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DIREITO DAS COISAS

2º SEMESTRE

2016/17

INTRODUÇÃO

Direito real – como o poder direto e imediato sobre uma coisa que a
ordem jurídica atribui a uma pessoa para satisfazer interesses jurídico-
privados nos termos e limites legalmente fixados.

Estamos perante um direito subjetivo propriamente dito a que


corresponde a obrigação passiva universal ou dever geral de abstenção.
Com efeito, o exercício de um direito real não constitui, modifica ou
extingue uma relação jurídica; e nem os obrigados (que são todos os não
titulares desse direito) estão na situação de necessidade de terem de
suportar as consequências do seu exercício. Trata-se de um poder de
domínio ou de soberania que o seu titular exerce direta e imediatamente
sobre uma coisa certa e determinada sem a interferência de qualquer
pessoa, a quem corresponde uma obrigação de non facere.

O direito das coisas constitui a pedra de toque do direito e da sociedade


em que vigora: é um “projeto” que expressa uma forma de economia e
explica uma ideologia à volta da qual a sociedade civil se organiza e
estrutura.

Fontes cognoscendi–o direito das coisas é um ramo do direito privado, em


particular do direito civil patrimonial, embora também se aplique nas
relações jurídicas que tenham por sujeitos o Estado ou outras pessoas
coletivas públicas que atuem como particulares (1304º).As suas normas
encontram-se fundamentalmente, mas não exclusivamente, no Livro III do
Código Civil.

De fora, os direitos reais de garantia (consignação de rendimentos,


penhor, hipoteca, privilégios creditórios especiais e o dto de retenção)
encontram-se no Livro II (direito das Obrigações); e os dtos reais de
aquisição, que estão dispersos em várias partes daquele Código: o
contrato-promessa com eficácia real e o pacto de preferência com igual
eficácia, no livro II; o direito de preferência do comproprietário e do
dominus solina venda ou dação em cumprimento do direito de superfície,
no livro III.

Há também matéria regulamentada em legislação avulsa: os registos


previstos no Código do Registo Predial e a legislação que se ocupa do
registo de coisas móveis e no registo comercial, assim como a propriedade
intelectual que compreende os direitos de autor (Cód. Dos Dtos de Autor e
Dtos Conexos).

CAPÍTULO I - CARATERÍSTICAS

Eficácia absoluta – Ao poder imediato e direto que o titular de um direito


real tem sobre a coisa objeto do seu direito corresponde a obrigação de
todas as pessoas o respeitarem, nada devendo fazer que possa impedir ou
dificultar o seu exercício. São direitos de exclusão e a sua eficácia é erga
omnes. Esta caraterística é uma das razões determinantes do princípio da
tipicidade ou numerus clausus(1306º CC) e dela deduzem-se outras, como
a sequela e a prevalência.

Sequela – traduz-se no facto do direito real seguir a coisa que constitui o


seu objeto. Se o direito real não envolver um contato direto com a coisa, a
sequela manifesta-se noutros sentidos: se se trata de uma hipoteca, a
sequela manifesta-se na possibilidade do credor hipotecário fazer vender
a coisa, quer continue a pertencer ao proprietário que a constituiu, quer
venha a pertencer a um terceiro; se se trata de um direito real de
aquisição, a sequela consiste na hipótese do seu titular adquirir a coisa
alienada por quem, num contrato-promessa com eficácia real (art.
413ºCC), num pacto de preferência com esta eficácia (421ºCC) ou por
força da lei (1380ºCC) esteja vinculado a dar preferência e não cumpre a
sua obrigação.

Como exceções à sequela apontam-se duas situações:

1) A alienação de imóvel ou de móvel sujeito a registo precedida de


negócio jurídico cujo vício justifica que seja declarada a sua
invalidade. Declarado nulo ou anulado esse negócio, os direitos
adquiridos por terceiro, de boa fé e a título oneroso, sobre os
mesmos bens não são prejudicados, desde que a ação de
declaração de nulidade ou anulidade não seja proposta dentro dos
3 anos posteriores à conclusão do negócio (291º, nº2 CC) e o
terceiro registe a sua aquisição antes do registo daquela ação ou do
acordo entre as partes sobre a invalidade do negócio;
2) A prioridade do registo, a sequela também não existe quando a lei
faz depender do registo a eficácia do direito em relação a terceiros
que adquiram um direito real total ou parcialmente incompatível
(arts. 5º e 6º do Cód. Reg. Predial);

Prevalência– também denominada preferência, a prevalência consiste na


prioridade dos direitos reais sobre os direitos de crédito e sobre os
direitos reais constituídos posteriormente quando total ou parcialmente
imcompatíveis com o anterior (408º CC);

Inerência – traduz a ligação íntima dos direitos reais às coisas que


constituem os seus objetos e pelas quais passa a satisfação das
necessidades dos seus titulares. Por isso não se pode manter um direito
real se o seu objeto mudar, não é juridicamente possível transferir o
mesmo direito real de uma coisa para outra.

Outras caraterísticas –

Violação: afirma-se que enquanto a violação dos direitos reais resulta


dum comportamento positivo (ação), a dos direitos de crédito provém
geralmente dum facto negativo (omissão). Com efeito, estes direitos têm
normalmente por objeto prestações de facto positivo ou de prestação de
coisa, enquanto aos direitos reais corresponde uma obrigação passiva
(non facere) violável através duma ação.

Aquisição por usucapião: considera-se que a maioria dos direitos reais de


gozo é suscetível de ser adquirida por usucapião (1287ºCC) o que não
sucede com os direitos de crédito.

Tutela forte – As caraterísticas dos direitos reais, sobretudo a sequela e a


prevalência, conferem-lhes uma tutela particularmente forte; por isso,
para melhor proteção dos créditos, pode recorrer-se a alguns expedientes:
1) venda com reserva de propriedade; 2) leasing;

Natureza jurídica do direito real -

1.Teoria clássica (ou realisCta) – segundo esta teoria, defendida até ao


séc. XIX, o direito real consiste num poder direto e imediato sobre uma
coisa certa e determinada, ou seja, não há intermediário entre o titular e o
objeto deste direito, ao invés do que se passa com o direito das
obrigações em que o objeto só acede ao titular por mediação de outro
indivíduo, que é o devedor. Esta teoria remonta às escolas dos Glosadores
e dos Comentadores que a elaboraram a partir do conceito romano de
ação real. A crítica dos personalistas a esta teoria destaca que, sendo o
direito um fenómeno social que só existe porque os homens vivem em
relação, a consideração de que há, no direito real, uma relação entre uma
pessoa e uma coisa só pode ter valor imagético ou alegórico. Por outro
lado, observa-se que há direitos reais que não conferem qualquer poder
direto e imediato sobre a coisa; e há direitos que, não tendo natureza real,
atribuem esse poder, como os direitos pessoais de gozo que possibilitam
uma atuação jurídica idêntica à que ocorre em alguns direitos reais.

2.Teoria personalista – defendida, no séc. XIX, pela pandectística alemã,


esta teoria considera, inspirando-se no pensamento kantiano, que a
intersubjetividade é um elemento essencial da relação jurídica. Por isso,
vê no direito real um poder atribuído a uma pessoa de excluir as demais
de qualquer ingerência na coisa que constitui o seu objeto, desde que
imcompatível com o seu conteúdo. A relação dos homens com as coisas é
substituída pela relação do homem com os homens sujeitos a uma
obrigação passiva universal, pois consiste num dever de abstenção (non
facere) e porque incide sobre todas as pessoas não titulares do direito
real. A crítica destaca que esta teoria apresenta uma visão jurídica que
ignora o conteúdo do direito e sobrevaloriza o momento sancionatório: o
direito protege-se com a obrigação passiva universal, mas não se sabe em
que consiste esse direito. Por outro lado, ignora que o núcleo da relação
real é o domínio ou soberania do seu titular sobre uma coisa e, por isso, o
dever geral de abstenção surge como um efeito daquela soberania ou
poder.
3.Teoria eclética (ou mista) – esta teoria procura conciliar as teorias
anteriores, mostrando que as suas divergências não são irredutíveis. Por
isso mostra que há, nos direitos reais, dois lados ou faces: o interno, que
se traduz no poder direto e imediato sobre a coisa; e o externo, que se
identifica com a relação entre o titular desse direito e as demais pessoas.
O lado interno corresponde ao plano funcional ou instrumental,
permitindo distinguir os diversos direitos reais, enquanto que o externo
corresponde ao plano estrutural ou essencial. Segundo Orlando de
Carvalho, o direito real distingue-se do direito de crédito pelos lados
interno e externo: pelo lado interno porque, enquanto que no direito de
crédito o poder do titular incide imediatemente sobre um comportamento
de outrem (prestação), no direito real o poder incide imediatamente
sobre uma coisa; pelo lado externo, porque à tutela relativa dos direitos
de crédito (que se dirige contra pessoa ou pessoas certas e determinadas
– os devedores) contrapõe-se a tutela absoluta erga omnes dos direitos
reais (dirigida contra a generalidade das pessoas que podem interferir
com o exercício desses direitos).

Dir-se-á, em crítica, que a teoria mista contém um compromisso que não


evita as críticas às doutrinas que procura conciliar e que é suscetível de
outras. Apesar de tudo e atendendo às caraterísticas que distinguem os
direitos reais, sobretudo a eficácia absoluta, a prevalência, a sequela e a
sua sujeição ao princípio da tipicidade (numerus clausus) que levam a
doutrina a falar de um direito absoluto e de exclusão que confere ao seu
titular um poder direto e imediato sobre a respetiva coisa, entende-se que
esta teoria retrata com maior fidelidade o regime jurídico dos direitos
reais.
CAPÍTULO II – MODALIDADES DOS DIREITOS REAIS

A) Direitos reais de gozo – Estes conferem ao seu titular o poder ou


faculdade de utilizar, total ou parcialmente, a coisa que têm por
objeto e, por vezes, também de se apropriar dos frutos produzidos.
Trata-se duma categoria que o nosso Código Civil consagra no livro
do direito das coisas, chegando a utilizar a expressão direitos reais
de gozo a propósito da aquisição por usucapião (1287º). São
direitos que satisfazem a função económica que se encontra na
trilogia clássica ius utendi, ius fruendi et abutendi: o primeiro
consiste no poder de utilizar a coisa; o segundo é o poder de retirar
as utilidades que a coisa produz periodicamente; e o último abrange
os poderes materiais e jurídicos de transformar, alienar, onerar,
renunciar.
São direitos reais de gozo o direito de propriedade (art. 1305º), a
propriedade horizontal (art. 1414º), o direito de usufruto (art.
1439º), de uso e habitação (art. 1484º), de superfície (art. 1524º),
de servidão predial (art. 1543º) e de habitação periódica (Dec-Lei
nº275/93, de 5 de agosto, alterado pelos Decs-Leis nº 180/99, de 22
de maio e 22/2002, de 31 de janeiro).
B) Direitos reais de aquisição – O direito real de aquisição confere, ao
seu titular, a faculdade de adquirir um direito real de gozo sobre
uma coisa.
C) Direitos reais de garantia – Os direitos reais de garantia conferem
ao credor o poder de se pagar pelo valor (ou rendimentos) de certos
bens, com preferência sobre os demais credores do devedor.
São direitos que visam assegurar a satisfação de direitos de crédito
(são-lhes acessórios), colocando os seus titulares numa posição
preferencial em relação aos restantes credores do mesmo devedor.
CAPÍTULO III –FIGURAS LIGADAS AOS DIREITOS REAIS
A) Obrigações reais ou propter rem

A obrigação real é um vínculo jurídico em que o titular de um direito real


se encontra adstrito, para com outra pessoa, à realização de uma
prestação positiva (dare ou facere). Ou seja, a pessoa obrigada (devedor)
determina-se por ser titular de um direito real. Já o seu titular ativo
(credor) pode ser ou não titular de um direito real.
É necessário não confundir as obrigações reais com as que integram a
responsabilidade extracontratual (ou aquiliana), decorrentes de danos
causados culposamente a um direito real. Com efeito, embora se trate da
violação de um direito desta natureza, tais obrigações incidem sobre
indemnizações e supõem um ato ilícito e danoso e a culpa do agente,
integrando o instituto da responsabilidade extracontratual, enquanto as
obrigações reais não pressupõem necessariamente um ato ilícito, um
dano e a culpa do agente.
É exemplo o caso em que o proprietário do prédio onerado com uma
servidão assumiu, no título constitutivo desta servidão, a obrigação de
pagar as despesas referentes às obras necessárias ao exercício da servidão
(1567º/1): essa obrigação é real, pois quem quer que venha a ser
proprietário do prédio onerado (serviente) é obrigado a suportar essas
despesas.
Regime jurídico – As obrigações reais são estruturalmente verdadeiras
obrigações: vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa (titular de
um direito real) fica adstrita, para com outra, à realização duma
prestação. Todavia, a sua conexão com os direitos reais impõe alguns
desvios ao regime geral das obrigações, dos quais se destaca a
subordinação ao princípio do numerus clausus; a prescrição (enquanto
persistirem os seus pressupostos, a obrigação real mantém-se, sem
prejuízo da constituição, por usucapião, de um direito incompatível); a
renúncia liberatória, ato pelo qual o devedor põe o seu direito real à
disposição do credor, extinguindo a sua obrigação real (direito potestativo
do devedor).
As obrigações reais são verdadeiras obrigações, embora acessórias de um
direito real e são ambulatórias, ou seja, acompanham o direito real se ele
for transmitido a outra pessoa.
B) Pretensões reais
A pretensão real é uma relação jurídica decorrente da violação de um
direito real, que atribui ao seu titular o poder de exigir uma determinada
prestação (positiva ou negativa).
A pretensão real não se confunde com as obrigações reais: embora ambas
tenham como fonte o estatuto de um direito real, nestas o devedor é
determinado pela titularidade de um direito real e o credor pode ser ou
não titular de um direito real, enquanto nas pretensões reais é o credor
que se encontra necessariamente ligado a um direito real. Pode mesmo
haver uma pretensão real que se fundamente no incumprimento de uma
obrigação real.
É exemplo o caso em que A possui ou detém ilegitimamente um
automóvel que pertence a B e em que o proprietário pode reivindicar o
automóvel, exigindo a A que o entregue; ou em que C depositou , sem
autorização, materiais de construção num prédio de D, em que este tem o
direito de exigir que C retire de lá os materiais.
As pretensões reais protegem os direitos em que se fundamentam e
realizam-se, processualmente, através da ação de reivindicação e da ação
negatória.
A ação de reivindicação utiliza-se quando a violação do direito real origina
uma situação de posse ou de detenção ilegítima por parte do terceiro
demandado: o proprietário (ou titular de outro direito real cujo exercício
implica a disponibilidade ou a posse da coisa sobre que incide) exige que a
coisa lhe seja restituída – 1311º CC
A ação negatória cumpre uma função simultaneamente declarativa,
reparadora e preventiva: aplica-se em atos de interferência ou
intromissão na coisa, sem que o interferente seja possuidor ou detentor, e
visa que judicialmente seja declarada a inexistência do direito que o autor
da violação invoca, que este seja condenado a eliminar a situação material
criada e ainda a abster-se de realizar novos atos de violação, se forem
receados.
Regime jurídico – através destas ações (de reivindicação e negatória), as
pretensões reais protegem os direitos reais em que se apoiam e o seu
regime jurídico equipara-se aos dos direitos que tutelam. Assim, são
imprescritíveis, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião
(1313º) e da extinção por não uso nos casos legalmente admitidos (298º/3
e o caso das águas originariamente públicas do artigo 1397º).
Natureza jurídica – há quem considere que as pretensões reais têm
natureza obrigacional, embora com origem nos direitos reais, pois o titular
do direito real violado pode exigir ao autor da violação uma determinada
prestação (positiva ou negativa). Deste modo, os direitos reais são postos
num estado de dependência ou inferioridade em relação aos direitos de
crédito, pois não são auto-suficientes e carecem destes para assegurar a
sua proteção.
Portanto, sendo que o sujeito passivo não é devedor duma relação de
crédito, mas o violador de um direito real é de considerar que as
pretensões se integram, afinal, no conceito de direito real cuja violação as
fundamenta.

C) Ónus reais 93 - 101


Pode definir-se como uma relação que se traduz num gravame especial,
num peso ou ónus sobre uma coisa. No lado ativo, o ónus real é
constituído pelo direito de exigir, em regra periodicamente, determinada
prestação a quem, na data do seu vencimento, for titular de um direito
real de gozo, como a propriedade ou o usufruto, sobre a coisa onerada; e
pela faculdade de obter essa prestação à custa da coisa onerada, com
preferência sobre os respetivos credores que não disponham de melhor
garantia.
Portanto, o devedor é o titular do direito real sobre a coisa oneradana
data do vencimento da prestação. Porque o ónus incide sobre a coisa, o
credor pode proceder à sua execução independentemente do seu titular,
gozando de prioridade sobre os credores (do atual titular do direito real).
CAPÍTULO IV - PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES orlando carvalho

Princípios ligados ao lado interno do direito real:

- Princípio da coisificação:
Este princípio determina que o direito real deve versar sobre coisas
(animais equiparados às coisas) e não sobre pessoas ou bens não
coisificáveis.
É claro que às coisas strictu sensu não pertencem só as coisas físicas ou
corpóreas, mas igualmente as incorpóreas, designadamente os objetos da
propriedade autoral e industrial e o estabelecimento ou empresa
mercantil ou comercial.
Sem dúvida que o artigo 1302º do CC declara que só as coisas corpóreas,
móveis ou imóveis, podem ser objeto do direito de propriedade.
Simplesmente, o artigo 1303º não só admite que pode haver propriedade
para lá da contemplada no código como o que chama “propriedade
intelectual”, mas admite que lhe possa ser estendido, subsidiariamente, o
regime que estabelece e que as admite verdadeiramente como direitos
das coisas.
Para lá do artigo 1303º, há que lembrar que outras coisas incorpóreas são
passíveis de verdadeira propriedade, como é o caso do estabelecimento
mercantil.
Que ao falar-se de “coisa” se fala aqui, não só de toda a coisa em sentido
estrito e, portanto, também das coisas incorpóreas, mas mesmo de coisa
em sentido amplo e dos próprios diretos.
Temos assim que o princípio da coisificação abrange, em regra, todos os
bens coisificáveis – ou, como se disse, tanto as coisas em sentido estrito
como as coisas em sentido amplo (direitos) -, posto se saiba que nem
todas essas coisas são indiferentemente objeto de todas as situações
reais, antes variando a área das coisas abrangidas conforme o género de
situação em concreto.
1302º CC ss
Direitos sobre direitos:
1439º CC - usufruto
679 º CC - penhor de direitos
- Princípio da atualidade (ou da imediação):
este diz que só há direito real em face de coisas presentes, que existam já
e em poder do alienante e não em face de coisas simplesmente futuras –
artigos 408º/2 e 211º CC. Segundo este princípio não há coisas enquanto
elas não existem ou não estão disponíveis no património do alienante.
-Princípio da especialidade (ou individualização):
segundo este princípio, também consagrado no artigo 408º/2, o objeto
dos direitos reais devem ser coisas certas e determinadas, ao contrário do
que se passa em algumas obrigações (obrigações genéricas). Não há
direitos reais sobre coisas genéricas, sendo necessária a especificação
dessas coisas. Por isso, o caráter individual (jurídicamente) do objeto do
direito real.O mesmo vale para as coisas já relativamente individualizadas
e já, de algum modo, certas e determinadas, mas ainda não separadas de
outras coisas: as “partes componentes” e “partes integrantes” (204ºCC).
Trata-se de coisas passíveis de uma identificação na sua individualidade,
mas que, ao encontrarem-se estreitamente conexas com uma coisa
diferente, não sofrem a incidência de direitos reais diversos dos que
incidem sobre a última. Nos imóveis, geralmente, a individualização é
juridica e não física.
O regime da acessão (1325º CC) está na linha da aplicação deste princípio,
onde a consequência lógica do princípio seria a extensão ao valor adjunto
do direito que incide sobre o objeto enriquecido. Só em matéria de
acessão natural é que esta regra tem aplicação absoluta.

- Princípio da compatibilidade (ou da exclusão):


este significa que só pode existir um direito sobre uma determinada coisa
(jus in re), na medida em que ele seja compatível com outro jus in re que
recaia sobre ela ou na medida em que ele não seja excluído por força de
um prevalente ou pré-existente jus in re. Se o direito real é um “poder
direto e imediato” tende a excluir qualquer outro que atinja as faculdades
que ele se reserva sobre a coisa. A partir da propriedade pode-se
estabelecer um usufruto, como a partir de um usufruto um direito de
servidão, desde que não se desnature o direito-matriz.
- Princípio da elasticidade (ou da consolidação):
Segundo este princípio da elasticidade ou da consolidação, segundo o qual
todo o direito sobre as coisas tende a expandir-se até ao máximo de
faculdades/utilidades que abstratamente contém. A elasticidade é um
atributo do direito da propriedade, que vem assim a conceber-se, não
como uma estrutura estratificada ou sedimentar, mas como uma
estrutura homogénea com tal força expansiva que lhe permite contrair-se
e expandir-se, sem que sofra com isso uma verdadeira mutação, ou
sequer uma verdadeira diminuição de conteúdo. Se é no direito de
propriedade que este atributo tem o seu campo de eleição, ele existe
igualmente nas formas limitadas de domínio. Eis um princípio que vale
para toda a espécie de direito das coisas que consinta o gravame de um
direito mais restrito. Se a partir de um usufruto se constitui uma servidão,
a extinção dessa servidão favorece o usufruto, que se reexpande
automaticamente até ao seu máximo limite.
É assim caraterística de toda a realidade (de toda a dominialidade) esta
estrutura elástica dos poderes, este seu automatismo para a consolidação
num direito mais próximo do pleno, o que está de acordo com a conceção
hierarquizante que defendemos para este tipo de direitos e o que explica
a importância que na sua constituição e extinção têm as figuras,
respetivamente, da aquisição derivada constitutiva e da aquisição
derivada restitutiva. Diz-se que estas são regra da constituição e extinção
de todos os direitos fundados no domínio por excelência, porque tanto a
constituição como a extinção podem produzir-se por outras formas,
nomeadamente por usucapião (caso em que a constituição do direito é
originária e não derivada) ou em sua consequência.

Princípios ligados ao lado externo do direito real:


Porque o direito das coisas se impõe à generalidade dos membros da
comunidade jurídica, ou seja, a sua eficácia é erga omnes.

- Princípio da tipicidade fechada (taxatividade ou numerus clausus) dos


direitos reais:
Consiste na tendência dos direitos das coisas para se oferecerem em tipos
caraterísticos. Não se trata do princípio do numerus clausus pois pode
haver tipologias taxativas e não taxativas (exemplificativas e
delimitativas), mas sim de pôr em realce a vocação das formas de domínio
para se oferecerem como conceitos mais concretos e precisos (“tipos”).
Quer se limitem a figurar uma experiência adquirida, como nas formas
tradicionais (propriedade, usufruto, enfiteuse, etc.), quer intentem intervir
nessa experiência, propondo-lhe novos moldes (ou moldes esquecidos e
recuperados, como na superfície), os direitos das coisas pretendem ser
representações para os leigos, algo acessível e intuível por qualquer um,
mais do que para os técnicos, neste caso, juristas. Daí a sua conformação
em tipos e a sua tendência para a tipificação. Urge, na ordenação
fundamental do domínio, que todos conheçam sem dificuldade essa
ordenação e que as formas propostas de domínio se ostentem em
quadros tanto quanto possível concretos, o que se consegue com a figura
do “tipo” e mesmo com a admissão de subtipos (servidão de passagem, de
aquedutos).
Quanto o princípio da taxatividade ou do “numerus clausus”, o direito das
coisas tende, não apenas a oferecer-se em tipos caraterísticos, mas a
oferecer-se numa “tipologia taxativa”, num elenco fechado de formas ou
de direitos. Ao invés do domínio dos contratos, onde a tendência é para a
estereotipação, nos direitos reais, como nas sociedades comerciais, nos
negócios unilaterais e nos tipos legais de crime, funciona, na nossa lei, o
princípio de uma tipologia taxativa, o princípio do numerus clausus, como
disposto, atualmente, no artigo 1306º/1 do CC.
Deve acentuar-se que, se ele envolve uma tipologia taxativa onde não se
podem constituir tipos de direitos das coisas além dos que o sistema
prevê, os tipos admitidos são “abertos” (e não tipos “fechados” como os
do direito criminal), consentindo uma intervenção da vontade que não
desminta as respetivas linhas de força. Acresce que na servidão predial, o
tipo previsto é intencionalmente compatível com um número indefenido
de concretizações desse direito (1544º), onde a intervenção modeladora
da vontade das partes é esperada pela lei.
A taxatividade dos direitos das coisas não implica necessariamente a dos
contratos reais “quoad effectum”, ou seja, a dos contratos translativos ou
constitutivos desses direitos das coisas.

- Princípio da causalidade:
Para compreender este princípio urge fazer apelo às raízes do sistema em
que o nosso direito das coisas se insere, quanto à conciliação dos dois
interesses subjacentes ao interesse de estabilidade. Há 3 sistemas
claramente em confronto: o sistema do título e do modo, o sistema do
modo e o sistema do título, para remontar à terminologia romana, onde
se distinguia entre o título – o ato pelo qual se estabelece a vontade de
atribuir e de adquirir o direito real – e o modo – o ato pelo qual se
realizam efetivamente essa atribuição e essa aquisição. O título só por si
era insuficiente para a produção do efeito real, que exigia
necessariamente o modo, mas este também não era bastante para a
produção do efeito, se lhe faltasse uma justa causa de atribuição.
Sistema diverso é o sistema do modo, consagrado no código alemão, em
que a produção do efeito real não depende senão da tradição ou entrega,
para as coisas móveis, e a inscrição no registo fundiário, para as imóveis.
Ao invés, em Portugal, na França, na Itália, prevalece o sistema do título,
exigindo-se e bastando, para que o jus in re se trasmita ou constitua sobre
a coisa, o ato pelo qual se estabelece a vontade dessa transferência ou
dessa constituição (a compra, a doação, a constituição de usufruto, de
servidão, de superfície, etc.).
O sistema do modo não desatende por completo às causas de atribuição,
admitindo o recurso à ação por enriquecimento sem causa e o sistema do
título, além das exceções que comporte e que o aproximam, por vezes, do
sistema do título e do modo (incluindo um modo no título, como no
penhor e na hipoteca), admite a usucapião e a proteção de terceiros de
boa fé.
Enquandrando-se o nosso sistema dentro dos sistemas do título, é
evidente que a constituição ou modificação de qualquer direito sobre as
coisas depende da validade da causa jurídica que precede essas mesmas
consequências: ou seja depende da existência e procedência do negócio
de que derivou tal vicissitude no mundo jurídico-real.
É o que resulta do art. 408º/1 do CC e, especialmente para a venda e a
doação, dos arts. 879º e 954º. Significa isto que o negócio de efeitos
obrigacionais é a causa jurídica dos efeitos reais, mesmo que a produção
destes esteja dependente de uma ulterior formalidade, como a
transmissão da coisa na doação de bens móveis. Os negócios com eficácia
real não são, em suma, negócios abstratos: são causais como, em regra,
todos os negócios jurídicos, implicando a insubsistência deles a
insubsistência daquela eficácia real e não se precisando do meio indireto e
aleatório do enriquecimento sem causa.
- Princípio da consensualidade:
O princípio de que a “constituição ou transmissão de direitos reais sobre
determinada coisa dá-se por mero efeito do contrato”, como disposto no
artigo 408, nº1, do Código Civil. Aqui limita-se a dizer que a produção dos
efeitos reais depende apenas do contrato, formalizado ou não, em que se
manifesta a vontade de produzir esses efeitos. Se o princípio causal afirma
que sem justa causa o efeito real não se produz, o princípio da
consensualidade só adianta que essa condição necessária é também
suficiente, dispensando-se o preenchimento de qualquer outra exigência
não reconduzível ao contrato, ao invés dos sistemas de modo ou de título
e modo.

- Princípio da publicidade:
O princípio da consensualidade requer, como compensador, o princípio da
publicidade: o princípio de que, sendo um direito erga omnes, o direito
das coisas deve ser conhecido das pessoas que virtualmente ele afete,
designadamente de terceiros. Se inter partes o efeito constitutivo ou
translativo se produz, em regra, solo consensu, é óbvio que o aspeto
externo do direito real tem de exigir uma publicidade suficiente para se
dar a conhecer a terceiros. É esta tutela de terceiros que preside aos
meios de publicidade estabelecidos por lei, em especial ao instituto do
registo (predial, automóvel, de navios e de aeronaves).
O registo, com ressalva da exceção da hipoteca, não é imprescindível à
constituição, modificação ou extinção dos direitos inerentes às coisas –
não é constitutivo. Visa apenas assegurar a sua publicidade em face de
terceiros. Inter partes, por conseguinte, a falta de registo não pode ser
invocada (art.6 do Cód. Reg. Predial), como entre os herdeiros delas.
O registo faz-se também a requerimento dos interessados e os terceiros,
para fins de registo, são, segundo manuel de andrade, “as pessoas que do
mesmo autor ou trasmitente adquiram direitos incompatíveis (total ou
parcialmente) sobre o mesmo prédio”. Urge não confundir esta noção,
onde são terceiros aqueles que do mesmo causante recebem direitos
incompatíveis sobre o mesmo objeto, relativa ao instituto do registo em
geral, com outras noções de terceiros com relevo no direito das coisas,
designadamente as dos arts. 243º e 291º do C.C., onde terceiros são todos
os que, integrando-se numa só cadeia de transmissões, vêm a ser afetados
por uma invalidade anterior ao próprio ato em que foram intervenientes.
No instituto do registo, só se cobrem situações em que a causa da
invalidade é apenas a aquisição a non domino, onde o adquirente a non
domino pode vir a prevalecer sobre o primeiro adquirente, ou o
adquirente a domino, desde que, tratando-se de um bem sujeito a registo,
tenha procedido a esse registo antes de tal primeiro adquirente. Se outras
causas existem, o segundo adquirente já não é protegido pela precedência
da sua inscrição, deixando-se de aplicar o art.291º, pois deixa de ser
terceiro de boa fé.
PARTE II – DIREITOS REAIS EM ESPECIAL

CAPÍTULO I – A POSSE (ORLANDO DE CARVALHO)

Residualmente, a posse é o poder de facto exercido sobre uma coisa,


poder que está cronologicamente na origem de todo o domínio e que
continua a ser o seu móbil. Além de origem cronológica e de meta
psicológica do direito, a posse é a sua sombra e aspiração, mas também
uma contínua força de subversão e de contestação do direito real.

Em direito português, posse é o exercício de poderes de facto sobre uma


coisa em termos do direito real correspondente a esse exercício. Envolve
um elemento empírico (corpus) e um elemento psicológico-jurídico
(animus).

Já se viu que, no nosso sistema, a posse se distingue da mera detenção,


isto é, do exercício de poderes de facto sem animus possidendi.
Detentores tanto são os que detêm por título jurídico, designadamente, a
título de um direito de crédito (1253º/c), como os que “se aproveitam da
tolerância” (1253º/b).
O possuidor pode agir por força do direito real de que é titular, caso em
que a sua posse é uma projeção ou expressão de um jus in re existente.
Tal posse não é então uma posse autónoma, pois constitui uma faculdade
jurídica secundária do direito subjetivo.
Chama-se a essa posse posse causal, porque tem causa no direito. mas o
possuidor pode também agir sem direito real nenhum, ou porque nunca
tentou adquiri-lo ou porque intentou adquirir por ato inválido ou
inexistente. Tem então uma posse sem fundamento, sem causa, num
direito dado, uma posse autónoma a que se chama posse formal.
No entanto, o titular de um jus in re pode igualmente invocar a sua posse
causal como se fosse formal, abstraindo do direito com que se titula.
A posse em sentido técnico, isto é, a posse formal ou autónoma, não é
evidentemente um direito, embora seja fonte de consequências jurídicas.
É uma situação de facto juridicamente relevante, como a união de facto
ou o casamento putativo.
CAPÍTULO II – A PROPRIEDADE

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