Você está na página 1de 3

Fichamento Detalhado

Ferrajoli, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno. Ed. 1. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Cap. III, pag. 39-53.

Parte 1: Expõe a antinomia entre Estados soberanos e Direito Internacional

Introduz parte de sua tese: a soberania externa que explicou anteriormente teve seu apogeu com as Grandes
Guerras e este também foi seu suicídio. Seu fim é sancionado com a Carta da ONU e pela Declaração Universal dos
Direitos do Homem, com a criação do que Ferrajoli estabelece como Direito Internacional.

Argumenta que são documentos normativos ao transformar o meio selvagem em um meio civil: mesmo a
soberania externa dos Estados agora é limitada pela paz e pelos direitos humanos (desfaz-se a ideia de soberania,
portanto). Há, portanto, um poder normativo superior aos Estados que os impede de agir soberanamente.

Caracteriza a Carta da ONU – o definitivo surgimento do Direito Internacional – como um “contrato social
internacional”, um fático e não apenas matafórico, um acordo entre partes iguais que subordina todos os aderentes.
Partes estas não apenas locais, mas mundiais.

Esclarece parte da tese: em regra, há o fim da soberania, qualquer que seja seu modelo. Há, então, um direito
mundial, em que não apenas os Estados estão sujeitos, mas todos os indivíduos, que são titulares e partes que
precisam ter seus direitos respeitados. Exemplifica-o ao trazer a possibilidade de que, após a Carta da ONU, um
cidadão aja contra seu próprio Estado diante da violação de um direito humano – há então um direito não apenas
mais administrativo, conveniente, mas efetivamente vinculativo (uma jurisprudência internacional).

Por outro lado, argumenta que, na prática, a soberania estatal ainda assombra o Direito Internacional. Isso
porque a própria Carta da ONU reconhece suas partes de “Estados Soberanos” e é fato de que a doutrina
internacionalista é tímida em criar diretrizes e normativas fortes, tímida sob as relações de força que observa na
prática da convivência internacional.

Pensando na teoria das três contradições de Ferrajoli, aqui temos outra: a soberania desapareceu na teoria, mas
não na prática – pelo menos não completamente. As grandes potências ainda coordenam o cenário mundial,
administrando a aplicação do princípio da paz – por exemplo, tolerou sua violação com a Guerra do Golfo. A própria
garantia jurisdicional (o que entendo como aplicação efetiva de sanção, de consequência), é débil quando se trata de
direitos internacionais, a exemplo, traz o autor, do próprio princípio da paz (soberano). Defende, então, que tais
violações são tratáveis como antinomias aos princípios internacionais enquanto a falta de “garantia jurisprudencial”
é “lacuna” a ser preenchida. Esclarece, então, outra vez sua tese: temos um direito internacional (não é um terceiro
ausente), mas não é efetivo (terceiro impotente).

Delineia a contradição: não pode haver soberania onde há direito – é um categoria antijurídica, um
pseudoconceito. Não posso ser limitado quando sou soberano e nem vice-versa.

Contrapõe o desenvolvimento da soberania externa com a resolução da soberania interna: houve o nascimento
do estado constitucional de direito. Um sistema que coordena a si próprio através de mecanismos de validade
intrínsecos que coordenam a forma, conteúdo e o procedimento das normas para sua validade. O único a ser
chamado de soberano, se o for, é a constituição, mas mesmo ela afeta e é afetada.

Conclui e expande tal antinomia – a própria soberania dos Estados é contestável, pois mesmo quando sujeitos de
direito “soberanos” também temos pontos problemáticos. No plano político, além do plano ineficaz jurídico, os
Estados são efetivamente desiguais – ainda vale, apesar do Direito Internacional e suas proposições, a lei do mais
forte, garantida pela própria “soberania dos estados”. O autor conclui, portanto, que entrou em crise não só o
sistema, mas o próprio sujeito: não há mais o “Estado nacional unitário e independente” – é necessário, portanto,
repensá-las.

Parte 2: Explica porque o direito internacional é factível

Depois de expor o problema, Ferrajoli propõe soluções. Propõe então repensar o direito internacional como
pensou-se o direito constitucional interno dos Estados, garantindo-o como fonte de direitos e obrigações
factualmente.
Rebate o argumento de tal proposta serial inviável, irreal. É fato, por exemplo, que a humanidade teve sua gama
de destruição majorada – conflitos étnicos internos, armas nucleares – e, portanto, o equilíbrio internacional é
precário. Mas, mesmo assim, ainda é mais factível ainda que somos um mundo globalizado, de partes que se
conectam em uma verdadeira aldeia global.

Argumenta Ferrajoli então que esses fatores demonstram que um direito internacional nunca foi tão necessário,
urgente, e concretizável. Antes, essa independência sempre se justificou pela necessidade de lidar com inimigos
externos, mas essa mesma liberdade permitiu que fosse difícil manter um panorama internacional instável,
intolerável diante de ordenamentos internos que prezam pelos princípios da igualdade e da democracia.

Apresenta então a dupla crise do Estado: por cima, organizações supra-estatais tem tomado cada vez mais o
controle das atividades comerciais internacionais que afetam inerentemente as funções que tornaram outrora o
Estado em si necessário (a regulação do comércio, da guerra, da financeirização econômica organizada); por baixo,
por outro lado, pela dificuldade crescente que muitos países sentem em manter-se unificado perante a
internacionalização das perspectivas étnicas internas.

O autor aprofunda a segunda hipótese – a crise do Estado, pela própria arbitrariedade deste em definir suas
fronteiras. O conceito de nação é subjugado pelo Estado – uma identificação artificial que hoje é a égide de sua
ruína.

Sobre a primeira hipótese, o autor argumenta que o Estado se tornou pequeno demais para coisas grandes e
grande demais para coisas pequenas. É grande demais, por exemplo, para os conflitos étnicos locais, mas ao mesmo
tempo pequeno demais para coordenar a globalização econômica que inerentemente assistimos.

Nesse sentido, conclui Ferrajoli, não há outra saída para resolver essa crise do que o direito internacional, uma
organização superior – não haverá planejamento futuro, necessário à nossa sobrevivência, ou a verdadeira
afirmação de nossos princípios (do qual, aliás, de acordo comigo, nos orgulhamos): a segurança, a igualdade, a
isonomia e a sustentabilidade. Isso em um mundo onde não só os problemas se globalizaram, mas as relações
também. Relações estas que delimitam a riqueza, a sustentabilidade do indivíduo, de cada vez mais artificial (e que,
portanto, precisa ser coordenada).

Esclarece, então, que a juridicização do panorama internacional apoiaria a comunidade mundial em sua intrínseca
“razão artificial” para criar um mundo baseado não no Estado Nacional, mas na autonomia dos povos ( e sua
autodeterminação). Basicamente, portanto, a ideia de Farrajoli seria criar um “constitucionalismo internacional”,
representativo e democrático.

Parte 3: Estrutura seu constitucionalismo internacional

Para se iniciar o processo, Ferrajoli argumenta que o constitucionalismo só poderá ser uma realidade caso se
desloque não apenas os princípios, mas as formas de legitimação das normas. O Direito Internacional, nesse sentido,
seria o que garantiria as próprias garantias.

Introduz o argumento de que o panorama de Vitória na verdade tem uma atualidade irônica. Nos próximos
parágrafos, demonstrará que, para sua teoria se tornar prática, algumas “lições” precisam ser trazidas de volta de
Vitória.

Primeiro, conquanto a hipótese de que o sujeito de direito desse constitucionalismo sejam a humanidade em si,
com a falta das garantias reconhecida como lacuna a ser preenchida pelo “legislador” centralizado (ONU). Nesse
caso, seria uma limitação efetiva dos estados à violação da paz, externamente, e dos direitos humanos,
internamente.

Ilustra, por exemplo, que uma mudança dessa monta significaria ampliar o poder da Corte Internacional de
Justiça de Haia através de algumas inovações: ampliar sua competência à assuntos de paz e sobre os direitos
humanos como um todo; tornar sua jurisdição obrigatória, mesmo sob preventiva aceitação dos estados; reconhecer
a legitimidade dos indivíduos como sujeitos de ação perante a corte, ou pelo menos de organizações independentes
que se disponham a atuar em nome dos direitos humanos; e introduzir a responsabilização pessoal dos governantes
quando se trata de crimes ao direito internacional (sistematizar, também, para isso, um Código Penal Internacional).
Segundo, conquanto a proibição das guerras que Vitória considerava como “nocivas a humanidade” e que hoje
caracterizam todas as guerras. Para evita-las, Ferrajoli propõe a criação de uma polícia internacional e a conferência,
à Corte Internacional, de competência para resolver e desencorajar tais conflitos. Elaborar convenções e resoluções,
da mesma forma, para desarmar os estados membros da corte e tornar armar sumariamente bens ilícitos, tais como
se fazem ao redor do mundo com os entorpecentes. Seria necessário, então, uma dupla ação: armar a ONU e
desarmar os Estados – uma atitude que proporcione o menor armamento possível para ambos.

Terceiro, conquanto ao direito dos povos o qual Vitória anunciava para os conquistadores e que hoje deveria ser
reconhecido para todos os povos do mundo. Isso significaria criar o dever de reconhecer e respeitar o direito de
migrar e se tornar cidadãos de onde cada indivíduo quiser, pois somos todos humanos e dotados de “direitos
naturais”. Perpassaria essa perspectiva também a ação já dita anteriormente de subverter a lógica que tornou a
soberania externa absoluta – os direitos dos homens são da humanidade e cada um de seus indivíduos, e não apenas
dever de cada estado para com aquele legitimado como seu cidadão.

Por último, reafirma o reconhecimento de Vitória (e dos jusnaturalistas) de que o direito moderno é, antes de
tudo, artificial, fruto de uma perspectiva e interesses dominantes, da luta dos homens para se afirmar como tal e dos
filósofos e juristas de explica-los e teoriza-los. Significa que o que irá para esse direito e o que ele gerará é fruto do
que nós decidirmos.

Reconhece, então, que o desfecho que propõe, a colocação de sua proposta em prática, não é o mais provável de
acontecer. Cita alguns exemplos, como a perda de poder da ONU perante os Estados mais fortes nas crises
internacionais e na, com o fim dos blocos, ação cada vez mais relevante das políticas de poder. Mantém, porém,
certo otimismo: é possível desenhar essa solução, se pensarmos que o direito quem faz são os homens e estes têm o
poder de fazê-lo. Da mesma forma, argumenta o autor, violações não significam a volubilidade das normas, mas
violações a serem denunciadas e condenadas.

Da mesma forma, a ação da filosofia jurídica e a cultura jurídica tem papel chave nesse desenvolvimento,
racionalizando perspectivas contrárias e diferentes de tal forma que possamos pensar em um corpo para o direito
internacional positivo, tal como o foi para os estados constitucionais de direito e suas democracias.

E a racionalidade, argumenta o autor, que se interpõe cada vez mais nos ordenamentos internos dos países, já se
colocam como uma constituição embrionária do mundo. São valores – a paz, os direitos fundamentais – que são
incorporados como efetivas fontes de legitimação, ao lado das fontes de produção. De tal forma, conclui Ferrajoli, o
juspositivismo constitucional desempenha o papel condicionante de racionalidade e normalização que antes era
ocupado pelo jusnaturalismo.

Reafirma sua tese como necessária e atual, considerando que apenas discutir sua validade sob a perspectiva do
princípio da efetividade é um erro. Isso porque, explica Ferrajoli, vivemos não entre realidade e teoria, mas entre
dois tipos de realismo: o realismo a curto prazo e o a longo prazo. Quer dizer que é tão longínqua a perspectiva de
adesão de sua proposta quanto da sobrevivência do esquema em que vivemos sem essa mesma adesão.

Da mesma forma, atenta o autor à sua própria teoria, é difícil mensurar se a proposta conseguirá de fato, na
prática, agir a tempo do desastre que a soberania sem limites está destinada a acarretar. Se, por exemplo, a reação
dos oprimidos inflamará catástrofes destrutivas ou se os países conseguirão pensar além de si próprios e ajudar os
atrasados a se desenvolver e, assim, conseguir dirimir as diferenças que tornam os atuais ricos muito mais desejosos
que os pobres para se viver – a livre circulação de pessoas, assim, poderá ser uma realidade. É um futuro, explica
Ferrajoli, distante, mas que sempre começa de algum lugar. Ao mesmo tempo, por fim, relembra, ao comparar o
plano externo com o plano interno, que o estado constitucional de direito e suas democracias só vieram após muita
discussão e luta – “seria irracional pensar que o mesmo não acontecerá com o direito internacional e não nos
empenharmos na parte que nos cabe”.

Você também pode gostar