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Vital Moreira
Eis uma nova versão das minhas lições de ciência política que desde há
muitos anos dão conta do meu ensino desta disciplina, primeiro na
Universidade de Coimbra e nos últimos anos na Universidade Lusíada-Norte,
no Porto. Destinadas em primeira linha aos alunos de Direito, como prelúdio
ao estudo do Direito Constitucional, estas lições não abdicam porém de uma
análise abrangente do sistema político e das instituições políticas, embora
privilegiando uma abordagem institucional.
Além da imprescindível atualização do texto nos aspetos factual,
doutrinário e bibliográfico, esta nova versão é marcada especialmente pela
autonomização do novo cap. 11, dedicado ao sistema político português,
coligindo o anterior tratamento disperso desta matéria ao longo dos diferentes
capítulos temáticos (formas de Estado, regimes políticos, sistemas eleitorais,
sistemas de governo, etc.).
Mais uma vez agradeço antecipadamente aos utentes destas lições,
especialmente os meus alunos, as observações e comentários que me queiram
fazer chegar, a fim de corrigir os seus defeitos e melhorar a sua serventia.
Vital Moreira
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Programa geral
.
Bibliografia geral
1.1. Noção
como "ciências nomotéticas" visando estudar e revelar as "leis" que regem os fenómenos
sociais (do grego nomos = lei).
Todavia, ressalvada a corrente dominante na sociologia política norte-americana
até meados do século XX, sempre permaneceram relevantes os enfoques teóricos e
metodológicos não nomotéticos da ciência política, que a não reduzam a um capítulo da
sociologia, como estudo empírico dos comportamentos políticos. A história da ciência
política é em grande parte a história da sua variedade teórica e metodológica.
Embora nascida no final do século XIX, juntamente com as demais ciências sociais
ou “ciências humanas”, a ciência política tem, porém, antecedentes bem antigos, muitas
vezes sem separação nítida com a filosofia política, que remontam à antiguidade clássica,
com Aristóteles, passando pelo Renascimento, com Maquiavel, e sobretudo pelos séculos
XVII (Locke e Hobbes), XVIII (Montesquieu, Rousseau, Burke) e XIX (Sieyès,
Tocqueville, Constant, Stuart Mill, etc.),
Remissão bibliográfica:
Existe uma evidente proximidade ou até coincidência parcial entre ambas. Num
sentido amplo, a ciência política compreende a sociologia política. Mas a sociologia
política é um ramo da sociologia, que tem por objeto o estudo dos fenómenos sociais de
natureza política, nomeadamente os comportamentos dos indivíduos e grupos na esfera
política. Assim, por exemplo, ao passo que a ciência política se ocupa dos sistemas
eleitorais enquanto formas de organização do sufrágio e das suas consequências sobre o
sistema de partidos e a forma de governo, a sociologia eleitoral, que é um ramo da
sociologia política, ocupa-se em estudar os comportamentos dos eleitores sob o ponto de
vista dos fatores que determinam as suas opções eleitorais (classe social, religião, idade,
género, etc.).
Tanto a ciência política como o direito constitucional têm por objeto a organização
política. Só que o fazem de perspetivas distintas. O direito constitucional esta a montante
da ciência política. O direito constitucional é uma disciplina jurídica, e como tal uma
disciplina normativa, tendo por objeto as normas constitucionais, ocupando-se dos
poderes, dos direitos e deveres de cada órgão nas suas relações com os outros, do seu
funcionamento; é o estatuto jurídico do político. A ciência política tem por objeto os
factos políticos (incluindo as normas constitucionais), incide sobre o funcionamento real
do político, independentemente da sua conformidade com as normas. Por exemplo, o
direito constitucional estuda os poderes dos órgãos políticos, do presidente da república,
do parlamento, do governo, tal como a constituição os define. A ciência política estuda
as formas de governo, ou seja, o modo de articulação real entre os referidos titulares
constitucionais do poder político, tal como eles funcionam na realidade.
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É uma das perspetivas tradicionais da ciência política. De acordo com ela, a ciência
política tem por objeto o estudo da organização e funcionamento do Estado, enquanto
forma característica de organização política das sociedades modernas, nascida da
superação do modelo de organização senhorial e feudal da Idade Média, entre os séculos
XVI e XVII (unificação territorial dos países, concentração do poder no rei, eliminação
dos poderes políticos dos senhores da terra e dos poderes locais, etc.).
Embora seja uma conceção limitada da ciência politica, hoje geralmente superada
a favor de perspetivas mais amplas, a verdade é que o Estado continua a ocupar um lugar
importante na ciência política. De entre os problemas que ela aborda contam-se
tradicionalmente as matérias dos elementos do Estado e das funções do Estado.
Nesta perspetiva importa registar a contribuição da “teria geral do Estado”,
elaborada no sécs. XIX e XX pela doutrina alemã (Laband) e francesa (Carre de
Malberg).
I - Os elementos do Estado
a) O território
b) A população
c) A soberania
Uma das preocupações da teoria do Estado desde sempre foi a temática das funções
do Estado. São múltiplas as classificações formuladas ao longo do tempo.
Até ao advento da moderna era constitucional (último quartel do século XVIII) e
desde Aristóteles, distinguiam-se essencialmente três funções, embora com designações
nem sempre precisas nem coincidentes: a função normativa, a função política e
administrativa externa e interna, e a função judicial. Foi com base nesta tríade que no
século XVIII Locke e, sobretudo, Montesquieu desenvolveram a teoria da separação de
poderes, preconizando a repartição dessas três funções por três órgãos ou "poderes"
separados, respetivamente a assembleia legislativa (o parlamento), o poder executivo
(chefe do Estado e governo) e os tribunais.
No entanto, com Sieyès, autonomizou-se uma quarta função, a função constituinte,
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Bibliografia:
Nesta perspetiva a ciência política tem por objeto o estudo dos modos de acesso,
exercício e controlo do poder político. É porventura a perspetiva dominante na ciência
política contemporânea.
É uma conceção mais ampla do que a anterior, visto que o Estado não constitui a
única forma de organização do poder político. O poder político é inerente a todas a formas
de organização social, desde as comunidades primitivas até às recentes entidades
supranacionais, passando pelo moderno Estado nacional. A tarefa da ciência política e
justamente o estudo das diferentes formas de organização e exercício do poder.
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I - Poder e autoridade
Como "tipos ideais" que são, estes tipos de autoridade não existem realmente, nem
em estado puro, nem isoladamente. De qualquer modo, é possível isolá-los teoricamente
e verificar de que modo eles se combinam numa determinada sociedade. Mesmo nas
sociedades modernas continuam a existir formas de poder social baseadas na tradição ou
no carisma pessoal.
a) A teoria pluralista
BIBLIOGRAFIA:
RAYMOND ARON, "Classe sociale, classe politique, classe dirigeante", in Birnhaum
e Chazel, Sociologie Politique, tomo 1, parte II.
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Bibliografia:
(poucos titulares) até à policracia (muitos titulares) -, as modernas tipologias das formas
de poder político assentam em geral em dois critérios:
- o critério da titularidade e da legitimidade do poder político, conforme de trate de
uma autocracia ou de uma democracia;
- o critério da extensão e da intensidade do controlo do poder político sobre os
cidadãos, ao logo de um eixo entre o liberalismo e o autoritarismo político.
Voltaremos a este tema.
b) Articulação de interesses
c) Agregação de interesses
d) Comunicação política
Por sua vez, o segundo grupo de funções do Estado (as output functions) é
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O esquema joga com dois termos: por um lado, o sistema político, por outro lado,
o "meio ambiente" (environment). No meio ambiente estão incluídos os restantes
subsistemas sociais, como o sistema económico, o sistema cultural, etc. (Easton inclui
ainda os sistemas "ecológico", "biológico", "psicológico"), bem como os sistemas
exteriores ao próprio sistema global de que o sistema social faz parte.
Entre o sistema político e o meio ambiente efetua-se um circuito contínuo,
fornecendo o meio ambiente inputs ao sistema político, que por sua vez atua sobre aquele
mediante outputs. Os próprios outputs do sistema político, retroagindo sobre o meio
ambiente, dão lugar a novos inputs. Quer dizer: a todo o momento, o sistema político
recebe inputs e produz outputs.
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étnicos, etc.), hoje em dia, embora continue a haver partidos que dão expressão a essas
clivagens, a tendência é, porém, no sentido de uma relativa integração.
Todavia, na Europa há duas clivagens que, embora atenuadas, continuam a marcar
os sistemas políticos: por um lado, a clivagem religiosa entre católicos e protestantes, que
deu origem aos partidos democratas-cristãos de influenciua católica, e por outro lado, a
clivagem de classe entre capitalistas e trabalhadores, que deu origem aos partidos
socislisitas, social-democratas e comunistas.
Referências bibliográficas
Lipset / Rokkan, Party systems and voter alignments, Nova York, 1967;
Galagher /Laver /Mair, Representative Government in Modern Europe, Nova York,
2006, cap. 9.
Capítulo II
natural", defendeu a separação dos diversos poderes então concentrados nas mãos do
monarca. Montesquieu desenvolveu a ideia da separação dos poderes como instrumento
de limitação do poder ("le pouvoir arrête le pouvoir"). Rousseau apresentou a teoria do
"contrato social" como origem de todo o poder e defendeu o exercício do poder
diretamente pelo povo na base de uma conceção democrática radical. Humboldt defendeu
a separação entre a “sociedade civil” e o Estado, sendo aquela caracterizada pela
liberdade económica, religiosa e cultural e devendo o Estado limitar-se essencialmente à
defesa da segurança e da ordem interna e externa.
A revolução liberal - que no continente europeu teve o seu paradigma na Revolução
Francesa iniciada em 1789 - traduziu-se no fim do Estado absoluto, contrapondo-lhe a
redução das tarefas do Estado, a limitação do poder pelos direitos dos cidadãos (garantias
da liberdade pessoal e da propriedade privada) e pelo “governo representativo” (eleição
de uma assembleia representativa), a submissão do Governo e da Administração à lei
emanada da assembleia representativa (princípio da legalidade da Administração), a
separação dos poderes (legislativo, executivo e judicial), a limitação das atribuições do
Estado às tarefas de defesa, de segurança e polícia, deixando a "sociedade civil" as esferas
da economia, da educação, da saúde, da previdência social, etc. A constituição passou a
ser a lei suprema do Estado (Estado constitucional).
As revoluções constitucionais são também revoluções liberais, inspiradas nas ideias
da liberdade económica e da liberdade política (governo representativo). Mas essa
coincidência do liberalismo económico com o liberalismo político não é obrigatória. Por
exemplo, no seu ensaio sobre os limites da ação do Estado (1792), Humboldt defendeu a
redução ao mínimo das tarefas do Estado na esfera económica e social, mas não pôs em
causa o “Estado estamental” (Standesstaat) do absolutismo político alemão.
O Estado constitucional liberal que emerge das revoluções liberais é caracterizado
pelos seguintes traços:
- A soberania nacional como fundamento do poder político, suprimindo a teoria
do origem divina ou endógena do poder dos reis;
- A limitação das atribuições e da atividade do Estado (Estado "guarda-
noturno"), baseado na separação entre o Estado e a sociedade e no abstencionismo
estadual na esfera económica, social e cultural (liberalismo económico, social e cultural);
- A separação dos poderes, entre o poder legislativo (confiado a uma assembleia
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Desde cedo, mas sobretudo no século XX, depois da I Guerra Mundial (1914-18)
e da II Guerra Mundial (1939-45), deu-se o aumento das atribuições do Estado em todas
as esferas: na construção das infraestruturas económicas (caminhos de ferro, portos, etc.),
na regulação da economia e na própria produção económica (empresas públicas), na
segurança social, na saúde, na educação e na cultura.
Esse aumento das tarefas do Estado reflete-se num crescente aumento das despesas
do Estado ("lei de Wagner", nome de um professor de finanças publicas alemão que
estudou e comprovou esse crescimento). O Estado (ou outras coletividades públicas)
transformou-se num garante do desempenho económico do país, no fornecedor de
serviços públicos básicos (agua, energia, transportes etc.) e de prestações à coletividade
(educação, cuidados de saúde, segurança social, habitação, etc.). O primitivo Estado
liberal abstencionista tornou-se num “Estado intervencionista”, quer como "Estado
económico" quer como "Estado social".
Desde o princípio dos anos 80 do século passado, porém, este modelo do Estado
intervencionista tem estado em recuo, sob o efeito de um movimento neoliberal, apostado
em diminuir as tarefas do Estado, desde logo no campo económico, mas também no
campo das prestações sociais. Daí os fenómenos da privatização das empresas públicas,
da liberalização de atividades anteriormente sujeitas a regime de exclusivo, como era o
caso das "utilities" (água, saneamento, energia, serviços postais, transportes públicos,
telecomunicações, etc.) e da delegação de serviços públicos a entidades privadas
(concessões, parcerias público-privadas, etc.). O Estado torna-se essencialmente um
Estado regulador da vida económica e um Estado financiador dos serviços públicos
prestados por entidades privadas (cuidados de saúde, educação, apoio a deficientes e
idosos, etc.).
Todavia, este recuo nas tarefas do Estado está longe de reverter num regresso ao
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Estado liberal de tipo oitocentista. O capitalismo laissez faire foi substituído por uma
economia de mercado regulada. O Estado prestador de serviços foi substituído em parte
pelo Estado garantidor e financiador da sua prestação por entidades privadas.
quartel do século XIX). O voto feminino, conquistado desde o início do sec. XX (em
alguns países só depois da II Grande Guerra), veio completar a conquista do sufrágio
universal. O “princípio representativo” transformava-se em democracia eleitoral.
Paralelamente, em vários países (entre os quais Portugal, em 1910) o princípio
monárquico cede perante a proclamação de regimes republicanos, retirando ao poder o
que restava de não representativo no que respeita à legitimidade do poder político.
Também o chefe do Estado passava a ser eletivo.
O resultado desta evolução foi a edificação da democracia representativa, baseada
no sufrágio universal e no pluralismo partidário. Todavia, este desenvolvimento
progressivo do governo representativo limitado em democracia representativa esteve
longe de ser universal, tendo-se verificado inicialmente quase somente na Europa
ocidental e nos Estados Unidos e Canadá. Muitos países não passaram por revoluções
liberais ou caíram depois em regimes autoritários de vários matizes (como sucedeu na
Europa do século XX com o fascismo e com o nazismo, por um lado, e com as
“democracias populares”, por outro lado). Nesses casos a transição democrática ocorreu
mais tarde através da passagem direta do autoritarismo para a democracia.
O Estado liberal herdou do Estado absoluto o caráter centralista, que aliás agravou,
reduzindo por exemplo a autonomia dos municípios, submetendo-os a apertada
vigilância e controlo por parte de delegados do poder central (prefeitos, governadores
civis, etc.).
Um dos desenvolvimentos característicos destes dois séculos foi justamente o
movimento descentralizador, sobretudo na segunda parte do século XX. Ele passou
sobretudo pela ampliação e reforço da autonomia municipal, bem como pela criação de
novas instâncias territoriais infraestaduais mas também supramunicipais, como as
regiões e as províncias. Em vários países assistiu-se também a formas de
descentralização político-administrativa por meio de regiões de tipo especial, dotadas de
poderes legislativos e de governo próprio, sem porém implicarem uma conversão federal
do Estado unitário (caso das regiões autónomas insulares portuguesas, das comunidades
autónomas espanholas e da recente devolução de poderes à Escócia, Gales e Irlanda do
Norte na Grã-Bretanha). De resto, também é hoje significativo o número de Estados
federais.
A Europa posterior ao Tratado da Vestefália (1648), que pôs fim a Guerra dos
Trinta anos, era a Europa dos Estados soberanos no plano internacional, sem outras
vinculações externas que as resultantes das convenções voluntariamente acordadas entre
eles, cada um cuidando de per si dos seus assuntos internos, bem como da sua defesa e
segurança externa, sem ingerências externas.
Hoje, porém, tal como os indivíduos surgem integrados em grupos, também os
Estados - cujo número aumentou exponencialmente por efeito dos fenómenos de
descolonização na América (século XIX), na África e na Ásia (século XX) - estão
inseridos numa densa rede de organizações internacionais, umas de âmbito mundial
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(como a Organização das Nações Unidas), outras de âmbito regional (como o Conselho
da Europa), para os mais variados fins (defesa, cooperação económica, etc.).
Algumas dessas organizações dispõem de poderes que se impõem diretamente na
esfera interna dos Estados membros, sem passar pela intermediação dos seus órgãos
nacionais próprios. A mais típica dessas organizações "supranacionais" é a União
Europeia, que resultou do desenvolvimento da Comunidade Económica Europeia
fundada em 1957, por seis Estados da Europa ocidental, mas que hoje já congrega 28
Estados, incluindo da Europa central e do Leste.
Em segundo lugar, a par desses movimentos de integração supranacional, progrediu
o movimento de "globalização económica" (e não só), que se traduziu na abolição de
fronteiras aos movimentos de capitais, do comércio, das comunicações (televisão por
satélite, Internet, etc.). Tudo isso contribui para reduzir o papel das fronteiras territoriais
do Estados e, portanto, para reduzir o antigo poder soberano dos Estados dentro delas.
Hoje em dia, há cada vez mais problemas que transbordam as fronteiras nacionais
(mudanças climáticas, terrorismo internacional, emigração, tráfico de droga, de
armamento e de pessoas, etc.) e que não têm solução nacional, mas somente no plano
internacional.
Desse modo, quer pela via da descentralização territorial interna (as regiões
autónomas), quer por via da integração supranacional e da globalização, o velho Estado
nacional soberano do absolutismo e do período liberal está em vias de crescente desgaste.
Multiplicam-se aos casos de “governo em vários níveis” (multilevel government), que
traduzem uma “separação vertical de poderes”, baseada na subsidiariedade dos níveis
superiores do poder (princípio da subsidiariedade).
Por último, os Estados e as organizações de Estados deixaram de ser os únicos
protagonistas na cena internacional, como foram durante muito tempo. Ao lado deles
apareceram ou ganharam nova importância as organizações internacionais de
organizações intraestaduais, desde as organizações internacionais de partidos
ideologicamente afins e de sindicatos, passando pelas associações internacionais de
municípios, até às organizações não-governamentais (ONGs) de âmbito internacional
(como, por exemplo, a Amnistia Internacional ou a Greenpeace), cujo número e
influência não têm cessado de aumentar, tendo muitas delas estatuto de observador junto
das Nações Unidas.
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Os agentes políticos
Assente sobre a ideia da liberdade individual, a revolução liberal dos séculos XVIII
e XIX visava tanto limitar e controlar o poder do Estado como suprimir as corporações e
organizações profissionais que vinham desde a Idade Média e que limitavam a liberdade
e a iniciativa económica individual.
Não é por acaso que a doutrina liberal que vinha sendo construída desde o século
XVII tem no individualismo e na autonomia do indivíduo, livre face ao Estado e face aos
grupos, um dos seus pilares. Não admira, por isso, que uma das primeiras medidas da
Revolução Francesa tenha sido a eliminação das associações e corporações vindas do
“Antigo regime”, bem como a proibição de novas associações e organizações coletivas,
incluindo as organizações profissionais e sindicais. Nenhum grupo organizado ou "corpos
intermédios" poderiam existir entre o individuo e o Estado.
Tal como a nova economia de mercado, baseada na concorrência individual,
também a nova ordem política do governo representativo haveria de assentar sobre o
indivíduo-cidadão, através de eleições, e não nas velhas “ordens” ou “estados” medievais
(clero, nobreza e povo). Por isso, a nova ordem política deveria assentar no voto
individual e numa assembleia representativa de todos os cidadãos, e não na restauração
das antigas “cortes” medievais, baseadas na representação das três ordens sociais
(nobreza, clero e “povo”).
Todavia, passadas algumas décadas, já os grupos sociais organizados (associações
profissionais, sindicatos, associações de beneficência, etc.) tinham irrompido de novo na
cena social. A Igreja Católica e o pensamento antiliberal e anti-individualista em geral
preconizam a restauração de uma ordem corporativa, baseada na familia, nas
organizações patronais e sindicais, que deveriam ser dotadas também da necessária
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representação política, através de uma câmara corporativa (como sucedeu entre nós
durante o Estado Novo).
O triunfo da democracia liberal depois da II Guerra Mundial, baseada na liberdade
e na representação política individual, não contrariou porém a crescente densificação da
sociedade em grupos organizados de toda a ordem em que as pessoas se encontram
inseridas e que representam os seus pontos de vistas religiosos, doutrinários, etc., bem
como os seus interesses económicos e profissionais. A ciência política não pôde ignorar
este papel dos grupos de interesse organizados na vida política, quer como agregadores
de interesse individuais em interesses de grupo (D. Easton), como protagonistas de uma
“ordem neocorporativa”, que consiste na regulação da vida económica e social através da
negociação e concertação entre as organizações económico-profissionais e o Estado
(pactos sociais tripartidos). É o que ocorre entre nós com a “concertação social” efetuada
no seio do Conselho Económico e Social, um órgão de consulta do Governo e da
Assembleia da República.
A própria ordem política em sentido estrito veio a ser fundamentalmente alterada
com a emergência dos partidos políticos na segunda metade do século XIX. Inicialmente
as eleições parlamentares interessavam um pequeno número de cidadãos ativos, dadas as
enormes restrições do direito de sufrágio. As candidaturas eram normalmente
protagonizadas por notáveis, que por eles próprios, ou através de agentes ou “caciques”,
conseguiam chegar diretamente aos poucos cidadãos eleitores. Depois de eleitos os
deputados, eles poderiam eventualmente agrupar-se no parlamento de acordo com as suas
afinidades doutrinais e políticas. Assim nasceram os embriões dos partidos políticos, que
depois se tornaram organizações permanentes, com um crescente papel na organização
das eleições (seleção e apresentação de candidaturas). No final do século XIX surgem os
à amrgem do parlamento primeiros “partidos de massas”, representativos das classes
trabalhadoras, nessa altura ainda sem direito de voto.
Seja como for, com exceção dos regimes de partido único, de caráter oficial, a
ordem política nos Estados modernos roda à volta da competição política entre os diversos
partidos políticos, que organizam e financiam as campanhas eleitorais, que apresentam
candidatos e que depois no parlamento, através dos respetivos grupos parlamentares, são
os protagonistas do debate parlamentar e da constituição e sustentação dos governos ou
de oposição aos mesmos.
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3.2. Os cidadãos
território nacional) e o ius soli (são nacionais de um Estado os que nascem no seu
território, mesmo que os progenitores não sejam nacionais desse Estado. Muitas vezes,
como sucede em Portugal, adota-se uma conjugação desses dois critérios, de modo a
maximizar o número de nacionais.
A situação dos estrangeiros era tradicionalmente assaz precária, podendo ser
impedidos de entrar no território nacional e ser expulsos por motivos de segurança ou
outras. Hoje as coisas estão a mudar. As sociedades são cada vez mais caracterizadas pela
existência de consideráveis contingentes de estrangeiros, mercê dos fenómenos de
migração e de globalização.
É cada vez mais frequente o reconhecimento de direitos políticos a estrangeiros,
pelo que deixou de haver nexo obrigatório entre nacionalidade e cidadania (no sentido de
titulares de direitos de participação política). Assim, no âmbito da União Europeia, a
chamada "cidadania europeia" implica não somente a liberdade de circulação e de
residência em qualquer parte do território da União, mas também o direito de voto e de
candidatura eleitoral dos nacionais de países da UE residentes noutros Estados-membros,
tanto nas eleições locais como nas eleições para o Parlamento Europeu. E no caso
português há a acrescentar a extensão de direitos políticos a cidadãos de outros Estados,
nomeadamente os da CPLP, em condições de reciprocidade (nomeadamente, o Brasil e
Cabo Verde).
A tendência é claramente no sentido de quebrar a ligação entre nacionalidade e
direitos de cidadania.
Como se viu atrás, uma das transformações do Estado liberal originário foi a
passagem do paradigma individualista à "sociedade organizada" contemporânea, em que
os indivíduos se encontram inseridos numa multiplicidade de grupos, organizações e
associações da mais variada índole (sindicatos, associações profissionais, associações
empresariais, igrejas e associações religiosas, associações ambientalistas, etc.). No início
do Estado liberal nem sequer era reconhecida a liberdade de associação, sendo pelo
contrário proibidas todas as associações.
Na ciência política de influência americana a designação genérica destas
organizações sociais é a de "grupos de interesse" (em inglês, interest groups), visto que
se trata de organizações (grupos sociais) votadas à defesa dos interesses coletivos dos
seus membros. Os grupos de interesse são organizações constituídas para a defesa de
interesses coletivos, normalmente apostados em exercer uma influência ou pressão sobre
os poderes públicos, a fim de obterem destes decisões favoráveis aos seus interesses. Por
isso se designam também muitas vezes por "grupos de pressão", embora a expressão
grupos de interesse seja mais abrangente.
A definição de grupos de interesse requer fundamentalmente a reunião de três
elementos:
b) Defesa de interesses
Alguns autores — Meynaud, Sartori, Truman — tentam fazer uma distinção entre
grupos de interesses (interest groups) e grupos de pressão (pressure groups), na base de
que os primeiros, ao contrário dos segundos, não procurariam exercer uma influência
sobre a estrutura política, uma vez que as suas pretensões são normalmente satisfeitas por
outras vias. Sendo assim, todos os grupos de pressão seriam grupos de interesse, mas os
grupos de interesse não seriam necessariamente grupos de pressão. Contudo, esta
distinção subtil não é em geral válida. A verdade é que todo o grupo de interesse é
virtualmente um grupo de pressão, pois a sua primeira função consiste em representar o
grupo e os seus interesses perante os poderes públicos ou perante outros grupos.
Importa frisar a distinção entre grupos de interesse e partidos políticos. Na verdade,
embora apresentem alguns traços comuns - já que, no dizer de Ehrlich, "uns e outros
50
3.3.4. Lobbying
Bibliografia:
3.4.2. Definição
ao atual é bastante mais recente, e tem pouco mais de um século. O termo "partido" surge
muito antes de aparecerem as organizações políticas assim designadas. No séc. XVIII, o
partido é, ainda, algo de nebuloso e de inconsistente, representando uma tendência, uma
opinião ou corrente de opinião política ou político-social.
São os seguintes os traços da definição de partido político. Em primeiro lugar, trata-
se de organizações formais de tipo associativo; e isto distingue os partidos das
organizações informais (correntes, "clubes", etc.). Em segundo lugar, trata-se de
organizações dotadas de permanência e vocação de continuidade temporal, por aí se
distinguindo dos movimentos efémeros ou conjunturais ("movimentos", etc.). Em
terceiro lugar, trata-se de organizações que mantêm uma referência direta com o poder
político, na medida em que lutam pela conquista do poder governamental (no sentido
amplo da palavra); e isto distingue os partidos políticos dos grupos de interesse. Em
quarto lugar, os partidos políticos, embora possam privilegiar determinados interesses
sociais ou constelações mais ou menos abrangentes de interesses sociais (trabalhadores,
empresários, camponeses, etc.) tendem a apelar a círculos mais amplos de cidadãos. Em
quinto lugar, os partidos políticos reclamam-se de um certo conjunto de doutrinas ou
valores sobre a organização política, social, económica, cultural, etc. (liberalismo,
socialismo, conservadorismo, tradicionalismo, etc.).
Para além desses traços comuns — e nem todos obtêm a unanimidade — existe
uma enorme disparidade na definição de partido político. Uns acentuam as funções
desempenhadas pelos partidos; outros a sua estrutura formal; outros os seus objetivos.
A tentativa mais sofisticada de definição de partido político deve-se a La Palombara
e Weiner (ver infra referências bibliográficas). Na definição desses autores um partido
político exige a conjunção de quatro requisitos:
a) Uma organização duradoura, capaz de sobreviver politicamente aos seus
dirigentes — o que permite estabelecer a diferença entre os partidos políticos e as simples
clientelas ou fações incapazes de uma vida política superior à dos seus fundadores ou
animadores.
b) Uma organização complexa, incluindo estruturas de nível local, o que implica
a manutenção de relações entre as cúpulas e as unidades de base. Através desta exigência
singulariza-se o partido politico face aos grupos parlamentares. Estes existem apenas a
nível nacional, não possuindo um completo sistema de relações com as unidades de base.
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Numa das suas linhagens a origem dos partidos aparece ligada ao desenvolvimento
do sistema representativo e das prerrogativas parlamentares. «Quanto mais as
assembleias políticas veem crescer as suas funções e a sua independência, mais os seus
58
Numa obra célebre (Os Partidos Políticos, 1911; ed. portuguesa, 2000), Robert
Michels procurou provar que a necessidade de profissionalização dos papéis políticos
dentro dos partidos leva a uma tendência necessária para um poder oligárquico na
organização dos partidos políticos ("lei de bronze da oligarquia").
O campo de demonstração de Michels foi o partido social-democrata alemão.
Procurou mostrar a ilusão das teses socialistas de democracia, baseadas na igualdade e
na participação coletiva, mostrando que ela é impossível nas grandes organizações,
mesmo dentro do próprio partido socialista. A tendência oligárquica sobrepor-se-ia aos
princípios democráticos da eletividade plenamente livre dos dirigentes e da plena
igualdade dos membros do partido. O crescimento da organização partidária e a
necessidade de especialização de certas funções levam necessariamente à criação de uma
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b) Partidos de massas
c) Partidos abrangentes
f) Os partidos de causas
entre eles. Assim, dentro dos sistemas monopartidários distinguiu três subtipos:
totalitários, autoritários e pragmáticos; dentro dos sistemas de partido hegemónico
distinguiu dois subtipos: ideológicos e pragmáticos; e dentro dos sistemas
pluripartidários distinguiu três subsistemas: centrípeto, atomizado e centrífugo. Esta
tipologia permitiu estabelecer uma escala de vários degraus, indo do monocentrismo mais
extreme (monopartidarismo "totalitário") até ao pluralismo mais extreme
(pluripartidarismo "centrífugo"). A esta tipologia numérica, La Palombara e Weiner
acrescentaram uma tipologia baseada fundamentalmente na existência ou não da
competição partidária, dando lugar a uma tipologia dicotómica: sistemas competitivos e
sistemas não competitivos.
Estas tipologias de sistemas partidários, assentes fundamentalmente no número de
partidos, não dão, contudo, conta de toda a realidade. Em geral, e no essencial, atentam
fundamentalmente nos partidos que funcionam no quadro institucional do sistema
político, utilizam exclusivamente a dimensão eleitoral dos partidos como critério da sua
importância política, ignoram geralmente as diferenças de natureza e de funções dos
partidos políticos de acordo com a diversidade dos sistemas políticos em que operam,
ignoram ou dão pouco relevo ao fenómeno das constelações de partidos, considerando-
os isoladamente. Importa, portanto, abordar alguns destes pontos.
Um problema levantado pela tipologia numérica dos partidos políticos é o da
dimensão relativa dos partidos políticos. Assim, por exemplo, diz-se que um sistema é
de partido dominante quando, num sistema pluripartidário, um dos partidos se destaca e
obtém normalmente mais de 30-35% dos votos e sobressai sobre os demais; e diz-se que
um sistema é bipartidário quando, num sistema pluripartidário, existem dois grandes
partidos, de dimensão eleitoral aproximada e que, em conjunto, somem mais de 80% dos
votos.
Entretanto, a dimensão eleitoral dos partidos não corresponde necessariamente à
importância relativa dos partidos no funcionamento efetivo do sistema politico, ou seja,
ao seu "peso" na vida política. Assim, por um lado, os "partidos de quadros" costumam
ver a sua dimensão eleitoral exagerada em relação à sua implantação política, quando
comparados com os "partidos de massas", em que a taxa eleitoral (ou seja, a relação entre
votantes e membros do partido) é menor do que nos partidos de quadros.
Há que ter também em conta a diferente natureza e funções dos partidos políticos
66
em sistemas partidários dotados do mesmo número de partidos, mas que podem ser
essencialmente diferentes. O sistema partidário não pode ser isolado do sistema político
em que opera. O sistema de partidos é um importante elemento caracterizador do sistema
político, mas o sistema político é igualmente um importante elemento diferenciador do
sistema de partidos.
Importa ter ainda em conta a duração e o grau de sedimentação e estabilidade do
sistema partidário. Há os sistemas partidários consolidados e estabilizados há muito
tempo, permanecendo imutáveis desde há décadas, e os sistemas partidários recentes ou
em formação, ainda não consolidados, ou mantendo mostras claras de transformação.
Exemplo do primeiro caso é o sistema partidário norte-americano e também o inglês,
sistemas tipicamente bipartidários (Partido Democrata/Partido Republicano nos Estados
Unidos; Partido Conservador/Partido Trabalhista na Inglaterra). Exemplo do segundo
caso é Portugal, sistema partidário relativamente recente, que contudo tem revelado uma
assinalável estabilidade, ressalvada a emergência do PRD nos anos 80 século passado e
do recente crescimento do BE.
Finalmente, há que entrar em consideração com a possibilidade de agrupamentos
de partidos. Acontece, realmente, que sistemas multipartidários funcionam efetivamente
com sistemas bipartidários ou, pelo menos, não funcionam como típicos sistemas
pluripartidários. E o caso em que os vários partidos existentes se agrupam em duas
constelações partidárias estáveis ao longo do tempo, na base de afinidades de base social
ou ideológicas, formando dois blocos que dominam o sistema partidário e se sobrepõem
aos partidos individualmente considerados. Foi o caso designadamente da França durante
algumas décadas, em que se formaram dois agrupamentos de partidos que transformaram
o sistema pluripartidário num sistema quase bipartidário (de um lado a "esquerda" —
radicais, socialistas, comunistas e verdes —, do outro lado, a aliança entre conservadores,
liberais e "gaullistas").
Todas estas observações mostram como o critério numérico é só por si insuficiente
para servir de base a uma tipologia de sistemas partidários, podendo mesmo conduzir a
resultados com pouca ou nenhuma ligação com a realidade.
Apesar da insuficiência de um critério simplesmente numérico, o que é certo é que
o número de partidos é uma variável de grande importância para a caraterização dos
sistemas partidários e, por extensão, do próprio sistema politico. Importa, pois, analisar
67
uma mobilização nacional para o desenvolvimento. Foi o que aconteceu durante muito
tempo em muitos países recém-independentes, na Ásia e na África.
Do mesmo modo, as revoluções podem tender igualmente para constituir sistemas
monopartidários. As revoluções, conduzidas na base de uma mobilização contra uma
classe ou elite dominante, uma vez vitoriosas, tendem a manter, durante um prazo mais
ou menos longo, aquilo que na teoria das revoluções se chama "ditadura revolucionária".
obriga à concentração de votos desde o início no partidos com hipóteses de vencer, pois
a dispersão de votos pode dar a vitória ao adversário, mesmo que este tenha menos votos
do que os outros em conjunto.
Finalmente, é fácil demonstrar que a alteração do sistema eleitoral conduz
normalmente a alterações do sistema partidário no sentido indicado. Assim, a passagem,
em França, do sistema proporcional para o sistema maioritário a duas voltas, a partir de
1958, conduziu a uma transformação do sistema partidário, que passou de um
multipartidarismo difuso da IV República para um sistema quase bipartidário na V
República, entre duas coligações relativamente estáveis, uma à direita outra à esquerda.
Contudo, as teses de Duverger têm sido alvo de várias críticas que lhe têm reduzido
grandemente o alcance. Em primeiro lugar, há situações que fogem às leis definidas por
Duverger: há sistemas bipartidários com sistemas eleitorais proporcionais e sistemas
pluripartidários com sistemas eleitorais maioritários simples. Em segundo lugar, há casos
em que, historicamente, foi o sistema partidário que determinou o sistema eleitoral e não
o contrário: assim, em Portugal, em 1974, foi o sistema pluripartidário nascido logo após
o 25 de Abril que determinou a escolha do sistema eleitoral proporcional, e não o inverso.
Em terceiro lugar, o sistema maioritário simples não impede na Grã-Bretanha o
crescimento quer do partido liberal, quer dos partidos nacionalistas, galês e escocês, nem
o sistema proporcional impede a relativa concentração eleitoral portuguesa à volta de
dois partidos, o PS e o PSD, tal como não impediu, por exemplo, a concentração eleitoral
em Israel durante muito tempo, determinada pela criação do partido trabalhista, em 1968,
na sequência da junção de três partidos já existentes e, do mesmo modo, pela criação do
partido Likud em 1977, resultante da junção de quatro partidos, também eles já
existentes.
Evidentemente, o sistema eleitoral pode condicionar, travar ou acelerar um
determinado desenvolvimento do sistema partidário. Mas trata-se apenas de uma das
variáveis e talvez nem seja a mais importante. O sistema partidário obedece
fundamentalmente a fatores sociais (estruturas de classe e ideologias) e depende também
da natureza do sistema político e do regime político, e de outros fatores próprios de cada
país. Mais do que uma causa o sistema eleitoral pode ser uma consequência do sistema
partidário.
Mais evidente parece ser o efeito do sistema eleitoral na conservação/paralisação
70
(freezing effect) do sistema partidário existente — desde que, evidentemente, ele esteja
minimamente enraizado, nomeadamente, desde que ele não seja alvo de contestação
popular generalizada. Isto vale sobretudo para aqueles casos em que é utilizado o sistema
eleitoral maioritário. Uma vez que um partido tenha 'saído' do sistema partidário,
dificilmente nele poderá reentrar (veja-se o caso do partido liberal britânico).
Em todo o caso, uma evolução recente de muitos países europeus,
independentemente do sistema eleitoral, traduz-se na fragmentação dos sistemas
partidários, em consequência da erosão política dos dois principais partidos tradicionais
(democracia cristã e social-democracia) e do aparecimento de novos partidos, tanto nos
extremos do leque político (extrema-esquerda e extrema-direita), como em novos
quadrantes (verdes, etc.).
Bibliografia:
Carlos Jalali, Partidos e sistemas partidários, FFMS, Lisboa, 2017
F. Farelo Lopes, «Partidos Políticos», in F. Farelo Lopres / A. Freire, Partidos
políticos e sistemas eleitorais, 2002.
Galagher / Laver / Mair, Representative Government in Modern Europe, Nova
York, 2006, caps 7, 8 e 10.
J. Chariot, Os partidos Políticos (ed. portuguesa, Lisboa, 1974).
J. La Palombara e M. Weiner, Political Parties and Political Development
(Princeton, 1966)
J. Miranda, ob. cit., 263-305.
L. Diamond / R. Gunther (edts.), Political Parties and Democracy, Baltimore
/Londres, 2001.
M. Duverger, Os partidos Políticos (ed. brasileira)
Norberto Bobbio, Direita e esquerda : Razões e significado de uma distinção
politica, trad. port. Lisboa, 1995
P. Bonavides, ob. cit., 425-468
S. Neuman, Modern Political Parties (Chicago, 1956)
R. Gunther / J. Ramón Montero / Juan J. Linz (edts.), Political Parties, Oxford,
2002.
Capítulo IV
Formas de expressão política
4.2.1. Introdução
4.2.2. O sufrágio
1
Note-se que nas democracias presidencialistas a eleição do PR não é uma “eleição secundária”, visto
que elas servem para eleger o chefe do governo.
73
Sistemas eleitorais
método ou fórmula
tipo círculos eleitorais modalidades
eleitoral
maioria relativa
uninominais
maioritários (por vezes
plurinominais) 2a volta;
maioria absoluta
voto alternativo
Hare (Q=v/d);
método do quociente Hagenbach-Bischoff
(Q=v/d+1):
Droop (Q= ((v/d+1)+1)
I - Sistemas maioritários
total dos votos se repartir de forma aproximadamente equilibrada por todos eles, pode
suceder que o vencedor fique muito longe da maioria absoluta dos votos. Os mais
conhecidos dos países que têm este sistema são a Grã-Bretanha e os Estados Unidos da
América.
Nos sistemas eleitorais de maioria absoluta, exige-se que o vencedor tenha mais de
metade do total dos votos (mais do que todos os demais candidatos juntos). Este sistema
apresenta vários métodos assaz distintos, sendo mais conhecidos os dois seguintes:
- O método da segunda volta, pelo qual se exige uma segunda volta (2a votação),
caso na primeira nenhum candidato tenha obtido maioria absoluta dos votos,
podendo a segunda volta ser reservada aos dois candidatos mais votados na
primeira volta (caso em que um deles obtém necessariamente a maioria absoluta),
ou ser alargada aos que tenham superado uma certa percentagem mínima na 1a
volta, o que permite mais do que dois concorrentes, não se garantindo portanto a
obtenção de uma maioria absoluta (sistema francês);
- O método do voto alternativo, em que a maioria absoluta se obtém com uma única
votação; para o efeito, os eleitores, perante uma lista que contém todos os
candidatos dos vários partidos, devem escolher não somente o candidato que
preferem, mas também indicar as alternativas, por ordem de preferência dos
demais candidatos, para o caso de o candidato da sua primeira escolha não sair
vencedor; contados os votos, se houver um candidato que tenha obtido maioria
absoluta de primeiras escolhas (mais de metade do número total de votos),
considera-se obviamente eleito; se não, elimina-se o candidato menos votado,
repartindo as segundas preferências dos seus boletins de voto pelos demais
candidatos; se ainda assim não houver nenhum candidato que alcance uma maioria
absoluta, repete-se a operação com as segundas preferências dos votos do
candidato que tenha menos votos, até se obter uma maioria absoluta; é o sistema
vigente em algumas eleições na Austrália.
II - Sistemas proporcionais
1° - Método do quociente
Este método consiste em obter o quociente da divisão entre o número de votos
entrados e o número deputados a eleger em cada círculo eleitoral e reveste várias
modalidades, entre as quais as seguintes:
a) Quociente de Hare (ou quociente natural):
Primeiro, o número total de votos efetivos (soma dos votos de todas as listas) é dividido
pelo número de deputados a eleger no círculo, obtendo-se assim o quociente eleitoral
(Q=v/d); depois, divide-se o número de votos de cada lista por esse quociente (v'/Q),
cabendo a cada lista um número de deputados igual ao resultado dessa divisão (= número
de vezes que o quociente eleitoral cabe no número de votos de cada lista); se, depois de
feitas as referidas divisões ainda houver deputados por atribuir, então recorre-se a um
mecanismo subsidiário, que pode variar de sistema para sistema (por exemplo, atribuir os
deputados sobrantes pelas listas que tenham maior resto de votos inaproveitados, ou seja,
em que o resto da divisão esteja mais próximo do quociente eleitoral) (Ver quadro junto).
b) Quociente de Hagenbach-Bischoff
Nesta modalidade, o quociente eleitoral obtém-se pela divisão do número total de
votos pelo número de deputados a eleger, acrescentado de 1 (Q=v/d+1);
c) Quociente de Droop
Sistema proporcional
(Método do quociente natural, ou de Hare)
1º - Divide-se o número total de votos (soma dos votos de todos os partidos) pelo
número de deputados a eleger: 10 000:5=2000. Este e o quociente eleitoral.
2º - Divide-se o número de votos obtido por cada partido pelo quociente eleitoral
(2000), para calcular o número de deputados eleitos por cada um (ver operações no
quadro seguinte);
3º - Resta um deputado não atribuído, que é conferido ao partido com o maior
resto:
Partido C 2000 1 0 1
Este método consiste em dividir o número de votos de cada partido por divisores
crescentes e depois ordenar os resultados de todos essas divisões pela ordem de grandeza.
Também reveste diversas modalidades, as mais conhecidas das quais são:
a) Método de Hondt
Os eleitores votam numa das listas de candidatos propostas; o número de votos
obtido por cada lista é dividido sucessivamente por 1, 2, 3, etc. (teoricamente até ao
número equivalente ao número de deputados a eleger no círculo); ordenam-se depois os
resultados obtidos de todas as divisões, respeitantes a todos os candidatos, numa única
série decrescente, com tantos resultados quantos os deputados a eleger; a cada lista cabem
79
tantos deputados eleitos quantas as vezes que essa série incluir resultados pertencentes às
divisões correspondentes a essa lista (ver quadro seguinte).
1º - Faz-se a divisão do número de votos obtido por cada partido sucessivamente por
1, 2, 3, 4 e 5:
a lista completa de todos os candidatos dos vários partidos, cabendo ao eleitor escolher
os candidatos em que vota, assinalando-os de acordo com a sua ordem de preferência (1a,
2a, etc.), até ao número dos deputados que cabem ao círculo; calcula-se o quociente
eleitoral, de acordo com um dos métodos de quociente acima referidos (na Irlanda utiliza-
se o quociente de Droop); somam-se as primeiras preferências de cada candidato; o
candidato (ou os candidatos) que na primeira preferência tiver atingido o quociente
eleitoral considera-se eleito (suponhamos o candidato A); o número de votos sobrantes
do candidato A (o número de primeiras preferências acima do quociente eleitoral) vai ser
repartido pelos restantes candidatos, de acordo com a segunda preferência dos votos de
A, na proporção que cada um dos outros candidatos tenha na segunda preferência do total
dos votos do candidato eleito (candidato A); o candidato que, por acréscimo dessas
segundas preferências, atingir o quociente eleitoral considera-se também eleito
(suponhamos, o candidato B); depois, se ainda houver deputados por eleger, vão-se
repartir pelos candidatos restantes o número de votos ainda sobrantes do candidato A que
tinham segunda preferência em B e de que este não necessitou, de acordo com a terceira
preferência desses boletins de voto; e assim por diante, até a eleição de todos os
deputados. Se porventura já não houver votos excedentários dos candidatos eleitos para
repartir, então vai-se eliminar o candidato menos votado, repartindo todos os seus votos
pelos restantes candidatos, consoante as segundas preferências naqueles indicada.
Os sistemas eleitorais mistos podem revestir as mais diversas versões. Por exemplo:
a) Sistema maioritário em círculos plurinominais com representação de minorias,
por meio de lista incompleta, de acordo com o qual a lista vencedora não elege todos os
deputados do círculo, cabendo uma parte preestabelecida à segunda lista mais votada; foi
um sistema utilizado durante certos períodos em Portugal, tanto no liberalismo monárquico
como na I República;
g) Coexistência territorial de círculos maioritários uninominais (por exemplo, nas
zonas rurais) com círculos eleitorais proporcionais (por exemplo, nas zonas urbanas); caso
da Rússia e do Japão.
c) Conjugação de círculos eleitorais maioritários uninominais com um círculo
81
V – “Cláusula barreira”
Consiste na fixação legal de uma percentagem mínima de votos a obter pelos partidos
para conseguirem representação parlamentar, v. g., nos sistemas proporcionais da
Dinamarca (2%), Espanha e Grécia (3%), Suécia, Noruega e Áustria (4%), Alemanha,
Sérvia, etc (5%). As cláusulas barreira são típicas dos sistemas proporcionais e visam
impedir ou reduzir a fragmentação parlamentar, a desencargjar as cisões partidarias, a
estimular os epquenos partidos a aliarem-sae a outros para disputars as eleições e/ou impedir
ou dificultar o acesso ao parlamento de pequenos partidos extremistas ou radicais.
Em Portugal está proibida pela Constituição. Todavia, e eleição dos deputados em
círculos eleitorais que elegem um número reduzido de deputados correspondente a uma
cláusula-barreira implícita, variável de círculo para círculo. Por exemplo, num círculo que
elege 20 deputados a cláusula-barreira implícita é de cerca de 5%. Um partido que atinja
essa percentagem de votos elege um deputado mesmo que tenha uma percentagem ínfima a
nível nacional.
Resumindo este capitulo, há dois índices que importa ter em conta para avaliar um
sistema eleitoral quanto aos seus resultados:
a) O "índice de representatividade", que mede a taxa de eleitores cujo voto serviu
para eleger algum deputado e dos votos perdidos, que não serviram para eleger ninguém;
esse índice é naturalmente maior nos sistemas proporcionais (mas a sua expressão depende
da modalidade de sistema proporcional e da existência ou não de "cláusula barreira"), sendo
muito menor nos sistemas maioritários (onde, em cada círculo eleitoral, só obtêm
representação os votos no vencedor, sendo os demais desperdiçados);
b) O "índice de proporcionalidade", que mede o desvio entre a percentagem de votos
de um partido concorrente e a percentagem de deputados que ele obtém e para o qual
85
existem diversas formulações. O índice é tanto maior quanto menor for o desvio
(desproporcionalidade).
Bibliografia seletiva:
4.3. Referendo
4.3.1. Noção
em desgraça, devido ao facto de ele ter sido pervertido pelos plebiscitos dos regimes
cesaristas (como os de Napoleão Bonaparte, em meados do século XIX) ou autocráticos
(como sucedeu com os plebiscitos convocados por Mussolini na Itália fascista, 1923-1943).
O mesmo sucedeu em Portugal com o plebiscito da Constituição de 1933, promovido por
Salazar. Por isso, hoje tende a prevalecer como conceito genérico o termo referendo, com
um significado mais amplo do que o seu sentido originário, enquanto o termo plebiscito tem
geralmente uma conotação negativa, no sentido dos referendos populistas dos regimes
autoritários ou das ditaduras pessoais, que têm sobretudo a função de legitimação política
do despotismo pessoal, envolvendo sempre a renovação da confiança pessoal no chefe.
No entanto, fora da Europa, por exemplo no Brasil, mantém-se a distinção entre
referendo em sentido estrito e plebiscito.
Como se viu, o referendo começou por ser a submissão da decisão tomada por um
certo órgão a ratificação ou confirmação de outro órgão, e não a uma votação popular. Esse
tipo de referendo chama-se "referendo orgânico", por contraposição ao referendo popular.
Um referendo dessa natureza era o que estava previsto originariamente na nossa
Constituição para a instituição concreta das regiões administrativas, a qual dependia da
aprovação das assembleias municipais da área respetiva e não de uma votação dos próprios
cidadãos. Essa solução foi substituída pelo referendo popular na revisão de 1997.
Hoje, quando se fala em referendo sem qualquer especificação, quer-se dizer o
referendo popular.
questão submetida a votação popular, mas que vinculam os órgãos competentes do poder
político a exercer a sua competência em termos conformes ao veredicto popular (por
exemplo, obrigação do parlamento de aprovar uma lei ou revogar uma determinada lei).
São referendos consultivos os que não dispõem de vinculatividade jurídica, e que por
isso só têm eficácia política, de acordo com o peso da votação popular num sentido ou
noutro.
Quanto a sua convocação, os referendos podem ser obrigatórios, quando têm de ser
realizados ou convocados para certo efeito, por determinação da Constituição ou da lei, não
podendo a questão envolvida ser resolvida de outro modo; e podem ser facultativos, se a
sua convocação decorre de uma opção dos órgãos do poder político, não dependendo a
resolução da questão de uma decisão referendária, antes podendo a questão ser decidida
pelos órgãos do poder político sem recurso ao referendo.
governo).
Neste segundo caso, a iniciativa pode ser do próprio órgão competente para convocar
o referendo ou pode pertencer a outro órgão (por exemplo, entre nós a convocação do
referendo compete ao Presidente da Republica, mas sempre sob proposta da Assembleia da
República ou do Governo, conforme os casos); também pode pertencer a um certo número
de cidadãos (iniciativa popular do referendo), mas dirigida à AR, não diretamente ao PR.
Em Portugal não existe iniciativa popular de referendo em sentido próprio, visto que
a iniciativa popular não chega para convocar o referendo, limitando-se a desencadear o
processo da sua convocação pelo órgão competente (a Assembleia da República).
por representantes das organizações locais, com o fim de intervirem, pela opinião e pela
discussão pública, nos assuntos da administração local.
Remissão bibliográfica:
a nivel nacional.
Qualquer destes arranjos procura dar resposta ao problema da descentralização do
Estado, mas as respostas são diferentes em cada caso, quer quanto à natureza das funções
descentralizadas (descentralização política ou simplesmente administrativa), quer quanto
ao volume de tarefas e atribuições distribuídas às estruturas de nível infraestadual, quer
quanto ao facto de as entidades territoriais de nível infraestadual terem ou não estruturas
políticas próprias (parlamentos, governos, tribunais, aparelho administrativo, etc.).
Contudo, quanto à soma de poderes exercidos pode não haver grandes diferenças. Há
Estados unitários fortemente descentralizados, em que as autoridades regionais e locais
detêm uma grande esfera de atribuições públicas; e existem Estados federais relativamente
centralizados, em que os "estados" federados detêm uma muito pequena esfera de
atribuições.
As razões para a descentralização territorial dos Estados podem ser as mais variadas:
a grande dimensão e diversidade territorial, a descontinuidade territorial (ilhas), a
diversidade étnica, cultural ou religiosa, ou simplesmente o interesse em estabelecer uma
pluralidade de centros de poder dotados de autogoverno (órgãos próprios), a fim de
aprofundar a democracia.
Diferentes problemas levanta o fenómeno da integração transnacional dos Estados,
que pode revestir a forma de organização internacional (ONU, OMC, etc.), de confederação
ou de tipos mistos entre a confederação e a federação, como é o caso da União Europeia.
ter as mais diversas denominações ("estados", como nos Estados Unidos da América, no
Brasil ou na Rússia; "cantões", como na Suíça; "territórios", como na Alemanha e na
Áustria; "províncias", como na Argentina, etc.). Assim, além dos órgãos federais
(presidente, parlamento federal, governo federal, tribunais federais, administração federal),
existem as estruturas político-administrativas próprias das unidades federadas
(parlamentos, governos, tribunais, administrações de cada uma das unidades federadas).
Apesar de as unidades federadas terem frequentemente a designação de "estados", a
verdade é que se trata de uma designação imprópria, visto que essas unidades políticas
territoriais, se bem que dotadas de constituição e de órgãos políticos próprios, não dispõem
de um dos atributos clássicos do Estado, a saber, a soberania, pois não possuem sequer
personalidade internacional, que está reservada para a federação, à qual cabem em exclusivo
as tarefas de defesa e de política externa. A designação de “estados” para as unidades
federadas em alguns países federais deriva de a federação ter resultado da união de Estados
previamente existentes (caso dos EUA); noutros casos, como no Brasil, isso decorre de um
fenómeno de imitação.
Num Estado federal os cidadãos têm uma dupla cidadania, participando em dois tipos
diferentes de comunidade política. Como membros de uma unidade federada, participam na
vida política da respetiva comunidade (eleições da assembleia legislativa própria,
referendos, etc.) Como membros da comunidade nacional, participam na respetiva vida
política (eleição do chefe do Estado e do parlamento federal, referendos nacionais, etc.)
O Estado federal deve distinguir-se da confederação, que é uma associação política
de Estados que permanecem independentes e preservam a sua autonomia, soberania e
identidade internacional, mas que resolvem exercer em comum uma ou mais tarefas (por
exemplo, defesa, relações externas, moeda). Enquanto a federação é um tipo de Estado e
um fenómeno de direito constitucional, a confederação é uma associação de Estados e um
fenómeno regido pelo direito internacional. A confederação é estabelecida por meio de um
tratado internacional, que é a sua carta orgânica, não existindo uma constituição, como nos
Estados federais; os órgãos da confederação são de natureza puramente interestadual, não
existindo órgãos representativos próprios da confederação. Historicamente as
confederações são essencialmente instáveis, tendendo a evoluir ora para a federação (por
exemplo, os Estados Unidos da América, que começou por ser uma confederação), ora para
a separação dos Estados-membros, que recuperam a sua autonomia e soberania integral.
100
e dos seus recursos fiscais próprios (impostos). Em princípio, tanto a federação como as
unidades federadas sustentam financeiramente as suas próprias atribuições. Mas a
constituição federal pode estabelecer ou permitir o financiamento das unidades federadas
pelo orçamento da União.
O número de unidades federadas varia muito de federação para federação, podendo ir
desde um mínimo de duas (antiga Checoslováquia e a atual Bósnia-Herzegovina) até várias
dezenas de "estados" (50 no caso dos Estados Unidos da América).
O número de Estados federais é relativamente reduzido, mas entre eles contam-se
quase todos os países mais populosos do Mundo (com a óbvia exceção da China). São
atualmente Estados federais, por exemplo, os seguintes, distribuídos pelos cinco
continentes: Bélgica, República Federal da Alemanha, Suíça, Áustria, Bósnia-Herzegovina
e Rússia, na Europa; Canadá, Estados Unidos, México, Venezuela, Argentina e Brasil, nas
Américas; Nigéria, Camarões e África do Sul, na África; Índia, Malásia e Birmânia, na
Ásia; Austrália, na Oceânia.
O fenómeno federal parece ser independente do regime político e da forma de
governo, do grau de desenvolvimento económico, do sistema de governo, etc. Contudo, na
maior parte dos casos o federalismo tende a ser a resposta para uma situação bem definida:
grande dimensão territorial e heterogeneidade étnica, linguística ou religiosa.
A origem dos Estados federais é também diversa: nuns casos a federação surgiu a
partir da união de Estados previamente independentes (federação centrípeta); passando por
vezes por uma confederação intermédia (caso dos Estados Unidos, entre 1777 e 1787, da
Suíça, até 1848); noutros casos, foi um Estado previamente unitário que se federalizou (caso
da Bélgica e do Brasil) (federação centrífuga).
Em princípio, as unidades federadas não gozam de um direito constitucional de saída
da federação (diferentemente do que sucede nas confederações). Mas na prática pode haver
tentativas ou fenómenos de secessão, como sucedeu com a tentativa dos estados do sul dos
Estados Unidos em 1865, que deu origem à guerra civil americana.
Viu-se acima como no princípio o Estado absoluto e o Estado liberal eram altamente
centralizados, tendo suprimido ou fortemente restringido a autonomia tradicional dos
103
municípios e outras unidades territoriais vinda da Idade Media. Todavia, como vimos, uma
das transformações do Estado desde então foi justamente o fenómeno da descentralização
administrativa territorial do Estado, por meio das coletividades locais, nomeadamente os
municípios.
Variam de país para país o número e a forma de organização das coletividades ou
autarquias locais.
Assim, se em todos os países existem municípios (com esse ou outro nome), já não
existem em todos eles as coletividades inframunicipais ou supramunicipais. Na
generalidade dos países o município é a coletividade local de base, havendo porém
coletividades supramunicipais entre o município e o Estado, que podem ter as mais diversas
designações (distritos, departamentos, províncias).
Nas últimas décadas verificou-se a criação em muitos países de coletividades
territoriais de âmbito mais vasto, em geral designados por regiões, mas diferentes das
regiões autónomas, por não configurarem uma forma de descentralização política (com
parlamento e governo próprios) mas somente uma forma de descentralização
administrativa, como as coletividades locais tradicionais.
A organização do governo das coletividades locais apresenta uma grande diversidade
de país para país. Entre os diversos modelos orgânicos destacam-se dois:
- O sistema de conselho e mayor, ambos diretamente eleitos, sendo o primeiro o órgão
colegial deliberativo e o segundo o órgão executivo;
- O sistema de assembleia representativa, diretamente eleita, e órgão colegial
executivo, designado por aquela, e perante ela responsável.
Existe uma certa ligação entre o sistema de governo municipal e o sistema de governo
a nível nacional. Nos países de tradição presidencialista, há tendência para seguir o primeiro
sistema de governo municipal acima referido (conselho e maior); nos sistemas de tradição
parlamentar há tendência para seguir o segundo sistema de governo municipal (assembleia
representativa mais órgão colegial executivo). Mas essa ligação está longe de ser
obrigatória. Sucede mesmo que nos Estados federais o sistema de governo municipal pode
variar de "estado" para "estado" federado, pois a organização local pode não ser uma
competência federal (caso da Alemanha, por exemplo).
Em Portugal o sistema de governo local está determinado na Constituição, sendo do
segundo tipo acima assinalado (assembleia deliberativa mais órgão colegial executivo) –
104
Neste contexto assume particular relevância a União Europeia, que hoje congrega 28
países da Europa (estando pendente a saída do Reino Unido), entre eles Portugal, desde
1986. Primitivamente designada como Comunidade Económica Europeia (CEE), foi
constituída em 1957, pelo Tratado de Roma. Congregava originariamente apenas 6 países
(Alemanha, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo). Teve como antecedente
a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), constituída em 1951, entre os
mesmos Estados. Simultaneamente com a CEE foi também criada a Comunidade Europeia
da Energia Atómica (EURATOM).
Ao longo dos anos foi-se alargando o número de Estados integrantes da UE. Primeiro
deu-se a entrada do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca (1973); depois foi a adesão da
Grécia (1981); a seguir foi a vez da entrada da Espanha e de Portugal (1986), passando a
doze membros; no alargamento seguinte, coube a vez à Áustria, Suécia e Finlândia (1995),
perfazendo 15 Estados; por último, nos mais recentes alargamentos, já no corrente século,
entraram mais 13 países do Centro e do Leste da Europa e do Mediterrâneo, desde a Letónia
até Chipre, passando pela Croácia.
Concomitantemente foi-se ampliando e adensando a integração europeia por efeito de
sucessivos tratados, que modificaram o primitivo Tratado de Roma. Entre os principais
contam-se o chamado Ato Único Europeu (1986), o Tratado de Maastricht, ou da União
Europeia (1992) e o Tratado de Amesterdão (1997), o Tratado de Nice (2001) e finalmente
o Tratado de Lisboa (2007). Uma tentativa para aprovar uma “constituição europeia”
(Tratado de Roma de 2004) naufragou, porém, com o voto negativo em referendo na França
e na Holanda; todavia, o Tratado de Lisboa (2007) veio absorver grande parte das suas
inovações.
No princípio, a Comunidade Económica Europeia tinha funções exclusivamente
económicas, tendo por objetivo a criação de um “mercado comum” entre os Estados
membros, baseado na abolição de direitos aduaneiros e outras restrições ao comércio
intracomunitário, numa união aduaneira (pauta aduaneira externa comum) e na liberdade
de circulação de trabalhadores, de capitais, de mercadorias e de serviços, incluindo a
liberdade de estabelecimento em qualquer outro Estado-membro. Depois as funções e os
objetivos da UE foram-se ampliando e densificando, sobretudo através do Tratado de
Maastricht (1992) e do Tratado de Lisboa (2007). O primeiro instituiu dois novos “pilares”
108
à face do direito da União. O incumprimento dessas obrigações pode ser sancionado pela
União, mediante queixa da Comissão ou de qualquer outro Estado-membro no TJUE.
Esses traços, juntamente com outros (como a existência de uma Carta de Direitos
Fundamentais da UE), conferem à UE aspetos inequivocamente paraestatais, parafederais e
paraconstitucionais. Todavia, apesar de dispor de poderes tipicamente estatais (poder
legislativo, pode judicial, treaty-making power, cidadania europeia) e federais (two-level
government, repartição de competências entre a União e os Estados-membros, supremacia
do direito da União na ordem jurídica dos Estados-membros, etc.), a UE não é um Estado
federal, não gozando de reconhecimento internacional como tal. Por isso não pertence às
Nações Unidas, embora integre várias organizações internacionais (como, por exemplo, a
OMC).
Bibliografia
P. Bonavides, ob. cit., 165-223
Zippelius, ob. cit., 509-519
Galalgher / Laver / Mair, Representtive Government in Modern Europe, Nova York,
2006, cap. 5.
António Martins da Silva, Sistema político da União Europeia, Coimbra, Almedina,
2013.
Capítulo VI
Formas e regimes políticos
O mesmo critério e uma idêntica classificação tripartida foram seguidos muito mais
tarde por Maquiavel, Hobbes e Montesquieu, o qual, contudo, remodelou a classificação
de acordo com três formas: despótica, monárquica e republicana. Maquiavel sublinhou a
114
totalitarismo, oligarquia, etc. Importa por isso definir o sentido com que se utiliza cada um
desses grandes conceitos.
A maior parte dos países adotou a república, sendo esse o regime escolhido quase sem
exceção pelos novos países saídos da descolonização, tanto na primeira vaga no seculo XIX
(Américas) como na segunda vaga, na segunda metade do século XX (África e Ásia). A
maior parte das monarquias subsistentes situa-se na Europa e no mundo árabe. Monarquias
exóticas são as de alguns países da Comunidade Britânica, que mantêm o soberano britânico
como chefe do Estado (Canadá, Austrália, etc.), representado presencialmente por um
“Governador”, com poderes puramente formais.
Na maior parte das monarquias, os monarcas têm poderes limitados (monarquias
constitucionais). Mas subsistem monarquias absolutas em Estados pré-constitucionais,
como a Arábia Saudita, em que os monarcas são titulares de todo o poder, não havendo
sequer uma assembleia representativa.
Dos problemas levantados na tipologia dos regimes políticos um dos mais importantes
é o dos critérios suscetíveis de serem utilizados para efeitos de classificação. Esses critérios
são múltiplos e correspondem às principais variáveis do sistema político.
A generalidade das tipologias das formas políticas recorre a dois critérios básicos:
- Quem governa, ou seja, quem detém e exerce o poder?
- Qual a relação entre o poder político e a "sociedade civil", ou seja, qual o âmbito e
domínio da intervenção do Estado?
A primeira variável — titularidade do poder, ou seja, grau de participação dos
cidadãos no poder e na atividade do sistema político — está ligado ao critério tradicional
que vem desde Aristóteles, sobre os regimes políticos. Costuma ser apresentada como uma
das variáveis mais importantes do eixo autocracia-democracia. Os extremos do eixo seriam
precisamente, de um lado, a democracia plena ("governo de todos por todos"), do outro
lado, a monocracia ("governo de um sobre todos"). No interior dos extremos o que existe
são sucessivos graus de democracia limitada e de autocracia, dependendo da extração social
dos detentores do poder político, do grau de participação popular na escolha dos dirigentes
e na definição das opções políticas.
A segunda variável — âmbito e domínio de intervenção do Estado — está ligada à
questão do liberalismo e do autoritarismo. Na realidade, trata-se de formas inscritas num
eixo cujos extremos teóricos são de um lado o anarquismo - ausência de Estado e, logo, de
117
Regimes políticos
Desse modo, conjugando essas duas dimensões, poderíamos ter em abstrato quatro
espécies de regime político:
- democracia liberal (“demoliberalismo”);
- democracia autoritária (“democracia iliberal”);
- autocracia liberal;
- autocracia autoritária.
As democracias liberais, como o próprio nome indica, são democracias baseadas no
liberalismo político (liberdades civis e políticas) e no liberalismo económico (liberdade de
empresa, economia de mercado). As democracias liberais são por definição democracias
limitadas. O poder político é necessariamente limitado pelos direitos dos cidadãos
(incluindo a liberdade de imprensa) e da oposição política.
As democracias autoritárias ou, mais genericamente, as “democracias iliberais” são o
“casamento” da democracia baseada em eleições (incluindo, em alguns casos, eleições
competitivas) com um poder autoritário, com limitação maior ou menor das liberdades
individuais e uma forte intervenção do Estado na esfera económica e social.
As autocracias liberais são aquelas em que o poder é dominado por um pequeno grupo
dirigente (oligarquia), mas em que o poder político se abstém de excessiva repressão das
liberdades individuais e de ingerência na esfera económica e social. Trata-se de um
casamento por definição pouco provável e necessariamente instável.
118
Bibliografia:
J. Miranda, ob cit.,12-38.
Zippelius, ob cit., 205-220, 367-382.
J. Blondel, Comparing Political Systems, Londres, 1973, pp. 31 sgs.
2
Disponivel na Internet:
http://faculty.www.umb.edu/steven.levine/courses/Fall%202015/What%20is%20Freedom%20Writings/Berli
n.pdf
120
Bibliografia:
a) A “representação corporativa”
hoje do apoio de alguns pensadores, como alternativa à representação eleitoral por via dos
partidos políticos.
Remissão bibliográfica:
mandatos parlamentares, que ficariam vagos. Mas não é por haver taxas elevadas de
abstenção ou de votos brancos e nulos que os candidatos deixam de ser eleitos e que as
assembleias deixam de ficar completas. São muito excecionais os casos em que se exige um
quorum de votantes. Mas altas taxas de abstenção ou de votos brancos e nulos constituem
um inequívoco sintoma de baixa participação política e um possível défice de legitimação
do sistema político e de alienação política dos cidadãos em relação a ele.
A participação política não se mede somente pela participação nas eleições (e nos
referendos). Outros elementos da participação política são a filiação em partidos e
associações políticas, a subscrição de petições e de manifestos políticos, a participação em
manifestações, eventos e debates políticos, etc. Existe uma extensa literatura sobre as
formas e intensidade da participação política.
As democartcais variam muito entre si, quer quanto à sua configuração institucional
(sistemas de governo, sistemas eleitorais, etc.), quer quanto ao seu funcionamento
(participação eleitral, relações governo-oposição, etc.).
Fala-se a esse propósito em “qualidade da democracia”, ordenando rankings dos
países, tendo em conta diversos parâmetros. Um doas mais conhecidos desse rankings é o
do The Ecoomistt, uma revista semanal broitâniuca, que divide os regime políticos em três
categorias:
- democracias (por sua vez agrupando duas categorias, as democracias plenas e as
democracias imperfeitas, ou defeituosas);
- regimes mistos;
- regime autoritários (autocráticos).
Os indicadores relevantes são o desempenho do sistema político, a participação
política e as liberdades públicas. Por via de regra, o ranking é encabeçado pelos países
escandinavos.
até aos anos 20 do século XX), e a segunda vaga (1945-1960), as quais foram, porém,
seguidas, cada uma delas, por contravagas de restaurações autoritárias (reverse waves).
Contudo, quer o paradigma da transição democrática, quer a calendarização de
Huntington estão longe de ser consensuais na ciência política.
Bibliografia:
Numa definição elementar, designa-se por sistema de governo (ou forma de governo)
o modo como numa democracia representativa se repartem as diversas funções do Estado
pelos diferentes órgãos superiores deste, bem como o modo como estes se articulam entre
si, tendo em conta especialmente o poder executivo (governo em sentido estrito) e as suas
relações com o poder legislativo.
Na base da distinção dos sistemas de governo está a separação de poderes, ou seja, a
repartição das funções do Estado (legislação, execução, jurisdição) por diferentes órgãos
(assembleia representativa ou parlamento, governo e administração, tribunais). A separação
de poderes (Locke e Montesquieu) surgiu como meio de limitação do poder. A única forma
de limitar o poder é dividi-lo e pôr uns poderes a limitar outros. A ideia fundamental era a
de que quem legisla não deve executar as próprias leis e vice-versa. Por isso, o teste
essencial de um sistema de governo é saber quem é o titular do poder executivo e o tipo de
relação e de separação entre o poder legislativo e o poder executivo.
Como sabemos, em contracorrente, Rousseau criticou a separação dos poderes: o
poder do soberano, o povo, expresso na “vontade geral”, devia ser indivisível. A vontade
da maioria representada na assembleia popular é ilimitada, não podendo nenhum poder do
Estado ser independente dela. O poder legislativo não pode estar sujeito a nenhuma
limitação decorrente da independência dos outros. Por isso, o poder executivo (governo)
deveria ser uma pura delegação da assembleia popular. O princípio não é o da separação
dos poderes mas sim o da unidade do poder, concentrado na assembleia popular.
Mas a teoria da separação de poderes de Montesquieu (nomeadamente entre o poder
legislativo e o executivo) resistiu à prova do tempo, apesar da dificuldade em acomodar o
papel do chefe do Estado, quando ele não integra o poder executivo. Foi para isso que
130
Bibliografia:
a) Sobre a separação de poderes
J. Miranda, ob. cit., pp. 93-111;
Zippelius, ob. cit., pp. 406-418;
V. Canas, ob. cit., pp. 91-98;
P. Bonavides, ob. cit., pp. 145-163,
Nuno Piçarra, A separação de poderes como doutrina e princípio constitucional,
Coimbra, 1989.
O processo de formação do governo pode variar de país para país. Em alguns países,
como Portugal, o primeiro-ministro é nomeado pelo chefe do Esatdo tendo em conta a
composição do parlamento, tendo depois o Governo nomeado de se apresentar perante o
parlamento onde pode ser rejeitado. Noutros países, como na Espanha, o chefe do Esatdo
limita-se a indigitar um candidato a primeiro-ministro, que tem de obter a cofiança do
parlamento antes de ser efetivamentne nomeado. Noutros casos, o primero-misntro é eleito
no parlamento, limitando-se o chefe do Esatdo a formalizar a nomeação (Irlanda). Nourtos
casos, ainda, o PM cosidera-se definitivamente nomeado com a eleição parlamentar.
Quanto aos ministros, a situação mais frequente consiste na sua nomeação pelo chefe
do Estado sob proposta do PM. Mas há casos em que basta a nomeação pelo PM, sem
intervenção do chefe do Estado (Japão). Em geral, os ministros não são sujeitos a voto
indovidual de confiança no parlemento (exceção, a Irlanda).
Nas democracias parlamentares, os governos assentam essencialmente nos partidos
políticos. O primeiro-ministro é normalmente o líder do partido ou da coligação de partidos
maioritária no parlamento. Os governos de coligação são negociados entre os partidos
envolvidos. Os ministros saem das fileiras do partidos de governo, embora passa haver
ministros sem filação partidária.
137
demitido.
Trata-se de uma forma de governo exclusiva da Suíça, pois não tem paralelo noutras
paragens, ainda que tenha afinidades com o sistema de governo “diretorial” da França
revolucionária.
Os seus principais traços característicos são os seguintes;
- A função executiva (governo) cabe a um órgão colegial eleito pelo parlamento;
142
- Não existe um chefe de Estado autónomo, sendo essa função exercida coletivamente
pelo órgão colegial executivo designado pela assembleia, cabendo ao presidente desse
órgão, que de resto é de designação rotativa entre os membros daquele;
Corpo eleitoral
sistema de governo da antiga União Soviética, depois seguido pelas demais antigas e atuais
“democracias populares”. Os seus traços são os seguintes:
- Titularidade nominal de todas as funções políticas do Estado (função de
representação do Estado, função política, legislativa e executiva) pela assembleia de
deputados do povo ("soviete supremo"), que acumula o poder legislativo e executivo;
- Inexistência de chefe do Estado, cabendo a função de representação do Estado ao
conselho permanente do Soviete Supremo.
- Possibilidade de revogação do mandato de deputado por votação popular (recall).
Na verdade, não existe um governo ou poder executivo autónomo em relação à
assembleia; o que existe são comissões da assembleia e comissários por ela nomeados,
incumbidos das tarefas executivas sob controlo daquela, livremente nomeados e exonerados
por ela (ou melhor, pelo seu conselho de presidência permanente, o presidium).
Mas o sistema de governo real sempre consistiu no domínio absoluto do partido
oficial, havendo normalmente acumulação pessoal do cargo de secretário-geral do partido
oficial e do cargo de presidente do conselho executivo (presidium) da assembleia ou do
conselho nacional.
Na generalidade dos países existe um chefe do Estado, sendo a maior parte das vezes
um presidente da República. Mas o lugar e o papel do chefe do Estado variam muito, nao
somente de acordo com as formas de Estado (monarquias ou repúblicas), mas também
conforme os sistemas de governo. Todavia, em geral o chefe do Estado não é politicamente
responsável pela sua ação perante o parlamento ou assembleia representativa.
No caso dos regimes presidencialistas, o PR é o titular e, em geral, o chefe direto do
poder executivo, acumulando os dois papéis de chefe do Estado e de chefe do governo. Em
geral, é diretamente eleito e não é responsável politicamente pela sua ação perante a
assembleia representativa.
Nas democracias parlamentares, o chefe do Estado pode ser um monarca (monarquias
parlamentares, como a Espanha) ou um presidente da República eleito (repúblicas
parlamentares, como a Itália), podendo ser eleito diretamente pelos cidadãos, como nas
repúblicas presidencialistas, ou por um colégio eleitoral, que inclui os deputados.
Tradicionalmente, nas democracias parlamentares o chefe do Estado é o titular nominal do
144
poder executivo mas não o exerce (pois ele é exercido pelo governo chefiado pelo primeiro-
ministro), nem é responsável pela ação do governo, pois todos os seus atos são referendados
pelos ministros, que são responsáveis por eles perante o parlamento. Excecionalmente, os
presidentes da República em democracias parlamentares podem ter alguns poderes
autónomos (como, por exemplo, a nomeação de juízes do Tribunal Constitucional pelo PR
em Itália).
Nas repúblicas “semipresidencialistas”, os presidentes da República podem ter um
papel mais ou menos importante na função governativa (especialmente em matérias de
segurança, defesa e relações externas), mas a função executiva cabe predominantemente ao
governo chefiado pelo primeiro-ministro, simultaneamente responsável perante o Presidente
e perante o parlamento. Portanto, o PR ocupa um lugar algures entre o presidente num
sistema de governo presidencialista e o presidente num sistema de governo parlamentar. Tal
como nos sistemas presidencialistas, o PR também não é politicamente responsável perante
o parlamento pelo seu papel no poder executivo.
Por último, em algumas repúblicas parlamentares, o PR pode ter um papel próprio
como “quarto poder”, separado do poder executivo, com funções de supervisão e moderação
do funcionamento do sistema político e de observância das regras constitucionais e do
regular funcionamento das instituições. É esse o modelo do PR na atual Constituição
portuguesa.
Bibliografia
Government Formation and Removal Mechanisms, IDEA, 2017; disponível online:
https://www.idea.int/sites/default/files/publications/government-formation-and-removal-
mechanisms-primer.pdf
Galalgher / Laver / Mair, Representative Government in Modern Europe, Nova York,
2006, capts. 2, e 3.
Capítulo VIII
podendo a mesma pessoa ser eleita mais do que duas vezes consecutivas. Essa solução
foi seguida nas constituições latino-americanas e também em Portugal.
8.2.4. Funções
8.2.6. Vice-presidente
Bibliografia
J. J. Gomes Canotilho & Vital Moreira, Os poderes do Presidente da República,
Coimbra, 1991.
Nohlen, Elecciones y sistemas electorales, 3a edição, 1995, pp. 143 ss (sobre os
sistemas eleitorais presidenciais).
152
Como se viu, além destas formas típicas existem várias formas intermédias,
designadamente entre os regimes presidencialista e parlamentar, mais próximos ora de
um, ora de outro, como por exemplo, o atual regime francês (V República).
Na realidade, o funcionamento concreto de todos estes regimes depende de
muitos fatores. Num regime presidencialista, apesar da independência recíproca, a
assembleia pode ter um importante papel indireto na composição do governo, visto que
o Presidente necessita de construir uma maioria de coligação na assembleia, sendo
obrigado a estender essa coligação à formação do governo (Brasil, por exemplo); do
mesmo modo, num regime parlamentar a existência de uma maioria confortável por
parte do partido do governo conduz à dependência quase absoluta da assembleia em
relação ao governo; num regime semiparlamentar ou semipresidencialista, a existência
ou não de uma maioria parlamentar estável pode acentuar a face parlamentar ou a face
presidencialista do regime.
Um outro campo importante das relações entre o governo e as assembleias é a
influência destas na definição e controlo da política governamental. A discussão e
aprovação do programa do governo (nos regimes parlamentares), a aprovação do
orçamento e do plano, as interpelações e as perguntas, os inquéritos parlamentares, etc.
são alguns dos instrumentos específicos de controlo das assembleias sobre a atividade
do governo.
do sufrágio censitário, existia uma segunda câmara ("câmara alta", "câmara dos
pares"), sem natureza eletiva, ou sendo só parcialmente eletiva, representativa dos
interesses sociais mais conservadores, visto que os seus membros eram constituídos
pela aristocracia, designados por inerência ou nomeados pelo rei, como acontecia entre
nós com a Câmara dos Pares no regime da Carta Constitucional e ainda sucede hoje,
em parte, com a Câmara dos Lordes britânica.
Posteriormente desenvolveram-se mais duas versões da segunda câmara; (i) a
dos Estados unitários territorialmente descentralizados, com uma câmara
representativa dessas unidades territoriais, imitando os Estados federais (Itália, por
exemplo); (ii) a transformação da antiga “câmara dos pares” num senado eletivo, com
regras de eleição diferentes da câmara baixa (exigências etárias mais elevadas, quer
para ser eleitor quer para ser eleito).
Os argumentos a favor do sistema bicamaral são dois. Por um lado, a segunda
câmara (senado, etc.) alarga o sistema de representação, quer numa base territorial
(representação dos estados federados, regiões autónomas, coletividades locais), quer
numa base orgânica ou corporativa (organizações económicas e sociais, instituições
culturais e religiosas, etc.). Em segundo lugar, a segunda câmara atuaria como
elemento estabilizador do sistema, especialmente no processo legislativo, moderando
ou contrabalançando a atividade da "câmara baixa".
Hoje, salvo alguns resquícios do passado (Câmara dos Lordes, na Grã-
Bretanha), as segundas câmaras são eleitas. Mas o sistema eleitoral é diferente do da
outra câmara, ou porque se trata de um sistema de eleição indireta, ou porque as
condições de elegibilidade são mais exigentes (idade, etc.) ou porque os círculos
eleitorais são maiores, ou porque o método eleitoral é distinto do da câmara baixa, etc.
A segunda câmara possui natureza e funções muito variáveis de país para país.
Nuns casos, como na Itália, as duas câmaras têm poderes semelhantes em matéria
legislativa, exigindo as leis a aprovação cumulativa das duas câmaras; noutros casos,
como na Grã-Bretanha, a segunda câmara limita-se a um direito de veto ou de emenda,
no entanto superável pela câmara baixa. Quanto à função de controlo do governo (votos
de confiança, moções de censura, etc.), ela está em geral reservada à "câmara baixa".
Não deve confundir-se a segunda câmara - que sempre tem poderes deliberativos,
embora podendo ser exíguos - com os organismos consultivos adstritos ao parlamento,
158
8.3.4.3. Os deputados
sujeitos a disciplina partidária. Por isso os deputados de cada partido votam geralmente
em uníssono, de acordo com a orientação partidária ou do respetivo grupo parlamentar.
Daí a relativa perda da autonomia individual dos deputados, a qual todavia pode
ser maior ou menor de acordo com a forma de organização partidária e com o sistema
eleitoral. Os sistemas proporcionais de lista tendem a reforçar a dependência partidária,
enquanto os sistemas uninominais maioritários ou proporcionais personalizados
tendem de algum modo a contrabalançá-la. Todavia, trata-se sempre de diferenças
quantitativas, frequentemente irrelevantes (basta mencionar a férrea disciplina
partidária no parlamento britânico).
Uma das caraterísticas universais do estatuto dos deputados são as imunidades
parlamentares, nomeadamente a irresponsabilidade pelos votos ou opiniões emitidas
(não podendo ser chamados a responder civil, criminal ou disciplinarmente por eles) e
a chamada inviolabilidade, que os torna insuscetíveis de serem presos ou julgados
criminalmente sem autorização da assembleia, salvo casos excecionais.
Varia muito de país para país a duração temporal do mandato de cada assembleia,
bem como o período de funcionamento anual dos trabalhos parlamentares.
O período de mandato, ou seja, o número de anos por que as assembleias são
eleitas (entre nós designado por "legislatura"), varia normalmente entre os dois anos e
os seis anos, sendo frequente o período de quatro anos. Em certos casos a renovação
das assembleias não é total, podendo atingir somente metade ou um terço dos seus
membros em cada eleição (caso do senado nos Estados Unidos).
Nos sistemas presidencialistas o período de mandato não pode ser encurtado
mediante dissolução das assembleias, para efeito de eleições antecipadas, ao contrário
de que sucede nos sistemas parlamentares ou mistos de base parlamentar, em que isso
pode suceder por iniciativa do governo ou do próprio presidente da República,
autonomamente, ou, em casos raros, por deliberação da própria assembleia
(autodissolução).
Normalmente o funcionamento das assembleias não é contínuo, repartindo-se
por períodos anuais (entre nos designados por "sessões legislativas"), que, todavia, não
têm de coincidir com o ano civil (entre nós iniciam-se a 15 de setembro e terminam
em princípio a 15 de junho do ano seguinte). Esses períodos anuais podem ser mais ou
menos longos, variando muito de país para país e de regime para regime, sendo porém
habitualmente longos nos regimes democráticos e muito curtos nos regimes
autoritários.
Em certos países, durante os períodos de recesso parlamentar entra em
funcionamento uma comissão permanente da assembleia (como sucede entre nós), que
tem poderes para exercer algumas das suas funções.
162
Bibliografia específica:
K. C. Wheare, Legislatures, Londres, 1963.
J. Blondel, Comparative Legislatures, Englewood Cliffs, N. J. 1972.
Union Interparlamentaire, Les Parlements, Bruxelas, 2a edição, 1986-87.
163
8.4. O governo
8.4.1. Estrutura
ministros, mas hoje têm várias dezenas de membros. Os problemas que surgem são
fundamentalmente os que resultam da delimitação das áreas de competência entre o
chefe do governo, por um lado, o coletivo governamental (conselho de ministros, etc.),
por outro lado, e os membros do governo individuais (ministros, etc.), por último. O
máximo que se pode adiantar nesta matéria, como princípio geral, é que nos regimes
parlamentares a evolução tem sido no sentido de reforçar o papel do primeiro-ministro,
por um lado, e dos ministros individuais por outro lado, em prejuízo do coletivo
governamental (gabinete, conselho de ministros, etc.).
Bibliografia:
- A. H. Birch, Representative and Responsible Government, Londres, 1964.
noemeadas pelo Governo, não ficam responsáveis perante ele nem perante o Presidente
(nos sistemas presidencialistas), nem perante o Parlamento (nis sistemas
parlamentares).
Os órgãos dirigentes das autoridades adminstrativas independentes são
nomeados por tempo determinado, em geral mais longo do que o mandato
governanmental, não podendo ser destituídos ants do fim do mandato. Não estão
dependentes de ordens ou intruções do governo, nem os seus atos podoem ser revistos
pelo Governo, mas somnte pelos tribunais. Gozam de recursos financdeiros próprios
(taxas, contribuições especiais, coimas) e de autonomia financeira.
Existem três áreas privilegiadas de intervenção das autoridades administrativas
independentes:
- autoridades reguladoras da economia de mercado (autoridade da concorrência
e entidades regualadoras sectoriais (eletricidade, telecomunicações, serviços
financeiros, etc.);
- bancos centrais, que têm a seu cargo a fixação da taxa de juro;
- autoridades de defesa de certos direitos fundamentais (liberdade de imprensa e
independência dos média, salvaguarda de dados pessoais, etc.).
O grupo mais numeroso é sem dúvida o primeiro, embora o seu número varie de
país para país. Apesar disso, nas economias de mercado há certas autoridades
independentes praticamente universais, como as autroridades da concorrência, a
autoridade do mercado de valores mobiliários (bolsas, mercados de ações e
obrigações).
pouca atenção a este fenómeno. A participação dos militares na política era olhada
geralmente como um fenómeno próprio dos países com instituições civis débeis ou de
cultura "militarista". No entanto, a realidade da intervenção militar na política levou a
alterar esta visão.
A intervenção militar na política pode ir desde a mera influência ou pressão até
ao exercício direto do poder político, passando pela possibilidade de substituição de
um governo civil por outro.
Por razões facilmente explicáveis, as formas abertas de intervenção militar são
as que têm chamado maior atenção da análise política. Mas a intervenção direta não é
necessariamente mais importante politicamente do que a intervenção menos manifesta.
Países que nunca conheceram qualquer intervenção militar direta no governo podem
registar uma grande influência militar na definição política (por exemplo, dos Estados
Unidos). O crescimento das despesas militares e o desenvolvimento da tecnologia
militar vão de par com a elevação do papel político do aparelho militar. Em todo o
caso, o aparelho militar, se em tempo de paz pode manter a sua intervenção política
dentro de certos limites, nos períodos de guerra ou de crise interna do sistema político
ou do regime surge imediatamente à boca da cena política.
Já quanto a intervenção direta dos militares, através de golpe-de-estado ou de
pronunciamento, pode dizer-se que existem países mais propensos do que outros. Uma
rápida observação dos fenómenos desta natureza nas últimas dezenas de anos mostra
claramente que a esmagadora maioria deles tem tido lugar em áreas geográficas e
políticas mais ou menos bem determinadas: América Latina, África, Próximo Oriente.
Dois tipos de Estados parecem imunes: os Estados capitalistas desenvolvidos, de
regime liberal-democrático, e os Estados comunistas
Para a intervenção militar na vida política podem contribuir quer as condições
do próprio aparelho militar, quer as condições do sistema político. No que respeita ao
aparelho militar, as condições que favorecem a intervenção são desde logo aquelas que
o caraterizam em geral: monopólio ou quase monopólio das armas e da força armada:
organização (comando centralizado, hierarquia e disciplina rígidas, aperfeiçoada
estrutura de comunicações); autonomia social, espírito de corpo (unidade,
solidariedade, espírito de carreira, etc.), isolamento social e autossuficiência
(uniforme, vida no quartel, vida móvel, condicionamento da vida privada e da
175
participação política, escolas próprias, etc.); prestígio social, desde a mera simpatia até
ao orgulho e admiração, quer referenciada às "virtudes militares" (coragem, disciplina,
sacrifício, patriotismo), quer referenciada às tradições heróicas das forças armadas
(celebração dos heróis, das datas das batalhas, etc.).
No que respeita ao sistema político e social em geral, a intervenção direta dos
militares na vida política depende do tipo de sistema político, do grau de
desenvolvimento económico e social, do tipo de "cultura política", da estabilidade do
sistema político e dos governos. Segundo Blondel, as possibilidades de intervenção
dos militares dependem: (a) da falta de legitimação do sistema político, da
instabilidade política, etc., sendo por isso pouco prováveis em sistemas políticos há
longo tempo consolidados e de sistema de governo estável; (b) de regimes políticos
cujos princípios e normas sejam radicalmente diferentes dos militares (hierarquia,
disciplina, etc.), sendo por isso menos frequentes em regimes políticos oligárquicos ou
ditatoriais; (c) grau de desenvolvimento e da complexidade económica, social e
política, diminuindo as suas probabilidades com o desenvolvimento e aumento da
complexidade. Facilmente se constata que os países em que mais frequentemente tem
ocorrido intervenções militares na vida política preenchem todas ou algumas destas
condições.
8.7. Os tribunais
parlamento, governo) e outra parte deles designados pelos órgãos de governo das
magistraturas judiciais (juízes de carreira ou juízes profissionais). O que é comum é
porém a diferença de modo de designação em relação à forma de recrutamento dos
juízes dos demais tribunais. Também varia muito o tempo de mandato dos juízes dos
tribunais constitucionais, que pode ir desde um período relativamente curto até ao
mandato vitalício. Em geral, porém, quando temporalmente limitados, trata-se de
mandatos não renováveis (como sucede entre nós).
Os tribunais de contas são tribunais muito especiais, quer quanto ao recrutamento
dos seus membros - que são muitas vezes designados pelos órgãos do poder político -
, quer quanto às suas funções, que consistem na verificação não somente da legalidade
mas também da adequação financeira (economia e eficiência) das despesas das
entidades públicas (ou entidades privadas beneficiarias de dinheiros públicos), bem
como na apreciação das respetivas contas.
No que diz respeito a Portugal existem duas ordens judiciais paralelas:
- os tribunais "judiciais", cujo vértice é o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) com
várias especializações funcionais a nível dos tribunais de base (tribunais cíveis,
criminais, de trabalho, de menores, de família, etc.) e mesmo a nível das secções dos
tribunais de segunda instancia (Tribunais de Relação) e no STJ;
- os tribunais administrativos e tribunais fiscais, tendo no vértice o Supremo
Tribunal Administrativo (STA), existindo também especializações nos tribunais de
base (tribunais administrativos e tribunais fiscais) e nas secções do STA.
Além desses tribunais existe também o Tribunal Constitucional, criado em 1982
(primeira revisão constitucional), tendo a sua origem na Comissão Constitucional
(prevista na versão originária da Constituição). Além de tribunal de fiscalização da
constitucionalidade das leis (e, em geral, de todas as normas jurídicas), ele funciona
também como tribunal superior de justiça eleitoral e tribunal de contencioso relativo
aos partidos políticos (além de outras funções).
Finalmente existe um Tribunal de Contas, com funções de cotrolo da legalidade
financeira em relação a todas as entidades públicas (embora com secções regionais
para as regiões autónomas).
Importa referir ainda os trinbunais arbitrais, que tanto podem ser permanentes
como criados ad hoc, sendo normalmente compostos por três árbitos, dois indicados
179
pelas partes no litígio, sendo o terceito escolhido pelos árbitros de parte. A arbitragem
é especialmente utlizada na resolução de litígios de negócios.
do júri – que, no entanto, nunca obteve na Europa a relevância que tem nos Estados
Unidos -, bem como as demais formas de participação leiga em certos tipos de tribunais
(tribunais de trabalho, justiça de menores, de família, etc.) e ainda os resquícios, em
alguns casos redivivos, de "juízes populares", para pequenas causas no âmbito das
comunidades locais, eleitos ou designados pelas mesmas coletividades locais.
O primeiro objetivo das revoluções liberais foi a redução e limitação material das
funções e dos poderes do Estado em favor da autonomia dos indivíduos e da sociedade.
Quanto menor o perímetro de ação do Estado menos poder ele poderia exercer sobre
os indivíduos e sobre a sociedade em geral.
O principal dispositivo constitucional para a limitação das funções do Estado foi
a “invenção” da economia de mercado, tornando a economia essencialmente
independente do Estado, bem como dos direitos, liberdades e garantias individuais, que
no início são essencialmente concebidos como defesa dos indivíduos contra o Estado
(mas versus the state).
Entre os direitos individuais contavam-se o direito à vida, a propriedade e à
segurança. Entre as liberdades, incluíam-se a liberdade de expressão e de opinião, a
liberdade de religião, a liberdade de reunião, etc. As garantias incluíam a proibição de
prisão arbitrária, a proibição de confisco, a inviolabilidade do domicílio e da
correspondência, etc.
185
A conceção liberal dos direitos fundamentais, até bem dentro do século XX,
apresentava-os exclusivamente como “direitos negativos”, como garantia de uma
esfera de liberdade de ação dos indivíduos, no plano pessoal, económico e político,
contra a ingerência do poder. Como frisou Benjamin Constant, a “liberdade dos
modernos” é essencialmente a liberdade de não ser vítima de ingerências do Estado.
No século XIX só estava em causa assegurar a autonomia e a liberdade dos
indivíduos face ao Estado. No século XX, com o nascimento dos grupos sociais
organizados (sindicatos, organizações empresariais, igrejas, etc.), surgiu também a
necessidade de assegurar a sua autonomia face ao Estado. Como se viu anteriormente,
a “teoria pluralista da política” baseia-se essencialmente no pluralismo e na competição
entre os grupos sociais.
Outra maneira de limitar os poderes do Estado é sua repartição entre vários níveis
de organização territorial do poder político. Os Estados federais sempre foram um
instrumento de divisão e de limitação do poder político, repartindo as funções entre a
federação e as unidades federadas. No século XX sugiram novos mecanismos de
repartição vertical do poder.
Como se viu acima, um dos traços de transformação do Estado contemporâneo
desde as revoluções liberais foi a descentralização territorial do poder nos Estados
unitários, estabelecendo uma espécie de “separação vertical de poderes” que replica
alguns aspetos os Estados federais.
187
a) Poderes de veto
b) Maiorias qualificadas
Como o seu próprio nome diz, o Estado absoluto (abreviatura do latim legibus
absoluto, ou seja, não submetido às leis) não era somente caraterizado pelo enorme
âmbito e concentração dos poderes do Estado, mas sim também pelo facto de não estar
submetido às leis. O soberano ditava as leis para os súbditos, fazia executá-las e
194
sancionava o seu incumprimento, mas não estava ele próprio submetido às leis que
emitia.
A primeira ideia-chave para limitar o poder foi a de o submeter à lei, pondo fim
à arbitrariedade do poder. A própria ideia de Estado constitucional consiste em
submetê-lo a uma lei própria, a Constituição, destinada a organizar e a disciplinar o
poder político O Estado constitucional é, neste sentido, um Estado de direito,
submetido ao direito (rule of law).
Por isso, as revoluções contra o Estado absoluto foram revoluções
constitucionalistas, como primeiro objetivo foi justamente organizar e controlar o
poder do Estado, como Estado baseado no direito e submetido ao direito.
Além de ter submetido o poder ao direito, as revoluções liberais estabeleceram a
separação de poderes e submeteram o poder executivo às leis emanadas do poder
legislativo (princípio da legalidade da administração). O poder executivo passou a ser
um poder legalmente vinculado.
9.6.2. Incompatibilidades
Nascida nos Estados Unidos logo no início do século XIX, por iniciativa do
próprio Supremo Tribunal Federal, o controlo da constitucionalidade das normas
infraconstitucionais faz hoje para integrante do Estado de direito constitucional na
maior parte dos países.
O controlo da constitucionalidade consiste em invalidar ou pelo menos em
rejeitar a aplicação de normas que sejam incompatíveis com a Constituição. Pode
também ter por objeto outras decisões sem natureza legislativa. A competência judicial
para a fiscalização da constitucionalidade pode caber a todos e a cada um dos tribunais,
sempre que tenham de decidir um caso judicial (sistema norte-americano) ou caber
exclusivamente a um tribunal especializado, um tribunal constitucional (sistema
austríaco). Há também os sistemas mistos, como Portugal, onde essa competência cabe
tanto aos tribunais comuns como ao tribunal constitucional.
Na medida em que declara a invalidade de normas (ou decisões) do poder político
democrático, ou rejeita a sua aplicação, a fiscalização da constitucionalidade constitui
uma limitação do princípio democrático. Por isso, a fiscalização só deve concluir pela
inconstitucionalidade quando se prove que o poder público autor da norma infringiu
um princípio ou uma norma constitucional que o vinculava.
200
a) O Ombudsman
Como se viu anteriormente, nas últimas décadas têm sido criadas em muitod
países certas autoridades públicas independentes, geralmente junto ao parlamento, para
apreciar e decidir queixas dos cidadãos contra os poderes públicos.
Entre elas são de mencionar as que se destinam a assegurar a privacidade dos
bancos eletrónicos de dados pessoais, o acesso aos documentos administrativos, e a
independência dos órgãos de comunicação do Estado. É o que sucede entre nós
respetivamente com a Comissão Nacional de Proteção de Dados Pessoais (CNPDP), a
Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e a Entidade
Reguladora da Comunicação Social (ERC).
O Estado absoluto era ilimitado tanto na ordem interna como na ordem externa,
não sofrendo nenhuma inibição vinda do exterior. Levando ao extremo, a ideia de
soberania do Estado proibia qualquer ingerência nos assuntos internos dos Estados. E
isso incluía obviamente a proibição de censura ou de condenação externa da ordem
constitucional interna e da organização interna do poder.
Como vimos, esse paradigma mudou definitivamente com a criação das Nações
Unidas no final da II Guerra Mundial, que veio universalizar os direitos humanos como
obrigação de todos os Estados e criar um mecanismo universal contra as ameaças à paz
202
dos seus interesses privativos. A isso chamamos a “captura” do poder político pelos
interesses privados.
Entre os interesses privados a que o Estado pode ser mais vulnerável incluem-se
tradicionalmente três, a saber o poder económico, o poder mediático e o poder
religioso. Vejamos sumariamente a problemática respeitante a cada um deles.
a) O poder económico
b) O poder mediático
c) O poder religioso
Nos países de religião oficial ou de religião dominante, as igrejas podem ter uma
enorme influência política, pela sua capacidade de pressão sobre os governos e mesmo
sobre os parlamentos, onde por vezes possuem uma importante representação (como
sucede, por exemplo, no Brasil). Mesmo nos países caraterizados pela separação oficial
entre o Estado e as igrejas, esse perigo de captura religiosa do Estado pode existir.
Além da sua missão religiosa em relação aos crentes, as igrejas podem ter um
papel importantes da educação e na proteção social através das suas próprias
instituições.
Entre os mecanismos de defesa do Estado contra a indevida pressão das igrejas
contam-se os seguintes:
- separação oficial entre o Estado e a igrejas e consagração do princípio da
neutralidade religiosa do Estado (laicidade);
- garantia da liberdade religiosa e da igualdade das igrejas perante a lei e abolição
de qualquer discriminação (vantagem ou obrigações diferenciais) por motivos
religiosos.
206
Referências bibliográficas
P. C. Bacelar de Vasconcelos, Teoria geral do controlo jurídico do poder
politico, Edições Cosmo, Lisboa, 1996, cap. III.
Capítulo X
Sistemas políticos comparados
Países Tipo de Estado Forma do Regime político Modo de Sistema de Camaras Sistema Sistema
Estado eleição do PR governo legislativas eleitoral para o partidário
parlamento
Reino Estado unitário monarquia democracia n/a parlamentar bicamaral maioritário em tendencial-
Unido descentralizado constitucio- representativa círculos mente
nal uninominais bipartidário
Estados Estado federal república democracia eleição presidencialista bicamaral maioritário em bipartidário
Unidos representativa popular círculos
indireta uninominais
França Estado unitário república democracia eleição direta semipresi- bicamaral maioritário a pluripartidrio
descentralizado representativa em duas dencialista duas voltas com tendências
voltas bipartidárias
Alemanha Estado federal república democracia eleição parlamentar bicamaral proporcional pluripartidário
representativa parlamentar com círculos
uninominais de
candidatura
Suíça Estado federal república democracia eleição parla- “diretorial” bicamaral proporcional pluripartidário
representativa mentar
com recurso indireta
frequente ao
referendo
Rússia Estado federal república democracia eleição direta semipresi- bicamaral proporcional pluripartidário
representativa em duas dencialista com partido
imperfeita voltas dominante
China Estado unitário república “democracia eleição sistema monoca- maioritário partido oficial
centralizado popular” parlamentar “convencional” maral único
Arábia Estado unitário monarquia regime n/a monarquia n/a n/a n/a
Saudita centralizado hereditária autoritário absoluta
Brasil Estado federal república democracia eleição direta presiden- bicamaral proporcional pluripartidário
representativa a duas voltas cialista com lista aberta fragmentado
Africa do Estado quase república democracia eleição pelo parlamentarism bicamaral proporcional pluripartidário
Sul federal representativa parlamento, o atípico
por maioria
absoluta
UE Sistema político n/a democracia n/a de tipo bicamaral proporcional pluripartidário
de tipo federal representativa parlamentar (PE +
Conselho)
Todavia, o Reino Unido manteve até hoje alguns traços pré-liberais que
desaparecem noutros países, como a manutenção da Câmara dos Lordes, antiga câmara
não eletiva, representativa das ordens medievais da nobreza e do clero. Depois das
reformas dos nos 90 do século passado, a Câmara dos Lordes passou a ser composta
predominantemente por lordes nomeados pela Rainha sob proposta dos governos e não
somente pelos lordes hereditários, como anteriormente. Os seus poderes foram
progressivamente reduzidos, limitando-se praticamente ao veto suspensivo das leis da
Câmara dos Comuns. A relação de cofinaça do Governo estabelce-se com a Câmara
dos Comuns.
No que respeita ao sistema de governo, o Reino Unido é a pátria do
parlamentarismo (Westminster system), baseado na nomeação do governo de acordo
com a composição do parlamento (Câmara dos Comuns), a nomeação do governo de
entre os membros do Parlamento (a que continuam a pertencer), a liderança do governo
pelo primeiro-ministro, a colegialidade e corresponsabilidade do gabinete, a
responsabilidade política do governo perante o parlamento, de cuja confiança depende,
a disciplina parlamentar, a redução do rei a funções cerimoniais ou puramente
nominais e a sua irresponsabilidade política (mediante a referenda ministerial dos seus
atos) e a possibilidade de o governo suscitar a antecipação das eleições parlamentares
para um momento propício.
Outro traço típico do sistema político britânico é o sistema eleitoral maioritário
em círculos eleitorais uninominais mediante maioria relativa, o que proporciona em
geral maiorias absolutas ao partido vencedor das eleições (mesmo com votações muito
aquém de tal maioria) e um sistema partidário assente em dois grandes partidos
nacionais, que durante o século XX foram o Partido Conservador e o Partido
Trabalhista. Todavia, a existência de partidos regionais, nomeadamente o Partido
Nacionalista Escocês, perturba essa lógica bipartidária.
Foi enorme a influência do sistema político britânico pelo mundo fora,
especialmente no grande número de países que foram colónias britânicas em todos os
continentes, onde se contam países tão importantes como o Canadá, a Nigéria, a Índia
e a Austrália, alguns dos quais mantêm, aliás, o monarca britânico como seu chefe do
Estado nominal (casos do Canadá e da Austrália, entre outros).
211
Nascidos com a confederação e depois como federação dos treze estados saídos
da independência das colónias britânicas no nordeste da América (1776), os Estados
Unidos da América viriam a expandir-se territorialmente para o sul e para o ocidente,
à custa das tribos índias e das conquistas territoriais ao México (além da compra do
Alasca à Rússia).
Como república, os Estados Unidos têm como chefe do Estado um presidente
eleito indiretamente pelos cidadãos através de um colégio eleitoral. Os cidadãos
elegem em cada estado da União tantos membros do colégio eleitoral quantos os
membros do seu estado no Congresso (deputados mais senadores), sendo eleito o
candidato presidencial que obtiver mais votos no colégio eleitoral (não
necessariamente uma maioria absoluta). Desde os anos 40 do século XX, nenhum
presidente pode ser eleito para mais de dois mandatos (consecutivos ou não) de quatro
anos.
Como Estado federal, os Estados Unidos apresentam as suas caraterísticas
típicas:
- autonomia constitucional, legislativa, governativa e judicial dos estados
federados, desde que respeitada a Constituição federal;
- enumeração constitucional dos poderes da União (defesa, relações externas,
comércio internacional e interno, etc.), sendo tudo o mais da competência dos Estados
federados;
- um Congresso composto por duas câmaras representativas, um Senado que
representa os estados federados (dois senadores por cada estado independentemente da
diferença de população) e uma Câmara dos Representantes que representa os cidadãos
da União, eleitos em círculos uninominais por maioria relativa (sistema britânico); o
mandato dos senadores tem a duração de seis anos, sendo renovado um terço cada dois
anos; o mandado dos deputados da Câmara dos Representantes é de apenas dois anos;
- intervenção dos estados federados na organização política da União (através do
Senado) e nas emendas constitucionais (ratificação das emendas aprovadas pelo
Congresso da União por uma maioria qualificada dos estados federados);
212
10.4. França
Modelo do Estado absoluto nos séculos XVII e XVIII, a Franca foi também o
modelo da revolução liberal contra o antigo regime (1789).
Caraterizada por uma enorme instabilidade constitucional desde então,
ressalvado o longo período da III República (1875-1940), a França vive, porém, um
longo período de estabilidade constitucional e política com a V República inaugurada
sob a égide do General De Gaulle, com a Constituição de 1958, logo reformada em
1962 através de plebiscito.
Sendo tradicionalmente um Estado altamente centralizado, herança da
monarquia absoluta e do Estado liberal de inspiração jacobina, a França é hoje
caraterizada por um grau razoável de descentralização territorial regional (regiões
administrativas), embora dentro do quadro do Estado unitário.
Sendo uma República, o presidente é eleito diretamente por maioria absoluta,
havendo uma segunda volta em caso de nenhum candidato obter tal maioria na primeira
votação. Esta foi uma das inovações da revisão constitucional de 1962 (pois antes o
Presidente era eleito por um colégio eleitoral alargado), destinada explicitamente a
reforçar a legitimidade política do então chefe do Estado, De Gaulle.
Quanto ao sistema de governo, a Constituição de 1958 instituiu um modelo
misto, com traços parlamentares e presidenciais, inspirada até certo ponto na
Constituição de Weimar de 1919. Existe um primeiro-ministro e um governo,
nomeados de acordo com a composição do Parlamento e perante este responsáveis
(vertente tipicamente parlamentar). Todavia, o Presidente da República, além dos
poderes típicos de chefe do Estado, detém certos poderes governativos (defesa e
relações externas) e preside ao conselho de ministros (vertente claramente
presidencialista). Quando a maioria presidencial e a maioria parlamentar têm a mesma
cor política, o que é a regra, o Presidente da República tende a ser o verdadeiro chefe
214
10.5. Alemanha
10.6. Suíça
10.7. Rússia
A Rússia constituía a maior parte do antigo império russo, que entre 1917
(revolução soviética) e os anos 90 do século passado constituiu a União Soviética, que
integrava vários países hoje independentes, como os países bálticos, a Ucrânia, os
países do Cáucaso e alguns países da Ásia Central. Mesmo assim, a Rússia é o mais
vasto país do Mundo, estendendo-se desde o Mar Báltico ao Oceano Pacífico.
A Rússia é um Estado federal (o que já era desde 1924), como é natural, dada a
sua enorme extensão e a sua diversidade étnica e linguística. A federação tem as
atribuições definidas na constituição federal (Constituição de 1993). As muitas
entidades federadas gozam de autonomia constitucional (constituição própria),
legislativa e governativa e de instituições políticas próprias (assembleia legislativa e
governo) e participam na vida da União através da assembleia federal. Ao nível federal,
existem duas câmaras legislativas, a assembleia representativa dos cidadãos (Duma) e
a assembleia representativa das entidades federadas (Conselho Federal).
A Duma é diretamente eleita e tem um mandato de cinco anos. O Conselho
Federal é composto por dois representantes de cada uma das 85 entidades federadas
(repúblicas e outras entidades federadas, entre as quais as duas “cidades federais” de
Moscovo e São Petersburgo), sendo um deles eleito pelo parlamento da entidade
federada e outro designado pelo chefe do governo com confirmação pelo parlamento.
218
10.8. China
10.10. Brasil
nenhum candidato ter maioria absoluta na primeira votação); limite de dois mandatos
presidenciais de quatro anos;
- presidencialismo, sendo o presidente da República o titular da função
governativa; separação estrita de poderes entre o poder legislativo e o poder executivo;
todavia, poder de veto legislativo do Presidente e poder de veto parlamentar às
nomeações presidenciais; possibilidade de impeachment do Presidente pelo Congresso
em caso de atuação inconstitucional daquele;
- sistema eleitoral proporcional nas eleições para a câmara dos deputados, em
regime de lista aberta (ao eleitores podem votar na lista partidária ou num dos seus
candidatos) e sem cláusula-barreira;
- em consequência do sistema eleitoral e da frágil estruturação político-
doutrinária dos partidos brasileiros, existe uma acentuada fragmentação partidária e da
representação parlamentar, o que dificulta a formação de coligações coerentes de apoio
ao Governo.
O Brasil mostra bem a disfuncionalidade do casamento do presidencialismo com
um sistema eleitoral proporcional e com fragmentação partidária.
Outra caraterística do sistema político brasileiro é o papel ativo dos tribunais, a
começar pelo Supremo Tribunal Federal, de que é exemplo a atualmente a chamada
“judicialização da saúde”, que carateriza a frequência de decisões judicias a ordenar
tratamentos hospitalares incluindo no estrangeiro, em nome do direito à saúde.
Bibliografia essencial
António Martins da Silv, Sistema político da União Europeia, Coimbra,
Almedina, 2o13
Jeffrey Kopstein / Marc Lichbach (edts.), Comparative Politics, Cambridge,
CUP, 2000.
Manuel Proença de Carvalho, Manual de Ciência Política e Sistemas Políticos e
Constitucionais, 3ª ed. Quid Juris, 2010.
Gianfranco Pasquino, Sistemas políticos comparados. Cascais: Princípia, 2005.
L. Barbosa Rodrigues, Sistemas políticos comparados, Lisboa, Legis, 2011.
227
Capítulo XI
O sistema político português
11.2.1. Antecedentes
transição democrática em vários outros países, em geral feita por evolução mais ou menos
negociada ou pactuada entre o governo autoritário e a oposição democrática (Espanha,
Brasil, África do Sul) ou, mais tarde, por evolução a partir de dentro do próprio regime
autoritário (Cabo Verde, Angola, etc.).
Bibliografia:
Philippe C. Schmitter, Portugal: Do autoriritarismo à democracia, Lisboa, 1999.
Keneth Maxwell, The Making of Portuguese Democracy, Cambridge, 1995
Vital Moreira (ed.), Crise e reforma da democracia, Lisboa, 2005.
Um traço específico das regiões autónomas portuguesas é que elas têm direito a
todas as receitas fiscais nelas cobradas e não participam no financiamento das despesas
gerais da República (defesa, segurança, tribunais, contribuição financeira para a UE e
organizações internacionais, etc.), que são suportadas somente pelos contribuintes do
Continente.
O restante território nacional não foi regionalizado, pois o continente não constitui
uma região autónoma e as "regiões administrativas" previstas na Constituição para o
território continental (de resto, ainda não criadas) não possuem autonomia legislativa e a
sua esfera de ação será em princípio menor do que a das regiões autónomas.
De igual modo, a Constituição de 1976 recuperou a autonomia do poder local, que
o Estado Novo tinha aniquilado, baseada na descentralização territorial e no princípio da
subsidiariedade da ação do Estado. Em Portugal o sistema de governo local está
determinado na Constituição, sendo a sua organização de tipo colegial dualista
(assembleia deliberativa mais órgão colegial executivo). Todavia, a Constituição remete
para a lei o regime concreto dos órgãos locais, admitindo que a lei estabeleça a eleição
direta do órgão executivo (como hoje sucede com a câmara municipal) e determinando,
em qualquer caso, que o presidente do órgão executivo seja necessariamente o primeiro
nome da lista mais votada para o órgão deliberativo ou para o órgão executivo (conforme
os casos), o que faz avultar a figura do titular desse cargo e conduz, na prática, a uma
certa “presidencialização" do sistema de governo local.
Por outro lado, em 1986, dez anos depois do início da atual era constitucional,
Portugal passou a ser membro da então Comunidade Económica Europeia, antecedente
da atual União Europeia. Com isso, a país passou a integrar uma entidade supranacional,
transferindo para ela importantes poderes soberanos, incluindo poderes legislativos,
executivos e judiciais. Apesar de, para além das atribuições exclusivas da União as
demais estarem sob condição do princípio da subsidiariedade, a verdade é que hoje
muitas áreas do poder público estão sob alçada da União.
Nestes termos, o sistema político nacional é caracterizado por um “poder político
em quatro níveis”: no sentido ascendente, entidades infraestaduais (autarquias e regiões
autónomas), Estado nacional e União Europeia.
234
Tal como em muitos outros países, quase todas as sucessivas mudanças de regime
político-constitucional em Portugal foram determinados por revoltas ou pronunciamentos
militares (as sucessivas vicissitudes do regime monárquico-liberal, a instauração e as
perturbações da I República, a ditadura militar que deu origem ao Estado Novo, a revolta
de 25 de Abril de 1974, que deu origem ao atual regime constitucional), ainda que várias
vezes elas tenham sido o instrumento de verdadeiras revoluções populares.
Os militares tiveram uma decisiva intervenção no período revolucionário fundador
do atual regime democrático (1974-76), sobretudo através do Conselho da Revolução,
que durante esse período foi o principal órgão do poder político. Na primeira fase do atual
regime constitucional (1976-1982) a Constituição manteve o referido Conselho entre os
“órgãos de soberania”, com importantes poderes (desde a função de conselho consultivo
do Presidente da República até à de órgão de fiscalização da constitucionalidade),
mantendo-se também o autogoverno das forças armadas, que o mesmo órgão também
representava. O primeiro Presidente da República foi um militar (o general Ramalho
Eanes) e também foram militares os primeiros ministros da defesa do novo regime.
Porém, desde a revisão constitucional de 1982 desapareceu o referido regime
transitório (com a supressão do Conselho da Revolução), tendo-se verificado a definitiva
"civilização" de todo o poder político e administrativo, assim como a submissão dos
235
Ramalho Eanes. Mas a sua vida foi curta, tendo desaparecido da cena menos de uma
década depois.
Como partidos dominantes, o PSD e o PS - que em conjunto somam em geral
mais de 2/3 dos deputados -, têm alternado no Governo, tendo repartido entre si as
vitórias eleitorais, sozinhos ou em coligação. Todavia, mercê do sistema eleitoral
proporcional, nas 14 eleições parlamentares (até 2015) só houve cinco maiorias
parlamentares absolutas (1979, 1980, 1987, 1991, 2005), sendo duas delas em
coligação pré-eleitoral PSD-CDS (em 1979 e 1980). Isso tem levado a uma relativa
instabilidade governativa, que Duverger associava aos sistemas pluripartidários e ao
sistema eleitoral proporcional.
Constitucionalmente obrigados a terem uma organização e funcionamento
democrático, os partidos tem em geral congressos temporalmente espaçados, para
aprovar os programa e grandes linhas de ação política, conselhos permanentes
compostos por representantes eleitos e órgãos executivos colegiais e um líder
individual. Este pode ser eleito em Congresso ou ser eleito diretamente.
Dos muitos partidos existentes, nem todos têm representação parlamentar. O
sistema partidário pouco mudou desde a origem, revelando uma notável estabilidade
em termos comparativos, com dois partidos centrais (um de centro-direita e outro de
centro-esquerda) que alternam entre si o poder, e com um partido de direita e dois
partidos de esquerda, respetivamente à direita e à esquerda daqueles dois. Até
recentemente, Portugal não assistiu à fragmentação do sistema partidário que se
observa um pouco por toda a Europa na última década. Mas nas últimas duas eleições
(2015 e 2019), quatro novos partidos obtiveram representação parlamentar, embora
reduzida, fazendo elevar para 10 o número de partidos parlamentares, acima da média
dos países europeus. Além da dispersão do voto, essa proliferação de partidos com
representação parlamentar deve-se ao elevado número de deputados eleitos em Lisboa
(48), que tem vido a crescer, onde basta um pequena percentagem para eleger um
deputado.
UE Parlamento Europeu
Estado PR e AR
O Presidente da República é eleito por maioria absoluta (mais de metade dos votos),
havendo uma segunda volta entre os dois candidatos mais votados, se nenhum candidato
obtiver tal maioria na primeira votação.
Portugal seguiu assim o sistema eleitoral presidencial da França (Constituição de
1958, na versão de 1962), embora tal sistema tenha sido utilizado pela primeira vez na
Áustria. Com uma exceção (1986), entre nós nunca houve necessidade de recorrer a uma
segunda votação, tendo havido nas demais eleições presidenciais uma maioria absoluta à
primeira volta.
Os presidentes da República só podem exercer dois mandatos consecutivos de 5
anos, seguindo aqui a solução dos Estados Unidos da América, embora admitindo a
recandidatura passado um “período de defeso” de 5 anos depois do termo do segundo
mandato.
Tods os presidentes até agora foram eleitos para dois mandatos consecutivos e só
num caso é que um antigo Presidente da República se voltou a candidatar posteriormente,
mas sem êxito (Mário Saores, em 2005).
podendo hoje nenhuma lista ter menos de 40% de candidatos de cada sexo e não podendo
haver mais do que dois candidatos seguidos do mesmo género.
Ao longo do tempo tem havido propostas de revisão do sistema eleitoral, no sentido
maioritário (sistema francês, sistema misto maioritário-proporcional), que todavia nunca
tiveram a necessária abertura constitucional, visto que é a própria Constituição que
estabelece o sistema proporcional de Hondt. Tampouco tiveram êxito as propostas de
reduzir substancialmente o número de deputados, o que reduziria a proporcionalidade.
No final dos anos 90 o Governo da altura (PS) apresentou um projeto de reforma
eleitoral tendente à "personalização" parcial do sistema proporcional, com uma solução
inspirada no sistema alemão. Mantinha-se a regra do apuramento proporcional, em
círculos distritais e num novo círculo de âmbito nacional sobreposto. Mas introduziam-
se círculos de candidatura uninominal, como subdivisões dos círculos distritais de
apuramento, sendo os vencedores desses círculos (por maioria relativa) automaticamente
contados na quota de cada partido no respetivo círculo distrital.
Principais diferenças em relação ao sistema alemão:
escolha dos deputados nos referidos círculos uninominais, que porém abrangia bem
menos de metade dos deputados (continuando a maioria a sair de listas partidárias
bloqueadas apresentadas a nível nacional e distrital) e não contemplava a possibilidades
de escolha diferenciada nos candidatos uninominais e nos partidos, que só o voto duplo
pode proporcionar.
Quanto às suas consequências políticas, o sistema proporcional tem possibilitado
entre nós um sistema partidário relativamente estável, com dois grandes partidos no
centro do espetro político (PSD e PS) e com dois (depois três) partidos menores nos
extremos do leque parlamentar (CDS e PCP, e mais tarde o BE). Ocasionalmente outros
partidos têm obtido representação parlamentar marginal e efémera (ressalvada a
representação do PRD entre 1985 e 1995), restando saber se veio para ficar a entrada de
novos partidos no parlamento nas eleições de 2015 e de 2019.
Como já se referiu, somente cinco eleições tiveram um vencedor por maioria
absoluta (1979, 1980, 1987, 1991 e 2005), duas delas mediante coligação eleitoral (1979,
1980). Por isso só houve três parlamentos com maioria monopartidária (1987, 1991 e
2005); as restantes assembleias deram lugar a governos de coligação ou a governos
minoritários. Dos vários governos minoritários só dois deles concluiram a legislatura
(Governo Guterres I, 1995-1999 e Governo Costa I, 2015-2019), o mesmo sucedendo
com os governos de coligação (coligação PSD-CDS, 2011-2015). Embora minoritário, o
Governo do PS (2015-2019), gozou do apoio parlamementar dos partidos à sua esquerda,
numa fórmula até agora inédita.
A história do referendo entre nós até à atual Constituição resume-se a muito pouco:
o referendo local na I República (sem expressão prática); a aprovação plebiscitária da
Constituição de 1933; os referendos de revisão constitucional na Constituição de 1933
(previstos mas nunca efetuados).
Inicialmente houve rejeição do referendo na Constituição de 1976. Depois
sobreveio a progressiva introdução e alargamento do referendo: revisões de 1982
(referendo local), 1989 (referendo nacional), 1997 (referendo regional e referendo
obrigatório relativo à criação das regiões administrativas em Portugal).
248
Bibliografia:
249
a) A leitura semipresidencialista
O próprio poder de veto legislativo, ao contrário do que parece, tem entre nós pouco
a ver com a homóloga figura do presidencialismo, pois, diferentemente deste, não visa
defender o Governo perante o poder legislativo. Basta ver que também existe veto de
decretos-leis do governo e que o veto de leis da AR não tem sequer de ser precedido de
consulta ao governo. O poder de veto faz parte sim das funções do PR como “quarto
poder”, como poder moderador e supervisor do sistema político, que não pode confundir-
se com nenhuma vertente presidencialista do sistema de governo.
O poder autónomo de dissolução parlamentar também não tem nada a ver com
presidencialismo, pelo contrário, onde pura e simplesmente tal poder não existe, por ser
contrário à lógica do sistema. Também aqui se trata de um poder próprio da função de
moderação e supervisão do sistema de governo.
Por último, a relativa liberdade de escolha do primeiro-ministro é assaz reduzida,
pois só existe quanto há várias alternativas de governo no quadro parlamentar existente,
o que não é o caso quando haja um partido ou coligação eleitoral com maioria parlamentar
ou quando se forme uma coligação parlamentar maioritária. É certo que o PR pode
dissolver a AR em vez de nomear como primeiro-ministro quem ele não deseje, mas essa
possibilidade não existe nos primeiros seis meses depois da eleição parlamentar, o que
praticamente anula esse poder presidencial como meio de recusa de soluções governativas
pós-eleitorais (como se revelou em 2015).
b) A leitura parlamentarista
c) A leitura primo-ministerial
Esta caraterização pretende sublinhar dois traços do sistema de governo tal como
ele funciona efetivamente: a progressiva transformação das eleições parlamentares numa
disputa para o cargo de primeiro-ministro e a proeminência do primeiro-ministro na
condução do Governo, apagando a sua dimensão colegial ou de gabinete.
No entanto, sendo uma designação mais própria da ciência política do que uma
qualificação constitucional, ela não dá conta da natureza do sistema de governo. Primeiro,
as eleições parlamentares não são a eleição do primeiro-ministro, pois o PR não é
obrigado a nomear o líder do partido mais votado (salvo se ele tiver maioria absoluta) e,
se o fizer, ele pode ser rejeitado na AR, obrigando o PR a nomear outro. Segundo, em
caso de morte, saída ou demissão pessoal do PM, não tem de haver novas eleições,
podendo haver um novo governo com outro primeiro-ministro que nem sequer foi a
eleições (nem precisa de ser deputado). Terceiro, para todos os efeitos, o conselho de
ministros é o órgão colegial do Governo a quem cabem as decisões políticas principais,
que não é uma monocracia do primeiro-ministro. De resto, em governos de coligação, o
primeiro-ministro tem de partilhar o seu protagonismo com o líder do “partido júnior” na
coligação.
Bibliografia específica
Uma vez que o sistema eleitoral proporcional não favorece maiorias parlamentares
monopartidárias (só houve três até agora: 1987, 1991, 2005), a alternativa de governos
maioritátrios tem sido a formação de coligações eleitorais ou pós-leitorais.
Em Portugal têm existido várias coligações eleitorais envolvendo quase todos os
partidos com representação parlamentar, especialmente no quadrante direito do leque
partidário (PSD, CDS e outros). Houve vários pequenos partidos que obtiverem
representação parlamentar por via de coligação parlamentar com outros maiores (PPM
em 1979 e 1980; UEDS e ASDI em 1980; PEV, em várias legislaturas). Algumas eleições
foram ganhas por coligações, todas à direita (1979, 1980, 2015), nos dois primeiros casos
com maioria absoluta.
Em Portugal também houve vários governos de coligação, quer com base em
coligações eleitorais prévias (PSD-CDS-PPM, 1979 e 1980; PSD-CDS, 2015), quer com
base em coligações pós-eleitorais (PS-CDS, 1978; PS-PSD, 1985; PSD-CDS, 2002 e
2011).
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Importa dizer que muitas destas propostas não chegaram a ganhar suficiente tração
no debate político, pelo que não passam de sugestões mais ou menos doutrinárias, sem
grande perspetiva de serem perfilhadas. As mais recorrentes são as que dizem respeito à
reforma eleitoral e ao reforço da transparência do ação política.
Bibliografia
André Correia de Almeida, (coord.), Reforma do sistema parlamentar em Portugal,
Cascais, Principia, 2019
André Freire, Sistema político português, séculos XIX-XXI: Continuidades e
Ruturas. Coimbra Alemdina, 2012.
André Freire / António Costa Pinto, O Poder dos Presidentes: A República
Portuguesa em debate. Lisboa, Campo da Comunicação, 2006.
Associação Portuguesa de Ciência Política, A Reforma do Estado em Portugal:
Problemas e Perspetivas, Lisboa, Bizancio, 2001.
Carlos Jalali, Partidos e sistema de partidos, FFMS, Lisboa, 2018.
Conceição Pequrito Teixeira, Qualidade da demoicracia em Portugal, FMS,
Lisboa, 2018
Cristina Queiroz, O sistema político e constitucional português, Lisboa, 1992.
G. Oliveira Martins, Portugal: Instituições e factos, INCM, 1991.
J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Os poderes do Presidente da República,
Coimbra, Coimbra Editora, 1994.
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Índice
Apresentação ..................................................................................................... 3
Programa geral .................................................................................................. 5
Bibliografia geral............................................................................................... 7
Capítulo I ........................................................................................................... 9
Noção e objeto da ciência política .................................................................... 9
1.1. Noção ........................................................................................................... 9
1.2. Origem e desenvolvimento da ciência política ......................................... 9
1.3. Ciência política e disciplinas próximas .................................................. 10
1.4. O objeto da ciência política ................................................................ 12
Capítulo II ....................................................................................................... 29
Capítulo IV ..................................................................................................... 71
Formas de expressão política ....................................................................... 71
4.1. O voto e a participação ............................................................................ 71
4.2. Sistemas eleitorais das assembleias representativas ............................. 72
4.2.1. Introdução.............................................................................................. 72
4.2.2. O sufrágio............................................................................................... 72
4.2.3. Os tipos básicos de sistema eleitoral (stricto sensu) ........................... 73
I - Sistemas maioritários ................................................................................. 75
II - Sistemas proporcionais............................................................................. 76
III - Sistemas eleitorais mistos ....................................................................... 80
IV - Sistemas proporcionais personalizados ................................................. 81
V – “Cláusula barreira” ................................................................................. 82
VI - Fatores que determinam o índice de proporcionalidade efetiva dos
sistemas eleitorais ............................................................................................ 82
VII – Sistemas proporcionais corrigidos ....................................................... 83
4.2.4. Coligações eleitorais .............................................................................. 83
4.2.5. Representação diferenciada em sociedades divididas........................ 84
4.2.6. Lógica e consequências dos sistemas eleitorais ................................... 84
4.3.1. Noção............................................................................................. 88
4.3.2. Referendo e democracia representativa .................................... 90