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1. Litígio
1. É um conflito de interesse que nasce no âmbito de uma relação jurídica base. Esta
relação jurídica, por sua vez, ou foi desenvolvida involuntariamente, através da ocorrência de
um facto com relevância jurídica; ou foi desenvolvida de forma voluntária, através da prática
de um ato jurídico, por exemplo, a celebração de um contrato. Quando, no âmbito dessa
relação jurídica, uma das partes demonstra uma vontade, uma pretensão, e a outra parte
resiste a que esta pretensão seja realizada, estamos perante um conflito.
Portanto, quando existe, por um lado, pretensão, e, por outro, resistência a que esta
pretensão seja realizada, há verdadeiramente um conflito.
Só existe litígio quando a pretensão é levada a tribunal através de uma ação judicial.
E existe litígio ainda que o réu, no âmbito dessa ação judicial, seja chamado para se defender
e não apresente contestação ou não se recuse a satisfazer a pretensão1.
Para que o litígio possa ser discutido judicialmente é preciso que tenha havido essa
resistência prévia na satisfação do interesse. É a existência dessa resistência - ou mesmo a
1 José
Lebre de Freitas. Introdução ao Processo Civil. Conceitos e princípios gerais à luz do Código revisto. Coimbra: Coimbra
Editora, 1996, p. 50.
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inevitabilidade da ação judicial para alcançar um determinado fim - que será fundamental
para a propositura da ação e o desenvolvimento regular do processo.
2. Aquele que oferece a pretensão e aquele que a ela resiste são as partes no processo:
a primeira, é a parte autora ou parte demandante; a segunda é a parte ré ou a parte demandada.
São as partes que pedem ao tribunal que analise as suas perspectivas, as suas “versões da
história” e os fundamentos das respetivas posições no litígio. É claro que esse pedido tem
que ser sustentado não apenas em alegações, mas também em provas.
Sempre que exista um conflito de interesse, e ainda que não tenha havido a iniciativa
de resolvê-lo submetendo a questão a um tribunal, um dos sujeitos não pode impor ao outro
a solução da controvérsia3: os sujeitos envolvidos não podem realizar a justiça com as suas
“próprias mãos”, de acordo com as suas próprias conceções de justiça. Isto como regra.
Por outras palavras, ainda que uma pessoa tenha tido um bem jurídico seu ameaçado
ou agredido, esta pessoa não pode impor autoritária e unilateralmente uma consequência
negativa ao seu opositor, pois esta reação assentaria, verdadeiramente, na vontade de defender
um interesse próprio, podendo esta vontade estar “cega” face às razões do outro, ou ser
imposta de forma desmedida, desproporcional.
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devem ser realizadas de forma equitativa, ponderada, equilibrada, para que a resposta não
exceda determinados limites e viole, ilicitamente, a esfera jurídica do infrator.
Aquele que está diretamente envolvido no litígio, que se sente injustiçado, não é capaz
de ponderar as razões apresentadas pela contraparte e, por vezes, nem é capaz de ter a inteira
perceção de todo o cenário onde se desenvolve a disputa pelo bem jurídico.
2. Como se disse, a proibição da autotutela é a regra, e é sobre esta trave mestre que
está estruturado os sistemas jurídicos modernos4. Mas há exceções à regra, pois,
excepcionalmente, o ordenamento jurídico permite, em situações muito particulares, o
exercício da autotutela.
4 António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (et. al). Código de Processo Civil
Anotado. Vol. 1 (Parte Geral e Processo de Declaração – artigos 1.º a 702º. 2ª Edição. Coimbra: Almedina, 2020,
p. 15.
5 Francisco Ferreira de Almeida elucida-nos com outros exemplos, todos retirados do Código Civil, tais como
a ação direta especial prevista nos artigos 1277º (possuidor perturbado ou esbulhado na sua posse), 1314º
(defesa da propriedade), 1315º (defesa de qualquer direito real). Além desses, o nº 1 do artigo 428º (exceção de
não cumprimento do contrato), o artigo 754º e ss. (direito de retenção), o artigo 831º (cessão dos bens a
credores), o artigo 847º (a declaração de compensação), o artigo 1366º (o arranque e corte das raízes e do tronco
ou ramos de árvores pelo proprietário do prédio vizinho). Cf. Francisco Ferreira de Almeida. Direito Processual
Civil. Vol. 1. Coimbra:Almedina, 2019, p.
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Uma pessoa sai em viagem e ao chegar se apercebe que foi erguida uma construção,
ainda que com aspecto provisório, em frente à porta da sua moradia que a impede de entrar
sem passar pela propriedade de outra pessoa. O direito de propriedade impede que pessoas
não autorizadas tenham acesso e transitem pela propriedade imobiliária de outrem, mas essa
passagem, tendo em conta as circunstâncias, será admitida pela via da ação direta. Aliás, em
situações semelhantes o ordenamento jurídico reconhece expressamente o direito de
passagem forçada momentânea, independentemente de autorização judicial, nos termos do
artigo 1349.º do Código Civil, nomeadamente quando a passagem for necessária para levantar
um andaime para proceder ao reparo de algum edifício ou construção.
Ora, o direito de entrar em casa não pode esperar pela propositura de uma ação
judicial para a tutela de direitos ou interesses legítimos, mas isto não impede que se intente
uma ação judicial posteriormente para discutir a licitude da construção do prédio ou mesmo
para que sejam discutidas soluções que passem pela servidão de passagem, nos termos dos
arigos 1543º e seguintes do Código Civil.
6 TRC, 1999, BMJ, 490º-326. Considerando a tutela jurídica conferida hoje aos animais, nomeadamente através
da Lei nº 8/2017, de 3 de março, se o caso concreto fosse apreciado nos dias de hoje muito provavelmente o
seu desfecho seria diferente ou, não sendo diferente, o tribunal certamente ponderaria outras questões.
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3. Autocomposição x heterocomposição
Aqui as partes agem com autonomia, ou seja, escolhem a melhor forma de ultrapassar
o diferendo, e a solução é construída através da renúncia propriamente à pretensão ou
mesmo através da celebração de um acordo. Tratando-se de um acordo, o que aqui está
subjacente é a ideia de que cada uma das partes deve ceder para encontrar uma solução
equilibrada a fim de colocar um ponto final na querela.
A autocomposição pode evitar que os sujeitos desavindos intentem uma ação judicial,
mas também pode ser uma forma de ultrapassar o conflito quando já exista uma ação judicial,
ou seja, quando já exista um processo instaurado. Quando exista uma ação judicial em curso,
o ato de disposição do direito ou do interesse reclamado, através da renúncia ou do acordo,
põe fim ao litígio ou torna as suas dimensões mais reduzidas. Este ato é também designado
de transação.
A transação é uma causa de extinção da instância, nos termos da al. d) do artigo 277.º
do Código de Processo Civil, ou seja, é uma causa de extinção da relação jurídica processual,
de extinção do próprio processo judicial.
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4. Função jurisdicional
Contudo, não existe aqui um poder absoluto. Este poder pode ser delegado. Com
efeito, nos termos do nº 4 do artigo 202º da Constituição, “a lei poderá institucionalizar
instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.”
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1. Uma vez que já se tem uma ideia de como é estruturado o sistema de composição
de litígios no sistema jurídico português, é importante dizer que o Direito Processual Civil é
fundamental para que este sistema funcione.
ii. A tutela das situações jurídicas substantivas - dos direitos subjetivos (lato sensu) e dos
interesses legalmente protegidos; ou seja, a tutela da prerrogativa conferida pelo
ordenamento jurídico a um indivíduo (a título individual ou coletivo) para que
este peça o cumprimento, através de meios judiciais próprios, de uma
determinada norma jurídica que lhe possa ser aplicada. Ex.: direito de cobrar um
valor em dívida em tribunal; de pedir uma indemnização.
Para que seja possível começar a entender, por um lado, a relação entre o direito
substantivo (material) e o direito adjetivo (processual), e, por outro, a natureza jurídica do
7 Rita Lobo Xavier; Inês Folhadela; Gonçalo Andrade e Castro. Elementos de Direito Processual Civil. Teoria Geral,
Princípios e Pressupostos. 2ª Edição. Porto: Universidade Católica Editora, 2018, p. 44.
8 João de Castro Mendes; Miguel Teixeira de Sousa. Manual de Processo Civil. Volume I. Lisboa: AAFDL, 2022,
p. 10.
9 João de Castro Mendes; Miguel Teixeira de Sousa. Manual de Processo Civil. …cit.., p. 9.
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6. Direito de ação
1. Todos têm direito a recorrer aos tribunais para a defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos. É esta a primeira ideia que decorre do direito de ação.
E não basta o acesso aos tribunais através da ação, é preciso que a resposta seja célere,
seja útil para pacificar o conflito definitivamente e que a decisão seja verdadeiramente
cumprida. Ora, esses objetivos estão descritos na lei, nos termos do nº 1 do artigo 2º do
CPC, da seguinte forma: “a proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter,
em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão
regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”.
2. O direito de ação não quer dizer o direito a obter uma decisão favorável.
10 João de Castro Mendes; Miguel Teixeira de Sousa. Manual de Processo Civil. …cit., p. 79.
11 Note-se que este preceito, por outras palavras, relaciona o direito de ação com o recurso às ações declarativas
(declarativas stricto sensu, condenatórias e constitutivas), executivas ou procedimentos cautelares (típicos e
atípicos).
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está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das
regras de direito”.
Mantém o direito de ação aquele que apresenta uma pretensão em tribunal que, ao
final, se mostre infundada, sem justificativa no direito, traduzindo-se, assim, o resultado da
ação numa improcedência ou numa absolvição do réu da instância12.
Esta amplitude conferida pela lei ao direito de ação não abrange os casos em que
exista abuso do próprio direito de ação, litigância de má-fé ou simulação.
Por exemplo, não está protegido pelo direito de ação a pretensão que é levada a
tribunal com manifesta falta de fundamento no direito ou pressupondo factos inverídicos,
inexistentes ou omitidos. Isto porque o legislador considera como litigante de má-fé aquele
que “tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar,” ou aquele
que “tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa”,
nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 542º do CPC. Estas e outras situações que
dão corpo ao chamado “uso anormal do processo” serão analisadas nas aulas seguintes.
3. O direito de ação tem expressão constitucional: artigo 20º da CRP. Este direito
fundamental será objeto de tratamento próprio posteriormente.
Processo vem do latim procedere e transmite uma ideia de uma progressão orientada
para um determinado fim. Uma progressão dinâmica13, que pressupõe o seu desenvolvimento
durante um determinado tempo e de forma orientada14. É uma série de atos jurídicos
articulados entre si, realizados de forma ordenada, em sucessivas fases15, ao longo de um
12 António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (et. al). Código de Processo Civil
Anotado… cit., p. 17.
13 Wladimir Brito. Teoria Geral do Processo. … cit., p. 198.
14 Rita Lobo Xavier; Inês Folhadela; Gonçalo Andrade e Castro. Elementos de Direito Processual Civil. …, cit., p.
45.
15 Por exemplo, o Processo Declarativo Comum contempla as seguintes fases processuais: a fase dos
articulados, da gestão inicial do processo e da audiência prévia, da instrução processual, da audiência final e da
sentença.
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Através do processo são reunidas todas as condições para que seja observado o
direito no caso concreto, para que o juiz, no final da discussão da matéria de facto e de direito,
diga quem tem razão e ponha fim ao litígio.
É o direito de que todos os atos juridicos previstos em lei (de forma articulada,
ordenada e orientada para um determinado fim) sejam praticados (ou colocados à disposição
para que sejam praticados) a fim de que o juiz, possa, ao final, proferir uma decisão em
conformidade com o direito. Por outras palavras, é o direito que qualquer pessoa tem de que
o processo se desenvolva de forma adequada, observando-se todas as garantias previstas em
lei, para que a decisão seja conforme o ordenamento jurídico.
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8. Os sujeitos processuais
O juiz é um sujeito imparcial. O autor e o réu são as partes: têm, portanto, interesses
parciais. Parte é aquele que pede e aquele contra quem se pede algo. Quem não for
considerado parte é considerado terceiro no processo.
De uma forma muito simplificada, pode dizer-se que a relação jurídica processual é
uma relação triangular constituída pelo tribunal e pelas duas partes; o tribunal está numa
posição cimeira, porque exerce o ius imperii, e, ao mesmo tempo, equidistante das partes.
Autor e réu encontram-se num mesmo plano, num mesmo patamar de igualdade. A relação
jurídica processual coincide com a instância19: é no âmbito da relação jurídica processual que
um conjunto de atos ordenados são realizados.
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1. A pretensão e o direito subjetivo têm uma relação muito próxima, “andam de mãos
dadas”, mas não se confundem entre si. São autónomas, mas interligadas. A pretensão é o
instrumento de realização do direito subjetivo; é a solicitação dirigida ao tribunal. É através
da pretensão que se exerce a faculdade de exigir de outrem um comportamento à luz de um
direito subjetivo de que se é titular20.
1. Tudo aquilo que se disse sobre o direito de ação, direito ao processo, tem plena
relevância para que se compreenda, em todo o seu alcance, o direito fundamental de acesso
ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
Com efeito, para que a justiça seja concretizada deve haver sempre uma ação judicial
adequada para a proteção de direitos e interesses tutelados pelo direito material, caso o
conflito em torno de um bem jurídico não seja ultrapassado pelos próprios interessados. E
esta ação, ao percorrer o devido processo legal, reclamará uma pronúncia jurisdicional célere
e que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão deduzida, sendo certo que, caso o
vencido não se submeta ao cumprimento da decisão transitada em julgado, deve haver
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Vejamos então como o direito trata dessas questões e como essas normas interagem
entre si.
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Em primeiro lugar, é concretizado pelo acesso universal de “todos” àquilo que está
previsto na lei, ou seja, todos têm direito a que a lei seja cumprida e têm o direito de exigir,
judicialmente, o cumprimento da lei. É isso o que se depreende do nº 1 do artigo 20.º da
Carta Fundamental, não podendo o acesso ao direito e aos tribunais encontrar obstáculo na
insuficiência de meios económicos do jurisdicionado.
Como se sabe, há custos associados ao manejo do processo judicial. Isto significa que
o direito de acesso à justiça - chamemo-lhe assim - só será concretizado se o ordenamento
colocar à disposição das pessoas soluções que as permitam ultrapassar as barreiras
económicas que eventualmente existam.
Efetivamente, o aspecto económico pode ser uma barreira determinante para afastar
a pessoa - natural, coletiva, nacional, estrangeira ou apátrida - da efetivação ou concretização
de um direito seu. Por exemplo, um trabalhador que tenha sido despedido injustamente e
pretenda impugnar esse despedimento só o poderá fazer se o acesso à justiça lhe for facilitado
em termos de custos com o processo, sobretudo se levarmos em consideração que o
trabalhador, no exemplo dado, já não possui o seu rendimento, e, por isso mesmo, muito
provavelmente estará a atravessar dificuldades económicas.
J. J. Gomes Canotilho; Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. 1 (artigos 1º a 107º). 4ª
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valores (com taxa de justiça, encargos com o processo, honorários de advogados, etc) para
fazer valer o seu direito de ação.
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exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos” (cf.: artigo 4º
da Lei 34/2004).
No âmbito das relações privadas, destaca-se, por exemplo, uma regra presente no
Código de Processo Civil que preconiza que caso um documento esteja na posse da parte
contrária o interessado pode requerer que esta seja notificada para apresentar o referido
documento, nos termos do artigo 429º. Podemos encontrar, ainda, um outro exemplo de
direito à informação no artigo 165º do Código de Processo Civil, que trata sobre a confiança
do suporte físico do processo. Significa dizer que, ao abrigo deste último dispositivo, os
mandatários das partes podem solicitar que o suporte físico do processo lhe seja confiado
para exame fora da secretaria do tribunal, normalmente pelo prazo de 5 dias, a fim de que
possa conhecer todos os atos e documentos que não tenham representação eletrónica.
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Este serviço poderá ser realizado em gabinetes de consulta jurídica ou mesmo nos
escritórios dos advogados que tenham aderido ao sistema de acesso ao direito (nº 1 do artigo
15.º da Lei 34/2004).
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fundamental para assegurar que os interesses da pessoa em causa são defendidos a todo o
momento.
Imagine-se um caso qualquer em que uma pessoa foi impedida de reclamar o seu
legítimo direito perante o tribunal porque não satisfez um requisito qualquer formal. Aqui,
muito provavelmente, se a comunicação tiver acesso a uma decisão judicial nesse sentido, ela
fará repercutir essa notícia, sendo até mesmo capaz de colocar a questão jurídica associada à
matéria na agenda política.
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5. Extrai-se, ainda, do artigo 20º da CRP que o acesso ao direito e à tutela jurisdicional
efetiva apenas se concretiza se houver uma decisão judicial que decida o mérito da causa num
prazo razoável e mediante processo equitativo.
Assim, não basta que o interessado encontre proteção jurídica para o seu problema,
ainda que não tenha rendimento para suportar as custas do processo; não basta que o
interessado beneficie de uma defesa técnica e que seja acompanhado por um advogado
perante uma qualquer autoridade; é preciso que a decisão, a ser proferida resolva a questão
de fundo (e aqui o processo deve ser orientado para que as questões formais sejam
ultrapassadas), num prazo razoável, a fim de que a decisão seja útil para compor
verdadeiramente o litígio; e mediante processo equitativo, ou seja, mediante um processo
justo, que corresponda ao due process positivado na Constituição, um processo em que as duas
partes têm iguais oportunidades para defender os seus interesses, de acordo com regras
processuais claras, previamente definidas através de um “caminho legislativo” próprio. O
processo equitativo é, portanto, avesso à criação de regras e formação de tribunais ad hoc.
6. Finalmente, o nº 5 do artigo 20.º da CRP deixa ainda mais claro que, no tocante à
defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais23 é fundamental: haver procedimentos
judiciais céleres e prioritários, de modo a obter a tutela efetiva em tempo útil.
22J. J. Gomes Canotilho; Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada. … cit., p. 415.
23Ou seja, aqueles direitos que estão entre os artigos 24º e 47º da Constituição e que são relativos aos direitos
de personalidade, às liberdades de expressão, de informação, de associação, de aprendizagem e ensino, de
manifestação, de escolha da profissão, às garantias no âmbito do direito e do processo criminal.
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8. É importante ainda deixar uma nota sobre o direito à duração razoável do processo.
24Veja-se, nesse sentido, o seguinte excerto de sumário de jurisprudência (extraído do sumário relativo ao Proc.
nº 1041/16.1BELRA, Tribunal Central Administrativo Sul, Relator: Paulo Pereira Gouveia, data do acórdão:
27/02/2020): “ VI - Tem-se entendido, sobretudo no TEDH, que um processo deve ter uma duração
“normal”, aceitável ou razoável até 3 anos na 1ª instância e até 4 anos se houver recurso, isto como meros
princípios orientadores. Após tais 3 anos ou 4 anos haverá duração ilícita, em princípio. VII - Constatada uma
violação do artigo 6.º § 1.º da CEDH e do artigo 20.º n.º 4 da Constituição, relativamente ao direito fundamental
à emissão de uma decisão jurisdicional em prazo razoável, ou seja, verificado que um processo tem ou teve uma
duração irrazoável em concreto, existe e opera em favor da vítima daquela violação da Convenção, segundo o
TEDH, uma forte presunção natural (ou “judicial”) da verificação de um relevante dano psicológico e moral
comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as
suas pretensões resolvidas em tempo razoável. VIII - Tais danos não patrimoniais, comuns ou judicialmente
presumíveis, resultantes do atraso na obtenção de uma decisão jurisdicional em prazo razoável, merecem, em
princípio, a tutela do Direito; sem prejuízo de prova em contrário ou de diferente causalidade. Quanto aos
danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum ou judicialmente presumido, que se mostrem
relativos à específica situação concreta, cabe ao demandante lesado o ónus de alegação dos factos relativos a
esses danos (cf. o artigo 5.º do Código de Processo Civil), pois que aqui não há factualidade notória ou
presumida.
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É importante referir que, sobretudo nos casos mais complexos, tanto o tribunal como
as partes devem ter tempo para refletir sobre a matéria do ponto de vista técnico, pelo que
uma celeridade a todo custo poderia até prejudicar o direito de defesa, o direito de as partes
alegarem convenientemente (com tempo) as questões de facto e de direito a fim de
defenderem os seus interesses. De qualquer forma, nunca é demais referir que esta
preocupação com a duração do processo esteve no horizonte do legislador do novo Código
de Processo Civil de 2013, que reduziu prazos para prática de atos; que simplificou
procedimentos; que passou a punir com severidade os atos meramente dilatórios das partes;
que determinou prazo para a prática de atos dos magistrados e das secretaria judiciais, sob
cominação eventual de sanção disciplinar.
9. Como já foi referido, existem normas de natureza internacional que tratam sobre
esta questão e devem ser consideradas na ordem jurídica interna. É importante não esquecer
também que, nos termos do nº 2 do artigo 16.º da CRP, tanto a Constituição, como a
legislação infraconstitucional, devem ser interpretados e integrados em harmonia com a
Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Podemos extrair dessas normas a ideia de que deve haver um recurso (este vocábulo
aqui é utilizado de forma não técnica) efetivo para as jurisdições nacionais competentes
25António Santos Abrantes Geraldes; Paulo Pimenta; Luís Filipe Pires de Sousa. Código de Processo Civil
Anotado… cit., p. 17.
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contra atos que violem os direitos fundamentais (artigo 8º da DUDH). Por outro lado, todos
têm direito, em situação de plena igualdade, à uma causa equitativa, julgada por um tribunal
independente e imparcial (artigo 10º da DUDH), mas também o direito de ser ouvido
publicamente por um tribunal competente, independente e imparcial (artigo 14º do PIDCP);
ao segredo de justiça relativamente a alguns atos dos tribunais, em situações especiais e
excecionais, de modo a restringir o princípio da publicidade (artigo 14º do PIDCP); à
publicidade da sentença, exceto nos casos em que envolva interesse dos menores ou nas
ações relativos a litígios matrimoniais e tutela de menores (artigo 14º do PIDCP); a garantias
no âmbito do direito e processo penal (artigo 14º do PIDCP).
26 Nomeadamente: 1) o processo equitativo; 2) o processo sujeito à publicidade, salvo os casos que determinem
o segredo de justiça; 3) o julgamento sujeito à publicidade, salvo os casos que determinem o segredo de justiça;
4) a duração razoável do processo; 5) a independência e a imparcialidade dos tribunais; 6) a constituição prévia
do tribunal pela lei (proibição dos tribunais ad hoc); 7) a assistência judiciária a quem não disponha de recursos
suficientes; 8) o direito do réu ou do arguido de ser informado sobre a ação que contra si foi proposta; 9) o
tempo e meios necessários para o réu ou arguido oferecer defesa técnica, sendo-lhe garantido gratuitamente
um defensor oficioso; 10) a assistência gratuita de um intérprete caso o interessado não compreenda ou fale a
língua usada no processo; 11) o direito ao recurso perante instância nacional, mesmo quando a violação tiver
sido cometida por pessoa que atue no exercício de funções oficiais.
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27 Caso um tribunal português desrespeite uma dessas normas, quid iuris? O interessado poderá reclamar da
violação do seu direito de acesso à justiça, exigindo reparação, através da propositura de ação perante o Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem, por exemplo, ou perante o Tribunal de Justiça da União Europeia (art. 263º,
§ 4º, do TFUE). Também o Tribunal de Justiça da União Europeia pode ser acionado através de reenvio
prejudicial (o tribunal aqui é chamado a pronunciar-se sobre interpretação dos tratados e sobre a validade e
interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União – art. 267º do TFUE).
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