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Universidade Lusíada Porto Responsabilidade

Civil
Práticas e OTS

Márcia Elias
MÁRCIA 3º ANO
1
Márcia Elias Ferreira
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Márcia Elias Ferreira

Direito da Responsabilidade Civil


Aula Prática Dr. Marisa Araújo
Dia 20.09.21

Aula de Apresentação

Casos práticos (é uma disciplina prática)

2 testes de avaliação

Não confundir responsabilidade civil com responsabilidade


criminal

Direito da Responsabilidade
Aula Prática Dr. Marisa Araújo
Dia 27.09.21

Direito da Responsabilidade Civil


Revisões

No âmbito da responsabilidade civil, vamos dar dois tipos de


responsabilidade civil (contratual e extracontratual).
Sobretudo no que tange à responsabilidade extracontratual não a
devemos confundir com a teoria da infração penal.
Os requisitos são idênticos embora na responsabilidade civil não
tenhamos a tipicidade relativamente aos comportamentos criminais
(a teoria da infração penal tem subjacente o princípio da legalidade
que não temos em direito civil). Qualquer comportamento que
viole direitos absolutos desencadeia a indemnização.
No que tange à responsabilidade civil é essencial recordar direito
das pessoas e das situações jurídicas- classificação que tange aos
direitos (direitos de personalidade (sobretudo), direitos relativos,
direitos pessoais, direitos de crédito, etc).
Importante a grande classificação entre os direitos absolutos e os
direitos relativos.
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Márcia Elias Ferreira

Tipicamente:
Direitos Absolutos- tutelados pela responsabilidade civil
extracontratual, extraobrigacional. Os direitos de personalidade são
os mais comuns.
Direitos Relativos- tutelados pela responsabilidade civil
obrigacional, contratual. Vigora o princípio da relatividade.

Direitos Absolutos- direitos de personalidade- são aqueles que


estão na titularidade do sujeito ativo e são projetados para a esfera
jurídica de todas as outras pessoas independentemente de uma
relação jurídica previamente existente. São aqueles que são
oponíveis erga omnes.

Direitos Relativos- todos aqueles que existem na esfera jurídica do


sujeito ativo porque os mesmos se constituíram, modificaram ou
transmitiram através de uma relação jurídica pré-existente.

Ao contrário dos direitos absolutos que são oponíveis erga omnes,


tipicamente os direitos relativos só são oponíveis relativamente
àquele que tem o respetivo dever de prestar (sujeito passivo) - ele
é determinado- será aquele que está no polo passivo da relação
jurídica. Por causa do princípio da relatividade, só é sujeito passivo
da relação jurídica quem se vincule ao cumprimento de um
determinado dever ou está adstrito a uma determinada obrigação.
Só é sujeito passivo quem se obrigar a ser, quem assumir essa
posição de sujeito passivo.

Elementos típicos da relação jurídica


Ativo
• Sujeitos
Passivo

Sujeito Ativo- aquele que tem na sua esfera jurídica um


determinado direito com um interesse legitimamente protegido.
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Márcia Elias Ferreira

Sujeito Passivo- aquele que está na posição jurídica que é


suscetível de satisfazer esse interesse- aquele que tem o dever
jurídico relativamente ao sujeito ativo.

Podemos distinguir, neste âmbito, os direitos subjetivos, que nos


dita qual a posição em que cada sujeito ativo e passivo está. Os
direitos subjetivos podem ser:
D. subjetivos em sentido estrito

D. Potestativos

D. subjetivos em sentido estrito- é aquele que dá ao seu titular a


suscetibilidade de exigir ou de pretender do sujeito passivo um
determinado comportamento- o comportamento pode ser non
facere (omissão) ou facere (comportamento ativo).

D. Potestativo- o sujeito ativo tem a suscetibilidade de impor


efeitos jurídicos na esfera jurídica do sujeito passivo
independentemente da sua vontade.

É o sujeito passivo da relação jurídica que mesmo que haja este


sujeito passivo e só ele é que pode satisfazer o interesse ou o direito
do sujeito ativo. A prestação pode ser fungível. Ex: se eu dever
dinheiro a B, nós temos uma relação jurídica previamente
constituída (mútuo, gratuito ou oneroso). Só eu é que estou adstrita
a satisfazer o interesse ou o direito do crédito deste B. Não significa
que tenha que ser eu a fazê-lo.

Se o sujeito passivo precisar de praticar ele próprio um facto ou


cumprir uma prestação ativa ou negativa, temos um direito
subjetivo em sentido estrito.
Se o interesse do sujeito ativo se satisfizer independentemente de
qualquer comportamento ativo ou passivo do sujeito passivo
porque ele está num estado de sujeição, então temos um direito
potestativo. Temos um direito passivo e ele é que vai cumprir a
obrigação só que ele não tem que fazer nada porque o sujeito ativo
está numa situação em que consegue impor efeitos jurídicos na sua
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Márcia Elias Ferreira

esfera jurídica independentemente do comportamento do sujeito


passivo.

Não confundir isto com a garantia geral das relações jurídicas que
é a tutela ou a coercibilidade.
Se o sujeito passivo do direito subjetivo em sentido estrito não
cumprir o dever, coercivamente os tribunais ou o estado pode
impor esse cumprimento. Não significa que o sujeito passivo não
tenha que ser ele próprio a satisfazer essa obrigação. Ele próprio
por si ou coercivamente imposto pelos tribunais.

• Objeto- Mediato

Imediato

Objeto mediato- coisa, bem ou direito sobre o qual recai os direitos


e os deveres.
Objeto imediato- feixe prestacional de efeitos jurídicos que
decorrem da relação jurídica.

O que nos importa para aqui são os efeitos reais e os efeitos


obrigacionais. A relação jurídica pode ter só efeitos obrigacionais
e não ter efeitos reais. Ela terá efeitos reais quando a relação
jurídica tem uma natureza real, ou seja, quando há constituição,
modificação ou transmissão de qualquer direito real, seja o direito
de propriedade, seja de qualquer direito real menor.
Efeitos obrigacionais- são as obrigações que nascem na esfera
jurídica dos sujeitos.

Nota:

Para a constituição da relação jurídica, esta posição relativamente


a estas prestações entre si (entre as partes) dependem do facto
jurídico que lhe dá causa.
É importante a teoria do facto jurídico- o fundamento sobre o qual
emerge uma relação jurídica.
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Márcia Elias Ferreira

• Facto- normalmente um facto natural não dá origem à


produção de efeitos jurídicos. Mas, por exemplo, o
nascimento é um facto natural que produz efeitos jurídicos. A
morte também.
Facto jurídico propriamente dito- para o facto jurídico temos
dois critérios: o critério da estrutura- o facto jurídico pode ser
um negócio jurídico unilateral ou um negócio jurídico
bilateral ou multilateral. O que distingue os dois? O número
de declarações negociais que é necessário que se projetem no
mundo jurídico para a produção dos efeitos jurídicos.
1 única declaração negocial- negócio jurídico unilateral- são
excecionais no ordenamento jurídico e estão sujeitos ao
princípio da Taxatividade. Só produzem efeitos jurídicos os
negócios jurídicos previstos na lei como tal. Em direito das
obrigações aprendemos dois: promessa pública e o concurso
público- basta uma única declaração negocial.
Nota: o reconhecimento de uma dívida não é um negócio
jurídico unilateral.
Os negócios jurídicos bilaterais ou multilaterais- estão
sujeitos ao princípio da autonomia da vontade- precisam pelo
menos de duas declarações negociais contrapostas, mas
harmonizáveis entre si, com exceção do contrato de
casamento em que continuam a precisar ambas das
declarações negociais, mas elas não são contrapostas.
É o mesmo que dizer CONTRATOS.

Os contratos são a principal fonte de obrigações.


A grande fonte da responsabilidade civil obrigacional são o
não cumprimento dos contratos.

Relativamente aos contratos, tem um outro critério- dos


efeitos.
Os contratos podem ser:
Sinalagmáticos

Não sinalagmáticos
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Márcia Elias Ferreira

Se são contratos, têm pelo menos duas declarações negociais.


O sinalagma ou a inexistência do mesmo tem a ver com sobre
quem é que recaem as obrigações do negócio jurídico. Se só
recaírem sobre uma das partes é um contrato não
sinalagmático.
Naquele feixe relativo ao objeto imediato, temos sujeito ativo
com direitos e sujeito passivo com obrigações. Esta posição
nunca é alterada. Só um é que tem direitos e só um é que tem
obrigações. Ex: contrato gratuito- doação.

Por sua vez, os negócios jurídicos bilaterais ou multilaterais


podem ser sinalagmáticos quando o sujeito ativo e o sujeito
passivo têm prestações e contraprestações entre si. Cada um
destes sujeitos pode ver a sua posição jurídica alterada- eles
são sujeitos ativo ou sujeito passivo dependendo da obrigação
que nós estejamos a considerar. Numa compra e venda quem
é o sujeito ativo? Depende. Depende da obrigação que se
esteja a considerar. Temos um comprador e um vendedor. O
comprador é o sujeito ativo e o vendedor é o sujeito passivo
da obrigação correspondente à entrega da coisa. Mas o
comprador já será o sujeito passivo e este já será o sujeito
ativo em relação ao pagamento do preço.

Na responsabilidade contratual, estes efeitos que aqui estão


vão ditar quem é sujeito ativo e quem é o sujeito passivo
dependendo da obrigação (se for uma ou outra). Depende
daquela que esteja em incumprimento ou atraso de
cumprimento.
Na responsabilidade contratual, nas várias modalidades,
desde o não cumprimento ao cumprimento defeituoso ou
atraso de cumprimento, etc os efeitos jurídicos da
responsabilidade civil vão variar consoante se diga que é um
negócio jurídico unilateral ou um contrato ou se o contrato é
sinalagmático ou não sinalagmático. Se for sinalagmático,
depende da obrigação a que esteja em causa.
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Márcia Elias Ferreira

Efeitos Reais- se o contrato produzir efeitos reais é relevante


recordarmos a regra ou as regras do artigo 408º e 409º do CC. É no
ordenamento jurídico português que vigora o sistema do título no
que tange aos efeitos reais. Os efeitos reais produzem-se por mero
efeito do contrato- a produção dos efeitos reais, por regra, não
depende do cumprimento, não cumprimento, atraso no
cumprimento, impossibilidade de cumprimento dos efeitos
obrigacionais. Ex: se eu disser que vendo o meu carro e se o outro
disser que compra e acertamos o preço, neste momento a partir do
momento em que as nossas declarações negociais se encontram, o
direito de propriedade acabou de sair da minha esfera jurídica para
a outra. Eu posso não entregar o carro e o senhor pode-me não
pagar o preço, mas o direito real é dele.

Assim não será quando, excecionalmente, vigore o sistema do


módulo.
Não é possível transmitir o direito de propriedade quando: os
direitos reais só podem modificar-se, constituir-se ou ser
transmitidos quando a coisa já existe. Não é possível transmitir
quando a coisa não existe. No direito de propriedade quando a coisa
deixa de existir, cessa o direito de propriedade. Este contrato é nulo
por falta de objeto- uma impossibilidade originária.
Noutras situações a coisa existe, mas o legislador decidiu impor o
chamado sistema do módulo. Relativamente a todos os contratos
que produzem efeitos reais, mas o legislador impõe que para a
transmissão do direito real, para além das declarações negociais, é
necessário que se verifique uma outra coisa: ou um facto jurídico
simples ou um novo negócio jurídico (ex: hipoteca). Isto vigora
sempre que o legislador expressamente o refira.

Um facto jurídico simples: Ex: os mais paradigmáticos:


empréstimo. Eu empresto 10.000 euros- se vigorasse o sistema do
título, neste momento em que o dinheiro ainda não tivesse sido
entregue eu já seria proprietária daquela parte, mas ainda não se
transmitiu o meu direito real. É necessário que aquele dinheiro seja
efetivamente entregue. A mera declaração negocial é insuficiente
para produzir quaisquer efeitos jurídicos. Ou então há a
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Márcia Elias Ferreira

necessidade da produção de um novo negócio jurídico- Ex:


hipotecas- constituição de uma garantia real. Tem que ser registada.

Através do artigo 409º, chegamos a uma conclusão: o sistema de


título relativamente à transmissão do direito real não é uma regra
imperativa, é uma regra supletiva. É possível que as partes no
negócio que produz efeitos reais não aplicar a regra do efeito do
título, desde que para isso estabeleçam uma cláusula acessória ao
contrato de reserva de propriedade- é uma cláusula fiduciária- serve
de garantia ao cumprimento do contrato.

Importante recordar a cláusula da reserva de propriedade. Ela tem


uma natureza de condição suspensiva.

• Garantia- a garantia geral das obrigações é o património do


devedor. Podemos ter também aqui a constituição de uma
nova relação jurídica ao nível da garantia- quando temos um
terceiro que se vai juntar a esta relação jurídica.

Título solidário, título subsidiário.

A responsabilidade civil extracontratual, extraobrigacional- toda


aquela que não depende de uma relação jurídica previamente
existente- só com os direitos absolutos porque os direitos relativos
precisam sempre de uma relação jurídica pré-existente. A
responsabilidade civil extraobrigacional tutela exclusivamente
salvo exceção, direitos absolutos e não direitos relativos. Há só
uma exceção.

Responsabilidade civil obrigacional para direitos relativos, ainda


que excecionalmente possa chegar aos direitos absolutos.

Os requisitos típicos da responsabilidade civil são:

Ação (ou omissão- por regra, as omissões não dão origem a


responsabilidade civil extraobrigacional, sobretudo);
Ilicitude
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Márcia Elias Ferreira

Culpa- pressupõe a imputabilidade do agente- começa muito cedo-


as crianças podem ser agentes de responsabilidade civil- a criança
não tem dinheiro, os pais têm.
Na culpa aferimos a censurabilidade do agente com dolo ou
negligência.
Dano (patrimonial ou não patrimonial) - tipicamente na
responsabilidade contratual os danos são patrimoniais. Na
responsabilidade civil extracontratual também podem ser não
patrimoniais.
Nexo de causalidade entre o facto e o dano
Ex: se eu bater com a mão na mesa, um dos alunos tem um ataque
cardíaco e morre. Há uma violação do direito absoluto e podemos
concluir que o foi o susto que a pessoa apanhou com a minha mão
a bater na mesa que a matou. Independentemente da questão da
culpa há uma ligação entre facto e dano- não há nexo de
causalidade entre eles.

Direito da Responsabilidade
Aula Prática Dr. Marisa Araújo
Dia 4.10.21

Caso Prático 2:

António circulava com o seu automóvel na A1, no sentido Porto-


Lisboa, quando passava em Leiria um animal de grande porte (ao
que parecia ser um javali). Passou pela faixa de rodagem em que
António circulava tendo-se este desviado e acabou por embater nos
rails do separador central, o que lhe provocou danos na viatura no
valor de 6.000 euros para além de ter deslocado um ombro que o
deixou impossibilitado de trabalhar 15 dias para além de outras
despesas hospitalares que nesta altura perfazem o total de 2.000
euros mas que ainda não é possível determinar em absoluto uma
vez que António continua a fazer fisioterapia e é provável que tenha
que ser operado, mas que nesta altura não é possível determinar.
António entende que a responsabilidade do acidente é da
concessionária da autoestrada, Brisa Autoestradas de Portugal SA.
Pelo contrário entende que não tem qualquer responsabilidade no
acidente.
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Márcia Elias Ferreira

Quid Iuris?

Nota: Esta matéria relativa a concessionárias na autoestrada tem


uma legislação especial.

O importante aqui é estabelecer se estamos na responsabilidade


civil contratual ou extracontratual.
António seguia na autoestrada
Animal que parecia ser um javali atravessou-se na faixa de
rodagem- não era nem uma pessoa
António acaba por embater no rail do separador central.
Danos na viatura+ despesas hospitalares+ impossibilidade de
trabalhar 15 dias+ possível cirurgia

A ser algum problema de responsabilidade civil, ela será contratual


ou extracontratual?
Evidentemente que aqui não se está a censurar a violação de um
direito absoluto, mas sim de um não cumprimento de uma
obrigação que no limite vai violar o meu direito absoluto. Se
tivermos um negócio jurídico pré-existente, é com ele que temos
que resolver a questão a nível da responsabilidade civil
obrigacional.
Há negócio jurídico ou não?
As autoestradas não são privadas- são públicas- pagas por todos
aqueles que contribuem com os seus impostos. Agora, elas são
concessionadas- no âmbito do contrato de concessão, o estado
chama um privado para gerir uma coisa objeto de interesse público.
No caso concreto, quem faz a gestão destas autoestradas é Brisa,
Autoestradas de Portugal, SA- uma empresa privada e não o estado.
Se fosse o estado, concluíamos que o problema era de direito
público.
A contraparte neste caso é uma empresa privada.
Quando nós entramos na autoestrada, passamos no pórtico da via
verde, das duas uma: ou fazemos um contrato que consubstancia
uma declaração negocial- contrato para a possibilidade de
utilização de uma via a troco de uma determinada contrapartida
pecuniária- temos um contrato civil obrigacional. Tudo que
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Márcia Elias Ferreira

aconteça ali no meio são decorrências daquilo que é o negócio


jurídico.
Se se atender que não, então é uma situação de responsabilidade
civil extraobrigacional.
A doutrina diz: há quem diga que sim, há quem diga que não.
Há quem entenda que quando se passa no pórtico é um negócio que
se faz com a concessionária das autoestradas. Eles garantem-nos a
nós a possibilidade de passarmos na via de circulação mais rápida
e mais segura do país. Eles têm a obrigação de manter a via em
perfeitas condições quanto ao piso, quanto ao escoamento de água,
etc. Temos aqui um contrato de prestação de serviços atípico.
Neste caso teremos responsabilidade civil obrigacional.
Há quem entenda que o facto de estarmos a tratar de bens públicos,
ainda que explorados por privados e ainda que haja uma
determinada quantia pecuniária que lhe está associada, aquela
quantia não é suficiente para ser a quota parte do pagamento que
nós temos relativamente àquilo que aquela concessionária faz. E
depois como o bem não é da própria concessionária, é de todos, ela
não pode garantir a utilização de uma coisa que não lhe pertence.
Estaríamos na responsabilidade civil extraobrigacional.
A doutrina não tende a entender-se com isto ainda que seja visto
como uma questão de responsabilidade civil extraobrigacional.
Esta situação é parecida aos hospitais. Nós pagamos e são-nos
oferecido um conjunto de serviços- aquilo que se entende é que
aquilo que se celebra com o hospital público não é verdadeiramente
um contrato de prestação de serviços médicos- é a disponibilização
de um serviço de saúde constitucionalmente garantido no âmbito
dos direitos económicos, sociais e culturais que é o acesso à saúde-
também temos uma questão nos hospitais públicos de
responsabilidade civil extraobrigacional.

Qual é o problema que se coloca entre escolhermos


responsabilidade civil extraobrigacional ou obrigacional?
Vamos analisar o contrato.
Se nós tivermos um contrato, a nossa ligação é: temos efeitos
obrigacionais- qual é a nossa obrigação? Pagar- Temos um direito
assegurado que é passarmos pela autoestrada em segurança e em
condições de segurança. Do outro lado eles têm o direito de receber
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Márcia Elias Ferreira

o preço e têm a obrigação de assegurar que passamos em situações


de segurança. Se for um contrato, eventualmente qual é a prestação
que está aqui em causa? Passagem pela via de circulação que neste
caso concreto não foi feito- não foi cumprida esta obrigação de
manutenção porque o animal passou. Se for um problema de
responsabilidade civil extraobrigacional o que temos que ter?
Direitos absolutos que com determinados comportamentos tenham
sido violados. Qual é o comportamento que está aqui em causa?
Temos uma omissão. Alguém não terá feito alguma coisa. Nas
omissões- 486º do CC.

Na responsabilidade contratual temos que chegar ao objeto


imediato, desmembra-lo e ver se algumas das prestações se
subsume nalguma das situações que aconteceu. A obrigação da
Brisa é a manutenção, neste caso, a questão que se coloca é a
omissão de cumprimento desta obrigação- temos o 1º pressuposto
verificado- seja positivo, seja negativo.

Se formos para a responsabilidade civil extraobrigacional o


primeiro requisito é o facto que pode ser ativo ou passivo. 486º-
chegamos à conclusão que a regra na responsabilidade civil
extraobrigacional é que só é suscetível de desencadear
responsabilidade civil extraobrigacional os comportamentos
positivos (facere). As omissões, por regra, são irrelevantes para a
responsabilidade civil extraobrigacional- “por força da lei ou de
negócio jurídico”.
Por exemplo: estamos na aula, um senhor lá fora foi atropelado,
mas nós continuamos a aula. Temos algum problema com isso?
Nenhum. Se formos nós a atropelar a pessoa já estamos num
comportamento ativo. As omissões só são relevantes se houver um
dever jurídico de atuar.

Temos direitos absolutos ou não a serem violados? Integridade


física, direito de propriedade.
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Márcia Elias Ferreira

Quer um, quer outro, darão origem a responsabilidade civil.


Só que, uma garante que há indemnização, a outra não.

Na responsabilidade civil obrigacional, o que temos em relação à


culpa? Uma presunção de culpa do devedor.
António tem que provar na conceção de um ser humano médio a
autoestrada não fez tudo o que estava ao seu alcance para impedir
que um javali passasse na autoestrada. É uma prova difícil de fazer.
A sorte do António está em beneficiar ou não de uma presunção.
Na responsabilidade civil obrigacional, identificamos qual é o
devedor da prestação em falta e dizemos que recai sobre o devedor
a presunção da culpa do não cumprimento da obrigação. António
beneficia da verificação deste requisito até que a brisa demonstre
que o cumpriu. Neste caso, a regra é a prova da culpa. Ou seja, é o
António que tem que demonstrar que a brisa não fez tudo o que
estava ao seu alcance para evitar aquele facto- quer para um, quer
para outro, é virtualmente impossível de fazer a prova ou afastar a
presunção.
Tanto uma como outra, dão origem ao ressarcimento dos mesmos
danos, dó que a sorte da solução depende da existência ou não da
presunção. Aqueles que entendessem que sim, António podia
receber uma indemnização e aqueles que entendessem que não,
António teria uma tarefa virtualmente impossível de fazer a prova
da culpa.
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Márcia Elias Ferreira

A tal legislação veio resolver o problema. Em determinadas


circunstâncias (como neste caso), presume-se a culpa da
concessionária. Nesta altura, é indiferente se é uma
responsabilidade civil obrigacional ou extraobrigacional.

Danos- temos os danos patrimoniais, não patrimoniais- quer uma,


quer outra, mesmo na responsabilidade obrigacional, são
suscetíveis de serem incluídos no âmbito da responsabilidade
obrigacional.
Nós temos danos patrimoniais e não patrimoniais- alguns são
presentes, outros futuros. Desde que se incluam no nexo de
causalidade, apesar de eles não serem quantificáveis nem
determináveis, são suscetíveis de integrarem o âmbito da
indemnização. Só se torna líquida a partir do momento em que
estes danos se tornem presentes. Fazendo parte do nexo de
causalidade eles podem e devem ser peticionados.

Direito da Responsabilidade
Aula Prática Dr. Marisa Araújo
Dia 11.10.21
Caso Prático:
A, B e C são sócios de uma sociedade comercial por quotas
denominada xpto limitada. Aquando da constituição da sociedade,
os 3 sócios incluíram no respetivo contrato uma clausula em que se
obrigavam a, em caso de venda, permuta, ou dação em pagamento,
dar preferência aos restantes sócios. Ficou ainda acordado que em
qualquer situação ou incumprimento pelo pacto de preferência, o
sócio faltoso, indemnizaria os restantes pelo valor correspondente
a um terço do lucro obtido, ou seja, a diferença entre o valor de
venda e o respetivo valor nominal da quota alienada. Anos após a
constituição da sociedade, o sócio A foi aliciado a vender a sua
quota a D, que, não obstante conhecer a clausula do contrato em
que os sócios se obrigavam mutuamente a dar preferência aos
restantes, convenceu A a fazer aquela venda, garantindo-lhe que
ele próprio suportaria o valor das indemnizações que fossem
devidas aos sócios B e C.
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Márcia Elias Ferreira

Aprecie a eventual responsabilidade civil dos sujeitos descritos no


enunciado.

A, B, C- sócios
D

Resolução:

A relativamente a B e C, quanto à estrutura temos um contrato,


quanto aos efeitos é unilateral- um obriga-se a dar preferência e os
outros, se quiserem, aceitam ou não a preferência que lhes é
oferecida. É contratual, está expressamente prevista no contrato.
Eles entre si estão vinculados a uma preferência, mas só um deles
é que exerceu isso (o A). Qual é a obrigação que o A tem decorrente
do pacto de preferência? Se decidir vender, tem que comunicar as
condições de venda- tipicamente os pactos de preferência são para
compras e vendas, mas há um artigo que estende a todos os
restantes contratos com a mesma natureza- artigo 423º CC. Quais
são os mesmos contratos que têm a mesma natureza da compra e
venda? Todos os contratos onerosos.
No nosso caso prático, temos uma permuta e temos uma dação em
pagamento- contratos com a mesma natureza jurídica da compra e
venda.
A nos termos do 417º e ss obriga-se a comunicar aos titulares dos
respetivos direitos de preferência todas as condições típicas do
contrato que ele vai celebrar com um terceiro, incluindo a
identificação do próprio terceiro (isto tem algumas divergências- o
que se entende é: se forem contratos de execução instantânea, a
identidade do terceiro não é particularmente relevante, quando
temos contratos que se prolongam no tempo- execução continuada-
a identidade do terceiro é relevante).
A não só não comunicou, como foi aliciado a não o fazer.
Nós temos um contrato unilateral que só produz efeitos
obrigacionais. Ele podia produzir algum tipo de efeito real? Não
podia- só aquando da eficácia real. Na eficácia real nós
precisaríamos ou de um bem imóvel ou de um móvel sujeito a
registo- neste caso, temos um bem sujeito a registo- poderia ser
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Márcia Elias Ferreira

atribuída eficácia real, mas para isso tínhamos que ter


expressamente previsto no contrato isso- oponibilidade a terceiro e
teria que ser levado ao ato de registo para poder ter essa eficácia
erga omnes.
No caso concreto, não foi dotado de eficácia real, mas se fosse
iríamos ter origem a uma ação de preferência que permite a
alteração do sujeito ativo para a aquisição desta quota por aqueles
sócios que tivessem sido preteridos na respetiva aquisição.
Só temos efeitos obrigacionais- eles só são oponíveis inter partes-
neste caso concreto, não sendo possível a reconstituição natural,
temos uma indemnização.
Neste caso, a indemnização é calculada nos termos do CC. Neste
caso concreto, as partes, não obstante usaram a sua autonomia da
vontade para estabelecer um cálculo indemnizatório diferente
daquele que decorreria da lei.
Neste caso, as partes estabeleceram que serão indemnizadas pelo
valor correspondente a um terço do lucro que o A, incumpridor
deste contrato, irá auferir.
Como é que chama isso? Quando as partes, elas próprias no âmbito
da sua autonomia da vontade estabelecem uma indemnização com
uma fórmula de cálculo? Cláusula Penal.
Temos aqui uma questão de responsabilidade civil obrigacional.

E o D? Indemniza alguém?
O D foi aquele que comprou a quota ao A. Há alguma forma de
desencadear a responsabilidade?
O negócio jurídico que D celebrou foi com A- cessão de quotas. D
comprou a quota de A. A haver responsabilidade será em relação a
B e a C. Em relação a B e C, A vai-lhes pagar uma indemnização
por incumprimento do contrato. A questão que se coloca é: é
possível nós desencadearmos em relação a D alguma forma de
responsabilidade civil. A ser, será em relação a B e C.
Não há nenhum vínculo jurídico entre D e B e C- a
responsabilidade de A para com B e C é contratual, mas é relativa-
produz efeitos obrigacionais- só são oponíveis inter partes- a única
pessoa que pode não cumprir o contrato é o devedor que se obrigou
a cumprir o contrato.
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Márcia Elias Ferreira

Neste caso, D é um terceiro- não tem nada a ver com aquele


negócio jurídico que ali está. A haver algum tipo de
responsabilidade civil, será extraobrigacional.
Nos termos do 483º CC, aquele que, violar o direito de outrem-
direito absoluto- como não há relação jurídica pré-existente, os
únicos direitos que existem nas nossas esferas jurídicas que se
podem opor a outros, mesmo sem relações jurídicas pré-existentes,
são os direitos absolutos. É relativamente a estes que nós temos um
dever geral de abstenção, de não nos intrometermos no exercício
daquele direito, e se o fizermos estamos a incumprir um dever.
Para a responsabilidade civil extraobrigacional, nós estamos a
tutelar direitos absolutos- B e C têm algum direito absoluto que
tenha sido violado. Qual foi o direito que eles viram violado? O
direito de preferência- este direito é relativo. Mesmo atribuindo
eficácia real, o direito não passa a ser absoluto- temos um direito
relativo.
Mas não há nada que é um instituto jurídico que eventualmente
aqui se pudesse usar?

Neste caso há não só um aliciamento ao incumprimento como


também há o seguinte: ele assume o pagamento da indemnização
resultante da cláusula penal para B e para C.
334º CC- ABUSO DE DIREITO.
Artigo 334.º - (Abuso do direito)

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os


limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico
desse direito.

Temos que demonstrar que estão verificados os requisitos do artigo


334º CC. O artigo 334º fala em abuso de direito, seja absoluto,
relativo, o que for.
In extremis, um direito relativo pode ser fonte de responsabilidade
civil extraobrigacional.
No 483º o que estamos a fazer é tutelar a violação do direito. No
334º o que estamos a fazer é a censurável utilização do direito- é
esta alteração de posição em que nós olhamos para o direito do
lesante excecionalmente que depois nos permite que o nosso
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Márcia Elias Ferreira

destinatário (o lesado), seja titular de qualquer direito que, com


base nesta utilização abusiva, possa sair defraudado.
Essa utilização desse direito causou danos a terceiros.

Os requisitos do artigo 334º são:

1º- temos que encontrar o direito na esfera jurídica de D para depois


ir ver se ele excedeu manifestamente os limites impostos;

Que direito é que o titular tem que exerce eventualmente de forma


abusiva? Em 1º lugar, encontrar o direito. D contratou com o A.
Existe o direito a contratar ou não? O que existe é a liberdade a
contratar. No limite o que se poderá dizer é: de qualquer forma, a
partir do momento em que ele decide contratar com alguém e o
outro aceitar contratar com ele, então nesse momento já não temos
só uma liberdade a contratar, temos também um direito a contratar.
A haver algum direito, será o direito a contratar.

A doutrina está dividida. Alguma acha que não há abuso de direito.


Depois, encontrado o direito a contratar, a pessoa tem que exceder
a utilização do direito, mas é um excesso qualificado- tem que ser
manifestamente. O padrão que se utiliza é: Sobretudo quando
estamos a tratar de contratos bilaterais, estamos a tratar de
negócios.
Aliciar pessoas a não celebrar com uns e não com outros não é algo
que possa parecer chocante- é algo que acontece todos os dias.
Aquilo que é o manifestamente é o ser humano médio colocado
naquelas circunstâncias considera que a atuação que o sujeito
desenvolveu, ultrapassa aquilo que um padrão normal de
negociação.
Não basta que seja uma atuação de má-fé, não basta que uma
atuação contra os bons costumes- é algo que a qualquer pessoa que
queira fazer um bom negócio considere que ultrapassou limites.
Depende das circunstâncias.
Olhando para este caso concreto, D atuou de má-fé. Ele atuou
manifestamente de má-fé- olhando para este caso prático ele aliciar
a vender mesmo sabendo que havia um incumprimento do contrato
de preferência.
20
Márcia Elias Ferreira

D atuou em abuso de direito- consequência da norma: é ilícito. A


fonte de ilicitude do 483º estaria imediatamente verificada- temos
uma ação ilícita, ainda que a ilicitude aqui não fosse a violação de
um direito absoluto, mas a violação de um direito próprio- 334º CC.
Ultrapassada a questão do 483º, podemos ter uma atuação ilícita.
In extremis, a tutela do direito relativo resultante de um contrato
entre outras pessoas que não são o lesante- situação excecional de
tutela delitual de direitos relativos.

Em Portugal, o caso mais extremo de responsabilidade civil foi


com base em contratos de promessa de compra e venda- foi ali no
Norte Shopping.

Direito da Responsabilidade
Aula Prática Dr. Marisa Araújo
Dia 18.10.21
Caso Prático:

Manuel, casado com Beatriz, chegou a casa e violentamente pegou


num taco de golpe com o qual agrediu violentamente a mulher,
provocando-lhe um traumatismo crânio encefálico que deixou
Beatriz em coma durante 1 mês, com sequelas para o resto da vida.
No ano da produção de prova da ação cível em que Maria peticiona
uma indemnização pelos danos causados, é junto aos autos um
relatório médico em que se demonstra que Manuel, na altura da
agressão, estava embriagado e com substâncias psicotrópicas que
o impediam de ter qualquer consciência dos fatos praticados. Afira
a eventual responsabilidade civil de Manuel no caso concreto.

Resolução:

Entre Manuel e Beatriz: o que é que temos aqui que possa gerar
responsabilidade civil? Responsabilidade civil extraobrigacional- o
que decorre daqui não é o facto de haver um contrato de casamento-
eu posso pegar um taco de golfe e não ser casada com a pessoa.

Responsabilidade extraobrigacional por factos ilícitos


21
Márcia Elias Ferreira

1º requisito: facto voluntário: Pegar num taco de golfe. Desferir na


cabeça de B e provocar um traumatismo crânio encefálico.
Descrição daquilo que aconteceu.
Para que haja relevância, este facto tem que humano e voluntário.
É humano? (Podem ser pessoas coletivas também). Sim.
Voluntário? O facto é voluntário quando é dominado ou dominável
pela vontade humana. O padrão na responsabilidade civil é sempre
um padrão objetivo- em caso de qualquer requisito, coloca-se o ser
humano médio.

Ilicitude- Ilícito ou não? Sim. Viola a integridade física de B. Esse


direito é suscetível de desencadear responsabilidade civil
extraobrigacional? Sim, porque é um direito absoluto- 483º CC-
direitos de outrem. É um direito de personalidade fundamental.
Temos a ilicitude verificada.

Alguma causa que justifique?

Não.

Culpa- 487º CC- a culpa é um juízo de censurabilidade que a ordem


jurídica faz à conduta do agente- padrão de comparação- é preciso
que ao agente seja suscetível ver recair sobre si esse juízo de
censurabilidade. Ao nível da responsabilidade extraobrigacional
esse juízo de censurabilidade é feito sobre pessoas que sejam
imputáveis- presumem-se imputáveis todas as pessoas a partir de 7
anos. A primeira coisa que temos que ver antes do requisito de
culpa é o substrato sobre o qual recai o requisito de culpa. Ele tem
mais de 7 anos. Presume-se imputável. Demonstra-se que Manuel,
na altura da agressão, estava embriagado e com substâncias
psicotrópicas que o impediam de ter qualquer consciência dos fatos
praticados. A imputabilidade é a suscetibilidade de conseguir
querer e entender o facto ilícito que se praticou. O que o legislador
diz é o seguinte: a partir dos 7 anos presume-se que toda a gente
tem, a não ser que se demonstre que aquela pessoa está incapaz
totalmente ou ocasionalmente- aí estará num estado de
inimputabilidade. Quando nos colocamos nesse âmbito, o que
22
Márcia Elias Ferreira

precisamos de saber é a razão pelo qual alguém pode estar nesse


estado de inimputabilidade. A questão da imputabilidade ou
inimputabilidade é particularmente importante porque: 1º-
Presume-se que toda a gente tem, a não ser que se demonstre que a
pessoa não está capaz. Só que, o preceito tem uma salvaguarda. Ele
será inimputável, não porque tem uma doença psiquiátrica ou quer
que seja, mas porque está embriagado e sob o efeito de substâncias
psicotrópicas. Isso é importante porque nos indicia uma figura
importante que são as chamadas ações livres na causa.
No momento em que ele atua ele está objetivamente numa situação
de inimputabilidade- no limite, nenhum ser humano médio nestas
circunstâncias, conseguia perceber o facto ilícito que praticou.
Qual é o busílis da questão? Se ser humano médio se colocaria ou
não naquelas circunstâncias. Temos que analisar o momento antes
da prática do facto que o levou a ficar nesta situação de
inimputabilidade. Para efeitos de imputar a inimputabilidade, não
analisamos o momento da prática do facto, mas o momento em que
o agente se colocou ou não num estado de inimputabilidade. De
duas uma: 488º CC
É preciso ir buscar o critério de determinação da culpa. Saber se o
agente, apesar de não ser imputável no momento da prática do
facto, se considera imputável para efeitos de censurabilidade- é
preciso ir buscar o critério da culpa- critério do ser humano médio.
Colocamos o ser humano médio na circunstância que levou ao
momento de inimputabilidade temporária do agente e vemos se o
ser humano médio teria o mesmo padrão de comportamento. Se ele
foi embriagado numa saída com colegas ou amigos sem se
aperceber, um ser humano médio colocado naquelas circunstâncias
também não se iria aperceber do facto ilícito que estava a praticar
nem conseguia entender que estava a colocar-se numa situação de
inimputabilidade- a ação não seria livre na causa.
Se for o típico caso de beber até cair, temos o ser humano médio
que não se deixa colocar naquele estado de inimputabilidade.
Neste caso concreto, ele considera-se imputável estamos numa
situação de uma ação LIVRE na causa.
O mesmo aconteceria se ele tivesse adormecido ao volante por
estar embriagado.
23
Márcia Elias Ferreira

Se for assim então nós consideramos este agente nos termos do


488º CC imputável- suscetível de um juízo de censurabilidade que
se faz nos termos do 487º através do ser humano médio.

Há culpa do agente.
Artigo 488.º - (Imputabilidade)

1. Não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em


que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer,
salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório.
2. Presume-se falta de imputabilidade nos menores de sete anos.

A culpa, em responsabilidade civil é graduado em pelo menos 2


opções:

• Dolo;
• Negligência.

Há alguma relevância?

Nas situações de negligência,494º CC


Artigo 494.º - (Limitação da indemnização no caso de mera culpa)

Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser


fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos
causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e
do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

O dolo e verificação de 2 requisitos cumulativos:

• A verificação do elemento cognitivo, acrescido do elemento


volitivo.
O agente tem que conhecer e ter vontade- o agente tem que
conhecer as circunstâncias do caso concreto (facto) e tem que ter
vontade da produção dos respetivos resultados.
O dolo pode ser:
24
Márcia Elias Ferreira

• Direto- forma mais intensa de dolo. A gente conhece a


circunstância factual, atua e quer os resultados ou as
consequências da sua ação, neste caso, o dano.
• Necessário- o agente conhece e quer, mas não quer
necessariamente aquelas consequências- elas são necessárias
para a produção de outras. O facto é um meio para atingir
outras consequências, que normalmente, também elas são
ilícitas, mas podem ser lícitas. Ex: matar alguém e incendiar
a casa. Eu não quero propriamente destruir a casa, mas sim
matar a pessoa que está lá dentro. Eu conheço e quero, mas o
meu objetivo não é a destruição da propriedade.
• Eventual- o agente conhece que quer, conhece o facto- ele
percebe que o objetivo se pode praticar- é indiferente se se
verifica ou não.

Na negligência, o agente no limite, percebe que naquelas


circunstâncias está a praticar um determinado facto, mas não quer
danos nenhuns. A negligência pode ser:

➢ Consciente- o agente percebe o que está a fazer, sabe o que


está a fazer, ele tem conhecimento, mas ao contrário do dolo,
ele não tem vontade da proporção dos efeitos- ele convence-
se mal, mas convence-se que não se vão verificar danos
nenhuns relativos à sua conduta. Ex: o limite máximo dentro
da localidade é 50, mas eu não venho sempre a 50. Se
atropelar alguém, eu tenho noção que estava acima do limite
de velocidade. Convenço-me que não vai acontecer nada.
➢ Inconsciente- o agente nem sequer conhecimento tem-
quando atua nem sequer perspetiva que o seu comportamento
pode dar origem a um determinado resultado. São as
verdadeiras omissões de cuidado.

No nosso caso, o nosso Manuel está em qual das situações?


Dolo Direto

Danos- podemos ter danos pessoais ou patrimoniais


25
Márcia Elias Ferreira

Danos pessoais- compensáveis- dor, sofrimento, etc

Nexo de causalidade- liga o facto ao dano. Nós usamos a perspetiva


clássica- teoria da causalidade adequada- juízo de prognose
póstuma. É previsível que da ação resulte aquela consequência? Se
a resposta for negativa, não há nexo de causalidade.
Ex: imaginemos que eu bato com a mão na mesa e uma pessoa
morre de ataque cardíaco ou de susto. Não há nexo de causalidade.
A ação deu aquele resultado, mas não é previsível uma coisa dessas
acontecer, a não ser o agente tenha mais conhecimento que um ser
humano médio colocado naquelas circunstâncias.
Neste caso concreto, todos os danos que advierem da conduta do
agente Manuel serão suscetíveis de serem incluídos na
indemnização devido ao facto ilícito que ele praticou.

Direito da Responsabilidade
Aula Prática Dr. Marisa Araújo
Dia 25.10.21
Caso Prático:

Maria, mãe de Manuel, criança com 8 anos adormeceu no sofá


quando, no domingo depois de almoço, estava sozinha em casa
com o filho. Durante aquele período de tempo, a criança foi brincar
para o jardim e acabou por conseguir fazer uma pequena fogueira
que alastrou, acabando por incendiar o pomar do vizinho Asdrúbal,
destruindo cerca de 50 árvores de fruto. Naquela tarde, Jorge,
pirómano, decidiu atear fogo que face à elevada temperatura, ficou
incontrolável e dizimou centenas de hectares de floresta, incluindo
todos os quintais da aldeia onde Manuel vivia, ou seja, incluindo o
quintal do vizinho Asdrúbal.
Asdrúbal quer ser indemnizado pelos danos causados no seu
quintal. Afira a responsabilidade civil do respetivo lesante.

Resolução:

Maria
26
Márcia Elias Ferreira

Manuel
Asdrúbal
Jorge

1º lugar- vamos encontrar o polo ativo e passivo. Ver a teia


relacional.
Manuel e Asdrúbal
Manuel- lesante
Asdrúbal- lesado

A haver responsabilidade civil será extracontratual,


extraobrigacional.
1º requisito: Facto voluntário: é um comportamento positivo,
praticado por ação- facere- só excecionalmente é que as omissões
dão origem a responsabilidade civil. Que facto é este? Manuel ateia
fogo. Este facto é humano e é voluntário- ele consegue dominar a
sua atividade muscular- comando do sistema nervoso central-
dominado pela vontade. Facto relevante para desencadear a
responsabilidade civil extraobrigacional.

2º requisito- 483º CC- Ilicitude- “Direitos de outrem” - direitos


absolutos- contrariedade à ordem jurídica- violação de um direito
de alguém- direito absoluto- violação do direito de propriedade. A
ilicitude, apesar de estar verificada, pode ser afastada se existe
alguma causa que a justifica. Existe? Não. Ele é ilícito.

3º requisito- Culpa- juízo de censura que é feito sobre o agente


relativamente ao qual tem que desencadear a suscetibilidade de ver
recaído sobre si o juízo de censura- o agente tem que ser imputável-
a imputabilidade afere-se nos termos do artigo 488º CC-
suscetibilidade do agente de compreender o facto ilícito que
praticou. O Manuel é imputável? Presume-se a imputabilidade de
todas as pessoas, a não ser que estejam no regime em que já foi
declarada a sua inimputabilidade- presume-se imputáveis todas as
pessoas com mais de 7 anos. Neste caso, ele tem 8 anos- é
imputável para efeitos de responsabilidade civil. Esta presunção
verifica-se também nos casos em que há inimputabilidades
27
Márcia Elias Ferreira

temporárias- agente é inimputável, mas é possível demonstrar que


ele se colocou culposamente.
O agente presume-se imputável.
A culpa é também suscetível de um juízo de culpa aferida nos
termos do artigo 487º CC- critério do ser humano médio- juízo de
comparação através de padrões de comportamento. O ser humano
médio não vai atear fogo. Temos aqui um comportamento culposo.
Temos que graduar a culpa do agente como dolosa ou negligente.
Não conseguimos ver muito bem isto neste caso até porque o
agente é muito novo- é mais difícil fazer aqui padrões
relativamente à graduação da culpa.
Estaríamos aqui entre o dolo eventual e a negligência consciente,
mas não temos muitos dados.

4º requisito- Danos- temos pelo menos danos patrimoniais


decorrentes da destruição das árvores de fruto- o custo que tem a
reposição destas árvores de fruto.

5º requisito- nexo de causalidade- teoria clássica- teoria da


causalidade adequada- juízo de prognose póstuma, juízo de
previsibilidade ou de probabilidade. Este juízo é normativo, não é
factual.
Neste caso concreto, é previsível ou não que aqui haja nexo de
causalidade? Sim. Estão verificados todos os requisitos da
responsabilidade civil – Manuel é responsável pelos danos que
causou a A.

A questão agora que se coloca é: ele vai pagar a indemnização


sozinho ou alguém vai concorrer com ele numa responsabilidade
que se pode juntar a esta teia relacional? Sim- Maria- mãe de
Manuel. Maria não fez nada. Em princípio, não fazer nada é
irrelevante para efeitos de responsabilidade civil extraobrigacional.
Excecionalmente. pode haver uma causa de responsabilidade para
comportamentos negativos- quando temos omissões- non facere-
486º CC. Causa especial. A ilicitude dela resulta dela não ter feito
alguma coisa- ela era obrigada a intervir. Para termos uma
responsabilidade por comportamentos negativos tem que haver
28
Márcia Elias Ferreira

uma fonte jurídica do dever de atuar- lei ou negócio jurídico- neste


caso temos a lei decorrente das responsabilidades parentais.
Por não ter sido cumprida, ela é ilícita. O dever de vigilância não
foi cumprido.

Culpa- Maria- temos que ver se ela é imputável- a regra é a prova


da culpa- temos ou não uma presunção? 491º CC. Vamos ver se a
conseguimos usar ou não.
Artigo 491.º - (Responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem)

As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por
virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem
a terceiro-os danos que a criança cause a ela própria não entram neste âmbito-, salvo
se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam
produzido ainda que o tivessem cumprido.

A criança tem 8 anos, é imputável e responde nos termos da


responsabilidade civil.
O dever de vigilância e a presunção de culpa do 491º CC, não existe
para inimputáveis- existe para incapazes naturais- apesar o filho ser
imputável, não significa que ele seja capaz natural.
IMPORTANTE.
Ele é incapaz natural.
Ela é responsável por todos os danos que este menor pratique na
esfera jurídica de terceiro, a não ser que:

• Demonstre que não tem culpa- afasta a presunção de culpa e


cessa a responsabilidade civil dela- 487º CC- ser humano
médio- o que é que o ser humano médio diz- diz que ela agiu
mal- neste caso concreto ela não consegue ilidir a presunção
de culpa- ela adormeceu- não consegue afastar a presunção
de culpa.
O que pode acontecer agora é outra coisa: é ela ver afastado o dever
de indemnização que decorre do facto de ela ser responsável.
Concluindo que ela tem culpa, concluímos que ela é civilmente
responsável- o que pode acontecer é: ainda que isto tudo esteja
verificado, pode não ter o dever jurídico de indemnizar.
salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se
teriam produzido ainda que o tivessem cumprido- causa virtual
29
Márcia Elias Ferreira

A causa virtual era aquela que daria origem aos danos mesmo que
não existisse a causa real.

Se a criança não tivesse atuado, isto teria acontecido exatamente


da mesma forma.
A mãe demonstrando isto, afastava o dever de indemnizar.
1º- Responsabilidade de Jorge

Praticou o facto ou não? Sim. O facto é humano e é voluntário.


Ilícito?
Factos lícitos danosos? Não.
Ele é autor da causa virtual- não funciona-nos termos do 491º
funciona na sua relevância negativa- isto significa que isto serve
para desresponsabilizar o autor da causa real- não pode servir para
responsabilizar quem nunca praticou o facto típico. Neste caso,
daríamos origem à relevância típica da causa virtual, mas
exatamente na mesma medida daríamos relevância positiva- aqui
estaríamos a responsabilizar o autor da causa virtual.
Como é que conseguiríamos desencadear? José, por exemplo,
numa tempestade, um raio caiu e fez arder toda aquela zona- aí sim-
a mãe desresponsabiliza-se, mas não consegue imputar a
responsabilidade a ninguém.

Direito da Responsabilidade
Aula Prática Dr. Marisa Araújo
Dia 8.11.21

Caso Prático:

A, toxicodependente, decide mudar o rumo à sua vida e fazer uma


desintoxicação onde contrata um tratamento com internamento
imediato. não aguentando a ausência de estupefacientes decide sair
da clínica para conseguir algum produto. B, enfermeiro tenta
impedir a saída sendo agredido e tendo ficado inconsciente. Dirige-
se a um bar perto da clínica para comprar algum tipo de álcool.
Perante a recusa do funcionário, agride-o tentando passar-se para
dentro do balcão. para se defender, o funcionário bate-lhe com uma
carteira e não sendo suficiente dá-lhe com uma garrafa na cabeça. a
30
Márcia Elias Ferreira

carteira tinha um valioso relógio com brilhantes que ficou com o


mostrador derretido, tendo os brilhantes caído. Maria, que se
encontrava no local resolveu apanhar alguns daqueles brilhantes e
guardá-los para si. Quem responde e em que moldes no pressuposto
de que o enfermeiro, o A e o funcionário do bar sofreram danos
pessoais?

Resolução:

Quais são os danos que identificamos aqui?


Há danos aqui que não são só pessoais.
1º lugar: enfermeiro é agredido por A.
2º lugar: A é agredido pelo funcionário do bar.
3º lugar: Funcionário é agredido por A.
4º lugar: A e Maria causam um dano à dona da carteira mais relógio

Entre o enfermeiro e o A há alguma relação jurídica contratual?


Não porque o A contratou com a clínica. Responsabilidade
extracontratual- 483º do CC.
Facto voluntário- é a agressão.
Ilicitude- violação ao direito à integridade física. 70º, nº1 do CC.
Culpa- 1º- ele é imputável porque se celebrou um contrato com a
clínica tem que ter mais que 18 anos.
Esteja drogado, não esteja, é irrelevante para efeitos de atenuação?
Não. Já sabemos nos termos do 488º, nº1 do CC que só são
relevantes situações de inimputabilidade transitória não culposa.
Tudo o que seja culposo é irrelevante.
Não há imputabilidade transitória. Não há causa de exclusão da
ilicitude nem da culpa. Em termos de graduação, é uma atitude
intencional- é dolo. A intenção dele não é agredir o funcionário, a
intenção dele é sair.
Prova da culpa- cabe ao lesado- 487º, nº1- é o enfermeiro que tem
que provar a culpa.
Nexo de causalidade- ligação do facto ao dano- da agressão é
provável a consequência. 563º CC.
Dano- sabemos que são danos pessoais e sabemos que os danos
pessoais- podem ser patrimoniais (são os mais comuns) e não
31
Márcia Elias Ferreira

patrimoniais- são os mais difíceis de indemnizar- natureza moral,


ética, etc.
Quais são os danos patrimoniais? A agressão, o facto de ter ficado
com um problema na cabeça que precisa de ser tratada,
incapacidade de trabalhar, consultas no psiquiatra, etc.
São indemnizáveis pelo 562º ou pelo 566º CC- teoria da diferença.
A vai ter que indemnizar o enfermeiro. Vai poder beneficiar do
494º CC? Foi dolo logo não vai beneficiar do 494º CC.

A agride o funcionário e funcionário agride A

Aqui aplicamos: a agressão, violação da integridade física, não há


causas da exclusão da ilicitude, não há causas de exclusão da culpa,
nexo de causalidade, danos.

Funcionário para A- facto humano e voluntário


Violação da integridade física
Causa de exclusão da ilicitude- legítima defesa 337º- têm que se
verificar os pressupostos- agressão atual, é ilícita, é necessária, é
proporcional, o dano causado não é manifestamente superior ao
dano sofrido. Pode ser superior, não pode ser manifestamente
superior. Estão verificados.
A indemniza o funcionário, mas não tem direito a indemnização
perante este.

Cliente- funcionário em relação à cliente- facto voluntário? Sim.


Houve destruição. Utilizou a carteira como arma de defesa.
Destruiu o relógio.
Ilicitude- violação do direito de propriedade- 1305º CC.
Causa de exclusão de ilicitude? Estado de necessidade. 339º CC- o
comportamento não é considerado ilícito, mas há diferenças entre
estado de necessidade e a legítima defesa. 1º- legítima defesa- o
damo é causado pelo agente ao agressor. No estado de necessidade
o dano é causado a terceiro. O agressor é o A e o agente é o
funcionário. A cliente é a terceira. 2º- estado de necessidade exclui-
se a ilicitude, mas não se exclui a indemnização. Na legítima
defesa, exclui-se a ilicitude e a indemnização. Apesar de a atuação
32
Márcia Elias Ferreira

do funcionário ser considerada lícita vai lugar a indemnização-


339º, nº2 CC.

Maria- 483º, nº1 CC. Furto.

Responsabilidade da clínica- responsabilidade contratual- 798º e


seguintes.

Direito da Responsabilidade
Aula Prática Dr. Marisa Araújo
Dia 15.11.21

Manuel é proprietário de um gato preto que havia resgatado do gatil


municipal.
No dia 1.11 o vizinho, Carlos, e seus amigos, resolvem fazer uma
brincadeira do dia dos mortos. Para o efeito levaram o gato para
um ritual satânico tendo pendurado o animal à porta do cemitério
da localidade pelas patas traseiras. O animal ficou pendurado toda
a noite e no dia seguinte tinha severas lesões que acabou por
conduzir dias mais tarde à sua morte. Manuel gastou 5.000 euros
no veterinário para tentar salvar o animal, mas sem sucesso. Quid
Iuris.

Resolução:
Manuel
Gato Preto
Carlos e seus amigos

1º- identificamos o polo ativo e passivo.


Carlos e dono do gato, Manuel- responsabilidade civil
extraobrigacional
483º e ss

Facto voluntário- pendurar o gato à porta do cemitério pelas patas


traseiras- severas lesões- facto humano e voluntário- dominado
pela vontade. Temos um facto juridicamente relevante.
33
Márcia Elias Ferreira

Ilicitude- formas de ilicitude- gerais e especiais

Gerais- violação de direitos de outrem- direitos absolutos, a não ser


os casos especiais da questão eventual da questão residual de
direitos relativos no âmbito do abuso de direito ou então a prolação
de normas de proteção.

Especiais- ofensa ao crédito ou ao bom nome, as omissões,


conselhos e recomendações.

Neste caso, temos uma forma geral- violação de direito de outrem-


propriedade- direito absoluto.

Alguma causa que justifique este comportamento?


Não- está verificada a ilicitude

Culpa- aferida nos termos do artigo 487º CC, mas para termos
culpa precisamos de ver o 488º CC.
Quem é que é imputável para efeitos de responsabilidade civil?
Maiores de 7 anos presume-se todos imputáveis, a não ser que se
demonstre uma situação de inimputabilidade ou então uma situação
de inimputabilidade temporária, mas ela só é considerada se o
agente não se tiver colocado culposamente naquela situação.
Neste caso, presume-se que os agentes são imputáveis.
Colocamos uma pessoa média nas circunstâncias de tempo e lugar
do agente e comparamos os padrões de comportamento- se o ser
humano médio tivesse um comportamento diferente pode
desencadear um juízo de censura sobre o agente. O ser humano
médio jamais faria uma coisa dessas- temos aqui um juízo de
censurabilidade.
Graduação- é dolo- dolo direto.
Há culpa.

Danos- não patrimoniais- tristeza, sofrimento, etc

Nexo de causalidade- através de um juízo de prognose póstuma-


juízo de previsibilidade.
34
Márcia Elias Ferreira

É verdade que ele gastou muito dinheiro com o gato- e agora?


Se é uma coisa, é fungível, substituível por outra- o animal é
substituível, é uma coisa fungível. O animal não vale os 5.000
euros.
Artigo 493.º-A - (Indemnização em caso de lesão ou morte de animal)

1. No caso de lesão de animal, é o responsável obrigado a indemnizar o seu


proprietário ou os indivíduos ou entidades que tenham procedido ao seu socorro
pelas despesas em que tenham incorrido para o seu tratamento, sem prejuízo de
indemnização devida nos termos gerais.
2. A indemnização prevista no número anterior é devida mesmo que as despesas
se computem numa quantia superior ao valor monetário que possa ser atribuído ao
animal.
3. No caso de lesão de animal de companhia de que tenha provindo a morte, a
privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua
capacidade de locomoção, o seu proprietário tem direito, nos termos do n.º 1 do artigo
496.º, a indemnização adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha
incorrido, em montante a ser fixado equitativamente pelo tribunal.

Agora, em relação a animais de companhia, há uma expressão de


infungibilidade em relação a eles- são aqueles e não são outros- não
é possível a reconstituição natural.
Antes não existia.

Haveria alguma presunção de culpa por se tratar de animais? Não-


temos presunções de culpa para todas a pessoas que estão
encarregues a vigiar os animais.
Uma coisa é o animal e o ato praticado pelo animal por omissão de
cuidado em relação a quem está encarregue da sua vigilância. Outra
coisa é o animal ser usado como o objeto relativamente aos danos
que provoca a outra pessoa.

É preciso ter muita atenção à presunção de culpa- nem sempre se


pode usar, nomeadamente quando temos culpa do lesado.

497º CC- solidariedade passiva.

Artigo 497.º - (Responsabilidade solidária)

1. Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua


responsabilidade.
2. O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respetivas
35
Márcia Elias Ferreira

culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das
pessoas responsáveis.

Direito da Responsabilidade
Aula Prática Dr. Marisa Araújo
Dia 22.11.21

Caso Prático:

Manuel incumbiu o seu amigo Bento de ir ao Colégio buscar o filho


daquele. Durante o percurso, o carro de Manuel, em que Bento
seguia, despistou-se sem que se conseguisse apurar as causas do
acidente. O carro acabou por embater em Carla, que
inadvertidamente passava a faixa de rodagem fora da passadeira.
Carla acabou por falecer no local em virtude do atropelamento.
Quid Iuris.

Resolução:

Manuel
Bento
Carla

Responsabilidade de Bento e Carla


36
Márcia Elias Ferreira

Responsabilidade civil extraobrigacional- 483º e ss

1º requisito- facto- Manuel incumbe Bento de ir buscar o filho, mas


no percurso o veículo despista-se, embate em Carla e esta acaba
por morrer. Este facto é humano e voluntário. Facto juridicamente
relevante suscetível de desencadear responsabilidade civil.

Ilicitude- sim. Causa geral da ilicitude- 483º CC- violação de


direitos de outrem- direito absoluto- direito à vida. Não há
nenhuma causa que justifique este comportamento- está verificada
a ilicitude.

Culpa- pressuposto é o da imputabilidade nos termos do artigo 488º


CC, a não ser que haja uma situação de inimputabilidade. Todos os
maiores de 7 anos se presumem imputáveis que é o caso concreto.
Prova da culpa- incumbe ao lesado- 503º CC.
Artigo 503.º - (Acidentes causados por veículos)

1. Aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o


utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde
pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se
encontre em circulação- responsabilidade sem culpa
2. As pessoas não imputáveis respondem nos termos do artigo 489.º
3. Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que
causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora
do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1.
Requisitos- conduzir o veículo por conta de outrem- verificado, responde pelos danos
causados, salvo se… presunção de culpa- ele consegue ilidir ou não esta presunção de
culpa? 487º CC- colocamos o ser humano médio e analisamos o padrão de
comportamento. Nós conseguiríamos evitar este acidente? Não sabemos. A resposta do
ser humano médio é: não sei.

Artigo 487.º - (Culpa)- critério do ser humano médio


1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo
presunção legal de culpa.
2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom
pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

Se neste caso concreto temos um ónus de elisão de culpa, significa


que o lesante não consegue cumprir este ónus para ilidir a
presunção de culpa- vai ver recaída sobre a sua esfera jurídica uma
37
Márcia Elias Ferreira

consequência negativa- presume-se que ele tem culpa. Temos


culpa.

Danos- danos não patrimoniais


Dano à vida- ressarcível ou não- sim, nos termos do 496º CC
Artigo 496.º - (Danos não patrimoniais)

2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe,
em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros
descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos
irmãos ou sobrinhos que os representem.

O dano vida da Carla- é um dano que se vai repercutir na esfera


jurídica de terceiros- a questão que se coloca é: as pessoas que estão
no 496º, nº2 têm um dano próprio? Se não, o que é que o legislador
fez aqui?
O entendimento maioritário da doutrina é que de facto o dano vida
é indemnizável, mas não ao próprio- às pessoas que estão no 496º,
nº2.
O que se tem entendido é que este 496º estabelece um dano próprio
das pessoas que lá estão que vão receber esta indemnização porque
a lesada não pode receber- direito de crédito que se manifesta na
esfera jurídica destas pessoas.

Nexo de causalidade- 563º CC- juízo de prognose póstuma- é


previsível neste caso o facto, dano? Sim.
Artigo 563.º - (Nexo de causalidade)

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado


provavelmente não teria sorrido se não fosse a lesão.

Estão todos os requisitos verificados, significa que B indemniza. É


isso?
O facto de Carla estar fora da passadeira pode, no limite, para
efeitos de responsabilidade civil contribuir para que instituto
jurídico? 570º CC
Artigo 570.º - (Culpa do lesado)

1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou


agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das
culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a
38
Márcia Elias Ferreira

indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. No nº1


temos concurso efetivo entre culpa do lesante e a culpa do lesado, mas quando os
dois têm culpa provada.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do
lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
O que é que acontece quando o lesado dá origem ou contribui para
os danos causados pelo lesante?
Colocando o ser humano médio naquelas circunstâncias de tempo
e lugar, passaria numa passadeira. Temos aqui um juízo de
censurabilidade a recair sobre si.
Neste caso concreto, nós fomos à presunção de culpa do 503º, nº3
e de facto funciona aqui- não seria a solução mais adequada ao caso
concreto. Nas situações em que há culpa do lesado, a nossa única
hipótese é indo pelo regime regra: prova da culpa- para cairmos no
nº1. Em ambos os números temos concurso de culpas, mas no nº1
é culpa provada- no nº2 é culpa presumida do lesante. No n1º o juiz
vai ponderar a proporção da culpa de cada um e vai reduzir o valor
da indemnização a pagar ao lesado considerando a culpa do próprio
lesado. No nº2, basta que neste concurso de culpas, a culpa do
lesante seja presumida, em que cessa o dever de indemnizar.
A nossa única hipótese será ao ir ao regime regra da culpa provada
para cairmos no nº1.

Voltando um pouco atrás: conseguíamos fazer a prova da culpa


neste caso concreto?
Colocamos o ser humano médio no lugar do agente e havia ou não
o acidente? Não sabemos. Ele dizia que não sabia- assim sendo ele
não nos podia dar o padrão de comportamento.
Significaria que neste caso concreto não conseguíamos fazer a
prova da culpa.
Significa que neste caso, o B não indemniza.

Agora vamos ver se ele tem outro tipo de responsabilidade.


A haver será qual? Responsabilidade pelo risco- B.
O B é comitente de alguém? É comissário- o 500º não é para ele
É um problema do estado ou das pessoas coletivas públicas,
animais, acidentes causados por veículos automóveis? Sim- 503º,
nº1 CC.
Artigo 503.º - (Acidentes causados por veículos)
39
Márcia Elias Ferreira

1. Aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o


utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde
pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se
encontre em circulação.

1º requisito- direção efetiva- está verificado.


2º- é utilizado no seu próprio interesse? Não.
Temos aqui uma relação de comissão- quem tem interesse é o M.
Bento não paga nada.
Sobra-nos Manuel.

Responsabilidade por factos ilícitos- não.


Sobra-nos a responsabilidade pelo risco- há uma relação de
comissão- 500º- também não dá.
Artigo 500.º - (Responsabilidade do comitente)

1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde,


independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre
este recaia também a obrigação de indemnizar- artigo 500º também não dá.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo
comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício
da função que lhe foi confiada.
3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário
o reembolso de tudo quanto haja pago, exceto se houver também culpa da sua parte;
neste caso será aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 497.º
503º CC

1. Aquele que tiver a direção efetiva- informal- de qualquer veículo de circulação


terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de
comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo,
mesmo que este não se encontre em circulação.

M responde nos termos do 503º, nº1 CC. M paga a indemnização,


mas cheira a esturro.
A lesada tem culpa.
Temos que ir ao 570º, nº2 e fazer uma interpretação enunciativa.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do
lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
O lesante tem culpa-paga. Paga a não ser que o próprio lesado de
alguma forma dê origem- é razoável que o lesante não suporte toda
a indemnização relativamente aos danos porque o próprio lesado
contribui para esses danos.
40
Márcia Elias Ferreira

O legislador pensou o seguinte: nas situações em que há presunção


de culpa é muito difícil fazer a elisão da presunção. Se o lesado já
não consegue fazer a prova da culpa, mas o lesante tem contra si
uma presunção de culpa, então vamos fazer o seguinte: a prova
provada do lesado vs a culpa presumida do lesante- cessa o dever
de indemnizar.
Se o legislador entre culpa provada do lesado e culpa presumida do
lesando, o legislador diz: o lesante não indemniza.
O 570º, nº2 para além da culpa provada, versus culpa presumida
tem ainda, ainda por interpretação enunciativa uma outra situação:
culpa provada versus responsabilidade pelo risco. Este lesante
também não paga indemnização nenhuma.
Isto é importante para casos práticos de exames.

Direito da Responsabilidade
Aula Prática Dr. Marisa Araújo
Dia 6.12.21

Caso Prático:

Manuel vendeu a Bento um automóvel tendo ficado convencionado


que Manuel reservava a propriedade até que Bento procedesse ao
pagamento integral e efetivo do preço. Quanto a esta obrigação
havia ficado convencionado o pagamento a prestações – mensais e
sucessivas – vencendo-se a primeira no momento da celebração do
contrato e as restantes em iguais dias nos 12 meses subsequentes.
Dois meses volvidos desde a compra e venda uma tempestade
arrastou o carro pela rua e destrui-o completamente. Bento entende
que não deve continuar a pagar as prestações vincendas. Quid
Juris?

Resolução:

Dois pólos- duas relações jurídicas- Manuel e o Bento- relação


jurídica prévia obrigacional entre estes dois.
41
Márcia Elias Ferreira

1º- identificar qual o facto jurídico de onde emergem estes efeitos


jurídicos- vamos classificar o contrato- é um contrato típico de
compra e venda- negócio jurídico bilateral sinalagmático. Vamos
agora ver quais são os efeitos. Este contrato produz efeitos reais e
obrigacionais. Sendo o contrato sinalagmático, significa que
Manuel e Bento são devedores e credores de si próprios consoante
o feixe obrigacional- obrigacionais- pagar o preço e entrega da
coisa. Efeitos reais- transmissão da propriedade- direito real maior.
Como temos vários tipos de efeitos e vários tipos de obrigações,
vamos ver quem é que está em incumprimento ou numa
impossibilidade de cumprimento em relação a esta.
Temos um determinado preço- foi convencionado que ia ser pago
em 12 prestações.
Artigo 934.º - (Falta de pagamento de uma prestação)

Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao


comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte
do preço não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de
propriedade, importa a perda do benefício do prazo relativamente às prestações
seguintes, sem embargo de convenção em contrário.

1 das 12 prestações está em falta.


O que é que temos que analisar aqui?

1º- se a contraprestação desta prestação está cumprida- as duas


prestações, no âmbito do contrato sinalagmático são simultâneas.
O não cumprimento de uma dá lugar à suscetibilidade do outro não
ter que cumprir- dá origem a que a contraparte não a cumpra
licitamente enquanto a outra não cumprir.
A entrega da coisa já está cumprida. O pagamento do preço não foi
cumprido.
Só no 3º mês é que houve incumprimento- mora no 3º mês.
Entrega-se o carro quando o carro não é pago.
Passou-se da prestação instantânea para a prestação fracionada- ela
deixa de ser instantânea e simultânea.
Uma prestação fracionada é aquela que as partes convencionaram
que ela passasse de instantânea a fracionada. E as outras?
42
Márcia Elias Ferreira

Prestação de trato sucessivo ou continuadas- numa há perda do


benefício do prazo, na outra não- fracionada.

Enquanto, na fracionada, uma das partes tem apenas uma


contraprestação - O vendedor tem uma prestação instantânea- a
prestação dele está cumprida. No caso do senhorio, tem uma
prestação que necessariamente se tutela no tempo.
A diferença entre uma prestação fracionada de uma prestação
continuada tem a ver com o tempo, mas, é com o tempo na
conformação da prestação. Enquanto na instantânea, o tempo é
irrelevante para fixar uma e outra prestação, na continuado ou de
trato sucessivo só com o decurso do tempo é que as prestações e as
respetivas contraprestações é que se vão conformando. Porque é
que aqui não há perda do benefício do prazo? Porque as minhas
prestações de rendas sucessivas, de todos os meses tutelam-se no
tempo. Só numa delas é que pode haver a perda do benefício do
prazo. Em ambos os casos pode haver resolução.
A obrigação que é instantânea passa de uma obrigação pura para
uma obrigação não pura, ou seja, independentemente do credor
interpelar o devedor para cumprir, as sucessivas prestações só se
vencem com a verificação do respetivo prazo, ainda que ele já
tenha cumprido com a sua contraprestação.

Ex: eu sou a credora e digo ao meu devedor- cumpra e devedor diz:


mas eu tenho um prazo para cumprir, mas eu digo que ele está em
mora e que não quero saber. O devedor tem um prazo para cumprir,
mas antes do prazo, o credor interpela o devedor para cumprir.
Em regra, o prazo é constituído a favor do devedor da prestação- o
credor bem pode bater com o pé que o benefício do prazo está a
favor do benefício do devedor.

Se uma prestação é instantânea e passou a fracionada, significa que


o benefício do prazo corre a favor do devedor desta prestação. Mas,
é possível que o prazo seja constituído a favor do credor. Se o prazo
for constituído a favor do credor, ele pode renunciar ao prazo- o
devedor tem que cumprir.
43
Márcia Elias Ferreira

Importante isto: pode acontecer que o pagamento fracionado dê


origem a um segundo negócio jurídico- juros.

Na nossa situação, temos um prazo a correr a favor do devedor-


independentemente da interpelação que o credor faça, o preço é
pago em prestações nos termos do respetivo prazo.
Quanto ao efeito real- vigora em Portugal nos termos do artigo 408º
CC o chamado sistema do título- por mero do contrato há
transmissão da propriedade. Assim não acontecerá se vigorar o
sistema do módulo- ex: contrato de mútuo- não basta o contrato, é
preciso a demonstração da efetiva entrega do dinheiro. Hipoteca- é
preciso o segundo ato- registo.
Os efeitos reais têm um princípio muito importante que é o
princípio da coisificação- tem que ser uma coisa certa,
determinada, presente e tem que ser legítima- Se tivermos coisas
futuras, não determinadas, não presentes, não é possível constituir
direitos reais sobre elas.

Se a impossibilidade for originária: 401º, o contrato é nulo- a coisa


já não é possível de cumprir.

Depois de se classificar isto tudo estamos prontos para ver o regime


do cumprimento e do não cumprimento,

Neste caso, classificado, aquilo que temos que ver é:

O direito real- Apesar de vigorar o sistema do título neste caso


concreto, esta regra é supletiva- 409º CC- o proprietário pode
reservar para si o direito de propriedade até à verificação de um
acontecimento futuro e incerto.
Cláusula de reserva de propriedade- condição suspensiva- o efeito
real fica na esfera jurídica do vendedor.
A propriedade serve como fidúcia, serve como garantia.

Temos duas possibilidades: perda do benefício do prazo ou


resolução do contrato.
No caso concreto, temos a falta de cumprimento de uma prestação,
temos um regime especial do 934º CC. Só tem uma prestação em
44
Márcia Elias Ferreira

atraso- não consegue resolver e também não pode ir pela perda do


benefício do prazo. Se a prestação está em mora, juros de mora. Ele
vai pedir uma indemnização pelo atraso- juros de mora.

Ir ver de novo as aulas do lobo de obrigações

Direito da Responsabilidade
Aula Prática Dr. Marisa Araújo
Dia 13.12.21

Caso Prático:

Resolução:

Neste caso, temos Manuel e Carlos- temos responsabilidade civil


obrigacional. Temos aqui um contrato- prestação de serviços
médicos. A questão que se coloca é se há algum tipo de
responsabilidade decorrente deste procedimento cirúrgico e
havendo, em que sentido é que aquela cláusula pode resultar.
Requisitos:

1º- Facto- negócio jurídico- contrato de prestação de serviços


médicos temos um negócio jurídico bilateral- contrato
sinalagmático. Direitos e obrigações para ambas as partes- elas são
equivalentes entre si. Concretamente temos obrigação de
realização de atos médicos de acordo com as leges artis e do outro
lado temos o correspondente pagamento do respetivo preço
acordado do serviço- equivalente entre si.
45
Márcia Elias Ferreira

Ilicitude- não cumprimento de uma determinada obrigação- não


cumprimento dos atos médicos porque ele não conseguiu atingir a
tal estética que ele queria. Essa obrigação não foi cumprida.
A ilicitude é o não cumprimento de uma obrigação a que se está
adstrito- temos que ver no caso concreto qual é o âmbito da
obrigação- ela só está em incumprimento dependendo daquilo que
é a esfera ou limite de atuação imputável ao próprio médico- esta
obrigação é de meios ou de resultado. Se for de resultado, ele tem
obrigação de atingir determinado fim- ele de facto, não conseguiu
atingir. Se a obrigação for de meios, aquilo que ele está obrigado é
desenvolver todos os meios e procedimentos que a técnica médica
impõe para atingir o resultado- se o atinge ou não é indiferente.
A doutrina e a jurisprudência têm-se debatido com isto.
A regra é que, em princípio, aos atos médicos, a regra é que as
obrigações são de meios. A grande discussão que se colocava ou
que se coloca ainda hoje é essa mesma- tendencialmente elas são
de meios- nós analisamos isto casuisticamente através de um
padrão objetivo. Se de acordo com a leges artis- regras atuais da
medicina e conhecimento atual da medicina, se um ser humano
médio naquelas circunstâncias consegue ou não atingir um
determinado resultado- se sim, a obrigação será de resultado, se
não, a obrigação será de meios. Nas cirurgias estéticas a questão
colocava-se.
O médico, de facto assumiu que a cirurgia, de acordo com o que
ele queria, era particularmente complicado e o risco era elevado.
Com os elementos que temos do caso prático, estaremos no âmbito
de uma obrigação de meios e não numa obrigação de resultado- a
única coisa que o médico tem que demonstrar é que exerceu todos
os procedimentos e atos médicos de acordo com a legis artis.
Aqui presume-se a culpa do médico- presume-se a culpa em
relação ao não cumprimento de uma determinada obrigação- ele
tem que demonstrar que a sua obrigação é de meios e que em
relação àquele comportamento, ele ilide a presunção de culpa- ele
demonstra que atuou de acordo com o padrão do médico médio
colocado naquelas circunstâncias- ele só tem que demonstrar que o
procedimento médico foi de acordo com a leges artis.
46
Márcia Elias Ferreira

Se assim é, o resultado está fora da obrigação- não há


incumprimento desta obrigação- ele atua de forma negligente-
cessa qualquer pretensão indemnizatória.
Significa que aquela cláusula acessória de renúncia face à
preocupação do médico seria sempre indiferente- o médico, se
assim é, nunca estaria obrigado- ele nunca estaria obrigado a pagar
uma indemnização.
Mas a cláusula é um pouco mais ampla que isto. O médico quer
excluir uma indemnização, mas ele acaba por arrasar qualquer
pretensão indemnizatória. Os direitos de crédito, à partida, são
renunciáveis. Haverá algum problema a fazer essa renúncia?
Artigo 809.º - (Renúncia do credor aos seus direitos)

É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos


direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento
ou mora do devedor, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 800.º

2. A responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante


acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda
atos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública.

Não é nula porque ele renuncia a um direito de crédito- o problema


desta cláusula é que não é uma cláusula subsequente ao facto
alegadamente ilícito- é uma cláusula antecipatória de renúncia.
Porque é um renunciável ele é suscetível de um contrato muito
típico que é o contrato de transação- pode ser judicial ou então
extrajudicial. Normalmente, quando a transação é judicial ela
depois é homologada pelo juiz- converter a transação numa
sentença.
Pode haver uma transação extrajudicial num processo- pode estar
a correr um processo e a transação ser extrajudicial- não vai ao
processo para ser homologada pelo juiz- as partes fazem a
transação, chegam a um acordo e depois vão ao processo desistir
do processo.
A relação deixa de ser controvertida porque temos uma transação
extrajudicial e o processo finda por exceção dilatória.
Na transação judicial o acordo é levado ao juiz.

Direito da Responsabilidade
47
Márcia Elias Ferreira

Aula Prática Dr. Marisa Araújo


Dia 20.12.21

Caso Prático:

A instaurou contra B uma ação para cobrança da quantia de 9.100


euros acrescido de juros de mora por alegado incumprimento de
uma obrigação de pagamento de um contrato de empreitada.
Para o efeito alegou que a pedido da ré forneceu e aplicou ladrilhos
no interior do estabelecimento comercial previamente escolhido
pela ré junto da empresa fornecedora.
Alegou que a obra havia terminado e que emitiu a respetiva fatura
que a sociedade ré recebeu, mas, apesar de interpelada, não pagou
até aquela data.
Na contestação, a ré sustentou que o material apresentava alguns
defeitos de razão pela qual não tinha procedido ao pagamento
invocando a exceção do não cumprimento.
Pronuncie-se acerca da posição da ré.

Resolução:

Incumprimento de uma obrigação de pagamento- contrato de


empreitada
Ré sustenta que o material apresentava defeitos.

Sociedade A e Sociedade B- a existir é um problema de


responsabilidade civil obrigacional ou contratual
Facto- relação jurídica pré-existente entre as partes- contrato misto-
Temos uma compra e venda do material e depois a empreitada
propriamente dita relativamente à execução da obra.
Teoria da combinação entre um e outro
Contrato- negócio jurídico bilateral- duas declarações negociais-
contrato sinalagmático- obrigações para ambas as partes-
obrigações são equivalentes entre si- obrigação de fornecimento e
colocação de material com o correspetivo pagamento do preço-
efeitos obrigacionais-Transmissão do direito de propriedade- efeito
real.
48
Márcia Elias Ferreira

Impossibilidade objetiva do cumprimento


Prestações- elas são instantâneas e são contemporâneas.
Ilicitude- não cumprimento de uma obrigação- não pagamento do
preço- obrigação pecuniária- no caso pratico já deu origem aos
juros moratórios- já deu origem à indemnização moratória.
Culpa- presume-se. Está verificada.
Danos- prejuízos que a pessoa tem. Juros, despesas decorrentes da
cobrança do valor- advogado, registos, cartas de interpelação, taxa
de juro, etc.
Nexo de causalidade- todos os danos que resultarão do facto ilícito.
Tudo está verificado e por isso temos uma responsabilidade
obrigacional por parte do devedor do preço.
O réu na contestação vem justificar a ilicitude- vem excecionar o
não cumprimento. Exceção perentória que impede os efeitos
decorrentes da responsabilidade civil. Se ele tiver razão, esta
ilicitude fica justificada- 428º cc.
Para ter uma exceção do não cumprimento bem feita é preciso
identificar o seguinte:
• O contrato tem que ser bilateral sinalagmático e elas têm que
ser contemporâneas entre si, que neste caso está verificado.
Não é possível usar a exceção do não cumprimento quando não
existe a equivalência daquilo que não foi cumprido e aquilo que
esta a ser excecionado. Significa que, por regra, quando temos isto,
a principal situação de invocação da exceção do não cumprimento
é quando uma prestação não está cumprida o outro também não vai
cumprir.
Neste caso isso não acontece. Não obstante, a jurisprudência
entende que é possível usar a exceção do não cumprimento para as
situações de cumprimento defeituoso.
Em arrendamentos, não se deve usar a exceção do não
cumprimento.
Se o material tem defeitos, estamos no âmbito do cumprimento,
está mal cumprida, mas está cumprida em todo ou em parte.
Podemos usar a exceção do não cumprimento – esta exceção não
faz nada ao contrato- o contrato mantém-se em vigor- ainda não há
cumprimento coercivo do contrato, ainda não há indemnizações
moratórias, etc- para sabermos se é lícita ou não alguém não
49
Márcia Elias Ferreira

cumprir esta obrigação temos que olhar para a contraprestação. Ou


não é possível aproveitar de todo aquela prestação e o contrato tem
que ser declarado como incumprido definitivamente ou então
mantendo-se o cumprimento do contrato, mas é preciso interpelar
o devedor para reparar os defeitos ou não sendo possível reparar
reduzir o preço, havendo ainda interesse do credor.
Sem isto, não conseguimos invocar a exceção do não cumprimento
porque o devedor não sabe o que credor quer relativamente á
contraprestação.
Recai o ónus- Ou a obrigação não foi de todo cumprida ou tendo
sido cumprida tem que demonstrar o cumprimento defeituoso.
De duas uma: ou se exceciona o não cumprimento e diz: eu não o
cumpro porque aquela prestação, ainda que cumprida, com aqueles
defeitos, nem eu, nem o ser humano médio colocado naquelas
circunstâncias aceitaríamos esta situação- nestas situações vai
resolver o contrato porque não oferece o seu cumprimento,
entretanto, ou então quer manter o cumprimento da prestação, mas
sendo defeituosa quer alguma coisa da contraparte- tem que
interpelar o devedor dessa prestação para poder excecionar o
cumprimento do contrato- sem isso ele não está licitamente a
invocar a exceção do não cumprimento.

No caso concreto, alegadamente, a prestação foi cumprida- foi mal


cumprida- haverá cumprimento defeituoso. Ele está em
incumprimento da obrigação. Para invocar a exceção do não
cumprimento ele tem que dizer o que quer fazer. Ou ele quer
aproveitar parte da prestação, mas tem que dizer o que pretende-
ou uma redução de preço, reparação, substituição, etc.
Significa que é ilícito- não preenche os requisitos.
Apesar de termos uma exceção do não cumprimento, ela não
cumpre os requisitos- é ilícito o não pagamento daquela obrigação-
o devedor está em incumprimento da obrigação.
Ver acórdão- importante- está bem explicado.

Direito da Responsabilidade
Aula OT Dr. Marisa Araújo
Dia 30.09.21
50
Márcia Elias Ferreira

Caso Prático 1

Manuel foi ao supermercado e quando se encontrava na fila para


pagamento percebeu que se havia esquecido da carteira, mas, não
obstante, decidiu que prosseguiria à compra depois logo que fosse
possível. Quando foi confrontado com a conta informou a
funcionária dos seus objetivos tendo esta negado a entrega dos bens
ao que Manuel se insurgiu dizendo que os bens eram seus e que
não poderia ser impedido de os levar. Quid Iuris.

Resolução:

Enquadramento: Aquilo que nós tratamos na responsabilidade civil


é a suscetibilidade de impor uma sanção civil a todos aqueles que
violem um negócio jurídico, um contrato em geral ou uma fonte
legal mormente quando estamos a falar de enriquecimento sem
causa e gestão de negócios (responsabilidade obrigacional) ou
então a todas aquelas pessoas que violem um direito absoluto.
Qual a distinção entre um e outro? Diz respeito à caracterização
necessária para que direitos e obrigações nasçam na esfera jurídica
das pessoas.
• Se tivermos a necessidade de termos uma relação jurídica
previamente existente então significa que os direitos e
obrigações só nascem nas respetivas esferas jurídicas
considerando a relatividade associada às relações jurídicas se
as partes expressamente se vincularem ao cumprimento de
uma determinada obrigação com o correspondente direito que
reconhecem na contraparte.
• Não obstante, também têm fonte de responsabilidade civil
relativamente a todas aquelas situações em que os direitos se
encontram nas esferas jurídicas de cada uma das pessoas
ainda que ninguém em particular se tenha vinculado à
satisfação daquele direito.

Para se constituírem esses direitos que precisam de uma relação


jurídica (direitos relativos) - temos uma responsabilidade civil
51
Márcia Elias Ferreira

obrigacional. Para o outro lado temos todos os direitos para os


quais não é preciso uma prévia constituição de uma relação jurídica
(direitos absolutos) - oponíveis erga omnes- dever geral de
abstenção.
Esta é a grande separação regra que existe entre estes dois tipos de
responsabilidade civil.

Tipicamente, na responsabilidade civil obrigacional: temos a tutela


de interesses patrimoniais. Tipicamente os direitos relativos são
direitos de crédito- têm uma avaliação pecuniária e uma
repercussão na esfera jurídica patrimonial dos sujeitos.
Por outro lado, os direitos absolutos são tendencialmente direitos
de personalidade- insuscetíveis de avaliação pecuniária e por isso
terão sobretudo a tutela de danos não patrimoniais.
Como vamos ver mais à frente, não é obrigatório que assim seja-
discutiu-se muito se a responsabilidade obrigacional se poderia
caracterizar pela tutela relativa ao ressarcimento de direitos ou de
danos patrimoniais e a extra obrigacional para danos não
patrimoniais- nesta altura não é assim. Ainda que seja verdade que
na responsabilidade obrigacional tendencialmente não tem a tutela
de danos não patrimoniais, no limite ela pode existir sempre que se
justifique. Qual era a grande diferença? Se houvesse danos não
patrimoniais decorrentes da relação jurídica obrigacional aquilo
que se entendia é que tinha que se combinar a responsabilidade
obrigacional e responsabilidade extra obrigacional. Se houvesse
danos não patrimoniais eles só eram tutelados se depois para eles
funcionasse a responsabilidade civil extra obrigacional- hoje não é
bem assim- em princípio cada uma das responsabilidades esgota
todo o interesse digno de tutela do sujeito ativo.

Em qualquer caso a responsabilidade civil em geral visa ressarcir


danos
Ao nível da responsabilidade civil não se tutela a mera atividade
nem tentativas de atos lesivos dos direitos- na responsabilidade
civil não se tutela o desvalor da ação. Contrariamente no direito
penal, nos crimes de mera atividade ou ainda que sejam de
resultado tenham uma projeção de danosidade social tal que
justifique a censura do crime na forma tentada é possível que ainda
52
Márcia Elias Ferreira

que não se verifique a lesão efetiva do bem jurídico imediatamente


a tutela penal permite a censura do mero desvalor da ação.

No direito civil, o nosso resultado é o dano e ela (responsabilidade)


só é suscetível de ser desencadeada se provocarem algum dano na
esfera jurídica do sujeito ativo. Nós censuramos exclusivamente o
desvalor da ação quando acompanhado do desvalor do resultado-
resultado de dano patrimonial ou não patrimonial.
Quer uma quer outra têm requisitos:
• Facto;
• Ilicitude;
• Culpa;
• Dano;
• Nexo de causalidade- liga o facto ao dano.

Relativamente ao direito penal, é completamente diferente, apesar


de serem muito parecidos. O nosso nexo de causalidade é
tipicamente a tipicidade objetiva no sentido da demonstração de
um determinado nexo entre o comportamento e a lesão, violação
do bem jurídico. No direito penal falamos da teoria do risco. Aqui
falamos da teoria clássica da causalidade adequada. Nós não temos
a tipicidade objetiva no sentido do princípio da legalidade-
qualquer comportamento estando previsto ou não desde que viole
um direito absoluto, seja ele qual for, é suscetível de desencadear
responsabilidade civil. A nossa culpa também é diferente- anda ao
lado da tipicidade subjetiva da responsabilidade criminal. A
ilicitude também é diferente.

Nós tutelamos os direitos absolutos do código civil, mas porque


eles são axiologicamente relevantes e estão na constituição.

Estes requisitos para nós são:

• Não cumulativos;
A responsabilidade civil também pode ser objetiva, ou seja,
prescindir da culpa do agente (o que não acontece no direito penal).
53
Márcia Elias Ferreira

É possível, na responsabilidade civil, haver a transmissão da


responsabilidade civil para outrem (o que não acontece na
responsabilidade criminal).
O direito civil não está sujeito ao princípio da presunção de
inocência relativamente ao agente do facto ilícito- significa que ao
nível do direito civil e da responsabilidade civil temos um conjunto
de presunções de verificação ou não verificação destes requisitos
que podemos usar para imputar a responsabilidade civil a alguém,
sobretudo ao nível da responsabilidade contratual.
Presunções- invertem o ónus da prova.
Se concluirmos que sobre alguém recai uma presunção de culpa,
temos que verificar se a pessoa cometeu um facto ilícito, há dano,
nexo de causalidade- a culpa ou ele demonstra que não tem ou está
verificada.

A primeira coisa a fazer ao nível da responsabilidade civil é


concluir das duas uma:

• Ou temos uma relação jurídica, a identificamos, separamos as


suas diversas componentes, identificamos as prestações e
vemos se há alguma que não está cumprida e aplicamos a
responsabilidade contratual e o regime próprio;
• Ou então não temos uma relação jurídica e o nosso objetivo
é encontrar o direito absoluto para conseguir desencadear a
responsabilidade civil extraobrigacional.

Resolução do caso prático:

Decidir que tipo de responsabilidade civil aplicamos.


O facto de Manuel querer sair sem pagar do supermercado está
dentro da responsabilidade civil contratual ou extracontratual?
Contratual.
Em teoria do negócio jurídico demos que para o contrato
precisamos de duas declarações negociais contrapostas e
harmonizadas com exceção do casamento. O problema é que nem
sempre somos muito claros naquilo que queremos. Num
supermercado nunca se diz: “eu compro, está vendido”. Significa
54
Márcia Elias Ferreira

que temos que interpretar as posições jurídicas das partes. Desde


que estacionamos o carro até ao momento de escolher os produtos,
até mandar separar produtos, até desistir do fiambre que queríamos
comprar, até passar pela linha de caixa há todo um conjunto de
tramitações que nós temos e fazemos e por outro lado o
supermercado tem prateleiras com coisas- significa que aquilo que
temos que decidir quando não há declarações jurídicas expressas é
ver quando temos convite à contratação (antecâmara de um
eventual negócio jurídico que depois se vai praticar). Só há negócio
jurídico quando conseguirmos concluir: aquele disse que vendia e
o outro disse que comprava. O que temos que entender neste caso
é ver se é um convite à contratação e quando é que muda. As coisas
que estão na prateleira já são uma declaração de venda? Se for, a
questão é: do outro lado já há uma declaração de compra ou é um
mero convite a contratar?
Não é fácil perceber quando temos um negócio jurídico- a questão
é delicada. Delicada porque se concluirmos que até a um
determinado momento não existe ainda um contrato, significa que
no limite tudo o que acontece é um problema de responsabilidade
civil extraobrigacional mas no limite também é um problema de
responsabilidade criminal.
Se dissermos: aqui há contrato- ele saiu sem pagar mas é um
incumprimento do contrato- o direito penal diz que não tem nada a
ver com isso porque direitos relativos não são com ele.
Se dissermos: ainda não há contrato- ele saiu sem pagar e ele está
a violar um direito absolto e está a cometer um crime de furto com
repercussões completamente diferentes.
Opinião da professora Marisa: no caso prático só temos que dar a
nossa opinião (qualquer uma delas é válida). Uma delas é: a partir
do momento que entro no parque de estacionamento quero
comprar- a partir do momento em que eu autonomizo ou determino
a coisa já tenho a coisa sobre o qual versa o direito de propriedade,
entendo que a exposição dos produtos nos expositores é uma
declaração de venda e naquele momento tenho um contrato.
Outra delas é: Eu acho que só há contrato considerando a natureza
jurídica do tipo de contrato que é só quando eu pago.
55
Márcia Elias Ferreira

Se eu acho que aqui há contrato, significa que o problema é


contratual e resolvo. Se eu acho que o contrato só aparece a partir
daqui, desde que se justifique é indiferente.
Tendencialmente, há várias posições: há quem entenda que o
supermercado assim que coloca as coisas nos expositores está a
emitir declarações negociais de venda e quando nós selecionamos
a coisa, naquele momento estamos a comprar. Quando deixamos
de ter a coisa é um exercício de retratação que na falta de oposição
do supermercado consubstancia o direito ao arrependimento.
Há quem entenda que considerando a especificidade e dado que o
supermercado continua a ser uma entidade abstrata, que ele
depende da conclusão de todas as prestações do negócio jurídico
para termos efetivamente a perfeição do contrato- só no final
quando estamos a pagar é que temos negócio jurídico.
A doutrina maioritária entende o seguinte: a colocação nos
expositores dos produtos é um convite à contratação. Não serve
para concluir que há efetivamente uma declaração de venda.
Significa que a partir deste momento é preciso determinar quando
é que nós emitimos a nossa declaração de compra.
Se nós entendermos que a declaração de compra é quando eu pego
e coloco no carrinho como a exposição é apenas um mero convite
à contratação ainda não temos o contrato propriamente dito- ainda
não há perfeição negocial.
Temos o contrato quando os produtos passam na linha de caixa. A
minha declaração negocial está perfeita não só quando eu seleciono
a coisa mas quando eu a seleciono para que não restem dúvidas a
um declaratário médio que eu quero de facto comprar aquela coisa-
momento da projeção da vontade daquela pessoa.
A partir do momento que o supermercado aceita isto e ambas as
partes estão de acordo, aí sim, podemos concluir que o
supermercado já não tem um mero convite à contratação mas ele
próprio emite uma declaração de venda relativamente àqueles
produtos.
Significa que se se estragar uma coisa dentro do supermercado, se
partir uma coisa dentro do supermercado, estamos literalmente no
âmbito da responsabilidade civil extraobrigacional.
Significa por isso que no nosso caso prático, quando ele se recusou
a pagar já temos um contrato. Ele diz: mas agora as coisas já são
56
Márcia Elias Ferreira

minhas. 408º Do CC- contrato de compra e venda não sujeito a


forma obrigatória, as coisas estão determinadas, não são futuras,
não são genéricas… as coisas do carrinho passaram para a esfera
jurídica do Manuel. Manuel tem razão- nasceu na esfera jurídica do
Manuel o direito de propriedade. O Manuel em relação às compras
tem tantos poderes quanto eu em relação ao meu telemóvel- se
tentarem tirar-mo estão a violar o meu direito absoluto.
Mas ele não cumpriu. E agora?
Entrega da coisa, pagamento do preço- quer uma quer outra têm
direitos relativos associados. Supermercado- direito relativo de
crédito. Manuel- direito absoluto.
Há um problema de responsabilidade contratual. Está em causa o
não pagamento de uma quantia pecuniária. Suscetibilidade de
impor mormente judicialmente o pagamento daquele montante
acrescido dos respetivos danos que correspondem a juros.
Contra o direito absoluto, o direito relativo não pode opor-se. O
que é que o supermercado pode fazer? Excecionar o
comportamento. Os bens são de Manuel mas temos um contrato
sinalagmático, as prestações são contemporâneas (no momento da
entrega da coisa dá-se o pagamento do preço), quando um recusa o
cumprimento o outro pode licitamente recusar a contraprestação.
Eu não me oponho ao seu direito de propriedade mas posso
legitimamente não cumprir a minha obrigação- obrigação da
entrega da coisa. Dois direitos relativos em confronto- pagamento
do preço, entrega da coisa. O supermercado não se está a opor ao
direito de propriedade de Manuel.
O Manuel não sai do supermercado sem pagar o preço. Até lá nós
não temos responsabilidade civil obrigacional. A haver será uma
responsabilidade civil extraobrigacional- temos que identificar um
direito absoluto.
O supermercado tem algum direito absoluto? Direito de
propriedade.

Não confundir a exceção do não cumprimento (o legislador


reconhece aquele que não cumpre a legitimidade e a licitude do seu
não cumprimento- é o caso que temos aqui. A ilicitude está
justificada pela não violação do direito até que a contraparte
cumpra) com o direito de retenção.
57
Márcia Elias Ferreira

O direito de retenção é a suscetibilidade que alguém tem em reter


uma coisa de outrem- aqui está-se a dar origem a uma garantia do
cumprimento da obrigação. Em caso de não satisfação voluntária
da indemnização serve como garantia à sua satisfação. O direito de
retenção é a constituição na ordem jurídica de uma garantia- o
direito de retenção dá origem a um direito real de garantia. Direito
absoluto contra outro direito absoluto- como eles têm a mesma
natureza e a mesma força o legislador vai ponderar qual deles é que
deve prevalecer a cada parte.

Direito da Responsabilidade
Aula OT Dr. Marisa Araújo
Dia 7.10.21

Caso Prático:

No Tribunal de Santa Maria da Feira, a companhia de seguros


XPTO, Lda instaurou uma ação declarativa condenatória contra a
Brisa (Autoestradas de Portugal), requerendo que esta fosse
condenada a pagar-lhe a quantia de X mil euros, resultante dos
danos provocados na viatura automóvel de um segurado da autora
que em março de 2019 teve um acidente na A1, no sentido norte-
sul, ao km 280, decorrente de um choque em cadeia provocado pelo
excesso de água no piso. A autora entende que nos termos do
decreto-lei 294/97 de 24 de outubro, a ré é responsável por manter
esta via em segurança para todos aqueles que nela circulam, pelo
que tem direito a ser ressarcida do montante dos danos pagos ao
segurado. De facto, nos termos do decreto-lei foi concessionada a
58
Márcia Elias Ferreira

ré pelo estado português a exploração, conservação da A1


resultando para a concessionaria a responsabilidade pelas
indemnizações que nos termos da lei sejam devidas a terceiro.
Quid Iuris.

Resolução:

Considerações prévias que são relevantes- organização


administrativa- 1º é relevante a existência de um contrato de
concessão no caso concreto porque as autoestradas são bens
públicos, de interesse público, nomeadamente a sua utilização- são
do estado português, não são objeto de apropriação típica de acordo
com os direitos reais- no âmbito daquilo que é a descentralização
da administração pública, as concessões são uma das formas de
entidades privadas fazerem a exploração de bens sobre o domínio
público. Eles continuam a ser bens públicos ainda que ao contrário
dos outros, neste âmbito de concessão, podem ser explorados com
o objetivo de a entidade privada obter lucro como parte desse lucro
reverter para o estado português através do pagamento que resulta
do contrato de concessão. Porque são bens públicos é preciso
garantir um conjunto de garantias para que todos os todos os
cidadãos o possam fazer sem limitações. Isto é relevante porque
caso fosse o estado a fazer essa utilização, a questão não era de
direito privado, mas de direito publico, não era de um tribunal civil,
mas sim de um tribunal administrativo.

Porque temos uma concessionária, esta questão é ainda que haja


afloramentos típicos do domínio público, estamos no âmbito de
direito privado.
Houve um acidente resultante do excesso de água. A seguradora de
um dos veículos sinistrados quer ser indemnizada pelo montante
que pagou ao seu segurado, resultante deste acidente.

1º- há um problema de responsabilidade civil? Se sim, qual?


Obrigacional ou extraobrigacional.
Há aqui um contrato ou não? A doutrina diverge, por isso desde
que haja argumentos podemos usar a que quisermos.
59
Márcia Elias Ferreira

Se tivermos contrato, que contrato é que é? Sinalagmático-


prestação de serviços- nós pagamos para circular e a brisa tem a
obrigação de nos autorizar essa passagem em condições de
segurança, mediante o pagamento- uma espécie de um contrato de
prestação de serviços atípico, que neste caso, terá sido preterida
uma das obrigações da Brisa que é manter a estrada em condições
de segurança para fazer essa circulação.

Para quem entende que não há contrato, é tipicamente a posição


maioritária da doutrina e da jurisprudência- ainda que haja um
pagamento da nossa parte, nós somos beneficiários de um contrato
de concessão- o contrato que existe é essencialmente entre o estado
português e a Brisa, do qual desse contrato emerge a obrigação da
Brisa de deixar que os utentes utilizem aquela via de circulação e o
façam em segurança. A Brisa é que tem a obrigação para com o
estado português de manter aquela estrada em condições de
segurança e de autorizar a nossa passagem. O nosso valor ou o
pagamento que nós ali temos não é o pagamento desta obrigação,
é sim uma contribuição para este contrato de concessão.
É mais ou menos como existe nos hospitais públicos- todos têm o
direito à saúde e quando vamos a um hospital público é-nos
garantido integralmente o acesso à saúde. Nós pagamos- uns
pagam mais, outros menos, de acordo com a capacidade
contributiva de cada um- a chamada taxa moderadora é uma
contribuição que nós fazemos para a sustentabilidade da saúde.
Aqui seria exatamente a mesma coisa- o estado que somos todos
nós, desobrigamo-nos a manter aquela via de circulação em
perfeitas condições- damos a possibilidade a uma entidade privada
de desenvolver aquela atividade- como é evidente tem que ser
lucrativa.
Neste caso, não havendo então uma relação jurídica, a única
hipótese é recorrermos à responsabilidade civil extraobrigacional.

Se aquilo que aqui está em causa é alguém não cumprir a obrigação


de manter aquela via de circulação, temos a responsabilidade
contratual- ao incumprimento daquela obrigação que gera danos e
que será essa pessoa, verificados os requisitos, obrigada a ressarcir.
Se entendermos que não, temos que considerar que o não
60
Márcia Elias Ferreira

cumprimento daquela obrigação que resulta de contrato- é uma


omissão relevante para este efeito- deu origem à violação de um
direito absolto que é o direito à propriedade sobre o carro. Vamos
desencadear ou a responsabilidade civil extraobrigacional ou a
obrigacional.

Neste caso, a sorte de alguém receber ou não uma indemnização é


totalmente dependente de a classificarmos como obrigacional ou
extraobrigacional.

Quer num caso, quer no outro, temos que em 1º lugar:

Temos aqui uma obrigação de meios


Provar que houve um acidente que causou danos era classificar a
obrigação como uma obrigação de resultado, o que não é o caso.
Temos primeiro que classificar a obrigação. O que está em causa
é: se a Brisa fez ou não tudo aquilo que deveria ter feito para evitar
aquele resultado. Mas o que é censurável à Brisa não é ter existido
um resultado, é se fez tudo o que estava ao seu alcance para o evitar.
Se existiu ou não culpa já é outro problema. Isto permite compor a
obrigação em dois tipos de obrigações: obrigação de meios ou de
resultado- se a obrigação fosse de resultado era indiferente termos
a presunção de culpa ou a necessidade da prova da culpa porque
bastava demonstrar a existência do resultado que a brisa estava
obrigada a evitar. A Brisa não tem obrigação nenhuma para evitar
o resultado. Significa que quando nós estamos a olhar ou para a
questão contratual ou para a questão da omissão relativamente à
responsabilidade civil extraobrigacional, o âmbito da censura que
no limite podemos imputar à Brisa é se ela fez ou não tudo o que
devia ter feito para evitar o resultado. Ela pode ter feito tudo e o
resultado aconteceu na mesma- não há censura- obrigação de
meios.
Olhando para esta obrigação, que tipo de prova ou contraprova
temos para esta obrigação? Prova do facto negativo- diabólica
probatio- quer um, quer outro têm que demonstrar que alguém não
fez alguma coisa que deveria ter feito. É complicado porque ainda
que o critério que se utilize seja o critério objetivo- através do ser
humano médio- esta obrigação é de meios, prova de facto negativa,
61
Márcia Elias Ferreira

prestação duradoura- o hiato temporal do termo final e inicial são


difíceis de identificar- tudo vai depender de há quanto tempo é que
estava a chover, por que razão apareceu a água, etc.
Por causa disto, a prova ou contraprova são particularmente
difíceis- quase impossível. Isto dará origem a que usando a
responsabilidade civil extraobrigacional ou obrigacional, de facto,
neste caso concreto, a existência da presunção de culpa é relevante
porque não só facilita o trabalho de quem vai alegar os requisitos
da responsabilidade civil, como vai ditar o destino do caso
concreto.
Quem tem uma presunção de culpa a seu favor neste caso, em
princípio consegue desencadear logo uma responsabilidade civil
obrigacional e correspondente indemnização pelo não
cumprimento da obrigação.
Se estivermos no âmbito da responsabilidade civil
extraobrigacional, a situação é mais complicada para o lesado.

No código civil há 4 situações expressamente previstas em que a


culpa se presume: 491º, 492º, 493º e 503º, nº3, 1º parte- presunções
de culpa ao nível da responsabilidade extraobrigacional.
Fora do código civil, também há situações em que há presunção de
culpa. Esta é uma delas? Não se sabe-nos termos do decreto-lei há
um regime do contrato de concessão para a brisa-neste decreto-lei
há um conjunto de presunções contra a concessionaria- não se sabe
se é um problema de responsabilidade contratual ou extracontratual
porque o decreto-lei nunca especificou.
Há situações que não estão abrangidas por este decreto-lei- há
situações que estão excluídas da presunção.
Significa que se tivermos uma situação de um acidente com uma
concessionária, o regime que está no decreto-lei é o aplicável. Se
concordarmos que é a responsabilidade é contratual, de facto o
código civil desencadeia uma presunção de culpa, mas temos que
ter atenção porque nem sempre há presunções de culpa no decreto-
lei- há situações que estão excluídas.
Para esta questão, o busílis da questão é a culpa. Os outros
requisitos conseguimos dar como verificados ou não verificados-
não há problemas. O grande problema está na culpa.
62
Márcia Elias Ferreira

Em prol do princípio da especialidade, em tudo que esteja regulado


no decreto é este que devemos usar.
Desencadeia-se tipicamente e aparentemente uma presunção geral
de culpa contra a Brisa.
Neste caso concreto, de facto, o tipo de obrigação que aqui está em
causa torna a prova ou a contraprova particularmente difícil.
Não usamos nem o regime do código civil para a obrigacional se
concordarmos que é obrigacional, mas também não usamos o
regime da prova no que tange à responsabilidade civil
extraobrigacional- usamos o decreto-lei.

Importante: Na responsabilidade civil extraobrigacional, não existe


a capacidade de exercício- a imputação relativa a algum tipo de
indemnização diz respeito à imputabilidade do agente, ou seja, à
suscetibilidade ou capacidade natural do agente perceber o facto
ilícito que praticou.

Prescrição- o regime geral para a responsabilidade civil


obrigacional que no limite pode ir até aos 20 anos- regime mais
longo- a responsabilidade civil obrigacional é particularmente mais
curta- período de 3 anos, a não ser que tenhamos também um
concurso de uma responsabilidade criminal em que pode ser mais
longo.

No regime da responsabilidade civil extraobrigacional vigora a


solidariedade quando houver mais do que um lesante. Na
contratual, a regra é da conjunção- solidariedade só se as partes
expressamente acordarem ou então nos casos previstos na lei.

Direito da Responsabilidade
Aula OT Dr. Marisa Araújo
Dia 14.10.21

Caso Prático:

Manuel vivia há vários anos no Dubai, quando, depois de vários


anos, resolveu regressar à sua terra natal, uma pequena aldeia
63
Márcia Elias Ferreira

transmontana, e fazer uma visita surpresa à sua sua mãe, Maria, que
aí vivia sozinha há vários anos depois de ter enviuvado.
Quando chegou a casa da Mãe, Manuel entra na habituação de
surpresa e encontra um homem, de meia-idade, sobre a mãe, ao que
parece estar a asfixiar a progenitora. Manuel deu-lhe um soco.
Quando sentiu Manuel, este deu-lhe um pontapé que lhe deixou
uma perna partida.
Jorge era um novo namorado da mãe.
Quid Iuris?

Resolução:

Quando temos vários afloramentos, aquilo que temos que fazer é


conseguir dividi-los e analisá-los a partir daquilo que está mais
próximo da fonte da relação jurídica ou da situação jurídica.
Neste caso concreto, temos várias situações.

Responsabilidade civil- aqui o busílis da questão estará entre


Manuel e Jorge que têm uma situação em que eles se colocam
juridicamente em posições diferentes.
Qual é o primeiro feixe relacional que aqui temos?

Entre Manuel e o Jorge

A primeira coisa que Manuel faz é lançar-se sobre o Jorge- há uma


agressão imediata sobre o Jorge.
Para ter relevância jurídica, das duas uma: ou tem um negócio
jurídico entre estes dois ou então não há.
A haver alguma coisa, será responsabilidade civil
extraobrigacional- não há nenhum vínculo pré-existente entre
Manuel e Jorge.
Temos três fontes ao nível da responsabilidade civil
extraobrigacional:
• Por factos ilícitos;
• Por factos lícitos danosos;
• Responsabilidade sem culpa- responsabilidade objetiva.
64
Márcia Elias Ferreira

Seja ela qual for, o regime supletivo é o do 483º CC e ss-


responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos. Com o avançar
da análise desse regime, dependendo daquilo que falta, podemos ir
aos lícitos danosos ou à responsabilidade sem culpa.

Regime regra- 483º CC

1º requisito- Facto- facto é um pedaço da vida real que nós vamos


ver se ele tem ou não expressão na ordem jurídica. Na vida de
Manuel e de Jorge qual é o pedaço que vamos analisar?
O facto de Manuel, chegando a casa da mãe, deu um soco em Jorge-
facto do mundo ontológico.
Ele terá relevância jurídica se for humano e voluntário. Manuel é
humano- é dotado de personalidade jurídica. (pessoas coletivas
também fazem parte- personalização da coisa). É voluntário? Ele é
voluntário se for dominado ou dominável pela vontade humana- ele
é voluntário, independentemente de ele quer, não querer, de
perceber, não perceber- isso é um problema de culpa. O que nós
queremos saber na voluntariedade da ação é se se controla o
movimento mecânico que disputou o facto. Se eu tiver um
espasmo, eu não consigo controlar os movimentos mecânicos do
meu corpo. Na omissão funciona da mesma maneira. - É um
controlo que se tem sobre os movimentos do corpo.
Eu posso não o conseguir dominar, mas ele ser dominável- ações
livres na causa- pessoas que se colocaram em circunstâncias em
que não dominam o seu comportamento. Elas só não o dominam
porque se colocaram nessa posição- ex: pessoas que estão sob o
consumo de álcool e estupefacientes, pessoas que adormecem ao
volante. Apesar de não ser dominado, o ser humano médio
colocado naquelas circunstâncias dominaria. O critério é sempre
objetivo e nunca subjetivo.
Manuel controlo os movimentos e por isso temos um facto
voluntário.

2º requisito- Ilicitude- Este facto tem que ser ilícito- quando é que
é ilícito nos termos do 483º CC? A não ser que seja uma situação
de abuso de direito, ele tem que violar direitos de outrem. Também
podemos ter violação de normas de proteção em que em causa não
65
Márcia Elias Ferreira

está propriamente o direito de outrem, ainda que viole o direito


absoluto de outra pessoa- há desde logo uma censura relativamente
ao comportamento que está previsto numa norma jurídica que
independente daquilo que viola ou não, consegue proteger todos
aqueles direitos absolutos. - Ex: normas do código da estrada,
atividades perigosas- ideia de prevenção.
Neste caso temos a violação de um direito absoluto- integridade
física.
Ao nível da ilicitude, temos a ilicitude verificada, mas podemos
justificá-la. Temos que ver se ordem jurídica justifica este
comportamento. Quais as causas de justificação de ilicitude? Ação
Direta, legítima defesa, estado de necessidade, consentimento do
lesado.
A ser alguma coisa será uma legítima defesa- repelir uma agressão
sobre a mãe. A legítima defesa pode ser própria ou terceiro. Neste
caso, a ser, será da mãe. Requisitos: agressão atual e ilícita- a
legítima defesa só pode ser usada contra pessoas. Só as pessoas é
que violam a lei. Um cão não entra aqui, a não ser que estejamos a
atiçar o cão- aqui o cão é um objeto de alguém- aqui estaremos num
caso de legítima defesa. A pessoa que está a cometer a agressão é
quem está a dar um comando de voz ao cão.
Neste caso concreto, teríamos uma agressão atual e ilícita. Se, de
facto, Jorge estivesse a asfixiar a senhora. Na legítima defesa não
é possível recorrer aos meios coercivos normais e o comportamento
de Manuel era adequado para afastar a agressão atual e ilícita.
A haver alguma coisa seria legítima defesa. Qual é o problema? É
que não há legítima defesa. Não há agressão, muito menos atual,
muito menos ilícita.
Ele configurou mal. Desfasamento entre a realidade dos factos e
aquilo que Manuel perceciona. Há um erro.
Deste modo, não há justificação da ilicitude- não há legítima
defesa.
Comportamento de Manuel é ilícito.
Artigo 337.º - (Legítima defesa)

1. Considera-se justificado o ato destinado a afastar qualquer agressão atual e


contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não
seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado pelo ato não seja
manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.
66
Márcia Elias Ferreira

2. O ato considera-se igualmente justificado, ainda que haja excesso de legítima


defesa, se o excesso for devido a perturbação ou medo não culposo do agente.

É o caso aqui?
O nº2 é exclusivamente para aquelas situações em que o meio
usado ou a forma como ele se usa não é proporcional para repelir a
agressão atual e ilícita- mas, tem que ter uma agressão atual e
ilícita. Aqui não temos- não podemos usar este nº2.

Artigo 338.º - (Erro acerca dos pressupostos da ação direta ou da legítima defesa)

Se o titular do direito agir na suposição errónea de se verificarem os pressupostos


que justificam a ação direta ou a legítima defesa, é obrigado a indemnizar o prejuízo
causado, salvo se o erro for desculpável.

Quando temos um erro nos pressupostos da legítima defesa,


significa que o comportamento é ilícito. Não é um problema de
factos lícitos danosos que justificam o pagamento de uma
indemnização. O que pode acontecer é: eventualmente excluir a
culpa do agente. Se excluirmos a culpa ao agente- o erro é
desculpável, ficamos sem um dos requisitos do 483º CC. O que é
que nos sobraria? Alguma das situações da responsabilidade pelo
risco. Se não houver, acabou-se o dever de indemnizar. Há um
problema no 337º, nº2

Há um problema no 337º, nº2- a estatuição que lá está. se o excesso


for devido a perturbação ou medo não culposo do agente.
A justificação parece que nos coloca ao nível da ilicitude- parece
que se o agente tiver uma perturbação ou medo não culposo, essa
situação parece colocá-lo no campo da licitude do facto, o que é
complicado.
No 338º o comportamento é ilícito. No 337º, nº2 CC parece que
apesar do excesso, estamos no campo da licitude. A doutrina
entende que o 337º, nº2 é um problema de culpa e não de ilicitude
ou licitude- depois vemos isso.

No nosso caso prático- comportamento é ilícito- indemnização


pode ser excluída não porque o comportamento é lícito ou ilícito,
já concluímos que é ilícito, mas o erro é relevante para
67
Márcia Elias Ferreira

eventualmente afastar a culpa do agente. Pode afastar a culpa, mas


não a ilicitude.

Jorge retalia- dá-lhe um pontapé. Outra vez a mesma coisa.


A haver alguma coisa, temos uma responsabilidade civil
extraobrigacional.
Facto- dá-lhe um pontapé e parte-lhe uma perna. Facto humano e
voluntário.
Ilicitude- violação de direitos de outrem- integridade física
Causa que justifique esta ilicitude- legítima defesa própria-
agressão atual e ilícita. É possível recorrer aos meios coercivos
normais? Não. Prejuízo é manifestamente superior daquele que
resulta da agressão? Não- está verificado. Este comportamento do
Jorge é lícito.
Podemos dizer que se esgotou a responsabilidade dele? Não,
porque há situações de factos lícitos, mas que a ordem jurídica
impõe um dever de indemnização. É o caso ou não? Ex. estado de
necessidade. Não é o nosso caso. Terminou a responsabilidade do
Jorge.

Significa que o único que tem responsabilidade civil é o Manuel.


O comportamento dele é ilícito.
Agora vamos continuar no Manuel

Culpa- a culpa pressupõe- artigo 488º CC- a culpa tem como


pressuposto que o agente seja imputável. O agente é imputável
quando é capaz de querer e entender o fato ilícito que praticou. Há
uma presunção legal e presume-se que todas as pessoas com mais
de 7 anos são imputáveis. O Manuel presume-se imputável- é
suscetível nos termos do 487º ver recair sobre si um juízo de
censura, culpa. Qual é o critério que se utiliza- o ser humano médio
colocado nas mesmas circunstâncias- critério objetivo. Imputamos
ou não o juízo de censura ao Manuel? Não.
Significa que nós desculpamos a conduta ao agente. Ele não é
responsável por qualquer pagamento de indemnização.
Não há nenhuma causa de responsabilidade objetiva- 499º a 510º
CC. Não tem que pagar a Jorge nenhuma indemnização.
68
Márcia Elias Ferreira

Imaginemos que o Jorge é um assaltante- Manuel pega-lhe pelos


colarinhos, ele cai no chão. Manuel resolve pontapeá-lo até o
deixar completamente inanimado.
Neste caso. Temos uma situação entre Jorge e Maria-
responsabilidade civil extraobrigacional.
Facto- estar a asfixiar a Maria. Temos um facto humano e
voluntário.
Ilícito- Sim- violação da integridade física
Não há nenhuma causa que justifique

Quando chegamos ao Manuel em relação ao Jorge, temos uma nova


teia de responsabilidades só que agora é Manuel vs Jorge. Temos
um facto voluntário e humano.
Ilícito- violação de direitos de outrem- causas de justificação-
teremos uma legítima defesa em relação a terceiro.
Precisamos de uma agressão atual, está a decorrer ainda, ilícita.
Não é possível recorrer aos meios coercivos normais e temos uma
ponderação entre os direitos. Ele a partir de um determinado
momento entra em excesso de legítima defesa.
Aquela agressão ultrapassou qualquer limite admissível para
repelir a agressão.
2. O ato considera-se igualmente justificado, ainda que haja excesso de legítima defesa,
se o excesso for devido a perturbação ou medo não culposo do agente.

Vamos admitir que ele está numa situação de perturbação não


culposa- está justificado o comportamento. Significa que o
comportamento até aqui está em legítima defesa- a partir daqui está
em excesso- comportamento lícito.

Vamos supor que Jorge já tem umas costelas partidas, e quando o


outro vai para o pontapear ainda mais, ele consegue virar-se, dar
uma cabeçada no Manuel e o Manuel desmaia. O comportamento
de Manuel é lícito, logo Jorge nunca pode estar em legítima defesa.
Este facto agora é humano e voluntário, é ilícito porque viola a
integridade física do Manuel- não há legítima defesa.
Aquilo que se tem entendido é que isto também não é admissível,
porque significa que as pessoas, ainda que tenham dado origem a
uma agressão atual e ilícita, que sobre elas vá atuar uma legítima
69
Márcia Elias Ferreira

defesa, se se justificar também que o excesso de legítima defesa é


lícito, significa que ninguém consegue repelir aquela agressão do
outro. Significa que, no limite, estaríamos a dizer que aquele que
está a cometer um facto em legítima defesa nunca está a atuar mal
e tudo aquilo que acontecer sobre si é lícito.
A doutrina tem adaptado isto- Se nós dissermos que Manuel tem
um facto, é ilícito, mas, até aqui ele está em legítima defesa-
comportamento dele é lícito. Daqui para a frente, quando ele
começa em excesso de legítima defesa, o comportamento já é
ilícito- pode ser não culposo. Mas, agora Jorge quando se defende,
já está a atuar em legítima defesa.

Permite concluir que o excesso é ilícito, mas desculpável. Pode-se


atuar sobre quem pratica este ato em excesso, ainda que a um se
justifique um comportamento e ao outro se desculpe o
comportamento.

Direito da Responsabilidade
Aula OT Dr. Marisa Araújo
Dia 21.10.21
Caso Prático:

Beatriz, mãe de Carlos com 5 anos, contratou Ana, educadora de


infância, para fazer babysitting ao seu filho durante o período de
quarentena, considerando-se que uma auxiliar do colégio testou
positivo para a covid 19.
Carlos, a criança, abeirou-se de uma das janelas da casa e começou
a atirar brinquedos para a rua que iam caindo no carro de Daniel
que se encontrava estacionado por debaixo da aludida janela.
Um deles partiu um vidro de um carro, os demais amoldaram o
capô da viatura. Quid iuris?

Resolução:

1º- analisar a responsabilidade: das duas uma: ou temos vários


sujeitos, mas só temos um facto- concurso de lesantes, em que
todos eles praticam um determinado facto, ou, ainda que só um
70
Márcia Elias Ferreira

tenha feito, eles vão sendo chamados à responsabilidade pelos


comportamentos uns dos outros. Ou então, temos vários lesantes e
vários lesados- temos várias teias de responsabilidade. Aqui temos
um único facto- um único lesado e um único dano.
Pessoas que estão mais próximas deste facto- criança, Carlos.
Responsabilidade civil extraobrigacional.
Facto- atirou os brinquedos para o carro de Daniel- 483º
Ilicitude- violação de direitos- direitos absolutos- propriedade
Facto ilícito
Culpa- temos que desencadear um juízo de censurabilidade nos
termos do 487º CC. Para esse efeito temos que ter um agente que
seja imputável- nos termos do 488º, são imputáveis os maiores de
7 anos. Até lá não. Daí para cima presume-se imputáveis. Carlos
tem 5 anos. Como Carlos é inimputável, não pode cair sobre ele
nenhum juízo de culpa. Cessa a responsabilidade civil do Carlos.

A questão agora que se coloca é: há alguém responsável pelos


factos danosos praticados pelo Carlos?
Temos aqui duas pessoas: Mãe, Beatriz e Ana
Beatriz e Ana não fizeram nada- no limite, para efeitos de as
responsabilizar, só o conseguiremos fazer se conseguirmos
censurar o nada fazer delas. Causa especial de ilicitude que está
prevista no 486º- omissão.
Temos que olhar para o polo ativo e passivo.
No polo passivo queremos ressarcir os danos provocados num
determinado polo desta situação. Violação do direito absoluto dele.

As omissões são excecionais- elas só são fonte de responsabilidade


civil se nos termos do artigo 486º, se alguém estiver obrigado a
atuar numa determinada circunstância. Obrigado através de lei ou
negócio jurídico.
Elas deviam atuar ou não?
Beatriz- fonte das responsabilidades parentais- pela lei- mãe tem o
dever de atuar
Ana- pelo negócio jurídico
Para cada uma delas temos que analisar a eventual responsabilidade
que decorra do não cumprimento da obrigação.
71
Márcia Elias Ferreira

Ao termos uma omissão, ela é ilícita. Culposa ou não? As duas são


imputáveis.

Comecemos por Beatriz: quando temos esta situação, temos


tipicamente uma das causas em que excecionalmente funciona aqui
uma presunção de culpa. Se temos a presunção, vamos usá-la. Nem
sempre é assim. Há situações, em que a única coisa para
conseguirmos alguma coisa é fazer a prova da culpa. Não é que
acontece aqui.
Neste caso, porque temos um dever de vigilância em relação a um
inimputável- sendo incapaz natural, cada uma delas tem na sua
esfera jurídica, uma presunção de culpa. 491º CC.
Artigo 491.º - (Responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem)

As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por
virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem
a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os
danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.

Beatriz tem uma presunção de culpa- Presume-se que Beatriz tem


culpa pelos danos que o Carlos causou a terceiros. Ela ilide ou não
esta presunção de culpa? Ilide. Considerando o negócio jurídico
que fez com Ana, ela cumpriu a sua obrigação ainda que não a
vigiando diretamente.

Ana- omissão decorrente de um contrato- presume-se culpa nos


termos do 491º CC. Ela pode tentar ilidir esta presunção? Não.
Ela não ilide a presunção de culpa- Ana tem culpa.

Danos- Carlos provocou danos- valor patrimonial correspondente


à reparação destes danos.

Nexo de causalidade entre o facto e o dano- teoria da causalidade


adequada através de um juízo de prognose póstuma.
Ana é responsável por todos os danos que estão na esfera jurídica
do Daniel.
72
Márcia Elias Ferreira

Há casos em que se o inimputável tem uma boa situação financeira,


o outro não, é possível haver alguma distribuição do valor da
indemnização.

O 491º tem uma segunda opção que é: ela não consegue afastar a
presunção de culpa, como seria o caso concreto, mas há outra
opção: relevância negativa da causa virtual- o agente não
conseguindo ou não precisando de afastar a presunção de culpa,
ainda que haja culpa no caso concreto, ele não se desresponsabiliza,
mas não paga a indemnização- quando demonstrar que os danos se
teriam produzido de igual forma. Se teriam produzido- significa
que os danos não se produziram. A causa real é esta que está aqui,
a causa virtual é: se esta não tivesse existido, teria havido outra
coisa e nessa outra coisa, acontecia a mesma coisa que aconteceu
aqui. Se ela conseguir provar isto, há danos, há culpa, há nexo de
causalidade, há omissão, mas ela fica sem necessidade de pagar a
indemnização no caso concreto.
Isto é particularmente complicado- não aconteceu, não deu origem
aos danos e nós estamos a desresponsabilizar o autor da causa real.
Isto não é de qualquer maneira.
1º- causa virtual só nas situações em que o legislador
expressamente o admite; nunca pode ser usada.
2º- ela só funciona na sua relevância negativa. Só é possível lançar
mão desta causa virtual quando seja exclusivamente para
desresponsabilizar o autor da causa real- não serve para
desresponsabilizar outra pessoa- a causa virtual não serve para
afastar a responsabilidade de um e imputar responsabilidade a
outro. A causa virtual só funciona na sua relevância negativa- se
der origem à relevância positiva, à responsabilização de quem não
é o autor da causa real acabou-se.
3º- Temos que concluir do caso concreto que o lesado suportaria os
danos- tem que dar origem à ideia de que o lesado não teria
ninguém a quem imputar a responsabilidade do caso concreto. Ex:
causas naturais.
Ex: veio aterrar uma árvore vinda não sei de onde em cima do carro
de Daniel. Há uma causa virtual que daria origem aos mesmos
danos ou até mais. Consigo desresponsabilizar-me e não
responsabilizar ninguém. Nesta situação, o lesado suportaria os
73
Márcia Elias Ferreira

danos de qualquer forma- fica com todos os danos e pronto. Isto


acontece em situações excecionais.

Direito da Responsabilidade
Aula OT Dr. Marisa Araújo
Dia 28.10.21

Caso Prático:

Senhora teve um filho, resultado de uma má-formação congénita-


o médico não diagnosticou a má-formação durante a gravidez- a
criança nasceu sem rosto- a criança tem poucos membros.
74
Márcia Elias Ferreira

Nunca será autónomo e tem uma esperança média de vida de cerca


de 15 anos. Precisa de medicamentos, etc. A mãe Gasta 1800 euros
por mês. Na ecografia as patologias eram detetáveis- veio a provar-
se- certeza científica.
Qual é a responsabilidade?
Quid Iuris?

O que fazer?

As má formações da criança são congénitas- o médico não


provocou essas más formações- a mãe também não provocou as
má-formações.
O médico não provocou as más formações- elas são congénitas-
deu origem a uma patologia.
Sabemos que na ecografia as patologias eram detetáveis.
Ele diz que viu aquilo que não existia.
A leges artis- padrão de comportamento- conhecimento médico:
O padrão de comportamento é: ele teria que ter detetado e deveria
ter identificado a patologia. Ele não fez e a criança nasceu com as
patologias.
Quid Iuris?
Responsabilidade civil- o médico não causou nenhuma patologia à
criança. Não há responsabilidade criminal do médico.
Há responsabilidade civil? A haver uma teia de responsabilidade é
entre a mãe e o médico. Há negócio jurídico ou não? Não há-
utilização de um hospital público e direito à saúde.
Se for um hospital privado há um negócio jurídico entre o paciente
e a entidade que contratamos.

Estaremos mais próximo da responsabilidade civil


extraobrigacional.
Entre a Beatriz e o Carlos- 483º do CC
Facto humano e voluntário- qual é? A haver alguma coisa é uma
omissão- ele não diagnosticou as patologias físicas. As omissões
só são relevantes no 486º do CC desde que se conclua que ao
contrário das outras situações, por regra, que nada fazer se cumpre
um dever, que neste caso concreto alguém está no polo oposto- está
obrigado a atuar- há duas fontes do 486º:
75
Márcia Elias Ferreira

Temos que encontrar a lei ou o negócio jurídico- neste caso só pode


ser a lei. Legis artis impõe que ele conseguisse no caso concreto
diagnosticar. Tínhamos uma obrigação do médico de diagnosticar-
incumpriu uma omissão- 486º- fonte especial de ilicitude- temos
em seguida que verificar a ilicitude. Temos um facto negativo- non
facere- que é ilícito decorrente de ele não ter diagnosticado as
patologias.
Culpa- 488º CC
Ele é imputável ou não? Sim, é imputável
487º do CC- critério do ser humano médio como padrão de
comportamento. O critério de comparação é com o médico médio.
Um médico médio teria diagnosticado. Se estamos no âmbito de
uma omissão, de um dever, de uma obrigação de atuar- Obrigação
de meios ou uma obrigação de resultados? Obrigação de resultados.
Ele estaria obrigado a diagnosticar- O médico tem culpa.

Responsabilidade- 1 semana de janeiro

Quarta- Teórica- 5 janeiro


Quinta- OT- 6 janeiro
Sexta- Teórica- 7 janeiro
Aula Extra de Terça- dia 11

Aula Teórica- 5 de janeiro


76
Márcia Elias Ferreira

Manuel- proprietário de uma galeria de arte


Coleção de óleos
Acabou por vender no primeiro dia a maior parte dos quadros
Termo da exposição- dali a um mês
Manuel acordou com os adquirentes do quadro que os mesmos
seriam entregues no dia seguinte ao do encerramento da exposição

Manuel não fez a entrega porque na noite anterior um violento


incêndio de causas desconhecidas destruiu a galeria de arte e todo
o recheio que ali se encontrava.

Resolução:

Em primeiro lugar temos que ver se existe ou não existe uma


relação jurídica entre as partes- existe uma relação jurídica
obrigacional complexa que resulta da celebração entre devedor e
credor de um contrato de compra e venda, tal como se encontra
definido no artigo 874º CC, com liberdade de forma uma vez que
não se tratam de imóveis, 879º, e com os efeitos do 879º CC- efeitos
reais- a transmissão da propriedade, e efeitos obrigacionais-
entrega da coisa e pagamento do preço. Este contrato celebrado
entre o galerista e os adquirentes dos quadros têm alguma cláusula
acessória? Sim, porque só seriam entregues no dia a seguir ao do
77
Márcia Elias Ferreira

encerramento da exposição- isto é um termo- acontecimento futuro


e certo- ou seja, quando há transmissão do direito de propriedade
em geral dá-se a transferência do risco nos termos do 796º CC, mas
estamos no âmbito da exceção do artigo 796º, nº2 CC.
2. Se, porém, a coisa tiver continuado em poder do alienante em consequência de
termo constituído a seu favor, o risco só se transfere com vencimento do termo ou a
entrega da coisa, sem prejuízo do disposto no artigo 807.º
Caímos dentro da responsabilidade civil obrigacional e temos que
aferir se há responsabilidade obrigacional ou não há.
Como é que nós fazemos essa aferição?
Para haver responsabilidade obrigacional é necessário que haja um
requisito essencial: culpa. O 799º diz-nos que se presume a culpa
do devedor. O Manuel aqui consegue ou não ilidir a culpa? Sim.
Diz que é um incendio fortuito que consumiu os quadros.
Conseguindo ilidir a presunção de culpa caímos no âmbito de um
instituto o não cumprimento não é imputável, logo caímos no
campo da impossibilidade. Trata-se de uma impossibilidade
objetiva ou subjetiva? Objetiva. Superveniente ou originária?
Superveniente. 790º CC.
1. A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não
imputável ao devedor.
2. Quando o negócio do qual a obrigação procede houver sido feito sob condição ou
a termo, e a prestação for possível na data da conclusão do negócio, mas se tornar
impossível antes da verificação da condição ou do vencimento do termo, é a
impossibilidade considerada superveniente e não afeta a validade do negócio.

Para além do mais estamos perante uma impossibilidade definitiva


e não temporária.
Manuel desse modo não terá que entregar os quadros. E o que é que
se passa em relação aos credores? Vão ter que pagar? E aqueles que
tiverem pago? Podem reaver o seu dinheiro.
3. Se, porém, a coisa tiver continuado em poder do alienante em consequência de
termo constituído a seu favor, o risco só se transfere com vencimento do termo
ou a entrega da coisa, sem prejuízo do disposto no artigo 807.º
A regra geral é a do 795º. A solução para o credor quando ocorre
impossibilidade objetiva superveniente é que o mesmo fica
desonerado da sua prestação e tem direito a ser reembolsado. Há
um regime específico dos contratos quod effectum- 796º, nº1-
ainda que o devedor fique desobrigado da sua prestação, o credor
terá que pagar o preço- perde aquilo que tiver prestado e é obrigado
78
Márcia Elias Ferreira

a pagar- propriedade transfere-se por mero efeito do contrato. Só


que nós estamos no âmbito de uma exceção a esse princípio- é o
termo.

b) a entrega não aconteceu porque Manuel se sentiu mal e foi


hospitalizado de urgência. António quer reaver o dinheiro que
pagou pelo quadro.
Estamos perante uma impossibilidade temporária- não foi uma
situação prevista nem calculada. Estamos também perante uma
impossibilidade superveniente só que neste caso temporária. É um
facto que o quadro não foi entregue. António não irá reaver o
dinheiro.
Artigo 808.º - (Perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento)

1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na


prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado
pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
2. A perda do interesse na prestação é apreciada objetivamente- ser humano
médio

Não é por atrasar 1 dia, a não ser que fosse um prazo absolutamente
fixo, que isso é relevante. A pessoa média é aquela que não fica
furiosa por um atraso razoável.
487º CC
2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de
família, em face das circunstâncias de cada caso.

Manuel emprestou automóvel a B


B ia passear com as amigas
79
Márcia Elias Ferreira

Caminho de regresso- virtude de rebentamento de um pneu-


despista-se e acaba por atropelar Carlos que estava no passeio-
partiu uma perna

a) Quem responde pelos danos causados a Carlos

Artigo 503.º - (Acidentes causados por veículos)- responsabilidade pelo facto

1 . Aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e


o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde
pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se
encontre em circulação.
2. As pessoas não imputáveis respondem nos termos do artigo 489.º
3. Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que
causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora
do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1.

Benedita está a conduzir um veículo no seu interesse- tem a direção


efetiva- responde pelo 503º, nº1 CC. E o Manuel? Que tipo de
relação existe entre Manuel e Benedita? É uma relação de
comodato de curta duração- Manuel responde com Benedita? Sim,
também responde- tem um interesse espiritual ou moral.
Respondem ambos solidariamente pelo 503º, nº1, solidariamente
nos termos do 507º CC.
----------
Artigo 507.º - (Responsabilidade solidária)

1. Se a responsabilidade pelo risco recair sobre várias pessoas, todas respondem


solidariamente pelos danos, mesmo que haja culpa de alguma ou algumas.

b) Carlos estava a atravessar fora da passadeira


Artigo 570.º - (Culpa do lesado)

1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou


agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das
culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a
indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do
lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
80
Márcia Elias Ferreira

Artigo 505.º - (Exclusão da responsabilidade)

Sem prejuízo do disposto no artigo 570.º, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do


artigo 503.º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a
terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do
veículo.

Porque é que não podemos ir pelo 505? Porque o que motivou o


acidente foi o rebentamento do pneu. A situação sempre ocorreria
independentemente de Carlos estar fora ou dentro da passadeira.
Em termos de resultado é o mesmo irmos pelo 570º ou pelo 505º,
mas são situações diferentes.

Havendo culpa do lesado, faz-se a interpretação enunciativa e fica


excluída a obrigação de indemnizar.
Acrescentar no 570º, nº2- mais risco. Se se excluiu a obrigação de
indemnização do lesado nas situações de presunção de culpa do
agente- lesado nos termos do 572º CC tem culpa provada- só a
culpa provada é que é relevante para concurso de culpas- por
maioria de razão, numa situação de risco em que não há de todo
culpa, nem presumida, nem provada, não fazia sentido pôr o agente
a responder.
81
Márcia Elias Ferreira

Maria e António deixam filho Manuel (15 anos) aos cuidados da


empregada Ana.
Manuel enquanto Ana dormia, foi para o jardim de A e ateou um
pequeno fogo que se alastrou.
Manuel sofreu queimaduras e está no hospital

a) Quem responde pelos danos do incêndio?

Temos dois lesados- A e M.


Danos do A- em primeiro lugar responde o Manuel porque o
Manuel é imputável- tem mais de 7 anos nos termos do 488º CC-
responde o Manuel por ação danosa. Solidariamente com o Manuel
vai responder a Ana. 491º- Manuel é imputável e incapaz- tem
menos de 18 anos.
Manuel e Ana respondem solidariamente pelos danos causados a
A. Maria e António, sendo pais, também responderiam, nos termos
do 491º porque têm presunção de culpa, só que vão conseguir ilidir
essa presunção na medida em que contrataram uma experiente
funcionária para tomar conta do filho durante aquele período.
497º- só responde a A e o M. Manuel responde por ação danosa e
a Ana responde por omissão do dever de vigilância- 483º, 486º,
491º
82
Márcia Elias Ferreira

Queimaduras de Manuel- responderia a Ana pelo 483º, 486º, 487º

b)- incêndio- raio cai- relevância negativa da causa virtual- quando


acontece esta relevância negativa da causa virtual fica excluída a
obrigação de indemnizar a que se refere o 491º CC. Neste caso
aplica-se a causa virtual porque foi uma causa natural- já não seria
assim se o incendio fosse causado por um incendiário. Só é
relevante em termos negativos se for causada por factos da
natureza, causas naturais. Excluía-se aqui a obrigação de
indemnizar da Ana- não se excluía de Manuel- causa virtual não se
aplica a Manuel- a causa virtual só se aplica aos casos em que está
expressamente prevista

Quinta- OT- 6 janeiro

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

O que se está a discutir é a eventual responsabilidade civil de dois


proprietários: eles são proprietários cada um deles, o autor e o réu,
de dois terrenos que confrontam numa das extremidades- os
terrenos são vizinhos- o autor, no seu terreno tem uma casa com
um logradouro e o vizinho do lado teve autorização para construir
um armazém, uma unidade fabril, mas ele decidiu também fazer
um muro à volta do seu terreno com cerca de 10 metros de altura.
O vizinho, o autor desta ação, não satisfeito com aquilo, pediu à
camara municipal para fazer uma verificação à construção que
estava a ser feita pelo proprietário e a camara municipal concluiu
que a pessoa que estava a construir a unidade fabril- réu-
ultrapassou a capacidade construtiva do terreno em mais de 100
metros quadrados relativamente ao processo aprovado na camara e
a respetiva licença de construção. Os inspetores da camara fizeram
um embargo à obra que o réu não cumpriu e continuou a construir.
Ficou ainda dado como provado que o terreno do autor teve uma
desvalorização em 25.000 euros. A questão que se coloca é se
existe responsabilidade civil e se sim, com que fundamento.

Resolução:
83
Márcia Elias Ferreira

Estamos perante uma responsabilidade civil extraobrigacional- não


há uma relação jurídica pré-existente entre lesado e lesante- a haver
algum tipo de responsabilidade ela será de natureza
extraobrigacional.
Quando temos uma responsabilidade civil de natureza
extraobrigacional, qual é aquela que nós analisamos em primeiro
lugar? A responsabilidade civil por factos ilícitos nos termos do
artigo 483º CC. Começamos pela responsabilidade regra, do 483º
CC.
1º requisito- facto humano ou voluntário- neste caso, a construção
para lá daquilo que foi aprovado pela câmara- é voluntário? É
dominado pela vontade humano- por regra, o facto na
responsabilidade civil extraobrigacional é ativo, positivo. Só
excecionalmente é que as omissões são relevantes.
2º requisito- ilicitude- quais são as fontes de ilicitude para a
responsabilidade civil extraobrigacional?
• Fontes Gerais- 483º- violação de direitos absolutos, normas
de proteção.
• Fontes Especiais- temos as omissões, ofensa ao crédito ou ao
bom nome, conselhos e recomendações
Neste caso a fonte de ilicitude é uma fonte geral do artigo 483º CC,
violação de um direito absoluto- direito de propriedade do autor.
Como é que o direito de propriedade do autor foi violado? A
violação do direito absoluto não significa necessariamente arrasar
em absoluto os poderes inerentes a cada um desses direitos.
Pode ser uma limitação em relação a esse direito. Quais são os
poderes do direito de propriedade? Usar, fruir, dispor. Basta que
um destes tenha sido afetado para nós termos a licitude. Neste caso,
houve uma frustração da utilidade económica que o bem teria- o
direito de propriedade é um direito patrimonial- a sua vertente
económica. O seu poder de disposição está de facto afetado- foi
violado pelo comportamento do outro porque há a vertente
económica associada ao direito de propriedade.
Deste modo temos ilicitude.
3º Requisito- Culpa- é ao lesado que incumbe o ónus da prova na
responsabilidade civil extraobrigacional- ele tem que provar a
culpa. Para isso, o lesante réu tem que ser imputável- 488º CC- ele
84
Márcia Elias Ferreira

é imputável. Depois fazemos um juízo de censurabilidade nos


termos do 487º CC. Este juízo de censurabilidade é feito
objetivamente- através do critério do ser humano médio-
colocamos esse ser humano médio nas circunstâncias de tempo e
lugar do agente- o ser humano médio faria o que o agente fez ou
não? Não. Temos aqui um dolo em relação ao comportamento do
agente- resta saber se o dolo é direto ou eventual- temos culpa
provada.
4º requisito- Dano- Dano patrimonial- desvalorização do terreno
5º requisito- Nexo de causalidade- 562º CC- teoria da causalidade
adequada usando um juízo de prognose póstuma- se daquela
conduta é previsível aquele resultado. Como é que se fazia o
ressarcimento deste dano? Reconstituir a situação que existia se o
direito não tivesse sido violado- reconstituição natural é a regra-
566º CC- a indemnização em dinheiro só é feita se não for possível
a reconstituição natural. Sim, neste caso é possível a reconstituição
natural- o réu teria que destruir aquilo que havia construído. Pode
também haver uma combinação entre uma e outra.

Sexta- Teórica- 7 janeiro

Duas aulas- Turma A- aula que não é minha


Aula extra- dia 11
85
Márcia Elias Ferreira

E vende a Alfredo um antigo crucifixo


Ficou acordado que seria entregue na semana seguinte- A teria que
fazer o pagamento
a) E sentiu-se mal e teve que ser hospitalizado- dois dias depois,
Alfredo recusou-se a receber o crucifixo e disse-lhe que
lamentava o sucedido, mas que perdera o interesse no objeto-
já não teria que pagar.

Existe uma relação jurídica obrigacional complexa- existe um


contrato de compra e venda entre E e A- 874º CC, 875º, 879- efeitos
reais e obrigacionais. 408º CC. É irrelevante se o pagamento e a
entrega só são feitas na semana seguinte- já se transferiu a
propriedade. Estamos no âmbito da responsabilidade civil
contratual- temos uma presunção de culpa do 799º CC- o E vai
conseguir ilidir uma vez que tem um motivo justificado. Não se
verificando a culpa de E, caímos no cumprimento não imputável,
ou seja, na impossibilidade. Estamos no âmbito de uma
impossibilidade superveniente só que é temporária, não definitiva.
Se fosse definitiva teríamos que usar o 790º para a impossibilidade
objetiva ou o 791º para a impossibilidade subjetiva. Neste caso é
uma impossibilidade temporária porque ele recuperou 2 ou 3 dias
depois.
792º CC- o interesse afere-se objetivamente nos termos do 808º,
nº2- ser humano médio- 487º, nº2- entregar a peça 2 ou 3 dias
depois não é considerado motivo para a perda do interesse, a menos
que tivesse sido expressamente previsto no contrato que o prazo
era fixo.
Ao recusar o crucifixo, A vem incorrer em mora do credor- 813º
CC- credor está em mora quando sem motivo justificado recusa
receber a prestação ou quando não cria as condições necessárias
para esse efeito.
86
Márcia Elias Ferreira

E- regressou com o crucifixo e pelo caminho foi assaltado tendo


sido furtado o valioso objeto.
Sabemos que o Alfredo está em mora- temos que ver quais as
consequências da mora- 814º e 815º- não há dolo por parte do
devedor.
Artigo 815.º - (Risco)

1. A mora faz recair sobre o credor o risco da impossibilidade superveniente da


prestação, que resulte de facto não imputável a dolo do devedor.
2. Sendo o contrato bilateral, o credor que, estando em mora, perca total ou
parcialmente o seu crédito por impossibilidade superveniente da prestação não fica
exonerado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a
extinção da sua obrigação, deve o valor do benefício ser descontado na
contraprestação.
Inversão do risco- antes era o credor que estava em mora- agora é
o devedor que está em mora- inverte-se o risco e o devedor só
responderia se tivesse atuado com dolo, logo o credor vai ficar sem
o crucifixo e vai ter que pagar o mesmo.
No nº2, isto sem prejuízo de obviamente, vendo quem foi o autor
do furto poder vir, independentemente da responsabilidade
criminal, poder vir acionar o 483º, nº1 contra o assaltante e pedir a
indemnização pela violação do direito de propriedade.
87
Márcia Elias Ferreira

E vende a A um antigo crucifixo que pertencia à família.


Crucifixo seria entregue na semana seguinte
1. E foi assaltado tendo ficado sem o mesmo.
Impossibilidade definitiva- ver resolução
2. Aqui temos uma impossibilidade originária- porquê? No
momento em que o contrato é celebrado a prestação já não é
possível (a diferença está no momento em que ocorre a
impossibilidade). O regime é do 401º e que remete para o
286º e 289º. Alfredo não tem que pagar.

Importante:

Na responsabilidade contratual é importante distinguirmos dois


tipos de situações:
• se estamos no não cumprimento imputável- temos
responsabilidade e haverá lugar a indemnização
• se estamos no não cumprimento não imputável-
impossibilidade- tipo de contrato- se for um contrato bilateral
em que haja a transferência de propriedade aplica-se o 796º
CC, senão aplicamos o 795º em que o credor fica também ele
desonerado da prestação. Na responsabilidade contratual só
88
Márcia Elias Ferreira

há dois caminhos: ou a resolução do contrato onde em


princípio não há lugar a indemnização ou a manutenção do
contrato.

Aula Teórica

M vendeu a B toda a sua produção de vinho de 2014


Preço seria pago aquando da entrega aprazada para 15 dias depois

a- no dia seguinte houve um vendaval que fez ruir a adega


destruindo tudo o que se encontrava nela

Temos uma relação jurídica obrigacional resultante de um contrato


de compra e venda- 879º, 408º CC.
Que tipo de obrigação é esta? Obrigação específica ou obrigação
genérica? Específica- toda a produção de vinho de 2014- está
individualizada. Sendo específica, sabemos que houve
transferência da propriedade nos termos do artigo 408º, nº1, 879º-
89
Márcia Elias Ferreira

juntamente com a propriedade transferiu-se o risco nos termos do


796º, nº1, logo o risco já corre por conta de B. B fica sem a
produção, mas vai ter que a pagar.

b- Ela quer ser indemnizada pelos lucros cessantes- ela quer ser
indemnizada pelo prejuízo que sofreu, como também pelos
lucros cessantes- quer ser indemnizada pelo interesse
contratual positivo. Ou seja, interessa-lhe a resolução do
contrato? Não. Estamos perante não cumprimento imputável.
Estamos numa situação de mora- 804º, nº2 CC.
B para ir para a responsabilidade contratual tem que fazer
uma interpelação admonitória- tem que dar um prazo
razoável com a cominação- 808º- ela vai ter que dizer que
quer ser ressarcida por todos os prejuízos sofridos- para pedir
a indemnização ela tem que pagar a parte dela. Não tem
interesse ir pela resolução do contrato.

C- aqui já houve perda de interesse por parte dela- 801º, nº1


primeira parte- ela tinha um evento marcado para esse mesmo dia
e teve que ir adquirir a outro fornecedor- há perda objetiva de
interesse- há lugar à resolução do contrato.

D- impossibilidade originária- 401º, 286º, 289º CC. Na originária


quando o contrato é celebrado já não é possível realizar a prestação.
O regime é não o do artigo 790º, mas sim o do artigo 401º que
determina a nulidade. O objeto tem que ser possível, determinável
e lícito- deixa de ser válida a relação obrigacional. Tem que ser
reposta a situação que existia antes do momento da celebração do
90
Márcia Elias Ferreira

contrato, ou seja, tudo o que tiver sido prestado pelas partes tem
que ser devolvido. Se fosse uma questão de impossibilidade
superveniente, seria definitiva, 790º, nº1 e depois temos o 795º e o
796º que se aplica aos artigos quod effectum- o credor é obrigado
ao pagamento do preço.

1. Não consegue ilidir a presunção de culpa porque diz-se “por


causas não apuradas”
Ricardo também responde- comitente e detentor proprietário
2. Amélia já não esta no exercício de funções.

Aula extra- dia 11

503º, 3- se houver culpa do lesado fica excluído o dever de


indemnizar
Só se pode falar na causalidade virtual nos casos previstos no 491º,
492º e 493º, 1- a causa virtual só pode ser usada quando está
prevista.
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Márcia Elias Ferreira

Importante- Professor Lobo- rever isto

Havendo incumprimento da obrigação das duas uma: ou o


incumprimento é imputável ou o incumprimento não é imputável.
Há uma presunção de culpa quanto ao incumprimento das
obrigações que está prevista no artigo 799º do CC. Se o
incumprimento é imputável vai gerar responsabilidade civil
contratual. Se o incumprimento é não imputável não gera
responsabilidade civil contratual e é um problema a resolver no
790º a 797º do CC.

Havendo incumprimento imputável, das duas uma: ou há desde


logo incumprimento definitivo ou há apenas atraso no
cumprimento que é o mesmo que dizer mora. Sendo que o
incumprimento definitivo está regulado no 798º ao 803º, a mora
está regulada nos artigos 804º e seguintes do CC.
Como é que se sabe se é mora ou incumprimento definitivo?
Decorre do artigo 804º que para haver mora é preciso que estejam
cumulativamente preenchidos dois requisitos: é preciso que a
prestação ainda seja possível e é preciso que o credor ainda
mantenha o interesse. Se faltar um destes requisitos temos logo
incumprimento definitivo (morte daquela obrigação e gera logo
indemnização). A mora é uma “gripe” que ainda pode ser curada.
A mora ainda é suscetível de ser cumprida.

Havendo mora, a mora vai ter que acabar. A mora pode acabar por
várias causas: extingue-se pela prescrição, pode acabar pelo
cumprimento, pode haver a conversão da mora em incumprimento
definitivo. Quais são as causas que levam a conversão da mora em
incumprimento definitivo? A impossibilidade da prestação no
decurso da mora, a perda do interesse do credor, a interpelação
admonitória (é um meio ágil e seguro que o legislador colocou no
808º, à disposição do credor, para converter a mora em
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Márcia Elias Ferreira

incumprimento definitivo). A interpelação admonitória é uma


comunicação feita pelo credor ao devedor. Requisitos: quanto aos
requisitos formais vigora a liberdade de forma, 219º do CC, quanto
aos requisitos substantivos primeiro é preciso que haja mora,
depois é preciso que esta comunicação/interpelação fixe um prazo
razoável para o devedor cumprir e por fim é necessário que exista
cominação (consequência). A cominação é o incumprimento
definitivo. É preciso ter muito cuidado com a utilização da
interpelação admonitória porque se é mal feita torna-se ineficaz.
Tem que cumprir os requisitos.

a) Se o quadro ficou reduzido a cinzas, significa que há uma


impossibilidade de cumprimento. Havendo essa
impossibilidade de cumprimento importa perceber se é
imputável ou não imputável. Temos a presunção do 799º do
CC. Se não tivermos factos presume-se que a impossibilidade
é imputável. Só que aqui, diz-se, na matéria de facto que o
incendio se ficou a dever a causa fortuita. Quer isto dizer que
a impossibilidade é não imputável. Significa isto que não há
responsabilidade civil contratual. A questão terá que ser
resolvida no âmbito das normas do 790º ao 797º do CC. No
âmbito dessas normas, quanto à obrigação da entrega do
quadro, há que dizer que estamos perante uma
impossibilidade objetiva nos termos do artigo 790º do CC.
Havendo impossibilidade objetiva, isso tem por consequência
que a obrigação da entrega do quadro se extingue sem
qualquer consequência para o devedor (António). Mas, como
estamos face a um contrato sinalagmático, que gerou
obrigações para os dois lados, importa perceber qual é o
impacto que esta impossibilidade na obrigação da entrega do
quadro vai ter na obrigação do pagamento do preço. Nos
contratos reais quoad effectum (contratos em que há
transmissão do direito de propriedade como a compra e
venda) há uma norma especial no que diz respeito ao risco,
que é a norma do 796º do CC. Dessa norma resulta uma regra
que é a regra que nos diz que havendo transmissão da
propriedade há também transmissão do risco por parte do
adquirente. No nosso caso concreto, o António transmitiu a
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Márcia Elias Ferreira

propriedade para o Carlos e o risco também se transmitiu para


o Carlos.
A obrigação do pagamento do preço mantém-se tal como
estava e o Carlos vai ter que pagar o restante do preço.

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