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Inês Godinho 2019/2020

Direito Internacional Público


Professor Blanco Morais
Turma A

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Inês Godinho 2019/2020

Direito Internacional Público: Ramo jurídico que disciplina a sociedade internacional.


Hoje, não se reduz à regulação das relações entre Estados, pois existem a nível
internacional outras entidades (Ex: Associações de Estados, como a União Europeia que,
apesar de ter personalidade jurídica, pode ser dissolvida assim que os Estados que a
formam o decidam).
Períodos de evolução do Direito Internacional Público e as respetivas fases
1º. Período de Formação: Desde a Antiguidade Clássica até às Revoluções Liberais
Americana e Francesa.
→Primeira Fase: Na Antiguidade Clássica já se verificava um conjunto de relações
entre “estados”, através dos embaixadores e tratados. Em Roma surge também o “ius
gentium”, isto é, o direito aplicado para resolver conflitos entre os estrangeiros (não
romanos) e os civis ou então entre estrangeiros. Este direito era um direito universal,
visto ser um direito aceite pela maioria convictos que satisfazia as necessidades comuns
a todos os homens. Destinava-se com maior expressão a regular matérias de direito
privado (Relações entre particulares), no entanto, regula também certas matérias de
direito público (Ex. questões referentes à guerra).
→Segunda Fase: Na Idade Média e Moderna, assistia-se a uma realidade real e
papal, a Respublica Christiana, onde se destacavam 2 cabeças, o Papado e o Império.
Apesar de a submissão ao Império não ser uniforme (Portugal e França sempre tiveram
dificuldade em reconhecer a sua autoridade), a autoridade do Papado, por outro lado,
era expressa em vários factos: necessidade da Bula Papal para o reconhecimento de
“estados”; a definição do que era ou não uma guerra justa pelo Papado; a
responsabilidade do Papado em apaziguar os conflitos territoriais existentes na época
dos descobrimentos (Ex: Tratado de Tordesilhas).
Surge também neste período a Escola Clássica Espanhola do Direito Internacional, com
Francisco Suarez, Francisco de Vitória e Domingo Soto, que resolve toda a imprecisão e
confusão ocorrente em torno do direito das gentes, e “cria” o conceito moderno de
direito internacional. Para estes autores, a definição do direito internacional parte de
uma base objetiva, isto é, do facto de existir uma comunidade internacional que
transcende a Respublica Christiana, chegando-se à conclusão de que o direito
internacional é a ordem jurídica dessa comunidade, pois regula as relações dos povos
da mesma. Esta escola introduz uma diferença aparentemente pouco relevante na
definição de Gaio, pois afirma que as normas do direito regulam as relações entre povos
e não entre homens. Assim, o direito internacional não é um pacto entre os homens,
mas algo superior que se impõe aos povos. Suarez afirma que mesmo havendo diversos
povos separados, todos, enquanto extensão do género humano, necessitam de se
relacionar entre si e, portanto, é necessário um direito que regule essas relações (direito
internacional). Por outro lado, surge ainda a ideia de que o direito das gentes é exterior
aos estados tal como a sua influência, vinculando indivíduos e os próprios estados nas

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suas relações1. Suarez esclarece toda a confusão da época em relação ao ius gentium,
ao distinguir o ius intra gentes (resume-se ao ius civille) e o ius intergentes (Direito
distinto do civil que todos os povos devem observar entre si). Francisco de Vitória
esclarece que face ao direito internacional, devido à sua autoridade própria, a vontade
de um estado não poderia prevalecer contra.
O direito internacional vai ser decomposto por Grócio em dois ramos: O Direito
Internacional Público da guerra e do Direito Internacional Público da paz. Esta divisão
mantém-se apenas até ao fim da 1º guerra Mundial, pois esta abala a crença na
soberania indivisível dos estados (base desta divisão) e leva à absorção por parte do
Direito Internacional de matérias económicas e sociais. As matérias de paz e guerra são
assim deixadas em 2º lugar face a matérias como a cooperação, desenvolvimento e
segurança.
Paz de Vestfália: Engloba uma série de tratados que acabaram com diversas guerras
desse período (Ex: Guerra dos 30 anos (Guerras nas Nações Europeias) e Guerra dos 80
anos (Países Baixos face à Espanha)) e levaram ao surgimento de diversos novos estados.
O âmbito de atuação do Papado é ainda limitado. Com estes acontecimentos surge o
conceito de Estado, caracterizado pela existência de um território, um poder soberano
e um povo que se vincula a esse através da cidadania.
Surgem as Escolas Positivistas de Direito Internacional Público.
2º. Período de Afirmação e Desenvolvimento: Após as Revoluções Liberais até à
atualidade.
→Primeira Fase: Após as Revoluções Liberais e do começo da Idade Moderna,
surge a ideia de que o Direito Internacional deveria ser independente do que era o
direito que regia as relações e casamentos entre casas reais, pois até essa altura
confundiam-se.
“Teoria ……. Iuris”: Defende que a delimitação territorial de cada colónia (recém-
independente)2 deverá ser de acordo com as suas fronteiras.
“Comunidade das Nações Civilizadas”: Da qual faziam parte os Estados Europeus,
Americanos, a Pérsia, China e Japão.
Sendo esta época um período de grandes conflitos, havia a ideia de que a guerra era
uma extensão do poder político, o que se mantém até à Primeira Guerra Mundial.
Nascem pela primeira vez organizações Internacionais: Cria-se a Comissão da Gestão
dos Rios Internacionais e também a União Postal Internacional.
→Segunda fase: Cria-se a Sociedade das Nações face às sequelas da Primeira
Guerra Mundial, a qual, apesar de não conseguir os seus objetivos por falta de consenso
interno e a existência do poder de veto pelos mais poderosos, promove a criação de

1 Já não há a ideia romana de que o direito das gentes era direito romano, isto é, interno, mas que o seu conteúdo
vinculava por ser comum às leis internas de vários estados.
2 Devido à quantidade de colónias que neste período se tornam independentes.

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novas organizações internacionais. Exemplos da falha da SN são não ter impedido a


invasão da Etiópia pela Itália e a anexação da Checoslováquia.
No fim da Segunda Guerra Mundial, surge a Organização das Nações Unidas, que
inicialmente englobava apenas os vitoriosos da guerra, mas que foi abarcando outros
diversos estados. Ocorre também uma Regionalização Internacional.
O “Direito de Guerra” passa a ser um “Direito de defesa” apenas.
→Terceira Fase: Inicia-se com a queda do Muro de Berlim que, como
consequência da dissolução do Bloco Soviético, leva a crer que o EUA era o bloco
hegemónico3. No entanto, hoje assiste-se à dessegregação da Comunidade
Internacional, havendo um “Unilateralismo das Potências” (Ex: o que aconteceu no
Iraque, na Sérvia, Síria e Crimeia)
Direito Internacional Público tem e sempre teve uma raiz estadual, ainda que isso seja
mais claro até à primeira guerra mundial, pois nesse período este direito regulava
apenas as relações entre estados. Após a primeira guerra mundial, com a multiplicação
dos sujeitos internacionais, a sua raiz meramente estadual é afetada.
Como podemos definir o Direito Internacional Público?
1. Critério dos sujeitos do Direito Internacional: O direito internacional é o conjunto
de normas jurídicas que regulam as relações entre os Estados soberanos (antes
da 2º guerra mundial). Esta definição após a segunda guerra mundial evoluiu
para “o direito internacional é o conjunto de normas jurídicas que regulam as
relações entre os sujeitos internacionais”, pois multiplicam-se as organizações
internacionais e a sua influência4 na sociedade internacional. O problema desta
definição é o uso de “sujeitos”, pois para conseguirmos esclarecer quais são os
sujeitos internacionais temos de conseguir perceber quais são regulados pelo
direito internacional, sendo um círculo vicioso5. Por outro lado, não é só o direito
internacional que pode regular relações entre estados, o próprio direito interno
pode fazê-lo. Apesar de ainda ser a doutrina dominante, as definições baseadas
no sujeito tendem a afastar, enquanto realidade, o direito internacional do
direito interno, o que parece ao Prof. Gonçalves Pereira impensável.
2. Critério do objeto da norma internacional: Os autores que defendem este
critério consideram que é possível e necessário separar as matérias que o direito
internacional regula e que o estado internamente regula. Assim, as normas de
direito internacional seriam aquelas que regulavam matérias internacionais por

3 Antes estávamos presentes uma sociedade Bipolar Imperfeita, pois apesar de haver 2 blocos principais (EUA e URSS),

havia ainda os países denominados de “não alinhados”, sendo que era sempre percetível uma aproximação a um dos
blocos.
4 O Tribunal Permanente de Justiça Internacional já antes (1927) afirma que o direito internacional é o conjunto de

princípios em vigor entre nações independentes. Determinava-se que havia outros sujeitos internacionais sem serem
os estados, mas o seu impacto reduzido sobre a vida internacional poderá explicar a alusão inicial apenas a estados.
5 A única definição que evita este é a de Silva da Cunha “conjunto de normas jurídicas que regem as relações entre

todos os componentes da sociedade internacional, ainda que seja possível criticar a pouca técnica jurídica desta
definição.

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natureza. Este critério teve uma reduzida aceitação doutrinal e judicial6. Apesar
de haver matéria exclusiva do estado interno, não nos permite delimitar o que é
de direito internacional, pois a matéria reservada ao estado não é a única que
este pode regular. A dificuldade deste critério consiste no facto de do Direito
Internacional em princípio poder regular toda e qualquer matéria.
3. Critério da forma de produção da norma internacional (posição Guilherme
Pereira): Defende que uma questão se torna internacional quando uma norma
internacional a ela se refere (ao contrário do critério do objeto). O Direito
Internacional é, então, o conjunto de normas jurídicas criadas pelos processos
de produção jurídica próprios da Comunidade Internacional, e que transcendem
o âmbito estadual. Consciente da possibilidade de ser acusada a definição de
seguir um círculo vicioso por aludir, para definir o direito internacional, os
processos de formação das normas que são definidas também por este, defende-
se considerando que sendo uma definição formal se assenta num elemento
extrajurídico: Comunidade Internacional. Assim, é direito internacional o que
surge (o seu processo de formação e modificação) fora do âmbito do Estado, isto
é, o que surge na Comunidade Internacional.
“Sociedade”7 é o conjunto de sujeitos, por norma, com interesses distintos (mesmo que
tenham interesses comuns, os distintos sobrepõe-se) que acordam entre si formas de
regular as suas relações/conflitos. Acabam quase sempre por ter elementos comuns,
como o desejo da paz e resolução de conflitos. Ideia de que a sociedade é um resultado
artificial da vontade dos indivíduos que se associam para a prossecução de um dado
objetivo. A Comunidade Internacional anterior à 2º guerra enquadrava-se
perfeitamente numa sociedade, visto que apesar de haver interesses comuns entre os
estados, o individualismo internacional gerava conflitos e era um fator desagregador
com força superior aos interesses comuns. Para haver uma comunidade, os vários
estados criariam relações de subordinação e responderiam perante um poder político
superior que se impunha. O que não acontece, pois, as Organizações Internacionais não
são por norma obrigatórias aos Estados e é a própria constituição dos Estados que prevê
a vigência do Direito Internacional no âmbito interno.
“Comunidade” é o conjunto de sujeitos que partilham um conjunto de valores,
estreitando vínculos de cooperação (Ex. União Europeia). Ideia de que a comunidade é
um produto espontâneo da vida social. Atualmente, a comunidade internacional tem-se
vindo a enquadrar neste conceito, pois a solidariedade entre os Estados tem vindo a
sobrepor-se ao individualismo dos Estados e a soberania dos estados tem vindo a ser
limitada por um conjunto de regras internacionais (Ex. Regras de Direitos do Homem).
A União Europeia é um exemplo claro da vigência atual de uma Comunidade a nível
europeu, onde a soberania dos estados está limitada e estes respondem perante esta

6 O tribunal Permanente de Justiça Internacional em diversos acórdãos afirma a dificuldade de separar o que é a
matéria de competência interna de um estado e a matéria de competência internacional.
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Marcello Caetano: “na comunidade os membros estão unidos apesar de tudo quanto os separa; na sociedade
permanecem separados apesar de tudo o que fazem para se unir”.

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organização. É ainda um exemplo da progressiva comunitarização da Sociedade


Internacional.8
O professor Gonçalves Pereira apresentou 3 tipos de relações jurídicas estabelecidas
pelos sujeitos internacionais ao nível da Comunidade Internacional: subordinação,
reciprocidade e cooperação.
Relações de Subordinação: relações em que se estabelece entre 2 ou mais sujeitos um
vínculo em que um dos sujeitos é posto em posição subordinante face a outro
subordinado- Limitam a soberania de um dos estados. (Ex. Estados vassalos do império
Otomano, como o Egipto no século XVII; nos séculos XIX/XX evoluem para Estados
Protegidos, isto é, um protege o outro em troca de compensações, como Marrocos.
Questiona-se se hoje há relações de protetorado sem que o Estado seja considerado
protetorado? Sim, a Bósnia por exemplo, devido aos conflitos que tinha entre as suas
comunidades (Sérvia, Croata e Muçulmana) teve “sofrer” a intervenção internacional,
passando a ser uma espécie de federação. Alguns estados têm poderes de controlo
sobre as decisões tomadas nessa federação (Ex. podem destituir governantes)). Importa,
no entanto, não confundir o protetorado colonial do Século XIX quando houve a corrida
aos territórios africanos e o protetorado de Direito Internacional.
Relações de Reciprocidade (são as mais antigas): Os sujeitos têm uma posição igualitária
e muitas vezes têm até interesses divergentes, mas que se harmonizam, compensando-
se (Ex. URSS cedia armas em troca de petróleo e matérias primas). Desenvolveram-se,
generalizando-se, através dos tratados multinacionais.
Relações de Cooperação/ Coordenação (são as que predominam a nível internacional):
Os sujeitos têm objetivos de interesses comuns e desenvolvem, ao cooperarem, certos
bens jurídicos internacionais (EX. ONU). Sendo relações horizontais entre os estados,
não obriga à limitação da sua soberania.
As Organizações Internacionais Supranacionais têm órgãos que têm poder e
legitimidade próprios podendo tomar decisões e abarcar competências que se impõe
aos Estados e até, por vezes, com prevalência. Por outro lado, as Confederações de
Estados ocorrem quando os Estados aceitam limitar a sua soberania.
O Direito Internacional é ou não um direito? Questão que se coloca pelo facto de não
haver sanção para quem não cumpre no tempo esperado ou de todo uma norma ou
diretiva do direito internacional, pois, regra geral, o direito implica um sistema coercivo
para exigir o seu cumprimento. A Escola Neorrealista defende que as Relações
Internacionais são sempre relações de força, e assim, negam a juridicidade do Direito
Internacional. Estas relações de força vão mudando e adaptando as normas (“quem
ganha define o direito).9

8 A opção de utilizar a expressão “Comunidade Internacional” surge da sedimentação desta expressão na doutrina e
do facto de se percorrer a largos passos para a instauração de uma verdadeira Comunidade Internacional.
9 O Blanco Morais concorda com a visão da existência de relações de força.

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O Direito Internacional Público regula relações diversas das reguladas internamente


pelos Estados e tem tribunais próprios e descentralizados, sendo assim um direito,
embora falhe na dimensão de garantia (BM).
Juridicidade do Direito Internacional: Atualmente poucas correntes põe em causa o
Direito Internacional enquanto direito, mas até à pouco tempo atrás esta questão era
muito discutida, desde logo associada à ideia de Estado e às características próprias do
direito interno, pois senão há na comunidade internacional um sistema de órgãos
destinados à produção de direito nem um sistema coercivo que o imponha (como na
ordem interna dos estados) foi fácil retirar daí que o Direito Internacional não era um
verdadeiro ramo de Direito. Analisando as teses negadoras do Direito Internacional é
possível destacar duas vertentes: uma que defende que o Estado não se pode submeter
a uma ordem jurídica transcendente, devido à sua a soberania absoluta e indivisível10
(desta podem derivar ideias de que: ou a única solução para os conflitos entre estados
é a guerra; ou a de que o direito internacional se constrói com base na vontade do
estado- teoria da autolimitação-; ou a de que não existe comunidade internacional e o
direito só pode existir se tiver a si associado uma sociedade e portanto não há direito
internacional, apenas uma mera moral e costume internacional); outra que considera
que a nível técnico as “normas” de direito internacional não merecem essa qualificação
(“não há legislador11 (quem define formalmente a norma), nem juiz12 (quem interpreta
no caso concreto), nem polícia (quem aplique por via coerciva)13”).
O verdadeiro problema é que na prática, apesar de haver sanção, a situação de violar
uma norma jurídica, e respetiva sanção, não leva ao cumprimento, mas sim prevalece a
vontade do mais forte, isto é, a sanção consegue ser aplicada a um Estado pequeno ou
fraco, mas não a grandes potências. O problema é a falha da eficácia da sanção, não a
existência de coercibilidade da norma e por conseguinte a sanção da norma- é, portanto,
um problema político e não jurídico. Tanto a nível interno como a nível internacional, a
tendência é o poder submeter-se ao direito, mas tal como na ordem interna de um
Estado pode esse poder não se submeter, recusando normas jurídicas e sanções,
também a nível internacional pode ocorrer. O que leva a que esta não submissão às
sanções seja mais frequente na Comunidade Internacional que na Ordem Interna dos

10 Atualmente, esta ideia de Estado praticamente desapareceu. E se considerarmos que o Estado pode ser vinculado
por normas que o transcendem não existem obstáculos à aceitação do Direito Internacional como um real direito.
11GP- Se considerarmos certas áreas da Comunidade Internacional, conseguimos observar que existe um legislador

(Ex. Organizações Internacionais, Organizações Supranacionais e, em destaque, as Comunidades Europeias). Ainda


assim mesmo sem lei isso não significa que não haja direito, até porque no Direito Internacional o costume e os
tratados são as fontes principais de Direito. Estes ao espelharem verdadeiras normas jurídicas obrigatórias (grande
parte das normas destas fontes pertencem ao ius cogens- Direito Internacional Imperativo), não se torna necessário
que haja um órgão central legislativo para haver direito.
12 GP- Apesar de no caso do costume e do tratado, na sua maioria, a submissão a um tribunal depender de acordo

das partes, muitas convenções já têm jurisdição obrigatória e nas Comunidades Europeias a jurisdição é sempre
obrigatória.
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GP- No domínio do Direito Internacional, a regra geral é a existência de sanções. Nas relações de
reciprocidade, a reciprocidade do não cumprimento funciona como uma sanção. As próprias relações de
cooperação podem levar à existência de sanção, apesar de depender do grau de coordenação.

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Estados? Existe uma ordem jurídica internacional menos elaborada que num Estado e é
claro também que a Comunidade Internacional tem uma menor organização
(característica essencial para o ordenamento) e por isso, existem sempre mais
dificuldades em aplicar as sanções que no Direito Interno.
O Fundamento do Direito Internacional baseia-se na tentativa de saber porque o Direito
Internacional existir e também o porquê da sua vinculação. As posições doutrinais
dividem-se essencialmente em 2 grupos de ideias, conforme acreditam ou não na
vontade do Estado como fundamento do Direito Internacional- voluntaristas e anti
voluntaristas, respetivamente.
A. Tese Voluntarista: Considera que a obrigatoriedade do Direito Internacional se funda
na vontade do Estado singular ou na “vontade comum” dos Estados. Esta tese está
intimamente ligada à conceção de estado e soberania de Hegel, e, portanto, é difícil
configurar a existência de uma ordem jurídica superior ao estado. Assim, o Direito
Internacional existe enquanto expressão da vontade do estado nos acordos desse com
outros estados. Partindo desta conceção essencial surgiram diversas outras teorias14:
a. Teoria do “Direito Estadual Externo”: considera que o direito internacional, só
o é e só obriga, na medida em que é recebido pelo direito interno. Este é uma mera
projeção externa do direito interno, podendo este desvincular-se quando quisesse.
b. Teoria da “autolimitação” do Estado: Considera que o Direito Internacional só
vincula na medida em que o Estado se autovincula a este dentro da sua vontade. Assim,
quando não pretender estar mais vinculado poderá desvincular-se.
c. Teoria da Vereinbarung (acordo coletivo): Advém de uma corrente que tenta
extrair o fundamento do direito internacional da vontade comum ou coletiva dos vários
estados. A obrigatoriedade deste direito advinha dos tratados realizados por vários
estados, cujos prosseguem interesses comuns e vontades com o mesmo conteúdo,
obrigando-se da mesma forma. Esta doutrina, como as anteriores, falha por negar o
direito internacional como direito, pois da mesma maneira que um estado ou estados
se vinculam podem desvincular-se. Por outro lado, o acordo de vontades não obriga se
não tiver uma norma que lhe confira poder vinculatório.
B. Teses Anti Voluntaristas:
a. Tese Normativista (fundamento lógico): Para começar defende que a
obrigatoriedade de uma norma não se deve à vontade, mas à conformidade com uma
norma superior, e, portanto, as normas de Direito Internacional recebiam a sua
obrigatoriedade da sua norma superior, de acordo com a “teoria da pirâmide do
direito”.

14 Estas teorias ignoram a vinculação e importância do costume e dos princípios gerais de direito no Direito
Internacional. O avançar dos tempos vale por si só contra esta doutrina, pois hoje é difícil aceitar a tese de soberania
indivisível e absoluta do estado e na recusa da hetero-limitação do estado.

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b. Tese Sociológica (fundamento sociológico): A norma jurídica tem fundamento


o simples facto da convivência social. Assim, o Direito Internacional tem como
fundamento a existência de sociabilidade internacional.
c. Tese Jusnaturalista (fundamento jusnaturalista): Inicialmente a ideia era a de
que a aplicação do Direito Natural aos Estados é o Direito Internacional. No século XIX,
surge a “nova doutrina do Direito Natural”, que defende que a juridicidade de uma
norma de Direito Internacional advém da conformidade com princípios suprapositivos
de Direito Natural (ordem normativa superior que se admite). Dentro desta separaram-
se 2 modalidades: jusnaturalismo católico15 (forma clássica de jusnaturalismo, que
analisa o problema do direito natural no plano ontológico) e jusnaturalismo dos valores
(Analisa o problema do direito natural num plano axiológico- O direito natural como
sendo descoberto através de uma progressiva participação da consciência moral nos
valores, isto é, alcançamos o Direito Natural através dos valores/ Todo o direito positivo
funda-se na Justiça, não obstante na sua apreensão pelo Homem).
Direito Internacional e Direito Interno
O que fazer quando uma matéria é regulada de uma forma pelo Direito Interno e por
outra pelo Direito Internacional? Importa entender que esta questão só se coloca se se
rejeitar, na definição da norma internacional, o critério do objeto da norma, assumindo
assim que existe ou pode existir um campo comum de aplicação de Direito Interno e de
Direito Internacional. Perante estas duas Ordens Jurídicas, ou se assume que são
independentes entre si, precisando cada uma de ter normas especificas sobre a sua
relação recíproca (Dualismo/Pluralismo) ou se pensa que constituem uma unidade,
sendo ambas manifestações da mesma ficando assim a validade das normas de ambas
dependentes de fonte comum. Assim, as normas jurídicas internacionais aplicam-se na
ordem nacional como as normas desta não tendo de ser transformadas em direito
interno (Monismo). A posição adotada sobre esta questão está intimamente ligada à
posição adotada quanto ao fundamento do Direito Natural →Teses Voluntaristas que
apoiam o DIP na vontade de vários estados suportam o Dualismo/ Teses Voluntaristas
que suportam o DIP na vontade de um estado suportam o Monismo com primado do
Direito Interno/ Teses Anti Voluntaristas suportam o monismo com primado do Direito
Internacional.
Tese Dualista: Considera que o Direito Interno e o Direito Internacional são
profundamente diferentes tanto no que respeita às fontes como aos sujeitos. A norma
internacional só vale quando recebida pelo direito interno (quando é transformada em
norma interna). Por outro lado, a norma interna vale independentemente da norma
internacional, mesmo que possa haver responsabilidade do Estado.
Tese Monista com primado do Direito Interno: Acaba por ser a negação do Direito
Internacional. Tem diversas objeções: mesmo que a Constituição interna mude, o Estado

15GP considera ser a teoria que menos imperfeições apresenta. Consiste na defesa de que o Direito Natural só pode
ser apreendido pela revelação e que o Direito Internacional se funda em princípios suprapositivos, como: os
compromissos celebrados têm de ser cumpridos; obrigação de reparar todo o prejuízo que injustamente se causou;
respeito pela autoridade. Os princípios foram aumentando.

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fica na mesma vinculado às convenções que ratificou e ainda o artigo 27º da CV. Assim,
a validade do Direito Internacional não depende da validade do Direito Interno.
Tese Monista com Primado Do Direito Internacional: Hoje é a tese mais preponderante
e com menos inconvenientes, considerando que a ordem jurídica interna cede em caso
de conflito perante a ordem internacional. A ordem Internacional traça os limites da
competência da ordem interna, não podendo o legislador criar normas contrárias ao
Direito Internacional. Esta tese pode ser radical (norma interna contrária é nula) ou
moderada (que reconhece mais liberdade de ação mais ampla ao legislador nacional).
Tese Monista de Equiparação: O Direito Interno e o Direito Interno têm a mesma
hierarquia e, por isso, a lei posterior revoga a lei anterior
Há sistemas que são predominantemente monistas ou dualistas, mas que mantêm
sempre características mistas.
➔ Misto de pendor dualista: sistema alemão e italiano no costume- não necessita
de transformação, sendo que, por outro lado, nas convenções precisam de
transformação. O Direito europeu: as diretivas terão de ser transformados em
lei, mas os regulamentos aplicam-se diretamente na ordem interna.
➔ Misto de pendor monista- França: O costume aplica-se diretamente na ordem
interna, os tratados solenes carecem de ser convertidos através de ato interno
e os demais tratados (comuns) são aplicáveis diretamente na ordem interna.
➔ Monistas: EUA, UK
➔ PT- É monista (art.8.º CRP): O costume tem uma receção automática- costume
internacional geral. E os costumes locais e regionais na ordem interna- como se
aplica? A lacuna resolve-se através de analogia, isto é, aplica-se de forma
automática (CBM). O professor André Eduardo Pereira adere à conceção
monista com primado do Direito Internacional: este primado do direito
internacional traduz exatamente o substrato do Direito Internacional.
Relevância do Direito Internacional na Ordem Interna à sombra da CRP de 1976
Art.8.º

Direito internacional
1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte
integrante do direito português.
2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou
aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto
vincularem internacionalmente o Estado Português.
3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que
Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre
estabelecido nos respetivos tratados constitutivos.
4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das
suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem

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interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios
fundamentais do Estado de direito democrático.
O artigo 8º/1 da Constituição expressa uma cláusula geral de receção plena
(entendimento geral da doutrina). Importa no entanto perceber o que se entende por
“normas e princípios do Direito Internacional geral ou comum”: será o Direito
Constitucional Internacional, isto é, o conjunto e normas e princípios básicos do Direito
Internacional de aceitação generalizada pela Comunidade Internacional (o que esta
expressão embarca é recorrentemente considerado pela doutrina como parte do ius
cogens, o que explica a sua necessidade de receção automática na ordem interna). Será
que os costumes bilaterais ou regionais também são abarcados por este número?
Considerando que o legislador não optou por uma norma interna expressa, entende-se
que quis atribuir ao costume particular uma receção automática plena na ordem interna
(à luz do monismo com primado do Direito Internacional).
O artigo 8º/2 apresenta uma cláusula geral de receção plena do Direito Internacional
Convencional (que o número 1 não abrange), ainda que esta fique sujeita à publicação
oficial das convenções e à regularidade do processo de vinculação de Portugal (À luz da
constituição a assinatura do PR é condição para haver existência do ato em questão, por
isso, não tem efeitos jurídicos se não houver assinatura do PR. Assim, carecem de
assinatura do PR e caso essa não exista são inexistentes). Por outro lado, só vigoram na
ordem interna, a partir do momento e enquanto vincularem Portugal16, não podendo
haver para isso um recesso ou uma declaração de inconstitucionalidade do TC.
O artigo 8º/3 apresenta um sistema de aplicabilidade direta, imediata e automática, sem
necessidade de interposição de qualquer ato legislativo, regulamentar ou administrativo da
parte do Estado Português para que as normas e atos emanados pela UE (Direito Comunitário
Derivado) vigorem na ordem interna. Artigo 8º/3: Qual direito da UE? Só tratados (com
base no artigo 7º e ainda na visão do Tribunal Alemão) ou também a jurisprudências dos
tribunais da UE?
O artigo 8º/4 apresenta que o direito da UE vigora na ordem interna “nos termos
definidos pelo direito da União”, isto é, de acordo com as convenções às quais Portugal
se vinculou, ainda que tenha sempre que se respeitar os princípios do Estado de Direito
Democrático. Com o aparecimento deste número do artigo, o número 3 assume um
caráter subsidiário.
Hierarquia do Direito Internacional na Ordem Interna Portuguesa
O Direito Internacional Geral ou Comum prevalece sobre o Direito Interno?
A doutrina divide-se neste aspeto:
1. Uma parte considera que este Direito prevalece sobre a Constituição e a lei:
a. Professor Jorge Miranda: A Declaração Universal dos Direitos do Homem tem
um valor constitucional, pois a Constituição considera que as matérias
relativas a direitos, liberdades e garantias devem ser interpretadas à luz da
DUDH (Artigo 16º/2). Por outro lado, as normas de ius cogens apresentadas
no artigo 7º/1, impõem-se à Constituição devido à sua própria natureza,

16 Mesmo que vigorem na ordem internacional, deixam de vigorar na ordem interna se Portugal se desvincular delas.

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tendo um valor supraconstitucional. Considera ainda que os princípios do


artigo 29º/2 têm valor constitucional, mas são limitados na sua aplicação
pela lei interna. O professor Blanco Morais chama à atenção de que não há
nenhuma prevalência geral da DUDH sobre o direito constitucional dos
estados, a menos que a Constituição lhe atribua valor supraconstitucional.
Quanto a normas de direito internacional convencional, o autor considera
impensável a possibilidade de defender que as normas de um tratado
internacional prevaleçam sobre a constituição, apresentando como
argumentos: a possibilidade de fiscalização da constitucionalidade desses
tratados; a necessidade que houve de revisão da constituição com os vários
tratados da União Europeia (se as normas do tratado prevalecessem, não
seria preciso adaptar a constituição). Seguindo este pensamento, considera
um valor também subordinado para as normas de direito das organizações
internacionais. Quanto ao direito comunitário, o autor considera que o artigo
8º/a apresenta a “competência das competências” do Estado Português, por
ser uma norma da sua Constituição que autoriza o Direito da União a definir
os termos da sua aplicação e que ao mesmo tempo estabelece os respetivos
limites.
b. Professor Paulo Otero: O ius cogens prevalece sobre todo o direito interno
dos estados e, portanto, também sobre a Constituição, devido ao seu valor
intrínseco internacional. O professor Blanco Morais considera que existe
grande dificuldade em saber quais as normas de ius cogens e ainda afirma
que a CRP teria de expressar esta prevalência do direito imperativo sobre si,
o que não ocorre. Ainda assim, segundo este autor, aplicam-se na ordem
interna segundo o artigo 8º/1, mas abaixo da CRP e se estiverem contidas em
tratados aplicam-se segundo o número 2 desse artigo. Com base no artigo
8º/4 considera haver um primado do Direito da União Europeia.
c. Professores Gonçalves Pereira e Fausto Quadros: Consideram que o Direito
Internacional Geral ou Comum tem um valor supraconstitucional,
apresentando 3 argumentos: a própria natureza e composição obriga que
prevaleça; ao encontro do pensamento de Jorge Miranda: o artigo 16º da
CRP; o direito internacional comum e geral é na grande maioria ius cogens,
prevalecendo por ter essa natureza imperativa; o objetivo do artigo 8º/1 só
seria possível de atingir se este direito prevalecesse sobre a Constituição.
2. Outra parte considera que o Direito prevalece sobre a lei, mas nunca sobre a
Constituição, visto que a Constituição não atribuir uma eficácia
supraconstitucional a este direito (CBM).
O Direito Internacional Convencional (tratados que não pertencem ao Direito
Internacional Geral ou Comum) tem prevalência sobre o Direito Interno?
Os professores Gonçalves Pereira e Fausto Quadros, consideram que o parecer do TPJI
sobre o caso da troca das populações grega e turca e a decisão no caso sobre o
tratamento dos cidadãos polacos em Dantzig, assim como os artigos 26ºe 27º afirmam
a supremacia deste Direito face à Constituição. Um estado quando adere às
Comunidades aceita implicitamente a sua ordem jurídica com todas as suas
características essenciais, sendo o primado uma delas. Ainda assim, a CRP apresenta a

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Inês Godinho 2019/2020

possibilidade de fiscalizar a constitucionalidade dos tratados internacionais, o que


expressa uma supremacia da Constituição perante estes (Opinião defendida pelo
Professor Blanco Morais). Estes dois autores, no entanto, apresentam que pelo menos
um valor supralegal este Direito tem, isto é, uma norma interna, anterior ou posterior,
que viole este Direito é ineficaz, alem de poder constituir responsabilidade
internacional. Apresentam ainda que Portugal, estando obrigado a conformar o seu
sistema de fiscalização com a constitucionalidade às disposições da CV, incorre em
responsabilidade internacional, enquanto mantiver esse sistema contrário à CV.
Professor Blanco Morais: Os tratados prevalecem sobre a lei ordinária e regulamentos
(interpretação do Jorge Miranda da norma 8º/2 da CRP, pois se a convenção vigora na
ordem interna, uma lei interna não a pode revogar, pois enquanto vincular
externamente tem de vincular na ordem interna, sob pena de violar o 8º/2). A norma
ou regulamento que violar, não é inválida/revogada, apenas há o fenómeno de aplicação
preferencial, onde se aplica a convenção, a norma desaplica-se. Lei TC 70º/1 alínea i):
não há menção à inconstitucionalidade, apenas se fala de um conflito de normas de
direito internacional e direito interno, podendo haver recorrência para o TC.

O Direito Comunitário da União Europeia prevalece sobre o Direito Interno?


O Tribunal Constitucional Alemão defendeu que as estruturas fundamentais do estado
alemão seriam inderrogáveis pelo Direito Europeu. Nos “Casos Solange” afirmou que na
medida em que os direitos de liberdade fossem igualmente protegidos na ordem jurídica
europeia e alemã, permitir-se-ia que fosse a ordem europeia a resolver o problema. Na
medida em que a ordem jurídica europeia protegesse de forma menor os direitos, o
tribunal constitucional alemão seria o último a pronunciar-se. A consciência de que o
grau de proteção europeu era bastante parecido com o grau de proteção interno, leva
a que numa segunda fase o tribunal aceite a autolimitação do seu poder, chegando mais
recentemente a uma presunção de respeito de direitos fundamentais pelas normas
europeias. Apresenta ainda que o artigo de prevalência (6º/1 tratado de lisboa→Nunca
foi aprovado) poderia existir, mas nunca prevaleceria sobre o conteúdo essencial da
Constituição alemã. O tribunal Constitucional Francês vai fazer o mesmo.
O tribunal Constitucional Alemão estabelece que a decisão quadro que expressa um
mandado de segurança europeu é inconstitucional. Outros tribunais (de Chipre,
Dinamarca e Polaco) seguiram esta visão. Na consequência disto, foi criada uma diretiva
acerca da segurança de dados, cuja lei que transpunha essa diretiva foi considerada
inconstitucional.
Acórdão sobre o Tratado de Lisboa: A união europeia não é um estado, não tendo assim
de ter uma constituição, pois é uma entidade derivada dos estados que lhe atribuíram
as suas competências através das suas Constituições. O Tribunal de Justiça Europeu
recusou entrar em choque com o Tribunal Alemão.
Professor Blanco Morais: O que dizem os tratados? Em momento algum dizem sobre a
prevalência do direito europeu sobre o direito dos estados. O que vigora nesta matéria

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Inês Godinho 2019/2020

são as disposições que constam no artigo sobre as normas do direito privado europeu,
que estabelecem a mecânica da eficácia das normas (288º do Tratado de Lisboa). Como
nada é dito, entende-se que nenhuma lei de direito europeu prevalece sobre o direito
das Constituições dos estados. Suporta esta visão os seguintes factos: O tribunal
constitucional intervém sempre e tem a última palavra sobre uma violação da
constituição por uma norma de direito internacional (este problema nunca se colocou).
A constituição pode fiscalizar as convenções (277º, 278º, 279º) e, portanto, estas
subordinam-se a esta.
Poderá haver outra leitura: poderá prevalecer sobre a Constituição, mas não sobre os
princípios fundamentais do Estado Democrático Português (288º CRP- Limites Materiais
à Revisão Constitucional).
Artigo 288º17 do Tratado de Lisboa:

Diretivas da União Europeia: são normas jurídicas não muito detalhadas para que os
estados possam ter a possibilidade de normativamente completar essa norma com
meios de atingir o objetivo → Obriga sempre à transposição das normas para a ordem
interna. Até ao tratado de Amsterdão, havia muitas diretivas muito detalhadas que
apresentavam obrigações ou concediam direitos, sendo designadas Diretivas
Regulamentares. Determinavam que fim o tempo de transpor e o estado não transpôs
a diretiva, esta podia ser invocada em tribunal se tivesse disposições, pois os estados
demoravam muito tempo a transpor as diretivas exequíveis por si próprias (Ex. Decisão
do Tribunal da Relação do Porto). Os franceses consideravam que se estava presente
um abuso, porque os tratados exigem a transposição para o direito interno das diretivas
para produzir efeitos e para mais tarde poderem exercer a sua hierarquia. Hoje estas
diretivas são muito raras.

Regulamentos: normas que se aplicam imediatamente na ordem interna, não carecem


de transposição, ainda que seja necessário por vezes criar estruturas administrativas
para executar o regulamento na ordem interna. Já aconteceu que certas normas do
regulamento exijam normas internas que desenvolvam. O regulamente aplica-se com
prevalência na ordem interna → tem efeito direito vertical.

Decisões podem ou não caráter materialmente normativo: Pode dizer-se que por ter
uma individualidade dos destinatários, não são normas. Mas depende do conteúdo de
cada decisão. Aplicam-se imediatamente e têm efeito direto vertical.
Fontes de Direito Internacional Público:
→Tratados (fonte exclusiva de DIP);

17 ARTIGO 288.º Para exercerem as competências da União, as instituições adotam regulamentos, diretivas, decisões,
recomendações e pareceres. O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e
diretamente aplicável em todos os Estados-Membros. A diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao
resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. A
decisão é obrigatória em todos os seus elementos. Quando designa destinatários, só é obrigatória para estes. As
recomendações e os pareceres não são vinculativos.

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Inês Godinho 2019/2020

→Costume (mais relevante no DIP, pois acaba por completar os tratados);


→Princípios DIP;
→Atos jurídicos unilaterais dos Estados e Organizações Internacionais;
→Jurisprudência e Doutrina.
Artigo 38º/1 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça:18 (enumeração das fontes
é meramente exemplificativa)
1. Convenções Internacionais (38º/1, alínea a): Têm vindo a tornar-se na prática a
fonte de maior significado e relevância, devido também ao seu aumento
acentuado ao longo dos séculos. Os tratados19 são fonte formal de Direito
Internacional e apesar de estar em primeiro lugar no estatuto, nada quer dizer
acerca da hierarquia das fontes. As normas relativas á conclusão dos tratados, à
sua interpretação, aplicação, validade e eficácia encontram-se presentes na
Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados assinada a 23 de maio de 1969,
mas que só entra em vigor a 27 de janeiro de 1990 após as 35 ratificações
exigidas. A convenção aplica-se apenas a tratados entre Estados, o que não
significa que não hajam tratados entre outros sujeitos internacionais como
organizações internacionais e a Santa Sé. Não é claro se os tratados celebrados
entre Estados Federados se encontram regulados pela CV, mas em princípio
parece fazer sentido que seja o direito constitucional do país que regule.
Acordos entre Estados e pessoas privadas estrangeiras: sendo atualmente muito
vulgares, importa perceber que direito rege estes acordos, pois atendendo à Convenção
de Viena parece claro que não os regula, visto apenas regulas “convenções entre
Estados”. Inicialmente acreditava-se que seria o direito do estado a regular, mas essa
teoria entraria em crise devido à progressiva internacionalização desses contratos, de
onde se destaca A Convenção do Banco Mundial sobre a resolução de diferendos, como
maior contributo para esse fenómeno. Ainda não se pode considerar estes contratos
como tratados, visto que vigora a sua sujeição, se não escolherem uma ordem jurídica
nacional, ao Direito Internacional Privado. Apesar disto, poderão ser considerados

18 Artigo 38º/ 1.
O Tribunal (*), cuja função é decidir em conformidade com o direito internacional as controvérsias que lhe forem
submetidas, aplicará:
a. As convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas
pelos Estados litigantes; b. O costume internacional, como prova de uma prática geral aceite como direito; c. Os
princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d. Com ressalva das disposições do artigo 59, as
decisões judiciais e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a
determinação das regras de direito.
Artigo38º/2.
A presente disposição não prejudicará a faculdade do Tribunal (*) de decidir uma questão ex aequo et bono, se as
partes assim convierem
19 GP: Um tratado é um acordo de vontades, em forma escrita (os tratados de forma verbal não perdem a validade,

apenas não são implicados nas regras da Convenção- O direito Internacional não fere de invalidade os tratados
verbais), entre sujeitos de direito internacional, agindo nesta qualidade (não estão assim incluídos os acordos que os
estados celebram agindo enquanto pessoas coletivas de direito), de que resulta a produção de efeitos jurídicos.

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Inês Godinho 2019/2020

“quase-tratados” devido à progressiva aplicação a esses contratos e principalmente aos


contratos de investimento, do regime de Direito Internacional Público.
Classificação de Tratados: A. Tratados-Lei (Ocorre a criação de uma regra de direito pela
vontade conforme das partes) e tratados-Contratos (as vontades são divergentes, não
surgindo a criação de uma regra geral de direito, mas a estipulação recíproca de
respetivas prestações e contraprestações). Esta distinção acaba por se tornar difícil na
prática, pois vários tratados têm um conteúdo misto. Para certa parte da doutrina
poder-se-ia inserir nesta classificação os Tratados-Constituição, isto é, os tratados que
instituem uma Organização Internacional. B. Tratados Bilaterais (celebrados entre
apenas 2 partes- não sujeitos jurídicos20) e Tratados Multilaterais (celebrados entre mais
do que 2 partes; se os intervenientes forem em grande número denominam-se de
tratados coletivos). Quando ocorre um tratado multilateral com poucas partes a
tendência é moldar-se pelas regras de tratados bilaterais e, portanto, tem-se perdido a
importância da distinção. Acaba por ser mais relevante falar em tratados com “poucas
partes” ou “grande número de partes”, apesar de ser impossível delimitar esta
quantidade. Surge, neste seguimento, a tendência de distinguir entre tratados
multilaterais gerais, isto é, que disciplina algo potencialmente aplicável a todos os
membros da Comunidade Internacional, e tratados normativos que pelo contrário não
o fazem (aqui a distinção está relacionada com a tendência para a universalidade). C.
Tratados gerais (sempre multilaterais) e tratados restritos (que poderão ser multilaterais
ou bilaterais). D. Tratados Solenes (são celebrados pela forma tradicional, necessitando
de ratificação) e tratados (acordos) em forma simplificada (não carecem de ratificação21
mas não deixam de estar sujeitos a registo).
Conclusão de um Tratado: Apesar de haver uma tendência para ser o Direito
Internacional a regular alguns aspetos do processo, na prática ainda é o direito
constitucional de cada estado a indicar os órgãos que o podem vincular e fixar-lhes
competência para o efeito. Fases: Negociação (a); Assinatura (b); e Ratificação (c).
(a) Na negociação o tratado vai ser concebido, elaborado e redigido, e é levada
a cabo por plenipotenciários22 com poderes plenos (apenas ao nível da
negociação) atribuídos pelo chefe de estado. Sem estes poderes o tratado
não produz efeitos jurídicos. Hoje, a existência dos poderes já não significa
que o estado fique automaticamente vinculado (promessa de ratificação),
pois a vinculação definitiva só dar-se com a ratificação (reserva de
ratificação). A negociação pode ser feita por via diplomática ordinária ou
através de conferência diplomática (estão destinados especificamente a esse
fim). Para simplificar, a Convenção de Viena permite que alguém não tenha
de ter um documento de plenos poderes, pois presume-se que estão sempre
munidas de poderes para negociar tratados (Artigo 7º). Esta fase tem como

20 Os tratados que puseram fim às guerras mundiais foram bilaterais, isto é, havia apenas 2 partes: os vencedores e
os vencidos.
21 O que levou ao seu incremento como forma de evitar o processo demoroso da ratificação e também como forma

de o poder evitar a concordância do órgão ratificador- órgão legislativo).


22 Representante do Estado que tem poderes para dirigir a negociação.

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Inês Godinho 2019/2020

objetivo o acordo sobre o texto do tratado que deverá ser aceite


unanimemente23. Após o texto estar fixado, começa a redação do texto do
tratado. Em Portugal, só o Ministério dos Negócios Estrangeiros24 pode
negociar tratados e para serem rubricados ou assinados, os plenipotenciários
têm de obter uma autorização expressa do Primeiro-Ministro (CRP artigo
200º/1 alínea b). As regiões Autónomas têm também o poder de participar
em negociações de tratados e acordos internacionais que diretamente lhes
digam respeito25 (CRP artigo 227º/1 alínea t). Atualmente a tendência é os
tratados bilaterais entre Estados com línguas diferentes terem 2 versões
autênticas, uma em cada língua. Nos tratados multilaterais já se torna mais
complicado, apesar de a tendência é fazer versões autênticas com as línguas
oficiais da maior parte dos Estados signatários, o que poderá levar a vários
problemas de interpretação.
(b) A Assinatura produz efeitos diferentes consoante seja um tratado solene ou
simplificado, pois a assinatura de um tratado solene ainda não se traduz
numa vinculação, apenas exprime o acordo formal, produz o direito de o
estado ratificar, impede os estados de realizarem ações ou omissões que
ponham em causa o fim do tratado (principio da boa fé- artigo 18º CV), e o
texto fica fixado (artigo 10º, alínea b- CV). Se os plenipotenciários não
tiverem poder para assinar, como no caso da assinatura de reserva de
aceitação, o Estado depois tem de confirmar a assinatura. Em função do
Direito Constitucional, para cada parte o tratado pode ter natureza solene ou
não e, portanto, o tratado pode ter diferentes assinaturas.
(c) A ratificação é o ato jurídico individual e solene pelo qual o órgão
competente do estado afirma a vontade deste de se vincular ao tratado cujo
texto foi por ele assinado (Artigo 14º CV). A ratificação não tem caráter
retroativo e o tratado solene só produz efeitos a partir da sua ratificação.
Não viola o Direito Internacional um estado que não ratifica um tratado que
anteriormente assinou, pois isso poderá derivar de diversas causas: recusa
do Parlamento, declaração da inconstitucionalidade do tratado; veto do
Presidente; simples inoportunidade ou inconveniência política do tratado. O
caráter livre do tratado pode levar a que tratados assinados hoje sejam só
ratificados muitos anos depois (pois não há prazo) ou ainda que seja possível
a recusa da ratificação. Normalmente é o Chefe de Estado que emite a carta
de ratificação (incorporada no instrumento de ratificação) que se junta ao
texto do tratado. Após isso, dá-se entre os estados a troca de ratificações. Na
maioria dos sistemas constitucionais, o poder executivo negoceia o tratado
e o poder legislativo tem de aprovar para que haja ratificação e o Estado fique
vinculado ao tratado, sendo o Chefe de Estado a emitir a ratificação (sistema

23 A menos que seja uma conferência internacional, caso em que apenas é preciso o acordo de 2/3 dos Estados
presentes e votantes, salvo se definirem outra regra de votação.
24 Se o tratado for de uma matéria muito especifica, em vez de ser o plenipotenciário/ um diplomata a dirigir as

negociações poderá ser um Ministério.


25 O problema é perceber que tratados poderão estar incluídos nesta definição (página 190/191- GP).

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Inês Godinho 2019/2020

baseado na separação relativa de poderes). Por outro lado, existe o sistema


baseado na concentração absoluta de poderes, onde é apenas um órgão a
ratificar (ou executivo monocrático- Inglaterra; ou uma assembleia), ainda
que na prática se ouça outros órgãos. Assim, o regime da ratificação reflete
o sistema político próprio de cada país. Portugal segue o modelo de
repartição de poderes, sendo o governo quem tem o poder de negociar
tratados (“condução da política geral do país”), e o Presidente da República
de ratificar os tratados, ainda que antes tenha de haver a aprovação deste
pela Assembleia da República e pelo Governo (CRP artigo 161º alínea i) e
200º/1 alínea d)). Mesmo que os 2 órgãos aprovem, o presidente pode:
ratificar, não ratificar, pedir a fiscalização preventiva da
inconstitucionalidade (no caso de o TC considerar que é inconstitucional, o
presidente só pode ratificar o tratado se a Assembleia aprovar com 2/3 dos
deputados presentes). Os acordos não solenes (“acordos internacionais”)
não têm de ser ratificados, mas o Presidente tem de assinar a resolução da
Assembleia e o decreto do governo, e poderá não assinar se for
inconstitucional (devido a resposta do TC sobre a fiscalização preventiva).
Formalmente não há nada que determine a forma do ato de ratificação, mas
a tendência é ser um decreto autónomo do Presidente da República (carta
de ratificação) que carece de referenda do Governo.26
Ratificações Imperfeitas: Qual é o impacto de uma irregularidade formal, apreciada à luz
da ordem jurídica do Estado, no processo de conclusão ou posteriormente na
constitucionalidade de um tratado, para a vinculação do Estado a esse? O artigo 46º da
CV responde apresentando que o tratado é válido internacionalmente, salvo vícios de
inconstitucionalidade orgânica tendo esta de ser uma violação manifesta e de
importância fundamental. E se for uma violação constitucional material? O Estado não
pode invocar a nulidade da Constituição. Há um artigo da CRP que tem de ser conjugado
com este: artigo 277º/2 que apresenta que a inconstitucionalidade orgânica ou formal
não impede que se aplique as normas na ordem jurídica portuguesa se forem também
aplicada na ordem jurídica interna da outra parte e se não for uma violação de uma
disposição fundamental. Como a Convenção de Viena nada diz sobre a
inconstitucionalidade material, é o direito constitucional de cada país que pode reger
isso. Assim, o tribunal constitucional pode declarar um tratado inconstitucional baseado
nesses vícios, apesar de o Estado português poder cair em responsabilidade
internacional por causar prejuízos na outra parte.
Acordos em forma simplificada: A celebração de tratados que não necessitem de
ratificação para se tornarem vinculativos tem crescido bastante e hoje supera a de
tratados solenes, pois são muito mais rápidos e fáceis (não têm de passar por diversos
órgãos e ser aprovados) de realizar. Não é a importância da matéria versada na
convenção que faz com que ela imponha a sua ratificação e por isso, no caso de uma
convenção não expressar nada quanto à necessidade de ratificação, o que se faz? Apesar

26GP- Crê que o Presidente não pode utilizar o veto político quanto aos tratados, pois o veto só existe para os
documentos que necessitem de promulgação.

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Inês Godinho 2019/2020

de vários autores definirem regras sobre isto (defendendo a presunção de necessidade


de ratificação), a CV não as adotou e não trata do problema, apesar de considerar que
uma das formas de expressão do consentimento do estado é a mera assinatura. A
verdade é que com a preferência pelos acordos de forma simplificada, a presunção geral
a favor da ratificação tem enfraquecido. Apesar de o Direito Internacional não se
manifestar, na prática é o direito de cada estado que define o que pode ou não ser
objeto de acordos em forma simplificada, podendo um tratado para um lado ter forma
solene e para outro não, atendendo aos ideais constitucionais de cada estado. A revisão
da CRP de 1971 veio admitir de modo expresso os acordos em forma simplificada e
desde cedo (até já antes da revisão) o Ministério dos Negócio Estrangeiros percebeu que
apenas a matéria legislativa estava abrangida pela necessidade de ratificação, mas não
as matérias administrativas e políticas, ainda que isto não fosse 100% certo. A
constituição de 1976 mantém a anterior nesta matéria27. Na ordem jurídica portuguesa:
“tratados” (tem de ser aceite pela AR) e “acordos” (aceite pelo governo ou assembleia)
são expressão dos tratados como expressa na Convenção de Viena (precisam de
ratificação, a assinatura não vale como vinculação).
Particularidades dos Tratados Multilaterais: ocorrem em regra em conferências
internacionais ou no seio de organizações internacionais ou sob a égide de organizações
internacionais, mas no âmbito de uma conferência internacional.
Como se procede à autenticação? Denomina-se adoção, que pressupõe o
consentimento dos diferentes estados (artigo 9º CV). A regra é ser comumente aceite,
mas se não houver consenso, deve haver, pelo menos, uma maioria de 2/3 dos estados
presentes (ou então uma diferente se esses 2/3 convencionarem outra maioria). A
expressão do consentimento, sem necessidade de assinatura, não dispensa a ratificação
(acordos solenes) ou a assinatura que vale como consentimento (acordos simplificados).
Há as convenções fechadas (os estados que participam na conferência); convenções
abertas (celebradas pelos estados da conferencia mas que estão disponíveis para a
vinculação posterior de outros estados- faz-se através da adesão28 ou assinatura
diferida29); convenções semiabertas ou semi-fechadas (celebradas por estados
presentes que se encontram abertas à vinculação de outros estados, mas apenas a um
conjunto restrito de novos estados). Na ordem jurídica portuguesa, se o estado
português não participar numa conferencia, mas quiser juntar-se a essa convenção não

27
“convenções”: todos os tratados;
“tratados”: tratados solenes;
“acordos internacionais”: acordos de forma simplificada.
28 O Estado não participou na negociação e exprime o seu consentimento quanto ao texto da convenção e vincula-se

à mesma. Assim, neste sentido “adesão” engloba a assinatura e ratificação. Só é possível quanto a tratados abertos
ou semi-abertos, e por outro lado, depende da vontade das partes originárias do tratado, ou mesmo dos que já
aderiram, a possibilidade de um Estado aderir. A adesão a tratados institutivos de Organizações Internacionais está
sujeita a um regime especial. Quando a adesão impõe uma vasta e pormenorizada negociação, a declaração unilateral
do Estado para aderir pode ser objeto de uma convenção, entre o estado aderente e as partes originais- Tratado de
Adesão (Ex. Tratado de Adesão de Portugal e Espanha à CEE).
29 O estado, ou tendo participado na negociação não o quis assinar no momento de adoção do texto e muda de ideias

decidindo vincular-se, ou não participa nas negociações e assina o tratado no período em que fica aberto à assinatura
de estados que não participaram na negociação.

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lhe basta aderir, tem de cumprir as exigências prévias que são exigidas (aprovadas pela
AR e ratificada pelo PR).
Depositário: Os estados não trocam as suas ratificações, depositam-nas junto da
entidade30 escolhida para o efeito. O depositário, segundo os artigos 77º e 78º, é quem
detém a guarda da convenção, guardando os originais e distribuindo cópias nas várias
línguas, receber as assinaturas e adesões e ainda proceder ao registo.
Qualquer convenção deve ser registada nas nações unidas, sob pena de não produzir
efeitos no quadro das nações unidas. Para os estados membros das Nações Unidas é um
dever, para os restantes é apenas uma forma dos tratados poderem ser invocados
perante órgãos das Nações Unidas.
Reservas: Não faz sentido nas convenções bilaterais (a reserva formulada por um estado
equivale ou à recusa ou à formulação de um novo texto), pois é nas convenções
multilaterais que se envolvem vários estados, o que pode levar a dificuldade de
conciliarem interesses, e assim, permite-se a formulação de reservas: ato jurídico
unilateral que tem características heteronomartivas e é não autónomo porque depende
da regulação na CV, isto é, um Estado no momento da vinculação à convenção declara
que é de sua vontade eximir-se de certas obrigações resultantes da convenção ou
esclarecer o entendimento que dá a todas ou a certas obrigações. A regra é a aceitação
de reservas em tratados, e apesar de ser aceite durante um bom período, a aceitação
unanime dos estados pertencentes ao tratado da reserva não é condição da sua
validade. A Convenção de Viena nos seus artigos 19º a 23º apresenta uma solução
acerca das condições de validade das reservas, rejeitando a praticabilidade da regra da
unanimidade, e expondo disposições supletivas que valiam no silêncio do tratado. Na
CV são distinguidos 3 tipos de tratados:
a. Nos tratados com número restrito de estados e no quais é uma condição
essencial para o consentimento dos Estados em vincularem-se a aplicação na
íntegra de todas as partes valia o critério de unanimidade (20º/2).
b. Nos tratados com um grande número de estados só são admissíveis reservas se
forem compatíveis com os fins do tratado, sendo essa compatibilidade avaliada
pelos outros estados do tratado. Considera-se que os estados aceitam a reserva
se não se opuserem expressamente a ela no prazo de 12 meses após a
notificação. A convenção modificada vai valer entre os estados que não se
opõem e o estado que formula a reserva, mas não vale entre os estados que se
opuseram, com a intenção de não ficarem a ela vinculados, e o estado que
formula a reserva;
c. Nos tratados que instituem Organizações Internacionais são os órgãos da
Organização que decidem sobre a admissibilidade das reservas.

30 Se for uma convenção sob a égide de uma Organização Internacional, o depositário é geralmente o Secretário-Geral

respetivo. Se não for, a prática é no sentido de escolher como depositário o Governo do estado em cujo território se
realizou a conferência de onde surge o tratado.

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A reserva poderá advir de uma parte determinar que um certo artigo não se aplica na
ordem jurídica do seu estado; ou que a norma se aplica, mas apenas em parte; ou que
a norma é transformada, modificando-se o sentido da norma de forma a ajustá-la ao
interesse do estado, tendo a reserva de apresentar esse sentido alterado.
Figuras afins de reservas: Declarações interpretativas (determina o sentido de uma certa
norma, e deve ser tratada como uma reserva se o estado acrescentar que a aceitação
da interpretação por parte dos outros estados é condição da sua vinculação à
convenção); Declarações políticas (clarificações feitas nos textos das convenções, mas
não têm valor normativo); clausulas de “optar para ficar de fora” (permite-se que
relativamente a certas matérias algumas normas não se aplique a certos estados- Ex.
Não adotar o Euro na União Europeia); Declaração de não reconhecimento de um Estado
parte do Tratado.
A convenção de Viena estabelece um conjunto de requisitos tanto formais e materiais
para a formulação de uma reserva (19º,20º e 21º):
→Regime material: nem todos os tratados admitem reservas, mas regra geral há um
princípio de liberdade de reservas, podendo ser formuladas no momento de
autenticação (devendo ser confirmada mais tarde no momento da confirmação) ou nos
momentos de adesão ou ratificação. O que acontece se o tratado nada disser sobre a
possibilidade de reservas? Só podem ser formuladas se não forem incompatíveis com o
objeto e fim do tratado (exige uma apreciação interpretativa). Quando uma convenção
é assinada por um número restrito de estados (max. 5) as reservas são avaliadas por
aceitação de todas as partes. Reservas quanto a tratados que são atos constitutivos de
organizações internacionais (artigo 20º/3- expressa que as reservas têm de ser aceites
pelo órgão competente, o que não faz sentido).
→Artigo 20º e 21º

Primeira Hipótese: Há um Estado que formula uma reserva e essa é aceite pelos
restantes estados. Há dispensa de aceitação se o tratado permitir a existência de
reservas nesse caso. Mas se houver uma questão não qualificada, os outros estados têm
de se pronunciar. Se aceitarem, a norma aplica-se aos restantes estados da forma, mas
de forma de acordo com a reserva entre o estado que a fórmula e os que aceitam.
Outra hipótese: Estado A formula uma reserva, mas o Estado B formula uma objeção
simples, sendo que os outros estados aceitam: a norma com reserva não se aplica entre
o Estado A e o Estado B; se for uma reserva com aplicação parcial ou transformação, não
é simplesmente aplicada entre estes 2 estados.
Terceira Hipótese: Objeção qualificada, isto é, quando o estado que objeta prefere uma
declaração a dizer que o tratado não se aplica entre o que formula a reserva e o que
objeta. Assim, a consequência é que a reserva opera normal para os que aceitam, e o
tratado não opera de todo nas relações entre o que formula a reserva e o que objeta de
forma qualificada.

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→Requisitos Formais: Qual é a forma da reserva ou objeção da reserva? É escrita e o


estado tem o dever de comunicação aos estados que participaram na convenção e ainda
aos que poderão aderir. Não é obrigado a formular a reserva no momento de
autenticação, poderá fazê-lo no momento da expressão do consentimento da
convenção. A aceitação deverá ser expressa, salvo se a reserva for permitida pelo
tratado. Há prazos para objeção? Há um limite de 12 meses (prazo de 90 dias
costumeiro, mas não impede objeções posteriores), desde a comunicação da reserva,
se nada disser, há uma aceitação tácita. Se o estado decide levantar a objeção, deverá
comunicar ao estado que formula a reserva, pois altera a forma como a convenção se
aplica. O mesmo acontece se o estado retirar a reserva.
Porque os tratados terminam? Artigos 42º-75º CV
Invalidade das Convenções Internacionais: patologias que afetam o valor jurídico da
convenção. Traduz a falta de aptidão do tratado por se encontrar viciado para produzir
os efeitos típicos que pretende. Poderá estar relacionado com a incompatibilidade com
uma convenção a que está subordinada, ou então a uma invalidade relacionada com a
incompetência do órgão que realiza o tratado.
Qual a sanção determinada para essa invalidade? CV (esta distinção surge de uma
interpretação da doutrina):
→Nulidade relativa (vícios de consentimentos que violam direito interno, situação de
erro, dolo, corrupção e também a violação de um tratado de hierarquia superior): quem
pode invocar os vícios? Regra geral, o estado que causa o vicio não o pode invocar (há
exceções, como o estado que dá poderes ao plenipotenciário pode invocar, também no
caso de violação de direito interno).
Artigo 69º: os efeitos para o futuro não produzem efeitos, mas e os efeitos passados?
Em princípio devem ser suscetíveis de desaparecer, mas com certas características
(Artigo 69º/2): os atos praticados de boa-fé podem ser salvaguardados. Artigo 69º/3:
nos casos de corrupção e dolo o artigo 69º/2 não se aplica à parte a que é imputável o
dolo, ato de corrupção ou coação, pois estes envolvem a pretensão de prejudicar a outra
parte. Estas regras aplicam-se aos tratados bilaterais e com as respetivas adaptações
aos tratados multilaterais.
Divisibilidade das disposições (Artigo 44º): No que toca a dois tipos de vícios (corrupção
e dolo-49º e 50º), o estado que tem direito de alegar o dolo e corrupção pode fazê-lo
quer em relação a todo o tratado quer em relação apenas às normas afetadas pela
conduta dolosa ou corruptora. Nos outros casos de invalidade, em regra, a nulidade é
parcial, salvo se essas normas foram essenciais para a criação da convenção, não
podendo o tratado sobreviver sem elas, ou se sem estas normas resultar um prejuízo
para uma das partes , ou se na sua execução não se permita que as normas sejam
separadas do tratado.
→Nulidade absoluta: reação repressiva mais intensa- normas originárias de ius cogens
e uso da coação- quem pode invocar? Pode ser invocada pelas partes ou por qualquer

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Inês Godinho 2019/2020

estado terceiro. Artigo 51º: a coação a um representante de estado leva à inexistência


jurídica, isto é, não produz qualquer efeito. Artigo 52º: Deve considerar-se que há
inexistência jurídica? Havendo uma lacuna, deve ser preenchida à luz do artigo 51º.
Artigo 71º: Sempre que um tratado violar uma norma imperativa de direito
internacional geral. Fenómeno da putatividade (?): quando atos e efeitos realizados ao
abrigo de uma norma invalida, não podem ser destruídos. Nulidade total (artigo 44º/5).
O que sucede quando, no tempo da formação do tratado não havia uma norma de ius
cogens a ser violada, mas surge de forma superveniente (artigo 64º e 71º): a norma
contrária a esta norma de ius cogens cessa a sua vigência, pois entende-se que é
revogada. Os efeitos por ela produzida anteriormente mantém-se, pois, a norma até aí
era válida, mas não produz novos efeitos (desde a superveniência da norma de ius
cogens até à decisão de invalidade da norma também são todos os efeitos inválidos).
O dolo e a corrupção são mais pesados quanto aos efeitos repressivos que um erro de
vicio. O que é considerado como nulidade absoluta (ius cogens e coação), poderá ser
tratado pela nulidade relativa (contradições).
Cessação das Convenções Internacionais:

a. Por acordo entre as partes: As partes celebram um novo tratado que põe termo
ao anterior (ab-rogação- CV Artigo 54º alínea b), podendo este fenómeno ser
feito de forma tácita, havendo uma incompatibilidade do novo tratado que
regula a mesma matéria (CV artigo 59º). Poderá também extinguir-se pela
existência de um termo final, isto é, quando o tratado é concluído por um
período fixo ou pela existência de condição resolutiva. No caso dos tratados-
contratos, a execução da obrigação convencional pode, se for o único objeto do
tratado, levar à sua extinção.
b. Por vontade unilateral de uma das partes: Ocorre quando um dos Estados
formula uma denúncia (CV artigo 56º), tendo esta de ser prevista pelo tratado
enquanto meio de cessação da vigência do mesmo, sendo ilícita se assim não for
(salvo se as partes estabeleceram a admissão da possibilidade de uma denúncia
ou recesso ou se a possibilidade resultar da natureza do tratado- nesse caso,
devem notificar com 12 meses de antecedência a sua intenção). Se estivermos a
falar de um tratado multilateral, a denúncia pode não resultar na extinção de
todo o tratado, pois só deixa de vigorar quanto à parte denunciante →Recesso.
Existem tratados insuscetíveis de denúncia, pela sua natureza: os tratados de
integração e concretamente os tratados que criam as Comunidades Europeias e
os modificam.
c. Por circunstâncias Exteriores à Vontade das Partes: Remete para a questão da
caducidade dos tratados que pode ocorrer tendo diversas fontes: o
desaparecimento ou alteração territorial de um dos Estados contratantes;
impossibilidade superveniente do seu cumprimento (CV artigo 61º); a guerra era
considerada como fonte de caducidade de um tratado entre os 2 estados
envolvidos, contudo, a maioria da doutrina considera a guerra como algo fora do
contexto do Direito Internacional, não provocando qualquer efeito jurídico nesse

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Inês Godinho 2019/2020

âmbito- regras costumeiras que consideram que em tratados bilaterais se as


partes estiverem em guerra, poderão incumprir certos aspetos sem incorrer em
responsabilidade (Os artigos 63º e 75º da CV parecem apresentar que a rutura
de relações diplomáticas ou a abertura de hostilidades não afeta as relações
contratuais); por desuso. Resta atender ao problema da cláusula rebus sic
stantibus, isto é, se é possível que um contrato caduque devido à alteração
fundamental das circunstâncias em que foi celebrado. O TPJI, em 1932, num
acórdão sobre casos de jurisdição em matéria de pescarias, aceitou o princípio
de que uma alteração radical de circunstâncias pode ter efeito sobre a vigência
das obrigações assumidas em tratados, embora a extensão da relevância deva
ser aferida em cada caso. Apesar da ideia de que esta cláusula permite realizar a
verdadeira vontade das partes e repor a proporção entre as obrigações
recíprocas sem que nenhuma parte tenha que sofrer sacrifícios não previstos e
injustos devido a uma alteração das circunstâncias, a sua existência envolve
riscos para a estabilidade dos tratados, pois a vida internacional e as suas
circunstâncias estão sempre a alterar-se, devendo assim, o seu campo de
aplicação e as condições em que pode ser invocada serem bem definidas
→Artigo 62º da Convenção de Viena tenta fazê-lo: A cláusula só pode ser
invocada se a existência das circunstâncias tiver constituído uma base essencial
para as partes consentirem a ficar vinculadas ao tratado e se, a alteração tiver
como efeito uma modificação radical da natureza das obrigações assumidas no
tratado. No número 2 do artigo retiram-se 2 exceções deste princípio: se o
tratado estabelecer uma fronteira e se a alteração resultar de uma violação de
uma obrigação por parte da parte que a invoca. No número 3 é expresso que a
parte que invoca a cessação, se o puder fazer, pode também optar por suspender
o tratado. Contudo, mesmo que as 2 condições expressas no número 1 se
verifiquem, a parte não pode invocar se tiver expresso ou tacitamente aceite a
alteração fundamental das circunstâncias- Artigo 45º CV. O procedimento
associado à cessação encontra-se nos artigos 65º-67º da CV, podendo as outras
partes do tratado fiscalizar os motivos para a invocação da cláusula, e na falta de
acordo, prevê-se o recurso aos meios indicados no artigo 33º da Carta das
Nações Unidas.

Revisão de Tratados e Modificação dos tratados: Poderá haver uma modificação


parcial de um tratado que só envolve algumas partes do tratado e as suas relações
(artigo 41º), ainda que com certas condições: não se pode ofender o gozo dos direitos
das outras partes do tratado; o tratado tem de prever essa possibilidade ou pelo menos
não a proibir, se nada disser, tem de ser interpretar a sua lógica e ainda, não pode esse
ato incompatível com o fim ou objeto do tratado.

Registo e Publicação de tratados: Na CV artigo 80º e na Carta da ONU artigo 102º é


expresso a exigência de registo e publicação de todos os tratados realizados pelos
membros da ONU pelo Secretariado, sob pena de não poder ser invocado perante
qualquer órgão das Nações Unidas. Mesmo os estados que não pertencem à ONU
deverão fazê-lo sob pena de não poderem invocar também.

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Interpretação de Tratados: A doutrina considera que o objeto de interpretação do


tratado consiste na averiguação da vontade real das partes contratantes (“vontade
comum”). A principal regra é a da boa fé que se subdivide em 4 regras: efeito útil (tem
de se excluir toda a interpretação que o prive de efeito prático); interpretação não pode
conduzir ao absurdo; efeitos implícitos dos tratados (deve considerar-se que foi querido
tanto o que se estipulou expressamente como ainda o que for indispensável para a
realização da estipulação); interpretação teleológica (devem ser interpretados
consoante os fins que prosseguem). Para além dos 4 elementos de interpretação, tem-
se dado importância também à subsequente prática dos estados e os órgãos de
Organizações Internacionais na aplicação do tratado e ainda à mudança das condições
sociais que tece lugar desde a assinatura do tratado. Os artigos 30º a 33º regulam esta
matéria, expressando que se parte do elemento literal, tempera-se o seu sentido com o
contexto dessa regra, com o elemento teleológico e com a prática posterior. Tem-se em
consideração (complementarmente) o elemento histórico. O elemento literal pode
mesmo vir a ceder perante a consideração do que foi a vontade das partes (31º/4).
Importa reter que os elementos de interpretação não apresentam a mesma importância
em todos os tratados (Ex. em matéria de Direito de Integração (tratados institutivos de
Organizações Internacionais de Integração) o elemento teleológico é largamente
valorizado).
Convenções internacionais na ordem jurídica portuguesa:
Quem ajusta/negoceia as convenções é o governo (197º/1 alínea b), sendo o órgão por
excelência o Ministro dos Negócios estrangeiros, podendo haver delegação para outro
Ministério se a matéria for muito especifica;
Fase da instrução: há entidades que têm de ser obrigatoriamente ouvidas em questões
que lhe digam respeito e ainda outras têm de ter uma participação qualificada (RA):
estas devem participar nas negociações, através de um elemento na negociação,
quando o tratado vise matérias que lhes digam diretamente respeito (227º/1 alínea t)
AR tem a competência exclusiva para aprovar tratados; quanto a acordos internacionais
podem aprovar a AR e o governo. Art. 161º alínea i: apresenta a reserva necessária de
tratado, isto é, estas matérias só podem constar de tratado e não de acordos
internacionais, só podendo ser aprovados pela AR. A AR pode, no tocante a todas as
restantes matérias que são atribuídas à sua competência legislativa (161º, 164º e 165º),
aprovar convenções tanto sobre forma de tratado como de acordo. A AR ainda pode
aprovar acordos internacionais que o governo lhe submeta, por considerar que a
matéria é demasiado complexa.
O governo pode aprovar convenções internacionais sobre forma de acordos
internacionais sobre matérias do âmbito concorrencial (197º/1 alínea c).
Nota: a competência de aprovar as respetivas categorias de convenções abrange a
competência para a decisão de adesão, para a formulação de reservas e para a
aprovação de emendas.

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O PR ratifica os tratados e assina os acordos, podendo não o fazer31 (o PR atua em juízo


de mérito), sofrendo a convenção inexistência jurídica. Segundo o artigo 166º/6
resoluções (convenções da AR) não precisam de ser promulgadas pelo PR.
Artigo 119º/1 alínea b: As convenções, os avisos de ratificação32 e os restantes avisos
respeitantes a estas têm de ser publicados no jornal oficial, sob pena de serem ineficazes
na ordem jurídica interna. Ainda assim, para vigorarem na ordem interna, as convenções
têm de vigorar na ordem internacional.
Houve vários autores, como Jorge Miranda e Jorge Sampaio: consideravam que a
assinatura era obrigatória e que era desadequado a possibilidade de a AR poder escolher
para a mesma convenção a forma de tratado e acordo, visto que se escolhe-se a forma
de acordo, o PR era obrigado a assinar (fugia-se assim ao seu juízo de mérito). Surge
uma tese de que havia uma reserva material de tratado que incluía matérias, mesmo da
área concorrencial: a competência da AR alargava-se para uma disciplina inovadora da
área concorrencial que tinham agora reserva de tratado; o PR também alargava as
competências porque tinha mais convenções, em forma de tratado, em que poderia
decidir se ratificava ou não. Aplicação da tese na prática: Convenção com o Chile, que
foi considerada matéria de reserva necessária de tratado, institui-se em forma de acordo
internacional→ TC “Tratado sobre Tratados” decide que não pertence à área reservada
da AR, não havendo problema. Porque a tese não faz sentido? Contraria o que é
expresso pela Constituição (estabelece a delimitação de competências entre dois
órgãos); os tratados não são hierarquicamente superiores aos acordos internacionais;
pretendeu-se diminuir a competência do PR, mas para isto bastaria definir que o PR não
está vinculado a assinar.
Os tratados e acordos encontram-se sujeitos ao controlo da constitucionalidade:
1. Fiscalização preventiva (278º): O PR pode pedir fiscalização preventiva de
tratados (antes de ratificar) e de acordos (antes de assinar). Há uma lacuna
porque não se fala das resoluções da AR que aprovam acordos internacionais.
Ainda assim, era impensável excluí-los. No caso de inconstitucionalidade de uma
convenção da AR, poderá esta aprovar de novo (quanto aos tratados- 279º/4. E
os acordos? Há quem diga que não pode ser confirmado devido a haver uma
norma explicita para os tratados que não fala em acordos; a ideia de excluir
porque no artigo 279º/2 fala em “decretos” não é possível, pois anteriormente
toda a doutrina aceita que face à lacuna no artigo 278º, “decretos” englobe as
resoluções da AR →Opinião da Regência: também os acordos internacionais
podem ser confirmados); ou expurgar a norma (tem de saber se junto das outras
partes pode formular uma reserva quanto à exclusão, aplicação parcial ou
interpretação modificativa da norma inconstitucional).
2. Fiscalização Sucessiva

31 Se o tratado for sujeito a referendo e a resposta for positiva, o PR é obrigado a ratificar, se for negativa não pode
ratificá-lo. A decisão da referenda ministerial nestas situações é obrigatória.
32 Correspondência da forma da carta de ratificação no direito Interno.

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3. Fiscalização Concreta
277º/2 (conjuga-se com 46º CV): Apresenta uma irregularidade, isto é, produz efeitos
jurídicos como se fosse válida. As normas de um tratado que sofra de
inconstitucionalidade orgânica ou formal, poderão vigorar na ordem interna, se o
tratado vigorar na ordem jurídica da outra parte (principio da reciprocidade) e a violação
não pode ser de uma disposição fundamental (maiorias qualificadas, ausência absoluta
de forma, não pode haver violação de normas de competência dos órgãos que intervêm
na aprovação, usurpação de poderes).O que será uma inconstitucionalidade orgânica
mais “leve”? Competências implícitas. E formal? A questão da participação das RA na
fase instrutória, porque os tratados podem ser aprovados mesmo contra a vontade das
RA. Ninguém sabe porque os acordos internacionais não estão apresentados no artigo,
há quem entenda que também deve ser aplicado a esses, devido à similitude de acordos
e tratados (CBM).
Para que Portugal formule uma denúncia, embora o ato formal caiba ao governo, este
não pode fazê-lo sem o consentimento do PR e, tratando-se de matérias a submeter à
AR, esta tem de aprovar. Aplica-se o disposto, analogicamente, quanto à suspensão de
vigência ou outra cessação de vinculação de Portugal a convenção internacional.
2. Costume Internacional (38º/1, alínea b): Fonte imediata e formal, de formação
espontânea, sendo uma “prática geral aceite como direito”. Tem 2 elementos: o
material (uso, onde o essencial é a uniformidade da repetição da prática) e o
psicológico (convicção de obrigatoriedade- apesar de ser imprescindível a sua
averiguação torna-se complicada, o que leva a que a prática seja assumir a
convicção de obrigatoriedade quando haja uma prática constante e uniforme.
Ainda assim, só este elemento pode distinguir o costume das práticas gerais e
constantes não obrigatórias). Pergunta-se qual o fundamento da
obrigatoriedade do costume, surgindo 2 correntes para o explicar: voluntarismo
(assenta o costume na prática/adesão dos Estados) e anti
voluntarismo/objetivista (considera que é alheio à vontade do Estado, sendo
uma forma espontânea de criação do direito pela prática). Na prática, com a não
exigência da intervenção de todos os estados para a criação do costume,
prevalece a visão objetivista. O costume, assim, impõe-se quando a convicção de
obrigatoriedade existir na maioria dos Estados (e impõe-se mesmo àqueles que
não tenham participado na sua elaboração33, apenas deve ter sido seguido pelos
Estados cada vez que tiveram oportunidade disso e de maneira uniforme). Tal
como os novos estados ficam vinculados aos costumes criados numa fase
anterior ao seu surgimento, também desfrutam de direitos (a teoria voluntarista
concordaria com a não atribuição de direitos advindos do costume a novos
estados?). Com o tempo tem ocorrido uma suavização do requisito da
antiguidade do costume, o que permite que surjam novos costumes em pouco
tempo. Considera-se a fonte mais importante de Direito Internacional, visto que
o costume rege um conjunto de matérias que constituem o núcleo fundamental

33 O costume local só obriga os Estados que participarem expressa ou tacitamente nele.

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Inês Godinho 2019/2020

do Direito Internacional. Existe sempre o problema de determinar os elementos


do costume e ainda de prová-los. Um costume pode surgir pela abstenção ou
omissão da maioria dos estados, pois se um praticar X ação e nenhum outro
protestar, criar-se-á um costume com a prática ativa apenas de um Estado.
Quando um conjunto de Estados protesta (no momento da formação do
costume, isto é, antes de se formar a norma, quando a prática é seguida pela
comunidade e com convicção de obrigatoriedade) não se criará um costume com
obrigatoriedade para esses, ou seja, não é oponível ao estado que se tenha
oposto a esse, em principio- Teoria da Objeção Permanente (os Estados podem
subtrair-se ao costume- aproxima-se da ideia voluntarista- apesar de a prática
ser a possibilidade dessa subtração apenas aos costumes locais e não gerais).
Nem todos os costumes reconhecidos têm de ser gerais. Para a formação de um
costume assume mais relevância a conduta dos estados que têm mais interesse
na matéria.
3. Princípios Gerais de Direito: fonte material que, não necessita de um modo
concreto de formação e revelação. Não é o ius cogens, porque sendo apenas
princípios, estão na disponibilidade das partes.
Artigo 38º/2: referência à decisão de uma questão por recurso à equidade.
Este artigo foi alvo de uma caracterização doutrinária, de onde surgiram diversos
problemas:
a. Falta de coerência na forma como o artigo está redigido, pois os atos jurídicos
unilaterais (são atos unilaterais que regulam a relação do estado com os
restantes a nível internacional) são também fonte de DIP (Ex. resoluções do
Conselho de Segurança das Nações Unidas; adesão; reservas; aceitação);
b. Falta de consistência técnica: mistura de Fontes Formais- processos de revelação
através dos quais surgem as normas de DIP- (convenções, costume, atos
jurídicos) e materiais- razões pelas quais aparecem as normas- (princípios gerais
de direito reconhecidos pelas nações civilizadas); confusão entre fontes e
normas;
c. Tribunal elenca fontes mediatas (jurisprudência34 e doutrina35) e imediatas
(tratados, costume e princípios gerais de direito) e a forma como o faz pode fazer
com que se pense ser possível identificar uma hierarquia nas fontes e ainda, um
regime de supletividade. Mas não é o caso (apesar de haver doutrina divergente)
nem resulta da prática.
d. Contraposição entre costume e norma jurídica, implicando que o costume é uma
mera prova da norma, visto que o costume é o próprio modo de formação da
norma.

34 Principalmente a jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça, que completa o direito internacional que tem
um caráter muito fragmentário.
35 Surge com uma especificidade no artigo 38º: só a doutrina mais reconhecida é fonte mediata.

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Hierarquia:
Maioria dos autores defende que as convenções e os costumes estão em pé de
igualdade, revogando-se por regras de posterioridade ou especialidade. Os tratados
institutivos das Organizações Internacionais prevalecem sobre os atos emanados pelos
seus órgãos.
Sujeitos de Direito Internacional
É sujeito de Direito Internacional quem for suscetível de ser titular de direitos ou suporte
de obrigações resultantes direta e imediatamente de uma norma de Direito
Internacional. Podem valer os seus direitos junto das instâncias Internacionais e estão
sujeitos a responsabilização internacional. Segundo a definição, poderemos retirar as
seguintes ideias:
→É o direito internacional que determina quais são os seus sujeitos, não havendo em
princípio36, sujeitos por direito próprio;
→É o direito internacional que estabelece a forma pela qual nasce a personalidade
jurídica internacional, podendo o processo ser automático ou implicar atos especiais de
reconhecimento;
→Só são sujeitos do Direito Internacional aqueles que estejam em relação direta e
imediata com a norma internacional e que não necessitem de outra pessoa para que os
efeitos da norma se projetem na sua esfera jurídica.;
→Também no Direito Internacional pode haver sujeitos com capacidade plena ou com
capacidade limitada;
→A personalidade jurídica internacional pode não coincidir com a de Direito Interno,
havendo pessoas jurídicas de direito interno que não podem ter personalidade
internacional e, também, há pessoas jurídicas internacionais que não têm personalidade
no Direito Interno.
Classificação dos Sujeitos de Direito Internacional:
1. Com capacidade Plena:
Têm de ter:
➢ O direito pleno sobre um conjunto indeterminado de matérias; poder de
celebrar convenções internacionais (ius tractum);
➢ Direito de delegação, isto é, de criar embaixadas noutros estados ou em
organizações internacionais. As relações diplomáticas são estabelecimentos que
um estado tem no território de outros Estados soberanos, mas que funcionam
como território próprio deste (ius legationis);

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Aceita-se sujeitos cuja capacidade de agir na cena internacional acaba por resultar de direito interno (Ex. estados
membros de uma federação).

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➢ Ius Bellum (direito de fazer a guerra): antes havia um direito de fazer a guerra e,
assim, entendia-se que havia um direito a tal. Com a carta das nações unidas o
uso da força é limitado (e também este direito- podendo dizer-se que não há
sujeitos com capacidade plena hoje) e hoje é entendido como um direito de
defesa apenas.
2. Com capacidade Limitada
(i) Sujeitos com Base territorial:
-Estados Protegidos: são titulares de direitos internacionais, mas só os podem
exercer através dos estados protetores.
-Estados Vassalos: são titulares de direitos internacionais, mas têm obrigações
para com outro estado, não podendo exercer alguns dos direitos sem a sua
autorização.
-Estados confederados: por pertencerem a uma confederação, têm a sua
soberania limitada em certas matérias, mas a sua contrapartida é a participação
nessa confederação. Em certas condições podem celebrar tratados.
-Estados ocupados e Estados divididos: estão em situação excecional decorrente
da guerra ou outras vicissitudes e sujeitos a ocupação ou a formas especificas de
limitação político-militar.
- Estados exíguos37: pelo seu tamanho reduzido, não possuem a plenitude de
capacidade internacional, ficando-lhes limitada a capacidade de gozo (e não a
capacidade de exercício como acontece nos restantes casos). Pequenos estados
da europa que através de tratado atribuem algumas atribuições da sua própria
soberania a estados vizinhos. Ex: Mónaco que confere a sua defesa a França. O
mesmo sucede com o Liechtenstein, em Andorra. O Luxemburgo não esta nesta
situação, pois apesar de pequeno tem exército próprio.
-Estados Falhados: o poder central não consegue impor-se a grupos armados
tribais, sectários ou regionais ou quem nem sequer se encontra uma verdadeira
autoridade do Estado, ficando afetada a participação na vida jurídica
internacional e o exercício dos correspondentes poderes.
-Regiões Autónomas: gozam de alguns poderes de incidência internacional, para
prossecução de interesses regionais por ela própria (227º/1 alínea u), x)) e outros
com natureza de poderes de participação (227º/1 alínea s) e t), x). Apesar disso
(JM) não se pode considerar que sejam sujeitos de direito internacional, pois são
meros poderes.
-Estados Federados: só conservam soberania na ordem interna, não na ordem
internacional. O mesmo acontece com os estados-membros de uma união real.
Estes não dispõem de ius tractum e outros direitos internacionais, só os

37
Diferente dos microestados, pois mesmo pequenos são formalmente soberanos.

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possuindo se houver uma autorização do poder central. Estes estados não são
soberanos.
-Rebeldes Beligerantes: existe uma força política militar que entrou em rebelião
contra o governo central e essa força domina uma certa parte do território. O
reconhecimento desse rebelde que domina uma parcela do território e que
exerce a sua autoridade como forma de responsabilizarem essa entidade rebelde
por qualquer dano a outros nacionais. O reconhecimento como beligerante por
parte do governo central leva a que se houver danos por parte do beligerante
para com outros estados, o governo central possa eximir-se da responsabilidade.
Este pode celebrar tratados que digam respeito à guerra de conflito armado;
pode criar embaixadas e ainda (falta 1 para ter capacidade plena). O problema é
que esta figura desapareceu. O manual diz que há uma diferença entre este e o
insurreto, afirmando que este último não é sujeito de DIP. No entanto, Blanco
Morais não entende dessa forma, dizendo que isso já não é verdade: caso
ganhem devido aos conflitos são-lhes impostos deveres: direito humanitário da
guerra, sereno arte de um estado faz com que caso violem direito humanitário
posam ser julgados no tribunal penal internacional. Não têm direito de
delegação; mas podem ter ius tractum. É necessário que eles tivessem um
domínio estável por uma parcela do território, que fossem representativos de
uma parte da população e que tenham um certo grau de organização. Isso não
sucede em vários casos. Eles exerciam a guerra de libertação, tinham um direito
limitado de celebrar tratados, para pôr fim a guerra e para alcançar a
independência- Só alguns foram reconhecidos de um movimento libertista nessa
qualidade.
-Grupos Insurretos: não tem as características, não são sujeitos de DIP.
-Estados semi-soberanos/ de soberania diminuída: O Camboja é um estado que
se encontra sob a tutela do Vietname e por isso, havendo essa tutela por parte
do Vietname há uma soberania limitada sendo que apesar disso não são
protetorados, tendo as capacidades anteriormente mencionados, mas com
tutela. A Bósnia, é um território que junta povoações da antiga Jugoslávia. Foram
estabelecidas 3 regiões, criando 3 estados federados e um governo central sendo
que muitos dos atos celebrados por este último estão sujeitos à autorização ou
veto das decisões deste e este tem também poder de destituição de alguns dos
órgãos isto por uma autoridade internacional. Para o professor isto não é mais
do que um protetorado. Em Portugal, em 2011, teve também a sua soberania
limitada por entidades internacionais, tornando-se um protetorado, embora não
no sentido jurídico da palavra.
(ii) Sujeitos sem Base Territorial:
-Santa Sé: é um sujeito originário. A capacidade traduz-se sobretudo no ius
legationis e no ius tractum, bem como a participação em certas organizações

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internacionais e na resolução de conflitos. Capacidade limitada, mas ainda assim


ampla.
-Ordem de Malta: é a sucessora da Ordem de São João de Jerusalém, sendo que
hoje só desenvolve fins de assistência espiritual e socia. Só cerca de 20 estados
e a Santa Sé a consideram sujeito de direito internacional. O direito de legação e
até a conclusão de tratados mostra-se pouco atual.
-Cruz Vermelha: desenvolve ações de assistência em casos de guerra e de
grandes calamidades. A relevância internacional desta aponta para a sua
qualificação como sujeito com capacidade limitada.
-Nação e movimentos de libertação nacionais: poderão ser considerados
excecionalmente. Estes agem em nome de uma nação ou de um povo que
pretende erigir em Estado
-Governo de Exilio: Domínio de uma parcela do território: é uma realidade
muitas vezes ficcional para o professor, visto que muitas vezes se constituem
este tipo de governos, mas não existe efetivamente um exilio.
-Individuo: sujeito de DI de capacidade limitadíssima. Convenções internacionais
que visam tutelar os direitos fundamentais da pessoa humana- Quando constam
de convenção internacional esses são chamados de direitos humanos.
Reconhecendo aos indivíduos esse estatuto, estes estão proibidos de cometer
crimes. Há o problema de capacidade de exercício limitada: direito de ação em
alguns territórios e residualmente alguns direitos de petição. O tribunal penal
internacional não foi ratificado, na sua convenção, pelas grandes potências.
-Organizações Internacionais: Têm capacidade plena ou quase plena quando o
seu ato constitutivo lhes permita ter as competências apresentadas para os
Estados Soberanos (Ex. Nações Unidas e União Europeia). As restantes têm uma
capacidade limitada.
-Carta das Nações Unidas: o TJI atribui a esta capacidade internacional, face às
funções que lhe foram concebidas.
(iii) Entidades intraestatais:
-Colónias autónomas
-Mandatos
-Territórios sob regime internacional especial ou territórios internacionalizados
Reconhecimento dos sujeitos de Direito Internacional:
(I) Teoria do reconhecimento constitutivo: Segundo esta teoria, é do
reconhecimento que nasce a subjetividade internacional do Estado, sendo a
vontade do estado que determina a entrada de um novo membro na
Comunidade Internacional. Será assim para os entes que não os Estados.

31
Inês Godinho 2019/2020

(II) Teoria do reconhecimento declarativo: Por outro lado, segundo esta teoria,
a personalidade jurídica nasce independentemente do reconhecimento,
tendo este apenas o efeito de o constatar e declarar. Assim, um estado é
sujeito de Direito internacional desde que existe (isto é, desde que tem um
povo, território e poder político soberano), mesmo que nenhum outro
estado o reconheça como tal.38 Regime típico do Estado, com as limitações a
seguir apresentadas.
Segundo o professor Blanco Morais a ideia geral é a que o reconhecimento deveria ser
declarativo, isto é, tem X caraterísticas, logo é reconhecido.
No entanto, há, pela negativa, critérios que obstam a esse reconhecimento declarativo
ou que o condicionam:
➢ Poderá não ser reconhecido um estado quando nasce na dependência de um
outro Estado de tal forma que a sua própria independência fica posta em causa;
➢ É recusado o reconhecimento quando se mostre evidente que o novo estado não
foi produto da expressão de exercício do direito à autodeterminação do seu
povo, ou até, pelo contrário, nasceu contra a vontade desse povo: pode ser
utilizado o referendo para perceber isto;
➢ Mesmo que haja direito de autodeterminação, não devem ser reconhecidos
como Estados as situações provenientes do recurso ilícito à força (Doutrina de
Stimson39);
➢ O reconhecimento pode ser condicionado (Ex. Reconhecimento condicionado
por parte das Comunidades Europeias em 1991 dos estados pertencentes à
URSS, pois houve um temor na europa que aparecessem novos estados)
Ex: África do Sul durante o apartheid decidiu dar a independência a muitos territórios.
Houve uma proibição dessa atribuição de independência devido ao facto de ser contra
a carta das nações unidas.
Autodeterminação interna de forma violenta não é reconhecida →Princípio do não
reconhecimento.
Um estado que reconhece outro não fica obrigado a estabelecer, ou a manter, relações
diplomáticas com ele.
Um estado que não consegue ser reconhecido não fica fora do âmbito de aplicação do
Direito Internacional.
Nenhum Estado deve ser reconhecido antes de estarem reunidos os elementos que
compõem o seu conceito, pois poderá levar a uma violação do princípio da não
ingerência nos assuntos internos e por isso, um comportamento de má fé. O caráter

38 A existência de um regime democrático no novo estado não tem constituído requisito do seu reconhecimento.
39 Tinha uma formulação mais abrangente, pois julgava contrárias ao direito internacional, todas as situações
decorrentes do uso da força, sendo uma precursora da proibição geral do artigo 2º/4 da Carta da ONU. A NATO vai
fazer o mesmo que o Japão faz à Manchúria, mas ao Kosovo.

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Inês Godinho 2019/2020

declarativo do reconhecimento é retroativo. Este reconhecimento pode ser tácito ou


implícito, e não está sujeito a nenhuma forma especial.
Reconhecimento de Governo: É o ato pelo qual um Estado afirma que a autoridade
política que tomou o poder num outro estado fora das formas constitucionais, ou que
vê a sua função de governo do respetivo estado posta em causa por um grupo político
rival, representa validamente este Estado na esfera internacional.
Como se reconhece um governo? A solução encontra-se nas doutrinas da legitimidade,
isto é, só se reconhecer governos que fossem aparados na base de uma legitimidade
democrática40 (Remonta à Santa Aliança (aliança de casas reais, que estabelece regras,
entre as quais se comprometiam a não reconhecer os estados que nascessem de
independência de estados revolucionários); e da efetividade (de Estrada), ou seja, só se
reconhece-se o governo que domina a maioria do território/ exerça autoridade no
território do estado e o que esteja em condições de cumprir os compromissos
internacionais do Estado. A doutrina da efetividade pode ser posta em causa, p.e. Caso
da Venezuela: Maduro ainda controla a administração.
O Reconhecimento de um governo tem valor constitutivo, pois permite que se
determine o titular da função de representação internacional do Estado e da
responsabilidade internacional do estado (relações interestaduais) e, por outro lado,
permite ao governo e aos seus representantes diplomáticos beneficiar de imunidades
reconhecidas pelo Direito Internacional e garante o respeito pelos seus atos legislativos,
regulamentares e administrativos perante os respetivos tribunais locais e os efeitos
extraterritoriais das suas normas sobre pessoas (ordem interna).
Este reconhecimento perde relevância, pois os Estados limitam-se a reconhecer os
Estados e são omissos quanto ao Governo.
Reconhecimento de facto: preambular, ocorrendo quando há uma rutura de poder ou
luta política e haja dúvidas sobre o nascimento de um novo Estado ou o sobre a
estabilidade de um novo governo. Este reconhecimento é provisório, revogável e de
efeitos limitados. Não se confunde com o reconhecimento implícito, pois esse é um
reconhecimento de iure. Apresenta vantagens: evita embaraços causados por um
reconhecimento prematuro, não é incompatível com a recusa definitiva de
reconhecimento e assegura ao governo ou Estado reconhecido certa segurança jurídica
que pode levar à estabilização da situação. (Ex. Os 12 da União Europeia reconhecem
provisoriamente os estados resultantes da desagregação da URSS, até que estes
cumpram as condições estabelecidas, dando-se aí o reconhecimento de iure).
Reconhecimento de iure/de direito: Quando a situação estabiliza, “confirma-se” o
reconhecimento, dando-se o reconhecimento de iure, o qual é irrevogável, pleno e com
eficácia total.
Blanco Morais: O reconhecimento é sobretudo e essencialmente um ato político e só
traduz consequências constitutivas no plano de direito se houver, p.e, 2 candidatos ao

40 Doutrina Tobar-Wilson.

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Inês Godinho 2019/2020

governo e todos os estados estabelecem relações com um e ignoram o outro→


reconhece-se esse.
Organizações Internacionais: Associações voluntárias de sujeitos de Direito
Internacional, composta regra geral por estados41, que prosseguem fins comuns a esses
mesmos estados, tendo ordenamento jurídico e órgãos próprios. Instituem-se mediante
tratado internacional42 e as relações entre as partes regem-se por Direito Internacional.
A Organização Internacional tem de ser permanente, pois é dessa permanência,
traduzida numa sede, mínimo de estrutura e condições materiais que lhe permitam
funcionar, que resulta a sua autonomia face aos Estados-Membros (distingue-se desde
logo, por isso, das meras relações acidentais entre estados que não visam fazer surgir
uma nova entidade e das conferências intergovernamentais). A Organização exprime
uma vontade própria que lhe é juridicamente imputável e diversa da vontade dos seus
Estados Membros, devido à personalidade jurídica inerente a esta. Os atos os seus
órgãos são imputados à Organização desde que praticados em conformidade com o
tratado institutivos e desde que respeitem o princípio da especialidade.
Classificações das Organizações Internacionais:
1. Quanto à sua estrutura jurídica:
➢ Supranacionais (Ex. União Europeia): Organizações que se fundam no princípio
de limitação da soberania dos Estados Membros, ocorrendo uma transferência
de poderes soberanos dos estados para as Organizações supranacionais. Existem
relações verticais de subordinação e integração, podendo elaborar normas que
se impõe à ordem interna dos estados. Poderá haver, ainda assim, domínios em
que a relação entre a Organização e os Estados Membros se continue a processar
a nível de mera cooperação e não de integração. Características destas
organizações: (1) Possuem uma estrutura jurídico-política de tipo estadual, que
se traduz num sistema de separação e repartição de poderes, onde existe um
Poder Legislativo (que aprova atos legislativos obrigatórios para os estados) e um
Poder Judicial (com jurisdição obrigatória); (2) Em alguns dos seus órgãos
deliberativos os titulares exercem as suas funções em nome próprio e com
independência em relação aos Estados, não sendo representantes desses; (3)
Nos órgãos deliberativos o sistema de votação é o da maioria; (4) Os atos
emanados pelos órgãos da organização são obrigatórios, direta e imediatamente
aplicáveis na ordem jurídica dos Estados Membros; (5) Os sujeitos internos dos
Estados têm acesso direto aos tribunais da Organização.
➢ Intergovernamentais (Ex. ONU, OCDE, OTAN, OEA, OUA e EFTA): São associações
de estados que estabelecem relações horizontais de coordenação entre os

41 Pode ser composta por outros sujeitos de Direito Internacional (p.e. Santa Sé) ou por outras Organizações
Internacionais (p.e. A ONU é membro da União Postal Universal). Poderão ser, em certos casos, membros de
Organizações Internacionais entidades que não têm qualidade de sujeito internacional, pois a sua participação
separada é exigida pelos fins da Organização.
42 Uma Organização Internacional pode também ser criada por outra Organização Internacional mediante resolução

tomada nos termos estatuários no seu do órgão competente (Ex. Assembleia Geral da ONU deliberou criar a ONUDI,
CNUCED e PNUD.

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Inês Godinho 2019/2020

estados, sendo a limitação à soberania dos estados relativa ou praticamente


inexistente. Os Estados Membros têm um papel de relevo nestas organizações:
(1) os órgãos deliberativos são compostos por representantes dos estados
membros, em regra escolhidos pelos seus governos e estando sobre sua
instrução; (2) A Organização não pode intervir diretamente na ordem interna dos
Estados membros, tendo as suas decisões e deliberações como destinatário o
Estado e não sujeitos internos (como o individuo); (3) As decisões e deliberações
em regra não são obrigatórias para os Estados Membros sendo meras
recomendações; (4) A regra de votação é geralmente a unanimidade, apesar de
por vezes ceder em nome de uma maioria qualificada (exceção da ONU- podem
aprovar com maioria simples ou por maioria qualificada).
2. Quanto ao objeto
➢ Organizações com finalidades gerais (Ex. ONU, União Europeia, OEA, OUA)
➢ Organizações com finalidades específicas/ especiais: poderão ser de
cooperação política, económica (OCDE, FMI), militar (NATO, SEATO), social e
humanitária (OMS, OIT), culturais, científicas e técnicas (UNESCO, UPI, IMO E
OIAC).
3. Quanto ao âmbito territorial de atuação
➢ Organizações Universais: estão abertas a todos os estados, tendo assim uma
apetência universal (Ex. ONU, BIRD, GATT, FMI e OIT).
➢ Organizações regionais: estão abertas a um número restrito de estados, devido
ao seu âmbito de ação ou participação ser definido restritamente, ou por
critérios geográficos (Ex. União Europeia, OTAN, OEA, OUA, EFTA) ou por critério
ideológico ou geopolítico (Ex. COMECON, OCDE, Liga Árabe). Poderá ocorrer que
o regionalismo da ação não corresponda ao regionalismo da participação (Ex.
BERD).
Para esta distinção, ganha importância a distinção entre tratados abertos e tratados
fechados.
Organização das Nações Unidas
Tem como antecedentes históricos a Sociedade das Nações (tendo como características
as típicas de uma Organização Intergovernamentais), que falha no seu objetivo de
manter a paz, administrar ou fiscalizar os territórios coloniais e a promover a cooperação
entre estados no âmbito económico e social.
Em 1941, o Presidente dos EUA e o Primeiro-Ministro do Reino unido aprovam os oito
artigos da Carta do Atlântico. Em 1942, aderem a estes princípios os Estados que
estavam em luta contra o Eixo, através da Declaração das Nações Unidas. Na
Conferência de Bretton Woods, em 1944, criam-se Organizações para-universais de
cooperação económica e financeira (FMI, BIRD). No mesmo ano, a Conferência de
Chicago aprova a convenção da Aviação Civil Internacional e a Conferência de
Dumbarton Oaks elabora-se o primeiro projeto pormenorizado da futura Carta das
Nações Unidas. Em 1945, na Conferência de Ialta, reúnem-se a União Soviética, EUA e
Reino Unido, e reparte-se as esferas de influência na Comunidade Internacional no pós-

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Inês Godinho 2019/2020

guerra, e fixa-se por exemplo, a consagração em seu benefício do direito de veto no


Conselho de Segurança.
Na conferência de São Francisco, em 1945, assina-se o texto definitivo da Carta das
Nações Unidas, pelos estados vencedores da 2º guerra mundial (EUA, reino Unido,
China, França, União Soviética). Progressivamente, enquanto organização universal,
agrega os restantes países.
A Carta das Nações Unidas tem agregado a si a DUDH, e outros Pactos. A DUDH tem
diferente valor consoante o valor que os estados lhe atribuem (na nossa ordem interna,
tem valor constitucional- 16º/2).
Fins das Nações Unidas (artigo 1º da Carta):

 Manter a paz e segurança internacional (Impedir uma outra guerra mundial-


fazer o que a Sociedade das Nações não fez) e para isso a organização pode
tomar medidas: impedir ameaças à paz, tomando medidas preventivas de um
conflito; possibilidade de tomar medidas para reprimir atos de agressão; e
promover junto dos casos a resolução pacífica dos conflitos, podendo o
Secretario Geral desenvolver medidas que envolver inquéritos, mediações.
 Desenvolver relações amistosas e cordiais entre os estados, no respeito pelo
princípio da igualdade. Problema: Conselho de Segurança com 5 membros a ter
direito de veto (membros permanentes) - “Há estados mais iguais que outros”.
 Autodeterminação externa dos povos: possibilidade de estes poderem decidir o
seu destino, podendo decidir sobre a independência dos seus territórios, e ainda
decidir sobre se querem ou não ser independentes. Problema controverso da
descolonização: não se deu às populações dos territórios a possibilidade de
escolher a independência ou não.
 Incremento de uma estreita cooperação internacional, para se resolver
problemas económicos, sociais, culturais e humanitários, comuns aos vários
estados;
 Estabelecimento de um respeito efeito pelos direitos da pessoa humana;
 Deverá a ONU funcionar como ponto de encontro de todos os Estados da
Comunidade Internacional.
Princípios gerais que regem as Nações Unidas (Artigo 2º da Carta):

 Princípio da igualdade soberana dos Estados;


 Princípio da boa fé nas relações entre os Estados Membros e no cumprimento
das obrigações daí resultantes;
 Princípio da solução pacífica dos conflitos entre Estados;
 Princípio da renúncia, pelos estados, do recurso à força;
 Princípio, que deverá ser seguido por todos os Estados Membros, do respeito em
relação à integridade territorial e à independência política dos restantes Estados;
 Princípio da manutenção da paz e da segurança internacionais;

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Inês Godinho 2019/2020

 Princípio da Universalidade da Organização43;


 Princípio da Legitima Defesa;
 Princípio do domínio reservado dos Estados;
Professores Gonçalves Pereira e Fausto Quadros: A Carta das Nações Unidas é um
tratado-Constitucional, sendo uma espécie de Constituição da Comunidade Mundial,
não sendo estes princípios exclusivos das Nações Unidas, mas sim fundamentais para
toda a Comunidade Internacional. Assim, a Carta é Direito Constitucional Internacional.
Comissão de Direitos Humanos das Nações unidas (EUA retiraram-se deste e outros
ameaçam, BM considera que não deve ser levado a mal porque se tem vindo a politizar
muito) – Os Estados podem ser parados se violarem gravemente direitos fundamentais.
Os estados nos seus conflitos internos são soberanos, no entanto há situações de
ameaça a paz no interior do Estado, pode obrigar à intervenção internacional justificada.
Artigo 2º/7: Limita a intervenção da ONU, apresentando um domínio reservado dos
Estados Membros, que compreende os assuntos que dependem essencialmente da
jurisdição interna de qualquer Estado nos quais as Nações Unidas não pode intervir nem
obrigar os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da carta.
Este princípio foi desenvolvido num sentido soberanistico, mas a prática mostra que tem
vindo a aumentar a esfera de intervenção da ONU. Atendendo à colocação sistemática
da norma e ao seu texto, parece correto afirmar que quando se fala de “intervenção” se
remete para a intervenção de qualquer órgão da ONU. Contudo, a tendência na
Assembleia tem sido sempre contrária à admissão deste entendimento amplo de
intervenção. O que é “intervenção”? recomendações mesmo ou interferência. Para
definir que assuntos são “essencialmente” internos têm sido utilizados dois critérios:
jurídico (não pertence à jurisdição interna uma questão que o Estado tenha regulado
através de um tratado internacional, tanto bilateral como multilateral) e o político
(questões que em principio são de relevância interna, mas que se podem tornar de
relevância internacional quando a sua existência afete as relações internacionais, mais
concretamente, afete a paz e a seguranças internacionais44). Na prática, as Nações
Unidas foram aplicando um ou outro desses critérios bastando que por um deles
pudesse resultar a sua competência. A tendência é a Organização se reconhecer sempre
competente, sendo raríssimos os casos em que se aceita a exceção do domínio
reservado. Concluindo, são matérias essencialmente do domínio reservado dos estados
aquelas que a maioria da Assembleia não tenha decidido que são de caráter
internacional e que por isso, cabem na sua competência. Esta questão ganha relevo com
a descolonização do século XX, afetando França, Reino Unido, Portugal e África do Sul,
pois o princípio de domínio reservado do estado cedeu, e a Assembleia não tem dúvidas
em considerar que cede sempre, perante os princípios e as obrigações do artigo 73º, em
concreto perante o princípio da autodeterminação dos povos. Nos anos mais recentes,

43Não está expresso no artigo 2º, mas poderá ser retirado do número 6 do artigo 2º e do artigo 103º.
44É com base neste critério que a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança justificam a competência para dirigir
recomendações a um determinado estado não membro das Nações Unidas- regime espanhol em 1946 e África do Sul
em questão do apartheid.

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Inês Godinho 2019/2020

o âmbito do domínio reservado dos estados sofreu ainda uma maior redução a
propósito da proteção dos Direitos do Homem (Recuo do principio da não ingerência
nos assuntos internos do Estado: Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas que
formula a necessidade de proteger, sendo que a soberania do estado implica a proteção
dos direitos humanos, e se isso falhar a comunidade pode intervir. Na prática traz
problemas: intervenção na Líbia, p.e).
Quem são os membros das Nações Unidas? (Artigos 3º a 6º) Todos os que participaram
na conferência (membros originários) e os que aderem posteriormente (membros
admitidos). Qualquer estado pode aderir à Carta, desde que seja amante da paz, que
aceitem as obrigações contidas na Carta e sejam aptos e dispostos a cumprir tais
obrigações (exclui-se os Estados Falhados- não são capazes de ter uma estrutura
suficiente para desenvolver as funções do Estado). Artigo 5º: Podem ser adotadas
medidas preventivas (cautelares) e coercitivas (efetividade de uma sanção) por parte do
Conselho de Segurança, podendo ser suspenso um membro da Assembleia Geral. São
medidas particularmente raras. Artigo 6º: Por violação sistemática dos princípios da
carta pode o membro ser expulso. Nunca ocorreu. A Carta é omissa quanto à
possibilidade de recesso: Na Conferência foi emitida uma declaração sobre o tema,
especificando as circunstâncias em que tal poderia acontecer, sendo o princípio de
recesso aprovado unanimemente. A tendência geral na doutrina é a da admissão do
recesso, mesmo que não se tenham dado as circunstâncias previstas na Conferência de
S. Francisco, o que claramente vai contra o espírito da Carta, pois este tentou limitar o
exercício do recesso.
Órgãos das Nações Unidas

O Conselho de Segurança (23º a 32º) É o órgão dominante45, sob o ponto de vista de


política, segurança e defesa. É um órgão com componente burocrática e aristocrática
(existem 5 membros permanentes com privilégios: Direito de Veto). Artigo: 23º/1: é
reconhecido o governo de Pequim como representativo de toda a China e a Rússia
substitui a URSS no artigo. Existem 5 membros permanentes e 15 não permanentes.
Estes últimos têm mandato limitado por 2 anos- escolhidos atendendo à contribuição
para a segurança e paz internacionais e para outros objetivos; e também a distribuição
geográfica. Artigo 25º: Os membros concordam em aceitar e aplicar as decisões do
Conselho: certas decisões46 são obrigatórias para os Estados Membros. Artigo 27º: Para
questões procedimentais basta uma maioria de 9 membros. Nas questões de caráter
substancial: votados pela maioria de 9 membros, mas têm de incluir o voto afirmativo
dos membros permanentes→a norma foi mudada consuetudinariamente (Será que este
costume se aplica aos Estados que desde o inicio da sua criação objetaram?): para a
aprovação não pode é haver um voto contrário de um dos membros permanentes47. Em

45 Facilmente se percebe visto que as deliberações da Assembleia Geral em questões de importância só podem ser
tomadas após recomendação do Conselho de Segurança.
46 Sanções, Bloqueios, Suspensões, Inibições vinculam a ordem interna portuguesa.
47 A prática de que a abstenção de um dos membros não leva a veto, sendo para isso necessário, o voto negativo,

poderá levar a que, havendo 15 membros, com a abstenção dos 5 membros permanentes seja aprovada uma
deliberação ainda assim (havia 9 votos na mesma). Isso iria claramente contra o espírito da carta.

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Inês Godinho 2019/2020

questões procedimentais fala-se num duplo veto: haveria o risco de os membros para
fugirem ao veto, tratarem de matérias substantivas como procedimentais. E, por isso, o
elenco de matérias da ordem procedimental pode ser vetado pelos membros
permanentes.

Conselho de Tutela tem os poderes praticamente esvaziados porque já não existem


países sobre tutela;

Secretariado: é dirigido pelo Secretário Geral (que representa as Nações Unidas),


tendo bastante relevância: é o rosto personificado das Nações Unidas, pode convocar o
Conselho de Segurança. O costume leva ao facto de “independizar o Secretário Geral”
do Secretariado.

Assembleia Geral (artigo 9º a 22º): é constituída por todos os Estados membros e cada
Estado membro tem um direito de voto, mas pode ter vários representantes (máximo
5). Fórum de discussão e debate e pode fazer recomendações (em forma de resolução
e não tem efeito jurídico). Problematização: A aceitação repetida e consistente do valor
normativo das recomendações relacionados com a descolonização pode ser encarado
como a criação de um costume?
Exceções: Em caso de bloqueio do Conselho de Segurança pode haver o precedente do
caso de Suarez, no qual a Assembleia assume em mão a quebra do bloqueio do Conselho
de Segurança.
Como se tomam as deliberações (Artigo 18º)? Em questões da Assembleia de
importância a votação é de maioria de 2/3. As decisões sobre outras questões, inclusive
aquelas que pretendam incluir matérias nas “questões de importância” são tomadas
pela maioria dos membros presentes e votantes (só contam os votos afirmativos ou
negativos, ficando de fora as abstenções).

Tribunal Internacional de Justiça

Conselho Económico e Social


Nenhum Estado vai permitir que as suas forças armadas vai permitir como força para a
canhão. Mesmo que permita, as forças vão estar sobre o seu comando e não da ONU.
Uso da Força
Nações Unidas atuam em pequenos cortes de localização para a manutenção da paz.
Então como é que é estabelecido o regime geral do uso da força? O artigo 2º/3 e 4
apresentam o princípio de que os estados não podem recorrer à ameaça ou fazer o uso
da força, devendo resolver as controvérsias internacionais por meios pacíficos. O artigo
51º apresenta a exceção a este princípio, ao permitir o uso da força em casos de legitima
defesa. Contudo importa ter em conta que a legitima defesa terá de ser exercida com
respeito pelo princípio da proporcionalidade e, apesar da exigência de “ataque armado”
poderá ser feita de forma preventiva. O Direito de legitima defesa surge como um direito
transitório e subsidiário dos Estados Membros, pois apenas poderá ser exercido até ao
momento em que o Conselho de Segurança tomar as medidas necessárias destinadas à
39
Inês Godinho 2019/2020

restituição da paz e da segurança. Para além desse requisito de transitoriedade, o Estado


tem de se defender de um ataque armado e dar a conhecer de imediato ao Conselho de
Segurança as medidas que tiver adotado no exercício do seu direito. A expressão
“legitima defesa individual ou coletiva” refere-se à defesa própria e alheia, isto é, à ação
de um Estado que, sem ele próprio ser atacado, corre em auxílio de outro Estado, que é
vítima de uma agressão48.
As coisas no tocante da legitima defesa internacional não se desenvolvem de forma igual
ao direito penal, pois a distância entre os Estados pode não permitir uma reação atual
ou imediata de defesa. Dois casos exemplificativos Invasão das Maldivas; Invasão do
Afeganistão pelos EUA. Então, a temporalidade depende da situação no caso concreto.
Realidades subjacentes ao uso da força e que excedem a Carta49:
➔ Legitima Defesa Preventiva (Já foi feito: guerra dos 6 dias Egito e Israel-1967, é
provado que o ataque estava iminente e, portanto, Israel não foi condenado
pelo Conselho de Segurança, apenas exigiu que Israel retirasse as suas tropas
dos territórios ocupados, o que o Estado não fez logo): é possível? A carta não
cobre esta situação no seu artigo 51º.
➔ Acordos Regionais: Pode solicitar a uma organização coletiva de defesa para
intervenção (NATO na Bósnia). Dá uma autorização a essas entidades, tendo
esta que ser prévia à consumação do ato (Ex. NATO na Sérvia: houve muitos
massacres. A NATO decide invadir a servia e bombardear o país, matando
bastantes civil. Não estava abrigada pela Carta e então pede ao Conselho de
Segurança para ratificar a intervenção: contra a carta, pois esta fala em
aprovação e não ratificação).
Direito ao Uso da Força- Ver livro Blanco Morais, publicado pela Maria…
Multiplicam-se situações em que o uso da força ocorre à margem da Carta sem que haja
alguma consequência jurídica→Surgem 2 conceções:

• Elencam todas as situações que ocorrem e consideram que são violações das
Nações Unidas. Mas ao mesmo tempo dizem que a Carta é a base fundamental
e que os instrumentos que a Carta nos dá são atuais e chegam para resolver estes
problemas;
• BM: O regime da Carta foi estabelecido pela ordem jurídica do pós 2º guerra,
mas atualmente a realidade mudou, pois, as potências vencedoras da guerra
confrontam-se com problemas no seu poder geopolítico e surgem novos autores
internacionais. Todas as situações relativas ao uso da força devem ser
repensadas.
Pós 2ºGuerra Mundial:

48 Reveste a forma dos pactos de defesa coletiva: Pacto do Atlântico e Pacto de Varsóvia (quando existia).
49 Relevância das intervenções humanitárias e das operações de paz das Nações Unidas.

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Inês Godinho 2019/2020

→Mundo Bipolar: NATO e Pacto de Varsóvia. A ordem internacional foi garantida pelas
armas nucleares, e, portanto, os conflitos foram demovidos pela existência nas duas
partes de armas nucleares. Durante este período o que se verifica que as guerras entre
os blocos passaram a ser periféricas, noutro países.
→Após a queda do muro de Berlim: passamos a ter um direito precário com um Mundo
Unipolar (EUA e seus aliados). Há quem defenda que se tinha chegado a uma paz
perpétua. Essa ideia termina com o Caso da Somália: as Nações Unidas intervém, sendo
os EUA a intervir, tendo um objetivo filantrópico, não económico ou ideológico. Guerra
da Jugoslávia e outros conflitos, sem que tivesse havido uma intervenção das Nações
Unidas que pudessem garantir a paz.
→Unilateralismo Multipolar: Ocorre a partir da crise nos EUA, tendo a nova força
política considerado a retirada das forças americanas dos territórios. Começa o
movimento das Primaveras Árabes, mas as intervenções indiretas motivaram diversos
conflitos (Síria, Egito) e caos a nível internacional (refugiados, terrorismo). Esta situação
é criada pelo Ocidente, e dá origem à intervenção de várias potências internacionais
(arabia saudita, Iraque, Rússia na Ucrânica-Crimeira, Síria). Estas intervenções não
tiveram a autorização das Nações Unidas: surge uma anarquia internacional, tal como
no anterior da 1º guerra mundial, onde o uso da força essa corrente e não contestado.
Em fase disto, começam a surgir situações que merecem enquadramento jurídico, mas
que estão mal-enquadradas: represálias e retaliações, que se multiplicam e na sua quase
totalidade ficam impunes. Quanto à legitima defesa: é legitima a preventiva? As Nações
Unidas nunca criticaram a ação preventiva de Israel. O TIJ não a exclui, mas considerou
que não existem razões para ser convocada. Caso Caroline: tem sido o paradigma da
defesa da legitima defesa preventiva: ocorreu na fronteira dos EUA e Canadá, mal os
EUA se tornam independentes, havia um navio americano utilizado por rebeldes
independentistas canadianos que desempenha ataques armados à Britânica. Um dia os
britânicos entraram no território americano abatendo o navio, afirmando que era uma
defesa preventiva, para impedir mais ataques desse navio. Quando a pessoa que vai ser
atacada não dispõe nenhum outro meio para evitar o ataque é que pode ser considerado
legitima defesa preventiva: o navio não estava pronto a ataque. Face a um ataque
iminente devidamente comprovado, sem ter outros meios para se defender, o Estado
pode fazer um ataque armado preventivo.
Não há uma afeição à admissibilidade da legitima defesa preventiva, pois não está
permitido na Carta. Outros consideram que o artigo 51º nos consegue mostrar isso.
O Tribunal Internacional de Justiça quando se manifestou também não excluiu a
hipótese de legitima defesa preventiva, só considerou que os requisitos não se
encontravam presentes. Caso de Reator Nuclear e Caso do Iraque.
A legitima defesa preventiva nunca foi disciplinada ou estabelecida. Faria sentido
discipliná-la pois esta é usada, e muitas vezes abusada. Poder-se-ia no artigo 51º
acrescentar a legitima defesa preventiva com a definição dada no Caso Caroline.

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Inês Godinho 2019/2020

O uso da força para a prevenção de nacionais ameaçados


O Estado onde os nacionais se encontram não tem condições, ou até promove, para
defender a ameaça. Pode acontecer que outro estado agrida outro para salvar esses
nacionais. Cidadãos de um Estado encontram-se noutro e encontram-se sob ameaça. O
Estado dos cidadãos deve ignorar essa situação ou reagir contra o Estado?
Decisão em 1925: Espanha vs. Reino Unido: existe um direito de o Estado proteger os
seus nacionais em perigo e esse, prevalece sobre o respeito de delimitação territorial
dos Estados.
Com a criação da ONU, esta ideia foi esquecida. Mas os Estados invocaram muitas vezes
este direito: Congo, França em Katanga; EUA derruba uma rede de tráfico no Panamá
(utilizam este direito como pretexto do seu fim) - A Assembleia Geral das Nações Unidas
condena este ano, por considerar contrário à carta; Rússia intervém na Geórgia, na
sequência de cidadãos terem sido mortos; Rússia volta a fazer o mesmo para em 2014
invadir a Crimeia, parecendo aqui um pretexto.
Antes e depois da Carta subsiste sempre a ideia de que o uso da força pode ser legitima
no caso de nacionais de um país estarem ameaçados num território. Doutrina determina
requisitos: a invasão tem de ser proporcional; e não pode ser ocupado o território para
além do necessário para retirar os nacionais.
O caso Panamá cria um precedente, sendo esta figura abusada. Por isso, a carta deveria
ser revista para se poder clarificar estas figuras, para se poder condenar os abusos.
Uso da Força por razões humanitárias por responsabilidade de proteger
A Nações Unidas intervieram em situações:

 Timor-Leste (1999-2000) para pôr termo ao massacre dos invasores para anexar
Timor à Indonésia.
 Caso do Haiti, devido a conflitos internos, o poder dissolveu-se e as pessoas ficam
à mercê às milícias armadas, criando uma crise humanitária, tendo a ONU de
intervir para garantir a paz.
O problema é que outros Estados invocam a proteção humanitária para invadir outros
Estados: União Indiana invade o Paquistão; Invasão do Camboja (pró-chinês) pelo
Vietname (pró-soviético).
EUA e Reino Unido criam zonas de proibição aérea no Iraque, sob criação do Conselho
de Segurança. O problema surge com: questão do Ruanda e o que aconteceu na
Jugoslávia (massacres feitos pela Sérvia). Renova-se a ideia da responsabilidade de
certos Estados intervirem para proteger as populações de outros Estados.
O Secretários Geral das Nações Unidas fez um apelo à sociedade internacional. Nunca
houve um critério de responsabilidade dos Estados. Pode ser retirado de uma Cimeira
que reúne os líderes dos Estados Internacionais: houve estados ocidentais que
entenderam que deveria sair uma resolução onde se assumia que os Estados podiam

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invocar essa responsabilidade, contudo, essa resolução foi rejeitada por grande parte
de estados, que consideraram que poderia levar, sob este pretexto, a intervenções
imensas aos Estados. Não houve nenhuma resolução que legitimasse os Estados,
individuais ou em grupo de intervirem. Só se reiterou a competência no âmbito das
Nações Unidas. Valeria a pena que uma alteração à Carta precisasse os termos em que
pode haver uma intervenção por razões humanitárias.
Existe ou não uma obsolescência da Carta em relação ao que é o uso da força?
O uso da força está a ser utilizado pelos Estados à margem da Carta e até mesmo contra
a Carta, e esta mostra-se pouco capaz de responder perante danos dos Estados e de
resolver este problema. Os Estados que violam muitas vezes são condenados, mas não
sancionados. As situações de retaliação são bastante comuns.
Blanco Morais: considera que a Carta está obsoleta, pois regulou o uso da força numa
época diversa da que se observa hoje. Ficar-nos pela legitima defesa que depois é
ignorada pelos Estados. Considerar que a Carta é suficiente para resolver os problemas,
é “pôr a cabeça na areia”. Conformar-nos com isso significa um perigoso regresso a uma
anarquia internacional, o qual esteve na origem da segunda guerra mundial. O sistema
multipolar permite que os conflitos a partir de um certo momento saiam fora do
controlo das grandes potências. As alianças militares são também promotoras de perigo,
pois a NATO avançou para leste, e é perigoso que a aliança tente absorver estados que
têm conflitos territoriais com a Rússia. É perigoso porque o ataque a um Estado significa
a resposta de todos os outros, portanto, um ataque a um sítio num desses países (por
mais insignificante que fosse) levaria ao início de um conflito em grande escala (foi o
que aconteceu na primeira guerra).
Responsabilidade Internacional
(Jorge Miranda)
Sempre que um sujeito de direito internacional viola uma norma ou um dever a que está
adstrito em relação a outro sujeito ou sempre que, por qualquer forma, lhe causa
prejuízo, incorre em responsabilidade: fica constituído um dever específico para com o
lesado.
No âmbito do direito internacional, os Estados e os demais sujeitos de direito
internacional respondem pelos atos ilícitos que pratiquem ou por certos atos lícitos que
lesam direitos e interesses de outros sujeitos. O princípio da responsabilidade
internacional deve ser considerado um princípio de ius cogens.
Especificidades da Responsabilidade Internacional:
➔ Diversidade e complexidade das formas de efetivação, desde a reparação dos
danos a medidas inibitórias e sancionatórias;
➔ A relevância entre as modalidades de reparação dos danos, a par do
ressarcimento, da satisfação (do estado lesado, através do reconhecimento do

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seu direito, do pedido de desculpas, da demissão do titular do órgão ou da


aplicação de sanções aos funcionários e agentes);
➔ Prevalência dos mecanismos diplomáticos sobre os mecanismos jurisdicionais
de efetivação;
➔ A relativa frequência de formas de autotutela como a retorsão (resposta a
violação de interesses por meio de atos lícitos), a represália (reação através de
ato ilícito, seja pacifico ou não pacifico) e a contramedida (ato também ilícito de
não-cumprimento de obrigações internacionais).
➔ Hoje é também uma responsabilidade individual e criminal, assumindo-se
também cada vez mais como uma responsabilidade objetiva (por risco).
Responsabilidade dos Estados
A atuação do Estado poderá assumir diversas configurações: por ação e por omissão;
direta (ação ou omissão dos próprios órgãos ou agentes do Estado)e indireta (ação ou
omissão de órgãos ou agentes de outras entidades públicas- RA, estados federados,
autarquias locais e até particulares); por atos de direito internacional ou regidos pelo
direito internacional e por atos de direito interno; por atos no interior do território e por
atos no território doutro Estado; em tempo de paz e em tempo de guerra ou por causa
da guerra.
A culpa e o dolo dos titulares dos órgãos e dos agentes poderão em certas circunstâncias
interessar para graduar a responsabilidade.
Simples particulares também podem praticar atos que acarretem responsabilidade do
Estado a que pertencem em faze do Estado estrangeiro. É o que acontece tipicamente
havendo motins ou qualquer perturbação pública que afete a representação ou cidadão
do estado estrangeiro, quando as forças de ordem não tenham assegurado a sua defesa.
há uma omissão do Estado geradora de responsabilidade tendo por pressuposto a
atividade ilícita dos particulares.
Ocorrendo rebelião ou insurreição, o Estado responde tanto pelos danos provocados
pelas autoridades constituídas e pelos seus agentes quanto pelos danos provocados
pelos rebeldes e insurretos. Só assim não será se se tratar de danos causados por
rebeldes a estrangeiros cujo Estado lhes haja reconhecido o estatuto de beligerantes.
A imputação de qualquer ação ou omissão faz-se a partir das pessoas físicas que, no
momento da sua prática, possuam efetivo poder de decisão no Estado e que, portanto,
devem ser consideradas titulares dos seus órgãos de vinculação internacional. A
eventual incompetência ou usurpação de funções só será tida em conta para efeitos de
direito internacional.
O lesado pode ser um particular e como não goza de subjetividade internacional, haverá
de obter mediação do Estado por via de proteção diplomática. Contudo, se a agressão
se verificar no âmbito da proteção internacional dos direitos do homem, o estado fica
obrigado a indemnizar o seu cidadão, atuando o individuo diretamente perante
instâncias internacionais.

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A legitima defesa, o consentimento da vítima, a força maior e o estado de necessidade


são causas de exclusão de ilicitude, mas não isentam (salvo a legitima defesa) do dever
de indemnizar.
Responsabilidade Internacional Penal do Individuo
Em 1998 é aprovado em Roma o Estatuto de um Tribunal Penal Internacional de caráter
permanente. Este tem jurisdição sobre crimes de genocídio, crimes contra a
humanidade, os crimes de guerra e o crime de agressão. Um estado que seja parte do
Estatuto, aceita a jurisdição do Tribunal relativamente Àqueles crimes quando as
correspondentes condutas tenham sido cometidas no seu território ou quando sejam
seus cidadãos os acusados da sua prática. Contudo, o tribunal não admite um caso
quando ele seja objeto de inquérito ou de processo no Estado que tenha jurisdição sobre
o mesmo, salvo se este não tiver disposto a levar a fim a investigação ou o processo ou
não mostrar capacidade para o fazer (pretende-se conciliar o principio da jurisdição
como o principio da complementaridade, homologo ao principio da exaustão dos meios
internos no acesso de indivíduos a instâncias internacionais para defesa dos seus
direitos. Tudo se passa como os crimes tivessem uma dupla dimensão: interna e
internacional).
Outras disposições importantes:
➢ Não imunidade dos titulares de cargos políticos, dos chefes militares e dos
superiores hierárquicos;
➢ Não-isenção de responsabilidade criminal dos subordinados, quando as ordem
cumpridas sejam ilegais e quando se trate de genocídio e de crimes contra a
humanidade;
➢ Imprescritibilidade dos crimes;
➢ Obrigações de cooperação dos Estados;
➢ Proibição de reservas ao estatuto, embora admissibilidade de recesso.
➢ Iniciativa do processo a cargo de qualquer Estado parte, do Conselho de
Segurança e do Procurador que funciona junto do Tribunal;
➢ Pena máxima de 30 anos ou prisão perpetua, se extrema gravidade do crime ou
condições do agente o justificarem, com um necessário reexame, ao fim de 25
anos de execução, pelo tribunal.

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