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BLOCO DE ESTUDOS DE DIREITOS

REAIS
Diogo Chiquelho (21545917)

Universidade Lusíada – Norte (Porto)


Direito – 3º ano
Direitos Reais

Ao Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria

Da Universidade Lusíada – Norte (Porto)

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Nota:

Estimado colega, redigi de boa vontade mais um Bloco de Estudos, desta vez da unidade
curricular de Direitos Reais, e venho apenas notar algo que já vem sido - e tem de ser - hábito.
Confesso que me deixa de pé atrás redigir blocos com um caráter tão técnico, pois são unidades
curriculares com uma vertente prática bem acentuada – e de outra forma não poderia ser – pelo
que toda a matéria abaixo dita tem de ser captada ao ponto da capacidade de aplicação prática.
Este trabalho é fruto da minha leitura, análise e interpretação das várias aulas assim como da
bibliografia que é indicada a seguir. Neste sentido, confesso - e foi nesse âmbito que se fez tal
trabalho - que apesar de poder ser uma preciosa ajuda ao estudo, não obsta a que possam
constar imprecisões e erros no texto, sejam elas técnicas, jurídicas, ortográficas e/ou científicas.
Neste sentido, quero salvaguardar que se poder fazer um estudo aprofundado o próprio
leitor/estudante isso será o ideal, salvaguardando-se destas questões. Nenhuma
responsabilidade será do autor ou do NEDSULP de qualquer caso que possa surgir no âmbito do
aqui notado e salvaguardado.

Um bem-haja académico,

Diogo Chiquelho.

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Bibliografia:

Direitos Reais de António dos Santos Justo, 5ª Edição, Coimbra Editora

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Tema 1: Introdução
Noção
Para quem conhece já as aulas do Doutor Santos Justo bem sabe que ele é seguidor da
advertência de Iavolenus de que em direito civil toda a definição é perigosa1. Não obstante isto,
importa definir Direito das Coisas sob pena do estudante de Direito não conseguir apresentar
uma noção desta disciplina. Assim, um direito real é um poder direto e imediato sobre um res
que a ordem jurídica atribui a uma pessoa para satisfazer interesses jurídico-privados nos
termos e limites legalmente fixados.
Indubitavelmente há um poder de domínio ou de soberania que o titular exerce sobre a coisa,
diretamente e imediatamente, sendo que aos demais sujeitos jurídicos lhes corresponde um
dever geral de abstenção, uma omissão, um non facere.
Estamos face a um direito subjetivo propriamente dito a que corresponde a obrigação passiva e
universal ou um dever geral de abstenção. Não obstante os direitos reais de aquisição, o
exercício de um direito real não constitui, modifica ou extingue uma relação jurídica, nem muito
menos estão os demais sujeitos passivos numa situação de necessidade de terem que suportar
as consequências do exercício do direito do titular do mesmo.2
Terminologia
Como se deve ter notado acima usei a designação de direito das coisas como também usei a
designação de direitos reais. Esta segunda está ligada à palavra latina res – que também fiz
questão de usar para criar uma correspondência – e que significa “coisa”. Já a designação de
direito das coisas provém essencialmente da influência que o nosso Código Civil recebeu do
Código Civil Alemão e que usava a passagem Sachenrecht e que é objeto de maior objeto de
estudo pela Teoria Geral do Direito Civil.
Apesar destas distinções – que diria insignificantes – é indiferente o uso de direito reais ou de
direito das coisas.
Influência Político-Económica
Sem dúvida que o direito das coisas tem uma influência na forma como a sociedade se
organizou, organiza e se organizará político-economicamente. Expressa a forma de economia da
sociedade que regula e expõe a ideologia em redor do qual aquela mesma sociedade civil
estrutura o seu quotidiano.
No direito romano, com as figuras de dominium ou, mais tarde, proprietas e da propriedade
bonitária ou bonorum possesio respetivamente correspondente ao direito civil e ao direito
pretório que se unificaram sob os conceitos de proprietas e dominium, sinónimos, e cuja
sociedade era economicamente fechada, agro-pastoril, polarizada em pequenos núcleos
correspondentes à família e que eram chefiados pelo paterfamilias, titular exclusivo dos poderes
do domínio.
Na Idade Média vemos uma economia feudal e a tradição do comunitarismo e que
determinaram a propriedade enfitêutica em que o domínio direto pertence ao senhor e o
domínio útil pertence ao vassalo ou agricultor enfiteuta que o pode transmitir inter vivos ou
mortis causa. O famoso contrato de enfiteuse, já não previsto no nosso ordenamento jurídico,
mas ainda muito relevante no ordenamento jurídico-civil dos países de língua oficial portuguesa
em África (Angola, Moçambique, etc).
Com a Revolução Francesa recuperou-se o domínio romano cujo Código de Napoleão consagrou
– estamos na Idade Contemporânea.

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Omnis definitio in iure civili periculosa est.
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Manuel de Andrade e Mota Pinto

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Com os países socialistas releva não só a propriedade pessoal dos cidadãos, mas, ainda, a
propriedade estatal e a propriedade cooperativa.
Fontes Cognoscendi
O Direito das Coisas é um ramo de direito privado, enquanto ingressante do direito civil
patrimonial, mas que, dada a sua natureza jurídica, é também aplicável nas relações jurídicas
que tenham por sujeitos o Estado ou demais pessoas coletivas públicas que atuem como
particulares e caso haja institutos jurídicos de direito público cujas raízes sejam correspondentes
a figuras jurídicas de direito privado.
As normas estão previstas essencialmente no Livro III do Código Civil que se designa por “Direito
das Coisas”. Os direitos reais de garantia como a consignação de rendimentos, o penhor, a
hipoteca, os privilégios creditórios especiais e o direito de retenção encontram-se no Livro II do
“Direito das Obrigações”. Os direitos reais de aquisição estão dispersos pelo Código como o
contrato-promessa ou o direito de preferência com eficácias real que se encontram no Livro II,
mas o direito de preferência do comproprietário consta do Livro III. Fora do Código temos, a
título de exemplo, o direito real de habitação periódica ou a matéria de registos, constante do
Código de Registo Predial ou, ainda, os casos de propriedade intelectual como os direitos de
autor ou de propriedade industrial. Não se esqueça, ainda, que o Código do Notariado releva
pelo facto de alguns negócios jurídicos relativos a direitos reais carecerem de intervenção
notarial e, ainda, das normas constitucionais relativas a estes direitos como os artigos 62º,
82º/3, 86º e 88º da CRP.

Tema 2: Características
Eficácia Absoluta/Erga Omnes
Com a noção que demos anteriormente de Direitos Reais3 facilmente se notará que os direitos
reais são direitos de exclusão, são iura excludendi, na medida em que os demais sujeitos
jurídicos têm um dever de se abster da prática de quaisquer atos que impeçam ou dificultem o
exercício do direito do titular do direito real sob a coisa. Assim sendo a eficácia destes direitos
é absoluta, é erga omnes, na medida em que este poder do titular do direito real é transversal
a todos os Homens, a todos os sujeitos juridicamente reconhecidos.
Esta característica nutre-se como razão determinante do princípio da tipicidade ou numerus
clausus e de onde se deduz as características de sequela ou de prevelência, que a seguir
abordaremos.
Mas a esta característica importam-se fazer algumas considerações que trazem exceção a esta
eficácia. Explicando recorrendo a exemplos: A vende um imóvel a B (874º+875º+879º) e o direito
real de transmissão de propriedade transmite-se por mero efeito do contrato pelo que, aos
olhos do direito civil, a propriedade é de B por força do previsto no art.408º/1 CC. Contudo o
imóvel é um bem sujeito a registo mas B não o faz, não se produzindo o efeito do art.1º/1
CRPredial. Caso A, após isto, venda a mesma casa a C que imediatamente regista então temos
um caso em que B não conseguirá fazer prevalecer o seu direito de propriedade face a C, pois a
compra e venda só produz efeitos face a terceiros mediante o registo, nos termos do art.5º
CRPredial. Assim facilmente se perceberá que B, apesar de legítimo proprietário e sendo titular
de um direito real sob a coisa não goza de eficácia absoluta, pois estamos face a um caso que a
oponibilidade face a terceiros carece de um prévio registo da res imóvel.

3
In Tema 1: Introdução – Noção; página 2

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Sequela
Falamos aqui do direito real de seguir a coisa que constitui o objeto daquele direito, para onde
quer que ela vá. A sequela é particularidade própria dos direitos reais nos termos da qual o seu
titular pode acompanhar a coisa, independentemente das suas vicissitudes, onde quer que ela
se encontre.4 É o que fundamenta a ação de reivindicação, em função do titular do direito real
ver reconhecido o seu direito e, ainda, que lhe seja restituída a res.
Mas a sequela pode manifestar-se de outras formas, nomeadamente na hipoteca, onde a
sequela se traduzirá na possibilidade do credor hipotecário fazer vender a coisa mesmo ela
pertencendo ao proprietário ao momento da constituição da hipoteca ou pertencendo ela a um
terceiro; num direito real de aquisição a sequela consistirá na faculdade de o titular deste direito
adquirir a coisa alienada por quem, num contrato-promessa com eficácia real (art.413º CC), num
pacto de preferência com eficácia real (art.421º CC) ou por previsão legal (art.1380º CC) se
vincule a dar preferência e não cumpra a sua obrigação.
Mas como indicamos para a eficácia absoluta também para a sequela indicamos exceções a esta
característica. Desde logo em caso de alienação de um imóvel ou de um móvel sujeito a registo
precedida de um negócio jurídico viciado e que leva à declaração de invalidade deste mesmo
negócio, os direitos adquiridos por terceiro de boa-fé e a título oneroso sobre a coisa não são
prejudicados, desde que a ação de nulidade ou de anulabilidade não seja proposta dentro dos
três anos posteriores à conclusão do negócio (art.291º/2 CC) ou, então, que o terceiro registe a
aquisição antes do registo daquela ação de declaração de nulidade ou de anulabilidade ou do
acordo das partes acerca da invalidade do negócio (art.291º/1 CC). Também em caso de
prioridade do registo a sequela vergará caso este não exista e a lei faça depender a oponibilidade
do direito real, primeiramente constituído, face a terceiros que adquiram direitos reais
incompatíveis com aquele primeiro, parcial ou totalmente, daquele mesmo registo (arts. 5º, 6º,
7º CRPredial).
Ainda, em casos que um não proprietário venda a coisa a alguém, sendo este alguém um sujeito
de boa-fé, pode o proprietário exigir a coisa daquele sujeito de boa-fé, desde que haja prestação
do preço pago pelo sujeito de boa-fé ao sujeito que faz a venda ilegitimamente, não obstante
direito de regresso do proprietário face àquele último. (art.1301º CC)
Prevalência
Também designada por preferência, consiste na prioridade dos direitos reais face aos direitos
de crédito, ou seja quando dois – ou mais – direitos, um deles real e o outro de crédito, estão
em contraposição, prevalecerá o direito real. Mas também é característica única do direito real
primeiramente constituído quando outros posteriores, total ou parcialmente, são
incompatíveis com aquele primeiro e, assim, lhe atribui prioridade5. O art.408º/1 CC – tão
nosso conhecido – apoia também nesta característica, na medida em que com a imediata
transferência do direito real por mero efeito do consenso, a eficácia absoluta oferece logo
preferência sobre qualquer outro direito real posteriormente constituído sobre o mesmo objeto
e incompatível com aquele primeiro.
Mas a prevalência é motivo de discussão e divisão na doutrina pois temos, essencialmente,
quem recuse que a prevalência seja sequer uma característica dos direitos reais, temos quem,
opostamente, a considera característica destes direitos e, ainda, temos quem entenda que tal
característica só é visível a prevalência nos direitos reais de garantia sobre a mesma res. Quanto
àquela primeira doutrina temos Menezes Cordeiro que afirma que a prevalência apenas
transmite uma imagem - que não é cientificamente rigorosa - de que os direitos reais são direitos

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Consideração de Menezes Cordeiro
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prior in tempore, potior in iure

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Direitos Reais

opostos a não direitos. Já na segunda perspetiva, de que a prevalência é característica dos


direitos reais, temos Pires de Lima ou Oliveira Ascensão que, em termos básicos, consideram a
prevalência como “uma força” atribuída ao titular do direito real que lhe permite afastar direitos
de crédito ou direitos reais incompatíveis com o dele, quando tenha sido o primeiramente
constituído. Já quanto à última posição destaca-se Pinto Coelho, pois desde logo acredita que
não se pode dar prevalência a direitos de natureza distinta, como os direitos reais vs. direitos de
crédito, ou entre direitos de natureza similar mas com espécie diversa, como o caso do usufruto
vs. servidão, ou até, ainda, direitos com a mesma natureza e espécie e que não conflituem, como
os direitos dos comproprietários, ou seja nem sequer se pode criar uma oposição entre ambos
os direitos. Pinto Coelho fala ainda de uma não possível oposição entre direitos e não direitos,
ou seja, e tentando recorrer a exemplificação para explicação, A que vende uma mesma res a B
e, após esta venda, a C. Ora esta segunda venda é nula, por força do instituto da venda de bens
alheios (892º CC), dado a propriedade ser de B por mero efeito do contrato (408º/1 CC) pelo
que C nem sequer viu produzir-se na sua esfera jurídica nenhum direito real sob aquela coisa
pelo que não podemos falar de uma oposição entre o direito real de B e o direito real de C, pois
este último não existe. Assim, e por exclusão, esta característica só será pautável nos direitos
reais de garantia.
Mas é preciso notar-se que tal característica que abordamos não é exclusiva dos direitos reais
– para quem entenda que é, sequer, uma característica dos direitos reais – ou, então, dos
direitos reais de garantia. Assim, também se notam direitos de crédito com esta “força”,
destacando-se o privilégio mobiliário geral, onde não se incidindo o direito sobre uma coisa certa
e determinada mas, sim, sobre o património do devedor (art.735º/2 CC) então este não é um
direito real, mas é um direito De crédito , mas, ainda assim, capaz de prevalecer sobre os demais
credores comuns do devedor (art.733º CC). Também a concessão a diferentes sujeitos, por
contratos sucessivos, de direitos pessoais de gozo incompatíveis entre si então prevalecerá o
direito mais antigo, não obstante as regras do registo, como, por exemplo, A que arrenda a B e,
depois, a C o mesmo imóvel para o mesmo período de férias então prevalecerá o direito de B,
por ter sido o primeiramente constituído (art. 407º CC).
Novamente, são bem visíveis exceções à prevalência onde, por exemplo, nem sempre o direito
real mais antigo será o predominante sobre o mais recente. Posto isto, temos o registo que
confere prioridade e eficácia do direito face a terceiros que não registaram a aquisição e aos
demais sujeitos do ordenamento jurídico (arts. 5º e 6º CRPredial). Temos, ainda, os privilégios
creditórios imobiliários que exercem preferência sobre a consignação de rendimentos, a
hipoteca e sobre o direito de retenção mesmo que anteriormente constituídos (art.751º CC).
Inerência
Esta característica traduz-se no contacto e na ligação que o direito real tem à coisa que se
configura como objeto do direito e pela qual passa a satisfação do interesse do titular. Assim
sendo caso o objeto mude então o direito real não subsiste, pois o direito real mantem uma
ligação íntima aquele mesmo objeto, sendo que à mudança de objeto está inerente uma
mudança de direito real sobre a coisa.
Outras Características
A doutrina refere algumas características que necessitam de uma espírito crítico na sua análise.
Apresentamos, desde logo, a violação onde se afirma que um direito real só é violado por uma
actio, por um comportamento positivo e um direito de crédito só será violado por uma omissão.
Assim, os direitos de crédito têm por objeto prestações de facto positivo ou prestações de coisa,
enquanto que os direitos reais exigem uma obrigação passiva dos demais sujeitos, ou seja, e
opostamente, direitos reais esses violáveis por um comportamento positivo.

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Direitos Reais

Ainda falamos da aquisição por usucapião onde a maioria dos direitos reais de gozo são
suscetíveis de serem adquiridos por usucapião (art.1287º CC), não obstante as servidões
prediais não aparentes e o direito de uso e habitação (art.1293º CC) ou os direitos reais de
garantia e os de aquisição, o que não acontece com os direitos de crédito.
Temos quem considere, ainda, que os direitos reais são dotados de permanência, por oposição
aos direitos de crédito que são meramente transitórios. Contudo Santos Justo recusa esta
característica caso ela seja tida como perpetuidade, onde estará mais do que visto que há
direitos reais temporários como o direito de usufruto, ou caso signifique estabilidade, onde a
permanência será meramente tendencial, dado termos direitos reais que se extinguem pelo seu
exercício como os direitos reais de garantia e os direitos reais de aquisição. Ainda recusa, em
contraponto, por considerar que a transitoriedade nem sempre consta dos direitos de crédito
dado haver obrigações de facto, positivo ou negativo, que têm caráter permanente.
Tutela Forte
As características de sequela e de prevalência conferem aos direitos reais uma tutela especial e
fortificada. Assim sendo, há certos expedientes capazes de melhor proteger estes direitos.
Desde logo, temos a venda com reserva de propriedade (art.409º CC) que permite que, por
regra, numa venda a prestações o credor reserve para si a propriedade da coisa – adiando-se o
previsto no art.408º/1 CC – sendo que o devedor, apesar de poder usar a coisa, só adquire o
direito real de propriedade sobre ela aquando do integral pagamento do valor do pretium. Evita,
desta forma, o credor que venha a sofrer com demais credores do devedor.
Temos, ainda, o leasing onde em função de se evitar o mútuo, ou seja de se facultar o valor
monetário para a compra de uma coisa, uma empresa compra essa mesma coisa e cede ao seu
cliente o uso da coisa mediante o pagamento de prestações que, mediante cláusula prévia
prevista na contrato, a transferência da propriedade sobre a coisa transfere-se para o cliente
aquando de uma certo e previsto número de prestações. Ao fim ao cabo há reserva de
propriedade implícita sobre a coisa até que o cliente cumpra com as prestações acordadas.

Tema 3: Princípios Estruturantes


Princípio da Coisificação
Os direitos reais versam sobre coisas e nunca sobre pessoas ou demais bens não coisificáveis.
Contudo, coisas serão as coisas corpóreas ou físicas, mas ainda as coisas incorpóreas que são
suscetíveis de serem objeto de direitos reais, contudo restringe-se as coisas àquelas corpóreas,
desde logo porque essa parece ser a vontade do nosso Código Civil no art. 1302º CC, onde é
previsto isso mesmo, ou seja que as coisas corpóreas são o único objeto do direito de
propriedade, mas, ainda, porque remete a propriedade intelectual para legislação especial e
avulsa no art. 1303º e dado ser o elenco das coisas incorpóreas muito extenso.
Princípio da Especialidade ou da Individualização
Deve o objeto dos direitos reais ser uma coisa certa e determinada e, assim, ter existência
atual. Por isto, não há direitos reais sobre coisas genéricas, sendo que é necessária a sua certeza
e determinação e o mesmo vale para as coisas que já relativamente foram individualizadas mas
ainda não separadas ou autonomizadas de outras coisas, como as partes componentes ou partes
integrantes, onde o direito recai sobre a unidade, o conjunto. Nestes moldes, um direito real só
incide sobre a coisa objeto desse direito e nunca por mais do que isso, ou seja mesmo que haja
duas coisas iguais e sejam propriedade do mesmo sujeito temos dois direitos reais inerentes a
cada uma daquelas coisas.
Em casos em que falamos de transferência de direitos reais sobre coisas futuras ou
indeterminadas então o direito de propriedade só se transfere aquando da aquisição pelo

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alienante dessa coisa ou então seja determinada com o conhecimento das partes. Em caso de
se tratar de frutos naturais ou de partes componentes ou integrantes então a transferência só
opera aquando da colheita ou da separação (art.408º/2 CC), pelos motivos já acima descritos.
Princípio da Totalidade da Coisa
Por regra, o objeto de um direito real será a coisa na sua integralidade, na sua totalidade. Não
obstante os direitos que podem incidir sobre parte de uma coisa, como a hipoteca sobre um
apenas apartamento de um prédio em propriedade horizontal (art.688º/2 CC), onde aquela
fração autónoma é, também, parte de uma coisa: aquele prédio. Assim sendo, importará definir
e, nesses termos, distinguir elementos componentes ou integrantes de uma coisa e elementos
acessórios ou pertenças.
Os elementos componentes ou integrantes são coisas móveis ligadas materialmente a um
prédio com caráter de permanência pelo que não se separam daquele imóvel sem a destruição
do prédio ou sem que se torne incompleta ou imprópria para integrarem ou constituírem aquela
coisa. Estes elementos seguem a unidade da cosia que integram ou constituem. Relevam estes
elementos neste princípio no que toca à nulidade dos pactos de reserva do domínio (pacta
reservati dominii) na venda de coisas que se destinam a ser integradas na estrutura dum imóvel
porque, sendo confundidas na unidade, não se podem individualizar ou identificadas.
Já coisas acessórias ou pertenças são coisas móveis que, apesar de não serem elementos
integrantes, estão, de forma duradoura, afetadas ao serviço ou ornamentação de uma outra
coisa principal. Assim sendo, o negócio jurídico sobre aquela coisa principal não importa a coisa
acessória, salvo convenção em contrário (art.210º CC). Estas coisas já são individualizáveis e
identificadas no seio da coisa principal, podendo gozar de autonomia e serem suscetíveis de
serem objeto de pactos de reserva do domínio. São, por exemplo, as alfaias e máquinas agrícolas
ao serviço da exploração de um prédio ou os objetos de uma casa em função da comodidade de
quem lá reside, como o frigorífico.
Princípio da Compatibilidade
Nos termos deste princípio, um direito real sobre determinada coisa só subsiste na medida em
que este seja compatível com outro direito real sobre a mesma coisa. Nestes moldes, o poder
direto e imediato sobre aquela coisa afasta que haja outro poder direto e imediato sobre a
mesma coisa, caso estes sejam incompatíveis. Não serão incompatíveis o concurso de direitos
reais de caráter distinto - como os direitos reais de gozo e os direitos de garantia ou direitos
reais de aquisição ou entre os próprios direitos de garantia – ou, então, direitos reais de gozo
em que a propriedade é restringida dado um outro menor direito real sobre o mesmo objeto –
como a propriedade e o usufruto/uso e habitação/direito de servidão predial/direito de
superfície sobre a mesma coisa ou o usufruto e um direito de servidão, etc.
Princípio da Elasticidade ou da Consolidação
Um direito sobre uma certa res tende a expandir-se ou a reexpandir-se em função de alcançar
o máximo de utilidades que pode proporcionar através do alcance das faculdades que
abstratamente contém. Quer isto dizer que caso seja um direito real restringido por um outro
– por exemplo a propriedade que é restringida pelo usufruto – aquando da extinção deste último
direito aquele primeiro que foi restringido irá expandir-se em função de alcançar o máximo de
utilidades que consiga – ou seja, quando o usufruto se extinguir quererá dizer que o proprietário
terá na sua esfera jurídica novamente o direito de usar e de fruir, que antes estava com o
usufrutuário. A este propósito fala-se de uma estrutura elástica dos poderes, onde sendo
afetado o direito ou havendo novas oportunidades para o direito, este de reexpandir-se de
forma a alcançá-las e possibilitar ao seu titular uma maior utilidade.

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Mas atente-se que a elasticidade é contestada quanto à sua plenitude enquanto princípio, pois
não se pode bem afirmar que certos direitos reais menores ou os direitos reais de garantia e de
aquisição são dotados de elasticidade, pois não o são.6
Princípio da Transmissibilidade
Significa este princípio que os direitos reais são livremente transmissíveis inter vivos e mortis
causa (art.62º/1 CRP). Ora, claro está que quando falamos de inter vivos – “entre vivos”
obviamente que negociar só conseguem os vivos, contudo esta passagem latina quer dizer que
as constituição de direitos é imediata, não tendo que aguardar pelo efeito da morte, como no
caso da mortis causa, para serem verificados os efeitos ambicionados com o negócio jurídico.
Mas a este princípio notam-se algumas exceções, nomeadamente o usufruto, que não é
transmissível mortis causa dado não exceder a vida do usufrutuário (art. 1443º CC), sendo
alienável inter vivos (art.1444º/1 CC) até à extinção do direito que se dá, também, pelo
falecimento do transmitente. Considera-se que o usufrutuário não transmite o seu direito de
usufruto, mas, transmite sim, o exercício. Temos, ainda, o direito de uso e habitação que é
intransmissível (art. 1488º CC), dado o seu caráter estritamente pessoal que leva a que, também,
não possa este direito ser onerado com uma garantia real. Mas aqui importa fazer umas poucas
considerações. É que no caso do cônjuge a quem não caiba, na partilha da herança, a casa e o
recheio pode constituir-se este direito (art.2103º -A CC). O mesmo se pode dizer, mutatis
mutandis, no tocante à casa morada e família em caso de morte do membro da união de facto
proprietário da casa (art.4º/1 da Lei 7/2001, de 11 de maio) ou em caso de morte do proprietário
da casa de morada comum e que vivesse em economia comum com outra pessoa, há mais de
dois anos (Lei 6/2001, de 11 de maio). Apesar de tudo isto, não se pode bem falar de transmissão
do direito de uso e habitação, mas sim de uma constituição ope legis. No tocante às servidões
prediais constitui-se um encargo a um prédio-serviente em favor de outro prédio-dominante
(art.1543º CC) e tal servidão fica inseparável daqueles prédios (art.1545º/1 CC) de maneira a
que não seja possível transmitir a servidão sem transmitir o prédio, excetuando, desta forma, a
livre transmissibilidade. Já no que toca aos direitos legais de preferência estes são direitos reais
que se traduzem em os seus titulares gozarem do direito de preferência na venda ou na dação
em cumprimento do prédio em compropriedade ou arrendado. Ora naturalmente se nota que
estes direitos de preferência não se separam das situações objetivas a que foram atribuídos pelo
que a sua transmissão se efetua com o acompanhamento do direito aquando da sua
transmissão. Neste ponto importa avaliar a validade da alienação do direito de propriedade pelo
comprador que assumiu não o transmitir. Para melhor expor o problema: imagine-se que A
vende o prédio a B que, por sua vez, comprometeu-se com A a não o vender. O que está aqui
em causa é aferir da validade real daquela convenção em que B garante a A que não venderá a
res objeto do – agora seu – direito real. Posto isto, a doutrina entende que caso se trate de uma
cláusula de inalienabilidade perpétua então que tal é inválida e nula por ofender o estatuto da
propriedade (art.1305º CC), pois entende a doutrina que consta do direito de propriedade a
faculdade de alienação. Agora caso se trate de uma cláusula de inalienabilidade temporária
então estas serão já válidas mas meramente com eficácia obrigacional, desde que correspondam
a um interesse legítimo de uma das partes ou de um eventual terceiro ou, até, ao interesse
público e caso se situem dentro do lapso temporal razoável, aferível em função do caso
concreto. Apesar disto há situações onde a lei permite que a cláusula de inalienabilidade
produza efeitos reais como, por exemplo, a doação com reserva de o doador dispor, quer inter

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Nota de Orlando Carvalho, Manuel Albaladejo, Menezes Leitão e José Alberto C. Vieira e com a qual
Santos Justo concorda: -É uma posição correta – rodapé nr.87 da pág.38 in manual indicado na
bibliografia.

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vivos quer mortis causa, da coisa objeto da doação (art.959º/1 CC) onde apesar de doar A para
B uma coisa aquele reserva para ele o direito de ser ele a dispor da coisa, apesar da titularidade
da propriedade ser de B. Mas é, também, o caso das substituições fideicomissárias (art.962º CC)
onde A doando coisa a B este último fica impossibilitado de a dispor, pois a coisa irá, mortis
causa de B, ser transferida a sua propriedade para C, fugindo assim àqueles que seriam,
normalmente e previsivelmente, os herdeiros de B. Note-se, ainda, que só tem força real a
cláusula que for registada, nos termos do art. 94º/b) CRPredial. Nestes termos, e atentando ao
princípio do numerus clausus (art.1306º CC), estas situações de restrições a direitos reais só
serão válidas aquando de tipificação/previsão de tais restrições na lei, validando-as.7
Princípio da Consensualidade
Como já é sabido, por mera conclusão do contrato o direito real transmite-se para o adquirente
do mesmo no seio do contrato em causa. Assim sendo, não carecem estes efeitos reais de um
outro acontecimento jurídico para que veja a sua produção efetivar-se, por regra. Basta o
consenso das partes para a produção de efeitos reais no contrato (408º/1 CC).
Mas tudo isto foi produto de uma evolução histórica e de uma opção tida pelo legislador, dado
a compra e venda, até ao código civil de 1867, produzia meramente efeitos obrigacionais, onde
as partes obrigavam-se a transferir a propriedade em ato posterior ao da conclusão do contrato.
Foi o Código Civil Francês de 1804 que inspirou o nosso, adotando, assim, uma nova solução
nesta matéria: a do princípio da consensualidade.
Princípio da Tipicidade
Taxatividade ou Numerus Clausus são outras designações para este princípio. O nome já não
deixa enganos – assim como outros neste elenco de princípios – onde se imediatamente fala da
necessidade de tipificação e de previsão legal de certo direito real para que este possa ser
constituído ou modificado. Ou seja, só há direitos reais na medida em que a lei assim os prevê,
não obstante casos excecionais, como a propriedade horizontal (arts. 1419º, 1421º/3, 1424º/2,
1426º/1 CC), o usufruto (art.1445º CC) ou as servidões (art.1567º CC).
Deve conciliar-se este princípio com os designados “tipos abertos”, onde as partes gozam de
faculdade na fixação do conteúdo, alargando ou diminuindo o conteúdo desses mesmos
direitos. Faz-se tal conciliação, pois não se pode permitir uma tamanha modelação destes
direitos que leve a que se perca a identificação do mesmo enquanto direito real, onde se perdem
os traços essenciais ou subvertem-se aqueles.
Este princípio vê o alcance da sua importância, pois impede a proliferação de direitos reais
arbitrariamente, impede constrangimentos à livre circulação e ao bom comércio jurídico.
Note-se, ainda, que este princípio é aplicado aos direitos reais e não aos negócios jurídicos que
constituem os direitos reais, pois estes podem ser atípicos ou inominados e, mesmo assim,
produzir efeitos reais igualmente. Aos negócios jurídicos aplicamos o princípio da liberdade
contratual, nos termos do art.405º CC.
Nada afasta, ainda, a possibilidade de o legislador prever outros direitos reais, através da sua
visão legislativa.
Um problema que a doutrina vem insistindo a discutir é o de se aferir se o costume pode, ou
não, criar direitos reais. Ora a resposta dependerá da admissibilidade do costume como fonte
de direito ou não, sendo que se se admite o direito consuetudinário como fonte de direito então
admitir-se-á que o costume pode criar direitos reais e vice-versa.
No mesmo plano note-se que a aplicação de normas por analogia nunca poderá levar à criação
de direito reais.

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Casos com enorme relevância prática, em sede de avaliação

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Outro problema que é, ainda, muito debatido e urge ser esclarecido, pois a letra da lei assim não
o permite é o de esclarecer o importante artigo 1306º/1 CC. Ora, a primeira parte daquele
disposto impede que restrições e figuras parcelares sejam constituídas ao direito de
propriedade, mas, a segunda parte, refere já que toda a restrição, e outros direitos reais atípicos,
são convertidos em direitos de crédito. Isto cria, notoriamente, questões onde a doutrina coloca
a questão de se a conversão é meramente aplicável às restrições ou se não é também aplicável
às figuras parcelares, entre outro tipo de questões. Ora, abordemos ligeiramente as posições
doutrinárias. Entende, uma parte da doutrina, que o vocábulo “restrições” tem um sentido
amplo pelo que compreende as restrições propriamente ditas e as figuras parcelares e, por esta
via, aplica-se a conversão prevista naquela norma. Contudo, assistimos aqui a um atropelo à
vontade das partes, dado que não é questionado às partes se estas pretendem, de facto, que
em vez de direitos reais se constituam, na sua esfera jurídica, direitos obrigacionais. Cai assim
esta posição. Noutra posição temos quem distinga as restrições e as figuras parcelares,
oferecendo uma solução para cada um dos casos. Assim se se pretender restringir o direito de
propriedade então estamos face a uma nulidade por contrariar uma disposição legal e
imperativa que é o art.1306º/1 CC e por força do art.294º CC, mas dado presumir esta posição
que as partes pretendiam criar um vínculo obrigacional e não um vínculo real então as restrições
são válidas, enquanto que obrigacionais. O mesmo se sucede nas figuras parcelares, feridas de
nulidade quando não previstas na lei (1524ºCC, 1389ºssCC) e quando constituídas no direito de
propriedade, contudo aqui aplica-se a conversão no termos gerais do art.293º CC. Ora, esta
posição é criticada ao afirmar-se que se altera a vontade da lei ao trocar-se a conversão legal
numa presunção legal e dado ser o art.1306º CC uma norma imperativa então nunca poder-se-
ia tratar duma presunção legal, pois estas são ilidíveis pelas partes. Assim esta interpretação
corretiva não pode ser admitida, em função de atentar a vontade do legislador. Assim, a solução
encontrada e que até encontrou pacificidade na doutrina é a de que as restrições e as figuras
parcelares de direitos de propriedade que não são capazes de serem figuras reais, então os
negócios onde foram constituídas produzirão efeitos obrigacionais, desde que as partes não os
recusem.
Princípio da Publicidade
Em nome da segurança e da certeza jurídica devem certos direitos reais ser conhecidos – ou
pelo menos conhecíveis – pelos demais sujeitos jurídicos, pois são casos em que a situação
jurídica das coisas necessita de ser pública, em função de um fluente tráfico jurídico.
Alcança-se a publicidade da seguinte forma: com o formalismo negocial onde, por exemplo com
a escritura pública, se consegue dar publicidade ao negócio e ao tráfego de direitos reais em
questão, apesar de primordialmente destinar-se a ser forma negocial com o objetivo de
defender as partes com esta prova documental; com a posse, que dá publicidade sobretudo nas
coisas móveis sujeitas a registo, pois o possuidor gozará da mesma presunção do proprietário:
de que a coisa lhe pertence. Assim, tendo o possuidor a coisa e usando dela, os demais sujeitos
presumirão de que aquela coisa lhe pertence, sendo que de um facto conhecido retiram o facto
desconhecido, havendo lugar a uma presunção iuris tantum (1268º/1 CC); através do registo
predial, que a lei exige para certas situações, quer o legislador que o público conheça da situação
jurídica de uma coisa imóvel ou móvel sujeita a registo, exigindo-se assim mais uma formalidade
legal que em caso de não ser respeitada não haverá lugar à invalidade do negócio, contudo
poderão surgir graves implicações para o titular do direito real que devia ter registado e não
registou, mas quanto ao registo falaremos mais à frente.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Tema 4: Modalidades
Direitos Reais de Gozo
São direitos reais de gozo aqueles cujo titular tem o poder ou a faculdade de utilizar, total ou
parcialmente, a coisa que têm como objeto do seu direito sendo que poderão, eventualmente,
apropriar-se, total ou parcialmente, dos frutos de produza tal objeto. São estes que,
claramente, conferem ao titular do direito o famoso ius utendi, fruendi et abuendi (o direito de
usar – que consiste no poder de utilizar a coisa – o direito de fruir – que consiste no poder de
retirar utilidades económicas, ou seja os frutos naturais e civi, que a coisa produza – e o direito
de dispor – onde pode o titular alienar, onerar ou até renunciar da titularidade do direito real).
Os direitos reais de gozo têm um conteúdo mais ou menos amplo, por exemplo note-se a
propriedade que, quando plena, é o maior dos direitos reais, destacando-se por conferir ao seu
titular toda aquela trilogia clássica ainda agora acima mencionada, sendo que temos ainda o
usufruto, onde apenas tem o titular deste direito real o poder de usar e fruir e, ainda com menos
amplitude, temos o direito de uso e habitação ou o direito de servidão, onde poderá o seu titular
meramente usar.
Fazendo aqui um elenco dos direitos reais de gozo temos então o direito de propriedade
(art.1305º CC), a propriedade horizontal (art.1414º CC), o direito e usufruto (art.1439º CC), o
direito de uso e habitação (art.1484º CC), o direito de superfície (art.1524º CC), de servidão
predial (1543º CC) e o de habitação periódica (DL 275/93, de 5 de agosto).
Direitos Reais de Aquisição
São direitos reais de aquisição aqueles em que o seu titular tem a faculdade de, em certos
casos, adquirir um direito real de gozo sobre uma coisa. Temos como exemplo os contratos-
promessa com eficácia real ou os pactos de preferência com eficácia real, onde terá o
promitente-comprador um direito real de aquisição sobre a coisa objeto daquele contrato
preparatório do contrato final de compra e venda.
Direitos Reais de Garantia
São direitos que dão uma maior força e proteção ao credor titular deste direito real, dado
conferir-lhe prevalência sobre os demais credores do devedor que têm em comum, sendo que
o pagamento pode ser feito através do valor ou dos rendimentos de certos bens. Assim, são
direitos que asseguram a satisfação de direitos de crédito, o que lhes confere aquela tal posição
de preferência aquando da prestação do devedor das suas dívidas.
Para além dos direitos constantes do Livro II do Código Civil temos outros no direito processual
civil.

Tema 5: Natureza Jurídica


Teoria Clássica ou Realista
Para esta teoria o direito real consiste num poder direto e imediato sobre uma coisa que é
certo e determinada, pelo que não há necessidade de um intermediário entre o titular e objeto
do direito. Isto facilmente se entende quando se compara com um direito de crédito, pois este
para o titular do direito aceder ao objeto carece da mediação da outra parte, do devedor.
Vigente sem grande contestação até ao séc.XIX tem as suas bases na Idade Média e na Escola
dos Glosadores e dos Comentadores – já nossas conhecidas de História do Direito Português –
que a partir do conceito romano de ação real (actio in rem) elaboraram teses que foram
desenvolvendo este conceito até ao conceito de direito real, tendo em conta muito a forma de
estruturação das ações de reivindicação.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Destacaram-se como críticas o facto de o direito ser um fenómeno social vigente devido aos
Homens viverem em relação, pelo que criar uma relação entre o Homem e uma coisa parece um
bocado alegórico e irrealista. Mais: afirma-se que o poder direto e imediato sobre uma coisa é
apenas consequência jurídica do dever de abstenção universal. Acresce, ainda, que há direitos
reais que não atribuem qualquer poder direto e imediato sobre a coisa, como a hipoteca, por
exemplo, e, opostamente, há direitos que não tendo natureza real conseguem atribuir tal poder
conferindo uma atuação jurídica próxima de, pelo menos alguns, direitos reais, como é o caso
dos direitos pessoais de gozo.
Teoria Personalista
Com força no séc. XIX e apresentada pela pandectística alemã de Windscheid e Thön e, depois,
por Roguin e Planiol com fortes inspirações no pensamento de Kant que apresenta a
intersubjetividade enquanto elemento essencial da relação jurídica. Assim, o direito real é visto
como um poder atribuído a uma pessoa que tem o poder de afastar as demais pessoas de
qualquer contacto com a coisa, objeto do seu direito, desde que seja incompatível com o seu
direito. Assim sendo, notar-se-á que é substituída aquela relação que o Homem tinha com a
coisa por uma relação que o Homem-titular tem com os demais Homens, estes sujeitos a uma
obrigação universal passiva.
Destacam-se as críticas que afirmam que esta é uma posição que ignora o conteúdo do direito
e sobrevaloriza a sanção, pois o direito é protegido com o tal dever de non facere, no entanto
não se entende bem qual o conteúdo do direito concretamente. Mais: se assim é, então esta
obrigação não tem um caráter patrimonial, pelo que não pode ser contrapartida de um direito
real. É, ainda, ignorado o núcleo da relação real, que se compõe pela soberania do titular sobre
a coisa e por isso mesmo é que o dever geral de abstenção, enquanto efeito de tal soberania, o
que leva ao ponto de aplicar a todos os Homens tal dever, mesmo àqueles que não tenham
qualquer suscetibilidade de violar aquele direito, exagerando-se, pois deve atentar-se que só
têm aquele dever os sujeitos suscetíveis de violar o direito real em questão.
Teoria Eclética ou Mista
Surgida na Alemanha com Bekker, rapidamente se espalha pela Itália, pela Espanha, França e
por Portugal e – daí ser mista – procurou uma conciliação daquelas duas teorias acima
abordadas.
Assim sendo, esta teoria apresenta duas faces: a interna e a externa. A face interna traduz-se
no poder direto e imediato sobre uma coisa e, portanto, corresponde este lado interno ao
plano funcional e instrumental, o que permite diferenciar vários direitos reais. Esta é conceção
que se recuperou da teoria clássica, como se notará. A face externa identifica a relação entre
o titular do direito real e as demais pessoas, correspondendo ao plano estrutural ou essencial,
aproveitando-se isto da teoria personalista.
No seio desta teoria há, ainda, várias aceções tendo quem entenda que deve acentuar-se a
relação universal titular-sujeitos passivos, sem nunca afastar o plano interno e, opostamente,
há quem dê ênfase aos poderes do titular sobre a coisa, considerando ser o plano externo um
reflexo da tamanha posição do titular do direito real, como defende Henrique Mesquita.
Enquanto críticas, sofre das críticas que as outras duas teorias anteriores já sofriam, acrescendo-
lhe outras. Refere-se que a harmonia que se tenta fazer é meramente verbal e aparente e que
não pode haver faces do direito e numa relação jurídica. Ou seja, esta harmonia não satisfaz por
não dar ênfase ao cerne do problema e é pouco esclarecedora.
Apesar de tamanhas críticas continua a considerar-se a teoria eclética a mais capaz de retratar
o regime dos direitos reais.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Tema 6: Figuras Ligadas aos Direitos Reais


A Obrigação Real
Noção
Também designável por propter rem ou por ob rem é classificada como o vínculo jurídico em
que o titular de um direito real se configura como devedor, pois encontra-se adstrito para com
outrem à realização de uma prestação positiva, de facere, outrem esse que será o credor e
que pode ou não ser titular de um direito real. Havendo tal titularidade falamos de um crédito
propter rem. Tentado expor aqui com um cariz mais acessível, será obrigação real aquela em
que o titular do direito real tem um dever jurídico positivo para com outrem em virtude de ser
titular daquele direito real que importa tal obrigação, dado o seu caráter. Ou seja, são
obrigações acrescidas e especiais que o titular do direito real tem. Enfatiza-se, aqui, a
necessidade de ser tal obrigação como uma prestação de facere ou de dare, na medida em que
se exige que o titular tenha uma ação efetiva, pois se não é exigida tal ação, tendo apenas o
titular do direito real de se abster de algumas atuações, já não é tal dever jurídico tido como
uma obrigação real. É exemplo da obrigação real o disposto no art.1567º/1 CC (aquando do
proprietário de terreno onerado com servidão predial em favor de outrem admitir pagar as
despesas que resultem de obras necessárias no exercício daquela servidão) ou no art. 1350º CC
(onde o proprietário de edifício ou obra que ameace ruir tem que tomar as devidas e necessárias
providências para eliminar o perigo). Não é já exemplo de obrigação real pelo motivo referido
acima – de que se exige uma abstenção pelo titular/devedor – o disposto no art.1347º/1 CC, ou
no art.1351º/2 CC, ou no art.1348º/1 CC.
Para além daquelas obrigações reais que a lei prevê, entende a doutrina que em função de uma
maior proteção de certas posições jurídicas, deve estender-se esta classificação em alguns casos,
nomeadamente àquelas obrigações que resultam de alguém, titular de um direito real, violar,
no exercício desse direito, o direito real de outrem e assim ter a obrigação de compor, destruir,
etc. Por exemplo, o proprietário de prédio rústico que desvia o curso natural de águas pluviais e
que, assim, agrava a situação dos proprietários dos prédios inferiores quando não há servidão
de escoamento (1351º/2 CC) deve, então, desfazer aquilo que fez e tornar a situação
semelhante àquela que se pautava antes à prática daquele facto ilícito. Mas o mesmo acontece
no caso do proprietário de prédio urbano que abre janela virada para o prédio vizinho a menos
de metro e meio da linha divisória (1360º/1 CC) pelo que deve, portanto, tapar a janela ou
transformá-la numa abertura cujas medidas obedeçam aos limites que a lei prevê (1363º/2 CC).
O Regime Jurídico
A conexão das obrigações reais com os direitos reais impõe desvios ao regime geral das
obrigações. Note-se que, apesar de falarmos de direitos reais, não deixa de ser a obrigação real
uma obrigação, ou seja há uma certa componente - e forte – creditícia. Destacam-se, no que
toca a estes tais desvios: a subordinação ao princípio da tipicidade ou do numerus clausus, ou
seja, as obrigações reais estão tipificadas necessariamente na lei8; no que toca à prescrição da
obrigação real esta irá manter-se na medida que se mantenham os pressupostos que a
fundamentam, não obstante a constituição por usucapião de direito incompatível, ou seja e por
exemplo, caso tenha o titular de fazer certa obra para evitar o gotejamento sobre prédio vizinho
este não terá de prestar tal obrigação caso adquira uma servidão de estilicídio, por força do
art.1365º CC; mediante renúncia liberatória pode o titular/devedor, através deste ato, por o seu

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Isto não afasta em nada a consideração doutrinal feita anteriormente da extensão da classificação real
a certos casos por necessidade de tanto, pelo mero facto de que mesmo essas obrigações estão tipificadas
legalmente, contudo são vistas como reais.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

direito real à disposição do credor e, necessariamente, extinguirá a sua obrigação real. Esta
renúncia efetua-se através de uma declaração unilateral recetícia em que o devedor dirige ao
credor a sua pretensão de se liberar daquela obrigação, e, assim, a partir do momento em que
chegue ao conhecimento do credor esta pretensão ela deixa de ser mera pretensão para
alcançar a efetivação onde automaticamente se extingue a obrigação real sem que possa o
credor fazer o que quer que seja, ou seja, este é um direito potestativo.
A Natureza Jurídica
Há essencialmente duas doutrinas que abordam a natureza jurídica das obrigações reais. A
teoria personalista afirma que se trata aqui de um vínculo obrigacional e que é acessório, não
autónomo, da relação jurídica real e tal acessoriedade é o que fundamenta os desvios acima
descritos ao regime geral das obrigações. A teoria realista considera que a obrigação real faz
parte do conteúdo do próprio direito real, embora constitua-se estruturalmente como uma
verdadeira obrigação.
A teoria personalista é a dominante e por aqui também segue Santos Justo, na medida em que
o seu conceito de direito real passa por ser um direito subjetivo e parece-lhe inadequado
compreender nestas relações jurídicas as obrigações reais. Assim entende que esta teoria
considera as obrigações reais como verdadeiras obrigações, ou seja, cria um afastamento dos
direitos reais, contudo reconhece aquela necessária acessoriedade e falta de autonomia.
A Obrigação Ambulatória
Fala-se de obrigação ambulatória na medida em que a obrigação real se encontra ligada a um
direito real e, por isso, caso o direito real de que é acessória esta obrigação real se transmita
então a obrigação real também se transmitirá por essa força. Mas este é tópico é ponto de
debate na doutrina, havendo quem se opõe liminarmente a ela. Mas há também quem entenda
que há obrigações reais ambulatórias e obrigações reais não ambulatórias e Santos Justo
apresenta o seguinte exemplo para analisar esta posição: o administrador de condomínio que
celebra um contrato com um construtor para que este repare o telhado do prédio, em regime
de propriedade horizontal, e cujas despesas seriam repartidas pelos condóminos e um destes
vende a sua fração. Assim, caso a venda se tenha dado antes da reparação do telhado o
adquirente não ignorava que o telhado precisava de reparação e, por isso, conhecia, ou pelo
menos assim o devia, do encargo a que estava sujeito: aqui a obrigação é ambulatória. Mas caso
a venda se tenha dado posteriormente à reparação do telhado então o adquirente não dispõe
já de elementos objetivos para conhecer da reparação e esta reparação ampliou o valor do
prédio pelo que o alienante já lucrou com isso pelo que deve ser este a pagar a sua parte
naquelas despesas: aqui a obrigação não é ambulatória.
Ónus Real
É um ónus real um peso sobre uma coisa que é objeto de um direito real. Assim o titular desse
direito, enquanto parte ativa, vê o ónus real constituir-se pelo direito de exigir determinada
prestação a quem, na data de vencimento, for titular de um direito real de gozo sobre a coisa
objeto do direito real daquele primeiro, pois essa coisa está onerada e, ainda, constitui-se o ónus
real pela faculdade, em sede de ação executiva, de se obter prestação à custa da coisa onerada
tendo preferência sobre demais credores que não disponham de melhor garantia.
Face a isto o devedor é o titular do direito real de gozo sobre a coisa onerada na data de
vencimento da prestação pelo que caso esse direito seja cedido então o devedor das obrigações
vencidas é o alienante e o das vincendas é o adquirente, dado o ónus incidir sobre a coisa e,
assim, o credor pode proceder à execução independentemente do titular gozando de prioridade
face a demais credores que não tenham garantia melhor que a dele.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Tema 7: A Posse
Noção, Função e a Estrutura
Define o art.1251º CC a posse como o poder que se manifesta quando alguém atua por forma
correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. A doutrina
apresenta aqui um esclarecimento que deve ser feito àquele artigo, pois ele refere que a posse
se pode manifestar quando alguém atua por forma correspondente ao exercício de outro direito
real, para além de propriedade. Mas de que outros direitos reais podemos estar a falar? Neste
sentido, entende-se que podemos estar a falar de direitos reais de gozo, pois nestes há um gozo
sobre a coisa, que implica o poder de facto, e podemos estar a falar de direitos reais de garantia,
desde que impliquem um poder de facto sobre a coisa, como é o caso do penhor ou do direito
de retenção. No que toca aos direitos reais de aquisição entende-se que não pode a posse
verificar-se nestes direitos, porque eles se esgotam com o seu exercício, não tendo uma
necessária durabilidade tempestiva.
A posse tende a cumprir duas funções essenciais. Desde logo protege o possuidor enquanto não
houver certeza quanto ao verdadeiro titular do direito real a cujo exercício corresponde e
confere a necessária tutela a tanto e, para além disso, constitui-se como caminho de acesso a
esse direito real.
No tocante à estrutura da posse há uma enorme divisão na doutrina no que concerne a
defender, face ao nosso Código Civil, qual a opção optada pelo legislador. As doutrinas que
abordam a estrutura da posse são essencialmente duas: a doutrina subjetivista e a doutrina
objetivista. A doutrina subjetivista, com bases em Windscheid e Savigny, refere que a posse é
composta por dois elementos: o corpus, que é um elemento material que demonstra que o
possuidor tem o domínio do facto sobre a coisa, ou seja o sujeito exerce poderes efetivos, ou
tem essa possibilidade, sobre a res, e pelo animus possidendi, que é um elemento psicológico
que demonstra a intenção do possuidor de exercer sobre a coisa o direito a que corresponde o
domínio do facto. Face a isto há uma espiritualização da posse o que leva a uma certa
desvalorização do corpus. Mas nada disto leva a que se possa entender o corpus e o animus
como coisas separadas, pois há entre elas uma unidade psicológica. Já a doutrina objetivista,
defendida por Ihering, refere que importa um sistema objetivista que atende não à
intencionalidade com que a posse é exercida, mas atende ao próprio poder que se exerce. Mas
nem aqui o elemento psicológico é liminarmente afastada, pois reconhece-se que sem vontade
não há posse, mas que aquele elemento é implícito ao poder de facto, ao corpus, que se exerce
sobre a coisa possuída. Este poder de facto deve ser estável, mas não necessariamente contínuo,
ou seja é preciso uma utilização regular da coisa, contudo admitem-se intervalos razoáveis entre
cada utilização. No nosso Código Civil a doutrina, lá está, diverge, contudo entende Santos Justo
que é consagrada a doutrina subjetivista, nunca recusando o facto de que há elementos
objetivos, pois é o animus o que permite saber se um possuidor atua por forma
correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real, nos termos do art.1251º
CC e esse animus permite, ainda, saber se o direito a que corresponde a posse é ou não
suscetível de ser adquirido por usucapião. A demais doutrina diverge, indo una pela doutrina
objetivista, outros pela subjetivista, e ainda há quem diga que o nosso Código Civil tem uma
posição mista. As principais considerações que são feitas passam pela questão da mera
detenção, do art.1253º/a) CC, onde se refere a intencionalidade para distinguir o possuidor do
mero detentor, ou seja por aqui defendem a teoria subjetivista, mas referem, os objetivistas,
que a lei admite aos meros detentores, em pontuais casos, que gozem da tutela oferecida pelas
ações possessórias, pelo que por esta via é objetivista o nosso Código Civil.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Objeto
O Código Civil Português limita a posse ao exercício aparente do direito de propriedade ou de
outros direitos reais que incidam sobre coisas corpóreas, no seguimento da solução romana
clássica. Incidem sobre coisas corpóreas dada a proteção das situações em que as relações do
titular com a coisa afastam a possibilidade de existirem outras situações por parte de outros
indivíduos, opostamente à propriedade intelectual – que incide sobre coisas imateriais - que
pode ser exercida por um número ilimitado de pessoas pois face a uma mesma obra literária
podem ser feitas mais do que uma edição e serem utilizadas de forma simultânea ou
independente. Para além disso isto dá-se, pois o legislador afastou o regime da tutela da posse
e, ainda, da transmissão por usucapião quando legislou sobre o regime da propriedade
intelectual, e, também, porque se se aplicasse o regime da posse aos direitos de autor ou à
propriedade industrial então o regime previsto para estes institutos seria profundamente
atingido e houvesse uma constante colisão que iria levar a que o legislador tivesse de solucionar
entas colisões em legislação especial, conforme o previsto no art.1303º CC.
No que toca aos direitos reais de garantia o problema é já diferente e discutível, até porque o
Código Civil não o resolve expressamente. Desde logo consideram-se direitos acessórios de
direitos de crédito pelo que não se conseguiriam constituir sem aqueles e, assim, entende-se
porque o legislador individualizou os direitos reais de gozo para efeitos de usucapião (art.1287º
CC). Para além disto quando se fala do penhor podemos afirmar que se tal figura estivesse
abrangida pela posse então não seria necessário um art.670º/a) CC, ou seja se fosse, de facto, o
penhor abrangido pela posse então era totalmente desnecessário que o legislador fizesse esta
extensão, dado estar ela subentendida por ser efetivamente do campo da posse.
O mesmo podemos dizer no que concerne aos direitos reais de aquisição onde se tem a posse
por igualmente excluída. Isto acontece porque pressupõe-se que a posse pode originar situações
de exercício duradouro e tendo em conta que estes são direitos que se extinguem com o seu
exercício então esta vertente da suscetibilidade de duração torna-se frágil.
Concluiu-se que são os direitos reais de gozo aqueles que constituem o campo de eleição da
posse, contudo há exceções e há amplitudes distintas. Desde logo é direito real de gozo uma
servidão não aparente9 contudo estas são apenas suscetíveis de posse quando o proprietário do
prédio serviente ou quem quer que lhe tenha transmitido essa servidão o tenha feito através de
um título que funde essa mesma servidão (art.1280º CC). Já os direitos reais de gozo limitados,
de que é exemplo o direito de uso e habitação, são direitos abrangidos pela posse e que
permitem o gozo das figuras de tutela da posse, contudo não permitem a usucapião.
Classificação
Posse Titulada e Posse Não Titulada
Diz-se posse titulada aquela que se funda em modo legítimo de adquirir independentemente
do direito do transmitente ou da validade substancial do negócio jurídico, segundo o
art.1259º/1 CC. Assim a posse é titulada quando a sua causa é um negócio que abstratamente
leva a transferência da propriedade ou de outro direito real de fruição, de que são exemplos o
contrato de compra e venda ou a doação. Face ao que prevê a lei no artigo supra mencionado o
direito que tinha o transmitente é irrelevante para aquisição da posse – e por isso pode ser uma
aquisição a non domino – e nem mesmo o vício de fundo que não exclui o animus de aquisição

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Estas servidões limitam-se a atos de mera tolerância ou, então, praticados ocultamente e que, por isso,
não devem impor-se ao proprietário.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

leva a que se tenha a posse por não titulada ou por mera posse10, como por exemplo o erro-
vício, o dolo, a coação moral, etc mas releva o facto de tal já não se suceder na coação física ou
absoluta, dado a declaração ser inexistente, por força do art.246º CC. Para além disso a lei só
titula a posse quando a invalidade seja substancial pelo que os vícios formais que levam à
nulidade (art.220º CC) levam a que a posse seja não titulada. Neste plano faz Santos Justo uma
crítica11 que passa pelo facto de que uma invalidade formal é menos grave do que uma validade
substancial, contudo a invalidade substancial titula a posse, mas a invalidade formal torna a
posse não titulada.
No que toca ao negócio jurídico viciado de simulação absoluta (art.240º CC) levanta-se a questão
de se saber se é ou não a posse titulada. Há quem entenda que dado o adquirente ter agido sem
ter qualquer animus de adquirir a posse então nem é este sequer possuidor. Já face à simulação
relativa (art.241º CC) se foi o ato simulado destruído e tendo ficado descoberto o ato
dissimulado se este ato for nulo por falta de forma então a posse não é titulada, dado só a
invalidade substancial permitir a posse titulada (art.241º/2 CC). Nos casos de sucessão da posse
(art.1255º CC) dado que o título pelo qual o sucessor obtém a posse é o mesmo que tinha dado
posse ao de cuius então releva atender-se ao modo pela qual este último adquiriu a posse,
sabendo se esse título de aquisição padeceu de algum vício que leva à não titulação da posse.
No que concerne ao título este confere um efeito imediato: presume-se a boa-fé segundo o
art.1260º/2 CC e, no mesmo plano, presumir-se-á de má-fé a posse não titulada. Releva o facto
de que esta é uma presunção iuris tantum (art.350º/2 CC). Em contrapartida o título não se
presume, o que quer dizer que tem que ser provado por quem o invoca segundo o art.1259º/2
CC.
Posse de Boa-Fé e Posse de Má-Fé
Antes de qualquer outra coisa, iniciaremos por referir a querela de aferir se é a boa-fé um
conceito de natureza psicológica ou um conceito de natureza ética ou moral, problema que se
suscita face à ignorância do possuidor de boa-fé – a qual abordaremos infra. Entendem uns que
a lei neste aspeto não apresenta grandes complexidades e, por isso, estes acreditam no sentido
meramente psicológico da ignorância, sendo a boa-fé do possuidor determinada pelo mero
facto de que aquele ignora a lesão de direitos alheios. É o que apresenta Pires de Lima e Antunes
Varela. Indo mais a fundo temos quem apresenta a ignorância como um conceito de cariz ético,
ou melhor que a boa-fé possessória se afere eticamente. Assim, e nesse seguimento, está de
má-fé aquele que por culpa sua ignora a violação de direito alheio com a sua prática, exigindo-
se já que a boa-fé pressuponha o cumprimento de deveres de diligência e de cuidado, por isso
é que se o possuidor os descurou então está de má-fé. Para os primeiros esta situação era uma
situação de boa-fé, pois para eles a mera ignorância da lesão basta à classificação como de boa-
fé esta posse, ignorando liminarmente a culpa ou não do possuidor no que toca a saber se
deveria ou não ter conhecimento desta lesão. É isto que nos apresenta Menezes Cordeiro, de
Oliveira Ascensão, Carvalho Fernandes, Menezes Leitão, entre outros.
O adquirente que ignorava que estava a lesar o direito de outrem tem a sua posse como de
boa-fé segundo dispõe o art.1260º/1 CC. Posto isto, se conhecia o adquirente da posse que
lesava direito de outrem então a posse é de má-fé. Para além disso, e como referimos ainda
agora na posse titulada, quando a posse tem aquele caráter presume-se de boa-fé, mas caso se
trate de mera posse então presume-se de má-fé, nos termos do n.2 do art.1260º CC. Presunção

10
Esta designação de mera posse refere-se exatamente à posse não titulada, ou seja são sinónimos. Esta
referência releva pelo facto de a própria lei referir-se de ambas as formas, por exemplo no Código de
Registo Predial e em matéria de usucapião de imóveis refere-se a mera posse;
11
Crítica importante e constante de avaliação. Deve ser bem entendida e retida.

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Direitos Reais

esta relativa, nos termos do 350º/2 CC. Caso seja a posse violenta - à qual faremos referência
posteriormente em momento oportuno – esta tem-se sempre por de má-fé, mesmo sendo
titulada.
Caso a posse seja adquirida por intermédio, ou seja por representante, então é da posição deste
que devemos aferir da boa-fé ou da má-fé, não obstante aquando da constituição da posse a
vontade do representado tenha sido decisiva ou esteja este mesmo de má-fé, segundo o
art.259º CC. Caso se trate de uma representação ope legis só interessa a situação do
representante.
A boa-fé afere-se ao momento em que o art.1260º/1 CC prevê: o momento da aquisição. Mas
isto em nada afasta o facto de se converter em má-fé aquando do momento em que o possuidor
conheça de que lesa o direito de outrem com o seu direito, por interpretação do art.1270º/1 e
2 CC.
Releva a boa-fé para que o prazo da usucapião seja menor (1294º a 1299º CC), para que o
possuidor faça seus os frutos até ao dia em que souber que lesa o direito de outrem (1270º/1
CC), para que o possuidor de má-fé tenha que restituir todos os frutos até ao termo da posse e,
para além disso, responde pelo valor dos frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido
(1271º CC), para que o possuidor de boa-fé possa levantar as benfeitorias voluptuárias caso tal
levantamento não cause detrimento da coisa e, em contrapartida, o possuidor de má-fé perde-
as (art.1275º CC), entre outros efeitos relevantes.
Posse Pacífica e Posse Violenta
Se se adquiriu a posse sem violência então a posse é pacífica (cfr. art.1261º/1 CC) pelo que
caso tenha o adquirente obtido a posse por meio de coação física ou moral (art.255º CC) então
essa posse é violenta (cfr. 1261º/2 CC). Esta violência pode ser exercida sobre pessoas e sobre
coisas, num misto de critério doutrinal com um critério jurisprudencial.
A classificação remete ao tempo da aquisição, como nos diz o art. 1261º CC, como já acontecia
na classificação da posse de boa-fé ou de má-fé. Mas também como já ali acontecia, a violência
pode alongar-se durante o exercício da posse, basta que se mantenha a coação sendo que a
posse se torna pacífica ao momento em que a violência cessa, por interpretação do art.1297º
CC.
A posse enquanto for violenta não pode ser registada, segundo o art.1295º/2, e não leva à
aquisição por usucapião, segundo o art.1297º e o 1300º/1 CC.
Posse Pública e Posse Oculta
Se a posse é exercida de modos a ser conhecida pelos interessados então é esta posse pública
(cfr. art.1262º CC) pelo que se a posse não poder ser conhecida então a posse é oculta
(art.1262º CC a contrario sensu). Critério objetivo para se saber se a posse é ou não pública é
usar-se o critério onde caso uma pessoa de diligência normal (se quisermos: o homem-médio, o
bonus pater familias) se teria apercebido da posse aquando colocado na situação do titular do
direito então esta posse é pública, pois se o homem-médio notaria a posse então é porque o
possuidor a exercia de modos a ser conhecida.
Novamente: a posse pode passar de pública a oculta e de oculta a pública.
Tem como efeitos o facto de os prazos da usucapião só se começarem a contar do momento em
que a posse se torne pública, segundo o art.1297º e 1300º/1 CC, e o registo só se alcança com a
prova da publicidade, segundo o art.1295º/2 CC.
Posse Precária ou Detenção
O Código não aprecia esta classificação, contudo releva fazê-la na medida em que o art.1253º
CC tem como detentores ou possuidores precários aqueles que exercem um poder de facto
sem qualquer intenção de atuar como beneficiários do direito (alínea a)), aqueles que

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

simplesmente aproveitam da tolerância do titular do direito (alínea b)), e aqueles que são
representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos aqueles eu possuem
em nome de outrem (alínea c)).
Corresponde a mera detenção a situação de quem tem o corpus da posse, contudo não tem o
correspondente animus da posse. Exerce o poder de facto, mas exerce-o de forma distinta
daquela que exerce o possuidor, pelo menos internamente.
Outras Modalidades
Estas não estão legalmente definidas tendo base doutrinal.
A posse causal é aquela cujo possuidor é simultaneamente titular do direito real a cujo exercício
a posse corresponde. Não se trata aqui de uma posse autónoma, dada o reflexo ou projeção que
se dá de um direito real. Fácil é de se perceber esta modalidade, pois note-se a posse que
provém da propriedade, ou a posse que provém do usufrutuário ou a posse do superficiário.
A posse formal é uma posse autêntica e autónoma, por oposição à posse causal, onde o
possuidor ou não tem um direito real a que a posse corresponde ou pelo menos não o invoca.
Assim o possuidor que é proprietário, por ser difícil fazer prova da propriedade prefere fazer
prova da posse e, portanto, não invoca a propriedade ou a conexão entre estas duas posições,
pelo que aquela posse que era causal passa a ser uma posse formal.
A posse efetiva implica um domínio e um controlo material sobre a res e a própria lei refere-se
a ela quando fala de “lei atual”, como no art.1278º/3 CC. Em termos pouco técnicos: exige-se
um controlo ao momento da coisa onde ela “está nas mãos” do possuidor.
Já a posse não efetiva ou ficta é aquela cuja posse conserva-se apenas juridicamente, ou seja
falha aquele controlo corpóreo da coisa de que ainda agora falávamos. É o exemplo do possuidor
esbulhado no ano subsequente ao esbulho, segundo o art.1283º CC, ou a posse que o herdeiro
adquire e se tem como não efetiva no lapso de tempo em que a herança não for aceite (cfr.
arts.1255º e 2050º CC).
A posse imediata é aquela que não carece de mediador, ou seja, o possuidor pode exercê-la por
si só e mal a adquira e, por oposição, a posse mediata necessita de ser exercida através de
outrem. Por exemplo, a posse que o comodante exerce através do comodatário, que o
depositante exerce através do depositário e que o locador exerce através do locatário é uma
posse mediata.
Efeitos
Efeito Probatório
A posse facilita a prova de um direito real a cujo exercício daquela corresponde, pois confere ao
titular da posse a presunção de que ele é também titular do direito real a que corresponde o
exercício da posse, conforme prevê o art. 1268º/1 CC. Fazendo prova da posse consegue gozar
o possuidor dos institutos da tutela possessória onde terá a outrem o ónus de impugnar esta
presunção, ela mesma ilidível (cfr. art. 350º/2 CC).
O n.1 do art.1268º CC prevê, ainda, que em caso de presunção fundada em registo
anteriormente ao início da posse então prevalecerá aquela. O que quer isto dizer que caso seja
a posse anterior ao registo daquela por outrem então prevalecerá já a presunção fundada na
posse.
Frutos
Durante a posse de alguém e chegada à altura de a restituir importa saber de quem serão os
frutos. Assim caso esteja o possuidor de boa-fé os frutos naturais (cfr. art.212º/2 CC) colhidos
até ao dia em que cessa a boa-fé são direitos daquele e o mesmo se pode dizer face aos direitos
civis (cfr.art.212º/2 CC), de acordo com o art.1270º/1 CC.

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Direitos Reais

Situação distinta é já aquela em que a apesar de estar o possuidor de boa-fé e ao momento


que esta cessa ainda não estarem colhidos os frutos. Neste caso os frutos são direito do titular
do direito dobre a coisa futura (ex iure corporis), o que não afasta a obrigação de indemnização
ao possuidor das despesas que este teve com a cultura, mas apenas aquelas que não se
superiorizem ao valor dos frutos que vierem a ser colhidos. Em termos práticos: é o resultado
da diferença entre o valor dos frutos a serem colhidos com o valor das despesas que teve o
possuidor de boa-fé. É isto que resulta do art.1270º/2 CC.
Caso antes da própria colheita e antes de ter cessado a boa-fé já tenha o possuidor contratado
sobre a alienação dos frutos esta subsistirá. Nestes casos o produto da colheita pertence ao
titular do direito sobre a coisa que é objeto da posse daquele alienante, contudo deduzem-se as
despesas de produção do possuidor, nos mesmos termos do que já era feito pelo n.2 - de que
ainda agora falávamos – pois essa é a solução que o 1270º/3 CC prevê.
Caso seja a colheita feita prematuramente então o possuidor de boa-fé deve restituir os frutos
caso ainda não os tenha consumido, não obstante a tal indemnização com as despesas da
cultura nunca se superiorizando ao valor dos próprios frutos, pois é preciso completar o regime
da posse com o regime previsto nos arts.214º e 215º CC.
Mas caso esteja já o possuidor de má-fé então deve haver lugar à restituição dos frutos que a
coisa produziu até ao termo da posse acrescido do valor pecuniário dos frutos que poderia um
proprietário diligente ter obtido, conforme prevê o art.1271º CC. Note-se que apesar de estar
o possuidor de má-fé isso não implica que ele não tenha sido diligente, pois ele pode ter sido
criteriosamente diligente no que toca à administração da coisa. Para além disso a diligência
desse possuidor deve ser aferida através da colocação do proprietário diligente na situação de
espaço e tempo em que esteve o possuidor de má-fé, pois note-se que condições atmosféricas,
por exemplo, podem ter sido adversas à produção de qualquer fruto o que torna até a diligência
do possuidor de má-fé irrelevante. Isto em nada obsta que tenha que haver lugar à restituição
das despesas da cultura, nos termos do art.215º/1 CC, deduzindo-se aquelas que superiorizam
o valor dos frutos, pois o facto de estar o possuidor de má-fé não implica que se possa permitir
que o proprietário enriqueça à custa alheia, podendo haver aqui lugar ao enriquecimento sem
causa (cfr. 473º ss CC).
Perda ou Deterioração da Coisa
Prevê o art. 1269º CC que caso tenha procedido com culpa o possuidor de boa-fé e caso tenha
havido perda ou deterioração da coisa então este é responsável. Assim sendo, e em
contrapartida, o possuidor de má-fé responderia sempre pela pera ou pela deterioração,
contudo se a mesma consequência se tivesse verificado caso a coisa se encontrasse em pode do
titular do direito e caso seja feita essa prova então não há lugar a indemnização. É algo que
resulta da extensão do disposto no art.807º/2 CC que se entende porque o possuidor de má-fé
pratica um facto ilícito e que, por isso, constitui-se em mora o possuidor no que toca À sua
obrigação de restituir a coisa ao respetivo titular, havendo ou não interpelação ao cumprimento,
como resulta do art.805º/2/b) CC. Apesar disto tudo é ao possuidor que incube fazer a prova,
como consta do art.807º/2 CC.
Encargos
No que toca aos encargos há que fazer uma conexão com os direitos a que tem o titular do
direito e a que tem o possuidor sobre os frutos, pois é nessa medida que respondem aqueles
pelos encargos, conforme dispõe o art.1272º CC. Estas foram despesas feitas em função de
normais encargos que correspondem ou estão adstritos à fruição, daí se distinguir do regime
das benfeitorias necessárias, que servem para evitar a perda, destruição ou deterioração da
coisa. É por isso que para efeito de encargos é irrelevante a boa ou má fé do possuidor.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Benfeitorias
No que toca a benfeitorias o regime é distinto caso se trate de benfeitorias necessárias, úteis ou
voluptuárias, as quais devem ser aferidas face ao caco concreto através do art.216º/2 e 3 CC. As
benfeitorias servem o propósito de conservar ou melhorar a coisa, ou seja, visam a sua
manutenção ou a sua valorização, de acordo com o 216º/1 CC.
Se se trata de benfeitorias necessárias, ou seja, caso visem o evitar a perda, destruição ou
deterioração da coisa, então tem o possuidor, quer esteja de boa ou de má fé, direito a ser
indemnizado, de acordo com o art.1273º/1/1ª Parte CC. Isto justifica-se porque sendo despesas
indispensáveis então teriam de ser feitas pelo próprio titular, saindo assim locupletado
injustamente. Por força do art.1274º CC pode haver lugar à compensação (arts.847ºss CC) caso
o possuidor tenha de indemnizar o titular por eventuais deteriorações.
Caso sejam benfeitorias úteis, ou seja benfeitorias que apesar de serem dispensáveis aumentam
o valor da coisa, então tem o possuidor de boa ou de má-fé o direito de as levantar caso o possa
fazer sem deteriorar a coisa, o que aconteceria, por exemplo, se o possuidor tivesse feito alguma
construção útil e que, assim, se tornou parte integrante e só pode ser levantada com a própria
destruição da coisa, conforme resulta do art.1273º/1/2ª Parte CC. Não sendo possível o
levantamento então o possuidor tem direito a ser indemnizado por força e pelos termos do
enriquecimento sem causa do titular do direito, segundo o 1273º/2 CC articulado com os
arts.473ºss CC. É ao possuidor que incube provar que o levantamento das benfeitorias leva ao
deterioramento da coisa. Já o possuidor de boa-fé tem direito de retenção, nos termos dos
arts.754º e 756º/a) e b) CC, enquanto não seja indemnizado pelo titular do direito sobre a coisa
melhorada. Novamente: pode haver lugar a compensação, nos termos do art.1274º CC no
mesmo sentido do que já havia para as benfeitorias necessárias.
Caso se trate, aqui, de benfeitorias voluptuárias, ou seja benfeitorias que são dispensáveis e que
nem sequer aumentam o valor da coisa servindo apenas o capricho do possuidor, então pode o
possuidor de boa-fé levantar as benfeitorias caso não se cause detrimento à coisa. Caso haja
lugar a deterioração da coisa com o levantamento então não pode nem sequer levantar as
benfeitorias nem sequer ser indemnizado pelo titular do direito, conforme prevê o art.1275º/1
CC. Estando o possuidor de má-fé então nem pode sequer levantar as benfeitorias, apesar de
elas nem irem causar detrimento da coisa, por força do 1275º/2 CC.
Usucapião
Com a posse e em tendo em vista certos requisitos, o possuidor alcança a titularidade de certos
direitos reais de gozo, conforme nos diz o art.1287º CC.
A usucapio é composta por dois elementos: a posse e o tempo. Melhor: a posse mantida por
certo lapso de tempo. A posse deve ser pública e pacífica (cfr. arts.1297º e 1300º/1 CC) e o
tempo depende do facto de a coisa ser móvel ou imóvel, de a posse ser do boa ou má-fé, seja
titulada ou não titulada e se está ou não inscrita no registo. Mais: o art.1293º CC exclui
liminarmente a chance de se adquirirem, por usucapião, as servidões prediais não aparentes ou
direitos de uso e habitação, segundo o art.1293º CC. Demais direitos reais de gozo podem ser
adquiridos por usucapião.
Em matéria de suspensão, de interrupção e de recusa do conhecimento oficioso pelo juiz
aplicam-se mutatis mutandis as regras relativas à prescrição como prevê o art.1292º CC.
Releva, ainda, que os efeitos da usucapião se retrotraem à data em que se inicia a posse,
conforme prevê o art. 1288º CC.
Têm capacidade para adquirir por usucapião todos aqueles com a capacidade para adquirir (cfr.
art.1289º/1 CC) e podem os incapazes adquirir por usucapião através de si mesmos ou através
de intermédio de representante legal (cfr.1289º/2 CC). Para tanto devem ter estes a consciência
de que estão a praticar atos materiais de posse, por força do art.1266º CC.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Os meros detentores/possuidores precários (cfr. art.1253º CC) não podem adquirir para si, ou
seja podem adquirir para aqueles que representam (cfr. art.1252º/1 CC), os direitos reais de
gozo através de usucapião, segundo o art.1290º, não obstante estar invertido o título da posse,
sendo que neste caso o tempo só se começa a contar a partir da inversão do título da posse.
No que concerne agora aos prazos para as coisas imóveis, se existe título de aquisição e registo
(art.1294º CC) então a posse deve durar dez anos se o possuidor está de boa-fé ou quinze anos
se está de má-fé, contados a partir do registo; se o título da aquisição é inexistente, contudo há
registo da mera posse12 então o prazo é de cinco anos se estiver o possuidor de boa-fé ou é de
dez anos caso esteja o possuidor de má-fé, a contar-se da data do registo. (cfr. arts. 1295º/1/a)
e b) CC); se é inexistente o registo então o prazo é de quinze anos caso esteja o possuidor de
boa-fé ou de vinte anos caso esteja o possuidor de má-fé, contados a partir do início da posse,
nos termos do art.1296º CC; se a posse foi obtida violentamente (cfr. art.1261º CC) ou
ocultamente (cfr. art.1262º CC) então os prazos só se começam a contar a partir do momento
em que a posse se torne pacífica ou a posse se torne pública, respetivamente, ou seja - e por
interpretação de que já falamos supra – a posse violenta e a posse oculta obstam à aquisição
por usucapião, nos termos do art.1297º CC.
Falando agora dos prazos para as coisas móveis, se se tratar de coisas móveis sujeitas a registo
(cfr. art. 1298º CC) então ou há título de aquisição e registo e o prazo é de dois anos para a boa-
fé do possuidor e de quatro anos para a má-fé do possuidor, contados desde o início da posse
ou, então, não há registo e o prazo é de dez anos quer esteja o possuidor de boa ou de má-fé,
sendo irrelevante o título de aquisição. É o que resulta do art.1298º/a) e b) CC, respetivamente.
Por último, no caso de móveis não sujeitos a registo (cfr. art. 1299º CC) então ou há título de
aquisição e o prazo é de três anos para o possuidor de boa-fé, contados desde o início da posse,
ou, então, não há título de aquisição e o prazo é de seis anos, contados desde o início da posse,
sendo irrelevante para este último caso a boa ou a má-fé do possuidor. É o que resulta do art.
1299º CC.
O art.1300º/1 CC mantém a proibição já acima referida nas coisas imóveis de aquisição por posse
violenta (cfr. art. 1261º CC) e por posse oculta (cfr. art. 262º CC), ao remeter para o que dispõe
o art.1297º CC. Contudo, o 1300º/2 CC prevê a possibilidade de a coisa possuída passar para
terceiro de boa-fé, antes da posse ser pacífica ou da posse ser pública, adquirirem-se direitos
sobre ela passados quatro anos desde a constituição da posse, caso seja titulada, ou sete anos,
caso seja não titulada.

Aquisição
Introdução
Temos duas espécies de aquisição: a aquisição originária ou ex novo e a aquisição derivada.
Aquela primeira decorre de uma relação de facto entre o adquirente-possuidor e a coisa onde o
antigo possuidor não intervém não estando a posse do adquirente dependente da existência de
antiga posse ou, muito menos, da sua extensão. Já aquela segunda caracteriza-se pelo facto de
haver lugar a uma transferência da posse do anterior possuidor para o adquirente, através de
um negócio jurídico que implica a existência dos elementos materiais de corpus e os elementos
intencionais de animus. Opostamente àquela primeira, aqui há já uma necessidade do
consentimento do anterior possuidor.

12
supra nota de rodapé 10; esta referência de mera posse corresponde à posse não titulada: pág.16
deste bloco quando abordámos a Posse Titulada e a Posse Não Titulada.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Têm capacidade para adquirir todos aqueles capazes de uso da razão, como nos diz o art.1266º
CC e, face àquelas coisas suscetíveis de ocupação - tratamos aqui de res nullius - , qualquer
sujeito, mesmo que não capaz de uso da razão.
Aquisição Originária
A Prática Reiterada
Quando alguém pratica reiteradamente, com publicidade - suscetibilidade de serem conhecidos
pelos interessados -, atos materiais - ou seja atos incidentes diretamente na coisa e que
traduzem o corpus - correspondentes ao exercício do direito então adquire a posse por força do
art. 1263º/a) CC. Assim, é necessário, regra geral, mais do que um ato contudo nada implica que
apenas com um ato se alcance a prática reiterada, pois note-se aquele que semeia um terreno
ou constrói uma casa: apesar de ter praticado um só ato – o de semear ou o de construir a casa
– esse ato tem tal dimensão que basta. Para além disto tem de haver uma correspondência entre
aqueles atos materiais e o exercício do direito, ou seja, e por exemplo, alguém que é possuidor
pelo usufruto, mas pratica atos que seriam apenas direito do proprietário então afasta esta
necessária correspondência.
A Inversão do Título
Diz o art.1265º/1ª Parte CC que alcança-se a posse quando o detentor se opõe àquele em nome
de quem possuía, ou seja o detentor - por exemplo arrendatário -, que quer atuar como titular
do direito de posse, comunique à pessoa em nome de quem possuía – comunique ao senhorio
– por via judicial ou extrajudicial a sua intenção – que, por exemplo, não paga mais rendas
porque agora o prédio é dele – e que, por último, não seja repelida aquela oposição – que o
senhorio não se insurja face a este comunicado.
Diz o art.1265º/2ª Parte CC que se alcança a posse através de ato de terceiro com capacidade
para transferir a posse, onde, por exemplo, o arrendatário que compra o prédio a terceiro
inverte o título da posse, pois inverte a sua posição precária de arrendatário em proprietário e
porta-se, assim, como possuidor.
Aquisição Derivada
A Tradição Material e a Tradição Simbólica
Prevê o art.1263º/b) CC que a tradição material ou simbólica da coisa efetuada pelo anterior
possuidor leva a que se adquira a posse. A tradição material passa por uma atividade exterior e
que se traduz nos atos de entregar e de receber, mas na tradição simbólica isto pode ocorrer
por comunicação humana, não necessariamente havendo uma interferência no controlo
material da coisa. A tradição simbólica pode ser uma traditio longa manu, onde a coisa não é
materialmente entregue mas é posta à disposição do adquirente através da indicação à distância
da coisa; pode ser uma traditio brevi manu, onde a detenção se irá converter em posse por
acordo entre o detentor e o possuidor, como no caso em que o depositante vende a coisa ao
depositário ou o senhorio vende o prédio ao arrendatário; pode ser uma traditio ficta, onde se
entrega um símbolo ou realiza-se um ato que simboliza a coisa cuja posse se transfere, como a
entrega das chaves de um carro.
O Constituto Possessório
Se alguém adquire a posse por mero consenso (solu consensu) sem ser necessária a entrega da
coisa, ou seja, sendo dispensável para este efeito o ato material ou simbólico então diz-se que
adquiriu este a posse por constituto possessório, nos termos do art.1263º/c) CC.
O constituto possessório passa por ou o titular do direito real e possuidor transmite o direito a
outrem reservando para si a detenção ou, então, o possuidor transfere o direito a outrem, mas
mantém-se o seu detentor, segundo o art.1264º/1 CC.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

A Sucessão Mortis Causa


Em caso se morte do possuidor a posse continua nos sucessores daquele desde o momento da
sua morte, independentemente da apreensão material da coisa, conforme diz o art.1255º CC.
Conclui-se que a posse irá continuar nos herdeiros e que estes não necessitam de praticar
qualquer ato material de apreensão ou utilização da coisa chegando até ao ponto de ignorar que
a posse existe sendo que, até, a posse em nada é prejudicada pelo facto de ter corrido um lapso
de tempo entre a abertura da sucessão e a aceitação da herança. Em nada é afetada a
classificação da posse, podendo ela ser igualmente tida como de boa ou má-fé, titulada ou não,
etc.
Não podemos entender sucessores como legatários, pois o herdeiro, ao aceitar a herança, não
pode recusar a posse se esta não lhe conviesse, enquanto o legatário pode fazê-lo e, mais, o
legatário ao aceitar a posse pode estar de boa ou má-fé, sendo irrelevante a posição do anterior
possuidor, contudo o herdeiro está dependente da posição em que se encontrava o seu
antecessor.
Acessão
Dá-se a acessão quando, para efeitos de usucapião, o possuidor junta à sua posse a posse do
seu antecessor, conforme nos diz o art.1256º/1 CC. O texto deste artigo é pouco acessível,
contudo faz-se a ressalva de que quando se fala em sucessão não se fala no seu sentido técnico-
jurídico, mas, sim, no seu sentido comum.
Se é a posse de natureza do antecessor diferente àquela do sucessor, que agora junta à sua
aquela primeira, então a posse do possuidor-sucessor será tida como a que, de entre as duas,
tiver o menor âmbito. Entenda-se que o usufrutuário pode somar à sua posse a posse do seu
antecessor que era causal do direito de propriedade, contudo note-se que, por exemplo, se a
posse do usufrutuário é de boa-fé mas era a do proprietário de má-fé então a posse deste
usufrutuário, com a acessão, será da má-fé, dada ser a que tem menor âmbito, segundo os
termos do art.1256º/2 CC.
A acessão é facultativa e ambas as posses devem ser contínuas e homogéneas, devendo ser a
posse deste novo possuidor titulada, na medida em que há um vínculo jurídico válido entre o
antigo e este novo possuidor. Esta é a posição de Manuel Rodrigues que leva Pires de Lima e
Antunes Varela a segui-la e, nesse sentido vai também Santos Justo, fundando-se no que era já
tido no Direito Romano. 13
Conservação
Diz o art.1257º/1 que a posse se mantém enquanto durar a atuação correspondente ao exercício
do direito ou possibilidade de a continuar, acrescentando o n.2 que se presume que a posse
continua em nome de quem a começou.
Esta matéria levanta um problema: será que a posse correspondente ao exercício de direitos
reais que se extinguem pelo não uso após certo lapso de tempo se irá manter mesmo após a
extinção daqueles direitos. Isto é relevante pelo facto de o titular de direito real que se extinguiu
pelo não uso mantiver a posse poderá gozar dos meios de tutela da posse. A doutrina foi pela
via de Savigny e nela se basearam Manuel Rodrigues, Menezes Cordeiro, Oliveira Ascensão e
Orlando Carvalho ao afirmarem que o titular de um direito real que se extinguiu não pode gozar
da posse para o defender, dado seguirem a orientação objetivista de Savigny. Esta é a maior
doutrina que tem como preceito de que caindo a posse causal não se manterá a posse formal,
pois trata-se aqui da posse ser reflexo do direito real de que provém e partindo o espelho que
faz tal reflexo então cai também a posso, por impossibilidade do reflexo. A menor doutrina

13
Menezes Cordeiro opõe-se a esta posição: pág.210 e 211 da bibliografia indicada

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

segue já a orientação subjetiva de Ihering, e nela se basearam Pires de Lima e Antunes Varela, e
tendo em conta que a posse é uma coisa mas o direito real é já outra, não se devendo confundir
como o fazem os objetivistas, então a posse formal mantém-se.
Perda
A disposição do nosso código no que concerne à extinção da posse não deve ser tida como
taxativa. O art.1267º CC enumera as maneiras de extinção da posse, contudo há outras como a
expropriação por utilidade pública, o não uso e, ainda, o esbulho da posse seguida por posse de
terceiro de boa-fé, pois a ação de restituição não pode ser intentada contra este terceiro de boa-
fé (cfr. art.1281º/2 CC) que tem a posse da coisa.
Abandono
Aquando de uma ação material e intencional de rejeitar uma coisa ou de direito perdem-se o
corpus e o animus o que leva a que se se preencha o art.1267º/1/a) e se dê o abandono. Isto
leva a que se constitua a coisa rejeitada como uma res nullius o que leva a que um terceiro se
possa apossar dela, sem que tal se constitua um esbulho. Para além isto leva a que se cesse a
responsabilidade e os encargos respeitantes ao possuidor de má-fé, não obstante a
responsabilidade civil.
Mais uma querela doutrinal: pode alguém abandonar uma coisa e perder, por isso, a posse se
não pode renunciar legalmente ao direito a que corresponde a posse? Pires de Lima e Antunes
Varela vêm dizer que não, só permitindo que haja um novo possuidor que adquira a posse por
posse de ano e um dia (cfr.1267º/1/d) CC. Já Menezes Cordeiro entende o oposto e acredita que
pode renunciar àquela coisa ou direito, pois não pode a coisa constituir fonte de encargos
indesejada para o possuidor que não queira conservar aquela coisa e, mais, porque entende ter
este direito uma proteção constitucional.
Perda ou Destruição da Coisa
O possuidor tem uma saída fortuita do seu poder pelo que falta o elemento intencional de
rejeição de que falamos acima no abandono, no que concerne à perda da coisa. Mas, note-se,
que se alguém se esquece de uma coisa, mas ele pode ainda ser encontrado então não se dá a
perda da posse, imperando para o efeito ser feita uma interpretação restritiva do art.1267º/1/b)
CC. Isto leva a que a perda da coisa e, assim, da posse só se efetive aquando da nova posse por
um ano e um dia o que garante a impossibilidade de recuperação da coisa tornando as duas
posses incompatíveis entre si.
A destruição exige um estado integral, ou seja, deve ser a destruição total, dado entender-se
que a posse consegue prosseguir na medida do que ainda restar da coisa. Parece-nos que não
deve isto ter-se à letra, deve ter-se numa vertente de utilidade da coisa, na medida de que o
que se necessita para uma perda total não deve ser a perda da coisa propriamente dita – como,
por exemplo, que a coisa ardesse por completo ficando em cinzas, o que também levaria à perda
da posse por destruição, mas podendo ir ao ridículo de poder dizer-se que a posse se manteria
face às cinzas, pois era o que restava – mas, sim, uma perda da coisa útil – o que quer dizer que
se houvesse uma destruição da coisa mas ela continuasse a existir fisicamente e corporeamente
contudo se destruísse por completo qualquer utilidade que ela tinha então teríamos a
destruição da coisa e a perda da posse por completo, por inutilidade. Não é necessário que a
coisa se torne inexistente.14

14
Esta é uma forma pessoal para aferir da destruição total ou não de certa coisa, que não tem de ser,
obviamente, seguida. Faz-se esta ressalva por motivos que parecem óbvios.

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Cedência
Perdendo, aquele que cede a coisa, a posse isto quer dizer que houve uma tradição material ou
simbólica da coisa e, portanto, aquilo que se sucede com o art.1263º/b) CC tem este efeito como
contrapartida: a perda da posse, pelo art.1267º/1/c) CC.
Posse de outrem por mais de um ano e um dia
Se alguém possui uma coisa por mais de um ano, mesmo que tenha sido contra a sua vontade,
então perderá a posse aquele primeiro, que viu outrem possuir por ano e um dia, pois assim o
prevê o art.1267º/1/d) CC.
A contagem da nova posse é feita - nos termos do art.1267º/2 CC - desde o seu início, se a posse
foi tomada publicamente ou, então, desde o conhecimento do esbulhado, caso se trate de posse
oculta, ou, então, desde a cessação da violência, caso tenha sido adquirida com violência a
posse. Passado o prazo de ano e um dia nada pode fazer o antigo possuidor (cfr. art. 1278º/2
CC) acrescendo o facto das ações de manutenção ou de restituição caducarem, pois diz o
art.1282º CC que passado um ano da turbação, do esbulho ou do conhecimento daqueles factos
quando se tenham dado ocultamente caducam as ações de manutenção e de restituição da
posse.
A Tutela
Visando a satisfação dos interesses fundamentais da posse deve proteger-se a posse, em função
do cumprimento de funções de conhecimento e de organização - onde se entende que a posse
é normalmente um sintoma de que se tem o direito sobre a coisa e porque serve a continuidade
da coisa possuída na esfera do domínio em que se encontra, respetivamente – então urge fazer-
se uma tutela rápida. Acresce a isto o facto de os próprios titulares de direitos reais prefiram
recorrer a esta tutela possessória dada a dificuldade de prova que provém, por exemplo, da ação
de reivindicação no que concerne à propriedade: a medievalmente designada por prova
diabólica.
Autotutela
Ação Direta
Recorrendo-se à força visa-se evitar a inutilização prática de um direito, no caso de ser
impossível recorrer aos meios coercivos e de tutela pública normais. Assim, pode estar-se face
à apropriação de uma coisa, à sua deterioração ou destruição a fim de se afastar a resistência
irregular e oposta ao exercício do direito, contudo não pode o próprio agente exceder o
necessário para evitar o prejuízo ou sacrificar interesses superiores àquele que visa assegurar.
O possuidor goza desta ação própria na medida em que, por ele, conseguirá manter ou restituir
a sua posse nos termos do art.1277º CC e 336º CC.
Legítima Defesa
Entende-se que se deve admitir o recurso à legítima defesa, apesar de o nosso código não o
prever expressamente, usando, para o efeito, dos termos genéricos em que este instituto nos é
apresentado pelo art.337º CC. Visando-se afastar uma agressão atual e ilícita contra a pessoa ou
o seu património ou, então, de terceiro então recusar-se a tutela da posse neste âmbito não
seria sequer compreensível.
Tutela Judicial. As Ações Possessórias
Ação de Prevenção
Face ao justo receio de perturbação ou esbulho por outrem da sua posse pode, o possuidor,
peticionar que aquele outrem seja intimado à abstenção da prática de tal ato perturbador ou
esbulhador, sob pena de multa e responsabilidade civil, como nos diz o art.1276º CC. Aquele

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Direitos Reais

receio de que se fala consiste não numa mera apreensão ou receio mais ou menos vago, mas
deve, sim, basear-se em razões objetivas.
Ação de Manutenção
O possuidor perturbado vê nesta ação forma de manter a sua posse enquanto não estiver
convencido da questão de que é titular do direito, de acordo com o art.1278º/1 CC. Se a posse
não tiver mais de um ano só pode esta ação ser intentada contra aquele que tiver a melhor
posse, segundo o art.1278º/2 CC, melhor posse esta definida pelo n.3, prevendo que é a melhor
posse aquela que for titulada, na falta deste título será a mais antiga e, havendo igual
antiguidade, será a posse atual.
A perturbação não consiste no esbulho e caracteriza-se pelo ato material de diminuição,
alteração ou modificação do gozo ou do modo de exercer, pela pretensão contrária à posse e
pela conservação da posse.
Legitimidade ativa para esta ação tem o perturbado assim como os seus herdeiros e legitimidade
passiva tem apenas o perturbador, segundo o art.1281º/1 CC. Esta ação sofre de caducidade
caso não intentada no ano subsequente ao facto da turbação, segundo o art.1282º CC, e este
prazo é contado em termos pouco concretos na medida em que caso estejamos face a atos
perturbadores da posse isolados, sem conexão entre si, então cada um destes factos constitui-
se como um facto turbador próprio e novo e, portanto, deve contar-se para cada um deles
autonomamente um prazo correspondente. Mas caso sejam os atos turbadores conexos entre
si, com complementaridade entre si, e caso resulte deles posse contrária então deve contar-se
a partir do primeiro ato.
Note-se que pode o possuidor intentar providência cautelar comum nos termos dos arts.362ºss
do Código de Processo Civil conferindo urgência a este processo.
Ação de Restituição
O possuidor esbulhado que não esteja convencido quanto à titularidade da posse será
restituído através do recurso à ação de restituição, prevista a par da ação de manutenção,
segundo o art.1278º CC.
Estando lado a lado com a ação de manutenção, a ação de restituição da posse só pode ser
intentada contra quem tiver a melhor posse se não tiver a posse mais de um ano, nos termos
do art.1278º CC, estando a melhor posse definida no n.3 daquele artigo.
Nesta ação é já necessário o esbulho, ou seja, uma privação total ou parcial da posse, sendo
irrelevante se o esbulhador tem ou não o animus de que está a esbulhar posse alheia.
Tem legitimidade ativa para esta ação aquele que foi esbulhado e respetivos herdeiros e tem
legitimidade passiva o esbulhador e respetivos herdeiros e, mais, contra aquele que esta na
posse da coisa e com conhecimento daquele esbulho, ou seja é possível demandar-se terceiro
que esteja de má-fé, como nos indica o art.1281º/2 CC. Note-se que este terceiro tem que ser
possuidor, ou seja se se tratar de um mero detentor que possui a coisa em nome do esbulhador
então já não é possível demandar este terceiro.
O prazo corre nos termos que já corria para a ação de manutenção da posse, ou seja, e nos
termos do art.1282º CC, deve ser intentada no ano subsequente ao esbulho ou ao conhecimento
do esbulho, quando tenha sido oculto. Havendo sucessivos esbulhos o prazo conta-se a partir
do último esbulho e pode, também, recorrer a uma providência cautelar comum nos termos dos
arts. 362ºss CC.
Havendo esbulho violento
Quando o esbulho seja complementado com violência então prevê o art.1279ºCC que o
possuidor esbulhado tem direito a que lhe seja restituída a posse da coisa a título provisório,
não sendo, para o efeito, ouvido o esbulhador. Isto baseia-se em providência cautelar em que é

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Direitos Reais

dispensada a audiência do esbulhador. Posto isto são três os requisitos que fundam esta PC
comum: a posse, o esbulho e a violência.
Quanto ao prazo em si aplica-se o mesmo do art.1282º CC. Aqui o prazo só começa a contar com
a cessação da violência pelo que se esta se mantém então este prazo não se inicia.
Efeitos da Ação de Manutenção e da Ação de Restituição
Diz o art.1283º CC que tem-se como nunca perturbado ou esbulhado aquele possuidor que foi
mantido na sua posse ou que foi judicialmente restituído dela. Esta disposição, assim como
aquilo que prevê o art.1284º CC, relevam para efeitos de usucapião, pois levam a que se conte
o lapso de tempo em que o possuidor foi perturbado da sua posse ou foi esbulhado da sua posse,
dado aqueles efeitos retroativos de que dispõe o art.1283º CC e, mais, tendo em conta que o
esbulhador nunca foi tido como possuidor com a procedência da ação de restituição então não
terá direito a frutos e as disposições das benfeitorias são substituídas pelas da acessão, isto
porque a restituição da posse é feita à custa do esbulhador (cfr. art.1284º CC).
Tem direito o possuidor a ser indemnizado pelo prejuízo que haja sofrido com a turbação ou o
esbulho, segundo o art.1284º/1 CC, e importa aqui uma obrigação de indemnizar nos termos
dos arts. 562ºss CC. Mas este pedido indemnizatório caduca com o caducar das ações de
manutenção e de restituição, conforme o art.1282º CC, pois fala o art.1284º/1 CC em possuidor
mantido ou restituído o que pressupõe que haja admissibilidade de decisão judicial no sentido
de manutenção da posse ou de restituição da posse.
Natureza Jurídica
Discute-se já historicamente se a posse é um direito ou se se trata de um facto. O Direito
Romano traz fontes capazes de sustentar muito bem tanto um como outra das posições, daí ser
um tema pouco acessível na doutrina.
Manuel Rodrigues vem apresentar as duas grandes doutrinas quanto a esta questão. Desde logo
apresenta a posição de que é a posse um facto, posição esta mais vulgar, dado a própria natureza
da posse é contrária à ideia de direito, pois não há direito que não seja moral ou que não seja
justo e, como vimos supra, a posse pode surgir de dolo, violência, etc. Apresenta, ainda, a
posição de que é a posse um direito subjetivo na medida em que há um poder, um interesse e
uma garantia jurídica. Manuel Rodrigues – e com ele seguem Mota Pinto, Henrique Mesquita e
Carvalho Fernandes – acolhe a doutrina de que é a posse um direito real. Assim, a posse é para
este um poder imediato e direito sobre a coisa e o seu titular tem a faculdade de exigir
universalmente a abstenção o que lhe permite exercer os elementos que constituem o direito
que exterioriza.
Por sua vez, Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro seguem a doutrina de que nem é a posse um
direito subjetivo nem é a posse mero facto. Foi a posse, no passado Código de Seabra, um direito
real contudo não o é já, na medida em que naquele Código, em sede de ação de restituição,
podia o possuidor esbulhado intentar ação contra o esbulhador, respetivos herdeiros e demais
terceiros a quem tivesse transferido a coisa por qualquer título, o que não acontece na atual
vigência deste Código, como já vimos anteriormente em momento oportuno (cfr. art.1281º/2
CC). Isto leva a que se entenda que tenha perdido a posse a natureza real, dado a posse não ser
mais oponível erga omnes.
Afastando-se já daquelas duas doutrinas maioritárias, Orlando Carvalho ensina que é a posse
uma mera situação fáctica, mas juridicamente relevante, não sendo, portanto, um direito. Mais:
é até um antidireito na medida, pois nega o direito. Mas ao mesmo tempo que isto acontece
também é a posse uma sombra do direito.
Santos Justo segue a primeira doutrina, a maioritária, entendendo que é a posse um direito que
se exerce direta e imediatamente sobre uma coisa corpórea que é certa e determinada e que,

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Direitos Reais

por isso, se produzem efeitos jurídicos que satisfazem o interesse do possuidor. O próprio
ordenamento jurídico tutela esta posição, embora apenas enquanto não for convencido da
questão da titularidade do direito a que a posse corresponde. Posto isto, diz Santos Justo que
é aposse um direito real de gozo, contudo temporário.

Tema 8: A Propriedade
Noção
O art. 1305º CC apresenta tão-só o conteúdo do direito de propriedade, não se podendo dizer
que ali está a definição de propriedade, pois esta é complicada ser apresentada face ao brocardo
latino que dizia que em direito toda a definição é perigosa. A crítica apresentada a esta
disposição passa por dois momentos: pelo facto de o gozo não ser específico da propriedade
e, mais, que pode haver propriedade sem o direito de uso, sem o direito de fruição –
propriedade esta que se designa por nua propriedade - e até sem o direito de disposição.
Apesar disto a doutrina tende a apresentar noções do direito de propriedade, contudo parece-
nos não ser relevantes serem apresentadas aqui15.
Objeto
O Código Civil versa-se essencialmente sob as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, segundo o
art.1302º/1C CC, remetendo para legislação especial a propriedade intelectual, por força do
art.1303º CC, não obstante poderem ser aplicadas subsidiariamente as normas do Código Civil
àquela matéria, segundo o art.1303º/2 CC.
No tocante à propriedade dos imóveis, diz o art. 1344º/1 CC que compõem esta propriedade,
também, o espaço aéreo que corresponde à superfície, assim como o subsolo e tudo o que neles
se contém, sempre atentando às limitações legais e ao que dispõe o art.1344º/2 CC16.
Características
Partindo do que dispõe o art.1305º CC, importa analisarem-se algumas características inerentes
do direito de propriedade. Desde logo temos a indeterminação, onde tem o proprietário
poderes indeterminados, por oposição aos demais direito reais, e que só é determinado pela lei
ou pelos particulares em casos excecionais, como o caso do usufruto (cfr. art.1445º CC). Temos,
também, a exclusividade na medida em que sobre uma coisa só pode haver um direito de
propriedade o que não obsta, em nada, que possa haver compropriedade, aliás, a questão nem
se deve levantar, pois na compropriedade há apenas um direito de propriedade sobre a coisa,
contudo este é “partilhado”. Por último temos a elasticidade, a qual foi referida aquando das
características dos direitos reais17, e onde havendo um direito real que limite o conteúdo do
direito de propriedade, ao findar aquele direito real, a propriedade reconstitui-se plenamente,
sendo isto produto da força expansiva e atrativa (vis attractiva) e tendo efeito automático com
o cessar daquele ónus ou direito real que limite o direito de propriedade.
Modalidades
Propriedade Perpétua
Esta é a propriedade-regra e caracteriza-se por não se extinguir com o decurso do tempo ou
pelo não uso, na medida em que se entende que não usar a coisa é, em si, uma forma de usar.
Para além disto, as transmissões não obstam à perpetuidade da propriedade. Corrobora isto a
imprescritibilidade da ação de reivindicação, do art.1313º CC, e, ainda, a exceção de extinção do
direito de propriedade pelo não uso, nos termos do art.298º/3 CC.

15
Podem ler-se estas definições na pág.230 e 231 do manual indicado na bibliografia;
16
No seguimento de Ihering para quem a propriedade se estende até onde houver interesse prático.
17
Supra pág.7 e 8

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Propriedade Temporária
Estes são casos só admitidos excecionalmente e quando previstos legalmente, segundo o
art.1307º/2 CC e caracteriza-se pela propriedade constituída por certo tempo. São exemplos
desta propriedade aquela do fiduciário, cuja propriedade cessará mediante termo que se
configura na sua morte, ou o direito do superficiário quando se tenha convencionado que,
passado certo lapso de tempo, a propriedade da obra ou das árvores reverte para o dono do
solo, segundo o art.1538º/1 CC, etc.
Se esta é uma modalidade que está dependente do princípio da tipicidade, qualquer
propriedade temporária constituída fora desta tipificação é nula, nos termos do art.294º CC, não
obstante usar-se da figura da conversão para tornar aquilo noutro direito real, por exemplo,
num usufruto, segundo o art.293º CC.
Propriedade Resolúvel
Como nos indica a designação, esta trata a propriedade constituída sob condição resolutiva,
sendo que aqui é livremente admissível nos termos do art.1307º/1 CC. O caso dos arts.119º,
1650º/1, 1760º/1/b) CC, entre outros são exemplos percetíveis desta questão.
Tendo em conta que a propriedade deste titular que adquire sob condição resolutiva perderá a
propriedade com a verificação efetiva dessa mesma condição então há autores que dizem que
a propriedade resolúvel é, em si, uma propriedade temporária, contudo importa que não sejam
confundidas.
Limitações Legais
Por interesse público
Expropriação
A expropriação é um instituto de direito público e administrativo e que leva aquisição originária
do direito. Está prevista no art.62º/2 CRP e no art.1308º CC e destas normas resulta que a
expropriação dá-se mediante uma indemnização e, neste caso, por utilidade pública. Esta
utilidade pública exige que se declare, lá está, que o ato está a ser tido por propósitos de
utilidade pública, não permitindo arbitrariedade nestes atos. Para além disto deve haver a
prestação de uma indemnização que vise ressarcir o prejuízo causado.
Requisição
Prevista no art.62º/2 CRP e, ainda, no art.1309º CC, também a requisição só ocorre quando
efetuada com base legal e mediante pagamento de uma indemnização. A expropriação visa
extinguir os direitos reais sobre a coisa expropriada, ao passo que a requisição leva a que a
entidade requisitante goze do direito de usar a coisa para o fim previsto e durante tempo
determinado e podes esta versar sobre coisas móveis e sobre coisas imóveis.
Por interesse privado
Fumo, ruídos e factos semelhantes
Diz o art.1346º CC que quando fumos, ruídos, vapores, etc provenientes de prédio vizinho – não
necessariamente prédios contíguos - importem prejuízo substancial para o uso do imóvel ou,
então, não resultem da utilização normal do prédio de que emanam pode, então, o proprietário
afetado opor-se. No que toca à não utilização normal do prédio entende-se que esta passa pelo
afastamento do destino económico do prédio, o qual deve ser aferido objetivamente.
Instalações prejudiciais
O art.1347º CC prevê duas situações, as quais se configuram nos n.2 e 3 daquele artigo, que
parece ser desnecessário aqui ser explicado, pois a letra da lei é clara. A razão de ser desta norma
passa pelo receio fundado e objetivo de que as obras, instalações, etc possam ter efeitos nocivos

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Direitos Reais

não permitidos por lei. Note-se só que o efeito nocivo não deve ser permitido por lei, pois caso
o seja já não será pautável esta limitação.
Isto importa que possa haver indemnização peço prejuízo sofrido, independentemente de culpa,
segundo o art.1347º/3 CC.
Escavações
Diz o art.1348º/1 CC que apesar de poder, o proprietário, abrir minas ou poços e fazer
escavações deve garantir que os prédios vizinhos não são privados dos apoios necessários para
evitar desmoronamentos ou deslocações de terra. Havendo danos, serão indemnizados os
proprietários afetados com aquelas construções, independentemente de culpa, segundo o
art.1348º/2 CC.
Passagem forçada momentânea
Diz o art.1349º/1 CC que o proprietário vizinho ao prédio que está em obras ou reparações está
obrigado a permitir que, pelo seu prédio, sejam levantados andaimes, colocados objetos e sejam
praticados demais atos análogos à reparação ou construção do edifício, desde que seja
indispensável usar deste prédio alheio, ou seja desde que não haja outra maneira de o fazer. No
mesmo sentido vai o 1349º/2 CC que permite o acesso ao prédio alheio para que vá buscar coisa
do “invasor”, porque acidentalmente ali se encontra, não obstante o proprietário entregar a
coisa e, assim, impedir o invasor de praticar a invasão. Havendo dano causado ao proprietário
que se vê obrigado a disponibilizar o acesso ao seu prédio então, pelo art.1349º/3 CC, então
deve haver lugar a indemnização, contudo nos termos da responsabilidade civil por factos lícitos.
Ruína de construção
Diz o art.1350º CC que havendo perigo de ruir, total ou parcialmente, podendo resultar danos
para o prédio vizinho, e havendo fundado receio disso, é lícito que o dono deste prédio exija da
pessoa responsável pelos danos que tome todas as providências necessárias a eliminar o perigo,
usando para o efeito os disposto no art.492º CC, visando que o responsável por estas obras
(sejam elas paredes, muros, piscinas, etc) tome as providências que mais ache adequado para
evitar a consumação daquele perigo.
Escoamento natural das águas
Segundo o art.1351º/1 CC, sujeitam-se a receber os proprietários de prédios inferiores as águas
que escoam, assim como terras, etc, de prédio superior ao daquele para onde escoem estas
matérias, não sendo sequer permitida a realização de obras que estorvem o escoamento, nunca
obstando a possibilidade de se constituir servidão legal de escoamento, quando assim seja
admitida, segundo o art.1351º/2 CC. Havendo estas obras pode o proprietário que as não fez
proceder à respetiva destruição das mesmas, porque alteram o curso natural ou estorvam o
escoamento. Estes prédios não têm de ser necessariamente contíguos, sendo apenas relevante
o decurso natural destas matérias face à superioridade/inferioridade dos prédios.

Obras defensivas das águas


O art.1352º/1 CC prevê que as obras defensivas para conter águas levam a que o dono do prédio
onde elas se encontrem esteja obrigado à sua reparação, tolerando que alguém a faça. Para
além disto, o 1352º/2 CC prevê que igual será caso seja necessário retirar-se do prédio materiais
cuja acumulação ou queda estorve o curso das águas, com prejuízo ou risco de terceiro. O
1352º/3 CC leva a que todos aqueles que aproveitarem do benefício daquelas obras terão de
contribuir para as despesas, proporcionalmente ao seu interesse.
Construções e edificações
O proprietário que levante edifício ou outra construção não pode abrir janelas ou portas que
acedam diretamente ao prédio vizinho, tendo que, para o efeito, de guardar uma distância de
metro e meio (1360º/1 CC). O mesmo se pode dizer das varandas, terraços, etc quando estas

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Direitos Reais

construções tenham altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte. Isto visa a
que o prédio vizinho não seja alvo de indiscrição de estranhos ou, até, que não seja devassado
com o arremesso de objetos.
Podendo o proprietário do prédio vizinho afetado exigir que se eliminem estas
desconformidades legais mas não o fazendo, corre o risco de se constituir uma servidão de vistas
pelo proprietário cujo prédio está desconforme e, mais, querendo edificar ou construir terá que
guardar a tal distância de metro e meio, por força do art.1362º CC.
Deve atentar-se à restrição a esta limitação do art.1361º CC e à do art.1363º CC.
Estilicídio
Diz o art.1365º/1 CC que o telhado não deve gotejar sobre o prédio vizinho devendo ser deixada,
para o efeito, a distância de cinco decímetros entre um prédio e a beira, caso não se possa evitar
isto de outra maneira. O art.1365º/2 CC refere que caso se constitua por qualquer servidão de
estilicídio, então deve o proprietário do prédio realizar as obras necessárias para que o
escoamento das águas se faça através do seu prédio, pois não pode levantar a construção que
impede o escoamento das águas, nunca prejudicando o prédio vizinho.
Plantação de árvores e arbustos
Pode o proprietário plantar as árvores e arbustos até à sua linha divisória, não obstante poder
o dono do prédio vizinho interpelar judicial ou extrajudicialmente o dono daqueles árvores para
que corte as raízes que se introduzirem no seu prédio e, mais, que corte troncos e ramos que
sobre este prédio propenderem, sob pena de poder ser mesmo ele a arrancá-las caso após esta
interpelação não se procede ao ato de as retirar no prazo de três dias, nos termos do art.1366º/1
CC. Caso diferente é se as árvores, ao confinarem com um imóvel do domínio público, invadem
este e que leva a que os proprietários tenham o dever de podar estas árvores e arbustos e
manter edifícios, vedações, etc em bom estado de conservação.
O vizinho prejudicado com as árvores não tem o direito de pedir indemnização ao dono destas
porque poderá evitar os danos exercendo a faculdade que a lei lhe concede de poder ser ele a
proceder a esse tratamento. Apesar disto, casos excecionais permitem que o dono do prédio
vizinho possa exigir mesmo do dono das árvores que este procede ao seu tratamento caso estas
se encontrem juntos de muros, etc e que podem levar avultados danos.
Todos estes ramos, raízes, etc são partes componentes da árvores e que, portanto, são direito
do dono destas árvores.
Note-se que se durante vários anos não pedir o dono do prédio vizinho que o dono das árvores
corte as raízes, etc então o dono das árvores não adquire por usucapião a servidão predial que
lhe permitiria defender a manutenção das raízes, etc, dado não ter o dono das árvores o animus
possidendi e acresce a isto o facto de o dono do prédio vizinho poder retirar ele mesmo aqueles
excessos que invadem o seu terreno e isto é algo imprescritível.
Apanha de frutos
Diz o art.1367º CC que pode o proprietário de árvore ou arbusto que é contíguo a prédio vizinho
exigir ao dono deste prédio vizinho que possa entrar no seu prédio para proceder à apanha dos
respetivos frutos, desde que não seja possível fazer tal apanha pelo seu lado, nunca obstante
poder ser responsável pelo prejuízo que cause ao vizinho.
Árvores ou arbustos situados na linha divisória
Diz o art.1368º CC que as árvores que se situam na linha divisória de terrenos contíguos
presumem-se em regime de compropriedade, sendo que pode cada um dos donos dos prédios
proceder, por exemplo, a cortar estas árvores ou arbustos, não obstante ter direito o outro dono
a metade do valor ou da madeira que produzirem, como preferirem. Para este efeito é preciso

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

que a árvore tenha nascido naturalmente naquele local e esta presunção é ilidível, nos termos
do art.350º/2.
Diz já o art.1369º CC que caso aquelas árvores tenham o propósito de servirem de marcos
divisórios só se pode proceder ao respetivo abate com a convenção das partes para o efeito.
Limitações Convencionais
Sujeitas ao princípio da tipicidade do art.1306º CC, ou estas limitações são admissíveis pela lei
ou, então, são nulas por contrariarem o direito de propriedade, nos termos do art.294º CC, não
obstante poderem tornar-se obrigacionais ou num outro direito real legalmente admissível, por
força do instituto da conversão, nos termos do art.1306º/1 CC.

Aquisição da Propriedade
Aquisição Originária
No seguimento da classificação apresentada pela Escola do Direito Natural Racionalista, aqui a
propriedade surge ex novo pois há um contacto imediato com a coisa e totalmente
independente de qualquer relação jurídica que eventualmente ligue o sujeito que adquire a um
outro sujeito.
-Ocupação-
Fala-se, aqui, da apropriação ou tomada de posse de uma coisa que não tem ou deixou de ter
dono. As coisas adquiríveis por ocupação são os animais e coisas móveis que nunca tiveram dono
- ou seja as res nullius - ou então que foram abandonadas, - ou seja as res derelictae - perdidas
ou escondidas pelos seus proprietários, nos termos do art.1318º CC.
São necessários os seguintes elementos: pessoal, onde o ocupante deve ser uma pessoa com
capacidade de gozo bastante, sendo dispensável a capacidade de exercício; real, onde a coisa
ocupável deve ser uma res nullius em sentido amplo que compreendem todas aquelas
mencionadas acima do art.1318º CC, pois os imóveis sem dono conhecido pertencem ao Estado
nos termos do art.1345º CC, e deve a coisa ser suscetível de ocupação na medida em que está
no comércio, segundo o art.202º/2 CC; formal, que se baseia no ato de tomar a posse da coisa.
Caça e Pesca
Os animais caçados e pescados constituem-se como res nullius daí ser a sua propriedade
adquirida por apreensão. Por isto o Código Civil juntou esta matéria no âmbito da ocupação,
apesar de remeter para legislação especial o regime da caça e da pesca, segundo o art.1319º CC.
Animais selvagens com guarida própria
Estes animais nem são selvagens nem são domésticos, sendo quase que um intermédio na
medida em que estão num estado de liberdade natural, mas têm o hábito de se recolherem em
guarida artificial e, por isso, pertencem a quem procedeu à respetiva artificialidade, sendo que
perdendo este hábito de regresso à guarida então constituem-se como res nullius amplu sensu
e tornam-se suscetíveis de ocupação.
Nesta matéria o art.1320ºCC prevê algumas questões que devem atentar-se. Desde logo, se os
animais passarem a recolher noutra guarida passam a ser propriedade do dono desta guarida,
não obstante poder o antigo dono reconhecer os animais e haver lugar à respetiva recuperação,
nunca causando prejuízo ao proprietário da guarida onde os animais passaram a recolher sob
pena de responder por eles (art.1320º/1 CC). Caso tenham sido adquiridos os animais através
de fraude ou artifício do dono da nova guarida então este deve restituir ao dono os respetivos
animais ou, então, em caso de impossibilidade deve prestar o valor dos animais em triplo
(art.1320º/2 CC).

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Enxames de abelhas
Diz o art.1322º/1 CC que o proprietário de enxame de abelhas pode perseguir e recuperar o
enxame que se encontre em prédio alheio, não obstante ter de responder pelos danos causados,
mas caso o exame não seja capturado no prazo de dois dias diz o art.1322º/2 CC que pode este
ser ocupado pelo proprietário do prédio onde se encontra o enxame ou permitir que outrem o
ocupe, pois presume-se que a não captura no prazo de dois dias se configura como abandono
tornando-se o enxame numa res nullius amplu sensu.
Animais e coisas móveis perdidas
Diz o art.1323º/1 CC que quem encontrar animal ou res móvel perdida e conhecer o seu dono
deve proceder à restituição dessa mesma coisa, sendo que não conhecendo o dono deve ter as
diligências exigíveis e adequadas a achar o dono, nos termos do 1323º/2 e 3 CC. Encontrado o
dono, deve este prestar as despesas tidas com a manutenção da coisa ou animal pelo achador
acrescida de eventuais prejuízos, segundo o art.1323º/5 CC, gozando, para o efeito, de direito
de retenção o achador, nunca respondendo por perda ou deterioração da coisa ou do animal
salvo tenha procedido dolosamente, nos termos do art.1323º/6 CC. Se a coisa não for reclamada
no prazo de um ano a contar do anúncio para a procura do dono então pode o achador fazer da
coisa propriedade sua por ocupação, nos termos do art.1323º/4 CC, pois entende-se que a
decorrência deste prazo funciona como presunção iuris et de iure/absoluta18 de abandono.
Tesouro
Uma coisa móvel e valiosa que está escondida em tempo imemorial tem-se como não tendo
dono e classifica-se como sendo tesouro. O art.1324º/1 CC acolhe a solução de Adriano,
imperador romano, e procede à partilha do tesouro entre o achador deste e entre o proprietário
da coisa onde estava o tesouro escondido ou enterrado. O art.1324º/2 CC remete para o que foi
dito quanto à coisa móvel perdida e respetiva procura do dono, ou seja, para o 1323º/1 e 2 CC,
sendo que tal é desnecessário caso seja evidente que o tesouro se encontra escondido há mais
de vinte anos, sob pena de perder os benefícios para o Estado que lhe seriam conferido pelo
art.1324º/1 CC, por força do art.1324º/3 CC.
No caso de ser o usufrutuário a descobrir o tesouro então este é havido como achador e cabe
ao proprietário metade, segundo o art.1461º CC.
-Acessão-
Classifica o art.1325º CC a acessão como sendo o evento de unir e incorporar, o proprietário,
uma coisa sua com coisa que não lhe pertence. O art.1326º CC vem classificar a acessão em duas
espécies: a natural e a industrial. A acessão natural dá-se quando são as próprias forças da
natureza a unir e incorporar aquelas duas res de proprietários distintos. A acessão industrial dá-
se quando é feita artificialmente, seja por confusão dos objetos, seja por emprego de trabalho
em matéria alheia e que cria a tal confusão do resultado do trabalho na cosia alheia. O n.2
daquele artigo vem, ainda, afirmar que a acessão industrial pode ser mobiliária – caso se trate
de coisas do art.205º CC – ou pode ser imobiliária – caso se trate de coisas do art.204º CC.
Da acessão natural
Aluvião
O art.1328º/1 CC prevê que tudo o que for depositado no prédio de alguém por força da
corrente das águas é pertencente ao dono deste prédio, que é confinante com aquelas correntes
de água. O 1328º/2 CC prevê que também será pertencente ao dono do prédio aquele prédio
que, por força das águas, se vai deslocando e entrando em contacto com o prédio daquele
primeiro, sem que possa sequer o proprietário do prédio perdido impugnar esta acessão natural.

18
e, portanto, não ilidível como estamos habituados a ter;

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Avulsão
Prevê o art.1329º/1 CC que caso uma força natural e instantânea arranque plantas, levar objetos
ou porção de terreno e as depositar em prédio alheio então tem direito o dono do terreno
afetado exigir eu lhe sejam restituídas essas mesmas coisas no prazo de seis meses, podendo o
dono do prédio afeto interpelar ele mesmo à remoção, por via judicial. Não se levando a cabo
esta remoção então o proprietário do prédio afeto usa do disposto no art.1328º CC referente à
aluvião e faz daquelas coisas como sendo suas através da acessão natural, nos termos do
art.1329º/2 CC.
Mudança de leito
Prevê o art.1330º/1 CC que caso mude um rio de leito então o leito antigo manter-se-á como
propriedade dos proprietários que antes se configuravam como proprietários daquele leito
corrente, sendo que os proprietários do leito onde agora corre a água têm o direito de
propriedade sobre esta por força da acessão natural. Ramificando-se a corrente em dois ou mais
braços a solução passa pela mesma anteriormente aplicável, segundo o art.1330º/2 CC.
Note-se que o que se mantém é o direito de propriedade sobre o leito abandona pelos
proprietários do prédio onde este se encontra e o que se constitui é o direito sobre as águas que
agora correm em novo leito que se encontra em prédio de outrem e nunca este vai adquirir
qualquer propriedade, por esta via, do leito abandonado.
Formação de ilhas e de mouchões e lagos e lagoas
Se se formarem ilhas ou mouchões nas correntes das águas pertencentes ao dono do leito
ocupado então estas serão pertencentes àquele dono, nos termos do art.1331º/1 CC, não
obstante terem sido formadas por avulsão e, então, poder proceder o proprietário do prédio
afetado à remoção nos termos do art.1329º CC, e no seguimento do que dispõe o art.1331º/2
CC. Santos Justo não considera isto uma verdadeira acessão natural.
No que toca aos lagos e lagoas aplicam-se as disposições das figuras acima descritas, desde que
se tratem de situações análogas, nos termos do art.1332º CC, sendo que estarão em causa os
lagos e lagoas circundados por vários prédios e, por isso, Santos Justo considera não se tratar
aqui de uma verdadeira acessão.
Da acessão industrial mobiliária
União ou confusão de boa-fé
Se alguém, estando de boa-fé – que passará pela ignorância de que se lesa direito alheio -, une
ou confunde objeto seu com o de outrem a ponto de não ser possível a separação ou, então,
cause isto prejuízo para alguma das partes então prevê o art.1333º CC diversas soluções. Se
preferir o dono-lesado uma indemnização então o autor da confusão está obrigado a ficar com
a coisa adjunta (cfr. art.1333º/4). Não optando pela indemnização, atende-se ao valor das coisas
e adquirirá a coisa adjunta o dono da coisa mais valiosa que serviu na união ou confusão de
coisas, sempre mediante a indemnização ou entrega de coisa equivalente ao proprietário que
tinha a coisa menos valiosa unida ou confundida (cfr. art.1333º/1 CC). Tratando-se de coisas de
igual valor proceder-se-á à licitação da coisa, sendo esta adjudicada a quem oferecer maior valor
(cfr.art.1333º/2 CC), salvo não havendo acordo entre as partes quanto à solução da querela.
Mas se as partes não pretenderem licitar então a coisa deve ser vendida e recebe cada um dos
proprietários a parte do preço que lhes couber (cfr.art.1333º/3 CC).
União ou confusão de má-fé
Unindo ou confundindo, alguém, de má-fé uma coisa sua com outra alheia é aplicável o regime
do art.1334º CC e que passa por separar as coisas, caso se possa efetuar sem detrimento das
mesmas, e entregar a coisa ao respetivo dono acrescido de indemnização pelo dano sofrido
(cfr.art.1334º/1 CC) ou, então, caso a separação implique o detrimento seguem-se os termos do

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

art.1334º/2 CC e, neste sentido, deve o dono da coisa que foi unida ou confundida ficar com
ambas a coisas, não obstante pagar ao autor da união ou confusão o respetivo valor calculado
nos termos do enriquecimento sem causa, disposto nos arts.473ºss CC ou, então, pode não
querer ficar com a coisa adjunta e, assim, o autor da união ou confusão deve restituir o valor da
coisa unida ou confundida acrescendo da indemnização pelo dano.
Especificação de boa-fé
Se alguém ignora que lesa o direito alheio, ou seja estando de boa-fé, e transforma através do
seu trabalho uma coisa móvel alheia, como por exemplo o vinicultor que transforma as uvas de
umas videiras que julga serem suas em vinho ou o agricultor que faz azeite de umas azeitonas
cujas oliveiras julga serem do seu olival e daí resulta uma nova individualidade económica – o
vinho, o azeite, etc – deve restituir a coisa à sua forma primitiva, caso o seja possível, e sem
perder o valor criado. Mas não sendo possível – e facilmente se perceberá que raras não serão
as vezes em que isso não será possível – deve atender-se aos valores da matéria e da coisa
transformada, sendo que caso seja a coisa transformada de valor superior à matéria então fica
o proprietário lesado com ela e, caso seja de valor inferior, pode o especificador ficar com ela,
nunca obstante, em qualquer dos casos, que quem fique com a coisa transformada deva
indemnizar o outro, segundo o art.1336º/2 CC.
Especificação de má-fé
No mesmo passado na figura anterior mas estando agora o autor da especificação de má-fé deve
a coisa transformada ser do dono lesado da matéria acrescido da indemnização pelos danos
causados sendo que o autor da especificação só pode exigir ao dono lesado da matéria o que
for excedente em um terço o aumento do valor que a especificação causou, nos termos do
art.1337º CC, funcionando este excedente em um terço como a sanção contra a má-fé do
agente.
Da acessão industrial imobiliária
Obras, sementeiras ou plantações com materiais alheios
Prevê o art.1339º CC que aquele que em terreno seu construir ou fizer uma sementeira ou uma
plantação com materiais, sementes ou plantas de outrem adquire estas matérias, sendo que
deve pagar o valor das mesmas acrescida de indemnização pelos danos. Aquele valor dos
materiais, sementes ou plantas pode ser substituído por outros espécimes da mesma qualidade,
pois pode o lesado ter nisso preferência.
Nunca é admissível a destruição da obra, da sementeira ou da plantação.
Obras, sementeiras ou plantações feitas de boa-fé em terreno alheio
O art.1340º CC prevê que quem constrói, semeia ou planta, com matérias suas, em prédio
alheio, desconhecendo que é alheio ou, até, pensando estar autorizado pelo próprio
proprietário para o efeito então ou o valor do prédio superioriza e o autor da incorporação
adquire o terreno ao pagar o valor que este tinha antes da ação de incorporação (cfr.art.1340º/1
CC), ou o valor é o mesmo e haverá licitação entre o dono do terreno e o autor da incorporação
(cfr.art.1340º/2 CC), ou o valor é menor e esta incorporação é adquirida pelo dono do terreno
que terá que indemnizar o autor do valor que tinham ao tempo da incorporação (cfr.art.1340º/3
CC).
No que toca a estas questões da aquisição, etc importa saber de que forma é que esta se
processa, sendo que Pires de Lima e Antunes Varela consideram tratar-se de uma aquisição
automática ou imperativa, contudo Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes
e Santos Justo consideram que esta não é, de todo, a forma de aquisição, considerando tratar-
se de uma acessão facultativa, tendo em vista o caráter sinalagmático da aquisição e do
respetivo pagamento, sendo que a aquisição automática tornar-se-ia violenta, pois a

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

obrigatoriedade de alguém adquirir o direito de propriedade sobre o terreno ou sobre os


materiais, sementes ou plantas pode não conseguir ser satisfeita em tempo útil, pois não se sabe
sequer se está em condições este adquirente de prestar tal obrigação.
Obras, sementeiras ou plantações feitas de má-fé em terreno alheio
Diz o art.1341º CC que caso tenha sido a obra, a sementeira ou a plantação feita de má-fé, tem
o dono do terreno direito a exigir que essa seja desfeita com a posterior restituição do terreno
ao “primitivo” proprietário, sendo que optando por manter a obra, sementeira ou plantação o
proprietário lesado por ficar com ela sendo que tem apenas de prestar no âmbito da figura do
enriquecimento sem causa, segundo os arts.473ºss CC.
Obras, sementeiras ou plantações feitas com materiais alheios em terreno alheio
Aqui quase que temos uma junção das duas figuras acima mencionadas: os materiais são alheios
e o terreno é, também ele, alheio. Para esta situação prevê o art.1342º CC que caso seja a obra
tenha aumentado o valor do prédio, então o dono dos materiais, sementes ou plantas adquire
o terreno sendo que deve pagar o valor que o prédio tinha antes da obra, sementeira ou
plantação (cfr.art.1342º/1 CC). Mas caso o valor que se acrescentou seja inferior ao que o
terreno tinha antes já será o dono do terreno a adquirir a obra, sementeira ou plantação sendo
que indemnizará o dono dos materiais, sementes ou plantas, sendo indiferente que esteja de
boa ou má-fé o autor da incorporação (cfr.art.1342º/1 CC). Já sendo igual o valor acrescentado
ao valor do terreno proceder-se-á à licitação entre o dono dos materiais e o dono do terreno,
sendo irrelevante, novamente, a boa ou má-fé do autor da incorporação (cfr.art.1342º/1 CC).
Por último, caso tenha o dono dos materiais culpa, dado sabe que o prédio é alheio mas, apesar
disso, permite que sejam usados para o efeito os seus materiais, sementes ou plantas para o
respetivo efeito, então ou se restitui o prédio ao seu primitivo estado, ou fica com a obra,
sementeira ou plantação devendo prestar o valor que for fixado nos termos do enriquecimento
sem causa, dos arts.4473ºss CC, no seguimento do que diz, agora, o art.1342º/2 CC. Neste plano
se estava o autor da incorporação de má-fé, será a sua responsabilidade solidária com aquela
do dono dos materiais, sementes ou plantas sendo o valor do enriquecimento sem causa
dividido na proporção do valor dos materiais, sementes ou plantas e da mão-de-obra. Mas
estando já o autor de boa-fé então o seu direito a ser indemnizado pelo trabalho empregue será
conservado na totalidade.
Prolongamento de edifício por terreno alheio
Por último, temos a hipótese de o construtor de boa-fé, ao ignorar que o terreno é alheio, alarga
o edifício violando parcela de terreno alheio. Se o proprietário do prédio ocupado não se opuser
no prazo de três meses a contar do início da ocupação então o construtor pode adquirir a
propriedade do terreno que está a ocupar, pagando o seu valor acrescido do prejuízo causado,
por força do art.1343º/1 CC. O mesmo se estenderá para qualquer outro direito real de terceiro
sobre o prédio que está a ser ocupado, como dispõe o art.1343º/2 CC.
Nesta hipótese temos aquilo a que a doutrina designa por acessão invertida, na medida em que
é o construtor, e já não o proprietário do terreno, quem adquire a parcela ocupada, sendo que
é este titular de um direito potestativo e, por isso, pode ou não adquirir a res, estando a
contraparte em pleno estado de sujeição.
Reforça-se a questão de que apenas se pode violar parcela do terreno e não a sua integralidade,
sendo que violando-se esta integralidade recorrer-se-á ao regime da acessão do art.1340º CC.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

-Usucapião-
Santos Justo faz, no seu livro, remissão para quando abordou a usucapião no efeitos da posse e
parece-nos pertinentes fazer-se o mesmo, pois ir-se-ia acabar apenas por se repetir matéria19.
Neste plano note-se que a usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, dado
adquirir para além do proprietário que a perde.
Aquisição derivada
Na aquisição derivada o direito que o proprietário adquire deriva do antigo proprietário, que a
perde, em benefício daquele que a adquire, tendo em vista, para o efeito, uma relação jurídica
idónea a tanto.
Contrato
Diz o art.1316º CC, sob a epígrafe Modos de Aquisição, que o direito de propriedade se pode
adquirir por contrato20, reforçando isto o art.408º/1 CC ao prever que o efeitos reais operam
por mero efeito do contrato, salvo exceções.
Sucessão por morte
Por sucessão mortis causa é suscetível de se adquirir a propriedade, como o indica o art.1316º
CC, onde uma ou mais pessoas serão chamadas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais
da pessoa que faleceu tendo, ainda, direito a que lhes sejam devolvidos os bens que lhe
pertenciam, nos termos do art.2024º CC.
Outros modos de aquisição
É o art.1316º CC que refere que a propriedade pode ser adquirida por demais modos previstos
na lei. São alguns exemplos que se podem encontrar como a aquisição de frutos naturais pelo
possuidor de boa-fé (cfr.art.213º CC), a expropriação por utilidade particular, em casos em que
é facultado direito de preferência na alienação de bens, entre outros casos.
A Tutela
Meios extrajudiciais
Ação direta
No art.1314º CC expressamente se prevê a ação direta como meio extrajudicial de tutela da
propriedade, a qual seria desnecessária, pois usar-se ia facilmente o regime genérico, do
art.336º CC. Pode ser usado, para o efeito, qualquer um dos meios do art.336º/2 CC.
Legítima defesa
Não é referida expressamente no plano da propriedade como o é a ação direta, como ainda
agora mostrámos, contudo, e como igual seria para a ação direta, o regime genérico serve para
ser aplicado neste plano, nos termos do art.337º CC. Assim, pode o proprietário usar da legítima
defesa para defender res sua assim como para proteger res alheia.
Meios judiciais
Ação de reivindicação
Sendo esta uma ação declarativa de condenação, o proprietário pode instaurar esta ação
contra quem tenha a posse ou detenção da coisa que a ele lhe pertence onde irá requerer ao
tribunal que reconheça a sua propriedade acrescida da respetiva restituição da coisa que é
reivindicada. Esta é uma ação sujeita a registo, dado o caráter real da ação e, ainda, da
necessidade de tal para oponibilidade em relação a terceiros (art.3º/1/a) CRPredial).
É o que resulta do art.1311º/1 CC sendo que pode acrescer uma indemnização nos termos do
art.555º do Código de Processo Civil.

19
Para se abordar este instituto remeto para as págs.20 e 21 deste bloco, quando falámos da usucapião
no plano dos efeitos da posse
20
consensus parit proprietatem

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Incumbe ao demandado provar que a coisa lhe pertence por força de título legalmente
admissível ou que tem sobre a coisa um direito real que justifica a posse ou, então, tem a coisa
por força de um direito pessoal de gozo que a lei tutela. Já ao demandante incumbe o ónus de
provar o direito de propriedade e que a coisa se encontra na posse ou detenção alheia. Esta
prova do proprietário é bastante difícil, pois não lhe basta provar que adquiriu a propriedade do
alienante, sendo necessário fazer a prova que este alienante também a adquiriu, e assim
sucessivamente, pois é preciso provar que todos os anteriores proprietários eram, de facto,
proprietários, pois caso não o fossem não estavam aptos a transmitir a propriedade. É nisto que
se fala da diabolica probatio, na medida em que é bastante difícil fazer toda esta prova. A mesma
não se colocará se a propriedade foi adquirida de forma originária, seja através de ocupação,
acessão ou usucapião e, ainda, através do registo, onde gozará este demandante da presunção
de proprietário que levará a que o demandado tenha de ilidir esta presunção e a ele se colocará
a dificuldade de provar a inexatidão do registo.
É por isto que se prefere recorrer aos meios de tutela possessória, pois a prova é mais acessível
à parte e acresce a isto o efeito de que provada a prova gozará o possuidor da presunção da
propriedade, prevista no art.1268º/1 CC.
Esta ação é imprescritível, mas não afeta os direitos adquiridos por usucapião, segundo o
art.1313º CC, dada a característica de perpetuidade do direito de propriedade.
Ação confessória
O proprietário pode obter o reconhecimento do seu direito de propriedade quando este se
tenha, por alguma razão, tornado duvidoso. Esta é uma ação declarativa de simples apreciação
e que está prevista no art.4º/2/a) do CPC, não estando prevista no Código Civil.
Ação negatória
Se o proprietário de uma coisa preferir mostrar que alguém se arroga de um direito sobre a coisa
propriedade do primeiro pode intentar esta ação declarativa de simples apreciação para que o
tribunal reconheça que não há, de facto, qualquer direito sobre a coisa.
Ação de prevenção contra danos
O proprietário pode intentar ação contra o dono de prédio vizinho para prevenir danos à sua
coisa. Por esta via consegue evitar a emissão de fumos, cheiros, etc (art.1346ºCC), a construção
de obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas (art.1347ºCC) ou,
ainda, a abertura de minas ou poços e escavações suscetíveis de provocarem desmoronamentos
de terra (art.1348ºCC).
Extinção
Expropriação
Dando-se a expropriação dá-se a extinção do direito de propriedade sobre o respetivo imóvel
em função de utilidade pública.21
Perda da coisa
Mediante a perda absoluta ou total da coisa a propriedade extingue-se. Não se deve confundir
com a deterioração, salvo esta seja de modo tal que não seja possível exercer sobre ela o
direito de propriedade. Assim, com a perda, a coisa torna-se em res nullius ampli sensu, pelo
que será suscetível de ocupação (arts.1318º e 1323º CC).
Impossibilidade definitiva de exercício
Não sendo possível, de forma definitiva, o exercício do direito de propriedade extinguir-se-á a
propriedade. Exemplo que me parece melhor é o do terreno que está submerso por água do
mar cujo direito de propriedade sobre este terreno se perderá ao fim de vinte anos.

21
analisada supra: pág.29

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Abandono
Tendo o agente o animus deliquendi (de rejeição) sobre a coisa e afastando-se dela então
extinguir-se-á o direito de propriedade sobre ela. Assim as coisas móveis tornar-se-ão res nullius
amplu sensu e, assim, suscetíveis de ocupação. As coisas imóveis veem apenas a propriedade
sobre as águas que eram originariamente públicas retornarem ao domínio público, segundo o
art.1397º CC. O abandono é, quanto à sua natureza, um negócio jurídico unilateral non
recipiendo22.
Renúncia
Esta figura passa por uma manifestação da faculdade de dispor que a lei reconhece ao
proprietário no art.1305º CC. É liquidamente admitida para as coisas móveis, contudo a doutrina
diverge em admitir para as coisas imóveis. Neste plano, há quem admita que o facto de a
propriedade ser um direito subjetivo então as coisas imóveis admitem a renúncia nos termos do
art.1305º CC e que leva à aquisição por parte do Estado automaticamente. Para além disto, há
quem entenda que esta posição é perfeitamente aceitável caso seja aceite pelo direito23 e caso
seja, por força da lei, constituído, contudo a interpretação da lei não fornece o apoio para a livre
renunciabilidade sobre imóveis. Para além disto, há quem vá pela distinção entre a renúncia
abdicativa e entre a renúncia liberatória onde aceitam a renúncia liberatória do direito de
propriedade. Por último há quem entende que se extinguindo a obrigação real então a
propriedade só se transfere caso o proprietário do prédio dominante consentir nesta renúncia,
sendo que, opostamente, a propriedade manter-se-á no antigo devedor.
Caducidade
Se a propriedade for temporária poder-se-á extinguir pelo decurso do prazo para a titularidade
do direito, como a substituição fideicomissária no testamento (art.2286ºCC) e na doação
(art.962ºCC).
Não uso
Se o proprietário não usar a coisa então, e nos casos previstos na lei, a propriedade extinguir-
se-á, como indica o art.298º/3 CC. Isto porque o não uso não constitui uma forma de uso. Recairá
isto sobre as águas particulares que eram originariamente públicas, pois caso não seja feito uso
proveitoso das mesmas então estas reverterão ao domínio público, por força do art.1397ºCC.
Outras modalidades
Tanto o contrato (arts.1316º e 1317º/a) CC), como a usucapião como a acessão são fontes de
extinção do direito de propriedade.
Natureza Jurídica
Existem duas grandes teorias que abordam a natureza jurídica do direito de propriedade: a
teoria da pertença e a teoria do senhorio.
No que concerne à teoria da pertença a propriedade traduz-se na ideia do “meu vs. dos outros”,
onde a relação de subordinação de uma coisa face ao seu proprietário é a base da teoria. Peca
esta teoria por não pautar a diferença entre o direito de propriedade e os demais direitos reais,
não obstante ter pautado a característica de que a coisa pertence absoluta e exclusivamente ao
proprietário havendo uma ligação íntima entre o titular do direito e o próprio objeto.
Já a teoria do senhorio é a mais recente e dominante. Aqui a propriedade é o direito real mais
extenso que o ordenamento jurídico permite ter sobre uma coisa e apoia-se no facto de o
proprietário ter os seus poderes indeterminados. É criticada pelo facto de o usufrutuário ter

22
não recetício; não é necessário que as demais pessoas tenham conhecimento e aceitem aquele
abandono para que se produzam os respetivos efeitos.
23
de iure contituendo

40
Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

mais direitos sobre a coisa do que o nu proprietário e que leva à querela de saber quem é o
senhorio da coisa.

Tema 9: Propriedade das Águas


Águas Particulares
O art.1385º CC prevê que as águas podem ser públicas ou particulares remetendo para
legislação especial o regime das águas públicas, tendo em conta que pertencem ao direito
público e são alvo de constantes modificações.
As águas são consideradas coisas imóveis: se integradas no imóvel então são partes
componentes daquele e são classificadas como imóveis pelo art.204º/1/e) CC; se autonomizadas
então são classificadas como imóveis pelo art.204º/1/b) CC.
São tidas como águas particulares aquelas taxadas no art. 1386º/1 CC e, ainda, no art.1387º/1
CC, não nos parecendo ser necessário fazer a referência a cada uma delas, tendo em conta que
elas são claras e de acessível perceção.24 25 O art.1386º/2 CC refere que não sendo definido o
volume das águas referentes às alíneas d), e) e f) do n.1 então há direito sobre o caudal
necessário para o fim a que se destinar.
Dispõe ainda o art.1388º CC que em casos de necessidade e de urgência podem as a autoridades
administrativas ordenar a utilização imediata de quaisquer águas particulares para conter ou
evitar danos, sem para tal ser necessária qualquer formalidade ou uma prévia indemnização,
não obstante resultarem danos (que possam ser aferidos/apreciáveis) para os donos daquelas
águas requisitadas e haver, por isso, direito a indemnização que deverá ser prestada por aqueles
em cujo benefício foram requisitadas aquelas águas, como, por exemplo, os proprietários de um
pinhal que ali perto ardia.
Aproveitamento das Águas
Fontes e Nascentes
O art.1389º CC prevê que o dono de um prédio onde haja uma fonte ou nascente de água pode
dela servir-se e ainda dispor do seu uso livremente, não obstante as restrições previstas na lei
e direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água por justo título. Este é um princípio que
a lei prevê e só há duas restrições legais a ele: a do art.1392º CC (que impede a mudança do
curso daquelas águas quando se verificarem os pressupostos no artigo previstos) e a do
art.1557º e 1558º CC (referente ao aproveitamento das águas para uso doméstico e para uso
agrícola, respetivamente), e a restrição do direito ao uso adquirido por justo título por terceiro,
o que implica que o título de aquisição respeite os dispostos do art.1390º/1 CC.
A usucapião que é referida no art.1390º/2 CC traz alguns requisitos especiais que a regra geral
da usucapião não exige. Falamos da legal exigência do acompanhamento de obras, visíveis e
permanentes, feitas no prédio ou esteja a fonte ou a nascente e que revelem a captação da água
e respetiva posse da água. Quer isto dizer que devem ter sido feitas obras que captem a água
de um prédio para o outro para que seja possível operar a usucapião, no seguimento do que
prevê o art.1391º CC, sendo admitida qualquer espécie de prova. Note-se que os proprietários
do prédio onde está a fonte ou a nascente da água pode privar o uso dos prédios inferiores
quando faça um novo aproveitamento daquelas , como nos indica o art.1391º/1/2ª Parte CC, ou
seja estão dependentes os proprietários dos prédios inferiores da tolerância do proprietário da

24
Fazer a mera referência que quando a alínea d) do art.1386º/1 refere-se àquela data, dado representar
a data da cessação da vigência do Código de Seabra;
25
Quando na alínea d) do art. 1386º/1 se faz a referência a preocupação deve ler-se pré-ocupação (fruto
do tão bem conseguido acordo ortográfico…), que é basicamente a ocupação das águas através de obras
no leito ou na margem de rio não navegável (ex.: engenhos para regas, moinhos de água, etc).

41
Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

fonte ou da nascente. Isto resulta também do facto de que se entende doutrinariamente que os
prédios inferiores são onerados com este escoamento natural das águas e, por isso, o respetivo
uso funciona como que uma compensação por tal encargo. Se o proprietário da fonte ou da
nascente fizer uso diferente das águas sobejas excedendo manifestamente os limites impostos
pelo fim social ou económico do seu direito apenas pelo mero facto de prejudicar os
proprietários inferiores então aquele incorre em abuso de direito, previsto no art.334º CC.
Águas pluviais e de lagos e lagoas
Aproveitamos o que prevê o art.1393º CC e fazemos notar que às águas pluviais e ao lagos e
lagoas aplicam-se mutatis mutandis o que para as fontes e nascentes acabámos de referir.
Águas subterrâneas
O art.1394º/1 CC prevê que o proprietário de um prédio pode procurar por águas subterrâneas
no seu prédio, podendo fazer, para o efeito, poços, minas ou demais escavações, nunca
prejudicando direito que terceiro haja adquirido por justo título nos termos do art.1395º/1 CC.
Acresce o art.1394º/2 CC a isto que caso o caudal de qualquer água pública ou particular diminua
pela exploração da água subterrânea por este proprietário não há qualquer violação de direitos
alheios, exceto se a escavação feita para a exploração for através de infiltrações provocadas e
artificiais e nunca obstante o que dispõe o art.1396º CC. Face a isto pode-se mesmo dizer se
consagra o princípio que já referimos para o art.1389º CC: o proprietário de um prédio pode
proceder à exploração, desde que não prejudique direitos adquiridos por justo título por
terceiros, contudo há o limite de a exploração ser apenas sobre as águas subterrâneas existentes
no seu prédio e nunca podendo desviar as águas de prédio contíguo.
Note-se que a venda genérica destas águas é ilegal, dado que as águas não são um objeto certo
e tal é requisito necessário à eficácia do contrato de compra e venda, sendo que tal importará
a nulidade deste contrato, nos termos do art.294º CC, assim como demais contratos de
alienação sobre as águas. Tal pode levar é a que haja lugar à figura da conversão, do art.293º
CC, e a que seja atribuído o direito de exploração, o qual pode ser tido como direito real, pois
respeita o princípio do numerus clausus (art.1306º CC), ou seja porque está previsto na lei no
art.1395º/2 CC. Caso a forma exigida para a constituição de figuras de natureza real não seja
respeitada então tem-se aquela atribuição do direito de exploração como eficaz, mas é,
contudo, meramente obrigacional.
Águas originariamente públicas
O art.1397º CC refere que as águas a que se refere o art.1386º/1/d), e) e f) CC não são separáveis
dos respetivos prédios a que se destinam, contudo caso o dono desse prédio as abandone ou
não fizer delas um uso proveitoso e correspondente ao fim a que elas se destinam então o
direito sobre estas águas caducará e irão reverter ao domínio público. Assim o proprietário
destas águas vê ser-lhe aplicado um regime especial da propriedade, pois a sua propriedade
perde a características de perpetuidade nem pode delas fruir livremente ou dispor, pois tal
implica a caducidade do seu direito e o retorno ao domínio público das respetivas águas. Claro
está que não abandona as águas o proprietário que preferir experimentar, num certo lapso de
tempo, uma nova cultura, como de sequeiro, e que, por isso, inutilizará aquelas águas. Para o
abandono é necessário haver um desinteresse pelas águas e um esquecimento daquelas que se
paute claramente.
Condomínio das águas
Pertencendo as águas a mais do que um sujeito então há condomínio de águas e tal implicará
que todos eles contribuam nas despesas necessárias ao aproveitamento daquelas, cada um na
respetiva proporção do uso, podendo haver lugar a obras e pesquisas necessárias quando se
considere que possa haver a perda ou diminuição do caudal ou do volume, como nos indica o

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

art.1398º/1 CC. Acresce o n.2 que um daqueles coutentes não pode afastar esse seu encargo de
contribuição quando renuncia ao seu direito que recairá sobre os demais utentes, contra a
vontades destes, o que quer dizer que é indispensável que os coutentes consintam naquela
renúncia.
A divisão das águas é feita de acordo com o que o título dispõe, sendo que supletivamente tem-
se em conta a proporção da superfície, a necessidade e a natureza da cultura dos terrenos que
são regados com aquelas águas e, com isso, repartir-se-á o caudal ou o tempo da utilização das
águas, sendo relevante no meio disto tudo o bom aproveitamento das águas. É o que prevê o
art.1399º CC. Devem observar-se os costumes praticados há mais de vinte anos, como indica o
art.1400º CC, mas a lei afastou o costume de uso das águas pelo sistema de torna-torna ou
outros semelhantes, como indica o art.1401º CC. Ou seja, a lei afastou a arbitrariedade desta
divisão com este artigo.
Por último deve notar-se que o art.1402º CC é uma norma interpretativa dos títulos de
contenham da sua letra expressões técnicas os costumeiras, apresentando o respetivo
significado desses termos para um transversal reconhecimento dos títulos.

Tema 10: A Compropriedade


Noção
A noção que é usada é a noção legal disposta no art.1403º/1 CC, onde pertencendo a
propriedade a duas ou mais pessoas então todas elas são simultaneamente titulares do mesmo
direito de propriedade sobre a mesma coisa. Qualitativamente iguais, mas podendo ser
quantitativamente diferentes, as quotas (ou seja, quantitativamente falando) de cada um dos
comproprietários devem ser definidas pelo título constitutivo sendo que não havendo tal
definição presumem-se aquelas quotas iguais, nos termos o art.1403º/2 CC.
Constituição
É constituída a compropriedade através de negócio jurídico inter vivos ou mortis causa ou,
então, por força da lei (como casos temos os dos arts.1358º/1 CC, o 1368º CC, 1324º/1 CC,
1318º CC, 1286º e 1287º CC) ou ainda por decisão judicial, onde o tribunal coercivamente
declara que há aquisição em regime de compropriedade de determinada res (ex.: art.1370º CC).
Regime Jurídico
Cada comproprietário pode, isoladamente, usar a coisa comum, nos termos do art.1406º/1 CC
dando sempre atenção ao que diz o n.2 e não podendo o comproprietário usar a coisa para fim
diferente daquele a que a coisa se destina, desde que tal desvio cause prejuízo ao destino da
coisa comum, e nunca podendo privar os outros consortes ao uso, dado terem igual direito de
usar a coisa comum. Este princípio, designado por princípio da solidariedade, tem um caráter
supletivo já que diz o art.1406º/1 CC que tal será de se aplicar quando não haja um acordo sobre
o uso da coisa comum. Pode, para além disto, é legítimo ao comproprietário dispor ou onerar
a sua quota, totalmente ou em parte, contudo não pode dispor ou onerar parte específica da
coisa comum sem que os demais comproprietários consintam nesse ato, nos termos do
art.1408º/1 CC. Note-se que aquando de tal vontade de disposição da quota há direito de
preferência sobre ela na esfera jurídica dos demais consortes, nos termos do art.1409º/1 CC,
sendo que havendo mais do que um dos consortes que queira exercer o seu direito de
preferência então prevê o art.1409º/3 CC que a quota é adjudicada na proporção das quotas de
cada um dos preferentes. Este direito de preferência legal tem eficácia real, dada a remissão
feita pelo art.1409º/2 CC e por força do art.1410º CC, evitando que entrem sujeitos indesejados
na compropriedade e fomentando a divisão do direito de propriedade a cada vez menos
sujeitos. Para o exercício do direito de preferência deve o consorte que quer vender ou dar em

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

cumprimento a sua quota comunicar aos demais consortes o seu projeto de alienação, como
indica o art.416º/1 CC ex vi art.1409º/2 CC, sendo que à falta disso então pode o consorte que
pretende exercer o direito de preferência gozar do disposto no art.1410º CC. Caso o consorte
que quer alienar a sua quota venda a outro consorte contudo não dê o conhecimento do projeto
de alienação aos demais consortes então estes só têm direito a exigir uma indemnização pelo
incumprimento da obrigação de informar, dado que não se verificaram os pressupostos do
exercício da ação de preferência de a alienação ser feita a estranhos. No caso de a notificação
ter sido feita e vem-se a saber que quem adquiriu teve acesso a condições diferentes das
notificadas então podem os consortes gozar da normal ação de preferência, como se não tivesse
havido notificação. Já se o preço real for dissimulado então se um dos consortes quiser preferir
face ao preço real então deve instaurar uma ação de simulação e exercer o respetivo direito de
preferência.
No que concerne à administração da coisa comum manda o art.1407º CC remeter para o
art.985º CC, sendo exigida a maioria dos consortes que consigam representar 26, no mínimo,
metade do valor total da quotas, sendo que não se conseguindo esta maioria pode, então,
qualquer consorte recorrer ao tribunal que irá decidir nos termos da equidade, como indica o
art.1407º/2 CC. Assim é exigida uma maioria pessoal e patrimonial, pois tanto é necessária a
maioria dos consortes – maioria pessoal – como é necessária a maioria das quotas – maioria
patrimonial, havendo lugar a uma “maioria ponderada”27.
No que concerne à disposição ou oneração da coisa comum ou de parte especificada é
necessária a unanimidade28 do consentimento dos consortes. Assim, se um dos consortes
dispôs ou alienou a coisa então pode haver lugar a uma ação de reivindicação, nos termos do
art.1405º/2 CC. Entre o consorte disponente ou alienante e o terceiro adquirente das duas uma:
ou o negócio foi feito como a coisa sendo alheia e assim o importará o regime da venda de coisa
futura do art.893º CC ou, então, o negócio foi feito como a coisa sendo própria e então o negócio
é nulo por ilegitimidade do disponente ou alienante, nos termos do arts.892º CC. Há a
possibilidade de a alienação ou disposição levar à redução ou conversão do objeto à respetiva
quota do alienante. Assim, se for alienada parte específica da coisa por um valor não superior
ao da quota do consorte alienante então poderá haver lugar à operação da figura da conversão,
nos termos do art.293º CC. Mas se o objeto for a coisa comum ou então for coisa especificada,
mas de valor superior à quota do consorte então pode haver lugar, sucessivamente, à redução
e à conversão onde reduzir-se-á ao valor da quota do consorte e, depois, converter-se-á ao valor
dessa quota, nos termos dos arts.292º e 293º CC.
Encargos
O princípio da comparticipação nas vantagens e nos encargos, previsto no art.1405º/1 CC,
dispõe é a de que os consortes participam, cada um por si, nos encargos que a coisa comum
tiver proporcionalmente às suas quotas. Este princípio tem um caráter supletivo, pois podem as
partes acordar uma forma de distribuição destas obrigações reais, por exemplo, na medida dos
benefícios de cada um dos consortes. Para além disto, e como já dissemos anteriormente, a
renúncia a este direito exige o consentimento dos demais comproprietários desde que a despesa
tenha sido anteriormente aprovada por ele e é revogável sempre as que despesas previstas não
se venham a efetivar, nos termo do art.1411º/2 CC. Para tal renúncia é exigível a forma prevista
para a doação, segundo o art.1411º/3 CC.

26
Daí que Santos Justo intitule como “poderes de exercício maioritário”
27
Oliveira Ascensão
28
Daí que Santos Justo intitule como “poderes de exercício unânime”

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Extinção
Havendo só um proprietário sobre a coisa então não há compropriedade. Assim, se qualquer
consortes ou terceiro adquire a totalidade da coisa enquanto proprietário dela ou caso seja
dividida a coisa comum em frações autónomas em que cada um dos proprietários tem
propriedade sobre apenas aquela fração então cessa a compropriedade.
Face a isto a extinção da compropriedade pode resultar de um negócio jurídico inter vivos ou
mortis causa ou de usucapião. A lei facilita a extinção, atribuindo a cada um dos consortes o
direito potestativo de fazer operar a divisão, nos termos do art.1412º/1 CC, não obstante ter
havido acordo a favor a indivisibilidade da compropriedade, como indica aquele mesmo artigo,
sendo que mesmo sobre isto passa o facto de a indivisibilidade não poder passar dos cinco anos
sendo que podem os consortes renovar este acordo, nunca operando qualquer renovação
automática, de acordo com o art.1412º/2 CC.
Se tem o art.1412º/1 CC um caráter imperativo então não pode haver renúncia à divisão da coisa
comum, o que implica a nulidade da condição imposta em testamento de que a coisa comum
deixada a duas ou mais pessoas é indivisível.
Já no que toca ao processo de divisão da coisa comum importa pautar duas vias: a divisão pode
ser amigável/convencional/extrajudicial e pode a divisão ser processual/judicial. A divisão
amigável tem de respeitar a forma exigida para a alienação onerosa de coisa, o que, ao fim ao
cabo, deve respeitar a forma exigida para o contrato de compra e venda, porque é
paradigmático nesta situação, de acordo com o art.939º CC ex vi art.1413º/2 CC. A divisão de
coisas divisíveis alcança-se através do respetivo fracionamento da coisa sendo que cada um dos
ex-consortes tem direito a uma parte correspondente à proporção daquela que era a sua quota
na compropriedade. A divisão de coisas indivisíveis processa-se através da adjudicação e à venda
da coisa para, posteriormente, ser dividido o valor do produto da alienação entre os consortes.
Natureza Jurídica
São algumas as teorias apresentadas na doutrina e que fundamentam a natureza jurídica da
compropriedade, o que quer dizer que a doutrina está dividida quanto a esta matéria. De entre
a teoria da divisão ideal da coisa – onde cada comproprietário é titular de um direito pleno e
exclusivo sobre uma quota ideal ou abstrata (intelectual) da coisa -, entre a teoria da pluralidade
de direitos de propriedade – onde a compropriedade tem-se como sendo composta por mais do
que um de direito de propriedade sobre toda a coisa sendo a limitação feita apenas pela
concorrência dos demais direitos qualitativamente iguais -, entre a teoria personalista – onde se
tem a compropriedade como o domínio que os consortes têm enquanto uma pessoa jurídica,
não havendo direitos autónomos -, Santos Justo fica-se pela teoria da comunhão num único
direito, a par com Henrique Mesquita, onde há apenas um único direito de propriedade, tendo
apenas diversos titulares que têm uma quota ideal cada um deles. Esta é uma solução já
romanista e onde a quota ideal não representa a coisa em si, mas apenas o próprio direito do
consorte, o que permite o uso sobre toda a coisa pelo consorte e fundamenta os demais direitos
e deveres acima abordados em momento oportuno.

Tema 11: Propriedade Horizontal


Noção e Objeto
A propriedade horizontal recai sobre cada fração, objeto sob a qual recai um direito de
propriedade singular, e, recai ainda, sobre as partes comuns, que se rege por um direito de
compropriedade. Esta união impede que se aliene um destes objetos sem se alienar o outro ou
que se renuncie à parte comum. Para tanto é necessário que haja unidades independentes num
edifício (as frações), que haja uma devida separação e isolamento entre elas, autonomizando-

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

as, que haja uma saída própria para cada uma das respetivas frações e que haja proprietários
diferentes em pelo menos duas das frações, de acordo com o art.1415º CC. A falta destes
requisitos legais importará o efeito expresso claramente no art.1416º CC.
Constituição
O art. 1417º/1 CC diz-nos a forma de constituição de propriedade horizontal: negócio jurídico,
usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial.
Já o art.1418º/1 CC refere que no título constitutivo são clarificadas quais são as frações e é
especificado o valor relativo de cada uma delas, valor este que importa para alguns efeitos, pois
em certos momentos importa saber o valor das frações (arts. 1430º/2, 1424º/1, 1426º/1,
1428º/1 CC). Para além destas menções podem ser previstas no título o previsto no art.1418º/2
CC sendo importante ter-se em atenção ao que diz o art.1418º/3 CC e note-se que se o fim fixado
no projeto não coincidir com o fim fixado no título constitutivo então a nulidade é meramente
parcial o que se resolver através da eliminação fixada no título constitutivo e prevalecendo o fim
fixado no projeto aprovado administrativamente, ou caso as frações não tenham sido
devidamente individualizadas então poderá operar a conversão (art.293º CC) e passar-se a
compropriedade ou, ainda, não sendo o valor de cada fração fixado então tal suprime-se através
da fixação em documento autêntico, sendo que não se suprindo há lugar à nulidade.
O título constitutivo é uma declaração unilateral onde o proprietário do edifício exprime a
vontade de sujeitar o imóvel ao regime da propriedade horizontal o que levará a que se
extinga o seu normal direito de propriedade e constituindo novos direitos reais: o direito de
propriedade sobre cada uma das frações, ficando dependente da condição suspensiva da
alienação de pelo menos uma das frações autónomas do edifício, para que entre um novo
condómino no edifício, fazendo sentido o regime da propriedade horizontal. Não estando ainda
verificada essa condição suspensiva o título constitutivo vale para os seguintes efeitos: uma
garantia real (por exemplo, uma hipoteca) pode onerar apenas uma das frações ou pode
constituir um usufruto ou arrendamento sobre apenas uma das frações.
Modificação
De acordo com o art.1419º/1 CC, o título constitutivo pode ser modificado por escritura pública
e em unanimidade com todos os condóminos e opera de acordo com a tramitação prevista no
art.1419º/2 CC. Note-se que havendo a falta de algum dos requisitos legais do art.1415º CC
então o acordo é nulo, nos termos do art.1419º/3 CC.
Regime Jurídico
Princípios Fundamentais
Do art.1420º resultam alguns princípios fundamentais do regime jurídico da propriedade
horizontal. Assim, o condómino tem o direito exclusivo de propriedade sobre a sua fração e,
por isso, pode dela dispor livremente, podendo até verificar nessa fração os requisitos do
art.1415º CC e subdividir essa fração em outras, constituindo novas frações autónomas e, sobre
cada uma delas, novos direitos reais de propriedade (cfr. art.1420º/1 CC). Para além disto o
direito de propriedade sobre a fração e o direito de compropriedade sobre as partes comuns
são incindíveis, de acordo com o art.1420º/2 CC, o que implica que não seja possível alienar a
fração sem alienar a quota da parte comum e vice-versa, não obstante os condóminos,
enquanto comproprietários, possam alienar por vontade unânime as partes comuns que, de
acordo com o art.1421º CC, possam ser individualizadas.
Limitações
O art. 1422º CC consagra as limitações a que os condóminos estão sujeitos nas relações entre
si, sendo que o n.1 impõe as limitações aplicáveis aos proprietários e aos comproprietários

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

(art.1406º CC) também aos condóminos, mas, ainda, são aplicáveis as limitações impostas pelas
relações de vizinhança (como os arts. 1346º, 1347º, 1348º, 1349º ou 1360º CC). O art.1422º/2
CC pauta algumas restrições taxativas e especiais aos condóminos, como o afetar a segurança
e/ou a linha arquitetónica do edifício ou a própria estética do edifício feitas na sua própria fração
e visíveis do exterior, como vedar as varandas ou mudar janelas que não harmonizem com as
demais do edifício, etc (art.1422º/2/a) CC) mas atendendo ao que dispõe o art.1422º/3 CC, o
levar a sua fração a ter um fim ofensivo aos bons costumes (art.1422ºº/2/b) CC) ou dar-lhe
apenas um uso diverso ao que ela estava destinada pelo título constitutivo (art.1422º/2/c) CC),
sendo que não especificando o título constitutivo o fim da fração então aplica-se o art.1422º/4
CC, e praticar atos ou atividades que o título constitutivo proíba ou vedados pela assembleia de
condóminos quando aprovados por unanimidade (art.1422º/2/d) CC).
No que concerne à sanção que opera quando algum dos condóminos desrespeite alguma destas
limitações então releva qual a violação cometida e respetiva natureza e, por isso, podemos ter,
desde logo, a destruição das obras feitas quando haja obra que afete a segurança, linha
arquitetónica ou o arranjo estético do edifício. Podemos ter a realização coerciva de alguma
obra necessária imposta ao respetivo condómino caso a segurança, linha arquitetónica ou
arranjo estético do edifício se dê por falta de alguma reparação em alguma das frações. Pode
haver o caso de o condómino lesante tenha o dever de indemnizar pelos danos causados e ainda
outras sanções podem eventualmente surgir mediante o tipo de violação.
Direitos de preferência e de divisão
Os condóminos não têm direito de preferência sobre as demais frações do edifício nem têm
também o direito a pedir a divisão das partes comuns, por força do art.1423º CC. Importou ao
legislador proteger a propriedade horizontal, dada as vantagens desta de cariz social, económico
e até político e, ainda, porque a coisa comum é necessária, mas acessória à propriedade
exclusiva sobre cada fração29. Nada disto obsta a que possam os condóminos – como já
anteriormente falámos – atribuir alguma parte comum (não imperativamente comum) à
exclusividade a algum ou alguns dos condóminos, sendo necessário respeitar-se, para tanto, o
que diz o art.1421º/3 CC e através da modificação do título pelo art.1419º CC.

Encargos e Administração
No que toca à matéria da obrigação dos condóminos pelos encargos, inovações, administração,
etc decorrentes do edifício ou das frações parece-nos desnecessário abordarmos agora aqui
exaustivamente esta matéria quando ela está clara e tipificada nos arts.1424º ss CC, sendo que
em momento prático bastará conhecer e dominar a interligação daqueles artigos e a respetiva
aplicabilidade ao caso concreto. Recomenda-se a leitura daqueles. Parece bastar, dado não
haver aqui rasteiras a salvaguardar ou grandes reparos ou interpretações a serem feitas.
Natureza Jurídica
Apesar de ser exaustiva a discussão doutrinária sobre a natureza jurídica do propriedade
horizontal a maior doutrina portuguesa tende a ir ao encontro da teoria de um novo direito
real30, na qual se defende que na propriedade horizontal os condóminos têm um direito real de
gozo composto por uma justaposição nos direitos de propriedade singular sobre cada uma das
frações autónomas e, também, composto pela comunhão sobre as partes comuns. Se se tem
como um direito real então automaticamente devem respeitar-se os vários princípios e

29
Claro será que difícil é ter-se um edifício em propriedade horizontal que não tenha umas escadas de
acesso a cada um dos pisos ou que não tenha corredores em cada um dos pisos.
30
Pires de Lima, Antunes Varela, Henrique Mesquita, Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes, Sandra
Passinhas, etc

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

características dos direitos reais, por nós faladas no início deste bloco. Afirma Santos Justo ser
esta posição uma posição que é favorecida pelo regime jurídico do nosso Código Civil.

Tema 12: Usufruto


Nota Histórica
Originário, possivelmente, na primeira metade do séc. II a.C. e devido ao afastamento da velha
conceção familiar e passando a esposa a ser, com o matrimónio, tida como dependente do
marido e sua herdeira ao lado dos filhos (matrimónio sine manu) então o paterfamilias
proporcionava à viúva ou outros familiares forma de subsistência sem ser necessário institui-los
como herdeiros. O usufrutuário devia usar a coisa como o bonus paterfamilias a usaria e não
devia exceder o limite da fruição daquela coisa. Era ainda responsável pelas reparações
ordinárias da coisa, pela alimentação dos escravos e pelas despesas da sua doença e podia ainda
abandonar a coisa para se eximir destas responsabilidades. O proprietário não era pessoa
estranha ao usufrutuário e podia exigir alguns comportamentos deste como a boa administração
e respetivos atos necessários a tanto e podia exigir a prestação de uma caução onde o
usufrutuário se comprometia a usar a coisa segundo o que acima referimos e a prestar a
restituição.
Mais tarde, no Principado, em data incerta foi declarada a validade de usufruto sobre coisas
consumíveis, sendo que não sendo possível restituir a coisa então o usufrutuário tornar-se-ia o
proprietário devendo prestar equivalente em género e em qualidade quando terminasse o
usufruto. Mais tarde, no direito justinianeu, reconheceu-se o usufruto sobre vestuário, créditos
ou coisas incorpóreas o que levou à figura do quasi ususfructus cuja figura do quase usufrutuário
se aproxima do mutuário pelo que esta figura não teve procedência e é meramente histórica.
Noção
Paulus, jurisconsulto romano, tem a sua definição de usufruto tipificada no nosso Código Civil,
no art.1439º CC. Assim o usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente de uma coisa
ou de direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância31.
Face a esta noção bem notamos algumas características. Assim podemos dizer que o usufruto é
um direito real de gozo na medida em que pode o usufrutuário, nos termos do art.1446º CC,
usar e fruir da coisa, assim como administrá-la, como o faria o bonus paterfamílias tendo sempre
consideração pelo destino económico da coisa e pode, ainda, trespassar o exercício do usufruto
a terceiro ou onerá-lo (art.1444º CC), ressalvando a restrição imposta a tal pelo título
constitutivo (arts.1444º/1 e 1445º CC) ou pela lei e caso o faça por negócio inter vivos dado que
se extingue o usufruto com a morte do usufrutuário (arts.1443º e 1476º/1/a) CC). É
característica do usufruto a não exclusividade, pois o usufruto não existe sem um outro direito
real sobre a mesma coisa como, por regra, o direito real de propriedade sobre a coisa do sujeito
que constitui o direito de usufruto, daí que se diga até que com o usufruto o direito de
propriedade é um direito de propriedade despido, na medida em que o proprietário não tem na
sua esfera jurídica o uso e a fruição da coisa (arts.1305º e 1446º CC). É também um direito
limitado, dado não poder o usufrutuário alterar a forma ou substância da coisa e deve respeitar
o destino económico daquela, sendo que, claro está, se a coisa for consumível então o seu uso
implicará o respetivo desaparecimento (art.1451º/1 CC). Se o usufruto tem um fim pessoal
(intuitu personae) e como diz o art.1443º CC que o usufruto não pode exceder a vida do
usufrutuário e que nunca pode exceder os trinta anos caso seja constituído, neste último caso,
a favor de pessoa coletiva, então pode-se dizer que é o usufruto um direito temporário. Mas

31
“Ususfructus est ius alienis rebus utendi fruendi salva rerum substantia” Paulus in Digesto 7,1,1

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claro que se o prazo for estipulado previamente então com o decurso desse prazo extingue-se
o usufruto, não obstante, claro está, a morte do usufrutuário, como dissemos. Também, e como
tal se pode retirar do que dissemos aquando da não exclusividade, então o direito de usufruto
incide sobre direito/coisa alheia e a própria lei até o refere expressamente no art.1439º CC.
Como sabemos o princípio da coisificação32 dos direitos reais refere que é sobre coisas que
incidem estes direitos, pelo que incidir este direito sobre um outro direito requer a devida
justificação. Tendo em conta o caráter histórico do fim económico-social do usufruto que
passava por proporcionar alimentos ao beneficiário deste direito então entende-se que este fim
também se alcançava com a fruição de direitos como direitos de crédito, etc. Há quem entenda
que isto é um usufruto irregular e que o direito de usufruto incide, nestes casos, sobre o objeto
do direito, como a prestação nos direitos de crédito, o que lhes levanta a questão de se ter o
usufruto como um direito real ou não.
O art.1441º CC refere, com a sua letra, as modalidades que podem ocorrer. Face a este artigo o
usufruto pode ser concedido a apenas uma pessoa, que é a hipótese mais normal, ou pode ser
concedido a duas ou mais pessoas, sendo que nesta última hipótese pode ainda ser o usufruto
simultâneo ou sucessivo. O usufruto simultâneo constitui-se ao mesmo tempo sobre duas ou
mais pessoas, ou seja os dois usufrutuários gozarão do seu direito de usufruto ao mesmo tempo
e sobre a mesma coisa. Será já o usufruto sucessivo se as diferentes pessoas gozarem do seu
direito de usufruto em momentos distintos, onde o título constitutivo indicará a respetiva ordem
da titularidade: por exemplo, primeiro é titular o A e depois é titular o B mas neste caso é
conditio iuris o que dispõe a última parte do art.1441º CC onde se exige que os usufrutuários
devam existir ao momento em que o direito do primeiro se constituiu.
Constituição
O art.1440º CC dedica-se à constituição do usufruto. Diz aquele artigo que o contrato, o
testamento, a usucapião ou a própria lei podem constituir o usufruto. Através do contrato,
gratuito ou oneroso, o proprietário da coisa constitui o usufruto a um terceiro ficando com a
nua propriedade – constituição per translationem – ou, então, pode o proprietário ceder a nua
propriedade e reserva para si ou até para terceiro o usufruto – constituição per deductionem –
onde, por exemplo, o proprietário doa a coisa a alguém e reserva para si o usufruto passando o
proprietário a ser outra pessoa e, aquele que era o proprietário passa a ser usufrutuário. A
principal relevância da distinção em índole prática passa pela dispensa de caução quando a
constituição seja per deductionem de acordo com o art.1469º/1 CC. O testamento constitui o
usufruto sobre toda a herança, sobre parte/quota dela, ou sobre coisa ou direitos determinados.
A constituição por usucapião da usufruto provém da amplitude do disposto no art.1287º CC. O
elemento objetivo (corpus) e subjetivo (animus) da posse estão verificados e bem pautados pelo
que o usufruto pode ser adquirido por usucapião. Legalmente havia maior relevância em
regimes passados, sendo que na atualidade a disposição de lei pouca relevância tem para a
constituição do usufruto.
Regime Jurídico
Regime Geral
O art.1445º CC prevê que é o título constitutivo do usufruto que regula os direitos e as
obrigações do usufrutuário sendo que quando o título constitutivo seja omisso então aplicar-
se-á o regime especial dos arts.1446º ss CC. Face a isto então pode-se dizer que o título
constitutivo é flexível ou elástico, contudo entende a doutrina ter que respeitar o disposto no
art.1439º CC tendo-o como estrutura básica do título, sob pena de ser violado o princípio do

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supra págs. 6 e 7 deste bloco

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numerus clausus dos direitos reais previsto no art.1306º CC. A letra da lei permitiria afirmar que
todas as disposições do regime especial são supletivas, contudo não é verdade, pois algumas
são efetivamente imperativas e não podem ser afastadas pelo título constitutivo.
Se o título constitutivo nada disser face aos direitos e obrigações do usufrutuário então
destacam-se os artigos supletivos: 1446º CC, onde se tem que o usufrutuário pode usar, fruir e
administrar a coisa ou o direito nos termos em que o bom pai de família o faria e respeitando o
respetivo destino económico. O termo de comparação do bom pai da família permite que a
apreciação feita à administração e gozo do usufrutuário possa ser flexível face o caso concreto.
A questão da não alteração do destino económico não passa já pela não alteração da forma ou
da substância, como o era em Roma e como diz o art.1439ºCC, pois apesar de o usufrutuário
não alterar a forma ou a substância da coisa pode desviar-se do destino económico da coisa,
como por exemplo o usufrutuário que torna uma casa de habitação numa garagem onde apesar
de manter o imóvel altera o destino económico da coisa, podendo até desvalorizá-la, etc; 1447º
CC onde se estipula a regra da indemnização pelo proprietário prestada ao usufrutuário pelas
despesas feitas na sequência da fruição da coisa.
Regime Especial
Frutos alienados antes da colheita
O art.1448º prevê que caso tenham sido alienados frutos antes de se ter procedido à colheita
que só deverá ocorrer após a extinção do usufruto então a alienação subsiste sendo que o
produto da alienação é direito do proprietário havendo apenas lugar à prestação da
indemnização ao usufrutuário pelas despesas feitas por este. Isso resulta do princípio de que a
titularidade dos frutos se determina no momento da colheita e evita o locupletamento do
proprietário à custa do usufrutuário e consegue que este último caia na inércia.
Acessões
O art.1449º CC refere-se ao âmbito do usufruto prevendo que este abrange todas as coisas
acrescidas e todos os direitos inerentes à coisa, pois se a coisa objeto da propriedade é ampliada
por acessão então a coisa objeto do usufruto será também ampliada.
Benfeitorias úteis e voluptuárias
Não alterando o usufrutuário a forma ou a substância da coisa então pode este fazer as
benfeitorias úteis e voluptuárias, nos termos do arts.1450º/1, 1439º e 216º CC. O proprietário
não se pode opor a estas benfeitorias, pois a lei usa a expressão “que bem lhe parecer”, ou seja
desde que o usufrutuário não altere a tal forma ou substância da coisa e desde que respeite a
boa-fé exigida pelo art.1450º/2 CC então este é livre de fazer as benfeitorias “que bem lhe
parecer”.
Coisas Consumíveis
As coisas consumíveis podem ser usadas pelo usufrutuário ou até alienadas. Face a isto, e nos
termos do art.1451º CC, o usufrutuário é obrigado a restituir o valor dessas coisas caso elas
tenham sido estimadas ou, caso o não tenham sido, então deve prestar outras coisas do mesmo
género, qualidade e quantidade ou a prestar o valor delas na conjuntura que findar do usufruto.
As coisas consumíveis não se tornam propriedade do usufrutuário, como indica o art.1451º/2
CC pelo que o risco pelo perecimento da coisa se mantem no proprietário (art.796º CC) e
consegue o proprietário proteger a sua coisa contra credores do usufrutuário.
Coisas Deterioráveis
As coisas deterioráveis devem ser simplesmente restituídas como se encontrarem ao tempo do
fim do usufruto, porque o seu normal uso implicou a deterioração, salvo se o usufrutuário tiver
culpa ou se as deteriorar por uso diverso do que era próprio da coisa, nos termos do art.1452º/1
CC. Caso não as restitua então o usufrutuário responde pelo valor que tinham na conjuntura em

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Direitos Reais

que o usufruto começou, não obstante terem perdido o valor legitimamente aquelas coisas,
como indica o art.1452º/2 CC.
Perecimento natural de árvores e arbustos
O usufrutuário pode aproveitar-se das árvores que forem perecendo naturalmente, nos termos
do art.1453º/1 CC. Caso sendo aquelas árvores frutíferas então o usufrutuário deve plantar o
mesmo número de pés quanto o número de árvores que estão a perecer e que aproveitou sendo
que não sendo possível plantar do mesmo género ou caso o seja mas se denote prejudicial fazê-
lo então deve o usufrutuário substituir essa cultura por uma outra igualmente útil, nos termos
do art.1453º/2 CC.
Perecimento acidental de árvores e arbusto
Neste caso já pertencem ao proprietário estas árvores e arbustos que caiam ou que sejam
arrancadas ou que sejam partidas acidentalmente, por força do art.1454º/1 CC. Sucedendo-se
isto pode o usufrutuário ter aquelas árvores como reparações a serem feitas por ele ou exigir ao
proprietário que as retire do prédio para que desocupe o terreno, nos termos do art.1454º/2
CC.
Matas e árvores de corte
Quando o usufrutuário cortar árvores ou matas que se destinem à produção de madeira ou
lenha deve ter cuidado em fazê-lo de acordo com a ordem e com a forma como o proprietário
faria ou, caso não havendo isto, de acordo com os usos da terra, como indica o art.1455º/1 CC.
Assim o usufrutuário não cede à ânsia de lucrar e portanto não faz uma exploração abusiva das
árvores ou da mata. Mas se por facto natural como ciclone ou incêndio ou por requisição do
Estado ou demais casos análogos a fruição do usufrutuário vier a ser prejudicada
consideravelmente então o proprietário deve compensá-lo até ao limite dos juros da quantia
correspondente ao valor das árvores mortas ou até ao limite dos juros da importância recebida,
de acordo com o art.1455º/2 CC.
Plantas de viveiro
Analogamente ao que ainda agora referimos, o usufrutuário deve aquando do arranque destas
atender à ordem e às práticas do proprietário e, na falta destas, aos usos da terra, de acordo
com os termos do art.1456º CC. Igualmente: evita-se que a ânsia de lucro fale mais alto e que o
usufrutuário arrancasse estas plantas inoportunamente e desadequadamente.
Exploração de minas
Se o usufruto for de concessão mineira então o art.1457º/1 CC refere que o usufrutuário deve
conformar-se com as praxes seguidas pelo respetivo titular.
Mas sendo já o usufruto incidente sobre terrenos onde existem explorações mineiras então o
usufrutuário tem direito às quantias que o proprietário do solo deve a título de renda ou por
qualquer outro título, proporcionalmente ao tempo em que durar o usufruto, de acordo com o
art.1457º/1 CC, dado que há aqui um fruto civil decorrente do direito de usufrutuário
(art.212º/2 CC) e, portanto, tem direito de perceção sobre aqueles.
Exploração de pedreiras
O usufrutuário só pode abrir pedreiras com o consentimento do proprietário dada a alteração
da fisionomia do terreno que tal implicaria, não obstante elas estarem já abertas aquando do
início do usufruto e poder o usufrutuário explorá-las de acordo com as praxes do proprietário,
pois entende-se que se presume que o usufrutuário continuaria tal exploração, de acordo com
o art.1458º/1 CC. Nada impede que o usufrutuário extraia pedra do solo para que com ela possa
proceder às reparações ou obras a que está obrigado, de acordo com a lógica e com o bom
senso, pois se as obras e reparações são em benefício do prédio então deve poder usar para o
efeito dos elementos do solo do prédio, segundo o art.1458º/2 CC.

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Exploração das águas


Pode o usufrutuário procurar por águas subterrâneas em benefício do prédio usufruído, de
acordo com o art.1459º/1 CC, mas equipara-se ao possuidor de boa-fé no que toca a estas
benfeitorias, de acordo com o art.1459º/2 CC. Estas obras beneficiam o prédio, daí não se
aplicar a mesma solução que se aplica à abertura de pedreiras.
Constituição de servidões
Sendo as servidões ativas então goza o usufrutuário dos mesmo direitos do proprietário. Sendo
as servidões passivas então não é possível constituir encargos que ultrapassem o prazo do
usufruto, de acordo com o art.1460º CC.
As servidões ativas valorizam o prédio e caso elas desagradem ao proprietário então este pode
a elas renunciar quando se extinguir o usufruto, de acordo com o art.1476º/1/e) CC. As servidões
passivas constituem encargos daí não poderem ultrapassar o prazo do usufruto.
Se for o proprietário a constituir as servidões então deve ter o consentimento do usufrutuário
caso se note a diminuição do valor do usufruto, de acordo com o art.1460º/2 CC.
Tesouros
Descobrindo algum tesouro na coisa usufruída então o usufrutuário é tido como achador em
propriedade alheia e, por isso deve remeter-se ao regime previsto pelo art.1324º CC, isto porque
os tesouros não são frutos e por isso não pertencem ao usufrutuário, de acordo com o art.1461º
CC.
Universalidade de animais
Se o usufruto incidir sobre uma universalidade de animais então o usufrutuário deve substituir
com novas crias aquelas que, por qualquer motivo, faltarem, de acordo com o art.1462º/1 CC.
Mas se os animais faltarem por caso fortuito, totalmente ou em parte, sem terem produzido
outras crias que os cubram então o usufrutuário é somente obrigado a restituir os animais que
tenham sobrado, de acordo com o art.1462º/2 CC, não obstante ser responsável pelos despojos
dos animais quando deles se tenha aproveitado, como nos diz o art.1462º/3 CC.
Rendas vitalícias
O usufrutuário de rendas vitalícias pode percebê-las durante o prazo do usufruto, não sendo
obrigado a qualquer restituição, de acordo com o art.1463º CC.
Por norma o capital pertence ao proprietário e as rendas pertencem ao usufrutuário. A renda
vitalícia corresponde ao capital e à respetiva amortização periódica, de acordo com o art.1238º
CC, pelo que entende a doutrina que o usufrutuário deveria deduzir, nas prestações recebidas,
a parte correspondente à amortização do capital em função de restituir o somatório aquando
do fim do usufruto. Mas assim não o é, pois nem fácil é distinguir a parte correspondente à
amortização do capital e a parte relativa à renda nem traduz a vontade usual dos contraentes.
Capitais postos a juro
O usufrutuário de capitais postos a juro ou a outro qualquer interesse ou investidos em títulos
de crédito tem o direito a perceber os frutos correspondentes à duração do usufruto, de acordo
com o art.1464º/1 CC, não lhe sendo lícito levantar ou investir capitais sem que os titulares
acordem em tal, de acordo com o art.1464º/2/1ª Parte CC. Havendo divergência entre aqueles
titulares então o tribunal pode suprir esse consentimento, seja o do proprietário seja o do
usufrutuário. O proprietário pode dispor do capital desde que não prejudique o usufrutuário,
daí ser necessário o acordo entre os titulares e poder ser judicialmente suprido.
Dinheiro e capitais levantados
O usufrutuário pode administrar estes valores como entender, desde que preste a devida
caução, correndo, para o efeito, por sua conta o risco da perda da soma usufruída. É o que
resulta do art.1465º/1 CC. Já se não pretender usar desta faculdade então o art.1465º/2 remete

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para o art.1464º/2 CC, sobre o levantamento ou investimento de capitais postos a juro, onde
será necessário o acordo do proprietário e do usufrutuário sendo suprível judicialmente o
consentimento de qualquer um daqueles.
Prémios e outras atividades aleatórias
O usufrutuário frui dos prémios e de demais utilidades aleatórias que surjam do seu usufruto
sobre títulos de crédito, de acordo com o art.1466º CC.
Títulos de participação
O usufrutuário de ações ou de partes sociais tem direito aos lucros distribuídos correspondentes
ao tempo da duração do usufruto (art.1467º/1/a) CC), tem direito a votar nas assembleias gerais
da sociedade, salvo a exceção se a matéria ser a alteração de estatutos ou a dissolução da
sociedade, havendo para o efeito voto conjunto entre o proprietário e o usufrutuário
(art.1467º/1/b) CC) e tem direito a usufruir dos valores que, aquando da sociedade ou da quota
que entre em liquidação, caibam à parte social sobre a qual incide o seu usufruto (art.1467º/1/c)
CC.
Obrigações do usufrutuário
Relações de bens e prestação de caução
O usufrutuário deve fazer uma relação de bens em função de aferir o estado daqueles bens e,
havendo coisas móveis, aferir o seu valor, como diz o art.1468º/a) CC. Exigindo o proprietário a
prestação de caução pelo usufrutuário então deve este prestá-la e tal servirá de garantia à
restituição dos bens ou sendo o caso de se tratarem de bens consumíveis do respetivo valor,
servirá de garantia à reparação das deteriorações que surjam por culpa do usufrutuário ou para
garantir o pagamento de uma outra qualquer indemnização que seja devida ao proprietário, de
acordo com o art.1468º/b) CC. O título constitutivo pode afastar a caução, pois esta obrigação
não é imperativa, como diz o art.1469º CC.
O usufrutuário pode recusar a prestar a caução, sendo que neste caso o proprietário pode exigir
que os imóveis sejam arrendados ou que sejam postos em administração, que sejam vendidos
os imóveis ou sejam entregues ao proprietário, que os capitais e a importância das vendas sejam
postas a juros ou usadas para se adquirir títulos de crédito normativos e que os títulos ao
portador sejam convertidos em nominativos ou depositados num terceiro ou que sejam
adotadas outras medidas adequadas. É o que resulta do art.1470º CC, que é meramente
exemplificativo e não taxativo, podendo haver outras soluções. Isto permite-nos afirmar que o
usufrutuário perde a possa do bens, contudo não deixa de ter direito aos respetivos frutos. Não
havendo o acordo necessário pelo usufrutuário quanto a esta matéria então decidirá o tribunal,
de acordo com o art.1470º/2 CC.
A ideia é acautelar o interesse do proprietário e já que o usufrutuário não presta a caução então
tal alcança-se através de medidas coativas, sendo estas postas de parte se até eventualmente
mais tarde o usufrutuário prestar a caução.
Obras, melhoramentos e plantações
De acordo com o art.1471º/1 CC, o usufrutuário tem de consentir nas obras ou melhoramentos
ou plantações que o proprietário queira levar avante sobre a coisa usufruída, desde que
daqueles atos não resultem a diminuição do valor do usufruto. Estas obras ou melhoramentos
compõem o direito de usufruto, não tendo o usufrutuário de prestar qualquer indemnização,
mas caso aquelas obras ou melhoramentos aumentem o rendimento líquido da coisa usufruída
então o aumento é direito de proprietário, de acordo com o art.1471º/2 CC.
Reparações ordinárias
As reparações ordinárias são obrigação do usufrutuário desde que se demonstrem
indispensáveis à conservação da coisa, de acordo com o que dispõe o art.1472º/1 CC. Também

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Direitos Reais

deste artigo resulta a obrigação de pagar as despesas da administração., sendo que eximir-se-á
destes encargos com a renúncia ao usufruto, de acordo com o art.1472º/3 CC. Se o usufrutuário
não leva avante estas reparações então o proprietário pode intentar ação de execução
específica para que o usufrutuário cumpra com as obras necessárias à realização de reparações
extraordinárias a que o usufrutuário tenha dado causa, ou seja porque o usufrutuário não
cumpriu atempadamente uma reparação ordinária então surgiu a necessidade de uma
reparação extraordinária, como resulta da última parte do art.1473º/1 CC. Pode também haver
lugar a uma indemnização pelos danos que cause aquela má administração do usufrutuário.
Reparações extraordinárias
Já estas são responsabilidade do proprietário, salvo se tornem necessárias por má
administração do usufrutuário, como indica o art.1473º/1 CC. O usufrutuário tem o dever de
informar em tempo oportuno o proprietário que a coisa padece da necessidade de uma
reparação extraordinária , sendo que depois de avisado o proprietário não cumprir com a sua
obrigação então pode o usufrutuário fazer as reparações e exigir ao proprietário o valor das
despesas ou o valor que aquelas reparações tiverem ao fim do usufruto se este valor for inferior
ao custo, de acordo com art.1473º/2 CC. Fazendo as reparações o proprietário então o
art.1473º/3 CC manda aplicar o disposto no art.1471º/2 CC.

As reparações ordinárias das extraordinárias são distinguidas por Santos Justo através da
finalidade da reparação. Se a reparação for indispensável à conservação da coisa então é
ordinária, não obstante o que diz o art. 1472º/2 CC, mas se a reparação for dispensável porque
não urge ao momento fazê-la nem a conservação da coisa fica posta em causa com a não
reparação então é esta extraordinária.
Impostos
Quem for titular do direito de usufruto ao momento do vencimento de impostos deve prestá-
los assim como demais encargos anuais que incidam sobre o rendimento dos bens usufruídos,
de acordo com o art.1474º CC. Note-se que os impostos incidentes sobre o capital são obrigação
do proprietário, como refere a doutrina. Nada impede também que os impostos sejam
repartidos pelos interessados no título constitutivo, não obstante algumas regas tributárias
imperativas como, por exemplo, o facto de que perante o Estado se o valor do imposto atingir
determinado rendimento então que responde por ele é exclusivamente o usufrutuário.
Informações
O usufrutuário deve informar o proprietário de factos praticados por terceiros, desde que deles
conheça e caso possam aqueles lesar o direito do proprietário, sob pena de responder pelos
danos que o proprietário venha a sofrer, como nos prevê o art.1475º. Mas, lá está, se o terceiro
cometer atos lesivos deve também o usufrutuário, porque deve atuar como um bom pai de
família, tomar as providências necessárias a evitar essa lesão, como nos prevê o art.1446º CC.
Extinção
As causa gerais de extinção do usufruto estão tipificadas no art.1476º CC e sobre elas não há
muito a dizer.
Já as causas especiais estão tipificadas nos arts.1479º a 1482º CC e passam pela destruição do
edifício sobre o qual incidia o usufruto (art.1479º CC); por indemnizações a que o proprietário
tenha direito por obrigação de terceiro e porque a coisa se perdeu, destruiu ou diminuiu de valor
sendo que, neste caso, o usufruto mantém-se mas agora sobre a própria indemnização
(art.1480º CC); por seguro da coisa destruída, onde havendo seguro feito pelo usufrutuário
sobre a coisa que foi destruída então tem direito a usufruir do valor da indemnização (art.1481º

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Direitos Reais

CC); e também no caso do mau uso onde apesar de não se extinguir o usufruto, mas podem
haver efeitos adversos ao do usufruto (art.1482º CC).
Estes regimes estão bem claros na lei, devendo ela ser conhecida.
O efeito da extinção é a restituição da coisa ao proprietário, atendendo ao que já se sabe para
as coisas consumíveis (cfr. art.1451º CC) ou às coisas deterioráveis (cfr .art.1452º CC), ou às
rendas vitalícias (cfr.art.1463º CC), etc e ressalvando eventual direito de retenção que em casos
possa ser invocado pelo usufrutuário (cfr. arts.754ºss CC), como nos diz o art.1483º CC. A
propriedade, dada a sua elasticidade, recupera a plenitude das suas utilidades e faculdades e
pode até, como é óbvio, intentar uma ação de reivindicação o proprietário para reaver a sua
coisa, de acordo com o art.1311º CC.
Natureza Jurídica
A doutrina, mais uma vez, está dividida quanto à natureza jurídica do direito de usufruto. De
entre a teoria do desmembramento ou do parcelamento da propriedade – onde o usufruto é
basicamente um desmembramento ou um parcelamento do direito de propriedade -, de entre
a teoria da propriedade temporária – onde se tem tanto o nu-proprietário como o usufrutuário
como proprietários da coisa, tendo apenas diferentes faculdades acrescendo que o usufrutuário
é proprietário dependendo da temporalidade -, fica-se Santos Justo pela teoria de um direito
real autónomo, na qual se tem o usufruto como um direito real autónomo e que onera a
propriedade. Surgida da Pandectística alemã e prevista inclusive no Código Civil Alemão tem-se
esta teoria como a mais científica33.

O Direito de Uso e Habitação


Noção
O Código Civil define o direito de uso como a faculdade de o usuário se servir de coisa alheia e
de haver como seus os respetivos frutos, sendo a medida de tal a necessidade dele e da sua
família, sendo que incidindo este direito sobre uma casa de morada da família então usa-se a
designação de direito de habitação e o seu titular designa-se por morador usuário, de acordo
com o art.1484º CC.
É característico do direito de uso e habitação o facto de ser um direito real, não exclusivo,
limitado e temporário e que tem por objeto uma res alheia, como o era já o usufruto34, contudo
a limitação surge na estipulação da medida nas necessidades do usuário e da sua família. Este é
um direito pessoal (intuitu personae) e, portanto, não é transmissível(art.1488ºCC) ou de ser
onerado com qualquer garantia real. Aquela limitação de que acima falámos é feita de acordo
com a condição social do usuário ou do morador usuário, como nos diz o art.1486ºCC e o
art.1487ºCC estipula o que compõe a família a que se refere e que importa para os efeitos do
art.1484º/1 CC.
Constituição
O art.1485º CC tem como ponto de referência para a constituição do direito de uso e de
habitação a mesma forma de constituição do usufruto, sem prejuízo do que prevê o
art.1293º/b) CC, ou seja, impede a aquisição por usucapião. No que toca à aquisição por
disposição legal temos com alguns exemplos os arts. 2103º-A, 2103º-B e 2103º-C aditados ao
Código Civil pelo DL 496/77, de 25 de novembro, e ainda a Lei 6/2001 e a Lei 7/200135 referentes
à vida em economia comum e à vida em união de facto, respetivamente.

33
Menezes Cordeiro
34
Veja-se, quanto a isto, as págs.47 e 48 deste bloco;
35
Muito provavelmente a Lei 6/2001 e a Lei 7/2001 estão dispostos no compêndio do vosso Código
Civil;

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Regime Jurídico
O direito de uso e habitação é regulado pelo respetivo título constitutivo, sendo que na
insuficiência deste aplicam-se os dispostos nos arts. 1486ºss CC. Mais: o art.1490º CC manda
aplicar supletivamente, caso seja possível face à natureza e mutatis mutandis, as disposições do
usufruto.
O usuário ou o morador usuário pode usar a coisa desde que respeite o destino económico dela
o que lhe veda o direito de dispor, como já vimos, pelo art.1488º CC e pode fruir da coisa, sendo
o limite desta fruição a medida das necessidades do usuário/morador usuário e da sua família,
como já vimos, de acordo com os arts. 1484º/1 CC.
As obrigações do usuário/morador usuário passam pelo relacionamento dos bens e pela
prestação da caução quando lhe seja exigida (arts.1468ºss ex vi 1490º CC), efetuar as reparações
ordinárias, pagar despesas de administração, impostos e outros encargos anuais na respetiva
proporção da sua fruição (arts.1489º CC), avisar o proprietário da prática ou da ameaça de atos
que lesem a coisa e levados avante por terceiros (arts.1475º ex vi 1490º CC), deve agir como o
bonus paterfamilias (arts.1446º ex vi 1490º CC), deve restituir a coisa quando se extinga o seu
direito de uso e de habitação (arts.1483º ex vi 1490º CC) e está sujeito, ainda, ao disposto no
art. 1482º ex vi 1490º CC caso faça mau uso da coisa. As maiores diferenças em relação ao
usufruto passam pelo facto da fruição ser apenas e só na medida das necessidades pessoais e
familiares e o facto de ser este direito intransmissível e não onerável 36.
Extinção
Novamente: é nos mesmos termos da extinção do usufruto que se extingue o direito de uso e
habitação, como nos diz o art.1485º/1ª Parte CC. Se cessar a necessidade pessoal que levou ao
direito de uso e habitação então extingue-se também este direito de uso e habitação, na ótica
de alguma doutrina, como é o caso de Oliveira Ascensão.
Natureza Jurídica
Usam-se, na sequência que já vem a ser exaustivamente mencionada, a remissão às teorias
apresentadas para a natureza jurídica do usufruto 37 mas acrescenta-se que o direito de uso e
habitação é um direito real sobre coisa alheia, mas mais limitado e com características próprias
que confere ao direito de uso e habitação uma autonomia face ao usufruto e tem-se como um
direito real de gozo menor.

Tema 13: Direito de Superfície


Caracterização
O art.1524º CC define o direito de superfície como a faculdade do superficiário de construir ou
manter, perpétua ou temporariamente, uma obra, designada por implante, em terreno do
fundeiro, ou nele fazer plantações ou mantê-las.
Em primeiro lugar incide este direito sobre solo alheio e compreende a área necessária ao
implante e a área que não sendo necessária tenha utilidade para o uso da obra, de acordo com
o art.1525º CC. Pode até mesmo incindir sobre edifício alheio, nos termos do art.1526º CC. Em
segundo lugar incide sobre o implante feito ou adquirido. São estes os objetos do direito de
superfície.
Constituição
O art.1528º CC tem como princípio geral da constituição do direito de superfície e refere que
este se pode constituir por contrato, testamento e até usucapião podendo, até, resultar da

36
Santos Justo diz mesmo ser um “direito pessoalíssimo”.
37
Veja-se, quanto a isto, a pág.54 deste bloco.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

alienação de obra ou árvores já existentes, mas separadas da propriedade do solo. O art.1529º/1


CC refere que com a constituição do direito de superfície constituir-se-ão as servidões
necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores, com a limitação do art.1529º/2 CC.
O contrato pode ser gratuito ou oneroso e assumir variados tipos e deve respeitar a formalidade
de escritura pública ou documento particular autenticado e do respetivo registo (art.2º/1/a)
CRegPredial). O testamento constitui o direito de superfície através de legada a certa pessoa do
direito a construir ou plantar num solo cujo legado é deixado a outrem ou, então, através de
legado a alguém do direito de construir e devolução do direito sobre o solo aos herdeiros. A
usucapião permite que alguém que tenha o direito de superfície, mas cuja posse esteja num
terceiro e demais requisitos estejam preenchidos então este terceiro pode adquirir o direito de
superfície por usucapião.
Regime Jurídico
Este direito é transmissível inter vivos e mortis causa, como prevê o art.1534º CC, mas o
proprietário goza de direito de preferência sobre a venda ou a dação em cumprimento do
direito de superfície, de acordo com o art.1535º/1 CC. Esta faculdade de transmitir o direito
leva a que implicitamente se admita a possibilidade de o onerar, assim como onerar o direito de
propriedade.
Posição do fundeiro
O proprietário do solo pode usar e fruir da superfície, sendo limitado pelo não impedimento ao
implante ou torná-lo mais oneroso, de acordo com o art.1532º CC, sob pena de o superficiário
exigir que o fundeiro destrua o que fez e pode vir o fundeiro a suportar os encargos que o
superficiário venha a ter a mais. Pode usar e fruir também do subsolo, sendo responsável pelos
danos causados ao superficiário, como nos diz o art.1533º CC. Pode receber, em dinheiro, uma
prestação única ou uma certa prestação anual, perpétua o temporariamente prestada pelo
superficiário, de acordo com o art.1530º CC, sendo que se se tratar de uma única prestação
então há uma equiparação ao regime do contrato de compra e venda por força do art.939º CC.
Sendo esta prestação anual então o dever de a prestar torna-se uma obrigação real do titular
do direito de superfície à data do respetivo vencimento. No caso de mora o art.1531º/2 CC
proprietário do solo tem o direito de exigir o triplo das prestações em dívida.
Posição do superficiário
Já o superficiário tem a faculdade de fazer os implantes no terreno propriedade do fundeiro,
sejam elas no solo ou no subsolo, de acordo com o art.1524º CC. Pode construir em edifício de
terceiro, nos termos do art.1526º CC. Pode gozar do implante feito de acordo com os direitos
do proprietário, mas limitado pelos direitos de uso e fruição que a lei reconhece ao fundeiro e
de que acima falámos. Pode dispor também do implante e reconstruir a obra ou replantar em
caso de destruição. Pode utilizar das servidões necessárias ao uso e fruição do implante, de
acordo com o art.1529º/1 CC. Pode ser indemnizado pela caducidade do seu direito nos termos
do enriquecimento sem causa, de acordo com o art.1538º/2 CC, ou em caso de expropriação,
de acordo 1542º CC.
No que concerne às suas obrigações o superficiário deve prestar o preço convencionado no
título constitutivo, nos termos do art.1530º/1 CC e que é sempre fixado em dinheiro, de acordo
com o art.1530º/2 CC. Esta prestação pode ser única ou anual e, caso seja anual, pode ser
perpétua ou temporária, como indica o art.1530º/1 e 2 CC. Deve, ainda, dar preferência ao
fundeiro caso pretenda vender ou em caso de dação em cumprimento do direito de superfície,
de acordo com o art.1535º/1 CC e art.418º CC. Por último deve responder pelas deteriorações
da obra ou plantações, quando haja culpa sua e não tiver de indemnizar de acordo com o
art.1538º/2 CC, nos termos do art.1538º/3 CC.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Tema 14: Servidões Prediais


Noção
Diz o art.1543º que a servidão predial é o encargo imposto sobre um prédio serviente em
proveito exclusivo de outro prédio dominante, pertencente a dono diferente.
Perante o que ali é dito então a servidão predial é uma restrição ao direito de propriedade sobre
o prédio serviente o que inibe o respetivo proprietário de praticar atos que prejudiquem o
exercício da servidão e isto tudo em benefício de um prédio dominante, cujos proprietário é
diferente daquele que vê o seu direito de propriedade limitado ou restringido. Face a isto, as
servidões pessoais ficam de fora, porque não são sequer direitos reais, dada a sua natureza
obrigacional.
No tocante à natureza jurídica limita-se Santos Justo a dizer que as servidões prediais são
direitos reais sobre coisa alheia e que gozam, no ordenamento jurídico, de um estatuto
autónomo.
Caracterização
As servidões prediais não podem ser separadas dos prédios a que pertencem, ativa ou
passivamente, ressalvando exceções previstas na lei, de acordo com o art.1545º/1 CC. Acresce
a isto o facto de cada ser necessário afetarem-se utilidades próprias da servidão a outros prédios
então tal importa a constituição de uma nova servidão e a que esta antiga se extinga, de acordo
com o art.1545º/2 CC. Assim caracterizam-se as servidões prediais pela inseparabilidade dos
prédios servientes e em favor dos dominantes.
O art.1546º CC refere que as servidões prediais são indivisíveis, o que quer dizer que se o prédio
serviente for dividido entre vários sujeitos então cada porção fica sujeita à porção da servidão
que ali cabia. Do outro lado, ou seja se a divisão for no prédio dominante, então cada consorte
tem o direito de usar a servidão, sem ser necessária qualquer mudança ou alteração, como nos
diz o art.1546º CC. Caracteriza-se, por isto, as servidões prediais pela indivisibilidade, porque
não se multiplicam as servidões mediante a divisão e tudo se passa como se não tivesse havido
divisão. Isto leva a que caso, por exemplo, um prédio serviente onde estava alocada uma
servidão de passagem numa das suas margens e havendo divisão onde só uma das porções é
que apanha essa margem então só essa porção ficará onerada com a servidão de passagem. O
mesmo acontece no prédio dominante onde, por exemplo, se há servidão de vistas sobre o
prédio serviente e ficando a respetiva janela de um dos lados do prédio que aquando da divisão
fica apenas na porção de um dos sujeitos então só este é que tem direito de vistas sobre o prédio
serviente, como será natural. Ao fim ao cabo ficam intocáveis as servidões, não padecendo de
alterações pelo menos físicas.
O conteúdo previsto no art.1544º CC tem como objeto da servidão predial quaisquer utilidades,
mesmo futuras ou eventuais, e que sejam suscetíveis de ser gozadas por intermédio do prédio
dominante, sendo irrelevante o aumento do seu valor ou não. Conteúdo como este não é
possível de ser tipificado dada a variedade de forma que pode ter, ou seja as servidões prediais
têm um conteúdo atípico na medida em que podem ou não aumentar o valor do prédio
dominante, na medida em que as utilidades são presentes, futuras ou eventuais o que admite
que sejam constituídas servidões prediais em função de eventualidades que venham a
constranger o prédio serviente, por exemplo como a constituição de uma servidão de passagem
para o caso de abrir uma rua junto ao prédio serviente.
As servidões prediais têm de incidir sobre um prédio em benefício de um outro,
necessariamente. Assim se a servidão incindir sobre a fruição de uma utilidade que traz
benefícios pessoais então a relação entre os sujeitos é meramente obrigacional e é aquele
servidão pessoal, ou seja tem de haver uma ligação objetiva, afastando a prioridade da relação

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

subjetiva. Exemplo é o caso da constituição de uma servidão para que o sujeito lá possa passear
ou até caçar, onde a relação entre o dono do prédio e do beneficiário é meramente obrigacional.
Constituição
O princípio geral do art.1547º/1 CC refere que as servidões prediais podem ser constituídas por
contrato, testamento, usucapião ou através da destinação do pai de família. Falhando esta
constituição voluntária pode, então, judicialmente ou administrativamente constituídas as
servidões prediais, de acordo com o art.1547º/2 CC.
O contrato que constitui a servidão predial pode ser oneroso ou gratuito, mas se incindir sobre
coisa imóvel então deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado,
sendo necessário, para a oponibilidade a terceiros, o respetivo registo, como prevê o art.2º/1/a)
CRegPredial. O contrato permite que se constitua a servidão predial de forma exclusiva para
esse efeito ou, então, através de um contrato que tenha outra finalidade principal, mas que
estipule a constituição da servidão predial ou, até, através de um contrato a favor de terceiro.
Já através do testamento o testador constitui as servidões sobre o prédio da herança ou a favor
de prédio legado a terceiro ou até a favor de um prédio que pertence a terceiro. A usucapião
permite adquirir servidões excetuando aquelas não aparentes, de acordo com o art.1293º CC e
art.1548º/1 CC, pois as servidões não aparentes são aquelas em que não se revelam sinais
visíveis e permanentes, de acordo com o art.1548º/2 CC, e que se confundem, por isso, com
atos de mera tolerância do proprietário do prédio serviente38. Assim percebemos esta opção
legal, onde as boas relações entre vizinhos se dificultariam, pois recear-se-ia que meras
situações de tolerância ou de condescendência se tornassem em situações jurídicas
permanentes. Já quando se fala em constituição por destinação do pai de família o art.1549º CC
refere que se havendo dois prédios pertencentes ao mesmo dono ou em caso de duas frações
de um mesmo prédio se notarem sinais visíveis e permanentes e que revelam a serventia de um
para o outro então tais sinais fazem prova da servidão, desde que se venham a separar os
prédios ou as frações do mesmo prédio em relação ao domínio, não obstante estar outra coisa
prevista no documento constitutivo. Já a lei prevê que negócios jurídicos, sentença judicial ou
decisão administrativa podem constituir as servidões prediais, contudo entende-se que não são
propriamente verdadeiras servidões e tratam-se mais de direitos potestativos do qual resulta
um direito real de servidão.
Modalidades
Servidões voluntárias ou legais
São servidões voluntárias as constituídas por negócio jurídico ou outro ato voluntário. São
servidões legais aquelas compostas por dois momentos: em primeiro lugar o titular tem um
direito potestativo que lhe permite constituir a servidão sobre determinado prédio e, em
segundo lugar e após aquilo, aquele ato converte-se num verdadeira servidão.
Servidões de passagem
Se os proprietários de prédios encravados conseguirem fazer o acesso à via pública através de
prédio vizinho então podem exigir a constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio
rústico do vizinho, segundo o art.1550º/1 CC. Da mesma faculdade pode gozar o proprietário
que apesar de ter acesso à via pública esse aceso demonstra-se insuficiente, de acordo com o
art.1550º/2 CC. Esta servidão apenas recai sobre prédios rústicos e não urbanos, pois deve
preservar-se a intimidade de que deve rodear-se uma habitação ou um domicílio.

38
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 380/11.2TBCNF.P1, relator: Anabela Dias da Silva

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Direitos Reais

Esta servidão pode ser afastada se o proprietário de quinta murada, quintais, jardins ou terreiros
adjacentes a prédios urbanos caso adquiram pelo justo preço o prédio encravado, como indica
o art.1551º/1 CC e atendendo ao que diz, supletivamente, o art.1551º/2 CC.
Já no que toca ao encrave voluntário, caso o encrave do prédio tenha sido provocado, sem justo
motivo para tanto, pelo respetivo proprietário então só se constituirá a servidão caso se preste
uma indemnização agravada e fixada de acordo com a culpa num máximo do dobro da que
normalmente se prestaria, de acordo com o que diz o art.1552º CC.
O lugar onde se deve constituir esta servidão deve ser aquele que ofereça menor prejuízo e
menos inconvenientes ao prédio serviente, de acordo com o art.1553º CC.
Face ao prejuízo sofrido pelo proprietário do prédio serviente por força daquela servidão então
tem direito este a que lhe seja prestada uma indemnização, nos termos do art.1554º CC.
Mas alguns benefícios concede a lei ao proprietário do prédio serviente, como o direito de
preferência em caso de venda ou dação em cumprimento do prédio dominante, como nos diz o
art.1555º/1 CC devendo notar-se o que dizem os ns.2 e 3 daquele artigo.
Podem ser constituídas servidões para aproveitamento das águas quando se trate de gastos
domésticos e caso não tenham os proprietários necessitados dessas águas acesso às fontes,
poços, reservatórios públicos, etc ou não consiga haver suficiente água por outra proveniência
sem que seja através de um excessivo incómodo ou dispêndio.
Servidões de água
Os arts.1557º ss CC dedicam-se à matéria das servidões de águas.
Desde logo, o art.1557º CC refere algo que já referimos anteriormente: caso o sujeito não
consiga, sem para tal ter que ter um excessivo incómodo ou dispêndio, ter acesso a água para
uso doméstico então podem ter os proprietários de prédios vizinhos ser compelidos a permitir
que sejam aproveitadas águas sobrantes das suas nascentes ou reservatórios, mediante a
prestação de uma indemnização, sendo o limite a medida do indispensável. Estão isentos desta
servidão os prédios urbanos e os demais previsto no art.1551º/1 CC.
Já no caso de aproveitamento das águas para usos agrícolas tem o proprietário de prédio rústico
que não consiga aceder a águas, sem excessivo incómodo ou dispêndio, usar água suficiente a
irrigar as suas culturas através da faculdade de aproveitar águas de prédios vizinhos que estejam
a ser inutilizados prestando o justo valor sobre as mesmas, de acordo com o art.1558º/1 CC.
No que toca à servidão de presa podem, mediante esta, os proprietários e os donos de
estabelecimentos industriais e que tenham direito ao uso de águas particulares existentes em
prédio alheio podem, neste prédio alheio, fazer as obras tidas como necessárias ao
represamento da água, mediante a prestação de uma indemnização pelo prejuízo que
causarem, de acordo com o art.1559º CC.
No que toca ao mesmo tipo de servidão, mas agora para o aproveitamento de águas públicas
podemos dizer que a imposição coerciva desta servidão só é admissível nos casos das duas
alíneas do art.1560º/1 CC. Assim, podem os donos de estabelecimentos industriais, sitos em
margem de uma corrente não navegável nem flutuável, aproveitar a água a que tenham direito
fazendo represamento e que vá travar no prédio fronteiro, nos termos do art.1560º/1/a) CC.
Podem também ter acesso a esta servidão caso a água tenha sido objeto de uma concessão, nos
termos do art.1560º/1/b) CC. As casas de habitação, quintais, jardins ou terreiros que sejam
contíguos não são afetadas por esta servidão e caso a concessão mencionada seja por utilidade
pública então a sujeição ao encargo deste prédios dependerá de prova da impossibilidade de
excetuar aquelas obras sem, para tal, serem usadas aquela água, em sede de processo
administrativo, de acordo com o art.1561º/2 CC.
No tocante à servidão de aqueduto podem, em favor da agricultura, de indústria ou para gastos
domésticos, ser feitos encanamentos, subterraneamente ou descobertamente para puxar as

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

águas particulares a que tenham direito, sendo que tais encanamentos podem ser feitos em
prédios rústicos, desde que não seja quintais, jardins, terrenos contíguos a casa de habitação e
mediante a prestação de uma indemnização. As quintas que sejam muradas só são oneradas
com esta servidão caso o encanamento seja feito subterraneamente. Tudo isto de acordo com
o art.1561º/1 CC. O art.1562º CC refere a servidão de aqueduto para o aproveitamento de águas
públicas onde só é tal admissível no caso de haver alguma concessão.
Por último, no que concerne às servidões de água, temos a servidão de escoamento, onde é
permitida a constituição forçada desta servidão, com o respetivo pagamento de uma
indemnização pelo prejuízo que se cause, nas situações das alíneas do art.1563º/1 CC. Neste
plano diz a doutrina que por vezes não se pode bem falar de uma servidão de escoamento, como
os casos em que correndo as águas, de forma natural, de um prédio superior para um outro
inferior então haverá apenas uma limitação do direito de propriedade e que decorre
imediatamente da lei. Já a servidão de escoamento exige a execução de obras que tenham
desviado artificialmente o curso das águas ou que até façam águas que estavam estagnadas
correr para o prédio dominante.
Servidões aparentes e não aparentes
Já acima fizemos uma referência e distinguimos brevemente estes dois tipos de servidões. As
servidões aparentes distinguem-se das não aparentes por fazerem notar, para o exterior,
obras ou sinais que são visíveis e, ainda, permanentes, como nos diz o art.1548º/2. Assim
garante-se a segurança onde se afasta a clandestinidade e a garantia de que os comportamentos
não são a título precário, mas sim a favor de um encargo preciso, relevando para os termos da
usucapião, onde não se pode constituir servidões não aparentes por aquela via, como nos diz o
art.1548º/1 e o 1293º/a) CC.
Servidões positivas, negativas e desvinculativas
As servidões positivas traduzem a permissão de atos sobre o prédio serviente, ou seja permite,
que sobre o prédio no qual recai a oneração da servidão se possam lá praticar certos atos, como
a servidão de passagem que permite que se passe, quando pretende o dono do prédio
dominante, por lá. Já as servidões negativas baseiam-se numa mera abstenção, num non facere,
pelo dono do prédio serviente, como na servidão de vistas apenas tem de permitir ao dono do
prédio dominante que este frua das vistas ou, o mesmo se pode dizer, da servidão de não
edificação. Já as servidões desvinculativas libertam o prédio dominante das restrições legais,
onde, e por exemplo, nos termos do art.1346º CC, onde se proíbe a emissão de fumos sobre
prédio alheio, contudo caso consinta o dono do prédio alheio que o dono deste prédio
dominante emita esses fumos então é afastada uma restrição legal e por isso é desvinculativa.
Regime Jurídico
Modo de Exercício
Como vem já sendo hábito ser dito no que toca ao regime jurídico dos direitos reais ao regulação
das servidões, no que concerne à sua extensão e exercício, provém do título que constitui
aquela e, supletivamente, aplicar-se-á o disposto nos arts.1565º ss CC, de acordo com o
art.1564º CC. Este é um direito real relativamente aberto, pois as partes podem fixar o conteúdo
desde que não violem o princípio da tipicidade, do art.1306º CC, sob pena de padecer de
nulidade esta servidão, por força do art.294º CC.
Extensão
Diz o art.1565º CC que compreende a servidão tudo aquilo necessário para o seu uso e
conservação, sendo que à dúvida desta extensão, assim como quanto ao modo de exercício,
então tem-se como a extensão da servidão aquilo suficiente a satisfazer as normais e previsíveis
necessidades do prédio dominante e com o menor prejuízo para o prédio serviente. O legislador

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

tipificou apenas o princípio genérico quanto a esta matéria, mas a doutrina entende que devem
atender-se aqui às faculdades ou poderes ali implícitos que acompanham o direito principal,
como o direito de limpar o aqueduto, não obstante o título constitutivo afastá-las.
Obras no prédio serviente
As obras no prédio serviente podem ser feitas pelo dono do prédio dominante, desde que
dentro dos poderes que lhe confere o art.1565º CC e desde que não torne ainda mais onerosa
a servidão, como nos diz o art.1566º/1 CC, sendo que estas obras devem atentar ao tempo e à
forma que mais convierem ao proprietário do prédio serviente, nos termos do art.1566º/2 CC.
Se as obras causarem incómodo ao dono do prédio serviente não há qualquer dever
indemnizatório pelo dono do prédio dominante que realiza as obras, desde que seja respeitado
o conteúdo da servidão, não torne aquela mais onerosa e desde que o tempo e a forma
convenientes ao dono do prédio serviente sejam verificados.
Encargos das obras e mudança de servidão
São várias as possibilidades que a lei consagra. A regra passa pelo encargo ser do proprietário
do prédio dominante, solução que se tem como mais justa pela doutrina, contudo diferente
pode ser acordado, como indica o art.1567º/1 CC. Mas se houver uma pluralidade de prédios
dominantes então deve respeitar-se a regra da proporcionalidade face às vantagens tidas pela
servidão para cada um dos proprietários daqueles prédios, de acordo com o art.1567º/2 CC.
Caso retire utilidades da servidão, então o proprietário do prédio serviente deve contribuir
para as despesas, de acordo com o art.1567º/3 CC. Mas caso se tenha ele obrigado a custear as
obras então delas só se pode eximir caso renuncie ao seu direito de propriedade em benefício
do dono do prédio dominante, podendo aquela renúncia respeitar à parte do prédio sobre a
qual recai a servidão, de acordo com o art.1567º/4 CC, mas caso não aceite o dono do prédio
dominante aquela renúncia então o dono do prédio serviente não se pode eximir de contribuir
para as despesas.
Já no que concerne à mudança da servidão o art.1568º CC estipula toda a tramitação para tal,
ou seja, debruça-se aquele artigo sobre a vontade de mudança da servidão para sítio distinto,
porque alguma situação deu motivo a tal vontade. A mudança de servidão pode ser mudada
para prédio de terceiro o que implica que haja uma derrogação da característica da
inseparabilidade entre a servidão e os prédios.
Extinção
Reunião dos prédios serviente e dominante na mesma pessoa
O art. 1569º/1/a) CC prevê que a servidão predial se extinguirá caso os prédios serviente e
dominante se reunirem na mesma pessoa.
Não uso
Pelo não uso durante o prazo de vinte anos, contável nos termos do art.1570º CC, extingue-
se a servidão, independentemente do motivo, como prevê o art.1569º/1/b) CC. Note-se que
se o não uso da servidão for parcial então tem-se como usada a servidão, como se fosse por
inteiro, como diz o art.1572º CC.
Aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio
A usucapio libertatis é causa de extinção da servidão como prevê o art.1569º/c) CC. Ocorre isto
quando haja, por parte do dono do prédio serviente, oposição ao exercício da servidão, nos
termos do art.1574º/1 CC. Assim, com a oposição começa a correr o prazo, segundo o
art.1574º/2 CC e o dono do prédio serviente enquanto possuidor faz extinguir o direito do dono
do prédio dominante e, segundo o princípio da elasticidade, faz expandir o seu direito de
propriedade sobre a coisa.

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Renúncia
Se o dono do prédio dominante renunciar à servidão então extingue-se aquela, sendo
desnecessário o consentimento do dono do prédio serviente, de acordo com os arts.1569º/1/d)
e 1569º/5 CC.
Remição
O art.1569º/4 CC prevê a remissão, a qual ocorre com a servidão de aproveitamento de águas
para gastos domésticos, do art.1557º CC, e para fins agrícolas, do art.1558º CC, as quais podem
ser remidas judicialmente desde que o dono do prédio serviente demonstre ir fazer um
aproveitamento daquelas águas justificadamente, sendo que só o pode fazer após o decurso
de dez anos a contar da constituição da servidão.
Servidões constituídas pelo usufrutuário
Só as servidões passivas é que se extinguem com a extinção do usufruto, não se extinguindo as
servidões ativas, do art.1460º/1 CC.
Desnecessidade
O art.1569º/2 CC prevê que as servidões prediais constituídas por usucapião poderão ser
declaradas judicialmente como extintas caso se demonstrem desnecessárias e o art.1569º/3
CC estende este regime às servidões legais, independentemente do título constitutivo, tendo
efeitos sobre a própria indemnização, caso esta tenha sido prestada.
A doutrina explica que são afastadas as servidões voluntárias porque os acordos devem ser
respeitados, porque é difícil determinarem-se as necessidades exatas que e pretenderam
satisfazer com a voluntária constituição da servidão e, ainda, porque a lei permite que sejam
criadas servidões não estritamente por força da necessidade, pelo que não faz sentido estas
extinguirem-se por desnecessidade.

Tutela Forte ....................... 6 Princípio da Publicidade ... 10

Índice Tema 3: Princípios


Estruturantes ......................... 6
Tema 4: Modalidades........... 11

Tema 1: Introdução................ 2 Direitos Reais de Gozo ..... 11


Princípio da Coisificação ..... 6
Noção................................ 2 Direitos Reais de Aquisição
Princípio da Especialidade ou ........................................ 11
Terminologia ..................... 2
da Individualização............. 6
Direitos Reais de Garantia 11
Influência Político-
Princípio da Totalidade da
Económica ......................... 2 Tema 5: Natureza Jurídica .... 11
Coisa ................................. 7
Fontes Cognoscendi ........... 3 Teoria Clássica ou Realista 11
Princípio da Compatibilidade
Tema 2: Características .......... 3 .......................................... 7 Teoria Personalista........... 12

Eficácia Absoluta/Erga Princípio da Elasticidade ou Teoria Eclética ou Mista ... 12


Omnes ............................... 3 da Consolidação ................. 7 Tema 6: Figuras Ligadas aos
Sequela ............................. 4 Princípio da Direitos Reais ....................... 13
Transmissibilidade ............. 8 A Obrigação Real.............. 13
Prevalência ........................ 4
Princípio da Consensualidade Noção ......................... 13
Inerência ........................... 5
.......................................... 9
Outras Características ........ 5 O Regime Jurídico........ 13
Princípio da Tipicidade ....... 9

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Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

A Natureza Jurídica...... 14 Natureza Jurídica ............. 28 Noção.............................. 43


A Obrigação Ambulatória Tema 8: A Propriedade ........ 29 Constituição..................... 43
................................... 14
Noção.............................. 29 Regime Jurídico................ 43
Ónus Real ........................ 14
Objeto ............................. 29 Encargos .......................... 44
Tema 7: A Posse ................... 15
Características ................. 29 Extinção........................... 45
Noção e Função ............... 15
Modalidades .................... 29 Natureza Jurídica ............. 45
Objeto ............................. 16
Propriedade Perpétua . 29 Tema 11: Propriedade
Classificação .................... 16 Horizontal ............................ 45
Propriedade Temporária
Posse Titulada e Posse ................................... 30 Noção e Objeto ................ 45
Não Titulada................ 16
Propriedade Resolúvel. 30 Constituição..................... 46
Posse de Boa-Fé e Posse
Limitações Legais ............. 30 Modificação ..................... 46
de Má-Fé..................... 17
Por interesse público ... 30 Regime Jurídico................ 46
Posse Pacífica e Posse
Violenta ...................... 18 Por interesse privado... 30 Princípios Fundamentais
................................... 46
Posse Pública e Posse Aquisição da Propriedade. 33
Oculta ......................... 18 Limitações ................... 46
Aquisição Originária .... 33
Posse Precária ou Direitos de preferência e
Aquisição derivada ...... 38
Detenção .................... 18 de divisão.................... 47
A Tutela ........................... 38
Outras Modalidades .... 19 Encargos e Administração
Meios extrajudiciais..... 38 ................................... 47
Efeitos ............................. 19
Meios judiciais ............ 38 Natureza Jurídica......... 47
Efeito Probatório ......... 19
Extinção........................... 39 Tema 12: Usufruto ............... 48
Frutos ......................... 19
Expropriação ............... 39 Nota Histórica .................. 48
Perda ou Deterioração da
Coisa ........................... 20 Perda da coisa ............. 39 Noção.............................. 48

Encargos ..................... 20 Impossibilidade definitiva Constituição..................... 49


de exercício................. 39
Benfeitorias................. 21 Regime Jurídico................ 49
Abandono ................... 40
Usucapião ................... 21 Regime Geral............... 49
Renúncia ..................... 40
Aquisição ......................... 22 Regime Especial .......... 50
Caducidade ................. 40
Introdução .................. 22 Obrigações do
Não uso ...................... 40 usufrutuário ................ 53
Aquisição Originária .... 23
Outras modalidades .... 40 Extinção........................... 54
Aquisição Derivada ...... 23
Natureza Jurídica ............. 40 Natureza Jurídica ............. 55
Acessão ........................... 24
Tema 9: Propriedade das Águas O Direito de Uso e Habitação
Conservação .................... 24 ............................................ 41 ........................................ 55
Perda............................... 25 Águas Particulares............ 41 Noção ......................... 55
Abandono ................... 25 Aproveitamento das Águas Constituição ................ 55
Perda ou Destruição da ........................................ 41
Regime Jurídico ........... 56
Coisa ........................... 25 Fontes e Nascentes ..... 41
Extinção ...................... 56
Cedência ..................... 26 Águas pluviais e de lagos
Natureza Jurídica......... 56
Posse de outrem por mais e lagoas....................... 42
de um ano e um dia ..... 26 Tema 13: Direito de Superfície
Águas subterrâneas ..... 42
............................................ 56
A Tutela ........................... 26 Águas originariamente
Caracterização ................. 56
Autotutela................... 26 públicas ...................... 42
Constituição..................... 56
Tutela Judicial. As Ações Condomínio das águas ..... 42
Possessórias ................ 26 Regime Jurídico................ 57
Tema 10: A Compropriedade 43

1
Diogo Chiquelho (21545917)
Direitos Reais

Posição do fundeiro..... 57 Servidões aparentes e Extinção ...................... 62


não aparentes ............. 61
Posição do superficiário57 Reunião dos prédios
Servidões positivas, serviente e dominante na
Tema 14: Servidões Prediais. 58
negativas e mesma pessoa ............ 62
Noção.............................. 58 desvinculativas ............ 61
Não uso ...................... 62
Caracterização ................. 58 Regime Jurídico................ 61
Aquisição, por usucapião,
Constituição..................... 59 Modo de Exercício ....... 61 da liberdade do prédio 62
Modalidades .................... 59 Extensão ..................... 61 Renúncia ..................... 63
Servidões voluntárias ou Obras no prédio serviente Remição ...................... 63
legais .......................... 59 ................................... 62
Servidões constituídas
Servidões de passagem 59 Encargos das obras e pelo usufrutuário ........ 63
Servidões de água ....... 60 mudança de servidão .. 62
Desnecessidade........... 63

2
Diogo Chiquelho (21545917)

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