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Direito da Família 4.

º Ano 1

Família.

Evolução cultural.

Vários tipos de organização familiar:

1) Em termos de Composição:

a) Família pratiarcal romana – Laços de sangue e afecto. Possuía


um cunho político.
Existência da figura do “pater familias” – pessoa sensata, diligente,
atenta.
Esta família integrava: a mulher, os adoptados e os escravos.
Eram a família do “pater familias” – possuía funções de senhor,
magistrado e até de sacerdote.
O casamento era o foco de realização do povo romano.

b) Família medieval – Já é um modelo mais semelhante ao nosso.


Aparece a figura do casamento como acto gerador da família
medieval.
Não têm funções políticas.
A família aparece como unidade familiar.
Aparece a figura da legítima.

c) Família nuclear – Revolução Francesa e Pós-Revolução – Saída


da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, estes dois fenómenos
vão influenciar a família.
Os ideais liberais da revolução francesa questionam os dogmas da
igreja.
O casamento é apenas visto como um contrato.
Com a revolução industrial a família sofre uma autodeterminação.
A família fica reduzida a uma família nuclear.

2- Quanto á sua estrutura (articulação de tarefas).

a) Família de hegemonia marital (importância do marido) –


Tratava-se de uma família unitária que concebia uma posição de grande
concentração de funções ao marido.
A mulher ficava dependente do marido.

Na época medieval a mulher começa a ter um papel de educação


dos filhos.

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Direito da Família 4.º Ano 2

Mais tardiamente pós-Revolução Francesa.

b) Família institucional ou associativa – A mulher passa a ter por


direito próprio mais poderes dentro do seio da família.
O marido, contudo, continua a ter o poder decisório.

Mais recentemente, década de 50.

c) Família contemporânea ou igualitária – Família existencialista


ou humanitária.
Os cônjuges passam a ter direitos e deveres iguais.
A Portugal chega muito mais tarde, apenas com a Constituição de
1976 e com o Decreto Lei 496/77.

Já se inspirava num espírito hedonista, ou seja, as pessoas tiravam


partido da vida através da satisfação.

O casamento passa a ser uma “partilha” entre pessoas iguais.

Evolução jurídica no quadro português.

Código Visigótico.

A partir do século XVIII – grandes alterações.

Sistema dualista.
Em 1867 – Visconde Seabra admite que não é só o casamento a fonte
de união familiar.

Só em 1919 com a implantação da República surgem mais alterações.


- Possibilidade de divórcio.
- Possibilidade de registar o casamento da conservatória.

A igreja vem exigir que não se misture os casamentos religiosos com


os meramente civis.
Proíbe-se o romper do vínculo matrimonial se o casamento for
religioso.

O Código Civil de 1966 mantém a dualidade do casamento civil e


religioso.

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Direito da Família 4.º Ano 3

Marido e mulher assumem funções diversas e distintas.

“capitis diminucius” da mulher em relação ao marido.

Em 1977 – houve alterações de fundo tanto no direito da família como


das sucessões.
- Pessoas chamadas á herança. - Artigo 2133.º C.C.

Artigo 1671.º - Igualdade dos cônjuges

Princípio da paridade – reforma de 77



Princípio da diferenciação.

Divórcio litigioso.
Divórcio por mútuo consentimento.

Já não é o marido em caso de discordância que tem a decisão final


sobre a casa de morada de família.
Se não houver entendimento cabe ao tribunal.

Artigo 1673.º - Residência de família.


Artigo 1677.º - Nome da família.

Artigo 1878.º - Conteúdo do poder paternal.


Artigo 1874.º - Deveres de pais e filhos.

Fontes das relações familiares.

- Casamento. – Artigo 1577.º


- Parentesco.
- Afinidade. – Vínculo que liga familiares de um cônjuge ao outro
cônjuge (artigo 1584.º).
- Adopção – artigo 1586.º

Filiação – laços de sangue e descendência, derivados de um progenitor


comum.

Relações Jurídicas Familiares:

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Direito da Família 4.º Ano 4

Com relevância jurídica:

- Relação matrimonial.
- Relações de parentesco
- Relações de afinidade.
- Relações de adopção.

Sem relevância jurídica. – Primos por afinidade e cunhados.

Características:
- Personalidade.
- Duradouras.

Complexidade:
- Os seus membros têm uma grande variedade de direitos e
deveres.

Características das Relações jurídicas familiares.

- Pessoais.
- Funcionais.
- Intransmissíveis.
- Irrenunciáveis.
- Altruístas.
- Dotadas de garantia precária.

Relações Parafamiliares.

Só são relações familiares as que derivam de alguma das quatro


“fontes” mencionadas no artigo 1576.º do Código Civil, mas há outras
relações que, não sendo propriamente relações de família, são conexas com
elas, estão equiparadas a relações de família para determinados efeitos, ou
são condição de que dependem, em certos casos, para efeitos que a lei
atribui à relação conjugal ou às relações de parentesco, afinidade e
adopção.
Dessas relações, a que chamamos parafamiliares, a que justifica
tratamento mais desenvolvido é a união de facto.

UNIÕES DE FACTO

42. – Noção.

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Direito da Família 4.º Ano 5

A Lei n.º 135.º/99, de 28 de agosto, não definia a união de facto, e a


Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, continua a não a definir, mas é fácil
caracterizar a situação assim designada. A legislação anterior referia-se-lhe
como “vida em comum em condições análogas às dos cônjuges”. As
pessoas vivem em comunhão de leito, mesa e habitação (tori, mensae et
habitationis), como se fossem casadas, apenas com a diferença de que não
o são, pois não estão ligadas pelo vínculo formal do casamento.
A circunstância de viverem como se fossem casados cria uma
aparência externa de casamento, em que terceiros podem confiar, o que
explica alguns efeitos atribuídos à união de facto
A união de facto distingue-se igualmente do concubinato duradouro,
por mais longo que este seja. Embora haja aí, de alguma maneira
comunhão de leito, não há comunhão de leito nem de habitação. Refira-se,
por último, a unidade ou exclusividade da união de facto, que é exigida
pela vivência “em condições análogas ás dos cônjuges”.
Uma pessoa só pode viver em união de facto com outra, não com duas
ou mais. È claro, porém que não deixa de haver união de facto porque um
dos sujeitos da relação não é fiel ao outro, mas mantém relações sexuais
com outra ou outras pessoas.

A noção precedente de união de facto cobre apenas a relação entre


pessoas de sexo diferente, que vivem como marido e mulher. Até à Lei n.º
7/2001, era esta a noção de união de facto no direito português.
A Lei n.º 7/2001, porém veio dar ainda relevância jurídica à união de
facto entre pessoas do mesmo sexo, a qual está equiparada á união de facto
entre pessoas de sexo diferente para os efeitos previstos nos artigos 3.º e 5.º
daquela lei, mas só para eles, veremos adiante.

51. – Condições de eficácia.

Liminarmente, cumpre advertir que os efeitos da união de facto só se


produzem quando estejam preenchidos alguns requisitos.

a) Na vigência da Lei n.º 135/99, o primeiro deste requisito era a


heterossexualidade. Como resultava do artigo 1.º, só a relação entre
pessoas de sexo diferente era o objecto de protecção da lei.
Por exemplo, a lei concedia, no caso de caducidade do arrendamento
para habitação por morte do arrendatário, direito a novo arrendamento a
quem vivia com ele em economia comum há mais de cinco anos (artigos
90.º n.º 1 alínea a) e 76.º n.º 1 alínea a) RAU).

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b) Em segundo lugar, a união de facto só produz efeitos se já dura há


mais de dois anos (artigo 1.º da Lei n.º 7/2001).

c) Por último, não deve existir impedimento dirimente ao casamento


dos membros da união de facto. É a solução do artigo 2.º da Lei n.º 7/2001,
que reproduz, nas suas alíneas, o disposto nos artigos 1601.º e 1602.º
Código Civil. Não podendo as pessoas abrangidas por estes impedimentos
celebrar casamento, por haver aqui interesses públicos fundamentais e
salvaguardar (monogamia, proibição do incesto, liberdade do
consentimento matrimonial, etc.), seria contraditório que, vivendo aquelas
pessoas em união de facto, a lei tutelasse a situação conferindo-lhes os
direitos mencionados no artigo 3.º da Lei n.º 7/2001, direitos equiparados
aos que do casamento resultam.

Porém o legislador permitiu que os efeitos da união de facto se


produzam se o impedimento for meramente impediente ( pouco
importante ).
Assim por exemplo, a circunstância de os membros da união de facto
serem tio e sobrinha ( artigo 1604.º alínea c) do Código Civil ) não obsta a
que a relação produza os efeitos enumerados no artigo 3.º da lei n.º 7 de
2001. Logo o casamento é possível.

52. – Efeitos pessoais.

Não assumindo compromissos, os membros da união de facto não


estão vinculados por qualquer dos deveres pessoais que o artigo 1672.º
Código Civil impõe aos cônjuges. Nenhum deles pode acrescentar aos seus
apelidos do outro (artigo 1677.º) e a união de facto não releva para efeitos
de aquisição da nacionalidade ( artigo 3.º da Lei da Nacionalidade “ – Lei
n.º 37/81 de 3 de Outubro ).
O direito não desconhece, porém a relação pessoal que liga os
membros da união de facto um ao outro.

A Lei n.º 135/99 terá valorizado essa relação pessoal, permitindo-lhes


nomeadamente, adoptar nos termos previstos para os cônjuges no artigo
1979.º Código Civil ( artigo 3.º alínea e) ), ou seja, se a relação durar há
mais de quatro anos e ambos tiverem mais de 25 anos de idade, solução que
a Lei n.º 7 / 2001 manteve quanto à relação pessoal, podem referir-se
numerosas outras disposições legais.

Assim, por exemplo, por exemplo, quem conviver ou tiver convivido


em união de facto com alguma das partes na causa pode recusar-se a

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depor como testemunha ( artigo 618.º n.º 1 alínea d), Código


Processo Civil );

As pessoas que vivam em união de facto há mais de dois anos ( artigos


1.º n.º 1 e 3.º alínea c) da Lei n.º 7/2001 ) e trabalhem na mesma empresa
têm direito de gozar férias no mesmo período, salvo se houver prejuízo
grave para a entidade empregadora.
Do mesmo modo, têm preferência na marcação de férias em períodos
coincidentes quando trabalhem no mesmo serviço ou organismo do Estado

Quanto aos filhos nascidos de união de facto, como quaisquer outros


nascidos fora do casamento, estão equiparados aos nascidos dentro do
casamento, por força do n.º 4 do artigo 36.º da Constituição.

53. – Efeitos patrimoniais.

a) As pessoas que vivem em união de facto não têm nenhum regime


de bens obrigatório.
Os membros da união de facto em princípio são estranhos um ao
outro, ficando as suas relações patrimoniais sujeitas ao regime geral das
relações obrigacionais e reais.

b) Embora as relações patrimoniais dos membros da união de facto se


regerem pelo direito comum das relações obrigacionais e reais, aqueles
contratar com terceiros ou entre si como se de estranhos se tratasse, há
contudo uma excepção relativamente ás doações, prevista no artigo 953.º
que manda aplicar o disposto no artigo 2196.º.
Assim, nos termos da lei, é nula a doação à pessoa com quem o doador
casado “ cometeu adultério “. Visa-se proteger o cônjuge do doador e
sancionar a violação dos deveres matrimoniais, em particular dos deveres
de fidelidade e respeito ( artigo 1672.º ).

c) Os membros da união de facto vivem em comunhão de leito, mesa e


habitação, como se fossem casados, cria uma aparência de vida
matrimonial, que pode suscitar a confiança de terceiros que contratem com
os membros da relação ou com um deles.
Parece assim razoável estender à união de facto o artigo 1691.º, alínea
b) do Código Civil, entendendo que os sujeitos da relação são
solidariamente responsáveis ( artigo 1695.º n.º 1 ) pelas dívidas
contraídas por qualquer deles para ocorrer aos encargos normais da vida em
comum.

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d) No que se refere à obrigação alimentar entre cônjuges ou ex-


cônjuges, o artigo 2019.º do Código Civil dispõe que o direito a alimentos
cessa se o alimentado “ se tornar indigno do benefício pelo seu
comportamento moral “.

e) O artigo 3.º alínea d) da Lei n.º 7/2001 torna aplicável aos


membros da união de facto o regime do imposto sobre o rendimento das
pessoas singulares ( IRS ) nas mesmas condições dos sujeitos passivos
casados e não separados de pessoas e bens.

54. – Extinção da relação.

A união de facto pode extinguir-se, quer pela ruptura da relação,


ruptura por mútuo consentimento ou por iniciativa de um dos seus
membros, quer em consequência da morte de algum deles.

Em caso de ruptura das uniões de facto não lhes é aplicável o regime


das partilhas de bens. – não se aplicam os artigos 1688.º e 1689.º do Código
Civil.
Relativamente á casa de morada de família já há analogia – artigo
1793.º C.C.

56. – Morte.

Vejamos, por último, que direitos assistem ao sobrevivo no caso de


morte de um dos sujeitos da união de facto.
- Em primeiro lugar, se o falecido não era casado ou, sendo casado,
estava separado de pessoas e bens, o sobrevivo que vivia com ele em união
de facto há mais de dois anos tem direito a exigir alimentos da herança
caso não possa obtê-los do cônjuge ou ex-cônjuge, dos descendentes, dos
ascendentes ou irmãos. È o que dispõe o artigo 2020.º do Código Civil.

- A Lei n.º 7/2001 concede ainda ao sobrevivo o direito real de


habitação da casa de família de morada comum pelo prazo de cinco anos
( artigo 3.º alínea a), e 4.º n.º 1 e n.º 2 ); mas o direito tem fraca protecção.

- Outro importante efeito da união de facto é a transmissão do direito


de arrendamento para habitação, por morte do arrendatário, à pessoa que
vivia com ele em união de facto há mais de dois anos, na falta de cônjuge
não separado de pessoas e bens ou de facto ou de descendentes com menos
de um ano ou que convivessem há mais de um ano como arrendatário, se

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este era solteiro, viúvo, divorciado ou, sendo casado, estava separado de
pessoas e bens ( artigo 85.º n.º 1 alínea c) RAU, na redacção que lhe deu
origem artigo 5.º da Lei n.º 7/2001 ).

- A lei dá ainda ao sobrevivo direito ao subsídio por morte e à pensão


de sobrevivência, tanto no caso de o falecido ser funcionário ou agente da
Administração Pública ou da Administração Regional ou Local.

- A lei n.º 7/2001 concede também a quem viva em união de facto


como o falecido ( união heterossexual ou homossexual ) o direito às
prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença
profissional.

Outras Relações Parafamiliares

57. – Relação entre esposados.

Não se estabelece qualquer relação de família entre esposados, ou seja,


entre as pessoas que estão para casar, mas a relação entre esposados já é
tomada em conta pela lei para variados efeitos. O contrato-promessa de
casamento é objecto de particular regulamentação no Código Civil ( artigos
1591.º a 1595.º ).

58. – Relação entre ex-cônjuges.

O divórcio extingue a relação matrimonial, mas a relação entre ex-


cônjuges continua a ter relevância jurídica, como veremos no curso da
exposição. Assim, por exemplo, o cônjuge que tenha adoptado apelidos do
outro pode conservá-los se o ex-cônjuge der o seu consentimento ou se
o tribunal ou o conservador civil o autorizar ( artigo 1677.º-B Código
Civil ); um dos ex-cônjuges pode ser obrigado a prestar alimentos ao outro
( artigo 2016.º ); falecido um deles, pode o sobrevivo ter direito a pensão de
sobrevivência ( artigos 40.º n.º 1 alínea a) e 41.º n.º 1 do Decreto
Lei n.º 142/73 de 31 de Março).

59. – Vida em economia comum.

Como relação parafamiliar deve ainda considerar-se a relação de vida


em economia comum, institucionalizada pela Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio.
Para os efeitos ai previstos, entende-se que vivem em economia comum as
pessoas “ que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois

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anos e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou


partilha de recursos ( artigo 2.º n.º 1 ). Pode tratar-se de familiares ou de
estranhos, de pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo, de duas ou de
mais de duas pessoas, desde que uma delas seja maior ( artigo 2.º n.º 2 ).
A vida em economia comum não tem conotação sexual, como a união
de facto, o que implica que possam viver em economia comum o pai e o
filho ou a filha, os irmãos, etc..

60. – Relação entre tutor e tutelado.

O tutor pode ser e é frequentemente da família do tutelado, mas


também pode não o ser ( artigo 1931.º ); não sendo uma relação de família,
a relação entre tutor e tutelado pode todavia considerar-se parafamiliar
tanto mais que o tutor tem em princípio os mesmos direitos e obrigações
dos pais ( artigo 1935.º n.º 1 ).

61. – Pessoa a cargo de outra.

O facto de uma pessoa estar ao cuidado ou a cargo de outra cria entre


ambas uma relação que, não sendo propriamente uma relação de família,
tem importantes efeitos no âmbito do direito da família. Assim, é requisito
da adopção que o adoptando tenha estado ao cuidado do adoptante durante
certo prazo ( artigo 1974.º n.º 2 ); a lei exige, para que a adopção seja
decretada, o consentimento do ascendente, do colateral até 3.º grau ou do
tutor, quando tendo falecido os pais do adoptando, tenha este a seu cargo e
com ele viva ( artigo 1981.º n.º 1 alínea d) ).

62. – Pessoa criada e sustentada por outra.

Merece ainda referência o artigo 5.º n.º 1 alínea b) do Decreto Lei n.º
466/99, que permite seja estabelecida em benefício da pessoa que tenha
criado e sustentado o falecido a pensão de preço de sangue, valendo o
regime idêntico à pensão por serviços excepcionais e relevantes prestados
ao País ( artigo 6.º ).

Caracteres do Direito da Família

86. – Predomínio de normas imperativas.

Em primeiro lugar, pode-se dizer que o direito da família é


caracterizado por um acentuado predomínio de normas imperativas e, como
tais, inderrogáveis pela vontade dos particulares.

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Direito da Família 4.º Ano 11

São imperativas, por exemplo, as normas que regulam os


impedimentos matrimoniais e, em geral, os requisitos de fundo e de forma
do casamento; os direitos e deveres pessoais dos cônjuges; as modalidades
e as causas do divórcio e da separação de pessoas e bens; os modos de
estabelecimento da filiação; as presunções de maternidade e paternidade, o
seu valor e o modo como podem ser impugnadas; o conteúdo do poder
paternal, relativamente à pessoa e aos bens dos filhos, e o respectivo
exercício; a organização da tutela; as condições e os efeitos da adopção;
etc. Pode dizer-se, grosso modo, que apenas as relações patrimoniais são
regidas por normas de carácter dispositivo, sendo de salientar, todavia, que
ainda aqui nos deparamos, não raramente, com normas imperativas, como
as dos artigos 1699.º, 1714.º n.º 1, 1720.º, etc.

87. – Institucionalismo.

Em segundo lugar o direito da família é um direito institucional,


sendo esta qualificação muito corrente na doutrina.
A família é uma ordem ou instituição mais velha que o Estado. È ela
um organismo natural, que preexiste ao direito escrito, e dentro do qual
vive uma ordenação íntima, complexa e difícil de racionalizar.
Dizemos nós que o direito da família é um direito institucional porque
o legislador se limita, em alguma medida, quando regula as relações de
família, a reconhecer esse “ direito ” que vive e constantemente se realiza
na instituição familiar. Sem dúvida, não foi o legislador que criou as
normas que impõem certas obrigações aos cônjuges ( artigo 1672.º ) ou as
que dizem quais os deveres dos pais para com os filhos e destes para com
os pais ( artigo 1874.º ); nota-se, por outro lado, que o conteúdo de tais
normas é muito vago, sendo necessário, para o integrar, constantemente
recorrer àquelas outras normas pelas quais se rege institucionalmente a
família.

88. – Coexistência, na ordem jurídica portuguesa, do direito


estadual e do direito canónico na disciplina da relação matrimonial.

Não é esta uma característica geral do direito da família, mas apenas


uma característica do direito matrimonial português. Vimos já que o artigo
1625.º do Código Civil se deve julgar conforme à Constituição, pelo que o
conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à
dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e
repartições eclesiásticas competentes. Os artigos 1627.º a 1646.º do Código
Civil não são assim aplicáveis aos casamentos católicos, os quais, por outro

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Direito da Família 4.º Ano 12

lado, conhecem ainda uma causa de dissolução própria deles ( a “


dispensa do casamento rato e não consumado ” ). O legislador português
como que terá renunciado à sua soberania, devolvendo para o direito
canónico e, portanto, para uma outra ordem jurídica a regulamentação de
determinados aspectos do regime dos casamentos católicos. Estes
casamentos, que são a maioria ( cerca de 63% ) dos que se celebram no
país, não são regidos nesses aspectos pelo direito matrimonial português,
mas pelas normas correspondentes do Codex Iuris Canonici.

89. – Permeabilidade do direito da família ás transformações


sociais.

Para caracterizar o direito da família lembraremos ainda que ele é,


como direito das sucessões, um ramo de direito civil muito permeável às
modificações das estruturas políticas, sociais, económicas , etc.

91. – Afectação de certas questões de direito da família a tribunais


de competência especializada: os tribunais de família e menores.

A Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ( Lei


n.º 3/99, de 13 de Janeiro ) atribui a tribunais de competência especializada,
os “ tribunais de família e menores “, onde os haja, competência para
preparar e julgar as questões de direito da família que vêm referidas nos
artigos 81.º ( competência relativa a cônjuge e ex-cônjuges ) e 82.º (
competência relativa a menores e a filhos maiores ); nas comarcas onde não
haja tribunal de família e menores, é competente o tribunal de comarca.

Fontes do Direito da Família

1- Constituição.

2- Convenções Internacionais.

3- Direito Internacional privado.


- regras de conflito – artigos 41.º ao 61.º do Código Civil.
Regulam a família

4- Código Civil.
- Livro V.

5- Outras Fontes.

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Direito da Família 4.º Ano 13

- Própria concordata.
- Legislação especial – Organização Tutelar de Menores.
- Código Processo Civil.
- Código Penal – artigos 247.º a 250.º. – Crimes contra a família.

6- O papel do Juiz.
- Processos tutelares de menores – o juiz tem um papel importante no
decorrer da acção.

1- Princípios Constitucionais do Direito da Família

67. – Generalidades.

Os artigos 36.º, 67.º, 68.º e 69.º da Constituição consagram certo


número de princípios, que delimitam, neste domínio, o âmbito em que o
legislador ordinário pode mover-se.
Os princípios constitucionais do direito da família são os que se
referem a seguir. Os princípios 1.º a 9.º estão inseridos no título II
(“Direitos, liberdades e garantias “) da Parte I da Constituição; são por isso
directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, nos
termos do artigo 18.º. Pelo contrário, os princípios 10.º a 12.º inserem-se no
Título III (“ Direitos e deveres económicos, sociais e culturais “). Não têm
a mesma força jurídica dos primeiros, constituindo normas de carácter
“programático”, o que não quer dizer que os tribunais não devam tê-los em
conta na aplicação das leis.

68. – 1.º princípio: direito á celebração de casamento.

O princípio está expresso no artigo 36.º n.º 1 2.ª parte, mas não pode
entender-se literalmente. A afirmação constitucional de que “ todos têm
direito a contrair casamento em igualdade de condições “, tomada à letra,
levaria a que fossem consideradas inconstitucionais quaisquer normas que
estabelecessem impedimentos ao casamento, o que, sem dúvida, estava fora
dos propósitos do legislador.

69. – 2.º princípio: direito de constituir família.

É o princípio consagrado no artigo 36.º n.º 1, 1.ª parte da Constituição.

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Direito da Família 4.º Ano 14

Decerto que o artigo 36.º n.º 1 da Constituição não reduz o conceito de


família à união conjugal baseada no casamento. “ Família ” e “ casamento ”
são realidades distintas, e o legislador constitucional terá tido o propósito
de marcar a distinção. O que não vemos, porém, é como dessa
circunstância possa tirar-se argumento favorável à qualificação da união de
facto como relação de família. Só assim seria se o direito de “ constituir
família “ previsto no artigo 36.º n.º 1, ficasse sem conteúdo útil se não se
referisse à união de facto.
Mas não é o que acontece pois além da família conjugal há ainda a
natural e até a adoptiva.

70. – 3.º princípio: competência da lei civil para regular os


requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução.

É o princípio consagrado no n.º 2 do artigo 36.º, que visa,


fundamentalmente, subtrair ao direito canónico a regulamentação das
matérias aí previstas.
Relativamente aos efeitos do casamento o princípio não levanta
dificuldades, pois os efeitos do casamento católico, quer os patrimoniais
quer os pessoais já eram regulados pelo direito civil mesmo antes da
Constituição.
Não assim, porém, no que se refere aos requisitos do casamento
católico, pois o artigo 1625.º do Código Civil dispõe que o conhecimento
das causas respeitantes à nulidade do casamento católico é reservado aos
tribunais eclesiásticos competentes. Se só os tribunais eclesiásticos podem
conhecer das causas respeitantes à nulidade do casamento católico, é só a
esses tribunais que cabe apreciar ( e apreciar, naturalmente, em face das
regras de direito canónico ) os requisitos de cuja falta resulta a nulidade
do casamento, quer a nulidade provenha de falta ou vício do consentimento,
quer de incapacidade de algum dos cônjuges, sem que obste à solução,
neste segundo caso, o facto do artigo 1596.º do Código Civil dispor que o
casamento católico só pode ser celebrado por quem tiver a capacidade
matrimonial exigida na lei civil.

71. – 4.º princípio: admissibilidade do divórcio, para quaisquer


casamentos.

Seria, pois, inconstitucional a norma que proibisse o divórcio, em


geral ou mesmo só quanto aos casamentos católicos ( como acontecia antes
do Decreto Lei n.º 261/75 ). O artigo 36.º n.º 2 in fine, não deixa dúvidas a
este respeito.

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Direito da Família 4.º Ano 15

72. – 5.º princípio: igualdade dos cônjuges.

O artigo 36.º n.º 3 consagra o princípio da igualdade dos cônjuges que


é uma aplicação do princípio geral do artigo 13.º e tem o maior interesse
prático, tanto no âmbito do direito matrimonial como no direito da filiação.
Ex. artigos 1671/ 72/ 77/ 78

73. – 6.º princípio: atribuição aos pais do poder-dever de educação


dos filhos.

O princípio, formulado no artigo 36.º n.º 5 da Constituição, tem duas


faces distintas. Trata-se, em primeiro lugar, de um poder em relação aos
filhos cuja educação é dirigida pelos pais ( artigo 1878.º n.º 1 do Código
Civil ), embora com respeito da personalidade dos filhos ( artigos 1874.º n.º
1 e 1878.º n.º 2 ); quanto é liberdade religiosa regula o artigo 1886.º. por
outro lado, trata-se igualmente de um poder em relação ao Estado, ao qual
pertence “ cooperar com os pais na educação dos filhos “ ( artigo 67.º
n.º 2 alínea c) da Constituição ), mas que não poderá “ programar a
educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas,
políticas, ideológicas ou religiosas “ ( artigo 43.º n.º 2 ).

74. – 7.º princípio: inseparabilidade dos filhos dos seus


progenitores.

É o princípio enunciado no artigo 36.º n.º 5 da Constituição, segundo o


qual os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não
cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante
decisão judicial.
Assim, os filhos podem ser separados dos pais, por decisão judicial
sempre que se verifique o condicionalismo previsto no artigo 1915.º n.º 1
do Código Civil.

75. – 8.º princípio: não discriminação entre filhos nascidos do


casamento e fora do casamento.

15
Direito da Família 4.º Ano 16

O princípio está expresso no artigo 36.º n.º 4 da Constituição e reveste


grande interesse público.
A 2.ª parte da disposição enuncia o princípio da não discriminação em
sentido formal, não permitindo o uso de designações discriminatórias
como as de filho “ ilegítimo “, “ natural “, “bastardo “ ou outras que
não se limitem a mencionar o puro facto do nascimento fora do casamento
dos progenitores.
A 1.ª parte do artigo36.º n.º 4 formula o princípio da não
discriminação em sentido material, não permitindo que os filhos nascidos
fora do casamento sejam, por esse motivo, “ objecto de qualquer
discriminação “.

76.º - 9.º princípio: protecção da adopção.

Como dispõe o n.º 7 do artigo 36.º da Constituição, a adopção “ é


regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas
céleres para a respectiva tramitação “.
O princípio de que a adopção “ é regulada e protegida nos termos da
lei “ tornou a adopção objecto de uma “ garantia institucional “: a adopção,
como instituição, é garantida pela Constituição, que assegura a sua
existência e a sua estrutura fundamental, não podendo, pois, o legislador
ordinário suprimi-la nem tão pouco desfigurá-la ou descaracterizá-la
essencialmente.

77. – 10.º princípio: protecção da família.

É o princípio enunciado no artigo 67.º da Constituição, o qual,


concede à própria família – trate-se de família conjugal, natural ou
adoptiva – um direito à protecção da sociedade e do Estado, tornando-a
assim, objecto de uma garantia institucional.

78. – 11.º Princípio: protecção da paternidade e da maternidade.

Iguais observações merece o artigo 68.º que considera a paternidade e


a maternidade “ valores sociais eminentes “ e concede aos pais e às mães,
nesta qualidade, sejam ou não unidos pelo matrimónio, um direito à
protecção da sociedade e do Estado na realização da sua acção em relação
aos filhos, nomeadamente quanto à educação destes, para que a paternidade
e a maternidade não os impeçam de se realizarem profissionalmente e de
participarem na vida cívica do país.

79. – 12.º princípio: protecção da infância.

16
Direito da Família 4.º Ano 17

Por último, o artigo 69.º da Constituição atribui às crianças um direito


à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento
integral. Relativamente ao disposto no n.º 2, na parte em que este concede
especial protecção às crianças contra o exercício abusivo da autoridade na
família, devem ter-se em conta as disposições respeitantes á inibição do
poder paternal ( artigo 1915.º Código Civil ) e ás providências limitativas
desse poder ( artigo 1918.º ).

PARENTESCO

6. – Noção e limite.

Sabemos já que o parentesco é uma relação de sangue, por isso se


chamando também consanguinidade: são parentes as pessoas que
descendem uma das outras ou procedem de progenitor comum ( artigo
1578.º ). Diz-se que no primeiro caso o parentesco é em linha recta ou
directa e no segundo caso em linha transversal ou colateral. O código faz a
diferença no n.º 1 do artigo 1580.º.

Deve já ter-se em conta, porém, o limite à relevância do parentesco


posto no artigo n.º 1582.º, segundo o qual, salvo disposição da lei em
contrário, os efeitos do parentesco se produzem em qualquer grau da linha
recta, mas só até ao 6.º grau na colateral.
São raras as disposições que, em contrário ao limite posto no artigo
1582.º, dão relevância às relações de parentesco na linha colateral para
além do 6.º grau.

7. – Contagem.

As relações de parentesco são muito numerosas e na realidade muito


diversas. Há parentes mais próximos e mais distantes e o direito não o
ignora, pois dá às várias relações de parentesco efeitos diferentes.
E é mediante a contagem do parentesco que se torna possível definir,
ordenar estabelecer uma hierarquia entre elas. O parentesco conta-se por
linhas e por graus. Nos termos do artigo 1579.º, “ cada geração (
nascimento ) forma um grau, e a série de graus constitui a linha de
parentesco ”.

17
Direito da Família 4.º Ano 18

Já aludimos à distinção, que o artigo 1580.º n.º 1 faz, entre a linha


recta e a linha colateral, mas ocorre fazer ainda outras distinções.
Assim, e por um lado, a linha recta pode ser descendente ou
ascendente ( artigo 1580.º n.º 2 ), consoante a encararmos num sentido ou
noutro. Esta distinção tem interesse pois os descendentes constituem, ao
lado do cônjuge sobrevivo, a 1.ª classe sucessória, na ordem legal da
sucessão estabelecida no artigo 2133.º, enquanto oas ascendentes
constituem a 2.ª classe. Por outro lado, pode distinguir-se entre linha
paterna e materna, tanto quanto à linha recta como quanto à colateral.

Definida a linha de parentesco, importa depois saber qual é o grau de


parentesco dentro da respectiva linha. O cômputo dos graus faz-se segundo
as regras do artigo 1581.º: na linha recta é tantos graus quantas as pessoas
que formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor; na linha
colateral os graus contam-se pela mesma forma, subindo por um dos ramos
e descendo pelo outro, mas sem contar com o progenitor comum.

São regras que não levantam dificuldades. È fácil ver como, segundo
este processo de contagem, os irmãos, ou os avós e os netos, são parentes
em 2.º grau, os tios e os sobrinhos em 3.º, os primos direitos em 4.º grau,
etc.

PAI / MAE

IRMÃO IRMÃO
Colaterais em 2.º grau

*
Tio Sobrinho

FILHO FILHO
Primos em 1.º grau - direitos

Primos em 2.º grau


FILHO FILHO
Colaterais em 6.º grau

18
Direito da Família 4.º Ano 19

* - Em 3.º grau no sistema romanístico.


- No sistema canónico em 2.º grau. – No sistema canónico defende-
se as gerações.
Irmãos – bilaterais ( germanos )
Irmãos unilaterais – uterinos ( mãe ) / consanguíneos (
pai ).

8. – Efeitos.

Os efeitos do parentesco variam consoante a relação de parentesco que


se considere: como é natural, as relações de parentesco têm maior ou menor
relevância conforme são mais apertadas ou mais frouxas.

O efeito principal do parentesco é o sucessório: os descendentes, os


ascendentes, os irmãos e seus descendentes e os outros colaterais até ao 4.º
grau integram, respectivamente a 1.ª, a 2.ª, a 3.ª e a 4.ª classes de
sucessíveis na ordem da sucessão legítima no n.º 1 do artigo 2133.º.

Outro efeito muito importante do parentesco é a obrigação de


alimentos, que a lei impõe a determinados parentes: os descendentes, os
ascendentes, os irmãos e os tios ( estes, os tios durante a menoridade do
alimentado ), justamente pela ordem indicada ( artigo 2009.º ).

Note-se também que por morte do arrendatário, e na falta de cônjuge


sobrevivo, o direito ao arrendamento para habitação se transmite aos seus
descendentes com menos de uma ano de idade ou que com ele convivessem
há mais de um ano, e, na falta destes e de pessoa que vivesse em união de
facto com o arrendatário há mais de dois anos, aos ascendentes que com ele
convivessem há mais de um ano ( artigo 85.º n.º 1 alíneas b) e d), RAU ).
Da qualidade de parente pode derivar a obrigação de exercer a tutela
ou fazer parte do conselho de família, nos termos dos artigos 1931.º n.º 1 e
1952.º n.º 1 respectivamente.

Há ainda a referir o artigo 1639.º, em que a lei confere legitimidade


para intentar a acção de anulação do casamento fundada em impedimento
dirimente, ou para prosseguir nela se o autor falecer na pendência da causa,
a qualquer parente dos cônjuges na linha recta ou até ao 4.º grau na linha
colateral; além disso, nos termos dos artigos 1640.º n.º 2 e 1641.º, a acção
de anulação do casamento fundada em falta (à parte a simulação ) ou em
vício da vontade pode ser prosseguida por qualquer parente do cônjuge a
quem a lei confere legitimidade para a propor ( o cônjuge cuja vontade
faltou ou que foi vítima do erro ou da coacção ).

19
Direito da Família 4.º Ano 20

Dos vários efeitos destas relações o mais significativo é o chamado


poder paternal, regulado nos artigos 1877.º e seguintes, e que é o
complexo de poderes e deveres que a lei atribui ou impõe aos pais para
regerem as pessoas e os bens dos filhos menores.

De muito interesse para nós são as alíneas a) e b) do artigo 1602.º,


segundo as quais não podem contrair casamento entre si os parentes na
linha recta, nem os parentes em 2.º grau na linha colateral ( irmãos ); existe
neste caso, um impedimento dirimente relativo á celebração do casamento.
E também os parentes em 3.º grau na linha colateral ( tio e sobrinha, tia e
sobrinho ),não podem casar ( artigo 1604.º alínea c) ); mas o impedimento
é agora meramente impediente, e admitindo dispensa ( artigo 1609.º n.º 1
alínea a) ), logo tio e tia podem casar com sobrinha ou sobrinho
respectivamente.

Relativamente á questão do juiz ser parente de uma das parte, este


pode recusar.

AFINIDADE

9. – Noção; fonte e duração.

As relações de afinidade são distintas das de parentesco. Fala-se por


vezes de “parentes por afinidade” mas a terminologia deve evitar-se. A
afinidade não é, como o parentesco, uma relação de sangue.
Pode definir-se como o vínculo que liga um dos cônjuges aos parentes
do outro cônjuge ( artigo 1584.º Código Civil ).

A fonte da afinidade, ou da várias relações de afinidade, é, pois, o


casamento.

Um casamento, naturalmente, ainda não dissolvido. E como o


casamento é que é a causa da afinidade, esta só começa com a celebração
do casamento. A afinidade não opera para trás, não é retroactiva, e sobre
isto não se levantam dúvidas.
Segundo o artigo 1585.º a afinidade “ não cessa pela dissolução do
casamento “.

20
Direito da Família 4.º Ano 21

A Afinidade não gera afinidade.

EU MINHA MULHER

Minha IRMÃO Minha cunhada


IRMÃO
cunhada

MULHER
MULHER
Não são nada
( concunhadas )

Os sogros também são afins.

10. – Contagem.

As relações de afinidade, como as de parentesco, são muito


numerosas, e há necessidade de as definir e ordenar procedendo à
respectiva contagem. Mas a este respeito nada há a acrescentar ao que
dissemos quanto ao parentesco. Como este, assim a afinidade se conta por
linhas e por graus. E conta-se da mesma maneira. Quer isto dizer que um
cônjuge é afim em linha recta dos parentes em linha recta do seu cônjuge e
afim na linha colateral do seu cônjuge na linha colateral; por outro lado, é
afim no 2.º grau dos parentes em 2.º grau do seu cônjuge, afim no 3.º grau
dos parentes em 3.º grau, etc.

11. – Efeitos.

Em confronto com os do parentesco, os efeitos da afinidade são menos


extensos. Os afins não têm direitos sucessórios e, no tocante à obrigação de
alimentos, a lei só a impõe ao padrasto ou madrasta, relativamente a
enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do
cônjuge, a cargo deste (artigo 2009.º n.º 1 alínea f).

21
Direito da Família 4.º Ano 22

Os afins na linha recta podem também suceder no direito ao


arrendamento para habitação ( artigo 85.º n.º 1 alínea e), n.º 3 e n.º 4 ) – (
artigo 76.º por remissão do 90.º ).

Quando à obrigação de exercício a tutela ou fazer parte do conselho de


família, pode igualmente recair sobre os afins, nos termos dos artigos
1931.º n.º 1 e 1952.º n.º 1, atrás referidos.

Por último, também há efeitos da afinidade que se traduzem em


restrições à capacidade e incompatibilidades de vária natureza.
O artigo 1602.º alínea c), considera a afinidade em linha recta
impedimento dirimente relativo à celebração do casamento, e os artigos
1809.º alínea a) e 1866.º alínea a), proíbem, respectivamente, a averiguação
oficiosa da maternidade e a da paternidade, quando a pretensa mãe e o
perfilhante, no 1.º caso, ou a mãe e o pretenso pai, no 2.º caso, estiverem
ligados por relações de afinidade em linha recta.

Os restantes efeitos da afinidade constam de legislação especial.


È de salientar que embora a afinidade tenha, teoricamente, o mesmo
limite do parentesco e, portanto, se estenda até ao 6.º grau, a verdade é que
são poucas as normas que atribuem efeitos às relações de afinidade, na
linha colateral, para além do 2.º grau.

- Lei processual – incidente de suspeição – uma das partes tem um


primo que é casado com o juiz – afim em linha colateral.

- Inabilitados para depor em tribunal mas apenas em linha recta.

Hipóteses:

1- Pode o primo suceder á herança do primo?

- Pode se for um primo direito – artigo 2133.º

2- Alcina, a mulher do irmão de Estevão ficou viúva e sem meios


de subsistência.
Pode pedir uma pensão de alimentos ao cunhado?

- Não tem direito – artigo 2009.º.

3- Mariana perdeu os pais num acidente.


Victor é casado com uma irmã do pai de Mariana.

22
Direito da Família 4.º Ano 23

Victor pode ser tutor de Mariana?

- Pode, é afim colateral em 3.º grau de Mariana. – Artigo 1931.º.

4- Lúcia morre. Inês vivia com a Lúcia.


Pode ter direito ao arrendamento?

- Artigo 90.º - remissão para o 76.º. – artigo 85.º.

CASAMENTO

101. Conceito de casamento civil.

O artigo 1577.º do Código Civil define o casamento como “ o contrato


celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir
família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições
deste Código “.

102. Conceito de casamento católico.

Também o casamento católico, regulado no direito canónico,


corresponde á noção geral de casamento já enunciada. O casamento (
casamento in fieri ) é definido com “acto de vontade pelo qual o homem e
a mulher, por acto irrevogável, se entregam e recebem mutuamente a fim
de constituírem o matrimónio” .

105. Sistemas jurídicos matrimoniais.

a) O sistema de casamento religioso obrigatório, em que não se


admite o casamento civil, foi o que vigorou na Grécia até 1982. A forma
religiosa de casamento segundo os ritos da Igreja ortodoxa grega era a
única permitida, independentemente da religião e da nacionalidade dos
nubentes.

b) Segundo o sistema de casamento civil obrigatório, o Estado não


admite outra forma de casamento senão o casamento civil, celebrado
segundo as suas leis e regulado por elas; o direito matrimonial do Estado é
obrigatório para todos os cidadãos, independentemente da religião que
professem.

23
Direito da Família 4.º Ano 24

c) No sistema de casamento civil facultativo, os nubentes já podem


escolher livremente entre o casamento civil e o casamento católico ( ou
celebrado segundo os ritos de qualquer outra religião ), atribuindo o Estado
efeitos civis ao casamento em qualquer caso.

d) Quanto ao sistema de casamento civil subsidiário, agora, o Estado


subordina-se inteiramente à Igreja e como que faz seu o direito matrimonial
canónico.
Por isso, e em princípio, o casamento católico é o único que o Estado
reconhece; o casamento civil só é admitido subsidiariamente, isto é, para os
casos em que é considerado legítimo pelo próprio direito canónico. Todas
as pessoas que estão obrigadas, á face da Igreja, ao casamento católico,
também, e por isso mesmo, estão obrigadas ao casamento católico à face do
Estado.

107. Caracterização do nosso sistema actual.

O sistema matrimonial do nosso direito é um sistema de casamento


civil facultativo, é esta a primeira ideia a fixar.
Enquanto a Lei da liberdade religiosa ( Lei n.º 16/2001 )não tiver
aplicação, o casamento civil é facultativo para os católicos, e só para eles;
para os evangélicos, os judeus, os muçulmanos, etc., o casamento é
obrigatório, pois a lei não dá valor à respectiva cerimónia religiosa.
Quando a lei for regulamentada e tiver aplicações práticas, o
casamento civil passará a ser facultativo, não só para os católicos, mas
também para os crentes de outras igrejas ou comunidades religiosas que
venham a considerar-se “ radicadas no País “, nos termos do artigo 37.º.
Todos eles terão a faculdade de escolher entre o casamento civil e o
casamento celebrado por forma religiosa perante ministro do seu culto.

Diferenças e semelhanças entre o casamento católico e o


casamento civil.

1- Promessa de casamento ( artigo 1591.º ) – =

2- Requisitos de forma
– consentimento – ≠
– capacidade ( impedimentos matrimoniais ) – ( mista )

3- Forma da Celebração
– processo preliminar publicações – =
– modo de celebração – ≠
– Registo – =

24
Direito da Família 4.º Ano 25

4- Causas de nulidade – ( misto )

5- Efeitos casamento ( pessoais e matrimoniais ) – =

6- Dissolução do casamento – =

108. O casamento como negócio jurídico.

O casamento é um dos negócios jurídicos familiares e, decerto o mais


importante de todos eles. È certo que é muito limitada a margem de
autonomia concedida às partes neste domínio. Os efeitos pessoais do
casamento, em particular os direito e deveres dos cônjuges, são fixados
imperativamente na lei, sem que as partes possam introduzir desvios ou
derrogações no respectivo regime ( artigo 1699.º n.º 1 alínea b) do Código
Civil ).

109. O casamento como contrato.

Como negócio jurídico, o casamento é um contrato, tanto o casamento


católico como o civil.
O artigo 1577.º define o casamento como “contrato”, não podendo
subestimar-se o valor desta indicação.

Existem contudo doutrinas anti-contratualistas que qualificam o


casamento como:
- Acordo.
- Instituição.
- Acto administrativo.
- Negócio plurilateral.
- Acto complexo.

110. O casamento como contrato entre pessoas de sexo diferente.

È esta outra característica do casamento, tanto civil como católico, e a


sua justificação é elementar. A diversidade de sexos é exigida pelo fim do
matrimónio, que é o de estabelecer entre os cônjuges uma plena comunhão
de vida, nos termos do artigo 1566.º. Se os cônjuges forem do mesmo sexo,
o casamento é inexistente ( artigo 1628.º alínea e) ).

111. O casamento como negócio pessoal.

25
Direito da Família 4.º Ano 26

Como negócio pessoal, o casamento ostenta as conhecidas


características dos negócios pessoais em geral. Uma delas já foi referida, a
de que estes negócios são regidos em grande parte por normas imperativas.
Outra, igualmente muito significativa, e a de que os negócios pessoais só
podem ser concluídos ou celebrados pessoalmente, não admitindo
representação propriamente dita. Também assim acontece com o
casamento.

112. O casamento como negócio solene.

O casamento é um negócio solene, tanto o casamento católico como o


civil.
È o casamento com efeito, um daqueles negócios em que a vontade
dos contraentes não pode manifestar-se ou exprimir-se de qualquer modo –
de acordo com o princípio geral da liberdade de forma, ou consensualidade
–, mas só através de certa forma, determinada pela lei.

113. Unidade.

Quer esta unidade dizer que uma pessoa não pode estar casada ao
mesmo tempo com duas ou mais. Nem a poliandria nem mesmo a
poligamia são, pois, admitidas. É esta uma característica do casamento
católico como do casamento civil, na nossa generalidade das legislações.
No que respeita ao casamento civil, a característica ressalta da alínea c) do
artigo 1601.º, que inclui o “ casamento anterior não dissolvido “ no elenco
dos impedimentos dirimentes absolutos do casamento. E deve notar-se
ainda que a bigamia é um crime, previsto e punido no artigo 247.º do
Código Penal. Advirta-se porem, que só não é permitida a poligamia
simultânea, pois a poligamia sucessiva ( as segundas núpcias ), essa, é
livremente admitida, tanto pelo direito civil como pelo direito canónico. A
morte dissolve o vínculo matrimonial.

114. Vocação de perpetuidade.

A doutrina tradicionalmente falava em perpetuidade do casamento


para exprimir a ideia de que este só se dissolve quando algum dos cônjuges
falecer.
Até à “Lei do Divórcio” de 1910 o casamento era mesmo perpétuo,
pois o Código de Seabra não admitia o divórcio mas só a separação de
pessoas e bens. Passou a ser apenas presuntivamente perpétuo com a
legislação da 1.ª República, que veio permitir o divórcio.
Com a Reforma de 1977, o divórcio foi porém outra vez facilitado.

26
Direito da Família 4.º Ano 27

Embora condicionado à homologação de certos acordos, o divórcio


por mútuo consentimento passou a poder ser pedido directamente, sem a
mediação da separação de pessoas e bens.
Com a Lei n.º 47/98, de 10 de Agosto, facilitou ainda mais o divórcio
por mútuo consentimento, permitindo que este seja pedido “ a todo o tempo
“.

PROMESSA DE CASAMENTO

Nos termos do artigo 1591.º do Código Civil, o contrato pelo qual, a


título de esponsais, desposórios ou qualquer outro, duas pessoas de sexo
diferente se comprometem a contrair matrimónio não dá direito a exigir do
casamento, nem a reclamar, na falta de cumprimento, outras
indemnizações que não sejam as previstas no artigo 1594.º, mesmo quando
resultantes de cláusula penal.

117. Efeitos.

Concebida a promessa de casamento como verdadeiro negócio


jurídico, dela resultarão, em princípio, os mesmos efeitos que derivam de
qualquer outra promessa de contratar.

A obrigação de indemnizar constitui o efeito mais saliente da


promessa de casamento.
No que se refere aos sujeitos da obrigação de indemnizar, o artigo
1594.º n.º 1 não levanta dificuldades. A indemnização pode ser pedida pelo
esposado inocente, pelos pais deste ou por terceiros que tenham agido em
nome dos pais. E pode ser pedida ao nubente culpado, que rompeu a
promessa sem justo motivo ou que, por culpa sua, deu lugar a que outro se
retractasse. Como é natural, não define a lei o que seja “ justo motivo “.
Trata-se de um conceito indeterminado, que pertenceria à jurisprudência
determinar na sua aplicação aos casos concretos.
Não havendo, praticamente, jurisprudência sobre a matéria, poderá
dizer-se, de um modo geral, que há justo motivo quando, segundo as
concepções que dominam a esfera social dos nubentes, a continuação do
noivado e a celebração do casamento não podem razoavelmente ser
exigidas a um ou a ambos os esposados.

27
Direito da Família 4.º Ano 28

A obrigação de indemnizar suscita também alguns problemas no que


respeita ao seu objecto e há vários pontos do regime legal que convém
fixar.

O dever de indemnizar que resulta do rompimento dos esponsais não


se estende à totalidade dos prejuízos causados, nos termos gerais do direito
dos contratos, mas é restrito às despesas feitas e às obrigações contraídas
na previsão do casamento ( artigo 1594.º n.º 1 ). Ficam pois de fora os
lucros cessantes, os restantes danos emergentes, que não se reconduzam a
despesas feitas ou obrigações contraídas e, por último, os danos não
patrimoniais.
A indemnização é fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal, nos
termos do artigo 1594.º n.º 3 devendo atender-se no seu cálculo, “ não só à
medida em que as despesas e obrigações se mostrem razoáveis, perante as
circunstâncias do caso e a condição dos contraentes, mas também às
vantagens que, independentemente do casamento, umas e outras possam
ainda proporcionar”.

Outro efeito dos esponsais é a obrigação de restituir os donativos


feitos em virtude da promessa e na expectativa do casamento, nos termos
dos artigos 1592 e 1593.º.

È de notar que o dever de restituir também abrange as cartas e os


retratos pessoais do outro esposado, como dispõe o artigo 1592.º n.º 2, mas
nãos as coisas que hajam sido consumidas antes da retractação ou da
verificação da incapacidade.

Sendo este o regime geral de restituição de donativos, o artigo 1593.º


estabelece, porém, um regime particular para o caso de o casamento não se
celebrar em razão da morte de algum dos promitentes.

Por último, cabe referir que o Código marca o prazo de caducidade de


um ano, a contar da data do rompimento da promessa ou da morte do
promitente, para a acção destinada a exigir a restituição dos donativos ou as
indemnizações previstas no artigo 1594.º ( artigo 1595.º ).

CASAMENTO CIVIL

Consentimento

28
Direito da Família 4.º Ano 29

119. Necessidade do consentimento e modo como deve ser


prestado.

O casamento exige o consentimento dos nubentes, tanto ou mais do


que qualquer contrato exige o mútuo consenso e qualquer negócio jurídico,
em geral, exige uma declaração de vontade.

As questões respeitantes ao consentimento estão reguladas nos artigos


1617.º e seguintes. O artigo 1617.º enuncia o princípio da actualidade do
mútuo consentimento e a ideia de que a vontade de contrair casamento
reveste o carácter pessoal está expressa no artigo 1619.º. Por sua vez, o
artigo 1631.º alínea b), considera anulável o casamento celebrado, por parte
de um ou de ambos os nubentes, com falta de vontade ou com a vontade
viciada por erro ou coacção; o regime da anulabilidade consta dos artigos
1634.º e seguintes.

120. Caracteres que deve revestir o consentimento.

O casamento matrimonial deve possuir certas propriedades ou


características, umas gerais, comuns a todos os negócios jurídicos, e outras
especiais, tratando-se agora de exigências particulares que a lei faz em
relação ao casamento.
Conjugando as primeiras com as segundas, podemos resumi-las neste
enunciado: o consentimento deve ser pessoal, puro e simples, perfeito e
livre.

➢ Carácter pessoal do consentimento.

Em primeiro lugar, o consentimento deve ser pessoal, isto é, há-de ser


expresso pelos próprios nubentes, pessoalmente, no acto da celebração.
Como dispões o artigo 1619.º.

122. Casamento por procuração.

A lei admite, porém, o chamado casamento por procuração, o qual


constitui, de alguma maneira, uma excepção ao princípio enunciado.
O instituto do casamento por procuração está regulado nos artigos
1620.º Código Civil e 44.º do Código do Registo Civil, que põem aqui
determinadas limitações ou exigências. Uma é de carácter formal: a
procuração para o casamento deve ser outorgada por instrumento público
ou por documento escrito e assinado pelo representado com o
reconhecimento presencial da letra e da assinatura. As outras duas são,

29
Direito da Família 4.º Ano 30

pode dizer-se de carácter substancial. Por um lado só um dos nubentes pode


fazer-se representar por procurador ( artigos 1620.º n.º 1 Código Civil ).
Por outro lado, há-de tratar-se de procuração em que se confiram poderes
especiais para o acto, se individualiza a pessoa do outro nubente e se
indique a modalidade de casamento ( artigos 1620.º n.º 2 Código
Civil ).

➢ Carácter puro e simples do consentimento.

Em segundo lugar o consentimento deve ser puro e simples, o que


quer dizer nomeadamente, que não podem ser apostos ao casamento uma
condição ou um termo. A solução está expressa no artigo 1618.º n.º 2 que
proíbe ainda que os efeitos do casamento fiquem submetidos à
preexistência de algum facto, sendo indiferente, em qualquer das hipóteses
aludidas, que a estipulação seja feita em convenção antenupcial, no
momento da celebração do casamento ou em outro acto.

➢ Perfeição do consentimento

124. A divergência entre a vontade e a declaração e suas formas:

Perfeito dizemos nós que deve ser o consentimento.


A lei presume, nos termos do artigo 1634.º, a declaração de vontade,
no acto de celebração, constitui presunção de que os nubentes quiseram
contrair casamento. Todavia nem sempre assim acontece.

Os casos de divergência entre a vontade e a declaração estão regulados


no artigo 1635.º que enumera quatro hipóteses em que o casamento pode
ser anulado por “ falta de vontade ”, devendo entender-se, dado o
disposto no artigo 1627.º que o casamento só é anulável com fundamento
na mencionada divergência em casos que se reconduzam a alguma dessas
hipóteses típicas.

125. Casamento simulado.

O casamento é simulado quando se dá uma divergência entre a


vontade real e a vontade declarada ( artigo 1635.º alínea d) ).
A anulação pode ser requerida pelos próprios cônjuges e por quaisquer
pessoas prejudicadas com o casamento ( artigo 1640.º n.º 1 ), dentro dos 3
anos subsequentes ou, se o casamento era ignorado do requerente, nos 6
meses seguintes á data em que dele teve conhecimento ( artigo 1644.º ).

30
Direito da Família 4.º Ano 31

126. Erro na declaração.

Se falta ao declarante a própria vontade da acção, ou até a vontade ( ou


mesmo só a consciência ) da declaração, o casamento é anulável nos termos
do artigo 1635.º alínea a), que constitui desvio á regra do artigo 246.º,
segundo a qual a declaração “ não produz qualquer efeito ” nessas
hipóteses.

➢ Liberdade do consentimento

127. Vícios do consentimento.

Por último o consentimento deve ser livre, o que a lei presume


também no artigo 1634.º.
E, para que o consentimento seja verdadeiramente livre, é preciso que
a vontade dos nubentes, em primeiro lugar tenha sido esclarecida, ou seja,
formada com exacto esclarecimento das coisas, e, em segundo lugar, se
tenha formado com liberdade exterior, isto é, sem a pressão de violências
ou ameaças.
Com o primeiro aspecto relaciona-se, a doutrina do erro; com o
segundo a da coacção.
Na verdade, em face do princípio do artigo 1627.º, só são relevantes
em matéria de casamento os vícios da vontade previstos especialmente na
lei, justamente o erro e a coacção, e não os restantes. Não assumem
significado, pois, quanto ao casamento, nem o dolo, nem, em geral, o
estado de necessidade.

128. Erro

O erro releva nos termos do artigo 1636.º. Deve recair sobre a pessoa
com quem se realiza o casamento e versar sobre uma qualidade essencial
dessa pessoa.
A relevância do erro no casamento depende dos seguintes
pressupostos:
“ é necessário que o erro recaia sobre qualidade essencial da pessoa
do outro cônjuge, que seja próprio ( recaia sobre qualquer requisito legal
de existência ou validade do casamento ), que seja desculpável e que a
circunstância sobre a qual o erro versou tenha sido determinante da
vontade de contrair casamento, tanto subjectiva como objectivamente ”.

31
Direito da Família 4.º Ano 32

129.º Coacção.

O casamento também pode ser anulado com fundamento em coacção,


nos termos do artigo 1638.º.
A figura da coacção, enquanto vício da vontade, reconduz-se ao receio
ou temor ocasionado no declarante pela cominação de um mal, dirigido à
sua própria pessoa, honra ou fazenda ou de um terceiro. O receio da
consumação ulterior do mal cominado é que constitui propriamente a
coacção como vício da vontade.

São necessárias 3 condições gerais de relevância da coacção referentes


ao casamento.
Em primeiro lugar, a coacção deve ser essencial ou determinante da
vontade.
Em segundo lugar, há-de haver intenção de extorquir a declaração.
E finalmente deve a cominação ser injusta – ilícita.

130. Anulabilidade por erro ou coacção.

Quando o consentimento for prestado por erro ou coacção e se


verifiquem as respectivas condições de relevância, o casamento é anulável
( artigo 1631.º alínea b) ).
A acção de anulação só pode ser intentada pelo cônjuge enganado ou
coacto, dentro dos seis meses subsequentes à cessação do vício ( artigo
1645.º ); mas podem prosseguir nela os seus parentes, afins na linha recta,
herdeiros ou adoptantes se o autor falecer na pendência da causa ( artigo
1641.º ).

Capacidade

131. – Conceito de impedimento matrimonial.

Impedimentos matrimoniais dizem-se as circunstâncias que, de


qualquer modo, impedem a celebração do casamento, as circunstâncias
verificadas as quais o casamento não pode celebrar-se, sob pena de
anulabilidade do acto ou de sanções de outra natureza.

132. Classificações dos impedimentos matrimoniais.

Dos impedimentos matrimoniais podem fazer-se várias classificações.

32
Direito da Família 4.º Ano 33

A mais importante é a que a lei faz nos artigos 1601.º, 1602.º e 1603º,
distinguindo entre, impedimentos dirimentes, e simplesmente impedientes.
È uma distinção fundamental pois no primeiro caso é anulável o casamento
que for contraído não obstante a existência do impedimento ( artigo 1631.º
alínea a) ), ao passo que no segundo não o é, só se aplicando outras
sanções.

Classificação diferente é a que distingue entre impedimentos absolutos


e relativos. Os primeiros são verdadeiras incapacidades, filiam-se numa
qualidade ( ou numa deficiência ) da pessoa e impedem-na de casar seja
com quem for; os segundos são mais propriamente ilegitimidades, que se
fundam numa relação da pessoa de que se trata com outra ou outras e só
lhe proíbem o casamento com essa ou essas pessoas.

Dirimentes ( anulabilidade )

- absolutos ( incapacidade ) – artigo 1601.º

- relativos ( ilegitimidade ) – artigo 1602.º

Impedientes ( outras sanções ) – impõem clausulas de dureza contra


os prevaricadores.
- absolutos
artigo 1604.º ( estão misturados ).
- relativos
Impedimentos – Direito Civil / Direito
Canónico
§ 2.º
Impedimentos dirimentes

133. Falta de idade nupcial.

A falta de idade nupcial é o primeiro dos impedimentos dirimentes


absolutos que a lei refere.
Segundo o artigo 1601.º alínea a), é impedimento dirimente absoluto “
a idade inferior a dezasseis anos “ seja qual for o sexo do nubente.
No que se refere à legitimidade para a acção de anulação e respectivos
prazos, regem os artigos 1639.º e 1643.º.

134. Demência.

33
Direito da Família 4.º Ano 34

Nos termos do artigo 1601.º alínea b), são impedimentos dirimentes


absolutos “ a demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a
interdição ou inabilitação por anomalia psíquica ”.

Importa ter em conta que o conceito jurídico de demência não coincide


com o psiquiátrico: demência, para o direito civil, é simplesmente o mesmo
que anomalia mental ou psíquica. Não se trata, portanto, apenas daquela
particular doença mental que se chama “ demência “ no foro psiquiátrico,
mas de qualquer anomalia, quer se projecte no domínio da inteligência quer
no da vontade, que impeçam o indivíduo de reger convincentemente a sua
pessoa e os seus bens.

a) Em primeiro lugar, está bem claro no artigo 1601 alínea c), que o
impedimento tanto abrange a demência de direito, reconhecida em sentença
de interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, como a simples
demência de facto.
O impedimento de interdição ou inabilitação por anomalia psíquica só
existe desde a data do trânsito em julgado da respectiva sentença.
Assim, o casamento que tenha sido celebrado posteriormente à data
que a sentença tenha fixado como a do começo da incapacidade poderá ser
anulado, com fundamento no artigo 1601.º alínea c), sem que o requerente
tenha de fazer prova da anomalia psíquica invocada.
Não assim no caso de demência de facto, em que importará fazer
prova, não apenas da demência, mas também da data em que ela se
manifestou. Como decorre das regras gerais, a demência só releva se já
existia à data da celebração do casamento; a demência só releva se já
existia à data da celebração do casamento; a demência posterior não é
impedimento nem pode fundar uma acção de anulação, mas só uma acção
de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, nos termos do artigo
1781.º alínea c).

b) A questão dos intervalos lúcidos, que era discutida na legislação


anterior ao Código, está hoje expressamente resolvida na lei ( artigo 1601.º
alínea c) ), no sentido de que a demência constitui impedimento à
celebração do casamento mesmo durante esses intervalos.

c) Por último, há que referir que o artigo 1601.º alínea c), haja ou não
sentença de interdição ou inabilitação, concebe demência como um estado
permanente ou habitual, não se abrangendo no preceito, portanto, os casos
de demência acidental.

135. Vínculo matrimonial não dissolvido.

34
Direito da Família 4.º Ano 35

O impedimento de vínculo, a que se refere alínea c) do artigo 1601.º é


um dos que se revestem de mais interesse prático. Nos termos da referida
disposição, constitui impedimento dirimente absoluto o casamento anterior
não dissolvido, católico ou civil, ainda que o respectivo assento não tenha
sido lavrado no registo do estado civil.
Visa-se evitar a bigamia.

No que se refere à morte presumida deve ter-se em conta o


preceituado nos artigos 115.º e 116.º. A morte presumida não dissolve o
casamento ( artigo 115.º ), como bem se compreende, dado que a
respectiva declaração pode ser requerida por qualquer dos interessados a
que se refere o artigo 100.º ( artigo 114.º n.º 1 ).
Decorridos dois anos sobre a data das últimas notícias, o cônjuge do
ausente pode todavia pedir o divórcio com o fundamento da alínea d) do
artigo 1781.º.

136. Parentesco e afinidade.

No elenco dos impedimentos dirimentes relativos menciona o Código


em primeiro lugar o parentesco na linha recta ( artigo 1602.º alínea a) ) e
no segundo grau da linha colateral ( artigo 1602.º alínea b) ), assim como a
afinidade na linha recta ( artigo 1602.º alínea c) ).

São estes os únicos vínculos familiares que constituem impedimentos


dirimentes, devendo ter-se em conta, porém, que o impedimento de
parentesco também compreende, no caso de adopção plena, quer a relação
entre adoptante e adoptado e as relações entre os descendentes do adoptado
e o adoptante ou entre os ascendentes do adoptante e o adoptado ( alínea a)
), quer as relações entre o adoptado e os outros filhos do adoptante, se os
houver ( alínea b) ), dado o princípio expresso no artigo 1986.º.

137. Condenação por homicídio.

Constitui ainda impedimento dirimente relativo a “ condenação


anterior de um dos nubentes, como autor ou cúmplice, por homicídio
doloso ainda que não consumado, contra o cônjuge do outro” ( artigo
1602.º alínea d) ).
Trata-se de uma sanção imposta ao autor ou cúmplice do homicídio,
embora não consumado, homicídio que a lei suspeita tenha sido cometido
com a intenção de permitir o casamento do agente com o cônjuge da
vítima.

35
Direito da Família 4.º Ano 36

§ 3.º
Impedimentos impedientes

139. Falta de autorização dos pais do tutor para o casamento de


menores.

Nos termos do artigo 1604.º alínea a), constitui impedimento


impediente, “ a falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento
do nubente menor, quando não suprida pelo conservador do registo civil ”.

O impedimento refere-se apenas, claro está, aos menores de 18 anos


mas maiores de 16; os menores de 16 estão feridos de incapacidade de
gozo em relação ao casamento.

140. Prazo internupcial.

Outro impedimento impediente é o do prazo internupcial.


Nos termos do n.º 1 do artigo 1605.º, “ o impedimento do prazo
internupcial obsta ao casamento daquele cujo matrimónio anterior foi
dissolvido, declarado nulo ou anulado, enquanto não decorrerem sobre a
dissolução, declaração de nulidade ou anulação, cento e oitenta ou
trezentos dias, conforme se trate de homem ou mulher ”.

141. Parentesco no 3.º grau da linha colateral.

Também é impedimento impediente “ o parentesco no terceiro grau da


linha colateral ” ( artigo 1604.º alínea c) ), não podendo casar, portanto, os
tios com as sobrinhas nem as tias com os sobrinhos.
O impedimento é todavia dispensável ( artigo 1609.º n.º 1 alínea a) )

142. Tutela, curatela e administração legal de bens.

Nos termos do artigo 1604.º alínea d) e 1608.º, é ainda impedimento


impediente o vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens
enquanto não tiver decorrido um ano sobre o termo da incapacidade e não
estiverem aprovadas as respectivas contas, se houver lugar a elas.
O artigo 1608.º demarca a extensão do impedimento, que atinge, não
só o tutor, curador ou administrador, mas também os seus parentes ou afins
na linha recta, irmãos, cunhados e sobrinhos.

143. Vínculo de adopção restrita.

36
Direito da Família 4.º Ano 37

A adopção restrita é igualmente impedimento impediente, obstando ao


casamento: a) do adoptante ou seus parentes na linha recta com o adoptado
ou seus descendentes; b) do adoptado com o que foi cônjuge do adoptante;
c) do adoptante com o que foi cônjuge do adoptado; d) dos filhos adoptivos
da mesma pessoa, entre si ( artigos 1604.º alínea e) e 1607.º ).
Trata-se de impedimento susceptível de dispensa.

144. Pronúncia por homicídio.

Conforme vimos atrás é necessário que o agente tenha sido condenado


por sentença transitada em julgado para que funcione o impedimento
dirimente da alínea d) do artigo 1602.º; e como o objectivo da lei poderia
frustar-se se não se impedisse o casamento celebrado antes da sentença, o
Código de 1966 estabeleceu um impedimento impediente a partir da
pronúncia do nubente pelo respectivo crime, impedimento que se manterá “
enquanto não houver despronúncia ou absolvição por decisão passada em
julgado “ ( artigo 1604.º alínea f) ).

148. Registo do casamento.

Formas de registo:
- inscrição
- averbamento ou assento
- transcrição

- menção – quando há alterações do estado das pessoas.

O registo estabelece uma presunção de existência e um acto jurídico (


casamento ).

A finalidade do registo é também dar publicidade ao acto.

2 princípios do registo:

Princípio da inalterabilidade – ( contudo admite excepções ) – se


existirem vícios.
Proceder-se-á então é rectificação do registo ou justificação
administrativa.

37
Direito da Família 4.º Ano 38

Princípio da retroactividade – está expresso no artigo 1670.º e 188.º


CRegCiv, segundo os quais, efectuado o registo, e ainda que este venha a
perder-se, os efeitos civis do casamento se retrotraem à data da sua
celebração.

O registo do casamento é obrigatório e reveste-se de grande


importância, pois só através de certidões dele extraídas pode fazer-se prova
do casamento.

O registo do casamento pode ser lavrado por inscrição ou por


transcrição, havendo ainda a considerar o caso de casamento católico
celebrado entre cônjuges já vinculados entre si por casamento civil anterior
não dissolvido, que é averbado ao assento deste. No que se refere ao
casamento civil, único que neste momento nos importa, o registo é lavrado
por inscrição no livro próprio da conservatória.

149. Casamentos urgentes.

Quando haja fundado receio de morte próxima de algum dos nubentes,


ainda que derivada de circunstâncias externas, ou iminência de parto, o
casamento pode celebrar-se independentemente de processo preliminar e
sem intervenção do funcionário ( artigo 1622.º ). Os casamentos celebrados
nestas circunstâncias denominam-se urgentes e o seu formalismo é muito
simples.

Segundo o artigo 1623.º - o funcionário, depois de lavrado o assento


provisório, decidirá se o casamento deve ser homologado.

As causa não justificativas da não homologação são as previstas no


artigo 1624.º.

O casamento urgente não homologado é juridicamente inexistente (


artigo 1628.º alínea b) ).

Os casamentos urgentes consideram-se sempre celebrados no regime


da separação ( artigo 1720.º n.º 1 alínea a) ); é esta, pode dizer-se, a única
especialidade substancial do respectivo regime.

150. Casamentos de portugueses no estrangeiro e de estrangeiros


em Portugal.

38
Direito da Família 4.º Ano 39

Em toda a exposição anterior só tivemos presente o caso normal de os


nubentes serem portugueses e o casamento se celebrar no país, mas importa
considerar ainda o casamento de portugueses no estrangeiro e de
estrangeiros em Portugal, matéria regulada no artigo 50.º e 51.º que remete
para o 1599.º.

Invalidade do casamento

Inexistência do casamento

153. Casos de inexistência.

São os previstos no artigo 1628.º, que se reconduzem às três hipóteses


clássica da doutrina francesa: casamentos celebrados perante quem não
tinha competência funcional para o acto ( alíneas a) e b) ), contraídos entre
pessoas do mesmo sexo ( alínea e) ) ou em que falte a declaração de
vontade dos nubentes ou de um deles ( alíneas c) e d) ).

154. Regime da inexistência.

Quanto ao regime da inexistência, basta dizer que o casamento


inexistente não produz efeitos – nem mesmo os putativos –, e que a
inexistência do casamento pode ser invocada a todo o tempo, e por
qualquer interessado, independentemente de declaração judicial ( artigo
1630.º ).

Anulabilidade do casamento.

155. Casos de anulabilidade.

Os casos de anulabilidade são exclusivamente os do artigo 1631.º.

156. Regime da anulabilidade.

De um modo geral, pode dizer-se que a anulabilidade não opera ipso


iure, não sendo invocável para qualquer efeito, judicial ou extrajudicial,
enquanto não for reconhecida por sentença em acção especialmente
intentada para esse fim ( artigo 1632.º ); além disso, a acção de anulação
só pode ser intentada por certas pessoas ( artigos 1639.º a 1642.º ), e
dentro de certos prazos ( artigos 1643.º a 1646.º ), considerando-se sanada a

39
Direito da Família 4.º Ano 40

anulabilidade e válido o casamento em determinadas hipóteses ( artigo


1633.º ).

Casamento putativo

157. Noção e razão de ser do instituto

Declarado nulo ou anulado o casamento, os efeitos que este produziu


até à data da declaração de nulidade ou da anulação podem manter-se
quando certos pressupostos se verifiquem.
O instituto está regulado nos artigos 1647.º e 1648.º.

159. Pressupostos.

A produção de efeitos putativos depende de três pressupostos.

a) Em primeiro lugar, é necessária a existência do casamento. Se o


casamento é inexistente, por se verificar alguma das situações previstas no
artigo 1628.º, não tem efeitos putativos ( artigo 1630.º n.º 1 ).

b) Em segundo lugar, é preciso que o casamento tenha sido declarado


nulo ou anulado ( artigo 1647.º n.º 1 e n.º 3 ): a invalidade do casamento
não opera ipso iure ( artigo 1632.º ) e, enquanto não for reconhecida por
sentença em acção especialmente intentada para esse fim, o casamento
produz todos os seus efeitos.

c) O terceiro pressuposto é a boa fé dos cônjuges ou de algum deles,


mas não pode colocar-se no mesmo plano dos anteriores.

160. Efeitos.

I) Princípio geral

O princípio geral, quanto aos efeitos do casamento putativo, enuncia-


se assim: mantêm-se para o futuro, até ao momento da declaração de
nulidade ou da anulação, os efeitos do casamento já produzidos, mas não se
produzem novos efeitos.

II) Efeitos em relação aos cônjuges.

Há que distinguir três situações possíveis:

40
Direito da Família 4.º Ano 41

Se os cônjuges estavam ambos de boa fé, o casamento produz todos os


efeitos entre eles até à data da declaração de nulidade ou da anulação (
artigo 1647.º n.º 1 ).
Se só um estava de boa fé, o casamento inválido produz ( e produz,
naturalmente, em relação a ambos os cônjuges ) os efeitos que forem
favoráveis, concretamente, ao cônjuge de boa fé ( artigo 1647.º n.º 2 ).
Se ambos os cônjuges estavam de má fé, o casamento não tem eficácia
putativa em relação a eles.

III) Efeitos em relação aos filhos.

Não há agora que distinguir entre boa e má fé dos cônjuges. Mesmo


que estes tenham contraído o casamento de má fé, a presunção pater is est
aplica-se aos filhos nascidos do casamento, nos termos do artigo 1827.º.

EFEITOS DO CASAMENTO

- Princípio da igualdade dos cônjuges.


- Princípio da direcção conjunta da família.

➢ Efeitos Pessoais: - respeito.


- fidelidade. leito
- Deveres dos Cônjuges - coabitação mesa
- Nome - cooperação.
habitação
- Nacionalidade - assistência.

➢ Efeitos Patrimoniais

Efeitos Pessoais

170. Princípios fundamentais: Igualdade dos cônjuges e direcção


conjunta da família.

O artigo 1671.º enuncia os dois princípios fundamentais por que se


rege a matéria dos efeitos pessoais do casamento: o princípio da igualdade
dos direitos e deveres dos cônjuges ( n.º 1 )e, m correlação com ele, o da
direcção conjunta da família ( n.º 2 ).

I. No que se refere ao princípio da igualdade dos cônjuges, o mesmo


dispõe que “ os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à
capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos ”, o artigo

41
Direito da Família 4.º Ano 42

36.º n.º 3 da Constituição usa uma reformulação redutora, mas isso não
obsta a que o princípio se aplique a outros aspectos não compreendidos na
letra da disposição ( responsabilidade por dívidas, administração dos bens
dos filhos ). Na verdade o artigo 36.º n.º 3, é mero corolário do princípio
geral do artigo 13.º n.º 2 que proíbe qualquer discriminação em razão do
sexo. O homem e a mulher são iguais perante a lei ( artigo 13.º n.º 2 ), e
não deixam de o ser pelo facto de serem casados um com o outro.

II. O princípio da direcção conjunta da família ( artigo 1671.º n.º 2 ) é


por assim dizer um corolário do da igualdade dos cônjuges, enunciado no
número anterior. Se os cônjuges são iguais, a direcção da família deve
pertencer aos dois e não exclusivamente a um deles.

Em primeiro lugar cabe observar que este princípio se trata de um


preceito imperativo.
Note-se, que a lei impõe aos cônjuges o dever de “ acordar sobre a
orientação da vida em comum tendo em conta o bem da família e os
interesses de um e outro “.

Terceiro ponto a considerar é o do objecto do acordo. Este deve versar


sobre a orientação da vida em comum ( como diz a lei ) e só sobre ela; o
poder de executar a orientação acordada pertence naturalmente a qualquer
dos cônjuges.

No que se refere ao exercício de profissão, cabe referir que o artigo


1676.º do Código de 1966, antiga redacção, já abrira à mulher o exercício
de profissões liberais ou funções públicas sem o consentimento do marido.

Questão muito controversa é a da natureza jurídica dos acordos (


expressos ou, quase sempre, tácitos ) que os cônjuges celebrem no
cumprimento do dever que o artigo 1671.º n.º 2, lhes impõe.

No âmbito das relações pessoais entre os cônjuges ( não assim no das


relações patrimoniais onde essa intervenção é largamente admitida: o artigo
1684.º n.º 3 ), apenas em três casos permite o Código que o conflito entre
os cônjuges seja decidido pelo tribunal:
- nos casos de desacordo sobre a fixação ou alteração da residência da
família – artigo 1673.º n.º 3.

- sobre o nome próprio ou os apelidos dos filhos - artigo 1875.º n.º 2.

- e sobre questões de particular importância relativas ao exercício do


poder paternal – artigo 1901.º n.º 2.

42
Direito da Família 4.º Ano 43

À parte estes casos, o desacordo deve ser resolvido dentro da família,


pelos próprios cônjuges.
O direito recusa-se a intervir e faz apelo ao sentido de
responsabilidade dos cônjuges e à sua capacidade de auto-regulamentação
da família.

Deveres dos cônjuges

Nos termos do artigo 1672.º, estão os cônjuges reciprocamente


vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e
assistência. Trata-se pois de deveres recíprocos, como o exige o princípio
da igualdade dos cônjuges. Não há hoje deveres próprios do marido ou da
mulher.
A violação culposa de qualquer destes deveres é causa de divórcio ou
separação judicial de pessoas e bens litigiosos.
Contudo, é certo que a violação culposa dos deveres conjugais só é
relevante quando, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida
em comum ( artigo 1779.º n.º 1 ).

172. Dever de respeito.

O dever de respeito é um dever ao mesmo tempo negativo ( non facere


) e positivo ( facere ).
Como dever negativo o cônjuge deve respeito ao outro, não deve fazer
coisas que violem a integridade física, ex.: agressão física, e moral (ex.:
enxovalho público ridicularizando-o).
Ex.: se A dá esperma num banco de esperma e não diz nada ao outro
cônjuge, é uma forma de desrespeito quando é feito à revelia do outro cônjuge,
pois ele pode vir a ter n filhos.
Ex.: aborto
Ex.: esterilização de um deles
Ex.: a mulher que é barriga de aluguer.
Não devemos actuar de forma a ferir a susceptibilidade do outro cônjuge
para não o desrespeitar.
Mas o dever de respeito como dever de non facere é ainda, em segundo
lugar, o dever de cada um dos cônjuges não se conduzir na vida de forma
indigna, desonrosa e que o faça desmerecer o conceito público. Através de
comportamentos, vestimenta, se por exemplo se embriaga, se droga e a polícia o
trás a casa- aqui está em causa o bom nome da família, a ideia de família como
unidade moral. Abala a imagem social.

43
Direito da Família 4.º Ano 44

O dever de respeito é porém ainda um dever positivo. Não o dever de cada


um dos cônjuges amar o outro, pois a lei não impõe nem pode impor
sentimentos. Mas o cônjuge que não fala ao outro, que não mostra o mínimo
interesse pela família que constituiu, que não mantém com o outro qualquer
comunhão espiritual, não respeita a personalidade do outro cônjuge e infringe o
correspondente dever.

173. Dever de fidelidade.

Trata-se agora de um puro dever negativo.


O dever se fidelidade obriga cada um dos cônjuges, em primeiro lugar, a
não cometer adultério, ou seja, a não ter relações sexuais consumadas com
pessoa de outro sexo que não seja o seu cônjuge.

Não se confunde com a coabitação que define a comunhão de leito, pois


uma pessoa pode cometer adultério e cumprir os deveres de coabitação.
Fidelidade = exclusividade sexual

Para a fidelidade não tem que haver o acto sexual, não é necessário haver a
consumação sexual, basta que haja um abuso entre colegas de trabalho, por ex.,
beijos, abraços para além da amizade.

Elemento objectivo- práticas sexuais


+
Elemento subjectivo- o saber que está a violar o dever de fidelidade, é a
consciência.

O professor Pereira Coelho admite que falte o elemento subjectivo em 2


casos: se houver erro (ex.: num baile de máscaras, o marido pensa que está a
fazer amor com a mulher e está a fazer com uma amiga dela) e coacção (ex.: a
directora que diz se fizeres és promovido).
As situações de erro são muito raras.

A prova do adultério faz-se normalmente por presunções judiciais.


As presunções são ilidíveis.
Estas presunções podem ser: legais ou judiciais.
Artigos 349º, 351º

174. Dever de coabitação.

44
Direito da Família 4.º Ano 45

A palavra tem um sentido próprio e mais amplo no direito matrimonial. “


Coabitar “ não quer dizer apenas habitar conjuntamente, na mesma casa, ou
viver em economia comum, mas viver em comunhão de leito, mesa e habitação.

a) Comunhão de leito.

Neste aspecto, o casamento obriga os cônjuges ao chamado “ débito


conjugal ” (sexual)
O casamento implica uma limitação lícita do direito à liberdade sexual, no
duplo sentido de que a pessoa casada fica obrigada a ter relações sexuais com o
seu cônjuge e a não ter essas relações com terceiros.
A recusa de consumar o casamento ou de manter relações sexuais com o
outro constitui violação do dever de coabitação e, como tal, causa de divórcio
ou separação judicial de pessoas e bens, se não for justificada por impotência,
doença de um ou ouro dos cônjuges, etc..

b) Comunhão de mesa

A comunhão de ménage, a vida em economia comum, é o segundo aspecto


em que se analisa o dever de coabitação.

c) Comunhão de habitação.

De acordo com o princípio da igualdade dos cônjuges, são estes que


devem escolher de comum acordo ( expresso ou tácito ) a residência da
família, ou seja, a terra e o local onde vão viver; nos termos da lei, devem,
devem os cônjuges atender nomeadamente às exigências da sua vida
profissional, ao interesse dos filhos e à salvaguarda da unidade da vida
familiar ( artigo 1673.º n.º 1 ).
Apresentam-se vários factores de ponderação: local de trabalho,
infantário, etc.

175. Dever de cooperação.

Em quarto lugar o artigo 1672.º menciona o dever de cooperação, que


importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de
assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família
que fundaram ( artigo 1674.º ).
A primeira obriga os cônjuges a ampararem-se mutuamente nas horas
boas e más, na felicidade como na provação; a segunda, obriga-os a
assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família.
Não se trata agora de cada um ajudar o outro. Trata-se que a família é obra

45
Direito da Família 4.º Ano 46

dos dois, e ambos devem assumir em conjunto as inerentes


responsabilidades.

176. Dever de assistência.

Por último, o artigo 1672.º refere o dever de assistência, que


compreende a obrigação de prestação de alimentos e a contribuição para os
encargos da vida familiar.
a) obrigação de prestação de alimentos.

Praticamente a primeira destas obrigações só tem autonomia em face


da segunda quando os cônjuges vivem separados, de direito ou mesmo só
de facto.
Se vivem juntos, o dever de “ prestação de alimentos ” toma a forma
de “ dever de contribuição para os encargos da vida familiar ”.

No caso de separação de pessoas e bens, judicial ou administrativa, de


simples separação de facto, não existe “ vida familiar ”e não tem sentido
falar na obrigação de contribuir para os respectivos encargos; mas a lei, em
certas condições, obriga casa um dos cônjuges a prestar alimentos ao outro.

Critérios para fixação do montante da pensão de alimentos (factores de


ponderação)

Normalmente é até 1/3. Artigo 2003.º e seguintes.

( É admissível a prestação de alimentos a um filho maior mas que ainda


dependa dos pais ( ex.: estudante universitário que não trabalha ).
Artigos 2004.º 2005.º, 2006.º, 2007.º, mesmo na acção de alimentos
definitivos se a pessoa já tiver bens ( ex.: emprego ) pode cessar ou reduzir a
pensão de alimentos apesar de já ter saído sentença. O que é pago está e não é
devolvido. → artigo 2012º.

Artigos 2008º, 2009º, 2013º

O dever de alimentos também se traduz na obrigação de através desta


pensão de o cônjuge que os presta assegurar a manutenção do mesmo tipo de
vida daquele que recebe uma pensão de alimentos? Ex.: vip’s (ex.: Catarina
Tallon). Ao calcular a pensão deve-se ter em conta a condição social e a pessoa
não deve sair desfavorecida.

Artigo 2015º- 1675º, aplicado por analogia.


2012º

46
Direito da Família 4.º Ano 47

O cônjuge pode reduzir no IRS a pensão que dá (é uma despesa).


O dever de alimentos só adquire autonomia em caso de separação de facto
que pode ou não estar judicialmente homologada. Se não está-se a falar de
pensão de alimentos no sentido de cooperação.
Hoje em dia ( alteração de 77 ) o trabalho doméstico tem equivalência
pecuniária, é um trabalho considerado remunerado.
Quando um cônjuge possa provar que o outro cônjuge tenha mais
ganhos do que o que demonstrou pede-se em tribunal o desconto mensal
em relação ao salário que o empregado tem ( pensão de alimentos ). Ex.:
nas profissões liberais é difícil de provar o ganho mensal.

b) Obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar.

Como dispõe o artigo 1646.º, o dever de contribuição para os encargos


da vida familiar ( gastos do lar ) incumbe a ambos os cônjuges nos mesmos
termos ( de acordo com o princípio da igualdade dos cônjuges, não há uma
atribuição estereotipada de funções ao marido ou á mulher ) e pode ser
cumprido por qualquer deles de duas formas: pela afectação dos seus
recursos ( rendimentos e proventos ) àqueles encargos e através do trabalho
despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.

Nome e nacionalidade

177. Nome.

Os efeitos do casamento quanto ao nome patronímico, ou seja, aos


apelidos dos cônjuges estão regulados nos artigos 1677.º - 1677.º-C, os
quais, em conformidade com o novo princípio da igualdade, introduziram
substanciais alterações ao regime que o Código de 1966 estabelecera.
A regra fundamental é a do artigo 1677.º, segundo a qual cada um dos
cônjuges conserva os seus próprios apelidos mas pode acrescentar-lhes
apelidos do outro, até ao máximo de dois.

Efeitos patrimoniais.

Administração dos bens dos cônjuges

180. Princípios gerais.

O artigo 1678.º enuncia as regras gerais de administração dos bens do


casal.
Importa distinguir entre a administração dos bens próprios e a dos
bens comuns.

47
Direito da Família 4.º Ano 48

I. Quanto aos bens próprios, a regra enuncia-se com facilidade: cada


cônjuge administra os seus próprios bens ( artigo 1678.º n.º 1 ).
Introduzem-se, porém, algumas excepções a esta regra. Assim, nos
termos do n.º 2 do artigo citado, um dos cônjuges pode administrar bens do
outro: a) quando se trate de móveis que, embora pertencentes ao outro
cônjuge, são exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho pelo
cônjuge administrador ( alínea e) ); b) no caso de ausência de impedimento
do outro cônjuge ( alínea f) ); c) quando o outro lhe confira, por mandato
revogável, poderes de administração ( alínea g) ).

II. Relativamente aos bens comuns, poderia ter-se entregue a cada um


dos cônjuges a administração de uma certa massa de bens, como os que
cada um levasse para o casal ou trouxesse posteriormente para o casal.
A Reforma de 1977 seguiu, basicamente, a regra da administração
conjunta ( artigo 1678.º n.º 3, 2.ª parte ): ambos os cônjuges são os
administradores do património comum.

Constitui excepção a este princípio a concessão de poderes de


administração ordinária a qualquer dos cônjuges ( artigo 1678.º n.º 3, 1.ª
parte ).

Constituem também desvios á regra, os casos dos bens que, embora


comuns, devem ser administrados por um dos cônjuges, quer porque
tenham com esse cônjuge uma ligação privilegiada, quer porque o outro
esteja ausente ou impedido de os administrar ou tenha conferido àquele,
por mandato revogável, poderes de administração.

Assim, e embora se trate de bens comuns, o n.º 2 do artigo 1678.º


atribui a cada um dos cônjuges a administração exclusiva:

a) Dos proventos que receba pelo seu trabalho ( alínea a) ), embora os


bens sejam comuns por força do regime que vigora no casamento ( artigos
1724.º alínea a) e 1734.º ).

b) Dos seus direitos de autor ( alínea b) ). Vale para aqui a observação


da alínea anterior tratando-se, evidentemente, dos direitos patrimoniais de
autor; os direitos pessoais de autor são incomunicáveis, como “ direitos
estritamente pessoais ” e são administrados pelo titular ( artigo 1733.º n.º 1
alínea c) ), aplicando-se por maioria de razão à comunhão de adquiridos ou

48
Direito da Família 4.º Ano 49

a qualquer regime convencional que incorpore os direitos de autor no


património comum ).

c) Dos bens comuns que levou para o casal ou adquiriu depois do


casamento a título gratuito e dos sub-rogados em lugar deles ( alínea c) ).

d) Dos bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges


com exclusão da administração do outro cônjuge, salvo se se tratar de bens
doados ou deixados por conta legítima desse outro cônjuge ( alínea d) ).

e) Dos móveis comuns por ele exclusivamente utilizados como


instrumento de trabalho ( alínea e) ).

f) De todos os bens do casal, se o outro cônjuge se encontrar ausente


ou impedido de administrar ( alínea f) ).

g) De todos os bens do casal ou de parte deles, se o outro cônjuge lhe


conferir, por mandato revogável, esse poder ( alínea g) ).
A alínea g) do n.º 2 do artigo 1678.º trata só dos bens próprios do
outro cônjuge; porém, deve admitir-se, por maioria de razão, que um
cônjuge confira ao outro, por mandato revogável, os seus poderes de
administração sobre bens comuns.
A cedência por mandato, que é revogável, satisfaz o interesse que um
cônjuge tenha de não exercer os poderes de administração que a lei lhe dá,
porque não quer ou porque não sabe, sem correr o risco de os perder para
sempre.

181. Especialidades da administração dos bens do casal: poderes


do cônjuge administrador. Responsabilidade pela administração.

Os poderes do cônjuge administrador vão além da mera administração


( artigo 1682.º n.º 2 ), abrangendo poderes de disposição dos móveis
comuns ou próprios do cônjuge administrador.

No que toca à responsabilidade pelo exercício da administração, a


Reforma de 1977 alterou profundamente a solução do direito anterior,
segunda a qual o cônjuge administrador não era, em caso algum, obrigado a
prestar contas da administração que fazia, só sendo responsável pelos actos
praticados intencionalmente em prejuízo do casal ou do outro cônjuge (
artigo 1681.º Código Civil de 1966 ).

49
Direito da Família 4.º Ano 50

Nos casos em que o cônjuge tem o poder, por força da lei, de


administrar bens que não são seus – artigo 1678.º n.º 2 alíneas a) a f) –
mantém-se o regime de 1966: o administrador não é obrigado a prestar
contas da sua administração e só responde pelos actos intencionalmente
praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge ( artigo 1681.º n.º 1 ).
Pretende-se, com este regime de relativa impunidade, evitar que os
cônjuges se envolvam em acções de responsabilidade “...que podem
perturbar seriamente, quando não irremediavelmente, as relações...”
Não podem fundamentar pedidos de indemnização os actos meramente
culposos.

Para além dos casos em que é a própria lei a reconhecer a um cônjuge


poderes de administração exclusivos sobre bens comuns ou sobre bens
próprios do outro ( artigo 1678.º n.º 2 alíneas a) a f) ), os n.ºs 2 e 3 do artigo
1681.º estabelecem uma responsabilidade ampla: alargaram a todos os
regimes de bens as normas que estavam previstas, na versão de 1966,
apenas para os casados no regime da separação.

De um modo geral pode dizer-se que o administrador de bens comuns


ou de bens próprios do outro cônjuge é obrigado a prestar contas da sua
administração, por aplicação das regras do mandato ( artigo 1681.º n.º 2 e
3, e artigo 1161.º alínea d) ). A única diferença que a lei estabeleceu resulta
da parte final do n.º 2 do artigo 1681.º: o administrador só é obrigado a
prestar contas e a entregar o saldo dos últimos cinco anos.

Em segundo lugar, o administrador responde pelos actos e pelas


omissões nos termos em que um mandatário responde – nos termos gerais
do incumprimento das suas obrigações.

Quando a administração seja ruinosa a ponto de o cônjuge não


administrador correr o risco de perder o que é seu, dá-lhe ainda a lei a
faculdade de requerer a simples separação judicial de bens, nos termos dos
artigos 1767.º e seguintes.

O artigo 1680.º dá a ambos os cônjuges o poder de fazer depósitos


bancários em seu nome exclusivo e de os movimentar livremente.

182. Poderes do cônjuge não administrador.

Segundo o artigo 1679.º, “ o cônjuge que não tem a administração dos


bens não está inibido de tomar providências a ela respeitantes, se o outro se
encontrar, por qualquer causa, impossibilitado de o fazer, e do
retardamento das providências puderem resultar prejuízos.

50
Direito da Família 4.º Ano 51

Visam-se aqui apenas os casos de impedimento ou impossibilidade


temporária, ficando o cônjuge não administrador com poderes de
administração mas só para o efeito de poder requerer as providências a que
se refere este artigo.

Ilegitimidades conjugais

183. Generalidades.
O casamento gera incapacidades, costuma dizer-se, mas esta
terminologia é inapropriada, tratando-se antes de ilegitimidades do que de
incapacidades propriamente ditas.
È conhecida a distinção entre os dois conceitos. Enquanto a
capacidade “ depende duma qualidade, isto é, dum modo de ser do sujeito
em si, a legitimidade resulta duma posição, isto é, dum modo de ser para
com os outros ”.

184. Ilegitimidades conjugais nos regimes de comunhão.

Cada um dos cônjuges não pode, sem o consentimento do outro:

a) Alienar bens imóveis, próprios ou comuns ( artigo 1682.º-A., n.º 1,


alínea a) ).

b) Onerar bens imóveis, próprios ou comuns, através da constituição


de direitos reais de gozo ou de garantia, e ainda dar de arrendamento esses
bens ou constituir sobre eles outros direitos pessoais de gozo ( artigo
1682.º-A n.º 1 alínea a) ).

Oneração – encargo que recai sobre o bem. Retira-lhe valor ou torna-


lo precário – exemplo a hipoteca.

Ex. Pode constituir-se uma hipoteca judicial sobre um bem próprio de


um dos cônjuges ( artigo 710.º ), para garantia de pagamento de uma dívida
desse cônjuge.
A constituição de hipoteca judicial sobre um bem comum também é
lícita; mas, para respeitar a autonomia das várias massas patrimoniais, e o
princípio da subsidiaridade que ela impõe, a hipoteca deve recair sobre um
dos bens comuns que respondem pela dívida ao mesmo tempo que os bens
próprios ( artigo 1696 n.º 2 ).
Note-se, por último, que não é permitido constituir hipoteca sobre a
meação dos bens do casal ( artigo 690.º ).

51
Direito da Família 4.º Ano 52

c) Alienar o estabelecimento comercial, próprio ou comum ( artigo


1682.º-A, n.º 1 alínea b) ).

d) Onerar ou locar o estabelecimento comercial próprio ou comum (


artigo 1682.º-A, n.º 1 alínea b) ).

e) Alienar a casa de morada de família ( artigo 1682.º-A, n.º 2 ).


Trata-se de defender a estabilidade da habitação familiar – de a
defender contra ameaças ou perigos internos – no interesse dos cônjuges e
eventualmente dos filhos, no decurso da vida conjugal.

f) Onerar a casa de morada de família através da constituição de


direitos reais de gozo ou de garantia, e ainda dá-la de arrendamento ou
constituir sobre ela outros direitos pessoais de gozo ( artigo 1682.º-A, n.º 2
).

g) Dispor do direito ao arrendamento da casa de morada da família (


artigo 1682.º-B )

h) Alienar os móveis, próprios ou comuns, utilizados conjuntamente


pelos cônjuges na vida do lar ( artigo 1682.º n.º 3 alínea a) ).

i) Alienar os móveis, próprios ou comuns, utilizados conjuntamente


pelos cônjuges como instrumento de trabalho ( artigo 1682.º n.º 3 alínea a)
).
j) Alienar os seus bens móveis e os móveis comuns, se não for ele a
administrá-los ( artigo 1682.º n.º 2 e 3 alínea b) ).

l) Repudiar heranças ou legados ( artigo 1683.º n.º 2 ).

Se o chamado pretender repudiar, com boas razões, e o seu cônjuge


não der o consentimento necessário, fica na contingência de ser notificado
para dizer se aceita ou repudia, sob cominação de o silêncio valer por
aceitação ( artigo 2049.º ).

186. Consentimento conjugal.

O consentimento conjugal para a prática dos actos que dele legalmente


carecem deve ser especial para cada um desses actos ( artigo 1684.º n.º 1 ).
A lei pretende, naturalmente, que o cônjuge que dá o seu consentimento

52
Direito da Família 4.º Ano 53

pondere e reflicta sobre a oportunidade de cada acto. O que não obsta a que
o consentimento possa ser expresso ou tácito, nos termos gerais.
O consentimento conjugal está sujeito à forma exigida para a
procuração ( artigo 1684.º n.º 2 ), ou seja, à forma exigida para o respectivo
negócio ou acto jurídico ( artigo 262.º n.º 2 ).

O artigo 1687.º n.º 1 considera anuláveis os actos praticados contra o


disposto nos n.º 1 e 3 do artigo 1682.º, nos artigos 1682.º-A e 1682.º-B e
no n.º 2 do artigo 1683.º. Como anuláveis deverão considerar-se igualmente
as alienações de móveis comuns feitas pelo cônjuge não administrador.

Quanto ao regime da anulabilidade, nos termos do artigo 1687.º, a


anulação pode ser pedida pelo cônjuge que não deu o consentimento ou
seus herdeiros ( n.º 1 ), nos seis meses subsequentes à data em que o
requerente teve conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos três
anos sobre a sua celebração.

Ao lado das normas que protegem o adquirente de boa fé no caso dos


actos nulos ( artigo 1687.º n.º 4 e 892.º ) 0 n.º 3 procura assegurar
protecção ao adquirente de boa fé nos casos de anulabilidade.

Poderes dos cônjuges relativamente aos bens


que integras as várias massas patrimoniais

187. Poderes de disposição inter vivos.

A) Quanto a bens imóveis

a) Sendo o regime de comunhão

Sendo o regime de comunhão, cada um dos cônjuges não pode dispor


dos seus bens próprios nem dos bens comuns sem o consentimento do
outro ( artigo 1682.º-A, n.º 1 alínea a) ), sob pena de anulabilidade do acto (
artigo 1687.º n.º 1 ).
Também não pode dispor dos bens do outro, sendo nula a disposição
que faça desses bens ( artigos 892.º e 1687.º n.º 4 ).

b) No regime da separação.

No regime da separação, cada um dos cônjuges pode dispor livremente


dos seus bens próprios ( artigo 1682.º-A, n.º 1 alínea a) ), mas não pode

53
Direito da Família 4.º Ano 54

dispor dos bens do outro sob pena de nulidade do acto ( artigos 892.º e
1687.º n.º 4 ).

B) Quanto a bens móveis

a) Sendo o regime de comunhão.

Sendo o regime de comunhão, cada um dos cônjuges pode dispor


livremente dos seus próprios bens e dos bens comuns se os administrar,
salvo nos casos referidos no artigo 1682.º n.º 3 alínea a) ( móveis próprios
ou comuns utilizados conjuntamente pelos cônjuges na vida do lar ou como
instrumento comum de trabalho ).

Não pode também cada um dos cônjuges dispor dos bens do outro,
quer esteja quer não esteja na administração desses bens, sob pena,
respectivamente, de anulabilidade ( artigos 1682.º n.º 3 alínea b), e 1687.º
n.º 1 ) ou nulidade do acto ( artigos 892.º e 1687.º n.º 4 ), a não ser
que, estando na administração dos bens, o respectivo acto de disposição
seja “ acto de administração ordinária ” ( artigo 1682.º n.º 3 alínea b) ).

b) No regime da separação.

Sendo o regime o da separação, cada um dos cônjuges pode dispor


livremente dos seus bens próprios se os administrar, salvo nos casos
referidos na alínea a) do n.º 3 do artigo 1682.º. Mas não pode dispor dos
bens do outro, sob pena de nulidade do acto ( artigo 892.º e 1687.º n.º 4
).

188. Poderes de disposição mortis causa.

Cada um dos cônjuges só pode dispor, para depois da morte, dos seus
bens próprios e da sua meação no património comum ( artigo 1685.º ).

A afirmação não é inteiramente verdadeira: a disposição mortis causa


da casa de morada de família poderia deixar o cônjuge sobrevivo em
condições difíceis, e a lei protege-o com o regime das chamadas “
atribuições preferenciais “ ( artigos 2103.º-A e segs. ).

O Código de 1966, porém, resolveu proteger mais o beneficiário da


liberalidade, sem atropelar a proibição de dispor de bens certos integrados
no património comum. Assim, a disposição de coisa certa e determinada

54
Direito da Família 4.º Ano 55

do património comum é válida mas converte-se em disposição do


respectivo valor em dinheiro ( artigo 1685.º n.º 2 ).

Responsabilidade por dívidas dos cônjuges

189. Princípios gerais.

Cada um dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas sem o


consentimento do outro ( artigo 1690.º n.º 1 ), entendendo-se, para a
determinação da responsabilidade dos cônjuges ( p. ex., para o efeito do
artigo 1691 n.º 2 ), que a data em que as dívidas foram contraídas é a do
facto que lhes deu origem ( artigo 1690.º n.º 2 ).

190. Dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges.

São da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas mencionadas


nas várias alíneas do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 1691.º:

a) Dívidas contraídas pelos dois cônjuges, ou por um deles com o


consentimento do outro ( artigo 1691.º n.º 1 alínea a) ).

É o credor que tem de provar que houve consentimento.

b) Dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos


encargos normais da vida familiar ( artigo 1691.º n.º 1 alínea b) ).

c) Dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge


administrador e nos limites dos seus poderes de administração, em proveito
comum do casal ( artigo 1691.º n.º 1 alínea c) ).

O proveito comum não se presume, excepto nos casos em que a lei o


declarar ( artigo 1691.º n.º 3 ).

d) Dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do


comércio ( artigo 1691.º n.º 1 alínea d) ).

e) Dívidas que oneram doações, heranças ou legados, quando os


respectivos bens tenham ingressado no património comum ( artigos 1691.º
n.º 1 alínea e) e 1693.º n.º 2 ).

55
Direito da Família 4.º Ano 56

f) Dívidas contraídas antes do casamento por qualquer dos cônjuges


em proveito comum do casal, vigorando o regime da comunhão geral de
bens ( artigo 1691.º n.º 2 ).

g) Dívidas que onerem bens comuns ( artigo 1694.º n.º 1 ).

h) Dívidas que, nos regimes de comunhão, onerem bens próprios, se


tiverem como causa a percepção dos respectivos rendimentos ( artigo
1694.º n.º 2 ).

191. Bens que respondem pelas dívidas de responsabilidade


comum.

Pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os


bens comuns e, na falta ou insuficiência deles, os bens próprios de qualquer
dos cônjuges ( artigo 1695.º n.º 1 ).
O mesmo artigo 1695.º n.º 1 e n.º 2, esclarece que a responsabilidade
dos cônjuges ( no caso de a dívida vir a ser paga com os bens próprios ) é
solidária nos regimes de comunhão e parciária no regime da separação.
Mas é claro que não está aqui excluída a solidariedade convencional (
artigos 512.º e segs. ).

192. Dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges.

Estão mencionadas quase todas no artigo 1692.º

a) Dívidas contraídas por um dos cônjuges sem o consentimento do


outro ( artigo 1692.º alínea a) ).

b) Dívidas provenientes de crimes ou outros factos imputáveis a um


dos cônjuges ( artigo 1692.º alínea b) ).

c) Dívidas que oneram bens próprios de qualquer dos cônjuges (


artigos 1692.º alínea e 1694 n.º 2 ).

d) Dívidas que onerem doações, heranças ou legados, quando os


respectivos bens sejam próprios ( artigo 1693.º n.º 1 ).

56
Direito da Família 4.º Ano 57

193. Bens que respondem pelas dívidas de exclusiva


responsabilidade de um dos cônjuges.

A regra geral é a do artigo 1696.º n.º 1: respondem por estas dívidas os


bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos
bens comuns.

194. Compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal.

O artigo 1697.º n.º 1 prevê o caso de os bens de um dos cônjuges


terem respondido por dívidas de responsabilidade comum para além do que
lhe competia.
Surge então um crédito de compensação a favor do cônjuge que pagou
mais que a sua parte, sobre o outro cônjuge, crédito que só é exigível,
porém, no momento da partilha dos bens do casal.

Partilha

195. Generalidades. Operações da partilha.

Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à


partilha dos bens do casal ( artigo 1689.º ).

A partilha compreende 3 fases:

196. Separação dos bens próprios.

Em primeiro lugar, tem de fazer-se a separação dos bens próprios de


cada cônjuge.
Estes bens pertencem individualmente aos seus titulares e não
carecem, em rigor, de qualquer intervenção; separam-se para que as
operações subsequentes incidam apenas sobre bens comuns que, estes sim,
carecem de divisão.

197. Liquidação do património comum. A) Relacionamento dos


bens comuns.

O relacionamento dos bens comuns inclui os bens e os direitos


qualificados como comuns pelas regras do regime de bens que vigorou

57
Direito da Família 4.º Ano 58

durante o casamento, salvas as excepções previstas nos artigos 1719.º e


1790.º. Em princípio trata-se de uma simples descrição pacífica do activo
comum.

198. B) Compensações.

Durante o casamento, operam-se transferências de valores entre os


patrimónios – o património comum e os dois patrimónios próprios dos
cônjuges – quer porque se utilizam verbas comuns para financiar obras
num imóvel próprio, para pagar uma dívida da responsabilidade de um dos
cônjuges, quer porque se adquire a casa de morada de família com o capital
próprio de um dos cônjuges, etc.

Haverá lugar a compensações sempre que as transferências de valores


apesar de justificadas pela tutela de interesses relevantes ou pela vontade de
colaboração dos cônjuges, criem desequilíbrio económico entre os
patrimónios.

As vantagens da compensação é criar uma maior confiança dada aos


cônjuges e evitar que se possa defraudar os regimes de bens.

Quando serão esses créditos exigíveis?


- Os textos legais que se referem a este assunto não são muito claros.
Alguns impõem expressamente que os créditos só sejam exigíveis no
momento da partilha ( artigos 1697.º e 1726.º ), enquanto outros são
omissos neste aspectos ( artigos 1227.º e 1728.º n.º 1 ).

O regime que está em vigor é, pois, o do diferimento da exigibilidade


para o momento da partilha.

Outro assunto que ficou omisso foi a questão de saber se as


compensações, no momento da partilha, são feitas pelo valor nominal ou
pelo valor actualizado.
Na falta de uma regra específica que considere as compensações como
dívidas de valor, parece impor-se a regra geral do artigo 550.º ( princípio
nominalista ).

Pode ainda perguntar-se se o regime das compensações é imperativo,


ou se pode ser afastado por acordo dos nubentes, dos cônjuges ou por mera
renúncia do titular

58
Direito da Família 4.º Ano 59

Artigo 1699.º n.º 1 alínea b) - restrição ao princípio da liberdade.


Parece que esta norma afasta a possibilidade de tal convenção.

199. C) Pagamento de dívidas.

Quanto ás dívidas dos cônjuges um ao outro, são pagas em primeiro


lugar pela meação do cônjuge devedor no património comum e, não
havendo bens comuns ou sendo estes insuficientes, pelos bens próprios do
cônjuge devedor ( artigo 1689.º n.º 3 ).

200. Partilha propriamente dita.

A partilha faz-se em princípio segundo regime adoptado, mas a regra


comporta as excepções dos artigos 1719.º e 1790.º.

Ainda quanto à partilha, interessa ter presentes as disposições dos


artigos 84.º RAU e 1793.º, 1731.º e 2103.º-A do Código Civil.

Os artigos 1731.º e 2103.º-A consagram as chamadas “ atribuições


preferenciais ”.
Assim, o artigo 1731.º refere-se aos instrumentos de trabalho dos
cônjuges que, por força do regime de bens, tenham ingressado no
património comum, reconhecendo ao cônjuge que deles necessite para o
exercício da sua profissão o direito de ser encabeçado nesses instrumentos
de trabalho no momento da partilha, qualquer que seja a causa desta.

Finalmente, no caso de dissolução do casamento por morte, o artigo


2103.º-A atribui ao cônjuge sobrevivo direito a ser encabeçado, no
momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família
e no direito de uso do respectivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros
se o valor recebido exceder o da sua parte sucessória e meação, se a
houver.

Artigos 270.º e segs. – condição suspensiva da partilha.

Contratos entre os cônjuges.

Que contratos podem ser feitos entre os cônjuges?

202. Contrato de sociedade.

I. Sociedades comerciais e sociedades civis sob forma comercial.

59
Direito da Família 4.º Ano 60

O artigo 8.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais ( Decreto Lei


n.º 262/86, de 2 de Setembro ) alterou os n.º 2 e 3 do artigo1714.º do
Código Civil, no âmbito das sociedades comerciais e das sociedades civis
sob a forma comercial.
Hoje “ é permitida a constituição de sociedades entre cônjuges bem
como a participação destes em sociedades, desde que só um deles assuma
responsabilidade ilimitada ”.

II. Sociedades civis.

O artigo 1714.º, n.º 2 e n.º 3, continua a aplicar-se às sociedades civis,


que não estão subordinadas ao artigo 8.º n.º 1 do CSC.

203. Doações.

As doações entre os cônjuges são permitidas mas, contudo são


impostas reservas.
Artigos 1761.º e segs.

O artigo 1762.º, contém uma proibição genérica de os cônjuges


fazerem doações um ao outro se vigorar imperativamente entre os cônjuges
o regime da separação de bens.

Quanto á forma, as doações entre os cônjuges regem-se pelos


princípios das doações em geral ( artigo 947.º ), com duas especialidades.
Por um lado, a doação de coisas móveis, mesmo quando acompanhada
de tradição, tem de ser reduzida a escrito ( artigo 1763.º n.º 1 ).
Por outro lado, “ os cônjuges não podem fazer doações recíprocas no
mesmo acto” ( artigo 1763.º n.º 2 ).

Relativamente á caducidade, as doações caducam, em primeiro lugar,


se o donatário falecer antes do doador, salvo se este confirmar a doação nos
três meses subsequentes à morte do donatário ( artigo 1766.º n.º 1 alínea a)
).
Caducam também (artigo 1766.º n.º 1 alínea b) ) no caso de declaração
de nulidade ou anulação do casamento, mas isto sem prejuízo dos
princípios do casamento putativo que já foram expostos ( artigo 1647.º ).
Por último, caducam, no caso de divórcio ou separação de pessoas e
bens por culpa do donatário (artigo 1766.º n.º 1 alínea c) ) se este for
declarado único ou principal culpado na sentença de divórcio ou separação
( artigo 1791.º ).

60
Direito da Família 4.º Ano 61

204. Compra e venda.

Conforme o artigo 1714.º n.º 2 “ consideram-se abrangidos pelas


proibições do número anterior os contratos de compra e venda (...) entre os
cônjuges...”.
Só é possível quando estes se encontrem separados judicialmente de
pessoas e bens.

205. Outros contratos.

A validade do contrato de trabalho foi difícil de aceitar enquanto os


sistemas consagravam um estatuto conjugal desigualitário.
Contudo hoje parece-nos legítima a constituição de uma relação de
trabalho subordinado entre cônjuges.

Também não parece proibido o mútuo ou o comodato entre cônjuges.


Só é no entanto possível sobre bens próprios dos cônjuges.

A locação não está proibida mas também se deve aplicar o mesmo


entendimento anterior.

È também possível a abertura de contas bancárias que possam ser


movimentadas por qualquer os cônjuges – as contas colectivas solidárias –
contudo perturba-se radicalmente a aplicação típica das normas do direito
patrimonial da família.
Ficamos sem saber o que pertence a cada um.

Doações para casamento

207. Doações entre esposados.

A) Noção. Natureza jurídica.

As doações entre esposados são doações condicionais, cuja eficácia


fica dependente da verificação legal ( suspensiva ) da futura celebração do
casamento. São, pois, contratos subordinados a uma conditio iuris: a
condição si nuptiae sequantor.

B) Objecto.

No que se refere ao seu objecto, podemos distinguir três modalidades


nas doações entre esposados:

61
Direito da Família 4.º Ano 62

- Doações inter vivos ( de bens presentes ).


- Doações mortis causa, de bens presentes certos e determinados.
- Doações mortis causa de parte ou da totalidade da herança.

Às primeiras referem-se os artigos 1753.º e segs.; às segundas e


terceiras referem-se especialmente os artigos 1700.º e segs.

C) Forma

O artigo 1756.º dizendo que as doações para casamento só podem ser


feitas na convenção antenupcial, parece ser muito limitativo e considerar
nulas as doações que constem de uma qualquer escritura pública.
Mas não parece que esta seja a melhor interpretação da lei.
Na verdade “ convenção antenupcial ” é qualquer escritura feita pelos
nubentes em vista do casamento, quer escolham um regime de bens quer
não.

D) Efeitos.

Artigos 1701.º.

Os efeitos das doações entre esposados variam consoante a espécie de


doação de que se trate, de modo que é necessário distinguir a este respeito
as três modalidades de doações entre esposados que referimos acima.
Não levantam quaisquer problemas as doações inter vivos.

Nas doações mortis causa de bens presentes certos e determinados de


acordo com a estipulação dos nubentes, só à morte do doador é que a
propriedade dos bens doados ( ou, em termos gerais, a titularidade dos
respectivos direitos ) passa para o donatário.

Nas doações mortis causa de parte ou da totalidade da herança


também só à morte do doador os bens doados se transmitem para o
donatário, o qual, em vida do doador, não tem pois qualquer direito actual
sobre esses bens, as só uma expectativa de os vir a receber quando o doador
falecer.

E) Caducidade das doações entre esposados

Em primeiro lugar, as doações entre esposados, como doações


subordinadas à condição legal si nuptiae sequantor, caducam se esta
condição falhar, nos termos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo

62
Direito da Família 4.º Ano 63

1760.º. Em segundo lugar, também caducam no caso de pré-morte do


donatário ao doador ( artigo 1703.º n.º 1 ).

208. Doações de terceiros a esposados.

As doações de terceiros aos esposados também são doações


condicionais, cuja eficácia fica dependente da verificação da condição (
suspensiva ) da futura celebração do casamento.

Quanto aos efeitos segue o mesmo regime das anteriores, tendo de se


analisar as três espécies.

Por último, são semelhantes as causas de caducidade. Porém, o


predecesso do donatário não é agora fundamento de caducidade: se o
donatário tiver descendentes do casamento ( que a doação visara favorecer
), estes são chamados a suceder nos bens doados, em lugar do donatário (
artigo 1703.º n.º 2 ).

Regime de bens do casamento

210. Casos de regime imperativo.

São apenas os das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1720; casamentos


celebrados sem precedência do processo de publicações e por quem tenha
completado 60 anos de idade.
Há que considerar ainda, porém o preceituado no artigo 1699.º n.º 2
que proíbe a estipulação do regime da comunhão geral nos casamentos
celebrados por quem tenha filhos, ainda que maiores ou emancipados.
Advirta-se por último que a lei proíbe doações entre casados. ( artigo
1762.º ).

211. Princípio da liberdade de regime de bens.

O artigo 1698.º enuncia o princípio da liberdade de regime de bens “


os esposos podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de
bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos neste
Código, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, dentro dos
limites da lei.

63
Direito da Família 4.º Ano 64

212. Regime supletivo.

O regime supletivo, ou seja, o regime que vale na falta de convenção


antenupcial ou no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da
convenção, é o da comunhão de adquiridos ( artigo 1717.º ).

Convenções antenupciais.

213. Noção de convenção antenupcial.

Convenção antenupcial diz-se o acordo entre os nubentes destinado a


fixar o seu regime de bens.

214. princípios dominantes: liberdade e imutabilidade.

Princípio da liberdade – os esposos podem fixar, na convenção


antenupcial, dentro dos limites da lei, o regime de bens do casamento, quer
escolhendo um dos regimes previstos no Código, quer o que a esse respeito
lhes aprouver.

Princípio da imutabilidade – no que se refere a este princípio, o artigo


1714.º n.º 1 dispõe que “ fora dos casos previstos na lei não é permitido
alterar depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais
nem os regimes de bens fixados”.
Excepções – artigo 1715.º.

218. Caducidade das convenções antenupciais.

A convenção antenupcial caduca se o casamento não for celebrado


dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, for declarado nulo ou anulado nos
termos do artigo 1716.º.

Regime da comunhão de adquiridos.

219. Características gerais do regime.

No regime da comunhão de adquiridos há ou pode haver bens comuns


e bens próprios de cada um dos cônjuges. Mas o regime distingue-se do da
comunhão geral, porque enquanto neste regime, em princípio, são comuns

64
Direito da Família 4.º Ano 65

todos os bens dos cônjuges, presentes e futuros, no regime da comunhão de


adquiridos nem os bens levados para o casal nem os adquiridos a título
gratuito se comunicam. Só se comunicam os bens adquiridos depois do
casamento a título oneroso.

223. Composição das massas patrimoniais: bens próprios e bens


comuns.

Bens próprios.

Das disposições dos artigos 1722.º, 1723.º e 1726.º a 1729.º infere-se


que são bens próprios os seguintes bens:

a) Bens que os cônjuges levam para o casamento ( artigo 1722.º n.º 1


alínea a) ).

b) Bens que advierem a cada cônjuge por sucessão ou doação ( artigo


1722.º n.º 1 alínea b) ).

c) Bens adquiridos a constância do matrimónio por direito próprio


anterior ( artigo 1722.º n.º 1 alínea c) ).

d) Bens sub-rogados no lugar de bens próprios, tomando o lugar e


fazendo as vezes deles, por aplicação do princípio da sub-rogação
real ( artigo 1723.º ).

e) Bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos


cônjuges e, noutra parte com dinheiro ou bens comuns, se aquela
for a prestação mais valiosa ( artigo 1726.º ).

f) Bens indivisos adquiridos, em parte, por um dos cônjuges, que


deles já tinha uma outra parte ( artigo 1727.º ).

g) Bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios e que


não possam considerar-se como frutos destes ( artigo 1728.º n.º 1 ).

h) Bens considerados próprios por natureza, por vontade dos


nubentes, ou por disposição da lei. ( artigo 1733.º ).

Bens comuns.

65
Direito da Família 4.º Ano 66

São os artigos 1724.º a 1726.º que, fundamentalmente, nos dizem


quais são os bens comuns.

a) O produto do trabalho dos cônjuges ( artigo 1724.º alínea a) ).

b) Os bens adquiridos na constância do matrimónio, que não sejam


exceptuados por lei ( artigo 1724.º alínea b) ).

c) Frutos e rendimentos dos bens próprios e o valor das benfeitorias


úteis feitas nestes bens.

d) Os móveis, salvo prova em contrário.

Regime da comunhão geral.

224. Características gerais do regime.

O regime da comunhão geral de bens é caracterizada por uma


comunhão geral de bens, isto é, pelo facto de o património ser “ constituído
por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges que não sejam
exceptuados por lei ” ( artigo 1732.º ). Comunhão não só de domínio mas
também de posse e administração.

226. Aplicação das disposições relativas à comunhão de


adquiridos.

O artigo 1734.º considera “ aplicáveis à comunhão geral de bens, com


as necessárias adaptações, as disposições relativas à comunhão de
adquiridos”.

227. Composição das massas patrimoniais: bens próprios e bens


comuns.

São comuns, no regime de comunhão geral, “ todos os bens presentes


e futuros dos cônjuges que não sejam exceptuados por lei” ( artigo 1732.º );
só os bens que a lei exceptua da comunhão é que são portanto próprios, e
são-no imperativamente, como vimos ( artigo 1699.º alínea d) ).

66
Direito da Família 4.º Ano 67

Modificação do vínculo conjugal.


Dissolução do vínculo conjugal.

Separação de bens. ( artigo 1767.º e segs. ).

- Instrumento de defesa do cônjuge não administrador.

- É um direito potestativo irrenunciável.

- É um direito de medida preventiva.

- Têm carácter litigioso.

- Têm caracter autónomo.

- É uma providência judicial.

Separação judicial de pessoas e bens ( artigo 1773.º e segs. )

Artigo 1775.º - Divórcio por mútuo consentimento.

Artigo 1779.º - Divórcio litigioso.

Artigo 1774.º - Tentativa de conciliação.

Hipótese:

Álvaro casou civilmente com Cristina em 1986 sem convenção


antenupcial.
Em 8 de Setembro de 2003 Cristina veio a saber que Álvaro fora
casado e divorciado na Suíça onde esteve emigrado e que ai tinha um
filho.
Este casamento e o respectivo divorcio não foram transcritos em
Portugal e Álvaro sempre disse a Cristina que era solteiro.
O casal vivia numa casa comprada em 2001 com o produto dos
salários de Álvaro.

a) Pode Cristina pedir hoje a invalidação do seu casamento?

67
Direito da Família 4.º Ano 68

Se só o divórcio não fosse transcrito para Portugal, o casamento


anterior de Álvaro era válido logo estávamos perante um impedimento
dirimente absoluto , presente no artigo 1601.º alínea c), logo o casamento
poderia ser anulado, segundo o disposto no artigo 1631.º pois estávamos
perante uma causa de anulabilidade.
Segundo o artigo 1639.º Cristina tem legitimidade para o fazer e,
relativamente ao prazo, o artigo 1643.º diz-nos que Cristina dispunha de 6
meses após a dissolução do casamento.

b) Se a acção instaurada por Cristina for julgada procedente a


quem cabe a casa de morada de família?

Uma vez que na hipótese em apreso nada se diz quanto ao regime de


bens do casamento, aplica-se o regime supletivo presente no artigo 1717.º,
ou seja, considera-se que o casamento foi celebrado no regime de
comunhão de adquiridos.
Logo, diz-nos o artigo 1724.º que estamos perante um bem comum.
Relativamente ao destino da casa de morada de família, o artigo
1793.º permite ao tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges a
seu pedido, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos
cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

c) Suponha que Cristina não intentava esta acção mas queria


somente reagir contra uma venda por Álvaro de um andar doado
a Cristina pelo pai desta em 1995, venda realizada em 6 de Março
de 2003, bem de que Álvaro era administrador.
Poderia fazê-lo?

Não. Trata-se de um bem próprio de Cristina. Artigo 1682.º-A n.º 1


alínea a)
Artigo 1687.º n.º 1 e n.º 2.

O artigo 1699.º diz-nos que se o casamento anterior de Álvaro fosse


válido, poderia o mesmo casar hoje com Cristina no regime de comunhão
de adquiridos.

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