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,FRÀNCISCÒ CAMPOS

Tribunaes Regionaes

W- ^ Discurso pronunciado
na Camara dos Deputados', sessão de 6
de outubro de 1921 # ^ Ü %

RIO DE JANEIRO
IMPRENSA ^ACIONA"!
IQ2I
FRANCISCO CAMPOS
eq^— "V" ' ^gP3

Tribunaes Regionaes^

<51? ífc % % Discurso pronunciado,


na Camara dos Deputados, sessão de 6
de outubro de 1921 # * . $

RIO DE JANEIRO
IMPRENSANACIONAL
1931
5233
D I S C U R S O

PRONUNCIADO

na sessão de 6 de outubro de 1921

O Sr. francisco Campos (para uma explicação pessoal)


— Sr. Presidente; sem autoridade pessoal para me abster do
justificar o meu vóto contrario, em assumpto de tão alta re-
levância como o dos tribunaes regionaes, ao da quasi unani-
midade da Camara dos Srs. Deputados, julguei do meu dever
trazer ao conhecimento não1 só da Gamara, como do publico e
especialmente, da sua parte a quem devo contas especiaes dp
meu mandato, os motivos e razões que-me determinaram a as-
sumir essa attitude.
Muito de proposito deixei para fazer estas considerações
depois de procedida a votação da emenda do Senado, para não
parecer que nutria a pretenção de influir sobre o seu destino
legislativo, o que sabia estar fóra do meu alcance, uma vez
que nenhum novo esclarecimento ou illustração poderia tra-
zer aos debates já exaustivos e completos, dentro e fóra do
Congresso. •
Peço, desde já, perdão á Camara pelo muito que a hei de
enfastiar com o -meu longo arrazoado.
O S R . B U E N O BRANDÃO — V . Éx. é sempre ouvido com
muito prazer. (Apoiados.)
O S R . F R A N C I S C O C A M P O S — A màteria, porém, 6 d-e tão
grave transoéndencia e envolveram-se nos debates princípios
de tão alta significação theorica é praticÉynSo só para o nosso
— 4—

direito constitucional, como parâ o direito em geral, que eu


me vejo constrangido, contra os meus' hábitos e o meu tempe-
ramento, a exceder a medida que seria, razoavelme fosse con-
cedida pela Camara.. . •
Começarei chamando a attenção da Casa sobre uma. dou-
trina que,- a proposito da interpretação do texto constitucional
em que se pretendian) enquadrar os tribunaes regionaes, an-
dou, por occasião dos deba,tes, apezar de velha, rempçada, quer
em pareceíes ou votos_ das nossas çommissões, qúer em arti-
gos da jornaes, uns e outros da mais autorizada • e eminente
autoria, em franca maré de voga, a ponto de constituir, para'
alguns espíritos,. e dos nrais altos, só por .si, um argumento
definitivo e peremptor.io èm favor"da conètitucionalidade dos
tribunaes regionaes. Réferimo-nos á doutrina da livre inter-
pretação, ou do freiesrecht, como a denominam us allemães,
isto é, da interpretação da lei, não de accôrdo com a sua for-
mula, mas em conformidade do estado de cousas ou das- ne-^
cessidades e éxigericias próprias ao momento' da sua appli-
.cação. Segundo tal doutrina, a lei, uma. vez elaborada, se-
para-se e destaca-se da mente do legislador para evoluir in-
dependentemente, maleando-se e adaptando-se a todas as exi-
gências e pressões do meio social a que se • acha incorpo-
rada. Assim sendo, si uma instituição é necessária ou postu-
lada pelas condições da vida a um dado. momento, o inter-
prete, pòr uma escrütação intelligente da formula legal, en-
contrará nesta, formula a sua consagração. Si o não conse-
gue,'^ qde ós seus-instrumentos de investigação ou sSo in-
sufficiéntes ou defeituosos. Toda interpretação, portanto,
que conclue por reconhecer imprescindível uma reforma le-
gislativa para dar cunho jurídico a uma relação util ou ne-
cessária, reconhece-se, por isto mesmo, incapaz de preencher
a funcção a que é- destinada. .
t Deter-me-hei, mais .demoradamcnte dó que desejaria, no
exame dessa doutrina, não só pela importaricia que se lhe deu
íios debates relativos aos tribunaes regionaes (e ainda na ses-
são de ante-hontém o illustre Deputado Carlos Maximiliano a
invocáva em phrases candentes,' concluindo o seu brilhante
discurso) como por constituir um estado de espirito genera-
lizado nas, camadas- intellectuaes, e envolver ponsequencias
( do.maisalto. interesse quer para-os estudos juridicos ^ s i -
derados ém these, quer para a pratica e, particularmente,
para a'educação jurídica das gerações que ora transitam
pelas nossas Faculdades de Direito.
Julgo do meu dever, como legislador e profesor de Di-
reito, embora o mais obscuro dos meus pares, quer nesta
Casa, quer no corpo docente a que tenho a honra de per-
tencer, valendo-mè da opportunidade que me depara,, confe-
rir tal doutrina com os dados fundamentaes da ordem jurí-
dica, lahçando,, ao mesmo tempo, á juventude das escolas,
tão. espontaneá e _ generosa ,nas suas adhesões, quanto incli-
nada a se deixar, seduzir pelas modas novas ou renovadas,,
a. palavra de. adveríencia contra esse movimento de desorga-
nização theorioá • e de indisciplina pratica nos domínios do
direito positivo. Estas as"razões que me fazem insistir sobre
a doutrina em questão que, si não çonstitue o' argumento ca-
p i t a l em favor da instituição dos tribunáes regionaes, COHT
stitue, entretanto, a alma 'de toda a argumentação e mesmo
um dos • argumentos mais freqüentemente' invocados e, tal-
vez, o'que occorria a todos os espíritos argutos, que se. não
haviam ' preocçupado especialmente com' uma interpretação
mais intima do texto, constitucional. .
Assim, argumentava-se freqüentemente, . em artigos,
votos ou simples trocas idéas, do seguinte modoí Os tribu-
náes regionaes não pódem deixar de estar, previstos na Con-
stituição, • pois, sendo a Constituição um organismo vivo, o
seu coíiteúdo adquire a significação que Ihé é imposta pela»
exígencias e 1 necessidades do meio social. iSi, pois, os tri-
bunáes regionaes correspondem a uma necessidade actual,
piles se encontram virtualmente contidos • em algum texto
constitucional. E' "questão, apenas, de solicitar este texto
oom um certo espirito de argúcia e com um horizonte in-
tellectual descortinado.'
Desta doutrina resultam conseqüências da mais alta. im-
portância, que eu não posso deixar de deduzir e analysar
em. tóda a sua. extensão.
• A primeira dellas é que o. systema legal perde, todas as
stías propriedades de precisão e de certeza. A disoiplina das
relações jurídicas não poderá, ser prevista dentro no espaço
de duração de um determinado systema. legal, pois que este
systema, como uma matéria amoripha, recebe, ao envez de
imprimir, as fôrmas que lhe impõe o ambiente em que'evo-
lue e se transforma. As vantagens teehnicas da lei, como
instrumento de regulamentação .social, desapparecem por
completo, pois que o seu conteúdo, a exemplo do que se passa
• na evolução descripta pela fantasia alexandrina, de um Berg-
son, se acha permanentemente em estado dê tensão e de mu-
dança.
Neste s y s t e m a interpretativo não ha permanencia, nem
identidade. Nada, nelle, como no mundo da vida, se repete.
O elemento formal da lei, a saber, os conceitos de que se
compõe a sua estructura grammatical e lógica, como um meio
infinitamente elástico, cede a cada instanVs â pressão da m a -
téria diffusa que se elabora no meio soeial, de maneira que,
ao envéz de ímpôr disciplina a essa matéria, ella é-que o
conforma e configura. á sua imagem e semelhança A' inter-
pretação, portantoj consiste, não mais em investigar si a ma-
téria; se compadece com a fôrma grammatical e lógica da lei,
mas em dobrar a lei á matéria, de maneira a. incluil-a nos
seus quadros, ainda que, para vencer a sua repugnancia,
tenha de usar de certa liberdade cóm os seus térmos. A
fôrma da lei é, pois, absolutamente indifferente. O seu con-
teúdo é absolutamente indefinido. O. conteúdo da lei será o
que a um dado momento, a saber, no momento da sua appli-
cação, se afigura'necessário ou útil, dado um estado social-
mais ou menos definido.
Ora, a lei é, principalmente, uma disciplina <e, como disci-
plina, ella' implica duas qualidades imprescindíveis: a pre- •
cisão e a Uniformidade. Ora, tal concepção da jurisprudência
evolutiva é totalmente incompatível com essas duas quali-
dades : uma matéria em permanente estado de fusão não pôde
ter contornos nítidos e definidos e um systema - em c-ujo co-
ração se installam, como orgãos centraes da sua vida, a mo-
bilidade e a variação indefinida não pôde ser um systema
uniforme.
A lei, portanto, em tal doutrina, deixa de ser uma disci-
plina, porque abandona o seu posto fóra do turbilhão dos
phenomenos, para ser arrastada, com elles, no mesmo elance
que os traz cm permanente pulsação. Ás suas virtudes tech-
nicas desapparecem. em consequencla, pois qué a teohnica é,
exactamante, um processo ou um artificio engenhado pela
intelligencia humana/para «analisar as forças em óerta d i -
recção ou configurar, de certa fôrma, uma determinada
matéria. A lei, como todo processo technico, implica, pois,
• elementos de intelligencia e de vontade, Na doutrina, porém,
que analysamos, o elemento' intellectual da lei se reduz a
zero, pois que, uima vez elaborada, ella entra no cosmos so-
cial sujeita ás mesmas forças cégas, que operam sobre os
demais phehomenos sociaes, orientando-sè, rião mais de
aocôrdo com a intelligencia que a construiu, mas segundo o
plano da necessidade. .
Prevendo para prover, como é o caso de todos os pro-
cessos da razão pratica, a lei, portanto, ha de conter uma
significaçãio determinada, que será exactamente a que figu-
ravam os. seus autores, nas suas previsões a respeito do que
.seria no futuro que pretendiam regular. Si a significação da-
lei, por conseguinte, não abrange certos 'factos qúe deveria
abranger, considerada do ponto de vista actual, é que a pre-
visão dos seus .autores não alcançou o -futuro em toda a sua
plenitude e complexidade. Isto, porém, não quer dizer, que
o que elles não previram se' acha, entretanto, virtualmente
nas suas expressões. Como oonstrueção intellectual, a lei se
equipara ás theorias': ella procura agrupar um c.erto numero
de factos e estabelecer entre elles as connexões qu lhe pare-
cem naturaes. Em sciencia, porém, si estas cotanexões se
verificam improcedentes ou si novas connexões se revellam,
que a theoria não comporta, ao envez de solicitarem, além dd
seu coefficionte rázoavel de'elasticidade, as palavrás e - o es-,
pirito, os sábios imudam as theorias. As palavras e o espi-
rito das leis, porém, são, de accôrdo eom a doutrina em ques-
tão, absolutamente elásticos: todas as relações imprevistas
oü imprevisíveis no momento da sua elaboração se encontram
virtualmente previstas e providas nesta especie de subcon-
sciencia lethargica de que são dotadas as leis e de que afflo-
ram á superfície, ao toque mágico dos novos processos inter-
pretativos, instituições, regras e cânones, de accôrdo com as
novas realidades & exigências sociaes.
—8—

Não só, porém, 1 de elementos íntelleetuaes se compõe a


lei; ella se compõe, também, de elementos de vontade, pois
que é, essencialmente, um acto de vontade. Si a intelligen-
cia combina os conceitos, agrupa os factos segundo certos,
princípios, todas essas operações ella as pratica de acCôrdò
com uma orientação preestabelecidâ, no sentido de adaptar
um mecanismo a um fim predeterminado pela vontade. A von-
tade, nà lei, é justamente o elemento que^ por meio da in-
telligencia, com os seus artifícios e construcções, procura
submetter ao seu império determinadas relações sociaes. Ora,
segundo a doutrina 'em questão, as relações sociaes não de-
vem ser reguladas de accôrdo com a vontade expressa ou
implícita na lei, mas sim conforme ás exigências sooiaes do.
momento em que se ella applica.
A lei, portanto, deixa de impor uma ordem, para rece-
bel-a, e onde os antigos jurisconsultos diziam império da
lei, deve-se der império das circumstanciás....'sobre a lei,.
JSis pojs, o elemento vontade, por um truc interpretativo, sub-
írahido ao corpo da lei; . .
Sem elementos intellèctuaefe e sem elementos de vonta-
de, a lei passa.a Sef uma matéria amorpha e cahoticâ, qüe'
as gerações vão amassando na gamela dos seus interessei, de
accôrdo com o que, a Cadá momento,. lhes parece, ser a. sua
conveniência. Obra de uma vontade orientada por Certos pbs-
tul.àdos e obra .da intelligencia constructora, a lei passa a
ser, na exdruxula doutrina,' um phenomehõ de geração "incon-
sciente, surgindo, sem contróle da intelligencia e da vontade,
GO plano obscuro das necessidades humanas para Continuar
a evoluir nesse plano da fatalidade, em que, á falta dé intel-
ligeiiciâ é de Vontade, se vive dé complacência e dé resignação.
Dobrerà-sé,'.pois? às leis ás nécèssidades da hora presente..
Tal, etn summá, a doutrina interpretativa de que se valeu
para violrnlar o texto constitucional. Elle ilão diz o qüe
qiiizeram' dizêr os seuâ autorés, oü exprime o quê resulta das
süas expressões, más o tjUé era necessário qUe êlle dissesse
pará satisfizer às convéniencias e necessidades de cada mo-
mento histbíiêt) oU dè estados sociaes indeterminados.
Não param, pófém, ãhi as conséqúeliõiaã da feoundissi-
ma dciutrinâ. Outras, talvez íhais graves, tésUltâm dó& seus
princípios* • . .
—9—

Si a interpretação' da lei eonaegue sempre o resultado


4ue o interprete tem em mira conseguir, a saber, a consagra-
ção, como legal, de uma relação que se não acha prevista na
lei ou ao menos ao alcance dos processos usuaes de constru-
oção, o direito escripto passa o ser um sys^ema absolutamente
completo, sem lacunas e omissões. • - . ' » •
À lei; portanto, será uma revelação completa e acabada
do .direito em toda a sua plenitude. Todas as soluções pos^
siveis-se acham previstas, de maneira actual e expressa ou;
virtual e implícita, no texto da lei. Si todos os processos inter-
pretativos, porém, não conseguem extrahir do texto a solução
tida como' convèniente e necessaria,. é que são rnáüs taes
processos e, neste caso, examinando-se, de novo, a solução
e' verificada.a sua utilidade ou a sua necessidade, dobre-se o
texto da lei ás'exigências da vida social, sem' que haja nisto
violência ao seu espirito, . pois que a lei devendo prever
para prover ás necessidades da vida, é uma homenagem que
se lhe presta, sacrificando o '.seu oorpo visiyeí em holocausto
ás conveniências e interesses, cuja satisfação constitue o seu
moti-vó de ser.- , • ' .
Eis, pois, como a lei é ao_ mesmo tempo elevada á or-
dem de obra divina, conferindo-se-lhe os attributos de per-
feição e de. infalibilidade t e, finalmente, violentada na sua
lettra ô. ho seu espirito sob pretexto da sua perfeição..
Si taes são as-conseqüências da doutrina do ponto de
vista theorico, sombrias são. as süas conseqüências! dq ponto
de vista pratico. Si a- lei deve dobrar-se ás realidades, neces-
sidades ou conveniericias da hora presente, os'processos de
interpretação deixam de ser meios e iiístranientos de vivifica-
çãó da lei, para serem instrumentos'da sua morte. Õnde mais
a autoridade da lei,.si ella deve ceder á autoridade dos fa-
ctos? Onde O seu império, si ella - deve cürvar a cabeça ao
império das utilidades ou conveniências, mais ou menos tran-
sitórias? Tal doutrina generalisada, embebendo a intelligen-
cia das geraç.Õés, acabará por matar no seu espirito o respeito
á lei; Instrumento m.aleaVôf ao sabor das. utilidades do dia,
formula ôca e vã compativel com todas ás matérias, conceitos
vasios que recebem todos os conteúdos possiveis, a lei passará
a ser, de órgão que era de uma vontade clara é intelligente, in-
strumento da cega necessidade, das utilidades mais ou menos
— 10 —

diseüfiveis, das aspirações e -dos' desejos é, finalmente, dás


ambições e- dos interesses, cuja espuma turva a toda o mo-
mento! o meio social, em que os homens lutam por utilidades
de .toda a- ordem e principalmente peló poder. Necessidade,
utilidades, exigencias da vida social, outros tantos termos va-
gos e. imprepisos, que não offèrecem garantias de limitação
ao arbítrio dós interpretes armados de autoridade offiçial,
Bübjectivismo jurídico, a saber, liberdade á fantasia indivi-
dual de construir e declarar o direito á mercê dos seus ca-
jrrichos.
Nesta hora de amargas decepções para a ordem tradicio-
nal, em que a instigação á violência levanta o seu topete flam-
mejante acima das multidões, em que a tendencia se accentua
para a emancipação completa dos vínculos de toda ordem, em
que O subjectivismo procura invadir todos os departamentos
theoricòs e práticos da actividade humana, os guardas do di-
reito, até então vigilantes ás portas da fortaleza, não só aban-
donam os seus postos, como sustentam que a fortaleza aberta e
desguarnecida offerece melhore» elementos de resistencia. Si é
com esta doutriná que se quer formar a nova mentalidade, ju-.
ridica, estarão contados os dias da ordem jurídica. Melhor
escola não se poderia constituir .do que esta doutrina para
minar definitivamente os fundamentos da lei. Ou a lei, nesta,
doutrina, será instrumento de anarchia ou de despotismo.
De anarchia, si todos, percebendo e aprendendo que a lei diz
não o direito que diz, mas o que era conveniente ou necessário
que disesse, deixarão de obedecer aos seus interpretes para
seguir as próprias necessidades ou o Estado, que é o inter-
prete munido de força material; fará declarar á lei o direito
que lhe- convém, impondo-o pela violência. Nesta hora em que
conservar a todo transe é dever dos que militam pela- mini-
mum .de ordem indispensável, combater tal doutrina repre-,
senta uma funcção theoriça e pratica de todos quantos a que,
por munus ou por profissão, se acha confiado 9 patrimônio
jurídico da especie.

A03 ' que cultivam o desprezo das leis nenhum melhor


coadjuvante do que esta affirmação da força em toda a sua
plenitude, aconselhando a violação da lei para salval-a, e tor-
nadà, assim, pelo pretexto que allega, mais prestigiosa e ir-.
- 1 1 -

resistivel, não só por solicitar as nossas tendencias mais pro-


fundas, como por o fazer,'não em seu proprio nòme, .mas da
lei e da sua autoridade, que divinisá para violar. Doutrina
c'a fatalidade, nega á vontade humana o poder, de submetter
á sua disciplina as relações sociaes,'doutrina irracionalista,
recusa outra intelligencia á lei que não sejá a compativel com
as imposições mais ou menos verificadas das circúmstancias,
doutrina da cega vontade de viVer, que justifica os. meios pe-
los fins e eleva o ser á categoria do dever. Todas as caracte-
rísticas incompatíveis com os dados fundamentaes da cons-
ciência jurídica. Como instrumento de educação'jurídica, essa
doutrina não se compadece quer com os princípios de peda-
gogia universitária, quer com os princípios de pedagogia so-
cial , • •
Tal a doutrina da jurisprudência utilitaria ou jurispru-
dência de interesses, por opposição á jurisprudência em cuja
actividade interpretativa os elementos formaes, que são os
que conferem poder de disciplina ao direito, predominam- so-
bro o elemento material, que elles teem por funcção discipli-
nar,- regular e submetter ao seu império.
Si me alonguei sobre este assumpto em apparente despro-
porção com a importância que elle tem para a matéria, o fiz
muito de pròposito, valendo-me dà oppOrtunidadé, que me
deparou de advertir ás gerações que se formam agora pára o
direito, dos perigos que lhes offerece essa doutrina seductora
na sua apparencia e desvirilisadora nos seus' effeitos, porque
estimulante da preguiça intellectual, já .que o Direito não é.
uma cousa que. se aprende, mas que surge espontaneamente,
no momento da sua maturação, sob o influxo das exigencias,
Utilidades, conveniências e necessidades de cada estado social.
O direito, poi^, não. precisa de ser investigado; no momento
opportuno, como um fructo que amadurece, elle se desprende
da' arvore da vida. A dógmatica jurídica é um vão exercício
intellectual,-tão, estéril e ocioso como uma chinezisse de man-
darim .
• O direito não está na lei, é uma creação do interprete.
Pena não seja absolutamente lógica a doutrina, condemnando
como inútil'a legislação. Pois si o direito que a.lei declara
só será valido si conforme ao que o interprete julga dever
— 12 —

ser o direito, a léi não é mais do qúe um meio pous?o'translú-


cido que se interpõe entre a visão do interprete e a realidade.,
Porque, pois, obrigar o interprete a coar a realidade atra-'
yés da léi, áo em vez de propriciar-lhe a sua visão directa o
immediata ? A conclusão' lógica da doutrina, pois, seria a sup-
préssão, por desnecessária e perturbadora, de toda lei es-
cripta •* < ' ' •
O interprete como legislador, eis' dçfmida, em ultima in-
stancia, a diffusa doutrina. E eis as razões theoricas e pra-
ticas com quê julguei opportuno embargar a sua passagem;.
O interprete, "pois, sí a lei tem uma funcção intelléctual 'a
autoritaria, deve ser absolutamente fiel ao seu conteúdo im-
mediato. Nem outra pode ser a nossa regra, quando por al
não fosse, ao menos-porque assim o quer a nossa organizarão
constitucional. Em nome do direito constitucional positivo
allemão contra ella protestou Laband; delia divergiram os
•que lhe estavam mais próximos pelas suas tendencias doutri-
nárias, como Heck e Rümulin; em nome da sciencia alíemã do
direito, de que foi o insigne. historiador, contestou-a Lands-
berg; como magistrado, Michaelís, fallando pelo bom senso
jurídico, estigmatizou-a do modo o mais pronunciado e cate-
górico e, finalmente, summulla da sciencia jurídica allemã,
Otto Gierke, referindo-se á inténção da tal doutrina de sub-
mettèr a jurisprudência, não á lei, màs aos interesses ou exi-
gencias do momento, resumiu o sentimento jurídico nesta
phrase: "A jurisprudência não deve ceder, aos rumores do
dia e a lei viva é intangível".,
Eis o primeiro argumento. 'Extranho 'é .que outros fossem
produzidos, pois que este bastava de sobra. Nada mais seria
necessário accrescéntar.
Era só armar o syllogismo:

• "A instituição dos tribunaes regionaèst é necessá-


ria. Ora, tudo o que é necessário é constitucional, logo
a instituição dos tribunaes regionaes é-constitucional";:

Eis,'agora; a nossa contra doutrina, qne é a tradicional


e a uniea compatível dom a lei Como instrumento technico e
como regia disciplinar.A lei é a expressão de uma vontade in-
—13 —

•telligente ou consciente e refleetida. Como vontade, a. lei se


toonstitue, necessariamente, de umá intenção., e como a lei é
uma regra technica ella prescreve, necessariamente, os meioá
de que se deve servir para realizar a sua vontade ou a sua
intenção. •
Sendo feita para ser obedecida, o. interprete deve perma-
necer fiel á intenção da lei e para conhecer' esta intenção é
necessário recorrer é fóripula legal, que é a sua expressão
adequada, authentica e solemne. Assim sendo, é obvio, como
nota 'Geny, que se torna pueril a alternativa que sè propõe
geralmente ao interprete de, escolher entre a lettra e o espi-
rito da lei, pois que não se pôde alcançar a sua intenção ou
o seu. espirito .sinão através da fórmula que o traduz.,
Todos, os processos serão justificados para' deduzir da lei
• a sua intenção, desde que não façam violência ás concepções
adequadas, á expressão de que se ^serviu o legislador . O inter-
prete deve orientar-se no sentido de attribuir á lei o maior
horizonte possível, dentro, porém, no limite-compativel com
o respeito devido á vontade do legislador expressa e tradu-
zida pel-as fórmulas de que ellè se serviu. Elementos intrín-
secos e extrinseco.s, à estructura grammatical e lógica da lei,
bem como os .elementos externos, ou sejafn, o ambiénte de .
idéas em que'"a lei se formou, assim como a natureza dos fa-'
ctos ou relações que ella pretende regular, o complexo social,
em summa, a que a nórma é destinada: todos esses dados
constituem outros tantos instrumentos que o interprete de-
verá utilixar para o seu fim, qüe é o de revelar, não o que o
•legislador deveria estabelecer para a situação que se tem pre-
sente ao espirito, mas p que elle, de facto, prescreveu. Toda
àctividade intérpr.etativa, que vá além desse limite, torna-se
por isto mesmo illegitima e inadmissível, desde que se quei-'
ram conservar á lei as sjias propriedades technicas e perma-
necer fiel e submisso á ordem que ella emana. Fóra desses
limites, nada existe de objectivo, definido e estável; o sub-
jectivismo, o, arbítrio individual, a fantasia mais ou menos
equilibrada, as intuições. de .um senso jurídico mais ou menos
são, os sentimentos,, tendencias e postulados de cada. qual
passarão a ser órgãos de creação do direito, substituindo as
. suas próprias intenções vagas e fluctuantes 'á intenção do
—14 —

legislador, que si é algumas vezes mais ou ménos indefinida,


acha-se comtudo limitada e contida pelas formulas que a
traduzem.
Analisado, assim, o primeiro argumente» de que sè ser-
viram alguns dos mais eminentes defensores dos tribunaes
regionaes e,'tratando-se de interpretar uma lei, expostos os
princípios que julgamos indispensáveis para limitar a acti-
vidade do interprete, impedindo que, sob pretexto de inter-
pretar, elle formule o direito, acerquemo-nos do assúmpto
em toda a sua complexidade. . .
Tratando-se de interpretar a nossa Constituição, ó que,
como segundo argumento, decorreu aos propugnadores da
creação | dos tribunaes regionaes, foi o recurso á Constituição
o á jurisprudência da grande Republica norte-americana, em
que esses tribunaes intermediários teem uma existência cen-
tenária. Acompanhemol-os, pois, no seu estudo comparativo.
A Constituição dos Estados Unidos, em seu art. XI, se~
cção I, organizando o Poder Judiciário Federal distribuiu as
•suas funeções entre a Suprema Côrte e tantas côrtes inferio-
res de justiça quantas fossem creadas pelo Congresso. Na
secção terceira do mesmo artigo estabelece a competencia do
Poder Judiciário Federal, a originaria da Suprema Côrte e
finalmente a sua competencia em gráo de recurso. Esta com-
petencia, diz a Constituição, se- estenderá a todos os casos
acima mencionados,, isto é, aos casos de competencia da jus -
tiça federal, com as excepções e regras que a legislatura e s -
tabelecer. Em virtude dessa clausula autorizando o Con-
gresso a crear exCepçoes á. jurlsdlcção. de appellação da Su-.
prema .üòrte, o Congresso expediu a lei judiciaria de 1789,
instituindo, riã.o só os tribunaes districtaes, como tribunaes
de circuito investidos de instancia de appellação para certos
'.iitigios julgados por aquelles. A jurisprudência da Suprema
Côrte, neste, ponto, inicióu-Se sob o • incomparavel patrocínio
de Marshall que, pronunciando a opinião da Côrte, construiu,
de modo definitivo; o texto constitucional, reconhecendo a
constitucionalidade do acto judiciário de 1789 e estabelecendo
que, em virtude da autorização • conferida ao Congresso de
abrir excepções- á jurisdicção de appellação da Suprema.
Côrte, tal jürisdicçãd era, em toda a sua extensão, matéria de
— 1-5 —

exclusiva alçada da legislação ordinaria. A competencia da


Suprema Côrte, como tribunal de appellação, derivava, pois,
não do poder constituinte, mas do Poder Legislativo ordi-
bario.. Tal çonstrucção, suffragáda posteriormente por Chief
Justice Ellsworth e' por Story, passou a constituir, a ju-
risprudência corrente da .Suprema Qôrte» O Congresso- que,
pela Constituição, tinha apenas o poder de èxceptuar da com-
petencia da Supí-ema Côrte os casos que julgasse conveniente,
passou a ter, pela jurisprudência da própria Côrte, a facul-
dade de determinar, não mais as excepções, ma"s a regra. Eis
como Chief Justice Taney exprime a opinião' da Côrte, a
respeito: a Suprema Côrte não possue jurisdicção. de appel-
lação a não ser nos casos em que o Congresso lh'a confere
expressamente. . '
Quasí iias mesmas palavras, Justice Curtis resumia, em
1852, a opinião da maioria do Tribunal, como em 1876 Jus-
tice Waite á da sua unanimidade, e em 1892 e 1909, posterior-
mente, portanto, á' promulgação do acto Judiciário de 1891,
Justice Gray e Justice Day pronunciavam o julgamento da
Côrte em relação á sua competencia como instancia de ap-
pellação. Onde, portanto, a. Constituição autorizava o Con-
gresso a crear excepções á competencia da Suprema Côrte em
gráo, de recurso, o tribunal attribuiu-lhe um mais amplo po-
der, isto é, de investir a Suprema Côrte na sua competencia
de recurso, competencia que para se exercer necessitava de
uma lei do Congresso, enumerando os casos em que para ella
se admittiria o recurso de appellação.;
• Era, evidentemente, exceder o texto constitucional, con-
trariando a sua intenção ou mente manifesta, pois que, como
observa CoUntryman, as excepções que a Constituição • au-
torizava o Congresso a abrir, não só presuppunhani uma ju-
disdícção de appellação instituída irío proprio instrumento
constitucional, e, portanto, independendo, .para se exercer, do
uma lei ordinaria, como, pela própria natureza das coüsas,
taes excepções não podiam deixar de ser excepcionaes,' isto é,
dependentes do caracter especial de certos casos. Talvez le-
vando em conta taes considerações, varias vezes pronunciadas
na própria Suprema Côrte, • foi que o Congresso,, pelo. acto
Judiciário de 1891, autorizou-a a avocar ao seu conhecimento
em gráo de appellação todos os demais casos não compre-
—16—

hendidos na lei.' Apezar, porém, da concessão, e, pelo farto


mesmo delia, a jurisdicção de appellação da Suprema Côrte, em-
bora coexténsiva a todos os casos de competencia da justiça
federal, cDntinúa á discrição inteira do Congresso»
A historia da jurisprudência da Suprema Côrte mostra,
porém, que o seu fundamento único e exclusivo, invocado e
repetido em todos os julgados, é, só e só, a clausula.da secção
3a do art. XI: «com as excepçõès que o Congresso estatuir».'
Para que, portanto, o recurso 'á Constituição americana e
á jurisprudência da Suprema C.ôrte pudesse servir-nós de
elemento de interpretação do nosso texto constitucional,, se-
ria necessário que os dous textos se eqüivalessem em toda a
sua extensão e que o mesmo motivo extrahido da Constitui-
ção pela jurisprudência americana pudesse sel-o igualmente
da nossa pelos nossos interpretes., Assim não ,é, entretanto,
é, si o fosse, a lógica do argumento deveria conduzir a collocar
no arbítrio do Congresso toda a jurisdicção de appellação
do Supremo Tribunal.
Entre o nosso systema e o americano existem, porém, quanto
a este ponto, differenças essenciaes. O, americano outorga ao
Congresso a faculdade de estabelecer excepções, donde decorre
a jurisprudência da Suprema Côrte de que, cabendo ao Con-
.gresso estabelecer'excepções, a jurisdicção da Sup'réma Côrte
só se exercerá nos casos que o -Congresso enumerar, pois que,
desde que certos casos não entram na sua enumeração, é que
•elle os quiz. excluir ou exceptuar. A competencia da Suprema
Côrte èm gráo de appellação não é, pois, competencia consti-
tucional, mas legislativa. Tál jurisdicção ella não a recebe da
Constituição, mas da lei ordinaria.,
Tanto assim 'é que, por não constar, da Constituição a
faculdade ao Congresso de estabelecer excepções á sua com-
petencia originaria, a Suprema Côrt,e a tem como decqrrendo
exclusivamente do instrumento constitucional e, por conse-
guinte, insusçeptivel de ser alterada pelo Congresso
O Supremo Tribunal, porém, é, • entre nós, uma insti-
tuiçãé paramente constitucional, recebendo da Constituição,
como departamento igual è coordenado aos dous outros, a
•sua organização e as suas attribuições., Si elle é um. depar-
tamento independente dos demais, não se concebe que as suas
—17 —

atribuições fiquem á discrição de outro poder, pois que,


neste caso, de coordenado passaria a subordinado.; Como
conceber, com effeito, um poder independente e harmonieo, su-
jeito, nas suas attribuições fundamentaes, ao arbítrio dos
dous outros ? Assim pois, como o Poder Legislativo e o Exe-
cutivo se -encontram instituídos na Constituição e com as suas
attribuições definidas na Constituição, inalteráveis, portanto,
por leis ordinarias, assim também o Poder Judiciário se en-
contra organizado e_ com attribuições e competencia defini-
das na Constituição.
Da Constituição, portanto,; e somente delia, derivam as
attribuições dos tres poderes. O qüe foi conferido pelo povd
não pôde ser retirado pelos seus representantes, pois que os
poderes conferidos pelo povo aos seus representantés pre-
suppõem, sempre,- as limitações eonstitucionaes'. A defini-
ção das attribuições, portanto,- do Supremo Tribunal; na Con-
stituição, é ao mesmo tempo uma attribuiçâo de poderes e
uma limitação de.poderes. Attribuiçâo de exercer as facul-
dades q u e l h é são conferidas,, e só ellás, e vedação aos outros
poderes de tocarem nessas attribuições. Ora, si, pois; a
Constituição confere ao Supremo Tribunal a competencia de
julgar em gráo de recurso as causas processadas e julgadas
pelos juizos e tribunáes fedaraes, comó< vamos limitar o
alcance da expressão constitucional, estabelecendo-lhe ex-
cepções que não comporta ? Não é um principio dê interpre-
tação constitucional que o instrumento constitucional deve
ser construído em toda a amplitude do seu sentido ? Não são
os proprio.s defensores dos tribunáes regionaes que procla-
mam a bocca cheia este principio ? Como, pois, si a .regra é
interpretar em toda a sua amplitude, teimam e insistem em
restringir?
O que a Constituição diz em geral deve entender-se em
particular? O que exprime nos mais amplos termos deve
entender-se em sentido restricto ? Onde a lógica dos que re-
clamam. uma interpretação larga, ampla, compativel com a
natureza própria á Constituição, que é de' enunc ; ar princi-
pies e traçar linhas geraes ? Apezar, porém, de errada a ap-
plicação, o principio invooàdo é realmente exacto o de cor-
rente appliçação ^a jurisprudência americana.
8
•*•'' \St6fjr resumê-o'assim: «Onde ütti poder é expré&sámêftte.
'titáifferido em termos geràes não déVe ser restringido a casos
partiôüiáreS». Ora, a Constituição federal confere nos màis
amplos termos ao Supremo Tribunal a competencia de jul-
gar ém grão de recurso as causas resolvidas pelos juízos e
tribunaes federaes. Como, pois, havemos, sinão accrescen-
tahdo ao texto Uftia claúsula que se nelle não contém, excluir
dessa competência, por arbitrio no.sso e por um critério ar-
bitrário, o maior numero de causas, que são justamente as
que se elevam aó valor de 50:00:0$? Si podemos excluir
da sua competência em gráo dé recurso certas causas em
r§Mo do SéU valor, por que não poderíamos excluir outra?
ferri razão da sua matéria ou da"S pessoas que nêllás litígám"?
E si podemos, sem clausüla qüe a isto nos autorize, mutilar a
TSúá competencia em gráo de recurso, por qüe não poderíamos
alterar a sua competencia originaria ? E eis, assim, posta
em qüéstão toda a competencia do Poder Judiciário, que a
Gò"nstitüição quiz. définir no seü texto para o colloear, como
poder indepèndéntè e coordenado, a salvo da ingerência dos
butros podéres, de que elle è igual e não 'subordinado. Mas,
senhores, si podemos Crear cxoèpções ás attribuiçõês con-
feridas pela Constituição ao Poder Judiciário, por que o não
poderíamos para os dous 'oüitros poderes constitucionaes ?
Assim, áo Presidente da Republica cabe, sem qué hajá ex-
Cepção oü autorização áo Congresso para Crear excepções,
fàcüldãde de sanccionar ou vetar as leis, Si podemos cer-
cear a competencia do Supremo" Tribunal, na ausência de
qualquer aütoriz-ação constitucional e quando.a matéria da
suá competencia é de natureza constitucional, eo.mo o é a
dós demais poderes, por que não poderíamos cercear igual-
mente a do Executivo ou este a nossa própria competência ?

Eis, pois, a que nos leva a doutrina: a desclassificar as


attribuiçõês dos três poderes, de constitucionáes pára ordi-
nárias; entregues èxclüsivamente ao arbítrio do iPoder Le-
gislativo, Mas, Sr. Presidente, que é que distingue o nosso
regimén dos de outro typo, sinão a separação dos podéres e
Como conseqüência desta separação a sua independencia e
Como gairantiá desta independencia a deíinição na propriii
constituição daá'àttribuições dé cada quãl ?•
— 19 —

•Si estas attribuições, porém, podem ser reguladas por.


viâ
ordinaria, onde a garantia da independência, st o poder
armado daquella faculdade teria os outros na sua sujeição?
Tal regíftieh deixaria de ser um reglmen de poderes limita-
dos para ser uni regime» de soberania legislativa.,
• A questão dos tribunáes regionaes deve, pois, ser venti-
lada Oom mais vasto descortino. Sigamos Õ conselho dos seus
defensores ao reclamar mais attenção ao espirito do que á
lettra. Ora, Sr. Presidente, ê o nosso proprio systema con-
stitucional, não em um texto isolado, mas em seu conjunto,
que chamei a depor sobre a questão. Eis como se resume o
seu depoimento* Éegimén de poderes limitados. Mas limi-
tados ónde? Em um-instrumento constitucional, isto ê, um
instrumento em que veem organizados esses poderes e défi»
«idas às suas attribuições. 'Limitados pára que? Para qu«,.
definidas as suas attribuições. e, assim, separados, não de-
pendam uns dos outros. Para que, pois, haja limitação e i n -
dependência dos poderes é necessário que ás suas attribui-
ções lhes sejam conferidas no instrumento constitucional,
isto ê, inaltéraveis ao- arbítrio de um oü dos tres reunidos.
Si assim é; a matéria da competencia de cada um dos poderes
é matéria stricta, rigorosa, .absolutamente constitucional e,
nesta qualidade, insusceptivel de ser regulada por via or*
dinaria. Ora, ha nossa Constituição não se encontra a autori-
zaçãò conferida pela americana ao Congresso de exceptuâr
da competencia em grão tie recurso da SuprmaCôrte os casos
qué julgar-conveniente, isto é, a nossa Constituição, ao in*
verso da americana, não deixa parcella alguma dessa com-
petencia â discrição do Congresso. .Logo, tal competência ê,
toda ella, em toda plenitude e sem excepção alguma, Consti-
tucional e, por conseguinte, stí por via constituinte, modifi-.
cavei. •

Eis, pois, justamente, Sr, Presidente, aqüelles que re-


commendam amplitude de vistas e vistas de conjuncto na
interpretação constitucional, esquecidos da sua recommen-
daçSo e ao em vez de situarem o poder judiciário e, parti-
cularmente, a Suprema Côrte, no logar que.lhe compete nr>
nosso sistema Constitucional, a saber, como um dos grandes
departamentos do GÔV ernò Nâcronia,! insccfíssivGl, portaiiioj
26

assim na sua organização como nas suas attribuiçõês, ao


alcance da, legislação ordinaria, perdidos no emmaránhado
de interpretações histórica, comparativa e sociologica, sem
um instante siquer volver as. vistas para o éstylo da grande
fabrica e para a intenção dos seus architectos, de-- maneira a
determinar a funcção de cada parte na vida do conjuncto e
a respeitar as-connexões intrínsecas que mantêm de pé, ^no
centro do nosso systema constitucional; esse trapezio, grego
pela-simplicidade e precisão das suas linhas, que é a insti-
tuição dos três poderes harmonicos e independentes entre si.
Ao em vez, portanto, de isolarmos o texto do art. 59, n. 2,
ref iramol-o ao nosso systéma constitucipnàl e ' procuremos
,ver qual a .significação que lhe cabe no systema. Como. é
sabido e resabido, ainda pelos estudantes das primeiras let—
tras jurídicas, o nó do nosso regimen de governo è a inde-
pendencia dos poderes e, por opposição àos systemas de so-
berania legislativa, a instituição dê um. poder judiciário, não
como um desmembramento da administração, mas como um
poder político, collocado no mesmo plano qüe os outros, e,
por conseguinte, com as mesmas garantias de independencia.
Assim sendo, a sua organização como a sua competencia con-
stituem objécto de espherá não legislativa, irias constitu-
cional., . *
- . As attribuiçõês deste' poder, portanto, bem como as at-
tribuiçõês dos demais, não podem constituir objecto de cogi-
tação do legislador ordinário para alteral-as, restringindo-as
,ou ampliando-as além dos termos em que veem estatuídas.
Si, pois, o art; 159> n. .2, confere áo Supremo Tribunal
competência para julgar em gráo de recurso as questões re-
solvidas pelos, juizes e tribunaes federaes, tal competencia,
., instituída na Constituição, não pôde incidir na ésphera de
attribuiçõês ordinárias do Poder Legislativo, a não" sèr que
a nossa Constituição, á exemplo da americana, deixasse ao
. arbítrio do Congresso estabelecer as excepções que julgasse
convenientes, isto é, a não' ser que a própria Constituição
considerasse expressamente como matéria indifferentemente
constitucional ou ordinaria'a competencia em gráo de recurso
da Suprema Côrte. Ainda assim, nos-Estados Unidos, o acto
judiciário de 1891, reparando' a cjcatriz aberta .pela consti-
— 21 —

tuinte na armadura da Suprema Côrte, deixou-lhe a liber-


dade de avocar ao seu conhecimento e decisão as questões de
que julgasse conveniente conhecer em gráo de recurso. Pra-
ticamente, pois, a- Suprema'Côrte possue'jurisdição de ap-
pellação em todos os casos que incidirem sob as leis e tra-
tados' federaes, bem como sob os textos constitucionàes. O
que é ali, porém, objecto de prescripção. legislativa, é, entre
nós, matéria de estatuiçâo constitucional. Considerado,
portanto em relação com o conjuncto do nosso direito con-
stitucional e integrado no seu systema como uma peça es-
sencial ao seu funccionamento, o art.. 59, n. 2, revela a sua
intelligencia exacta, a , saber, que de todas as questões, de
todas, pois que não faz excepção o texto constitucional, de
todas as questões resolvidas, assim pelos juizes, como pelos
tribunáes federaeS, caberá recurso para o Supremo Tribunal
Federal, não podendo uma lei ordinaria modificar para menos
ou. para mais as attribuições que a'Constituição julgou util
confèrir, expressa ou implicitamente, aos grandes departa-
mentos do Governo Nacional, cada um inexpugnável, e inac-
cessivel pelos outros' na esphera de sua competencia consti-
tucional. Pouco importa que haja duvida si os tribunáes f e -
deraes', a que se refere o art. 55, sejam de 1* ou de 2" instân-
cia.' Admitíamos que sejam do'2*. Neste Caso, o Supremo Tri-
bunal em relação á elles fUnccionará como terceira, não,
apenas, em determinadas questões, mas. em. todas que forem
por elles resolvidas, pois que a Constituição institue o Su-
premo como tribunal de recurso das decisões dos tribunais
federaes, sem exceptuar, quer pela sua natureza, quer pelo
seu ivalor, litigiò algum. t>e todas as suas sentenças, pois,
.caberá recurso para o Supremo Tribunal Federal. Ainda,
pois, que se entendesse serem' de 2" instaricia os tribunáes
referidos no art. 55,' mesmo assim, a emenda em questão seria
inconstitucional pois que 'subtrae ao conhecimento do Su-
premo Tribunal, mutilando a süa jurisdicção constitucional,
um. grande numero de questões, todas aquellas, afinal, a que
as decisões dos Tribunáes regionaes derem solução defini-
tiva, as que serão, justamente, mais numerosas e freqüen-
tes em um paiz pobre como o nosso, em que as questões de
Vulto se cifram em muito pequena porcentagem sobre as cie
valor modesto ou médio.
— 22 —

Mas, Sr,; Presidente, si p art, 59, n . 2, estabelece r e -


curso para p Supremo Tribunal de • todas as questõies resol-
vidas pelos tribunaes federaes, estabelece, igualmente, re-
curso para o mesmo Tribunal em todas as questões yeaol-
vidas pelos juizes federaes. Corno, pois, interpôr. entre oa
juizes federaes e o Supremo Tribunal- tribunaes intermedia^
rios, em que 'morrerão definitivamente grantie numero de
questões iitigadas perante os juizes federaes ? Si a attri-r
buição do . poder ou da competencia é feita em termos am-
plos e inequívocos; como interpretal-a em termos susoepti-
veis de comportar excepções ? Onde a Constituição diz, os, isto
todas, passaremos a lêr algumas ou taes e-quaes. B si
podemos abrir excepções á, regra estabelecida de maneira
absoluta, e si tal poder de exçeptuar não tem outro limite
que o nosso -arbítrio, a competencia em gráo de recurso da
Suprema Côrte passará a ser, virtualmente, matéria die le-
gislação ordinaria e teremos, assim, confiscado a um dos
tres poderes políticos um importante grupo de attriibuições,
que são conslitucionaés, não só materialmente, a saber por se
referirem a um dos tres grandes departamentos do Governo,
.como formalmente, isto ó,. previstas expressamente na Con-
stituição,
Conferimos, assim, ao Poder Legislativo a supremacia no
regimen, pois que elle passará a ter praticamente o poder de
definir as attribuiçõês dos demais poderes, arredando
de • si todas as limitações constitucionaes • que lhe são.
postas de modo expresso ou implícito. Ora, já'Obser-
vamos que quando a Constituição confere attribui-
çõês, ella, por este facto ' mesmo e a um só tempo,
outorga -e limita poderes. Limita as attribuiçõês que
outorga pelo fâcto mesmo de enumeral-as ou definil-as
;e estabelece, ao mesmo tempo, ao Poder Legislativo um li-
mite preciso, à saber, reCusa-lhe a faculdade de alterar, re-
stringir ou ampliar taes attribuiçõês, a não ser que tal poder
|he seja conferido pela própria Constituição. O acto do Con-
gresso, portanto, regulando em lei ordinaria a competencia
dó Supremo Tribunal, competencia de ordem manifestamente
constitucional por se referir a um dos poderes políticos do
Governo Federal, não só diminue a estatura da Suprema Côrte
—23—
jjq IIQSSQ regimen, subtrahindo-lhe unia porção da s.ua conv
petencia e, siiborilinando-a, quanto a esta competencia, ao P o -
der Legislativo, como viola as garantias constitucionaes mais
elementares aos direitos mdividuaes. g viola es?as garam-.
tias, em primeiro .lQgar, por s.uppriniir em certos casos um
recurso pela Constituição admittido em todos os casos a que
ella se refere, e, em segundo logar, por implicar um desconhe-
cimento dos limites traçados pela Constituição á esphéra de
attribuições de cada um dos poderes. Ora, a garantia dás ga,
paptias constitucionaes em nosso regime», aquella sem a qual
as Outras nada s'ãp, a garantia suprema, o fpeiq dos freios, <§
inçpntestavelmcnte o principio da limitação dos poderes. Si
todas as disposições constitucionaes, são, em ultima analyse,
garantias constitucionaes, só o são, explusivamente o são em
virtude de sepem limitados os poderes. Galgada por uni del-
les a barreira que lhe antepõe' a Constituição, nesta mesma
hora, por uma repercussão necessaria do abalo central a toa-
das as partes do systema, as demais garantias constituciones
se vêm reduzidas a meras formulas de reoominendação gra?
.ciosa, sem nenhuma das virtudes que lhes quiz o constituinte
attribuir. Não é máis, apenas, pois, Sr, Presidente, o logar
de destaque da Suprema Qôrfe no nosso regimen que ge vê
• amoaoado pela emenda que a Camara acaba de approvar, mas
as próprias garantias constitucionaes que se vêm entregues ao
arbitrjo o discrição do Pode? Legislativo, quando outro não
foi o espirito que presidiu e inspirou ás memoráveis sessões
da Assembléa Constituinte que o de construir de tal fôrma
o instrumento constitucional que os direitos individuaes se
•vigsgm garantidos, por um systema de coordenação e d e limi-
tação de podepea, contra a soberania do Congresso, de manei-
•ra a garantir o povo contra ps seus excessos e a defender
contra os possíveis movimentos demagógicos, á cuja conta-
minação se acha mais exposto o ramo eminentemente popu-
lar dp Governo, não só os indivíduos nos seus interesses legí-
timos, como a ordem de pousas julgada indispensável pelos
constituintes á prosperidade material e á cultura do paiz.
Nesta asphera elevada de cogitações, e' de pri»eipips é
qiie deyía de ser, desde o principio, collocada a que^lãp dos tri-
bunáes regionaes, por e$ses horizontes e avenidas que abrem
— 24 —

aceesso ao planalto central do nosso systema de gqverno ô


que a questão devia de ser ventilada por todas as suas faces,
neste espirito, que envolve, banha e embebe a nossa Con-
stituição, é'que ella devia de ser contemplada em toda a ple-
nitude e complexidade das suas conseqüências, invocando os
interpretes em seu auxilio, não este ou aquelle texto mais ou
menos particular e definido, mas, os princípios fundamentaes
de euja combinação harmoniosa se compôz o typo especifico
È inconfundível do nosso systema de governo, único em seu
genero pela complexidade do seu organismo, p largo alcance e
a elevada altitude dos seus princípios, nobre e. fecunda tenta-
tiva de estabelecer, no campo das competições de poderes, que
é o a que se reduz a Vida publica, uma ordem, ao mesmo témpo
moral e jurídica, porque -garantida hão só pelo sentimento
publico, como pelas sancções jurisdiccionaes, que a nossa Con-
stituição houve por bem instituir em favor dos indivíduos e
do povo em cujo nome foi promulgada. -Posta neste terreno,
a questão do? tribunaes regionaes estaria resolvida contra a
emenda do Senado por este simples raciocínio: O Supremo
Tribunal foi instituído e definidas as suas. attribuiçõês não
pelo Governo Federal, mas pelo povo, que com elle instituiu
os demais orgãos supremos do Governo e lhes demarcou a
competencia; recebendo a sua instituição e as suas attribui-
çõês não do Governo Federal, mas do povo, ao ppvo e não
aq Governo Federal cabe regular confio entender a institui-
ção que elle creoü, assim como as attribuiçõês que lhe
conferiu. x

' Si, pois, não sé encontra na Constituição uma clausula pela


qual seja autorizado expressamente o poder legislativo a al-
terar tal competencia, é que o povo reservou para si este di-
reito, limitados como são os poderes políticos pela vontade do
povo manifestada nas clausulas constitucionaes. Ora, como
já vimos, do art. 59, n. 2, como de outro qualquer texto,
não resulta, quer expressa, quer implicitamente, para o Con-
gresso o poder de crear excepções á competencia em gráo de
recurso do Supreino Tribunal Federal. Logo, tal competencia
se estende a todos - os casos previstos na Constituição e so-
mente a elles, pois que, assim. como o Congresso, não pode o
Tribunal restringir ou ampliar a sua própria competencia.
— 25—

Nem se argumente, Sr. Presidente, com a alçada, reco-


nhecida pela própria jurisprudência do Supremo Tribunal,
•pois que tal argumento é um perfeito circulo vicioso, uma
vez que resolve à questão pela questão, dando por resol-
vido exactamente o que se acha em litígio. Senão vejamos.
Eis o argumento: Si. o Congresso pode estabelecer a alçada
para a jurisdicção dos juizes federaes, elle pode, isso facto,
subtrahir certas questões ao conhecimento do Supremo Tri-
bunal, pois que as questões dentro da alçada resolvidas são
irrecorriveis. Ora, si assim fosse, a saber, si coubesse ao Con-
gresso tal poder, a matéria referente á competência do Supre-
mo Tribunal seria desclassificada da Constituição para á le-
gislação ordinaria, pois quem tem o direito illimitado de li-
mitar ou exceptuar tem virtualmenfe o de supprimir. A com-
petencia em gráo de recurso do Supremo Tribunal passaria,
pois, a incidir na espherji de attribuiçõês legislativas do Con-
gresso e si .este pudesse limitar pela instituição da alçada tal
competencia, poderiq, egualmente fazel-o por outro qualquer
meio adequado!' A affirmaçãp, portanto,, do poder dò Congresso
de instituir a alçada resulta nesta mais geral, de transformar
a competencia do Supremo de matéria constitucional ém ob-•
jecto de legislação ordinária. E sendo assim, visto é que,
sendo de attribuição do Congresso legislar livremente sobre
a cairfpeteíicia da Suipíèma Côrte,. elle pode exceptuar desta
competenoia as matérias que entender subtrahir-lhe. Mas,
Sr. Presidente, o que está em questão a proposito deste cáso?
Não é, exactamente, o poder-do Congresso de dispor discri-
çionariamente da competencia do Supremo Tribunal, e o po-
der de fixar a alçada não -resulta precisamente desse poder?
".Como, portanto, dar por concedido, exactamente o que se
acha em questão? Pelà alçada se limita a jurisdicção em gráo
de recurso da Suprema Côrte; si, pois, pode o Congresso in-
stituir a alçada, ipso facto está no seu poder limitar a ju-
risdicção. Mas si, precisamente,, o' que. está em litigio é O
poder reconhecido ao Congresso de limiar, a jurisdicção da
Côrte, e si a alçada é exactamente um dos processos de a
limitar, evidente se torna, como a luz meridiana, que a duvida
sobre o poder de limitar envolve a mesma duvida sobrç .0
poder de instituir a alçada.
—26 —

Como, pois, resolver a duvida pela própria duvida, a-


questão com a questão, o litígio sobro o principio geral Com
0 caso particular, que, precisamente, por se achar subor-
dinado ao principio, se acha envolvido na duvida ei n a ques-
tão sobre elle? O argumento da alçada, pois, não. resolve a
questão, precisamente, por que » presuppõe resolvida. Mas,
Sr, Presidente, si a alçada ê um dos meios de limitar a ju-,
risdicção em grío de recurso da Suprema Côrte, e si, como
deixamos estabelecido, não pode o legislador ordinário al-
terar a çomptençia definida na Constituição, claro é qua tal
limitação ao seu- poder de legislar, envolvendo uma pro*
hibição em termos geraes, envolve, ipso facto, todos os pro-j
cesses particulares de .que elle se poderia servir para exercer
o poder que lhe é, em toda a sua amplitude, recusado,'
O argumento da alçada inverte, pois, os termos do racio-
cínio, dando pop admittido em particular o que se acha. re-
cusado de modo geral, indistineto. e peremptório, Para se.
saber, com effeito, si pôde o legislativo limitar de qualquer
modo % competencia em 8'ráo de recurso do- Supremo Tri-t
Jnjnai, nio se deveria partir do caso da alçada, pois que, sendo
um modo de limitação, elle presuppõe o poder de limitar,
ma», ro aontrarig, para justificar § alçada, dever-sç-ia partir
do ponto de saber si o poder de limitar, de que a alçada 6
uni caso particular, se acha concebido e concedido na Con-
stituição, .. . '.
Ora, ta} poder, ao envez de concedido, se acha recusado
na Constituição, de modo- expresso 9 implícito, pois que, de-
finindo a competencia em gráo de recurso do Supremo Tri-
bunal no seu próprio- instrumento* entendeu a Constituição
conferir caracter constitucional a essa matéria e, portanto,
sublrahil-a, completa e absolutamente, pois que não previu
oxcepção alguma, ás attribuições ordinarias do Poder Ler
gisiativo, Nem se allegue, repetindo um argumento ido emi-
nente gr, Pedro Lessa, que sendo a alçada úma instituição
pacifica e immemorialmente consagrada no nosso direito j u -
diciário, é de se suppôr que a Constituição não pretendeu sup-
primil-a. Tal argumento, com. perdão da memória do illustre
morto G dos doutos ÍJUG .me ouvem; é de todo em todo desti»-
tuido de valor. Com effeito, si a alçada, que ê um meio de
—27—

excluir sobr.e certas' questões a competência em gráo. de re-


curso do Tribunal Superior, èra uma instituição pacifica UQ
nosso direito judiciário anterior á Constituição, ó porque, nos '
regimens que antes delia nos regeram, a justiça era, apenas,
um departamento da administração e> como tal, submettida,
sem restricções, ao poder Legislativo, O poder de instituir a
alçada não era mais do que um corollario do poder de. orga-
nizar a justiça, Ao poder incumbido de organizal-a cabia de-,
marcar as suas attribuiçõês, oom as limitações e excepções
que entendesse, • üma vez que tal matéria não era de , ordem
constitucional, ou por sobre ella silenciar. a Constituição,
quando existia, ou pçr não haver de todo constituição, como
se dava no regimén de poder absoluto. Outro é o caso,porém,
OOHJ o nosso Judiciário; a Constituição o instituiu e Conferiu-
lhe as attribuiçõês que lhe cabe exercer; organizou-o, por-
tanto, não só provondo-o dos órgãos necessários á sua aoçãa,
como dos meios, a- saber, a competência desses órgãos. De
simples departamento da administração, elevou-o á categoria
de departamento independente' do Governo Nacional. Institui-
ção constitucional e da attribuiçõês demarcadas na Constitui-
ção, subírahido, pois, se acha, quer na sua estructura, quer na
sua .competência, á acção do Poder Legislativo,,
Si, portanto, a alçada decorre do poder de organizar a
justiça e da definir a attribuição dos seus orgãos, claro é que
só ao poder a quem incumbe organizar a justiça, cabe fixar
a alçada. É, como entre nós, o poder qué tem tal competencia
é o constituinte, elle só e exclusivamente, segue-se, por im-
plicação necessária, que a alçada só seria admissível si f i -
xada na própria Constituição, ou por esta conferida ao Con-
gresso a faculdade de instituíl-a e fixal-a. As instituições
tradicionaes do nosso direito só podem subsistir, portanto,
si compatíveis oom ós princípios da nossa organização con-
stitucional. •
Ora, como deixamos demonstrado, a alçada, como. limi-
tação que é á competencia em gráo de recurso do Supremo Tri-
bunal, não pôde ser instituída pelo Poder Legislativo ordiná-
rio, pois que as attribuiçõês daquelle tribunal são dé ordem
. constitucional e> por conseguinte, jrialteraveis por lei ordi-
naria. ,
— 28 —

Concedámòs, porém,; que seja legitima a instituição da al-


çada, tal como entre nós-vigora. Concedido este ponto, eis
como raciocinam os defensores da constitucionalidade dos
tribunáes regionaes : si, pela alçada, pôde- o legislativo subtra-
hir certas especies ao conhecimento em gráo dè recurso do
Supremo Tribunal, pôde devolvel-as ao conhecimento de outra
qualquer Côrte dé recurso, pois, admittido o primeiro ponto,
o segundo não pôde deixar de sel-o igualmente, porquanto, si
a especie já se acha subtrahida ao Conhecimento do Súprémo
Tribunal, a sua devolução a outra instancia não pôde envolver
violação alguma á uma competencia que se começa pór lhe
recusar.
Este o argumento central dos que pelejam pelos tribu-
náes'regionaes, Mas quem não está enxergando o seu vicio •
intrínseco, que o mina e o inutiliza pela base? Vejamos. O
argumento pôde ser desarticulado em duas partes: 1* parte —
Si. a alçada é reconhecida por legitima e constitucional, a in-
terpretação do art. 59, n.. 2, não pôde deixar de ser que o
Supremo Tribunal só julgará' em gráo de recurso aquellas
causas que não couberem na alçada dos juizes inferiores.- Já'
vimos como o argumento da alçada é uma perfeita, acabada e
descabellada petição de principio. Admittindo-a, porém,, para
argumentar, continuemos: logo, .quando a Constituição esta-
belece, ém gráo de recurso, a competencia do Supremo Tri-
bunal, nas questões resolvidas pelos, juizes federaes, deve-se
entender que julgará apenas aquellas causas de que couber re-
curso, de accôrdo com o principio da alçada. Mas, Si assim é,
direi por minha vez, de todas as causas que não couberem na
alçada dos juizes federaes haverá recurso para o Supremo Tri-
bunal, pois, segundo o proprio- argumento, a única limitação á
competencia desse tribunal como Côrte de segunda instancia
é a alçada dos juizes inferiores. Ainda, pois, admittindo-se o
principio da alçada, será o Supremo o único tribunal de re-
curso para as questõ.es resolvidas pelos juizes federaes, pois,
Segundo o proprio argumento, as questões de que tomará co-
nhecimento em segunda instancia o Supremo Tribunal serão
aquellas todas de que couber recurso, por excederem a al-
çada dos juizes inferiores. Mas, .aqui, intervém a segunda,
parte do argumento, que nos responde: Não! Mesnao de cer-
— 29 —

tas causas que não caibam na alçada d'os juizes federaes não
haverá recurso para o Supremo, pois que podendo subtrahir
certas causas ao seu conhecimento, pôde o Congresso, devol-
vel-as a outro tribunal. E eis como retiram o que haviam
concedido,, isto é, que a competencia do Supremo Tribunal em
instancia de recurso, si não envolve todas as causas julgadas
pelos juizes federaes, envolve, porém, aquèllas de que couber
recurso, em razão de excederem a sua alçada. Mas, si as cau-
sas de valor superior a cinco contos excedem, pelo projectO,
a alçada dos juizes federaes, dellas deveria haver recurso para
o Supremo Tribunal, pois é o proprio' argumento que estabe-
lece que das causas que admittirem recurso competente é para
o seu conhecimento o Supremo Tribunal'. Como, pois, devol-
vei -cts 3. um outro tribunal? Si a única, condição é quo haja.
recurso e a condição para haver recurso é que não caibam na
alçada, de. todas as causas a que a lei- admittir recurso, por
motivo de excessivas da alçada, haverá devolução ao Supre-
mo Tribunal. Ou está conclusão, ou o argumento se contra-
diz, pois que delle se extrahe uma conseqüência contraria aos
seus proprios termos. E' que o que élle concede com uma das
mãos retira com a outra. Concede, para-que se lhe conceda a
legitimidade da alçáda, que das causas de valor superior á
alçada caberá, recurso para o Supremo Tribunal; mas, uma
vez com a alçada ho bolso, em virtude de uma troca de-con-
cessões, eis que os partidarios dos. tribunaes regionaes annul-
lam o que haviam concedido e estabelecem uma nova ex-!
cepção á competencia em gráo de recurso do Supremo. Tri-
.bunal. ... . .
Para que os tribunaes-regionaes vingassem, tiveram, pois,
os Seus defensores de estabelecer para d mesmo texto tres in-
terpretações, todas tres contrarias ás suas expressões e duas
dellas entre si contradictoriás. . •
A primeira, instituindo a alçada e, por conseguinte, úma
excepção não autorizada á competencia constitucional da Su-
prema Côrte; a segunda, que ó a primeira em outros termos,
que só das causas de que caiba recurso tomará conhecimento
ò Supremo, e'a quem compete determinar o cabimento do re-
curso é o Poder Legislativo ordinário; terceira,'que de algu-
mas .causas, entretanto*. susceptíveis de recurso, o Supremo
— 30 —

Tribunal &Ío tomará eonhèciménto, mas sim o tribunal íhtfer-


-modiat-io. Duas interpretações entre si contradietorias: que
tias causas dê que houver recurso conhecerá o Supremo Tri-
bunal e que algumas causas existem susceptíveis de recurso,
e que ftâo se acham, entretanto, sujeitas á jurisdicção do Su-
premo, . . .
Èis o que vale o argumento central dos defensores dos
tribunáes regionaes. Elle se Compõe' de duas partesi contra-
•tJictórias e resume-se, em ultima analyse, a uma petição de
principio, dando por concedido o que está em questão e para
resolver a questão presuppondo-a resolvida.
Figuremos,'porém, Sr. Presidente, que o argumento da
alçada seja, 'realmente,- isento de todos esses vícios. Admltta-
ííws que o constituinte haja julgado desnecessário estatuir
expressamente-o principio da alçada,, por o considerar pre-
supposto em todo «y.stonm de organização judiciaria, dada a
•sua Universalidade e consagração unanime e perennè pelo dl-
íeíto judiciário de todos ps povos civilizados.
Ainda assim, que Se. seguiria disto t Que a Constituição
estabelece em termos geraes a competencia em gráo de 're-
curso do Supremo Tribunal, mas, por ser a alçada um insti-
tuto visceral a todó systema de organização judiciaria, nos
termos geraes da Constituição estaria .incluída* por' presuppo-
•síçfto necessária, a faculdade ao Congresso do, instituindo a
alçada, abrir á competencia definida na Constituição as exce-
pções da alçada 'resultantes. Tal faculdade, reconhecida ao
Congresso, seria, porém, de caracter excepcional e os casos que
elle poderia, em virtude delia, instituir, deveriam ser, igual-
mente, excepcionaes, pois havendo • a Constituição definido de
modo gera! a competência, ao Congresso só poderia caber a fa-
culdade de abrir excepções á regra constitucional. Demais"
disto, porém, Sr. Presidente, o recurso é, em todaê as. orga-
nizações judiciarias, a regra geral, e si O principio da alçada
se encontra, igualmente, em todos os systeihas judiciários, é,
simplesmente, 110 caracter; de excepção á regra geral do re-
curso e como excepção a esta regra, na alçada só se devem
comprehender os casos, excepciónaes» Como, a alçada se funda
no valor das causas, as excepções abertas á regra do recurso
hão de ser motivadas pelo valor das demandas e como as
— 31 —

lações patrimoniaes Sé cifram em dinheiro e os homens jul-


gam, geralmente, que o direito sÔ Vále pelo dinheiro em que
elle I t tradui» sflmertle ás causas de pequeno ou insignificante
valor costuma ser recusado ò beneficio do recurso. Logo, a
alçada» como éxcepção e pela sua própria natureza, deve,
apenas; eomprehender as excepções.
Ora, Sr. Presidente, a emenda approvada pela Gamara
desconhece, de modo absoluto, essas duas limitações estabe-
lecidas ao seu poder, si, de facto, lhe. cabè.esté poder, de insti-
tuir a alçada! uma que decorre do próprio texto constitucional,
que define em termos geraes a competência em gráo de re-
curso do Supremo Tribunal e, por conseguinte, como regra que
è só pôde admittir excepções, nunca, porém, uma regra con-i.
Iraria, e a outra limitação que resulta da própria natureza
Excepcional da alçada. E como desconhece taes limitações ?
ileconhecendo pratica e virtualmente ilíimitado o seu poder
de instituir a alçada é attribuindo á alçada Uma elasticidade
indefinida, pois que a fixa em somma realmente ávultadá, e
para alguns Estados do Brasil, Os mais pobres delles, avuila-
dissimà. "

Mas, Sr. Presidentes si o poder de fixar a alçada ê real"


mente ilíimitado, pois o mesmo é que deixar ao arbítrio dé
Congresso a' sua fixação, como conciliar tal poder com o in-
tuito evidente e manifesto nâ Constituição de definir, sinão
de modo absolüto, pelo menos como regra gerai, a competên-
cia do Supremo em' gráo de recurso, deixando* apenas, áô
Congresso a faculdade de determinar as excepções ? O poder
dé êxceptüár, nestè caso, sé côhvértèría no. dé regular è a
excépção acabaria por devorar a regra. A competencia em
gráo dé recurso do Supremo Tribunal pahiriâ, .pois, todã ella,
«a esphera de attribuiçõês ordinarias do Congresso-, Como é 0
Cáso da Suprema Côrte americana, em virtude da Clausulá
existente na •* Constituição dos Estados' Ünidos, autorizando O
Congresso a estatuir excepções á regra da Competencia, A
Constituição quereria pois, a um sô tempo duas cousas entre
si inconsistentes: reservar para. si a regra e deixar ao Con-
gresso fts excepções, mas, não limitando o poder, dé exceptuar.
etla teria reservado á sua esphera dé competência uma sim-
— 32—

pies apparencia ou um fantasma de regra, a saber, virtual o


praticamente, cousa alguma.
O poder de fixar á alçada, pois, tem um limite. Tal li-
mite, porém, não se acha . demarcado na Constituição; só pôde
resultar, portanto, da natureza própria á alçada. Onde, po-
rém, este limite? Como deduzil-o, Sem arbítrio, da natureza da
aIçada?,Que o digam os sábios dá escriptura...
O Congresso, por conseguinte, será o único juiz do limita
én; que deve exercer o seu poder düplaménte excepcional de
instituir á alçada, o que resulta em estabelecer que tal limite,
de iacto e realmente, não existe, •
Haveria, assim, duas regras, contrarias em seus termos»
para regular a competencia do Supremo: uma constitucional,
que estatue de modo geral tal competencia, e outra, ordina-
ria, pela-qual caberia ao Congresso' crear excepções á regra
constitucional, ma3-como- tal poder não encontra limites sinão
no seu arbítrio, do seu exercício, em toda a plenitude, resul-
taria, logicamente; a annullação da regra constitucional; Efxis-
t i m , pois, uma regra constitucional, que presupporia uma
elaüsula implícita, autorizando o Congresso a cumpril-a ou á
não cumpril-a, segundo julgasse ópportuno e conveniente, isto
é, uma regra de simples recommendação ou direcção, quando
todas as regras constitucionaes, no nosso systema de governa;
teem q caracter de limitações de poder, e não se pôde conce-
ber que ao poder limitado fique a discrição de remover o li-»,
mite, restringindo ou ampliando- a esphera de'sua actividade
constitucional.
Mas, Sr. Presidente, si existe, assim, contradicção- entre
a regra constitucional e o poder virtualmente illimitado do
Congresso de fixar a alçada, e como não se pôde remediar a
esta contradicção, pois o limite que a si mesmo se demarcasse
o Congresso, poderia ser por elle proprjo removido, qual a
solução, pergunto eu, a única, a exclusiva solução, a solução,
a um só tempo lógica e constitucional, a solução, direita e ho-
nesta, senão optar pela regra expressa, estatuída.dé modo geral
e absoluto, contra uma excepção, não expressa, mas apenas
prcsupposta?
Mas, Sr. Presidente, a questão dos, tribunaes regionaes
só pôde Ser posta,; como já frisei por diversas vezes, nestes?
— 33 —

singelos termos: E' a competencia do Supremo Tribunal de


ordem constitucional? Que o é, diz-nos o proprio texto da
Constituição em que ella vem expressamente definida e ainda
é o que deixa fóra de duvida o typo a que pertence o nosso
systema constitucional, cujo traço distinctivo é a limitação
dos poderes e a instituição do judiciário como um dos tres de-
partamentos do Governo nacional. Poder separado e indepen-
dente dos demais, força era que as. suas attribuições não fi-,
cassem a merc'ê dos outros dous poderes. Subtrahiu-as, pois,
a Constituição ao Congresso, estabelecendo, assim, clara e pre-
cisamente, que os poderes, a competencia, as attribuições do
Supremo Tribunal, como, dos. demais poderes, lhes são in-
vestidas directamente pelo povo e que, portanto, só o poder
que lhas outorgou pôde alteral-as . Não lia replica possível a
este argumento desde que se queira permanecer fiel á lógica
imanente ao nosso systema de governo.
Todos os demais argumentos contrários á constítucioha-
lidade dos tribunáes regionaes não Valem a pena de ser expen-
didos. Serão nugas, migalhas ou o que lhes aprouver de deno-
minar aos defensores éa. emenda. Não é necessário soccorrer-
se ao elemento historico, ô tradicção judiciaria • ou ' a
qualquer outro elemento mais ou menos extrinseco ao texte
constitucional. Nem vale refutar outros argumentos favorá-
veis á constitucionalidade, pois que, com perdão dos emi-
nentes mestres ,a quem. rendo as minhas homenagens de ad-
miração e de apreço, raiajn elles, em seu maior numero, pela
frivolidade ou pela SQphisteria. Limitemo-nos, pois, a colloCar
a questão nos termos em que a cdlocamos. E'o instrumento,
constitucional em suas partes e em seu conjuncto que, chama-
do a depor, pronuncia o único juizo que poderia proferir sem
renegar aos seus' princípios e contradizer-se em seus prt>-
prios termos.
Eis como se formou a nossa convicção na matéria, isenta
e dèsapaixonadamente, embebidji Só e só na inspiração dos
textos constitucionaes, e na lógica que mantém de pé o nosso
systema de governo e organisa e conjuga harmoniosamente
as suas partes em um todo coherente, lavrado de uma única
peça inteiriça e uniforme .
- Necessário, reconheço, ó tomar uma providencia ten-
dente a sangrar o Supremo Tribunal da sua congestão judí-
• 8 —
— 34 —

ciaria. Peor, porém, Sr. Presidente, do que a justiça


tarda e lenta- é a justiça desprestigiada e apoucada nos seus
órgãos supremos. Não attendam'03, apenas, ás necessidades
materiaes; demos também um pOuço de attenção a estes
vastos, profundos e delicados interesses moraes, que se
acham em intima solidariedade com a ordem jurídica e, par-
ticularmente, com a ordem legal e constitucional. Pois> que'
sejam necessários os tribunáes regionaes. Mais necessário,
porém, moral, juridica e materialmente é conservar o princi-
pio da inviolabilidade legal e constitucional, particularmente-
110 momento de instabilidade e de apprehensões'sombrias por
que.passa a ordem de cousas em todos os paizes do mundo.
Reforcemos a autoridade da lei, quando todas as autoridades
parecem ameaçados no seu fundamento, pois, assegurada a
autoridade da lei, que é a mais alta fonte de todas as outras
autoridades, estas encontrarão nos seus desfallecimentos um
apoio e uma garantia nesta precisa, clara e intelligente affir-
mação de vontade, que é um principio legal, superior, aos in-
teresses e ás paixões, impessoal, abstracto e objectivo e, por
isto mesmo que insuspeito de compromissos e de concessões,
podendo dominai de mais alto o vozerio dos mercados e dos
pretorios. Nestes períodos críticos de dissolução de uin es-
tado social e dé liquidação de tradições, é que é preciso con-
ter os espíritos, refrear os impulsos, apertando as malhas-
desta armadura elástica, que é a ordem legal, de maneira a
tornar tanto mais rigorosa e estricta a disciplina quanto mais
activos os fermentes que trabalham. pela decomposição.
Nesses momentos, Sr.. Presidente, eu sou daquelles que pre-
ferem -inverter a regra interpretativa consagrada pela. júris-,
prudência americana é segundo a qual uma lei ou um
acto de constitucionalidade duvidosa deve ser tido sempre
por constitucional. Não ! Preferível será, em todas as hypo-
theses, entre a- lei e a Constituição, em caso de duvida, optar
pela autoridade mais alta, mantendo-a, assim, em toda a in-
tegridade e plenitude da sua força e evitando que, pelo facto
mesmo da duvida sobre a sua legitimidade, a lei venha a des-
merecer no concèito e no respeito daquelles a que a sua or-.
dem se dirige.

• Muitas cousas e emprehendimentos úteis e mesmo ne-


— 38 —

cessarios.se verão deste- modo embaraçados. Computemos,


porém, neste balanço de lucros e perdas, as vantagens que hão
dé decorrer deste espirito de ordem rigorosa, de estricta
hiérarchia, de conservaçãò a todo-transe, e veremos que os
valores em que ellas se traduzem lão serão, apenas, dos que
se pesam e se contam em dinheiro, mas desses, -inestimáveis
e inapreciaveis pelas medidas e usos do commercio, valores,
de que todos os outros se ápham na' dependencia, pois que são
elles que tornam possível a sua producção e circulação, con-
stituindo os dados fundamentaes dessa ordem moral e jurídi-
ca, sómente em virtude' da qual a própria vida se tornou para
os homens, um valor digno de protecção, em si mesma, inde-
pendentemente do seu rendimento util em especie ou da sua
efficàcia como instrumento de- producção de riquezas.
A certeza, a precisão, a uniformidade do direito não serão,
também, Sr, Pre.sidente, uma necessidade imprescindível so-
bre todas as outras, tão neceásarias como a própria .ordem
jurídica de que são attributos inseiparaveis ? Gomo pois, em
nome de umá necessidade mais ou menos particular, - como
seja a dos pleiteantes, fazer calar esses interesses e neces-
sidades da ordem jurídica, a que elles recorrem, não como
a,uma formula vasia, mas como a uma vontade firme, re-
flectida e consciente de si mesma ? Não ! *A lei não deve in-
terpretar-se de accôrdo com a necessidade, mas • de accôrdo
cómsigo mesma; não se deve dobrar a lei ás utilidades mais ou
menos evidentes, mais ou menos formuladas ou articuladas do
ponto de vista do interprete, mas interpretal-a pelas suas ex-
pressões, pelo seu systema, pelos princípios que ella presuppõe,
pelas intenções que revela por meio da linguagem articulada,
isto é, saturada de pensamento e capaz de transmittir, mais
ou menos fielmente, o pensamento que ella encerra. Nem é
isto formalismo, bysaritinismo ou chinezisse; mas respeito e
conformidade á natureza intima do Direito,; ás suas funcçoes
essenciaes e ao àeú destino como instrumento de ordem e de
disciplina social. . •

E' interesse, igualmente, pela cultura jurídica, não só


theorica como pratica, pois .que toda cultura presuppõe cla-
reza, precisão, ordem, disciplina, estabilidade, firmeza, qua-
lidades intellectuaes e moraes indispensáveis á formação e
— 36 —

conservação de typos de caracter e de fôrmas conscientes de


pensamento e de acção. Toda cultura presuppõe pontos f i r -
mes, sinão fixos, de referencia, pois que ella é, sinão exclu-
sivamente, pelo menos de modo'particular e proeminente,
orientação e direcção. E o ponto dé referencia da cultura
jurídica, seja pratica ou theorica, ha de ser a lei conside-
rada fiel. e submissamente, ou a ordem jurídica cederá o 10-
gar á desordem dos interesses e das. ideologias em confor-
midade dos quaes procurarão os indivíduos ou os grupos
moldar o direito que lhes convém.
Pôde ser, porém, Sr. Presidente, que eu esteja em erro.
Assim seja. Não sei qual será o-destino dessa lei nos tri-
bunaes.
Pôde ser que elles a acceitem e que a jurisprudência
acabe por consagrar definitivamente as suas medidas. Pouco
importa. Será sempre uma situação, de facto e .teremos, as-
sim, com a cumplicidade do Poder Judiciário, o que não di-
minue a nossa falta, concorrido para desfigurar o nosso •sys-
tema de governo em um dos seus traços mais accentuada e
profundámente typipos. Não' só esthéticamente, porém, Sr.
Presidente, se verá attingido tal systema. Mais grave do que
quebrar as suas linhas rectas e alterar as suas perspectivas,
'é.subtrahir aos indivíduos garantias constitucionaes que lhes
são expressamente asseguradas e de que a menor é, exacta-
mente, ó direito a recorrer para o Supremo Tribunal de to-
das as sentenças proferidas pelos juizes inferiores, e de que
a maior de todas, sem sombra de duvida e hesitação possí-
vel, é o ©rincipio da limitação doS poderes, sem o qual não
existe garantia constitucional a não ser.na bocca dos orado-
res e ideólogos. Pois bem, deixou, virtualmente, de existir,
com o nosso aeto, essa garantia, mãe e fiadora das demais,
pois que si. o Congresso pôde alterar as attribuiçõês do Po-
der ' Judiciário, poderá também alterar as do Executivo e
ampliar ou restringir as suas próprias,' transformando-se,
assim, de poder constituído, isto é, subordinado ao instru-
mento constitucional, em poder constituinte, a saber, illi-
mitado. O Congresso, pois, acaba de proclamar, a sua sobç-
rania.
. ' Será definitiva ?
— 37 —

Não depende dejle que o seja.. Dirá, sobre o caso, a ulti-


ma palavra aqüelle, exactamente, que acabamos de justiçar,
amputando-lhe um dos elementos essenciaes á sua indepen-
dencia. (Muito bem; muito bem. Palmas prolongadas, sendo
o orador vivamente cumprimentado.)
RIO DE JANEIRO
IMPRENSA NACIONAL
1921

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