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Universidade Lusíada-Norte

Vital Moreira

Sebenta de ciência política

(Teoria geral do poder público)

Ano letivo 2019-20


Apresentação

Eis uma nova versão das minhas lições de ciência política que desde há
muitos anos dão conta do meu ensino desta disciplina, primeiro na
Universidade de Coimbra e nos últimos anos na Universidade Lusíada-Norte,
no Porto. Destinadas em primeira linha aos alunos de Direito, como prelúdio
ao estudo do Direito Constitucional, estas lições não abdicam porém de uma
análise abrangente do sistema político e das instituições políticas, embora
privilegiando uma abordagem institucional.
Além da imprescindível atualização do texto nos aspetos factual,
doutrinário e bibliográfico, esta nova versão é marcada especialmente pela
autonomização do novo cap. 11, dedicado ao sistema político português,
coligindo o anterior tratamento disperso desta matéria ao longo dos diferentes
capítulos temáticos (formas de Estado, regimes políticos, sistemas eleitorais,
sistemas de governo, etc.).
Mais uma vez agradeço antecipadamente aos utentes destas lições,
especialmente os meus alunos, as observações e comentários que me queiram
fazer chegar, a fim de corrigir os seus defeitos e melhorar a sua serventia.

Porto, outubro de 2019.

Vital Moreira
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Programa geral

1. Definição da ciência política. Teoria, metodologia e objeto da ciência


política.
2. Origem e transformações do Estado moderno.
3. Os agentes políticos.
4. As formas de expressão política: as eleições, os referendos, a participação
política.
5. Tipos de Estado.
6. Regimes políticos.
7. Sistemas de governo.
8. Estruturas orgânicas do Estado.
9. Limitação e controlo do poder político.
10. Sistemas políticos comparados.
11. O sistema político português.

.
Bibliografia geral

I - Obras de autores portugueses (seleção)

Adriano Moreira, Ciência política, 3ª ed., Coimbra, 2006


A. Marques Guedes, Ciência política II - Teoria geral do Estado, Lisboa, 1982.
Diogo Freitas do Amaral, Ciência política, 3 vols., Lisboa, 1990-92.
F. Loureiro Bastos, Ciência política: Guia de estudo, Lisboa, 1999.
F. Roboredo Seara et alii, Ciência política e direito constitucional, Lisboa, 1995
Jorge Miranda, Ciência política (Formas de Governo), Lisboa, 1996
J. Adelino Maltês, Sobre a Ciência política (Relatório sobre programa, conteúdo e
métodos), Lisboa, 1994
José Fontes, Teoria geral do Estado e do direito, 4ª ed. Coimbra, 2014.
J. J. Gomes Canotilho, Tópicos de ciência política, Coimbra, 1984/85 (folhas
policopiadas)
Luís de Sá, Introdução à Ciência Politica, Lisboa, Universidade Aberta, 1999
Manuel Proença de Carvalho, Manual de Ciência Politica e sistemas políticos e
constitucionais, Lisboa, 2005
Marcelo Caetano, Manual de ciência política e direito constitucional, I, Coimbra, 6a
edição, 1983
M. Rebelo de Sousa, Ciência política (Introdução e métodos), Coimbra, 1989.
Ricardo Leite Pinto, Ciência politica, Direito Constitucional – Teoria Geral do Estado,
Lisboa, Universidade Lusíada, 2009
José Manuel de Matos Correia/ Ricardo Leite Pinto, Licões de Ciência Política
e Direito Constitucional, Lisboa, Universidade Lusíada, 2018
Vitalino Canas, Preliminares do estudo da Ciência política, Macau, 1992.
8

II - Obras estrangeiras (seleção)

Barry Axrod et alii, An Introduction to Politics, 2a ed. Londres/Nova York, 2002


Frank Bealey et alii, Elements in Political Science, Edimburgo, 1999
Gianfranco Pasquino, Corso de Scienza Politica, 2a ed. Bolonha, 2000 [existe
tradução portuguesa, Cascais, 2002]
M. Caminal Badia, Manual de Ciência Politica, 2a ed. Madrid, 1999
M. Duverger, Sociologia política, Coimbra, 1982
Paulo Bonavides, Ciência política, Rio de Janeiro, 1993
R. Zippelius, Teoria geral do Estado, 3a edição, Lisboa, Gulbenkian, 1992
Robert Goodin & Hans-Dieter Klingemann, A New Handbook of Political Science,
Oxford, 1997
Jeffrey Kopstein / Mark Lichbach, Comparative politics, Cambridge, CUP, 2000.
Galalgher / Laver / Mair, Represenattive Government in Modern Europe, Nova York,
2006

III - Obras de referência

Frank Bealy, The Blackwell Dictionary of Political Science, Oxford, 1999


Vernon Bogdanor (ed.), The Blackwell Encyclopedia of Political Institutions, Oxford,
1997.
N. Bobbio / N. Mateucci / G Pasquino (org.), Dicionário de política, trad. port., Brasília
1983.
AAVV, Polis – Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Lisboa.
F. Chatelet / o Duhamel / E Pisier, Dictionnaire des Œuvres Politiques, 3ª ed. Paris,
1995
Capítulo I
Noção e objeto da ciência política

1.1. Noção

Numa definição elementar a ciência política é o ramo do saber que se ocupa da


organização e governação da polis, ou seja, das coletividades politicamente organizadas.
Ela tem a ver com o modo como as sociedades se organizam para satisfazer as suas
necessidades coletivas, desde a defesa e segurança até aos serviços coletivos básicos
(comunicações, transportes, abastecimento de agua e energia, educação e cultura, etc.).
Trata de matérias como os tipos e a formas de Estado, os regimes políticos, o modo de
seleção e designação dos governantes, a organização dos órgãos de governo (lato sensu),
a sua relação com os governados, os partidos políticos e os grupos de interesse, as eleições
e os referendos, as formas e os níveis de organização política territorial, etc.

1.2. Origem e desenvolvimento da ciência política

A ciência política pertence às ciências sociais, por oposição as ciências da natureza.


No entanto, o paradigma científico tradicional é tendencialmente o das ciências da
natureza, que visam investigar e estabelecer experimentalmente as relações necessárias
entre os fenómenos, nomeadamente as relações de causa a efeito (as leis da física, por
exemplo).
Foi esse paradigma que o positivismo sociológico dos finais do século XIX, por
obra especialmente de A. Comte, procurou importar para o estudo dos fenómenos sociais,
através da criação da sociologia como "ciência da sociedade", recorrendo aos mesmos
instrumentos (a observação, o empirismo, a construção de modelos explicáveis, a
neutralidade valorativa em relação aos fenómenos investigados). Foi com o positivismo
que as ciências sociais, tendo a sociologia como centro, alcançaram novo estatuto
científico, superando as perspetivas normativas e doutrinárias tradicionais. Desse modo,
inicialmente as ciências sociais, entre as quais a ciência política, assumiram-se também
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como "ciências nomotéticas" visando estudar e revelar as "leis" que regem os fenómenos
sociais (do grego nomos = lei).
Todavia, ressalvada a corrente dominante na sociologia política norte-americana
até meados do século XX, sempre permaneceram relevantes os enfoques teóricos e
metodológicos não nomotéticos da ciência política, que a não reduzam a um capítulo da
sociologia, como estudo empírico dos comportamentos políticos. A história da ciência
política é em grande parte a história da sua variedade teórica e metodológica.
Embora nascida no final do século XIX, juntamente com as demais ciências sociais
ou “ciências humanas”, a ciência política tem, porém, antecedentes bem antigos, muitas
vezes sem separação nítida com a filosofia política, que remontam à antiguidade clássica,
com Aristóteles, passando pelo Renascimento, com Maquiavel, e sobretudo pelos séculos
XVII (Locke e Hobbes), XVIII (Montesquieu, Rousseau, Burke) e XIX (Sieyès,
Tocqueville, Constant, Stuart Mill, etc.),

Remissão bibliográfica:

J. J. Gomes Canotilho, ob. cit.. 1-6, 14-21, 41-61.


F. Loureiro Bastos, Ciência política: Guia de estudo, Lisboa, 1999.
M. Proença de Carvalho, ob. cit., 21 ss.

1.3. Ciência política e disciplinas próximas

Importa distinguir a ciência política de outras disciplinas próximas.

a) Ciência política e doutrinas políticas

Na conceção contemporânea prevalecente, a ciência política ocupa-se em analisar


e compreender como se organizam e funcionam as sociedades políticas tal como existem;
as doutrinas políticas ocupam-se com o modo como se devem organizar e funcionar as
sociedades políticas, em função dos mais variados critérios (bom governo, mais
participação, mais autoridade, mais justiça social, mais igualdade, etc.).
O mesmo vale para as ideologias políticas, que são a expressão das doutrinas
políticas na ação política. Por isso, nem as doutrinas políticas nem as ideologias políticas
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são objeto enquanto tais da ciência política.

b) Ciência política e sociologia política.

Existe uma evidente proximidade ou até coincidência parcial entre ambas. Num
sentido amplo, a ciência política compreende a sociologia política. Mas a sociologia
política é um ramo da sociologia, que tem por objeto o estudo dos fenómenos sociais de
natureza política, nomeadamente os comportamentos dos indivíduos e grupos na esfera
política. Assim, por exemplo, ao passo que a ciência política se ocupa dos sistemas
eleitorais enquanto formas de organização do sufrágio e das suas consequências sobre o
sistema de partidos e a forma de governo, a sociologia eleitoral, que é um ramo da
sociologia política, ocupa-se em estudar os comportamentos dos eleitores sob o ponto de
vista dos fatores que determinam as suas opções eleitorais (classe social, religião, idade,
género, etc.).

c) Ciência política e direito constitucional

Tanto a ciência política como o direito constitucional têm por objeto a organização
política. Só que o fazem de perspetivas distintas. O direito constitucional esta a montante
da ciência política. O direito constitucional é uma disciplina jurídica, e como tal uma
disciplina normativa, tendo por objeto as normas constitucionais, ocupando-se dos
poderes, dos direitos e deveres de cada órgão nas suas relações com os outros, do seu
funcionamento; é o estatuto jurídico do político. A ciência política tem por objeto os
factos políticos (incluindo as normas constitucionais), incide sobre o funcionamento real
do político, independentemente da sua conformidade com as normas. Por exemplo, o
direito constitucional estuda os poderes dos órgãos políticos, do presidente da república,
do parlamento, do governo, tal como a constituição os define. A ciência política estuda
as formas de governo, ou seja, o modo de articulação real entre os referidos titulares
constitucionais do poder político, tal como eles funcionam na realidade.
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1.4. O objeto da ciência política

1.4.1. As diferentes perspetivas

Esquematicamente podem distinguir-se três perspetivas teóricas principais quanto


ao objeto da ciência política:
- a perspetiva do Estado (ciência política = ciência do Estado);
- a perspetiva do poder político (ciência política = ciência do poder político);
- a perspetiva do sistema política (ciência política = ciência do sistema político).
Importa abordar separadamente cada uma destas perspetivas.

1.4.2. A ciência política como ciência do Estado

É uma das perspetivas tradicionais da ciência política. De acordo com ela, a ciência
política tem por objeto o estudo da organização e funcionamento do Estado, enquanto
forma característica de organização política das sociedades modernas, nascida da
superação do modelo de organização senhorial e feudal da Idade Média, entre os séculos
XVI e XVII (unificação territorial dos países, concentração do poder no rei, eliminação
dos poderes políticos dos senhores da terra e dos poderes locais, etc.).
Embora seja uma conceção limitada da ciência politica, hoje geralmente superada
a favor de perspetivas mais amplas, a verdade é que o Estado continua a ocupar um lugar
importante na ciência política. De entre os problemas que ela aborda contam-se
tradicionalmente as matérias dos elementos do Estado e das funções do Estado.
Nesta perspetiva importa registar a contribuição da “teria geral do Estado”,
elaborada no sécs. XIX e XX pela doutrina alemã (Laband) e francesa (Carre de
Malberg).

I - Os elementos do Estado

De acordo com a doutrina tradicional, o Estado moderno comporta três elementos:


o território, a população e a soberania. A ciência política tem por objeto o estudo de cada
um destes elementos.
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a) O território

O território constitui a delimitação física do poder do Estado, constante das suas


fronteiras com outros Estados. É o território que delimita o espaço de eficácia da
soberania do Estado e das suas leis, que normalmente não têm efeitos extraterritoriais.
Pode haver povos ou nações sem território (por exemplo, os judeus antes da criação de
Israel), mas não pode haver Estado sem território. O Estado é por definição uma entidade
territorial, delimitada por fronteiras.
Além do território terrestre, existe o espaço aéreo suprajacente àquele, e no caso
dos Estados ribeirinhos do mar, o território marítimo adjacente, o mar territorial, onde o
Estado exerce poderes de soberania exclusivos (bem como sobre os fundos marinhos
correspondentes), cuja largura se veio estendendo até às 12 milhas. Para além do mar
territorial, e já sem integrar o território soberano do Estado, o direito internacional e o
direito constitucional interno reconhecem uma zona contígua (ao mar territorial), que
pode ir até às 24 milhas, onde o Estado tem certos direitos de vigilância e controlo do
tráfego marítimo, e uma zona económica exclusiva, com a largura de 200 milhas, onde o
Estado tem direito de exploração exclusiva dos recursos económicos, sobretudo do
pescado.

b) A população

O substrato pessoal do Estado é a respetiva população, o conjunto dos seus


nacionais. O Estado nacional moderno baseia-se justamente numa coletividade nacional,
identificada por traços de pertença comuns.
Os processos de nation-building podem demorar muito tempo, mesmo séculos, até
à aquisição de um sentimento de identidade nacional. Nos países resultantes da
descolonização, muitas vezes caracterizadamente multiétnicos e multilinguísticos, o
Estado nasce sem nação, visto não haver nenhum cimento a ligar os diferentes grupos
étnico-linguísticos.
Pode haver Estados plurinacionais e nações sem Estado.
Daí a importância da noção de nacionalidade ou cidadania nacional, que
estabelece a relação jurídica entre as pessoas e um determinado Estado, distinguindo-a
dos estrangeiros, que não gozam de um certo conjunto de direitos que são reservados
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para os nacionais (nomeadamente a titularidade de cargos políticos). Existem


fundamentalmente dois critérios de nacionalidade: o ius soli (são nacionais de
determinado Estado as pessoas que nascem no seu território, independentemente da
nacionalidade dos progenitores) e o ius sanguinis (são nacionais de um determinado
Estado os filhos dos seus nacionais, independentemente de terem ou não nascido no seu
território). Frequentemente as leis da nacionalidade conjugam estes dois critérios, com
predomínio de um ou outro deles. É o que sucede entre nós, onde prevalece o ius
sanguinis (os filhos de portugueses nascidos no estrangeiro podem manter a
nacionalidade portuguesa, de geração em geração, se os progenitores, ou eles mesmos
quando maiores, assim o desejarem), mas em que se estabelece também que os filhos de
estrangeiros nascidos em Portugal têm a nacionalidade portuguesa se os progenitores
residirem há um certo número de anos no nosso país.
O conjunto dos cidadãos de um Estado constitui o respetivo povo, o qual no
moderno Estado representativo é o titular da soberania (princípio da soberania popular).
Conceitos alternativos são os de comunidade nacional e o de nação (e o correspondente
conceito de soberania nacional). Todavia, o conceito de nação sofreu uma carga
específica nos regimes nacionalistas do passado (sobretudo os regimes fascistas ou
parafascistas), que lhe conferiram um significado transcendental e transpessoal,
independentemente da coletividade atual dos cidadãos, cuja vontade e cujos interesses
seriam interpretadas diretamente pelo Estado, ou seja, pelos dirigentes.
A relação entre Estado e nação não é unívoca. Como já referido, pode haver nações
sem Estado, nações repartidas por mais do que um Estado e Estados plurinacionais. O
Estado-Nação é o Estado cuja população coincide com uma nação, ou seja, um povo
homogéneo, e que compartilha valores e sentimentos históricos e culturais comuns.
Todavia, existem muitos Estados plurinacionais e multiétnicos, que levantam muitos
problemas em termos de organização política e de participação política.

c) A soberania

O moderno conceito de Estado supõe a soberania, tanto na ordem interna como


externa, investida em órgãos do poder político. A soberania consiste essencialmente na
capacidade de um povo de definir autonomamente o modo de se governar e de regular a
vida coletiva, sem sujeição externa, dotando-se para isso dos órgãos de poder político
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("órgãos de soberania", na nossa nomenclatura constitucional) e de leis adequadas. Tal


consiste na autodeterminação e no autogoverno.
Além disso, a soberania implica o exercício do poder político sobre o território e
sobre os seus residentes, incluindo o monopólio dos meios de coerção (forças armadas,
política, tribunais).
O Estado soberano moderno foi o produto de uma evolução que na Europa
culminou no século XVII com a concentração do poder nas mãos do soberano na ordem
interna, à custa dos senhores da terra feudais, e com a emancipação dos países na ordem
externa em relação à suserania do Papa e do Sacro Império Romano-Germânico (Viena).
Costuma marcar-se essa transição com a Paz da Vestefália de 1648, que pôs fim à Guerra
dos Trinta Anos. Todavia, como se verá adiante, desde a II Guerra Mundial fala-se numa
transição para um “Estado pós-vestefaliano”, para designar a crescente descentralização
política na ordem interna e a crescente vinculação internacional dos Estados na ordem
externa.
Em alguns casos, os Estados podem decidir mutualizar parcialmente a sua
soberania, exercendo-a em conjunto ou delegando-a a entidades supranacionais por eles
constituídas, como é o caso da UE.

II - As funções e tarefas do Estado

Uma das preocupações da teoria do Estado desde sempre foi a temática das funções
do Estado. São múltiplas as classificações formuladas ao longo do tempo.
Até ao advento da moderna era constitucional (último quartel do século XVIII) e
desde Aristóteles, distinguiam-se essencialmente três funções, embora com designações
nem sempre precisas nem coincidentes: a função normativa, a função política e
administrativa externa e interna, e a função judicial. Foi com base nesta tríade que no
século XVIII Locke e, sobretudo, Montesquieu desenvolveram a teoria da separação de
poderes, preconizando a repartição dessas três funções por três órgãos ou "poderes"
separados, respetivamente a assembleia legislativa (o parlamento), o poder executivo
(chefe do Estado e governo) e os tribunais.
No entanto, com Sieyès, autonomizou-se uma quarta função, a função constituinte,
16

traduzida na função de aprovação originária e posterior revisão da Lei fundamental. As


referidas três funções passaram a ser funções constituídas, porque baseadas na
Constituição.
Quanto às tarefas do Estado, é costume distinguir entre as tarefas ligadas à
soberania do Estado (defesa, segurança interna e justiça) e as tarefas ligadas ao
desenvolvimento económico (infraestruturas, fomento económico, etc.) e a assegurar as
condições de vida dos cidadãos (educação, saúde, etc.).
Como se verá adiante, o elenco das tarefas do Estado tem variado muito com o
tempo, tendo diminuído na passagem do Estado absoluto do século XVIII para o Estado
liberal do século XIX, aumentando depois exponencialmente na passagem para o Estado
intervencionista na economia e para o Estado social do século XX e voltando a ser
comprimidas nas últimas décadas com a desintervenção económica do Estado (“Estado
regulador”) e a liberalização e privatização das utilities.

Bibliografia:

F, Reboredo Seara et alii, ob. cit.: pp. 40-134;


Paulo Benavides, ob. cit., 57-113;
R. Zippelius, ob. cit., pp. 68-82, 92-118;
F Loureiro Bastos, ob. cit., pp. 115 ss.
L. Duguit, Os elementos do Estado, Lisboa, 1939.

1.4.3. A ciência política como ciência do poder político

Nesta perspetiva a ciência política tem por objeto o estudo dos modos de acesso,
exercício e controlo do poder político. É porventura a perspetiva dominante na ciência
política contemporânea.
É uma conceção mais ampla do que a anterior, visto que o Estado não constitui a
única forma de organização do poder político. O poder político é inerente a todas a formas
de organização social, desde as comunidades primitivas até às recentes entidades
supranacionais, passando pelo moderno Estado nacional. A tarefa da ciência política e
justamente o estudo das diferentes formas de organização e exercício do poder.
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I - Poder e autoridade

O poder pode ser definido, de forma elementar, como a capacidade de um


indivíduo, grupo, ou instituição tem de impor a sua vontade a outrem ou pelo menos
condicionar a sua atividade. O poder político é a capacidade de um indivíduo, grupo ou
classe social impor à coletividade geral ou a uma parte dela um determinado
comportamento (por ação ou abstenção), incluindo o poder de coerção, mediante o uso
ou a ameaça de uso da força.
Todo o poder procura suscitar aceitação ou o consentimento por parte dos que lhe
estão submetidos. Nesse caso o poder torna-se autoridade, aceite como poder legítimo.
Autoridade é poder mais legitimidade. Poder sem legitimidade é violência e opressão.
Foi Max Weber que pela primeira vez procedeu à classificação das diferentes
formas de legitimidade do poder, tendo distinguido três formas típicas (três "tipos
ideais"):
- Legitimidade tradicional: baseada em costumes e normas tradicionais de
sucessão do poder, nomeadamente pela sucessão hereditária e na distinção de
nascimento entre senhores e súbditos; o poder baseado na legitimidade
tradicional é o poder típico das formas primitivas de organização social, em que
não existe ainda uma verdadeira especialização da função política, em que o
chefe político (o chefe da tribo, o patriarca, os anciãos, etc.) é também
frequentemente chefe religioso;
- Legitimidade carismática: baseada na capacidade e no "apelo" pessoal
(carisma) dos governantes para atraírem a adesão dos subordinados, assente em
dotes de liderança e de comunicação dos governantes (os profetas, os heróis, os
demagogos, os líderes natos);
- Legitimidade legal-racional: é a forma típica de legitimidade do poder nas
sociedades políticas modernas, sendo baseada em instrumentos jurídicos gerais
e abstratos (constituições e leis), na definição precisa de atribuições e
competências, na igualdade formal dos membros da coletividade perante o
poder, na legitimação dos titulares do poder pelos governados segundo
esquemas eleitorais e representativos; o poder deriva da lei, não da pessoa dos
governantes, e deve ser exercido em conformidade com a lei (Estado de direito).
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Como "tipos ideais" que são, estes tipos de autoridade não existem realmente, nem
em estado puro, nem isoladamente. De qualquer modo, é possível isolá-los teoricamente
e verificar de que modo eles se combinam numa determinada sociedade. Mesmo nas
sociedades modernas continuam a existir formas de poder social baseadas na tradição ou
no carisma pessoal.

II - Teorias do poder político

São fundamentalmente três os modelos do poder político concebidos para as


sociedades modernas: o modelo pluralista, o modelo da elite do poder, o modelo da classe
dominante.

a) A teoria pluralista

O modelo pluralista - que é a perspetiva prevalecente na teoria política


contemporânea em relação às sociedades democráticas - assenta nos seguintes
pressupostos: (a) Não existe um poder dominante, ou pelo menos duradouramente
dominante, estando o poder disperso por uma multiplicidade de grupos sociais e políticos,
nenhum dos quais se pode tornar totalmente dominante; (b) a política é
fundamentalmente o resultado da competição entre vários grupos de interesse envolvidos
na apropriação dos recursos e dos serviços do Estado; (c) o poder político está
fragmentado e nenhum dos vários grupos em competição é suficientemente forte para se
impor definitivamente aos outros, quer porque todos eles detêm uma espécie de "direito
de veto" (D. Riesman), quer porque criam uma espécie de "poder compensador" (J. K.
Galbraith).

b) A teoria da elite do poder

O modelo da elite do poder ou da elite dominante pretende pôr em relevo que, ao


contrário do que pretende a teoria pluralista, o poder politico esta concentrado num grupo
social particularmente estreito (designadamente os detentores das posições de topo na
vida económica, profissional, militar, académica, etc.), dotado de uma maior ou menor
coesão interna, partilhando origens sociais, condição económica e educação comuns.
Quer dizer: ao contrário da teoria pluralista, a teoria da elite do poder ou da elite
19

dominante, embora não negando a possibilidade de diversidade entre frações da elite e


até de conflitos entre elas, tende a acentuar a sua unidade e a sua coesão em relação à
"massa" da sociedade. Enquanto a teoria pluralista acentua a pluralidade e diversidade
das elites (no plural) e a concorrência entre elas e subestima a oposição entre as elites,
por um lado, e a sociedade inorganizada, por outro lado, a teoria da elite dominante
desvaloriza as diferenças e conflitos dentro da elite e acentua a oposição ou, pelo menos,
a contraposição entre a elite e a não-elite, isto e, a sociedade inorganizada.

c) A teoria da classe dominante

O modelo da classe dominante e fundamentalmente de origem marxista, baseada


na obra de Karl Marx e seus seguidores, que viram na história uma sucessão de lutas de
classes, entre uma classe dominante e uma classe dominada (senhores e servos,
capitalistas e proletários, etc.), sendo as classes definidas em função sobretudo da relação
com os meios de produção (propriedade da terra, do capital). Simplesmente, a expressão
"classe dominante" não significa que exista necessariamente uma classe dominante e
uma classe dominada. Nesta perspetiva, numa sociedade concreta, existem sempre várias
classes. Por outro lado, cada classe social pode subdividir-se em várias frações de classe.
Deste modo, o poder político pode estar ligado não a uma classe dominante, mas sim a
várias classes dominantes, não a uma classe no seu conjunto, mas a uma (ou várias)
frações de classes (ou classes). Por via de regra, contudo, uma das classes ou frações
politicamente dominantes detém a hegemonia dentro do “bloco do poder”. Essa classe
(ou fração de classe) poder-se-á designar por "classe (ou fração de classe) hegemónica".
A grande distinção entre a teoria da classe dominante e a teoria da elite dominante
está em que aquela opera com classes (ou blocos de classes) organizadas, enquanto esta
opera com elites, por um lado, e massas inorganizadas, por outro.

BIBLIOGRAFIA:
RAYMOND ARON, "Classe sociale, classe politique, classe dirigeante", in Birnhaum
e Chazel, Sociologie Politique, tomo 1, parte II.
20

III. A limitação do poder político

Um dos principais capítulos da ciência política é o estudo dos mecanismos da


limitação do poder político.
Pode dizer-se que toda a teoria do Estado representativo moderno assenta nessa
questão. Deve-se essencialmente a Locke, Montesquieu e Tocqueville a construção
moderna de uma teoria da limitação do poder, cujos elementos confluem na conceção
geral do governo representativo e do Estado de direito. Os seus principais elementos
são os seguintes:
- O governo representativo e a submissão periódica dos titulares do poder a
eleições;
- A "separação dos poderes", ou seja, a repartição das diferentes funções do Estado
(fazer leis, governar e administrar, e exercer a justiça) por diferentes órgãos do poder,
separados e autónomos entre si, em especial, a independência dos tribunais.
- A consagração constitucional de um núcleo de direitos fundamentais dos
cidadãos, que constituem limite à ação do Estado;
- A instituição de um conjunto de meios de tutela das posições dos particulares
contra o Estado, designadamente o controlo judicial dos atos do poder (judicial review)
e a reparação dos danos causados pela ação do Estado.
Voltaremos a este tema noutro capítulo.

Bibliografia:

R. Zippelius, ob. cit., 383-461.

IV. Tipologias do poder político

Um das tarefas dominantes da teoria e da ciência política ao longo do tempo, desde


Aristóteles à atualidade, tem sido a elaboração de tipologias do poder político.
Durante muito tempo dominada pelo critério do número de titulares do poder, no
seguimento de Aristóteles - desde a monarquia (um só titular), passando pela oligarquia
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(poucos titulares) até à policracia (muitos titulares) -, as modernas tipologias das formas
de poder político assentam em geral em dois critérios:
- o critério da titularidade e da legitimidade do poder político, conforme de trate de
uma autocracia ou de uma democracia;
- o critério da extensão e da intensidade do controlo do poder político sobre os
cidadãos, ao logo de um eixo entre o liberalismo e o autoritarismo político.
Voltaremos a este tema.

1.4.4. A ciência política como ciência do sistema política

A conceção "sistémica" da ciência política releva principalmente da "teoria


funcionalista", com grande peso na sociologia e na ciência política contemporâneas.
Consiste fundamentalmente em estudar os fenómenos sociais e estruturas sociais não por
aquilo que "são", mas por aquilo que "fazem", isto é, pela função que desempenham no
conjunto do sistema social, ou num determinado subsistema social. Nesta conceção o
político constitui o domínio de um específico subsistema social, o “sistema político”, que
desempenha determinadas funções no sistema social global.

I - As funções do sistema político

Importa começar por definir precisamente a noção de função. Um pressuposto


fundamental da teoria funcionalista, mesmo quando não expresso, é a homologia entre
um sistema social e um organismo vivo. E tal como os órgãos têm funções específicas,
necessárias ao funcionamento e persistência do organismo vivo (ver, ouvir, caminhar,
etc.), assim o sistema social tem várias estruturas desempenhando as diferentes funções
necessárias ao funcionamento e persistência do mesmo. Essas funções serão as mesmas
em todas as sociedades (e em todos os sistemas políticos); o que difere é a especialização
funcional, ou seja, a diferenciação entre os "órgãos" encarregados de desempenhar essas
funções. As sociedades modernas são muito mais complexas e diferenciadas na sua
organização política do que as sociedades primitivas (partidos políticos, governos,
parlamentos, tribunais, etc. etc.).
O funcionalismo sociológico — cujos fundamentos foram lançados por Comte,
Spencer e Durkheim — adquiriu a sua formulação teórica mais extreme nos antropólogos
22

com Radcliffe-Brown (Structure and Function of Primitive Societies, 1952) e


Malinowski (A Scientific Theory of Culture, 1944). No campo da teoria sociológica há
que realçar R. K. Merton (Social Theory and Social Structure, 1949) e, numa perspetiva
estrutural-funcionalista, Talcott Parsons (com uma vasta bibliografia, entre a qual, The
Social System, 1951), um dos grandes teorizadores da sociologia depois da II Guerra
Mundial (1939-1945).
No domínio da ciência política o funcionalismo encontrou igualmente um fértil
terreno de desenvolvimento, nomeadamente através das obras de Almond & Coleman
(The Politics of Developing Areas, 1960) e de Almond & Powell (Comparative Politics,
1966), entre outros.
O princípio fundamental do funcionalismo na ciência política consiste na ideia de
que todo o sistema político desempenha um determinado número permanente de funções.
O que distingue os sistemas políticos uns dos outros não é pois o número ou o tipo de
funções desempenhadas — que são iguais em qualquer sistema político —, mas sim o
modo como são exercidas, e o número e tipo de estruturas que desempenham essas
funções. A evolução política dá-se por diferenciação e especialização orgânica das
funções do Estado.
Segundo Almond, o sistema político é "um sistema de interações, presente em todas
as sociedades independentes, que desempenha as funções de integração e de adaptação
(quer internamente, quer em relação a outras sociedades), através do emprego ou da
ameaça do emprego de uma compulsão física, mais ou menos legítima. O sistema político
é o sistema legítimo de manutenção da ordem ou de transformação da sociedade (in
Almond & Coleman, The Politics of Developing Areas, 1960, p. 7).
As mais importantes características comuns de todos os sistemas políticos são as
seguintes: a) todos eles possuem estruturas políticas específicas — o que difere é o grau
e a forma de especialização estrutural; b) as mesmas funções são desempenhadas em
todos os sistemas políticos — o que difere é a frequência do seu desempenho, as
estruturas que as desempenham e o estilo como são desempenhadas; c) todas as estruturas
políticas são multifuncionais — o que difere é o grau de especificidade de cada função
em relação a cada estrutura, e o número de funções que cada estrutura desempenha.
As funções básicas do sistema político podem subdividir-se e analisar-se em dois
grupos: as funções a montante do sistema politico (as input functions) e as funções a
23

jusante (as output functions).


As primeiras são quatro:

a) Socialização e recrutamento político.

Todos os sistemas políticos tendem a perpetuar as suas estruturas políticas através


do tempo. Fazem-no designadamente através do processo de socialização dos jovens,
através da família, da escola, da igreja, etc. O processo de socialização política é o
processo de indução de valores políticos (ideologia ou cultura política), símbolos
nacionais, etc. dentro de um determinado conjunto social.

b) Articulação de interesses

É a função que consiste em reunir em conjuntos coerentes e unificados um número


maior ou menor de interesses individuais, de acordo com a sua afinidade setorial
(interesses profissionais, interesses culturais, religião, etnicidade, etc.). É uma função de
coesão social e de cimentação dos membros isolados do sistema social. Essa função
compete, nos sistemas políticos modernos, a "grupos de interesse" ou "grupos de
pressão", que podem ser de caráter associativo (sindicatos, associações económicas, etc.),
institucional (igrejas, etc.), e outros grupos "informais" (grupos étnicos, religiosos,
classes, etc.).

c) Agregação de interesses

Consiste na agregação dos interesses setoriais articulados num conjunto de


interesses globais, mais ou menos unificado e coerente. Nos sistemas políticos modernos,
tal função compete essencialmente aos partidos políticos. São eles que procedem à
adoção de programas políticos globais e transversais (programas eleitorais, programas de
governo, etc.).

d) Comunicação política

É a função que consiste em estabelecer a comunicação entre o sistema político e os


restantes subsistemas sociais, ou entre as várias estruturas do sistema político.

Por sua vez, o segundo grupo de funções do Estado (as output functions) é
24

constituído pelas três funções governantes (as government functions):


a) A elaboração de padrões normativos de conduta (rule making), ou seja, no caso
do Estado moderno, a função legislativa e regulamentar;
b) A aplicação ou implementação dessas normas (rule application), ou seja, no
caso do Estado moderno, a função executiva ou administrativa;
c) A regulação de conflitos e a aplicação de infrações (rule adjudication)., ou seja,
no caso do Estado moderno, a função judicial.
É fácil verificar que estas três funções correspondem ao clássico modelo da
separação de poderes (poder legislativo, poder executivo e poder judicial).

II - O funcionamento do sistema político

Na conceção sistémica o sistema político é um subsistema social autónomo.


Contudo, integrado como está no sistema social global, ele mantém com este determinado
tipo de relações. É ao estudo dessas relações — ou seja, o funcionamento externo do
sistema político — que se destina a teoria de "análise sistémica" de David Easton (A
Framework for Political Analysis, 1965, e A System Analysis of Political Life, 1965).
Easton propõe-se estudar não o que se passa dentro do sistema político, mas sim as
relações deste com o que está fora dele, com o seu "ambiente". Ele configura o sistema
político como um espaço fechado (uma "caixa negra"), para significar a irrelevância do
que se passa dentro dele, ou seja, o modo como os inputs são transformados em outputs.

O esquema joga com dois termos: por um lado, o sistema político, por outro lado,
o "meio ambiente" (environment). No meio ambiente estão incluídos os restantes
subsistemas sociais, como o sistema económico, o sistema cultural, etc. (Easton inclui
ainda os sistemas "ecológico", "biológico", "psicológico"), bem como os sistemas
exteriores ao próprio sistema global de que o sistema social faz parte.
Entre o sistema político e o meio ambiente efetua-se um circuito contínuo,
fornecendo o meio ambiente inputs ao sistema político, que por sua vez atua sobre aquele
mediante outputs. Os próprios outputs do sistema político, retroagindo sobre o meio
ambiente, dão lugar a novos inputs. Quer dizer: a todo o momento, o sistema político
recebe inputs e produz outputs.
25

Importa analisar cada um destes termos. Os inputs no sistema consistem em


exigências e apoios. As exigências (demandas) traduzem-se em chamar o sistema política
a tomar uma medida sobre determinada questão (por ex. uma proposta de uma associação
empresarial para baixar os impostos) ou conjunto de questões, e podem ter um caráter
mais ou menos definido (por ex. uma manifestação contra as condições de vida nos
bairros pobres). As exigências podem manifestar-se dos mais variados modos
(requerimentos, manifestos, petições, manifestações, greves, etc.). Todas as exigências
podem causar sobrecargas (stress) no sistema, que podem ser quantitativas (pelo seu
grande número) ou qualitativas (pela sua grande complexidade). Os apoios (supports)
são as ajudas conferidas pelo meio ambiente ao sistema politico. Tanto podem consistir
em contraexigências, destinadas a neutralizar exigências que estão a ser feitas (por
exemplo, uma manifestação contrária ao abaixamento dos impostos sobre os ricos), ou
em apoio a determinadas medidas politicas (que estão a ser contestadas), ou, finalmente,
em aprovação genérica de uma politica (por exemplo, uma manifestação de apoio ao
governo).
Os outputs do sistema político compreendem as várias medidas tomadas por ele
(em resposta as exigências) e podem consistir em decisões (por exemplo, uma lei
liberalizando o divórcio) ou ações (por exemplo, a construção de uma autoestrada). A
relação entre a "produção" do sistema político e as exigências feitas determina a
capacidade de realização do sistema político.
Finalmente, a retroação (feedback) consiste nos efeitos dos outputs sobre os
inputs. Na realidade, as medidas tomadas podem dar lugar a novas exigências, a
contestações ou apoios.
Algumas questões fundamentais do funcionamento do sistema político são as que
dizem respeito à expressão e redução das exigências, a mobilização dos apoios e ao
controle da retroação.
As exigências precisam de ser formuladas, isto é, exprimidas (expressão de
exigências). Nem todas as necessidades sociais se transformam em exigências, por não
encontrarem meio de expressão. Ora, em todas as sociedades existem meios de regular e
limitar a expressão de exigências, quer de natureza cultural, quer estrutural. Por outro
lado, o sistema político não pode estar à mercê diretamente de uma infinidade de
exigências divergentes ou contraditórias sobre cada assunto. Por isso, em todo o sistema
26

político existem meios de redução de exigências. Trata-se de um mecanismo através do


qual são concentradas, coordenadas e articuladas as exigências, de modo a aparecerem já
"tratadas" perante o sistema político. A expressão e a redução de exigências competem
aos modernos sistemas políticos principalmente aos "grupos de interesse" e aos partidos
políticos. Mas não exclusivamente.
A mobilização de apoios é outro dos problemas do sistema política. Sem apoios
qualquer sistema político se desmorona. Os apoios são a compensação indispensável da
sobrecarga de exigências. Easton distingue três objetos fundamentais de apoio: a
comunidade política, o regime político e as autoridades políticas. A comunidade política
é a base e o pressuposto de qualquer sistema político: o apoio à comunidade política é
geralmente grande e inquestionado nos Estados homogéneos historicamente
consolidados. Mas é um problema nos jovens países, em que o processo de formação
nacional (nationbuilding) ainda não está completado. O regime político, por sua vez,
abrange no fundamental a constituição, ou seja, o conjunto de normas sobre a estrutura e
funcionamento do poder político, e em particular sobre o sistema de governo. As
autoridades políticas são aquelas que ocupam os cargos de direção ou comando no
sistema político; o principal apoio aqui é o reconhecimento da legitimidade do seu poder.
Sem o apoio, dentro de um sistema social, à comunidade política, ao regime político
e às autoridades políticas, o sistema político pode estar em perigo por efeito de qualquer
sobrecarga. O mecanismo fundamental da construção de apoios è a socialização política.
Mas a cada momento o sistema político pode mobilizar apoios ad hoc (por ex. através de
manifestações, campanhas de imprensa, etc.).
Finalmente, o controlo da retroação é um dos aspetos fulcrais do funcionamento do
sistema político. As medidas tomadas, com efeito, podem ter efeitos negativos no "meio
ambiente". Podem dar lugar a novas exigências ou à perda de apoios (por exemplo, o
aumento do preço do leite pode satisfazer as exigências dos produtores de leite, mas pode
ter por efeito exigências de subsídios de leite por parte dos consumidores). Por isso
mesmo, a tomada de uma decisão deve ter em conta não só a exigência a que visa
responder, mas também o efeito de retroação.
27

1.4.5. Sistema políticas e clivagens sociais

Ao contrário das socieaddesa primitivas, de composição social essencialmente


homogénea e pela ausêncioa de clivagens, as sociedades modernas são caracterizaadas
pela diferenciação social e por clivagens sociais, de acordo com vários fatores, entre as
quais avultam ao longo da história as seguintes:
a) Clivagens territoriais, incluindo as clivagens entre o campo e a cidade;
b) Clivagnes étnicas e linguísticas;
c) Clivagens religiosas;
d) Clivagens de classe social.
Estas clivagens podem asusmir configurações e importância relativa muito diversa,
conforme a época e o tipo de sociedade. As clivagens assumen tanto mais relevo político
quanto mais os grupos se autoidentificarem com elas, obtiverem expressão organizativa
(movimentos, instituições culturais, partidos, etc.) e se comportarem adversarialmente em
relação ao(s) ghrupo(s) oposto(s).
O sistema político é profundamente influenciado pelo tipo e intensidade das
clivagens sociais existentes em cada socidade e em cada época. Na verdade, uma das
principais tarefas dos sistemas políticos é justamente equacionar as clivagens sociais e
tentar dar-lhes resposta. Essa resposta pode ir desde a tentativa de aniquilamento das
clivagens (genocídio, guerras religiosas), passando pela supremacia de uma fação sobre
as outras (por exemplo, o apartheid racial ou o exclusivo religioso de uma certa confissão)
até às formas de convivência e de colaboração dos grupos integrantes das diversas
clivagens.
Os sistemas de democacia liberal, baseados na igualdade dos cidadãos, na liberdade
religiosa, no respeito inter-étnico, na economia de mercado e nos diretos sociais, têm
mostrado ser capazes de gerir, dentro da paz civil, todas essas clivagens, através de formas
de representação e de participação no poder político. Os grupos de interesse e os partidos
políticos tendem a agregar os diferentes interesses grupais em prorpostas políticas de
governo mais ou menos inclusivas.
Se no século XIX e na primeira metade do século XX, os partidos políticos tendiam
a replicar as clivagens sociais, (partidos religiosos, partidos de classe social, partidos
28

étnicos, etc.), hoje em dia, embora continue a haver partidos que dão expressão a essas
clivagens, a tendência é, porém, no sentido de uma relativa integração.
Todavia, na Europa há duas clivagens que, embora atenuadas, continuam a marcar
os sistemas políticos: por um lado, a clivagem religiosa entre católicos e protestantes, que
deu origem aos partidos democratas-cristãos de influenciua católica, e por outro lado, a
clivagem de classe entre capitalistas e trabalhadores, que deu origem aos partidos
socislisitas, social-democratas e comunistas.

Referências bibliográficas
Lipset / Rokkan, Party systems and voter alignments, Nova York, 1967;
Galagher /Laver /Mair, Representative Government in Modern Europe, Nova York,
2006, cap. 9.
Capítulo II

Origem e transformações do Estado moderno

2.1. Da Idade média ao Estado absoluto (século XV-XVIII)

Dois fatores contribuíram decisivamente para a formação do moderno Estado


nacional na Europa ao longo da chamada Era Moderna (séculos XVI-XVIII):
- A unificação e centralização do poder dos monarcas, acentuado a partir do
século XV, em prejuízo do poder dos senhores feudais e da autonomia dos municípios e
das corporações profissionais urbanas; isso implicou uma progressiva eliminação das
fronteiras internas, bem como a concentração de todos os poderes (normativos,
administrativos e judiciais) e do poder militar nas mãos do rei, estendendo-se a todo o
território;
- A emancipação dos reis em relação a suserania do papa e do Império (o Sacro
Império Romano-germânico, que vinha desde o século X), com a consequente afirmação
da autonomia e independência dos Estados nacionais face a qualquer poder exterior; a
Guerra dos Trinta Anos (1608-1648) e a Paz da Vestefália (que lhe pôs termo) foram o
ponto de viragem nessa transformação, ao emancipar os Estados protestantes do Norte
em relação ao Império e ao papado (eixo Viena-Roma), ao criar novos Estados na Europa
(Países Baixos, Suíça) e ao fragmentar o Império num grande número de Estados alemães
relativamente autónomos.
Como resultado deste duplo movimento de aquisição de poder no plano interno e
externo surgiu o Estado absoluto do séc. XVIII, soberano tanto na ordem interna, face à
multiplicidade dos antigos poderes senhoriais e municipais, como na ordem externa, face
ao antigo poder suserano do Papa ou face ao Império. Estava criado o modelo
"vestefaliano" do Estado, que marcou o Estado moderno até depois de meados do séc.
XX.
O Estado absoluto (séc. XVII-XVIII) é um Estado centralizado, dotado de um
aparelho administrativo de âmbito nacional, em que o rei concentra todos os poderes
30

(legislativos, administrativos, judiciais), que normalmente exerce por intermédio de


ministros da sua confiança pessoal (por exemplo, entre nós, o Marquês de Pombal, etc.).
A monarquia absoluta é caracterizada pela progressiva extinção das antigas cortes
medievais (assembleias ad hoc com representação dos três “estados”, nobreza, clero e
povo) e da autonomia municipal, que limitavam em muito o poder do rei. O Estado
absoluto é também um Estado intervencionista na esfera económica, procurando
fomentar a riqueza da nação através de manufaturas reais, de companhias de comércio
ultramarino, de pautas protecionistas contra a importação de bens estrangeiros, etc. É
também um Estado que cuida da instrução pública das elites (entre nós o Colégio dos
Nobres), seculariza e reforma as universidades e fomenta as artes ("despotismo
esclarecido").
Neste período de construção do moderno Estado europeu, no seu início e no seu
apogeu respetivamente, dois grandes autores refletiram sobre a construção do novo tipo
de Estado e contribuíram para a sua compreensão: Maquiavel e Hobbes. O primeiro deu
conta da distinção entre o poder do Estado e os seus titulares, distinguiu entre as
monarquias e as repúblicas, afirmou a distinção entre a política e a moral (daí o
significado corrente do termo "maquiavelismo", para designar a ação política desligada
da sua moralidade). O segundo analisou o caráter absoluto do poder do Estado e a
concentração do poder nas mãos do monarca, como condição da ordem pública, da paz
civil e da segurança das pessoas.

2.2. A revolução liberal e o Estado liberal (fins do século XVIII-XIX)

Desde finais do século XVII desenvolveu-se a contestação doutrinal do Estado


absoluto, quer quanto à sua legitimidade (em nome da soberania popular), quer quanto à
concentração e falta de limitação do poder (em nome da limitação pelo direito e da
separação dos poderes), quer quanto à falta de autonomia dos indivíduos e da sociedade
face ao Estado todo poderoso.
Os grandes nomes desta contestação do Estado absoluto são Locke, Montesquieu,
Rousseau e Humboldt. O primeiro contestou a origem divina do poder, contrapondo-lhe
a teoria da soberania popular, preconizou a limitação do poder pela lei civil e pela "lei
31

natural", defendeu a separação dos diversos poderes então concentrados nas mãos do
monarca. Montesquieu desenvolveu a ideia da separação dos poderes como instrumento
de limitação do poder ("le pouvoir arrête le pouvoir"). Rousseau apresentou a teoria do
"contrato social" como origem de todo o poder e defendeu o exercício do poder
diretamente pelo povo na base de uma conceção democrática radical. Humboldt defendeu
a separação entre a “sociedade civil” e o Estado, sendo aquela caracterizada pela
liberdade económica, religiosa e cultural e devendo o Estado limitar-se essencialmente à
defesa da segurança e da ordem interna e externa.
A revolução liberal - que no continente europeu teve o seu paradigma na Revolução
Francesa iniciada em 1789 - traduziu-se no fim do Estado absoluto, contrapondo-lhe a
redução das tarefas do Estado, a limitação do poder pelos direitos dos cidadãos (garantias
da liberdade pessoal e da propriedade privada) e pelo “governo representativo” (eleição
de uma assembleia representativa), a submissão do Governo e da Administração à lei
emanada da assembleia representativa (princípio da legalidade da Administração), a
separação dos poderes (legislativo, executivo e judicial), a limitação das atribuições do
Estado às tarefas de defesa, de segurança e polícia, deixando a "sociedade civil" as esferas
da economia, da educação, da saúde, da previdência social, etc. A constituição passou a
ser a lei suprema do Estado (Estado constitucional).
As revoluções constitucionais são também revoluções liberais, inspiradas nas ideias
da liberdade económica e da liberdade política (governo representativo). Mas essa
coincidência do liberalismo económico com o liberalismo político não é obrigatória. Por
exemplo, no seu ensaio sobre os limites da ação do Estado (1792), Humboldt defendeu a
redução ao mínimo das tarefas do Estado na esfera económica e social, mas não pôs em
causa o “Estado estamental” (Standesstaat) do absolutismo político alemão.
O Estado constitucional liberal que emerge das revoluções liberais é caracterizado
pelos seguintes traços:
- A soberania nacional como fundamento do poder político, suprimindo a teoria
do origem divina ou endógena do poder dos reis;
- A limitação das atribuições e da atividade do Estado (Estado "guarda-
noturno"), baseado na separação entre o Estado e a sociedade e no abstencionismo
estadual na esfera económica, social e cultural (liberalismo económico, social e cultural);
- A separação dos poderes, entre o poder legislativo (confiado a uma assembleia
32

representativa), o poder executivo (confiado ao governo e a administração dele


dependente) e o poder judicial (atribuído aos tribunais);
- A garantia da liberdade e da propriedade dos cidadãos, bem como a sua
igualdade perante a lei (pondo fim aos privilégios de nascimento e às discriminações do
"Antigo regime"), como fundamentos dos direitos do homem e do cidadão (Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em França);
- O fim dos privilégios de nascimento (embora se tenham mantido os títulos
nobiliárquicos), substituídos pela igualdade de direitos, e a substituição da noção de
súbdito pela de cidadão (embora nem todos com direito de voto, como se verá);
- A regulação do poder político pela Constituição (Estado constitucional) e a
limitação do poder executivo pela lei (princípio da legalidade da Administração) como
fundamentos do novo Estado de direito (rule of law), em contraposição com o Estado
acima do Direito, que era o Estado absoluto, imune à lei (legibus ab solutus).
Com efeito, os elementos do Estado de direito liberal são os seguintes:
- A Constituição como elemento ordenador da organização e funcionamento
dos órgãos do poder;
- A separação dos poderes, com reserva do poder legislativo para o parlamento,
da função executiva para o rei (mas confiada ao governo e à administração) e da função
judicial para os tribunais;
- O princípio da legalidade da administração (supremacia da lei e prevalência da
lei);
- A garantia dos direitos dos cidadãos, sobretudo em matéria de liberdades
pessoais (garantias em matéria penal, liberdade de imprensa) e de propriedade (libertação
da terra das antigas servidões senhoriais, garantia contra confiscos);
- Reserva da função judicial para os tribunais e independência dos tribunais;
- A separação entre a esfera do Estado e a da sociedade, com limitação da
atividade do Estado e o respeito da mais ampla esfera de ação aos particulares;
- A liberdade de profissão e de comércio e indústria, com supressão dos
monopólios profissionais e económicos do Antigo regime e afirmação plena da liberdade
económica individual, sem ingerência do Estado (capitalismo laissez faire).
33

2.3. As transformações do Estado liberal (séculos XIX-XX)

Foram profundas as transformações do Estado liberal nestes dois séculos. Vejamos


esquematicamente as principais:

a) Do liberalismo económico ao Estado intervencionista e ao Estado


regulador

Desde cedo, mas sobretudo no século XX, depois da I Guerra Mundial (1914-18)
e da II Guerra Mundial (1939-45), deu-se o aumento das atribuições do Estado em todas
as esferas: na construção das infraestruturas económicas (caminhos de ferro, portos, etc.),
na regulação da economia e na própria produção económica (empresas públicas), na
segurança social, na saúde, na educação e na cultura.
Esse aumento das tarefas do Estado reflete-se num crescente aumento das despesas
do Estado ("lei de Wagner", nome de um professor de finanças publicas alemão que
estudou e comprovou esse crescimento). O Estado (ou outras coletividades públicas)
transformou-se num garante do desempenho económico do país, no fornecedor de
serviços públicos básicos (agua, energia, transportes etc.) e de prestações à coletividade
(educação, cuidados de saúde, segurança social, habitação, etc.). O primitivo Estado
liberal abstencionista tornou-se num “Estado intervencionista”, quer como "Estado
económico" quer como "Estado social".
Desde o princípio dos anos 80 do século passado, porém, este modelo do Estado
intervencionista tem estado em recuo, sob o efeito de um movimento neoliberal, apostado
em diminuir as tarefas do Estado, desde logo no campo económico, mas também no
campo das prestações sociais. Daí os fenómenos da privatização das empresas públicas,
da liberalização de atividades anteriormente sujeitas a regime de exclusivo, como era o
caso das "utilities" (água, saneamento, energia, serviços postais, transportes públicos,
telecomunicações, etc.) e da delegação de serviços públicos a entidades privadas
(concessões, parcerias público-privadas, etc.). O Estado torna-se essencialmente um
Estado regulador da vida económica e um Estado financiador dos serviços públicos
prestados por entidades privadas (cuidados de saúde, educação, apoio a deficientes e
idosos, etc.).
Todavia, este recuo nas tarefas do Estado está longe de reverter num regresso ao
34

Estado liberal de tipo oitocentista. O capitalismo laissez faire foi substituído por uma
economia de mercado regulada. O Estado prestador de serviços foi substituído em parte
pelo Estado garantidor e financiador da sua prestação por entidades privadas.

b) O crescimento do governo e a da complexidade da organização


administrativa

O crescimento da atividade do Estado foi acompanhado pelo aumento da dimensão


dos governos e da administração, bem como pela sua crescente diferenciação e
especialização funcional.
Os governos do século XIX eram exíguos, não tendo mais do que meia dúzia de
ministros; também a administração era reduzida. Hoje os governos têm dezenas de
membros e a administração pública emprega uma grande parte da população ativa de
todos os países. Além disso, deram-se fenómenos de descentralização e de
desconcentração administrativa, que tornaram muito mais complexa a administração
pública. Hoje grande parte da vida das pessoas depende de atos (licenças, autorizações)
ou de prestações (escolas, hospitais) da Administração, que se estendeu por todo o corpo
social ("Estado administrativo").
O movimento de desintervenção do Estado, desde o últmo quartel do século XX,
atenuou mas não eliminou estes traços do Estado moderno, embora o Estado empresário
e prestador de serviços tenha sido substituído em grande parte pela função reguladora e
financiadora do Estado.

c) Da contraposição Estado-indivíduo à tríade Estado-grupos-indivíduos

O Estado liberal assentava no mais estreme individualismo; tinha uma hostilidade


congénita contra as associações e grupos organizados, nos quais via o perigo da
restauração das corporações e instituições do "Antigo Regime" (que as revoluções
liberais se apressaram a dissolver), que eram fonte de privilégio e que constrangiam a
liberdade individual. O paradigma liberal representava assim uma contraposição entre o
Estado e o indivíduo, liberto da interposição dos "corpos intermédios" do passado. Na
separação Estado-sociedade, típica da conceção liberal primitiva, a sociedade não era
35

mais do que o conjunto inorgânico dos indivíduos, independentes de grupos organizados,


associações, etc.
Todavia, ao longo destes dois séculos não cessou de se densificar uma rede cada
vez mais complexa de grupos sociais organizados, desde os sindicatos e associações
patronais, até às modernas associações de defesa do ambiente e de outros interesses
difusos, passando pelas associações desportivas, culturais, religiosas, etc. Ora, uma parte
desses “grupos de interesse” funciona hoje como estruturas de intermediação política
entre os seus membros e o Estado, quando não compartilham mesmo de tarefas de
formulação e implementação política, através dos mais variados mecanismos de
concertação social ou do exercício delegado de funções públicas (caso das ordens
profissionais).

d) Do governo simplesmente representativo à democracia representativa

O Estado liberal oitocentista assentava em geral na ideia do governo representativo,


pela qual a lei era produto da assembleia representativa, composta por deputados eleitos,
e o executivo respondia politicamente perante a mesma.
Mas no início o parlamento era escassamente representativo, dadas as limitações
do sufrágio eleitoral, quer por motivos económicos ("sufrágio censitário", que reservava
o voto para as classes possidentes), quer por motivos de instrução (excluindo os iletrados,
que eram obviamente também os trabalhadores e os pobres em geral), quer pela exclusão
das mulheres (sufrágio exclusivamente masculino). O Estado oitocentista era tudo menos
democrático (de resto, durante muito tempo era dominante o entendimento de que havia
uma incompatibilidade entre o liberalismo e a democracia, visto que esta tenderia
necessariamente a levar ao aumento das tarefas do Estado em favor dos mais pobres e à
ingerência na esfera privada, incluindo a limitação da propriedade privada.
A partir de meados do século XIX, porém, inicia-se a luta pelo alargamento do
sufrágio, que mais tarde se transforma na luta pelo sufrágio universal (uma pessoa, um
voto), mas que vai levar um século a vencer. Com a ampliação do sufrágio a novas classes
e camadas sociais, nomeadamente aos assalariados urbanos (da indústria e comércio),
vão surgir os modernos partidos políticos de massas (que tiveram a sua primeira
expressão justamente nos partidos socialistas e sociais-democratas nascidos no último
36

quartel do século XIX). O voto feminino, conquistado desde o início do sec. XX (em
alguns países só depois da II Grande Guerra), veio completar a conquista do sufrágio
universal. O “princípio representativo” transformava-se em democracia eleitoral.
Paralelamente, em vários países (entre os quais Portugal, em 1910) o princípio
monárquico cede perante a proclamação de regimes republicanos, retirando ao poder o
que restava de não representativo no que respeita à legitimidade do poder político.
Também o chefe do Estado passava a ser eletivo.
O resultado desta evolução foi a edificação da democracia representativa, baseada
no sufrágio universal e no pluralismo partidário. Todavia, este desenvolvimento
progressivo do governo representativo limitado em democracia representativa esteve
longe de ser universal, tendo-se verificado inicialmente quase somente na Europa
ocidental e nos Estados Unidos e Canadá. Muitos países não passaram por revoluções
liberais ou caíram depois em regimes autoritários de vários matizes (como sucedeu na
Europa do século XX com o fascismo e com o nazismo, por um lado, e com as
“democracias populares”, por outro lado). Nesses casos a transição democrática ocorreu
mais tarde através da passagem direta do autoritarismo para a democracia.

e) Do Estado monoclassista ao Estado pluriclassista

O Estado liberal oitocentista era um Estado monoclassista, que expressava o poder


da aristocracia fundiária e da burguesia industrial e comercial. As demais classes sociais
não compartilhavam do poder, antes dele estavam de todo arredadas. Não tinham direito
de voto, não estavam representados no parlamento, nem muito menos no governo e nas
demais instâncias do poder. Os trabalhadores não gozavam de qualquer proteção e
tampouco existia um sistema público de proteção social. Era o Estado burguês na sua
expressão mais típica, que Marx e Engels condenaram duramente (Manifesto Comunista,
1948) e o movimento operário e socialista tão bem denunciou e combateu.
Progressivamente, porém, deram-se transformações no sentido da integração de
novas camadas e classes sociais no sistema político. Isso deveu-se à generalização da
instrução, à ampliação do sufrágio, ao fenómeno da urbanização populacional (aumento
da população urbana e redução da população rural), à entrada em cena dos partidos
socialistas e social-democratas, ao reforço dos sindicatos, ao nascimento do direito do
37

trabalho e da segurança social, ao aparecimento do campesinato como protagonista


político, à ampliação da base social do recrutamento do pessoal da administração pública
e das magistraturas, e por último à democratização do acesso ao ensino superior,
sobretudo depois da II Guerra Mundial.

f) O aprofundamento do Estado de direito

O Estado de direito liberal era em grande parte desprovido de garantias eficazes


contra os abusos do poder, visto que não havia controlo judicial da constitucionalidade
das leis e dos atos do Estado (salvo nos Estados Unidos, onde nasceu no início do séc.
XIX) e a administração preservava prerrogativas especiais, imunes à proteção judicial
dos cidadãos (“privilégio da execução prévia”, interdição de os tribunais darem ordens à
Administração, limitação da responsabilidade civil do Estado, etc.)
Com diferentes ritmos de país para país, foi-se ampliando não somente a
vinculação constitucional dos titulares do poder (incluindo a função legislativa),
sobretudo pela expansão dos direitos fundamentais dos cidadãos, mas também a
vinculação legal da administração pública; generalizou-se no século XX o controlo
judicial da constitucionalidade das leis (seja pelos tribunais comuns, seja por tribunais
constitucionais especializados), ampliaram-se os mecanismos e os instrumentos da
justiça administrativa, garantindo melhor os direitos dos particulares.

g) A secularização do Estado numa sociedade de pluralismo religioso

O Estado liberal oitocentista baseava-se na superarão da velha conceção da origem


divina do poder, em beneficio do princípio da soberania popular, mas não abandonou a
conexão oficial com a igreja dominante (católica ou protestante, conforme os casos).
Continuou a haver em muitos países uma religião oficial, com discriminação entre as
diferentes igrejas e limitações à liberdade e à igualdade religiosa.
Com o tempo, porém, sobretudo no século XX, juntamente com a secularização da
sociedade e das relações sociais, foi-se afirmando o princípio da separação entre o Estado
e a religião e a laicização da ação do Estado (sobretudo no ensino público),
38

concomitantemente com o reconhecimento da liberdade religiosa e da igualdade jurídica


das diferentes confissões religiosas, sobretudo nos países religiosamente plurais (mas
não só, como se verificou em Portugal).

h) A descentralização político-administrativa do Estado

O Estado liberal herdou do Estado absoluto o caráter centralista, que aliás agravou,
reduzindo por exemplo a autonomia dos municípios, submetendo-os a apertada
vigilância e controlo por parte de delegados do poder central (prefeitos, governadores
civis, etc.).
Um dos desenvolvimentos característicos destes dois séculos foi justamente o
movimento descentralizador, sobretudo na segunda parte do século XX. Ele passou
sobretudo pela ampliação e reforço da autonomia municipal, bem como pela criação de
novas instâncias territoriais infraestaduais mas também supramunicipais, como as
regiões e as províncias. Em vários países assistiu-se também a formas de
descentralização político-administrativa por meio de regiões de tipo especial, dotadas de
poderes legislativos e de governo próprio, sem porém implicarem uma conversão federal
do Estado unitário (caso das regiões autónomas insulares portuguesas, das comunidades
autónomas espanholas e da recente devolução de poderes à Escócia, Gales e Irlanda do
Norte na Grã-Bretanha). De resto, também é hoje significativo o número de Estados
federais.

i) A globalização e a integração transnacional dos Estados

A Europa posterior ao Tratado da Vestefália (1648), que pôs fim a Guerra dos
Trinta anos, era a Europa dos Estados soberanos no plano internacional, sem outras
vinculações externas que as resultantes das convenções voluntariamente acordadas entre
eles, cada um cuidando de per si dos seus assuntos internos, bem como da sua defesa e
segurança externa, sem ingerências externas.
Hoje, porém, tal como os indivíduos surgem integrados em grupos, também os
Estados - cujo número aumentou exponencialmente por efeito dos fenómenos de
descolonização na América (século XIX), na África e na Ásia (século XX) - estão
inseridos numa densa rede de organizações internacionais, umas de âmbito mundial
39

(como a Organização das Nações Unidas), outras de âmbito regional (como o Conselho
da Europa), para os mais variados fins (defesa, cooperação económica, etc.).
Algumas dessas organizações dispõem de poderes que se impõem diretamente na
esfera interna dos Estados membros, sem passar pela intermediação dos seus órgãos
nacionais próprios. A mais típica dessas organizações "supranacionais" é a União
Europeia, que resultou do desenvolvimento da Comunidade Económica Europeia
fundada em 1957, por seis Estados da Europa ocidental, mas que hoje já congrega 28
Estados, incluindo da Europa central e do Leste.
Em segundo lugar, a par desses movimentos de integração supranacional, progrediu
o movimento de "globalização económica" (e não só), que se traduziu na abolição de
fronteiras aos movimentos de capitais, do comércio, das comunicações (televisão por
satélite, Internet, etc.). Tudo isso contribui para reduzir o papel das fronteiras territoriais
do Estados e, portanto, para reduzir o antigo poder soberano dos Estados dentro delas.
Hoje em dia, há cada vez mais problemas que transbordam as fronteiras nacionais
(mudanças climáticas, terrorismo internacional, emigração, tráfico de droga, de
armamento e de pessoas, etc.) e que não têm solução nacional, mas somente no plano
internacional.
Desse modo, quer pela via da descentralização territorial interna (as regiões
autónomas), quer por via da integração supranacional e da globalização, o velho Estado
nacional soberano do absolutismo e do período liberal está em vias de crescente desgaste.
Multiplicam-se aos casos de “governo em vários níveis” (multilevel government), que
traduzem uma “separação vertical de poderes”, baseada na subsidiariedade dos níveis
superiores do poder (princípio da subsidiariedade).
Por último, os Estados e as organizações de Estados deixaram de ser os únicos
protagonistas na cena internacional, como foram durante muito tempo. Ao lado deles
apareceram ou ganharam nova importância as organizações internacionais de
organizações intraestaduais, desde as organizações internacionais de partidos
ideologicamente afins e de sindicatos, passando pelas associações internacionais de
municípios, até às organizações não-governamentais (ONGs) de âmbito internacional
(como, por exemplo, a Amnistia Internacional ou a Greenpeace), cujo número e
influência não têm cessado de aumentar, tendo muitas delas estatuto de observador junto
das Nações Unidas.
40

2.4. O “Estado de direito liberal, democrático e social” como


“fim da história” do Estado?

No final da II Guerra Mundial, com a derrota do fascismo e do nazismo, impôs-se


na Europa ocidental o modelo de “Estado de direito liberal-democrático e social”
(qualificação da Lei Fundamental alemã de 1949), baseado na economia de mercado
ordenada pelo Estado, na democracia liberal, no Estado de direito e nos direitos sociais.
Com a queda do muro de Berlim em 1989, que anunciou o fim do “socialismo de
Estado” e da “democracia popular” da União Soviética e do Leste europeu, o século XX
encerrava com o triunfo da economia de mercado e da democracia liberal na grande
disputa ideológica e política do século XX, iniciada com a revolução russa de 1917. A
subsequente passagem do autoritarismo à democracia em muitas regiões do Mundo
(América Latina, África, Ásia) parecia confirmar essa tendência de fundo.
Não faltou quem augurasse o “fim da História” (título de uma célebre obra de
Fukuyama, de 1991) da evolução política da humanidade, na base da democracia liberal,
do Estado de direito e de alguma medida de proteção social. Mas a persistência duradoura
da “democracia popular” monopartidária na China (e outros países), a resistência do
mundo árabe em geral à transição democrática e as recorrentes dificuldades da
democracia liberal em algumas regiões do globo (principalmente na América Latina e
África) fizeram qualificar e revisitar a teoria do triunfo inexorável do modelo ocidental
de organização e de cultura política.
Manifestamente, a globalização económica não se traduz automaticamente na
globalização da democracia, dos direitos humanos e no Estado de direito. E os exemplos
recentes do Iraque, do Afeganistão, da Líbia e da Síria, entre vários outros, mostram que
esse modelo de organização política não é exportável pela força exterior.
A verdade é que, apesar da prevalência generalizada da democracia liberal, baseada
na economia de mercado, em liberdades civis e políticas e em eleições abertas regulares,
permanecem notórias exceções a esse paradigma quanto ao sistema político e económico.
Por outro lado, mamtêm-se relevantes todas as tensões que perpassam na história
das ideias e das organizações políticas, entre democracia e autocracia, entre liberalismo e
41

autoritarismo, entre monarquias e repúblicas, entre Estados unitários e Estados federais,


entre nacionalismo e internacionalismo/cosmopolitismo, entre laicismo do Estado e
Estados mais ou menos teocráticos.
Capítulo III

Os agentes políticos

3.1. Cidadãos, grupos e partidos políticos

Assente sobre a ideia da liberdade individual, a revolução liberal dos séculos XVIII
e XIX visava tanto limitar e controlar o poder do Estado como suprimir as corporações e
organizações profissionais que vinham desde a Idade Média e que limitavam a liberdade
e a iniciativa económica individual.
Não é por acaso que a doutrina liberal que vinha sendo construída desde o século
XVII tem no individualismo e na autonomia do indivíduo, livre face ao Estado e face aos
grupos, um dos seus pilares. Não admira, por isso, que uma das primeiras medidas da
Revolução Francesa tenha sido a eliminação das associações e corporações vindas do
“Antigo regime”, bem como a proibição de novas associações e organizações coletivas,
incluindo as organizações profissionais e sindicais. Nenhum grupo organizado ou "corpos
intermédios" poderiam existir entre o individuo e o Estado.
Tal como a nova economia de mercado, baseada na concorrência individual,
também a nova ordem política do governo representativo haveria de assentar sobre o
indivíduo-cidadão, através de eleições, e não nas velhas “ordens” ou “estados” medievais
(clero, nobreza e povo). Por isso, a nova ordem política deveria assentar no voto
individual e numa assembleia representativa de todos os cidadãos, e não na restauração
das antigas “cortes” medievais, baseadas na representação das três ordens sociais
(nobreza, clero e “povo”).
Todavia, passadas algumas décadas, já os grupos sociais organizados (associações
profissionais, sindicatos, associações de beneficência, etc.) tinham irrompido de novo na
cena social. A Igreja Católica e o pensamento antiliberal e anti-individualista em geral
preconizam a restauração de uma ordem corporativa, baseada na familia, nas
organizações patronais e sindicais, que deveriam ser dotadas também da necessária
44

representação política, através de uma câmara corporativa (como sucedeu entre nós
durante o Estado Novo).
O triunfo da democracia liberal depois da II Guerra Mundial, baseada na liberdade
e na representação política individual, não contrariou porém a crescente densificação da
sociedade em grupos organizados de toda a ordem em que as pessoas se encontram
inseridas e que representam os seus pontos de vistas religiosos, doutrinários, etc., bem
como os seus interesses económicos e profissionais. A ciência política não pôde ignorar
este papel dos grupos de interesse organizados na vida política, quer como agregadores
de interesse individuais em interesses de grupo (D. Easton), como protagonistas de uma
“ordem neocorporativa”, que consiste na regulação da vida económica e social através da
negociação e concertação entre as organizações económico-profissionais e o Estado
(pactos sociais tripartidos). É o que ocorre entre nós com a “concertação social” efetuada
no seio do Conselho Económico e Social, um órgão de consulta do Governo e da
Assembleia da República.
A própria ordem política em sentido estrito veio a ser fundamentalmente alterada
com a emergência dos partidos políticos na segunda metade do século XIX. Inicialmente
as eleições parlamentares interessavam um pequeno número de cidadãos ativos, dadas as
enormes restrições do direito de sufrágio. As candidaturas eram normalmente
protagonizadas por notáveis, que por eles próprios, ou através de agentes ou “caciques”,
conseguiam chegar diretamente aos poucos cidadãos eleitores. Depois de eleitos os
deputados, eles poderiam eventualmente agrupar-se no parlamento de acordo com as suas
afinidades doutrinais e políticas. Assim nasceram os embriões dos partidos políticos, que
depois se tornaram organizações permanentes, com um crescente papel na organização
das eleições (seleção e apresentação de candidaturas). No final do século XIX surgem os
à amrgem do parlamento primeiros “partidos de massas”, representativos das classes
trabalhadoras, nessa altura ainda sem direito de voto.
Seja como for, com exceção dos regimes de partido único, de caráter oficial, a
ordem política nos Estados modernos roda à volta da competição política entre os diversos
partidos políticos, que organizam e financiam as campanhas eleitorais, que apresentam
candidatos e que depois no parlamento, através dos respetivos grupos parlamentares, são
os protagonistas do debate parlamentar e da constituição e sustentação dos governos ou
de oposição aos mesmos.
45

Em resumo, no Estado moderno há três categorias distintas de agentes políticos: os


cidadãos, os grupos de interesse e os partidos políticos.

3.2. Os cidadãos

3.3.1. Do súbdito ao cidadão

Nos sistemas políticos posteriores às revoluções liberais os primeiros protagonistas


da vida política são os cidadãos, os membros da nação ou da república, que no conjunto
são os titulares da soberania (soberania nacional, soberania popular). Cidadãos são as
pessoas que tem o direito de participar na vida política, gozando dos direitos de cidadania,
a começar pelo direito de voto.
Antes, no “antigo regime”, fora os senhores do poder, só havia súbditos,
submetidos ao poder, não titulares nem compartícipes dele. A igualdade civil das pessoas
(fim dos privilégios jurídicos de nascimento e de condição social) e a transformação dos
súbditos em cidadãos são as grandes transformações políticas da Revolução Francesa e
das revoluções liberais em geral. Não é por acaso que a primeira grande proclamação
revolucionária em França é a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão (1789).
A qualidade de cidadão traduzia-se desde logo num conjunto de direitos de
intervenção na constituição dos órgãos do poder, um status activus civitatis, expresso
sobretudo no direito de sufrágio para eleição dos representantes ao parlamento e noutros
direitos adjacentes, como o direito de petição, representação ou queixa perante os
titulares do poder. Se os direitos de liberdade (liberdade de imprensa, liberdade de
reunião, etc.) eram "direitos negativos", direitos à não ingerência do Estado na esfera de
liberdade dos indivíduos, os direitos de participação política eram "direitos ativos",
direitos de intervenção na esfera pública, nomeadamente através do voto.
Todavia, tal como na antiguidade, na Grécia e em Roma, nem todas as pessoas
eram cidadãos da polis (estando desde logo excluídos os escravos e os estrangeiros),
também agora, no primitivo Estado liberal, nem todas as pessoas eram cidadãos, apesar
do conceito universal de cidadania e da ideia de soberania popular. A ideia liberal
reservava os direitos de cidadão ativo às pessoas economicamente independentes e
esclarecidas, no pressuposto de que não podia participar na cidadania quem fosse
profissionalmente ou pessoalmente dependente, como sucedia com os trabalhadores
46

assalariados (sujeitos ao poder patronal) e com as mulheres (sujeitas ao poder marital no


casamento, de acordo com a conceção da família então prevalecente), ou quem não
pudesse participar efetivamente da discussão pública, por ser iletrado (e nessa altura a
iliteracia era esmagadora). O número de titulares do direito de voto era uma pequena
proporção da população; e ainda mais reduzido era o dos elegíveis, para aos quais as
qualificações eram ainda mais exigentes.
Como já se viu, o sufrágio universal para todas as pessoas adultas (uma pessoa, um
voto) constituiu um dos grandes fatores da democratização do Estado liberal e de
ampliação da base social do Estado pluriclassista contemporâneo. Mas mesmo na
Europa, a luta pelo sufrágio universal, incluindo o voto feminino, vai durar até quase ao
fim do século XX.

3.3.2. Direitos de cidadania

Entre os direitos de participação política dos cidadãos existentes nas democracias


modernas contam-se:
- O sufrágio eleitoral (direito de voto);
- A candidatura a cargos públicos, nomeadamente os de acesso por via eleitoral;
- A participação nos referendos;
- A iniciativa legislativa popular e a iniciativa popular de referendo;
- O direito de petição;
- A ação popular (direito de recurso a um tribunal, por parte de qualquer pessoa,
para impugnar qualquer ato contrário ao interesse público);
- A participação em partidos políticos;
- A liberdade de expressão e de opinião;
- O direito de reunião e manifestação.

3.3.3. Cidadania e nacionalidade

Tradicionalmente havia uma ligação natural entre a cidadania e a nacionalidade.


Os direitos políticos estavam reservados aos nacionais, com exclusão dos estrangeiros
residentes.
Como já se viu, existem dois grandes critérios da nacionalidade, o ius sanguinis
(são nacionais de um Estado os filhos de nacionais, mesmo que tenham nascido fora do
47

território nacional) e o ius soli (são nacionais de um Estado os que nascem no seu
território, mesmo que os progenitores não sejam nacionais desse Estado. Muitas vezes,
como sucede em Portugal, adota-se uma conjugação desses dois critérios, de modo a
maximizar o número de nacionais.
A situação dos estrangeiros era tradicionalmente assaz precária, podendo ser
impedidos de entrar no território nacional e ser expulsos por motivos de segurança ou
outras. Hoje as coisas estão a mudar. As sociedades são cada vez mais caracterizadas pela
existência de consideráveis contingentes de estrangeiros, mercê dos fenómenos de
migração e de globalização.
É cada vez mais frequente o reconhecimento de direitos políticos a estrangeiros,
pelo que deixou de haver nexo obrigatório entre nacionalidade e cidadania (no sentido de
titulares de direitos de participação política). Assim, no âmbito da União Europeia, a
chamada "cidadania europeia" implica não somente a liberdade de circulação e de
residência em qualquer parte do território da União, mas também o direito de voto e de
candidatura eleitoral dos nacionais de países da UE residentes noutros Estados-membros,
tanto nas eleições locais como nas eleições para o Parlamento Europeu. E no caso
português há a acrescentar a extensão de direitos políticos a cidadãos de outros Estados,
nomeadamente os da CPLP, em condições de reciprocidade (nomeadamente, o Brasil e
Cabo Verde).
A tendência é claramente no sentido de quebrar a ligação entre nacionalidade e
direitos de cidadania.

3.3.4. Individualismo, comunitarismo e minorias

O Estado constitucional moderno resultante das revoluções liberais dos séculos


XVIII e XIX assenta na emancipação dos indivíduos em relação à pertença comunitarista
à família, à etnia, às classes ou grupos.
O poder político decorre do sufrágio individual e igual e representa a coletividade
dos cidadãos independentemente da sua integração em comunidades étnicas, linguísticas,
ou outras.
Todavia, alguns sistemas políticos contemporâneos em sociedades muito divididas
48

institucionalizaram a representação política específica de grupos étnicos, linguísticos,


religiosos (v g. Nova Zelândia, Líbano, Iraque, Bolívia, etc.)

3.3. Os grupos de interesse

3.3.1. Noção e caraterísticas

Como se viu atrás, uma das transformações do Estado liberal originário foi a
passagem do paradigma individualista à "sociedade organizada" contemporânea, em que
os indivíduos se encontram inseridos numa multiplicidade de grupos, organizações e
associações da mais variada índole (sindicatos, associações profissionais, associações
empresariais, igrejas e associações religiosas, associações ambientalistas, etc.). No início
do Estado liberal nem sequer era reconhecida a liberdade de associação, sendo pelo
contrário proibidas todas as associações.
Na ciência política de influência americana a designação genérica destas
organizações sociais é a de "grupos de interesse" (em inglês, interest groups), visto que
se trata de organizações (grupos sociais) votadas à defesa dos interesses coletivos dos
seus membros. Os grupos de interesse são organizações constituídas para a defesa de
interesses coletivos, normalmente apostados em exercer uma influência ou pressão sobre
os poderes públicos, a fim de obterem destes decisões favoráveis aos seus interesses. Por
isso se designam também muitas vezes por "grupos de pressão", embora a expressão
grupos de interesse seja mais abrangente.
A definição de grupos de interesse requer fundamentalmente a reunião de três
elementos:

a) A existência de um grupo organizado

Segundo Duverger (Sociologie de la Politique, p. 236), o desenvolvimento das


organizações para a defesa de interesses "coincide com o advento das sociedades
industrializadas, que se caracterizam por um enquadramento coletivo dos seus cidadãos
no seio de grandes organizações muito estruturadas". Nas sociedades modernas os
indivíduos não podem influir eficazmente sobre as estruturas do poder, se não estiverem
organizados.
49

Contudo, a unificação das ações é suscetível de muitas variantes na sua duração e


firmeza. Por vezes, desencadeiam-se manifestações esporádicas e efémeras, resultando
daí ações poderosas e violentas, que se dissipam uma vez desaparecida a causa
desencadeante. Para descrever esta situação utilizam-se as expressões grupos não
organizados, difusos ou virtuais. Outras vezes, constituem-se verdadeiras organizações
bem estruturadas e especializadas na articulação de interesses, com cariz voluntário e
duradouro — estas são as caraterísticas dos grupos de interesse.

b) Defesa de interesses

Os grupos de interesse visam sempre a defesa de interesses comuns, devendo este


conceito ser entendido num sentido lato. Nesse conceito cabem tanto os grupos de defesa
de interesses materiais (por exemplo, interesses profissionais) como aqueles que lutam
por ideias, no sentido de que, se uns se ocupam de causas materiais, outros privilegiam
causas morais.
E preferível, portanto, alargar o conceito de interesse, incorporando o próprio
interesse moral, sob pena de apresentarmos uma noção desfocada da realidade. Assim,
tanto é grupo de interesse uma associação empresarial como uma igreja ou um associação
humanitária.

c) O exercício de uma influência ou pressão

Alguns autores — Meynaud, Sartori, Truman — tentam fazer uma distinção entre
grupos de interesses (interest groups) e grupos de pressão (pressure groups), na base de
que os primeiros, ao contrário dos segundos, não procurariam exercer uma influência
sobre a estrutura política, uma vez que as suas pretensões são normalmente satisfeitas por
outras vias. Sendo assim, todos os grupos de pressão seriam grupos de interesse, mas os
grupos de interesse não seriam necessariamente grupos de pressão. Contudo, esta
distinção subtil não é em geral válida. A verdade é que todo o grupo de interesse é
virtualmente um grupo de pressão, pois a sua primeira função consiste em representar o
grupo e os seus interesses perante os poderes públicos ou perante outros grupos.
Importa frisar a distinção entre grupos de interesse e partidos políticos. Na verdade,
embora apresentem alguns traços comuns - já que, no dizer de Ehrlich, "uns e outros
50

constituem corpos intermédios entre o individuo e o poder (...), travam as tendências do


aparelho administrativo do Estado para se isolar da sociedade e servem de contrapeso à
alienação não só da administração, mas também da direção suprema, à qual incumbe
tomar decisões políticas" —, os grupos de interesse e os partidos são fundamentalmente
distintos, quer quanto à sua inserção na estrutura politica, quer quanto a sua finalidade.
Em primeiro lugar, os grupos de interesses visam a representação e defesa de
interesses setoriais ou "categoriais" (de certas categorias de pessoas), sendo portanto
organizações especializadas, enquanto os partidos políticos tem em geral um escopo
genérico, defendendo posições sobre todas as questões políticas e sociais, sendo portanto
organizações "transversais", multifuncionais ou genéricas.
Em segundo lugar, toda a ação dos partidos é tendente ao controle, à conquista ou
conservação do poder — consoante estejam na oposição ou no governo —, ao passo que
os grupos de interesse têm uma finalidade diferente. Efetivamente, estes agem do
exterior, quer diretamente, quer através dos partidos, sobre o governo, defendendo os
seus interesses de grupo — que naturalmente são mais limitados —, sem pretenderem
tomar a responsabilidade do poder.
Aliás, se muitos grupos de interesse não têm relações especiais com os partidos,
outros têm relações estáveis e por vezes mesmo orgânicas, tentando através delas influir
no poder: é, por exemplo, o que acontece com o Partido Trabalhista inglês, que tem como
filiados não somente pessoas individuais mas também os próprios sindicatos (trade
unions). É o caso também do Partido Social-Democrata sueco. Estes partidos são
poderosas expressões políticas de movimentos sindicais. O mesmo sucede, em geral, com
a relação íntima das centrais patronais e organizações empresariais com os partidos
conservadores ou liberais de direita.

3.3.2. Tipologia dos grupos de interesse

Os grupos de interesse podem classificar-se de acordo com uma multiplicidade de


critérios. Assim, tendo em conta o tipo de interesses que agregam os distintos grupos,
assim teremos os grupos económico-profissionais (organizações sindicais, patronais, de
agricultores, de pequenos empresários, de profissões liberais, de consumidores), os
grupos religiosos, espirituais, culturais, as associações feministas, os movimentos de
antigos combatentes, de antigos estudantes, etc.
51

Normalmente os grupos de interesse visam a prossecução de interesses privativos


dos seus membros; mas também existem grupos que prosseguem interesses que
transcendem os seus membros. Assim, tendo em conta a relação entre os interesses
prosseguidos e os membros do grupo, podemos distinguir entre os grupos de interesse
particulares (ou "egoístas") e os grupos de interesse público (ou "altruístas"), que na
linguagem americana se designam por PIGs ("public interest groups"). Entre os
primeiros contam-se, por exemplo, as organizações sindicais e patronais; entre os
segundos, por exemplo, os grupos ecologistas e patrimonialistas. As "organizações não
governamentais" (ONGs) são em geral organizações altruístas.
Quanto à sua coesão interna, há que distinguir por um lado, os pequenos grupos
coesos, que congregam praticamente todos possíveis interessados e que por isso tem um
grande poder de reivindicação e de mobilização dos seus membros, e por outro lado, os
grandes grupos de interesse, mais ou menos dispersos e difusos, que tem de enfrentar o
fenómeno do free rider ("passageiro à borla"), isto é, dos membros do grupo que
aproveitam "a boleia" da atividade do mesmo, mas que não aderem à organização do
grupo, não financiam a sua atividade nem participam nas suas atividades e apesar disso
beneficiam das vantagens resultantes da sua ação, visto que a maior parte das vezes se
trata de vantagens por natureza coletivas, que não podem ser reservadas para os membros
efetivos do grupo (aumentos de salários, reconhecimento de novas regalias, etc.). É o que
se passa com os trabalhadores de determinada profissão, que, apesar de não participarem
na ação sindical nem em greves, beneficiam porém das vantagens daí resultantes,
nomeadamente os aumentos de salários ou outras vantagens.
Na sua clássica obra sobre a “lógica da ação coletiva” Mancur Olson (The Logic of
Collective Action) argumentou que os grupos profissionais mais coesos têm mais
possibilidades de pressão e de reivindicação do que os grupos mais difusos, que por isso
mesmo têm maiores dificuldades para atrair os membros do grupo para a ação coletiva.

3.3.3. Funções dos grupos de interesse

São várias as funções políticas dos grupos de interesse:


- Reunião e articulação dos numerosos interesses individuais dos seus membros
num único interesse coletivo;
- Representação externa do interesse coletivo do grupo, perante outros grupos e
52

perante os poderes públicos;


- Funcionar como grupo de pressão na prossecução dos interesses coletivos do
grupo perante o poder político e outros grupos;
- Participação, em representação da coletividade dos membros, nos organismos
oficiais correspondentes, bem como nos organismos de "concertação social"
porventura existentes; entre eles ocupa lugar de relevo os conselhos económico-
sociais de âmbito nacional (Portugal, França, Itália, etc.) e os múltiplos
conselhos consultivos em matéria económica, social, cultural, educativa, etc.
existentes junto dos departamentos governamentais e outras instituições
públicas.
O papel dos grupos de interesse tem cativado vivamente a ciência política desde o
início do século passado. Foi com base no renascimento dos grupos a partir do final do
século XIX, sobretudo dos grupos profissionais, que se deu o revivalismo corporativista
do período entre as duas grandes guerras mundiais, que presidiu às construções
corporativistas dos regimes autoritários dessa época, nomeadamente em Itália (fascismo),
na Alemanha (nazismo), na Espanha (franquismo) e em Portugal (Estado Novo).
Fora do paradigma corporativista tradicional existem duas grandes perspetivas
sobre o papel político dos grupos de interesse:
- A perspetiva liberal tradicional e a chamada "teoria pluralista dos grupos"
(group theory of politics), imputada sobretudo aos estudos de Bentley, The
Process of government (1908) e D. Truman, The governmental Process (2a ed.
1971); de acordo com essa teoria o processo político é fundamentalmente
marcado pela competição entre os diversos grupos de interesse pela influência
das decisões políticas, sem que nenhum possa duradouramente ocupar uma
posição dominante; nessa conceção todos os interesses têm igual possibilidade
de se organizar, pelo que a competição entre os grupos organizados faz com
que o poder de um grupo dominante seja limitado pelo poder de outro ou outros
grupos;
- A teoria neocorporativista, mais recente (desde os anos 70 do séc. passado),
desencadeada sobretudo por P. C. Schmitter, que contesta alguns dos
pressupostos da teoria pluralista, nomeadamente o princípio da igual
capacidade de todos os interesses de se organizarem e o princípio da sua igual
53

capacidade para competir em igualdade de circunstâncias no "mercado


político"; contra estes dogmas o neocorporativismo afirma que alguns
interesses têm maior capacidade de organização do que outros e que os grupos
de interesses económico-social têm uma proximidade especial com o poder, de
modo a poderem entrar em transação com o Estado, participando na formulação
e implementação de políticas e aceitando em troca controlar os seus membros
e mobilizá-los para a execução das medidas acordadas.

3.3.4. Lobbying

Uma das funções primordiais dos grupos de interesse consiste na representação e


defesa dos respetivos interesses específicos junto dos decisores políticos (parlamentos e
deputados, governos e membros do Governo, administração, etc.) mediante
sensibilização para os respetivos interesses, fornecimento de informações, apresentação
de posições e de reivindicações, etc. Essa atividade, que pode ser exercida diretamente
ou por meio de agentes profissionais (advogados, agências de comunicação, etc.), tem o
nome de lobbying (do inglês “vestíbulo” ou “átrio”).
Em vários países verificou-se o reconhecimento ofical e a regulação legal dessa
atividade, incluindo um registo oficial dos “lobistas”, obrigação de publicidade das
interações entre “lobistas” e decisores políticos, proibição ou limitação de receção de
presentes ou outras vantagens económicas por parte dos decisores políticos, etc.

3.3.5. Representação política de grupos de interesse

Como já se referiu, a democracia representativa moderna assenta na representação


dos indivíduos como cida ãos eleitores. Contrariamente, o pensamento corporativista
pretendia substituir ou complementar esta representação dos cidadãos pela representação
política de interesses organizados (reprenentação orgânica ou corporativa), através
nomeadamente de uma câmara corporativa, de reprepsentação de tais interesses.
Foi o que sucedeu com os regimes autoritários nascidos entre as duas guerras
mundiais do século XX (Itália, Áustria, Espanha, Potugal), que previam a criação de uma
Câmara Corporativa, em substituilção ou a par da assemblai parlamentar. Assim sucedeu
em Portugal durante a Cosntituição de 1933, que previa a organização corporativa dos
54

interesses e a respresentação dos organismos corporativos no poder político, inclusive ao


nível do Estado, atravé da Câmara Corporativa.

Bibliografia:

- Council of Europe (2013) Report: On the role of Extra-Institutional Actors in


the Democratic System.
- João de Menezes Ferreira, “Grupos de pressão na sociedade portuguesa”, in
Desenvolvimento, nº 1, Dez 1984: pp. 35-55.
- Maria Lúcia Amaral, Do pluralismo ao neocorporativismo: a função política dos
grupos de interesse, Lisboa, 1985.
- .Organizing Interests in Western Europe, Cambridge, 1981.
- W. J. M. Mackenzie, Pressure Group, The Conceptual Framework, 1955.

3.4. Os partidos políticos

3.4.1. Interesses e ideologias

Numa comunidade politicamente organizada os cidadãos tendem a posicionar-se e


a agrupar-se politicamente de acordo com dois grandes vetores: os seus interesses
individuais ou de grupo e as suas conceções políticas, doutrinárias ou morais.
Embora o segundo vetor seja influenciado pelo primeiro, a sociologia política
mostra porém uma relativa autonomia entre ambos. Outros vetores importantes em certas
circunstâncias são os fatores étnicos, religiosos, linguísticos, interesses regionalistas ou
nacionalistas, etc.
Entre os mais importantes interesses individuais ou de grupo contam-se sobretudo
os de caráter económico. Não é preciso subscrever a introdução de Marx e Engels no
Manifesto Comunista (1848) para reconhecer a importância desse fator. Mas a formação
e as convicções ideológicas podem ser tanto ou mais importantes no posicionamento
político dos cidadãos.
Os eixos do confronto político são vários e diferem ao longo do tempo: liberais e
antiliberais; democratas e antidemocratas; conservadores e progressistas; nacionalistas e
55

cosmopolitas; monárquicos e republicanos; pacifistas e belicistas; ambientalistas e


desenvolvimentistas; centralistas e adeptos da descentralização, etc. etc.
No entanto, desde a Revolução Francesa a clivagem política mais importante é entre
esquerda e direita (ou entre esquerdas e direitas, no plural). Ao longo da história a divisão
entre esquerda e direita foi-se mudando e tornando cada vez mais multiforme: liberais
versus absolutistas, progressistas versus conservadores, democratas versus aristocratas,
socialistas versus capitalistas, etc. Nas atuais comunidades políticas complexas essa
dicotomia direita - esquerda tende a ser substituída por um leque assaz plural e
relativamente contínuo, desde a extrema-direita à extrema-esquerda, passando pela direita
moderada (centro-direita) e pela esquerda moderada (centro-esquerda).
A colocação das várias forças políticas nos parlamentos tende a seguir essa
distribuição política.
Todavia, a distinção direita-esquerda pode ser esbatida ou mesmo cancelada no
caso dos partidos regionalistas ou independentistas (como, por exemplo, o Partido
Nacionalista escocês ou os partidos independentistas catalães), que tendem a unir todos
os partidários da autonomia ou da independência contra o Estado central,
independentemente das suas posições no leque direita-esquerda.

3.4.2. Definição

Na moderna aceção do termo os partidos políticos são organizações duradouras de


pessoas politicamente motivadas, na base de interesses, convicções e objetivos comuns,
com o escopo de participar nos processos eleitorais e outros processos políticos e de
intervir nos órgãos de poder politico, sobretudo no parlamento e no governo. Na base do
conceito está a ideia de "tomar partido" (= tomar posição) a favor ou contra determinada
ideia ou questão. Dai a noção evoluiu, primeiro para designar correntes de opinião e os
seus adeptos ("partido liberal", "partido legitimista", etc.) e em seguida para designar as
organizações em que elas vieram mais tarde a cristalizar-se.
Na verdade, o termo "partido" e a expressão "partido político" são relativamente
recentes na linguagem politica. A sua utilização, com um sentido de algum modo
aproximável do que hoje tem, remonta a há menos de dois séculos, com o nascimento do
sistema representativo. Mas a realidade do partido político com um conteúdo semelhante
56

ao atual é bastante mais recente, e tem pouco mais de um século. O termo "partido" surge
muito antes de aparecerem as organizações políticas assim designadas. No séc. XVIII, o
partido é, ainda, algo de nebuloso e de inconsistente, representando uma tendência, uma
opinião ou corrente de opinião política ou político-social.
São os seguintes os traços da definição de partido político. Em primeiro lugar, trata-
se de organizações formais de tipo associativo; e isto distingue os partidos das
organizações informais (correntes, "clubes", etc.). Em segundo lugar, trata-se de
organizações dotadas de permanência e vocação de continuidade temporal, por aí se
distinguindo dos movimentos efémeros ou conjunturais ("movimentos", etc.). Em
terceiro lugar, trata-se de organizações que mantêm uma referência direta com o poder
político, na medida em que lutam pela conquista do poder governamental (no sentido
amplo da palavra); e isto distingue os partidos políticos dos grupos de interesse. Em
quarto lugar, os partidos políticos, embora possam privilegiar determinados interesses
sociais ou constelações mais ou menos abrangentes de interesses sociais (trabalhadores,
empresários, camponeses, etc.) tendem a apelar a círculos mais amplos de cidadãos. Em
quinto lugar, os partidos políticos reclamam-se de um certo conjunto de doutrinas ou
valores sobre a organização política, social, económica, cultural, etc. (liberalismo,
socialismo, conservadorismo, tradicionalismo, etc.).
Para além desses traços comuns — e nem todos obtêm a unanimidade — existe
uma enorme disparidade na definição de partido político. Uns acentuam as funções
desempenhadas pelos partidos; outros a sua estrutura formal; outros os seus objetivos.
A tentativa mais sofisticada de definição de partido político deve-se a La Palombara
e Weiner (ver infra referências bibliográficas). Na definição desses autores um partido
político exige a conjunção de quatro requisitos:
a) Uma organização duradoura, capaz de sobreviver politicamente aos seus
dirigentes — o que permite estabelecer a diferença entre os partidos políticos e as simples
clientelas ou fações incapazes de uma vida política superior à dos seus fundadores ou
animadores.
b) Uma organização complexa, incluindo estruturas de nível local, o que implica
a manutenção de relações entre as cúpulas e as unidades de base. Através desta exigência
singulariza-se o partido politico face aos grupos parlamentares. Estes existem apenas a
nível nacional, não possuindo um completo sistema de relações com as unidades de base.
57

c) A vontade deliberada dos dirigentes da organização de tomar e exercer o poder,


e não apenas de o influenciar. Este requisito evidencia a diferença entre os partidos
políticos e os grupos de pressão, que apenas procuram exercer pressão (dai o seu nome)
sobre os detentores do poder; mas ela deixa de fora os achamos “partidos de protesto”,
que não visam exercer o poder mas somente conterá o poder existente.
d) A preocupação de conquistar um apoio popular, especialmente, mas não só,
por via eleitoral. Esta característica permite particularizar os partidos políticos em relação
aos clubes. Estes, mesmo quando políticos, não participam nas eleições nem na vida
parlamentar.

3.4.3. A origem dos partidos políticos

Historicamente, o aparecimento dos partidos políticos está ligado ao nascimento do


sistema de governo liberal-representativo subsequente às revoluções liberais e à
consequente possibilidade de expressão política de diversos interesses sociais e diferentes
perspetivas ideológicas através das eleições para o parlamento.
A luta politica, primeiro entre os interesses da aristocracia e da burguesia emergente
e entre as várias frações desta, depois entre a burguesia e as classes populares, que
atravessa todo o séc. XIX, ilumina o quadro em que vão surgir os partidos políticos. Estes
surgem como resposta à necessidade de dar expressão aos interesses das várias classes e
camadas sociais e diferentes posições ideológicas com elas conexas.
Duverger distinguiu dois processos típicos de formação dos partidos políticos,
dando lugar portanto a dois tipos de partidos: (i) os de origem eleitoral e parlamentar e
(ii) os de origem exterior às instituições parlamentares. A distinção entre partidos de
criação eleitoral e parlamentar e partidos de criação exterior não é absoluta: ela
caracteriza mais tendências gerais do que tipos contrastantes, de maneira que a sua
aplicação prática se torna por vezes difícil.

a) Partidos de origem eleitoral e parlamentar

Numa das suas linhagens a origem dos partidos aparece ligada ao desenvolvimento
do sistema representativo e das prerrogativas parlamentares. «Quanto mais as
assembleias políticas veem crescer as suas funções e a sua independência, mais os seus
58

membros sentem necessidade de se agrupar por afinidades, com o fim de atuar em


conjunto; quanto mais o direito de voto se estende e multiplica, mais se torna necessário
enquadrar os eleitores por comités, capazes de dar a conhecer os candidatos e canalizar
os sufrágios na sua direção. O nascimento dos partidos está, portanto, ligado ao dos
grupos parlamentares e comités eleitorais» (Duverger).
No parlamento os deputados que compartilhem opiniões semelhantes vão reunir-se
em grupos parlamentares (de acordo com a comunidade de doutrinas politicas,
interesses sociais, afinidades locais, etc.), a fim de fazerem vingar coordenadamente os
seus pontos de vista no debate e nas votações parlamentares.
Por outro lado, a progressiva extensão do sufrágio durante todo o século XIX e
primeira metade do século XX provoca a formação de comités eleitorais, que irão
permitir o necessário enquadramento e mobilização eleitoral das novas camadas sociais
chegadas à arena politica. É que, enquanto o sufrágio era restrito, a necessidade de
mobilizar o eleitorado era praticamente inexistente. Eleitores e candidatos pertencem,
todos eles, ao mesmo pequeno mundo das camadas sociais abastadas e ilustradas. Em
contrapartida, o sufrágio universal, abrindo as portas à participação das massas populares
na vida politica, torna premente o aparecimento de algo que sirva de base e de instrumento
aos grupos parlamentares então já existentes.
É da coordenação dos grupos parlamentares e dos comités eleitorais que surgem os
primeiros partidos políticos modernos. Aí radicam praticamente todos os partidos
burgueses, liberais ou conservadores do século passado.

b) Partidos de origem exterior à vida parlamentar.

Os partidos deste tipo têm origem em contextos alheios ao parlamento, sendo


promovidos por grupos de interesse ou por iniciativa de movimentos ideológicos
desejosos de intervir na esfera politica, mas sem acesso ou com escasso acesso ao
parlamento. Entre elas podemos citar: os sindicatos, as sociedades de pensamento e os
grupos de intelectuais, as cooperativas agrícolas, os agrupamentos religiosos, as
associações de antigos combatentes, os agrupamentos clandestinos, os grandes grupos
industriais e financeiros.
O caso dos sindicatos é o mais conhecido: muitos dos partidos socialistas e social-
democratas foram diretamente criados por eles, conservando, além disso, por mais ou
59

menos tempo, o caráter de "braço político" dos sindicatos, em matéria eleitoral e


parlamentar. O Partido Trabalhista britânico é o caso mais típico, pois nasceu em
consequência da decisão tomada pelo Congresso dos Trade Unions (uniões operárias,
sindicatos) de 1899 de criar uma organização eleitoral e parlamentar para o movimento
operário, que não se sentia representado nos dois partidos então existentes (liberais e
conservadores).
Em certos países (nomeadamente nos países escandinavos, na Europa Central, na
Suíça, na Austrália, no Canadá e mesmo nos Estados Unidos) também foram criados
“partidos camponeses” a partir das cooperativas agrícolas e dos grupos profissionais de
camponeses.
São também numerosos os casos de partidos criados essencialmente por iniciativa
de igrejas e das seitas religiosas. As organizações católicas, se não o próprio clero,
intervieram diretamente na criação de partidos cristãos de direita, nascidos antes de 1914,
e no aparecimento de partidos cristãos-democratas depois da II Grande Guerra na Europa
ocidental e depois de 1990 na Europa do Leste.
Outros partidos ficaram a dever-se à intervenção de associações patronais,
agrupamentos industriais e comerciais: bancos, grandes empresas, empreendimentos
industriais, etc.

3.4.4. A estrutura do poder dentro dos partidos

Numa obra célebre (Os Partidos Políticos, 1911; ed. portuguesa, 2000), Robert
Michels procurou provar que a necessidade de profissionalização dos papéis políticos
dentro dos partidos leva a uma tendência necessária para um poder oligárquico na
organização dos partidos políticos ("lei de bronze da oligarquia").
O campo de demonstração de Michels foi o partido social-democrata alemão.
Procurou mostrar a ilusão das teses socialistas de democracia, baseadas na igualdade e
na participação coletiva, mostrando que ela é impossível nas grandes organizações,
mesmo dentro do próprio partido socialista. A tendência oligárquica sobrepor-se-ia aos
princípios democráticos da eletividade plenamente livre dos dirigentes e da plena
igualdade dos membros do partido. O crescimento da organização partidária e a
necessidade de especialização de certas funções levam necessariamente à criação de uma
60

"elite operária" dentro do partido.


"Involuntariamente vai-se alargando cada vez mais o fosso entre os
dirigentes e as massas. A especialização técnica — essa consequência
inevitável de qualquer organização mais ou menos extensa — torna
necessário aquilo a que chamamos ‘direção dos negócios’. Daí resulta que
o poder de decisão (...) é mais ou menos retirado àas massas e concentrado
exclusivamente nas mãos dos chefes. E estes, que inicialmente não passavam
de órgãos executivos da vontade coletiva, não tardam a tornar-se
independentes das massas, subtraindo-se ao seu controlo. Quem diz
organização, diz tendência para a oligarquia."
(R. Michels, ob. cit., p. 15-16)
Juntamente com a tendência oligárquica surge a tendência burocrática, ligada à
necessidade de exigir um enorme aparelho administrativo, hierarquizado e fortemente
articulado, necessário para manter em andamento essa enorme organização, organizar
processos eleitorais, etc. Com a burocratização surge uma categoria própria de
funcionários do partido, separados das massas, sem partilharem da ideologia e dos
valores revolucionários dos militantes, e ligados aos dirigentes do partido, formando uma
oligarquia burocrática, praticamente inamovível, monopolizando o poder no seio do
partido e separando-se a pouco e pouco da classe que pretende e se diz representar.
Michels formulou a sua «lei de bronze da oligarquia» como uma autêntica lei
social, necessária e inevitável, de todas as organizações sociais, sobretudo das
organizações de massas (e não somente dos partidos). Contudo, apesar do fundo de
verdade que está por detrás da teoria, ela não pode reclamar validade universal. Tributária
do pensamento elitista (vide supra, 3.2.7.), ela ignora as tendências contrárias à lei da
oligarquia e esquece que tal tendência varia conforme os tipos de partido. Originada a
propósito do SPD alemão do princípio do século XX, ela enfatizou um dos traços
organizacionais dos grandes partidos de massas. Em todo o caso, a estrutura de círculos
concêntricos, apresentada pelos partidos políticos, não é necessariamente oligárquica. Na
expressão de Duverger: "Se efetivamente os círculos interiores animam e dirigem os
círculos exteriores, na medida em que os primeiros representam os segundos — ou seja,
em que a sua orientação geral coincide —, o sistema pode ser qualificado de
democrático".
Seja como for, modernamente têm surgido várias ideias no sentido de tornar os
partidos mais transparentes e menos burocráticos, nomeadamente pela abertura de
61

eleições e votações abertas a não militantes (ditas “eleições primárias”), inclusão de


independentes como candidatos partidários às eleições, limitação dos mandatos em
cargos de direção partidária, adoção de códigos de conduta para dirigentes, militantes e
representantes, escrutínio público das finanças partidárias, etc.
Um dos temas atuais é o da eleição dos líderes dos partidos. Tradicionalmente, estes
eram eleitos em congressos partidários, por assembleias de representantes eleitos para o
efeito. Nas últimas décadas alguns partidos evoluíram para a eleição direta dos seus
líderes, e alguns até para eleições abertas a não militantes. Trata-se de um reflexo da
tendência atual para a personalização da competição política e para a presidencialização
do poder político nas democracias contemporâneas.

3.4.5. Tipologia dos partidos políticos

Existem numerosas classificações e tipologias dos partidos políticos.


Assim, por exemplo, o critério prevalecente na teoria marxista é o critério das
classes sociais cujos interesses se exprimem nos partidos políticos. Por isso distinguem-
se principalmente os "partidos burgueses" ou "capitalistas" e os "partidos dos
trabalhadores".
De acordo com o critério doutrinário tradicional da colocação dos partidos no
espetro ideológico distinguem-se os partidos de direita, do centro e da esquerda (a
referência vem do tempo da assembleia nacional francesa durante a revolução, em que os
deputados mais radicais se sentavam à esquerda do presidente, enquanto os mais
conservadores se sentavam à sua direita).
Um dos critérios que tem mais seguidores é o que recorre à dimensão e base social
dos partidos. Assim se distinguem essencialmente os partidos de notáveis (ou de
"quadros") e os partidos de massas, a que devem acrescentar-se os partidos abrangentes
ou transversais (ou partidos de "integração social"). Há também a distinção entre partidos
parlamentares e extraparlamentares, entre partidos do sistema e partidos antissistémicos,
entre partidos moderados e partidos extremistas, etc.

a) Partidos de notáveis (ou de quadros)

Este modelo é tipicamente o dos originários partidos liberais e conservadores


62

burgueses do século XIX, em geral de origem parlamentar, caracterizados pelo pequeno


número de filiados, pela condição social destes (oriundos das classes abastadas e
ilustradas), pela relativa falta de organização e pela natureza pouco formal desta, pela
deficiente institucionalização do funcionamento partidário, pelo seu caráter relativamente
pouco centralizado, pela ausência de dirigentes políticos profissionais, pela falta de
rigidez ideológica, pela função quase exclusivamente eleitoral do partido.
Entretanto, hoje, mesmo os partidos dessa origem perderam algumas dessas
caraterísticas, adquirindo certas das caraterísticas dos partidos de massas (organização,
dirigentes profissionais, etc.).

b) Partidos de massas

Os partidos de massas, como o próprio nome diz, assentam na filiação e na


mobilização de grande número de pessoas, sendo caracterizados pela forte organização,
pela existência de dirigentes e funcionários profissionais, por não estarem virados
exclusivamente (e muitas vezes, nem principalmente) para a função eleitoral e
parlamentar, pela forte estruturação ideológica.
O primeiro exemplo histórico dos partidos de massa foram os partidos socialistas
e social-democratas, que foram criados em quase toda a Europa no último quartel do
século XIX, acompanhando e estimulando a despertar político das massas trabalhadoras,
aparecendo muitas vezes intimamente ligados aos sindicatos e outras organizações
operárias. Eram, no início, partidos militantemente ativos, fortemente ideológicos,
dotados de uma organização nacional centralizada e de quadros de funcionários; assentes
em secções de base local, dotados de congressos periódicos dos seus membros, eram
munidos de órgãos de imprensa de grande difusão.
O segundo modelo foi o dos partidos comunistas, surgidos na Europa no rescaldo
da I Grande Guerra e da Revolução russa de 1917, em cisão com os partidos socialistas
e social-democratas e pretendendo recuperar a natureza originariamente operária que
estes teriam entretanto abandonado. O grande teorizador do "partido de tipo novo" foi o
principal dirigente da revolução russa, Lenine; tratava-se de partidos fortemente
ideológicos (mais do que os partidos socialistas), assentes na unidade, coesão e
centralização da orientação ideológica e organizativa (o chamado "centralismo
democrático"), privilegiando a organização no local de trabalho ("célula") sobre a
63

organização por local de residência, animados por um corpo de "revolucionários


profissionais" e votados sobretudo ao escopo da revolução, pela tomada do poder e
criação de um novo tipo de Estado, assente inicialmente na "ditadura do proletariado",
institucionalizada em "conselhos" ("sovietes") de trabalhadores e de camponeses.
O terceiro tipo de partidos de massas é constituído pelos partidos fascistas (e afins)
dos anos trinta do séc. XX, a começar pelo partido fascista italiano e pelo partido nazi
alemão. As suas caraterísticas principais eram as seguintes: base social interclassista
(operários, camponeses, pequena burguesia urbana), ideologia nacionalista e estatista,
antiliberal, antidemocrática, anticomunista; chefia carismática, centralismo autocrático e
culto do "princípio do chefe" (do duce, ou do Fuehrer, ou do caudilho); milícias
paramilitares de formação dos militantes (especialmente da juventude).

c) Partidos abrangentes

Designam-se assim os modernos partidos caracterizados pela estrutura social


interclassista dos seus membros (catch all parties, partidos "de todas as classes"), pela
fluidez ideológica e pelo pluralismo ou miscelânea doutrinária, pela função
essencialmente eleitoral. São partidos que ficam, de certo modo, a meio caminho entre
os primitivos modelos dos partidos de quadros e dos partidos de massas e que
compartilham de algumas das caraterísticas dos dois. Na verdade, eles são o produto, por
um lado, da ampliação social dos antigos partidos de quadros e, por outro lado, da
diversificarão social dos primitivos partidos socialistas e social-democratas.
Hoje, ressalvados os partidos comunistas sobreviventes e os pequenos partidos
ideológicos, todos os principais partidos convergem crescentemente neste tipo de partido.
Mais do que de diferenças qualitativas, as diferenças são hoje de grau.

e) Os partidos autonomistas ou independentistas

Uma categoria própria de partidos são os partidos independentistas ou


autonomistas, que existem em muitos países plurinacionais (como a Espanha, o Reino
Unido, etc.).
64

Têm uma base territorial determinada e agregam pessoas de diferente convicção


ideológica, unidas mais pela vontade de conquistar a autonomia/independência da sua
comunidade territorial do que em defender uma agenda ideológica específica.
A concentração territorial da sua votação permite-lhes a conquista de uma
significativa representação nos parlamentos nacionais, mesmo com uma reduzida
percentagem de votos a nível nacional, superando a representação de partidos nacionais
com votação territoarlemente mais dispersa (como sucede, por exemplo, no Reino Unido
e na Espanha).

f) Os partidos de causas

Desde o alargamento do sufrágio eleitoral sempre houve partidos dedicados à


defesa e promoção de projetos de âmbito focado em certos temas – partidos de causas
(issue parties) -, mas esse tipo de partidos tem crescido nas últimas décadas,
especialmente com a criação dos partidos verdes ou ecológicos.
Fenómeno afim é o dos partidos de representação de setores específicos da
população, como os pensionistas ou minorias étnicas.

3.4.6. Sistemas de partidos

Designa-se por sistema de partidos o complexo determinado pelo número de


partidos existente num sistema político, pela sua dimensão relativa e pelo tipo de relações
que se estabelecem entre eles e o Estado. Daí a existência de vários tipos de sistemas
partidários.
O critério base utilizado geralmente é o do número de partidos existentes. A
tipologia tradicional é aquela que assenta numa tríade: monopartidarismo,
bipartidarismo, pluripartidarismo (ou multipartidarismo). É a tipologia clássica utilizada,
por exemplo, por Duverger e Epstein. Outros autores procuraram, contudo, tornar a
tipologia mais complexa, de modo a fazê-la adequar melhor à multiplicidade dos sistemas
partidários. É assim que Alard e Rokkam (Mass Politics, cap. 12) utilizam uma tipologia
de cinco graus: sistemas monopartidários, sistemas de partido hegemónico, sistemas de
partido predominante, sistemas bipartidários e sistemas multipartidários.
Por sua vez, Sartori, tomando por base esta tipologia, introduziu a noção de
subtipos, de acordo com a natureza ideológica dos partidos, ou com o tipo de relações
65

entre eles. Assim, dentro dos sistemas monopartidários distinguiu três subtipos:
totalitários, autoritários e pragmáticos; dentro dos sistemas de partido hegemónico
distinguiu dois subtipos: ideológicos e pragmáticos; e dentro dos sistemas
pluripartidários distinguiu três subsistemas: centrípeto, atomizado e centrífugo. Esta
tipologia permitiu estabelecer uma escala de vários degraus, indo do monocentrismo mais
extreme (monopartidarismo "totalitário") até ao pluralismo mais extreme
(pluripartidarismo "centrífugo"). A esta tipologia numérica, La Palombara e Weiner
acrescentaram uma tipologia baseada fundamentalmente na existência ou não da
competição partidária, dando lugar a uma tipologia dicotómica: sistemas competitivos e
sistemas não competitivos.
Estas tipologias de sistemas partidários, assentes fundamentalmente no número de
partidos, não dão, contudo, conta de toda a realidade. Em geral, e no essencial, atentam
fundamentalmente nos partidos que funcionam no quadro institucional do sistema
político, utilizam exclusivamente a dimensão eleitoral dos partidos como critério da sua
importância política, ignoram geralmente as diferenças de natureza e de funções dos
partidos políticos de acordo com a diversidade dos sistemas políticos em que operam,
ignoram ou dão pouco relevo ao fenómeno das constelações de partidos, considerando-
os isoladamente. Importa, portanto, abordar alguns destes pontos.
Um problema levantado pela tipologia numérica dos partidos políticos é o da
dimensão relativa dos partidos políticos. Assim, por exemplo, diz-se que um sistema é
de partido dominante quando, num sistema pluripartidário, um dos partidos se destaca e
obtém normalmente mais de 30-35% dos votos e sobressai sobre os demais; e diz-se que
um sistema é bipartidário quando, num sistema pluripartidário, existem dois grandes
partidos, de dimensão eleitoral aproximada e que, em conjunto, somem mais de 80% dos
votos.
Entretanto, a dimensão eleitoral dos partidos não corresponde necessariamente à
importância relativa dos partidos no funcionamento efetivo do sistema politico, ou seja,
ao seu "peso" na vida política. Assim, por um lado, os "partidos de quadros" costumam
ver a sua dimensão eleitoral exagerada em relação à sua implantação política, quando
comparados com os "partidos de massas", em que a taxa eleitoral (ou seja, a relação entre
votantes e membros do partido) é menor do que nos partidos de quadros.
Há que ter também em conta a diferente natureza e funções dos partidos políticos
66

em sistemas partidários dotados do mesmo número de partidos, mas que podem ser
essencialmente diferentes. O sistema partidário não pode ser isolado do sistema político
em que opera. O sistema de partidos é um importante elemento caracterizador do sistema
político, mas o sistema político é igualmente um importante elemento diferenciador do
sistema de partidos.
Importa ter ainda em conta a duração e o grau de sedimentação e estabilidade do
sistema partidário. Há os sistemas partidários consolidados e estabilizados há muito
tempo, permanecendo imutáveis desde há décadas, e os sistemas partidários recentes ou
em formação, ainda não consolidados, ou mantendo mostras claras de transformação.
Exemplo do primeiro caso é o sistema partidário norte-americano e também o inglês,
sistemas tipicamente bipartidários (Partido Democrata/Partido Republicano nos Estados
Unidos; Partido Conservador/Partido Trabalhista na Inglaterra). Exemplo do segundo
caso é Portugal, sistema partidário relativamente recente, que contudo tem revelado uma
assinalável estabilidade, ressalvada a emergência do PRD nos anos 80 século passado e
do recente crescimento do BE.
Finalmente, há que entrar em consideração com a possibilidade de agrupamentos
de partidos. Acontece, realmente, que sistemas multipartidários funcionam efetivamente
com sistemas bipartidários ou, pelo menos, não funcionam como típicos sistemas
pluripartidários. E o caso em que os vários partidos existentes se agrupam em duas
constelações partidárias estáveis ao longo do tempo, na base de afinidades de base social
ou ideológicas, formando dois blocos que dominam o sistema partidário e se sobrepõem
aos partidos individualmente considerados. Foi o caso designadamente da França durante
algumas décadas, em que se formaram dois agrupamentos de partidos que transformaram
o sistema pluripartidário num sistema quase bipartidário (de um lado a "esquerda" —
radicais, socialistas, comunistas e verdes —, do outro lado, a aliança entre conservadores,
liberais e "gaullistas").
Todas estas observações mostram como o critério numérico é só por si insuficiente
para servir de base a uma tipologia de sistemas partidários, podendo mesmo conduzir a
resultados com pouca ou nenhuma ligação com a realidade.
Apesar da insuficiência de um critério simplesmente numérico, o que é certo é que
o número de partidos é uma variável de grande importância para a caraterização dos
sistemas partidários e, por extensão, do próprio sistema politico. Importa, pois, analisar
67

os fundamentos da multiplicidade de sistemas partidários no que respeita ao número de


partidos.
O primeiro fator é certamente a própria estrutura social e o seu reflexo no sistema
político. Assim, numa sociedade dividida no fundamental em dois campos sociais, esse
será um que joga a favor da formação de um sistema bipartidário. Numa sociedade mais
complexa, de maior diversidade social, haverá aí um fator favorável a um sistema
multipartidário. Naturalmente a alteração da estrutura social determina a transformação
no sistema de partidos. Assim, por exemplo, enquanto no sec. XIX a oposição
fundamental foi, durante algum tempo, entre a aristocracia fundiária e a burguesia
comercial e industrial, a partir de certo momento a oposição fundamental passou a ser
entre a burguesia em geral e as classes trabalhadoras. A história dos partidos britânicos
ilustra claramente esta questão: até ao fim do sec. XIX existia um sistema bipartidário
(conservadores - liberais); com a formação do partido trabalhista constituiu-se um
sistema tripartidário que, a partir de 1930, com a ascensão do partido trabalhista e a perda
de influência do partido liberal (correspondente à perda de importância da oposição
conservadores-liberais no campo das classes dominantes e a uma eventual crise de
'leadership' no partido liberal), conduziu a um novo sistema bipartidário.
Um segundo conjunto de aspetos integra os fatores étnicos, religiosos e linguísticos
ou nacionais. As divisões desta natureza podem constituir fatores autónomos de formação
partidária, nomeadamente no que diz respeito às etnias, línguas, religiões ou
nacionalidades dominadas dentro do sistema político. Fatores desta natureza, isolados ou
em conjunto, desempenharam um papel mais ou menos importante em países como a
Holanda e a Bélgica (fatores linguísticos e religiosos), a Suíça (linguísticos), a Itália e a
Espanha (linguísticos e nacionais), o Reino Unido (linguísticos, religiosos e nacionais,
especialmente na Irlanda, Gales e Escócia), isto para falar apenas em países europeus.
Um terceiro conjunto de fatores na determinação dos sistemas partidários está
ligado às guerras de libertação nacional e aos movimentos revolucionários vitoriosos. As
guerras de independência conduziram muitas vezes à formação de sistemas
monopartidários com origem no movimento de libertação, e que, na base da unidade
nacional e da luta contra o ocupante estrangeiro ou colonial, permitiram "consumir" e
anular as clivagens sociais ou de outra natureza (étnica, religiosa, etc.). O sistema assim
nascido tende a permanecer depois de conquistada a independência, agora na base de
68

uma mobilização nacional para o desenvolvimento. Foi o que aconteceu durante muito
tempo em muitos países recém-independentes, na Ásia e na África.
Do mesmo modo, as revoluções podem tender igualmente para constituir sistemas
monopartidários. As revoluções, conduzidas na base de uma mobilização contra uma
classe ou elite dominante, uma vez vitoriosas, tendem a manter, durante um prazo mais
ou menos longo, aquilo que na teoria das revoluções se chama "ditadura revolucionária".

3.4.7. Sistemas de partidos e sistemas eleitorais: As "leis de


Duverger"

Um fator de natureza particular na determinação dos sistemas partidários é aquele


que foi teorizado por Duverger — é o sistema eleitoral. Segundo Duverger, haveria uma
ligação direta entre o sistema eleitoral e o sistema partidário (fora os casos de
monopartidarismo institucionalizado). O sistema eleitoral determinaria o sistema
partidário.
Assim, o sistema eleitoral de representação proporcional - isto é, o sistema em que
cada partido obtém em cada círculo eleitoral um número de deputados tendencialmente
proporcional à sua quota de votos -, que é predominante na Europa continental,
conduziria a um sistema multipartidário. O sistema eleitoral maioritário com duas voltas,
de tipo francês, conduz a um sistema multipartidário "temperado" por alianças e pela
formação de dois blocos eleitorais de partidos. Finalmente, o sistema eleitoral maioritário
simples, de tipo britânico, conduziria a um sistema bipartidário. São estas as três “leis”
sociológicas que determinam as relações entre o sistema eleitoral e o sistema partidário.
A tese de Duverger é aliciante e parece encontrar abundante prova na realidade
politica. Exemplos da primeira "lei" podem ser a Itália e Portugal; da segunda, a França;
da terceira, o Reino Unido. E seria de resto lógica a ligação entre os dois elementos: o
sistema proporcional possibilita que todo e qualquer partido tenha possibilidade de fazer
eleger deputados, desde que ultrapasse uma percentagem mínima de votos, "convidando"
portanto à formação e permanência de vários partidos, de acordo com a variedade dos
interesses políticos. Por sua vez, o sistema maioritário de duas voltas obriga a fazer
alianças para a segunda volta, conduzindo portanto à formação de blocos ou coligações
entre os partidos concorrentes na 1a volta. Por último, o sistema maioritário simples
69

obriga à concentração de votos desde o início no partidos com hipóteses de vencer, pois
a dispersão de votos pode dar a vitória ao adversário, mesmo que este tenha menos votos
do que os outros em conjunto.
Finalmente, é fácil demonstrar que a alteração do sistema eleitoral conduz
normalmente a alterações do sistema partidário no sentido indicado. Assim, a passagem,
em França, do sistema proporcional para o sistema maioritário a duas voltas, a partir de
1958, conduziu a uma transformação do sistema partidário, que passou de um
multipartidarismo difuso da IV República para um sistema quase bipartidário na V
República, entre duas coligações relativamente estáveis, uma à direita outra à esquerda.
Contudo, as teses de Duverger têm sido alvo de várias críticas que lhe têm reduzido
grandemente o alcance. Em primeiro lugar, há situações que fogem às leis definidas por
Duverger: há sistemas bipartidários com sistemas eleitorais proporcionais e sistemas
pluripartidários com sistemas eleitorais maioritários simples. Em segundo lugar, há casos
em que, historicamente, foi o sistema partidário que determinou o sistema eleitoral e não
o contrário: assim, em Portugal, em 1974, foi o sistema pluripartidário nascido logo após
o 25 de Abril que determinou a escolha do sistema eleitoral proporcional, e não o inverso.
Em terceiro lugar, o sistema maioritário simples não impede na Grã-Bretanha o
crescimento quer do partido liberal, quer dos partidos nacionalistas, galês e escocês, nem
o sistema proporcional impede a relativa concentração eleitoral portuguesa à volta de
dois partidos, o PS e o PSD, tal como não impediu, por exemplo, a concentração eleitoral
em Israel durante muito tempo, determinada pela criação do partido trabalhista, em 1968,
na sequência da junção de três partidos já existentes e, do mesmo modo, pela criação do
partido Likud em 1977, resultante da junção de quatro partidos, também eles já
existentes.
Evidentemente, o sistema eleitoral pode condicionar, travar ou acelerar um
determinado desenvolvimento do sistema partidário. Mas trata-se apenas de uma das
variáveis e talvez nem seja a mais importante. O sistema partidário obedece
fundamentalmente a fatores sociais (estruturas de classe e ideologias) e depende também
da natureza do sistema político e do regime político, e de outros fatores próprios de cada
país. Mais do que uma causa o sistema eleitoral pode ser uma consequência do sistema
partidário.
Mais evidente parece ser o efeito do sistema eleitoral na conservação/paralisação
70

(freezing effect) do sistema partidário existente — desde que, evidentemente, ele esteja
minimamente enraizado, nomeadamente, desde que ele não seja alvo de contestação
popular generalizada. Isto vale sobretudo para aqueles casos em que é utilizado o sistema
eleitoral maioritário. Uma vez que um partido tenha 'saído' do sistema partidário,
dificilmente nele poderá reentrar (veja-se o caso do partido liberal britânico).
Em todo o caso, uma evolução recente de muitos países europeus,
independentemente do sistema eleitoral, traduz-se na fragmentação dos sistemas
partidários, em consequência da erosão política dos dois principais partidos tradicionais
(democracia cristã e social-democracia) e do aparecimento de novos partidos, tanto nos
extremos do leque político (extrema-esquerda e extrema-direita), como em novos
quadrantes (verdes, etc.).

Bibliografia:
Carlos Jalali, Partidos e sistemas partidários, FFMS, Lisboa, 2017
F. Farelo Lopes, «Partidos Políticos», in F. Farelo Lopres / A. Freire, Partidos
políticos e sistemas eleitorais, 2002.
Galagher / Laver / Mair, Representative Government in Modern Europe, Nova
York, 2006, caps 7, 8 e 10.
J. Chariot, Os partidos Políticos (ed. portuguesa, Lisboa, 1974).
J. La Palombara e M. Weiner, Political Parties and Political Development
(Princeton, 1966)
J. Miranda, ob. cit., 263-305.
L. Diamond / R. Gunther (edts.), Political Parties and Democracy, Baltimore
/Londres, 2001.
M. Duverger, Os partidos Políticos (ed. brasileira)
Norberto Bobbio, Direita e esquerda : Razões e significado de uma distinção
politica, trad. port. Lisboa, 1995
P. Bonavides, ob. cit., 425-468
S. Neuman, Modern Political Parties (Chicago, 1956)
R. Gunther / J. Ramón Montero / Juan J. Linz (edts.), Political Parties, Oxford,
2002.
Capítulo IV
Formas de expressão política

4.1. O voto e a participação

Como é que os cidadãos, os grupos de interesse e os partidos políticos exprimem


politicamente as suas posições e tomam parte nas decisões políticas?
Deixando de lado as formas de intervenção à margem da Constituição (insurreições,
revoluções, golpes de Estado) ou as formas de expressão organizada exteriores às
instituições (petições, manifestações, greves políticas, etc.), as três formas típicas de
intervenção política institucionalizada são as eleições, os referendos e outras formas de
decisão popular através do voto e a participação direta nas instituições ou nas decisões dos
órgãos representativos (iniciativas populares, consultas populares, conselhos consultivos,
etc.).
Numa democracia direta, as decisões políticas são tomadas diretamente pelos
cidadãos, em assembleias populares ou através de referendos.
Numa democracia representativa, a principal forma de expressão e intervenção
política são as eleições para as assembleias representativas, a começar pelos parlamentos.
Muitas vezes também são diretamente eleitos os Presidentes da República ou os chefes de
certos órgãos executivos (por exemplo, os governadores dos Estados federados ou os
presidentes dos municípios). A democracia representativa é antes de mais uma democracia
eleitoral, através de eleições livres e periódicas por sufrágio universal, secreto, igual e
direto.
Todavia, a democracia representativa pode coabitar em maior ou menor medida com
a possibilidade de decisões populares diretas, à margem dos órgãos representativos, através
do voto (referendos, revogação popular de mandatos representativos), ou com a
possibilidade de iniciativas populares de legislação ou de referendos, quebrando assim o
monopólio dos órgãos representativos.
72

Por último, há possibilidade de intervenção de cidadãos, partidos ou grupos de


interesse nas decisões dos órgãos representativos ou executivos mediante a sua participação
em mecanismos institucionalizados de consulta popular ou mediante a sua participação em
órgãos de consulta ou de codecisão.

4.2. Sistemas eleitorais das assembleias representativas

4.2.1. Introdução

O sistema eleitoral dos órgãos representativos, especialmente dos parlamentos, «é o


mais fundamental dos fatores da democracia representativa» (Lijphart, 1994: 1). Entre
outras coisas, ele influencia o sistema de partidos e a formação de governos, a participação
dos cidadãos, o papel dos deputados no parlamento, a formação e a estabilidade dos
governos.
Designa-se por sistema eleitoral o modo como os votos dos eleitores são
transformados em deputados nas assembleias representativas. Portanto, têm-se aqui em
conta somente as eleições parlamentares - que são as eleições principais, pelo menos nas
democracias parlamentares -, sem considerar as "eleições de segundo grau", como são as
eleições presidenciais (nos casos em que o PR é diretamente eleito), as eleições locais e as
eleições europeias (no caso dos Estados-membros da UE)1.
São as seguintes as variáveis principais de um sistema eleitoral (em sentido genérico):
número de deputados das assembleias; repartição desse número pelos círculos eleitorais
(quando não existe somente um); existência ou não de níveis diversos de círculos eleitorais
(nacional, regional, local); tipo de candidaturas (individuais ou de lista, independentes ou
partidárias); fórmula ou método eleitoral de conversão de votos em mandatos (sistema
eleitoral em sentido estrito), conforme seja maioritário ou proporcional (ou misto);
existência ou não de "cláusulas-barreira"; modo de votação dos eleitores; etc.

4.2.2. O sufrágio

No início, o sistema representativo baseava-se no sufrágio restrito: limitações

1
Note-se que nas democracias presidencialistas a eleição do PR não é uma “eleição secundária”, visto
que elas servem para eleger o chefe do governo.
73

censitárias (requisitos de riqueza ou de rendimentos) e capacitárias (habilitações literárias),


limitações com base no sexo (exclusão do voto feminino). Só bem dentro do século XX é
que se atingiu o sufrágio universal, ou seja, o reconhecimento do direito de voto a todos os
adultos, excetuadas algumas incapacidades (por exemplo, alienação mental), fazendo assim
coincidir a capacidade eleitoral tendencialmente com a capacidade civil.
Historicamente, existem vários tipos de sufrágio:
- Sufrágio direto e sufrágio indireto: no primeiro os eleitores escolhem diretamente
os membros dos órgãos eletivos, como é norma nos regimes democráticos; no segundo, os
eleitores escolhem somente os delegados ou o "colégio eleitoral" que hão de escolher os
governantes (eleição em dois graus), como sucede ainda hoje na eleição do presidente dos
Estados Unidos;
- Sufrágio individual e sufrágio orgânico: no primeiro caso são os cidadãos,
individualmente, que elegem diretamente os órgãos eletivos, como sucede nos regimes
democráticos, com base na cidadania individual; no segundo, estes são escolhidos por
organismos sociais ou políticos (famílias, corporações, entes públicos menores). Foi este o
sistema dominante nos regimes corporativistas dos anos trinta e quarenta do século passado
(Itália fascista, Portugal do Estado Novo, etc.).
- Sufrágio voluntário e sufrágio obrigatório
O sufrágio constitui um direito dos cidadãos, mas também pode constituir uma
obrigação legal. De facto, alguns países instituíram o voto obrigatório (Bélgica, Brasil,
entre outros), para assim reforçar a legitimidade dos órgãos eleitos, aumentando a
participação nas eleições e diminuindo a abstenção. A questão tem a ver com uma visão
mais liberal ou mais democrática: a primeira tenderá a optar pelo voto facultativo; a
segunda, pelo voto obrigatório.
- Sociologicamente está provado que a abstenção é mais forte nas camadas
populacionais de rendimento mais baixo, que têm menos tempo e menos disposição para
“investir” no acompanhamento da atividade política, pelo que o voto obrigatório tenderia
a suprir essa assimetria sociológica na participação política.

4.2.3. Os tipos básicos de sistema eleitoral (stricto sensu)

Existem dois tipos básicos de sistema eleitoral:


74

- Os sistemas eleitorais maioritários, em que a eleição dos deputados, normalmente


efetuada em círculos uninominais (que elegem só um deputado), se faz de acordo
com a regra da maioria simples de votos ("pluralidade de votos"), sendo eleito o
candidato que tiver mais votos;
- Os sistemas eleitorais proporcionais, em que a eleição dos deputados, sempre
efetuada em círculos plurinominais (que elegem mais do que um deputado),
implica uma repartição dos eleitos entre as listas concorrentes, de acordo com a
proporção de votos de cada uma no conjunto dos votos do correspondente círculo
eleitoral.

E existem sistemas mistos, que conjugam ou misturam, de diversa maneira, ambos os


sistemas básicos, v. g. a conjugação de círculos eleitorais maioritários uninominais com um
círculo nacional proporcional. Todavia, em certos casos não é fácil saber se estamos perante
verdadeiros sistemas mistos ou perante modalidades especiais de um dos sistemas básicos.
Por exemplo, o sistema eleitoral alemão (que abordaremos abaixo) é classificado por alguns
autores como um sistema misto e por outros como um “sistema proporcional personalizado”
(Sartori afirmava, a propósito do sistema eleitoral alemão, que «a mistura de ingredientes
não conduz a um produto misto»).
Note-se, todavia, que os sistemas proporcionais podem produzir resultados pouco
proporcionais, por causa das caraterísticas específicas de cada um deles (círculos eleitorais
pequenos, clásulas-barreira, etc.), e que inversamente um sistema maioritário pode produzir
resultados aproximadamente proporcionais, em virtude de certas circunstâncias particulares
(por exemplo, repartição geográfica assimétrica da implantação dos diferentes partidos).
Cada um dos sistemas básicos comporta vários métodos de apuramento e repartição
dos deputados; e cada um destes, varias modalidades (cfr. quadro junto).
75

Sistemas eleitorais

método ou fórmula
tipo círculos eleitorais modalidades
eleitoral

maioria relativa
uninominais
maioritários (por vezes
plurinominais) 2a volta;
maioria absoluta
voto alternativo

Hare (Q=v/d);
método do quociente Hagenbach-Bischoff
(Q=v/d+1):
Droop (Q= ((v/d+1)+1)

proporcionais plurinominais método do divisor Hondt (v/1, 2, 3, 4, ...)


(média mais alta) Sainte-Lague (v/1, 3, 5,
7, ...)
voto único transferível
(STV)
sistema maioritário com
representação de
minorias (lista
incompleta);
mistos uninominais e círculos individuais
plurinominais maioritários mais um
círculo proporcional
nacional;
sistemas proporcionais
“corrigidos”

I - Sistemas maioritários

Nos sistemas eleitorais maioritários os deputados são eleitos em princípio em círculos


uninominais, havendo tantos círculos eleitorais quantos os deputados a eleger. Por isso, as
circunscrições eleitorais têm de ser desenhadas de modo a abranger um número aproximado
de eleitores, o que leva à necessidade de rever periodicamente a geografia eleitoral, tendo
em conta as mudanças populacionais.
Nos sistemas eleitorais de maioria relativa, em cada círculo eleitoral é eleito o
candidato que tiver mais votos (mais do que qualquer outro), por mais pequena que seja a
percentagem na votação total (maioria relativa). Assim, se houver vários candidatos e o
76

total dos votos se repartir de forma aproximadamente equilibrada por todos eles, pode
suceder que o vencedor fique muito longe da maioria absoluta dos votos. Os mais
conhecidos dos países que têm este sistema são a Grã-Bretanha e os Estados Unidos da
América.
Nos sistemas eleitorais de maioria absoluta, exige-se que o vencedor tenha mais de
metade do total dos votos (mais do que todos os demais candidatos juntos). Este sistema
apresenta vários métodos assaz distintos, sendo mais conhecidos os dois seguintes:
- O método da segunda volta, pelo qual se exige uma segunda volta (2a votação),
caso na primeira nenhum candidato tenha obtido maioria absoluta dos votos,
podendo a segunda volta ser reservada aos dois candidatos mais votados na
primeira volta (caso em que um deles obtém necessariamente a maioria absoluta),
ou ser alargada aos que tenham superado uma certa percentagem mínima na 1a
volta, o que permite mais do que dois concorrentes, não se garantindo portanto a
obtenção de uma maioria absoluta (sistema francês);
- O método do voto alternativo, em que a maioria absoluta se obtém com uma única
votação; para o efeito, os eleitores, perante uma lista que contém todos os
candidatos dos vários partidos, devem escolher não somente o candidato que
preferem, mas também indicar as alternativas, por ordem de preferência dos
demais candidatos, para o caso de o candidato da sua primeira escolha não sair
vencedor; contados os votos, se houver um candidato que tenha obtido maioria
absoluta de primeiras escolhas (mais de metade do número total de votos),
considera-se obviamente eleito; se não, elimina-se o candidato menos votado,
repartindo as segundas preferências dos seus boletins de voto pelos demais
candidatos; se ainda assim não houver nenhum candidato que alcance uma maioria
absoluta, repete-se a operação com as segundas preferências dos votos do
candidato que tenha menos votos, até se obter uma maioria absoluta; é o sistema
vigente em algumas eleições na Austrália.

II - Sistemas proporcionais

Também os sistemas eleitorais proporcionais - que pressupõem sempre círculos


plurinominais - apresentam vários métodos ou fórmulas eleitorais:
77

1° - Método do quociente
Este método consiste em obter o quociente da divisão entre o número de votos
entrados e o número deputados a eleger em cada círculo eleitoral e reveste várias
modalidades, entre as quais as seguintes:
a) Quociente de Hare (ou quociente natural):
Primeiro, o número total de votos efetivos (soma dos votos de todas as listas) é dividido
pelo número de deputados a eleger no círculo, obtendo-se assim o quociente eleitoral
(Q=v/d); depois, divide-se o número de votos de cada lista por esse quociente (v'/Q),
cabendo a cada lista um número de deputados igual ao resultado dessa divisão (= número
de vezes que o quociente eleitoral cabe no número de votos de cada lista); se, depois de
feitas as referidas divisões ainda houver deputados por atribuir, então recorre-se a um
mecanismo subsidiário, que pode variar de sistema para sistema (por exemplo, atribuir os
deputados sobrantes pelas listas que tenham maior resto de votos inaproveitados, ou seja,
em que o resto da divisão esteja mais próximo do quociente eleitoral) (Ver quadro junto).
b) Quociente de Hagenbach-Bischoff
Nesta modalidade, o quociente eleitoral obtém-se pela divisão do número total de
votos pelo número de deputados a eleger, acrescentado de 1 (Q=v/d+1);
c) Quociente de Droop

É igual ao anterior, mas em que se acrescenta 1 ao resultado da divisão [Q=(v/d+1)+1].


78

Sistema proporcional
(Método do quociente natural, ou de Hare)

[Hipótese: Círculo eleitoral de 10 000 eleitores elegendo cinco deputados]

1º - Divide-se o número total de votos (soma dos votos de todos os partidos) pelo
número de deputados a eleger: 10 000:5=2000. Este e o quociente eleitoral.
2º - Divide-se o número de votos obtido por cada partido pelo quociente eleitoral
(2000), para calcular o número de deputados eleitos por cada um (ver operações no
quadro seguinte);
3º - Resta um deputado não atribuído, que é conferido ao partido com o maior
resto:

partidos N° de votos Divisão pelo restos N° de deputados


quociente eleitos
eleitoral (2000)
Partido A 5500 2 1500 3

Partido B 2500 1 500 1

Partido C 2000 1 0 1

2° - Método do divisor (ou da média mais alta),

Este método consiste em dividir o número de votos de cada partido por divisores
crescentes e depois ordenar os resultados de todos essas divisões pela ordem de grandeza.
Também reveste diversas modalidades, as mais conhecidas das quais são:

a) Método de Hondt
Os eleitores votam numa das listas de candidatos propostas; o número de votos
obtido por cada lista é dividido sucessivamente por 1, 2, 3, etc. (teoricamente até ao
número equivalente ao número de deputados a eleger no círculo); ordenam-se depois os
resultados obtidos de todas as divisões, respeitantes a todos os candidatos, numa única
série decrescente, com tantos resultados quantos os deputados a eleger; a cada lista cabem
79

tantos deputados eleitos quantas as vezes que essa série incluir resultados pertencentes às
divisões correspondentes a essa lista (ver quadro seguinte).

Método proporcional de Hondt

(por exemplo: círculo de 5 deputados)

1º - Faz-se a divisão do número de votos obtido por cada partido sucessivamente por
1, 2, 3, 4 e 5:

partidos N° de votos Divisor 1 Divisor 2 Divisor 3 Divisor 4 Divisor 5

Partido A 5000 5000 2500 1666 1250 1000

Partido B 3000 3000 1500 1000 750 600

Partido C 2000 2000 1000 666 500 400

2º - Ordenam-se todos os resultados obtidos numa única série, por ordem


decrescente, até obter uma série de cinco: 5000, 3000, 2500, 2000, 1666.

3º - Repartem-se os cinco deputados pelos partidos a quem pertençam as cinco


médias mais altas:
Partido A: 3 deputados (1°, 3° e 5°)
Partido B: 1 deputado (2°)
Partido C: 1 deputado (4°)

b) Método de Sainte Lague:

É igual ao método de Hondt, só que o número de votos de cada lista é dividido


sucessivamente por um divisor ímpar (1, 3, 5, 7, etc.).

3° - Sistema do voto único transferível (STV, single transferable vote)


Vigente na Irlanda, este sistema eleitoral opera assim: os boletins de voto incluem
80

a lista completa de todos os candidatos dos vários partidos, cabendo ao eleitor escolher
os candidatos em que vota, assinalando-os de acordo com a sua ordem de preferência (1a,
2a, etc.), até ao número dos deputados que cabem ao círculo; calcula-se o quociente
eleitoral, de acordo com um dos métodos de quociente acima referidos (na Irlanda utiliza-
se o quociente de Droop); somam-se as primeiras preferências de cada candidato; o
candidato (ou os candidatos) que na primeira preferência tiver atingido o quociente
eleitoral considera-se eleito (suponhamos o candidato A); o número de votos sobrantes
do candidato A (o número de primeiras preferências acima do quociente eleitoral) vai ser
repartido pelos restantes candidatos, de acordo com a segunda preferência dos votos de
A, na proporção que cada um dos outros candidatos tenha na segunda preferência do total
dos votos do candidato eleito (candidato A); o candidato que, por acréscimo dessas
segundas preferências, atingir o quociente eleitoral considera-se também eleito
(suponhamos, o candidato B); depois, se ainda houver deputados por eleger, vão-se
repartir pelos candidatos restantes o número de votos ainda sobrantes do candidato A que
tinham segunda preferência em B e de que este não necessitou, de acordo com a terceira
preferência desses boletins de voto; e assim por diante, até a eleição de todos os
deputados. Se porventura já não houver votos excedentários dos candidatos eleitos para
repartir, então vai-se eliminar o candidato menos votado, repartindo todos os seus votos
pelos restantes candidatos, consoante as segundas preferências naqueles indicada.

III - Sistemas eleitorais mistos

Os sistemas eleitorais mistos podem revestir as mais diversas versões. Por exemplo:
a) Sistema maioritário em círculos plurinominais com representação de minorias,
por meio de lista incompleta, de acordo com o qual a lista vencedora não elege todos os
deputados do círculo, cabendo uma parte preestabelecida à segunda lista mais votada; foi
um sistema utilizado durante certos períodos em Portugal, tanto no liberalismo monárquico
como na I República;
g) Coexistência territorial de círculos maioritários uninominais (por exemplo, nas
zonas rurais) com círculos eleitorais proporcionais (por exemplo, nas zonas urbanas); caso
da Rússia e do Japão.
c) Conjugação de círculos eleitorais maioritários uninominais com um círculo
81

nacional proporcional sobreposto.

IV - Sistemas proporcionais personalizados

Consideração particular merecem os chamados "sistemas proporcionais


personalizados", em que o eleitor tem meios de influir na escolha pessoal dos deputados a
eleger, diferentemente do que ocorre nos sistemas proporcionais com voto de lista fechada
e bloqueada, em que o eleitor se limita a escolher uma lista partidária, sem poder influir na
ordem dos candidatos a eleger (como sucede atualmente em Portugal).
De entre os sistemas proporcionais personalizados, são de referir três em especial:
a) O sistema de voto único transferível, já referido, em que o eleitor escolhe
individualmente os candidatos de entre os propostos nas diversas listas, ordenando-os de
acordo com a sua preferência;
b) O sistema de lista fechada mas não bloqueada (Bélgica, Holanda, Brasil),
em que o eleitor pode marcar a sua preferência por um (ou mais) dos candidatos propostos
na lista pela qual vota (voto preferencial), podendo por isso decidir quem vai ser eleito em
concreto, ou de lista aberta (Grécia), em que o eleitor pode acrescentar nomes aos os
candidatos constante das listas dos partidos, sendo eleitos os que tiverem mais votos; estes
sistemas têm sido criticados por vários motivos, nomeadamente por conduzirem a uma luta
intestina entre os candidatos do mesmo partido, em prejuízo da luta contra os adversários:
c) O sistema alemão, em que o apuramento do número de deputados eleitos por
cada partido se faz proporcionalmente, num único círculo nacional, mas em que uma parte
dos candidatos (cerca de metade) são apresentados em círculos uninominais em que é
dividido o território eleitoral; os eleitores têm dois votos, um "voto de lista" (que serve para
apurar a repartição proporcional dos deputados) e um voto no círculo uninominal (que só
serve para determinar quem ganha nesses círculos); os candidatos ganhadores nesses
círculos uninominais (por maioria relativa) integram necessariamente a quota dos deputados
apurada a nível nacional para o respetivo partido; só depois deles é que se vão buscar os
candidatos das listas plurinominais para completar o conjunto dos deputados que cabem a
cada partido; se algum partido ganhar mais círculos uninominais do que o número de
deputados que lhe cabem pela repartição proporcional apurada pelo voto de lista (o chamado
2° voto), esses deputados consideram-se eleitos a título excedentário, pelo que o número de
deputados do parlamento será acrescentado do número de "supranumerários" que
82

porventura houver; nesse caso existe um desvio ao princípio da proporcionalidade, visto


que esses partidos obtêm mais deputados do que os que lhe couberam por aplicação da regra
proporcional; para restabelecer a proporcionalidade pode ser atribuído aos demais partidos
um número suplementar de deputados.

V – “Cláusula barreira”

Consiste na fixação legal de uma percentagem mínima de votos a obter pelos partidos
para conseguirem representação parlamentar, v. g., nos sistemas proporcionais da
Dinamarca (2%), Espanha e Grécia (3%), Suécia, Noruega e Áustria (4%), Alemanha,
Sérvia, etc (5%). As cláusulas barreira são típicas dos sistemas proporcionais e visam
impedir ou reduzir a fragmentação parlamentar, a desencargjar as cisões partidarias, a
estimular os epquenos partidos a aliarem-sae a outros para disputars as eleições e/ou impedir
ou dificultar o acesso ao parlamento de pequenos partidos extremistas ou radicais.
Em Portugal está proibida pela Constituição. Todavia, e eleição dos deputados em
círculos eleitorais que elegem um número reduzido de deputados correspondente a uma
cláusula-barreira implícita, variável de círculo para círculo. Por exemplo, num círculo que
elege 20 deputados a cláusula-barreira implícita é de cerca de 5%. Um partido que atinja
essa percentagem de votos elege um deputado mesmo que tenha uma percentagem ínfima a
nível nacional.

VI - Fatores que determinam o índice de proporcionalidade efetiva dos


sistemas eleitorais

Os sistemas proporcionais podem dar resulatdos mais ou moos proporcionais na


repartição dos mandatos pelos partidos, de acordo com alguns fatores, nomeadamente a
dimensão dos circulos eleitorais e a existência ou não de cláusula-barreira.
A proporcionalidade é mais elevada nos países que têm um só circuslo eleitoral, como
a Holanda, a Sérvia ou Israel. Mas a generalidade do países dividem o território nacional
em círculos eleitorais infranacionais, mais ou menos numerosos. Quanto mais numerosos
forem os círculos eleiorais e quanto mais pequena for a sua dimensão (ou seja, o número de
mandatos que elegem), menos proporcional é o sistema eleitoral.
Qaunto à cláusula-barreira, já vimos que ela imptde a eleição de deputados pelos
partidos que não atinjam o limiar de votos legalmente estabelecida.
83

VII – Sistemas proporcionais corrigidos

Como é intuitivo, os sistemas proporcionais tendem a formar parlamentos sem maioria


absoluta, com a inerente dificuldade em formar governos maioritários por meio de
coligações eleitorais.
Por isso alguns países optam por “majorar” a representação parlamentar do partido
que ganhe as eleições, atribuindo-lhe um suplemento de mandatos, como é o caso da Grécia
e recentemente da Itália, de modo a facilitar maiorias eleitorais monopartidárias.

4.2.4. Coligações eleitorais

Em alguns sistemas eleitorais são admitidas coligações de partidos para efeitos


eleitorais. Há duas espécies de coligações eleitorais: (i) coligações com lista única comum,
sendo depois os deputados eleitos pela coligação repartidos pelos partidos coligados de
acordo com a ordem da lista; (ii) coligações com listas separadas, sendo depois o votos de
todas somados para efeito de atribuição de deputados, os quais são depois conferidos aos
partidos coligados de acordo com os votos de cada um. Em Portugal só existe o primeiro
tipo de coligações.
As coligações eleitorais podem ter três fundamentos. Primeiro, permitem que partidos
pequenos tenham chances de eleger deputados, especialmente nos sistemas eleitorais
dotados de cláusula-barreira, o que permite ampliar o âmbito partidário da representação
parlamentar. Segundo, permitem “majorar” o número de deputados obtidos pelos partidos
coligados, beneficiando da concentração dos respetivos votos. Terceiro, permitem facilitar
a obtenção de maiorias absolutas no Parlamento.
Não se devem confundir as coligações eleitorais, estabelecidas antes das eleições e
para concorrer a estas, das coligações pós-eleitorais, constituídas depois das eleições
nomeadamente para efeitos de formação de governos (coligações governamentais).
Todavia, as coligações eleitorais, quando ganhadoras, tendem naturalmente a formar
coligações governamentais.
84

4.2.5. Representação diferenciada em sociedades divididas

Na teoria clássica do governo representativo, são os cidadãos indiferenciadamente,


verificados os requisitos estabelecidos, que elegem os representantes. Não existe
representação diferenciada por grupo social, por género, por etnia, etc.
Todavia, como já referido anteiormente, em várias sociedades divididas essa regra
sofre derrogações em favor da representação separada de grupos sociais específicos, em
função da língua, religião ou etnia. Assim, por exemplo, na Nova Zelândia existe um círculo
eleitoral separado para a etnia maori (aborígenes). No Líbano existe representação separada
para os diferentes grupos étnico-religiosos e o mesmo sucedia em Chipre antes da secessão
de facto da parte turca do País. Coisa idêntica se verifica com a representação própria dos
povos índios em alguns Estados latino-americanos, como a Bolívia.
Situação diferente é a da chamada “equilíbrio de género” (gender balance) na
representação parlamentar, que consiste na imposição de uma quota mínima de
representantes de cada género, nomeadamente de mulheres, nas listas eleitorais. Esse
mecanismo surgiu para corrigir a sub-representação feminina nos parlamentos. Nascido na
Escandinávia por iniciativa espontânea dos próprios partidos, esse mecanismo veio depois
a ser tornado obrigatório por lei em certos países, entre os quais Portugal. Aí não há
representação separada, visto que os cidadãos votam sem separação de género, mas somente
uma limitação da liberdade dos partidos na composição das suas listas.

4.2.6. Lógica e consequências dos sistemas eleitorais

Resumindo este capitulo, há dois índices que importa ter em conta para avaliar um
sistema eleitoral quanto aos seus resultados:
a) O "índice de representatividade", que mede a taxa de eleitores cujo voto serviu
para eleger algum deputado e dos votos perdidos, que não serviram para eleger ninguém;
esse índice é naturalmente maior nos sistemas proporcionais (mas a sua expressão depende
da modalidade de sistema proporcional e da existência ou não de "cláusula barreira"), sendo
muito menor nos sistemas maioritários (onde, em cada círculo eleitoral, só obtêm
representação os votos no vencedor, sendo os demais desperdiçados);
b) O "índice de proporcionalidade", que mede o desvio entre a percentagem de votos
de um partido concorrente e a percentagem de deputados que ele obtém e para o qual
85

existem diversas formulações. O índice é tanto maior quanto menor for o desvio
(desproporcionalidade).

Os sistemas eleitorais maioritários – eleição dos deputados em círculos eleitorais


pequenos e candidaturas uninominais (embora haja também sistemas maioritários com
círculos plurinominais de maior dimensão) - são por princípio escassamente proporcionais,
pois tendem a excluir do parlamento os partidos mais pequenos, que não conseguem vencer
em nenhum círculo eleitoral, salvo qando o seu poios eleitoral esteja territorialmente
concentrado (caso dos partidos regionais). Por isso, os sistemas maioritários tendem a dar
sobrerrepresentação aos maiores partidos, facilitando as maiorias parlamentares absolutas
com votações muito aquém dos 50%.

Quanto aos próprios sistemas proporcionais círculos plurinominais relativamente


grandes, candidaturas plurinominais -, podem existir muitas diferenças quanto ao índice de
proporcionalidade, de acordo com muitos fatores, a saber:

- O método eleitoral, sendo por exemplo o método de Hondt relativamente menos


proporcional do que os demais acima referidos;
- A existência de um limiar legal ou cláusula barreira, de acordo com a qual um
partido só pode eleger deputados se alcançar uma certa percentagem de votos (que
pode ser calculada a nível nacional ou a nível de cada círculo) e que varia de país
para país (Alemanha, 5%; Espanha, 3%); a cláusula barreira diminui a
proporcionalidade do sistema, visto que prejudica os pequenos partidos em
benefício dos demais; note-se que no caso de círculos eleitorais de pequena
dimensão (baixo número médio de deputados por círculo) existe uma cláusula
barreira implícita, dado que desse modo só se consegue eleger um deputado
quando se atinja o limiar ditado pelo método do divisor ou da média mais alta para
eleger o ultimo deputado;
- Mas o principal fator de desproporcionalidade é a dimensão média dos círculos
eleitorais, dependendo ela do número total de deputados e do número de círculos
eleitorais (o número de deputados por círculo é tanto maior quanto maior for o
parlamento e quanto menor for o número de círculos): ora, quanto maior for a
dimensão eleitoral dos círculos (isto é, quanto maior for o número médio de
deputados por círculo), maior é a proporcionalidade, e vice-versa.
86

Como se vê no quadro seguinte, só com um círculo de 9 deputados é que a percentagem


de deputados eleitos por cada partido se aproxima da percentagem de votos que cada um
obteve.

Relação entre a dimensão dos círculos e a


proporcionalidade
(com o método de Hondt)

Partido A - 4500 votos Partido B - 3500 votos Partido C - 2000 votos


em 10 000 (45%) (35%) (20%)

Círculo de 1 deputado 1 deputado = 100%

Círculo de 3 deputados 2 deputados = 66,6% 1 deputado = 33,3%

Círculo de 9 deputados 4 deputados = 44,4% 3 deputados = 33,3% 2 deputados = 22%

A lógica do sistema maioritário é a de proporcionar escolhas claras e


normalmente uma alternativa entre dois partidos, os maiores.
As suas consequências tendenciais são as seguintes:
- Fraca representatividade (só obtêm representação em cada círculo os votos
no ganhador) e baixa proporcionalidade (grandes diferenças a nível nacional
entre a quota de votos e a quota de deputados, em favor do partido vencedor);
- Possibilidade de maiorias absolutas no parlamento com menos de 40% dos
votos; exclusão parlamentar de partidos com significativa votação, desde
que não obtenham maioria em nenhum círculo eleitoral; sobrerrepresentação
dos partidos com apoio eleitoral territorialmente concentrado (como os
partidos autonomistas ou separatistas);
- Alta personalização da escolha eleitoral e dos deputados, dada a candidatura
uninominal e a disputa pessoal;
- Dificulta o aparecimento de novos partidos, dada a dificuldade em obter a
eleição de um deputado (maioria num círculo);
87

- Fomenta a concentração partidária num pequeno número de partidos, e em


última instância, uma bipolarização partidária ou de coligações partidárias;
- Favorece as maiorias parlamentares absolutas e os governos maioritários
(monopartidários ou de coligação pré-eleitoral).

A lógica do sistema proporcional é obter um espelho político aproximado do


eleitorado na assembleia representativa, de modo que o parlamento seja o mais
representativo possível e dê conta de todas as tendências políticas relevantes, de acordo com
a sua força relativa.
As suas consequências são tendencialmente as seguintes:

- Alta taxa de representatividade e de proporcionalidade do sistema;


- Escassa personalização das escolhas eleitorais e débil relação entre os deputados
e os eleitores;
- Não dificulta o aparecimento de novos partidos, permitindo a representação de
partidos pequenos (ressalvadas as "cláusulas barreira") e dando lugar a
parlamentos mais pluralistas;
- Dificulta as maiorias parlamentares artificiais (sem correspondência nos votos) e
os governos de maioria, favorecendo governos minoritários ou de coligação pós-
eleitoral.
Os sistemas eleitorais proporcionais personalizados, como o alemão e o belga,
procuram conjugar as características dos sistemas proporcionais (representatividade,
proporcionalidade) com uma certa dose de personalização e de participação dos eleitores na
escolha dos deputados (e não apenas dos partidos).
A repartição atual dos sistemas eleitorais nas democracias representativas mostra que
a maior parte dos países tem sistemas proporcionais, com predomínio do método de Hondt.
A tendência histórica tem sido a seguinte:
- Dos sistemas maioritários para os sistemas proporcionais (no século XIX
praticamente só havia sistemas maioritários, em círculos uninominais ou
plurinominais);
- Dos sistemas proporcionais menos proporcionais para uma maior
proporcionalidade;
- Dos sistemas com um único nível geográfico de círculos eleitorais para sistemas
88

que conjugam vários níveis geográficos de círculos eleitorais (círculos locais,


círculos regionais, círculo nacional);
- Dos sistemas simples (maioritário ou proporcional puro) para sistemas complexos
(sistemas mistos, sistemas proporcionais personalizados, sistemas com vários
níveis de círculos eleitorais, etc.).

Bibliografia seletiva:

André Freire, «Sistemas eleitorais», in F. Farelo Lopes / A. Freire, Partidos políticos


e sistemas eleitorais, 2002.
A. Lopes Cardoso, Os sistemas eleitorais, Lisboa, 1983
A. Freire / M. Meirinho / D. Moreira, Para uma melhoria da representação política:
A reforma do sistema eleitoral, Lisboa, 2008.
Arend Lijphart, Electoral systems and party systems, Oxford, OUP, 1994
B Grofman / A. Lijphart (edts), Electoral Laws and their Political Consequences, Nova York
1985.
Dieter Nohlen, Electiones y sistemas electorales, Fundação Friedrich Ebert, 1995;
J. Miranda, ob. cit., pp. 197-230
J. Matos Correia / Ricardo Leite Pinto, ob. cit., cap. I
P. Bonavides, ob. cit.,269-307
Manuel Meirinho Martins, Representação política: Eleições e sistemas eleitorais,
Lisboa, ISCSP, 2015
M. Gallagher / P Mitchell (edts), The Politics of Electoral Systems, Oxford 2005.
Pierre Martin, Les systèmes électoraux et les modes de scrutin, Paris, Montchrestien,
1994;
V. Moreira (relator), «Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra», in
Pareceres sobre o Anteprojeto de reforma da lei eleitoral para a Assembleia da República, Lisboa,
1998.

4.3. Referendo

4.3.1. Noção

Entende-se genericamente por referendo o mecanismo pelo qual os cidadãos são


chamados a pronunciar-se diretamente, mediante votação, sobre determinada questão
(aprovar ou rejeitar uma lei ou um acordo internacional, aprovar ou não uma questão
política concreta, como por exemplo, a despenalização do aborto ou das drogas leves).
A palavra referendo provém da expressão latina ad referendum, que designa a
situação em que os mandatários de uma determinada entidade aprovam certo acordo ou
89

documento com outras entidades ou seus representantes, sob reserva de o “referirem” à


apreciação e confirmação ou ratificação dessa mesma entidade. Significava, portanto, a
remissão para ratificação ou confirmação dos mandantes. Era com esse sentido que no
século XVII os delegados dos cantões suíços deliberavam na assembleia da confederação
helvética, ad referendum dos órgãos dos respetivos cantões. É com o mesmo sentido que os
representantes dos chefes dos Estados concluíam convenções internacionais, sob reserva de
ratificação posterior do respetivo chefe de Estado. Não era então uma votação popular direta
nem tinha por objeto uma decisão originária e direta sobre uma certa questão mas sim a
confirmação de uma decisão que tinh sido tomada sob reserva de referendo.
Com o tempo aquela ratificação passou a ser requerida diretamente aos cidadãos,
mediante votação; e posteriormente, as votações populares deixaram de incidir sobre a
ratificação ou confirmação de uma decisão ou deliberação já tomada por um órgão, para
passarem a incidir diretamente sobre questões autónomas, submetidas ao eleitorado sem
terem sido já objeto de uma decisão. Estava então encontrado o sentido moderno do
referendo: uma votação popular, que tanto pode ter por objeto a confirmação de uma
decisão de um órgão competente (por exemplo, uma lei previamente aprovada no
parlamento) como incidir diretamente sobre a aprovação de uma lei ou outra questão
política concreta, ainda não votada noutro órgão.
Importa esclarecer a relação do referendo com o plebiscito. O termo plebiscito provém
da expressão latina plebis scitum, cuja significação em Roma era a de um decreto da plebe
(no sentido de decreto destinado unicamente à plebe, ou seja, ao povo miúdo, e aprovado
por este nas suas assembleias próprias, os consilium plebis tribunum). A plebe tomava assim
decisões, sob proposta dos tribunos, que apenas a ela diziam respeito — isto é, ela
participava na criação de normas de direito, as quais formavam um ordenamento à parte
dentro da civitas. Etimologicamente "plebiscito" significa portanto "decisão popular".
Modernamente, o termo veio a designar as questões submetidas a decisão popular. Por isso,
o termo está muito mais próximo de uma das versões do moderno sentido do referendo. Em
certos países, o conceito de plebiscito usa-se justamente para referir as decisões tomadas
sobre questões submetidas diretamente a votação popular, excluindo a ratificação popular
de decisões já adotadas por órgãos do poder, para a qual se reserva o termo referendo em
sentido estrito.
Todavia, na Europa continental e nos países anglo-saxónicos, o termo plebiscito caiu
90

em desgraça, devido ao facto de ele ter sido pervertido pelos plebiscitos dos regimes
cesaristas (como os de Napoleão Bonaparte, em meados do século XIX) ou autocráticos
(como sucedeu com os plebiscitos convocados por Mussolini na Itália fascista, 1923-1943).
O mesmo sucedeu em Portugal com o plebiscito da Constituição de 1933, promovido por
Salazar. Por isso, hoje tende a prevalecer como conceito genérico o termo referendo, com
um significado mais amplo do que o seu sentido originário, enquanto o termo plebiscito tem
geralmente uma conotação negativa, no sentido dos referendos populistas dos regimes
autoritários ou das ditaduras pessoais, que têm sobretudo a função de legitimação política
do despotismo pessoal, envolvendo sempre a renovação da confiança pessoal no chefe.
No entanto, fora da Europa, por exemplo no Brasil, mantém-se a distinção entre
referendo em sentido estrito e plebiscito.

4.3.2. Referendo e democracia representativa

O referendo traduz-se num desvio aos princípios da democracia representativa, pois


nesta é aos órgãos representativos (eleitos) que cumpre aprovar as leis e tomar as decisões
políticas, não diretamente ao povo representado. O referendo quer dizer que os
representados se substituem aos representantes, retirando-lhes a representação.
Isso é assim, quer quando tem por objeto a ratificação de uma lei - pois que o órgão
representativo pode ser desautorizado pela subsequente votação popular - quer, por maioria
de razão, quando o referendo se substitui à decisão parlamentar, pois nesse caso se trata de
uma avocação da competência parlamentar, que não chega a ser exercida.
O referendo acaba por ser um mecanismo de democracia direta, em que as decisões
políticas são tomadas diretamente pelos cidadãos. Mas na conceptologia corrente o
referendo costuma designar-se como um dos instrumentos da democracia semidireta, visto
que normalmente tem lugar por iniciativa dos órgãos representativos, sendo a noção de
democracia direta reservada para as situações em que as decisões políticas são tomadas
diretamente em assembleias dos cidadãos, como sucedia na antiguidade nas cidades-estado
gregas e ainda hoje sucede em alguns dos pequenos cantões suíços e nas freguesias de
dimensão reduzida entre nós.
Os outros instrumentos da democracia semidireta são a iniciativa legislativa popular
e a iniciativa popular do referendo, assim como a revogação de mandatos representativos
mediante votação popular.
91

A iniciativa legislativa popular consiste na faculdade de um determinado número de


cidadãos poder apresentar à assembleia legislativa propostas de lei, que devem ser
apreciadas e votadas por ela (podendo obviamente ser rejeitadas) nos mesmos termos de
uma iniciativa dos deputados ou do governo. No fundo, a iniciativa legislativa popular não
passa de um instrumento da democracia participativa, visto que a decisão sobre a
aprorvação ou não da lei de iniciativa popular cabe sempre aos órgãos representativos.
A iniciativa popular do referendo consiste na faculdade de um determinado número
de cidadãos poder fazer convocar um referendo, por exemplo, para efeitos de revogação de
uma lei acabada de aprovar ou para efeitos de aprovação de uma lei nova ou outra decisão
política. Neste caso, o referendo realiza-se por iniciativa popular direta, sem necessidade de
ser convocado por outros órgãos: é o que sucede por exemplo na Suíça, na Holanda e na
Itália. Numa outra versão, a iniciativa do cidadãos limita-se a propor a convocação do
referendo, que todavia só se realiza se o órgão competente der seguimento à proposta dos
cidadãos. É o que sucede, por exemplo, em Portugal e no Reino Unido. Nesta caso, a
iniciativa popular redunda num instrumento de democracia participativa.
A revogação de mandatos (ou recall) consiste na faculdade reconhecida aos cidadãos
eleitores de, por iniciativa de um certo número deles ou por iniciativa oficial, serem
chamados a decidir a cessação do mandato de um certo titular eletivo (um deputado, o
presidente da república) antes do termo desse mandato. Essa figura estava, por exemplo,
prevista na Constituição alemã de Weimar (1919) para a destituição de presidente da
República; era um dos mecanismos previstos nas constituições dos Estados comunistas; e
continua a existir em alguns dos Estados norte-americanos (Califórnia, por exemplo) e em
alguns cantões suíços, bem como em certos países para a destituição do Presidente da
República (Áustria, Venezuela).

4.3.3. História do referendo

Como se viu, a história moderna do referendo começa na Suíça, no século XVII,


quando os delegados à assembleia helvética aprovavam as decisões sob reserva de
confirmação (ad referendum) dos respetivos cantões.
As primeiras constituições dos primeiros Estados americanos independentes, antes da
sua federação nos Estados Unidos, foram em geral ratificadas por referendo (Massachusetts,
1780; New Hampshire, 1783).
92

Na França foi também ratificada por referendo a Constituição de 1800. E Napoleão


fez aprovar em plebiscito a sua nomeação como cônsul.
A primeira ratificação de uma lei ordinária verificou-se no Cantão de St. Gallen, na
Suíça, em 1831.
A figura do referendo só se expandiu verdadeiramente no século XX, sobretudo
depois da II Guerra Mundial. Hoje os Estados em que se recorre com maior frequência ao
referendo são a Suíça, a Itália, a Áustria, a Nova Zelândia, a França, a Dinamarca e ainda
algum estados dos Estados Unidos da América (em especial a Califórnia).

4.3.4. Tipologia dos referendos

De entre as numerosas classificações do referendo, importa selecionar as seguintes:

a) Referendo popular e referendo orgânico

Como se viu, o referendo começou por ser a submissão da decisão tomada por um
certo órgão a ratificação ou confirmação de outro órgão, e não a uma votação popular. Esse
tipo de referendo chama-se "referendo orgânico", por contraposição ao referendo popular.
Um referendo dessa natureza era o que estava previsto originariamente na nossa
Constituição para a instituição concreta das regiões administrativas, a qual dependia da
aprovação das assembleias municipais da área respetiva e não de uma votação dos próprios
cidadãos. Essa solução foi substituída pelo referendo popular na revisão de 1997.
Hoje, quando se fala em referendo sem qualquer especificação, quer-se dizer o
referendo popular.

b) Referendo decisório, referendo vinculativo e referendo consultivo

Quanto à sua relevância podem distinguir-se aos referendos decisórios, os referendos


vinculativos e os referendos consultivos.
São referendos decisórios os que decidem eles mesmos a questão submetida a votação
popular (a aprovação ou revogação de uma lei, por exemplo), sem necessidade de
intervenção subsequente de qualquer órgão do poder político.
São referendos vinculativos aqueles que não decidem eles mesmos definitivamente a
93

questão submetida a votação popular, mas que vinculam os órgãos competentes do poder
político a exercer a sua competência em termos conformes ao veredicto popular (por
exemplo, obrigação do parlamento de aprovar uma lei ou revogar uma determinada lei).
São referendos consultivos os que não dispõem de vinculatividade jurídica, e que por
isso só têm eficácia política, de acordo com o peso da votação popular num sentido ou
noutro.

c) Referendos obrigatórios e referendos facultativos

Quanto a sua convocação, os referendos podem ser obrigatórios, quando têm de ser
realizados ou convocados para certo efeito, por determinação da Constituição ou da lei, não
podendo a questão envolvida ser resolvida de outro modo; e podem ser facultativos, se a
sua convocação decorre de uma opção dos órgãos do poder político, não dependendo a
resolução da questão de uma decisão referendária, antes podendo a questão ser decidida
pelos órgãos do poder político sem recurso ao referendo.

d) Referendo constitucional e referendo ordinário

Referendo constitucional é a votação popular que versa sobre a aprovação ou


ratificação de uma constituição ou de uma revisão constitucional. Assim, a Constituição
francesa de 1958 foi aprovada diretamente em referendo sob proposta do poder político; e
a Constituição espanhola de 1988, depois de aprovada pela Assembleia Constituinte, foi
submetida a ratificação popular. Vários países preveem a aprovação ou ratificação popular
das alterações à Constituição. Em Portugal não há referendos constitucionais.
Referendo ordinário é o que versa sobre leis, tratados internacionais ou outras
decisões políticas infraconstitucionais (por exemplo, energia nuclear, despenalização do
aborto).

4.3.5. Iniciativa do referendo

O referendo pode ser de iniciativa popular, quando é desencadeado diretamente por


um certo número de cidadãos eleitores, ou de iniciativa oficial, quando cabe a um órgão do
poder político, ou a vários conjugadamente (presidente da República, parlamento,
94

governo).
Neste segundo caso, a iniciativa pode ser do próprio órgão competente para convocar
o referendo ou pode pertencer a outro órgão (por exemplo, entre nós a convocação do
referendo compete ao Presidente da Republica, mas sempre sob proposta da Assembleia da
República ou do Governo, conforme os casos); também pode pertencer a um certo número
de cidadãos (iniciativa popular do referendo), mas dirigida à AR, não diretamente ao PR.
Em Portugal não existe iniciativa popular de referendo em sentido próprio, visto que
a iniciativa popular não chega para convocar o referendo, limitando-se a desencadear o
processo da sua convocação pelo órgão competente (a Assembleia da República).

4.3.6. Matérias referendáveis

Nem todos os assuntos podem ser suscetíveis de ser submetidos a referendo.


Os sistemas são dois:
- - Só se admite o referendo sobre certas matérias explicitamente enunciadas;
- - Admite-se o referendo em geral, com exclusão de certas matérias (por exemplo,
questões orçamentais, tributárias, etc.).
No primeiro caso, o referendo é exceção; no segundo, é a regra. A maior ou menor
amplitude das matérias referendáveis revela a atitude prevalecente quanto às virtudes do
referendo. Entre nós, o referendo é possível sobre todas as matérias, salvo as indicadas na
Constituição, mas as exceções são muito amplas.

4.3.7. Modo de decisão

Os modos de decisão referendária são tipicamente dois:


- - Sistema de decisão binária (sim ou não a uma certa solução); por exemplo, sim
ou não à despenalização do aborto, nos termos propostos;
- - Sistema de decisão alternativa (opção entre duas soluções diferentes para o
mesmo problema); por exemplo, opção entre a despenalização ou uma menor penalização
do aborto.
Só aparentemente parece a mesma coisa.
Quanto aos requisitos de aprovação ou de eficácia vinculativa ou decisória existem
dois mecanismos típicos:
95

- Exigência de quórum de participação de votantes (por exemplo, 40%, 50%);


- Exigência de maioria qualificada para a aprovação ou eficácia vinculativa ou
decisória (por exemplo, mais de metade dos votantes, ou maioria do corpo eleitoral).

4.4. Democracia participativa

A "democracia participativa" consiste na participação dos cidadãos ou de


organizações sociais nos procedimentos e na tomada de decisões dos órgãos do poder
público. Por via de regra, sem poderes decisórios, pode porém haver formas de participação
decisória ou codecisória.
Os instrumentos típicos da democracia participativa são os seguintes:
- - A discussão pública de projetos de leis, de planos urbanísticos e outras
intervenções coletivas em procedimentos legislativos ou administrativos (consultas
públicas);
- - A realização de “assembleias de cidadãos”, designados por sorteio, destinadas a
debater e propor soluções para certos problemas específicos;
- - A instituição de órgãos consultivos permanentes do governo e da Administração;
o caso especial dos conselhos económicos e sociais;
- - A participação codecisória de representantes das organizações sociais nos órgãos
de direção de serviços públicos (nas escolas, organismos de segurança social, serviços de
saúde, etc.);
- - O desempenho de tarefas públicas pelos próprios interessados pode delegação do
poder público: o fenómeno da "administração autónoma" (autogoverno das universidades,
ordens profissionais, etc.);
- - A intervenção dos cidadãos na elaboração dos orçamentos locais ou nacionais,
mediante a decisão sobre a aplicação de uma certa verba orçamental (“orçamento
participativo”);
- - O desencadeamento de procedimentos legislativos ou referendários por iniciativa
dos cidadãos, nos termos já referidos acima.
Os mecanismos da democracia participativa tanto podem ter lugar a nível nacional
como a nível regional ou local. A nível local são conhecidos os casos do "orçamento
participativo", oriundos do Brasil, e a constituição de "conselhos municipais", compostos
96

por representantes das organizações locais, com o fim de intervirem, pela opinião e pela
discussão pública, nos assuntos da administração local.

Trata-se de um complemento não eletivo da democracia representativa (“democracia


eleitoral”) e da democracia semidirecta (referendos). Ao contrário destas, a democracia
participativa é, muitas vezes, uma “democracia de pressão” ou “de influência”, sem poderes
decisórios.

A noção de democracia participativa deve distinguir-se tanto das ações de influência


ou pressão externa sobre os decisores políticos (manifestações, greves, etc.) como do
lobbying interno, que consiste na representação e defesa de interesses privados específicos
junto dos órgãos do poder político (como se referiu anteriormente). Diferentemente das
primeiras, a democracia participativa ocorre por vias institucionalizadas, frequentemente
por iniciativa dos próprios órgãos do poder político. Diferentemente do lobbying, os
mecanismos da democracia participativa são formais e coletivos e visam a prossecução do
interesse público, não de interesses particulares
A noção de democracia participativa também se deve distinguir da noção mais ampla
de participação política, que se refere ao envolvimento dos cidadãos na vida politica em
qualquer das suas vertentes, incluindo como votantes em eleições e referendos, e tenta medir
o grau de interesse e de comprometimento dos cidadãos com o sistema político.

Remissão bibliográfica:

J. Miranda, ob. cit., 55-62, 170-178.


Global Passport to Modern Direct Democracy, IDEA, 2017; nline:
Galalgher / Laver / Mair, Representative Government in Modern Europe, Nova
York, 2006, cap. 11.
Capítulo V
Tipos de Estado

5.1. Do Estado unitário à organização supranacional

Na generalidade dos Estados contemporâneos, em contraposição ao “modelo


vestefaliano” do Estado, existe mais do que um nível ou "camada" de organização territorial
do poder político, quer ao nível infraestadual quer ao nível supraestadual.
Esta divisão de níveis de organização do Estado pode designar-se por “governação
em vários níveis” (multilevel government) ou "divisão vertical de poderes", por contraste
com a tradicional teoria da divisão (horizontal) de poderes. Numa outra perspetiva, trata-se
de uma questão de distribuição do poder do Estado entre o centro e a periferia, ou seja, de
uma questão de descentralização política e/ou administrativa.
As duas possibilidades clássicas de estruturação territorial do Estado são as seguintes:
a) Estado unitário: uma constituição nacional, um único nível de organização
política, com um chefe do Estado, um parlamento, um governo e uma única organização
judicial para todo o território nacional, sem prejuízo da descentralização administrativa em
entidades locais (municípios e regiões).
b) Estado federal: dois níveis de organização do poder político: federação e
unidades federadas (de novo sem prejuízo da descentralização administrativa em autarquias
locais, como os municípios). Existe uma repartição material dos poderes políticos
(legislação, governo, função judicial) entre a federação e as unidades federadas.
Entre estas duas situações podem existir situações intermédias, a mais típica das quais
é o "Estado regional" ou "autonómico", em que também existe uma descentralização
política da função legislativa e da função governativa (e por vezes da própria função
judicial) em entidades territoriais infraestaduais, mas em que as regiões ou comunidades
autónomas não têm o estatuto de "estado" federado, por não terem autonomia constitucional
nem participarem na definição constitucional do Estado nem na direção política do Estado
98

a nivel nacional.
Qualquer destes arranjos procura dar resposta ao problema da descentralização do
Estado, mas as respostas são diferentes em cada caso, quer quanto à natureza das funções
descentralizadas (descentralização política ou simplesmente administrativa), quer quanto
ao volume de tarefas e atribuições distribuídas às estruturas de nível infraestadual, quer
quanto ao facto de as entidades territoriais de nível infraestadual terem ou não estruturas
políticas próprias (parlamentos, governos, tribunais, aparelho administrativo, etc.).
Contudo, quanto à soma de poderes exercidos pode não haver grandes diferenças. Há
Estados unitários fortemente descentralizados, em que as autoridades regionais e locais
detêm uma grande esfera de atribuições públicas; e existem Estados federais relativamente
centralizados, em que os "estados" federados detêm uma muito pequena esfera de
atribuições.
As razões para a descentralização territorial dos Estados podem ser as mais variadas:
a grande dimensão e diversidade territorial, a descontinuidade territorial (ilhas), a
diversidade étnica, cultural ou religiosa, ou simplesmente o interesse em estabelecer uma
pluralidade de centros de poder dotados de autogoverno (órgãos próprios), a fim de
aprofundar a democracia.
Diferentes problemas levanta o fenómeno da integração transnacional dos Estados,
que pode revestir a forma de organização internacional (ONU, OMC, etc.), de confederação
ou de tipos mistos entre a confederação e a federação, como é o caso da União Europeia.

5.2. Estado unitário e Estado federal

Como referido, no Estado unitário tradicional existe somente uma constituição


nacional e uma organização política única para todo o território nacional: um parlamento
nacional, um governo nacional, uma organização judicial nacional. Existe unidade
constitucional, legislativa e tributária (descontada a autonomia normativa e financeira das
autarquias locais).
No Estado federal, diferentemente, existe simultaneamente a entidade política
nacional - que pode chamar-se "federação", "união", ou outro nome (inclusive a
impropriamente chamada "Confederação Helvética", que é o nome oficial da Suíça) - e
várias unidades políticas territoriais infrafederais, cada uma delas dotada da sua própria
constituição e legislação e dos seus próprios órgãos de governo, as quais também podem
99

ter as mais diversas denominações ("estados", como nos Estados Unidos da América, no
Brasil ou na Rússia; "cantões", como na Suíça; "territórios", como na Alemanha e na
Áustria; "províncias", como na Argentina, etc.). Assim, além dos órgãos federais
(presidente, parlamento federal, governo federal, tribunais federais, administração federal),
existem as estruturas político-administrativas próprias das unidades federadas
(parlamentos, governos, tribunais, administrações de cada uma das unidades federadas).
Apesar de as unidades federadas terem frequentemente a designação de "estados", a
verdade é que se trata de uma designação imprópria, visto que essas unidades políticas
territoriais, se bem que dotadas de constituição e de órgãos políticos próprios, não dispõem
de um dos atributos clássicos do Estado, a saber, a soberania, pois não possuem sequer
personalidade internacional, que está reservada para a federação, à qual cabem em exclusivo
as tarefas de defesa e de política externa. A designação de “estados” para as unidades
federadas em alguns países federais deriva de a federação ter resultado da união de Estados
previamente existentes (caso dos EUA); noutros casos, como no Brasil, isso decorre de um
fenómeno de imitação.
Num Estado federal os cidadãos têm uma dupla cidadania, participando em dois tipos
diferentes de comunidade política. Como membros de uma unidade federada, participam na
vida política da respetiva comunidade (eleições da assembleia legislativa própria,
referendos, etc.) Como membros da comunidade nacional, participam na respetiva vida
política (eleição do chefe do Estado e do parlamento federal, referendos nacionais, etc.)
O Estado federal deve distinguir-se da confederação, que é uma associação política
de Estados que permanecem independentes e preservam a sua autonomia, soberania e
identidade internacional, mas que resolvem exercer em comum uma ou mais tarefas (por
exemplo, defesa, relações externas, moeda). Enquanto a federação é um tipo de Estado e
um fenómeno de direito constitucional, a confederação é uma associação de Estados e um
fenómeno regido pelo direito internacional. A confederação é estabelecida por meio de um
tratado internacional, que é a sua carta orgânica, não existindo uma constituição, como nos
Estados federais; os órgãos da confederação são de natureza puramente interestadual, não
existindo órgãos representativos próprios da confederação. Historicamente as
confederações são essencialmente instáveis, tendendo a evoluir ora para a federação (por
exemplo, os Estados Unidos da América, que começou por ser uma confederação), ora para
a separação dos Estados-membros, que recuperam a sua autonomia e soberania integral.
100

Normalmente, o federalismo implica um sistema bicameral a nível federal, sendo uma


das câmaras representativa da população federal em geral e a outra representativa das
unidades federadas, na base do princípio da tendencial igualdade de representação (o
mesmo número de representantes independentemente da população e da área de cada
unidade federada). Muitas vezes a segunda câmara adota o nome de senado (Estados
Unidos, Brasil). Além dessa participação institucional na função política e legislativa da
federação, as unidades federadas também participam, por vezes, na alteração da
constituição da federação, através de mecanismos específicos, nomeadamente a sujeição
das alterações constitucionais a referendo orgânico das assembleias das unidades federadas
(como sucede nos Estados Unidos da América). Nos Estados Unidos, os estados federados
também intervêm na eleição do Presidente, através do colégio eleitoral.
As unidades federadas (estados, etc.) dispõem de autonomia constitucional, através
de constituições por elas mesmas adotadas. As constituições das unidades federadas devem
naturalmente respeitar a constituição federal, e a respetiva legislação deve respeitar não
somente a própria constituição mas também a constituição federal e a legislação federal. A
legislação federal prevalece sobre a legislação das unidades federadas.
Os cidadãos estão, portanto, sujeitos a duas ordens jurídicas e administrativas: a
ordem jurídica e a administrativa federal e a ordem jurídica e a administrativa da unidade
federada em que residem. Cada uma delas é garantida por tribunais próprios (da união e das
unidades federadas).
A repartição de funções entre a federação e as unidades federadas está estabelecida
na constituição federal, que define o elenco das funções federais (“princípio da
especialidade” das atribuições federais), incluindo as atribuições exclusivas da federação e
as atribuições partilhadas com as unidades federadas, sendo tudo o mais deixado por
omissão para a competência das unidades federadas. A esfera de competências federais
varia de federação para federação, incluindo, porém, tipicamente pelo menos as relações
externas, a defesa, a política monetária, a política comercial externa e a regulação das
relações entre as unidades federadas; mas pode ser muito mais ampla do que isso, sendo
correspondentemente reduzida a esfera de atribuições das unidades federadas. Em alguns
casos essa dimensão federal pode ser tão ampla, que o federalismo não passa de um esquema
vazio de conteúdo.
Tanto a união federal como as unidades federadas dispõem do seu próprio orçamento
101

e dos seus recursos fiscais próprios (impostos). Em princípio, tanto a federação como as
unidades federadas sustentam financeiramente as suas próprias atribuições. Mas a
constituição federal pode estabelecer ou permitir o financiamento das unidades federadas
pelo orçamento da União.
O número de unidades federadas varia muito de federação para federação, podendo ir
desde um mínimo de duas (antiga Checoslováquia e a atual Bósnia-Herzegovina) até várias
dezenas de "estados" (50 no caso dos Estados Unidos da América).
O número de Estados federais é relativamente reduzido, mas entre eles contam-se
quase todos os países mais populosos do Mundo (com a óbvia exceção da China). São
atualmente Estados federais, por exemplo, os seguintes, distribuídos pelos cinco
continentes: Bélgica, República Federal da Alemanha, Suíça, Áustria, Bósnia-Herzegovina
e Rússia, na Europa; Canadá, Estados Unidos, México, Venezuela, Argentina e Brasil, nas
Américas; Nigéria, Camarões e África do Sul, na África; Índia, Malásia e Birmânia, na
Ásia; Austrália, na Oceânia.
O fenómeno federal parece ser independente do regime político e da forma de
governo, do grau de desenvolvimento económico, do sistema de governo, etc. Contudo, na
maior parte dos casos o federalismo tende a ser a resposta para uma situação bem definida:
grande dimensão territorial e heterogeneidade étnica, linguística ou religiosa.
A origem dos Estados federais é também diversa: nuns casos a federação surgiu a
partir da união de Estados previamente independentes (federação centrípeta); passando por
vezes por uma confederação intermédia (caso dos Estados Unidos, entre 1777 e 1787, da
Suíça, até 1848); noutros casos, foi um Estado previamente unitário que se federalizou (caso
da Bélgica e do Brasil) (federação centrífuga).
Em princípio, as unidades federadas não gozam de um direito constitucional de saída
da federação (diferentemente do que sucede nas confederações). Mas na prática pode haver
tentativas ou fenómenos de secessão, como sucedeu com a tentativa dos estados do sul dos
Estados Unidos em 1865, que deu origem à guerra civil americana.

5.3. A descentralização política dos Estados unitários

Diferentemente do federalismo, o fenómeno da descentralização política do Estado


unitário, mediante a criação de "regiões autónomas" ou "comunidades autónomas", é um
arranjo estrutural relativamente recente e ainda pouco frequente. O primeiro exemplo
102

histórico desenvolvido foi a II República espanhola (1931-1939). Depois da II Guerra


Mundial (1939-1945) os exemplos mais típicos são a Itália, conforme a Constituição de
1947, e a Espanha, de acordo com a Constituição de 1978. Também Portugal, com a
Constituição de 1976, instituiu as regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Outros
exemplos desta família ocorrem no caso da Dinamarca (Gronelândia) e mais recentemente
da Grã-Bretanha ("devolução de poderes" à Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales).
É de distinguir os Estados em que a autonomia regional abrange todo o território
(como sucede em Espanha) e aqueles em que a autonomia regional diz respeito somente a
uma parte do território (como sucede em Portugal). No segundo caso, a autonomia regional
diz respeito em geral a territórios descontínuos (ilhas, em geral).
As regiões ou comunidades autónomas possuem uma esfera de autonomia política e
não somente administrativa, traduzida na existência de uma assembleia legislativa regional
(autonomia legislativa) e de um governo próprios (autonomia governativa) no âmbito das
atribuições definidas pelo Estado. O seu regime de autonomia consta da constituição do
Estado e de um estatuto político-administrativo regional ou autonómico, que é uma lei do
Estado, e que define a sua organização, bem como as suas atribuições próprias.
Trata-se de uma solução intermédia entre a federação e o Estado unitário, mas
mantendo-se dentro dos quadros deste último (“Estado unitário regional”). A diferença
fundamental entre os "estados" federados e as regiões autónomas é que aqueles têm
autonomia constitucional (uma constituição própria), intervêm na aprovação e revisão da
constituição federal e participam na determinação dos limites de competência entre eles e a
federação de que fazem parte, bem como na legislação da federação, através do senado,
enquanto as regiões autónomas não possuem autonomia constitucional nem poder de
participar na aprovação ou revisão da constituição do Estado, nem na determinação da sua
própria competência; por outro lado, enquanto a federação não pode, em geral, intervir na
esfera própria dos "estados" federados, os Estados podem fazê-lo, em casos excecionais, na
esfera própria das suas regiões autónomas. Em geral, as regiões ou comunidades autónomas
não têm tribunais próprios, mas há exceções (por exemplo, Escócia).

5.4. A descentralização administrativa territorial

Viu-se acima como no princípio o Estado absoluto e o Estado liberal eram altamente
centralizados, tendo suprimido ou fortemente restringido a autonomia tradicional dos
103

municípios e outras unidades territoriais vinda da Idade Media. Todavia, como vimos, uma
das transformações do Estado desde então foi justamente o fenómeno da descentralização
administrativa territorial do Estado, por meio das coletividades locais, nomeadamente os
municípios.
Variam de país para país o número e a forma de organização das coletividades ou
autarquias locais.
Assim, se em todos os países existem municípios (com esse ou outro nome), já não
existem em todos eles as coletividades inframunicipais ou supramunicipais. Na
generalidade dos países o município é a coletividade local de base, havendo porém
coletividades supramunicipais entre o município e o Estado, que podem ter as mais diversas
designações (distritos, departamentos, províncias).
Nas últimas décadas verificou-se a criação em muitos países de coletividades
territoriais de âmbito mais vasto, em geral designados por regiões, mas diferentes das
regiões autónomas, por não configurarem uma forma de descentralização política (com
parlamento e governo próprios) mas somente uma forma de descentralização
administrativa, como as coletividades locais tradicionais.
A organização do governo das coletividades locais apresenta uma grande diversidade
de país para país. Entre os diversos modelos orgânicos destacam-se dois:
- O sistema de conselho e mayor, ambos diretamente eleitos, sendo o primeiro o órgão
colegial deliberativo e o segundo o órgão executivo;
- O sistema de assembleia representativa, diretamente eleita, e órgão colegial
executivo, designado por aquela, e perante ela responsável.
Existe uma certa ligação entre o sistema de governo municipal e o sistema de governo
a nível nacional. Nos países de tradição presidencialista, há tendência para seguir o primeiro
sistema de governo municipal acima referido (conselho e maior); nos sistemas de tradição
parlamentar há tendência para seguir o segundo sistema de governo municipal (assembleia
representativa mais órgão colegial executivo). Mas essa ligação está longe de ser
obrigatória. Sucede mesmo que nos Estados federais o sistema de governo municipal pode
variar de "estado" para "estado" federado, pois a organização local pode não ser uma
competência federal (caso da Alemanha, por exemplo).
Em Portugal o sistema de governo local está determinado na Constituição, sendo do
segundo tipo acima assinalado (assembleia deliberativa mais órgão colegial executivo) –
104

ver abaixo, cap. XI.


As atribuições das autarquias locais podem ser muito diversas, mas em geral
compreendem o urbanismo e o trânsito local, os serviços de água, saneamento e transportes
públicos urbanos, serviços culturais (bibliotecas e museus municipais), entre outras,
podendo estender-se a serviços de segurança (polícia municipal), serviços de saúde e de
educação, etc.
Um dos elementos fundamentais da autonomia das coletividades territoriais é a
autonomia financeira e a existência de recursos próprios (taxas, impostos locais, etc.). Mas
também existem mecanismos de financiamento estatal das autarquias locais, especialmente
para efeito de “perequação” dos respetivos recursos, financiando mais as coletividades com
menores recursos próprios

5.5. A desconcentração territorial da administração estadual

Juntamente com a descentralização territorial da administração pública mediante as


coletividades locais dotadas de atribuições, órgãos e poderes próprios, existe também uma
desconcentração territorial da própria administração do Estado, que cria "serviços
periféricos" correspondentes às circunscrições territoriais das coletividades locais ou a
circunscrições territoriais próprias (como sucede entre nós com os 18 distritos e com as
cinco NUTS II no território do Continente).
Assim, ao lado dos serviços das coletividades locais existem nas mesmas cidades e
vilas serviços dos diferentes departamentos da administração do Estado (serviços de saúde,
de segurança social, serviços tributários, etc.). Nas regiões autónomas podem existir
serviços de três entidades diferentes: do poder local, das próprias regiões autónomas e do
Estado.

5.6. Organizações internacionais

Hoje existe uma densa rede de organizações internacionais, ou seja, associações de


Estados. Umas são de âmbito universal (Organização das Nações Unidas, por exemplo);
outras são de âmbito regional (Conselho da Europa, por exemplo), outras ainda são
bilaterais (entre somente dois Estados). Umas possuem funções gerais de cooperação de
manutenção de paz entre os países (ONU); outras têm objetivos mais específicos, de
natureza económica (Organização Mundial do Comércio, Organização de Cooperação e
105

Desenvolvimento Económico), de natureza defensiva e militar (Organização do Tratado do


Atlântico Norte), cultural (UNESCO), de defesa dos direitos do homem (Conselho da
Europa), etc. Cada Estado pertence a um número crescente dessas organizações.
As organizações internacionais são constituídas mediante tratados internacionais (por
vezes chamados "pactos"), que estabelecem a sua organização e atribuições. Em princípio
os tratados constitutivos de organizações internacionais só podem ser modificados por
unanimidade dos respetivos Estados, mas há exceções. A saída das organizações
internacionais é, em princípio, livre. As organizações internacionais possuem órgãos
próprios (assembleia geral, conselho executivo, diretor, etc.) de natureza
intergovernamental, sem órgãos eletivos.
Existem dois tipos de organizações internacionais lato sensu: as organizações
internacionais em sentido estrito, ou organizações intergovernamentais, e as confederações.
As suas fronteiras nem sempre são, porém, muito nítidas.
As organizações intergovernamentais (como a ONU) são entidades de cooperação
internacional, sendo caracterizadas essencialmente por dois traços: (a) os seus órgãos são
em geral de natureza intergovernamental, ou seja, constituídos por representantes dos
governos dos Estados associados; (b) as suas deliberações vinculam os Estados-membros
mas não têm, em princípio, efeitos diretos na ordem interna dos Estados membros.
As confederações são uniões de Estados, em geral territorialmente contíguos, que
decidem compartilhar certas políticas – nomeadamente a defesa e as relações externas, a
moeda ou a economia –, que passam a ser conduzidas por órgãos comuns, mas sem tribunais
nem impostos próprios. Os órgãos da confederação são constituídos por representantes dos
Estados-membros e decidem em princípio por unanimidade. A confederação não tem
autoridade direta sobre os cidadãos dos Estados-membros, mas somente sobre estes.
Obviamente, como se viu acima, as confederações, enquanto uniões de Estados para certos
fins comuns, são radicalmente distintas das federações ou Estados federais, que são Estados,
com a sua própria constituição, sendo as leis da federação diretamente aplicáveis aos
cidadãos e tendo primazia sobre as leis das unidades federadas.
Algumas confederações evoluíram no sentido da criação de Estados federais (como a
Confederação Helvética, que deu lugar à Suíça, a confederação dos Estados Unidos da
América do Norte, 1781-1787, que deu lugar aos EUA, e a Confederação Argentina, 1832–
1860, que deu lugar ao Estado federal da Argentina). Exemplos recentes de confederações
106

foram a chamada Republica Árabe Unida (Síria e Egito, 1958-1961), a confederação da


Senegâmbia (Senegal e Gâmbia, 1982-1989); a confederação da Sérvia e do Montenegro
(2003-2006), que terminou com a independência do segundo país. Como se vê, as
confederações são intrinsecamente instáveis e temporárias, acabando muitas vezes na sua
dissolução ou na evolução para Estados federais.

5.7. As organizações supranacionais

5.7.1. Organizações supranacionais

A distinção, outrora clara, entre Estados e organizações internacionais,


particularmente entre confederações e Estados federais, é posta em causa pelo nascimento
das chamadas organizações supranacionais.
De facto, as organizações supranacionais são entidades híbridas. Por um lado,
nascidas por meio de tratados internacionais, que só podem ser modificados por
unanimidade dos Estados-membros, são entidades constituídas por Estados que
permanecem essencialmente soberanos, pelo que compartilham traços das organizações
internacionais. Por outro lado, são caracterizadas por alguns traços típicos dos Estados
federais, nomeadamente os seguintes: (a) poderes soberanos transferidos pelos Estados-
membros (poder legislativo, executivo, judicial, etc.); (b) “governo em dois níveis”
mediante uma repartição de competências de tipo federal; (c) possuem órgãos sem natureza
intergovernamental, incluindo órgãos eletivos, nomeadamente uma assembleia
representativa dos cidadãos; (d) as suas deliberações podem valer diretamente na ordem
interna dos Estados-membros, vinculando imediatamente os respetivos cidadãos e
tornando-se direito diretamente aplicável pelos seus tribunais; (e) primazia das leis da União
sobre as leis dos Estados-membros.
Enquanto as confederações são um tipo de organizações internacionais (lato sensu),
e as federações são um tipo de Estado, as entidades supranacionais compartilham de certos
traços confederais e federais, simultaneamente.
Em todo o caso, as organizações supranacionais não são Estados federais, desde logo
porque não são Estados e não têm uma constituição aprovada e modificada pelos seus
próprios órgãos.
107

5.7.2. A União Europeia

Neste contexto assume particular relevância a União Europeia, que hoje congrega 28
países da Europa (estando pendente a saída do Reino Unido), entre eles Portugal, desde
1986. Primitivamente designada como Comunidade Económica Europeia (CEE), foi
constituída em 1957, pelo Tratado de Roma. Congregava originariamente apenas 6 países
(Alemanha, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo). Teve como antecedente
a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), constituída em 1951, entre os
mesmos Estados. Simultaneamente com a CEE foi também criada a Comunidade Europeia
da Energia Atómica (EURATOM).
Ao longo dos anos foi-se alargando o número de Estados integrantes da UE. Primeiro
deu-se a entrada do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca (1973); depois foi a adesão da
Grécia (1981); a seguir foi a vez da entrada da Espanha e de Portugal (1986), passando a
doze membros; no alargamento seguinte, coube a vez à Áustria, Suécia e Finlândia (1995),
perfazendo 15 Estados; por último, nos mais recentes alargamentos, já no corrente século,
entraram mais 13 países do Centro e do Leste da Europa e do Mediterrâneo, desde a Letónia
até Chipre, passando pela Croácia.
Concomitantemente foi-se ampliando e adensando a integração europeia por efeito de
sucessivos tratados, que modificaram o primitivo Tratado de Roma. Entre os principais
contam-se o chamado Ato Único Europeu (1986), o Tratado de Maastricht, ou da União
Europeia (1992) e o Tratado de Amesterdão (1997), o Tratado de Nice (2001) e finalmente
o Tratado de Lisboa (2007). Uma tentativa para aprovar uma “constituição europeia”
(Tratado de Roma de 2004) naufragou, porém, com o voto negativo em referendo na França
e na Holanda; todavia, o Tratado de Lisboa (2007) veio absorver grande parte das suas
inovações.
No princípio, a Comunidade Económica Europeia tinha funções exclusivamente
económicas, tendo por objetivo a criação de um “mercado comum” entre os Estados
membros, baseado na abolição de direitos aduaneiros e outras restrições ao comércio
intracomunitário, numa união aduaneira (pauta aduaneira externa comum) e na liberdade
de circulação de trabalhadores, de capitais, de mercadorias e de serviços, incluindo a
liberdade de estabelecimento em qualquer outro Estado-membro. Depois as funções e os
objetivos da UE foram-se ampliando e densificando, sobretudo através do Tratado de
Maastricht (1992) e do Tratado de Lisboa (2007). O primeiro instituiu dois novos “pilares”
108

na integração europeia, a saber, o espaço de liberdade, segurança e justiça e a política


externa e de segurança comum (PESC), bem como a “união económica e monetária”,
incluindo a criação de uma moeda comum, o euro. O Tratado de Lisboa ampliou novamente
as atribuições da UE, por exemplo em matéria de política de investimento direto estrangeiro.
O Tratado de Maastricht criou e o Tratado de Lisboa densificou o conceito de
cidadania europeia, compartilhada automaticamente por todos os nacionais de cada um dos
Estados-membros da UE, que consubstancia os direitos políticos de que todos são titulares,
nomeadamente a liberdade de circulação e de residência em qualquer parte do território da
União e o direito de votar e de ser eleitos nas eleições do Parlamento Europeu e nas eleições
locais no país de residência.
A UE é financiada por recursos próprios (impostos e taxas e participação no IVA dos
Estados-membros) e por contribuições dos Estados-membros, calculadas em função do PIB
de cada país. Uma parte importante dos recursos da União visa financiar os chamados
“fundos estruturais”, que cofinanciam projetos de investimento nos Estados-membros.
Os princípios fundamentais das relações entre a UE e os Estados-membros são os
seguintes: princípio da especialidade das atribuições comunitárias, que são somente as
previstas nos Tratados; princípio da subsidiariedade no exercício das competências não
exclusivas da União (especialmente expresso no Tratado de Maastricht), segundo o qual a
União é subsidiária dos Estados-membros, devendo abster-se de exercer funções que
melhor possam ser desempenhadas por eles, a nível nacional; princípio da eficácia direta do
direito da União, pelo qual as normas e decisões aprovadas pelos órgãos comunitários valem
diretamente na ordem interna dos Estados-membros, vinculando os seus cidadãos, a sua
administração e os seus tribunais, sem necessidade de qualquer ratificação ou publicação
interna; o princípio da supremacia do direito da UE sobre o direito interno dos Estados
membros, devendo os respetivos tribunais fazer prevalecer o direito comunitário em caso
de incompatibilidade do direito interno com ele.
Pode aderir à UE qualquer país europeu que cumpra os requisitos estabelecidos nos
Tratados, incluindo o respeito pela democracia, Estado de direito, direitos humanos, direitos
das minorias e economia de mercado. Os Estados-membros podem sair da União (caso do
Reino Unido), mas não podem ser expulsos.
A organização da UE compreende diversos órgãos, num esquema de tipo federal,
sendo os mais importantes os seguintes:
109

- O Parlamento Europeu era originariamente constituído por deputados eleitos


pelos parlamentos nacionais e só tinha poderes consultivos; hoje é eleito diretamente
pelos cidadãos europeus, a quem representa; a repartição dos deputados pelos Estados-
membros é feita de acordo com o princípio da “proporcionalidade regressiva”,
favorecendo os pequenos países face aos grandes; o mandato do PE tem a duração de
cinco anos, não podendo ser dissolvido; possui poderes muito vastos, nomeadamente em
matéria orçamental e legislativa (poderes de codecisão com o Conselho de Ministros),
bem como no que respeita a fiscalização do governo e da administração comunitária;
- O Conselho Europeu, órgão não previsto originariamente, que foi
institucionalizado no Tratado de Maastricht, é constituído pelos chefes de Estado ou de
governo dos países membros, competindo-lhe definir as grandes orientações da integração
europeia, sem dispor de competência legislativa; tem um presidente, eleito pelo próprio
Conselho; juntamente com o Conselho a seguir indicado, o Conselho Europeu representa
os Estados-membros, à semelhança do senado nos Estados federais;
- O Conselho da União (ou simplesmente Conselho) é constituído pelos ministros
dos governos dos Estados-membros, conforme a matéria da agenda (dos negócios
estrangeiros, da economia, das finanças, da agricultura, do trabalho e emprego, etc.); é o
principal órgão político, sendo também órgão legislativo da UE, competindo-lhe aprovar os
regulamentos e diretivas comunitárias, num procedimento de codecisão com o Parlamento
Europeu (“procedimento legislativo ordinário”); o Conselho é presidido rotativamente por
um Estado-membro em cada semestre; o Conselho delibera em geral por maioria
qualificada, sendo necessário o voto de 55% dos Estados-membros desde que representem
65% da população da União;
- A Comissão Europeia é uma espécie de governo da União, sendo constituída por
comissários designados pelo Conselho da União e ratificados pelo Parlamento Europeu,
perante quem a Comissão é responsável; os comissários não são representantes do
respetivo Estado, devendo atuar com independência no exercício das suas funções; o
presidente da Comissão é eleito pelo PE sob proposta do Conselho; tal como o PE, o
mandato da Comissão é de cinco anos, podendo porém ser demitida pelo PE, medinate
moção de censura aprovada por maioria de 2/3; a Comissão tem o exclusivo da iniciativa
dos “regulamentos” e “diretivas” comunitárias (bem como da negociação de acordos
internacionais) e tem a seu cargo a direção da administração comunitária, constituída por
110

diversas direções-gerais; a administração comunitária compreende também diversas


agências especializadas (medicamentos, segurança alimentar, segurança marítima, etc.);
- O Banco Central Europeu é composto pelo seu governador, nomeado pelo
Conselho, e pelos governadores dos bancos centrais dos Estados-membros, tendo por
competência essencial a definição e condução da política monetária (nomeadamente a
fixação da taxa de juro de referência) e da política cambial da zona euro; pode ter também
funções de regulação do sistema bancário;
- O Tribunal de Justiça da UE é na verdade constituído por vários tribunais
(tribunal geral, tribunais especializados e o tribunal supremo), sendo composto por juízes
designados pelo Conselho de Ministros, cuja tarefa consiste em fazer valer o direito
comunitário, conhecendo da legalidade dos atos dos órgãos comunitários e o
incumprimento das obrigações dos Estados-membros, podendo aplicar sanções;
- O Tribunal de Contas é composto por juízes nomeados pelo Conselho,
competindo-lhe velar pela regularidade das contas e dos pagamentos da União;
- O Conselho Económico e Social é composto por representantes dos grupos de
interesse nacionais na área económica e social, designadamente as federações sindicais e
patronais, tendo funções consultivas nessas mesmas áreas;
- O Comité das Regiões é composto por representantes das regiões dos diversos
Estados-membros, e tem funções também consultivas quanto às políticas de
desenvolvimento regional da Comunidade.
Destes órgãos, enquanto o Conselho Europeu e o Conselho de Ministros ainda relevam
de uma lógica intergovernamental, já a Comissão Europeia, o TJCE e o Parlamento Europeu
relevam sobretudo de uma lógica supranacional.
A repartição de atribuições entre a UE e os Estados-membros é de tipo federal. A
União tem competência exclusiva em certas matérias (TFUE, art. 3º), sobre as quais só a
União pode legislar e adotar atos jurídicos vinculativos, e competências partilhadas com os
Estados-membros noutras áreas (TFUE, art. 5º). No resto a competência pertence
exclusivamente aos Estados-membros.
As normas adotadas pela União valem diretamente na ordem interna dos Estados-
membros, que têm de as executar e fazer executar pelas suas administrações e tribunais,
mesmo quando elas sejam incompatíveis com o direito nacional. Nenhum Estado-membro
pode invocar sequer a sua Constituição para se furtar ao cumprimento das suas obrigações
111

à face do direito da União. O incumprimento dessas obrigações pode ser sancionado pela
União, mediante queixa da Comissão ou de qualquer outro Estado-membro no TJUE.
Esses traços, juntamente com outros (como a existência de uma Carta de Direitos
Fundamentais da UE), conferem à UE aspetos inequivocamente paraestatais, parafederais e
paraconstitucionais. Todavia, apesar de dispor de poderes tipicamente estatais (poder
legislativo, pode judicial, treaty-making power, cidadania europeia) e federais (two-level
government, repartição de competências entre a União e os Estados-membros, supremacia
do direito da União na ordem jurídica dos Estados-membros, etc.), a UE não é um Estado
federal, não gozando de reconhecimento internacional como tal. Por isso não pertence às
Nações Unidas, embora integre várias organizações internacionais (como, por exemplo, a
OMC).

Bibliografia
P. Bonavides, ob. cit., 165-223
Zippelius, ob. cit., 509-519
Galalgher / Laver / Mair, Representtive Government in Modern Europe, Nova York,
2006, cap. 5.
António Martins da Silva, Sistema político da União Europeia, Coimbra, Almedina,
2013.
Capítulo VI
Formas e regimes políticos

6.1. As grandes tipologias

As tipologias das formas políticas e dos regimes políticos são numerosas e


constituem um dos terrenos de eleição da ciência política desde a sua origem.
Uma das principais contribuições de Aristóteles - de certo modo o "pai da ciência
política" na Antiguidade - para o estudo da política foi justamente a tipologia dos
regimes políticos que ele estabeleceu.
Aristóteles utilizou um duplo critério:
- O número de titulares do poder, consoante fosse uma pessoa, várias pessoas
ou muitas pessoas;
- O modo de utilização do poder, conforme ele fosse posto ao serviço dos
interesses gerais da polis ou ao serviço dos interesses próprios dos titulares
do poder.
Desse modo resultam dois pares de três formas de regime político: a monarquia
tem como contrapartida a tirania; a aristocracia (governo dos melhores) contrapõe-se
à oligarquia (governo de poucos); a "politeia" (governo dos cidadãos ilustrados) opõe-
se à democracia (governo da plebe).

Governo de um Governo de poucos Governo de muitos

Poder virtuoso Monarquia Aristocracia "Politeia"

Poder degenerado Tirania Oligarquia Democracia

O mesmo critério e uma idêntica classificação tripartida foram seguidos muito mais
tarde por Maquiavel, Hobbes e Montesquieu, o qual, contudo, remodelou a classificação
de acordo com três formas: despótica, monárquica e republicana. Maquiavel sublinhou a
114

distinção entre as repúblicas e as monarquias (“principados”), sendo um dos grandes


teóricos da republicanismo.
Com o advento das formas constitucionais de Estado, no seguimento das
revoluções americana e francesa, novas tipologias surgiram, agora tendo em conta a
estrutura constitucional do Estado. Assim se criou a distinção, por exemplo, entre regimes
parlamentares e regimes presidencialistas, tendo em conta os sistemas de governo.
Mais recentemente, com o desenvolvimento da ciência política, e designadamente
com a teoria dos "sistemas políticos comparados" surgiram novas classificações, dando
lugar a múltiplas tipologias de sistemas políticos. Assim, Almond distingue na sua obra
Politics of Developing Areas dois tipos fundamentais: - democracias políticas e oligarquias
- com vários subtipos. Por sua vez, J. Blondel (Comparative Political Systems, 1973)
distingue cinco tipos de sistemas políticos: conservadores, tradicionais, liberal-
democráticos, comunistas, populistas e conservadores autoritários. A. R. Ball (Modern
Politics and Government, 1971) utiliza uma tipologia de três termos: sistemas liberal-
democrático, sistemas totalitários, sistemas autoritários.
Os exemplos classificatórios poderiam multiplicar-se. Mas os referidos bastam para
pôr em relevo alguns dos principais problemas colocados pelas tipologias dos regimes
políticos.
Em primeiro lugar, importa distinguir aquilo que se classifica. Na verdade, as
tipologias podem ter por objeto os sistemas políticos globais (ou tipos de Estado, noutra
perspetiva) ou apenas as formas de regime político (monarquia – república, democracia-
autocracia) ou até e apenas as formas de governo (presidencialismo - parlamentarismo).
Trata-se de questões diferentes e consequentemente não devem incluir-se na mesma
tipologia formas de Estado, formas de regime e formas de governo.
Em segundo lugar, importa ter em conta os critérios utilizados. As tipologias serão
tantas quantos os critérios a que se recorre. Cumpre, no entanto, ao elaborar tipologias
consistentes de formas políticas, não misturar critérios totalmente diversos. A unidade e
consistência do critério de arrumação é essencial em qualquer classificação.
Em terceiro lugar, a maior parte dos conceitos políticos utilizados na classificação dos
regimes políticos possuem uma grande carga ideológica, quer positiva, quer negativa, além
de serem muitos deles polissémicos, tendo sentidos diversos em diferentes contextos
ideológicos. No primeiro caso está o de democracia; no segundo, os de ditadura,
115

totalitarismo, oligarquia, etc. Importa por isso definir o sentido com que se utiliza cada um
desses grandes conceitos.

6.2. Formas políticas: monarquia versus república

Na distinção tradicional, a monarquia é o governo de um só (sentido etimológico da


palavra), o monarca (rei, príncipe), de designação não eletiva, enquanto a república
(etimologicamente “coisa pública” é o governo que envolve de alguma forma de
representação da coletividade políticae a sua participação na escolha dos governantes,
incluindo o chefe do Estado. Hoje em dia, nas democracias constitucionais, os monarcas
não governam e a distinção entre monarquia e república tem a ver principalmente com o
modo de seleção e o estatuto do chefe do Estado e não tanto com a questão da titularidade
do poder.
Nas monarquias, o chefe do Estado é vitalício e em geral hereditário, pelo que não
está sujeito ao princípio democrático. Em geral, as monarquias incluem a separação entre a
nobreza, encabeçada pela família real, e os cidadãos comuns. As antigas monarquias
absolutas (em que todo o poder pertencia ao soberano) deram lugar às monarquias
constitucionais, em que o monarca tem poderes muito limitados pela Constituição. No sec.
XIX ainda mantinha o poder executivo, mas no séc. XX o monarca já só tem poderes
simbólicos.
Nas repúblicas o chefe do Estado é o Presidente da República, eleito de entre os
cidadãos comuns, tendo um mandato temporário (e em geral com um número de mandatos
limitado). A eleição pode ser direta, como em Portugal, semidireta (como nos Estados
Unidos) ou indireta (colégio eleitoral parlamentar), como na Itália ou na Alemanha.
Mas, em sentido mais geral, o republicanismo carateriza-se pela negação de
privilégios de nascimento, pela igualdade política de todos os cidadãos, pela elegibilidade
de todos os cidadãos para os cargos mais elevados do Estado, pela limitação temporal dos
cargos políticos, pela responsabilidade política, penal e civil de todos os titulares de cargos
políticos, incluindo o chefe do Esatdo, etc.
Os poderes do Presidente da República podem variar muito, entre o presidencialismo
mais estreme, em que o Presidente da República é titular da função governamental, e o
parlamentarismo mais ortodoxo, em que o Presidente da República tem funções puramente
representativas e cerimoniais, sem nenhuma intervenção no governo.
116

A maior parte dos países adotou a república, sendo esse o regime escolhido quase sem
exceção pelos novos países saídos da descolonização, tanto na primeira vaga no seculo XIX
(Américas) como na segunda vaga, na segunda metade do século XX (África e Ásia). A
maior parte das monarquias subsistentes situa-se na Europa e no mundo árabe. Monarquias
exóticas são as de alguns países da Comunidade Britânica, que mantêm o soberano britânico
como chefe do Estado (Canadá, Austrália, etc.), representado presencialmente por um
“Governador”, com poderes puramente formais.
Na maior parte das monarquias, os monarcas têm poderes limitados (monarquias
constitucionais). Mas subsistem monarquias absolutas em Estados pré-constitucionais,
como a Arábia Saudita, em que os monarcas são titulares de todo o poder, não havendo
sequer uma assembleia representativa.

6.3. Regimes políticos: critérios fundamentais

Dos problemas levantados na tipologia dos regimes políticos um dos mais importantes
é o dos critérios suscetíveis de serem utilizados para efeitos de classificação. Esses critérios
são múltiplos e correspondem às principais variáveis do sistema político.
A generalidade das tipologias das formas políticas recorre a dois critérios básicos:
- Quem governa, ou seja, quem detém e exerce o poder?
- Qual a relação entre o poder político e a "sociedade civil", ou seja, qual o âmbito e
domínio da intervenção do Estado?
A primeira variável — titularidade do poder, ou seja, grau de participação dos
cidadãos no poder e na atividade do sistema político — está ligado ao critério tradicional
que vem desde Aristóteles, sobre os regimes políticos. Costuma ser apresentada como uma
das variáveis mais importantes do eixo autocracia-democracia. Os extremos do eixo seriam
precisamente, de um lado, a democracia plena ("governo de todos por todos"), do outro
lado, a monocracia ("governo de um sobre todos"). No interior dos extremos o que existe
são sucessivos graus de democracia limitada e de autocracia, dependendo da extração social
dos detentores do poder político, do grau de participação popular na escolha dos dirigentes
e na definição das opções políticas.
A segunda variável — âmbito e domínio de intervenção do Estado — está ligada à
questão do liberalismo e do autoritarismo. Na realidade, trata-se de formas inscritas num
eixo cujos extremos teóricos são de um lado o anarquismo - ausência de Estado e, logo, de
117

qualquer domínio de intervenção estadual -, e de outro lado o totalitarismo - designando


um total controlo da sociedade pelo Estado, ou seja, a ausência de qualquer domínio social
isento de intervenção estadual. O conceito de “totalitarismo” teve a sua origem no fascismo
italiano e no nazismo alemão, tendo sido depois generalizado no pós-guerra pela politologia
norte-americana para abranger todos os sistemas políticos de idênticas caraterísticas
formais, incluindo os regimes comunistas da época, no formato estalinista.

Regimes políticos

Titulares do poder Democracia Autocracia

Relação Estado-Sociedade Liberalismo Autoritarismo

Desse modo, conjugando essas duas dimensões, poderíamos ter em abstrato quatro
espécies de regime político:
- democracia liberal (“demoliberalismo”);
- democracia autoritária (“democracia iliberal”);
- autocracia liberal;
- autocracia autoritária.
As democracias liberais, como o próprio nome indica, são democracias baseadas no
liberalismo político (liberdades civis e políticas) e no liberalismo económico (liberdade de
empresa, economia de mercado). As democracias liberais são por definição democracias
limitadas. O poder político é necessariamente limitado pelos direitos dos cidadãos
(incluindo a liberdade de imprensa) e da oposição política.
As democracias autoritárias ou, mais genericamente, as “democracias iliberais” são o
“casamento” da democracia baseada em eleições (incluindo, em alguns casos, eleições
competitivas) com um poder autoritário, com limitação maior ou menor das liberdades
individuais e uma forte intervenção do Estado na esfera económica e social.
As autocracias liberais são aquelas em que o poder é dominado por um pequeno grupo
dirigente (oligarquia), mas em que o poder político se abstém de excessiva repressão das
liberdades individuais e de ingerência na esfera económica e social. Trata-se de um
casamento por definição pouco provável e necessariamente instável.
118

As autocracias autoritárias são o contrapondo das democracias liberais, em que o


poder oligárquico se combina com um poder repressivo das liberdades individuais e com
uma acentuada ingerência na esfera económica e social.
Na vida real estes “tipos ideais” (Max Weber) podem não dar conta da enorme
diversidade de regimes híbridos, mais ou menos de democráticos ou autocráticos, mais ou
menos liberais ou autoritários. Mais do que categorias fechadas, estamos a falar de
“gradações”, do mais democrático ao mais autocrático, do mais liberal ao mais autoritário,
desde as “democracias libertárias” num extremo ao “despotismo totalitário” no outro.
Isto é particualemnte relevante no caso do eixo democracia-autocracia. Não se trata
de uma dicotomia absoluta, havendo regimes mistos ou híbridos, com traços democraticos
(nomeadamente a arquitetura institucional, realizaçao de eleições, etc.) e traços substantivos
autocráticos (hegemonia de um partido oficioso, limitação dos direitos de oposição, etc.).

Bibliografia:

J. Miranda, ob cit.,12-38.
Zippelius, ob cit., 205-220, 367-382.
J. Blondel, Comparing Political Systems, Londres, 1973, pp. 31 sgs.

6.4. Os regimes políticos contemporâneos

6.4.1. Multiplicidade de regimes

Como vimos, de acordo com a dicotomia dominante na ciência política


contemporânea, os regimes políticos podem classificar-se em dois grandes grupos: as
democracias liberais, por um lado, e os regimes autoritários, por outro lado, em que se
incluem regimes muito diversos, como o que resta dos regimes comunistas (autodesignados
“socialistas”) depois do fim do comunismo no leste europeu e na Rússia, bem como os
regimes oligárquicos tradicionais, as ditaduras militares e regimes políticos afins.
As democracias liberais são o produto do casamento da democracia representativa
com o liberalismo político e económico. Apresentam os seguintes traços dominantes:
democracia representativa; separação de poderes; princípio do Estado de direito; limitação
das tarefas do Estado (sem prejuízo do "Estado social"); pluralismo e competição política e
119

partidária; liberdades políticas (liberdade de expressão, de reunião, de manifestação, etc.);


contraposição entre o governo e a oposição; autonomia das coletividades regionais e locais.
Os regimes comunistas (hoje em número reduzido, desde o inicio dos anos 90)
resultam da conjugação da conceção leninista da democracia (de inspiração rousseauniana),
autodesignada de “democracia popular”, com uma perspetiva abrangente e autoritária do
papel do Estado. Caracterizam-se pelos seguintes traços: "democracia popular" (negação da
representação política e da separação de poderes em favor da unidade do poder, do mandato
imperativo, etc.); monopartidarismo (partido dirigente oficialmente estabelecido),
inexistência da contraposição governo-oposição; extensão da ação do Estado a todas as
esferas sociais (economia, cultura, etc.); centralização do poder no Estado ("centralismo
democrático"), sem verdadeira autonomia local e regional.
O terceiro grupo abrange todos os regimes de natureza ditatorial (desde as oligarquias
ou monocracias tradicionais até às ditaduras militares), onde não existe nenhuma forma de
democracia (nem representativa nem "popular"), nem separação de poderes, nem
pluralismo político partidário, nem descentralização territorial (podendo, porém, variar
quanto ao papel do Estado na vida económica entre um liberalismo relativo e um
autoritarismo estreme).

6.4.2. A democracia liberal

Como já se referiu, a democracia liberal é a conjugação da democracia política com o


liberalismo político e económico. A democracia liberal consustancia as duas liberdades, a
que se referiu I. Berlin num ensaio célebre2: (i) a “liberdade negatitva”, ou seja, a liberdade
de as pessoas governarem a sua vida sem intereferências ou restrições externas; e a (ii)
“liberdade positiva”, ou seja, a liberdade de as pessoas poderem escolher os seus
governantes e as opções de governo. Utilizando os conceitos de B. Constant, a democracia
liberal conjuga a “liberdade dos modernos” (liberdade face ao poder) e a “liberdade dos
antigos” (liberdade de tomar posição no governo da coisa pública).

2
Disponivel na Internet:

http://faculty.www.umb.edu/steven.levine/courses/Fall%202015/What%20is%20Freedom%20Writings/Berli
n.pdf
120

Por definição, a democracia liberal é uma democracia limitada pelo liberalismo e um


liberalismo limitado pela democracia. Sendo o “governo da maioria”, a maioria não pode
porém tudo (“ditadura da maioria”), pois o poder da maioria é limitado pelas liberdades
políticas e económicas dos cidadãos e pelos direitos da oposição, ambos
constitucionalmente garantidos. Sendo um regime liberal, a democracia pode porém exigir
limites às liberdades políticas e económicas, a fim de defender a própria democracia ou
outros valores fundamentais. Daí, por exemplo, a proibição de organizações ou
manifestações armadas ou racistas, a proibição de atividades económicas lesivas do
ambiente, etc.
Apesar da unidade da noção, as democracias liberais podem apresentar variantes
muito diferenciadas, nomeadamente quanto à ordem económica e social (welfare state, por
exemplo).
As democracis liberais são mais do que simples “democracias eleitorais”. São três os
componentes institucionais da democracia liberal:
- a recondução da legitimidade do poder politico à vontade popular, através de eleições
livres e periódicas por sufrágio universal (democracia eleitoral);
- o Estado de direito, ou seja, a sumissão do poder ao direito, desde a Constituição às
leis, e a justicibilidade das ações do poder, excluindo o poder arbitrário;
- o reconhecimento e o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, incluindo à
cabeça as liberdades civis e políticas, como antídoto contra o abuso do poder.

Bibliografia:

J. Miranda, ob cit., pp. 12-38;


Zippelius, ob cit., pp. 205-220;
J. Blondel, Comparing Political Systems, Londres, 1973, pp. 31 sgs.

6.5. A conceção "procedimental" da democracia

São numerosas as declinações da noção de democracia (= “governo do povo”).


Quanto ao seu objeto, é usual distinguir entre democracia política (a que tem a
ver com o exercício do poder político) e “democracia económica”, “democracia
121

social”, “democracia cultural”, etc., tendo estes qualificativos a ver, respetivamente,


com a participação dos trabalhadores na organização económica, com a participação
popular nas instituições sociais (segurança social, saúde, etc.) e com a participação nas
instituições culturais e na usufruição de bens culturais. Noutro sentido, essas
expressões podem designar a ampliação do acesso aos bens económicos, sociais e
culturais (“democratização do ensino”, por exemplo). Neste contexto só nos interessa
a democracia política, ou seja, a que tem a ver com a ligação entre vontade popular e
o poder político.
Quanto ao sentido da democracia, a teoria marxista distinguia tradicionalmente
entre a "democracia burguesa" ou "democracia capitalista" e a "democracia popular"
ou "democracia socialista". Em contrapartida a literatura ocidental distinguia
correntemente entre, por um lado, a "democracia ocidental" ou "democracia pluralista"
ou “democracia liberal" e, por outro lado, os regimes autoritários dos países
comunistas.
Também é frequente a distinção entre "democracia substancial" e "democracia
formal", apontando a primeira para uma efetiva intervenção popular no exercício do
poder e a segunda, para a simples existência dos mecanismos e procedimentos
eleitorais.
Seja como for, na moderna ciência política prevalece amplamente uma noção de
democracia relacionada somente com o plano político (democracia política) e um
entendimento essencialmente "procedimental" da democracia. Nesta perspetiva,
democracia é o sistema político em que os titulares do poder político, pelo menos a
assembleia representativa, são escolhidos por sufrágio universal em eleições
periódicas e livres, incluindo a liberdade de apresentação de candidatos. A democracia
é portanto um método de escolha livre e concorrencial dos titulares de cargos políticos,
garantindo a liberdade de apresentação de alternativas ao poder incumbente e de
participação, mediante o voto, de todos os cidadãos.
Numa variante extrema desta noção “procedimental” da democracia, Joseph
Schumpeter, num livro célebre (Capitalismo, Socialismo e Democracia, 1944) definiu
a democracia como sendo um arranjo institucional pelo qual os titulares do poder e os
candidatos a exercerem-no competem livremente e periodicamente pelo voto dos
eleitores. Nesta definição, os protagonistas do mecanismo democrático são os titulares
122

do poder, ou os candidatos a exercerem-no, e não os eleitores, que se limitam a ser os


árbitros da contenda eleitoral, decidindo quem a deve vencer.

6.6. A democracia representativa

6.6.1. Democracia representativa versus democarcia direta

O conceito de democracia apresenta uma enorme variedade de sentidos e de


qualificações. Mas um dos menos controversos é o de democracia representativa.
A democracia representativa ou "democracia indireta" é uma forma de exercício do
poder político pelo conjunto dos membros da coletividade, através de órgãos
representativos, diretamente eleitos pelos cidadãos ou por órgãos perante aqueles
responsáveis. Distingue-se da democracia direta, em que o poder é exercido diretamente
pelos próprios cidadãos reunidos em assembleia ou conselho, que aprovam as leis, tomam
as decisões políticas e elegem diretamente os magistrados do poder executivo. O modelo
clássico da democracia direta continua a ser o das cidades-estado da Grécia antiga.

6.6.2. Trasços da democracia representativa

A democracia representativa constituiu o resultado da democratização do sistema de


“governo representativo” dos primórdios do constitucionalismo liberal, por efeito da
extensão do direito de sufrágio (sufrágio universal) e da transformação do Estado de
monoclassista em pluriclassista (ver supra, capítulo II). A democracia representativa traduz
a fórmula compromissória entre dois conceitos originariamente incompatíveis e hostis entre
si: o governo representativo inicial (que não era mais do que o governo da burguesia
possidente) e a noção originária de democracia enquanto governo do povo (ou seja, das
classes populares) sem intermediação.
Os conceitos chave da democracia representativa são dois:
- A noção de representação (etimologicamente: tornar presente o que está ausente),
traduzindo o facto de que não é o povo ou a nação que diretamente exercem o poder ou
governam, mas sim um corpo de representantes ou delegados deles, designados para
mandatos temporariamente limitados;
- A noção de mandato representativo (ou livre), pelo qual os representantes
representam o conjunto dos cidadãos (e não um grupo social ou corporação, como nas cortes
medievais) e exercem livremente o seu cargo, sem estarem vinculados a adotar
123

determinadas orientações previamente definidas pelos representados. Por isso não há


revogação do mandato representativo. O mandato representativo distingue-se do mandato
imperativo (ou vinculado), típico da representação política pré-liberal (cortes medievais) e
também das conceções rousseaunianas e leninistas de democracia, em que os representantes
estão obrigados por um programa e vinculados às posições assumidas perante os
representados, aos quais terão de prestar contas (dai a possibilidade de revogação dos
mandatos, ou recall).
Nas democracias representativas dá-se a eleição pelo menos de uma assembleia
representativa (parlamento, congresso, câmara, etc.), a quem cabe o principal do poder
legislativo, bem como a competência para fiscalizar o poder executivo. O parlamento pode
porém compreender duas câmaras (câmara dos deputados e câmara dos senadores), pelo
que pode haver duas eleições diferentes.
Em muitos países, desde logo nos sistemas de governo presidencialista (onde o poder
executivo cabe ao próprio presidente da República), mas também em alguns sistemas de
governo parlamentar, verifica-se também a eleição do chefe do Estado, separadamente da
eleição parlamentar. São os sistemas birrepresentativos. Noutros países, há ainda a eleição
separada direta do primeiro-ministro (chefe do governo).

6.6.3. Contestação da democracia eleitoral

A hsitóra da representação política apresenta duas alternativas à representatividade


por via eleitoral, podendo porém coabitar com esta.

a) A “representação corporativa”

Como o nome indica, a representação corporativa visa a representação de “corpos”


ou grupos sociais, nomeadamete de grupos de interesses económicos. Foi o que sucedeu
entre nós no domínio da Constituição de 1933, que previa uma Câmara Corprativa, ao lado
da Assmebleia Nacional, baseda em eleições (embora embora essencialmente fictícias).

b) A “representação por sorteio”

Neste tipo de representação os rep0resentantes são designados por sorteio de entre os


cidadãos, e não por eleição. Com origem na antiga Atenas, a representação por sorteio goza
124

hoje do apoio de alguns pensadores, como alternativa à representação eleitoral por via dos
partidos políticos.

Remissão bibliográfica:

J. Miranda, ob cit., pp. 63-82


Zippelius, ob cit., pp. 237-249, 265-272.

6.7. Democracia e participação eleitoral

A democracia representativa pressupõe a participação dos cidadãos na vida política


através das eleições. A democracia é, portanto, antes de mais ,uma "democracia eleitoral".
Por conseguinte, a qualidade e a intensidade da democracia podem variar muito de
acordo com a participação eleitoral dos cidadãos. O principal critério para medir a
participação política numa democracia eleitoral é a taxa de votantes entre os cidadãos com
direito de voto. Há países onde o voto e obrigatório (por exemplo, o Brasil, a Bélgica, etc.)
e onde portanto a participação política é elevada. Na generalidade dos países, porém, o voto
é facultativo, permitindo a abstenção.
A taxa da abstenção eleitoral é o principal indicador do alheamento político dos
cidadãos. A abstenção varia de país para país, difere com o tipo de eleições (eleições
parlamentares, presidenciais, regionais, locais) e com os diferentes sistemas eleitorais e
muda de época para época, testemunhando o diferente interesse que elas suscitam nos
eleitores. No entanto, os dados disponíveis apontam para uma tendência de diminuição da
participação política nas democracias contemporâneas, com taxas de abstenção a
aproximarem-se dos 50%. Nos Estados Unidos desde há muito que as eleições legislativas
(para o Congresso) são muito baixas. Fala-se a esse propósito numa "crise da representação
política".
Diferente da abstenção, que consiste em não ir votar, é o voto branco (votar mas sem
efetuar uma escolha eleitoral) e o voto nulo (inutilização do voto, mediante a sua obliteração
ou inserção de escrito ilegal). Em geral, as percentagens de votos nulos e brancos são
reduzidas, mas podem elevar-se como manifestação de protesto político, para significar um
testemunho de rejeição das propostas eleitorais apresentadas aos eleitores.
Em geral, as abstenções e os votos nulos e brancos são irrelevantes para o resultado
eleitoral, embora haja propostas de lhe dar relevo, pela não eleição de uma parte dos
125

mandatos parlamentares, que ficariam vagos. Mas não é por haver taxas elevadas de
abstenção ou de votos brancos e nulos que os candidatos deixam de ser eleitos e que as
assembleias deixam de ficar completas. São muito excecionais os casos em que se exige um
quorum de votantes. Mas altas taxas de abstenção ou de votos brancos e nulos constituem
um inequívoco sintoma de baixa participação política e um possível défice de legitimação
do sistema político e de alienação política dos cidadãos em relação a ele.
A participação política não se mede somente pela participação nas eleições (e nos
referendos). Outros elementos da participação política são a filiação em partidos e
associações políticas, a subscrição de petições e de manifestos políticos, a participação em
manifestações, eventos e debates políticos, etc. Existe uma extensa literatura sobre as
formas e intensidade da participação política.

6.8. A democracia em sociedades divididas

A construção clássica da democracia representativa, baseada no voto individual e no


mandato representativo (ver supra), pressupunha sociedades homogéneas, onde a única
razão de diferenciação das posições políticas era a posição social e económica e as
divergências de ideias políticas. No entanto, muitos países não são sociedades homogéneas
sob muitos pontos de vista, havendo divisões étnicas, linguísticas, religiosas, etc. Vários
países são plurinacionais ou apresentam importantes minorias dessa ordem.
Nesse contexto de divisão e, possivelmente, de clivagem social a aplicação dos
princípios da democracia representativa, baseados no princípio da maioria pode conduzir
ao afastamento de relevantes secções da sociedade, excluindo do poder político as minorias
étnicas, linguísticas ou religiosas, etc. E por isso, que modernamente se tentam conceber
mecanismos pelos quais as divisões sociais podem ser associadas ao exercício do poder,
mediante a sua apresentação adequada desde logo na assembleia representativa.
Nos casos em que as minorias estão concentradas numa certa região, o mecanismo
adequado pode ser o reconhecimento de certa autonomia política a essa região ou regiões,
com representação apropriada no parlamento nacional (segunda câmara de representação
territorial). O problema é mais complicado no caso de as minorias estarem dispersas pelo
território do país. Nessas circunstâncias, a representação política específica dessas minorias
pode passar pela criação de círculos eleitorais próprios para elas (como sucede por exemplo
na Nova Zelândia, com a "constituency" dos Maori).
126

6.9. A qualidade da democracia

As democartcais variam muito entre si, quer quanto à sua configuração institucional
(sistemas de governo, sistemas eleitorais, etc.), quer quanto ao seu funcionamento
(participação eleitral, relações governo-oposição, etc.).
Fala-se a esse propósito em “qualidade da democracia”, ordenando rankings dos
países, tendo em conta diversos parâmetros. Um doas mais conhecidos desse rankings é o
do The Ecoomistt, uma revista semanal broitâniuca, que divide os regime políticos em três
categorias:
- democracias (por sua vez agrupando duas categorias, as democracias plenas e as
democracias imperfeitas, ou defeituosas);
- regimes mistos;
- regime autoritários (autocráticos).
Os indicadores relevantes são o desempenho do sistema político, a participação
política e as liberdades públicas. Por via de regra, o ranking é encabeçado pelos países
escandinavos.

6.10. Democratização e transição democrática

6.10.1. A "terceira vaga da democratização"

Há cerca de meio século o número de democracias liberais era relativamente reduzido


e limitava-se a Europa ocidental (onde ainda persistiam, porém, algumas ditaduras no sul
do Continente, a começar por Portugal), a América do Norte e a alguns outros poucos países
(Japão, Austrália, Nova Zelândia, Israel e pouco mais).
Desde então deu-se um aumento significativo das democracias liberais em
consequência de numerosos processos de democratização, que puseram fim a regimes
autocráticos e autoritários de diferentes matizes, Primeiro foram as ditaduras conservadoras
e protofascistas do sul da Europa (Portugal, 1974, Grécia, 1974, Espanha, 1978). Depois,
vieram vários países da América Latina (por exemplo, Brasil e Argentina), da África
(incluindo a África do Sul) e também na Ásia. Por último, deu-se a partir de 1990 a
derrocada do mundo comunista na Europa oriental, incluindo a antiga União Soviética.
A este respeito um politólogo norte-americano (Samuel Huntington) falou na "terceira
vaga" da democratização, a qual teria sucedido a primeira vaga (desde início do século XIX
127

até aos anos 20 do século XX), e a segunda vaga (1945-1960), as quais foram, porém,
seguidas, cada uma delas, por contravagas de restaurações autoritárias (reverse waves).
Contudo, quer o paradigma da transição democrática, quer a calendarização de
Huntington estão longe de ser consensuais na ciência política.

6.10.2. Vias e problemas da democratização e da consolidação


democrática

Os processos de democratização seguiram vias bem diversificadas. O referido


Huntington distinguiu três tipos de transição, conforme os modos de passagem do regime
autocrático/autoritário para a democracia:
- A via da revolução, substituindo globalmente as instituições e o pessoal político do
regime anterior ("replacement");
- A via da transformação do regime autoritário por dentro, por via de uma evolução
ou transformação gradual ("transformation");
- Uma via intermédia, em que a transformação se converte no final em substituição
("transplacement").
A transição democrática envolve três problemas fundamentais:
- Lidar com o passado autoritário (violações dos direitos do homem no regime
autoritário, integração dos dirigentes do regime anterior no novo regime democrático,
amnistias, "comissões de verdade e reconciliação", tribunais penais especiais, etc.);
- Desenhar o novo regime democrático (decidir a forma de governo, o regime
eleitoral, o sistema judicial, etc.);
- Reformar o sistema económico e definir o papel do Estado em relação à economia
e à sociedade (privatizações, liberalização, novas formas de regulação, etc.).
O período da transição democrática, que pode ser mais ou menos rápido, é seguido
normalmente do processo de consolidação democrática, que consiste no amadurecimento
das condições de funcionamento normal e estável do novo regime democrático. Os fatores
de consolidação são, entre outros, os seguintes: consenso essencial sobre as regras
fundamentais do novo sistema político (consenso constitucional); legitimação incontestada
dos governos; bom desempenho económico; coesão social e cultural.
128

Bibliografia:

G. O'Donnell, P. C. Schmitter & L Whitehead, Transitions from Authoritarian Rule,


Southern Europe, The Johns Hopkins University Press, 1986.
J. J. Linz & A. Stepan, Problems of Democratic Transition and Consolidation, The
Johns Hopkins University Press, 1996.
Samuel Huntington, The Third Wave, Democratization in the Late Twentieth Century,
University of Oklahoma Press, 1991.
Capítulo VII
Sistemas de governo

7.1. Sistemas de governo nas democracias representativas

Numa definição elementar, designa-se por sistema de governo (ou forma de governo)
o modo como numa democracia representativa se repartem as diversas funções do Estado
pelos diferentes órgãos superiores deste, bem como o modo como estes se articulam entre
si, tendo em conta especialmente o poder executivo (governo em sentido estrito) e as suas
relações com o poder legislativo.
Na base da distinção dos sistemas de governo está a separação de poderes, ou seja, a
repartição das funções do Estado (legislação, execução, jurisdição) por diferentes órgãos
(assembleia representativa ou parlamento, governo e administração, tribunais). A separação
de poderes (Locke e Montesquieu) surgiu como meio de limitação do poder. A única forma
de limitar o poder é dividi-lo e pôr uns poderes a limitar outros. A ideia fundamental era a
de que quem legisla não deve executar as próprias leis e vice-versa. Por isso, o teste
essencial de um sistema de governo é saber quem é o titular do poder executivo e o tipo de
relação e de separação entre o poder legislativo e o poder executivo.
Como sabemos, em contracorrente, Rousseau criticou a separação dos poderes: o
poder do soberano, o povo, expresso na “vontade geral”, devia ser indivisível. A vontade
da maioria representada na assembleia popular é ilimitada, não podendo nenhum poder do
Estado ser independente dela. O poder legislativo não pode estar sujeito a nenhuma
limitação decorrente da independência dos outros. Por isso, o poder executivo (governo)
deveria ser uma pura delegação da assembleia popular. O princípio não é o da separação
dos poderes mas sim o da unidade do poder, concentrado na assembleia popular.
Mas a teoria da separação de poderes de Montesquieu (nomeadamente entre o poder
legislativo e o executivo) resistiu à prova do tempo, apesar da dificuldade em acomodar o
papel do chefe do Estado, quando ele não integra o poder executivo. Foi para isso que
130

Benjamin Constant inventou o "quarto poder", ou poder "neutro", moderador e arbitral,


investido no monarca constitucional, separado do poder executivo investido no ministério.
Nesta conceção, o poder político deixa de ser dividido entre apenas dois órgãos (assembleia
e governo), aparecendo um terceiro, o chefe do Estado, com um poder político próprio.
Como se viu atrás, a "separação horizontal" de poderes (a conceção clássica da
separação entre o poder legislativo e o poder executivo) é replicada pela "separação
vertical" de poderes, mediante a repartição de poderes entre o Estado central e as
coletividades territoriais infraestaduais (regiões e municípios). Por isso, tendo cada camada
de poder os seus próprios órgãos de poder, também eles estão sujeitos à regra da separação
horizontal de poderes. Em princípio, os níveis de poder infraestaduais replicam o sistema
de governo ao nível central do Estado; mas não tem de ser assim, como sucede entre nós.
Nas democracias representativas, caracterizadas por diferentes fórmulas de separação
de poderes, podem distinguir-se diversos sistemas de governo, nomeadamente os seguintes
grandes tipos: sistema de governo parlamentar ou parlamentarismo, sistema de governo
presidencial ou presidencialismo, revestindo cada um desses tipos básicos diversas
variantes ou subtipos. O critério fundamental de distinção, repita-se, é a titularidade da
função governativa, a fonte da sua legitimidade política e a forma e o grau de separação
do governo em relação ao Presidente e ao parlamento.
A conjugação de traços dessas duas formas básicas dá lugar a diversas formas mistas,
combinadas ou híbridas, como o chamado “semipresidencialismo”.
Na prática, os sistemas de governo concretos, mesmo quando enquadráveis num
destes tipos básicos, apresentam enorme diversidade, apresentando-se sempre como
“declinações” especiais do respetivo tipo ou subtipo.
Conforme a fonte de legitimidade eleitoral do governo sejam as eleições presidenciais
ou as eleições parlamentares, assim teremos duas famílias básicas de sistemas de governo:
os de natureza presidencial e os de natureza parlamentar. Dentro de cada uma dessas
famílias, a função governamental pode ser desempenhada pelo próprio órgão eleito
(presidente ou parlamento) ou por um órgão separado (normalmente designado por
“governo”), deles dependente.
131

Tipologia básica dos sistemas de governo

Tipos básicos Fonte de legitimidade Titularidade da função Exemplos


política governativa
a) Presidente a) EUA
(presidencialismo
Presidencislismo Eleições presidenciais stricto sensu)
(lato sensu) b) Governo
separado b) Portugal sob
reponsável a
perante o Constituição
Presidente de 1933
(“presidencialism
o indireto”)
a) Governo a cargo a) França,
do Parlamento Convenção
Parlamentarismo Eleições parlamentares (“governo de 1792
(lato sensu) assembleia” ou
“governo
convencional”
b) Governo
autónomo b) Reino Unido
responsável
perante o
Parlamento
(parlamentarismo
em sentido
estrito)
a) Cotitularidade do a) França,
governo pelo segundo a
Tipos mistos Eleições presidenciais e Presidente e por Constituição
(“semipresiden- eleições parlamentares um PM de 1958
cialismo”, responsável
“semiparlamen- perante o
ta-rismo”) Parlamento
b) Governo
autónomo b) Portugal,
responsável 1976-82
perante o
Presidente e o
parlamento

Nos sistemas presidencislistas em sentido estrito só há dois órgaos do poder político:


o parlamento (função legislativa) e o Presidente (chefe do Estado e chefe do governo). Nos
sistemas de “presidencialismo indireto”, o governo é um órgão separado, embora
dependente do Presidente. Nos sistemas de “governo de assembleia” só existe um órgao de
poder político, visto que a função executiva também pertence ao parlamento (embora
132

exercida por comissários parlamentares livremente destituíveis) e a chefia do Estado não


goza de autonomia institucional.
Nos sisteams de governo parlamentar em sentido estrito existem normalmnte três
órgaos do poder (parlamento, chefe do Estado e governo), embora o chefe do Esatdo
(monarca ou presidente) possa ser um figura apagada ou ter um papel político próprio (mas
não compartilhando a função governativa). Também nos sistemas “semipresidencialistas”
exitem três orgãos de poder político, tendo aqui o chefe do Estado uma intevenção, direta
ou indireta, na função governativa.
Além destes tipos básicos existem alguns sistemas de governo “fora da norma”, como
o caso do sistema de governo “diretorial” (Suíca), em que o governo é oriundo da
assembleia, mas não é polticamente responsável perante a mesma.

Bibliografia:
a) Sobre a separação de poderes
J. Miranda, ob. cit., pp. 93-111;
Zippelius, ob. cit., pp. 406-418;
V. Canas, ob. cit., pp. 91-98;
P. Bonavides, ob. cit., pp. 145-163,
Nuno Piçarra, A separação de poderes como doutrina e princípio constitucional,
Coimbra, 1989.

b) Sobre os sistemas de governo


Vital Moreira, Variações sobre o "semipresidencialismo", policopiado, Coimbra, 1993.
J. Miranda, ob. cit., pp. 123-132
Zippelius, ob. cit., pp. 535-585
Vitalino Canas: ob. cit., pp. 130-201
P. Bonavides, ob. cit., pp. 357-424
M. Duverger, Xeque-mate, Lisboa, 1978

7.2. Sistema de governo presidencial, ou presidencialismo

É o modelo classicamente representado desde a origem pelo sistema de governo dos


Estados Unidos da América, mas a sua origem vem diretamente da teoria da separação de
133

poderes de Locke e de Montesquieu..


As caraterísticas essenciais do sistema são as seguintes:
- A função governamental cabe diretamente ao Presidente da República e é
independente do Congresso, não havendo um governo separado do Presidente;
- O Presidente goza de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou quase direta)
independente do Congresso e acumula as funções de chefe do Estado e de chefe do
executivo, sendo nesta tarefa coadjuvado por secretários de Estado (ou ministros) por le
nomeados, cabendo, porém, ao presidente exclusivamente a condução da ação governativa;
- Há duas eleições e dois órgãos eleitos (sistema birrepresentativo); as eleições
decisivas para o executivo e as políticas governamentais são as eleições presidenciais e não
as eleições legislativas, que se limitam a eleger os membros do Congresso;
- Existe separação marcada entre o poder legislativo (Congresso) e o executivo
(Presidente); nem o primeiro pode demitir o governo, que não é responsável perante ele,
nem o presidente pode dissolver aquele e antecipar eleições;
- Não havendo possibilidade de demissão de um poder pelo outro, nunca há eleições
antecipadas; mesmo no caso de morte do Presidente, ele é substituído pelo vice-presidente
até ao final do mandato;
- A subsistência e o funcionamento dos dois órgãos são independentes, sem prejuízo
da possibilidade de demissão do Presidente por motivo de impeachment aprovado pelo
Congresso (Senado), em caso de grave infração do Presidente no desempenho do cargo
(trata-se de uma condenação de tipo penal ou parapenal e não de condenação propriamente
política);
- Todavia, existem alguns poderes de controlo recíproco (checks and balances), como
o poder de veto do Presidente sobre as leis aprovadas pelo Congresso (que o Congresso
pode superar mediante nova votação) e o poder do Congresso de escrutinar e ratificar a
escolha do Presidente quanto a diversos titulares de altos cargos públicos (secretários de
Estado, embaixadores, chefes de autoridades administrativas independentes, juízes federais,
etc.).
134

Em caso de "coabitação" de orientações políticas diferentes por parte do Congresso e


do Presidente, este pode enfrentar sérias dificuldades para levar avante os seus projetos de
governo, incluindo a aprovação do orçamento, por o Congresso lhe negar as leis necessárias.
Como o Presidente não pode dissolver o Congresso nem este pode demitir o Presidente, não
há meio de sair do impasse, salvo compromisso negociado.
Em alguns países de sistema presidencialista com parlamentos fragmentados (por
causa do sistema de eleição proporcional), a solução para a falta de maioria parlamentar do
partido do Presidente consiste em formar governos de coligação, fazendo entrar ministros
de outros partidos em troca do apoio dos respetivos partidos. Tal é o caso normal do
chamado “presidencialismo de coalizão” [coligação] no Brasil.
Um dos grandes handicaps democráticos do sistema presidencialista é o facto de o
poder executivo ser politicamente irresponsável, pois não existe responsabilidade perante o
Congresso e o Presidente não pode ser destituído por outra forma, pois não existe revogação
popular do mandato presidencial (todavia, em alguns estados dos EUA existe recall dos
respetivos governadores). A tentação pode ser a de abusar da figura do impeachment,
transformando-o numa forma de moção de censura presidencial encapotada, como já
sucedeu no Brasil.
O sistema presidencialista irradiou dos Estados Unidos para quase todos os países da
América latina, incluindo nomeadamente o Brasil, e mais recentemente para outras regiões
do mundo (nomeadamente a África), não porém sem revelar nessas paragens notórias
tendências autoritárias, com significativas diferenças de funcionamento institucional em
relação ao seu país de origem.
135

O presidencialismo pode revestir outras versões atípicas, por exemplo, o


“presidencialismo indireto”, em que a função executiva cabe um governo separado do
Presidente, mas livremente nomeado e exonerado por aquele, de quem depende, sem
responsabilidade política perante o parlamento. As demais características do sistema
presidencialista mantêm-se. Era o que sucedia entre nós no domínio da Constituição de
1933 (embora o funcionamento efetivo do sistema se afastasse do figurino constitucional,
sendo a função governativa protagonizada pelo chefe do Governo).

7.3. Sistema de governo parlamentar, ou parlamentarismo stricto sensu

Esta forma de governo surgiu na Grã-Bretanha durante o século XIX, sendo o


resultado de uma lenta evolução que levou, por um lado, ao esvaziamento do poder do rei
para conduzir o governo e à autonomização da função governativa dos ministros e, por outro
lado, ao nascimento e reforço da capacidade do parlamento para controlar a ação e a própria
subsistência do executivo nomeado pelo rei. Ou seja, a simultânea autonomização do
governo em relação ao monarca e sua sujeição ao controlo parlamentar.
As caraterísticas fundamentais do sistema de governo parlamentar são as seguintes:
- O chefe do governo não é o Presidente da República nem é diretamente eleito pelos
cidadãos, como nos regimes presidencialistas;
- Embora a função governativa não caiba diretamente ao parlamento, como a
designação poderia fazer supor, nas democracias parlamentares a fonte da legitimidade do
governo está nas eleições parlamentares e no apoio parlamentar ao executivo;
- A função executiva cabe a um governo chefiado por um primeiro-ministro (que
pode ter outro nome), em geral nomeado pelo chefe do Estado de acordo com a composição
parlamentar (sendo o chefe do governo quase sempre o líder do partido maioritário no
parlamento), que depende da confiança política do parlamento;
- O chefe do Estado (monarca ou presidente da República) pode ser nominalmente o
chefe do governo, mas está em geral reduzido a funções cerimoniais e de representação; é
o chefe do Estado mas não o chefe do governo; reina ou representa mas não governa;
- Em princípio, nas democracias parlamentares, só existem eleições para o
parlamento, que servem indiretamente para a escolha do governo; pode haver, porém,
também eleições presidenciais, no caso das repúblicas parlamentes com presidente
diretamente eleito;
136

- O governo é chefiado por um primeiro-ministro, sendo formado por ministros,


normalmente nomeados pelo chefe do Estado sob proposta do PM, os quais em conjunto se
reúnem em conselho de ministros, com poderes de deliberação colegial.
- - O governo só é politicamente responsável perante o parlamento, que pode fazer
demitir o governo, mediante a aprovação de moções de censura ou a rejeição de moções de
confiança;
- Em contrapartida, em geral o governo pode antecipar eleições parlamentares,
mediante dissolução parlamentar, que é determinada pelo chefe do Estado a pedido do
governo;
- Existe, portanto, uma interdependência entre o governo e o parlamento e não uma
separação absoluta, como no sistema presidencialista;
- Podendo haver demissão parlamentar do governo e dissolução do parlamento por
iniciativa do governo, os mandatos parlamentares e governamentais podem ter duração
inferior à legislatura (normalmente quatro anos).

O processo de formação do governo pode variar de país para país. Em alguns países,
como Portugal, o primeiro-ministro é nomeado pelo chefe do Esatdo tendo em conta a
composição do parlamento, tendo depois o Governo nomeado de se apresentar perante o
parlamento onde pode ser rejeitado. Noutros países, como na Espanha, o chefe do Esatdo
limita-se a indigitar um candidato a primeiro-ministro, que tem de obter a cofiança do
parlamento antes de ser efetivamentne nomeado. Noutros casos, o primero-misntro é eleito
no parlamento, limitando-se o chefe do Esatdo a formalizar a nomeação (Irlanda). Nourtos
casos, ainda, o PM cosidera-se definitivamente nomeado com a eleição parlamentar.
Quanto aos ministros, a situação mais frequente consiste na sua nomeação pelo chefe
do Estado sob proposta do PM. Mas há casos em que basta a nomeação pelo PM, sem
intervenção do chefe do Estado (Japão). Em geral, os ministros não são sujeitos a voto
indovidual de confiança no parlemento (exceção, a Irlanda).
Nas democracias parlamentares, os governos assentam essencialmente nos partidos
políticos. O primeiro-ministro é normalmente o líder do partido ou da coligação de partidos
maioritária no parlamento. Os governos de coligação são negociados entre os partidos
envolvidos. Os ministros saem das fileiras do partidos de governo, embora passa haver
ministros sem filação partidária.
137

Em algumas democracias parlamentres, como o Reino Unido, os membros do governo


têm de ser membros do parlamento, tendo-se submetido a votos, e não são susbtituídos no
exercício do cargo de deputados. Noutras, porém, não existe esse requisito e a entrada no
Governo implica a suspensão do mandato parlamentar.
A relação de cofiança entre o governo e o parlamento pode revestir duas formas
distintas, uma mais exigente, outra menos exigente. Numa delas, o Governo precisa de uma
manifestação expressa de confiança de uma maioria dos deputados (“confiança positiva”).
Além disso, basta que uma moção de censura seja aprovda, mesmos sem maioria absoluta,
para o Governo cair. Tal é o caso do Reino Unido. Noutra versão, o governo não precisa de
uma confiança parlamentar explícita, bastando o apoio tácito, só precisando de não ter contra
uma maioria de deputados (“confiança negativa”). Consequntementnte, o governo só cai
quanto é aprovada uma moção de censura pro maioria absoluta. Tal é caso de Portugal.
No sistema de paralemto bicamaral, a relação de confiança é normalmente
estabelecida somente com a “camara baiaxa” (bicamaralismo assimétrico), mas há exceções,
como a Itália (bicamaralismo simétrico), o que pode complicar o funcioamento do sistema
no caso de haver diferentes maiorias na duas câmaras, por causa de diferentes sistemas
eleitorais ou por causa de eleição desfasada das duas câmaras.
Em geral não ha um prazo estrito para a constituição de um novo governo depois de
eleiçoes parlamenteres ou depois da queda de um governo. Há países onde o processo pode
levar meses (como sucedeu há alguns anos na Bélgica). Mas há países onde está
cosntitucionalmentee estabelecido um prazo para a formação do governo, sob pena de
dissoluação parlamentar e convocação de novas eleições (caso da Espanha).
A queda dos governos pode ocorrer por aprorvação de moção de censura apresentada
pela oposição ou por perda de uma moção de confinaça apresentada pelo governo. As
moções de cofinaça podem incidir sobre uma declaração política ou sobre a aprovação de
uma certa lei, implicando a aprovação desta em bloco no caso de a moção ser aprovada. Em
alguns países a moção de censura só implica a queda do goerno se aprovada por maioria
absoluta (caso de Portugal). Além destas manifestações de perda de confiança parlamentar,
algumas constituições prevêem a queda do governo em caso de rejeição do orçemento.
Ao contrário do que sucede nos regimes presidencialistas, por via de regra, não
existem limites ao número de mandatos dos primeiros-misnistros, podendo ser
sucessivamente reconduzidos para o cargo após novas eleições.
138

Uma vez que depende do apoio do parlamento, o governo goza normalmente de


maioria parlamentar, o que facilita a aprovação dos instrumentos de governo, a começar
pelo orçamento; por isso, a contraposição parlamento-governo torna-se numa contraposição
entre a maioria parlamentar-governamental e a oposição parlamentar. Dado que os governos
são nomeados de acordo com as eleições parlamentares, estas tendem a tornar-se numa
disputa entre candidatos a primeiro-ministro, mas o vencedor das eleições só tem assegurada
a chefia do governo se obtiver maioria absoluta (de outro modo pode não chegar a obter a
investidura parlamentar).

Havendo normalmente consonância entre o governo e a maioria parlamentar, as


democracias parlamentares não apresentam em princípio conflitos entre o Governo e o
parlamento, como pode suceder no presidencialismo, onde o chefe do governo (que é o
Presidente da República) é eleito separadamente do parlamento, não tendo maioria
assegurada no segundo.
Ao contrário dos sistemas presidencialistas, que são caracterizados em geral pela
estabilidade governativa, pois a duração dos mandatos é fixa e o governo não depende da
confiança do parlamento, os sistemas parlamentares podem ser caracterizados por grande
instabilidade governativa, sobretudo no caso de sistemas eleitorais proporcionais, quanto a
falta de maioria parlamentar absoluta de qualquer partido obriga à constituição de
coligações governamentais mais ou menos inconsistentes ou de governos minoritários,
necessariamente instáveis. Eventualmente, pode ser impossível formar um governo na base
do parlamento existente, pelo que a solução consiste em convocar novas eleições
parlamentares.
Os sistemas parlamentares podem variar muito entre si, dependendo do concreto papel
do chefe do Estado, do sistema eleitoral e do sistema partidário, da existência ou não de
instrumentos de democracia direta (referendos), dos mecanismos constitucionais ou
consuetudinários de relacionamento entre o parlamento e o governo. Cabem aqui
nomeadamente o chamado "parlamentarismo racionalizado", com mecanismos tendentes a
reforçar a posição dos governos perante o parlamento, entre os quais se conta a moção de
censura construtiva, pela qual o parlamento só pode demitir um governo mediante moção
de censura desde que esta seja acompanhada da aprovação de um candidato a primeiro-
ministro alternativo (ou até também de um programa de governo) que substitua o governo
139

demitido.

Variantes de governos parlamentares

Composição do parlamento Variantes de governo Subvariantes


Maioria parlamentar governo maioritário
governo de coligação
maioritário
Sem maioria
com apoio parlamentar
maioritário negociado
governo minoritário
sem apoio parlamentar
estável

Num sistema de governo parlamentar existe necessariamente consonância entre o


executivo e a maioria parlamentar, não se podendo verificar a dissonância que pode ocorrer
no sistema presidencialista. No entanto, nos regimes parlamentares com sistemas eleitorais
proporcionais, é geralmente difícil que um partido sozinho obtenha maioria parlamentar,
pelo que os governos são de coligação ou governos sem maioria absoluta, cuja estabilidade
está longe de garantida.
Pertence à esfera do parlamentarismo a generalidade dos países da Europa ocidental
(com exceção da França, da Lituânia e poucos mais), bem como a família dos países de
cultura política anglo-saxónica (Canadá, Índia, Austrália, Nova Zelândia, etc.).

7.4. As formas de governo compósitas ou mistas

Existem formas de governo imperfeitas ou híbridas, que combinam em dose variável


elementos de parlamentarismo e de presidencialismo, normalmente designadas epla
equívoca noção de semipresidencialismo. O modelo mais conhecido é o da França (V
República).
As suas caraterísticas principais são as seguintes:
- O presidente da República compartilha do poder executivo junto com o Governo
propriamente dito, mas somente de forma parcial (daí o nome de “semipresidencialismo”);
- Existe um governo chefiado pelo primeiro-ministro que é responsável perante o
Parlamento, como nos sistemas parlamentares, mas o governo não é titular absoluto do
poder executivo ou então não depende somente do Parlamento;
140

- A função executiva, portanto, é repartida entre o governo e o PR, ou pelo menos o


governo depende da confiança do PR, que o pode demitir ou fazer demitir, e não somente
do parlamento, que também o pode demitir por via de moção de censura; entre as funções
governativas próprias do Presidente conta-se normalmente a condução da política externa e
de defesa;
- Existem três órgãos ativos no sistema de governo (Presidente, parlamento e
governo), sendo dois deles (o Presidente e o parlamento) diretamente eleitos e podendo o
governo depender de ambos cumulativamente;
- O chefe do Estado é eleito popularmente, em eleições diretas, e não tem somente
funções de representação ou cerimoniais, antes dispõe de significativas atribuições na esfera
política (o que o distingue dos chefes de Estado em sistemas parlamentares típicos), mas
longe de lhe caber a condução direta da função executiva em geral (o que o distingue do
presidente em sistema presidencialista);
- O governo conduz a política e a administração e é chefiado e dirigido por um
primeiro-ministro, designado pelo presidente da Republica, de acordo com a composição
do parlamento, sendo responsável perante este, tal como nos sistemas parlamentares;
todavia, diferentemente do que sucede em sistemas parlamentares típicos, o governo
também pode ser responsável, em certos termos, perante o chefe do Estado, e pode não
dispor do poder de determinar a dissolução do parlamento, que também cabe
autonomamente ao chefe do Estado.
Como se vê, os chamados sistemas semipresidencialistas combinam em doses
variáveis traços do sistema presidencialista e do sistema parlamentar.
Estas formas de governo apresentam substanciais diferenças entre si, dependendo de
fatores como os concretos poderes do presidente da República, o sistema de partidos, a
relação do presidente com o partido do governo, etc. Assim, por exemplo, na França o
presidente da República dispõe de poderes próprios em matéria de defesa e de política
externa, preside ao conselho de ministros, e pode demitir ou fazer demitir diretamente o
primeiro-ministro. Mas se o primeiro-ministro for da mesma cor política, havendo
coincidência política entre a maioria presidencial e a maioria parlamentar, que é a situação
normal, o sistema funciona como uma espécie de superpresidencialismo, sob comando do
presidente da República, com apagamento do primeiro-ministro; se, ao contrário, a maioria
parlamentar e o primeiro-ministro forem de diferentes famílias políticas (“coabitação”),
141

então o sistema funciona de acordo com os cânones semipresidencialistas, com o presidente


da República limitado à sua própria coutada governativa (política externa e política de
defesa).

A maioria da doutrina nacional e estrangeira designa genericamente estas formas de


governo de base parlamentar mas com um presidente diretamente eleito dotados de poderes
significativos como “sistemas semipresidencialistas”, o que, porém, só parece adequado no
caso francês (e outros semelhantes), onde, de facto, o Presidente intervém diretamente na
atividade governativa (presidência do conselho de ministros, direção da política de defesa
e da política externa), sendo além disso o governo politicamente responsável perante ele.
Porém, nos sistemas de governo em que o governo só é responsável perante o Parlamento
e em que o Presidente, apesar de diretamente eleito, não compartilha da função governativa
(como sucede em Portugal), não faz sentido falar em “semipresidencialismo” (como se verá
adiante).

7.5. Sistema de governo diretorial

Trata-se de uma forma de governo exclusiva da Suíça, pois não tem paralelo noutras
paragens, ainda que tenha afinidades com o sistema de governo “diretorial” da França
revolucionária.
Os seus principais traços característicos são os seguintes;
- A função executiva (governo) cabe a um órgão colegial eleito pelo parlamento;
142

- Não existe um chefe de Estado autónomo, sendo essa função exercida coletivamente
pelo órgão colegial executivo designado pela assembleia, cabendo ao presidente desse
órgão, que de resto é de designação rotativa entre os membros daquele;

Corpo eleitoral

Existem dois órgãos ativos e independentes, uma assembleia e um diretório


governativo por aquela eleito, sendo independentes entre si quanto ao seu funcionamento e
subsistência, pois nem o executivo pode dissolver a assembleia nem esta pode demitir
aquele, uma vez nomeado, traços esses que fazem recordar o sistema presidencialista, sem
existir porém eleição presidencial nem os mecanismos de checks and balances, visto que
nem o órgão executivo dispõe de poder de veto da legislação da assembleia, nem a
assembleia possui poder de veto contra o executivo.
Apesar da fonte parlamentar da legitimidade política do diretório governamental, são
notórias as diferenças face ao sistema de governo parlamentar propriamente dito, pois não
existe responsabilidade do executivo perante a assembleia, nem o executivo pode dissolver
a assembleia.

7.6. O sistema de “governo de assembleia” (convencional)

A origem deste sistema remonta à forma de "governo convencional" experimentado


em França entre 1793-95, baseada na omnipotência da assembleia popular (Convenção),
com inexistência de verdadeira separação de poderes. Foi aí que se inspirou a construção do
143

sistema de governo da antiga União Soviética, depois seguido pelas demais antigas e atuais
“democracias populares”. Os seus traços são os seguintes:
- Titularidade nominal de todas as funções políticas do Estado (função de
representação do Estado, função política, legislativa e executiva) pela assembleia de
deputados do povo ("soviete supremo"), que acumula o poder legislativo e executivo;
- Inexistência de chefe do Estado, cabendo a função de representação do Estado ao
conselho permanente do Soviete Supremo.
- Possibilidade de revogação do mandato de deputado por votação popular (recall).
Na verdade, não existe um governo ou poder executivo autónomo em relação à
assembleia; o que existe são comissões da assembleia e comissários por ela nomeados,
incumbidos das tarefas executivas sob controlo daquela, livremente nomeados e exonerados
por ela (ou melhor, pelo seu conselho de presidência permanente, o presidium).
Mas o sistema de governo real sempre consistiu no domínio absoluto do partido
oficial, havendo normalmente acumulação pessoal do cargo de secretário-geral do partido
oficial e do cargo de presidente do conselho executivo (presidium) da assembleia ou do
conselho nacional.

7.7. O lugar do chefe do Estado no sistema de governo

Na generalidade dos países existe um chefe do Estado, sendo a maior parte das vezes
um presidente da República. Mas o lugar e o papel do chefe do Estado variam muito, nao
somente de acordo com as formas de Estado (monarquias ou repúblicas), mas também
conforme os sistemas de governo. Todavia, em geral o chefe do Estado não é politicamente
responsável pela sua ação perante o parlamento ou assembleia representativa.
No caso dos regimes presidencialistas, o PR é o titular e, em geral, o chefe direto do
poder executivo, acumulando os dois papéis de chefe do Estado e de chefe do governo. Em
geral, é diretamente eleito e não é responsável politicamente pela sua ação perante a
assembleia representativa.
Nas democracias parlamentares, o chefe do Estado pode ser um monarca (monarquias
parlamentares, como a Espanha) ou um presidente da República eleito (repúblicas
parlamentares, como a Itália), podendo ser eleito diretamente pelos cidadãos, como nas
repúblicas presidencialistas, ou por um colégio eleitoral, que inclui os deputados.
Tradicionalmente, nas democracias parlamentares o chefe do Estado é o titular nominal do
144

poder executivo mas não o exerce (pois ele é exercido pelo governo chefiado pelo primeiro-
ministro), nem é responsável pela ação do governo, pois todos os seus atos são referendados
pelos ministros, que são responsáveis por eles perante o parlamento. Excecionalmente, os
presidentes da República em democracias parlamentares podem ter alguns poderes
autónomos (como, por exemplo, a nomeação de juízes do Tribunal Constitucional pelo PR
em Itália).
Nas repúblicas “semipresidencialistas”, os presidentes da República podem ter um
papel mais ou menos importante na função governativa (especialmente em matérias de
segurança, defesa e relações externas), mas a função executiva cabe predominantemente ao
governo chefiado pelo primeiro-ministro, simultaneamente responsável perante o Presidente
e perante o parlamento. Portanto, o PR ocupa um lugar algures entre o presidente num
sistema de governo presidencialista e o presidente num sistema de governo parlamentar. Tal
como nos sistemas presidencialistas, o PR também não é politicamente responsável perante
o parlamento pelo seu papel no poder executivo.
Por último, em algumas repúblicas parlamentares, o PR pode ter um papel próprio
como “quarto poder”, separado do poder executivo, com funções de supervisão e moderação
do funcionamento do sistema político e de observância das regras constitucionais e do
regular funcionamento das instituições. É esse o modelo do PR na atual Constituição
portuguesa.

Bibliografia
Government Formation and Removal Mechanisms, IDEA, 2017; disponível online:
https://www.idea.int/sites/default/files/publications/government-formation-and-removal-
mechanisms-primer.pdf
Galalgher / Laver / Mair, Representative Government in Modern Europe, Nova York,
2006, capts. 2, e 3.
Capítulo VIII

Estruturas orgânicas do Estado

8.1. O Estado enquanto organização

Na construção jurídica do Estado moderno o Estado é uma entidade jurídica, uma


pessoa coletiva de direito público, titular de direitos e de obrigações, quer na ordem
interna quer na ordem internacional.
Também são entidades jurídicas, mas sem expressão na ordem externa, as demais
entidades territoriais infraestaduais (estados federados, regiões ou comunidades
autónomas, autarquias locais), bem como as organizações instrumentais do Estado
(institutos públicos, empresas públicas, fundações públicas, universidades, etc.).
Como organização e como pessoa coletiva, o Estado (tal como as demais pessoas
coletivas públicas) atua através de órgãos – os órgãos do Estado, lato sensu – e de
serviços.
Os órgãos do Estado são muito diversificados. Há os “órgãos primários” do poder
político, lato sensu (através dos quais se exprime a vontade do Estado) e há os “órgãos
secundários” (instrumentais). Entre nós, a Constituição distingue os “órgãos de
soberania” (Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais)
dos demais órgãos do Estado.
Quanto à sua organização interna, os órgãos do Estado podem ser ou uninominais
(Presidente da República) ou plurinominais (parlamento, governo); e simples ou
complexos, ou seja, compostos por vários sub-órgãos (como o governo).
Quanto ao seu modo de designação, os órgãos do Estado podem ser hereditários
(monarcas), eletivos (Presidente da República, deputados) ou nomeados (membros do
governo, juízes).
Quanto à duração do seu mandato, os órgãos do Estado podem ser vitalícios ou
temporários. Numa República, em princípio somente os juízes podem ter mandatos
146

vitalícios. Os titulares de cargos políticos têm, por definição, um mandato de duração


limitada, justamente para facilitar a avaliação e responsabilização pelo seu cargo.
Quanto à sua relação com outros órgãos, eles podem ser independentes ou
dependentes, conforme decidam autonomamente (presidentes e parlamentos) ou
dependam de outros órgãos (governos em sistemas parlamentares).
Além dos órgãos que decidem e dirigem, o Estado é composto por serviços que
executam as missões do Estado, sob a direção dos seus órgãos.
Em geral, os serviços do Estado dependem do poder executivo (governo). Mas
pode haver serviços independentes, como por exemplo entre nós o Ministério Público.
A generalidade dos serviços do Estado compõe a Administração pública, em geral
organizada de forma departamental, sob comando dos ministros de cada departamento.
Referência especial merecem, porém, as forças de segurança e as forças armadas, por
serem o instrumento do “monopólio da força legítima” do Estado e pelo seu papel em
muitas das mudanças políticas à margem da Constituição.

8.2. O chefe do Estado

8.2.1. Reis e presidentes

Na sua generalidade, os Estados contemporâneos dispõem de um chefe de Estado


uninominal, que, além das funções de representação externa e interna, pode ter também
em algumas formas de governo uma intervenção relevante no “poder executivo”
(sistemas presidencialistas e semipresidencialistas).
Nas monarquias sobreviventes (quase todas na Europa e no mundo árabe) o chefe
do Estado é o rei, vitalício e hereditário. Nas monarquias constitucionais, os reis não
têm em geral poderes ativos no sistema político, para os quais carecem de legitimação
num sistema democrático, por não serem eleitos. Por isso, por definição, as monarquias
constitucionais não podem ter um sistema de governo presidencialista nem
semipresidencialista, que só podem existir em formas republicanas de Estado.
Nas monarquias, o chefe do Estado exerce o cargo a titulo vitalício, sendo a
sucessão assegurada em geral pelo filho mais velho.
147

Nas repúblicas o presidente é um cargo temporário e eletivo, variando porém o


regime de eleição e a duração do mandato. Varia também a esfera dos seus poderes,
conforme se trate de um sistema parlamentar ou de um sistema presidencial ou misto.
Certos países não dispõem de um chefe de Estado uninominal autónomo, sendo
a função investida num órgão colegial, como sucede na Suíça (onde as funções
pertencem coletivamente pelo Conselho Federal, cabendo o seu exercício a um
secretário eleito rotativamente de entre os seus membros) e nos países comunistas,
onde essas funções cabem ao comité permanente (Presidium) da assembleia nacional,
o qual também tem um secretário eleito de entre os seus membros.

8.2.2. Eleição dos presidentes

Existem fundamentalmente quatro sistemas de eleição do presidente da


República:
- a eleição pelo parlamento (por exemplo, Portugal na I República, Itália e
Alemanha, atualmente);
- a eleição por um colégio eleitoral constituído pelo parlamento e por outros
titulares de cargos eletivos, nomeadamente representantes das coletividades locais e
regionais (Portugal durante o Estado Novo, na solução de 1959-1974; França entre
1958 e 1962);
- a eleição popular indireta, sendo o presidente eleito por um colégio de "grandes
eleitores", eleitos ad hoc pelos cidadãos eleitores (sistema norte-americano);
- eleição popular direta, sendo o presidente escolhido diretamente pelos cidadãos
eleitores (atual sistema em França, em Portugal e em muitos outros países).
No caso da eleição popular direta é muito diverso o sistema eleitoral do
presidente da República. São três as soluções típicas:
- eleição por maioria simples, sendo eleito presidente o candidato que obtiver
mais votos, mesmo que longe da maioria absoluta (porém, alguns sistemas exigem uma
percentagem mínima de votos, não inferior por exemplo a 40%);
- sistema de maioria absoluta, havendo eleição somente se algum candidato
obtiver mais de metade dos votos, com devolução da escolha para o parlamento
148

(limitada aos candidatos mais votados na escolha popular) no caso de nenhum


candidato ter obtido tal maioria;
- sistema de eleição por maioria absoluta, com segunda votação ou "segunda
volta" (ballotage), no caso de na primeira votação nenhum candidato ter obtido tal
maioria, sendo a segunda volta por via de regra reservada para os dois candidatos mais
votados na primeira.
O primeiro e o segundo sistemas vigoram em diversos Estados latino-
americanos. O último sistema vigora em França e em Portugal, bem como em vários
outros Estados, sobretudo no leste europeu e na África francófona e lusófona.
Não existe nenhuma relação necessária entre eleição direta do PR e sistema de
governo presidencialista ou semipresidencialista, nem entre eleição indireta e sistema
de governo parlamentar. O mais conhecido dos regimes presidencialistas, os EUA, a
eleição do PR é indireta; e existem vários regimes parlamentares com eleição direta do
PR (por exemplo, Áustria, Irlanda e Islândia). A eleição direta convive, portanto, com
sistemas de governo presidencialistas (Brasil, por exemplo), semipresidencialistas
(França, Rússia) e parlamentares, mais ou menos típicos (incluindo Portugal).
O terceiro sistema é o que maior legitimidade e autoridade confere ao presidente
da República, sendo certo que ele coexiste com sistemas quase presidencialistas ou
com sistemas parlamentares dotados de uma componente presidencial maior ou menor,
como sucede em Portugal. Mas, como se referiu, também há repúblicas tipicamente
parlamentares dotadas de presidente da Republica diretamente eleitos (Áustria, Irlanda,
Islândia).

8.2.3. Duração do mandato, renovação e destituição

A duração dos mandatos do presidente da República varia muito de país para


país, podendo ir desde os quatro anos dos EUA, passando pelos cinco anos de Portugal,
até aos sete anos na versão inicial da V República francesa (entretanto reduzidos para
5 anos).
Alguns sistemas preveem a limitação do número de mandatos do presidente da
República, como sucede nos Estados Unidos, desde os anos 40 do século passado, não
149

podendo a mesma pessoa ser eleita mais do que duas vezes consecutivas. Essa solução
foi seguida nas constituições latino-americanas e também em Portugal.

Em geral, nos sistemas de eleição popular, direta ou indireta, o presidente não


pode ser destituído. No entanto, em muitos países prevê-se a destituição do presidente
por efeito do seu impeachment pelas câmaras, em caso de infração constitucional
grave. O impeachment não deve confundir-se com a moção de censura ao Governo em
regimes parlamentares, por esta não pressupor nenhum crime ou infração
constitucional do chefe do governo, sendo uma expressão da dependência política do
governo face ao parlamento.
Solução distinta era o da constituição alemã de Weimar (1919-1933), que previa
a destituição do presidente (que era diretamente eleito), por meio de revogação popular
do mandato (recall), num referendo popular ad hoc. A possibilidade de revogação
popular do mandato do Presidente existe noutros países, com a Áustria ou a
Venezuela, nuns casos por iniciativa parlamentar, noutros por iniciativa popular. A
revogação do mandato não se confunde com o impeachment, pois este é decidido pelas
câmaras representativas e pressupõe uma infração penal ou constitucional, enquanto
a revogação do mandato é efetuada por votação popular e não exige nenhum ato ilícito
do Presidente, sendo um caso de responsabilidade política direta.

8.2.4. Funções

As funções do chefe do Estado variam muito, conforme o sistema de governo.


Em geral compete-lhes tipicamente pelo menos as funções representativas e
cerimoniais e honoríficas do Estado, quer na ordem interna quer na ordem externa.
Entre os poderes presidenciais contam-se tipicamente os seguintes: ratificação dos
tratados internacionais, promulgação das leis, comando supremo das forças armadas,
nomeação do chefe do governo e dos ministros, dissolução parlamentar, nomeação dos
embaixadores e aceitação das credenciais dos embaixadores estrangeiros, "direito de
graça" (indultos e perdões de penas), atribuição de condecorações e títulos honoríficos,
declaração do "estado de sítio", abertura solene das câmaras parlamentares, etc. Mas o
150

siginifixado efetivo ou meramentne formal destes poderes depende esencialmente do


sistema de governo.
Nos sistemas presidencialistas o chefe do Estado é também chefe do governo
(“presidente governante”), acumulando os dois tipos de funções. Nos sistemas mistos
o presidente pode também excercer algumas funções governativas. Nos sistemas
parlamentares com “poder moderador”, o PR exerce as funções típicas associadas a
esse quarto poder. Só nos sistemas parlamentares é que as suas funções estão limitadas
ao núcleo das funções típicas de representação do chefe do Estado, embora possa ser
também nominalmente, mas não efetivamente, o chefe do executivo (como sucede no
Reino Unido).
Naturalmente o exercício destes poderes típicos é essencialmente nominal e
formal num regime parlamentar, sendo os atos presidenciais referendados pelo
governo, que por eles assume a responsabilidade perante o parlamento. Nos sistemas
mistos, com uma componente presidencialista (em que o presidente da República é
normalmente eleito diretamente) já esses atos podem assumir uma autonomia de
decisão presidencial, sendo independentes da referenda do governo. Por exemplo, entre
nós, entre os poderes próprios do Presidente da República que não estão submetidos a
referenda governamental contam-se as mensagens à Assembleia da República, a
dissolução da Assembleia da República, a demissão do governo (na situação
excecional em que ela pode ter lugar por iniciativa presidencial), a convocação de
referendos, o exercício do poder de veto legislativo.

8.2.5. Irresponsabilidade política

Em geral o cargo de chefe do Estado é caraterizado pela irresponsabilidade


política, pelo que não tem de prestar contas nem pode ser demitido por nenhum outro
órgão. Ocasionalmente o PR pode estar sujeito a recall, ou seja, à destituição por
votação popular, como sucedia na Constituição de Weimar (1919).
Nos sistemas de governo parlamentar, em que o PR é nominalmente (mas não
efetivamente) o chefe do executivo, a responsabilidade pelos seus atos é assumida pelo
governo, mediante referenda ministerial. Nos sistemas presidencialistas, o PR, apesar
151

de ser o chefe do executivo, não responde politicamente perante o parlamento, dada a


estrita separação dos dois poderes.
Diferente da responsabilidade política é a responsabilidade penal, embora haja
sistemas constitucionais em que o PR goza de imunidade penal durante o exercício do
cargo ou pelos atos praticados em funções. A responsabilidade penal do chefe do
Estado pelos atos praticados no exercício de funções é normalmente exercida pelos
tribunais (muitas vezes o tribunal superior); mas nos sistemas presidencialistas, ela é
exercida, através do chamado impeachment, pelo senado, que assim exerce funções
judiciais.
Em Portugal, o PR é politicamente irresponsável, mesmo pelos seus atos próprios
enquanto titular do “poder moderador”, que não estão sujeitos a referenda ministerial.
Mas é responsável criminalmente pelos crimes praticados no exercício de funções,
respondendo perante o STJ sob acusação da AR tomada por maioria qualificada. Pelos
crimes praticados fora do exercício de funções, o Presidente responde perante os
tribunais comuns, mas só depois do fim do mandato.

8.2.6. Vice-presidente

Em geral, nos sistemas presidencialistas há um vice-presidente da República,


eleito junto com o presidente e destinado a substituí-lo em caso de impedimento, morte
ou perda de mandato, incluindo para completar o mandato daquele. Nos demais
sistemas de governo, o presidente da República é interinamente substituído por outro
titular (normalmente o presidente do parlamento), havendo novas eleições no caso de
morte ou perda de mandato.

Bibliografia
J. J. Gomes Canotilho & Vital Moreira, Os poderes do Presidente da República,
Coimbra, 1991.
Nohlen, Elecciones y sistemas electorales, 3a edição, 1995, pp. 143 ss (sobre os
sistemas eleitorais presidenciais).
152

8.3. As assembleias representativas

8.3.1. Tipos de assembleias

Como elemento essencial das democracias representativas, as assembleias


representativas são um traço comum à esmagadora maioria dos Estados
contemporâneos, independentemente dos sistemas políticos. As exceções são de três
tipos muito diferenciados: (1) oligarquias tradicionais (Arábia Saudita, por exemplo);
(2) ditaduras militares; (3) regimes revolucionários ainda não constitucionalmente
institucionalizados.
Contudo, existem grandes variações quanto à natureza, poderes e funções das
assembleias representativas, mesmo entre Estados pertencentes ao mesmo tipo, e até
entre Estados com sistemas constitucionais semelhantes. As diferenças dependem de
muitas variáveis, as mais importantes das quais são: sistema de governo
(presidencialista, parlamentar, misto), estrutura vertical do Estado (federação, Estado
unitário), sistema partidário (monopartidário, bipartidário, multipartidário), sistema
eleitoral (sistema maioritário ou sistema proporcional), etc.
As principais diferenças dizem respeito ao número de câmaras (sistema
monocamaral ou bicamaral), à dimensão, às funções, às relações com o governo, à
estrutura interna e funcionamento (relação plenário-comissões, duração dos trabalhos,
número de membros, etc.).

8.3.2. Dimensão das assembleias

A dimensão das assembleais representativas, desde logo dos parlamentos


nacionais, ou seja, o número de representantes (deputados e senadores), varia muito de
país para país, tendo em conta a sua população, a existência ou não de duas câmaras e
outros fatores, podendo variar entre algumas dezenas e mais de mil membros. Por isso,
embora os países mais populosos tenham parlamentos maiores do que os países mais
pequenos, não existe uma relação direta de proporcionalidade entre a população e a
dimensão dos parlamentos, podendo haver diferenças consideráveis entre países de
população aproximada.
153

Se o objetivo de proporcionar maior representatividade política, social e


territorial aos parlamentos tende a aumentar a sua dimensão, já o objetivo de favorecer
a formaça de maiorias parlamentares, de reduzir o espetro da representação política ou
de diminuir os custos dos parlamentos tende a reduzir a sua dimensão. Recentemente
tem-se verificado em alguns países uma tendência para a redução do número de
representantes (deputados e/ou senadores), nomeadamente no caso da Itália e da
França, ambos com sistemas bicamarais.

8.3.3. Funções das assembleias

A função legislativa ocupa tradicionalmente um lugar primacial nas funções das


assembleias representativas. A designação corrente de "assembleia legislativa"
("legislature", na nomenclatura americana) testemunha essa importância. Contudo,
essa função não é única e, em muitos casos, nem sequer é a mais importante das
funções das assembleias. A função de controlo da atividade governamental, a função
fiscal e orçamental, a função eletiva e aquilo a que alguns chamam a "função
representativa” constituem relevantes - e, em muitos casos, primaciais - funções das
assembleias.
Na teoria clássica da separação dos poderes, o poder legislativo haveria de caber
exclusivamente à assembleia representativa, competindo ao governo e à administração
simplesmente executar as leis parlamentares. Desde Locke, a distinção e separação
entre o poder legislativo e o poder executivo era um dos princípios fundamentais da
teoria política liberal.
Hoje, contudo, a situação não corresponde em grande parte a esse princípio. As
leis são hoje, na generalidade dos Estados, muito mais produto do governo do que das
assembleias, mesmo quando são formalmente oriundas destas. Vários são os
mecanismos através dos quais se operou esta transferência do poder legislativo. Desde
logo, algumas constituições conferem poderes legislativos diretos ao governo, em
concorrência com a assembleia (com exclusão de algumas matérias de importância
política, que são reservadas à assembleia) — é o caso da Constituição portuguesa; em
segundo lugar, muitas constituições admitem a possibilidade de delegação de poderes
legislativos das assembleias nos governos (autorizações legislativas); outras admitem
154

legislação governamental em casos excecionais ou fora do funcionamento efetivo das


assembleias. Por outro lado, na generalidade dos casos, as assembleias limitam-se a
estabelecer as bases gerais dos regimes jurídicos, deixando ao governo uma ampla
margem de manobra para o desenvolvimento legislativo ou regulamentar das leis
parlamentares. Por último, independentemente dessas situações, a grande maioria das
leis aprovadas pelas assembleias são da iniciativa dos governos, sendo as leis da
iniciativa dos deputados uma minoria.
As razões para essa desvalorização relativa do papel legislativo do parlamento
são de diversa natureza. Em primeiro lugar, conta-se o crescimento das tarefas
legislativas do Estado, exigidas pelo Estado "social" e regulacionista contemporâneo.
Em segundo lugar, vem a alteração da legislação em relação à legislação liberal: não
já apenas leis gerais, abstratas e permanentes sobre as relações entre os particulares,
mas sim um grande número de leis concretas, eventuais, específicas de determinadas
situações económicas e sociais ("leis-medida"); as leis deixaram de ser,
fundamentalmente, um pressuposto da ação política, para passarem a ser instrumentos
da ação política quotidiana. Em terceiro lugar, acresce uma razão política: a
competência legislativa do governo é um meio de furtar as leis à discussão pública e à
contestação das forças de oposição representadas no parlamento. A diminuição do
papel legislativo das assembleias está, portanto, ligada à diminuição geral do papel
político das assembleias em benefício dos governos.
Além da função legislativa sobressai a função de fiscalização da ação do
governo e da administração. Os instrumentos dessa função variam conforme o sistema
de governo. Mas num sistema parlamentar podem incluir as perguntas ao governo, as
interpelações, os inquéritos parlamentares, as audições parlamentares, as moções de
censura. Com exclusão do último instrumento, todos os demais mecanismos podem
existir num regime presidencialista.
Uma função típica das assembleias representativas, que constitui, aliás, uma das
suas prerrogativas originárias, consiste na aprovação dos orçamentos do Estado e
das respetivas contas públicas, bem como a aprovação e autorização anual de cobrança
dos impostos. Se existe uma tarefa singular que justificou historicamente o sistema
representativo, ela encontra-se justamente nas funções orçamentais e fiscais das
155

assembleias representativas. No taxation without representation – tal era o lema dos


revolucionários norte-americanos.
Outra função frequente das assembleias representativas é a função eletiva, que
se traduz na competência para eleger ou participar na eleição de certos altos cargos
públicos, nomeadamente o presidente da República (como sucede em muitos sistemas
parlamentares), os juízes do tribunal constitucional, entre muitos outros. Além disso,
nos EUA generalizou-se a solução de subordinar a escrutínio parlamentar prévio a
nomeação de certos titulares de cargos políticos de nomeação presidencial (como os
membros das agências reguladoras). Essa solução estendeu-se depois a outros países,
mesmo com sistema de governo parlamentar.

8.3.4. Relações entre a assembleia e o governo

Como se viu acima, as relações entre a assembleia e o governo podem reger-se


por três sistemas típicos.
O primeiro e o regime presidencialista ou de separação: o governo e a
assembleia são independentes na sua formação e subsistência; a assembleia não pode
demitir o governo, este não pode dissolver aquela; o chefe do executivo é em princípio
também o chefe do Estado e é eleito diretamente pelos cidadãos. O exemplo típico
deste sistema é constituído pelos Estados Unidos e encontra expressão em vários
Estados latino-americanos e africanos.
O segundo sistema é o regime parlamentar ou de dependência reciproca: o
governo depende politicamente da assembleia, podendo ser demitido por esta (voto de
censura, etc.), mas igualmente a assembleia pode ser dissolvida por iniciativa daquele;
o chefe do governo (primeiro-ministro, chanceler) é designado, em princípio, de entre
o partido maioritário na assembleia, mas não desempenha as funções de chefe do
Estado, o qual em geral é um monarca ou um presidente da república eleito pela
assembleia ou diretamente. O exemplo mais típico e o Reino Unido, mas o sistema
funciona igualmente em muitos países europeus (Itália, Holanda, Bélgica, Alemanha,
Holanda, países escandinavos, países da Commonwealth britânica, etc.).
156

Como se viu, além destas formas típicas existem várias formas intermédias,
designadamente entre os regimes presidencialista e parlamentar, mais próximos ora de
um, ora de outro, como por exemplo, o atual regime francês (V República).
Na realidade, o funcionamento concreto de todos estes regimes depende de
muitos fatores. Num regime presidencialista, apesar da independência recíproca, a
assembleia pode ter um importante papel indireto na composição do governo, visto que
o Presidente necessita de construir uma maioria de coligação na assembleia, sendo
obrigado a estender essa coligação à formação do governo (Brasil, por exemplo); do
mesmo modo, num regime parlamentar a existência de uma maioria confortável por
parte do partido do governo conduz à dependência quase absoluta da assembleia em
relação ao governo; num regime semiparlamentar ou semipresidencialista, a existência
ou não de uma maioria parlamentar estável pode acentuar a face parlamentar ou a face
presidencialista do regime.
Um outro campo importante das relações entre o governo e as assembleias é a
influência destas na definição e controlo da política governamental. A discussão e
aprovação do programa do governo (nos regimes parlamentares), a aprovação do
orçamento e do plano, as interpelações e as perguntas, os inquéritos parlamentares, etc.
são alguns dos instrumentos específicos de controlo das assembleias sobre a atividade
do governo.

8.3.5. Organização e funcionamento das assembleias

8.3.4.1. Sistema bicamaral

Pode haver sistemas de uma só câmara (monocamarais) ou de duas câmaras


representativas (bicamarais). Cerca de metade dos países possuem um sistema
bicamaral, frequentemente designadas como "câmara baixa" e "câmara alta",
respetivamente.
Historicamente os sistemas bicamarais têm duas origens diversas: (a) os Estados
federais, em que uma das câmaras representa os "estados" federados, enquanto a outra
representa a população federal; (b) o sistema representativo limitado do século XIX,
em que, a par da assembleia representativa popular eletiva ("câmara baixa" ou câmara
dos deputados), ainda que de representação limitada aos estratos burgueses, por efeito
157

do sufrágio censitário, existia uma segunda câmara ("câmara alta", "câmara dos
pares"), sem natureza eletiva, ou sendo só parcialmente eletiva, representativa dos
interesses sociais mais conservadores, visto que os seus membros eram constituídos
pela aristocracia, designados por inerência ou nomeados pelo rei, como acontecia entre
nós com a Câmara dos Pares no regime da Carta Constitucional e ainda sucede hoje,
em parte, com a Câmara dos Lordes britânica.
Posteriormente desenvolveram-se mais duas versões da segunda câmara; (i) a
dos Estados unitários territorialmente descentralizados, com uma câmara
representativa dessas unidades territoriais, imitando os Estados federais (Itália, por
exemplo); (ii) a transformação da antiga “câmara dos pares” num senado eletivo, com
regras de eleição diferentes da câmara baixa (exigências etárias mais elevadas, quer
para ser eleitor quer para ser eleito).
Os argumentos a favor do sistema bicamaral são dois. Por um lado, a segunda
câmara (senado, etc.) alarga o sistema de representação, quer numa base territorial
(representação dos estados federados, regiões autónomas, coletividades locais), quer
numa base orgânica ou corporativa (organizações económicas e sociais, instituições
culturais e religiosas, etc.). Em segundo lugar, a segunda câmara atuaria como
elemento estabilizador do sistema, especialmente no processo legislativo, moderando
ou contrabalançando a atividade da "câmara baixa".
Hoje, salvo alguns resquícios do passado (Câmara dos Lordes, na Grã-
Bretanha), as segundas câmaras são eleitas. Mas o sistema eleitoral é diferente do da
outra câmara, ou porque se trata de um sistema de eleição indireta, ou porque as
condições de elegibilidade são mais exigentes (idade, etc.) ou porque os círculos
eleitorais são maiores, ou porque o método eleitoral é distinto do da câmara baixa, etc.
A segunda câmara possui natureza e funções muito variáveis de país para país.
Nuns casos, como na Itália, as duas câmaras têm poderes semelhantes em matéria
legislativa, exigindo as leis a aprovação cumulativa das duas câmaras; noutros casos,
como na Grã-Bretanha, a segunda câmara limita-se a um direito de veto ou de emenda,
no entanto superável pela câmara baixa. Quanto à função de controlo do governo (votos
de confiança, moções de censura, etc.), ela está em geral reservada à "câmara baixa".
Não deve confundir-se a segunda câmara - que sempre tem poderes deliberativos,
embora podendo ser exíguos - com os organismos consultivos adstritos ao parlamento,
158

de que constitui principal exemplo os conselhos económicos e sociais, que se


multiplicaram em alguns sistemas constitucionais depois da II Guerra Mundial (Itália,
França, Holanda, Portugal). Trata-se de organismos compostos por representantes dos
interesses económicos, sociais e profissionais, por vezes também das coletividades
locais, tendo somente funções consultivas, umas vezes obrigatórias, outras vezes
facultativas, especialmente no que respeita ao plano e ao orçamento estaduais.
Entre nós, durante o Estado Novo, a Constituição previa a existência de uma
Câmara Corporativa, a par da Assembleia Nacional, que, todavia, nunca teve senão
poderes consultivos, embora gerais e obrigatórios. Hoje existe o Conselho Económico
e Social, com funções limitadas às questões económicas e sociais (especialmente o
plano e o orçamento).
No caso português, depois da Constituição de 1822, que estabelecia um sistema
monocamaral, as Constituições seguintes adotaram sistemas bicamarais, até à atual
Constituição de 1976, que retomou o modelo de uma só câmara legislativa. As
propostas de reconstituição de um senado não têm encontrado eco.
Os sisteams bicamarais dividem-se em bicamaralismo perfeirto e bicamaralismo
imperfeitro, conforme as duas câmaras tenham as mesmas funções ou tenham funções
diferentes.
O bicamaralismo federal é em geral imperfeirto, visto que as duas camaras têm
duas lógicas representativas diferentes. Em Estados unitários, o bicamaralismo
também é em geral imperfeirto, porquanto a função legislativa e a função de controlo
político competem principlamente à camara baixa, tendo a câmara alta em geral poder
de contenção ou de veto suspensiso sobre as decisões da câmara baixa. Assim, por
exemplo, nos sistemas de governo parlamentar, a função de sutentação do Governo
cabe, por via de regra, somente à camara baixa.
O bicamarslimo perfeito é mais raro, como é o caso da Itália, onde as duas
câmaras têm as mesmas funções, quer no domínio da legislação, quer na
sustentação/derrube do governo.
159

8.3.4.2. As comissões parlamentares

Um segundo aspeto importante da organização e funcionamento das assembleias


representativas diz respeito às comissões parlamentares. Na generalidade das
assembleias existem comissões compostas por um número variável de deputados, umas
permanentes, outras eventuais, variando muito, contudo, o seu número, as suas
funções, o seu funcionamento. Na generalidade dos casos as comissões correspondem
aos campos específicos da atividade governamental (economia, defesa, educação,
negócios estrangeiros, etc.).
São duas as principais funções: em primeiro lugar, elas participam no processo
legislativo (dando pareceres sobre os projetos de lei antes da sua votação, ou votando
na especialidade as leis aprovadas na generalidade no plenário parlamentar); em
segundo lugar, acompanham a atividade do correspondente departamento
governamental (solicitando informações, chamando os ministros, etc.). Uma terceira
função é a condução de inquéritos parlamentares à atividade do governo, inquéritos
que adquirem particular relevo em alguns países (como nos Estados Unidos); contudo,
em muitas assembleias, os inquéritos são levados a cabo por comissões eventuais,
constituídas ad hoc. Uma quarta função é a apreciação das petições dirigidas pelos
cidadãos à assembleia.
As comissões permitem a divisão e a especialização do trabalho parlamentar e a
celeridade e a desformalização do processo legislativo. Em muitas assembleias grande
parte das tarefas legislativas são realizadas em comissão, sendo o plenário uma simples
instância de registo e publicidade dos resultados obtidos naquelas. Contudo, as
comissões também provocam uma restrição do debate parlamentar, o seccionamento
das tarefas, a ausência de publicidade, a maior influência dos grupos de pressão e
lobbies.

8.3.4.3. Os deputados

Na teoria clássica do mandato representativo os deputados eram livres e


individualmente autónomos na sua ação parlamentar. Hoje os deputados são em geral
eleitos numa base partidária, comprometem-se num programa político partidário, estão
160

sujeitos a disciplina partidária. Por isso os deputados de cada partido votam geralmente
em uníssono, de acordo com a orientação partidária ou do respetivo grupo parlamentar.
Daí a relativa perda da autonomia individual dos deputados, a qual todavia pode
ser maior ou menor de acordo com a forma de organização partidária e com o sistema
eleitoral. Os sistemas proporcionais de lista tendem a reforçar a dependência partidária,
enquanto os sistemas uninominais maioritários ou proporcionais personalizados
tendem de algum modo a contrabalançá-la. Todavia, trata-se sempre de diferenças
quantitativas, frequentemente irrelevantes (basta mencionar a férrea disciplina
partidária no parlamento britânico).
Uma das caraterísticas universais do estatuto dos deputados são as imunidades
parlamentares, nomeadamente a irresponsabilidade pelos votos ou opiniões emitidas
(não podendo ser chamados a responder civil, criminal ou disciplinarmente por eles) e
a chamada inviolabilidade, que os torna insuscetíveis de serem presos ou julgados
criminalmente sem autorização da assembleia, salvo casos excecionais.

8.3.4.5. Os grupos parlamentares

O paradigma clássico do mandato representativo era essencialmente


individualista. Cada deputado decidia individual e livremente as suas posições. Hoje,
em geral, os deputados de cada partido encontram-se organizados em grupos
parlamentares, que decidem as posições a adotar coletivamente por todos os deputados
que os integram.
Os grupos parlamentares são a expressão parlamentar dos partidos - na
nomenclatura anglo-saxónica são mesmo designados como o "partido parlamentar"
(parliamentary party). Normalmente cabe à direção do grupo parlamentar assumir e
veicular no parlamento a posição coletiva dos deputados do respetivo partido, pelo que
os demais deputados se limitam muitas vezes a secundar ou a seguir passivamente as
iniciativas da direção do seu grupo parlamentar. De resto, é o grupo parlamentar que
planeia e reparte as tarefas de intervenção parlamentar dos seus deputados (iniciativas
legislativas, participação nas comissões, intervenção oral no plenário da assembleia,
etc.).
161

Em certo sentido, as assembleias deixaram de ser compostas por deputados para


passarem a ser compostas por grupos parlamentares. Em alguns sistemas
constitucionais existem mesmo certas competências reservadas aos grupos
parlamentares, vedadas aos deputados enquanto tais (v. g., apresentação de moções de
censura).

8.3.6. Duração das assembleias

Varia muito de país para país a duração temporal do mandato de cada assembleia,
bem como o período de funcionamento anual dos trabalhos parlamentares.
O período de mandato, ou seja, o número de anos por que as assembleias são
eleitas (entre nós designado por "legislatura"), varia normalmente entre os dois anos e
os seis anos, sendo frequente o período de quatro anos. Em certos casos a renovação
das assembleias não é total, podendo atingir somente metade ou um terço dos seus
membros em cada eleição (caso do senado nos Estados Unidos).
Nos sistemas presidencialistas o período de mandato não pode ser encurtado
mediante dissolução das assembleias, para efeito de eleições antecipadas, ao contrário
de que sucede nos sistemas parlamentares ou mistos de base parlamentar, em que isso
pode suceder por iniciativa do governo ou do próprio presidente da República,
autonomamente, ou, em casos raros, por deliberação da própria assembleia
(autodissolução).
Normalmente o funcionamento das assembleias não é contínuo, repartindo-se
por períodos anuais (entre nos designados por "sessões legislativas"), que, todavia, não
têm de coincidir com o ano civil (entre nós iniciam-se a 15 de setembro e terminam
em princípio a 15 de junho do ano seguinte). Esses períodos anuais podem ser mais ou
menos longos, variando muito de país para país e de regime para regime, sendo porém
habitualmente longos nos regimes democráticos e muito curtos nos regimes
autoritários.
Em certos países, durante os períodos de recesso parlamentar entra em
funcionamento uma comissão permanente da assembleia (como sucede entre nós), que
tem poderes para exercer algumas das suas funções.
162

8.3.7. O "declínio" das assembleias

A partir de certo momento, tornou-se moda falar no declínio das assembleias ou


parlamentos. O asserto arranca muitas vezes de um "wishful thinking", e outras vezes
pressupõe um juízo pouco rigoroso a respeito dos poderes das assembleias
parlamentares no séc. 19. Em todo o caso, o argumento tem algum fundamento,
designadamente no que diz respeito ao peso relativo dos governos e das assembleias.
Na verdade, o aumento das funções estaduais na área económica e social
traduziu-se num reforço do papel do executivo relativamente ao parlamento. E o
desenvolvimento do "Estado de partidos" conduziu à tendencial transformação dos
parlamentos num simples suporte e numa "correia de transmissão" da maioria
governamental. A conjugação destes dois movimentos resultou numa certa erosão do
poder das assembleias, sobretudo no que diz respeito ao poder legislativo, como se viu
acima.
Paralelamente, mesmo nos sistemas parlamentares, foram-se desenvolvendo
mecanismos de reforço dos executivos perante o parlamento e de assegurar viabilidade
a governos sem maioria parlamentar, que dão pelo nome genérico de "parlamentarismo
racionalizado", mas que em certo sentido se podem reconduzir a forma de
"parlamentarismo domesticado".
Todavia, nada disso pode fundar a ideia de um declínio das assembleias
representativas. Nos sistemas democráticos elas continuam a ser o principal órgão
legislativo, o fórum de debate das ideias e propostas políticas, o local privilegiado da
dialética governo/oposição, que constitui a base dos sistemas democráticos
contemporâneos. Além disso, se as assembleias perderam algum protagonismo na área
legislativa, viram-na aumentada na área do escrutínio e controlo da ação governativa,
nomeadamente pelo recurso aos inquéritos parlamentares e à audição parlamentar dos
candidatos ao exercício de certos titulares de cargos públicos.

Bibliografia específica:
K. C. Wheare, Legislatures, Londres, 1963.
J. Blondel, Comparative Legislatures, Englewood Cliffs, N. J. 1972.
Union Interparlamentaire, Les Parlements, Bruxelas, 2a edição, 1986-87.
163

8.4. O governo

8.4.1. Estrutura

O termo "governo" é polissémico. Em sentido amplo, designa tanto a governação


em geral (a função política ou de governo) como o sistema de governo, o conjunto dos
órgãos do poder político, as instituições políticas do Estado, em suma, o próprio
Estado. É neste último sentido que o termo é usado na linguagem corrente e é também
este o sentido prevalecente do termo government na nomenclatura anglo-saxónica (que
aliás desconhece o conceito de "Estado" no sentido europeu continental). Em sentido
estrito, porém, o termo governo designa o órgão uninominal ou colegial titular da
tradicional função executiva (aliás, na literatura americana é justamente designado
como "executivo" ou como "administração") e a sua atividade.
A estrutura dos governos depende do regime constitucional; varia conforme se
trata de sistema presidencialista, parlamentar ou misto. Há no fundamental quatro
modelos típicos quanto à estrutura dos governos.
O primeiro modelo corresponde ao regime presidencialista norte-americano.
Privilegia o papel do presidente, do qual dependem separadamente os secretários de
Estado, colocados à frente de cada departamento do governo; não existe qualquer órgão
colegial; o presidente assistido por conselheiros pessoais é, na realidade, o único
responsável pela direção política governamental.
O segundo modelo corresponde ao regime parlamentar de tipo britânico. O
"gabinete" governamental (cabinet), chefiado pelo primeiro-ministro, é o único
responsável pela política governamental, não tendo o chefe do Estado (monarca ou
presidente da república) qualquer intervenção nessa matéria; os ministros são
designados e demitidos pelo primeiro-ministro, embora formalmente por meio de um
ato do chefe do Estado referendado pelo primeiro-ministro. O primeiro-ministro —
teoricamente um mero primus inter pares — tem na realidade poderes especiais,
cabendo-lhe a direção da política governamental e a coordenação do gabinete; mas os
ministros são individualmente responsáveis perante o parlamento, de que aliás fazem
normalmente parte.
164

O terceiro modelo corresponde ao regime "semipresidencialista" ou misto de tipo


francês (V República). Além do presidente da República existe um primeiro-ministro
responsável perante aquele, bem como perante o parlamento (“bicefalia governativa”);
o presidente da República pode dirigir certos ramos da atividade governamental
(política externa e defesa, na França); existe um órgão colegial (o conselho de
ministros) presidido pelo próprio presidente da República. Os ministros podem ser
designados e demitidos diretamente pelo presidente da República, mas em geral são-
no por proposta do primeiro-ministro; os ministros não são em princípio
individualmente responsáveis perante o parlamento, só o sendo coletivamente. Este
tipo de estrutura governamental, em que o poder executivo é compartilhado pelo
presidente da República e pelo primeiro-ministro, pode funcionar de forma claramente
distinta conforme existe coincidência entre a origem partidária de cada um (caso em
que o presidente da República tende a ser o verdadeiro chefe do executivo,
secundarizando o primeiro-ministro), ou, pelo contrário, exista dissonância, caso em
que se verifica o fenómeno da "coabitação", em que os poderes governamentais do
presidente da República tendem a ser limitados pelo protagonismo do primeiro-
ministro em consonância com a maioria parlamentar.
O quarto modelo corresponde ao regime diretorial, de tipo suíço. Aqui o governo
é teoricamente um coletivo sem chefe (no caso suíço o presidente do Conselho Federal
é escolhido rotativamente por períodos de um ano); os membros do governo são eleitos
pela assembleia de entre os seus membros, não podendo por ela ser demitidos.
Esta gradação das estruturas de governo, desde formas totalmente
presidencialistas até formas totalmente colegiais, pode ser menor na realidade do que
na teoria. De qualquer modo, trata-se fundamentalmente de diferenças de grau. A
questão pode tornar-se mais complicada quando se tenha em conta que os governos
incluem atualmente, além de ministros, um número variável de vice-ministros,
secretários e subsecretários de Estado, que não fazem, em geral, parte do conselho de
ministros; por outro lado, alguns governos podem ter, além do primeiro-ministro, um
ou mais vice-primeiros-ministros.
A estrutura dos governos torna-se mais complexa com o aumento do número de
ministros, consequência inevitável do crescimento das tarefas estaduais em geral e dos
governos em particular. No séc. XIX os governos eram constituídos por meia dúzia de
165

ministros, mas hoje têm várias dezenas de membros. Os problemas que surgem são
fundamentalmente os que resultam da delimitação das áreas de competência entre o
chefe do governo, por um lado, o coletivo governamental (conselho de ministros, etc.),
por outro lado, e os membros do governo individuais (ministros, etc.), por último. O
máximo que se pode adiantar nesta matéria, como princípio geral, é que nos regimes
parlamentares a evolução tem sido no sentido de reforçar o papel do primeiro-ministro,
por um lado, e dos ministros individuais por outro lado, em prejuízo do coletivo
governamental (gabinete, conselho de ministros, etc.).

8.4.2. Estabilidade governamental

Designa-se por "estabilidade governamental", num sentido elementar, o


funcionamento do sistema de governo de acordo com o calendário constitucional
normal, sem crises de continuidade governamental. No limite, a maior estabilidade
governamental existe quando os parlamentos cumprem a sua legislatura, sem
dissolução e eleições antecipadas, e quando a cada legislatura corresponde um governo
("governo de legislatura").
A estabilidade governamental está ligada fundamentalmente ao regime político,
ao sistema de partidos e ao sistema eleitoral e, mais largamente, à estabilidade do
próprio sistema político global (estabilidade económica e social, coesão nacional, etc.).
Nos sistemas presidencialistas a duração do executivo é independente da maioria
parlamentar e depende por via de regra apenas da duração constitucionalmente
marcada para o mandato presidencial. Salvo renúncia ou morte do presidente (ou
excecionalmente impeachment), o executivo chefiado pelo Presidente da República
cumpre integralmente o seu mandato.
Nos sistemas "semipresidencialistas", de tipo francês, a estabilidade presidencial
coexiste com a possibilidade de mudanças de governo mais ou menos frequentes, de
acordo com a vontade do presidente da República e a alteração da maioria parlamentar.
Nos regimes parlamentares a estabilidade parlamentar depende
fundamentalmente do sistema partidário e do sistema eleitoral: nos sistemas
bipartidários ou de partido dominante as maiorias parlamentares estáveis permitem
governos monopartidários normalmente correspondentes ao período da legislatura; nos
166

sistemas pluripartidários com partido dominante é possível constituir governos de


coligação bipartidária relativamente estáveis (Alemanha, por exemplo); nos sistemas
pluripartidários sem partido dominante (Itália, Finlândia, França na IV República,
etc.), os governos ou são de larga coligação ou são parlamentarmente minoritários, e
por isso normalmente instáveis.

Bibliografia:
- A. H. Birch, Representative and Responsible Government, Londres, 1964.

8.5. A administração pública

8.5.1. O "Estado administrativo"

Na burocratização da sociedade viu Max Weber um dos testemunhos do processo


de "racionalização" da sociedade moderna ou industrial; e o crescimento do aparelho
administrativo constitui um dos traços mais caraterísticos dos Estados modernos, sendo
independente do seu tipo e dos sistemas sociais.
O crescimento das tarefas e funções do Estado, o alargamento dos serviços
públicos (educação, saúde, etc.), a extensão do controlo estadual da economia e da
intervenção direta do Estado na própria atividade económica (esta hoje em vias de
recessão por efeito do movimento privatizador) —, tudo isto contribuiu para o
crescimento do aparelho administrativo do Estado.
Hoje, em qualquer Estado, por mais liberal que seja, uma percentagem
significativa da população ativa está ocupada nos serviços administrativos do Estado
ou nas empresas públicas, as condições de vida dos cidadãos dependem dos serviços
prestados pelo Estado ou por ele regulados e controlados. Os Estados contemporâneos
possuem vastos aparelhos administrativos, empregam na administração pública uma
quota relevante da força de trabalho, as despesas públicas correspondem a uma
percentagem importante do produto interno bruto (PIB). Como se viu atrás, a passagem
do Estado liberal oitocentista ao Estado social e regulador contemporâneo traduziu-se
no aumento das tarefas do Estado, o que por sua vez implicou o crescimento da
administração, bem como a sua diferenciação orgânica.
167

O Estado contemporâneo é um "Estado administrativo", mas a administração


pública deixou de ser unitária - a administração do Estado chefiada pelo governo -,
antes se pluralizou, sobretudo por efeito da descentralização territorial do Estado.
Juntamente com a administração do Estado cresceram as administrações das
coletividades territoriais (Estados federados, regiões ou comunidades autónomas,
coletividades locais).

8.5.2. Governo e administração

O aumento do aparelho administrativo e da importância da administração


conduziu a um certo apagamento das fronteiras entre o governo e a administração, que
se tinham por claras na teoria liberal.
Tradicionalmente, fazia-se uma distinção nítida entre os papéis do executivo
político, por um lado, e da administração, por outro lado. De acordo com a teoria liberal
o ministro definia a política e era responsável perante o parlamento por essa política e
pela respetiva execução pelo seu departamento. Hoje, uma parte importante do êxito
das políticas depende da administração. Por isso a administração se tornou um
instrumento do governo.
Isto é tanto mais importante quanto é certo que "os governos passam e as
administrações ficam". Na realidade, a administração apresenta um grau de
estabilidade, coesão e continuidade que está ausente de outras estruturas estaduais e
políticas em geral.
Essa diminuição da clareza da distinção entre o governo e a administração tem
importantes consequências no plano das funções da administração.
Além da função geral de execução das leis e das políticas definidas pelo governo,
a administração desempenha uma importante função de preparação das leis e das
políticas governamentais; função esta tanto mais importante quanto é certo ter vindo a
crescer bastante a liberdade legislativa e regulamentar dos governos. Por outro lado,
dada a liberdade de decisão administrativa deixada pelas leis ("discricionariedade"), a
administração passa a ser, ela mesma, objeto direto da influência dos grupos de
pressão, visto que é mais fácil influenciar uma decisão quando ela ainda esta in ovo do
que quando já foi tomada.
168

Dado o poder da administração e o seu caráter de permanência e de continuidade,


o aparelho administrativo pode tornar-se uma importante força estabilizadora e
conservadora dentro do sistema político. Força estabilizadora perante a instabilidade
governamental: quanto maior é a instabilidade governamental, maior é a tendência para
o aumento da importância política da burocracia administrativa. Força conservadora
perante as transformações do sistema político: a administração funciona habitualmente
como um importante freio à transformação política.
Em todo o caso, sendo o governo o órgão de condução da função política, ele é
também o responsável pela administração pública, detendo poderes de direção e de
controlo que permitem colocá-la ao serviço das políticas definidas pelo governo.
O mais importante instrumento de conformação da administração com a política
governamental opera-se através da livre nomeação e demissão dos funcionários
superiores. O número desses funcionários e a extensão da liberdade de nomeação varia
de país para país, sendo, por exemplo, bastante amplo nos Estados Unidos (spoil
system). Quando assuma vastas proporções, este sistema tem, contudo, dois grandes
riscos: por um lado, a partidarização da administração; por outro lado, a possibilidade
de os altos cargos administrativos se transformarem em meio de "pagamento" de
serviços políticos do partido do governo, bem como de nepotismo ou favoritismo mais
ou menos aberto.
Independentemente disso, o executivo goza de um poder de direção sobre a
administração estadual (garantido por um poder disciplinar sobre os funcionários) e de
um poder de controlo ("tutela") sobre as próprias administrações das coletividades
territoriais infraestaduais.

8.5.3. Controlo da administração

O aumento do papel e das tarefas do aparelho administrativo, bem como da sua


autonomia, coloca o problema do seu controlo externo. Controlo quer por parte dos
parlamentos, quer por parte dos cidadãos.
Na doutrina tradicional do sistema parlamentar, a administração não era
diretamente responsável perante o parlamento. Era o governo, em geral, e o ministro
de cada departamento em especial, que eram politicamente responsáveis perante o
169

parlamento pela atividade administrativa dos seus respetivos departamentos. No


entanto, o sistema presidencialista desde cedo conheceu formas de prestação de contas
direta dos responsáveis da administração perante as câmaras, que ia desde a
confirmação da sua nomeação até as audições sobre a sua atividade. Progressivamente
também os sistemas parlamentares foram incorporando mecanismos de escrutínio
parlamentar direto sobre a administração pública e sobre os altos cargos da
administração, tanto por intermédio dos inquéritos parlamentares, como mediante a
comparência dos dirigentes dos serviços administrativos para prestar contas perante as
comissões parlamentares.
O controlo da administração por parte dos administrados conhece dois
instrumentos principais, de natureza muito diversa.
O primeiro é constituído pelos tribunais (comuns ou administrativos), perante os
quais os cidadãos podem acionar a administração para defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos. Neste aspeto verifica-se uma diferença muito nítida
entre o sistema administrativo anglo-saxónico, em que essa competência cabe aos
tribunais comuns e em que os administrados têm à sua disposição os meios judiciais
próprios da common law (incluindo ações de intimação à administração para fazer ou
abster-se de atuar em certo sentido), e o sistema administrativo europeu continental,
em que essa competência cabe a tribunais específicos (os tribunais administrativos) e
em que os meios de ação dos administrados são tradicionalmente mais reduzidos do
que no direito comum, tendendo a limitar-se ao recurso de anulação dos atos
administrativos ilegais e a reclamar uma indemnização pelos danos causados pela
administração, mas não tendo muitas vezes o direito de exigir a prática de providências
administrativas legalmente devidas (todavia esta diferença tende hoje a ser diminuída).
O segundo instrumento de controlo da administração é o "ombudsman", ou
"provedor", ou comissário parlamentar para a administração, existente em muitos
países (Suécia, Noruega, Grã-Bretanha, Portugal, França, Espanha, etc.), que é um
órgão independente a quem compete velar pela legalidade e imparcialidade da
administração, sobretudo mediante queixa dos cidadãos, sem contudo deter meios
decisórios ou compulsórios.
Caraterística dos regimes administrativos contemporâneos é a multiplicação dos
mecanismos de participação dos administrados na administração, quer dos
170

pessoalmente interessados numa determinada medida administrativa, quer dos


cidadãos em geral. Neste segundo aspeto são de sublinhar as formas de "participação
orgânica" (presença de representantes de grupos de interesse em órgãos consultivos da
administração ou nos próprios órgãos decisórios) e de "participação no procedimento",
mediante a sujeição a consulta pública de certos instrumentos ou medidas
administrativas mais relevantes, antes da sua aprovação definitiva (planos urbanísticos,
estudos de impacto ambiental, etc.).

8.5.4. Recrutamento e estatuto dos funcionários

As formas de recrutamento e o estatuto dos funcionários públicos variam muito


de país para país. Existem fundamentalmente dois sistemas. Num o recrutamento e o
estatuto dos empregados da administração mantêm muitos traços do contrato de
trabalho privado; no outro obedecem a um regime de emprego próprio (o regime da
"função pública"), afastado em pontos fundamentais do contrato de trabalho (ingresso
por concurso, estabilidade da relação de emprego, carreiras e promoções, estatuto
disciplinar, etc.).
Essa diversidade de regimes repercute-se em matéria de deveres e direitos
sindicais (liberdade sindical, contratação coletiva, direito a greve, etc.) e de direitos
políticos (direito de petição, atividades partidárias, candidatura em eleições, etc.) dos
funcionários. No primeiro sistema os empregados da administração não estão à partida
privados desses direitos, embora muitas vezes com restrições maiores ou menores em
relação aos restantes trabalhadores. No segundo sistema os funcionários públicos
estavam tradicionalmente privados desses direitos ou sofriam drásticas restrições.
A administração dos países anglo-saxónicos segue tendencialmente o primeiro
sistema; a tradição continental europeia é tendencialmente a segunda. Todavia, no
sistema da função pública têm-se manifestado, desde há muito, tendências para
"desfuncionalizar" a relação de emprego público, já pela aproximação do seu regime
em relação ao regime da relação laboral privada (nomeadamente em matéria de direitos
sindicais e políticos), já pelo puro e simples abandono do regime da função pública em
favor do contrato de trabalho, em áreas crescentes da administração. É o que se em
passado em Portugal nos últimos dez anos.
171

8.5.5. A "nova gestão pública"

Um das mudanças mais recentes (últimas três décadas) na administração pública


tem a ver com a importação de métodos da gestão privada, em nome da eficiência e da
satisfação dos utentes dos serviços administrativos, mediante a adoção de mecanismos
de tipo empresarial (empresarialização de serviços públicos), a introdução de
instrumentos concorrenciais, de prémios ao desempenho de serviços e de agentes, de
avaliação de desempenho de uns e outros, de regimes de direito privado (abandono do
regime da função pública em favor do contrato de trabalho), etc.
Sintomaticamente, essa reforma gestionária da Administração pública dá pelo
nome de "nova gestão pública". A reforma "gestionária" da Administração pública tem
especial impacto no domínio da administração financeira. Na verdade, mesmo nos
países em que as novas perspetivas da gestão pública não tiveram impacto
generalizado, o setor da gestão financeira não lhe ficou imune. São vários os traços
dessa tendência. A "nova gestão pública" em matéria financeira acentua a
descentralização da gestão financeira, o alargamento da autonomia financeira dos
serviços e estabelecimentos públicos, a responsabilidade dos dirigentes dos serviços, a
prioridade à racionalização e eficiência das despesas públicas, a preferência pelos
controlos "a posteriori" em relação aos controlos "a priori", a ênfase na avaliação do
desempenho, a retribuição do bom desempenho financeiro dos serviços e penalização
do mau desempenho.
Ha dois traços marcantes adicionais da “nova gestão pública”:
- “externalização” de tarefas adminisrartuvas em entidades privadas, através de
varidas formas de delegação, concessão, “parcerias público-privadas”;
- sujeição da adminstração pública às regras da concorrência, quer no
recrutamemto do pessoal (concursos públicos), quer nas compras públicas (aqusiação
de bens e servoços), quer nas obras públicas.

8.5.6. As autoridades administrativas independentes

Uma das mais inovadoras trnferomações da adminstração pública no século XX


foi a criação de “autoridades administrativas independentes”, ou seja, que apesar de
172

noemeadas pelo Governo, não ficam responsáveis perante ele nem perante o Presidente
(nos sistemas presidencialistas), nem perante o Parlamento (nis sistemas
parlamentares).
Os órgãos dirigentes das autoridades adminstrativas independentes são
nomeados por tempo determinado, em geral mais longo do que o mandato
governanmental, não podendo ser destituídos ants do fim do mandato. Não estão
dependentes de ordens ou intruções do governo, nem os seus atos podoem ser revistos
pelo Governo, mas somnte pelos tribunais. Gozam de recursos financdeiros próprios
(taxas, contribuições especiais, coimas) e de autonomia financeira.
Existem três áreas privilegiadas de intervenção das autoridades administrativas
independentes:
- autoridades reguladoras da economia de mercado (autoridade da concorrência
e entidades regualadoras sectoriais (eletricidade, telecomunicações, serviços
financeiros, etc.);
- bancos centrais, que têm a seu cargo a fixação da taxa de juro;
- autoridades de defesa de certos direitos fundamentais (liberdade de imprensa e
independência dos média, salvaguarda de dados pessoais, etc.).
O grupo mais numeroso é sem dúvida o primeiro, embora o seu número varie de
país para país. Apesar disso, nas economias de mercado há certas autoridades
independentes praticamente universais, como as autroridades da concorrência, a
autoridade do mercado de valores mobiliários (bolsas, mercados de ações e
obrigações).

8.6. As forças armadas

8.6.1. A especificidade das instituições militares

Em geral as instituições militares ocupam um lugar específico no sistema político


e administrativo. Por um lado, estão intimamente ligadas à função de defesa e às
relações internacionais, o que lhes confere uma grande "visibilidade". Por outro lado,
existem formas específicas de organização política e administrativa dos militares.
Mesmo nos sistemas não presidencialistas os presidentes da república detêm sempre
173

uma ligação especial às instituições militares, sendo em geral constitucionalmente


considerados como "comandante supremo das forças armadas".
Tradicionalmente era muito marcada a distinção entre as coisas militares e as
coisas civis, cada uma delas com responsáveis distintos (ministros militares e ministros
civis, governador militar e governador civil, defesa militar e defesa civil, hopsitais
milçiatres, etc.). São também frequentes as manifestações de autogoverno e de
autogestão militar (militares nas pastas ministeriais da defesa e das forças armadas,
tribunais militares, escolas e academias militares). Existem cargos e órgãos exclusivos
da área militar (chefes de estado-maior, conselhos superiores de defesa, etc.).
A condição militar implica um estatuto específico, que se traduz em formas
rígidas de organização e hierarquia, numa disciplina severa e em importantes
limitações de direitos civis e políticos (ausência de direitos sindicais, proibição de
atividade partidárias, inelegibilidades, limitações do direito de manifestação, reunião e
petição, etc.).
Existem fundamentalmente dois sistemas de serviço militar: o sistema de
conscrição, baseado no serviço militar universal obrigatório (porém tradicionalmente
limitado aos homens); e o sistema de recrutamento profissional voluntário. O primeiro
sistema está ligado à ideia do exército nacional, caraterístico da conceção democrático-
republicana originária do "povo em armas" e da responsabilidade de todos na "defesa
da pátria"; o segundo corresponde à conceção do exército profissional e da
responsabilidade estadual da defesa. Nos últimos tempos tem-se verificado o abandono
crescente do primeiro sistema a favor do segundo (como sucedeu entre nós com o
abandono do serviço militar obrigatório e a profissionalização das forças armadas).

8.6.2. A intervenção militar na vida política

A intervenção direta ou indireta dos militares na política é um dado recorrente


da história política, independentemente dos sistemas e regimes políticos. Se se tiver
em conta apenas a intervenção direta através de golpe-de-estado ou de
pronunciamento, com derrubamento do governo, mesmo assim os exemplos são
frequentes. Desde 1945 contam-se por muitas dezenas os casos dessa espécie e mal
passa um ano sem que tal aconteça. Durante muito tempo a ciência política prestou
174

pouca atenção a este fenómeno. A participação dos militares na política era olhada
geralmente como um fenómeno próprio dos países com instituições civis débeis ou de
cultura "militarista". No entanto, a realidade da intervenção militar na política levou a
alterar esta visão.
A intervenção militar na política pode ir desde a mera influência ou pressão até
ao exercício direto do poder político, passando pela possibilidade de substituição de
um governo civil por outro.
Por razões facilmente explicáveis, as formas abertas de intervenção militar são
as que têm chamado maior atenção da análise política. Mas a intervenção direta não é
necessariamente mais importante politicamente do que a intervenção menos manifesta.
Países que nunca conheceram qualquer intervenção militar direta no governo podem
registar uma grande influência militar na definição política (por exemplo, dos Estados
Unidos). O crescimento das despesas militares e o desenvolvimento da tecnologia
militar vão de par com a elevação do papel político do aparelho militar. Em todo o
caso, o aparelho militar, se em tempo de paz pode manter a sua intervenção política
dentro de certos limites, nos períodos de guerra ou de crise interna do sistema político
ou do regime surge imediatamente à boca da cena política.
Já quanto a intervenção direta dos militares, através de golpe-de-estado ou de
pronunciamento, pode dizer-se que existem países mais propensos do que outros. Uma
rápida observação dos fenómenos desta natureza nas últimas dezenas de anos mostra
claramente que a esmagadora maioria deles tem tido lugar em áreas geográficas e
políticas mais ou menos bem determinadas: América Latina, África, Próximo Oriente.
Dois tipos de Estados parecem imunes: os Estados capitalistas desenvolvidos, de
regime liberal-democrático, e os Estados comunistas
Para a intervenção militar na vida política podem contribuir quer as condições
do próprio aparelho militar, quer as condições do sistema político. No que respeita ao
aparelho militar, as condições que favorecem a intervenção são desde logo aquelas que
o caraterizam em geral: monopólio ou quase monopólio das armas e da força armada:
organização (comando centralizado, hierarquia e disciplina rígidas, aperfeiçoada
estrutura de comunicações); autonomia social, espírito de corpo (unidade,
solidariedade, espírito de carreira, etc.), isolamento social e autossuficiência
(uniforme, vida no quartel, vida móvel, condicionamento da vida privada e da
175

participação política, escolas próprias, etc.); prestígio social, desde a mera simpatia até
ao orgulho e admiração, quer referenciada às "virtudes militares" (coragem, disciplina,
sacrifício, patriotismo), quer referenciada às tradições heróicas das forças armadas
(celebração dos heróis, das datas das batalhas, etc.).
No que respeita ao sistema político e social em geral, a intervenção direta dos
militares na vida política depende do tipo de sistema político, do grau de
desenvolvimento económico e social, do tipo de "cultura política", da estabilidade do
sistema político e dos governos. Segundo Blondel, as possibilidades de intervenção
dos militares dependem: (a) da falta de legitimação do sistema político, da
instabilidade política, etc., sendo por isso pouco prováveis em sistemas políticos há
longo tempo consolidados e de sistema de governo estável; (b) de regimes políticos
cujos princípios e normas sejam radicalmente diferentes dos militares (hierarquia,
disciplina, etc.), sendo por isso menos frequentes em regimes políticos oligárquicos ou
ditatoriais; (c) grau de desenvolvimento e da complexidade económica, social e
política, diminuindo as suas probabilidades com o desenvolvimento e aumento da
complexidade. Facilmente se constata que os países em que mais frequentemente tem
ocorrido intervenções militares na vida política preenchem todas ou algumas destas
condições.

8.7. Os tribunais

8.7.1. Os tribunais como poder do Estado

Até à centralização do poder político que conduziu a edificação do Estado


absoluto no século XVII, a justiça era uma função dispersa por numerosos tribunais
municipais, senhoriais e profissionais e de várias outras instituições (igreja,
universidades, etc.). Prevalecia um princípio de "autodiceia" (autojurisdição), pelo
qual cada coletividade se encarregava da função judicial em relação aos seus próprios
membros. A progressiva centralização do poder político levou também à afirmação do
poder da justiça real e à diminuição ou extinção das justiças privativas. Todavia era
comum no antigo regime a cumulação de funções judiciais e administrativas nos
mesmos órgãos. Foi a revolução liberal que completou e consumou esse movimento,
expropriando as coletividades locais e profissionais das suas funções judiciais e
176

procedendo àa estatização da justiça, transformando-a numa função central do Estado;


mas foi também a revolução liberal que separou as funções administrativas e judiciais,
ao ab, ao abigo da eria da sepração de poders.
Um dos princípios fundamentais da construção do Estado moderno saído das
revoluções liberais foi a autonomização e independência dos tribunais, e a atribuição a
eles do monopólio da função judicial, retirando as funções judiciais que no Estado do
"antigo regime" pertenciam ao rei e aos seus agentes. No entanto, na teoria da
separação de poderes de Montesquieu os tribunais não eram verdadeiramente um
poder, dado que os tribunais limitavam-se a aplicar estritamente a lei saída do
parlamento, eram apenas a “voz da lei”.
A realidade dos Estados contemporâneos mostra contudo que os tribunais são
um efetivo poder do Estado que se não limita a "dizer a voz contida nas leis", e que
pode ter uma influência mais ou menos vasta no processo político, desempenhando um
importante papel na manutenção do sistema político e na conservação da ordem
política. A função de "rule adjudication" não é menos relevante politicamente do que
a função de "rule making" e de "rule application".
A estrutura dos tribunais, o estatuto dos juízes, o governo da magistratura e a
participação popular na administração da justiça, eis os principais campos
problemáticos neste capítulo.

8.7.2. Estrutura dos tribunais

Um aspeto comum à quase totalidade dos sistemas políticos é o princípio da


hierarquia dos tribunais, dispostos numa pirâmide de dois, três ou mais níveis, tendo
no vértice um tribunal superior, desempenhando principalmente a função de julgar os
recursos dos tribunais inferiores. Mas, para além deste princípio comum, existem
grandes variações quanto a estrutura dos tribunais de país para país.
Existem sistemas em que, em princípio, todos os tribunais estão integrados numa
única "ordem" ou estrutura, com um único tribunal superior no vértice,
independentemente da especialização funcional dos tribunais de base ou intermédios
(sistema da unidade jurisdicional). É ainda hoje, no fundamental, o caso dos países
anglo-saxónicos, nomeadamente dos Estados Unidos da América. Noutros sistemas
177

existe uma pluralidade de ordens judiciais (princípio da pluralidade jurisdicional).


Nesses países existe uma distinção fundamental entre os tribunais ordinários ou
comuns, de um lado, e os tribunais especializados, do outro lado. Os principais dos
tribunais da ultima espécie são os tribunais administrativos, que tem a sua estrutura
própria, com os seus próprios juízes, etc. É o caso da França e dos países influenciados
pela experiencia administrativa francesa, como Portugal. Noutros países, existem
várias ordens judiciais paralelas, de acordo com uma especialização funcional
(tribunais civis, criminais, de trabalho, administrativos, etc.), cada uma delas com o
seu tribunal superior. É o caso, por exemplo, da Alemanha.
Importa ainda referir três tipos particulares de tribunais: os tribunais militares, os
tribunais constitucionais e os tribunais de contas.
Os primeiros, onde existem, são de dois tipos: ou são tribunais de foro pessoal,
competentes em exclusivo para julgar os militares, qualquer que seja a matéria; ou são
tribunais funcionalmente especializados, competentes para julgar apenas os crimes
essencialmente militares, independentemente da qualidade dos seus agentes. Pode
dizer-se que hoje existe uma tendência para pôr fim ao foro militar pessoal e até para
suprimir os tribunais militares em geral. Foi o que ocorreu entre nós, na revisão
constitucional de 1997.
Os tribunais constitucionais são uma criação europeia do presente século. A sua
competência principal consiste em controlar a constitucionalidade das leis e demais
atos do Estado. Nos Estados não unitários (federais, como na Alemanha e na Áustria,
ou regionalizados, como na Itália ou Portugal) os tribunais constitucionais têm ainda a
competência para dirimir os conflitos entre respetivamente a federação e os estados
federados ou entre o Estado e as regiões autónomas. Há muitos Estados em que não
existem tribunais constitucionais: ou porque se não admite o controlo da
constitucionalidade das leis (Reino Unido, países escandinavos), prevalecendo a plena
soberania legislativa das assembleias representativas e sendo puramente político o
controlo do cumprimento da constituição; ou porque esse controlo é efetuado pelos
tribunais comuns (caso do sistema norte-americano).
É muito variada a forma de composição e designação dos juízes dos tribunais
constitucionais. Em geral existe uma conjugação de diversas fontes, sendo uma parte
dos juízes designados pelos órgãos do poder político (presidente da República,
178

parlamento, governo) e outra parte deles designados pelos órgãos de governo das
magistraturas judiciais (juízes de carreira ou juízes profissionais). O que é comum é
porém a diferença de modo de designação em relação à forma de recrutamento dos
juízes dos demais tribunais. Também varia muito o tempo de mandato dos juízes dos
tribunais constitucionais, que pode ir desde um período relativamente curto até ao
mandato vitalício. Em geral, porém, quando temporalmente limitados, trata-se de
mandatos não renováveis (como sucede entre nós).
Os tribunais de contas são tribunais muito especiais, quer quanto ao recrutamento
dos seus membros - que são muitas vezes designados pelos órgãos do poder político -
, quer quanto às suas funções, que consistem na verificação não somente da legalidade
mas também da adequação financeira (economia e eficiência) das despesas das
entidades públicas (ou entidades privadas beneficiarias de dinheiros públicos), bem
como na apreciação das respetivas contas.
No que diz respeito a Portugal existem duas ordens judiciais paralelas:
- os tribunais "judiciais", cujo vértice é o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) com
várias especializações funcionais a nível dos tribunais de base (tribunais cíveis,
criminais, de trabalho, de menores, de família, etc.) e mesmo a nível das secções dos
tribunais de segunda instancia (Tribunais de Relação) e no STJ;
- os tribunais administrativos e tribunais fiscais, tendo no vértice o Supremo
Tribunal Administrativo (STA), existindo também especializações nos tribunais de
base (tribunais administrativos e tribunais fiscais) e nas secções do STA.
Além desses tribunais existe também o Tribunal Constitucional, criado em 1982
(primeira revisão constitucional), tendo a sua origem na Comissão Constitucional
(prevista na versão originária da Constituição). Além de tribunal de fiscalização da
constitucionalidade das leis (e, em geral, de todas as normas jurídicas), ele funciona
também como tribunal superior de justiça eleitoral e tribunal de contencioso relativo
aos partidos políticos (além de outras funções).
Finalmente existe um Tribunal de Contas, com funções de cotrolo da legalidade
financeira em relação a todas as entidades públicas (embora com secções regionais
para as regiões autónomas).
Importa referir ainda os trinbunais arbitrais, que tanto podem ser permanentes
como criados ad hoc, sendo normalmente compostos por três árbitos, dois indicados
179

pelas partes no litígio, sendo o terceito escolhido pelos árbitros de parte. A arbitragem
é especialmente utlizada na resolução de litígios de negócios.

8.7.3. Estatuto dos juízes

O modo de designação dos juízes e os requisitos para a sua designação são os


aspetos politicamente mais relevantes do estatuto dos juízes.
Quanto à designação existem fundamentalmente três sistemas: (i) a eleição direta
pelos cidadãos ou indireta (pelas assembleias), (ii) a designação pelos governos ou
executivos, e (iii) a designação por um órgão independente. Num mesmo país podem
existir dois ou três sistemas para tipos diferentes de tribunais (assim, nos Estados
Unidos os juízes de muitos tribunais estaduais são eleitos direta ou indiretamente,
enquanto que os juízes do Supremo Tribunal Federal são designados pelo Presidente,
sob confirmação do Senado). Em muitos países europeus os juízes são designados
pelos governos ou por um órgão superior da própria magistratura judicial.
Quanto aos requisitos de recrutamento são igualmente muito variáveis. Nos
casos em que os juízes são eleitos não se exige qualquer requisito particular (titulo
académico, etc.) e em princípio qualquer cidadão pode ser eleito. Consequentemente,
a magistratura judicial não constitui um corpo próprio, nem uma carreira profissional
específica. Nos outros casos, os juízes são designados de entre titulares de um diploma
académico (normalmente a licenciatura em direito), carecendo previamente de um
estágio profissional ou de curso especializado mais ou menos longo. Nestes casos a
magistratura judicial é uma carreira profissional própria, normalmente acompanhada
da vitaliciedade.

8.7.4. A independência dos juízes e a questão do autogoverno das


magistraturas

A teoria do Estado de direito coloca desde a origem o requisito da independência


dos juízes. Entre as garantias dessa independência contam-se especialmente: a
inamovibilidade (não podendo eles ser removidos antes do tempo para que foram
designados), a irresponsabilidade (não sendo eles suscetíveis de ser responsabilizados
civil, criminal ou disciplinarmente pelas suas decisões, salvo em casos especiais
180

previstos na lei), as incompatibilidades (proibição de exercício de outras funções que


afetem essa independência), a proibição ou limitação de atividades partidárias ou o
exercício de cargos políticos.
Depois da II Guerra Mundial algumas constituições (Itália, França, Portugal,
Espanha, etc.) independentizaram os tribunais e os juízes em relação ao governo,
criando para o efeito um órgão independente específico, com funções de nomeação dos
juízes, exercício da ação disciplinar, órgão consultivo do governo em matéria
judiciária, etc. Esses órgãos, normalmente de composição mista (representantes
designados pelos parlamentos, pelos governos e pelos próprios juízes), representam
assim uma expressão limitada de autogoverno das magistraturas, que porém varia de
país para país.
Entre nós é a própria Constituição que prevê a existência de órgãos desse tipo
para as duas ordens judiciais, estabelecendo também diretamente a composição do
órgão respeitante aos "tribunais judiciais", o Conselho Superior da Magistratura (que
é composto por dois membros designados pelo Presidente da República, sete eleitos
pela Assembleia da República e sete eleitos pelos próprios juízes, além do Presidente
do STJ, que é por inerência membro e presidente do Conselho).
Embora a existência de órgãos desse tipo não seja uma exigência do princípio da
independência dos juízes, é inegável que eles contribuem para a reforçar.

8.7.5. A participação popular na justiça

O "poder judicial" sempre colocou problemas sérios à teoria representativa e


democrática do poder político, sobretudo nos casos em que os juízes constituem um
corpo profissional sem qualquer legitimação democrática ou representativa direta ou
indireta, sendo porém menos sensível nos sistemas como o norte-americano, em que
os juízes são eleitos ou nomeados por um órgão diretamente eleito (nomeadamente o
Presidente) e em que prevalece o princípio do júri, sobretudo na justiça penal, que não
é mais do que a expressão do exercício da justiça pela própria comunidade.
É por isso que ganham justificação os mecanismos de "participação popular na
justiça", rubrica que designa todas as formas de participação de leigos na função
judicial, em lugar dos juízes togados ou em cooperação com eles. É o caso obviamente
181

do júri – que, no entanto, nunca obteve na Europa a relevância que tem nos Estados
Unidos -, bem como as demais formas de participação leiga em certos tipos de tribunais
(tribunais de trabalho, justiça de menores, de família, etc.) e ainda os resquícios, em
alguns casos redivivos, de "juízes populares", para pequenas causas no âmbito das
comunidades locais, eleitos ou designados pelas mesmas coletividades locais.

8.7.6. O “ativismo judicial” e a separação de poderes

Um dos temas mais debatidos na atualidade é o do “ativismo judicial”, ou seja,


a tendência em alguns países para que os tribunais (sobretudo os tribunais
constitucionais) assumam um papel ativo nas decisões públicas, em substituição dos
órgãos do poder político, explorando criativamente os princípios constitucionais
(“jurisprudência dos princípios”) ou a margem de interpretação dos conceitos
indeterminados das normas jurídicas ou as normas constitucionais que atribuem
direitos positivos aos cidadãos, nomeadamente o direito à saúde, à proteção social, etc.
Em alguns países, como por exemplo no Brasil, fala-se por exemplo na
“judicialização da saúde” para designar a proliferação de decisões judiciais que
ordenam tratamentos ou intervenções cirúrgicas concretas a cargo do Estado, para
efetivação do direito constitucional à saúde.
O ativismo judicial coloca sérios problemas em sede de separação de poderes e
de legitimação democrática do poder público, visto que afasta os tribunais do
paradigma clássico dos tribunais como a “boca da lei” (Montesquieu), passando, até
certo ponto a serem criadores da sua própria lei.
Capítulo IX
Limites e controlo do poder político

9.1. Visão geral

Desde o nascimento do Estado absoluto no século XVII, caraterizado pelo


aumento e pela concentração do poder político sem limites e sem controlo, a
preocupação principal da filosofia política foi a limitação e o controlo do poder em
prol da liberdade e da autonomia dos indivíduos e dos grupos sociais.
Foram várias as linhas de ação no sentido da limitação e do controlo do poder ao
longo dos últimos dois séculos e meio. É possível organizar estes elementos em vários
grupos, de acordo com as suas afinidades. Em primeiro lugar, importa abordar os
limites materiais ao poder propriamente ditos, os que se traduzem em fronteiras às
funções e ao poder do Estado. Em segundo lugar, há que verificar a repartição de
poderes entre os vários níveis de organização do Estado (descentralização territorial,
etc.), bem como a sua delegação em entidades privadas. Em terceiro lugar, surgem os
limites ao exercício do poder, nomeadamente a separação de poderes e os
contrapoderes ao poder da maioria. Em quarto lugar, surge a submissão do poder à lei
(lato sensu), desde há muito conhecida como princípio do Estado de direito. Em quinto
lugar aparecem os mecanismos de transparência do exercício do poder, de modo a
limitar a arcana praxis e a permitir o controlo do poder pela opinião pública. Em sexto
lugar, há a responsabilização do poder e dos seus titulares, nas suas diferentes
vertentes (responsabilidade política, responsabilidade criminal, responsabilidade
disciplinar, responsabilidade civil). Em penúltimo lugar, há o controlo internacional
sobre o poder interno do Estado, incluindo as sanções internacionais. Por último, mas
não em último lugar, há o controlo judicial sobre os atos ou omissões do poder, bem
como outras formas de controlo independente sobre o poder publico.
184

Ao contrário do que pode parecer, a democracia política não é, em si mesma, um


limite ao poder. Pelo contrário, pode haver, pelo menos em abstrato, poder limitado
sem democracia; e a democracia pode revestir formas de poder mais ou menos
ilimitado (“democracia totalitária”). Também o poder democrático precisa de ser
limitado. E os limites ao poder democrático podem traduzir-se em limites à democracia
ou pelo menos ao poder das maiorias.
A liberdade e a autonomia dos indivíduos não suscetível de ser posta em causa
somente pelo poder público. Há também importantes poderes fáticos – principalmente
o poder económico, o poder mediático e o poder religioso - que não só podem atentar
contra a liberdade e a autonomia individual mas também tentar “capturar” o Estado e
pô-lo ao seu serviço. Por isso, o controlo do poder impõe também a garantia tanto da
autonomia individual como da autonomia do poder públicos contra tais grupos de
interesse.

9.2. Limitação das funções do Estado

9.2.1. A autonomia dos indivíduos e dos grupos sociais

O primeiro objetivo das revoluções liberais foi a redução e limitação material das
funções e dos poderes do Estado em favor da autonomia dos indivíduos e da sociedade.
Quanto menor o perímetro de ação do Estado menos poder ele poderia exercer sobre
os indivíduos e sobre a sociedade em geral.
O principal dispositivo constitucional para a limitação das funções do Estado foi
a “invenção” da economia de mercado, tornando a economia essencialmente
independente do Estado, bem como dos direitos, liberdades e garantias individuais, que
no início são essencialmente concebidos como defesa dos indivíduos contra o Estado
(mas versus the state).
Entre os direitos individuais contavam-se o direito à vida, a propriedade e à
segurança. Entre as liberdades, incluíam-se a liberdade de expressão e de opinião, a
liberdade de religião, a liberdade de reunião, etc. As garantias incluíam a proibição de
prisão arbitrária, a proibição de confisco, a inviolabilidade do domicílio e da
correspondência, etc.
185

A conceção liberal dos direitos fundamentais, até bem dentro do século XX,
apresentava-os exclusivamente como “direitos negativos”, como garantia de uma
esfera de liberdade de ação dos indivíduos, no plano pessoal, económico e político,
contra a ingerência do poder. Como frisou Benjamin Constant, a “liberdade dos
modernos” é essencialmente a liberdade de não ser vítima de ingerências do Estado.
No século XIX só estava em causa assegurar a autonomia e a liberdade dos
indivíduos face ao Estado. No século XX, com o nascimento dos grupos sociais
organizados (sindicatos, organizações empresariais, igrejas, etc.), surgiu também a
necessidade de assegurar a sua autonomia face ao Estado. Como se viu anteriormente,
a “teoria pluralista da política” baseia-se essencialmente no pluralismo e na competição
entre os grupos sociais.

9.2.2. Variações sobre o liberalismo

As revoluções contra o Estado absoluto (e contra os seus posteriores avatares no


século XX) foram feitas essencialmente em nome da liberdade individual. Na sua
versão originária o constitucionalismo surgiu como uma garantia do liberalismo, ou
seja, da liberdade individual contra o poder do Estado na esfera política (liberalismo
politico, liberalismo ideológico) e na esfera económica e social (liberalismo
económico).
O liberalismo clássico do século XIX preconizava o abstencionismo económico
e social do Estado, ficando este reduzidos às suas funções “soberanas”, ou seja, a
defesa, a segurança e a ordem pública, a justiça, sem nenhum papel na esfera
económica e social.
Ao longo dos dois séculos e meio desde as primeiras revoluções liberais, a vida
política tem oscilado, por um lado, entre o liberalismo e o antiliberalismo e, por outro
lado, entre as várias famílias do liberalismo, sobretudo no que respeita à esfera
económica e social.
186

9.2.3. “Princípio da subsidiariedade” como guia de delimitação das


funções do Estado face aos indivíduos e aos grupos

O liberalismo caraterizou-se sempre não somente pela liberdade política e pela


limitação das funções económicas e sociais do Estado. Uma versão moderada de
limitação das funções do Estado foi a preconizada desde o final do século XIX pela
chamada “doutrina social” da Igreja Católica e outras correntes de pensamento, que dá
pelo nome do “princípio da subsidiariedade”.
Nos termos dessa doutrina, o Estado (e de mais poderes públicos) devem ser
subsidiários da ação dos indivíduos e organizações sociais, só devendo aqueles
dedicar-se a tarefas económicas e sociais lá onde os indivíduos e os grupos sociais
organizados se manifestamente incapazes ou incompetentes. Por conseguinte, o Estado
não fica impedido de se dedicar a tarefas na esfera económica e social (educação,
saúde, proteção social, etc.) mas somente quando isso se torne necessário para suprir o
défice de oferta da sociedade civil, ou seja, dos próprios indivíduos e das organizações
sociais.
O princípio da subsidiariedade (ou da supletividade) do Estado implica um teste
sobre a necessidade de intervenção do Estado em relação a cada atividade pública.

9.3. A repartição vertical do poder

9.3.1. Da descentralização territorial à integração supranacional

Outra maneira de limitar os poderes do Estado é sua repartição entre vários níveis
de organização territorial do poder político. Os Estados federais sempre foram um
instrumento de divisão e de limitação do poder político, repartindo as funções entre a
federação e as unidades federadas. No século XX sugiram novos mecanismos de
repartição vertical do poder.
Como se viu acima, um dos traços de transformação do Estado contemporâneo
desde as revoluções liberais foi a descentralização territorial do poder nos Estados
unitários, estabelecendo uma espécie de “separação vertical de poderes” que replica
alguns aspetos os Estados federais.
187

A par da descentralização municipal, a descentralização territorial começou a


assumir depois da II Guerra Mundial em muitos países uma dimensão de
descentralização verdadeiramente política, de tipo quase federal, com a criação de
regiões ou comunidades autónomas (Itália, Espanha, Reino Unido).
Em sentido inverso à descentralização, os fenómenos de integração transnacional
levaram à transferência de poderes estaduais num sentido ascendente, para
organizações supra estatais, como a União Europeia.
Mercê desse duplo fenómeno de descentralização política e de
supranacionalização, o poder estatal encontra-se hoje em muitos países organizado em
camadas sobrepostas (“governo em vários níveis”). Essa divisão vertical de poderes
traduz-se no mesmo objetivo de limitação de poder, mediante a sua divisão por
diferentes instâncias.

9.3.2. O princípio da subsidiariedade como guia de repartição


vertical de funções

Tal como na divisão de poderes entre o Estado e a sociedade, também nesta


divisão vertical de poderes se invoca frequentemente o princípio da subsidiariedade,
no sentido de que as coletividades políticas superiores (organizações supranacionais,
Estados) só devem atuar quando as tarefas públicas não possam ser realizadas
satisfatoriamente pelas coletividades inferiores (poder local, comunidades
infraestaduais autónomas).
Neste outro sentido, o princípio da subsidiariedade encontra-se explicitamente
consagrado no Tratado da União Europeia, no respeitante ao desempenho das
competências compartilhadas entre a UE e os Estados-membros, e na CRP, no que
respeita à divisão de tarefas entre o Estado por um lado e as comunidades
infraestaduais, por outro lado.

9.3.3. A descentralização funcional de funções

Além da descentralização territorial pode haver a “descentralização funcional”,


que consiste na transferência de poderes estatais em certas áreas para as próprias
organizações sociais interessadas. São formas de autogoverno ou de
188

autoadministração, pelas quais o Estado confia certas tarefas públicas a entidades


privadas, ou formadas pelos particulares interessados.
O exemplo mais tradicional é o da regulação profissional através das ordens
profissionais, que são organizações das próprias profissões, sendo dotadas de poderes
públicos de regulação e disciplina da profissão (autorregulação e autodisciplina
profissional). Mas hoje em dia existem vários outros casos da mesma natureza, como
por exemplo as organizações de certificação oficial dos produtos beneficiários de
denominação de origem geográfica oficialmente protegida (vinhos, queijos, etc.).
Situações afins são aquelas em que o Estado delega em entidades privadas a
prestação de certos serviços públicos, em caso de défice de oferta do Estado, como
sucede entre nós no caso da educação básica e secundária (escolas privadas
“associadas”), de alguns cuidados de saúde (como o “cheque dentista”) ou vários
serviços de proteção social (como os cuidados continuados, de acolhimento de pessoas
com deficiência, etc.). Ao mesmo tempo que garante a prestação universal de tais
serviços, financiando a sua prestação por entidades privadas, o Estado mantém um
certo controlo administrativo e financeiro sobre as mesmas.

9.4. Limitações ao exercício do poder

9.4.1. A “separação de poderes” como mecanismo de limitação do


poder

Historicamente, a primeira ferramenta do toolkit contra o Estado absoluto foi a


“separação de poderes”, tal como preconizada por Locke e por Montesquieu. As
diferentes funções clássicas do Estado (fazer normas, ou poder normativo; aplicar as
normas, ou poder executivo; e sancionar o incumprimento das normas, ou poder
judicial) deveriam caber a diferentes órgãos do Estado, deixando de competir todas a
um único titular do poder, o soberano.
A separação de poderes, nomeadamente entre o poder de fazer as leis (poder
legislativo) e o poder de as aplicar (poder executivo) foi desde sempre entendido como
um mecanismo de limitação e de controlo recíproco dos poderes do Estado. Como
escreveu Montesquieu, “só o poder trava o poder”.
189

Do mesmo modo, a autonomização da função judicial era um instrumento


essencial de controlo do poder. De facto, para que o poder legislativo respeitasse a
Constituição e que o poder executivo respeitasse as leis, era necessário conferir aos
tribunais um poder de controlo judicial obre os demais poderes, incluindo o poder de
recusar a aplicação de leis com fundamento em inconstituicionalidade e de recusar atos
do poder executivo com fundamento na sua ilegalidade. O primeiro surgiu nos Estados
Unidos logo no início do século XIX, através de uma decisão do próprio Supremo
Tribunal Federal (decisão Marbury versus Madison). O controlo da legalidade também
foi desenvolvido por via judicial nos países de common law (Reino Unido, Estados
Unidos, etc.), enquanto na Europa continental deu lugar ao desenvolvimento da justiça
administrativa.
Por isso, o controlo judicial da constitucionalidade e da legalidade está no cerne
da noção de Estado de direito.

9.4.2. “Checks and balances” e contrapoderes

Assente na estrita separação de poderes entre o poder legislativo e o poder


executivo, a Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 estabeleceu também
um sistema de “freios e contrapesos” (checks and balances) pelos quais aqueles
poderes se limitam e se controla mutuamente. Assim o poder executivo (o Presidente)
goza do poder de veto sobre as decisões do Congresso, bem como de um conjunto de
“privilégios executivos”, que exerce sem controlo do Congresso. Em contrapartida, o
Congresso goza do poder de veto sobre as nomeações do Presidente, bem como de um
poder de impugnação do mandato presidencial em caso de crime ou de contravenção
presidencial (impeachment).
Como se viu, no sistema de governo parlamentar, o governo depende da
confiança política do parlamento, que o pode demitir mediante moção de desconfiança
ou de censura. Mas em contrapartida, o governo goza em geral do poder de antecipar
as eleições parlamentares, o que é suscetível de refrear os ímpetos antigovernamentais
do parlamento. Recentemente desenvolveu-se em várias democracias representativas
o mecanismo de sujeitar a audição parlamentar as pessoas indigitadas para nomeação
190

de cargos públicos pelo Governo, o que emula a referido mecanismo da Constituição


dos Estados Unidos.

9.4.3. Controlo parlamentar do poder executivo

Tanto nos sistemas presidencialistas como nos sistemas parlamentares, a


assembleia representativa goza de poderes de acompanhamento e de escrutínio do
poder governamental, através de perguntas ao governo, debates, interpelações e
inquéritos parlamentares, etc.
Nos casos em que o governo também dispõe de poderes legislativos, seja a título
normal seja a título excecional, a legislação governamental pode estar sujeita a
confirmação parlamentar ou pelo menos a um processo expedito de apreciação
parlamentar, para efeitos de eventual revogação à modificação.

9.4.4. Limites ao poder da maioria

Como se assinalou anteriormente, numa democracia não são menos necessários


instrumentos de limitação do poder. Pelo contrário, tendo uma base democrática, o
excesso de poder pode aparecer como legítimo, pelo que necessita de maior controlo.
Uma vez que numa democracia o poder legítimo é o poder da maioria, o único
modo de limitar e controlar o poder é estabelecer limites ao poder da maioria. A
principal limitação ao poder das maiorias num Estado constitucional é a própria
Constituição, na medida em que ela impede que as maiorias parlamentares legislem
em sentido contrario à Constituição. Assim, os direitos fundamentais e outras normas
impositivas ou proibitivas da Constituição traduzem-se em outros tantos limites ao
poder das maiorias.
Para além desse limite material, existem diversos outros mecanismos para limitar
o poder das maiorias, nomeadamente os seguintes:

a) Poderes de veto

Como o próprio nome diz, o poder de veto traduz-se no poder de impedir a


aprovação ou a execução de alguma decisão tomada por outrem. O mais conhecido
poder de veto é o poder de veto legislativo dos presidentes da República, que existe
191

nos regimes presidencialistas e semipresidencialistas e naqueles em que o presidente


da República goza de um poder moderador (“quarto poder”).

b) Maiorias qualificadas

Outra limitação ao poder das maiorias é a exigência de maiorias qualificadas,


não bastando a maioaria simples (pluralidade de votos). As maiorias qualificadas
podem ser de exigência variável: maioria absoluta (mais de metade dos votos), maioria
de 2/3, ¾, 3/5, até à unanimidade, etc.
Na generalidade dos casos carecem de maioria qualificada a revisão da
Constituição e certas leis mais sensíveis, que em certos países são qualificadas como
“leis complementares” ou como “leis orgânicas”.

c) Limites aos referendos e aos plebiscitos

Alguns das mais absolutistas formas de poder político (bonapartismo, fascismo,


nomeadamente) foram efetuadas com base na instrumentalização das votações
populares diretas (referendo e plebiscito), que podem ser uma forma perversa de
exercício totalitário do poder da maioaria.
Por isso, em geral há limites ao recurso ao referendo e ao plebiscito, quer pela
exclusão de matérias politicamente sensíveis, quer pela exigência de requisitos quanto
à competência e ao procedimento de convocação dessas votações populares diretas.
Por exemplo, em Portugal existem numerosas exclusões do âmbito do referendo e o
referendo só poder ser convocado pelo PR sob proposta do Governo ou da AR
(conforme os casos).

d) Autoridades públicas independentes

Como vimos anteriormente, autoridades públicas independentes sãos aquelas


que dispõem de autonomia orgânica, funcional e financeira face ao Governo. Elas
variam de país para país, mas entre elas contam-se nomeadamente o Ministério
Público, os bancos centrais e as autoridades reguladoras, as autoridades públicas de
garantia de alguns direitos fundamentais (proteção de dados, acesso aos documentos
192

administrativos, etc.). As autoridades reguladoras independentes são a principal


caraterística do “Estado regulador” contemporâneo.
Sob o ponto de vista orgânico, os seus dirigentes têm um mandato de duração
determinada, sendo irremovíveis antes do seu termo, salvo por falta grave. As eleições
parlamentares e a mudança de Governo não afetam as autoridades públicas
independentes. Por vezes, a nomeação dos dirigentes dessas autoridades obedece a um
procedimento especial. Assim, em Portugal o Procurador-geral da República é
nomeado pelo Presidente da Republica sob proposta da Governo e as autoridades
reguladoras independentes só podem ser nomeados pelo Governo depois de terem
passado por uma audição em um parecer parlamentar, embora não vinculativo.
Sob o ponto de vista funcional, as suas decisões são definitivas, não dependem
de autorização ou aprovação do Governo e não podem ser alteradas ou revogadas por
ele. Só podem ser anuladas pelos tribunais, em caso de ilegalidade.
Sob o ponto de vista financeiro, as autoridades públicas independentes podem
efetuar as suas despesas, dentro do seu orçamento, sem autorização governamental e
muitas vezes gozam de independência financeira, tendo receitas próprias (taxas,
contribuições especiais, etc.) não oriundas do orçamento do Estado.
As autoridades “não-maioritárias” traduzem-se obviamente numa limitação do
poder das maiorias parlamentares e governamentais, na medida em que o Governo as
não podem nomear e/ou demitir livremente nem alterar ou revogar as suas decisões.

9.4.5. Os direitos da oposição

A principal dinâmica das democracias liberais é a dialética entre o governo e a(s)


oposição(ões), que alternam nessa situação com maior ou menor frequência. Por isso,
é crucial garantir à oposição um conjunto de direitos que lhe permitam acompanhar a
atividade governamental e estar preparada para se tornar governo, caso tal se
proporcione.
Entre os direitos dos partidos da oposição avultam dois:
- direito a ser informado e consultado pelo governo dos principais dossiers da
governação;
193

- direito de intervenção parlamentar (tempos de intervenção nos debates, direito


a ver debatidas e votadas as suas iniciativas, direito de integrar proporcionalmente nas
comissões parlamentares, direito à presidência de comissões parlamentares, etc.

9.4.6. Democracia participativa

A democracia participativa pode também ser um instrumento de limitação ao


exercício do poder político. De facto, ao proporcionar a participação de elementos da
sociedade civil nos órgãos decisão ou na própria tomada de decisões (consultas
públicas, etc.), há lugar para a moderação do poder e para a tomada em consideração
de diferentes pontos de vista.

9.4.7. Requisitos procedimentais

O procedimento da tomada de decisão política e legislativa tornou-se um


instrumento de primeira ordem na limitação ao exercício do poder, tanto do poder
legislativo como do poder administrativo.
Tanto a Constituição como outros instrumentos normativos (nomeadamente o
regimento das assembleias legislativas) incluem numerosas normas sobre o
procedimento legislativo (debate em plenário e em comissão, consultas públicas,
audições parlamentares, etc.): e em muitos países existe um código de procedimento
administrativo (tendo sido os Estados Unidos o primeiro a aprovar um em 1944), que
estabelece os procedimentos da atividade administrativa (regulamentos
administrativos, atos administrativos, contratos administrativos).

9.5. Estado de direito

9.5.1. O Estado constitucional como Estado de direito

Como o seu próprio nome diz, o Estado absoluto (abreviatura do latim legibus
absoluto, ou seja, não submetido às leis) não era somente caraterizado pelo enorme
âmbito e concentração dos poderes do Estado, mas sim também pelo facto de não estar
submetido às leis. O soberano ditava as leis para os súbditos, fazia executá-las e
194

sancionava o seu incumprimento, mas não estava ele próprio submetido às leis que
emitia.
A primeira ideia-chave para limitar o poder foi a de o submeter à lei, pondo fim
à arbitrariedade do poder. A própria ideia de Estado constitucional consiste em
submetê-lo a uma lei própria, a Constituição, destinada a organizar e a disciplinar o
poder político O Estado constitucional é, neste sentido, um Estado de direito,
submetido ao direito (rule of law).
Por isso, as revoluções contra o Estado absoluto foram revoluções
constitucionalistas, como primeiro objetivo foi justamente organizar e controlar o
poder do Estado, como Estado baseado no direito e submetido ao direito.
Além de ter submetido o poder ao direito, as revoluções liberais estabeleceram a
separação de poderes e submeteram o poder executivo às leis emanadas do poder
legislativo (princípio da legalidade da administração). O poder executivo passou a ser
um poder legalmente vinculado.

9.5.2. Dimensões do Estado de direito

Como se viu antes, o Estado de direito compreende dois pilares essenciais:


- princípio da constitucionalidade, segundo o qual toda a ação do Estado,
incluindo a atividade legislativas, está submetida à constituição, que é a lei
fundamental do país;
- princípio da legalidade em sentido estrito, segundo o qual o poder executivo e
a ação administrativa do Estado estão submetidos à lei, ou seja, às normas emanadas
do poder legislativo.
Hoje em dia, a vinculação do Governo e da administração não se limita às leis
sem sentido técnico (as leis parlamentares) ou às próprias leis emitidas pelo governo
que gozam de estatuto legislativo (chamadas decretos-leis entre nós). Além das normas
legislativas existem outras categorias de normas infraconstitucionais, como as normas
de direito internacional (convenções internacionais e costume internacional), as
normas da União Europeia (tratados, regulamentos, etc.) e os próprios regulamentos
da Administração, emitidos no uso de poderes conferidos pela lei. Tudo isso integra o
princípio da legalidade lato sensu.
195

Note-se que o facto de os poderes públicos estarem sujeitos à Constituição e à lei


não quer dizer que toda a sua atividade seja estritamente vinculada pela Constituição e
ou pela lei. Como se verá, na disciplina de Direito constitucional, os poderes públicos
podem fazer tudo o que a Constituição não proíbe que caiba no âmbito das suas
atribuições constitucionais (liberdade de conformação política e legislativa dentro dos
limites constitucionais). E como se verá na disciplina de Direito administrativo, a lei
deixa frequentemente à Administração uma ampla margem de decisão para atingir os
fins estabelecidos pela lei, a que chamamos poder discricionário da Administração.
No entanto, a Administração nunca pode invadir o espaço reservado à lei (reserva de
lei) - por exemplo definir crimes, estabelecer penas, restringir direitos fundamentasse
– nem infringir a lei (prevalência da lei) sob pena de invalidade da ação administrativa.

9.5.3. O Estado de direito material

Na formulação do célebre artigo 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do


Cidadão de 1789, «um país que não garanta os direitos e liberdades das pessoas e que
não estabeleça a separação de poderes não tem Constituição». Na verdade, os direitos,
liberdades e garantias e a separação de poderes são os dois principais instrumentos da
limitação do Estado absoluto contra o qual a revolução se dirigia.

9.5.4. Garantias do Estado de direito

O Estado de direito dispõe de uma série de garantias que asseguram o respeito


pelos seus dois princípios essenciais (constitucionalidade e legalidade).
As principais garantias são as seguintes:
- direito de acesso aos tribunais para impugnar a constitucionalidade ou
legalidade da ação do Estado;
- direito à compensação dos danos sofridos por terceiros em consequência da
atividade ilícita dos poderes públicos.
196

9.6. Limites e responsabilidade dos titulares do poder político

9.6.1. Limites à duração e recondução dos cargos públicos

Nas democracias representativas contemporâneas um dos mecanismos de


limitação e controlo do poder político são os limites à duração e à recondução dos
titulares de cargos políticos, permitindo um mais frequente escrutínio da sua atividade
e uma maior responsabilidade.

9.6.2. Incompatibilidades

Para evitar conflitos de interesses e marcar distância em relação aos interesses


privados, assim contribuindo para a luta contra a corrupção, o exercício de cargos
políticos está sujeito a incompatibilidades com outras atividades públicas e privadas.
Por via de regra, exige-se mesmo a dedicação exclusiva ao exercício dos cargos
públicos, com exclusão de outras atividades públicas ou privadas.

9.6.3. Responsabilidade política, penal civil

Um dos traços do poder absoluto é a irresponsabilidade política e civil e a


imunidade penal dos titulares do poder no exercício das suas funções. Ainda hoje assim
sucede em parte (responsabilidade política) com os chefes do Estado.
Hoje a regra geral é a da responsabilidade política perante a assembleia
representativa ou perante outro órgão democraticamente responsável, bem como a
responsabilidade penal pelos crimes praticados e a responsabilidade civil pelos danos
causadas a terceiros.
A responsabilidade política implica pelo menos uma obrigação de prestação de
contas (accountability) perante outro órgão dotado de legitimidade democrática e numa
versão mais exigente admite a possibilidade de demissão.
A responsabilidade penal traduz-se na sujeição a julgamento e eventual
condenação pelos crimes praticados no exercício de funções (incluindo corrupção,
peculato, etc.). Todavia, tradicionalmente os presidentes da República, os deputados e
os membros do Governo gozam de algum tipo de imunidade ou de foro especial.
197

A responsabilidade civil é a responsabilidade pela indemnização dos danos


causados a terceiros, pelos prejuízos causados pelo poder público na sua atividade
legislativa, administrativa ou menos judicial. Todavia, para assegurar a indemnização,
o próprio Estado responde juntamente com os titulares de cargos públicos ou com os
funcionários causadores do dano, tendo depois “direito de regresso” contra estes em
caso de estes serem pessoalmente culpados.

9.6.4. Controlo independente das contas públicas

Numa democracia representativa cabe ao parlamento criar os impostos e


autorizar a cobrança anual de impostos, bem como aprovar o orçamento anual das
receitas e despesas públicas.
A execução do orçamento, a coleta das receitas e a realização de despesas cabem
aos governos e à administração, tanto sob controlo parlamentar como sob escrutínio de
organismos independentes de controlo das contas públicas, por vezes designados como
tribunal de constas, como sucede em Portugal. Incumbe a essas autoridades
independentes, com ou sem o estatuto de tribunal, aprovar previamente os principais
atos geradores de despesa pública, supervisionar a gestão financeira do Estado e, no
final, apreciar ou mesmos julgar as contas dos organismos públicos.

9.7. Transparência do poder

9.7.1. Direito à informação e direito de acesso à informação

Um dos principais instrumentos de controlo do poder é a transparência no seu


exercício, ou seja, a possibilidade de conhecimento pelo público da condução da dos
negócios públicos pelos poderes públicos.
A primeira garantia da transparência é uma obrigação de informação por parte
do Estado e demais entidades públicas sobre a condução dos assuntos públicos, a que
corresponde um direito de acesso das pessoas à informação e aos arquivos
administrativos de interesse publico.
Em muitos países existe uma lei de acesso à informação pública, designada em
inglês como freedom of infomation act (nome dessa lei nos EUA). A fim de assegurar
198

a efetividade desse direito, existe em muitos países uma autoridade independentemente


que pode determinar, com efeitos vinculativos, o acesso aos dados administrativos a
pedido dos interessados. Entre nós chama-se Comissão de Acesso aos Documentos
Administrativos (CADA) e funciona junto da AR.

9.7.2. Limites do segredo de Estado e de outros dados sigilosos

Existem sempre informações que pela sua sensibilidade para a segurança do


Estado não são acessíveis à informação pública, sendo por isso qualificadas como
“segredo de Estado”. Também existe o segredo de justiça, a fim de proteger a
viabilidade da investigação penal e os direitos dos suspeitos ou arguidos.
Numa democracia liberal, a dimensão e a duração do segredo de Estado e do
segredo de justiça devem limitar-se ao mínimo necessário para realizar os respetivos
objetivos e deve haver escrutínio da classificação e do tratamento das correspondentes
informações. Normalmente o controlo dos “serviços de informações” do Estado é feito
pelo Parlamento ou por um comité designado pelo Parlamento. O segredo de justiça é
controlado por um juiz (entre nós o juiz de instrução), que valida ou não as propostas
do Ministério Público nessa matéria

9.7.3. Declaração de interesses dos titulares de cargos públicos

Além disso, modernamente exige-se que os titulares de cargos públicos façam


registo e declaração oficial do seu património e dos seus rendimentos, pelo menos antes
e depois do exercício do cargo, para assim prevenir ou revelar situações de
enriquecimento injustificado.

9.7.4. Proteção especial da liberdade de imprensa

Sendo a liberdade de imprensa uma liberdade constitucionalmente protegida


como as outras (o que implica a possibilidade de restrição ao seu exercício), ela goza
porém de uma proteção especial, como garantia central da transparência na condução
dos negócios públicos e da dinamização da opinião pública.
199

Dada a importância crucial dos média na informação e no debate dos negócios


públicos, os jornalistas gozam de um direito privilegiado à informação, incluindo a
proteção das suas fontes.
Embora a liberdade de impressa não esteja imune ao respeito do segredo de
Estado e do direito à integridade moral das pessoas, a verdade é que há uma tendência
doutrinal e jurisprudencial para considerar que os titulares de cargos públicos gozam
de uma proteção enfraquecida desses direitos no confronto com a imprensa. Assim
sucede na jurisprudência do TEDH.

9.8. Controlo judicial do poder

9.8.1. Fiscalização da constitucionalidade (judicial review of


legislation)

Nascida nos Estados Unidos logo no início do século XIX, por iniciativa do
próprio Supremo Tribunal Federal, o controlo da constitucionalidade das normas
infraconstitucionais faz hoje para integrante do Estado de direito constitucional na
maior parte dos países.
O controlo da constitucionalidade consiste em invalidar ou pelo menos em
rejeitar a aplicação de normas que sejam incompatíveis com a Constituição. Pode
também ter por objeto outras decisões sem natureza legislativa. A competência judicial
para a fiscalização da constitucionalidade pode caber a todos e a cada um dos tribunais,
sempre que tenham de decidir um caso judicial (sistema norte-americano) ou caber
exclusivamente a um tribunal especializado, um tribunal constitucional (sistema
austríaco). Há também os sistemas mistos, como Portugal, onde essa competência cabe
tanto aos tribunais comuns como ao tribunal constitucional.
Na medida em que declara a invalidade de normas (ou decisões) do poder político
democrático, ou rejeita a sua aplicação, a fiscalização da constitucionalidade constitui
uma limitação do princípio democrático. Por isso, a fiscalização só deve concluir pela
inconstitucionalidade quando se prove que o poder público autor da norma infringiu
um princípio ou uma norma constitucional que o vinculava.
200

9.8.2. Fiscalização da legalidade (judicial review of administrative


action)

Como o próprio nome diz, a fiscalização judicial da legalidade visa rejeitar


normas ou atos administrativos que tenham infringido princípios ou normas
legislativos, por violação dos princípios da precedência da lei (falta de habilitação
legal), da reserva de lei (ação administrativa que só poderia ser tomada por via de lei)
ou da primazia da lei (violação de uma norma legislativa).
Também aqui não pode haver em princípio fiscalização da legalidade
administrativa nos casos em que a Administração goza de poder discricionário
conferido pela própria lei. Os tribunais não podem avaliar o mérito ou demérito do uso
dessa liberdade de ação administrativa.

9.8.3. Outras formas de controlo independente do poder

Hoje em dia em muitos países existem formas alternativas de controlo da


legalidade da ação administrativa. Entre eles contam-se o ombudsman e as autoridades
independentes de controlo em certas áreas.

a) O Ombudsman

O Ombudsman é uma instituição uninominal independente sem natureza judicial


e sem poderes decisórios de apreciação da atividade dos poderes públicos
(nomeadamente o Governo e a administração). Pode ter nomes diferentes de país para
País (entre nós chama-se Provedor de Justiça).
De origem escandinava, o ombudsman tem antecedentes antigos e remotos em
órgãos que funcionavam junto dos poderes decisórios e que ouviam e transmitiam as
queixas dos súbditos (como, por exemplo, o antigo Ouvidor régio entre nós).
Embora com diferentes formas de designação (pelo chefe do Estado, pelo
governo, ou mais frequentemente pelo parlamento), o Ombudsman goza em geral de
garantias de independência no exercício de funções (inamovibilidade,
irresponsabilidade, etc.) e não recebe ordens ou instruções de ninguém.
201

Atua mediante iniciativa oficiosa ou mais frequentemente a pedido dos


interessados. Investiga as queixas e concluí com recomendações aos poderes públicos.
Embora não sejam vinculativas, as suas recomendações podem ter uma grande
autoridade e ser seguidas por via de regra pelas autoridades a quem são dirigidas.
Entre nós o Provedor de Justiça também tem poderes para pedir a fiscalização da
constitucionalidade de qualquer norma junto do Tribunal Constitucional.

b) Outras autoridades independentes

Como se viu anteriormente, nas últimas décadas têm sido criadas em muitod
países certas autoridades públicas independentes, geralmente junto ao parlamento, para
apreciar e decidir queixas dos cidadãos contra os poderes públicos.
Entre elas são de mencionar as que se destinam a assegurar a privacidade dos
bancos eletrónicos de dados pessoais, o acesso aos documentos administrativos, e a
independência dos órgãos de comunicação do Estado. É o que sucede entre nós
respetivamente com a Comissão Nacional de Proteção de Dados Pessoais (CNPDP), a
Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e a Entidade
Reguladora da Comunicação Social (ERC).

9.9. Obrigações internacionais e controlo externo do poder político

9.9.1. Do Estado “vestefaliano” à vinculação internacional dos


Estados

O Estado absoluto era ilimitado tanto na ordem interna como na ordem externa,
não sofrendo nenhuma inibição vinda do exterior. Levando ao extremo, a ideia de
soberania do Estado proibia qualquer ingerência nos assuntos internos dos Estados. E
isso incluía obviamente a proibição de censura ou de condenação externa da ordem
constitucional interna e da organização interna do poder.
Como vimos, esse paradigma mudou definitivamente com a criação das Nações
Unidas no final da II Guerra Mundial, que veio universalizar os direitos humanos como
obrigação de todos os Estados e criar um mecanismo universal contra as ameaças à paz
202

e à segurança internacional, incluindo as decorrentes de situações internas. Por isso, o


poder dos Estados começou a sofrer limitações advindas da ordem externa.

9.9.2. A integração supranacional e os sistemas regionais de defesa


de direitos humanos

A integração supraancional em entidades como a UE constiuem também um


meio de limitação do poder dos Esatdos nacionais.
Em concreto, o obrigação de respeito da democracia, do Estado de direito e dos
direitos humanos como condição de acesso à União e a obrigação de reseitar na sua
ação os direitos fudanmentais estabelecidos na Carta de Direitos Fundamentais da UE
funcionam como efetivos lilimites a eventuais derivas autoritárias dos Estados-
membros ou abusso do poder.
O art. 7º do TUE permite o levantamento de procedimentos sanciontários p+ela
União contra os Estados membros que violem graemene o saeu compromisso com os
valores inscritos no art. 2º do Tratado e a inobservância da CDFUE pode suscitar a
aplicação de sanções por iniciativa da Coissão Europeia ou de qualquer outro Esatdo-
memebro.
Um papel similar representam os sistemas regionais de defesa de direitos
humanos, de que a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950 cosntitui o
precedente e o exemplo o mais efetivo, prevendo um Tribunal Europeu de Direitos
Humanos (Estrasburgo), que pode condenar os Estados-parte em caso de desrespito
dos direitos assegurados na Convenção, mediante queixa dos particulaes afetados ou
de outro Estado-parte.

9.9.3. A justiça internacional: da “jurisdição universal” ao TPI

No final da II guerra Mundial, foram criados tribunais ad hoc para julgar e


condenar os responsáveis pelas atrocidades cometidas pela Alemanha e pelo Japão nas
hostilidades, a título de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade.
Estava criado o princípio da responsabilidade internacional dos titulares de
cargos políticos por esse tipo de crimes. Mais tarde veio a instituir-se o princípio da
"jurisdição universal" por outros crimes graves, nomeadamente o genocídio,
203

permitindo o julgamento dos seus responsáveis em qualquer parte do mundo onde


sejam encontrados, em derrogação do tradicional princípio da territorialidade da justiça
penal. Por último, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional veio criar um
tribunal permanente destinado a julgar e condenar os responsáveis por aquelas três
categorias de crimes (crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de
genocídio), se os tribunais nacionais competentes não o puderem fazer ou não o
fizerem – competência supletiva.
Trata-se de uma verdadeira revolução, na medida em que doravante os titulares
de cargos oficiais que sejam responsáveis por tais crimes passam a poder ser julgados
e condenados fora da sua jurisdição penal e independentemente de qualquer imunidade
de que gizem na sua ordem interna.

9.9.4. Sanções internacionais

Outro mecanismo de responsabilidade internacional do poder político consiste


na aplicação de sanções pela comunidade internacional, nomeadamente pelas Nações
Unidas, ao abrigo do cap. VII da Carta da ONU, a certos países ou aos seus dirigentes
e responsáveis políticos por violações do direito internacional que ameacem a paz e a
segurança internacional.
Tais sanções podem consistir no embargo de armas, em restrições comerciais, na
proibição de deslocação internacional, no congelamento de contas bancárias e
proibição de movimentos financeiros, na apreensão de objetos, veículos ou dinheiro,
etc.
Decididamente, a era vestefaliana do Estado soberano na ordem externa
terminou.

9.10. A “captura” do poder político pelos interesses privados

A limitação e o controlo do poder político pelos cidadãos e pela opinião pública


são legítimo e necessário, em ordem a assegurar o interesse público e os direitos
e liberdades dos indivíduos e das organizações sociais. Coisa diferente é a tomada de
controlo do poder político por “poderes fáticos” a fim de colocarem o Estado ao serviço
204

dos seus interesses privativos. A isso chamamos a “captura” do poder político pelos
interesses privados.
Entre os interesses privados a que o Estado pode ser mais vulnerável incluem-se
tradicionalmente três, a saber o poder económico, o poder mediático e o poder
religioso. Vejamos sumariamente a problemática respeitante a cada um deles.

a) O poder económico

O poder económico é representado pelos interesses das grandes empresas e das


organizações de interesses económicos. Mesmo descartando os fenómenos de
corrupção ou de tráfico de influências na tomada de decisões políticas, o risco consiste
em influenciar indevidamente a margem de livre decisão do poder politico, de modo a
beneficiar certos interesses económicos.
Entre os mecanismos usados para prevenir ou reduzir o risco de captura do poder
político pelo poder económico contam-se os seguintes:
- defesa efetiva da concorrência, em especial o controlo das concentrações e dos
abusos de poder económico;
- mecanismos robustos de regulação e de supervisão independente das atividades
económicas (autoridades reguladoras independentes);
- concurso e transparência na adjudicação de compras públicas de bens e
serviços;
- institucionalização dos processos de consulta e de concertação entre o Estado e
os interesses económicos (Conselhos económicos e sociais, concertação social, etc.);
- regulação e transparência das atividades de lóbi, ou seja, da representação e da
defesa de interesses privados junto dos decisores políticos e da administração;
- proibição do financiamento empresarial de partidos políticos ou de campanhas
eleitorais.

b) O poder mediático

Muitas vezes designado como “quarto poder”, os órgãos de comunicação social


(jornais, rádios, televisão, internet) constituem hoje um player decisivo nas
democracias liberais. Muitas vezes casado com o poder económico organizado em
205

redes multimédia, o poder mediático pode influir decisivamente na condução dos


negócios públicos, marcando a agenda política, flagelando os governos de que não
gosta, organizando campanhas de pressão sobre a opinião pública.
Entre os meios usados para contrabalançar ou conter o poder mediático contam-
se os seguintes:
- manter um setor público de média (rádio e televisão), marcado por padrões
exigentes de qualidade e de pluralismo político;
- obrigar à transparência da propriedade e das ligações empresariais dos meios
de comunicação social;
- impedir a concentração excessiva dos média e favorecer o seu pluralismo e
concorrência no setor;
- salvaguardar os direitos de resposta e de réplica das pessoas e instituições contra
informações ou imputações erradas ou falsa.

c) O poder religioso

Nos países de religião oficial ou de religião dominante, as igrejas podem ter uma
enorme influência política, pela sua capacidade de pressão sobre os governos e mesmo
sobre os parlamentos, onde por vezes possuem uma importante representação (como
sucede, por exemplo, no Brasil). Mesmo nos países caraterizados pela separação oficial
entre o Estado e as igrejas, esse perigo de captura religiosa do Estado pode existir.
Além da sua missão religiosa em relação aos crentes, as igrejas podem ter um
papel importantes da educação e na proteção social através das suas próprias
instituições.
Entre os mecanismos de defesa do Estado contra a indevida pressão das igrejas
contam-se os seguintes:
- separação oficial entre o Estado e a igrejas e consagração do princípio da
neutralidade religiosa do Estado (laicidade);
- garantia da liberdade religiosa e da igualdade das igrejas perante a lei e abolição
de qualquer discriminação (vantagem ou obrigações diferenciais) por motivos
religiosos.
206

Referências bibliográficas
P. C. Bacelar de Vasconcelos, Teoria geral do controlo jurídico do poder
politico, Edições Cosmo, Lisboa, 1996, cap. III.
Capítulo X
Sistemas políticos comparados

10.1. Critérios de seleção

Analisados ao longo dos capítulos precedentes os principais elementos dos


sistemas políticos das comunidades políticas organizadas em Estado (agentes políticos,
formas de expressão política, incluindo as eleições e os referendos, formas e tipos de
Estado, regimes políticos, sistemas de governo, estruturas orgânicas do Estado,
limitação das funções e dos poderes do Estado), importa apresentar uma breve análise
comparada de uma amostra significativa de países.
A seleção dos países obedece a um conjunto de critérios relevantes,
nomeadamente os seguintes:
- importância histórica e influência desses países no desenvolvimento dos
sistemas de governo dominantes no mundo atual, como é o caso do Reino Unido, dos
Estados Unidos e da França;
- peso relativo desses países, pela sua dimensão e liderança regional, como é o
caso do Brasil e da Rússia;
- peculiaridades desses países quanto a aspetos relevantes do sistema político,
como é o caso da Suíça, da China e da África do Sul;
- permanência de sistemas políticos pré-modernos, como é o caso da Arábia
Saudita.
Esta amostra de países dá conta da enorme variedade dos sistemas políticos, quer
quanto à combinação das variáveis mais típicas (Estado unitários e Estados federais,
monarquias e repúblicas, parlamentarismo e presidencialismo, sistemas eleitorais
maioritários e proporcionais, etc.), quer quanto à existência de elementos e de sistemas
atípicos.
A estes países resolvemos acrescentar a União Europeia, a qual, apesar de não
ser um Estado, possui crescentes traços estatais, de tipo federal, sendo
inequivocamente um sistema político no sentido estrito da expressão (cfr. cap. I).
208

Para facilitar a apresentação, o quadro seguinte ilustra simplificadamente os


termos de comparação, com recurso às variáveis mais relevantes: tipo e forma do
Estado, regime político, modo de eleição do PR (nas repúblicas), sistema de governo,
tipo de parlamento (unicamaral ou bicamaral), sistema eleitoral para o parlamento
(câmara baixa no caso dos parlamentos bicamarais) e sistema partidário.

Países Tipo de Estado Forma do Regime político Modo de Sistema de Camaras Sistema Sistema
Estado eleição do PR governo legislativas eleitoral para o partidário
parlamento
Reino Estado unitário monarquia democracia n/a parlamentar bicamaral maioritário em tendencial-
Unido descentralizado constitucio- representativa círculos mente
nal uninominais bipartidário
Estados Estado federal república democracia eleição presidencialista bicamaral maioritário em bipartidário
Unidos representativa popular círculos
indireta uninominais
França Estado unitário república democracia eleição direta semipresi- bicamaral maioritário a pluripartidrio
descentralizado representativa em duas dencialista duas voltas com tendências
voltas bipartidárias
Alemanha Estado federal república democracia eleição parlamentar bicamaral proporcional pluripartidário
representativa parlamentar com círculos
uninominais de
candidatura
Suíça Estado federal república democracia eleição parla- “diretorial” bicamaral proporcional pluripartidário
representativa mentar
com recurso indireta
frequente ao
referendo
Rússia Estado federal república democracia eleição direta semipresi- bicamaral proporcional pluripartidário
representativa em duas dencialista com partido
imperfeita voltas dominante
China Estado unitário república “democracia eleição sistema monoca- maioritário partido oficial
centralizado popular” parlamentar “convencional” maral único
Arábia Estado unitário monarquia regime n/a monarquia n/a n/a n/a
Saudita centralizado hereditária autoritário absoluta
Brasil Estado federal república democracia eleição direta presiden- bicamaral proporcional pluripartidário
representativa a duas voltas cialista com lista aberta fragmentado
Africa do Estado quase república democracia eleição pelo parlamentarism bicamaral proporcional pluripartidário
Sul federal representativa parlamento, o atípico
por maioria
absoluta
UE Sistema político n/a democracia n/a de tipo bicamaral proporcional pluripartidário
de tipo federal representativa parlamentar (PE +
Conselho)

Deste quadro ressaltam as seguintes caraterísticas:


- grande número de Estados federais; dos grandes países só a China o não é;
- número residual de monarquias, aliás muito diversas entre si (Reino Unido e
Arábia Saudita);
- predomínio das democracias representativas (mais ou menos genuínas), com
exceção da China e da Arábia Saudita;
209

- repartição de quase todos os países com democracia representativa pelos


sistemas presidencialistas, parlamentares ou mistos, com exceção da Suíça e da África
do Sul, que apresentam sistemas de governo peculiares;
- predomínio da eleição direta do presidente da República, que não é exclusiva
dos regimes presidencialistas;
- predomínio dos sistemas bicamarais, devida porém ao grande número de
Estados federais nesta amostra;
- predomínio dos sistemas eleitorais de tipo proporcional, porém com as
importantes exceções do Reino Unido, dos Estados Unidos e da França;
- predomínio dos sistemas pluripartidários, associados aos sistemas eleitorais
proporcionais.

10.2. Reino Unido

O Reino Unido resultou da união dos reinos da Inglaterra e da Escócia (tratado


da União de 1703) e inclui também o País de Gales e a Irlanda do Norte, que não
acompanhou a independência da República da Irlanda (1921).
Apesar da sua diversidade linguística e religiosa, o Reino Unido sempre se
manteve como Estado unitário, aliás muito centralizado até aos anos 90 do século
passado, quando foi dada alguma autonomia legislativa aos parlamentos regionais da
Escócia e, embora menos, do País de Gales.
Tendo conseguido evitar o absolutismo monárquico, mercê da Magna Carta de
1215 e do Bill of Rights do século XVII, a Inglaterra (e depois o Reino Unido) evitou
também a rutura revolucionária do liberalismo contra o absolutismo que ocorreu no
continente europeu (Revolução Francesa). A transição do poder monárquico para a
democracia representativa deu-se por um processo evolutivo ao longo de séculos,
mediante uma progressiva transferência do poder legislativo para as câmaras (e dentro
destas da Camara das Lordes para a Câmara dos Comuns) e a transferência do poder
executivo do monarca para um governo composto por ministros responsáveis perante
o parlamento. O alargamento progressivo do sufrágio eleitoral, até ao sufrágio
feminino nos anos 20 do século XX, completou essa evolução.
210

Todavia, o Reino Unido manteve até hoje alguns traços pré-liberais que
desaparecem noutros países, como a manutenção da Câmara dos Lordes, antiga câmara
não eletiva, representativa das ordens medievais da nobreza e do clero. Depois das
reformas dos nos 90 do século passado, a Câmara dos Lordes passou a ser composta
predominantemente por lordes nomeados pela Rainha sob proposta dos governos e não
somente pelos lordes hereditários, como anteriormente. Os seus poderes foram
progressivamente reduzidos, limitando-se praticamente ao veto suspensivo das leis da
Câmara dos Comuns. A relação de cofinaça do Governo estabelce-se com a Câmara
dos Comuns.
No que respeita ao sistema de governo, o Reino Unido é a pátria do
parlamentarismo (Westminster system), baseado na nomeação do governo de acordo
com a composição do parlamento (Câmara dos Comuns), a nomeação do governo de
entre os membros do Parlamento (a que continuam a pertencer), a liderança do governo
pelo primeiro-ministro, a colegialidade e corresponsabilidade do gabinete, a
responsabilidade política do governo perante o parlamento, de cuja confiança depende,
a disciplina parlamentar, a redução do rei a funções cerimoniais ou puramente
nominais e a sua irresponsabilidade política (mediante a referenda ministerial dos seus
atos) e a possibilidade de o governo suscitar a antecipação das eleições parlamentares
para um momento propício.
Outro traço típico do sistema político britânico é o sistema eleitoral maioritário
em círculos eleitorais uninominais mediante maioria relativa, o que proporciona em
geral maiorias absolutas ao partido vencedor das eleições (mesmo com votações muito
aquém de tal maioria) e um sistema partidário assente em dois grandes partidos
nacionais, que durante o século XX foram o Partido Conservador e o Partido
Trabalhista. Todavia, a existência de partidos regionais, nomeadamente o Partido
Nacionalista Escocês, perturba essa lógica bipartidária.
Foi enorme a influência do sistema político britânico pelo mundo fora,
especialmente no grande número de países que foram colónias britânicas em todos os
continentes, onde se contam países tão importantes como o Canadá, a Nigéria, a Índia
e a Austrália, alguns dos quais mantêm, aliás, o monarca britânico como seu chefe do
Estado nominal (casos do Canadá e da Austrália, entre outros).
211

10.3. Estados Unidos da América

Nascidos com a confederação e depois como federação dos treze estados saídos
da independência das colónias britânicas no nordeste da América (1776), os Estados
Unidos da América viriam a expandir-se territorialmente para o sul e para o ocidente,
à custa das tribos índias e das conquistas territoriais ao México (além da compra do
Alasca à Rússia).
Como república, os Estados Unidos têm como chefe do Estado um presidente
eleito indiretamente pelos cidadãos através de um colégio eleitoral. Os cidadãos
elegem em cada estado da União tantos membros do colégio eleitoral quantos os
membros do seu estado no Congresso (deputados mais senadores), sendo eleito o
candidato presidencial que obtiver mais votos no colégio eleitoral (não
necessariamente uma maioria absoluta). Desde os anos 40 do século XX, nenhum
presidente pode ser eleito para mais de dois mandatos (consecutivos ou não) de quatro
anos.
Como Estado federal, os Estados Unidos apresentam as suas caraterísticas
típicas:
- autonomia constitucional, legislativa, governativa e judicial dos estados
federados, desde que respeitada a Constituição federal;
- enumeração constitucional dos poderes da União (defesa, relações externas,
comércio internacional e interno, etc.), sendo tudo o mais da competência dos Estados
federados;
- um Congresso composto por duas câmaras representativas, um Senado que
representa os estados federados (dois senadores por cada estado independentemente da
diferença de população) e uma Câmara dos Representantes que representa os cidadãos
da União, eleitos em círculos uninominais por maioria relativa (sistema britânico); o
mandato dos senadores tem a duração de seis anos, sendo renovado um terço cada dois
anos; o mandado dos deputados da Câmara dos Representantes é de apenas dois anos;
- intervenção dos estados federados na organização política da União (através do
Senado) e nas emendas constitucionais (ratificação das emendas aprovadas pelo
Congresso da União por uma maioria qualificada dos estados federados);
212

- primazia do direito da União sobre o direito dos estados federados, incluindo o


seu direito constitucional.
O sistema eleitoral maioritário e a relativa homogeneidade política dos Estados
Unidos produziram um sistema bipartidário (Republicanos e Democratas), sendo os
partidos caraterizados por uma relativa leveza organizatória e fraca disciplina
partidária.
O sistema de governo presidencialista é caraterizado, como se viu atrás, pela
atribuição da função governativa diretamente ao Presidente (executivo unipessoal),
não havendo primeiro-ministro nem conselho de ministros, e pela estrita separação
entre o poder legislativo (o Congresso) e o poder executivo (o Presidente). Dado que
ambos gozam de uma legitimidade eleitoral própria, nem o Congresso pode demitir o
Presidente nem este pode dissolver o Congresso e convocar eleições antecipadas; por
isso, os mandatos de ambos têm duração fixa. No entanto, existem alguns poderes de
controlo recíproco (checks and balances), incluindo o poder de veto legislativo do
Presidente e o poder de veto do Senado às nomeações do Presidente. O Presidente só
pode ser demitido por meio da sua condenação, pelo Senado, por qualquer crime ou
contravenção presidencial (responsabilidade penal ou parapenal, não por simples
censura política).
Essa estrita separação confere grande estabilidade política ao sistema de governo
mas pode revelar impasses políticos duradouros em caso de incompatibilidade política
entre o Presidente e a maioria no Congresso. Por outro lado, não sendo o Presidente
politicamente responsável nem perante o Congresso nem perante os eleitores (não está
prevista a revogação popular do mandato presidencial), também não existe
responsabilidade política do poder executivo, o que é difícil de conciliar com a lógica
democrática do poder político.
Outra caraterística dos Estados Unidos diz respeito à separação constitucional
entre o Estado e as igrejas, através da cláusula do “não estabelecimento”, em reação ao
modelo inglês do estabelecimento de uma religião oficial (no caso, o anglicanismo).
Por último, outros traços influentes dos Estados Unidos foram a nomeação
presidencial dos juízes do Supremo Tribunal Federal, sob confirmação do Senado, com
mandatos vitalícios, e a fiscalização judicial da constitucionalidade da legislação
(judicial review), inaugurada uma sentença do Supremo Tribunal Federal de 1803.
213

Além de se terem tornado um modelo mundial do federalismo, os Estados Unidos


inauguraram também o modelo das repúblicas presidencialistas, que haveria de servir
de padrão em quase todas os países da América latina ainda no século XIX, bem como,
mais tarde, noutras partes do mundo.

10.4. França

Modelo do Estado absoluto nos séculos XVII e XVIII, a Franca foi também o
modelo da revolução liberal contra o antigo regime (1789).
Caraterizada por uma enorme instabilidade constitucional desde então,
ressalvado o longo período da III República (1875-1940), a França vive, porém, um
longo período de estabilidade constitucional e política com a V República inaugurada
sob a égide do General De Gaulle, com a Constituição de 1958, logo reformada em
1962 através de plebiscito.
Sendo tradicionalmente um Estado altamente centralizado, herança da
monarquia absoluta e do Estado liberal de inspiração jacobina, a França é hoje
caraterizada por um grau razoável de descentralização territorial regional (regiões
administrativas), embora dentro do quadro do Estado unitário.
Sendo uma República, o presidente é eleito diretamente por maioria absoluta,
havendo uma segunda volta em caso de nenhum candidato obter tal maioria na primeira
votação. Esta foi uma das inovações da revisão constitucional de 1962 (pois antes o
Presidente era eleito por um colégio eleitoral alargado), destinada explicitamente a
reforçar a legitimidade política do então chefe do Estado, De Gaulle.
Quanto ao sistema de governo, a Constituição de 1958 instituiu um modelo
misto, com traços parlamentares e presidenciais, inspirada até certo ponto na
Constituição de Weimar de 1919. Existe um primeiro-ministro e um governo,
nomeados de acordo com a composição do Parlamento e perante este responsáveis
(vertente tipicamente parlamentar). Todavia, o Presidente da República, além dos
poderes típicos de chefe do Estado, detém certos poderes governativos (defesa e
relações externas) e preside ao conselho de ministros (vertente claramente
presidencialista). Quando a maioria presidencial e a maioria parlamentar têm a mesma
cor política, o que é a regra, o Presidente da República tende a ser o verdadeiro chefe
214

do governo, sendo o primeiro-ministro uma espécie de chefe operacional; quando tal


não sucede (“coabitação”), o Presidente torna-se um freio do poder do primeiro-
ministro apoiado no parlamento, estabelecendo-se uma verdadeira diarquia de poder,
tendencialmente conflituosa.
Outra inovação do sistema político francês é o sistema eleitoral das eleições
parlamentares (e das eleições regionais e municipais), caraterizado pela regra da
maioria absoluta a duas voltas em círculos uninominais. Instituído pelo General De
Gaulle para pôr fim à fragmentação partidária e parlamentar da IV República (1945-
1958) e em especial para neutralizar a força eleitoral do Partido Comunista (que chegou
a ser o primeiro partido da IV República), o sistema veio a favorecer o confronto entre
duas coligações eleitorais, uma à direita e outra à esquerda, e mais tarde veio a servir
para travar a ascensão eleitoral da Frente Nacional, o partido da extrema-direita
nacionalista.
Tradicionalmente, o modelo parlamentar francês exibe um sistema bicamaral,
com uma câmara de deputados (Assembleia Nacional) e um Senado eleito com base
nas coletividades territoriais infranacionais.

10.5. Alemanha

Unificada apenas em 1871 sob a égide Prússia de Bismarck, a história moderna


da Alemanha foi marcada pelas duas guerras mundiais que protagonizou e em que foi
derrotada. Da derrota na I Guerra Mundial surgiu a proclamação da República
democrática (República de Weimar), sob a Constituição de 1919, cujas fragilidades
levaram à tomada do poder por Hitler em 1933 e à ditadura nazi. Da derrota na II
Guerra Mundial e da subsequente ocupação temporária pelas potências vencedoras
nasceu a divisão da Alemanha em dois Estados (a RFA a ocidente e a RDA a leste),
que só se reunificaram depois da queda do Muro de Berlim em 1989, com a absorção
da RDA pela RFA.
As principais caraterísticas da Alemanha segundo Lei Fundamental de Bona de
1949 são as seguintes:
- é um Estado federal, constituído pela União e pelos territórios federados
(Länder), cada um destes dotados da sua constituição e de autonomia legislativa e
215

órgãos de governo próprios (mas sem sistema judicial próprio); consequentemente, na


federação há duas câmaras representativas, uma que representa as entidades federadas
(Conselho Federal) e outra que representa os cidadãos da União (Dieta Federal); o
Conselho Federal não é diretamente eleito, sendo composto por delegados dos
governos dos dezasseis Länder, tendo estes um número de votos que não é igual (como
no federalismo dos Estados Unidos) mas que depende grosso modo da população de
cada Land (entre três e seis votos), de acordo com um sistema chamado
“proporcionalidade regressiva”;
- é uma república, sendo o Presidente eleito pelo parlamento federal e tendo
apenas os poderes típicos do chefe do Estado em regimes parlamentares;
- o sistema de governo é tipicamente parlamentar, sendo o chanceler eleito pelo
Bundestag; a falta de maiorias monopartidárias tem conduzido à formação de governos
de coligação; para reduzir a instabilidade governativa, a Alemanha introduziu a
chamada “moção de censura construtiva”, de tal modo que só são aceites e votadas
moções de censura que sejam acompanhadas de uma proposta de governo alternativo
ao governo em funções;
- o sistema eleitoral é assaz original, caraterizado por uma grande
proporcionalidade, tendo em conta os votos de cada partido a nível nacional, mas
metade dos deputados são eleitos em outros tantos círculos uninominais pelo sistema
de maioria simples (à moda britânica); esses deputados entram, porém, na quota
nacional proporcional de cada partido; para diminuir a fragmentação parlamentar e
impedir a entrada de partidos extremistas existe, porém, uma “cláusula barreira” de
3%, o que modera a extrema proporcionalidade do sistema;
- logicamente, o sistema partidário é pluripartidário, apesar da referida cláusula-
barreira e da possibilidade de dissolução dos partidos anticonstitucionais.
O sistema político alemão tem exercido forte influência externa em vários
aspetos (federalismo, pralamentarsimo racionalzaido, sistema leitoral). O sistema
federal alemão tem influenciado a construção federal da União Europeia; o
“parlamentarismo racionalizado”, incluindo a moção de censura construtiva, foi
replicado em vários países (por exemplo, em Espanha); e o sistema eleitoral foi copiado
em vários países (Nova Zelândia, Venezuela, Escócia, etc.)
216

10.6. Suíça

Nascida da associação dos cantões suíços, primeiro na confederação helvética


(cujo nome ainda conserva) e depois num Estado federal (1848), a Suíça apresenta
várias peculiaridades quanto ao seu sistema político, a primeira das quais é a natureza
pluriétnica e plurirreligiosa do país (quatro línguas oficiais, sendo o alemão e o francês
as principais).
Antes de mais, trata-se de um Estado federal, composto pelos cantões helvéticos,
cada um deles dotado da sua constituição e de autonomia legislativa e governativa,
bem como de órgãos de governo próprios. Ao nível federal existem duas câmaras
representativas, uma representando os territórios federados (Conselho dos Estados) e
outra os cidadãos da união (Conselho Nacional); dada a enorme diversidade da
população dos cantões, a representação nacional dos mesmos não é igual (os maiores
têm dois membros e os mais pequenos têm somente um membro no Conselho dos
Estados).
Em segundo lugar, trata-se de uma república, mas sem um presidente da
federação. A presidência reside no Conselho de Estado como órgão colegial, que é
eleito pelo Conselho Nacional, cabendo a função presidencial rotativamente aos seus
membros.
O sistema de governo é muito peculiar, normalmente designado como sistema
“diretorial”, em que o governo (o Conselho de Estado) é um órgão colegial (diretório),
constituído somente por sete membros, eleitos pelas duas câmaras do parlamento para
um mandato de quatro anos. Não há um primeiro-ministro; todos os ministros são
iguais. Tal como o presidencialismo, o sistema apresenta a coincidência entre a chefia
do Estado e o poder executivo e a separação e independência recíproca entre o poder
executivo e o poder legislativo, pois nem o governo pode ser demitido pelo parlamento,
nem este pode ser dissolvido pelo governo; todavia, radicalmente diferente do
presidencialismo típico, o executivo não é eleito diretamente (pelo que não dispõe de
legitimidade eleitoral própria) e o Presidente é apenas um membro de um órgão
colegial.
O sistema eleitoral da câmara federal é proporcional, o que gera um sistema
pluripartidário e um parlamento partidariamente fragmentado, sem maiorias
217

monopartidárias. Em consequência disso, os governos são sempre de coligação,


normalmente assaz inclusiva, representando os principais partidos parlamentares.
Aliás, uma das notas geralmente associadas ao sistema político suíço é a sua natureza
de “democracia consensual”.
Outra caraterística típica do sistema político suíço é o frequente recurso ao
referendo (lato sensu), que é desde logo obrigatório para mudar a constituição, um
traço de democracia semidireta que se adiciona à democracia direta que ainda
prevalece em alguns cantões de pequena dimensão. Além disso, o referendo pode ser
potestativamente convocado por iniciativa popular, incluindo para rever a
Constituição.

10.7. Rússia

A Rússia constituía a maior parte do antigo império russo, que entre 1917
(revolução soviética) e os anos 90 do século passado constituiu a União Soviética, que
integrava vários países hoje independentes, como os países bálticos, a Ucrânia, os
países do Cáucaso e alguns países da Ásia Central. Mesmo assim, a Rússia é o mais
vasto país do Mundo, estendendo-se desde o Mar Báltico ao Oceano Pacífico.
A Rússia é um Estado federal (o que já era desde 1924), como é natural, dada a
sua enorme extensão e a sua diversidade étnica e linguística. A federação tem as
atribuições definidas na constituição federal (Constituição de 1993). As muitas
entidades federadas gozam de autonomia constitucional (constituição própria),
legislativa e governativa e de instituições políticas próprias (assembleia legislativa e
governo) e participam na vida da União através da assembleia federal. Ao nível federal,
existem duas câmaras legislativas, a assembleia representativa dos cidadãos (Duma) e
a assembleia representativa das entidades federadas (Conselho Federal).
A Duma é diretamente eleita e tem um mandato de cinco anos. O Conselho
Federal é composto por dois representantes de cada uma das 85 entidades federadas
(repúblicas e outras entidades federadas, entre as quais as duas “cidades federais” de
Moscovo e São Petersburgo), sendo um deles eleito pelo parlamento da entidade
federada e outro designado pelo chefe do governo com confirmação pelo parlamento.
218

Em segundo lugar, a Rússia é uma República, sendo o presidente diretamente


eleito, à maneira francesa (maioria absoluta com segunda votação, se não houver tal
maioria na primeira votação). O Presidente tem um mandato de seis anos e não pode
ser eleito para mais de dois mandatos consecutivos, mas é permitido voltar ao cargo
depois de passados seis anos (como em Portugal), o que já ocorreu com o atual
Presidente, Putin.
O sistema de governo é semipresidencialista, com semelhanças com o sistema
francês, mas ainda mais forte pendor presidencial. Existe um governo presidido pelo
primeiro-ministro, nomeado pelo Presidente em função da composição do parlamento
e perante este responsável. Mas o Presidente da República participa no função
governativa, tendo a seu cargo sobretudo a defesa e a política externa. Entre os fortes
poderes próprios do Presidente conta-se o de dissolver a Duma e de convocar
referendos, de presidir ao conselho de ministros, de nomear o presidente do Banco
Central da Rússia, etc..
O sistema eleitoral para a Duma é de tipo proporcional em círculos eleitorais
plurinominais, em sufrágio de listas partidárias, moderado por uma elevada “cláusula
barreira” eleitoral de 7%. O sistema proporcional gera um sistema pluripartidário que,
no entanto, é dominado há muitos anos pelo partido Rússia Unida do Presidente Putin.
O sistema político russo tem sido seguido em alguns países da zona de influência
russa, sobretudo na Ásia Central.

10.8. China

A China é um país milenar mas a República Popular da China só foi criada em


1949, a seguir à II Guerra Mundial, culminando a tomada do poder pelo Partido
Comunista da China sob a liderança de Mao Tse-tung. Depois do fim da União
Soviética e da transição política nos países comunistas do leste europeu e da Ásia
Central depois de 1989, a China permanece como o principal exemplo das
“democracias populares” que restam.
Nas últimas décadas, a transição da economia de direção central baseada na
propriedade coletiva da terra e das empresas para uma economia crescentemente aberta
219

ao capital privado e aos mecanismos de mercado não importou porém nenhuma


mudança de fundo no sistema político da RPC.
Apesar da sua vastidão e da sua variedade étnica, a China é um Estado unitário
e não federal, o que constitui uma exceção entre grandes países.
A China é uma República, sendo o Presidente da República eleito pelo Congresso
e sendo desprovido de poderes de decisão.
A espinha dorsal de poder político no sistema político chinês continua a ser o
Partido Comunista da China, que é um partido oficial, cuja organização obedece às
regras hierárquicas do “centralismo democrático”, tal como teorizadas por Lenine e
por Estaline em relação ao PC da União Soviética antes da II Grande Guerra. O órgão
supremo do PCC é o Congresso, que reúne de cinco em cinco anos e que elege o comité
central, uma espécie de assembleia representativa permanente do Partido. Daí sai a
comissão política e desta sai a comissão permanente, o órgão de direção central
composto por poucos membros. Eleito pelo comité central, o secretário-geral gere o
dia a dia do Partido.
O Partido desempenha três importantes funções políticas: (ii) seleção dos
candidatos às eleições dos órgãos do Estado, nos seus diversos níveis territoriais (local,
provincial, nacional); (ii) controlo dos órgãos do poder do Estado, através de delegados
ou de comités do Partido junto de cada departamento ministerial ou serviço público;
(iii) exercício dos principais cargos do poder do Estado (Congresso nacional, Conselho
de Estado, ministérios, etc.).
No que diz respeito à organização do Estado, ela segue teoricamente os cânones
do sistema de governo “convencional”, em que todo o poder reside nominalmente na
assembleia popular, sendo o governo uma simples emanação dela. O sistema de
governo compreende os seguintes órgãos:
- o Congresso do Povo, como assembleia representativa suprema, com poderes
legislativos, orçamentais e de nomeação política, que é constituído por milhares de
membros e que reúne apenas umas poucas semanas por ano; os deputados ao
Congresso são eleitos indiretamente pelos deputados aos congressos provinciais, que
por sua vez são eleitos pelas assembleias locais; o seu mandato é de cinco anos e não
pode ser dissolvida; existe também uma assembleia consultiva composta por
representantes de grupos sociais (sindicatos, associações empresariais, etc.);
220

- a Comissão permanente do Congresso, que substitui o Congresso quando este


não está reunido, sendo o órgão legislativo normal;
- o Conselho de Estado, órgão executivo (governo), composto por um chefe de
governo eleito pelo Congresso (que também o pode destituir) e pelos vários
ministérios; como simples braço executivo do Congresso do Povo, está sujeito às
orientações deste; obviamente não há poder de dissolução do Congresso;
- um chefe do Estado eleito pelo Congresso, com poderes puramente simbólicos.
Sendo um Estado de partido oficial único, não existem obviamente eleições
competitivas nem um sistema pluripartidário propriamente dito. Todavia, existem
algumas organizações políticas designadas como “partidos democráticos” que ocupam
algumas posições nos órgãos do Estado, mas que de facto não constituem uma
verdadeira oposição, visto que não podem pôr em causa os princípios do regime nem
a liderança do PCC.
A China é um país relativamente descentralizado, com assembleias eleitas e
governos provinciais por elas eleitos, mas sempre sob controlo do PCC, embora
ultimamente tenha começado a haver candidaturas independentes em algumas eleições
locais e provinciais.

10.9. Arábia Saudita

Criada em 1932, a Arábia Saudita é um Estado árabe e islâmico.


Sendo das poucas monarquias absolutas remanescentes no mundo, o país rege-
se por uma Lei Básica editada pelo próprio rei em 1992 e que considera que o Corão
(livro sagrado do Islão) é a verdadeira constituição do país, o que lhe confere uma
inequívoca natureza teocrática.
O rei, hereditário, é chefe do Estado e chefe do governo, governando quase
exclusivamente com o apoio da família real (a família Saud, que deu o nome ao país).
Sendo uma monarquia absoluta, não existe nem assembleia representativa nem
separação de poderes. O rei é o titular do poder legislativo, do poder executivo e do
supremo poder judicial. Existe um conselho de ministros, livremente nomeados e
exonerados pelo rei. Existe também uma assembleia consultiva, igualmente nomeada
pelo rei, que pode propor legislação, mas não detém poderes legislativos.
221

A Arábia Saudita é um Estado religioso (muçulmano), sem separação entre a


religião e o Estado, regendo-se pelo Corão e pela “sharia” (lei islâmica). As instituições
islâmicas regem a educação, as questões sociais e as relativas à família e à repressão
penal. As mulheres sofrem de grandes limitações, incluindo a proibição de condução
automóvel. No entanto, recentemente passaram a gozar de direito de voto nas eleições
locais, únicas que existem no país (e aliás muito recentes, datando as primeiras de
2005).
Não existindo democracia representativa, nem eleições, nem parlamento também
não existem partidos políticos.

10.10. Brasil

Tendo-se tornado independente em 1822 como um Estado unitário (embora com


alguma autonomia das províncias) e como monarquia constitucional, ao contrário das
colónias espanholas das Américas (que se tornaram independentes como repúblicas),
o Brasil tornou-se numa República federal presidencialista em 1889, que imitou quase
acriticamente as instituições dos Estados Unidos.
Depois de muitas atribulações políticas e constitucionais, que incluíram a
ditadura de Getúlio Vargas nos anos trinta do século passado e a ditadura militar (1964-
1985), o Brasil consumou a transição democrática com a Constituição de 1988, que
refundou em termos democráticos a herança federal, republicana e presidencialista do
sistema político brasileiro.
São traços principais do sistema político brasileiro os seguintes:
- Estado federal, tendo os estados federados autonomia constitucional,
legislativa, governativa e judicial, sem prejuízo da primazia da Constituição e do
direito federal; tipificação constitucional das atribuições federais, sendo as demais da
competência dos Estados; duas câmaras representativas, uma representando os
cidadãos da União (Câmara dos Deputados), outra as 27 entidades federadas (Senado),
que assim participam na vida política da União; os estados federados gozam da mesma
representação no Senado (três senadores), à maneira dos Estados Unidos;
- República, com um presidente diretamente eleito por maioria absoluta, à
maneira francesa (segunda votação entre os dois candidatos mais votados em caso de
222

nenhum candidato ter maioria absoluta na primeira votação); limite de dois mandatos
presidenciais de quatro anos;
- presidencialismo, sendo o presidente da República o titular da função
governativa; separação estrita de poderes entre o poder legislativo e o poder executivo;
todavia, poder de veto legislativo do Presidente e poder de veto parlamentar às
nomeações presidenciais; possibilidade de impeachment do Presidente pelo Congresso
em caso de atuação inconstitucional daquele;
- sistema eleitoral proporcional nas eleições para a câmara dos deputados, em
regime de lista aberta (ao eleitores podem votar na lista partidária ou num dos seus
candidatos) e sem cláusula-barreira;
- em consequência do sistema eleitoral e da frágil estruturação político-
doutrinária dos partidos brasileiros, existe uma acentuada fragmentação partidária e da
representação parlamentar, o que dificulta a formação de coligações coerentes de apoio
ao Governo.
O Brasil mostra bem a disfuncionalidade do casamento do presidencialismo com
um sistema eleitoral proporcional e com fragmentação partidária.
Outra caraterística do sistema político brasileiro é o papel ativo dos tribunais, a
começar pelo Supremo Tribunal Federal, de que é exemplo a atualmente a chamada
“judicialização da saúde”, que carateriza a frequência de decisões judicias a ordenar
tratamentos hospitalares incluindo no estrangeiro, em nome do direito à saúde.

10.11. África do Sul

Antiga colónia britânica, a África do Sul recebeu também o influxo de colonos


holandeses e franceses. País multiétnico e multilinguístico, a África do Sul esteve
durante décadas sujeita ao regime oficial de segregação racial e de supremacia branca
(apartheid), que só terminou com a transição para a democracia nos anos 90 do século
passado, liderada pelo ANC e pelo seu líder Nelson Mandela (muitos anos preso),
culminando na Constituição de 1996, que dela resultou.
Trata-se de um sistema político muito peculiar. Sendo um Estado federal atípico,
existe uma grande descentralização territorial nas diversas províncias, dotadas de
considerável autonomia legislativa e administrativa. As províncias também gozam de
223

certa autonomia constitucional, podendo mudar o seu estatuo constitucional dentro de


certos limites, o que confere traços quase-federais ao sistema.
Sendo uma república, o Presidente da República é o chefe do Governo, que não
é eleito diretamente, mas sim eleito pelo parlamento para um mandato de cinco anos,
renovável uma vez. Entre os poderes do Presidente / primeiro-ministro contam-se o
poder de veto legislativo suspensivo e o poder de convocação de referendos.
Trata-se de um sistema bicamaral, composto pela Assembleia Nacional,
representativa dos cidadãos, e pelo Conselho das Províncias, de representação
territorial, à maneira federal, incluindo a igual de representação das províncias (10
representantes cada) independentemente da população. Como curiosidade insólita, a
sede do Parlamento não é a mesma do Governo, funcionando aquela na Cidade do
Cabo e o segundo em Pretória. A legislatura tem a duração de cinco anos.
O sistema de governo é muito peculiar, sendo de tipo parlamentar, com
acumulação do chefe do Estado com o chefe do governo e com dependência do poder
executivo ao poder legislativo (sendo aquele eleito por este). Contudo, é um sistema
parlamentar assaz atípico pois o chefe do governo é também chefe do Estado, sendo
designado diretamente pelo Parlamento (por maioria absoluta), à maneira dos sistemas
parlamentares mais exigentes.
. Em contrapartida, o Presidente não tem do poder de livre dissolução
parlamentar, com sucede em muitas repúblicas parlamentares. Só há dois casos de
dissolução parlamentar, aliás obrigatória: (i) quando a próprio parlamento assim o
tenha decidido (autodissolução) e já tenham passado três anos da legislatura e (ii)
quando tenha havido vagatura do cargo de Presidente e o parlamento não tenha
conseguido eleger novo presidente no prazo de 30 dias.
O sistema eleitoral da câmara baixa do parlamento é de tipo proporcional, sendo
metade dos deputados eleitos em círculos provinciais e outra metade eleita num círculo
nacional, o que lhe confere um alto grau de proporcionalidade eleitoral, favorecendo
um sistema pluripartidário. Todavia, desde o fim do apartheid e a transição para
democracia, o ANC tem disposto sempre de uma maioria absoluta, e da consequente
estabilidade política.
224

10.12. União Europeia

Embora não sendo um Estado, a UE é indubitavelmente um sistema político


supraestatal com vários traços paraestatais, incluindo vários poderes soberanos
atribuídos pelos Estados-membros (poderes legislativo, executivo e judicial, treaty
making power, etc.). Crucial é o facto de o direito da União se aplicar dioretamenten
aos cidadãos dos Esatdos-membros, criando direuitos e obrigaçõers.
Como já referido anteriormente, o sistema político da UE apresenta manifestos
traços federais, de clara inspiração alemã, desde o multilevel government até ao
procedimento legislativo da União (“procedimento legislativo ordinário”), passando
pela organização política da União e pela repartição de funções entre a União e os
Estados-membros. Tal como nos Estados federais, os Estados-membros da UE
participam na feitura da “constituição” federal (tratados da UE) e no poder político
federal (no Conselho Europeu e no Conselho da União) e o direito da União tem
primazia sobre o direito dos Estados-membros.
Como é próprio das federações, existem duas câmaras representativas, uma que
representa os cidadãos da União (Parlamento Europeu) e outra (aliás duas) que
representa os Estados-membros da União (Conselho Europeu e Conselho da União),
as quais exercem em conjunto a função legislativa e orçamental da União. O PE é eleito
para uma legislatura de cinco anos. Os dois conselhos não são eleitos, sendo compostos
por membros dos governos dos Estados-membros. Desde o Tratado de Lisboa cada
Estado-membro goza de um voto no Conselho, mas a decisões são tomadas por uma
dupla maioria qualificada (55% dos Estados-membros e 65% da população da União),
o que dá mais peso aos maiores Estados-membros.
O sistema de governo é de tipo parlamentar - que é o sistema de governo da maior
parte dos Estados-membros -, sendo o presidente do governo da União (Comissão
Europeia) nomeado de acordo com a composição do Parlamento Europeu. Resultante
das eleições europeias. A Comissão é responsável perante o Parlamento, que a pode
demitir por voto de censura, embora precise de ser aprovado por maioria de 2/3). Em
contrapartida, a Comissão não pode fazer dissolver o PE antes do termo do seu
mandato de cinco anos. Também não existe direito de veto sobre a legislação aprovada
pelos órgãos legislativos da União.
225

O PE é eleito pelos cidadãos europeus de acordo com sistema de representação


proporcional em círculos estaduais ou infraestaduais. O número de deputados eleitos
em cada Estado-membro não é exatamente proporcional à sua população residente,
visto que os pequenos Estados elegem sempre pelo menos seis deputados, sendo os
demais lugares repartidos de acordo com a regra da “proporcionalidade regressiva”, o
que favorece os pequenos e médios países face aos grandes. Desde as eleições de 2014,
os partidos políticos europeus começaram a propor candidatos específicos ao lugar de
presidente da Comissão; e em resultado disso, em 2014, o presidente da Comissão veio
a ser efetivamente o nome indicado pelo PPE, o partido vencedor das eleições
europeias, embora longe da maioria absoluta, tendo-se constituído um acordo
intrapartidário no PE para permitir a sua eleição parlamentar.

Bibliografia essencial
António Martins da Silv, Sistema político da União Europeia, Coimbra,
Almedina, 2o13
Jeffrey Kopstein / Marc Lichbach (edts.), Comparative Politics, Cambridge,
CUP, 2000.
Manuel Proença de Carvalho, Manual de Ciência Política e Sistemas Políticos e
Constitucionais, 3ª ed. Quid Juris, 2010.
Gianfranco Pasquino, Sistemas políticos comparados. Cascais: Princípia, 2005.
L. Barbosa Rodrigues, Sistemas políticos comparados, Lisboa, Legis, 2011.
227

Capítulo XI
O sistema político português

11.1. Soberania, território, população

Nos termos da teoria clássica do Estado (teoria dos “elementos do Estado”),


Portugal constitui uma entidadade política soberana, que tem por substrato uma
população identificada pela nacionalidade/cidadania portuguesa e que tem jurisdição
exclusiva sobre um território devidamente delimitado.
Na definição da população conta decisivamente o critério da nacionalidade.
Tradicionalmente, Portugal adotava o ius sanguinis, sendo portugueses os filhos de
progenior português, independentemente do lugar de nascimento, abragendo, portanto, os
descendentes de portugueses nascidos e residentes no estrangeiro e excluindo as pessoas
nascidas em território nacional, quando filhos de estrangeiros, mesmo que de segunda
geração. Todavia, nas últimas décadas tem havido um reconhecimento cada vez maior do
ius soli, sem abandonar o ius sanguinis, pelo que são agora portugueses também os filhos
de estrangeiros nascidos em Portugal, desde que os pais residissem no país há um certo
tempo.
A população portuguesa apresenta tradicionalmente um elevado grau de
homogeneidade e coesão étnica, cultural e linguística, sem as clivagens que caracterizam
tantos outros países. No entanto, nas últimas décadas tem havido influxo de imigrantes
de outras geografias (Brasil, África e Leste da Europa), sendo os seus descendentes, pelas
novas regras da cidadania, cidadãos portugueses. A prazo, portanto, pode haver uma
recomposição substancial da população portuguesa, em termos de maior heterogeneidade
étnica e cultural, tanto mais que a taxa de natalidade da populução imigrante é em geral
superior à da restante população.
Além dos portugueses, têm hoje direito de participação na vida política nacional
vários grupos de cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, nomeadamente:
228

- os nacionais de países de língua portuguesa, que gozam de quase equiparação de


direitos políticos, desde que os seus países reconheçam os mesmos direitos aos
portugueses neles residentes (a chamada “cidadania lusófona”);
- os nacionais de outros países da União (“cidadania europeia”), que têm direitos
eleitorais em relação às eleições europeias e às eleições locais nos países onde residam;
- os nacionais de outros países, que podem ter direitos eleitorais nas eleições locais,
desde que os respetivos países reconheçam os mesmos direitos aos portugueses neles
residentes.
Quanto ao território, se descontarmos o longo período de expansão (e de retração)
ultramarina entre o século XV e o final do séc. XX, Portugal apresenta fronteiras quase
inalteradas desde a fundação do País no séc. XII, entre a Espanha e o oceano Atlântico.
Com a descoberta e a colonização dos Açores da Madeira, o País tornou-se
territorialmente descontínuo, o que está na base da atual autonomia político-
administrativa dos dois arquipélagos.
Portugal é constitucionalmente um país soberano, dotado de autodeterminação
constitucional, política e legislativa na ordem interna e externa. Todavia, a integração
económica e política europeia (União Europeia) implica alguma restrição da soberania
nacional de todos os Estados-membros, na medida em que um conjunto de atribuições
foram tranferidas para a União, que legisla sobre as mesmas e conduz as políticas
respetivas. Ao ocaso do “Estado vestefalliano”, nascido no dealbar do absolutismo
(século XVII) e que prevaleceu até à segunda metade do séc. XX, acresce no caso da UE
uma integração supranacional, de tipo protofederal.

11.2. Origens e evolução do sistema político português

11.2.1. Antecedentes

O atual sistema político português decorre da transição democrática desencadeada


pela revolução de 25 de abril de 1974. Mas ele não é inteiramente compreensível sem
conhecer a evolução dos sistemas políticos em Portugal desde a inauguração da era
constitucional em 1820.
Fracassada a primeira experiência constitucional (1822-1823), o Estado
constitucional só se consolidou depois de 1851, com a Regeneração e a primeira revisão
229

da Carta Constitucional, em 1852. Durante as três instáveis décadas precedentes, o País


teve três constituições (1822, 1826 e 1838), dois regressos à monarquia tradicional (1823
e 1828), duas guerras civis (1832-1834 e 1846-47), uma revolução (1836) e uma
intervenção estrangeira (1847).
A monarquia constitucional institucionalizada depois de 1851 instaurou um regime
liberal na política e na economia, com escassa intervenção do Estado na esfera económica
e social. O sistema político foi caracterizado por um sufrágio eleitoral restrito e por um
parlamentatrismo limitado pelo “poder moderador” do Rei, tal como previa a Carta
Constitucional. Durante décadas, vingou um rotativismo no governo entre “cartistas” e
“progressistas” (a “direita” e a “esquerda” de então), que alternaram no poder. O regime
cartista entrou em declínio nos anos 80 do século XIX, mercê das crises financeiras, do
ultimato britânico a propósito das pretensões coloniais portuguesas em África, do
nascimento e crescente implantação urbana do Partido Republicano, da primeira tentativa
de implantação da República (31 de janeiro de 1891) e do autoritarimo do governo de
João Franco (1906-1908), a que o Rei D. Carlos deu cobertura, tudo culminando no
assassinato do Rei (1908) e na revolução republicana de 5 de outubro de 1910.
A I República teve curta duração (1910-1926) e o sistema político da Constituição
de 1911 nunca chegou a estabilizar, devido à cisão quase imediata do Partido Republicano
e à sucessiva fragmentação partidária, às tentativas armadas de restauração monárquica,
a um parlamenatarisimo estreme que gerou enorme instabilidade governativa, à agitação
social permanente, marcada pela inspiração anarco-sindicalista do movimento operário,
à oposição da Igreja Católica, exarcebada pelo laicismo militante do Partido Republicano,
à entrada na I Grande Guerra e à crise económica e social que se lhe seguiu.
Em 1917, em pena Guerra Mundial, Sidónio Pais tomou o poder, mediante um
pronunciamento militar, e adotou um regime presidencislista, que sucumbiu no ano
seguinte, com o assassinato do seu criador, tendo sido reposta a constitucionalidade
republicana. Em 1926, porém, um golpe de Estado militar pôs fim à I República, iniciando
uma ditadura militar, que sete anos depois, em 1933, já sob a égide de Oliveira Salazar,
chefe do Governo desde 1932, fez aprovar a Constituição de 1933 em “plebiscito
nacional”, assim institucionalizando a longa ditadura pessoal do chefe do Governo, até à
sua incapacitação em 1968 e à sua sucessão por Marcelo Caetano, que governou até ao
fim do regime em 1974.
230

O regime salazarista, fortemente influenciado no seu início pelo fascismo italiano


(1922-1944), foi marcado pelo repressão das liberdades cívicas, incluindo a censura
prévia à imprensa, pela proibição dos partidos políticos e a criação de uma organização
política oficial, a União Nacional, pela repressão da oposição, pela realização de eleições
fictícias, quase sempre sem oposição.
Caracterizado constitucionalmente como “República corporativa”, o “Estado
Novo”, como se autoqualificcou, era profundamente anti-individualista, antiliberal,
antiparlamentar e antidemocrático, autoritário, centralista na esfera política e
intervencionista na esfera económica e social. As atividades económicas e sociais
estavam oficialmente organizadas em “organismos corporativos”, sob estreito controlo
do Estado. Não havia liberdade sindical e a greve era crime.
O sistema de governo formalmente previsto na Constituição era uma espécie de
“presidencialismo indireto”, em que o Presidente da República, diretamente eleito, tinha
poderes para nomer e destituir livremente o chefe do Governo (que dependia
exclusivamente da sua confiança política), para presidir ao Conselho de MInistros e para
dissolver a Assembleia Nacional. Mas na prática o que existiu foi uma ditadura do chefe
do Governo, que escolhia e fazia eleger os presidentes da República da sua confiança,
invertendo a lógica constitucional. Não sendo também politicamente responsável perante
a Assmebelia Nacional, o Governo (ou melhor o seu chefe quase vitalício) foi o
verdadeiro detentor do poder, sem controlo.
Tendo sobrevivido à queda de outros regimes autoritários na Europa no final da II
Guerra Mundial, em que Portugal não entrou, o regime começou a entrar em declínio no
final dos anos 50, com a forte contestação expressa no amplo apoio popular ao candidato
da oposição nas eleições presidenciais de 1958 (Humberto Delgado), a que se seguiu o
início da guerra colonial (1961) e uma crescente contestação nas Nações Unidas e mesmo
dos aliados tradicionais. Nomeado chefe do Governo em 1968, na sequência do acidente
que incapicitou Salazar, Marcelo Caetano ensaiou uma fruste tentativa de liberalização
contida do regime, que não durou muito e que não conseguiu apaziguar a crescente
oposição ao regime, nem muito menos solucionar o problema incontornável da guerra
colonial. Em 25 de abril de 1974, uma insurreiçao militar pôs fim ao “Esatdo Novo” e
iniciou, ato contínuo, uma agitada revolução política e social, que gerou a atual regime
político-constitucional.
231

11.2.2. A transição e consolidação democrática em Portugal

A transição democrática em Portugal (1974-76), que deu origem ao atual Estado


constitucional, iniciou a “3ª vaga da democratização” mundial (Huntington), que levou à
transição democrática de muitas autocracias em menos de duas décadas.
Tratou-se de uma “transição por revolução” (o "movimento dos capitães", a revolta
de 25 de abril de 1974), a que se seguiu imediatamente o desmantelamento das
instituições do Estado Novo, a recuperação das liberdades públicas, o nascimento dos
partidos, a independência das colónias, etc. O período transitório (1974-75) foi gerido por
governos provisórios (nada menos de seis) e pelo Conselho da Revolução, de composição
militar (criado em 1975), e caracterizado pela fruição das liberdades civis e políticas, por
conflitos sociais e políticos, pelas nacionalizações de empresas e pela reforma agrária no
campo económico.
A institucionalização da democracia iniciou-se com as eleições para a Assembleia
Constituinte (1975), a aprovação da Constituição (1976) e as primeiras eleições
presidenciais e parlamentares (1976), tudo de acordo com o calendário originário do
MFA.
A consolidação democrática (1976-1982) culminou com o fim do período
constitucional transitório, operado pela primeira revisão constitucional (1982), que
incluiu a supressão do Conselho da Revolução. A adesão de Portugal à então Comunidade
Económica Europeia (CEE) em 1986 selou a integração definitiva de Portugal na
comunidade das democracias liberais e de economia de mercado europeias.
A transição em Portugal é um caso típico de transição democrática por revolução,
com rutura súbita da velha ordem política e sua substituição imediata por novas
instituições. Existe um curto período (dois anos) de transição entre a revolução e a
institucionalização constitucional do novo regime democrático. Enquanto as decisões
relativas às instituições políticas (forma de governo, sistema eleitoral, organização
territorial do Estado, etc.) foram praticamente consensuais, já foi muito conflituosa a
questão do regime económico e do papel económico e social do Estado. A consolidação
democrática foi também relativamente rápida, cerca de 6 anos (1976-1982), coincidindo
com o período de transição constitucional, previsto na própria Constituição.
A transição democrática em Portugal, feita por via revolucionária, contrasta com a
232

transição democrática em vários outros países, em geral feita por evolução mais ou menos
negociada ou pactuada entre o governo autoritário e a oposição democrática (Espanha,
Brasil, África do Sul) ou, mais tarde, por evolução a partir de dentro do próprio regime
autoritário (Cabo Verde, Angola, etc.).

Bibliografia:
Philippe C. Schmitter, Portugal: Do autoriritarismo à democracia, Lisboa, 1999.
Keneth Maxwell, The Making of Portuguese Democracy, Cambridge, 1995
Vital Moreira (ed.), Crise e reforma da democracia, Lisboa, 2005.

11.3. Fundamentos constitucionais do sistema político

11.3.1. O Estado unitário descentralizado e a integração supranacional

Em frontal contradição com a ditadura precedente, a Constituição de 1976 instaura


um Estado unitário com descentralização política das regiões autónomas dos Açores e da
Madeira e uma extensa descentralização administrativa nas autarquais locais. A
autonomia regional e a autonomia local são duas profundas inovações do novo sistema
político. As autarquais locais têm atribuições próprias, órgãos de governo próprio,
autonomia normativa, autonomia financeira (receitas próprias e orçamento próprio). As
regiões autónomas gozam de poder legislativo e de extensas atribuições políticas e
administrativas.

De facto, em Portugal, no seguimento da Constituição de 1976, foram criadas duas


"regiões autónomas", dotadas de ampla esfera de autonomia política: Açores e Madeira.
Possuem assembleia representativa e governo próprios, aquela dotada de poderes
legislativos, em todas as matérias não reservadas constitucionalmente ao Estado.
Possuem uma administração própria, paralela à do Estado, a quem incumbe aplicar não
somente as leis regionais mas também as leis nacionais no seu território. A delimitação
dos campos de ação entre o Estado e as regiões autónomas consta da Constituição da
República e dos estatutos político-administrativos de cada uma das regiões autónomas.
A aprovação e alteração dos estatutos regionais competem à Assembleia da República,
sendo, portanto, leis do Estado e não um ato de autonomia jurídica das próprias regiões,
embora sejam ativadas sob proposta das assembleias regionais.
233

Um traço específico das regiões autónomas portuguesas é que elas têm direito a
todas as receitas fiscais nelas cobradas e não participam no financiamento das despesas
gerais da República (defesa, segurança, tribunais, contribuição financeira para a UE e
organizações internacionais, etc.), que são suportadas somente pelos contribuintes do
Continente.
O restante território nacional não foi regionalizado, pois o continente não constitui
uma região autónoma e as "regiões administrativas" previstas na Constituição para o
território continental (de resto, ainda não criadas) não possuem autonomia legislativa e a
sua esfera de ação será em princípio menor do que a das regiões autónomas.
De igual modo, a Constituição de 1976 recuperou a autonomia do poder local, que
o Estado Novo tinha aniquilado, baseada na descentralização territorial e no princípio da
subsidiariedade da ação do Estado. Em Portugal o sistema de governo local está
determinado na Constituição, sendo a sua organização de tipo colegial dualista
(assembleia deliberativa mais órgão colegial executivo). Todavia, a Constituição remete
para a lei o regime concreto dos órgãos locais, admitindo que a lei estabeleça a eleição
direta do órgão executivo (como hoje sucede com a câmara municipal) e determinando,
em qualquer caso, que o presidente do órgão executivo seja necessariamente o primeiro
nome da lista mais votada para o órgão deliberativo ou para o órgão executivo (conforme
os casos), o que faz avultar a figura do titular desse cargo e conduz, na prática, a uma
certa “presidencialização" do sistema de governo local.
Por outro lado, em 1986, dez anos depois do início da atual era constitucional,
Portugal passou a ser membro da então Comunidade Económica Europeia, antecedente
da atual União Europeia. Com isso, a país passou a integrar uma entidade supranacional,
transferindo para ela importantes poderes soberanos, incluindo poderes legislativos,
executivos e judiciais. Apesar de, para além das atribuições exclusivas da União as
demais estarem sob condição do princípio da subsidiariedade, a verdade é que hoje
muitas áreas do poder público estão sob alçada da União.
Nestes termos, o sistema político nacional é caracterizado por um “poder político
em quatro níveis”: no sentido ascendente, entidades infraestaduais (autarquias e regiões
autónomas), Estado nacional e União Europeia.
234

Níveis territoriais de poder

entidades políticas órgãos de poder


níveis
nível supranacional União Europeia Parlamento Europeu,
Conselho Europeu,
Conselho da União,
Comissão, TJUE
nível nacional Estado Presidente da República,
Assembleia da República,
Governo, tribunais
nível regional Regiões autónomas assembleia legislativa
regional, governo regional,
representante da República
nível local autarquais locais assembleias e órgãos de
governo locais

11.3.2. Uma republica “civil” e laica

Tal como em muitos outros países, quase todas as sucessivas mudanças de regime
político-constitucional em Portugal foram determinados por revoltas ou pronunciamentos
militares (as sucessivas vicissitudes do regime monárquico-liberal, a instauração e as
perturbações da I República, a ditadura militar que deu origem ao Estado Novo, a revolta
de 25 de Abril de 1974, que deu origem ao atual regime constitucional), ainda que várias
vezes elas tenham sido o instrumento de verdadeiras revoluções populares.
Os militares tiveram uma decisiva intervenção no período revolucionário fundador
do atual regime democrático (1974-76), sobretudo através do Conselho da Revolução,
que durante esse período foi o principal órgão do poder político. Na primeira fase do atual
regime constitucional (1976-1982) a Constituição manteve o referido Conselho entre os
“órgãos de soberania”, com importantes poderes (desde a função de conselho consultivo
do Presidente da República até à de órgão de fiscalização da constitucionalidade),
mantendo-se também o autogoverno das forças armadas, que o mesmo órgão também
representava. O primeiro Presidente da República foi um militar (o general Ramalho
Eanes) e também foram militares os primeiros ministros da defesa do novo regime.
Porém, desde a revisão constitucional de 1982 desapareceu o referido regime
transitório (com a supressão do Conselho da Revolução), tendo-se verificado a definitiva
"civilização" de todo o poder político e administrativo, assim como a submissão dos
235

militares ao poder político. Essa “desmilitarização” do regime ficou consumada com a


eleição do primeiro Presidente da República civil entre nós desde 1926, que foi Mário
Soares, em 1986.
Rejeitando o protoconfessionalismo da ditadura, a Constituição de 1976 recuperou
a laicidade do Esatdo, baseada na liberdade e igualdade das igrejas, na separação entre o
Estado e as igrejas, na neutralidade religiosa do ensino público, porém sem o militantismo
laicista da I República.
O apaziguamento das relações entre o Estado e a Igreja Católica tem-se traduzido
num ambiente de coabitação tranquila, mesmo aquando da adoção de legislação
fortemente contestada pela segunda, como a despenalização do aborto ou o casamento de
pessoas do mesmo sexo.

11.3.3. Uma democracia representativa e liberal

Em contraposição com a autocracia autoritária do Estado Novo, a República de


1976 instituiu uma democracia representativa liberal, baseada em eleições por sufrágio
universal a nível local, regional e nacional (Presidente da República e Assembleia da
República), nas liberdades públicas e no pluralismo partidário.
A democracia representativa é completada desde o início por uma forte aposta na
democracia participativa, através da intervenção das organizações sociais na tomada de
decisão das instituições políticas e, por vezes, na sua própria gestão (por exemplo, na
segurança social).
Inicialmente sem previsão do referendo na Constituição, este veio a ser mais tarde
consagrado, em termos limitados, primeiro ao nível local (1982), depois a nível nacional
e regional (1989 e 1997). Mas o número de referendos tem sido muito baixo (três a nível
nacional, nenhum a nível regional, um escasso número a nível local) e em geral têm
escassa participação dos cidadãos na sua votação.

11.3.4. Um Estado de direito constitucional

Portugal é expressamente qualificado na Cosntituição como Estado de direito,


baseado tanto no princípio da constitucionalidade como no princípio da legalidade da
ação do Estado. As leis devem respeitrar a Csontituição, a ação administrativa deve
236

também respseitar as leis. Estado de direito significa submissão do poder ao direito e


respeito pelos direitos dos cidadãos, com exclusão da arbitrariedade decisória ou de
disccriminações por razões políticas ou outras.
Ambos os princípios são assegurados por uma justiça constitucional e por uma
justiça administrativa, com extensa regulação constitucional.

11.3.5. Uma economia de mercado regulada

Na primeira versão da Constituição, embora estivesse garantida a liberdade de


iniciativa económica e a propriedade privada, a Lei Fundamental apontava para uma
evolução em direção uma economia socialista, baseada na apropriação coletiva dos
principais meios de produção e na planificação pública da economia.
Sucessivas revisões constitucionais e a entrada na Comunidade Económica
Europeia (1989) operaram uma metamorfose da “constituição económica”, que passou a
alinhar com o paradigma da economia de mercado da União Europeia, baseada na
liberdade de investimento e na concorrência, sem prejuizo da defesa estadual da
concorrência no mercado e da regulação pública das “falhas de mercado” e dos “serviços
de interesse económico geral”. A partir dos anos 90, verificou-se um movimento de
liberalização dos antigos monopólios públicos na área das utilities (eletricidade,
telecomiunicações, etc.) e sua subsequente privatização, reduzindo drasticamente a
intervenção direta do Estado na economia.

11.3.6. Um “Estado social” constitucionalmente garantido

Pela primeirta vez na nossa história constitucional, a Cosntituição de 1976


recoinhece e garante os direitos sociais (direito à educação, à saúde, à segurança social, à
habitação), colocando a sua efetivação a cargo do Esatdo (sistema público de ensino,
serviço nacional de saúde, sistema público de segurança social, etc.).
237

11.4. Órgaos do poder

11.4.1. Separação de poderes e de funções

Cumprindo um requisito elementar de qualquer Estado constitucional, o sistema


político nacional apresenta uma pluralidade de órgãos do poder político (lato sensu) e
uma separação de funções entre eles.
Todavia, em divergência com a teoria clássica da separação de poderes e de
funções, que previa somente três poderes, e em que o chefe do Estado não tem autonomia
(sendo parte do poder executivo), no atual sistema político nacional (tal como na
monarquia constitucional da Carta de 1826 e no sistema político do Estado Novo), existe
uma separação entre o Presidente da República e o Governo. Como já referido
anteriormente, o PR não integra o poder executivo, desempenhando aquilo que podemos
designar como “poder moderador”, à luz da costrução de B. Cosntant.
Também importa assinalar que não existe correspodência unívoca entre os três
poderes clássicos – poder legislativo, poder executivo e poder judicial – e as funções
correspondentes: legislar, governar, julgar. Na verdade, a função legislativa é
compartilhada pelo parlamento e pelo Governo.

11.4.2. Órgãos de soberania

Importa referir sucintamente o estatuto e as funções de cada um dos “órgãos de


soberania” (nomenclatura constitucional), que são os dramatis personnae do nosso
sistema político.
O Presidente da República goza de legitimidade democrática direta, sendo eleito
por sufrágio universal, por maioria absoluta. Tem um mandato de cinco anos, superior à
duração da legislatura da Assembleia da República, sendo renovável apenas uma vez.
Para além da clássica função representativa do Estado e do comando supremo das Forças
Armadas, que são típicas do chefe do Estado, a principal função constitucional do
Presidente da República é velar pelo “regular funcionamento das instituições”, tendo para
o efeito vários poderes: desencadear a fiscalização da constitucionalidade, dissolução da
Assembleia da República e, em casos excecionais, demissão direta do Governo, veto
político sobre as leis, nomeação de um conjunto de titulares de cargos públicos, sob
proposta do Governo, incluindo o Procurador-Geral da Republica e as chefias militares.
238

Apesar desses poderes todos, o Presidente da República não governa nem é


responsável pela governação, que compete em exclusivo ao Governo. Este não depende
da sua confiança política, pelo que não pode ser demitido por discordância presidencial
com a condução da política governamental.
A Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os cidadãos,
tendo a CRP optado por um sistema parlamentar monocamaral, sem um senado de
representação territorial, como acontece em vários países (Espanha, França. Itália, etc.).
A função de “moderação” da câmara baixa, normalmente atribuída a essa segunda
câmara, é entre nós desempenhada pelo poder de veto legislativo do Presidente da
República. Os deputados são eleitos para mandatos de quatro anos (salvo dissolução
parlamentar), mediante candidatura dos partidos políticos em listas fechadas e segundo
um sistema eleitoral proporcional, em círculos plurinominais infranacionais. Dado o
sistema eleitoral, os protagonistas da representação parlamentar são os próprios partidos
políticos. A composição individual do parlamento é muito volátil, por causa da
substituição de deputados, por incompatibilidade com outras funções (por exemplo,
membros do Governo) ou por outras razões. A Assembleia da República tem as funções
clássicas dos parlamentos: função representativa, função legislativa, função de controlo
político dos governos (essencial num sistema de governo parlamentar), função eletiva de
vários titulares de cargos públicos. Todavia, a função legislativa é compartilhada com o
Governo.
O Governo é chefiado por um primeiro-ministro, nomeado pelo PR tendo em conta
as eleições parlamentares. É composto por ministros e secretários de Estado, nomeados
pelo Presidente da República sob proposta do PM. Embora tome posse e inicie funções
uma vez nomeado pelo PR, o Governo só entra em plenitude de funções e só subiste se
não for rejeitado pela Assembleia da República, à qual tem de submeter o seu programa.
Por duas vezes, governos nomeados e empossados pelo Presidente da República foram
rejeitados, ato contínuo, pela Assembleia da República (1978 e 2015), por não disporem
de suficiente apoio parlamentar. Os governos são politicamente responsáveis perante o
parlamento, podendo ser demitidos por aprovação de moções de censura (como sueceu
em 1985) ou por rejeição de moções de confiança, como sucedeu em 1977 (I Governo).
Por vezes, a perda de votações importantes, como a reprovação do orçamento, tem o
mesmo efeito. No nosso sistema político, o Governo não se limita a executar as leis
239

parlamentares, sendo dotado de amplos poderes legislativos.


Os tribunais têm a seu cargo, em exclusivo, a função judicial (justiça constitucional,
criminal, administrativa, laboral, civil, etc.). Os tribunais são independentes do poder
político, tal como os seus juízes. Os juízes são “governados” por conselhos juduciários
independentes, em que estão fortemente representados (autogestão parcial). Na tradição
europeia continental existem duas ordens de tribunais comuns: os tribunais judiciais
(justiça civil, criminal, laboral) e os tribunais administrativos (justiça administrativa e
fiscal). Tal como muitos outros países europeus depois da II Guerra Mundial, existe
também um Tribunal Constitucional, encarregado da justiça constitucional. Embora não
integrando o “poder judicial”, o Ministério Público também goza de independência face
ao Governo, mas os seus magistrados estão hierarquicamente subordinados ao PGR,
nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Primeiro-Ministro.

11.5. Partidos políticos e grupos de interesse

11.5.1. Sistema partidário

Na primeira fase da monarquia constitucional depois da restauração da Carta


Constitucional (1834-1851) a vida política organizava-se em torno da oposição entre
cartistas (conservadores) e vintistas e setembristas (progressistas). Os primeiros eram os
partidários da Carta Constitucional de 1826 e os segundos eram os seguidores da
Constituição de 1822 e da Revolução de setembro de 1836, que interrompeu a vigência
da Carta e veio dar origem à Constituição de 1838.
Na Regeneração (a partir de 1851) sobreveio o rotativismo entre regeneradores e
históricos/progressistas (1851-1891), sendo os primeiros até certo ponto os herdeiros do
cartismo e os segundos os herdeiros dos setembristas; mais tarde surgem as dissidências
nesses dois partidos (Partido regenerador liberal e Dissidência progressista); e dá-se
também o aparecimento do Partido socialista (1873) e do Partido republicano (1876),
anunciando a fragmentação do bipartidarismo liberal cartista na sua fase terminal.
Na I República (1910-1926), o vitorioso PRP sofre logo duas dissidências em 1911:
Partido Evolucionista (Antonio José de Almeida) e Partido Unionista (Brito Camacho),
permanecendo, porém, o partido dominante sob a designação popular de Partido
240

Democrático, inicialmente sob a direção de Afonso Costa. Depois da I Guerra Mundial


dão-se outras dissidências: o Partido Republicano Liberal (1919), a Esquerda
Democrática (1925), entre vários. À esquerda é notória a debilidade do Partido Socialista,
criado ainda sob a monarquia; nasce em 1921 o Partido Comunista Português, que
também não se chegou a enraizar nessa altura; no movimento operário predominava o
anarco-sindicalismo, por definição hostil aos partidos e à participação na vida política.
O Estado Novo (1926-1974) carateriza-se pela criação do partido único (a União
Nacional), depois da ilegalização e desaparecimento dos partidos republicanos. À
margem do sistema afirma-se na clandestinidade do PCP e a exígua "Causa monárquica",
sem expressão política própria. Ocasionalmente, surgem os movimentos oposicionistas
organizados ("oposição democrática") para intervenção nas fictícias eleições do regime,
desde o MUD (Movimento de Unidade Democrática), logo após a II Guerra Mundial, até
ao MDP-CDE, nascido já na fase “marcelista” do regime, nas eleições de 1969. No final
do regime dá-se o renascimento tardio do PS (1973), igualmente ilegal.
Depois de 1974 ocorreu, ato contínuo, a ativação pública dos partidos
clandestinos preexistentes (PCP, PS) e o rápido aparecimento dos novos, entre os quais
o PPD/PSD, o CDS e vários outros, sobretudo na extrema-esquerda, alguns deles de
duração efémera.
Tendo em conta a sua representação parlamentar, o sistema partidário manteve-
se durante muito tempo como um modelo “4+1”, com quatro partidos permanentes de
dimensão desigual, dois à esquerda (PS e PCP) e dois à direita (PSD e CDS), e uma
pequena representação da extrema-esquerda (UDP). Desde os anos 90, porém, o
sistema evoluiu para um modelo pentapartidário, com a consolidação do BE. Em todo
o caso, o sistema partidário nacional continua a apresentar duas características
relativamente pouco habituais hoje em dia noutras geografias políticas:
- uma notável estabilidade, quer quanto ao número de partidos com representação
parlamentar e quanto à relação de grandeza eleitoral entre eles, que porém as eleições
de 2019 parecem modificar;
- um elevado grau de concentração eleitoral nos dois principais partidos (o PS e
o PSD), sempre acima dos 60%, por vezes próximo dos 70%.
Outros partidos conseguiram obter uma robusta representação parlamentar,
nomeadamente o PRD em 1985, sob patrocínio do então Presidente da República,
241

Ramalho Eanes. Mas a sua vida foi curta, tendo desaparecido da cena menos de uma
década depois.
Como partidos dominantes, o PSD e o PS - que em conjunto somam em geral
mais de 2/3 dos deputados -, têm alternado no Governo, tendo repartido entre si as
vitórias eleitorais, sozinhos ou em coligação. Todavia, mercê do sistema eleitoral
proporcional, nas 14 eleições parlamentares (até 2015) só houve cinco maiorias
parlamentares absolutas (1979, 1980, 1987, 1991, 2005), sendo duas delas em
coligação pré-eleitoral PSD-CDS (em 1979 e 1980). Isso tem levado a uma relativa
instabilidade governativa, que Duverger associava aos sistemas pluripartidários e ao
sistema eleitoral proporcional.
Constitucionalmente obrigados a terem uma organização e funcionamento
democrático, os partidos tem em geral congressos temporalmente espaçados, para
aprovar os programa e grandes linhas de ação política, conselhos permanentes
compostos por representantes eleitos e órgãos executivos colegiais e um líder
individual. Este pode ser eleito em Congresso ou ser eleito diretamente.
Dos muitos partidos existentes, nem todos têm representação parlamentar. O
sistema partidário pouco mudou desde a origem, revelando uma notável estabilidade
em termos comparativos, com dois partidos centrais (um de centro-direita e outro de
centro-esquerda) que alternam entre si o poder, e com um partido de direita e dois
partidos de esquerda, respetivamente à direita e à esquerda daqueles dois. Até
recentemente, Portugal não assistiu à fragmentação do sistema partidário que se
observa um pouco por toda a Europa na última década. Mas nas últimas duas eleições
(2015 e 2019), quatro novos partidos obtiveram representação parlamentar, embora
reduzida, fazendo elevar para 10 o número de partidos parlamentares, acima da média
dos países europeus. Além da dispersão do voto, essa proliferação de partidos com
representação parlamentar deve-se ao elevado número de deputados eleitos em Lisboa
(48), que tem vido a crescer, onde basta um pequena percentagem para eleger um
deputado.

11.5.2. Grupos de interesse

Como qualquer outra democracia pluralista liberal, existem em Portugal


242

numerosos grupos de interesse organizados, em que os cidadãos, as empresas e outras


entidades da sociedade civil se agregam para os representar coletivamente e defender
os seus interesses e valores comuns (económicos, culturais, morais, religiosos, etc.).
Como noutros sistemas políticos, os principais grupos de interesse são os que
atuam na esfera económica, nomeadamente os sindicatos e as organizações
empresariais e profissionais. Alguns deles, como as ordens profissionais, possuem
natureza oficial e exercem poderes públicos delegados de regulação e supervisão
profissional, mas na prática funcionam como grupos de interesse e como grupos de
pressão.
Existe um Conselho Económico e Social, previsto na Constituição como órgão
consultivo do Governo e do parlamento, que integra representantes dos principais
organizações sindicais e empresariais (além de representantes do poder local e das
regiões autónomas), com grande intervenção nas políticas económica e social,
sobretudo através do seu “conselho de concertação social”, de composição tripartida
(sindicatos, associações empresariais, Governo), numa típica formulação
neocorporativista.
A relação entre grupos de interesse e partidos políticos pode ser muito estreita,
especialmente no caso dos sindicatos. São frequentes os casos de desempenho de
cargos partidários por dirigentes sindicais.
Em Portugal não existe uma regulação legal da atividade de lobbying, pelo que a
relação entre os grupos de interesse, por um lado, e os partidos políticos, os deputados
e os governos carece de transparência

11.6. Eleições e referendos

11.6.1. Sufrágio e níveis de poder político

Em Portugal existe sufrágio universal desde 1975 e gozam de direito de voto


constitucionalmemte os maiores de 18 anos. Todos os eleitores são elegíveis (salvo
algumas inelegiblidades estabelecidas na Constituição e na lei), sem nenhum outro
requisito de idade.
O voto não é obrigatório, embora a Constituição o considere um “dever cívico”.
243

Além dos cidadãos portugueses, várias categorias de estrangeiros residentes gozam


de direito de voto em algumas eleições, nomeadamente os cidadãos de outros paises de
língua oficial portuguesa e os demais cidadãos euriopeus. São vários os níveis de poder
político dotados de órgãos eletivos diretamente eleitos: nivel local, regiões autónomas,
Estado, UE. Por isso, há eleições locais, eleições regionais, eleições nacionais e eleições
europeias.

niveis de poder político órgãos eletivos

UE Parlamento Europeu

Estado PR e AR

Regioes Autónomas Assembleias legislativas regionais

Autarquais locais Assembleias de freguesia


Assembleias municipais
Câmaras municipais

Politicamente as eleições mais importantes no sistema político são as eleições


parlamentares nacionais, não somente por serem nacionais mas também por serem
decisivas para a definição do poder legislativo e do poder executivo, dada a natureza
parlamentar do nosso sistema de governo.

11.6.2. Um sistema político birrepresentativo

Portugal é constitucionalmente uma democracia essencialmente representativa,


baseada na eleição de órgãos representativos a nível local, regional e nacional.
A nível do Estado trata-se de um sistema birrepresentativo, havendo eleição tanto
do parlamento (Assembleia da República) como do Presidente da República. Ao contrário
de outras repúblicas parlamentares, em Portugal o Presidente da República também é
diretamente eleito, tal como nas repúblicas presidencialistas, embora sem a Constituição
atribuir ao Presidente da República poderes governativos.
Essa estrutura birrepresentativa repete-se no plano dos municípios, com a eleição
direta tanto das assembleias municipais como das câmaras municipais, com a
particularidade de esta ser o órgão executivo do município.
244

11.6.3. Eleição do Presidente da República

O Presidente da República é eleito por maioria absoluta (mais de metade dos votos),
havendo uma segunda volta entre os dois candidatos mais votados, se nenhum candidato
obtiver tal maioria na primeira votação.
Portugal seguiu assim o sistema eleitoral presidencial da França (Constituição de
1958, na versão de 1962), embora tal sistema tenha sido utilizado pela primeira vez na
Áustria. Com uma exceção (1986), entre nós nunca houve necessidade de recorrer a uma
segunda votação, tendo havido nas demais eleições presidenciais uma maioria absoluta à
primeira volta.
Os presidentes da República só podem exercer dois mandatos consecutivos de 5
anos, seguindo aqui a solução dos Estados Unidos da América, embora admitindo a
recandidatura passado um “período de defeso” de 5 anos depois do termo do segundo
mandato.
Tods os presidentes até agora foram eleitos para dois mandatos consecutivos e só
num caso é que um antigo Presidente da República se voltou a candidatar posteriormente,
mas sem êxito (Mário Saores, em 2005).

11.6.4. Eleição da Assembleia da República

Como é próprio de qualquer democracia constitucional, uma instituição


incontornável é a assembleia representativa, o parlamento, que vem desde a primeira
constituição liberal. Regressando à Constituição de 1822, a Constituição de 1976 instituiu
um parlamento monocamaral, com uma só assembleia, a Assembleia da República,
prescindindo do senado.
Um das originalidades do atual sistema político-constitucional é a consagração de
um sistema eleitoral proporcional para a eleição dos deputados. Durante o liberalismo
oitocentista predominou o sistema maioritário, em círculos uninominais ou
plurinominais. Na I República vigorou uma conjugação do sistema maioritário com o
sistema de representação de minorias, mediante listas incompletas. Durante o Estado
Novo vigorou um sistema maioritário na eleição da Assembleia Nacional, de base
plurinominal, primeiro num único círculo nacional, depois em círculos eleitorais
distritais; era o sistema adequado para não dar a mínima chance de representação às listas
245

da oposição que esporadicamente se apresentavam a eleições (embora raramente fossem


até à votação).
Depois da revolução de 1974 a lei eleitoral para a Assembleia Constituinte
introduziu o sistema proporcional, segundo o método de Hondt, em círculos eleitorais de
base distrital, que até agora permaneceu inalterado, apesar de episódicos projetos de
reforma. Tratava-se de fazer da Assemebleia Constituinte uma verdadeira imagem
política do país, conferindo a todos os partidos, pela primeira vez concorrentes a eleições,
uma representação correspondente à sua votação, sem porém descurar a representividade
territorial.
O sistema proporcional usado na Constituinte foi constitucionalizado como sistema
de eleição parlamentar, apesar de agora, no sistema de governo de base parlamentar, as
eleições parlamentares também serem decisivas para a formação dos governos e para a
estabilidade governativa (ou falta dela).
O número de deputados, que é de 230, está dentro da amplitude dos países com
população idêntica. Os círculos eleitorais, que correspondem aos distritos administrativos
(mais os círculos das regiões autónomas e os dos residentes no estrangeiro), são de
dimensão muito desigual (Lisboa com 48 deputados, Portalegre com dois).
A representatividade efetiva e o índice de proporcionalidade são relativamente
prejudicados pelo grande número de círculos com pequeno número de deputados (apesar
de o número médio ser um razoável 11,3), deixando o voto de muitos eleitores sem
expressão parlamentar e dando lugar a uma distorção entre a repartição dos votos e a
repartição dos deputados a favor do partido mais votado (cerca de 5%-6%), desvio que é
tanto maior quanto maior for a diferença de votos para o segundo partido. As coligações
eleitorais também distorcem a proporcionalidade. Todavia, a existência de círculos
eleitorais que elegem muitos deputados (Lisboa, Porto, Setúbal, Braga e Aveiro) permite
uma razoável proporcionalidade global e a entrada relativamente fácil de novos partidos
no parlamento (através dos grandes círculos eleitorais, nomeadamente Lisboa), tanto mais
que não existe “cláusula barreira” explícita entre nós.
É um sistema de “lista fechada”, com a lista de candidatos preordenada pelos
partidos, que os eleitores não podem alterar, com débil personalização do voto, não
havendo voto preferencial (o nome dos candidatos nem sequer aparece nos boletins de
voto). Desde 2006 foi introduzido um mecanismo de gender balance obrigatório, não
246

podendo hoje nenhuma lista ter menos de 40% de candidatos de cada sexo e não podendo
haver mais do que dois candidatos seguidos do mesmo género.
Ao longo do tempo tem havido propostas de revisão do sistema eleitoral, no sentido
maioritário (sistema francês, sistema misto maioritário-proporcional), que todavia nunca
tiveram a necessária abertura constitucional, visto que é a própria Constituição que
estabelece o sistema proporcional de Hondt. Tampouco tiveram êxito as propostas de
reduzir substancialmente o número de deputados, o que reduziria a proporcionalidade.
No final dos anos 90 o Governo da altura (PS) apresentou um projeto de reforma
eleitoral tendente à "personalização" parcial do sistema proporcional, com uma solução
inspirada no sistema alemão. Mantinha-se a regra do apuramento proporcional, em
círculos distritais e num novo círculo de âmbito nacional sobreposto. Mas introduziam-
se círculos de candidatura uninominal, como subdivisões dos círculos distritais de
apuramento, sendo os vencedores desses círculos (por maioria relativa) automaticamente
contados na quota de cada partido no respetivo círculo distrital.
Principais diferenças em relação ao sistema alemão:

- Círculos distritais de apuramento proporcional (na Alemanha o apuramento é a


nível nacional);
- O eleitor dispunha de um só voto (não de dois como na Alemanha), com o qual
escolheria o candidato no círculo uninominal, servindo essa escolha
automaticamente como voto no respetivo partido para efeitos do apuramento
proporcional, tanto no círculo distrital como no círculo nacional;
- Inexistência de “deputados supranumerários”, dado que, no caso de haver
vencedores de círculos uninominais que não tenham lugar na quota do respetivo
partido no respetivo circulo distrital (por ele não ter obtido a nível do distrito
votos suficientes para o efeito), eles eram imputados à quota nacional desse
partido; restava porém saber como se resolve a questão que pode surgir no caso
de o partido em causa também não ter direito a esse lugar de acordo com a sua
percentagem nacional de votos.
- Inexistência de cláusula-barreira.

A proposta de reforma – que não vingou no Parlamento - procurava conjugar o


sistema tradicional desde 1975 com uma dose moderada de personalização do voto e de
247

escolha dos deputados nos referidos círculos uninominais, que porém abrangia bem
menos de metade dos deputados (continuando a maioria a sair de listas partidárias
bloqueadas apresentadas a nível nacional e distrital) e não contemplava a possibilidades
de escolha diferenciada nos candidatos uninominais e nos partidos, que só o voto duplo
pode proporcionar.
Quanto às suas consequências políticas, o sistema proporcional tem possibilitado
entre nós um sistema partidário relativamente estável, com dois grandes partidos no
centro do espetro político (PSD e PS) e com dois (depois três) partidos menores nos
extremos do leque parlamentar (CDS e PCP, e mais tarde o BE). Ocasionalmente outros
partidos têm obtido representação parlamentar marginal e efémera (ressalvada a
representação do PRD entre 1985 e 1995), restando saber se veio para ficar a entrada de
novos partidos no parlamento nas eleições de 2015 e de 2019.
Como já se referiu, somente cinco eleições tiveram um vencedor por maioria
absoluta (1979, 1980, 1987, 1991 e 2005), duas delas mediante coligação eleitoral (1979,
1980). Por isso só houve três parlamentos com maioria monopartidária (1987, 1991 e
2005); as restantes assembleias deram lugar a governos de coligação ou a governos
minoritários. Dos vários governos minoritários só dois deles concluiram a legislatura
(Governo Guterres I, 1995-1999 e Governo Costa I, 2015-2019), o mesmo sucedendo
com os governos de coligação (coligação PSD-CDS, 2011-2015). Embora minoritário, o
Governo do PS (2015-2019), gozou do apoio parlamementar dos partidos à sua esquerda,
numa fórmula até agora inédita.

11.6.5. O referendo em Portugal

A história do referendo entre nós até à atual Constituição resume-se a muito pouco:
o referendo local na I República (sem expressão prática); a aprovação plebiscitária da
Constituição de 1933; os referendos de revisão constitucional na Constituição de 1933
(previstos mas nunca efetuados).
Inicialmente houve rejeição do referendo na Constituição de 1976. Depois
sobreveio a progressiva introdução e alargamento do referendo: revisões de 1982
(referendo local), 1989 (referendo nacional), 1997 (referendo regional e referendo
obrigatório relativo à criação das regiões administrativas em Portugal).
248

Os princípios constitucionais do referendo são os seguintes:


- O referendo pode ser nacional, regional e local;
- Natureza facultativa do referendo (exceto o caso especial do referendo sobre a
regionalização do Continente, que é obrigatório);
- Competência para a convocação: pertence ao PR; iniciativa do referendo –
pertence à AR ou ao Governo; entre nós, o PR não pode convocar autonomamente um
referendo, mas pode recusar-se a convocar qualquer referendo que lhe tenha sido
proposto, salvo os referendos obrigatórios.
- As matérias referendáveis são limitadas por várias exclusões (assuntos fiscais,
financeiros, etc.): ausência de referendo constitucional e o referendo não pode versar
sobre a ratificação ou confirmação de uma lei ou decisão já tomada, mas sim somente
sobre a eventual aprovação de uma lei ou decisão política ou alteração de uma lei;
- Controlo preventivo obrigatório da constitucionalidade e legalidade dos
referendos peo Tribunal Constitucional;
- Votação binária (sim ou não a uma dada solução apresentada à votação), com
exclusão de votação alternativa de duas ou mais soluções;
- Natureza vinculativa do referendo, mas exigência de participação de mais de
metade dos eleitores;
- O caso especial do referendo obrigatório da regionalização;
- Cumprimento dos referendos: ausência de controlo judicial do incumprimento dos
referendos vinculativos.
Tiveram lugar até agora somente três referendos nacionais, dois sobre a
despenalização do aborto (junho 1998 e fevereiro 2007) e outro sobre a regionalização
administrativa (novembro 1998). Todos tiveram participação inferior a 50%, pelo que
foram vinculativos; em qualquer caso, venceu o "não" no primeiro e no segundo
referendo (1998), tendo vencido o “sim” no terceiro (2007). São também muito poucos
os referendos locais.
Por conseguinte é pequeno o papel do referendo entre nós, quer por efeito das
limitações constitucionais, quer por falta de vontade política dos órgãos eletivos, quer por
ausência de pressão popular para a sua realização

Bibliografia:
249

J. Miranda, ob. cit., pp. 231-262.


F. Hamon, Le referendum - Etude comparative, Paris, LGDJ, 1995
Maria Benedita Urbano, O Referendo, Coimbra, 1998.
P. Bonavides, ob. cit., pp. 339-357.

11.7. O sistema de governo em Portugal

11.7.1. As duas tradições do sistema de governo em Portugal

Desde e implantação do Estado constitucional em Portugal, com a consolidação da


monarquia constitucional na segunda metade do século XIX, Portugal experimentou dois
modelos completamente distintos de sistema de governo:
- O sistema de governo parlamentar, adotado pelo liberalismo monárquico, segundo
o modelo inglês (embora condicionado pelo “poder moderador” do Rei), e depois levado
ao extremo pela I República (1911-1926), onde vigorou como um quase “regime de
assembleia”; na primeira fase da I República nem sequer havia possibilidade de
dissolução do parlamento em caso de crise política;
- O sistema presidencialista autoritário do Estado Novo (1933-1974), em que o
governo era livremente nomeado e exonerado pelo PR (pelo menos, na letra da
Constituição...) e não dependia de confiança da Assembleia Nacional; todavia, em
derrogação do cânone presidencialista, de separação absoluta de poderes, o PR podia
dissolver a Assembleia Nacional.

11.7.2. Origens do atual sistema de governo (1976-82)

A Assembleia Constituinte (1975-76), no seguimento do Pacto Constitucional entre


os partidos e o Movimento das Forças Armadas, pretendeu obviamente excluir o
presidencialismo do Estado Novo e restaurar a dimensão parlamentar do sistema de
governo (responsabilidade dos governos perante o parlamento), sem porém cair no
modelo de sistema parlamentar exacerbado que tão maus resultados dera na I República.
Por isso, por um lado, restaurou-se a eleição direta do presidente da República, tal
como na Constituição de 1933 (que o Estado Novo, porém, tinha abandonado em 1959,
depois do susto provocado por Humberto Delgado nas eleições presidenciais de 1958);
por outro lado, recuperaram-se os traços fundamentais do sistema parlamentar, incluindo
250

a correspondência entre o ciclo paralementar e o ciclo governativo e a responsabilidade


do governo perante o parlamento.
A primitiva solução de 1976 apresentava, porém, uma notória hibridez, dados os
fortes poderes do PR no sistema de governo. Primeiro, e mais importante, o governo não
dependia da confiança política somente a AR, mas também do Presidente da República,
que por isso o podia demitir (“dupla confiança”); segundo, o PR podia dissolver
autonomamente a AR, independentemente de proposta do Governo ou de crise política
(embora precisasse da autorização do Conselho da Revoluação); além disso, o PR tinha
um poder de veto geral (suspensivo) sobre as leis da AR e do Governo; por último, o PR
era presidente do Conselho da Revolução (que era uma espécie de governo paralelo para
as forças armadas e tinha funções de fiscalização das constitucionalidade das leis) e tinha
assumido, embora sem credencial constitucional, a chefia do Estado-Maior General das
Forças Armadas.
Por isso, tornou-se quase consensual a designação do sistema de governo nessa fase
como “semipresidencialismo”. E de facto, embora o PR não participasse no governo, nem
tivesse funções governativas diretas, que pertenciam todas ao Governo chefiado pelo
primeiro-ministro (salvo no caso do governo militar e da política de defesa, que eram
competência do Conselho da Revoluação, presidido pelo PR), a verdade é que o Governo
também era responsável perante ele, que o podia demitir, sendo esse um traço típico do
semipresidencialismo.
Durante a primeira fase da nova era constitucional, até à revisão constitucional de
1982, registarem-se duas tendências contraditórias em relação ao sistema de governo: por
um lado, uma corrente pró-presidencialista, a favor da adoção de um verdadeiro sistema
presidencialista ou, pelo menos, do reforço dos poderes presidenciais na área do governo
(por exemplo, assumindo a política externa e de defesa); e por outro lado, uma corrente
de pendor parlamentarista, preconizando uma reforma do regime num sentido mais
conforme ao sistema parlamentar, sobretudo pela eliminação da “dupla cofinaça” e do
poder de demissão do Governo pelo PR.
Como vai ver-se, foi a segunda corrente que levou a melhor, até certo ponto.
251

11.7.3. O sistema de governo desde 1982

A revisão constitucional de 1982 modificou consideravelmente o sistema de


governo originário, ao eliminar a dupla responsabilidade política do Governo perante a
AR e o PR, deixando o Governo de necessitar da confiança política do PR e deixando
também, portanto, de poder ser livremente demitido por ele. Doravante, o Governo só
pode ser diretamente demitido pelo PR se tal fosse necessário para assegurar o “regular
funcionamento das instituições”, passando a ser politicamente responsável somente
perante o AR, como nos sistemas parlamentares.
Todavia, o PR manteve alguns poderes originais que são atípicos num sistema de
governo parlamentar:
- Poder de veto legislativo sobre leis da AR (suspensivo) e sobre os decretos-lei do
Governo (definitivo);
- Alguma liberdade de nomeação do primeiro-ministro - embora tendo em conta os
resultados das eleições parlamentares -, que a AR só pode rejeitar por maioria absoluta;
- Poder autónomo de dissolução parlamentar, embora temporalmente limitado,
sendo vedado quer nos seis meses depois das eleições parlamentares, quer nos seis meses
finais do mandato presidencial;
- Poder de veto na nomeação de um conjunto de altos cargos públicos propostos
pelo Governo (chefias militares, embaixadores, Procurador-Geral da República, etc.).
Mas o funcionamento do sistema de governo desde 1982 aproximou-se
progressivamente do de um sistema tipicamente parlamentar, mercê de um conjunto de
práticas, “convenções” e omissões, nomeadamente as seguintes:
- Nomeação sistemática do líder do partido mais votado nas eleições parlamentares
como primeiro-ministro, mesmo com simples maioria relativa, o que permite a existência
de governos minoritários, só tendo acorrido até agora um caso de rejeição parlamentar de
um governo nomeado a seguir às eleições, por ter havido uma maioria absoluta de rejeição
e a formação subsequente de um governo alternativo (2015);
- Respeito do PR pela autonomia política do Governo, assumindo aquele
crescentemente o papel exclusivo de garante do regular funcionamento das instituições;
- Nunca houve nenhuma demissão do Governo por iniciativa presidencial, por
nunca se terem verificado as condições estabelecidas em 1982;
252

- Rara utilização da faculdade de o PM convidar o PR a presidir ao Conselho de


ministros;
- Restrição da dissolução parlamentar às situações de crise política (demissão do
governo), com exceção da dissolução parlamentar de 2004 (motivada por degradação da
situação política);
- Progressiva transformação das eleições parlamentares em eleições decisivas para
a escolha do Governo e esvaziamento de qualquer dimensão governativa das eleições
presidenciais (nunca se falou em “maioria presidencial”).

11.7.4. As diferentes leituras do sistema de governo

Neste quadro, manifestam-se três diferentes leituras do sistema de governo em


vigor entre nós:

a) A leitura semipresidencialista

Uma parte importante dos constitucionalistas e observadores continua a classificar


o sistema de governo numa chave semipresidencialista, tal como antes da revisão
constitucional de 1982.
No entanto, além de ignorar a decisiva mudança da primeira revisão constitucional,
essa corrente utiliza um conceito amplo e difuso de semipresidencialismo, que não
apresenta nenhum valor heurístico, do tipo “sistema em que o Presidente da República,
diretamente eleito, tem relevantes poderes de intervenção no sistema político” (o que é
tudo e é nada).
No que concerne propriamente ao poder governativo, que é a chave da diferença
dos sistemas de governo, o PR não tem nenhum poder de natureza propriamente
presidencialista, visto que não governa nem tem nenhumas funções governativas, não
podendo dar orientações nem muito menos instruções ao Governo; mais importante ainda,
o Governo não depende da confiança do PR nem é responsável perante o PR, que o não
pode demitir. A eleição de um novo PR não acarreta a cessação do governo em funções,
que nem sequer coloca o seu lugar à disposição do PR, o que mostra a irrelevância da
eleição do PR em termos de sistema de governo.
253

O próprio poder de veto legislativo, ao contrário do que parece, tem entre nós pouco
a ver com a homóloga figura do presidencialismo, pois, diferentemente deste, não visa
defender o Governo perante o poder legislativo. Basta ver que também existe veto de
decretos-leis do governo e que o veto de leis da AR não tem sequer de ser precedido de
consulta ao governo. O poder de veto faz parte sim das funções do PR como “quarto
poder”, como poder moderador e supervisor do sistema político, que não pode confundir-
se com nenhuma vertente presidencialista do sistema de governo.
O poder autónomo de dissolução parlamentar também não tem nada a ver com
presidencialismo, pelo contrário, onde pura e simplesmente tal poder não existe, por ser
contrário à lógica do sistema. Também aqui se trata de um poder próprio da função de
moderação e supervisão do sistema de governo.
Por último, a relativa liberdade de escolha do primeiro-ministro é assaz reduzida,
pois só existe quanto há várias alternativas de governo no quadro parlamentar existente,
o que não é o caso quando haja um partido ou coligação eleitoral com maioria parlamentar
ou quando se forme uma coligação parlamentar maioritária. É certo que o PR pode
dissolver a AR em vez de nomear como primeiro-ministro quem ele não deseje, mas essa
possibilidade não existe nos primeiros seis meses depois da eleição parlamentar, o que
praticamente anula esse poder presidencial como meio de recusa de soluções governativas
pós-eleitorais (como se revelou em 2015).

b) A leitura parlamentarista

A leitura parlamentarista é hoje compartilhada por um conjunto crescente de


observadores.
Na verdade, tal como está definido na Constituição e tal como funciona, o sistema
de governo preenche os princípios essenciais do parlamentarismo:
- O governo, chefiado pelo primeiro-ministro, é titular de todo o poder executivo,
não partilhado com o PR;
- O governo é nomeado de acordo com as eleições parlamentares, que são as
eleições decisivas para a escolha do governo;
- O governo cessa funções quando há novas eleições parlamentares, não quando há
novas eleições presidenciais;
254

- As eleições presidencias e a mudança de Presidente da República não afetam em


nada a continuidade do Goveno em funções (a não ser que o novo Presidente decida
dissolver a Assembleia da República);
- O Presidente da República não governa nem pode censurar a condução poltica do
Governo;
- A responsabilidade política do Governo é exclusivamente perante o parlamento,
havendo demissão por efeito de perda de confiança parlamentar;
- Existe a possibilidade de dissolução parlamentar (embora não por decisão do
Governo);
- Os Governos existem e iniciam atividade com a simples nomeação presidencial,
mas só entram em plenitude de funções com a “investidura parlamentar” .
Em contrapartida, não existe nenhum dos traços típicos de presidencialismo nem de
chamado semipresidencialismo. O PR não detém nenhuma parcela da função
governativa; não participa nem interfere na atividade do Governo (só pode presidir ao
conselho de ministros a convite do PM); o Governo não depende da confiança do PR, que
lhe não pode definir os objetivos nem dar orientações e muito menos o pode demitir por
motivo de discordância política. A eleição direta do Presidente da República pode ser
uma condição necessária do presidencialismo mais não é uma condição suficiente, longe
disso, havendo vários sistemas de governo tipicamente parlamentares em que o Presidente
da República é diretamente eleito (Áustria, Finlândia, Islândia, Irlanda, etc..), pelo que
não existe nehuma incongruência entre a eleição presidencial direta e o facto de ele não
ter poderes executivos.
Não se trata evidentemente de um sistema parlamentar típico, visto que o PR goza
de alguma liberdade na formação do Governo quando não haja maioria parlamentar; o
Governo não precisa de uma investidura parlamentar positiva, bastando não ser rejeitado
por maioria absoluta; falta de dissolução parlamentar por decisão governamental; poder
de veto legislativo presidencial, etc.
Todavia, apresentando o sistema os traços essenciais do parlamentarismo sem ter
nenhum dos traços essenciais do presidencialismo, a qualificação deve refletir a sua
verdadeira caraterização.
255

c) A leitura primo-ministerial

Esta caraterização pretende sublinhar dois traços do sistema de governo tal como
ele funciona efetivamente: a progressiva transformação das eleições parlamentares numa
disputa para o cargo de primeiro-ministro e a proeminência do primeiro-ministro na
condução do Governo, apagando a sua dimensão colegial ou de gabinete.
No entanto, sendo uma designação mais própria da ciência política do que uma
qualificação constitucional, ela não dá conta da natureza do sistema de governo. Primeiro,
as eleições parlamentares não são a eleição do primeiro-ministro, pois o PR não é
obrigado a nomear o líder do partido mais votado (salvo se ele tiver maioria absoluta) e,
se o fizer, ele pode ser rejeitado na AR, obrigando o PR a nomear outro. Segundo, em
caso de morte, saída ou demissão pessoal do PM, não tem de haver novas eleições,
podendo haver um novo governo com outro primeiro-ministro que nem sequer foi a
eleições (nem precisa de ser deputado). Terceiro, para todos os efeitos, o conselho de
ministros é o órgão colegial do Governo a quem cabem as decisões políticas principais,
que não é uma monocracia do primeiro-ministro. De resto, em governos de coligação, o
primeiro-ministro tem de partilhar o seu protagonismo com o líder do “partido júnior” na
coligação.

d) O lugar do PR no sistema de governo

Não é possível compreender o sistema de governo português sem ter em conta o


lugar específico do PR como “quarto poder”, à margem da dialética da relação
parlamento-Governo, claramente inspirada na figura do “poder moderador” proposta por
Benjamin Constant.
Há quem veja na eleição direta do PR um traço “semipresidencialista” do sistema
de governo. Mas é errado. Como já se viu, existem muitas repúblicas tipicamente
parlamentares em que o PR é diretamente eleito e não tem nenhuns poderes exorbitantes
de um sistema de governo parlamentar (Áustria, Irlanda, Islândia, etc.). A eleição direta,
só por si, não quer dizer presidencialismos nem semipresidencialismo.
Por outro lado, se o PR tem entre nós relevantes poderes próprios, isso não quer
dizer que eles se referem diretamente ao sistema de governo. Na verdade, embora o
Presidente tenha fortes poderes de intervenção institucional (nomeação de altos cargos
256

públicos, poder de veto dos diplomas legislativos, poder de dissolução parlamentar e


antecipação de eleições, por iniciativa própria, convocação de referendos, etc.), ele não
participa, porém, diretamente da atividade governamental, nem o Governo depende
politicamente da sua confiança política, pelo que não pode demiti-lo (salvo
excecionalmente, quando estiver em causa o "regular funcionamento das instituições").
Estruturalmente, o sistema de governo português é hoje um sistema de índole
essencialmente parlamentar, em que o Presidente da Republica não compartilha da
função executiva nem da atividade governamental, cabendo-lhe antes um papel de defesa
da Constituição e de regulador e moderador do sistema político, fazendo lembrar, como
se referiu, o “poder neutro” de Benjamin Constant, que entre nós inspirou a Carta
Constitucional de 1826, a mais duradoura constituição portuguesa. A noção de
“semipresidencialismo”, que insinua que o PR ainda faz parte do poder executivo, em
nada ajuda a compreender o verdadeiro papel do PR no nosso sistema de governo. Pelo
contrário.

Bibliografia específica

J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Os poderes do Presidente da República,


Coimbra.
A. Gonçalves Pereira, O Semipresidencialismo em Portugal, Lisboa, 1984.
L. Barbosa Rodrigues, Semipresidencialismo Português: Autópsia de uma Ficção,
Lisboa, Quis Iuris, 2017

11.7.5. Rotativismo entre a esquerda e a direita

Desde a sua fundação, o atual sistema de governo tem sido essencialmente


determinado pela alternância governativa entre a direita e a esquerda política, organizadas
respetivamente em torno do PPD/PSD e do PS. Só dois governos efémeros é que fugiram
esta lógica: o governo PS-CDS (1976-7) e o governo PS-PSD (1985-87), sendo o PS o
partido dominante nas duas ocasiões.
Todavia, enqueanto à direita foi possível constituir várias coligações eleitorais ou
de governo, à esquerda não houve condições para igual aproxiamação, pelo que, fora das
duas situações referidas, o PS governou sozinho, várias vezes em minoria parlamentar.
257

Essa assimetria favorece claramente a direita, que normalmente juntou forças. O PS só


podia governar quando tinha mais deputados do que o PSD e o CDS juntos, estando os
governos do PS sempre sujeitos a dupla oposição, à sua direita e à sua esquerda.
Esta situação alterou-se em 2015, quando um acordo entre o PS e os partidos à sua
esquerda permitiu rejeitar o segundo Governo Passos Coelho (minoritário) na sua
apresentação parlamentar e constituir um governo minoritário do PS com apoio
parlamentar dos referdios partidos.
A manter-se esta inédita capacidade de entendimento à esquerda, então é de admitir
que doravante a tendência poderá ser a de disputa do governo entre os dois blocos
partidários à esquerda e à direita, com a constituição de governos de coligação ou de
protocoligação dos dois lados, afastando tendencialmente quer os governos minoritários,
quer os governos de “bloco central”. A confirmar-se esta nova situação – o que
permancece em aberto -, trata-se de uma alteração consideravel no funcionamento do
sistema político em Portugal. Todavia, a não reedição desse acordo em 2019 e a
constituição de um novo governo minoritário do PS sem acordo de sustentação
parlamentar para a legislatura à sua esquerda deixa em dúvida a viabilidade plítica dessa
mudança de curso.

11.7.6. Estabilidade governamental

Qaunto à estabilidade governamental cumpre ter em conta a sucessão dos governos


desde 1976.
O quadro abaixo, com a sucessão dos parlamentos e dos governos desde o início da
era constitucional inaugurada em 1976 revela inequivocamente uma primeira década
(1976-1985) de notória instabilidade governativa (5 eleições parlamentares e 10 governos
em 9 anos), mas depois essa excessiva rotatividade política diminuiu consideravelmente.
Apesar de das 14 eleições parlamentares apenas cinco legislaturas terem completado o
mandato de quatro anos e de ter havido 21 governos em quatro décadas (média de
duração: 2 anos), esse panorama melhora claramente nos últimos 30 anos (1987-2019),
em que cinco em nove legislaturas completaram o mandato e em que houve 10 governos
(duração média de três anos). Por isso, Portugal não compara muito mal com outros países
dotados de sistemas parlamentares de base proporcional.
258

Eleições Vencedor Gover- Governos (base Primeiro-Ministro


(maioria) nos parlamentar)
1976 PS (minor.) I PS (min.) Mário Saores
II Colig. PS/CDS (maior.) Mário Saores
III independente Nobre da Costa
IV independente Mota Pinto
V independente Lurdes Pintasilgo
1979 Col. PSD/CDS VI Colig. PSD/CDS (maior.) Sá Carneiro
(maior.)
1980 Col. PSD/CDS VII Colig. PSD/CDS (maior.) Pinto Balsemão
(maior)
VIII Colig. PSD/CDS (maior.) Pinto Balsemão
1983 PS (min.) IX Col. PS/PSD (maior.) Mário Saores
1985 PSD (min.) X PSD (min.) Cavaco Silva
1987 PSD (maior.) XI PSD (maior.). Cavaco Silva
1991 PSD (maior.) XII PSD (maior.) Cavaco Silva
1995 PS (min.) XIII PS (min.) A. Guterres
1999 PS (min.) XIV PS (min.) A. Guterres
2002 PSD (min.) XV Colig. PSD/CDS (maior.) Durão Barroso
XVI Colig. PSD/CDS (maior.) Santana Lopes
2005 PS (maior.) XVII PS (maior.) J. Sócrates
2009 PS (min.) XVIII PS (min.) J. Sócrates
2011 PSD (min.) XIX Colig. PSD/CDS (maior.) Passos Coelho
2015 Colig. PSD/CDS XX Colig. PSD/CDS (min.) Passos Coelho
(min.)
XXI PS (min.) (*) António Costa
2019 PS (min) XXII PS (min.) António Costa

(*) Com acordo de investidura parlamentar com o BE, o PCP e os Verdes.

Nesta tabela, podem observar-se cinco períodos bem distintos na evolução do


sistema de governo basicamente parlamentar instituído pela Constituição de 1976:
- um primeiro período, de 1976 a 1987, de marcada instabilidade governamental,
com cinco eleições parlamentares, três dissoluções parlamentares e dez governos em onze
anos, sendo três desses governos "de iniciativa presidencial" e de duração assaz efémera
(1978-79);
259

- um segundo período, de duração aproximadamente igual 1987-2000, com três


assembleias consecutivas a preencherem a legislatura de quatro anos e três governos,
correspondentes a cada uma dessas legislaturas, sendo dois de maioria monopartidária
(1987-91 e 1991-95) e o terceiro de confortável maioria relativa (1995-2000);
- um terceiro período (2000-2005), novamente caraterizada pela instabilidade
governamental, com duas assembleias dissolvidas (2002 e 2005) e três governos de curta
duração (Guterres II, Durão Barroso e Santana Lopes);
- um quarto período de uma década (2005-2015), com três governos (Sócrates I e
II e Passos Coelho), dois de maioria absoluta (um monopartidário e outro de coligação) e
apenas uma dissolução parlamentar por demissão do Governo (2011);
- um quinto período (2015-?), novamente preenchido por governos minoritários
(Passo Coelho II, Costa I e Costa II), um deles, porém (Costa I), beneficiando de um
acordo de legislatura que lhe assegurou sustentação parlamentar maioritária.
Para a instabilidade do primeiro período constitucional contribuíram
essencialmente a subjacente instabilidade económica e social (ainda na ressaca da
revolução de 1974-76), a própria instabilidade constitucional (polémica sobre o próprio
sistema constitucional, especialmente no que respeita à constituição económica e ao
sistema de governo), o sistema partidário de caraterísticas pluripartidárias (que só podia
produzir governos minoritários ou de coligação inconsistente), o entendimento
intervencionista do primeiro Presidente da República nos seus dois mandatos (Ramalho
Eanes, 1976-81, 1981-86).
Para a estabilidade do segundo período referido contribuíram a estabilização
económica e social a partir de 1985 (concomitante com a adesão do nosso país a
Comunidade Económica Europeia), o fim da conflitualidade constitucional (por efeito
das revisões constitucionais de 1982 e 1989), a tendência para uma certa bipartidarização
do sistema partidário, com reforço do apoio eleitoral dos dois partidos centrais do sistema
(PSD e PS) e diminuição do papel dos dois outros partidos, o entendimento menos
intervencionista do segundo Presidente da República nos seus dois mandatos (Mário
Soares. 1986-91, 1991-96) e do terceiro (Jorge Sampaio, 1996-2001, 2001-2006).
Para o retorno da instabilidade no terceiro período contribuíram as dificuldades
económicas e financeiras, conjugadas com a falta de maiorias absolutas, o que deu lugar
a governos minoritários ou de coligação pouco coesa.
260

A nova maioria absoluta do Governo de Jose Sócrates (2005) significou o regresso


aos governos de legislatura, continuado pelo governo de coligação PSD-CDS (2011-
2015), após o breve o interregno do Governo minoritário de Sócrates II (2009-2011).
Verifica-se que dos vários governos minoritários só dois deles completaram a
legislatura (Governo Guterres I, 1995-1999 e Governo Costa I, 2015-2019), o mesmo
tendo sucedido com os governos de coligação, sendo o Governo PSD-CDS de 2011-2015
o único a completar os quatro anos.

11.8. Participação política

11.8.1. Baixa participação nas organizações sopcias e polticas

É comparativamente baixa a participação dos cidadãos nas organizações sociais


e políticas entre nós, tendo vindo a baixar com o tempo. Assim sucede com os
números de filiados em sindicatos e em outras associações.
Também é reduzida a base social dos partidos políticos, tendo o número de
filiados vindo a diminuir, sendo estimada em cerca de 3% da população adulta. Isso é
especialmente notório na juventude.
A reduzida base social dos partidos políticos gera condições para uma elevada
volatilidade eleitoral, assim como para movimentos políticos inorgânicos, à margem
dos partidos, o que porém se não tem verificado.

11.8.2. Baixa participação na ação política

Sem surpresa, também é comparativamente baixa a participação individual na ação


política, seja em eventos de democracia participativa (petições, consultas públicas,
manifestações e protestos), seja nas eleições e nos referendos.
A taxa de abstenção eleitoral tem vindo a aumentar ao longo dos anos. Nenhum dos
três refenedos nacionais realizados obteve o quorum necessário de mais de metade dos
eleitores para ser vinculativo.
A reduzida base social dos partidos conduz a um elevado défice de fidelidade
eleitoral e a uma elevada volatilidade eleitoral, na medida em que a grande parte dos
eleitores muda de sentido de voto de eleição para eleição. Por isso, eleições com
intervalos relativamente reduzidos podem dar resultados bem distintos.
261

11.9. Consenso constitucional e estabilidade do sistema político

11.9.1. Consenso constitucional

Embora aprovada sem unanimidade em 1976, a CRP veio ganhando um assinalável


consenso cosntitucional, mercê de sucessivas revisões constitucionais.
Por outro lado, ao contrário do que sucedeu no sistema político do autodesignado
“Estado Novo”, em que havia um notável distância entre o sistema potico desenhado na
Constituição de 1933 e o sistema político efetivamente existente, no atual regime
constitucional o sistema político efetivo corresponde ao modelo constitucional, sem
distorcões relevantes à margem da Cosntituição, muito menos contra a Cosntituição,
ressalvadas algumas inconsistências, como a ausência das regiões administrivas no
Continente e a presidencialização do sistema de governo municipal.
A grande densidade da regulação constitucional do sistema político, sem paralelo
nas constituições anteriores, deixa pouca margem para desenvolvimentos
extraconstitucionais.

11.9.2. Sistema proporcional e coligações

Uma vez que o sistema eleitoral proporcional não favorece maiorias parlamentares
monopartidárias (só houve três até agora: 1987, 1991, 2005), a alternativa de governos
maioritátrios tem sido a formação de coligações eleitorais ou pós-leitorais.
Em Portugal têm existido várias coligações eleitorais envolvendo quase todos os
partidos com representação parlamentar, especialmente no quadrante direito do leque
partidário (PSD, CDS e outros). Houve vários pequenos partidos que obtiverem
representação parlamentar por via de coligação parlamentar com outros maiores (PPM
em 1979 e 1980; UEDS e ASDI em 1980; PEV, em várias legislaturas). Algumas eleições
foram ganhas por coligações, todas à direita (1979, 1980, 2015), nos dois primeiros casos
com maioria absoluta.
Em Portugal também houve vários governos de coligação, quer com base em
coligações eleitorais prévias (PSD-CDS-PPM, 1979 e 1980; PSD-CDS, 2015), quer com
base em coligações pós-eleitorais (PS-CDS, 1978; PS-PSD, 1985; PSD-CDS, 2002 e
2011).
262

Caso especial foi o da protocoligação estabelecida entre PS-BE-PCP em 2015, para


investir e sustentar o governo minoritário do PS (2015-2019). Este arranjo ficou
conhecido por “Geringonça” por três razões até então inéditas: (i) ter gerado um governo
minoriário de um partido que não tinha ganhado as eleições; (ii) ter consubstanciado uma
aliança parlamentar-governamental entre os partidos de esquerda; (iii) existência de uma
maioria parlamentar pluripartidária de apoio a um governo minoritário monopartidário,
sem participação dos demais partidos do acordo.
No entanto, apesar de todas essas coligações, permanece elevado o número de
governos minoritários, quase todos de duração inferior à legislatura, afetando a
estabilidade governamental (ver tabela abaixo).

11.9.3. Estabilidade do sistema político e do sistema de governo

O sistema político tem apresentado uma notável estabilidade, sem paralelo em


qualquer época constitucional anterior, sem nenhuma perturbação da ordem
constitucional, sem necessidade de acionar o mecanismo da declaração do estado-de-sítio
e da suspensão de direitos fundamentais e sem interferência militar no poder político. As
eleições tem ocorrido nas datas aprazadas, sem perturbações nem contestação dos seus
resultados. As mudanças de governo a todos os níveis do poder têm-se operado de forma
pacífica e incontestada.
Também o sistema de governo não sofreu modificações substantivas depois da
revisão constitucional de 1982, tendo apresentado como se viu acima, uma razoável
estabilidade política, quando comparado com a instabilidade da I República, apesar do
sistema eleitoral proporcional e do potencial de conflito entre o poder de supervisão do
Presidente da República e a autonomia governamental. Vale a pena sublinhar
especialmente dois pontos:
- a ausência de situações de impasse na busca de soluções de governo pós-eleitorais
que se observam noutros países, apesar da norma de eleições sem resultado maioritário,
bem como o número reduzido de demissões parlamentares dos governos (apenas três
casos em mais de 40 anos);
- a não verificação de qualquer situação de demissão presidencial do governo para
salvaguarda do “regular funcionamento das instituições”, o que constitui a maior prova
de que isso nunca esteve em causa.
263

11.10. O debate sobre a reforma do sistema político

11.10.1. O défice de qualidade da democracia portuguesa

Embora preenchendo todos os requisitos constitucionais e institucionais do regime


democrático, a democracia portuguesa deixa a desejar em alguns aspetos do seu
funcionamento, nomeadamente quanto à relativa instabilidade governativa, à baixa
participação democrática e à reduzida confiança popular nas instituições, aliás aspetos
ligados entre si.
No conhecido ranking democrático da revista The Economist, Portugal ocupa um
modesto lugar fora das “democracias plenas”, portanto no grupo das “democracias
imperfeitas”.

11.10.2. Propostas de reforma

O quadro institucional subjacente ao sistema político mantém-se no fundamnetal


intocado desde a revisão constitucional de 1982. Só há a assinalar um progressivo reforço
da autonomia regional e da autonomia local e do autogoverno das instituições judiciais,
as modificações induzidas pela adesão de Portugal à UE e a criação das chamadas
“autoridades públicas independentes”, designadamente no domínio da regulação e da
supervisão económica e financeira (Banco de Portugal e demais autoridades reguladoras);
a redução do número de freguesias; a limitação dos mandatos no poder executivo local.
Apesar da referida estabilidade constitucional e política, não têm faltado propostas
de reforma do sistema político, em particular do sistema eleitoral e do sistema de governo,
ao longo deste anos.
Quanto à estrutura do Estado, são de referir entre outras as seguintes propostas:
- extinção do cargo de representante da República nas regiões autónomas;
- retoma da proposta de criação das regiões administrativas no Continente
Quanto ao sistema eleitoral, não tem voltado a haver propostas oficiais de revisão
do sistema eleitoral depois do falhanço da tentativa de reforma de 1998, acima referida.
As modificações do sistema eleitoral da Assembleia da República incluem propostas
como a redução do número de deputados, a reconfiguração dos círculos eleitorais, s
introdução da personalização na eleição dos deputados (seja pela instituição de círculos
264

uninominais de candidatura, seja pela introdução do voto preferencial nos círculos


plurinominais);
Entre as mais recentes propostas doutrinárias, conta-se a de Freire / Meirinho /
Moreira (2008), que previa nomeadamente:

- Criação de um círculo nacional sobreposto aos círculos locais;


- Redução do número médio de deputados dos círculos infranacionais;
- Estabelecimento do voto preferencial nos círculos locais, pelo qual os eleitores
podem selecionar um ou mais dos candidatos da lista partidária em que votam.
Outra proposta doutrinária foi a avançada há alguns anos por J. Oliveira e Costa,
que recuperava a inspiração do modelo alemão, conjugando um círculo eleitoral nacional
proporcional de 100 deputados e um número pouco superior de círculos uninominais,
com deputados eleitos por maioria simples. Esse modelo levaria à ampliação do leque de
partidos representado na Assembleia da República, mercê do círculo eleitoral de 100
deputados, mas permitiria ao partido mais votado ganhar a maior parte dos círculos
uninominais, favorecendo no conjunto a possibilidade de maiorias absolutas
monopartidárias.
Recentemente, voltou à agenda pública, através da SEDES e de um antigo deputado
(Ribeiro e Castro), uma proposta de adoção do modelo alemão, em termos semlhantes
aos da proposta rejeitada de há duas décadas na AR.

Quanto aos órgãos do Estado e ao sistema de governo, são de referir as seguintes


propostas:
- reforço dos poderes políticos do Presidente da República ou, ao contrário, redução
dos mesmos e abandono da sua eleição direta;
- criação de um senado e instituição de um parlamemto bicamaral;
- introdução da “moção de censura construtiva”.
Quanto ao sistema político local, são de mencionar as seguintes propostas:

- fim da eleição direta das câmaras municipais e reconfguração do sistema de


governo local;

- criação de macroautarquais metropolitanas (Lisboa e Porto)..


265

Quanto ao funcionamento do sistema político, merecem ser mencionadas ass


seguintes propostas:
- aumento da trasnparência da ação política (declaração de património e
rendimentos dos titulares de cargos políticos, legalização do lobbying),
- reforço da responsabildade dos decisores políticos (códigos de conduta).

Importa dizer que muitas destas propostas não chegaram a ganhar suficiente tração
no debate político, pelo que não passam de sugestões mais ou menos doutrinárias, sem
grande perspetiva de serem perfilhadas. As mais recorrentes são as que dizem respeito à
reforma eleitoral e ao reforço da transparência do ação política.

Todavia, embora alguns destas reformas sejam constitucionalmente possíveis,


enquanto outras carecem de alteração constitucional, a verdade é que muitas delas
precisam de uma maioria parlamentar de 2/3, o que implica um entendimento entre o PSD
e o PS, o que até agora tem faltado.

Bibliografia
André Correia de Almeida, (coord.), Reforma do sistema parlamentar em Portugal,
Cascais, Principia, 2019
André Freire, Sistema político português, séculos XIX-XXI: Continuidades e
Ruturas. Coimbra Alemdina, 2012.
André Freire / António Costa Pinto, O Poder dos Presidentes: A República
Portuguesa em debate. Lisboa, Campo da Comunicação, 2006.
Associação Portuguesa de Ciência Política, A Reforma do Estado em Portugal:
Problemas e Perspetivas, Lisboa, Bizancio, 2001.
Carlos Jalali, Partidos e sistema de partidos, FFMS, Lisboa, 2018.
Conceição Pequrito Teixeira, Qualidade da demoicracia em Portugal, FMS,
Lisboa, 2018
Cristina Queiroz, O sistema político e constitucional português, Lisboa, 1992.
G. Oliveira Martins, Portugal: Instituições e factos, INCM, 1991.
J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Os poderes do Presidente da República,
Coimbra, Coimbra Editora, 1994.
266

Luís Barbosa Rodrigues, Semipresidencislismo português: Autópsia de um mito,


Quid Iuris, Lisboa, 2017
Mário Bastista Coelho (org), Portugal, o Sistema Poltico e Constitucional, 1974-
1987, Lisboa, ICS, 1989.
Manuel Braga da Cruz, O Sistema Político Português, FFMS, 2017.
Nuno Severiamo Teixeira / António Costa Pinto (edts), The Europeanization of
Portuguese Democracy, Columbia University Press, Nova York, 2012
Ricardo Leite Pinto / J. M. Ferreira deAlmeida, O Sistema político-administrativo
Português, Ina, 2001.
267

Índice

Apresentação ..................................................................................................... 3
Programa geral .................................................................................................. 5
Bibliografia geral............................................................................................... 7
Capítulo I ........................................................................................................... 9
Noção e objeto da ciência política .................................................................... 9
1.1. Noção ........................................................................................................... 9
1.2. Origem e desenvolvimento da ciência política ......................................... 9
1.3. Ciência política e disciplinas próximas .................................................. 10
1.4. O objeto da ciência política ................................................................ 12

1.4.1. As diferentes perspetivas ...................................................................... 12


1.4.2. A ciência política como ciência do Estado........................................... 12
I - Os elementos do Estado ............................................................................. 12
II - As funções e tarefas do Estado ................................................................ 15
1.4.3. A ciência política como ciência do poder político ............................... 16
I - Poder e autoridade ..................................................................................... 17
II - Teorias do poder político ......................................................................... 18
III. A limitação do poder político .................................................................. 20
IV. Tipologias do poder político ..................................................................... 20
1.4.4. A ciência política como ciência do sistema política ............................ 21
I - As funções do sistema político ................................................................... 21
II - O funcionamento do sistema político ...................................................... 24

1.4.5. Sistema políticas e clivagens sociais ........................................... 27

Capítulo II ....................................................................................................... 29

Origem e transformações do Estado moderno ............................................. 29

2.1. Da Idade média ao Estado absoluto (século XV-XVIII) ............. 29


268

2.2. A revolução liberal e o Estado liberal (fins do século XVIII-


XIX) .................................................................................................................. 30
2.3. As transformações do Estado liberal (séculos XIX-XX) ............. 33

2.4. O “Estado de direito liberal, democrático e social” como “fim da


história” do Estado? ................................................................................................. 40

Capítulo III ..................................................................................................... 43

Os agentes políticos ......................................................................................... 43

3.1. Cidadãos, grupos e partidos políticos ........................................... 43

3.2. Os cidadãos ............................................................................................... 45

3.3.1. Do súbdito ao cidadão ........................................................................... 45


3.3.2. Direitos de cidadania............................................................................. 46
3.3.3. Cidadania e nacionalidade ................................................................... 46
3.3.4. Individualismo, comunitarismo e minorias ........................................ 47

3.3. Os grupos de interesse .................................................................... 48

3.3.1. Noção e caraterísticas ........................................................................... 48


3.3.2. Tipologia dos grupos de interesse ........................................................ 50
3.3.3. Funções dos grupos de interesse .......................................................... 51
3.3.4. Lobbying ................................................................................................. 53
3.3.5. Representação política de grupos de interesse ................................... 53

3.4. Os partidos políticos................................................................................. 54

3.4.1. Interesses e ideologias ........................................................................... 54


3.4.2. Definição ................................................................................................ 55
3.4.3. A origem dos partidos políticos............................................................ 57
3.4.4. A estrutura do poder dentro dos partidos .......................................... 59
3.4.5. Tipologia dos partidos políticos ........................................................... 61
269

3.4.6. Sistemas de partidos.............................................................................. 64


3.4.7. Sistemas de partidos e sistemas eleitorais: As "leis de Duverger" ... 68

Capítulo IV ..................................................................................................... 71
Formas de expressão política ....................................................................... 71
4.1. O voto e a participação ............................................................................ 71
4.2. Sistemas eleitorais das assembleias representativas ............................. 72

4.2.1. Introdução.............................................................................................. 72
4.2.2. O sufrágio............................................................................................... 72
4.2.3. Os tipos básicos de sistema eleitoral (stricto sensu) ........................... 73
I - Sistemas maioritários ................................................................................. 75
II - Sistemas proporcionais............................................................................. 76
III - Sistemas eleitorais mistos ....................................................................... 80
IV - Sistemas proporcionais personalizados ................................................. 81
V – “Cláusula barreira” ................................................................................. 82
VI - Fatores que determinam o índice de proporcionalidade efetiva dos
sistemas eleitorais ............................................................................................ 82
VII – Sistemas proporcionais corrigidos ....................................................... 83
4.2.4. Coligações eleitorais .............................................................................. 83
4.2.5. Representação diferenciada em sociedades divididas........................ 84
4.2.6. Lógica e consequências dos sistemas eleitorais ................................... 84

4.3. Referendo .................................................................................................. 88

4.3.1. Noção............................................................................................. 88
4.3.2. Referendo e democracia representativa .................................... 90

4.3.3. História do referendo ............................................................................ 91

4.3.4. Tipologia dos referendos ............................................................. 92


4.3.5. Iniciativa do referendo ................................................................ 93
4.3.6. Matérias referendáveis ................................................................ 94
4.3.7. Modo de decisão ........................................................................... 94
270

4.4. Democracia participativa ........................................................................ 95


Capítulo V ....................................................................................................... 97
Tipos de Estado .............................................................................................. 97

5.1. Do Estado unitário à organização supranacional ........................ 97


5.2. Estado unitário e Estado federal ................................................... 98
5.3. A descentralização política dos Estados unitários ..................... 101
5.4. A descentralização administrativa territorial ............................ 102
5.5. A desconcentração territorial da administração estadual ........ 104
5.6. Organizações internacionais ........................................................ 104

5.7. As organizações supranacionais ........................................................... 106

5.7.1. Organizações supranacionais ............................................................. 106


5.7.2. A União Europeia ................................................................................ 107

6.1. As grandes tipologias ............................................................................. 113


6.2. Formas políticas: monarquia versus república ................................... 115
6.3. Regimes políticos: critérios fundamentais ........................................... 116

Bibliografia: ................................................................................................... 118

6.4. Os regimes políticos contemporâneos .................................................. 118

6.4.1. Multiplicidade de regimes ......................................................... 118


6.4.2. A democracia liberal ................................................................. 119

Bibliografia .................................................................................................... 120

6.5. A conceção "procedimental" da democracia ...................................... 120


6.6. A democracia representativa ................................................................ 122

6.6.1. Democracia representativa versus democarcia direta ..................... 122


6.6.2. Trasços da democracia representativa .............................................. 122
6.6.3. Contestação da democracia eleitoral ................................................. 123
271

6.7. Democracia e participação eleitoral ..................................................... 124


6.8. A democracia em sociedades divididas ................................................ 125
6.9. A qualidade da democracia ................................................................... 126

6.10. Democratização e transição democrática ................................. 126

6.10.1. A "terceira vaga da democratização" ............................................. 126


6.10.2. Vias e problemas da democratização e da consolidação
democrática .................................................................................................... 127
Bibliografia .................................................................................................... 128

Capítulo VII .................................................................................................. 129


Sistemas de governo .................................................................................... 129

7.1. Sistemas de governo nas democracias representativas ............. 129


7.2. Sistema de governo presidencial, ou presidencialismo.............. 132
7.3. Sistema de governo parlamentar, ou parlamentarismo stricto
sensu ............................................................................................................... 135
7.4. As formas de governo compósitas ou mistas .............................. 139
7.5. Sistema de governo diretorial ...................................................... 141
7.6. O sistema de “governo de assembleia” (convencional) ............. 142
7.7. O lugar do chefe do Estado no sistema de governo ................... 143

Estruturas orgânicas do Estado ................................................................... 145

8.1. O Estado enquanto organização .................................................. 145


8.2. O chefe do Estado ......................................................................... 146

8.2.1. Reis e presidentes ................................................................................ 146


8.2.2. Eleição dos presidentes ....................................................................... 147
8.2.3. Duração do mandato, renovação e destituição ................................. 148
8.2.4. Funções ................................................................................................. 149
8.2.5. Irresponsabilidade política ................................................................. 150
8.2.6. Vice-presidente .................................................................................... 151
272

8.3. As assembleias representativas .................................................... 152

8.3.1. Tipos de assembleias ........................................................................... 152


8.3.2. Dimensão das assembleias .................................................................. 152
8.3.3. Funções das assembleias ..................................................................... 153
8.3.4. Relações entre a assembleia e o governo ........................................... 155
8.3.5. Organização e funcionamento das assembleias ................................ 156
8.3.4.1. Sistema bicamaral ............................................................................. 156
8.3.4.2. As comissões parlamentares ............................................................. 159
8.3.4.3. Os deputados...................................................................................... 159
8.3.4.5. Os grupos parlamentares .................................................................. 160
8.3.6. Duração das assembleias .................................................................... 161
8.3.7. O "declínio" das assembleias ............................................................. 162

8.4. O governo ...................................................................................... 163

8.4.1. Estrutura .............................................................................................. 163


8.4.2. Estabilidade governamental ............................................................... 165

8.5. A administração pública .............................................................. 166

8.5.1. O "Estado administrativo" ................................................................ 166


8.5.2. Governo e administração .................................................................... 167
8.5.3. Controlo da administração ................................................................. 168
8.5.4. Recrutamento e estatuto dos funcionários ........................................ 170
8.5.5. A "nova gestão pública" ..................................................................... 171
8.5.6. As autoridades administrativas independentes ................................ 171

8.6. As forças armadas ........................................................................ 172

8.6.1. A especificidade das instituições militares ........................................ 172


8.6.2. A intervenção militar na vida política ............................................... 173

8.7. Os tribunais ................................................................................... 175


273

8.7.1. Os tribunais como poder do Estado .................................................. 175


8.7.2. Estrutura dos tribunais ...................................................................... 176
8.7.3. Estatuto dos juízes ............................................................................... 179
8.7.4. A independência dos juízes e a questão do autogoverno das
magistraturas ................................................................................................. 179
8.7.5. A participação popular na justiça ..................................................... 180
8.7.6. O “ativismo judicial” e a separação de poderes ............................... 181

Capítulo IX .................................................................................................... 183


Limites e controlo do poder político ............................................................ 183

9.1. Visão geral ..................................................................................... 183


9.2. Limitação das funções do Estado ................................................ 184

9.2.1. A autonomia dos indivíduos e dos grupos sociais ............................. 184


9.2.2. Variações sobre o liberalismo ............................................................ 185
9.2.3. “Princípio da subsidiariedade” como guia de delimitação das
funções do Estado face aos indivíduos e aos grupos .................................. 186

9.3. A repartição vertical do poder .................................................... 186

9.3.1. Da descentralização territorial à integração supranacional ........... 186


9.3.2. O princípio da subsidiariedade como guia de repartição vertical de
funções ............................................................................................................ 187
9.3.3. A descentralização funcional de funções ........................................... 187

9.4. Limitações ao exercício do poder ................................................ 188

9.4.1. A “separação de poderes” como mecanismo de limitação do poder188


9.4.2. “Checks and balances” e contrapoderes ........................................... 189
9.4.3. Controlo parlamentar do poder executivo ........................................ 190
9.4.4. Limites ao poder da maioria .............................................................. 190
9.4.5. Os direitos da oposição ....................................................................... 192
9.4.6. Democracia participativa ................................................................... 193
274

9.4.7. Requisitos procedimentais .................................................................. 193

9.5. Estado de direito ........................................................................... 193

9.5.1. O Estado constitucional como Estado de direito .............................. 193


9.5.2. Dimensões do Estado de direito ......................................................... 194
9.5.3. O Estado de direito material .............................................................. 195
9.5.4. Garantias do Estado de direito .......................................................... 195

9.6. Limites e responsabilidade dos titulares do poder político ....... 196

9.6.1. Limites à duração e recondução dos cargos públicos ...................... 196


9.6.2. Incompatibilidades .............................................................................. 196
9.6.3. Responsabilidade política, penal civil................................................ 196
9.6.4. Controlo independente das contas públicas ...................................... 197

9.7. Transparência do poder ............................................................... 197

9.7.1. Direito à informação e direito de acesso à informação .................... 197


9.7.2. Limites do segredo de Estado e de outros dados sigilosos ............... 198
9.7.3. Declaração de interesses dos titulares de cargos públicos ............... 198
9.7.4. Proteção especial da liberdade de imprensa ..................................... 198

9.8. Controlo judicial do poder ........................................................... 199

9.8.1. Fiscalização da constitucionalidade (judicial review of legislation)199


9.8.2. Fiscalização da legalidade (judicial review of administrative action)
......................................................................................................................... 200
9.8.3. Outras formas de controlo independente do poder ......................... 200

9.9. Obrigações internacionais e controlo externo do poder político201

9.9.1. Do Estado “vestefaliano” à vinculação internacional dos Estados . 201


9.9.2. A integração supranacional e os sistemas regionais de defesa de
direitos humanos ........................................................................................... 202
275

9.9.3. A justiça internacional: da “jurisdição universal” ao TPI .............. 202


9.9.4. Sanções internacionais ........................................................................ 203

9.10. A “captura” do poder político pelos interesses privados ........ 203

Capítulo X ...................................................................................................... 207


Sistemas políticos comparados ..................................................................... 207

10.1. Critérios de seleção ..................................................................... 207


10.2. Reino Unido ................................................................................. 209
10.3. Estados Unidos da América ....................................................... 211
10.4. França .......................................................................................... 213
10.5. Alemanha ..................................................................................... 214
10.6. Suíça ............................................................................................. 216
10.7. Rússia ........................................................................................... 217
10.8. China ............................................................................................ 218
10.9. Arábia Saudita ............................................................................ 220
10.10. Brasil .......................................................................................... 221
10.11. África do Sul.............................................................................. 222
10.12. União Europeia ......................................................................... 224

Capítulo XI .................................................................................................... 227


O sistema político português ........................................................................ 227

11.1. Soberania, território, população ............................................... 227


11.2. Origens e evolução do sistema político português ................... 228

11.2.1. Antecedentes ...................................................................................... 228


11.2.2. A transição e consolidação democrática em Portugal ................... 231

11.3. Fundamentos constitucionais do sistema político .................... 232

11.3.1. O Estado unitário descentralizado e a integração supranacional 232


11.3.2. Uma republica “civil” e laica ........................................................... 234
11.3.3. Uma democracia representativa e liberal ....................................... 235
276

11.3.4. Um Estado de direito constitucional ................................................ 235


11.3.5. Uma economia de mercado regulada .............................................. 236
11.3.6. Um “Estado social” constitucionalmente garantido ...................... 236

11.4. Órgaos do poder.......................................................................... 237

11.4.1. Separação de poderes e de funções .................................................. 237


11.4.2. Órgãos de soberania.......................................................................... 237

11.5. Partidos políticos e grupos de interesse .................................... 239

11.5.1. Sistema partidário ............................................................................. 239


11.5.2. Grupos de interesse ........................................................................... 241

11.6. Eleições e referendos .................................................................. 242

11.6.1. Sufrágio e níveis de poder político ................................................... 242


11.6.2. Um sistema político birrepresentativo ............................................ 243
11.6.3. Eleição do Presidente da República................................................. 244
11.6.4. Eleição da Assembleia da República ............................................... 244
11.6.5. O referendo em Portugal .................................................................. 247

11.7. O sistema de governo em Portugal ............................................ 249

11.7.1. As duas tradições do sistema de governo em Portugal .................. 249


11.7.2. Origens do atual sistema de governo (1976-82) .............................. 249
11.7.3. O sistema de governo desde 1982 ..................................................... 251
11.7.4. As diferentes leituras do sistema de governo .................................. 252
11.7.5. Rotativismo entre a esquerda e a direita......................................... 256
11.7.6. Estabilidade governamental ............................................................. 257

11.8. Participação política ................................................................... 260

11.8.1. Baixa participação nas organizações sopcias e polticas ................. 260


11.8.2. Baixa participação na ação política ................................................. 260
277

11.9. Consenso constitucional e estabilidade do sistema político .... 261

11.9.1. Consenso constitucional .................................................................... 261


11.9.2. Sistema proporcional e coligações ................................................... 261
11.9.3. Estabilidade do sistema político e do sistema de governo ............. 262

11.10. O debate sobre a reforma do sistema político ........................ 263

11.10.1. O défice de qualidade da democracia portuguesa ........................ 263


11.10.2. Propostas de reforma ...................................................................... 263

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