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DFM - Casos práticos Raquel Barroso

CASOS PRÁTICOS
DIREITO DA FAMÍLIA E MENORES

CASO 1 - FONTES RELAÇÕES JURÍDICAS FAMILIARES


J, juiz do Tribunal de Condeixa-a-Nova prepara uma decisão judicial num caso em que:
a) C, sua mulher, interveio como mandatária judicial do autor;
b) B, seu primo, filho do seu tio H, era réu;
c) M, sua sogra, representa H, de quem era tutora na causa;
d) F, mãe de L, que em tempos propôs contra J uma acção civil para indemnização de danos provocados por factos
praticados no exercício da sua função de juiz.
Analise se estamos perante algum caso de impedimento à luz do art. 122º CPC.

Para averiguarmos se estamos perante algum caso de impedimento à luz do art. 122º, temos primeiro que
classificar cada uma das relações jurídicas familiares aqui presentes.
a) C é cônjuge de J, à luz do art. 1577º, J está impedido de conhecer a causa por força do art. 122º/1/d) CPC;
b) B é primo de J. P é parente de J no 4º grau da linha colateral. O art. 122º/1/b) CPC apenas considera
impedimento até ao 2º grau da linha colateral, pelo que não há aqui qualquer impedimento;
c) M é sogra de J. M é afim de J e representa uma parte na causa. Em virtude desta relação de afinidade (1584º CC), J
está impedido de conhecer a causa por força da alínea b) do art. 122º/1 CPC;
d) Tendo F proposta uma acção civil para indemnização de danos em consequência de factos praticados no exercício
das suas funções ou por causa delas, J está também impedido de conhecer a causa por força do art. 122º/1/g) CPC.

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CASO 2 - UNIÃO DE FACTO


A e B namoravam há 5 anos. No dia do seu 20º aniversário (22/08/05), J resolve pedir B (2 anos mais nova que ele) em
casamento. B, porém, não aceitou, argumentando que seria melhor se começassem primeiro a viver juntos.
Assim, em Setembro de 2005, A e B mudaram-se para uma casa, propriedade de A, na Solum (Coimbra), passando a
viver juntos.

1. 7 anos mais tarde, A e B resolvem adoptar uma criança e dirigem-se ao organismo de Segurança Social competente
para apresentar a sua candidatura. Só que são, no entanto, confrontados com o facto de não serem casado e de, por
conseguinte, não formarem uma família.
Por esse motivo, a sua candidatura foi recusada. A e B querem recorrer da decisão. Qual a argumentação que podia
suportar este recurso?

A relação de A e B é uma relação de união de facto, não sendo uma relação jurídica familiar à luz do art. 1576º
CC. A união de facto é, sim, uma relação parafamiliar, que não merecendo a qualificação de relação de família, é com
esta conexa está a ela equiparada para determinados aspectos. Com efeito, a união de facto traduz uma vida em comum
(comunhão de leito, mesa e habitação) em condições análogas às dos cônjuges. Esta é a definição, que se extrai do art.
1º/2 da Lei 7/2001, de 11 de Maio, a primeira lei reguladora da união de facto que se “atreveu” a defini-la. A lei
acrescenta ainda que para que estejamos perante uma união de facto essa união tem que durar há mais de 2 anos. Não há
qualquer problema quanto a este facto, uma vez que o enunciado do caso nos diz que A e B estavam nesta situação há 7
anos.
A união de facto só produz efeitos - quer pessoais quer patrimoniais - quando verificadas determinadas
condições de eficácia: heterossexualidade - para efeitos da adopção (art. 7º LUF), duração superior a 2 anos (art. 1º/2),
inexistência de impedimento dirimente ao casamento dos membros da união de facto (art. 2º)
A lei atribui efeitos pessoais à união de facto, designadamente permitindo a adopção conjunta nos mesmos
termos previstos para os cônjuges (art. 1979º e art. 7º LUF). Este artigo dispõe que “podem adoptar plenamente 2
pessoas casadas há mais de 4 anos, e não separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto, se ambas tiverem mais
de 25 anos”. Ora, A e B estão unidos há 7 anos, não estão judicialmente separados de pessoas e bens ou de facto, e
ambos têm mais de 25 anos (A terá 27 anos e B 25). Nada obstava a que os dois pudessem adoptar uma criança.

2. Em Junho de 2011, A foi à farmácia comprar medicamentos para a sua asma, e não pagou. Será B também
responsável por esta dívida?

O entendimento relativo às dívidas dos cônjuges é divergente na doutrina. Embora a opinião do curso seja que
se deve fazer uma aplicação analógica do art. 1691º (posição de GUILHERME DE OLIVEIRA e de PEREIRA COELHO),
esta não foi a orientação seguida na lei. O legislador optou por não consagrar expressamente num artigo a
aplicabilidade do art. 1691º à união de facto. Contudo, esta continua a ser a posição do curso, integrando este caso na

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alínea b) do art. 1691º/1, relativa às “dividas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do
casamento, para ocorrer aos encargos da vida familiar”. B é também responsável pela dívida.

3. Em 3/10/11 falece A, e D, sua mãe, pretende que B deixe a casa para que possa ir para lá viver. Diz ainda a B que ela
não tem qualquer direito, uma vez que nunca foi casada com seu filho. Será verdade? Que direitos pode B fazer valer?

Esta questão remete-nos para a temática da extinção da união de facto, mais precisamente, a dissolução por
morte, prevista no art. 8º/1/a) da Lei 7/2001. Para produzir efeitos relevantes, a dissolução desta relação tem que ser
declarada judicialmente, através de uma acção declarativa intentada no tribunal pelo membro da união de facto
interessado, B (art. 8º/2 Lei 7/2001).
Quanto à casa de morada da família a lei, desde sempre, foi muito sensível à ideia de protecção do união de
facto sobrevivo, isto é, que poderá haver nestes casos interesses a tutelar, nomeadamente o interesse da continuidade da
habitação. Assim, o art. 5º dispõe que, no caso do proprietário ser o falecido, o membro sobrevivo (que não é herdeiro) pode
ficar na casa, pelo menos por 5 anos, como titular de um direito real de habitação e direito de uso do recheio”.

Sendo assim, o membro sobrevivo não é herdeiro legal, mas tem um direito real de habitação de permanecer
na casa, neste caso por 7 anos, uma vez que a lei prevê para uniões de facto superiores a 5 anos que este direito real se
estenda por tempo igual ao da duração da união (art. 5º/1/2). O tribunal, apesar de haver este limite, pode prolongar os
prazos, atendendo a razões de equidade (situação de extrema carência - art. 5º/4). Para além disto, o membro sobrevivo
da união de facto tem também o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário (art. 5º/7) e um direito
de preferência na compra da casa (art. 5º/9).
Outro efeito importante é a transmissão do direito ao arrendamento para habitação, por morte da pessoa que
viva com ele em união de facto (art. 1106º/1) - em caso de A ter a casa arrendada.

- direitos previstos nas alíneas e, f, g, do artigo 3º LUF

- direito de exigir alimentos da herança: o membro da UF sobrevivo tem direito a exigir alimentos da herança do
falecido (art. 2020º)

- indemnização por danos não patrimoniais: 496º/3.
Lançando mão destes argumentos, B recusar-se-á a cumprir a vontade de mãe de A (D).

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CASO 3 - PROMESSA DE CASAMENTO


A e B conheceram-se durante as férias de verão em Agosto de 2008, na praia da Figueira da Foz. Na mesma altura,
iniciaram o seu namoro. Na passagem de ano de 2008/2009, A pediu B em casamento e ofereceu-lhe um anel de
noivado no valor de 1000€. B aceitou o pedido e o casamento ficou marcado para Abril.
A e B começaram a cuidar de todos os pormenores relativos à organização do casamento e da boda. B reservou o local
da boda e encomendou o copo de água à empresa de catering, oferecendo como sinal do negócio 5000€.
Dois meses antes do casamento, C e D (padrinhos de A) ofereceram-lhe a viagem de lua-de-mel, no valor de 2500€. 1
mês antes do casamento, B ofereceu a A os botões de punho de ouro do seu avô.
No dia 1/04/2008, A comunicou a B que descobriria finalmente a sua vocação e que decidira abraçar o sacerdócio. B
comunicou o cancelamento do casamento a todos os convidados.

No momento em que B aceitou o pedido de casamento, celebrou com A um contrato-promessa de casamento.


O regime deste não é o dos arts. 410º ss CC, mas o especificamente estabelecido nos arts. 1591º ss. De acordo com o
art. 1591º, este contrato não dá direito a exigir a celebração do casamento; nem a reclamar, na falta de cumprimento, outras
indemnizações que não sejam as previstas no art. 1594º. O n.º1 do art. 1594º estabelece que só haverá obrigação de
indemnizar em caso de rompimento da promessa sem justo motivo ou por culpa sua. Neste caso, o rompimento da
promessa deu-se por culpa de A, apreciável à luz do art. 798º. De acordo com este artigo, haverá uma presunção de
culpa a recair sobre A, que por este pode ser ilidida (art. 799º). Não há justo motivo.

Antes de averiguarmos uma eventual indemnização a que A fique obrigado devemos apurar eventuais
obrigações de restituição, à luz do art. 1592º. De acordo com este artigo, cada um deles é obrigado a restituir os donativos
que o outro ou terceiro lhe tenha feito em virtude da promessa e na expectativa do casamento. Desta forma, em primeiro lugar,
B ficava obrigada a restituir o anel de noivado. Da mesma forma, A ficava obrigado a restituir a B os botões de punho
que esta lhe tinha oferecido. Mas este artigo abrange também os donativos que os promitentes tenham recebido de
terceiros em virtude da promessa. Assim, A e B teriam que restituir aos seus padrinhos C e D a viagem de lua-de-mel
que estes lhes tinham oferecido.

Quanto às indemnizações previstas no art. 1594º, a solução não é tão linear. Não havendo justo motivo, A
teria que indemnizar não só B mas também os seus pais, pelas despesas feitas e obrigações contraídas na previsão do
casamento.

Quanto ao sinal pago à empresa de catering, a solução será a prevista no art. 442º CC.

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CASO 4 - ERRO (VÍCIO DO CONSENTIMENTO)


A e B conheceram-se na passagem de ano e descobriram entre eles afinidades profundas. Convencidos ambos de ter
encontrado a sua alma gémea (lol), decidiram casar civilmente. O casamento veio a celebrar-se em Fevereiro 2002. Na
cerimónia de casamento estavam presentes C e D, pais de A, e E e F, pais de B. Estavam também presentes G, H e I,
amigos comuns de A e B, e ainda J, amiga de infância de A.
No decurso da cerimónia, J interrompeu o conservado afirmando que o casamento entre A e B não podia ser celebrado
pois A era demasiado jovem, tendo 17 anos de idade, e não reunia as condições necessárias para assumir as
responsabilidades do passo que se preparava para dar.
Nesse momento, os pais de A levantaram-se e demonstraram firme oposição ao que era afirmado por J. Asseguraram
que A já possuía suficiente maturidade para compreender o sentido e alcance do acto de casamento. Face às declarações
de C, o conservador seguiu com a celebração do casamento.
Em Abril 2010, durante a festa de aniversário de A, que se realizou na casa dos seus pais, B descobre umas cartas
antigas de A em que fazia várias confidências a J. Numa dessas cartas, A confessava o seu desgosto por por não poder
ter filhos. B quer saber se tal circunstância lhe permite pôr fim ao casamento.

A primeira questão a analisar perante este caso, embora não diga directamente respeito à pretensão de B, é
relativa à idade nupcial de A. A falta de idade nupcial é um dos impedimentos dirimentes à celebração do casamento,
estabelecido no art. 1601º/a). Este tipo de impedimento obsta à celebração do casamento, gerando a sua anulabilidade,
nos termos do art. 1631º. As razões do estabelecimento deste impedimento são a falta de maturidade física e psíquica
do futuro nubente. No entanto, só se considera haver falta de idade nupcial quando o futuro nubente tem menos de 16
anos. Tendo entre 16 e 18 anos (como é o caso) o menor pode celebrar casamento desde que para tal tenha autorização
dos pais. A falta de autorização é um mero impedimento impediente, estabelecido no art. 1604º/a). Isto significa que a
existência de um impedimento deste tipo não obsta à celebração do casamento, sujeitando-o apenas a certas sanções
decorrentes da sua celebração. Uma sanção será que o menor será considerado como tal para efeitos de gestão do seu
património. Mas nem esta situação se colocaria no caso. Embora não tenhamos dados no caso que nos levem a concluir
que tenha havido um processo de suprimento de autorização para casamento de menores (conforme nos arts. 255º ss
do CRC), durante a celebração do casamento parece ter havido uma manifestação de vontade dos pais de A em
autorizar o casamento. Concluímos assim, que não houve neste caso nem um impedimento dirimente por idade
inferior a 16 anos, nem um impedimento impediente por falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento.
O casamento é puramente válido.

Existem vários requisitos relativos ao consentimento (um dos requisitos de fundo do casamento civil), sendo
um deles que o consentimento tem de ser livre, o que a lei presume no art. 1634º. Para que tal aconteça, não pode
ocorrer nenhum vício da vontade. Quanto à pretensão de B de pôr fim ao casamento pelo facto de o seu cônjuge não
poder ter filhos, parece haver um erro-vício.Esta situação está prevista no art. 1636º, que estabelece os requisitos para
que estejamos perante um erro como vício da vontade:

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1.º - Estejamos perante uma qualidade essencial da pessoa do outro cônjuge. São essenciais as qualidades
particularmente significativas, que, em abstracto, sejam idóneas para determinar o consentimento. Este requisito parece
estar verificado.
2.º - O erro deve ser próprio, ou seja, não deve recair sobre qualquer requisito legal de existência ou de validade do
casamento. O erro é também próprio.
3.º - O erro seja desculpável, ou seja, que se compreenda que uma pessoa de normal diligência não se tenha apercebido
do erro. B não tinha como saber que A não podia ter filhos, por isso, o erro é desculpável.
4.º - O erro tem ainda de ser essencial, ou seja, incidente sobre uma circunstância que tenha sido determinante e
decisiva na formação da vontade, de tal maneira que se mostre que sem ele o casamento não teria sido celebrado. Esta
essencialidade é, ao contrário do que sucede no regime geral, não apenas subjectiva mas também objectiva
(“razoavelmente”). O facto de B querer agora pôr termo ao casamento indica, inequivocamente, que não o teria
celebrado se soubesse do erro, por isso, este requisito também se verifica.

Concluímos, assim, por estarem preenchidos todos os requisitos, que este casamento é anulável de acordo com
o art. 1631º/b). Para que B pudesse invocar efeitos decorrentes desta anulação, teria que propor uma acção de anulação,
de acordo com o art. 1632º. Se, eventualmente, ela viesse a falecer na pendência da acção, podiam também os seus
parentes, afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes prosseguir na mesma.

Para tal, tinha B 6 meses a partir do momento em que teve conhecimento do vício, como consta do art. 1645º.


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CASO 5 - CASAMENTO URGENTE


A e B vivem em condições análogas às dos cônjuges desde 2005. B engravidou e a data provável do parto é Janeiro
2011. Em Julho 2011 é diagnosticada a A uma doença incurável, sendo-lhe dito que tinha apenas poucos meses de
vida. Perante este cenário, A e B resolvem formalizar a sua união. Pretendem, deste modo, que o seu filho não venha a
ser prejudicado de qualquer forma, e que B possa ver assegurado do ponto de vista patrimonial o nível de vida de que
até então usufruía. Marcaram casamento para Dezembro 2011.
A 15 Novembro, porém, A é internado de urgência no hospital, sendo a sua situação de saúde muito instável. Quando
A regressa a casa uma semana depois, ainda muito fragilizado, B pede ao seu vizinho C, funcionário do registo civil,
que celebre o casamento. C acede ao seu pedido.

1. Será este um casamento válido?

Estamos perante um casamento urgente, estando regulado nos arts. 1622º ss, sendo permitido, de acordo com
o art. 1622º/1, nos casos de fundado receio de morte próxima de um dos nubentes, como foi este. Nestes casos,
prescinde-se do processo preliminar que deve ser observado para os restantes casamentos, bem como o da intervenção
do funcionário do registo civil. Esta situação está também prevista nos arts. 156º ss CRC. O art. 156º CRC prevê as
formalidades exigidas para a validade deste tipo de casamentos, que são nomeadamente: a proclamação de que vai
celebrar-se o casamento (art. 156º/a)), uma declaração expressa dos nubentes (art. 156º/b)) e uma acta (art. 156º/c)).
Cumpridas estas formalidades, para que seja válido o casamento tem ainda que ser homologado, de acordo com os arts.
1623º e art. 159º CRC. A falta de homologação do casamento urgente determina a sua inexistência, como está previsto
no art. 1628º/b). Não havendo qualquer referência à homologação neste caso, presumimos que ela não teve lugar, por
isso o casamento será inexistente (art. 1630º). Acrescente-se ainda que não é relevante o facto de ter sido um
funcionário do registo civil a celebrar o casamento, uma vez que não estava no exercício das suas funções.

2. E se C não tivesse feito a proclamação de que se ia celebrar o casamento e não se conseguissem reunir as
testemunhas necessárias?

Neste caso haveria uma causa justificativa da não homologação, prevista nos arts. 1624º/1/a) e 160º/1/a)
CRC, por falta de verificação das formalidades exigidas para a celebração do casamento. Esta causa levaria igualmente
à inexistência do casamento, de acordo com o art. 1628º.


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CASO 6 - ERRO


A e B casaram civilmente em 2010 no regime de comunhão geral. Em 2013, A pediu a B que a levasse a conhecer a
sua terra natal. Na 2ª semana de férias, B, em conversa com a vizinha da aldeia, veio a saber que A estivera muitos anos
no Brasil onde casara e tivera um filho. B confrontou A com os factos e A confirmou a história.
B, grávida de gémeos, decide, no entanto, propor uma acção com vista a extinguir o seu casamento com A.
Que acção deverá B propor? Com que fundamento?

B, ou poderia propor uma acção de anulação com base em impedimento dirimente - casamento anterior não
dissolvido (art. 1601º/c)) que gera anulabilidade (1631º, 1632º, 1639º e 1643º) ou com base em erro que vicia a
vontade.

Existem vários requisitos relativos ao consentimento (um dos requisitos de fundo do casamento civil), sendo
um deles que o consentimento tem de ser livre, o que a lei presume no art. 1634º. Para que tal aconteça, não pode
ocorrer nenhum vício da vontade. B deverá propor uma acção de anulação do casamento com base no erro-vício (art.
1631º/b)). Esta situação está prevista no art. 1636º, que estabelece os requisitos para que estejamos perante um erro
como vício da vontade:
1.º - Estejamos perante uma qualidade essencial da pessoa do outro cônjuge. São essenciais as qualidades
particularmente significativas, que, em abstracto, sejam idóneas para determinar o consentimento.
2.º - O erro deve ser próprio, ou seja, não deve recair sobre qualquer requisito legal de existência ou de validade do
casamento.
3.º - O erro seja desculpável, ou seja, que se compreenda que uma pessoa de normal diligência não se tenha apercebido
do erro.
4.º - O erro tem ainda de ser essencial, ou seja, incidente sobre uma circunstância que tenha sido determinante e
decisiva na formação da vontade, de tal maneira que se mostre que sem ele o casamento não teria sido celebrado. Esta
essencialidade é, ao contrário do que sucede no regime geral, não apenas subjectiva mas também objectiva
(“razoavelmente”). Não basta que a circunstância sobre que recaiu o erro tenha sido essencial para o nubente na
determinação da sua vontade de contrair casamento, mas também em termos objectivos, uma vez que há-de ser
legítimo, razoável em face das circunstâncias do caso e à luz da consciência social dominante, que na determinação da
vontade de casar tenha sido decisiva a circunstância sobre que versou o erro.
Estes 4 requisitos são cumulativos. Estando verificados, deve ser proposta a já referida acção de anulação, sendo
que os efeitos da anulação do casamento só serão invocáveis enquanto tal anulação seja reconhecida por sentença (art.
1632º).

Tentemos agora apurar a verificação dos requisitos no caso. Não parece haver dúvidas quanto à verificação do
1º requisito, uma vez que a existência de um filho anterior ao casamento é certamente uma qualidade essencial da
pessoa do outro cônjuge. Quanto à propriedade do erro, é também óbvia. O erro será desculpável? À partida, não se
exigiria que uma pessoa medianamente diligente tivesse conhecimento do erro. O erro será, também assim, desculpável.
Por último, a pretensão de B em extinguir o casamento revela claramente que não o teria celebrado se conhecesse o tal
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facto. O pedido de anulação fundando em vício da vontade deve ser instaurado dentro dos 6 meses subsequentes à
cessação do vício, ou seja, contados a partir do seu conhecimento, como consta do art. 1645º. Hoje, B já estaria fora do
prazo. B teria legitimidade para propor esta acção (art. 1641º).

Imagine que a acção foi julgada procedente:


a) Seria A considerado pai dos gémeos?

Sim, de acordo com o art. 1827º/1, a anulação do casamento civil (…) não exclui a presunção de paternidade.
Assim, por força do art. 1826º, presume-se que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da mãe tem como pai
o marido da mãe. O caso não deixa dúvidas quanto a ter existido comunhão duradoura de vida durante o período legal
de concepção. Assim, há uma presunção de paternidade.

b) A quem caberia o automóvel de A levara para o casamento? E as acções da sociedade X que B herdara do seu tio? E
o apartamento que ambos viviam, adquirido através de compra em 2004 com o produto do trabalho de A?

Uma das diferenças entre o casamento inexistente e o anulável é precisamente o de este produzir ainda alguns
efeitos. O instituto do casamento permite a subsistência de certos efeitos - o casamento anulado ou declarado nulo (no
caso do católico) pode produzir efeitos putativos, como se fosse válido. No casamento vigora a eficácia prospectiva:
todos os efeitos que o casamento enquanto não foi proferida a sentença de anulação se mantêm. Para se verificar é
necessário que se cumpram certos requisitos: 1. casamento tem de ser existente (art. 1630º/1); 2. tem de haver uma
declaração de nulidade ou uma anulação - sentença (1632º); 3. a lei só permite que os efeitos produzidos se
mantenham se pelo menos um dos nubentes estiver de boa fé (1648º).
Apenas B estava de boa fé. Assim, o casamento só produz os efeitos que lhe forem favoráveis (art. 1647º/2),
designadamente a partilha dos bens do casal segundo o regime de comunhão de adquiridos (art. 1688º e 1689º). O
automóvel e o apartamento adquiridos na constância do casamento serão considerados bens comuns (art. 1724º) e
como tal, B terá direito à sua meação (1689º).

c) E se A falecesse antes do trânsito em julgado da sentença, que lugar ocuparia B na sucessão de A?

Neste caso teríamos que aplicar o n.º2 do art. 1647º, por se tratar de um casamento contraído por apenas um
cônjuge de boa fé (B), uma vez que A estava de má fé. De acordo com este artigo, só B podia arrogar-se dos benefícios
do estado matrimonial. Conclui-se assim que B ocuparia o lugar de cônjuge na sucessão. Note-se que se trata aqui de
um conceito de boa fé em termos objectivos, tal como dispõe o art. 1648º.

Importa, no entanto, reflectir acerca da razão de ser deste regime. Se assim não fosse, B, de boa fé, não poderia
obter qualquer vantagem em termos patrimoniais do casamento que celebrou com A. Para que o casamento se tenha
como putativo, exige-se a verificação de 3 requisitos, embora o principal seja o da boa fé, acima referido. Os outros 2

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requisitos, embora pareçam óbvios, merecem também referência. O 1º é que tenha sido celebrado casamento, que o
casamento efectivamente exista. O 2º é que o casamento tenha sido anulado, mediante declaração de anulação.
Desde que B tivesse cumprido o prazo de 6 meses anteriormente referido, não haveria nenhum problema
quanto à verificação destes requisitos.


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CASO 7 - DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES


A e B casaram casados desde 2000 no regime de comunhão geral. Em 2012, A cometeu um crime pelo qual foi julgado
e condenado numa pena de prisão até 20 anos. B foi visitá-lo ao estabelecimento prisional até Junho de 2014. Em
Agosto do mesmo ano, B conhece C com quem vive desde então.
Hoje não quer mais nada com o seu marido, deixando mesmo de o visitar desde Agosto 2014.
B quer divorciar-se e pergunta se tem fundamento, bem como se ainda o pode fazer.

Para averiguarmos se B pode pedir o divórcio, e partindo do princípio de que A não daria o seu consentimento
para o mesmo, temos de encaixar esta situação numa das alíneas do art. 1781º, que prevê o divórcio sem
consentimento de um dos cônjuges.

Esta modalidade foi introduzida na Lei n.º 61/2008 e corresponde ao anterior divórcio litigioso. A designação
escolhida denota precisamente o propósito da lei, a aspiração de um processo que não agrave os conflitos e evite a
devassa sobre os comportamentos conjugais. Ou seja, em 2008, desapareceu o fundamento subjectivo da violação
culposa dos deveres conjugais, logo a culpa dos cônjuges foi eliminada, quer como causa do divórcio, quer como critério
de definição dos efeitos do divórcio.

No entanto, continua a ser um divórcio contencioso, ou seja, requerido por um dos cônjuges contra o outro, e é
sempre judicial. Tem como fundamento qualquer facto que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostre a ruptura
definitiva do casamento (art. 1781º), designadamente, a separação de facto (alínea a)), a alteração das faculdades mentais
do outro cônjuge (alínea b)) e a ausência (alínea c)) - é assim que deve ser lido este preceito.

Para que B possa pedir o divórcio tem que demonstrar a existência de uma situação de ruptura definitiva do
casamento. Neste caso, esta ruptura constitui uma verdadeira separação de facto, de acordo com os arts. 1781º/a) e
1782º.

Nos termos deste último artigo, a separação de facto é constituída por 2 elementos:


a. Elemento objectivo: tem que se demonstrar a inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges (ou seja, há
ausência de coabitação, leito e mesa). Porém, não basta este elemento, pois o dever de coabitação é revestido de
grande plasticidade - pode suceder que os cônjuges não vivam juntos por motivos de trabalho, mas tenham o
propósito de restabelecer a vida em comum quando as circunstâncias o permitirem;
b. Elemento subjectivo: assim, é necessário juntar ao corpus da separação de facto o animus, que se traduz, da parte de
ambos ou de um deles, no propósito de não restabelecer a vida em comum.

B deixou de visitar A há 1 ano e 5 meses. Este facto revela indubitavelmente que não há propósito de
restabelecer a comunhão de vida. Cumpre-se também o período temporal exigido na alínea a) do 1781º para que se
possa considerar uma verdadeira separação de facto. De acordo com o art. 1785º, B tem legitimidade para pedir
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divórcio, tal como A também teria se assim quisesse, uma vez que se trata de um divórcio bilateral. Acrescente-se ainda
que se tem por inicio da separação de facto o momento em que B deixou de deslocar-se regularmente ao
estabelecimento prisional para visitar A.


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CASO 8 - DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES


A e B casaram em 2005 no regime de comunhão de adquiridos. Já durante o namoro, A demonstrou o seu carácter
violento e agressivo. Todavia, os primeiros insultos e agressões só começaram após os 6 meses de casamento. B foi
desculpando estes comportamentos de A, tendo em consideração a grande exigência a que estava submetido
profissionalmente, e sempre acedeu aos seus pedidos de desculpas e promessas de que tal nunca mais aconteceria.
Em Outubro 2010 nasceu C, filho do casal. Quando em Março 2011 A voltou a agredir B em frente de C, esta tomou
consciência de que não podia mais suportar tal situação, que punha em risco a sua vida e a do seu filho, saindo de casa.
B quer saber se e com que fundamentos pode extinguir o seu casamento.

Para averiguarmos se B pode pedir o divórcio, e partindo do princípio de que A não daria o seu consentimento
para o mesmo, temos de encaixar esta situação numa das alíneas do art. 1781º, que prevê o divórcio sem
consentimento de um dos cônjuges.

Esta modalidade foi introduzida na Lei n.º 61/2008 e corresponde ao anterior divórcio litigioso. A designação
escolhida denota precisamente o propósito da lei, a aspiração de um processo que não agrave os conflitos e evite a
devassa sobre os comportamentos conjugais. Ou seja, em 2008, desapareceu o fundamento subjectivo da violação
culposa dos deveres conjugais, logo a culpa dos cônjuges foi eliminada, quer como causa do divórcio, quer como critério
de definição dos efeitos do divórcio.

No entanto, continua a ser um divórcio contencioso, ou seja, requerido por um dos cônjuges contra o outro, e é
sempre judicial. Tem como fundamento qualquer facto que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostre a ruptura
definitiva do casamento (art. 1781º), designadamente, a separação de facto (alínea a)), a alteração das faculdades mentais
do outro cônjuge (alínea b)) e a ausência (alínea c)) - é assim que deve ser lido este preceito.

No caso em análise, podemos invocar 2 argumentos como causa de divórcio: a separação de facto (nos termos
do art. 1781º/a)) e a violação do dever de respeito, previsto no art. 1672º. Para que se provasse existir uma verdadeira
situação de separação de facto teriam que estar preenchidos os 2 requisitos do art. 1782º:


a. Elemento objectivo: tem que se demonstrar a inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges (ou seja, há
ausência de coabitação, leito e mesa). Porém, não basta este elemento, pois o dever de coabitação é revestido de
grande plasticidade - pode suceder que os cônjuges não vivam juntos por motivos de trabalho, mas tenham o
propósito de restabelecer a vida em comum quando as circunstâncias o permitirem;
b. Elemento subjectivo: assim, é necessário juntar ao corpus da separação de facto o animus, que se traduz, da parte de
ambos ou de um deles, no propósito de não restabelecer a vida em comum.

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A separação de facto podia ser alegada por qualquer um dos cônjuges, estando a legitimidade de B
expressamente prevista no art. 1785º/1. No entanto, para que B pudesse pedir o divórcio com base na separação de
facto, essa separação tinha que existir há pelos menos 1 ano, como o previsto na parte final do art. 1781º/a).

Há uma dúvida que se coloca: a realidade dos factos mostra que os cônjuges se vão separando aos poucos, não
há uma separação ex abrupto. Entende-se que para estes efeitos não contam as “meias separações”, tem que haver uma
separação completa e definitiva. Outra dúvida que se coloca, e a que se coloca a este caso, é de saber o prazo de 1 ano
tem de ser contínuo ou podem somar as separações interruptas. Parece evidente, embora haja quem entenda o
contrário, que o tempo de reconciliação inutiliza completamente o período de separação anterior - o que mostra a
ruptura do casamento é o prazo de 1 ano ininterrupto, consecutivo, ou seja, o prazo contínuo corresponde ao próprio
fundamento da separação de facto.

Sendo assim, o mesmo só poderia ser contado a partir de Março 2011. Seria portanto aconselhável que B
esperasse até Março de 2012 para pedir o divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges com base neste
fundamento.

No enunciado ainda se faz menção indirecta ao dever de respeito, sendo um dos deveres pessoais dos cônjuges.
Em termos práticos, a imposição destes deveres tinha bastante importância prática antes da reforma do divórcio de
2008, pois um dos fundamentos (senão o principal) do divórcio litigioso era a violação culposa dos deveres conjugais,
quando a sua gravidade pusesse em causa a subsistência do casamento. Depois de 2008, desapareceu esse fundamento,
tendo sido substituído por um diferente: qualquer facto que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostra a ruptura
definitiva do casamento. Já não se fala em deveres conjugais, nem sequer em culpa, mas em factos objectivos não
culposos, pelo que parece que estes deveres conjugais perderam muito o seu valor como deveres.
No máximo, podemos dizer que, não sendo cumprido um destes deveres de forma reiterada e grave, haverá
uma ruptura definitiva do casamento, que será fundamento de divórcio. Mas a violação dos deveres não vale por si mesma
como fundamento do divórcio, mas por originar a ruptura do casamento. Daí termos de concluir que os deveres perderam
grande parte da sua importância prática: os deveres traduzem antes a ideia de que a lei espera que os cônjuges adoptem certos
comportamentos, deixando de os adoptar, haverá uma ruptura.

Posto isto, B não podia pedir o divórcio com base na violação de deveres conjugais (dever de respeito na sua
vertente negativa - contra a integridade física e moral).

Porém, é de denotar que temos como efeito do divórcio, consagrado no art. 1792º/2, a obrigação de
indemnização: o cônjuge deve indemnizar o outro pelos danos não patrimoniais do divórcio, mas apenas este seja intentado
com fundamento em alteração das faculdades mentais (não o nosso caso). Antes da Reforma de 2008, também o
cônjuge declarado único ou principal culpado tinha esta obrigação de indemnizar, para além do cônjuge que intentou o
divórcio com fundamento em alteração das faculdades mentais.
Além disto, o n.º1 diz-nos que, em geral, o cônjuge lesado tem direito a pedir a reparação dos danos não
patrimoniais causados pelo outro cônjuge. Embora isto seja discutido, deve entender-se que estes danos indemnizáveis
são apenas os danos resultantes da violação de direitos que os cônjuges já tinham independentemente de serem casados - não está
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em causa a violação de deveres especificamente conjugais, como o dever de infidelidade ou coabitação, mesmo que este
traga danos. Há alguns autores que entendem que também os danos resultantes da violação de deveres conjugais devem
ser indemnizáveis, sendo que os tribunais oscilam num sentido ou no outro. PEREIRA COELHO entende que não faz
muito sentido haver um dever de indemnização no caso de violação de deveres conjugais. 


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DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES


A e B casaram em 1972, no regime de comunhão geral. Por ocasião do casamento, o pai de B deu-lhe uma casa,
pertença da família há várias gerações, no qual o casal viveu durante o casamento. Também por essa altura, os pais de B
deram a A uma colecção de jóias que têm passado pelas várias mulheres da família.
A nunca trabalhou e dedicou a sua vida ao marido e aos 3 filhos já adultos. Além disso, todos os finais de tarde ia à
fábrica que o marido recebera dos pais, pois era ela quem tratava da contabilidade da empresa e até da limpeza.
Há certa de 3 anos, o filho mais velho de ambos faleceu. Desde aí, B isolou-se e começou a frequentar casas de alterne
e a recorrer a prostitutas. Em Dezembro 2009, B disse a A que queria o divórcio porque a vida é curta e eu tenho que me
rodear de gente nova.
A está muito triste e desgostosa, sentindo-se frustada por ter falhado o seu projecto de vida centrado em torno do
marido e do casamento.

1. Suponha que foi instaurado em Janeiro 2011 o pedido de divórcio. Onde foi instaurado? Quais os efeitos?

Estamos perante um caso de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges. B parece querer basear este seu
pedido na ruptura definitiva, nos termos do art. 1781º, mais precisamente da alínea d). A legitimidade de B para fazer
este pedido está expressamente prevista no art. 1785º.

Em relação aos efeitos do divórcio, importa especialmente considerar aqueles que se relacionam com os bens
trazidos para o casamento. O enunciado diz-nos que os cônjuges optaram pelo regime geral de bens, estabelecido nos
arts. 1732º ss. De acordo com este regime, o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos
cônjuges. Sendo assim, tudo nos levaria a crer que caberia a cada um metade do património total.

Termo da comunhão e partilha (art. 1790º): com o divórcio, cessam todas as relações patrimoniais e pessoais entre os
cônjuges, art. 1688º. O divórcio implica assim a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, concretamente a
liquidação do regime de bens que, no caso de ter sido um regime de comunhão, dá lugar à partilha dos bens comuns.

A irrelevância do ilícito culposo conjugal no contexto do divórcio foi acompanhada da eliminação da exigência
da declaração do cônjuge culpado ou principal culpado, que influía na determinação de alguns efeitos patrimoniais -
nomeadamente, estabelecia-se que o anterior cônjuge culpado não podia na partilha receber mis do que receberia se o
casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de bens adquiridos.
Hoje, a lei deu um passo em frente - para qualquer dos cônjuges, vale a regra de que, na partilha, nenhum dos
cônjuges casados com comunhão geral pode ficar com mais do que ficaria se se tivessem casado com comunhão de bens adquiridos,
art. 1790º. Já que eles se divorciaram, não faz sentido manter a comunhão geral, que pressupunha a subsistência do
casamento, daí esta mutação do regime de bens; sendo que a lei quer evitar igualmente que o divórcio se torne num
negócio, num meio legítimo de ganho. Esta solução é criticada por RITA LOBO XAVIER.

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Dito isto, A não terá direito nem à casa doada a B por ocasião do casamento (art. 1722º/1/b)), nem à fábrica,
também doada a B pelos seus pais.

A que terá então A direito? A terá direito a alimentos, de acordo com o art. 2016º, que consagra o princípio de
que cada cônjuge, depois do divórcio, deve prover à sua subsistência - sendo estes alimentos limitados ao essencial para a
alimentação, vestuário e saúde. Esta ideia está implícita no n.3º do art. 2016º-A. Enquanto razoavelmente o cônjuge
não conseguir obter fonte de rendimento terá direitos a alimentos, mas esta será uma situação transitória.
Sabemos que foi eliminado o critério da culpa - o cônjuge culpado estava obrigado a dar alimentos ao outro.
Assim, o n.º2 vem dizer que qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos.

Se A quiser obter uma indemnização, nomeadamente pela violação dos deveres de fidelidade e cooperação,
deverá fazê-lo através de acção autónoma, nos termos do art. 1792º. - isto seria correcto caso ocorre antes da Reforma
de 2008. O art. 1792º/2 diz-nos que o cônjuge deve indemnizar o outro pelos danos não patrimoniais resultantes do
divórcio, mas apenas quando este seja intentado com fundamento em alteração das faculdades mentais. Antes da
Reforma de 2008, também o cônjuge declarado único ou principal culpado tinha esta obrigação de indemnizar, para
além do cônjuge que intentou o divórcio com fundamento em alteração das faculdades mentais.

Além disto, o n.º1 diz-nos que, em geral, o cônjuge lesado tem direito a pedir reparação dos danos não
patrimoniais causados pelo outro cônjuge. Embora isto seja discutido, deve entender-se que estes danos indemnizáveis
são apenas os danos resultantes da violação de direitos que os cônjuges já tinham independentemente de serem casados
- não está em causa a violação de deveres conjugais (dever de infidelidade ou coabitação), mesmo que traga danos. Há
alguns autores que entendem que também os danos resultantes da violação de deveres conjugais deve ser
indemnizáveis, sendo que os tribunais oscilam num sentido ou no outro. PEREIRA COELHO entende que não faz muito
sentido.

Mas o facto de A não ter direito nem à casa, nem à fabrica, não significa que não lhe possam assistir outros
direitos. A terá direito, se quiser, ao arrendamento da casa de morada da família, conforme o disposto no art. 1793º.
Há sempre a possibilidade de chegarem a acordo sobre o destino (quer no divórcio por mútuo consentimento, quer no
sem consentimento). Não havendo acordo, pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges da casa, a seu
pedido, tendo em conta as necessidades do cônjuge e dos filhos. É o tribunal que constitui este contrato de
arrendamento, ou seja, o contrato não resulta de um acordo entre as partes mas de uma decisão judicial.

Por outro lado, A terá também eventualmente direito a uma compensação pela violação do dever de contribuir
para os encargos da vida familiar, nos termos do art. 1676º.
O n.º2 e ss introduzem aqui uma regra que foi alterada na reforma do divórcio de 2008, regra do crédito
compensatório. Com a reforma de 2008, é reconhecido um direito a uma compensação, quando a contribuição de um dos
cônjuges tenha atingido um grau consideravelmente superior à que era devida, por ter renunciado de forma excessiva à satisfação
dos seus interesses em favor da vida comum, com prejuízos patrimoniais importantes. Este direito visa evitar o
aproveitamento injustificado dos benefícios resultantes do trabalho não remunerado de um dos cônjuges e o seu

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empobrecimento injustificado, logo o principal elemento de ponderação será a existência de prejuízos patrimoniais
importantes, nomeadamente se existir um grave desequilíbrio económico entre os cônjuges após o divórcio.

Acrescente-se, por fim, que A se veria ainda obrigada a restituir as jóias que recebeu em virtude do casamento.

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CASO 9 - MATERNIDADE


A e B casaram em 31 Outubro 1982. Em 1990 separaram-se (A saiu de casa), passando a viver com C em comunhão
de leito, mesa e habitação. C, nessa data, era casada com D.
Em Abril 1992 nasceu E, fruto das relações sexuais havidas entre A e C. Nesse mesmo dia, A dirigiu-se ao registo civil
para registar E. Quando lhe perguntaram quem era a mãe, A respondeu que era a sua mulher. Na posse destes dados, o
conservador elaborou o respectivo registo de nascimento.
E sempre viveu com A e C, sendo tratada como filha, quer em casa, quer em público. Os vizinhos consideravam-na
filha de A e C sem qualquer dúvida.
Em 2008, B pede o divórcio contra A, que vem a ser decretado em 2009.
Em 2010, E quer propor uma acção de investigação da maternidade contra C. Como a aconselharia?

Este caso prático diz respeito ao estabelecimento da maternidade. A questão é a seguinte: como foi A que se
dirigiu à conservatória do registo civil para registar E, E acabou por ser registada como sendo filha de B, mulher de A.
No entanto, toda a sua vida, E foi tratada como filha por C. Em 2010, com 18 anos, E quer propor uma acção de
investigação da maternidade contra C.

O sistema de estabelecimento da maternidade é o sistema de filiação e de acordo com o art. 1796º/1,


relativamente à mãe, a filiação resulta do facto do nascimento. Os modos de estabelecimento da filiação estão previstos nos
arts. 1803º a 1825º. São apenas 3 as formas de estabelecimento da maternidade (na linha do princípio da taxatividade):
menção ou indicação da identidade da mãe e no registo do nascimento; declaração de maternidade e reconhecimento
judicial da maternidade.

O estabelecimento da filiação deu-se, neste caso, através do modo mais simples: a declaração de maternidade,
prevista no art. 1803º. De acordo com este artigo há um dever, por parte de quem efectua o registo, de identificar a mãe
do registando. Sendo que A registou E no próprio dia do seu nascimento, será de aplicar o art. 1804º, segundo o qual a
maternidade indicada se considera estabelecida. O n.º2 deste artigo estabelece ainda que haverá uma notificação à mãe do
registo do nascimento, salvo se este tiver sido feito por ela ou pelo seu marido. Ora, neste caso o registo foi feito pelo
marido. B não foi notificada que E tinha sido registada em seu nome. Desta forma se estabelece uma falsa maternidade,
ou seja, uma divergência entre a maternidade jurídica (de B) e a maternidade biológica (de C).

Qual será, então, o meio adequado para reagir contra esta falsa maternidade? E podia propor uma acção de
investigação da maternidade (reconhecimento judicial da maternidade), nos termos do art. 1814º. Este é um outro
modo de estabelecimento da maternidade, diverso da declaração de maternidade anteriormente referida. B tinha
legitimidade para propor esta acção de acordo com a parte final do art. 1814º.

No entanto, segundo o art. 1815º, não pode promover-se o estabelecimento judicial contra uma mulher se,
porventura, o registo de nascimento exibir uma outra pessoa como mãe (B): se há uma maternidade estabelecida, ela é
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verdadeira até que seja impugnada através da acção de impugnação da maternidade. Segundo o art. 1814º, o
estabelecimento da maternidade tem de resultar de acção especial intentada para esse efeito, o que significa que não
pode haver reconhecimento judicial em incidente de outra acção.

O art. 1815º transparece a consagração do princípio da prioridade registal, segundo o qual não pode ser
reconhecida a maternidade em relação a uma pessoa que já a tem estabelecida. Sendo assim, o meio adequado para E
reagir contra a filiação estabelecida em favor de B será a acção de impugnação da maternidade, prevista no art. 1807º.
A veracidade do estabelecimento da maternidade está sujeito a este controlo posterior; trata-se de um ataque da
maternidade estabelecida, independentemente dos vícios que possam ter afectado o meio utilizado para levar a
maternidade ao registo e possam originar uma acção autónoma de invalidação.

Não há qualquer problema em relação ao prazo, uma vez que esta acção pode ser proposta a todo o tempo - o
direito de impugnar não caduca pois o interesse público da coincidência entre a verdade jurídica e a verdade biológica
sobrepõe-se às exigências de segurança e estabilidade das situações familiares adquiridas.
E a legitimidade de E para a propor está também claramente estabelecida no mesmo artigo. Também B e C
poderiam propor esta acção, ainda que relativamente à primeira se tratasse de um venire contra factum proprium. Sendo
esta acção declarada procedente, a maternidade falsa seria apagada do registo, e surgiria um interesse público e privado
de estabelecimento da verdadeira maternidade.

Agora sim, seria necessária a propositura de uma acção de investigação da maternidade (reconhecimento
judicial da maternidade), nos termos do art. 1814º. A legitimidade para propor esta acção seria mais restrita do que
para a acção de impugnação, mas E teria obviamente legitimidade, tal como prevê a parte final do artigo.
Para que esta acção seja procedente tem que se fazer prova da maternidade, tal como prevê o art. 1816º/1. A
doutrina aponta que a maternidade como é um facto exterior, se prova por 2 factos: prova do facto e prova da
identidade da parturiente. Quando seja possível a prova directa por meios científicos, dispensa-se a prova destes 2
factos. Em casos em que haja dificuldade em provar a identidade da parturiente (a prova do nascimento é, em regra,
fácil), a lei prevê no n.º2 do artigo presunções de maternidade. Logo, a alínea a) do art. 1816º/2 prevê que há uma
presunção de maternidade: “posse do estado de filho” - apesar de não ser filho juridicamente, já tem a posse de estado
de filho. Esta posse de estado é densificada pelos autores, estabelecendo-se 3 critérios cumulativos:
a. a mãe reputa-o como filho - nomen;
b. a mãe trata-o como filho - tractatus;
c. o público considera-o como filho daquela mãe - fama.

O enunciado do caso não nos deixa dúvidas quanto ao estabelecimento da presunção de maternidade com base
nesta alínea. Sendo assim, E podia propor a acção de investigação de maternidade no prazo de 10 anos a contar do dia
em que celebrou 18 anos (ou seja, o dia em que atingiu a maioridade). Este prazo está previsto no n.º1 do art. 1817º.

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A questão da constitucionalidade dos prazos: este artigo é uma norma comum à acção de investigação de paternidade -
como esta acção é muito mais frequente, a questão dos prazos foi bastante discutida. A partir de 1988, a fixação de
prazos curtos começou a levantar dúvidas quanto à sua inconstitucionalidade, tendo no entanto o TC deliberado
sempre no sentido da compatibilidade das normas com os princípios constitucionais. Tradicionalmente, apontavam-se
3 razões que justificavam a imposição de prazos para estas acções:
1. Se o filho pudesse sempre intentar uma acção, o pretenso pai ou mãe estariam sempre numa situação de
insegurança, sob a ameaça de ver a paternidade reconhecida;
2. Se fosse possível intentar estas acções muito depois do nascimento, seria difícil fazer a prova, pois há risco de perda
ou envelhecimento de provas;
3. Imaginemos que há um filho que sempre soube que determinada pessoa era seu pai ou mãe, mas nunca intentou.
Quando o pai/mãe estão prestes a falecer, o filho vai intentar para ver se consegue receber herança. A lei, através
destes prazos, pretende evitar estas situações - “caça fortunas”.

Todavia, com a introdução pela Revisão de 1997, do direito fundamental à identidade pessoal, o quadro começou a
mudar de figura. Os interesses tradicionais que sustentaram as restrições começaram a perder força:
1. O argumento da insegurança perdeu sentido: em primeiro lugar, estão aqui em causa interesses pessoais; mas,
sobretudo, se o pai/mãe sentem insegurança é porque porventura são mesmo pai/mãe, e aí tê o dever de declarar a
maternidade ou perfilhar. Se não têm consciência de poderem ser declarados progenitores, não se sentem inseguros;
2. O argumento do risco do envelhecimento das provas perdeu pertinência: este é um risco do próprio investigante; e,
hoje em dia, há uma generalização das provas científicas;
3. O argumento da caça às heranças continua, no entanto, a ser o mais pertinente, mas também pode ser afastado: na
maior parte das vezes, o filho quer de facto esclarecer a existência de vínculo familiar, e não tem pretensões
familiares. No entanto, mesmo que haja este risco, pode ser afastado de outra forma - o filho poderia intentar a
acção a todo o tempo, mas o estabelecimento da filiação não teria efeitos sucessórios. Em casos-limite, poderia
afastar-se a eficácia patrimonial do estabelecimento do vínculo.

Assim, na sequência de vários acórdãos do TC, este acabou por, num acórdão de 2005, declarar o prazo de 2 anos
inconstitucional por violação do princípio à identidade pessoal (onde se inclui o direito a saber de quem se é filho). No
entanto, não fixou qualquer prazo, pelo que houve um período (2006 a 2009), no prazo de 2 anos tinha sido declarado
inconstitucional mas não se sabia qual o prazo que deveria valer. Só mais tarde, em 2009, através da Lei 14/2009, é que
se veio fixar o novo prazo de 10 anos.

Apesar de este prazo ser muito maior, continua a discutir-se, quer nos tribunais civis quer no Constitucional, a
constitucionalidade da simples imposição de um prazo: porque é que a lei tem de fixar um prazo para as pessoas
descobrirem de quem são filhas? O TC já se pronunciou em sede de fiscalização concreta no sentido da
constitucionalidade de 10 anos. No entanto, o STJ não está a aplicar estes prazos, admitindo as acções de investigação
da maternidade/paternidade a todo o tempo.


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MATERNIDADE


A foi encontrado por B à porta da Igreja quando ainda era recém-nascido. O padre procedeu ao registo da criança.
Passados alguns dias, B declarou na conservatória do registo civil ser a mãe de A.
Alguns anos depois, C regressa à cidade e alega ser a verdadeira mãe de A. Quid iuris?

O sistema de estabelecimento da maternidade é o sistema de filiação: a maternidade é entendida como uma


simples decorrência do puro facto biológico do parto (art. 1796º/1) - este facto é levado ao conhecimento do registo civil,
que considera a parturiente como a mãe do filho que nasceu, sem que esta tenha de intervir. As razões que sustentam
este regime são:
1. Respeito incondicional pelo direito do filho ao estabelecimento dos filhos;
2. Um sentimento forte de auto-responsabilização e familiar;
3. Respeito absoluto pela verdade biológica.
São apenas 3 as formas de estabelecimento de maternidade: menção ou indicação da identidade da mãe no
registo do nascimento; declaração de maternidade e reconhecimento judicial da maternidade.

Pode acontecer que no registo do nascimento seja omisso quanto à identidade da mãe: nestes casos, o art.
1806º diz-nos que o meio para desencadear o estabelecimento da maternidade é a declaração de maternidade feita pela
própria mãe (n.º1 / 1ª parte), ou a indicação ou identificação da mãe, feita por outra pessoa (n.º2). Este acto está
presente no enunciado, quando B declarou ser a mãe de A.

Não obstante B ter declarado a maternidade de A na conservatória (nos termos do art. 1806º/1), tal não
impede que C proponha uma acção de impugnação da maternidade registada nos termos do art. 1807º. Trata-se de
um meio de ataque da maternidade, estabelecida, independentemente dos vícios que possam ter afectado o meio
utilizado para levar a maternidade ao registo e possam originar uma acção autónoma de invalidação.
Entende-se que C tem legitimidade para propor esta acção de impugnação da maternidade por ter interesse
moral ou patrimonial na procedência da acção, e o direito de impugnar a maternidade não caduca, podendo a acção ser
intentada a todo o tempo. O interesse público da coincidência entre a verdade jurídica e a verdade biológica sobrepõe-
se às exigências de segurança e estabilidade das situações familiares adquiridas.

a) Imaginando que A acredita que C é a sua mãe biológica. Pode fazer alguma coisa para repor a verdade agora que
tem 18 anos?

A terceira forma de estabelecimento da maternidade está previsto no art. 1814º, denominado por
reconhecimento judicial da maternidade. Segundo o art. 1815º, não pode promover-se o estabelecimento judicial
contra uma mulher se, porventura, o registo de nascimento exibir uma outra pessoa como mãe (B): se há uma
maternidade estabelecida, ela é verdadeira até que seja impugnada através da acção de impugnação da maternidade. O
art. 1815º transparece a consagração do princípio da prioridade registal, segundo o qual não pode ser reconhecida a
maternidade em relação a uma pessoa que já a tem estabelecida.. Segundo o art. 1814º, o estabelecimento da
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maternidade tem de resultar de acção especial intentada para esse efeito, o que significa que não pode haver
reconhecimento judicial em incidente de outra acção.
Tal como C, A também tem legitimidade para propor a acção de impugnação de maternidade, inserindo-se no
mesmo excerto do art. 1807º, citado sub judice.

Após a acção de impugnação, o registo ficou em branco e seria necessária a propositura de uma acção de
investigação da maternidade (reconhecimento judicial da maternidade), nos termos do art. 1814º. Tanto a acção de
investigação de maternidade, tanto a de paternidade, são concebidas pelo legislador como acções propostas pelo filho
que, suspeitando que o seu pai/mãe é certa pessoa, intentam esta acção. É este o espírito que subjaz estas acções. A
acção seria assim intentada por A.
Para que esta acção seja procedente tem que se fazer prova da maternidade, tal como prevê o art. 1816º/1. A
doutrina aponta que a maternidade como é um facto exterior, se prova por 2 factos: prova do facto e prova da
identidade da parturiente. Quando seja possível a prova directa por meios científicos, dispensa-se a prova destes 2
factos. Em casos em que haja dificuldade em provar a identidade da parturiente (a prova do nascimento é, em regra,
fácil), a lei prevê no art. 1816º/2 certos factos que funcionam como presunções de maternidade no âmbito da acção
judicial, que podem ser ilididas quando existam dúvidas sérias sobre a maternidade (n.º3): “posse do estado de filho” ou
existir uma carta ou outro escrito em que a pretensa mãe declara inequivocamente a maternidade.

Quanto ao prazo (art. 1817º), o prazo regra consta do n.º1: enquanto o investigante for menor, ou nos 10 anos
posteriores à maioridade (até aos 28).

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CASO 10 - PATERNIDADE (PRESUNÇÕES)


A nasceu a 9 Maio 1965 e foi registado como sendo filho de B, no estado de solteira, e de pai incógnito. Deu-se como
provado que desde muito novo que A vive no Brasil e que C faleceu no dia 17 Janeiro 1998, no Estado de São Paulo,
sem descendentes ou ascendentes vivos (herdeiros directos). Teve apenas dois irmãos.
Mais, B, nos primeiros 120 anos dos 300 que procederam o nascimento do autor só manteve relações sexuais com C.
A mãe do autor era empregada doméstica em casa de C, de onde saiu o seu estado de gravidez. C enviou algumas vezes
dinheiro a A para o Brasil e A sempre foi havido no lugar X como sendo filho de C. Quid iuris?

O reconhecimento judicial da paternidade está previsto nos arts. 1869º e ss e sofreu uma grande evolução com
a Reforma de 1977: antes, a própria propositura da acção de investigação era muito limitada, pois para ser possível um
filho tentar uma acção, a lei fixava certos pressupostos taxativos. Hoje, reconhecendo-se o direito à identidade pessoal, e
por força do princípio da não discriminação entre filhos nascidos fora e dentro do casamento, a lei deixou de pôr este
tipo de entraves à investigação da maternidade, pelo que desapareceram os pressupostos de admissibilidade.
À semelhança da maternidade, também aqui as acções de investigação são acções pensadas para serem
propostas pelo filho. Todavia, acontece que aqui é só praticamente este que pode intentar a acção, ao contrário do que
acontece na maternidade. Só tem legitimidade o filho capaz; no caso de ser incapaz, a representação caberia à mãe
(1869º, se a maternidade ainda não estiver estabelecida, será representado pelo MP). O único caso em que outra pessoa
(que não o filho) pode intentar é o caso do processo de averiguação oficiosa, quando o suspeito pai não quer perfilhar e
o tribunal continua convencido que é ele o pai. Aí, o MP pode intentar esta acção.

Agindo o filho em nome próprio ou fazendo-se representar, o que é que terá de provar? O ónus da prova cabe
ao filho, de acordo com as regras gerais. A prova da maternidade é mais fácil, uma vez que é um facto exterior (parto e
identidade da parturiente). Existem 3 meios de prova de paternidade: prova directa (através de métodos científico-
laborais); prova indirecta (única admissível antes da divulgação dos métodos científicos, constituída por dois elementos
- coabitação e coabitação em exclusividade) e, por fim, as presunções de paternidade.

Este caso remete-nos para as presunções de paternidade, estabelecidas no art. 1871º. Estas presunções só
funcionam dentro da acção de investigação da paternidade, e correspondem às anteriores condições de admissibilidade
desta acção, tendo hoje um significado diferente - assumem o valor de índices de verdade biológica, factos expressivos
de uma probabilidade forte, que beneficiam o investigante. Quais os factos constitutivos da presunção de paternidade?
Neste caso, referimo-nos à alínea a) do n.º1, à hipótese de posse do estado de filho. A posse de estado é composta por 3
elementos constitutivos:
a. O pai reputa-o como filho - nomem. Reputar como filho significa estar convencido da paternidade, considerar ou
pensar que outrém é seu filho.
b. O pai trata-o como filho - tractatus.
- Tratar como filho é proceder para com uma pessoa como os pais procedem com os filhos; é preciso que o réu
tenha dispensado ao investigante actos de assistência afectiva e material, como é o próprio das relações entre

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pais e filhos. Isto é: apesar de alguns actos de reputação serem também actos de tratamento, a reputação e o
tratamento são dois requisitos requisitos;
- São suficientes alguns festos expressivos, praticados ao longo de vários anos.
c. O filho é reputado como tal pelo público - fama.

Tudo indica que esta acção venha a ser procedente: o filho é reputado e tratado como tal pelo pretenso pai, o
que se depreende do facto de lhe ter enviado dinheiro algumas vezes; e, por outro lado, A também foi reputado como
tal pelo público, nomeadamente no lugar X. Parecem estar verificados os 2 requisitos cumulativos que o art. 1871º/1/a)
estabelece, o que nos leva a considerar esta situação como uma verdadeira posse de estado.

Hipótese - caso C ainda estivesse vivo:


Verificados os requisitos, presume-se a paternidade, pelo que o ónus da prova passaria a recair sobre o pai investigado.
Se nos termos gerais do direito civil, as presunções são ilididas mediante prova contrário (art. 350º/2), não é isto que
sucede no nosso caso. O legislador estabeleceu que o réu pode ilidir a presunção legal de paternidade com alegações de que
resultem dúvidas sérias: não se exige a prova de que não é o pai - art. 1871º/2. Esta norma foi acrescentada com a Reforma
de 1977, pretendendo criar um regime suave para o réu uma vez que não estavam generalizadas como hoje as provas
científicas e poderia ser dificil provar o contrário. Claro que, se o réu recorrer a uma prova negativa de paternidade, este
preceito não terá utilidade; podendo no entanto servir para aqueles casos em que ele pretende recorrer a esse meio mas
não obtém a colaboração da mãe e do filho.

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CASO 11 - PATERNIDADE


A nasceu em Fevereiro 1990. O seu nascimento foi declarado por J, que no respectivo assento de nascimento constava
como pai de A. Como mãe, constava M. À data de nascimento de A a declarada mãe era casada com Alfredo, e J (pai)
era casado com Alberta.
Em Junho de 1980, M foi citada para uma acção de divórcio litigioso, que foi decretado por sentença judicial em
Janeiro 1993, e transitou em julgado em Fevereiro 1993. Na sentença que decretou o divórcio ficou provado o seguinte:
a 15 de Maio de 1986 a ré (M) abandonou o lar conjugal e não voltou a lá viver. A ré passou a viver com J em comunhão de
leito, mesa e habitação.
O casamento de J foi dissolvido por divórcio decretado por sentença em Maço 1991.
M e J casaram em Outubro 1995.
Pronuncie-se sobre a justiça de uma sentença que declarasse a necessidade de rectificar o assento de nascimento de A
com fundamento em não ter sido feita a declaração em contrário à paternidade presumida no acto em que foi lavrado o
assento de nascimento.

Este caso prático diz respeito à filiação, mais precisamente ao estabelecimento da paternidade. O art. 1796º
regula o estabelecimento da filiação, e de acordo com o n.º2 do mesmo artigo, havendo casamento (como é o caso, a
paternidade presume-se em relação ao marido da mãe. (Também o art. 1826º parte do mesmo princípio, estabelecendo que
se presume que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da mãe tem como pai o marido da mãe). Sendo
assim, tudo levaria a crer que Alfredo fosse tido como pai de A, por ser casado com M, declarada como sua mãe. No
entanto, ao registar a criança J fez uma declaração contrária a esta presunção, apresentando-se como pai de A. O
conservador, ao ter registado A como filho de J, parece ter admitido afastar a presunção a que estava obrigado nos
termos do art. 1826º. Mas o problema é que não podia tê-lo feito. Sendo M casada com Alfredo, só ela poderia afastar
a paternidade, nos termos do art. 1832º: a mulher casada pode fazer uma declaração, aquando do acto do registo do
nascimento, no sentido de que o seu marido não é o pai do filho, ou seja, basta isto para fazer cessar a presunção. Não o
tendo feito, essa presunção só cessou em Junho 1986, quando M foi citada para uma acção de divórcio litigoso. Esta
cessação da presunção de paternidade está especialmente prevista no art. 1829º/2/b). Só depois desta data poderia J
intervir, através de um acto de perfilhação, regulado nos arts. 1849º.


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EXAME 24/01/2011 (2ªT)



CASAMENTO SEM VALOR —> UNIÃO DE FACTO: ADOPÇÃO CONJUNTA, DISSOLUÇÃO POR MORTE)

A e B, fiéis de recentemente criada Igreja dos Dias Passados uma cerimónia de casamento segundo os ritos de tal culto.
Desde então sempre fizeram uma irrepreensível vida de casal.
a) Qual o valor do casamento celebrado por A e B?
b) Se A e B pretendessem candidatar-se a adoptar conjuntamente uma criança, poderiam fazê-lo?
c) Sabendo que A faleceu na sequência de um acidente de trabalho e que B não trabalha desde 2006, a situação desta
última será acautelada por lei?

a) O casamento é um acto que interessa não apenas ao Estado, mas também à Igreja; antes de ser regulado pelos
códigos civis, o casamento era já um sacramento, previsto na lei canónica. Porém, a consagração dos princípios da
inconfessionalidade do Estado e a da liberdade religiosa, surgiu a necessidade de um direito matrimonial estadual,
instituindo-se o casamento civil.

Relativamente aos sistemas matrimoniais, têm surgido, historicamente, vários sistemas:


1. Sistema de casamento obrigatório perante o Estado: não se admite o casamento civil, tendo este sistema vigorado na Grécia
até 1982. Este é um sistema abstractamente possível que, de facto, existiu no nosso espaço civilizacional.
2. Sistema de casamento civil obrigatório: o Estado só reconhece efeitos civis aos casamentos civis, celebrando segundo as seus
leis e regulados por elas. O Estado dará inteira liberdade aos nubentes para casarem segundo as normas da sua confissão
religiosa, mas não atribuirá á sua celebração quaisquer efeitos jurídicos. O inconveniente é obrigar as pessoas que professam
uma dada religião a realizar 2 casamentos.
3. Sistema de casamento civil facultativo: é o que existe entre nós, evitando o inconveniente da celebração de 2 casamentos. As
pessoas podem escolher casar civil ou catolicamente (ou ainda segundo as regras de outra religião). Dentro deste sistema,
distingue-se entre 2 modalidades possíveis:
- Primeira modalidade: o casamento católico é equiparado ao efeito civil, ou seja, tem exactamente os mesmos efeitos,
tratando-se do mesmo instituto. Não é regulado pela lei católica, mas antes pelo Estado, divergindo apenas na forma de
celebração.
- Segunda modalidade: é a que vigora entre nós. O Estado reconhece eficácia civil ao casamento católico, todavia admite-o
como tal, ou seja, é regulado pelo direito da Igreja. Assim, não temos apenas duas formas diversas de celebração do
casamento, mas dois institutos diferentes, já que a lei canónica regula certos aspectos do casamento católico. Poupa-se a
celebração de um duplo matrimónio.
4. Sistema do casamento civil subsidiário: os nubentes devem realizar casamento religioso, só podendo deixar de o celebrar
naqueles casos em que a própria igreja católica autorizar o casamento civil (ou seja, no caso dos não baptizados). Ou seja, o
casamento católico é o único que o Estado reconhece, sendo o civil apenas admitido subsidiariamente.

O que podemos dizer sobre o nosso sistema actual? Em relação aos católicos, o sistema é o do casamento civil
facultativo na segunda modalidade. Mas note-se que os católicos sempre puderam optar indiferentemente pelo
casamento católico ou civil, daí o nosso sistema não ser de casamento civil subsidiário. Em relação aos que professam
outra religião que se considere “radicada no país”, o sistema é o do não casamento facultativo civil na primeira
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modalidade. Em relação aqueles que não professam qualquer religião ou professam uma religião não radicada, o
sistema é o do casamento civil obrigatório.


Até à Lei da Liberdade Religiosa (Lei 16/2001) havia apenas casamentos civis e católicos. Com esta lei, passou a admitir-
se que as pessoas que professam outras religiões possam celebrar o casamento segundo os ritos dessas religiões, e o Estado
reconhece-lhe efeitos civis. Há religiões que se podem considerar radicadas em Portugal: o Ministério da Justiça, uma vez feito o
requerimento pela religião, tendo em conta a sua presença e o número de crentes considera ou não como radicada em Portugal.
Mas há um requisito obrigatório para que se possa apresentar um requerimento – que a religião já exista em Portugal com presença
social organizada há 30 anos ou, noutro local do mundo, há 60 anos –, como indicador de seriedade e estabilidade. Há um registo
nacional das pessoas colectivas religiosas. Só depois destes passos todos os sujeitos que professam a religião podem celebrar o
casamento segundo os seus ritos. Mas há uma diferença importante em relação ao casamento católico, já que os casamentos
celebrados segundo outras religiões estes são regulados integralmente pelo Código Civil, ou seja, vale aquela primeira modalidade do sistema
de casamento facultativo. Têm até nome diferente, "casamento civil celebrado sob forma religiosa".

Primeiro, a Igreja dos Dias Passados foi recentemente criada, e, portanto, esta não preenche o estatuto de
religião existente em Portugal com 30 anos, não se consubstanciando numa religião radicada no país. Tratando-se de
uma religião não radicada, o sistema é o do casamento civil obrigatório: o Estado só reconhece efeitos civis aos
casamentos civis, celebrando segundo as seus leis e regulados por elas. O Estado dará inteira liberdade aos nubentes
para casarem segundo as normas da sua confissão religiosa, mas não atribuirá à sua celebração quaisquer efeitos
jurídicos. O casamento é o negócio mais formal de todos: a forma exigida consiste na cerimónia da celebração do acto.
O casamento civil tem de ser celebrado perante o funcionário do registo civil (art. 155º CRC). As formalidades que a
lei teve em vista são as finalidades genéricas do formalismo negocial; além disso, pode dizer-se que a lei pretendeu
acentuar aos olhos dos nubentes o alcance e a significação do acto matrimonial.

Como A e B apenas fizeram uma cerimónia de acordo com os rituais do tal culto, não se verificam preenchidos
os pressupostos de validade do casamento celebrado. Este casamento não tem qualquer valor.

b) Sabe-se que A e B estão juntos, pelo menos desde 2006, data do seu casamento (por si, sem qualquer valor e, por
isso, inexistente) na Igreja dos Dias Passados. Até hoje (2011) perfaz uma duração de 5 anos de vida de casal. Significa
isto que têm uma vida em comum em condições análogas (comunhão de leito, mesa e habitação) às dos cônjuges,
tratando-se, em princípio, de uma união de facto. Simplesmente não estão unidos pelo vínculo formal do casamento.
Para que esteja produza efeitos previstos no art. 3º da Lei 7/2001, a lei exige que a duração mínima efectiva seja de 2
anos (art. 1º) - já verificámos que estão juntos há 5 anos. Para se provar a união de facto é necessária a declaração da
Junta de Freguesia baseada numa declaração dos unidos de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união
de facto há mais de 2 anos - no enunciado nada diz sobre isto, mas vamos pressupor que sim.

A união de facto, sendo um puro facto, não produz os mesmos efeitos que o casamento, todavia, o direito não
desconhece a relação pessoal que une os unidos de facto, pelo que a uf produz certos efeitos pessoais indirectos, tal
como um casal poder realizar uma adopção conjunta, verificadas certas condições, assim também duas pessoas unidas
de facto podem nas mesmas condições, realizar esta adopção.

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c) O fundamento da protecção legal da uf está aqui, na necessidade de proteger o unido de facto sobrevivente se o
outro falecer. O próprio contrato de coabitação pode regular esta matéria; se ele nada disser, aplicam-se as regras gerais.

Quanto à dissolução por morte, temos vários aspectos a mencionar:

1. Na uf não há efeito sucessório, no entanto, provando-se que o unido de facto sobrevivo precisa de alimentos, o art.
2020º determina que o membro sobrevivo tem o direito de exigir alimentos da herança do falecido. Este direito só se
verifica se estiverem preenchidas as 2 condições do regime geral do dever de alimentos: a pessoa que pede os alimentos
tem de ter necessidade deles; e o alimentador tiver possibilidade de os prestar.

2. Quanto à casa de morada de família, a lei admite que nestes casos há interesses a tutelar, nomeadamente o interessa
da continuidade da habitação. Assim, o art. 5º da Lei da UF dispõe que, no caso do proprietário ser o falecido, o
membro sobrevivo (que não é herdeiro) pode ficar na casa, pelo menos 5 anos, como titular de um direito real de
habitação e direito de uso do recheio.

3. O membro sobrevivo tem direito de preferência na compra da casa (art. 5º/9).

4. Transmissão do direito ao arrendamento para habitação, por morte da pessoa que viva com ele em uf - art. 1106º/1.

5. No caso de a morte ter sido provocada por um facto culposo de alguém, gerador de responsabilidade civil, poderá o
uf sobrevivo exigir ao autor da lesão uma indemnização pelos prejuízos sofridos.

6. De acordo com o art. 3º/e), as pessoas em uf têm direito a protecção social no caso de morte do beneficiário, nos
termos do regime geral (equiparação ao casamento).

7. Há igualmente outros subsídios, previstos para os cônjuges sobrevivos, que também se aplicam aos unidos de facto
por força do art. 3º/f ) e g): subsídio por acidente de trabalho (neste caso).

8. Por fim, refira-se que o art. 251º/2 do CT permite ao trabalhador faltar justificadamente pro falecimento da pessoa
com quem vivia em uf há mais de 2 anos - aqui, Branca não trabalhava desde 2006.

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EXAME 19/01/2015 (2ªT)



DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO: ACORDOS COMPLEMENTARES, RESPONSABILIDADES PARENTAIS

A e B casam no regime supletivo - Março 1999;



Nasce a filha C - Agosto 2002;

10 anos depois: desentendimentos entre A e B;

A e B querem divórcio mas nenhum deles pode apontar ao outro qualquer falta (dizem estar “cansados de viver juntos”
);


a) Qual a modalidade do divórcio?

b) Imagine que A e B se conseguem pôr de acordo relativamente ao destino da casa de família, aos alimentos e à
regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitantes a filha, no qual se prevê que C fique a residir
apenas com a mãe que exercerá de modo exclusivo as responsabilidades parentais relativamente a todos os assuntos da
vida da filha, não tendo A que pagar qualquer pensão de alimentos à sua filha C. Todavia, não se põem de acordo sobre
a partilha dos bens comuns.Terá este último facto alguma relevância no divórcio de M e J?

c) Como aprecia o acordo relativo à regulação do exercício das responsabilidades parentais de A?

a) São duas as modalidades do divórcio: por mútuo consentimento, que pode ser administrativo ou judicial; e sem
consentimento de um dos cônjuges (até 2008, este era o divórcio litigioso) - arts. 1773º, 1775º e ss e 1779º e ss. 

Tendo em consideração que “nenhum deles pode apontar ao outro uma violação de um qualquer dever
conjugal” e afirmam “estar cansados de viver juntos”, será de prever que a modalidade que vão optar é o divórcio por
mútuo consentimento (1775º), sendo um acordo mútuo entre os cônjuges. Antes de 2008, este era um divórcio com
causa. Hoje, a distinção perdeu interesse.

Deverão dirigir-se à Conservatória do Registo Civil e, juntamente com o requerimento do divórcio assinado
por ambos, apresentar os 3 acordos complementares previstos no art. 1775º (acordo sobre o destino da casa de morada
de família, acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careca e acordo sobre a regulação do exercício
das responsabilidades parentais), bem como uma relação especificada dos bens comuns e uma certidão da convenção
antenupcial se a tiverem celebrado.

Caberá ao Conservador apreciar a legalidade dos dois primeiros acordos e averiguar se estes asseguram ou não
os interesses dos cônjuges.

Quanto ao acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais, a sua apreciação caberá ao
MP junto do tribunal de 1ª instância competente em razão da matéria e no âmbito da circunscrição a que pertença a
Conservatória (art. 1776º-A).

Se os vários acordos não suscitarem qualquer dúvida, o Conservador convocará os cônjuges para uma
conferência e decretará o divórcio (1776º). Se se levantarem dúvidas quanto a algum dos acordos, o processo será
remetido para o tribunal da comarca a que pertença a conservatória (1778º).

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Na hipótese de os cônjuges não conseguirem acordar sobre alguma ou todas as matérias já referidas, o processo
de divórcio por mútuo consentimento poderá ser intentado no tribunal e o juiz fixará as consequências do divórcio
como se se tratasse de um divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges (art. 1778º-A, 1 e 3).

b) Neste caso, o MP convida os pais a alterar o acordo apresentado ou a apresentar novo acordo (art. 1776º-A/2).
Se os pais alterarem o acordo em conformidade com as observações do MP ou o novo acordo acautelar os interesses de
C, o MP remete o processo para a Conservatória do registo civil e o conservador decreta o divórcio (1776º/-A, n.º3).

Se os pais não alterarem o acordo em conformidade com as observações do MP ou o novo acordo não
acautelar os interesses da filha e os pais mantiverem o propósito de se divorciar (art. 1776º-A, n.º4), o processo é
integralmente remetido para o Tribunal da Comarca a que pertença a Conservatória (art. 1778º), seguindo-se os
termos previstos no art. 1778º-A com as necessárias adaptações.


c) Relativamente às responsabilidades parentais numa situação de divórcio, aplicam-se os arts. 1905º e 1906º.

Quem deve pagar as despesas do filho? Em princípio, ambos terão a obrigação de custear as despesas com a
educação, saúde, etc do filho, dentro das possibilidades de cada um (art. 1905º). Esta questão deverá ser regulada por
acordo, sujeito a homologação, que será recusado se não corresponder ao interesse do filho. 


A Reforma de 2008 trouxe grandes alterações relativamente à matéria das decisões quanto à vida do filho:

1. Em relação às questões de particular importância, as responsabilidades parentais são exercidas em comum por ambos
os progenitores - art. 1906º/1. Esta é a regra, em princípio com carácter imperativo, embora possa ser afastada em
certas situações excepcionais: situações de urgência, ou situações em que o exercício em comum das responsabilidades
possa afectar o interesse do filho (por ex., os pais não se falam). Aqui, o tribunal pode, através de decisão
fundamentada, determinar que as responsabilidades serão exercidas por um dos progenitores, mesmo em relação às
questões de particular importância - 1906º/2.

2. Além destas questões, há outras - o código diz, no 1906º/3, que o exercício das responsabilidades parentais em
relação às questões de vida corrente são decididas pelo progenitor com quem o filho está naquele casamento.

3. Simplesmente, a lei diz ainda no n.º3 que o progenitor com direito de visita tem de respeitar as orientações
educativas decididas pelo progenitor. Assim, a lei atribui a competência unilateralmente ao progenitor residente de
definir as orientações educativas fundamentais do filho.

O acordo relativamente às responsabilidades parentais é feita, não pelo conservador, mas pelo MP (art. 1776º-A/1/2/3)

Remessa para o tribunal nos termos do arts. 1776º-A/4 e 1778º


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EXAME 18/01/2012 (2ªT)



DIVÓRCIO SEM O CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES: SEPARAÇÃO DE FACTO (PROCESSO E EFEITOS)

A e B casam - 2 Fev 1990;



Nasce C (filha de ambos) - 20 Dez 1995;

A tomou várias decisões, B não concordava;

B saiu de casa, e desde Maio 2008 passou habitar noutra casa com a filha;

Há 10 meses - B conheceu X e vive com com ele desde então.

Hoje, B quer divorciar-se de A. Que modalidade?

B quer extinguir a relação matrimonial e de entre os vários modos de extinção (divórcio por mútuo
consentimento e divórcio sem consentimento de um dos cônjuges - antigo divórcio litigioso), B deveria lançar mão de
uma acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges com fundamento em separação de facto por 1 ano
consecutivo (art. 1781º/a)). Este divórcio continua a ser um divórcio contencioso, ou seja, requerido por um dos
cônjuges contra o outro, e é sempre judicial. Tem como fundamento qualquer facto que, independentemente da culpa dos
cônjuges, mostre a ruptura definitiva do casamento”, designadamente a separação de facto, a alteração das faculdades
mentais do outro cônjuge e a ausência.

A separação de facto é uma das causas determinadas de divórcio que integra um elemento objectivo - a
inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges - e um elemento subjectivo - o propósito de um ou de ambos os
cônjuges de no futuro não vir a restabelecer essa vida em comum (art. 1782º). O elemento objectivo já se verificava
desde Maio 2008. Quanto ao elemento subjectivo, pode considerar-se que só estará verificado em Março de 2011. B
(art. 1785º/1) deveria assim, esperar mais 2 meses para poder invocar a separação de facto por 1 ano consecutivo (art.
1781º/a)), como causa de divórcio no contexto de uma acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges
contra A.

Outros ponto que pode ser referido: a eventual invocação da causa indeterminada da alínea d) do art. 1781º.

Em termos simples: é deduzido um pedido de divórcio; o tribunal tem de primeiro informar os cônjuges da
existência e objectivos dos serviços de mediação familiar (passo comum a todos os divórcios - art. 1774º);
contrariamente ao divórcio por mútuo consentimento, não foi eliminada a tentativa de conciliação e de acordo com o
art. 1779º, haverá sempre esta tentativa, já que é litigioso; falhada essa tentativa, o juiz deve em segunda via tentar que
se divorciem por mútuo consentimento (n.º2); o juiz deve tentar obter acordo entre os cônjuges nas matérias
complementares - se não houver acordo, o máximo que o juiz pode fazer é fixar regimes transitórios que vigoram
enquanto que o processo dura (art. 931º/7 CPC); e, finalmente, não havendo contestação do divórcio pelo outro
cônjuge (ou se a petição inicial prevalecer sobre os motivos de contestação), o juiz decreta o divórcio sem ter de definir
o regime daquelas três matérias complementares. 

Na sentença, hoje, contrariamente ao que sucedia antes de 2008, não há qualquer referência à culpa. Uma
referência que pode continuar a constar da sentença é a indicação da data que cessou a coabitação dos cônjuges, se estes
assim o requererem - isto pode ter interesse para vários efeitos (patrimoniais).

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O princípio geral relativamente aos efeitos de dissolução do casamento está estabelecido no art. 1788º: o
divórcio tem os mesmos efeitos que a dissolução por morte, salvo algumas excepções: não há efeitos sucessórios, o cônjuge só
pode manter o nome se o ex-cônjuge permitir ou o tribunal autorizar, etc. Assim, podemos dizer que o divórcio
dissolve o casamento, ou seja, extingue a relação matrimonial e faz cessar, para o futuro, os efeitos da relação, mantendo porém
os efeitos já produzidos.

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EXAME 18/01/2012 (2ªT)



PATERNIDADE

A e B casaram em 2008. Em 2009, B foi para França e desapareceu.


Em 2010, A conheceu C, e vive com ele.
Em 2011, nasce D (filho biológico de C).
A e C querem registar o filho.

O filho nasceu na constância do casamento da mãe: A é casada com B.


Segundo as regras gerais, funcionaria automaticamente a presunção de paternidade do marido da mãe (art.
1826º), o que não corresponderia à verdade biológica.
Face à improbabilidade de o marido ser o pai, apesar de o filho ter nascido na constância do casamento que se
mantém, o legislador permite à mãe que declare, na conservatória, o nascimento do filho com a indicação que o filho
não é do marido (art. 1832º/1). A deveria fazer tal declaração quando fosse declarar o nascimento e fazer a menção da
maternidade.
Tal declaração faz cessar a presunção de paternidade (art. 1832º/2). A paternidade fica omissa.
E pode ser aceite uma perfilhação (art. 1832º/3). C deveria, depois da declaração de A, perfilhar B, desde que
possuísse a necessária capacidade e segundo uma das formas previstas na lei: arts. 1849º, 1850º, 1853º.


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EXAME 05/02/2015 (2ªT)



PATERNIDADE: POSSE DO ESTADO DO FILHO

Nasceu A - 1990. Registada como filha de B e D (seu marido) não tendo sido feita qualquer outra declaração;

D foi para o Brasil e desapareceu - desde 1987;

C desempenhou o papel paterno: era do conhecimento geral da população da aldeia onde viviam e C nunca o negou;
reconheceu-o e assumiu perante o seu irmão e em conversas com alguns amigos íntimos, reconheceu ser ele o pai; toda
a população sempre considerou ser A filha de C;

C ficou doente e falece - Dez 2013;

No funeral, A pronunciou a palavra “pai” em relação a ele, em voz alta.

O estabelecimento da maternidade de A foi por indicação ou declaração, prevista no art. 1803º e ss. No
formulário da conservatória, é necessário indicar-se a identidade da mãe, e esta indicação é suficiente para que o
conservador faça menção do nome da mãe no assento do nascimento.
Relativamente à paternidade, há 3 formas de estabelecimento, sendo uma delas a presunção de paternidade do
marido da mãe - presunção pater is est (art. 1826º). Segundo este preceito, presume-se que o filho nascido ou
concebido na constância do matrimónio da mãe tem como pai o marido. Esta disposição tem de ser vista em
articulação com o art. 1798º, que fixa o período legal de concepção, para sabermos se o filho foi concebido ou não
durante o casamento.
Logo a seguir a prever esta presunção, a lei estabelece casos de cessação da presunção da paternidade. A
presunção excepcionalmente não funciona, ou seja, não surge sequer, uma vez que a lei entende que a probabilidade do
marido da mãe ser o pai é remota. Um dos casos é o art. 1832º: a mulher casada pode fazer uma declaração, aquando
do acto do registo do nascimento, no sentido de que o seu marido não é o pai do filho, ou seja, basta isto para fazer
cessar a presunção. Mas como denotamos, B registou D como pai da criança e não fez qualquer outra declaração.
Portanto, não foi accionado o mecanismo de cessação do art. 1832º. Desta forma se estabelece uma falsa paternidade,
ou seja, uma divergência entre a maternidade jurídica e a maternidade biológica.

Sendo assim, o meio adequado para A reagir contra a filiação estabelecida em será a acção de impugnação da
paternidade, prevista no art. 1838º. O art. 1835º/1 transparece a consagração do princípio da prioridade registral,
segundo o qual não pode ser reconhecida a paternidade em relação a uma pessoa que já a tem estabelecida.
Nos termos do art. 1839º/1, tem legitimidade para propor esta acção: o marido da mãe (D); o filho (com o
princípio da equiparação de filhos legítimos e ilegítimos, e com o reconhecimento do direito fundamental à integridade
pessoal, veio reconhecer-se a legitimidade ao filho depois de 1977); a própria mãe (B, tem interesse pessoal e
autónomo, que não se confunde com o do marido, do filho, ou do pai natural, em ver corrigida uma atribuição de
paternidade falsa; foi alargada ªa mãe por força do princípio da igualdade dos cônjuges); e ainda, ao MP - nos termos
do art. 1841º, a requerimento do terceiro que se declara como pai do filho (não é o caso).
O legislador define a legitimidade passiva no art. 1846º, com o intuito de fazer participar no processo todos os
principais interessados: 1. a acção deve dirigir-se contra o presumido pai, a mãe e o filho, em litisconsórcio. Sendo o
pedido formulado por um deles, deverá obviamente ser dirigido contra os outros. 2. no caso de morte de algum dos
ligitimados passivos, aplica-se a regra do art. 1844º.

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Quanto aos prazos, estes estão previstos no art. 1842º: a lei quer que se saiba quem é o pai, que se apure a
verdade biológica na linha do princípio do rimado da verdade biológica; e em função do direito à identidade pessoal.
Para o filho, tem 10 anos após ter atingido a maioridade, portanto, A tem até 2018 para propor a acção e para o marido
e a mãe, de 3 anos.

Contrariamente à regra geral das presunções legais (350º/2) que diz que as presunções legais podem ser
ilididas mediante prova em contrário, não se vai provar a impossibilidade de o marido da mãe ser o pai; de acordo com
o art. 1839º/2, o autor deve provar que é manifestamente improvável a paternidade do marido da mãe.

Posto isto, e presumindo a acção de impugnação procedente, o registo ficou em branco - linha da paternidade
em branco.


De seguida, A não poderia recorrer ao estabelecimento por perfilhação (estabelecimento de paternidade fora
do casamento) - 1849º - visto que é o acto mediante o qual o pai declara ou assume a sua paternidade. Dado que o
presumido pai já faleceu, é impossível esta via.

O reconhecimento judicial da paternidade está previsto nos arts. 1869º e ss e sofreu uma grande evolução com
a Reforma de 1977: antes, a própria propositura da acção de investigação era muito limitada, pois para ser possível um
filho tentar uma acção, a lei fixava certos pressupostos taxativos. Hoje, reconhecendo-se o direito à identidade pessoal, e
por força do princípio da não discriminação entre filhos nascidos fora e dentro do casamento, a lei deixou de pôr este
tipo de entraves à investigação da maternidade, pelo que desapareceram os pressupostos de admissibilidade.

À semelhança da maternidade, também aqui as acções de investigação são acções pensadas para serem
propostas pelo filho. Todavia, acontece que aqui é só praticamente este que pode intentar a acção, ao contrário do que
acontece na maternidade. Só tem legitimidade o filho capaz; no caso de ser incapaz, a representação caberia à mãe
(1869º, se a maternidade ainda não estiver estabelecida, será representado pelo MP). O único caso em que outra pessoa
(que não o filho) pode intentar é o caso do processo de averiguação oficiosa, quando o suspeito pai não quer perfilhar e
o tribunal continua convencido que é ele o pai. Aí, o MP pode intentar esta acção.

Agindo o filho em nome próprio ou fazendo-se representar, o que é que terá de provar? O ónus da prova cabe
ao filho, de acordo com as regras gerais. A prova da maternidade é mais fácil, uma vez que é um facto exterior (parto e
identidade da parturiente). Existem 3 meios de prova de paternidade: prova directa (através de métodos científico-
laborais); prova indirecta (única admissível antes da divulgação dos métodos científicos, constituída por dois elementos
- coabitação e coabitação em exclusividade) e, por fim, as presunções de paternidade.

Este caso remete-nos para as presunções de paternidade, estabelecidas no art. 1871º. Estas presunções só
funcionam dentro da acção de investigação da paternidade, e correspondem às anteriores condições de admissibilidade
desta acção, tendo hoje um significado diferente - assumem o valor de índices de verdade biológica, factos expressivos
de uma probabilidade forte, que beneficiam o investigante. Quais os factos constitutivos da presunção de paternidade?
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Neste caso, referimo-nos à alínea a) do n.º1, à hipótese de posse do estado de filho. A posse de estado é
composta por 3 elementos constitutivos:
a. O pai reputa-o como filho - nomem. Reputar como filho significa estar convencido da paternidade, considerar ou
pensar que outrém é seu filho.
b. O pai trata-o como filho - tractatus.
- Tratar como filho é proceder para com uma pessoa como os pais procedem com os filhos; é preciso que o réu
tenha dispensado ao investigante actos de assistência afectiva e material, como é o próprio das relações entre
pais e filhos. Isto é: apesar de alguns actos de reputação serem também actos de tratamento, a reputação e o
tratamento são dois requisitos requisitos;
- São suficientes alguns festos expressivos, praticados ao longo de vários anos.
c. O filho é reputado como tal pelo público - fama.

Tudo indica que esta acção venha a ser procedente: o filho foi reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e,
por outro lado, A também foi reputado como tal pelo público, nomeadamente na aldeia. Parecem estar verificados os 2
requisitos cumulativos que o art. 1871º/1/a) estabelece, o que nos leva a considerar esta situação como uma verdadeira
posse de estado.


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TEÓRICAS

Pronuncie-se acerca das implicações do princípio constitucional da não discriminação dos filhos nascidos fora do
casamento.

O princípio da não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento está expressamente consagrado em
termos constitucionais no art. 36º/4. Dispõe este artigo que os filhos nascidos fora do casamento não podem por esse motivo
ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à
filiação.
Este princípio tem 2 vertentes: uma vertente formal e uma vertente material. A primeira não permite o uso de
designações discriminatórias como as de filho “ilegítimo”, “bastardo”, ou outras que não se limitem a mencionar o puro
facto do nascimento fora do casamento dos progenitores. A segunda não permite que os filhos nascidos fora do
casamento sejam, por esse motivo, objecto de qualquer discriminação. Note-se que este princípio não obsta à existência de
diferenças de regime entre as duas espécies de filhos. O que ele não permite é que os filhos nascidos fora do casamento
sejam objecto de qualquer discriminação que lhes seja desfavorável e que, além disso, não seja justificada pela
diversidade das condições de nascimento. Existem disposições tais como o art. 1911º/1/2, que consagram diferenças de
regime, mas neste caso, favoráveis ao filho nascido fora do casamento. Outras disposições são perfeitamente
compreensíveis, embora não sejam favoráveis ao filho nascido fora do casamento, tais como a presunção de paternidade
do art. 1826º/1, que só vale em relação aos filhos nascidos do casamento.

Os irmãos são parentes no 2º grau na linha colateral e os avós são parentes no 2º grau na linha recta.


O parentesco é uma relação de sangue, traduzindo-se no vínculo que une duas pessoas, os parentes, em consequência
de (1578º): descendência direta ou indirecta (os parentes descendem um do outro) - parentesco em linha recta;
descendência, directa ou indirecta, de um progenitor comum (os parentes descendem de um progenitor comum) -
parentesco em linha colateral (ex.s: irmãos, primos, etc.).

É mediante a contagem do parentesco que é possível estabelecer uma hierarquia entre as relações que se formam
através dele. O parentesco conta-se por linha e por graus. Para além da distinção entre recta e colateral, temos outras
distinções: a linha recta pode ser ascendente ou descendente (1580º/2), cosoante se faça num sentido ou noutro. Uma
vez definida a linha, importa saber o grau; o cômputo do grau de parentesco vem regulado no 1581º: na linha recta, há
tantos graus quantas pessoas que formam o parentesco, excluindo o progenitor; na linha colateral, contam-se todos os
elementos da linha ascendente e descendente, tirando o progenitor comum - ex: os irmãos são parentes na linha
colateral em 2º grau; os primos são parentes em linha colateral em 4º grau.

Os membros de uma união de facto podem, por contrato, regular todos os aspectos pessoais e patrimoniais da sua
relação.

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A união de facto é a vida em comum em condições análogas às dos cônjuges (os unidos de facto vivem em comunhão
de leito, mesa e habitação, simplesmente não estão unidos pelo vínculo formal do casamento). Como a união de facto
não é um negócio jurídico, não produz efeitos negociais directos, ao contrário do casamento. Quanto aos efeitos
patrimoniais, não há regime próprio para o património dos unidos de facto. Não se produzem efeitos negociais
patrimoniais directos, podendo dizer que para estes efeitos os unidos de facto são dois estranhos, ficando as suas
relações patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais. Este é o princípio, mas também há
certos efeitos que se podem produzir:

a. A celebração do “contrato de coabitação” é possível e não se levanta qualquer obstáculo (desde que não exceda os
limites da autonomia privada e regule apenas os efeitos patrimoniais e não pessoais). Os unidos de facto celebrarão este
contrato para regular os seus interesses patrimoniais, como o montante com o qual cada um entra para a economia
comum, a compropriedade de certos bens, etc.

O princípio da direcção conjunta da vida familiar, impõe aos cônjuges um dever pessoal de acordar sobre a orientação
da vida em comum.

A direcção da família pertence a ambos os cônjuges, ou seja, são estes que, de comum acordo, decidem a
direcção da família. Este é um corolário do princípio da igualdade entre os cônjuges: se os cônjuges são iguais, a
direcção da família deve pertencer aos dois. Notas:

1. Este é um preceito imperativo. 

2. Está aqui implícito um dever de colaboração entre eles para chegar a comum acordo nestas matérias, logo podemos
falar num princípio de direcção conjunta da família associado a um dever dos cônjuges de chegar a comum acordo.

3. Este princípio limita-se aos aspectos da vida em comum e não aos da vida privada de cada um.

- Uma matéria que pertence à escolha pessoal de cada um é a profissão. O art. 1677º-D, acrescentado pela Reforma de
77, afirma precisamente isto. Antes da Constituição de 76, a mulher só poderia exercer certas profissões com
autorização do marido, salvo no exercício da função pública. Mas aqui há deveres conjugais a respeitar, pois estão
sempre presentes os limites do próprio casamento. Assim, se um dos cônjuges escolher uma profissão "desonrosa" (ou
profissões demasiado arriscadas ou absorventes), tal poderá representar um não cumprimento dos deveres conjugais.


4. Discute-se a natureza jurídica dos acordos que os cônjuges estabelecem no casamento: serão verdadeiros contratos?
Seja qual for a sua natureza (há duas teses principais, negócio jurídico ou consensus continuado) tem de se ter em conta
dois aspectos – em primeiro lugar, que não são susceptíveis de execução específica; e, em segundo lugar, podem ser
denunciados unilateralmente por qualquer das partes. 


4. Imaginemos que há uma matéria da vida comum e não se chega a acordo. Quid juris? A lei não parece permitir ser os
tribunal a decidir, pois só refere três casos em que o tribunal é chamado a decidir uma disputa entre os cônjuges: nome a
dar aos filhos (art. 1875º/2), residência da família (art. 1673º/3) e questões de responsabilidades parentais (art. 1901º/
2). Em relação a outras matérias que não estas, parece que não pode ser o tribunal a decidir: todos os dias há
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desacordos, seria absurdo permitir aos cônjuges levá-los aos tribunais para que sejam estes a decidir; e também há uma
ideia lógica – se chegaram a acordo quanto ao casamento, a lei espera que cheguem naturalmente a acordo nestes
aspectos.

João e Maria estão casados e Maria quer fazer uma esterilização, João opõe-se. Realizada a intervenção, João acusa
Maria de não ter respeitado os princípios que regem a vida em comum. Tem razão?

Um dos princípios fundamentais pelos quais se regem os efeitos pessoais do casamento é o princípio da direcção
conjunta da vida familiar que vem consagrado no art. 1671º/2. A direcção da família pertence a ambos os cônjuges,
sendo nulo o contrato pelo qual os cônjuges acordassem que tal direcção pertenceria apenas a um deles. Deste princípio
resulta ainda um outro dever conjugal para além dos enunciados no art. 1672º: o dever de acordar sobre a orientação da
vida familiar tendo em conta o bem da família e os interesses de cada um dos cônjuges. Traduzir-se-ia numa violação
deste dever a atitude de um dos cônjuges de decidir sozinho todas as questões relativas vida matrimonial. Poderia,
portanto, colocar-se aqui o problema de saber se Maria ao ter-se submetido à intervenção médica de esterilização,
apesar da oposição de João, violou ou não o dever referido.

Questões como o planeamento familiar têm sido entendidas pela doutrina como questões que integram o conceito de
orientação da vida familiar e não como questões pertencentes ao âmbito da vida privada de cada um dos cônjuges.
Maria, ao ter-se submetido à operação voluntária sem fins terapêuticos sem o consentimento de João, parece ter
também violado o dever de respeito na sua dimensão negativa, ou seja, enquanto dever de não ofender a integridade
física e moral do outro cônjuge.


O estado de embriaguez constante de um dos cônjuges é assunto que só a ele diz respeito. - Falsa


O constante estado de embriaguez de um dos cônjuges viola a vertente negativa do dever de respeito (art. 1672.º
CCiv). O dever de respeito, na sua vertente negativa, implica para cada um dos cônjuges, o dever de não se comportar
de forma indigna ou desonrosa que possa reflexamente atingir o outro cônjuge uma vez que o casal é uma “unidade
moral”. O constante estado de embriaguez de um dos cônjuges pode também configurar uma violação da vertente
positiva do dever de respeito se se traduzir em condutas reveladoras de uma falta de interesse em relação ao outro
cônjuge e à família, de desrespeito pela personalidade do outro cônjuge e de ausência de qualquer tipo de comunhão
espiritual com o outro cônjuge.

O nubente que não cumpre a promessa de casamento não responde pela totalidade dos prejuízos causados: Verdadeira

Não vale aqui o regime geral do contrato-promessa. Regime especial: regime da promessa de casamento: art. 1591º e ss,
especialmente 1594º. Especialidade: menor extensão da obrigação de indemnizar. 


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Sujeitos e objecto da obrigação.



O nubente que romper a promessa, sem justo motivo, não responde pela totalidade dos prejuízos causados mas deve
indemnizar os prejuízos que resultem das despesas feitas e das obrigações contraídas na previsão do casamento (art.
1594º/1). Não estão assim abrangidos na obrigação de indemnizar os lucros cessantes e os danos emergentes que não
se reconduzam a despesas feitas e a obrigações contraídas na previsão do casamento bem como como os danos não
patrimoniais.

A comunhão de leito, mesa e habitação fora do casamento não produz quaisquer efeitos patrimoniais e pessoais: Falsa

A comunhão de leito, mesa e habitação fora do casamento pode, verificadas que sejam as condições de eficácia
previstas na lei (Lei n.º23/2010), assumir a forma de uma união de facto. Assim, tendo a união de facto os efeitos
pessoais e patrimoniais previstos na lei (art. 3º/1/2 e 7º Lei 7/2001).

O regime jurídico da união de facto no direito português é muito semelhante ao regime jurídico do casamento: Falsa

Apesar de viverem em condições análogas às dos cônjuges (vivem em comunhão de leito, mesa e habitação), os
membros da união de facto não estão unidos por uma relação jurídica familiar (vínculo formal do casamento).


Diferenças em relação ao regime jurídico do casamento:



- Condições de eficácia da união de facto:
1. A partir da Lei 7/2001, não constitui requisito para a uf a heterossexualidade, salvo para os efeitos do art. 7º
(adopção conjunta);
2. A uf só produz efeitos se durar há mais de 2 anos (art. 1º);
3. Não deve existir impedimento dirimente ao casamento dos membros da uf - é o que resulta do art. 2º, que
reproduz o disposto nos arts. 1601º e 1602º CC, com 2 excepções: em separação de pessoas e bens, as pessoas
podem entrar numa uf relevante com outra pessoa (art. 2º/c)); e os sujeitos têm de ter 18 anos à data do
reconhecimento da uf, logo podem juntar-se aos 16 anos.

Enquanto dura:
Como a uf não é um negócio jurídico, não produz efeitos negociais directos, ao contrário do casamento.

• Quanto aos efeitos pessoais:


1. A uf, sendo um puro facto, não produz os mesmos efeitos que o casamento - deste resultam certos deveres pessoais
dos cônjuges, aos quais os unidos de facto não estão vinculados;
2. Porém, o direito não desconhece a relação pessoal que une os unidos de facto, pelo que a uf produz certos efeitos
pessoais indirectos:

a) tal como um casal pode realizar um adopção conjunta, verificadas certas condições, assim também duas pessoas

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unidas de facto podem, nas mesmas condições, realizar esta adopção;



b) as responsabilidades parentais dos pais unidos de facto em relação ao filho, enquanto for menor, regem-se pelas
mesmas regras que regulam as responsabilidades parentais dos pais casados. A lei estabelece aqui uma regra de
equiparação, enquanto dura a uf, mas também depois da sua separação.

• Quanto aos efeitos patrimoniais:


1. Não há um regime próprio para o património dos uf, ao contrário do que acontece no casamento (um contrato).
Não se produzem efeitos negociais patrimoniais directos, podendo dizer que para estes efeitos os uf são dois estranhos,
ficando as suas relações patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais.
2. Este é o princípio, mas há certos efeitos que se podem produzir: 

a) Os uf poderão celebrar um contrato a regular os seus interesses patrimoniais, como o montante com o qual cada
um entra para a economia comum, a compropriedade, etc. - contrato de coabilitação. 

b) No regime dos efeitos patrimoniais do casamento, regula-se a responsabilidade por dívidas no art. 1691º/b: se
algum dos cônjuges contrair uma dívida para corresponder aos encargos normais da vida familiar, a
responsabilidade é de ambos (são solidariamente responsáveis). PEREIRA COELHO defende que isto deverá valer
para a uf, uma vez que não se vêem obstáculos a esta ideia. Podemos recorrer à analogia entre os casos do
casamento e o da união de facto, já que em ambos os casos há uma vida familiar que gera encargos; e ainda à
criação de uma aparência matrimonial da união de facto, que pode suscitar a confiança de terceiros.

c) No regime do casamento, se os cônjuges se divorciarem (ou um deles falecer), o outro recebe pensão de
alimentos, ou de sobrevivência. Se esse cônjuge que estiver a receber a pensão casar com outra pessoa, deixa de a
receber. Até a Lei 23/2010, nada se dizia se a pessoa, em vez de casar, passar a viver numa uf: todavia, a partir de
2010, temos os art. 2019º (pensão de alimentos), que diz cessar a pensão de alimentos com a constituição de uma uf.

d) Os uf podem apresentar uma declaração de IRS conjunta (art. 3º/d).

Depois de dissolvida:

O fundamento legal da protecção legal da uf está na necessidade de proteger o unido de facto sobrevivente se o outro
falecer. O próprio contrato de coabitação pode regular; se ele nada disser, aplicam-se as regras gerais.
• No caso de dissolução por ruptura, a lei apenas regula o destino da casa da família, equiparando a situação à de um
divórcio: se viverem em casa própria, o outro cônjuge pode, no seu interesse e dos filhos, pedir ao tribunal para
continuar a viver na casa a título de inquilino (art. 793º); se viverem em casa arrendada, o art. 1105º prevê que um dos
cônjuges possa pedir que o arrendamento lhe seja transmitido ou, se o arrendamento tivesse sido feito pelos dois, que
se concentre a favor dele (o art. 4º manda aplicar este regime também).


• No caso de dissolução por morte:


1. Enquanto que o cônjuge é herdeiro legitimário, o unido de facto não o é (a maior diferença). Na uf não há efeito
sucessório, no entanto, provando-se que o unido de facto sobrevivo precisa de alimentos, o art. 2020º determina
que o membro sobrevivo tem direito de exigir alimentos da herança do falecido.
2. Quanto à casa de morada da família: o art. 5º dispõe que, no caso do proprietário ser o falecido, o membro sobrevivo
(que não é herdeiro) pode ficar na casa, pelo menos por 5 anos, como titular de um direito real de habitação e direito de uso
do recheio;
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3. Nos termos do art. 5º/9, o membro sobrevivo tem direito de preferência na compra da casa;
4. Outro efeito importante é a transmissão do direito ao arrendamento para habitação (art. 1106º/1);
5. No caso de a morte ter sido provocada por um facto culposo de alguém (responsabilidade civil), poderá o unido de
facto exigir uma indemnização pelos prejuízos sofridos (arts. 496º/3 e 495º/3);
6. O sobrevivo tem direito a protecção (pensão de sobrevivência).
7. Há igualmente outros subsídios (art. 3º/f e g)): subsídio por acidente de trabalho, por doença profissional, por preço
de sangue, por serviços excepcionais e relevantes prestados ao Estado, etc.
8. O Código do Trabalho permite ao trabalhador faltar justificadamente por falecimento da pessoa.


A e B viviam em condições análogas às dos cônjuges desde 2002. B estava grávida e havia uma data provável. A e B
tinham decidido formalizar a sua união no dia 14 Fevereiro. No entanto, hoje de manha, A entrou em trabalho de
parto. B apressou-se a chamar um funcionário do registo civil, seu vizinho, para celebrar o casamento na hora. Será
casamento válido?

Trata-se da celebração de um casamento urgente (art. 1622.º CCiv) dotado de um formalismo muito simples.
Na verdade, apesar do legislador prescindir da realização do processo preliminar a correr na Conservatória do Registo
Civil, não prescinde de determinadas formalidades preliminares.
Deve haver lugar à proclamação oral ou escrita de que se vai celebrar o casamento (art. 156.º, a), CRegCiv), feita
à porta da casa onde se encontram os nubentes, pelo funcionário do registo civil ou, se não estiver presente, por
qualquer das pessoas que aí se encontrem. O consentimento dos nubentes tem que revestir a forma de uma declaração
expressa perante quatro testemunhas, duas das quais não podem ser parentes sucessíveis dos nubentes (art. 156.º, b),
CRegCiv). No fim, deve ser redigida uma acta do casamento por documento escrito assinada por todos os
intervenientes (art. 156.º, c), CRegCiv).
O casamento urgente fica sujeito à homologação do conservador, que, no despacho final, deve fixar
expressamente todos os elementos que devam constar do assento (art. 159.º, n. º 5, CRegCiv).
Pode, todavia, o Conservador não homologar o casamento urgente se se verificar alguma causa justificativa da não
homologação (art. 1624.º, n.º 1, CCiv), designadamente se não se verificarem os requisitos exigidos na lei, ou não
tiverem sido observadas as formalidades prescritas para a celebração do casamento urgente.
Se tais formalidades não tivessem sido observadas a consequência seria a inexistência do casamento (arts. 1628.º. b) e
1624.º, n.º 1, a), CCiv).

Um homem e uma mulher que professem o judaísmo têm que celebrar casamento civil para que a sua união seja
reconhecida pelo Estado Português. - Falsa

No sentido de que não têm que celebrar casamento civil segundo forma civil - podendo também celebrar
casamento civil segundo forma religiosa.

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O que podemos dizer sobre o nosso sistema actual? Em relação aos católicos, o sistema é o do casamento civil
facultativo na segunda modalidade. Mas note-se que os católicos sempre puderam optar indiferentemente pelo
casamento católico ou civil, daí o nosso sistema não ser de casamento civil subsidiário. Em relação aos que professam
outra religião que se considere “radicada no país”, o sistema é o do casamento facultativo civil na primeira modalidade.
Em relação aqueles que não professam qualquer religião ou professam uma religião não radicada, o sistema é o do
casamento civil obrigatório.


Até à Lei da Liberdade Religiosa (Lei 16/2001) havia apenas casamentos civis e católicos. Com esta lei, passou a admitir-se que
as pessoas que professam outras religiões possam celebrar o casamento segundo os ritos dessas religiões, e o Estado reconhece-lhe
efeitos civis. Há religiões que se podem considerar radicadas em Portugal: o Ministério da Justiça, uma vez feito o requerimento
pela religião, tendo em conta a sua presença e o número de crentes considera ou não como radicada em Portugal. Mas há um
requisito obrigatório para que se possa apresentar um requerimento – que a religião já exista em Portugal com presença social
organizada há 30 anos ou, noutro local do mundo, há 60 anos –, como indicador de seriedade e estabilidade. Há um registo
nacional das pessoas colectivas religiosas. Só depois destes passos todos os sujeitos que professam a religião podem celebrar o
casamento segundo os seus ritos. Mas há uma diferença importante em relação ao casamento católico, já que os casamentos
celebrados segundo outras religiões estes são regulados integralmente pelo Código Civil, ou seja, vale aquela primeira modalidade do sistema
de casamento facultativo. Têm até nome diferente, “casamento civil celebrado sob forma religiosa".

Duas pessoas que professem uma religião diferente da religião católica, que queiram celebrar casamento de
modo que esse casamento produz efeitos civis, não têm necessariamente que celebrar casamento civil. Nos termos da
lei em vigor, são reconhecidos efeitos civis aos casamentos religiosos celebrados perante o ministro do culto de uma
igreja ou comunidade religiosa radicada no país, segundo os ritos dessa mesma religião. A religião judaica é um dos
destes casos.

Um casamento anulado não produz quaisquer efeitos. - Falsa

Uma das diferenças entre o casamento inexistente e o anulável é precisamente o de este produzir ainda alguns
efeitos. Permite-se a subsistência de certos efeitos - o casamento anulado ou declarado nulo (no caso do católico) pode
produzir efeitos putativos, como se fosse válido. No casamento, vigora a regra inversa em relação ao regime geral do
negócio jurídico (art. 289º/1) - não da eficácia retroactiva, mas da eficácia prospectiva. Quanto aos efeitos do
casamento putativo, a regra geral é a de que mantêm-se para o futuro, até ao momento da declaração de nulidade/
anulação, os efeitos do casamento até aí produzidos, mas não se produzem novos efeitos.
A eficácia putativa do casamento depende da verificação de três pressupostos, a saber: a existência do
casamento; a sua anulação ou declaração de nulidade (arts. 1647°, n.os 1 e 3 e 1632º); e a boa fé (ignorância desculpável
do vício que causou a anulação ou a nulidade do casamento – art. 1648º/1) dos cônjuges ou de algum deles. 


A eficácia putativa do casamento depende da boa fé dos cônjuges. - Verdadeira

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Uma das diferenças entre o casamento inexistente e o anulável é precisamente o de este produzir ainda alguns
efeitos. Permite-se a subsistência de certos efeitos - o casamento anulado ou declarado nulo (no caso do católico) pode
produzir efeitos putativos, como se fosse válido. No casamento, vigora a regra inversa em relação ao regime geral do
negócio jurídico (art. 289º/1) - não da eficácia retroactiva, mas da eficácia prospectiva. Quanto aos efeitos do
casamento putativo, a regra geral é a de que mantêm-se para o futuro, até ao momento da declaração de nulidade/
anulação, os efeitos do casamento até aí produzidos, mas não se produzem novos efeitos.
A eficácia putativa do casamento depende da verificação de três pressupostos, a saber: a existência do
casamento; a sua anulação ou declaração de nulidade (arts. 1647.°, n.os 1 e 3 e 1632.° CCiv); e a boa fé (ignorância
desculpável do vício que causou a anulação ou a nulidade do casamento – art. 1648.º, n.º1, CCiv) dos cônjuges ou de
algum deles.
Em relação aos filhos, no entanto, a eficácia putativa não está sujeita à verificação da boa fé dos cônjuges.
Mesmo que ambos tenham contraído o casamento de má fé, a presunção de paternidade do marido da mãe não é
excluída (arts. 1827.° e 1826.º CCiv).

Caracterize os modos de extinção da relação matrimonial no OJ português.

Existem no ordenamento jurídico português duas formas principais de extinção da relação matrimonial por
morte e por divórcio. O casamento dissolve-se por morte de um dos cônjuges, como é natural. No entanto, a declaração
de morte presumida não extingue o casamento, salvo se o ex-cônjuge quiser contrair novo casamento. A morte
presumida está prevista nos arts. 114º ss, sendo que os artigos que regulam esta situação específica são os arts. 115º e
116º. Mas ainda em relação à dissolução por morte importa referir que embora a regra geral seja de que cessam todos
os efeitos pessoais e patrimoniais do casamento, há excepções. Assim, o cônjuge sobrevivo continua a poder usar os
apelidos do outro que tenha adoptado, subsistem as relações de afinidade (1585º), o cônjuge sobrevivo é herdeiro
legítimo (2133º) e herdeiro legitimário (2157º), etc.
Mas pode dizer-se que o principal modo de extinção da relação matrimonial é o divórcio. Entende-se por
divórcio a dissolução do casamento decretada pelo tribunal a requerimento de um dos cônjuges ou dos dois, nos termos
autorizados pela lei. O divórcio tem na actualidade 4 características essenciais: transferência progressiva de
competências dos tribunais para as conservatórias do registo civil, facilitação do divórcio por mútuo consentimento (na
decorrência, em grande parte, da característica anteriormente referida), redução dos prazos das causas objectivas de
divórcio legitioso ou sem o consentimento de um dos cônjuges, e por um último, eliminação da culpa quer como
pressuposto do divórcio quer como critério de determinação dos seus efeitos. A segunda nota em relação ao divórcio
diz respeito às suas modalidades. O divórcio pode dar-se por mútuo consentimento ou sem o consentimento de um
dos cônjuges, como prevê o art. 1773º/1. Podemos dizer que a lei demonstra, nomeadamente, no art. 1779º (relativo à
conversão do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em divórcio por mútuo consentimento), uma certa
preferência pela primeira modalidade. O divórcio por mútuo consentimento pode ser administrativo ou judicial,
consoante siga o disposto no art. 1776º ou no art. 1778º-A.

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No actual regime do divórcio em Portugal, o cônjuge cujo comportamento deu origem à ruptura definitiva da vida
conjugal não está impedido de requerer o divórcio. - Verdadeira

No actual regime do divórcio, depois da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, o cônjuge cujo comportamento deu
origem à ruptura definitiva da vida conjugal (art. 1781.º a) e d) CCiv) não está impedido de requerer o divórcio (art.
1785.º, n.º1, CCiv). Tanto a separação de facto como a prova de factos que mostrem a ruptura definitiva da vida em
comum são causas objectivas e bilaterais e divórcio.
Apesar da abolição do princípio da culpa, parte da doutrina defende dever ser considerado, no âmbito de um divórcio
sem consentimento de um dos cônjuges, o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (art.
334.º CCiv), quando pedido pelo cônjuge que deu origem à separação de facto ou aos factos que consubstanciam a
ruptura definitiva da vida em comum.

No divórcio por mútuo consentimento instaurado na conservatória do registo civil, o acordo relativo ao exercício das
responsabilidades parentais é sempre enviado ao MP para que este se pronuncie.

O divórcio por mútuo consentimento por via administrativa, há, inicialmente, um requerimento apresentado
nas conservatórias, juntamento com os acordos complementares, havendo casa de morada de família, dever de
alimentos ou filhos menores (art. 1775º). De seguida, há uma convocatória para uma conferência, com o conservador e
cônjuges, na qual o conservador confirma que estão cumpridos os pressupostos procedimentais e aprecia os tais acordos
(art. 1776º). Há um dos acordos cuja apreciação é feita, não pelo conservador, mas pelo MP: acordo sobre
responsabilidades parentais (art. 1776º-A).

Em caso de divórcio, a regra é a de que ambos os pais exercem as responsabilidades parentais quanto aos assuntos de
particular importância da vida do filho.

A Reforma de 2008 trouxe grandes alterações nesta matéria: a regra passou a ser a de que, em relação a
questões de particular importância, as responsabilidades parentais são exercidas em comum por ambos os progenitores
- art. 1901º. Esta é a regra, em princípio com carácter imperativo, embora possa ser afastada em certas situações
excepcionais: situações de urgência, ou situações em que o exercício em comum das responsabilidades possa afectar o
interesse do filho (situações em que os pais não se falam). Aqui, o tribunal pode, através de decisão fundamentada,
determinar que as responsabilidades serão exercidas por um dos progenitores, mesmo em relação às questões de
particular importância - art. 1906º/2.

No âmbito do regime das responsabilidades parentais, a nossa lei civil cumpre o princípio constitucional da não
discriminação dos filhos nascidos fora do casamento - Verdadeira

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O regime jurídico do exercício das responsabilidades parentais, após a Lei 61/2008, está mais conforme ao
princípio constitucional da não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento consagrado no artigo 36.º, n.º 4,
CRP, na sua vertente material.
O regime jurídico do exercício das responsabilidades parentais quando a filiação esteja estabelecida quanto a
ambos os progenitores e estes vivam em condições análogas às dos cônjuges é o mesmo regime de exercício de tais
responsabilidades na constância do casamento (arts. 1911.º, n.º1 e 1901.º e ss. CCiv).
Também no caso de cessação da convivência entre os progenitores o regime é o mesmo que se aplica no caso
de divórcio dos progenitores casados (arts. 1911.º, n.º 2 e 1906.º e ss. CCiv). A diferença das condições de nascimento
não releva.
Quando a filiação esteja estabelecida em relação a ambos os progenitores mas estes não vivam em condições
análogas às dos cônjuges, a diferença das condições de nascimento influencia o regime legal do exercício das
responsabilidades parentais. De facto, o regime legal do exercício das responsabilidades parentais nestes casos procura
discriminar o menos possível os filhos nascidos fora do casamento, remetendo para as disposições de regulação do
exercício das responsabilidades parentais após uma ruptura familiar (arts. 1912.º, n.º 1, e 1904.º a 1908.º CCiv).

A declaração de maternidade pode ser feita por qualquer pessoa com a capacidade natural para entender o facto do
nascimento e identificar a mãe.

A menção ou indicação da identidade da mãe no registo do casamento está prevista no art. 1803º e ss. No formulário
da conservatória do registo civil da declaração de nascimento, é necessário indicar-se a identidade da mãe, e esta
indicação é suficiente para que o conservador faça menção do nome da mãe no assento do casamento e para que fique
automaticamente estabelecida a filiação (art. 1803º). Não é necessário que esta indicação seja feita pelos pais, pode ser
feita por qualquer pessoa.

Pode acontecer que no registo de nascimento seja omisso quanto à identidade da mãe: nestes casos, o art. 1806º diz-
nos que o meio para desencadear o estabelecimento da maternidade é a declaração de maternidade feita pela própria
mãe, ou a indicação ou identificação da mãe, feita por outra pessoa (n.º2).

A capacidade para adoptar varia consoante se trate de uma adopção singular ou de uma adopção conjunta.


A adopção está definida no art. 1586º e é o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos
laços de sangue, se estabelece entre duas pessoas. Por oposição ao parentesco natural, é assim um parentesco legal,
criado à semelhança daquele - o que não quer dizer que se trate de uma ficção da lei, apenas assenta numa realidade
diferente. Hoje, a adopção visa servir o interesse do menor adoptado, que se encontra desprovido de um ambiente
familiar normal capaz de prover ao seu cuidado (1974º/1).
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A adopção pode ser conjunta, sendo feita por duas pessoas, casadas ou em união de facto ou pode ser singular, sendo
feita por uma só pessoa.

Tal como um casal pode realizar uma adopção conjunta, verificadas certas condições, assim também duas pessoas
unidas de facto podem, nas mesmas condições, realizar esta adopção.

Em relação à adopção conjunta, sabemos que ainda não se permite que esta seja feita por um casal ou por unidos de
facto do mesmo sexo. Uma pessoa que viva com uma pessoa do mesmo sexo pode adoptar, ms tem de ser uma adopção
singular - não se pode impedir um dos cônjuges ou um dos unidos de facto a adoptar. De onde resulta a proibição de
adopção conjunta por pessoas do mesmo sexo? A lei não o afirma expressamente: a Lei 9/2010 (que aprovou o
casamento homossexual), no seu art. 3º, afirma que a admissibilidade do casamento por pessoas do mesmo sexo não
implica a admissibilidade legal da adopção.

Quanto aos requisitos da capacidade, na adopção plena (a única em vigor), existe uma idade mínima, estabelecida no
art. 1979º/1/2 respectivamente: a idade mínima de 25 anos, se se tratar de uma adopção conjuta; e de 30, se for uma
adopção singular. Na adopção conjunta, a lei exige ainda que o casamento ou união de facto já tenham durado 4 anos.

O regime do apadrinhamento civil está entre a adopção e a tutela.

Apadrinhamento civil - art.2º: tem uma certa influência daquilo que é o padrinho católico, sendo “uma relação jurídica,
tendencialmente de carácter permanente, entre uma criança ou jovem e uma pessoa singular ou uma família que exerça
os poderes e deveres próprios dos pais e que com ele estabeleçam vínculos afectivos que permitam o seu bem-estar e
desenvolvimento”, podendo estar sujeita a registo civil, sendo que a criança/ jovem continua a ter vínculos com a sua
família biológica e nenhuma das relações cessa com a maioridade/ emancipação.

• Para haver apadrinhamento civil é necessário um compromisso de apadrinhamento civil (art.16 e 17º).

• Segundo o art.7º os padrinhos exercem as responsabilidades parentais, apesar de aos pais biológicos serem atribuídos
vários direitos previstos no art.8º, tais como, conhecer a identidade dos padrinhos ou o direito de visita. Por seu
turno, também são atribuídos determinados direito aos padrinhos (cf. art. 23º), como por exemplo, a beneficiação de
prestações sociais.

• Princípios orientadores das relações entre os pais e padrinhos – art. 9º:



- Dever de mútuo respeito;

- Cooperação na criação das condições adequadas ao bem-estar e desenvolvimento.

• Relativamente à questão dos alimentos (art.21º) “os padrinhos consideram-se ascendentes em 1.º grau do afilhado
para efeitos da obrigação de lhe prestar alimentos, mas são precedidos pelos pais deste em condições de satisfazer
esse encargo”, por seu turno, o “afilhado considera-se descendente em 1.º grau dos padrinhos para o efeito da
obrigação de lhes prestar alimentos, mas é precedido pelos filhos destes em condições de satisfazer este encargo”.
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• Há, por fim, o impedimento do casamento, ou seja, é proibido o casamento entre afilhado e padrinho.

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