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AULA SOBRE O CÁLCULO DA LEGÍTIMA

NOTA PRÉVIA

Em face a aula de Direito Sucessório ministrada aos estudantes do 3º Ano do


curso de Direito do Instituto Superior Politécnico Gregório Semedo, achou-se pertinente
elaborar a presente referência sumária sobre o Direito das Sucessões, com realce ao
cálculo da legítima, sendo que o presente documento não é um fechado, poderá,
naturalmente, ser sujeito a ajustamentos, alterações e melhorias que se venham a mostrar
pertinentes e que eventualmente sejam sugeridos.

Apesar de todo o esforço e cuidado empreendidos na elaboração desse pequeno


documento, o mesmo é susceptível de conter falhas, pelo que apelamos para a
compreensão do caro estudante e leitor, no caso de as mesmas ocorrerem, na certeza de
que nos empenhamos ao máximo para a diminuição desse risco. Neste sentido,
aconselhamos a consulta dos diplomas legais publicados neste documento nas
respectivas publicações nos jornais oficiais, bem como a consulta dos distintos manuais
de Direito das Sucessões existentes.
AULA SOBRE CÁLCULO DA LEGÍTIMA - 3º ANO – IGS - LUBANGO
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I - NOTAS INTRODUTÓRIAS

O Direito das Sucessões é identificado com o conjunto das normas jurídicas que
regulam a instituição da “sucessão” (artigo 2024º CC). Segundo a lei, na sucessão uma
ou mais pessoas ocupam a posição que cabia a outra enquanto titular de relações
patrimoniais.

Todo o Direito das Sucessões existe em função de um facto, a morte. A sucessão


que é regulada pelo Direito das Sucessões, sucessão por morte, tem origem no facto
“morte”; aqui a morte é a causa, o facto determinante da aquisição de situações jurídicas.

Nos termos do artigo 2024º CC a sucessão é o chamamento de uma ou mais


pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a
consequente devolução dos bens que a esta pertenciam. Esse artigo consagra o princípio
da transmissibilidade da generalidade dos bens patrimoniais.

Entretanto, estão excluídas da sucessão, em princípio, as relações pessoais, ou seja,


aquelas ligadas à própria pessoa, por sua natureza (alimentos - artigo 248º ss Cód. Fam)
ou por força da lei por serem de carácter intuitu personae (usufruto - artigo 1476º nº 1 al.
a) CC).

1. - Modalidades de sucessão

O artigo 2026º a 2028º do CC, referem-se às modalidades de sucessão. A sucessão


legitimária e a legítima têm fundamento em factos designativos não negociais. A
sucessão testamentária funda-se no testamento contratual e no pacto sucessório.

Os títulos da vocação sucessória são a lei, o testamento e o contrato (artigo 2026º


do CC). É nessa perspectiva que se faz a distinção da sucessão legal da sucessão
voluntária.

1 - A sucessão legal pode ser legítima e legitimária, conforme possa ou não ser
afastada pela vontade do seu autor (de cujus).

2 - A sucessão voluntária pode ser testamentária ou contratual (sendo essa


última admitida apenas em casos excepcionais, sendo raros os casos, vigorando neles a
regra da proibição dos pactos sucessórios - artigo 2028º nº 2 do CC).

II - DAS SUCESSÕES EM ESPECIAL

2.1 - A Sucessão Legítima

O artigo 2131º CC dispõe que serão chamados à sucessão os herdeiros legítimos


se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente os bens depois da morte. É um modo
de sucessão definido na ausência de testamento. A lei presume que o autor da herança,
se tivesse feito um testamento, teria distribuído a herança por aquelas pessoas se naquela
quantidade.

A sucessão legítima trata da quota disponível (da parte da herança que o de cujus
pode dispor livremente), já a sucessão legitimaria versa sobre a quota indisponível da
herança, a qual o de cujus não pode dispor.
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A sucessão legítima é supletiva na medida em que pode ser afastada pela vontade
do de cujus, enquanto que a sucessão legitimária não pode ser afastada pela vontade do
seu autor (artigo 2027º CC).

A sucessão legítima inicia-se nos termos do artigo 2131º com a abertura da


sucessão legítima. São herdeiros legítimos aqueles que constam da classe dos sucessíveis
do artigo 2133º do CC (descendentes, ascendentes, irmãos e seus descendentes, cônjuge, outros
colaterais até ao 6º grau e o Estado).

O chamamento é feito por esta ordem, sendo que os herdeiros de cada uma das
classes preferem aos das classes imediatas (artigo 2134º) e que dentro de cada classe, os
parentes de grau mais próximo preferem aos de grau mais afastado.

2.2 - A Sucessão Legitimária

A sucessão legitimária consiste no chamamento dos herdeiros legitimários


(descendentes e ascendentes) à sucessão na legítima, isto é, na porção de bens de que o
testador não pode dispor, por ser destinada legalmente a esses herdeiros (artigo 2156º
do CC). Opera mesmo contra a vontade do autor da sucessão, porque deve respeitar e
reservar a legítima dos herdeiros legitimários (artigo 2157º do CC)

A sucessão legitimária trata de indicar qual é a quota que cabe a cada classe de
chamados e de indicar quais as situações me que a parte disponível da herança
corresponde a 1/3 ou 2/3. Esta variação é feita de acordo com a classe de chamados e o
número de filhos deixados pelo de cujus.

Legítima → porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser
legalmente destinada aos herdeiros legitimários (artigo 2156º CC). Quanto aos herdeiros
legitimários a quota indisponível equivale ao quintão (quota-parte), ou seja, à legítima
de cada herdeiro.

São herdeiros legitimários os descendentes e os ascendentes (artigo 2157º CC), a


quem a lei reserva obrigatoriamente (uma quota da herança), quota indisponível.

A legítima dos filhos é a metade da herança no caso de 1 (um) filho e de 2/3 (dois
terços) se existirem dois ou mais filhos (artigo 2158º nº 1 CC). Se o autor da sucessão não
deixar descendentes a legítima dos pais é de metade da herança (artigo 2160º CC),
enquanto que a dos ascendentes em segundo grau e seguintes é de 1/3 (um terço) da
herança (artigo 2161ºCC).

Cálculo da legítima

O art. 2162º CC estabelece a sua fórmula de cálculo, estipulando que se deve


atender ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua
morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas à colação e às dívidas da herança.
Após a realização do cálculo irá obter-se o valor total da herança e a quota disponível é
a parte da herança que o autor poderá livremente dispor, de acordo com a sua vontade.
Assim terá de atender-se ao relictum (valor dos bens valor do património existente no
momento da morte do de cujus) - o activo da herança. Temos também de atender aos
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donatum (bens doados e as despesas sujeitas à colação). Serão consideradas todas as


doações que foram realizadas em vida, atendendo-se ao valor que os bens doados
tiverem no momento da abertura da sucessão (artigo 2109º CC), não sendo considerados
os bens doados que tiverem perecido em vida do de cujus (artigo 2162º nº 2 CC).

As despesas não sujeitas à colação, não se devem considerar no cálculo da


legítima, nomeadamente as despesas com o casamento, alimentos, estabelecimento e
colocação dos descendentes (artigo 2110º nº 2 CC).

Temos também de atender ao passivo (dívidas da herança que incluem as


despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, administração e liquidação do seu autor
e ainda as dívidas do falecido) - 2168º CC.

Existem 2 orientações distintas quanto à ordem do cálculo:

- Escola de Lisboa: Património Hereditário = Relictum + Donatum – Passivo.

- Escola de Coimbra (defende que o art. 2162º CC não teve o objectivo de


enunciar a ordem dos elementos que foram o cálculo, mas tão só os elementos que
compõem): Património Hereditário = Relictum – Passivo + Donatum.

Liberalidades Inoficiosas (artigo 2168º segs. do CC)

O autor da sucessão, tendo herdeiros legitimários, deve respeitar a legítima


destes, sob pena de as liberalidades a terceiros que ofendam a legítima sejam reduzidas
ou revogadas por inoficiosidade.

Da parte da herança que excede a legítima (quota disponível) o autor da sucessão


pode dispor livremente por testamento ou por doação. Se não o fazer, essa quota
disponível é devolvida aos herdeiros legítimos, por serem as duas primeiras classes de
herdeiros legítimos que coincide com os herdeiros legitimários.

2.3 - A Sucessão testamentária

A sucessão testamentária consiste no chamamento à sucessão dos herdeiros


designados em testamento (herdeiros testamentários).

Já o testamento em si é o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe,


para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles. Essa definição constante
do artigo 2179º nº 1 afigura-se restritiva, pois o testamento não é um acto
necessariamente patrimonial (o testador poderá perfilhar, deserdar, designar tutor, etc.).

São requisitos da sucessão testamentária:

― Capacidade testamentária (activa e passiva): têm capacidade para testar todas


as pessoas singulares capazes, isto é, quem não seja declarado incapaz para o fazer
(artigo 2188º CC);
― Licitude do objecto (artigo 280º CC) e do fim (artigo 2186º do CC, ajustando o
disposto no art. 281º do CC ao testamento);
― Legitimidade;
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― Consentimento ou vontade do autor (artigo 2180º e artigo 2199º a 2203º do


CC).
― Forma: o testamento é caracterizado pela solenidade, ou seja, está sujeito a
forma escrita.

Podemos em primeiro lugar olhar para as formas comuns de testamento:

a) Testamento público (artigo 2205º do CC): tal não significa que o conteúdo seja
determinado pelo notário nem tão pouco da sua autoria, este simplesmente se limita
redigir no livro de notas a vontade do testador;

b) Testamento cerrado (artigo 2206º a 2209º do CC): tem os seus requisitos vistos
no artigo 2206ºCC. Posteriormente será provado pelo notário podendo ser conservado
pelo próprio testar, ser confiado à guarda de terceiro ou ficar depositado no cartório
notarial (artigo 2209º CC). A sua apresentação terá de ocorrer perante notário, 3 dias
após a morte do testador (artigo 2209º nº 2 CC).

O artigo 2208º CC implica a não aplicação do nº 2 do artigo 2206º CC, Aquele que
“não sabe assinar”, logicamente aquele que não sabe ler e vice-versa. Assim que não
saiba ler não tem capacidade de gozo para dispor em testamento cerrado.

Observemos agora formas especiais de testamento:

1 - Testamento militar (artigo 2210º a 2213º CC);


2 - Testamento feito a bordo de navio (artigo 2214º a 2218º CC);
3 - Testamento feito a bordo de aeronave (artigo 2219º CC);
4 - Testamento feito em caso de calamidade pública (artigo 2220º CC).

O prazo de eficácia destes é de 2 meses após a cessação da causa que obsta à


feitura de formas comuns de testamento (artigo 2222º nº 1 CC).

III - CÁLCULO DA LEGÍTIMA

A legítima corresponde, de acordo com o artigo 2156.º do CC, “a porção de bens


de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros
legitimários”.

Trata-se, pois, de uma instituição destinada a garantir um mínimo de


participação na herança aos parentes mais próximos do falecido, mesmo contra a
vontade do mesmo.

O cálculo da legítima, de acordo com o artigo 2162.º do CC, é uma realidade


complexa. Para Pereira Coelho, o referido artigo 2162.º do CC, “não teve o propósito de
enunciar a ordem das operações, mas só os elementos de que se forma a massa do
cálculo”. Sendo ou não um lapso do legislador, há que ordenar aqueles elementos para
melhor compreender o cálculo em si.

Para se calcular a legítima segundo aquele preceito, deve se ter em conta:

1º O valor dos bens existentes no momento da morte do de cujus (relictum);


2º O valor dos bens doados (donatum);
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3º O valor das despesas sujeitas à colação;


4º Por fim, às dívidas da herança.

Corrigindo esse preceito, a ordem do cálculo da legítima ficará a seguinte:

― Em primeiro lugar deve-se atender o valor dos bens existentes (relictum);


― Em segundo lugar, do valor dos bens existente vamos subtrair as dívidas da
herança, dividas que o autor tinha antes de falecer e não pagou, juntamente com as
dívidas da administração da herança;
― Em terceiro lugar, soma-se as doações (donatio);
― Por fim, calcula-se as despesas sujeitas à colação (artigo 2104º CC).

FÓRMULA - PH = R – d + D
Com isso, verifica-se que, para o cálculo da legítima, não deve ter em conta
apenas a massa activa da herança, mas também as dívidas decorrentes da herança.

Exercício prático

Em 2000, Aníbal casou com Bianca e desse casamento nasceram dois filhos,
Constância e Duarte.

Com a ajuda do seu amigo Gustavo, Aníbal fez fortuna na hotelaria.

Em 2018, Aníbal deu ao seu filho Duarte um terreno na Mapunda avaliado AKZ
1.000.000,00 (Um milhão de kwanzas).

Em 2019 contraiu uma dívida a Rodma no valor AKZ 500.000,00 (Quinhentos mil
kwanzas)

Em 2020, doou a Constança um automóvel topo de gama (Chevrolet Corvet),


avaliado AKZ 2.000.000,00 (Dois milhões de kwanzas).

Em 2021, foi diagnosticada a Aníbal a doença de que viria a falecer, tendo


deixado um património AKZ 5.000.000,00 (Cinco milhões de kwanzas).

Resolução

R = 5.000.000
d = 500.000
D = 1.000.000 + 2.000.000 = 3.000.000
PH = 5.000.000 – 500.000 + 3.000.000
PH = 4.500.000 + 3.000.000
PH = 7.500.000 × 2/3 (7.500.000 × 2 = 15.000.000 ÷ 3 = 5.000.000) – artigo 2.158º nº 1
― Cálculo da quota indisponível: 5.000.000
― Cálculo da quota disponível: 10.000.000
_____________________________________________________________________________
Legítima objectiva = 5.000.000 (legítima dos filhos) + 4.500.000 (Relictum)
Legítima subjectiva = 2.500.000 (PH – legítima dos filhos) – 500.000 (donatum)

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