Você está na página 1de 44

Direitos Reais

Direitos Reais

Regente: Professor António dos Santos Justo

Autoria: Francisco Lemos de Almeida – 21536917

Direitos Reais é mais uma das unidades curriculares que se situam no âmbito do Direito Civil,
pelo que será sempre necessário recordas algumas noções transmitidas nos anos transatos – de
cadeiras como Teoria Geral do Negócio Jurídico.

Este resumo não dispensa a leitura da bibliografia que abaixo indicarei e que fora recomendada
pelo regente desta unidade curricular. Assim, com o intuito de ajudar os demais estudantes,
segue-se este documento que poderá servir de auxílio ao vosso estudo.

O presente documento poderá conter erros ou imprecisões, pelo que não me responsabilizo
por estes e, sendo que este deverá ser apenas um complemento ao estudo, deverão recorrer à
leitura e análise da obra recomendada.

Bibliografia:

- Direitos Reais, 5ª Edição, A. Santos Justo

Universidade Lusíada Norte – Porto

3º Ano – 1º semestre

1
Direitos Reais

Capítulo I – Introdução

O estudo desta unidade curricular deve iniciar-se com uma noção do seu objeto – os direitos
reais -, já que é em seu redor que esta se desenvolverá. Assim sendo: direito real1 é o poder
direto e imediato sobre uma coisa que a ordem jurídica atribui a uma pessoa para satisfazer
interesses jurídico-privados nos termos e limites legalmente fixados.
Citando A. dos Santos justo: “trata-se de um poder de domínio ou de soberania que o seu titular
exerce direta e imediatamente sobre uma coisa certa e determinada sem a interferência de
qualquer pessoa, a quem corresponde uma obrigação de non facere.”
Os Direito das Coisas é um ramo do direito privado, em particular do direito civil patrimonial –
ainda que aplicável também a sujeitos como o Estado ou outras entidades públicas, desde que
atuando despidas de ius imperium – como particulares.
As normas relativas a este ramo de direito encontram-se no Livro III do Código Civil, sendo certo
que existem matérias que, apesar de lhe dizerem respeito, estão reguladas noutros sítios, como
são os direitos reais de garantia (exemplos: penhor, hipoteca, entre outros); os direitos reais de
aquisição (exemplo: contrato-promessa com eficácia real); e outras, como a caça e pesca ou
direito real de habitação periódica, que se encontram regulamentadas fora do Código, bem
como os direitos de autor e a propriedade industrial.

Posto isto, segue-se uma análise às características dos direitos reais. A saber:
- Eficácia Absoluta: Esta característica traduz-se no poder direto e imediato que o titular de um
direito real tem sobre a coisa objeto do seu direito, ao qual corresponde a obrigação de todas
as pessoas o respeitarem, nada devendo fazer que possa impedir ou dificultar o seu exercício2.
A sua eficácia é erga omnes e, portanto, todos (sem exceção!) se devem abster de praticar
qualquer ato que lese o exercício de direitos reais – obrigação passiva universal.
Desta característica deduz-se outras, como a sequela e a prevalência.
- Sequela: Traduz-se em o direito real seguir a coisa que constitui o seu objeto – encontra-se
presente na ação de reivindicação (cfr. artigo 1311º) e na ação confessória3.
No entanto, se o direito real não se traduzir no contacto direto com a coisa, a sequela
manifestar-se-á noutros sentidos. Assim, na hipoteca, a sequela traduz-se na possibilidade de o
credor hipotecário fazer vender a coisa, quer pertença ao proprietário que a constituiu, quer
venha a pertencer a terceiro; nos direitos “reais” de aquisição, a sequela consiste na
possibilidade de o seu titular adquirir a coisa alienada por quem, num contrato-promessa ou
num pacto de preferência com eficácia real4, esteja vinculado a dar preferência e não cumpre a
sua obrigação.
Importa, ainda, dar conta das exceções à sequela: a alienação de imóvel (ou móvel sujeito a
registo) precedida de negócio jurídico cujo vício justifica que seja declarada a sua nulidade.
Nestes casos, declarado nulo ou anulado o negócio, os direitos adquiridos por terceiro, de boa
fé e a título oneroso, sobre os mesmos bens não são prejudicados (artigo 291º), desde que a
ação de declaração de nulidade ou anulação não seja proposta nos três anos subsequentes à
conclusão do negócio e, cumulativamente, desde que o terceiro registe a sua aquisição antes do

1
Ao lado da expressão “Direitos Reais” poder-se-á usar, porque sinónima, a expressão “Direitos das
Coisas”.
2
Denominados Direitos de Exclusão.
3
Analisá-las-emos em sede própria, vide infra.
4
Artigos 413º e 421º, respetivamente.

2
Direitos Reais

registo daquela ação ou acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio5; a prioridade
do registo: a sequela também não existe quando a lei faz depender do registo a eficácia do
direito em relação a terceiros que adquiram um direito real total ou parcialmente incompatível
– cfr. artigos 5º e 6º do Código do Registo Predial. Assim, e para que melhor se compreenda a
essência desta exceção, imagine-se o seguinte exemplo: A, proprietário de um prédio, vendeu-
o a B, que não procedeu ao registo da sua aquisição. Como o registo não afeta a validade do
negócio (registo não é condição de validade!), a propriedade é adquirida por B. Posteriormente,
A vendeu o mesmo prédio a C – aproveitando a circunstância do prédio continuar registado em
seu nome (e da presunção prescrita no artigo 7º do Código de Registo Predial) – que procede ao
seu registo. Concluindo, A vendeu uma coisa que não lhe pertencia, o que consubstancia uma
venda de bens alheios nos termos do artigo 893º do Código Civil mas, porque B não procedeu
ao seu registo, tal implica a ineficácia da primeira compra e venda face a C (que é terceiro –
artigo 5º, nº1 e 4 Código do Registo Predial). Tendo este último registado a sua aquisição, B não
pode reivindicar o prédio face a C – prevalecem as normas do direito registal.
- Prevalência 6: Consiste na prioridade dos direitos reais sobre os direitos de crédito e sobre os
direitos reais constituídos posteriormente quando total ou parcialmente incompatíveis com o
anterior: prior in tempore, potior in iure.
No entanto, esta característica não está circunscrita ao âmbito dos direitos reais, estendendo-
se a alguns direitos de crédito, tais como: o privilégio mobiliário geral – incidindo sobre o
património do devedor, não se trata de um direito real mas de crédito. Todavia, confere ao seu
titular prevalência sobre os demais credores comuns do devedor (artigo 733º); a concessão a
diferentes pessoas, por contratos sucessivos, de direitos pessoais de gozo incompatíveis: diz o
artigo 407º que, nestes casos, prevalecerá o direito mais antigo, sem prejuízo das regras próprias
do registo.
A prevalência (ou preferência) comporta, igualmente, algumas exceções – donde, nem sempre
o direito mais antigo é o que prevalece. Tal sucede quando a lei atribui eficácia ao registo
perante terceiros (prioridade do registo) – aqui, o primeiro adquirente que não registou a sua
aquisição não prefere sobre o segundo adquirente que tenha registado o seu direito7; e nos
privilégios creditórios imobiliários: estes, por força do artigo 751º, prevalecem sobre a
consignação de rendimentos, sobre a hipoteca e sobre direitos de retenção anteriormente
constituídos8.
- Inerência: Traduz-se na ligação íntima dos direitos reais às coisas que constituem os seus
objetos e pelas quais passa a satisfação das necessidades dos seus titulares. Daí que não se possa
manter um direito real se a coisa mudar.

5
A vendeu um prédio a B que, por sua vez, o vendeu a C. Se a primeira compra e venda – artigos 874º e
ss. – sofrer de um vício que determina a sua nulidade ou anulabilidade, implicaria que a propriedade,
através dos efeitos retroativos previstos no artigo 289º,nº1, continuasse a pertencer a A e, por isso,
pudesse reaver o prédio que se encontra em poder de C. No entanto, verificados os requisitos
enumerados no art. 291º, os efeitos da nulidade ou anulabilidade não podem ser opostos a C.
6
Defende Pinto Coelho que esta característica não se estende a todos os direitos reais, relevando
apenas nos direitos reais de garantia; em sentido idêntico, A. dos Santos Justo: Por isso, a verdadeira
preferência encontra-se só na zona dos direitos reais de garantia – in Direitos Reais, 5ª Edição, pág. 29.
7
A vende sucessivamente a propriedade de um imóvel a B e a C, se este último registar primeira a sua
aquisição, é o seu direito que prevalece – ainda que não seja o mais antigo (cfr. artigos 5º e 6º Código do
Registo Predial).
8
O mesmo não sucede nos privilégios creditórios mobiliários, não havendo, neste seio, e conforme
resulta do artigo 750º, exceção à prevalência.

3
Direitos Reais

Considere-se o seguinte exemplo: A constitui um usufruto a favor de B sobre um determinado


prédio; mais tarde, pretendem – A e B - transferir o usufruto para outro prédio, o que implicará
a extinção deste direito e a constituição de um novo.

Analisadas as principais características dos direitos reais, podemos, em forma breve, dar conta
de outras, embora, conforme diz A. Santos Justo, nem todas se possam considerar verdadeiras.
- Violação: Enquanto que a violação dos direitos reais resulta de um comportamento positivo
(ação), a dos direitos de crédito resulta de uma omissão. Assim, diz-se que os direitos de crédito
têm por objeto uma prestação de facto positivo ou de coisa, ao passo que aos direitos reais
corresponde uma obrigação passiva violável através de uma ação.
- Aquisição por usucapião: a maioria dos direitos reais de gozo9 é suscetível de ser adquirida
por usucapião, o que não sucede com os direitos de crédito.
- Permanência: por fim, há quem considere que os direitos reais são permanentes, ao passo
que os direitos de crédito são transitórios. Todavia, esta característica deve ser rejeitada porque
se permanência significar perpetuidade: há direitos reais temporários, como o direito de
usufruto (cfr. artigos 1439º e 1443º); se significar estabilidade: a permanência é meramente
tendencial, já que existem direitos que se extinguem pelo seu exercício, como os direitos reais
de garantia e de aquisição.
Dir-se-á que a transitoriedade também não é característica de todos os direitos de crédito, já
que existem obrigações de facto negativo e positivo que têm um caráter permanente 10.

As características dos direitos reais, nomeadamente a sequela e a prevalência, conferem-lhes


uma tutela particularmente forte, muito melhor que a dos direitos de crédito. Por isso, os
titulares destes – os credores – para verem as suas posições jurídicas mais
protegidas/salvaguardadas, podem recorrer a expedientes como a venda com reserva de
propriedade11 (o que permite que, numa venda a prestações, o devedor (comprador) utilize
imediatamente a coisa comprada; e que o credor (vendedor) mantenha o seu direito de
propriedade até ao pagamento integral do preço acordado, evitando que venha a sofrer a
concorrência dos demais credores do devedor – artigo 409º); e como o leasing12 – aqui, uma
empresa compra uma coisa e cede o seu uso ao cliente com a cláusula de, após pagas
determinadas prestações, transferir a propriedade para o utente. Assim, reserva-se a
propriedade como garantia do pagamento da dívida.

Analisadas as características, debruçar-nos-emos, neste momento, sobre os princípios


dominantes na constituição dos direitos reais.

Princípio da Coisificação: Este determina que o direito real deve versar sobre coisas e não sobre
pessoas ou bens não coisificáveis. Neste sentido, porque o Código Civil determinou que só as
coisas corpóreas podem ser objeto do direito de propriedade regulado neste Código 13 e porque

9
De fora ficam as servidões prediais não aparentes e o direito de uso e habitação – cfr. artigo 1293º;
bem como os direitos reais de garantia e de aquisição.
10
Tome-se como exemplo de obrigação de facto negativo permanente, a obrigação de não concorrência
que decorre implicitamente dos negócios de alienação das empresas-
11
Além do que foi dito, tenha-se em conta o regime disposto no artigo 934º.
12
Sobre o leasing, vide Direito Bancário, 2ª Edição, Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, 274-323.
13
Artigo 1302º

4
Direitos Reais

seria anómalo que esse princípio não fosse comum a todos os direitos reais14, debruçar-nos-emos
apenas sobre a realidade das coisas corpóreas.
Princípio da Especialidade (ou da Individualização): Segundo este princípio, o objeto dos
direitos reais deve ser uma coisa certa e determinada e, portanto, ter existência atual15.
Assim, se a transferência do direito real respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito só
se transfere quando for adquirida pelo alienante16 ou determinada com o conhecimento das
partes. Se respeitar a frutos naturais ou partes componentes ou integrantes, a transferência só
se verifica no momento da colheita ou separação – artigo 408º, nº2.

Princípio da Totalidade da Coisa: Em regra, o objeto de um direito real é uma coisa na sua
totalidade. Assim, distingamos: os elementos componentes ou integrantes de uma coisa – são
coisas móveis ligadas a um prédio com caráter de permanência (artigo 204º, nº3). Donde, não
se podem separar sem a destruição da coisa a que pertencem ou sem que se torne incompleta
ou imprópria para o uso a que se destina. Na prática, este princípio determina a nulidade dos
pactos de reserva de domínio17 na venda de coisas que se destinem a ser integradas na estrutura
de um imóvel porque, confundindo-se, deixam de poder ser individualizadas ou identificadas;
as coisas acessórias ou pertenças – são coisas móveis que, não sendo partes integrantes, estão
afetadas por forma duradoura ao serviço de outra. Assim, os negócios que tenham por objeto a
coisa principal não as abrangem, salvo estipulação em contrário – conforme resulta do artigo
210º. Logo, poderão também ser objeto de um pactum reservati dominii18.

Princípio da Compatibilidade (ou da Exclusão): Este princípio diz-nos que só pode existir um
direito real sobre determinada coisa na medida em que seja compatível com outro direito real
que a tenha por objeto. Assim, a existência de um poder direto e imediato sobre uma coisa em
que o direito real se traduz exclui a existência de outro poder direto e imediato incompatível
sobre a mesma coisa.
Só assim não sucede quando os direitos reais, que incidam sobre a mesma coisa, sejam
compatíveis – é o caso dos direitos reais de função diferente (exemplo: direitos reais de gozo e
direitos reais de garantia); e dos direitos reais de gozo em que a propriedade se restringe por
força de outro direito (menor) sobre a mesma coisa (exemplos: a propriedade e o usufruto; a
propriedade e o uso e habitação); entre outros).

Princípio da Elasticidade (ou da Consolidação): O direito sobre uma coisa tende abranger o
máximo de utilidades que proporciona, ou seja, a expandir-se (ou a reexpandir-se) até ao
máximo das faculdades que abstratamente contém. Depois de extinto um direito mais restrito,
o direito que foi restringido por este, reexpande-se automaticamente até ao seu máximo
limite19.

14
Transcrevemos Menezes Cordeiro
15
Não há direitos reais sobre coisas genéricas, sendo necessária a especificação dessas coisas, que elas
se tornem certas e determinadas, para que nelas se insira um jus in re, escreve Orlando de Carvalho.
16
Cfr. artigo 895º.
17
Pacta reservati dominii.
18
Exemplo: as alfaias agrícolas ao serviço da exploração dum prédio; os objetos utilizados na casa para
comodidade dos utentes.
19
Assim sucede, quando um direito de usufruto (cfr. artigo 1439º) se extingue – a propriedade
reexpande-se até à plenitude das suas faculdades – as de usar, fruir e dispor (artigo 1305º).

5
Direitos Reais

Princípio da Transmissibilidade: Os direitos reais podem mudar de titular quer por atos de
disposição inter vivos ou mortis causa. Fala-se, portanto, na cindibilidade entre o direito real e
o seu titular.
Esta característica conhece exceções: o usufruto não é transmissível20 mortis causa porque,
conforme resulta do artigo 1443º, não pode exceder a vida do usufrutuário. Não obstante, é
alienável inter vivos, extinguindo-se quando o transmitente falecer. Defende A. Santos Justo que
o usufrutuário não transmite o seu direito, mas apenas o seu exercício21; direito de uso e
habitação – é intransmissível; servidões prediais – o proprietário do prédio dominante não pode
transmitir a servidão sem esse prédio; e o do prédio serviente também não o pode transmitir
sem a servidão que o onera (cfr. artigo 1545º, nº1); direitos legais de preferência – são direitos
reais cujos titulares gozam de preferência na venda ou dação em cumprimento do prédio em
compropriedade ou arrendado. Estes direitos de preferência não podem ser separados das
situações objetivas a que foram atribuídos e, por isso, só podem ser transmitidos quando
acompanhem a transmissão do direito a que estão ligados.
Posto isto, importa apreciar a validade da alienação do direito de propriedade, assumindo o
comprador a obrigação de não o transmitir – e, aqui, a nossa doutrina distingue as cláusulas de
inalienabilidade perpétuas e temporárias, considerando aquelas inadmissíveis e nulas e estas
válidas – ainda que produzam apenas efeitos meramente obrigacionais e desde que se situem
dentro de limites temporais razoáveis.
Contudo, a lei concebe situações em que permite que uma cláusula de inalienabilidade produza
efeitos reais – tal ocorre nos seguintes casos: na doação, com a reserva do doador dispor, inter
vivos ou mortis causa, de alguma ou algumas das coisas compreendidas na doação, nos termos
do artigo 959º; e nas doações com substituições fideicomissárias22 – artigo 962º.

Princípio da Consensualidade: Encontra-se consagrado no artigo 408º, nº1 – a constituição ou


transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvo
as exceções previstas na lei.
Assim sendo, basta o contrato para que operem os efeitos reais que lhe subjazem – já que este
traduz o consenso das partes; donde, não será necessária a traditio da coisa.

Princípio da Tipicidade23: Segundo este princípio não é possível constituir direitos reais
diferentes dos tipificados pela lei nem modificar ou modelar o respetivo conteúdo, salvo nos
casos em que a lei excecionalmente o admite – como sucede na propriedade horizontal (artigos
1419º, 1421º, nº3, 1424º, nº2 e 1426º, nº1) no usufruto (artigo 1445º) e nas servidões prediais
(artigo 1567º).
Este princípio, com aplicação a todos os direitos reais, deve ser conciliado com os chamados
“tipos abertos” – aqui, os interessados gozam de alguma liberdade de fixação do seu conteúdo,
não podendo, todavia, ir ao ponto de descaracterizar o tipo de direito real, rompendo com os
seus traços essenciais, subvertendo-o.
Visa este princípio impedir a proliferação de direitos reais no comércio jurídico.
Não tem aplicação, contudo, quanto aos negócios jurídicos constitutivos de direitos reais,
podendo estes ser inominados ou atípicos – não precisam de estar previstos na lei.
Nota: O Princípio do numerus clausus não impede que o legislador crie outros direitos reais.

20
Não se confunda a intransmissibilidade com a possibilidade do direito de usufruto ser constituído
mortis causa, o que poderá suceder através de testamento (artigo 1440º).
21
Vide António dos Santos Justo, Direito Privado Romano – III (Direitos reais) em Studia Jurídica 26, 190.
22
Estas cláusulas estão, todavia, sujeitas a registo – artigo 94º, alínea b) Código do Registo Predial.
23
Ou Princípio da Taxatividade ou numerus clausus.

6
Direitos Reais

Outro problema decorre da redação do artigo 1306º: na sua primeira parte, a lei não permite
que sejam constituídas restrições ou figuras parcelares do direito de propriedade senão nos
casos previstos na lei; na segunda parte, fala em toda a restrição e converte o direito real atípico
em direito de crédito. Mas esta conversão legal respeita só às restrições ou abrange, também,
as figuras parcelares? E será esta presunção iuris tantum?
Neste seio, a discussão doutrinal tem sido imensa, sendo necessário ter em conta várias
perspetivas para que possamos ficar elucidados quanto ao problema em apreço. Ora, uns
defendem que a expressão toda a restrição deve ser entendida em sentido amplo –
compreendendo, por isso, tanto as restrições como as figuras parcelares. Ambas são
convertíveis num direito de crédito, embora se trate de uma solução que pode violentar a
vontade das partes.
Por outro lado, há quem entenda que as restrições e as figuras parcelares devem ser entendidas
separadamente, pelo que: se o negócio jurídico pretender restringir o direito de propriedade, é
nulo por contrariar o artigo 1306º, nº1 (cfr. artigo 294º). No entanto, a lei presume que as partes
pretendiam criar um vínculo obrigacional em substituição do direito real – e assim só não
sucederá se as partes não quiserem; se o negócio jurídico pretender constituir uma figura
parcelar não prevista na lei, é nulo (artigo 294º), embora não se afaste a conversão 24, nos termos
gerais, num direito real legalmente previsto.
Dito isto, importa, na verdade, ter em conta a perspetiva de A. dos Santos Justo quanto ao
presente problema: desde logo, não se pode – ao contrário do que afirmam alguns autores –
considerar que a segunda parte do mencionado preceito contém uma presunção legal. Na
verdade, do que se trata é de uma conversão legal; mas, mesmo que se trate de uma presunção,
esta terá caráter absoluto e, portanto, de iuris et de iure.
A visão de A. dos Santos Justo é, portanto, que na impossibilidade de as figuras parcelares e as
restrições se converterem em figuras reais, os negócios produzam efeitos obrigacionais,
optando, por isso, por uma conversão voluntária25.

Princípio da Publicidade: A segurança e a certeza exigidas pelo tráfego jurídico exige que os
negócios que envolvam direitos reais sejam de conhecimento geral, pelo que é necessário dar-
lhes a devida publicidade – que se pode realizar de várias formas: através do formalismo
negocial (v.g. escritura pública); da posse (esta cumpre uma função de publicidade,
nomeadamente nas coisas móveis não sujeitas a registo, gozando até da presunção da
titularidade do direito – cfr. artigo 1268º, nº1); e do registo predial26 (e, neste caso, encontra-se
patente a intenção deliberada de o Estado dar a conhecer ao público a situação jurídica em que
a coisa imóvel (ou móvel sujeita a registo) se encontra – artigo 1º Código do Registo Predial).

Modalidades

Neste seio, podemos distinguir três modalidades – os direitos reais de gozo, os direitos reais de
aquisição e os direitos reais de garantia.
Os direitos reais de gozo conferem ao seu titular a faculdade de utilizar, total ou parcialmente,
a coisa que têm por objeto (e, por vezes, de se apropriar dos frutos produzidos). Estes direitos

24
Artigo 293º.
25
Apelando a uma interpretação corretiva da 2ª parte do mencionado preceito.
26
Analisá-lo-emos em sede própria; vide infra.

7
Direitos Reais

satisfazem as faculdades de usar (utilizar a coisa), fruir (poder de retirar as utilidades que a coisa
produz periodicamente27) e dispor (possibilidade de transformar, alienar, onerar ou renunciar).
Estes têm um conteúdo mais ou menos amplo. Assim, a propriedade, quando plena, é mais
ampla do que o usufruto; este será mais amplo que o direito de uso e habitação e que o direito
de servidão.
Os direitos reais de gozo são os seguintes: direito de propriedade (artigo 1305º), a propriedade
horizontal (artigo 1414º), o direito de usufruto (artigo 1439º), o direito de superfície (artigo
1484º), o direito de servidão predial (artigo 1524º) e o direito de habitação periódica (artigo
1543º).
Por sua vez, os direitos reais de aquisição conferem ao seu titular a faculdade de, em certos
termos, adquirir um direito real de gozo sobre uma coisa.
Por último, os direitos reais de garantia facultam ao credor o poder ou faculdade de se pagar
pelo valor de certos bens, com preferência sobre os demais credores do devedor. Visam,
portanto, assegurar a satisfação dos direitos de crédito, dando preferência aos credores que
sejam, ao mesmo tempo, titulares de direitos reais de garantia.

Dito tudo isto, resta-nos dar notícia do problema da natureza jurídica dos direitos reais –
acabando, dessa forma, a introdução à unidade curricular, mas já com uma visão ampla do que
são os direitos reais.

Natureza Jurídica

A doutrina encontra-se dividida quanto à natureza jurídica dos direitos reais, sendo necessário
expor as teorias principais que se desenvolveram, procurando dar resposta a este problema.
Teoria Clássica – Segundo esta teoria28, o direito real é o poder direto e imediato sobre uma
coisa certa e determinada, ou seja, não há intermediário entre o titular e o objeto deste direito,
ao contrário do que sucede no direito das obrigações.
No entanto, esta teoria mostrou-se insuficiente e foi alvo de algumas críticas – na verdade, o
poder direto e imediato sobre uma coisa é simples consequência jurídica do poder de impor aos
outros uma abstenção. Ademais, vislumbra-se que alguns direitos reais não conferem ao seu
titular um poder direto e imediato sobre uma coisa (como é o caso da hipoteca); e existem
direitos, que não sendo reais, conferem ao seu titular esse poder (direto e imediato) – os direitos
pessoais de gozo.
Teoria Personalista – Esta teoria defende que o direito real é um poder atribuído a uma pessoa
de excluir os demais de qualquer ingerência na coisa que constitui o seu objeto, desde que
incompatível com o seu conteúdo.
Contudo, também esta teoria foi alvo de críticas – o direito protege-se com a obrigação passiva
universal, mas ficamos sem saber o que é esse direito. Para além disto, ignora que o núcleo
essencial da relação real é o domínio do seu titular sobre a coisa.
Teoria Eclética – Por sua vez, esta teoria visa conciliar a visão clássica com a personalista, pelo
que considera que há, nos direitos reais, dois lados: o interno – que se traduz no poder direto e
imediato sobre a coisa; e o externo – que se traduz na relação entre o titular desse direito e as
demais pessoas.

27
Frutos naturais ou civis – cfr. artigo 212º.
28
Que remonta à Escola dos Glosadores e dos Comentadores – estamos na Idade Média.

8
Direitos Reais

Também esta doutrina foi alvo de críticas mas, ainda assim, continua a ser a que melhor retrata,
no entendimento de A. Santos Justo, o regime jurídico dos direitos reais.

Capítulo II – Registo29

Conforme foi dito, o registo destina-se a dar publicidade à situação dos prédios, tendo em vista
a segurança do comércio jurídico.
Podem ser objeto de registo as coisas imóveis e algumas coisas móveis30, tais como os
automóveis, os navios e as aeronaves.
Ora, o registo faz presumir que o direito existe e que o imóvel (ou móvel sujeito a registo)
pertence à pessoa cujo nome está registado, conforme resulta do artigo 7º Código do Registo
Predial.

- Características: o registo é um sistema público – está a cargo de serviços públicos e são


realizados por funcionários públicos que, além do mais, podem ser alvo de sanções disciplinares
se procederem a registos falsos ou inexistentes31; e real – os atos sujeitos a registo respeitam a
prédios e não a pessoas titulares dos direitos reais que os tenham por objeto.

Os atos do registo podem agrupar-se em dois grupos distintos. Assim, quanto ao conteúdo e
função, podemos dar conta da descrição (artigo 79º Código do Registo Predial); da inscrição
(artigo 91º Código do Registo Predial); averbamento (artigos 88º, nº1, 100º e 101º Código do
Registo Predial). Quanto à eficácia, o registo pode ser: definitivo (satisfaz os requisitos legais e,
por isso, produz, sem reservas, a sua eficácia); provisório (ocorre quando alguma circunstância
impede que este seja definitivo). Este pode ser provisório: por dúvidas – artigos 69º, nº2 e 70º
Código do Registo Predial – e tornar-se-á definitivo quando as dúvidas sejam removidas; por
natureza – assenta em diversas razões consagradas legalmente – cfr. artigo 92º Código do
Registo Predial. Só se tornará definitivo se surgir um novo facto que afaste a causa da
provisoriedade.

O registo provisório caduca se no prazo de seis meses, salvo disposição em contrário, não for
convertido em definitivo ou renovado – artigo 11º, nº 2 e 3 Código do Registo Predial.

O registro predial é regido por vários princípios – dos quais daremos conta, ainda que de forma
breve.
Princípio da Instância – Salvo nos casos excecionais em que o registo é oficioso, o registo
efetua-se a pedido dos interessados32.
Princípio da Legalidade – O alcance deste princípio é o de que o conservador e os demais
servidores das conservatórias estão subordinados à lei33.

29
Este capítulo não será alvo de grande aprofundamento, já que (muito provavelmente) não será alvo
de avaliação em sede de frequência (bem como não o foi nas avaliações contínuas) e, portanto, apenas
poderá ser avaliado no âmbito de recursos orais ou subidas de nota.
30
Sendo que, quanto a estas, a regra é a ausência de registo.
31
Cfr. artigo 153º Código do Registo Predial.
32
Artigo 41º Código do Registo Predial.
33
Artigo 68º Código do Registo Predial.

9
Direitos Reais

Princípio da Legitimação – Os factos de que resulta a transmissão de direitos ou constituição


de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente
inscritos a favor de pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo.
Nota: É, então, necessário que as partes provem a existência do registo, sem a qual o notário
deve recusar intervir.
Princípio do Trato Sucessivo – Este princípio garante a história da situação jurídica do bem
objeto do registo, não podendo ser lavrado o registo sempre que o trato sucessivo estiver
interrompido (artigo 34º Código do Registo Predial)34.
Princípio da Prioridade – Prevalece o direito primeiramente inscrito sobre os que, em relação
aos mesmo bens, lhe seguirem - artigo 6º, nº1 Código do Registo Predial.
Tratando-se de registo provisório depois convertido em definitivo, conserva a prioridade que
tinha como registo provisório – artigo 6º, nº3 Código do Registo Predial.

- Efeitos: Os efeitos do registo fundamentam-se na fé pública que se traduz na confiança que os


particulares têm em o registo corresponder à realidade substancial da situação jurídica dos
prédios. Donde decorrem das presunções35 – a de que o direito existe; e a de que pertence a
quem está inscrito como seu titular (artigo 7º Código do Registo Predial).
Todavia, quando a aquisição do direito ocorra por força do registo, a presunção deixa de ser
ilidível para passar a ser de iuris et de iure – e, portanto, inilidível (cfr. artigo 291º, nº2 Código
Civil).
Quanto aos efeitos do registo, podemos falar do: registo enunciativo – função do registo que
se limita a dar publicidade-notícia dos factos registados36; registo consolidativo – é o registo que
consolida a posição jurídica de quem registou a sua aquisição37; registo constitutivo – é o registo
que interfere com a eficácia inter partes dos factos jurídicos registados38; registo aquisitivo39 -
é o registo que protege a aquisição a non domino face à lei substantiva (cfr. artigo 291º, nº 1 e
5 Código Civil)40.

Posto isto, resta apenas dar conta do modo de articulação/coordenação das normas
substantivas com as normas registais.
Em primeiro lugar, o que são terceiros para efeitos de registo? Diz-nos o artigo 5º, nº4 do Código
do Registo Predial que são terceiros, para efeitos de registo, aqueles que tenham adquirido de
um autor comum direitos incompatíveis entre si. Ora, mas dever-se-á exigir que um terceiro
esteja de boa fé? A. Santos Justo defende que é necessário que este terceiro (qualquer que seja)
esteja de boa fé, caso contrário – comprovando-se a má fé desta – estaremos no campo do
abuso de direito, figura prevista no artigo 334º do Código Civil41.

34
No entanto, cfr. artigo 116º, nº1 Código do Registo Predial.
35
Iuris tantum – ilidíveis mediante prova em contrário (cfr. artigo 350º, nº2 Código Civil.
36
Em regra, será indiferente; mas, por vezes, poderá traduzir-se em consequências jurídicas: o registo
da mera posse projeta-se no prazo de aquisição por usucapião (artigo 1295º Código Civil).
37
Nestes casos, funciona como garante uma posição jurídica.
38
Apenas funciona em casos excecionais – como na hipoteca (cfr. Artigo 4º, nº2 Código do Registo
Predial e artigo 687º Código Civil).
39
Ou Atributivo.
40
Nos casos em que um direito se adquire através do registo – aquisições a non domino.
41
Ora, para melhor compreensão, tome-se como exemplo o seguinte: A vende a B um prédio; B não
registou a propriedade. A, aproveitando-se do facto de a propriedade estar em seu nome e, portanto,
gozar da presunção do artigo 7º Código do Registo Predial, vende o mesmo prédio a C – ora, este não
adquiriu a propriedade a domino, já que A já não é proprietário do referido prédio. No entanto, e por
força do artigo 6º, nº1 CRegPredial, C poderá adquirir a propriedade a non domino – basta que registe o

10
Direitos Reais

- Como deve articular-se o artigo 408º, nº1 do Código Civil com o artigo 5º, nº1 do Código de
Registo Predial?
A discussão doutrinal quanto a esta questão tem sido sonante e intensa, algo que deu aso à
formulação de inúmeras teorias – das quais não nos vamos ocupar; optando por dar ênfase à
posição de A. dos Santos Justos – que é a que, em todo o caso, devemos seguir. Assim, considera
este que o registo - numa situação de duas alienações sucessivas, pela mesma pessoa, sobre o
mesmo imóvel – da segunda alienação é condição legal da sua eficácia e, ao mesmo tempo,
condicio iuris resolutiva dos efeitos da primeira aquisição que sejam incompatíveis com a
segunda. Deve considerar-se que os efeitos relativos a esta condicio se produzem ex nunc – não
são retroativos: até ao registo, o titular do direito será o primeiro adquirente; depois do registo,
o segundo adquirente42.
Trata-se, então, de um desvio ao Princípio da Consensualidade – diga-se, admitida pelo próprio
artigo 408º, nº1: salvas as exceções previstas na lei -, sendo o registo um elemento que consolida
a posição do adquirente, completando a sua aquisição contratual.
Concluindo, nestes casos, a constituição ou transferência do direito real dá-se por mero efeito
do contrato entre as partes, mas em face de terceiros, apenas se verifica a partir da data do
registo.

Por fim, poder-se-ia dar notícia do debate que existe no âmbito da articulação do artigo 291º
do Código Civil com o artigo 17º, nº2 do Código do Registo Predial. Todavia, porque a resposta
não é concreta e porque a enormidade de visões continuam a deixar este campo em aberto, não
analisaremos esta problemática43.

Capítulo III – Figuras Ligadas a Direitos Reais

Neste campo, podemos referir três figuras distintas – a obrigação real, a pretensão real e o ónus
real – que analisaremos, pormenorizadamente, em seguida.
A obrigação real44 é um vínculo jurídico em que o titular de um direito real se encontra adstrito,
para com outra pessoa, à realização de uma prestação positiva. A pessoa obrigada determina-
se por ser titular de um direito real (devedor); ao passo que o seu titular ativo (credor) pode ser
ou não titular de um direito real.
Como exemplos45 de obrigações reais, podemos dar conta dos seguintes: o proprietário do
prédio onerado com uma servidão que assume, no título constitutivo, a obrigação de pagar as
obras necessárias ao exercício da servidão – essa obrigação é real: quem quer que venha a ser
o proprietário do prédio onerado é obrigado a suportar as despesas; o proprietário de edifício
ou obra que ameace ruir e, em consequência, possa causar danos a um prédio vizinho, é

seu direito em primeiro lugar – o que sucedeu. Estando de boa fé – e tal implica a sua ignorância de que
B era o proprietário -, este adquire o direito e, portanto, goza da proteção disposta no artigo 5º, nº1
CRegPredial; se, pelo contrário, conhecer que B é proprietário e aproveitar-se do seu não registo para
adquirir a propriedade a non domino, então, defende A. dos Santos Justo que este não deverá gozar da
referida proteção e, consequentemente, deve ser-lhe aplicada a figura do abuso de direito, ao abrigo do
artigo 334º do Código Civil.
42
Trata-se uma aquisição sui generis – para mais esclarecimentos, vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos
Santos Justo, 86.
43
Vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 87-91.
44
Também denominada propter rem ou ob rem.
45
Para mais exemplos, vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 94-95.

11
Direitos Reais

obrigado a tomar as providências necessárias para eliminar o perigo – independentemente de


quem seja o proprietário.
Quanto ao regime jurídico, valerá a pena tecer as seguintes considerações: são estruturalmente
verdadeiras obrigações – vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa fica adstrita, para
com outra, à realização de uma prestação. No entanto, a sua ligação aos direitos reais, impõe
alguns desvios ao regime geral das obrigações - a saber: subordinação ao princípio do numerus
clausus; prescrição: enquanto persistirem os pressupostos, a obrigação real mantém-se, sem
prejuízo da constituição, por usucapião, de um direito incompatível46; renúncia liberatória: é o
ato pelo qual o devedor põe o seu direito real à disposição do credor, extinguindo a sua
obrigação real. Uma vez levada ao conhecimento do credor, produz automaticamente a extinção
da obrigação real47.
Quanto à natureza jurídica: posição personalista – a obrigação real é um vínculo obrigacional,
embora não autónomo ou acessório da relação jurídica real – o que justifica os desvios ao regime
geral das obrigações; e a realista – considera que faz parte do conteúdo de um direito real,
embora estruturalmente constitua uma verdadeira obrigação.
A doutrina dominante considera-as verdadeiras obrigações, pelo que afastadas dos direitos
reais, embora reconheça que não são autónomas destes.

- Obrigação Ambulatória – encontram-se geneticamente ligadas a um direito real, pelo que se


transmitem com a transmissão do seu direito pelo titular48.

A pretensão real é uma relação jurídica decorrente, em regra49, da violação de um direito real,
que atribui ao seu titular o poder de exigir uma determinada prestação (positiva ou negativa).
Exemplos50 de pretensões reais serão os seguintes: A possui ilegitimamente um automóvel que
pertence a B; B poderá reivindicar o automóvel, exigindo que A lho entregue (cfr. artigo 1311º,
nº1) – a pretensão real, in casu, é a de que B devolva a coisa a A, protegendo, então o direito
que a fundamenta – concretamente o direito de propriedade.
O exercício das pretensões reais realiza-se processualmente, nomeadamente através da ação
negatória e da ação de reivindicação – a primeira aplica-se em atos de interferência ou
intromissão na coisa, sem que o interferente seja possuidor ou detentor e visa que judicialmente
seja declarada a inexistência do direito que o autor da violação invoca; condenando-o a eliminar
a situação material criada; enquanto que a segunda visa o reconhecimento judicial do direito do
demandante e, consequentemente, a restituição do que lhe pertence51.
Assim sendo, as pretensões reais são imprescritíveis, sem prejuízo dos direitos adquiridos por
usucapião e da extinção por não uso dos casos legalmente admitidos.
Estas deverão considerar-se integradas no conceito de direito real – não sendo a sua natureza
jurídica obrigacional -, até porque o sujeito passivo não é um mero devedor de uma relação de
crédito, mas antes o violador de um direito real (violação essa que está na origem da pretensão).

O ónus real pode definir-se como uma relação que se traduz num “peso” sobre uma coisa. Do
lado ativo, este é constituído pelos seguintes elementos: o direito de exigir – em regra,
periodicamente – determinada prestação a quem, na data do seu vencimento, for titular de um

46
Cfr. artigo 1365º.
47
Cfr., v.g., artigos 1411º, nº3; 1472º, nº3; e 1567º, nº4
48
Vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 100-101.
49
Haverão exceções – v.g. artigo 1323º, nº 1 e 2.
50
Para mais exemplos, consultem-se as páginas 102-103, Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo.
51
Cfr. artigo 1311º, nº1.

12
Direitos Reais

direito real de gozo52 sobre a coisa onerada; a faculdade de, em momento executivo, obter essa
prestação à custa da coisa onerada, com preferência sobre os respetivos credores que não
disponham de melhor garantia.
Portanto, o devedor é o titular do direito real sobre a coisa onerada na data do vencimento da
prestação. Caso o direito seja alienado, o devedor das prestações vencidas é o alienante; e das
prestações vincendas é o adquirente.
Exemplos de ónus real, atualmente, são raros – no entanto, v.g., podemos falar do Imposto
Municipal sobre Imóveis (IMI).
No que concerne à sua natureza jurídica, a doutrina encontra-se dividida entre considerar o
ónus real como um direito de crédito garantido por hipoteca legal; como um direito real sui
generis; ou, ainda, como um direito real de garantia. No entanto, porque não reveste grande
importância, não nos ocuparemos desta questão53.

Capítulo IV – Direitos Reais e Direitos de Crédito54

A doutrina portuguesa dominante mantém a distinção entre direitos reais e direitos de crédito
– entende-se que, nos direitos reais o aproveitamento das utilidades das coisas é imediato, ao
passo que nos direitos de crédito tal satisfação impõe a mediação de um devedor.
Neste seio, cumpre referir a doutrina que domina no nosso ordenamento jurídico e, portanto, a
doutrina eclética (ou mista). Segundo esta, os direitos reais são direitos absolutos: impõem-se
a todas as pessoas que são obrigadas a respeitá-los (obrigação passiva universal); gozam,
portanto, de eficácia erga omnes; traduzem a subordinação direta e imediata de coisas
determinadas ao domínio e soberania dos seus titulares; não admitem a ingerência dos outros:
são direitos de exclusão; os direitos reais têm por objeto coisas corpóreas individualizadas
(certas e determinadas) – gozando, por isso, de alguma publicidade. Já os direitos de crédito são
direitos relativos: correspondem-lhes não a obrigação passiva universal, mas singulares
obrigações a cargo de uma(s) determinada(s) pessoa(s); os direitos de crédito são relações de
cooperação entre os seus titulares e os seus devedores pela qual passa a satisfação dos
interesses dos credores: são direitos de colaboração; por fim, estes têm por objeto prestações
e, portanto, só são conhecidos pelos devedores respetivos.
A situação dos direitos pessoais de gozo55 não pode, de forma alguma, ser confundida com a
dos direitos reais. A questão que se apõe é se, constituídos direitos pessoais de gozo sucessivos
– através de contratos de arrendamento – com prazo total ou parcialmente incompatíveis, qual
prevalece? Ora, o legislador optou por estender a regra da prioridade temporal a estes direitos,
dizendo no artigo 407º que prevalecerá, desse modo, o direito mais antigo em data.

52
Como a propriedade ou usufruto.
53
Para mais esclarecimentos, vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 109-110.
54
Também este capítulo não será objeto de um grande aprofundamento, dada a pouca importância (e
tempo) que teve ao longo do semestre.
55
Falamos, por exemplo, do direito do locatário ou do comodatário.

Sobre o direito do arrendatário, consultem-se as páginas 119-131, Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos
Santos Justo – deve, no entanto, entender-se que este direito é um mero direito de crédito
(entendimento uniforme da jurisprudência portuguesa). Defende A. dos Santos Justo que talvez não seja
ousado afirmar que se trata de um direito de crédito protegido, em alguns aspetos, pela tutela forte dos
direitos reais.

13
Direitos Reais

Capítulo V – Objeto: as Coisas56

O Código Civil define coisa como tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas – artigo
202º, nº1.
Da referida definição resultam as seguintes características: existência autónoma ou separada –
por isso, v.g., uma casa é uma coisa, mas já não o são as pedras ou paredes que a integram
porque são absorvidas no seu todo; possibilidade de apropriação exclusiva por alguém – não são
coisas os bens que escapam ao domínio do ser humano – como, por exemplo, as estrelas e os
planetas; e a aptidão para satisfazer interesses ou necessidades humanas – por isso, não são
coisas, pois para nada servem, uma gota de água, etc.
Posto isto, importa dar conta das várias classificações de que as coisas podem ser objeto:
- Coisas imóveis e Coisas móveis: limita-se o Código a fazer uma enumeração (taxativa!) de
quais são as coisas imóveis, donde se poderá retirar que são coisas móveis as restantes (cfr.
artigos 204º, nº1 e 205º, nº1, respetivamente).
Esta classificação tem alguma influência na vida jurídica, nomeadamente no que tange ao
formalismo negocial (v.g., é exigida escritura pública para os negócios abrangidos pelos artigos
875º e 947º); nos prazos para o usucapião57; nos direitos que só podem ter por objeto coisas
imóveis – v.g., as servidões prediais (artigo 1543º); no registo58; entre outros aspetos59.
Da enumeração taxativa do artigo 204º, resulta que as primeiras coisas imóveis mencionadas
são os prédios rústicos e os prédios urbanos – os primeiros são imóveis por natureza; e os
segundos são imóveis por ação humana60; as águas (cfr. artigo 1385º); as árvores, arbustos e
frutos naturais – e, aqui, uma vez que se exige que estejam ligadas ao solo, impõe-se uma
conexão material (no caso dos frutos, exige-se que estes se encontrem pendentes) 61; os direitos
inerentes a imóveis; e as partes integrantes de prédios rústicos ou urbanos – toda a coisa móvel
ligada materialmente ao prédio com caráter de permanência (artigo 204º, nº3). As partes
integrantes perdem, portanto, este estatuto e recuperam o de coisas móveis, logo que sejam
materialmente separadas do prédio.
- Coisas simples e Coisas compostas: esta classificação encontra-se consagrada no artigo 206º
mas porque não reveste grande relevância prática, não será alvo de aprofundamento. Todavia,
importa referir que a doutrina entende que as coisas compostas são as que se formam pela
reunião de várias coisas simples, que conservam a sua individualidade física sem prejuízo do
nexo que as envolve.
- Coisas Fungíveis e Coisas não fungíveis: são fungíveis as coisas que se determinam pelo seu
género, qualidade e quantidade, quando constituam objeto de relações jurídicas – artigo 207º.
Esta distinção tem relevância ao nível dos negócios jurídicos – já que alguns não podem ter como
objeto coisas infungíveis; mas, também, no que toca à compensação (artigo 847º, nº1, al. b)) e
às obrigações genéricas (artigos 539º e ss.); etc.
- Coisas consumíveis e Coisas não consumíveis: no artigo 208º, o nosso Código define as coisas
consumíveis como aquelas cujo uso regular importa a sua destruição ou a sua alienação. E, por
outro lado, é entendimento da doutrina que são não consumíveis as coisas cuja utilização de

56
Apesar deste capítulo, não ter sido lecionado – de forma aprofundada – nas aulas teóricas, penso que
reveste grande importância, na medida em que é transversal a todo o ramo dos Direitos Reais (e não
só!), constituindo o seu objeto.
57
Conforme veremos infra.
58
Conforme foi analisado supra, vide Capítulo II.
59
Consultar páginas 135-136, Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo.
60
Cfr. artigo 204º, nº2 – 1ª e 2ª parte, respetivamente.
61
Assim, a venda do solo abrange-os, salvo estipulação em contrário

14
Direitos Reais

harmonia como seu destino não importa consumo – há, em vez disso, uma deterioração mais
ou menos lenta que, com o tempo, lhes faz perder a sua primitiva forma e préstimo.
- Coisas divisíveis e Coisas indivisíveis: define o artigo 209º as coisas divisíveis como as que
podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição do seu valor ou prejuízo
para o uso a que se destina. Através de uma interpretação enunciativa do argumento lógico-
racional a contrario sensu, serão indivisíveis as que não satisfaçam estes requisitos. Esta
indivisibilidade pode ser natural ou real – ocorre quando a divisibilidade alteraria a substância,
diminuiria o valor ou prejudicaria o uso a que a coisa se destina; legal – resulta da lei (cfr. artigo
1276º); ou negocial – é fixado por acordo dos interessados62.
- Coisas principais e Coisas acessórias: a lei define coisas acessórias no artigo 210º, nº1 do
Código Civil – são coisas acessórias ou pertenças as coisas móveis que, não constituindo partes
integrantes, estão afetadas por forma duradoura ao serviço ou ornamentação de uma outra.
Como vimos63, estas não estão abrangidas pelo negócio que tenha por objeto a coisa principal,
salvo declaração em contrário (nº2, artigo 210º).
- Coisas futuras: nos termos do artigo 211º, são coisas futuras as que não estão em poder do
disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial. As coisas futuras
podem subdividir-se em: relativamente futuras – se, existindo, não estão no poder do
disponente; absolutamente futuras – ainda não têm existência física.
Em qualquer caso, o alienante (devedor) está adstrito a uma prestação de meios, traduzida na
obrigação de exercer as diligências necessárias para que o comprador venha a adquirir os bens
vendidos64. Nestas situações, o direito só se transfere quando a coisa surgir ou vier a encontrar-
se na titularidade do disponente – artigo 408º, nº2.
- Frutos: dispostos no artigo 212º, os frutos podem classificar-se como naturais ou civis,
conforme provenham diretamente da coisa (os naturais); ou sejam rendas ou interesses que a
coisa produz em consequência de uma relação jurídica (os civis)65.
Ora, os frutos naturais percebidos durante a vigência do direito sobre a coisa frutífera
pertencem ao seu titular (artigo 213º, nº1); quem os colha antes do tempo, é obrigado a restituí-
los, caso o seu direito se extinga antes da época normal da colheita (artigo 214º). Se os frutos
forem civis, a partilha é feita proporcionalmente, conforme consagra o nº2 do artigo 213º.
Na hipótese de o possuidor de boa fé ou usufrutuário alienar frutos pendentes e, entretanto, o
seu direito extinguir antes da colheita, a venda subsiste, mas deve dar o valor recebido ao
proprietário, depois de deduzidas as despesas de produção – artigo 1270º, nº3 e 1448º.
O obrigado à restituição dos frutos percebidos deve, ainda ser, indemnizado pelas despesas
com a produção e com a colheita (etc.) até ao valor dos frutos (artigo 215º, nº1); no entanto,
quando se trate de frutos pendentes, esta indemnização não existe, salvo nos casos excecionais
previstos na lei (artigo 215º, nº266).
- Benfeitorias: são todas as despesas feitas para melhorar ou conservar a coisa – artigo 216º,
nº1. Estas poderão ser necessárias - se tiverem por fim evitar a perda, destruição ou deterioração
da coisa; úteis – se, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia,
o valor; ou voluptuárias - as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe
aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante – artigo 216º, nº 2 e 3.

62
Denominado pactum ne dividatur.
63
Supra, a propósito do Princípio da Totalidade da Coisa.
64
Cfr. artigos 399º e 880º, nº1.
65
Cfr. artigo 212º, nº2. Atente-se, ainda, no nº3.
66
Referimo-nos à posse de boa fé (artigo 1270º, nº2) e ao usufruto (artigo 1447º).

15
Direitos Reais

Capítulo VI – Posse

A posse é definida no Código Civil – mais propriamente no artigo 1251º - como o poder que se
manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade
ou de outro direito real.
A figura da posse cumpre essencialmente duas funções: proteger o possuidor enquanto não
houver certeza sobre o verdadeiro titular do direito real a cujo exercício corresponde,
concedendo-lhe a necessária tutela; e, por outro lado, constitui o caminho de acesso a esse
direito real.
Quanto à sua estrutura, podemos dar conta de duas doutrinas e, por fim, mencionar qual a
posição do nosso Código Civil.
A doutrina subjetivista67 defende que a posse é integrada por dois elementos – o corpus
(elemento material, que consiste no domínio de facto sobre a coisa, ou seja, no exercício efetivo
de poderes materiais sobre ela); e o animus possidendi (elemento psicológico, que consiste na
intenção de exercer sobre a coisa o direito correspondente àquele domínio de facto)68.
Por seu turno, a doutrina objetivista – proposta por Ihering – defende que à posse não interessa
com que intenção é exercida69, mas o próprio poder que se exerce.
A posição do Código Civil português não é, no entanto, a mais esclarecedora – a doutrina
encontra-se dividida, sendo que uns defendem que este optou pela orientação subjetivista e
outros entendem que optou pela orientação objetivista, pelo que importa dar conta deste
debate.
Neste seio, importa distinguir a orientação seguida pela Escola de Lisboa70 - estes seguem uma
visão objetivista71, destacando que em todo o regime da posse, raras são as referências/vestígios
subjetivistas – referindo-se apenas ao artigo 1253º, a): e mesmo quanto a esta norma dizem que
é compatível com o sistema objetivista72.
A Escola de Coimbra73 defende que, apesar de no artigo 1251º não haverem referências
expressas ao animus, tal deriva de outras disposições – como do artigo 1253º74 - e, portanto,
dever-se-á seguir a orientação subjetivista75. Exige-se, então, para que haja posse – o animus e
o corpus.
Todavia, note-se, tal como defende Henrique Mesquita, não se pense que há uma grande
diferença entre o nosso sistema e os que consagram a doutrina objetivista, já que, também o

67
Formulada por Windscheid e Savigny.
68
Dão mais importância ao animus do que ao corpus, mas dizem que estes não podem ser entendidos
separadamente, havendo entre eles como que uma unidade psicológica.
69
Desprezando, assim, o animus possidendi. No entanto, não o suprime – reconhecendo que não há
posse sem vontade.
70
Dentro da qual destacamos Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro.
71
Acabam por se bastar na generalidade dos casos com um elemento objetivo, a causa ou título, não
dando nenhuma relevância à vontade real do sujeito. – Transcrevemos Oliveira Ascensão.
72
Basta que subentendamos que a intenção que refere é a intenção declarada, elemento objetivo que
retira ao corpus a sua consequência normal. – Transcrevemos Oliveira Ascensão;
73
No seio da qual destacamos Pires de Lima e Antunes Varela.
74
Na verdade a distinção entre possuidor precário e possuidor autónomo assenta numa noção
subjetiva.
75
Para que haja posse é preciso alguma coisa mais do que o simples poder de facto; é preciso que haja
por parte do detentor a intenção d exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero
poder de facto sobre ela.

16
Direitos Reais

nosso legislador estendeu o regime de proteção possessória a várias situações de detenção –


como a do locatário76, do comodatário77, entre outras.
António dos Santos Justo prefere – também ele – a doutrina subjetivista. Na verdade, só o
animus possidendi permite saber se um possuidor atua por forma correspondente ao exercício
de um direito de propriedade 78 ou de usufruto79 e, portanto, se poderá ser suscetível de ser
adquirido por usucapião.

- Conteúdo: são várias as conceções que limitam que a posse às coisas corpóreas. No entanto,
levantam-se problemas, no seio dos quais se destacam o seguinte: serão os direitos reais de
garantia suscetíveis de posse? Entende-se que o legislador limitou a posse, igualmente, aos
direitos reais de gozo, tendo deixado de fora os direitos reais de garantia; há, contudo, quem
admita que a posse existe quanto aos direitos reais de garantia suscetíveis de poder de facto –
e, aqui, falamos no penhor e no direito de retenção: é que, no caso do penhor, há um
desapossamento do devedor; e no direito de retenção, a coisa está nas mãos do credor.
A posse está, também, excluída em relação aos direitos reais de aquisição, já que o seu exercício
importa a sua extinção e, por isso, não podem originar situações de exercício duradouro que a
posse pressupõe.

Composse: quando a posse de uma coisa tem vários titulares. Esta pode existir em relação a
qualquer direito real suscetível de posse.
Não se trata de várias posses correspondentes ao mesmo direito real sobre uma coisa, porque
também a posse80 de um possuidor exclui a do outro ou outros 81.
Quanto à sua defesa, cada um dos compossuidores poderá recorrer, contra terceiro, aos meios
que protegem a posse (artigo 1286º, nº1) 82.
Por fim, referir que a aquisição por usucapião de um possuidor aproveita a todos (artigo 1291º).

- O que dizer quanto à natureza jurídica da posse?

Entre as várias posições que se autonomizaram ao longo do tempo neste âmbito, talvez seja
oportuno apenas destacar a que é acolhida por A. dos Santos Justo: a posse é um direito real de
gozo, embora provisório. Transcrevendo Mota Pinto: “a posse não é mero facto” porque “o seu
regime revela ser um verdadeiro direito (…) real (embora) provisório.” – Real, porque a posse
“confere um poder sobre uma coisa em face de todos os outros”. Mas provisório porque “só se
mantém, ou melhor, cessa, não havendo anteriormente usucapião, perante a ação de
reivindicação.”

76
Cfr. artigo 1037º, nº2.
77
Cfr. artigo 1133, nº2.
78
Cfr. artigo 1316º.
79
Cfr. artigo 1440º.
80
Tal como sucede na propriedade.
81
No entanto, ficam ressalvadas as hipóteses em que as posses são compatíveis – posse correspondente
à nua propriedade e ao direito de usufruto.
82
Contra um compossuidor, não é possível recorrer à ação de manutenção (nº2, artigo 1286º), já que
cada compossuidor tem a posse.

17
Direitos Reais

- Classificação:

Posse titulada e Posse não titulada – diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo
de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente 83, quer da validade
substancial84 do negócio jurídico (artigo 1259º, nº1); donde, não será titulada, a posse adquirida
por via de um negócio que padeça de vícios formais – que será nulo, nos termos do artigo 220º.
Crítica: sendo, em regra, um vício formal menos grave do que a generalidade dos vícios
substanciais, não se compreende por que motivos estes e não aquele hão-de titular a posse.
O título tem um efeito imediato: faz presumir a boa fé (artigo 1260, nº2) – presunção iuris
tantum, ilidível mediante prova em contrário, nos termos do artigo 350º, nº2.
Nota: conforme dispõe o artigo 1259º, nº2, o título não se presume, devendo ser provado por
quem o invoca.

Posse de boa fé e Posse de má fé: a posse será de boa fé se o possuidor ignorava, ao adquiri-la,
que lesava o direito de outrem – artigo 1260, nº1. A contrario sensu, será de má fé, a posse cujo
possuidor, ao adquiri-la, sabia que estava a lesar o direito de outrem.
Todavia, conforme vimos, a posse não titulada presume-se de má fé, ao passo que a posse
titulada presume-se de boa fé (cfr. artigo 1260º, nº2).
Será, contudo, sempre de má fé, a posse adquirida por violência, ainda que titulada – artigo
1260º, nº3).
Problema: a boa fé é um conceito de natureza psicológica ou ética? Ora, há quem defenda que
a ignorância de que se está lesar o direito de outrem é bastante – para estes, é um conceito
psicológico; por outro lado, para quem assim não o entenda – entendendo que a boa fé é um
conceito ético -, não está de boa fé, mas de má fé, a pessoa que, com culpa, ignora que está a
violar o direito de outrem. Assim, exige-se o cumprimento de deveres de diligência e de cuidado,
caso contrário, o possuidor está de má fé.
No entanto, a posse de boa fé passa a ser de má fé no momento em que o possuidor tome
consciência de que a sua posse está a lesar outrem.
A boa fé releva para efeitos de aquisição por usucapião – os prazos são menores, quando
comparados com os da posse de má fé (cfr. artigos 1294º e 1299º).

Posse pacífica e Posse violenta: a posse será pacífica se adquirida sem violência (artigo 1261º,
nº1), sendo violenta quando, para obtê-la, o possuidor usou da coação física, ou da coação moral
nos termos do artigo 255º - cfr. artigo 1261º, nº2.
Esta distinção é relevante, já que a posse, sendo violenta, não pode ser registada (artigo 1295º,
nº2) e não conduz à usucapião (artigos 1297º e 1300º, nº1).

Posse pública e Posse oculta: a posse será pública se exercida de modo a ser conhecida pelos
interessados. A contrario sensu, será oculta a posse que estes não podem conhecer (cfr. artigo
1262º).
Neste campo, funciona um critério objetivo: será pública a posse cujo exercício se teria
apercebido uma pessoa de diligência normal, colocada na situação de titular do direito.
A posse oculta pode passar a pública e vice-versa.

83
Titularão a posse, portanto, aquisições a non domino.
84
Titulará a posse a validade substancial que não exclua o animus de adquirir – a coação absoluta.
Quanto à questão de posse ser adquirida através de negócios simulados, consultar página 182, Direitos
Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo.

18
Direitos Reais

Esta distinção releva no momento em que começam a contar os prazos para a usucapião (cfr.
artigos 1297º e 1300º, nº1); e o registo da posse só pode ser feito fazendo-se a prova da sua
publicidade (artigo 1295º, nº2).

Posse precária ou Detenção: são possuidores precários ou detentores os que se encontrarem


em alguma das situações prescritas pelo artigo 1253º.
E no âmbito de aplicação do artigo 1253º, a alínea que merecerá mais atenção será a alínea c)
– porque facilmente cairemos em erro se não percebermos em que situações se aplicará e a
quem se refere: ora, possuem em nome de outrem – o mandatário, o locatário, o comodatário,
o titular do direito de retenção, entre outros. Ademais, sendo meros detentores, atuam sem
animus possidendi, apenas com corpus, o que, à luz do nosso ordenamento jurídico, não basta
para considerar-se posse85.

- Outras modalidades:

Posse causal – é a posse em que o possuidor é simultaneamente titular do direito real a cujo
exercício a posse corresponde86 - traduz-se no reflexo de um direito real e, portanto, não é
autónoma.
Posse formal – aquela em que o possuidor não tem, ou não invoca, a qualidade de titular de um
direito a que corresponda (ou autónoma).
Posse efetiva – aquela que implica um controlo material sobre a coisa (cfr. artigo 1278, nº3 –
posse atual).
Posse não efetiva – é a posse que se conserva por via jurídica, sem controlo corpóreo 87.
Posse imediata – é a posse que se exerce sem mediador.
Posse mediata – é a posse que se exerce através de outrem88.

- Efeitos:

Probatórios - a posse confere a presunção de titularidade do direito a cujo exercício


corresponde, por força do artigo 1268º, nº1. Esta presunção 89 concebe ao titular de um direito
real, na impossibilidade fazer prova da sua titularidade, recorrer à tutela possessória.
Frutos – neste contexto, é necessário distinguir várias situações: se o possuidor estiver de boa
fé, pertencem-lhe os frutos até ao dia em que a boa fé cessar; a ele pertencerão, igualmente, os
frutos civis referentes ao mesmo período (artigo 1270º, nº1). Se a boa fé cessar e os frutos ainda
se encontrarem pendentes, estes pertencem ao titular do direito sobre a coisa frutífera, embora
seja obrigado a indemnizar o possuidor das despesas de cultura não superiores ao valor dos
frutos que vierem a ser colhidos – artigo 1270º, nº2. Se, antes da colheita e de cessar a boa fé,
o possuidor alienar os frutos, a alienação subsiste, mas o produto da colheita pertence ao titular
do direito – não obstante, o direito à indemnização das despesas de produção do possuidor
(artigo 1270º, nº3).

85
Como vimos supra, 16-17.
86
Exemplo: a posse do proprietário, do usufrutuário, etc.
87
Exemplo: posse do esbulhado no ano subsequente ao esbulho – cfr. artigo 1283º.
88
Exemplos: posse que se exerce através do comodatário, do locatário e do depositário.
89
Iuris tantum, pelo que um terceiro pode ilidi-la – cfr. artigo 350º, nº2.

19
Direitos Reais

No caso de colheita prematura dos frutos, o possuidor deve restituí-los, se ainda não os
consumiu; mas tem o direito a ser indemnizado pelas despesas de produção e de colheita, nos
termos dos artigos 214º e 215º90.
Por fim, no caso de o possuidor estar de má fé – e nos termos do artigo 1271º -, deve restituir
os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, também, pelo valor dos frutos
que um proprietário diligente poderia ter obtido, sem prejuízo do disposto no artigo 215º, nº1.
Perda ou deterioração da coisa: se de boa fé, o possuidor só responde pela perda ou
deterioração da coisa se tiver agido com culpa – artigo 1269º; donde, a contrario sensu, o
possuidor de má fé responderá pela perda ou deterioração da coisa, mesmo que tenha agido
sem culpa (Nota: esta solução deve ser afastada se se provar que a perda ou deterioração teria
ocorrido mesmo que a coisa estivesse no poder do titular do direito – cfr. artigos 807º, nº2 e
805º, nº2, alínea b)).
Encargos91: estes são pagos pelo titular do direito sobre a coisa e pelo possuidor, na medida dos
seus direitos sobre os frutos no período a que esses encargos respeitam (artigo 1272º).
Benfeitorias: nos termos do artigo 216º, as benfeitorias podem ser de três espécies:
necessárias, úteis e voluptuárias92.
Quanto às necessárias, o possuidor de boa fé ou de má fé tem sempre direito a ser indemnizado,
nos termos do artigo 1273º, nº 1. Tal solução compreende-se, já que, mesmo que a coisa tivesse
na posse do titular do direito, eram despesas que ele teria de fazer – sem prejuízo do disposto
no artigo 1274º; quanto às úteis, o possuidor 93 de boa ou má fé pode levantá-las, se o puder
fazer sem detrimento da coisa – artigo 1273º, nº1; caso contrário, se tal não for possível, o
benfeitorizante, terá direito a ser indemnizado por estas – nº2, artigo 1273º; relativamente às
benfeitorias voluptuárias, o possuidor de boa fé pode levantá-las se não causar detrimento da
coisa; caso não seja possível, não as levantará nem terá sequer um direito a ser indemnizado,
por força do artigo 1275º, nº1. Por seu turno, o possuidor de má fé não pode levantá-las –
mesmo que não cause detrimento da coisa – nem tem um direito a ser indemnizado (artigo
1275º, nº2), perdendo-as.
Usucapião: trata-se de um efeito importante da posse, já que permite ao possuidor, verificados
alguns pressupostos, adquirir a titularidade de certos direitos reais de gozo.
O Código Civil, no âmbito da usucapião, exige dois elementos – a posse e o tempo. A posse deve
ser pública e pacífica; enquanto que o tempo variará consoante o tipo de posse e o caráter da
coisa – se móvel ou imóvel.
Podem ser adquiridos por usucapião os direitos reais de gozo, excetuando-se as servidões
prediais não aparentes e o direito de uso e habitação (artigo 1293º).
Os efeitos da usucapião retroagem à data do início da posse – artigo 1288º.
Os detentores não podem adquirir para si94, salvo se o título se achar invertido (cfr. artigo 1263º,
alínea d)) – consequência da detenção não ser posse.
- Prazos:
No que concerne à usucapião de imóveis, se – a posse for titulada e registada – e de boa fé, o
prazo é de 10 anos a contar da data do registo; se de má fé, o prazo e de 15 anos, a contar da

90
Supra, Capítulo V.
91
Falamos dos foros, juros, etc.
92
Cuja classificação já analisámos em sede devida e, portanto, para mais esclarecimentos vide Capítulo
V.
93
Gozará do direito de retenção nos termos dos artigos 754º e 756º, alíneas a) e b).

Quanto à possibilidade dos incapazes adquirirem por usucapião, veja-se o disposto no artigo 1289º.
94
Embora possam adquirir para a pessoa que representam.

20
Direitos Reais

mesma data – artigo 1294º. Se não for titulada, mas registada – o prazo é de cinco anos, se de
boa fé; e de 10, se de má fé (artigo 1295º).
No que respeita à usucapião de móveis: se estes forem registáveis e a posse for titulada e
houver registo, o prazo é de 2 a 4 anos, contados do início da posse, sendo de 4 anos se o
possuidor estiver de má fé e de 2 anos, caso esteja de boa fé (artigo 1298º). Caso não haja
registo, o prazo é de 10 anos, independentemente da boa ou má fé do possuidor e da existência
de título – artigo 1298º, alínea b); se os móveis não forem registáveis, poderá ser o prazo de 3
ou 6 anos, nos termos do artigo 1299º.

Aquisição da Posse

Neste campo, podemos distinguir duas espécies: a aquisição originária e a aquisição derivada.
A aquisição será originária quando decorre duma relação de facto entre o adquirente-possuidor
e a coisa, sem a intervenção do antigo possuidor. Por isso, a posse não está dependente nem
quanto à existência nem quanto à extensão da posse anterior – poder ex novo; será derivada
quando operar pela transferência desta do anterior para o novo possuidor.
Note-se que têm capacidade para adquirir todos os que têm uso da razão, nos termos do artigo
1266º.

- Formas de aquisição originária:

Prática reiterada: através duma prática reiterada, com publicidade, de atos materiais
correspondentes ao exercício do direito – artigo 1263º, alínea a).
Elementos: prática reiterada – não basta a prática de um só ato, é necessário que seja
recorrente; publicidade – exige-se que os atos materiais sejam suscetíveis de ser conhecidos
pelos interessados; atos materiais – só têm interesse os atos que incidam direta e materialmente
sobre a coisa (traduzindo o corpus); correspondência com o exercício do direito.
Inversão do título: consagrada nos artigos 1263º, alínea d) e 1265º, a inversão do título da posse
pode ocorrer por dois meios – oposição do detentor contra aquele em nome de quem possuía95;
por ato de terceiro capaz de transferir a posse.

- Formas de aquisição derivada:

Tradição material e tradição simbólica: esta forma de aquisição da possa, encontra-se prevista
no artigo 1263º, alínea b). Como sugere a redação legal, esta tradição pode ser material –
atividade exterior que se traduz nos atos de entregar; ou simbólica – tudo se passa ao nível da
comunicação, não havendo um interferência no controlo material da coisa.
De acordo com a tradição romana, a tradição simbólica pode ocorrer por: traditio longa manu
– a coisa não é materialmente entregue, mas é posta à disposição do adquirente através de
indicação à distância; traditio brevi manu – realiza a conversão da detenção em posse por acordo
entre o detentor e o possuidor; traditio ficta – consiste na entrega de um símbolo ou realização
de um ato que simboliza a coisa cuja posse se transfere96.
Constituto possessório: é uma forma de aquisição da posse sem necessidade de ato97 de entrega
da coisa (artigos 1263º, alínea c) e 1264º). E, aqui, podemos destacar duas espécies: o titular do

95
Exemplo paradigmático é o do arrendatário que deixa de pagar a renda, afirmando que o prédio lhe
pertence.
96
Exemplo: entrega das chaves de um armazém.
97
Solo consensu.

21
Direitos Reais

direito real transfere o seu direito e reserva, para si, a detenção; ou o possuidor transfere o seu
direito a outra pessoa, mantendo-se o seu detentor.
A sucessão por morte e a acessão da posse são, também, formas de aquisição da posse – cfr.
artigos 1255º e 1256º, respetivamente98.
Tutela:

A tutela da posse trata-se de uma tutela rápida e provisória, de tal modo que não exige ao
possuidor que faça prova do direito sobre a coisa possuída de que afirma ser titular: basta-lhe
provar que possui – e, mesmo aqui, a prova da posse é facilitada, uma vez que provado o corpus,
presume-se o animus (cfr. artigo 1252º, nº2).
Este é um aspeto relevante, já que, dada a dificuldade de prova que acarreta a dos direitos reais
(probatio diabolica), até os seus titulares recorrem com grande frequência, à tutela possessória.
Neste âmbito, não se exclui a autotutela – por meio da ação direta e da legítima defesa; e, caso
esta não seja possível, ainda resta aos possuidores recorrer à tutela judicial da posse.
Ademais, a violação da posse só releva quando esses factos se dirijam à constituição de uma
posse contrária99.

Autotutela: neste seio, conforme foi dito, podemos falar da ação direta e da legítima defesa.
A ação direta é o recurso à força para evitar a inutilização prática de um direito, no caso de ser
impossível recorrer aos meios coercivos normais – cfr. artigo 336º. Contudo, o agente não pode
exceder o necessário para evitar o prejuízo nem sacrificar interesses superiores aos que visa
realizar100.
A legítima defesa, por sua vez, também é permitida nos termos gerais e, portanto, ao abrigo do
artigo 337º - para tanto, é necessário que haja uma agressão atual e ilícita contra o património
do agente ou de terceiro – pelo que não faria sentido não considerar-se estendida à tutela
possessória.

Ações possessórias:
A ação de prevenção – o possuidor, que tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por
outrem, pode requerer que este seja intimado a abster-se de lhe fazer agravo, sob pena de multa
ou responsabilidade pelo prejuízo que lhe causar – artigo 1276º.
Este receio de esbulho deve ser sério e deve fundamentar-se em razões objetivas.
A ação de manutenção – permite ao possuidor perturbado ser mantido na posse enquanto não
for convencido na questão da titularidade do direito – artigo 1278º, nº1.
Todavia, por força do nº2 do mencionado preceito, se a posse não tiver mais de um ano, só
poderá ser mantida contra quem não tiver melhor posse101.
Quanto à legitimidade para intentar esta ação, têm-na o perturbado ou os seus herdeiros, mas
apenas contra o perturbador – artigo 1281º, nº1.
Esta ação caduca se não for intentada dentro do ano subsequente ao facto da turbação, nos
termos do artigo 1282º.

98
Vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 207-211
Quanto à conservação da posse, vide 211-214.

99
Animus spoliandi ou turbandi.
100
Atente-se ao disposto no artigo 1277º.
101
Melhor posse será a que for titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual antiguidade,
a posse atual – cfr. artigo 1278º, nº2 e 3.

22
Direitos Reais

A ação de restituição – o possuidor esbulhado será restituído enquanto não for convencido na
questão da titularidade do direito – artigo 1278º, nº1102. Contudo, esta só poderá ser restituída
contra quem não tiver melhor posse103 e caduca se não for intentada no prazo de um ano – cfr.
artigo 1282º.
Esta ação poderá ser intentada pelo perturbado ou os seus herdeiros contra o perturbador ou
contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho artigo 1281º, nº2.
A ação de restituição havendo esbulho violento: dispõe a lei no artigo 1289º que o possuidor
tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.
Estamos perante um procedimento cautelar que não comporta a audiência prévia do
interessado, sendo necessário, para que seja procedente, a verificação de três requisitos: a
posse, o esbulho e a violência.
Ainda que a lei não o diga expressamente, esta ação caducará por aplicação do prazo previsto
no artigo 1282º - um ano, a contar da cessação da violência.
Por fim, o nosso Código admite, ainda, a possibilidade de o possuidor, cuja posse foi ofendida
por penhora ou diligência ordenada judicialmente, defender-se mediante embargos de
terceiro104 – artigo 1285º.

Defesa da Composse: regulada pelo artigo 1286º, dispõe a lei que qualquer dos compossuidores
poderá recorrer aos meios consagrados nos artigos precedentes, à exceção da ação de
manutenção (entre compossuidores105).

Caso as ações de manutenção ou restituição sejam julgadas procedentes, é havido como nunca
perturbado o que for mantido ou restituído, por força do artigo 1283º.
Cumulativamente, terá o possuidor mantido ou restituído o direito a ser indemnizado do
prejuízo que haja sofrido em consequência do esbulho106.

Perda

O nosso Código Civil, no artigo 1267º, enumera várias formas de extinção da posse, ainda que
não se deva considerar este um elenco taxativo107.
Assim, na alínea a) do mencionado artigo, a lei consagra o abandono como forma de perda de
posse, o qual pode ser definido da seguinte forma – como a cessação voluntária do controlo
possessório da coisa108. Pressupõe um ato material de rejeição da coisa ou do direito, pelo que
abandonada a coisa possuída, extinguir-se-ão o corpus e o animus.
A perda ou destruição da coisa está, por sua vez, consagrada na alínea b) – saída fortuita do
poder do possuidor. No entanto, não perde a posse quem se esqueça de um objeto, enquanto
puder encontrá-lo.

102
Prevista ao lado da ação de manutenção.
103
Nota 101.
Reconhece-se possibilidade de se recorrer ao procedimento cautelar comum – cfr. artigo 395º CPC.
104
Cfr. artigos 351º a 359º Código de Processo Civil.
105
Porque os atos turbativos são incaracterísticos.
106
Nos termos dos artigos 563º, 564º e, quando em dinheiro, nos do artigo 566º.
107
Menezes Cordeiro refere a expropriação por utilidade pública, o não uso e o esbulho seguido da
posse de terceiro de boa fé, como outras formas de extinção da posse. No entanto, não nos ocuparemos
destes.
108
Transcrevemos Menezes Cordeiro.

23
Direitos Reais

Assim, a posse só se extingue quando à perda sobrevenha uma nova posse, por mais de um
ano, incompatível com a anterior; ou quando seja manifestamente impossível recuperar a coisa.
Por sua vez, a destruição deve ser total.
A cedência – disposta na alínea c) - traduz a perda da posse para o cedente, constituindo a outra
face da tradição material ou simbólica da coisa.
A posse de outrem por mais de um ano – alínea d) –, perdendo a posse quem, mesmo contra
a sua vontade, permite que um terceiro a possua por mais de um ano (posse de ano e dia). Esta
conta-se desde o início da posse (se foi tomada publicamente); desde o conhecimento do
esbulhado (ocultamente); ou a partir da cessação da violência (se foi adquirida por violência) –
cfr. artigo 1267º, nº2.

Capítulo VII – Propriedade

O Código Civil não define a propriedade, limitando-se a, no artigo 1305º, estabelecer o seu
conteúdo: o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição
das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por
ela impostas.
Crítica: o gozo não é exclusivo da propriedade; por outro lado, existem proprietários sem o
poder de usar e de fruir109 e também sem a faculdade de dispor110.
O direito de propriedade pode ter como objeto: coisas corpóreas (artigo 1302º), mas também
os direitos de autor e a propriedade industrial – que se encontram reguladas em legislação
especial (artigo 1303º, nº1).

Posto isto, debrucemo-nos sobre as características do direito de propriedade, que são três:
- Indeterminação: o proprietário tem poderes indeterminados, ao contrário dos direitos reais
limitados que têm um conteúdo preciso, determinado pela lei ou fixado pelos particulares (cfr.
artigo 1445º). É uma consequência da plenitude.
- Exclusividade: sobre a mesma coisa só pode haver um direito de propriedade.
- Elasticidade: extinto um direito real que a limite, a propriedade reconstitui-se plenamente.
Este efeito, resultante da sua força expansiva, é produzido automaticamente logo que cessem
os ónus ou direitos reais que a comprimem ou reduzem.

A natureza jurídica do direito de propriedade é uma questão algo controversa, pelo que em
torno desta questão, surgiram várias doutrinas – sendo que só nos ocuparemos das duas
principais:
Teoria da Pertença – esta é a mais antiga, e traduz a ideia do meu em contraposição ao que é
dos outros. Consiste na relação de subordinação de uma coisa face ao seu proprietário.
Todavia, esta doutrina não é capaz de distinguir a propriedade dos restantes direitos reais, pelo
que não se poderá considerar satisfatória.
Teoria do Senhorio – segundo a qual a propriedade é o direito real mais extenso que o
ordenamento jurídico permite sobre uma coisa.
Critica-se, no entanto, que apoiando-se na indeterminação dos poderes do proprietário se
tenha esquecido dos poderes do usufrutuário – no caso da nua propriedade – ter mais poderes
que este. Parece que esta crítica não pode, todavia, prosseguir, uma vez que, como diz Carvalho

109
Sucede na nua propriedade, em consequência de um direito de usufruto, por exemplo.
110
Cfr. artigo 959º.

24
Direitos Reais

Fernandes: o usufrutuário não tem a generalidades dos poderes sobre a coisa e mesmo os seus
poderes de gozo pleno – afinal legitimados por serem deslocados da propriedade e só por isso –
não têm a amplitude que revestem na propriedade. Não só o usufrutuário tem de respeitar a
forma e a substância da coisa e o seu fim económico, como tem de atuar com a diligência de um
bom pai de família.

Modalidades
A propriedade pode revestir três modalidades: a propriedade perpétua – não cessa por decurso
de um prazo; não se extinguindo, ainda, pelo não uso. Esta constitui a propriedade-regra; a
propriedade temporária – esta só é admitida em casos excecionais, conforme resulta do artigo
1307º, nº2 e traduz-se na propriedade constituída por certo tempo111. Donde, a sua constituição
fora dos casos em que a lei prevê, resulta na sua nulidade, sem prejuízo da sua conversão, nos
termos gerais112, noutro direito real; por fim, a propriedade resolúvel – esta, admitida no artigo
1307º, nº1, é a propriedade constituída sob condição resolutiva. Poder-se-á dizer que a
propriedade resolúvel também é temporária: o proprietário que adquira propriedade sobre
condição resolutiva perde a propriedade com a verificação da condição acordada. No entanto,
estas não se podem confundir, já que a propriedade temporária está sujeita a um termo,
enquanto que a resolúvel está sujeita a uma condição – acontecimento futuro e incerto113.

Limitações legais
A propriedade nunca, ao longo da história, se consagrou como ilimitada/absoluta, uma vez que
a vida em qualquer sociedade tem exigências cuja satisfação afasta esse caráter. Daí que
dedicaremos uma parte do nosso estudo a analisar as limitações a que esta está adstrita que
podem ser, desde logo, por interesse público ou privado.
Casos de limitações por interesse público são: a expropriação – prevista no artigo 62º, nº2 da
Constituição da República Portuguesa e no artigo 1308º do Código Civil, esta só pode suceder
nos casos expressamente previstos na lei. A indemnização que deriva da expropriação não visa
compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo causado ao
expropriado; este prejuízo medir-se-á pelo valor real e corrente dos bens expropriados e não
pelas despesas que eventualmente haja de suportar para obter a substituição da coisa
expropriada por outra equivalente. Tem-se entendido que esta figura acarreta consigo uma
aquisição originária – e, portanto, ex novo – do direito sobre a coisa expropriada; e a requisição
– esta figura está igualmente consagrada no artigo 62º, nº2 CRP e no artigo 1309º. Poderá incidir
sobre coisas móveis e imóveis e difere da expropriação pela diferente eficácia: esta extingue
todos os direitos reais sobre a coisa expropriada, ao passo que a requisição apenas atribui à
entidade requisitante o direito de a usar para o fim previsto durante determinado período de
tempo; Nota: para além destas limitações, outras haverão – como o fracionamento e
emparcelamento de prédios rústicos e os atravessadouros114.

111
Exemplos: a propriedade fiduciária (cfr. artigos 2286º, 2290º e 2293º), etc. Para mais exemplos,
consulte-se a página 241, Direitos Reais, 5ª Edição. A. dos Santos Justo.
112
Cfr. artigo 293º.
113
Cfr. artigos 270º ss.
114
Vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 248-249.

25
Direitos Reais

Por outro lado, importa dar notícia das limitações por interesse privado: os fumos, ruídos e
factos semelhantes – consagrada no artigo 1346º115, permite ao proprietário de um imóvel
opor-se à emissão de fumo, ruídos, etc., sempre que tais factos importem um prejuízo
substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que
emanam; as instalações prejudiciais – disposta no artigo 1347º, caso se verifiquem alguma das
situações previstas nos nº 1 e 2, haverá um direito a ser indemnizado pelo prejuízo causado
(nº3). O “receio” de que fala a lei deve ser apreciado objetivamente; e não é necessário que haja
culpa na produção dos danos; escavações – o proprietário pode abrir, no seu prédio, minas ou
poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar
desmoronamentos ou deslocações de terra. Logo que se verifiquem danos, os proprietários
vizinhos terão direito a ser indemnizados, não sendo necessário que haja culpa na produção
destes (cfr. artigo 1348º); passagem forçada momentânea – o proprietário do prédio vizinho é
obrigado a consentir que sejam levantados andaimes, colocados objetos, passem materiais ou
sejam praticados atos análogos indispensáveis à reparação ou construção de algum edifício –
artigo 1349º; bem como é permitido o acesso a prédio alheio a quem pretenda apoderar-se de
coisas suas que acidentalmente nele se encontrem. Todavia, o proprietário do prédio vizinho,
em qualquer dos casos, tem o direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido116 (nº3); ruína de
construção – o proprietário de prédio vizinho goza do direito de exigir, a quem for responsável
pelos danos, que tome providências necessárias para eliminar o perigo da ruína de edifício ou
obra – artigo 1350º; escoamento natural das águas – os prédios estão sujeitos a receber as
águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como
a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente – artigo 1351º. Não podem, também, os
proprietários dos prédios superiores fazer obra que agrave ou estorve o escoamento (nº2);
obras defensivas das águas – o artigo 1352º prevê, neste seio, duas possibilidades – cfr. nº 1 e
2 -, determinando que todos os proprietários que participam do benefício das obras são
obrigados a contribuir para as despesas delas, em proporção do se interesse, sem prejuízo da
responsabilidade que recaia sobre o autor dos danos (nº3); construções e edificações – prevista
no artigo 1360º, nº1, a ratio desta norma é evitar que o prédio vizinho seja objeto de indiscrição
de estranhos e devassado com o arremesso de objetos. E importa que o proprietário deste exija
que sejam regularizadas as situações desconformes, sob pena de se constituir uma servidão de
vistas117 – atribuindo ao dono do prédio de ver o que se passa no prédio alheio e impedindo o
vizinho de levantar edifício sem deixar, entre as duas construções, uma zona de metro e meio.
Note-se que estas restrições não se aplicam aos prédios que se encontrem em alguma das
situações previstas no artigo 1361º e as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar que se
enquadrem na previsão do artigo 1363º; estilicídio – prevista no artigo 1365º, na ratio desta
norma está a necessidade de as águas caírem diretamente no prédio onde se faça a construção,
só depois atingindo naturalmente os prédios inferiores; plantação de árvores e arbustos –
segundo o artigo 1366º, o proprietário de um prédio pode plantar árvores e arbustos até à sua
linha divisória, sendo que, no entanto, é concedida a faculdade ao proprietário do prédio vizinho
de: rogar judicialmente ou extrajudicialmente ao dono das árvores que arranque e corte as
raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem;
arrancar e cortar as raízes e o tronco ou ramos se o dono da árvore não o fizer dentro de três
dias; apanha de frutos – o proprietário de árvore ou arbusto contíguo a prédio de outrem ou

115
A conjunção ou deveria ser substituída por e. O proprietário só poderá opor-se à emissão de fumos,
ruídos ou factos semelhantes quando estes importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel “e”
não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.
116
Caso de indemnização por atos lícitos.
117
Cfr. artigo 1362º.

26
Direitos Reais

com ele confinante pode exigir ao dono deste prédio que lhe permita fazer a apanha dos frutos
que não seja possível fazer do seu lado. No entanto, é responsável pelo prejuízo que vier a causar
com a apanha (artigo 1367º); árvores ou arbustos situados na linha divisória – presumem-se118
comuns, ou seja, compropriedade dos prédios vizinhos, aplicando-se-lhe o disposto no artigo
1368º; direito de tapagem – o proprietário pode, nos termos do artigo 1353º, obrigar os
proprietários dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o
seu prédio e os deles (direito de demarcação).
Esta limitação encontra-se regulada nos artigos 1356º ss. E na sua ratio está a pretensão de
evitar que se plantem sebes e o dono as vá aparando por dentro, fazendo-as avançar sobre o
terreno vizinho e usurpando o seu terreno.

Por fim, notar que as limitações convencionais estão adstritas ao princípio do numerus
clausus119, pelo que, por não estarem previstas na lei, são nulas120; mas, por meio de conversão
legal, produzirão efeitos obrigacionais.

Aquisição
Conforme vimos para a posse121, a aquisição pode ser originária – o direito de propriedade surge
ex novo com base no contacto imediato com a coisa e na total independência de alguma relação
jurídica que eventualmente ligue o proprietário adquirente a outro sujeito; ou derivada – o
direito do novo proprietário deriva do antigo através duma relação jurídica idónea.
- Formas de aquisição originária são as seguintes: ocupação - consiste na apropriação ou
tomada de posse de uma coisa que não tem ou deixou de ter dono. Podem adquirir-se por
ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram dono (res nullius) ou foram
abandonas (res derelicatae), perdidas ou escondidas pelos seus proprietários.
Na linha romanista exige-se a verificação de três requisitos – o pessoal (o ocupante deve ser
uma pessoa com capacidade de gozo bastante, embora não se exija capacidade de exercício); o
real (a coisa ocupável deve ser res nullius que compreende as coisas que nunca tiveram dono
ou, porque foram abandonadas, deixaram de o ter122); e o formal (a tomada de posse da coisa).
Neste âmbito, apenas daremos conta, em traços gerais, do regime atinente às coisas, em
particular, suscetíveis de ocupação. Assim: são-no as coisas caçadas ou pescadas, nos termos do
artigo 1319º123 - caça e pesca; os animais selvagens com guarida própria124 – nem são os animais
selvagens no estado de liberdade natural nem animais domésticos. São os animais que no seu
estado natural têm o hábito de se recolherem em guaridas próprias construídas pelo homem, a
quem pertencem enquanto não perderem o hábito de regresso e só se o perderem se tornarão
res nullius – e, portanto, suscetíveis de ocupação; animais ferozes fugidos125 – são animais que
se evadiram de clausura em que o dono os pôs, podendo ser destruídos ou ocupados livremente
por qualquer pessoa que os encontre; enxames de abelhas126 – o proprietário de enxames de
abelhas tem o direito de o perseguir e capturar em prédio alheio, respondendo pelos danos que
causar – tem um prazo de dois dias para fazê-lo; caso contrário o proprietário do prédio onde

118
Iuris tantum – ilidível mediante prova em contrário (cfr. artigo 350º, nº2).
119
Cfr. artigo 1306º.
120
Cfr. artigo 294º.
121
Vide página 21.
122
Deve tratar-se de coisa móvel, já que coisas imóveis sem dono conhecido pertencem ao Estado.
123
Sem prejuízo do disposto em legislação especial.
124
Cfr. artigo 1320º.
125
Cfr. artigo 1321º. Para mais esclarecimentos, Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 272-273.
126
Cfr. artigo 1322º.

27
Direitos Reais

se encontra pode ocupá-lo ou consentir que outrem o ocupe; animais e coisas móveis
perdidas127 - quem encontrar animal ou outra coisa móvel perdida é obrigado a restituir ou
avisar o dono, se o conhecer; e, se não souber a quem pertence, a anunciar o achado pelo modo
mais conveniente ou a avisar as autoridades. Caso anuncie e as coisas não forem reclamadas
pelo dono dentro de um ano a contar do anúncio, o achador faz sua a coisa perdida. Caso seja
restituída, o achador tem direito a uma indemnização do prejuízo causado e das despesas que
tenha realizado e ainda a um prémio. A ocupação só sucede, então, se dentro de um ano 128, o
dono não reclamar a coisa; tesouro129 – é uma coisa móvel valiosa escondida em tempo
imemorial, que deixou de ter dono. Sendo descoberto, metade fica para o descobridor e metade
para o proprietário da coisa móvel ou imóvel onde este estava escondido ou enterrado;
A acessão, prevista no artigo 1326º, ocorre quando a coisa que é propriedade de alguém se une
e incorpora outra coisa que não lhe pertencia. Esta pode ser natural – quando resulta
exclusivamente das forças da natureza; ou industrial – quando, por facto do homem, se
confundem objetos pertencentes a diversos donos, ou quando alguém aplica o trabalho próprio
a matéria pertencente a outrem, confundindo o resultado desse trabalho com propriedade
alheia. A acessão pode, ainda, por sua vez, ser mobiliária ou imobiliária, conforme a natureza
das coisas.
É um efeito de que o direito de propriedade tem o poder de absorver tudo o que, por força da
natureza ou por ação do homem, se incorporar na coisa que constitui o seu objeto.
A acessão natural pode ocorrer por aluvião130, nos termos do artigo 1328º, por avulsão – cfr.
artigo 1329º131; através de mudança de leito – artigo 1330º132; através da formação de ilhas e
mouchões – artigo 1331º133; e, por fim, atente-se na existência de lagos e lagoas – artigo 1332º.

Por sua vez, a acessão industrial mobiliária pode ocorrer quando alguém esteja de boa fé ou
de má fé.
De boa fé: ocorre quando alguém une ou confunde objeto seu com objeto alheio e a separação
não é possível ou implica prejuízo para alguma das partes. Quando assim seja, o artigo 1333º,
nº1 a 4 estabelecem o regime a aplicar134.
De má fé: ocorrer quando alguém, de má fé, une ou confunde uma coisa sua com outra alheia
– regulada pelo artigo 1334º.
Poderá, ainda, falar-se na confusão causal135 – ocorre quando a confusão se realiza causalmente
e as coisas confundidas não se podem separar sem detrimento de alguma (artigo 1335º).
A especificação de boa fé136 em lugar quando alguém, ignorando que lesa o direito de outrem,
transforma, com o seu trabalho, uma coisa móvel alheia137; por sua vez, a especificação de má

127
Cfr. artigo 1323º.
128
A decorrência este prazo funciona como presunção iuris et de iure de abandono.
129
Cfr. artigo 1324º.
130
Vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 277-278.
131
Vide 278-279, bibliografia indicada acima.
132
Vide 279-280.
133
Vide 280.
134
Não vale a pena entrar em transcrições, já que não há muito que se possa dizer para além do que
resulta da lei – nomeadamente do referido artigo 1333º.
135
Causal é a acessão industrial que, embora derivada de facto do homem e não apenas das forças da
natureza, não foi querida pelo seu autor.
136
Cfr. artigo 1336º.
137
Exemplo: transformação de uvas em vinho.

28
Direitos Reais

fé138 ocorre quando alguém, sabendo que lesa o direito de outrem, transforma uma coisa alheia
noutra.

A acessão industrial imobiliária: prevê o artigo 1339º o caso do proprietário fazer obra,
sementeira ou plantação com materiais alheios. Neste caso, adquire os materiais, sementes ou
plantas, pagando o respetivo valor, além da indemnização a que haja lugar.
Por sua vez, prevê o artigo 1340º as situações em que o dono dos materiais, sementes ou
plantas constrói, semeia ou planta num terreno alheio, desconhecendo que é alheio ou foi
autorizado pelo seu dono. E, aqui, se em relação ao valor do terreno o valor acrescentado for:
superior – o autor da incorporação adquire o terreno pagando o valor que tinha antes da obra,
sementeira ou plantação (nº1); igual – haverá licitação entre o dono do terreno e o autor da
incorporação (nº2); menor – a obra, sementeira ou plantação é adquirida pelo dono do terreno
que indemnizará o autor do valor que tinham ao tempo da incorporação (nº3).
Há, todavia, um problema que importa abordar – no caso do valor acrescentado ser superior ao
valor do terreno, o proprietário adquire ou, em vez disso, pode adquirir o terreno?
Neste seio, existe quem entenda que se trata de uma aquisição automática ou imperativa139;
pelo contrário, há quem conteste tal perspetiva, dizendo que a aquisição automática traduziria
uma violência: a obrigatoriedade de alguém adquirir o direito de propriedade do terreno ou dos
materiais, sementes ou plantas, sem se lhe perguntar se pode pagar140.

Quanto às obras, sementeiras ou plantações feitas com materiais alheios em terreno alheio,
aplicar-se-lhe-ão o disposto no artigo 1342º141.
Por fim, ao prolongamento de edifício em terreno alheio142, aplica-se o que resulta do artigo
1343º - aqui, estende-se o edifício sobre uma parcela de terreno alheio (o construtor ignora que
o terreno é alheio).
Por fim, pode considerar-se que a usucapião é, igualmente, uma forma de aquisição
originária143.

- Formas de aquisição derivada: neste campo, podemos distinguir os contratos (cfr. artigo
1316º) e a sucessão por morte, nomeadamente144.

Tutela:

Traduzindo-se o direito de propriedade na faculdade de usar, fruir e dispor, não podia o


ordenamento jurídico deixar de o tutelar, pelo que ao seu proprietário são reconhecidos meios
extrajudiciais e judiciais por forma a conservá-lo e a protegê-lo.
Os meios extrajudiciais a que nos referimos são, nomeadamente, a ação direta (cfr. artigo 336º)
e a legítima defesa (cfr. artigo 337º) 145.

138
Cfr. artigo 1337º.
139
Perspetiva de Pires de Lima e Antunes Varela.
140
Neste sentido, Oliveira Ascensão, Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro. É, também, a visão da
qual partilha A. dos Santos Justo – in Direitos reais, ibidem, 287-288.
141
Vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 288-289.
142
Para mais entendimentos, 289-290.
143
Pelo que remeto para o que foi dito em sede de efeitos da posse – página 20.
144
Sem prejuízo de outras formas de aquisição derivada – vide 293, Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos
Santos Justo.
145
Outros meios – 295, Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo.

29
Direitos Reais

Quantos aos meios judiciais: em primeiro lugar – porque é o mecanismo principal neste seio, a
ação de reivindicação146 (artigo 1311º) – esta é uma ação declarativa de condenação que o
proprietário pode instaurar contra quem tenha a posse ou a detenção da coisa que lhe pertence,
para pedir o reconhecimento do seu direito e, consequentemente, para que a coisa – objeto da
sua propriedade – lhe seja restituída.
O proprietário tem que provar a sua propriedade e que a coisa se encontra na posse ou é detida
pelo demandado. Todavia, não basta provar que adquiriu a propriedade do alienante, devendo
também provar que este a adquiriu, o que implica a necessidade de provar as aquisições dos
sucessivos alienantes até à aquisição originária de um deles – e, aqui, surge o problema da
probatio diabolica147. Ora, porque se trata de uma prova difícil, os proprietários costumam
recorrer à tutela possessória, já que provando o corpus, presume-se o animus148. Ademais,
provada a posse presume-se a propriedade – artigo 1268º, nº1.
Decorre, ainda, do artigo 1313º a imprescritibilidade da ação de reivindicação, sem prejuízo dos
direitos adquiridos por usucapião.
A ação confessória permite, por seu turno, ao proprietário obter o reconhecimento do direito
de propriedade que se tornou duvidoso por alguma circunstância.
A ação negatória permite ao proprietário de uma coisa obter o reconhecimento de que não
existe o direito sobre ela que o demandado invoca – v.g., o direito de usufruto.
A ação de prevenção contra danos admite ao proprietário instaurar uma ação contra o dono
do prédio vizinho para prevenir que lhe sejam causados danos na coisa que lhe pertence – v.g.,
por emissão de fumos, por construção de obras, por abertura de minas, etc.

Extinção:

O direito de propriedade pode extinguir-se. Por isso, dedicaremos, por fim, o nosso tempo a
analisar – ainda que de forma breve – as formas que levam à sua extinção.
- Expropriação149: implica a extinção do direito de propriedade sobre o imóvel em que recaia150
e constitui um direito a favor da entidade expropriante.
- Perda da coisa151: a perda absoluta ou total da coisa implica igualmente a extinção do direito
de propriedade. Esta forma de extinção da propriedade restringe-se a coisas móveis que,
conforme foi visto, tornando-se res nullius são suscetíveis de ocupação.
- Impossibilidade definitiva de exercício: o direito de propriedade extingue-se por
impossibilidade exercício do seu direito – v.g., o tesouro, após vinte anos de impossibilidade do
seu exercício, por não saber onde se encontra, cessa a propriedade sobre a coisa escondida.
- Abandono: esta forma de extinção restringe-se às coisas móveis que, uma vez abandonadas
tornam-se res nullius e, por isso, suscetíveis de ocupação.
- Renúncia: constitui uma manifestação da faculdade de disposição reconhecida ao
proprietário152. Esta é admitida em relação a coisas móveis, ao passo que, quanto às coisas
imóveis, a doutrina encontra-se dividida153.

146
Sujeita a registo – cfr. artigo 3º, nº1, alínea a) Código do Registo Predial.
147
O qual já abordámos in 22.
148
Cfr. artigo 1252º, nº2.
149
Recorde-se o que foi dito em sede de limitações legais ao direito de propriedade.
150
Do “expropriado”.
151
Não devemos confundir perda com deterioração, a menos que seja tão profunda que impossibilite o
exercício do direito de propriedade.
152
Cfr. Artigo 1305º.
153
Quanto a esta discussão, vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. Dos Santos Justo, 301-302.

30
Direitos Reais

- Caducidade: esta é uma forma de extinção de direitos reais temporários. Portanto, não se
suscitam dúvidas quanto à sua aplicação ao direito de usufruto e de uso e habitação 154; quanto
ao direito de propriedade, a questão já não é tão consensual – no entanto, quanto à propriedade
temporária, a caducidade extingue-a.
- Não uso: nos termos do artigo 298º, nº3, a propriedade apenas se extingue nos casos
prescritos na lei – v.g., o disposto no artigo 1397º.

A propriedade pode, finalmente, extinguir-se de outras formas – falamos dos contratos (com a
transferência do direito de propriedade, o alienante perde a sua propriedade que é adquirida
pela outra parte – artigos 1316º e 1317º, alínea a)); usucapião (extingue-se o direito de
propriedade que o possuidor adquire – artigo 1317º, alínea c)); e pela acessão (extingue-se o
direito sobre a coisa incorporada noutra – artigo 1317º, alínea d)).

Capítulo VIII – Águas Particulares

Concretamente, interessar-nos-ão as águas particulares pela razão óbvia de estarmos perante


uma disciplina de direito privado. Assim sendo, as águas públicas, reguladas por leis especiais,
não serão objeto de estudo.
O legislador teve a preocupação de dar um tratamento especial a esta matéria, o que se justifica
pelo aproveitamento que retiram dela vários proprietários e pela fonte de conflito que
constituem.
Diga-se ainda em jeito introdutório que as águas são consideradas coisas imóveis, por força do
artigo 204º, alínea b) – quando desintegradas da propriedade superficiária; antes disso, são
partes componentes dos respetivos prédios – artigo 204º, alínea e).
O artigo 1386º elenca quais são águas particulares; devendo, as expostas no artigo 1387º, nº1,
alíneas a) e b), serem também consideradas como tal.
As águas – ainda que particulares – podem ser objeto de requisição em casos urgentes de
incêndio ou calamidade pública; nestes casos, as autoridades administrativas (podem), sem
forma de processo nem indemnização prévia, ordenar a utilização imediata de quaisquer águas
particulares para conter ou evitar danos – artigo 1388º, nº1.
Dispõe o nº 2 do mencionado preceito, que se resultarem danos apreciáveis os lesados têm
direito a uma indemnização, paga por aqueles que beneficiaram da sua utilização.

Aproveitamento
Pertencendo a água de fonte ou nascente ao prédio onde estas se encontram, pode o seu
proprietário dispor delas livremente, conforme resulta do artigo 1389º. Contudo, ressalvam-se
as exceções previstas na lei155 e os direitos adquiridos por terceiros156.
Caso os donos dos prédios inferiores não sejam titulares de qualquer direito real sobre as águas
poderão eventualmente aproveitá-las; daí que um novo aproveitamento do proprietário não
constitua uma violação dos direitos destes – artigo 1391º. Assim, a qualquer momento o
proprietário destas pode impedir o aproveitamento da água nos prédios inferiores.
No entanto, a possibilidade do proprietário fazer obras que impeçam este aproveitamento
pelos prédios inferiores conhece um limite – o abuso de direito (artigo 334º). Tal sucederá

154
Cfr. artigos 1476º, nº1 e 1485º, respetivamente.
155
Cfr. artigos 1392º, 1557º e 1558º.
156
Cfr. artigo 1390º.

31
Direitos Reais

quando tal exercício exceda manifestamente os limites impostos pelo fim social ou económico
do seu direito, dando às águas um destino diverso apenas por ódio ou para prejudicar os
proprietários dos prédios inferiores.

Às águas pluviais e lagos e lagoas aplicam-se, com as necessárias adaptações, as normas


jurídicas sobre as fontes e nascentes, conforme dispõe o artigo 1393º.
Quanto às águas subterrâneas, a regra é a de que qualquer proprietário pode, nos limites do
seu prédio, proceder à sua exploração, desde que não prejudique direitos de terceiro que hajam
sido adquiridos por título justo (artigo 1394º). Contudo, pode ainda apontar-se outro limite: a
exploração deve incidir sobre as águas subterrâneas existentes no seu prédio!
Note-se que qualquer negócio que envolva a alienação de águas é nulo 157, já que o seu objeto
não é certo, podendo até acontecer que não haja água – podendo, não obstante, converter-se,
nos termos gerais, num negócio de atribuição de um direito de exploração sobre estas
(obrigacional).
Importa, ainda, referir que o artigo 1396º constitui uma verdadeira limitação ao direito de
propriedade sobre as águas, já que o proprietário que, ao explorar águas subterrâneas, altere
ou faça diminuir as águas de fonte ou reservatório destinado a uso público é obrigado a repor as
coisas no estado anterior; não sendo possível, deve fornecer, para o mesmo uso, em local
apropriado, água equivalente àquela de que o público ficou privado.

Condomínio de águas158
No caso de a água pertencer a dois ou mais co-utentes, todos devem contribuir para as despesas
necessárias ao conveniente aproveitamento dela, na proporção do seu uso, podendo para esse
fim executar-se as obras necessárias e fazer-se os trabalhos de pesquisa indispensáveis, quando
se reconheça haver perda ou diminuição do volume ou caudal – artigo 1398º.
Quanto à sua eventual separação, deve aplicar-se o disposto no artigo 1399º.

Capítulo IX – Compropriedade

Resulta do artigo 1403º, nº1 que existe compropriedade quando duas ou mais pessoas são
simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
Nota (!): falamos de um direito de propriedade com vários titulares; não falamos de vários
direitos de propriedade – tal realidade desrespeitaria, desde logo, o Princípio da
Compatibilidade: sobre uma coisa só podem existir direitos reais que sejam compatíveis.
O nº2 do mencionado artigo dispõe que as quotas dos comproprietários se presumem
quantitativamente iguais – ainda que não se afaste a possibilidade de tal presunção ser ilidida159;
para além disto, as quotas são qualitativamente iguais.

Constituição:
A compropriedade pode ser constituída por negócio jurídico inter vivos ou mortis causa; por
disposição legal160; ou por decisão judicial – v.g., artigo 1370º.

157
Cfr. artigo 294º.
158
Para mais desenvolvimentos, vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 313-315.
159
Cfr. artigo 350º, nº2.

Quanto às figuras próximas, consultem-se as páginas 319-321 do manual indicado.


160
Cfr. artigos 1358º, nº1, 1368º, 1324º, nº1, 1318º, 1286º e 1287º.

32
Direitos Reais

Cada proprietário pode, isoladamente – e, portanto, sem consentimento dos demais


comproprietários: usar a coisa comum (artigo 1406º) – a doutrina consagra o Princípio da
Solidariedade – a cada proprietário é lícito servir-se da coisa comum, seja qual for a sua quota,
podendo utilizá-la totalmente ou em parte. Contudo, é necessário respeitar o que houver sido
acordado entre as partes (caráter supletivo deste princípio); onerar ou dispor da sua quota 161 –
no entanto, os restantes comproprietários gozam do direito de preferência162, nos termos do
artigo 1409º, nº1. Se forem dois ou mais os preferentes adjudica-se-lhes a quota alienada na
respetiva proporção (nº3 do mencionado preceito).
O comproprietário que pretenda alienar a sua quota, deve cumprir o seu dever de informar nos
termos do artigo 416º, nº - entre os elementos que devem ser comunicados destacam-se o
preço, as condições de pagamento e a pessoa do adquirente; não sendo este dever cumprido, o
comproprietário interessado em preferir poderá intentar uma ação de preferência, ao abrigo do
artigo 1410º - no entanto, é necessário que se proceda ao depósito do preço devido nos 15 dias
seguintes à propositura da ação.
Outras situações podem surgir: o comproprietário vende a sua quota a um dos consortes sem
comunicar previamente a sua intenção aos restantes – neste caso, os restantes
comproprietários apenas podem exigir uma indemnização por violação do dever de informar.
Não se verificam os pressupostos da ação de preferência porque a venda não se fez a estranhos;
ou o comproprietário comunica a intenção de vender e os restantes comproprietários não
respondem no prazo legalmente fixado (cfr. artigo 416º, nº2). No entanto, descobrem que a
alienação foi feita a pessoa diversa da comunicada ou em condições diversas das referidas –
nesta situação, entende-se que os comproprietários poderão recorrer à ação de preferência,
tudo se procedendo como se a notificação não tivesse sido feita; ou a quota foi vendida com
dissimulação do preço real – se o consorte quiser preferir quanto ao preço que pensa ter sido
realmente fixado, deve instaurar ma ação de simulação e pode exercer o seu direito de
preferência no prazo de seis meses no prazo de seis meses da decisão judicial que tiver fixado o
preço.

Os poderes de exercício maioritário – com a aprovação da maioria dos comproprietários –


passam pelos que incidem sobre a administração da coisa comum, exigindo-se que estes
representem, pelo menos, metade do valor total das quotas – artigo 1407º, nº1.

Os poderes de exercício unânime incidem sobre a alienação ou oneração da coisa comum, nos
termos do artigo 1408º, nº2.
Caso se proceda à alienação ou oneração da coisa sem o consentimento de todos os
comproprietários, sucede o seguinte: esta alienação não é eficaz entre o alienante e os restantes
comproprietários, podendo estes reivindicar a coisa comum, mesmo que esta esteja nas mãos
do comprador – artigo 1405º, nº2; entre o comproprietário alienante e o terceiro adquirente –
se a coisa for própria, o negócio é nulo por falta de legitimidade do alienante (artigo 892º). No
entanto, o vendedor não pode invocá-la perante comprador de boa fé nem o comprador doloso,

Quanto à natureza jurídica, vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 323-325.
161
Cfr. artigo 1408º, nº1.
162
Estamos perante um direito de preferência legal com eficácia real – artigos 1409º, nº2 e 1410º. O
legislador é avesso à compropriedade, pelo que com este direito de preferência visa facilitar o
“desmantelamento” da compropriedade, fomentando a propriedade única de uma só pessoa; e,
obviamente, que entre na comunhão um estranho.

33
Direitos Reais

ao vendedor de boa fé; se a coisa for alheia – fica sujeita ao regime da venda de coisa futura
(artigo 893º).
Todavia, não se afasta a possibilidade da alienação da coisa ser reduzida ou convertida na
correspondente quota alienada163.

Encargos
Dispõe o artigo 1405º, nº1 que os comproprietários participam, separadamente, nas vantagens
e encargos da coisa comum, em proporção das suas quotas, sem prejuízo da possibilidade de
renúncia.
Os encargos são considerados obrigações reais e, por isso, podem revestir caráter
ambulatório164.

Extinção
A compropriedade extingue-se quando qualquer dos consortes ou terceiro adquire a
propriedade da totalidade da coisa; ou quando esta seja dividida, nos termos do artigo 1412º 165.
A extinção pode resultar de negócio inter vivos ou mortis causa e da usucapião – necessário é
que concentrem a coisa comum numa só pessoa que tanto pode ser um dos comproprietários
ou terceiro.
E, neste seio, valerá o regime das coisas divisíveis e indivisíveis: sendo divisível, a divisão obter-
se-á pelo seu fracionamento, atribuindo-se a cada um dos ex-consortes uma parte da proporção
da sua quota; sendo indivisível, proceder-se-á à adjudicação e à venda da coisa166.

Capítulo X – Propriedade Horizontal

A propriedade horizontal 167 traduz-se num conjunto de poderes, incindivelmente168 ligados,


sobre cada uma das frações autónomas e sobre as partes comuns do mesmo edifício.
Assim, cada fração é objeto de um direito de propriedade singular; e as partes comuns, de um
direito de compropriedade.
Para que exista compropriedade é necessário que: existam frações autónomas num edifício e
que, por isso, formem unidades independentes; separação e isolamento de frações autónomas;
disposição de saída própria para cada fração; pertença de duas ou mais frações a proprietários
diferentes169.
O Código distingue, dentro das partes comuns, duas espécies: as necessariamente comuns –
são o solo, os alicerces, as colunas, etc. e as restantes partes que constituem a estrutura do
edifício; o telhado ou terraços de cobertura, as entradas; etc. – artigo 1421º, nº1; as
presumivelmente170 comuns - são os pátios e jardins anexos ao edifício, as garagens; e, em geral,
as coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos – artigo 1421º, nº2.

163
Cfr. artigos 292º e 293º.
164
Supra, Capítulo III.
165
Para tanto, deve intentar-se uma ação para divisão de coisa comum – cfr. artigo 1413º, nº1. Todavia,
esta divisão pode ser amigável (e, portanto, extrajudicial).
166
Cfr. artigo 1056º, nº2 Código do Processo Civil.
167
Cfr. artigos 1414º, 1415º e 1416º.
168
Cfr. artigo 1420º, nº2.
169
Cfr. artigo 1420º, nº1.
170
Iuris tantum – ilidível mediante prova em contrário (cfr. artigo 350º, nº2).

34
Direitos Reais

A falta dos requisitos legalmente exigidos ao objeto da propriedade horizontal é sancionada


com a nulidade do título constitutivo e a sujeição do prédio ao regime da compropriedade, nos
termos do artigo 1416º, nº1. Entende a doutrina que estamos perante uma conversão legal; e
que, para além disto, esta nulidade não pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
Nota: caso a falta dos requisitos apenas afete uma das frações, só em relação a essa é que
funcionará o regime da compropriedade.

Constituição
Conforme resulta do artigo 1417º, nº1, a propriedade horizontal pode ser constituída por
negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial proferida em ação de
divisão de coisa comum ou em processo de inventário.
Do título constitutivo devem ser especificadas as partes do edifício correspondentes às várias
frações, por forma a que fiquem devidamente individualizadas e será fixado o valor relativo de
cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio – artigo 1418º,
nº1.
Este pode171 ainda conter as menções a que se refere o nº2 do artigo 1418º.
- Mas qual a natureza do título constitutivo?
Ora, a doutrina tem-no considerado como uma declaração unilateral através do qual o
proprietário do edifício exprime a vontade de sujeitar o imóvel ao regime da propriedade
horizontal, extinguindo o seu direito de propriedade normal e constituindo um direito real novo
– a propriedade horizontal. Tratar-se-á de um ato administrativo, já que não envolve a alienação
de qualquer fração do imóvel.
Todavia, fica sujeito à condição suspensiva de alienação de alguma das frações autónomas do
edifício, já que, conforme foi dito, a propriedade horizontal pressupõe uma pluralidade de
condóminos.
Este título pode ser elaborado em qualquer fase: quando o edifício já estiver construído; quando
estiver em construção; ou mesmo quando esteja só projetado.
Em relação à nulidade do título constitutivo por violação de alguma das exigências mencionadas
acima, é necessário fazer algumas considerações: se o fim fixado no projeto não coincidir com o
fim referido no título constitutivo, estaremos perante uma nulidade parcial; por isso, eliminada
a finalidade constante do título, prevalece o fim fixado no projeto aprovado pela entidade
pública competente; se as frações não forem devidamente individualizadas, deve admitir-se a
possibilidade de conversão em compropriedade, desde que se verifiquem os requisitos legais;
se o valor de cada fração não foi fixado, o título constitutivo pode ser completado por
documento autêntico – a nulidade só prevalecerá se o recurso a este meio não ocorrer.
A pluralidade de condóminos pode, então, resultar de negócio jurídico inter vivos –
nomeadamente, de compra e venda ou dação em cumprimento; de negócio mortis causa – o
proprietário de um edifício composto por várias frações pode deixá-las, por testamento, a
pessoas diferentes. Surge a propriedade horizontal, com a morte do testador; por usucapião;
por decisão judicial; ou através do direito de superfície172.

O título constitutivo só pode ser modificado com o acordo de todos os condóminos e através
de escritura pública – artigo 1419º, nº2.

Quanto à natureza jurídica, consultem-se as páginas 341-344, Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos
Justo.
171
Caráter facultativo.
172
Analisar-se-á infra.

35
Direitos Reais

A nulidade da modificação levará ao retorno à constituição inicial da propriedade horizontal ou,


não sendo possível, ao regime da compropriedade – artigo 1416º, nº1.

Regime Jurídico
Resulta do artigo 1420, nº1 que cada condómino tem um direito de propriedade exclusivo sobre
a fração autónoma e é comproprietário das partes comuns do edifício.
Ora, daqui decorre que este poderá dispor livremente da sua fração autónoma. Não obstante,
dada a incindibilidade que a lei sugere entre o direito de propriedade sobre a fração autónoma
e a compropriedade sobre as partes comuns, o condómino não poderá alienar a fração sem as
partes comuns e vice-versa.
Contudo, o artigo 1422º estabelece algumas limitações ao exercício dos direitos por parte dos
condóminos; sendo-lhes especialmente vedado: prejudicar a segurança (alínea a)); destinar a
sua fração a usos ofensivos aos bons costumes (alínea b)); dar-lhe uso diverso ao fim a que se
destina (alínea c)); praticar atos ou atividades que hajam sido proibidos no título constitutivo
(alínea d)). Caso os condóminos extravasem estas limitações, as sanções correspondentes
poderão ser da mais variada natureza – desde a destruição da obra que ponha em causa a
segurança; até à indemnização de danos causados aos restantes condóminos, etc.

Ao contrário do que sucede na compropriedade, os condóminos não gozam de qualquer direito


de preferência na alienação de imóveis nem do direito de pedir a divisão das partes comuns –
cfr. artigo 1423º, nº1.

- Encargos
Neste contexto, aplica-se o disposto no artigo 1424º e, portanto, salvo disposição em contrário,
as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento
de serviços de interesse comum são pagos pelos condóminos em proporção do valor das suas
frações.
Todavia, as despesas a que se referem os nº 2,3 e 4 não são da responsabilidade de todos os
condóminos, mas apenas dos que poderão beneficiar ou se servem delas.
Por outro lado, se as coisas comuns originarem receitas, estas devem ser repartidas pelos
condóminos na proporção do valor relativo das suas frações – cfr. artigo 1405º, nº1.

- Inovações
As obras que determinam inovações estão dependentes da aprovação da maioria dos
condóminos, nos termos do artigo 1425º, nº1.
Os condóminos que não derem o seu consentimento são, no entanto, obrigados a concorrer
para as respetivas despesas, salvo se a recusa for havida judicialmente como fundada –
artigo1426º, nº2.

- Reparações indispensáveis e urgentes


Diz o artigo 1427º que estas – que se refiram às partes comuns – podem ser feitas, na falta ou
impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino.
Posteriormente, serão repartidas nos termos prescritos no artigo 1424º.

- Destruição do edifício
Neste seio, aplicar-se-á o disposto no artigo 1428º - se a destruição for total ou de parte que
represente, pelo menos, ¾ do valor do seu valor, qualquer dos condóminos tem o direito de
exigir a venda dos terrenos e dos materiais (nº1); se a destruição for de uma parte menor –

36
Direitos Reais

poderá, eventualmente, equacionar-se a sua reconstrução (nº2). Se os condóminos não


quiserem participar nas despesas atinentes à sua reconstrução poderão ser obrigados a alienar
os seus direitos a outros condóminos, nos termos do nº3 e 4.

- Seguro obrigatório, por força do artigo 1429º.

- Fundo comum de reserva


É obrigatória a constituição de um fundo comum de reserva para custear as despesas de
conservação do edifício ou conjunto de edifícios, devendo cada condómino contribuir com, pelo
menos, 10% da sua quota-parte nas restantes despesas de condomínio.

Administração das partes comuns – Função deliberativa


É à assembleia de condóminos que cabe a administração das partes comuns, nos termos do
artigo 1430º, nº1 – que funcionará em conformidade com o preceituado nos artigos
subsequentes.

- Administrador (Função executiva)


Este é o órgão que executa as deliberações que resultam da assembleia dos condóminos que o
elege e exonera – artigo 1435º; e que está incumbido das tarefas173 elencadas no artigo 1436º.

Capítulo XI – Usufruto

O usufruto é, conforme já foi dito, um direito real de gozo que se encontra tipificado e regulado
nos artigos 1439º e seguintes do Código Civil.
Desde logo, atente-se à definição que resulta do artigo 1439º - é o direito de gozar de forma
temporária e plenamente de uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância.
Desta definição resulta que o usufruto é um direito: real de gozo – o usufrutuário pode usar,
fruir e administrar a coisa ou direito como faria um bom pai de família (cfr. artigo 1446º), salvo
as restrições impostas pelo título constitutivo174 ou pela lei; não exclusivo – implica a existência
de outro direito real sobre a mesma coisa; limitado175 – o usufrutuário não pode alterar a forma
ou substância da coisa usufruída e deve também respeitar o seu destino económico; temporário
– o usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário (cfr. artigo 1443º). Dado o caráter pessoal
- intuitu personae – dos negócios que envolvem a constituição do direito de usufruto, percebe-
se que este seja um direito temporário e que, por isso, no caso de cedência se extinga pela morte
do cedente e não do adquirente; sobre objeto alheio176.

173
Além de outras que a assembleia lhe atribua.
174
Cfr. artigo 1444º, nº1. A cedência do usufruto só pode ocorrer por negócio inter vivos, porque este
direito extingue-se com a morte do cedente.
175
Quando a coisa sobre a qual incide o usufruto for consumível, o seu uso implica, claro está, o seu
desaparecimento.

Quanto à natureza jurídica do usufruto, vide Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 375-376.

176
À luz do Princípio da Coisificação, um direito real não pode ter como objeto um direito; donde, um
usufruto sobre um direito não seria um verdadeiro direito real. No entanto, resulta da lei –
nomeadamente do artigo 1439º - que o usufruto pode incidir sobre coisa ou direito alheio – daí que haja
quem entenda que, quando tal suceda, se trate de um direito real irregular (Carvalho Fernandes); de um
direito de crédito, atendendo à sua função económico-social originária: proporcionar alimentos ao seu

37
Direitos Reais

Modalidades
Quanto à(s) pessoa(s) a favor da(s) qual(ais) é constituído: pode ser concedido a uma pessoa;
ou a duas ou mais pessoas – neste seio, o usufruto pode ser: simultâneo – é o usufruto atribuído
ao mesmo tempo (contitularidade). Caso não se estipule um prazo, este direito só se extinguirá
com a morte do último usufrutuário que, entretanto, conforme resulta do artigo 1442º, gozará
de um direito de acrescer; sucessivo – é o usufruto atribuído sucessivamente a diferentes
pessoas. Neste caso, os usufrutuários entram na sua titularidade segundo a ordem indicada no
título e depois de cessar o direito do usufrutuário precedente. Não havendo prazo certo, o
usufruto extingue-se com a morte do último usufrutuário.

Constituição
Dispõe o artigo 1440º que o usufruto pode constituir-se através de:
Contrato – e, aqui, a aquisição pode dar-se de dois modos: constituição per translationem – o
proprietário constituir o usufruto a favor de determinada pessoa, ficando com a nua
propriedade; constituição per deductionem – o proprietário cede a nua propriedade sobre uma
coisa e reserva para si (ou para terceiro) o direito de usufruto.
Normalmente, a constituição de um usufruto dá-se através de um negócio gratuito – a
doação177 - mas nada obsta a que opere por meio de um negócio oneroso – como a compra e
venda178.
Testamento179 – pode servir para constituir um direito de usufruto sobre a universalidade da
herança, uma quota dela, coisa ou direitos determinados.
Usucapião – decorre da posse do direito de usufruto (cfr. artigo 1287º).

Regime jurídico
Os direitos e obrigações do usufrutuário são, regra geral, regulados pelo que resultar do título
constitutivo, conforme resulta do artigo 1445º. Supletivamente, no que não ficar estipulado, ou
porque este não existe, aplicar-se-lhe-ão as disposições correspondentes aos artigos 1446º e
seguintes.

- Regime especial
Frutos alienados antes da colheita – se os frutos tiverem sido alienados antes a colheita - que
só deveria ter sido feita depois da extinção do usufruto -, a alienação subsiste mas o produto da
alienação pertence ao proprietário que deve indemnizar o usufrutuário das despesas de
produção (artigo 1448º).
Acessões – o usufruto abrange as coisas acrescidas e todos os direitos inerentes à coisa usufruída
(artigo 1449º).
Benfeitorias úteis e voluptuárias – o usufrutuário tem a faculdade de fazer estas benfeitorias
na coisa usufruída desde que não altere a sua forma ou substância nem o seu destino económico
(artigo 1450, nº1); sendo-lhe aplicável as disposições que regulam o possuidor de boa fé, nestes
casos (nº2, artigo 1450º).

beneficiário mediante a fruição de certa coisa (Pires de Lima e Antunes Varela); de um direito de crédito
(Oliveira Ascensão) – fundamentando a sua visão, dizendo que o usufruto não recai sobre o direito, mas
sobre o seu objeto: a prestação
177
Cfr. artigos 940º ss.
178
Cfr. artigos 874º ss.
179
Veja-se a qualidade do legatário – cfr. artigo 2030º, nº4.

38
Direitos Reais

Coisas consumíveis – o usufrutuário pode servir-se das coisas consumíveis bem como aliená-las,
devendo, findo o usufruto, restituir o seu valor, se tiverem sido estimadas (artigo 1451º).
Coisas deterioráveis – o usufrutuário só é obrigado a restituí-las como se encontrarem no fim
do usufruto, nos termos do artigo 1452º.
Perecimento natural de árvores e arbustos – estes pertencem ao usufrutuário (artigo 1453º,
nº1), sem prejuízo do disposto no nº2 do mesmo preceito.
Perecimento acidental de árvores e arbustos – estes pertencem ao proprietário (artigo 1454º,
nº1), sem prejuízo do disposto no nº2 do mesmo artigo.
Matas e árvores de corte – aplica-se-lhes o disposto no artigo 1455º.
Plantas e viveiros – o usufrutuário deve conformar-se com a ordem e praxes do proprietário e,
na sua falta, com o uso da terra quanto ao tempo e modo quer do arranque quer da retancha
do viveiro (artigo 1456º).
Exploração de minas – o nosso Código distingue o usufruto sobre a concessão mineira e sobre
os terrenos onde haja explorações mineiras – aplica-se o disposto no artigo 1457º.
Exploração de pedreiras – o usufrutuário não pode abrir pedreiras sem o consentimento do
proprietário; mas pode explorar as pedreiras que se encontrem em exploração no começo do
usufruto, mas deve conformar-se com as praxes observadas pelo proprietário; e pode extrair
pedra do solo para reparações ou obras a que seja obrigado – artigo 1458º.
Exploração de águas – o usufrutuário pode procurar águas subterrâneas por meio de poços,
minas ou outras escavações (artigo 1459º, nº1), sendo que, quanto a essas benfeitorias, é
equiparado ao possuidor de boa fé (artigo 1459º, nº2).
Constituição de servidões – neste seio, aplica-se o disposto no artigo 1460º. Nota para a
proibição do proprietário não poder constituir servidões sem o consentimento do usufrutuário
– nº2 do mencionado preceito.
Tesouros – o usufrutuário que, na coisa usufruída, descobrir algum tesouro, é considerado
achador em propriedade alheia (artigo 1461º) 180.
Universalidade de animais – aplica-se o disposto no artigo 1462º.
Usufruto de rendas vitalícias – o usufrutuário tem direito a perceber as prestações
correspondentes à duração do usufruto, sem ser obrigado a qualquer restituição (artigo 1463º).
Usufruto sobre capitais postos a juro – neste contexto, o usufrutuário tem o direito de perceber
os frutos correspondentes à duração do usufruto (artigo 1464º).
Dinheiros e capitais levantados – o usufrutuário tem a faculdade de administrar esses valores
como bem lhe parecer, desde que preste a devida caução (artigo 1465º). Corre, no entanto, por
sua conta o risco da perda da coisa usufruída – nº1 in fine.
Prémios e outras atividades aleatórias – a fruição de prémios e outras atividades aleatórias
pertencem ao usufrutuário – artigo 1466º. Solução que se percebe já que é ao usufrutuário que
pertence a faculdade de fruir.
Títulos de participação – neste campo, aplica-se o disposto no artigo 1467º.

Obrigações do usufrutuário
Relação de bens e prestação de caução – o usufrutuário deve fazer uma relação de bens onde
conste o seu estado e, se houver móveis, o seu valor. Se o proprietário exigir deve, igualmente,
prestar caução através da qual garanta: a restituição dos bens ou, tratando-se de bens
consumíveis, o seu valor; a reparação das deteriorações devidas a culpa sua; e o pagamento de
qualquer outra indemnização devida ao proprietário (cfr. artigo 1468º). Esta prestação de
caução não é exigida se o usufruto houver sido constituído per deductionem – artigo 1469º.

180
Cfr. artigo 1324º.

39
Direitos Reais

Caso o usufrutuário recuse a prestação de caução aplica o disposto no artigo 1470º.


Obras, melhoramentos ou plantações – o proprietário pode fazê-las, desde que não diminuam
o valor do usufruto: ao usufrutuário corresponde uma obrigação de tolerância181 - artigo 1471º.
Reparações ordinárias – o usufrutuário deve fazer as reparações ordinárias indispensáveis à
conservação da coisa e deve pagar as despesas de administração – artigo 1472º.
Reparações extraordinárias – estas são da responsabilidade do proprietário, exceto se se
tornarem necessárias por má administração do usufrutuário – artigo 1473º. Caso o proprietário
não as faça e estas passarem a revestir utilidade real, o usufrutuário pode fazê-las e exigir ao
proprietário o pagamento das correspondentes despesas - nº2.
Impostos – o titular do usufruto no momento do vencimento, deve pagar os impostos 182 e outros
encargos anuais que incidam sobre o rendimento dos bens usufruídos – artigo 1474º.
Informações – o usufrutuário é obrigado a informar o proprietário de qualquer facto de terceiro
de que tenha notícia, sempre que possa lesar os direitos daquele, sob pena de responder pelos
danos que venha a sofrer (artigo 1475º).

Extinção
Morte do usufrutuário ou decurso do tempo – o usufruto extingue-se com a morte do
usufrutuário ou pelo decurso do tempo durante o qual o usufruto foi constituído (artigo 1476º,
nº1, alínea a))183.
Reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa – acontece quando o usufruto e a
propriedade se reúnem na mesma pessoa (artigo 1476º, nº1, alínea b)).
Não exercício durante vinte anos – o não exercício do usufruto pelo prazo de vinte anos,
comporta a sua extinção – artigo 1476º, nº1, alínea c).
Perda total da coisa – se a coisa desaparecer totalmente, o usufruto extingue-se; se desparecer
em parte, o usufruto mantém-se na parte restante184; caso a coisa se transforme noutra – ainda
que com mais valor – o usufruto continua na coisa transformada185 (artigo 1476, nº1, alínea d)).
Renúncia186 – o usufruto extingue-se se o usufrutuário renunciar, sem necessidade de aceitação
do proprietário – artigo 1476º, nº2.

Importa, quanto ao usufruto, dizer ainda:


Destruição do edifício – se o prédio for destruído por qualquer causa, o usufrutuário tem o
direito de desfrutar o solo e os materiais restantes (artigo 1479º).
Indemnizações – se a coisa se perdeu, deteriorou ou diminuiu de valor e houver lugar à
indemnização ao proprietário, o usufruto passa a incidir sobre esta – artigo 1480º.
Seguro da coisa destruída – aplica-se o disposto no artigo 1481º.
Mau uso – se o usufrutuário fizer mau uso da coisa usufruída, o usufruto não se extingue – artigo
1482º; mas se o abuso for consideravelmente prejudicial ao proprietário, este pode exigir que a
coisa lhe seja entregue ou se tomem as providências necessárias previstas no artigo 1470º.

Findo o usufruto, o usufrutuário deve restituir a coisa ao proprietário, sem prejuízo do disposto
para as coisas consumíveis e salvo o direito de retenção nos casos em que possa ser invocado –
artigo 1483º.

181
Pati.
182
Exceto os que incidam sobre o capital. Estes são da responsabilidade do proprietário.
183
Manifestação do caráter pessoal do usufruto.
184
Cfr. artigo 1478º, nº1.
185
Cfr. artigo 1478º, nº2.
186
Negócio jurídico unilateral; ato abdicativo.

40
Direitos Reais

Extinto o usufruto, entende-se que o proprietário pode, desde logo, demandar o usufrutuário
e os seus sucessores com uma ação de reivindicação, porque, uma vez extinto o direito de
usufruto, a propriedade recupera imediatamente a sua plenitude187.

Capítulo XII – Direito de Superfície

A noção de direito de superfície encontra-se prevista no artigo 1524º e consiste na faculdade de


construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra, ou de nele fazer ou manter
plantações. O titular deste direito denomina-se superficiário; o dono do solo, proprietário ou
fundeiro; e a coisa implantada, implante 188.
A determinação do objeto do direito de superfície deve fazer-se em dois momentos – num
primeiro momento, este direito incide sobre solo alheio e compreende a parte necessária à
construção e aquela que, embora não necessária, tenha utilidade para o uso da obra. Pode
incidir sob o solo e sobre edifícios alheios – cfr. artigos 1525º e 1526º; num segundo momento,
incide sobre a obra ou plantações feitas ou adquiridas189.

Constituição
Conforme resulta do artigo 1528º, o direito de superfície pode constituir-se através de:
contrato190 (este pode revestir os mais variados tipos); testamento; usucapião191.

O direito de superfície é transmissível por ato inter vivos e mortis causa (artigo 1534º). Todavia,
o proprietário do solo goza do direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do
direito – artigo 1535º, nº1.
O proprietário do solo – o fundeiro – tem a faculdade de: usar e fruir a superfície, mas não pode
impedir nem tornar mais onerosa a construção ou plantação (artigo 1532º); usar e fruir o
subsolo, embora seja responsável pelo prejuízo causado ao superficiário em consequência da
sua exploração (artigo 1533º); receber, em dinheiro, uma prestação única ou certa prestação
anual, que pode ser perpétua ou temporária – artigo 1530º.
Havendo mora no cumprimento, por parte do superficiário, no cumprimento desta última
obrigação, tem o fundeiro o direito de exigir o triplo das prestações em dívida –artigo 1531º,
nº2.
O superficiário, por sua vez, tem a faculdade de: fazer construções ou plantações no terreno do
fundeiro – artigo 1524º; construir sobre edifício alheio, observados os requisitos e limitações
impostas à constituição da propriedade horizontal – artigo 1526º; gozar a obra ou plantação
feita – artigo 1533º; dispor da coisa construída ou das árvores plantadas; reconstruir a obra ou
renovar a plantação; utilizar as servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores,

187
Ipso iure.
188
Cfr. artigos 1530, nº1, 1536º, nº1, alínea a) e 1537º, nº1, etc.
189
Cfr. artigo 1536º, nº1, alíneas a) e b). E no que concerne ao direito a construir sobre prédio alheio, às
limitações impostas pelo artigo 1526º.

Quanto à natureza jurídica, vide 411-412, Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo.

190
Este dever respeitar a forma de escritura pública – Cfr. artigo 22º do DL nº116/2008, de 4 de julho; e
registado – artigo 2º, nº1, alínea a) do Código do Registo Predial.
191
Para mais desenvolvimentos, vide 413-414, Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo.

41
Direitos Reais

sobre a restante parte do prédio do fundeiro – artigo 1529º, nº1; ser indemnizado por
caducidade do seu direito, nos termos dos artigos 1538º, nº2 e 1542º.
Por outro lado, está adstrito às obrigações prescritas nos artigos 1530º, 1535º, nº1 e 2 192 e
1538º, nº3.

Extinção: as causas de extinção do direito de superfície estão previstas no artigo 1536º.


Os efeitos da extinção podem ser diversos, consoante a causa de extinção em apreço: o
proprietário do solo adquire a propriedade sobre da obra e das árvores, sem prejuízo do direito
à indemnização do superficiário nos termos do enriquecimento sem causa – artigo 1538º;
direitos reais de gozo ou de garantia constituídos sobre o direito de superfície: se este direito se
extinguir pelo decurso do prazo, os outros extinguir-se-ão também – artigo 1538º, nº2; direitos
reais constituídos pelo proprietário: estendem-se à obra e às árvores nos termos do artigo 1538º
(cfr. artigo 1540º); a permanência dos direitos reais: se o direito de superfície for perpétuo ou,
sendo temporário, se extinguir antes do decurso do prazo, os direitos reais constituídos sobre a
superfície ou sobre o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não
tivesse havido extinção – artigo 1541º; extinção por expropriação: a cada um dos titulares cabe
a parte da indemnização que corresponder ao valor do respetivo direito – artigo 1542º.

Capítulo XIII – Servidões prediais

Conforme resulta do artigo 1543º, servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito
exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente. O prédio sujeito à servidão denomina-
se serviente e o que dela beneficia diz-se dominante.
Entende, então, a doutrina a servidão: é um encargo (constitui uma restrição ou limitação ao
direito de propriedade sobre o prédio serviente); recai sobre um prédio (é uma restrição ao gozo
do prédio serviente, inibindo o seu proprietário de praticar os atos que possam prejudicar o
exercício da servidão); beneficia outro prédio – o dominante; os prédios – serviente e dominante
– devem pertencer a donos diferentes.
Quanto à natureza jurídica, as servidões prediais são direitos reais sobre coisa alheia que gozam,
no nosso ordenamento jurídico, de um estatuto autónomo.

Caracterização
Por força do artigo 1545º, as servidões não podem ser separadas dos prédios a que pertencem;
e a afetação das utilidades próprias da utilização destas a outros prédios importa sempre a
constituição de uma servidão nova e a extinção da antiga.
A doutrina distingue situações em que a servidão produz efeitos reais das que em que produz
efeitos obrigacionais – o direito de utilizar pastos situados em prédio alheio será meramente
obrigacional; bem como, por exemplo, o direito de passear em prédio alheio193.
Consagra o artigo 1546º a indivisibilidade das servidões194.
As servidões podem ter como objeto quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais,
suscetíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o
seu valor195 (artigo 1544º).

192
Cfr. artigo 418º.
193
Para mais exemplos, Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo, 427-428.
194
428, Direitos Reais, 5ª Edição, A. dos Santos Justo.
195
A maioria das vezes, a constituição de uma servidão amentará o valor do prédio dominante.

42
Direitos Reais

A servidão tem necessariamente de incidir sobre um prédio em benefício de outro. Caso assim
não suceda, e o benefício retirado a servidão seja pessoal, esta apenas gozará de efeitos
obrigacionais (servidões pessoais).

Constituição
As servidões podem constituir-se através das formas previstas no artigo 1547º.
- Contrato: este pode ter caráter oneroso ou gratuito. Caso verse sobre coisa imóvel deve
constar de escritura pública ou de documento particular autenticado 196; e para produzir efeito
em relação a terceiro, deve ser registado197.
- Testamento: ocorre quando o testador constitui a servidão sobre prédio da herança, seja a
favor de prédio legado a terceiro, seja a favor de prédio que pertence a terceiro.
- Usucapião: permite adquirir todas as servidões, exceto as não aparentes (cfr. artigo 1293º).
- Destinação do pai de família: cfr. artigo 1549º.
As servidões podem, ainda, ser constituídas por sentença judicial e decisão administrativa198.

Modalidades
As servidões prediais podem, desde logo, ser voluntárias – onde se enquadram as constituídas
por negócio jurídico ou ato voluntário; ou legais – são aquelas cuja vida percorre dois momentos
sucessivos: no primeiro, o seu titular tem um direito potestativo que lhe confere a faculdade de
constituir uma servidão sobre determinado prédio, independentemente da vontade do seu
dono; no segundo, exercido este direito, a servidão legal converte-se numa verdadeira servidão.
Servidões de passagem – estas estão previstas no artigo 1550º e encontram-se reguladas nos
artigos subsequentes: os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via
pública, tem o direito de exigir, respeitando os requisitos legais, a constituição de servidões de
passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.
No entanto, esta faculdade não pode exercer-se nas situações previstas nos artigos 1551º e ss.
Servidões de água – e, neste âmbito, podemos distinguir várias situações, pelo que enunciarei
cada uma delas e remeterei, de seguida, para a lei: aproveitamento de água para gastos
domésticos – cfr. artigo 1557º; aproveitamento de água para fins agrícolas – cfr. artigo 1558º,
nº1; servidão de presa – cfr. artigo 1559º; servidão de presa para aproveitamento de águas
públicas – artigo 1560º, nº1, alíneas a) e b); servidão de aqueduto – cfr. artigos 1561º; servidão
de aqueduto para aproveitamento de águas públicas – artigo 1562º, nº1; servidão de
escoamento – cfr. artigo 1563º, nº1.
As servidões podem, ainda, ser aparentes ou não aparentes, consoante se revelem por obras
ou sinais exteriores que, para além de serem visíveis, sejam permanentes (artigo 1548º, nº2).
Esta classificação, como vimos, é importante para efeitos de usucapião, já que aquelas podem
ser usucapidas; mas estas não (artigo 1548º, nº1).
Finalmente, as servidões positivas199 traduzem-se na permissão de atos sobre o prédio
serviente; as servidões negativas200 impõe uma abstenção ao dono do prédio serviente; e as
servidões desvinculativas libertam o prédio dominante de restrições legais201.

Regime Jurídico

196
Cfr. artigo 22º do DL nº116/2008, de 4 de julho.
197
Cfr. artigo 2º, nº1, alínea a) do Código do Registo Predial.
198
Natureza potestativa do direito de servidão.
199
Exemplo: servidão de passagem.
200
Exemplo: servidão de vistas.
201
Exemplo: proibição de emissão de fumos sobre prédio alheio.

43
Direitos Reais

De um modo geral, as servidões são reguladas pelo que o respetivo título dispõe; e só na falta
ou insuficiência deste, se aplicará o disposto na lei – artigo 1564º.
Extensão – quanto à extensão, dispõe o artigo 1565º que o direito de servidão compreende tudo
o que seja necessário ao seu exercício.
Obras no prédio serviente – o proprietário do prédio dominante pode fazer obras no prédio
serviente, desde que atue dentro dos poderes que lhe foram conferidos e, para além disso, não
torne mais onerosa a servidão – artigo 1566º.
Encargos das obras – em regra, as obras devem ser feitas às custas do proprietário do prédio
dominante (artigo 1567º, nº1), sem prejuízo do disposto no nº2 e no artigo 1568º, nº3 e 4.
Mudança de servidão – neste contexto, aplica-se o disposto no artigo 1568º202.

Extinção
As servidões podem extinguir-se pela reunião de dois prédios, dominante e serviente, no
domínio da mesma pessoa (artigo 1569º, nº1, alínea a)); pelo não uso durante vinte anos,
qualquer que seja o motivo (artigo 1569º, nº1, alínea b)) – conta-se a partir do momento em que
as servidões deixaram de ser usadas; pela usucapio libertatis – extingue-se pela aquisição, por
usucapião, da liberdade do prédio (artigo 1569º, nº1, alínea c)); pela renúncia (artigo 1569º, nº1,
alínea d)); pela remição (cfr. artigos 1557º, 1558º e 1569º, nº4); pelas servidões constituídas
pelo usufrutuário (cfr. artigos 1460º, nº1 e 1575º); e, por fim, pela desnecessidade – artigo
1569º, nº2.

202
A lei é explícita, por isso não se justifica repetirmos o que é dito por esta.

44

Você também pode gostar