Você está na página 1de 23

Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa

Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas


Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

1ª Parte: Conceitos fundamentais da Teoria Geral do Processo

1. Litígio

1. É um conflito de interesse que nasce no âmbito de uma relação jurídica base. Esta
relação jurídica, por sua vez, ou foi desenvolvida involuntariamente, através da ocorrência de
um facto com relevância jurídica; ou foi desenvolvida de forma voluntária, através da prática
de um ato jurídico, por exemplo, a celebração de um contrato. Quando, no âmbito dessa
relação jurídica, uma das partes demonstra uma vontade, uma pretensão, e a outra parte
resiste a que esta pretensão seja realizada, estamos perante um conflito.

Há muitas razões para resistir a uma pretensão.

A parte resiste, eventualmente, porque tem dúvidas sobre a titularidade do direito


arrogado, ou porque considera que um qualquer ato seu não esteve na origem da alegada
violação (ou ameaça de violação) de uma posição jurídica subjetiva do autor; ou,
simplesmente, porque existem circunstâncias que, se consideradas, enfraquecem o pedido
inicial ou fazem mesmo desaparecer o fundamento desse mesmo pedido.

Portanto, quando existe, por um lado, pretensão, e, por outro, resistência a que esta
pretensão seja realizada, há verdadeiramente um conflito.

Mas nem todo conflito de interesse dá lugar a um litígio.

Só existe litígio quando a pretensão é levada a tribunal através de uma ação judicial.
E existe litígio ainda que o réu, no âmbito dessa ação judicial, seja chamado para se defender
e não apresente contestação ou não se recuse a satisfazer a pretensão1.

Para que o litígio possa ser discutido judicialmente é preciso que tenha havido essa
resistência prévia na satisfação do interesse. É a existência dessa resistência - ou mesmo a

1 José
Lebre de Freitas. Introdução ao Processo Civil. Conceitos e princípios gerais à luz do Código revisto. Coimbra: Coimbra
Editora, 1996, p. 50.

1
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

inevitabilidade da ação judicial para alcançar um determinado fim - que será fundamental
para a propositura da ação e o desenvolvimento regular do processo.

É, portanto, a partir da noção de litígio que se estrutura todo o processo judicial e


emergem outras noções igualmente importantes em torno das partes e do objeto do
processo2.

2. Aquele que oferece a pretensão e aquele que a ela resiste são as partes no processo:
a primeira, é a parte autora ou parte demandante; a segunda é a parte ré ou a parte demandada.
São as partes que pedem ao tribunal que analise as suas perspectivas, as suas “versões da
história” e os fundamentos das respetivas posições no litígio. É claro que esse pedido tem
que ser sustentado não apenas em alegações, mas também em provas.

2. A proibição da autotutela ou da autodefesa

1. A proibição da autotutela ou da autodefesa está prevista no artigo 1º do Código de


Processo Civil, nos termos do qual “a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar
ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei”.

Sempre que exista um conflito de interesse, e ainda que não tenha havido a iniciativa
de resolvê-lo submetendo a questão a um tribunal, um dos sujeitos não pode impor ao outro
a solução da controvérsia3: os sujeitos envolvidos não podem realizar a justiça com as suas
“próprias mãos”, de acordo com as suas próprias conceções de justiça. Isto como regra.

Por outras palavras, ainda que uma pessoa tenha tido um bem jurídico seu ameaçado
ou agredido, esta pessoa não pode impor autoritária e unilateralmente uma consequência
negativa ao seu opositor, pois esta reação assentaria, verdadeiramente, na vontade de defender
um interesse próprio, podendo esta vontade estar “cega” face às razões do outro, ou ser
imposta de forma desmedida, desproporcional.

É que a reparação de um dano sofrido, o reconhecimento da existência de um direito


ou a constituição de uma determinada posição de vantagem à luz das regras jurídicas vigentes

2 Wladimir Brito. Teoria Geral do Processo. Coimbra: Almedina, 2020, p. 21.


3 Idem, ibidem, p. 33.

2
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

devem ser realizadas de forma equitativa, ponderada, equilibrada, para que a resposta não
exceda determinados limites e viole, ilicitamente, a esfera jurídica do infrator.

Aquele que está diretamente envolvido no litígio, que se sente injustiçado, não é capaz
de ponderar as razões apresentadas pela contraparte e, por vezes, nem é capaz de ter a inteira
perceção de todo o cenário onde se desenvolve a disputa pelo bem jurídico.

O interessado não consegue ter o distanciamento desejável para julgar o litígio de


forma adequada, sem qualquer tipo de paixão face ao tema em debate. Somente um terceiro
imparcial - que é o juiz ou o tribunal no âmbito de uma ação judicial - pode posicionar-se
num ponto equidistante entre as partes para, com a isenção necessária, dizer quem tem razão.

2. Como se disse, a proibição da autotutela é a regra, e é sobre esta trave mestre que
está estruturado os sistemas jurídicos modernos4. Mas há exceções à regra, pois,
excepcionalmente, o ordenamento jurídico permite, em situações muito particulares, o
exercício da autotutela.

É o caso, por exemplo, da ação direta, da legítima defesa e do estado de necessidade,


reguladas, respectivamente, nos artigos 336.º, 337.º e 339.º do Código Civil5.

Com efeito, e a título de exemplo, o interessado pode recorrer ao uso da força, ou


seja, à ação direta, desde que sejam observados os seguintes requisitos: a) ser impossível
recorrer aos meios coercivos normais em tempo útil: por exemplo, reportar a situação a uma
autoridade policial, levar a situação a um tribunal; b) evitar a inutilização prática do direito a
ser defendido; c) realizar a ação direta nos termos estritamente necessários para a defesa do
direito; d) não haver, através da ação direta, o sacrifício de interesses superiores.

4 António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (et. al). Código de Processo Civil
Anotado. Vol. 1 (Parte Geral e Processo de Declaração – artigos 1.º a 702º. 2ª Edição. Coimbra: Almedina, 2020,
p. 15.
5 Francisco Ferreira de Almeida elucida-nos com outros exemplos, todos retirados do Código Civil, tais como

a ação direta especial prevista nos artigos 1277º (possuidor perturbado ou esbulhado na sua posse), 1314º
(defesa da propriedade), 1315º (defesa de qualquer direito real). Além desses, o nº 1 do artigo 428º (exceção de
não cumprimento do contrato), o artigo 754º e ss. (direito de retenção), o artigo 831º (cessão dos bens a
credores), o artigo 847º (a declaração de compensação), o artigo 1366º (o arranque e corte das raízes e do tronco
ou ramos de árvores pelo proprietário do prédio vizinho). Cf. Francisco Ferreira de Almeida. Direito Processual
Civil. Vol. 1. Coimbra:Almedina, 2019, p.

3
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

Reunidas estas condições, e de forma excepcional, é lícita a ação direta, ou seja, o


recurso à força. Isto não impede, todavia, que a questão seja levada a tribunal, nomeadamente
para questionar a licitude da autotutela.

Em tribunal, por exemplo, ficou reconhecido tratar-se de uma atuação lícita, ao


abrigo da ação direta, aquela empreendida por uma pessoa que, ao ver a cabra do vizinho
entrar em sua propriedade - um terreno vedado – e arrasar árvores e videiras, resolve desferir
um tiro de espingarda no animal, depois de várias tentativas de tirá-lo do terreno, e isto para
evitar mais danos. Neste caso, ficou demonstrado que os danos causados na propriedade
tinham mais ou menos o valor do animal6.

Imaginemos outro exemplo.

Uma pessoa sai em viagem e ao chegar se apercebe que foi erguida uma construção,
ainda que com aspecto provisório, em frente à porta da sua moradia que a impede de entrar
sem passar pela propriedade de outra pessoa. O direito de propriedade impede que pessoas
não autorizadas tenham acesso e transitem pela propriedade imobiliária de outrem, mas essa
passagem, tendo em conta as circunstâncias, será admitida pela via da ação direta. Aliás, em
situações semelhantes o ordenamento jurídico reconhece expressamente o direito de
passagem forçada momentânea, independentemente de autorização judicial, nos termos do
artigo 1349.º do Código Civil, nomeadamente quando a passagem for necessária para levantar
um andaime para proceder ao reparo de algum edifício ou construção.

Ora, o direito de entrar em casa não pode esperar pela propositura de uma ação
judicial para a tutela de direitos ou interesses legítimos, mas isto não impede que se intente
uma ação judicial posteriormente para discutir a licitude da construção do prédio ou mesmo
para que sejam discutidas soluções que passem pela servidão de passagem, nos termos dos
arigos 1543º e seguintes do Código Civil.

6 TRC, 1999, BMJ, 490º-326. Considerando a tutela jurídica conferida hoje aos animais, nomeadamente através
da Lei nº 8/2017, de 3 de março, se o caso concreto fosse apreciado nos dias de hoje muito provavelmente o
seu desfecho seria diferente ou, não sendo diferente, o tribunal certamente ponderaria outras questões.

4
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

3. Autocomposição x heterocomposição

1. Autocomposição é diferente da autotutela. A autocomposição é a solução do


conflito de interesses através de um entendimento entre os sujeitos, e este entendimento é
possível desde que a controvérsia diga respeito a interesse de natureza patrimonial ou, pelo
menos, desde que as partes possam dispor sobre o direito controvertido.

Aqui as partes agem com autonomia, ou seja, escolhem a melhor forma de ultrapassar
o diferendo, e a solução é construída através da renúncia propriamente à pretensão ou
mesmo através da celebração de um acordo. Tratando-se de um acordo, o que aqui está
subjacente é a ideia de que cada uma das partes deve ceder para encontrar uma solução
equilibrada a fim de colocar um ponto final na querela.

Nada impede, na autocomposição, que outras pessoas participem como auxiliares


nesse acordo. Significa dizer que é possível, à luz ainda da ideia de autocomposição, que
outras pessoas - estranhas ao conflito - sejam chamadas para facilitar o diálogo em torno da
solução do conflito, como, por exemplo, advogados, conciliadores, mediadores.

A autocomposição pode evitar que os sujeitos desavindos intentem uma ação judicial,
mas também pode ser uma forma de ultrapassar o conflito quando já exista uma ação judicial,
ou seja, quando já exista um processo instaurado. Quando exista uma ação judicial em curso,
o ato de disposição do direito ou do interesse reclamado, através da renúncia ou do acordo,
põe fim ao litígio ou torna as suas dimensões mais reduzidas. Este ato é também designado
de transação.

A transação é uma causa de extinção da instância, nos termos da al. d) do artigo 277.º
do Código de Processo Civil, ou seja, é uma causa de extinção da relação jurídica processual,
de extinção do próprio processo judicial.

2. Por outro lado, na heterocomposição, a solução do litígio é ditada, é imposta, por


uma pessoa estranha ao litígio. Um terceiro imparcial, que se situa numa posição equidistante
das partes e garante a paridade de armas no processo.

A decisão tomada por um tribunal judicial é uma decisão que determina a


heterocomposição do litígio.

5
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

4. Função jurisdicional

1. O tema da heterocomposição está intimamente ligado ao exercício da função


jurisdicional. Jurisdição vem do latim jurisdictio (ius + dicere), dizer o direito.

O Estado, através dos tribunais, tem o monopólio da função jurisdicional, ou seja, a


função de dizer o direito. São os tribunais que, através das suas decisões, dizem quem tem
razão num determinado litígio e à luz de um conjunto de regras e princípios que dão forma
ao sistema jurídico aplicável internamente.

No exercício desse monopólio, os tribunais apresentam-se como órgão de soberania


para a realização de uma típica função do Estado que é a função jurisdicional, donde resulta
a proibição da autotutela ou da autodefesa, uma característica estruturadora, como já vimos,
dos sistemas jurídicos ocidentais modernos.

2. O Estado Moderno rompeu com as conceções antigas da Idade Média e que


estavam muito ligadas ao sistema de vinganças, das leis de Talião, do olho por olho dente
por dente, ou seja, à ideia da autotutela, da justiça pelas próprias mãos. Mas ao proibir a
autotutela, o Estado monopolizou o poder de dizer o direito.

Este poder está previsto no nº 1 do artigo 202º da Constituição Portuguesa, segundo


o qual “os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça
em nome do povo”.

Contudo, não existe aqui um poder absoluto. Este poder pode ser delegado. Com
efeito, nos termos do nº 4 do artigo 202º da Constituição, “a lei poderá institucionalizar
instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.”

A lei efetivamente consagrou um sistema de resolução alternativa de conflitos,


permitindo que os interessados recorram a tribunais arbitrais, à mediação, à justiça de paz.
Tudo isto será objeto de estudo nos próximos capítulos. Por ora, é importante reter a ideia
de que existe o monopólio do poder jurisdicional do Estado pelos tribunais, e esse poder é
delegado na forma de instrumentos institucionalizados previstos em lei.

6
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

5. Função do Direito Processual Civil (autonomia e subsidiariedade)

1. Uma vez que já se tem uma ideia de como é estruturado o sistema de composição
de litígios no sistema jurídico português, é importante dizer que o Direito Processual Civil é
fundamental para que este sistema funcione.

O Direito Processual Civil regulamenta a atividade desenvolvida nos tribunais


judiciais e apresenta duas funções7, evidenciando a sua instrumentalidade e interdependência
funcional8:

i. A tutela do direito objetivo, ou seja, a tutela de um conjunto de normas e regras


vigentes que dá corpo ao ordenamento jurídico, protegendo, assim, a integridade
desse mesmo conjunto de normas.

ii. A tutela das situações jurídicas substantivas - dos direitos subjetivos (lato sensu) e dos
interesses legalmente protegidos; ou seja, a tutela da prerrogativa conferida pelo
ordenamento jurídico a um indivíduo (a título individual ou coletivo) para que
este peça o cumprimento, através de meios judiciais próprios, de uma
determinada norma jurídica que lhe possa ser aplicada. Ex.: direito de cobrar um
valor em dívida em tribunal; de pedir uma indemnização.

2. O Direito Processual Civil tem natureza de direito público, considerando a sua


estreita ligação com a função jurisdicional9, e isto porque, segundo o critério da posição dos
sujeitos, o tribunal (na relação jurídica processual) ocupa uma posição de poder (ius imperii),
colocando as partes num plano distinto, inferior. Isto não significa, contudo, que o Direito
Processual Civil não seja sensível à autonomia das partes, pese embora a natureza pública do
processo implique restrições a essa autonomia.

Para que seja possível começar a entender, por um lado, a relação entre o direito
substantivo (material) e o direito adjetivo (processual), e, por outro, a natureza jurídica do

7 Rita Lobo Xavier; Inês Folhadela; Gonçalo Andrade e Castro. Elementos de Direito Processual Civil. Teoria Geral,
Princípios e Pressupostos. 2ª Edição. Porto: Universidade Católica Editora, 2018, p. 44.
8 João de Castro Mendes; Miguel Teixeira de Sousa. Manual de Processo Civil. Volume I. Lisboa: AAFDL, 2022,

p. 10.
9 João de Castro Mendes; Miguel Teixeira de Sousa. Manual de Processo Civil. …cit.., p. 9.

7
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

Direito Processual Civil, é absolutamente esclarecedora a seguinte passagem da lição de João


de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa:

“O objeto do processo pode ser um «assunto das partes», mas a administração


da justiça ‘em nome do povo’ (artigo 202.º, n.º 1, CRP) não pode deixar de ser
um «assunto de todos»”10

6. Direito de ação

1. Todos têm direito a recorrer aos tribunais para a defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos. É esta a primeira ideia que decorre do direito de ação.

Trata-se de um verdadeiro direito subjetivo de levar uma qualquer pretensão ao


conhecimento do órgão judicial, e está previsto no n.º 2 do artigo 2º, do Código de Processo
Civil, segundo o qual: “a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário,
corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação
dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o
efeito útil da ação”11.

E não basta o acesso aos tribunais através da ação, é preciso que a resposta seja célere,
seja útil para pacificar o conflito definitivamente e que a decisão seja verdadeiramente
cumprida. Ora, esses objetivos estão descritos na lei, nos termos do nº 1 do artigo 2º do
CPC, da seguinte forma: “a proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter,
em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão
regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”.

2. O direito de ação não quer dizer o direito a obter uma decisão favorável.

O direito de ação concretiza-se no direito de obter uma decisão conforme o direito,


e isto porque, pese embora as partes, através de uma série de atos processuais, apresentem
alegações e provas para a demonstração dos factos que sustentem as respetivas teses jurídicas,
a verdade é que, nos termos do nº 3 do artigo 5º do Código de Processo Civil: “o juiz não

10 João de Castro Mendes; Miguel Teixeira de Sousa. Manual de Processo Civil. …cit., p. 79.
11 Note-se que este preceito, por outras palavras, relaciona o direito de ação com o recurso às ações declarativas
(declarativas stricto sensu, condenatórias e constitutivas), executivas ou procedimentos cautelares (típicos e
atípicos).

8
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das
regras de direito”.

Mantém o direito de ação aquele que apresenta uma pretensão em tribunal que, ao
final, se mostre infundada, sem justificativa no direito, traduzindo-se, assim, o resultado da
ação numa improcedência ou numa absolvição do réu da instância12.

Esta amplitude conferida pela lei ao direito de ação não abrange os casos em que
exista abuso do próprio direito de ação, litigância de má-fé ou simulação.

Por exemplo, não está protegido pelo direito de ação a pretensão que é levada a
tribunal com manifesta falta de fundamento no direito ou pressupondo factos inverídicos,
inexistentes ou omitidos. Isto porque o legislador considera como litigante de má-fé aquele
que “tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar,” ou aquele
que “tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa”,
nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 542º do CPC. Estas e outras situações que
dão corpo ao chamado “uso anormal do processo” serão analisadas nas aulas seguintes.

3. O direito de ação tem expressão constitucional: artigo 20º da CRP. Este direito
fundamental será objeto de tratamento próprio posteriormente.

7. Direito ao processo – Direito à decisão fundamentada; direito à execução

1. Existe um verdadeiro direito ao processo, que é autónomo ao direito de ação, mas,


para compreender bem a distinção, é importante saber o que é um processo judicial.

Processo vem do latim procedere e transmite uma ideia de uma progressão orientada
para um determinado fim. Uma progressão dinâmica13, que pressupõe o seu desenvolvimento
durante um determinado tempo e de forma orientada14. É uma série de atos jurídicos
articulados entre si, realizados de forma ordenada, em sucessivas fases15, ao longo de um

12 António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (et. al). Código de Processo Civil
Anotado… cit., p. 17.
13 Wladimir Brito. Teoria Geral do Processo. … cit., p. 198.
14 Rita Lobo Xavier; Inês Folhadela; Gonçalo Andrade e Castro. Elementos de Direito Processual Civil. …, cit., p.

45.
15 Por exemplo, o Processo Declarativo Comum contempla as seguintes fases processuais: a fase dos

articulados, da gestão inicial do processo e da audiência prévia, da instrução processual, da audiência final e da
sentença.

9
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

determinado tempo, com o objetivo de proteger jurídica e jurisdicionalmente direitos


subjetivos (na sua aceção mais ampla).

Através do processo são reunidas todas as condições para que seja observado o
direito no caso concreto, para que o juiz, no final da discussão da matéria de facto e de direito,
diga quem tem razão e ponha fim ao litígio.

2. Na prática forense, contudo, o termo processo é utilizado genericamente também


para identificar os autos processuais, ou seja, o suporte escrito de tudo o que é produzido ao
longo do processo. Mas também é utilizado, por vezes, como sinônimo de ação judicial, de
pretensão ou de litígio. Por exemplo:

- A entrou com um processo contra B (A propôs uma ação judicial contra B)

- A processou B para obter a indemnização (A dirigiu uma pretensão em face de B)

- A e B estão em processo judicial (A e B estão em litígio)

4. Mas, afinal, o que é o direito ao processo?

É o direito de que todos os atos juridicos previstos em lei (de forma articulada,
ordenada e orientada para um determinado fim) sejam praticados (ou colocados à disposição
para que sejam praticados) a fim de que o juiz, possa, ao final, proferir uma decisão em
conformidade com o direito. Por outras palavras, é o direito que qualquer pessoa tem de que
o processo se desenvolva de forma adequada, observando-se todas as garantias previstas em
lei, para que a decisão seja conforme o ordenamento jurídico.

O direito ao processo, portanto, materializa ou concretiza o direito de ação.16

5. Diretamente relacionado com o direito ao processo está o direito a uma decisão


fundamentada.

A ideia aqui é a seguinte: apenas com o desenvolvimento regular do processo,


reunindo-se nele todas as alegações e provas, mas sem descurar as garantias processuais
fundamentais, é que o juiz poderá ter suporte para proferir uma decisão fundamentada. Por
outro lado, aquele que for vencido (parcial ou totalmente) na demanda, na ação judicial,

16 Francisco Ferreira de Almeida. Direito Processual Civil… cit., 2019, p.

10
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

poderá encontrar, na fundamentação, meios de impugnação da decisão que o permita aceder


à instância revisora (direito subjetivo ao duplo grau de jurisdição).

6. Não basta que haja uma decisão fundamentada, preferencialmente a determinar


quem tem razão no conflito. É preciso que esta decisão possa ser executada. Possa “sair do
papel” e ser traduzida em atos. Sucede, porém, que nem sempre o vencido, após o trânsito
em julgado da decisão de mérito, cumpre voluntariamente com a determinação judicial
condenatória. E é aqui que vem à luz o direito à execução da decisão judicial. O sistema jurídico
deve prever os meios adequados para que a sentença possa ser executada, inclusive através
de meios coercivos próprios, evitando assim que as decisões judiciais e as garantias dos
direitos e interesses dos particulares, reconhecidas pelas decisões, não passem de meras
declarações simbólicas e assumam um cariz essencialmente proclamatório17.

8. Os sujeitos processuais

1. São sujeitos processuais aqueles que participam da relação jurídico-processual, ou


seja, o juiz e todos aqueles que apresentem em tribunal a sua contenda18: normalmente, autor
e réu.

O juiz é um sujeito imparcial. O autor e o réu são as partes: têm, portanto, interesses
parciais. Parte é aquele que pede e aquele contra quem se pede algo. Quem não for
considerado parte é considerado terceiro no processo.

De uma forma muito simplificada, pode dizer-se que a relação jurídica processual é
uma relação triangular constituída pelo tribunal e pelas duas partes; o tribunal está numa
posição cimeira, porque exerce o ius imperii, e, ao mesmo tempo, equidistante das partes.
Autor e réu encontram-se num mesmo plano, num mesmo patamar de igualdade. A relação
jurídica processual coincide com a instância19: é no âmbito da relação jurídica processual que
um conjunto de atos ordenados são realizados.

9. O objeto do processo: a pretensão e a disputa pelo bem-jurídico

17 Francisco Ferreira de Almeida. Direito Processual Civil… cit., 2019, p.


18 Wladimir Brito. Teoria Geral do Processo. … cit., p. 221.
19 João de Castro Mendes; Miguel Teixeira de Sousa. Manual de Processo Civil. …cit., p. 16

11
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

1. A pretensão e o direito subjetivo têm uma relação muito próxima, “andam de mãos
dadas”, mas não se confundem entre si. São autónomas, mas interligadas. A pretensão é o
instrumento de realização do direito subjetivo; é a solicitação dirigida ao tribunal. É através
da pretensão que se exerce a faculdade de exigir de outrem um comportamento à luz de um
direito subjetivo de que se é titular20.

A pretensão está associada a um pedido e a uma causa de pedir, um fundamento.

2. O conflito de interesses representa a disputa sobre o mesmo bem jurídico. Bem-


jurídico é tudo o que pode ser objeto do direito e proporciona ao homem alguma satisfação.
O bem-jurídico tanto pode ser a propriedade, como pode ser a honra, a vida, a dignidade.

3. Esse conflito de interesse em torno de um bem jurídico, quando é levado a tribunal,


dá azo ao “nascimento” de um litígio. E aqui se fecha este pequeno ciclo introdutório em
torno de alguns dos conceitos fundamentais da Teoria Geral do Processo.

2ª parte: Acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva

1. Tudo aquilo que se disse sobre o direito de ação, direito ao processo, tem plena
relevância para que se compreenda, em todo o seu alcance, o direito fundamental de acesso
ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

Com efeito, para que a justiça seja concretizada deve haver sempre uma ação judicial
adequada para a proteção de direitos e interesses tutelados pelo direito material, caso o
conflito em torno de um bem jurídico não seja ultrapassado pelos próprios interessados. E
esta ação, ao percorrer o devido processo legal, reclamará uma pronúncia jurisdicional célere
e que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão deduzida, sendo certo que, caso o
vencido não se submeta ao cumprimento da decisão transitada em julgado, deve haver

20 Wladimir Brito. Teoria Geral do Processo. … cit., pp. 249/250.

12
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

formas de executar a referida decisão, ou seja, de a fazer cumprir coercivamente em benefício


do portador do título judicial.

Sucede, porém, que este caminho não é tão linear assim.

Todos já devem ter ouvido alguma opinião negativa sobre o funcionamento da


justiça, sobre o acesso ao direito e aos tribunais. Por exemplo, já devem ter ouvido
comentários da seguinte natureza: “a justiça é lenta”; “o processo arrasta-se sempre ao longo
de vários anos”; “a justiça é economicamente inacessível para os mais pobres”; “os tribunais
são burocráticos”; “os honorários dos advogados são excessivamente caros”; “os tribunais,
às vezes, preocupam-se mais com meras formalidades, deixando assim, em segundo plano, a
concretização da justiça”.

De um modo geral, é possível dizer-se que há um certo sentimento partilhado


socialmente de desconfiança, um certo sentimento de impunidade, sobretudo quando um
caso profundamente injusto é explorado na comunicação social, ou quando se constata que
algumas violações de direitos nunca chegam a ser conhecidas pelos tribunais. As dificuldades
com a realização da justiça por vezes decorrem do custo do processo, da demora na
resolução da causa, da falta de acesso às informações de natureza técnica sobre se, no caso
concreto, há ou não razão do ponto de vista do direito, ou mesmo falta de informação sobre
as opções existentes para protegê-lo.

Todas essas preocupações são também preocupações do legislador constituinte, do


legislador infraconstitucional, dos organismos internacionais que, nos termos da
Constituição Portuguesa, produzem normas jurídicas válidas internamente. Portanto, é
preciso desmistificar a ideia de que existe uma postura legislativa de omissão total face aos
problemas que “ensombram” a realização da justiça, como por vezes é-nos feito acreditar,
sem perder de vista que, efetivamente, existem muitos inconvenientes na concretização do
“direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva”.

Vejamos então como o direito trata dessas questões e como essas normas interagem
entre si.

2. O “acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva” é um direito fundamental


reconhecido como tal pela Constituição Portuguesa, no seu artigo 20º. É um direito
fundamental imprescindível para a proteção de todos os demais direitos fundamentais e,

13
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

nessa medida, é um direito inerente ao próprio Estado de Direito21. Trata-se de um direito


“instrumental” para a realização de outros direitos, sejam ou não considerados fundamentais.

Mas como é concretizado este direito pela Constituição?

Em primeiro lugar, é concretizado pelo acesso universal de “todos” àquilo que está
previsto na lei, ou seja, todos têm direito a que a lei seja cumprida e têm o direito de exigir,
judicialmente, o cumprimento da lei. É isso o que se depreende do nº 1 do artigo 20.º da
Carta Fundamental, não podendo o acesso ao direito e aos tribunais encontrar obstáculo na
insuficiência de meios económicos do jurisdicionado.

Como se sabe, há custos associados ao manejo do processo judicial. Isto significa que
o direito de acesso à justiça - chamemo-lhe assim - só será concretizado se o ordenamento
colocar à disposição das pessoas soluções que as permitam ultrapassar as barreiras
económicas que eventualmente existam.

Efetivamente, o aspecto económico pode ser uma barreira determinante para afastar
a pessoa - natural, coletiva, nacional, estrangeira ou apátrida - da efetivação ou concretização
de um direito seu. Por exemplo, um trabalhador que tenha sido despedido injustamente e
pretenda impugnar esse despedimento só o poderá fazer se o acesso à justiça lhe for facilitado
em termos de custos com o processo, sobretudo se levarmos em consideração que o
trabalhador, no exemplo dado, já não possui o seu rendimento, e, por isso mesmo, muito
provavelmente estará a atravessar dificuldades económicas.

Pense-se também nos vários contratos de consumo de fornecimento de bens e


prestação de serviços que são celebrados diariamente: são contratos verbais, no mais das
vezes de inexpressivo valor económico, cuja razão de ser (objeto do contrato) quase que se
esgota imediatamente após a emissão da declaração que formaliza a celebração do contrato
e o cumprimento das prestações pelas partes. Nestes casos, o acesso à justiça deve ser
facilitado e economicamente viável. Não faz sentido que o consumidor seja lesado num
contrato cujo valor económico é relativamente baixo e seja impelido a despender altos

J. J. Gomes Canotilho; Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. 1 (artigos 1º a 107º). 4ª
21

Edição revista – reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 408.

14
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

valores (com taxa de justiça, encargos com o processo, honorários de advogados, etc) para
fazer valer o seu direito de ação.

Portanto, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não pode


encontrar obstáculos na insuficiência económica.

Ser insuficiente economicamente neste contexto traduz-se na circunstância de uma


pessoa não ter condições objetivas de suportar os custos do processo, nos termos do nº 1 do
artigo 8.º da Lei 34/2004, de 29 de julho. Se o interessado em causa for uma pessoa singular,
a apreciação da insuficiência levará em consideração o rendimento médio mensal do
agregado familiar e do património (valor dos créditos depositados em contas bancárias e
montante de valores mobiliários), sendo certo que, excecionalmente, esses critérios podem
ser afastados, especificamente quando o requerente esteja em conflito com um ou mais
elementos do agregado familiar, mas também quando, por despacho fundamentado, o
dirigente máximo da Segurança Social entender que a aplicação dos critérios conduz a uma
manifesta negação do acesso ao direito e aos tribunais, consoante o disposto no artigo 8º-A
do referido diploma. Note-se que o benefício da proteção jurídica a quem não tenha meios
económicos suficientes é também estendido às pessoas coletivas sem fins lucrativos, nos
termos do nº 2 do artigo 8º da mencionada Lei, e é presumida a insuficiência económica à
vítima de violência doméstica com o respetivo estatuto atribuído (artigo 8º-C).

Nessas circunstâncias o interessado poderá solicitar proteção jurídica, que assume as


modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário, modalidades estas que serão densificadas
adiante e encontram amparo, também, na Lei nº 34/2004, de 29 de julho.

3. Mas voltemos, agora, as nossas atenções ao artigo 20º da Constituição.

A Constituição associa “ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva” o direito,


também universal, nos termos da lei, à informação, à consulta jurídica, ao patrocínio judiciário e a
fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

No tocante ao direito à informação, incumbe ao Estado, através do Ministério da


Justiça, em colaboração com as entidades interessadas, “realizar, de modo permanente e
planeado, ações tendentes a tornar conhecido o direito e o ordenamento legal, através da
publicação e de outras formas de comunicação, com vista a proporcionar um melhor

15
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos” (cf.: artigo 4º
da Lei 34/2004).

Por outro lado, a Administração Pública tem o dever de informar os cidadãos do


andamento dos processos e dar a conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem
tomadas (artigo 268º, nº 1, da CRP), tem o dever de dar acesso aos cidadãos aos arquivos e
registos administrativos, com as exceções que a própria Constituição antecipa (artigo 268º,
nº 2, da CRP).

No âmbito das relações privadas, destaca-se, por exemplo, uma regra presente no
Código de Processo Civil que preconiza que caso um documento esteja na posse da parte
contrária o interessado pode requerer que esta seja notificada para apresentar o referido
documento, nos termos do artigo 429º. Podemos encontrar, ainda, um outro exemplo de
direito à informação no artigo 165º do Código de Processo Civil, que trata sobre a confiança
do suporte físico do processo. Significa dizer que, ao abrigo deste último dispositivo, os
mandatários das partes podem solicitar que o suporte físico do processo lhe seja confiado
para exame fora da secretaria do tribunal, normalmente pelo prazo de 5 dias, a fim de que
possa conhecer todos os atos e documentos que não tenham representação eletrónica.

É comum que um advogado, antes mesmo de assumir o patrocínio de uma


determinada causa que já está em andamento, dirija-se à secretaria para consultar os autos.
Somente com essa informação é que poderá falar com o seu cliente com mais propriedade
sobre o andamento do processo.

O acesso ao direito e aos tribunais abrange também o acesso à consulta jurídica, ou


seja, o acesso da pessoa (natural, coletiva com ou sem fins lucrativos, nacional, estrangeira
ou apátrida) a opiniões técnico-jurídicas sobre o seu caso concreto e às diligências
extrajudiciais adequadas que decorram diretamente do conselho jurídico ou que sejam
essenciais para o esclarecimento da questão colocada (cf. artigo 14.º da Lei nº 34/2004). É a
consulta com o advogado que pode esclarecer o interessado sobre o seu direito ou interesses
pessoais legítimos que resultam da proteção do direito objetivo. O advogado está habilitado
a esclarecer, no âmbito dessa consulta, sobre as soluções de natureza judicial e extrajudicial
que podem estar ao alcance do interessado para solucionar um eventual conflito.

16
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

Este serviço poderá ser realizado em gabinetes de consulta jurídica ou mesmo nos
escritórios dos advogados que tenham aderido ao sistema de acesso ao direito (nº 1 do artigo
15.º da Lei 34/2004).

Note-se que a pessoa interessada só poderá decidir, em sã consciência, se exercerá o


seu direito de ação se souber todas as informações relativas ao exercício desse direito,
nomeadamente se a sua pretensão tem fundamento legal e se vale a pena enfrentar o tempo
do processo para gozar do bem jurídico pretendido.

O apoio judiciário é aplicável a todos os tribunais e relativamente a qualquer forma


de processo, nos julgados de paz e noutras estruturas de resolução alternativa de litígios, no
âmbito dos procedimentos contra-ordenacionais, e independentemente da posição que o
requerente ocupe na causa. É também um dos serviços mais relevantes no tocante ao acesso
ao direito e aos tribunais, concretizando-se, nos termos do artigo 16º da Lei nº 34/2004, da
seguinte forma:

a) Dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo;


b) Nomeação e pagamento da compensação de patrono;
c) Pagamento da compensação de defensor oficioso;
d) Pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo;
e) Nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono;
f) Pagamento faseado da compensação de defensor oficioso;
g) Atribuição e agente de execução.

É no âmbito do apoio judiciário, a quem tem insuficiência de meios económicos, que


a lei contempla o direito de aceder ao patrocínio judiciário, mas o direito a ser patrocinado
judiciariamente é um direito de todos.

Por patrocínio judiciário entende-se o direito a estar acompanhado por um


advogado (ou por um advogado-estagiário ou solicitador nas causas em que não é obrigatória
a constituição de advogado, nos termos do artigo 40.º do CPC). É o patrocínio judiciário que
permite ao interessado a realização da sua defesa técnica ao longo do processo judicial. A
Constitução Portuguesa reconhece também a importância de se estar acompanhado de um
advogado perante qualquer autoridade, seja administrativa, seja judicial, e isto é

17
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

fundamental para assegurar que os interesses da pessoa em causa são defendidos a todo o
momento.

4. Ainda, de acordo com o nº 3 do artigo 20.º da Constituição, “a lei define e assegura


a adequada proteção do segredo de justiça”.

Vige, de um modo geral, o princípio da publicidade dos atos processuais e esse


princípio é fundamental para a ideia de Estado Democrático de Direito, porque somente
assim é que é possível que a sociedade tenha acesso àquilo que é produzido pela atividade
dos tribunais. A comunicação social pode desempenhar um papel muito importante para essa
espécie de “controlo” externo do poder judiciário e, em última análise, do controlo sobre se
existe ou não verdadeiro acesso à justiça. Aqui, para o bem e para o mal, a comunicação
social é capaz de mobilizar a opinião pública no sentido de revisar ou alterar completamente
algumas normas, e o acesso à justiça é uma área que é sempre permeável a esse tipo de
intervenção mediática.

Imagine-se um caso qualquer em que uma pessoa foi impedida de reclamar o seu
legítimo direito perante o tribunal porque não satisfez um requisito qualquer formal. Aqui,
muito provavelmente, se a comunicação tiver acesso a uma decisão judicial nesse sentido, ela
fará repercutir essa notícia, sendo até mesmo capaz de colocar a questão jurídica associada à
matéria na agenda política.

De qualquer forma, há matérias sensíveis que estão excluídas do princípio da


publicidade, especialmente nos casos em que a divulgação do conteúdo do processo possa
causar dano à dignidade das pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral
pública ou pôr em causa a eficácia da decisão a proferir. O artigo 164º do Código de Processo
Civil enumera os casos em que há restrição a publicidade: processos de anulação de
casamento, divórcio, separação de pessoas e bens, estabelecimento ou impugnação da
paternidade; os processos de acompanhamento de maior. A proteção do segredo nestes casos
é absolutamente fundamental para não retirar da esfera judicial assuntos sensíveis de
superlativa importância, pois o ordenamento jurídico garante que as vicissitudes do caso não
serão divulgados, protegendo, assim, nomeadamente, o direito à reserva da intimidade da
vida privada.

18
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

5. Extrai-se, ainda, do artigo 20º da CRP que o acesso ao direito e à tutela jurisdicional
efetiva apenas se concretiza se houver uma decisão judicial que decida o mérito da causa num
prazo razoável e mediante processo equitativo.

Assim, não basta que o interessado encontre proteção jurídica para o seu problema,
ainda que não tenha rendimento para suportar as custas do processo; não basta que o
interessado beneficie de uma defesa técnica e que seja acompanhado por um advogado
perante uma qualquer autoridade; é preciso que a decisão, a ser proferida resolva a questão
de fundo (e aqui o processo deve ser orientado para que as questões formais sejam
ultrapassadas), num prazo razoável, a fim de que a decisão seja útil para compor
verdadeiramente o litígio; e mediante processo equitativo, ou seja, mediante um processo
justo, que corresponda ao due process positivado na Constituição, um processo em que as duas
partes têm iguais oportunidades para defender os seus interesses, de acordo com regras
processuais claras, previamente definidas através de um “caminho legislativo” próprio. O
processo equitativo é, portanto, avesso à criação de regras e formação de tribunais ad hoc.

Cabe também no conceito de “processo equitativo” a ideia de que o processo é


“materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos
processuais”22.

6. Finalmente, o nº 5 do artigo 20.º da CRP deixa ainda mais claro que, no tocante à
defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais23 é fundamental: haver procedimentos
judiciais céleres e prioritários, de modo a obter a tutela efetiva em tempo útil.

No âmbito dos direitos de personalidade (direito à vida, integridade pessoal, bom


nome, reputação, imagem, reserva da intimidade da vida privada e familiar, por exemplo),
existe um processo especial, que também será visto mais adiante, através do qual se pretende
evitar a consumação de qualquer ameaça ilícita e direta aos direitos de personalidade ou fazer
cessar os efeitos da ofensa já cometida, de forma célere e prioritária (artigo 878º do CPC): é
o processo especial para a tutela da personalidade.

22J. J. Gomes Canotilho; Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada. … cit., p. 415.
23Ou seja, aqueles direitos que estão entre os artigos 24º e 47º da Constituição e que são relativos aos direitos
de personalidade, às liberdades de expressão, de informação, de associação, de aprendizagem e ensino, de
manifestação, de escolha da profissão, às garantias no âmbito do direito e do processo criminal.

19
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

7. Em resumo, a tutela constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais consiste na:

a) informação, consulta jurídica, no patrocínio judiciário, no acompanhamento por


advogado perante qualquer autoridade, sem perder de vista a tutela adequada do
segredo de justiça, ainda que o interessado não tenha suficientes meios económicos;
b) prolação de decisão sobre a causa em prazo razoável e mediante processo equitativo;
c) existência de procedimentos judiciais que corram de forma célere e com prioridade
para a defesa dos direitos, liberdades e garantias, de modo a que o interessado
obtenha a tutela efetiva e em tempo útil.

8. É importante ainda deixar uma nota sobre o direito à duração razoável do processo.

Não existe um período de tempo a partir do qual se considere que a duração do


processo está a violar o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

Há, no entanto, decisões nos tribunais portugueses que, utilizando a jurisprudência


do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, avançam com determinadas balizas
temporais24, de modo a que o direito fundamental – de uma decisão de mérito em tempo
razoável - tenha expressão prática. Mas é importante não perder de vista que, para o Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem, a duração razoável do processo não deve ser encontrada
por reporte a um critério numérico objetivo e absoluto, pois, na apreciação de um caso
concreto no sentido de saber se uma determinada ação percorreu a tramitação processual em
tempo razoável, deve-se também ter presente a complexidade da matéria, o comportamento

24Veja-se, nesse sentido, o seguinte excerto de sumário de jurisprudência (extraído do sumário relativo ao Proc.
nº 1041/16.1BELRA, Tribunal Central Administrativo Sul, Relator: Paulo Pereira Gouveia, data do acórdão:
27/02/2020): “ VI - Tem-se entendido, sobretudo no TEDH, que um processo deve ter uma duração
“normal”, aceitável ou razoável até 3 anos na 1ª instância e até 4 anos se houver recurso, isto como meros
princípios orientadores. Após tais 3 anos ou 4 anos haverá duração ilícita, em princípio. VII - Constatada uma
violação do artigo 6.º § 1.º da CEDH e do artigo 20.º n.º 4 da Constituição, relativamente ao direito fundamental
à emissão de uma decisão jurisdicional em prazo razoável, ou seja, verificado que um processo tem ou teve uma
duração irrazoável em concreto, existe e opera em favor da vítima daquela violação da Convenção, segundo o
TEDH, uma forte presunção natural (ou “judicial”) da verificação de um relevante dano psicológico e moral
comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as
suas pretensões resolvidas em tempo razoável. VIII - Tais danos não patrimoniais, comuns ou judicialmente
presumíveis, resultantes do atraso na obtenção de uma decisão jurisdicional em prazo razoável, merecem, em
princípio, a tutela do Direito; sem prejuízo de prova em contrário ou de diferente causalidade. Quanto aos
danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum ou judicialmente presumido, que se mostrem
relativos à específica situação concreta, cabe ao demandante lesado o ónus de alegação dos factos relativos a
esses danos (cf. o artigo 5.º do Código de Processo Civil), pois que aqui não há factualidade notória ou
presumida.

20
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

do requerente, o comportamento das autoridades competentes, o risco do litígio para o


interessado25.

A bem da verdade, a violação do direito à duração do processo em prazo razoável


vai depender das vicissitudes de cada caso concreto. A complexidade do caso, o universo de
provas documentais a considerar, o comportamento mais negligente do requerente que
demora a impulsionar o processo, a impugnação das decisões pela via do recurso, todas essas
questões têm impacto direto no tempo do processo.

É importante referir que, sobretudo nos casos mais complexos, tanto o tribunal como
as partes devem ter tempo para refletir sobre a matéria do ponto de vista técnico, pelo que
uma celeridade a todo custo poderia até prejudicar o direito de defesa, o direito de as partes
alegarem convenientemente (com tempo) as questões de facto e de direito a fim de
defenderem os seus interesses. De qualquer forma, nunca é demais referir que esta
preocupação com a duração do processo esteve no horizonte do legislador do novo Código
de Processo Civil de 2013, que reduziu prazos para prática de atos; que simplificou
procedimentos; que passou a punir com severidade os atos meramente dilatórios das partes;
que determinou prazo para a prática de atos dos magistrados e das secretaria judiciais, sob
cominação eventual de sanção disciplinar.

9. Como já foi referido, existem normas de natureza internacional que tratam sobre
esta questão e devem ser consideradas na ordem jurídica interna. É importante não esquecer
também que, nos termos do nº 2 do artigo 16.º da CRP, tanto a Constituição, como a
legislação infraconstitucional, devem ser interpretados e integrados em harmonia com a
Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Existem normas internacionais sobre o acesso à justiça na própria Declaração


Universal dos Direitos Humanos, mas também no Pacto Internacional sobre os Direitos
Civis e Políticos que densifica, concretiza ou desenvolve alguns artigos da Declaração,
tornando as disposições da Declaração vinculativas para os Estados-partes.

Podemos extrair dessas normas a ideia de que deve haver um recurso (este vocábulo
aqui é utilizado de forma não técnica) efetivo para as jurisdições nacionais competentes

25António Santos Abrantes Geraldes; Paulo Pimenta; Luís Filipe Pires de Sousa. Código de Processo Civil
Anotado… cit., p. 17.

21
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

contra atos que violem os direitos fundamentais (artigo 8º da DUDH). Por outro lado, todos
têm direito, em situação de plena igualdade, à uma causa equitativa, julgada por um tribunal
independente e imparcial (artigo 10º da DUDH), mas também o direito de ser ouvido
publicamente por um tribunal competente, independente e imparcial (artigo 14º do PIDCP);
ao segredo de justiça relativamente a alguns atos dos tribunais, em situações especiais e
excecionais, de modo a restringir o princípio da publicidade (artigo 14º do PIDCP); à
publicidade da sentença, exceto nos casos em que envolva interesse dos menores ou nas
ações relativos a litígios matrimoniais e tutela de menores (artigo 14º do PIDCP); a garantias
no âmbito do direito e processo penal (artigo 14º do PIDCP).

Falou-se da Declaração Universal dos Direitos do Homem, das suas regras


densificadoras no âmbito do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, e da regra
constitucional que obriga o operador do direito a interpretar e integrar as disposições da
ordem internas de acordo com aquelas diretivas.

Mas há também outros documentos internacionais que vigoram diretamente na


ordem jurídica interna, de acordo com o artigo 8º da Constituição: são as convenções
internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas, são as normas emanadas por
organizações internacionais de que Portugal seja parte, são as normas que enformam o
Direito da União Europeia, e nos exatos termos do Direito da União.

Com este enquadramento, refira-se que a Convenção Europeia dos Direitos do


Homem (art. 6º) e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (47º) também
reforçam a existência de importantes direitos26.

O que é importante reter aqui é o seguinte: o direito de acesso ao direito e aos


tribunais tem expressão em normas emanadas internacionalmente que vinculam o Estado
Português. Um tribunal interno, através dos juízes competentes, pode acolher uma pretensão

26 Nomeadamente: 1) o processo equitativo; 2) o processo sujeito à publicidade, salvo os casos que determinem
o segredo de justiça; 3) o julgamento sujeito à publicidade, salvo os casos que determinem o segredo de justiça;
4) a duração razoável do processo; 5) a independência e a imparcialidade dos tribunais; 6) a constituição prévia
do tribunal pela lei (proibição dos tribunais ad hoc); 7) a assistência judiciária a quem não disponha de recursos
suficientes; 8) o direito do réu ou do arguido de ser informado sobre a ação que contra si foi proposta; 9) o
tempo e meios necessários para o réu ou arguido oferecer defesa técnica, sendo-lhe garantido gratuitamente
um defensor oficioso; 10) a assistência gratuita de um intérprete caso o interessado não compreenda ou fale a
língua usada no processo; 11) o direito ao recurso perante instância nacional, mesmo quando a violação tiver
sido cometida por pessoa que atue no exercício de funções oficiais.

22
Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa
Direito Processual Civil I – Textos de apoio às aulas
Carolina de Freitas e Silva
Ano letivo 2023-2024

fundada numa convenção internacional regularmente ratificada ou aprovada, numa norma


emanada por organizações internacionais de que Portugal seja parte, ou numa norma
vinculativa do Direito da União Europeia27.

27 Caso um tribunal português desrespeite uma dessas normas, quid iuris? O interessado poderá reclamar da
violação do seu direito de acesso à justiça, exigindo reparação, através da propositura de ação perante o Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem, por exemplo, ou perante o Tribunal de Justiça da União Europeia (art. 263º,
§ 4º, do TFUE). Também o Tribunal de Justiça da União Europeia pode ser acionado através de reenvio
prejudicial (o tribunal aqui é chamado a pronunciar-se sobre interpretação dos tratados e sobre a validade e
interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União – art. 267º do TFUE).

23

Você também pode gostar