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Direito da Família

Capítulo I – Introdução
30. Introdução

As relações familiares exprimem os direitos e obrigações que ligam as pessoas pelo


facto de pertencerem a uma família e variam de acordo com a posição ou estado que o sujeito
possua.

Miguel Teixeira de Sousa: “Quanto às relações entre os membros da família é patente


a tendência para estabelecer uma relação entre iguais. Ao mesmo tempo, nota-se uma
atenuação dos laços entre as várias gerações”.

As relações familiares que o Código apresenta como delimitadas e firmes, perdem em


muitos casos a nitidez dos seus contornos.

O casamento é o modo de constituição de relações familiares dominante na ordem


jurídica portuguesa. Não é, porém, o único, e o seu conteúdo mudou de forma significativa.

O atual casamento não corresponde à construção de um acordo heterossexual, como


sucedeu em 2010. A partir de então, a lei portuguesa inseriu no conceito de casamento a
relação entre duas pessoas do mesmo sexo, submetendo-a ao regime do casamento civil na
medida em que o nexo de compatibilidade se verifique.

O CC apresenta o casamento no artigo 1576º.

31. Fontes familiares e relações familiares

Artigo 1576º - só o casamento e a adoção representam tal fonte de relações familiares.


O parentesco e a afinidade são já relações familiares.

O casamento representa uma decisão constitutiva de vida conjugal; a adoção resulta


igualmente de um ato de vontade. Mas o parentesco e a afinidade existem,
independentemente da vontade de sermos parentes ou afins de alguém.

O casamento é solene, tem natureza jurídica polémica, é o arco de integração de três


modalidades diferentes de vida comum; heterossexual, homossexual incluindo casos de
transexualidade. A afinidade restringiu-se, como já foi afirmado, com a última Lei do Divórcio.

32. Generalidades sobre o casamento como fonte de família

O casamento é uma fonte de relações familiares. É a origem de uma relação


constituída por dois familiares, os seus contraentes ou celebrantes e outros que se relacionam
com cada um deles com afins. Mas é, inicialmente, uma fonte ou modo de constituição de
relação familiar. Os cônjuges heterossexuais podem procriar e tornar o casamento fonte de
parentesco. Todos os cônjuges podem ser titulares de relações de afinidade.

O casamento tem caráter público. Não será considerado existente um casamento


contraído sem que a comunidade circundante tenha tido acesso à sua futura celebração, aos
preparativos que a lei impõe para este efeito. O caráter público vale tanto para o casamento
católico – artigo 1596º e ss – como para o casamento civil.

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O casamento carece de um processo preliminar – artigo 1622º. A sua inexistência
determina consequências jurídicas em sede de regime de bens: entender-se-á que o
casamento em questão será um casamento em regime de separação de bens.

Quem não possa, no momento do matrimónio, cumprir o processo preliminar por


razões ponderosas poderá casar prescindindo então das formalidades – casamento urgente. É
uma figura reconhecida pelo casamento civil – artigo 1622º - como pelo casamento católico –
artigo 1599º. A lei prescinde das formalidades, mas impondo uma ressalva: o casamento
deverá ser homologado dentro de um prazo, sob pena de inexistência.

O casamento, mesmo urgente, não pode ser celebrado validamente em privado.

Também a cessação do casamento requer formalidades. O seu fim, voluntário ou sem


o consentimento de um dos cônjuges, ocorre em conservatória do registo civil ou em tribunal.
Quando a vontade de ambos os cônjuges não funda em pretensão de divórcio – porque um só
o pretende, invocando rutura do casamento – o divórcio sem consentimento de um dos
cônjuges será apreciado judicialmente. O casamento será celebrado por um pároco ou por um
conservador do registo civil. São insubstituíveis para a existência do mesmo – artigo 1773º nº 2
e 3.

O casamento tem caráter imperativo. A lei impõe consequências jurídicas essenciais ao


casamento que não obedeça a tramitação e pressupostos legais. Em tais casos – falta de
autorização do conservador, dos pais de nubente menor não suprida pelo conservador, etc –
os casamentos terão efeitos específicos contemplados pela lei. são as consequências de
casamentos celebrados com impedimentos impedientes: não invalidam estes o casamento,
mas determinam um regime próprio, que procura minorar os efeitos que antes se pretendiam
acautelar.

Com um casamento gera-se uma família. Marido e mulher são cônjuges. Estes não
eram da família um do outro. Poderiam, contudo, sê-lo: colaterais de 4º grau ou parentes mais
afastados. No limite, tio e sobrinha. A lei não obsta aos casamentos de primos, sobrinhos e
tios, embora sejam casos muito raros. Mas a regras é as pessoas não casarem dentro da
família.

Traduz-se num encontro de vontades e tem, senão uma vocação de perpetuidade,


aspeto que perdeu hoje em dia o significado de antigamente. Ainda quando a lei permite aos
cônjuges o divórcio pouco tempo depois de haverem contraído matrimónio, essa opção não
identifica o caminho típico e tendencial da vida matrimonial. A vida matrimonial, mesmo que
tenha uma duração curta, comparativamente à vida matrimonial do passado, é
tendencialmente estável.

33. O parentesco

O parentesco é a emergência mais direta de qualquer relação heterossexual. Um casal


heterossexual pode ter filhos. Do casamento emerge o estado de casado, o estado de
maternidade ou de paternidade. Não teremos como olhar o estado parental sem referenciar
os direitos dos filhos. Igualmente, o estado de filiação implica o reconhecimento correspetivo
do estatuto dos pais.

Se acaso se pretende saber o papel do marido da mãe no processo de reconhecimento


parental, deveremos conhecer as regras do casamento. A impugnação de paternidade baseada

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em caraterísticas da pessoa do cônjuge da mãe pode socorrer-se de conhecimentos relativos
às invalidades do casamento.

A lei fornece o conceito legal da figura.

Parentesco “é o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas


descender da outra ou de ambas procederem de um progenitor comum” – artigo 1578º. O
parentesco é a relação mais expressiva das relações familiares. Se A é pai de B, esta relação
entre ambos é já uma relação familiar. A sua existência transcende ambos e nenhum a poderá
extinguir. O parentesco, diferentemente daquilo que o 1576º anuncia, não é fonte de relação
familiar. Ele próprio é relação familiar.

Também não depende de cada um a existência de colaterais; irmãos surgem ou não,


de acordo com o alvedrio ou a capacidade dos nossos pais. Teremos tios e até sobrinhos,
segundo a vontade família. O parentesco não é sobredeterminável pela vontade e capacidade
de cada um, está aí, de acordo com uma circunstância social que nos ultrapassa.

34. Parentesco na linha reta. Grau e geração

A e B são descendentes de C. São filho e neto daquele. As relações de sangue e a


proximidade social e afetiva dentro da família não são desprovidas de consequências. No
parentesco há linhas e graus. Cada geração forma um grau e a série de gerações constitui a
linha do parentesco – artigo 1579º.

Pais e filhos são parentes em linha reta, no grau mais próximo. Já pai e filho do filho,
neto, têm maior distanciamento. Usou-se a palavra grau. A lei diz que haverá tantos graus
quantas as gerações envolvidas, excluindo o progenitor – artigo 1581º.

António é pai de Bernardo e avô de Cidália. Pais e filhos são parentes no 1º grau da
linha reta; avós e netos no 2ºgrau da mesma linha, ascendente ou descendente que seja a
contagem.

António Bernardo Cidália


A geração, neste conceito legal, não tem sentido sociológico. Pode acontecer que o pai
A teve os filhos B, C, D e E. E que entre B e E haja uma diferença de 22 anos. Suponhamos que
B teve um filho no ano em que nasceu o seu irmão E. Salta à evidência que a geração social de
E e de F, filho de B, é a mesma. Mas, para efeito de cômputo dos graus de parentesco, B e E
estão mais próximos do que E e F. são descendentes de A, irmãos, colaterais.

35. Efeitos básicos do parentesco na linha reta

 Direito ao nome – os descendentes têm direito a receber apelidos dos pais, de


ambos – artigo 1875º.
 Efeitos em negócios jurídicos – as doações feitas por ascendentes a descendentes
têm implicações no Direito das sucessões. As doações entre casados terão um
regime próprio – artigos 1761º a 1766º.
 Direitos sucessórios – os ascendentes e descendentes são herdeiros legitimários
 Incapacidades – os parentes na linha reta não podem contrair casamento. O
casamento entre ascendentes e ascendentes é sempre vedado, seja qual for o grau
de parentesco que os separa – impedimento dirimente relativo, artigo 1602º
alínea a). O período durante o qual pode ser impugnado é de 6 meses sobre a data

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da dissolução do casamento. Até à sua dissolução (por morte ou divórcio) o MP
pode intentar uma ação nesse sentido.

36. Parentesco colateral

Quando dois parentes não descendem um do outro, mas de um ascendente comum,


serão colaterais. Ou seja, cada um provém de uma linha reta.

Segundo a nossa ordem jurídica, o horizonte de referência é aqui o 6º grau: ou seja,


por regra, a relação familiar mais plausível na ordem natural da vida.

Benedita Dalila Evaldo


António
Carla João
António é pai de Benedita e de Carla. Têm um progenitor comum. São colaterais no 2º
grau. Benedita tem a filha Dalila. Dalila é colateral de Carla no 3º grau – tia e sobrinha. João é
filho de Carla, colateral de Benedita no 3º grau – tia e sobrinho. Já Dalila e João são primos,
colaterais no 4º grau. Evaldo e Carla são de novo colaterais, também no 4º grau – tia-avó e
sobrinho-neto.

Se A morre sem testamento, e lhe sobrevivem os colaterais no 4º grau, será por todos
eles que se dividirá a herança de António.

Segundo a lei em vigor, no plano da família, que reflete até certo ponto a relevância da
chamada à sucessão de um parente sobrevivo, caso não existam herdeiros forçados (herdeiros
que o de cujus não pode por seu alvedrio afastar da herança) os colaterais até o 4º grau são
chamados a suceder. Assim, se A morre e não tem cônjuge, nem ascendentes ou descendentes
nem irmãos, serão chamados à herança os seus colaterais no 4º grau – os primos direitos.

37. Colaterais no 2º grau

Os irmãos podem ter sido gerados pelo mesmo casal: tendo pai e mãe comuns, são
irmãos plenos – irmãos germanos. Podem igualmente ser filhos apenas de pai comum – irmãos
consanguíneos. Ou de mãe comum – irmãos uterinos.

Os colaterais no 2º grau beneficiam de direitos sucessórios diferentes, de acordo com


a classificação apontada. Se nenhum dos irmãos aqui referidos tiver cônjuge ou descendentes,
e caso os ascendentes tenham falecido, abre-se em princípio a sucessão dos irmãos. O quinhão
de cada irmão germano é duplo do quinhão de cada irmão consanguíneo ou uterino – artigo
2146º.

38. Outros efeitos do parentesco

Há efeitos do parentesco de grande importância devido ao tipo de deveres que


originam para com os menores familiares. A constituição de família, caso os pais não possam
exercer as responsabilidades parentais e os processos de supervisão de menores em risco não
dispensam a colaboração da família – artigo 1951º e 1952º nº1.

39. Afinidade

Admite-se que hoje a sociedade seja menos sensível do que outrora ao


relacionamento familiar entre alguém que casa com A e os parentes do mesmo A.

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Segundo o artigo 1584º: “Afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos
parentes do outro”

Se A casa com B e B é filho de C, C passa a ser afim de A. Não são parentes. São
pessoas cujo relacionamento resulta do matrimónio. Por isso se compreende também que
tenda a terminar, caso este matrimónio se extinga.

Braga da Cruz mostra-se favorável à manutenção do vínculo de afinidade, mesmo em


caso de celebração de núpcias subsequentes.

Assim, se A casou com B e tem dois cunhados, o falecimento de B não altera este
vínculo de afinidade com os cunhados, nem tão pouco no caso de A contrair novas núpcias.

Por ocasião da entrada em vigor da recente lei do divórcio, entrou também em vigor a
última palavra legislativa sobre este ponto. Há cessação do vínculo de afinidade quando um
casamento se dissolve por vontade das partes, ou seja, por divórcio; e tal não acontece,
apenas, caso essa dissolução tenha tudo origem em morte de um dos cônjuges – artigo 1585º.

40. Adoção: remissão

Vínculo estritamente legal, ou seja, sem laços e sangue, que se estabelece entre duas
pessoas, em condições e nos termos do artigo 1973º. A ordem jurídica portuguesa
contemplava duas modalidades de adoção, a saber, adoção plena e adoção restrita. Apenas aa
adoção plena conferia um estatuto jurídico ao adotado idêntico ao da filiação.

Capítulo II – Casamento
42. Preliminares

O casamento pode comportar a modalidade heterossexual e homossexual. Como


afirma o artigo 1671º nº1 o casamento baseia-se na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges, acrescentando o nº 2 que a direção da família pertence a ambos. O legislador refere
também que é objetivo do casamento procederem os cônjuges a uma comunhão plena da
vida.

O casamento sofreu, em menos de meio século, duas alterações históricas


fundamentais. Primeiro, foi reconhecida a igualdade dos cônjuges na sociedade conjugal,
aspeto que teve implicações decisivas na relação matrimonial. Seguidamente, foi aprovado o
casamento entre pessoas do mesmo sexo.

43. O casamento como contrato ou como ato público

A qualificação do casamento como ato ou contrato é polémica. Mesmo os autores que


afirmam tratar-se de um contrato ressalvam que a autonomia dos nubentes é muito reduzida
no casamento e a quantidade de normas imperativas que a lei contem em matéria de efeitos
pessoais e patrimoniais do matrimónio ainda mais contribui para acentuar este ponto.

E como ato? Tradicionalmente, a justificação para uma visão identificadora do


casamento a ato jurídico olhava a importância que os entes públicos assumiam na sua
celebração.

O casamento será assim um ato jurídico, por via do qual o nubente se afirma na
vontade de integrar o estado de casado. Assim, para uns, releva acima de tudo a vontade do

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Estado na celebração matrimonial e nas normas a que o casamento se sujeita; outros
sublinham a liberdade de casar.

O casamento nasce de decisões livres e supõe um projeto de vida que, através da sua
celebração, se constrói juridicamente ao serviço do desenvolvimento da vontade e da
dignidade de ambos os cônjuges.

44. O casamento depois da conjugação da consagração do princípio da igualdade dos


cônjuges

O traço de originalidade que marcou o artigo 1577º foi a insistência da consagração de


um conceito legal de casamento na lei portuguesa. O legislador assume ele próprio um
positivismo que não lhe compete, pois afirma que o objeto do casamento é construir
comunhão plena de vida.

O único modelo de sociedade conjugal compatível com o português é o modelo da


igualdade conjugal. Mas a igualdade conjugal exige articulação entre os direitos e deveres de
todos os seus membros.

45. Casamento e princípio da igualdade dos cônjuges

Nos primeiros anos após a entrada em vigor da Constituição de 76, a preocupação


legislativa centrou-se na consagração plena do princípio da igualdade perante a lei. Artigo
1671º - marido e mulher dirigem a sociedade conjugal.

No essencial, o casamento continua a ter os mesmos traços de caraterização: é


pessoal, uno ou exclusivo (não se admite casamento simultâneo), tem vocação de longevidade.

O objeto do casamento, ao admitir a igualdade perante a lei, concretiza o respeito pela


dignidade de cada um, que o mesmo é dizer, a afirmação de ambos, sem supremacias e
correspetivas sujeições.

O casamento passa a basear-se no princípio de que cada cônjuge vive o estado de


casado em liberdade, em autonomia, sem ser limitado, corrigido por qualquer forma.

47. Os deveres conjugais na lei e na jurisprudência

a) Dever de coabitação

Encontra-se a consagração no artigo 1673º. Identifica-se com comunhão de leito, mesa


e habitação. O dever de coabitação terá de ser entendido de acordo com a especificidade do
casal e do seu perfil de vida.

O dever de coabitação não se confunde com a existência obrigatória de uma única


residência. Segundo a lei, o dever de habitar a residência da família pode não impender sobre
os cônjuges, nos casos em que se verifiquem motivos ponderosos – artigo 1673º.

O legislador admite intervir nos casos de incumprimento deste dever. Nos casos em
que esta não coabitação seja resultante de uma falta de acordo sobre a residência comum.
Pode intervir judicialmente, não lhe competindo lesar o direito à liberdade. Resta-lhe advertir,
tentar persuadir.

b) Dever de fidelidade

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Coloca em evidência a obrigação de não manter relações sexuais com terceiros. Por
um lado, compreende-se que o dever de fidelidade não gere obrigação de indemnizar, em caso
de incumprimento. Por outro lado, tem por si a virtualidade de ser um forte indício de que a
instituição matrimonial está em situação de crise grave. De tal modo, sua prova é sobretudo
elemento essencial a atender para efeitos de possível divórcio, caso algum dos cônjuges o
reclame.

c) Dever de cooperação

Traduz-se num dever de colaboração no bem comum da família, mas materializa-se na


cooperação com o outro cônjuge nessa função. A sede legal é o artigo 1674º.

d) Dever de assistência

Com a sua sede no artigo 1675º nº1, o dever de assistência tem um cunho patrimonial:
será o dever de contribuir para os encargos da vida familiar, de prestar alimentos. Mas a
violação do dever de assistência tem consequências que, sendo patrimoniais, se projetam em
toda a vida e relacionamento conjugal. A obrigação de alimentos tem uma importância social
que justifica obrigação jurídica de cumprimento.

e) Dever de respeito

obrigação de admitir no convívio privado, íntimo e na sua projeção pública a


personalidade do cônjuge, na sua total singularidade. O dever de respeito constitui um critério
orientador subjacente a todos os deveres conjugais. Daí que a lei opte por enuncia-lo logo em
primeiro lugar, no artigo 1672º. Ele clarifica-se por si mesmo.

f) Dever de contribuir para os encargos da vida familiar

O dever em causa – artigo 1676º - reporta-se às prestações financeiras e ao trabalho


despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos que impende sobre cada cônjuge,
na medida das suas possibilidades.

$10. Formalidades do casamento

54. A formação do casamento

O casamento exige a concretização de diligências que o antecedem, o chamado


processo eliminar. O processo preliminar tem sede no C, nos artigos 1610º a 1614º.

A declaração para contrair casamento deverá ser prestada pessoalmente ou por


intermédio de procurador e quer a instauração do processo – nº1 do artigo 135º do Código do
Registo Civil.

A declaração para casamento deve conter elementos identificadores dos nubentes e


das respetivas famílias, bem como, em caso de novas núpcias de algum dos nubentes, a data
do óbito ou da morte presumida do cônjuge anterior, bem como a data da sentença que a
declarou – artigo 136º Código do Registo Civil.

A lei submete, pois, a celebração do casamento a processo precedente, cuja regulação


remete para a lei do registo civil e para “verificar a inexistência de impedimentos”.

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O processo preliminar tem, assim, início com a tomada oficial de conhecimento da
vontade de casar, manifestada por pessoas determinadas. Trata-se de uma verificação
circunstanciada de aspetos relativos aos esposados: ao seu estado pessoal, às relações de
parentesco ou outras, familiares, que os possam unir já, de modo a apurar se algum aspeto
fundamental de ordem pública impede a realização do casamento  impedimentos
dirimentes e impedientes.

O perfil jurídico dos nubentes é sindicado nestes parâmetros, a fim de evitar que se
contraia casamento contrário à ordem pública.

Quando duas pessoas decidem casar, deverão apresentar a sua pretensão numa
conservatória e a conservatória que corresponda ao domicílio de qualquer dos nubentes.
Segue-se um prazo, durante o qual se pode sindicar a capacidade nupcial dos dois requerentes
e bem assim, a sua circunstância pessoal. Findo o mesmo prazo, e tendo verificado o
circunstancialismo que determina a possibilidade de realizar o casamento ou antes, que tal
circunstancialismo obsta ao mesmo para marcação do casamento – artigo 144º do Código de
Registo Civil. Esgotado este procedimento, poderá ter lugar a celebração, que sempre requer
duas testemunhas, caso os nubentes não apresentem meios de identificação legalmente
idóneos para o efeito.

O casamento civil está sujeito a registo. Uma vez lavrado o registo, retrotraem os
efeitos do casamento à data da sua celebração, de acordo com o artigo 1670ºCC.

O papel do conservador do registo civil é muito relevante. Compete-lhe atender aos


elementos recolhidos durante a fase preliminar e aferir se alguma tem reflexos sobre a
validade do ato. Os impedimentos impedientes e algumas situações de falta de consentimento
deverão ser avaliados por ele e supridos, ou não, de acordo com a sua ponderação. Daqui
decorrem consequências importantes. A intervenção na celebração não faz do conservador ou
do pároco parte negocial. Mas confere-lhe importância autónoma indefetível.

55. Casamento urgente

De acordo com o artigo 1622º CC, ocorre quando se verifique:

 Fundado receio de morte próxima de algum dos nubentes


 Iminência de parto

São situações a que o legislador atende, considerando a importância que o estado de


casado pode assumir na personalidade, bem como a vontade de não dar vida a uma criança
que não seja dentro de uma relação institucionalizada.

Não exige as mesmas formalidades que o casamento em geral, mas nem por isso se
realizará sem um percurso legal tipificado. O CC apenas referencia os pressupostos da
celebração, a indispensabilidade de ata do mesmo casamento e a homologação obrigatória
sob pena de inexistência – artigos 1622º nº 1 e 2 e o artigo 1623º. Torna-se necessário que não
haja impedimento dirimente.

56. Casamento católico urgente

Também o CC contempla a possibilidade de celebração de casamento católico urgente


– artigo 1559º. A especificidade do casamento urgente católico não isenta o casamento
urgente das mesmas exigências quanto à capacidade nupcial dos nubentes. Tão pouco a
homologação deixa de ser requerida neste caso.

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57. Formalidades do casamento católico

O casamento católico aproxima-se do casamento civil na submissão a processo


preliminar, pois que este constitui também a regra neste domínio. A diferença essencial para
que chamamos a atenção reside no facto de não dispensara celebração do casamento católico
que se encontre sujeito a processo preliminar. O assento paroquial do casamento católico será
enviado à conservatória competente, depois de lavrado em duplicado.

A doutrina divide-se quanto à natureza jurídica da transcrição do casamento católico.


Para uns, trata-se de condição de eficácia civil do casamento. Para outros, de simples registo
de prova do mesmo casamento. Concordamos, com Duarte Pinheiro na afirmação de que se
tratará de efeito probatório pois, como vinca o autor, o objetivo é equiparar o efeito desta
transcrição ao de qualquer outro ato de registo do casamento.

$11. Modalidades do casamento no Direito português. Casamento civil, católico, de outras


confissões religiosas: traços da evolução

58. Generalidades

O casamento tem na ordem jurídica portuguesa, influencia histórica e cultural da


Igreja Católica. Esta matriz determina um reflexo sobre a sua dogmática que perfura até os
nossos dias.

Carbonnier – “O casamento é um ato jurídico solene através do qual um homem e uma


mulher decidem de comum acordo unir-se e aderir a um estatuto legal pré-estabelecido”

Portugal mantém o casamento católico obrigatório até ao Código de 1867.

60. O casamento católico, modalidade autónoma

O casamento católico tem relevância em domínios que excedem a forma. A invalidade


a que está submetido é a nulidade: veremos que não acontece o mesmo com o casamento
civil.

O casamento canónico recusa a união conjugal entre pessoas do mesmo sexo.


Também a anomalia psíquica, podendo fundamentar a invalidade do casamento católico, não
é impedimento, diferentemente do que sucede na lei civil. Constitui antes uma anomalia do
consentimento. O dolo releva: desde que se trate de um dolo perpetrado para obter o
consentimento, acerca de uma qualidade da outra parte, que, por sua natureza, possa
perturbar gravemente o consórcio da vida conjugal.

Para efeito de relevância do dolo, o que importa não é o objeto do mesmo mas a
gravidade das consequências que pode assumir na vida conjugal.

Também os chamados “impedimentos de vínculos” diferem: o Código canónico integra


a colateralidade no 3º grau.

O casamento civil está sujeito a registo.

$12. Promessa de casamento

61. Generalidades

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Designa-se por promessa de casamento o contrato pelo qual duas pessoas se
comprometem reciprocamente a contrair casamento. As suas disposições aplicam-se
igualmente à promessa de casamento civil e à promessa de casamento católico.

A promessa de casamento exprime o compromisso de casar. Não se identifica com o


ato de celebração do casamento. O que a promessa traduz é o compromisso de casar.

62. Efeitos do incumprimento

A promessa de casamento não é o momento da congregação de todos os


compromissos entre os esposados; que os preparativos do casamento envolvem uma vertente
material que seria irrealista, e também injusto, ignorar.

Duas situações inevitáveis podem originar o não cumprimento.

 A incapacidade ou retração de um dos esposados – artigo 1592º


 A promessa pode não se cumprir por morte – artigo 1593º. Exige-se das famílias a
entrega dos bens doados, na medida em que o próprio requerente tenha entregado,
por sua parte, os bens que recebeu.

Será para os casos de incumprimento por “culpa” que a lei funda e recorta um dever
de indemnizar – artigo 1594º. Considera-se culposa a decisão de não casar motivada pela
vontade fútil de uma das partes.

Pois o comportamento culposo não pode fundamentar um divórcio. Pode dar origem a
ressarcimento, quando os deveres sejam incumpridos; e pode justificar a obrigação de
indemnizar antes do casamento.

Suponha-se que A promete casamento a B. B inicia um longo, e social e


profissionalmente útil para ambos, preparativo da cerimónia, despendendo milhares de euros.
Mas A incumpre, porque decide dar prioridade a uma viagem de recreio. Admite-se que a
obrigação de indemnizar existiria, ainda que A tivesse reponderado muito cuidadosamente a
sua opção.

Não será questionada a titularidade do direito à indemnização dos lesados mais


diretos: o noivo e a sua família próxima. A lei refere a obrigação de indemnizar o esposado
inocente, os seus pais e ainda quem tenha agido em nome dos pais.

Quanto à quantia a pagar, esta obedece a critérios de equidade. Em caso de morte de


um dos esposados pode o promitente sobrevivo guardar as recordações pessoais recebidas.
Porém, se assim proceder, perde o direito de exigir os donativos por si efetuados.

O direito a exigir as indemnizações ou restituições caduca um ano após o rompimento


da promessa – artigo 1595º. É admissível que a própria promessa não deva ter duração
superior a um ano, sob pena de caducidade.

A promessa de casamento é um contrato que se submete a regras gerais. Será inválida


desde que contraída por promitente menos; nesse caso, os donativos ou despesas efetuadas
por terceiros ou pelo outro esposado submetem-se ao regime do enriquecimento sem causa –
artigo 473º.

$13. Requisitos de fundo do casamento

63. Vontade, liberdade, capacidade

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O casamento é um negócio jurídico assente na vontade dos nubentes. A vontade ve
ser livre, esclarecida e determinada – artigo 1619º.

A lei admite que um dos nubentes se faça representar na celebração do seu casamento
– por procuração – mediante documento público, ou mediante escrito assinado pelo
representante e com reconhecimento da assinatura – artigo 1620º.

O acordo entre duas pessoas que não obedeça a pressupostos fixados no CC não é um
casamento em sentido técnico-jurídico e merece a designação de inexistente – sanção aplicada
a certos atos jurídicos de tipo matrimonial que não tem correspondência com a lei – artigo
1628º. Também será inexistente o casamento em que os nubentes não declaram a vontade de
casar, mantendo-se em silêncio quando questionado sobre tal vontade. Era inexistente, até
2010, o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Os casamentos inexistentes são destituídos de efeitos. A inexistência pode ser


invocada a todo o momento e não depende da declaração judicial – artigo 1630º nº 1 e 2.

64. Pressupostos da vontade da liberdade e da capacidade de contrair casamento

Há casamentos juridicamente existentes, cuja validade a lei não admite, por entender
que não são livres, ou não cumprem todos os requisitos de vontade e capacidade por parte de
algum dos nubentes ou de ambos.

 Os casamentos nos quais se verifique falta ou vício de vontade de qualquer dos


nubentes no momento da celebração: erro sobre a identidade do outro nubente,
simulação, coação moral – artigo 1635º - e erro vício – artigo 1636º.
 Os casamentos com impedimentos dirimentes – artigos 1601º e 1602º.

Dolo? Pode suceder que um dos nubentes engane o outro acerca de aspetos da sua
personalidade ou vida pessoa, a fim de conseguir que este outro se seduza pela sua alegada
personalidade ou vivência, e case.

A lei não atribui relevância à figura do dolo nesta sede. A sedução e o desejo de
agradar compatibilizam-se com a estratégia das relações pré-nupciais. Mas já será o facto de,
com um comportamento enganador acerca de aspetos determinantes, provocar nessa pessoa
com quem se vai contrair uma relação de vida íntima, a decisão de casar baseada em
pressupostos que, falseando a verdade, desvirtuam a autenticidade da decisão.

O casamento supõe vontade livre. Não deve ser celebrado havendo coação sobre
qualquer dos nubentes. Caso tal aconteça, será anulável – artigo 1638º.

65. O erro vício

A lei requer que a vontade do nubente não se sustente em erro sobre qualidades
essenciais da pessoa do outro. A lei suscita neste ponto dificuldades de certa monta ao
intérprete. Tais dificuldades reportam-se à compreensão da expressão legal: qualidades
essenciais da pessoa do cônjuge. O conceito de essencialidade revela grande complexidade em
muitas situações. O que são qualidades essenciais? Serão aquelas que revelam aspetos muito
relevantes de circunstância pessoal e do próprio modo de ser.

Será sempre determinante para que alguém celebre casamento saber em que país
nasceu o seu nubente? Era bem mais importante saber há 60 anos se o cônjuge era europeu,

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nascido em Espanha, Portugal ou na Bélgica. Mas considerar hoje a nacionalidade um fator
determinante da razão de casar ou de não casar com A, afigura-se muito improvável.

Revela um traço de caráter, não uma qualidade essencial da pessoa. ora, o erro que
aqui importa incide sobre qualidades essenciais da pessoa, pelas repercussões que pode ter
tido na determinação da vontade de casar.

O erro sobre qualidades essenciais relevava, sendo fundamento de invalidade do


casamento.

O legislador resolveu o problema criando no artigo 1636º um conceito aberto, a


preencher por via doutrinária e jurisprudencial.

É difícil eleger os casos juridicamente relevantes que podem constituir candidatos À


integração no conceito de erro sobre qualidades essenciais.

 Impõe-se que seja um erro não desculpável


 Impõe-se que seja evidente que, caso não se verificasse este erro – caso o
nubente conhecesse a verdade – não celebraria o casamento.

O que se entende por erro desculpável? Todo aquele em que incorre quem está sendo
vítima de astúcia, ardil tal, que uma perspicácia corrente não permitiria desfazer. Há casos em
que uma doença séria se evidencia: sintomas permanentes, desmaios, vertigens, farão
desconfiar de síndroma patológica. Noutros casos ainda, a doença tem natureza que aumenta
exponencialmente os talentos de ocultação do paciente, aqui, o nubente que oculta a verdade.
A esquizofrenia fará parte do leque.

Existem casos muito diferentes. Se A é militante de uma “ginecocracia” e o esconde?


Não apenas é social e politicamente ínvio o seu comportamento, que no espaço se reclama da
afirmação, como é desleal para com o futuro cônjuge.

O dolo que esconde aspetos trívias da personalidade não tem dimensão para invalidar
um casamento. Todavia, consideramos evidente que a intenção de defraudar o outro nubente
acerca de uma qualidade essencial releva. Outro problema bem distinto é o de saber o âmbito
atendível para a delimitação das qualidades pessoas relevantes para este efeito. E é nesse
ponto que a hermenêutica do artigo 1636º deve sobretudo situar-se.

Conclui-se que a expressão técnica do preceito é infeliz:

 Na cláusula geral que contém, a qual poderia explicitar que o erro deve ter
dimensão para tronar a vida comum incompatível
 No elenco de circunstâncias para que o seu referente histórico aponta
 Na própria solução dogmática, recorrendo ao crivo da não desculpa.

66. Impedimentos dirimentes; impedimentos dirimentes absolutos e relativos

Consideram-se impedimentos matrimoniais as circunstâncias que obstam à celebração


do casamento, sob pena de sobre ele impenderem sanções. Os impedimentos mais graves, na
ordem jurídica portuguesa, são os denominados impedimentos dirimentes, que podem ser
absolutos – obstam ao casamento de certa pessoa com qualquer outra (artigo 1601º) – ou
relativos – impedem o casamento com certa pessoa, parente, afim, entre outras situações
(1602º).

O legislador procede ao seu elenco no artigo 1601º:

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 Idade inferior a dezasseis anos

Impedimento por falta de idade núbil. Recentemente, a lei da união de facto, impõe a
sua relevância quando o casal de companheiros atinge os 18 anos. O menor de 16 anos,
embora podendo casar, carece do consentimento dos pais ou tutores, e, na falta deste se
houver autorização do conservador do registo civil. Mas pode, ainda assim, adquirir o estado
de casado.

 Demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos e interdição ou


inabilitação por anomalia psíquica

O casamento válido requer ausência de anomalia psíquica em ambos os nubentes. A


anomalia psíquica notória determina a invalidade do casamento. Em termos jurídicos,
demência notória significa estado mental grave. E a notoriedade da demência indicia a sua
gravidade, uma gravidade percetível pela generalidade das pessoas, mas sem prejuízo de isso
não acontecer no momento em que o conservador enfrenta o nubente doente para celebrar o
casamento. A leu, cuidadosamente, diz que haverá demência notória mesmo nos “intervalos
lúcidos”.

Se não tiver ocorrido interdição ou inabilitação por anomalia psíquica e não ocorrer
durante o processo preliminar de casamento comunicação de que a demência notória existe, o
casamento poderá ocorrer. A demência notória é aferível socialmente. Em caso de interdição
ou inabilitação por anomalia psíquica, verifica-se impedimento dirimente, como referenciado
pelo artigo 1601º. A demência dá-se como provada quando exista atestado de médico da
especialidade.

O problema mais complexo que a existência de demência notória suscita diz respeito
àquelas patologias que são de gravidade indiscutível, mas nem sempre cognoscíveis pela
generalidade das pessoas. A notoriedade é também sinónima de gravidade

 Impedimento dirimente por casamento anterior não dissolvido, católico ou


civil, ainda que o respetivo assento não tenha sido lavrado no registo do
estado civil

A lei procura evitar o casamento que dê origem a situação de bigamia. Até à dissolução
de casamento anterior, não pode alguém contrair novo casamento. A bigamia constitui crime,
nos termos do Código Penal – artigo 247º. Por motivos de segurança jurídica enquanto
ocorrerem diligências relativas à invalidação ou cessação do primeiro casamento, não terá
lugar o segundo.

67. Continuação: impedimentos dirimentes relativos

Refere o artigo 1602º o parentesco na linha reta- alínea a). Descendentes e


ascendentes não poderão casar. Quem tenha tido relação anterior de responsabilidades
parentais não poderá igualmente casar – alínea b) do artigo 1602º. Tão pouco poderão casar
colaterais no segundo grau – alínea c) do artigo 1602º. Ou afins na linha reta – alínea d) do
artigo 1602º. Obsta ao casamento a condenação por homicídio, em autoria ou cumplicidade,
contra a pessoa do cônjuge do nubente – alínea e) do artigo 1602º.

Utiliza-se aqui a expressão impedimento dirimente relativo: diferentemente da falta de


idade núbil, do caso de doença mental, da existência de casamento anterior não dissolvido,
neste caso o nubente não é impedido de casar com qualquer pessoa, mas apenas o será, de

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celebrar casamento com aqueles seus familiares ou afins na linha reta. Ou se casar com quem
tenha tido relação de responsabilidade parental, ou, por fim, como quem atentou contra a
vida do seu cônjuge.

A diferença de conceitos apenas indica faxe a quem produzem os impedimentos


consequências.

$14. Dogmática das invalidades e das irregularidades matrimoniais

68. Invalidades

Decorreu dos conceitos de vontade, liberdade e capacidade a consequência de serem


inválidos os casamentos que não preenchem os seus requisitos.

A nulidade é a sanção matriz do Direito português ante um negócio inválido. A


invalidade matrimonial pela qual opta o legislador será a anulabilidade, com sede no artigo
287º.

Em que situações será um casamento considerado inválido?

Os casos que aqui se integram constam do artigo 1631º do CC. Também segundo a lei,
a anulabilidade não será invocável para nenhum efeito, enquanto não for reconhecida por
sentença judicial transitada em julgado e especialmente intentada para a invalidação do
casamento – artigo 1632º.

O artigo 1639º reporta-se aos casos de impedimento dirimente.

A legitimidade para intentar a ação incumbe aos cônjuges, aos seus parentes na linha
reta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como aos herdeiros ou adotantes, e ainda,
ao Ministério Público. Em caso de menoridade, interdição ou inabilitação por anomalia
psíquica, a mesma incumbência é também deferida ao tutor, ao curador, e ainda ao primeiro
cônjuge do bígamo, em caso de bigamia – nº 2 do artigo citado.

Caso o menor, o interdito ou inabilitado, o demente, recuperem a sua capacidade


matrimonial, podem interpor esta ação até seis meses depois de terminada a causa que
obstava ao casamento; e outra pessoa poderá agir nos três anos seguintes à celebração do
casamento. Nunca será, porém, legítimo que os terceiros mencionados o façam uma vez
terminado o impedimento do nº1 do artigo 1643º alínea a).

A lei impõe uma restrição ao Ministério Público. Este apenas poderá interpor a ação
até à dissolução do casamento.

O artigo 1640º contempla o casamento celebrado com falta de vontade, prevendo a


anulação por simulação no nº 1 e os restantes casos no nº2.

Para os casos de vício da vontade, apenas o cônjuge que tenha sido alvo da atitude
enganadora pode intentar a ação; já podem prosseguir nela, em caso de falecimento do autor
na sua pendência, os parentes e afins na linha reta, herdeiros ou adotantes – artigo 1641º.

Concluímos que cautelosamente, em defesa da privacidade dos visados e dos efeitos


reflexos que sobre estes poderiam impender caso a imagem global do núcleo familiar fosse
submetida a veredito judicial por outrem, a lei, embora atribuindo um prazo largado ao MP,
opta por circunscrever a um grupo restrito de agentes familiares, a propositura da ação, em

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quase todas estas situações. A exceção é o casamento simulado, pela sua possível repercussão
social.

O artigo 1644º admite um prazo de três anos subsequentes ao casamento para a


propositura da ação fundada em falta de vontade de um ou ambos os nubentes.

No caso de erro vício caduca a ação, se não for instaurada no prazo de seis meses
subsequentes à cessação do vício – artigo 1645º.

O nº 3 do artigo 1643º estipula que a ação de anulação fundada em existência de


casamento anterior – impedimento de vínculo – não poderá ser instaurada, ou tendo-o sido,
não poderá prosseguir, enquanto tiver pendente ação de declaração de nulidade ou anulação
do primeiro casamento do bígamo.

Questão diferente é a de considerar que o casamento contraído na constância de


casamento inválido retrotrai ao momento da declaração de invalidade do primeiro.

70. Impedimentos impedientes

Têm semelhança com os antes vistos num domínio bem delimitado: podem levar à não
celebração do casamento. “Obstam ao casamento” como afirma a lei. estão eles expostos no
artigo 1604º.

Há casos em que a celebração de casamentos com impedimentos impedientes ocorre


apesar de tudo, embora a lei aplique sanções que entende adequadas:

 O menor que casa sem consentimento continuará sendo tratado como menor
quanto à administração dos bens que leve para o casal, ou que receba a título
gratuito até à maioridade, sendo os bens administrados por quem exercia a
responsabilidade sobre si – artigo 1649º nº 1 e 2; nunca respondem tais bens por
dívidas contraídas por um ou por ambos os cônjuges no mesmo período.
 Tio e sobrinha (ou tia e sobrinha) que casem sem terem obtido a dispensa do
conservador, por motivos ponderosos, não podem receber doações um do outro,
nem tão pouco deixas testamentárias – artigo 1609º e artigo 1650º. A mesma
sanção vale para os casamentos referenciados nas alíneas d) e e) do artigo 1604º.

O nubente que casa violando as regras próprias do prazo internupcial sofre a sanção
que o artigo 1650º determina: privação de todos os bens que tenham recebido por doação ou
sucessão do primeiro cônjuge – artigo 1650º nº1.

71. Casamentos válidos, mas irregulares: um conceito sui generis

Nestes outros casos em que se celebram casamentos com impedimento impediente o


casamento não se considera válido. A lei atribui consequências nefastas a tais casamentos;
mas não consequências de longe mais brandas. Conclui-se, portanto:

 O desrespeito pelo prazo internupcial tem sanções financeiras. É um ajustamento


patrimonial no seio do casamento anterior – artigo 1650º nº 1 e 2
 Em todos os outros casos, as sanções têm expressão patrimonial

A casa com o sobrinho B sem ter havido dispensa do conservador. Por morte de
qualquer dos cônjuges, não receberá o cônjuge sobrevivo uma eventual quota testamentária
que o falecido lhe tenha deixado. No entanto, o cônjuge é herdeiro legitimário, pelo que a
legítima ficará intocada. E, caso não tenha havido testamento, não sofre sanção sucessória.

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O regime da indignidade está previsto no artigo 2034º.

No caso do desrespeito pelo prazo internupcial, a sanção que o legislador aplica não
deixa transparecer outro sentido que não seja sancionar o nubente face a um comportamento
que se entende atentatório da memória ou da consideração do seu primeiro cônjuge.

Se a proibição de casar antes de ocorrido o prazo internupcial evitar que uma possível
filiação ocorra dentro desse prazo não se estabeleça corretamente, como se justifica sancionar
a mulher ou o marido que assim procedam, proibindo a perceção de benesses patrimoniais do
primeiro cônjuge? Tudo se passa como se, na mente do legislador, lesado fosse também este
cônjuge. Como se ele pudesse ser vítima de uma ofensa que suscite uma compensação
material; e tal compensação fosse atribuída através de bens de que dispusera a favor do
cônjuge “infrator” na constância do casamento ou que tivesse sido atribuído a este por sua
morte, compensando assim a descendência ou outros herdeiros.

72. Validação

O regime das invalidades do casamento é diferente do regime das invalidades dos


restantes negócios jurídicos. Há uma forte favorabilidade à validação do casamento, quer
encurtando os prazos para invocar a nulidade, quer permitindo a validação pela cessação do
vício inicial.

A lei contempla as hipóteses de validação do casamento anulável, desde que se


verifiquem dois previsto, os previstos no artigo 1633º. Estes obedecem a um princípio comum.
O fundamento da invalidade deixou de existir, podendo ganhar sentido a relação conjugal
entre nubentes, mas sustentada numa vontade livre e esclarecida ou dissipada a potencial
ilegalidade que obstara à celebração.

O casamento inválido é muito grave: pelas consequências eugénicas, sociais gerais,


pessoais, que desencadeia, em função das causas que o motivem. Porém, cessando a causa
que determinou a invalidade, a lei permite que se converta num estado civil válido e estável.

73. Casamento católico: o artigo 1626º

O regime de conhecimento da nulidade do casamento católico compete aos tribunais


eclesiásticos. Uma vez obtida a decisão da Nunciatura, o processo é hoje entregue aos
tribunais, que, nos termos do artigo 1626º, apreciarão a invalidade.

A decisão eclesiástica relativa à nulidade e à dispensa pontifícia do casamento rato e


não consumado será tomada pela autoridade eclesiástica competente e verificada pelo órgão
de controlo eclesiástico superior, bem como notificada às partes. Mas produzirá efeitos civis
após revisão e confirmação, nos termos da lei processual, pelo competente tribunal do Estado.

74. Casamento putativo

Ao casamento inválido e como tal declarado não está vedado produzir efeitos. A lei
considera que, havendo boa fé por parte dos cônjuges, ou pelo menos de um deles, assim
acontece. Os negócios jurídicos em que tenha participado até à declaração judicial de
invalidade não são destruídos na sua esfera jurídica – artigo 1648º nº2.

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Há casos em que, mesmo declarada judicialmente a invalidade do casamento, o
legislador reconhece que este deve manter alguns dos efeitos dos eventos e dos
comportamentos que ocorreram durante a sua vigência.

Casamento putativo – artigo 1647º. Putativo – contraído indevidamente, mas de boa


fé, por ignorância dos motivos que o invalidam.

O nº1 do preceito mencionado afirma que “o casamento civil anulado, quando


contraído de boa fé por ambos os cônjuges, produz os seus efeitos em relação a estes e a
terceiros até ao trânsito em julgado da respetiva sentença”. E para o caso de apenas se
verificar boa fé por parte de um dos cônjuges dispõe o nº2 que só esse cônjuge pode arrogar-
se os benefícios do estado matrimonial e opô-los a terceiros, desde que, relativamente a estes,
se trate de mero reflexo das relações havidas entre os cônjuges.

O casamento inválido vai produzir efeitos, sim, embora se elenquem legalmente três
ordens dos mesmos. O regime está contido no nº2 do preceito. A lei atende à existência ou
não de boa fé na celebração do casamento.

Há boa fé sempre que o cônjuge ignore o vício de que o casamento padece, mas, do
mesmo passo, inclui-se no conceito qualquer situação em que o agente não tem consciência
do significado do ato inválido que pratica. Verificando-se tal boa fé, o casamento produz
efeitos em relação ao cônjuge de boa fé, ou a ambos, se a ambos os cônjuges a boa fé for
imputável.

Caso o cônjuge envolvido na relação ou relações jurídicas que entabularam esteja de


boa fé, e veja produzirem-se em relação a si efeitos de Direito, serão os terceiros abrangidos
por esta regra. Caso contrário não se produziram efeitos jurídicos em relação a ele e a
terceiros que com o mesmo cônjuge tenham negociado resultam não contemplados pela
produção de efeitos na sua esfera jurídica.

§15. Convenções antenupciais

76. Conceito. Conteúdo. Liberdade. Imutabilidade

A convenção antenupcial pode interferir no conteúdo do casamento. Assim acontece,


pois pode incidir em aspetos da vida pessoal, sobretudo patrimonial e sobretudo no regime de
bens. Tem uma dimensão jurídica muito mais importante do que a promessa de casamento.

As convenções antenupciais são negócios jurídicos, contratos que antecedem o


casamento. Têm como objetivo principal estipular um regime de bens para o casamento, ainda
que o seu conteúdo se estenda a outra matérias. Os regimes de bens e esta matérias,
sobretudo patrimoniais e relacionadas com o casamento a celebrar, fazem parte do seu
conteúdo – doações para o casamento.

A sede legal é o artigo 1698º de acordo com o qual os esposos podem fixar livremente,
em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes
previstos neste código, quer estipulando o que lhes aprouver, dentro dos limites da lei.

São sujeitos de convenção antenupcial os nubentes e terceiros que nela intervenham.


Adverte-se, pois, que nos termos do artigo 1711º nº2, não são considerados terceiros, na
convenção antenupcial, para além dos nubentes, os demais outorgantes e os herdeiros dos
cônjuges. O artigo 1711º visa estipular a obrigatoriedade do registo como condição de
produção de efeitos relativamente a terceiros.

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A convenção antenupcial mostra ser o negócio jurídico em que se determinam
matérias patrimoniais relativas ao futuro casamento. A lei impede que certas matérias possam
ser reguladas por convenção antenupcial. De acordo com o artigo 1699º, não poderão:

 A alteração dos direitos ou deveres, quer paternais, quer conjugais;


 A regulamentação da sucessão hereditária dos cônjuges ou de terceiro, salvo exceções
que a lei prevê
 A alteração das regras sobre o regime de administração dos bens do casal
 A estipulação da comunicabilidade dos bens enumerados no artigo 1733º.

O nº2 do mesmo artigo 1699º introduz uma outra proibição relevante. Trata-se da
proibição, quem impende sobre quem tenha filhos de outrem que não o nubente, ao tempo da
celebração da convenção antenupcial de celebrar o casamento em regime de comunhão geral,
ou ainda, de admitir como bens comuns os bens que de que for titular ao tempo da celebração
do casamento, os bens adquiridos por sucessão ou doação e os direitos adquiridos na
constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior – ou seja, os bens enunciados
nas alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 1722º. O legislador tem de salvaguardar o património
destes filhos.

A proibição de integração em comunhão dos bens a que se refere o artigo 1722º


constante do artigo 1699º, deveria ter sido formulada noutros termos. A lei vem tornar-se
menos exigente do que a anterior, que impunha a tais casamentos o regime de separação de
bens. Sucede que o artigo 1722º enuncia bens que não podem integrar a comunhão, sendo a
regra completada pelos preceitos seguintes. Apenas os bens constantes do artigo 1722º são
incomunicáveis, o que se afasta da vontade do legislador e da racionalidade da lei.

A proibição onera o progenitor cujos filhos não sejam também filhos do nubente. As
proibições vertidas visam proteger esses filhos anteriores ao casamento.

As convenções antenupciais evidenciam ser norteadas pelo princípio da liberdade. É a


liberdade de escolha do regime de bens que sobretudo aqui se pretende. A convenção pode
nem estipular nada sobre tal matéria.

As convenções antenupciais são também imutáveis. O princípio decorre do nº1 do


artigo 1714º. A norma anterior, o artigo 1713º nº1, afirma que se podem estipular convenções
antenupciais sob condição ou termo.

77. Conteúdo patrimonial. Doações para casamento.

É possível celebrar doações para o casamento inter vivos numa convenção


antenupcial. O legislador vai mais longe: nos termos do artigo 1756º nº1, determina que as
doações para casamento só podem ser feitas na convenção antenupcial.

Só se consideram doações para casamento as doações celebradas no âmbito de


convenção. A lei considera doações para casamento aquelas doações que são feiras a um dos
esposados ou a ambos, em vista do seu casamento – assim o artigo 1753º nº1.

Os nubentes podem fazer doações um ao outro. A doa ao futuro cônjuge um terreno e


recebe deste uma coleção de litografias. Terceiros poderão fazer doações a cada um dos
nubentes ou a ambos. Os pais de A doam ao filho um automóvel. A tia de B doa À esposada um
adereço valioso. Todas estas doações serão consideradas para casamento e, como tal,
submetidas ao regime de tais doações.

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As doações para casamento deverão constar da convenção antenupcial e obedecer a
requisitos de forma: declaração prestada perante funcionários ou escritura pública – artigo
1756º - para produzirem efeitos.

A lei entende que as doações para casamento podem ser feitas por um dos esposados
ao outro, pelos dois reciprocamente, ou por terceiro a um ou a ambos os esposados – artigos
1753º e 1754º. Não se contemplam no conceito as doações feitas pelos espessados a terceiros.

O resultado mais evidente é a aplicação de regimes diferentes às doações para


casamentos e às demais.

Suponhamos que o donatário agiu com ingratidão para com o doador. Nos termos
gerais dos contratos de doação, poderá a mesma ser revogada pelo doador, unilateralmente,
uma vez que preencha os requisitos legais da ingratidão – artigo 974º. Porém, sendo a doação
feita para casamento, não é revogável unilateralmente – alínea a) do artigo 975º.

As doações de um nubente ao outro, ou recíprocas, bem como as doações de terceiros


a nubentes ou a ambos, atendem à vontade de celebrar o ato. Será tida como um gesto de
aplauso, ou como uma ajuda. Caduca a doação se o casamento vier a ser declarado inválido –
alínea a) do nº1 do artigo 1760º. Perdido o sentido jurídico do negócio principal, este outro
deixa de possuir efeitos na ordem jurídica.

78. Doações mortis causa

Podem celebrar-se, na convenção antenupcial, pactos sucessórios, seja nomeando os


nubentes, herdeiros ou legatários. A lei referencia as doações mortis causa como deixas
testamentárias a título de herança ou de legado. Mas, diferentemente destas outras figuras,
elas dependem de aceitação (artigo 1701º). São assim verdadeiros contratos e não podem
revogar-se, a menos que se verifiquem apertados requisitos legais.

A permissão legal das doações mortis causa justifica-se como forma de contribuir para
a estabilidade social do casamento, senão mesmo, para o encorajar. Nos termos do artigo
2028º, apenas se admitem os contratos sucessórios nos casos previstos na lei, sendo nulos
todos os demais.

O nº1 do artigo 1701º veio permitir que as disposições sejam feitas por terceiros aos
esposados. A razão de ser destes pactos sucessórios é o benefício patrimonial dos futuros
membros da comunidade conjugal. Este regime determina a aplicação às doações para
casamento mortis causa de regime idêntico ao vertido no artigo 1758º. Assim, as doações
entre os esposados não são revogáveis por mútuo consentimento. Diferentemente, as
disposições feitas aos esposados por terceiros já o poderão ser, verificando-se mútuo
consentimento: assim, o nº1 do artigo 1701º.

Cumpre ter em contra que a existência de herdeiros legitimários impede sempre a


disposição da totalidade da herança, ou mesmo de quota dessa herança que ultrapasse a
legítima. A norma deverá ser interpretada tendo em atenção essa restrição. Por legítima
entende a lei o quantum a que os sucessíveis próximos terão sempre direito.

Chama-se atenção para o nº3 do artigo 1705º do CC: a irrevogabilidade da disposição


não a isenta do regime geral da revogação das doações por ingratidão do donatário.

79. Regime de bens

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A convenção antenupcial tem uma importância decisiva no domínio do regime dos
bens do casamento. Só é possível alterar o regime supletivo desde que tal ocorra no âmbito de
uma tal convenção. O efeito mais importante da convenção antenupcial reside e resulta do
artigo 1698º, na sua capacidade de determinar o regime de bens de cada casamento.

Quem não celebra convenção antenupcial não pode considerar-se casado que não seja
no regime legal supletivo, o regime de comunhão de adquiridos. Que regimes podem então ser
convencionados? Todos aqueles que a lei não imponha a situações legalmente estipuladas.
Aqueles que não infrinjam as normas do CC. Assim:

 São celebráveis apenas em separação de bens os casamentos que não tenham


sido antecedidos de processo preliminar – artigo 1720º nº1 a)
 Os casamentos dos nubentes quando pelo menos um tenha atingido os
sessenta anos de idade – artigo 1720º nº1 b)

A falta de processo preliminar atinge a situação dos casamentos urgentes. Ora, o


casamento urgente requer um processo de homologação subsequente que tende a eliminar os
focos de ascendente de um nubente sobre o outro, e todas as vicissitudes que possam ter
dado origem a um casamento que se admite que nunca teria lugar no caso de um dos
nubentes, ou mesmo ambos, ter beneficiado de condições normais para refletir sobre as
implicações do mesmo casamento. Admite-se que a imposição do regime de separação de
bens se justifique por a homologação ser um processo que valida um casamento já celebrado;
e, no momento em que a celebração teve lugar, as circunstâncias que o rodearam não
garantem a ponderação requerida para a celebração. Nestes termos, o legislador recorre a
cautelas patrimoniais.

A hipótese justificativa para a alínea b) é a defesa do quinhão hereditário dos filhos, de


outros membros da família. É totalmente legítimo acautelar interesse sucessórios, na lógica de
um sistema jurídico que os erga a valores jurídicos importantes. Mas já não o é, usar como
expediente um falso fundamento: a vulnerabilidade em razão da idade, a perda de faculdades
mentais que nada comprova e sobretudo, o Direito não tem legitimidade para lançar como
arma discriminatória sobre ninguém.

De acordo com a mesma modalidade, não impõe um regime de bens, mas fecha as
portas a um regime de bens tipificado na lei e também a algumas modalidades de regime de
bens não tipificadas. É o caso sempre que um dos nubentes tenha descendente anterior ao
casamento: casará segundo outro regime que não a comunhão geral e sem inclusão dos bens
mencionados no nº1 do artigo 1722º entre os seus bens próprios – assim decorre o artigo
1699º nº2.

Fora estes casos, o âmbito de aplicação das convenções antenupciais é vasto. Pode
assim determinar-se um regime que não o supletivo: optarem os nubentes pela comunhão
geral, pela separação de bens. Podem ainda optar por regime misto, congregando regras
vários destes regimes. Trata-se de regime atípico.

A lei não exclui a possibilidade de ambos os cônjuges optarem por regimes de bens
diferentes, em sequência temporal. Mas só admite que um regime de bens mude em razão de
verificação de condição ou termo. Assim decorre do nº1 do artigo 1713º.

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A mudança de regime de bens que ocorrer será ditada por fatores aleatórios e não
pela vontade dos cônjuges posterior ao casamento. Pois, se tal acontecer, estar-se-ia a admitir
a alteração do regime de bens por vontade das partes, a todo o momento.

Que estipulações quanto ao regime podem resultar de uma convenção antenupcial:

 O regime da comunhão de adquiridos

Podem os nubentes enfatizar a escolha, declarando-a em convenção antenupcial. Esta


ênfase é redundante, mas nada a impede.

 Um regime misto

Havendo três regimes de bens tipificados – comunhão geral de bens, comunhão de


adquiridos; separação de bens – nada impede aos nubentes uma outra opção, que recolha
elementos de várias soluções ditadas por qualquer destes regimes.

 A vigência de regimes de bens diferentes, sucessivos, em prazos devidamente


estipulados

Assim a vigência de comunhão geral por três anos, seguida de separação, desde que
verificada uma certa álea no motivo que determina a mudança.

A lei contempla a possibilidade de alterar o regime de bens convencionado no caso de


ter havido revogação de doações mortis causa feitas por terceiros aos nubentes – alínea a) do
nº1 do artigo 1715º. Os demais casos em que os regimes de bens podem sofrer alterações
decorrem de separação judicial de bens que ocorra entre os cônjuges – alíneas b) e c) do nº1
do mesmo artigo.

80. Efeitos pessoais

O sentido das restrições legislativas que dizem respeito a matérias do foro pessoal é
facilmente compreensível. Pensemos nas alterações das responsabilidades parentais e dos
deveres conjugais. Não seria possível regular contra legem, na convenção antenupcial, ou
antecipar para um momento prévio ao ocorrido um facto possível e futuro, matéria que
envolve direitos de personalidade.

O regime de direitos e deveres entre os cônjuges ou parentais não poderão constar de


nenhum acordo.

Há efeitos pessoais que decorrem de estipulações em convenções anteriores. Uma


doação para casamento pode permitir que um dos cônjuges altere substancialmente o seu
estilo de vida e, consequentemente, o modo como se perfila perante a sociedade conjugal.
Verifica-se que o legislador considera lícita certas disposições institutivas de herdeiro ou que
nomeiem legatário. Mas apenas as admitirá desde que feitas por um dos esposados ao outro,
reciprocamente ou por terceiro a esposado.

81. Outras proibições de efeitos patrimoniais

A convenção relaciona-se com o casamento, a formação de relação familiar e não com


a deixa de bens para depois da morte. Por isso, as convenções antenupciais não têm vocação
para constituir sede testamentária. É, aliás, com cautela, e por vezes com relutância, que parte
da doutrina admite as doações mortis causa na convenção nupcial. A alteração do modo de

21
administração de bens do casal não compete às convenções antenupciais. A administração dos
bens do casal reflete o princípio da igualdade dos cônjuges.

A incomunicabilidade de bens que a lei estipula no artigo 1733º explica-se por várias
ordens de razoes: imperativo de justiça, ordem pública, imposição legítima da vontade de
terceiro. São bens próprios, mesmo em regime de comunhão geral de bens.

82. Invalidade e caducidade. Efeitos da invalidade da convenção sobre o casamento; efeitos


da invalidade do casamento sobre a convenção

A convenção antenupcial é um negócio jurídico. pode enfermar de vício e razão desse


facto, ser inválida. Tal circunstância depende da convenção em si e não da sua conexão com o
casamento. Uma convenção declarada nula ou anulável não invalida o casamento.

A convenção antenupcial caduca em certas circunstâncias: no caso de o casamento


não ser celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, vier a ser declarado nulo ou anulado,
salvo o disposto em matéria de casamento putativo – artigo 1716º.

Tratando-se de um contrato causa matrimoniis, acessório daquele outro, reflete os


seus efeitos: a sua inexistência, bem como invalidades que o atinjam.

§16. Regime de bens. Administração. Dívidas dos cônjuges

84. Regime de bens supletivo. Regimes imperativos. Cláusulas proibitivas

Há casos em que vigoram regimes de bens imperativos, bem como situações


matrimoniais que proíbem introduzir um regime de comunhão de bens ou atípico próximo
dele. Assim: se um dos nubentes tiver já completado 60 anos, os casamentos que não tenham
sido precedidos de processo preliminar, por fim, a lei veda o regime de comunhão geral e
proíbe a comunhão de certos bens aos nubentes que tenham filhos ou filhas de outrem,
anteriores ao casamento.

85. Comunhão de adquiridos

A comunhão de adquiridos, consagrada no artigo 1721º e desenvolvida pelos preceitos


seguintes, concebe-se como um regime intermédio entre a comunhão geral e o regime de
separação de bens. É, como dissemos, o regime legal supletivo e dominante em Portugal. Há
um conjunto de bens próprios em comunhão de adquiridos, que a lei enuncia aturadamente.
Assim, nos termos do 1722º, são bens próprios:

 Os bens que cada cônjuge tenha ao tempo da celebração do casamento


 Os bens que advierem depois do casamento por sucessão ou doação
 Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio
anterior

A lei exemplifica casos em que um bem pode ser adquirido na constância do


casamento e por virtude de direito próprio anterior, mas sem prejuízo de ter o adquirente o
dever de compensar, caso tal seja devido, o património comum. Estipula-o no nº2 do mesmo
artigo:

 Os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores sobre patrimónios


ilíquidos partilhados depois dele.
 Os bens adquiridos por usucapião fundada em possa que tenha o seu início antes do
casamento

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 Os bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade
 Os bens adquiridos no exercício do direito de preferência fundado em situação
existente à data do casamento

A lei vai mais longe, exemplificando também no artigo 1723º artigos que fazem parte
dos bens próprios:

 Os bens sub-rogados no lugar de bens próprios de um dos cônjuges por meio de


troca direta
 O preço dos bens próprios alienados
 Os bens adquiridos ou benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um
dos cônjuges, desde que a sua proveniência seja devidamente mencionada no
documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos
os cônjuges.

Em regime de comunhão de adquiridos há um acervo expressivo de bens integrados na


comunhão, mais precisamente no artigo 1724º. Vigora também uma presunção de
comunicabilidade sobre os bens móveis, sempre que haja dúvidas acerca da sua titularidade –
artigo 1725º.

A lei atendeu ainda à titularidade daqueles bens que, tendo sido adquiridos em parte
com bens próprios de um dos cônjuges e em parte com bens comuns, revestem a natureza da
mais valiosa das duas prestações – artigo 1726º nº1.

A lei indica nos artigos 1727º a 1729º, outras situações em que os bens são
considerados próprios de um dos cônjuges. Os casos em que o próprio doador afirma que tais
bens entram na comunhão é possível. Nesse caso, a liberalidade considera-se conjunta e os
bens são comuns – artigo 1729º.

86. Comunhão geral de bens

A lei regula-o atualmente nos artigos 1732º e seguintes, estipulando que nestes casos
o património comum é constituído por todos os bens, presentes e futuros, dos cônjuges –
artigo 1732º.

A enumeração dos bens incomunicáveis surge de seguida no artigo 1733º. A lei


determina a aplicação à comunhão geral do regime da comunhão de adquiridos, com as
necessárias adaptações – artigo 1734º. Aplicam-se aos bens incomunicáveis as regras do 1723º
e 1726º. E também os artigos 1728º e 1730º.

87. Regime de separação de bens

É o regime imperativo para alguns casos já vistos. O artigo 1735º define o seu regime
de forma assertiva: “Se o regime de bens imposto por lei ou adotado pelos esposados for o da
separação, cada um deles conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e
futuros, podendo dispor deles livremente”.

Em regime de separação de bens, cada membro do casal mantém a titularidade dos


seus bens. Não há uma comunhão e os poderes de disposição são totais.

88. Administração de bens

O nº1 do artigo 1678º defere ao cônjuge a administração dos bens de que seja
proprietário. Em certas situações esta regra não se aplica:

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 Se o móvel X pertence a um dos cônjuges, mas é usado como instrumento de
trabalho de outro, e sendo este cônjuge que o usa exclusivamente, é ele o cônjuge
administrador – alínea e) nº2 1678º.
 Pode verificar-se a ausência ou impedimento do outro cônjuge: de novo, a
administração é deferida àquele que mostra estar em condições de administrar –
alínea f)
 O próprio cônjuge administrador tenha, através de mandato revogável, incumbindo
o cônjuge não administrador de o fazer – alínea g)

Bens comuns – comunhão geral, comunhão de adquiridos e ainda nos regimes mistos –
o regime de administração sofre alterações.

Neste caso, é a regra a administração conjunta, sem prejuízo de cada cônjuge poder
praticar por si só atos de administração ordinária – nº3 do 1678º.

Há bens comuns que deverão ser administrados exclusivamente pelo cônjuge titular de
uma ligação especial com os mesmos bens – nº2 do artigo 1678º a), b), c), d), e). relembramos
que a cada cônjuge compete excecionalmente a administração – f) e g).

Artigo 1681º - o cônjuge administrador de bens comuns ou próprios do outro cônjuge,


ao abrigo das alíneas a) a f) do 1678º, não é obrigado a prestar contas da sua administração,
mas isso não impede de responder por atos intencionalmente praticados em prejuízo do casal
ou do outro cônjuge.

O nº3 – sem mandato escrito, mas com conhecimento e sem oposição expressa do
outro cônjuge, um dos cônjuges entra na administração dos bens próprios daquele ou dos
bens comuns que não administre, aplicando as regras da administração fundamentada em
mandato.

89. Poderes de alienação do cônjuge administrador

Cabe a cada cônjuge a administração dos bens de que é proprietário – nº1 do 1678º. A
administração pode ou não ser ordinária, o que tem consequências:

 Os poderes de disposição de móveis comuns, quando o ato de administração praticado


não é considerado de administração ordinária e a administração cabe aos dois
cônjuges, carecem do consentimento de ambos – nº1 do artigo 1682º. Também se
verifica nos previstos no nº3 do 1682º
 A alienação ou oneração dos imóveis próprios e comuns que administre, constantes
das alíneas a) a f) do nº2 do 1678º.

Uma má administração constitui fundamento de separação judicial de bens. Nos


termos do artigo 1767º, qualquer dos cônjuges pode requerer esta separação, sempre que
entenda estar em perigo de perder o que é seu devido à má administração do outro cônjuge.
Tem legitimidade para a ação de separação de bens o cônjuge lesado ou o seu representante
legal, mas apenas no caso de ele estar interdito e ouvido o conselho de família – nº1 do 1769º.

Nos casos em que o representante legal seja o cônjuge considerado mau


administrador, a ação poderá ser intentada por parente na linha reta ou até ao 3º grau da
linha colateral – nº2 do mesmo preceito. Uma vez decretada a separação judicial de pessoas e
bens por esta via, será esse o regime de bens que vigora, procedendo-se à partilha, tal como se
o casamento tivesse sido dissolvido – nº1 do artigo 1770º.

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A lei acautela a posição do cônjuge não administrador face aos comportamentos que
entenda não corresponderem a boa gestão: no caso de haver impossibilidade por parte do
outro cônjuge de administrar e ele não diligencie uma alternativa, como no caso de o
retardamento das providências de administração que se impõem estar a provocar prejuízos –
artigo 1679º.

90. Atos de alienação de bens

Carece do consentimento de ambos os cônjuges a alienação ou oneração de móveis


comuns, cuja administração caiba a ambos, a menos, como vimos, que se trate de atos de
administração ordinária – nº1 1682º.

Cada cônjuge pode legitimamente alienar ou onerar inter vivos os móveis próprios ou
comuns que administre, nos termos do nº1 do 1678º e das alíneas a) a f) do nº2.

1682º Aº - carece sempre de consentimento de ambos os cônjuges, a menos que entre


eles vigore o regime de separação de bens:

 Um dos cônjuges pode ser titular de bem próprio, adquirido por sucessão ou doação,
estando-lhe contudo vedado aliená-lo ou onerá-lo sem o consentimento do seu
cônjuge
 A alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial

A lei impõe o consentimento de ambos os cônjuges, nos termos do 1682º B. A lei exige
para o consentimento a forma requerida para a procuração e admite que possa haver
suprimento judicial do consentimento, nos casos estritos em que se verifique injusta recusa.

91. Responsabilidade por dívidas

Vigora o princípio da liberdade de cada cônjuge para contrair dívidas sem o


consentimento do outro – nº1 do 1690º.

O 1691º atribui responsabilidade a ambos os cônjuges por um conjunto de dívidas. O


elenco sofre uma extensão no regime de comunhão de bens. Nesse, as dívidas contraídas por
qualquer dos cônjuges antes do casamento em proveito comum do casal são da
responsabilidade de ambos – nº2 do 1691º.

As dívidas que aproveitam ao casal são as que interessam a ambos os cônjuges, sem
bem que possam não ocorrer a encargos da vida familiar: será o caso de um investimento em
bens artísticos ou na remodelação de um prédio: os encargos da vida familiar não foram
satisfeitos deste modo e, todavia, a dívida contraída aproveitou ao casal.

O proveito comum não se presume, exceto nos casos em que a lei o declare – nº3 do
1691º. Deverá o cônjuge que contraiu a dívida prová-lo. Outras dívidas são da
responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges – artigo 1692º.

O artigo 1693º estipula um regime específico para as dívidas que onerem doações,
heranças ou legados: são da exclusiva responsabilidade do cônjuge aceitante, mesmo nos
casos em que a aceitação tenha sido efetuada com o consentimento do outro cônjuge – nº1
1693º.

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Apenas nos casos em que os bens em questão ingressem no património comum por
força do regime de bens a responsabilidade pelas dívidas será comum. O cônjuge do aceitante
poderá, todavia, impugnar o seu cumprimento, fundamentando a impugnação com base na
insuficiência dos bens para a satisfação dos encargos – nº2 do 1693º.

Relativamente aos bens que respondem: quando as dívidas são da responsabilidade do


casal, respondem primeiro os bens comuns e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, os
bens próprios de qualquer deles; apenas no regime de reparação de bens a responsabilidade
não é solidária – nº 1 e 2 do 1695º. Quando os bens são da responsabilidade exclusiva de um
dos cônjuges, respondem os bens próprios do cônjuge devedor; subsidiariamente, responde a
sua meação nos bens comuns – nº1 do artigo 1696º.

Para além dos bens próprios do cônjuge devedor, respondem certos bens comuns,
previstos no 1696º nº2.

A lei prevê um mecanismo de compensação, sempre que um só dos cônjuges tenha


respondido por dívidas da responsabilidade de ambos. Neste caso, o cônjuge que efetuou a
prestação torna-se credor do outro na medida em que tenha efetuado uma prestação que
exorbite a que lhe competia fazer. Porém, a compensação é devida apenas no momento da
partilha dos bens do casal.

Exceciona-se o regime da separação de bens – sempre que um dos cônjuges responde


por dívida da responsabilidade de ambos apenas com os seus bens, o crédito é exigível a todo
o tempo – nº1 in fine do 1697º.

§17. Contratos entre casados

92. Generalidades. As doações entre casados em especial

Os cônjuges podem celebrar contratos entre si. O casamento tem implicações na


liberdade contratual que incidem fundamentalmente sobre três categorias de contratos:
compra e venda, contratos de doação e contratos de sociedade.

1714º nº2 – são proibidos contratos de compra e venda e contratos de sociedade


entre os cônjuges. Sob a forma de compra e venda poderiam fazer-se puras liberalidades,
afetando os critérios da sucessão legitimária e, deste modo, os outros sucessíveis do cônjuge,
aparentemente vendedor, doador na realidade.

As doações entre casados têm lugar na constância do casamento e regem-se pelas


normas relativas aos contratos de doação – 940º e ss – mas apenas subsidiariamente, pois
valem para elas as normas do 1761º e ss.

A lei proíbe-as, desde logo, nos casos em que o regime de bens do casamento é o da
separação de bens, mas como regime imperativo. Ou seja, quando um dos cônjuges contrai
casamento a partir dos 60 anos e nos casos em que o casamento se celebrou sem que tenha
ocorrido processo preliminar – artigo 1762º.

Também são proibidas em certos casos de casamentos celebrados com impedimento


impediente.

Em todos os demais serão válidos os contratos de doação.

As doações entre casados estão submetidas ao regime geral da revogação por


ingratidão do donatário, nos termos do 1765º. São revogáveis a todo o tempo.

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São doações que caducam nos casos seguintes:

 O donatário não sobrevive ao doador – 1766º nº1 a)


 Invalidade do casamento – b) – ressalvados os efeitos do casamento putativo
 Divórcio ou separação de pessoas e bens. O 1791º prevê a perda de benefícios
recebidos em razão do estado de casado

Estão submetidas a forma escrita, quando o seu objeto sejam coisas imóveis. Versam
sempre sobre bens próprios do doador e não se comunicam.

O legislador teme que o cônjuge donatário pode aproveitar o seu ascendente sobre o
doador, adquirindo assim bens que, não apenas subvertem o espírito inicial do regime de bens
em que casaram, como pode prejudicar terceiros: podem desvirtuar o regime de bens
acordado e vigente. A ideia da “influência” conjugal como malefício do qual se impõe proteger
cada pessoa casada afigura-se incompatível com a liberdade de cada membro do casal, senão
mesmo, com a sua dignidade; pondera-se o prejuízo que as doações entre casados podem
causar a terceiros.

§18. Divórcio. Separação judicial de pessoas e bens

93. Introdução. Divórcio e separação de pessoas e bens. Razão da inclusão sistemática,


apesar da autonomia dogmática

Divórcio significa dissolução do casamento. É o modo jurídico de pôr fim


voluntariamente ao casamento.

O divórcio distingue-se da separação de bens ou de pessoas e bens. Pois, nesses casos,


vê-se que o casamento se mantém, e de tal forma que a separação pode conhecer o seu
termo, recuperando a mesma relação matrimonial todos os seus efeitos.

O divórcio dissolve o casamento ao passo que a mera separação de pessoas e bens


suspende a produção de efeitos, não afastando a possibilidade de os cônjuges, por acordo, lhe
porem fim, revertendo à situação matrimonial antecedente.

A lei aplica, nos termos do artigo 1794º, à separação judicial e bens o regime do
divórcio. Tal separação não dissolve o casamento, mas extingue os deveres conjugais,
excecionando o direito a alimentos. Só quanto aos bens se produzem os mesmos efeitos que
decorreriam de divórcio.

Diferentemente do divórcio, podem os cônjuges pôr termo à separação judicial de


pessoas e bens a todo o momento – 1795º-B.

1795º-C – A reconciliação, que pode ter lugar a todo o tempo, deve fazer-se por
escritura pública ou por termo do processo de separação, estando sujeita a homologação
judicial.

94. Modalidades do divórcio: generalidades

O divórcio por mútuo consentimento resulta de um acordo entre os cônjuges no


sentido de porem fim à sua sociedade conjugal. A declaração é consensual.

O divórcio litigioso tem lugar quando um dos cônjuges interpõe ação contra o outro,
alegando violação culposa dos deveres conjugais. Poderá alegar violação de um ou mais

27
deveres, assim como imputar ao outro cônjuge uma culpa mais ou menos intensa. A atual
ordem jurídica portuguesa baniu esta categoria, como veremos.

97. A Lei 61/2008 de 31 de outubro

Com a entrada em vigor desta Lei verificam-se alterações consideráveis no regime


jurídico do divórcio introduzido depois da entrada em vigor da CRP de 1976.

O divórcio por mútuo acordo, constante dos artigos 1775º e seguintes, mantém-se.
Deverá ser requerido na conservatória do registo civil e instaurado a todo o tempo, mediante
documento assinado pelos dois cônjuges ou pelos seus respetivos procuradores. Sublinha-se a
exigência de:

 Prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça – 1775º nº1 c)


 O destino da casa de morada de família – d)
 O exercício das responsabilidades parentais em caso de falta de acordo judicial – b)

No caso de o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais não acautelar o


interesse do menor ou menores, poderão os cônjuges alterá-lo e submeter a alteração a nova
apreciação. Se, ainda assim, não for considerado este satisfatório pelo MP, a homologação do
acordo é recusada e o processo remetido ao tribunal, seguindo nesse caso, e com as
adaptações que se impõem, a via de divórcio sem consentimento, nos termos do artigo 1778º-
A.

A mesma regra se aplica em relação aos acordos sobre alimentos e destino da casa de
morada de família.

A lei não permite o divórcio por mútuo consentimento sem acautelar interesses sociais
fundamentais, como o direito a alimentos, à casa de morada de família e, por último, embora
determinante, o interesse dos filhos.

A intervenção do Estado tem o auxílio do instituto de mediação familiar, que o artigo


1774º prevê, a qual consiste numa prestação de informação, prévia ao divórcio, a fim de tentar
dissipar eventuais focos de conflitualidade e também de prevenir conflitualidade posterior.

98. O divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges

A nova lei abole a culpa como fundamento do divórcio. Numa tentativa implícita de
evitar a conflitualidade conjugal nas fases que antecedem o termo da vida conjugal e mesmo
depois da sua cessação, o legislador decide agora que não será a violação culposa dos deveres
conjugais a fundamentar o divórcio, mas antes a “rutura do casamento”, ou seja, a verificação
de existência de fatores que determinam a insustentabilidade da vida comum.

Assim, o 1773º afirma que o divórcio poderá obter-se por mútuo consentimento ou
sem consentimento de um dos cônjuges.

Segundo o artigo 1781º, são fundamentos do divórcio sem consentimento de um dos


cônjuges:

 A separação de facto por um ano consecutivo;


 A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano
e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;
 A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano

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 Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a
rutura definitiva do casamento – cláusula aberta que requer apreciação de um juiz

O divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges é precedido de tentativa de


conciliação. Nos casos em que esta não resulta, o juiz procura obter acordo dos cônjuges para
o divórcio por mútuo consentimento – artigo 1779º nº 1 e 2.

E divórcio pode ser requerido a todo o tempo e as exigências jurídicas mais salientes
respeitam ao divórcio requerido sem o consentimento de um dos cônjuges.

 Princípio da última ratio – o juiz tenta evitar que o divórcio sem o consentimento de
um dos cônjuges corra, sem proceder a tentativa de conciliação dos cônjuges ou a
acordo para alteração para divórcio por mútuo consentimento.
 Princípio da judicialidade – deve ser requerido em tribunal, naturalmente, por um dos
cônjuges contra o outro
 Não é passível de suscitar a aplicação de sanções a nenhum dos cônjuges
 Caso um cônjuge tenha provocado danos ao outro, estes serão apreciados em
processos autónomo à ação de divórcio

Excetuam-se apenas os casos previstos no nº1 do artigo 1792º, bem como no 1781º b).
A lei sofreu uma grande alteração no momento em que subsistiu o pressuposto da culpa pela
verificação da rutura do casamento.

O desaparecimento de referência à culpa teve ainda efeitos no domínio das doações


realizadas por terceiros. De forma radical, podem as doações caducar – 1791º nº1. E nos
termos do 1791º nº2, pode o doador pretender que a doação reverta para os filhos do casal.

99. Especificidades da partilha por divórcio

A nova lei do divórcio veio impor uma regra de partilha que não deixa de causar
perplexidade e controvérsia. Determina, assim, o 1790º que nenhum dos cônjuges poderá, em
caso de divórcio, receber na partilha mais do que lhe competiria receber nos casos em que o
regime de bens estipulado seja o de comunhão de adquiridos.

Trata-se de disposição que não afeta os casamentos celebrados em regime de


separação de bens. Em tais casos, cada cônjuge é titular dos seus próprios bens, seja a
aquisição dos mesmos anterior ou posterior ao casamento.

Em caso de divórcio, a partilha não terá nunca em consideração bens comuns, em


razão do próprio regime convencionado. Mas o mesmo não se passa com os casamentos
realizados em regime de comunhão geral.

Nestes outros casos, cada cônjuge seria contitular dos bens anteriores ao casamento,
tal como de todos os bens posteriores, excetuados os bens que o artigo 1699º contempla
como de natureza pessoalíssima.

Na situação em causa, a regra de partilha nos termos do regime de comunhão de


adquiridos vem prejudicar sobretudo aquele dos membros da relação conjugal agora
dissolvida que não fosse titular de bens próprios antes do casamento nem os tenha percebido
na sua constância.

E o mesmo se passará se em convenção antenupcial se tiver adotado um regime misto,


mas muito próximo da comunhão geral.

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A regra aplica-se também aos casamentos entre duas pessoas, no caso de um dos
nubentes ter filho ou filhos de terceiro, anteriores ao casamento, cujo decesso se verificou,
entretanto. O artigo 1699º impede que a atribuição da qualidade de bens comuns aos bens
referidos no artigo 1722º, ou seja, a bens que o regime de comunhão de adquiridos não
integra na comunhão. Neste caso, não se justifica esta “não reversão” à comunidade de bens
de património próprio de um dos cônjuges no momento da dissolução do casamento, quando
isso correspondia à vontade dos cônjuges e a lei os furtou à comunhão no interesse dos filhos
e se trata de uma lei inspirada pela proteção destes em caso de dissolução do casamento.

As convenções antenupciais são inalteráveis, como vimos decorrer do artigo 1714º.


Ora, a mesma lei que impede aos cônjuges alterarem o regime de bens por eles
convencionados, vem permitir-se alterar o regime vigente no casamento, reduto de certeza e
garantia em cada época e expressão, como vimos, das expetativas ao abrigo das quais os
nubentes formaram a vontade de casar.

100. Apreciação

As responsabilidades parentais sofrem consequências muito relevantes com a Lei


61/2008.

Diferentemente do que acontece estando os titulares das responsabilidades parentais


casados, situação em que um desacordo sobre questões de particular importância da vida do
menor requer intervenção judicial, competindo ao tribunal ouvir o menor sobre a matéria e
decidir a função desta audição – 1901º nº3 – em caso de divórcio o procedimento a seguir é
minuciosamente indicado pela lei e tem sobretudo em conta o interesse do menor.

Assim, propugna-se que as questões de particular importância para a vida do menor


incumbam a ambos os titulares das responsabilidades parentais. Apenas em casos urgentes a
regra deverá ser derrogada – 1906º nº2.

O acordo dos pais será tido em conta, mas não é critério da última instância da
decisão. Já os titulares que exercem responsabilidades parentais ou que atuem sozinhos têm
agora um dever de informar o outro progenitor.

Com o propósito de reforçar os mecanismos de assunção das responsabilidades


parentais, a Lei 137/2015 veio alterar o artigo 1903º, curando de atribuir as responsabilidades
parentais, em caso de impedimento de um ou de ambos os cônjuges, por ausência,
incapacidade ou impedimento decretado pelo tribunal, ao outro progenitor e, em caso de
impedimento deste, por decisão judicial, por ordem legalmente indicada, a uma das seguintes
pessoas: cônjuge unido de facto de qualquer dois pais; membro da família de qualquer dos
pais.

Ao artigo 1904º foi aditado o artigo 1904º-A. A lei procurou atenuar o caráter nocivo
para a criança do exercício de responsabilidades parentais por progenitor que não reúna as
condições para o efeito.

101. Crédito compensatório ao cônjuge especialmente onerado na sua contribuição para os


encargos da vida familiar

Nos termos do 1671º nº2, cabe a ambos os cônjuges acordar acerca do modo de
distribuição das funções a desempenhar por ambos em prol da vida familiar. Porém, uma vez
extinta por divórcio, a vida conjugal, vem reconhecer a importância do trabalho doméstico. E

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assim, estipula que, sempre que um dos cônjuges tivesse ficado especialmente onerado com
esta incumbência, deverá ter lugar uma compensação, devida pelo património comum ao
património próprio.

A nova lei, diferentemente da antiga, vem eliminar a presunção de renúncia a tal


compensação. Visa repor justiça, não só patrimonial, como social. Sendo que um dos cônjuges
pode ter privado a sua progressão profissional e valorização pessoal em benefício da vida
familiar, porque esse era, na altura, o objetivo prioritário e a opção que elegera, nada justifica,
contudo, que, terminado o casamento, venha a ver-se colocado numa situação de real
desvantagem, que porventura terá dificuldades sérias em superar ou mesmo diminuir.

Pressupostos da atribuição da compensação: deverá, por um lado, ter havido, por


parte do cônjuge requerente da compensação, uma contribuição consideravelmente superior
para os encargos da vida familiar; esta superioridade deve ser aferida pela demonstração de
que houve uma renúncia excessiva à satisfação dos seus interesses, em favor da vida comum –
nº2 1676º.

A lei afirma que o momento em que o direito à compensação é exigível é o momento


da partilha, a menos que vigore entre os cônjuges o regime de separação – nº3 do 1676º.

No final do casamento, a partilha pode realizar-se extrajudicialmente, e, não havendo


consenso, a qualquer dos cônjuges é admitido requerer o inventário.

Em regime de separação de bens não se realiza partilha: poderá, sim, haver lugar a
ações de divisão de coisa comum para o caso de os cônjuges serem comproprietários – 1412º
e 1735º.

Apesar do pouco rigor de sistematização e de expressão, a lei entendeu que o


momento oportuno para fazer valer esta compensação era, por via de regra, o momento do
divórcio: o crédito compensatório é considerado, nos termos do 1676º, exigível no momento
da partilha.

Em caso de vigorar o regime da separação de bens, quem opta por esse regime afirma
implicitamente que os efeitos patrimoniais do casamento serão muito escassos; e a opção pela
autonomia patrimonial é, à primeira vista, incompatível com o reconhecimento de uma
compensação financeira. No entanto, a ordem jurídica portuguesa não permite estipulação de
regimes de compensação em caso de divórcio. Solução: divisão de coisa comum em caso de
compropriedade, no final do casamento.

102. Direito a alimentos o cônjuge

O direito de crédito atribuído ao cônjuge que mais contribuiu para a vida familiar não é
incompatível com um outro a direito a alimentos, nos termos do artigo 2016º-A.

Afirma-se o princípio de que o credor de alimentos não tem o direito de manter o


padrão de vida que gozou enquanto esteve casado.

A lei rege o direito a pensão de alimentos pelo critério de necessidade, aplicando o


artigo 1676º, de modo autónomo. Lado a lado com esta compensação, admite um direito a
alimentos, paralelo e visado como auxílio do cônjuge necessitado.

E torna expresso, pelo nº3 do artigo 2016º-A, que não é reconhecido ao cônjuge o
padrão de vida de que beneficiava na constância do matrimónio.

31
À iminência de subvalorização das despesas com a educação dos filhos, alia-se o
regime de bens ficcionado para a partilha, o de comunhão de adquiridos. Assim, a solução
legislativa não se mostra compatível com um regime verdadeiramente compensatório do
cônjuge que, no todo ou em parte, renunciou à sua carreira profissional em benefício de uma
ideia de família.

De acordo com o 2016º nº1, cada um dos cônjuges deve prover à sua subsistência
depois do divórcio, mas logo acrescentando a lei que qualquer dos cônjuges tem direito a
receber alimentos independentemente do tipo de divórcio.

103. Partilha

A dissolução do casamento determina a cessação das relações patrimoniais entre os


cônjuges. Cada um receberá os seus bens próprios e a sua meação no património comum,
conferindo o que dever a esse património – artigo 1689º.

No caso de haver passivo a liquidar, este seguirá a ordem indicada:

 Dívidas comunicáveis até ao valor do património comum


 Restantes dívidas depois

Os créditos de cada cônjuge sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor
no património comum. Só responderão os bens próprios do cônjuge devedor caso estes sejam
inexistentes ou insuficientes.

§19. União de facto e Medidas de proteção das pessoas que vivam em economia comum

105. Natureza. União de facto e família.

A união de facto requer um modo de vida entre os companheiros, análogo ao dos


cônjuges.

O que hoje separa essencialmente o conteúdo do casamento e da união de facto são


os seus efeitos patrimoniais, podendo incluir-se nestes, os efeitos sucessórios. E as
formalidades requeridas, que apenas dizem respeito ao casamento, já que a união de facto se
constitui e cessa de modo informal.

O TEDH vem reconhecendo, em várias das suas decisões, caráter familiar às uniões de
facto, incluindo as que são constituídas por casais com a mesma orientação sexual.

A partir do momento em que o conteúdo das relações conjugais e as de


companheirismo informal típicas das uniões de facto se aproximam na natureza do
relacionamento pessoal, a diferença entre casamento e união de facto centra-se nas
divergências quanto à formalidade que a lei requer num e noutro caso. E, sendo assim,
importa saber em que medida existem fundamentos bastantes para excluir as uniões de facto
do domínio familiar.

A favor da sua inclusão verificou-se também o alargamento da indemnização pelo


dano morte, prevista no artigo 496º, ao companheiro sobrevivo, que figura agora, nos termos
do nº3, lado a lado com os descendentes. Trata-se de um dano moral: o dano que o
sofrimento pela perda de um entre próximo representa. Hoje, o companheiro que vivia em
união de facto toma a dianteira face a todos os familiares que não os descendentes, e vem à
titularidade do direito a ser ressarcido juntamento com estes.

32
106. União de facto e família: consequências da exigência de relações análogas às dos
cônjuges

Segundo o atual nº2 do artigo 1º: a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas
que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de
dois anos.

A lei é hoje rigorosa na definição que apresenta de união de facto. Trata-se de um


modo de vida análogo ao dos cônjuges. Ora, os cônjuges constituem família. Não vemos assim
como não admitir que as uniões de facto, caraterizadas por um modo de vida análogo, possam
não ser fontes de relações familiares.

Hoje apenas se admite a união de facto a partir do momento em que a união ganha
relevância jurídica.

107. Contagem do prazo: pressupostos

Para a vida em condições análogas às dos cônjuges implica que não haja fundamento
para distinguir as consequências jurídicas da vida conjugal e da vida em união informal. Para
Jorge Duarte Pinheiro, a lei não prevê direitos e deveres que vinculem reciprocamente os
membros da união de facto.

No entanto, o pressuposto de um modelo de vida determinado para que a união de


facto se constitua como realidade jurídica consta da lei atual. E esse modelo, pressupondo a
analogia com a vida dos cônjuges, transporta, tanto quanto entendemos a lei, para esta outra
instituição o modelo da relação jurídica pessoal que antes era própria só do casamento.

Nos casos em que os companheiros iniciem vida de tipo conjugal, mas a interrompam
porque não vivem de acordo com a realidade conjugal, deverá sem dúvida dar-se por
terminada a situação que haviam iniciado. E assim, caso voltem a reatar vida em termos
análogos à vida conjugal, o prazo para que a união de facto seja juridicamente relevante inicia-
se de novo.

Escreve Jorge Duarte Pinheiro: “se os membros da união de facto deixarem de


coabitar, sem que haja da parte de qualquer um deles o propósito de pôr fim à comunhão de
habitação, o prazo suspende-se. Por ex: forma-se a união de facto: um ano depois, por motivos
profissionais, um dos membros tem de passar a residir em localidade distante da residência
comum. Logo que as partes retomem a vida em comum, volta a correr o prazo que é condição
da união de facto protegida”.

Sabe-se que o distanciamento físico entre os cônjuges não é impeditivo do


cumprimento dos deveres conjugais. A lei não impõe prova documental, afirmando que
qualquer meio legalmente admissível comprova a vida em união de facto. A prova testemunhal
é possível.

Nos termos do 1673º nº2 os cônjuges devem adotar a residência de família. Não viver
na residência de família não significa por si só violação dos deveres conjugais.

108. Requisitos da união de facto

Tal como no casamento, exige capacidade, liberdade e vontade de vida em comum.


Impõe requisitos que, como se verá, se diferenciam em vários aspetos dos termos em que o
artigo 1601º do CC regula a matéria em sede de casamento.

33
Segundo o artigo 2º, impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida dos
cônjuges ou por morte, fundados na união de facto:

 Idade inferior a 18 à data do reconhecimento da união de facto


 A demência notória, mesmo nos intervalos lúcidos, a interdição ou a inabilitação por
anomalia psíquica
 Parentesco na linha reta ou no 2º grau da linha colateral e afinidade – idêntico aos
fundamentos de impedimentos dirimentes relativos do casamento. A inclusão da
afinidade entre os obstáculos à constituição da união de facto representa um
argumento no sentido da sua natureza familiar. Pois o motivo que veda a relação
íntima com os afins é uma razão de ordem moral e compreende-se no caso de relações
familiares, perdendo o sentido face a outras.
 Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio
doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro

109. União de facto constituída tendo o companheiro o estado de casado: apreciação das
consequências jurídicas

 Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens

É possível constituir união de facto mesmo na constância de matrimónio, desde que os


cônjuges tenham obtido a separação de pessoas e bens – artigo 1794º. Não configura o crime
de bigamia.

Não pode deixar de reconhecer-se que o dever de alimentos não se extingue, com o
perfil de dever conjugal – artigo 1795º-A – e que a separação judicial e pessoas e bens termina
pela reconciliação dos cônjuges.

No caso de um segundo casamento constituído ainda na vigência do primeiro, não só o


segundo é considerado inválido, como a lei atribui relevância criminal à sua celebração.

Caso alguém celebre casamento e este ainda não tenha sido dissolvido, é legítima, nos
termos da lei, a constituição de uma união de facto, desde que os cônjuges estejam separados.

A determinação do prazo segundo o qual a união de facto deva ser a forma


institucional única de relacionamento entre qualquer dos companheiros vai mais longe. Pois
tem colhido a interpretação de que poderão decorrer dois anos sem que se verifique sequer
separação de pessoas e bens; bastará que o casal viva há dois nos em união de facto para que
possa usufruir dos efeitos jurídicos desta união, e logo, para que esta se entende juridicamente
relevante.

110. Início e cessação; formalidades que podem ter lugar

A união de facto não carece de requisitos de forma para se constituir validamente. A


lei afirma no nº1 do artigo 2º-A que ela se prova por qualquer meio legalmente admissível, a
menos que certa disposição legal ou regulamentar exija prova documental. Trata-se, pois, de
um regime de prova livre. É a junta de freguesia competente o órgão ao qual incumbe emitir
uma declaração comprovativa.

A união de facto dissolve-se:

 Por morte de um dos seus membros – artigo 8º nº1 a)

34
 Pela vontade de qualquer deles – a dissolução é informal, diferentemente do
casamento
 Com o casamento de um dos membros

A lei não adotou o regime constate do DL 349/X de 2009 da AR, que reconhecia um
direito de compensação ao membro da união de facto que tivesse contribuído de forma
particularmente intensa para os encargos da vida familiar.

A prova emitida pela junta de freguesia no caso de morte de um dos membros consta
de documento atestando a residência há mais de dois anos à data do óbito, e, igualmente, de
certidão de cópia integral do registo de nascimento, bem como de certidão de óbito do
falecido.

111. Efeitos patrimoniais

A união de facto não possui um regime de bens, sendo aplicáveis as regras gerais do
Direitos das Obrigações ao relacionamento patrimonial dos cônjuges entre si e com terceiros.
Podem, assim, os membros adquirir bens em compropriedade e a título pessoal. Não há bens
comuns, nem regras de administração específica para os bens.

É certo que haverá bens adquiridos em comum. Mas nem se deverá aplicar uma
presunção de compropriedade, a menos que esta conste do título de aquisição.

Em qualquer caso, o membro da união que não consta do título aquisitivo, mas
contribuiu para a aquisição de bem ou bens deverá ser protegido, através da aplicação do
regime do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473º do Código Civil.

Não tendo a pretensão de ilustrar em exemplos exaustivos a variedade de motivações


que determinam a decisão de casar ou de viver antes em união de facto, bastará lembrar
alguns casos muito elucidativos:

 O casal que tem relutância em contrair matrimónio


 O casal em que um ou ambos os membros assumiram perante os filhos que os direitos
sucessórios não vão ser alterados pela vinda à sucessão de um cônjuge

112. Responsabilidade por dívidas

Na constância da união de facto poderão ser contraídas dívidas por qualquer um dos
membros. Sendo os contratos que se realizam no decurso da união de facto contratos
indiferenciados de quaisquer outros, vinculam as partes que nele intervêm, pelo que a
responsabilidade pelas dívidas recairá sobre o companheiro que a contraiu.

113. Medidas de proteção específicas: caso de rutura, casa de morada de família

O artigo 3º elenca a proteção da casa de morada de família.

Em caso de rutura da união de facto, o membro que viva em casa arrendada pelo
outro terá direitos a optar pela transmissão do arrendamento ou pela concentração a seu
favor. O nº1 do 1105º pressupõe, para que que este direito se constitua, que o casamento
cesse por acordo. Em rigor, aplica-se apenas às uniões de facto que cessem por acordo.

No caso de a rutura da união de facto ser unilateral, caberá a tribunal decidir, tendo
em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros fatores relevantes. O

35
último critério de ponderação judicial terá em conta a necessidade indireta do membro da
união de facto, designadamente, para efeitos de alojamento de dependentes a seu cargo.

Segundo o artigo 1793º, em caso de rutura de união de facto, pode o tribunal dar de
arrendamento a qualquer dos cônjuges a casa de morada de família, seja ela comum ou
própria do outro, considerando, nomeadamente, as suas necessidades e o interesse dos filhos.
Este arrendamento fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, podendo, contudo,
o tribunal definir as condições do contrato, ouvindo os cônjuges. Assim diz o artigo 1793º nº2.

114. Direito à casa de morada de família em caso de morte

Em caso de decesso do membro da união que era proprietário da casa de morada de


família, a titularidade segue as regras da sucessão por morte. Todavia, ao membro sobrevivo é
reconhecido o direito de permanecer na casa como titular de um direito de habitação por um
prazo de cinco anos e de um direito de uso do recheio – artigo 5º nº1.

O prazo de cinco anos larga-se sempre que a união de facto tenha tido duração
superior a cinco anos. Nestes casos, tem duração igual à duração da união de facto – artigo 5º
nº2. Pode ainda ser prorrogado o prazo – artigo 5º nº4. Caduca, no caso de não utilização
durante um ano – artigo 5º nº5. Não vale se o companheiro sobrevivo tiver casa própria no
respetivo concelho – artigo 5º nº5. Uma vez esgotado o prazo, o companheiro sobrevivo tem o
direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário, nas condições gerais do
mercado – artigo 5º nº7. Tem direito de preferência em caso de alienação do imóvel – artigo
5º nº9 – e goza do direito vertido o artigo 1106º nº1 c) do CC – artigo 5º nº10.

115. Outros efeitos da união de facto

Referidos no artigo 3º da Lei 7/2001.

117. Introdução à Lei de Medidas de Proteção a Economia Comum

Da união de facto distingue-se a denominada economia comum, embora seja verdade


que a sua origem e finalidade são muito distintas.

Do artigo 2º da Lei 6/2001 retira-se que a economia comum pressupõe: comunhão de


mesa e habitação, vivência comum, entreajudar ou partilha de recursos, duração por mais de
dois anos.

118. Conceito

Por comunhão de mesa e habitação entende-se o caso de vivencia em comum, por


relação familiar, de amizade ou solidariedade, não se comtemplando os casos de
relacionamento sexual com caráter de reiteração. Para estes aplica-se a Lei da União de Facto.

A economia comum carateriza-se pelo companheirismo que se alia a um estilo de vida


em comunhão. É possível que duas ou mais pessoas adaptem a sua vida a um estilo conjunto, a
que não sejam alheios laços de companheirismo e solidariedade. Quando isso sucede,
enfrentamos a chamada economia comum.

As exceções estão referenciadas no artigo 3º e os principais efeitos nos artigos 4º e 5º


da Lei 6/2001.

Capítulo IV – Filiação

36
§20. Preliminares. Estabelecimento da maternidade e da paternidade. Estabelecimento
judicial da maternidade

122. Modalidades comuns de estabelecimento da maternidade e da paternidade

Estabelecimento da maternidade: reconhecimento voluntário (declaração de


maternidade) e reconhecimento judicial (ação de investigação da maternidade)

Estabelecimento da paternidade: reconhecimento voluntário (perfilhação) e


reconhecimento judicial (ação de investigação da paternidade)

123. Ação de investigação de maternidade e de paternidade. Legitimidade ativa e passiva


para a investigação de maternidade

O reconhecimento judicial da filiação consiste no recurso a uma ação judicial com vista
a obter uma sentença que constitua o vínculo de parentesco entre duas pessoas: o pai, a mãe
e o filho. Trata-se de tentar que uma sentença estabeleça a filiação, dando, desta forma,
concretização ao direito fundamental de todos os cidadãos a conhecer a sua identidade
pessoal.

No âmbito do reconhecimento judicial da filiação distinguimos necessariamente: ação


de investigação da maternidade e ação de investigação da paternidade.

Nos termos do artigo 1814º, incumbe ao filho propor a ação comum de investigação da
maternidade. Porém o legislador consagrou uma ação atípica que decorre da circunstância de
ser admitido um pedido de reconhecimento da maternidade que se apresente conexionado
com o esclarecimento judicial da paternidade do filho.

Assim, a mãe pode requerer ao tribunal que declare a maternidade, caso se trate de
filho nascido ou concebido na constância do matrimónio e exista perfilhação por pessoa que
não o marido – artigo 1824º.

O estabelecimento da maternidade a favor de mãe casada faz funcionar a presunção


de paternidade do marido, verificados os pressupostos previstos nos artigos 1826º, 1828º,
1829º, 1830º e 1831º. Ora, a presunção de paternidade a favor do marido, assim obtida, afasta
a perfilhação por terceiro – artigo 1823º nº2.

Durante a menoridade da criança, a ação de reconhecimento da maternidade pode ser


intentada pelo marido da pretensa mãe. A lei exige que, neste caso, a ação de investigação
seja intentada também contra a pretensa mãe e contra o filho; e, no caso de existir
perfilhação, deverá ainda ser intentada contra o perfilhante – artigo 1822º nº2.

Nos termos do nº1 do artigo 1819º, a ação deve ser proposta contra a pretensa mãe
ou, no caso de esta ter falecido, contra o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de
pessoas e bens. E também, sucessivamente, contra os descendentes, ascendentes ou irmãos.
O filho deve, assim, propor a ação contra a pretensa mãe.

Relativamente à ação interposta após a morte da mãe, entendemos que a legitimidade


passiva do cônjuge sobrevivo da pretensa mãe se justifica plenamente. Desde logo, porque o
cônjuge é o substituto processual normal da parte em litígio, no caso de falecimento desta.
Também porque o cônjuge sobrevivo goza de uma tutela sucessória forte, posição que poderia
vir a ser prejudicada pelo concurso à herança de um ou mais filhos – artigos 2133º e 2157º.

37
No artigo 1819º nº2 estão abrangidos, por razões de certeza e de segurança jurídica,
quaisquer herdeiros ou legatários, independentemente do seu facto designativo.

A lei remete para a regra geral de atribuição de legitimidade passiva – artigos 1818º e
1819º - no caso de falecimento do autor ou dos réus na ação de reconhecimento da
maternidade de filho nascido ou concebido na constância do matrimónio e ainda menor –
artigo 1825º.

124. Prazos para a propositura da ação. Casos excecionais.

Artigo 1817º nº1 a ação de investigação da maternidade só pode ser proposta durante
a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
Ou seja, o direito da pessoa investigar e fixar a sua identidade pessoal tem como limite a idade
de 28 anos.

Em primeiro lugar, o caso de a maternidade já ser conhecida, mas ainda não constar
do registo de nascimento, em virtude da proibição de reconhecimento da maternidade em
contrário do que consta do registo de nascimento – artigo 1815º. O legislador permite que a
ação de reconhecimento da maternidade possa ser intentada nos três anos seguintes à
retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.

Uma segunda exceção prende-se com os seguintes casos:

 Pela impugnação, com sucesso, da maternidade do investigante – o prazo suplementar


ou adicional de 3 anos só se aplica a partir da prolação de sentença de acolhimento em
sede de ação só se aplica no caso de a ação de impugnação ter sido proposta por
terceiro. É que terceiro apenas tem legitimidade para impugnar a maternidade
estabelecida, mas não tem legitimidade ativa para propor ação de reconhecimento da
maternidade.

Pela verificação de um facto que tem como efeito a cessação da maternidade


estabelecida ou o surgimento de fundadas dúvidas sobre a maternidade estabelecida –
permite-se que a ação seja proposta nos três anos posteriores quando, após decorrido o prazo
geral, o investigante tenha tido conhecimento de factos ou circunstâncias que justifiquem a
investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe.
Razões de indefinição superveniente que justificam a aplicação do prazo suplementar da alínea
b) do nº3 do 1817º podem ser de índole objetiva ou subjetiva.

Objetiva, na medida em que revelem comportamentos que, de acordo com as regras


de experiencia comum e da normalidade da vida societária, tornem improvável ou, pelo
menos dúbio, que a mãe seja a pessoa como tal indicada no registo ou reputada socialmente.

Subjetiva, pois que tais factos que justificarão a aplicação do prazo suplementar
poderão relevar de condutas da própria mãe.

A cessação de tratamento do filho como filho pela mãe não poderá ser considerada
como causa de extinção do vínculo de filiação, ou mesmo como prova negativa de
maternidade, que opere automaticamente: trata-se apenas de um indício de que a
maternidade estabelecida poderá não corresponder à verdade biológica.

É a conduta da mãe que constitui fundamento para a tempestividade da ação de


reconhecimento da maternidade: se tal cessação voluntária não ocorresse, esgotado o prazo

38
geral do nº1 do artigo 1817º, a ação não seria admissível, devendo o juiz proceder à absolvição
da instância.

 A maternidade ainda se encontra omissa e surgem factos ou circunstâncias que


justificam a sua investigação – uma outra constelação de situações em que se admite a
aplicação de um prazo suplementar ou adicional para a propositura de ação de
reconhecimento judicial da maternidade é a prevista na alínea c) do nº3 do artigo
1817º. Porque a lei pretende evitar situações de maternidade omissa, e dando
concretização ao direito fundamental à identidade pessoal e à família de todos os
cidadãos, permite-se que se recorra à via judicial para determinar a maternidade do
filho.

A previsão de um prazo para a propositura de ação de reconhecimento judicial da


maternidade tem suscitado dúvidas de constitucionalidade. Trata-se de um meio judicial de
averiguar a identidade pessoal do indivíduo e conhecer as suas raízes familiares.

125. Prova da maternidade

O pedido formulado na ação de reconhecimento judicial da maternidade é o


estabelecimento do vínculo de filiação entre o investigante e a pretensa mãe. O filho deve,
pois, provar que nasceu da pretensa mãe (artigo 1816º nº1). Admitem-se, nesta ação, todos os
meios de prova legalmente admissíveis.

Poderá impor-se coativamente a recolha de um material genético para efeitos de


realização de testes de ADN no âmbito de ações de reconhecimento judicial da maternidade?
Será que o tribunal pode obrigar a pretensa mãe, contra quem a ação é instaurada, a
submeter-se a testes de ADN? Na opinião de Paula Costa e Silva a resposta é positiva. O
tribunal poderá impor a realização coativa de testes de ADN: a restrição ao direito à
integridade física do investigado assume-se, neste caso, como proporcionada e adequada aos
fins que justificam essa restrição.

E se o investigado, uma vez intimado a tribunal para a realização de tais testes,


incumprir a ordem? A consequência será a aplicação pelo Tribunal de sanção pecuniária
(multa) pelo incumprimento de ordem judicial.

126. Presunção de maternidade

O legislador consagrou presunções de maternidade. Presume-se a maternidade


quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pela pretensa mãe e reputado como
filho dessa pessoa também pela comunidade envolvente; ou, quando exista carta ou outro
escrito no qual a pretensa mãe declare inequivocamente a sua maternidade – respetivamente
as alíneas a) e b) do 1816º nº2.

Quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pela pretensa mãe e também
pelo meio envolvente, ocorre a designada posse de estado.

No que concerne à presunção legal de maternidade constante da alínea b) do mesmo


preceito a lei exige que a assunção por ela exarada seja inequívoca.

§21. Reconhecimento judicial de paternidade

127. Regime jurídico

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O artigo 1848º determina que não é admitido o reconhecimento em contrário da
filiação que conste do registo de nascimento enquanto este não for retificado, declarado nulo
ou cancelado – nº1; e a retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo de
nascimento não invalida a perfilhação feita por testamento, por escritura pública ou por termo
lavrado em juízo – nº2. Tais regras aplicam-se quer à perfilhação, quer ao reconhecimento
judicial da paternidade.

Quanto à legitimidade ativa, especificamente quanto ao reconhecimento judicial da


paternidade, o artigo 1869º determina que esta pode ser reconhecida em ação especialmente
intentada pelo filho, se a maternidade já se achar estabelecida ou se for pedido
conjuntamente o reconhecimento de uma e outra. É necessário que a maternidade já se
encontre estabelecida ou que, cumulativamente com o pedido de estabelecimento da
paternidade, se formula o pedido de estabelecimento da maternidade.

O cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou os descendentes do filho


podem prosseguir na ação, se este falecer na pendência da causa – artigo 1818º.

No que respeita à legitimidade passiva, a ação deve ser proposta contra o pretenso pai
ou, se este tiver falecido, contra o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e
bens e também, sucessivamente, contra os descendentes, ascendentes ou irmãos.

A mãe menor tem legitimidade para intentar a ação em representação do filho sem
necessidade de autorização dos pais, mas será sempre representada na causa por curador
especial nomeado pelo tribunal – artigo 1870º.

128. Prazo para a propositura da ação

A propositura desta ação pode ocorrer a todo o tempo, durante a menoridade, e é de


dez anos após a maioridade ou emancipação do filho, prevendo-se um conjunto de factos que
justificam a aplicação de um prazo adicional ou suplementar – artigo 1817º nº1 e 3.

Guilherme de Oliveira defende a imprescritibilidade do direito de propor ação judicial


de reconhecimento judicial. O autor argumento com base no facto de o interesse na
manutenção da certeza jurídico-familiar do pai não dever pesar mais do que o direito do filho
e, conhecer as suas raízes biológicas, a sua historicidade pessoal.

Numa das suas decisões mais recentes, o Supremo Tribunal decidiu que o artigo 1817º,
que estabelece um prazo de dez anos após a maioridade, é inconstitucional.

129. Posição adotada

Entendemos que a melhor orientação será considerar que o prazo previsto no artigo
1817º padece de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 26º nº1 e 36º da CRP.

 O direito à história pessoal é um direito fundamental, inserido no catálogo


constitucional de direitos, liberdades e garantias, que relaciona o indivíduo consigo
mesmo e com o meio social em que se insere
 O interesse público invocado para justificar a restrição ao direito fundamental do filho
em conhecer as suas raízes biológicas não é legítimo porque o evitar a “caça às
heranças” não é um interesse tutelado pela CRP e segundo porque os interesses
patrimoniais se encontram subordinados aos direitos pessoais dos cidadãos

40
Acima de qualquer outro argumento aduzível, ergue-se o direito fundamental,
decorrente da dignidade humana, ao conhecimento da origem genética e familiar.

130. Prova

O pedido aduzido na ação de reconhecimento judicial da paternidade é o


estabelecimento da filiação contra o pretenso pai. A causa de pedir e o ato de procriação, ou
seja, a prova de que o filho nasceu de relação sexual contraída entre a mãe e o pretenso pai. A
lei admite todos os meios de prova (artigos 1801º) incluindo os métodos científicos.

Para além da prova direta, o legislador consagrou presunções legais de paternidade, as


quais estão previstas no artigo 1871º nº1. Assim, a paternidade presume-se quando o filho
houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também
pelo público – posse de estado – é uma manifestação clara da interpretação entre a
facticidade e a normatividade em Direito da família: aqui, confere-se relevância positiva à
realidade social envolvente como meio de prova da filiação.

Na atual redação do nº1 do 1871º, apenas se impõem dois elementos constitutivos: o


tractatus e a fama. O primeiro corresponde à primeira parte da alínea a) – “quando o filho
houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai”; o segundo, corresponde à última
parte da alínea a) – “reputado como filho também pelo público”.

A prova judicial que o autor tem de fazer é a dos factos que atestam o tratamento e a
reputação como filho por parte do pretenso pai (vivência com o pai, ofertas do pai,
acompanhamento à escola por parte do pai, etc.). São também de considerar as restantes
alíneas b), c), d) e e).

§22. Reconhecimento voluntário da filiação

131. Introdução. O reconhecimento voluntário da maternidade (declaração de maternidade)


e da paternidade (perfilhação)

O reconhecimento voluntário da filiação consiste numa declaração, por parte daquele


que se assume como progenitor, de que certa pessoa é seu filho, prestada perante autoridade
pública, e não sujeita a um regime unívoco de forma, à qual a lei confere o efeito de
estabelecimento da filiação da pessoa a quem se refere. A lei distingue entre a declaração que
visa fixar a maternidade (declaração de maternidade: artigos 1803º e 1807º) e a declaração
que visa fixar paternidade (perfilhação: artigos 1849º e 1863º).

132. Declaração de maternidade e perfilhação: análise

Nos termos do artigo 1803º, aquele que declarar o nascimento deve, sempre que
possa, identificar a mãe do registando, sendo a maternidade indicada mencionada no registo
(nº1 e 2). No caso de declaração de nascimento ocorrido há menos de um ano, a maternidade
indicada considera-se estabelecida – artigo 1804º nº1.

Se o nascimento tiver ocorrido há um ano ou mais, a maternidade indicada considera-


se estabelecida se a mãe for declarante, caso esteja presente no ato ou nele se achar
representada por procurador com poderes especiais – artigo 1805º nº1.

Extraímos do artigo 1806º que, no caso de omissão do registo quanto à maternidade, a


mãe pode fazer tal declaração, salvo se se tratar de filho nascido ou concebido na constância
do matrimónio e existir perfilhação por pessoa que não o marido – nº1.

41
Complexo é o caso de declaração de maternidade feita por terceiro, de filho nascido há
mais de um ano, ocorrendo, entretanto, o falecimento da pretensa mãe.

A maternidade estabelece-se mediante declaração, de outrem ou da própria mãe, ou


através de ação de investigação oficiosa de maternidade intentada pelo MP ou através de ação
de investigação de maternidade intentada pelo filho.

O processo de justificação judicial para suprimento da omissão do registo de


nascimento reporta-se diretamente ao próprio ato de registo em si e não ao estabelecimento
definitivo da maternidade

Na decisão proferida no processo deve mencionar-se a maternidade, caso esta seja


conhecida, embora não se forme caso julgado sobre tal menção, por carência dos respetivos
elementos. São eles a identidade das partes, o pedido e a causa de pedir.

Recebida a decisão proferida em processo de justificação judicial para o suprimento do


registo de nascimento de nascimento com a menção de maternidade, o funcionário deve
averbar essa menção, observando em seguida, consoante o caso, o disposto nos artigos 1804º
nº2 e 1805º nº 2 e 3.

Se da própria decisão constar que a mãe já faleceu, o funcionário estará dispensado de


proceder a uma inscrição antecipadamente votada à ausência de efeito, uma vez que não se
poderá efetuar a notificação a que alude o artigo 1805º nº2.

133. Perfilhação

A perfilhação é ato pessoal e livre, pelo qual alguém se assume como pai de outrem –
o perfilhante declara que certa pessoa é seu filho (artigo 1849º). A perfilhação pode, no
entanto, ser feita por intermédio de procurador com poderes especiais, como resulta do
mesmo preceito legal.

Têm capacidade para perfilhar as pessoas com mais de 16 anos, se não estiverem
interditas por anomalia psíquica ou não forem notoriamente dementes no momento da
perfilhação – artigo 1850º nº1.

Para a perfilhação, o legislador entende que o discernimento elementar para


compreender as implicações do ato de perfilhação é suficiente para poder declarar
voluntariamente a paternidade.

A perfilhação pode fazer-se por declaração prestada perante o funcionário do registo


civil, por escritura pública, por termo lavrado em juízo – artigo 1853º a), b), c) e d),
respetivamente.

Quanto à perfilhação do nascituro, esta só é válida se for posterior à conceção e o


perfilhante identificar a mãe (1855º). Já a perfilhação posterior à morte o filho se limita a
produzir efeitos em favor dos seus descentes – artigos 1856º.

Poderá ocorrer a perfilhação de maior? A lei dá resposta positiva. Atendemos ao artigo


1857º.

No que respeita ao conteúdo da perfilhação, esta não pode comportar cláusulas que
limitem ou modifiquem os efeitos que lhe são atribuídos por lei, nem admite condição ou
termo. Se o perfilhante aditar cláusulas ou declarações proibidas por lei, estas não invalidam a
perfilhação, mas têm-se por não escritas – artigo 1852º nº1 e 2 – conteúdo defeso. A

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perfilhação é irrevogável e, quando feita em testamento, não é prejudicada pela revogação
deste – artigo 1858º.

134. Comparação entre regime de declaração de maternidade e perfilhação

Do confronto entre o regime legal da declaração de maternidade e o regime legal


previsto para a perfilhação, resultam as seguintes conclusões:

 No que respeita à legitimidade ativa, conclui-se que a lei é mais flexível no que
concerne à declaração de maternidade do que à perfilhação. Quem tem legitimidade
para declarar o nascimento tem legitimidade para declarar a maternidade; mas só o
próprio que se assume como pai, ou o procurador com poderes especiais, poderá
perfilhar;
 Quando à capacidade, a lei é mais flexível no caso da declaração de maternidade do
que no caso de perfilhação. No primeiro, a lei não prevê qualquer regra, o que significa
que qualquer mãe se poderá declarar enquanto tal; no segundo, a lei impõe a idade de
16 anos, ou que o perfilhante não esteja interdito de anomalia psíquica ou não seja
notoriamente demente no momento da perfilhação. O legislador tem em conta o
pressuposto lógico de que todas as pessoas são geradas por uma mãe; e o nascimento
é um facto evidente, sendo fácil identificar a mãe. Esta evidência já não se verifica no
que respeita ao pai. Quanto a este, a determinação da paternidade é um facto de mais
difícil conhecimento. A lei estabelece como idade núbil os 16 anos – artigo 1601 a) – o
que significa que, antes dessa idade, o legislador presume que a mulher, por razões
físicas, psicológicas, sócio-afetivas não está preparada para constituir família.
 No que respeita à forma: a declaração de maternidade é prestada perante o
funcionário do registo civil. Já a perfilhação poderá ainda ser realizada por negócio
jurídico unilateral (testamento), por escritura pública ou por termo lavrado em juízo –
a razão de ser da maior abrangência de formas admissíveis de perfilhação prende-se
com a conceção de que a declaração de maternidade está indissoluvelmente ligada ao
facto ostensivo, o nascimento.
 Quanto ao prazo: a declaração de maternidade poderá ser feita a todo o tempo, com
as particularidades, já estudadas, dos artigos 1804º e 1805º, a perfilhação poderá ser
feita a todo o tempo sem qualquer restrição.

135. Vícios e impugnação da perfilhação. Eventual aplicação à declaração de maternidade

A perfilhação que não corresponda à verdade é impugnável em juízo mesmo depois da


morte do perfilhado – artigo 1859º. A ação pode ser intentada, a todo o tempo, pelo
perfilhante, pelo perfilhado, ainda que haja consentido na perfilhação, por qualquer outra
pessoa que tenha interesse patrimonial ou moral na sua procedência ou pelo MP – artigo
1859º nº2.

Prevêem-se situações em que a vontade do perfilhante se encontra viciada por erro ou


coação. A perfilhação é anulável a requerimento do perfilhante quando viciada por erro ou
coação moral – artigo 1860º nº1. Para efeitos de invalidação é relevante o erro sobre
circunstâncias que tenham contribuído decisivamente para o convencimento da paternidade –
artigo 1860º nº2.

A perfilhação poderá ainda ser invalidade por incapacidade do perfilhante a


requerimento deste ou dos seus pais ou tutor – artigo 1861º.

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No caso de invalidação por coação ou erro, a ação de anulação caduca no prazo de um
ano, a contar do momento em que o perfilhante teve conhecimento do erro ou em que cessou
a coação, salvo se ele for menor não emancipado ou interdito por anomalia psíquica, casos em
que a ação não caduca sem ter decorrido um ano sobre a maioridade, emancipação ou
levantamento da interdição – artigo 1860º nº3.

A vontade, para efeitos de declaração de maternidade, é irrelevante: a declaração


reporta um facto. Pelo contrário, a perfilhação é um ato de vontade – implica a assunção pelo
pai da paternidade do filho, sendo, por isso, uma declaração de vontade.

Aplicam-se à declaração de maternidade as regras previstas para a perfilhação: 1852º,


1856º, 1857º, 1860º.

136. A presunção de paternidade

Nos termos do artigo 1826º, presume-se que o filho nascido ou concebido na


constância do matrimónio tem como pai o marido a mãe – nº1.

A previsão de presunções de paternidade facilita o estabelecimento da filiação.


Presume o legislador que a invalidade jurídica do casamento não obsta à realidade fáctica da
convivência conjugal de marido e mulher, logo, a probabilidade de o filho ter nascido em
resultado de ato sexual entre o marido e a mulher – artigo 1827º nº1.

A declaração de nulidade do casamento católico, transcrito no registo civil também


não exclui a presunção de paternidade – artigo 1827º nº2.

Se o filho nascer dentro dos 180 dias posteriores à celebração do casamento, cessa a
presunção de paternidade se a mãe ou o marido declararem no ato o registo do nascimento
que o marido não é o pai – artigo 1828º.

137. Cessação da presunção de paternidade

O artigo 1829º prevê os casos de cessação da paternidade. Pode a presunção de


paternidade não se extinguir, se se verificar um dos seguintes factos: reconciliação dos
cônjuges separados judicialmente de pessoas e bens; o regresso do ausente; o trânsito em
julgado da sentença que, sem ter decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e
bens, pôs termos ao respetivo processo – artigo 1830º. No caso de a cessação da presunção de
paternidade se ter verificado, esta poderá renascer, como decorre do artigo 1831º. Também
cessa por declaração da mãe de que o filho não é do marido – artigo 1832º nº1 e 2.

138. Impugnação da presunção de paternidade

Só pode ser impugnada nos termos previstos entre os artigos 1838º e 1846º.

139. Legitimidade passiva da ação de impugnação de paternidade

E contra quem deve ser proposta a ação de impugnação da presunção de paternidade?


O artigo 1846º vem resolver a questão, delimitando o âmbito dos seus destinatários de forma
clara.

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