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07/10
Bibliografia: Das obrigações em geral, volume I, Pedro Varela, última edição
Sinal do Contrato Promessa, Doutor Calvão da Silva, edição 2020
Código Civil
Nesta unidade curricular costuma-se dar até à gestão de negócios e enriquecimento sem causa (fonte legal
da obrigação). No entanto, vamos dar sobretudo as fontes voluntárias das obrigações, que surgem da
vontade das partes, como os contratos. Antes das fontes* vai ser dado:
Conceito de obrigações (397.º CC), em sentido técnico e confronto com as categorias ónus, sujeição e dever
jurídico
Estrutura da relação jurídica creditória (do ponto de vista metodológica a relação jurídica é uma categoria
conceitual que se desdobra em várias categorias, obedece a uma lógica de sistematização a partir dos
conceitos, obtidos por juízos de intuição, do abstrato para o concreto – influência da jurisprudência dos
conceitos) – sujeito, objeto, vínculo jurídico e a garantia (perspetiva conceitual)
Direitos das obrigações/direitos de crédito – poder de exigir que tem como contrapolo o dever de prestar
Confronto entre as relações jurídicas reais e as relações jurídicas creditórias – características distintivas e
eficácia externa
Princípios estruturantes das obrigações (como o princípio da liberdade contratual, em que surgem as
limitações da fixação do conteúdo do contrato)
*Fontes das obrigações – voluntárias, que tem na base a vontade das partes, e legais
Contratos mistos, ao abrigo do princípio da liberdade contratual
Contratos tipificados – contrato promessa (Livro Sinal do Contrato Promessa, Doutor Galvão, edição 2020),
contrato a favor de terceiros (433.º CC), contrato para pessoa a nomear
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O QUE É UMA OBRIGAÇÃO?
Segundo o artigo 397.º CC a obrigação é o vínculo jurídico por virtude o qual uma pessoa fica adstrita para
com outra a realizar uma prestação. É um conceito tradicional, oriundo da obligatio romana, e corresponde
à conceção de obrigação em sentido estrito (diferente de em sentido amplo), de dever jurídico (constitui o
núcleo da obrigação em sentido estrito).
Dever jurídico traduz-se na necessidade que alguém (devedor) tem de realizar um determinado
comportamento em favor de outrem ou que vai beneficiar outrem (credor), de realizar uma prestação, pelo
que temos de distinguir de outras figuras jurídicas:
Por sua vez, o ónus é a necessidade que o onerado (pessoa sobre quem recai o ónus) tem de adotar
determinado comportamento para obter uma vantagem jurídica ou para evitar a perda de uma vantagem
jurídica já existente.
AULAS TEÓRICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I | Andréa Carlos
A sujeição traduz-se na necessidade inelutável da pessoa sujeita suportar na sua esfera jurídica
determinados efeitos jurídicos constitutivos, modificativos ou extintivos correspondentes ao exercício do
direito de outrem.
Tanto o dever jurídico como a sujeição são vinculações jurídicas que correspondem a posições passivas
contrapostas à posição de um sujeito ativo, titular de um direito: ao dever jurídico contrapõe-se o direito de
crédito, à sujeição contrapõe-se o direito potestativo. O comportamento que é exigido a um e a outro é
sempre do interesse do credor ou do titular do direito potestativo, mas o dever jurídico viola-se, na sujeição
não há incumprimento, porque o direito potestativo não está sujeito a violação.
O ónus distingue-se do dever jurídico e da sujeição pela circunstância de ser estabelecido no interesse do
sujeito onerado. O devedor não é livre de adotar o comportamento a favor do credor, se não adotar é
aplicada uma sanção, diversamente no ónus não há qualquer sanção porque quem decide sobre a
oportunidade de adotar o comportamento é a própria pessoa onerado.
Ónus da prova e da contestação: se o réu não contestar os factos contra si indicados estes são dados
como provados, mas tal não é necessariamente uma sanção. Os factos podem não ter relevo jurídico.
Então a autonomia não é característica essencial da validade da obrigação! Tanto nas obrigações
autónomas como nas não autónomas aplica-se o regime geral das obrigações! Mas pode haver desvios ao
regime geral? Pode, e a lei pode prever esses desvios.
E o carácter pecuniário é requisito de validade da obrigação? Não, o que tem é de corresponder ao interesse
sério e digno de proteção legal do credor * – art. 398.º CC. Muitos autores defendiam que o carácter
pecuniário era requisito de validade pois só assim a obrigação tinha valor coercivo, mas existindo uma sanção
quando o dever de prestar não é cumprido já há valor coercitivo.
A prestação tem conteúdo pecuniário quando envolve uma quantia de dinheiro ou quando há um
correspondente pecuniário. Quando uma obrigação pecuniária não é cumprida voluntariamente pelo
devedor, o credor intenta uma ação dirigida contra o património do devedor, e se este continuar a
não cumprir, o credor passa à fase da execução.
Em obrigações com valor meramente estimativo não é tanto evidente o carácter coercivo da
obrigação, mas tal não invalida o referido porque há outros meios de tutela que permitem efetivar o
direito de crédito do credor sem ficar dependente da boa vontade do devedor: a ação direta, a
legítima defesa, os procedimentos cautelares, o estado de necessidade.
Artigo 817.º do Código Civil – ação de cumprimento, assiste ao credor o direito de exigir judicialmente o
cumprimento da obrigação do devedor.
(*) O que é interesse sério e digno de proteção legal? Um interesse sério é aquele que não pode ser visto
como mero capricho, é um interesse razoável. Por sua vez, um interesse digno de proteção legal é um
interesse merecedor de tutela legal, ou seja, o direito tem de atribuir relevo aquele interesse.
As prestações podem ter várias modalidades, e uma é precisamente a modalidade do objeto, e aí podemos
ter prestações de facto e prestações de coisa. As primeiras tem por objeto um comportamento positivo que
são as obrigações de facere, ou um comportamento negativo, que são as obrigações de non facere do
devedor (ex: obrigação de não concorrência). Por sua vez, as prestações de coisa tem por objeto a entrega,
a restituição ou dar uma coisa (o objeto imediato é a atividade de entregar, restituir ou dar; e o mediato é a
coisa entregue, restituída ou dada).
[Quanto ao objeto (prestações de facto e prestações de coisa), quanto ao tempo (prestações instantâneas e
douradores) e quanto à natureza (prestações fungíveis e infungíveis):]
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Existem prestações de mera tolerância, que são prestações de facto, em que o comportamento do devedor
se traduz na mera tolerância no comportamento de outras pessoas. No entanto, as prestações de facto
positivas e negativas são as principais.
Prestações de coisa: Relativamente às prestações de entrega e de restituir podemos dizer que são o verso
e o reverso da medalha, quando uma parte entrega uma coisa para uso a outra, findo o conteúdo do contrato
aquele que tem a coisa tem a obrigação de a restituir ao senhorio, ex: arrendamento (1031.º/a + 1038.º/i)
No âmbito das prestações de dare, o ato material de entrega pelo devedor é um elemento constitutivo da
validade da relação jurídica, pois o contrato só se encontra validade concluído se houver um ato material de
entrega, pelo que não corresponde propriamente ao cumprimento de uma obrigação.
Correspondem aos chamados contratos reais quanto à constituição (que se contrapõe aos contratos
quantos aos efeitos, que produzem efeitos reais, que transmitem a propriedade da coisa por força
de um mero acordo): comodato (cedência gratuita de uma coisa infungível), depósito e mútuo.
AULAS TEÓRICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I | Andréa Carlos
Prestações de coisa futura: uma coisa presente é aquela que no momento da celebração do contrato tem
existência física e está na disponibilidade jurídica das partes, o que significa que podemos ter, por
contraposição, coisas futuras, e podem ser absolutamente futuras (que não tem existência física no
momento da celebração do contrato) ou relativamente futuras (as partes não tem legitimidade para dispor
da coisa – art. 399.º CC e 893.º).
Quanto à natureza da prestação podem distinguir-se entre as prestações de facto fungíveis e infungíveis:
As prestações de facto fungíveis são aquelas em que o devedor pode ser substituído por um qualquer
terceiro na realização da prestação sem que disso decorra qualquer prejuízo para o interesse do credor. Por
sua vez, a prestação de facto infungível é aquela em que não é possível a substituição do devedor por um
terceiro porque essa substituição prejudica o interesse do credor (aquelas em que o credor confia nas
particulares características do devedor).
Art. 767.º/1 CC – a regra é da fungibilidade. Diz respeito à fungibilidade/Infungibilidade natural
(embora haja outras fontes de Infungibilidade, convencional e legal – uma prestação naturalmente
fungível pode tornar-se uma prestação convencionalmente/legalmente infungível)
As prestações de coisa são sempre prestações fungíveis, mesmo que respeitem a uma coisa infungível.
A distinção entre prestações de facto fungíveis e prestações de facto infungíveis tem interesse prático, por
exemplo, relativamente à realização coativa da prestação: no âmbito das prestações de facto fungíveis é
possível a execução em via específica
Nas prestações de facto fungível só a impossibilidade objetiva exonera, só quando ninguém puder realizar a
prestação é que o devedor fica exonerado (art. 790.º), ex: impossibilidade resultante da lei ou de causa
maior. Nas prestações infungíveis basta a impossibilidade subjetiva para exonerar o devedor (791.º CC).
Sanção pecuniária compulsória (meios de coerção de cumprimento ativo) – aplicada ao devedor por cada
infração que cometa ou por cada dia de atraso, que recai sobre o património deste. Só se aplica nas
prestações de facto infungíveis (art. 829.º - A).
Quanto ao tempo, podemos distinguir entre as prestações instantâneas, que se esgotam num único
instante temporal ou numa fração de tempo irrelevante, no fundo, as que se cumprem de uma só vez; e as
prestações duradouras, aquelas que se protelam no tempo.
Dentro das prestações duradouras distinguimos as prestações duradouras em sentido estrito, em que o
tempo exerce uma influência decisiva na configuração do objeto da obrigação (a obrigação vence-se ou surge
pelo decurso do tempo, ex: obrigação de pagar a renda dos inquilinos, é porque gozam da coisa durante um
determinado período de tempo que se vence a obrigação de pagar a renda, ligação inefetiva); e em sentido
amplo, o tempo não tem influência decisiva na configuração do objeto da obrigação, apenas contende com
o modo da sua execução (ex: venda a prestações, vendas fracionadas ou repartidas).
Tipos de prestações duradouras em sentido estrito: prestações de execução continuada – o
comportamento debitório protela-se ininterruptamente no tempo (ex: prestações de facto
negativos); e prestações reiteradas ou contrato sucessivo – o comportamento do devedor renova-se
em prestações sucessivas singulares findos determinados lapsos de tempo, que podem ser regulares
ou irregulares (pagar renda).
AULAS TEÓRICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I | Andréa Carlos
Se os lapsos de tempo que renovam as prestações forem regulares temos prestações periódicas, se
forem irregulares temos prestações não periódicas.
2. Resolução do contrato: 434.º/1, a resolução tem eficácia retroativa, pelo que em termos gerais se há
resolução destroem-se retroativamente os efeitos do negócio, as prestações são restituídas às partes
que a prestaram. No entanto, se há resolução do contrato nas prestações duradouras em sentido estrito,
não há devolução das prestações que foram entretanto efetuadas, não há retroatividade.
Nas prestações duradouras em sentido amplo a resolução pode ter eficácia retroativa. Todavia, tal deve ser
articulado com as regras do artigo 934.º (+ 886.º, só pode haver resolução no contrato de compra e venda
por falta de pagamento do preço se não foi transmitida a propriedade e feita a sua entrega)
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VÍNCULO JURÍDICO E A GARANTIA
O vínculo jurídico é o nexo ideal que liga o poder de exigir do credor (direito de crédito) ao dever de prestar
do devedor. Este vínculo é o núcleo essencialmente caracterizador da obrigação, ou seja, traduz-se no núcleo
essencial de compreensão da própria obrigação em sentido estrito (simples), mas mesmo a relação
obrigacional complexa não prescinde do núcleo essencial da obrigação simples que se analisa neste
fenómeno poder de exigir/dever de prestar.
Sendo o núcleo essencial da obrigação, mesmo que existam modificações no âmbito da relação obrigacional
este nexo ideal permanece intangível/intocável. Pode haver modificações subjetivas - a obrigação pode
transmitir-se de sujeitos para sujeitos diferentes como na cessão de crédito (art 577.º, e se a cessão for
apenas parcial? Assim a modificação não foi subjetiva, mas sim objetiva, nos termos da configuração do
objeto da relação obrigacional) ou da posição contratual (art. 424.º); e modificações objetivas.
O vínculo extingue-se pelo cumprimento (hipótese normal), ou através de outras formas que estudaremos.
A garantia da relação obrigacional é um elemento importante no âmbito da estrutura da relação.
Considerando que o dever de prestar que recai sobre o devedor é um dever que visa satisfazer o interesse
do credor, se o devedor não realiza a prestação a que está adstrito será sancionado. Na realidade empírica
pode não cumprir a obrigação, mas do ponto de vista jurídico ele perdeu a liberdade de cumprir ou não, pois
se decidir não cumprir há sanções.
AULAS TEÓRICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I | Andréa Carlos
Pelo referido é que dizemos que a relação obrigacional tem uma garantia, apesar de ser um elemento
exterior à estrutura da relação, e essa garantia é dada através do mecanismo jurídico designado ação de
cumprimento previsto no art. 817.º. O credor, se o devedor não cumprir voluntariamente a obrigação, para
efetivar o seu direito de crédito intenta uma ação de cumprimento para que o tribunal exija ao devedor o
cumprimento da obrigação, e se não houver cumprimento da sentença condenatória, o devedor em
processo executivo terá de realizar o comportamento a que estava adstrito.
Obrigações naturais (art. 402.º, ex: as que decorrem do jogo e da aposta se forem legais e não legalmente
reguladas, como entre amigos), nestas o credor não pode exigir judicialmente o cumprimento. Teremos aqui
obrigações sem garantia?! Se o devedor respeitar o compromisso assumido, o credor tem o direito a reter
aquilo que foi pago (a soluti retentio), não há restituição (condictio indebiti, através da qual há um grau de
coercibilidade – garantia imperfeita).
Exemplo da situação 1: B era transportador de batatas e havia-se obrigado a entregar 500kg ao credor A.
Um concorrente de A, C, também negociante de batatas, quer inviabilizar o cumprimento, e na véspera da
data do transporte prende B – ataque ao sujeito. A mesma hipótese, mas C destrói as batatas – ataque ao
objeto da relação.
Exemplo da situação 2: B, devedor da prestação de serviços no restaurante de A, C é concorrente de A e vai
ter com o B e celebra com ele um contrato de trabalho, e B rescinde o contrato com A.
O curso não defende a doutrina da eficácia externa. Primeiro (no plano dos princípios) porque a
admissibilidade desta doutrina dentro dos requisitos que ela estabelece podia provocar uma excessiva
paralisação do tráfego jurídico, e nomeadamente, podia promover um forte ataque inadmissível à liberdade
da iniciativa económica de terceiros e à liberdade contratual de terceiros (que se sentiriam inibidos de
estabelecer relações negociais para não serem responsabilizados). No plano positivo, consagrado CC: temos
um conjunto de disposições que demonstram que o legislador não terá querido consagrar esta doutrina –
art. 406.º/2 (consagra o princípio da relatividade dos contratos, art. 443.º), 495.º/3, 1306.º(consagra-se o
princípio da tipicidade) , 413.º e 421.º
Art. 495.º/3 - quando o terceiro provoca a morte ou lesão corporal a alguém que o impede de prestar
alimentos, o credor de alimentos pode pedir indemnização a quem provocou a morte ou lesão
corporal. A ideia do efeito externo está consagrada, mas da doutrina não está, e esta norma é
excecional, estão em causa interesses ligados à dignidade da pessoa humana.
Eficácia relativamente a terceiros: eficácia real do contrato de promessa (413.º) e do pacto de
preferência (art. 421.º). A regra é estes produzirem efeitos inter partes, mas verificados certos
pressupostos podem produzir efeitos em relação a terceiros. No entanto, segundo a perspetiva do
curso, aqui os direitos de crédito tem eficácia ampliada por efeitos de registo, pelo que não está
consagrada a doutrina da eficácia externa.
Se nós não acolhemos esta doutrina, não aceitamos que haja a equiparação de direitos de crédito aos
direitos reais, como a doutrina aceita.
Mas será que o ordenamento jurídico não admite a responsabilização de terceiros em determinadas
circunstâncias? Dentro da conceção da eficácia relativa dos direitos de crédito, admitimos que em termos
excecionais possa haver a responsabilização do terceiro perante o credor, através da aplicação da figura do
abuso de direito (art. 334.º) quando o terceiro tiver adotado uma conduta manifestamente censurável, por
violação dos bons costumes (e não por violação da boa fé), impedindo o devedor de realizar a sua prestação
→ o campo de intervenção da boa fé supõe uma relação de interferência intersubjetiva, uma relação prévia
Ex: C celebrou um contrato com B, que impedia que este desempenhasse as suas funções no restaurante de
A. Para tal, C difamou A apresentando documentos falsos. Esta conduta é manifestamente reprovável.
! Como corolário da eficácia erga omnes dos direitos reais temos: (1) o corolário da prevalência – o titular
do direito real que primeiramente constituído sobre uma coisa, pode fazer sacrificar todas as situações
jurídicas reais ou obrigacionais constituídas sobre a mesma coisa que sejam total ou parcialmente
incompatíveis com a relação jurídica inicial. Corresponde ao princípio romano do direito primeiro constituído
é o que prevalece, pex: artigo 407.º – nas relações creditórias não é assim, art. 604.º. Esta regra não é
absoluta, se os direitos reais estiverem sujeitos a registo prevalece o que registou primeiro, e o próprio
legislador “cria” exceções como no artigo 759.º/2; e
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! Há quem diga que o direito do arrendatário é um direito real de gozo (o comodato também é direito real
de gozo), mas o curso entende que é um direito de crédito e por isso com eficácia relativa. O artigo 407.º
versa a hipótese de A arrendar o mesmo imóvel a duas pessoas distintas, B e C → não se poderia aplicar o
art. 892.º? Não, porque no arrendamento não há a transmissão da propriedade da coisa. O arrendamento é
um contrato consensual, não depende da entrega da coisa, pelo que é possível admitir, na prática, a situação
de um duplo arrendamento sobre o mesmo bem, só que essa situação gera incompatibilidade: o legislador
resolve dizendo que prevalece o primeiro arrendamento → o direito de B não tem efeitos relativamente a
terceiros, pelo que devia valer a regra do artigo 604.º e não prevalecer nenhum crédito, o senhorio optaria,
que geraria uma situação de incumprimento para com o outro arrendatário, mas o legislador estabeleceu o
referido (prevalência que vale em termos gerais para os direitos reais) – Dr. Henrique Mesquita diz que este
artigo não devia existir porque vai contra a liberdade contratual de facto
Sendo assim, também há direito de prevalência dos direitos de crédito? Existe mas apenas a título excecional
(2) o corolário da sequela – o titular do direito real sobre a coisa tem o direito de seguir/perseguir a coisa,
onde quer que ela se encontre, mesmo que ela já se encontra na titularidade de um terceiro, pex: se um
terceiro ocupa um terreno a ação adequada é a ação de reivindicação (posse de terceiro). Relativamente à
titularidade, ex: A vende a B, B vende a C e depois a D, e o negócio de transmissão padecia de um vício –
artigo 291.º; ou exemplo de efeitos para efeito de registo – art. 243,º, mas estes artigos estabelecem
exceções ao direito de sequela se o terceiro estiver de boa fé *.
Nos direitos de crédito essa sequela não existe, mas excecionalmente encontramos o efeito da sequela no
artigo 1057.º no âmbito da locação. Ex: A arrenda um imóvel a B, e esse mesmo A vende o mesmo imóvel a
C – o arrendatário tem direito de preferência no arrendamento urbano, mas vamos admitir que não quis
comprar quando A vendeu a C, C vai ter que conceder o uso da coisa a B, ou seja, manter o arrendamento –
o direito do inquilino segue a coisa, há um direito de sequela
Comodato: A empresta a sua casa a B, e vende mais tarde a C – nesta situação do comodatário cai
perante o novo proprietário, C, já não existe um direito de sequela
↓
Devido ao artigo 407.º e 1057.º é que se suscitam dúvidas sobre a natureza do direito arrendatário
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(*) A boa fé mencionada no artigo 243.º e 291.º é uma boa fé subjetiva, que corresponde ao estado de
espírito juridicamente relevante ao qual o ordenamento jurídico faz associar a paralisação de determinados
efeitos jurídicos que de outra forma se produziriam, ou a lei faz associar certos efeitos jurídicos que de outra
forma não se associariam (“ as partes estão de boa fé”) ≠ boa fé objetiva/princípio da boa fé – é um princípio
jurídico fundamental do ordenamento jurídico, que impõe às partes uma atuação honesta, correta e leal, ou
seja, que impõe exigências ético-jurídicas fundamentais no âmbito de uma relação contratual ou pré-
contratual (“as partes tem de atuar segundo a boa fé”). Está consagrada no artigo 227.º (fase pré-contratual)
e artigo 762.º/2 (fase de execução dos contratos).
A má fé que falamos na doutrina da eficácia externa não está relacionada com isto!
AULAS TEÓRICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I | Andréa Carlos
3 Relativamente aos direitos de crédito falamos do princípio da liberdade contratual, e quanto aos direitos
reais vale o princípio da tipicidade ou do numerus clausus. O princípio da tipicidade (art. 1306.º) vale para
os direitos reais porque tendo estes efeitos relativamente a terceiros, erga omnes, se não fosse assim, poder-
se-ia estar a admitir uma constituição/criação indiscriminada de efeitos reais, ou de situações jurídicas que
produzam efeitos em relação a terceiros (sem que os terceiros propriamente tivessem possibilidade
conhecer), e dessa forma estar-se-ia a colocar em causa a segurança jurídica.
Há razões do ponto de vista económico para a consagração do princípio da tipicidade no âmbito dos
direitos reais: não aumentar o número de direitos reais limitados e assim não aumentar a
fragmentação da propriedade.
Esta classificação entre fontes legais e voluntárias substituiu uma classificação quadripartida que durante
séculos se manteve: contratos (acordos entre as partes), quase contratos (factos lícitos dos quais pode surgir
obrigações mas que não tem uma base voluntária), delitos (consubstanciam-se em factos ilícitos praticados
com uma intenção maligna, que hoje descreveríamos como factos ilícitos culposos com culpa grave, dolosos)
e quase delitos (factos ilícitos praticados sem intenção maligna, praticados com um grau de culpa menos
grave, corresponderiam hoje aos atos negligentes).
Na base temos princípios estruturantes do direito dos contratos e do direito das obrigações:
Princípio da liberdade contratual, concretização do princípio da autonomia normativa/privada – as partes
têm a livre faculdade de constituírem, modificarem ou extinguirem negócios contratuais. → O princípio da
liberdade contratual está consagrado na lei no artigo 405.º CC, no entanto, neste só está expressamente
prevista uma faceta da liberdade contratual, mas este conhece 3 vertentes:
1 Vertente da liberdade de celebrar (os contratos pretendidos) ou não o contrato (ninguém pode ser
vinculado a celebrar contrato)
2 Faceta prevista no artigo: livre modelação do conteúdo dos contratos, apondo nele as cláusulas que
acharmos mais convenientes ou oportunas, celebrando contratos previstos na lei (contratos típicos
que tem o seu regime legal expresso na lei) ou diferentes dos previstos na lei (contratos atípicos),
desde que respeitem os limites previstos na lei, pex: sobre o objeto negocial
3 Vertente da liberdade de escolha do cocontratante, do “parceiro” contratual
O princípio da confiança - as partes são livres de prestar contratos, de estabelecer a regulamentação que
considerarem mais convenientes para si, mas uma vez firmado o contrato cria-se entre elas uma exigência
jurídica de proteção da confiança da contraparte. Ex: artigo 236.º, 239º, 406.º são concretizações deste. Tem
de existir o respeito pelo comportamento, de uma parte, que suscita na contraparte.
Art. 406.º CC os contratos são para cumprir e só podem ser modificados por mútuo consenso + o 762.º/2
que consagra o princípio da boa fé (as partes na execução ou no cumprimento do contrato devem atuar
segundo as exigências da boa fé, como por exemplo, não defraudar as legitimas expetativas – boa fé objetiva)
que está intimamente ligado ao princípio da confiança.
A confiança é uma dimensão essencial da boa fé.
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O princípio da equilíbrio/equivalência das prestações – é um princípio estruturante nomeadamente do
direito contratual, tem uma relevância particular nos contratos sinalagmáticos e comutativos. → No âmbito
do contrato aleatório a efetivação das prestações está depende de evento futuro e incerto, pelo que não se
pode falar de uma exigência de equilíbrio das prestações, até pode surgir prestação para apenas uma parte.
AULAS TEÓRICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I | Andréa Carlos
Os contratos sinalagmáticos geram obrigações para ambas as partes e dentro destes temos os contratos
comutativos, em que a prestação de uma parte é causa de surgimento da prestação da contraparte, sendo
configuradas como equivalentes entre si, entre as partes. Que equivalência é esta? Tem de ser perspetivadas
pelas partes como equivalentes ou tem de ser paritárias? Tem de ser perspetivadas entre as partes como
equivalentes entre si, não tem de existir uma equivalência, do ponto de vista objetivo, exata – fica dentro
do espaço da autonomia privada, embora existam limites: art. 282.º (instituto da usura, embora não basta
que as prestações sejam desproporcionais para que o negócio seja anulável) → se o desequilíbrio for
significativo é, no entanto, uma chamada de alerta para a ilegalidade do negócio (pex: art. 884.º com
remissão para o 292.º)
Um instituto onde a equivalência das prestações se nota significativamente é o da exceção de não
cumprimento dos contratos – art. 428.º e seguintes
E o princípio da boa fé: princípio jurídico fundamental (boa fé objetiva) ≠ boa fé subjetiva
↓
Temos as concretizações fundamentais do brocado romano do honeste vivere. Exige às parte uma atuação
honesta, correta e leal. Tem concretização em dois momentos da vida das obrigações: (1) na fase pré-
contratual (art. 227.º) – aqui ainda não há relação contratual firmada entre as partes.; e (2) na fase da
execução dos contratos (art. 762.º/2).
É a fase pré-contratual ou preliminar que vamos agora estudar: o princípio da boa fé no jogo dialético da sua
relação com o princípio da liberdade contratual permite, efetivamente, proceder ao enquadramento de um
instituto muito importante, o instituto da responsabilidade pré-contratual, também designado de culpa in
contrahendo: durante a fase pré-contratual podem surgir negociações, a não ser que sejam contratos cuja
conclusão ocorra imediatamente, pelo que a faceta mais relevante da liberdade contratual neste momento
é a liberdade de celebração do contrato, principalmente a negativa. → A qualquer momento pode haver
rotura das negociações, que à partida é lícita por força das exigências do princípio da liberdade contratual
→ Todavia, à luz das exigências da boa fé, esta rotura pode vir a tornar-se injustificada ou ilícita, surgindo
assim a responsabilidade pré-contratual, que obriga a parte a indemnizar a contraparte pelos danos sofridos
pela rotura (art. 227.º).
O conteúdo contratual, que vem a ser firmado na sequência da conclusão do contrato, pode ter sido
já parcialmente definido no período das negociações contratuais
Mas que exigências da boa fé podem tornar a rotura ilícita? No sentido negativo, traduz-se na ideia que as
partes se devem abster de toda e qualquer conduta que possa levar as legítimas expetativas da contraparte;
e no sentido positivo traduz-se numa visão mais prospetiva, de colaboração/cooperação entre as partes →
deveres de esclarecimento, deveres de informação, entre outros deveres fundados da boa fé, que se
designam de deveres de conduta/laterais/acessórios de conduta (não são deveres de prestação principal
uma vez que a relação contratual ainda não surgiu, mas visam permitir um correto cumprimento das relações
obrigacionais)
Saber quando estes deveres surgem e a cargo de quem surgem dependem do concreto
desenvolvimento das circunstâncias do caso, do evoluir das negociações. Pex: só tem dever de
informar a parte que tem conhecimento particular de uma situação, mas a parte que tem o
conhecimento só tem a obrigação de informar se estiver no âmbito da obrigação de honestidade –
por força do princípio de que cada um por sua conta e risco deve informar-se do que é relevante para
os seus interesses.
AULAS TEÓRICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I | Andréa Carlos
A rotura será tanto mais ilícita quanto mais as negociações estiverem num estado mais avançado, pois até
pode haver elementos, como os memorandos de entendimento ou os acordos parciais completos e
definitivos sobre uma questão negocial específica (“caso concluamos o contrato, fará parte do conteúdo do
contrato este acordo parcial sobre esta questão”, que reforçam as expetativas da contraparte que o contrato
vai ser celebrado → a rotura não deixa de ser possível mas pode obrigar a uma indemnização se não houver
justificação ou esta não foi aceite pelas exigências da boa fé
Há 3 hipóteses típicas de responsabilidade pré-contratual: (1) rotura injustificada ou ilícita das negociações
– a que vimos até agora; (2) culpa in contrahendo – as negociações virem a culminar na celebração de um
contrato inválido ou ineficaz; (3) conclusão de contratos válidos mas que na sua execução são causados
prejuízos às partes, em virtude do comportamento pré-contratual delas.
Vimos que a parte tem obrigação de indemnizar a contraparte, mas o que é que se indemniza? O que deve
ser ressarcido são os prejuízos decorrentes da violação do interesse contratual negativo, isto é, deve a parte
obrigada a indemnizar repor o lesado na situação em que este se encontraria se não tivesse confiado na
válida (plena) conclusão do contrário. O dano que é realmente ressarcido é o dano da confiança – falamos
tanto dos danos emergentes (perdas ocorridas na esfera jurídica do lesado na sequência da anómala
execução das negociações) como dos lucros cessantes (vantagens ou utilidades perdidas pelo anómalo
decurso das negociações).
[O interesse contratual positivo é o correspondente ao não cumprimento do contrato, colocar o lesado na
situação em que este se encontraria se o contrato tivesse sido cumprido e executado]
Deveres secundários meramente acessórios – o comportamento do devedor não se traduz numa prestação
com autonomia da prestação principal, está numa posição de mera instrumentalidade pois visa auxiliar a
prestação principal vs. deveres secundários com prestação autónoma – o comportamento do devedor
transforma-se numa prestação autónoma (são deveres secundários de prestação coexistentes com a
prestação principal e os sucedâneos da prestação principal)
AULAS TEÓRICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I | Andréa Carlos
Deveres secundários de prestação autónoma coexistentes com a prestação principal – há uma outra
prestação que tem autonomia face à primeira e vão ser as duas realizadas, ex: nas indemnização em
caso de mora paga a indemnização mais os juros
Deveres secundários de prestação autónoma sucedâneos da prestação principal - Indemnização na
hipótese de incumprimento definitivo: situações em que o devedor se atrasa mas já não é possível
realizar mais tarde essa prestação porque o credor perdeu o interesse no cumprimento.
Deveres de conduta – fundamentam-se no princípio da boa fé, são deveres que visam garantir o correto
cumprimento da relação obrigacional. Não são deveres que se encontrem previamente estipulados,
dependem das concretas circunstâncias do próprio desenvolvimento do contrato, das negociações ou da
execução deste → Não sabemos quando surgem e sobre quem vão recair → A violação destes dá origem a
uma ação de indemnização mas não dá origem a uma ação de cumprimento
25/11
Continuação do estudo das cláusulas contratuais gerais:
O que se pretende acautelar é o desequilíbrio negocial que afeta a parte que é utilizador/aderente.
O artigo 2.º do DL nº 446/85 surgiu por força da Diretiva da UE das cláusulas abusivas nas relações com os
consumidores, mas só surgiu com o DL nº 248/99.
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As cláusulas gerais podem ter sido elaboradas não apenas pelo pré-disponente ou aderentes, mas também
por terceiros, como uma associação comercial. Estas elaboram as cláusulas gerais através dos órgãos, e
recomendam a sua utilização aos associados, as empresas, que podem, por sua vez, utilizá-las quer nas
relações com os consumidores, quer na relações com outras empresas. Aliás, o próprio decreto-lei distingue
as cláusulas que podem ou não ser utilizadas nos dois “tipos” de relações → o âmbito subjetivo da aplicação
deste diploma. Porém, neste diploma quem tem a proteção mais forte são os consumidores – art. 20.º.
Apesar do diploma não ter o âmbito subjetivo de aplicação circunscrito às relações com os consumidores,
tal não invalida que se tenha de concluir que a proteção que estes precisam seja mais intensa.
Não se aplica o regime das cláusulas contratuais gerais nos casos tipificados no art. 3.º. Todos estes têm um
ponto comum: a ideia que a parte que precisa de proteção, quando são utilizadas cláusulas contratuais
gerais, não necessita nestas situações da mesma proteção, uma vez que estas cláusulas foram ditadas pelo
legislador, que à partida, ponderou a tutela dos interesses dessas mesmas partes.
Quando as cláusulas contratuais gerais são aceites em contratos singulares passam a ser contratos de
adesão, uma vez que o aderente tem de as aceitar para serem vinculativas.
2 Controlo de conteúdo – art. 17.º a 22.º. As cláusulas que vamos analisar tem âmbitos diferentes:
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Cláusulas proibidas nas relações entre empresas e entidades equiparadas, e nas relações entre empresas e
consumidores finais – é um controlo posterior à fase da inclusão, só nos referimos às cláusulas integradas
pois neste momento o contrato singular já está concluído – se o conteúdo for contrário às proibições
elencadas no DL elas são nulas, por força do artigo 12.º. No artigo 18.º e 21.º temos o elenco de cláusulas
absolutamente proibidas, e no 19.º e 22.º temos o elenco de cláusulas relativamente proibidas – são todas
nulas, o que as distingue é que as primeiras são consideradas nulas independentemente da valoração
concreta que seja feita pelo juiz, e as relativamente proibidas só são consideradas nulas tendo em conta o
quadro negocial padronizado, a valoração do juiz.
Não se atende apenas ao concreto contrato singular, mas à inclusão do concreto singular no tipo de contrato.
[A AP também pode fazer a fiscalização das CCG, simplesmente este controlo administrativo está
dependente de uma regulamentação que ainda não existe.]
Artigo 20.º reforça a proteção intensa dada aos consumidores, pois em relação a estes se aplicam também
as cláusulas do 18.º e do 19.º
3 Controlo de índole processual – fiscalização concreta e fiscalização abstrata (nas ações inibitórias, que só
podem ser intentadas por quem tenha legitimidade, art. 26.º, não podem ser os particulares individualmente
considerados).
O artigo 10.º diz que relativamente à interpretação e integração das cláusulas contratuais se aplicam as
regras gerais dos negócios jurídicos, respetivamente, o 236.º que consagra a teoria da impressão do
destinatário e o artigo 239.º.
Por seu turno, o artigo 11.º resolve o problema das cláusulas ambíguas: de houver vários sentidos possíveis
deve prevalecer o mais favorável ao aderente; no entanto, o disposto não se aplica no âmbito das ações
inibitórias – estas “levam-nos” para o controlo de índole processual, e para o artigo 25.º e seguintes, é o
designado controlo abstrato, efetuado independentemente de a cláusula ser inserida num contrato singular
– objetivo é erradicar a cláusula do ordenamento jurídico.
≠ Controlo concreto/incidental é efetuado na fiscalização que ocorre na sequência de um concreto
litígio subordinado a apreciação judicial.
02/12
Continuação do controlo de índole processual:
Relativamente ao controlo abstrato (fiscalização abstrata), que se concretiza através da ação inibitória, este
tem como objetivo erradicar do ordenamento cláusulas ambíguas ou injustas, independentemente de terem
sido utilizadas em contratos singulares. A legitimidade ativa pertence, unicamente, às entidades referidas
no artigo 26.º - como temos conhecimento da cláusula se ela não foi utilizada num contrato singular? Pela
legitimidade ativa podemos compreender o referido, independentemente de ter surgido um litígio, pode ter
havido queixas às entidades enunciadas.
São entidades que representam interesses coletivos, interesses difusos. À partida fica afastada a
legitimidade de um particular individualmente considerado suscitar a fiscalização abstrata (Doutor Calvão
dizia que tínhamos de integrar o conteúdo deste diploma com o conteúdo da lei de defesa do consumidor,
na qual se abre a possibilidade ao consumidor individual para suscitar a fiscalização abstrata da cláusula).
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O legislador reporta-se ao artigo 15.º e 16.º, pois a contradição do princípio da boa fé pode levar a que se
considere nula uma cláusula que não está tipificada nas listas de cláusulas absolutamente ou relativamente
proibidas.
A ação inibitória destina-se a proibir a utilização das cláusulas no futuro, mas quais são as consequências
dessa proibição? Artigo 32.º/1, existe um duplo aspeto: a fiscalização abstrata pode proibir a utilização da
cláusula e/ou a recomendação destas.
Numa ação intentada contra uma empresa por alguém com legitimidade, quando a decisão transitar
em julgado (já não é passível de recurso), há partida, a decisão produz efeitos apenas entre as partes
– eficácia relativa. No âmbito da fiscalização concreta (controlo incidental) não há dúvidas que a
sentença tenha de ter eficácia relativa -> Em sede de fiscalização abstrata a sentença produz efeitos
para o futuro mas só impede aquela entidade que usou ou recomendou a cláusula de o voltar a fazer
no futuro. E outras entidades? Como não intervieram no processo, relativamente a elas não vale a
proibição – não há efeitos que se estendem para além das partes visadas.
Mas se o objetivo é banir do ordenamento jurídico cláusulas injustas, não seria mais eficaz estender
a eficácia do caso julgado a outras entidades que, não tendo sido demandadas na ação, utilizam ou
recomendam as cláusulas? Parece que sim.
O modelo de controlo estatuído é um modelo de controlo judicial. Uma das alterações ao regime está
prevista na Lei nº 32/2021, art. 3º/2, que prevê a criação de um sistema de controlo e prevenção
administrativo de cláusulas abusivas, mas a sua efetivação está dependente de regulamentação que ainda
não foi emitida – este controlo já prevê que as proibições decorrentes da fiscalização abstrata tenha feitos
relativamente a outras entidades.
Sanção pecuniária compulsória (art. 33.º) – a pedido do credor, o tribunal ameaça culminar a aplicação de
uma sanção de índole pecuniária caso o devedor não cumpra a obrigação que lhe foi imposta, ou se ele não
realizar a prestação ou voltar a cometer uma outra infração. É um mecanismo jurídico que visa, de modo
coercitivo e preventivamente, evitar o incumprimento → Diversamente, neste âmbito, quando há uma
proibição definitiva, aplicar uma sanção pecuniária compulsória parece que não é o mecanismo mais idóneo,
mas tendo em conta que a parte demandada, mesmo no âmbito da proibição definitiva, pode no futuro vir
a violar essa obrigação que lhe foi imposta.
(acabamos o regime das cláusulas contratuais gerais)
Tendo em conta o princípio da liberdade contratual, vamos fazer uma menção aos CONTRATOS MISTOS –
artigo 405.º/1, as parte tem a liberdade de celebrar contratos diferentes dos previstos no CC (contratos
nominados ou tipificados, que tem um regime expressamente previsto no Código), ou seja, contratos
inominados ou atípicos – a inventiva das partes.
Entre os contratos inominados, podemos ter os contratos mistos: aquele que integra no seu conteúdo
cláusulas, ou elementos, de dois ou mais negócios, total ou parcialmente, regulados na lei – resulta do
exercício da liberdade contratual, da fixação do conteúdo. Para haver contrato misto os negócios tem de ser
típicos, a sua disciplina é que pode não ser típica.
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Vamos estudar 3 categorias de contratos mistos: são categorias conceituais, os contratos combinados, os
contratos de tipo duplo e contratos mistos em sentido estrito.
Nos contratos combinados à prestação de uma das partes correspondem elementos de tipos negociais
diversos, e a contraprestação traduz-se numa prestação unitária, pex: numa viagem de cruzeiro, a prestação
da empresa que organiza os cruzeiros reúne elementos de diferentes tipos contratuais (compra e venda,
depósito, prestação de serviços), e o turista apenas tem uma prestação em dinheiro.
Nos contratos mistos de tipo duplo, à prestação de um tipo contratual de uma das partes corresponde uma
prestação de tipo contratual diverso da outra parte, pex: condomínios haver um apartamento mais pequeno
destinado ao porteiro, que tinha um contrato de trabalho, e como contrapartida tinha direito ao
arrendamento, como parte do vencimento.
Por fim, nos contratos mistos em sentido estrito, utiliza-se o esquema/estrutura de um determinado
contrato típico não apenas para realizar a sua função, mas também para realizar a função de outros
contratos, pex: doação mista, capta elementos do contrato de compra e venda e da doação. Não é um
negócio indireto porque existe realmente a intenção de vender.
Qual é o regime que se aplica? O que resulta da conjugação dos vários elementos contratuais pode ser um
regime completamente novo, sem paralelo com nenhum outro tipo contratual – podemos recorrer à teoria
de aplicação analógica, e tentar ver, relativamente ao conteúdo contratual que surgiu, qual será um tipo
contratual mais próximo possível; e se não houver observam-se as regras do contrato. No entanto, por regra,
a preocupação deve ser saber se entre as várias prestações, que correspondem aos diversos tipos
contratuais, se há algum tipo dominante – se houver é o regime desse que será aplicado, teoria da absorção;
se não houver aplicar-se-ão os vários regimes que correspondem às diversas prestações que estão reunidas
no contrato
O contrato definitivo é que vai produzir o efeito jurídico pretendido pelas partes aquando da celebração do
contrato-promessa. Efeito que não pode ser logo alcançado por razões diversas.
Pergunta-se, então, qual a razão das partes celebrarem contrato-promessa? Podem existir razões de ordem
material e razões de ordem jurídica, pex: contratos-promessa de compra e venda de uma fração autónoma
para habitação pode acontecer que o prédio ainda não esteja concluído, que o promitente comprador ainda
não disponha da quantia necessária para o pagamento total, ou o promitente vendedor ainda não tem a
licença de habitalidade do prédio. Ainda não reunidas as condições necessárias ou simplesmente porque
não querem já celebrar o contrato definitivo.
Este contrato retira a liberdade negocial de não cumprir, pois se houver contrato-promessa que não se
transforma em contrato definitivo temos incumprimento de contrato, e responsabilidade contratual.
Contrato-promessa de compra e venda: podemos ter a promessa de compra e venda (estou a referir que o
contrato é bilateral), mas podemos ter apenas uma promessa de venda ou uma promessa de compra
(promessas unilaterais).
Num contrato com promessa unilateral, a parte que não se obriga chama-se promissário ou beneficiário da
promessa, o outro é o promitente. Ao promissário nada por ser exigido, pelo que nunca entra em
incumprimento, mantêm a sua liberdade contratual.
Há um princípio fundamental que está consagrado no artigo 410.º/1 CC: princípio da equiparação (da
correspondência), que diz que é aplicável ao contrato-promessa o regime (normas legais e os princípios)
jurídico do contrato prometido, com duas exceções: a exceção da forma (Art. 410.º/2/3), e a exceção dos
efeitos, normas que pela sua razão de ser não se considerem extensíveis ao contrato-promessa
09/12
Continuação do contrato-promessa:
Convenção porque alguém se obriga a celebrar certo negócio, porque ao dizer que se obriga a celebrar
contrato, como no artigo 410.º, estamos a excluir os negócios jurídicos unilaterais. Em regra, tem mera
eficácia relativa/obrigacional, não atinge terceiros. Contudo, pode-lhe ser atribuído eficácia real mediante
certas condições (art. 413.º): tratar-se de contrato-promessa de transmissão ou constituição de direitos reais
sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, desde que as partes expressamente o declarem, tem de
haver registo e tem de observar uma forma mais solene (a mesma forma que o contrato definitivo).
Qual a importância da eficácia real? A promessa passa a ser oponível a qualquer terceiro.
Art. 410.º/1 – princípio da equiparação ou da correspondência: ao contrato promessa são aplicadas as
normas do contrato prometido, existe uma remissão do regime deste para aquele. Evidentemente, esta
regra tem exceções: relativas à forma exigida e a exceção dos efeitos, porque se baseia na diferenciação dos
efeitos entre o contrato-promessa e o contrato prometido – as normas que pela sua razão de ser não devam
ser aplicadas ao contrato promessa, pex: a proibição de venda de bens alheiros (art. 892.º) não vale no
âmbito do contrato-promessa; art. 1682.º-A exige o consentimento do outro cônjuge, não se aplica; art.
877.º também não se aplica no contrato-promessa
Obrigação de meios ≠ obrigação de resultado
O contrato-promessa não tem eficácia translativa, devido à sua natureza preparatória.
AULAS TEÓRICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I | Andréa Carlos
[A doação, entre familiares, sendo uma liberalidade é reduzida na sucessão, na quota disponível.]
Relativamente à exceção da forma, vale o artigo 410.º/2/3: a forma do CP não é necessariamente a mesma
forma do contrato-prometido → art. 410.º/2, mas temos de saber qual é a forma do contrato prometido,
pois esta vincula a forma do CP. Se o legislador não exigir forma nenhuma para o definitivo, também não
exige qualquer formalidade para o contrato-promessa (consensual); pelo contrário, se exige um documento
particular ou um documento autenticado para a celebração do contrato definitivo, para o contrato-promessa
exige apenas um documento particular simples (só não é assim quando as partes querem dotar o contrato
com eficácia real) → mas:
O que acontece a um CP bilateral formal, quando é assinado apenas por um deles? Por não obedecer aos
requisitos de forma, é em princípio, inválido (art. 220.º). No entanto, vale aqui o princípio da conservação,
através de mecanismos que tentam conservar o negócio jurídico – a redução e a conversão – como contrato-
promessa unilateral válido.
Na conversão (utilizada quando o CP é totalmente inválido), transforma-se o CP bilateral num CP
unilateral quando os fins prosseguidos pelas partes permitem supor que estas teriam na mesma
celebrado o negócio se tiverem previsto a invalidade – o ónus de provar a vontade hipotética referida
pertence à parte que quer manter o negócio.
Na redução (utilizada em situações de invalidade parcial), diferentemente, quem tem o ónus da prova
é quem não quer manter o negócio, pois a lei presume que se queria manter.
↓
Parte-se do princípio que é uma invalidade parcial, é a posição adotada, porque a própria lei admite a
divisibilidade objetiva do contrato promessa, isto é, distingue a promessa bilateral da promessa unilateral, e
cada uma delas tem subsistência autónoma. Atenção, para existir redução é necessário que também haja
divisibilidade subjetiva, relativa à intenção/vontade das partes, não pode existir a ligação. → Em termos
jurisprudenciais, é também esta a orientação que domina.
Além de que é mais fácil provar a “nossa vontade” do que a vontade da contraparte.
Acórdão de 25/03/93→ assento 29/11/89
Preço da promessa ou preço de imobilização – nas promessas unilaterais é pago se não vier a ser realizado
o contrato definitivo, é a compensação pela circunstância de o vendedor ter no seu património aquele bem
imobilizado. Não é uma indemnização.
Dr. Antunes Varela defende que é preciso a assinatura de ambos, mesmo que seja uma promessa unilateral.
O curso entende o contrário, que o contrato é válido apenas com a assinatura do promitente.
Só temos de colocar o problema da assinatura se o contrato-promessa for formal.
E os terceiros interessados na invalidade pode invocá-la? E o tribunal pode reconhecê-la oficiosamente? Por
ser uma omissão de um requisito de forma, é uma nulidade, embora o seu regime seja diferente do regime
da nulidade geral, é uma nulidade atípica, queremos preservar o seu carácter automático, no entanto não
pode ser invocada por qualquer interessado, não é do conhecimento oficioso, e pode ser sanada – assento
20/6/94 e 11/02/95 – norma de ordem pública de proteção
Almeida Costa defende que quando não há licença também estão em causa interesses públicos, mas a defesa
destes faz-se na celebração do contrato prometido, não é necessário antecipar o controlo para o momento
da celebração do contrato-promessa, pois aí estamos a prejudicar o comprador.
Sinal: art. 440.º e ss (regula-se o sinal para qualquer tipo de contrato, presume-se que a quantia é uma
antecipação do cumprimento, só não é assim se tratar-se de um CP de compra e venda, art. 441.º, a parte
interessada em tal pode provar que não era sinal). Quantia entregue por uma dos contraentes ao outro no
momento da celebração do contrato ou posteriormente. Quais são as suas funções? Ou função
confirmatória, entregue para as partes assegurarem/certificarem a intenção de cumprir; ou função
penitenciária, assegurar o direito ao arrependimento – para a generalidade dos contratos devemos assumir
que o sinal é conservatório, no âmbito do CP assume-se que o sinal tem natureza penitencial (art. 830.º/2).
A existência de sinal não afasta a execução especifica nas situações do art. 410.º/3.
16/12
Existe um regime específico para o incumprimento do contrato-promessa, não se aplica o regime geral. No
caso do incumprimento do contrato-promessa ser imputável ao promitente vendedor, o promitente
comprador tem o direito à restituição do sinal em dobro → a resolução é uma forma de extinção do contrato-
promessa, e os meios resolutórios tem na base um incumprimento definitivo
Existe um meio alternativo à restituição do sinal em dobro, previsto no art. 442.º/2, o designado direito à
valorização intercalar da coisa, do aumento do valor da coisa – são meios alternativos, não cumuláveis →
Esta alternativa foi estabelecida numa época em que o país oferecia a uma forte pressão inflacionista, que
se acentuava no setor imobiliário, pelo que era muito frequente as pessoas adquirirem os “andares na
planta” e depois quando o andar já estava concluído as pessoas vendiam porque o aumento do preço era
significativo. Nestes casos a restituição do sinal em dobro não permitia ao promitente fiel obter uma
indemnização adequada aos prejuízos que sofria → esta medida indemnizatória só é permitida quando
tenha havido tradição da coisa (no CP a entrega só ocorrerá se houver acordo entre as partes)
Direito ao aumento da coisa: diferença entre o valor da coisa ao tempo do incumprimento e o valor que a
coisa tinha no momento da celebração do contrato-promessa (diferença apreciada em termos objetivos, isto
é, os valores referidos são valores de mercado, objetivamente determinados), ao qual se acrescenta o sinal
em singelo (ou a parte do preço que tenha sido paga).
O legislador teve necessidade de dizer que a diferença tem de ser objetivamente determinada para
acautelar as situações em que há preços de favor que são acordados entre as partes, por motivos
familiares, amizade ou fiscais, nos quais os preços declarados são inferiores aos preços reais – poderia
originar situações de enriquecimento sem causa do promitente fiel às custas do promitente vendedor
Art. 442.º/3 – quando o promitente fiel pedir o aumento da coisa, pode o promitente vendedor oferecer-se
para cumprir → exceção do cumprimento no âmbito do CP. Calvão da Silva considera que deve ser excluído
AULAS TEÓRICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I | Andréa Carlos
“Não se oponha à execução específica a natureza da obrigação assumida”: que prestações são essas?
Contratos cuja prestação tenha uma natureza iminentemente pessoal, pex: promessa de casamento,
promessa de trabalho; e contratos reais quanto à constituição, pex: depósito, comodato (empréstimo não
remunerado de coisa infungível – é preciso a tradição da coisa) e mútuo. A execução específica só vale para
os contratos consensuais, que dependem da declaração.
Art. 442.º/3: quando o promitente fiel pede o direito do valor coisa ao tempo do incumprimento (meio
resolutório) pode a outra parte, o promitente faltoso, opor-se e oferecer-se para cumprir, por isso é que se
designa exceção ao cumprimento, salvo se já tiver funcionado o art. 808.º - há partida se há o incumprimento
definitivo o art. 808.º já foi aplicado – não é possível no âmbito da mesma norma se tentem conciliar regimes
incompatíveis, se há resolução não pode haver execução (Dr. Calvão da Silva), pelo que temos de fazer uma
interpretação ab rogante, isto é, fazer cessar a vigência da norma
Outros autores, tendo em conta a presunção do legislador razoável do art. 9.º/3, dizem que não é correto
propor uma interpretação ab rogante da norma, pelo que defendem que haverá situações, como as previstas
no art. 442.º/3, em que a apesar de se pedir o aumento do valor da coisa, o credor ainda mantém interesse
no cumprimento – e a situação passará a incumprimento definitivo quando o promitente faltoso não cumprir
o prazo adicional, da interpelação admonitória, concedido pelo promitente fiel
AULAS TEÓRICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I | Andréa Carlos