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TGDC- resumos - Apontamentos de TGDC II

Teoria Geral do Direito Civil II (Universidade Lusófona de Humanidades e Technologias)

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Descarregado por Márcia Teixeira (marcia_teixeira.98@hotmail.com)
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Margarida Costa
Dr. Cláudio Flores/Miguel Osório
2019/2020

Teoria Geral do Direito Civil


1. Factos Jurídicos

1.1 Noção
Facto jurídico é todos o acto humano ou acontecimento natural juridicamente relevante. Esta relevância
jurídica traduz-se, principalmente senão mesmo necessariamente, na produção de efeitos jurídicos.
Há factos sociais ou naturais indiferentes para o direito, isto é, desprovidos de qualquer eficácia jurídica.
São factos materiais, ajurídicos, neutrais do ponto de vista do ordenamento jurídico (p.ex: o convite para um
passeio). Nem todos os factos reais ou sociais são, portanto, factos jurídicos.

1.2 Classificação dos factos jurídicos


I - A primeira grande classificação dos factos jurídicos é a que se pode estabelecer entre factos voluntários
ou actos jurídicos e factos jurídicos involuntários ou naturais.
Os primeiros resultam da vontade como elemento juridicamente relevante; são manifestação ou actuação
de uma vontade; são acções humanas tratadas pelo direito enquanto manifestações de vontade.
Os segundos são estranhos a qualquer processo volitivo - ou porque resultam de causas de ordem natural
ou porque a sua eventual voluntariedade não tem relevância jurídica.

II- Os factos jurídicos voluntários ou atos jurídicos podem ser lícitos e ilícitos. Os atos ilícitos são contrários
á ordem jurídica e por ela reprovados; imporiam uma sanção para o seu autor (infrator de uma norma jurídica).
Os actos lícitos são conformes á ordem jurídica e por ela consentidos.

Os factos voluntários ou actos jurídicos podem, segundo outra classificação de carácter fundamental.
Distingue-se em negócios jurídicos e simples actos jurídicos (ou actos jurídicos sirito sensu). Estamos no domínio dos factos
voluntários; apesar disso, nem sempre os efeitos jurídicos respectivos são produzidos por terem sido queridos e na
medida em que foram.
A distinção entre negócios jurídicos e simples actos jurídicos assenta precisamente neste critério da
relação que intercede entre a vontade ou querer das partes dirigida a um resultado e os efeitos jurídicos
produzidos.

Os negócios jurídicos são factos voluntários, cujo núcleo essencial é integrado por uma ou mais
declarações de vontade. Nos negócio jurídico, o comportamento de cada parte aparece exteriormente como
uma declaração visando certos resultados prático-empíricos, sob a tutela do ordenamento jurídico, e os efeitos
determinados pela lei são os correspondentes aos resultados cuja intenção foi manifestada. Os efeitos dos

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negócios jurídicos produzem-se ex voluntate e não apenas em lege. É o que sucede, por exemplo, com o testamento
e com os contratos.

Os simples actos jurídicos são factos voluntários cujos efeitos se produzem, mesmo que não tenham sido
previstos ou queridos pelos seus autores, embora muitas vezes haja concordância entre a vontade destes e os
referidos efeitos. Não é, todavia, necessária uma vontade de produção dos efeitos correspondentes ao tipo de
simples acto jurídico em cauda para essa eficácia se desencadear. Os efeitos dos simples atos jurídicos produzem-
se em lege e não ex voluntate.

• Dentro dos simples actos jurídicos é usual fazer-se uma distinção entre:
§ quase-negócios jurídicos ou atos quase negociais, traduzem-se na manifestação exterior de zuna
vontade. É o caso da interpelação do devedor, da gestão de negócios, da notificação da cessão de créditos,
da fixação do prazo referido no artigo 808º do CC, etc.
§ operações jurídicas. também designadas na doutrina estrangeira pelas expressões actos materiais,
actos reais, traduzem-se na efectiva- ação ou realização de um resultado material ou factual a que a lei
liga determinados efeitos jurídicos. É o caso da acessão industrial, da especificação. da ocupação de
animais ou coisas móveis, da descoberta de um tesouro, dos achados. das invenções industriais, da
criação artística, literária ou científica, da aquisição ou perda de posse por acto material, etc. \

2. Aquisição, Modificação e Extinção de relações jurídicas

Os factos jurídicos desencadeiam determinados efeitos. Esses efeitos jurídicos consistem


fundamentalmente numa aquisição, numa modificação ou numa extinção de relações jurídicas.Vamos. pois, focar
alguns temas ligados à constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas. Como as relações jurídicas
stricto senso se analisam num direito subjectivo e no correspondente dever jurídico ou sujeição. podemos na
explanação da matéria considerá-la sob a óptica de aquisição. modificação ou extinção de direitos, referindo uma ou
outra particularidade atinente ao lado passivo das relações jurídicas.

2.1. Aquisição de direitos

Um direito é adquirido por uma pessoa quando esta se torna titular dele. Aquisição de direitos é, pois, a
ligação — a criação de um laço de pertinência —de um direito a uma pessoa.
Não coincidem as noções de aquisição de direitos e de constituição de direitos. A constituição de um
direito é o se surgimento, é a criação de um direito que não existia anteriormente. Toda a constituição de um
direito implica a sua aquisição, dado não existirem direitos sem sujeito. Mas a inversa não é verdadeira, pois
nem toda a aquisição de direitos tem lugar em casos de surgimento ex novo de um direito: na aquisição derivada
translativa, como veremos, adquire-se, por transferência, um direito já constituído e preexistente de outra
pessoa., direito que mantém a sua identidade, apesar da mudança de sujeito.
Os dois tipos fundamentais de aquisição de direitos são a aquisição ordinária e a aquisição derivada. Na
primeira o direito adquirido não depende da existência ou da extensão de um direito anterior, que poderá até
não existir: quando o direito anterior exista, o direito não foi adquirido por causa desse direito, mas apesar dele.
Na segunda, o direito adquirido funda-se ou filia-se na existência de um direito na titularidade de outra pessoa; a

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existência anterior desse direito e a sua extinção ou limitação é que geram a aquisição do direito pelo novo
titular, é que são a causa dessa aquisição.
Caracterizamos os termos de distinção segundo um critério de causalidade que vê a aquisição derivada como
consequência ou efeito imediato da extinção subjectiva ou da limitação de um direito anterior, ao invés da
aquisição originária onde não existe qualquer ligação causal entre a perda ou diminuição de um direito e a
aquisição. Este critério da distinção é o que esta em coerência com o interesse prático-jurídico da mesma: o
direito adquirido, na aquisição derivada e não já na aquisição originária, depende na sua existência, extinção e
natureza do direito pré-existente.

2.1.1 Dentro da aquisição derivada pode distinguir-se entre aquisição derivada translativa,
aquisição derivada constitutiva e aquisição derivada restitutiva.
Na aquisição derivada translativa o direito adquirido é o mesmo que já pertencia ao anterior titular.
Assim, se um indivíduo adquire o domínio de um prédio por compra, doação ou sucessão mortis causa, legítima
ou testamenteira.
Na aquisição derivada constitutiva o direito adquirido filia-se num direito do anterior titular. Forma-se à
custa dele, limitando-o ou comprimindo-o. Mas não preexiste como entidade autónoma e específica na esfera
jurídica dessa pessoa. É o caso do proprietário de um prédio constituir (por venda etc. ) uma servidão, ou outro
direito real de gozo ou de garantia, a favor de outrem.
Na aquisição derretida restitutiva tem-se em vista a hipótese de o titular de um direito real limitado
(servidão, etc.) se demitir dele, unilateral ou contratualmente (a título gratuito ou a título oneroso), recuperando
assim ipso (acto o proprietário a plenitude dos seus poderes, em virtude da conhecida elasticidade ou força

expansiva do direito de propriedade. Porventura seria mais rigoroso falar-se de aquisição originária restitutiva
quando o titular do direito real se demite dele por acto unilateral (renúncia verdadeira e própria). De qualquer
maneira qualifica-se de restitutiva a aquisição porque ela vai repor as coisas no estado anterior à constituição do
direito real que se extingue.

2.2 Modificação de direitos


Tem lugar a modificação de direitos quando. alterado ou mudado um elemento de um direito,
permanece a identidade do referido direito. apesar da vicissitude ocorrida. A perduração do direito, apesar da
modificação verificada, significa que o ordenamento jurídico continua a tratar o direito como se não tivesse tido
lugar a alteração. O direito é o mesmo e não um direito novo.
A modificação do direito é subjectiva quando se tem uma substituição do respectivo andai;
permanecendo a identidade objetiva do direito.
A modificação do direito é objetiva quando muda o conteúdo ou o objecto do direito, permanecendo este
idêntico.

2.3 Extinção de direitos


A extinção de um direito tem lugar quando um direito deixa de existir na esfera jurídica de uma pessoa.
Quebra-se a relação de pertinência entre um direito e a pessoa do seu titular.
A extinção de direitos traduzir-se-á numa extinção subjectiva ou perda de direitos, se o direito sobrevive em si,
apenas mudando a pessoa do seu titular. O direito mudou de titularidade; extinguiu-se para aquele sujeito, mas
subsiste na esfera jurídica de outrem. A extinção subjectiva ou perda de direitos verifica-se sempre que tem lugar

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uma sucessão na titularidade dos direitos: o sucessor adquire ou sub-ingressa a titularidade do direito e este
extinguiu-se para o autor ou transmitente (causante).
A extinção de direitos será uma extinção objectiva, se o direito desaparece, deixando de existir para o seu
titular ou para qual- quer outra pessoa. Nesta hipótese não há sucessão, transmissão ou aquisição derivada
translativa de direitos. É o que acontece se há destruição do objecto do direito (p. ex., consumo do objecto do
direito de propriedade. destruição de coisa por um incêndio, etc.), se há abandono de um móvel, se um direito
de crédito é exercido e cobrado ou se extingue por prescrição. etc.

3. Negócio jurídico e simples ato jurídico

3.1 Conceito e elementos


3.1.1 Conceito e importância do negócio jurídico

Os negócios jurídicos são actos jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de vontade, dirigidas
à realização de certos efeitos práticos. com intenção de os alcançar sob tutela do direito, determinando o
ordenamento jurídico a produção dos efeitos jurídicos conformes à intenção manifestada pelo declarante ou
declarantes.
O que é verdadeiramente constitutivo do negócio é o comporta- mento declarativo — a existência de um
comportamento que, apareça como manifestação de uma vontade de certos efeitos práticos sob a sanção do
ordenamento jurídico.
Normalmente, esta aparência corresponde a uni conteúdo volitivo real e essa coincidência permite ao
negócio jurídico realizar a sua função de meio de realização da autonomia da vontade. Tal coincidência não é,
todavia, necessária. como veremos, e em caso de dissídio entre vontade real e declaração prevalece, quase sem
restrições, o elemento declarativo.
A importância do negócio jurídico manifesta-se na circunstância de esta figura ser um meio de auto-
ordenação das relações jurídicas de cada sujeito de direito. Estamos perante o instrumento principal de
realização do princípio da autonomia da vontade ou autonomia privada.

3.1.2 Relação entre a vontade exteriorizada na declaração negocial e os efeitos jurídicos do negócio.

Segundo a Teoria dos efeitos jurídicos, os efeitos jurídicos produzidos, tais como a lei os determina,
são perfeita e completamente correspondentes ao conteúdo da vontade das partes. Haveria (ou teria de haver)
uma vontade das partes dirigida à produção de determinados e precisos efeitos jurídicos. Os próprios efeitos
derivados de normas supletivas resultariam da tácita vontade das partes.
Este ponto de vista não fornece o correcto diagnóstico ou o correcto critério para a determinação da
relação que intercede no negócio jurídico entre a vontade dos seus autores e os efeitos jurídicos respectivos.
Aliás, a ser esta doutrina correcta, só os juristas completamente informados sobre o ordenamento poderiam
celebrar negócios jurídicos. Ora, o que sucede é que as partes dos vários negócios não têm uma representação
completa e exacta de todos os efeitos que o ordenamento jurídico atribui às suas declarações de vontade.
Por outro lado, se é certo que algumas normas supletivas consagram cláusulas usuais ou de estilo do
comércio jurídico, não é menos verdade que elas só deixam de se aplicar quando uma vontade real contrária foi

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manifestada, não bastando provar-se que as partes não pensaram no ponto ou até provavelmente não teriam
querido aquele regime. Correspondem algumas à vontade normal das partes, mas não à vontade real tácita —
outras traduzem um critério de justiça do legislador que este não considera com suficiente acuidade para ser
afirmado imperativa- mente, mas faz valer, aproveitando-se do silencio das partes.
Teoria dos efeitos práticos, não é realista — está longe da realidade. As partes manifestam apenas
uma vontade de efeitos práticos ou empíricos, normalmente económicos ou sociais, sem carácter ilícito. A estes
efeitos práticos ou empíricos manifestados, faria a lei cor- responder efeitos jurídicos concordantes. Também esta
concepção é inaceitável. Tal como define o negócio jurídico, este não se distingue dos compromissos ou
convenções celebrados sob o império de outros ordenamentos normativos (cortesia, mora, praxes sociais, etc.
Teoria dos efeitos práticos jurídicos, é o ponto de vista correcto. Os autores dos negócios jurídicos visam
certos resultados práticos ou materiais e querem realizá-los por via jurídica. Têm pois, também uma vontade de
efeitos jurídicos. A vontade dirigida a efeitos práticos não é a única nem é a decisiva — decisiva para existir um
negócio é a vontade de os efeitos práticos queridos serem juridicamente vinculativos, a vontade de se gerarem
efeitos jurídicos. nomeadamente deveres jurídicos. correspondentes aos efeitos práticos. Há uma «intenção
dirigida a um determinado efeito económico juridicamente garantido».
Simplesmente, não se trata de uma representação completa dos efeitos jurídicos correspondentes àquela
vontade de efeitos práticos — esses efeitos jurídicos completos serão determinados pela lei.
Basta uma representação global prática — de profanos — dos efeitos jurídicos imediatos e fundamentais
do negócio. Por falta de intenção de efeitos jurídicos nestes termos, distinguem-se os negócios jurídicos dos
chamados negócios de pura obsequiosidade. Estes são promessas ou combinações da vida social, às quais é
estranho o intuito de criar, modificar ou extinguir um vinculo jurídico (lã ex., o convite para um passeio, para
um jantar, etc.).
A falta de vontade de efeitos jurídicos distingue, igualmente, os negócios jurídicos dos chamados meros
acordos ou agreenzents, ainda geentlemen's agreement» («acordos de cavalheiros»).
Estas convenções são combinações sobre matéria que é normal- mente objecto de negócios jurídicos, mas
que, excepcionalmente, estão desprovidas de intenção de efeitos jurídicos. É o caso de um empréstimo de honra ou
de uma disposição de bens para depois da morte, em que o disponente confia pura e simplesmente na
honorabilidade cios herdeiros a quem cumpre executar a disposição.
Pode surgir a dúvida sobre se numa dada hipótese existe um negócio de pura obsequiosidade ou um
negócio jurídico — ou antes sobre se existe um mero geentlemen's agreement ou um negócio jurídico.
Se a dúvida for do primeiro tipo, é a parte interessada em demonstrar a existência do negócio jurídico
que tem o ónus da prova respectivo. Se a dúvida for do segundo tipo, é a parte interessada em demonstrar a
inexistência da intenção negociai que tem o anus probandi.

3.1.3 Elementos dos negócios jurídicos


Corre, de manual em manual, uma tradicional classificação tripartida dos elementos dos negócios
jurídicos. É a tripartição em elementos essenciais (essentialia negotii), elementos naturais (naturalia neqotii) e
elementos acidentais (aceidentalia)
Há que esclarecer, assim, o sentido comum entre os autores destas noções.

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I. Elementos essenciais
Consideraremos em primeiro lugar a noção de elementos essenciais dos negócios jurídicos em geral.Reina
nesta matéria grande diversidade de opiniões entre os auto- res, que distinguem muitas vezes entre elementos.
pressupostos, requisitos etc. dos negócios. Essa variedade de pontos de vista importa principalmente a diversidade de
sistematização ao explanar-se a teoria do negócio jurídico, não tendo repercussões no plano pragmático da
solução dos casos da vida.
Rigorosamente, elementos do negócio jurídico deveriam ser as realidade sem as quais o negócio não
chegaria sequer a ter existência material — não chegaria sequer a constituir-se. Nesta perspetiva, elementos do
negocio seriam a declaração, os sujeitos ( na medida em que não estejam — e parece não estarem — implícitos na
propina noção de declaração) e o conteúdo.
Sendo, porém, o negocio jurídico um ato que só desempenha a sua função na medida em que for válido,
não vemos razão para afastar a sistematização tradicional que considera elementos essenciais de todo e qualquer
negócio jurídico os requisitos ou condições gerais de validade de qualquer negócio. São eles a capacidade das partes ( a
legitimidade quando a sua falta implique invalidade e não apenas ineficácia), a declaração de vontade sem
anomalias e a idoneidade do objecto. Pode igualmente falar-se de elementos essenciais no sentido de elementos
essenciais de cada negócio típico ou nominado (venda, locação, doação, mútuo, etc.). Trata-se, agora, das
cláusulas que contra- distinguem um certo tipo negociai dos restantes tipos. São as caracteísticas próprias de
cada modalidade negociai, que a separam dos tipos vizinhos. Assim. p. ex.. na locação, a obrigação de
proporcionar à outra parte o gozo temporário de uma coisa e a obrigação desta de pagar a correspondente
retribuição (renda ou aluguer).

II. Elementos naturais

São os efeitos negociais derivados de disposições legais supletivas. Não é necessário que as partes
configurem qualquer cláusula para a produção destes efeitos, podendo, todavia, ser excluídos por estipulação
adrede formulada.
Na disciplina dos vários negócios de tipo obrigacional abundam as disposições supletivas — abunda o jus
disposimin. Já os negócios familiares pessoais contêm na sua regulação quase somente normas imperativas (jus
cogens).
São exemplos de normas supletivas, e, consequentemente. de efeitos correspondentes a elementos naturais
dos respectivos tipos de negócio jurídico. os artigos 940° (doação), 874.° (compra e venda),
1022.° (locação), etc.

III. Elementos acidentais

São as cláusulas acessórias dos negócios jurídicos. Trata-se das estipulações, que não caracterizam o tipo

negociai em abstracto. mas se tornam imprescindíveis para que o negócio concreto produza os efeitos a que elas
tendem.
É o caso das cláusulas de juros, da cláusula condicional, submetendo os efeitos do negócio a um evento
futuro e incerto, da estipulação de lugar e tempo para o cumprimento da obrigação. da cláusula modal, na qual
se impõe um encargo ao beneficiário de uma doação ou de um testamento, etc.

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3.2 Classificações dos negócios jurídicos


3.2.1 Negócios jurídicos unilaterais e contratos ou negócios jurídicos bilaterais
O critério classificativo é o do número e modo de articulação das declarações integradoras do negócio.
Nos negócios unilaterais há uma só declaração de vontade ou várias declarações, mas paralelas, formando
um só grupo. Se olharmos os autores das declarações, constataremos haver um só lado, uma só parte. É o caso
do testamento, da renúncia à prescrição, da procuração.
Nos contratos ou negócios bilaterais há duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas
convergente. ajustando-se na sua comum pretensão de produzir resultado jurídico unitário, embora com um
significado para cada parte. Há assim a oferta ou proposta e a aceitação, que se conciliam num consenso. É o
caso paradigmático da compra e venda.
Importa fornecer algumas ideias gerais sobre cada uma das categorias:
I. Acerca dos negociou unilaterais, importa focas as seguintes características do regime dos
negócios unilaterais:
a) É desnecessária a anuência do adversário; a eficácia do negócio unilateral não carece da concordância
de outrem;
b) Vigora, quanto aos negócios unilaterais, o princípio da tipicidade ou do inutzerus clausus;
c) Uma importante distinção neste domínio é a que se deve estabelecer entre negócios unilaterais
receptícios (ou recipiendos) e negócios unilaterais não receptícios; nos primeiros, a declaração só é eficaz, se
for e quando for dirigida e levada ao conhecimento de certa pessoa. enquanto nos segundos basta a emissão
da declaração. sem ser necessário comunicá-la a quem quer que seja. 


São negócios unilaterais não receptícios, isto é, não carecem de ser dirigidos e levados ao conhecimento
de pessoa determinada: o testamento; o cacto de instituição das fundações, a promessa pública, a aceitação e o
repúdio da herança; nos outros casos de negócios unilaterais estamos perante negócios receptícios.
Quanto às renúncias a direitos reais limitados ou à prescrição e à confirmação, porém, é discutida a sua
natureza receptícia ou não receptícia; quanto à confirmação, uma corrente doutrinal italiana qualifica-a como
negócio receptício, mas Manuel de Andrade deixava o problema em dúvida.
Parece que a melhor solução é a que entende estarmos, nos dois casos, perante negócios não receptícios .
Com efeito, desde logo, as renúncias unilaterais só reflexivamente produzem efeitos na esfera de terceiros. Mas,
sobretudo, parece decisiva a ideia de que não se deve deixar influenciar a solução do problema da determinação
dos requisitos jurídicos de eficácia de uma declaração negocial unilateral pela circunstância de ser, obviamente,
necessário o conhecimento da declaração, para o destinatário dos seus efeitos a poder invocar. O problema põe-
se justamente para as hipóteses em que, não sendo comunicada a declaração negocial ao beneficiário dos seus
efeitos (p, ex., confirmação através dum acto jurídico com terceiro), este vem a ter conhecimento dela. Ora, dado
que não há qualquer interesse que legitime a exigência da comunicação. parece que ambos os tipos negociais —
renúncia e confirmação — devem ser qualificados como negócios unilaterais não receptícios, É a solução mais
razoável, ponderados todos os interesses em causa.
II. Acerca dos contratos
Não são integrados por dois negócios unilaterais: antes cada uma das declarações (proposta e aceitação) é
emitida em vista do acordo.
Trataremos mais à frente, em título próprio, da matéria da formação do contrato.
Urna importante distinção é a que se faz entre contratos unilaterais e contratos bilaterais.

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Os corarmos unilaterais geram obrigações apenas para uma das partes (p. ex., a doação e o mútuo, se se

entender que só existe depois da entrega da quantia mutuada). Os contratos bilaterais ou sinalagazóticos
geram obrigações para ambas as partes, obrigações ligadas entre si por um nexo de causalidade ou
correspetividade. Assim, a compra e venda, a locação, etc.
Importância desta distinção: a excepção de não cumprimento do contrato (art. 428.°) é privativa dos
contratos bilaterais; mas não já a faculdade de resolução com fundamento em inadimplemento ou mora esta,
existindo nos contratos bilaterais (é a tradicionalmente chamada «condição resolutiva tácita», prevista em geral
no art. 801.°, n.° 2 ), pode ter lugar também em alguns contratos unilaterais (art. 1140." — resolução do
comodato; art. 1145.° — mútuo oneroso).
Os autores referem também a categoria dos contratos bilaterais imperfeitos. Nestes há inicialmente
apenas obrigações para uma das partes, surgindo eventualmente mais tarde obrigações para a outra parte, em
virtude do cumprimento das primeiras e em dados termos. Não tem lugar nos contratos bilaterais imperfeitos a
«condição resolutiva tácita». nem a excepção de não cumprimento do contrato,
Exemplos: Mandato ( Artigo 1157º , e seguintes) e Depósito ( Artigo 1185º e seguintes).
O mandatário e o depositário não beneficiam da condição resolutiva tácita, nem a lei lhes dá qualquer
faculdade de resolução, pelo facto de não serem reembolsados das despesas feitas; também não podem invocar a
excepção de não cumprimento do contrato. Claro que nos referimos ao mandato e ao depósito gratuitos.

3.2.2 Negócios entre vivos e negócios “mortis causa”


Os primeiros destinam-se a produzir efeitos em vida das partes; os segundos destinam-se a só produzir
efeitos depois da morte da respectiva parte ou de alguma delas.
À primeira categoria pertencem quase todos os negócios jurídicos e na sua disciplina tem grande
importância, por força dos interesses gerais do comércio jurídico, a tutela das expectativas da parte que se
encontra em face da declaração negociai. Os negócios da segunda categoria são negócios «fora do comercio
jurídico». no sentido de que. na sua regulamentação, os interesses do declarante devem prevalecer sobre o
interesse na protecção da confiança do destinatário dos efeitos respectivos. Tal diversidade dos interesses
prevalecentes manifestar-se-á quanto a problemas como a divergência entre a vontade e a declaração, os vícios
da vontade, a interpretação, etc.
Negócio “mortis causa” é, inequivocamente, o testamento: é um ato livremente revogável pelo testador
(Artigo 2179º do CC), não sendo sequer renunciava a faculdade de revogação (Artigo 2311º do CC); a
transferência dos bens hereditários a favor dos herdeiros e legatários só se opera após a morte do testador (Artigo
2031º do CC e Artigo 2179º do CC) , os herdeiros ou legatários não podem, em vida do testador, renunciar á
sucessão ou dispor dela (Artigo 2028º do CC).
As doações por morte, sendo. em princípio, nulas, como, em regra. quaisquer outros pactos sucessórios,
são objecto de uma conversão legal em disposições testamentárias. Certos pactos sucessórios, contidos em
convenções antenupciais, são válidos. Quanto a esses: as disposições a favor de um dos esposados, feitas pelo
outro ou por terceiro, são negócios híbridos; as disposições a favor de terceiro feitas pelos esposados são negócios
mortis causa, se o terceiro não interveio na convenção antenupcial, e negócios híbridos se ele outorgou nesse
acto.

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3.2.3 Negócios consensuais ou não solenes e Negócios formais ou solenes


Os negócios formais ou solenes são aqueles para os quais a lei prescreve a necessidade da observância de
determinada forma, o acatamento de determinado formalismo ou de determinadas solenidade. Os negócios não
solenes (consensuais, tratando-se de contratos) são os que podem ser celebrados por quaisquer meios declarativos
aptos a exteriorizar a vontade negocial, porque a lei não impõe uma determinada roupagem exterior para o negócio.
Quando o negócio é formal, as parte não o podem realizar por todo e qualquer comportamento
declarativo, a declaração negocial deve, nos negócios formais, realizar-se através de certo tipo de
comportamento declarativo imposto pela lei ( por escrito, através de certo tipo de documento, mediante uma
cerimónia, etc.). Não é costume considerar-se a restrição, por vezes imposta pela lei, traduzida na exigência de
uma declaração expressa e não apenas tácita, como bastante para se falar de um negócio formal.
Hoje o formalismo é exigido apenas para certos negócios jurídicos, é uniforme, traduzindo-se
praticamente na exigência de documento escrito, e está assim simplificado, relativamente aos direitos antigos.

— Princípio geral do Código de 1966 em matéria de formalismo negociai: principio da liberdade


declarativa, liberdade de forma (art. 219." — a validade da declaração negociai não depende da observância
de forma especial, salvo quando a lei o exigir) .
Quando, nos casos excepcionais em que a lei prescrever uma certa forma (casos que, embora
representem uma excepção, são numerosos e frequentes), esta não for observada, a declaração negociai é
nula (Artigo 220º do CC).

3.2.4 Negócios consensuais e Negócios reais

Os negócios reais são aqueles negócios em que se exige, além das declarações de vontade das partes,
formalizadas ou não, a prática anterior ou simultânea de um certo acto material.
Na vigência do Código anterior indicavam-se, como exemplos, o depósito, o comodato, o mútuo, o
penhor. Em face do Código Civil em vigor, esses contratos continuam a ser configurados corno contratos reais,
pois na sua definição não se fez referência a qualquer obrigação do depositante, do mutuante, etc., de entrega do
objecto, antes se considera o acto material de entrega como elemento da estrutura do negócio (Artigo 1185º,
1129º, 1142º, 666º do CC).
Esta figura dos contratos reais é um resquício da tradição romancista, que parece não desempenhar hoje,
pelo menos quanto ao mútuo, ao comodato e ao depósito, uma qualquer função útil, isto é, não corresponder a
qualquer interesse relevante. Porque é que o mútuo não se pode considerar perfeito com o simples acordo das
partes, revestido da forma devida quando exigível? Qual o interesse que se opõe ao reconhecimento do direito
do mutuário ou do comodatário de, após o acordo, exigirem a entrega do objecto para dele se servirem e,
posteriormente, o restituírem?
Dada a impossibilidade de resposta satisfatória a estas dúvidas (salvo, eventualmente, para o caso do
penhor), a doutrina tem entendido entre nós que um contrato de mútuo, nulo por falta de entrega da coisa, pode
ser convertido num contrato-promessa de mútuo. Na vigência do Código de Seabra, tal contrato-promessa,
dado não se admitir então a execução especifica das promessas de contrato. dava ao promitente-mutuário
apenas o direito a uma indemnização, se o promitente-mutuante não o cumprisse. Hoje, porém, dado que o
artigo 830." do Código de 1966 consagra o princípio da execução específica dos contratos-promessa,
substituindo por uma actuação judicial o comportamento do faltoso, poderia o promitente-mutuário obter a

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entrega da coisa. Parece, porém, que nem sequer a referida conversão é necessária. Assim. se não se provar que
as partes quiseram o contrato como real, este deve ter-se por perfeito logo com o acordo das partes. Se se provar
que as panes quiseram o contrato corno real, então poderá haver uma conversão em contrato-promessa, mas
este não será susceptível de execução especifica.

3.2.5 Negócios obrigacionais, reais, familiares e sucessórios


O critério desta classificação diz respeito á natureza da relação jurídica constituída, modificada ou extinta
pelo negócio. A sua importância resulta da diversa extensão reconhecida á liberdade contratual (Artigo 405º) em
cada uma das categorias.
Quanto aos negócios sucessórios (p. ex., testamento. pactos sucessórios, renúncia à herança mas não já a
partilha), este princípio sofre importantes restrições, resultantes de algumas normas imperativas do direito das
sucessões (sucessão legitimária, proibição dos pactos sucessórios,
Relativamente aos negócios familiares pessoais (casamento, perfilhação, adopção), a liberdade contratual
está praticamente excluída, podendo apenas os interessados celebrar ou deixar de celebrar o negócio, mas não
podendo fixar-lhe livremente o conteúdo, nem podendo celebrar contratos diferentes dos previstos na lei.
No que toca aos negócios familiares patrimoniais (convenções anti-nupciais), existe alguma largueza, a
liberdade de convenção (Artigo 1698º), sofrendo embora restrições (Artigo 1699º, 1714º) .
Quanto aos negócios reais (p.ex: venda ou doação de coisa certa e determinada, negócio constitutivo de
hipoteca, renuncia á hipoteca), fala-se deles nesta classificação no sentido de negócios com eficácia real. Isto é,
são negócios reais quanto aos efeitos. Nos negócios reais quantos aos efeitos o princípio da liberdade contratual
sofre uma considerável limitação, derivada do principio ria ripicidarie ou “numerus clausus”, visto que “não é
permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste
direito senão nos casos previstos na lei” - Artigo 1306º do CC. Só podem constituir-se direitos reais típicos,
embora essa constituição possa resultar de um negócio inominado ou atípico.
No domínio dos negócios obrigacionais (p.ex: venda ou doação de coisa indeterminada, atendimento,
denúncia de arrendamento) vigora o princípio da liberdade negocial , quase inconfinadamente, quanto aos
contratos, abrangendo a liberdade de fixação do conteúdo dos contratos típicos , de celebração de contratos
diferentes dos previstos na lei e de inclusão nestes de quaisquer cláusulas (Artigo 405º) ; quanto aos negócios
unilaterais vigora, porém, como já sabemos o princípio da titpicidade (Artigo 457º).

3.2.6 Negócios patrimoniais e negócios pessoais


O critério distintivo é, também, o da natureza da relação jurídica a que o negócios se refere. A
importância da distinção revela-se, aqui também, quanto á amplitude do princípio da liberdade contratual. Para
além deste aspecto, porém, manifesta-se ainda quanto a outro ponto. Os negócios pessoais são «negócios fora do
comércio jurídico», isto é, cuja disciplina, quanto a problemas como o da interpretação do negócio jurídico e o
da falta ou dos vícios da vontade, não tem que atender às expectativas dos declaratários e aos interesses gerais da
contratação — do tráfico jurídico mas apenas à vontade real, psicológica do declarante. Esta prevalência da
vontade real sobre a sua manifestação exterior exprime-se, por vezes. quanto aos negócios pessoais (casamento,
perfilhação, legitimação, adopção), em textos especiais que se afastam da doutrina geral dos negócios jurídicos;
na ausência de textos directos é um princípio, inferido da natureza dos interesses em jogo, que se impõe ao
intérprete.

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Na disciplina dos negócios patrimoniais (dos «negócios do comércio jurídico», por exigência de tutela da

confiança do declaratário e dos interesses do tráfico, a vontade manifestada ou declarada triunfa sobre a vontade
real, assim se reconhecendo «o valor social da aparência» ( expressão de Emílio Bettu)

3.2.7 Negócios causais e negócios abstractos


O critério desta classificação é o da relevância, para os efeitos do negócio. da sua função económica ou
social típica ou da relação jurídica que constituiu a sua causa Os negócios em que estas não relevam, por
poderem preencher uma multiplicidade de funções e os efeitos do negócio serem separados da sua causa,
designam-se como negócios abstractos — por exemplo, negócios cambiários, como o saque de um cheque ou o
aceite de uma letra (ou, no ordenamento jurídico alemão, o negócio jurídico destinado à transmissão da
propriedade). Na generalidade dos negócios jurídicos, contudo, o direito não isola o seu conteúdo da respectiva
causa — são negócios causais.

3.2.8 Negócios onerosos e negócios gratuitos


A distinção dos negócios jurídicos em onerosos e gratuitos tem como critério o conteúdo e finalidade do
negócio nos termos que a seguir se evidenciam.
Os negócios onerosos ou a titulo oneroso pressupõem atribuições patrimoniais de ambas as partes, existindo,
segundo a perspectiva destas, uni nexo ou relação de correspetividade entre as referidas atribuições patrimoniais
(normalmente traduzidas em prestações). Cada uma das partes faz uma atribuição patrimonial que considera
retribuída ou contrabalançada pela atribuição da contraparte. Cada uma das prestações ou atribuições é o
correspetivo (a contrapartida) da outra, pelo que, se cada parte obtém da outra uma vantagem. está a pagá-la
com um sacrifício que é visto pelos sujeitos do negócio como correspondente.
Os negócios gratuitos ou a titulo gratuito caracterizam-se, ao invés, pela intervenção de uma intenção liberal
laninms donatuti, aninius betuficiandip . Uma parte tem a intenção, devidamente manifestada, de efectuar uma

atribuição patrimonial a favor da outra, sem contrapartida ou correspetivo, A outra parte procede com a
consciência e vontade de receber essa vantagem sem um sacrifício correspondente.

Nos negócios gratuitos cria-se — e há acordo das partes sobre este ponto — uma vantagem patrimonial para um
dos sujeitos sem nenhum equivalente. O acto é a título gratuito quando for realizado com uma particular intenção
ou causa que é a de proporcionar uma vantagem á outra parte.
São exemplos de negócios onerosos o arrendamento, o aluguer, a compra e venda, a empreitada, etc., e
de negócios gratuitos as doações, o depósito. o mandato ou o mútuo gratuitos, isto é, sem retribuição.
Ao lado dos negócios onerosos e dos negócios gratuitos típicos, existem certas figuras negociei que são um
esquema negocial genérico, susceptível de revestir várias formas concretas e, consequentemente, apresentar-se
como onerosos ou gratuitos como, por exemplo: a cessão de créditos (Art. 577.°). a assunção de dívida (Art.
595.), a cessão da posição contratual (Art. 424.), a remissão de dívida (Art. 863.).
Nestes casos, a atribuição patrimonial verificada pode ter uma causa de tipo variado, consoante o negócio
que lhe servir de base; por consequência. qualquer destes negócios pode revestir a forma de negócio oneroso ou
de negócio gratuito.
É possível a existência de contratos unilaterais onerosos (mútuo oneroso — art. 1145.°). Como se explica esta
não coincidência entre os contratos onerosos e os contratos bilaterais?

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É que nos contratos unilaterais onerosos a correspectividade estabelece-se. não entre duas obrigações — só há
obrigações por um dos lados, visto que são contratos reais —. mas entre duas atribuições patrimoniais que
consistem numa prestação contemporânea da formação do negócio (a entrega de uma sorna em dinheiro para
ser utilizada) e numa obrigação (a de restituir o capital e pagar os juros).
No Código de Seabra regulava-se, em capítulo especial. o contrato de usura, que consistia num mútuo
retribuído (art. 1636:9. Tal designação, todavia. raras vezes era empregue pelos contratantes, não obstante o
empréstimo a juros ser frequentíssimo, dado o sentido pejorativo cor- rente das palavras usura c usurário, O
actual Código designa o mútuo para cuja retribuição foram convencionados juros por mútuo oneroso (art. I145."), e
reserva as designações de usura c de negócio usurário para os negócios jurídicos em que alguém, aproveitando
conscientemente a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de
carácter de outrem, obteve deste a promessa ou concessão de benefícios excessivos ou injustificados (cfr. Art.
282.°. 283.º e 224É). Quanto ao mútuo, há uma disposição especial qualificando-o de usurário, se foram
estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3 ou 5 por cento. conforme exista ou não
garantia real (art. 1146.°).

3.2.9 Contratos comutativos e Contratos aleatórios

É uma subdivisão a estabelecer dentro dos contratos onerosos. Nos contratos aleatórios as partes
submetem-se a uma álea, a uma possibilidade de ganhar ou perder. A onerosidade consiste na circunstância de
ambas estarem sujeitas ao risco de perder, embora, no final de contas só uma venha a ganhar . Pode haver uma
só prestação certas e outra incerta, se maior montante do que aquele (seguro de responsabilidade civil, de
incêndio, etc.), pode haver duas prestações certas na sua existência, sendo uma delas incerta no seu Imantam
(seguro de vida).
Quanto aos contratos de jogo e aposta, encontram-se critérios de distinção diversos entre eles: a natureza
do acontecimento a que as partes subordinam o cumprimento da prestação (jogo cuja prática se entregam os
participantes ou assunto ou facto, passado, presente ou futuro, sobre o qual existe divergência de opiniões); os
motivos, escopo, ou fim progressivo pelo contraentes; o tipo de incerteza sobre o facto ou assunto em causa ,
incerteza essa que poderia ser objetiva (no jogo) ou apenas subjectiva (na aposta); a participação (jogo) ou falta
de participação (aposta) das partes na questão em disputa, dependendo o resultado (o ganho ou a perda) dessa
participação; e a própria relevância jurídica do contrato, que só existiria para a aposta.

3.2.10 Negócios parciários


São uma subespécie dos negócios onerosos. Caracterizam-se pelo facto de uma pessoa prometer certas
prestação em troca de uma qualquer participação nos proventos que a contraparte obtenha por força daquela
prestação.
Exemplos: parceria pecuária (Artigo 1121º); certas formas de sociedade; o usualmente chamado de
contrato de consignação (contrato estimatório), nos termos do qual uma das partes remete á outra tantas
unidades de certa mercadoria, para que as venda, co, o direito a uma participação nos lucros e a obrigação de
restituir as unidades não vendidas, etc.

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3.2.11 Negócios de mera administração e negócios de disposição


Os negócios de mera administração são aqueles que correspondem a uma actuação prudente, dirigida a
manter o património donde estão afastados os actos arriscados.É de mera administração, tudo o que diga
respeito a prover à conservação dos bens administrados e promover à sua frutificação normal.
Entende-se por actos de conservação dos bens administrados os destinados a fazer quaisquer reparações
necessárias nesses bens tendentes a evitar a sua deterioração ou destruição.
Os actos de frutificação normal são por exemplo aqueles destinados a prover ao cultivo de uma terra nos
termos usuais do seu arrendamento.
No que diz respeito aos actos de mera administração a doutrina não é unânime, pois, do lado da maioria
da doutrina civilística, consideravam que os actos de frutificação anormal ou excepcional (Ex: converter um
pinhal em vinha, abrir uma pedreira num terreno de cultivo…) bem como os actos de melhoramento (Ex: abrir
um poço, cercar um muro a um prédio rústico…) são actos de mera administração. Do outro lado da doutrina
(Prof. Mota Pinto) considerava que os actos de frutificação anormal só poderá ser considerado actos de mera
administração se as despesas com esses negócios forem feitas à custa dos rendimentos e quando os
melhoramentos não consistirem em novas aquisições de bens, mas sim em obras dos bens administrados.
Por vezes a lei qualifica certos negócios jurídicos como actos de administração ordinária ou de disposição
(Ex: Artº 1024)
Os negócios de disposição são aqueles que afectam a substância do património administrado, alteram a
forma ou a composição do capital administrado. São aqueles que ultrapassam os parâmetros de actuação
correspondente a uma gestão de prudência.

3.3 Elementos essenciais do negócio jurídico


3.3.1 Capacidade e Legitimidade
3.3.1.1 Remissão
São requeridos e pressupostos gerais de validade dos negócios jurídicos a capacidade e a legitimidade.
A capacidade traduz-se num modo de ser ou qualidade do sujeito em si. No domínio dos negócios
jurídicos fala-se da capacidade negocial de gozo (ou capacidade jurídica negocial) e de capacidade negocial de exercício.
Estas noções traduzem-se na referência a este domínio das noções mais genéricas de capacidade jurídica e de
capacidade para o exercício de direitos.
A capacidade negocial de gozo é a susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações derivados de
negócios jurídicos. Contrapõe-se-lhe a incapacidade negocial de gozo que representa um absoluto impedimento
ou proibição da titularidade de tais relações e, como tal, é insuprível.
A capacidade negocial de exercício é a idoneidade para actuar juridicamente, exercendo ou adquirindo
direitos, cumprindo ou assumindo obrigações, por atividade própria ou atreve de um representante voluntário.
Contrapõe-se-lhe a incapacidade negocial de exercício que representa um impedimento ou proibição não
absoluta da realização de negócios e, como tal, é suprível pelos institutos da representação ou da assistência.
A legitimidade é uma relação entre o sujeito e conteúdo do acto( a relação jurídica que está em jogo no
negócio). Contrapõe-se-lhe a ilegitimidade, ou seja, a falta dessa relação de tal modo que o sujeito não pode com
a sua vontade afectar esse direito ou essa obrigação.

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3.4 A declaração negocial


3.4.1 Noções gerais
3.4.1.1 A declaração negocial como verdadeiro elemento do negócio jurídico
O Código Civil regula a declaração negocial nos artigos 217º e seguintes. Trata-se de um verdadeiro
elemento do negócio, uma realidade componente ou constitutiva da estrutura do negócio.
A capacidade de gozo ou de exercício e a legitimidade são apenas pressupostos ou requisitos de validade,
importando a sua falta uma invalidade( em regra, a incapacidade de gozo e a ilegitimidade geram uma nulidade
e a incapacidade de exercício desencadeia uma anulabilidade). A idoneidade do objeto negocial é, igualmente,
um pressuposto ou requisito de validade, pois a sua falta implica a nulidade do negócio. Diversamente, a
declaração negocial é um elemento verdadeiramente integrante do negócio jurídico, conduzindo a sua falta á
inexistência material do negócio.

3.4.1.2 Conceito de declaração negocial

Pode definir-se a declaração de vontade negocial como o comportamento que, exteriormente observado,
cria a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de vontade negocial, caracterizando, depois a vontade
negocial como a intenção de realizar certos efeitos práticos, com ânimo de que sejam juridicamente tutelados e
vinculastes. Dá-se assim um conceito objetivista de declaração negocial, fazendo-se consistir a sua nota essencial,
não num elemento inferior - uma vontade real, efetiva, psicológica - , mas num elemento exterior - o comportamento
declarativo.
O comportamento externo, em que se traduz a declaração, manifesta normalmente uma vontade,
formada sem anomalias e coincidente com o sentido exteriormente captado daquele comportamento. A
declaração pretende ser o instrumento de exteriorização da vontade psicológica do declarante - essa é a sua
função.
Os problemas decisivos para o efeito de determinar o conceito de declaração negocial, são o da
divergência entre a vontade e a declaração, o dos vícios da vontade , o da interpretação da declaração negocial,
etc. tais problemas têm subjacente um conflito entre os interesses do declarante, por um lado, e os do delatório e
do comércio jurídico, por outro.
Manuel de Andrade, falando ainda de declaração de vontade, esclarece que nada mais era necessário do
que uma aparência de vontade. Pelas mesmas razões outros autores prenunciam-se num sentido ainda mais
objetivista. Assim , Betti, para quem a essência do negócio jurídico reside num comportamento (declaração)
cognoscível de conteúdo preceptivo, isto é, contendo um auto-regulamento de interesses, ou R. Sconamiglio, que
o define como um ato social de autonomia privada, como tal juridicamente relevante.

3.4.1.3 Breve referência aos atos jurídicos de natureza não negocial


A lei portuguesa começa logo por regular a problemática posta pelo negocio jurídico, alude depois a “atos
jurídicos que não sejam negócios jurídicos” (Art. 295º), mas não toma posição sobre qual a compreensão ou a
extensão da categoria “negócio jurídico”, reservando assim esse domínio à doutrina.
O artigo 295º manda aplicar aos atos não negociais as disposições da doutrina geral do negócio jurídico,
“na medida em que a analogia das situações o justifique”. Daí se infere que não se aplicarão aquelas normas,
sempre que não haja uma verdadeira analogia de situações.

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Aos atos pessoais (perfilhação , adoção, etc.), e mesmo que a lei não o diga expressamente, não se
aplicam, portanto, as disposições inspiradas pela tutela da confiança dos declaratários e da segurança e
celeridade do comércio jurídico.
Quanto aos atos mais corretamente qualificados como simples atos jurídico ou atos não negociais (p.ex:
interpelação do devedor, gestão de negócios, domicilio voluntário geral, certas notificações, acesso, ocupação de
certos móveis, achados, criação artística, literária ou cientifica, etc.), quais as normas da regulamentação geral
do negocio jurídico aplicáveis ou não, segundo o critério da analogia das situações?
Os quase negócios jurídicos ou atos jurídicos quase-negociais traduzem-se na manifestação exterior de
uma vontade, e existe quase sempre uma consciência e até uma intenção de relevância jurídica da vontade
exteriorizada. Aplicar-se-lhe-ão, em regra, as normas sobre capacidade, recepção da declaração pelo
destinatário, interpretação, vícios da vontade e representação.
As operações jurídicas, actos materiais ou actos reais traduzem-se na efectivação ou realização de um
resultado material ou factual , a que a lei liga determinados efeitos jurídicos; desencadeiam, por força da lei, a
produção desses efeitos, embora normalmente ou, pelo menos, frequentemente estes não sejam visados. Não se
exige para a produção dos respectivos efeitos a capacidade, nem se aplicam, em geral, os preceitos sobre vícios
da vontade, interpretação, recepção de declarações, representação.
Estas soluções, são válidas em regra, mas é necessário averiguar ate que ponto existe ou falta a analogia
de situações , relativamente aos vários tipos legais de atos jurídicos não negociais, ou se existe regulamentação
especial sobre algum dos pontos referidos. Assim, por exemplo, a fixação do domicilio voluntário geral (Art. 82º)
parece ser uma to material ou real e não um quase-negócio jurídico, mas exige capacidade (Art. 85º).

3.4.1.4 Elementos constitutivos normais da declaração negocial


Numa declaração negocial podem distinguir-se normalmente os seguintes elementos:
a) A declaração propriamente dita (elemento externo) - consiste no comportamento declarativo;
b) A vontade (elemento interno) - consiste no querer, na realidade volitava que normalmente existirá e
coincidirá com o sentido objectivo da declaração.

O elemento interno - a vontade real - pode decompor-se analiticamente em três sub-elementos:


a) A vontade de ação - consiste na voluntariedade (consciência e intenção) do comportamento declarativo.
Pode faltar a vontade de ação. Assim acontece se uma pessoa, por acto reflexo ou distraidamente, sem se
aperceber do facto, faz um gesto e este objetivamente aparece como uma declarar negocial (p.ex: aceitação de
uma proposta). É igualmente o caso da coação ou violência absoluta (coação física) - é esta a hipótese mais viável
e significativa de falta de vontade de ação.
b) A vontade da declaração ou vontade da relevância negocial da ação - consiste em o declarante atribuir ao
comportamento querido o significado de uma declaração negocial. Este sub-elemento só está presente , se o
declarante tiver a consciência e a vontade de que o seu comportamento tenha significado negocial vinculativo -
consciência e vontade de que o seu comportamento produza efeitos negociais no campo do direito. A declaração
deve corresponder a um “sic volo sic jubeo” , vinculativo do declarante.
Pode faltar a vontade da declaração. Uma pessoa, julgando sub-escrever uma simples ficha de assinatura
para o arquivo de um banco, assina uma declaração negocial. Um indivíduo entra num leilão e faz um gesto de
saudação a um amigo; segundo as praxes do lugar esse facto significa uma oferta de certa importância pelo

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objeto leiloado, sem que a pessoa disso se tenha apercebido. Alguém suba-escreve um contato, julgado assinar
uma carta de felicitações.
c) A vontade negocial, vontade do conteúdo da declaração ou intenção do resultado - convite na vontade de celebrar
um negocio jurídico de conteúdo confidente com o significado exterior da declaração. É uma vontade efetiva
correspondente ao negócio concreto que apareceu exteriormente declarando.
Pode haver um desvio na vontade negocial. É o caso de o declarante ter atribuído aos termos da
declaração um sentido diverso do sentido que exteriormente é captado.
Constatámos, portanto, poder verificar-se uma falta de vontade de ação, uma falta de vontade da
declaração e um desvio na vontade negocial. Em todos estes casos surge um dissídio, uma divergência entre a
vontade e a declaração. Tal divergência pode, aliás, resultar ainda de um desvio na vontade de ação .

3.4.1.5 Declaração negocial expressa e declaração negocial tácita

Os negócios jurídicos realizam uma ampla autonomia privada, na medida em que, quanto ao seu
conteúdo, vigora o princípio da liberdade negocial.
Quanto á forma (lato sensu), é igualmente reconhecido pelo ordenamento jurídico um critério de liberdade: o
princípio da liberdade declarativa. Tal princípio está consagrado nos artigos 217º e 219º do CC.
Por vezes, a lei exige, porém, que a declaração negocial seja expressa: por exemplo, os artigos 413º nº1;
587º nº2; 595º nº2; 628º nº1; 731º; 767º nº2; 859º; 957º nº1; 1134º; 1151º; 1628º d) e 1681º nº3 do CC.
Outras vezes a lei tem o cuidado de frisar que um certo negócio pode ter lugar por declaração tácita - por
exemplo: os artigos 288º nº3, 302º nº2, 2056º nº1 , 2323º do CC - o que já resultaria do princípio geral do artigo
217º do CC. Daí a necessidade de definir o critério diferenciado dos dois tipos de declarações.
O critério da distinção entre a declaração tácita e expressa consagrada pela lei é o proposto pelo teoria
subjectiva: a declaração é expressa quando feita por palavras, escrito ou quaisquer outros meios diretos, frontais,
imediatos de expressão da vontade e é tácita quando do seu conteúdo direto se infere um outro, isto é, quando se
destina a um certo fim, mas implica e torna cognoscível, a latere, um auto-regulamento sobre outro ponto - em
via oblíqua, imediata, lateral.
Resulta claramente da formulação legal que a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no
sentido do auto-regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos
do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade.
Em conformidade com o critério de interpretação dos negócios jurídicos consagrado no Código Civil
(Art.236º), deve entender-se que a concludência de um comportamento, no sentido de permitir concluir a latere
um certo sentido negocial, não exige a consciência subjectiva por parte do seu autor desses significado implícito,
bastando que, objetivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele podia ser deduzido do
comportamento do declarante.
É óbvio (será até muito frequente) que a declaração tácita pode ter como facto concludente uma declaração
expressa, exteriorizando diretamente outro conteúdo negocial.
A possibilidade de uma negocio formal ser realizado através de declaração tácita está expressamente
reconhecida pelo nº2 do artigo 217º. Basta, mas torna-se necessário, que os factos concludentes estejam revestidos de
forma legal.

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3.4.1.6 O valor do silêncio como meio declarativo


Trata-se , principalmente, de saber se o silêncio - entendido não apenas como um “nada dizer”, mas
como um “nada fazer”, uma total omissão - pode considerar-se um facto concludente ( declaração tácita) no
sentido da aceitação de propostas negociais. É que o calar pode ser uma forma de declaração como o falar ou o
escrever. Quando estamos, porém, perante casos de “silêncio eloquente”?
O Código Civil resolve o problema no artigo 218º, estabelecendo que o silêncio não vale como declaração
negocial, a não ser que esse valor lhe seja atribuído por lei, convenção ou uso.
Repudia-se , pois, o velho brocardo do direito canónico “qui tacet consentire videtur”, mesmo que o sujeito
pudesse e devesse falar, pois a atribuição ao silêncio do valor de consenso negocia não é, como regra geral,
razoável. Só lhe caberá tal significado havendo norma legal ou convenção das partes nesse sentido, bem como
na hipótese de um uso previamente em certo círculo social ou pratica estabelecida entre os contraentes legitimar
a atribuição de sentido negocial a um comportamento omissivo (uso particular, p.ex: no caso de uma pessoa
enviar habitualmente a outra mercadorias que esta recebe, sem aceitar nem rejeitar, e paga em devido tempo,
criando-se entre ambas uma prática deste tipo).
Seria inaceitável dar expressão legislativa ao tópico “quem cala consente”. Com efeito, o silencio é, em si
mesmo insignificativo e quem cala pode comportar-se desse modo pelas mais diversas causas, pelo que deve
considerar-se irrelevante - sem querer dizer sim, nem não - um comportamento omissivo. De outro modo, ao enviar a
outrem uma proposta de contrato estaria a criar-se-lhe o ónus de responder, a fim de evitar a conclusão do
negócio, o que viola a ideia de autonomia das pessoas.
A inconveniência de um tal regime (quem cala consente) seria , por outro lado, manifesta: poderiam
captar-se aceitações negociais a outrem, através do silêncio, aproveitando-se os excessivos afazeres, a distração, a
negligência, em suma, quaisquer circunstâncias que tornassem difícil ou impossível responder.
Afasta-se igualmente a ideia de que o silêncio vale declaração quando o silenciante podia e devia falar
( “qui tacet consentire videtur ubi loqui potuit ac debuit”). Não seria isento de duvidas quando é que alguém
podia e devia falar. Acresce que, se alguém tinha o dever de falar, não deve concluir-se do seu silêncio um certo
sentido negocial mas apenas a verificação de um incumprimento do dever de falar, susceptível de fazer incorrer
o silenciante na obrigação de reparar os danos causados a outrem pela frustração da confiança deste em receber
uma resposta (interesse contratual negativo ou dano da confiança).
O silêncio não tem qualquer valor como declaração negocial, em princípio - não é eloquente. Só deixara
de ser assim quando a lei , uma convenção negocial ou o uso lho atribuam. Não basta ter-se estabelecido um
dever de responder. É necessário que resulte da lei, de convenção ou do uso que a ausência de resposta tem um
certo sentido.
Nada se diz no Código Civil quanto ás mercadorias recebidas, quando porventura eles forem remetidas
com a proposta. A entrega ou envio de bens que não tenham sido encomendados ou que não constituam o
cumprimento de qualquer contrato válido, acompanhada de um pedido de pagamento, é, porem, proibida
(como “venda forçada”), pelo menos quando o destinatário for um consumidor (isto é, quando os bens se não
enquadrarem no âmbito da actividade profissional do destinatário), pelo artigo 29º nº1 do Decreto-Lei
nº143/2001, de 25 de Abril. A ausência de resposta do destinatário não vale como consentimento e o
destinatário não fica obrigado á devolução ou pagamento dos bens ou serviços, podendo mesmo conservá-los a
título gratuito se, não obstante, devolver o bem, tem direito a ser reembolsado das despesas decorrentes da
devolução, no prazo de 30 dias a contar da data em que a tenha efetuado — citado art. 29º nº 2 a 4.

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Pelo menos quando o destinatário for um consumidor, não existe hoje, portanto, qualquer obrigação de
restituição dos bens, tendo perdido também sentido a discussão em torno da existência de uma sua obrigação de
conservação, ou de abstenção de deteriorações, bem como dos seus textos termos.

3.4.1.7 Declaração negocial presumida. Declaração negocial fica


A declaração negocial presumida tem ligar quando a lei liga a determinado comportamento o significado
de exprimir uma vontade negocial, em certo sentido, podendo ilidir-se tal presunção mediante prova em
contrário (presunção “tantum juris”: art. 350º nº1 e 2). Exemplos: Artigo 926º, Artigo 2225º; Artigo 2315 nº 1 e 2;
Artigo 2316º nº3, etc.
A declaração negocial fica tem lugar sempre que a um comportamento seja atribuído um significado legal
tipicizado, sem admissão de prova em contrário (presunção “juris et de jure” ou absoluta ou irrefutável: Art. 350º
nº2, in fine). Exemplo: Artigos 923º nº2, Artigo 1054º.
Em processo civil o caso típico é a chamada confissão ficta (Art. 484º nº1 do CPC).
O regime-regra é o de as presunções legais poderem ser ilididas, mediante prova em contrário, só
deixando de ser assim quando a lei o proibir (Art. 350º nº2). Quer dizer: salvo os caos excepcionais consagrados
na lei, as presunções legais são presunções “tantum iuris”.

3.4.1.8 Protesto e reserva


Emitido certo comportamento declarativo, pode o seu autor recear que lhe seja imputado, por
interpretação, um certo sentido. Para o impedir, o declarante afirma abertamente não ser esse o seu intuito.
A esta contra-declaração dá-se o nome de protesto. O protesto tem o nome de reserva, quando consiste na
declaração de que um certo comportamento não significa renuncia a um direito próprio, ou reconhecimento de
um direito alheio. Exemplos: o mutuante recebe certa importância, a titulo de juros, mas, julgando ter direito a
receber mais, declara não prescindir do excedente; a vítima de um acidente da viação recebe do causador deste
uma soma pecuniária, mas declara que isso não significa renúncia a receber o montante total dos danos que
considera mais elevados, etc.
Afirma-se commumente que o protesto não vale quando o comportamento declarativo só consente a
interpretação contra a qual o declarante se quer acautelar. É o pensamento expresso no aforismo protestatio facto
contraria nihil relevat (p.ex: a declaração de não se querer ratificar um negócio, ao mesmo tempo que se utiliza ou
consome a prestação dele derivada). A validade deste aforismo não tem, porém, um alcance absoluto.

3.4.1.9 Forma da declaração negocial


O formalismo negocial tem as seguintes vantagens principais:
a) Assegura uma mais elevada dose de reflexão das partes. Nos negócios formais, o tempo que medeia
entre a decisão de concluir o negócio e a sua celebração permite repensar o negócio e defende as partes
contra a sua ligeireza ou precipitação - dá-lhes oportunidade de medir a importância e os riscos do acto. No
mesmo sentido concorre a própria solenidade do formalismo;
b) Separa os termos definitivos do negócio da fase pré-contratual (negociação);
c) Permite uma formulação mais precisa e completa da vontade das partes, facultando a correspondente
assistência especializada (sobretudo no caso de documentos notariais);
d) Proporciona um mais elevado grau de certeza sobre a celebração do negócio e os seus termos,
evitando-se os perigos ligados á falível prova por testemunhas;

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e) Possibilita uma certa publicidade do acto, o que interessa ao esclarecimento de terceiros.

Estas vantagens pagam-se, porém, pelo preço de dois inconvenientes principais:


a) Redução da fluência e celeridade do comércio jurídico;
b) Eventuais injustiças, derivadas de uma desvinculação posterior de uma parte do negócio, com
fundamento em nulidade por vício de forma, apesar de essa parte ter querido efectivamente o acto jurídico
negocial.
Ponderando as vantagens e inconvenientes do formalismo negocial, sancionou o Código Civil (Art.219º) o
princípio da liberdade de forma ou da consensualidade (sendo este último termo rigoroso, apenas, para os contratos).
Considerando, quanto a certos negócios, prevalecerem as vantagens sobre os inconvenientes, admitiu, porém,
numerosas e importantes excepções a esse princípio. Na sistemática do Código as normas excepcionais que
exigem determinada forma encontram-se formuladas a propósito da regulamentação especial dos negócios ou
atos jurídicos a que essa exigência se refere, a alguns dos quais já se aludiu, quando se exemplificou a distinção
entre negócios formais e consensuais.
O formalismo exigível para um certo negócio pode ser imposto pela lei (forma legal) ou resultar de uma
estipulação ou negocio jurídico das partes (forma convencional), como acontece, por exemplo, quando durante
as negociações prévias se convenciona que o furto ou futuros negócios entre as partes se deverão revestir de certa
forma.
O problema da legitimidade da forma convencional é debatido na doutrina; o Código resolveu-o no
sentido da admissibilidade e eficácia dos negócios determinativos da forma (Art. 223º). É óbvio , porém, que o
reconhecimento das estipulações das partes sobre forma do negócio não significa que os particulares possam
afastar, por acordo, as normas legais que exigem requisitos formais para certos actos, pois trata-se de normas
imperativas. O reconhecimento da forma convencional significa , apenas, poderem as partes exigir determinados
requisitos para um ato, pertencente a um tipo negocial que a lei regula como não formal ou que sujeita a um
formalismo menos solene.
O negócio dirigido á fixação de uma forma especial para um ulterior negócio não está sujeito a formalidades.
Com efeito, não se exigindo no artigo 223º qualquer requisitos formais para o pacto sobre a forma, aí previsto,
este negócio cairá dentro do campo de aplicação do princípio geral do nosso direito: princípio da liberdade de forma.
No que toca ao problema de saber quais as cláusulas ou estipulações negociais a que a forma legal é
aplicável, quando exigida, Manuel de Andrade entendia que a forma abrangia, não só as cláusulas essenciais do
negócio jurídico , mas também as estipulações acessórias, típicas ou atípicas, quer as contemporâneas da
conclusão do negócio, quer as subsequentes, mas já se não estenderia tal exigência aos chamados pactos abortivos
ou extintivos.
O Código Civil de 1966 consagrou esta Tegra, na medida em que estatuiu que, em princípio, as
estipulações acessórias anteriores ao negócio ou contemporâneas dele devem revestir a forma exigida pela lei
para o ato, sob pena de nulidade (Art.221º). Admitem-se, contudo, na mesma disposição, restrições a este
princípio. Reconhece-se a validade de estipulações verbais anteriores ao documento exigido para a declaração negocia
ou contemporâneas deles, desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Que se trate de cláusulas acessórias — não deve tratar-se de estipulações essenciais e parece dever
igualmente tratar-se de estipulações adicionais, que completem o documento, que estejam para além do
conteúdo do mesmo (“praeter scripturam”), e não de estipulações que o contradigam, que estejam em contrário
dele.

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b) Que não sejam abrangidas pela razão de ser da exigência do documento — p.ex, nada se dix num contrato de
compra e venda sobre o lugar e tempo de pagamento do preço, mas prova-se que as partes convencionaram
verbalmente que o preço seria pago em certa data e em certo local: parece que tal acordo verbal deve ser
respeitado, não havendo lugar á aplicação de quaisquer normas supletivas.
c) Que se prove que correspondem á vontade das partes — este requisito é obvio, pois traduz-se na prova de que
a estipulação existiu; se sobre o ponto acessório há cláusula no documento, o pacto verbal não será válido,
pois tem de se admitir que as partes, regulando aquele ponto no documento, não quiseram de todo o pacto
verbal anterior ou contemporâneo. Por outro lado, é manifesto que há uma presunção natural de o
documento ser completo, pelo que, na dúvida sobre a existência de uma estipulação acessória, anterior ou
simultânea, adicional, é de decidir contra a sua existência.
Tome-se, todavia, em atenção que a possibilidade de as estipulações acessórias não formalizadas, a que se
refere o artigo 221º, produzirem efeitos é bem menor do que prima facie pode parecer. Isto dado o disposto no
artigo 394º, que declara inadmissível a prova por testemunhas se tiver por objeto convenções contrarias ou adicionais ao
conteúdo de documentos autênticos ou particulares. Assim se defende o conteúdo dos documentos (o seu
carácter verdadeiro e integral) contra os perigos da precária prova testemunhal, em conformidade com a
máxima “letteres passei témoins”. Da coordenação do artigo 221º com o artigo 394º resulta que as estipulações
adicionais não formalizadas, anteriores ou contemporâneas do documento, não abrangidas pela razão
determinante da forma, só produzirão efeitos, se tiver lugar a confissão ou se forem provadas por documento,
embora menos solene do que o exigido para o negócio (p.ex., uma carta, no caso de o negócio dever constar de
escritura pública).
Quanto aos pactos modificativos e aos pactos extintivos ou abolitivos, o nº2 do artigo 221º dispensa-os da forma
legal prescrita para a declaração , se as razões da exigência especial da lei não lhes forem aplicáveis. A aplicação
deste critério será segura nalguns casos. Vaz Serra considerava que os pactos pelos quais se altera a área do
prédio vendida, ou aumenta ou se agrava as obrigações (p.ex. fiança), cuja constituição a lei sujeita a forma,
devem considerar-se abrangidos pela existência de fome legal; mas não já quando p facto cancele ou reduza as
obrigações de alguma ou de ambas as partes (sujeição a um prazo da obrigação de pagar o preço, remissão do
preço , limitação da obrigação do fiador etc. ) noutras hipóteses, porém, poderá haver lugar a dúvidas.
IV - Consequências da inobservância da forma:
a) Distinção doutrinal entre formalidades “ad substantiam” e formalidades simplesmente “ ad probationem” -
as primeiras são insubstituíveis por outro género de prova, gerando a sua falta a nulidade do negócio ,
enquanto a falta das segundas pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir
(confissão; era também o caso, no nosso antigo direito, do juramento).
b) Consequências da inobservância da forma no nosso direito:

• Inobservância da forma legal - Em conformidade com a orientação da generalidade das legislações e


com os motivos de interesse público que determinam as exigências legais de forma, o Código Civil liga á
inobservância da forma legal a nulidade, e não a mera anulabilidade.
Poderá parecer, á primeira vista, que tal solução conduzirá a resultados injustos. Com efeito, nula, por
falta de forma, uma compra em que o comprador já pagou o preço ou um mútuo em que a quantia mutuada já
foi entregue ao mutuário, parece que haveria um locupletamento injusto do vendedor ou do mutuário, pois não
seria obrigado a entregar a coisa vendida ou a restituir a importância recebida, dada a nulidade dos contratos
donde resultaria essa obrigação. Não se verifica , todavia, tal locupletamento á custa alheia, pois, uma vez

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declarado nulo o negócio , deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado em consequência do negócio
viciado, podendo a prova da prestação, para o efeito desta obrigação de restituir , ser feita pro qualquer dos meios de prova admitidos
em geral pela lei. É o que resulta do artigo 289º (efeitos da declaração de nulidade), disposição que está em
coerência com o instituto (de aplicação subsidiária) do enriquecimento sem causa (art. 473º), embora o regime da
obrigação de restituir, particularmente quanto ao objeto (art. 289º nº1 e 479º) e quanto á prescrição (art. 482º),
seja, na hipótese de ter por fundamento uma declaração de nulidade, um regime não coincidente com o regime
geral do enriquecimento sem causa.
A nulidade deixará de ser a sanção para a inobservância da forma legal sempre que, em casos
particulares, a amei determine outra consequência (art. 220º). Pode suscitar-se, a este propósito, o problema de
saber se o nosso direito, nalguns casos, não considero certas formalidades como simplesmente probatórias ou “ad
probationem” .
Há que tomar em conta o artigo 364º do atual Código, integrado nas disposições sobre direito probatório
material constantes do mesmo. Aí se reafirma no nº1 o princípio geral, segundo o qual os documentos
autênticos, autenticados ou particulares são formalidades “ ad substantiam” . No nº2, estatui-se que o documento
pode ser substituído por confissão expressa, se resultar claramente da lei que foi exigido apenas para prova da
decoração. Donde se infere que quaisquer documentos (autênticos ou particulares) serão formalidades “ad
probationem”, nos casos excepcionais em que resultar claramente da lei que a finalidade tida em vista ao ser
formulada certas exigência de forma foi apenas a de obter prova segura acerca do do ato e não qualquer das
outras finalidades possíveis do formalismo negocial (obrigar as partes a reflexão sobre as consequências do ato,
assegurar a reconhecibilidade do ato por terceiros ou o se controlo no interesse da comunidade etc.) Admite-se
nestes casos, como meio de suprimento da falha do documento, a confissão expressa.
Nem sempre será isenta de dúvidas a aplicação do critério do nº2 do artigo 364º: quando é que se poderá
concluir “resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração”? Um exemplo nítido
era o correspondente ao artigo 1088º. Já se defendeu que era também, atualmente, o caso do artigo 7º n´3 do
Regime do Arrendamento Urbano.
Na doutrina nacional e estrangeira já s tem posto o problema de saber se a possibilidade de invocação da
nulidade por vício de forma não pode ser excluída por aplicação da cláusula geral da boa fé ou do abuso do direito,
entre nós sancionada no artigo 334º. Deverá admitir-se a invocação da nulidade com fundamento em vício de
forma , quando essa invocação por uma das partes constitua um abuso do direito, isto é, quando o comportamento
do invocaste, globalmente considerado , seja intoleravelmente ofensivo do nosso sentido ético-jurídico? Assim, p. ex. ,
será verdadeiramente escandalosa , “excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos boa
costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” (art. 334º), a arguição da nulidade, com fundamento em
vício de forma, por um contratante que o provocou, fazendo como falsificar por outrem a sua própria assinatura
ou induzindo dolosamente a outra parte a não insistir pela formalização do negócio ou procedendo em termos
de criar na outra parte a expectativa de que a nulidade jamais seria arguida, aceitando, p. exemplo, públicos,
reiterados e dispendiosos testemunhos de gratidão por uma liberdade feita, aliás, sem forma devida.
A doutrina, nacional e estrangeira, tem discutir o problema desde há décadas. Manuel de Andrade
propendia (embora não categoricamente) para a solução da improcedência do arguição da nulidade, quando
esta arguição revestisse as características de um abuso de direito.
E também Vaz Serra acabou por admitir esta solução. Outros autores, porém, não admitiam que o
princípio do abuso de direito (ou o princípio da boa fé) pudesse limitar a eficácia das normas que exigem a
forma, dados os fins imperativos de segurança que estas têm em vista, pelo que deveriam ser estritamente

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aplicadas. Neste sentido, pronunciou-se também, num primeiro momento, Larenz, que, todavia, corrigia
injustiça concreta resultante da indefectível aplicação das regras sobre formalismo, impondo, em caso de abuso
de Direito, ao autor do abuso, obrigação de indemnizar a outra parte pelo interesse contratual negativo.
Já na anterior edição desta obra Se defendeu primeiro solução (Embora reconhecendo que o problema,
como caso-limite , dava margem a largas dúvidas).
É certo que a aplicação das regras de forma pode conduzir a uma ou outra solução de menos equidade,
sem que possa, todavia, afastar-se a sua aplicação nesses casos, pois trata-se de um preço conscientemente pago
para fruir o rendimento social correspondente ás vantagens do formalismo negocial. É da essência do direito
encarar as condutas sub specie societatis e não sub specie individui. Entre essas vantagens está a criação e tutela do
valor de segurança jurídica, só pode ser plenamente realizado sacrificando o critério de " justiça de cada caso”.
Esta perspectiva é correta, pois, de outro modo, renunciar-se-ia á realização do interesse público que subjaza á
formulação das exigências de formalismo negocial. Dela decorre que os negócios, afetados por vício de forma,
tenham de ser nulos: se assim não fosse, não se garantiria o acatamento dos preceitos sobre a forma, que
passariam a ser meras recomendações.
Tal consideração não exige, porém, que as regras da forma devam ser consideradas um jus strictum
indefectivelmente aplicado, sem qualquer subordinação a um princípio supremo do direito, verdadeira exigência
fundamental do “jurídico”, como é o do artigo 334º. O intérprete, desde que lealmente aceite como boa e
valiosa para o comum dos casos a norma que prescreve a nulidade dos negócios feridos de vício de forma, está
legitimado para, nos casos excepcionalíssimos do artigo 334º, afastar a sua aplicação, tratando a hipótese como
se o acto estivesse formalizado, fora destes casos excepcionalíssimos, se uma das partes atuou com má fé nas
negociações, o negócio é nulo, mas surgirá uma indemnização, por força do artigo 227º
Aliás, os próprios autores que sustentavam o carácter de jus strictum das normas sobre a forma procuravam
corrigir as escandalosas injustiças a que dá lugar o abuso do direito, através de uma indemnização do chamado
“dano da confiança”. Ora, tal solução vulnerará menos a segurança e a certeza jurídica? Ou não será, no fundo,
uma atitude de “insincero respeito” por aquele valor, elevado assim á categoria de dogma ou “tabu”, esvaziado
de toda a racionalidade? De qualquer modo, a segurança da vida jurídica e a certeza do direito , sendo valores
de importância fundamental na ordenação da vida social e compreendendo-se o seu acatamento mesmo que
para isso se pague o tributo de alguma injustiça, não podem ser afirmadas com sacrifício das elementares exigências do
“justo”.
Atualmente, na doutrina nacional e estrangeira admite-se que a invocação da nulidade por vício de forma
não proceda quando se verifiquem certas circunstâncias qualificados da situação, enquadrando-se tais casos, seja
numa “ responsabilidade pela confiança”, seja nos institutos do abuso de direito e da boa fé.
E também a jurisprudência nacional tem admitido que a invocação da nulidade por falta da forma
legalmente exigida possa ser impedida pela proibição do abuso de direito, já desde os anos 70. São hipóteses,
enquadradas no abuso de direito, de dolos praeteritus, em que uma parte obstou á observância da forma legal pré-
ordenadamente, para vir depois a invocar esse vício, ou de inadmissível comportamento contraditório , em que a
falta de forma, mesmo que não provocada dolosamente pela parte que a vem invocar, lhe é imputável, tendo a
outra parte efetuado um “investimento” com base na confiança depositada na validade do negócio.
Há que ter em conta, todavia, que a solução com base no abuso de direito poderá não ser viável ou
adequada, pois a exigência legal de forma serve também interesses públicos e a nulidade pode ser declarada
oficiosamente pelo tribunal. Nestes casos, restará ao lesado exigir o ressarcimento dos danos sofridos, com
fundamento em responsabilidade pré-contratual da outra parte (quando esse for o caso).

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• Inobservância da forma convencional - Rege a este respeito o artigo 223º. É obvio que , tratando-se de
averiguar quais as consequências da falta de requisitos formais que a lei não exige, mas as partes
convencionaram, a resposta ao problema posto deve ser pedida, em primeiro lugar, á vontade das partes. O
artigo 223º limita-se a estabelecer presunções que, como todas as presunções legais, são em princípio
meramente relativas ou “tantum juris” (Art. 350º) . Essas presunções são duas, variando co, o facto que é base
da presunção. Assim:
1) Se a forma especial foi estipulada antes da conclusão do negócio, consagra-se uma presunção de
essencialidade, isto é, presume-se que, sem a observância da forma, o negócio é ineficaz; a forma tem, pois,
carácter constitutivo;
2) Se a forma foi convencionada após o negocio ou simultaneamente com ele, havendo, nesta ultima
hipótese, fundamento para admitir que as partes quiseram vincular desde logo, presume-se que as partes não
quiseram substituir o negocio, suprimindo-o e concluindo-o de novo, mas apenas visaram consolidá-lo ou
qualquer outro efeito (p.ex: dar-lhe mais clareza, tornar a prova mais segura, dar-lhe fé em face de terceiros
etc.)

3.4.1.10 Perfeição da declaração negocial

A declaração negocial com um destinatário ganha eficácia logo que chegue ao seu poder ou deve é
desconhecida. As declarações não receptícias tornam-se eficazes logo que a vontade se manifesta na forma
adequada.
Desta doutrina, constante do artigo 224º nº1, decorre, para os contratos, ter a nossa lei optado pela
doutrina da recepção quanto ao momento da sua conclusão. Quer dizer: o contrato está perfeito quando a
resposta, contendo a aceitação, chega á esfera de acção do proponente, isto é, quando o proponente passa a
estar em condições de a conhecer. Concretizando algo mais: quando a declaração de aceitação foi levada á
proximidade do destinatário de tal modo que, em circunstancias normas, este possa conhecê-la, em
conformidade com os seus usos pessoais ou os usos do tráfico (local de negócios, casa, apartado); uma
enfermidade, uma ausência transitória de casa ou do estabelecimento são riscos do destinatário, e também é
considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele recebida - artigo 224º nº2 (nos
termos do nº3 do 224º, todavia, é eficaz a “declaração recebida pela destinatário em condições de, sem culpa
sua, não poder ser reconhecida”). Não será preciso tanto, todavia, se, por qualquer meio, foi dele conhecida.

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