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Direito da Família

Dr.ª Rosa Martins


Aulas práticas
João Pedro da Silva Domingues 2018/2019

Aula 1
9 de outubro de 2018

Caso prático 1 - parentesco e afinidade


Maria, trabalha como secretária administrativa na empresa X ao abrigo de um contrato de trabalho desde
2000. Ontem, num acidente de viação faleceu:
A) João, seu marido;
B) João, com quem Maria vivia em união de facto;
C) Ana, mãe de Maria;
D) Manuel, sogro de Maria;
E) José, sobrinho de Maria;
F) Bárbara, cunhada de Maria, ou seja, irmã de João, marido de Maria;
Maria quer saber quantos dias pode faltar ao trabalho por este motivo, sendo as suas faltas consideradas
justificadas, ao abrigo do disposto no artigo 251.º do CTrabalho. Que resposta daria a Maria?

Art. 251.º CT - Faltas por motivo de falecimento de parente


1. O trabalhador pode faltar justificadamente:
a) até 5 dias consecutivos por falecimento de cônjuge, não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim
de primeiro grau na linha reta;
b) Ate 2 dias consecutivos por falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no 2º grau da linha
colateral.
2. Aplica-se o disposto na alínea a) do nr. Anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto
ou economia comum com o trabalhador.

Método/ esquema de resolução de casos práticos


1º - identificar o tema do caso prático (divórcio, casamento, etc.);
2º - identificar o problema;
3º - resolver o caso.
Resolução:
1. Tema - Este caso prático diz respeito às relações jurídicas familiares e às relações jurídicas parafamiliares;
2. Problema - quais as relações familiares aqui em causa? (entre Maria e cada uma das pessoas aqui); se for

uma relação de parentesco ou de afinidade, saber quais as linhas e quais os graus; saber quais os efeitos das
relações jurídicas familiares, nomeadamente ao nível das faltas justificadas no trabalho;
3. Resolução - que artigos nos são importantes?
Artigo 1576.º CC - fontes das relações jurídicas familiares- parentesco, casamento, afinidade e adoção- este
artigo parece ser taxativo, o que gera alguns problemas a nível doutrinal quando se pensa na união de facto como
relação de família, afirmada no art 36º/2 CRP.

1. Casamento
Quanto à relação matrimonial, esta baseia-se num contrato de casamento - v.g. artigo 1577.º CC; trata-se de
um contrato entre duas pessoas, sendo que uma pessoa não pode estar casada ao mesmo com duas pessoas
(celebrando dois contratos de casamento - a bigamia é crime). Vale entre nós o principio da monogamia. Duas
pessoas que pretendem constituir família, havendo uma plena comunhão de vida entre ambos.
A lei não admite um contrato entre duas pessoas que vise produzir os mesmos efeitos que o casamento,
porque a relação matrimonial produz uma influência profunda na pessoa dos cônjuges e no seu património, pelo
que o Estado pretende que esse alguém celebre tal contrato esclarecidamente.

2. Parentesco
Quanto ao parentesco, este estabelece-se entre pessoas com o mesmo sangue, uma vez que elas
descendem umas das outras. Temos ascendentes (os nossos pais, etc, que vieram antes de nós) e descendentes.
Ou então também são parentes aqueles que têm um progenitor comum, que descendem de um progenitor comum.
A relação de parentesco que é mais intensa nos seus vínculos, pela preocupação que merece da sociedade e do
Estado é a relação de filiação (que se estabelece entre pais e filhos). Temos várias normas acerca do
estabelecimento da filiação e dos seus efeitos (responsabilidades parentais e os seus efeitos).
O parentesco, segundo o artigo 1580.º/1 pode ser na linha reta ou na linha colateral. A linha reta diz-se
descendente quando procede do ascendente para o descendente e ascendente quando se parte do parente que é
gerado para aquele que o gerou.
Artigo 1579.º - diz que o parentesco se determina pelas gerações que vinculam os parentes um ao outro.
E cada geração equivale a um grau. O conjunto dos graus/ a série dos graus constitui a linha. Diz o artigo que o
parentesco se conta por linhas e por graus. Como se processa esta contagem? Nos termos do artigo 1581.º/1,
primeiro na linha reta: na linha reta há tantos graus quantas pessoas que formam a linha de parentesco excluindo
o progenitor (não se conta o progenitor). Então, a relação de pai para filho é uma relação na linha reta descendente,
em primeiro grau. A relação entre avô e neto é uma relação na linha reta descendente em segundo grau.
Ao nível da linha colateral - art. 1581.º/2 - sobe-se por um lado e desce-se por outro. O que define a linha
colateral é que ambos os parentes têm um progenitor comum. Quanto aos graus , exclui-se novamente o progenitor
comum. Por exemplo, os irmãos são parentes na linha colateral em segundo grau. Não há relações de primeiro grau
na linha colateral, só na linha reta.

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3. Afinidade - vinculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro; as fontes da afinidade são o
casamento e o parentesco; artigos 1584.º e 1585.º.
A afinidade não cessa com a morte; esta não destrói a relação de afinidade. Já no divórcio, depois da Lei
61/2008, destroem-se as relações de afinidade, estas cessam. O legislador pensou que se há uma morte não há
separação das famílias; se houve um divórcio não há uma razão para socialmente continuar esta razão de afinidade.
No entanto, se um cônjuge morrer e o outro casar de novo, não cessam as relações de afinidade - acrescentam-se
novas relações.

4. Adoção - é o vinculo que se tenta assimilar à relação natural - artigo 1586.º. Não são os laços de sangue
que une o adotante e o adotado, mas sim uma verdade social.
O instituto da adoção foi concebido na Roma Antiga, quando visava o interesse do adulto, para que o filho
herdasse o seu nome, desse continuidade ao seu património, etc. Esta adoção caiu em desuso por ser considerar
antinatural.
Com a segunda grande guerra tivemos um grande número de crianças desprotegidas, sem pais, e foi aqui
que o novo espirito da adoção se deu. Trata-se do interesse da criança que está em jogo. E por isso que é feita
uma avaliação rigorosa antes de se adotar.
A adoção começou por ser estudada como relação familiar e, portanto, como um contraponto relativamente
à relação de filiação biológica – tem sido cada vez mais vista no sentido de considerar a adoção como uma medida
de proteção do sistema de crianças e jovens (pelo legislador).
Artigo 1986.º - depois de decretada a adoção, a criança integra-se na com o adotante como se fosse filho
deste; se houvesse a morte de um filho ou de um ascendente (por via da ação) os efeitos seriam os mesmos; para
o CC a criança integra-se na família do adotante como se fosse filho biológico, com todos os efeitos que passa a ter.

A União de facto - não consta do artigo 1576.º e durante muito tempo a doutrina civilista não quis reconhecer a
união de facto como uma relação de família.
A união de facto é uma relação semelhante ao casamento porque traduz-se numa comunhão de vida, não
numa plena comunhão de vida como o casamento. E que comunhão de vida é essa? É a comunhão de leito, mesa
e habitação. Na união de facto acontece sem contrato, não há uma plena comunhão de vida. Existe apenas uma
comunhão de vida sem formalização. Trata-se de uma união de facto e não de direito. Tem que haver duração, tem
que durar mais de dois anos.
Cada vez mais há um número crescente da união de facto.
A maior parte da doutrina classifica a união de facto como uma relação para-familiar. Há cada vez mais
autores a caminhar para o reconhecimento de que a união de facto seja uma relação familiar. Também o Dr. Gomes
Canotilho e o Dr. Vital Moreira, na sua obra da CRP Anotada caminham neste sentido. Para alguns autores não existe
este reconhecimento, para outros aproxima-se cada vez mais.

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Resolução do caso:
A) Maria quer saber quantos dias pode faltar ao trabalho se morrer o marido. Entre Maria e João
estabelece-se uma relação matrimonial- artigo 1577º CC. Assim, de acordo com o artigo 251º/1/a)
CT, Maria podia faltar a 5 dias consecutivos ao trabalho.
B) Se, nos termos da alínea b) João e Maria vivessem em união de facto, então diz o artigo 251º/2 CT
que se replica o disposto na alínea a), ou seja, Maria podia faltar 5 dias consecutivos.
C) Se falecesse a mãe de Maria, estaríamos perante uma relação de parentesco na linha reta ascendente
no 1 grau. Assim sendo, Maria poderia também faltar 5 dias consecutivos.
D) Se falecesse o sogro de Maria, temos uma relação de afinidade na linha reta ascendente no 1º grau-
assim sendo, Maria também teria direito a 5 dias consecutivos de faltas justificadas.
E) Entre Maria e o sobrinho temos uma relação de parentesco na linha colateral no 3º grau e assim, o
CT não prevê faltas justificadas por motivo de morte de um sobrinho, logo, Maria não podia faltar.
F) Entre Maria e a sua cunhada estabelece-se uma relação de afinidade, na linha colateral no 2º grau,
assim sendo, segundo o artigo 251º/1/b) CT, Maria poderia faltar 2 dias consecutivos ao trabalho.

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Aula 2
16 de outubro de 2018

PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DA FAMILIA – a CRP está no topo do nosso ornamento jurídico e a família
durante muito tempo esteve ausente da Constituição. Apenas a CRP de 33 se preocupou efetivamente com a família
(embora dentro de um regime totalitário).
Podemos inclusive retirar destes princípios um próprio conceito constitucional de família.

Caso prático 2:
Maria desempenhou funções de vigilante no Instituto de Odivelas até Maio de 1978. Nesta data a direção
do instituto comunicou-lhe a rescisão do contrato ao abrigo do qual esta exercia aí as suas funções. O fundamento
de tal rescisão habitava no facto de Maria ter celebrado casamento. Maria, que antes era solteira, tinha celebrado
casamento violando o disposto do artigo 45.º, § 2.º do Decreto 32615 de 31 de dezembro de 1942. Este decreto
reorganizou o Instituto de Odivelas.
Maria entende que a rescisão do seu contrato é ilícita – contraria a lei – e pretende voltar a exercer as
funções de vigilante no Instituto de Odivelas.
Terá fundamento a sua pretensão?

DL 32615 de 31 de dezembro de 1942:


Artigo 2.º § 1.º - o Instituto destina-se às filhas legitimas dos militares;
Artigo 13.º - a diretora e a sub-diretora devem ser solteiras ou viúvas sem filhos;
Artigo 45.º § 2.º - a regente, a ecónoma, a chefe da rouparia e as vigilantes devem ser igualmente solteiras ou
viúvas sem filhos.

1. Identificar o tema do caso prático – princípios constitucionais de direito da família;


2. Identificação dos problemas – violação de algum principio constitucional (no caso concreto –Maria
trabalhava como vigilante, casou e foi despedida; Maria casou e sofreu consequências com isso - direito a
constituir família; direito a celebrar casamento). Esta rescisão é licita?
Resolução:
Os princípios constitucionais limitam o âmbito em que o legislador ordinário se pode mover. São princípios
flexíveis por forma a que possam permitir ao legislador a adaptação à evolução social. O direito constitucional da
família está sempre em evolução.
Quais os princípios constitucionais de Direito da Família?
A maioria está consagrada no artigo 36.º da CRP

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1. Artigo 36.º/1, 1ª parte – direito a constituir família e direito de celebrar casamento – todos têm direito de
constituir família e de celebrar casamento (o legislador quis dizer que há outros tipos de família para além
da baseada na família) em condições de plena igualdade.
2. Competência da lei civil para regular os requisitos do casamento – antes de 1911 tínhamos apenas o
casamento católico, ou seja, quem queria casar e queria que o seu casamento fosse reconhecido pelo
Estado teria de casar catolicamente. Em 1910, com a 1ª República, houve uma forte reação por parte dos
parlamentares às disposições da igreja – a partir desse momento veio uma lei indicar que para o Estado
só valeria o casamento civil. Daí que para o casamento as pessoas pensavam que se tivesse de casar duas
vezes. Isto foi assim de 1910 a 1940 (em que as pessoas tinham de casar no registo civil, mas como eram
católicas, o casamento que para elas valia era o casamento católico).
A partir de 1940, pôs-se em causa esta regra de ser só o casamento civil. Estabeleceu-se uma concordata
entre o Estado Português e a Santa Sé em que se dizia que todos os casamentos para se estabelecerem perante o
Estado tinham de ser casamentos católicos, onde não podia haver divórcio. Se celebravam um casamento católico,
os requisitos do Casamento Católico podiam ser definidos pela Igreja.
Em 1975 houve necessidade de separar a Igreja do Estado. Houve um movimento forte para que os casamentos
católicos pudessem ser dissolvidos por divórcio, embora os católicos tivessem a consciência de que não o podiam
fazer.
Vem-se dizer que é à lei civil que compete estabelecer os requisitos do casamento – é à lei civil que compete
decidir quem pode casar -, os seus efeitos e a dissolução do casamento (morte ou divórcio). É a lei civil
independentemente da forma de celebração que regula a dissolução.
Hoje, depois de 2001 (liberdade religiosa) e depois de 2007, há outras formas de casamento para além do
civil e do católico – casamento civil sob forma religiosa (há outras religiões que o Estado conhece em que se pode
celebrar determinados tipos de casamento reconhecidos posteriormente pelo Estado).

Este incorre num outro principio – admissibilidade do divórcio – artigo 36.º/2, 2ª parte.

Temos outros princípios que nos importam e que têm um forte impacto no direito da família:
§ Igualdade dos cônjuges – artigo 36.º/3 CRP (não era esta a disciplina antes de 67 – o marido era o
chefe de família, a mulher tinha apenas um poder consultivo; havia uma desigualdade jurídica entre
marido e mulher; a CRP quis corrigir esta desigualdade, estabelecendo como mote esta igualdade
entre cônjuges). Este principio é tão importante que foi novamente consagrado no artigo 1671.º CC
– os cônjuges estão numa situação de igualdade no que toca a direitos e deveres.
A direção da família pertence a ambos os cônjuges – artigo 1671.º/2; ambos podem administrar os
bens comuns;
Este principio visa não só ter uma dimensão formal, mas também uma dimensão material.

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Quando, no casamento, falamos das consequências do divórcio, não podemos esquecer que na
realidade não temos uma situação de igualdade de facto entre os cônjuges (ex: desigualdade entre
salário, etc.).
§ Artigo 36.º/5 – atribuição aos pais do poder-dever de educar os filhos: é aos pais, e não aos cônjuges
(podem ser pais que não estejam casados) e é ao Estado. E por isso os filhos não devem ser
separados dos pais a não ser que haja uma decisão judicial que assegure/ comprove que os filhos
têm de ser separados dos pais porque estes pais negligenciaram os seus deveres para com eles.
§ Principio da não discriminação dos filhos nascidos dentro do casamento e fora do casamento – artigo
36.º/4: até 77 tínhamos filhos legítimos (nasciam dentro do casamento) e filhos ilegítimos.
§ Artigo 36.º/7 – proteção da adoção; o que acontece é que a adoção é um instituto relativamente
jovem, pelo que a lei entendeu que se devia proteger a adoção de uma descaracterização;
§ Direitos económicos, sociais e culturais – maternidade, artigo 68.º; proteção da infância, um período
da vida em que a criança é mais vulnerável (art. 69.º).

No caso:
Temos presentes vários princípios constitucionais- direito a constituir família, direito a contrair casamento,
princípio da não discriminação dos filhos nascidos dentro e fora do casamento.
Será que toda a gente pode casar? O artigo 1601º e ss consagram os impedimentos matrimoniais- por
exemplo, pais e filhos não podem casar, irmãos não podem casar, os menores não podem casar, salvo quando
sejam maiores de 16 anos e com autorização dos pais- neste sentido, a lei protege as crianças e jovens menores
de 16 anos , de modo a respeitar o seu direito à autodeterminação sexual e formação da personalidade- as crianças
com esta idade ainda não estão prontas para tudo o que um casamento acarreta.
Porque é que os parentes na linha reta do 1º grau e os parentes na linha colateral do 2º grau não podem
casar? Porque se pretende aqui proteger uma dimensão cultural, os princípios fundamentais da sociedade, os
valores por que se rege. Assim, ou há um interesse fundamental que surge como impedimento de duas pessoas
casarem, ou então esse impedimento é inconstitucional por violar a liberdade contrair casamento.
Assim, as normas do artigo 13º e do artigo 45º do decreto que estabelece os estatutos do instituto são
inconstitucionais, por violarem a liberdade de contrair matrimónio. Deste modo, Maria deveria ser reintegrada, não
sendo lícita a rescisão do contrato.

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Aula 3
30 de outubro de 2018

O DIREITO A CONSTITUIR FAMÍLIA


Família e casamento não são uma e mesma realidade: são realidades diferentes. Há mais família para além
da família matrimonial, há a família natural, resultante do facto de geração biológica e a família adotiva. A questão
que se põe a este direito a constituir família é saber se este direito compreende um reconhecimento constitucional
da união de facto como realidade familiar. Ou seja, se abrange realidades alternativas ao casamento. Esta questão
dividia a doutrina- havendo a doutrina juspublicista e a doutrina jusprivatista. Por um lado, Gomes Canotilho e Vital
Moreira sempre sustentaram que o direito a constituir família se devia interpretar como uma abertura da CRP ao
reconhecimento jurídico da união de facto. Em sentido diferente, tínhamos a maior parte da doutrina civilista, que
nós podemos dizer que seguia o entendimento do Dr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, que afirmavam que a
união de facto não é uma relação jurídica família, mas sim uma relação jurídica parafamiliar. A união de facto gozava
de proteção constitucional na medida em que fosse a tradução de uma escolha de uma outra forma de convivência
que não o casamento. Ou seja, este direito está protegido ao abrigo do direito de livre desenvolvimento da
personalidade (art 26º CRP).
Hoje outros autores constitucionalistas vieram-se juntar a Gomes Canotilho e Vital Moreira, dizendo que a CRP
revela uma abertura à diversidade das relações familiares e que a união de facto pode beneficiar de 2 tipos de
proteção:
• PROTEÇÃO DIRETA- enquanto união de facto, enquanto relação entre 2 pessoas, com uma determinada
estabilidade;
• PROTEÇÃO INDIRETA- por força do princípio da não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento.
Um acórdão do Tribunal Constitucional marcou a História- caso em que existia preferência conjugal para
colocação num emprego na função pública.

Hoje Guilherme de Oliveira e Pereira Coelho admitem que a CRP pode contemplar a união de facto como uma
relação de família, mas dizem que isso em 1976 esteve fora da intenção do legislador, todavia, hoje, parece que se
impõe esse reconhecimento constitucional da união de facto porque “a união de facto parece estar a caminho de
consolidar a natureza de relação familiar”, segundo o entendimento destes autores. Os argumentos destes autores
são de que o texto do art 9º da Convenção dos Direitos Fundamentais da UE e a respetiva nota explicativa apontam
nesse sentido, ou seja, vêm dizer que se quis de algum modo modernizar o direito de constituir família abrangendo
outras realidades que as legislações nacionais admitam como modo de constituir família para além do casamento.
Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira estendem o conceito constitucional de família às relações de união de facto.
Para além disso, também sustentam que o direito de viver em união de facto também está consagrado no direito ao
livre desenvolvimento da personalidade. Apesar disso, estes autores entendem que o reconhecimento da união de
facto não obriga o legislador ordinário a definir um regime equivalente ao do casamento, porque não há aqui uma
obrigação de estabelecer um regime jurídico e de estabelecer os mesmos efeitos pessoais e patrimoniais, porque
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se assim fosse, o legislador estaria a violar o tal direito do livre desenvolvimento da personalidade (o direito de não
casar), uma vez que se assim fosse, as pessoas que escolhem exatamente não casar para não ter de estar sujeitos
a esse regime, passariam a estar sujeitos a esse regime. E, por isso, entendem que está constitucionalmente
consagrado o diferente tratamento do casamento e da união de facto- não se ferindo, assim, o princípio da igualdade
(tratamento igual para situações iguais, tratamento diferente para situações desiguais). Mas esta desigualdade de
tratamento tem de ser sempre justificável, para que esteja de acordo com o princípio da proporcionalidade.
Este direito a constituir família permite este reconhecimento da união de facto, mas também permite outra
leitura que é feita pelo Dr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira: estes autores dizem que hoje este direito a
constituir família abrange também o direito a procriar e o direito a estabelecer as correspondentes relações jurídicas
de filiação. Assim, quanto ao caso prático: com base neste entendimento que se baseia no art 16º DUDH, reconhece-
se que seriam inconstitucionais as normas do decreto em causa, na parte em que dizia que as vigilantes tinham de
ser solteiras ou viúvas sem filhos.
Segundo o artigo 36º/4 CRP, os filhos nascidos fora do casamento não podem ser, por esse motivo, objeto
de qualquer discriminação (= tratamento desigual, desfavorável e não justificado) e a lei não pode utilizar
designações discriminatórias. Isto obrigou a que, em 1976, todas as designações discriminatórias tenham sido
apagadas dos documentos oficiais. Esta norma não significa que haja um regime de igualdade de regimes para os
filhos nascidos dentro e fora do casamento, mas apenas que não pode haver tratamento desigual, desfavorável e
não justificado.
O art 1826º CC consagra a presunção da paternidade do marido da mãe- ou seja, o filho que foi concebido
na constância do matrimónio da mãe, tem como pai o marido desta. A lei parte de um facto conhecido, que é o
casamento, para retirar um facto desconhecido, que é a paternidade. Quanto aos filhos nascidos fora do casamento,
o pai tem o dever civil de registar, de perfilhar- neste caso, temos um tratamento desigual desfavorável, mas é
justificável tendo em conta as condições do nascimento.
Artigo 1911º/1 CC- quando há um casamento regulam-se as responsabilidades parentais dentro do casamento.
No caso em que não há casamento, mas há filhos, a lei manda aplicar o mesmo regime, uma vez que o que importa
é a convivência dos pais e as condições para poderem tomar decisões relativamente à vida dos filhos, não fazendo
qualquer diferença pelo facto de não serem casados. Assim, no caso prático, a norma que estabelece que as
regentes tinham de ser filhas legítimas dos militares é inconstitucional por violar o art 36º/4 CRP.
1) PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS CÔNJUGES E PRINCÍPIO DA DIREÇÃO CONJUNTA DA VIDA FAMILIAR

Este princípio parece realizado ou quase realizado no direito da família sendo que ambos os cônjuges são iguais.
No entanto, não podemos confundir isto com a igualdade de género, porque sabemos que ainda hoje há
discrepâncias de tratamento em razão do sexo- sabemos que a nível europeu as mulheres ganham 14 a 16% menos
do que os homens e que a progressão na carreira não acontece tanto no caso das mulheres, independentemente
de elas terem mais formação académica- isto tudo porque normalmente são sempre as mulheres que prejudicam as
carreiras para poderem dar assistência à família. Dentro do casamento há igualdade entre marido e mulher, mas
fora do casamento temos de ter a consciência de que não existe uma igualdade de facto no plano da realidade.
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2) PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO NA FAMÍLIA- o estado só intervém subsidiariamente, só


intervindo quando a família se revela incapaz de resolver os seus problemas.
3) PRINCÍPIO DO INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA.

Caso prático 3:
João e Maria conheceram-se durante a passagem de ano em 2017, no Funchal, e nessa mesma altura
iniciaram o seu namoro. No dia 14 de fevereiro de 2018 João pediu Maria em casamento e ofereceu-lhe um anel de
noivado de 1000 euros e Maria aceitou o seu pedido. O casamento ficou marcado para outubro de 2019. Maria e
João começaram a cuidar de todos os pormenores relativos à organização do casamento e da boda. Os pais de
Maria reservaram o local da boda e encomendaram o copo de agua à empresa de catering X, oferecendo como sinal
de negócio 5 mil euros. Carlota e Duarte, padrinhos de João, assim que souberam da sua intenção de casar com
Maria ofereceram aos dois uma viagem de lua de mel para Marrocos no valor de 2500 euros. Maria ofereceu também
a João um relógio de bolso do seu avô. Hoje, João comunicou a Maria que finalmente descobrira o amor e se
apaixonara por Margarida. Maria informou todos os convidados e cancelou o casamento.

Qual é o tema deste caso prático? Promessa de casamento (arts 1591º CC até 1595º CC). O problema é
que uma das partes não cumpriu a promessa, mas já estava em jogo algumas despesas tendo em conta a preparação
do casamento, nomeadamente o copo de água e a reserva do espaço.
Para além das despesas feitas, que outras questões é que há? Bens que foram oferecidos, nomeadamente,
a oferta da lua de mel pelos padrinhos de João..
João não cumpriu o prometido. João deve restituir aquilo que recebeu na expectativa do casamento? Ou seja, a
viagem que Carlota e Duarte lhe ofereceram e o relógio que Maria lhe ofereceu? Maria deve restituir o anel de
noivado? E o que é que acontece ao sinal de 5000 mil euros dado? E quanto ao dano moral de Maria, quanto aos
danos não patrimoniais?
Vamos convocar o direito constituído e a promessa de casamento para resolver este caso:
O que é a promessa de casamento? O casamento é definido pela nossa lei como um contrato que pode
ser objeto de uma promessa, ou seja, antecipadamente cada um dos nubentes pode prometer ao outro celebrar
casamento, havendo assim um contrato de promessa de casamento (temos várias formas de realizar esta promessa:
a forma clássica, que é o pedido de casamento, mas pode haver outras formas, não tendo de ser nada escrito, nem
formal, mas apenas um momento que crie uma expectativa acrescida quanto à celebração do casamento). Este
contrato de promessa é um contrato bilateral, que pressupõe 2 declarações de vontade, que não têm de ser
expressas, podendo ser tácitas.
Se não houvesse um regime especial, aplicar-se-ia o regime geral do contrato promessa (art 410º e ss e
art 830º CC)- este regime geral diz-nos que o contraente que não cumpre a promessa responde pela totalidade dos
prejuízos causados e a outra parte pode obter uma sentença negocial que produza os efeitos da declaração negocial
do faltoso, ou seja, pode propor uma ação em tribunal, pedindo que o tribunal se substitua ao faltoso. Todavia, isto
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acontece sempre que a natureza da prestação não se oponha, ou seja, se está em causa uma prestação pessoal,
então o tribunal não se pode substituir ao faltoso, não podendo existir este regime de execução específica.
Será que este regime de responder pela totalidade dos prejuízos causados vale no caso de promessa de casamento?
Não. O que está aqui em causa é o direito de celebrar casamento e o consentimento para casar e se se tivesse de
se ressarcir/indemnizar por todos os prejuízos causados, essa liberdade ficava condicionada, daí que o legislador
não tenha optado por este regime em caso de contrato de promessa de casamento. Assim sendo, há um regime
específico para a promessa de casamento (arts 1591º a 1595º). Quais são as especificidades deste regime?
Ø A rutura ou incumprimento da promessa de casamento apenas conduz ao dever de indemnizar
determinadas despesas e obrigações contraídas na expectativa da celebração do casamento- art 1594º
CC- se algum dos contraentes romper a promessa sem justo motivo ou por culpa sua faça o outro
contraente romper a promessa, ele tem a obrigação de indemnizar. Este dever de indemnizar tem uma
menor amplitude relativamente ao dever de indemnizar nos contratos de promessa em geral porque não
se indemniza todos os prejuízos, mas apenas as despesas contraídas na expectativa da celebração do
casamento. Para além disto, os sujeitos a indemnizar são diferentes: neste caso, temos o nubente que
queria cumprir, os pais que pagaram a boda ou terceiros que tenham agido em nome dos pais. Também
é diferente quanto ao objeto, uma vez que se reporta apenas as despesas feitas e obrigações contraídas
na previsão do casamento, ficando de fora os lucros cessantes e os danos emergentes e também os danos
morais.
Ø Dever/obrigação de restituir os donativos recebidos- previsto no art 1591º CC.

Assim, Maria deve restituir o anel de noivado e João deve restituir o relógio que ela lhe tinha oferecido. Para
além disso, João tem de restituir a viagem que os seus padrinhos lhe tinham oferecido.

Será que também vai ter de restituir o dinheiro que os pais de Maria gastaram no copo de água? Haverá lugar
a indeminização? O art 1584º CC fala-nos do caso em que um dos contraentes quebra a promessa sem justo motivo.
Tendo em conta que este é um conceito indeterminado, importa averiguar que realidades fazem parte dele. Este é
um conceito indeterminado que nos diz que há justo motivo quando de acordo com as condições socias dominantes
na esfera social dos nubentes, a continuação do noivado e a celebração não puderem ser razoavelmente exigidas a
um ou ambos os nubentes. Tem de haver um juízo de razoabilidade, onde pesam questões de caráter objetivo, mas
também tem de se atender a circunstâncias particulares do caso e a própria conceção do meio e à condição dos
esposados. O justo motivo pode ser:
§ Um motivo censurável (por exemplo, acha que ainda é muito novo para casar;
§ Uma circunstância imprevisível (proposta de trabalho no estrangeiro, por exemplo);
§ Uma conduta louvável do outro contraente (por exemplo, um dos contraentes descobre que tem uma
doença degenerativa e não quer fazer a outra pessoa passar por isso).
§ Este justo motivo pode consubstanciar em infidelidade reiterada ou ostensiva;
§ Uma conduta desonrosa do contraente ou da sua família mais próxima (por exemplo, pedofilia);
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§ Difamação ou injúria;
§ Contração do vício do jogo;
§ Maus tratos;
§ Doença incurável ou uma incapacidade permanente (por acidente tornar-se paraplégico), uma
mutilação corporal sofrida (um acidente de trabalho em que perde um braço, por exemplo).

Não deve nunca tratar-se de um motivo fútil, por exemplo, o outro contraente não ser tão rico como se
esperava. Têm de ser sempre motivos anteriores à rutura, mas posteriores à promessa de casamento e não devem
tratar-se de motivos já conhecidos pelo esposado que rompeu a promessa. Aqui a prova, nos termos do art 799º
CC, incumbe ao devedor- o devedor tem de provar que o seu incumprimento não procede de culpa sua.
Quanto ao caso prático: no caso em apreço, o motivo de João ter encontrado o seu verdadeiro amor parece
ser um motivo legítimo? Não parece ser. Assim, João vai ter mesmo de indemnizar os pais de Maria pelos 5 mil euros
que gastaram no catering.

Direito da Família João Pedro Domingues 12


Aula 4 – aula suplementar


30 de outubro de 2018

Caso prático 4:
Carlos e Maria Eduarda casaram civilmente em novembro de 2016, no regime de bens de comunhão geral. Em
agosto de 2018, por ocasião de algumas arrumações, Maria Eduarda encontrou numa gaveta de Carlos um cofre.
Nesse cofre estava guardado um documento de sua mãe, Maria Monforte da Maia, em que esta afirmava ser Maria
Eduarda filha de seu marido, Pedro da Maia, e neta de Afonso da Maia. Maria Eduarda confrontou Carlos com estes
factos e Carlos confirmou a história. Maria Eduarda, entretanto grávida de gémeos, decide recorrer a tribunal para
extinguir o seu casamento com Carlos pois não teria casado se tivesse conhecido os laços de parentesco que os
unem.
1. Que ação deverá Maria propor?
2. Qual o fundamento de tal ação?
3. Imagine que a ação foi julgada procedente:

a) Carlos continuaria a ser considerado pais dos gémeos?


b) E se Carlos falecesse antes do trânsito em julgado da sentença? Que lugar ocuparia Maria Eduarda na sua
sucessão?

RESOLUÇÃO:
Temos aqui um problema de falta de capacidade nupcial, nomeadamente um impedimento dirimente
relativo, nos termos do art 1602º/c), uma vez que Maria e Carlos são irmãos. Para além do impedimento matrimonial,
temos um problema do consentimento, uma vez que temos um erro que vicia a vontade de Maria, que foi
“enganada”- a própria Maria admite que não teria casado se soubesse que era irmã de Carlos. Também se coloca
aqui um problema de saber quais são os efeitos da extinção do casamento.
O casamento pode extinguir-se por 2 grandes formas: por dissolução (por morte ou divórcio) ou por
invalidação (que pode ser anulação de casamento civil e declaração de nulidade de casamento católico). Maria devia
propor uma ação de anulação (e não uma ação de divórcio). Quando há uma invalidade no momento da celebração
do contrato de casamento, quando haja falta de capacidade nupcial ou quando haja um vício da vontade, então aí
temos sempre uma anulação do casamento. Por outro lado, quando o facto que dá origem à rutura do casamento
se dá posteriormente a este momento inicial de constituição do vínculo, momento de celebração de casamento, seja
separação de facto, ausência, alteração das faculdades mentais, etc, o casamento pode ser extinguido por
dissolução (por morte ou divórcio).
QUESTÕES QUE SE LEVANTAM:
• Será que Maria pode propor a ação de anulação com fundamento no erro?
• Será que o seu conhecimento deste facto é motivo para extinguir a relação?

Direito da Família João Pedro Domingues 13


• Será que a existência da relação de parentesco não consome o facto de haver um impedimento
matrimonial?
• Será que ela tem legitimidade processual ativa?
• Ainda estará a tempo?
• Quais são os efeitos desta ação de anulação?

Que fundamento pode Maria Eduarda invocar? Impedimento dirimente relativo e erro vício. Quando Maria
decidiu casar ela não sabia que era irmã de Carlos, ela não formou o seu consentimento de forma esclarecida, foi
um consentimento viciado com um erro sobre as qualidades do outro cônjuge (nesta matéria não releva qualquer
erro, mas aqui temos um erro específico- art 1636º CC- falta ou vícios da vontade).
Que erro é que releva? REQUISITOS DO ERRO:
§ ERRO QUE RECAIA SOBRE AS QUALIDADES DO OUTRO CÔNJUGE;
§ ERRO DESCULPÁVEL- ou seja, um erro que uma pessoa normal, colocada nas mesmas circunstâncias,
também teria cometido. Por exemplo: se alguém quer anular um casamento porque descobre que o
seu cônjuge era divorciado e não solteiro quando se casaram, esse erro não é desculpável, não
preenche os requisitos do erro desculpável, uma vez que bastava verificar os documentos da outra
pessoa para saber o seu estado civil. No entanto, se a pessoa forjasse os seus documentos
propositadamente, agindo de má fé, então aí o erro era desculpável;
§ ERRO ESSENCIAL- ou seja, é preciso que se mostre que sem ele o casamento não teria sido celebrado.
A circunstância sobre a qual o erro versou tem de ser determinante para a celebração do casamento,
quer objetivamente (quer face à consciência social dominante), quer subjetivamente (quer face ao
caso concreto).
§ ERRO PRÓPRIO- o erro tem de ser próprio, ou seja, tem de ser só erro. O erro não pode recair sobre
outro requisito de validade ou de existência do casamento. No nosso caso, este erro não é próprio,
uma vez que recai sobre um impedimento dirimente, ou seja, sobre a relação de parentesco com
Carlos- IMPORTANTE- este requisito é muito importante e não vem expressamente consagrado na lei,
resultando apenas da leitura conjugada dos vários artigos.

Neste caso, temos um erro que não é próprio, nem autónomo, uma vez que versa sobre um requisito de
validade do casamento, que é um impedimento dirimente relativo (parentesco da linha colateral no 2º grau- art
1602º/c)). Assim sendo, Maria não pode propor a ação de anulação do casamento com base no erro vício, de
acordo com o art 1636º CC.
No entanto, Maria ainda podia intentar esta ação com fundamento no impedimento dirimente relativo. A
anulabilidade do casamento não opera ipso iure, é preciso intentar uma ação para anular o casamento com base
nesse impedimento dirimente relativo. Mas teria legitimidade? Ela tinha legitimidade de acordo com o art 1632º CC.
E estaria dentro do prazo? Segundo o art 1643º CC, sim, ela ainda está dentro do prazo. Temos aqui um caso em
que se sobrepõem 2 possíveis causas de anulabilidade.
Direito da Família João Pedro Domingues 14

O art 1639º CC fala-nos da anulação do casamento fundada em impedimento dirimente e diz-nos têm
legitimidade para intentar esta ação de anulação os cônjuges ou qualquer parente deles na linha reta, ou até ao 4º
grau da linha colateral, bem como os herdeiros e adotantes dos cônjuges e o Ministério Público. Assim, Maria teria
legitimidade para propor a ação com base em impedimento dirimente – art 1602º CC ( uma vez que ela e Carlos
são parentes em 2º grau na linha colateral).
Quanto ao prazo, o art 1643º CC diz-nos que Maria tem até seis meses depois da dissolução do casamento,
significa que enquanto o casamento não se dissolver, caso haja morte ou divórcio, tem de se contar 6 meses. Assim,
desde que ainda não tenham passado 6 meses, Maria ainda está a tempo.
Imaginemos que a ação foi considerada procedente – casamento anulado – seria Carlos considerado pai dos
gémeos? Não se aplica aqui o regime da retroatividade dos efeitos da anulabilidade e nulidade dos artigos da parte
geral do CC – efeitos retroativos, destruição de todos os efeitos do negócio.
Será razoável no casamento? Se nós apagássemos do Ordenamento Jurídico todos os efeitos produzidos
pelo casamento, aquela convivência era tida como uma união de facto. Para proteção dos próprios cônjuges, a lei
já desde o Direito Romano, impõe uma solução – arts 1647º e 1648º do CC. O casamento, caso tenha sido de boa-
fé, mantém os seus efeitos, relativamente aos cônjuges e a terceiros. Esta figura foi construída por razões de justiça
e de equidade e assenta na pressuposição de que os cônjuges julgaram que se tinha celebrado um casamento
válido, tinham essa convicção, ignorando a realidade dos factos. Ignoram a existência do impedimento matrimonial,
ou do vício, desculpavelmente, em termos não merecedores de censura jurídica.
Por isso, quando o casamento cessa não temos de apagar todos os efeitos jurídicos que se produziram. O art 1647º
CC diz que se mantêm os efeitos produzidos até ao momento do trânsito em julgado da sentença da anulação do
casamento civil. Por isso, quando o casamento cessa não temos de apagar todos os efeitos jurídicos que se
produziram, um dos efeitos de facto que não se pode apagar, e justamente a existência de filhos, assim como diz o
artigo 1647º mantem-se para o futuro os efeitos já produzidos ate ao momento do transito em julgado da sentença
de anulação do casamento civil.
Exigem-se determinados pressupostos para que se possa fazer funcionar este instituto do casamento putativo:
è é necessário que o casamento seja existente nos termos dos arts 1628º e 1630º/1 CC;
è é necessário que exista uma sentença que tenha anulado o casamento, nos tribunais civis ou declarado
nulo o casamento católico nos tribunais eclesiásticos – arts 1647º/3, 1637º/1 CC; Art 1632º CC – a
anulabilidade não opera ipso iure;
o o terceiro requisito é a boa fé dos cônjuges ou de apenas de um deles- art 1648º/3 CC. De
acordo com a lei, traduz-se na ignorância desculpável do vício causador da anulabilidade, ou na
prestação do consentimento em coação, o momento adequado para averiguar da boa fé é o da
celebração do casamento. Estando de má fé, pode produzir efeitos em casos excecionais– um é
o dos artigos 1826º e 1827º, aplicam-se as regras dos arts 1905º e 1906º - responsabilidades
parentais.

Direito da Família João Pedro Domingues 15


Quando um casamento é anulado ou declarado nulo – se for católico – temos de saber se podemos aplicar
aqui o regime da anulabilidade, o regime do art 289º CC. Ou seja, se desaparecem do ordenamento jurídico todos
os efeitos produzidos pelo negócio. Será que é razoável esta retroatividade de todos os efeitos que o casamento já
produziu? Efeitos jurídicos deste efeito de facto? Este regime da anulabilidade e da retroatividade não se adequam
bem ao casamento, pois se de facto apagássemos todos os efeitos produzidos pelo casamento, perderíamos a
relação que se deu, e, em efeitos patrimoniais, poderia ter-se condições muito injustas. Por exemplo: se um cônjuge
falecesse só poderia ter direito à proteção que é concedida na união de facto – 5 anos. Também não seria herdeiro,
não teria direito a uma parte da herança, teria eventualmente só direitos a alimentos da herança. Para além disso,
os filhos que nascessem do casamento não beneficiariam da paternidade do pai, assim ficando destruído um efeito
do casamento, que é a presunção de paternidade.
Já no séc. XXI o direito canónico tentou ir contra estes efeitos do casamento, tendo surgido a figura do
casamento putativo (arts 1647º e 1648º CC) – está construído sobre conceções de justiça e de equidade, com
critérios puramente jurídicos. Já vimos que putativo vem de julgar um casamento válido e efetivamente não ter
efeitos.
Então, não se apagam todos os efeitos já produzidos, designadamente os efeitos de facto – os filhos são exemplo
disso. O art 1647º CC diz-nos que os efeitos que o casamento já produziu mantêm-se para o futuro e até ao momento
do trânsito em julgado da sentença de anulação. A anulabilidade do casamento tem efeitos ex nunc – mantem-se
os efeitos (o casamento putativo tem determinados pressupostos, desde logo, os previstos no art 1647º CC).

Assim, para que haja anulabilidade é necessário:


1) é necessário que o casamento tenha existência jurídica, ou seja, que não seja um casamento inexistente,
como previsto no art 1628º CC, pois o casamento inexistente não produz qualquer efeito;
2) É necessário que haja uma sentença que tenha declarado a nulidade do casamento ou se tenha anulado
o casamento – há a necessidade de uma sentença para que a anulabilidade não opere ipso iure (art 1633º
CC);
3) A boa fé de ambos os cônjuges – em 1º lugar esta boa fé presume-se nos termos do art 1647º CC -
ignorância desculpável do vício causador da anulabilidade. Considera-se de boa fé o cônjuge que tiver
contraído o casamento na ignorância desculpável do vício causador da nulidade ou anulabilidade, ou cuja
declaração de vontade tenha sido extorquida por coação física ou moral (art 1648º/1 CC).

NOTA: O momento relevante para averiguar a boa fé é o do casamento. A boa fé é necessária para que se produzam
efeitos em relação a ambos os cônjuges, efeitos favoráveis em relação a um deles e relativamente em relação a
terceiros.

Direito da Família João Pedro Domingues 16


Arts 1826º e 1827º CC- a anulação do casamento civil que inclua má fé não causa a exclusão da presunção de
paternidade – ou seja, para os efeitos pessoais e a relação com filhos. À presunção da paternidade não releva o
pressuposto da boa fé dos cônjuges, a produção de efeitos do casamento não depende da boa fé ou má fé dos
cônjuges.
Já não acontece o mesmo quanto aos efeitos em relação aos próprios cônjuges:
à Se ambos estiverem de boa fé, o casamento produz todos os seus efeitos até ao momento do trânsito em
julgado da sentença- efeitos patrimoniais, de dívidas, etc.
à Se só um deles estiver de boa fé, só esse pode arrogar-se dos efeitos do estatuto patrimonial – pode
pedir a anulação, a venda daquele bem- art 1647º/2 CC.
à Se ambos os cônjuges estiverem de má fé e não houver lugar à eficácia putativa do casamento, o que é
que acontece? Não se produzem efeitos relativamente aos próprios cônjuges e a terceiros – o casamento
não visa só proteger os cônjuges, visa também proteger terceiros que, de alguma forma, se relacionaram
com o casal.

Se só um estiver de boa fé, temos de distinguir, no âmbito das relações com terceiros, se se trata de um
efeito que está nas relações entre cônjuges que afetam terceiros, ou no âmbito de relações que se estabelecem
com terceiros e podem provir do facto de estarem casados. Se atingir reflexamente terceiros, então, interessa a boa
fé.
Respondendo ao caso: Para saber se Maria seria herdeira ou não de Carlos – se Carlos tivesse falecido
antes do trânsito em julgado da sentença e se Maria estava de boa fé, ou seja, desconhecia o vício causador de
anulação do casamento, produziam-se os efeitos favoráveis ao casamento à favorável à Maria que estava de boa
fé – aplica-se o art 1647º/2 CC – ou seja, só pode arrogar-se do benefício de ser cônjuge herdeiro e cônjuge
legitimado, portanto, poderia ser herdeira.

NOTA: esta questão não deve sair em caso prático, mas pode sair na pergunta teórica – é muito difícil de explicar.

Direito da Família João Pedro Domingues 17


Aula 5
6 de novembro de 2018

Caso prático 5:
João e Maria conheceram-se em agosto de 2017 e descobrem, entre eles, afinidades profundas.
Convencidos ambos de que tinham encontrado a sua alma gémea decidiram casar civilmente. O casamento veio a
celebrar-se em fevereiro de 2018. Na cerimónia de casamento estavam presentes Abel e Benilde, pais de João,
Carlos e Daniela, pais de Maria, Elsa, Fernando e Guadalupe, amigos comuns de Maria e ainda Helena, amiga de
infância de João. A cerimónia, porém, não decorreu sem sobressaltos. Na verdade, no decurso da cerimónia, Helena
interrompeu o conservador do registo civil afirmando que o casamento entre João e Maria não podia ser celebrado
pois João era demasiado jovem (tinha apenas 17 anos de idade) e não reunia as condições necessárias para assumir
as responsabilidades do passo que se preparava para dar. Neste momento, os pais de João levantaram-se e
demonstraram firme oposição ao que era afirmado por Helena, assegurando que João possuía já suficiente
maturidade para compreender o sentido e o alcance de um ato como o casamento. Por isso, tinham concedido a
necessária autorização para João se casar.
Face às declarações de Abel e Benilde o conservador prosseguiu com a cerimónia e celebrou o casamento.
Em setembro de 2018, durante a festa de aniversário de João, que se realizou na casa dos seus pais, Maria descobre
umas cartas antigas em que João fazia certas confidências a Helena. Numa dessas cartas, João afirmava com
desgosto não poder realizar nunca o seu sonho de ter filhos, em virtude de uma grave doença que contraíra. Maria,
surpreendida com esta descoberta, quer saber se tal circunstância lhe permite pôr fim ao casamento. Como
aconselharia Maria?

RESOLUÇÃO:
Temos em causa 2 temas: o 1º tema relaciona-se com os impedimentos matrimoniais relativamente à
incapacidade nupcial (arts 1601º a 1604º CC)- Helena alega que João não pode casar porque tem 17 anos, no
entanto, nós sabemos que a partir dos 16 anos os menores já podem casar, com autorização dos seus pais. Por
outro lado, temos aqui uma questão relativa à liberdade do consentimento, mais propriamente ao erro que vicia a
vontade (arts 1634º a 1638º CC). Em especial neste caso, fala-se no erro que vicia a vontade (art 1636º). Neste
caso, temos ainda a questão da invalidade do casamento, estando em causa a anulação do casamento civil (se fosse
casamento católico declarava-se nulo).
Que problemas estão aqui em causa? Será que João tem capacidade matrimonial? E será que o
desconhecimento por parte de Maria do facto da infertilidade de João antes do casamento lhe permite pôr fim ao
vínculo matrimonial? Se sim, qual o meio através do qual ela pode extinguir a relação matrimonial?
è CAPACIDADE NUPCIAL- é a capacidade exigida para celebrar casamento. Se o casamento é um contrato
especial em relação aos outros contratos (tendo regras para a sua celebração, etc), então a sua
capacidade também terá regras especiais, previstas no art 1600º e ss. Há duas alterações a este respeito:
Direito da Família João Pedro Domingues 18

a 1ª diz respeito ao art 1602º/b) pela lei 48/2018, que nos fala do regime do maior acompanhado, lei
que reformula a questão das capacidades dos maiores de idade. A 2ª alteração é sobre o art 1605º CC
relativa à alteração do prazo internupcial, alterada pela lei 64/2018.

As incapacidades nupciais não são as mesmas nem se fundam nos mesmos motivos das incapacidades que
dizem respeito aos negócios jurídicos em geral- o número das incapacidades, a sua qualificação e as suas
consequências são também diferentes. Porque é que há esta diferença? Porque o casamento tem por fim constituir
família, por isso, supõe uma certa capacidade natural (capacidade para querer e entender os efeitos pessoais e
patrimoniais dos casamentos e uma capacidade sexual, daí que exista os limites dos 16 anos de idade). Este fim de
constituir família e estabelecer uma plena comunhão de vida está relacionado com valores morais e sociais muito
importantes e, por isso, estes interesses refletem-se nestas incapacidades e impedimentos matrimoniais. Por
exemplo: serem os nubentes parentes na linha reta- sabemos que esse é um problema moral de incesto.

è PRAZO INTERNUPCIAL- prazo que deve existir entre 2 casamentos (se um casamento é dissolvido por
alguma razão, tem de haver um período de tempo até que os ex nubentes possam celebrar um outro
casamento). Este prazo mudou- atualmente estabelecem-se 180 dias para o homem (questões do foro
social- tem de se fazer um certo luto, as pessoas não podem casar assim sem qualquer ponderação) e
300 dias para as mulheres, prazo este que está relacionado com a gestação mais longa que pode existir,
que é de 300 dias, este prazo estabelece-se assim porque seria o prazo para nascer a criança e se não
se cumprisse este prazo poderia colocar-se uma questão de dupla presunção de paternidade- é uma
questão puramente física.

Há casos em que apesar de haver um destes obstáculos se gera a invalidade do casamento, mas há casos em
que se preveem outras sanções. Assim importa fazer algumas distinções:
• IMPEDIMENTO IMPEDIENTE- O impedimento impediente (art 1604º CC) é aquele cuja verificação leva à
anulação do casamento;
• IMPEDIMENTO DIRIMENTE- (arts 1601º e 1602º CC) é aquele cuja verificação leva a outras sanções, como
a dos artigos 1649º e 1650º- estes impedimentos são circunstâncias que obstam à celebração de
casamento ou cuja verificação leva a que um determinado casamento não se possa celebrar sob pena de
anulabilidade ou de sanções de outra natureza.
• IMPEDIMENTOS ABSOLUTOS- são verdadeiras invalidades- impedimentos que radicam numa deficiência da
própria pessoa que não permite a celebração do casamento- por exemplo: idade inferior a 16 anos,
parentesco na linha reta, parentesco no segundo grau da linha colateral.
• IMPEDIMENTOS RELATIVOS- Já os impedimentos relativos estão mais próximos da figura da ilegitimidade
porque se fundam na relação que uma pessoa tem com a outra.

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• IMPEDIMENTOS DISPENSÁVEIS- permitem que o conservador do registo civil, atendendo as circunstâncias


do caso (motivos sérios para a celebração do casamento) autorize a celebração do casamento, embora
se verifique um impedimento- art 1609º CC- parentesco no terceiro grau na linha colateral, por exemplo.

Para verificarmos se há ou não impedimentos, temos de atender ao momento da celebração do casamento.

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Aula 6
13 de novembro de 2018
Continuação da aula anterior

Caso prático sobre capacidade matrimonial – impedimentos matrimoniais – 1621.º a 1624º. Do CC; dizia
respeito não só à capacidade matrimonial, mas também aos vícios/ liberdade do consentimento. A lei quer que a
vontade para casar seja livre.
Havia um problema relacionado com os vícios do consentimento – artigo 1636.º.
Cada uma destas questões podem traduzir-se numa invalidade do mesmo e também valia a pena referir
os artigos 1631.º ss.

1- Saber se João possuía capacidade matrimonial ou não;


2- Saber que o desconhecimento por parte de Maria da sua infertilidade era causa para extinção da relação
matrimonial por invalidação.

A capacidade exigida para celebrar casamento é diferente da capacidade de exercício – por força da própria
especialidade de casamento; as incapacidades nupciais são diferentes das incapacidades relativas aos negócios
jurídicos em geral – são os impedimentos matrimoniais que já vimos.
Esta natureza especial justifica-se por o casamento visar a constituição da família mediante uma plena
comunhão de vida; estão aqui em jogo interesses sociais muito importantes de tal maneira que esta comunhão de
vida pressupõe que haja uma capacidade natural, que se desdobra numa capacidade para querer e entender os
efeitos pessoais e patrimoniais do casamento – os efeitos que este tem na condição jurídica da pessoa e dos seus
bens; mas também uma capacidade natural a nível sexual – a nível de desenvolvimento físico. Para tutelar estes
interesses importantes a lei estabelece estes impedimentos matrimoniais.
No entanto a lei não é aqui tão rigorosa como nos contratos em geral – aqui não valem as incapacidades
como a interdição, inabilitação, as incapacidades que podemos ver para os negócios jurídicos em geral, não estão
aqui reguladas.
Quanto à sanção quando não há observância destas proibições; o facto da incapacidade nupcial não se
verificar não gera sempre a invalidade. Aqui não há sempre a sanção da invalidade. Deparamo-nos aqui com as leis
imperfeitas – cuja sanção não é tão vigorosa. Artigos 287.º e 288.º do regime geral. É também importante saber
que quer num caso de incapacidade quer num caso de vicio, o meio para arguir a nulidade é sempre a ação de
anulação do casamento civil. A legitimidade ativa, quem pode propor a ação, pertence ao próprio incapaz (quem
não possui capacidade matrimonial), o seu representante, o outro cônjuge, qualquer parente na linha reta ou até
ao 4º grau na linha colateral, bem como os herdeiros ou adotantes e o MP – artigo 1639.º. há aqui uma legitimidade
ativa muita ampla – muitas personagens podem propor a ação de anulação do casamento num tribunal, porquê?

Direito da Família João Pedro Domingues 21


Porque há aqui o interesse do incapaz, mas também da sociedade em geral, daí que até o MP possa arguir a
anulação do casamento.
Estas incapacidades são averiguadas antes do casamento; faz-se isto no processo preliminar – serve para
averiguar se há impedimentos matrimoniais. O que se quer evitar é que se celebrem casamentos que serão depois
suscetíveis de ser anulados.

Impedimento matrimonial – é uma circunstância que obsta à celebração do casamento, ou uma circunstância cuja
verificação conduz a que um determinado casamento não possa celebrar-se sob pena de anulabilidade ou de
sanções de outra ordem.
Que impedimentos matrimoniais temos?
1. Impedimentos dirimentes – artigos 1601.º e 1602.º; chamam-se dirimentes porque a verificação
destes impedimentos leva à anulabilidade/ anulação do casamento; se se verificar um impedimento
dirimente o casamento é anulável – artigo 1631.º.
2. Impedimentos impedientes – artigos 1604.º; é um impedimento que não leva a que o casamento seja
anulável, mas a que o casamento seja objeto de outras sanções. Como por exemplo as previstas nos
artigos 1649.º e 1650.º;
3. Impedimentos absolutos e impedimentos relativos. Absolutos são verdadeiras incapacidades, radicam
numa qualidade da própria pessoa (ser menor de 16 anos, ser já casado e o casamento não estar
dissolvido) que a impedem de casar com qualquer outra (por isso é que são absolutos); impedimentos
relativos – aproximam-se mais da figura das ilegitimidades porque não radicam numa qualidade da
pessoa mas numa relação desta com outra – só proíbem o casamento entre essas duas pessoas (ex:
impedimentos que se fundam no parentesco);
4. Impedimentos dispensáveis – aqueles que admitem dispensa (ato pelo qual o conservador do registo
civil tendo em conta as circunstancias do caso concreto autoriza a celebração do casamento (apesar
de se verificar o impedimento, algo que obsta que o casamento se celebre, ele autoriza a celebração
do casamento) porque entende que há motivos sérios que levam a que a celebração do casamento
seja preferível à não celebração do casamento. Que impedimentos são esses? Artigo 1609.º
(casamento entre tios e sobrinhos); contrariamente a estes temos impedimentos não dispensáveis –
são circunstâncias que a lei considera gravosas e que por isso não podem ser dispensáveis.

Para averiguar a existência de impedimentos, o momento adequado é o da celebração do casamento (é


aqui que se verifica se há algum impedimento).

No caso:
João tinha 17 anos de idade. Impedimento matrimonial? Idade inferior a 16 anos é impedimento dirimente
absoluto – artigo 1601.º, al. A). Está aqui em causa um interesse público (não ter 16 anos significa não ter

Direito da Família João Pedro Domingues 22


capacidade física e psíquica p casar); mas não é este o caso, mas sabemos que entre os 16 e os 18 já não temos
um impedimento dirimente que leva à anulação do casamento, mas é um impedimento impediente –1604.º, al. A)
Questão da necessidade de autorização dos pais. A autorização dos pais, se estes estiverem casados ou
divorciados, são impedimentos impedientes; se os pais não tiverem uma razão suficiente e um motivo sério para
obstar a autorização o tutor pode suprir a mesma; mas esta autorização para casamento é um ato de particular
importância, por isso deve ser dada por ambos os progenitores, antes da celebração do casamento ou no próprio
ato do casamento.
Durante o processo preliminar vai ser ver se alguém tem alguma incapacidade – uma incapacidade pode
ser a falta de autorização – pode casar se tiver autorização dos pais. Se não tiver a autorização o conservador tem
que saber porque. Vai ver se essa ausência de autorização é fundada e se entender que ela não tem justificação (é
mera zanga dos pais, por exemplo), então ele pode suprir este impedimento.
A autorização deve ser prestada por ambos os progenitores quer se encontrem casados – artigo 1901.º
- quer se encontrem divorciados – artigo 1906.º; a autorização deve ser concedida por ambos.
Havendo esta autorização celebra-se o casamento e não há problema nenhum.

Se não houver autorização e esta não for suprida e o casamento for celebrado por quem tem 17 anos, o
que acontece? Um dos efeitos do casamento é a emancipação – ocorre pelo casamento (é a única possibilidade
hoje da emancipação) – artigo 132.º. Significa que o menor adquires as competências de um maior.
Acontece que aqui, quando temos alguém com 16, 17 ou 18 anos e não tem essa autorização, o
casamento não é anulável, mas há outras sanções (sanções especiais) – a de não se dar a plena emancipação –
artigo 132.º e artigo 133.º; artigo 1649.º- a sanção não é a anulação mas sim o facto de o menor não ficar habilitado
a reger os seus bens; fica-se menor para reger os seus bens. Quem fica habilitado à tutela dos bens? O outro
cônjuge? A lei desconfia disto e, portanto, não atribui a administração dos bens ao outro cônjuge mas sim aos pais;
dessa administração dá-se alimentos ao menor para que ele possa subsistir.

Quanto ao consentimento: numa festa de aniversário Maria sabia o PIN do telemóvel de João e viu as suas
mensagens e descobre numa mensagem que João não pode ter filhos. Posto isto pensa que se tal soubesse não
teria celebrado o casamento. Temos uma questão de consentimento conjugal – a declaração de vontade p celebrar
casamento; este tem que ser expresso, no ato da celebração – artigo 1619.º, 1620.º/1 e 2 – este consentimento
é pessoal e tem que ser prestado pelos próprios nubentes; quando isso não possa acontecer por razoes graves
(por exemplo ausência no estrangeiro) pode dar-se a substituição através de um procurador.

Nota: ver bem o casamento por procuração, passível de sair no exame; o exame tem perguntas de escolha
múltipla, algumas afirmações para comentar e um caso prático final.

Direito da Família João Pedro Domingues 23


O consentimento tem que ser puro e simples – não podem ser apostos ao casamento condição ou termo
(dizer que só se casa se acontecer tal coisa); (ou a termo – só estaremos casados até fazermos dois anos de
casamento). Artigo 1618.º/2
Vemos também que os nubentes não podem modificar os deveres conjugais – artigo 1699.º.
Para além de pessoal, puro e simples, o consentimento tem que ser perfeito – as declarações de vontade
de ambos os nubentes têm de ser concordantes, coincidentes; em cada uma delas tem de haver concordância entre
a vontade e a declaração de casar.
Tem também de ser livre – e para o ser é necessário que a vontade dos nubentes tenha sido esclarecida
(formada com exato conhecimento das circunstâncias) e que se tenha formado com liberdade exterior, sem pressão
de ameaças ou violência.
Quais os vícios do consentimento que já estamos a ver? Erro quando o casamento é formado sem
conhecimento das circunstancias e a coação (são os vícios do consentimento).

No nosso caso está em causa o erro – do artigo 1636.º - erro sobre as qualidades essenciais do outro
cônjuge. Este erro, deste artigo, no seu regime é mais apertado e tem vários pressupostos de relevância:
1. Necessário que o erro recaia sobre qualidades essenciais sobre o outro cônjuge;
2. Não diz no artigo, mas podemos deduzir que o erro tem que ser próprio (propriedade do erro) –
mais um conceito indeterminado no direito da família; o Estado sabe que a família vai evoluindo ao
longo dos tempos, tendo que se dar um campo de manobra para que a relação se pode ir adaptando
às circunstâncias sociais e do caso concreto; há vários conceitos indeterminados); a doutrina fala,
quanto à propriedade, de qualidades físicas do outro nubente (por exemplo, se lhe falta uma perna,
se há doenças, etc.); também podem ser qualidades jurídicas – a pessoa ser divorciada, casada, ter
um registo criminal, qualidades morais ou de caráter, etc.. Têm de ser qualidades essenciais; têm que
ser qualidades que em abstrato são idóneas para determinar o consentimento (por exemplo, o estado
civil, o estado religioso, a nacionalidade, a prática de um crime infano, a impotência, a idade, doenças
incuráveis, etc., não podem ser qualidades acessórias ou transitórias, que possam mudar; têm de
permanecer na pessoa).
O erro tem que ser próprio; quando o erro recaia sobre uma circunstancia que se funde numa situação de
validade ou existência do casamento, então o erro não é próprio; consome-se o erro; nos casos em que temos um
erro sobre uma circunstância, mas ela se reconduz a um impedimento nupcial, a ação de anulação do casamento
não deve ser com base no erro mas sim com base no impedimento matrimonial. O erro não pode versar sobre um
requisito legal de existência ou de validade do casamento.
3. Tem que ser desculpável – o erro não pode ser indesculpável ou grosseiro (um erro que o declarante
facilmente descobriria; um erro que o bom senso levaria a descobrir – este é indesculpável); a pessoa
com o seu bom senso, mediana diligencia, etc., não podia ter descoberto aquele erro. Tem que ser
um erro em que uma pessoa normal não incorreria.

Direito da Família João Pedro Domingues 24


4. Tem que ser determinante da vontade de celebrar casamento, tanto subjetivamente (do ponto de
vista do nubente), como objetivamente; tem que ser um erro sobre uma circunstância decisiva ou
determinante para a formação da vontade. Ou seja, se o cônjuge que errou (e que celebrou o
casamento porque errou) se tivesse perfeito conhecimento das circunstancias ele não teria celebrado
casamento. E aqui temos de observar a questão do ponto de vista subjetivo, do próprio cônjuge (tem
que ser determinante para o próprio cônjuge) e das condições sociais dominantes (da consciência
social dominante para que também seja determinante o erro).

No nosso caso:
A questão da esterilidade – é uma qualidade essencial do outro cônjuge? É uma qualidade que carateriza
a pessoa, até que física, portanto é uma qualidade essencial; é um erro perante uma qualidade essencial. É um erro
próprio? Sim, a infertilidade não é causa de invalidade nem de existência do casamento. É um erro desculpável?
Sim, não há como verificar isso. É um erro determinante? Aqui temos que avaliar do ponto de vista do outro cônjuge
– Maria, para ela era determinante. E do ponto de vista das conceções socais dominantes? Embora a procriação
não seja um fim normal do casamento, as pessoas podem casar para ter filhos, sendo então socialmente relevante.
Então, nos termos do artigo 1636.º temos aqui um vicio do consentimento, que conduz à anulação – artigo 1631.º,
al. B).
A anulação, a invalidade do casamento não opera por si só, é preciso que seja invocada. É preciso que o
errante, o cônjuge que errou, proponha uma ação de anulação contra o outro – artigo 1632.º.

Quem pode propor esta ação? Artigo 1641.º - o cônjuge que foi vitima de erro ou coação, podendo
prosseguir na ação os parentes, afins na linha reta, herdeiros e adotantes, se o autor falecer na pendencia da causa
– o casamento tem efeitos patrimoniais, portanto podem prosseguir na ação aqueles que têm interesse nisso.
(por exemplo, quanto ao nome, com essa anulação tal cai e tem influencia na família, tendo estes interesse
– o nome é retirado; os herdeiros, porque se o casamento for invalidado há mais bens que ficam para o cônjuge
autor, têm interesse para prosseguir na ação).

Prazos: artigo 1645.º - o cônjuge que errou tem 6 meses a partir da cessação do vicio; o erro cessou a
partir do momento em que Maria tomou conhecimento (do vicio), em setembro de 2018, estando ainda a tempo de
propor a ação de anulação.
Quanto à coação: a todo o tempo (a partir do momento em que a ameaça cessar, mas se esta nunca
cessar, a pessoa pode propor a ação a todo tempo).
A anulação pode ser sanada, por confirmação expressa ou tácita.

Direito da Família João Pedro Domingues 25


Aula 7
20 de novembro de 2018

Caso prático 6:
Maria e João vivem em condições análogas às dos cônjuges desde 2015. Maria engravidou em 2018 e a
data provável do parto é Janeiro de 2019. Em julho de 2018 é diagnosticado a João uma doença incurável, sendo-
lhe comunicado que teria poucos meses de vida. Perante este cenário, João e Maria resolvem formalizar a sua união,
de modo a que o seu filho não venha a ser prejudicado de alguma forma e que Maria possa ver assegurado, do
ponto de vista patrimonial o nível de vida de que até então gozava. Marcaram a data do casamento para novembro
de 2018. Em finais de outubro de 2018, porém, João foi internado no hospital de urgência, sendo a sua situação
de saúde muito instável. Uma semana depois de João regressar a casa, ainda muito fragilizado, Maria pede ao seu
vizinho Fernando que era funcionário do registo civil que celebre o casamento e Fernando acede ao seu pedido.
A) Será este casamento válido?
B) E se Fernando não tivesse feito a proclamação de que se ia celebrar o casamento e não conseguisse
as testemunhas necessárias?

Estamos aqui no âmbito do casamento urgente e das formalidades do casamento – é um ato solene com
determinadas formalidades; há certos contratos que não cumprem todas estas finalidades – o casamento urgente
vem regulado no artigo 1622.º CC ss.
Em primeiro lugar temos um casamento que não respeita as formalidades normais do casamento – não
há todo aquele processo de os nubentes se dirigirem à conservatória, etc.
Há circunstâncias em que não é possível cumprir estas finalidades – há um casamento sem este processo
preliminar, o casamento urgente. Quando a lei o permite?
Apenas permite nos casos de morte próxima (de receio que haja morte próxima de um dos nubentes – é
este o nosso caso) e para além disso na iminência de parto (estar quase a dar-se o parto, a ideia é a de que se a
criança nascer depois do casamento vamos para a presunção de paternidade, sendo mais fácil provar quem é o
pai).
No nosso não se dá esta iminência de parto, mas sabemos que Maria está grávida.
A lei prescindi de algum formalismo, mas não de todo o formalismo; prescinde no caso dos casamentos
urgentes algumas exigências; o casamento continua a ser um negócio solene mas há um formalismo mais simples.
Quais as exigências no caso dos casamentos urgentes?
1. Tem que haver uma proclamação oral ou escrita de que se vai celebrar o casamento entre aquelas
duas pessoas;
2. Essa proclamação deve ser feita à porta da casa onde estão os nubentes pelo funcionário do registo
civil ou se não estiver presente o funcionário do registo civil por qualquer pessoa presente – artigo
156.º, al. a) do CRC.

Direito da Família João Pedro Domingues 26


No que respeita a celebração do casamento em si próprio é aqui exigida uma declaração expressa do
consentimento por parte de ambos os nubentes (no caso do receio de morte próxima em que a pessoa não consegue
uma relação de vontade expressa não há casamento). Depois essa declaração tem de ser feita perante quatro
testemunhas – exige-se mais duas do que na cerimónia do casamento civil; estas testemunhas não podem ser
parentes sucessíveis dos nubentes (não se quer que estas testemunhas sejam parentes dos nubentes que tenham
vantagens a nível sucessório; têm que ser pessoas estranhas que não sejam parentes dos nubentes – artigo 156.º,
b); celebrado o casamento, ele tem que ser registado; como se faz o registo? Deve ser redigida uma ata do
casamento sem quaisquer formalidades especiais (apenas se narra o que aconteceu) que deve ser assinada por
todos os presentes (a lei quer responsabilizar as testemunhas) – artigo 156.º, al. c) CRC.
Temos que ver se em circunstância pode ter havido já o processo preliminar organizado (aquelas pessoas
que estavam já a pensar em casar-se e deram inicio aos processos preliminares do casamento); aqui o conservador,
apresentada a ata profere o seu despacho final, de homologação ou não homologação no prazo de 3 dias a contar
da ata ou da ultima diligência do processo – artigo 159.º/2 CRC;
Se não houver processo preliminar o conservador vai prever com base na ata, que se vai realizar tal
processo – artigos 134.º e ss e artigo 159.º CRC – este processo será mais demoroso, no máximo demora 30 dias
depois da ata do casamento.
O casamento de Maria e João é urgente e válido – não se coloca aqui nenhum problema de invalidade, não
se coloca nenhum problema de falta de capacidade nem do vicio de consentimento mas sim acerca do cumprimento
das formalidades do casamento, que podem levar não à invalidade mas sim à inexistência do casamento.
O casamento fica sujeito à homologação do conservador do registo civil que no seu despacho fixa todos
os elementos que devem constar do assento de casamento – artigo 159.º/5 CRC.
No artigo 1622.º fazer remissão para o artigo 1720.º/1, al. a). – o casamento urgente, aquele que a lei
permite que seja celebrado mas que efetivamente é celebrado sem o rigor que a lei normalmente exige, é alvo de
desconfiança por parte da lei; uma das consequências é a celebração deste casamento através do regime da
separação de bens.

O casamento era válido, o problema é saber da sua inexistência ou não.

E se Fernando não tivesse feito a proclamação de que se ia celebrar o casamento e não conseguisse as testemunhas
necessárias?
Se não acontecesse essas circunstâncias eram causa justificativa da não homologação do casamento –
artigos 1624.º/1, al. a). Para além disso, a não verificação de todas as formalidades prescritas – al. b).
Não estão cumpridos todos os requisitos legalmente exigidos – proclamação a porta de casa, a presença
de testemunhas, etc.
Neste caso o conservador deve comunicar o despacho de recusa de homologação aos interessados
(nubentes).

Direito da Família João Pedro Domingues 27


Qual a consequência da não homologação? Artigo 1628.º, al. b); o casamento não homologado é
inexistente.
Artigo 1630.º - não produz qualquer efeito jurídico e a inexistência pode ser invocada por qualquer pessoa
a todo o tempo independentemente de declaração judicial (a inexistência é para aqueles casos mais severos);
cônjuge, herdeiros e MP podem recorrer para tribunal.

Caso prático 7:
João e Maria casaram no dia 30 de dezembro de 2015. Desde então, mudaram já quatro vezes de
residência, em cumprimento de decisões exclusivamente tomadas por João. João pretende alterar novamente a
residência da família, mudando uma vez mais de cidade.
Maria alega que agora se encontra empregada e opõe-se a tal mudança. João contrapõe que Maria nada
pode fazer para se opor pois foi esse o regime que escolheram num contrato que celebraram logo após o casamento;
quanto à fixação da casa de morada de família, na verdade, segundo tal contrato cabia exclusivamente a João a
decisão de fixar a residência da família, bem como determinar o número de filhos do casal.
Além disso, João argumenta que o motivo que o tem levado a alterar com frequência a residência da família
está relacionado com a religião de Maria. João não quer que ninguém saiba que Maria perfilha a região muçulmana.
Tal facto deixa-o profundamente desgostoso pois é um católico fervoroso e pondera, por isso, pedir o divórcio contra
Maria.
Maria, por seu lado, cansada da instabilidade de João decide, sem lhe dar conhecimento, submeter-se a
uma operação de esterilização voluntária, sem indicação médica, como meio de obstar ao cumprimento da decisão
unilateral de João de ter 10 filhos.
Aprecie o comportamento de ambos os cônjuges.

1. Identificação do tema do caso: estamos perante um casamento enquanto estado; estamos no quadro dos
efeitos pessoais do casamento – artigos 1671.º ss.
O estado de casado define-se em função dos efeitos que o casamento produz quanto à pessoa e ao património
dos cônjuges e estes efeitos são vastos e abrangentes. O Dr. Pereiro Coelho nas suas lições diz que a pessoa casa
e fica outra; como? Fica outra porque é outra a condição da sua pessoa (à limitação a liberdade dos cônjuges) e
também a condição jurídica dos seus bens.
Neste momento interessa-nos a condição da pessoa – artigo 1672.º ss.
Há efeitos aos direitos e deveres dos cônjuges, quanto ao nome e também quanto à nacionalidade.
Quanto ao nome – artigos 1677.º CC;
Quanto à nacionalidade – Lei orgânica 2/2018 de 5 de julho e o regulamento da nacionalidade portuguesa –
DL 71/2017, de 21 de junho.

Direito da Família João Pedro Domingues 28


Identificar os problemas:
1. Pode João fixar exclusivamente ele a residência da família, por decisão unilateral?
1671.º e 1673.º;
2. Pode decidir o número de filhos? 1671.º;
3. Este contrato que eles celebraram logo depois do casamento é válido?
Artigo 1671.º/2 – norma imperativa que não pode ser afastada pelas partes – consequência jurídica: nulidade.
4. Maria pode proceder a esta intervenção cirúrgica sem o consentimento de João?
Artigo 1672.º 1674.º;
5. Pode João pedir o divórcio com base na religião de Maria?
Artigo 1773.º + 1781.º

Resolução:
1. Um dos princípios mais importantes na matéria do casamento é o principio da igualdade dos cônjuges –
artigo 36.º CRP; o legislador na reforma do CC teve necessidade de o afirmar no artigo 1671.º/1 temos
exatamente a mesma ideia do principio da igualdade. Ora, este principio tem aplicação direta e não precisa
de aplicação de nenhuma norma.
Havia autores que questionavam se a família não ficaria afetada se a coesão a família não fica afetada –
Dr. PC diz que a coesão da família vem do acordo entre os cônjuges; como decorrência deste principio temos
um outro principio fundamental – da direção conjunta da família – artigo 1672.º/1 – a direção da família
pertence a ambos os cônjuges pelo que devem acordar pela orientação da família e dos interesses de um e
outro. A lei dá indicações sobre a orientação da vida em comum - os dois devem acordar sobre a vida em
comum tendo em conta o bem de um e outro (a individualidade de cada um, não a perdem por se casaram)
mas tendo em conta também o bem da família. O CC chama a atenção para momentos distintos – o interesse
de cada um dos cônjuges pode até puxar para a desagregação, mas temos de ter em conta que o interesse da
família não é superior aos cônjuges, mas que também é importante para que a família não se desagregue.
Este principio vem consagrado numa norma imperativa – que não pode ser afastada pela vontade das
partes; qualquer contrato que estabelecesse que a direção conjunta da família ficasse a caber a apenas a um
dos cônjuges ou que um deles decidia com a obrigação de consultar o outro é nulo – porque qualquer
convenção das partes que viole uma norma imperativa é nulo (artigo 294.º).
Esta norma, para além de consagrar este principio consagra ainda o dever conjugal que vai além dos
previstos no 1672.º - dever pessoal de acordar sobre a vida em comum. Este dever, que o Dr. Pereira Coelho
e o Dr. Guilherme de Oliveira extraem deste principio não significa que os cônjuges tenham de estar sempre de
acordo, mas sim que eles devem manifestar disponibilidade para chegar a acordo, devem demonstrar abertura
para chegar a acordo (não quer dizer que tenham de estar de acordo). Por isso um cônjuge que resolvesse

Direito da Família João Pedro Domingues 29


decidir sozinho certos assuntos da vida familiar e que recusasse qualquer acordo violaria este principio de
acordar sobre a vida família.

Temos aqui mais um conceito indeterminado – acordo sobre a vida família – mas podemos dar exemplos que
aqui cabem para identificar este conceito. Ex: repartição dos recursos do casal (saber se vão comprar casa, arrendar,
onde vivem, etc.). Esta repartição dos recursos tem que ser objeto de acordo dos cônjuges (isto é claro); o
planeamento familiar – a doutrina e a jurisprudência têm sido pacificas acerca de que isto é uma questão em que
os cônjuges devem estar de acordo, é uma questão acerca da vida em comum; a repartição de tarefas domésticas,
bem como a residência da família (questão relevante que entre neste conceito de vida em comum). Fora deste
conceito de vida comum ficam os assuntos da vida privada de cada um dos cônjuges (ideologia politica, religião,
liberdade de reunião, ou seja, questões relacionadas com os direitos de personalidade de cada um). O casamento
restringe algumas liberdades, mas não pode implicar uma limitação dos DP dos cônjuges, nem das suas liberdades
fundamentais.
Tem que haver uma vida comum, certos assuntos em que têm de estar de acordo. mas cada um deles
mantém a sua personalidade.
Uma das referências disto foi a questão da profissão, ou seja, cada um deles pode exercer a provisão que
entender (só não pode ser desonrosa e que ponha em causa o bom nome do outro cônjuge). O legislador sentiu a
necessidade de consagrar a liberdade de profissão.
Quanto à residência da família – artigo 1673.º - na falta de acordo pode-se recorrer a tribunal (este é um
dos assuntos em que o tribunal pode entrar nas relações familiares) para que ele fixe a residência da família.

Estes princípios devem se harmonizar com os deveres a que eles estão vinculados – dever de respeito,
fidelidade, cooperação, assistência, etc.; o não cumprimento destes deveres pode provar a rutura da vida em comum
e pode levar a um divórcio (pode ser causa/ fundamento de divórcio sem consentimento do outro cônjuge).

Será que a atitude de Maria de fazer a intervenção sem dar conhecimento a João releva?
Esta decisão de Maria de fazer uma intervenção cirúrgica sem fins terapêuticos contendia com um destes
assuntos que integram a vida familiar, com o planeamento familiar. Portanto há uma violação do dever de acordar
sobre a direção da família. Para além disso, estas questões do planeamento familiar também têm sido entendidas
como uma violação do dever de respeito, na sua dimensão negativa. O dever de respeito tem uma dimensão negativa
(ofensa a integridade física ou moral do outro cônjuge, o que ocorre aqui) e uma dimensão positiva;
Isto pode levar a rutura do casamento e, portanto, a pedir o divórcio com base no artigo 1781.º, al. d).

Quanto à questão de poder ser pedido o divórcio com fundamento na religião de Maria – não – artigo
1781.º.
O que pode acontecer? Em que casos é que uma religião diferente pode dar aso a um divórcio?

Direito da Família João Pedro Domingues 30


Efetivamente uma religião diferente não pode ser causa de divórcio – cada um dos cônjuges mantém os
seus direitos de personalidade– podíamos ter, se essa religião ou se o comportamento de Maria, por causa da
religião afetasse o casamento violações no dever do respeito na sua vertente positiva e também até sobre a sua
vertente negativa. O divórcio sem consentimento do outro – alínea d) do 1781.º (factos que mostram a rutura da
vida em comum).

Temos aqui a resposta às várias questões.

Direito da Família João Pedro Domingues 31


Aula 8
28 de novembro de 2018

Caso prático 8:
João e Maria casaram catolicamente no dia 2 de fevereiro de 2015 segundo o regime da comunhão geral.
Em dezembro de 2017 nasceu António, filho de Maria e João.
Em janeiro de 2018 João opôs-se à intenção de Maria de acolher na casa de morada de família Bárbara,
mãe de Maria que se encontrava gravemente doente. João mostrou-se irredutível na sua decisão e nunca se dispôs
a tentar chegar a acordo.
Em abril do mesmo ano João transferiu da conta conjunta do casal todo o dinheiro para uma poupança
reforma de que era o único titular. Maria, ao saber disto decidiu sair de casa em maio de 2018 e passou a habitar
com o seu filho numa morada distinta da de João.
Os cônjuges nunca mais reataram a vida em comum, embora se encontrassem com regularidade para
resolver assuntos relativos a António e sempre chegaram a acordo. Nunca João e Maria colocaram a hipótese de
por fim à relação conjugal pois são ambos muito católicos e sempre pensaram que um dia mais tarde voltariam a
viver juntos.
Há 4 meses, porém, Maria conheceu Pedro, com quem vivem desde então. Hoje, Maria quer extinguir o
seu casamento com João.
Como a aconselharia a proceder?

Em termos de identificação, trata-se de uma extinção da relação matrimonial (pode se dar por invalidação
– quando diz respeito à celebração do casamento; ou por dissolução por morte ou divórcio). No nosso casamento
temos uma dissolução por divórcio (extinção por dissolução do divórcio).
E que divórcio? Há duas modalidades: por mútuo consentimento e sem consentimento. Trata-se, no caso
concreto, de um divórcio sem consentimento do outro cônjuge. Sabemos que o casamento diz o manual, tende a
ser perpétuo (já estudamos que o casamento na sua celebração, os nubentes não podem celebram um contrato em
que assinalem ao casamento um termo, um prazo – 1618.º/2; o casamento tem vocação de perpetuidade). Os
nubentes não casam a prazo, no entanto o casamento pode sofrer vicissitudes e o direito tem resposta para elas –
têm por medida a intensidade destas crises/ vicissitudes. Podemos ter crises mais intensas ou menos intensa – uma
simples modificação da relação matrimonial ou uma extinção se a crise é muito intensa e o vinculo se rompe.

Modificações da relação matrimonial


1. Separação judicial de pessoas e bens (1767.º a 1772.º) (tem caráter litigioso) - a causa é que um dos
cônjuges está com receio daquilo que é seu pela má administração do outro; esta separação de bens vai fazer com
que haja uma mudança de regime de bens – o casamento passa a estar celebrado de acordo com o regime da

Direito da Família João Pedro Domingues 32


separação de bens. Esta separação tem efeitos apenas quanto aos bens, não é uma crise de muita intensidade; se
tivermos uma crise de maior intensidade o direito responde com:
2. Separação de pessoas e bens (1794.º a 1795.º-B). Esta separação pode ser por mútuo consentimento
ou sem consentimento (aqui terá de ser judicial); é uma separação que diz respeito não só aos bens mas também
às pessoas, ou seja esta separação afeta também os efeitos pessoais do casamento, continua a haver casamento,
continuamos a ter deveres conjugais mas, por exemplo, o dever de coabitação extingue-se, o dever de contribuir
para os encargos normais da vida familiar também se extingue, etc. – passa a haver uma obrigação de alimentos;
mas continua a haver um dever de fidelidade – continua a haver casamento. Se um dos cônjuges falecer nesta ação
de separação de pessoas e bens o cônjuge vivo já não é herdeiro, mas pode manter os apelidos, a nacionalidade,
etc. é uma crise de menor intensidade.
Se o casamento estiver mesmo em causa temos a extinção da relação matrimonial através do divórcio.

Problemas que o caso coloca:


à temos de saber como pode Maria extinguir a relação matrimonial – apenas pelo divórcio; apenas ela
quer extinguir, ou seja, divórcio sem consentimento. Será que ela tem um fundamento para se divorciar de João?
Será que tem de haver um fundamento? Com base nestas questões qual a modalidade de divorcio que ela deve
escolher, tendo em conta que João não estaria de acordo com ela na decisão de pedir o divorcio.
Maria quer extinguir a RM com base num facto posterior à celebração do casamento – extinção do
casamento por divórcio; o divórcio é decretado por decisão judicial ou administrativa - artigo 1773.º/1.
O divórcio por mútuo consentimento vem regulado no artigo 1773.º/2. Ou seja, o divórcio por mútuo
consentimento é um divórcio requerido por ambos, há uma vontade comum dos cônjuges; não precisam de revelar
a causa do divórcio, nem um fundamento. Este pode ser decretado na conservatória do registo civil mas também
pode ser requerido e decretado no tribunal (no tribunal, quando os cônjuges não forem capazes de apresentar um
ou todos os acordos complementares do divórcio por consentimento, que são 3 – o acordo quanto aos alimentos
relativos ao cônjuge que deles careça; acordo relativo ao destino da casa de morada de família; havendo filhos
menores de idade, o acordo relativo às responsabilidades parentais após o divórcio – 1773.º/2, 1778.º- A/1 e
1775.º/1.

Desde 1910 o divórcio está introduzido no nosso OJ e a lei desde lá prevê o divórcio por mútuo
consentimento, embora estabelecesse certos requisitos que foram mantidos em 77, mas que foram caindo nalgumas
reformas posteriores; o Dr. Guilherme de Oliveira fala em requisitos de maturidade – só podia pedir o divórcio quem
tivesse mais de 25 anos, o casamento tinha de ter uma duração de 5 anos e só após se podia dar o divorcio p
mutuo consentimento, havia um requisito de reflexão e havia ainda requisitos de responsabilidade (enquanto no
divórcio sem consentimento é o juiz que decide estes assuntos – alimentos, casa, filhos – no divórcio por mútuo
consentimento estes têm de ser por acordo dos próprios cônjuges (requisitos de responsabilidade – que se
mantiveram até 2008); hoje podemos dizer que estes requisitos valem só para o divórcio por mútuo consentimento

Direito da Família João Pedro Domingues 33


administrativo - se os cônjuges não conseguem chegar a acordo não têm de ser responsáveis, transferem estas
responsabilidades, caindo estes requisitos.
Em 1977 a questão foi a de saber se se devia acrescentar a estes requisitos de responsabilidade um outro
acordo – quanto à partilha dos bens. Quando um casal se casa também tem efeitos patrimoniais e quando se dá a
dissolução do casamento terá de haver uma distribuição dos bens comuns; pôs-se a questão de saber se se devia
exigir um acordo quanto à partilha; a questão foi decidia em sentido negativo – não se exige porque se teve medo
de que se se exigisse este acordo não houvesse divórcio por mútuo consentimento; estas questões são decidias
noutro processo e demoram muito tempo. Voltou-se a por a questão em 2008 e respondeu-se da mesma maneira.
Todavia o artigo 1775.º vem consagrar uma coisa diferente, por questões de celeridade processual.
“relação” – lista dos bens e respetivos valores; sublinhar no código “ou em alternativa, caso os cônjuges optem por
proceder a partilha daqueles bens (...) acordo sobre a partilha ou pedido de elaboração do mesmo”; pode-se em
alternativa apresentar o acordo ou podem não o fazer; este acordo não é necessário para que haja divórcio por
mútuo consentimento administrativo.

(Convenção antenupcial – contrato prévio ao casamento que serve aos nubentes para escolherem o regime de bens
em que querem ver celebrado o seu casamento)

EXISTEM APENAS TRÊS ACORDO COMPLEMENTARES

O divórcio sem consentimento do outro cônjuge tem caraterísticas diferentes: é sempre requerido no
tribunal, por um dos cônjuges contra o outro, com fundamento numa determinada causa (tem q se apresentar uma
causa – artigo 1781.º entre nós são estas causas).

Divórcio por mutuo consentimento:


• Pedido por ambos os cônjuges;
• De comum acordo;
• Com causa não relevada;
• Decretado na conservatória do registo civil (divórcio com consentimento administrativo) –
quando estão preenchidos aqueles requisitos de responsabilidade, os acordos adicionais
• Decretado pelo tribunal (divórcio judicial) – quando não consigam chegar a todos os acordos ou
eles n acautelem os interesses dos cônjuges e dos filhos (artigo 1778.º, al. a)).

Divórcio sem consentimento:


• Pedido apenas por um;
• Contra o outro (não há comum acordo);
• Com fundamento/ causa – 1781.º;
Direito da Família João Pedro Domingues 34

• É sempre judicial, ou seja, é sempre decretado pelo tribunal.

Se João se opusesse ao divórcio, como era normal, uma vez que nunca tinha proposto essa hipótese, Maria
teria de propor uma hipótese de divórcio sem consentimento contra o outro cônjuge; mesmo contra a vontade de
João – o divórcio é um direito potestativo (poder de um dos cônjuges, por ato unilateral e apoiado numa decisão
judicial produzir determinado efeito jurídico na esfera jurídica do outro cônjuge independentemente da vontade
deste). É também um direito pessoal, relativo ao estado das pessoas e, portanto, intransmissível inter vivos ou
mortis causa; não é aqui permitida a representação voluntária, apenas os procuradores; é também um direito
irrenunciável – a lei quer assegurar que os cônjuges têm liberdade de decidir em quase todas as circunstâncias do
divórcio (não se pode renunciar ao direito ao divórcio, quer supervenientemente, quer generalizadamente).

Causas do divorcio sem consentimento: causas especificas (que já existiam na legislação antes de 2008) e uma
causa indeterminada.
1. Separação de facto por um ano consecutivo;
2. Alteração das faculdades mentais do outro cônjuge;
3. Ausência (no sentido jurídico, ausência sem noticias, não é a simples não presença – ninguém sabe do
ausente);
4. Cláusula da al. d) – factos que independentemente de culpa mostrem a rutura definitiva do casamento.

Maria tinha que alegar e provar um destes fundamentos; o nosso sistema não admite o divórcio a pedido,
diferentemente do sistema espanhol (divórcio sem causa; só admitimos divórcio sem causa relevada quando houver
mútuo consentimento).

Nota: havia antes também um período de reflexão – requeria-se o divórcio e só passados três meses se passava a
voltar a requerer o divórcio (só quando houvesse filhos menores de 16 anos).

A separação de facto tem dois elementos: um elemento objetivo (ausência de comunhão de mesa, leito e
habitação; ausência de convivência conjugal, que não sendo jurídica não é igual a separação de pessoas e bens;
não é jurídica, mas tem efeitos jurídicos, pode ser causa de divórcio); temos que ter outro elemento (têm os dois de
estar reunidos): elemento subjetivo que diz respeito ao intimo de cada um, ao propósito de um (basta um) ou ambos
os cônjuges não quererem reatar a vida em comum. São estes dois elementos que compõem a separação de facto.
Como? Esta separação de facto tem que durar há mais de um ano e sem interrupções.
Este elemento objetivo é muito moldável – as pessoas podem estar separadas de facto e vivem na mesma
casa; mas não fazem refeições juntos, dormem separados, etc. Não é separação de facto um cônjuge estar preso,
internado, emigrado, mas estar em casa. Temos aqui elemento objetivo, mas não elemento subjetivo.

Direito da Família João Pedro Domingues 35


Aula 9
4 dezembro de 2018

Conclusão do caso prático da aula anterior


Qual é o fundamento que Maria podia invocar? Artigo 1781.º, a) – separação de facto; Artigo 1782.º.

Nesta causa temos de ver que: efetivamente esta é uma causa objetiva de divórcio, independentemente
de culpa; é uma causa bilateral – pode ser invocada por qualquer um dos cônjuges – artigo 1785.º; no entanto,
para percebermos o que é a separação de facto podemos dizer que é uma situação de cessação da relação conjugal
que pode produzir certos efeitos jurídicos: nomeadamente servir como causa de divorcio.
Nota: uma coisa é a separação de pessoas e bens – apenas modificação jurídica da relação matrimonial –
outra coisa é esta separação de facto – há a cessação da convivência conjugal, já não há comunhão conjugal
naqueles três fatores essenciais para que possamos falar de comunhão de vida – leito, mesa e habitação.

A separação de facto tem dois elementos: objetivo, em que olhamos e vemos se está ou não verificados,
que depende das circunstâncias – essa ausência de comunhão de vida, de leito, mesa e habitação – e um elemento
subjetivo que tem a ver com cada um dos cônjuges, que tem a ver com os seus propósitos – artigo 1782.º o
propósito de não estabelecer a vida em comum. Este é importante porque várias vezes o elemento objetivo não nos
dá uma correta avaliação das circunstâncias, é necessário que se provem factos, que se reconduzam a verificação
destes elementos cumulativamente.
O primeiro destes elementos – objetivo – está ligado ao dever de coabitação, que é um dever dotado de
grande plasticidade; podemos ter cônjuges a viver em residências diferentes, mas apesar disso manterem ainda a
plena comunhão de vida, por exemplo, um estar em Portugal e outro no estrangeiro (mantêm a comunhão de vida
embora de facto não estejam a viver na mesma residência), se um cônjuge estiver preso, também não podem adotar
a mesma residência, etc. Aqui está verificado o elemento objetivo, mas efetivamente estes cônjuges têm o propósito
de no futuro restabelecer a comunhão de vida, não há a separação de facto.
Quando a há? Quando temos estes elementos. Mas pode dar-se o contrário – cônjuges vivem na mesma
casa, mas não existir entre eles qualquer comunhão (não dormem juntos, não fazem refeições juntos e não
pretendem – temos o aspeto objetivo menos óbvio – restabelecer a vida em comum). Temos sempre de ter os dois
aspetos. Não podemos ter apenas um destes elementos; podemos ter um elemento verificado, mas não temos
separação de facto porque não há intenção de reatar a vida em comum – só a partir do momento em que Maria
conhece Pedro é que se juntam os dois elementos, no caso concreto. Por isso quando falamos da separação de
facto como causa de divórcio, muitas vezes se diz que ela tem que ser voluntária e não forçada – internamento,
pena de prisão, etc. E tem que haver esta intenção de não reatar a vida em comum.

Direito da Família João Pedro Domingues 36


No nosso caso Maria saiu de casa em maio de 2018 e só há quatro meses é conheceu João, é que se
verificou o elemento subjetivo; só aqui há verdadeira separação de facto. Se a separação de facto ocorreu há 4
meses, ela tem que esperar 8 meses para pedir a separação de facto. Ela é por ano consecutivo, ou seja, quer dizer
que tem de ser por ano sem interrupções para reconciliação (não se trata de encontros, por exemplo, para definir
assuntos sobre os filhos; têm de ser tentativas efetivas de reconciliação).
Na separação de facto, porque é baseada em circunstâncias de facto e porque não há formalidades que
nos indicam quando começa, é difícil dizer quando se dá. E por isso é importante tentar averiguar qual é o último
sinal de vida em comum e aqui parece ter sido quando Maria saiu de casa. Até aí parecia haver vida em comum –
tem que esperar então 8 meses.

Mas Maria está bem com Pedro e não quer esperar os 8 meses. Será que pode invocar mais alguma
causa? Artigo 1781.º al. d). Podíamos aconselhar Maria a basear o seu divórcio nesta alínea – factos independentes
de culpa que mostrem a rutura definitiva do casamento; temos aqui também uma causa objetiva e bilateral e é uma
causa que é novidade, introduzida pela lei 61/2008 na reforma do divórcio – esta cláusula funciona como cláusula
geral, de grande amplitude; parece abarcar muitas circunstâncias.
Podemos dizer que nela cabem as violações graves dos deveres conjugais como por exemplo a violência
doméstica – se esta for a causa que compromete definitivamente o casamento, que mostra a rutura da vida em
comum, temos que agarrar nesses factos e vamos reconduzi-los à vertente negativa de não violar o dever de
respeito.

O Dr. Pereira Coelho entende que poderão integrar esta cláusula as violações ou o incumprimento dos
deveres conjugais, mas também entende que pode haver outros factos que não se reconduzam à violação de
deveres conjugais e que mostrem inequivocamente a rutura do casamento.
Para a Dra. Rosa todos os factos que se conseguem prever como factos que mostrem a rutura da vida em
comum, todos eles parecem reconduzir-se a uma violação do dever conjugal.
O Dr. Pereira Coelho entende que aqui, no âmbito dos deveres conjugais, no âmbito principalmente dos
deveres conjugais pessoais não temos verdadeiros direitos subjetivos, nem verdadeiros deveres conjugais, ele não
vê nestes deveres as caraterísticas essenciais dos direitos de crédito e dos deveres que lhe correspondem.

Quanto aos efeitos do divórcio, antes de 2008 havia a violação dos deveres conjugais que dava origem ao
divórcio e ela era passível de produzir um dano não patrimonial e esta própria dissolução também podia produzir
dano não patrimonial, podendo ser pedida a indemnização logo na ação de divorcio. Em 2008 esta situação alterou-
se – artigo 1782.º.
O legislador sentiu-se mal dizendo que se casa na saúde e na doença e depois pode-se pedir a dissolução
do casamento com base neste fundamento – mas este fundamento tem que ser efetivamente grave; mas depois

Direito da Família João Pedro Domingues 37


vem permitir que apenas neste caso, de dano sofrido pelo outro cônjuge que está com as suas faculdades mentais
alteradas, se possa pedir indemnização.
Em todos os outros factos não se pode pedir ação de indemnização – só se pode pedir uma ação de
indemnização no mostrado acima.
Em todos os outros casos não é possível pedir uma indemnização pelos danos sofridos pelo divórcio.
Então o que é que eles podem fazer? Se houver uma violação dos seus direitos de personalidade, nesse caso, o
cônjuge lesado pode pedir uma ação de indemnização, mas nos tribunais comuns. Alguma doutrina defende que é
a violação dos deveres conjugais que gera este direito à indemnização, no entanto, outra parte da doutrina opõe-
se. O Dr. Pereira Coelho defende que esta indemnização só tem lugar quando há a violação de direitos de
personalidade autónomos.
Assim, esta causa tem de assentar em factos- tem de haver a prova dos factos e a respetiva alegação e
têm de ser factos que sejam objetivamente verificáveis e não resultantes da mera declaração de vontade de um dos
conjugues, por não querer continuar com o casamento. São factos que têm de demonstrar a rutura do casamento.
Essa rutura tem de ser definitiva e não temporária e tem de ser irremediável- te de se estar perante factos que
acabam por comprometer a possibilidade de uma vida em comum, ou seja, é preciso que haja uma rutura sem
solução. Têm de ser factos cuja verificação torne inexigível ao cônjuge que a alega a manutenção da vida em comum.
Esta causa não está dependente de prazo. Todas estas causas são autónomas.
O artigo 1786º CC falava do divórcio e do direito ao divórcio, afirmando que este apresentava uma
caducidade de 2 anos. Ou seja, tinha-se uma linha de tempo, a verificação de um facto que é causa de divórcio
(violação culposa dos deveres conjugais). Se passados 2 anos, o cônjuge viesse propor a ação de divórcio, a lei
vinha dizer que tinha caducado o direito de propor a ação com base naquele facto. Se o cônjuge esperou mais de
2 anos é porque a rutura da relação não foi definitiva- este artigo foi REVOGADO, com a reforma de 2008.
Assim, neste caso, podemos aconselhar Maria a invocar o divórcio com base em que causa? Maria não gostou
do facto de João se ter recusado a abrigar a sua mãe em casa. E que dever conjugal é que foi violado? Teremos de
analisar:
T Dever de fidelidade- dever de não ter relações sexuais com terceiros;
T Dever de coabitação- dever de ter relações sexuais com o cônjuge, dever de comunhão de mesa e dever
de comunhão de habitação;
T Dever de cooperação- vem previsto no art 1674º CC, que diz que este importa para os cônjuges a
obrigação de socorro e auxílio mútuos bem como à da sua família- por isso, neste caso, temos uma violação
deste dever de cooperação. Mas será que este facto mostra a rutura definitiva da vida em comum? Não
há aqui esta força desta violação para que se posa afirmar isto.

Agora, tendo em conta que João transferiu todo o dinheiro da conta em comum para a sua conta- há aqui a
violação de um dever conjugal? Aqui parece que há a violação do dever de respeito. Este dever tem uma vertente
positiva e negativa- a negativa reporta-se à ofensa ou não ofensa da integridade física ou moral do outro cônjuge.
A vertente positiva refere-se à demonstração do mínimo de interesse pelo outro cônjuge e pela família. Aqui
Direito da Família João Pedro Domingues 38

efetivamente parecia ter havido essa violação da integridade moral de Maria, porque João não quis saber da sua
opinião, passando por cima da comunhão que eles tinham para praticar este facto e, na consequência deste facto,
Maria saiu de casa- esta facto sim, já mostra a rutura definitiva da relação conjugal. Já falamos aqui de uma zanga
mais grave, mas que é remediável. No entanto, não podemos dizer que há aqui um facto que provasse a rutura
definitiva da vida em comum porque no enunciado nos diz que os cônjuges nunca tiveram a intenção de se divorciar.

Existe uma divergência jurisprudência neste âmbito: quando se fala sobre o facto e a separação de facto ter de
ter a duração mínima de um ano consecutivo, levanta-se a questão de saber se o ano tem de estar completo no
momento da propositura da ação de divórcio ou só no momento em que há audiência. Há jurisprudência que defende
uma posição e outra que se opõe, defendendo a segunda hipótese.

Vamos agora imaginar que João, sabendo que Maria vive com Pedro, cede às evidências de que não vão voltar a
reatar e aceita o divórcio. Como é que aconselharíamos Maria? Aconselharíamos Maria a pedir o divórcio por mútuo
consentimento- tem de haver um requerimento de ambos os cônjuges, de comum acordo, sem necessidade de
explicitar a causa e este divórcio pode dar-se na conservatória do registo civil se os cônjuges, para além deste
acordo sobre o divórcio, apresentaram os 3 acordos complementares referidos no art 1775º/1 CC. Por outro lado,
caso isto não se verifique, o divórcio terá de ser decretado pelo tribunal no caso de os cônjuges não conseguirem
apresentar todos esses acordos ou no caso de apresentarem apenas 1 ou 2 deles- art 1773º, art 1778º-A e art
1775º CC.
Em 1977, pensou-se quais seriam exatamente os acordos que se deviam pedir aos cônjuges e pensou-se
também no acordo sobre a partilha dos bens. Em princípio, a partilha faz-se pelo regime da comunhão de adquiridos,
independentemente do regime de casamento feito (mesmo que fosse o regime de comunhão geral).
O divórcio por mútuo consentimento apresenta desde 2008 duas variantes: (1) pode ser um divórcio administrativo,
pedido na conservatória do registo civil (neste caso, o pedido é decretado quando sejam apresentados aqueles 3
acordos complementares); (2) ou pode ser um divórcio judicial (se o casal não conseguir chegar a acordo sobre
todos estes assuntos dos acordos complementares- art 1773º/2 CC). Mas, o divórcio judicial pode também ter
começado na conservatória: caso em que os cônjuges estão de acordo quanto ao divórcio, mas não conseguem
pôr-se de acordo quanto aos outros assuntos e, para além disso, os acordos que eles apresentam não acautelam
suficientemente os interesses dos seus filhos ou deles próprios. Assim, o acordo sobre as responsabilidades
parentais vai ter uma apreciação diferente: vai ser analisado pelo MP e se o MP entender que o acordo sobre as
responsabilidades parentais não tem em atenção o interesse das crianças, ele volta a pedir este acordo aos
cônjuges- no caso de não chegarem a acordo, então, remete-se este acordo para o tribunal.

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Aula 10
11 de dezembro de 2018

Retomando a última aula: e se ambos chagassem a acordo quanto ao divórcio?


Divórcio por mútuo consentimento – requerido na conservatória do registo civil por ambos os cônjuges, de
comum acordo, sem necessidade de revelar a causa. Para ser requerido na conservatória do registo civil, sabemos
que o cônjuge tem de apresentar 3 acordos:
è Acordo quanto ao destino da casa de morada da família;
è Obrigação de alimentos de que algum deles careça;
è Exercício das responsabilidades parentais após o divórcio;

O divórcio por mútuo consentimento pode ser pedido também no tribunal, quando os cônjuges não consigam
chegar a acordo sobre os acordos complementares.
Antigamente o divórcio pressupunha requisitos de convicção, maturidade e responsabilidade. Hoje já não é assim,
estes assuntos / acordos podem ser decididos pelo tribunal, não havendo esta responsabilidade dos cônjuges de
os decidirem por si próprios.
Há duas variantes de divórcios por mútuo consentimento:
è Um administrativo – aquele que é requerido na conservatória do registo civil, quando e só quando os
cônjuges apresentam os acordos que a lei exige;

è Um judicial – temos aqui 3 casos em que pode haver este divórcio:


o Podemos ter um divórcio requerido ad initio no tribunal – pois os cônjuges têm consciência de
que não conseguem chegar a acordo quanto aos acordos complementares, sendo o tribunal que
vai fixar essas consequências do divórcio;
o Ou quando os cônjuges requerem o divórcio na conservatória e apresentam os acordos, só que
esses acordos não acautelam devidamente os interesses dos cônjuges ou dos filhos – sendo
este divórcio remetido da conservatória do registo civil para o tribunal – nomeadamente, em
relação às responsabilidades parentais: os cônjuges podem requerer o divórcio na conservatória
do registo civil e o acordo sobre as responsabilidades parentais é remetido para o MP. Por sua
vez, o MP aprecia o acordo e quando este acordo não salvaguarde o interesse dos menores,
dos filhos, e quando os cônjuges não alterarem esses acordos por via da sugestão do MP, pela
forma que este considera que há cautela e se mantiverem o propósito de se divorciar, o processo
é remetido para o tribunal
o Quando o divórcio começa sem consentimento em tribunal, um dos cônjuges propõe contra o
outro uma ação de divórcio, e o juiz consegue convencer os cônjuges a tornar este divórcio num
divórcio por mútuo consentimento – art 1779º/2 CC – converte o divórcio litigioso num divórcio
por mútuo consentimento.
Direito da Família João Pedro Domingues 40

Ora, o divórcio judicial é um processo que decorre no tribunal.


Por sua vez, o divórcio administrativo por mútuo consentimento, tem várias especificidades: como já
sabemos, é necessário um acordo quanto ao divórcio e quanto aos acordos complementares (art 1775º/1 CC). Este
divórcio começa com a entrada de um requerimento na conservatória, ora, após este momento, a conservatória tem
o dever de informar os cônjuges das mediações familiares. Depois convoca os cônjuges para uma conferência onde
verifica se estão reunidos os pressupostos do divórcio (art 1776º- A CC), ou seja, verifica se os cônjuges persistem
na intenção de se divorciar, de seguida, apreciam os acordos, não cabendo ao conservador apreciar o acordo
relativo às responsabilidades parentais, sendo este acordo remetido doa conservatória do registo civil para o MP.
Assim, é ao MP que cabe esta apreciação: se o MP entender que os acordos não acautelam os interesses dos
cônjuges ou dos filhos, vai sugerir que alterem esses acordos. Se os cônjuges realizarem as alterações, o
conservador do registo civil vai apreciar o acordo e vai decretar o divórcio, que vai ser registado. Se os cônjuges
não efetuarem as alterações e persistirem naqueles acordos, então, o divórcio é remetido para o tribunal.
Portanto, o acordo sobre as responsabilidades parentais é enviado ao MP – e o MP, 30 dias antes da conferência,
tem de se pronunciar sobre o acordo. Este pode entender que o acordo acautela os interesses dos filhos ou, então,
que não o faz. Hoje, muitas vezes, no divórcio sem consentimento, ou no divórcio por mútuo consentimento judicial
em que os pais não chegam a acordo sobre as responsabilidades parentais, o MP pede para ouvir a criança (mas
num ambiente informal, sem ser interrogada por advogados). Há várias questões a debater, como são exemplos: a
morada do filho, com quem passa tempo e também a obrigação de alimentos, para que o filho mantenha os alimentos
que tinha antes do divórcio.
É claro que só se passa a fase de averiguação, apreciação dos acordos, se o conservador efetivamente
verificar que estão preenchidos os pressupostos do divórcio – nomeadamente se há um casamento. As decisões
proferidas pelo conservador do registo civil produzem os mesmos efeitos das sentenças judiciais. A lei equiparou o
divórcio no processo administrativo ao divórcio com processo judicial. Portanto, cabe delas recurso para o tribunal
da relação. Este processo é bastante simples, sendo que só apresenta trâmites mais complexos se houver filhos
menores de idade.

Regime geral do processo tutelar cível – alterou este processo, com 2 novidades:
à Audiência técnica especializada – consiste numa audiência com técnicos de segurança social
especializados e até juristas, que podem estar com os pais que estão em conflito e tentar que estes
superem esse conflito em relação às questões das responsabilidades parentais – muitas vezes é o conflito
parental que leva também ao divórcio. Portanto, tenta promover a comunicação entre os pais para que
cheguem a acordo. Caso não consigam chegar a acordo, então, será o juiz a fixar estas responsabilidades
parentais que se divide em 3– o quantum de alimentos, as visitas e a morada. Isto acontece quando não
há acordo em sede judicial, mas também quando não havendo acordo em sede de divórcio administrativo,
sejam apreciados os acordos pelo MP.

Direito da Família João Pedro Domingues 41


O MP pode considerar que estão acautelados os interesses, baixando a guarda ao conservador e, caso estejam
os outros acordos reunidos e todos os pressupostos à decreta-se o divórcio.
ORA:
§ Caso não haja filhos menores – o conservador considera todos os acordos preenchidos e pressupostos
verificados; o conservador para poder apreciar os acordos pode precisar de meios de prova – por exemplo,
declaração de IRS para a obrigação de alimentos – aqui temos uma insertação de um processo judicial
num administrativo. Caso tudo se verifique pode decretar e registar o divórcio.
§ Caso haja filhos menores – o MP aprecia o acordo sobre as responsabilidades parentais (art 1776- A CC)
– pensão de alimentos, residência, questão do convívio. Ao apreciar pode:
o Aceitar! Dizer que o acordo acautela os interesses – sendo o acordo novamente encaminhado
para a conservatória do registo civil. Aqui o conservador aprecia os restantes pressupostos de
divórcio e acordos e decreta o divórcio.
o Não aceitar! O MP entende que o acordo não acautela os interesses dos filhos. Assim sendo, há
3 alternativas:
• OU – os cônjuges alteram o acordo em conformidade com as sugestões do MP;
• OU – celebram um novo acordo que será novamente apreciado pelo MP;
Nestes 2 casos, o acordo é novamente encaminhado para o MP – caso este aceite, o
acordo é enviado para a conservatória, que verifica os restantes pressupostos e
decreta o divórcio;
• OU – se não alterarem o acordo e persistirem na intenção de se divorciar: neste caso,
recorre-se ao art 1776º- A, nº 4 CC – divorcio é remetido para o tribunal.

No caso de divórcio judicial, é necessário que haja acordo de ambos em divorciar-se e que não haja um
ou mais dos acordos complementares acordados. O processo inicia-se nos termos do art 1778º- A CC– requerimento
apresentado ao tribunal. Caso haja algum acordo, o juiz vai apreciar e convocar os cônjuges a alterar os acordos,
para acautelar os interesses dos filhos, se for caso disso à se os cônjuges chegarem a acordo o juiz vai aproveitar
esse acordo; se não chegarem acordo o juiz fixa ele próprio as consequências do divórcio. O juiz deve promover
tanto quanto possível o acordo dos cônjuges e, caso não consiga, decreta o divórcio procedente ao correspondente
registo.

EFEITOS DO DIVÓRCIO
O divórcio dissolve o casamento e tem quase os mesmos efeitos que dissolução por morte, contudo há exceções:
à se o casamento se dissolver por morte, o regime de bens será aquele escolhido na convenção antenupcial;
àSe se dissolver por divórcio, de acordo com o art 1790º CC, será em regime de comunhão de adquiridos.

Direito da Família João Pedro Domingues 42


Quando há divórcio, o regime da partilha será sempre o de comunhão de adquiridos, a ideia é que se faça apenas
a divisão dos bens obtidos pelo esforço comum de ambos os cônjuges. Caso contrário, o divórcio poderia ser um
meio de enriquecer – para acautelar isso, o legislador criou este regime de adquiridos.
Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença. Mas retroagem
à data da propositura da ação quanto às disposições patrimoniais.
Artigo 1789º/2 CC- Importante: se houve separação de facto e, entretanto, um dos cônjuges comprou um
determinado bem, sendo que adquiriu o bem na constância do casamento, esse bem seria, em princípio, um bem
comum – se fixássemos os efeitos dos divórcio a retroagirem ao momento do começo da separação de facto, esse
bem já seria próprio e não comum. O mesmo se passa com a contração de dívidas, passa a ser apenas um dos
cônjuges responsável - aquele que contraiu a dívida depois da separação de facto. O nº3 desse artigo diz que os
efeitos só podem ser apostos a terceiros após a data da sentença.
Fala-se também em arrendamento – art 1793º CC:- estes processos são de jurisdição voluntaria. Discutia-se se
esta questão se mantinha para sempre, visto que um dia os filhos sairão de casa – o legislador diz que o cônjuge,
a partir de determinado momento, pode dirigir-se a tribunal dizendo que já não estão verificadas as condições que
causaram este regime e quer pedir a sua modificação.

Caso prático 9:
Maria e João namoravam há já 5 anos. No dia do seu vigésimo aniversário, 22 de agosto de 2016, João resolve
pedir Maria, dois anos mais nova, em casamento. Maria, porém, não aceitou o pedido, argumentando que seria
melhor se começassem primeiro a viver juntos. Assim, em 20 de dezembro de 2016, Maria e João mudaram-se para
um apartamento, propriedade de João, na Solum, em Coimbra.
a) Em julho de 2018, João foi à farmácia comprar medicamentos de que necessitava para a sua asma e não
pagou. Será que Maria também pode ser responsável por esta dívida?
b) Em novembro de 2018, João falece num acidente de viação. Antónia, mãe de João, pretende que Maria
deixe o apartamento, para que possa ela ir para lá viver. Antónia afirma que Maria não tem qualquer
direito, uma vez que nunca foi casada com o seu filho. Que direitos pode Maria fazer valer?

RESOUÇÃO: temos aqui vários problemas:


è Será esta uma relação de união de facto? Reúne os requisitos para que lhe sejam atribuídos efeitos
específicos? Que efeitos esta relação produz, nomeadamente quanto às dívidas e quanto à casa de morada
comum?

Ora, a norma do artigo 1556º CC é taxativa e elenca as relações familiares, não constando deste artigo a
relação da união de facto. Não é uma relação de família, por um lado, quando equiparada a uma relação de família
que é o casamento. Ou seja, é uma relação para-familiar. Há cada vez mais diplomas a enquadrar socialmente a
união de facto como uma relação de família. Diz-se que ainda não é uma relação de família, mas que está “a
caminho”.

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Ora, quando há união de facto? A lei não oferece nenhuma definição de união de facto – nem a lei 135/99,
nem a 7/2001. O legislador, em 2010 com a lei 23/2010, tentou fazer uma aproximação a uma definição da união
de facto, ou seja, temos uma comunhão de vida em condições análogas às dos cônjuges – há comunhão de leito,
mesa e habitação – as pessoas vivem como se fossem casadas. Cria-se uma aparência externa para terceiros de
que há um casamento.
Vemos que hoje há um grande benefício dos titulares da relação de união de facto, da parte mais fraca, vemos que
não é tanto para proteção da aparência para terceiro.
è O Dr. Pereira Coelho questiona esta fundamentação dos efeitos concedidos à união de facto – questiona
esta doutrina que fundamenta os efeitos atribuídos à união de facto com as perspetivas de terceiros.

Quais são as características da união de facto?


I. Característica da unidade ou exclusividade- para termos uma união de facto é necessário que haja unidade
ou exclusividade. Significa que uma pessoa só pode viver em união de facto com outra, não pode viver em
união de facto com duas pessoas ou mais;
II. Característica da duração/estabilidade da relação- é necessário ainda alguma estabilidade da relação,
alguma duração. E por isso, a lei faz a exigência de um período temporal – pois pretende-se distinguir
união de facto daquelas outras relações fortuitas.
III. Comunhão de leito, mesa e habitação.

NOTA: até muito recentemente as uniões de facto eram perspetivadas enquanto relações com estas características
entre pessoas de sexo diferente. Recentemente, retirou-se a nota da heterossexualidade da lei, tendo sido
reconhecidas as uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo.
Ora, o facto de termos esta relação entre duas pessoas, não significa que o OJ a reconheça para produzir efeitos. A
união de facto só produz determinados efeitos quando estejam reunidos determinados requisitos – certas condições
de eficácia. Estas condições de eficácia constam do art 2º da lei 7/2001 – lei de proteção da união de facto. Estas
condições são muito semelhantes aos impedimentos matrimoniais (obstam à celebração do casamento) dos arts
1601º e 1602º CC - contudo, não se pode falar em impedimentos da união de facto – pois aqui a verificação de uma
destas circunstâncias não obsta à celebração / manutenção da união de facto, mas apenas ao reconhecimento de
efeitos jurídicos a essa mesma relação. Estamos perante condições de eficácia e NÃO impedimentos. Ora estas
condições são as expostas no art 2º da lei da união de facto:
è Duração superior a 2 anos;
è A inexistência de impedimento dirimente;

No passado, dizia-se que caso a união de facto não reunisse estas três condições de comunhão de leito,
mesa e habitação, mas apenas de leito, era o dito “concubinato”.
A união de facto, não sendo uma relação de direito, mas sim de facto, não está sujeita a nenhum tipo de
registo: nem administrativo, nem na conservatória do registo civil, simplesmente não está sujeita a nenhum registo.

Direito da Família João Pedro Domingues 44


É importante saber quando a união de facto começou, pois só a partir dos dois anos é que esta produz
efeitos. Por isso, acrescentou a lei da união de facto, o art 2º-A, que nos dá as várias formas de fazer prova da
união de facto, dizendo que serve qualquer meio de prova admissível: prova testemunhal, prova documental,
admitindo-se também a atestação da junta de freguesia, contudo, isto no passado fazia sentido visto que as pessoas
se conheciam mais. Hoje, já não faz grande sentido, não é fácil a junta de freguesia atestar isso.
Ora, no nosso caso prático: estamos perante uma união de facto, há comunhão de leito mesa e habitação.
Na alínea a) pode-se pôr em causa o facto de não terem passado ainda 2 anos, visto que começaram a viver
juntos em 20 de dezembro de 2016 e hoje é dia 11 de dezembro de 2018. Não havendo esta condição de eficácia,
há união de facto, mas não há efeitos.
Ora, se João e Maria fossem casados, de acordo com o art 1691º/1/a) CC, a dívida de João incluía-se nas
dívidas para ocorrer aos encargos normais da vida familiar – despesa de pequeno montante, periódicas, com
medicação (como era o caso) ou em mercearias, por exemplo. Neste caso, Maria não estava obrigada a pagar a
dívida, pois não há a condição de eficácia dos dois anos que permita a produção de efeitos da união de facto.

Quid iuris caso efetivamente estivessem a viver em união de facto há 2 anos e houvesse eficácia? Ora, a regra na
união de facto é a da aplicação do regime geral das obrigações e do direito das coisas, os membros dos contratos
contratam entre si, como se não tivessem qualquer relação, como se fossem estranhos. Ou seja, aqui na união de
facto contratavam entre si, como contratam com terceiros, como se fossem estranhos. No entanto, há exceções,
nomeadamente no que toca às doações – são aplicados os arts 2196º a 2198º CC- por exemplo: imaginado que há
separação de pessoas e bens, contudo, há separação de facto e união de facto com outra pessoa – não está
cumprido o requisito de união de facto – não haver casamento – há “adultério”.
A questão aqui é se aplicamos à união de facto o regime das dívidas de encargo familiar do regime do
casamento, ou não. Será que a tal aparência externa justifica uma proteção de terceiros nesse sentido? Ora, as
dívidas de encargo familiar são dívidas comuns que se comunicam, pelas quais os dois cônjuges são responsáveis
– estamos perante uma garantia patrimonial, portanto, é do interesse do credor que seja uma dívida de ambos.
Entretanto, o Dr. Pereira Coelho diz que é aplicada à união de facto este regime de responsabilidade por dívidas –
arts 1691º/1/a) e 1695º/1 CC. Assim, os membros da união de facto são solidariamente responsáveis por estas
dívidas que correspondem ao encargo familiar – significa que o credor pode pedir a totalidade da dívida a qualquer
um deles. Esta é uma questão que foi sendo discutida na doutrina.
Ora, o regime geral das obrigações pode levar a situações de injustiça. Em alguns países celebram-se
contratos de coabitação em que se definem regras. Começou-se por perguntar se estes contratos seriam válidos ou
não. O Dr. Pereira Coelho e o Dr. Guilherme de Oliveira defendem que não há razões para dizer que o contrato é
nulo, que a validade deve ser analisada cláusula a cláusula e que estes contratos não podem exceder os limites da
autonomia privada – significa que não podem violar normas imperativas, designadamente determinadas normas de
direito da família. Só podem, portanto, regular aspetos patrimoniais, os aspetos pessoais são inadmissíveis, a sua
regulação é inadmissível, tal cláusula seria nula. Ora, esta questão das dívidas esteve no projeto de lei anterior ao

Direito da Família João Pedro Domingues 45


de 2010 que foi vetado pelo PR, que entendia que efetivamente esta equiparação em termos de dívidas levava a
que houvesse uma aproximação exagerada. Assim, em termos de responsabilidade de dívidas, não há uma resposta
certa, há a questão doutrinal, e esta questão legal.
Quanto à extinção da união de facto: esta questão aparece regulada, desde logo, no art 8º/1 da lei da união
de facto. Os números 2 e 3 dizem-nos que tem que haver uma declaração judicial da dissolução da união de facto,
um reconhecimento judicial.
No nosso caso: se Maria pretende fazer valer determinado caso tem de intentar uma ação para que seja
declarada judicialmente a dissolução da união de facto. Faz-se uma alusão da eventual distribuição do património,
vale aqui o regime de casamento e ainda se poderá usar as regras do contrato de coabitação - as regras do regime
geral das obrigações e dos direitos reais (art 473º e ss CC) – há que ter em conta o enriquecimento sem causa.
No nosso caso, temos uma dissolução por morte – temos de ver quais os direitos dos conviventes em união de facto
em relação à casa de morada da família (art 3º/1/a)), remetendo-se para os arts 4º (rutura) e 5º(morte) da lei da
união de facto.

No nosso caso concreto, na hipótese de morte do proprietário da casa de morada da família, o que sobrevive pode
viver na casa por 5 anos – direito de habitação e de uso do recheio. Contudo, temos um obstáculo à eficácia da
união de facto:
à Excecionalmente, por motivos de equidade, o tribunal pode colocar diferentes prazos – por exemplo:
especial carência em que o sobrevivente se encontra por qualquer causa.

Estes direitos caducam se o interessado não utilizar a casa por mais de um ano. Esgotado este prazo, tem o direito
de permanecer no imóvel no lugar de arrendatário. Temos ainda o direito de preferência no caso de alienação do
imóvel para o sobrevivente.
Assim sendo, Maria poderia permanecer durante 5 anos – contudo, NÃO pode ficar lá porque a união não tinha mais
de 2 anos duração – não produz efeitos - e não há razões para o tribunal decidir outro prazo. Tem é o direito de
preferência, se a mãe de João, como nova proprietária, quiser alienar.
Mais efeitos da união de facto – Lei 7/2001; e arts 1871º; 495º; e 496º

Uma regra é que a união de facto só tem os efeitos que a lei lhe estabelecer, não se pode equiparar ao casamento.
O problema na união de facto é o do legislador, com o propósito de proteger o elemento mais vulnerável da relação, em caso de rutura
ou dissolução por morte, conferir mais direitos de proteção, equiparando e aproximando ao regime do casamento – assim, as pessoas
que preferiam não casar, ficam “casadas à força”. Há quem diga que efetivamente a pessoa não tem consciência entre união de facto
ou casamento.
O Dr. Pereira Coelho defende que hoje há um movimento de aproximação entre o casamento e a união de facto. Desde logo, porque
os deveres conjugais não são verdadeiros deveres jurídicos. Há cada vez mais factos no casamento, e mais juridicidades na união de
facto.

Direito da Família João Pedro Domingues 46

Aula 11
18 de dezembro de 2018

Caso prático 10:


João e Maria namoravam desde os 16 anos. No 1º ano de faculdade, Maria engravidou com 18 anos. João e seus
pais queriam que Maria abortasse. Por sua vez, Maria não queria e nem os seus pais, Anabela e Luís. Assim,
combinaram com Teresa, tia solteira de Maria, que Maria faria uma longa viagem pela Índia. No final dessa viagem,
Teresa trazia uma linda bebé ao seu colo e foi à conservatória do registo civil declarar o nascimento e declarar-se
mãe. Chamou-lhe Constança. No final da faculdade, João e maria reconciliaram-se e querem casar um com o outro.
para além disso, querem assumir as suas responsabilidades parentais para com Constança. Como os aconselharia
a proceder? Responda, passo por passo, justificando legal e doutrinalmente.

RESOLUÇÃO:
Tema do caso: estamos perante um caso que está relacionado com o estabelecimento da filiação, com a tradução
jurídica do facto biológico da filiação. Neste caso concreto, estamos perante o estabelecimento da maternidade-
temos aqui uma maternidade que não nos parece verdadeira.
Temos aqui um caso de impugnação da maternidade. E temos aqui um pai que quer assumir a paternidade jurídica.
Quais são os problemas que aqui podemos ver? Por um lado, Teresa não é mãe biológica de Constança, mas é a
sua mãe jurídica e é a sua mãe registral, que consta do registo civil do nascimento. Assim, surgem várias questões:
à Como é que se estabeleceu esta maternidade de Teresa?
à Como é que pode haver aqui uma falta de correspondência entre a verdade biológica e a verdade jurídica?
à E havendo esta discrepância, como é que Maria pode fazer coincidir o seu estatuto biológico de mãe com
o seu estatuto jurídico de mãe?
à E como é que João pode estabelecer a sua paternidade, relativamente à sua filha Constança?

Relativamente à mãe, nós sabemos que, segundo o art 1796º/1 CC, a filiação resulta do facto do nascimento,
estabelecendo-se nos termos dos arts 1813º a 1825º CC. Antes deste facto do estabelecimento da maternidade,
temos outro facto importante: o nascimento- é um facto civil, cognoscível, é fácil conhecê-lo. E é aqui que radica a
razão de como se estabelece a maternidade. O nascimento é um facto jurídico independente dos factos da
maternidade e da paternidade. Temos aqui um facto jurídico independente. É um dos momentos mais importantes
da vida do cidadão porque esse nascimento tem de ser registado e esse registo é o primeiro de todos os factos que
o código de registo civil elenca como facto obrigatório sujeito a registo civil. Este registo que se vai produzir no
assento de nascimento vai permitir a entrada da criança nos vários sistemas estaduais ( falamos aqui em questões
como a sua inscrição no serviço de saúde, se recebe as vacinas ou se não, se há aqui perigo de maus tratos ou
não; se a criança vai ou não à escola). O facto de a criança ser registada confere-lhe, desde logo, proteção- por
isso é que a Convenção das Nações Nnidas sobre a Criança confere o direito da criança de ser registada logo após
o nascimento. Em muitos países, a UNICEF ainda tenta que este registo seja tornado obrigatório porque, uma criança,
Direito da Família João Pedro Domingues 47

ao não ser registada, é como se não existisse- não está incluída no sistema estadual, sendo que não se sabe se
pode sofrer abusos, se pode estar em linhas de tráfico de órgãos, de tráfico sexual, etc.
Os arts 1803º a 1807º CC falam-nos da indicação ou declaração, sendo que a ação de investigação da
maternidade está consagrada no art 1814º e ss CC. Também temos um outro caminho que é o da averiguação
oficiosa- art 1808º e ss CC- este não é verdadeiramente um caminho autónomo porque a averiguação oficiosa vai
sempre desembocar numa indicação ou declaração ou numa ação de investigação da maternidade.
Se houver alguém que declare o nascimento da criança e se ninguém vier declarar quem é a mãe e se essa
linha de maternidade permanecer em branco, vai acontecer que o conservador vai ter a obrigação de, passado um
tempo, mandar esse processo para o tribunal e para o MP, que vai procurar investigar, vai recolher infirmações
sobre quem possa ser a mãe daquela criança. Se conseguir identificar essa pretensa mãe, ele deve chamar essa
pretensa mãe e ouvi-la: ou a pretensa mãe é efetivamente a mãe e ela reconhece isso (ela confirma e declara a
maternidade) ou, então, ela mantém a sua versão e não reconhece a maternidade. Neste último caso, se a
maternidade não for confirmada, mas o tribunal considerar que as provas do MP são suficientes para sustentar que
aquela senhora é a verdadeira mãe, então, temos uma ação de investigação da maternidade em que o tribunal vai
substituir-se à declaração da mãe e vai decretar a maternidade.

Qual é o caminho mais fácil? Normalmente, quando se elabora o registo de nascimento, quando se declara o
nascimento, declara-se também a maternidade. Quem declara o nascimento, identifica a mãe- estamos aqui a
pressupor que alguém aqui identifica a mãe e esta indicação é normalmente suficiente para que o conservador faça
menção do nome da mãe no assento do nascimento- art 1803º CC. Podemos também ter a declaração de
maternidade feita pela própria mãe (art 1806º CC).

No nosso caso, o nacimento não aconteceu há mais de um ano, por isso, íamos para ao art 1804º CC-
nascimento ocorrido há menos de 1 ano- neste caso, o conservador do registo civil basta-se com a indicação de
outra pessoa que venha identificar a mãe. No entanto, quando o nascimento já ocorreu há mais de 1 ano, então, a
maternidade só se considera estabelecida se a mãe for a declarante. Assim, se alguém que não a mãe vier indicar
o seu nome e se a senhora não vier confirmar a maternidade, a menção fica sem efeito.
Há que atentar o artigo 1803º CC- aqui vem-se afirmar uma coisa um pouco desconcertante e porquê? Porque
o nascimento é um ato ostensivo, sendo que dá para perceber perfeitamente que se nasceu uma criança e uma
mulher estava grávida e, de repente, já não tem a barriga, então, é porque muito provavelmente essa mulher é a
mãe da criança. Aqui temos um parto, que é um facto de prova muito fácil e, por isso, aqui não se exige mais do
que isto, não se exige que haja uma legitimidade especial, qualquer pessoa pode alegar isto.

É preciso uma plena capacidade de exercício de direitos para fazer esta declaração de maternidade? Segundo o Dr.
Guilherme de Oliveira não deve ser exigível a plena capacidade de exercício, ou seja, não se devem aceitar apenas
as declarações de pessoas com mais de 18 anos. Aqui a capacidade que é necessária é a capacidade para fazer

Direito da Família João Pedro Domingues 48


um juízo sobre a autoria do parto e identificar a mãe. Tem de haver apenas capacidade natural para compreender
o facto do nascimento e compreender que desse facto resultou uma criança e que a mulher que deu à luz é a mãe.
O Dr. Guilherme de Oliveira diz que este juízo é muito mais simples do que aquele que é necessário formular para
se ter consciência da paternidade biológica para perfilhar. Aqui, a lei, nos termos do art 1850º CC diz que só podem
perfilhar os homens com mais de 16 anos- aqui exige-se esta capacidade natural para entender as responsabilidades
que a perfilhação acarreta.
O nosso sistema faz prevalecer o interesse público e o interesse do filho, designadamente quanto aos seus
direitos fundamentais- direito à identidade pessoal, ao conhecimento das suas origens- direitos que prevalece, sobre
o interesse da mãe em manter o anonimato e, por isso, o nosso sistema como que faz uma autorresponsabilização
social em relação à filiação. Não é assim em todos os sistemas- por exemplo, em França, é possível uma mulher ter
um bebé e entrar na maternidade e não ter de se identificar e depois a criança poder ser encaminhada para adoção.
Aqui permite-se os partos sob anonimato. Há também este regime de parto sob anonimato no Brasil, com algumas
especificidades.
Aqui, em Portugal, há esta autorresponsabilização da mãe- a mãe é mãe jurídica. Ou seja, mesmo que ela
não se queira identificar, alguém o pode fazer por ela, sobrepondo-se à sua vontade. Assim, se ela não quiser ser
a mãe jurídica da criança, ela pode dar o seu consentimento para a adoção. Mas isso, segundo o art 1982º CC,
devera ser apenas depois de decorridas 6 semanas após o parto- o legislador estabelece aqui um regime de
proteção da própria mãe, porque com o nascimento da criança, pode a mãe ainda estar a passar por alterações
hormonais e pode entrar em depressão pós-parto, por isso, tem sempre que se cumprir este prazo para que depois
a mãe possa dar o seu consentimento para a adoção.

Consequentemente, pergunta-se se efetivamente existe um dever jurídico de assumir o estatuto jurídico de mãe.
Face ao nosso regime, podemos afirmar que sim. Se houver incumprimento deste dever e este incumprimento causar
um dano, então, haverá lugar a uma indemnização. Este sistema de estabelecimento da maternidade é um sistema
muito simples: aquele que declarar o nascimento, pode identificar a mãe. Temos aqui um sistema muito simples,
mas que comporta um grande risco: risco de falta correspondência entre a verdade jurídica e a verdade biológica.
Um dos grandes princípios fundamentais estruturantes do direito da filiação português é o princípio da verdade
biológica- este princípio surgiu com a reforma de 1977, em que se quis que a verdade jurídica correspondesse à
verdade biológica. No entanto, muitas vezes, se uma mãe tivesse um filho numa relação extramatrimonial, não
declarava a paternidade ou, então, os pais que tinham filhos fora do casamento, depois não assumiam a paternidade
e impunham-se muitas ações de investigação para se descobrir a maternidade e a paternidade biológica.
Assim, pode sempre haver aqui o risco de a maternidade jurídica ser falsa- como acontece no nosso caso,
uma vez que Maria é a mãe biológica, mas Teresa é a mãe jurídica, a mãe que consta do registo do nascimento de
Constança. No nosso caso, esta falta de correspondência foi intencional, mas, por exemplo, nos casos em que há
troca de bebés na maternidade, esta falta de correspondência não é intencional. Aqui, no nosso caso, pode haver
uma sanção pelo crime de falsificação do registo civil- porque Teresa não é a verdadeira mãe de Constança.

Direito da Família João Pedro Domingues 49


Quais são as alternativas de controlo prévio? Poder-se-ia fazer testes de ADN a todas as crianças, mas
este seria um processo muito demoroso. No nosso sistema jurídico, não se prevê um controlo prévio, mas sim, um
controlo a posteriori da veracidade da declaração de maternidade- o controlo é diferido para depois do nascimento,
através da ação de impugnação. Até agora explicámos como é que era possível que Teresa, não sendo a verdadeira
mãe de Constança, poderia registar Constança como se fosse sua filha. Bastava que teresa fizesse a declaração de
maternidade no registo civil, sem que ninguém soubesse que ela não tinha estado grávida- o conservador teria
sempre de aceitar a sua declaração.
No entanto, nós sabemos que aqui não há correspondência entre a verdade biológica e a verdade jurídica.
Como é que se podia restaurar a verdade? Através da ação de impugnação prevista no art 1807º CC. A ação de
impugnação da maternidade diz-nos que se a maternidade estabelecida não for a verdadeira pode, a todo o tempo,
ser impugnada em juízo, pela pessoa declarada como mãe, pelo registado, por quem tiver interesse moral ou
patrimonial na procedência da ação ou pelo MP- esta ação não tem prazo, este direito de impugnação não prescreve.
Aqui não se estabelece um prazo exatamente por motivos de interesse público, que vai prevalecer sobre os
interesses da mãe. Não falta aqui ninguém com legitimidade? Falta a verdadeira mãe.
Contra quem é que se propõe esta ação? Na falta de uma regra específica no código, nós aplicamos o art
26º CPC- ou seja, contra a mãe e contra o filho. A nossa lei, no art 1815º CC diz que não é admissível o
reconhecimento de maternidade em contrário do que esteja no registo civil. Ou seja, o nosso sistema exige que, se
a maternidade é falsa, ela se impugne e só depois de a linha voltar a ficar em branco, é que pode vir a verdadeira
mãe declarar a maternidade, isto por força do princípio da prioridade registral- art 1815º CC. Assim, Maria tinha
legitimidade ativa porque ela tinha interesse moral na procedência da ação- assim, bastava que ela demonstrasse
que Teresa não era a mãe biológica de Constança e, tendo sucesso, a linha da maternidade no registo civil voltava
a ficar em branco e, nesse caso, Maria viria a fazer a declaração de maternidade, mas agora de acordo com o art
1805º CC, ou seja, nascimento ocorrido há mais de 1 ano.

Quanto à paternidade: nós aqui temos de fazer uma chaveta, ou seja, aqui interessa-nos saber se a mãe
era ou não casada- ou seja, temos de saber se temos uma paternidade estabelecida dentro do casamento da mãe
ou fora. Isto porque se a mãe for casada, há uma presunção legal de paternidade. Ou seja, a lei parte de um facto
conhecido (casamento da mãe) e desse facto retira um facto desconhecido, que é a paternidade. Assim, importa
atentar no facto de que a maternidade é um facto ostensivo- temos um parto fácil de provar- no entanto, no caso
da paternidade, o ato de fecundação não é ostensivo!! Logo, é mais difícil de provar. Assim, o art 1826º CC diz que
o filho concebido ou nascido na constância do casamento da mãe, tem como pai o marido da mãe.
O art 1835º CC diz que há uma menção obrigatória da paternidade- a paternidade presumida tem de constar
obrigatoriamente do registo. Agora temos de fazer umas considerações: a presunção da paternidade do art 1826º
CC abrange 3 possíveis casos:
à casos em que temos a conceção antes do casamento e nascimento durante o casamento;

Direito da Família João Pedro Domingues 50


à casos em que a conceção se dá durante o casamento e o nacimento também;


à casos em que a conceção se dá durante o casamento, mas o nacimento já ocorre fora do casamento
(devido a morte ou divórcio).

A presunção de paternidade funciona nestes 3 casos. A situação mais rara é a situação em que o filho nasce
dentro do casamento, mas foi concebido antes (a lei desconfia desta situação- art 1828º CC). Isto remete-nos para
uma solução muito importante que é a noção de período legal de conceção- art 1798º CC. Nós sabemos quando é
que a criança nasce. A gestação mais longa possível dura 300 dias, ou seja, 10 meses. Também pode ter acontecido
ter havido uma gestação mais curta (bebés prematuros), que é uma gestação que dura 180 dias (6 meses). Assim,
a diferença entre estes 300 dias e os 180 dias é de 120 dias, 4 meses, que são o período legal de conceção.
No nosso caso, quando Constança nasceu, João e Maria não eram casados e, por isso, os modos de estabelecimento
da paternidade são (1) a perfilhação (art 1849º CC)¸(2) a averiguação oficiosa (art 1864º e ss CC) e (3) a ação de
investigação de paternidade (art 1869º e ss).
Neste caso, a forma mais fácil de estabelecer a paternidade é a perfilhação- art 1849º CC. A perfilhação é
a declaração de ciência, de um indivíduo que se apresenta como progenitor de um filho que ainda não tem a
paternidade registada. Esta declaração passa a constar do registo civil- preenche-se a linha da paternidade e a
paternidade considera-se estabelecida com efeito retroativo até ao momento do nascimento. Quer o estabelecimento
da maternidade, quer o estabelecimento da paternidade, seja por este modo mais simples, seja por ação de
investigação, têm sempre efeito retroativo até ao momento do nacimento. A perfilhação é um ato livre e pessoal, em
que se constitui uma relação de caráter pessoal.

O que é que significa ser um ato livre? Houve quem entendesse o termo “livre” enquanto ser facultativo,
MAS NÃO é essa a posição de defendemos!! Segundo o Curso, o termo “livre” aqui reporta-se ao facto de este ato
ter de ser feito por quem tem uma vontade esclarecida, não pode ser baseada em erro. Se assim for, se for baseada
em erro, há lugar à anulação da perfilhação (art 1860º e ss CC)- tem de ser formada sem a pressão de violências
ou ameaças, não pode ser formada sob coação e, por isso, nos termos do art 1860º CC, seria um ato anulável.

Quid iuris quanto ao sentido de ser um ato facultativo ou não? O Dr. Guilherme de Oliveira entende que não se
trata de um ato facultativo, não se trata de um dever moral ou de consciência, ele entende que há aqui um dever
jurídico de perfilhar, havendo um correspondente direito de ser perfilhado. Quais são os argumentos no sentido da
existência deste dever jurídico de perfilhar?
ü Em primeiro lugar, o direito à identidade e à integridade pessoais- arts 25º e 26 CRP e o direito ao
desenvolvimento da personalidade (direitos fundamentais que podem ser considerados como princípios);
ü Em segundo lugar, temos a averiguação oficiosa da paternidade- o facto de o legislador prever este tipo
de ação e o facto de o MP diligenciar no sentido de procurar saber quem é o pai, vai para além do interesse
do próprio filho e constitui aqui um indício ou prova do interesse público ligado ao estabelecimento dos

Direito da Família João Pedro Domingues 51


vínculos de filiação e à própria organização familiar básica da sociedade. Assim, não faz sentido dizer que
o pai não tem um dever jurídico.
ü Em terceiro lugar, tenta-se eliminar as diferenças entre o regime de estabelecimento da maternidade e da
partenidaade- ou seja, se a mãe tem um dever jurídico, que lhe é imposto, mesmo contra a sua vontade,
então, também faz sentido que haja um dever jurídico de se assumir o estatuto jurídico de pai. Isto não
esbate a dificuldade que pode haver na prova da paternidade, que é claramente mais difícil que a prova
da maternidade. Assim, a omissão culposa do reconhecimento pelo progenitor, através da perfilhação,
viola o direito do filho a ser reconhecido e gera uma obrigação de indemnização, nos termos gerais da
responsabilidade civil quando haja efetivamente um dano. Claro que aqui é difícil dizer que havia culpa- é
difícil de provar que havia culpa na omissão da perfilhação porque a prova da paternidade é muito mais
difícil.

Quem tem capacidade para perfilhar? Esta capacidade é definida no art 1850º CC (NOTA: a lei 49/2018 vai
fazer alterações a partir de janeiro de 2019, por causa do regime do maior acompanhado)- têm capacidade para
perfilhar os maiores de 16 anos, sempre que a sentença não os tenha proibido de praticar atos de natureza pessoal.
Aqui, a capacidade de perfilhar é diferente da capacidade exigida para a prática dos negócios jurídicos em geral-
aqui, basta a capacidade natural para querer e entender o ato que se pratica, ou seja, quem perfilha tem de ter
consciência das relações sexuais fecundantes e a convicção de ser pai. Esta capacidade natural foi fixada pelo
legislador nos 16 anos de idade- há aqui um abaixamento de praticar atos jurídicos. Exige-se sempre uma forma
solene da declaração prestada ao funcionário do registo civil (art 1853º CC):
o por testamento (já não é tão usual);
o por escritura pública;
o ou por termo lavrado em juízo (quando a perfilhação não é feita voluntariamente e, no decurso do próprio
processo, o progenitor faz a perfilhação).

Se olharmos para o art 1853º CC, o escrito particular não tem qualquer valor autónomo extrajudicial. Se
houvesse uma ação de investigação da paternidade, este escrito poderia ser utilizado como presunção judicial (art
1871º CC)- a paternidade presume-se quando existe carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare
inequivocamente a paternidade. Estas presunções do art 1871º CC são diferentes da presunção legal de
paternidade- estas deste artigo apenas valem no âmbito da ação de investigação- a existência destes factos faz com
que se dê mais valor à afirmação que o investigante tem razão. Dá-se esta oportunidade ao perfilhado de provar a
paternidade destas formas.
No nosso caso, João tinha capacidade para perfilhar (mais de 16 anos) e podê-lo-ia fazer através de uma das
formas do art 1853º CC. A perfilhação pode ser a todo o tempo, antes ou depois do nacimento, ou até depois da
morte deste- art 1854º CC. A perfilhação de nascituro é válida, desde que seja feita depois da conceção (art 1855º
CC) e se o perfilhante identificar a mãe (por exemplo: duas pessoas que vivem em união de facto, sendo que aqui
não se presume a paternidade do marido da mãe, exatamente porque não são casados). A perfilhação pode ser

Direito da Família João Pedro Domingues 52


feita após a morte do filho, sendo que esta solução tem alguma desconfiança por parte do legislador porque pode
haver casos em que os pais vêm perfilhar os filhos que, ao longo da vida se tornaram ricos, beneficiando da herança
do filho- assim, a perfilhação depois da morte do filho só produz efeitos em relação aos descendentes. Neste caso,
João estava a tempo de perfilhar. Quando os filhos são maiores, necessita-se do seu assentimento- neste caso,
Constança é menor, por isso, não se coloca esta questão.

Agora vamos supor que João e Maria casaram e viviam com Constança e João portava-se como pai dela. E,
entretanto, João morreu. Quid iuris? Estamos aqui perante um estabelecimento da paternidade fora do casamento
(que foi dissolvido por morte de João), já não há tempo para a averiguação oficiosa. Durante a menoridade, o filho
não tem capacidade judiciária para intentar uma ação de paternidade e, por isso, apenas poderá intentar essa ação
se for representado por um representante legal, como a sua mãe, por exemplo).
Assim, a legitimidade passiva cabe ao pai. Para que o autor ganhe a ação, tem de demonstrar o vínculo biológico
com o réu e pode fazê-lo de 2 formas: (1) pode fazê-lo através de prova direta do vínculo biológico (antes falava-
se das relações sexuais em regime de exclusividade entre a mãe e o investigado e o teste de ADN). Para se fazer o
exame de ADN o pais e o filho têm de dar amostras do seu material genético, sendo que isto é sempre uma
intromissão na esfera privada de cada um e uma ofensa à integridade física, havendo pais que se recusavam a fazer
os testes, pondo-se em causa a prova. Assim, o art 1871º/e) CC diz que se se provar que houve relações sexuais,
então, está provado que aquele é o pai porque se ele não for efetivamente o pai, ele vai querer fazer o teste de
ADN para provar que não é pai- com esta alínea consegue-se uma maior adesão aos testes de ADN. Assim, o
legislador põe à disposição do filho (investigante) algumas presunções que ele pode utilizar:
v Posse de estado- tratamento e reputação como filho pelo pai. Ou seja, há aqui a convicção do pretenso
pai de que aquela criança é sua filha. Também tem de ser reputado pelo público- as outras pessoas
também têm de ter a ideia, a convicção de que aquele senhor é o pai da criança. No nosso caso, quando
dizíamos que o João vivia com Maria e com a Constança, podíamos dizer que Maria poderia não ir pelo
caminho da prova direta, mas sim ir por esta prova da posse de estado.
v Quando haja convivência duradoura em condições análogas às dos cônjuges também há aqui uma
presunção da paternidade- art 1873º CC- remete-nos para o art 1817º CC, que fixa o prazo para estas
ações. Discutia-se desde os anos 80 se esta ação devia estar sujeita a um prazo ou não. Esta questão já
foi discutida pelo TC várias vezes. O Dr. Guilherme de Oliveira defendia que a ação devia estar sujeita a
prazo, mas, mais tarde, veio considerar que seria inconstitucional aquele prazo, por causa dos direitos
que estão aqui em causa. Veio o acórdão 23/2006 TC declarar a inconstitucionalidade daquele prazo-
assim, desde 2006 até 2009, o prazo foi suprimido. Mas, em 2009, o legislador decidiu intervir e veio
estabelecer de novo um prazo- prazo de 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação- art 1817º
CC.

Numa situação em que o pai nunca reconheceu o filho, mas sempre o tratou como tal (posse de estado) será
que o filho se sente confortável a propor uma ação contra o pai? Claro que não, é uma situação desconfortável e
Direito da Família João Pedro Domingues 53

não é expectável que ele o faça. Assim, só a partir do momento em que eles se tivessem zangado ou quando o pai
estivesse doente ou tivesse morrido é que devia começar a contar o prazo de caducidade.
à Argumentos a favor de ausência de prazo: podemos dizer que o desenvolvimento da genética é tal e há
um movimento cientifico e social tão grande no sentido de dar cada vez mais relevo ao direito de conhecer
a ascendência biológica e esses direitos são tidos cada vez como mais relevantes e têm efetivamente mais
peso (direito ao livre desenvolvimento da personalidade, direito ao conhecimento das raízes biológicas,
identidade e integridade pessoais);
à Argumentos contra: o pai não ver a sua vida arruinada por um dia vir um filho dizer que ele é seu pai; a
caça às fortunas e o envelhecimento das provas (que atualmente já não tem qualquer provimento, uma
vez que a prova de ADN se pode fazer sempre). Na posição do Dr. Guilherme de Oliveira, prevalecem os
direitos do filho.

Neste caso, Maria podia propor a ação porque ainda estava dentro do prazo, uma vez que Constança era
menor de idade.

CESSAÇÃO DA PRESUNÇÃO DA PATERNIDADE


Hipótese: vamos agora imaginar que João e Maria eram casados e que João emigrou e não vinha a casa há 2 anos
e que Maria está grávida e dá à luz. Será que João pode ser pai, considerando que Maria vive com Pedro, mesmo
que ainda esteja casada com João?
Aqui houve falta de coabitação dos cônjuges e, por isso, temos aqui um caso de cessação da presunção
da paternidade- art 1828º CC. Cessa a presunção de paternidade se a mãe ou o marido da mãe declara que ele não
é o pai. No art 1829º CC, temos uma cessação de presunção de paternidade quando cessa a coabitação dos
cônjuges. O art 1832º CC, diz-nos que a mulher casada pode fazer a cessação da paternidade, declarando que o
seu filho não é do seu marido (neste caso em que Maria tem um filho de Pedro e não quer que seja João o pai
“assumido” e Pedro quer perfilhar). Aqui, não é preciso impugnar a paternidade para que depois se possa declarar
uma nova, uma vez que, aqui, a presunção de paternidade cessou com a cessação da coabitação dos cônjuges e
por o cônjuge ter estado fora mais de 300 dias.

RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Antigamente, falava-se em poderes paternais sendo que, atualmente, falamos de responsabilidades
parentais- isto indicia uma mudança de atitude, de centrar a atenção não nos adultos, mas sim nas crianças e nos
deveres que os adultos têm para com as crianças. As responsabilidades parentais são o principal efeito da filiação
(há os efeitos de nome, dever de auxílio, assistência, etc). Estas responsabilidades são mais fortes na menoridade
dos filhos, uma vez que nessa fase das suas vidas eles são mais vulneráveis. As responsabilidades parentais são
um instituo jurídico, um conjunto de normas que regulam o exercício de direitos e deveres impostos por lei e que
são devidos por ambos os progenitores, no interesse dos filhos. Porque é que existem as responsabilidades

Direito da Família João Pedro Domingues 54


parentais? Porque há uma necessidade natural de proteção dos filhos. A duração destas responsabilidades termina
com a maioridade ou a emancipação dos filhos.
Num primeiro momento, em que há uma tenra idade há um poder de direção dos pais relativamente aos
filhos e quando se chega à adolescência há mais um poder de orientação, para que os filhos possam ter um sentido
de evolução e autodeterminação e autonomia. Assim, as responsabilidades não devem ser muito rígidas, no sentido
em que devem permitir que os filhos tenham a sua própria autonomia e possam evoluir naturalmente.
Estando os progenitores casados ou vivam em união de facto, as responsabilidades prantais são iguais. O art
1871º/1 CC diz que o interesse não é só determinado pelos pais, havendo uma autodeterminação do filho, num
exercício de autonomia e de orientação da sua vida que os pais lhe devem conceder em função da sua idade e
maturidade (art 1871/2 CC). Tem de haver a consciência por parte do pai de que o filho é uma pessoa diferente da
sua própria pessoa.
Do artigo 1901º ao artigo 1910º CC (inclusive) fala-se das responsabilidades parentais de pais casados e
nos arts 1911º e 1912º fala-se das responsabilidades dos pais que vivem em união de facto.
O art 1901º/1 CC diz-nos que o exercício das responsabilidades parentais, na constância do matrimónio,
pertence a ambos os pais. Estamos a ver aqui o exercício das responsabilidades parentais por ambos os
progenitores, mas há casos de incapacidade, de ausência e de inibição das responsabilidades parentais- casos em
que o exercício das responsabilidades parentais cabe apenas a um dos progenitores. Que casos são estes?
à Isto acontece quando, por exemplo, um dos progenitores morre (art 1904º CC);
à Pode também acontecer que uma criança tenha nascido fora do casamento e a filiação não esteja
estabelecida para os dois progenitores- assim, só aquele que tiver a filiação biológica estabelecida é que
pode exercer estas responsabilidades parentais (art 1910º CC);
à Também há outros casos em que, por exemplo, houve violência doméstica entre os progenitores e, por
isso, não podem continuar os dois a ser uma referência na vida do filho, sendo que, neste caso, o exercício
das responsabilidades parentais cabe apenas a um dos progenitores;
à Já quanto aos atos da vida corrente (fixação de horários, higiene, vestuário, tratamentos médicos de
rotina) esses já são exercidos pelo progenitor residente ou, então, quando a criança se encontre com o
outro progenitor, são exercidos por ele. Mas, neste caso, tem sempre de se atentar se estamos a falar de
casos de guarda única ou de guarda partilhada.

Também pode haver responsabilidades parentais exercidas por ambos os progenitores, no caso de estes não
viverem nem nunca terem vivido em conjunto- aqui remete-se para o regime das responsabilidades parentais após
o divórcio. Assim, quando os pais já não se encontram na situação de proximidade, tem de haver uma forma de eles
continuarem a exercer a sua atividade em conjunto- no art 1906º CC diz-se que as responsabilidades parentais
relativas às questões de especial importância são feitas em conjunto pelos progenitores. Esta é a regra e é uma
regra que não pode ser afastada sem que haja justificação bastante. Por exemplo: intervenções cirúrgicas, educação
religiosa, autorização para casamento, etc. A exceção à regra é que estes atos podem não ser decididos por ambos
em situações de urgência manifesta em que um dos progenitores tem de decidir sozinho, sendo que deve notificar
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o outro, assim que for possível (por exemplo: a criança teve um acidente e tem de ser operada de urgência e um
dos pais tem de dar autorização imediata, só podendo informar o outro depois).

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