Você está na página 1de 95

Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO I

Definição de Direito Internacional Público:

Não existe um consenso em relação a que critério se deve adotar para definir o conceito de Direito
Internacional Público, uma vez que existem vários critérios:

1. Critério da Estadualidade dos Destinatários- ganhou alguma adesão no séc. XIX e princípios do séc.
XX. De acordo com este critério, DIP seria o conjunto das normas que regulam as relações entre os
Estados soberanos.

 Críticas a este critério:

a) Em rigor, não houve um único momento na História do DIP moderno (desde o séc. XV) em que este
regulasse somente os Estados. Segundo se julga, sempre os indivíduos foram destinatários de algumas
normas internacionais e, hodiernamente, várias outras entidades partilham a qualidade de sujeitos de
DIP, especialmente as organizações internacionais. Ou seja, este critério foi objeto de críticas por ser
reducionista, a partir do momento em que surgiram outros sujeitos de DIP, nomeadamente as
organizações internacionais, os movimentos de libertação, etc.
b) Mais tarde surgiu outra definição, que dizia que DIP era o conjunto de normas jurídicas que regulam
as relações entre sujeitos de DIP, mas nem todas as relações entre sujeitos de DIP são reguladas por
este. Os indivíduos são sujeitos internacionais, mas a esmagadora maioria das relações entre si são
reguladas pelo Direito interno.

2. Critério do Objeto da Norma Internacional- DIP seria o conjunto de normas políticas que regulam as
matérias próprias da sociedade internacional.

 Críticas a este critério:

a) É impossível encontrar-se uma fronteira nítida e definitiva entre as questões da competência nacional
e aquelas que interessavam à comunidade internacional, de modo que as matérias intrínsecamente
internacionais eram muito poucas.
b) Na realidade, o DIP pode regular quaisquer matérias, não existindo nenhuma que por sua natureza se
encontre vedada a este. Não é o caráter da matéria que determina o Direito regulador, antes as
matérias são internacionais ou internas em função de serem reguladas ou não pelo DIP.

3. Critério das Fontes- Critério criado pelo Prof. Gonçalves Pereira. Diz que o DIP é o conjunto de normas
jurídicas criadas pelos processos de produção e regulação de normas internacionais, que transcendem
o âmbito estadual. Assim, é direito internacional aquele que surge na comunidade internacional. Uma
fonte é um modo de produzir uma norma, sendo estas realidades distintas. Estas normas tanto podem
ser regras como princípios.

1
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Quais são as normas de DIP?

1. Tratados;
2. Costume internacional, com características específicas;
3. Atos jurídicos unilaterais das organizações internacionais;
4. Princípios jurídicos.

Pegando no critério das fontes, é possível completá-lo. DIP será então o conjunto de normas jurídicas criadas
pelos processos de produção e regulação de normas internacionais, que se destinam a reger as relações
jurídicas internacionais, sendo estas de três tipos:

 De subordinação- Dois ou mais sujeitos da sociedade internacional, em que um deles se coloca numa
posição superior ou supraordenada, ficando o outro numa posição de subordinação ou ordenada. Um
exemplo destas relações eram as relações entre os estados vassalos, na antiguidade. Outro exemplo
foi o Protetorado de Direito Internacional, onde existia um Estado que reconhecia a soberania do
Estado protegido, podendo, contudo, destituir os seus governantes e devendo proteger esse mesmo
território. Estas relações implicam limitações à soberania dos Estados.
 De reciprocidade- os Estados encontram-se em situação de paridade, pretendendo tutelar interesses
específicos de ambos. São relações contratualizadas e são o tipo de relações mais antigo que se
desenvolveu na comunidade internacional.
 De coordenação ou mera cooperação- Relações estabelecidas entre Estados que têm em vista a
satisfação de interesses comuns, nos mais diversos domínios. São ainda hoje as que predominam. São
relações horizontais entre os Estados, isto é, não implicam limitações à sua soberania.

Estádios de evolução do Direito Internacional:

1º Antiguidade Clássica;
2º Idade Média e início da Idade Moderna;
3º Tratado de Vestfália até às revoluções liberais- Afirmação e desenvolvimento.

 Antiguidade Clássica:

- Afirmou-se uma dimensão do direito interno com vertente internacional- Ius Gentium- ramo do direito
romano que se ocupava dos estrangeiros, do regime das fortificações e das relações estabelecidas entre Roma
e os povos limítrofes.

- O Ius Gentium era um Direito universal, no sentido de que possuía aceitação generalizada, porque se
destinava a satisfazer necessidades comuns a todos os homens. Mas, se era Direito universal, o Ius Gentium
também era Direito privado, já que regulava relações entre particulares. Contudo, já possuía algumas áreas
sensíveis ao Direito público, particularmente no que se referia à guerra.

 Idade Média:

- Início daquilo que deveria ser uma comunidade internacional- Respublica Christiana. Dimensão temporal nas
mãos do Imperador e dimensão espiritual nas mãos do Papa.

- O Direito Internacional surge-nos então como a ordem jurídica da comunidade internacional, uma vez que
regula as relações entre os povos pertencentes a essa mesma comunidade.

2
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

- Há juristas que se dedicaram a este direito das gentes, como Francisco Vitória, que foi o grande construtor
jurídico e doutrinal do direito internacional neste período. Pegou no ius gentium do direito romano e
estabeleceu uma conceção de direito internacional como direito intergentes. O Ius Gentium já não aparece
em nenhum dos primitivos sentidos romanos, já não designa normas reguladoras das relações entre
indivíduos, mas entre povos, e normas cuja validade deriva da própria existência da comunidade internacional.

- Hugo Grócio entendeu que esta área do direito tinha dois ramos: o direito da paz e o direito da guerra.

- No período posterior a Vestfália, o direito internacional assume um caráter mais positivo.

 Último estádio:

- Inicia-se com a revolução americana, que é importante pois sedimenta-se um grande princípio do direito
internacional público- direito à independência.

- DIP passou a ser concebido como um direito que rege as relações entre os estados e não entre as casas reais
(espelho do enfraquecimento do poder real).

- Surge a noção de nações civilizadas (estados europeus, estados americanos, Pérsia, China, Japão e pouco
mais) – o direito internacional público não regia todas as comunidades internacionais, mas apenas estas.

- Princípio da autodeterminação- direito dos povos de escolherem ser independentes ou não.

- As fronteiras devem corresponder ao traçado da região correspondente ao período anterior à independência.

A sociedade das nações inaugura um novo período que não foi bem sucedido, uma vez que não conseguiu
evitar a 2ª Guerra Mundial. Um dos motivos para esse fracasso foi o facto de as decisões serem tomadas por
consenso.

 Sociedade Internacional- O que é e como se relaciona com o Direito?

As normas internacionais surgiram desde a antiguidade ocidental como regras de convivência entre Estados.
Estas ocorriam a propósito de duas realidades: a inviolabilidade dos embaixadores, como meio de agilização
da comunicação entre Estados, e o princípio de que os tratados estabelecidos entre Estados deviam ser
cumpridos (pacta sun servanta).

Depois do Tratado de Vestfália, o Estado passa a ser o centro de gravidade da sociedade internacional.

No século XIX, a sociedade internacional era como um “clube ocidental”.

Com a 2ª Guerra Mundial e com o surgimento das organizações internacionais, este paradigma desapareceu.
A descolonização da Ásia e da África deu origem a uma multiplicidade de Estados.

Atualmente, a sociedade internacional é uma realidade complexa e em evolução. Como se pode hoje
caracterizar a sociedade internacional? É uma sociedade inorgânica de pessoas coletivas públicas, que
estabelecem relações jurídicas públicas, regidas pelo DIP, com as seguintes características:

◊ Realidade complexa, porque tem uma pluralidade de matérias;

3
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

◊ Realidade heterogénea, porque existe uma grande desigualdade fática e jurídica, mesmo na
componente institucional a nível internacional;
◊ Sociedade fragmentada, porque é composta por associações de Estado, blocos em função do espaço
e países;
◊ Realidade interdependente, porque os Estados, ainda que soberanos, são limitados pela própria
realidade internacional, e estão ligados entre si por relações de interdependência;
◊ Sociedade que enfrenta riscos de ordem global, desde o terrorismo ao unilateralismo, pois podemos
ter Estados que resolvam os seus problemas de forma violenta, sem respeitar acordos internacionais.

Há quem fale, para se referir à sociedade internacional, em comunidade internacional. Há, no entanto, do
ponto de vista jurídico, que fazer uma distinção. Comunidade é um conceito mais restrito. A sociedade engloba
realidades mais circunscritas, engloba organismos que conformam comunidades, como por exemplo a UE,
pois são um conjunto de países que têm objetivos e interesses comuns.

Juridicidade do Direito Internacional

Não existe um mecanismo coercivo que sancione, através de mecanismos jurídicos e dos tribunais, os
incumpridores. Este é um problema em relação ao DIP.

Tem então o DIP natureza jurídica?

◊ Argumentos Negacionistas- Dividem-se em dois grupos distintos de objeções à natureza jurídica da


norma de Direito internacional:

- Argumentos de natureza filosófica- derivam da conceção hegeliana da História. Se o Estado é a encarnação


absoluta do ideal na História, não pode por definição, sem se negar, submeter-se a uma autoridade superior,
a uma disciplina jurídica. Nas relações entre dois Estados soberanos não podem existir vinculações jurídicas
para nenhum deles.

Ainda dentro deste grupo de argumentos, outros autores baseiam a negação do Direito Internacional num
outro argumento, este de natureza sociológica: a inexistência da Comunidade Internacional. O Direito está
sempre vinculado a uma comunidade, que consiste no seu substrato sociológico: o Direito é a “forma
existencial de uma comunidade”. E se não existe verdadeiramente nenhuma comunidade superior aos
Estados, não pode haver um verdadeiro Direito Internacional. Consequentemente, as normas do chamado
Direito Internacional serão apenas “moral internacional ou costume internacional”.

- Teorias realistas- DIP não é direito, é uma cobertura aparentemente jurídica para a verdadeira realidade.
Descrevem as relações internacionais à luz daquilo que elas realmente são, a de que a ordem internacional se
baseia em relações de força, em que os Estados mais fortes estabelecem regras entre si do jogo internacional
e impõem a sua vontade aos Estados mais fracos. Não existindo na Comunidade Internacional entidade
competente para a definição formal da norma, para a sua interpretação no caso concreto e para a sua
aplicação por via coerciva, não haverá Direito Internacional. O Prof acha que a escola neo-realista tem
parcialmente razão, uma vez que acredita que as relações internacionais se baseiam em relações de força,
embora não tenham razão quando negam o Direito Internacional.

4
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

◊ Teorias Jusnaturalistas – o Direito Internacional tem fundamento no Direito Natural. O primeiro autor
a defender esta tese foi Hugo Grócio, ainda que o tenha feito de forma imperfeita, uma vez que o seu
jusnaturalismo aparecia “casado” com o voluntarismo: a força obrigatória do Direito Internacional
resultava tanto do direito natural como do consentimento dos Estados. Embora a influência da
construção de Grócio tenha perdurado até ao século XIX, ela começou a ser questionada, primeiro por
Pufendorf (fundador da Escola de Direito Natural), depois com a crise do positivismo filosófico a partir
dos fins do século XIX, altura em que surgiu a nova doutrina do Direito Natural. Para ela, a juridicidade
da norma jurídica e, portanto, também da norma de direito internacional público, resulta da sua
conformidade com princípios suprapositivos que decorrem de uma ordem superior, cuja existência se
admite.

Posição que se adota- DIP não tem de facto as características típicas de um direito estadual: não tem
legislador, não tem um tribunal nem um polícia internacional; todavia, regula uma sociedade- a internacional-
e, apesar de não ter um legislador, tem “vários legisladores”: DIP assenta na descentralização do processo de
formação de normas. Não há um tribunal, mas há vários tribunais (tribunal de justiça da UE, etc) que agrupam
um considerável número de Estados, tribunais ad hoc e tribunais arbitrais.

Não há um polícia internacional e a aplicação de sanções tem muito que se lhe diga. Mesmo as sanções que
que são aplicadas, não são determinadas pelos tribunais, mas pelo Conselho de Segurança. Então, a sanção
existe ou não? Existem, mas muitas vezes não são aplicadas. Ainda assim, esta fragilidade não retira a
juridicidade do DIP, mas enfraquece-a.

A CRP, por exemplo, no seu artigo 8º diz quais são as normas internacionais que se aplicam a Portugal-
argumento positivista/constitucionalista – se o DIP não fosse direito, a constituição nunca afirmaria que as
normas internacionais se aplicam a Portugal nem afirmaria a declaração de inconstitucionalidade dos tratados.

Quanto ao seu caráter enfraquecido, há que convir que esse caráter enfraquecido está mais presente no DIP
comum do que no DIP regionalizado. Nas organizações regionais, em que os Estados têm uma maior
aproximação entre si, o DIP é mais respeitado e aplicado.

Em Estados inimigos entre si, prevalecem relações de força e muitas vezes há sanções que ficam por aplicar.

Fontes de Direito Internacional Público

Fonte é uma metáfora de inspiração extra-jurídica. Dos vários sentidos que lhe têm sido atribuídos, importa
destacar três:

a) Fonte em sentido formal- Fonte enquanto modo de formação de normas jurídicas, fala-se em sentido
técnico-jurídico. Este será o sentido principal a ter presente, exceto quando se indique o contrário.
b) Fonte em sentido instrumental- Fonte enquanto modo de revelação de normas jurídicas. É uma
adesão às teses que sustentam que as fontes de DIP (positivo) se limitam a reproduzir, a positivar, a
revelar normas jurídicas que já existiriam por decorrência de outra ordem jurídica, normalmente o
Direito Natural. Não é esta a tese que se adota.

5
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

c) Fonte em sentido material- O de designar os autores de uma norma, mesmo que não sejam quem
formalmente a formará, dando-lhe natureza jurídica, ou seja, obrigatoriedade. É neste sentido que se
afirma que a Doutrina e a Jurisprudência são fontes de direito.

 O artigo 38º do ETIJ:

Apresenta algumas lacunas, mas há que ter em conta que o mesmo foi redigido em 1920. Uma delas é o facto
de não incluir o Ato Unilateral no elenco de fontes. Para além disso, nem todas as figuras referidas neste são
fontes em sentido formal. O tratado e o costume são, de facto, fontes formais. Mas, segundo se julga, os
Princípios Gerais de Direito não têm autonomia em relação ao Costume; e, como fica implícito no artigo, os
chamados meios auxiliares para a determinação das regras de Direito também não são fontes formais de DIP.
Podem, contudo, ser classificadas como Fontes materiais, tal como ficaram definidas.

Normalmente, socorremo-nos pelo artigo 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça.

 Fontes Formais / Imediatas:

o Costume Internacional- é uma fonte de formação espontânea. Não se sabe dizer quando começa
um costume exatamente;
o Tratados Internacionais;
o Atos Jurídicos Unilaterais- decisões jurídicas que, em alguns casos, tem caráter vinculativo. São
produzidos por um determinado sujeito de DIP e a sua eficácia vale por si própria:

- Atos jurídicos autónomos- produzem os seus efeitos sem estarem dependentes de um outro ato. É o caso do
protesto, que põe termo à aplicação de uma determinada norma ou abre uma exceção no âmbito da sua
aplicação. Outra figura é a renúncia: um Estado é titular de determinados direitos sobre determinado objeto
e decide abdicar desses direitos.

- Atos jurídicos não autónomos- aqueles que, para serem produzidos e adotados, carecem de observar um
conjunto de regras jurídicas provenientes de tratados e de costumes. A sua eficácia depende da sua
conformidade de outros atos de condição. É o caso da denúncia e da reserva.

- Atos jurídicos autonormativos- envolve uma decisão jurídica com conteúdo normativo que tem como
destinatário imediato o sujeito que produziu esse mesmo ato. É o caso da promessa e da renúncia.

- Atos jurídicos heteronormativos- aqueles que, a título primário ou imediato, produzem efeitos na esfera
jurídica de outros sujeitos da esfera jurídica internacional e, mediatamente, na esfera de outros sujeitos de
DIP.

 Fontes Materiais:

o Princípios importados pelo Direito interno- é o caso do princípio da boa fé (pacta sun servanta),
respeito pelo caso julgado, abuso do direito, ónus da prova, etc.
o Princípios Originários do DIP- princípio do respeito da integridade e territorialidade dos Estados,
da não interferência nos assuntos internos dos Estados, da convivência pacífica.

6
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 Fontes Mediatas- fontes auxiliares das fontes imediatas:

o Jurisprudência- jurisconsultos importantes no âmbito do DIP. Princípios que carecem de ser


explicados, descrepâncias quanto à aplicação de determinada norma levam a uma importância da
jurisprudência. Sendo uma fonte mediata, assumiu um papel muito importante nos dias de hoje
porque o DIP acabou por assumir uma vertente mais jurisdicional;
o Doutrina;
o Equidade Contra Legem- a equidade derrogatória (a única equidade que é uma verdadeira fonte
de DIP) é quando a decisão jurisdicional vai dizer o contrário do que a norma diz, vai revogá-la e
substituí-la. Só pode ser aceite como fonte de DIP quando as partes envolventes de um litígio a
acordam.

Só se pode convocar a equidade quando houver uma cláusula expressa ou quando as partes, num litígio,
admitirem e acordarem o recurso à equidade. Deposita-se na vontade das partes a coação da equidade. Há
quem diga que a equidade é uma realidade metajurídica (Gonçalves Pereira), centrada na questão da justiça.

A equidade secundum legem é aquela que não suscita dúvidas, que tem como função explicar, clarificar o
sentido de uma norma. A equidade praeter legem é a equidade integrativa de lacunas.

Como se ordenam entre si estas fontes?

Há que analisar o artigo 38º:

 Prof. Gonçalves Pereira – diz que está obsoleto terminologicamente. Mistura fontes materiais com
fontes formais. Para além disso, temos aqui uma ambiguidade em relação à existência ou não de uma
hierarquia. Está ainda incompleto porque não refere os atos jurídicos unilaterais. Há uma menção à
equidade que, de acordo com este professor, não é uma fonte de DIP.

 Prof. Blanco Morais- há expressões obsoletas, de facto. Não há uma mistura entre fontes formais e
fontes materiais. Quanto à equidade, ela está regulada no nº2 de uma forma até bastante razoável.
Para além disto, o artigo, ainda que seja ambíguo quanto à existência de uma hierarquia de fontes,
não revela uma ambiguidade quanto a uma precedência de fontes.

Fontes vs Normas

Fontes são modos de criação de normas; as normas são os próprios critérios de decisão que são gerados na
observância das regras.

Não se pode dizer que haja uma hierarquia entre fontes imediatas. Pode haver uma aplicação preferencial,
como decorre do artigo 38º ETJ, mas não há hierarquia. Haverá, sim, uma hierarquia lógica por relação de
instrumentalidade entre as fontes imediatas e mediatas. Por exemplo, é mais fácil, quando queremos resolver
um problema de DIP, olhar primeiro para um tratado porque este consiste em regras que estão escritas e, se
não se conseguir resolver por esse, só depois considerar se existe uma norma costumeira então.

 Fenómenos de Interação entre Fontes:

a) Codificação- tendência para reduzir a escrito o que não está escrito.

7
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

b) Transição de Fontes- aquilo que nasceu por via de uma determinada acaba por assumir uma natureza
diferente através de outra fonte. Há um princípio de direito interno que diz que os tribunais
superiores, em caso de dúvida na definição de competências, terão a última palavra na definição
dessas competências.

Já entre normas, podemos dizer que existe uma hierarquia:

 Ius Cogens- princípios e normas convencionais ou costumeiras de aceitação geral que estribam a
ordem pública internacional e constituem parâmetro de validade sobre as restantes normas.
 Relações hierárquicas entre normas convencionais no quadro das organizações internacionais- o
caso do primado da Carta das Nações Unidas e do Pacto do Atlântico Norte sobre as convenções
celebradas pelos respetivos Estados-membros.
 A superioridade hierárquica das convenções internacionais de caráter principal sobre os “acordos
administrativos” que as desenvolvem. Um acordo administrativo não pode revogar um acordo
principal.

1. Critério da cronologia: entre duas convenções da mesma hierarquia, a posterior revoga a anterior.
2. Critério de especialidade: a norma especial prevalece sobre a geral- cria um regime específico.

 A superioridade dos tratados institutivos de organizações internacionais sobre atos jurídico-


normativos unilaterais de direito derivado emitidos ao seu abrigo.

8
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Fontes de Direito Internacional Público

◊ Costume

O costume surge como o único meio adequado de universalizar o DIP, mesmo que a norma tenha sido
introduzida por um tratado multilateral geral ou por um ato unilateral não obrigatório. Por isso, o costume
tem hoje como principal papel não a criação de normas, mas a sua universalização.

Sendo uma fonte formal, o costume é um modo de criação de normas jurídicas e não o resultado destas
(normas costumeiras). A norma costumeira não é uma prática geral, reiterada e uniforme acompanhada da
convicção de obrigatoriedade, mas algo que resulta desta. Assim, o Costume (a fonte) é diferente de um
costume (o resultado dela).

Costume é uma prática social reiterada com convicção de obrigatoriedade da regra em formação. O costume
pode ser decomposto em dois elementos:

a) O elemento material ou diuturnitas- o uso, uma conduta levada a cabo sucessivamente e


reiteradamente. Tem de ser consequente, tem de haver um número muito elevado de práticas no
mesmo sentido, de tal como que possa ser tida como uma referência para práticas futuras. Isto
significa a exigência de um atributo que está ligada a esta prática, ou seja, a prova do tempo. Isto é,
não há costumes instantâneos.

Pressupostos da existência de prática:

 Estadualidade- cabe aos Estados criar o DIP costumeiro e, formalmente, apenas a estes, uma vez que
o DIP é um direito que deve ser considerado público devido à natureza das entidades que criam as
suas normas. Apenas os atos dos Estados podem ser considerados como prática costumeira em
sentido técnico. Outros eventuais atores internacionais apenas podem dar um contributo material
para a formação das normas costumeiras, segundo a opinião do Professor Correia Batista. Por
exemplo, as organizações internacionais: o seu papel é aparente, uma vez que na realidade,
formalmente, os autores da prática costumeira são os Estados membros desses órgãos. Mas, por
exemplo, se o secretário-geral da ONU adota um determinado comportamento de forma reiterada e
consistente numa matéria com relevância externa regulada pelo DIP e os Estados não protestam,
acatando a sua opção, tal pode criar uma norma costumeira. O seu autor material será o secretário-
geral, mas os seus atores formais serão os Estados.

Há que atentar que, uma norma costumeira pode não surgir mesmo que a esmagadora maioria dos Estados o
pretenda, nomeadamente, se se tratar de uma norma absurda. Também pode acontecer que o
comportamento de alguns Estados ou de outras entidades não estaduais, possa acabar por se impor aos
restantes por força da sua inércia ou inicial inconsistência.

 Publicidade- somente podem ser considerados prática costumeira os atos praticados pelos Estados
de forma pública, assumindo-os abertamente. Apenas estes podem ser afirmados como juridicamente
criativos.

9
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Composição da prática internacional:

 Atos materiais- comportamentos físicos, praticados abertamente.


 Atos jurídico-internacionais- tratados, reservas, declarações interpretativas, denúncia ou recesso,
resoluções adotadas no âmbito de Organizações ou Conferências Internacionais, etc.
 Normas convencionais- nestas encontram-se soluções que os seus autores consideraram as mais
adequadas e, portanto, aptas a ser recebidas pelo direito costumeiro. Se se tratar de normas
decorrentes de um tratado multilateral geral, a sua adoção constitui um elemento de prática
costumeira da maior importância.

As dificuldades em determinar o caráter costumeiro das normas convencionais podem ser ultrapassadas com
o recurso a:

- Critérios negativos- levam à rejeição do seu caráter costumeiro:

i. Quando as ratificações das convenções sem causa sejam acompanhadas por múltiplas e graves
reservas;
ii. A sistemática ausência de objeções a estas reservas ou a inexistência de alegações de que violam o
costume internacional;
iii. A existência de violações generalizadas sem deparar com grandes protestos.

- Critérios positivos- apontam no sentido do caráter costumeiro:

i. A repetição das suas normas em convenções anteriores, o que sugere o seu enraizamento;
ii. A inexistência de reservas importantes ou a sua crítica por outros Estados e a condenação de atos
praticados por Estados mesmo que estes tenham formulado reservas que os salvaguardavam;
iii. Protestos contra a tentativa de aplicação de qualquer figura jurídica específica do direito dos tratados;
iv. A sua aplicação por tribunais internos em ordens jurídicas internas onde apenas o costume
internacional seja recebido num sistema de receção, nas situações em que o correspondente tratado
não foi transformado ou publicado;
v. A expressa qualificação do seu caráter consuetudinário por um tribunal internacional.

 Atos unilaterais de conferências e de organizações internacionais- a questão do valor como prática


desta espécie de atos tem sido especialmente discutida a propósito das resoluções de órgãos de
organizações internacionais como a Assembleia Geral da ONU, embora as conclusões sejam alargáveis
aos atos não obrigatórios adotados por conferências internacionais. A Assembleia Geral adota todos
os anos cerca de 250 resoluções, a maioria delas com relevância direta no DIP. Que aquelas que têm
conteúdo individual e concreto, como condenações de certos Estados por responsabilidade na
violação do DIP, são prática relevante é difícil de contestar. Também devem ser incluídas as resoluções
que declarem como vigentes determinadas normas ou que os Estados devem pautar a sua conduta
por estas. Deve ainda ir-se mais longe e considerar como prática as resoluções que se limitem a apoiar,
em termos de Direito a constituir, determinadas normas, ainda que aqui não se possa considerar que
manifestem igualmente qualquer convicção quanto à obrigatoriedade das normas que contenham.

Requisitos para que a prática se torne numa norma costumeira:

 Generalidade- é necessário que a prática seja geral, como decorre do artigo 38º/1 b) do ETIJ. Não é
fácil, contudo, concretizar esta exigência. Generalidade da prática significa que esta tem de ter o
concurso de vários Estados. Tal não significa que os Estados tenham de praticar os mesmos atos, isto

10
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

é, que a prática tenha de ser materialmente uniforme. Pode bastar que uns adotem uma conduta e
os outros a reconheçam como legítima ou mesmo que se limitem a não a condenar.

- Quantidade e Qualidade dos Estados: a generalidade não se reduz à mera quantidade de Estados envolvidos,
quer ativamente quer passivamente. À luz do princípio da igualdade soberana dos Estados poder-se-ia pensar
que a todos os Estados cabe o mesmo papel na formação do direito costumeiro. Na verdade, tal apenas se
passa em relação ao Tratado. No costume, os Estados mais interessados e também os mais poderosos, quer
em termos económicos quer em termos políticos, têm um papel acrescido. Assim, pode acontecer que a
oposição de um só Estado, cuja prática tenha um impacte decisivo na área objeto da norma costumeira,
consiga atrasar ou até impedir a formação desta, apesar do apoio ou não oposição de todos os restantes,
desde que não esteja em causa um interesse público internacional.

Outro elemento qualitativo nos Estados autores da prática costumeira é o facto de representarem os grandes
grupos de Estados. Assim, por regra, os dois grande grupos serão o dos Estados desenvolvidos e o dos Estados
em vias de desenvolvimento. Não é de excluir, contudo, que em relação a determinadas matérias concretas
possam surgir um ou dois grupos com direito de veto. Assim, estando em causa por exemplo uma norma
relativa à extração de recursos naturais, é possíbel que um papel acrescido caiba aos Estados Árabes. A
formação destas normas costumeiras não será possível, em princípio, sem o apoio ou pelo menos a não
oposição da maioria dos Estados de cada um desses grupos.

 Reiteração- a prática costumeira deve ser reiterada. É a reiteração que permite a generalização da
prática, testar o grau de adesão dos Estados (consistência) e a justeza da norma enquanto regra de
conduta. Mas são apenas estas as suas funções, não existindo razão para exigir uma reiteração
prolongada uma vez obtido um apoio generalizado e realizados os referidos testes. A apreciação
dependerá dos valores em causa e da qualidade e quantidade da prática e das objeções que a norma
suscitar.
 Consistência- os Estados apoiantes da norma costumeira emergente devem ser coerentes na sua
adesão. Não se podem limitar a apoiar a norma em declarações verbais e posteriormente, na
realidade, adotarem condutas desconformes. Também não podem alegar a norma quando lhes é
conveniente e rejeitar a sua aplicação nos outros casos. É importante saber que a exigência de
consistência refere-se à prática geral e não individual. Necessário é que a generalidade dos Estados
seja consistente. Pode acontecer que o não cumprimento de uma norma leve ao seu fortalecimento:
por exemplo, o facto de a Coreia do Norte não respeitar a norma sobre as armas nucleares levou a
que os outros Estados se preocupassem mais com o assunto e objetassem esse não cumprimento
(apesar de ser ligeiramente diferente pq há tratados).

b) O elemento psicológico ou opinio iuris- a convicção de obrigatoriedade. A sua defesa surge da


necessidade de distinguir as normas costumeiras dos meros usos ou práticas de trato social. Opinio
iuris é a vontade do Estado em vincular-se pela norma costumeira. Tem de ser vista como um
fenómeno coletivo, pois um ou alguns Estados não podem eximir-se do cumprimento de uma norma
costumeira alegando a sua falta de consciência da obrigatoriedade da norma, dado que uma norma
costumeira não pode estar dependente de meras impressões subjetivas para poder ser aplicada; ou
existe um fundamento objetivo para o não cumprimento ou este é ilícito.

11
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 Modificação da Norma Costumeira

Pode ser por 3 vias distintas:

1- Por via de desenvolvimento- os Estados simplesmente adotam prática no sentido de desenvolver o


conteúdo ou âmbito da norma costumeira. Trata-se de um processo de alargamento que respeita
integralmente a norma costumeira anterior.

2- Por via da adoção de atos coletivos contrários- o objetivo não é alargar o âmbito ou conteúdo da
norma costumeira, mas sim diminui-lo ou revogá-la totalmente, instituindo uma norma contrária. Se
a norma costumeira tutelar meros interesses privados dos Estados, estar-se-á perante uma norma
dispositiva (Ius Dispositivum), portanto normas que podem ser derrogadas (mas não revogadas) por
tratados entre Estados. Não é o tratado que revoga a norma costumeira, mas o consenso exteriorizado
na sua adoção, bem como a sua efetiva execução, que cria uma nova norma costumeira revogatória.

Os problemas agravam-se se a norma costumeira a modificar tutelar um interesse público internacional.


Assim, o tratado multilateral geral que procure derrogar uma destas normas será nulo.

3- Por via da sua violação- é a mais característica da Comunidade Internacional. Sistemáticas violações
acompanhadas do silêncio dos restantes Estados não podem deixar de pôr em causa a sua vigência.
Lentamente surgem expectativas de que tais atos afinal não são lícitos e a prática contrária tem
tendência a ganhar cada vez mais aderentes. A norma costumeira objeto da violação acaba por perder
vigência, sendo revogada por uma de sentido distinto.

 Cessação de vigência:

Ao contrário do Tratado, o costume está sujeito a poucas limitações quanto à sua vigência.

Inaplicabilidade do Regime do Tratado:

Não são aplicáveis às normas costumeiras quaisquer das figuras típicas quanto à extinção e suspensão ou
invalidade dos tratados.

Se a vontade de um Estado é, em regra, irrelevante para a formação da norma costumeira, também os vícios
da vontade o serão. Ainda que existam normas costumeiras que podem ser sociologicamente colocadas em
causa por uma alteração radical das circunstâncias, esta alteração apenas será um fundamento extra-jurídico
que pode incentivar alguns Estados a desrespeitar a norma. Mas se este desrespeito deparar com resistência
de uma grande parte dos Estados, não se formando uma nova norma costumeira revogatória, a anterior
continuará imperturbavelmente a sua vigência.

Efeitos de um Conflito Armado no DIP Costumeiro:

Até meados do século XX, o DIP sofria uma divisão estrutural entre Direito da Paz e Direito da Guerra,
aplicando-se alternativamente. A entrada em vigor do Direito da Guerra (em situações de guerra) implicava a
suspensão do DIP Costumeiro, tal como dos tratados vigentes entre as partes, salvo aqueles que pretendessem
aplicar em tempos de guerra. O que se deve adotar é a visão de que um Estado agressor mantém todos os
deveres que tinha à luz do DIP Costumeiro, incluindo os decorrentes dos princípios do respeito pela
integridade territorial, pessoas e bens dos cidadãos do Estado que agrediu. Cada ato de agressão limita-se a
agravar a sua responsabilidade. Também o Estado agredido mantém os seus deveres de respeito do DIP

12
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Costumeiro em relação ao agressor, mas goza de duas causas de exclusão da ilicitude dos seus atos contra
este: a legítima defesa e o recurso a represálias em relação às normas que permitam a invocação destas.

 Espécies de Direito Costumeiro:

 Direito Costumeiro Universal- normas costumeiras que vinculam todos os sujeitos de DIP com
capacidade para as cumprir ou violar. São estas que compõem o DIP geral ou comum. A rejeição da
relevância de qualquer objeção persistente de um Estado que lhe permita furtar-se legitimamente à
aplicação de uma norma costumeira torna inevitável a conclusão que estas normas vinculam todos os
Estados existentes e que, se se mantiverem em vigor, virão a vincular os futuros Estados.

 Direito Costumeiro Não Universal- normas costumeiras que não são universais, não vinculando
diversos Estados, seus cidadãos ou outros entes surgidos no seu âmbito ou por estes criados. Este
fenómeno deve-se ao facto de tais normas não terem obtido apoio numa prática generalizada,
reiterada e consistente a nível universal. Contudo, a nível regional, tais requisitos da prática foram
respeitados pelos Estados que integram a região. Região, para efeitos costumeiros, é uma noção
cultural: os Estados que a compõem determinam-se em função da sua cultura jurídica, mesmo que se
encontrem fora da sua região geográfica. Se um Estado, designadamente pelo que decorre do seu
direito interno e o modo como o aplica, partilhar uma cultura jurídica nos seus traços essenciais com
os restantes Estados da região, estará vinculado pelo DIP Costumeiro desta, mesmo que tenha sido
um objetor persistente contra esta norma.

O Direito Costumeiro Regional cria alguns problemas complexos no que diz respeito à sua oponibilidade face
a Estados terceiros. O princípio geral é o de que estes não se encontram vinculados por estas normas. Mas
existem exceções: estando em causa regras regionais relativas à utilização de certos espaços comuns ou
sujeitos à soberania de um Estado, Estados terceiros já estarão sujeitos àquelas.

◊ Tratado

Um tratado é todo o acordo fundado no DIP. Aparentemente, esta definição peca por excesso, por permitir
incluir no seio da figura outras distintas. Assim, a noção constante do art. 2º/1 a) CVDT parece bem mais
restritiva. Na verdade, como fica explícito, tal noção pretende valer apenas para efeitos das referidas
convenções, sendo imediatamente alargada pelo art. 3º de ambas à luz do Costume Internacional.

A validade de tratados orais ou entre outros sujeitos de DIP, para lá dos Estados e mesmo das organizações
internacionais, que tenham capacidade para os celebrar, dificilmente será contestada. Estes tratados existem
e são plenamente obrigatórios. As exigências de caráter escrito e de celebração entre Estados ou organizações
internacionais devem, pois, ser abandonadas na elaboração de um conceito técnico abrangente.

O tratado funda-se no DIP porque encontra o seu fundamento positivo de validade neste, na norma
costumeira internacional pacta sunt servanda e não em normas idênticas de quaisquer outros Ordenamentos.

Assim, as normas de Ordem Pública do DIP (Ius Cogens Internacional) aplicam-se a todos os acordos, mesmo
os celebrados à luz dos Direitos internos dos Estados, seja por estes, seja por particulares, constituindo um
fundamento negativo de validade destes. Mas tal abrangência não torna estes acordos em tratados. O seu
fundamento positivo de validade é a norma interna que impõe o dever de respeitar os acordos. Caso uma das
partes viole o contrato, incorre em responsabilidade à luz do Ordenamento interno e não do DIP.

13
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 Natureza:

O Tratado tem simplesmente a natureza de um acordo, um contrato, em tudo idêntico aos que se encontram
em todos os Ordenamentos Jurídicos, como uma figura jurídica omnipotente.

É este caráter do Tratado que se julga decorrer da prática internacional, e é confirmada pelas Convenções de
Viena sobre o Direito dos Tratados, em aspetos como a sua eficácia limitada às partes e a sua alteração ou
revogação. Trata-se de um contrato sujeito a um regime específico, em que não existem algumas das figuras
jurídicas que caracterizam o regime tendencialmente comum aos diversos Sistemas Jurídicos em relação aos
contratos privados. Mas tal não lhe altera minimamente a natureza jurídica.

O Tratado por definição não passa de um acordo de vontades juridificado pelo DIP, mais concretamente pelo
seu princípio Pacta sunt servanda (os tratados celebrados entre os Estados devem ser cumpridos).

 Aspetos Terminológicos:

Na prática internacional, o Tratado surge sob várias designações além de Tratado: convenção, acordo, carta,
constituição, declaração, protocolo, ato final, ata final, acordo por troca de notas ou concordata. A
terminologia não lhe altera a natureza, todos são tratados.

O termo convenção tem sido utilizado, nas últimas décadas, em particular nos tratados codificatórios ou, em
geral, com conteúdo normativo. É o caso de todos os grandes tratados codificatórios adotados por iniciativa
das NU.

O termo acordo está ligado à simplificação do meio de vinculação, a mera assinatura.

As designações carta e constituição têm sido utilizadas nos tratados constitutivos de Organizações
internacionais.

A declaração, pelo nome, conteria um ato unilateral conjunto adotado, por exemplo, por uma conferência
internacional, regra geral, sem efeitos vinculativos; mas por vezes, sem grande critério, denomina um
verdadeiro tratado.

A terminologia protocolo tem sido utilizada especialmente em relação a tratados que vêm modificar,
especialmente no sentido do seu alargamento, um tratado base, não necessariamente em relação a todas as
suas partes.

 Estrutura:

O Tratado escrito, regra geral, consta de um único instrumento, podendo ser composto de três ou quatro
partes, duas delas puramente eventuais.

1. Preâmbulo- identifica as partes negociantes e contém uma introdução com uma exposição de motivos
e fins visados pelo tratado. Salvo indicação em contrário, o preâmbulo não tem eficácia jurídica,
limitando-se a ter relevância interpretativa.

2. Parte dispositiva- normalmente articulada, isto é, organizada por artigos, regra geral, segundo uma
sistemática lógica. É a parte mais importante do tratado onde estão contidas as suas disposições
formais e materiais.

14
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

3. Anexo(s)- em tratados mais complexos pode ainda seguir-se um ou vários anexos para onde são
remetidas matérias mais técnicas. Normalmente, contêm concretizações de conceitos extra-jurídicos
que constam da parte dispositiva. Estes anexos são parte integrante do tratado, tendo, salvo indicação
em contrário, idêntica força jurídica à da parte dispositiva.

4. Apêndices- é possível que exista uma quarta parte, que pode ou não substituir os anexos. No caso de
o tratado somente ter apêndices, sem anexos, aqueles tendem a ter o mesmo conteúdo destes, sendo
a diferença entre ambos puramente terminológica. No caso de o tratado ter anexos e apêndices, estes
tendem a ser compostos por concretizações de conceitos jurídicos vagos e com ligação a noções
técnicas ou científicas que as partes preferiram não definir na parte dispositiva da convenção; ou
então a regular procedimentos arbitrais. Também estes têm plena força jurídica, fazendo parte
integrando do Tratado, salvo se o contrário for declarado.

Outras vezes, a estrutura do Tratado é bem mais complexa, podendo por exemplo ainda ser compostos por
algumas cláusulas orais ou tácitas.

 Espécies:

a) Tratados Escritos e Orais:

As duas convenções de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969 e 1986, não se aplicam a tratados orais
(2º/1 a)). Mas a sua validade é reconhecida expressamente (art. 3º) e igualmente de forma implícita (36º/1).

Os motivos que levaram a excluir a regulamentação dos tratados orais pelas Convenções devem-se às suas
particularidades em matérias como a simplicidade da sua conclusão e entrada em vigor, bem como às
dificuldades próprias da sua interpretação.

Regra geral, estes incidem sobre objetos muito restritos, visto que o seu caráter não escrito é pouco
compatível com conteúdos complexos, sendo a sua importância enquanto Fonte de obrigações jurídicas
relativamente reduzida.

Os tratados orais tendem a ficar sujeitos a uma inclinação para se entender que as partes não pretenderam
atribuir eficácia jurídica às suas disposições materiais. Mas não se pode falar numa presunção nesse sentido;
tal implicaria sujeitar a parte que invoca um tratado oral a uma dupla prova: provar a sua existência e a sua
juridicidade. Como se compreende, a primeira dificuldade nestes tratados, se a outra parte contestar a sua
existência, é provar que foram celebrados e, só depois, que têm um sentido que é favorável à parte que o
invoca.

Bem mais vulgar é a existência de cláusulas orais de tratados escritos. Portanto, o tratado formalmente é mais
extenso do que as disposições contidas no instrumento escrito. As partes decidiram regular verbalmente
alguns dos seus aspetos, sem prejuízo de por vezes serem reduzidas a escrito, constando do texto das atas.

b) Tratados Expressos e Tácitos:

Os tratados expressos, desde logo, os escritos, não levantam qualquer problema quanto à sua admissibilidade.
Mais complexa é a questão dos tratados tácitos.

A Doutrina voluntarista elaborou uma boa parte das suas construções teóricas com base neste conceito,
designadamente as relativas ao Costume. E de facto, mesmo que estas construções tenham de ser afastadas

15
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

em diversos aspetos, será difícil contestar que um Estado pode pelo seu comportamento autovincular-se,
mesmo que não o declare expressamente.

Torna-se, contudo, difícil distinguir estas vinculações das derivadas de outras figuras, especialmente o
Estoppel. O tratado tácito depende de uma conjugação pelo menos bilateral de vontades tacitamente
manifestadas. O Estoppel, pelo contrário, é unilateral e não necessita de qualquer vontade de autovinculação.
Um Estado involuntariamente pode encontrar-se vinculado perante outro que confiou na autovinculação do
primeiro e atuou conformemente.

Note-se, porém, que em princípio não basta o simples silêncio e a abstenção para vincular um Estado a um
tratado. O tratado não tem as virtualidades vinculatórias do costume. Se em relação a este último o silêncio e
a abstenção serão relevantes, já nas relações convencionais é diferente. O Tratado é um acordo de vontades;
mesmo tácita, tem de existir vontade concordante e esta vontade não se presume. Serão necessários atos
positivos de acatamento das obrigações ou exercício dos direitos conferidos pelas normas convencionais em
causa. Podem, contudo, existir situações tão evidentes que o mero silêncio seja prova bastante da vontade
concordante, mas estas serão a exceção.

c) Tratados Bilaterais e Multilaterais:

Os tratados bilaterais têm apenas duas partes e os multilaterais têm três ou mais partes.

Parte jurídica não é idêntica a uma entidade apenas. Existem casos claros de tratados com partes complexas.
Regra geral, os tratados que puseram termo formal às duas guerras mundiais foram constituídos, de forma
textualmente expressa, entre uma parte complexa, composta pelo conjunto das potências vencedoras da
guerra, e uma segunda parte, um dos Estados vencidos.

Alguns critérios têm sido avançados para determinar se um tratado é bilateral entre partes complexas ou
multilateral:

1. Existência de interesses comuns a todas as entidades participantes ou contrapostos ao menos em


relação a uma: se alguns Estados têm interesses idênticos, em princípio constituirão uma parte
complexa contraposta a uma outra igualmente complexa ou não.
2. Entidades prejudicadas com a violação tratado: se foi violada uma única obrigação, mas várias
entidades são consideradas juridicamente afetadas, em princípio estas compõem uma única parte.

Por recurso a estes critérios chega-se, porém, a conclusões que põem em causa a autonomia estrutural dos
tratados multilaterais em relação aos bilaterais:

Assim, por exemplo, um tratado entre vários Estados relativo aos direitos humanos é geralmente considerado
como um tratado multilateral. No entanto, o interesse subjacente nem sequer é imediatamente estadual, diz
sim respeito aos indivíduos. Assim, só mediatamente os Estados se envolvem. Mas o interesse é comum a
todos. Significa isto que não se trata de um tratado, mas de um ato jurídico unilateral, com uma única parte
complexa? Da perspetiva externa dos indivíduos beneficiados a solução parece correta. Mas, da perspetiva
interna dos Estados partes, este ato continua a ser um tratado, sujeito ao seu regime, e não um ato unilateral.

Concluindo, não existem verdadeiros tratados multilaterais, isto é, com mais de duas partes. Todos os tratados
são exclusivamente bilaterais, portanto, apenas entre duas partes. Existem é tratados que agregam num só
instrumento vários tratados bilaterais, seja entre partes simples (entre duas entidades), seja entre uma parte
simples e uma parte complexa, composta pelas restantes entidades vinculadas.

16
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Os tratados bilaterais complexos (agregam vários tratados) têm autonomia face aos tratados bilaterais
simples. Um Estado parte num desses tratados que tutela meros interesses contrapostos não pode aplicar-lhe
o regime jurídico dos tratados bilaterais simples.

Assim, tem-se falado em tratados bilaterais para designar os simples e tratados multilaterais para designar os
tratados bilaterais complexos.

d) Tratados que impõem Obrigações Bilaterais e Obrigações Indivisíveis:

A distinção entre obrigações bilaterais ou indivisíveis radica na diferenciação entre interesses privados
internacionais (interesses estaduais que se contrapõem nas suas relações, isto é, contrapostos ou recíprocos),
e interesses públicos internacionais (comuns a todos os Estados).

Os tratados bilaterais simples são incapazes de impor obrigações indivisíveis, visto que estas pressupõem
agregação de tratados, somente existente nos multilaterais.

As obrigações indivisíveis manifestam-se nos tratados multilaterais que ficaram qualificados como tratados
bilaterais complexos que são constituídos por um feixe de tratados bilaterais entre cada um dos Estados partes
e todos os outros constituindo uma parte complexa. Assim, porque estas obrigações tutelam interesses
comuns e vinculam cada Estado em relação a todos os outros vinculados pela norma, são compostas por um
vínculo bilateral que liga cada um em relação a todos os outros. Deste modo, a violação de uma destas
obrigações legitima o protesto de todos os restantes Estados partes. Naturalmente, Estados não partes não
poderão protestar pelo seu não cumprimento, visto que os tratados não produzem efeitos em relação a
terceiros.

Ao contrário, as obrigações bilaterais tutelam interesses recíprocos, interesses de cada Estado. Assim, regra
geral, nestas obrigações, cada parte num tratado é composta por apenas um Estado. Desta forma, um tratado
multilateral composto somente por obrigações bilaterais será um mero feixe de tratados bilaterais que ligam
cada Estado em relação a cada um (e não a todos ao mesmo tempo) dos restantes Estados partes. Portanto,
a sua violação num caso concreto apenas prejudicará um Estado, apenas este podendo protestar.

 Conclusão Internacional:

O procedimento internacional de conclusão dos Tratados encontra-se regulado nas Convenções de Viena
sobre o Direito dos Tratados (CVDT) de 1969 e 1986.

Mais importante que o DIP Convencional sobre a matéria é o DIP Costumeiro. É este que regula primária e
universalmente esta matéria, muito embora seja derrogado entre as partes pelas normas das Convenções de
Viena que se afastam do seu regime.

Este regime é confirmado pelo art. 4º CVDT que estabelece que as suas disposições que forem costumeiras
vincularão mesmo não partes, ao contrário das inovadoras que apenas se aplicarão aos tratados celebrados
entre partes. O artigo não é claro quanto à questão de saber se as suas normas puramente convencionais (não
costumeiras) se aplicarão apenas a tratados em que todas as suas partes se vincularam às CVDT ou igualmente
às relações convencionais entre entidades partes nestas, mesmo que outras num dado tratado não o sejam.
A resposta correta parece ser a que diz que os Estados ou organizações internacionais partes das CVDT ficam
vinculadas a estas nas suas relações convencionais, mesmo que estes tratados tenham partes que não são
partes nas CVDT- 3º c) CVDT.

17
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Assim, o mesmo tratado pode ficar sujeito a dois regimes em função das partes serem ou não partes nas CVDT.
Pode, contudo, não ser possível devido à natureza das obrigações impostas pelo tratado, distinguir dois
regimes. Os tratados multilaterais que impõem obrigações bilaterais podem ficar sujeitas a dois regimes, visto
não passarem de feixes de tratados bilaterais. Já os que impõem obrigações indivisíveis não. Nesta caso, ter-
se-á de aplicar somente o regime costumeiro e não as normas puramente convencionais das CVDT.

 Negociação, Adoção e Autenticação do Texto:

a) Negociação: serve para definir o conteúdo dos direitos e das obrigações das partes. A negociação dos
tratados é matéria que fica em larga medida, exceção feita para alguns limites jurídicos, entregue à
liberdade política dos Estados.

A iniciativa de uma negociação depende muito da espécie de tratado que esteja em causa. Nos tratados
bilaterais ou multilaterais restritos esta é informal. Qualquer um dos Estados, ou outras entidades,
interessados sugere o objeto e razão de ser deste, aquando de uma cimeira, uma reunião com o chefe da
missão diplomática de outro Estado interessado ou por troca de notas diplomáticas.

Nos acordos orais esta iniciativa é totalmente informal e surge aquando de cimeiras ou conversações bilaterais
no âmbito de uma conferência ou organização internacional.

Nos tratados multilaterais gerais, que reúnem um nº de entidades partes alargado, as negociações, em regra
geral, decorrem numa conferência internacional ou no âmbito de uma organização internacional. Na maioria
dos casos, estas iniciativas têm cabido a órgãos de organizações internacionais, seja regionais ou
parauniversais.

O DIP tende a deixar à determinação dos respetivos Direitos internos a decisão de quem tem legitimidade
para representar o Estado, organização internacional ou outra entidade, na negociação de um tratado. A
pessoa assim designada devem porém apresentar um documento comprovativo da sua qualidade de
representante e do âmbito dos seus poderes. Esta qualidade e poderes são os plenos poderes- 2º/1 c), 7º.
Este representante com plenos poderes designa-se plenipotenciário.

Como decorre das CVDT e do princípio costumeiro do consentimento, também nesta matéria a maior ou
menor exigência depende exclusivamente do acordo dos restantes participantes nas negociações. Estes
podem tácita ou expressamente dispensar um dos representantes da apresentação de plenos poderes. A
prática veio dispensar da apresentação de plenos poderes determinadas entidades que gozam de uma
presunção da sua existência por força das suas funções.

As convenções sobre a matéria enunciam uma série de titulares de órgãos abrangidos por esta dispensa:

 Chefes de Estado, de Governo e os ministros dos negócios estrangeiros- gozam de uma dispensa total;
 Chefes de Missão Diplomática e os representantes acreditados junto de conferências e organizações
internacionais- apenas gozam de uma presunção. Os chefes de missão diplomática gozam de plenos
poderes apenas em relação a tratados bilaterais entre os dois Estados; não cabem, pois, nesta
categoria os chefes das missões consulares. A categoria de chefe de missão diplomática vai, porém,
para além do seu exemplo paradigmático, o embaixador- 14º Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas.
 Representantes Acreditados perante Conferências Internacionais- apenas gozam de poderes para a
negociação e adoção;

18
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 Representantes Acreditados perante Organizações Internacionais- 7º/2 d) CVDT86.

Se um Estado pretende confirmar um ato praticado por uma pessoa com quem não tem nenhum vínculo, nada
o pode impedir- 8º. Esta confirmação terá efeitos retroativos, a menos que o Estado os exclua expressamente.
Nos termos gerais e com apoio em alguma prática, esta confirmação pode ser tácita. Se um Estado, tomando
conhecimento da prática do ato, adota atos baseados neste, perde o direito de invocar o artigo 8º CVDT. Trata-
se de um regime tradicional, corolário do princípio costumeiro da boa-fé, que proíbe o venire contra factum
proprium, com consagração no próprio texto das Convenções (45º).

b) Adoção: Uma vez negociada uma forma e um conteúdo aceitável para o tratado, segue-se a sua
adoção. É o ato que põe termo às negociações, fixando o texto.

A adoção não tem efeitos vinculativos para os Estados em relação ao conteúdo do tratado, mas já tem efeitos
vinculativos em relação à sua forma, ou seja, à sua natureza de ato jurídico.

Como dispõe o art. 24º, as disposições relativas à autenticação, à forma da vinculação, ao modo ou data da
entrada em vigor, reservas, funções do depositário e todas as restantes essenciais para a sua entrada em vigor,
ganham eficácia imediatamente. É uma exigência prática, pois sem tal regulamentação, as disposições
substantivas (razão de ser do tratado) nunca adquiririam vigência.

O regime tradicional quanto à adoção do texto dos tratados exigia a unanimidade dos negociantes. Eventuais
divergências eram ultrapassadas com o voto favorável do Estado opositor, mas seguido de reserva de texto
que deveria ser unanimemente aceite pelos restantes participantes.

Com a generalização dos tratados multilaterais e a multiplicação dos Estados, a partir do final da 2ª GM, e com
raízes na prática da Organização Internacional do Trabalho, esta regra começou a sofrer pressões, visto que
conferia um direito de veto a todos os Estados participantes nas negociações.

Assim, no art. 9º ficou consagrada a regra da unanimidade (nº1), mas com uma exceção para a adoção do
texto no âmbito de conferências internacionais. Pelo grande nº de participantes nestas, é adotada a regra da
maioria de 2/3 das entidades representadas (nº2); a menos que, pela mesma maioria, os participantes
decidam estabelecer uma outra regra.

Esta regra é aplicável não apenas à votação global final do texto que formaliza a adoção, mas igualmente às
votações parcelares de cada artigo ou norma durante as negociações, a menos que pela mesma maioria a
conferência estabeleça uma regra distinta.

A adoção de textos de tratados no âmbito dos órgãos colegiais de organizações internacionais, nos termos do
art. 5º/parte final, ficará sujeito a eventuais regras de maioria distintas de acordo com o tratado constitutivo
ou regimentos internos dos órgãos colegiais.

c) Autenticação: É a fase do procedimento da conclusão dos tratados pela qual o texto destes, já
adotado, é formalmente reconhecido e tido como definitivo pelos participantes na negociação.

Nos tratados orais, adoção e autenticação confundem-se no mesmo ato, ato este que, regra geral, implica
também a imediata vinculação.

Nos tratados escritos, a autenticação não só se distingue da adoção, como pode resultar de diferentes atos.
Desde logo, esta pode derivar de um qualquer ato atípico se tal for acordado pelas partes. O procedimento de
conclusão dos tratados é essencialmente dispositivo, o que significa que as partes por comum acordo podem

19
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

sempre desenvolver novas figuras e atribuir-lhes os efeitos que desejarem. Este regime consta do art. 10º/a)
CVDT69 e 10º/1 a) e nº2 a) CVDT86.

A prática e/ou as CVDT vieram, contudo, estabelecer alguns atos mais comuns cujos efeitos implicam, pelo
menos, a autenticação do texto:

i. Rubrica: ato mais simples e com efeitos mais reduzidos. É constituída pela aposição das iniciais ou
outra forma de assinatura informal do tratado e das suas páginas.

Quer o Direito Costumeiro, quer as CVDT (10º/b)), apenas fixam um efeito necessário para este ato: a
autenticação. Nada impede, porém, que a rubrica tenha todos os efeitos da assinatura; tudo depende dos
efeitos que as partes por acordo determinarem atribuir-lhe- 12º/2 a).

ii. Assinatura Ad Referendum: ato com raízes antigas. Surgiu na sequência das dificuldades das
comunicações e da obrigatoriedade da ratificação que a assinatura então impunha; estas condições
suscitavam grandes cautelas na decisão de assinar um tratado.

Assim, a assinatura ad referendum é um ato que tem ainda por efeito imediato a autenticação do texto (10º/b)
CVDT69 e 10º/1 b) e nº2 b) CVDT86), mas para ter os restantes efeitos normais da assinatura, fica sujeita a
confirmação. Uma vez confirmada, os seus efeitos retroagem à data da sua aposição- 12º/2 b).

Nos termos gerais, esta confirmação não necessita de ser formal ou sequer expressa. Se um Estado, depois de
o seu representante assinar ad referendum, vem a ratificar o tratado, a assinatura passará a produzir todos os
efeitos normais da assinatura formal, designadamente enquanto o tratado não entrar em vigor, pois a
ratificação serviu de confirmação.

iii. Assinatura Formal: opera pela mera aposição da assinatura do plenipotenciário no final do texto do
tratado, sem prejuízo de prévia rubrica de todas as páginas do tratado. Pode acontecer igualmente
que o texto do tratado conste da ata final de uma conferência. Neste caso, a assinatura da ata vale
como assinatura do tratado.

Uma vez aberto o tratado para assinatura, a prática deste ato pode ser facultada apenas às entidades
participantes na negociação (sem prejuízo de o tratado poder permitir a adesão de outras) ou estar aberta
igualmente para Estados ou outras entidades não participantes. Neste último caso, o tratado denomina-se
aberto. Esta abertura tem mais do que um grau. Pode abranger igualmente a assinatura ou apenas a
vinculação definitiva (seja por aceitação-adesão, aprovação-adesão ou adesão comum) de todos os Estados
ou outros sujeitos de DIP ou ser limitada em função de diversos critérios.

A prática também é flutuante quanto ao período que se concede para a assinatura. Existem casos excecionais
em que não se estabelece qualquer prazo, podendo o Estado em qualquer altura assinar o tratado e,
posteriormente, ratificá-lo ou não o assinar e simplesmente aderir. Normalmente, estipula-se um prazo que
tem oscilado entre 1 mês e 3 anos para a assinatura. No silêncio do tratado quanto a um prazo, este é
suscetível de ser assinado sem qualquer limite.

Quanto aos seus efeitos, a assinatura é o ato normal pelo qual se procede à autenticação do texto de um
tratado- 10º/b) 1ª parte CVDT69 e 10º/1 b) e nº2/b) CVDT86.

A recusa de vinculação por motivos políticos é legítima. Assim, a assinatura não impõe qualquer dever de
vinculação ao tratado. Esta atribui apenas um direito ao Estado de se vincular como parte originária, sem
necessitar de recorrer à adesão. Além dos já descritos efeitos que resultam da mera adoção, quanto à entrada

20
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

em vigor das cláusulas formais do tratado, este direito é o segundo efeito da assinatura, depois da
autenticação.

Um terceiro efeito mais importante é a obrigação de, uma vez assinado um tratado, a entidade não praticar
atos defraudem o seu objeto ou fim enquanto não declarar a sua intenção de não se vincular ao tratado-
18º/a). Isto decorre do princípio da boa fé: um Estado que assina um tratado cria uma razoável expectativa de
que adere às suas normas e que não irá destruir o seu efeito útil com atos prévios à sua vinculação, ou mesmo
com omissões, embora o artigo literalmente somente exija uma abstenção. Assim, as disposições a que fica
vinculado podem nem sequer constar do tratado literalmente, encontrando-se simplesmente subjacentes às
suas disposições nucleares, enquanto um mínimo básico.

Esta obrigação cessa uma vez tendo a entidade assinante declarado que não pretende vincular-se ao tratado.
No entanto, a sua violação implica responsabilidade internacional, que não pode ser destruída
retroativamente por uma manifestação da sua vontade de não se vincular ao tratado. Assim, as partes podem
recorrer a represálias e mesmo, respeitados os seus requisitos, entender que a violação consubstancia uma
alteração de circunstâncias como fundamento para se desvincularem entre si.

Um quarto efeito da assinatura é a atrbuição às entidades assinantes de alguns direitos mesmo que não se
tornem partes: assim, o de se pronunciarem sobre questões relacionadas com o desempenho das funções do
depositário (77º/2 CVDT69 e 78º/2 CVDT86) ou com a retificação de erros no texto do tratado (79º CVDT69 e
80º CVDT86).

Um último efeito é em relação ao costume, embora não se trate de um efeito jurídico, dado que o
procedimento de criação de uma norma costumeira não é regulado juridicamente. A mera negociação e, em
especial, a adoção, são atos com impacte no procedimento costumeiro de formação de uma norma, mas a
assinatura tem um efeito político suplementar. De qualquer modo, todos constituem prática costumeira.

iv. Assinatura Sob Reserva: esta, ao contrário da rubrica e da assinatura ad referendum, é já uma
assinatura, tendo todos os efeitos normais descritos desse ato. Simplesmente, o Estado, seu autor,
estabelece expressamente que a mera assinatura por si não o vinculará, sendo necessário um ato
posterior. É esta a reserva.

A sua formulação mais comum é a assinatura sob reserva de ratificação. Mas, sendo admitida uma outra forma
de vinculação ao tratado, como a aceitação ou a aprovação, é possível recorrer a esta figura igualmente. Trata-
se de atos reconhecidos expressamente pelas CVDT e pela prática internacional.

É a esta figura que um Estado deve recorrer quando o tratado estipula que a mera assinatura vinculará
imediatamente as partes e, por exigências da sua Constituição interna, não se pode vincular por esta (ou por
motivos políticos não o deseja).

 Vinculação

- Formas de Vinculação: o DIP Costumeiro também nesta matéria é essencialmente dispositivo, de modo a
que as formas de vinculação referidas não excluem quaisquer outras acordadas pelas partes- 11º.

o Consentimento oral e tácito- nos tratados orais, o momento da adoção identifica-se com o da
autenticação e tendencialmente com o da vinculação, de modo que neste caso as partes encontram-
se já vinculadas desde aquele primeiro momento. Por maioria de razão, o mesmo se passa nos
tratados tácitos, onde não existem as fases descritas.

21
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

o Pela assinatura- os acordos em forma simplificada- para lá dos descritos efeitos ordinários, a
assinatura pode ter um efeito extraordinário: a imediata vinculação ao tratado. Estar-se-á então
perante um tratado informal, normalmente denominado acordo em forma simplificada.

Como ficou sublinhado, todos os efeitos da assinatura, incluindo este, podem igualmente decorrer da rubrica
ou da assinatura ad referendum dentro das suas condições de eficácia- 12º/2. No entanto, este efeito
extraordinário de assinatura (ou destes atos), não se pode presumir. Como afirmam as CVDT no 12º/1, com
apoio da prática, tem de estar estabelecido no tratado que a mera assinatura vincula as entidades assinantes
ou tal ter sido verbal ou tacitamente acordado. Ou, no silêncio do tratado, uma parte declarar nos plenos
poderes concedidos durante as negociações ou no próprio ato de assinatura, que esta a vinculará
imediatamente.

o Pela troca dos instrumentos constitutivos- o Tratado, regra geral bilateral, pode estar dividido em
mais do que um instrumento, cada qual contendo a vinculação de uma das partes. Nesta situação,
normalmente, a vinculação faz-se pela mera assinatura dos órgãos ou representantes do Estado,
seguida então da troca das notas diplomáticas assinadas. Aqui os intervenientes não chegam a
contactar pessoalmente, a negociação faz-se por correio diplomático ou outra via, bem como a troca
dos instrumentos- 13º.

Para que esta forma de vinculação seja admissível, é necessário que esteja prevista pelo tratado ou que as
partes tenham assim acordado por uma cláusula verbal ou em instrumento à parte.

o Pela aceitação e aprovação- forma intermédia entre forma informal e forma solene, que varia em
função dos procedimentos internos previstos de cada parte. Quer a aceitação quer a aprovação foram
criadas tendo em conta procedimentos de vinculação existentes em alguns Estados, de modo a
possibilitar um mecanismo ainda formal, mas mais simples que a ratificação. Mas porque estes
procedimentos variam de Estado para Estado, a prática não é clara quanto à caracterização destas
figuras- 14º/2. O DIP abstém-se aqui de determinar os procedimentos concretos a que estão sujeitas
a aceitação e a aprovação.

Terá de ser o tratado a consagrar estas formas de vinculação ou, no seu silêncio, ter existido algum acordo
entre as partes nesse sentido. Outra possibilidade será, no silêncio do tratado e falta de qualquer acordo, a
parte que se vincula por estes meios ter feito constar dos plenos poderes durante as negociações ou no
momento do ato, que se vincula desta forma- 14º/2, que remete para o seu nº1 CVDT69 e 14º/3 que remete
para os anteriores CVDT86.

o Pela ratificação e confirmação formal- a forma solene e tradicional. Os tratados que exigem a
ratificação (ou a confirmação formal no que diz respeito às organizações internacionais) como meio
formal de vinculação são denominados tratados solenes.

À luz da maioria dos Ordenamentos, a ratificação cabe ao Chefe de Estado. Mas existem alguns Estados que
não têm exatamente Chefe de Estado ou em que a ratificação cabe a uma assembleia representativa.

Se a exigência de ratificação não ficar estabelecida no tratado, ou não existir acordo informal nesse sentido,
não existe qualquer dever internacional de recorrer à ratificação como meio de vinculação- 14º/1.

22
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

o Pela adesão- forma de adesão que tende a ser aproximada em solenidade da ratificação, contudo,
como se verificou, pode existir uma aceitação-adesão ou uma aprovação-adesão, tal como uma
ratificação-adesão. Pressupõe que a entidade que se vincula ao tratado não o autenticou. Assim, a
adesão é uma forma de vinculação própria dos Estados ou outros sujeitos que não autenticam o
tratado; ou por não terem participado nas negociações ou por se terem recusado a fazê-lo.

Por isso, a adesão só é possível em relação a tratados abertos ou semiabertos (a vinculação só é possível a
certas categorias de Estados), isto é, tratados cuja vinculação não fica reservada a Estados que o autenticam.

A adesão só é possível quando o tratado estabelece (quer no texto original, quer alterado por uma emenda) a
possibilidade desta forma de vinculação e dentro das condições em que tal esteja estabelecido; ou quando
existiu acordo informal ou constante de outro tratado entre as partes quanto à possibilidade daquelas
entidades aderirem; ou quando as partes acordarem posteriormente permitir a adesão, o chamado convite.

- Vinculação Limitada – A vinculação aos tratados, na falta de indicação em contrário, é feita em relação a todo
o seu conteúdo. No entanto, existem exceções a este princípio. Trata-se da vinculação parcial ao tratado e das
reservas. Estas figuras derivam da generalização dos tratados multilaterais, do crescente nº de Estados da
Comunidade Internacional e do objetivo de facilitar a sua vinculação, procurando conciliar interesses
divergentes.

 Vinculação a parte do Tratado: acontece quando, em face de um tratado composto por mais de um
instrumento, um Estado apenas ratifica um destes. O regime costumeiro e convencional (17º) limita-
se a aplicar os princípios gerais, sobretudo o do consentimento dos interessados, a esta forma de
vinculação.

Se se tratar da vinculação a uma parte do tratado, portanto, identificada em termos sistemáticos (por
exemplo, parte ou secção), tudo depende do consentimento das restantes partes constar já do tratado ou ser
dado posteriormente.

No silêncio do tratado, o Estado que se vincula parcialmente a um tratado fica sujeito a ver as partes recusarem
a sua vinculação. À luz dos princípios gerais, esta aceitação terá de ser unânime. Basta que uma das partes
rejeite esta vinculação parcial, para a tornar ineficaz em termos absolutos, não se tornando o Estado parte no
tratado, quer em relação àquela parte, quer em relação a todas as outras.

No entanto, se uma das partes, apesar da oposição de outras ou outras, estiver disposta a aceitar ainda assim
a vinculação parcial (mas tal tem de ficar claro), estar-se-á perante um novo tratado bilateral entre esta parte
aceitante e a parte autora da vinculação parcial. Este tratado, por ter partes parcialmente distintas do tratado
multilateral, fica sujeito ao regime geral dos tratados sucessivos sobre matérias coincidentes- 30º/4 e 5.

A resposta à questão de saber se aceitação das restantes partes pode ser meramente tácita parece ser
afirmativa. Assim, o prazo em que caduca o direito das restantes partes de rejeitarem a vinculação parcial será
idêntico- à luz das CVDT, 12 meses; à luz do direito costumeiro, o prazo a aplicar será de 3 meses.

Outra possibilidade é a vinculação parcial ser determinada artigo a artigo ou mesmo disposição a disposição.
Nesta forma, além de ter de respeitar o regime descrito, o Estado terá de identificar claramente quais as
disposições a que se vincula- 17º/2. Caso não o faça, o seu consentimento será ineficaz, isto é, o Estado não
se tornará parte no tratado.

23
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 As Reservas: um sujeito internacionalmente capaz vincula-se apenas à parte principal do tratado.

A CVDT69 define reserva no seu art. 2º/1 d) como uma “declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação
ou denominação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita, aprova ou adere a um tratado, por meio
da qual se pretende excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado quanto à sua
aplicação a esse Estado”.

Este é um ato unilateral embora sem autonomia jurídica em relação ao tratado, pois integra-se no seu
procedimento de conclusão. Os seus efeitos encontram-se, pois, dirigidos exclusivamente em relação ao
tratado.

A reserva não pode criar uma nova disposição, apenas pode excluir ou modificar os seus efeitos. Assim, um
Estado apenas pode excluir ou modificar direitos das outras partes ou os seus próprios deveres previstos no
tratado.

Coloca-se, contudo, a questão de saber se, não podendo criar uma nova disposição, a reserva poderá, ainda
assim, modificar a disposição no sentido do seu alargamento (reservas extensivas ou positivas). A questão
divide a Doutrina: contra esta possibilidade temos Remiro Brotóns e Giorgio Gaja. No entanto, a prática parece
apoiar a existência desta figura.

Em redor da reserva circulam algumas figuras:

 Declarações Interpretativas:

Declarações emanadas por Estados ou outras entidades capazes, pelas quais apresentam a sua perspetiva
relativa à interpretação de algumas disposições do tratado. O seu efeito útil é chamar a atenção das partes
para alguns aspetos menos claros que interessa ao autor da declaração ver respeitados.

No entanto, muitas vezes estas alegadas declarações interpretativas são criativas. Contêm uma interpretação
da disposição que têm por objeto nada que tenha a ver com o conteúdo destas. Nesta situação, a declaração
é na realidade uma reserva. Por este motivo, as CVDT estabelecem na noção referida que a reserva não o
deixa de ser pelo facto de ter uma dada redação ou denominação. O que importa saber é a substância e não
a forma: a questão é saber se o ato jurídico unilateral de facto altera ou não os efeitos da disposição que tem
por objeto. Sendo na realidade uma reserva, a “declaração interpretativa” fica simplesmente sujeita ao regime
das reservas.

Também no caso de a interpretação ser discutível, mas limitadora dos efeitos ou extensiva, mas de forma
marginal, deve ficar sujeita ao regime das reservas, a menos que decorra da declaração que o seu autor não
pretendeu minimamente alterar os efeitos da disposição objeto desta. Se lhe for aplicável o regime das
reservas, a aplicação do tratado em relação ao autor da reserva terá de seguir aquela interpretação.

O facto de um tratado proibir reservas não quer dizer que prejudique a possibilidade de apresentar
declarações interpretativas.

Pode ainda suceder que a “declaração interpretativa”, na realidade, vá ainda mais longe e crie
verdadeiramente uma nova disposição; isto é, o seu sentido seja o de atribuir novos direitos ao seu autor ou
deveres às outras partes, que nada têm a ver com o conteúdo da disposição “interpretada”. Neste caso, não
é possível reconduzi-la à categoria de reserva. Uma declaração desta espécie não passará então de uma
proposta de modificação do tratado que, nos termos gerais, apenas terá efeitos em relação aos Estados ou
outras partes que as aceitarem expressamente ou por outros atos claros. Neste caso, cria-se um tratado
bilateral derrogatório entre o seu autor e cada um dos aceitantes, que fica sujeito aos limites gerais destes.

24
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Se não existir recurso a um tribunal para qualificar estas declarações como meramente interpretativas,
reservas ou propostas de modificação, caberá às outras partes e outras entidades com direito a tornar-se
partes qualificar a situação e agir em conformidade.

 Declarações Políticas:

Vulgarmente no momento da assinatura, mas também no momento da vinculação, especialmente os Estados,


têm alguma tendência para aproveitar a ocasião para apresentar declarações motivadas politicamente. Desde
protestos pelo modo como decorreu a negociação, passando por autoelogios, até apologias de certos
princípios político-jurídicos. Regra geral, estas declarações são completamente destituídas de efeitos jurídicos.

Exceções serão as declarações de não reconhecimento de Estados ou de algum outro sujeito parte ou
negociante, que alguns Estados por vezes apresentam no momento da assinatura ou vinculação a um tratado
multilateral. Na maioria dos casos, estas declarações compreendem verdadeiras recusas de estabelecer
relações convencionais com a parte objeto do não reconhecimento.

Mas, mesmo nestes casos, não se trata de reservas. Não é o âmbito material da Convenção que é limitado. No
caso de tratados que imponham obrigações erga omnes, esta recusa de estabelecer relações convencionais é
essencialmente inútil do ponto de vista jurídico. O Estado continua obrigado a respeitar integralmente as
normas do tratado mesmo que tal beneficie de forma indireta o Estado que recusa reconhecer.

 Declarações relativas a Tratados Bilaterais Simples:

Declarações unilaterais que restringem efeitos de disposições em tratados bilaterais simples. De facto, as
reservas são atos próprios dos tratados multilaterais.

Quando estes são adotados em conferências internacionais, a regra da maioria na adoção do texto pode não
deixar aos membros da minoria outra alternativa se não escolher entre não se vincularem ou recorrerem a
reservas.

Contudo, uma alteração de opinião pode igualmente verificar-se em relação a um tratado bilateral simples.
Neste caso, a parte pode optar por reabrir formalmente as negociações ou pode vincular-se ao tratado com
uma ou mais declarações restritivas das disposições do tratado, remetê-las à outra parte e aguardar a sua
reação. Cas esta aceite as restrições, o tratado entra em vigor com tais limitações.

Por que motivo é que neste caso não se trata de reservas? Na verdade, existiu uma modificação pura e simples
do tratado que implicou, portanto, a sua revogação parcial. De facto, a reserva pressupõe uma mera
derrogação da disposição que tem por objeto entre o seu autor e as restantes partes, não afetando as relações
entre estas. Não há, pois, uma revogação, mas uma derrogação. A disposição continua inalterada no que diz
respeito às outras partes entre si. No caso de uma “reserva” a um tratado bilateral entre partes simples, já se
dá uma revogação. A vontade conjunta do seu autor e do destinatário é a mesma que criou o tratado e a
disposição é mesmo alterada para todas as situações jurídicas a que se vai aplicar.

- Requisitos jurídicos: quanto ao objeto:

As regras gerais sobre a matéria encontram-se parcialmente codificadas nas CVDT, no art. 19º, especialmente
na alínea a. Assim, no silêncio do tratado, em princípio será possível formular reservas a qualquer tratado

25
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

multilateral. Trata-se de uma norma confirmada pela generalizada prática de formular reservas em relação a
tratados que nada dizem sobre a matéria.

O art. 19º/a) apenas consagra o caso de o tratado proibir as reservas. Mas, desde logo, é necessário entender
que tal proibição pode não constar do instrumento principal do tratado, tendo ficado estabelecido numa
estipulação verbal ou mesmo tácita, estipulações que fazem igualmente parte do tratado.

Mas pode ainda suceder que tal proibição de reservas não conste do próprio tratado, mas sim de um outro
tratado; por exemplo, do tratado constitutivo de uma organização internacional em relação a tratados
adotados no seu âmbito.

A consequência de um Estado fazer uma reserva em relação a um tratado que as proíbe é a ineficácia da sua
vinculação.

Este regime resulta de disposições das CVDT, como o art. 17º/1 e 2 e art. 20º/4 c) a contrario e está de acordo
com o princípio geral do consentimento.

- Requisitos jurídicos: quanto ao conteúdo:

Deve-se distinguir entre os requisitos quanto ao conteúdo decorrentes do DIP Costumeiro e os decorrentes
do DIP Convencional: estes últimos podem constar do próprio tratado ou de um outro tratado.

 Decorrentes do DIP Costumeiro: o Ius Cogens

Tal como os tratados estão sujeitos ao Ius Cogens, também as reservas o terão de estar. Se um acordo formal
não pode derrogar validamente uma norma iuris cogentis, muito menos será possível atingir o mesmo objetivo
pelo jogo das reservas e aceitações em relação a uma disposição de um tratado codificatória de uma daquelas
normas.

Não é necessário que a reserva imponha um dever contrário ao Ius Cogens, basta que libere as partes de um
dever imposto por este. O facto de uma reserva levar a que uma disposição de um tratado seja modificada de
modo a permitir algo que é contrário a uma norma iuris cogentis é suficiente para a considerar nula.

Pelo contrário, se se tratar de uma reserva extensiva ou positiva que, portanto, modifique a disposição do
tratado no sentido de alargar o âmbito de proteção desta, em princípio será válida, dada a dimensão supletiva
do Ius Cogens.

Contudo, a declaração de nulidade de uma reserva por um Estado não vincula o seu autor; as partes terão de
chegar a acordo ou recorrer a um terceiro imparcial.

 Decorrentes do DIP Costumeiro: o Ius Dispositivum

Por princípio, nada impede que um Estado derrogue obrigações puramente bilaterais como as decorrentes do
Direito Dispositivo se o Estado afetado consentir. O problema está na forma do consentimento: à luz do regime
das reservas basta o silêncio. Ao permitir que um Estado por meio de reserva seguida de silêncio dos restantes
Estados derrogue uma norma costumeira dispositiva, estar-se-á a permitir derrogações mais expeditas por
meio de reserva do que por meio de tratado.

Regra geral, uma objeção simples não impede que a reserva produza os seus efeitos; ora, um Estado que
objeta a uma reserva contrária ao DIP Costumeiro Dispositivo não pode ver prejudicado os seus direitos

26
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

costumeiros. Acresce que o Estado autor pode sempre revogar unilateralmente a reserva, mas o Estado
aceitante não pode revogar a sua aceitação.

Do lado contrário, também de podem avançar argumentos atendíveis no sentido da permissão destas
reservas. Estanto em causa normas costumeiras dispositivas que, portanto, tutelam meros interesses privados
internacionais de cada Estado, cabe a estes a sua defesa. Se se abstêm de o fazer parece que estarão a dispor
dos seus direitos costumeiros, de forma semelhante à de um tratado.

Ainda assim, considera-se que a solução terá de ser a da rejeição de reservas contrárias ao DIP Costumeiro
Dispositivo. É inaceitável que um Estado apesar de ter objetado a uma destas reservas veja ainda assim esta
limitar os seus direitos costumeiros ou que o mero silêncio equivalha a aceitação.

 Decorrentes do DIP Costumeiro: respeito do objeto e fim do tratado

Será a proibição constante do art. 19º/c) uma norma costumeira?

A proibição de formular reservas que sejam contrárias ao objeto e fim do tratado é um exemplo paradigmático
de uma criação jurisprudencial. Não existia qualquer precedente nesse sentido, no entanto, uma vez adotado
jurisprudencialmente, passou a ser um dado teoricamente adquirido.

Também na sua prática internacional, os Estados invocam muitas vezes a desconformidade com o objeto e o
fim do tratado como fundamento para objetarem a uma reserva.

No entanto, por detrás destas afirmações, verifica-se que a consequência que naturalmente decorreria da
formulação de uma reserva contrária ao fim e ao objeto do tratado nunca é invocada: a ineficácia absoluta do
consentimento do Estado.

Regra geral, é praticamente impossível decidir com pura objetividade se uma reserva é ou não contrária ao
fim e ao objeto do tratado. Na falta de uma autoridade jurisdicional ou outra, a apreciação da conformidade
da reserva com este parâmetro cabe aos restantes Estados. Porém, a maioria destes, se os seus interesses
diretos não estiverem em causa, nem se dará ao trabalho de objetar. Ora, será sempre difícil aplicar uma teoria
destas sem existir uma entidade com competência para avaliar a conformidade das reservas com o tratado.

Na verdade, serão poucas as reservas que não “afetem o objeto e fim do tratado”. Praticamente todas as
normas do tratado são necessárias para a tutela e realização daqueles, caso contrário serão inúteis. Desta
circunstância não se pode concluir que estas reservas sejam proibidas. Será necessário fazer uma ponderação
dos valores e interesses em colisão para chegar a uma conclusão.

 Decorrentes do DIP Convencional

Para lá dos limites impostos pelo DIP Costumeiro, também os próprios tratados, ou outros tratados, podem
impor restrições ao conteúdo das reservas.

Assim, os tratados podem apenas permitir certas reservas, podendo deduzir-se desta circunstância que outras
reservas ficam proibidas- 19º/b). Também é possível que proíbam certo tipo de reservas, determinadas em
função da sua formulação: por exemplo, o facto de serem demasiado vagas, genéricas ou limitarem-se a
remeter para o direito interno. Pode ainda suceder que proíba diretamente reservas contrárias ao objeto e
fim do tratado ou mesmo que remeta para o regime de outro tratado.

27
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

As restrições às reservas podem igualmente constar de outro tratado. Por exemplo, a restrição imposta pelo
19º/c) tem tido dificuldades de aplicação à luz do DIP Costumeiro, mas será que entre as partes nas CVDT é
uma norma operacional?

Na aplicação das CVDT, as suas partes encontraram as mesmas dificuldades que os restantes Estados à luz do
DIP Costumeiro. Indeterminação do parâmetro, controlo anárquico, desrespeito sistemático da proibição e da
respetiva sanção. Parece pois que na ausência de uma autoridade para se pronunciar sobre a compatibilidade
das reservas, não existem consequências para a formulação de uma reserva contrária ao objeto e fim do
tratado. Esta reserva ficará, como as restantes, sujeita à dialética das aceitações e objeções e ao regime
estabelecido para todas as outras reservas, previsto no art. 20º. O art. 19º/c) é, pois, juridicamente irrelevante.

- Requisitos jurídicos: quanto ao momento da formulação:

Segundo as CVDT, as reservas devem ser feitas aquando do momento da sua vinculação.

De qualquer modo, se o Estado ou outro sujeito capaz tiver formulado reservas no momento da mera
assinatura que, portanto, não o vincula, deverá confirmá-las no momento da sua vinculação- 23º/2. Assim,
não é possível formular uma reserva depois da vinculação. Uma reserva posterior será já uma alteração de
uma norma a que o Estado está vinculado, portanto, um desvio ao princípio Pacta sunt servanda.

Contudo, este princípio embora de grande importância, não é imperativo ou sequer inderrogável. O próprio
princípio, em associação com o princípio da boa fé de que é um corolário, pode impor derrogações a si próprio
caso as partes as convencionem. Assim, se as partes assim o autorizarem, nada impede a formulação de uma
reserva posterior à vinculação. Contudo, a regra da unanimidade da aceitação da reserva tem de ter aqui plena
aplicação. Bastará então uma objeção (de um Estado que já se tenha vinculado!) para que a reserva seja
ineficaz.

Aqui, atente-se, será a reserva a ficar sujeita a ser ineficaz e não o Estado que já se encontra válida e
eficazmente vinculado.

- Requisitos jurídicos: quanto à forma:

As CVDT exigem a forma escrita para as reservas, para as suas aceitações expressas e para as objeções- 23º/1.
Também a revogação das reservas ou das objeções devem ser realizadas por escrito- 23º/4.

A falta de forma escrita é, nos termos gerais, causa de ineficácia jurídica destes atos. Claro que isto já não se
aplicará aos tratados orais, nos quais a reserva é feita oralmente, pois a vinculação tende a ser imediata.

O art. 23º/1 estabelece que as reservas, as aceitações expressas e as objeções, para produzirem efeitos têm
de ser comunicadas às restantes partes. Este regime também é aplicável às revogações- 22º/3. Trata-se de
uma disposição que confere natureza recetícia a estes atos jurídicos unilaterais. A sua comunicação aos
destinatários é condição de eficácia jurídica.

Esta comunicação deve ser feita não só às partes, mas também aos Estados autorizados a tornarem-se partes.

Mas regra geral, cada Estado não envia cerca de 192 notificações para todos os restantes. Limita-se a
comunicar ao depositário do tratado o seu ato, sendo que este irá faer as restantes notificações.

É a partir da data da receção da notificação que se começam a produzir os efeitos do ato em relação ao sujeito
notificado e, regra geral, a contar os prazos da aceitação tácita.

28
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Admissibilidade Concreta:

O facto de uma reserva respeitar todos os requisitos descritos não significa necessariamente que venha a
produzir os seus efeitos. Esta, salvo num caso, necessita de ser aceite, ao menos por um Estado.

A exceção, em que uma reserva não necessita de ser aceite para produzir efeitos, é quando se trata de uma
reserva expressamente aceite pelo próprio tratado- 20º/1.

 Regime geral:

Fora deste caso, o regime geral é de uma liberdade extrema. As reservas para produzirem efeitos apenas
necessitam de ser aceites por um Estado e a sua aceitação pode ser tácita- 20º/4 c). Os Estados que queiram
objetar a uma reserva devem fazê-lo no prazo de 12 meses contado desde que foram notificados da reserva
ou da data em que se vincularam ao tratado, aplicando-se o prazo mais largo- 20º/5.

Este é o regime geral; há contudo, três casos particulares:

 Reserva autorizada expressamente por um tratado:

Neste caso, não se exige a aceitação posterior dos outros Estados Contratantes, a menos que o tratado assim
o preveja.

 Em face dos tratados restritos:

Está-se perante uma reserva a um tratado multilateral restrito e o seu objeto e fim apontam no sentido de
cada parte considerar essencial para o seu consentimento que todas as restantes estejam vinculadas
integralmente ao tratado. Neste caso, será necessário a aceitação da reserva por todas as partes. Trata-se de
uma manifestação da tradicional regra da unanimidade.

Os dois referidos pressupostos são cumulativos; não basta estar-se perante um tratado restrito, é ainda
necessário que o objeto e o fim do tratado o imponham. O facto de o tratado ser fechado (não permitir a
adesão de outros Estados que não os negociantes) e ter um número de negociantes inferior a 10 será um
elemento que poderá apontar no sentido da aplicação deste regime.

 Em face de tratados constitutivos de organizações internacionais:

As CVDT estabelecem que uma reserva formulada a estes tratados deve ser aceite pelo órgão competente da
organização internacional, a menos que outro regime tenha sido criado expressa ou implicitamente- 20º/3.
Este regime será aplicável igualmente a tratados que alterem tratados constitutivos, por identidade de razão,
embora regra geral estes sejam alterados pelo sistema da emenda.

Embora os tratados constitutivos de organizações internacionais tendam a não estabelecer expressamente a


competência para esta aceitação, esta caberá ao órgão (ou órgãos) competente para a admissão de novos
membros. A maioria de votos necessária para a aceitação deve ser a prevista no próprio tratado constitutivo
ou nas regras internas adotadas à sua luz para a admissão de novos membros.

Efeitos das reservas, aceitações e objeções:

 A relatividade dos efeitos da reserva: a reserva apenas afeta as relações entre o sujeito autor desta
e as outras partes, mas não as relações entre estas- 21º/2.

29
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 Efeitos em relação a disposições que impõem obrigações bilaterais: os efeitos são distintos em
função de se estar perante uma disposição que impõe obrigações indivisíveis ou que impõe obrigações
bilaterais. O regime dos efeitos das reservas às disposições que impõem obrigações bilaterais
encontra-se no art. 21º. Se a reserva for admissível, em relação aos Estados que a aceitarem, expressa
ou tacitamente, esta implica a exclusão ou modificação do efeito da disposição que tem por objeto-
21º/1.

Em relação às objeções, as CVDT identificam duas espécies: a simples e a qualificada. No primeiro caso, o
Estado limita-se a apresentar uma objeção à reserva que implica que a disposição afetada pela reserva só se
aplicará nos limites previstos pela reserva- 20º/4 b) primeira parte e 21º/3- isto é, apesar de um dos Estados
parte no tratado objetar à reserva, tal não lhe torna inoponível a esta reserva; esta continua a aplicar-se. Já a
objeção qualificada impede que o tratado entre em vigor entre o Estado autor da reserva e o Estado objetante-
20º/4 b) segunda parte e 21º/3. Qualquer Estado tem o direito de recusar vincular-se com um Estado a um
tratado alterado por uma reserva formulada por este; deve é declará-lo expressamente, pois se tal não ficar
claro, presume-se que a objeção é simples.

Convém referir que, se não houver pelo menos uma aceitação, a reserva não produz efeitos. Já se houver pelo
menos uma aceitação e todos os outros Estados façam objeções simples, a reserva produz na mesma efeitos,
mesmo em relação aos Estados que objetaram.

Mas, para além destas duas espécies de objeções, a prática sugere que o DIP Costumeiro aceita outras formas
de objeções, como as parciais, ou figuras anómalas bem mais importantes como objeções preventivas ou
objeções-reservas (página 285).

 Efeitos em relação a disposições que impõem obrigações indivisíveis: o regime costumeiro (21º/1 e
3) não tem aplicação quando estejam em causa disposições que impõem obrigações indivisíveis.
Mesmo uma objeção qualificada não tem efeitos práticos em relação a reservas feitas em relação a
disposições que impõem este género de obrigações. O facto de não se estabelecerem relações
convencionais entre o Estado autor da reserva e o Estado objetante, não impede que este continue a
ter de cumprir o tratado integralmente em relação a todos os indivíduos que se encontrem sob sua
jurisdição, mesmo os que sejam da nacionalidade do autor da reserva.

As obrigações indivisíveis são obrigações que não são suscetíveis de segmentação, impõem-se à totalidade
dos Estados. As obrigações bilaterais são obrigações recíprocas, que têm apenas efeitos inter partes. As
reservas a obrigações indivisíveis não carece de aprovação

Revogação de reservas e objeções:

As reservas têm um regime específico quanto à sua revogação. Podem ser revogadas livremente e sem limite
de prazo, a menos que o tratado estabeleça o contrário. Os Estados objetantes ou aceitantes da reserva não
têm qualquer direito de se opor a este ato- trata-se do regime costumeiro codificado no art. 22º/1 e 2.

O mesmo regime vigora para as objeções.

Já não é admissível a revogação das aceitações. Se existe um prazo para as objeções que uma vez ultrapassado
conduz a uma aceitação tácita, faria pouco sentido a revogação da aceitação. Uma revogação das aceitações
por parte de todas as partes faria com que o Estado autor deixasse de ser parte.

30
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 Momento da Vinculação:

Nos casos de tratados orais e dos restantes tratados informais, como os simples acordos em forma
simplificada, o momento da vinculação dá-se imediatamente com a prática do ato relevante do
consentimento. Este é dado de forma presencial e produz automaticamente os seus efeitos.

Quando o consentimento é dado por um ato posterior que segue um procedimento interno, a data do ato
interno da aceitação, aprovação, ratificação, confirmação formal ou adesão é internacionalmente irrelevante
para o momento da vinculação.

O momento da vinculação é o da data do episódio do instrumento de vinculação junto do depositário do


tratado, quando multilateral, ou de troca de instrumentos entre as partes, quando bilateral. Isto a menos que
as partes tenham disposto em contrário, por exemplo, consagrando a possibilidade de a mera notificação da
prática do ato interno de vinculação bastar à vinculação internacional- 16º. Tal deve-se ao caráter recetício
destes atos. A sua mera prática é juridicamente irrelevante, apenas com a sua notificação às outras partes
ganha eficácia; notificação que, salvo acordo em contrário, nem sequer retroage os seus efeitos à data da
prática do ato interno de vinculação.

 Entrada em Vigor:

Em princípio, um tratado apenas produz efeitos depois de terem sido completados os passos referidos pela
sua conclusão.

Viu-se, contudo, que as normas relativas ao Tratado enquanto ato jurídico entram em vigor imediatamente a
seguir à adoção do texto (24º/4) e que a mera assinatura tem efeitos em relação a um mínimo normativo que
é necessário respeitar para que não seja frustrado o objeto e fim do tratado- 18º/a).

Existem ainda mais duas situações em que decorrem efeitos de um tratado antes de este entrar formalmente
em vigor:

1. Respeito pelo objeto e fim entre a vinculação e a entrada em vigor: é uma obrigação de conteúdo
idêntico à decorrente da mera assinatura do tratado- 18º/b).

Coloca exatamente os mesmos problemas quanto à determinação do seu âmbito, mas o seu caráter
costumeiro é mais pacífico.

2. Aplicação provisória: possibilidade de ficar consagrado no tratado, ou tal ser acordado por qualquer
outra forma pelas entidades negociantes que este, ou parte deste, entra provisoriamente em vigor
imediatamente- 25º/1.

Este regime sujeita-se inteiramente ao princípio do consentimento e tem tido apoio na prática dos Estados,
sendo meramente codificatório. O caráter provisório desta aplicação deve-se à possibilidade que um Estado
tem de terminar unilateralmente essa aplicação caso decida não se vincular ao tratado- 25º/2.

 Entrada formal em vigor:

As normas internacionais nesta matéria são dispositivas. Assim, um tratado pode, designadamente, dispor que
entrará em vigor logo que duas entidades negociantes se vinculem, pode exigir a vinculação de metade destas
entidades ou um nº preciso de vinculações, sem distinguir se são entidades negociantes ou adesões de outras

31
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

entidades. Regra geral estipula-se, porém, ainda um prazo de intervalo entre a data internacional
(normalmente, a do depósito do instrumento) da última vinculação necessária e a data da entrada em vigor,
que varia em função da complexidade do tratado.

Este período destina-se, em primeiro lugar, a permitir que as partes sejam notificadas da reunião dos
requisitos à entrada em vigor. Em segundo lugar, o prazo serve para que as partes adotem eventuais medidas
jurídicas ou técnicas necessárias para a execução do tratado.

Mas na ausência de estipulação das partes, seja no próprio tratado, seja em tratado complementar, será
necessário recorrer à regra geral dispositiva, bastante exigente: será necessário que todas as entidades
negociantes se vinculem para que o tratado entre em vigor- 24º/2.

Pode suceder, contudo, que quando um sujeito deposita o seu instrumento de vinculação, o tratado já esteja
em vigor. A regra, nesta situação, é a de que o tratado entra em vigor em relação ao sujeito na data do
depósito, a menos que tenha sido estabelecido regra diferente- 24º/3.

Tratados Contraditórios

◊ Contradição entre Tratados

As questões relevantes nesta sede são as que se prendem com a contradição entre dois tratados com partes
parcialmente distintas. Seja, por exemplo, o caso de um Estado se obrigar por tratados bilaterais a prestar o
mesmo bem jurídico a dois Estados diferentes, seja o caso de alguns Estados partes num tratado multilateral
celebrarem um tratado bilateral ou multilateral restrito contraditório com aquele, criando uma derrogação.

1) Contradições Simples

O Estado A celebra com o Estado B um tratado pelo qual se compromete a ceder uma obra de arte ao Estado
B. Posteriormente, celebra um tratado idêntico com o Estado C. Qual o modo de resolver esta contradição?
Um dos tratados é inválido?

Muitos autores responderam afirmativamente a esta questão, entendendo que nesta situação o segundo
tratado seria nulo na parte conflituante com o primeiro. Outros pretenderam que o tratado posterior não seria
nulo, mas as obrigações impostas pelo primeiro deveriam prevalecer, devendo o Estado ou Estados titulares
dos direitos conferidos pelo segundo tratado ser indemnizados, se de boa fé.

Porém, reconhece-se de forma tendencialmente pacífica que não vigora no DIP qualquer norma que implique
a nulidade, nem mesmo meramente relativa, do tratado incompatível posterior, ainda que as partes sejam
parcialmente diferentes, e que não existe mesmo nenhuma regra geral de prioridade entre os tratados.

Foi este o regime consagrado no arrt. 30º/4 e 5. Assim, o nº4 vem estabelecer que ambos os tratados são
válidos. Neste caso, a sua alínea b) afirma que o Estado A deve respeitar cada um dos tratados em relação ao
Estado B e C. Por isso, o nº5 vem afirmar que as normas do nº4 não prejudicam qualquer questão de
responsabilidade internacional para o caso de a execução de ambos ser impossível. Assim, ambas as
obrigações convencionais conflituantes serão válidas e, a menos que o Estado A, que se encontra duplamente
vinculado, obtenha o consentimento do Estado B ou C, ficará numa situação jurídica dilemática, que implicará
sempre responsabilidade internacional em relação ao Estado perante o qual não cumprir o tratado.

32
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

2) Contradição com a Carta das Nações Unidas- 103º

O art. 103º CNU tem suscitado algumas interpretações divergentes.

Há quem sustente que este estabelece a nulidade das disposições de um tratado contrárias à CNU. Na
realidade, este não estipula tal desvalor. O art. 30º/1 CVDT69 ainda procura não tomar posição, deixando
entreaberta a possibilidade da CNU ser uma exceção ao regime geral. Mas o art. 30º/6 CVDT86,
correspondente, limita-se a reproduzir o art. 103º CNU.

Acresce que a conformidade das disposições de um tratado com a CNU, para efeitos deste artigo, não deve
ser apurada em abstrato, mas em concreto. É perante uma contradição numa dada situação jurídica concreta
que se deve decidir se existe uma contradição de obrigações. Caso esta se verifique, a CNU limita-se a afirmar
que as suas disposições prevalecerão; as disposições contrárias de um tratado continuarão a aplicar-se de
futuro se a contradição for limitada temporalmente ou materialmente.

O valor do art. 103º não é, contudo, líquido. Significa este que as disposições do tratado contrário perdem
qualquer valor obrigatório no caso concreto? A invocação do art. 103º é uma causa legítima de inexecução de
um tratado contrário?

A resposta não pode deixar de ser positiva. Qualquer outra solução faria com que o art. 103º perdesse
relevância prática. Perante uma contradição concreta de disposições entre um qualquer tratado e a CNU, não
restam dúvidas que um tribunal internacional dará prevalência às desta.

Cabe, contudo, sublinhar que em relação a um Estado não membro da ONU, um Estado membro não pode
invocar o art. 103º como fundamento para justificar o incumprimento de um tratado. Apenas os Estados
membros aceitaram conferir prevalência à CNU.

Como sublinham as CVDT no seu art. 30º/2, nada impede que as partes estabeleçam a prevalência das
disposições constantes de um tratado, ou que estabeleçam a sua sujeição a outro tratado. Neste caso, as
regras de prevalência serão aplicadas, mas somente entre as partes nos termos gerais da eficácia relativa dos
tratados.

◊ Derrogações a Tratados Multilaterais

Situação de conflito entre as normas de um tratado multilateral e as de um tratado restrito posterior que vise
derrogar ou suspender aquelas entre as partes sem que, portanto, intervenham todas as partes do primeiro.

a) Regime Geral

Esta matéria está regulada no art. 41º e 58º, estabelecendo-se um regime baseado no princípio costumeiro
referido da não obrigatoriedade dos tratados para terceiros, mas claro, da sua plena obrigatoriedade para as
partes. Estes artigos são idênticos, uma vez que a suspensão acaba por constituir uma forma específica da
derrogação.

É um regime tecnicamente pouco conseguido, pois não trabalha com o conceito de obrigação erga omnes,
mas que, substancialmente, acaba por não se afastar do regime costumeiro desde que interpretado
devidamente.

A regra geral é a de que, se as disposições do tratado multilateral derrogadas impuserem obrigações


puramente recíprocas, a conclusão e execução de um tratado derrogatório serão legítimas, não provocando

33
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

qualquer responsabilidade dos Estados partes. Se o tratado expressamente estabelecer que a derrogação é
admissível, a demonstração do caráter meramente recíproco das obrigações que impõe será automático-
41º/1 a) e 58º/1 a).

É ainda exigido que as partes que pretendam concluir um tratado derrogatório notifiquem as partes no tratado
derrogado desta intenção e de quais as disposições que serão derrogadas- 41º/2 e 58º/2.

Esta regra da admissibilidade de derrogações é, contudo, afastada se o próprio tratado multilateral proibir a
sua derrogação ou se estiverem em causa disposições que impõem obrigações indivisíveis - normas
convencionais indisponíveis. As CVDT procuram estabelecer este regime no art. 41º/1 b) e 58º/1 b).

b) Normas Convencionais Imperativas

À luz do DIP Costumeiro, os tratados não invalidam tratados contrários. Mas cabe questionar se esta regra é
uma norma iderrogável por motivos lógico-jurídicos, devido ao conceito e posição hierárquica do tratado nas
Fontes de DIP, ou se, ao contrário, é uma norma dispositiva. Na segunda hipótese, será possível por vontade
das partes atribuir eficácia invalidatória a um tratado multilateral contra tratados derrogatórios restritos a
alguns Estados partes, sendo pois configuráveis normas convencionais imperativas.

Assim, imagine-se que os Estados A, B e C celebram um tratado com tal cláusula nulificadora de tratado
contrário, e depois B e C por sua vez celebram precisamente um tratado contrário. Será o segundo tratado
nulo? Para se admitir a nulidade deste tem de se aceitar que o princípio Pacta sunt servanta é, ao menos de
forma limitada, derrogável, porque de facto, ao estabelecer a cláusula nulificadora, as partes estão a derrogar
este princípio em relação a futuros tratados contrários ao celebrado.

Têm sido invocadas razões lógicas para defender que o segundo tratado seria válido. Afirma-se que o princípio
Pacta sunt servanda seria logicamente inderrogável pois, para o derrogar, teria de se admitir um princípio
superior que regulasse esses atos derrogatórios; ou que, não havendo qualquer hierarquia entre os tratados,
um não poderia impor condições de validade a outros, cada tratado seria um ato jurídico autónomo que
estabeleceria ligação direta com o princípio Pacta sunt servanda, ligação que não poderia ser posta em causa
por outro tratado.

Mas o 1º argumento depende de se considerar que o princípio Pacta sunt servanda como norma fundamental
do Ordenamento Internacional, o que não é aceitável. Acresce que se julga que este princípio regula e impõe
o respeito das suas próprias derrogações, desde que limitadas.

O 2º argumento merece algum crédito: um tratado não poderia estabelecer limites de validade a um outro,
visto encontrarem-se no mesmo plano hierárquico em relação ao princípio Pacta sunt servanda. Contudo, o
Direito não pode determinar-se por meros raciocínios formais. Efetivamente, julga-se que é o próprio
princípio, em associação com o princípio da boa fé, que impõe a validade e eficácia das suas derrogações; e,
portanto, que impõe a “nulidade” do tratado contrário, já que as partes se obrigaram juridicamente a assim o
considerar. À luz do DIP Costumeiro, o segundo tratado, ou algumas das suas disposições, será válido. No
entanto, se o Estado B e C se obrigaram por um tratado anterior a considerá-lo nulo, estão obrigadas pelo
próprio princípio Pacta sunt servanda/boa fé a assim o considerar, visto que, sem o concurso da vontade de
A, não podem revogar o tratado que celebraram com este.

A relevância da obrigação de considerar nulo o tratado terá efeitos meramente entre B e C. Efetivamente, esta
obrigação não significa que B e C têm um dever perante A de não cumprir um segundo tratado, pois tal dever
já decorreria, em qualquer caso, do primeiro tratado, contivesse ou não a cláusula imperativa/nulificadora.

34
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Esta cláusula e a consequente obrigação de considerar nulo o tratado significa apenas que, quer B quer C pode
legitimamente face ao outro recusar-se a cumpri-lo, sem com tal incorrer, em princípio, em qualquer
responsabilidade.

◊ Contradições com Situações Jurídicas Absolutas

A regra geral da validade de tratados contraditórios não é excecionada pelos tratados objetivos, que
estabelecem uma cessão territorial, uma fronteira ou, de uma forma geral, criam servidões internacionais ou
outros direitos menores territoriais. Portanto, tratados que reconhecem, a favor de uma entidade distinta do
titular da soberania sobre um território, determinados direitos absolutos (oponíveis erga omnes) menores,
com algumas semelhanças aos direitos reais.

Embora se tenda a sustentar que a contradição de um tratado com um destes tratados objetivos acarreta a
nulidade do primeiro, parece que os termos da questão devem ser outros. De facto, nestas situações, não
existe já uma colisão entre tratados e sim uma colisão entre um tratado posterior e um direito absoluto, que
teve somente o seu título num tratado anterior, que é tutelado pelo DIP Geral, tendo ganhado autonomia face
ao tratado.

Não parece que sejam os tratados que efetivamente estabelecem situações jurídicas. Julga-se que os tratados
de cessação não têm efeitos imediatos quanto à titularidade da soberania, criando apenas deveres de entregar
a jurisdição do território ao Estado adquirente. Assim, será a “posse”, a aquisição efetiva da soberania ou da
servidão o exercício público destas, ainda que tendo na sua base um título legítimo, que criará estas situações.

 Invalidade, Extinção e Suspensão

 Tipicidade das causas?

As CVDT assumem, a este propósito, uma posição drástica. As partes ficam proibidas de invocar qualquer
causa de invalidade, extinção ou suspensão que não esteja prevista nestas Convenções- 42º. O seu nº2, tendo
em conta a prática dos Estados, estabelece que, em relação à extinção ou suspensão, já é admissível que o
próprio tratado de que se pretendem desvincular formalmente estabeleça outras causas.

São compreensíveis as preocupações das CVDT em relação a estas figuras, uma vez que constituem uma
limitação adicional ao âmbito do princípio Pacta sunt servanda.

No entanto, julga-se não fazer sentido que a regra seja expressamente dispositiva para as causas de extinção
e suspensão, mas já não para as de validade. A explicação (que não é uma justificação) para esta distinção
prende-se com a prática dos Estados. É frequente os tratados estabelecerem causas para a sua própria
extinção, mas não estabelecerem causas de invalidade. De qualquer modo, não se tem grandes dúvidas de
que os Estados ou outras entidades capazes podem convencionar outras causas de invalidade, mesmo que
sejam partes nas CVDT.

E, ao contrário do que sustenta o 42º/2, não será apenas no próprio tratado, mas também em qualquer outro,
desde que feito com caráter genérico, isto é, pretendendo as suas partes aplicar essa causa de invalidade a
todos os tratados celebrados entre si. As partes estarão simplesmente a derrogar o princípio Pacta sunt
servanda.

Assim, o efeito útil do artigo 42º será apenas o de ser fundamento, entre as partes, para a derrogação de
qualquer causa costumeira de invalidade ou extinção e suspensão não prevista nas CVDT.

35
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 Regras gerais

Apesar de as causas de invalidade e de extinção ou suspensão terem natureza distinta, ficam sujeitas a regimes
parcialmente idênticos. Desde logo, para a sua alegação, mas igualmente para a chamada separabilidade das
disposições de um tratado ou para a preclusão do direito de invocar estas causas.

O artigo 43º limita-se a declarar que se um Estado ou outra entidade já se encontra vinculado por força do DIP
Costumeiro ou por outra fonte, o facto de um tratado ou alguma das suas disposições que contém a mesma
obrigação ser inválido, ter-se extinguido ou ser suspenso, em nada afeta a anterior obrigação decorrente de
outra fonte.

a) Separabilidade das Disposições

Os artigos 44º consagram em DIP a figura da redução da Teoria Geral do Negócio Jurídico. Um tratado, pelo
facto de ser atingido por uma causa de invalidade, de extinção ou suspensão, não vê todas as suas disposições
afetadas. De facto, embora formalmente se anuncie pela positiva o princípio da unidade do tratado (2º), na
realidade, as exceções são de ordem a afirmar que o princípio é o da separabilidade.

A regra geral em matéria de separabilidade aplicável, com exceções quer à invalidade quer à extinção ou
suspensão, é a de que para ser admitida deve respeitar cumulativamente quatro condições, como estabelece
o seu nº3:

1. A causa atinge apenas uma ou algumas disposições;


2. A execução das restantes disposições do tratado é independente da disposição ou disposições
atingidas- nº3/a);
3. Não decorre do tratado ou não foi estabelecido por outra forma que a outra parte ou partes
consideraram a disposição ou disposições afetadas como base essencial do seu consentimento em
relação ao tratado no seu conjunto- nº3/b);
4. O equilíbrio original entre direitos e obrigações do tratado não é alterado de forma desrazoável, por
força da limitação dos efeitos da causa invocada em relação apenas às disposições atingidas- nº3/c).

O regime das CVDT estabelece depois regras particulares a algumas causas:

» Artigo 44º/5- nunca é aplicável o regime da separabilidade às invalidades decorrentes de coação sobre
o representante (51º), de coação sobre o Estado (52º) ou de derrogação originária de uma norma iuris
cogentis (53º). Em relação a esta última situação, o regime é desrazoável: existem casos em que
considerar que todas as disposições de um tratado são nulas somente porque uma delas derroga uma
normas iuris congentis é uma solução absurda. De facto, existe registo de prática da maioria dos
Estados que desconsidera esta norma, mesmo depois da entrada em vigor desta Convenção.

» Artigo 44º/1- regra particular para a denúncia, o recesso ou a suspensão por decisão unilateral
discricionária prevista no tratado. Nestes casos não será admitida a separabilidade, a menos que o
tratado o preveja ou as partes tenham convencionado por outra forma.

» Artigo 44º/4- disposição que faz levantar a questão do direito de invocar o regime da separabilidade.
Nos casos de dolo ou corrupção, a parte vítima (única que tem o direito de invocar estes vícios do seu
consentimento) poderá optar, se respeitadas as quatro condições do seu nº3, entre a invalidade do
tratado ou apenas de algumas disposições. A novidade é que, interpretando este nº4 a contrario,
chega-se à conclusão de que as outras partes podem, em geral, perante uma invocação de uma causa
de invalidade, extinção ou suspensão e uma pretensão de que tal causa tenha efeitos totais em relação

36
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

ao tratado, contrapor uma mera afetação parcial deste. Mas que, nos casos de dolo e corrupção, já o
não podem fazer, pelo menos sem o consentimento da parte vítima.

As CVDT não prevêem a possibilidade de existir, nos tratados multilaterais, a invocação de uma causa de
invalidade, extinção ou suspensão contra apenas alguma das partes e não contra as outras. A propósito da
análise de cada uma destas figiras em concreto, encontrar-se-ão bases para a admitir em determinados casos.
Será necessário estar-se perante tratados que imponham obrigações meramente bilaterais ou, pelo menos,
que esta diferenciação entre partes apenas se aplique em relação às obrigações meramente bilaterais do
tratado, quando este imponha igualmente obrigações erga omnes.

b) Perda do direito de invocar uma causa

Os artigos 45º das CVDT consagram a possibilidade da entidade com direito a invocar uma causa de invalidade,
extinção ou suspensão de um tratado, perder esse direito.

Este regime, contudo, apenas se aplica a causas que tenham subjacente interesses diretos das partes nos
tratados; portanto, violação do Direito interno, abuso de poderes, erro, dolo, corrupção, exceção do não
cumprimento e alteração de circunstâncias. De fora ficam as causas que têm subjacente interesses públicos
internacionais (coação sobre o representante ou sobre o Estado e ius cogens, vigente e superveniente), as que
decorrem de acordo das partes (54º/b), 57º/b) e 59º) ou previsão pelo tratado devido ao seu caráter
automático (54º/a) e 57º/a) ou a impossibilidade originária e superveniente e similares por força da realidade
das coisas (61º).

Esta perda do direito pode dar-se se, tendo tomado conhecimento da verificação dos factos constitutivos de
uma causa destas, a parte vier a confirmar expressamente a sua validade ou vigência(a)) ou vier a fazê-lo por
outros meios (b)). Ambas as formas devem ser consideradas costumeiras, estando plenamente de acordo com
o princípio do consentimento, pelo menos se interpretadas restritivamente.

Parece que cabe apenas ao Chefe de Estado, de Governo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros ou uma pessoa
por estes autorizada praticar atos de que decorra a aplicação deste preceito.

$ Invalidade

As CVDT consagram oito causas de invalidade, mas sujeitas a uma regra de tipicidade.

 Causas típicas e atípicas

Das causas consagradas pelas CVDT, sete delas são vícios do consentimento:

a) Violação de regras internas de competência;


b) Violação de restrição dos poderes;
c) Erro;
d) Dolo;
e) Corrupção;
f) Coação sobre o representante;
g) Coação sobre o Estado.

37
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Estas causas provocam apenas a invalidade do consentimento, não afetando a eficácia do tratado entre as
outras partes, a menos que se trate de um tratado bilateral simples. Sendo um tratado multilateral, a
invalidade do consentimento de uma das partes, na maioria dos casos, não afetará a continuidade do tratado
em relação às restantes partes.

Já a oitava causa de invalidade- derrogação do Ius Cogens-, é uma causa objetiva de invalidade, do próprio
Tratado ou, mais corretamente, da disposição viciada.

Este enunciado não é, contudo, exaustivo. Entre as causas de invalidade técnica cabe ainda referir a não
mencionada incapacidade do sujeito para celebrar o tratado e, a propósito dos vícios da vontade, deve ser
incluída a incapacidade intelectual do representante do Estado participante nas negociações quando o seu ato
vincule o Estado. Depois, teoricamente, não é de excluir sem mais alguns casos de erro-obstáculo na
manifestação da vontade Embora se julgue que não causa tecnicamente uma invalidade, mas uma ineficácia
absoluta, deverá ser igualmente referida a impossibilidade originária física de execução.

Quanto à relevância da regra da tipicidade constante do 42º/1 em relação a estas quatro causas adicionais, a
incapacidade intelectual do representante e o erro-obstáculo são puramente dispositivas. Por força do 42º/1,
as partes nas CVDT obrigam-se a de futuro não invocar estas duas causas. Entidades não partes nestas duas
Convenções poderão continuar a invocá-las.

 Natureza das Invalidades: nulidade absoluta e relativa

Assume-se a defesa que, em todas as oito causas tipificadas, se está perante nulidades, embora na maioria
dos casos se trate de nulidades sui generis.

De facto, apenas a figura da nulidade absoluta é um desvalor jurídico que respeita os requisitos que, à luz da
teoria geral do direito, são imputados à nulidade. A outra figura principal que se identifica, a nulidade relativa,
é um desvalor sui generis, com a característica principal da nulidade, o caráter automático, mas com outros
aspetos próprios da anulabilidade.

 Nulidades Absolutas- os casos de coação sobre o representante e sobre o Estado e a derrogação do


Ius Cogens. São nulidades que têm subjacentes motivações de Ordem Pública. Este tipo de nulidade é
invocável por qualquer parte do tratado nulo e, à luz do DIP Costumeiro, até por entidades que não
sejam partes neste, mesmo que não sejam prejudicadas pela sua execução. Por isto, devem ser
conhecidas oficiosamente por um tribunal. Não é suscetível de confirmação expressa ou tácita da
vinculação ao tratado nulo, daí a exclusão das causas do art. 51º a 53º do âmbito do art. 45º. Para
isso, o Estado prejudicado terá de praticar novamente todos os atos de vinculação, se se tratar de um
tratado multilateral, ou celebrar novo tratado bilateral.

A proibição da separabilidade não é uma característica da nulidade absoluta.

 Nulidades Relativas- os restantes casos de vício do consentimento típicos, bem como o atípico
referido, a incapacidade intelectual do representante. O seu caráter deriva de protegerem interesses
diretos de cada Estado- interesses privados internacionais. A nulidade relativa apenas pode ser
invocada pela parte prejudicada e pode sempre ser confirmada. A possibilidade da separabilidade não
é uma característica da nulidade relativa, desde logo, também uma boa parte das causas de extinção
ou suspensão a permitem, bem como a nulidade absoluta derivada de derrogação de Ius Cogens.

38
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Ambas as nulidades não dependem de qualquer prazo para serem invocadas.

 Causas de Invalidade em especial

a) Violação de normas internas de competência- 46º

A violação de uma norma interna relativa à competência para a conclusão de tratados será fundamento de
nulidade do consentimento de uma parte num tratado se a norma violada for fundamental e a violação for
manifesta- 46º. Assim, a aplicação desta causa de nulidade do consentimento fica dependente a três requisitos
cumulativos:

1. A norma interna violada seja relativa à competência;


2. Que esta seja uma norma (constitucional) fundamental para a formação da vontade do Estado;
3. Que a violação seja manifesta- é este o requisito que torna esta causa de difícil aplicação.

Se no ato de vinculação não participou um órgão cuja participação é imposta pelo Direito interno do Estado
em causa, é o próprio consentimento do Estado que foi deficientemente formado. Note-se que o Direito
interno apenas é relevante enquanto elemento regulador da formação da vontade do Estado.

b) Violação de restrições específicas ao poder de vinculação- 47º

Outro vício do consentimento é o facto de a vontade de uma entidade de se vincular a um tratado ser
manifestada de forma contrária a uma restrição constante dos plenos poderes do seu representante. Assim,
o representante da entidade tem plenos poderes (não se pode aplicar o art. 8º), simplesmente os seus poderes
encontram-se sujeitos a uma limitação. Por exemplo, este está autorizado a vincular a entidade em relação a
um tratado se este tiver um determinado conteúdo, mas já estará proibido de o fazer se o conteúdo for
parcialmente distinto.

Note-se, porém, que já não se estará perante uma situação de aplicação deste regime se o representante
estiver autorizado a vincular a entidade a um tratado e o fizer igualmente (ou em vez) em relação a um
segundo tratado que nada tem a ver com o primeiro. Aqui está-se perante a prática de um ato para o qual o
representante não está autorizado, caindo sob a previsão do art. 8º.

Este artigo apenas apenas será aplicável aos tratados informais (ou acordos em forma simplificada), em que a
mera assinatura vincula a entidade.

Tendo em conta preocupações de segurança nas relações convencionais internacionais, a circunstância de


existir um abuso dos plenos poderes apenas pode ser invocado por uma parte para se desvincular de um
tratado se as restrições específicas violadas tiverem sido comunicadas às restantes partes antes da
manifestação do consentimento. Contudo, se houver desconhecimento que é da responsabilidade da parte
que alega o vício, não parece que este lhes seja oponível.

c) Erro- 48º

O erro, para efeitos de vício do consentimento em relação ao tratado, é uma falsa representação da realidade.
O erro, para ser relevante, deve respeitar três condições:

39
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

1. Deve incidir sobre um facto ou uma situação, não sendo aceitáveis os erros sobre uma questão de
Direito;
2. Essencialidade- o erro tem de incidir sobre um elemento determinante da vontade de conclusão do
tratado, sendo que na ausência do erro o consentimento não teria sido dado. A falsa representação
da realidade deve, pois, ser anterior à manifestação do consentimento definitivo;
3. O erro deve ser desculpável- uma entidade para invocar um erro não pode ter contribuído com a sua
própria conduta para o surgimento do erro. 48º/2. Para ser desculpável, é ainda necessário que as
circunstâncias não fossem de ordem a que a entidade devesse ter-se apercebido da possibilidade de
estar em erro.

d) Dolo- 49º

Trata-se de um erro qualificado. Surge na sequência de artifícios e uma das entidades negociantes que induziu
outra em erro. Este artifícios podem constituir falsas declarações sobre um facto, incluindo um facto jurídico,
como a existência de um tratado.

Falsas declarações em relação à interpretação do texto do tratado não serão relevantes a título de dolo, pois
se o tratado for bilateral, essas declarações, mesmo feitas com reserva mental, vinculam o seu autor, tendo-
se constituído um acordo “interpretativo” ou de revisão. Se se tratar de um tratado multilateral que imponha
obrigações bilaterais, a parte induzida em erro apenas estará obrigada a respeitá-lo em relação ao autor das
declarações nos termos destas.

Também promessas incumpridas não constituirão dolo. Simplesmente, se a promessa for vinculativa, o Estado
poderá responsabilizar o Estado incumpridor pelos danos provocados, ou, em última análise, deixar de cumprir
o tratado em relação a este a título de represália.

Também este erro deve ser essencial (determinante para a vinculação do Estado ou outra entidade). Mas,
dado o caráter induzido deste, não necessita de ser desculpável.

Para poder ser invocado o regime do dolo, o erro tem de ser induzido por uma entidade participante nas
negociações. Cabem no conceito de “participante” não apenas as entidades que se pretendem vincular ao
tratado, mas também eventuais mediadores ou observadores.

e) Corrupção do representante- 50º

Distingue-se do erro e do dolo pelo facto de não existir uma falsa representação da realidade, embora exista
uma atuação fraudulenta.

A corrupção tem de ter sido determinante na decisão da vinculação, caso contrário existirá um ato ilícito por
parte dos autores da corrupção ativa e passiva, mas não se estará perante um vício do consentimento.

A atuação corruptora tem de partir de uma entidade participante nas negociações. Trata-se de uma exigência
que visa tentar limitar os efeitos colaterais da invocação de uma situação de corrupção contra eventuais partes
“inocentes”. Contudo, se a entidade responsável pela corrupção, que não participara nas negociações, se
tenha entretanto tornado parte, parece contestável que a entidade vítima não se possa desvincular em relação
àquela, se se tratar de um tratado multilateral que impõe obrigações bilaterais.

40
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

É relevante a corrupção que derive da ação direta ou indireta de uma entidade participante nas negociações.
Isto significa que ficam abrangidas todas as atuações que sejam imputáveis a um negociante, mesmo que este
seja apenas o seu autor moral e não o concretizador; não parece é que fique integrado no conceito a mera
instigação.

f) Coação exercida sobre o representante- 51º

Será motivo de invalidade do consentimento, quer a coação física, quer a coação moral. A primeira pressupõe
uma total ausência de vontade. Mais relevante é a coação moral em que, pelo recurso à força ou ameaças, se
obriga um ou vários representantes a vincular o seu Estado a um tratado. Aqui ainda existe vontade, pois é o
representante a praticar o ato, mas esta está viciada.

Esta coação pode partir de qualquer pessoa, individual ou coletiva. Não necessita de ser uma entidade que
participe nas negociações.

Trata-se de uma norma costumeira logicamente inderrogável, pois o seu desrespeito esvazia o acordo de
qualquer sentido útil.

g) Coação exercida sobre a entidade- 52º

Quer a prática, quer a Jurisprudência, confirmam inteiramente o caráter costumeiro do art. 52º.

Este não compreende tratados impostos pela força se o emprego desta tiver sido autorizado pelo Conselho
de Segurança. Estes tratados continuam a ser válidos. O mesmo se diga de um tratado decorrente de um
conflito de legítima defesa. Mas, claro, um Estado vitorioso num conflito de legítima defesa não pode impor
um conteúdo desproporcionado ao tratado. Um tratado imposto pela força será, regra geral, um ato unilateral
cujo conteúdo, dado o meio pelo qual é imposto, um meio de interesse público, a força, deve ser
cuidadosamente controlado, embora por critérios em alguma medida extrajurídicos, pela Comunidade
Internacional.

h) Derrogação do Ius Cogens- 53º

O art. 53º limita-se a codificar uma realidade preexistente, motivo pelo qual não se colocam problemas em
geral da sua aplicação em relação a tratados concluídos antes de 27/01/80, data de entrada em vigor da CVDT
69. O único problema será determinar se a norma iuris cogentis especificamente derrogada já vigorava no
“momento da sua conclusão”, isto é, no momento da entrada em vigor do tratado alegadamente derrogador.
A entrada em vigor será o momento decisivo para distinguir se se está perante uma derrogação originária ou
perante uma situação de norma iuris cogentis superveniente (64º).

i) Incapacidade da entidade

As CVDT não regulam esta figura.

Contudo, coloca-se com acuidade a questão de qual a consequência se uma entidade sem capacidade celebra
um tratado. A entidade pode ser qualquer sujeito de DIP que tentou simplesmente praticar um ato para o qual
não tem capacidade ou atribuições, seja um Estado federado, um movimento armado, uma região autónoma.

41
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

A resposta à questão da sanção em face da prática de um ato para o qual se é internacionalmente incapaz é
simples: tal ato, um tratado é nulo enquanto tratado, embora possa ser válido enquanto contrato à luz, por
exemplo, do Direito interno.

A capacidade é sempre heterodeterminada, isto é, imposta externamente, é uma qualidade do sujeito e é


uma questão essencialmente “de facto”, verificável empiricamente. A competência é, ao contrário,
autorregulada em muitos casos pela própria entidade, é um atributo dos órgãos da entidade coletiva e é uma
“questão de direito”. A capacidade é atribuida à entidade e é uma questão de facto, enquanto a competência
o é aos seus órgãos. Em suma, se uma entidade celebra um tratado sobre uma matéria fora do âmbito
daquelas que lhe foram heteronormativamente reconhecidas ou com entidades com quem não pode celebrar
tratados, estarão reunidas duas condições para se estar perante uma questão de capacidade. Se a questão se
prende com o órgão que concluiu o tratado, então é um mero problema de competência.

j) Incapacidade intelectual do órgão

Outro vício da vontade esquecido pelas CVDT é a incapacidade intelectual do representante da entidade
participante nas negociações quando o ato deste seja vinculatório.

A incapacidade tem de ser determinante para a vinculação da entidade. Se as negociações são realizadas por
um incapaz, mas o ato de vinculação é praticado por alguém perfeitamente capaz, o vício que afeta a
negociação será irrelevante. De qualquer modo, quando a outra parte ou partes tinham conhecimento, ou a
situação era de ordem a deverem ter-se apercebido, julga-se que a entidade vinculada poderá invocar a
circunstância como causa de invalidade do seu consentimento.

k) Impossibilidade originária de cumprimento

Não se parece que se trate de uma verdadeira nulidade, mas o seu regime tem semelhanças com o da nulidade
absoluta, embora, designadamente, não seja invocável por partes não diretamente interessadas. Por se tratar
de uma limitação que decorre da realidade e não do Direito, parece que será de a considerar um caso de
ineficácia.

A impossibilidade aqui em causa terá de ter pois uma natureza material, portanto, física e não jurídica. Se esta
impossibilidade for permanente, isto é, totalmente impossível de executar, a disposição do tratado é ineficaz
desde o início.

O facto de o tratado ser ineficaz não prejudica, porém, a eventual responsabilidade internacional da parte que
se obrigou a uma prestação impossível, se tinha ou deveria ter conhecimento desta situação.

 Efeitos da Invalidade

» Regime geral

O artigo 69º/1 começa por afirmar que “é nulo um tratado cuja nulidade seja determinada nos termos da
presente Convenção”. Esta necessidade de a nulidade ser “determinada”, tendo em conta que existe um
procedimento a seguir para a sua determinação, sugere que aquela não tem um caráter automático. Somente
depois de determinada essa nulidade se estaria perante um tratado nulo, que não tem quaisquer efeitos. No
entanto, o regime consagrado para o referido procedimento, segundo se julga, coloca em causa este aparente

42
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

não automatismo que reconduziria as invalidades que estas Convenções consagram para o domínio da
anulabilidade.

Assim, segundo o art. 69º, os consentimentos viciados pelas causas analisadas de nulidade não produzem
quaisquer efeitos jurídicos desde o início. Tudo se passaria como se o Estado ou outra entidade nunca se
tivesse vinculado.

(ver exemplo página 408)

Nao se estabelece, contudo, uma obrigação das partes reconstituírem a situação anterior, esta é uma mera
faculdade, mesmo nos casos de nulidade absoluta decorrentes de coação. No entanto, o sentido é o de
conferir a qualquer uma das partes o direito a exigir esta reconstituição no que lhe diz respeito, exigência que
a outra ou outras partes não podem recusar.

O art. 69º/3 considera que o nº2 não pode ser aplicado nos casos de dolo, corrupção e coação sobre o
representante ou sobre a entidade a favor da parte responsável por estes atos. Julga-se, contudo, que isto não
significa que, por exemplo, uma parte que tenha coagido a outra a ceder-lhe uma parcela territorial perca com
isso as eventuais contrapartidas que tenha dado. Este nº3 é uma exceção ao nº2 e não ao princípio da
ineficácia do ato nulo constante do seu nº1. A parte responsável não pode exigir a reconstituição da situação
anterior, mesmo que tenha interesse nisso, perdendo o direito conferido pelo nº2/a). Mas se a outra parte
exigir a devolução da jurisdição cedida, o Estado que recorreu à coação, sem prejuízo da sua responsabilidade
internacional por esta, pode então exigir também as contrapartidas que eventualmente tenha dado. Pelos
seus atos, a parte sofre um sancionamento, perdendo o direito de iniciativa, mas se a outra parte ou partes
exercerem o direito de exigir a reconstituição, então esta deve ser integral.

» Regime específico do Ius Cogens

O art. 71º/1 estabelece um dever de reconstituição da situação de facto tal como se não tivesse sido concluído
o tratado derrogatório, e não um mero direito de cada parte. No entanto, dado que também nos casos de
coação, os Estados não parte têm, à luz do DIP Costumeiro, mas não à luz das CVDT, o direito e dever de exigir
a reconstituição da situação anterior, a diferença acaba por não ser significativa.

O art. 71º/1 a) só exige que sejam eliminadas as consequências materiais dos atos praticados ao abrigo da
disposição que esteja em contradição com a norma iuris cogentis. Portanto, a nulidade total do tratado
(literalmente constante do art. 44º/5) só vigoraria a partir da altura em que a nulidade deste fosse invocada,
sendo pois atribuídos efeitos às restantes disposições até este momento, o que se revela contraditório com a
imposição da nulidade total dos tratados que contenham uma ou mais disposições derrogatórias do Ius
Cogens, como está (ou estava) estabelecido no nº5 do 44º.

$ Extinção e Suspensão

Nestes casos, tudo terá decorrido juridicamente durante o processo de conclusão do tratado, mas
posteriormente ocorreu um facto jurídico em sentido amplo que vai provocar a extinção ou suspensão da
eficácia do consentimento de uma parte ou mesmo do próprio tratado.

 Causas Típicas e Atípicas

As CVDT estabelecem uma tipicidade (embora dispositiva) mais rigorosa para as causas de nulidade do que
para as de extinção e suspensão. Neste caso, admite que o próprio tratado estabeleça outras causas, como
decorre do seu regime- 54º/a) e 57º/a).

43
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Causas consagradas nas CVDT:

» Decorrência automática do próprio tratado- caducidade ou suspensão por termo final, condição final
ou por execução do tratado: 54º/a) e 57º/a);
» Perda do número necessário de partes- 55º;
» Revogação ou suspensão por acordo entre todas as partes- 54º/b), 57º/b) e 59º;
» Extinção ou suspensão da vigência por ato jurídico unilateral discricionário- denúncia/recesso: 54º/a)
e 56º, ou suspensão unilateral: 57º/a);
» Exceção do não cumprimento- 60º;
» Impossibilidade superveniente- 61º e 63º;
» Alteração de circunstâncias- 62º;
» Revogação por norma costumeira iuris cogentis contrária- 64º.

Discute-se se as CVDT não esqueceram outras causas de extinção ou suspensão do tratado ou do


consentimento de uma das partes, designadamente (i) a caducidade por desaparecimento de uma das partes,
(ii) a revogação por uma norma costumeira sem caráter iuris cogentis, (iii) por força de um conflito armado,
ou (iv) a renúncia em relação a tratados que apenas estabeleçam direitos para uma das partes.

(i) O desaparecimento de uma das partes, quando não der lugar automaticamente a uma devolução
sucessória, implica de facto a caducidade do tratado (se for bilateral simples) ou da vinculação da
entidade (no caso de se tratar de um tratado multilateral ou bilateral com partes complexas). E,
embora tenha semelhanças com a impossibilidade superveniente, é uma figura distinta. Contudo, as
semelhanças e polémica quanto à sua delimitação em relaçao a esta justificam um tratamento
conjunto destas figuras.

(ii) A revogação por norma costumeira destituída de caráter iuris cogentis pode ser abrangida pelas
CVDT, mas somente por força de uma extensão do art. 64º.

(iii) Um conflito armado será um caso de alteração de circunstâncias em relação à vítima de agressão,
mas será juridicamente irrelevante como meio de justificação dos atos do agressor. De qualquer
forma, também neste caso as CVDT pretenderam expressamente não abordar o problema.

(iv) A renúncia de direitos convencionais é uma questão mais complexa. Em princípio, esta deverá estar
dependente de consentimento, ao menos tácito ou presumido, do titular passivo das
correspondentes obrigações ou então a sua permissibilidade por via unilateral terá de decorrer do
tratado, ou seja, seria ainda um caso de acordo entre as partes ou previsão pelo tratado. No entanto,
existem precedentes onde esta é considerada causa de extinção de direitos convencionais, o que
significa que era considerada operacional independentemente de consentimenro dos titulares
passivos ou autorização do tratado.

A exclusão da renúncia entre as causas de extinção pelas CVDT sugere que estas rejeitam a possibilidade
daquela ser invocada sem base no tratado ou consentimento dos devedores. Ora, os dois importantes
precedentes são que estas duas Convenções não podem deixar de ser tidas em conta na determinação do
regime costumeiro sobre a matéria. Não parece, pois, que a renúncia seja uma causa costumeira de extinção
de disposições convencionais. Pode-se, contudo, aceitar que aqui vigora o princípio do consentimento
presumido: notificado o titular do correspondente dever convencional da vontade de renunciar ao direito, se
este nada disser, presume-se que consentiu na revogação. Mas, ainda aqui, estar-se-á perante uma revogação
e não uma renúncia unilateral.

44
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

O único caso que parece não estar mesmo previsto é a possibilidade da causa de extinção ou suspensão não
decorrer do próprio tratado, de tratado posterior, ou do DIP costumeiro, mas sim estar prevista em tratado
anterior.

 As causas em Especial

» Decorrência automática do tratado:

Este conjunto de causas tem em comum o facto de os efeitos do tratado se suspenderem ou cessarem,
independentemente de qualquer manifestação constitutiva posterior de vontade dos Estados, por força da
ocorrência de um simples facto jurídico, apenas porque está previsto no próprio tratado- 54º/a).

Também têm em comum a forma específica de extinção que acarretam, que tem uma designação própria: a
caducidade. Esta caracteriza-se pelo seu caráter automático e por decorrer de uma mera ocorrência de um
facto jurídico.

Estas decorrem, em primeiro lugar, das cláusulas acessórias do tratado. Estas podem ser termos ou condições:

- Termo: caracteriza-se por ser a cláusula acessória pela qual a eficácia de um tratado fica dependente de um
facto futuro mas certo quanto à sua ocorrência. Os exemplos mais vulgares são o decurso de prazos. São
cláusulas que pressupõem um facto certo quanto à ocorrência e certo quanto ao momento desta- termo certo.
Nesta sede interessa apenas o termo final: quando um tratado esteja sujeito a um termo final, ao decurso de
um prazo ou até uma dada data fixa, este vigorará até ao final deste, cessando então a sua vigência.

- Condição: um tratado, ou alguma das suas disposições, pode igualmente estar sujeito a uma condição inicial
(ou suspensiva) e final (ou resolutiva). A condição é a cláusula pela qual a eficácia de um tratado fica sujeita a
um facto futuro incerto quanto à sua ocorrência. No caso da condição final, a que interessa particularmente,
esta, regra geral, é causa de extinção do tratado, igualmente sob forma de caducidade. Pode, contudo, suceder
que a condição final seja apenas motivo de suspensão dos efeitos do tratado durante um período sujeito a
termo ou nova condição.

Outro motivo de extinção automática do tratado é a que resulta da execução completa do tratado que
acarretará a sua caducidade.

Outra causa será ainda a perda de um número mínimo de partes. As CVDT regulam esta matéria no art. 55º.
Dispõem que a simples perda do nº necessário de partes para a entrada em vigor de um tratado multilateral
não implica a sua perda de vigência. No silêncio do tratado, não existe prática que aponte em sentido
contrário. Mas pode o próprio tratado estabelecer a sua extinção neste caso ou pelo menos quando este
atinge um determinado nº mínimo de partes. Neste caso, dá-se a extinção por caducidade.

As partes são livres de criar outras causas de caducidade, seja no próprio tratado (42º/2), seja em tratado
posterior com eficácia retroativa ou em tratado anterior.

» Por força de tratado posterior entre as partes:

Nestes casos poder-se-á estar perante simples situações de revogação ou perante situações de acordo das
partes no sentido de permitir uma ou mais partes cessarem a sua vinculação ao tratado ou suspendê-lo.

A forma solene ou não do tratado é irrelevante para a questão da revogação. Um tratado informal,
simplificado, oral ou tácito, podem sempre revogar um tratado solene. Em princípio, não existe qualquer

45
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

hierarquia ou prevalência entre tratados, salvo se esta ficar consagrada, subordinando-se um ao outro. As
CVDT falam apenas no consentimento de todas as partes- 54º/b).

As CVDT consagram a revogação com mera eficácia negativa, em que o tratado é revogado por um tratado (o
consentimento) entre as partes cujo único conteúdo é o de revogar o anterior.

Em rigor, todas as revogações implicam um procedimento que deve respeitar as regras relativas à revisão dos
tratados. Daí a necessidade de consultar todas as outras partes (54º/b) parte final). Este regra deve assim ser
considerada aplicável também ao art. 59º, embora fique dependente da prévia consciência de que o resultado
da conferência será a revogação do tratado anterior. Contudo, a violação deste procedimento não implica
invalidade da revogação e sim, simplesmente, responsabilidade internacional.

Poderá também ser necessário o consentimento de um terceiro nos casos em que o tratado a revogar crie
direitos para terceiros, nos termos do 37º/2.

As revogações negativas, nos tratados bilaterais, podem decorrer de uma desvinculação ilícita, seguida de
consentimento da outra parte, o que acaba por se converter numa revogação tácita. Nos tratados
multilaterais, pode-se dar igualmente uma revogação, já não do tratado, mas da vinculação de uma parte. Nos
tratados multilaterais que imponham obrigações bilaterais, é possível que a parte apenas deixe de estar
vinculada por estas em relação aos Estados que concordaram com a sua desvinculação, mas não em relação
aos restantes. Nos tratados que impõem obrigações indivisíveis não será possível esta fragmentação, pois é
necessário o consentimento de todas as partes para uma se poder desvincular.

O art. 59º consagra uma outra forma de revogação, também denominada global, e ainda a suspensão total do
tratado. Portanto, as que decorrem da conclusão de um outro tratado sobre a mesma matéria entre as
mesmas partes (ou com mais partes, desde que compreenda as partes no anterior), mas que nada estabelece
expressamente sobre os seus efeitos em relação ao tratado anterior. Saber se se está perante um caso de
revogação global (59º/1), um caso de suspensão (59º/2) ou perante um caso de revogação parcial tácita
(30º/3) é uma questão de interpretação.

» Por ato jurídio unilateral discricionário:

Uma forma clássica de desvinculação em relação a tratados é a denúncia/recesso.

A diferença entre denúncia e recesso é que a primeira aplica-se aos tratados bilaterais e a segunda aos tratados
multilaterais. A denúncia acarreta a extinção do próprio tratado, caducando. O recesso apenas afeta a
vinculação da parte que o pratica, deixando o tratado subsistir em relação às restantes.

A denúncia/recesso é o ato unilateral pelo qual uma parte se desvincula discricionariamente, sem qualquer
fundamento objetivo, de um tratado. Assim, uma parte que pode invocar uma nulidade do seu consentimento
ou uma causa de extinção deste não recorre à denúncia/recesso, limita-se a invocar a causa.

Se o recurso a esta figura fosse completamente livre, as partes nos tratados deixariam de ter qualquer
segurança. Qualquer parte se poderia juridicamente desvincular apenas por o tratado ter deixado de ser
conveniente ou mesmo por motivos mais pueris.

As grandes dificuldades desta figura surgem quando o tratado nada estabelece quanto à sua invocação. As
CVDT regulam a questão no art. 56º, por uma redação negativa, forma utilizada de consagração de uma figura
como meio de procurar restringir, ao menos por via interpretativa, a sua invocação:

Para ser possível denunciar ou praticar o recesso de um tratado é necessário que este nada disponha sobre a
sua extinção. Assim, se este estabelecer um prazo de vigência pode-se excluir a possibilidade de ser admissível

46
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

recorrer a esta figura. Se este apenas consagrar o recurso a figuras similares (limitadas substancialmente), a
conclusão será idêntica.

Mas se o silêncio do texto for completo, pode-se chegar à conclusão de que é ainda assim admissível denunciar
ou praticar o recesso se as partes tiverem estabelecido de qualquer modo que esta será aceitável,
designadamente se este acordo decorrer das negociações- 56º/1 a).

Outra possibilidade é a da admissibilidade da figura decorrer natureza do tratado- 56º/1 b). Parece que um
tratado caberá nesta categoria apenas quando interpretativamente for possível concluir que tem um caráter
transitório, não tendo sido celebrado a título permanente.

Por último, nos termos do 56º/2, uma parte que pretenda denunciar ou praticar o recesso em relação a um
tratado deverá avisar as restantes partes com um prazo de 12 meses de antecedência.

Também a suspensão, além de poder ser decidida por todas as partes (54º/b)) ou por algumas entre si (58º),
poderá ser decidida unilateralmente, por uma das partes, mas apenas se tal estiver estabelecido no tratado
(57º/a)) ou as restantes partes consentirem nesta expressa ou tacitamente (57º/b)).

Nos termos do 44º/1, quer a denúncia/recesso, quer a suspensão por decisão unilateral discricionária, só serão
suscetíveis de serem limitadas a algumas das disposições do tratado se tal estiver previsto no tratado ou as
partes o tenham convencionado por outra forma. Portanto, a regra dispositiva é a de que terão de incidir
sobre todo o tratado.

» Exceção do não cumprimento:

Se uma parte violou as suas obrigações contratuais, em princípio, a outra parte também não terá que cumprir
as suas. O mesmo se passa em relação ao tratado.

Embora a exceção seja aceite na prática dos Estados, existindo diversos precedentes que o confirmam, regra
geral a sua aceitação concreta tendeu sempre a ser contestada. Isto é, sem rejeitar a vigência desta regra, a
parte acusada da violação prévia e prejudicada pela sua invocação, tem tendido a recusar a sua aplicação no
caso concreto. Ora, sem se assumir uma prévia violação da sua responsabilidade, não será possível aceitar-se
a aplicação da exceção do não cumprimento.

As CVDT regulam esta matéria no art. 60º, sendo que a jurisprudência considera codificatório do DIP
Costumeiro. Para que a exceção seja invocável, é necessário que uma parte num tratado tenha violado as suas
obrigações. Mas não basta qualquer violação para estarem reunidos os requisitos de aplicação desta figura. É
também exigido que se esteja perante uma violação substancial do tratado- 60º/3: na alínea a) dispõe que
constitui uma violação substancial qualquer repúdio de um tratado não autorizado pelas CVDT; na alínea b)
afirma-se que apenas será uma violação substancial a que constitua uma violação de uma disposição essencial
para a realização do objeto e fim do tratado.

A exceção do não cumprimento apenas permite a suspensão ou desvinculação de uma parte em relação ao
tratado (ou algumas das suas disposições) violado e não em relação a qualquer outro.

Este regime, nos termos do 60º/5, não se aplica em relação a normas que visam proteger a pessoa humana
em tratados humanitários. Este preceito proíbe que uma violação destas normas, derivada do recurso a
represálias por parte de um Estado parte que sofreu uma prévia violação de uma qualquer norma humanitária
de um tratado, sirva de motivo para que o Estado que sofre a represália recorra a contrarrepresálias invocando
a exceção do não cumprimento.

47
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Finalmente, as CVDT estabelecem expressamente no art. 60º/4 que este regime não prejudica eventuais
disposições constantes do tratado relativas à sua violação. Portanto, um tratado não só pode prever outras
consequências para lá das estabelecidas, como pode mesmo consagrar um regime de suspensão ou
desvinculação do tratado em resultado de uma violação totalmente distinto ou mesmo proibi-la.

 Regime

As CVDT distinguem as violações de tratados bilaterais (60º/1) das de tratados multilaterais (60º/2).

1) Tratados bilaterais- uma violação substancial por uma das partes legitima a outra a suspender o
tratado ou a desvincular-se deste no todo ou em relação a algumas das suas disposições. A opção pela
continuação do cumprimento do tratado, da sua suspensão, ou de desvinculação em relaçãoa este é
discricionária, cabendo unicamente à parte prejudicada pela violação substancial.

Também a opção entre invocar a exceção em relação a todo o tratado ou apenas em relação a algumas das
suas disposições cabe discricionariamente à parte que alega, não podendo a outra protestar.

2) Tratados multilaterais- há três situações:

a) Autoriza as restantes partes, com exceção do autor da violação, por acordo unânime, a suspender ou
cessar a vigência de todo o tratado ou de parte deste, seja nas suas relações com a parte autora da
violação, seja totalmente, portanto, mesmo entre si.
b) Permite que uma parte prejudicada por uma violação substancial de um tratado que impõe obrigações
bilaterais suspenda o tratado na sua totalidade ou parte deste. Esta possibilidade de suspensão aplica-
se igualmente em relação a tratados que impõem obrigações das duas espécies- bilaterais e
indivisíveis- mas em que está em causa apenas uma obrigação desta última espécie, podendo ser
suspensa quer esta, quer outras obrigações bilaterais consagradas no tratado que vinculem o Estado
prejudicado em relação ao responsável.
c) Permite que uma parte (que não a autora da violação), colocada perante uma modificação radical da
sua situação quanto ao cumprimento de um tratado multilateral, por força de uma violação
substancial deste, possa suspender a sua aplicação não apenas em relação ao Estado responsável pela
violação, mas em relação a todos os Estados partes.

» Impossibilidade superveniente do cumprimento e figuras afins:

Causa de extinção dos tratados por caducidade, a menos que seja temporária, caso em que acarretará mera
suspensão.

Esta matéria está regulada nos arts. 61º e 63º.

O 61º/1 dispõe que a impossibilidade deve decorrer de limites de facto e deve ser permanente para conduzir
à caducidade do tratado bilateral, ou do consentimento da parte, se se tratar de um tratado multilateral. Caso
a impossibilidade seja temporária apenas poderá levar à suspensão do tratado ou vinculação da parte (parte
final). Meras dificuldades de executar o tratado são, pois, excluídas. A impossibilidade da parte para cumprir
o tratado deve ser apreciada objetivamente, tendo em conta as suas características próprias mas segundo
critérios de diligência normal. Alegadas impossibilidades derivadas de incompetência são irrelevantes.

48
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Ainda neste artigo se afirma que apenas é relevante a impossibilidade decorrente da destruição ou do
desaparecimento permanente do objeto (realidade ou substrato territorial regulada pelo tratado) do tratado.

Contudo, consagra-se ainda uma situação de impossibilidade superveniente que não depende de destruição
ou desaparecimento do seu objeto. Trata-se das situações resultantes de uma rutura das relações
diplomáticas ou consulares entre as partes- 63º. Ter-se-á de concluir que se dá um alargamento das causas de
impossibilidade superveniente, neste caso, com caráter temporário, levando apenas à suspensão do tratado.

Apesar da rutura das relações, mantêm-se todas as obrigações jurídicas exceto aquelas cujo cumprimento se
tenha tornado impossível. Como afirma o art. 74º, a rutura das relações diplomáticas ou consulares não
impede a celebração de tratados entre as partes, multilaterais ou bilaterais.

Outra situação que pode criar situações de impossibilidade superveniente de execução do tratado é um
conflito armado entre as partes. A situação de desconfiança extrema, os sérios riscos decorrentes do conflito,
podem tornar a execução de certas obrigações materialmente impossível.

Existe ainda um terceiro grupo de casos de impossibilidade superveniente que não pressupõem a destruição
ou desaparecimento do objeto. São as situações decorrentes de perda de jurisdição por parte de um Estado
sobre uma parcela de território que constitui objeto do tratado. Em alguns destes casos, o Estado fica
impossibilitado de cumprir o tratado e, contudo, este não se transmite automaticamente ao seu “sucessor”
em relação à parcela de território. O tratado caduca.

Nos casos em que a execução do tratado tenha criado direitos territoriais (servidões) a favor da outra parte,
ou estabeleça fronteiras, estas continuarão a subsistir independentemente daquele e vincularão a entidade
adquirente da jurisdição, sem que se trate tecnicamente de uma questão de sucessão.

Há ainda o problema da ligação entre o desaparecimento de uma parte e a impossibilidade superveniente.


Assim, mesmo sendo pacífico que em algumas situações a extinção do Estado implica a caducidade de tratados
que o vinculavam, julga-se que não se trata de um caso de impossibilidade superveniente. Em relação à outra
parte ou partes, estas não estão impossibilitadas de cumprir a obrigação, normalmente é-lhes perfeitamente
possível continuar a cumprir o tratado, deixam é de estar obrigadas, por falta de credor. A parte que pretende
desvincular-se do tratado com este fundamento deve também seguir o procedimento dos arts. 65º-67º.

No art. 61º/2 pretende-se que a parte que causou a impossibilidade superveniente, por força de uma violação
de uma obrigação internacional em relação a cada uma das partes no tratado, não possa invocar esta causa.

» Alteração fundamental de circunstâncias:

O art. 62º está redigido de forma negativa, mostrando o seu caráter excecional, de modo a que a possibilidade
da sua extensão à luz das CVDT fica prejudicada. Também os requisitos para a sua invocação devem ser
aplicados rigorosamente:

 Requisitos:

1. A alteração das circunstâncias tem de ser fundamental- 62º/1: exige-se que a alteração não seja
meramente quantitativa, mas de ordem qualitativa ou que, pelo menos, a alteração quantitativa
tenha tido grande impacto em relação ao objeto sobre o qual incidem as obrigações convencionais.
2. As partes não podem ter antecipado a possibilidade de tal alteração de circunstâncias e aceite as
consequências desta- 62º/1.
3. O estado primitivo das circunstâncias tem de ter constituído base essencial do consentimento da parte
ou partes em relação ao tratado- 62º/1 a): tem de se poder presumir que, perante tal nova situação,
a parte nunca teria celebrado o tratado.

49
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

4. É necessário que a alteração provoque uma modificação radical no equilíbrio entre as obrigações das
partes que se encontram ainda por cumprir, com um acréscimo inaceitável para a parte que pretende
desvincular-se- 62º/1 b).

Esta causa de extinção, quando verificada num tratado bilateral, implica a extinção ou suspensão do tratado;
quando verificada em tratado multilateral, implica apenas a desvinculação da parte que a alega.

O art. 62º/2 b) vem estabelecer que não é possível invocar esta figura “se a alteração fundamental resultar de
uma violação pela parte que a alega de uma norma do tratado ou de qualquer outra obrigação em relação a
alguma parte no tratado”. Também não deverá ser invocada ainda que a violação da obrigação tenha sido em
relação a uma entidade não parte no tratado.

A alteração provoca a imediata suspensão do tratado, que ficará na disponibilidade da parte, que poderá
decidir apesar disso confirmar o tratado (45º) ou limitar os efeitos da extinção a apenas algumas das
disposições do tratado (44º/3).

Quando a alteração de circunstâncias não tenha caráter definitivo, o efeito automático será a suspensão. Mas
as CVDT atribuem à parte afetada o direito de optar em limitar-se a uma mera suspensão ou exigir a extinção
do tratado (62º/3).

» Normas costumeiras iuris cogentis e dispositivi supervenientes:

O art. 64º vem regular outra manifestação do Ius Cogens.

No art. 53º, no momento da entrada em vigor de um tratado encontra-se já vigente uma norma
(necessariamente costumeira) iuris cogentis com a qual o conteúdo do tratado é incompatível. É de facto o
momento da entrada em vigor o decisivo para determinar o caráter vigente ou superveniente da norma iuris
cogentis em relação ao tratado. Assim, deve-se considerar como contraditório originariamente com o Ius
Cogens e, portanto, nulo, um tratado que à entrada em vigor derroga uma norma iuris cogentis, mesmo que
no momento em que foi adotado ou autenticado fosse conforme com o Ius Cogens. Todos os efeitos formais
do tratado são nulos desde o princípio. Apenas ficarão imunes a esta regra, provisoriamente, até à emergência
da nova norma iuris cogentis, os que decorram da simples assinatura decorrentes do princípio da boa fé (18º).

À luz do 64º tudo se passa diferentemente. No momento em que entra em vigor, o conteúdo do tratado é
conforme com o Ius Cogens. No entanto, dado que o DIP Costumeiro é um Direito em constante evolução,
pode suceder que se venha a formar uma nova norma costumeira iuris cogentis incompatível com o disposto
no tratado. Daí a qualificação desta figura como Ius Cogens superveniente.

O art. 64º (e o 71º/2) tratam esta contradição ainda como uma forma de nulidade, afirmando que o tratado
que, por força de alterações no Ius Cogens, entra em conflito com este, se torna “nulo e cessa a sua vigência”.
Contudo, a verdade é que não se está face a uma forma de invalidade, mas a uma mera revogação.

Esta conclusão decorre do facto de não existirem invalidades supervenientes e pelo regime não retroativo
desta figura (71º/2).

Em relação a uma norma costumeira iuris dispositivi superveniente que seja contraditória com o conteúdo do
tratado, assume-se que se o tratado for anterior à norma costumeira dispositiva, esta em princípio será
derrogada por aquele.

Mas, se as partes no tratado conflituante participarem na formação da nova norma costumeira, afastando o
princípio de que a lei especial revoga a geral, o regime do 64º aplica-se também à superveniência de novas
regras costumeiras simplesmente iuris dispositivi e não apenas à superveniência de normas iuris cogentis.

50
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 Efeitos

O regime geral das consequências da extinção de um tratado ou do consentimenro de uma parte em relação
a um tratado é regulado pelas CVDT no art. 70º/1. Os seus arts. 70º/2 e 71º/2 têm duas regras específicas em
relação à denúncia/recesso e à superveniência de uma norma iuris cogentis, mas que não se afastam
verdadeiramente do regime geral.

O tratado deixa de vincular para o futuro as partes ou parte que se desvincula (70º/1 a)), mas aquela não
produz por princípio efeitos retroativos. Os atos praticados pelas partes em momento anterior à data de
extinção seja do tratado, seja da vinculação de uma das partes, não são afetados (70º/1 b)).

As causas de extinção apenas podem afetar tratados de execução contínua ou tratados de execução imediata
ainda não totalmente executados. Note-se que a extinção não afeta nenhuma situação jurídica constituída
anteriormente.

O art. 70º/2 refere-se à figura da denúncia/recesso, mas o seu regime é aplicável a todas as causas de extinção
que apenas afetem o consentimento de uma ou algumas das partes. Como é afirmado, a extinção afetará as
relações das partes ou parte que se desvincula em relação às restantes partes a partir da data em que esta
tiver efeito. As relações entre as outras partes não são minimamente afetadas, a menos que a desvinculação
de uma torne o tratado impossível de executar, implique uma alteração fundamental de circunstâncias ou,
por exemplo, desencadeie os efeitos resolutivos de uma cláusula do tratado que abranja igualmente as outras.

O art. 71º/2, em relação ao Ius Cogens superveniente, consagra o mesmo efeito, precisando apenas que as
situações jurídicas constituídas anteriormente à data de formação da nova norma costumeira iuris cogentis,
podem ser afetadas se, em si, forem violadoras desta ou de outra norma de Ius Cogens.

Regime praticamente idêntico é estabelecido genericamente para os casos de suspensão- 72º. Durante esta,
as partes encontram-se desvinculadas do tratado, mas esta não prejudica qualquer situação jurídica
constituída anteriormente. As partes têm, contudo, um dever adicional decorrente da boa fé: durante o
período de suspensão devem abster-se de praticar atos que impeçam a reentrada em vigor do tratado- 72º/2.

$ Processo de Determinação de Verificação da Existência de uma Causa

 Legitimidade para iniciar o procedimento

Salvo em alguns casos restritos, apenas a parte prejudicada pode alegar uma causa de nulidade, de extinção
ou de suspensão de um tratado. No entanto, nos ditos casos restritos em que, desde logo, se encontram em
causa interesses públicos internacionais, como é o caso das nulidades absolutas ou a revogação por força de
normas iuris cogentis superveniente, coloca-se o problema de saber se uma entidade não parte a pode
invocar, quando a norma violada ou derrogada a vincular igualmente.

As CVDT apontam em sentido negativo. Segundo o art. 65º/1, apenas as partes num tratado têm legitimidade
para a invocação de uma causa de nulidade, de extinção ou suspensão de um tratado.

Este regime em relação a causas de Ordem Pública, em que a sua existência pressupõe a prática de um ato
ilícito erga omnes, afetando um interesse que diz respeito a todos os Estados, não faz sentido. A reação contra
estes atos, pelo menos quando estejam em causa interesses públicos coletivizados, é mesmo um dever e não
um mero direito, quer em relação a partes, quer em relação a terceiros face ao tratado.

O art. 65º apenas refere a invocação das nulidades por uma das partes, mas isso não significa que proíba que
esta invocação seja feita por um terceiro, pretendendo derrogar um princípio que, salvo perda de vigência, é

51
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

inderrogável. Assim, julga-se que as CVDT se limitam a não regular a questão, remetendo para o DIP
Costumeiro.

Portanto, deve entender-se que a simples existência do Ius Cogens, dado que impõe obrigações indivisíveis,
implica a admissibilidade à luz do DIP Costumero de terceiros invocarem a nulidade de um tratado contrário
a uma norma iuris cogentis ou que foi celebrado por meios que implicaram a violação de normas desta espécie
(coação sobre o representante ou sobre o Estado), embora não se possa servir do procedimento estabelecido
pelas CVDT para obter a sua declaração de nulidade ou extinção.

Em relação a derrogações ou violações de normas que tutelam interesses bilaterais, ou à alegação de uma
causa de nulidade relativa, extinção ou suspensão, em princípio esta cabe apenas à entidade cujos interesses
são protegidos pela causa alegada, mas poderá também ser feita por uma entidade que demonstre ter sofrido
na sua esfera jurídica um dano, nos termos gerais sobre a legitimidade.

 Caráter automático das causas

O regime costumeiro tradicional de desvinculação dos Estados em relação aos tratados sempre foi
caracterizado pelo unilateralismo, notificando as restantes partes da sua intenção de deixar de cumprir
imediatamente o tratado.

Em face deste regime costumeiro, as CVDT procuraram afastar o unilateralismo, dado os seus perigos,
multiplicados pelo expresso reconhecimento de várias causas de nulidade e de extinção dos tratados, algumas
delas, mesmo novas ou, pelo menos, discutíveis.

Perante o regime consagrado nestas Convenções- art. 65º a 68º-, a maioria da Doutrina veio proclamar o seu
caráter não automático, concluindo portanto pelo seu caráter inovador face ao DIP Costumeiro.

A questão do caráter automático ou não das causas de invalidade analisadas equivale a determinar se se está
perante causas de nulidade ou anulabilidade. A distinção essencial entre estas é que a primeira decorre
automaticamente da Ordem Jurídica, enquanto a segunda necessita de um ato constitutivo, uma verdadeira
anulação, para produzir efeitos. Em relação às causas de extinção, estas, assim como a revogação, são
automáticas por natureza. Uma conclusão no sentido do caráter não automático prejudicaria qualquer
caducidade à luz das CVDT.

As CVDT sujeitam todas as causas de invalidade ou extinção e suspensão ao mesmo procedimento geral dos
arts. 65º e 67º. E no art. 69º/1 declara-se que “é nulo um tratado cuja nulidade seja determinada nos termos
da presente Convenção”, parecendo sugerir que a nulidade depende de uma determinação concreta, de uma
anulação. Também o art. 71º/1 consagra uma terminologia semelhante.

Isto implicaria que as partes ficariam vinculadas ao cumprimento integral do tratado até à sua anulação
(constitutiva) nos seus termos. Portanto, por exemplo, a parte que alegasse coação na celebração de um
tratado deveria notificar por escrito (art. 67º/1) as restantes partes das suas intenções, apresentando uma
justificação jurídica para estas (65º/1). Teria depois de aguardar o decurso de um prazo de 3 meses mínimo
para as restantes partes poderem responder e só decorrido este, sem receber qualquer oposição destas,
poderia cessar a execução do tratado, remetendo-lhes então o instrumento formal de desvinculação referido
no art. 67º/2 (art. 65º/2).

Caso alguma parte contestasse a invalidade, a parte invocadora desta continuaria obrigada ao respeito do
tratado, tendo de recorrer aos meios pacíficos de solução dos conflitos (art. 65º/3 que remete para o 33º da
CNU que enumera os tradicionais meios).

52
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Ora, isto implicaria que o Estado que contesta o tratado, ainda que tivesse razão, ficaria idefinidamente
vinculado, enquanto não obtivesse acordo do Estado objetor, ao menos para recorrer à arbitragem. Nas
situações de tratados que impõem obrigações indivisíveis, a parte permaneceria vinculada integralmente ao
tratado, desde que uma das suas únicas múltiplas partes teimasse em não consentir na sua desvinculação.

Mas julga-se que este regime não foi o consagrado pelas CVDT. Pelo contrário, pensa-se que, como decorre
dos arts. 51º, 52º e 53º, sem ser posto decisivamente em causa pelo art. 69º/1, as invalidades estabelecidas
nas CVDT são automáticas, constituindo verdadeiras nulidades. O mesmo se diga da revogação decorrente da
superveniência de uma norma iuris cogentis ou das causas de caducidade, dado que se trata de figuras cujo o
caráter automático decorre logicamente do seu modo de operar.

Assim, logo no nº2 do 65º, as CVDT estabelecem que a parte pode “em casos de especial urgência” reduzir o
prazo entre a notificação e a tomada da medida de inexecução do tratado. Assim, pode admitir-se que em
casos limite a parte possa tomar a medida imediatamente, limitando-se a notificar as partes dos motivos. Este
regime é confirmado pelo nº5 do mesmo artigo que admite mesmo que uma parte possa não executar o
tratado e só notificar as restantes partes depois de estas terem alegado a violação daquele.

O tratado só pode ser considerado definitivamente inválido ou extinto com o recebimento não contestado
pelas restantes partes do instrumento previsto no art. 67º/2. Deste modo, uma cessação da execução do
tratado, sem o consentimento das restantes partes, ao menos tácito, como o decorrente da não contestação
da notificação, só poderá ser considerado lícito se se admitir que se está perante causas que operam
automaticamente.

Julga-se então que as causas de invalidade, de extinção ou suspensão, operam automaticamente, seja
diretamente por força de de factos jurídicos, seja por atos jurídicos baseados legitimamente numa norma
jurídica internacional. No entanto, em regra, havendo contestação, a parte que alegue a invalidade, extinção
ou suspensão deve continuar a respeitar o tratado até ao esclarecimento da questão da sua validade.

Existe a possibilidade de a parte ser responsabilizada por não ter cumprido as exigências do art. 65º, mesmo
numa situação em que tenha toda a legitimidade para invocar uma causa.

De qualquer modo, a responsabilidade será sempre limitada aos danos provocados pelo incumprimento
abrupto do tratado e não já por eventuais danos decorrentes do incumprimento do tratado decorrente de
uma desvinculação legítima. O facto de não ter cumprido as exigências do 65º não priva a parte do seu direito
de fazer valer a causa de nulidade, extinção ou suspensão do tratado, se esta de facto existir (65º/5).

Passado o prazo de 3 meses, mesmo que tenham existido protestos, caso o fundamento alegado para a
desvinculação venha a ser confirmado, julga-se que a parte não terá de indemnizar nenhuma das restantes. A
parte, embora obrigada a recorrer de boa fé aos meios pacíficos de resolução dos conflitos, pode
unilateralmente deixar de cumprir o tratado enquanto as negociações decorrem. Somente será
responsabilizada por tal se não se confirmar o fundamento que alega.

 O recurso ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ)

Por fim refira-se a questão do recurso ao TIJ, em relação a controvérsias derivadas da nulidade ou extinção de
um tratado por força do Ius Cogens, consagrado na al. a) do art. 66º.

Está-se perante uma ação que é interposta unilateralmente, isto é, mesmo não havendo acordo das partes no
litígio para recorrer ao tribunal. Esta unilateralidade decorre do texto do artigo e da sua teleologia. Por força

53
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

desta norma, qualquer parte nas CDVT aceita automaticamente a jurisdição do TIJ. Deste modo, não é
necessário qualquer reconhecimento específico desta jurisdição para a sentença ser obrigatória para a parte
demandada, mesmo que não tenha concordado com o recurso do TIJ.

54
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Hierarquia de Fontes e Hierarquia de Normas

Como acontece em qualquer ordem jurídica, as relações de infra e supraordenação devem resultar de critérios
objetivos e claros, garantidores de confiança e previsibilidade.

A questão da hierarquia não deve ser colocada, em termos gerais, de modo apriorístico, em relação às fontes.
A ordenação das fontes pelo art. 38º ETIJ (1º convenções internacionais; 2º costume; 3º princípios gerais de
Direito) foi feita na ótica puramente judiciária da sequência lógica pela qual o juiz internacional conhece o
direito aplicável ao litígio concreto.

Assim, o art. 38º ETIJ limita-se a referir as fontes principais por uma ordem de consulta natural e lógica. Deste
artigo não podemos deduzir critérios válidos de relação hierárquica entre as fontes e não será esta pretensa
hierarquia que nos permitirá resolver os conflitos entre, por exemplo, tratado e costume.

Na opinião da Prof Mª Luísa Duarte, o que há é uma relação de paridade e equivalência hierárquica entre
tratado e costume, alargada aos princípios gerais de Direito que deles emanam.

A ausência na comunidade internacional de uma instituição ou instância superior aos Estados determina que
o Direito em cuja formação participam como autores, pela prática ou por atos de vontade, tem
necessariamente o mesmo nível hierárquico (ainda que se possa admitir uma vantagem inata do costume
sobre o tratado). Também não ajuda a compreensão do problema estudar o ius cogens como aplicação da
suposta hierarquia de fontes, uma vez que as normas de ius cogens podem ter origem costumeira ou pactícia
e, por isso, a respetiva autoridade impositiva é relativamente independente da fonte formal.

A literatura jurídica identifica três critérios operativos da solução de conflitos entre normas diferentes:

1. Critério cronológico- a norma mais recente revoga ou prevalece sobre a norma de regime geral;
2. Critério da especialidade- a norma definidora de um regime especial prevalece sobre a norma de
regime geral;
3. Critério hierárquico- a norma superior prevalece sobre a norma de grau inferior.

 Quais os critérios ou razões que ditam a superioridade jurídica de uma norma em relação a outra
norma dela diferente, no Direito Internacional?

A doutrina jusinternacionalista revela uma tendência algo simplificadora sobre este ponto sempre que se
limita a tratar princípio da prevalência com fundamento no atributo ou autoridade reforçada de ius cogens.
Na perspetiva da Prof. Mª Luísa Duarte, seguindo um objetivo de tratamento sistemático da questão, a
prevalência de uma norma internacional pode resultar do funcionamento autónomo ou confluente dos
seguintes critérios:

a) Natureza de ius cogens


b) Âmbito das obrigações jurídicas (erga omnes)
c) Determinação pactícia
d) Diferenciação material de funções.

a) Uma norma de ius cogens é, por oposição às normas de ius dispositivum, impositiva, imperativa e
insuscetível de transgressão. O que lhe confere esta autoridade reforçada é o seu conteúdo ético-
valorativo e não a respetiva forma ou fonte.

55
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

O art. 53º CVDT, que sanciona com o desvalor máximo da nulidade o tratado incompatível com uma “norma
imperativa de direito Internacional geral”, determina que uma norma de ius cogens é “uma norma aceite e
reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é
permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma
natureza”.

O efeito ius cogens, na opinião da Prof., embora codificado no art. 53º CVDT para garantir a prevalência de
uma norma em relação a uma norma convencional, tem um alcance mais amplo, no sentido de paralisar os
efeitos de qualquer norma contrária e de fundamentar a responsabilidade por comportamentos contrários. A
figura do ius cogens corresponde assim ao conceito de ordem pública internacional, à tutela de bens jurídicos
internacionais.

A dificuldade reside no apuramento desta aceitação e reconhecimento da norma pela comunidade


internacional “no seu todo” (53º). Enquanto uma corrente mais formalista da doutrina, também mais
conservadora sobre os limites à vontade soberana dos Estados, exige o acordo de todos os Estados, outros
autores sustentam que será suficiente a aceitação por uma maioria esmagadora, no mínimo expressiva, dos
Estados. O que parece importante reter a este propósito é o caráter evolutivo e comunitário da norma de ius
cogens. Em virtude do seu fundamento ético-valorativo, uma norma de ius cogens pode ser substituída por
outra “com a mesma natureza” (53º).

Se pensarmos, se fosse necessária a aceitação por parte de todos os Estados, seria muito difícil haver uma
norma de ius cogens, e assim, faz mais sentido aceitar a posição de que é necessário que haja uma aceitação
da esmagadora maioria dos Estados.

b) Todas as obrigações jurídicas decorrentes de normas imperativas de direito internacional geral são
obrigações erga omnes. Mas o inverso não se verifica, pelo que existirão obrigações erga omnes cuja
vinculatividade não resulta de normas de ius cogens. São, contudo, obrigações perante todos e
obrigações de todos.

Esta natureza erga omnes determina que a obrigação, ou correlativo direito, prevaleçam sobre as demais
obrigações e direitos (mas atenção, a hierarquia não advém da obrigação erga omnes mas sim do ius cogens),
embora com limites: o TIJ considerou, no caso Timor-Leste, que o caráter erga omnes da norma e a regra do
consentimento à jurisdição são coisas diferentes. Qualquer que seja a natureza das obrigações invocadas, o
Tribunal não poderia decidir sobre a licitude da conduta de um Estado quando o seu julgamento implicaria
uma avaliação da licitude da conduta de outro Estado que não é parte no caso. Assim, negou a possibilidade
da actio popularis. Quando assim é, o Tribunal não pode agir mesmo se o direito em questão é um direito erga
omnes.

O princípio da jurisdição facultativa, expressão da vontade soberana dos Estados, acabou por vingar sobre a
obrigação ou o direito erga omnes no que respeita ao elemento fundamental da sua invocabilidade
contenciosa.

Noutras situações, porém, este tipo de obrigações coletivas cujo respeito é devido a um “grupo de Estados”
ou “à comunidade internacional no seu conjunto”, impõe-se, de modo inelutável, à vontade de todos e
perante todos. Num tratado multilateral, o Estado que o ratificou está obrigado em relação a todos os outros
Estados parte, mas também em relação a Estados terceiros que não são parte no convénio, na qualidade de
titulares de um direito erga omnes, semelhantemente com o que se passa com o ius cogens. Assim, são normas
costumeiras que se impõem a todos os Estados.

56
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Só é nula a violação de obrigações erga omnes decorrentes do ius cogens. A violação de obrigações erga omnes
que não são decorrentes de normas de ius cogens já não produzirá nulidade.

c) A primazia de uma norma internacional pode ainda resultar de cláusula constante de tratado
internacional. O exemplo aqui importante é o art. 103º CNU.

Este artigo estabelece o primado da Carta sobre quaisquer outras obrigações de fonte convencional e, dada a
sua reconhecida natureza de carta constitucional da comunidade internacional, admite-se que as obrigações
resultantes da Carta possam, igualmente, prevalecer sobre regras costumeiras, com exceção das normas de
ius cogens. O critério de prevalência do art. 103º CNU aplica-se às disposições da Carta, às decisões vinculativas
adotadas pelos órgãos competentes das Nações Unidas (maxime as resoluções do Conselho de Segurança) e
ao direito formado com base na Carta. Os destinatários do dever de observância do critério da prevalência são
os Estados-membros. Em caso de conflito entre norma internacional e obrigações impostas pela Carta, a
norma incompatível torna-se inaplicável.

Outro exemplo da prevalência por efeito de determinação pactícia é o Direito da UE: por exemplo, o princípio
do primado do Direito da UE que não sendo, do ponto de vista estritamente técnico-jurídico, um critério de
prevalência hierárquica, porque o Direito da UE não é hierarquicamente superior ao Direito dos Estados-
membros, funciona, de modo equivalente, impedindo os Estados de aplicar normas internas ou internacionais
contrárias ao Direito da UE.

As normas do Direito da UE, de fonte eurocomunitária, prevalecem sobre a norma interna ou a norma pactícia
celebrada pelo Estado, implicando a desaplicação da norma contrária, com fundamento exclusivo no princípio
da competência articulado com o critério da aplicação preferente da norma de fonte eurocomunitária.

d) O tratado institutivo de uma organização internacional é a sua carta constitucional na aceção funcional
e até formal de estatuto jurídico que delimita e fundamenta a atuação da organização internacional
em causa. Para a realização dos fins e objetivos para que foi criada, a organização internacional está
limitada aos poderes, expressamente ou implicitamente, previstos no tratado institutivo. Os atos
jurídicos de aplicação, normativos ou individuais e concretos, têm a sua validade condicionada pela
exigência de compatibilidade com o tratado institutivo.

Os três traços caracterizadores do regime do Ius Cogens são:

1) Tem uma hierarquia superior às restantes fontes internacionais;


2) As normas de ius cogens só podem ser derrogadas por outra norma de direito Internacional da
mesma natureza
3) A violação de uma norma de ius cogens acarreta nulidade.

57
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Procedimento de Vinculação Internacional do Estado Português

 Constituição de 1976

Bases jurídicas:

Princípios Fundamentais

o Art. 7º (Relações Internacionais);


o Art. 8º (Direito Internacional);
o Art. 9º/a) (Tarefas fundamentais do Estado).

Parte III- Organização do Poder Político

o Art. 112º/8 (Atos normativos);


o Art. 115º/3 e 5 (Referendo);
o Art. 119º/1 b) (Publicidade dos atos);
o Art. 134º/g) (Competência para a prática de atos próprios);
o Art. 135º (Competência nas relações internacionais);
o Art. 140º (Referenda ministerial);
o Art. 161º/i) (Competência política e legislativa da AR);
o Art. 161º/n) (Competência política e legislativa da AR);
o Art. 163º/f) (Competência da AR quanto a outros órgãos);
o Art. 163º/i) (Competência da AR quanto a outros órgãos);
o Art. 166º/5 (Forma dos atos);
o Art. 182º (Definição do Governo);
o Art. 197º/1 b) (Competência política do Governo);
o Art. 197º/1 c) (Competência política do Governo);
o Art. 197º/2 (Competência política do Governo);
o Art. 200º/1 d) 2ª parte (Competência do Conselho de Ministros);
o Art. 204º (Apreciação da inconstitucionalidade);
o Art. 227º/1 t) (Poderes das RA);
o Art. 227º/1 u) (Poderes das RA);
o Art. 227º/1 v) (Poderes das RA);
o Art. 227º/1 x) (Poderes das RA);
o Art. 275º/5 (Forças Armadas);

Parte IV- Garantia e revisão da Constituição

o Art. 227º/2 (Inconstitucionalidade por ação);


o Art. 278º/2 (Fiscalização preventiva da constitucionalidade);
o Art. 279º/1, 2 e 4 (Efeitos da decisão);
o Art. 288º/a) (Limites materiais da revisão).

58
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Disposições finais e transitórias

o Art. 295º (Referendo sobre tratado europeu).

Na CRP temos três termos para designar tratados internacionais:

 Convenções- é um nome genérico, desdobra-se em duas categorias: o tratado em forma solene e o


acordo em forma simplificada;
 Tratados;
 Acordos.

As diferenças terminológicas entre tratado e acordo relevam ao nível do seu procedimento:

a) Aprovação- só a AR pode aprovar tratados (art. 161º/i)), havendo aqui uma reserva orgânico (cabe à
AR)-formal (tem de ser sob a forma de tratado)-material (sobre estas matérias); ao passo que os
acordos podem ser aprovados pela AR ou pelo Governo (197º/1 c)), consoante a matéria regulada.

b) Ratificação/assinatura- os tratados exigem ratificação como ato de vinculação (art. 135º/b)),


enquanto nos acordos a vinculação ocorre com a aprovação, certificada pela assinatura do PR aposta
nas resoluções da AR ou nos decretos do Governo (art. 134º/b)).

c) Fiscalização preventiva da constitucionalidade- nos tratados está previsto de modo expresso que,
após pronúncia no sentido da inconstitucionalidade, a AR possa confirmar por maioria qualificada
(279º/4); em relação aos acordos internacionais aprovados pelo Governo não existe possibilidade de
confirmação, condenados pelo veto do PR, que se segue à pronúncia de inconstitucionalidade
(279º/1). O texto constitucional é, contudo, omisso em relação aos acordos internacionais aprovados
pela AR, sobre os quais recaiu o veto presidencial, mas admitimos, por analogia com a solução
consagrada para os tratados, que possam ser confirmados pela mesma maioria (prevalência do
princípio democrático justificada pela incerteza da distinção material entre tratado e acordo).

Haverá então um critério material destes dois conceitos?

1. Uma parte minoritária da Doutrina portuguesa (nomeadamente, Jorge Miranda e Reis Novais) advoga
a existência de uma reserva material de tratado. O principal argumento é a alínea i) do art. 161º que
impõe a forma de tratado para as convenções internacionais relativas à “participação de Portugal em
organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa, de ratificação de fronteiras e
os respeitantes assuntos militares”. O termo “designadamente” que introduz esta enumeração seria
decisivo para fundar o caráter meramente exemplificativo do tipo de matérias que exigem a forma de
tratado. Contudo, neste caso, a letra do preceito compreende também a referência aos acordos
internacionais cuja aprovação é atribuída à AR, porque relativos a “matérias da sua competência
reservada”. Assim, está sempre garantida a intervenção do Parlamento na fase da aprovação de
convenções internacionais sobre matérias de importância política fundamental, seja sob a forma de
tratado ou de acordo.

Assim, outras matérias que poderiam entrar nesta reserva material de tratado seriam normas de regulação
primária sobre uma matéria.

2. O Prof. Blanco de Morais não admite a existência de uma reserva material de tratado.

59
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Sobre a questão da eventual reserva material de tratado e o problema conexo do âmbito dos poderes de
decisão externa no Governo, o Acórdão nº494/99, estando em causa a aprovação pelo Governo de uma
convenção entre Portugal e o Chile sobre matéria de segurança social, o Juíz constitucional preconiza um
entendimento que, no plano teórico, é contrário à ideia de reserva material genérica de um tratado:

“Na verdade, o critério material de distinção, relevante para uma hipotética reserva material de tratado,
haverá de buscar-se na disciplina constitucional das convenções internacionais, como critério pressuposto por
esta disciplina- designadamente, pelas diferenças de regime jurídico entre tratado e acordo internacional”.

Admitindo a existência de duas alternativas de interpretação da Constituição, uma de pendor parlamentar


(favorável à reserva material genérica de tratado) e outra de pendor governamental (contrária a este tipo de
reserva), o TC, defendendo uma interpretação adequada das disposições relevantes que garanta uma
aplicação “equilibrada do modelo constitucional de repartição de poderes neste domínio”, descarta a adoção
“de um critério geral, que levasse a optar abstratamente por uma das alternativas propostas”.

 As quatro fases principais do procedimento interno de vinculação por convenção internacional

1) Negociação e Ajuste

Ao Governo da República, no exercício da função de “órgão de condução da política geral do país” (182º),
compete, em regime de exclusividade, “negociar e ajustar convenções internacionais” (197º/1 b)).

O caráter exclusivo desta competência não prejudica, contudo, (i) o poder de participação das RA e, da parte
do Governo, (ii) o cumprimento de deveres específicos de informação e de concertação.

(i) Nos termos do art. 227º/t), as RA têm o direito de participar nas negociações de tratados e acordos
internacionais que “diretamente lhes digam respeito, bem como nos benefícios deles decorrentes”.
As matérias abrangidas por esta reserva de interesse regional são, desde logo, as previstas nas
alíneas do art. 227º, designadamente as al. i), h), r) e s). Por outro lado, os Estatutos Político-
Administrativos especificam um conjunto alargado de matérias em relação às quais as RA terão um
direito de participação.

A participação compreende a representação na delegação da República Portuguesa incumbida da negociação,


o direito de ser notificada de toda a documentação relevante e ainda a oportunidade de ser ouvida e de se
pronunciar, de modo efetivo, sobre as questões da negociação com incidência regional direta (198º/3 RAR).

Ao Governo Regional compete, em nome da respetiva RA, o exercício dessas competências, bem como o poder
correlativo de, após a entrada em vigor do tratado ou acordo, acompanhar as vicissitudes da sua execução.

Na eventualidade de violação destas prerrogativas de participação regional, entende-se que se verifica uma
inconstitucionalidade formal, relevante em sede de fiscalização preventiva (279º), mas insuscetível, no quadro
do 227º/2, de impedir a aplicação interna da convenção internacional e de implicar, ao abrigo do 46º CDVT, a
sua invalidade.

(ii) Na fase de negociação, o PR, que não participa diretamente, deve ser informado do andamento das
negociações (201º/1 c)), e adequadamente inteirado do desfecho previsível sobre matérias de maior
relevância. Exige-se ainda uma prática de concertação entre o Governo e o PR, no âmbito do
pressuposto pelo princípio da interdependência entre órgãos de soberania (111º/1), uma vez que o

60
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

PR tem um papel importante e ativo no domínio das relações externas, como representante da
República Portuguesa e garante da independência nacional (120º).

O Governo tem ainda deveres de informação, em plano institucional diferentem de conteúdo mais genérico,
em relação aos grupos parlamentares (180º/2 j)) e aos partidos políticos representados na AR e que não façam
parte do Governo (114º/3).

O incumprimento destes deveres terá um significado no plano da responsabilidade política, desprovido,


contudo, de desvalor no plano jurídico-constitucional.

São considerados representantes do Estado Português na negociação bilateral ou multilateral o PR, o PM e o


MNE (7º/2 a) CVDT) e, verificadas certas condições, os chefes de missão diplomática (embaixadores) e
representantes acreditados dos Estados numa conferência internacional (7º/2 b) e c)). Fora destes casos de
plenos poderes funcionais, o representante português na negociação tem de ser portador de uma carta ou
credencial de plenos poderes, assinada pelo PR e pelo MNE.

Ao Governo cabe a decisão sobre a abertura das negociações, a condução das mesmas e a decisão final de
ajuste que corresponde, na terminologia da CVDT, à autenticação do texto, por rubrica ou assinatura. De
acordo com a Resolução de Ministros nº 17/88, estas competências são exercidas pelo MNE ou, pelo menos,
sob a sua direção. É requerida a aprovação prévia pelo Conselho de Ministros, que depende de mandato
expresso ficando, contudo, tacitamente delegada no PM. Uma situação de assinatura ou rubrica por decisão
unilateral do MNE ou do representante na negociação, constituiria uma violação da resolução nº 17/88, ao
nível da mera irregularidade procedimental.

Já a assinatura como forma de manifestação do consentimento (11º CVDT) é expressamente excluída pela
CRP, ao exigir no art. 8º/2, a ratificação ou aprovação como condição de vigência e, portanto, de vinculação
do Estado Português por convenções internacionais. Tratar-se-ia, neste caso, de uma inconstitucionalidade
orgânica e formal que afeta a validade da convenção internacional assinada, mas não aprovada, nos termos
definidos pelo art. 46º CVDT e consagrados na solução do art. 227º/2 CRP.

2) Aprovação

A aprovação, que ocorre necessariamente depois da adoção do texto, integra-se na fase da manifestação do
consentimento, comummente designada por ratificação.

À luz do art. 8º/2 CRP, a aprovação é uma exigência imperativa e aplicável a todas as modalidades de
vinculação internacional através de convenção internacional, seja pela forma de tratado (ratificação,
antecedida de aprovação- 8º/2 em articulação com o 135º/b)), seja pela forma de acordo (8º/2 em articulação
com os arts. 161º/i) e 197º/1 c)).

Assim, a CRP não contemporiza com os acordos em forma ultrasimplificada, nem com a modalidade de
vinculação bilateral através de acordo por troca de notas. São igualmente incompatíveis com a letra e espírito
do 8º/2 as ratificações implícitas ou negativas.

A omissão de aprovação ou a verificação de falhas graves no processo de aprovação redunda em vício de


inconstitucionalidade formal e/ou orgânica, com o efeito de vedar a aplicação da convenção internacional em
causana OJ, em sede de fiscalização sucessiva (227º/2) e impedir a conclusão da vinculação em sede de
fiscalização preventiva (279º/1 e 4).

61
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Tanto a AR como o Governo têm competência de aprovação de convenções internacionais.

A AR aprova:

» Os tratados, isto é, as convenções internacionais que ostentam a designação de tratados e ainda


aquelas que, independentemente da intitulação, versem sobre as matérias identificadas pelo texto
constitucional e que correspondem a áreas de particular melindre político e de opção fundamental no
domínio das relações externas;
» Os acordos internacionais cuja designação no texto adotado não seja tratado, relativo a matérias da
competência legislativa reservada (164º e 165º) e também os acordos relativos a matérias da
competência legislativa concorrencial que o Governo entenda submeter à sua apreciação.

O Governo aprova:

» Os acordos internacionais sobre as matérias que não integram a reserva do tratado nem a reserva da
competência legislativa parlamentar, salvo se decidir submeter à AR a sua aprovação.

A AR aprova tratados e acordos através de resolução (166º/5), enquanto o ato governamental de aprovação
toma a forma de decreto (197º/2), apreciado e votado em Conselho de Ministros (200º/1 d)).

No que toca à maioria parlamentar exigida, é aplicável a maioria relativa (116º/3), ainda que se entenda que
seria preferível que se exigisse uma maioria qualificada para a aprovação de tratados que visem a construção
e o aprofundamento da UE.

Em princípio, a aprovação de convenções internacionais deve ocorrer em situações que não envolvam para os
órgãos competentes uma limitação circunstancial dos seus poderes. A demissão do Governo implica a
caducidade das propostas de lei e de referendo (167º/6), mas como nada diz sobre as propostas de aprovação
de tratados e acordos, a demissão do Executivo não deverá impedir a continuação do procedimento de
aprovação. Em contrapartida, o procedimento deve considerar-se suspenso com a dissolução da AR (art.
172º), não sendo matéria que caiba na competência limitada da Comissão Permanente (179º/1 e 3).

Por seu lado, o Governo de gestão estará impedido de tomar decisões de ajuste a aprovação de convenções
internacionais, incluindo a apresentação de propostas de aprovação à RA, salvo se outra solução prevalecer
por razões imperiosas ditadas pelo princípio da continuidade do Estado ou pela urgência da resposta a um
verdadeiro estado de necessidade.

A realização de referendo nacional sobre convenções internacionais é facultativa: a CRP autoriza, mas não
impõe:

- O art. 115º/3 prevê a realização do referendo sobre “questões de relevante interesse nacional que devam
ser decididas pela AR ou pelo Governo através de convenção internacional ou de ato legislativo”. Estão
excluídas as matérias indicadas nas quatro alíneas do art. 115º: (i) alterações à Constituição, (ii) questões e
atos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro, (iii) as matérias previstas no art. 161º e (iv) as matérias
previstas no art. 164º, com exceção da i).

Adaptando o âmbito destas exclusões ao referendo sobre convenções internacionais, resulta do art. 115º/5
um elenco mais restrito de matérias não referendáveis.

62
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

- A iniciativa de referendo deve ocorrer, necessariamente, antes da aprovação da convenção internacional


pela AR ou pelo Governo, cujo texto já tenha sido adotado e submetido para aprovação.

- O referendo terá efeito vinculativo se, conforme o dito pelo art. 115º/11, o nº de votantes for superior a
metade dos eleitores inscritos no recenseamento. No caso de resposta negativa à aprovação da convenção
internacional, o processo em curso de vinculação internacional terá de ser dado como extinto. Se a resposta
for favorável, então compete aos órgãos de aprovação e ao PR a obrigação de concluir o processo de
celebração da convenção internacional em causa.

- No caso de resposta positiva ao referendo, os órgãos de soberania vinculados devem, no cumprimento dos
prazos previstos (241º LORR) e, na sua ausência, do respeito pelo prazo razoável, garantir a conclusão do
procedimento de vinculação à convenção internacional em causa;

No caso de resposta negativa do eleitorado, nos termos do 115º/10, impossibilidade de aprovação da


convenção internacional em causa até nova eleição da AR ou realização de novo referendo de resposta
afirmativa, cuja proposta só pode, contudo, ser renovada na sessão legislativa seguinte.

3) Ratificação e Assinatura

Cabe ao PR a ratificação dos tratados solenes (135º/b)) e a assinatura das resoluções da AR e dos decretos do
Governo que aprovam acordos internacionais (134º/b)).

◊ Fiscalização da Constitucionalidade:

Os tratados são sujeitos a fiscalização preventiva antes de serem submetidos a ratificação, o mesmo
sucedendo com os acordos internacionais em momento prévio à sua assinatura, devendo seguir-se, com
adaptações, o regime de controlo dos atos legislativos- 278º/1). A fiscalização incide sobre normas constantes
da convenção internacional e não sobre a convenção internacional na sua totalidade- 278º/1 CRP e 51º/1 e 5
LTC.

Considera-se existir uma lacuna na Constituição, pelo facto de o nº 1 do art. 278º não mencionar, de entre os
atos sujeitos ao controlo preventivo, os acordos internacionais aprovados por resolução parlamentar,
reportando-se explicitamento o mesmo preceito apenas às normas aprovadas por decreto do Governo ou do
Parlamento.

 O Prof. Blanco de Morais considera que semelhante vazio normativo não se justifica em nenhum
fundamento material razoável. Dado que a AR dispõe, no respeito das exceções previstas no art.
161º/i), da faculdade de escolher a forma de tratado ou a de acordo internacional para crismar
convenções internacionais por ela aprovadas, não faria sentido que a mesma matéria fosse sujeita a
fiscalização caso revestisse a forma de tratado e fosse isenta do mesmo controlo se assumisse a forma
de acordo.

Por outro lado, pareceria anacrónico, à luz da essencialidade das matérias, sujeitar as menos importantes (as
respeitantes aos acordos aprovados pelo Governo) ao controlo preventivo e isentar do mesmo controlo as
mais relevantes (referentes aos acordos internacionais inscritos na reserva do Parlamento).

Assim, o Prof. afirma que se deve considerar que o nº 1 do art. 278º compreende também os acordos
aprovados sob a forma de resolução pois a sua identidade de razão com as demais convenções internacionais
retiraria sentido a uma interpretação textual que os subtraísse ao processo de fiscalização preventiva.

Quanto aos tratados institucionais que vierem a ser adotados no âmbito da UE encontram-se igualmente
sujeitos a fiscalização preventiva, atento o disposto no art. 8/4 CRP já que, mesmo no quadro de uma

63
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

interpretação minimalista, o referido pretexto determina a compatibilidade dessas convenções com os


princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático.

Efeitos da Pronúncia:

O art. 279º especifica os efeitos da pronúncia do TC, proferida no prazo máximo de 25 dias (278º/8):

 No caso de uma pronúncia pela não inconstitucionalidade, o PR decidirá livremente se ratifica/assina


a convenção internacional, já que esse tipo de controlo de mérito que exerce sobre os referidos atos
é livre. O Prof. Fausto Quadros defende que o PR está vinculado a assinar.;
 Se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade de norma constante de convenção internacional, o
PR:
- deve vetar, recusar a assinatura no caso de acordo internacional e recusar a ratificação dos tratados
(279º/1).

O facto de o nº 2 do art. 279º se referir a um veto por inconstitucionalidade sobre os acordos e o nº 4 do


mesmo artigo não mencionar o mesmo “veto” em relação aos tratados levou a doutrina a considerar que, em
relação a estes últimos, não haveria que falar num “veto jurídico”, mas numa recusa de ratificação.

Com efeito, a resolução da AR qu aprova o tratado é publicada independentemente de promulgação (166º/5


e 6), incidindo o ato de ratificação presidencial, direta e autonomamente, sobre o referido tratado que lhe é
submetido, após a mesma aprovação.

Embora ambas as convenções sejam normas internacionais de idêntica hierarquia, a maior solenidade dos
tratados, a incidência internacional do ato de ratificação ou da sua recusa (135º/b)), bem como a reserva
necessária de tratado que a alínea i) do art. 161º consagra, parecem justificar a existência de alguns trâmites
distintos.

Assim, em caso de pronúncia no sentido da inconstitucionalidade, deve falar-se em “veto por


inconstitucionalidade” em relação aos decretos governamentais ou resoluções parlamentares que aprovem
acordos, e em “recusa de ratificação com fundamento em inconstitucionalidade” no que respeita aos tratados
(Prof. BM).

Em relação ao expurgo, no caso de convenções internacionais, não parece ser admissível, uma vez que isso
suporia a renegociação da convenção, a qual, sobretudo nos instrumentos multilaterais, não parece ser
exequível e, mesmo que o fosse, implicaria a autenticação e a aprovação de uma nova convenção. Mas, de
acordo com o Prof. BM, se a expurgação consistisse numa operação de modificação ou remoção ideal da
norma, sem afetação do articulado do texto da convenção, então essa figura já poderia abranger normas
modificadas, reinterpretadas ou privadas de eficácia em relações jurídicas internacionais que vinculem o
Estado Português, como efeito da formulação de uma reserva, sempre que a Convenção a não proíba, isto
com apoio no art. 204º/2 RAR.

- pode ratificar o tratado se este for, na sequência do acórdão do TC, confirmado pela AR por maioria
de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade
de funções (279º/4). Note-se que o PR pode sempre não ratificar o tratado ainda assim, por razões de
mérito, de acordo com as competências que lhe são atribuídas pela alínea b) do art. 135º.

64
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

O limite mínimo do prazo determinado para a deliberação confirmativa é fixado no RAR, o qual, no art. 203º/3
prescreve que a segunda deliberação só pode ter lugar a partir do 15º dia posterior ao da receção da
mensagem fundamentada do PR.

 Da norma do 279º/2, existe uma interpretação tradicional (nomeadamente, Correia Batista)


formulada no sentido de que, para além dos acordos internacionais aprovados pelo Governo, também
aqueles que tenham sido aprovados pela AR e vetados na sequência de uma pronúncia por
inconstitucionalidade, não seriam suscetíveis de confirmação parlamentar, em razão de o texto
constitucional não o admitir, falando apenas em decretos, sendo que os acordos aprovados pela AR
revestem a forma de resolução.

O Prof. BM defende que não existe uma diferença substancial de relevo entre tratado e acordo internacional,
mas essencialmente uma distinção orgânica, pois a AR aprova indistintamente tratados e acordos nas matérias
da sua competência, salvo os domínios restritos de reserva de tratado previstos no art. 161º/i) 2ª parte, e o
Governo aprova apenas acordos internacionais.

O Prof. argumenta que, quem confira à expressão “decretos” (278º/1) um sentido amplo, não poderá deixar,
por razões lógicas, de o fazer também em relação ao art. 279º/2. Isto porque, se a mesma fórmula vale para
a submissão dos acordos aprovados por resoluções parlamentares à fiscalização preventiva, também deverá
valer, por identidade de razão, para que, no que concerne ao disposto no art. 279º/2, tornar admissível a
confirmação parlamentar dos mesmos “decretos” aprovados sob a referida forma de resolução, no caso de o
TC se pronunciar pela sua inconstitucionalidade.

Deste modo, o Prof. considera que em vez de “decreto”, se deve entender “diploma” e que, como tal, os
acordos internacionais aprovados pela AR sob a forma de resolução e julgados inconstitucionais em controlo
preventivo poderão ser objeto de confirmação parlamentar.

A ratificação corresponde a uma declaração solene e final de aceitação do tratado pelo Estado Português, que
o faz através da intervenção do Chefe de Estado. Materialmente, esta intervenção é traduzida na assinatura
sobre a carta de ratificação, objeto de troca no tratado bilateral e de depósito no tratado multilateral. O ato
interno correspondente é o decreto presidencial de ratificação, publicado no DR, embora o art. 119º/1 b) se
limite a exigir a publicação do aviso de ratificação das convenções e outros avisos a elas referentes.

O ato presidencial, embora autónomo, está sujeito a referenda prévia do Governo, cuja falta determina a
inexistência jurídica do ato de ratificação (140/2º). A referenda é, neste caso, ato necessário, não podendo ser
recusada.

A ratificação é um ato livre do PR. A CRP não prevê o procedimento de recusa de ratificação pelo PR. Em
relação a qualquer tratado, com a exceção acima referida de referendo favorável vinculativo, o PR pode
recusar a ratificação com fundamento em argumentos de discordância política e com a legitimidade
qualificada de quem representa a RP. No caso de discordância por dúvidas relativas à eventual
incompatibilidade do tratado com a CRP, o PR tem ao seu dispor o mecanismo da fiscalização preventiva da
constitucionalidade (278º/1).

A CRP não estipula um prazo para a ratificação, pelo que se deve aplicar, de acordo com o princípio da
cooperação leal, o critério do prazo razoável. Nada diz que o PR não possa, contudo, arrastar temporalmente
o exercício do seu controlo de mérito, em matérias tão sensíveis como as que respeitam às relações externas
do Estado.

65
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

O Prof. BM admite que se possa aplicar aqui por analogia o prazo de 20 dias previsto no art. 136º/1 para a
promulgação das leis da AR, já que se trata de atos normativos imputados ao Parlamento.

O ato de aprovação de acordos internacionais é assinado pelo PR (134º/1 b)). A assinatura, ao contrário da
ratificação que é um ato autónomo, tem uma função meramente certificativa ou declarativa do
consentimento do Estado Português, resultante do ato de aprovação. O PR pode recusar a assinatura por
motivos de discordância política.

A assinatura dos acordos internacionais está sujeita a referenda ministerial, que não pode ser recusada e cuja
falta determina a sanção da inexistência jurídica (140º/2).

4) Publicação

A publicação oficial é a última fase do procedimento interno de celebração da convenção internacional. Nos
termos do art. 8º/2, após a publicação, as convenções internacionais vigoram na ordem interna, se e enquanto
vincularem internacionalmente o Estado Português. Assim, a publicação é necessária para garantir a eficácia
jurídica da convenção na OJ portuguesa (119º/2).

Uma convenção internacional regularmente ratificada e aprovada pode vincular internacionalmente o Estado
Português, mesmo que a publicação, por atraso ou por lapso, não tenha ocorrido.

Os atos abrangidos pela obrigação de publicação oficial são as convenções internacionais, os respetivos avisos
de ratificação e os restantes avisos a elas respeitantes (119º/1 b)).

$ Procedimento Interno de Desvinculação

A Constituição não se pronuncia sobre o processo de desvinculação das convenções internacionais. As


disposições previstas na Constituição para o procedimento de vinculação por convenção internacional são
invocáveis, com as necessárias adaptações, quando se trata do procedimento jurídica e politicamente
equivalente da desvinculação. O critério básico do paralelismo das formas estende-se a atos internos de
eficácia análoga à desvinculação, como seja a decisão de suspensão ou aplicação parcial.

A denúncia é um direito do Estado enquanto parte contratante, a exercer nos limites definidos pelos arts. 54º
e 56º CVDT. É ainda uma prerrogativa de soberania do Estado, pelo que se justifica uma interpretação
conforme da convenção internacional ao reconhecimento do direito de desvinculação (56º/1 a) e b)). Por se
tratar de uma prerrogativa inerente ao estatuto de Estado soberano, admite-se a denúnci/retirada mesmo
que seja proibida pelo tratado ou contrária à sua natureza e à vontade presumida das partes, sem prejuízo,
neste caso, de eventual responsabilidade internacional do Estado por ato ilícito.

 Competência

A competência de decisão sobre a desvinculação cabe ao órgão que detém, nos termos da Constituição, o
poder de aprovar. Assim, um acordo sobre matéria de competência reservada que, contrariamente ao art.
161º/i), foi aprovado pelo Governo, exige a intervenção da AR para decisão de denúncia. O mesmo vetor de
orientação determina que possa ser o Governo e não a AR a decidir sobre a desvinculação de um acordo que,
submetido para aprovação da AR, cabia na esfera de competência do Governo.

66
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

O ato de desvinculação, eventualmente precedido de referendo, toma a forma de resolução ou decreto, segue
para o PR que, conformemente à prática institucional, assina o respetivo decreto presidencial, sujeito a
referenda ministerial (134º/b) CRP).

Impõe-se a publicação dos atos de desvinculação, incluindo os respetivos avisos (119º/1 b)).

 Fiscalização

Por se tratar de um ato de decisão política, mesmo que eivado de inconstitucionalidade, não está sujeito a
fiscalização preventiva ou sucessiva de constitucionalidade.

 Procedimento

Se a convenção relativamente à qual se pretende exercer a prerrogativa de a abandonar estabelecer ela


própria um procedimento complexo de desvinculação, importa determinar, articulando o regime
convencional especial e a CRP, como e quando devem intervir os órgãos de soberania competentes. Depois
de reconhecer aos Estados-membros o direito de sair da UE, o art. 50º/2 do Tratado da UE define como etapas
iniciais e necessárias:

1. Notificação ao Conselho Europeu da decisão de se retirar;


2. Negociação e celebração entre o Estado candidato à saída e a UE de um acordo sobre as condições de
saída. Nos termos do 50º/3, a saída do Estado-membro pode ocorrer em virtude da mera notificação
da vontade de sair, no caso de um Conselho Europeu dispensar a celebração de acordo de saída.

O Governo é o órgão de condução da política externa do país (182º e 201º/1 a) CRP) e, com esta legitimidade,
terá, verificadas certas condições, competência própria em matéria de desvinculação. Enquanto decisão
política e livre, a desvinculação não deve ser subtraída contudo a competência da AR, se for este o órgão
constitucionalmente habilitado para a aprovação.

Diferente é a situação de cessação de vigência ou de efeitos com fundamento em causas jurídicas (ex:
declaração de inconstitucionalidade pelo TC, nulidades, etc). Nestes casos, a competência do Governo terá
um fundamento objetivo. Estará nestas situações a exercer a sua competência de aplicação e execução das
convenções que vinculam o Estado Português, o que compreende necessariamente as decisões de
desaplicação por imposição contitucional ou decorrência do Direito dos Tratados, sujeitas à notificação às
outras partes.

67
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Normas Internacionais e Eficácia na OJ Portuguesa

 Articulação entre Direito Internacional e Direito Interno

Desde finais do séc. XIX, o debate gira em torno da alternativa unidade/pluralidade para caracterizar a relação
entre o ordenamento jurídico internacional e os ordenamentos dos Estados.

Na viragem para o séc. XX, com particular evidência a partir do Tratado de Versalhes, vários fatores
contribuiram para colorir de função prática uma abordagem de génese teórico-dogmática. Em primeiro lugar,
o constitucionalismo liberal, baseado no princípio da separação de poderes, reservava aos tribunais a função
de interpretar e aplicar o Direito: incluindo ou excluindo as normas internacionais? Em segundo lugar, estas
normas internacionais eram em número cada vez maior, sobre matérias de notória expressão político-social e
estendiam o seu âmbito de aplicação aos indivíduos quando lhes reconheciam direitos (ex: Direito
Internacional Humanitário): poderiam os indivíduos invocar estes direitos junto dos tribunais nacionais? No
caso de violação destas normas internacionais, incorreriam os Estados em responsabilidade perante os
titulares dos respetivos direitos de proteção?

As respostas a estas questões vão depender da construção teórica adotada: dualismo vs monismo.

◊ Dualismo- filiado na corrente voluntarista e estatista, o dualismo teve em Heinrich Triepel e em


Dionísio Anzilotti doutrinadores de reconhecido valor dogmático.

A teoria dualista concebe a relação entre Direito Internacional e Direito Interno como uma relação entre
diferentes e separados ordenamentos jurídicos. O Direito Internacional regula as relações entre os Estadosm
titulares exclusivos de personalidade jurídica internacional. O Direito Interno regula as relações sociais entre
os indivíduos, cuja personalidade jurídica, com as projeções inerentes à capacidade jurídica, está limitada às
instituições internas.

Não existe comunicação direta e aberta entre fontes internas e fontes internacionais. Uma das consequências
do dualismo é o duplo mecanismo da receção e transformação: a norma internacional carece de ser
introduzida no ordenamento estadual por um ato interno específico e depois transformada ou transposta por
um ato normativo interno. Assim, a norma internacional não tem autonomia, devendo a sua eficácia interna
ao ato de transposição. O lugar da norma internacional na hierarquia interna é o correspondente ao ato de
transposição.

◊ Monismo- existe uma unidade fundamental entre ordenamento internacional e ordenamento


interno.

Há várias correntes monistas:

a) Monismo com Primado do Direito Interno

Esta conceção afirma a falta de autonomia do ordenamento internacional, reduzido à dimensão ancilar de
Direito Estadual Externo. Normas internacionais e normas internas coexistem, são aplicadas pela estrutura
instituída do poder estadual, designadamente os tribunais, mas em situação de conflito a lei interna há de
prevalecer sobre a regra internacional.

No plano lógico-formal, esta conceção pouco se distingue do dualismo: parte da falta de autonomia do Direito
Internacional. A vontade soberana do Estado prevalece com a força associada ao dogma sobre a autoridade
normativa do Estado no quadro das relações internacionais.

68
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

b) Monismo com Primado do Direito Internacional

Há uma prevalência do Direito Internacional sobre o Direito Interno, uma vez que as normas internacionais
visam regular as relações entre Estados que são juridicamente iguais e, por outro lado, porque uma parte
importante dessas normas têm uma existência objetiva, independente da vontade dos Estados. Não se pode
assim opor uma lei a um tratado ou a própria Constituição ao costume internacional.

A doutrina procura o fundamento desta conceção no facto de as regras internas derivarem das regras
internacionais que determinam as competências dos Estados e não as podem contrariar. Tendo por base a
norma fundamental- consuetudo est servanda – é o critério hierárquico que estrutura as relações entre norma
internacional e norma interna, como é ao critério hierárquico que se recorre em caso de conflito
internormativo.

A oposição entre dualismo e monismo, que opera no plano da articulação ou das relações entre ordem jurídica
internacional e ordens jurídicas nacionais, pressupõe sistemas diferentes de incorporação ou inserção da
norma internacional no ordenamento interno, baseados em duas técnicas distintas:

i. Transformação ou transposição- a norma internacional é sujeita a um processo interno, de acordo com


o estabelecido na Constituição, que fazendo jus ao dualismo, “nacionaliza” o seu conteúdo e transforma
a norma internacional em norma interna- por exemplo, a aprovação do tratado por lei parlamentar que
passa a vigorar como ato legislativo interno.
ii. Receção- coerente com o monismo, a norma internacional “entra” na ordem jurídica interna sem
necessidade de procedimentos prévios de reconhecimento, validação ou qualificação. A norma
internacional vigora como norma internacional, com todas as consequências relevantes no plano da
aplicação preferente e da interpretação. Por exemplo, a cláusula de receção automática plena que
permite a vigência interna da regra internacional por força do simples instrumento normativo ou fonte
donde constem, dispensando ato de intermediação ou incorporação.

Não existe no Direito Internacional uma norma que defina a forma ou o modo de incorporação interna. Como
afirma Galvão Teles “os Estados têm o dever de assegurar o respeito interno do direito internacional, mas é-
lhes lícito, em primeiro lugar, escolher o modo de o conseguir”. Assim, o modo como o Estado assegura o
respeito e o cumprimento interno da norma internacional é uma questão de competência interna, exercida
através da respetiva Constituição.

 Relação recíproca de eficácia entre norma internacional e norma interna

É uma questão complexa: qual o lugar da norma internacional na ordem jurídica interna como parte integrante
do direito aplicável?

No plano teórico, o princípio é o do primado do Direito Internacional sobre o Direito Interno. Contudo, por
força de uma cláusula expressa de hierarquia ou, na sua ausência, resultando da prática institucional e da
jurisprudência constitucional, as soluções consagradas nem sempre se mostram compatíveis com o primado
do Direito Internacional. Assim acontece quando os textos constitucionais colocam a norma internacional de
fonte convencional em posição de paridade com a lei (ex: modelo britânico e italiano).

69
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

A modalidade mais comum é a que reconhece valor supralegal aos tratados, de tal modo que a norma interna
de grau infraconstitucional não a pode contrariar, alterar ou revogar. É esta a solução que resulta da CRP (art.
8º).

A posição relativa da norma internacional na ordem jurídica interna não coloca apenas o problema sob a
perspetiva teórica e valorativa da respetiva relevância hierárquica. A questão está diretamente relacionada
com os procedimentos e meios de fiscalização da validade das normas aplicáveis. Note-se, contudo, que a
garantia do primado da norma internacional não implica um juízo negativo sobre a validade da norma interna
contrária.

 Direito Internacional Público e Tribunais Nacionais: o Efeito Direto

O efeito direto da norma internacional permite ao particular a invocação da disposição normativa junto dos
tribunais nacionais. O efeito direto é sinónimo de invocabilidade contenciosa. O direito de ação depende tanto
da natureza da norma internacional em causa, exequível por si mesma, fonte direta e suficiente de direitos
para os particulares, como da existência de vias processuais adequadas no foro doméstico.

A questão do efeito direto tem sido colocada a propósito da eficácia de tratados e atos unilaterais das
organizações internacionais. No Parecer de 1928, relativo à Jurisdição dos Tribunais de Danzig, o TPJI
reconheceu o direito aos funcionários dos caminhos de ferro de Danzig de, com base em acordo internacional
de 1921 que definiu as condições da sua integração na administração ferroviária da Polónia, recorrer aos
tribunais da Cidade Livre de Danzig. Embora admitindo como princípio que um acordo internacional não cria
direitos e obrigações para os particulares, o TPJI destaca a importância da intenção das Partes, objetivada no
texto e conteúdo do acordo.

Se a norma internacional em causa se apresenta com uma formulação clara e precisa, equivalente à da norma
interna que é fonte de direitos para os particulares, não deve ser a sua origem internacional a razão de excluir
ou limitar a garantia fundamental de tutela judicial.

Assim, em primeiro lugar, a norma internacional, especialmente a que resulta da vontade contratante dos
Estados, produz efeitos jurídicos que ultrapassam a conceção clássica de regulação de direitos e deveres dos
Estados. Em segundo lugar, o particular, cidadão nacional das Partes Contratantes ou cidadãos de País
Terceiro, adquire um estatuto de destinatário ativo e direto das normas internacionais, dependendo do
enunciado preciso, claro e incondicional da norma atributiva de direitos ou impositiva de deveres.

 Tendência Atual

A tendência atual é para ligar o efeito direto à norma de proteção de direitos humanos. Ora, admitindo que
existe, em função da natureza da norma garantidora de direitos das pessoas, uma presunção favorável ao
efeito direto, pode contudo o texto de uma norma, sem prejuízo da sua natureza jurídica e das obrigações que
impõe ao Estado vinculado, ter como destinatário o decisor interno e não o particular. Exemplo:

“Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes”.

Neste exemplo, a proibição de tortura ou penas e tratamentos degradantes impõe-se com a autoridade
incondicional de uma obrigação absoluta que não deixa qualquer margem de apreciação ao legislador interno.
O direito a não ser torturado, o direito a não sofrer tratamentos e penas desumanos ou degradantes nascem
com a norma internacional e serão invocados com base nela, incluindo junto dos tribunais internos em caso
de violação.

70
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

A tendência para fazer do efeito direto uma regra de eficácia da norma internacional provoca, em certos casos,
reações de defesa da parte dos Estados que, fiéis à tradição dualista, pretendem a separação entre a dimensão
externa e a dimensão interna das suas obrigações normativas (um certo apartheid normativo).

Se os Estados, de modo unilateral ou concertado no quadro da UE, não hesitam, com base na representação
dos seus interesses, em excluir o efeito direto, não é acertado concluir que a invocabilidade contenciosa da
norma internacional possa representar ou implicar, em si, uma limitação negativa da soberania do Estado. Na
verdade, o que podemos qualificar como o processo de internacionalização do Direito Internacional, com os
tribunais nacionais a interpretar e aplicar a norma internacional, pode ser mais favorável para o Estado,
especialmente no caso de existir um tribunal internacional perante o qual o Estado tem de responder pelos
seus atos.

71
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

A Constituição Portuguesa e a Eficácia das Normas Internacionais e


Eurocomunitárias

 A Constituição Portuguesa e a Abertura ao Direito Internacional e ao Direito da UE

A CRP de 1976 é, no que respeita à relação com o Direito Internacional, no quadro do Direito Constitucional
Comparado, um exemplo de abertura ao ordenamento jurídico internacional e aos respetivos valores
fundamentais. Para adjetivar as características mais salientes do modelo previsto na CRP, podemos dizer que
é cosmopolita pelo reconhecimento dos princípios e finalidades que regem as relações internacionais (art.
7º), é procedimental e diferenciador pela forma como especifica as regras de incorporação e de eficácia das
várias fontes do DIP e do DUE (art. 8º). Em vez de uma cláusula geral, a CRP contém cláusulas específicas. Uma
terceira característica está ligada à expressão positivista e exaustiva do enquadramento constitucional.

O modelo de cláusulas específicas tem a vantagem de proporcionar ao intérprete, doutrinário ou judicial, uma
leitura de maior eficiência aplicativa, com níveis muito residuais de imprevisibilidade da decisão.

O cunho marcadamente internacionalista da CRP de 1976, a relação de amizade que as disposições


constitucionais fundamentam, tem subjacente um voto de confiança quase irrestrita no DIP e no
desenvolvimento virtuoso dos alicerces da comunidade internacional como comunidade de Direito.
Encontramos no texto da CRP várias disposições que dão expressão normativa à confiança na relevância
paramétrica:

a) A remissão para os princípios gerais e objetivos fundamentais que devem orientar Portugal nas
relações externas e que correspondem a uma visão generosa dos fins das relações internacionais- art.
7º/2.
b) No domínio dos direitos fundamentais, o art. 16º consagra duas soluções de inequívoca abertura ao
Direito Internacional dos Direitos Humanos:
i. Os preceitos internos relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados “de harmonia
com a DUDH”- 16º/2;
ii. Em nome do princípio do nível mais elevado de proteção, os direitos fundamentais consagrados e
tipificados na Constituição “não excluem quaisquer outros constantes das regras aplicáveis de
direito internacional”- 16º/1 cláusula aberta.

Estes preceitos constitucionais avulsos concretizam o objetivo constitucional de uma ordem jurídica cujos
mecanismos de determinação do Direito aplicável funcionam em circuito aberto, em sistema de rede, com os
procedimentos normativos, substantivos e judiciais das ordens jurídicas globais de âmbito universal ou
regional. É o art. 8º que concentra a função de “pórtico da Constituição”, através do qual se garante a entrada
e a eficácia das normas internacionais e eurocomunitárias no ordenamento português mediante a observância
de certas condições. Assim, interpreta-se este artigo como a expressão técnico-jurídica da opção
constitucional por uma cláusula geral de receção plena.

72
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 Incorporação e Eficácia do Direito Internacional e do Direito da UE na Ordem Jurídica Portuguesa

A. Direito Internacional Geral ou Comum

O art. 8º/1 determina que “as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte
integrante do direito português”. O direito internacional geral ou comum, sem perder a sua natureza originária
e própria de normativo internacional, é adotado pela OJ que passa a integrar (teoria da adoção), de acordo
com o sentido e relevância normativa que o ordenamento internacional lhe atribui e renova ao sabor da
evolução ditada pelas transformações da realidade internacional.

» Expressão

A expressão “direito internacional geral ou comum” abrange todas as normas e princípios de alcance geral,
partilhados pela comunidade internacional. Assim acontece com as normas de fonte costumeira e os princípios
gerais de Direito, geralmente reconhecidos pelo direito interno dos Estados e cuja função normativa resulta,
de modo expresso, do art. 38º/1 c) ETIJ.

Coloca-se a questão de saber se o art. 8º/1 abrange ou não todas as formas de costume, incluindo o costume
que não é geral ou universal e se abrange ou não os atos jurídicos unilaterais dos Estados de relevo normativo.

Tendo por base a conceção internacionalista que inspira o art. 8º como cláusula de receção do DI, interpreta-
se esta disposição à luz de dois critérios:

 O art. 8º funciona como uma cláusula de receção plena que regula, de modo diferenciado, a
incorporação de toda e qualquer norma, ato ou princípio de DI e de DUE- critério da exaustividade.
 Na relação entre os quatro nºs do art. 8º, ao nº 1 assiste uma função supletiva que fundamenta a
incorporação de normas ou princípios cuja natureza não se adequa no âmbito de abertura das
cláusulas específicas do nº 2, 3 e 4- critério da supletividade.

Assim, não parece que a solução ofereça dificuldades em relação ao chamado costume regional, local ou
bilateral, ao qual o nº 1 deste artigo se deve considerar aplicável por efeito de interpretação extensiva,
teleológica e sistemática. Em relação aos atos unilaterais dos Estados, dada a sua reconhecida importância no
enquadramento das relações interestaduais e a sua repercussão no processo aplicativo e garantia de
efetividade do Direito Internacional Geral, a incorporação dos seus efeitos na OJ portuguesa também se dá
por via do nº 1.

Como parte integrante do direito português, este segmento da normatividade internacional produz efeitos
jurídicos de forma direta, automática, sem precisar de qualquer ato expresso de aceitação ou aprovação. A
vinculação é imediata e transversal. A obrigatoriedade do DIG envolve todas as entidades públicas e também
as entidades privadas. Em caso de conflito entre DIG e Direito interno, deve prevalecer o primeiro.

As normas de DIG gozam de relevância supraconstitucional ou equivalente à força das normas constitucionais.
No caso de normas ou princípios de ius cogens, sendo imperativos para todos os Estados, não podem ser
contrariados ou derrogados pela Constituição. O art. 7º/3 prevê princípios gerais de autoridade imperativa
que excluem, por exemplo, eventuais revisões constitucionais que os restrinjam ou os substituam por
princípios contrários. Por seu lado, o art. 16º/2 determina que “os preceitos constitucionais relativos a direitos
fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a DUDH”. As normas garantidoras da

73
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

DUDH dotadas de força de ius cogens terão, em coerência, relevância supraconstitucional. Mesmo admitindo
que nem todas as normas da DUDH beneficiam desta imperatividade qualificada, o art. 16º/2 acaba por
assegurar à DUDH, no seu todo, função equivalente.

B. Direito Internacional Convencional

O art. 8º/2 define as condições de vigência interna e eficácia das normas de fonte convencional em termos
que, sendo diferentes do enunciado do nº 1, não deixam de constituir o suporte textual de uma opção
constitucional por uma cláusula de receção automática e plena. As exigências relativas à regular conclusão do
processo de ratificação e aprovação, à publicação no DR e à vinculação internacional do Estado Português
resultam da natureza convencional das normas internacionais abrangidas pelo nº 2 do art. 8º.

A receção também é automática no sentido em que a norma convencional, observados os pressupostos da


sua vigência na ordem jurídica internacional e da sua eficácia na ordem jurídica interna, vigora de modo
automático, como norma internacional, dispensando atos de intermediação ou conversão.

Questão diferente é a da eventual natureza não diretamente aplicável das cláusulas normativas da convenção,
de tal modo que a sua aplicação e invocação pelos particulares junto dos tribunais portugueses requer a
aprovação de regulamentação interna.

Por outro lado, é uma receção plena, já que o art. 8º/2 se aplica a todas as convenções internacionais, tratados
e acordos, incluindo atos atípicos de natureza análoga. Já em relação às convenções internacionais celebradas
por organizações internacionais de que Portugal seja parte, o melhor entendimento será o de considerar a sua
receção através do art. 8º/3. Como membro da organização internacional em causa, nos termos previstos no
respetivo tratado institutivo, Portugal está obrigado a aplicar as convenções internacionais celebradas pela
organização internacional.

Esta questão tem relevância prática, designadamente no que toca ao problema das reservas e da
desvinculação. Não sendo Portugal parte contratante destas convenções internacionais de fonte institucional,
não pode opor reservas ou decidir unilateralmente sobre a desvinculação.

Importa esclarecer o alcance do segmento final do nº 2 do art. 8º quando refere “enquanto vincularem
internacionalmente o Estado Português”:

A vigência interna da convenção internacional depende da sua vigência na ordem internacional em condições
tais que vinculem o Estado Portugguês. Mesmo que já tenham sido concluídos os procedimentos internos de
celebração, o tratado ou acordo só passa a produzir efeitos na OJ portuguesa se, nos termos definidos pela
própria convenção ou no quadro supletivo que resulta da CVDT, já tiver entrado em vigor na OJ internacional
e, concretamente, em relação a Portugal. Assim, Portugal deixa de estar obrigado por um tratado que caducou
ou que deixou de cumprir um qualquer critério de vigência.

» Irregularidades

No processo interno de celebração de convenções internacionais, podem ocorrer irregularidades ou mesmo


falha graves que tornam imperfeita a ratificação exigida.

O art. 8º/2 parece fazer da ratificação perfeita um pressuposto fundamental da vigência interna da respetiva
convenção internacional. O sentido adequado sobre o que sejam “convenções internacionais regularmente

74
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

ratificadas ou aprovadas” terá de ser encontrado mediante um exercício de interpretação sistemática com o
art. 227º/2 CRP, cujo exato alcance impõe a devida consideração do art. 46º CVDT. Assim, em virtude do
princípio pacta sunt servanda que fundamenta o regume específico do art. 46º CVDT, apenas as
irregularidades mais graves ocorridas durante o procedimento de vinculação internacional podem ser
consideradas um obstáculo, nos termos do art. 8º/2, à vigência interna da respetiva convenção internacional.

Dado que a CRP consagra um sistema de fiscalização da constitucionalidade que abrange as convenções
internacionais em sede de fiscalização sucessiva, a decisão sobre a não vigência da convenção internacional
por irregularidade na ratificação ou aprovação, nos termos definidos pelo art. 8º/2, fica dependente de
declaração de inconstitucionalidade pelo TC, com força obrigatória geral. Os titulares com legitimidade para
requerer a declaração de inconstitucionalidade são aqueles mencionados no art. 281º/2.

Em rigor, o art. 8º/2 apenas estabelece duas exigências à vigência interna da convenção internacional por
receção automática: a publicação e a vigência internacional. Tendo ocorrido ratificação ou aprovação, a
receção na OJ portuguesa presume-se válida, salvo se o TC se pronunciar no sentido da inconstitucionalidade.

» Posição do DIC na estrutura escalonada da OJ Portuguesa

Apesar da ausência de um critério expresso de determinação da relevância hierárquica das convenções


internacionais, a Constituição, interpretada no seu todo, fornece indicações seguras sobre o sentido da
resposta às duas perguntas que a esse propósito urge colocar:

1. Pode a norma constante de uma convenção internacional prevalecer sobre a Constituição?


2. Pode uma norma interna, de grau legislativo ou regulamentar, alterar, revogar ou suspender uma
convenção internacional?

1- Uma norma internacional de fonte convencional não tem estatuto supraconstitucional, nem
equiparado ao da Constituição. Tratados ou acordos, enquanto fonte normativa, ocupam uma posição
infraconstitucional.

Em primeiro lugar, o Estado Português, quem o representa nas várias fases de vinculação externa, não deve
negociar, aprovar e ratificar convenções internacionais contrárias à Constituição. Se tal se verificar, a
Constituição é clara, no art. 204º, ao excluir a aplicação de normas que infrinjam o disposto no texto
constitucional.

Por outro lado, ao contrário do art. 227º/2, exprime a autoridade superior da Constituição que se permite
reconhecer valor positivo e eficácia interna a uma convenção internacional cujo procedimento de conclusão
não respeitou a Constituição.

Note-se ainda que está vedada ao intérprete uma interpretação derrogatória ou contra Constitutionem.

2- Sobre este ponto, a generalidade da doutrina portuguesa aceita a posição intermédia da convenção
internacional, um degrau abaixo da Constituição (valor infraconstitucional), mas um degrau acima do
direito interno ordinário, de fonte legislativa ou regulamentar (valor supralegal).

Entre os vários argumentos favoráveis à relevância supralegal das convenções internacionais, tratados ou
acordos, com prevalência sobre as normas legais e infralegais, anteriores ou posteriores, destacam-se:

75
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

- O princípio geral da boa fé e a sua concretização como princípio basilar do Direito dos Tratados (pacta sunt
servanda) que faz parte integrante do direito português através do art. 8º/1 e impede o Estado Português de,
por ato unilateral, violar ou limitar os compromissos assumidos;

- Os efeitos da cláusula de receção automática e plena do art. 8º/2 e da abertura internacionalista da CRP (7º)
que se opõem a uma solução de eventual prevalência da norma interna;

- O sistema de fiscalização da constitucionalidade que, nos termos do art. 70º/1 i) da LTC, admite recurso para
o TC das decisões dos tribunais que “recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com
fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional”- fiscalização concreta.

» Mecanismos de Fiscalização Sucessiva da Constitucionalidade e Legalidade

A eventual inconstitucionalidade da convenção internacional não afeta a sua validade, ao contrário do que se
verifica com a inconstitucionalidade das leis (3º/3). A consequência da desconformidade com a Lei
Fundamental é a do desvalor jurídico da ineficácia, pelo que a norma constante de tratado ou acordo
internacional contrária à Constituição não pode ser aplicada pelos tribunais nos pleitos submetidos a
julgamento (art. 204º) e pode ser objeto pelo TC de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória
geral, da qual resulta com caráter geral o dever de desaplicação.

O art. 227º/2, a propósito da sua articulação com o princípio pacta sunt servanda e com o art. 46º CVDT,
determina que nem todas as convenções internacionais atingidas por inconstitucionalidade devem ser
desaplicadas. A limitação dos efeitos típicos da inconstitucionalidade está definida em relação à
inconstitucionalidade orgânica ou formal e nunca à material, de tratados regularmente ratificados, desde que
não esteja em causa uma disposição fundamental da Constituição.

A desconformidade entre uma norma legislativa ou infralegislativa e uma convenção internacional configura
uma ilegalidade que não afeta a sua validade, mas resulta em ineficácia e consequente desaplicação da norma
legal contrária ao pacto internacional.

C. Direito das Organizações Internacionais

O nº 3 do art. 8º visa em geral “as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais
de que Portugal seja parte”.

A cláusula do nº 3 viabiliza a receção automática dos atos adotados pelas organizações internacionais de que
Portugal seja parte, com efeitos imediatos para os poderes públicos e para os cidadãos, porque se trata de
direito que passa a integrar o OJ português.

A aplicabilidade direta e imediata dos atos jurídicos das organizações internacionais, sem mediação de ato
interno de receção ou de transposição, fica dependente da verificação de duas condições:

a) Que os atos em causa tenham sido adotados pelos órgãos competentes das organizações
internacionais;
b) Que a vigência direta e automática na OJ dos Estados membros se encontre estabelecida nos
respetivos tratados institutivos.

76
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Admite-se que haja uma presunção favorável à validade do ato normativo da OI, sem prejuízo do direito de
acionar os competentes meios processuais de verificação da validade. No caso de tais mecanismos existirem
no seio da própria OI, as eventuais questões de validade devem aí ser suscitadas. Se tais mecanismos não
existirem ou forem insuficientes, não se pode descartar os recursos aos tribunais nacionais.

» Atos jurídicos das Organizações Internacionais

No que toca aos atos jurídicos das OI, diretamente aplicáveis em virtude do art. 8º/3, e o DIG por um lado e o
DIC por outro, importa distinguir:

i) Em primeiro lugar, verificado o conflito, deve ser tentada a solução da interpretação conciliatória, a
interpretação do ato jurídico da OI de harmonia com o Direito Internacional que vincula o Estado
Português;
ii) De seguida, se for inviável a solução hermenêutica, o critério operativo terá de passar pelo
reconhecimento da prevalência da norma ou princípio do DIG sobre o ato jurídico da OI.
iii) Já no caso de colisão entre norma convencional e norma adotada pelos órgãos competentes da OI de
que Portugal seja parte, estaremos perante uma situação de conflito entre obrigações resultantes de
convenções internacionais distintas que vinculam o Estado Português- a norma adotada pela OI tem
por fundamento a regra habilitadora do tratado constitutivo, representa um estádio superior de
institucionalização das relações internacionais e deve, por isso, prevalecer sobre outras obrigações
pactícias, sem prejuízo de eventual responsabilidade internacional (art. 351º TFUE).

77
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Sujeitos de Direito Internacional

 O Estado

O Estado constitui a personalização do aparelho de poder efetivo existente numa comunidade territorial. São
considerados como atos do Estado os praticados pelos seus órgãos e estes são todos os indivíduos que façam
parte da sua estrutura formal de poder nos termos do seu Direito Interno, bem como todos aqueles que se
encontrem sob controlo efetivo de indivíduos integrados nesta.

Assim, o Estado não se identifica com a população e muito menos com o território, daí que os atos dos seus
cidadãos que não integrem o seu aparelho não lhe sejam imputados. Deste modo, o Estado caracteriza-se por:

(i) Monopólio sobre o uso legítimo da força num determinado território delimitado pelo Direito
Internacional- Organização Armada;
(ii) Assumir de obrigações que vão mais longe que a mera manutenção da ordem e da segurança,
nomeadamente à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

O Estado é considerado o sujeito internacional por excelência, dotado de uma capacidade plena, perante a
capacidade restrita dos restantes sujeitos internacionais. Em rigor, o indivíduo tem igualmente uma
capacidade exclusiva bastante vasta, a que os Estados não têm acesso (por exemplo os direitos humanos).
Assim, não existe propriamente um sujeito internacional que tenha capacidade plena, que possa ser em
abstrato titular de todos os direitos e deveres estabelecidos pelo Direito Internacional. Mas os direitos e
deveres que cabem exclusivamente ao Estado fazem deste o sujeito determinante na Comunidade
Internacional.

 Que condições têm de estar reunidas para que se possa estar diante de um Estado? Encontramos a
resposta a esta pergunta na Convenção de Montevideu (de que Portugal não faz parte, mas que aplica
porque é costume internacional):

1. Tem de existir um povo- não há um requisito mínimo de população para que possa ser um Estado;
2. Tem de existir um território- não há nenhuma dimensão mínima, mas a relação entre a população e
o território tem de ser permanente (assim, por exemplo, os nómadas não podem constituir Estado);
3. Tem de existir um Governo efetivo sobre estes, com o monopólio do uso da força;
4. Tem de ter capacidade para conduzir as suas relações internacionais.

Mas não é absolutamente claro que tenham necessariamente de existir estes elementos de facto em todos os
casos ou que estes sejam sempre suficientes. Para além disso, nem sempre é fácil determinar quanto estas
condições se encontram reunidas. Não existe uma autoridade centralizada encarregada de se pronunciar
sobre a existência ou verificação dos requisitos. Isto é um problema sério, porque parece não se saber quem
é Estado ou não.

Em qualquer caso, atualmente os Estados tendem a nascer de uma de três formas: (i) por separação de parte
do território metropolitano ou colonial em relação a outro Estado que continua a sua existência, (ii) em
resultado de dissolução de um Estado, (iii) ou de fusão de Estados com o surgimento de um novo.

78
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 Reconhecimento

Para superar as dificuldades na identificação dos sujeitos de DIP, surgiu a prática do reconhecimento. Este é
um ato jurídico unilateral pelo qual um sujeito capaz declara considerar:

1. Uma entidade como sujeito internacional;


2. Como legítimo o título de poder dos novos governantes de um Estado que o adquiriram de forma
contrária ao Direito interno;
3. Como conformes com o Direito Internacional determinados atos ou situações jurídicas.

Em relação à personalidade do Estado, o reconhecimento é portanto o ato unilateral pelo qual os restantes
Estados manifestam o seu entendimento de que uma determinada entidade é um Estado. Na prática do dia a
dia, o reconhecimento factual de outro Estado é essencial, o tratar como igual.

» Efeitos:

Quanto aos efeitos, tem-se oposto a teoria da eficácia declarativa e a teoria da eficácia constitutiva.

1. Teoria da eficácia declarativa- a entidade a reconhecer já existe enquanto tal, limitando-se o


reconhecimento a ser um atestado subjetivo da parte do Estado seu autor no sentido de que aquela
entidade reúne efetivamente os requisitos necessários. Assim, esta tese defende que o Direito
Internacional regula minuciosamente os pressupostos de formação de um novo sujeito internacional
e que juridicamente este surge automaticamente. Deste modo, um Estado já seria um Estado a partir
do momento em que reunisse os tradicionais requisitos: teria imediatamente todos os direitos
conferidos aos Estados que poderia opor mesmo aos Estados que não o reconhecessem. Estes,
contudo, teriam plena liberdade para recusar conceder o reconhecimento.

2. Teoria da eficácia constitutiva- é o reconhecimento que atribui à entidade a reconhecer o seu


estatuto de Estado (ou de outro sujeito) ou a legitimidade para vincular um Estado como seu Governo
perante o autor do reconhecimento. A atribuição do estatuto de Estado, e mesmo a personalidade
jurídica de entidades coletivas, ou de Governo, dependerá sempre do reconhecimento. Isto significa
que uma entidade poderia constituir um Estado perante outro Estado que a reconheceu, mas não
perante um terceiro que recusou conceder tal reconhecimento. Em qualquer caso, entendem que o
Direito Internacional coloca alguns limites ao reconhecimento, proibindo os reconhecimentos
prematuros, mas que não estabelece de forma rígida os pressupostos do reconhecimento. A cada
Estado competiria com apreciável margem de liberdade decidir se o reconhecimento deve ou não ser
concedido.

Os defensores de ambas as teses sustentam que o reconhecimento é um ato individual que cria relações
meramente bilaterais entre o Estado autor e a entidade reconhecida.

» Regime Jurídico:

1. A entidade objeto de um reconhecimento como Estado tem quase sempre já personalidade jurídica
internacional. A função do reconhecimento será a de alargamento da capacidade de gozo da
entidade reconhecida, que passa a ser titular do estatuto de Estado.
2. Praticamente em todas as situações existe previamente uma estrutura de poder que foi personalizada
automaticamente pelo Direito Internacional, por força da sua vinculação à maioria das normas deste
Ordenamento.

79
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

3. Quando existe um conflito armado, o aparelho de poder do movimento armado vitorioso converte-
se no do novo Estado. Mas mesmo quando tal não ocorre, se os seus órgãos dirigentes forem os
mesmos indivíduos, para todos os efeitos o movimento armado encontra-se sob a sua direção e,
consequentemente, os seus membros convertem-se em órgãos do Estado.

 Apesar de não criar normalmente a sua personalidade, o reconhecimento, ainda assim tem efeitos
constitutivos sobre esta promoção e alargamento de capacidade, ou seja, na conversão de uma mera
organização armada efetiva em Estado?

Segundo se julga, não é possível dar a mesma resposta em todos os casos: existem situações em que sim, mas
existem igualmente situações em que este tem efeitos puramente declarativos.

a) Eficácia Declarativa:

Considerar que o reconhecimento tem sempre efeitos constitutivos seria entender que não pode existir
qualquer direito à independência, já que este só se concretiza verdadeiramente pela constituição de um
Estado. Ora, se só existissem Estados com base no reconhecimento, tendo em conta que este é um ato livre,
seria necessário considerar que um povo, independentemente dos meios que utilizasse, nunca teria direito a
constituir um Estado, mesmo que obtivesse o consentimento do Estado com jurisdição sobre si. Segundo se
julga, esta conclusão não tem apoio na prática dos Estados.

Um Estado federal tem todo o direito em dissolver-se e, nesta situação, os Estados federados que o compõem
passam a ter todos os direitos de um Estado “soberano” por força automática do Direito Internacional logo
que constituam um Governo efetivo sobre o seu território. O reconhecimento por parte da Comunidade
Internacional, nestes casos, terá natureza declarativa.

Sustentar o caráter constitutivo do reconhecimento em todos os casos, tendo em conta o caráter livre deste,
significaria defender que a formação dos Estados não se encontra sujeita a quaisquer normas jurídicas
internacionais positivas; que, quando muito, o Direito Internacional se limitaria a estabelecer pressupostos
para a concessão do reconhecimento, isto é, apenas limites negativos. Que os restantes Estados teriam um
direito de vetar em todos os casos o surgimento de novos Estados, independentemente da sua formação ter
sido aceite pelas partes interessadas.

Assim, a história do reconhecimento mostra que este tem sido utilizado como um meio de provocar alterações
jurídicas desejáveis por meio de um ato livre. Contudo, cedo se verificou que a única forma de garantir que
tais alterações se verificassem efetivamente, sem estarem dependentes da prática de atos puramente
políticos como o reconhecimento, foi a de as tornar automáticas, isto é, por força da própria norma
internacional, logo que a sua previsão é acionada.

Note-se que para que um Estado federal possa ser dissolvido à luz do Direito Internacional pelos Estados
federados à margem do seu Direito interno é necessário que a decisão de concretize numa independência de
facto e que seja apoiada pela maioria destes Estados e que estes representem a maioria do conjunto dos
cidadãos e do território.

Assim, para lá destas situações, parece que os únicos casos em que normalmente se poderá falar na criação
automática de Estados será:

1. Por acordo das entidades interessadas (Estado que exercia jurisdição sobre o território e Povo do
novo Estado)- corolário do princípio do respeito da integridade territorial dos Estados;
2. A existência de um Governo efetivo sobre um determinado Povo e território;

80
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

3. Que esse Governo tenha capacidade para desenvolver relações internacionais.

Existindo efetividade e consentimento, só não se formará um novo Estado se a sua própria existência de
estruturar numa violação de uma norma iuris cogentis- a sua violação gera nulidade.

Tendo o reconhecimento nestes casos eficácia declarativa, para todos os efeitos o Estado objeto do
reconhecimento já o é desde que reuniu os requisitos necessários e não a partir da data do reconhecimento.
Trata-se da eficácia retroativa do reconhecimento.

b) Eficácia Constitutiva:

O reconhecimento também pode ter efeitos constitutivos, criando um Estado que sem ele não existiria. Aos
Estados cabe um poder de determinar discricionariamente o surgimento de um Estado com desrespeito
parcial dos referidos requisitos factuais.

Este reconhecimento permite suprir a ausência de um ou mais dos elementos de facto referidos, desde que
nenhum Estado tenha direitos sobre o território controlado pelo futuro Estado. Tal passa-se nos casos de uma
entidade com direito de secessão (Povo colonizado), de um território ocupado cujo Povo é titular do direito
de autodeterminação ou perante a dissolução do Estado preexistente.

Este reconhecimento pode operar:

1. De modo isolado- por um ato de um único Estado.


2. De modo coletivo- por intermédio de um reconhecimento realizado pela grande maioria dos Estados
da Comunidade Internacional. Por sua vez, este pode operar:
a) Por um ato coletivo- ex: um órgão como a Assembleia Geral das NU ou de uma conferência
internacional. Neste caso basta o apoio de uma maioria de 2/3 dos Estados presentes (que cumpram
o quórum de mais de metade dos existentes), desde que esta integre a maioria absoluta destes.
b) Pela justaposição de reconhecimentos isolados até que 2/3 de todos os Estados existentes o tenham
realizado.

Em qualquer dos casos, este ato não pode deparar com a oposição aberta de um Estado reconhecido como
grande potência, que atualmente são os membros permanentes do Conselho de Segurança das NU, a menos
que aquele tenha interesses diretos na questão- art. 18º/2 da Carta.

A relevância de um reconhecimento comunitário decorre do facto de este ser um ato de exercício de um


poder comunitário, isto é, um poder público. Um ato que vincula mesmo os Estados que não participaram na
sua adoção ou mesmo que a este se tenham oposto. Vinculará mesmo o Estado diretamente afetado pelo
surgimento do novo Estado.

Pelo contrário, um reconhecimento isolado ou que parta de um grupo de Estados que não reúna a maioria
necessária apenas vinculará os seus autores.

 Poderá a Comunidade Internacional, por meio de um reconhecimento constitutivo, suprir a falta do


consentimento formal do Estado afetado, quando a entidade separatista não tenha direito de
secessão?

Tal reconhecimento constituiria uma decisão sobre uma questão de fundo, isto é, uma decisão que resolveria
o litígio que provocou a situação.

81
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Ora, tudo indica que estas decisões se encontram sujeitas ao dever de respeito integral pelo Direito
Internacional Costumeiro, incluindo as suas normas dispositivas que tutelam os direitos dos Estados, em que
se insere o direito à integridade territorial e a proibição de intervenção nos assuntos internos. Na falta do
consentimento do Estado afetado, o reconhecimento de um novo Estado pode constituir uma intervenção
ilícita nos assuntos internos do primeiro Estado, bem como um ato pouco conforme com o respeito devido à
sua integridade territorial.

Assim, apesar de este reconhecimento operar por meio de um ato coletivo constitutivo da Comunidade
Internacional, não se afigura que possa legitimamente criar um novo Estado contra a vontade do Estado
afetado, fora dos citados casos em que o seu consentimento é desnecessário. Ainda assim, porque cabe a esta
Comunidade criar o Direito Internacional, poderá sempre alargar os termos do direito de secessão e
considerar que um Povo goza deste numa dada situação. Resulta claro que este poder teoricamente não pode
ter eficácia retroativa e a sua primeira aplicação será ilícita, mas criará um precedente aplicável de forma
progressivamente lícita a futuros casos.

Assim, o reconhecimento de Estado pode ser meramente declarativo se:

1. Estiverem reunidos os quatro requisitos factuais tradicionais;


2. Houver consentimento do Estado com jurisdição (e a sua existência não implicar uma violação de uma
norma iuris cogentis);
3. Nas situações de reconhecimento individual de um Estado que tenha sido previamente reconhecido
pela Comunidade Internacional.

» O Governo:

O Estado constitui uma estrutura de poder personalizada, composta pelos indivíduos que, segundo o seu
Direito interno ou, nos termos da efetiva atuação, são titulares deste poder ou se lhes encontram
subordinados.

1. Órgãos

Os órgãos são os indivíduos cujos atos são automaticamente imputados ao Estado- os seus atos são
considerados atos do Estado. São indivíduos com um nexo específico com este, que os investe de
determinadas competências estaduais. O órgão é portanto um indivíduo titular de uma determinada situação
jurídica e não uma realidade puramente normativa.

Daqui advém que quando o indivíduo é substituído, muda igualmente o órgão do Estado. O que normalmente
não mudará é o conjunto das suas competências ou a denominação que se dá ao indivíduo com legitimidade
para as exercer. Por exemplo, PR, PM ou MNE.

Esta conclusão é clara em Direito Internacional, visto que este ordenamento considera órgãos do Estado mais
do que apenas os indivíduos que exercem poderes com base numa previsão legal interna ou nos termos de
uma concessão de poderes por uma entidade competente ou sob controlo desta.

Mesmo que um indivíduo seja investido como órgão de forma ilegal, por não estar prevista legalmente a sua
posição jurídica, tal é irrelevante se ele efetivamente a exercer enquadrado na hierarquia do Estado. Os seus
atos, mesmo ilegais internamente, serão internacionalmente atos do Estado.

Todos os indivíduos ao serviço de um Estado imputam diretamente os atos que praticam no exercício das
suas funções a este, independentemente da posição que ocupam na estrutura de poder.

82
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Um Estado só passa a existir e a poder opor erga omnes a sua personalidade a partir do momento em que são
constituídos os seus órgãos e estes passam a exercer efetivamente o poder estadual- os órgãos do Estado são
o próprio Estado.

 E o que acontece quando os órgãos desaparecem, como em algumas situações de colapso das
instituições estaduais?

Nestes casos, a existência internacional do Estado deve-se a uma mera ficção de continuidade jurídica,
porquanto a sua situação jurídica internacional é artificialmente mantida até que o seu aparelho seja
reconstruído. Para todos os efeitos, fica numa situação de suspensão da sua personalidade.

◊ Representantes

Os órgãos distinguem-se dos meros representantes. O regime jurídico dos órgãos caracteriza-se pela
imputação plena dos atos praticados no exercício das suas funções ao respetivo Estado.

Pelo contrário, um mero representante apenas vinculará o representado no âmbito dos seus poderes e não
no caso de os violar. Mas este regime não se presume. É necessário que as limitações de poderes sejam
comunicadas aos interessados e que seja claro o estatuto de representante do indivíduo, caso contrário cai-
se no regime normal do órgão.

2. Reconhecimento

Coloca-se, aqui, o problema da sua legitimidade internacional, de forma a permitir ou negar àqueles que
efetivamente controlam o território e população que vinculem o Estado com os seus atos à luz do Direito
Internacional.

Atualmente, afigura-se que este título jurídico sofre já fortes limitações internacionais, que incidem mesmo
sobre a sua validade, mas tal nem sempre tem grandes reflexos práticos a nível interno. Isto é, pelo facto de
o título jurídico de um Governo ser considerado inválido, nem por isso tal se tem refletido na sua efetividade
interna, a menos que existam grandes pressões internacionais e estas têm sido a exceção e não a regra.

Esta questão tem sido denominada reconhecimento de Governo. A referência a Governo não designa aqui o
órgão do Estado com o mesmo nome, mas sim o seu sistema de órgãos políticos e o respetivo título jurídico.

Em qualquer caso, a questão do reconhecimento de Governo só se coloca quando ocorreu uma rutura clara
na Ordem Constitucional do Estado. Quando a alteração de Governo ou de outros órgãos superiores do
Estado se verifica no cumprimento de normas constitucionais, não existe qualquer necessidade de um
reconhecimento internacional.

Em relação à questão dos pressupostos, limites e efeitos do reconhecimento de Governo, tem havido
divergência doutrinária. Um estudo da prática dos Estados revela ainda indicações algo contraditórias quanto
ao regime jurídico aplicável, embora desde os anos 80 do séc. XX se tenha clarificado. Paradoxalmente, este
esclarecimento levou a um tendencial desaparecimento da figura do reconhecimento de Governo da prática
dos Estados.

1. Critério da Efetividade- no seio das organizações internacionais, em particular das NU, a postura
coletiva dos Estados perante as credenciais apresentadas pelos delegados esclarece deforma

83
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

relativamente líquida quais os termos do regime do reconhecimento de Governo. As credenciais são


necessariamente emanadas pelo Chefe de Estado, de Governo, ou MNE e, consequentemente, a
aprovação das credenciais de um novo delegado de um Estado implica um juízo sobre se o indivíduo
que as assina é efetivamente um dos três referidos órgãos do Estado. Deste modo, ainda que a
aprovação das credenciais pelos outros Estados não implique um reconhecimento político formal do
novo Governo, acarretará sempre no mínimo um reconhecimento informal, um reconhecimento
indireto, politicamente secundário, mas juridicamente relevante.

Da prática pode então retirar-se que o elemento essencial tradidiconal da constituição de um novo Governo
era a efetividade do seu poder sobre o território e o Povo do Estado de que pretendia ser órgão.

Sublinha-se ainda a diferença entre os efeitos jurídicos automáticos da concessão do estatuto de Governo
pelo Direito Internacional com a questão do reconhecimento enquanto ato político, normalmente associado
ao estabelecimento de relações diplomáticas, que continua a ser considerado um puro direito de exercício
livre.

Concluindo, o Direito Internacional tradicional reconhecia o princípio da efetividade como fundamento único
de legitimidade de um novo Governo, atribuindo a este automaticamente a qualidade de órgão do Estado. O
reconhecimento de um Governo efetivo era então normalmente puramente declarativo. Desde os anos 80
do séc. XX, esta postura foi levada às útlimas consequêcias, com o tendencial desaparecimento do
reconhecimento expresso de Governo da prática dos Estados.

2. O não reconhecimento jurídico tradicional- apesar do domínio da efetividade como critério para
converter internacionalmente, de forma automática, um grupo de indivíduos no Governo de um
determinado Estado, cedo surgiram práticas de limitação deste critério. Por força da sua consolidação,
estas limitações deixaram de constituir meras orientações políticas para adquirirem natureza de
normas de Direito Internacional. Assim, lentamente formou-se a ideia de que um novo Governo,
mesmo efetivo, não será reconhecido se a sua efetividade se estruturar na violação de determinadas
normas internacionais iuris cogentis. Nestes casos, a sua efetividade é desconsiderada, considerando-
se nulo o seu título jurídico.

Casos de Não Reconhecimento:

a) O princípio mais antigo diz respeito a situações em que o Governo foi instituído com intervenção bélica
ilícita decisiva de um Estado estrangeiro e apenas se mantém graças ao seu apoio militar direto, pouco
mais sendo do que um Governo fantoche que esconde uma ocupação estrangeira em violação do
direito de autodeterminação.

b) Uma segunda situação decorre da administração por um Estado de um território enquanto potência
colonial. Entende-se que, nestes casos, o Governo colonialista não tem um título juridicamente válido
sobre este território, se o território cumprir os critérios geralmente aceites para ser considerado uma
colónia. Mas clar, poderá gozar deste título em relação ao seu território metropolitano. A mesma
conclusão tem sido entendida quanto a territórios ocupados.

c) Uma terceira situação de não reconhecimento decorre da circunstância de o Governo apenas se


manter graças a um sistema de discriminação racial sistemática.

84
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

3. O não reconhecimento democrático- a partir da década de 90, depois do fim da Guerra Fria, os
Estados foram ainda mais longe. Existem alguns precedentes de impugnação da força como meio de
adquirir o poder quando esta foi utilizada em violação aberta do princípio da legitimidade popular.

Assim, sem se afirmar que apenas a legitimidade democrática constitui um título jurídico válido, dado que
Governos efetivos são aceites independentemente da origem do seu poder (Doutrina Estrada), a sua
alteração pelo uso da força não tem sido reconhecida em vários casos, até que tal situação tenha sido
legitimada pelo voto popular.

Há aqui duas doutrinas sobre se se deve ou não recusar credenciais em situações de revoluções, de usurpação
de poderes:

i. Doutrina Estrada- é a que está em vigor. Defende que as alterações na ordem normal não relevam,
portanto o titular é aquele que está efetivamente no poder, não interessando o modo como chegou
lá.
ii. Doutrina Tobar- se a tomada de poder é inconstitucional, deve permanecer a legitimidade dos
anteriores titulares.

Esta reação internacional tem-se igualmente manifestado a nível regional de forma relativamente
consistentes, quer a nível da Europa e do Continente Americano, quer a nível de África, bem como na prática
dos Estados isoladamente ou a nível de Associações de Estados.

4. Consequências do Não Reconhecimento Jurídico- a existência de deveres de não reconhecimento em


nada colide com a liberdade de reconhecimento (político). Sempre existiram e existem deveres de não
reconhecimento, designadamente em relação a autoridades que não reúnam os requisitos de
efetividade para que possam ser consideradas Governo. De facto, enquanto o Governo reconhecido
mantiver controlo de uma parte significativa do território, qualquer reconhecimento como Governo
de um movimento rebelde sempre constituiu uma ingerência nos assuntos internos. A decisão de
conceder o reconhecimento formal é uma ato livre, mas apenas quando reunidos os requisitos
necessários.

No caso de Governos impostos por intervenção estrangeira, coloniais ou racistas, o enraizamento da sua
condenação foi ao ponto de se poder falar num dever (jurídico) de não reconhecimento como Governo do
conjunto de indivíduos detentores do poder. Embora a sua existência seja mais clara no primeiro caso do que
nos outros dois. De qualquer modo, com a progressiva perda de relevância destes últimos, a questão é de
pouca relevância. Nestas situações, o título do anterior Governo é considerado juridicamente como válido,
apesar de destituído de efetividade- situação de Governo no exílio.

Embora o mero não reconhecimento com base em fundamentos políticos não afete a obrigação de reconhecer
a validade dos atos do Governo efetivo, se conforme com as referidas normas iuris cogentis, já um não
reconhecimento imposto por estas normas deriva da nulidade do título de Governo das autoridades.
Consequentemente, os seus atos são inválidos. Assim, os seus efeitos apenas poderão ser reconhecidos à luz
da teoria geral da salvaguarda dos atos nulos em nome da tutela das expectativas, designadamente, dos
particulares. Exceto nestes casos:

i. Estes atos podem e devem ser desconsiderados pelos tribunais dos restantes Estados;
ii. Os bens governamentais podem ser congelados
iii. Deve ser rejeitado o acesso àqueles tribunais;
iv. Devem ser interrompidas as relações diplomáticas.

85
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

5. Reconhecimento coletivo de Governos no Exílio- a tomada de decisões coletivas sobre a questão da


validade do título de poder de determinadas autoridades integra as atribuições das NU, visto que o
funcionamento desta organização pressupõe necessariamente a sua tomada de posição sobre a
delegação de cada membro perante si própria. A tomada desta decisão pela organização implica para
os Estados (mesmo em relação àqueles que tenham votado contra a aceitação das suas credenciais)
um reconhecimento informal de um determinado conjunto de indivíduos como Governo de um
Estado membro. Isto sem prejuízo de os Estados poderem antecipadamente pronunciar-se sobre a
questão.

No seio das NU, é a Assembleia Geral que tem a competência primordial quanto à tomada de decisões quanto
ao não reconhecimento de um Governo pela recusa das suas credenciais. Mas não parece que esta vincule
outros órgãos, pelo menos quando se trate de uma decisão constitutiva.

Já quando se trate simplesmente de rejeitar o reconhecimento de um novo Governo em aplicação de uma


norma de Direito Internacional que torna nulo o seu título, a sua decisão limitar-se-á a concretizar uma
situação jurídica automática.

No entanto, se se tratar de uma decisão constitutiva, que se limite a concretizar uma norma internacional, já
não é claro que vincule outros órgãos, especialmente se tiver a oposição de um ou mais membros
permanentes do Conselho. Obtido o apoio dos membros permanentes, não existem bases para que o
Conselho de Segurança se afaste dos seus termos.

 Poderão as NU reconhecer com eficácia erga omnes como novo Governo um conjunto de indivíduos
que não tem qualquer poder efetivo no Estado?

Julga-se que a resposta deve ser positiva, desde que exista fundamento jurídico para tal. O mais simples de
descortinar é o resultante da anulação de eleições internacionalmente reconhecidas como livres e genuínas
pelo anterior Governo num determinado Estado. Julga-se que as NU terão autoridade para não reconhecer a
manutenção do anterior Gverno e reconhecer os indivíduos eleitos como Governo no exílio o Estado, apesar
de estes não gozarem de qualquer poder efetivo.

Contudo, tal decorre de um regime próprio que cabe apenas à Comunidade Internacional. Esta figura tem sido
aplicada em situações de ocupação militar do território de um Estado terceiro, bem como, mais recentemente,
em caso de derrube inconstitucional de um Governo democraticamente eleito que passa a reunir em território
de outro Estado.

Assim, à luz do Direito Internacional Costumeiro, não parece possível reconhecer como Governo no exílio
autoridades que nunca tiveram qualquer poder efetivo, sem prejuízo de poderem ser reconhecidos como
movimentos de libertação nacional, se reunirem os necessários requisitos.

Ou seja, o reconhecimento de Governo no exílio tradicional é a manutenção do reconhecimento de um


Governo já geralmente reconhecido, não obstante entretanto ter perdido efetividade.

Em qualquer caso, este regime não se afigura aplicável à Comunidade Internacional, mas apenas aos Estados
individualmente considerados.

» Incapacidade

86
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Para lá da questão do necessário cumprimento dos pressupostos da formação, apenas podem ser qualificados
como Estados as entidades que, à luz do Direito Internacional Costumeiro, gozem da plenitude da capacidade
jurídica atribuída aos Estados, independentemente da sua denominação.

Mas mesmo os Estados em sentido próprio, que têm a mais ampla capacidade, podem sofrer limitações
drásticas nesta, normalmente derivadas da execução de um tratado que celebraram com esse sentido. De
facto, a “soberania” dos Estados atribuída por uma norma internacional dispositiva que estes podem derrogar
com escassos limites, os quais decorrem essencialmente do direito à autodeterminação do seu Povo.

É especialmente em relação a estas restrições que um Estado pode sofrer na sua capacidade que continuam
relevantes os tradicionais direitos estaduais: o ius tractuum, o ius legationes e o ius belli.

As restrições à capacidade e a consequente incapacidade para a prática de um determinado ato derivam de


uma situação efetiva e não apenas de meras normas jurídicas, ou seja, não derivam diretamente do tratado
ou de outro ato unilateral que os estabeleça. Ao contrário da legitimidade ou da competência que podem ser
questões puramente jurídicas, a incapacidade é uma questão “de facto”, verificável empiricamente.

Deste modo, uma restrição à capacidade de um Estado deve necessariamente derivar de forma direta de uma
obrigação internacional perante sujeitos terceiros, tendo caráter heteronormativo. Mas é ainda necessário,
para que a limitação constitua uma verdadeira incapacidade, que o seu cumprimento seja controlado de forma
efetiva pela entidade a favor de quem foi estabelecida a incapacidade. O ato que pretende limitar a capacidade
tem de ser efetivamente executado, criando estruturas de sujeição que provoquem alterações efetivas, bem
visíveis quanto ao modo como o Estado limitado se comporta nas relações internacionais. É esta efetividade
da incapacidade que a torna oponível a terceiros por parte da entidade beneficiária e nulos os atos praticados
que a violem.

 Formas de limitação dos direitos de um Estado que afetam claramente a sua capacidade: aquelas
que passam pela instalação permanente ou fiscalização sem autorização prévia, em território do
Estado, por parte de órgãos externos controladores do cumprimento dos limites impostos.
 Principais espécies tradicionais de Estados com restrições na sua capacidade: Estado vassalo, Estado
protetorado, Estado cliente e Estado confederado.

 Organização Internacional

Associação de sujeitos de Direito Internacional, em regra Estados, mas há organizações internacionais que
podem conter outros sujeitos de Direito Internacional, que prosseguem fins comuns aos membros dessa
associação, que por esses fins se associam, de forma a melhor os prosseguirem.

É uma pessoa jurídico-pública, titular de prerrogativas no plano internacional, com capacidade de exercício
no âmbito da Ordem Jurídica Internacional. A maioria das organizações internacionais têm caráter
permanente.

Têm órgãos de caráter executivo e órgãos de caráter deliberativo.

 Como nasceram?

87
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Surgiram no séc. XIX, com o propósito de gerir interesses comuns, em domínios restritos e inicialmente
puramente técnicos, como por exemplo organizações para tratar assuntos executivos comuns- organizações
fluviais.

A primeira organização internacional surge já no séc. XX, a Sociedade das Nações, vindo a ser substituída, em
1945, pela ONU, dando esta origem a um “boom” do nascimento de organizações internacionais.

Estas organizações criaram um direito internacional especial aplicado mais facilmente pelos seus membros do
que propriamente pelo Direito Internacional Geral.

Estas Organizações têm um substrato societário, na medida em que se associam para prosseguirem fins
comuns.

 Como se instituem?

A formação de uma organização internacional depende sempre de um acordo de vontades entre outros
sujeitos capazes. Em via de regra, este acordo assume a forma de um tratado internacional: note-se que um
tratado é qualquer acordo baseado no Direito Internacional, ou seja, não necessita de se encontrar integrado
num só instrumento ou sequer de ter forma escrita.

 Como se tipificam?

Há vários critérios:

a) Critério da Estrutura Jurídica:

- Organizações Internacionais Intergovernamentais- esta é a regra. São associações de Estados que se


relacionam com base numa relação de coordenação: os Estados estão representados nos órgãos da
organização intergovernamental enquanto Estados e tomam deliberações que têm interesses comuns mas
também interesses dos Estados representados. Não pressupõe qualquer delegação.

- Organizações Internacionais Supranacionais- são muito raras. Têm a ver com as confederações, é difícil dizer
quando começa uma organização supranacional e acaba uma confederação e vice-versa. São associações cujos
poderes decorrem de autolimitação da soberania dos Estados partes na organização que delegam algumas
das suas competências para a organização. Existem órgãos deliberativos que atuam, não em nome dos
Estados, mas em nome da própria organização. A União Europeia é uma organização internacional
supranacional, cujos órgãos deliberativos são a Comissão Euripeia e o Conselho Europeu, que atuam em nome
da própria União Europeia. Emitem atos jurídicos unilaterais (diretivas, decisões e regulamentos europeus)
que vinculam a Ordem Jurídica interna dos Estados.

- Organizações Internacionais Mistas

b) Critério do Objeto:
 De Fins Gerais- ex: ONU.
 De Fins Políticos- ex: Conselho da Europa- tutela de direitos fundamentais e acompanhamento das
relações políticas da Europa
 De Fins Militares- ex: NATO
 De Fins Económicas
 De Fins Sociais
 De Fins Culturais

88
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

c) Critério do Âmbito Espacial de Atuação:


 Organizações Universais;
 Organizações Regionais.

Carta das Nações Unidas

A Organização das Nações Unidas é uma organização de recorte intergovernamental, assinada na Conferência
de São Francisco, em 26 de junho de 1945.

 Fins das Nações Unidas- art. 1º da Carta:

o Manter a paz e a segurança nacional- exige uma atuação preventiva ou repressiva da organização.
Implica medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou de qualquer
rutura da paz.
o Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito pelo princípio da igualdade
de direitos e de autodeterminação dos povos.
o Cooperação económica, social, cultural ou humanitária.

 Princípios Gerais das Nações Unidas- art. 2º da Carta:

◊ Princípio da Igualdade- todos os membros da Assembleia Geral têm direito de voto,


consubstanciando-se assim o princípio da igualdade entre todos os membros. Convém notar que o
órgão central da política das Nações Unidas é o Conselho de Segurança, que tem como membros
permanentes os EUA, o Reino Unido, a França, a China e a Rússia, membros estes que gozam de direito
de veto.
◊ Princípio do Cumprimento de boa fé das Obrigações
◊ Princípio da resolução das controvérsias internacionais por meios pacíficos- de modo a que a paz e
a segurança internacionais bem como a justiça não sejam ameaçadas. Claro que há conflitos que não
podem ser resolvidos de forma pacífica.
◊ Princípio de abstenção nas relações internacionais do recurso à ameaça ou ao uso da força- quer em
relação à integridade territorial, quer à independência política de um Estado.
◊ Princípio da reserva de jurisdição interna.

 Membros das Nações Unidas:

 Membros Originários: Estados que participaram na Convenção de São Francisco.


 Estados amantes da paz que aceitaram as obrigações contidas na Carta e que estiverem aptos a
cumpri-las.

Quem decide sobre a admissão é a Assembleia Geral, por maioria de 2/3 (art. 18º), sob proposta do Conselho
de Segurança.

89
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

 Órgãos das Nações Unidas:

◊ Assembleia Geral (arts. 9º e ss)- é constituída por todos os membros das NU e funciona como um
órgão plenário. Cada membro tem direito a um único voto. Nenhum membro das NU deverá ter mais
de cinco representantes na AG (art. 9º/2).

Tem como funções a discussão de todas as questões relacionadas com os poderes e funções de qualquer órgão
previstos nas NU, e, com exceção do art. 12º, a AG pode ainda fazer recomendações aos membros das NU ou
ao Conselho de Segurança.

É a Assembleia Geral que decide sobre a admissão dos membros, com maioria de 2/3, mediante proposta do
Conselho de Segurança.

As questões importantes são votadas com maioria de 2/3 dos membros presentes e votantes. As restantes
votações são tomadas por maioria simples dos membros presentes e votantes.

◊ Secretário Geral (arts. 97º e ss)- é dos órgãos menos importantes. A forma como a Carta pensou no
papel deste órgão pode-se comparar ao de uma “governanta”, que poderá ser mais do que isso ou
menos.
◊ Conselho de Segurança (arts. 23º e ss)- é composto por 15 membros: 5 permanentes (EUA, China,
França, Reino Unido e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e 10 membros não permanentes,
eleitos de 2 em 2 anos.

 Votação- art. 27º:

1. A cada membro do Conselho de Segurança é concedido um voto.


2. As decisões do Conselho de Segurança, em questões de procedimento, serão tomadas por um voto
afirmativo de nove membros.
3. As decisões do Conselho de Segurança sobre quaisquer outros assuntos serão tomadas por voto
favorável de nove membros, incluindo os votos de todos os membros permanentes.

Como saber se as questões são procedimentais ou substantivas? Haverá uma prévia deliberação sobre as
matérias em causa. Esta deliberação não é procedimental, daí ser de duplo veto.

O art. 27º/3 consagra que é preciso um voto expresso favorável dos membros permanentes, mas a prática
afirma que a abstenção de alguns membros não inviabiliza a aprovação, só inviabilizará se hoiver um voto
contra.

As decisões do Conselho de Segurança caem em duas matérias: capítulo VI e VII. No capítulo VII, só o CS tem
competência em matérias de guerra e paz e pode emitir recomendações ou decisões e, portanto, a decisão é
obrigatória e deve ser implementada pelos Estados membros (arts. 41º e 42º). No capítulo VI em regra são
só recomendações, sem caráter vinculativo.

◊ Conselho Económico e Social (arts. 61º e ss)- intervém em matérias de economia, sociais, de cultura,
de educação e conexos. É um órgão importante na articulação entre o secretariado e as agências
especializadas;
◊ Conselho de Tutela- suspendeu as suas funções há mais de 20 anos, porque com a descolonização
deixou de haver territórios para tutelar;
◊ Tribunal Internacional de Justiça.

90
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Resolução Pacífica de Conflitos

 Tribunais Internacionais

Por força de deficiências nos tribunais arbitrais, formaram-se tribunais permanentes, isto é, cujos membros
são relativamente estáveis.

Quase todos os tribunais internacionais em que são partes Estados mantêm, contudo, algumas características
semelhantes às dos tribunais arbitrais, na medida em que:

1. As partes costumam ter o direito de que um dos juízes seja o que foi escolhido de entre aqueles que
indicaram ou, não tendo nenhum dos por si indicados sido aceite como juiz, têm direito a nomear um
juíz had hoc, portanto, um juiz que exercerá funções idênticas às dos restantes, mas apenas em relação
àquele processo;
2. Tal como nos tribunais arbitrais, também a maioria deles continua a depender da aceitação da sua
jurisdição pelas partes. A execução das suas sentenças encontra-se igualmente sujeita a algumas
contingências políticas, próprias das características do Direito Internacional.

Por oposição aos tribunais internos, os tribunais internacionais têm por característica essencial serem criados
e regulados diretamente por um tratado internacional. A circunstância de terem jurisdição com relevância
internacional cujo exercício afeta os direitos de vários Estados, ou de terem sido criados por um ato interno
que tem também efeitos internacionais, constituem elementos insuficientes para os caracterizar como
internacionais.

Nas últimas décadas do séc. XX verificou-se o surgimento de alguns tribunais internacionais novos, ou pelo
menos, de tribunais criados por instituições internacionais com vista a aplicarem igualmente Direito
Internacional, que vieram potenciar os riscos de divergências jurisprudenciais e de fragmentação do Direito
Internacional. Mas até ao momento tal apenas surgiu em casos pontuais. Em qualquer caso, tal criação deve
ser considerada positiva e não negativa. Alguns destes tribunais, quando tenham competência para julgar
controvérsias interestaduais, vão possibilitar um recurso mais reduzido a tribunais arbitrais.

» Tribunal Internacional de Justiça

É o mais importante tribunal existente, gozando de uma influência na formação do Direito Internacional
Público.

Constitui simultaneamente um órgão das Nações Unidas e um tribunal internacional, porquanto é regulado
diretamente pelo respetivo Estatuto que constitui um tratado anexo à Carta. Esta dupla natureza é confirmada
pela circunstância de estar aberto a Estados não membros das Nações Unidas.

O seu estatuto confere o direito de acesso ao Tribunal para efeitos da sua competência contenciosa a Estados
que sejam partes neste (art. 35º/1). Tal pode verificar-se quer pelo facto de o Estado ser membro das NU,
altura em que é automaticamente parte neste (art. 93º/1 CNU), quer pelo facto de este se ter vinculado
especificamente ao Estatuto, permanecendo ainda assim um não membro, nos termos do art. 93º/2.

O Estatuto permite ainda que Estados, apesar de não serem membros das NU ou partes no Estatuto, possam
aceder ao TIJ se tiverem cumprido os requisitos específicos estabelecidos pelo Conselho de Segurança (art.
35º/1 Estatuto). Autoriza ainda que Estados não partes acedam no caso de tal decorrer de disposições contidas
em tratados em vigor (art. 35º/2), numa norma que remonta ao Estatuto do Tribunal Permanente de Justiça

91
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Internacional, o que parece dever ser entendido como tratados que se encontravam em vigor quando o
Estatuto do presente Tribunal entrou em vigor e não tratados posteriores.

Em qualquer caso, ter acesso ao tribunal e concretamente poder ser parte num processo são questões
distintas. Estes requisitos são necessários para que o Estado possa aceder ao tribunal. Mas é ainda necessário
que tenha aceite a jurisdição em termos que compreendam a controvérsia objeto do processo, tal como a
outra parte. O consentimento adicional dos Estados para demandar e ser demandados constitui um requisito
essencial para que o Tribunal tenha jurisdição sobre as partes (art. 36º).

Este último requisito pode ser cumprido por meio da apresentação de uma declaração facultativa de aceitação
da jurisdição do Tribunal sobre as partes (art. 36º/2) que funcionará em relação à generalidade das questões
que não sejam excecionais na própria declaração. Esta espécie de reservas pode:

1. Delimitar pessoalmente as entidades com legitimidade, excluindo um determinado Estado ou uma


categoria de Estados identificada por qualquer elemento comum;
2. Pode delimitar as questões, excluindo algumas ou apenas incluindo algumas;
3. Pode ainda delimitar a sua aceitação temporalmente, apenas para controvérsias posteriores à data
da declaração ou mesmo para apenas controvérsias cujos factos que as causaram tenham ocorrido
depois dessa data /art. 36º/3).

A condição mais habitual é que a declaração seja apresentada sob reserva de reciprocidade, o que significa
que se um Estado reserva a sua declaração em relação a apenas determinadas matérias, também não poderá
ser autor em processos contra outros Estados no que diz respeito a essas matérias. O TIJ tem entendido que
a reciprocidade integra o próprio regime do art. 36º/2, não sendo necessário que seja incluída expressamente.
O que significa que a possibilidade constante do art. 36º/3 de ser incluída a cláusula de reciprocidade deve ser
entendida como a possibilidade de esta ser exigida apenas em relação a certos Estados. Ou seja, que embora
a exigência de reciprocidade se imponha no silêncio da declaração, um Estado pode afastar essa exigência ao
apenas a exigir da parte de vários ou determinados Estados.

Outra forma de aceitação da jurisdição do Tribunal é esta constar de um tratado bilateral ou multilateral em
que qualquer controvérsia relativa à sua aplicação fica sujeita à sua jurisdição. Ou, finalmente, ter existido um
acordo específico para submeter uma determinada controvérsia ao Tribunal (art. 36º/1).

Finalmente, pode verificar-se o caso de o Estado demandado não ter aceite a jurisdição do Tribunal, mas
depois aceitá-la expressamente no próprio processo ou não levantar o problema da jurisdição, deixando claro
que pretende ver a questão decidida na fase relativa ao mérito.

O Tribunal pode indicar medidas provisórias quando tal se revele necessário para acautelar os direitos objeto
do litígio (art. 41º/1). Durante muito tempo a questão da obrigatoriedade destas medidas dividiu a Doutrina.
A dúvida foi, contudo, finalmente esclarecida pelo Tribunal no sentido da sua plena obrigatoriedade.

Como é característica dos tribunais, a sentença deste é plenamente obrigatória, mas apenas para as partes e
naquele caso concreto (art. 59º). Não vigora a regra do precedente, não ficando o Tribunal formalmente
vinculado pelas suas anteriores decisões, mesmo se tende sistematicamente a segui-las. O que significa que,
se o Tribunal entender que vigora uma determinada norma costumeira ou interpretar num determinado
sentido uma disposição de um tratado multilateral, outros sujeitos terão todo o interesse em ter presente a
sua jurisprudência.

Este tribunal tem também uma competência consultiva (art. 65º/1 e 96º/1 da CNU). Mas esta encontra-se
reservada exclusivamente a organizações internacionais. Nos termos do art. 96º da CNU, somente o Conselho
de Segurança, a Assembleia Geral ou outros órgãos das NU ou organizações autorizadas pela Assembleia
poderão consultar o Tribunal.

92
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Contudo, no exercício desta competência consultiva, o Tribunal apenas emana pareceres que são destituídos
de efeitos obrigatótios, sendo meras opiniões que valem apenas por força da autoridade jurídica do seu autor.
Somente por meio de tratados e outros atos jurídicos se tem estabelecido pontualmente a obrigatoriedade
dos pareceres.

LER PONTO 48 DO CORREIA BATISTA E O PONTO 47 E 49 MAIS RAPIDAMENTE!

93
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Direito Internacional dos Direitos do Homem

Historicamente, o DI perspetivava os indivíduos não como sujeitos de DIP, mas como sujeitos de Direito
Interno. Não podiam ser titulares de capacidade jurídica internacional. A lógica era a de que um indivíduo não
podia invocar nenhuma posição jurídica de DIP.

Este panorama foi mudando, nomeadamente com a expansão do campo do DIP e com o desenvolvimento da
perspetiva das Constituições em relação aos Direitos Humanos. Assim, foi possível aos particulares, por meio
de normas constitucionais, invocar direitos e outras posições jurídicas de DIP.

A questão da relatividade cultural é um desafio muito grande que o Direito Internacional dos Direitos do
Homem enfrenta. Ao mesmo tempo, é radicalmente importante distinguir o discurso político dos Direitos do
Homem do discurso jurídico dos Direitos dos Homens.

No que toca ao Direito Internacional dos Direitos do Homem podemos distinguir entre o direito costumeiro e
o direito dos tratados.

1. Direito Costumeiro:

O documento de direito costumeiro mais importante é a DUDH que a CRP recebe com valor infraconstitucional
ano art. 16º/2. A DUDH foi aprovada por via de uma resolução a Assembleia Geral das Nações Unidas.

Esta declaração concretiza a maioria das disposições da CNU referentes aos Direitos do Homem. Sendo um
texto vago, é difícil por vezes sabermos se uma conduta cabe ou não dentro de uma das suas normas.

Ainda que seja um instrumento de mudança, a DUDH é relativamente pouco improvável de ser invocada.

Há quem tenha uma conceção maximalista do caráter costumeiro da DUDH, nomeadamente o Prof. Correia
Batista, que considera que quase todas as normas da DUDH são normas costumeiras.

As normas de Direito do Homem são todas elas normas de caráter de obrigação erga omnes, o que não quer
dizer que sejam todas normas de ius cogens. São normas que interessam à humanidade como um todo e não
a um conjunto de Estados.

Serão as normas de DUDH normas de ius cogens? A resposta é que esta interpretação deve ser restrita (?)

2. Direito Convencional dos Direitos Humanos:

É nesta parte que convém ter em atenção todos os documentos que existem nesta sede. Existem vários tipos
de documentos:

a) Convenções Internacionais em razão do critério da sua extensão geográfica- universais ou regionais


b) Convenções Internacionais em razão do critério dos direitos abrangidos- convenções globais ou
abrangentes e convenções específicas de direitos (ex: Convenção dos Direitos das Crianças).

Sistema Onosiano de Proteção dos Direitos Fundamentais

Convenções Internacionais celebradas no âmbito das NU com um sistema de garantia próprio no âmbito das
NU. Inserem-se aqui o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Económico dos Direitos

94
Direito Internacional Público I Leonor Branco Jaleco

Económicos e Sociais. Cada um destes pactos tem um conjunto de órgãos que apreciam o cumprimento ou
incumprimento dos Estados relativamente ao estabelecido nestes pactos.

Estes órgãos funcionam também no âmbito da ONU e vê-se a possibilidade dos Estados apresentarem
relatórios ao Conselho Económico e Social das NU. Este Conselho criou por sua vez órgãos específicos- Comité
dos Direitos Humanos e Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais- compostos por membros dos
Estados. Cada cidadão pode apresentar queixas a estes comités que apreciam as mesmas, tomando uma
decisão.

Cada um destes órgãos tem ainda feito comentários aos pactos, algo que não está previsto em nenhum dos
pactos.

 Convenção Europeia dos Direitos dos Homens

Foi celebrada no âmbito do Conselho da Europa, em 1950, e os motivos que estão por detrás são
essencialmente os mesmos que levaram à celebração do Tratado de Roma, e tem o propósito primário de
garantir a paz.

O Conselho da Europa foi criado com o Tratado de Londres, em 1949 e foi criado para integrar politicamente
a Europa. Previa inicialmente um Comité de Ministros e uma Assembleia Consultiva, estrutura esta que foi
evoluindo e acabou por dar origem a um Comité de Ministros, a uma Assembleia Parlamentar e a um
Secretariado, estrutura semelhante à da ONU. O fim da Convenção que instituiu o Conselho da Europa é o
apego à ideia de democracia, e que esta só pode existir ligada ao exercício de direitos e liberdades
fundamentais.

A CEDH é o principal produto do Conselho da Europa. Tem um conjunto de protocolos adicionais e destes o
mais relevante é o protocolo 11.

Os direitos consagrados na CEDH são direitos civis e direitos políticos- direito à vida, proibição da tortura e
não permissão da eutanásia, proibição da escravatura e do trabalho forçado, direito a um julgamento justo,
num prazo razoável, por exemplo. Alguns protocolos criaram direitos que não estão consagrados na
Convenção.

» Tribunal Europeu dos Direitos do Homem- arts. 19º e ss

A sua sede é em Estrasburgo.

Os efeitos das decisões deste Tribunal estão estipulados no art. 46º.

95

Você também pode gostar