internacionais. Em alguns casos, movimentos de libertação nacional também podem concluir
certos acordos (acordos de independência, tratados relativos ao desenvolvimento da luta
armada e tratados da participação numa organização internacional). O ponto central que
permite a conclusão é a vocação que estes sujeitos têm de ascender à plena independência.
Os Estados têm, em regra, capacidade jurídica plena para concluir tratados (artigo 6º CVDT)
porém, em algumas situações eles podem não a ter. Uma delas são as que resultam de um
acordo de protetorado que, embora não implique a perda da personalidade internacional do
Estado protegido e nem a sua capacidade de gozo de direitos, ocasiona a limitação da sua
capacidade de exercício na esfera internacional, configurando uma semissoberania (o estado
protegido mantém soberania no plano interno, mas no plano internacional é privado da
capacidade de direitos). Assim, os acordos de protetorado podem incapacitar o Estado
protegido para celebrar convenções internacionais. Outra situação que pode conduzir à
incapacidade de um Estado para celebrar convenções internacionais configura-se pela
participação de entidades descentralizadas na conclusão de um tratado. São colocados dois
problemas distintos nesta situação: o da capacidade da instituição descentralizada para
celebrar a convenção e o da imputação do tratado a tal instituição. Para resolver a primeira

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questão, é preciso saber se o direito constitucional do Estado de que a entidade


descentralizada faz parte lhe reconhece ou não a capacidade para celebrar o acordo. Para
solucionar a segunda, é preciso saber se o incumprimento da convenção fará com que a
instituição assuma responsabilidade internacional. A capacidade das organizações
internacionais de concluir acordos é derivada e limitada/parcial. Derivada porque depende
da vontade dos Estados membros, a qual é expressa na conclusão da carta constitutiva da
organização. Limitada/parcial porque a organização só pode concluir os tratados que se
integram no quadro das suas atribuições (ou seja, no quadro dos seus objetivos/finalidades).
Quando uma convenção é concluída por sujeitos ativos de Direito Internacional desprovidos,
entretanto, de capacidade celebrá-la, a consequência é a nulidade/invalidade da convenção
(apesar do vício, ela é um negócio jurídico existente por se verificarem os elementos
correspondentes ao seu tipo). Consequência diferente incidirá sobre uma convenção
concluída por autores que não são sujeitos de Direito Internacional. Nesse caso, há uma
incapacidade das partes e a não materialização do corpus da convenção (negócio jurídico) e,
assim, o que há é a inexistência da convenção enquanto tratado internacional (ato ainda pode
ser válido a outro título).

Regularidade do consentimento
A regularidade do consentimento das partes que se vincularem a um tratado deve existir
tanto do ponto de vista formal quanto de um ponto de vista substancial.

Irregularidades formais
Os vícios formais se referem à competência e ao procedimento para a conclusão das
convenções internacionais (regras formais), importando saber em que medida o
incumprimento dos preceitos constitucionais em matéria de conclusão de tratados põe em
causa a sua validade internacional (isto é, até que ponto as ratificações imperfeitas afetam a
validade dos compromissos internacionais dos Estados).
Segundo o artigo 46º da CVDT, “o facto do consentimento de um Estado a vincular-se por um
tratado ter sido prestado com violação de um preceito do seu direito interno, relativo à
competência, ao procedimento ou às formas para a conclusão de tratados (irregularidade
formal do consentimento), não constitui motivo bastante para que esse Estado alegue o vício
ocorrido e se desvincule da convenção”.
A nulidade (relativa) do tratado pode ser pleiteada apenas caso a violação seja manifesta
(facilmente identificável por qualquer pessoa) e diga respeito a uma norma de direito interno
considerada de importância fundamental (assim, há ratificação imperfeita). A norma de
importância fundamental varia de acordo com o Estado. Em Portugal, há três casos em que a
doutrina concorda que sejam de importância fundamental no processo de conclusão das
convenções internacionais em Portugal:
• A ratificação deve ser dada após a aprovação da AR
• O Governo regional deve obrigatoriamente participar da negociação das convenções
internacionais que dizem respeito a matérias de interesses específico
• O PR deve ratificar a norma

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Irregularidades substanciais ou materiais


Pode acontecer que no momento da conclusão de um negócio jurídico, havendo embora
coincidência entre a vontade e a declaração, aquela não se tenha formado de um modo
reputado de legítimo pelo direito, isto é, não se tenha formado de um modo julgado “normal
e são”. Como, em tais casos, o consentimento a ficar vinculado pelo negócio foi
irregularmente expresso, fala-se na ocorrência de vícios da vontade ou do consentimento.
Verificadas certas condições de relevância, estes vícios conduzem à anulabilidade (nulidade
relativa) dos negócios jurídicos. Mas quais são essas irregularidades? São então o erro (artigo
48º CVDT), o dolo (artigo 49º CVDT), a corrupção (artigo 50º CVDT) e a coação (artigos 51º e
52º CVDT).
O ERRO apenas vicia o consentimento do Estado, quando for essencial ou determinante e
desculpável. O erro pressupõe uma representação inexata da realidade. Todavia, essencial ou
determinante será aquele que incidir sobre um elemento que haja constituído uma base
essencial do consentimento do Estado a vincular-se ao tratado (art. 48º/1). Quer dizer, deve
demonstrar-se que, não fora esse erro, o Estado teria recusado celebrar a convenção, ou
então aceitaria contratar, mas tê-la-ia concluído num sentido diverso. Por outro lado, se
porventura o mesmo Estado, em razão da sua conduta, tiver contribuído para a ocorrência
do erro (art. 48º/2 CV), esse erro deixa de ser desculpável o que, em obediência ao princípio
da boa fé, determina que ele não seja de molde a viciar o consentimento do Estado. Porém,
preenchidos os dois requisitos referidos o erro origina a nulidade relativa da convenção. Na
prática, as situações mais frequentes de erro, respeitam a tratados de demarcação de
fronteiras (erros geográficos ocasionados por uma incorreta interpretação dos mapas).
Outra irregularidade substancial é o DOLO, que é simplesmente é um erro induzido ou
provocado por um comportamento da contraparte. Comportamento esse que deve tratar-se
de uma conduta fraudulenta, isto é, do recurso, por parte de um Estado participante na
negociação do tratado, a determinadas artimanhas, sugestões ou artifícios com a intenção de
induzir ou de manter em erro a contraparte. Só haverá dolo quando houver intenção ou
consciência de enganar, má fé, conduta fraudulenta e ela deve ser provada. À semelhança do
erro, também o dolo provoca a nulidade relativa da convenção.
Seguidamente, a CV prevê no artigo 50º, o vício da CORRUPÇÃO, que ocorre quando o
representante de um Estado lança mão de determinadas manobras para levar a contraparte
a celebrar a convenção num certo sentido (reconduzindo esta manobra, assim, a ocasionar o
dolo). Assim, a troco da oferta de algum proveito pessoal, o representante do Estado coloca
de lado os interesses do próprio Estado: buscando benefício próprio, o representante dá o
consentimento do Estado sem que os efeitos ou consequências da Convenção Internacional
sejam necessariamente benéficas ao Estado que ele representa. A sanção para este vício é a
da nulidade relativa do Tratado.
A última irregularidade prevista e regulada pela CV é o vício da COAÇÃO. (artigos 51º + 52º)
A coação poder ser exercida sobre o representante de um Estado ou sobre um Estado pela
ameaça ou pelo emprego da força. Na coação exercida sobre o representante do Estado, tal
representante é encarado em sua individualidade. Em causa podem estar atos de violência
física ou ameaças físicas e/ou psicológicas. Na coação praticada sobre um Estado pela ameaça
ou pelo emprego efetivo da força – mais frequente e mais grave que a primeira – as ameaças

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são dirigidas ao Estado, podendo a coerção estar relacionada não apenas ao emprego de força
armada, mas também a medidas económicas e políticas. Para configurar um vício, a ameaça
tem de ser dirigida à base essencial do consentimento, isto é, a conclusão da convenção tem
que ser decorrente da ameaça – por exemplo: o agente só manifestou seu consentimento
porque tinha medo da ameaça se concretizar; o efeito da coação deve ser a substituição da
vontade do coagido (vítima) pela vontade do coator. Além disso, a ameaça deve ser efetiva,
séria e praticável. Caso a coação seja provada, o regime adotado será o de nulidade absoluta
do tratado.

Licitude do objeto
O objeto da convenção (ou seja, a sua finalidade; matéria sobre a qual ela versa) não pode
atentar contra a ordem pública internacional, isto é, não pode contrariar o conjunto de
princípios fundamentais que estão na base do sistema jurídico internacional.
As normas de ius cogens são aquelas consideradas essenciais à convivência entre povos e,
portanto, são imperativas. Segundo o artigo 53º da CVDT, o tratado será nulo se seu objeto
for incompatível com uma norma imperativa de direito internacional geral, isto é, que seja
aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como norma inderrogável.
Pode ocorrer casos em que na época em que o tratado foi celebrado o seu objeto ter sido
compatível com as normas de direito internacional, mas, posteriormente, consagrar-se uma
norma de direito internacional geral incompatível com a norma particular versada no tratado
em questão, provocando assim a nulidade do tratado e fim de sua vigência (artigo 64º da
CVDT). A violação de normas ius cogens (impositiva) e erga omnes (reconhecida por todos)
leva à nulidade absoluta da convenção. Sendo absoluta, qualquer sujeito pode invocar, a
convenção é indivisível e o vício não pode ser sanado.

2.5.1 FORMAS DE INVALIDADE DOS TRATADOS


A Convenção de Viena prevê dois tipos de nulidade – a absoluta e a relativa – para sancionar
as invalidades das convenções internacionais.
A nulidade relativa (ou anulabilidade) é provocada por irregularidades formais do
consentimento (ratificação imperfeita, salvo exceções), pelo erro, pelo dolo e pela corrupção.
Os casos de anulabilidade dizem respeito a vícios menos graves, que afetam interesses
particulares dos agentes e, por isso, o regime é mais apertado: só podem ser invocadas pela
pessoa dotada de legitimidade para tal (o beneficiário da proteção lega - o Estado vítima), o
juiz não pode conhecê-las oficiosamente, são sanáveis.
A nulidade absoluta é resulta da coação e da incompatibilidade do tratado com uma norma
de ius cogens (ilicitude do objeto). São vícios mais graves, que colocam em jogo interesses
fundamentais da comunidade internacional – transcendem os Estados intervenientes e, em
regra, o tribunal pode conhecer delas oficiosamente, são insuscetíveis de sanação, etc.
As nulidades relativas distinguem-se das absolutas, sobretudo, a três níveis: quanto ao direito
de invocar o vício, quanto à divisibilidade extintiva (ou não) das disposições do tratado e
quanto à possibilidade se sanação. Art. 42º e ss da CV.

Direito de invocar o vício

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O direito de invocação da nulidade, importa saber que quer se trate de uma nulidade relativa
ou quer, antes, de uma nulidade absoluta, o direito de invocar o vício circunscreve-se às
partes contratantes. Nas nulidades relativas, apenas a parte vítima pode invocar o vício, isto
é, apenas o Estado cujo consentimento a ficar vinculado foi assente na violação de um
preceito do seu direito interno relativo à conclusão dos tratados (irregularidades formais), ou
o Estado errante (no erro), ou o Estado enganado (no dolo) ou o Estado cujo representante
tenha sido corrompido (corrupção). Nas nulidades absolutas, qualquer uma das partes da
convenção – e apenas essas – podem invocar o vício.

Divisibilidade extintiva das disposições do tratado


Nesta matéria determina-se, por via de regra, em homenagem a integridade dos tratados,
que a nulidade resultante de qualquer vício determina a nulidade de todo o tratado, e não
apenas de algumas de suas disposições. Entretanto, se verificados alguns requisitos (alíneas
do artigo 44º/3 da CVDT), admite-se a divisibilidade extintiva das disposições de um tratado,
de modo que somente as cláusulas sobre as quais o vício tenha incidido serão anuladas. Para
que haja a possibilidade de divisibilidade, se deve verificar, simultaneamente, três pré-
requisitos: Em primeiro lugar, é necessário que a cláusula, ou cláusulas, que se pretendam
anular sejam separáveis do resto do tratado, no que respeita à sua execução. Depois, é
necessário que a aceitação das ditas cláusulas não tenha constituído para a outra parte no
tratado uma base essencial do seu consentimento a estarem vinculadas pelo tratado no seu
conjunto. Finalmente, não pode ser injusto continuar a executar a executar o que subsiste do
tratado. O regime de divisibilidade, uma vez verificados os pré-requisitos, é válido apenas
para as nulidades relativas. De facto, tratando-se de coação ou de incompatibilidade do
tratado com uma norma de ius cogens (nulidades absolutas), vigora, irrestritamente, o
princípio da indivisibilidade, ou seja, em nenhuma circunstância se admite a divisão das
disposições de uma convenção internacional.
Uma vez preenchidos os requisitos da divisibilidade, esta é obrigatória no erro e facultativa
no dolo e na corrupção; isto é, enquanto que no primeiro caso, só podem ser anuladas as
particulares disposições sobre as quais tenha incidido o erro, no dolo e na corrupção, confere-
se ao Estado vítima a possibilidade de optar pela anulação de todo o Tratado ou, antes, pela
subsistência deste, anulando só a parte viciada. Porquê? O dolo e a corrupção pressupõem a
má fé da contraparte, pelo que inexistem expetativas dignas de tutela. Assim, admite-se que
o Estado vítima, em função dos seus interesses, opte invocando o vício, pela anulação de toda
ou apenas de parte da convenção. Já no erro, não existindo má fé, há que tutelar as legítimas
expetativas da outra parte no tratado na manutenção deste em vigor.

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Possibilidade de sanação do vício


Como é sabido o Estado vítima apenas pode invocar o vício em relação a certas e
determinadas cláusulas, contudo, um Estado perde o direito de alegar quaisquer causas de
nulidade quando, após ter tomado conhecimento dos factos, aceitou expressamente
considerar que o tratado era válido (sanação expressa) ou, em razão de sua conduta, pode-
se formular idêntica conclusão (sanação tácita). A possibilidade de sanação por confirmação
– tácita ou expressa – existe apenas para as nulidades relativas, nas quais estão em questão
apenas interesses particulares dos Estados contratantes. Não há possibilidade de sanação do
vício no caso das nulidades absolutas porque o interesse geral da não ofensa à ordem pública
internacional é superior a qualquer interesse particular das partes.

Consequências ou efeitos da nulidade das convenções internacionais


Efeitos ex nunc ➔ Terá efeitos para o futuro. A convenção esteve em vigor, foi invalidada e a
partir desse momento deixa de produzir efeitos.
Efeitos ex tunc ➔ A invalidação da convenção vai retroagir ao momento em que a convenção
foi concluída – têm de se apagar todas as consequências que resultaram da conclusão da
convenção.
De acordo com os Art. 65º, 66º e 67º não há prazo de caducidade para as partes arguirem a
nulidade de uma convenção internacional. Segundo o Art. 69º, a declaração de nulidade de
uma convenção internacional opera ex tunc, ou seja, produz efeitos retroativos. Significa isto
que o Tratado é considerado nulo desde o momento da sua conclusão, e não apenas a partir
do momento em que é descoberta a causa de nulidade. Deverão, assim, desaparecer todos
os atos que hajam sido praticados com base nesse tratado, de forma a ser restabelecido o
status quo ante, isto é, a situação que teria existido caso a convenção não houvesse sido
celebrada. Há, entretanto, duas exceções a tal efeito retroativo:
• o artigo 69º, que prevê a salvaguarda de atos praticados de boa fé; no entanto, os
possíveis atos praticados de boa fé pela parte que provocou o dolo, a corrupção ou a
coação serão, sim, afetados;
• o artigo 64º, que diz respeito à superveniência de uma norma imperativa de direito
internacional geral. A declaração de nulidade sobre tratados que eram válidos no
momento de sua conclusão, mas adquiriam vícios decorrentes da posterior aparição
de uma norma imperativa de direito internacional, não pode afetar direitos,
obrigações ou situações jurídicas das partes criadas pela execução da convenção antes
da situação de superveniência da norma imperativa de direito internacional gera.
Nesse último caso, por referência ao omento em que sobreveio a norma imperativa
de Direito Internacional geral, a nulidade produzirá só efeitos ex nunc (desde agora),
isto quer dizer que seus efeitos não retroagem, valendo somente a partir da data da
decisão tomada.

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2.5.2 ANÁLISE DE ALGUMAS SITUAÇÕES PRÁTICAS


1. Estados A e B concluem convenção internacional em 2018 destinada à realização de
um empreendimento conjunto. Um ano depois do início da vigência, Estado A
pretende invalidar o pacto, alegando que durante as negociações, o seu representante
oficial interpretou equivocadamente documentos que delimitavam o âmbito
territorial das obrigações assumidas por A. Quid juris?

O representante do estado A terá julgado em erro. Aquando da conclusão da convenção, há


uma coincidência entre a vontade e a declaração do Estado A, mas essa vontade formou-se
de forma que o direito vê como irregular → invalidade relativa. Para que incorra em erro é
preciso cumprir dois requisitos: ser determinante ou essencial; seja desculpável – art.o 48o
da CVDT. É determinante ou essencial quando podemos demonstrar que se não fosse esse
erro, aquele estado não teria concluído a convenção internacional, ou tê-la-ia concluído em
moldes diversos e é desculpável se o Estado não tiver contribuído para a sua ocorrência com
uma conduta negligente, descuidada. O erro, neste caso, é um erro determinante ou
essencial, mas, por outro lado, não é desculpável, pois a interpretação do representante foi
negligente em assuntos fundamentais para o clausulado da convenção que foi concluída.
Nesse sentido, o Estado A não terá margem para invalidar esta convenção internacional.
a) Se o erro preenchesse esses dois requisitos, se pudermos concluir que o tratado
continue em vigor, há uma situação de sanação tácita. Continuando o tratado em
vigor, o facto de ter passado um ano desde o princípio da vigência implica essa
sanação tácita – princípio da boa-fé. Erro – art.o 48o da CVDT; art.o 45o CVDT – aceitar
a validade do tratado através da conduta – exclusivamente para nulidade relativa.
Apenas o Estado A poderia invocar o erro se esse fosse determinante e desculpável.

2. Estados A e B concluem uma convenção internacional destinada à construção de um


sistema de represas no rio internacional X que atravessa os respetivos territórios.
Durante as negociações, o representante oficial de A, ocultou do seu homólogo,
representante de B um estudo de impacto ambiental que a ter sido do conhecimento
deste último poderia levá-lo provavelmente a não concluir essa convenção. Quid juris?

Dolo – art.o 49o; art.o 50o - corrupção do representante de um estado. Nulidade relativa.
Atuação de má fé.

a) O dolo só está na cláusula a) da convenção, no caso de nulidade relativa, em certos


casos é possível invalidar apenas algumas disposições, mantendo-se o resto do
tratado em vigor. Aproveita-se a parte não viciada da convenção – art.o 44o/3 e 4.
Caso se verifiquem os requisitos do art.o 44/3, a divisibilidade será obrigatória no erro
– há que tutelar as legítimas expetativas da contraparte de que o tratado continuará
a produzir efeitos e facultativa no dolo e na corrupção.

3. Portugal celebrou com os EUA uma CI destinada à aquisição de aviões F-16 para a sua
força aérea. Algum tempo depois, verificou-se que esses aparelhos se encontravam

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tecnologicamente já ultrapassados, não servindo para as missões de patrulhamento


do espaço aéreo tidas em vista pelo Estado português. Quid juris, sabendo que a
aquisição desses aviões foi vivamente aconselhada aoestado português por uma
equipa de peritos presente aquando das negociações desse pacto.

a) Se a equipa de peritos for americana, poderemos estar perante uma situação de dolo,
caso se consiga comprovar que foi praticado com conhecimento.
b) Se a equipa de peritos for portuguesa, estaremos perante uma situação de erro.

Em qualquer dos casos, estaríamos perante uma situação de nulidade relativa. Neste caso
não há possibilidade de divisibilidade da convenção (art.o 44o/3).

4. Aquando da conclusão de uma CI entre os estados A e B, o representante oficial de A


concordou com a solução normativa consignada na cláusula x desse pacto porque o
seu homólogo, representante de B lhe ofereceu um valioso relógio de pulso, no valor
de 50.000 euros. Quid juris?

Estamos perante um vício da regularidade do consentimento, na modalidade de corrupção


(art.o 50o) – esta pressupõe sempre a oferta de uma vantagem pessoal ao representante do
Estado. A corrupção, para haver corrupção é necessário haver a aceitação desse
representante e conseguir estabelecer-se um nexo de causalidade – provar que o Estado
aceitou aquela cláusula x por causa daquela oferta. Há ofertas cuja aceitação não pode ser
considerada corrupção – pode ser um mero ato de cortesia – neste fator devemos ter em
conta o valor da oferta. Do ponto de vista das consequências jurídicas é semelhante ao dolo
– nomeadamente no que diz respeito à nulidade extintiva.

5. O Estado A pretende invalidar o tratado concluído com B em 2019, alegando que o


seu representante oficial foi vítima de uma tentativa de corrupção por parte do seu
homólogo, representante de B. Quid juris?

Alegadamente houve uma tentativa de corrupção, mas há que provar o nexo de causalidade.
Uma mera tentativa de corrupção não é corrupção.

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III. O COSTUME

NOÇÃO, ELEMENTOS E PROCESSO CONSTITUTIVO


No artigo 38º do ETIJ refere-se, na alínea b), ao costume internacional, como prova de uma
prática geral aceite como sendo de direito. Existe, sem dúvida, algo de paradoxal na
circunstância de falarmos de uma fonte formal que, todavia, não retira a sua existência de
qualquer expressão formal (escrita) da vontade dos sujeitos de DI. Bem ao contrário, estamos
em presença de um modo espontâneo de surgimento de normas jurídicas. A consumação do
processo costumeiro pressupõe a conjugação de dois elementos distintos: o elemento
material ou objetivo e o elemento psicológico ou subjetivo.

O elemento material ou objetivo (consuetudo)


O elemento material do costume é a repetição uniforme de certos atos (precedentes) ao
longo do tempo. Tais atos ou comportamentos podem ser positivos ou negativos (ações ou
omissões).

O elemento psicológico ou subjetivo


O elemento psicológico do costume é a convicção de obrigatoriedade jurídica (opinio juris sive
necessitatis) do comportamento adotado, isto é, é preciso que estados formem a convicção
de que são obrigados a adotarem aquele comportamento. Forma-se a convicção de que a
inobservância dessa conduta acarretará, presumivelmente, uma qualquer forma de sanção.
Sem este elemento psicológico, a prática internacional será apenas um mero uso.

Diferenças principais do costume em relação ao processo convencional


O costume difere do processo convencional porque ele não resulta da expressão formal de
uma vontade, mas sim de comportamentos tidos, pelos sujeitos de direito internacional que
o adotam, como obrigatórios. A formação das normas costumeiras não é institucionalizada,
o que provoca, por vezes, menos segurança do que aquelas que provém de fontes
convencionais.

Processo costumeiro (elemento material)


Comportamentos suscetíveis de constituírem precedentes
Os precedentes devem emanar de Estados ou de organizações internacionais, de jurisdições
internacionais, de organizações não governamentais ou até mesmo de pessoas privadas. De
todo modo, os comportamentos devem ter sido praticados de forma livre e serem oponíveis
aos seus autores. Temos então três atos suscetíveis de constituírem precedentes:
Atos do Estado ➔ comportamentos de representantes dos Estado; atos de ação ou omissão
dos representantes dos titulares de cargos jurídicos (diplomatas); atos interestaduais, como
por exemplo uma convenção cuja eficácia seja ampliada para terceiros.
Atos das instituições internacionais ➔ decisões dos tribunais internacionais (perante
questões semelhantes, materialmente, o tribunal decide da mesma maneira, de forma que
se consolide um precedente para o costume); prática de organizações internacionais
(exemplos: os cinco membros permanentes com poder de veto na ONU não precisam mais

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votar “sim” para que uma decisão seja aprovada pois a abstenção não é mais associada ao
veto, uma prática que surgiu por via costumeira; operações de manutenção da paz surgem
por via consuetudinária).
Atos de outros sujeitos de direito ➔ sociedades transnacionais são sujeitos de direito
internacional privado que podem influenciar sujeitos de direito internacional público.
Também sujeitos de direito privado podem estar na origem de costumes internacionais.

A repetição do precedente no tempo


A prática do comportamento ao longo do tempo deve ser constante e uniforme.
Constante porque deve haver a repetição de comportamentos durante um certo período de
tempo e uniforme porque deve haver concordância ou similitude dos atos sucessivos. Sem
uma regularidade de atos, não se pode falar em repetição e a convicção de obrigatoriedade
jurídica não será criada.

A repetição do precedente no espaço


É preciso que o precedente se repita no espaço. Em relação ao âmbito de dispersão, o
costume pode ser:
Geral ➔ obriga todos os sujeitos de direito internacional, tendo eficácia erga omnis. Não é
necessário, obviamente, que todos os sujeitos de direito internacional sigam a prática de
modo unânime, mas é necessário que os Estados particularmente interessados no
aparecimento da norma costumeira adotem a prática.

Regional ➔ vincula apenas os Estados de uma determinada região do globo. Tende a exigir-
se uma prática unânime, de modo que todos contribuam para o surgimento da norma.

Local ➔ vinculam apenas dois Estados.

Em suma
O elemento material do costume é a repetição uniforme de certos atos (precedentes) ao
longo do tempo. Tais atos ou comportamentos podem ser positivos ou negativos (ações ou
omissões). Podem ser muito variados e de diferentes naturezas, os comportamentos que
concorrem para a formação de um costume.
Para se tornar norma costumeira, estes comportamentos (precedentes) têm de se dispersar
no tempo e no espaço. No tempo através de uma prática constante (repetição de
comportamentos num certo período) e uniforme (concordância ou similitude dos atos
sucessivos dos sujeitos de DI). Claro que terão de ser vários os Estados (ou outros sujeitos de
DI), e não apenas um, a adotar uniformemente, ao longo do tempo, determinado
comportamento. No caso dos costumes com um alcance geográfico mais limitado – os
costumes regionais e os locais (bilaterais) – não se exige uma dispersão universal, mas sim
uma dispersão e aceitação unânime dos Estados que irão obedecer à norma costumeira. É
exigida a unanimidade do círculo de Estados interessados no caso dos costumes gerais, a
jurisprudência internacional não exige uma unanimidade. Exige apenas a sedimentação dessa

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

prática geral, representativa dos Estados particularmente interessados na respetiva formação


- não se exigindo uma prática unânime, o que seria, aliás, irrealista.

Processo costumeiro (elemento psicológico)


Distinção: uso/costume
O costume não é formado por uma mera repetição de precedentes ao longo de certo lapso
temporal. É preciso que haja uma convicção de obrigatoriedade jurídica, que esta pratica
reiterada seja aceite como sendo de direito.

3.1 COSTUME "SELVAGEM" OU INSTANTÂNEO


Nos costumes tradicionais o elemento objetivo precede o elemento psicológico necessário à
sua formação: primeiro adota-se reiteradamente um comportamento e, depois, forma-se a
convicção de que este é obrigatório.
Já nos chamados “costumes selvagens” (ou instantâneos), há primeiro a afirmação de
obrigatoriedade da conduta e depois a prática reiterada e constante: inverte-se a lógica e
secundariza-se a prática. O campo de incidência do costume instantâneo são, em especial, os
domínios novos do direito internacional, nos quais a resposta do direito necessita ser mais
ágil (exemplo: direito internacional económico, no âmbito do direito do mar – ZEE, fundos
marinhos internacionais; direito internacional ambiental, etc.). Por haver uma rápida
substituição das normas costumeiras, explica-se o nome deste tipo de costuma – uma norma
costumeira vai “predando” a outra.

3.2 PROBLEMA DA OPONIBILIDADE DO COSTUME - ESTATUTO DO PERSISTENT OBJECTOR


Não é lícito aos Estados porem em causa a validade de processos costumeiros anteriores.
Entretanto, os Estados podem se livrar da força obrigatória dos costumes ainda durante o seu
processo de formação. Sempre que um Estado, de modo firme, persistente e inequívoco, se
opõe à criação de uma determinada norma costumeira, sem, contudo, valer-se de suas
finalidades, tal norma não lhe será, depois, oponível – tal Estado ganha a designação de
objetor persistente. Um Estado, todavia, jamais poderá se opor à formação e subsequente
aplicação a si próprio de uma norma costumeira que apresente natureza de direito imperativo
(ius cogens).

A PROVA DO COSTUME
É necessário, para provar a existência do costume, recorrer à prática dos Estados e analisar
como estes se comportam e a razão de ser desta conduta, tentando averiguar se se sentem
obrigados a agir de certo modo.
Quando invocada uma norma costumeira regional ou local, o ónus da prova do costume recai
sobre o Estado demandante (isto é, que o alega). No caso das normas costumeiras gerais,
todavia, o ónus inverte-se, cabendo ao Estado demandado demonstrar (se o interessar) que
se opôs, de modo constante e inequívoco, à formação do costume.

Prova do elemento material

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No que tange à prática, a prova da sua existência é, por vezes, bastante complicada e isto, em
virtude da escassa publicidade dada aos comportamentos diplomáticos, sobretudo quando
se trata de uma omissão. Não obstante, a multiplicação dos reportórios das práticas nacionais
e os estudos comparativos e compilações que têm sido elaborados pelas organizações
internacionais, ao longo dos últimos aos, vão contribuindo para minimizar as dificuldades que
encerra a prova do elemento material dos costumes.

Prova do elemento psicológico


Os obstáculos aludidos à prova do elemento material mais se agudizam estando em causa a
prova do elemento psicológico. Existe uma espécie de presunção a favor da obrigatoriedade
de uma prática geral, constante e uniforme. Ou seja, supõe-se que a esta anda, normalmente,
associada uma opinio iuris. Este critério está, no entanto, longe de poder resolver todas as
situações, quanto mais não seja porque, não raras vezes, as propaladas intenções dos Estados
estão em manifesta contradição com os seus atos. Uma prática consolidada de determinados
comportamentos constitui uma presunção ilidível/iuris tantum, isto é, que admite prova em
contrário, de convicção de obrigatoriedade (demonstrando que a prática resulta de meros
motivos de oportunidade ou conveniência, por exemplo). Face a uma tão grande dose de
incerteza, a codificação do direito costumeiro, pode, sem dúvida, contribuir para uma maior
segurança jurídica. Alguns elementos podem provar a existência dos elementos material e
psicológico, como por exemplo:
• Prática Diplomática
• Troca de notas entre governos
• Protestos governamentais
• Legislação interna
• Protestos governamentais
• Decisões de tribunais internos
• Coletâneas de decisões de direito internacional, dos Estados, dos tribunais
internacionais e das Org. Internacionais, etc. Todos eles poderão atestar a existência
dos precedentes e/ou de uma convicção de obrigatoriedade jurídica a eles associada.

RENOVAÇÃO DO COSTUME E IMPORTÂNCIA ATUAL DESTA FONTE DE DIREITO


INTERNACIONAL
O processo de constituição do costume vem se tornando mais ágil ao longo do tempo (em
alguns casos, assiste-se até a uma inversão no seu processo de constituição – costume
selvagem). A jurisprudência internacional tem, sobretudo a partir dos anos 60 do século XX,
se debruçado sobre casos nos quais esteve em causa a interpretação e aplicação de normas
consuetudinárias. A renovação do conteúdo dos costumes faz-se na medida em que surgem
novos costumes em domínios recentes das relações internacionais (reciclagem das normas
de direito internacional). As normas oriundas da prática costumeira têm um papel essencial
na formação de normas de ius cogens. Assim, o costume conserva a sua importância: as
normas hierarquicamente superiores de direito têm matriz consuetudinária.
O direito internacional convencional é lacunoso e, por isso, o direito costumeiro tem
importante papel de preenchê-lo.

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NOTA: o costume pode derrogar convenções internacionais pois não há hierarquia formal
entre as fontes do direito internacional público - norma costumeira de DIP geral pode revogar
convenção internacional de DIP particular, pois o DIP geral é hierarquicamente superior ao
DIP particular.

IV. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO RECONHECIDOS PELAS NAÇÕES


CIVILIZADAS

4.1 CARÁTER DIRETO E AUTÓNOMO DESTA FONTE DE DI


Os princípios gerais de direito são uma fonte autónoma de direito internacional que não se
confunde com as convenções internacionais ou com o costume. Alguns autores contestam
esse caráter autónomo, alegando que: "eles só podem ser utilizados para resolver casos
concretos do direito internacional se uma convenção internacional autorizasse os juízes e
árbitros internacionais a recorrerem a esses princípios”, apresentando o artigo 38º do ETIJ
como prova disto. Entretanto, tal opinião é rejeitada porque antes mesmo da existência deste
Estatuto já havia uma prática constante e uniforme que utilizava esses princípios para resolver
casos concretos do direito internacional.
"Reconhecidos pelas nações civilizadas" ➔ generalidade e compatibilidade com o direito
internacional público.

4.2 NATUREZA JURÍDICA E FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Controvérsia doutrinal
I. Os princípios gerais de direito seriam princípios de direito internacional público.
II. Os princípios gerais de direito seriam princípios de direito interno.
III. Os princípios gerais de direito poderiam pertencer tanto ao direito internacional
público quanto ao direito interno.

A primeira e a terceira doutrina enfermam do mesmo vício. Repousam numa confusão entre
os princípios gerais de direito e os princípios fundamentais do Direito Internacional. Os
princípios fundamentais do direito internacional não são uma fonte formal de direito
internacional, não constituem um processo técnico de formação de normas, mas são regras
gerais deduzidas dos costumes e convenções em vigor. Os princípios gerais do direito, ao
contrário, são uma terceira fonte de direito internacional dotada de autonomia em relação
as restantes fontes. Além disso, não faz sentido que o direito internacional público seja uma
fonte autónoma dele mesmo. Mas por que alguns pensam que esses princípios são de Direito
Internacional? ➔ Porque, se o Tribunal Internacional de Justiça usar esses princípios gerais
de direito reiteradamente, eles podem ser absorvidos pelo direito internacional,
convertendo-se em um principio de direito internacional: mas, caso isso ocorra, entramos no
terreno de norma costumeira e saímos dos princípios gerais de direito (os princípios gerais de
direito só têm autonomia se permanecerem como princípios do direito interno: se são

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absorvidos pelo direito internacional, perdem autonomia). Hoje, há princípios gerais de


direito (princípios oriundos do direito interno) que também são princípios de direito
internacional, como por exemplo a boa fé, o enriquecimento sem causa, etc.

A segunda doutrina, ao utilizar a expressão “princípios gerais de direito reconhecidos pelas


nações civilizadas”, pretende aludir aos princípios consagrados na generalidade das ordens
jurídicas nacionais (em vigor na maioria das ordens jurídicas internas) que buscam geral
aceitação no foro doméstico para sua aplicação também no plano internacional. Além disso,
é justamente por derivarem do direito interno que tais princípios conferem à esta fonte de
direito internacional a sua especificidade. Para mais, destaca-se que tais princípios suprem as
lacunas do direito convencional e consuetudinário, não fazendo assim sentido que eles
tivessem a mesma natureza dos princípios de direito internacional a cujas lacunas se pretende
preencher (assim, eles só podem provir, para realizar este fim, de outro ordenamento).

Uma fonte primária e supletiva


No direito interno, mesmo nos casos em que os tribunais concluam que não há norma
aplicável ao caso concreto, os juízes não podem de deixar de proferir uma sentença.
Entretanto, no âmbito internacional, a realidade é outra: por conta o princípio da soberania
dos Estados, os juízes devem invocar um non liquet, isto é, tem de se abster de resolver o caso
concreto, não podendo proferir uma sentença. Assim, os princípios surgem justamente para
resolver tal impasse (ausência de normas que regulem o caso concreto; lacunas).
Os princípios gerais de direito são utilizados quando não haja norma convencional ou
costumeira para resolver casos concretos: por isso, diz-se que os princípios gerais de direito
são uma fonte supletiva de direito internacional. Além disso, eles também têm função
importante no auxílio da interpretação e densificação das regras convencionais ou
costumeiras. A ordem em que as fontes formais de direito são elencadas pelo artigo 38º do
ETIJ é uma ordem sucessiva de tomada em consideração: assim, em primeiro lugar o juiz
internacional, aquando do julgamento do caso, recorrerá às convenções internacionais e ao
costume (mais fáceis de serem aplicadas ao caso concreto porque são menos relativas) e,
apenas se houver lacunas de regulamentação, aos princípios gerais do direito. Ser uma fonte
supletiva, todavia, não significa ser uma fonte subsidiária: ser fonte supletiva significa apenas
que tais princípios são recorridos em ultima ratio, na falta de convenção ou de norma
consuetudinária para resolver o caso. Fonte subsidiária, por outro lado, implica uma ideia de
hierarquização e uma subordinação desses princípios às restantes fontes formais de direito
internacional, o que não é o caso: os princípios são uma fonte primária deste direito.

NOTA: não há relações de hierarquia entre fontes de direito internacional; as fontes são
meros procedimentos técnicos de criação de normas. O que há, por vezes, é a hierarquia entre
as normas reveladas pelas fontes.

4.3 MODO DE OPERAR COM OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

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Algumas condições necessárias devem ser observadas – em simultâneo – nos princípios (que
vem dos sistemas jurídicos nacionais ou internos) para que eles possam ser aplicados na
ordem jurídica internacional ➔ generalidade e suscetibilidade de transposição.

Requisito da generalidade
É preciso que os princípios sejam suficientemente gerais, isto é, que sejam comuns à maior
parte dos sistemas jurídicos nacionais ou internos (não pode ser típico do common law ou do
civil law, etc.).

Condição de serem transponíveis para o ordenamento jurídico internacional


Os juízes só podem aplicar princípios que sejam, além de gerais, compatíveis ou conciliáveis
com as características fundamentais do ordenamento internacional. Como consequência
disto, estando em causa vários princípios gerais de direito para a solução de determinado
conflito, preferirá o juiz aquele que se revele mais adequado à ordem jurídica internacional
(aqueles mais gerais nos sistemas de direito nacional/interno, por exemplo).

4.4 EXEMPLOS DE ALGUNS DESTES PRINCÍPIOS


• Princípio do enriquecimento sem causa
• Princípio da boa fé
• Princípio do caso julgado
• Princípio do ónus da prova
• Princípio da lei especial prevalece sobre lei geral
• Princípio da Reparação integral do prejuízo
• Princípio do Estoppel (ninguém pode prevalecer-se das suas próprias faltas, adotando
no âmbito do processo judicial um comportamento contraditório como algo que
contrasta com o que foi assumido previamente)
Os princípios gerais de direito têm autonomia, e alguns autores consideram que tais princípios
são uma fonte transitória e recessiva de direito internacional porque a repetida aplicação de
alguns desses princípios no plano das relações internacionais converte-os, em algum
momento, em verdadeiras normas costumeiras.

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V. ATOS JURÍDICOS UNILATERAIS

5.1 NOÇÃO E DIFICULDADES NO ESTUDO DOS ATOS JURÍDICOS UNILATERAIS


Apesar de não mencionados no artigo 38º do ETIJ e da contestação que, por vezes, suscita o
seu caráter jurídico-normativo, não pode hoje duvidar-se de que também os atos jurídicos
unilaterais – sejam dos Estados ou das OIs -, para além de contribuírem para a formação das
normas costumeiras (podendo funcionar como precedentes), integram o elenco das fontes
formais de DIP.
“O que é um ato jurídico unilateral?” ➔ Um ato é um facto jurídico voluntário que pressupõe
manifestação de vontade. Por ser jurídico, tal ato produz efeitos de direito, isto é, cria direitos
e obrigações para o autor do ato e para aqueles (terceiros) que são por ele afetados
(independe, aqui, o consentimento dos destinatários para a produção de efeitos jurídicos). A
unilateralidade revela que tal ato jurídico emana de um só sujeito de direito internacional.
Importa realçar que o surgimento de novos sujeitos de Direito Internacional propiciou um
correlativo aumento do número de atos que fazem parte desta categoria. Na verdade, antes,
a noção de ato jurídico unilateral circunscrevia-se aos atos unilaterais do Estado. Atualmente,
ela embarca os atos que emanam das OIs.
Não se colocam especiais problemas no que toca à oponibilidade dos atos jurídicos unilaterais
do Estado pois eles estão apoiados no principio da soberania. No entanto, com os atos
jurídicos unilaterais das organizações internacionais isso não se passa porque elas não são
soberanas, mas limitadas pela especialidade dos fins. Em relação aos atos jurídicos
internacionais das organizações internacionais, coloca-se o problema de saber em que
medida suas resoluções podem produzir efeitos para não-membros das organizações

5.2 ATOS JURÍDICOS UNILATERAIS DO ESTADO

Requisitos: imputabilidade, oponibilidade e publicidade


Estes atos são manifestações unilaterais de vontade (da parte de um só Estado),
intencionalmente dirigidas à produção de certos efeitos jurídicos no plano das relações
internacionais visando a prossecução de interesses próprios. Resultam de uma apreciação
discricionária de determinada situação, sendo que, ao adotá-los, os Estados são,
fundamentalmente, guiados pela prossecução de interesses próprios. Para que um ato
adotado pelo Estado seja fonte (criadora, modificativa ou extintiva) de direito internacional,
ele precisa preencher alguns pré-requisitos:
• A imputabilidade ao Estado (atribuição ao Estado) implica que o ato unilateral haja
sido emitido por uma entidade estatal competente para tal que deve ter, ao emiti-lo,
atuado nos limites de sua capacidade jurídica.
• O ato deve ser oponível a terceiros (o que ocorre caso o ato jurídico unilateral tenha
sido adotado em conformidade com o direito internacional).
• A publicidade significa que a vontade do Estado deverá ter sido exteriorizada de forma
suficientemente clara e manifesta, por isso, em termos que não deixem dúvidas
quanto aos respetivos sentido, alcance e vontade de adotar aquele ato.

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Dispensa de aceitação pelos destinatários


Já não é, contudo, exigível que, aquando da aceitação de um ato jurídico unilateral, se
verifique uma aceitação desse comportamento unilateral pelos destinatários, isto é, pelos
outros sujeitos de direito a quem ele se dirige.

Exemplos de manifestações unilaterais de vontade admitidas pelas jurisdições


internacionais
Os tribunais internacionais têm sido cada vez mais flexíveis e abertos no que diz respeito à
proveniência desses atos, aos seus destinatários e ao seu regime formal.

Características dos atos unilaterais enquanto fonte formal de direito internacional


Além de ser unilateral, isto é, provir de um único sujeito de direito internacional, o ato
também deve comportar a característica da juridicidade, sendo jurídico aquele ato que
produz certos efeitos de direito – o ato deve exprimir obrigações para o próprio autor ou para
terceiros, não podendo ser uma mera reivindicação ou pretensão desprovida de efeitos
jurídicos. Além de unilaterais e jurídicos, os atos também possuem autonomia: apenas os atos
jurídicos unilaterais autónomos são fontes de direito internacional, isto é dizer: os atos devem
produzir efeitos jurídicos por si mesmos, independentemente de outra fonte de direito
internacional. Alguns actos jurídicos unilaterais não são autónomos na medida em que são
adotados em conjunto com outras fontes, como por exemplo a ratificação, as reservas e as
adesões a uma convenção internacional (os efeitos que produzem são consumidos pelos
efeitos mais amplos da fonte primária de direito internacional).

Exemplos de atos jurídicos unilaterais do estado


O reconhecimento, ato através do qual um Estado manifesta a sua concordância perante
determinada situação em cuja criação não participou, entendendo que essa situação é lícita,
e, por isso, aceitando os efeitos jurídicos que dela possam ocorrer (aceita, assim, que a
situação criada lhe seja oponível). Exemplos: reconhecimento de um novo Estado na
comunidade internacional, o reconhecimento de um governo que ascende ao poder pela via
revolucionária, o reconhecimento de um movimento de libertação nacional, reconhecimento
de uma nacionalidade, etc.
O protesto - contrário ao reconhecimento. Ato pelo qual o Estado manifesta o seu desacordo,
discordância com determinado ato, entendendo que ele viola o direito internacional, visando,
com isso, evitar que, no futuro, essa situação lhe seja oponível. O Estado está, no fundo, a
rejeitar os efeitos jurídicos que podem resultar da situação por ele entendida como violadora
do direito internacional
A notificação, ato pelo qual se leva ao conhecimento (ato receptício) de outrem um
determinado facto, situação ou documento, daí resultando certas consequências jurídicas –
em virtude disso, a notificação condiciona, em regra, a validade de outros tratados.
A promessa, ato pelo qual um Estado se compromete a adotar um certo comportamento no
futuro. Não é uma mera declaração de intenções: ela produz efeitos jurídicos, não sendo

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assim inócua. Se o Estado não adota o comportamento a que se tinha comprometido,


incorrerá em responsabilidade internacional por prática de um ato ilícito por omissão.
A renúncia é o ato pelo qual um Estado, autolimitando-se na sua soberania, abdica da
titularidade de um direito. A renúncia deve ser manifestada de modo expresso, jamais
podendo ser presumível.

NOTA: Alguns dos atos acima podem resultar de um tratado ou ser adotados no âmbito de
uma convenção internacional. Entretanto, nesses casos tais atos perderiam o caráter
autónomo, não se enquadrando nas fontes de direito internacional

5.3 ATOS JURÍDICOS UNILATERAIS DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS


Os atos elaborados pelas organizações internacionais devem obedecer ao disposto nas cartas
constitutivas (não sendo provindo assim de um único sujeito), e precisam ser formulados por
um procedimento escrito. Com a proliferação das OIs, têm ganho um significado crescente os
atos unilaterais por elas emanados, porém, estes apresentam pouco em comum com os atos
jurídicos unilaterais do Estado. Somos confrontados com a adoção de atos tão díspares – quer
do ponto de vista da designação, quer no ponto de vista do conteúdo. Os atos jurídicos
unilaterais provenientes de organizações internacionais são denominados resoluções (termo
de alcance geral) e podem ser de três tipos:

Decisões ➔ São atos jurídicos unilaterais dotados de força obrigatória (são vinculativos) que
impõem um comportamento aos destinatários. Como exemplos de decisões, temos as
resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

Recomendações ➔ São atos através dos quais a organização se limita a propor ou incitar (e
não impor) determinado comportamento. São atos que não têm força jurídica obrigatória,
constituindo o terreno da soft law. Elas têm um valor permissivo no sentido de permitir a
adoção de um certo comportamento (o qual carrega a certeza de não ser um ato ilícito). As
recomendações podem ser dirigidas a Estados (membros ou não da organização), a outras
organizações internacionais, a empresas ou até mesmo a particulares, dispondo de
significativo valor moral e impacto político. Uma recomendação pode contribuir, por vezes,
para a formação de um costume.

Pareceres ➔ A organização internacional limita-se a emitir a sua opinião acerca de um


assunto que lhe tenha sido suscitado. Os pareceres podem ser obrigatórios (quando tem de
ser solicitado) ou facultativos (quando é um determinado órgão "decisor" que avalia da
conveniência ou da inconveniência de o solicitar), vinculativos (quando as conclusões nele
dispostas tem que ser seguidas pelo órgão decisor) ou não vinculativos (quando as conclusões
não têm que ser seguidas pelo órgão decisor).

NOTA: Apesar de não haver um “poder legislativo internacional”, há quem enxergue nas
resoluções um certo poder deste tipo, especialmente no que toca às decisões da Assembleia

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Geral da ONU. O problema é que a Assembleia só pode adotar recomendações, mas não
decisões, o que limita o alcance das resoluções.

VI. FONTES AUXILIARES DE DI


Se nos debruçarmos sobre o artigo 38º do ETIJ, observaremos que no parágrafo 1º, alínea d),
se faz referência às decisões judiciais (jurisprudência) e aos ensinamentos dos mais altamente
qualificados publicistas das várias nações (doutrina), como meios auxiliares para a
determinação das regras de direito. Deve salientar-se que nem a jurisprudência, nem a
doutrina nem a equidade criam direito internacional (normas jurídicas internacionais), não
são fontes formais e servem apenas para provar a sua existência. Deste modo, o Tribunal
Internacional aplica as regras (convencionais, costumeiras, etc.) de Direito Internacional,
socorrendo-se, em caso de dúvida, da jurisprudência e da doutrina em ordem a melhor
descortinar tais regras. A jurisprudência, a doutrina e a equidade servem tao somente para
ajudar a determinar o conteúdo e/ou precisar o alcance das regras jurídicas existentes. Por
isso, o caráter de modos auxiliares de determinação das regras de direito, ou a sua natureza
de fontes auxiliares de Direito Internacional.

Jurisprudência
É o conjunto das decisões judiciais (ou arbitrais), sejam elas nacionais ou internacionais, que
se baseiam na autoridade própria das decisões judiciais (a qual resulta da imparcialidade e
objetividade oferecidas, em geral, pelos procedimentos jurisdicionais). A jurisprudência
internacional tem o importante papel de certificar a existência de normas costumeiras e para
precisar o conteúdo tantas destas quanto de normas convencionais.
O prestígio das decisões judicias pode, todavia, ficar algo abalado sempre que se permite aos
juízes ou árbitros a publicitação das suas discordâncias, com o risco óbvio de ser transmitida
para o exterior uma ideia, nada reconfortante, de divisão ou de fratura num coletivo de juízes.
Significa isto que, do ponto de vista da autoridade e posterior acatamento das decisões de
um tribunal internacional, seria preferível criar no público em geral a sensação de que as
mesmas são proferidas por unanimidade ou, pelo menos, a de que não resultam do fator
aleatório das simples maiorias conjunturais. O que é certo é que no que toca ao TIJ se faculta
aos seus juízes a possibilidade de emissão de críticas às decisões adotadas pelo Tribunal
através da:
Opinião individual ➔ opinião de um juiz que, concordando com o sentido da decisão (sendo
ele a decidir, teria decidido da mesma forma), discorda da respetiva fundamentação feita,
isto é, dos motivos ou razões em que o Tribunal de baseou para chegar a tal veredito;
Opinião dissidente ➔ “voto de vencido” é o juiz minoritário que discorda com o sentido da
decisão do Tribunal. Sendo ele a decidir, teria decidido noutro sentido.
Vem-se assistindo, ao longo dos últimos anos, a uma multiplicação das decisões judiciais
internacionais, com a consequência evidente de serem cada vez em maior número os
precedentes que, mais tarde, é possível invocar. Deste modo, a uma jurisprudência
internacional dispersa e predominantemente arbitral foi, aos poucos, sucedendo um corpo
homogéneo e sistematizado de decisões, que se revelam, posteriormente, de inestimável

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préstimo para aqueles que têm por missão aplicar o Direito Internacional – em especial, as
normas costumeiras, cuja existência ou conteúdo são, muitas vezes, particularmente
controversos.

Doutrina
Ao falarmos em doutrina, no contexto específico dos meios de determinação das normas de
Direito Internacional, temos em vista o conjunto das tomadas de posição individuais (ou
coletivas) de autores (jus internacionalistas) sobre problemas jurídicos internacionais – ou,
eventualmente, de certos órgãos também vocacionados para o efeito -, sem que tais opiniões
jurídicas ou juízos vinculem os sujeitos de direito (Estados ou organizações).
Menos relevante que no passado, o papel da doutrina continua a ser importante no que
respeita a dois vetores fundamentais: na determinação das normas de direito positivo (por
exemplo, as normas consuetudinárias cujos precedentes carecem, muitas vezes, de ser
explicitados) e no contributo para a evolução futura do Direito Internacional.

Equidade
No parágrafo 2º do art. 38º ETIJ, prevê-se ainda a possibilidade excecional de o TIJ, mediante
autorização das partes envolvidas nos litígios, decidir ex aequo et bono, isto é, segundo
critérios de equidade, se as partes em litígio o autorizem a fazê-lo.
A equidade analisa-se num conjunto de critérios de razoabilidade e bom senso, idóneos a
solucionar idealmente, à luz do sentimento dominante de justiça, os casos concretos. Deste
modo, a equidade desempenha uma função complementar, ou de “justiça corretiva”, em
relação às fontes de Direito Internacional. Em abstrato, a equidade pode visar três objetivos
distintos:
Equidade secundum legem - atenua a aplicação do direito sempre que a aplicação estrita das
normas jurídicas conduziria a injustiças ou iniquidades. A essa equidade o juiz internacional
e, genericamente o intérprete de qualquer norma jurídica, estará autorizado a recorrer,
independentemente de qualquer autorização expressa nesse sentido (deve fazê-lo, inclusive,
para levar a cabo a sua missão).
Equidade praeter legem - completa o sentido do direito, funcionando como regime
subsidiário no caso da deteção de lacunas no direito positivo.
Equidade contra legem - afasta o direito, desde que as partes expressamente o prevejam;
contraria o direito e resolve o caso à luz de critérios de equidade.

No que tange à equidade praeter e contra legem, é indispensável o juiz ter uma habilitação
clara e inequívoca, conferida pelas partes litigantes ao Tribunal, para fazer uso destas
equidades. Ora, não deve admitir-se o recurso à contra legem, quer por razões de segurança
jurídica (ainda por cima num ordenamento jurídico como o internacional), quer porque
aceitar esse tipo de equidade conduziria a um complexo desvirtuamento da função
jurisdicional (o juiz não poderia em tese afastar o direito positivo).
Em concreto, afigura-se apenas como viável o recurso à equidade secundum legem e,
mediante autorização expressa das partes, à equidade praeter legem.

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PRINCÍPIOS-CHAVE DO DIREITO INTERNACIONAL (importantes para os casos práticos)


Princípio da pacta sunt servanda c/c boa fé: "agreements must be kept", estabelece que as
obrigações e direitos tem de ser cumpridos (são normas jurídicas de responsabilidade
internacional), sob a pena de sanção.
• Esse princípio opera de modo binário com a autonomia da vontade. Antes de a
convenção entrar em vigor, vige plenamente a autonomia da vontade dos Estado, o
Estado negoceia a convenção se e quando quiser, a Assembleia aprova a convenção
se quiser, o Estado ratifica se quiser. Depois da ratificação, a autonomia de vontade
acaba porque o Estado fica vinculado juridicamente ao cumprimento da convenção,
de modo que, se a convenção já produz efeitos, ele tem de cumprir a convenção.
• "Os pactos assumidos devem ser respeitados", "os contratos assinados devem ser
cumpridos” - todo tratado em vigor, para as partes juridicamente vinculadas, deve ser
cumprido.
• Se o Estado não cumpre, há consequências jurídicas. Ele torna-se responsável pelo
incumprimento das suas obrigações internacionais e esse incumprimento pode ser
desculpado (excludentes da responsabilidade) somente em casos excepcionais.
• Não basta cumprir as obrigações, é preciso que elas sejam cumpridas com boa fé.

Princípio da não-retroatividade: importante para saber a partir de qual momento as


obrigações são vinculantes e produzem efeitos, devendo ser cumpridas pelos Estados
contratantes. Estabelece que, como regra, se o tratado não dispuser nada em contrário, o
tratado só pode produzir efeitos prospectivos (ou seja, da data da entrada em vigor em
diante).

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CAPÍTULO III - RELAÇÕES ENTRE DIREITO INTERNACIONAL


E DIREITO INTERNO

I. MONISMO, DUALISMO E TÉCNICAS DE RECEPÇÃO (RECEPÇÃO


AUTOMÁTICA, TRANSFORMAÇÃO E RECEPÇÃO SEMI-PLENA)

Não se contesta que são diferentes os procedimentos de criação e de aplicação das normas
internacionais por comparação com aqueles outros que para as normas internas visam
idênticos propósitos. Referimo-nos à controvérsia doutrinal entre dualismo e monismo,
sempre convocada pelos autores, toda a vez que se coloca o problema das relações entre o
Direito Internacional e o Direito Interno.

Soluções teóricas
As soluções teóricas, no que toca ao relacionamento entre os dois ordenamentos jurídicos –
o internacional e o interno – são, por consequência, aquelas que nos são apresentadas pelas
teses dualistas ou pluralistas e pelas teses monistas; sendo que estas, por sua vez, se cindem
em duas distintas: o monismo de direito interno e o monismo de Direito Internacional.
Face à existência de duas ordens jurídicas, há autores que as consideram absolutamente
independentes uma da outra, a ponto de serem necessárias normas específicas destinadas a
regular as suas relações recíprocas, ao passo que outros se apoiam antes na tese da essencial
unidade do mundo jurídico.

TESE DUALISTA
Para os seus partidários, existiria uma separação radical entre o ordenamento jurídico
internacional e as ordens jurídicas internas. Esta linha clara de separação entre as duas ordens
jurídicas, produziria inarredáveis consequências: por um lado, as normas internacionais só se
tornariam válidas na esfera estadual depois de transformadas em direito interno; por outro,
em virtude de serem estranhos um ao outro, não seriam configuráveis quaisquer conflitos
entre os dois sistemas. Cada um deles regularia relações distintas.

Origem do direito positivo


Enquanto o direito interno resultaria da vontade singular do Estado, o direito internacional
viria da vontade coletiva de vários Estados.
Crítica: a vontade coletiva não funda a obrigatoriedade do direito internacional. Hoje,
devemos rejeitar a ideia de soberania absoluta ➔ explica o fundamento do tratado, mas não
o do costume, por exemplo.

Sujeitos das relações jurídicas


Enquanto no direito interno estes sujeitos seriam os indivíduos e pessoas morais, no direito
internacional seriam os Estados.

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Crítica: em ambos ordenamentos existem normas com diferentes destinatários. Algumas


normas do direito internacional dirigem-se a indivíduos, por exemplo.

Natureza jurídica dos ordenamentos


Enquanto o ordenamento jurídico interno apresentaria estrutura de subordinação, o
internacional apresentaria estrutura de coordenação.

Para os dualistas, as normas internacionais só se tornariam válidas (produzindo assim efeitos)


na esfera estadual depois que fossem transformadas em direito interno. Entretanto, tal visão
pode ser rebatida pelo simples facto de os tribunais internos aplicaram direta e
automaticamente o direito internacional comum. Para além disso, os dualistas defendem que
não haveria conflitos entre os dois sistemas jurídicos pois eles seriam estranhos um ao outro
(duas realidades distintas). No entanto, hoje assiste-se a uma crescente interpenetração
entre questões internas e internacionais, derrubando assim tal argumento.
Diante de uma posição dualista o direito internacional estará sempre abaixo da Constituição:
a racionalidade dualista não permite outra solução. O Brasil, que é dualista, permite que o
direito internacional seja recepcionado com emenda constitucional, ficando assim no mesmo
patamar que a constituição.

TESES MONISTAS
As teorias monistas repousam na premissa de que todo o Direito – interno ou internacional –
constitui uma unidade, um mesmo sistema. Assim, uma norma de direito internacional pode
ser (e é) automaticamente aplicada ao plano interno (técnica da recepção automática da
norma de direito internacional no plano interno). Não há, todavia, unanimidade de vistas
entre os partidários das correntes monistas. Concretamente, acham-se aqueles divididos em
dois grupos, consoante o primado é atribuído ao direito interno (monismo de direito interno)
ou ao Direito Internacional (monismo de Direito Internacional).

Monismo de direito interno


Assenta num voluntarismo extremo, sustentando a existência apenas da ordem jurídica
estadual, apresentando o direito internacional como apenas um produto da autovinculação
dos Estados, como um direito estadual externo, que se reduziria a uma declaração de
intenções sobre comportamentos futuros. Se tais comportamentos não fossem cumpridos,
nada sucederia, entretanto, no plano da responsabilidade internacional.
Assim, o monismo de direito interno nega a existência do direito internacional enquanto
disciplina autónoma da ciência jurídica, esquecendo que há normas internacionais que não
dependem da vontade do Estado para se aplicarem no plano interno.

Monismo de direito internacional

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Assenta na ideia de homogeneidade da ordem jurídica na medida em que as normas


internacionais se situariam num plano superior às internas e, assim, qualquer contradição
normativa resultaria na nulidade das normas internas (posição adotada por Kelsen).
Tal ideia, entretanto, só seria aceitável se a comunidade internacional fosse uma espécie de
Estado federal. Além disso, se assim fosse, a soberania se encontraria na comunidade
internacional, e não nos Estados. Entretanto, apenas excepcionalmente, na nossa realidade,
o efeito direto de certas normas internacional determina a ilegalidade a consequente
anulação das normas internas que com elas estejam em contradição – o que demonstra o
alcance limitado do princípio do primado do direito internacional

POSIÇÃO QUE ADOTAREMOS


Aproxima-se de um monismo com primado do direito internacional na sua versão mais
moderada: a ordem internacional delimita o campo de atuação da ordem jurídica interna.
Deste modo, todos os Estados devem adequar o seu ordenamento interno às obrigações
internacionais que assumem; apenas no caso do incumprimento desse dever a consequência
de uma contradição normativa entre uma norma internacional e uma norma interna será a
invalidade da norma interna.
Há cada vez mais norma de direito internacional que são válidas no plano interno
independentemente da vontade dos Estados:
• Normas de direito internacional comum, em especial as que visam tutelar dois valores
supremos da comunidade internacional: o da paz e o da proteção de dignidade da
pessoa humana.
• Normas que emanam de organizações supranacionais, como é o caso da UE, e que
sejam dotadas de aplicabilidade direta (imposição do próprio direito comunitário, e
não de uma concessão do direito interno)
Globalização reduz o número de matérias que são de domínio reservado dos Estados,
insuscetíveis de regulamentação internacional (como aquelas referentes a formas políticas
internas, ao funcionamento dos tribunais, ao direito eleitoral, etc.). No mais, as diretrizes que
o direito internacional emana reduz cada vez mais o campo de atuação autónoma do
legislador interno, contribuindo para sustentar a ideia de certa unidade fundamental do
mundo jurídico.

TÉCNICAS DE INCORPORAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS NA ORDEM INTERNA


Importa atentar nas soluções positivas consagradas nas diversas ordens jurídicas. Podemos
afirmar que são três os sistemas configuráveis de receção do Direito Internacional na ordem
interna dos Estados.

Recepção ou incorporação automática das normas internacionais (monista)


O primeiro é aquele em que o Estado aceita, sem restrições, a vigência do Direito
Internacional na ordem interna. Num tal caso, estaremos perante uma cláusula de receção
ou incorporação automática das normas internacionais, sendo que estas,
independentemente do seu objeto, vigoram internamente como normas de Direito
Internacional, e não enquanto normas internas. Trata-se a receção automática de uma

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técnica de incorporação de uma conceção monista (monismo com primado do DI) no que
concerne às relações entre o Direito Internacional e o direito interno.
Entretanto, mesmo nesses sistemas a Constituição pode impor uma leve restrição,
normalmente relacionada à condição de a norma ser publicada no jornal oficial do Estado, à
plena vigência interna das normas internacionais, atenta à fonte da qual elas emanam. No
caso português, é exigida a publicação no Diário da República - recepção plena, mas não
incondicionada.

Técnica da transformação (dualista)


No segundo sistema pensável, pelo contrário, o Estado opõe-se à vigência do Direito
Internacional na ordem jurídica interna; daí que a Constituição exija que o legislador ordinário
reproduza a norma internacional através de um ato normativo da sua competência,
designando-se este procedimento por técnica de transformação (norma jurídica internacional
transforma-se numa norma jurídica interna). Note-se que as normas internacionais perdem,
evidentemente, essa qualidade, passando a vigorar na ordem interna, como ordens internas.

Recepção semiplena (monista + dualista)


O terceiro e último sistema é um sistema misto, que assenta numa distinção entre as normas
surgidas no espaço internacional, em função do seu conteúdo. Assim, as normas
internacionais respeitantes a certas matérias, vigoram automaticamente no plano interno; as
demais, com um conteúdo diverso, só mediante um ato de transformação adquirem
relevância internamente. Encontramo-nos, aqui, perante uma cláusula de receção semiplena.
Como se percebe, a receção semiplena do Direito Internacional tem subjacente uma
conjugação entre as conceções monistas e dualistas, acerca do relacionamento entre a ordem
internacional e a interna.

Técnicas de incorporação adotadas por alguns ordenamentos estrangeiros


Direito alemão ➔ recepção automática, mas sua Constituição é omissa quanto à vigência
interna dos tratados

Direito britânico ➔ recepção automática para normas do direito internacional geral ou


comum (“International Law is part of the Law of the Land”); técnica da transformação para
normas de direito internacional convencional ou particular.

Direito espanhol ➔ recepção automática para normas do direito internacional geral ou


comum, mas os tratados devem, para produzirem efeitos na ordem interna, ser publicados
no Boletim Oficial do Estado (condição de eficácia, e não de validade).

Direito francês ➔ recepção automática para normas do direito internacional geral ou comum,
mas os tratados devem, para produzirem efeitos na ordem interna, ser publicados. Além
disso, as convenções internacionais, cumprido o requisito da publicação, são
hierarquicamente superiores face à legislação ordinária desde que aplicadas pela(s) outra(s)
parte(s).

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Direito italiano ➔ submissão do ordenamento jurídico italiano às normas de direito


internacional geralmente reconhecida. Recepção “direta, automática, permanente, contínua
e completa”.

Direito norte-americano ➔ recepção automática de normas do direito internacional.

II. RECEÇÃO E HIERARQUIA DO DIREITO INTERNACIONAL NA ORDEM


JURÍDICA PORTUGUESA

A CRP não se debruça muito sobre a questão e, assim, é preciso recorrer à doutrina e à
hermenêutica jurídica para resolver o problema.

ANÁLISE DO ARTIGO 8º DA CRP


O artigo 7º da nossa Constituição enunciam-se os princípios fundamenais por que se rege
Portugal nas relações internacionais. No entanto, o artigo 8º regula o problema em questão.

Artigo 8º (Direito internacional)

1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte


integrante do direito português.

2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou


aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto
vincularem internacionalmente o Estado Português.

3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de


que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se
encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.

4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas


das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na
ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos
princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
Direito internacional geral ou comum – artigo 8º/1
É consagrada uma cláusula geral de recepção automática (“fazem parte integrante do direito
português”) em relação a normas e princípios que vinculem a generalidade dos Estados.
Encontram-se, aqui:
• Normas de costume geral (algumas delas imperativas/de ius cogens);
• Normas de costume bilateral e regional em cuja criação Portugal tenha participado;
• Normas de tratados universais, aceites como direito internacional geral, como por
exemplo a Declaração Universal de Direitos do Homem, a Carta das Nações Unidas,
etc..

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• Normas oriundas de princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas,


na medida em que se entenda que já foram assimilados pela ordem jurídica
internacional (porque vêm justamente do direito interno)

Direito internacional particular (convencional) – artigo 8º/2


Normas de convenções internacionais são recepcionadas automaticamente, mas tal recepção
é condicionada (sistema de recepção automática, mas condicionada).
As convenções internacionais englobam, aqui, os tratados solenes (que precisam ser
ratificados) e os acordos em forma simplificada (que não necessitam de ratificação).
A recepção é condicionada porque a CRP exige que as convenções tenham sido regularmente
ratificadas (no caso dos tratados) e aprovadas (para ambos) e, além disso, publicadas
oficialmente no Diário da República.
Tais condições são requisitos de eficácia das convenções na ordem interna, mas não de
validade: enquanto as condições de validade são fixadas pelo próprio direito internacional, os
requisitos para a recepção da norma internacional na ordem interna portuguesa são fixados
pela CRP e, uma vez preenchidos, determinam que as normas oriundas de convenções
internacionais valham nessa qualidade internamente.

“As convenções vigorarão na ordem interna enquanto vincularem internacionalmente o


Estado português”:
• Uma convenção só começará a viger na ordem interna a partir do momento em que
começam a viger na ordem internacional. Assim, não basta que Portugal tenha
aprovado, ratificado e publicado a norma se ela ainda não tiver entrado em vigor na
ordem internacional por falta de ratificações necessárias exigidas pelo tratado, por
exemplo
• Caso as convenções parem de produzir os efeitos jurídicos a que tendem (perda de
validade ou eficácia em virtude de caducidade, por exemplo), cessará também
automaticamente a sua produção de efeitos no plano interno

As convenções internacionais imperam em Portugal enquanto normas de direito


internacional (não esquecer que a recepção, embora condicionada, é automática).
O artigo abrange também (interpretação extensiva) costumes regionais em cuja criação
Portugal não participou. Para ser vinculado por tal costume, Portugal deve declarar oficial e
expressamente a sua aceitação a ele - estamos, na prática, perante uma convenção; aplica-se
portante o artigo 8º/2.

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Direito (derivado) das organizações internacionais – artigo 8º/3


O número 3 foi acrescentado pela revisão constitucional de 1982 visando a adequação da
ordem jurídica portuguesa à adesão do país às então “Comunidades Europeias”.
Nenhuma formalidade interna é exigida para que os atos de direito comunitário derivado
(emanados por OIs) adquiram relevância na ordem jurídica portuguesa. Assim, é determinado
um sistema de incorporação automática.
Entretanto, há duas condições para que o direito das organizações internacionais
supranacionais seja eficaz no plano interno: as normas devem ter sido emanadas por órgãos
competentes das organizações e que o regime de aplicabilidade direta deve estar
estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.

APLICABILIDADE DIRETA X EFEITO DIRETO

Efeito direto ➔ possibilidade de uma norma de direito comunitário ser invocada pelos
particulares junto dos órgãos jurisdicionais nacionais, quer contra o Estado (efeito direto
vertical), quer contra outros particulares (efeito direto horizontal), ainda que não
disponha de aplicabilidade direta. As decisões da UE, embora não sejam uma verdadeira
norma, possuem efeito direto.

Aplicabilidade direta ➔ as normas da União Europeia, por exemplo, gozam de uma


aplicabilidade direta, isto é, aplicam-se diretamente aos cidadãos dos Estados membros,
sem interposição das autoridades nacionais dos Estados. No momento de criação deste
número do artigo 8º, a aplicabilidade direta era atribuída a apenas ao regulamento.
A expressão “normas” contida no artigo deve ser interpretada extensivamente de modo a
permitir que, nesta categoria, se incluam também os atos (decisões e diretivas, por exemplo).

Em suma
A CRP assenta em pressupostos monistas de direito internacional no que diz respeito às
relações entre as ordens jurídicas internacional e interna.
Para as várias categorias de direito internacional, a CRP consagra sempre uma técnica de
recepção automática da ordem jurídica internacional na ordem interna: quer para o direito
internacional geral, quer para o particular, que para o comunitário. Isto demonstra uma
posição de abertura da Constituição portuguesa face o direito internacional, às normas
emanadas pela comunidade internacional, e aos valores fundamentais da comunidade
internacional.

HIERARQUIA ENTRE AS NORMAS INTERNACIONAIS E INTERNAS


A CRP não se debruça muito sobre a questão e, assim, é preciso recorrer à doutrina e à
hermenêutica jurídica para resolver o problema.

Direito internacional geral ou comum – artigo 8º/1

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O DI geral ou comum tem um valor supralegal e supraconstitucional, prevalecendo quer sobre


a legislação ordinária, quer sobre a Constituição.

Direito Internacional geral x Direito ordinário interno


No que respeita à legislação ordinária, parece não haver margem para grandes hesitações. O
direito internacional geral ou comum prevalece sobre a legislação ordinária interna (valor
supralegal - a CRP considera as normas e os princípios de Direito Internacional Geral como
fazendo parte integrante do Direito Português. Se, por hipótese, uma lei ordinária pudesse
contrariar um princípio (ainda que imperativo) de Direito Internacional geral ou comum, este
deixaria de fazer parte integrante do Direito Português, convertendo-se, por isso, o artigo 8º,
nº 1 da CRP em letra morta e, simultaneamente, aparecendo esvaziada de sentido a própria
noção de Direito Internacional geral ou comum.

Direito internacional geral x Constituição


O Direito internacional geral ou comum prevalece sobre a Constituição (valor
supraconstitucional). Aquele direito emana regras básicas de convivência interestadual e
princípios que tutelam valores que abrangem toda a comunidade. Assim, um Estado não
poderia fixar normas constitucionais que derroguem um direito comum a todos. O artigo 8º/1
da CRP já assinala que as normas e princípios de direito internacional geral fazem parte
integrante do direito português e, usando a lógica, é possível reconhecer a prevalência destes
sobre a própria Constituição. Além do exposto no artigo 8º/1, o artigo 16º/2 estabelece que
os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos humanos não podem contrariar a
Declaração Universal dos direitos do homem, o que aponta também para a superioridade
hierárquica do direito internacional geral ou comum em relação a CRP.
Não é concebível que um Estado consagre normas constitucionais que contrariem os
princípios do direito internacional geral ou comum. Assim, salvo exceções, não são
propriamente configuráveis situações de colisão ou conflito entre as normas e as
internacionais gerais

Direito internacional particular (convencional) – artigo 8º/2


As convenções internacionais têm uma valor infraconstitucional e supralegal.

Direito Internacional particular x Direito ordinário interno


As convenções internacionais têm valor supralegal. Consoante o exposto no artigo 8º/2 da
CRP, as convenções internacionais vigoram na ordem interna enquanto vincularem o Estado
português no plano internacional. As convenções internacionais prevalecem mesmo diante
de leis internas posteriores.
Duas razões sustentam a superioridade hierárquica das convenções internacionais: em
primeiro lugar, a grande abertura da CRP frente ao direito internacional; em segundo, o
critério de ordenação dos diversos instrumentos normativos seguido pelo artigo 119º da CRP,
no qual as convenções internacionais precedem os diplomas legislativos. Não importa, para
este caráter supralegal, a natureza das normas internacionais ou internas em questão: o
direito internacional tem sempre valor supralegal.

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Caso uma norma de direito interno contrarie o disposto numa convenção internacional, a
consequência será a ineficácia da disposição interna. Assim, toda vez que uma lei interna
contrariar o disposto numa convenção internacional, os tribunais portugueses deverão
recusar-se a aplicar tal lei enquanto durar a vigência internacional dessa convenção.

Direito Internacional particular x Constituição


Consoante o exposto no artigo 278º da CRP, as convenções internacionais estão sujeitas à
fiscalização preventiva da constitucionalidade (seja ela sucessiva – concreta ou abstrata – seja
ela preventiva). Assim, as normas de direito internacional têm caráter infraconstitucional.

Direito das organizações internacionais


De facto, no artigo 8º, nº 3 CRP, está a afirmação de que as normas oriundas daquelas
organizações internacionais vigoram diretamente na ordem interna. Aponta, sem duvida,
para a primazia ou prevalência do direito comunitário em relação ao direito interno.

Normas de OIs de que Portugal seja membro x Direito ordinário interno


As normas oriundas do direito comunitário têm valor supralegal. Quando Portugal decide
aderir às organizações internacionais, ele consente em delegar certos poderes soberanos em
favor da organização, o que abrange uma transferência do exercício de poderes normativos
em certos domínios.
Caso uma norma de direito interno contrarie o disposto numa norma emanada por uma
organização internacional da qual Portugal seja membro, a sanção será a ineficácia ou
inaplicabilidade daquela: há uma prioridade ou preferência de aplicação do direito
comunitário.

Normas de OIs de que Portugal seja membro x Constituição


O princípio do primado do direito comunitário é uma exigência do direito comunitário. Pelo
facto de a União Europeia, por exemplo, ser um espaço de integração – e não de mera
coordenação – entre seus membros, a condição da sua existência radica na uniformidade de
interpretação e aplicação do direito comunitário, originário e derivado, em todo o seu
território. Tal uniformidade só será alcançada se houver uma primazia do direito comunitário
face a todo o direito estadual, inclusive perante a Constituição. O primado é traduzido por
uma imposição do direito comunitário, por força da sua específica natureza, e não por uma
concessão do direito interno dos Estados membros.

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

DIREITO EUROPEU

Originário ➔ comunidades europeias, bem como aqueles que modificaram os tratados


originários. As comunidades europeias foram criadas pelos Tratados de Paris e Roma e
modificadas pelo Ato Único Europeu, Tratado de Maastricht, Tratado de Amsterdam, etc..

Derivado ➔ direito que emana das instituições da União Europeia (Conselho, Comissão,
Parlamento Europeu): regulamentos, diretivas, decisões; tem de estar em conformidade
com o originário.

Analisando o problema do ponto de vista do direito constitucional interno:


• Artigos 204º e 277º da CRP: todas as normas que integram a ordem jurídica
portuguesa devem ser sujeitas ao controlo de constitucionalidade, isto é, desde
aquela produzidas pelo legislador interno até as de direito comunitário.
• Artigo 7º/6 da CRP: Portugal aceita transferir para as instituições da União Europeia o
exercício de determinados poderes que decorrem da sua soberania visando a
construção europeia.

O interesse da unidade de aplicação do direito comunitário determina, inevitavelmente, uma


redução do âmbito de intervenção do Tribunal Constitucional no controlo de
constitucionalidade das normas do direito comunitário. Segundo alguns autores, o Tribunal
deveria limitar-se a uma fiscalização da compatibilidade das disposições do direito
comunitário com os “princípios informadores e estruturantes fundamentais” da Constituição.
O Tratado da UE, ao considerar obrigatórios para a União, como princípios gerais do direito
comunitário, os direitos fundamentais consagrados na Convenção Europeia dos Direitos do
Homem e os direitos fundamentais resultantes das tradições constitucionais dos Estados
membros, contribui para reduzir, de forma significativa, o campo de conflitos potenciais entre
as normas de direito comunitários e as Constituições dos Estados membros.

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

CAPÍTULO IV - OS SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL

I. NOÇÃO
Os sujeitos de direito internacional são os destinatários diretos de normas internacionais e,
por isso, titulares de uma relação jurídica subjetiva que nasce de tais normas. Tais sujeitos
são dotados de legitimidade para reagir perante o incumprimento das normas internacionais
e, para os autores do inadimplemento, de serem responsabilizados internacionalmente.
Há, atualmente, vários sujeitos de direito internacional. O Estado, entretanto, é o mais
fundamental, sendo o único sujeito de direito que se beneficia da característica da soberania,
exercendo de forma estável, duradoura e plena uma autoridade exclusiva sobre determinado
território.

Sujeitos primários de direito internacional ➔ Estados;

Sujeitos secundários de direito internacional ➔ Organizações internacionais, povos não


autónomos, indivíduo, insurretos;

Sujeitos originários de direito internacional (existência resultante de um processo de facto)


➔ Estados, povos não autónomos, insurretos;

Sujeitos derivados e auxiliares de direito internacional (existência resultante de uma decisão


dos sujeitos primários) ➔ Organizações internacionais (ato formal de criação) e indivíduo
(reconhecimento de certos direitos em determinados instrumentos normativos
internacionais).

II. ESTADO: NOÇÃO E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

O Estado é uma ficção jurídica: em termos materiais, como bem físico, não é possível defini-
lo. Mas, apesar disso, a sua existência jurídica repousa em dados objetivos. Ele reúne em si
três elementos constitutivos: a população, o território e o governo. É, entretanto, uma
característica que o diferencia de outros sujeito de direito internacional: a soberania – o
Estado é o único sujeito de direito que possui tal atributo.
Os Estados não estão organicamente subordinados a nenhum outro membro da comunidade
internacional e, por isso, tem uma proteção jurídica ímpar.

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO - POPULAÇÃO


É o elemento humano do Estado, podendo ser definida como o conjunto de indivíduos ligados
de forma estável e efetiva a um Estado através do vínculo jurídico da nacionalidade.
A nacionalidade é uma das expressões da soberania dos Estados, isto é dizer: é o Estado que
determina a quem será concedida a nacionalidade e, assim, quem será a sua população.

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Tal determinação essenciais e fundantes do Estado é feita por ele mesmo, e não pelo direito
internacional ou por outros Estados. Há dois parâmetros para a atribuição de nacionalidade,
que podem ser aplicados sozinhos ou combinados: o ius soli e o ius sanguini. Pelo ius soli, a
nacionalidade é atribuída a quem nasça ou resida, durante um determinado período, num
território. Pelo ius sanguini, a nacionalidade é atribuída àqueles que sejam filhos de um
nacional do Estado.
Os parâmetros podem ser aplicados de modo concorrente (simultaneamente) ou de modo
subsidiário (um parâmetro principal e outro parâmetro que preveja exceções). Portugal, por
exemplo, combina os dois de modo subsidiário. O parâmetro principal aplicado por Portugal
é o ius sanguini, mas o ius soli é aplicado de modo subsidiário: se o filho de dois estrangeiros
nascer em Portugal e não tiver direito a nenhuma outra nacionalidade, esse filho poderá ser
português. Artigo 26º CRP: direito à cidadania c/c Lei nº 37/1981, de 3/10
Apesar de direito internacional não pode estabelecer parâmetros para a concessão de
nacionalidade pelos Estados, ele consagra o direito à nacionalidade como um direito humano.
Os Estados, para cumprirem tal direito, editam leis internas para conceder nacionalidade com
base no ius soli/ius sanguini caso esse seja o único meio para que a pessoa não seja apátrida.
Há, então, dois tipos de nacionalidade:
• Originária - surge com o nascimento, ou seja, o direito à nacionalidade surge quando
a pessoa nasce;
• Derivada - direito à nacionalidade só surge ao longo da vida da pessoa;

Portugal, diferentemente do Brasil, permite que uma pessoa adquira uma nacionalidade
derivada sem que para isto tenha de perder a outra.
O parâmetro do ius sanguini só pode ser aplicado, em regra, para a nacionalidade originária,
mas há casos exceções, isto é, casos nos quais o ius sanguini é aplicado para a nacionalidade
derivada, como no caso de crianças adotadas (sendo filhas, elas têm direito à nacionalidade
dos pais, direito este que surge a partir da data de adoção ➔ nacionalidade retroage para a
data de adoção).

NAÇÃO, POPULAÇÃO E ESTADO

Nação não é um elemento constitutivo do Estado; é um conceito sociológico, e não


jurídico. Nada hoje obriga a coincidência entre nação e Estado, mas a relação entre os dois
conceitos tem relevância jurídica em matéria de autodeterminação: o direito
internacional reconhece o direito de autodeterminação externa a determinadas nações
ou povos, direito este que é uma manifestação recente do principio das nacionalidades.

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO - TERRITÓRIO


O território é o elemento físico-geográfico do Estado. O território estadual é delimitado pelas
fronteiras, que podem ser naturais ou artificiais. É apenas dentro do espaço delimitado pelas
fronteiras que o Estado pode exercer a sua soberania.

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Fora do seu território, o Estado pode vir a exercer jurisdição, isto é, aplicar suas normas
jurídicas, mas não exercer a totalidade dos poderes (militares, políticos, económicos, etc.)
que decorrem da sua soberania. A embaixada é um espaço avançado de jurisdição em que a
lei daquele Estado é aplicada, e não uma extensão do território do Estado. O território de um
Estado é formado pelo domínio terrestre, domínio fluvial, domínio marítimo, domínio
lacustre e domínio aéreo.

O domínio terrestre abrange o solo e o subsolo que se situam no interior das fronteiras do
Estado e sobre o qual este exercer os seus poderes de soberania de forma plena e exclusiva.

O domínio fluvial é composto pelos cursos de água (rios) que atravessam um Estado ou o
separam de outros. Os rios podem ser nacionais, caso nasçam e desaguem no território
nacional, ou internacionais, caso atravessem (rios sucessivos) ou separem (rios contíguos)
vários Estados. O Estado exerce soberania exclusiva sobre os primeiros e parcial sobre os
segundos.

O domínio marítimo é composto por determinados espaços marítimos, incluindo o solo e o


subsolo respectivos, sobre os quais o Estado exerce poderes de soberania. Em relação a
outras zonas marítimas, todavia, o Estado exerce poderes de mera jurisdição, não integrando
estas últimas, portanto, o território estadual.

Poder de soberania ➔ inerente ao Estado, exclusivos e ilimitados


Poder de jurisdição ➔ atribuído pelo direito internacional

A Convenção de Montego Bay (CMB) estabelece diversos espaços internacionais marítimos e


os seus respectivos regimes jurídicos. Todos esses espaços são estabelecidos com base num
único parâmetro: a linha de base/linha normal de maré baixa (artigo 5º CMB), que é a linha
de base normal de baixa-mar ao longo da costa, tal como indicada nas cartas marítimas de
grande escala, a partir da qual todos os espaços marítimos serão delimitados.

Poderes soberanos
Águas interiores ➔ Situando-se entre a linha de base e o domínio terrestre, fazem parte das
águas interiores as águas dos portos, baías, golfos, estuários, mares internos, estreitos e
canais. São chamadas também de “território marítimo” ou “mar nacional”: sobre elas, a
soberania estadual incide de modo completo, de modo que não há sequer, nas águas
interiores, o direito de passagem inofensiva. As únicas restrições à regra de competência
exclusiva do Estado costeiro para exercer jurisdição sobre todos os atos praticados nessa zona
referem-se à prática de atos ilícitos de natureza disciplinar ou criminal praticados a bordo de
navios de guerra (quem gozam de imunidade de jurisdição) ou de navios privados.

Mar territorial ➔ estende-se desde a linha de base até 12 milhas marítimas adiante.
Compreende as águas, o leito e o subsolo do mar territorial, espaços sobre os quais o Estado
exerce poderes de soberania em matéria de exploração, extração de recursos marinhos (de

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

pesca, minerais, vegetais), investigação cientifica, proteção do meio ambiente,


regulamentação sanitária e alfandegária, etc. A soberania só não é total por conta das
exceções previstas no artigo 17º da CMB, as principais são de duas ordens: direito de
passagem inocente e exceções referentes ao não exercício das jurisdições penais e civis. O
direito de passagem inocente é o direito que a convenção dá, a um navio estrangeiro, de
navegar pelo mar territorial de um Estado sem quaisquer perturbações (impedimentos),
partindo do pressuposto que esses navios também têm nacionalidade (do Estado da bandeira
ou pavilhão do navio), e desde que cumpra os parâmetros/condições da convenção, como
navegar pelo mar territorial do Estado costeiro em trânsito (passagem pacífica) e não aportar.
Este navio tem direito potestativo à passagem, o qual mitiga a soberania estadual porque o
Estado não pode impedi-lo e porque este, a depender das circunstâncias, não pode aplicar as
suas leis de direito penal e civil (exercer a sua jurisdição penal e civil) dentro do navio
estrangeiro (ainda que esse navio esteja no seu território, no seu mar territorial), devendo ser
aplicada a lei do Estado da bandeira/pavilhão.

Poderes jurisdicionais
Zona contígua (artigo 33º CMB) ➔ zona adjacente ao mar territorial, que tem extensão de
até 24 milhas marítimas contadas desde a linha de base. A zona contígua não é território do
Estado: sobre aquela, este não exerce a sua soberania, mas sim a sua jurisdição, isto é, aplica
o seu direito interno a algumas atividades que nela ocorrem. Os poderes exercidos pelo
Estado sobre esta zona estão indicados no artigo 33º da CMB; são poderes de mera
fiscalização para:
• Evitar infrações às leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários
no seu território ou no seu mar territorial;
• Reprimir as infrações às leis e regulamentos no seu território ou mar territorial.

Zona económica exclusiva (artigos 55º a 68º CMB) ➔ tem extensão de 200 milhas marítimas
contadas a partir da linha normal de maré baixa. A ZEE é uma novidade trazida pelo novo
direito do mar: com os movimentos de descolonização pós-guerra (1945), surgem Estados
independentes em situação desfavorável no que diz respeito ao aproveitamento dos recursos
do mar. Tais Estados reivindicam tratamento mais favorável em relação aos recursos do mar
e a ZEE pretende atender essas reivindicações presidindo um princípio de igualdade
material/desigualdade compensatória: ela pressupõe um tratamento diferente os Estados
menos credenciados.
Sobre ela, os Estados possuem amplos poderes de jurisdição em matéria de pesca,
aproveitamento energético, etc. Para que um Estado consiga direito de exploração exclusiva
da ZEE, ele deve provar que é capaz de, sozinho, explorar todos os recursos da zona.

Plataforma continental (artigos 76º a 85º CMB) ➔ é uma planície subaquática


(prolongamento subaquático da superfície terrestre) rica em recursos minerais, vegetais e
animais que se locomovem em contato com o solo. A CMB estabelece que Estados cujas
plataformas continentais tenham menos de 200 milhas poderão explorar mais desde que não
ultrapassem 200 milhas e Estados cujas plataformas tenham mais que 200 milhas poderão

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

reivindicar sua extensão até as 350 milhas marítimas (depois das 350 começam os fundos
marinhos internacionais que estão para além do controle da jurisdição estadual). Aqui, o
Estado pode fazer o mesmo que faz na ZEE.

Espaços internacionais
Zona ou área (artigos 133º a 155º CMB) ➔ leitos do mar, os fundos marinhos e o seu subsolo
além dos limites da jurisdição nacional. A zona e os seus recursos constituem “património
comum da humanidade”. Ela é regida pelos princípios de não apropriação, utilização para fins
pacíficos e exploração no interesse da humanidade.

Alto mar (artigos 86º a 132º CMB) ➔ vigora, aqui, um princípio de liberdade de navegação,
pesca, colocação de oleodutos, de sobrevoo, etc.

O domínio lacustre refere-se aos lagos, isto é, superfícies de água doce circundadas por terra.
Se forem totalmente fechados, aplicam-se sobre eles as normas que vigoram para os mares
(regime de mar interno); caso eles se comuniquem com o mar por um curso de água que
atravesse vários Estados, aplica-se a regulamentação internacional do domínio fluvial.

Por fim, o domínio aéreo é o espaço suprajacente ao território terrestre, às águas interiores
e ao mar territorial. Sobre este domínio, o Estado exerce soberania completa, a qual só
termina quando começa o espaço extra-atmosférico (que é um espaço internacional).

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO - GOVERNO


É o elemento institucional (ou orgânico do Estado), é o seu aparelho político. Por meio do
conjunto de instituições e órgãos do Governo é que o Estado por exprimir a sua vontade. Em
termos de direito interno, Governo remete ao poder executivo. No plano internacional,
entretanto, o sentido dessa expressão é mais amplo: governo reflete vários poderes públicos
do Estado, não apenas o executivo. O Estado deve dispor de órgãos que o representem e
através dos quais exprima a sua vontade. O direito internacional exige uma efetividade
governamental (condição jurídica para a existência do Estado): o Governo deve ser efetivo,
isto é, controlar uma parte significativa do território estadual e ter a capacidade de manter
ordem e segurança no plano interno, assegurando assegurar o cumprimento dos
compromissos internacionais do Estado. Esta ideia de efetividade é essencial: sem governo
efetivo, temos um obstáculo ao reconhecimento do Estado. Apenas os governos soberanos
condicionam a existência de um Estado. Na Catalunha, por exemplo, apesar da existência de
território e população, o governo não é soberano e, por isso, ela não é um Estado. Os Açores
e a Madeira são outro exemplo: os três elementos aparecem, mas o seu governo não é
soberano, e sim autónomo.

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO – SOBERANIA (característica)


A soberania é um atributo fundamental e exclusivo do Estado. Hoje, embora constitua a fonte
das competências estaduais, a soberania de cada Estado é limitada pela soberania dos demais

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Estados. Pode-se dizer que a necessidade da coexistência entre os Estados, e não


propriamente a sua vontade, determina a limitação da soberania de cada um.
A jurisprudência assimila, por vezes, soberania à independência, alegando que ambos
conceitos se referem à capacidade que um Estado tem em assegurar o seu bem-estar e
desenvolvimento sem interferências externas por parte de outros Estados. Sem soberania ou
independência, população, território e governo seriam noções inanimadas. O princípio da
soberania (ou independência) funda as relações entre Estados. Da noção de soberania
decorrem alguns corolários, alguns positivos (liberdade de atuação) e alguns negativos
(limitam a liberdade de atuação):

Corolários positivos
• Ausência de subordinação orgânica e jurídica do Estado face a outros sujeitos de
direito internacional;
• Direito de os Estados exercerem jurisdição sobre os respectivos território e população;
• Autonomia constitucional e política do Estado;

Corolários negativos
• Exigência do respeito pelo direito internacional ➔ garantia para as demais
consequências jurídicas resultantes da soberania;
• Dever de não ingerência (ou de não intervenção) nos assuntos internos de outros
Estados ➔ consequência do princípio da não subordinação orgânica e jurídica do
Estado;
• Princípio da proibição do recurso à força nas relações internacionais ➔ consequência
do princípio da não subordinação orgânica e jurídica do Estado;
• Obrigação de solução pacífica dos conflitos internacionais (artigo 33º CNU);
• Dever internacional de cooperação ➔ pressuposto necessário para a observância dos
restantes corolários negativos da soberania, funda juridicamente a luta contra o
subdesenvolvimento;

COMPETÊNCIAS DO ESTADO
O Estado é titular de um vasto conjunto de direitos e prerrogativas. Uns são exercidos no
plano interno, outros no plano internacional. Em ambos os casos de forma plena e com
exclusividade. Entre as competências internas do Estado, estão a territorial e a pessoal. A
competência territorial significa que o direito internacional reconhece aos Estados o direito
do exercício de atos autoritários que sejam necessários para o desenvolvimento de atividades
no seu território. E, por assim ser, pode o Estado soberano, relativamente a essas mesmas
atividades, recusar o exercício de qualquer ato de jurisdição por parte de outros Estados. A
competência pessoal significa que o direito internacional dá ao Estado a competência de
atribuição da sua nacionalidade a pessoas, navios, aviões, satélites e demais engenhos
espaciais. Ponto assente é que a jurisdição dos Estados não se exerce apenas em relação aos
seus nacionais; estende-se também aos estrangeiros, já que a lei do Estado se aplica a todos
os atos praticados no respetivo território. Ora, é comum às ordens jurídicas internas a

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existência de um direito dos estrangeiros, trata- se de um conjunto de normas que,


assentando num princípio de equiparação entre nacionais e não nacionais, não deixa de
estabelecer, contudo, uma certa discriminação, por exemplo, quando esteja em causa o
exercício de direitos políticos e de funções publicas que não tenham carater
predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar; tarefas que, dada a sua
especifica natureza, se entende por bem reservar aos nacionais. As competências
internacionais do Estado têm três expressões no plano internacional: ius tractum, ius
legaciones e ius ad belum.
O ius tractum é o direito e capacidade plena que os Estados têm de celebrar convenções
internacionais.
O ius legaciones é o direito que os Estados têm de serem representados nos estrangeiros, por
meio do envio (legação ativa) ou recepção (legação passiva) de representantes diplomático.
Esta competência materializa-se em missões diplomáticas que podem ser especiais (envio de
comitiva a um outro Estado) ou permanentes (embaixadas).
O ius ad belum é o direito de fazer guerra. Tal direito está, hoje, muito mitigado por um
princípio de ius cogens consagrado na CNU: o da proibição do uso da força nas relações
internacionais (exceção: uso da força para a legítima defesa).

III. A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO POR ATOS ILÍCITOS

3.1 NOÇÃO E PRESSUPOSTOS


Normas primárias ➔ impõem obrigações de conduta aos destinatários;
Normas secundárias ➔ fixam as consequências jurídicas ligadas à violação das normas
primárias. A responsabilidade internacional do Estado coloca-se no âmbito das normas
secundárias;

Responsabilidade subjetiva (ou por factos ilícitos) internacional dos Estados


Para que um Estado incorra em responsabilidade internacional, há dois requisitos nucleares
(a conduta antijurídica e o nexo de imputação) e dois requisitos suplementares (o dano e o
nexo de causalidade).
Conduta antijurídica ➔ traduz-se na violação, por meio de uma ação ou de uma omissão de
um Estado, de determinada obrigação internacional.

Nexo de imputação ➔ pressupõe que o comportamento ilícito em causa tenha sido adotado
por pessoas ou órgãos que representam o Estado, os quais estão, desse modo, sob a
autoridade efetiva deste.

Dano ➔ A violação de uma norma jurídica pressupõe a violação do bem jurídico por ela
protegido também, violação esta traduzida num dano ao bem jurídico. Assim, um terceiro
pressuposto (ainda que não nuclear) para a o Estado ser implicado em responsabilidade
internacional é a ocorrência de danos (morais ou materiais, diretos ou remotos) na esfera
jurídica de terceiros. O dano não é essencial à responsabilidade internacional pois, embora

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seja essencial à responsabilidade civil interna, no DI, pela ausência de outras sanções, aplica-
se a responsabilidade internacional independentemente da ocorrência de danos.

Nexo de causalidade ➔ O quarto e último requisito para a responsabilização internacional


subjetiva do Estado é o nexo de causalidade entre determinado comportamento e os danos
dele sobrevindos. Para que o Estado seja responsabilizado pelo dano, obrigando-se assim a
repará-lo, ele deve ter dado causa ao dano.

Entre a conduta ilícita e o dano, deve haver nexo de causalidade. Entre a conduta ilícita e o
Estado (agente), deve haver um nexo de imputação.

3.2 CONSEQUÊNCIAS
Uma vez verificada a responsabilidade internacional subjetiva, o Estado vítima tem o direito
subjetivo de exigir a reparação dos danos a ele causados e o Estado autor do facto ilícito tem
o dever de proceder à respectiva reparação.
Se não houver danos, o Estado vai ser responsável no plano internacional e vão se produzir
dois grandes efeitos: a declaração de ilicitude e a obrigação de não repetição da conduta. Se
houver danos, aos dois efeitos anteriores soma-se um terceiro: o dever de reparar o dano
(reparação).

Graus de ilicitude
Algumas normas tem um valor superior às demais por tutelarem valores de importância
fundamental para a comunidade internacional. Por conta disso, existem regimes diversos de
responsabilidade internacional, os quais variam conforme varia o índice de gravidade do
ilícito.
Os atos ilícitos praticados internacionalmente dividem-se em duas categorias: crimes
internacionais e delitos internacionais. Os crimes internacionais resultam de uma violação
mais grave de obrigações internacionais particularmente importantes (obrigações erga
omnes, isto é, obrigações de cada Estado para com a comunidade internacional em conjunto).
São considerados crimes internacionais: a agressão armada, a repressão pela força do direito
dos povos à autodeterminação, a violação em larga escala de direitos fundamentais da pessoa
humana (ex.: escravatura, genocídio) e a contaminação maciça da atmosfera e dos mares.
Pelo facto de os crimes colocarem em causa o interesse geral e a ordem pública, todos os
Estados estão habilitados a reagir à prática do ilícito, exigindo a reparação dos danos causados
ou lançando mão de contramedidas. Os Estados que praticarem crimes internacionais podem
estar sujeitos, ainda, a sanções estabelecidas por uma organização internacional. As sanções
são uma reação institucional/centralizada ao ilícito, são medidas decretadas por uma
organização internacional contra um Estado membro após uma qualificação objetiva (e
teoricamente imparcial) da infração ao direito internacional.
Já as contramedidas são reações descentralizadas ao ilícito, em que o Estado ofendido decide
acerca do tipo, da intensidade e das formas de execução das medidas que serão dirigidas ao
Estado infrator. As contramedidas podem ser retorsões ou represálias: as primeiras
traduzem-se em atos inamistosos, mas lícitos (como o corte de relações diplomáticas), as

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

segundas traduzem-se em atos inamistosos e ilícitos (como o incumprimento de um tratado).


Em ambos os casos, a adoção das medidas está sujeita a limites procedimentais (pedido
prévio de reparação dos danos/tentativa de solução pacífica do conflito) e ao princípio de
proporcionalidade.
Os delitos internacionais resultam da infração a normas internacionais menos importantes:
havendo apenas o choque com interesses particulares do Estado vítima, apenas este Estado
é titular do direito subjetivo de exigir a reparação dos danos ou utilizar as contramedidas.

3.3 MODALIDADES DE REPARAÇÃO DOS DANOS


A principal consequência jurídica da violação de um compromisso internacional é o dever de
reparação dos danos causados, compromisso que constitui um princípio geral do direito. Ao
lado da consequência principal, há duas acessórias ou secundárias: o eventual dever de cessar
a prática do ato ilícito e a prestação de garantias de não repetição, a cargo do Estado autor
do ato ilícito, que se ajustem ao caso concreto. No caso de atos ilícitos graves, há uma quarta
consequência: a possibilidade de serem aplicadas sanções ao Estado autor do ato ilícito
(decretadas por OIs) e a possibilidade de sujeição do Estado autor a contramedidas.
Há três modalidades do dever de reparação dos danos causados:
➔ Restitutio in integrum (restituição em espécie): permite a total reposição da “situação
atual hipotética”, do status quo anterior à conduta ilícita, sendo a consequência normal do
incumprimento de obrigações internacionais. Ela poderá assumir várias formas: se uma lei
está em desconformidade com compromissos do estado, a restitutio será a revogação dessa
lei. Ela é ainda viável, por exemplo, nas situações em que danos materiais resultem da prática
do ilícito (ex: reconstrução de um imóvel). Nem sempre, porém, é possível executar essa
forma de reparação de danos, seja pelo facto ilícito ter produzido efeitos irreversíveis (morte),
seja pelo facto de os danos materiais terem ocasionado um prejuízo definitivo para o Estado
vítima (destruição de bens). Além impossibilidade de execução, a restitutio in integrum pode
ainda ser afastada nos casos em que tal restituição envolva, para o Estado autor do facto
ilícito, um prejuízo desproporcionado, comparativamente às vantagens que o Estado obteria
pela restituição; ou nos casos em que sua execução comprometa gravemente a
independência política ou a estabilidade económica do Estado infrator do direito
internacional.

➔ Reparação por equivalente: mais frequente modalidade de reparação dos danos. Consiste
no pagamento de uma quantia em dinheiro ao Estado vítima para o compensar pelos danos
que sofreu. Essa quantia em dinheiro deve permitir compensar o Estado vítima não só pelos
danos emergentes, mas também pelos lucros cessantes (que deixa de ganhar em virtude o
ato ilícito). O cálculo do montante é feito à luz das normas de direito internacional e o grau
do prejuízo sofrido deve ser estabelecido com referência ao momento presente. Ao cálculo
da indemnização não se inclui a ideia de indemnização punitiva: trata-se da reparação de um
prejuízo, e não de uma sanção/pena. Os danos passíveis de indemnização são aqueles
economicamente valoráveis, que atinjam diretamente o Estado ou os funcionários/agentes
do Estado.

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➔ Satisfação: modalidade de reparação para danos de caráter moral. Ela pode manifestar-se
através de uma expressão pública de pesar, de um pedido oficial de desculpas, na sanção
interna dos agentes responsáveis pela prática ilícita, numa declaração de ilicitude proferida
por um tribunal internacional.

NOTA: Restitutio in integrum e satisfação excluem-se mutuamente (não pode haver as duas
de uma vez só); o resto pode coexistir.

QUEBRA DE OBRIGAÇÃO INTERNACIONAL (artigos 12º e ss)


Quando se fala da quebra de uma obrigação internacional ou o incumprimento de uma norma
de DI, é importante saber se a ilicitude de facto ocorreu. Para saber se houve conduta ilícita,
deve-se perguntar:
• Havia uma norma de direito internacional que regulasse aquele caso?
➔ Depende das fontes do direito internacional (se havia um costume, uma convenção, um
principio geral do direito, que regulasse a tal conduta).

• A norma existente era válida e eficaz?


➔ Não basta saber se a norma existe, devendo ser questionado também se as normas já
vinculavam o Estado, se ela era válida e eficaz. Se a norma é invalida, ninguém tem o dever
de cumpri-la. Portanto, todos os casos de invalidade já estudados e todos os casos de
ineficácia sempre vão poder ser uma defesa no âmbito da responsabilidade civil

➔Normas inexistentes, invalidas e ineficazes não geram responsabilidade internacional

NEXO DE IMPUTAÇÃO (artigos 4 a 11)


Devemos também, para ver se há responsabilidade internacional, se a norma é ou não
imputável ao Estado. O Estado depende dos seus órgãos para agir, então, sempre que uma
conduta é praticada por um órgão oficial do Estado (primeiro ministro, presidente, juízes,
exercito, funcionários públicos, deputados, etc), ela é imputável ao Estado. Mas pode ocorrer
também que uma pessoa privada pratique uma conduta internacional ilícita e essa conduta
seja atribuível ao Estado nos casos em que este tenha dado poderes àquele particular para a
pratica da conduta, como por exemplo companhias aéreas que praticam atos de controle de
Estado (de império estatal) no controlo do passaporte. Essas companhias, embora não sejam
órgãos do Estado, elas exercem poderes públicos quando fiscalizam os passaportes. Quando
o Estado dá poder a esses particulares, estes agem como se fossem o Estado e, portanto, a
conduta dos privados é imputável ao Estado. Outro exemplo aqui seria a conduta de forças
mercenárias (empresas privadas de segurança – e não exército norte-americano – que os EUA
enviam ao Iraque, por exemplo, que exercem autoridade estatal: qualquer ilicitude que por
elas seja praticada é imputável aos EUA).
O Estado também vai ser responsável pela conduta internacional quando ele esteja a usar
órgãos de um outro Estado. Exemplo: o envio de forças armadas da França, EUA e Inglaterra
estava sob controle dos EUA, isto é, órgãos da França e da Inglaterra foram “emprestados”
aos EUA – quando isso ocorre, quem responde por uma possível conduta ilícita no plano

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internacional é o Estado que “detém” temporariamente tais órgãos. Aí, surge uma nova
complexidade: quando privados pratiquem atos ilícitos com financiamento do Estado; surge
a questão de saber se esses grupos podem ou não ser equiparados ao Estado (problema do
Estado falhado: instituições públicas do Estado faliram e privados tomam controlo da
situação).
Se todos os requisitos estiverem presente, surge a responsabilidade internacional do Estado,
que tem 3 consequências: declaração da ilicitude, dever de não repetição e reparação dos
danos (se houver).
MAS: pode ocorrer os requisitos estarem presentes (nexo de imputação, danos, nexo de
causalidade – resultantes da conduta ilícita), mas haver uma causa que afaste a
responsabilidade do Estado. Pode haver causas de exclusão da irresponsabilidade; essas
causas são defesas que o Estado pode apresentar.

3.4 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE (CAPÍTULO V DO DRAFT)

CONSENTIMENTO: acordo entre ambos os Estados (autor do ilícito e vítima) que tem por
efeito impedir que, naquele caso concreto, a obrigação internacional se aplique, não se
podendo falar em “ilicitude” do ato praticado. Através deste acordo, o Estado vítima autoriza
a prática do ato ilícito. O consentimento só exclui a ilicitude da conduta se:
• For válido à luz do direito internacional ➔ vontade do Estado deve ter sido expressa
sem vícios (erro, dolo, corrupção ou coação);
• For claro e inequívoco quanto ao seu sentido, alcance e duração;
• Não surgirem dúvidas quanto à efetiva ou real manifestação do consentimento ➔ ele
nunca pode ser presumido;
• For atribuível ou imputável ao Estado (prestado por órgãos capazes de o vincularem
internacionalmente, por exemplo), regendo neste âmbito as normas internacionais
concernentes à manifestação de vontade dos Estados;
• For invocado dentro dos limites (substantivos e temporais) em que o Estado vítima
tenha delimitado.

Existe, no entanto, uma óbvia exceção ao principio geral do consentimento: em obediência


ao carater imperativo das normas de ius cogens, é irrelevante (não produz efeitos) um
consentimento à prática de um comportamento contrário a uma norma dessa natureza, pelo
que, em tal caso, o facto continuará a ser internacionalmente ilícito.

LEGÍTIMA DEFESA: vigorando no moderno Direito Internacional uma genérica proibição do


recurso à força nas relações internacionais, nem por isso deixou a CNU de reconhecer aos
Estados o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um
ataque armado contra um membro das Nações Unidas. o emprego da força por parte de um
Estado em legítima defesa (artigo 51º CNU) não pode ser considerado um facto
internacionalmente ilícito. A legítima defesa pressupõe o uso da força, pelo Estado, perante

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um perigo grave que ameaça a sua existência – é um uso defensivo da força – e tem requisitos
para ser validamente exercida:
• Ato de agressão: deve ter havido um ataque MILITAR (e não civil, por exemplo) ➔ só
o uso da força prévio permite o uso da força em legítima defesa. Os atos de agressão
estão previstos pela resolução 3314;
• O estado deve notificar o CSNU ➔ CSNU que incorpora o uso da força da ONU, então
o Estado deve notificar que vai usar/está a usar a força;
• Uso da força deve ser temporário ➔ somente até que o CSNU intervenha tomando as
medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais;
• Uso da força para legítima defesa deve ser proporcional (adequação, necessidade,
proporcionalidade em sentido estrito);
• Atualidade ➔ tem a ver com o momento do ato de agressão (legítima defesa
imediatamente após o ataque).

CONTRAMEDIDAS: são reações descentralizadas a um ato ilícito, adotadas pelo Estado a


título individual unilateral. Um comportamento (contramedida do tipo represália) do Estado
que infrinja uma obrigação internacional deixa de ser considerado ilícito caso constitua uma
medida de resposta, admitida pelo direito internacional, a um facto internacionalmente ilícito
(mais grave) praticado num momento anterior, por outro Estado. Não pode a (contra)medida
adotada, em jeito de autotutela, envolver o uso da força, já que não admitido no moderno
DI, salvo nas situações de legitima defesa, um recurso descentralizado a ações militares.

FORÇA MAIOR E O CASO FORTUITO: Situações em que o Estado se vê inexoravelmente


impossibilitado de cumprir determinada obrigação internacional a que estava vinculado. Vê-
se compelido a desrespeitar uma obrigação internacional sobre si impelida, por ação de uma
força irresistível ou de um acontecimento exterior imprevisto, que o colocam perante a
possibilidade material de atuar de outra forma, ou até mesmo de perceber que está a adotar
um comportamento ilícito (conduta involuntária) - a responsabilidade internacional deste
Estado sobre o ilícito praticado será excluída. . Este caráter não voluntário ou não intencional
da conduta do Estado, próprio da força maior permite diferenciar esta causa de exclusão da
ilicitude do perigo extremo e do estado de necessidade. Tal impossibilidade material pode ser
obra da natureza (catástrofes ou desastres naturais) ou fruto da ação humana (perda de
soberania sobre parte do território) e conduz a um não cumprimento, definitivo ou
temporário, de uma obrigação internacional. Para que a ilicitude seja de facto excluída é
preciso que:
• A força maior seja de facto irresistível e o acontecimento exterior completamente
imprevisto, de modo que o Estado não poderia ter escapado dos seus efeitos;
• O Estado não tenha contribuído (intencionalmente ou por negligencia) para a aludida
impossibilidade material de observar a obrigação internacional a que estava
vinculado.

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PERIGO EXTREMO: Refere-se a uma situação em que um órgão do Estado adota um


comportamento contrario a uma obrigação internacional, por, em certo momento, não ter
tido outro meio de se salvar a si ou de salvar as pessoas sob a sua custodia. Contrariamente
às circunstancias de força maior e caso fortuito (em que a conduta do sujeito é involuntária),
no perigo extremo existe, pelo menos teoricamente, uma opção (de cumprir a obrigação), de
modo que a conduta do Estado infrator não é involuntária: entretanto, a opção de cumprir a
obrigação significaria a morte para quem atua em nome do Estado e para as pessoas sob a
sua guarda. Atente-se, por exemplo, no caso de um navio em sérias dificuldades no meio de
uma tempestade ou por motivo de avaria, cujo capitão busca refúgio num porto estrangeiro,
sem para isso haver obtido previa autorização; ou de uma aeronave cujo piloto, confrontado
com a iminente falta de combustível, decide aterrar sem permissão em solo estrangeiro.
A exclusão da ilicitude em casos de perigo extremo dá-se, principalmente nestes casos de
violação de fronteiras, particularmente do espaço aéreo e do espaço marítimo dos Estados.
Obviamente, a ilicitude da ação só pode excluir-se desde que haja uma certa proporção entre
o interesse protegido e o interesse sacrificado e, ainda assim, quando este ultima deva
considerar-se de valor inferior àquele (não seria esse o caso de um submarino de propulsão
atómica, vítima de avaria grave, que se dirigisse para um porto estrangeiro, correndo o risco
de aí provocar uma explosão atómica).

ESTADO DE NECESSIDADE: Trata-se de situações em que um Estado vê um seu interesse


essencial ameaçado por um perigo grave e iminente, não lhe restando outra alternativa, em
ordem a salvaguardar tal interesse, que não seja adotar, em face de outro Estado, um
comportamento que infringe uma obrigação internacional. Aqui, assim como no caso de
perigo extremo, o Estado tem, ao menos teoricamente a faculdade de optar por atuar ou não
de forma contrária à obrigação internacional que o vincula; entretanto, no estado de
necessidade não é a vida de pessoas físicas que está em risco, mas sim a existência do Estado,
a sua sobrevivência política e económica, o funcionamento dos seus serviços essenciais, a sua
segurança interna, etc.. De modo a prevenir um recurso abusivo ao estado de necessidade
por parte dos Estados, algumas condições devem estar reunidas aquando da sua invocação:
• O interesse do Estado que se encontre ameaçado deve ser realmente essencial;
• A violação do Direito Internacional seja o único meio utilizável de afastar o perigo;
• É fundamental que com esse comportamento, não seja posto em causa um interesse
também essencial do Estado vitima;
• Não pode o Estado que invoca o estado de necessidade haver, de qualquer forma,
contribuído para a sua verificação;
• Não pode também invocar-se o estado de necessidade quando a conduta que se
pretende justificar redunda na violação de uma norma de ius cogens;
• Deixa de ser legitimo lançar mão desta causa de exclusão da ilicitude, caso num
tratado previamente concluído se haja afastado essa possibilidade, em relação a
determinada obrigação internacional.

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Para além das causas acima, excluem também a responsabilidade internacional por atos
ilícitos: causas de invalidade das convenções internacionais (vícios) e causas de suspensão da
vigência (eficácia) das convenções internacionais.
O que nunca desculpa o ilícito, é o direito interno do Estado: nenhum Estado pode invocar o
direito interno como causa do incumprimento das convenções internacionais.

3.5 RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL OBJETIVA (ou: responsabilidade pelo risco)


No plano internacional, os progressos da ciência e da técnica trouxeram consigo o
desenvolvimento de atividades, em si mesmas não proibidas pelo Direito Internacional, - não
são ilícitas - mas (por serem ultrahazard ou de risco excecional) suscetíveis de causar graves
danos ao Homem e ao meio ambiente. Daí que tenham sido criados (através de convenções
internacionais) alguns regimes jurídicos de responsabilidade pelo risco, na qual,
evidentemente, o dever de reparação não se funda já na ilicitude do facto praticado, mas tão-
só no mero nexo de causalidade que seja possível estabelecer entre a atividade levada a cabo
e os danos sobrevindos.

Há algumas situações referentes a este tipo de responsabilidade internacional:


• Utilização pacífica e transporte de energia nuclear e substâncias radioativas ➔
responsabilidade pelos danos ocorridos é objetivamente imputada ao explorador das
instalações ou navios nucleares;
• Poluição dos mares e dos cursos de água por hidrocarbonetos e outras substâncias
poluentes ➔ responsabilidade pelos danos ocorridos é objetivamente imputada ao
transportador de hidrocarbonetos;
• Danos causados por engenhos espaciais ➔ responsabilidade pelos danos ocorridos é
imputada ao próprio Estado;
• Atos de funcionários do Estado que extravasam da sua competência (atuação ultra
vires) ➔ o Estado não pode ser responsabilizado pelo ato ilícito, mas pode ser
responsabilidade a título objetivo, ou seja, há a responsabilidade objetiva do Estado
por ter funcionários que causam danos a terceiros;
• Risco anormal de vizinhança ➔ princípio da responsabilidade do Estado pelos atos de
poluição, com origem no seu território, causadores de danos no território de outros
Estados (responsabilidade objetiva).

IV. ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

4.1 NOÇÃO E CLASSIFICAÇÕES

As organizações internacionais são associações voluntárias de Estados, criadas por tratados


(sujeito derivado), dotadas de um estrutura jurídica permanente (órgãos próprios) e
possuidoras de uma personalidade jurídica internacional distinta da dos Estados membros.

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Por serem sujeitos derivados de direito internacional, as OIs não poderiam ser criadas senão
por iniciativa de uma vontade exterior, as organizações internacionais só podem ser criadas
por uma iniciativa de vontade exprimida pelos sujeitos (Estados) preexistentes da
comunidade por meio de um tratado multilateral.
Tais organizações têm órgãos permanentes, o que permite distingui-las, por exemplo, das
relações acidentais entre Estados e das conferências internacionais. Esta característica
implica que entre a organização e um ou mais Estados membros sejam concluídos os
chamados “acordos de instalação”, para que no território por este determinado a organização
possa dispor de infraestruturas e condições materiais para o seu funcionamento quotidiano.
As organizações são, ainda, centros autónomos de imputação de direitos e obrigações
internacionais (personalidade jurídica internacional distinta), sendo capazes de exprimir uma
vontade própria, juridicamente distinta das vontades dos seus Estados membros: nota-se,
aqui, sua natureza institucional.

CRITÉRIOS PARA A DIFERENCIAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS


Quanto ao âmbito territorial de ação
➔ Universais: estão abertas a todos os Estados da comunidade internacional, circunstancia
que lhes confere uma considerável heterogeneidade – ONU, Banco Mundial, FMI, OIT.
➔ Regionais: abertas a um reduzido numero de Estados, que nelas se agrupam por critérios
estritamente geográficos, económicos, militares, ético-religiosos ou outros. O seu âmbito de
ação e participação mais restrito redunda numa maior homogeneidade – OEA, OUA, EU,
MERCOSUL, LEA.

Quanto à estrutura jurídica


➔ Organizações de cooperação (intergovernamentais/interestaduais): é o tipo clássico e
mais frequente de organização internacional. Nelas, são geradas relações horizontais de
coordenação das soberanias estaduais que visam promover a cooperação entre os Estados
membros. Os órgãos deliberativos das organizações de cooperação são formados por
representantes dos Estados membros, que se subordinam às diretrizes e instruções de seus
respectivos governos. As decisões, aqui, são tomadas por unanimidade, isto é, qualquer
Estado membro estaria investido de um direito de veto (exceção: ONU). As resoluções
emanadas por tais organizações dirigem-se apenas aos Estados membros, jamais tendo como
destinatários diretos os indivíduos: entre a deliberação e os sujeitos internos, colocam-se
órgãos estaduais (não há aplicabilidade direta das decisões). Por não terem, em geral, poder
suficiente para impor decisões aos seus membros, as organizações de cooperação geralmente
fazem meras recomendações. Exemplos destas são a ONU e a OEA.

➔ Organizações de integração (supranacionais/supraestaduais): envolvem uma limitação da


soberania dos Estados membros, traduzida numa abdicação de alguns poderes soberanos em
favor da instituição supraestadual, acompanhada de uma transferência, para a organização,
de competências inatas da noção de soberania. Assim, prevalecem entre a organização e os
Estados membros os vínculos de subordinação (isto é, relações verticais de integração). Isto,
naturalmente, tem reflexos. Em primeiro lugar, pode afirmar-se que a estrutura interna das

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organizações de integração reflete, de certo modo, a repartição clássica de poderes que


conhecemos do sistema estadual e compreende um poder legislativo (competente para
adotar normas gerais e abstratas obrigatórias para os Estados membros), um poder executivo
(a cargo de dois órgãos que se complementam) e um poder judicial (competência obrigatória
ou compulsória). Em segundo lugar, é suposto os titulares dos órgãos deliberativos desta
classe de OI exercerem as suas funções dando mostras de independência em relação aos
Estados. Para tanto, atuam em nome próprio, não devendo ser encarados como
representantes dos governos dos Estados membros - estão lá na qualidade de funcionários
internacionais incumbidos de prosseguir o interesse geral da organização. Tratando-se de
exprimir uma vontade internacional e integrada (supraestadual) e não propriamente uma
vontade dirigida à salvaguarda de interesses particulares de cada Estado, entende-se que as
votações se rejam, quase sempre, pela regra da maioria. Tais organizações podem aprovar
atos que sejam obrigatórios para os Estados membros e também, direta e imediatamente,
para os indivíduos. Assim, tanto o Estado quanto os indivíduos têm acesso direto aos tribunais
dessas organizações. Exemplos de organizações de integração: União Europeia, MERCOSUL,
BENELUX.

Quanto ao seu objeto (finalidade): os objetivos das organizações internacionais são


estabelecidos nas cartas constitutivas
➔ Organizações de finalidades gerais: objeto incide sobre o conjunto das relações
internacionais pacíficas e sobre a solução de todos os conflitos internacionais. Exemplos:
ONU, OEA, UA.
➔ Organizações de finalidades especiais: visam determinado objetivo. Exemplos: económico
(FMI), militar (NATO), humanitário (OMS), cultural (UNESCO).

4.2 NATUREZA CONSTITUCIONAL DAS CARTAS CONSTITUTIVAS


As organizações internacionais são criadas através de uma carta constitutiva, a qual possui
natureza constitucional que é revelada por conta de algumas das suas características.

Em primeiro lugar, as cartas constitutivas consagram a sua prevalência normativa tanto em


relação aos tratados aos quais os Estados membros (ou a própria organização) se vinculam e
quanto em relação aos atos unilaterais adotados pela organização. A superioridade
hierárquica da carta é necessária para garantir os objetivos da organização, para não atentar
contra direitos de Estados terceiros e para evitar uma revisão direta e dissimulada dos
tratados constitutivos.
Em segundo lugar, a carta constitutiva deve ser aceite na íntegra: em principio, não pode
haver formulação de reservas aos tratados. Com as reservas, nem todos os Estados
obedeceriam às mesmas normas – o que vai contra a ideia de tratado constitutivo e
compromete o regular funcionamento da instituição.
Em terceiro lugar, as cartas constitutivas possuem certa rigidez em relação ao seu processo
de revisão. Para que se garanta a uniformidade das regras procedimentais que regem a
organização e para garantir a concordância de todos os membros em relação aos objetivos
por ela prosseguidos, o acordo de revisão é oponível a todos os Estados membros, não

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importando sua aceitação ou não à alteração. Assim, ou os Estados aceitam a modificação ou


abandonam a organização.
Em quarto lugar, as cartas constitutivas não estão sujeitas a qualquer limite temporal, não
tem prazo de validade. O caráter de permanência das organizações internacionais decorre do
facto de elas não serem constituídas com um limite de temporal.

Por fim, o caráter constitucional das cartas constitutivas refere-se ao facto de que todas elas
disponibilizarem informações acerca: dos fins da organização; dos princípios norteadores ou
limitativos da sua atividade; da sua estrutura; das suas competências e tomadas de decisões
pelos seus órgãos; etc.

PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNA


As organizações internacionais possuem personalidade jurídica – elas são um centro
autónomo que imputa direitos e obrigações – tanto interna quanto internacional.
As organizações internacionais não possuem território próprio, podendo exercer as suas
atividades no território do Estado membro no qual está sua sede ou nos Estados em que
prestam uma assistência operacional. A elas é reconhecido um conjunto de aptidões e
capacidades jurídicas para que possam legitimamente estabelecer relações jurídicas com
pessoas físicas e morais instaladas nos seus Estados membros. O conteúdo e o modo de
exercício das capacidades jurídicas concedidas às organizações na ordem interna são
estabelecidos pelas convenções de instalação, concluídas entre as organizações e o “Estado-
sede”, e pelas legislações nacionais dos Estados membros. As organizações, apesar de
possuírem personalidade jurídica interna, não são equiparadas ou assimiladas aos nacionais
dos Estados membros. Aquelas, diferente destes, possuem privilégios e imunidades que lhe
conferem caráter sui generis. Sobretudo no âmbito de celebração de contratos com pessoas
privadas é que se manifesta a personalidade jurídica interna das organizações. Pode tratar-se
de contratos de aquisição de materiais e equipamentos, prestação de serviços de
manutenção, etc. O órgão habilitado para representar a organização aquando da conclusão
de tratados com pessoas privadas é o agente (órgão colegial executivo) hierarquicamente
mais elevado, o qual assume e protagoniza a representação da organização. O direito
aplicável a tais atos de natureza contratual é o do Estado hospedeiro para assuntos
relacionados à gestão privada da organização (ex.: fornecimento de bens e prestação de
serviços), nos quais a organização atua como uma pessoa coletiva de direito privado; e os
princípios gerais do direito e o direito internacional para questões ligadas à organização
enquanto tal (ex.: recrutamento de pessoal e investigação científica). As controvérsias
resultantes da celebração de contratos entre as organizações e pessoas privadas, em virtude
da imunidade de jurisdição daquelas (que pode conduzir as organizações a acusar
incompetência dos tribunais internos), encontram a via mais adequada para solução na
arbitragem internacional.

PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL

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As organizações internacionais possuem personalidade jurídica internacional, ainda que de


modo relativo: ela pode exercitar, em concreto, direitos e poderes específicos, os quais não
precisam constar expressamente nos seus tratados constitutivos (carta constitutiva); para
além dos poderes que lhes são atribuídos, reconhecem-se às organizações os que sejam
imprescindíveis à prossecução dos fins ou objetivos de cada organização (poderes implícitos
- que se revelem necessários para o cumprimento das suas finalidades). A isto chama-se teoria
das competências implícitas. A personalidade jurídica internacional das organizações tem
caráter funcional: elas têm limites para o exercício das suas capacidades jurídicas (resultantes
da personalidade) determinados pela necessidade de realização dos fins de interesse geral
assinalados nas cartas constitutivas – extravasar, assim, as capacidades estabelecidas se
configuraria como um desvio de poder.

A personalidade jurídica internacional das OIs tem duas consequências:


➔ Os atos jurídicos adotados por si são imputáveis à organização enquanto ente autónomo
e distinto dos seus Estados membros;
➔ É reconhecido, à organização, o exercício de direitos na ordem internacional:
• Ius tractum - direito de concluir tratados com Estados membros ou não membros e
com outras OIs;
• Ius legationis - direito de enviar missões diplomáticas para Estados membros ou não
membros e com outras OIs e direito de receber missões diplomáticas permanentes
dos Estados membros;
• Direito de, através de uma reclamação internacional, obterem o ressarcimento de
danos causados por Estados membros ou não membros ao seu património ou aos seus
funcionários - este direito pode ser concretizado pela via negocial, ou consistir num
protesto, pedido de inquérito, num processo judicial ou arbitral junto de tribunais
internacionais, etc. A OI tem competência pessoal relativamente aos seus agentes,
que se beneficiam de uma proteção funcional quando atuam no território de um
Estado terceiro enquanto funcionários internacionais.

As organizações internacionais respeitam os princípios da:


• Especialidade: funda-se no entendimento segundo o qual as OI constituem meios ou
instrumentos de prossecução comum de objetivos de interesse geral e, assim, gozam
apenas da competência relativa a esses objetivos/fins próprios, apenas dispõem de
poderes expressamente conferidos pelo ato constitutivo – poderes limitados;
• Subsidiariedade: as organizações internacionais ficam autorizadas a atuar em
domínios que não sejam da sua atribuição exclusiva quando o que está em causa (a
ação) contém aspectos transnacionais que não podem ser solucionados pelos Estados
membros, a atuação dos Estados seja incongruente com as exigências do tratado e,
assim, a atuação a nível comunitário (isto é, da organização) traga benefícios óbvios.
Tal princípio visa aproximar a organização dos seus cidadãos, assegurando que uma
ação seja por ela executada quando necessário.

4.3 COMPETÊNCIAS NORMATIVAS E COMPETÊNCIAS OPERACIONAIS

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➔ Normativas: autorizam a adoção de atos normativos unilaterais de regulamentação


internacional (resoluções), de alcance geral ou individual, diretamente imputáveis à
organização. Os atos de alcance individual regulam a vida interna da própria organização,
constituindo um poder de autorregulação das organizações internacionais (ex.: regulamento
financeiro, gestão dos locais de sede, etc.). Já os atos de alcance geral propagam seus efeitos
para o exterior, regulando juridicamente a conduta de outros sujeitos de direito internacional,
e constituem um poder regulamentar externo (ex.: emissão de resoluções sob a forma de
pareceres, recomendações ou decisões);
➔ Operacionais: são atividades de gestão que podem ser exercidas em vários domínios
(económico, administrativos, técnico, etc.). São todos os poderes de atuação que não sejam
poderes normativos ou relativos à emissão de normas (ex.: execução de sanções, intervenção
da solução pacífica de conflitos internacionais, representação diplomática, prestação de
assistência humanitária, etc.).

4.4 TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS


As organizações internacionais são dotadas de competências implícitas, isto é, a elas são
reconhecidos poderes instrumentais que sejam imprescindíveis à prossecução dos seus fins
ou objetivos. Não se trata de alargar as atribuições ou fins da organização, mas tão somente
de estender as competências dos seus órgãos, com exclusivo propósito de otimizar a atuação
da organização à luz das funções que lhes caiba exercer (exemplo: a competência da ONU
para proteger os seus funcionários é uma competência implícita a ela, essencial para o
cumprimento dos seus deveres).

4.5 AUTONOMIA FINANCEIRA


As organizações internacionais não possuem receitas próprias e, por isso, necessitam das
contribuições financeiras dos Estados membros, as quais podem ser voluntárias (raro) ou
obrigatórias (estabelecidas na sua carta constitutiva, a qual determina o seu orçamento e
determina o com quanto cada Estado membro deverá contribuir).

COMPETÊNCIAS RELATIVAS A UM TERRITÓRIO


➔ Relativas à sede: o tratado de instalação, concluído entre a organização e o Estado
hospedeiro, fixa a extensão dos poderes de regulamentação e controlo da instituição no
perímetro das suas instalações. As competências relativas à sede são funcionais, na medida
em que se limitam às exigências do funcionamento regular da organização, e derivadas, na
medida em que têm origem num tratado ou em normas costumeiras;
➔ Relativas a um território com base num tratado: a organização pode ser encarregue de
supervisionar ou superintender na administração de determinados territórios (como ocorreu
em larga escala após a Primeira Guerra Mundial, por exemplo).

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4.6 A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS: OBJECTIVOS, PRINCÍPIOS EM QUE SE BASEIA O


SEU FUNCIONAMENTO, ÓRGÃOS PRINCIPAIS E RESPECTIVAS COMPETÊNCIAS
A estrutura institucional da ONU foi, em 1945, acordada em Ialta pelos EUA, pela URSS e pelo
Reino Unido, que negociaram a repartição do poder e das esferas de influência na
comunidade internacional no pós-Guerra. Consagrou-se também, à época, o direito de veto
no CSNU.
O projeto definitivo da Carta da ONU foi submetido à Conferência de São Francisco. No
momento de sua criação, a ONU visava assegurar a manutenção da paz e da segurança
internacionais, de modo a impedir que um terceiro conflito à escala planetária eclodisse. Para
isso, a CNU institui um sistema de segurança coletiva, que assenta no pressuposto de que um
ataque a um membro das nações unidas é visto como um ataque a todos os outros membros.
A peça central dessa segurança coletiva é o Conselho de Segurança das Nações Unidas - CSNU.
A tentativa de criação de uma organização internacional de caráter universal logo após a
Primeira Guerra Mundial já havia ocorrido por meio da Sociedade das Nações. Esta,
entretanto, não obteve sucesso. Na sua carta constitutiva, por exemplo, é estabelecido que
“as guerras deveriam ser consideradas ilícitas”, o que dá margem para que outros conflitos
serem considerados lícitos. A ONU vem, deste modo, para garantir uma paz duradoura.

OBJETIVOS
Os grandes objetivos que a ONU visa alcançar estão nos artigos 1º e ss na CNU. Entre estes
estão, por exemplo: a manutenção da paz e da segurança internacionais (finalidade
primordial); o desenvolvimento das relações cordiais e amistosas entre os Estados
(pressuposto necessário para o objetivo anterior); a cooperação internacional em ordem à
resolução de problemas económicos, sociais, culturais e humanitários, no respeito pelos
direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana; etc..

PRINCÍPIOS DE FUNCIONAMENTO
O artigo 2º CNU consagra princípios de alcance geral ➔ fundamentais de direito internacional
que pautam a atuação concreta da ONU e, por isso, alguns defendem que a CNU seria um
“tratado constituição” ou uma “constituição da comunidade internacional”:
• Princípio da igualdade soberana dos Estados - tem plena aplicação da Assembleia
Geral das Nações Unidas (órgão plenário/de reunião da ONU) e é atenuado pela
composição e processo de votação no seio do Conselho de Segurança;

• Princípio da boa fé - para o bom funcionamento da ONU, os seus membros deverão


cumprir as obrigações internacionais emergentes das suas relações recíprocas;

• Princípio da solução pacífica dos conflitos - é a condição sine qua non da manutenção
da paz e da segurança; devem ser aplicados, para a resolução de conflitos, os métodos
indicados no artigo 33º da CNU;

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• Princípio da proibição do recurso à força (ou ameaça desse recurso) - têm duas
exceções previstas na própria carta da ONU:
➔ Direito de Legítima Defesa (artigo 51º);
➔ Medidas Coercitivas Militares Decretadas pelo CSNU (capítulo 7º da CNU);

• Princípio do domínio reservado dos Estados ou principio da não ingerência nos


assuntos internos dos Estados (limita e condiciona a ação da ONU – princípio negativo)
- a ONU não pode intervir em assunto que relevam apenas jurisdição interna dos
Estados. A delimitação material desse domínio reservado traz controvérsias:
atualmente, os debates acerca da teoria do domínio reservado no tocante aos direitos
humanos têm sido intensos. A proteção dos direitos fundamentais do indivíduo é algo
que deve escapar à competência nacional dos Estados e, assim, consagrou-se o direito
de ingerência humanitária (que é considerado um dever para alguns), perante o qual
os Estados são desmotivados a invocar a exceção do domínio reservado sempre que
a ONU age ou legitima uma ação para a proteção internacional dos direitos humanos;

• Princípio da legítima defesa (limita e condiciona a ação da ONU – princípio negativo) -


é uma das exceções admitidas ao princípio da proibição do recurso à força nas relações
internacionais. O recurso à força para legítima defesa é um direito que pode ser
exercido mediante um ataque armado prévio (artigo 51º CNU), isto é, mediante a uma
agressão armada (emprego da força armada por um Estado contra a soberania, a
integridade territorial ou a independência política de outro Estado, ou de qualquer
outro modo incompatível com a CNU). Há alguns requisitos, além do ataque prévio,
para o exercício da legítima defesa - incumprimento dos requisitos redunda num
excesso de legítima defesa, gerando assim responsabilidade internacional:
➔ Requisitos procedimentais - caráter transitório do direito à legítima defesa,
que só pode ser exercitado até que o CSNU intervenha tomando as medidas
necessária para a manutenção da paz e segurança internacionais; e o dever de
comunicação ao CSNU das medidas adotadas em legítima defesa;
➔ Requisitos materiais7 - a legítima defesa está subordinada a um princípio de
proporcionalidade (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido
estrito), isto é, as medidas adotadas devem limitar-se ao estritamente
necessário para conter ou reprimir a agressão, não podendo ser
desproporcionadas ou excessivas;

7O artigo 51º trata, ainda de legítima defesa individual e legítima defesa coletiva. A individual
deveria ser denominada própria; a coletiva deveria ser chamada de legítima defesa alheia/de
terceiro, visto que ocorre quando um Estado (alheio/terceiro) vai em auxilio de outro Estado
que haja sido vítima de ataque. A legítima defesa “coletiva” (de terceiros) coloca-se, no plano
institucional, através de pactos de defesa coletiva (como a OTAN/NATO e o já dissolvido Pacto
de Varsóvia).

MEMBROS DA ONU

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

➔ Membros originários - participaram na Conferência de São Francisco ou, assinando a


Declaração das Nações Unidas de 1942, assinaram e ratificaram a CNU;
➔ Membros admitidos - são aqueles que, por decisão da Assembleia Geral, sob
recomendação do CSNU, se tornaram posteriormente membros da ONU.

ESTRUTURA DA ONU
Quanto aos órgãos da ONU, retira-se do artigo 7º/1 CNU que são seis os órgãos principais: a
Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Economico e Social, o Conselho de
Tutela, o Tribunal Internacional de Justiça e o Secretariado.

Assembleia Geral
É o órgão plenário da ONU, isto é, é o órgão composto por todos os membros da Organização
(art 9º); nela, têm assento todos os Estados membros. A Assembleia funciona em comissões
(formadas por sete países cada), sendo que os assuntos que fazem parte da agenda são
apreciados primeiramente por estas e posteriormente serão submetidos à discussão e
aprovação do plenário. Quando a uma questão se queira dar especial destaque ou relevo
político, ocorre o seu exame direto e imediato pelo plenário.
Resulta do artigo 10º que a AG é o único órgão da ONU com competência genérica, podendo
apreciar ou discutir qualquer questão ou assunto desde que esteja dentro dos fins da Carta
ou se relacionem com as atribuições e funções dos órgãos nela previstos. Isto com uma
exceção decorrente da primazia atribuída ao Conselho de Segurança: enquanto este estiver a
exercer as suas funções em relação a algum assunto, “a Assembleia Geral não fará nenhuma
recomendação a respeito dessa controvérsia ou situação, a menos que o CSNU o solicite” (art
12º/1). Em relação às suas competências genéricas, a AG está autorizada à emissão de
pareceres, os quais não têm caráter obrigatório – atos sem força vinculativa. Sempre que seja
reclamada uma ação concreta, a AG deve submeter o assunto ao CSNU.
As suas competências específicas (exclusivas deste órgão, por exemplo: o exame de relatórios
fornecidos pelos outros órgãos da organização, a competência orçamental e financeira,
eleição dos membros não permanentes do CSNU, eleição dos membros do CES) as
deliberações da AG – salvo as relacionadas com a manutenção da paz e segurança
internacionais – são dotadas de força obrigatória - art 15º a 18º.
No seio da AG, que se reúne numa sessão anual ordinária e nas sessões extraordinárias
exigidas pelas circunstancias, as deliberações são, em regra, alcançadas através de maioria
simples dos membros presentes e votantes (art. 18º/1); só as decisões sobre questões mais
importantes requerem a maioria de dois terços dos membros presentes e votantes (art
18º/2). As abstenções são excluídas, isto é, só os votos positivos e negativos são tomados em
consideração.

Conselho de Segurança (CSNU/CS)


O conselho de segurança é um órgão composto por quinze membros: cinco permanentes (a
China, a França, a Rússia, o Reino Unido e os EUA) e dez não permanentes. Estes últimos são
eleitos pela AG – atendendo à respetiva contribuição presumível para os objetivos da
organização e de acordo com critério geográfico equitativo – por um período de 2 anos, sem

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que, todavia, nenhum membro que termine o seu mandato possa ser imediatamente reeleito
para o biénio seguinte (art. 23º/1 e 2).
Ao CS é atribuída a especial preponderância no domínio da preservação da paz e da segurança
internacionais. Nos termos do art 27, o CS delibera por maioria qualificada de novo votos.
Mas tal processo deliberativo varia consoante o CS deva apreciar uma questão processual ou
antes uma questão material ou de fundo. No primeiro caso, para que uma resolução seja
adotada são necessários quaisquer nove votos (maioria de 2/3), visto que o voto de todos os
membros do CS tem, nas questões processuais, o mesmo valor. Já, porém, tratando - se da
deliberação acerca de uma questão material, continuando a ser exigidos nove votos, cinco de
entre eles deverão obrigatoriamente ser dos membros permanentes. O que equivale,
portanto, a dizer que a estes membros está reservado, nas questões materiais, um direito de
veto, o qual se traduz no poder de paralisar a tomada de uma projetada decisão do CS - artigo
27º/3 da CNU induz esse pensamento. O veto significa muito mais do que votar
negativamente: o direito de veto é o poder de paralisar a tomada de decisão, é um voto contra
que impede a tomada da decisão por parte do CSNU.

Quando há dúvidas sobre a natureza da questão discutida (isto é, se ela é uma questão
processual ou uma questão material), torna-se necessário qualificar a questão, o que será
feito pelo próprio Conselho de Segurança. O simples ato de qualificar a questão já é, em
si, uma questão material e, assim, qualquer dos membros permanentes pode, já na
qualificação, fazer uso do seu direito de veto.
Eis-nos assim em presença do chamado sistema de duplo veto: um qualquer membro
permanente pode opor-se a que certa questão seja qualificada como meramente
processual (1º veto) e, posteriormente, aquando da discussão desta questão (já
classificada como material) pelo CSNU, este membro dispõe da possibilidade de impedir
que uma determinada resolução seja adotada (2º veto).
Caso o sistema de duplo veto não existisse, isto é, se o ato de qualificar uma questão fosse
considerado uma questão processual, o conteúdo do direito de seria vazio: qualquer
membro permanente ficaria, quando a qualificação de uma questão levantasse dúvidas,
dependente dos expedientes processuais da maioria dos membros do CSNU. Por isso a
frase: “não há veto sem duplo veto”
Aos membros permanentes é interessante a classificação de uma questão como material
porque, quando isso ocorre, eles têm poder de veto sobre ela (2º) aquando do seu
julgamento.

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Claro que poderá, legitimamente, pôr-se em causa a consideração do próprio ato de qualificar
uma questão como questão material. Numa tentativa de evitar os inconvenientes deste
processo, a AG adotou uma resolução em que indicava trinta e cinco categorias de questões
processuais ou de procedimento (uma resolução com valor de mera recomendação a qual o
CS não está vinculado).
A prática Conselho de Segurança da ONU originou um costume contra legem. De acordo com
o artigo 27º/3 da CNU, a ausência de um voto positivo por parte de um dos membros
permanentes equivale a veto. Entretanto, com o passar do tempo, entendeu-se que a mera
abstenção não seria causa para a paralisação da decisão: apenas um voto negativo deveria
poder paralisar a resolução. Assim, hoje, uma resolução do CSNU sobre uma questão material
pode ser adotada mesmo com a abstenção dos cinco membros permanentes – desde que se
tenham nove votos afirmativos dos membros não permanentes.
Segundo o artigo 24º da CNU, cabe ao Conselho de Segurança da ONU “a principal
responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais”. O artigo 33º revela
que tal responsabilidade poderá ser exercida por meio da emissão de recomendações aos
Estados envolvidos num conflito, buscando a solução por meios pacíficos.
Nos casos de ameaça à paz, de ruptura da paz ou de atos de agressão, o CSNU pode solicitar
que as partes em conflito aceitem medidas provisórias (adotadas em função do caso
concreto), adotem as recomendações ou adotem decisões suscetíveis. As decisões podem
envolver a aplicação de sanções (militares ou não) contra o Estado infrator.

Conselho Económico e Social


O CES é composto por 54 membros, eleitos em sistema rotativo pela AG por um período de 3
anos (art 61º CNU). Tirando os assuntos estritamente políticos, diplomáticos e
administrativos, estão sob a alçada deste órgão todas as questões atinentes à cooperação
económica, social, cultural, sanitária e no âmbito dos direitos humanos, entre os Estados.
Acerca de tais matérias poderá fazer recomendações à AG, aos Estados membros e às
instituições especializadas interessadas e, assim, preparar projetos de convenções ou
convocar conferencias internacionais (art 62º).
Devido ao seu número de membros, o CES tem revelado, por notória ineficiência e
desorganização, crescentes dificuldades de funcionamento.

Conselho de Tutela
Foi criado para controlar o exercício da tutela internacional sobre territórios não autónomos
(artigo 86º e ss da CNU).
A tutela foi concebida como uma situação temporária para facilitar a passagem dos territórios
tutelados para a autodeterminação. Esta pressupunha a conclusão prévia de um acordo de
tutela, o qual regulava a administração do território a ser tutelado e a autoridade encarregada
de tal administração (potência mandatária); tal autoridade, contudo, não exercia poderes de
soberania sobre o território sob tutela. O Conselho de Tutela da ONU era encarregado de
fiscalizar e supervisionar o curso da administração – examinando os

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relatórios enviados pelos Estados administradores ou as petições das populações submetidas


ao regime de tutela, realizando visitas periódicas aos territórios, etc.
Após a ascensão, em 1994, à independência do ultimo território sob tutela – o arquipélago
de Palaos – o CT esgotou a sua missão, sendo de esperar que formalmente desapareça numa
próxima revisão da Carta.

Secretariado
Órgão de carater administrativo, cuja competência é predominantemente técnica. É
composto pelo Secretário-Geral, eleito pela AG sob recomendação do CSNU (art 97º CNU) por
um mandato de 5 anos renováveis, e pelo demais pessoal exigido pela organização. A sua
missão não se esgota no desempenho de tarefas meramente administrativas. Antes exerce,
muitas vezes, funções eminentemente politicas (art 99º) que têm, aliás, vindo a assumir uma
importância cada vez maior.
Ele é o “rosto visível” da ONU. A inércia patenteada pelo CS em muitas situações de crise,
concorreu para uma acentuação da vertente diplomática/pacífica na resolução de conflitos
internacionais e, portanto, para um correspondente reforço do protagonismo do Secretário-
Geral nesse domínio. Tornam-se, assim, frequentes os casos em que estabelece contactos
com as partes desavindas, oferece os seus bons ofícios, faz propostas ou elabora planos de
paz, etc., numa atividade diplomática que, notoriamente, vai além do previsto na Carta. O
secretariado tem uma atividade política intensa, sendo quase como um “diplomata
internacional”.

Tribunal Internacional De Justiça complementado c/ pág. 90


Principal órgão judiciário das Nações Unidas, sendo formado por quinze juízes, eleitos pela
AG e pelo CSNU, de entre pessoas que satisfaçam os requisitos enunciados no art 2º do ETIJ.
O TIJ exerce uma competência contenciosa, no âmbito da qual profere sentenças (para
decisões proferidas por um só juiz) ou acórdãos (para decisões proferidas por tribunais
coletivos) e uma competência consultiva, concretizada através da emissão de pareceres
consultivos (art 36º e 35º ETIJ).

COMPETÊNCIA CONTENCIOSA DO TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA


Deve-se salientar que o TIJ está aberto, em princípio, apenas aos Estados que dele sejam
partes (no caso, todos os membros da ONU), embora, sob certas condições, se permita que
Estados não partes tenham igualmente acesso a essa instância judicial. Dizer isto, contudo,
não significa que pessoas físicas, os chamados particulares não possam ver os seus direitos
contendidos no TIJ. Bem ao contrário, muitos dos casos até aqui julgados pelo Tribunal
resultaram do exercício da proteção diplomática por parte de alguns Estados que buscam
proteção e tutela jurisdicional para os interesses dos seus nacionais.
A competência contenciosa é, em regra, facultativa, ou seja, os Estados só estão submetidos
à jurisdição do Tribunal, relativamente a determinado litígio, se assim acordarem (art 36º).
Digamos, pois, que ao funcionamento da justiça internacional preside um princípio de
consensualidade.

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A expressão do consentimento dos Estados a submeterem os litígios entre si ocorridos à


apreciação do TIJ pode assumir duas formas.

Os Estados podem aceitar a jurisdição do Tribunal perante o conflito concreto através de um


acordo especial: consiste num compromisso/acordo em que as partes envolvidas num
conflito de caráter internacional, aceitam recorrer ao TIJ para que este, no exercício da sua
competência contenciosa, o possa apreciar e julgar (aceitação expressa).
A segunda possibilidade é oferecida pelo chamado fórum prorrogatum com o qual são tidas
em vista aquelas situações em que certas atitudes do Estado demandado são encaradas pelo
Tribunal como significando uma aceitação tácita da sua competência. Pode, na verdade,
suceder que, na ausência de qualquer acordo entre ambos, um Estado interponha contra
outro uma ação junto do TIJ, e que, não obstante, este venha a considerar-se competente
para a julgar, em virtude do Estado demandado, espontaneamente, se apresentar em juízo a
discutir a questão, não formulando qualquer objeção quanto à subsequente decisão de fundo
que o Tribunal irá proferir. Por exemplo: os Estados A e B entram em conflito e não celebram
acordo especial, mas Estado A intenta (interpõe) uma ação contenciosa no TIJ. O Estado B
(que é o chamado “Estado demandado”), voluntariamente, comparece ao TIJ para apresentar
a sua contestação. Se isso ocorrer, o TIJ compreende que o Estado B tacitamente aceitou a
sua competência para julgar a causa (interposição da ação é a via de reconhecimento).

Sendo, em princípio, facultativa a competência do Tribunal, situações há em que ele exerce


uma jurisdição quase obrigatória/compulsória: são aquelas em que a função contenciosa
pode ser ativada anteriormente ou independentemente de qualquer acordo entre os Estados
para cada litígio em que se vejam implicados. É certo que nestas outras hipóteses, continua a
ser necessário o consentimento dos Estados para que o Tribunal possa atuar; simplesmente
esse consentimento é dado por antecipação, antes da ocorrência de qualquer diferendo. Pois
bem, essa obrigatoriedade (excecional) da jurisdição do TIJ pode resultar ou de um
consentimento convencional, ou por via unilateral.

O consentimento convencional pressupõe a conclusão convenções bilaterais ou multilaterais


que digam respeito ao problema geral da solução pacifica de controvérsias internacionais, em
que os Estados partes reconhecem como obrigatória a jurisdição do TIJ, acordando submeter-
lhe futuros eventuais litígios entre si surgidos; ou da celebração de um qualquer tratado no
qual os signatários respetivos inserem uma clausula compromissória (de sujeição),
estipulando que será o TIJ a resolver possíveis conflitos emergentes da interpretação ou
aplicação desse tratado que entre eles se suscitem.
O consentimento por via unilateral pressupõe a celebração de um tratado, no qual os
signatários estipulem que o TIJ será responsável por resolver possíveis conflitos emergentes
da sua interpretação ou aplicação. Está em jogo a atribuição de poderes jurisdicionais ao TIJ
mediante a subscrição da cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, constante do art 36º/2
ETIJ Os Estados que são partes no ETIJ ficam vinculados a todas as suas cláusulas, menos à do
artigo 36º/2, que é facultativa. Para que o fiquem, faz-se necessário que cada um, através de
um ato jurídico unilateral (uma notificação a enviar ao Secretario Geral das Nações Unidas),

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declare aceitar a jurisdição obrigatória do Tribunal para todos os litígios. Como se vê, esta
clausula só funciona quando os Estados partes no Estatuto a subscreverem a título individual;
daí a designar-se facultativa, mas uma vez subscrita, a jurisdição do Tribunal passa a ser
obrigatória. Muitos Estados acompanham esta subscrição com a formulação de reservas –
quer temporais (determinado período), quer substantivas, visando excluir certas categorias
de litígios do âmbito da declaração de aceitação da competência do TIJ (ex.: não vale para
acordos sobre o direito do mar) – facto que em muito tem contribuído para limitar o alcance
prático do art 36º/2 ETIJ. É preciso que haja um encontro dos dois consentimentos unilaterais
para que o TIJ possa julgar o conflito entre esses dois Estados.

COMPETÊNCIA CONSULTIVA DO TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA


A AG ou o CSNU, de acordo com o disposto no artigo 96º da CNU, podem solicitar parecer
consultivo ao TIJ sobre qualquer questão jurídica. Organismos especializados podem solicitar
o parecer no tocante a questões jurídicas que se relacionem com a sua esfera de atividade.

FUNÇÕES DA ONU
Para concluir, cabe destacar as quatro principais funções da ONU: manutenção da paz e
segurança internacionais; a cooperação económica e social internacional, a proteção dos
direitos do homem e a descolonização.
No caso de falharem os diversos métodos e procedimentos de solução pacifica de conflitos
contemplados no cap VI da CNU, subsistindo o litígio, impõe a CNU que sejam adotadas as
medidas (de peace-keeping ou peace-making) previstas no seu cap VII, as quais
consubstanciam uma reação da comunidade internacional organizada contra situações de
ameaça à paz, de rutura da paz ou de ato de agressão.
De acordo com o art 39º da Carta, incumbe ao CSNU determinar a existência de uma situação
suscetível de contender com a paz e a segurança internacionais, qualificando-a segundo uma
dos três tipos atrás identificados. Identificada a situação, o CSNU pode lançar mão: de
medidas provisórias, de sanções não militares e de sanções militares.

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CAPÍTULO V - MÉTODOS DE SOLUÇÃO PACÍFICA DE


CONFLITOS INTERNACIONAIS

I. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Nos casos em que a negociação direta entre os sujeitos em litígio não basta para a sua solução
e por conta da consagrada proibição do recurso à força, como princípio imperativo do Direito
Internacional, implica a consagração de um dever (também imperativo) de composição
pacífica dos conflitos advindos do relacionamento entre os sujeitos daquele ordenamento
jurídico. A esse dever fazem expressa alusão a CNU nos artigos 2º e 33º.
Há dois caminhos possíveis para a solução pacifica de controvérsias internacionais: ou são
persuadidas a aproximar-se, procurando em si próprias uma composição amigável para o
conflito (solução político-diplomática; auto-solução); ou as partes desavindas são levadas a
aceitar a solução que lhes é ditada por um terceiro (solução jurisdicional; hetero-solução).
As soluções político-diplomáticas pressupõem meras recomendações, não vinculando os
sujeitos envolvidos, podendo ou não ser acolhidas pelos sujeitos. Podem ser concretizadas na
prática nos procedimentos de bons ofícios, nas mediações, nos inquéritos e nas conciliações.
Já as soluções jurisdicionais produzem decisões vinculativas, podendo assumir a forma da
arbitragem ou da solução judicial.
Existe liberdade de escolha entre os diferentes métodos de solução pacifica de conflitos
sendo, porém, são sempre priorizados os procedimentos não jurisdicionais (menos
afrontosos para a soberania estadual).

II. MÉTODOS POLITICO-DIPLOMÁTICOS: NEGOCIAÇÃO, BONS-


OFÍCIOS, MEDIAÇÃO, INQUÉRITO E CONCILIAÇÃO (AUTO-
SOLUÇÕES)

SEM INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

NEGOCIAÇÃO DIPLOMÁTICA
Na negociação, intervêm apenas os Estados diretamente envolvidos no conflito. É o meio
pacífico mais político para resolução de conflitos de todos porque os Estados negociam,
autonomamente, se quiserem e como quiserem. A obrigação de negociar tem um
fundamento costumeiro, servindo de necessário ponto de partida para o recurso a outros
métodos tecnicamente mais elaborados (se necessários).
No essencial, a negociação diplomática envolve o estabelecimento de conversações entre os
contendores, subordinadas ou não a condições previas, que culminarão na chegada a uma
solução concertada. Nalguns casos, o objeto da negociação pode ser um conflito hipotético,
suscetível de eclodir no futuro, aparecendo então aquela como um meio idóneo a prevenir a
ocorrência desse litígio. O direito contribui muito pouco nesse meio de negociação: não há
normas jurídicas que digam como a negociação deve correr, instituindo-se um livre âmbito

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de conformação dos Estados. A solução a que se chega pode ser positivada (normas jurídicas)
ou não (acordo de cavalheiros, por exemplo).

COM INTERVENÇÃO DE TERCEIROS


Com o objetivo de mais facilmente ser alcançada uma solução pacifica para o conflito,
poderão os seus protagonistas fazer apelo à intervenção de terceiros (personalidades
internacionais de destaque).

BONS OFÍCIOS E MEDIAÇÃO


Nos bons ofícios, o terceiro imparcial, fazendo uso da sua autoridade moral e política, limita-
se a procurar estabelecer a comunicação entre as partes, induzindo-as a chegarem a acordo:
o terceiro fomenta a discussão, mas não intervém diretamente nas negociações que, para
esse fim, devam ter lugar. Exemplo de prática de bom ofício foi a de Clinton no diálogo entre
Israel e Palestina (Acordo de Camp David).
Na mediação, o papel do terceiro é notoriamente mais ativo: para além de tentar colocar face
a face os protagonistas da controvérsia e estabelecer assim o diálogo, o mediador empenha-
se na busca de uma solução concertada, fazendo propostas concretas de harmonização das
vontades divergentes das partes.
Esta aparente clareza na distinção surge, todavia, diluída na pratica.

INQUÉRITO INTERNACIONAL
Consiste na averiguação dos factos que se julga estarem por detrás do aparecimento do
conflito, confiada normalmente a um órgão colegial, designado comissão de inquérito, que
depois elabora, após a averiguação, um relatório a fornecer às partes, as quais podem dar-
lhe o seguimento que entenderem. O objetivo primordial deste método é esclarecer
devidamente os factos que estão na base do litigio, já que se acredita que assim será possível
evitar o recurso à força armada.

CONCILIAÇÃO
O desencadeamento deste método pressupõe sempre um prévio compromisso convencional
e atua em duas fases. A comissão de conciliação, num primeiro momento, recolhe (na fase de
inquérito) todas as informações necessárias ao estabelecimento da materialidade dos factos
que desencadearam o litígio (analisa provas e possíveis causas, produz perícias, ouve
testemunhas, etc.). Assim como ocorre num processo judicial, à questão de facto (apuração
dos factos) e com base nos resultados obtidos, segue-se uma questão de direito (proposta de
solução). Devido ao procedimento seguido, estamos em presença de um método quase
jurisdicional de solução pacifica de conflitos. Só não o é porque não segue verdadeiramente
o intuito de um processo judicial, isto é, enquanto a atividade de um tribunal culmina com
uma sentença obrigatória para as partes, a tarefa da comissão de conciliação desemboca,
apenas, na elaboração de uma proposta de solução para o conflito.
Nos dias atuais, recorre-se à conciliação sobretudo no contexto da solução pacífica de
conflitos no âmbito das organizações internacionais universais e regionais (ex.: todos os casos
da comissão africana e interamericana sobre os direitos do homem).

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III. MÉTODOS JURISDICIONAIS: TRIBUNAIS PERMANENTES E


TRIBUNAIS ARBITRAIS (HETERO-SOLUÇÕES)

SOLUÇÃO DITADA POR UM TRIBUNAL PERMANENTE complementado c/ pág. 85

TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA


As ações são intentadas no TIJ por uma de duas formas: notificação de acordo especial (caso
as partes o tenham realizado); ou petição escrita dirigida ao escrivão do Tribunal (nos demais
casos). Nesse momento inicial, devem ser indicados o objeto da controvérsia e as partes que
o reivindicam.
O processo compreende várias fases: uma fase escrita (instrutória) e uma fase oral (debates
orais). Ambas as fases seguem dois princípios importantes (num processo justo/equitativo):
o princípio da igualdade das partes (ambos os Estado em pé de igualdade) e o princípio do
contraditório (ambas tem os mesmos instrumentos de defesa/garantias e são ouvidas).
Finalmente há uma fase da sentença em que o Tribunal reúne para concluir a sentença e, a
menos que o Tribunal decida o contrário ou as partes façam um requerimento de um
julgamento à porta fechada, o princípio da publicidade das audiências, o dever de
fundamentação da sentença (o Tribunal tem de expor os motivos da decisão) e a inexistência
da regra de precedentes (a eficácia das decisões limita-se ao Estados litigantes e ao caso que
está sob apreciação).

Na fase escrita (artigo 43º ETIJ) (em que assumem especial relevo o apuramento da matéria
de facto, fase que se destina à produção da prova – inquéritos, buscas, vistorias; também é o
momento em que as partes escrevem as peças processuais; os Estados são representados por
assessores, consultores e advogados) as partes apresentam ao TIJ (e às outras partes)
memórias, contra memórias e, eventualmente, réplicas. As memórias são as alegações
escritas do Estado demandante (que intenta/estabelece a ação); as contra memórias são as
alegações escritas do Estado demandado (que recebe a ação); a réplica pode ser feita pelo
Estado demandante. Durante a fase escrita, o TIJ pode realizar inspeções, vistorias ou visitas
aos locais para esclareça os fatos e produza as provas.

Na fase oral, o TIJ ouve testemunhas, peritos, agentes (representam as partes), consultores
(auxiliam os agentes) e advogados (auxiliam os agentes).

Após a conclusão da apresentação da causa pelos agentes, consultores e advogados, o


presidente do TIJ encerra os debates e o Tribunal retira-se para deliberar (artigo 54º ETIJ).
As decisões do TIJ são tomadas por maioria dos juízes presentes, cabendo ao presidente
decidir, em caso de empate da votação, com o seu voto de qualidade. As sentenças proferidas
devem ser fundamentadas e os juízes vencidos têm o direito de exporem os motivos da sua
discordância em relação à sentença através da opinião individual ou opinião dissidente.

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Como dito anteriormente a eficácia da sentença destina-se às partes litigantes e o caso


concreto em questão (não vigora, no TIJ, a regra do precedente/a obrigatoriedade do
precedente).

➔ É possível recorrer de uma sentença já proferida pelo TIJ? Nos termos do artigo 60º do
ETIJ, a sentença é definitiva e inapelável/irrecorrível, o que faz sentido dado que o TIJ é,
simultaneamente, um Tribunal de primeira e última instância um Tribunal, não havendo
vários graus de jurisdição. Entretanto, coloca-se a possibilidade de haver uma reinterpretação
do acórdão, a pedido de qualquer uma das partes, caso a sentença seja obscura/dúbia quanto
ao seu sentido e alcance. Não se trata de um recurso, mas uma clarificação do acórdão,
realizada pelo TIJ, que visa torná-lo mais percetível para as partes.

INCIDENTES PROCESSUAIS NO TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA

O curso normal do processo contencioso pode ser incidentalmente interrompido ou


alterado por iniciativa ex officio (do TIJ), das partes litigantes ou de (Estados) terceiros de
determinados incidentes processuais que estejam relacionados com a competência do
Tribunal, com a preservação dos direitos das partes na ação ou com a salvaguarda de
Estados não intervenientes no pleito. Há três tipos de incidentes processuais:
➔ Exceções preliminares - são objeções do Estado demandado à jurisdição ou
competência do TIJ. As exceções preliminares devem ser avaliadas logo no início do
processo (art 36º/6) e podem ter vários tipos:
• Ratione materiae - tribunal não teria competência para julgar aquela matéria.
Exemplo: norma de direito interno – tribunal não tem competência para julgar;
• Ratione persone - o TIJ só pode julgar casos entre estados.
Exemplo: se uma ONG submete um conflito que tenha ocorrido entre ela e um
estado, este estado pode alegar que ela não tem competência para tal;
• Ratione tempore - tem a ver com o tempo, com a caducidade ou prescrição do
direito ou da pretensão; com a impossibilidade do direito em razão do decurso do
tempo, o direto estabiliza as relações jurídicas por decurso do tempo.

NOTA: O réu pode alegar também a falta de interesse do TIJ em agir, argumentando que
não teria por que o tribunal julgar o caso: não haveria razão fática para o julgamento -
Inadmissibilidade do pedido por falta de interesse em agir

➔ Medidas provisórias ou conservatórias (ou: medidas de proteção interina ou


providências cautelares) - são medidas decretadas pelo TIJ para salvaguardar os meios de
prova ou defender os direitos das partes ou para acautelar o efeito útil da ação e assim
tentar evitar os inconvenientes surgidos do arrastamento da ação (art 41º ETIJ). Para o TIJ
decretar tais medidas têm de se verificar dois pressupostos: risco sério de agravamento
do conflito e a iminência de um prejuízo irreparável, sendo esta uma competência de
natureza discricionária.

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

INCIDENTES PROCESSUAIS NO TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA (cont.)

➔ Incidente da Intervenção - é suscitado por um Estado alheio ao processo, que pede


para intervir na causa por recear que a decisão do Tribunal possa interferir com um
interesse jurídico seu. Excecionalmente pode ser o próprio Tribunal a convocar Estados
terceiros para o processo quando está em causa uma convenção multilateral (onde todas
as partes interessam no processo). Esta intervenção é facultativa, isto é, o Estado não é
obrigado a comparecer.

O artigo 61º contempla a possibilidade de pedir a reapreciação/reabertura do caso quando já


depois de proferida a sentença se descobre um facto novo de natureza decisiva, isto é,
suscetível de alterar o sentido da decisão já tomada. Assim, a parte afetada pelo facto pode
solicitar a reabertura do processo, mas há requisitos:
• É preciso que o facto, no momento em que foi proferida a sentença, fosse
desconhecido do TIJ e das partes e o desconhecimento da parte que agora quer
invocar o facto não pode ter sido negligente;
• Tal facto novo descoberto nos 6 meses subsequentes à prolação sentença;
• Não se tenham passado mais de 10 anos desde que a sentença foi proferida (por
razões de certeza e segurança jurídicas).

TRIBUNAIS INTERNACIONAIS DE COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA


São tribunais que julgam litígios específicos aos quais podem recorrer apenas um número
limitado de Estados. Eles podem admitir também a participação, direta ou indireta, dos
particulares no processo internacional.
Exemplos: Tribunal do Direito do Mar, Tribunal da União Europeia, Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem, etc..

SOLUÇÃO ARBITRAL
A solução arbitral respeita mais a soberania estadual visto que os árbitros são escolhidos pelas
partes. Com base num acordo entre as partes que se constitui, por um período determinado,
o órgão arbitral encarregado de apreciar e julgar o litígio. Ou seja, os tribunais arbitrais são
de constituição ad hoc, extinguindo-se uma vez proferida a sentença.
As competências do tribunal arbitral provêm de um compromisso de arbitragem e o
julgamento do caso é amparado pelas diversas fontes de direito internacional, mas há casos
em que o Tribunal (leia-se: os árbitros) pode decidir com base em seu conhecimento.
Os tribunais arbitrais costumam ser especializados por matéria (comércio internacional, em
direito marítimo, etc.) e são normalmente compostos por juristas de grande saber
especializado na matéria que está em conflito (árbitros). A decisão do tribunal arbitral tende
a ser mais apurada que a dos tribunais judiciais (justamente por conta do saber especializado).
A sentença arbitral tem caráter definitivo, a menos que as partes tenham decido o contrário.
Será nula a decisão que extravase os termos do compromisso arbitral, pode ser uma resolução
que: se pronuncie sobre uma questão diversa da que foi submetida ao

92
Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

tribunal ou má interpretação indevida do conteúdo do compromisso arbitral que poderá


ocasionar uma extensão abusiva dos poderes dos juízes-árbitros (assim, abrir-se-á a
possibilidade de submeter a questão a uma nova arbitragem ou, desde que observado o
principio da consensualidade, ao TIJ), constitutiva de excesso de poder ou não aplicando o
direito material e/ou adjetivo previamente acordado pelos litigantes. Assim, abrir-se-á a
possibilidade de submeter a questão a uma nova arbitragem ou, desde que observado o
principio da consensualidade, ao TIJ. São também possíveis os pedidos de aclaração da
sentença arbitral, bem como os recursos de revisão fundados na descoberta de factos novos
suscetíveis de influenciar o sentido da decisão.

São três as formas de submeter um conflito à apreciação de um tribunal arbitral:


➔ Convenção geral de arbitragem: tratando-se de conflitos eventuais ou hipotéticos, a via
adequada é a da “convenção geral de arbitragem”, as partes signatárias estipulam a sua
sujeição à jurisdição de um tribunal arbitral (que será constituído nos termos previstos pela
convenção) certas ou todas as categorias de conflitos que possam entre elas surgir no futuro;
➔ Cláusula arbitral: outra possibilidade é a “cláusula arbitral”, que consiste numa cláusula
inserida num qualquer tratado internacional que prevê o recurso a um tribunal arbitral para
a apreciação dos litígios emergentes da interpretação ou aplicação deste tratado;
➔ Compromisso arbitral: no que toca a conflitos já surgidos, a forma jurídica adequada é a
do “compromisso arbitral”, em que as partes reconhecem a jurisdição do tribunal/decidem
resolver o conflito por esse meio depois do conflito tenha surgido, celebrando um contrato
(compromisso arbitral) no qual devem constar a indicação das partes litigantes e a definição
do objeto do litígio, a menção ao direito material e adjetivo que deverá ser aplicado, a forma
de constituição do tribunal e as condições de nomeação dos juízes-árbitros, a remuneração
que estres irão obter, etc..

Tribunal Permanente de Arbitragem


Em rigor, o TPA não é verdadeiramente um tribunal, dotado de um órgão de julgamento
próprio. Consiste numa lista internacional de juízes-árbitros, constituída pelo somatório das
varias listas nacionais de árbitros fornecidas pelos Estados e que se encontra ao dispor destes,
com a garantia de aí poderem recrutar pessoas altamente qualificadas para o julgamento de
todo o tipo de litígios. Cada Estado designa, de entre os seus nacionais, por um período de
seis anos, quatro membros do Tribunal. Deste modo, quando dois Estados decidem submeter
um qualquer conflito à apreciação deste, cada um deles escolhe dois árbitros da lista geral,
sendo que apenas um pode ser seu nacional. Os quatro árbitros designados nomeiam depois
um quinto árbitro para desempate. À semelhança de qualquer outro tribunal arbitral, o TPA
não deixa de ser de constituição ad hoc; simplesmente, ao contrário dos outros, tem a
particularidade de oferecer aos Estados que a ele recorram um “suporte material” assente na
lista permanente de árbitros, na existência de um secretariado, e ainda na previsão de um
conjunto de regras acerca do procedimento arbitral a observar em caso de lacunas no
compromisso da arbitragem.

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

ÍNDICE
INTRODUÇÃO [2]
I. NOÇÃO DE DIREITO INTERNACIONAL [2]
• ESTADO/NAÇÃO [2]
• SUJEITOS [3]
• DIREITO INTERESTADUAL OU DIREITO DAS GENTES [3]

II. DIREITO INTERNACIONAL GERAL E PARTICULAR [4]

III. FUNÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL [4]

IV. SOCIEDADE INTERNACIONAL E COMUNIDADE INTERNACIONAL [5]

CAP I – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DI [7]


I. MODELO CLÁSSICO OU DE WESTFÁLIA (1648-1945) [7]
• INTRODUÇÃO [7]
• SUJEITOS [7]
• PRODUÇÃO NORMATIVA [8]
• FONTES [8]
• RECURSO À FORÇA [9]
• RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL [10]
• EM SUMA [10]

II. MODELO MODERNO OU A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS (1945-HOJE) [11]


• INTRODUÇÃO [11]
• SUJEITOS [11]
• FONTES (COSTUME SELVAGEM) [13]
• RECURSO À FORÇA [14]
• NOVOS DOMÍNIOS [14]
• HIERARQUIZAÇÃO DA NORMATIVIDADE INTERNACIONAL [15]
• REGIMES DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL [15]
• EM SUMA [16]

CAP II – FONTES DO DI [17]


I. ARTIGO 38.º DO ESTATUTO DO TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA [17]

II. CONVENÇÕES OU TRATADOS INTERNACIONAIS [18]


2.1 NOÇÃO E CLASSIFICAÇÕES FORMAIS [18]
• OBJETIVOS [18]
• CLASSIFICAÇÃO FORMAL [19]
➔ CRITÉRIO DA QUALIDADE DAS PARTES
➔ CRITÉRIO DO NÚMERO DE PARTES

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➔ CRITÉRIO DO PROCEDIMENTO DA CONCLUSÃO


➔ CRITÉRIO DA FORMA

• CLASSIFICAÇÃO MATERIAL (TRATADO LEI vs. TRATADO CONTRATO)


2.2 PROCEDIMENTO DE CONCLUSÃO DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS [20]
• NEGOCIAÇÃO [21]
• ASSINATURA/AUTENTICAÇÃO [22]
• APROVAÇÃO [22]
• RATIFICAÇÃO [23]
• ENTRADA EM VIGOR [25]
• REGISTO E PUBLICAÇÃO [25]
2.3 MECANISMOS DESTINADOS A FACILITAR A ENTRADA DOS ESTADOS NAS CI
• ASSINATURA DIFERIDA [26]
• ADESÃO [26]
• RESERVAS [27]
2.4 EFICÁCIA DAS CONVENÇÕES EM RELAÇÃO A TERCEIROS [27]
• PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS DOS TRATADOS [27]
• APLICAÇÃO DAS CONVENÇÕES A ESTADOS TERCEIROS COM O SEU
CONSENTIMENTO [27]
➔ ACORDO COLATERAL
➔ ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE OUTRÉM
➔ CLÁUSULA DA NAÇÃO MAIS FAVORECIDA
• APLICAÇÃO DAS CONVENÇÕES A ESTADOS TERCEIROS SEM O SEU
CONSENTIMENTO [29]
➔ CRIAÇÃO DE SITUAÇÕES OBJETIVAS OU ESTATUÁRIAS
➔ DISPOSIÇÕES CONVENCIONAIS DESTINADAS À CRIAÇÃO DE
UM NOVO SUJEITO DE DIREITO
➔ TRATADOS NORMATIVOS (CONVENÇÕES DE CODIFICAÇÃO)
➔ EXTENSÃO POR VIA COSTUMEIRA
2.5 CONDIÇÕES DE VALIDADE DAS CONVENÇÕES [30]
• CAPACIDADE DAS PARTES [30]
• REGULARIDADE DE CONSENTIMENTO [31]
➔ IRREGULARIDADES FORMAIS
➔ IRREGULARIDADES SUBSTANCIAIS OU MATERIAIS (ERRO,
DOLO, COAÇÃO, CORRRUPÇÃO)
• LICITUDE DO OBJETO [33]

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

2.5.1 FORMAS DE INVALIDADE DOS TRATADOS [33]


➔ NULIDADE RELATIVA
➔ NULIDADE ABSOLUTA
• DIREITO DE INVOCAR O VÍCIO (RELATIVAS – PARTE VÍTIMA;
ABSOLUTAS – QUALQUER PARTE) [34]
• DIVISIBILIDADE EXTINTIVA DAS DISPOSIÇÕES DO TRATADO [34]
• POSSIBILIDADE DE SANAÇÃO DO VÍCIO (RELATIVAS –
TÁCITA/EXPRESSA; ABSOLUTAS – NÃO HÁ SANAÇÃO) [35]
• CONSEQUÊNCIAS/EFEITOS DA NULIDADE DAS CONVENÇÕES (EX
NUNC; EX TUNC) [35]
2.5.2 ANÁLISE DE CASOS PRÁTICOS [36]

III. O COSTUME [38]


• NOÇÃO, ELEMENTOS E PROCESSO CONSTITUTIVO [38]
➔ O ELEMENTO MATERIAL (CONSUETUDO)
➔ O ELEMENTO PSICOLÓGICO/SUBJETIVO
➔ DIFERENÇAS PRINCIPAIS DO COSTUME EM RELAÇÃO AO
PROCESSO CONVENCIONAL
➔ ELEMENTO MATERIAL DO PROCESSO COSTUMEIRO
➔ ELEMENTO PSICOLÓGICO DO PROCESSO COSTUMEIRO
3.1 COSTUME SELVAGEM OU INSTANTÂNEO [40]
3.2 ESTATUTO DO PERSISTENT OBJECTOR – OPONIBILIDADE DO COSTUME [40]
• PROVA DO COSTUME [40]
• RENOVAÇÃO DO COSTUME E IMPORTÂNCIA DESTA FONTE DE DIREITO
[41]

IV. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO RECONHECIDOS PELAS NAÇÕES CIVILIZADAS


[42]
4.1 CARÁTER DIREITO E AUTÓNOMO DESTA FONTE DE DI [42]
4.2 NATUREZA JURÍDICA E FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO [42]
• CONTROVÉRSIA DOUTRINAL [42]
• FONTE PRIMÁRIA E SUPLETIVA [43]
4.3 MODO DE OPERAR COM OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO [44]
• REQUISITO DA GENERALIDADE [44]
• CONDIÇÃO DE SEREM TRANSPONÍVEIS [44]
4.4 EXEMPLOS DE ALGUNS DESTES PRINCÍPIOS PARA O ORDENAMENTO
JURÍDICO INTERNACIONAL [44]

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V. ATOS JURÍDICOS UNILATERAIS [45]


5.1 NOÇÃO E DIFICULDADES NO ESTUDO DOS ATOS JURÍDICOS UNILATERAIS
5.2 ATOS JURÍDICOS UNILATERAIS DO ESTADO [45]
• REQUISITOS: IMPUTABILIDADE, OPONIBILIDADE E PUBLICIDADE [45]
• DISPENSA DE ACEITAÇÃO PELOS DESTINATÁRIOS [46]
• EXEMPLOS DE MANIFESTAÇÕES UNILATERAIS DE VONTADE
ADMITIDAS PELAS JURISDIÇÕES INTERNACIONAIS [46]
• CARACTERÍSTICAS DOS ATOS UNILATERAIS ENQUANTO FONTE
FORMAL DE DI [46]
• EXEMPLOS DE ATOS JURÍDICOS UNILATERAIS DO ESTADO
(RECONHECIMENTO, PROTESTO, NOTIFICAÇÃO, PROMESSA,
RENÚNCIA) [46]
5.3 ATOS JURÍDICOS UNILATERAIS DAS OI (RESOLUÇÕES)
• DECISÕES [47]
• RECOMENDAÇÕES [47]
• PARECERES [47]

VI. FONTES AUXILIARES DE DI


➔ JURISPRUDÊNCIA [48]
➔ DOUTRINA [49]
➔ EQUIDADE [49]
• PRINCÍPIOS CHAVE DO DI (IMPORTANTES P/ PRÁTICA) [50]

CAP III – RELAÇÕES ENTRE O DI E O DIREITO INTERNO [51]


I. MONISMO, DUALISMO E TÉCNICAS DE RECEÇÃO (AUTOMÁTICA,
TRANSFORMAÇÃO E SEMI-PLENA)
• TESE DUALISTA [51]
• TESE MONISTA [52]
• POSIÇÃO QUE ADOTAREMOS [53]
• TÉCNICAS DE INCORPORAÇÃO DAS NORMAS NA ORDEM
JURÍDICA INTERNA [53]

II. RECEÇÃO E HIERARQUIA DO DI NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA [55]


• ANÁLISE DO ART 8 DA CRP [55]
• HIERARQUIA ENTRE AS NORMAS INTERNACIONAIS E INTERNAS [57]
• DIREITO EUROPEU ORIGINÁRIO E DERIVADO [60]

CAP IV – OS SUJEITOS DE DI [61]
I. NOÇÃO [61]
II. ESTADO: NOÇÃO E ELEMENTOS [61]
• POPULAÇÃO [61]
• TERRITÓRIO (TERRESTRE, FLUVIAL, MARÍTIMO) [62]

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➔ JURISDIÇÃO
➔ ESPAÇOS INTERNACIONAIS
• GOVERNO [65]
➔ SOBERANIA (COROLÁRIOS POSITIVOS E NEGATIVOS)
➔ COMPETÊNCIAS DO ESTADO

III. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL POR FACTOS ILÍCITOS [67]


3.1 NOÇÃO E PRESSUPOSTOS (NORMAS PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS) [67]
• RESPONSABILIDADE SUBJETIVA (OU POR ATOS ILÍCITOS) INTERNACIONAL
DO ESTADO [67]
➔ CONDUTA ANTI-JURÍDICA
➔ NEXO DE IMPUTAÇÃO
➔ DANO
➔ NEXO DE CAUSALIDADE
3.2 CONSEQUÊNCIAS [68]
• GRAUS DE ILICITUDE
3.3 MODALIDADES DE REPARAÇÃO DOS DANOS [69]
➔ RETITUTIO IN INTEGRUM
➔ REPARAÇÃO POR EQUIVALENTE
➔ SATISFAÇÃO
• QUEBRA DE OBRIGAÇÃO INTERNACIONAL [70]
3.4 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE (CAP V DO DRAFT) [71]
➔ CONSENTIMENTO [71]
➔ LEGÍTIMA DEFESA [71]
➔ CONTRAMEDIDAS [72]
➔ FORÇA MAIOR E CASO FORTUITO [72]
➔ PERIGO EXTREMO [73]
➔ CASO DE NECESSIDADE [73]
3.5 RESPONSABILIDADE PELO RISCO [74]

IV. ORGANICAÇÕES INTERNACIONAIS [74]


4.1 NOÇÃO E CLASSIFICAÇÕES [75]
• CRITÉRIOS PARA DIFERENCIAÇÃO DAS OI [75]
4.2 NATUREZA CONSTITUCIONAL DAS CARTAS CONSTITUTIVAS [76]
• PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNA [77]
• PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL [78]
4.3 COMPETÊNCIAS NORMATIVAS E OPERACIONAIS [79]
4.4 TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS [79]
4.5 AUTONOMIA FINANCEIRA [79]
4.6 ONU [80]
• OBJETIVOS [80]
• PRINCÍPIOS DE FUNCIONAMENTO [80]

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• MEMBROS DA ONU [82]


• ESTRUTURA DA ONU [82]
➔ ASSEMBLEIA GERAL [82]
➔ CSNU [83]
➔ CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL [84]
➔ CONSELHO DE TUTELA [84]
➔ SECRETARIADO [85]
➔ TIJ [85] + [90]

CAP V – MÉTODOS DE RESOLUÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS INTERNACIONAIS [88]


I. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES [88]

II. MÉTODOS POLITICO-DIPLOMÁTICOS: NEGOCIAÇÃO, BONS OFICIOS, MEDIAÇÃO,


INQUÉRITO, CONCILIAÇÃO (AUTO-SOLUÇÕES) [88]
• SEM INTERVENÇÃO DE TERCEIROS [88]
➔ NEGOCIAÇÃO DIPLOMÁTICA [88]
• COM INTERVENÇÃO DE TERCEIROS [89]
➔ BONS OFÍCIOS E MEDIAÇÃO [89]
➔ INQUÉRITO INTERNACIONAL [89]
➔ CONCILIAÇÃO [89]

III. MÉTODOS JURISDICIONAIS: TRIBUNAIS PERMANENTES E ARBITRAIS (HETERO-


SOLUÇÕES) [90]
• SOLUÇÕES DITADAS POR UM TRIBUNAL PERMANENTE -TIJ [90] + [85]
• SOLUÇÃO ARBITRAL [92]
• TRIBUNAL PERMANENTE DE ARBITRAGEM [93]

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Questões de Direito Internacional Público I

1. Defina zona ou área. São fundos marinhos e subsolos para além dos limites da
jurisdição nacional. Solo e subsolo do alto mar. O regime jurídico é diferente. Foi criada
uma organização internacional, que se encarrega de superintender na exploração e
distribuição dos recursos da zona, de acordo com o princípio da desigualdade
compensatória. Aqui tem uma internacionalização positiva, pois a autoridade garante
igualdade material na exploração.
2. Defina duplo veto. A ONU é composta por 10 membros não permanentes e 5
membros permanentes. Quando há dúvida sobre natureza da matéria em causa, tem
de qualificá-la, através de uma votação. Este ato de qualificação, é em si considerado
um ato de natureza material, logo pode haver direito de veto por um dos membros
permanentes (primeiro veto). Num momento subsequente, se a matéria for
qualificada como material, um dos membros permanentes pode vetar novamente,
desta vez para impedir a adoção da decisão (segundo veto). Se não fosse o primeiro
veto, os 10 membros qualificariam a matéria sempre como procedimental, para não
haver possibilidade de veto por algum dos membros permanentes.
3. Distinga força maior e perigo extremo. Força maior são situações em que um Estado
fica materialmente impossibilitado de cumprir uma obrigação internacional por causa
de uma força irresistível ou um acontecimento exterior completamente imprevisto. O
perigo extremo consiste em casos em que um agente ou órgão estadual adota um
comportamento que viola o Direito Internacional pois essa é a única maneira que
encontra de salvar a sua vida ou a vida das pessoas que estão sob sua
responsabilidade. Em ambos os casos há uma exclusão de ilicitude no âmbito
internacional, porem na força maior, essa exclusão de ilicitude se dá quando o
acontecimento for irresistível, imprevisto e o Estado não tenha contribuído para o
ocorrido, já no perigo extremo a ilicitude será excluída quando o valor do interesse
protegido for maior que o valor sacrificado. Em ambos o Estado adota um
comportamento que viola o direito internacional, porem na força maior o Estado não
tem escolha.
4. Distinga recepção automática condicionada e transformação. No âmbito das técnicas
de incorporação do Direito Internacional na ordem jurídica interna, apresentam-se,
como duas das soluções positivas, a recepção automática condicionada e a
transformação. As normas jurídicas de direito internacional inserem-se diretamente
na ordem interna, produzindo efeitos. Porem a CRP pode impor uma leve restrição a
plena vigência interna das normas internacionais, constituindo a recepção automática
condicionada. Por outro lado, a transformação consiste em uma norma de DIP só
produzir efeito na ordem interna caso um legislador a converta em norma interna
através de um ato de sua competência. A recepção automática condicionada provem
de uma concepção monista enquanto a transformação de uma concepção dualista. A
primeira produz efeitos automaticamente, enquanto a segunda precisa de uma
conversão. Porem ambas são técnicas de incorporação do direito internacional no
direito interno.

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

5. Comente: ‘’ o reconhecimento do Estado tem uma natureza constitutiva ou


atributiva’’. O reconhecimento é um ato unilateral através do qual, um Estado,
verificando a existência de determinada situação ou ato jurídico, admite, que tal
situação ou ato jurídico lhe seja oponível. Para alguns autores esse reconhecimento
tem natureza atributiva, ou seja, a existência de um Estado novo na comunidade
internacional pressupõe a aceitação dos Estados preexistentes, exprimida através de
um ato de reconhecimento. É o reconhecimento que atribui ao Estado a qualidade de
sujeito de DI. Já outros autores, falam da natureza declarativa, ou seja, o surgimento
de um Estado novo resulta do reconhecimento deste Estado pela Comunidade
Internacional.
6. Defina costume selvagem. O costume pressupõe a conjugação de dois elementos, o
elemento material (consiste em determinados comportamentos adotados pelos
sujeitos de DIP de forma constante e uniforme, ao longo de um determinado período
de tempo) e o elemento subjetivo (consiste na convicção do caráter jurídico, ou seja,
de que adotar esses comportamentos é uma obrigação – sem este elemento estamos
perante um habito). No costume selvagem o processo de formação é inverso, isto é,
os elementos aparecem contrapostos. Primeiramente surge o elemento subjetivo e,
posteriormente o elemento material. Tem o mesmo valor que o costume tradicional.
7. Defina zona económica exclusiva. É a vasta faixa marítima, a contar desde a linha de
base até uma extensão de 200 milhas, onde Estados ribeirinhos exercem poderes de
jurisdição, tendo em vista princípio da desigualdade compensatória. Tem que se
descontar as 12 milhas que consiste em o mar territorial (art. 62º CMB).
8. Distinga nulidades absolutas e relativas das convenções internacionais. Nas
nulidades relativas estão em causa vícios menos graves e estão em jogo os interesses
dos particulares dos Estados participantes. O que origina as nulidades relativas são a
ratificações imperfeitas, o erro, o dolo e a corrupção. Apenas o Estado vitima tem o
direito de invocar a nulidade. Há casos em que se pode anular apenas as cláusulas que
sofrem de nulidade, é uma exceção do princípio da indivisibilidade. É possível haver
sanação, ou seja, o tratado ser aceito apenas do vício.
Já nas nulidades absolutas estão em causa vícios mais graves, são os casos em que
estão em jogo interesses gerais da comunidade internacional. O que origina as
nulidades absolutas são a incapacidade das partes, a coação e a ilicitude do objeto.
Qualquer uma das partes da convenção pode invocar a nulidade absoluta. Além disso,
nesta não há possibilidade de sanação. A declaração de nulidade gera eficácia
retroativa, ou seja, tudo vai se passar como se o tratado nunca tivesse existido, com
exceção dos atos exercidos com boa-fé.
9. Distinga inquérito e conciliação. O inquérito consiste em levar o conflito ao
conhecimento de um órgão internacional. Esse órgão internacional, irá analisar os
fatos que antecederam o litigio desse conflito, e ira elaborar um relatório que depois
é entregue as partes. Trata-se de um procedimento facultativo e o relatório não tem
o valor de uma sentença arbitral, não tem valor vinculativo, mas pode ser útil para
classificar o que aconteceu.
Já na conciliação irão ser feitas propostas que são opcionais as partes, essas decidem
se adotam ou não. Implica na criação de um órgão que terá duas tarefas: primeira,

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

verificar os fatos que estão por detrás do surgimento do conflito e depois produzir a
proposta de solução para as partes.
Ambos são métodos político-diplomático para resolver conflitos, em ambos é
designado uma comissão, porem no inquérito é uma comissão de inquérito e na
conciliação é uma comissão de conciliação. Ambos verificam os fatos que estão por
detrás do conflito.
10. Comente: ‘’as convenções internacionais recebidas na ordem jurídica portuguesa
tem valor supralegal, mas infraconstitucional’’. A convenção internacional celebrada
pelo estado português, em relação a legislação ordinária, só se cumpre se a convenção
tiver um valor maior que a lei interna, ou seja, valor supralegal. Esta convenção vai
prevalecer quer sobre as leis anteriores, quer sobre as posteriores. Se a CI fosse
inferior a lei, seria imediatamente revogada por leis internas conflitantes, e se não
houvesse uma lei na hora da entrada em vigor da CI, mas surgisse uma lei depois, está
derrubaria a CI. O mesmo aconteceria se estas tivessem iguais valores. Porém, a CI
tem valor infraconstitucional, ou seja, esta tem que estar em harmonia com a CRP
sobre pena de invalidez da CI por inconstitucionalidade. A CI vai vigorar enquanto
vincular o estado português no âmbito internacional.
11. Defina exceção preliminar. É um expediente processual através do qual um Estado
demandado contesta a competência ou a jurisdição do Tribunal Internacional de
Justiça para julgar um determinado caso. Quem decide essa questão é o próprio TJI.
Temos 4 tipos de exceções preliminares, a ratione materiae, ratione personae, ratione
temporis e inadmissibilidade do pedido por falta de interesse em agir.
12. Defina clausula da nação mais favorecida. Há um tratado inicial entre dois ou mais
Estados, nele as partes inserem uma clausula nos termos da qual, se um deles vier a
celebrar, no futuro, com outro estado, uma convenção mais vantajosa, versando
sobre a mesma matéria, tais disposições mais favoráveis irão se aplicar ao tratado
inicial. Deste modo, Estados vão se beneficiar de tratados que não celebraram. O
consentimento do Estado é dado por antecipação.
13. Distinga perigo extremo e estado de necessidade. O perigo extremo refere-se a casos
em que um agente ou órgão estadual adota um comportamento que viola o DI pois
essa é a única maneira que encontra de salvar a sua vida ou das pessoas sob sua
responsabilidade. Deve haver uma ponderação, só exclui a ilicitude deste, quando o
valor do interesse protegido for superior do que o valor sacrificado. Já o Estado de
necessidade, está em jogo a existência do próprio Estado, há uma ameaça que paira
sobre a estabilidade política ou subsistência económica. Diferentemente do que
acontece no perigo extremo, em que está em causa um agente do Estado ou pessoas
a sua guarda. No estado de necessidade o interesse ameaçado deve ser essencial e a
violação do direito internacional deve ter constituído o único meio utilizável de
conjurar o perigo. Em ambos, existe, teoricamente, a possibilidade de cumprir ou não
a obrigação internacional.
14. Diferencie organização internacional intergovernamental e supranacional.
Organização intergovernamental é o tipo mais frequente de organização
internacional. Geram entre as organizações e os Estados relações horizontais de mera
coordenação de soberanias nacionais. Visam promover a cooperação entre Estados
membros. Dos órgãos destas organizações fazem parte representantes dos Estados

102
Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

membros que participam na vida da organização, subordinados às orientações e


diretrizes dos seus governos. Eles acabam por estar na organização a defender os
interesses dos seus Estados e estes prevalecem sobre os interesses da organização.
Estas relações têm consequências no plano das decisões. A regra das deliberações é a
da unanimidade. Assim equivale a um direito de veto de cada Estado membro e isso
permite que eles defendam sempre os seus interesses. Além disso, destas
organizações internacionais são emanadas normas que por via de regra se dirigem aos
Estados membros e só indiretamente aos indivíduos. Estas normas não são dotadas
de aplicabilidade direta. Estas organizações não têm poder de impor decisões aos seus
membros, lançando mão por isso de meras recomendações.
Organizações supranacionais como toda organização internacional, as organizações
internacionais supranacionais são sujeitos de Direito Internacional Público
caracterizadas como “associações voluntárias de Estados, criadas por tratado, dotadas
de uma estrutura orgânica permanente e possuidoras de uma personalidade jurídica
internacional distinta da dos Estados membros”, que se voltam a prosseguir objetivos
comuns a seus membros a partir de estruturas orgânicas próprias, cujas competências
e poderes associados encontram-se estatutariamente previstos. Consiste em uma
limitação de soberania para os Estados. São organizações em que as relações entre
elas e os Estados são verticais e de subordinação. Dos seus órgãos fazem parte
indivíduos que estão ali a representar os interesses das organizações internacionais.
Geralmente, nestas organizações, a regra da votação é a da maioria e não a da
unanimidade. Estas organizações estão habilitadas a aprovar atos que são obrigatórios
para os Estados membros e são ainda dotados de aplicabilidade direta, dirigindo-se
diretamente ao indivíduo. APRESENTAR EXEMPLO DE AMBAS.
15. Defina técnica da transformação. A técnica da transformação é uma técnica de
incorporação do direito internacional na ordem interna, em que há oposição do
Estado em relação a vigência do Direito Internacional na ordem interna, daí que a
Constituição exija que o legislador ordinário reproduza a norma internacional através
de um ato normativo da sua competência, designando-se este procedimento por
técnica da transformação. Esta teoria reflete uma concepção dualista, e não vigora
em Portugal.
16. Distinga alto-mar de zona ou área. Alto mar é a faixa marítima que se situa após as
duzentas milhas. Vigora um regime de liberdade de navegação, pesca, sobrevoo,
colocação de cabos submarinos, construção de ilhar artificiais e investigação cientifica.
Porém, com esse regime de liberdade total, os estados mais desenvolvidos saem mais
beneficiados. É um regime de internacionalização negativa pois é uma igualdade
meramente formal. Zona ou área são os fundos marinhos e os subsolos para além dos
limites da jurisdição nacional. Aplica-se um regime jurídico diferente. Foi criada uma
organização internacional “autoridade de exploração e distribuição para os fundos
marinhos” que se encarrega de superintender na exploração e distribuição dos
recursos da zona, mas de acordo com o princípio da desigualdade compensatória, isto
é, favorecer os estados mais desfavorecidos. O regime aqui aplicado é de
internacionalização positiva, pois a autoridade garante igualdade material na
exploração. Ambos estão fora dos poderes de jurisdição dos Estados e se tem uma
liberdade de exploração, porem no auto mar há uma igualdade de exploração,

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Roberto Santos 2020/2021 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

meramente formal, enquanto na zona ou área, devido a criação de uma autoridade,


existe uma igualdade entre os países.
17. Comente: ‘’ No Conselho de Segurança da ONU, não há veto sem duplo veto’’. O
poder de veto deriva da obrigatoriedade de uma decisão unânime dos membros
permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas na votação de uma
proposição envolvendo questão de natureza material. O sistema de duplo veto
apresenta-se porque a própria qualificação da natureza da questão a ser discutida –
se é processual ou material – é considerada uma questão material e, assim, sujeita a
veto dos membros permanentes. Logo, o poder de veto exerce-se, em primeiro plano,
no âmbito da votação acerca da qualificação da questão e, vindo a ser-lhe atribuída
natureza material, apresenta-se nova oportunidade de exercício do poder de veto (ou
duplo veto), já agora no âmbito da votação acerca da solução a ser dada à questão de
cunho material (arts. 23 a 27 CNU). Assim, pode-se dizer que só existira veto, se existir
duplo veto, já que se a natureza da questão for processual os membros permanentes
não tem o direito de veto e se na definição da natureza, ela for definida como
processual, significa que os membros permanentes não utilizaram o poder de veto.
18. Defina princípio da efetividade. A precariedade dos limites jurídicos no que concerne
ao recurso à força nas relações internacionais fez com que desde a paz de Westefália
até ao séc. XIX, os estados tivessem plena liberdade de fazer guerra. As consequências
disto eram que os princípios internacionais não ofereciam aos sujeitos de Direito
Internacional uma proteção consistente. Pelo contrário, tratava-se de uma proteção
provisória e incerta, na medida em que esses princípios eram respeitados desde que
esse acatamento não colidisse com os seus próprios interesses. Princípio da
efetividade diz que só as situações efetivas, ou seja, só as situações que se
encontrassem já consolidadas produziriam efeitos jurídicos.
19. Defina plataforma continental. A plataforma continental é o solo marítimo junto a
costa, que tem uma extensa planície rica em recursos vegetais e animais, que vai até
as 200 milhas (art. 76º e 77º CMB). Não abrange a agua, apenas solo e subsolo.
Consiste uma área na qual os Estados exercem poderes de jurisdição e não de
soberania.
20. Distinga veto e duplo veto. A ONU é composta por 15 membros, sendo 10 deles
membros não permanentes e 5 deles membros permanentes. O poder de veto deriva
da obrigatoriedade de uma decisão unânime dos membros permanentes do Conselho
de Segurança na votação de uma proposição envolvendo questão de natureza
material. O sistema de duplo veto apresenta-se porque a própria qualificação da
natureza da questão a ser discutida – se processual ou material – é considerada uma
questão material e, assim, sujeita a veto dos membros permanentes. Assim, o poder
de veto exerce-se, em primeiro plano, no âmbito da votação acerca da qualificação da
questão e, vindo a ser-lhe atribuída natureza material, apresenta-se nova
oportunidade de exercício do poder de veto (ou duplo veto), já agora no âmbito da
votação acerca da solução a ser dada à questão de cunho material. Caso não existisse
a possibilidade do veto na qualificação da matéria, os 10 membros não permanentes
decidiriam todas as matérias como processuais, fazendo com que os membros
permanentes não tivessem a possibilidade de exercer seu poder de veto.

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21. Defina costume internacional. O costume internacional é formado pela conjugação


de dois elementos, o elemento material (consiste em determinados comportamentos
adotados pelos sujeitos de DIP de forma constante e uniforme, ao longo de um
determinado período de tempo) e o elemento subjetivo (consiste na convicção do
caráter jurídico, ou seja, de que adotar esses comportamentos é uma obrigação – sem
este elemento estamos perante um habito). Este ainda integra o costume selvagem,
os costumes locais, regionais e gerais.
22. Defina competência pessoal do Estado. A competência pessoal de um Estado é uma
das vertentes das competências internas juntamente com a competência territorial.
Esta primeira reconduz-se às competências de atribuição da nacionalidade, quer seja
a pessoas, que seja a navios, aviões, satélites e demais engenhos espaciais. As
competências pessoais exercem-se sobre os seus nacionais, mas também sobre os
estrangeiros.
23. Distinga recepção semiplena e transformação. Ambas são técnicas de incorporação
das normas de direito internacional na ordem interna. Porém, a recepção semiplena
assenta numa distinção das normas internacionais de acordo com seu conteúdo. As
normas de DIP geral e comum serão de recepção automática (pressuposto monista),
já as de ordem particular poderão ser sujeitas a transformação (pressuposto dualista).
É uma técnica considerada mista, já que há uma conjuração entre as teses dualista e
monista. Já a transformação, é uma técnica que reflete apenas a concepção dualista,
e que diz que uma norma de DIP, seja ela geral ou particular, só irá produzir efeitos na
ordem interna caso um legislador a converta em norma interna através de um ato da
sua competência.
24. Comente: ‘’Os Estados só se submetem a jurisdição do Tribunal Internacional de
Justiça se nisso convierem’’. O TIJ tem duas competências, a primeira é a consultiva,
ou seja, pareces consultivos que lhe podem ser pedidos por outros organismos. São
apenas opiniões emitidas pelo tribunal sobre um determinado assunto. A outra é a
contenciosa, ou seja, tem o poder de proferir sentenças ou acórdãos. Julga apenas
conflitos entre Estados. As sentenças ou acórdãos tem caráter obrigatório para os
Estados, porém não é, no entanto, obrigatório a partida. Os Estados só ficam
vinculados a obrigatoriedade se para isso houver seu consentimento (princípio da
consensualidade). Esse consentimento pode ser gerado antes ou depois do conflito.
Quando gerado depois existem duas possibilidades, o acordo especial, que é um
acordo entre as partes participantes do conflito, no qual, decidem aprova-lo diante do
TIJ, ou o fórum prorogatum, onde não há um acordo, um Estado intenta uma ação
contra o outro. É uma hipótese de aceitação tácita por parte do Estado litigio. Existe
um comportamento do estado demandado que leva o TIJ a supor que esse Estado
aceitou tacitamente a competência. Depois de aceita tacitamente o Estado não pode
voltar atrás. Quando gerado antes do conflito existem 3 possibilidades, a celebração
de uma CI bilateral ou multilateral, a CI estipula os assuntos pelos quais o TIJ será
responsável, e todas as partes tem de declarar, a clausula compromissória de sujeição,
caso dois ou mais Estados insiram uma clausula afirmando que o TIJ será responsável
por conflitos e a clausula facultativa de jurisdição obrigatória, que só ficam abrigados
se quiserem subscreverem, através de um ato unilateral. A subscrição da clausula é
facultativa, mas uma vez subscrito, a jurisdição do TIJ é obrigatória.

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25. Defina recepção semiplena do direito internacional. A recepção semiplena, é uma


técnica de incorporação das normas de direito internacional na ordem interna. Esta
assenta numa distinção das normas internacionais de acordo com seu conteúdo. As
normas de DIP geral e comum serão de recepção automática (pressuposto monista),
já as de ordem particular poderão ser sujeitas a transformação (pressuposto dualista).
É uma técnica considerada mista, já que há uma conjuração entre as teses dualista e
monista.
26. Defina organização internacional supranacional. Como toda organização
internacional, as organizações internacionais supranacionais são sujeitos de Direito
Internacional Público caracterizadas como “associações voluntárias de Estados,
criadas por tratado, dotadas de uma estrutura orgânica permanente e possuidoras de
uma personalidade jurídica internacional distinta da dos Estados membros”, que se
voltam a prosseguir objetivos comuns a seus membros a partir de estruturas orgânicas
próprias, cujas competências e poderes associados encontram-se estatutariamente
previstos. Consiste em uma limitação de soberania para os Estados. São organizações
em que as relações entre elas e os Estados são verticais e de subordinação. Dos seus
órgãos fazem parte indivíduos que estão ali a representar os interesses das
organizações internacionais. Geralmente, nestas organizações, a regra da votação é a
da maioria e não a da unanimidade. Estas organizações estão habilitadas a aprovar
atos que são obrigatórios para os Estados membros e são ainda dotados de
aplicabilidade direta, dirigindo-se diretamente ao indivíduo.
27. Distinga legitima defesa e contramedida. A legitima defesa constitui uma exceção ao
uso da força nas relações internacionais. É a possibilidade de um estado se defender
de um ataque prévio utilizando a força. Porém, para assim proceder é necessário, que
seja um direito transitório, ou seja, só pode ser exercido até que o conselho de
segurança intervenha, deve comunicas as medidas que tomou no exercício deste
direito, além de que o Estado que atua em legitima defesa deve agir de acordo com o
princípio da proporcionalidade e seus subprincípios. Já a contramedida, é uma medida
de resposta, a um fato internacionalmente ilícito praticado, num momento anterior,
por outro Estado. A contramedida é uma reação descentralizadas, levadas pelos
estados vítimas ou terceiros. São adotadas unilateralmente pelos Estados, que decide
sua intensidade e forma de execução, corre o ressico de haver abuso e arbitrariedade.
Estas porem ser retorção, que medidas poucos amigáveis, porem licitas. Ou
represálias, que são atos hostis, porem ilícitos. Essa ilicitude desaparece, porque a
represália é motivada por um ato ilícito, prévio, por parte de outro Estado. Ambas são
modo de exclusão da ilicitude de um ato e são uma resposta a um ato praticado no
momento anterior. Porém, a legitima defesa tem de comunicar as medidas adotadas
e agir de acordo com os princípios da proporcionalidade. Já a contramedida o Estado
decide a intensidade e forma de execução das medidas adotadas.
28. Defina estatuto do objetor persistente. É uma exceção a vinculação de um
determinado Estado a um costume, pois a regra geral diz que um costume
internacional vincula todos os Estados. Acontece quando um Estado, de modo FIRME,
PESISTENTE E INEQUIVOCO, se opõe a formação de um costume que está a surgir e
pretende ainda que os seus efeitos não se lhe apliquem, ou seja, opõe desde o início
da formação do costume. No plano internacional admite-se que um Estado recuse a
aplicação destas normas, mas é preciso que este Estado tenha recusado ainda durante

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o processo de formação da norma. Neste caso, o Estado adquiriu o estatuto de objetor


persistente e não fica vinculado ao costume, porem se a norma for de Ius Cogens, ou
seja, imperativa, não admite que o Estado furte sua aplicação.
29. Defina conciliação. A conciliação é um método político-diplomático para a solução de
problemas, com intervenção de terceiros. O seu desencadeamento pressupõe sempre
um prévio compromisso convencional, não lhe subjazendo qualquer obrigação
costumeira. É um método quase jurisdicional, pois o procedimento é cindido em duas
partes distintas e baseado no princípio do contraditório. A primeira fase serve para
tratar da questão de fato (serve para ser produzida a prova. Têm que ser consignados
os factos para se produzir a prova) e a segunda fase para tratar da questão de direito
(cada parte litigante apresenta os seus argumentos). Diferentemente do inquérito
que consiste em levar o conflito ao conhecimento de um órgão internacional colegial,
designado por comissão de inquérito. Esse órgão colegial vai apreciar os factos que
estão na base desse conflito e, uma vez feita essa averiguação, elabora um relatório
que depois é entregue às partes. Trata-se de um procedimento facultativo no seu
alcance. Tal relatório não tem o valor de uma sentença arbitral, podendo, os
destinatários, dar-lhe o seguimento que entenderem.
30. Distinga mar territorial e zona contigua. O mar territorial consiste numa área de
poderes de soberania, e é uma faixa marítima adjacente a costa do Estado, que se
estende desde a linha normal de mare baixa até uma distância fixa em 12 milhas.
Neste espaço que compreende aguas, o leito e o subsolo, o Estado exerce uma
soberania quase total, apenas comprimida pelo direito de passagem inofensiva. Já a
zona contigua, consiste numa área em que os poderes não são de soberania e sim de
jurisdição, e esta é a extensão que vai desde a linha normal de mare baixa até as 24
milhas. O estado não exerce poderes de soberania, apenas fiscaliza de modo a
prevenir ou reprimir a infração de leis e regulamentos dos Estados costeiros em
matéria aduaneira, fiscal, sanitária e de imigrações. Ambas compõem o território
marítimo de um Estado.
31. Distinga legitima defesa e represália. A legitima defesa constitui uma exceção ao uso
da força nas relações internacionais. É a possibilidade de um estado se defender de
um ataque prévio utilizando a força. Porém, para assim proceder é necessário, que
seja um direito transitório, ou seja, só pode ser exercido até que o conselho de
segurança intervenha, deve comunicas as medidas que tomou no exercício deste
direito, além de que o Estado que atua em legitima defesa deve agir de acordo com o
princípio da proporcionalidade e seus subprincípios. Já a represália, é um ato que
compõe a contramedida. Este primeiro constitui atos hostil, porem ilícitos. Mas essa
ilicitude desaparece porque a represália é motivada por um ato ilícito, prévio, por
parte de outro Estado. Tanto a legitima defesa e a represália são causa de exclusão da
ilicitude internacional de um ato, porem na represália este ato é adotado
unilateralmente pelos Estados, que decidem a sua intensidade e forma de execução,
já não legitima defesa, tem que se respeitar o princípio da proporcionalidade e as
medidas adotadas tem que ser comunicadas.
32. Comente: ‘’ O direito comunitário (originário e derivado) insere-se na ordem interna
nos termos definidos pelo direito da União’’. O art. 8º/3 da CRP foi acrescentado na
revisão constitucional de 1982 para adaptar a CRP à futura adesão de Portugal às

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comunidades Europeias e a um Direito com características supranacionais. Pela leitura


deste artigo, facilmente se conclui que não é exigida nenhuma formalidade para que
os atos de Direito Comunitário derivado vigorem na ordem jurídica interna. Estamos
na presença de um sistema de incorporação automática, com a particularidade de se
afirmar que aqueles gizam de um regime de aplicabilidade direta. Porém, este número
impõe duas condições: que as normas emanem ou provenham de órgãos
competentes dessas organizações; contudo, esta condição não encontra paralelo no
Direito Comunitário originário, nem na jurisprudência comunitária, nem na prática
internacional na matéria, e também que se encontre estabelecido nos respectivos
tratados constitutivos o mencionado regime de aplicabilidade direta.
A personalidade jurídica comunitária assenta na característica de o direito
comunitário derivado ser dotado de aplicabilidade direta, não precisando de
transposição ou mediação pelos órgãos estaduais para valer na Ordem jurídica
interna. Além disso, ele não se dirige aos Estados, mas diretamente aos indivíduos.
(INCOMPLETO).

33. Distinga conciliação e arbitragem. Conciliação e arbitragem são meios pacíficos, com
intervenção de terceiros, para solução de controvérsias no plano internacional que
dependem de prévio compromisso entre as partes envolvidas no conflito (art. 33
CNU). Diferenciam-se no sentido de que a conciliação apresenta-se como um meio
quase jurisdicional de solução de conflitos, em que a comissão de conciliação, para
além da análise e assentamento dos fatos, apresenta uma proposta de solução
(interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto) que, porém, não é vinculativa
nem obrigatória às partes, as quais, assim, conservam a liberdade de autocomposição
do conflito; ao passo que na arbitragem, como um meio de natureza jurisdicional, a
proposta de solução jurídica do conflito é vinculativa, obrigatória e definitiva, cujo
cumprimento, portanto, afigura-se cogente às partes em conflito, as quais, em
consequência, deixam de conservar, uma vez instaurado o procedimento arbitral, a
liberdade de comporem negocial e voluntariamente o conflito.
34. Comente: ‘’ As convenções internacionais recebidas na ordem jurídica portuguesa
têm um valor supralegal’’. A CRP absorve à luz de seu art. 8º, uma posição monista
com primado do Direito Internacional com mitigações relacionadas a e dependentes
da natureza jurídica da norma de Direito Internacional, que acabam por estabelecer
um diferente regime jurídico de incorporação e relacionamento hierárquico entre o
Direito interno e o Direito Internacional. Relativamente ao Direito Internacional geral,
a que se refere o nº 1 do art. 8º da CRP, a recepção é automática e, mediante
interpretação conjugada com o art. 16º, nº 2 da CRP, a alocação hierárquica
relativamente ao Direito interno é a supraconstitucional. Logo, convenções
internacionais que positivem normas de cunho universal/geral de Direito
Internacional Público terão não só valor supralegal como supraconstitucional. No que
concerne ao Direito Internacional particular, nos termos do art. 8º, nº 2, da CRP, a
regra é da recepção automática condicionada a prévia ratificação e publicação e,
hierarquicamente, consoante o posicionamento doutrinário maioritário, da recepção
com valor supralegal, mas infraconstitucional (a partir de uma leitura sistemática e
conjugada com os arts. 277º, 278º e 119º CRP). Embora tais conclusões não sejam
pacíficas – havendo vozes dissonantes na doutrina quanto ao valor supralegal do

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Direito internacional convencional, a exemplo de Gomes Canotilho e Vital Moreira,


que colocam na mesma ordem hierárquica as convenções internacionais e o direito
interno ordinário –, uma interpretação sistemática da CRP parece encaminhar
forçosamente a tal solução. A uma porque tais normas, por mandamento
constitucional do art. 8º, nº 2, devem vigorar no plano interno enquanto vincularem
internacionalmente o Estado português, afigurando-se, como consequência lógica, a
sua necessária prevalência frente às leis ordinárias posteriores que, eventualmente,
as contrariem, o que só se pode assegurar mediante a atribuição de valor supralegal;
a duas porque, sob uma perspectiva material, a ponderação de valores em conflito
parece pender para tal conclusão, sobretudo à luz de uma evidente abertura do
sistema jurídico português ao DIP (art. 7º e 16º CRP); e, por fim, porque a prática
internacional tem se firmado neste sentido, sendo, ainda, esta posição – a do valor
supralegal das convenções internacionais – aquela consagrada pelo Tribunal
Constitucional português.
35. Defina princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. Perfilhados
como fonte (supletiva) do Direito Internacional Público (art. 38º, nº 1, al. c do ETIJ), os
princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas são objeto de
divergências doutrinárias entre três principais correntes, a saber, a que os equipara
aos princípios fundamentais do Direito Internacional, a que remete para os princípios
gerais de direito interno e, por fim, a que admite que podem ser compostos tanto por
uns quanto por outros. Tendo em conta a autonomia com que devem ser
compreendidos relativamente às demais fontes consagradas no art. 38º do ETIJ, os
princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas são aqueles
consagrados amplamente pelas ordens jurídicas nacionais passíveis de transposição
para o plano internacional, como os princípios da boa fé, segurança jurídica e
igualdade das partes.
36. Defina poderes de jurisdição. Identificação do conceito de poderes de jurisdição e breve distinção do conceito
de soberania Identificação dos locais onde o Estado exerce poderes de jurisdição. Descrição dos diferentes poderes do
Estado conforme o local em que são exercidos. Os
poderes de jurisdição são poderes limitados, que
derivam do direito internacional. São poderes atribuídos, quando se fala em zona.
Diferentemente dos poderes de soberania que são inerentes aos Estados e
praticamente ilimitados. Os Estados irão exercer os poderes de jurisdição sobre a zona
contigua, plataforma continental e ZEE. Na zona contigua o Estado apenas fiscaliza de
modo a prevenir ou reprimir infração de leis e regulamentos dos Estados costeiros em
matéria aduaneira, fiscal, sanitária e emigrações. Na ZEE, os Estados exercem poderes
de jurisdição tendo em vista o princípio da desigualdade compensatória e na
plataforma continental o exercício de poderes do estado está regulado no art.77º
CMB.
37. Distinga abstenção e voto negativo. A abstenção é ausência de voto afirmativo por
parte de um estado membro equivalia a um direito de veto. A verdade é que se formou
um costume contra legem e a simples abstenção não paralisa a decisão, mas só um
voto negativo produzirá esse resultado. (INCOMPLETO).
38. Distinga erro e dolo. Tanto o erro quanto o dolo constituem irregulares substanciais
de vícios da vontade ou do consentimento. O erro, por sua vez, apenais vicia o
consentimento do Estado quando for essencial e desculpável. A verificação dessas
duas condições é cumulativa. Deve mostrar que se não fosse esse erro, o Estado teria

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tido uma orientação diferente ou nem tinha acordado a Convenção Internacional. Por
outro lado, se o Estado, contribuiu para a ocorrência do erro, este já não é desculpável.
Já o dolo, é uma conduta assumida por uma parte, intencionando enganar um Estado.
Ambas provocam a nulidade relativa.
39. Comente: ‘’ A CRP positiva uma solução monista moderada com primado do Direito
Internacional ‘’. Existem 2 teses que dissertam sobre a relação entre o Direito
Internacional e o Direito Interno. A tese dualista, defende uma separação total entre
a ordem jurídica internacional e a ordem jurídica interna, são vistas como realidades
distintas. Logo, uma norma de DIP só pode vigorar no plano interno desde que seja
convertido em direito interno, não há aplicabilidade direta. Essa separação radical
entre as ordens é fundamentada em uma tríplice diferença, quanto a origem do direito
positivo, quando aos sujeitos das relações jurídicas e quanto à natureza de ambos os
ordenamentos. Já a tese monista, existe uma unidade do mundo jurídico. Aceitam que
as normas internacionais produzam efeitos na ordem jurídica interna de forma direta.
Porém, acaba por negar a existência do direito Internacional como disciplina
autónoma. Numa versão mais radical, defende-se que as normas internacionais
situam um plano superior as internas. Para os mais moderados, a perdem jurídica
internacional delimita o campo de atuação da ordem jurídica interna, dispondo está
de uma margem de manobra. Em Portugal, adota-se a posição monista mais
moderada, pois cada vez é maior o número de normas de direito internacional que
são validas no plano interno independentemente da vontade dos Estados e a
globalização tem vindo reduzir o leque das matérias que fazer parte do domínio
reservado dos Estados. (Falar do art. 8º?).
40. Comente: ‘’Sendo omisso o art. 8.º da Constituição quanto à recepção do direito
consuetudinário particular (regional) na ordem jurídica portuguesa, seria, não
obstante, absurdo concluir que esse direito não vigora em Portugal nos casos em
que vincula internacionalmente o Estado português’’. Descrição do conceito de costume e
distinção entre o costume geral e o costume regional. Descrição das técnicas de incorporação do direito
internacional na ordem jurídica dos Estados. Realização de análise dos aspectos essenciais do art. 8.ºda
Constituição da República Portuguesa. Descrição das diferentes posições teóricas relativas ao problema da inserção
dos costumes bilaterais na ordem jurídica portuguesa (Silva Cunha, Moura Ramos e Azevedo Soares). Tomada de
posição relativamente ao problema descrito.

41. Distinga recepção automática e recepção semiplena. Ambas são técnicas de


incorporação de normas de direito internacional na ordem interna. A recepção
automática, diz que as normas de DIP se inserem diretamente na ordem interna, sem
quaisquer restrições. Esta revela uma concepção monista do direito, ou seja, uma
unidade do mundo jurídico, onde aceita-se que as normas internacionais produzam
efeitos na ordem jurídica interna de forma direta. Já a recepção semiplena assenta
numa distinção das normas internacionais de acordo com seu conteúdo. As normas
de direito internacional comum ou geral serão de recepção automática (pressuposto
monista – unidade do mundo jurídico). Mas as de ordem particular poderão ser
sujeitas a uma transformação (pressuposto dualista – separação total entre a ordem
jurídica internacional e a ordem jurídica interna, são vistas como realidades distintas).
Esta última é considerada uma técnica mista já que há uma conjuração entre as
concepções monista e dualista.

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42. Defina sucintamente promessa. A promessa, como ato jurídico unilateral (declaração
unilateral de vontade de realizar ou deixar de realizar determinados
comportamentos), é passível de criar direitos e obrigações internacionais, assomando
como fonte autónoma do Direito Internacional Público quando satisfeitos os
requisitos da publicidade e seriedade da declaração, voltada à produção de efeitos
jurídicos, tal como jurisprudencialmente reconhecido pelo Tribunal Internacional de
Justiça (casos dos testes nucleares no Pacífico Sul).
43. Defina organização internacional. As organizações internacionais passaram, no
modelo moderno, a ser reconhecidas como sujeitos de Direito Internacional Público,
consubstanciando-se em “associações voluntárias de Estados, criadas por tratado,
dotadas de uma estrutura orgânica permanente e possuidoras de uma personalidade
jurídica internacional distinta da dos Estados membros”, que se voltam a prosseguir
objetivos comuns a seus membros a partir de estruturas orgânicas próprias, cujas
competências e poderes associados encontram-se estatutariamente previstos e
podem caracterizá-las como de cooperação ou de integração.
44. Distinga clausula arbitral de compromisso arbitral. O princípio da vedação do uso da
força no plano internacional impõe sejam pacificamente resolvidos os conflitos
internacionais, assomando a arbitragem como um dos meios (art. 33 CNU) – no caso
jurisdicional com intervenção de terceiros – disponíveis aos sujeitos de DIP para tal
efeito. A formação de tribunais arbitrais ad hoc depende da declaração de vontade de
todos os sujeitos envolvidos na controvérsia (jurisdição facultativa), apresentando-se
a cláusula arbitral e o compromisso arbitral como mecanismos para expressar a
vontade de vincular-se à solução arbitral. Diferenciam-se no sentido de que a cláusula
arbitral consubstancia declaração de vontade prévia à existência de qualquer conflito,
integrando materialmente convenções internacionais para prever que quaisquer
controvérsias passíveis de assomarem serão resolvidas por arbitragem. O
compromisso arbitral, ao revés, é firmado após o surgimento de um conflito, quando
as partes em conflito decidem submeter a celeuma a um tribunal arbitral e, para tanto,
firmam um acordo (compromisso arbitral) estabelecendo a concordância quanto à
solução arbitral e os seus parâmetros.

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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO I


Exame final – 2ª turma 11/1/16
I - Dê uma noção sucinta de:

1 – Organização internacional supranacional (2 val.)

Como toda organização internacional, as organizações internacionais supranacionais são sujeitos de


Direito Internacional Público caracterizadas como “associações voluntárias de Estados, criadas por
tratado, dotadas de uma estrutura orgânica permanente e possuidoras de uma personalidade jurídica
internacional distinta da dos Estados membros”, que se voltam a prosseguir objetivos comuns a seus
membros a partir de estruturas orgânicas próprias, cujas competências e poderes associados
encontram-se estatutariamente previstos.

Especificamente, como organizações de integração – em contraste às organizações de cooperação –,


a exemplo da União Europeia e do Mercosul, envolvem uma limitação da soberania de seus Estados
membros, mediante uma verticalização hierárquica daquelas relativamente a estes, com a assunção,
por parte da organização, de poderes tipicamente soberanos como os poderes normativos, de solução
de conflitos e de natureza executiva a que se sujeitam, em maior ou menor grau vinculativo, os Estados
membros e peculiaridades ao nível da representação e procedimentos deliberativos.
II – Distinga:

1 – Veto e duplo veto (no Conselho de Segurança)

2 – Conciliação e arbitragem (5 val.)

II.1.:
O poder de veto deriva da obrigatoriedade de uma decisão unânime dos membros permanentes do
Conselho de Segurança das Nações Unidas na votação de uma proposição envolvendo questão de
natureza material. O sistema de duplo veto apresenta-se porque a própria qualificação da natureza
da questão a ser discutida – se processual ou material – é considerada uma questão material e, assim,
sujeita a veto dos membros permanentes. Assim, o poder de veto exerce-se, em primeiro plano, no
âmbito da votação acerca da qualificação da questão e, vindo a ser-lhe atribuída natureza material,
apresenta-se nova oportunidade de exercício do poder de veto (ou duplo veto), já agora no âmbito da
votação acerca da solução a ser dada à questão de cunho material (arts. 23 a 27 CNU).

II.2.:

Conciliação e arbitragem são meios pacíficos, com intervenção de terceiros, para solução de
controvérsias no plano internacional que dependem de prévio compromisso entre as partes
envolvidas no conflito (art. 33 CNU).

Diferenciam-se no sentido de que a conciliação apresenta-se como um meio quase jurisdicional de


solução de conflitos, em que a comissão de conciliação, para além da análise e assentamento dos
fatos, apresenta uma proposta de solução (interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto) que,
porém, não é vinculativa nem obrigatória às partes, as quais, assim, conservam a liberdade de
autocomposição do conflito; ao passo que na arbitragem, como um meio de natureza jurisdicional, a
proposta de solução jurídica do conflito é vinculativa, obrigatória e definitiva, cujo cumprimento,
portanto, afigura-se cogente às partes em conflito, as quais, em consequência, deixam de conservar,

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uma vez instaurado o procedimento arbitral, a liberdade de comporem negocial e voluntariamente o


conflito.

III – Comente a seguinte afirmação:

1 - «As convenções internacionais recebidas na ordem jurídica portuguesa têm um valor supralegal».
(5 val.)

A CRP absorve, à luz de seu art. 8º, uma posição monista com primado do Direito Internacional com
mitigações relacionadas a e dependentes da natureza jurídica da norma de Direito Internacional, que
acabam por estabelecer um diferente regime jurídico de incorporação e relacionamento hierárquico
entre o Direito interno e o Direito Internacional.
Relativamente ao Direito Internacional geral, a que se refere o nº 1 do art. 8º da CRP, a recepção é
automática e, mediante interpretação conjugada com o art. 16º, nº 2 da CRP, a alocação hierárquica
relativamente ao Direito interno é a supraconstitucional. Logo, convenções internacionais – v.g., a
Declaração Universal dos Direitos do Homem – que positivem normas de cunho universal/geral de
Direito Internacional Público terão não só valor supralegal como supraconstitucional.

No que concerne ao Direito Internacional particular, nos termos do art. 8º, nº 2, da CRP, a regra é da
recepção automática condicionada a prévia ratificação e publicação e, hierarquicamente, consoante
o posicionamento doutrinário maioritário, da recepção com valor supralegal, mas infraconstitucional
(a partir de uma leitura sistemática e conjugada com os arts. 277º, 278º e 119º CRP).

Embora tais conclusões não sejam pacíficas – havendo vozes dissonantes na doutrina quanto ao valor
supralegal do Direito internacional convencional, a exemplo de Gomes Canotilho e Vital Moreira, que
colocam na mesma ordem hierárquica as convenções internacionais e o direito interno ordinário –,
uma interpretação sistemática da CRP parece encaminhar forçosamente a tal solução.

A uma porque tais normas, por mandamento constitucional do art. 8º, nº 2, devem vigorar no plano
interno enquanto vincularem internacionalmente o Estado português, afigurando-se, como
consequência lógica, a sua necessária prevalência frente às leis ordinárias posteriores que,
eventualmente, as contrariem, o que só se pode assegurar mediante a atribuição de valor supralegal;
a duas porque, sob uma perspetiva material, a ponderação de valores em conflito parece pender para
tal conclusão, sobretudo à luz de uma evidente abertura do sistema jurídico português ao DIP (art. 7º
e 16º CRP); e, por fim, porque a prática internacional tem se firmado neste sentido, sendo, ainda, esta
posição – a do valor supralegal das convenções internacionais – aquela consagrada pelo Tribunal
Constitucional português.

IV – Considere a seguinte hipótese:

A – Estado desenvolvido – e B – Estado em vias de desenvolvimento – concluíram, em 2012,


uma convenção internacional destinada a regular o fornecimento a este último de tecnologia
avançada na área da informática.

1 - Subitamente, em 2014, B deixou de assegurar as contrapartidas financeiras a que se havia


comprometido, alegando, para justificar esse incumprimento, uma situação económica
particularmente difícil. Em resposta, A decidiu então não respeitar os termos de um “acordo de

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cavalheiros”, concluído entre representantes de ambos os Estados, em 2013, acerca da delimitação


das respectivas zonas económicas exclusivas.

2 - Entretanto, em 2015, B intentou contra A, no Tribunal Internacional de Justiça, uma acção


contenciosa, sustentando que, durante as negociações conducentes à conclusão do referido tratado
de 2012, o seu delegado oficial foi vítima de uma tentativa de corrupção por parte do seu homólogo,
representante de A.

3 - Logo no início do processo, porém, A alegou que, aquando da subscrição da cláusula facultativa de
jurisdição obrigatória, havia excluído os conflitos relativos à interpretação de convenções
internacionais do âmbito da sua declaração de aceitação da jurisdição do TIJ. Aprecie a situação acima
descrita do ponto de vista da responsabilidade internacional (1), da validade das convenções
internacionais (2) e do funcionamento do Tribunal Internacional de Justiça (3). (8 val.)

(1) Consoante o princípio da pacta sunt servanda, positivado no art. 26º da Convenção de Viena sobre
o Direito dos Tratados – CVDT, as convenções internacionais válidas e eficazes são vinculativas e
obrigatórias às partes, que, assim, têm o dever de executar e dar cumprimento aos seus termos.

Diante disso, o descumprimento de uma obrigação convencionalmente estipulada ao nível


internacional – in casu, a obrigação de o Estado B realizar contrapartidas financeiras em sinalagma ao
fornecimento de tecnologia avançada na área da informática pelo Estado A – afigura-se, como regra,
ilícito internacional.

Assim sendo, e considerando que a responsabilidade internacional do Estado emerge da conjugação


de dois pressupostos essenciais (ato ilícito e nexo de imputação – art. 2º do Draft da CDI da ONU sobre
Responsabilidade Internacional dos Estados por atos ilícitos) que se encontram presentes no caso
concreto, porque o ilícito (incumprimento de uma obrigação convencionalmente estipulada ao nível
internacional) é imputável diretamente a órgãos representativos do Estado B, afigurando-se, ainda,
presente na hipótese colocada um dano ao Estado A (cessação da recepção de contrapartidas
financeiras) derivado da conduta, em tese, ilícita de B, estaria configurada a responsabilidade
internacional no caso concreto.
Não obstante, o regime jurídico da execução das convenções internacionais prevê exceções ou
mitigações ao princípio da pacta sunt servanda, justificando/legitimando incumprimentos de
obrigações em determinados casos. Um deles, passível de, argumentativamente, ser aplicado ao caso
concreto, é o da impossibilidade superveniente de cumprimento por alteração fundamental das
circunstâncias, regulamentado pelo art. 62º da CVDT.

Além disso, no sistema de responsabilidade internacional, poder-se-ia argumentar a ocorrência de


estado de necessidade a afastar a culpabilidade do Estado B no caso concreto (art. 25 do Draft da CDI),
desde que preenchidas as respectivas condições.

Em ambos os casos, o ónus argumentativo e probatório recairia sobre o Estado B.


De qualquer modo, caso fosse possível prevalecer o argumento de B de que a convenção é inválida,
cujo mérito se avaliará no ponto (2), não estaria obrigado a dar continuidade ao cumprimento da
convenção, desvanecendo-se, portanto, nesta hipótese, a sua responsabilidade internacional.

Relativamente à conduta do Estado A de, em resposta, não respeitar a delimitação das respetivas
zonas económicas exclusivas, é preciso ter em conta que tal delimitação derivava de um “acordo de
cavalheiros” – portanto, sem natureza vinculativa.

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Sendo assim, não configuraria ilícito para efeitos de responsabilidade internacional, já que nenhuma
obrigação vinculativa de Direito Internacional foi violada (arts. 12 e 13 do Draft da CDI). Ausente a
configuração de ato ilícito, não há fundamentos à aplicação do sistema de responsabilidade.
(2) Do ponto de vista da validade das convenções internacionais, o art. 50º da CVDT consagra como
vício de consentimento a corrupção.

No entanto, no caso concreto, a alegação do Estado B é de que houve a mera tentativa de corrupção
de seu representante pelo Estado A, o que não é bastante para colocar em causa a validade da
convenção, já que o art. 50º aplica-se somente quando há consumação do ato de corrupção, com o
cumprimento de todas as condicionantes ali prescritas.

Considerando que, no enunciado da questão, não há elementos para verificar a consumação do ato
de corrupção, tampouco a existência de outros vícios que coloquem em causa a validade da
convenção, não é possível afirmar que o diploma é inválido.

(3) O exercício da jurisdição em um caso concreto pelo Tribunal Internacional de Justiça depende,
como regra, de acordo especial expresso e formal das partes, forum prorrogatum, cláusula
compromissória ou, nos termos do art. 36º do Estatuto do TIJ, declaração unilateral dos Estados de
que “reconhecem como obrigatória ipso facto e sem acordo especial, em relação a qualquer outro
Estado que aceite a mesma obrigação, a jurisdição do Tribunal em todas as controvérsias jurídicas
(…)”.

In casu, extrai-se do enunciado que o Estado A assinou cláusula facultativa de jurisdição obrigatória
do Tribunal, o que o colocaria, automaticamente, sujeito à jurisdição do Tribunal na hipótese de o
Estado B também ser signatário de cláusula desta espécie – o que parece ser o caso, já que B intentou
diretamente ação contenciosa contra A no TIJ.

O Estado A, porém, argumenta que, aquando da subscrição da cláusula facultativa de jurisdição


obrigatória, havia excluído os conflitos relativos à interpretação de convenções internacionais do
âmbito da sua declaração de aceitação da jurisdição do TIJ.
Sucede que o conflito colocado por B no TIJ refere à validade de uma convenção internacional, não à
sua interpretação, desaplicando-se, assim, a exclusão (reserva material) operada por A relativamente
à cláusula de jurisdição obrigatória.
Logo, a cláusula de jurisdição obrigatória vincula A no que concerne a matérias de validade de
convenções internacionais, submetendo-o forçosamente à apreciação e julgamento do TIJ no caso
concreto.

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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO I


Exame final – 2ª turma – 9/1/17
Parâmetros de correção
I - Dê uma noção sucinta de:
1 – Recepção automática condicionada (2 val.)

No âmbito das técnicas de incorporação do Direito Internacional na ordem jurídica interna,


apresenta-se, como uma possível solução positiva, a recepção automática condicionada, segundo
a qual, à luz de uma concepção monista moderada, as normas de Direito internacional passam a
vigorar internamente enquanto tais, embora a sua vigência esteja condicionada ao cumprimento
de algumas formalidades impostas pelo direito interno, como a prévia aprovação/ratificação por
órgãos do Estado e/ou a publicação oficial (e.g. art. 8º/2 CRP).
II – Distinga:

1 – Conciliação e arbitragem

Conciliação e arbitragem são meios pacíficos, com intervenção de terceiros, para solução de
controvérsias no plano internacional que dependem de prévio compromisso entre as partes
envolvidas no conflito.

Diferenciam-se no sentido de que a conciliação apresenta-se como um meio quase jurisdicional


de solução de conflitos, em que a comissão de conciliação, para além da análise e assentamento
dos fatos, apresenta uma proposta de solução (interpretação e aplicação do Direito ao caso
concreto) que, porém, não é vinculativa nem obrigatória às partes, as quais, assim, conservam a
liberdade de autocomposição do conflito; ao passo que na arbitragem, como um meio de natureza
jurisdicional, a proposta de solução jurídica do conflito é vinculativa, obrigatória e definitiva, cujo
cumprimento, portanto, afigura-se cogente às partes em conflito.
2 – Erro e dolo enquanto vícios dos tratados
Erro e dolo são vícios substantivos de consentimento que ensejam a nulidade relativa das
convenções internacionais, configurando-se ambos quando factos ou situações que o Estado
supunha existir no momento em que o tratado foi concluído e que constituíam uma base essencial
do seu consentimento não se refletem na realidade. O erro, conforme o art. 48º/2 da CVDT, não
se aplica quando o referido Estado contribuiu para o erro com sua conduta ou quando as
circunstâncias forem tais que ele devia ter-se apercebido da possibilidade de erro, enquanto no
dolo, ao revés, a representação incorreta da realidade deriva da conduta fraudulenta de um outro
Estado que participou na negociação (art. 49º CVDT). Ainda, distinguem-se os vícios no que
concerne à divisibilidade extintiva, sendo ela, quando preenchidos os requisitos arrolados no art.
44º da CVDT, obrigatória no erro e facultativa no dolo, em razão da ausência e da presença,
respectivamente, de má-fé. (4 val.)

III – Comente a seguinte afirmação:


1 - «No Conselho de Segurança da ONU o veto é por vezes um duplo veto». (6 val.)

Consoante o art. 27º da CNU, o poder de veto deriva da obrigatoriedade de uma decisão unânime
dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas na votação de uma
proposição envolvendo questão de natureza material. O sistema de duplo veto apresenta-se

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porque a própria qualificação da natureza da questão a ser discutida – se processual ou material


– é considerada uma questão material e, assim, sujeita a veto dos membros permanentes. Assim,
o poder de veto exerce-se, em primeiro plano, no âmbito da votação acerca da qualificação da
questão e, vindo a ser-lhe atribuída natureza material, apresenta-se nova oportunidade de
exercício do poder de veto (ou duplo veto), já agora no âmbito da votação acerca da solução a ser
dada à questão de cunho material, sendo de referir que basta um voto negativo de qualquer dos
membros permanentes – e não necessariamente do mesmo – na etapa de qualificação e na
votação da matéria de cunho material e que, por norma costumeira, as abstenções não
configuram voto negativo (veto).

IV – Considere a seguinte hipótese: O Estado A e o Estado B concluíram, em 2015, uma


convenção internacional destinada a prevenir a poluição e a regular a utilização conjunta do rio
internacional x, que atravessa os respectivos territórios.

Entretanto, em 2016, forças rebeldes que actuam no Estado A e que pretendem derrubar as
autoridades oficiais de governo para ascender ao poder, bombardearam uma fábrica de pesticidas
e outros químicos, situada junto a uma das margens do rio x, o que originou um forte derrame de
substâncias poluentes nas águas desse curso de água e, consequentemente, o incumprimento,
por parte de A, do tratado de 2015. Dias mais tarde, eram já perceptíveis os danos ambientais
produzidos no Estado vizinho B. Confrontado com um pedido de reparação subsequente, A,
sustenta, porém, que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade pela actuação de
grupos rebeldes, que escapam ao seu controlo, pelo que a situação ocorrida deverá ser levada à
conta de força maior ou caso fortuito (“an act of God”).
Pretendendo ver declarada a ilicitude do comportamento de A, B decide então intentar uma
acção contenciosa no Tribunal Internacional de Justiça, ciente, no entanto, que, aquando da
subscrição da cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, A havia excluído os litígios relativos a
tratados internacionais do âmbito da sua aceitação da competência do Tribunal.
Quid juris, do ponto de vista da responsabilidade internacional do Estado e do funcionamento do
Tribunal Internacional de Justiça? (8 val.)
A responsabilidade internacional do Estado emerge da conjugação de dois pressupostos essenciais
(ato ilícito e nexo de imputação – art. 2º do Draft da CDI da ONU sobre Responsabilidade
Internacional dos Estados – DRIE por atos ilícitos), acrescidos, para efeitos de reparação, dos
pressupostos da ocorrência de danos e do nexo de causalidade – os quais, na resposta, devem ser
analisados individualmente à luz do caso enunciado para perquirição da existência, ou não, da
responsabilidade do Estado A.

Relativamente ao primeiro requisito, de facto, o incumprimento, por A, da convenção


internacional resta patente e não é sequer disputado.

No que concerne ao nexo de imputação, para além da eventual análise da incidência dos artigos
8º a 10º do DRIE, o incumprimento é imputável ao Estado A (uma vez que a obrigação era devida
por A e este deixou de cumpri-la, respondendo pela omissão). Os danos encontram-se igualmente
configurados, colocando-se o problema quanto ao nexo de causalidade.
Em defesa, A alega que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade pela atuação de
grupos rebeldes, que escapam ao seu controlo, pelo que a situação ocorrida deverá ser levada à

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conta de força maior ou caso fortuito, o que, caso procedente, seria causa de rompimento do
nexo de causalidade entre os danos sofridos e a conduta do Estado A.

Assim sendo, deverão ser analisados argumentativamente à luz do caso concreto os requisitos
postulados no art. 23º do DRIE para configuração de fortuito ou força maior.

Apresentando-se argumentos robustos em prol da viabilidade da defesa à luz do art. 23º do DRIE,
A não poderá ser responsável civilmente no plano internacional; na hipótese de entender-se que
os requisitos do art. 23º não estão preenchidos no caso concreto, haverá nexo de causalidade e,
portanto, a responsabilidade internacional do Estado A.
Relativamente ao funcionamento do Tribunal Internacional de Justiça, consoante o artigo 36º do
ETIJ, é válida a exclusão realizada pelo Estado A dos litígios relativos a tratados internacionais do
âmbito da sua aceitação da competência do Tribunal (arts. 19 e ss. CVDT).

Contudo, o caso submetido ao TIJ não estaria abarcado pela exclusão realizada por A, uma vez
que versa não sobre tratados internacionais propriamente ditos, mas sobre responsabilidade
internacional do Estado.

Embora a Convenção Internacional celebrada entre A e B seja a fonte da obrigação alegadamente


incumprida por A, a causa de pedir imediata ou próxima é a responsabilidade do Estado – e não a
existência, validade, eficácia e interpretação da Convenção.
Portanto, o litígio em questão não se enquadra na exclusão material realizada por A aquando da
subscrição da cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, segundo a qual reconhece como
obrigatória ipso facto e sem acordo especial a jurisdição do TIJ.

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