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CORREIO BRAZILIENSE

DE JULHO 1821.

Na quarta parte nova os campos ára;


E se mais mondo houvera lâ chegara.
CAMOENS, C.TlI.eU

POLÍTICA.

REYNO UNIDO DR rORTUGAL BRAZIL ALGARVES.

Decreto de S. M. sobre a liberdade da imprensa no


Brazil.

Fazendo-se dignas da minha Real consideração as rei-


teradas representaçoens, que pessoas doutas e zelosas do
progresso da civilização e das letras tem feito subir á
minha soberana presença, tanto sobre os embaraços, que
a previa Censura dos escriptos oppunha à propagação da
•erdade, como sobre os abusos que uma illimitada liber-
dade de imprensa podia trazer á religião, â moral ou à
publica tranquillidade, hei por bem ordenar, que, em
quanto pela Constituição comraettida ás Cortes de Por-
tugal se naõ acharem reguladas as formalidades, que de-
4 Política.
vem preencher os livreiros e edictores, fique suspensa a
previa Censura, que pela actual legislação se exigia para
a impressão dos escriptos, que se intente publicar; ob-
servando-se as seguintes disposiçoens.
Todo o impressor será obrigado aremetterao Director
dos Estudos, ou quem suas vezes fizer, dous exemplares
das provas, que se tirarem de cada folha na imprensa,
sem suspensão dos ulteriores trabalhos; a fim de que o
Director dos Estudos, distribuindo uma dellas a algum
dos Censores Regios, e ouvindo o seu parecer, deixe
proseguir na impressão, naõ se encontrando nada digno
de censura: ou afaça suspender, até que se façam as ne-
cessárias correcçpen8, no caso unicamente de se achar,
que contém alguma cousa contra a religião, a moral e bons
custumes, contra a Constituição e pessoa do Soberano»
ou contra a publica tranquillidade: ficando elle responsá-
vel ás partes por todas as perdas e damnos, que de tal
suspensão e demoras provierem: decidindo-se por árbi-
tros tanto a causa principal de injusta censura, como a
secundaria de perdas e damnos ; e escolhendo o Director
dos Estudos os árbitros por parte da justiça, bem como o
julgador: salvas as excepçoens de pejo ou suspeiçaõ» que
á parte possam competir, na forma de Direito.
Do mesmo modo deverão os livreiros mandar successi-
vamente ao Director dos Estudos, ou quem suas vezes
fizer, listas dos livros, que tiverem de venda, e que se
naõ achem em precedente lista: remettendo os que pelo
mesmo Director lhes forem pedidos para serem examina-
dos, e caso nelles se encontre cousa que oflenda algum
dos mencionados pontos devera o Director dos Estudos
mandar prohibir a ulterior venda, entregando-se na li-
vraria publica; a menos que, sendo de importação, seu
dono naõ prefira reexportallos.
O impressor ou livreiro, que faltar em cumprir com o
Política. 5
disposto neste decreto, incurrerá na pena pecuniária,
que naõ será menos de cem mil reis, nem mais de 600.000
reis ; e além disso na correccional de custodia, de oito
dias ao menos, ou de três mezes ao mais, nos casos de
maior gravidade; confiscados em ambos os casos os livros
appreheddidos.
E como pelo acto espontâneo da minha Soberania, com
que hei por bem suspender até a promulgação da Consti-
tuição a Censura previa, que prende e retarda a publica-
ção e circulação dos escriptos, naõ he nem podia ser mi-
nha intenção abrir a posta à libertina dissolução no abu-
so da imprensa; hei por expressamente declarado, que
se por algum modo se introduzirem no publico, a pezar
das cautellas acima ordenadas, ou pela falta da sua ob-
servância, escriptos sediciosos, ou subservivos da reli-
gião e da moral; fiquem responsáveis ás justiças destes
meus reynos, pela natureza e conseqüência das doutrinas
ou asserçoens nelles contidas, em primeiro lugar seus au-
thores; e quando estes naõ sejam conhecidos, os edicto-
res, e a final os vendedores ou distribuidores, no caso que
se lhes prove conhecimento e complicidade na dissemi-
nação de taes doutrinas ou asserçoens.
A Meza do Dezembargo do Paço o tenha assim enten-
dido e faça executar. Palácio do Rio-de-Janeiro, aos 2
de Março de 1821.
(Com a Rubrica de Soa Majestade.)

Decreto de S. M. annunciando a sua approvaçaõ da Con-


stituição, e mudança para Lisboa.
Tendo-se dignado a Divina Providencia conceder, apoz
d'uma tam devastadora guerra, o suspirado beneficio da
paz geral entre todos os Estados da Europa, e de per-
g Política.
mittir que se começassem a lançar as bazes da felicidade
da Monarchia Portugeza, mediante o ajunctamento das
Cortes Geraes e Extraordinárias, congregadas na minha
muito nobre e leal cidade de Lisboa, para darem a todo
o Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves uma con-
stituirão política, conforme aos princípios liberaes, que
pelo incremento das luzes se acham geralmente recebidos
por todas as naçoens. E constando na minha Real pre-
sença, por pessoas doutas e zelosas do serviço de Deus e
meu, que os ânimos dos meus fieis vassallos, e principal-
mente dos que se achavam neste Reyno do Brazil, anxi-
osos de manterem a uniaõ e integridade da Monarchia,
fluctuávam em um penoso estado de incerteza, em quan-
to eu naõ houvesse por bem declarar de uma maneira so-
lemne a minha expressa, absoluta, e decisiva approvaçaõ
daquella Constituição, para ser geralmente cumprida e
executada, sem alteração nem diíferença em todos os Es-
tados da minha Real Coroa; fui servido de assim o decla-
rar pelo meu decreto de 24 de Fevereiro próximo passa-
do, prestando junctamente com toda a minha Real famí-
lia, povo e tropa desta Corte solemne juramento de ob-
servar, manter e guardar a dieta Constituição neste e nos
mais reynos e domínios da Monarchia, tal coma ella for
deliberada, feita e acordada pelas mencionadas Cortes
Geraes do Reyno, ordenando outro sim aos Governadores
e CapitaensGeneraes e authoridades civis, militares e ec-
clesiasticas, em todas as mais províncias, prestassem e
derferissem a todos os seus subditos c subalternos simi-
Ihante juramento, como um novo penhor e vinculo, que
deve assegurar a uniaõ e integridade da Monarchia.
Mas sendo a primeira e sebre todas essencial condicçaõ
do pacto social nesta maneira aceito e juiado por toda a
Naçaõ, dever o Soberano assentar a sua residência no lu-
gar aonde se ajunetassem as Cortes, para lhe serem
Política. i
promptamente apresentadas as leys, que se forem discu-
tindo, e delle receberem sem delongas sua indispensável
sancçaõ: exige a escrupulosa religiosidade com que me-
curapre preencher ainda os mais árduos deveres, que me
impõem o prestado juramento, que eu faça ao bem geral
de todos os meus povos um dos mais custosos sacrifícios
de que he capaz o meu paternal e regio coração, separan-
do-me pela segunda vez de vassallos, cuja memória me
será sempre saudosa, e cuja prosperidade ja mais cessará
de ser em qualquer parte um dos mais assíduos cuidados
do meu paternal Governo.
Cumpria, pois, que, cedendo ao dever, que me impoz
a Providencia, de tudo sacrificar pela felicidade da Na-
ção, eu resolvesse, como tenho resolvido, transferir de novo
a minha Corte para a cidade de Lisboa, antiga 5éde e ber-
ço original da Monarchia; a fim de ali cooperar com os
Deputados procuradores dos povos na gloriosa empreza
de restituir a briosa naçaõ Portugueza naquelle alto gráo
de explendor, com que tanto se assignalou nos antigos
tempos. E deixando nesta Corte ao meu muito amado e
prezado filho, o Príncipe Real do Reyno Unido, encar-
regado do Governo Provisório deste Reyno do Brazil, em
quanto nelle se naõ achar estabelecida a Constituição ge-
ral da Naçaõ.
E para que os meus povos deste mesmo Reyno do Bra-
zil possam quanto esses participar das vantagens da repre-
sentação nacional, enviando proporcianado numero de
Deputados, procuradores ás Cortes Geraes do Reyno
Unido; em outro Decreto da data deste tenho dado as
precisas determinaçoens, para que desde logo se comece
a proceder em todas as províncias â eleição dos
mesmos deputados, na forma das instrucçoens, que no
Reyno de Portugal se adoptaram para esse mesmo eífeito
passando sem demora a esta Corte os que suecessivamen-
8 Política.
te forem nomeados nesta província, a fim de me poderem
acompanhar os que chegarem antes da minha saida deste
Reyno; tendo eu alias providenciado sobre o transporte
dos que depois dessa epocha, ou das outras províncias do
Norte houverem de fazer viagem paraaquelleseudestino.
Palácio do Rio-de-Janeiro aos 7 de Março de 1821.
(Com aRubrica de Sua Majestade.)

Decreto de S. M. para se elegerem no Brazil os Deputa-


dos, que vam ás Cortes Geraes.
Havendo eu proclamado, no meu Real Decreto de 24
de Fevereiro, próximo passado, a Constituição Geral da
Monarchia, qual for deliberada, feita e acordada pelas
Cortes da Naçaõ a esse fim extraordinariamente congre-
gadas na minha muito nobre e leal cidade de Lisboa; e
cumprindo que de todos os Estados deste Reyno Unido
concorra um proporcional numero de Deputados a com-
pletar a representação nacional; hei por bem ordenar,
que neste Reyno do Brazil e Domínios, se proceda desde
logo á nomeação dos respectivos Deputados, na forma
das instrucçoens, que para o mesmo effeito foram adop-
tadas no Reyno de Portugal, e que com este decreto
baixam assignadas por Ignacio da Costa Quintella. meu
Ministro e Secretario de Estado dos Negócios do Reyno ;
e aos Governadores e Capitaens Generaes das differentes
Capitanias se expedirão as necessárias ordens, para faze-
rem effectiva a partida dos dictos deputados, á custa da
minha Real Fazenda. O mesmo Ministro e Secretario de
Estado o tenha assim entendido e faça executar. Palácio
do Rio-de-Janeiro em 7 de Março de 1821.

(Com a Rubrica de Sua Majestade.)


Política. 9

Decreto das Cortes, para a abolição das Administraçoens


nas Casas particulares.
As Cortes Geraes, Extraordinárias e Constituintes da
Naçaõ Portugueza, considerando os graves prejuízos,
que resultam do estabelecimento dos Juízos de Commis-
saõ, ede Administração de Casas particulares, incompa-
tível com as bazes da Constituição, decretam o se-
guinte :—
1." Desde a publicação do presente decreto ficam ex-
tinctos todos os Juízos de Commissaõ ou de Administra-
ção, concedidos a favor das Casas Nobres, ou de quaes-
quer outras pessoas particulares; revogados em tudo e por
tudo os decretos que os concederam.
2. Toda a jurisdlcçaõ daquellesextiuctos Juízos rever-
terá para os Juízos competentes, quanto ao conhecimento
das causas, c para elles passarão immedialamenteos pro-
cessos findos e pendentes. Quanto as administraçoens
das Casas, tomarão entrega dellas seus donos, tutores ou
curadores.
A Regência do Reyno o tenha assim entendido e faça
executar. Paço das Cortes, em 17 de Maio de 1821.

Decreto das Cortes, abolindo as aposentadorias-


As Cortes Geraes, Extraordinárias e Constituinte da
Naçaõ Portugueza, considerando que a inviolabilidade
do direito de propridade, sanccionada nas bazes da Con-
stituição, naõ pôde soffrer restricçoen6, que naõ sejam
exigidas por uma necessidade publica urgente, decre-
tam:—
1.* Os privilégios de aposentadoria, assim activa como
VOL XXVII. N° 158. 4B
10 Política.
passiva, ficam abolidos, e revogadas na parte conrespon-
dente as leys, ou ordens, em que se fundam.
2.° Ficam somente subsistindo os estabelecidos em
tractados, em quanto estes se naõ alterarem competente-
mente: os concedidos aos actuaes contractos públicos,
durante a existência dos mesmos contractos; os doscom-
merciantes e artífices, obrigados a armamentos, dentro
dos limites destes, e em tanto que especialmente se naõ
Tevogarem as leys dos dictos arruamentos: os dos offici-
aes militares, na conformidade da portaria de 22 de No-
vembro de 1814, até se organizar nova legislação a esse
respeito -, e o dos magistrados, que andam em diligencias,
na forma do decreto de 11 do corrente.
A Regência de Reyno o tenha assim entendido e faça
executar. Paço das Cortes, em 25 de Maio de 1821.—
Hermano Jozê Braamcamp-, Presidente. Joaõ Baptista
Felgueiras; Deputado Secretario. Agostinho de Men-
donça Falcaõ; Deputado Secretario.

Officio do Secretario de Estado de S. M. a Regência de


Portugal, sobre a vinda d'El Rey ; e comportamento
das Naçoens Estrangeiras.

Iilustrissimos e Excellentissimos Senhores.—Tendo


annunciado a Vossas Excellencias, no meu precedente
officio, a resolução, que El Rey havia tomado, de dei-
xar o Príncipe Real encarregado do Governo deste Reyno
do Brazil, até ao estabelicimento nelle da Constituição
Geral da Monarchia; e que S. M. tencionava partir nos
primeiros dias do corrente meZ, devo hoje fazer saber a
Vossas Excellencias de ordem do mesmo Senhor, que
tendo oceurrido alguns embaraça na promptidaõ dos
meios de transportes, pela estreilezs do prazo, fica a sa-
Política. 11
tdada esquadra demorada por mais algum tempo: mas
o desejo que S. M. tem de se ver no meio da Augusta
Assemblea, que faz hoje a mais bem fundada esperança
da Naçaõ, naõ consente, que esta demora seja maior do
que a absolutamente necessária para o seguro cumprimen-
to daquelles mesmos desejos.
Pelas repartiçoens competentes seraõ Vossas Excellen-
cias sem duvida informados do que cumpre prevenir, para
a chegada do nosso Augusto Príncipe; tendo eu somente
a acerescentar em seguimento ao meu precedente officio,
que os vasos destinados a este serviço saõ a não D. Joaõ
VI; a fragata Carolina; uma Charrua, e cinco transpor-
tes, a saber, Gram Cruz de Aviz, Sette de Março, Qua-
tro de Abril, Phenix, e Orestes: todos estes vasos levam
de tropa unicamente uma mediana guarniçaõ, e como
avizei a Vossas Excellencias, Sua Majestade conta com os
transportes, para trazerem a divisão, que deve render a
que se acha neste Reyno.
He do meu dever participar a Vossas Excellencias, que
constando a El Rey haver quem nos Congressos de Trop-
paue Laybach persuadisse aos Soberanos ali congregados,
que deviam tomar como baze incontestável das suas deli-
beraçoens, que os das naçoens Napolitana, Hespanhola
e Portugueza de nenhum modo adherlamâs Constitui-
çoens ali proclamadas, e que cumpria distinguir a parte
saã, com os respectivos Soberanos, emudecida pela força,
e o resto da naçaõ arrastrada pelo crime dos malévolos;
ordenou-me S. M. que de sua parte fizesse saber aos seus
Enviados nas differentes Cortes, que bem longe de con-
sentir em similhante asseveração, lhes ordenava muito
positivamente, que da maneira a mais solemne fizessem
constar em toda a parte, aonde preciso fosse, que, tendo-
se resolvido a prestar o mais livre, voluntário e augusto
juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição, em
]* Político.
que accordassem as Cortes Geraes da Monarchia, este ac-
to havia procedido unicamente da intima e sincera con-
vicção de serem aquellas Cortes o legitimo orgaõ e ex-
pressão da vontade nacional, e que portanto nada podia
alterar a firme e muito maduramente abraçada resolução
de fazer guardar em toda a extenraõ destes Reynos, quan-
to por um modo tam legal se possa estabelecer e decretar,
para servir de Código a todas as classes da Naçaõ, que
todas sem excepçaõ S. M. reconhece deverem obedecer
á vontade geral delia, por similhante modo expressada,
e que bem longe de annuir â annunciada alliança contra
as três naçoens, em geral, e particularmente oontra a
Portugueza, S. M. considerará como um acto da mais re-
voltante aggressaõ, contra a independência da sua Real
Coroa, todo e qualquer passo, convenção ou ajuste, por
onde Soberanos estrangeiros se possam lembrar de assu-
mir a authoridade de intervirem por algum modo, qual-
quer que elle possa ser, nos objectos, que fazem hoje o
assumpto das Cortes Geraes do Reyno.
Estou certo, que esta sincera e espontânea declaração,
da parte d e S . M., naõ pôde deixar de inspirar no animo
de todos os bons Portuguezesas maislisongeiras esperan-
ças, tanto mais que estes mesmos saõ os sentimentos do
Príncipe Real do Reyno-Unido, e assim mesmo o dos
povos deste Reyno do Brazil.
Deus guarde a Vossas Excellencias muitos annos. Rio
de-Janciro, 3 de Abril de 1821.
SIVESTRE P I N H E I R O F E R R E I R A .
Senhores da Regência de Portugal.
Política. 13

Officio do Secretario de Estado d?El Rey, annunciando


a negociação de um empréstimo.

Illustrissimos e Excellentissimos Senhores.—He por-


tador deste officio o Conselheiro Joaõ Rodrigues Pereira,
Deputado da Real Juncta de Commercio deste Reyno.
O objecto com que elle parte, he o ir negociar por conta e
a favor do Banco do Brazil um empréstimo de seis milho-
ens de cruzados, debaixo da garantia da Fazenda Real e
Publica desta Província: consignando-se e hypothecando-
se especialmente para pagamento da annuidade, que se
estipular para a amoitizaçaõ da divida e juros, o rendi-
mento da alfândega desta cidade.
Seria do agrado d'El Rey, que este empréstimo se pu-
desse concluir em Portugal; mas quando naõ possa ser,
leva o Conselheiro Joaõ Rodriguez instrucçoens, para o
ir tentar em Inglaterra, ou em qualquuer outra praça,
onde melhor possa convir.
O particular conhecimento, que o dicto Censelheiro
tem dos motivos, e do plano da commissaõ, de que vai
incumbido, me dispensa de fatigar a attençaõ de Vossas
Excellencias com uma circumstanciada exposição a este
respeito; tanto mais que lhe he especialmente recommen-
dado, que com toda a franqueza e lealdade confira com
Vossas Excellencias sobre aquelle assumpto; a fim de
que Vossas Excellencias lhe communiquem todas as no-
ticias, instrucçoens e providencias tanto addicionaes como
coadjuvantes, para o bom desempenho da sua commis-
saõ.
Elle naõ deixará de informar a Vossas Excellencias
como o projecto geral adaptado ás precisoens do Banco
« do Erário he de vinte milhoensde cruzados, consignan-
do-se especialmente para o pagamento deste capital e
seus juros o rendimento das quatro principaes alfândegas
14 Política.
deste Reyno; a fim de ficarem livres todos os outros re-
cursos do Reyno-Unido para ulteriores empréstimos de
maior valor e extensão, a beneficio dos mais co-estados
da Monarchia.
Mas S. M. entendeo, que estando próxima a feliz epo-
cha de poder sujeitar tam importante assumpto â delibe-
ração das Cortes, para juncto das quaes vai transferir a sua
residência; cumpria naõ estender esta, alias indispensá-
vel providencia, além do absolutamente preciso, para ad-
quirir o espaço necessário de tempo, que o habilite para
proceder com pleno conhecimento, e assenso dos repre-
sentantes da Naçaõ, em matéria que tam especialmente
requer o seu concurso.
Nesta intelligencia espera Sua Majestade que Vossas
Excellencias prestarão ao Conselheiro Joaõ Rodriguez
Pereira de Almeida toda a assistência, que na conformi-
dade do que levo exposto, e do que nos seus plenos po-
deres e decreto, que lhe serve de instrucçaõ, elle practi-
cará com Vossas Excellencias.
Deus guarde a Vossas Excellencias muitos annos. Rio-
de-Janeiro, aos 3 de Abril de 1821,
SILVESTRE PINHEIRO FERREIRA.
Senhores da Regência do Reyno de Portugal.
( 15 )
Preços Correntes dos principaes Producios do Brazil.
L O N D R E S , 22 de Julho de 1821

Centros. Qualidade. Preços. Direitos.

.Bahia por Ib Os. l l p . a 1B. Op.


Ç Capitania. .
1 Ceará Os. l l è p . a l s . Jp.
Algodam • .•/ Maranham .. Os. l l p . a l s Op. ' 6 por cento ad va-
) Minas novas Os. lOp. a Os. 10£p lorem,
f Pará Os. lOp. a Os. 10ip,
^•Pernambuco l s . Op. a ls. l j p
Anii Rio 4 | poi lb.
Redondo . . . 35s. a 46s.
Í Batido
Mascavado .
29s. a 33s.
24s. a 28s Livre de direitos por
Arroz Brazil exportação.
Cacâo .Pará 481. 50s
Caffe Rio 116s. U8t
Cebo Rio da Prata 3 s . 2 p . por 1121b.
Chifres. Rio Grande por 123 46 50 5s. por 1121b.
iA Ht 9Jp.
Rio de Prata, pilha < B 7p. 8p
'C 6P 6}p
Í A
8*P- 9p. 10 p. por courc
,Rio Grande ] B 8p.
<C 7 P .
5|p.
Pernambnco, salgados 5p.
Rio Grande de cavallo
lpecacuanha Brazil por lb. 7s. 6p. à 12s. Op.
Óleo de cupaiba 3s. 2p. a 4s. 6p. 2s. JPWlfc-
Orucu l s . 8p. a 2s. 6p
Páo Amarelo. Brazil direitos pagos pela
Pao Brazil . . . . Pernambuco 200J. por ton comprador.
Salsa Parrilha. Pará ls. 9p, a 2s. 4p.
Cem rolo l direitos pagos pele
Tabaco { em folha $ comprador,
Tapioca Brazil 6J porlb.

Câmbios com as seguintes praças.


Rio de Janeiro 49 Hamburgo 38 8
Lisboa 50 Cadiz 354,
Porto 50 Gibraltar 30;
Paris 26 Gênova 43*
Amsterdam 12 18 Malta 45

Espécie Seguros.
Ouro em barra £ 3 17 10J Brazil. Ilida 25s Volta 25
Peças de 6400 reis 3 17 6 Lisboa 20s 20s
Dobroens Hespa- por Porto 25s 25f>
nhoes 3 14 6 . onça Madeira 25s 25 t
r e i o s . . ..dictot 4 1C Açores 25E 25 fi
Prata em barra Riu da Prata 35t 35,
lirnpala 63Í 63
( 16 )

LITERATURA E SCIENCIAS.

NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.

Statement on the Sicilian Nation. Preço 2 Í . Breve


exposição do estado político, presente e passado, da Na-
çaõ Siciliana, em respeito à questão, que se vai a decidir
no Parlamento: ao que se ajuncta um resumo da Consti-
tuição de 1812, e copias de vários papeis relativos a Si-
cilia, apresentados ao Parlamento, em 14 de Maio de
1821.

Historical Recollections, on standing armies. preço


2s. Lembranças Históricas, sobre o comportamento
moral e político dos exércitos permanentes, em uma car-
ta dirigida ao Muito Honrado Lord Holland.

Foster's Evils of popular ignorance. Preço Ensaio


sobre os males da ignorância popular; ao que se ajuncta
um discurso, sobre o ensino do Christianmno ao povo do
Industan. Por Joaõ Foster.

Peckston's Theory and Practice of Gas-ligting. Preço


21Í. Theoria e practica da illuminaçaõ por meio de gaz;
em que se apresenta um esboço histórico da origem e pro-
Literatura e Sciencias. n
gressos desta Bciencia e theoria da luz, combustão e for-
mação do carvaõ; com a descripçaõ dos apparatos chi-
micos mais approvados, para produzir, ajunctar e dis-
tribuir o gaz extrahido do carvaõ, para os fins de illumi-
naçaõ. Por T. S. Peckston.

PORTUGAL.

Memória sobre as minas, consideradas como fontes de


riqueza nacional, e com particular applicaçaõ ás do nosso
paiz. Por Joaõ Pereira da Silva de Souza e Menezes,
Dep utado das Cortes.

Recreaçoens do homem de bem, ou discursos sobre a


vida e custumes dos homens em geral, traduzidos e imi-
tados de diversos escriptores Inglezes de melhor nome,
Por Manuel SanchesGoulaõ, Professor de Língua Latina
no Collegio das Artes em Coimbra. Preço 480 reis.

Memória Política e Econômica, em que se mostra a


necessidade da conservação da Companhia do Alto Dou-
ro, com a confutaçaõ de quaesquer objecçoens, que se
possam formar contra a utilidade daquelle grande esta be-
bei mento; na qual se mostram os preços, producçoense
vantagens antes e depois da instituição. Por um Lavra-
dor do Alto Douro.

Vot. XXVII. N.° 161


jg Literatura e Sciencias.
Primeiros ensaios, para o exame imparcial da questão
por todos suscitada, e por quasi ninguém examinada, se
a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto
Douro, he ou naõ útil que exista? Procedimento da
Juncta ou exame dos males nascidos do uso e do abuso
do poder da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas
do Alto Douro.

Representação ás Cortes, e invectiva contra a extincta


Inquisição; por Francisco Freire de Mello.

Tractado dos Tombos, aonde saõ classificados os bens


nacionaes e públicos, para se venderem ou administrarem
e tombrarem.

Inteira refutaçaõ das memórias para as Cortes Luzita-


nas, ou a defeza de todos os interessados naquelle escrip-
to admirável.

Dissertação sobre os deveres dos Juizes. Preço 300


reis.

O EREMITERIO DE KANDU.

Introducçaõ.
Para que o Leitor conheça todo o artificio desta peque-
na Fábula, releva o informemos de algumas particulari-
Literatura e Sciencias. 19

dades relativas a Indra, Divindade índia, que tem muito


nexo com o Júpiter Grego; pois, a'imitação deste, rege
os Elementos, e as Divindades secundarias. Ora essa
honra, que elle acquirlra per motivo das austeridades a
que se entregou, durando sua estada no Mundo, arrisca-
se a perdella, e a ceder seu lugar a qualquer Anachoreta,
que o avantage em virtudes e mortificaçoens.
Portanto, quando este Deus descobre sobre a terra al-
gum pio Bramane, de quem se receie, envia-lhe, para
seduzillo, a Nympha mais estimulante de sua Corte: se
elle succumbe à tentação, he constrangido a começar de
novo sua longa penitencia, e Indra fica desallivado desse
sobresalto. Eis a base sobre que se sustenta este Poe-
metto.

O Eremiterio de Kandu.*
Vertido em vulgar per Jozé da Fonseca.
Sobre as orlas sagradas do rio Gomati, n'uma solitária
floresta abundante em todas as sortes de frutas e raízes,
floresta onde soa de continuo o chilrar das avezinhas, ou
o manso estrepito dos pulos do Veado, e da tímida Ga-
zella, jaz, longe de bulicio humano, o plácido Eremiterio
de Kandu.

* Poema trasladado e vertido do Brama Pourana, um dos


Livros sagrados dos índios, cuja composição, ajuizo dos mais
sábios Literadores índios, pode hombrear em antigüidade com
os Poemas de Homero.
Traducçaõ lida na Assemblea Geral das quatro Academia
reunidas, em 24 d'Abril de 1820, per M. de Chézy, Membro
d'Academia Real das Inseripçoens, e Bellas Letras; Professor
de Lingoa, ede Literatura sanskiitas, no Collegio Real de Fran-
ça, &c. &c.
20 Literatura e Sciencias.
Neste ameno lugar, o Santo Anachoreta, gostoso, pas-
sava o tempo em acerbas austerezas, jejuns, votos, e in-
findas privaçoens. Na gemrna do Estio circumdava-se
de fogos, e expunha a nua tez aos abrazados raios do Su-
aõ: em chuvosa quadra, baqueava-se em límpidos arroios
e na força do Inverno, humidos vestidos envolviam seus
membros regelados.
Testemunhas destas horríveis mortificaçoens, capazes
de assegurar-lhe a conquista dos três Mundos, os Devas*,
os Gandharvasf, e outras Divindades sujeitas a Indra*,
exclamavam admiradas: Que assombrosa firmeza! ..Que
constância no martírio!
Todavia, seu espanto deo entrada ao receio, e anhelan-
do baldar ao pio Eremita o fruto de sua longa peniten-
cia, torvados se endereçam a Indra, pedindo-lhe ajuda
para consummarem seus desenhos.
O Deos dos Elementos annue ás preces destes Numes
e falia assim à Nympha Pramnotcha, estremada per sua
beldade, juventude, meneio airoso, níveos dentes, e lin-
do contorno de seu collo alabastrino: vai, lhe diz elle,
vai mais veloz que o relâmpago, aos sítios onde Kandu
assentou o ai vergue : oh Bella! nada esqueças para annul-
lar-lhe a penitencia, e alhear o seu espirito.
Excelsa Divindade, respondeo a Nympha, eis-me pres-
tes a cumprir teu mando; mas oh quanto minha vida cor-
re risco! quanto temo esse illustre Solitário de torvo olhar,
e de caraõ refulgente, qual o astro diurno! Sim... elle
vibrará no meu peito as agudasflechasde sua ira, se acaso
podesse rastrear o motivo desta ida!... Porque naõ desig-

* Nome das Divindades segundarias : saõ numerosíssimas, e


o diversas attribuiçoens.
f Músicos celestes adberentes a Indra.
X Júpiter índio.
Literatura e Sciencias. 21
nas antes para tam alta empreza Ourvassi, Ménaka
Rambha, Misra-Kessi*, e outras Nymphas de tua Corte,
que assaz blasonam de sua rara formosura?
Naõ, torna-lhe o Divino Esposo de Satchif: releva
que essas Nymphas me acompanhem: só em ti confio, oh
bellissima Deidade! e para auxliar-te, terás por sócio s
o Amor, a Primavera, e o Favonio,
A Nympha de olhos lindos, com tam lisonjeira fallas
animosa cruza o Ether, ladeada de seus amáveis Compa-
nheiros ; e este fagueiro bando encolhe o vôo junto à sel-
va do Eremiterio de Kandu.
Discorrem algum tempo sob essas emmaranhadas co-
pas, que lhes trazem à lembrança a eterna verdura dos
encantados hortos de Indra; AridenteNaturezaarraiava
tudo; pendiam das arvores sasonados frutos: cheirosas
boninas alastravam a terra; e os passarinhos desferiam
melodiosos gorgeios. Além descortinam uma ufana Man»
gueira, e um Limoeiro acobertado de áureos pomos.
Aqui descançam a vista sobre alterosas Palmeiras. A
Bananeira, a Romeira, e a Figueira, com suas largas fo-
lhas, lhes prestam mutuamente um frescor suavíssimo.
Empoleirados em seus ramos flexíveis, enxames de
avezinhas, tam varias no cantar, como em plumagem, sa-
tisfazem os olhos, e harmonizam os ouvidos.
A espaços, cristalinos tanques, e argenteos lagos; alin-
dados pelas rubras e azulados comas do Nenuphar, eram
sulcados airosamente per alvissimos Cysnes, ou per tur-

• Todos os nomes destas Nymphas, saõ significativos, como


se nota em Hesiodo e Homero : o derradeiro, que designa de
madeixa anelada, he composto das palavras Latinas mixta cassa-
ries.
f Nome da Esposa de Indra.
22 Literatura e Sciencias.
mas de Aves aquáticas, amadoras da sombra e da fres-
cura.
Pramnotcha naõ se saciava de contemplar tam mara-
vilhoso expectaculo : todavia, ella acorda ao Zefiro, á
Primavera, e ao Amor o objecto de sua viagem, exeitan-
do-os a obrarem de maõs dadas, para que possa vir a ca-
bo desta empreza; e em breve se dispõem a usar das enga-
nosas traças, que lhe ministrar a seducçaõ.
A h ! exclamava ella, veremos ai fim esse intrépido Au-
riga do Carro do Brama, que tanto blasonasofrear oCor-
cel de seus sentidos! Oh ! muito receio que neste encon-
tro as rédeas lhe escapem das maõs! Sim, inda que fora
Brama, Vichnu, ou o duro Siva*, seu coração provara
hoje quanto podem os farpoens de Amor.
Dizendo isto vai demandar o Eremiterio, onde, em vir-
tude da potestade do Santo Anachoreta, as mais cruentas
alimarias sentiam esvaecer-se-lhe a fereza. Adrede, na
ou rela do rio, esta bella Nympha mescla ao dulcisono
trinar do Kokilaf, sua voz encantadora, e entoa um Hym-
no de louvores.
Entretanto a Primavera esparge novos feitiços sobre a
Natura : o Kokila redobra seus maviosos suspiros: um
concento inexplicável em bebe a alma em voluptuoso lan-
gor. Bejado de todos os aromas dos montes Malayas seu
ninho, o Favonio adeja brandamente, juncando a terra de
fragrantes boninas; e o Amor armado de ardentíssimas
setas, chegando-se a Kandu, liba em sua alma involuntá-
rio dessocego.
Ferido o Eremita dos melicos accentos, que lhe toam

* Isto he Creador, Conservador, Destruider ; ou antes ; Que


muda a forma á matéria. Estes três Deoses, ou attributos do
Altíssimo Sêr, compõem a Trimourti, trindade índia.
t Espécie de Rouxinel na índia.
Literatura e Sciencias. 23
nosouvidos, turbado, absorto, louco de Amor, vòa ao si-
tio donde rebentam estes sonoros ecos; e fica immoto
quando arrostra as graças divinaes de Pramnotcha.
Lindo Objecto, quem és? de que origem descendes?
lhe diz elle: tu, cujo meneio esbelto, sobrolhos mimosa-
mente arqueados, e cândido sorriso me enlêam as potên-
cias ? Oh! falia-me verdade, eu to supplico.
Em mim divisas, lhe volve Pramnotcha, humillissima
Serva occupada a colher estas flores. Senhor, da-me
tuas ordens; que me cumpre obrar para agradar-te?
A tam doces vozes a firmeza do Anachoreta se apaga
inteiramente, trava a joven Nympha pela maõ, e a intro-
duz no Eremiterio.
O Amor, a Primavera, e o Favonio, vendo que seu
mesterjáera inútil, revoam para as ethereas regioens, e
vam annunciar ás encantadas Deidades o feliz êxito de seu
estratagema.
Com tudo Kandu, pelo sobrenatural poderio, que suas
austeridades lhe ham obtido, supito se trasmuda num
Mancebo de angélica belleza. Roupas celestiaes, grinaldas
que remêdam aquellas, com que os Numes se aderéçam
realçam sobre maneira o esplendor de suas graças; e a
Nympha, que a principio sô julgava seduzi lio, sente
agora arder em seu peito toda a téa do Amor.
Jejuns, abluçoens, vigílias, profundas meditaçoens,
deveres para com os Deoses, tudo deslembra o Anacho-
reta. Embaido noite e dia nesta cega paixaõ, té ignora
a grande quebra, que supporta sua longa penitencia; e
como que mergulhado em delicioso pélago, naõ attenta
que as horas passam com incrível rapidez.
Já muitos mezes haviam decorrido em tam gostoso ex-
tasis, quando Pramnotcha lhe manifestou o desejo de vol-
tar á regiaõ etherea sua pátria: Kandu, cada vez mais
24 Literatura e Sciencias.
amoroso, lhe roga se demore inda algum tempo. A Nym-
pha consente mas findo este, de novo lhe recorda seu
empenho. Iguaes instâncias da parte do Eremita, que
busca retella. Pramnotcha receando attrahir sobre si al-
guma tremenda imprecaçaõ, alonga sua estada, e acha cm
Kandu um Amante, que requinta em afFecto, pois a naõ
deixa um só momente: Mas qual foi sua admiração,
vendo-o uma tarde erguer-se espontâneo do pé delia, e en-
caminhar-se para um bosque consagrado?
Que idéa te inquieta, lhe pergunta a Nympha? Naõ
vês, responde Kandu, que o Sol declina: corro a celebrar
o nocturno sacrifício, para naõ commetter a menor falta
no complemento de meus deveres.
E bem! homem exímio na sciencia; porqueantepoens
o dia d'hoje a outros muitos ?. .certo, inda que elle passe
sem festejado ser, como os que ha tantos mezes ham pas-
sado, acaso poderá alguém reparar nisso, ou poderá es-
candalizar-se ?
Mas, torna o Anachoreta, Nympha incomparavel, naõ
foi esta manhãa que eu te avistei à beira daquelle rio, e
te acolhi no meu asylo? Naõ he esta a primeira noite
que tua formosíssima presença esmalta estes vergeis!
Ora diz-me que significa essa lingoagem, esse riso mofa-
dor, que observo nos teus lábios?
E como naõ sorrir de um erro tal, replicou Pramnotcha,
quando, desde essa manhãa de que me falias até hoje, já
gram parte do anno tem volvido?
Será verdade o que proferes, oh Belleza seductora? lhe
volve o Anachoreta, ou será isso mero brinco?—Naõ he
este o primeiro dia que nos vimos ?
E ousara eu mentir, responde a Nympha, a um vene-
rando Bramane, a um Santo Eremita, que fez voto de
nunca se aífastar da senda já trilhada pelos Sábios ?—
Oh quam mísero sou! quam misero sou, exclama o
Literatura e Sciencias. 25
Bramane! reconhecendo o erro em que cairá!—Oh fruc-
to para sempre perdido de minha longa penitencia!—
Todas essas obras meritorias, todas essas acçoens con-
formes à doutrina dos Vedasf; tudo jaz antiquidado pelo
soborno de uma mulher '.—Pérfida foje, foje longe de
m i m ; tua Missaõ esta completa.

* Biblia dos índios, dividida em quatro livros: occupam elles


o primeiro gráo de veneração entre esses Povos ; e os Pouranas,
o segundo.

'im.

VOL XXVII. N° 158. 4D


26 )

MISCELLANEA.
PROCEDIMENTOS DAS CORTES DE PORTUGAL.

96.* Sessão. 26 de Maio.


O Senhor Borges Carneiro, tractando-se de alguns abu-
sos dos Magistrados, mencionou alguns, e concluio, que
a causa disto era a frouxidaõ do Ministro dos Negócios do
Reyno, que julgava devia ser substituído, naõ por prevari-
caçoens, que as naõ tinha, mas pela sua frouxidaõ, e pela
contemplação, que usava oom os magistrados. O Senhor
Brito sustentou, que fazendo-se taes arguiçoens se deviam
ouvir os culpados, e tendo crime, que se castigassem ri-
gorosamente. O Senhor Guerreiro discorreo extensa-
mente sobre a forma por que se deve conservar a opinião
dos magistrados, para haver nelles a confiança necessária,
e principalmente a respeito da Regência; e propôz, que
tendo algum Deputado de fazer qualquer queixa, apre-
sente logo as provas; e que entaõ se nomeie uma com-
missaõ, para serem averiguados os motivos da queixa; e
concluio fazendo algumas reílexoens a respeito dos ma-
gistrados.
O Senhor Moura apoiou, tanto as reílexoens do Senhor
Borges Carneiro, como as do Senhor Guerreiro, dizendo,
que ambos tinham razaõ nellas; pois sendo os Membros
da Regência responsáveis pelas prevaricaçoens dos magis-
trados ; e sendo estes convencidos, se deve proceder com
sobejo conhecimento de causa; econcluio, quedevia ha-
ver grande averiguação a respeito do caso do escrivão
mencionado. O Senhor B. Carneiro replicou, concluindo
que se naõ se der remédio aos grandes abusos, entaõ con-
tinuarão a ir as cousas como estavam no tempo do antigo
Governo.
Miscellanea. 27
O Senhor Castello Branco disse. " Naõ proponho tri-
bunaes de segurança publica, tribunaes revolucionários:
conheço que males extraordinários exigem extraordiná-
rios remédios; naõ quero que hajam castigos sanguinári-
os, porém proceda-se a outros contra as authoridades que
delinquirem. Um homem notado pela voz publica naõ
pôde deixar de ser culpado: aquelles que a naçaõ inteira
nota de prevaricadores, persuado-me que o saõ; ella pou-
cas vezes se engana. Naõ se dem castigos de sangue, mas
convém que sejam removidos. AíTirmo publicamente,
que todo aquelle que tem de vigiar sobre a segurança pu-
blica, naõ o cumprindo exactamente, he contra o systema
constitucional." Passando a fallar do Ministro dos Ne-
gócios do Reyno, disse:" Naõ me attrevo a accusállo;
mas affirmo, que naõ he capaz de desempenhar o lugar,
que occupa. O Senhor B. Carneiro, disse: " Elle tem
dado muitas provas disso.''
O Senhor Brito e Senhor Ferraõ attribuiram á muita
affluencia de Negócios, as demoras daquelle Ministro,
que se imputavam á frouxidaõ. O Senhor Moura dizia,
que ou fosse a accusaçaõ de prevaricador ou de frouxo,
devia provar-se; ser o accusado ouvido, convencido e
entaõ castigado. O Senhor B. Carneiro disse, que em-
bora fosse chamado o Ministro, pois tinha que o interro-
gar sobre diversos casos ; como a demora em publicar o
decreto dos cereaes, a de expedir vários papeis, que men-
cionou, &c.
Os Senhores Luiz Monteiro, Fernandes Thomaz, c ou-
tros, disseram, que o Soberano Congresso podia demittir
qualquer Ministro, sem necessidade de lhe formar pro-
cesso, e sem que disso resultasse descrédito ao demittido,
salvo sendo convencido de prevaricaçoens. O Senhor
Xavier Monteiro propòz, que os que aceusavam o Minis-
tro fizessem uma indicação dos motivos, e queproceden-
28 Miscellanea.
do-se a averiguaçoens, se destine um dia para elle vir ao
Congresso, e entaõ se decidir.
Depois de longa discussão, em que se disputou acci-
dentalmente sobre a liberdade de fallar dos Depetados,
se decidio, que o Senhor B. Carneiro apresentasse na se-
guinte sessaõ, por escripto, os motivos da accusaçaõ con-
tra o Ministro, para depois ser chamado, e responder pe-
rante o Augusto Congresso.
Nomeou-se para Presidente no seguinte mez o Senhor
Moura, e para Vice Presidente o Senhor Trigoso.

97. a Sessaõ. 28 de Maio.


O Senhor B. Carneiro apresentou por escripto as indi-
caçoens, sobre que na antecedente sessaõ se arguira o
Ministro dos Negócios do Reyno, e de que se incumbi-
ra ; reduzindo-se á continuação da má administração da
justiça; e prodigalizar louvores a algumas pessoas; taes
como a Monsenhor Horta, ao Marquez de Olhaõ, & c ;
a ter suflbeado os requirimentos de algumas partes; difte-
rentes condescendençias com alguns magistrados; impu-
niçaõ de erros da parte destes, e o retardamento da pu-
blicação do decreto dos cereaes; citando, no decurso
desta exposição, os exemplos que a provavam.
Seguio-se uma longa discussão, em que se observou,
que se devia ouvir o Ministro em sua defeza, e que para
isto se lhe determinasse dia. Outros quizeram, que o
Ministro fosse demittido, pois disso naõ lhe resultava
discredito algum, podendo o Soberano Congresso fazêllo
quando quizesse, e que o deveria agora fazer, por ter o
Ministro perdido na opinião publica.
O Senhor Ribeiro Telles disse, que algumas das aceu-
saçoens recaiam sobre toda a Regência, como opposta ao
Miscellanea. 29
systema de economia, que devia guardar, e citou a crea-
ça3 dedous lugares novos de 600 mil reis cada um, na
Obra Pia, e a reforma do antigo Administrador com 400
mil reis: e a nova forma na administração dos Juros,
com os ordenados, que se estabeleceram. O Senhor Al-
ves do Rio asseverou que aquelles ordenados na Obra Pia
tinham poupado ao Estado mais de 1:000.000 de reis. A
final se resolveo, que o Ministro fosse chamado Sexta
feira da presente semana, para responder ás accusaçoens
do Senhor B. Carneiro.
_ O Senhor Maurício pedio, em nome dos habitantes da
Ilha da Madeira, que se mandasse ja para ali o Go-
vernador nomeado porque existiam ali alguns inconsti-
tucionaes, que causavam bastante incommodo. Os
Senhores Arragaõ e Moura apoiaram a moçaõ, e o Senhor
Luiz Monteiro ajunctou, que a forma de Governo para
aquella ilha deve ser outra daqui avante, pois ja naõ éra
considerada como colônia, mas como província de Portu-
gal. Aprovou-se a moçaõ, e que o Senhor Monteiro
apresentasse uma indicação da forma porque deve ser go-
yernada ; e que se discutissem com urgência os negócios
daquella ilha-
98 B Sessaõ. 19 de Maio.
O Senhor Secretario Felgueiras lèo os seguintes ofrici-
os da Regência: 1.° Incluindo os papeis acabados de che-
gar do Rio-de-Janeiro, que foi lendo, e saõ os seguintes;
um officio do Ministro Silvestre Pinheiro, em data de 10
de Março, dirigido aos Governadores do Reyno, partici-
pando a vinda de Sua Majestade e a determinação d'El
Rey, em virtude da qual deve ficar no Brazil S. A. o Prín-
cipe Real; annunciando que se afretáram navios para a
conducçaõ das famílias da Casa Real, e junctamentepara
conduzir de Lisboa ao Brazil a forç.a militar, que deve
20 Miscellanea.
render a que ali existe; e finalmente accusando a remes-
sa dos dous decretos de 7 de Março: outro officio para os
mesmos Senhores da Regência, e do mesmo Ministro,
accusando a remessa das cartas, para os Diplomáticos
nos paizes estrangeiros, e para diversos tribunaes, e au-
thoridades civis e ecclesiasticas, devendo ser mandadas
entregar pelos Governadores do Reyno, e mencionando
em particular a que se dirige a Rodrigo Navarro de An-
drade, na Corte de Vienna, que inclue outras para S. M.
Imperial. Uma carta de S. M., participando o nascimen-
to do Príncipe da Beira. O decreto, pelo qual S. M. de-
clara a sua resolução de vir para Portugal, e outro em
que manda proceder ás eleiçoens dos Deputados do Bra-
zil, na conformidade da Constituição Hespanhola, adop-
tada em Portugal, pata este effeito; ambos em data de 7
de Março.
2." Officio da Regência, incluindo uma relação de to-
das as cartas, que vieram do Rio-de-Janeiro, parte dellas
assignadas por T. A. de Villanova Portugal, e exigindo
do Soberano Congresso a declaração se deviam ser entre-
gues ás pessoas a quem eram remettidas, sendo a maior
parte por motivo do nascimento do Príncipe.
O Senhor Pereira do Carmo foi de opinião, que as car-
tas se deviam entregar ás pessoas a quem vinham dirigi-
das. O Sendor Luiz Monteiro éra de opinião contraria,
a respeito das que eram de officio. O Senhor Freire op-
poz-se a que se votasse a respeito das particulares, que
essas deviam ser entregues sem a menor duvida: o mes-
mo disse, sobre as que participavam o nascimento do
Príncipe.
O Senhor Giraõ propoz, que os decretos fossem remet-
tidos á Commissaõ de Constituição, para os examinar ;
porque tem algumas frazes, contra as quaes se deve pro-
testar.
Miscellanea. gj
Decidio-se a final, que as cartas fossem entregues, e
que a mesma Regência fizesse as participaçoens do nas-
cimento, tanto ás authoridades, como aos diplomáticos,
que ja tiverem reconhecido as Cortes e a Regência.
3." Officio da Regência em que pede insinuaçoens so-
bre o ceremonial da recepção d'El Rey. Foi remettido
à Commissaõ de Constituição.
4.° Officio, em que a Regência remette os papeis rela-
tivos ao Conde de Sabugal. Remettidos á Commissaõ de
Legislação.
5 o . Officios sobre a Juncta do Commercio e fabrica da
Lousaa.
6." Officio incluindo papeis sobre Agricultura, &c.
Entrou em discussão a collecta, que se deve estabelecer
para os benefícios ecclesiasticos; depois de alguma dis-
cussão se adoptou a emenda do Senhor Travassos, quanto
ás proporçoens.
Resolveo-se que o pagamento desta collecta fosse feito
em dinheiro e naõ em gênero. As mesmas resoluçoens se
applicáram ás Commendas de Malta.

99* Sessaõ. 30 de Maio.

O Senhor Soares, por parte da Commissaõ de Consti-


tuição apresentou o plano do cerimonial para a recepção
de Sua Majestade: consta de dez artigos; e no ultimo
se estabelece, que as Cortes apresentem a El Rey uma lis-
ta de 16 pessoas, para dellas Sua Majestade escolher oito,
que formarão o seu Conselho de Estado, o que se resol-
veo fosse entendido como medida interina, até a publica-
ção da Constituição.
O artigo 9.° deste regulamento, que estabelece a dota-
ção de dous milhoens annuaes para Sua Majestade, ficou
„2 Miscellanea.
adiado, por haver quem objectasse a elle, como demasiado
amplo.
Nomeou o Senhor Presidente os Deputados para as duas
Commissoens das Cortes, que devem receber a S. M. na
sua entrada em Lisboa.

100." Sessão. 1 de Junho.

O Senhor B. Carneiro, por occasiaõ de um requirimen-


to, que apresentou, tornou a queixar-se dos abusos dos
magistrados, e poz em primeiro lugar o Desembargo do
Paço.
Entrou o Ministro dos Negócios do Reyno, conduzido
por dous Secretários, tomou assento á esquerda do Thro-
no, e o Presidente lhe disse:—" Vossa Excellencia he
chamado perante o Soberano Congresso, para responder
aos quesitos, que se lhe vaõ apresentar." Passou o Senhor
Felgueiras a ler as arguiçoens feitas pelo Senhor B. Car-
neiro.
O Ministro disse, que visto a accusaçaõ ser feita por
escripto, se lhe concedessse dar a sua defesa na mesma
forma; e sendo-lhe concedido, passou a ler (de péj esta
defeza, respondendo a cada um dos casos, em que éra
arguido, citando diversos documentos (de que depois
apresentou parte): e finalizando com uma exposição dos
seus últimos trabalhos, em que provava, que de vontade
própria vai para a causa da Naçaõ, e naõ porque o le-
vam ; mostrando nesta exposição ter expedido 3712 ne-
gócios mais ou menos consideráveis, e dado grandes pro-
videncias sobre pontes, estradas, paúes, &c.
Acabada a defeza foi mandado sair o Ministro; e o Se-
nhor B. Carneiro disse, que as respostas do Ministro o
naõ satisfaziam, e pedio, que lhe fosse de novo entre-
Miscellanea. 33
gue a arguiçaõ que fizera, para responder á defeza do
Ministro.
O Senhor Pereira do Carmo disse, que os papeis se de-
viam remetter todos á Commissaõ de Legislação, para
informar o Congresso com seu parecer. O Senhor Mal-
donado, considerando a complicação, tanto da arguiçaõ
como da defeza, votava que se nomeasse uma Commissaõ
para examinar a matéria. Decidio-se, que fossem os
papeis á Commissaõ de Legislação.
Entrou em discussão a dotação, que se deve fazer a El
Rey, e queria o Senhor Sarmento, que primeiro se obti-
vesse informação do estado do Erário. O Senhor Xa-
vier Monteiro observou, que os últimos rendimentos da
Casa de Bragança foram 139 contos annuaes: mas que
os da Casa do Infantado eram desconhecidos no Erário;
porque nunca ali entraram. O Senhor Alvez do Rio lem-
brou, que estes rendimentos diminuíam, porque provi-
nham em grande parte dos direitos banaes, que se tinham
abolido. O Senhor Freire disse, que a dotação deve ser
maior, no caso de que se tirem todos os rendimentos da
Casa Real; ao contrario ser menor, â proporção dos que
se deixarem. O Senhor Margiochi foi de opinião, que
a dotação se naõ devia estabelecer antes de chegarem os
deputados do Ultramar, e que se se estabelecesse fosse in-
terinamente. Quizéram alguns Deputados, que a dota-
ção fosse só por um anno, outros que fosse vitalícia.
Por fim foi a questão adiada.
Passou-se à discussão da ley sobre a liberdade da im-
prensa, cujos artigos foram de novo lidos, segundo as e-
mendas, que se lhe haviam feito.
O Senhor Felgueiras leo um officio do Ministro dos
Negócios da Marinha, incluindo participaçoens do que
se passará na Ilha Terceira, donde viera uma Deputaçaõ
VOL. XXVII. N..158 E
34 Miscellanea.
para as Cortes, e aonde o Commandante da fragata Péro-
la naõ pôde executar o que se lhe encarregara, de trazer
a Lisboa o Bispo e Governador, de quem trouxe cartas
de officio ; mas que se jurara naquella Ilha a Constitui-,
çaõ. Remetteram-se estes papeis á Commissaõ do Ultra-
mar.
101 Sessaõ. 2 de Junho.
O Senhor Betancourt apresentou duas felicitaçoena,
uma da Casa dos 24 da Cidade de Angra, e outra de
mais de 200 pessoas do Clero Nobreza e Povo daquella
Ilha, e disse, que nellasse conhecia a verdade pura, ex-
pressada pelos sentimentos patrióticos dos cidadãos delia;
observou que todas as desordens tem procedido da insu-
bordinação da tropa, motivada pelo Governador Stockler,
que até fizera Brigadeiro um Coronel, sem ter para isso
poder ou authoridade; donde procederam aa persegui-
çoens, que soflrêram aquelles habitantes, sendo obriga-
dos a fugir para os montes e campos, sendo tido por um
crime só o fallar em Constituição : e agradecendo agora
nas presentes felicitaçoens a rederopçaõ, que obtiveram,
com a ida da fragata Pérola. Todos estes papeis foram
remettidos à Commissaõ do Ultramar.
O Senhor Faria Carvalho leo o parecer da Commissaõ
de Legislação, a respeito da questão, entre Joaquim An-
tônio Baptista Varella, e o Juiz de Fora da ViJla do
Torraõ, sobre o lugar de Almoxarife; pensando a Com-
missaõ, que o sobredicto Varella deve ser solto, e que
verificados os escandalosos factos, practicados pelo dicto
Juiz de Fora, se proceda nelle a um castigo exemplar,
indo á Regência os papeis, para esta proceder ás infor-
maçoens necessárias, incluindo nellas os Ministros, que
tem entrado nesta questão. 0 Senhor Fernandes Tho-
maz exigio, que na remessa desta ordem, se incluísse
Miscellanea. 35
a recommendaçaÕ, de que o Juiz de Fora fosse suspenso
do lugar, e removido. Foi approvado.
O Senhor Luiz Monteiro apresentou as instrucçoens
para o Governador da Ilha da Madeira, de que fora in-
cumbido. Ficou a discussão para a segunda leitura, e
mandado imprimir.
Continuou a discussão da ley sobre a liberdade da im-
prensa.

102." Sessaõ. 4 de Junho.

O Senhor Faria Carvalho, como membro da Commis-


saõ de Legislação, expoz o parecer sobre o requirimeoto
das viuvas e parentes dos processados e justiçados,
no mez de Outubro de 1817, os quaes pedem seja nome-
ada por decreto das Cortes uma Commissaõ, para rever o
feito; julgando a Commissaõ, que ella deve ser nomeada
pela Regência. Disse o Senhor Maldonado, que a des-
peza da revista devia ser gratuita. O Senhor Braamcamp
que fosse paga peloThesoura. Depois de breve discussão
se remetteo o negocio á Regência, com as indicaçoens
dos Senhores Rio e Braamcamp.
Ouvirara-se mais vários pareceres de difierentes Com-
missoens, sobre requirimentos de particulares; e passou
depois á consideração de alguns artigos sobre a ley da
imprensa. O Senhor Maldonado propoz, que em lugar
do termo jurados, se usasse a denominação de Juizes de
facto; porque esta indica mais claramente o emprego, e
porque em algumas províncias se ligam á palavra jurados
ideas pouco agradáveis. Foi esta emenda adoptada.

103." Sessaõ. ò de Junho.

O Senhor Borges Carneiro disse, que tinha a fazer ar-


36 Aliscellanea.
guiçoens contra as seguintes pessoas: os Desembargado-
res Guiaõ, e Joaõ Baptista Esteves : ao Ministro dos Ne-
gócios do Reyno: aoDesembargo do Paço; aos Juizes
Administradores da Casa de Penalva: ao Juiz de Fora do
Torraõ, e ao Corregedor de Setúbal, &c. Pedioque es-
tas arguic,oens fossem mencionadas no diário, para con-
star á Naçaõ que se tracta de seu bem, removendo todos
os embaraços oppostos á sua fcl icidade. Nomeou-se uma
Commissaõ para averiguar estas arguiçoens.
O Senhor Presidente disse, que em seu nome, e do Se-
nhor B. Carneiro participava ao Soberano Congresso, que
se achava prompta e redigida a Constituição. Mandou-
se imprimir para ser diecutida.
Foi discutido o projecto de ley sobre aslaãs, dirigidoa
prohibir, com certas modificaçoens, a introducçaõ em Por-
tugal das laâs da Hespanha.
Deliberou-se depois sobre alguns artigos da ley sobre a
liberdade da imprensa, os quaes, como temos feito até
aqui, naõ mencionamos; por esperarmos para dar a ley
em sua integra.

104." Sessaõ. 0 de Junho,

O Senhor Freire lêo o parecer da Commissaõ de Con-


stituição, que ficara adiado de outra sessaõ, em resposta
â representação do Senado da Câmara de Lisboa, sobre
a parte que lhe compete, no ceremonial da recepção d'EI
Rey.
Continuou a discussão, sobre o projecto da ley respec-
tivo ás laãs.
Passou-se depois ao projecto de ley, sobre a liberdade
da imprensa; e approvãram-se muitos artigos sem discus-
são ; mas sobre o 30." disse o Senhor Maldonado, que
Miscellanea. 37
naõ devia approvar-se, pois mandava proceder á prizaõ
sem culpa formada, o que éra opposto ás bazes da Consti-
tuição. A mesma objecçaõ fez o Senhor Bastos. O Se-
nhor Annes de Carvalho seguio o mesmo parecer. O Se-
nhor Soares sustentou a doutrina do artigo : o mesmo fez
o Senhor Souza de Magslhaens. Ficou a discussão sobre
este artigo adiada.

105.* Sessaõ. 7 de Junho.

O Senhor Secretario Felgueiras lèo um officio do Minis-


tro dos negócios da Marinha, incluindo os officios, au-
tos das Câmaras, &c. das ilhas de S. Nicolao eBoa-Vista,
participando ter-se jurado a Constituição naquellas ilhas
no dia 22 de Abril. Foram estes papeis remettidos á
Commissaõ do Ultramar.
O Senhor Borges Carneiro apresentou uma accusaçaõ
contra Fletcher, e outro; por motivo da muita agua-ar-
dente estrangeira, que se tem conduzido para fabricas da
outra banda, em opposiçaõ ao que nas Cortes se tem
tractado com tanto desvello, em beneficio do publico a
este respeito. O Senhor Pereira do Carmo disse, que lhe
fora remettida a mesma denuncia, e que naõ a apresenta-
ra porque naõ vinha assignada. O mesmo repetio o Se-
nhor Castello Branco, accrescentando, que desejava en-
tendesse toda a NaçaÕ, que elle apresentará ao Soberano
Congresso toda a denuncia, que lhe for remettida, com
tanto que seja assignada, e que occultarâ o nome, quando
seja preciso, sujeitando-as primeiro aoseujuizo pruden-
cial. Dicidio-se, que se remette-se â Regência.
O Senhor Borges fez mais duas moçoens; uma para que
a Regência remette-se ás Cortes a Relação dos noviços,
que tem entrado nas ordens religiosas: outra para extin-
guir o grande numero de pregadores Regios. A primei-
jg Misctllanea.
ra foi approvada: e a segunda posta .obre a meza para
discussão.
O mesmo Senhor Borges Carneiro fez outra moção,
para que se nomeassem algumas Commissoens de pessoas
de fora das Cortes, visto o muito trabalho que tem as ac-
tuaes Commissoens nas Cortes : a fim de irem redigindo
os Códigos criminal, civil, militar, &c. Ficou para se
deliberar este negocio na segunda leitura.
O Senhor Basta fez a moçaõ de que se indicasse á Re-
gência mandasse indagar os abusos e prevaricaçoens, que
se continuam a practicar no Correio, abrindo as cartas,
que saõ remettidas por aquelle expediente, observando
cm prova da sua moçaõ, que alguns dos Senhores Depu-
tados tem soffrido estes abusos, e que ultimamente lhe
succedera o mesmo com uma carta que lhe viera da Hes-
panha dentro de uns periódicos: e citou o exemplo de
outra remettida do Rio-de-Janeiro: pedio que se fi-
zesse uma ley a este respeito, pois estes abusos eram uma
iofiacçaõ das Bazes, e deviam ser punidos rigorosamen-
te. Vários deputados comprovaram o mesmo, e para
se apresentarem mais provas se differio o negocio para
outra sessaõ.
O Senhor Presidente informou o Congresso da morte
do Deputado Francisco Antônio Rezende, convidando
seus collegas para que assistissem ás honras fúnebres.
Discutio-se o art. 30 da ley sobre a liberdade da im-
prensa, que voltou à Commfssaõ para o redigir de
novo.

100.* Sessaõ. 8 de Maio.

O Senhor Freire fez a segunda leitura da moçaõ do


Senhor Baeta, em que se queixava da abertura das Cartas
no Correio, como infracçaõ do determinado nas Bazes; e
Miseellanca. 39
disse o Senhor Presidente, que se escrevesse á Regência
sobre o mesmo assumpto.
O Senhor Luiz Monteiro apresentou o parecer das
Commisoens de Commercio, e Legislação, â cerca das
alteraçoens, que se tem feito no artigo 26 do Tractado
de Commercio de 1810; e se julgou da maior necessida-
de, mandando-se imprimir para este efleito.
O Senhor Alves do Rio apresentou o parecer da Com-
missaõ de Fazenda sobre a dotação d'El Rey eRealFa-
milia, deduzindo-se delle, que a Commissaõ arbitra
para a mesma Dotação (da qual devem ser pagas as des-
pezas da oxaria, guarda rompa, cavalhariças, creados
&c.) um conto de reis por dia; além dos palácios e quin-
tas, que saõ pagos pelo Thesouro, bem como aos Secre-
tários, &c. Discorre a Commissaõ sobre as despezas
dos annosde 1804, 5, e 6, e mostra, sommando todas as
parcellas, especificando QS differentes objectos; que a
despeza media de cada anno foram 1.376 contos e
300 etantos mil reis. Observa, que as dimminutas ren-
das do Estado (que no presente anno naõ excederão a 15
milhoens) naõ permittem estabelecer maior dotação que
a mencionada; e determinando-se além delia, que á
Raynha fiquem pertencendo os rendimentos da sua Casa,
que poderão ser otienta contos de reis: á Princeza D,
Maria Thereza e seu filho o Infante D. Sebastião, um
conto de reis por inez : a cada uma das Infantas 400.000
reis também por mez &c. &c.
Desidio-se, que fosse impresso paru se dicsutir.
O Senhor Soares apresentou a nova redacçaõ do artigo
30 da ley sobre a imprensa, e foi decidido, que só pôde
haver prizaõ do Escriptor, que delinquir, no caso de de*
nuncia summariamente provada por 4 testemunhas; e
que o seqüestro da obra impressa fosse extensivo a todos
os casos de que tracta esta ley.
4o Miscellanca.
Discutiram-se ainda outros artigos desta ley.
107.' Sessaõ. 23 de Maio.
Discutio-se o objecto dos Diplomáticos ; e o Senhor
Braamcamp expoz os motivos, por que propuzéra na sessaõ
antecedente, que este negocio fosse tractado em sessaõ
secreta; e disse depois, que naõ havendo provas legaes
naõ se podia dar a este crime a applicaçaõ da ley; que
naõ pretendia absolvêllos, pois era constante o seu pro-
cedimento, mas que se devia formar causa aos princi-
paes cabeças, remettendo a El Rey o processo, e indi-
cando-lhe, que elles tem perdido a confiança publica,
e expondo-lhe a necessidade de serem dimittidos.
O Senhor Pereira do Carmo expoz, que constava pelo
relatório da Commissaõ especial, que os Diplomáticos
Portuguezes, residentes nas Cortes Estrangeiras, traba-
lharam quanto lhes foi possível, para suffocar o impulso
regenerador da Pátria, e conservalla, por conseqüência,
no abysmo de miséria, e abjecçaõ, em que a havia sepul-
tado uma administração prevaricadora; e para levar ao
cabo seus detestáveis desenhos, formaram conciliabulos
em Paris, viagens a Laybacb, &c. Disse, que naõ ad-
mittia uma só hypothese, em que seja disculpavel a
um cidadão machinar contra sua Pátria; que este infa-
me procedimento se naõ podia cubrir com as ordens
d'El Rey, por que naõ cabia no tempo que as houvesse;
e ainda que existisse este pretexto, estando em contra-
dicçaõ com os interesses da Pátria se deviam suppor
ob e subrepticias, visto que os interesses do Rey saõos
da Naçaõ, ou por que, suppondo por um momento sepa-
rados ou contradictorios esses interesses, se devia, segun-
do a regra das collisoens, quebrar a ley mais fraca. Que
se os Diplomáticos tivessem coração Portuguez se incli-
nariam â linha que deviam seguir. Que a machinaçaõ
Mèscellanea. 41
contra a Pátria he crime de Leza Naçaõ; que havendo
crime deve haver processo, e que por isso o negocio se
devia remetter pela Regência ao Poder Judiciário. Ac-
crescentou porém, que se procedesse ja a seqüestro de
seus beus: 1.° para que esses bens servissem de hypothe-
ca á reparação do damno, que tiverem causado ao mais
pequeno Portuguez: 2.° por ser muito impolitico que a
pátria esteja alimentando filhos ingratos, ou para melhor
dizer a tigres, que pretenderam e pretendem devoralla.
O Senhor Borges Carneiro discorreo pelos mesmos
princípios: acerescentando, que naõ deve servir de descul-
pa aos Diplomáticos o naõ terem e fiei to suas tramas.
Ajunctou, que se for verdade o ter conseguido o Conde
de Palmella um Avizo de Sua Majestade, para reforçar
a negociação de Laybach, principiada pelos Diplomáti-
cos seja este incluído no processo, que se houver de fa-
zer; e observou finalmente, que este fidalgo éra ura dos
Áulicos mais astutos que havia.
O Senhor Braamcamp reflectio que a enviatura, que
se fizera a Laybach, por via de Antônio de Saldanha,
naõ tivera effeito algum, pois elle naõ fora ali recebi-
do.
O Senhor Guerreiro discorreo, que o crime naõ estava
nas circumstancias de ser julgado por leys civis, e que
pertencia ao direito das gentes ; e que alguns dos Diplo-
máticos se podiam julgar incluídos na Amnistia.
O Senhor Baraõ de Molellos opinlou, que se informas-
se a El Rey, que estes Diplomáticos tinham perdido
a confiança publica, e que éra indispensável a sua demis-
são ; e que naõ havendo nem mandar nem pedir a El Rey,
havia termos médios para lhe expor a necessidade desta
medida.
O Senhor Serpa sustentou o parecer da Commissaõ.
V o t . XXVII. N.° 1*8. *
42 Miseellanea.
O Senhor Pessanha citou a Ordenação, dizendo que de-
viam ser julgados por ella.
O Senhor Xavier Monteiro, em um longo discurso
expôz, que o Relatório fora resultado dos pareceres diffe-
rentes dos membros da Commissaõ, e como termo médio,
e que éra da opinião do Senhor Guerreiro, que fossem
julgados pelo Direito das Gentes; porque os Diplomáti-
cos naõ tinham ainda aceitado o novo pacto social; e a
Ordenação só falia dos crimes de Leza Majestade, que con-
forme ás ideas do tempo, era que foi feita, he so applicavel
â pessoa do Rey. Concluia pois, que se lhe naõ devia
formar causa,mas tractallos, como inimigos do paiz, aos que
se provassem haver commettido hostilidades. Distinguio
porem, entre os que se abstiveram de practicar hostili-
dades, mas naõ reconheceram até o presente a nova ordem
de cousas; e os que por seu arbítrio ordenaram o bloque-
io, promoveram e executaram a embaixada a Laybach
&c. os primeiros devem ser unicamente considerados co-
mo desaffectos ao systema constitucional; os segundos
inimigos patentes e reconhecidos do commercio e da li-
berdade da Naçaõ, devem ser julgados pelas leys do Rey-
no, como os piratas, que sem pertencer a Naçaõ alguma
vem â foz do Tejo amedrentar o commerrio, e aos quaes
se faz o processo, mandando sair navios de guerra, que
os méttam no fundo. Os bens naõ tem mais privelegios
que as pessoas, e devem ser tractados como bens de homens,
que contra o direito das gentes practicam hostilidades con-
tra uma Naçaõ, sem estar authorizados por Governo al-
gum.
O Senhor Sarmento, e o Senhor Presidente foram de
opinião, que fossem julgados pelas leys civis, remetendo-
se o processo ao Poder Judiciário.
O Senhor Borges Carneiro, tornou a fallar, mostrando
que naõ eram incluídos na Amnistia, e que em todas as
Miscellanea. 43
Naçoens havia tribunaes especiaes para certos crimes:
que naõ desejava, neste caso, as penas de sangue das nos-
sas leys, por serem muito cruéis; e que suppunha mais
conforme com o character moderado da nossa regeneração
a pena de privação de bens, e desnaturalizaçaõ, como ja se
practicara com outro.
O Senhor Feio oppunha-se ao seqüestro, por ser con-
tra as Bazes.
Adiou-se a questão, e se passou á consideração de al-
guns dos artigos da ley da imprensa.

108.* Sessaõ. 12 de Junho.


O Senhor Secretario Felgueiras deo conta de um officio
do Ministro dos negócios Estrangeiros, incluindo os que
se acabavam de rebeberdos Diplomáticos Rafael da Cruz
Guerreiro: D. JozèLuiz de Souza: eJozêCorrêa da Ser-
ra, congratulando as Cortes e a Regência e outro do
Cônsul Geral de Servilha Diogo Maria Galhardo,com du-
as memórias sobre o commercio de Portugal com Hes-
panha.
O Senhor Pereira do Carmo fez a moçaõ, que apresen-
tou por escripto, de que se insinuasse á Regência, que
proceda a indagar com activas providencias, para descu-
brir quem foi o author do horroso incêndio, que se acaba
de vereficar em Lisboa. Outros Senhores Deputados a-
poiando a moçaõ expressaram a sua convicção de que ha-
via muitos indícios de que o fogo fora deitado de pro-
pósito. O Senhor Braamcamp naõ éra de opinião, que
se podia dizer, que o fogo começara em uma parte mais
do que outra; porque appareceo em muitas ao mesmo
tempo.
O Senhor Castello Branco, reflectindo sobre isto, disse,
que pelos indícios naõ podia deixar de ser mando deitar
^ Miscellanea.
de propósito; que a ousadia de escrever cartas anonymas
e ameaçadoras aos Deputados das Cortes naõ lhe deixava
duvida, de que existia um partido opposto ao systeraa
constitucional, que esse partido pretendia semear o des-
gosto e a confusão, fazendo por este modo descontentes
muitos cidadãos, que nisto lhe parecia ver um systema
combinado, por cujo motivo propunha, que a Regência
indagasse escrupulosamente se havia algumas ideas de
revolução.
O Sr. B. Carneiro disse, que elle éra um desses ameaça-
dos de ser envenenado.
Tomaram-se em fim sobre isto as seguintes resoluço-
ens ; Que se expedisse participação á Regência, que as
Cortes tomam o mais vivo interesse, em que se proceda
ás maiores indagaçoens para descubrir a origem do incên-
dio, e que auxilaraõ a Regência em tudo quanto estiver
da sua parte, devendo a mesma Regência fazer-lhe todas
as participaçoens do que houver a tal respeito.
Que nomee logo uma Commissaõ, que se encarregue
de examinar todos os papeis, que se salvaram do incên-
dio, naõ sendo nomeado para ella nenhum dos emprega-
dos, que a ella pertenciam, podendo sim ser chamados
para serem ouvidos em averiguaçoens. Que passe ordens
a todas as repartiçoens, para que Zenham os seus cofres
e cartórios em casas de abobada. Que dê ao Commandan-
te da fragata Ingleza os agradecimentos pela sua coopera-
ção e auxilio, Que se prometta o perdaõ ao primeiro
cúmplice (naõ sendo o author) que descubrir quem o foi,
dando disso provas. Que a Regência possa propor ao
Soberano Congresso o prêmio que devem ter os que fica-
ram estropiados, assim como os que se distinguiram mais
ticularmente.
Continuou a discussão sobre os Diplomáticos. O Se-
nhor M. A. de Carvalho naõ se contentava com a simples
Miscellanea. 45
remoção; e os julgava incursos na Ordenação do Livro
5. t t 6. §. 5. O Senhor Vaz Velho dizia, que deviam ser
ouvidos para serem condemnados; e que se as leys actuaes
eram demasiado cruéis, se deviam modificar. O outro
Senhor dizia, que deviam ser declarados inimigos da pá-
tria. O Senhor Vanzeller, qua se mandassem vir a Portu-
gal para serem ouvidos.
O Senhor Bastos opinou a favor da proposta da Com-
missaõ ; e que o Congresso naõ devia entrar em funcçoens
judiciarias, nem entrar no Iabyrintho de examinar os que
entravam ou naõ na amnistia. O Senhor Castello Bran-
co considerou estes Diplomáticos no mesmo caso do Pa-
triarcha, isto he, que deviam deixar de ser cidadãos.
Adiou-se a discussão.

109-* Sessaõ. 14 de Junho.

Havendo o Senhor Secretario Felgueiras lido o officio


recebido do Rio-de-Janeiro, sobre um empréstimo, que
o Governo ali projectãra negociar em Inglaterra, o Senhor
Ferreira Borges leo o seguinte protesto contra o decreto
de 23 de Março, que determina o sobredicto emprésti-
mo:—
** Acabando de chegar-me á maõ o decreto de 23 de
Março deste anno, no qual El Rey declara como dividas
nacionaes os desembolços do Banco do Brazil, que se diz
haver contribuído em differentes epochas com extraordi-
nários e avuhados avanços ao Erário do Rio-de-Janeiro,
a que El Rey chama Real e seu, para suprir ás urgên-
cias do Estado; achando-se o mesmo Banco credor a
differentes cofres públicos pelo desconto de letras firma-
das pelos seus thesoureiros, e pelo pagamento de despe-
zas de obras, que deviam ser feitas pelos referidos cofres,
&c. e dizendo-se a ellas responsáveis todas as rendas pu-
46 Miscellanea.
blicas do Reyno do Brazil, e os rendimentos, que tem
entrado em differentes cofres públicos, que tem feito
transacçoens com o Banco, ou a quem devam pertencer
as despezas de obras por elle feitas; mandando-se entrar
no cofre do Banco todos os brilhantes lapidados, que se
acham no Erário, practicando-se o mesmo com os diaman-
tes que para o futuro se forem lapidando, para o fim de
que a Juncta do Banco possa proceder á sua venda no
Brazil ou na Europa, aonde for mais conveniente, levan-
do o seu producto á conta do credito da Real Fazenda;
julgo do meu dever, como um dos Representantes da
Naçaõ, o protestar solemnemente contra este decreto,
como repugnante ao artigo 35, dos das Bazes da Consti-
tuição. E requeiro, que este protesto seja inserido na
acta; e que a discussão, a que elle da lugar, fiqueadiada
para ter cabimento, realizada que seja a reunião dos De-
putados do Brazil, neste Augusto Congresso.
O Senhor B. Carneiro declamou fortemente contra este
empréstimo, allegando que os Áulicos tinham occasiona-
do a ruína do Banco do Brazil, e que sua influencia ain-
da continua; e pedio que se suspendesse a negociação
sobre este objecto.
O Senhor Frazini deliberou no mesmo sentido. O Se-
nhor Castello Branco disse, que naõ devia adiar-se simi-
lhante objecto, pois era contrario ás Bazes, e abria o ca-
minho à desunião da America. O Senhor Soares queria
que se ouvisse a Commissaõ de Fazenda. Dizendo o
Senhor Francisco Antônio dos Sanctos, que se naõ devia
tractar este negocio sem estarem piesentesos Deputados
da America, o Senhor Castello Branco tornou a sustentar,
que naõ devia haver outra alguma contemplação, mais
do que regeitar similhante resolução. O Senhor Sarmen-
to apoiou esta proposição. O Senhor Braamcamp con-
Miscellanea. 47
sentia que embora fosse negociado sobre qualquer res-
ponsabilidade, que naõ fosse a da Naçaõ.
Foi approvado unanimemente, que as Cortes desappro-
vavam similhante empréstimo. Foi alem disso approvado
que se declarasse á Regência, para o fazer constar ao
Conselheiro Almeida, que as Cortes naõ sanccionam a
hypothecado sobredicto empréstimo.
Por causa de algumas observaçoens sobre os motivos
desta resolução se votou e foi approvado, que as Cortes
assim o determinavam, por ser inconstitucional a medida
do empréstimo e hypotheca.
Discutindo-se sobre a questão dos diamantes entrados
no Banco, disse o Senhor Fernandes Thomas, que a boa
fé pedia que se naõ tocasse neste objecto, visto Sua Ma-
jestade ter dado os diamantes e até a sua prata, para remir
o credito do Branco. Assim foi este objecto adiado.
Passou-se á discussão sobre os Diplomáticos, e depois
das differentes observaçoens de vários deputados decidio
o Soberano Congresso o seguinte :
1." Que foi hostil o procedimentos dos Diplomáticos
Portuguezes, em negarem passaportes.
2.° Que devem ser removidos, por terem perdido a
confiança da Naçaõ.
3.° Que esta declaração se transmitta a El rey, para
elle os remover.
4.° Que se deve esperar pela remoção, para entaõ se
declarar se se lhe deve formar causa.

11." Sessaõ. 15 de Junho.


O Senhor Pereira do Carmo disse: " Na Sessaõ de
hontem fui de voto, que os Diplomáticos Portuguezes
nas Cortes Fstrangeiras deviam ser immediatamente pro-
cessados, como havia ja demonstrado na sessaõ de 9.
Por quanto naõ carecemos de leys (como alguém falsa-
48 Miscellanea
mente suppoz) que qualifiquem o crime, e lhe assignem
pena; ou estes Diplomáticos se considerem cidadãos
Portuguezes, ou piratas, violadores do direito das Gen-
tes, como lhes chamaram alguns Senhores deputados.
No primeiro caso temos a Ordenação Liv, 5. tt, 6. §. 5.
com as modificaçoens reclamadas pela humanidade, e ja
sancionada no artigo 12. das Bazes da Constituição ; e
no 2.°a ley de 7 de Dezembro de 1796. %. 9. que os pòem
no mesmo nivel de criminosos de Lesa Majestade, no que
saõ conformes Vatel Droit des Gens 1. 3. c. 10. §. 179. e
Filangieri, Scien. dei. Lelisg. tom 3. p. 4. c. 49. Como
porém se decidio, que se esperasse pela remoção, que
Sua Majestade havia fazer daquelles Diplomáticos, para
se deliberar se havia lugar a formação da culpa, o que
naõ sò retarda em demassia o castigo dos crimes, que
tanto escandalizaram aos leaes Portuguezes, mas põem
outro sim em duvida o processo dos réos: requeiro, que
se lance na acta esta minha declaração, para a todo o
tempo constar individualmente qual foi o meu voto."
O Senhor Alvez do Rio e outros Deputados disseram,
que queriam assignar esta declaração.
Houve grande discussão sobre os ordenados e pensoens
multiplicadas, que vencem vários indivíduos ;e se orde-
nou, que a Commissaõ de Fazenda informasse sobre este
importante objecto.
Entrou em discussão a ley da imprensa, depois de ap-
provados vários artigos se adiou a discussão.
11 l.*Se$$aõ. 16 de Julho.
Depois de examinados alguns requirimentos de parti-
culares, em que entrou o de um tambor, prezo ha sette
annos sem se lhe fazer conselho de guerra; passou-se a
discutir a ley da imprensa, no Art 46, que versava na
instiuiçaõ da forma de processo, nos crimes pelo abuso
Miscellanea. 49
da imprensa; e se tractou depois de outros artigos até o
fim do 4.* titulo da ley. Considerou-se mais o titulo 5.°
da ley, que he relativo ao tribunal especial, que propu-
nha ser composto de 5 membros, e permanente, com as
attribuiçoens de tomar conhecimento das appellaçoens;
propor ás Cortes as duvidss nestas matérias e apresen-
tar ás mesmas Cortes no principio de cada Legislatura
uma exposição do Estado em que se achar a liberdade
da impressa, obstáculos que for preciso remover, e abu-
sos que devam remediar-se.
Decidio-se que o tribunal naõ fosse permanente mas
sim formado de novo, no principio de cada legislatura,
podendo os seus membros ser reeleitos.
Discutio-se também a tabeliã da divisão de Conselhos
de Jurados, que vai unida a esta ley, e ficou approvada;
e que formasse um artigo da ley, mostrando em mappa as
províncias divididas em conselhos : havendo no Minho 4
Trás os montes 2; Beira 5 ; Estremadura 3 ; Alemtejo
3 ; Algarve 1:

112.* Sessaõ. 18 de Junho.

Leo-sc o parecer da Commissaõ de Instrucçaõ, em que


naõ convinha, que os mestres de primeiras letras possam
ensinar sem serem sujeitos a exame. Oppuzeram-se a
este parecer alguns dos Senhores Deputados, reflectindo,
que deve ser livre a todo o homem propagar as suas lu-
zes sem sujeição; que o ensino da mocidade naõ deve
depender de restricçoens; que mesmo seja livre o methodo
do ensino, pois fica á vontade dos pays de família adop-
tar este ou aquelle mestre; e finalmente, que a ley desta
instituição devia abolir-se.
Voi/ XXVII. N." 158.
ô0 Miscellanea.
Decidio-se, desapprovando o parecer da commissaõ, e
que fica livre a qualquer pessoa ensinar as primeiras letras,
sem dependência do antigo uso do exame, e ficando en-
carregada a Commissaõ de formalizar o decreto, que deve
abolir a ley.
O Senhor Maurício, por parte da Commissaõ do Ultra-
mar, lêo o relatório dos successos da Ilha Terceira, sobre
o comportamento das primeiras authoridades, concluindo
de tudo, que a deputaçaõ dali enviada devia ser recebida
no Soberano Congresso ; que o Bispo e Governador devem
ser removidos; que deve ser tirado o Commando ao
Brigadeiro Caetano Paulo ; que se deve proceder a de-
vassa geral sobre todos 03 factos ; que todos os officiaes,
dimittidos por Stockler, sejam restituidos aos seus pos-
tos, e que a Regência tome todas as providencias, que
julgar necessárias para restabelecer o socego naquella
Ilha.
Depois de alguma discussão foi approvado o parecer
da Commissaõ, menos em admittir a Deputaçaõ, a qual
se naõ admitte pela simples razaõ de apresentarem um
titulo assignado por pessoas, que se reputam criminosas.
Também que naõ deve continuar a devaça geral, porem
só em particular a dos empregados públicos daquella
Ilha.
O Senhor Alves do Rio expoz o parecer da Commissaõ
de Fazenda, â cerca do Regimento do Coneio, proposto
pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros; da reforma nos
empregados; e do estabelicimento de uma posta diária
para a cidade de Lisboa; conformando-se a Commissaõ
com o parecer do Ministro. Julgou-se que devia ficar
adiado este negocio.
O mesmo Senhor Deputado deo o parecer da mesma
Commissaõ a respeito dos Ordenados, que devem ficar
Miscellanea. $i

vencendo os empregados do extincto Tribunal do Sancto


Officio, approvando-se deste parecer, que ao Ex-Inqui-
sidor Geral se fique dando o ordenado primitivo, que saõ
2:270.000 reis; e aos Ministros e filhos da folha, que naõ
tenham outro emprego, fiquem vencendo os ordenados,
que naõ excederem a 600.000 reis; e quanto aos que tem
além do emprego do Sancto Officio, outro, julgou-se que
devia ficar adiado, para se decidir em outra sessaõ.

113," Sessaõ. 19 de Junho.

O Senhor Alves do Rio por parte da Commissaõ de


Fazenda lêo a informação desta Commissaõ a respeito do
Monte Pio, Reformados e outros objectos, mostrando
que a despeza dos reformados e Monte Pio he de 406
contos de reisannuaes; Commissariado 760 contos, o que
tudo chega, pelo calculo mais apdroximado a 9 milhoens
de cruzados, entrando dous milhoens da Marinha. A
divida do Monte Pio saõ 400 contos. Propunha, que se
separassem os pagamentos das pensoens, até aqui pagas
pelo Monte Pio; que a divida antiga fosse paga pelo
cofre de amortização.
O mesmo Deputado observou, que os Pensionarios
nada perdiam com esta medida, mas sim os rebatedores,
que tinham comprado as pensoens com grande usura.
Voltou o negocio á Commissaõ.
O Senhor Ribeiro apresentou o parecer da Commissaõ
de Fazenda, sobre os ordenados dos empregados públicos;
mandou-se imprir para se discutir.
Discutiram-se alguns artigos do projecto da Collecta
Ecclesiastica. Ficou approvado, que a collecta compre-
henda todos os rendimentos. que delles devem os coven-
52 Miscellanee.

tos pagar duas décimas, isto he, uma maisdoqueactual.


mente pagam : que o mesmo se entende á cerca dos Con-
ventos de Religiosas, em quanto por informação daRegen-
cia ellas naõ mostrarem, que as suas rendas saõ muito
diminutas.

114.» Sessaõ. 20 de Junho.

Discutiram-se alguns artigos do projecto, sobre a Col-


lecta Ecclesiastica, exceptuando de pagar duas décimas,
e pagando só uma as commendas, pensoens e dízimos
applicados á Universidade de Coimbra, e aos estabeleci-
mentos de charidade e Instrucçaõ publica em geral.
Sobre a Patriarchal e Bispados se decidio, que fosse o
minimo dous contos de reis, em qualquer das classes e
a collecta ser feita dahi para cima, com o augmento de
décimas de conto em conto de reis. Foi também decidi-
do, depois de alguma variedade de pareceres; que todo
o producto da collecta seja applicado á amortização da
divida publica pretérita. A Regência estabelecerá prc-
visionalmente o systema de lançamento, fiscalização e
cobrança destes impostos.

115." Sessaõ. 22 de Junho.

O Senhor Mauricio propoz, que fosse augmentada a


Commissaõ do Ultramar, pela muita affluencia de negó-
cios» que ella tem, e ficou para se determinar em outra
sessaõ.
Discutio-se a questão sobre a Companhia do Alto Dou-
Miscellanea. 53

TO, no que ha, tanto nas Cortes como em toda a Naçaõ,


muita variedade de opinioens: e sobre o que tem appareci-
do vários escriptos em Portugal. Depois de mui longa
e elaborada discussão, ficou ainda a questão adiada.
Leo o Senhor Felgueiras um officio do Governador do
Maranhão, em que participava ao Soberano Congresso,
que naquella província fora acclamada e jurada a Consti-
tuição no dia 6 de Abril, com a maior satisfacçaõ dos
povos; declarando-se no mesmo officio, que naõ se tem
recebido ali instrucçoens algumas, nem do Rio de Janei-
TO, nem de Portugal, e pedindo que lhe sejam remettidas
&c.
Declarou o Soberano Congresso ser ouvida com espe-
cial agrado, e que fosse â Commissaõ do Ultramar; e
que todo o officio, que lera em extracto, fosse lido por
extenso em outra sessaõ.

Parecer da Commissaõ especial, encarregada de exami-


nar a conducta dos Diplomáticos Portuguezes.

A Commissaõ especial, encarregada de examinar as


diligencias de averiguação, sobre a conducta, que os Di-
plomáticos Portuguezes, residentes nas Cortes estrangei-
ras, tem desenvolvido para com este Reyno, depois dos
gloriosos acontecimentos de 24 de Agosto e 15 de Septem-
bro do anno próximo passado, a que a Regência do Rey-
no procedeo, em virtude das ordens, que para esse fim
lhe foram expedidas pelo Soberano Congresso em 12 de
Fevereiro, do corrente anno, tem a honra de substanciar
na presença do Augusto Congresso aquellas averiguaço-
ens e relatório do Secretario de Estado, da Regência do
.. Miscellanea.
Reyno, na Repartição dos Negócios Estrangeiros, e a de
arriscar o seu parecer, sobre tam melindroso, e desagra-
dável assumpto.
Em data de 19 de Septembro, do anno próximo passa-
do participou o Governo Interino de Lisboa a sua instal-
laçao a todos os Ministros do Corpo Diplomático Portu-
guez e em 3 de Outubro do mesmo anno lhes repetio
ieuaes participaçoens a Juncta Provisória do Governo
Supremo, entaõ investida no exercício de suas funcçoens,
pelo voto e assenso unanime da Naçaõ inteira.
De todos os Diplomáticos apenas dous responderam a
estas participaçoens: foi um delles D. Jozè Luiz de Sou-
za Botelho, enviado extraordinário e Ministro Plenipo-
tenciario na Corte de Londres, escusando-se por carta
particular ao respectivo Secretario de Estado dos Negó-
cios Estrangeiros, de entreter conrespondencia official
com o Governo Supremo, em quanto naõ fosse para isso
authorizado por Sua Majestade. O segundo foi Jozé An-
selmo Corrêa, Ministro Residente em Hamburgo, o qual
respondeo ao mesmo Secretario de Estado dos Negócios
Estrangeiros, com uma carta tam incoherente no estylo
como absurda na matéria.
A Commissaõ está persuadida, que o simples silencio
dos Diplomáticos Portuguezes lhes naõ deve fazer impu-
taçaõ ou censura; attenta a delicadeza de sua situação e
character; sente porém o mais vivo dissabor em preparar
o Augusto Congresso, para escutar o relatório succinto
das tentativas e hostilidades, que tem practicado contra
a sua pátria, uma grande parte dos Diplomáticos Portu-
guezes.
Consistiram estas hostilidades: primeiramente no de-
sigtiio de porem este Reyno em apertado bloqueio, pela
neiiegaçaõ dos passaportes e despachos de estylo aos na-
Miscellaneà. 55

vios mercantes nacionaes e estrangeiros, que se propunham


seguir viagem para Portugal, o que teria interrompido
grande parte do commercio externo do Reyno, se os ca-
pitaens dos navios se naõ tivessem aventurado a navegar
sem elles: e se a Juncta Provisional do Governo Supre-
mo do Reyno naõ tivesse occurrido a este mal, dispen-
sando opportunamente no § 9. do Alvará de 30 de Mar-
ço de 1820, que fazia necessários aquelles passaportes e
despachos.
Consistiram em segundo lugar em recusarem passapor-
tes á diversos Portuguezes, que os pediram para regres-
sar á sua pátria, obstando por este modo ao exercício da
liberdade pessoal de muitos cidadãos Portuguezes, e pri-
vando este Reyno da sua cooperação activa na Sancta
causa da Regeneração política da Monarchia.
Na generalidade destas tentativas está evidentemente
comptehendido José Anselmo Corrêa, Ministro Resi-
dente em Hamburgo, o qual merece ainda ser singulari-
zado, por convidar os Portuguezes â anarchia; por uma
proclamaçaõ calumniosa e incendiaria de 18 de Septem-
bro; e por uma circular do mesmo cunho, dirigida ao
Senado de Hamburgo, e a todo o Corpo Diplomático
Portnguez, em data de 19 do mesmo mez, tudo no anno
próximo passado. Nesta celebre circular, entre outros
delírios apparece um protesto diplomático do seu Author,
contra todos os actos legítimos, que a Naçaõ estava prac-
ticando pela sua Regeneração Política.
A Commissaõ julga ainda do seu dever informar o Au-
gusto Congresso, de que este Diplomático se acha redi-
gindo em Londres um novo periódico, intitulado " Zur-
rague Político das Cortes Novas," cujo primeiro N.» de
29 de Março do corrente, cobre de baldoens e aleivosiasos
homens illustres, que emprehendcram a liberdade da Pa-
5G Miseellanca.
tria, e o Augusto Congresso, que a está consolidando.
Todas as cartas de Londres, combinadas com a conheci-
da linguagem, e imprudência deste Diplomático, excluem
qualquer prudente duvida, de que elle seja o Redactor
deste sórdido Periódico; e nesta firme persuasão a Com-
missaõ tem ajunctado o sobredicto N.° de 20 de Março
ás averiguaçoens, que enviou a Regência do Reyno, como
testemunho vivo da ultima conducta deste tam famoso
Diplomático, como Periodista.
Na generalidade das mesmas tentativas está claramente
comprehendido Antônio de Saldanha da Gama, Enviado
Extraordinário e Ministro Plenipotenciario na Corte de
Madrid, o qual, por circular a todos os Cônsules Portu-
guezes nos portos de Hespanha prohibio passaportes, at-
testaçoens e despachos a todas as pessoas, que se desti-
nassem para Portugal, e ordenou perfeita incommunica-
çaõ com este paiz. Entre as averiguaçoens, aqueproce-
deo a Regência do Reyno, acha-se o officio, que o sobre-
dicto Ministro expedio ao Cônsul Portuguez na Corunha,
em 7 de Octubro do anno passado; e também se acham
um officio do Delegado da Commissaõ de Saúde Publica
no Algarve de 10 de Dezembro, e outro do Governador
interino das Armas do mesmo mez, nos quaes se observa
que, grassando naquella occasiaõ um funesto contagio,
no Sudoeste da Hespanha, e ficando as authoridades Por-
tuguezas privadas das correspondências e noticias dos
Cônsules, de que pendiam, para obstar á sua communi-
caçaõ no Algarve, vieram por isso as sobredictas prohi-
biçoens absolutas de toda a communicaçaÕ e conrespon-
dencia a expor este Reyno á devastação de um flagello
destruidor, com desprezo da humanidade e infracçaó do
próprio direito das Gentes entre naçoens inimigas.
Nas mesmas tentativas se deve julgar comprehendido
o Marquez de Marialva; Embaixador na Corte de Paris
Miscellanea. 5f
como se prova pela nota do Cônsul Geral de S. M. Chris-
tianissima nesta Capital, dirigida ao Secretario de Esta-
do dos Negócios Estrangeiros do Governo Supremo do
Reyno, em 13 de Outubro, e de 4 protestos em forma
legal feitos perante o tribunal do Commercio do Havre
de Grace, contra o Cônsul Portuguez naquelle porto, nos
quaes todos se declara, que por ordem do sobredicto Em-
baixador se denegavam passaportes e despachos aos na-
vios, que se dispunham sair dos portos de França para
Portugal: o que se confirma também pelas conresponden-
cias particulares,que se tem publicado nos papeis públicos.
Deve julgar-se comprehendido nas mesmas tentativas
Francisco Jozè Maria de Brito, Enviado e Ministro Ple-
nipotenciario na Corte de Haya, naõ só pelo facto de te-
rem saldo sem passaportes e despachos os navios mercan-
tes, que dos portos daquella Potência vieram para Por-
tugal, nos mezes próximos seguintes á Regeneração des-
tes Reynos, e que lhes naõ podiam ser negados pelos
Cônsules Portuguezes, sem expressa ordem do dicto Mi-
nistro, que estava na respectiva Corte de sua missaõ, mas
também pelo artigo publicado em Bruxellas, em 18 de
Fevereiro, e transcripto no N.° 70 do Diário da Regên-
cia, pelo qual consta, que o mesmo Ministro mandara
continuar os passaportes e despachos consulares, revogan-
do as ordens, que tinha dado em contrario, porcirculares
de 17 de Septembro e 18 de Novembro do anno próximo
passado.
Merece finalmente ser comprehendido nas mesmas ten-
tativas D. Joaquim Lobo da Silveira Enviado Extraor-
dinário e Ministro Plenipotenciario em Berlin, naõ so
pelo mesmo facto de terem saldo sem passaportes e des-
pachos os navios, que vieram para este Reyno dos portos
de Prússia, nos seguintes mezes á Regeneração da Mo-
narchia, mas ainda, a dar credito ao Morning Chroni»
Vot XXVII. N.« 158. H
.0 Miscelianea.
DO
clè de 18 de Novembro, que até agora naõ consta, que
e ache desmentido, por ter solicitado do Governo Prus-
siano a Providencia de um embargo sobre todos os na-
vios daquella poteneia, que se dispunham navegar para
este Reyno, á qual solicitação respondeo o Governo
Prussiano, " que ainda que naõ reconhecia a nova ordem
de cousas em Portugal, naõ podia com tudo tomar me-
didas hostis contra este paiz :'" resposta notável, que ao
mesmo tempo que moraliza com o verdadeiro nome de
medidas hostis o bloqueio, em que os sobredictos diplomá-
ticos tentavam pôr este Reyno, importa a mais severa re-
prehensaõ, que uma Corte estrangeira pôde dar a um
Diplomático, que requer contra a sua Pátria.
Aparecem ainda navios, que entraram neste porto de
Lisboa, sem despachos dos cônsules Portuguezes, e que
vieram dos seguintes portos:—de Nápoles 1: de Lu-
beck 1 : de Gênova 1: de Stockholmo de Antuérpia 2:
de Amsterdam 1: de Godefwold 1: de Graul 1: de
Boston 1. Toda a Via naõ constando com certeza, que os
Ministros, a quem competia dar estas ordens aos Côn-
sules estivessem nas suas residências; e constando por
outra parte, que alguns dos mesmos Ministros naõ es-
tavam effectivãmente nas respectivas Cortes, como acon-
tecêo ao Conde de Linhares, Enviado Extraordinário e
Ministro Plenipotencaiario em Turin, ignora-se por tanto
se os Cônsules Portuguezes dos sobredictos portos nega-
ram os passaportes e despachos por própria deliberação,
ou de quem receberam ordens para assim o practica-
rem.
Consistiram em terceiro e ultimo lugar as tentativas,
e hostilidades dos Diplomáticos Portuguezes, em uma
espécie de Congresso anti-constitucional, reunido na Em-
baixada de Paris, com o fim de obstar aos progressos da
Miscellanea. 59
feliz e pacifica regeneração deste Reyno, por um plano
combinado entre os diplomáticos, que o formaram.
Deste congresso, segundo o Relatório do Ministro das
Relaçoens Estrangeiras, que accompanba as mais averi-
guaçoens, a que procedeo a Regência do Reyno, saíram ;
V as falças cores, com que nos paizes estrangeiros se tem
pretendido manchar a mudança política de Portugal, ja
attribuindo-se-lhe scenas sanguinolentas ja infamando os
varoens illustres, que a emprehendêram e executaram,
com o titulo de facciosos, e com o horrível projecto de
quererem vender a uma naçaõ vizinha a liberdade e in-
dependência da sua pátria: 2.° uma perseguição surda,
que em algumas partes tem soffrido diversos Portuguezes
honrados, que por seus talentos e patriotismo se tornavam
suspeitos a esta odiosa liga, ou podiam desvanecer suas
odiosas machinaçoens: 3." a anti-politica e hostil miseaõ
do Ministro Plenipotenciario na Corte de Madrid Antô-
nio de Saldanha da Gama ao Congresso dos Soberanos
de Laybach, cujo fim naõ podia ser outro senaõ o de
solicitar a ingerência das Potências Aluadas nos ne-
gócios de Portugal, e attrahir sobre este Reyno as des-
graças, que tem oppriraido o Reyno de Nápoles e a
Itália.
Ainda que 6e naõ possa designar com certeza o author
ou authores desta confederação diplomática, cora tudo
os papeis públicos a tem constantemente attribuido á
Embaixada Portugueza em Paris; e á mesma Embaixa-
da tem também attribuido o plano de bloqueio, e o con-
vite aos Diplomáticos Portuguezes, que ali concurrêram:
pelo menos he facto demonstrado, e celebrado pela his-
toria do tempo, que a Embaixada de Paris tem sido o
ponto central desta conspiração, que cobrirá de eterno
opprobrio a Diplomacia Portugueza.
A Commissaõ, pensando com madureza nos procedi-
00 Miscellanea.
mentos dos referridos Diplomáticos considera como
crimes de Leza Dignidade Nacional as falças cores, com
que os mesmos Diplomáticos pretenderam manchar nas
naçoens estrangeiras a regeneração política da Monar-
chia, verificada com uma sabedoria e uniformidade, sem
exemplo na historia dos povos livres. Classifica as alei-
vosas imputaçoens, com que tem procurado infamar os
homens illustres, que levantaram o edifício da liberdade
da pátria, como uma prostituição escandalosa daquella
moral e fe publica, a que saõ essencialmente obrigados os
representantes de qualquer naçaõ, nas cortes estrangei-
ras. Contempla o embaraço, que oppuzéram ao livre
regresso de vários Portuguezes á sua Pátria, como uma
medida hostil, que importou a estes cidadãos um forçado
captiveiro, e ã naçaõ a perda dos seus serviços, exarcer-
bando ainda esta medida com a perseguição, que move-
ram a esses mesmos cidadãos, em lugar de protecçaõ, que
que lhes deviam, pela natureza do seu character publico.
Dá o verdadeiro nome de procedimento hostil ao blo-
queio, em que pretenderam pôr este Reyno, e que teria
levado a Naçaõ ás ultimas extremidades, se surtisse o
êxito a que se destinava. Finalmente a Commissaõ naõ
sabe moralizar com termos próprios o horrível projecto
de ingerir as Potências Adiadas nos negócios domésticos
da Naçaõ, sugeitando a independência da Monarchia ao
dictame das Potências Estrangeiras, e arriscando a mais
perfeita obra, de que he capaz um povo nobre e digno
de ser livre, ás. calamidades de uma guerra injusta.
A Commissaõ naõ pôde deixar de imputar aos Diplo-
máticos Portuguezes as referidas tentativas; por isso que
foram practicadas contra a natureza e character de suas
missoens; porque naõ podiam ser authorizados por pre-
vias instrucçoens de S. M. a quem um Ministro obstina-
do fascinava com as persuasoens de que nem éra ne-
Miscellanea. 61
cessaria e nem possível qualquer mudança política em
Portugal, porque de facto Joze A nselmo Corrêa, na ci-
tada carta ao Ministro dos Negócios Estrangeiros do Go-
verno Supremo do Reyno; Antônio de Saldanha da Ga-
roa, na indicada carta ao Cônsul da Corunha-, e Francisco
Jozé Maria de Brito, no mencionado artigo de 18 de Pe-
reiro declaram, expressamente, que nenhumas instruc-
çoens tinham de S. M. que lhes marcassem a linha de
conducta, que deveriam seguir na nova ordem de cousas
em Portugal; declaraçoens estas, que sem temeridade se
podem estender a todos os mais diplomáticos, pela uni-
formidade de suas suas funcçoens, e unidade do mesmo
Ministério, d'onde todos recebiam as suas instrucçoens;
e finalmente naõ podem também attribuir taes precedi-
mentos a ulteriores ordens de S. M. por isso que os mes-
mos Diplomáticos os principiaram e proseguiram desde
as primeiras noticias da regeneração deste Reyno, antes de
esperarem ou poderem receber positivas ordens da Corte
do Rio-de-Janeiro; antes, pelo contrario, a Commissaõ,
observando que S. M. tem franquedo sempre todas as
relaçoens familiares, commerciaes e políticas, sem a mais
leve sombra de animo hostil com este Reyno, e lendo o
sobredicto artigo do Ministro de Haya, publicado em
Bruxellas em 10 de Fevereiro, inclina-se muito a pensar,
que o levantamento do bloqueio, e a diminuição das
mais hostilidades, que desde certa epocha se conhecem
da parte dos mesmos Diplomáticos, sejam naturaes re-
sultados de positivas ordens de Sua Majestade.
A Commissaõ, tendo assim relatado e moralizado as
tentativas e hostilidades dos Diplomáticos Portuguezes,
reconhece queellas saõ inauditas na historia da Diploma-
cia, e constituem verdadeiros crimes de Leza Dignidade
Liberdade e Independência Nacional: mas também
reconhece, que se naõ acham previstas nas leys do
02 Miscellanea.
Reyno para serem legalmente punidas. He verdade
que a Ordenação do Liv. 5. t t 6. § 5. classifica entre
os criminosos de Leza Majestade aquelles, que fazem
conselho e confederação contra o Rey e seu Estado,
ou tractam de se levantar contra elle, ou dam para isso
ajuda, conselho ou favor; entretanto, toda esta or-
denação tem essencial referencia à pessoa d' El Rey,
assim como o tem similhantes crimes em todas as
monarchias absolutas, deplorável condição, a que es-
tava reduzido o Governo de Portugal, ao tempo da
publicação da citada ordenação, e tem continuado a
estar até á presente epocha da sua regeneração política.
O momento chegou, em que a Soberania da Naçaõ san-
cionará os crimes de Lesa Majestade Nacional, e os pro-
cedimentos dos Diplomáticos, que preveniram esta
sancçaõ, apresentarão as principaes espécies de tam hor-
rorosos crimes. Quando, porém, a Commissaõ naõ jul-
ga os sobredictos Diplomáticos incursos nas penas com-
minadas pelas leys pátrias contra os criminosos de Lesa
Majestade, está de bem longe de os excluir da sancçaõ
da opinião publica, e da moral universal política e civil,
perante as quaes similhantes procedimentos foram saõ e
seraõ sempre crimes qualificados contra o decoro nacio-
nal, contra a legitima e gloriosa Regeneração deste Reyno
eontra a reputação dos homens iIlustres, que a empre-
hendêram e executaram; contra a liberdade de cidadãos
impedidos de regressarem á sua pátria, e perseguidos
nos paizes estrangeiros; e contra o credito e fe publica,
inherentes ao character de um Diplomático, e que os
sobredictos Diplomáticos protituiram, com ignomínia
do nome Portuguez; pelos quaes motivos a Commissaõ,
attendando a que os mesmos Diplomáticos naõ só tem
perdido a confiança da Naçaõ, mas tem além disso in-
Miscellanea. 63
corrido na sua justa desapprovaçaõ e censura, he de pa-
recer, qne o Augusto Congresso desapprove e censure a
conducta de todos os Diplomáticos Portuguezes, que tem
procurado infamara Regeneração política da Monarchia,
e practicando hostilidades contra sua pátria e cidadãos
Portuguezes, e como taes os declare inhabeis, para con-
tinuarem suas missoens, e empregos públicos, havendo
por comprehendidos nesta desapprovaçaõ e censura os
sobredictos JOBÔ Anselmo Corrêa; Marquez de Marialva,
D. Joaquim Lobo da Silveira Conde de Oriola; Antônio
de Saldanha da Gama; Francisco José Maria de Brito;
e a todos os Ministros, que se verificar terem passado
ordens aos cônsules Portuguezes, para negarem passa-
portes e despachos ás pessoas e navios, que se dispunham
sair para Portugal, depois das participaçoens officiaes da
Regeneração política deste Reyno; e a todos os Côn-
sules Portuguezes, que tiverem negado aquelles mesmos
passaportes e despachos, por própria deliberação. Encar-
gando-se á Regência do Reyno as diligencias precisas,
para apurar os demais ministros e cônsules, a quem fo-
rem assim applicaveis a desapprovaçaõ e censura, de que
se tracta. Paço das Cortes em 15 de Maio de 1821.
(Assignado.) Luís Antônio Rebello. Joaquim Joze
Ferreira de Moura. Manuel de Serpa Machado. Baraõ
de Molellos. Francisco Xaviar Monteiro.
64 Misccllanea.

Reflexoens sobre as novidades deste mcz.

R E Y N O UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Vinda d,El Rey, para Lisboa.


Aos 3 de Julho entrou S. M. no Tejo, com a Família Real,
havendo deixado no Rio-de-Janeiro S. A. o Príncipe Real, como
Regente daquelle Reyno, e sobre o que diremos ao depois algu-
ma cousa.
Logo que S. M desembarcou, foi com grande pompa á Sé,
aonde se cantou Te Deum em acçaõ de graças; dahi passou á
salla das Cortes, aonde prestou juramento ás Bazes da Consti-
tuição. As Cortes expediram logo decretos, que El-Rey sane-
cionou: 1.° Para que se naõ empregassem estrangeiros: 2.* Para
que naõ desembarcasse o Conde de Palmella, e outras pessoas,
que vinham na comitava d'El Rey ; e 3." Para que se naõ tiras-
sem por agora de seus lugares, o commandante das tropas de
Lisboa, o Intendente da Policia, e outros empregados de consi-
deração.
Em quanto nos naõ chegam os documentos ofliciaes, relativos
a estes importantes factos, daremos a nossos leitores as conside-
raçoens, que nos occorrein, sobre o notável acontecimento da vol-
ta d'El Rey, do Brazil para a Europa.
S. M. tem provado á Naçaõ e a todo o muudo, que cora toda
a sinceridade abraçou o systema constitucional, como aquelle
que todos os bons Portuguezes desejam; por isso que no esta-
do em que se achava toda a Monarchia, somente a adopçaõ de
tal systema podia offerecer a probabilidade de remediar a corrup-
ção geral, que havia contaminado todas as partes da Adminis-
tração. Naõ só a vinda d'El Rey, e o ter elle prestado o jura-
mento saõ prova disto; e prova mui exuberante; porque nada
obrigou pela coacçaõ, a que El Rey viesse a Lisboa prestar jura-
mento ; foi isso acto mui voluntário de sua parte : mas lambem
no officio do Secretario de Estado, que publicamos a p. 10, de-
clara naõ sô isto mesmo, mas se oppoem directamente a que os
Miaccllanea: f55

Soberanos AUidos se intrometiam em tal arianju, e manda a seus


Ministros nas Cortes Estrangeiras, que façam constar esta sua
Real declaração, aonde convier.
Isto posto, está acabado todo o pretexto, que poderiam allegar
os inimigos da Constituição, tanto internos como externos; que
pretendiam aliegar com a falta de concurrencia do Soberano,
para tam útil reforma. Estaõ acabados os temores de que El
Rey pudesse servir de ponto de apoio aos facciosos Cortezaõs,
que olhavam para toda a mudança como termo de suas usurpa-
çoens. Cessou todo o pretexto, e os que daqui em diante ainda
se attreverem amachinar contra o Systema Constitucional, seraõ
tanto contra a Naçaõ como contra El Rey.
Tudo agora depende das Cortes. Tem ellas um Rey benéfico,
amante de sua Naçaõ, prompto a fazer por ella todos os sacrifí-
cios, em fim dotado de todas as qualidades, que se podiam de-
sejar em similbante crize. Tem as Cortes por si a decidida
opinião publica, tem os votos das pessoas bem intencionadas de
todo mundo, tem a vantagem das ideas do século.
Com todas estas circumstancias favoráveis, < que tremenda
responsabilidede naõ encorrem os Membros daquelle Congresso ?
Nem a geração presente, nem os vindouros, lhes perdoarão jamais,
se naõ lançarem agora com suas leys as bazes da prosperidade
da Naçaõ. Nunca povo algum tentou a sua reforma política com
mais propícios elementos, e por isso nunca a infâmia seria mais
negra, do que se as Cortes de Portugal omittissem aproveitar-se
de tantas occurrencias auxiliadoras.
Seria impracticavel, que em uma Asseroblea, como saõ as
Cortes de Portugal, deixassem de haver Membros mais ou me-
nos Iiberaes; nem he mesmo de esperar, que todos se achem
despidos dos prejuízos de educação, e do contagio de ideas erra-
das, que um Governo degenerado tinha espalhado com pródiga
e astuta maõ, por centenas de annos. Naõ he também seguro
que os membros mais illustrados, e mais virtuosos, tentando
libertar-se de seus prejuízos nacionaes, naõ cairaõ, mesmo em
seus louváveis esforços, no extremo opposto, pois tal lie, muitas
VOL. X X V I I . N" 158 i
Q-g Miscellanea.
vezes a sorte da fraqueza humana; mas deve confessaT-se, que
em uma Naçaõ absolutamente alheia de formas de liberativas, os
debates e o procedimento das Cortes tem sido marcados com uma
ordem verdadeiramente prodigiosa, e que nem a mesma França,
no tempo da Revolução, e que se lisongeava de ter chegado ao
cume da civilização, teve meio de conseguir, como se prova
pela confusão em que suas assembleas publicas repetidas vezes
se acharam envolvidas.
Nestes termos a vinda d'El R e y para Lisboa, he ornais favo-
rável acontecimento, que se podia desejar; e este seu acto vo-
luntário merece a gratidão de toda a naçaõ, e os applausos de
todos os homens cordatos : se El Rey até aqui governava por seu
poder, daqui em diante governará pelo obséquio voluntário, pela
submissão livre de todos os povos ; e entaõ nada ha, que possa
disputar o titulo de um throno, a quem os mesmos governados
apoiam, que nada e x i g e , porque tudo se lhe presta.
Convém, porém, que as Cortes continuem sempre a honrar,
como até aqui tem feito, a Majestade,* porque dahi depende a

* Havendo sido desafiados (Portuguez N.° 69. p, 231.) para mostrarque


houvesse um documento anterior a Carlos 5.° donde se colha que se dera
Vossa Majestade aos Reys, como titulo e tractamento, parece-nos, que
he de nossa obrigação satisfazer a isto.
Justiniano naõ somente diz no começo das Institutas Imperatoriam Ma-
jestatem, fallando do Imperador, mas por isso mesmo que os Imperadores
Romanos tinham assumido este tractamento, que d'antea só usara o Povo
e Senado Romano, também pela applicaçaõ da ley Julia de Maj. o crime
de Lesa Majestade acompanhou o titulo e foi applicavel âs offensas contra
o Imperador.
Quinto Curcio, referindo no Liv. 7. a falia de Amyntas a Alexandre, lhe
fez dar o tractamento de Majestade nestas palavras. N6i, Rex, termo-
nis adversus magestatem tnam Iiabiti nullius conscii tumut.
Agobardus, de Insol. Jud. dirige ao Imperador Ludovico Pio esta» pa-
lavras. Dicens Majettatem vestram commotam csscvalde, adverium me
propter Judeos.
Carlos Calvo, Rey de França, em um Diploma na obra de Petardo p.
4S. diz assim:— Isaac Lingonensit Ecclesice reverenius Antlttes, ad
nostram te colligens Majestatem, humiliter postulavit, %c.
Miscellanea. 67
manutenção da ordem publica, e esse respeito em nada se op-
pôem á responsabilidade de seus Ministros, que he tudo o neces-
sário, para impedir as prevaricaçoens, pois estas nunca podem
provir d'El Rey,
As honras feitas â Majestade saõ de facto dedicadas ao Cabe-
ça da Naçaõ, ao Poder Executivo, e ao movei primário da or-
dem publica. O povo todo, pois, participa destas honras, e
dos benefícios que se seguem da permanência de tal ordem.

No mesmo Petardo se acha outro exemplo a p, 160; e a cada passo em


Fileaacum, in Querella Eccles. Gallicanse.
Naõ só os Reys e Imperadores se attribuiram o tractamento de Majes-
tade, mas alguns Papas, e Arcebispos, e Príncipes Soberanos, que naõ
eram Reys, muito antes do Imperador Carlos 5°.
Em 1114, Hugo, Conde de Champanha finda uma carta de doaçaó ao
Convento de S. Remigio, dizendo que a mandara sellar sigillo magesta-
tis nottrve. Acha-se este documento em Mabillon Dipl. Lib. 2. c. 6. n. 6,
Em 1463, os Borgundezes, dirigindo-se a Phillippe, Duque de Bor-
gundia se explicam assim:—Confltente* se plura crimina, detida et of-
fentas contra dictum dominum Ducem, et suam Majeatatcm, perperam.
iniqve et indebite perpetrasse, ifC. Acha-se este documento em Math.
Cone. in Carolo VII. p, 657. E o mesmo estylo de Majestade depois a
p.6ôl.
Temos pois que Carlos 5,, em vez de inventar este titulo ou estylo de
de tractamento, o que fez com sua ley pragmática foi-querer restringir
ao Imperador somente o tractamento de Majestade, que outros prín-
cipes usavam: e nem isso conseguio; porque na França Luiz XI: na
Inglaterra Henrique VIII., &c, começaram a usar do mesmo tractamento
de Majestade.
Este tractamento, que fora, como dissemos, só privativo do Povo Ro-
mano, [pois naS ha a palavra Majestade neste sentido, em outra lingua
antiga] e passou aos Imperadores Romanos ao depois, como he expresso
no Cod. Theodos, tt. 1. 1,12,; se deo pelo tractado de Cambray ao Impe-
rador de Alemanha, que pretende ser o suecessor no Império Romano.
Mas no tractado de Crespy se deo ao Imperador Carlos 5.» o tractamento
de Majestade Imperial, e ao Rey de França Francisco I o de Majestade
Real. No tractado de Cambresis apparece Henrique II de França com o
tractamento de Majestade Christianissúna, c Phillippe II de Hespanha
com o de Majestade Catholica.
6*8 Miscellanea.

Regência no brazil.

El Rey nomeou para Regente do Reyno do Brazil, interina-


mente, S. A. o Príncipe Real, e para o substituir, em caso que
falte, a Princezasua consorte. Os poderes, que se lhe conferi-
ram, foram quasi illimitados, e também se nomearam os Minis-
tros para as differentes Repartiçoens.
Se os princípios liberaes do Príncipe Real naõ fossem tam bem
conhecidos, duvidaríamos da propriedade do expediente, de o
deixar governando o Brazil, com tam amplos poderes, quando a
integridade da Monarchia, ou a conservação da uniaõ de todas
as suas partes deve ser o mais importante objecto do Governo,
assim como he o mais ardente desejo de todos os bons Portugue-
zes.
Mas tudo quanto se poderia dizer nesta matéria deixa de ter
lugar, quando vemos publicado, nas gazetas de Lisboa, o se-
guinte extracto de uma carta de S. A. a um seu amigo confiden-
cial :—
"Chegou finalmente," diz a carta," ogrande dia 26 de Fevereiro,
em que tive a felicidade de servir de medianeiro entre meu Pay,
ea Naçaõ, e de me constituírem regenerador da Pátria, cargo que
para mim merecerá eterna lembrança, e me obrigará sempre a con-
correr directamente para felicitar a Naçaõ dos heroes, á qual eu
tenho a gloria de pertencer ; naõ quero contar nesta, que vai em
resposta á sua de 3 de Novembro de 1820, nenhum dos feitos acon-
tecidos desde o dia 26 de Fevereiro até 18 de Março ; porque as-
sento seria um amor próprio sem igual gabar-me a mim mesmo,
até porque nada mais fiz que o meu dever, como Príncipe, e co-
mo vassallo, o qual he concorrer ainda que seja com a própria
vida para a felicidade de uma Naçaõ, que outra igual naõ he co-
nhecida até hoje. Eu aqui fico até pôr a Constituição em mar-
cha, e em exacta observância, depois terei a gloria de ir para lá
entregar-me nos braços da minha amiga Naçaõ, para ter parte
com ella em todas ss suas desgraças ou felicidades, pois me
naõ quero rir, quando ella chorar, que eu penso (e penso bem)
que o Soberano e a Naçaõ constituem um corpo, no qual, em o
Miscellanea. çg
mal atacando uma parte o todo se deve sentir, por amor, e por
uma reciproca gratidão, que entre ambos deve haver. Para prova
do amor que consagro a todos os Portuguezes de ambos os hemi-
spherios, mando ja meu filho Joaõ Carlos, e minha filha Maria
da Gloria, e eu (repito) aqui fico esperando a Constituição, para
que logo que estiver posta em practica nesta ametade do Reyno
Unido, me vá unir a El Rey roeu Pay, e á outra parte da Na-
çaõ, a qual eu anxiosamente desejo felicitar, quanto cabe no
humano poder. Estes saõ os sentimentos, que sempre tive,
como Você sabe, mas que em quauto se aõ rompesse ovêodo
Templo os naõ podia manifestar tam claramente á Naçaõ. Rio-
de-Janeiro 18 de Março de 1821."
A'vista de similhantes expressoens, nenhuma duvida pôde
haver, que o grande poder, que se confiou ao Príncipe, e a po-
pularidade de que elle goza, só seraõ empregados em fomentar
aquella uniaõ de toda a Monarchia, que he a mais segura garan-
tia de sua força e de sua gloria.
O Conde dos Arcos ficou com o Príncipe, como um de seus
principaes Ministros. Houve tempo em que suspeitamos, que o
Conde se unisse com ode Palmella, nas tramas ardilosas, que este
intentava, para obstar á regneeraçaõ da Naçaõ; mas os factos
subsequentes nos desenganam, que o Conde dos Arcos, muito
em seu louvor, se exímio de entrar nos planos do Conde de Pal-
mella, retirou-se de suas intrigas, e obrou de per si. Nestes
termos pede a candura, que publiquemos a differença do nosso
modo de pensar, vistos os factos, que nos corrigem as conjec-
turas.
Achamos que entre outras medidas se levantaram os soldos á
tropa do Brazil por um decreto de 7 de Março; o que se por uma
parte tem conseqüências favoráveis, por outra augmenta as dif-
ficuldades das finanças, que neste momento he matéria da mais
grave importância.
7o Miscellanea.

Expedição para a Bahia.


Quando a cidade da Bahia se resolveo a adoptar o systema
Constitucional, e antes que se soubesse o partido, que nisto to-
maria a Corte do Rio-de-Janeiro, resolveram as Cortes em Por-
tugal mandar ali uma expedição de tropa, que protegesse aquel-
les povos contra algum ataque, que se tentasse, para reprimir o
impulso, que havia recebido a Província. Cessou este motivo
com a declaração d'El Rey a favor da Constituição, mas ainda
assim se julgou conveniente em Lisboa continuar na Expedição,
allegando-se porém com a necessidade de economia, foi resolvido
que naõ entrassem na expedição officiaes cazados, pela despeza
addicional, que causaria o transporte de suas famílias. A Com-
missaõ Militar, nas Cortes, foi de opinião, que se devia per-
mittir, que fossem nesta expedição officiaes casados, e que es-
tes levassem suas famílias, o que necessariamente occasionou o
retardamento da expedição, por ser necessário providenciar mais
navios de transporte.
Devemos notar aqui, que as ideas d'El Rey parece acharem-
se conformes com o projecto das Cortes , porque no officio do
Secretario de Estado, que publicamos a p. 10, se diz, que os
transportes, que acompanhavam El Rey para Lis boa, vinham
destinados a levar tropas para o Brazil.
He notável, que sendo em Lisboa o primeiro motivo da Expe-
dição o providenciar para o caso em que o Gabinete do Rio-de-
Janeiro tentasse alguma cousa conua a Bahia, seja El Rey
mesmo quem agora apoia, sem ainda saber do que se tractava
em Portugal, a idea de mandar tropas para o Brazil.

Liberdade da Imprensa.

Publicamos a p . 3 . o decreto de S. M. expedido no Rio-de-Ja-


neiro aos 2 de Março, pelo qual se regulou provisoriamente a
matéria da Liberdade da Imprensa. Parece-nos, que a compa-
ração do enunciado neste decreto, ainda como medida proviso-
Miscellanea. f\

ria, vai muito além das ideas, que mostraram vários deputados
das Cortes, e ainda do que adoptou a maioridade. Sem duvida
as Cortes de Portugal contemporizaram com prejuízos, que pa-
rece que El Rey naõ teve em grande conta. Mas deste objecto
trac taremos, quando publicarmos a ley, que se fez em Cortes.

Banco do Rio-de-Janeiro.

Pelo documento, que publicamos a p. 13, se vê, que El Rey


mandara negociar na Europa um empréstimo, para salvar o Ban-
co do Brazil, e que desejava hypothecar para isso as rendas da
alfândega do Rio-de-Janeiro, e outras. El Rey fez mais o sa-
crifício de entrar no Banco com suas jóias e baixella, a fim de
sustentar os fundos daquelle estabelecimento.
Ha quem tenha supposto, que as actuaes difficuldades daquelle
Banco, saõ bem merecido castigo de sua prevaricação; e por
isso alguns Deputados, nas Cortes, em Lisboa, naõ só se oppu-
zéram, mas tractaram com escarneo a idea da negociação de um
empréstimo, para salvar o credito de tal Banco.
Nós olhamos para este negecio, em ponto de vista mui diffe-
rente, e por isso tiramos conclusoens também mui diversas : o
Leitor será Juiz, na certeza de que dada nos vai na sentença; e
que nas allegaçoens só termos em vista defender o que nos pa-
rece ser a verdade.
O Banco he naõ somente uma associação dos negociantes e
outras pessoas, que nelle tem acçoens, mas comprehende todos
es mais, que pelo credito da fé publica se comprometteram em
transacçoens com aquelle estabelicimento.
Se os Directores fossem escolhidos livremente pelos accionis-
tas, como éra de seus estatutos; se a escolha fosse mal feita, e
es Directores prevaricassem ; muito embora recaissem as conse-
qüências nos accionistas, que em tal escolha tivessem voto, e
naõ se lhes desse outro desafogo, senaõ o porem suas acçoens e
demandas, segundo as leys, contra esses prevaricadores, que
elles tinham constituído, para administrar sua propriedade.
72 Miscellanea.
Mas o caso naõ he esse. O Governo metteo-se a decidir na
administração dessa propriedade particular. Os Directores naõ
foram escolhidos pelos accionistas, mas sim pelo Governo. O
Thesoureiro Mor de Erário (que he o mesmo que dizer o Gover-
no) dispoz com maõ despotica dessa propriedade. Logo naõ
se pôde com nenhuma justiça fszer recair as más consequen-
ciaas, nos particulares, que em tal rapina naõ tiveram parte.
Ja que o Governo foi o que produzio o mal, o Governo he re-
sponsável por sua reparação. Se em vez de enforcar Tagini,
Targini fica impune : se em vez de fazer os bens do Conde de
Aguiar responsáveis pelo damno que causou ao Banco, taes
bens ficam intactos : se em vez de pedir contas a Thomas An-
tônio, elle he irresponsável pelo que obra com o Banco ; com
que direito as prevariçoens de ou ti em devem recair sobre inno-
centes accionistas, e outros que tiveram contractos com o Ban-
co, estribados na fé publica, na sancçaõ das leys, e na authori-
dade do Soberano ?
O exemplo do Soberano nos parece mag n ifico, cheio de honra
e digno de imitação. Deseja hypothecar as rendas das alfânde-
gas, e entrega as suas jóias < Que mais se podia esperar, que
mais generosidade desejar?
He verdade, que neste acto houve a irregularidade de tentar
hypothecar rendas publicas, o que he parte da administração
das finanças que só ás Cortes deve pertencer, como o mesmo
Ministro d' El Rey confessa em seu officio.
Mas essa irregularidade he meramente accidental, e devida
unicamente a naõ estarem ainda conhecidas as formalidades,
porque taes negócios devem passar ; porém quanto ao essen-
cial, quanto as intençoens, nada achamos nisto, que naõ seja
digno de louvor.
A nossa decidida opinião he, que quantas obrigaçoens contra-
hiojo Governo, tantas a naçaõ deve cumprir; por que quer esse Go-
verno fosse bom quer fosse máo, representa a Naçaõ. Castiguem-
se os prevaricadores, que metteram a naçaõ nessas difnculdades:
mas deixar impunes os culpados, e faltar á palavra do Governo,
Miscellanea. 73

he um acto, que a razaõ desapprova, que a moral condemna, e


que a política chama errado, por ferir a fé publica, que o inter-
esse da naçaõ exige sempre guardar inviolável.

Procedimentos das Cortes.

Entre os actos que se estaõ practicando pelas Cortes em Por-


tugal, e de que damos o resumo de p. 26 em diante, temos de
notar mui particularmente o facto da accusaçaõ feita contra o
Secretario de Estado do Interior, por um Membro das Cortes, e
o ser elle chamado para se justificar perante ellas, como se vê do
abstracto da sessaõ 100. a (p. 32).
Nem o resumo, que nós damos, habilitará o Leitor a julgar
do pezo e probabilidade da accusaçaõ, nem as informaçoens, que
nós mesmo temos, nos põem estado de dar uma opinião nesta
matéria. Mas ao que nos limitamos, e ja isso he mui bastante,
he a notar, por este facto, que a responsabilidade de um Mini-
stro naõ será daqui em diante mero som de palavras; mas que
até os Ministros de Estado, funccionarios da mais alta jerachia,
teraõ de dar conta em publico de sua Administração.
Quando a presente reforma naõ produzisse outro bem, jul-
gamos que este be de assas roagnigtude, para justificar os re-
generadores da Pátria na importante e ariscada tarefa, que tem
emprehendido. O temor de ver o seu character assim exposto
em publico, deve ser poderoso freio contra os mal intencionados:
e este exemplo he tanto mais conspicno, quanto o Ministro naõ
éra accusado de alguma prevariçaõ, e o mais que delle se disse
foi, que éra frouxo na execução de seus deveres.
Mas naõ param aqui os exemplos desta responsabilidade. No
resumo dos procedimentos da sesseõ 101. (p34) vera o Leitor,
que um indivíduo prezo pelo Jniz de Fora do Torraõ, foi mandado
soltar, e se determinou a mais rigorosa indagação sobre este
procedimento, suspendido logo o dicto Juiz de Fora.
Sobre o Governador das Ilhas dos Açores, Stockler, se de-
V O L . X X V I I . N . 158. K
74 Miscellanea.
liberou também nesta sessaõ, reraettendo-se os papeis á Com-
missaõ do Ultramar, para informar com seu parecer, € naõ du-
vidamos, que aquelle Governador seja obrigado a responder por
seu comportamento.
As Cortes na sua sessaõ 102.» deram providencias, para
melhorar a legislação dos recusos á Coroa; e determinaram que
se abolisse o uso de darem os Desembargadores as suas ten-
çoens em Latim; e na sessaõ 102.» também resolveram, que se
concedesse revista aos processos do infeliz Gomes Freire, e ou-
tros justiçados, pagando o Erário as depezas desta revista. Acto
de humanidade, que fará enchugar as lagrimas a muitos honra-
dos Portuguezes.
Na sessaõ 113» se deo principio a importantes reformas ateis
nas finanças, tomando-se em consideração os ordenados, pen-
soens. &c. matéria em que se encontrarão para remediar, abu-
sos da mais conspicaa negligencia.
Nem saõ somente os empregados públicos os que tem da ap-
parecer em publico, por suaa faltas : ua sessaõ 195 se fez ac-
cusaçaõ contra certo Fletcher, e supposto que por via ordi-
nária taes negócios naõ pertencem ás Cortes, com tudo assim
extraordinariamente bem approposito se publicou o caso, que
foi remettido á Regência, para delle tomar conhecimento, segun-
do as leys.
A Regência naõ tem deixado de obrar no mesmo sentido, a
respeito dos empregados públicos; porque dimittio ja alguns
Desembargadores poi indignos, aposentou outros como menos
capazes, • por oceasiaõ do incêndio, que houve nas Casas do Ti r-
reiro, do Paço aonde faziam suas sessoens alguns Tribuuaes, ti-
rou os lugares ao Inspector dos lneendios, que naõ tinha as
bombas em devida ordem ; aos presidentes do Juncta da Com-
mercio, e da do Estado de Bragança, por naõ darem logo parte
daquelle infortúnio, e deo ao mesmo tempo louvoures a D. Mi-
guel Antônio de Mello; porque sendo simplesmente Deputado
e naõ Presidente do Conselho da Fazenda, tomou sobre si o fa-
zer esta communicaçaõ á Regência.
Foi também demittido o Secretario da Janela de Commercio
Miscellanea. 75
Jozé Accursio das Neves; demissão de um indivíduo, que mais
a merecesse, naõ podia ter lugar. Tracta-se também de abolir
todo o Tribunal, porque muitos Deputados de Cortes o julgam
peior que inútil. Nos imputaríamos a falta mais aos membtos
do que a á instituição.
A providencia, porem, que nos parece mais adequada, para
extirpar as fontes da antiga corrupção, he a que se contém na
seguinte portaria da Regência, pela franqueza com que expõem
eeus motivos, e pelo exemplo, que abre, para ser seguido, como
deve ser, em todos os mais casos análogos :

Portaria.
" Constando á Regência do Reyno, que o Juiz de Fora da
Villa do Crato, Manuel Monteiro da Fonseca Quaresma, naõ ob-
stante ter prestado o juramento ás Bazes da Constituição e ex-
ecutar promptamente as ordens, que lhe saõ dirigidas, se mani-
festa por sua própria confissão pouco addido ao Systema Con-
stitucional, declarando elle mesmo por escripto, que lhe custa a
conceber, que a presente forma de Governo seja a preferrivel á
pretérita; e sendo necessário, que a authoridade publica esteja
depositada em maõs, que naõ vacillem, mas sustentem firme-
mente a causa da Naçaõ, empenhada em fazer seguro e estável
aquelle systema ; a Regência do Reyno, em nome d* El Rey o
Senhor D. Joaõ VI. ha por bem dimittir do serviço o mencio-
nado Juiz de Fora do Crato, Manuel Monteiro da Fonseca Qua-
resma. A Juncta do Estado e Sereníssima Casa do Infantado,
e mais authoridades, a quem competir, o tenham assim exten-
dido e executem e façam executar. Palácio de Regência, 14 de
Junho de 1821.— S. Luiz. Carvalho. Cunha. Oliveira.'
Parece-nos que se deve fazer, como nesta portaria se faz,
grande distineçaõ, entre as opinioeus de um particular, que aa
naõ reduz á practiça, e as de um empregado publico, cujas ac-
çoens, expressoens, e modo de pensar nunca se podem reputar
indifierentes, em matérias desta natureza.
Ao particular deve ser livre o pensar como lhe parecer dos
negocies públicos; seus erros naõ saõ de conseqüência, em
70 Miscellanea.
quanto elle naõ passa a actos; mas quanto aos empregados,
quaesquer que ellés sejam, he evidente que devem ter ideas
favoráveis ao Systema Constitucional, para que possam ser úteis,
formando alguma parte da Administração, que tem de susten-
tar esse systema.
Seja livre aos indivíduos o pensar como melhor souberem,
sobre os negócios públicos, mas o systema constitucional nunca
poderá prosperar, se se soffrerem nos encargos públicos aquelles,
que lhe naõ forem bem affectos. Esta regra naõ deve admittir
excepçoens.
Mas os abusos acham-se de tal modo arraigados na naçaõ, que
he necessária uma força verdadeiramente Hercúlea, para os ar-
rancar. Vê-se isto pela Administração do Correio, aonde, a pe-
zar das Bazes terem determinado a inviolabilidade das commu-
nicaçoens particulares, se continuam a abrir as cartas, mesmo
aquellas, que saõ dirigidas a Membros das Cortes, como se vê
dos debates na sessaõ 107.
Isto naõ pôde provir, senaõ das intrigas do partido anti-con-
stitucional, que, tendo ainda d'entre os seus muitos emprega-
dos, acha meios de practicar essas traças, para indagar do que se
passa, e tirar disso vantagem. Mas as Cortes mandaram de-
vassar deste caso para lhe dar o remédio, o qual porém julga-
mos que nunca será efficaz, em quanto se naõ cuidar em que o
character dos empregados seja conforme aos princípios consti-
tucionaes.

Educação Publica.

Com muito Prazer vemos que as Cortes na sessaõ 112 re-


geitaram o parecer da Commissaõ, que recommendava a prohi-
biçaõ de mestres das primeiras letras, que naõ tiverem sido ex-
aminados.
Aos pays de família compete a escolha de mestres para seus
filhos, e ninguém a pôde fazer melhor que elle». A voz pu-
blica naõ tarda em indicar, quem saõ os melhoras, e todas ai
Miscellanea. 77

prevençoens do Governo a este respeito, naõ saõ mais do que


outros tantos entraves á propagação das letras.
Os mestre a quem o Governo paga, para ensinar de graça a
mocidade, o Governo que os examine ou mande examinar, para
ver se saõ capazes de seu emprego; porque nesse caso incumbe
ao Governo fazer para sua escolha as mesmas indagaçoens, que
o pay de famílias tem de pôr em practica. Os mestres das
sciencias, a que poucos podem chegar, e que o Governo também
paga, o Governo, que lhe prescreva os exames que julgar ne-
cessários, para se satisfazer de sua aptidão antes de os nomear ;
mas aquelles que os pays de familia escolhem e pagam para o
ensino de seus filhos, só a quem os emprega pertence o decidir
do modo de conhecer de sua habilidade.
Este parecer da Commissaõ mostra resaibos dos antigos prejuí-
zos, sobre a limitação dos estudos e monopólio Jezuitico das
sciencias: a decisão das Cortes faz honra aos conhecimentos do
nosso século.

Diplomáticos "Portuguezes.

Publicamos a p. 53 o relatório da Commissaõ das Cortes so-


bre os Diplomáticos Portuguezes, que conspiraram contra sua
Pátria; c nas sessoens 107 e 108 os resumos dos debates nesta
matéria.
Parece-nos bem estranho, que havendo o relatório cbaracteri-
zado o comportamento daquelles Diplomáticos como criminoso,
se levantasse a difficuldade de naõ haver ley por que fossem cas-
tigados. He argumento absolutamente novo, que uma Naçaõ
contra quem algum indivíduo offende declare, que naõ tem meios
legaes de proceder contra o offensor. Se uma offensa contra toda
a Naçaõ he imprevista pelas leys, leys se devem crearpro re
nata ; do contrario chegaria o caso em que uma naçaõ deveria
perecer, por naõ houver ley estatuída, que autborizasse os
Magistrados a impedir o mal.
Naõ entraremos nos argumentos jurídicos deste ponto ;porque
_8 Miscellanea.
elles foram assas explicados nos debates das Cortes ; mas quan-
to ao expediente politic o, parece-nos, que naõ pôde haver mais
claro abuso das funcçoens de um embaixador, do que assumir a
authoridadede deliberar e decidir sobre as mudanças de Governo,
que possam ter lugar em sua Pátria, em quanto elle se acha em-
pregado em uma Corte Estrangeira, Quanto á intenção, está
claro, quese as medidas de pôr em bloqueio Portugal, tivessem
produzido o êxito,que esses Diplomáticos desejavam, a reforma
do Governo seria suffocada, e por conseqüência aquelles, que a
meditaram e a intentaram, sendo tractados como rebeldes, paga-
riam com suas vidas a temeridade de seu patriotismo.
Propoz a Commissaõ que os taes Diplomáticos fossem de-
clarados incapazes de servir em seus Ingares. Se a isto sóm ente
chega a providencia das Cortes, pouco adiantadas vam na ma-
téria ; porque a demisaõ de taes homens he tanto de tarifa, que
El Rey estaria em contradicçaõ com sigo mesmo se o naõ fi-
zesse. Porem olhando para as difficuldades, que tem de encon-
trar uma naçaõ, quando intenta uma reforma de tal magnitude,
que abraça até os princípios fundamentaes do Governo, poupar
os coriféos do systema abolido he deixar solapados os alicerces
do edifício que se pretende levantar.
Na marcha de moderação, que tem adoptado as Cortes, tanto
em seu louvor, naõ cabiam castigos sanguinários contra esses
homens, que machinaram suffocar na nascença a planta da li-
berdade da Pátria, mas permittir que elles continuem a gozar
dos bens, que essa mesma Pátria lhe assegura, para os empre-
gar em intrigas contra ella, he uma imprudência, em que naõ de-
veria incorrer o povo mais desapprecatado do mundo.

Conde de Sabugal.
Suscítou-se nas Cortes uma questão, que supposto seja de
pouca monta, em quanto respeita um so indivíduo, he impor-
tante pela matéria geral que envolve. O Conde de Sabugal,
por ter sido dos afrancezados, acháva-se desterrado da Corte por
Miscellanea. 79
ordem d' El Rey» quando aconteceo a Revolução; mas a abrigo
desta voltou a Lisboa: e nisto fez-lhe conta a Revolução ; mas
quando a mudança foi a favor do povo, e naõ dos fidalgos, de
tal modo se portou o Conde de Sabugal a respeito do systema
constitucional, que a Regência se vio obrigada a mandar-lhe que
saísse de Lisboa, e fosse para o destino, que El Rey lhe havia
determinado, até que essa ordem fosse legitimamente revogada.
Entaõ appellou o Conde, outra vez, para essas authoridades revo-
luciona/as, que desapprovara, queixou-se ás Cortes do compor-
tamento da Regência, e foi esta obrigada a justificar-se perante
as Cortes.
Ora aqui temos um bom exemplo, do patriotismo daquella
classe de homens : toda a mudança he boa, em quanto pode fa-
vorecer os interesses da Aristocracia; cessa de ser boa, quan-
do protege o bem publico, e torna a ser boa quando pôde, com
o pretexto da administração da justiça, livrar esses mesmos in-
divíduos do que se suppoem vexame.
Mas todo este comportamento do afrancezado Conde de Sa-
ougal se achara mui coherente, quando se considerar, que se
elle seguio o partido Francez na guerra contra Portugal, assim
também o Conde de Palmella foi um dos que assignou a peti-
ção para pedir um Rey a Bonaparte, e foi este mesmo Conde de
Palmella quem aconselhou ao de Sabugal, que se aproveitasse da
Revolução para quebrar a menagem, em que se achava por or-
d' EI Rey, e vir a Lisboa, para se offerecer a servir contra os
rebeldes do Porto, como lhes chamou a proclamaçaõ aconselha,
da por esse Palmella á passada Regência. Ex uno discite om-
nes.

Partido anti-Constitucional.
Referimos o Leitor á falia do Deputado em Cortes, Castello
Branco, sobre o incêndio em Lisboa, para que ajuize da opinião
que em Portugal se faz dos anti-constitucionalistas; e dos estra-
80 Miscellanea.
tagemas a que tem recorrido, com suas cartas anonymas e amea-
çadoras.
He mui possivel, que alguns edifícios sejam queimados por
esses incendiaiios : he tam bem possivel, que um ou outro de-
putado seja assassinado ou envenenado por esses sanginarios;
mas dahi se naõ seguiria mal algum ao systema constitucional,
antes nos parece que de taes atrocidades, como as que se amea-
çam, só resultaria maior ódio contra tal partido, e mais affeiçaõ
ás formas constitucionaes.
O mesmo expediente dessas vinganças particulares provaria a
injustiça de sua causa; e faria sair da apathia aos que se mos-
tram indifferentes. Mas naõ dizemos o mesmo das tramas de
maior importe, que atraiçoadamente se dirigem a desacreditar a
nova ordem de cousas. Ataques indirectos, dirigidos por maõs
astutas, podem surtir mais effeito, do que talvez pensam muito
dos mais bem intencionados membros das Cortes; e se conside-
rarmos os materiaes, que vieram na esquadra do Rio-de-Janeiro,'
os que existem no seio de Portugal, e os que se combinam em
Cortes Estrangeiras, assas objectos haverá em que empregar
bastante vigilância.

Montevedio.

O seguinte extracto de uma carta de Montevedio, he datado


de 24 de Maio, e mostra os sentimentos das tropas Portuguezas
naquella guarniçaõ, análogos aos das demais em todos os pontos
da Monarchia Portugueza. Perdemos a paciência, com o ab-
surdo modo por que o Gabinete do Brazil conduzio os negócios
de Monte Vedio, se o seu comportamento foese devidamente
examinado, naõ haveria castigo demasiado áspera para tam
grosseiros erros. Mas he chegado o tempo de se olharem pelos
verdadeiros interesses da Pátria: no entanto exaqui o que diz a
carta, sobre o presente estado de Montevedio.
" Presenciamos aqui uma oceurrencia de alguma importância,
e que poderá dar origem a conseqüências interessantes. Aos
Miscellanea. 81
20 do corrente ao romper do dia, quasi toda a guarniçaõ, posta
em armas, occupou os principaes postos, tendo á sua frente o
coronel Claudino Pimentel, com o fim de jurar a Constituição
promulgada era Portugal. Alguns dos Principaes officiaes eram
de differente opinião política, mas o ajunctamento foi arranjado
com tal segredo, que esses naõ tiveram a menor informação, e
foram tomados por surpreza, mas sendo chamados para a praça
foram obrigados, ou por medo, ou por mudarem de opinião, a
ceder ao impulso. O General Lecor foi também chamado para
presidir ao acto, mas foi preciso três recados antes que viesse,
e por fim appareceo na janella da Casa da Cidade. Na procla-
maçaõ, que se fez ás tropas se fez á offefta de cumprir com a
promessa, que lhes fez El Rey, de que voltariam para Portugal.
Portanto será necessário que este exercito volte para a Europa,
e comohe quasi impossível levantar outro para vir para aqui, no
Brazil, a conseqüência provavelmente será que esta fortaleza e
território seraõ evacuados. Presentemente a Juncta Militar,
que se formou para governar, he presidida pelo General Lecor, e
tem por membros Claudino Pimentel, Vice Presidente; Major
Nepomuceno; Capitaens Plana e Jeremias."

Maranhão.

Parece que o comportamento do actual Governador do Mara-


nhão, que ja fora olhado com approvaçaõ pelas Cortes de Lisboa,
naõ tem merecido menos reconhecimento do povo daquella provín-
cia, como se vê da seguinte communicaçaõ, que nos foi remet-
tida : datada do Maranhão aos 5 de Maio deste anno.
" Que o Corpo do Commercio desta cidade do Maranhão, tendo
em consideração o muito, que deve ao Illustrissimo e Excellen-
tissimo Senhor General Bernardo da Silveira Pinto, hoje Gover-
nador Provisório, fizeram encommendar por via do Negociante
Jozé dos Reys Brito, ao seu Conrespondente em Liverpool, An-
VOL. XXVII. N". 158 i
g2 Miscellanea.
tonio Pedro Fortunato, uma espada do valor de 2:400.000 reis,
para a offerecer ao mesmo Senhor."

AMERICA-HESPANHOLA.

As operaçoens da guerra tornaram a começar em Caracas,


logo que se deo por expirado o armistício. Os GeneraesHespa-
nhoes Morales e La Torre concentraram as suas forças cerca de
Valencia e Calabozo, deixando a cidade de Caracas sem protec-
çaõ. O General Bermudes, commandante de uma divisão de
Bolívar, aproveitando-se desta circumstancia, marchou contra a
cidade com 1.200 homens, havendo encontrado um corpo avan-
çado de 300 Hespanhoes derrotou-o, e fez o mesmo ao Governa-
dor, que vinha em seu auxilio com 600 homens. O Governador
voltando a Caracas convocou a Juncta Provisional de Governo, e
expondo-lhe o estado de desemparo em que se achavam, foi re-
solvido, que se entregassem, como fizeram, por capitulação.
Os adherentes do Governo Hespanhol retiraram-se logo com o
que podiam levar com sigo para o porto de La Guayra, aonde se
embarcaram a procurar azylo nas ilhas.
Depois disto os Independentes soffreram em seu turno uma der-
rota; porque, depois de haverem estado de posse da cidade de
Caracas por 12 dias, foram delia expulsados aos 25 pelos Real-
istas, que também se tornaram a apossar de Ia Guayra, a tem-
po que o General Bolívar havia feito uma juncçaõ de suas tropas
com as do General Paez, em Varinas, meditando um ataque con-
tra S. Carlos.
Naõ obstante os esforços da Deputaçaõ Americana em Madrid,
parece que este negocio ficou adiado para a futura sessaõ das
Cortes. Os Deputados Americanos fizeram saber as mesmas
Cortes, que toda a America estava disposta a uma revolução ge-
ral, mas que esta só se demorara, esperando a resolução das
Cortes sobre a organização política do Novo Mundo. Com tudo
delongando-se esta decisão indefini tamente, perderiam os povos
da America a paciência, e obrariam segundo os planos em que
tinham accordado.
MisieUanea. 83

BONAPARTE.

Este indivíduo morreo, na sua piizaõ de Sancta Helena, aos


5 de Maio deste anno. He impossível, que um homem, que
chegou ao auge de grandeza e domínio, a que todos, os que
agora vivemos, vimos elevado Bonaparte, deixasse de ter grande
habilidade na sua profissão militar, grande sagacidade no co-
nhecimento do homens, e grande prudência no seu comporta-
mento; quaesquer que fossem os acontecimentos imprevistos (a
que se chama fortuna) de que elle se aproveitou; porque até o
saber aproveitar esses acontecimentos imprevistos he sempre
de grande louvor aos homens.
Que Bonaparte naõ fez, nem á sua naçaõ nem á Europa, o
bem que podia fazer, antes tendeo sempre a destruir tudo quan-
to favorecia a liberdade, e a fomentar tudo quanto podia ar-
reigar o despotismo, he a queixa que contra elle sempre tive-
mos, e naõ duvidamos, que a posteridade lhe dará o mesmo
character; quanto a nós tam detestável, que nem todo o ex-
plendor de suas victorias, nem todo o lustre de sua mag-
nificência, nem toda a grandeza de seus edifícios, pontes
estradas, medalhas, pinturas, gravuras, e mais obras das
artes, executadas sob os auspícios de seu governo, servirão quan-
to a nós, sequer de leve compensação ao grande crime de tentai
abafar o germen da liberdade nascente da Europa—liberdade
que he o mais precioso dom do homem, que nem a mesma Di-
vinidade se propôz quartar, quando o podia fazer na creaçaõ.
A influencia política da morte de Bonaparte he qnasi nulla.
Seu nome ja naõ tinha importância nos partidos da França, por-
que suas victorias haviam sido obscurecidas por sua denota em
Waterloo; por uma conseqüência daquella fatal injustiça por
que os homens insensatos se põem sem pie da paite do vence-
dor.
Alem disto o brilhantismo das conquistas de Napoleaõ oflusca-
va a vista de muitos ; mas o seu character moral agradava a mui
poucos; sua conducta política desgostava a todos ; seu despo-
tismo tia o escândalo do univeiso.
84 Miscellanea.

Se assim falíamos de um morto, lembramos a nossos Leitores,


que tal foi sempre a opinião que tivemos do indivíduo durante
sua vida; e que temos o mesmo direito de julgar de seu charac-
ter, agora que a morte o entregou à historia, como podemos fal-
lar de César, de Hanibal ou de Bajazeto.

FRANÇA.

A discussão mais importante das Câmaras, que temos a men-


cionar, he a que se passou a respeito da Censura previa nos es-
criptos impressos. Mr. Courtavel propoz uma emenda, que
foi approvada depois de longo debate, pela juncçaõ dos votos
da direita e esquerda contra os ministerialistas e o centro; ten-
do esta emenda por objecto prolongar a censura previa dosjor-
naes somente até três mezes depois da abertura da seguinte
sessaõ das câmaras. Passou esta ley assim emendada, depois
de renhida contenda, por uma maioridade de 214 votos contra
112; pequena difierença em tam importante objecto, mas assas
grande para mostrar a opinião, que sobre isto se entretem na
França.

HESPANHA.

As Cortes pediram a El Rey, que as convocasse exlrordina-


riamente, accaba a sua sessaõ, a fim de concluir vários traba-
lhos, que tinham entre maõs. El Rey respondeo, que consul-
taria sobre isto o seu conselho de Estado, e depois de alguma de
liberação foi decidido fazer-se esta convocação extraordinária
das Cortes aos 2 de Julho; demaneira, que naõ haveráinterup-
çaõ em seus procedimentos. As Cortes se ajunctaraõ extraor-
dinariamente e concluirão sua sessaõ no 1.° de Outnbio. No 1.°
de Maio seguinte será a sua sessaõ regular.
Imprimio-se o projecto do Código criminal, que deve ser
discutido nas Cortes. Imita o Código Francez, mas naõ con-
responde á expectaçaõ dos homens intelligentes na matéria.
Classifica as iiifiacçoens das leys em crimes e culpas, divisão
Miscellanea. 85
inexacta, e a que pouco se attende no decurso do mesmo Códi-
go. Divide os castigos em corporaes, naõ corporaes e pecuniá-
rios. Entre elles se acham 1.° a morte. 2.° o trabalho perpetuo
8." o desterro. 4." o extermínio perpetuo. 5." os trabalhos pú-
blicos temporários. 6.° as galés. 7.° a prizaõ. 8.° o pelouri-
nho. 9.° a exposição durante a sentença de morte. 10." reclusão
em fortalezas. 11." a expulsão de certo districto particular per-
petua. 12.° esta mesma expulsão temporária.
Os anticoiistitucionaes em Hespanha, posto que pouco nume-
rosos, naõ tem ainda cessado em suas machinaçoens, e emSevi-
Iha se descubrio uma conspiração, de que éra chefe D. Isidoro
Mir, que foi prezo com outros associados, e cujos planos tinham
ramiãcaçoens em outras partes da Hespanha. Preparavam um
exercito chamado da fé, de que o Brigadeiro Mir seria o Cabeça :
Zaldivar havia com seu bando reforçar este exercito, e declara-
riam ao Rey absoluto e independente.
Na discussão, que houve nas Cortes, á cerca da redacçaó dos
dízimos, se apresenton um calculo, segundo o qual havia em
em 1788, 17.000 frequezias, e 15.000 parochos ; isto he 2.000
menos do que se necessitam ; havendo 47.000 beneficiados, e
48.000 religiosos; de forma que, á proporção que ha muitas
frequezias sem pastor, poderia haver sette destes em cada uma,
distribuindo melhor os sacerdotes actuaes. Similhante desigu-
aldade ha na demarcação dos Arcebispados e Bispados. Dos pri-
meiros alguns tem 8 suffraganeos, como o de Toledo, e com 12
como o de Sant lago ; quando os de Sevilha e de Granada só
tem dons. O Arcebispo de Burgos tem 1509 pias, e o de Se-
vilha 255 : alguns tem só 34 e 16. Com tudo o calculo dá um
ecelesiastico para cada 47 homens.

INGLATERRA.
O Parlamento Britânico acabou a sua sessaõ aos 11 de Julho,
e foi prorogado por uma falia dos Commissarios d'El Rey.
Seguio-se a isto a Coroaçaõ de S. M. que teve lugar aos 19,
com toda a pompa e magnificência. El Rey depois da ceremonia
da Coroaçaõ, na Igreja da Abbadia de Westtninster, jautou em
publico no extenso sallaõ chamado Westminster Hall, aonde tam
cg Misce llanea.
bem comeram em separada meza todos os grandes, que por sua
graduação tinham direito a esta distincçaõ.
A exteasaõ e variedade de actos de tal funcçaõ, exclue a pos-
sibilidade de que demos a nossos Leitores se quer um resumo do
que se passou naquelle dia.

Commercio da Escravatura.
Occupadas como estaõ as Cortes de Portugal, em matérias de
tam immediata necessidade, mal podemos esperar que sua atten-
çaõ se distraha para o objecto do Commercio da Escravatura,
cujas conseqüências saõ um tanto remotas, posto que por isto
naõ deixem de ser de grandíssimo pezo para os interesses do
Brazil.
Com estas consideraçoens, do que se poderá fazer mais ao di-
ante, julgamos que devemos deixar aqui registrado o que se pas-
sa agora em Inglaterra a este respeito. O Parlamento Britânico
occupou-se nesta sessaõ, mui seriamente, com o objecto do trafi-
co da escravatura, e se lhe apresentaram factos da mais revoltan-
te atrocidade, comettidos por alguns navios Francezes, empre-
gados na compra e transporte dos escravos de África. Pelo que
se adoptaram na Casa dos Communs as seguintes resoluçosns.
l. a Que todo o producto dos navios e cargas, pertencentes a
subditos dos Reys de Hespanha, Portugal, ou Raizes-Baixos,
respectivamente, capturados por se acharem occupados no illicito
trafico de escravatura, em violação da Convenção feita com
aquelles estados, seja relaxada pelos Lords Commissarios do
Thesouro de Sua Majestade aos captores dos mesmos, em todos
os casos em que tal pioducto se haja de distribuir actualmente
pelos captores.
2. a Que a metade do producto dos vasos e cargas, pertencen-
encentes a subditos dos Reys, de Hespanha, Portugal ou Paizes-
Baixos, respectivamente, empregados no trafico illicito de es-
cravos, em violação da convenção feita com aquelles Estados,
seja concedida pelos Lords Commissarios do Thesouro de S. M-
aos seus captores, em todos os casos em que tal producto aiuds
naõ esteja distribuído pelos captores.
Misctllanea. 87
3.a Que se dê aos captores de taes vasos, um prêmio de dez
libras, por cada escravo perdido, por se achar a bordo de navios
pertencentes a subditos dos Reys de Hespanha Portugal ou
Pàizes-Baixos, respectivamente, capturados por se acharem
empregados no illicito trafico de escravatura, em violação da
Convenção feita com aquelles Estados.
Ora claro está, que a concessão de taes prêmios estimulará
os officiaes de Marinha a prevenir o trafico da Escravatura; e
os resultados devem ser importantes ao Brazil.

TURQUIA

Entre os phenomenos de nosso século tara cheio de aconteci-


mentos estrondosos, deve ter mui conspicuo lugar a seguinte
noticia de Constantinopla datada de 28 de Maio:
" Em um Conselho do Divan, aos 5 de Maio, se resolveo una-
nimemente, que daqui em diante o corpo de Janizaros fosse re-
presentado no Divan (ou Conselho de Ministros) por três mem-
bros escolhidos dontre o seu corpo. Esta medida, que talvez de-
cidirá a preservação do poder Turco, foi iecommendada por Ju-
suf, Aga dos Janisaros, á Porta. Este homem he conhecido por
suafidelidadee experiência. O primeiro Divan, a que assis-
tiram os três representantes dos Janizaros, foi aos 15 de Maio, e
nelle se resolveo; que o exercito Ottomano se organizasse á ma-
neira dos Europeos, consentindo nisto os Janizaros, com duas
condiçoens. l. a Que se naõ alterasse o vestido da tropa: 2.*
Que se evitasse o detestável nome de Nizum Dge dib, que cus-
tara a vida ao excellente Selim, e se adoptasse em lugar delle
outro nome mais apropriado."
Temos pois, que até os Turcos tem reconhecido as vantagens
de nm systema representativo, para dar energia ao Governo;
posto que nos Estados Christaõs civilizados ainda ha Turcos em
conhecimentos, que se pretendem oppor a tal systema.
Quanto á insurreição dos Gregos, sabe-se que o novo Patriar-
cha foi chamado ao Divan para dar a sua opinião ; o que elle
fez com muita dignidade, e produzio algum effeito.
A Porta mandou aos Estados da Barbaria, que enviassem
çg Miscellanea.

seus navios armados, para se unirem á frota Ottomana. O


Embaixador lnglez declarou, que a sua Corte naõ podia per-
roittir, que os Corsários Barbarescos entrassem no mar Ionico,
cujos portos lhes seriam vedados, pelas terríveis conseqüências
que podem resultar ao commereio, de se soltarem ao mar aquel-
las naçoens de piratas.
A insurreição das provincias Gregas continua a extender-se
em vez de diminuir, e abrange a Pharsalia, Larissa e Salonica.
He verdade que se aunnnciam nas gazetas de Vienna algumas
victorias parciaes dos Turcos, contra vários corpos do Príncipe
Ypsilante, mas o character geral das vantagens dos insurgentes
naõ soffre diminuição, porque ate na Syria juneto ao Monte Líba-
no apparecem movimentos revolucionários, e muitas das ilhas
do Archipelago tem avorado o estandarte da revolta. Os revo-
luconarios Gregos tem também j a uma força naval, que se mos-
tra superior á dos Turcos, e estes só tem mostrado o seu enthn-
siasmo na hoirivel matança dos Christaõs desarmados, em suas
cidades: nade Smyrna foram assasinadas mais de 12.000 pessoas,
e ao Cônsul Francez, e a alguns navios desta naçaõ, que estavam
no porto, assim como á cooperação de uma fragata Ingleza, de-
veram as vidas os que se puderam escapar.
As mulheres e filhas dos Christaõs em Smyrna foram expos-
tas aos mais biutaes ataques dos desenfreados Turcos, as que
escaparam depois de violadas em publico, rom horror da
humanidade, fòiam vendidas por escravas. Em Odessa chegam
todos os dias numerosas famílias, quesepodim escapar de Con-
stantinopla, aonde o Embaixador Russiano, Baraõ StrogonofTy
soffreo o desdouro de lhe aprehenderem os seus papeis e fecha-
rem-o em uma fortaleza, a titulo de protecçaõ . a sua família,
porém, pôde escapar-se para Odessa.
Ha quem dgia, que naõ obstante este furioso, bárbaro, ein-
sultante comportamento dos Turcos, as Cortes de Vienna e Lon-
dres desejam que a Rússia naõ entre em Hostilidades contra a
Porta ; he porém de presumir que o Gabinete de S. Petersburgo
naõ esteja disposto a soffrer taes insultos, tendo como tern uni
numeroso exercito nas vizinhanças da Turquia, e podendo, como
pôde, ser apoiado por toda a Grécia.
CORREIO BRAZILIENSE
DE AGOSTO 1821.

Na quarta parte nova os campos âra ;


E se mais mundo houvera là cheg&ra.
CAMOEN8, c.vii.e!4

POLÍTICA.

EYNO U N I D O DE PORTUGAL BRAZIL E ALGA RVES

Decreto de Sua Majestade nomeando a Regência no


Brazil.
Sendo indispensável preverá cerca do goverdo e admi-
nistração deste Reyno do Brazil, donde me aparto com
•vivos sentimentos de saudade, voltando para Portugal,
por exigirem as actuaes circumstancias políticas, enun-
ciadas no decreto de 7 de Março do corrente anno: e ten-
do eu em vista, naõ só as razoens de publica utilidade e
interesse mas também a particular consideração, que me-
recem estes meus ftei9 vassallos do Brazil, os quaes in-
stam para que eu estabeleça o Governo, que deve regêl-
VOL XXVII. N.° 159. M
90 Política.
los na minha ausência, e em quanto naõ chega a Consti-
tuição, de um modo conveniente ao estado presentedas
cousas, e â cathegoria política, a que foi elevado este paiz,
e capaz de consolidara prosperidade publica e particular :
hei por bem e me praz encarregar o governo geral e intei-
ra administração de todo o Reyno do Brazil ao meu muito
amado e prezado filho D. Pedro de Alcântara, Príncipe
Real do Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves,
constituindo-o Regente e meu Lugar-Tenente, para que,
com tam preeminente titulo, e segundo as instrucçoens,
que acompanham a este decreto, e vam por mim assina-
das, governe na minha auzencia, e em quanto pela Con-
stituição se naõ estabelece outro systema de regimen, to-
do este Reyno, com sabedoria e amor dos povos: pelo al-
to conceito, que formo da sua prudência e mais virtudes,
vou certo de que nas cousas do Governo, firmando a pu-
blica segurança e tranquillidade, promovendo a prospe-
ridade geral, e conrespondendo por todos os modos ás
minhas esperanças, se haverá como bom Príncipe, amigo
e pay destes povos, cuja saudosa memória levo profun-
damente gravada no meu coração, e de quem também
espero, que pela sua obediência âs leys, sugeiçaõ e res-
peito ás authoridades, me recompensarão do grande sa-
crifício, que faço, separando-me de meu filho primogêni-
to, meu herdeiro e successor do throno, para lho deixai
como penhor do apreço, que delles faço. O mesmo Prín-
cipe o tenha assim entendido, e executará, mandando
expedir as necessárias participaçoens. Palácio da Boa
Vista, em 22 de Abril de 1821.

(Com a Rubrica de S. M.)


Foliitca. 91

Instrucçoens.

O Príncipe Real do Reyno-Unido toma o titulo de


Principe Regente, e meu lugar Tenente, no Governo Pro-
visório do Reyno do Brazil, de que fica encarregado.
Neste Governo será o Conde dos Arcos, Ministro e Se-
cretario de Estado dos Negócios Estrangeiros: O Conde
da Lousaã, D. Diogo de Menezes, Ministro e Secretario
de Estado dos Negócios da Fazenda, como actualmente
he. Seraõ Secretários de Estado Interinos, o Marechal
de Campo, Carlos Frederico de Caula, na Repartição da
Guerra, o Major General da Armada, Manuel Antônio Fa-
rinha, da Repartição da Marinha.
O Principe Real tomará as suas resoluçoens em Conse-
lho, formado dos Ministros de Estado, e dos dous Secre-
tários de Estado Interinos, e as suas determinaçoens seraõ
referendadas por aqueile dos Ministros de Estado, ou Se-
cretários da competente Repartição, os quaes ficarão res-
ponsáveis.
O Principe Real terá todos os poderes para a adminis-
tração da justiça, fazenda, e governo econômico: poderá
commutar ou perdoar a pena de morte aos réos, que esti-
verem incursos nélla por sentença: resolverá todas as
consultas relativas á administração publica.
Provera todos os lugares de letras e officios de justiça
ou fazenda, que estiverem vagos, ou venham a vagar, as-
sim como todos os empregos civis ou militares; entrando
logo por seu decreto os nomeados no exercício e fruição
dos seus lugares; officios ou empregos, depois de pagar
os novos direitos; ainda quando os respectivos diplomas
devam ser remettidos á minha Real assignatura, por se-
rem dos que exigem esta formalidade; a qual nas Cartas
e Patentes será indispensável. Para a prompta expedi-
92 Política
çaõ dellas poderá o Principe naõ só assignar os alvarás
em virtude dos quaes se passam as Cartas, mas também
conceder aquellas dispensas, que por estylo se concedem
para os encartes,
Igualmente provera todos os benefícios curados ou naõ
curados, e mais dignidades ecclesiasticas, á excepçaõ dos
bispados; mas poderá propôr-me para elles as pessoas,
que achar dignas.
Poderá fazer guerra offensiva ou defensiva, contra qual-
quer inimigo, que atacar o Reyno do Brazil, se as circum-
stancias forem tam urgentes, que se torne de summo pre-
juízo aos meus fieis vassallos deste Reyno, o esperar as
minhas Reaes ordens» e pela mesma razaõ e em iguaes
circumstancias poderá fazer tregoas, ou qualquer tracta-
do provisório com os inimigos do Estado.
Finalmente poderá o Principe conferir, como graças
honoríficas, os hábitos das três ordens militares, de Chria-
to, S. Bento de Aviz, e S. Tiago da Espada, ás pessoas
que julgar dignas dessa distincçaÕ; podendo conceder-
lhes logo o uso da insígnia, e as dispensas do estylo para
a profissão.
N o caso imprevisto e desgraçado (que Deus naõ per-
mitia que aconteça) do fallecimecto do Principe Real, pas-
sará logo a Regência do Reyno do Brazil â Princeza Real
sua Esposa; e minha muito amada e prezada Nora ; a qual
governará com um Conselho de Regência, composto dos
Ministros de Estado, do Presidente da Meza do Desem-
bargo do Paço, do Regedor das Justiças, e dos Secretá-
rios d'Estado Interinos nas repartiçoens de Gue rra e Ma-
rinha. Será Presidente deste Conselho o Ministro de
Estado mais antigo, e esta Regência gozará das mesmas
faculdades e authoridades, de que gozava o Principe
ea 1.
Palácio da Boa Vista, em 22 de Abril de 1821.
REY.
Política. 93

Falia do Presidente das Cortes a El Rey, ao tempo em


que prestou o juramento, aos 4 de Julho.
Senhor;—Os Representantes da Naçaõ Portugueza,
rodeando o throno do seu Rey Constitucional, e firmando
a ley fundamental da Monarchia, seguem hoje grandes
exemplos, renovam epochas brilhantes da sua historia, e
apertam de um modo indissolúvel aquelle vinculo político,
que deve unir os Povos aos Reya, e os Reys aos Povos.
Esta uniaõ, Senhor, he o verdadeiro titulo, he o mais so-
lido fundamento da legitimidade. O throno dos reys
nunca he mais firme, nem mais durável, senaõ quando as
convençoens políticas o levantam sobre as bazes eternas
da justiça, e do amor dos povos.
Scenas tam agradáveis, dias tam afortunados, que, desde
o portentoso acontecimento do Campo de Ourique, bri-
lharam ja por mais da uma vez em Portugal, repetindo-se
hoje, collocam o vosso nome, Senhor, a par dos nomes
sempre memoráveis do grande Affonso, do Magnânimo
Joaõ I. do inclyto Joaõ IV.
Males passados, sobre quehe hoje necessário correr o mais
espesso véo ; bens e prosperidades futuras, com que he
hoje permittido recrear a nossa imaginação, a urgência
de remediar os males, a idea de realizar os bens, nos
trouxe finalmente este dia feliz, em que uma ley justa e
igual, de todos conhecida, e jurada por todos, preserva o
governo político de um Estado dos inconvenientes, a que
he igualmente sugeito, quando está nas maõs de todos, ou
quando está nas maõs de um só. Em iguaes distancias
de um e de outro extremo se equilibra, Senhor, o Gover-
no Constitucional representativo, apoiado na liberdade
da imprensa, e na independência dos juizes, que saõ as
duas pedras angulares deste nobre edifício. Estas saõ as
condiçoens mais essenciaes do contracto, que Vossa Ma-
94 Política.
jestade jura hoje á face da Naçaõ, e que ja d'ante maõ
jurara em outro hemispherio, por efFeito da mais illimi-
tada confiança.
Vossa Majestade ratificou hoje este mesmo juramento,
no meio da Representação Nacional, e a Naçaõ toda, por
meio de seus Representantes, Portugal inteiro, no meio
do mais fervoroso enthusiasmo de respeito e de amor por
V. M. recebe este juramento, como penhor da sua pros-
peridade futura. A prosperidade de Portugal, Senhor
depende unicamente da firmeza, da constância, e da pre-
serverança, com que este juramento ha de ser perpetua-
mente observado. Ah, Senhor. A solemnidadeaugusta
de um juramento, proferido diante de Deus, e diante dos
homens, nunca ja mais poderá esquecer aquelles, que
tam solemnemente, que tam espontaneamente em ambos
os mundos o proferiram. A Naçaõ tem jurado, Senhor,
nas bazes da Constituição, manter a forma do governo
constitucional e representativo, e V. M. promette obser-
var esta carta política, decretada pelas Cortes Nacionaes.
Com a mutua alliança de um Povoe de um Rey, contra-
hida por meio de condiçoens tam justas, e tam obvia-
mente úteis, assegura entre nós a practica daquelles gran-
des documentos da política dos Estados, cuja adopçaõ
nos he recommendada pela historia dos povos mais civi-
lizados e mais florentes.
Reunir todos os annos assembleas legislativas, eleger
livremente os seus membros, fazer as leys em publico,
responsabilizar effectivamente os executores das leys, pu-
blicar os pensamentos pela imprensa, independência nos
Juizes, equilíbrio invariável entre as rendas e asdespezas
do Estado, eis, Senhor, a que se reduz em geral o syste-
ma que adoptamos. A felicidadade publica e particular
naõ pôde ter mais sólidos fiadores; está dividido o poder,
resta só conservar a divisão.
Política. 95
Sobeja he, Senhor, a experiência dos séculos remotos,
ainda mais sobeja a de tempos próximos a nós, e desgra-
çadamente mui presentes á nossa memória, para nos con-
vencermos, Senhor, que se os poderes políticos, porque
se regem os Estados, naõ estaõ bem divididos, e se esta
divisão naõ tem por fiador a probidade cívica, dos que
governam, e dos que saõ governados, o governo degenera
desde logo, ou no infrene despotismo da anarchia, ou na
oppressora arbitrariedade de um ou de mais indivíduos.
A partilha do poder he só quem pôde prevenir esta dege-
neraçaõ ; he a única taboa, em que se pode salvar a jus-
tiça, e a estabilidade das instituiçoens políticas. He por
tanto necessário, que as preservemos deste naufrágio,
consolidando aquella partilha. Demos, Senhor, ao mun-
do exemplos de justiça e de firmeza. A nossa resolução
está tomada; perpetuamente constitucionaes, vamos todos
de maõs dadas, cooperemos todos a promover a felicidade
publica de um Povo, que tantos, ainda que tam infruetu-
osos, sacrifícios tem feito por esta felicidade; de um povo
tam dócil, que muda as suas leys fundamentaes, no meio
da maior tranquillidade; que sabe obedecer, que sabe
pedir, e que até sabe reclamar.
O sacrifício do interesse particular ao interesse publi-
co, he, Senhor, a cláusula mais imperiosa do pacto so-
cial. Todos os Portuguezes, Senhor, acclamam esta
cláusula; todos conhecem a urgência de obedecer a esta
ley, e de fazer este sacrifício, poucos a quem deve natu-
ralmente ser penosa a luta daquelles dous interesses, sen-
tem mas naõ reluetam. He por tanto quasi unanime a
vontade de todos os Portuguezes, e naõ foi, Senhor, nem
a instigaçaõ de poucos, nem a illusaõ de muitos (como
fingiram persuadir-se) foi a influencia de causa geraes, e
bem notórias, que escuso referir, quem promovêo estas
felizes alteraçoeus. Sobre este objecto, a verdade, Senhor,
93 [96] Política.
nunca esteve tam perto do solio; a verdade foi que, re-
soando n*um ponto de Portugal o primeiro grito da Con-
stituição e de Rey, Portugal inteiro repetio este grito, e
como a vontade éra só uma, naõ houve nem commoçaõ,
nem dissidência. Os cidadãos delegaram logo o seu po-
der, e ainda bem naõ tinham posto em nossas maõs este
importante deposito, tornaram contentes e pacifico9 ao
templo, a dar graças ao Creador, e ao seio de suas famí-
lias fazer votos pela felicidade do seu paiz. Ah! Se-
nhor, que expectaculo este! Muito mais quando se
compara com os movimentos convulsivos e frenéticos
com que alguns povos infelizmente só tem emprehendido
mudanças, para passarem de um despotismo a outro.
Eia pois, Senhor, acabemmos de desempenhar o encargo,
que nos tem confiado tam charos constituintes. 0
poder, que se nos delegou, ja se acha dividido entre as
Cortes e o Rey. Toca ás Cortes fazer a ley, toca a Vossa
Majestade fazêlla executar. As boas leys, as leys justas
e geralmente úteis, as leys que fazem o menor sacrifício
do interesse particular e que promovem a maior vanta-
gem do interesse publico; a execução prompta,fiel,se-
vera e índistincta destas leys, saõ o alvo de nossas fadi-
gas.
Ah! Senhor, e se o impenetrável juizoda Providencia
eterna, que governa o mundo, se compraz de ouvir nos-
sos votos, de coroar nossas fadigas com um êxito conres-
pondente a nossos ardentes desejos, qual deverá ser ainda
depois o voto mais fervoroso e mais ardente dos Portu-
guezes ; Eu o digo, e naõ me engano. Dilate a Provi-
dencia os annos de Vossa Majestade, para se dilatar entre
nos o espectaculo verdadeiramente plausível de um Povo
e de um Rey, cooperando de maõs dadas para a felicidade
commum: e dilate-se atè que, estabelecido o regimen
constitucional, diffunda sua benéfica influencia por todas
Política. 97
as classes da sociedade, e se possa ainda plantara arvore
da felicidade publica á porta das mais abatidas e das mais
humildes choupannas.

Falia dEl Rey em resposta â do Presidente.


Senhores Deputados das Cortes destes Reynos.
Se he natural a todo o homem bem nascido sentir um
particular regosijo ao rever a chara pátria, depois de haver
estado por algum tempo delia ausente, qual naõ deve ser
o júbilo de um Principe, que ao cabo de uma prolongada
ausência de mais de 13 annos se acha restituido ã antiga
sede dos seus augustos maiores: e saborêa a inapreciavel
ventura de ser nella recebido com transportes conrespon-
dentes ao affecto do seu paternal coração, por toda a na-
çaõ ao mesmo tempo, na pessoa de seus dignos Repre-
sentantes, felizmente congregados, e unidos pelo amor do
Rey e da Pátria, neste Augusto Congresso!
Sim, Senhores, eu estou persuadido, que puro amor da
pátria, desinteressado desejo do bem publico, unanime
concurso dos votos da Naçaõ, he quem vos conduzio e
ajunetou no recinto desta Assemblea, sobre que Portugal
e a Europa, o mundo inteiro tem fitados os olhos, como
aquelle de quem se espera a ditosa regeneração de um
povo, que, pelo seu valor, naõ menos do que pelas suas
virtudes, oecupa um dos mais distinetos lugares nas pa-
ginas da historia.
Ao receber a fausta noticia, de que na antiga capital
da Monarchia se iam reunir com effeito cidadãos conspi-
cuos por suas luzes e qualidades, designados pela opiuiaõ
publica, e com plena liberdade escolhidos para salvarem
a pátria do imminente naufrágio, de que estava ameaça-
VOL. XXVII. N.« 159. w
98 Política.
da, em o pelagodos males accumulados na longa série de
annos, desde o estabelicimento da nossa primitiva Consti-
tuição; éra impossível que o vosso Rey deferisse por
mais tempo o seu regresso ao berço original da Monar-
chia ; e que pela primeira vez um Monarcha Pottuguez
deixasse de ambicionar o reunir-se aos Representantes da
Naçaõ, para de commum accordo tractarem de acudirás
suas precisoens, e assegurarem a sua properidade.
Se fosse possivel caberem ânimos Portuguezes a idea
de proscrever a Monarchia, o vosso Rey naõ encontraria
nos dictames dos seus antepassados outra doutrina, senaõ
de abandonar, penetrado da mais viva magoa, a Naçaõ
aos decretos da Providencia: mas os Portuguezes (com
doce satisfacçaõ o proclamo á face do Universo) naõ se
esqueceram um só instante de que eram Portuguezes»
cujo timbre foi sempre, e sobre tudo, valor e lealdade.
Protestando, no acto da convocação destas Cortes, que
o edifício da nova Constituição, a que iam proceder, as-
sentaria sobre a immudavel baze de Monarchia hereditá-
ria, que éra na dynastia da Casa de Bragança, e reiteran-
do os juramentos de fidelidade, que no acto da minha ac-
clamaçaõ ao throno de meus augustos Maiores, me ha-
viam sido unanimemente prestados por toda a Naçaõ; os
Povos sanccionáram o principio fundamental de toda a
Monarchia Constitucional, que o exercício do Poder Le-
gislativo naõ pôde residir separadamente em nenhum
das partes integrantes do Governo; mas sim na reunião
do Monarcha e Deputados escolhidos pelos Povos, tanto
aquelle como estes para formarem o Supremo Conselho
da Naçaõ, a que os nossos Maiores tem designado pela
denominação de Cortes, e ás quaes collectivamente com-
pete o exercício ordinário do Poder Legislativo, por ma-
neira que se jamais o Monarcha assumisse a si o exercêl-
Jo sem a Câmara dos Deputados, se reputaria o Governo
Política. 99

degenerado em despotismo: bem como passaria ao estado


naõ menos monstruoso de Ochlocracia, se a Câmara dos
Deputados intentasse exercitar ella só o Poder Legisla-
tivo.
Penetrado pois destes incontestáveis princípios do di"
reito constitucional das naçoens, logo que chegou ao meu
conhecimento acharem-se eleitos pelos Povos deste Rey-
do de Portugal os Deputados que os deviam representar
em Cortes, resolvi partir sem demora a occupar nellas o
eminente posto, em que pelo reconhecido principio da
Successaõ hereditária do Throno approuve á Providencia
col locar-me.
Naõ sendo porém compativel com o bem geral da Mo-
narchia fazer regressar do Brazil para a Europa a sede do
Governo, sem primeiramente lançar as necessárias dispo-
8Íçoens, para que a uniaõ dos dous paizes, e a marcha
dos negócios daquelle Reyno naõ soffressem alteração,
até o estabelicimento da nova Constituição, procedi a dar
as providencias, que a esse fim me pareceram conducen-
tes, e de que aos Ministros e Secretários tenho ordenado
vos façam uma circumstanciada relação: o que concluído
passei sem perda de tempo a reunir-me com os Represen-
tantes dos Povos, a fim de procedermos de acordo, e ani-
mados de igual patriotismo, ao importante trabalho, que
emanando do seio deste Supremo Conselho, composto
todo de pessoas a esse fim chamadas, pela espontânea e
livre escolha da naçaõ, ja de ante maõ todos e cada um
tem jurado cumprir e executar, como actos emanados de
uma authoridade, cujos legítimos poderes, nem pelos na-
cionaes, que lhos conferiram, nem pelos estrangeiros,
que para isso saõ incompetentes, lhes podem ser contesta-
dos.
Vos sabeis. pela participação, que logo vos mandei
fazer pelo Ministro c Secretario dos Negócios Estrangei-
100 Política.
ros, como o primeiro passo, que dei na carreira do Go-
verno Constitucional, que entendi me cumpria abraçar
para o bem geral dos povos, foi o de prestar em meu nome
e de fazer prestar pelas pessoas da minha Real Familia,
exercito e povos dos Estados de Ultramar, aquelle mesmo
juramento de adberencia á vontade geral da Naçaõ, legi-
timamente expressada por estas Cortes: ás quaes deter-
minei enviassem Deputados escolhidos pela forma e ma-
neira adoptada neste Reyno. Brevemente representantes
de todos aquelles estados se viraõ unir a esta augusta As-
semblea, e na forma do seu juramento concorrerão com
nosco em nome dos seus constituintes, para a grande obra
que deve estreitar os vínculos da inalterável uniaõ de
quantos se gloriam de possuir em e merecerem o nome de
Portuguez, em todas as quatro partes do mundo.
Orgaõs dos meus puros sentimentos, e dos sinceros vo-
tos, que em todo o decurso do meu Governo tenho feito,
pela prosperidade da Monarchia, os meus Ministros d Es-
tado vos exporão sobre cada um dos objectos de que se
houver de tractar, o que eu, tendo unicamente em vista
o bem geral da Naçaõ, entender que cumpre fazer-vos
conhecer ou observar, a fim de concluir-mos, o mais breve
que ser possa, o importantíssimo trabalho, que havemos
emprehendido.

Officio das Cortts ao Secretario d'Estado, pedindo expli-


caçoens sobra esta falia.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.—As Cortes


Geraes e Extraordinárias da Naçaõ Portugueza, ao passo
que ouviram com especial agrado os princípios e ex-
pressoens verdadeiramente constitucionaes, que contém
parte do discurso de S. M„ lido pelo seu Ministro Silves-
Política. 101
tre Pinheiro, na sessaõ de 4 do corrente mez de Julho,
em resposta ao que lhe havia dirigido o Presidente das
mesmas Cortes; naõ podem toda a via deixar de notar,
que no õ.° § e seguintes se acham ideas e expressoens a-
Iheiíis dos princípios sanccionados nos artigos 21, 23, e 24
das Bazes da Constituição, nos quaes, estabelecendo-se
a linha de demarcação entre os poderes Legislativo e
Executivo, se attribue somente ás Cortes a representação
nacional e o poder Legislativo, com a exclusão da inicia-
tiva directa do Rey, e só cóm a dependência subsequente
da sua sancçaõ, e de um veto, que naõ séra absoluto,
tudo na forma declarada nos mesmos artigos. E porque
de nenhum modo se pôde entender, que aquellas ideas e
expressoens sejam da intenção de S. M., que em todas as
occasioens tem patenteado a mais decisiva adherencia aos
princípios consagrados nas mesmas Bazes, mandam re-
metter a Vossa Excellencia o mesmo discurso para o fa-
zer presente a Sua Majestade, a fim de que possa man-
dar fazer a este respeito as explicaçoens, que julgar con-
venientes.
Deus guarde a Vossa Excellencia. Paço das Cortes
em 12 de Julho de 1821.
JOAÕ BAPTISTA F E L G U E I R A S .
Senhor Ignacio da Costa Quintella.

Resposta do Ministro d'Estado.

IIlustrissimoeExcellentissimo Senhor.—Fiz presentea


Sua Majestade o officio de Vossa Excellencia com data
de 12 do corrente, sobre a nota, que as Cortes Geraes e
Extraordinárias da Naçaõ Portugueza fizeram ao §. 5." do
Discurso, que S. M. mandou lêr em resposta ao que lhe
dirigio o Presidente das mesmas Cortes na sessão de 4 do
102 Politia.
corrente mez de Julho, assim como sobre as ideas e ex-
pressoens do dicto discurso, que pareceram alheias dos
princípios sanccionados nos artigos 21, 23, e 24 das Ba-
zes da Constituição. Sua Majestade manda declarar, que
tendo jurado as dietas Bazes, pelo modo mais geral e in-
distineto, naõ podia ser da sua intenção, que houvesse no
seu discurso expressoens ou ideas, que naõ fossem de
accordo, e conformes com as mesmas Bazes, e com o seu
juramento. E que se algumas ha, a que se possa dar di-
versa intelligencia, S. M. declara, que similhante intelli-
gencia he contraria á sua intenção; pois só he da sua
vontade approvar os princípios políticos adoptados pelas
mesmas Bazes; e assim quer se declare e faça publico; e
que tal será sempre o desempenho do juramento que pres-
tou.
Deus guarde a Vossa Excellencia. Palácio de Queluz
em 14 de Julho de 1821.
IGNACIO DA COSTA QÜINLELLA.
Senhor Joaõ Baptista Felgueiras.

Decreto d'El Rey nomeando Ministros d'Estado.

Hei por bem nomear, para Ministro e Secretario dis-


tado dos Negócios do Reyno, ao Vice-Almirante Ignacio
da Costa Quintella; para Ministro e Secretario de Estado
dos Negócios da Fazenda, a Francisco Duarte Coelho;
para Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da
Guerra, ao Marechal de Campo Antônio Teixeira Rebèl-
lo; para Ministro e Secretario de Estado dos Negócios
da Marinha, ao Almirante Joaquim Jozé Monteiro Torres;
e para Ministro e Secretario de Estado dos Negócios Es-
trangeiros, o Conde de BarbacenaD. Francisco. As au-
thoridades a quem compelir o conhecimento do presente
Política. 103
Decreto o tenham assim entendido e o executem pela
parte que lhes pertence. Palácio das Necessidades, em
4 de Julho de 1821.
(Com a Rubrica de S. M.)

Decreto d'El Rey annunciando a sua escolha de Conse-


lheiros de Estado.

Tendo-me sido propostas pelas Cortes Geraes Extraor-


dinárias e Constituintes da Naçaõ Portugueza 24 pessoas
igualmente beneméritas, para d'entre ellas escolher oito
para meus Conselheiros de Estado; hei por bem nomear
para oecuparem o dicto cargo, aoCondedePenafiel, Con-
de de Sampaio, Bispo de Vizeu, Joaõ da Cunha Soutto-
maior, Jozé Maria de Antas Pereira, Joaõ Antônio Fer-
reira de Moura, Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, e
Jozé de Mello Freire, pelo merecimento e mais partes,
que nelles concorrem. O Vice-AlmiranteIgnacio da Cos-
ta Quintella, Ministro e Secretario de Estado dos Negó-
cios do Reyno o tenha assim entendido, e lhes faça expe-
dir as participaçoens do estylo. Palácio de Queluz em
11 de Julho de 1821.
(Com a Rubrica de S. M.)

Decreto sobre o formulário das leys, Sfc.

Dom Joaõ, por Graça de Deus, e pela Costituiçaõ da


Monarchia, Rey do Reyno Unido de Portugal, Brazil, e
Algarves, d'aquem e d'além Mar em África, &c. Faço
saber a todos os meus subditos, que as Cortes decretaram
o seguinte:—
104 Política.
As Cortes Geraes Extraordinárias e Constituintes da
Naçaõ Portugueza, conhecendo que naõ he em tudo com-
patível com o actual systema constitucional o formulário
até agora usado nas leys, alvarás, provisoens e mais pa-
peis diplomáticos, expedidos pelas diversas Secretarias
de Estado e Tribunaes : e querendo estabelecer nesta ma-
téria um methodo uniforme, regular e análogo á nova or-
dem de cousas, decretam provisoriamente o seguinte:—
1. Cada ura dos decretos das Cortes será publicado em
uma Carta de Ley concebida nestes termos:—
" D. Joaõ por Graça de. Deus e pela Constituição da
Monarchia, Rey do Reyno-Unido de Portugal Brazil e
Algarves, d'aquem e d'além Mar em África, &c. Faço
saber a todos os meus subditos, que as Cortes decretaram
o seguinte:—As Cortes geraes, &c. etranscripta a integra
do decreto até á data inclusivamente, rematará:—Por
tanto mando a todas as authoridades, a quem o conheci-
mento e execução do referido Decreto pertencer, que
cumpram e executem tam inteiramente como nelle se
contem. Dado no placio, &c.
2. Todas as ordens e providencias Regias, expedidas
para a melhor e mais prompta execução das leys actuaes,
ou das que para o futuro se fizerem, seraõ expedidas por
decretos ou alvarás sem força de ley, assignados por El
Rey, e pelo Secretario de Estado.
3. Continuarão a passar-se, debaixo do mesmo formu-
lário até agora usado os alvarás sem força de ley, as car-
tas regias para os Duques, Marquezes, e mais pessoas, a
quem custumam dirigir-se.
Os decretos seraõ também expedidos do mesmo mo-
do que até agora, usando-se quando for necessário das
palavras — " Hei por bem" e nunca " sou servido."
El Rey os assignará, e além disto quaesquer leys, alvarás,
diplomas, ou cartas Regias, contendo disposiçoens, que as
Política. 105
authoridades tenham de cumprir, seraõ assignados tam
ben? com o nome inteiro, pelo secretario de Estado da
Repartição competente.
*. El Rey continuará a assignar de chancella, e de ru-
brica, nos casos e na forma até agora practicada, por naõ
se dever entender a seu respeito o decreto de 29 de Maio
deste anno.
6. Nunca mais se usará nem da forma nem do nome de
Avizo, mas do de Portaria, que principiará sempre deste
modo:—Manda El Rey pela Secretaria de Estado de tal
Repartição, &c.
7. Nas portarias expedidas pelos Tribunaes nos casos
do estylo se usará da formula seguinte :<—Manda El Rey
pelo Tribunal, &c." As cartas, que por elles se expedi-
rem, principiarão deste modo:—D. Joaõ por Graça de
Deus e pela Constituição da Monarchia Rey do Reyno
Unido de Portugal, Brazil, e Algarves, d' aquém e d' alem
Mar em África, &c. Faço saber, &c. e no fim El Rey o
mandou pelos Ministros, &c.
Paço das Cortes em 8 de Julho de 1821.
Portanto, mando a todas as authoridades, a quem o
conhecimento e execução do referido Decreto pertencer,
que o cumpram e executem tam inteiramente como nelle
se contém. Dado no Palácio de Queluz aos 11 dias do
»ez de Julho de 1821.
EL R E T , com guarda.
Ignacio da Costa Quintella.

VOL. XXVIL N« li©.


lOfí Política.

HESPAUHA.

Monitoria do Chefe Político de Madrid aos cidadãos que


freqüentam o club de Fontana o" Oro.
Cidadãos!—Aos 1(5 do mez passado expiiquei ao pu"
blico, de maneira mui clara, as minhas ideas e meus de-
sejos, a respeito do club, que frequentaes, com o plausí-
vel objecto de dar e receber informação. Lembrei as obri-
gaçoens, que deveis sempre ter em vÍ9ta naquelle ajunc-
tamento, e o objecto, que, conforme os princípios da
Constituição, vos deveis unicamente propor; e conclui
declarando, que o abuso da liberdade da falia nunca se
podia permittir,quer procedesse da malícia, quer fosse o
effeito da ignorância.
Naõ obstante estas serias admoestaçoens, tenho visto,
que a intempestiva violência de alguns oradores, a igno-
rância e imprudência de outros tem levado ao extremo de
permittir a disseminação de doutrinas errôneas, contrarias
á sagrada inviolabilidade do Rey ; elogiando scenas de
horror e de sangue, que fazem tremer a humanidade, e
envergonhar toda a naçaõ civilizada; descendo a injurio-
sas personalidades, prohibidas pelas leys; e procurando
desencaminhar a opinião publica, para que approve e
sanccione, como indispensável e justo, o rompimento das
restricçoens das leys, e o emprego, a despeito deltas, de
medidas culpaveis, alheias da dignidade c magnanimidade
da naçaõ Hespanhola, cujacharacteristicadistinctiva tem
sido a moderação e a sabedoria, ainda mesmo nas mais
apertadas crises políticas.
Estes grandes abusos excitaram no meu coração os mais
penosos sentimentos, reflectindo que aescholados conhe-
cimentos e da virtude, podia ser convertida, se elles con-
tinuassem, em tumultuosa assemblca, que no» precipita-
Política. 107
ria na mais desastrosa anarchia. E, na verdade, que ou-
tro resultado se podia esperar, se, debaixo do pretexto
de supportar a nossa amada liberdade, ella he directa-
mente atacada por convites para desprezar as leys, por-
que ella he assegurada, em vez de encarecidamente incul-
car o saudável principio de que a mesma liberdade só pôde
estar segura por uma sanetaescravidão ás leys, e pela ri-
gorosa observância de nossa constituição política? Que
vantagem ao systema propõem, quem despreza, e quem
excita outros a desprezar as suas bazes fundamentaes?
Depois de ter chegado a ser o objecto de admiração
e estima de toda a Europa, por nossa judiciosa e pacata
conducta, no restabelicimento da ordem, incurreremos
agora, por falta de reflexão, no desdouro de perdermos a
reputação tam justamente ganhada, e far-nos-hemos ob-
jecto de horror, de compaixão, e de desprezo, aos olhos
de todas as outras naçoens ? As ideas do povo de Madrid
naõ saõ, naõ podem ser, assim desencaminhadas. Estou
persuadidio que os bons, cujo numero he mui superior ao
dos mal dispostos, detestam em seus coraçoens taes ex-
cessos ; e os prudentes naõ deixarão de ingerir-se a fim
de rectificar as opinioens e impedir a grosseira ignorância
de usurpar o domínio da sabedoria. Estou persuadido
que os militares, dignos defensores da pátria, imbuidos
do sagrado principio da solida moralidade, naõ ignoram o
que constitue a verdadeira liberdade das naçoens, e nunca
permittiraõ que o seu lugar seja usurpado pela desordem
anarchia.
Penetrado destas verdades, que somente podem negar
<* que estaõ descontentes com nossas instituiçoens, ou
Com as obrigaçoens, que os ligam á sociedade, e que por
uso espreitam o momento de desordem, com a crimino-
so esperança de melhorar sua condição por abomináveis
methodos; e convencido de que naõ he posivel preservar
108 Política.
ordem em alguma assemblea numerosa sem a presença de
alguma authoridade civil, que refreie os violentos, e restrin-
ja os desaforados, e imponha silencio aos que abusam da
liberdade de faltar ; tenho resolvido, que desde esta noite
um dos cavalheiros RegidoreB da municipalidade consti-
tucional assista diariamente no Club de Fontana d'Oro,
ao qual Regidor authorizo com todos os poderes, que me
saõ confiados, em ordem a que, sob sua responsabilidade,
previna todos os excessos, e faça com que o publico seja
propriamente informado, as leys obedecidas, e as autho-
ridades respeitadas, e que se preserve o decoro conveni-
ente á dignidade do povo, e aos verdadeiros interesses
da naçaõ. Espero que por estes meios naõ haverá cau-
sa de novas queixas; porém se, a pezar desta precaução,
tomada por amor do publico, e dos prudentes e judicio-
sos oradores, e a que me resolvi pelo ardente desejo de
naõ obstruir os meios de informação publica, houver
para o futuro alguém tam esquecido de seus deveres, e
tam surdo a minhas admoestaçoens, que torne a cair nos
excessos, de que se deve lembrar para se envergonhar,
avizo-o, que mostrarei entaõ em seu mais exemplar cas-
tigo, toda a energia do meu character; e que, apoiado
pela ley, e pela observância da Constituição, que todos
temos jurado, o criminoso me achará inexorável, e nunca
me cobrirei com a infâmia, compromettendo-me vilmente
com a licenciosidade e sediçaõ.
(Assignado) FRANCISCO DE COPONS.
Chefe Político Superior.
Madrid 16* de Julho, 1821.
( 109 )
Preços Correntes dos principaes Productos do Branil,
LOMDRES, 14 de Agosto de 1821

Oeneroi. Qualidade. Preços. Direitos.

Bahia por lb Os. l l p . a ls. Op.


Ç Capitania. .
1 Ceará Os. l l i p . a Ia. | p .
Algodam . . J Maranham .. Os. l l p . a Ia. Op. •6 por cento a d va>
1 Mina* novas Oa. lOp. a Os. 10£p lorem,
f Pará Os. lOp. a Oa. 10|p.
^- Pernambuco l s . Op. „ ls. l | p
Anil Rio 4} por lb.
Redondo. .. 33s. a 44s.
Í Batido
Mascavado .
27s. a 31s.
22a. a 26a. Livre de direitos por
Arroz Brazil exportação.
Cacáo Pará 47s. a 49s
Caffe Rio 114s. a 110s.
Cebo........Rio Ha Prata 3s. 2-p. por 1131b,
Chifre*. Rio Grande por 123 46 a 60 5i. por 1121b,
ÍA 84 P . a 9ip.
Rio da Prata, pilha < B 7p. a 8p
6p a 6Jp
' AC 8J$p. a 9p. 10 p. por couro
LRio Grande ]Í B 7p. a 8p.
<C 5p. a 5|p.
Pernambnco, salgados
Rio Grande de cavai Io
Ipecacuanba Brazil por lb. 7s. Op. à l i s . Op, 48
Óleo de cnpaiba 3s. 2p. a 4s. 6p 2s > por lb.
Orucu ls. Op. a 2a. Cp
Pfto Amarelo. Brazil 1
direitos pagos pela
Pao Brazil . . . . Pernnmbuco 200/. por ton ', comprador,
Salta Parrilha. Pará 2s. Op, a 2s, 6p.
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Por Luiz Antônio Xavier. Preço T20 reis.
( ll« )

M1SCELLANEA.

CORTES DE PORTUGAL.

116." Sessaõ. 23 de Junho.

Receberam-se officios do Governo Provisório e Câmara


das Ilhas de Cabo Verde, que foram remettidos à Com.
missaÕ do Ultramar. Igualmente officios do Governador
do Maranhão, cujo comportamento foi mui approvado
pelas Cortes. O Sr. Maurício instou para que se addis-
sem mais membros â Commissaõ do Ultramar pelo muito
trabalho, que lhe incumbia.
Foi decidido depois de algum debate, queseapplicasse
toda a Collecta das rendas ecclesiasticas, para aextincçaõ
da divida pretérita.
Propôz-se a nomeação de duas Commissoens de Nego-
ciantes do Porto, e lavradores do Alto Douro, que obrem
em separado, e informem o Congresso sobre a questão da
Companhia das Vinhas. O Sr. Pessanha perguntou se
era livre a qualquer pessoa de fora do Congresso dizer que
approvàva ou desapprovava as opinioens deste ou daquelle
Deputado, como acabava de succeder no impresso, distri-
buído, em nome da pessoa que se diz Procurador dos La-
vradores do Alto Douro. Houve sobre isto uma discus-
são que naõ foi decidida. O Snr. Bitancourt apresentou
VOL. XXVU. N.« 1*8. P
114 Miscellanea.
dous massos de requirimentos um a favor outro contra
a extincçaõ da Companhia dos Vinhos.

117.4 Sessaõ. 25 de Junho.


Nesta sessaõ se propuzéram reducçoens nos ordenados
dos empregados no Terreiro Publico, e dos officiaes da
Secretaria de Estado dos Negócios do Reyno.

118.a Sessaõ. 26 de Junho.

Leo-se uma carta de Mr. Jeremias Bentham, que foi


recebida com grande applauso, e mandada imprimir no
original Inglez, com a traducçaõ annexa.
Entre outros projectos se leo um do Snr. Maldonado
para a instituição de uma ordem denominada—" Ordem
da Constituição."
Recebeo-se o relatório da Commissaõ de Fazenda sobre
as despezas do Monte Pio, em que se mostra que haverá
no total das rendas e despezas da Naçaõ um déficit de
dous milhoens.
Houveram varias opinioens, sobre o modo de remediar
este déficit, e disse o Snr. Sarmento, que naõ podia dei-
xar de fazer a observação, que a Regência, ao mesmo
tempo que o Soberano Congresso estava com o maior pa-
triotismo trabalhando em economizar as despezas publi-
cas, ella fazia novas promoçoens tanto civis como mili-
tares, augmentando-as; e que elle mesmo acabava de ser
promovido do que cederia generosamente se assim o qui-
zeseem, em attençaõ ás circumstancias do Estado. De-
pois de longa discussão ficou approvado, que a divida do
Monte Pio e Reformados seja considerada como divida
pretérita, paga pela caixa de amortização, principio
Misttllanea. 115
do 1.° de Maio do presente anno a receber, como se prac-
tica no Exercito.
Approvou.se, que, em gerai, todas as repartiçoens que
pagam pensoens, ordinárias, &e. mandem ao Erário rela-
çoens dellas; que entrarão em um livro a isso destinado.
Tractando-se da eleição de Presidente para o seguinte
mcz, foi reeleito o Snr. Moura; e o Senhor Vaz-Velho
Vice-Presidente.

110.» Sessaõ 27 de Junho.

O Snr. Pereira do Carmo fez a seguinte moçaõ. " Na


sessaõ de 25 do corrente se distribuio pelos Snrs. Depu-
tados o projecto da Constituição, para entrarem discussão
logo que se expéssani os negócios consignados na ordem
do dia. Como Deputado e um dos collaboradores deste
projecto, muito folgava eu, que elle se patenteasse á Na_
çaõ, para que todos o vissem e examinassem mais de es-
paço, e pudessem com suas luzes augmentar as luzes
deste Congresso, que só tem por fim desempenhar bem
e fielmente as funeçoens de seu alto ministério. Este éra
o meio mais cabal de pormos em contribuição as luzes
de todos os Portuguezes instruídos, e de todos os sábios
da Europa, para aperfeiçoarmos o nosso pacto social. E
por isso proponho, que se mande imprimir um numero
sufficiente deexemplares.os quaes se ponham á venda nas
lojas do Diário das Cortes, pelo prego que baste para
as despezas do papel e impressão."—Foi approvado.
A respeito do papel do Procurador dos Lavradores de
vinho, em que se approvava e desapprováva o que haviam
dicto alguns Deputados, regeitou-se a moçaõ, pelo mo-
tivo da insignificancia da producçaõ: sendo dessa opinião
o Snr. Sarmento, que disse ser um dos mal tractados num
follieto que apresentou; e de que disse naõ fazer caso.
116 Mtscellanea.
O Snr. Vasconcellos propoz a instituição de Correios
Marítimos.
O Snr. Ferreira Borges propoz um projecto para faci-
litar as visitas aos navios mercantes, que se fazem por
varias repartiçoens da alfândega, saúde, ouro, &c. Foi
lido pela segunda vez, mandado imprimir, e declarado,
que era de urgência.
Discutio-se o projecto sobre os ordenados e pensoens
dos empregados públicos; em que o Snr. Pereira do Car-
mo eloqüentemente combateo pelo principio de pagar aos
empregados tam amplamente, que naõ fiquem expostos
a prevaricar, induzidos pela miséria. Isto fez regeitar o
primeiro artigo do projecto, e differir a questão para ou-
tra sessaõ.

110.» Sessaõ. 28 de Junho.

Continuou a discussão sobre os ordenados, e pensoens,


decidindo-se que a Regência remettesse listas das pessoas
que tem mais de um ordenado ou pensaõ, para se poder
entrar na matéria com mais conhecimento das circmnstan-
cias.

121.» Sessaõ. 30 de Junho.

Discutio-se nesta sessaõ a dotação da Família Real,


ouvido o parecer da Commissaõ de Fazenda, havendo
algumas duvidas sobre a pensaõ da Senhora Princeza D.
Maria Thereza, por ter sido casada com Um Principe Hes-
panhol; ao que se naõ attendeo, porque ella naõ recebe
nada da Hespanha. Foi approvado o seguinte.
Dotação d'El Rey 365:000.000
Snr*. Princeza D. Maria Thereza e seu filho
D. Sebastião 15 000.000
Miscellanea. 117
Três Snr.at Infantas a 4:800.000 14:400.000
Snr.a Princeza D. Maria Francisca 80:000.000
Pelo que paga o Thesouro de tenças e ju-
ros á Casa da Raynha 42:235.000

Total 514:235.000
Isto he um milhaõ e duzentos e oitenta e sette mil cru-
zados.
Fica pertencendo a El Rey os palácios de Ajuda, e
quintas immediatas; de Alcântara, e Tapada, de Mafra
e sua Tapada, Salvaterra, Vendas Novas e Cintra.
A' Snr.a Raynha os rendimentos da Casa da Raynha.
Ao Principe Real as rendas da Casa de Bragança, que
por agora entram no Erário, visto naõ ter elle vindo para
Lisboa, e serem estas medidas temporárias. A casa do
Infantado para o Snr. Infante D- Miguel.
Os palácios seraõ concertados pelo Erário, e a dotação
d'El Rey he restricta á Ucharia de toda a Família Real,
Mantearia, Guarda Roupa, Cavalhariça, Cocheira, e
Criados de todas as ordens do Paço.

122.» Sessaõ. 2 de Julho.

Tractando-se da eleição para Conselheiros de Estado,


e resol vendo-se que os Regulares naõ eram elegiveis, pro-
poz o Snr. Pessanha uma excepçaõ a favor de Fr. Fran-
cisco de S. Luiz, o que a final naõ foi admittido.
Entre outros officios se apresentou um do Ministro dos
Negócios Estrangeiros, incluindo a relação dos empregos
e ordenados dos Agentes Diplomáticos e Cônsules Por-
tuguezes nos Paizes Estrangeiros; e um mappa das re-
formas, que se podem fazer nesta repartição.
Por oceasiaõ de ura requirimento do Conde de Sabugal,
se disoutio vivamente sobre a execução das bazes da Con-
H8 Miscellanea.
stituiçaõ serem executadas â risca, ou concederá Regên-
cia poderes amplos em crises importantes. Propoz a fi-
nal a Snr. Presidente e foi approvado, que se devia au-
thorizar a Regência com os termos mais amplos, para
obrar como julgar conveniente, tomando as medidas, que
lhe parecer, para manter a segurança publica, durante o
seu Governo; e se mandou lavrar um Decreto nesta con-
formidade.

123.» Sessaõ. 3 de Julho.

Approvou-se o Decreto para que naõ podes em desem-


barcar as seguintes pessoas, que se sabia vinham na co-
mitiva de Sua Majestade a saber :—Conde de Palmella ;
Conde de Paraty; Thomaz Antônio de Villanova Portu-
gal; Baraõ do Rio Seco; Visconde de Villanova da Ray-
nha; Visconde de Magé; Bernardo Jozé de Souza Loba-
to; Monsenhor Almeida; Joaõ Severiano Maciel da Cos-
ta; o Padre Francisco Romaõ de Góes.
Approvou-se outro decreto, para que S. M. naõ possa
remover em Lisboa e Porto os Commandantes de Corpos,
Intendente Geral de Policia, &c. até que seja jurada a
Constituição. Outro Decreto para servir depois que S.
M. tiver ratificado o seu juramento, determinando a ex-
tincçaõ da Regência.
Nestes termos chegou um officio do Ministro da Ma-
rinha, participando, que ás 5 horas da manhaã se tinha
avistado a esquadra em que vinha Sua Majestade. O Snr.
Presidente disse, que á vista desta participação éra im-
possível determinar para hoje o desembarque de S. M. pois
que naõ cabia no espaço, que mediava até o meio dia,
determinar a forma solemne com que havia de ser recebi-
do.
Passou-se â eleição de 24 pessoas, para se proporem a
Miscellanea. 119
El Rey para Conselheiros de Estado. Quando estava
correndo o escrutínio chegou, às duas horas da tarde, um
officio do Ministro dos Negócios do Reyno, participando
que a Deputaçaõ, composta do Presidente da Regência,
Ministro da Marinha, e General das Armas da Corte, ti-
nha ido a bordo cumprimentar a S. M.; que naõ tinha
voltado, e que se esperava pela proposta de S. M. de que-
rer desembarcar ou naõ, do que logo participará ao Sobe-
rano Congresso; e certificando que estaõ dadas todas as
providencias pelo commandante das armas.
Continuou o escrutínio para os Conselheiros de Estado,
e ás 4 horas da tarde chegou outro officio do Ministro
dos Negócios do Reyno, perguntando se a deputaçaõ da
Regência devia esperar a bordo pela de Cortes, ou se de-
via retirar-se, ficando o Ministro da Marinha.
Depois de alguma discussão se respondeu á Regência,
que a Deputaçaõ esperasse a bordo, revezando-se os seus
membros se fosse necessário, e que se perguntasse a El
Rey, a que horas podia receber a Deputaçaõ de Cortes
amanhaã, visto que èra ja demasiado tarde para o fazer
hoje.
Continuou o escrutínio dos Conselheiros de Estado, e
se levantou a sessaõ às 5 horas.

I24. a Sessaõ. 4 de Julho.

As 8 horas e meia declarou o Snr. Presidente aberta a


sessaõ, e fez sciente ao Soberano Congresso dos officios,
que tinha recebido dos Ministros da Marinha e Reyno, e
das horas a que elles foram recebidos. O primeiro par-
ticipando, que a deputaçaõ da Regência ficara a bordo
da náo de S. M., na conformidade das ordens das Cortes.
02° participando, que S. M. escolhera ás 10 horas do dia
de hoje. O 3-° dando conta de nova resolução de S. M.
110 Misccllanea.
para desembarcar ás quatro horas da tarde, e que o seu
Secretario dos Negócios Estrangeiros devia ter uma con-
ferência com o Presidente das Cortes. O 4." finalmente
confirmando a mesma resolução de desembarcar às 4 ho-
ras da tarde.
Acabada a leitura destes officios disse o Sr. Fernandes
Thomaz, que tendo as Cortes determinado por um Decre-
to, que S. M. escolhesse a hora a que devia desembarcar,
com tanto que fosse antes do meio dia, e que tendo pri-
meiro marcado as dez, como se vê do officio, S. M. se
devia conformar, partindo a deputaçaõ das Cortes para
cumprimentar a S. M. e acompanhallo á dieta hora.
O Sr. Castello Branco augmentou esta opinião, dizen-
do, que fosse immediatamente avizo á Regência para o
participar a S. M. nesta conformidade.
Foi approvado e se expedio immediatamente avizo à
Regência.
Continuou o escrutínio para os Conselheiros de Es-
tado.
As 11 horas e três quartos, chegou um officio do Mi-
nistro dos Negócios do Reyno, referindo-se a outro do
da Marinha, no qual participava, que S. M. estava resol-
vido a desembarear immediatamente; e que ainda naõ
tinha chegado a deputaçaõ das Cortes.
Continuou o escrutínio, e éra meia hora depois do meio
dia, quando chegou um officio da deputaçaõ das Cortes,
que foi abordo, participaddo, que acabava de ser recebi-
da por S. M. com toda aquella consideração e agrado,
que he própria de S. M. e que se dispunha a partir im-
mediatamente para terra na sua companhia.
O Snr. Psesidente disse, queesta noticia naõ podia dei-
xar de causar a maior satisfacçaõ ao Congresso, pelo que
interessava a toda a Naçaõ; e que se devia declarar «c
recebida com muito especial agrado. Foi approvado.
Miseellanea. 111
Leo-se o regulamento de Corte», para o caso da pre-
sença de S. M. a fim de que o Congresso estivesse sciente
do que se devia obrar: mas o Sr. Guerreiro fez a obser-
vação a respeito do que se faria, se por accaso S. M. se
cobrisse. O Sr. Presidente respondeo que naõ éra prac-
tica que S. M. se cobrisse, quando estava presente algum
corpo de Representação. O Sr. Maldonado disse, que
El Rey se cobria diante do Desembargo do Paço, e quan-
do o fazia o mesmo Desembargo igualmente se cobria, em
conseqüência opinou, que, se S. M. se cobrisse, as Cortes
deviam fazer o mesmo, pois que fazendo-o qualquer Tri-
bunal, melhor o deviam ellas fazer.
As 2 horas e meia da tarde chegou um officio do Mi-
nistro dos Negócios do Reyno, dando parte que S. M .
desembarcara no cáes, e que vinha acompanhado dos Sn rs.
Infantes D. Miguel e D . Sebastião.
As 3 e meia chegou outro officio participando a chega-
da de S. M. ao Palácio das Necessidades, e que Ia a apear-
se.
Eram cinco horas da tarde, quando S. M. entrou na
salla das Cortes, encostado ao Sr. Secretario Felgueiras
precedido pelas Deputaçoens das Cortes, e acompanhado
por todos os officiaes de sua Real Casa, e subindo ao thro-
no sentou-se na cadeira, e ficaram ao lado esquerdo do
throno e em pé os officiaes da sua Real Casa. Foi-lhe
apresentado pelo Sr. Presidente o Livro dos Sanctos Evan-
gelhos, sobre o qual pondo S. M. a maõ, proferio o se-
guinte juramento :—
" Eu D. Joaõ V I . pela Graça de Deus e pela Consti-
tuição Rey do Reyno Unido de Portugal Brazil e Algar-
ve. juro aos Sanctos Evangelhos manter a Religião Catho_
lica Apostólica Romana, observar, e fazer observar as
Bazes da Constituição decretadas pelas Cortes Geraes E x -
VOL- XXVII. N.° 159. Q
122 Misccllanea.
traordinarias e Constituintes da Naçaõ Portugueza, e a
Constituição que ellas fizerem, e ser em tudo fiel á mes-
ma Naçaõ."
Acabado o juramento, recitou o Sr. Presidente a sua
oraçaõ. (veja-se p. 93). Concluída a falia, deram-se
muitos vivas, e S. M. saio da sallaacompanhado das mes-
mas deputaçoens, que o haviam introduzido.
O Sr. Presidente apresentou uma falia por escripto de
S. M., em resposta à sua, dizendo, que S, M. por muito
fatigado a naõ pôde ler. Decidio-se que fosse lida, e fa-
zendo o Sr. Souza de Magalhaens a reflexão de que o
devia ser por um Secretario de S. M. como determinava
o regulamento, saio o Senhor Freire a participar isto a
S. M. (que se achava no Palácio das Necessidades) e im-
mediatamente entrou o Ministro de S. M. da Repartição
dos Negócios Estrangeiros, mandado por El Rey, e foi
por elle lida a falia de S. M. (veja-se p. 97) acabada a
qual saio da salla das Cortes, acompanhado por dous dos
Snrs. Secretários.
Esta falia foi remettida à Commissaõ de Constituição.
para no dia seguinte interpor o seu parecer.
Passou-se a formar novo Decreto, pelo qual se declara-
va reasumido em S. M. o Poder Executivo, logo que ti-
vesse nomeado os seus Ministros, cessando desde entaõ
as funcçoens da Regência.
Quando se discutia sobre esperar-se a nomeação doa
Ministros, entrou o dos Negócios da Marinha de S. M. a
perguntar, da parte d'El Rey, se éra indispensável que
fossem hoje nomeados os Ministros, ou se os poderia no-
mear no seguinte dia. Entrou-se em discussão, fazendo-
se algumas perguntas ao Ministro presente, para se conhe-
cer quem eram os Ministros, que estavam actualmente
encarregados dos differentes negócios, e sobre os quaes
recaia a responsabilidade.
Miscellanea. 123
O Seneor Castello Branco expressou nos termos mais
francos, que a Soberania, residindo na Naçaõ, eram os
Ministros da Regência os responsáveis, e que os de S. M.
sendo nomeados o deviam ser igualmente, e quando S. M.
os naõ possa nomear ja, fique a Regência governando
provisoriamente.
Houveram vários pareceres, e propoz o Sr. Trigoso,
que os actuaes Ministros da Regência se apresentassem a
S. M. e lhe expuzessem, que cuidariam dos negócios em
quanto S. M. naõ nomeasse outros. O Sr. Faria Carvalho
era de opinião, que os Ministros, que acompanharam a
S. M. fossem responsáveis, em quanto S. M. naõ nomeava
outros.
Respondeo-se em fim ao Ministro, conforme ao voto do
Sr. Braamcamp., que S. M. podia nomear ja alguns Mi-
nistros, que servissem provisoriamente, até que nomee os
permanentes, participando-o logo ás Cortes, que ficam
em sessaõ permanente.
As 8 horas chegou um officio dirigido em nome de
S. M., acompanhando um Decreto pelo qual nomeava os
Ministros, (veja-se p. 102) Levantou-se ás 9 horas a ses-
Baõ, e havendo sido tam prolongada se decidio, que a se-
guinte começasse ás 10 horas da manhaã.

125.» Sessaõ. 5 de Julho.

Propoz o Sr. Braamcamp, que se tractasse da formula


porque se deviam promulgar as leys; e se assentaram os
pontos principipaes.
O Sr. Presidente informou o Congresso de que, S. M.
quando acabara de proferir o juramento, dissera as se-
guintes palavras, que foram ouvidas porelle, e por todos
os Snrs. Secretários, que estavam ao pé de S. M. e saõ:—
1-24 Miscellanea.

" E he verdade tudo isto, Eu o juro de todo o meu cora-


ção."—Alguns dos Snrs. Deputados, que tem lugar mais
próximo do Sr. Presidente, confirmaram esta asserçaõ,
dizendo, que ouviram muito bem estas palavras a S. M.
O Sr. Presidente accrescentou, que naõ puderam ser bem
ouvidas de todo o Congresso, pois S. M. por vir muito
fatigado fallava de vagar, e que por ser da maior consi-
deração, que se soubessem todas as circumstancias deste
acto, he por isso que se deve publicar, para que toda a
Naçaõ Portugueza, e todas as Naçoens saibam, que S. M.
fez o juramento de todo o seu coração, e sem a menor
violência. Fez-se na acta esta declaração, e mais algumas
breves emendas, que se lembraram, e ficou paia na se-
guinte sessaõ, depois de redigida, ser approvada.
O Sr. Freire propoz, que para maior conhecimento de
todos, o Sr. Arcebispo da Bahia, como Presidente da
Deputaçaõ, que foi cumprimentar S. M., apresentasse um
relatório de tudo o que succedeo naquella occasiaõ: foi
approvado.
Finalizou o escrutínio para a eleição dos Conselheiros
de Estado. Nomeou-se uma deputaçaõ para ir cumpri-
mentar a S. M. e apresentar-lhe a lista dos 24 Conselhei-
ros de Estado eleitos, dentre os quaes deve S. M. esco-
lher oito.

126a. Sessaõ. 6 de Julho.

O Sr. Secretario Freire deo conta de dous ofíicios re-


mettidos da Província do Pará, pelo Governo ali estabe-
lecido, incluindo o auto da installaçaõ do mesmo Gover-
no, e dando parte da boa disposição dos habitantes, pa-
ra jurar as Bazes da Constituição. Foram ouvidos com
especial agrado.
Miscellahea. 125
O Sr. Felgueiras deo conta de um officio ainda da Re-
gência, incluindo papeis vindos da Bahia, em que se par-
ticipavam os últimos successos do Rio-de-Janeiro; que
se preparavam para dar o juramento das Bazes, e para fa-
zer as eleiçoens dos Deputados, e pedindo a brevidade
da expedição.
O Sr. Borges Carneiro propoz por esta occasiaõ, que
seria útil mandar-se uma nova expedição ao Rio-dc-Ja-
neiro. O Sr. Presidente respondeo, que só pertencia ás
Cortes dar esta insinuação ao Governo, e a elle o deter-
minar a expedição. Foi approvado.
O Sr. Felgueiras deo conta de um oflicio do Governa-
dor de Pernambuco, em data de 20 de Maio, participan-
do estar-se procedendo às eleiçoens naquella província.
O Soberano Congresso declarou ficava inteirado.
O Sr. B. Carneiro, propondo a extincçaõ do direito do
sêllo, a dizima da Chancellaria, e o dobro da Ciza, sus-
tentou a sua moçaõ observando, que as rendas do Esta-
do saõ muito grandes; que ellas dam para as despezas:
porém que o máo regulamento nestas, e a sua má adminis-
tração no luxo, &c, he que saõ os motivos de naõ che-
gar a receita para a despeza, e que havendo as reformas,
as economias, e a simplicidade bem regulada, chegariam
sobejamente, e por isso tem lugar o alivio dos povos, que
«e pretende pela extincçaõ dos mencionados direitos.
Mandou-se imprimir o projecto para entrar em discus-
são.
O Sr. F. Borges disse, que tendo chegado El Rey, ti-
nha chegado o momento de mandar formar causa aos Di-
plomáticos, segundo se tinha assentado: que a manhaã
partia paquete, e se podia hoje expedir ao Governo a re-
solução tomada, para ter o seu devido effeito. O Sr. Pre-
sidente respondeo, que hoje se expedia, para ser presente
a S. M. a resolução das Cortes, H este respeito. O Sr.
126 Miscellanea.
Alvezdo Rio lembrou, que seria necessário saber-se, quem
saõ os Diplomáticos, que S. M. nomeara ultimamente no
Rio de Janeiro, e do character que tem, pois estava infor-
mado que o Conde de Palmella he nomeado para a Corte
de Nápoles. O Sr. Braamcamp oppoz-se a que se per-
guntasse a S. M. quaes eram os Diplomáticos ultimamen-
te nomeados, dando as suas razoens bem fundamentadas,
pelas quaes, e pelas observaçoens de outros Snrs. Depu-
tadas, se decidio, que fossem levados ao conhecimento
de S. M. as duas resoluçoens tomadas a respeito dos Di-
plomáticos e Ilha Terceira, com os pareceres das compe-
tentes Commissoens.
Depois de alguma discussão, sobre a nomeação de Com-
missoens de fora das Cortes, se resolveo:—
1.° Que se nomeem commissoens fora do Congresso.
2'° Que o objecto, e attribuiçoens destas Commissoens,
seja consultivo, e de mera proposta, sem poder de refor-
mar ou deliberar, o que só ficava sujeito à decisão das
Cortes. 4.° Que a escolha dos membros fosse feita pelas
Commissoens conrespondentes, que existem nas Cortes.
5.° Que se creasse uma Commissaõ para a redacçaõ do
Código Criminal 6.° Outra para a redacçaõ do Código
Civil. 7«° Outra para a reforma da Universidade e In-
strucçaõ publica. 8.° Que as duas Commissoens criminal
e civil cuidarão da instrucçaõ judiciaria criminal e civil.
9.° Que fosse creada outra commissaõ para formalizar o
projecto de regulamento da Marinha Militar. 10.° Que
haja outra igualmente para todos os objectos de reforma
do Exercito em geral, l l . a Q u e a cada uma destas com-
missoens pertence o tractar do que he relativo á Instruc-
çaõ.
Miscellanea. 127
127-a Sessaõ. 7 de Julho.
O Snr. Secretario Felgueiras leoum officio do Ministro
dos Negócios da Guerra, acompanhando a conresponden-
cia vinda de Monte-Vedio, em que se refere a adhesaõ da
Divisão Portugueza ali estacionada á causa constitucio-
nal; e o juramento ás Cortes e à Constituição, que ellas
fizerem; e pedindo igualmente, que seja rendida aquella
Divisão.
Discutio-se o parecer da Commissaõ de Commercio.
sobre a verdadeira interpretação do artigo 29 do tractado
de Commercio feito com a Inglaterra em 1810. O parecer
he concebido nos seguintes termos:
" A Commissaõ de Commercio, em conseqüência das
queixas relativas à má intelligencia, e execução do arti-
go 26 do tractado de Commercio de 1810, entre Portu-
gal e a Gram Bretanha, tendo sido encarregada de
rever o mesmo artigo, e os tractados a que elle se re-
fere, depois de o ter feito com a devida attençaõ achou:
—Que o dicto artigo 26 declarou, que as estipulaçoens
conteúdas nos antigos tractados, relativamente â admis-
são dos vinhos de Portugal de uma parte, e dos panos de
laã de Gram Bretanha, da outra, ficariam por óra sem
alteração alguma. Que o único tractado relativo aos
dictos dous gêneros de vinhos e panos de laã he o de
27 de Dezembro de 1703, vulgarmente chamado de Me-
thuen, e que este tractado, tendo por objecto a ad-
missão em Portugal dos panos e fazendas de laã da Gram
Bretanha, que eram até entaõ prohibidos, naõ lhes esti-
pulou com tudo direito algum certo, e determinou so-
ente para os vinhos de Portugal os mesmos direitos que
pagassem os vizinhos de França nos portos da Gram Bre-
tanha com o abatimento de um meio :—Que em conse-
qüência desta estipulaçaõ se achavam pagando os vinhos
de Portugal ao tempo do ultimo tractado de 1810, os di-
reitos enormes deLib. 53; e assim tem continuado de-
128 Miscellanea.
pois do mesmo tractado, e continuam ainda sem altera-
ção alguma a exigir-se, e pagar-se, nos portos da Gram
Bretanha os mesmos enormes direitos, que conrespon-
dem actualmente a perto de 55 moedas por cada pipa.
—Que pelo contrario, achando-se as fazendas de laã, ao
tempo do mesmo tractado de 1810, sugeita se pagando
somente 20 por eento de direitos sobre uma moderada
avaluaçaõ, naõ só naõ continuaram depois delle a pagar,
como os vinhos na Gram Bretanha, os mesmos direitos,
como dantes, mas foram reduzidos elles a 15 por cento
unicamente, isto he, a metade do que dantes pagavam:—
Por tanto, â vista do que fica exposto, parece à Commis-
saõ de Commercio:—Que o tractado de 1703, tendo fi-
xado os direitos aos vinhos de Portugal na Gram Breta-
nha e naõ tendo determinado direito algum certo ou
relativo, para as fazendas de laã na Gram Breta-
nha, as quaes foram, pelo mesmo tractado, admittidas
em Portugal, ficaram estas por conseqüência, e como de
justiça, sugeitas pelo mesmo tractado, a todos e quaes
quer direitos, que em Portugal se lhes quizerem impor:
—Que o artigo 26 do tractado ultimo de 1810, tendo de-
clarado que ficariam sem alteração alguma as estipula-
çoens do tractado de 1703, o confirmou novamente, e
continuaram por conseqüência as fazendas de laã e se
acham ainda como d'antes sujeitas a todo e qualquer di-
reito, que se lhes queira impor, e mais ainda, se he pos-
sivel, aos mesmos 30 por cento, que se achavam pagando
no tempo em que se fez o mesmo ultimo tractado e de-
claração, que confirmou todas as estipulaçoens preceden-
tes respectivas:—Que a reducçaõ, que se fez nos direitos
das mesmas fazendas, de 30 a 15 porcento, isto he a me-
tade do que pagavam, naõ tem por tanto fundamento al-
gum no tractado de 1703, único relativo ás mesmas fa-
zendas, e menos ainda no ultimo tractado de 1810; visto
que por um artigo expresso delle se confirmaram e reva-
Miscellanea 129
lidaram de novo todas aquellas estipulaçoens respectivas:
—Que o artigo 15 do mesmo ultimo tractado de 1810, que
servio, talvez, de pretexto para aquella prejudicial reduc-
çaõ e desfalque da renda publica, estipula sim a admissão
de todos os gêneros de producçaõ, manufactura, indus-
tria ou invenção dos domínios e va&sallos Britannicos,
pagando geral e unicamente o sobredicto direito de 15
por cento, mas sendo posterior a elle o sobredicto arti-
go 26 do mesmo tractado, que declarou que as estipula-
çoens conteúdas nos antigos tractados relativamente à ad-
missão dos vinhos de Portugal de uma parte, e dos pa-
nos de laã da Gram Bretanha da outra, ficariam por óra
sem alteração alguma, ficou este constituindo uma clara
excepçaõ daquelle artigo:—Que esta excepçaõ he tanto
mais obvia e justa, quanto estava sendo, ao tempo que
se fez o ultimo tractado, tam desproporcionada nos dous
paizes a differença dos respectivos direitos dos vinhos de
Portugal e fazendas de laã da Gram Bretanha, que fize-
ram o objecto do referido artigo 26, pois que naõ obstan-
te a nenhuma restricçaõ do tractado de 1703, e a plena
liberdade que deixou, 6e percebiam apenas em Portugal
30 por cento de direitos sobre os panos e fazendas de laã;
quando pelo contrario sobre os vinhos de Portugal na
Gram Bretanha se percebiam e percebem ainda mais de
200 por cento, isto he, mais de duas vezes o valor actual
do mesmo vinho, que a tanto conresponde o sobredicto di-
reito de Lib. 55, ou pelo cambio corrente 250.800 reis so-
bre cada pipa:—E finalmente, attendeudo a todas as sobre-
dictas razoens, que foi tam injusta como mal entendida a
reducçaõ dos direitos sobre as fazendas de laã em Portu-
gal, e naõ devendo por isso supportar-se por mais tempo
o enorme desfalque, que tem causado â renda publica, que
se estabeleçam sem demora, e continuem a perceber-se
VOL. XXVII. N.' 159. R
130 Miscellanea.
em todas as alfândegas os mesmos direitos de 30 por cento
como d'antes."
O Sr. Luiz Monteiro, sustentando o parecer, como
membro da Commissaõ, fez entre outras a explicação do
grande mal, que Portugal tem soffrido com a perda de
mais de 130 contos de reis annualmente, desde o anno de
J813, até ao qual pagaram as dietas fazendas de laã 30
por cento.
A opinião do Sr. B. Carneiro dirigio-se essencialmente
a sustentar a dignidade da Naçaõ vergonhosamente avil-
tada, pelo Ministro, que fez o tractado de 1810. Tendo-
se discutido, e julgando-se que naõ podia haver a menor
duvida em resolver sobre talassumpto, sem mais contem-
plaçoens, se approvou o parecer da Commissaõ; e que
se recebam daqui avante os direitos de 30 por cento em
fazendas de laã.
O Sr. Braamcamp propoz, que se devia marcar um tem-
po determinado, para principiar a execução desta reso-
lução, pois havia muitas fazendas que tem vindo na boa
fé, de pagar 15 por cento, o que foi approvado; fixando-
se o 1." de Agosto próximo futuro.

128.» Sessaõ. 9 de Julho.

O Sr. Presidente deo conta ao Soberano Congresso, que


o Ministro dos Negócios Estrangeiros da parte de S. M.
conveio em algumas pequenas alteraçoens que se fizeram
na falia de S. M., por ter palavras, que se julgaram pou-
co próprias da linguagem Constitucional. Sendo lida
pelo Sr. Secretario, e fazendo-se algumas reílexoens sobre
o termo collectivamente, que se refere ao Corpo Legisla-
tivo, e Governo Executivo, se julgou devia tornará Com*
Miscellanea. 131
missaõde Constituçiaõ, para se fazer uma proposta a
S. M. a respeito delia e de outras frazes.
O Sr. Fernandes Thomaz propoz, que se fizesse uma
proclamaçaõ ao povos da America, em a qual se descre-
vam os successos, que ultimamente tiveram lugar nesta
cidade. Foi approvado, e que o mesmo Deputado a
redigisse.
Principiou nesta sessaõ a tractar-se do projecto de Con-
stituição.

129 a Sessaõ. 10 d* Julho.

Nesta sessaõ se tractou da reducçaõ do character e or-


denados dos Agentes Diplomáticos; e do plano do Sr.
Povoas, sobre a organização do Exercito, que ficou adi-
ado.

130.° Sessaõ. 11 de Julho.

Mencionou-se um requirimentoda Câmara do Ceara


Grande, em que se queixa do actual Governador: foi re-
mettido à Commissaõ do Ultramar.
Continuou a discussão do projecto do Sr. Povoas sobre
a organização do Exercito.
O Sr. B. Carneiro, como membro da Commissaõ de
Constituição lêo as palavras do Discurso de S. M. pouco
próprias do systema constitucional, e expondo com o pa-
recer da mesma Commissaõ, que a brevidade com que
foi feito o mesmo discurso éra causa desta irregularidade,
devendo por isso remetter-se com o dicto parecer a S. M.
para dar a respeito das mesmas palavras a explicação.
O Sr. Trigoso opinou, que tendo o Ministro sido au-
thorizado por El Rey, para assentir às emendas, que o
Discurso de S. M. precisasse, para ficar conforme ás ba-
J32 Mincel/anea.
zes, devia a Commissaõ fazer estas emendas, sem ser pre-
ciso tornar a apresentar a S. M. o discurso. O Sr. B. Car-
neiro explicou os motivos da censura da CommLssaõ, e
tornou o Sr. Trigoso, que a explicação éra mais confor-
me, que fosse pedida ao Ministro.
Havendo algumas duvidas sobre a quem se deveria di-
rigir o discurso de S. M. se ao Ministro dos Negócios do
Reyno, se a Silvestre Pinheiro, que foi quem o veio ler
em nome de S. M. Por esta occasiaõ informou o Sr. Se-
cretario Felgueiras, que estado presente, quando S. M.
determinara que Silvestre Pinheiro viesse ler o dicto dis-
curso, dissera S. M. " Và Silvestre Pinheiro ler a falia, e
se he preciso que eu próprio a và ler, eu mesmo vou de
boa vontade:" e accrescentou,que S.M. demonstrara pe-
zar de lhe naõ ser apresentada a mesma falia, na occasi-
aõ em que fez o juramento para elle mesmo a ler. O Sr.
Fernandes Thomaz opinou, que a falia devia ser impres-
sa, tal qual fora lida; que se imprimisse igualmente a
analyze, que a Commissaõ fazia, e que se declarasse, que
S. M. se conformava, com as emendas, que por falta de
conhecimento do Ministro da frazeologia própria do sys-
tema constitucional, ella devia soffrer; pois que naõ éra
conseqüente, que se desse desfigurada uma falia, que to-
dos ouviram.

131.° Sessaõ. 12 de Julho.


Leo-se o officio do Ministro dos Negócios do Reyno in-
cluindo a lista dos Conselheiros de Estado, escolhidos
por S. M. (veja-se p. 103)

132." Sessaõ. 13 de Julho.


Concordou-se a final o decreto para a organização do
Exercito do Reydo-Unido, e se mandou expedir*
Miscellanea. 133
Contiuuou o discussão sobre a Constituição, que pro-
cede com a mais madura deliberação. Nesta sessaõ fi-
cou approvado o proemio.

133." Sessaõ. lá de Julho.

Recebeo-se um officio do Ministro da Marinha, parti-


cipando que Bernardo de Souza Lobato, uma das pesso-
as, que vindo do Brazil foram detidas a bordo, se acha
desorientado de cabeça, e fora examinado por um Phisico.
e que éra conveniente visto o estado em que se achava,
dever recolher-se a um hospital, propondo esta disposição
à approvaçaõ do Congresso. Decidio-se que o Governo
tomasse as medidas, que julgasse mais convenientes.
Recebeo-se um officio do Ministro dos Negócios do
Reyno, cora a declaração de S. M. sobre as duvidas que
se suscitaram por oceasiaõ da sua falia. (Veja-se p. 101.)

134.* Sessaõ. 16 de Julho.

O Sr. Secretario Felguiras fez a leitura de um extenso


officio, remettido pelo Governo da Bahia, relatando nelle
o miserável estado a que tinha chegado a administração
publica era todos os ramos, e dando conta do que se tem
passado naquella província; e incluindo diversos docu-
mentos, relativos à convocação dos povos, para eleiçoens
dos deputados, e sobre outros objectos.
Tendo-se decidido, que se dessem louvores ao Governo
da Bahia, o Sr. Braamcamp, reflectindosobre ascircum-
•tancias, em que a America ficou, pela partida de S. M.
propoz, que a Commissaõ de Constituição tomasse em
consideração a melhor forma de estabelecer os Governos
das províncias do Brazil, a respeito dos quaes se deve
decidir, se devem ficar sujeitos a Portugal, ou à Regen-
134 Misrellantu.

cia, que S. M. deixou no Rio-de-Janeiro. Remetteo-se


tanto o officio como a indicação do Sr. Braamcamp á Com-
missaõ de Constituição para dar o seu parecer.
Leo-se a proclamaçaõ das Cortes aos povos do Brazil.
de cuja redacçaõ havia sido encarregado o Sr. Fernandes
Thomaz; e foi approvada coin levíssimas emendas.
O Sr. Ferreira Borges apresentou por escripto uma in-
dicação ; dizendo em substancia:—Que o Conde de Bar-
bacena pegara em armas, contra o estabelicimento do sys-
tema constitucional, e que proclamara:—Que mui tardia-
mente e obrigado jurara as Bazes da Constituição; e que
por estes factos, ou por quaesquer outros, éra certo que
elle naõ tinha a confiança da Naçaõ:—Que elle fora cre-
ado Ministro dos Negócios Estrangeiros, cargo da maior
importância nas circumstancias presentes, e cujas opera-
çoens eram levadas ordinariamente em segredo:—Que
estas foram as bazes do procedimento que houve à cerca
dos Diplomáticos Portuguezes:—Que El Rey se achava
em Lisboa ha doze dias, e ha outros tantos o Ministro
nomeado; e que naõ constava até hoje, que se partici-
passe pelo modo regular e directoaos Agentes ou Encar-
regados de Negócios da Hespanha, França, Inglaterra e
Alemanha, o facto glorioso do juramento d'El Rey, e
espontânea approvaçaõ do novo systema:—Que elle por-
tanto requeria, que estas circumstancias fossem levadas
ao conhecimento d'El Rey, que necessariamente as igno-
rava, para que provesse como cumprisse em cousa, que
tanto relevava a segurança publica.
O Sr. Guerreiro oppoz-se à moçaõ, dizendo que os Mi-
nistros saõ responsáveis, e naõ havia por ora motivo pa-
ra se lhe tomar conta. O Sr. Braamcamp lembrou, que
os Ministros naõ tem ainda jurado as Bazes da Constitui-
ção. O Sr. Ferreira Borges retorquindo ao Sr. Guerreiro
disse, que naõ sô o Ministro dos Negócios Estrangeiros nao
Miscellanea. 135
tinha mandado publicar no Diário as participaçoens a que
alludia, mas que fizera a participação de modo que tinha
pejo de o dizer.
Pediram alguns dos Snrs. Deputados, que fosse expli-
cada esta circumstancia,e disse o Sr. Presidente, que naõ
devia haver pejo em explicar cousa alguma, que se refe-
risse à causa publica. Approvando-se esta decisão, disse
o Snr. F. Borges, que o Conde de Barbacena se dirigio ao
Ministro da Prússia, dizendo-lhe que o participasse aos
seus companheiros;—que similhante modo de proceder
éra o mais irregular, que podia imaginar-se.
O Sr. Fernandes Thomaz accrescentou, o que Conde de
Barbacena, recusara prestar o juramento ás Bazes, e que
o naõ fizera senaõ quando o Governo entaõ existente o
mandara despejar do paiz. Que lhe constava, disse este
Sr. Deputado, que mandara um avizo ao Redactor do
Diário, para naõ publicar a folha sem a sua previa appro-
vaçaõ, quando todos sabem que o Diário naõ he official,
senaõ relativamente aos artigos, que vem debaixo do ti-
tulo de officio. Isto he uma rigorosa censura, contra o
que está estabelecido e sanccionado por este Soberano
Congresso; e he um passo, que nunca deo a Juncta Pro-
vísíonal do Governo, a pezar da diversidade de circum-
stancias políticas, em que se achara; e muito menos ago-
ra devia ter lugar, por ser bem notório que o actual Re-
dactor he mui intelligente e constitucional; pedio final-
mente, que estas circumstancias fossem unidas á inda-
caçaõ do Sr. F. Borges. A final decidio-se, que fosse
chamado o Ministro immediamente.
O Ministro da Marinha foi introduzido nas Cortes e
apresentou o relatório do estado dos negócios do Rio-de-
Janeiro, expondo-o primeiro verbalmente, e depois entre-
gando-o por escripto. Fizéram-se-lhe varias perguntas
8
obre o mesmo assumpto a que elle satisfez ; e retirou se.
136 Miscellanea.
Entrou depois o Ministro dos Negócios, Estrangeiros
que fora mandado chamar; e o Sr. Presidente lhe disse,
que o Soberano Congresso mandava, que o informasse:
1." Se ja tinha feito a necessária participação da chegada
e recebimento de S. M. e de seu juramento solemne às
Bazes da Constituição, no dia 4 do corrente, aos Ministros
Estrangeiros nesta Corte: e 2.° Se deo ordem ao Redac-
tor do Diário do Governo para naõ publicar folha alguma
sem a sua approvaçaõ.
O Ministro respondeo, quanto ao 1/ caso, que immedi-
atamente fizera a participação aos Ministros Estran-
geiros, que se acham authorizados pelas suas Cor-
tes ; e quanto ao 2.°, que se tinha providenciado, que o
dicto Diário conservasse o character, que he próprio de
um papel Ministerial, e para que naõ omittisseartigos de
officio, para substituillos com chocarrices, taes como por
exemplo a das mulheres feias e bonitas, &c.
Sendo interrogado pelo modo por que fizera a dieta par-
ticipação aos Ministros Estrangeiros, disse, que foram
feitas por escripto aos Diplomáticos da Prússia e Dina-
marca Rússia e Delegado Apostólico, que saõ os únicos
que tem credenciaes, e que o de Hesdanha ainda hontem
as apresentara, naõ as tendo o da Inglaterra, França, &c.
e outros que apenas saõ cônsules.
Retirado o Minissro disse o Sr. Fernandes Thomaz,
que o officio dirigido a Redactor existia, e que fosse man-
dado vir, para entaõ o Congresso decidir.

135-L Sessaõ. 17 de Julho.

O Snr. Sarmento mencionou a entrada do patriótico


General Napolitano, Pepe, em Portugal, e o ter sido rou-
bado por alguns salteadores, de tudo quanto tinha; e pro-
Miscellanea. [ 13 7] 115
poz, que se indicasse ao Governo, que lhe desse um
auxilio igual ao prejuízo que recebera- Foi apoiado, e
que apresentasse a indicação por escripto.
Leo-se pela segunda vez a indicação do Sr. F. Borges
sobre o Conde de Barbacena, Ministro dos Negócios Es-
trangeiros, e tendo-a sustentado o Sr. Deputado, disse
que ella se limitava a informar a El Rey dos factos, que
S. M. necessariamente ignorava: que se as respostas, que
o Ministro dera na sessaõ precedente, eram por uma parte
exactas, em outro ponto de vista eram inadequadas; por
que o Ministro omittira dizer, que os Encarregados de
Negócios Estrangeiros, de Prússia, Dinamamarca e Rús-
sia, a quem fizera as communicaçoens, eram só aquelles,
que acompanharam El Rey do Rio-de-Janeiro para Lis-
boa; entretanto que aos de Lisboa nenhuma participação
fizera, no que havia falta; porque estes Encarregados
haviam apresentado suas credenciaes à Regência, que El
Rey deixara em Portugal, a qual as enviara ao Rio-de-Ja-
neiro, d'onde voltaram com o exequatur: que pelos mo-
vimentos de 15 de Septembro se suspenderam as suas func-
coens, em conseqüência do que permaneceram aqui como
Cônsules Geraes, com deferencia successiva dos Gover-
nos, que se seguiram : que voltando El Rey, voltava
aquelle. que antes os havia reconhecido; e por conseqüên-
cia éra uma cavilaçaõ o dizer, que elle Ministro os naõ
reconhecia agora: e concluio lembrando, que esta intel-
ligencia, e nenhuma outra tinham as palavras do Ministro,
que com tudo elle Deputado o naõ accusava, que a sua
indicação se reduzia unicamente a informar El Rey de
circumstancias, de que naõ estava ao facto.
Os Snrs. Trigoso, Pinheiro Azevedo, Brandão, &c fol-
iaram a favor do Ministro. O Snr. Saraiva lembrou o de-
creto de amnistia, que o Sr. Presidente lembrou naõ ter
VOL. XXVII. N.» 158. s
138 Niscellanea.
lugar na presente occasiaõ. O Sr.B. Carneiro disse, que éra
extraordinário, que tendo sido nomeado o Pay deste fidal-
go para a Commissaõ das Cortes Velhas, e o filho para
Commandar o Exercito, continuasse a servir um emprego
de tanta circumstancia, como éra o de Ministro dos Negó-
cios Estrangeiros, cujas funcçoenssaõ todas em segredo.
Addiou-se o negocio.
Referio-se à Commissaõ de Fazenda o arbitrar o que
se poderia dar ao General Pepe.

136.» Sessaõ. 18 de Julho.

Leo-se um officio do Ministro dos Negócios do Reyno,


em que remettia officios da Bahia de 22 de Maio, nos
quaes, entre outras cousas se participava, que as Junctas
Eleitoraes de Parrochia deviam ser convocadas no dia 10
de Junho, as de Comarca no dia 24, e as de província a 8
de Julho.
Fez-se a leitura de uma charta de naturalização passa-
da pelas Cortes a Christovaõ Bernardo natural de Lyon
de França. Foi approvada com uma breve emenda.
O Snr. Sarmento fez uma declaração do seu dicto na
sessão de 16, relativo ao Ministro de Hespanha. Os Snrs.
Luiz Monteiro, Miranda, Margiochi e Freire opinaram,
que nenhum deputado devia dar satisfacçaÕ das suas opi-
nioens, e palavras, citando por tal motivo o Sr. Luiz
Monteiro um exemplo moderno no Parlamento Inglez.
Estas opinioens foram geralmente apoiadas.
O Snr. Castello Branco, como membro da Commissaõ
de Constituição deo conta do parecer da mesma sobre o
officio do Governo da Bahia, reduzindo-se o parecer a
que sedem louvores âquelleGoverno, eapprovando que
elle fique directameete sugeito ao de Lisboa, conservan-
Miscellanea. 139
do as relaçoens com o Rio-de-Janeiro, &c. O Snr. Arce-
bispo da Bahia apoiou isto, dizendo, que recebera uma
carta do Vigário Capitular da Bahia, um dos Membros
do mesmo Governo, na qual confirmava, que os povos e
Governo estavam na firme resolução de se manterem in-
dependentes do Governo do Rio, sugeitos ao de Lisboa,
e de manterem e conservarem os mesmos princípios con-
stitucionaes, que tem adoptado, unidos à causa geral dos
Portuguezes.—Foi approvado o parecer da commifisaõ.
Discutio-se alguma parte da constituição.

137.» Sessaõ. 19 de Julho.

O Snr. Secretario Felgueiras deo conta de um officio


do Ministro da Marinha, em que participa que S.M. tem
deliberado mandar um Governador para a Ilha Terceira,
e serem dali removidos Stockler e o Bispo, e desejando
igualmente, que as Cortes o informem das attribuiçoens,
que deve ter este Governador, e se deve nomear outro
para a Ilha de S. Miguel.
Deo conta de outro officio do Ministro dos Negócios
Estrangeiros, participando, que S. M. resolveo remover os
Diplomáticos, que as Cortes julgaram o deviam ser, fi-
cando interinamente encarregadas as respectivas dele-
gaçoens : representando porém, que S. M. naõ pode dei-
xar de attender aos serviços, que fizeram na Embaixada
em Paris e Vienna, o Marquez de Marialva, o Conde de
Oriola, eAntonio de Saldanha da Gama, os quaes pela
incerteza, e circumstancias, em que se achavam, dérám
motivo no seu procedimento â directa e ponderosa reso-
lução tomada pelo Soberano Congresso.
O Snr. Xavier Monteiro, pedio que se lesse, a ultima
parte deste officio, para se inteirar melhor no seu espirito;
e depois da leitura reflectio, que sendo prohibido em um
140 Miscellanea.
Cospo Legislativo fallar qualquer Deputado em nome do
Rey, de maneira que possa influir no mesmo Corpo, co-
mo se podia permittir que o fizesse um Ministro. Que
este officio éra uma carta de empenho que vinha sur-
prehender o Congresso em nome de S. M.; que se devia
reflectir que estes três nomeados eram dos maiores fidal-
gos, e ao mesmo tempo os mais culpados nos procedimen-
tos, de que foram arguidos os Diplomáticos; em conse-
qüência do que fazia a declaração, de que o Ministro fi-
casse responsável pelas conseqüências, que a influencia
deste officio podia ter nos Snrs. Deputados, no publico,
e nos mesmos Ministros, que houverem de julgar os Di-
plomáticos, uma vez que se forme causa: pedindo em
conseqüência, que estas suas consideraçoens sejam de-
claradas.
Houve alguma discussão sobre a forma de proceder,
posto que todos os Snrs. Deputados que fallaram eram
conformes na essência. O Snr. Castello Branco, queria
que o officio se attribuisse naõ a El Rey mas ao Minis-
tro ; e o Snr. Alves do Rio approvando isto disse, que se
podia facilmente concluir assim, observando, que um
dos fidalgos diplomáticos éra parente do Ministro, eque
por isso vaõ fallava em Francisco José Maria de Brito,
o qual estava em iguaes circumstancias.
O Snr. Braamcamp disse, que isto naõ tinha paridade,
que porém sendo a linguagem do officio inconstitucional,
deve recair a culpa sobre o Ministro; que éra preciso,
que se accustumassem a naõ fallar em El Rey, porém só
nos Ministros, que estes sós he que devem ser atacados,
pois que 6aõ responsáveis; e porque a pessoa d'EI Rey he
inviolável. Condemnou igualmente de inconstitucionaes
as frazes do officio o Senhor Margiochi, e notou o Snr.
Freire, que havia nelle infracçaõ de constituição; ao que
replicou o Sm. Maldonado, perguntando qual éra a
Miscellanea. 141
Baze, que se tinha infringido, e que a respeito da Consti-
tuição, como ainda a naõ havia, éra impossível haver
fracçaõ.
Decidio-se afinal,que fosse nomeada nova Commissaõ
especial Diplomática, à qual fosse remettido este objecto,
e disse o Senhor. Presidente, que a nomearia no fim da
Sessaõ. Com effeito no fim delia nomeou os Snrs. F.
Thomas, X. Monteiro, Miranda, Braamcamp e Annes.

138.a Sessaõ. 20 de Julho.

Continuou nesta sessaõ a discussão sobre a Constitui-


ção, comprehendendo os artigos 0° até 15, que foram
approvados, com pequenas alteraçoens de palavras em
alguns delles.

139.» Sessaõ. 21 de Julho.

Leo-se um officio do Ministro dos Negócios do Reyno,


que participava haver o Bispo de Vizeu dado escusa de
servir de Conselheiro do Estado, e perguntava como de-
via ser substituído.
Leo-se outro officio do Ministro dos Negócios Estran-
geiros, incluindo uma Nota do Encarregado de Hespanha,
D. José Maria Pando, e da resposta que elle dera ao
mesmo officio. Deliberou-se que fosse lida a nota, na
qual o Encarregado de Hespanha, além de outros ohjec-
tos.se queixava das palavras, que o Snr. Deputado Sar-
mento proferio no Congresso contra a sua pessoa, e per
dindo uma satisfacçaõ, &c.
O Snr. Pereira do Carmo disse:—Estou maravilhado
do que acabo de ouvir! O agente de uma Potência Es-
trangeira ter a ousadia de pedir satisfacçoens ao nosso
Governo, em conseqüência da opinião, que um Deputado
142 Miscellanea.
pronunciou neste inviolável recinto; he um facto, de que
a historia diplomática moderna naõ offerece exemplo!
Naõ: ja mais eu reconhecerei em pessoa alguma, por mais
authorizada que seja, e muito menos n'um estrangeiro, o
direito de se intiometter nas deliberaçoens desta Augus-
ta Assemblea. E saiba a Europa, e saiba o mundo in-
teiro, que a naçaõ Portugueza, reassumindo os seus un-
prescriptiveis direitos, recobrou com elles aquelle antigo
vigor e energia, que a fez tam famosa nas epochas bri-
lhantes da sua gloria. Para atalhar com tudo uma discu-
saõ, que naõ pôde deixar de ser desagradável, e para que
ninguém vinha preparado; proponho, que os officios se
remettam á Commissaõ Diplomática, para iuterpôr sobre
elles o seu parecer; e depois se discutirá o negocio mais
de espaço.
Depois de alguma discussão, em que vários Deputa-
tados fallaram no mesmo sentido, resolveo-se conforme
propoz o Snr. Pereira do Carmo.
Foi approvado o projecto sobre os Diplomáticos, deci-
dindo-se que se naõ haja mais Embaixadores ordinários,
para as Cortes onde até agora se expediam, quaes saõ
Áustria, França, Inglaterra, Hespanha,e Roma.- quesê-
jam substituídos por Ministros Pleni potência rios, perten-
cendo ao Governo nomeados, com este titulo, quando o
julgar conveniente: que o mesmo se entenda a respeito
da Rússia; que para as mais Cortes da Europa os no-
meará o Governo , quando julgue conveniente, com o ti-
tulo de Encarregados de Negócios, ou de Cônsules Ge-
raes : que ficam abolidos os Conselheiros de Legaçaõ,
nas Cortes aonde houver Ministros Plenipotenciarios:
que igualmente haja um ou dous Secretários addictos
em Madrid, Londres e Paris, ficando livre ao Governo
poder nomear um só para as outras Cortes, quando o jul-
Miscellanea. 143
gue conveniente, ou mais de um, porém sem ordena-
do.
Ficou addiado tractar-se dos ordenados destes Minis-
tros Diplomáticos.

140.» Sessaõ. 23 de Julho.

Discutiram-se nesta sessaõ os artigos da Constituição


de 16 até 19 que foram approvados com algumas emen-
das.

141.» Sessaõ. 24 de JuUto.


Leo-se o parecer da commissaõ do Ultramar, a respeito
da Ilha Terceira, reduzindo-se a que se mande remover
immediatamente o Bispo, Stockler, e o Brigadeiro Cae-
tano Paulo. Approvou-se com o addictamento proposto
pelo Senhor Carneiro, para exceptuar interinamente do
Governo da Ilha Terceira as duas Ilhas de S. Miguel e
Sancta Maria ; as quaes disse o Sr. Deputado tinham 70
mil habitantes, e por isso deveria ficar sugeita immedia-
tamente a Portugal.
Leo-se o parecer d' outra Commissaõ sobre uma quiexa
contra os Monges Bernardos de Maceira-Daõ, que causa-
vam oppressoens aos habitantes do couto do seu Convento,
recommendava a Commissaõ, que o Mosteiro fosse
supprimido, e o processo remettido ao Poder Judicial,
para se formar causa, e serem punidos os culpados. De-
cidio-se, que quanto á suppressaõ do Convento fosse ã
Commissaõ Ecclesiastica de Reforma; e quanto aos
crimes allegados, se remêtta o objecto ao Corregedor da
Commarca.
144 Miscellanea.

142.» Sessaõ. 26 de Julho.

O Ministro dos Negócios da Guerra entrou nas Cortes,


sendo chamado para dizer a razaõ porque se conservara
noGovernodas armas do o Alentejo, o Visconde de Souzel,
que tinha sido nomeado Conselheiro de Guerra, e tendo-
se nomeado para o mesmo Governo o General Stubes.
O Ministro deo a sua explicação por escripto, dizendo,
que oVisconde de Souzel pedira esta demora na mudança
por lhe ser assim conveniente para alguns arranjos de
família.
Houve sobre isto alguma discusaõ, e se adiou a ques-
tão para outro dia.
Correndo o escrutínio para a proposta de três Conse-
lheiros d' Estado, dos quaes deve S. M. escolher um para
o lugar do Bispo de Vizeu, saíram elleitos os SenhoresAn-
selmo Jozé Braamcamp, José da Silva Carvalho, e Jozé
Aleixo Falcaõ.
Nomeou-se para Presidente do segninte mez o Snr.
Faria de Carvalho, e para Vice Presidente o Sur. Vaz
Velho.

143.» Sessaõ. 27 de Julho.

Tractou-se nesta sessaõ no titulo segundo da Constitui-


ção, propondo-se algumas alteraçoens pela maior parte
verbaes, na descripçaõ do que se chama território Portu-
guez, e voltaram os artigos à Commissaõ, para os redigir
de novo, segundo as observaçoeus, que se fizeram.
Miscellanea. 146

Relatório da Deputaçaõ que foi abordo da náo D.


Joaõ VI., felicitar a Sua Majestade, e da outra que
o foi esperar á entrada do Paço das Cortes.
Logo que a Deputaçaõ destinada a ir no dia 4 do cor-
rente mez de Julho abordo da naõ D. Joaõ VI. cumpri-
mentar a El Rey, e Sua Real Família chegou pela dez
horas da manhaà ao lugar do seu destino, foi recebida
com todas as honras, e introduzida à presença de Sua
Majestade, que estava em pé, e a recebeo com expressi-
vas demonstraçoens de satisfacçaõ. O Arcebispo da
Bahia Presidente da Deputaçaõ pronunciou logo o discur-
so seguinte.
" Senhor:—Designado pelas Cortes Geraes Extraordiná-
rias e Constituintes da Naçaõ Portugueza, para vir com
meus companheiros render a Vossa Majestade o fiel tes-
temunho do nosso amor, e veneração, no feliz momento
em que Vossa Majestade volta ao seio dos seus saudosos
subditos de Portugal, para cooperar com elles na mages-
tosa obra da sua regeneração Política, tal he, Senhor, a
multidão de idêas, que este successo desperta em meu es-
pirito, que eu quizera antes ficar em um silencio respei-
toso e admirador. Se trago à memória os pasmosos suc-
cesso» dos 14 annos precedentes, tristes, e dolorosos uns,
cuja recordação ainda hoje he capaz de fazer renascer em
nossos Coraçoens um susto mortal; faustos e alegres ou-
tros, em cuja lembrança, ainda agora nos saboreamos,
como entaõ e servirão de temperar nossas amarguras, eu
naõ posso, Senhor, deixar de vêr nesta longa cadeia, de
bens, emales, que alternademente nos cercaram, os effei-
tos da Providencia particular, e adorável, que velan-
do sobre Portugal, e sobre a augusta dynastia de seus
Reys, quando os deixava chegar a borda do precipício,
era somente para lhes estender a sua maõ omni potente, e
Vor.- XXVII. N.' 159. T
146 Miscellanea.
os salvar. Mas quando em particular considero a Vossa
Majestade no presente momento, em que, depois do lon-
go retiro de 14 annos, vejo a Vossa Majestade, salvo de
tantos perigos, voltar tranquillamente a estas praias, que
tanto entaõ saudosas, e enlutadas o viram entregar-se aos
mares procellosos, quanto hoje serenas, e risonhas se a-
longaria, se possivel fosse, até aqui, apinhoadas de ex-
ultante povo, para dar-lhe uma passagem triunfal, e
collocallo no antigo, e melhorado Throno dos seus Mai-
ores; quando reflicto nos ponderosos motivos que de-
cidiram a incerteza da fluctuante alma de Vossa Ma-
jestade a regressar ao Solo Portuguezes, seu berço,
assim como antiga sede de seu throno, com o grande fim
de accelerar, e solidar a nossa Regeneração Política
por meio de uma Constituição liberal, que fará a feleci-
dade da Naçaõ Portugueza,he entaõ, Senhor, que o espi-
rito transcende os breves limites da sua esphera, e que
eu extasiado tomo em meus lábios a fraze angélica no
momento da regeneração espiritual do mundo corrom-
pido " Gloria a Deos nas alturas, paz, e felicidade, a
todos os Portuguezes, que tem uma vontade recta, e
amante da justiça."
Tal he, Senhor, o particular respeito debaixo do qual
a Naçaõ Portugueza contempla hoje a Vossa Majestade,
e o proclama coberto de uma gloria superior a toda a
gloria, de seus augustos predecessores, e que eclipsa o
falso brilho dos Conquistadores. Dilatar, e segurar os
limites de um vasto Império à força d'armas, e levantar
um throno forçado sobre montoens de cadáveres, e ruí-
nas, seja essa a vaã gloria de um Rey guereiro, que ordi-
dariamente degenera em deposta, e oppressor dos povos,
que subjugou; seja essa a funesta gloria dos Alexandre»,
e Napoleoens, que fizeram a admiração, e terror dos seus
séculos, e mereceram a execração dos seguintes. Mui
superior, e somente solida he a gloria de um Rey dócil,
Miscellanea. 147
e pacifico qual Vossa Majestade, que triunfou dos longos
hábitos, que tanto haviam depravado a difncultosa arte
de governar povos; rasgou a venda que offuscava suas
vistas rectissimas; separou de si aquelles, que entorpe-
ciam o rigor das Leys, e lhe substituíam o arbítrio, o ca-
pricho, o interesse, e o feroz despotismo % e restituido
assim aos seus naturaes sentimentos de justiça, piedade,
e santo temor de Deos, se. desce algum degráo do seu
antigo throno, jurando-ee Rey constitucional, se eleva em
outros muitos de gloria sua,e felicidade nossa, único alvo
dos desejos e cuidados do Rey, que he digno de o
ser."
" Taes saõ, Senhor, as ricas insígnias, de que Vossa Ma-
jestade, apresentado-ee hoje adereçado, annunciaa toda a
Naçaõ Portugueza a mais solida felicidade. Em uma
maõ a Constituição na outra a firme balançada justiça,
eis-aqui os brilhantes characteres, com que Vossa Ma-
jestade apaga hoje a nossa constante saudade, e merece
de todos nós os mais firmes sentimentos de respeito e
amor à sua sagrada, e inviolável pessoa. Porque em
verdade a Constituição que outra coisa he senaõ o código
das leys fundamentaes porque uma naçaõ deve ser gover-
nada, a expressão geral da sua vontade, que fixa os invio-
láveis direitos dos Cidadãos, pôem-nos a coberto da vio-
lação deses direitos, enfrea o despotismo, suffoca a ar-
bitrariedade, e segura a felicidade publica, quanto he
compatível com a condição dae instituiçoens sociaes ?
Pois a justiça, Senhor, quem duvida ser ella a única base
daquella felicidade, bem como o mais firme apoio dos
thronos, sempre vascillantes quando sustentados pela for-
ça ? Logo o Rey que somente estas armas emprega no
governo de seu Reyno, dá ao seu throno a mais firme es-
tabilidade, felicidade da Naçaõ naõ menos que a sua,
dorme tranquillo sobre a incontrastavel fidelidade de
145 Miicellanea.
seus subditos, a ley o torna inviolável, o crime o teme, a
virtude o ama, e identificado em um só interesse com a
massa do seu povo faz as delicias do seu século, e supe-
rior ás viscissitudes dos tempos, e das facçoens, leva seu
nome glorioso â mais remota posteridade."
" Q u a m ascertado foi por tanto o Conselho de Vossa
Majestade de se unira nós na grande obra, que a naçaõ
principiou, impellida de toda a espécie de oppressaõ em
que gemia, e que a ia precipitar no abismo da anarihia,
ou da guerra civil? A declaração de Vossa Majestade
foi o remédio saudável de tantos males, e de tantos pe-
perigos." O Rey o quer " exclamaõ todos; quanto elle
he bom, e digno de nos governar! O Rey jura a Con-
stituição, reconhece uossos direitos, somos cidadãos,
somos livres, e ficam salvos os legítimos direitos da Mo-
narchia." Ditosa voz, que traz os espíritos á concórdia,
arranca os escrúpulos, une em um ponto central o Portu-
guez, e o Brazileiro, o insulano, e o continental! Grande
arte de ganhar os ânimos, terminar discórdias, estancar
sangue, assemelhar o Rey da terra à imagem da Divini-
dade, e fazello mais que nunca credor ao respeito, eamor
dos povos!"
" Eu por tanto, Senhor, como membro da presente De-
putaçaõ, eorgaõ, que me tocou ser do Soberano Congresso
das Cortes, e por ellas de três milhoens de leaes Portu-
guezes, felicito primeiramente a Vossa Majestade, e a
toda a sua Real Familia pela prospera viagem, que o
Senhor dos mares lhe concedeo, e pelo melhor estado de
sua preciosa saúde, sem que possamos esquecer-nos do
Principe, e Princeza Real, cujas virtudes fazem as melho-
res esperanças da Naçaõ. Em segundo lugar, offerecendo
nosso respeito, e inviolável fidelidade a Vossa Majestade,
e a Sereníssima Casa de Bragança, lhe apresentamos o
mais apurado fructo de nossos trabalhos, as bases da
Miscellanea. 149
Constituição Política da Monarchia Portugueza, em que
Vossa Majestade, verá com prazer estatuídos os mais
sólidos princípios de nossa Regeneração, porque mantida
a Sancta Religião de nossos Pays, a dynastia da Casa de
Bragança, eos inauferiveis direitos de Vossa Majestade,
e dos Cidadãos. O solerone juramento, com que Vossa
Majestade no Rio de Janeiro adherio aos referidos princí-
pios, foi o feliz ensaio deste outro, que a naçaõ boje re-
clama de Vossa Majestade,como ratificação do primeiro,
e pelo qual ainda mais, se possivel he, se vincularam os
coraçoens de Vossa Majestade, e dos Cidadãos Portu-
guezes ; e os votos de uma naçaõ eminentamente leal, e
briosa, unidos aos do seu Rey, que tam digno se mostra
de o ser, daraõ ao mundo admirado o perfeito exemplar
do melhor dos povos, e do melhor dos Reys."
Sua Majestade ouvio com muita attençaõ esta oraçaõ,
dando pelo decurso delia freqüentes signaes de approva-
çaõ, e prazer, e do interesse que nella tomava; e sendo
finda, disse com muito agrado: " Que da sua parte ne-
nhuma falta haveria em se cumprir tudo o que pelas
Cortes fosse determinado ; que desejava trabalhar de ac-
cordo com ei Ias para quanto fosse da felicidade dos povos;
e que para fazer esta felicidade e se unir à causa da na-
çaõ viera com muito gosto do Brazil." Estas e simi-
lhantes expressoens repetio por diversas vezes. Logo re-
cebeo da raaõ do Arcebispo um rico exemplar das Bazes
da Constituição, e havendo perguntado pelos seus nomes
a cada um dos membros da Deputaçaõ esta se despedio,
recebendo todos os testemunhos da consideração e agra-
do de Sua Majestade.
Immediatamente foi a Deputaçaõ apresentada a Sua
Majestade a Rainha, a qual tendo juncto de si as Sere-
níssimas Infantas, a recebeo com expressoens de muito
agrado, e havendo acceito das maõs do Arcebispo um
150 Miscellanea.
exemplar das Bazes da Constituição a Deputaçaõ se des-
pedio. Em quanto estava abordo, veio a mesma Rainha
à porta da sua Câmara, e chamando para juncto de si
duas das Sereníssima»Infantas, conversou por largo tempo
com os Deputados que se achavam naquelle lugar, mos-
trando grande contentamento pela nova ordem de cousas,
da qual contava infalível mente haver de 6eguir-se a felici-
dade de Portugal.
Pouco depois do meio dia se embarcou El Rey cora
o Sereníssimo Senhor Infante D. Miguel, e com o Senhor
D. Sebastião na Galiota para isso destinada, recommen-
dando que fossem sempre juncto de si os membros da
Deputaçaõ, os q»aes se assentaram ao seu lado direito, e
ao passo que Sua Majestade de todas as partes recebia
publicas demonstraçoens do mais vivo regosijo, lhes di-
rigia cheio de alegria e satisfacçaõ expressoens mui agra-
dáveis, dizendo ser este o mais bello dia da sua vida.
Ao desembarcar no Cães da Pedra ouvio com lagrimas
a falia que lhe dírigio em nome do Senado da Câmara o
Vereador Bacellar Chichorro. Logo subio ao coche com
o Sereníssimo Senhor Infante e com o Senhor D. Sebas-
tião, seguido da Deputaçaõ, e de todo o competente
cortejo se encaminhou à Basílica de Sancta Maria, e ha-
vendo feito oraçaõ e assitido a um solerone Te Deum, se
dirigio ao Palácio das Necessidades entre os vivas de inu-
merável multidão, que no enthusiasmo da maior alegria
clamava de todas as partes : viva a Constituição; vivaõ
as Cortes; viva El Rey Constitucional, e a sua Real Fa-
mília:—Os quaess vivas eram repetidos pelos numerosos
Corpos de Tropa da 1 e 2 Linha, que estavam postados
nas ruas, e no terreiro do Palácio, onde se collocara com
seu Estado Maior o General Sepulveda, Commandante
Geral das memas tropas.
Achavam-se as Cortes em Sessaõ permanente e como
iiliscel/anea. lõl
se approximou a hora em que El Rey havia de chegar
ao dicto Palácio, a segunda Deputaçaõ composta de ou-
tros doze membros se dirigio á primeira Sala do Palácio
que communica com o interior do Paço das Cortes, e
dando lugar e que El Rey recebesse o cortejo da Re-
gência, que o esperava, lhe fez participar que as Cortes a
mandavam para ter a honra de o accompanhar. A esta
participação m andou El Rey responder pelo Secretario
de Estado dos Negócios do Reyno, que necessitava des-
cançar alguns momentos, por se achar fatigado, mas que
naõ tardava em vir receber a Deputaçaõ, e depois de
breve demora apparecendona dieta Sala, o Bispo de Cas-
telo Branco um dos membros da Deputaçaõ lhe fez a
falia seguinte—"Senhor he esta a segunda Deputaçaõ das
Cortes,que vem cumprimentara Vossa Majestade; mani-
festar o seu prazer pela sua feliz chegada a este Palácio,
e ter a honra de o accompanhar até à Salla onde as Cortes
esperam a Vossa Majestade—El Rey respondeo—Tenho
grande satisfacçaõ em me ver no meio destes Senhores—
Reunidas entaõ as duas Deputaçoens immediatamente
aos lados d' El Rey, o accompanharam, indo juncto de
Sua Majestade o Senhor Infante e o Senhor D. Sebas-
tião.
Antes da entrada na Salla, se fez saber a El Rey, que
estava preparada uma tribuna Superior para Suas Altezas:
El Rey recebendo esta parte com agrado, lhes insinuou
que fossem para o lugar que lhes estava destinado, ao
qual foram conduzidos com o devido cortejo.
Ali mesmo se revestio Sua Majestade do manto Real,
e entrou na Sala das Cortes pela volta das cinco horas
da tarde; e subindo ao throno tomou assento; as duas
Deputaçoens o tomaram nos seus lugares.
Seguio-se o juramento, findo o qual disse Sua Majes-
152 Miscellanea.
tade em voz que bem foi ouvida pelo Presidente e Se-
cretários, e por alguns Deputados que estavam mais
próximos—"He verdade que assim o hei de cumprir, e
asssim o juro e prometto de todo o meu coração"—as
quaes palavras repetio varias vezes depois da falia do
Presidente. Entaõ se recolheo Sua Majestade com o Se-
nhor Infante, e o Senhor D. Sebastião ao dicto Palácio até
onde foi accompanhado das mesmas Deputaçoens. E logo
Silvestre da Costa Pinheiro, Ministro dos Negócios Es-
trangeiros, sendo-lhe permettido entrar na Sala das Cortes,
disse, que Sua Majestade acabava de entregar-lhe escripta
uma falia, que era a sua resposta à do Senhor Presidente,
e lhe ordenara que a lesse em Cortes, ao que logo satisfez.

Relatório da Deputaçaõ que no dia 7 foi cumprimentar


S. Majestade a Queluz.

Na manhaã do dia 7 sábio das Necessidades a Deputa-


çaõ das Cortes, destinada a cumprimentar El Rey, e toda
a Real Família na sua chegada a Palácio, compostas do
Snr. Castello Branco, que era o Orador; Trigoso; Ferraõ;
Faria; Carvalho ; P aes de Sande; Pesanha; Giraõ; Men-
donça ; Falcaõ; Ferreira Borges; Rebello; Alves do Rio ;
e Pimentel Maldonado; accompanhada de uma numero-
sa Guarda de honra do Regimento de Cavallaria N.° 4.
Ao meio dia que era a hora indicada por Sua Majestade
para a receber, chegou a Queluz e ahi foi recebida com
as mais distinctas honras na forma do ceremonial adop-
tado para casos similhantes, e introduzida na grande Salla
da Audiência, aonde S- Majestade se achava ein pé debai-
xo do docel, acompanhado do Snr. D. Miguel seufilho,e
do Sr. D. Sebastião seu neto, fazendo-lhe a Deputaçaõ
as reverências do custume, e caminhando El Rey alguns
Miscellanea. 153
passos ao encontro do Orador, este tomando a direita
de Sua Majestade lhedirigio o discurso seguinte :
" Senhor, à Augusta presença de Vossa Majestade en-
viam as Cortes Geraes, Extraordinárias e Constituintes
da Naçaõ Portugueza uma Deputaçaõ composta de doze
de seus Membros, para se informarem da preciosa saúde
de Vossa Majestade e de toda a Real Família, depois da
longa e penosa viagem, que felizmente a restituio a este
Reyno, e antiga morada deseus maiores; ao mesmo tem-
po que me designam para ser o orgaõ e o interprete fiel de
seus sentimentos em objecto de tam geral e importante
interesse, querendo que eu os exponha a Vossa Majes-
tade corn aquellas expressoens, que mais capazes forem
de os fazer ver em toda a sua força e pureza."
" Fácil me seria inculcar desejos de que todos os Portu-
guezes se acham sinceramente possuídos. Eu naõ teria mais
que repetir os votos unanimes da naçaõ pela saúde e
prosperidade de Vosssa Majestade: entaõ ao ouvir-me
c ada um consultando seu coração acharia na conformi-
dade de minhas expressoens, fracas que fossem, com os
seus próprios sentimentos, todos os meios de persuasão,
toda a força natural da eloqüência. Mas he outra a tarefa,
que hoje me incumbe desempenhar. Devo mostrar que
toda a felicidade actual dos Portuguezes depende em
grande parte da saúde da conservação de Vossa Majes-
tade, e que ella nos he por isso tanto mais preciosa. A
demonstração desta verdade funda-se em virtudes novas,
que Vossa Majestade tem desenvolvido, além de outras
muitas, que já adornavam seu augusto throno.
Males incalculáveis, males de toda a espécie, de que a
exposição naõ deve agora perturbar o animo de Vossa
Majestade, haviam pezado sobre os desgraçados Portu-
Vor,. XXVII. N. 159. u
154 Miscellanea.
guezes no longo período da auzencia de Vossa Majestade,
até que perdida de todo a esperança de os remediar de
um modo ordinário; esgotado todo o sofrimento compa-
tível com a natureza humana, a naçaõ foi obrigada a lan-
çar maõdaqueiles meios, que sempre lhesaõ lícitos, para
salvar sua independência, manter o decoro Nacional, e
evitar a queda, que infallivelmente a riscaria da lista das
naçoens livres, deixando-a por sua pobreza e abatimento,
pela dissolução do pacto social, exposta a ser ou a vic-
tlma de uma desenfreada anarchia, ou a preza do pri-
meiro ambicioso, que quizesse lançar-lhe os ferros."
" Os Portuguezes, que em todos os séculos deram á
Europa, ao mundo inteiro, as mais distinctas provas do
seu valor, do seu character decidido, sim juraram agora
manter sua independência, sem duvida elles a sustenta-
riam, elles a defenderiam contra os maiores esforços re-
unidos; mas que contradicçoens, que difflculdades, que
embaraços naõ teriam a vencer, antes de levarem ao fim
o majetoso edifício da sua Regeneração política! Vossa
Majestade porém, declarando-se o apoio do systema Con-
stitucional, veio unir todas as vontades dissidentes, cor-
tar todas as difficuldades, aplanar todos os caminhos
para a felicidade geral. Novos títulos, novas obrigaçoens,
para que os Portugnezes se interessem com mais anciã
ainda, se possivel he, na saúde na conservação de Vossa
Majestade, sentimentos em que sem duvida se avantaja
o Congresso Nacional."
'< Queira o Ceo naõ alterar jamais a uniaõ jurada entre
Vossa Majestade e a Naçaõ, pois que da perfeita obser-
vância deste juramento reciproco depende a gloria do
throno de Vossa Majestade, e a felicidade dos Portugue-
zes, dignos sem duvida de serem felizes."
Na alegria de seu semblante, em quanto durou a reci-
Miscellanea. 155
taçaõ deste discurso, mostrou Sua Majestade quanto lhe
era agradável» e conforme ao seu coração: assim o ex-
pressou interrompendo por vezes o Orador, protestando-
lhe por ultimo de um modo muito enérgico, que jamais
faltaria ao que muito livremente havia jurado, nem seria
ingrato á consideração, que o Congresso e a Naçaõ tinha
por sua Pessoa; que a agradecia e conresponderia, fa-
zendo quanto se exigisse para o bem publico, e que
desejava que estes seus sentimentos fossem patentes a to-
dos.
Sahindo a Deputaçaõ da Salla para outra immediata,
e destinando-se a fazer as devidas felicitaçoens a sua Ma-
jestade a Rainha, e a Sua Alteza a Princeza D. Maria
Benedicta, por moléstia das mesmas Senhoras naõ pode
ser admittida; mas tanto de sua Majestade como de sua
Alteza recebeu os mais affaveis agradecimentos commu-
nicados pelo Marquez de Vallada, que havia sido o por-
tador dos desejos da Deputaçaõ.
136 \!i.ire/tunea.

Rejlcxoens sobre as novidades deste mez.

R E Y N O UNIDO DE PüKTUGAL BBAZIL E ALCAKVES,

Mudança de S. M. do Rio-dc-Janeiro para Lisboa.

No nosso N.° passado havíamos ja dado em resumo a noticia


da chegada d'El Rey a Lisboa,agora apresentamos a nossos Lei-
tores os documentos officiaes de maior importaucia, a este res-
peito, sendo incompatível com nossos limites o publicar todos,
posto que tudo nos parece relevante, em matéria de tam tianscen-
dente interesse na historia Portugueza.
Deliberado S. M. a voltar para a Europa instituto uma Regên-
cia na pessoa de S. A. o Principe Real, como se vê do decreto,
e instrucçoens, que publicamos a p. 69.: plano este, que, mos-
trando aos Portuguezes da America a anxiedadc de S. M. pelo
bem dos habitatantes daquelle continente, éra a mais acertada
medida para assegurar a uniaõ da Monarchia, nesta importante
crise.
Mas em hora má se permittio, que acompanhassem a El Rey
na mesma esquadra certos Duendes políticos, que por suas tra-
vessuras tinham irritado contra si a opinião publica. Foi logo
preciso, que as Cortes atalhassem o mal, que daqui se poderia
seguir, se em uma occasiaõde tanto júbilo, como éra a recepção
do Monarcha, o povo visse ainda juncto do Rey, pessoas, que
lhe eram tara dasagradaveis: assim foi logo resolvido, que as
taes pessoas naõ desembarcassem, e ao depois se lhes ordenou
que se retirassem para algum lugar distante de Lisboa naõ me-
nos de vinte léguas, e da costa do mar dez. Pequena demons-
tração de desagrado da parte das Cortes, que motivaram esta re-
solução unicamente no desejo de poupar a esses indivíduos os
insultos, que o povo irritado lhes poderia oíferecer. Mas como
os Duendes nunca se acquietam por sua natureza, julgamos que
seria mais conducente á publica tranquillidade mandar essa
gente travessa para lugares mais distantes lauto da Euiopa
como da America, e aonde naõ pudessem machinar cousa ai-
Miácellanca. 157
guina, porque precaução e caldo de galinha, diz o rifaõ, naõ
fazem mal a doente. Quem essas pessoas sejam verá o Leitor
nos procedimentos da sessaõ 123, (p. 118) e figura em primeiro
lugar o III.mo e Ex.™0 Snr. Conde de Palmella.
Deixemos pois de parte esses indivíduos, que as Cortes tem
posto em socego, se elles quizerem ficar socegados, para con-
tinuarmos com outros factos importantes.
Houve alguma hesitação sobre o desembarque d'El Rey, por
ter S. M. entrado no porto demasiado tarde, para que pudesse
ser recebido como as Cortes desejavam, assim fez o desembarque
no seguinte dia, foi logo á Se, aonde «e cantou Te Deutn, e
dahi dirígio-se ás Cortes, aonde sentado no throno, e com seu
manto Real, ouvio a oraçaõ que lhe fez o Presidente, e que dei-
xamos copiada a p. 93. El Rey. achando-se fatigado, relirou-se
a outro quarto, e mandou que o seu Ministro, Silvestre Pinhei-
ro, fosse lêr nas Cortes a falia de S. M. em resposta á do Presi-
dente ; o que assim se fez, e nós a copiamos a p. 07.
As Cortes, continuando em sessaõ, quizéram que El Rey no-
measse os seus Ministros, pois pela sua chegada se acabava o
Governo da Regência, éra preciào saber quem eram os Ministros
responsáveis. El Rey satisfez a isto pelo decreto, que copiamos
a p. 102.
Logo depois se apresentou a El Rey a lista dos Conselheiros
de Estado, d'onde S. M. devia escolher oito, o que elle fez, pelo
officio que copiamos a p. 103.
O grande regosijo, que causou a solemnidade d'EI Rey pres-
tar o seu juramento em Cortes, e cujas particularidades o Leitor
achará no resumo das sessoens 123 e 124 ; naõ impedia, que ao
outro diase uaõ escrutinizassem as expressoens da falia de S. M.
como se vê dos debates das seguintes sessoens, até que resultou
dahi a explicação, que copiamos a p. 100 e 101, pela qual fi-
caram as Cortes satisfeitas, devendo attiibuir-se o que se notou
de menos conforme aos princípios constitucionaes, ao breve tem-
po em que a falia devia ser arranjada, e á difliculdade de conhe-
cer bem asfoimulas mais adaptadas ao presente systema.
Naõ podemos dispensai-nos de copiar aqui o que disse sobre a
158 Misctllanea.

falia de Sua Majestade e reparos das Cortes, o Times, uma ga-


zeta Ingleza da mais reconhecida intelligencia, neste tempo.
Depois de fazer a recapitulaçaõ da falia, e do reparo das Cortes
em alguma passagem, sobre que pediram explicaçoeus ao Minis-
tro, diz assim :—
" Nós desde o principio expressamos a nossa convicção, de
que a porçaõ de authoridade, que se concedia á Coroa Hespa-
nbola, naõ se acharia, no êxito, conresponder aos fins de uma
monarchia unida; mas nisto deve-se fazer uma distíncçaõ;
quando ha grosseiros abusos que destruir, he necessário amarrar
as maõs daquelles mais interessados em mantêllos. Quando he
preciso tirar ao Rey, á Igreja, e aos Grandes, privilégios, pre-
rogativas, patrocínio e influencia, que elles por longo tempo
empregavam em detrimento publico, naõ se pode em um momen-
to de revolução confiar-lhes com segurança sequer aquelle gráo
de força, que ao diante haverá necessidade de fazer, para ser
exercitada em vantagem da naçaõ. A crise de uma total mudan-
ça no Governo, mesmo aonde o objecto esssencial daquella mu-
dança he uma distribuição mais ampla do poder político, pede
a concentração temporária daquelle poder, nas maõs daquelles,
a quem a naçaõ o pôde mais prudentemente confiar. A destrui-
ção de um Governo vicioso requer, que se estabeleça um Dieta-
torato, até que o vicio se destrua de todo; e he no ponto de vis-
ta deste necessário, mas breve dictatorato, que consideramos os
poderes, alias extravagantes, que se tem depositado nas Cortes
Hespanholas, e seus imitadores. Grandes como saõ estes po-
deres, achamos que elles naõ tem sido mais do que sutTicentes,
para interromper a série de conspiraçoens creadas pelo interesse
individual, que os antigos monopolistas do despotismo Hespa-
nhol tem dirigido contra a nascente constituição. Quando
aquella Constituição tiver adquirido mais força, e os seus
inimigos tiverem perdido alguma porçaõ considerável de
seus presentes meios de a perturbar, o corpo legislativo,
em contemplação do bem commum, e das justas preten-
çoens de uma monarchia limitada, e da diminuição dos moti-
vos de ciúme e de apprehensaõ no povo, pode dirigir-se, e sem
duvida se dirigiiá, de boa fé, á tarefa que lhe he presciípta pela»
Miseellanea. 159

leys existentes ; isto he, rever a Constituição em todos os seus


ramos, e supprír ou cortar os deffeitos ou superfluidades. A
Constituição de Portugal, que he construída quasi sobre os mes-
mos princípios, admitte que se raciocine sobre ella no mesmo
sentido; porque em toda a probabilidade humana (se naõ presu-
mimos demasiado em tam remota especulação) terá de andar si-
milhante carreira. As relaçoens entre estas metrópoles e suas
outrora colônias, parece ser a parte de maior embaraço na sua
situação ; mas he este nm embaraço a que as mesmas colônias
poderão, talvez, offerecer naõ mui distante nem mui ceremonio-
80 remédio,"
Passado sste primeiro acto, apresentaram as Cortes a El Rey
uma lista de 24 pessoas, das quaes S. M. devia escolher 8 para
Conselheiros de Estado, o que El Rey fez, annunciando os seus
nomes pelo Decreto de p. 103. Mas o Bispo de Vizeu se escu-
sou de servir, pelo que as Cortes apresentaram a El Rey uma
lista de três nomes, para delles S. M. escolher um, que substi-
tuísse o Bispo.
Findou ultimamente a entrada d'El Rey no Governo Constitu-
cional, com a publicação da ley, em que se estabelece o formu-
lário para a expedição dos decretos, ordens, &c. e deixamos co-
piada a p. 103.
As circumstancias da chegada d'El Rey pareceram todas tam
interessantes ás Cortes, que se mandou, que as Commissoens,
que foram cumprimentar El Rey fizessem um relatório authen-
tico do que se havia passado, além do que constava pelas actas
das mesmas Cortes; eeste relatório he o que copiamos a p. 145,
a que remettemos o Leitor.

Governo do Brazil.

Dissemos acima, que S. M. deixara a S. A. o Principe Real,


Regente de todo o Reyno do Brazil, o que fez dando-lhe os mais
amplos poderes. El Rey antes de sair do Rio-de-Janeiro expe-
dio vários decretos, providenciando a eleição de deputados para
160 Misvellanea.

as Cortes; e na véspera de sua partida duas affectuosas- procla-


maçoeus uma ao povo, e outra á tropa.
Com tudo o espirito publico naõ estava tranquillo no Rio-de-
Janeiro, nem de todo conforme com as ideas d'El Rey na Bahia.
No Rio os eleitores, convocados para escolher seus representantes
nas Cortes, metteram-se em outro negocio, que foi pedir uni
Governo Provisório, differente do que El Rey pensara ; e como
se empregasse tropa para dissolver o ajunctamento, naõ se
fez isto sem decidida violência e effusaõ de sangue; conse-
qüência funesta da falta de confiança no Governo, que a má ad-
ministração passada tinha necessariamente infundido no povo.
Na Bahia a intenção geral do povo e do Governo Provisório
he naõ continuar em sujeição ao Governo do Rio-de-Janeiro, co-
mo se vè por suas representaçoens ás Cortes, eao que estas jul-
garam próprio annuir na sessaõ 136.
O Principe Regente, logo que entrou no Governo, expedio
uma enérgica proclamaçaõ aos povos, considerando-se, como se
devia considerar pelo Decreto d'El Rey, Regentede todo o Bra-
zil. Depois entrou em sérias indagaçoens sobre os abusos nas
differentes repartiçoens, e mostrou grande desejo de que se fi-
zessem reformas. Continuou porém o espirito de opposiçaõ a
este arranjamento da Regência, como se manifestara já antes da
partida de S. M., parecendo a muitos, que se devia formar uma
Juncta Provisória de Governo.
Aos 5 de Junho houve uma commoçaõ popular no Rio-de-Ja-
neiro, em que foi preciso intervir a tropa; e em conclusão foi
demittido o Conde dos Arcos, do emprego de Ministro de Esta-
do, e nomeado em seu lugar o Desembargador Pedro Alvares De-
nis; formando-se um Governo Provisório de nove indivíduos,
três ecclesiasticos, dous militares, dous desembargadores, edous
cidadãos ; e se determinou, que se naõ expedisse decreto ou or-
dem alguma de importância, sem a concurrencia desta juncta,
que seiia responsável ás Cortes.
Os indivíduos que formam o Governo Provisório saõ os se-
guintes:—O Bispo Capelão Mor, Presidente; Jozé de Oliveira
Barbo/a ; Jazi' Caetano Ferreira d'Aguiar ; Sebastião Luiz Ti-
Misrellanea. \Q\
noco da Silva ; Joaquim Jozé Ferreira de Faro; Francisco Jozé
Fernandez Barboza; Joaquim de Oliveira Alvares; e Mariano
Jozé Pereira da Fonceca, Secretario.
Esta Juncta expedio uma proclamaçaõ aos 16 de Junho, em
que declarou a sua resolução de manter a uniaõ com Portugal, e
estar pelo que determinassem as Cortes, d'onde se vê, que os re-
ceios de que se se rompesse a integridade da Monarchia, foram
os principaes motivos daquella nova instituição de Governo Pro-
visório.
Até aqui parece, que a direcçaõ da revolução he continuar a
integridade da Monarchia Portugueza, e que com essas vistas he
que se desejava antes uma Juncta de Governo Provisório, do que
a Regência do Principe, com os poderes illimitados, que El Rey
lhe concedeo. Nós naõ possuímos ainda sufficientes informaço-
ens das molas occultas, que operaram esta mudança, para po-
dermos ajuizar de sua tendência. Com tudo a decisão das Cor-
tes sobre a independência da Bahia dá occasiaõ a reflexoens de
conseqüências mui extensas.
A distancia em que o Brazil se acha da Europa, faz mui difi-
cultoso, que aquellas províncias se possam governar, exactamente
com a mesma forma de administração das de Portugal; mas o
ciúme de umas províncias a respeito de outras he a verdadeira
causa porque a Bahia quer antes estar sugeita a Lisboa do que
ao Rio-de-Janeiro. He preciso governar os homens, segundo a
sua natureza, Mahomet nunca houvera sido tam bem obedecido,
se em vez de dar as suas ordens como vindas do Ceo, disesse que
emanavam delle mesmo, porque o orgulho de seus capitaens os
faria julgar, que tam bons eram elles como Mahomet para fazer
leys, mas vindo ellas do Céo ja o ciúme dos homens naõ acha
que he humiliaçaõ o obedecer naõ ao seu similhante mas ao Céo:
assim um Governo em Portugal inspirará mais respeito em qual-
quer província do Brazil, do que o Governo estabelecido n'outra
qualquer província do mesmo Brazil.
Mas se he que o Brazil tem de ter um Governo geral, a cidade
do Rio-de-Janeiro he mui imprópria sede para tal Governo. O
Rio-de-Janeiro está quasi em uma extremidade do Brazil, e he
VOL. XXVII. N*. ISO x
162 Miscellanea.

absurdo fazer ir um recurso do Pará ao Rio, ou uma ordem do


Rio ao Pará, navegando contra vento e maré, quando a Commu-
nicaçaõ com Lisboa he tanto mais fácil.
Nós quasi desesperamos de ver as nossas ideas neste ponto
adoptadas pelas Cortes ; porque ha ainda prejuízos tara fortes a
este respeito, que até temos pejo de os indicar, e com tudo nem
por isso deixaremos de dizer o que entendemos.
Se o Brazil deve ter um Governo Geral, e naõ duvidamos que
elle seria de grandíssima utilidade ao melhoramento daquelle paiz,
deveria esse Governo existir em um ponto centra], fosse ou naõ
em lugar habitado presentemente; porque a sede do Governo, a
abertura das estradas desse lugar para os principaes portos de
mar, &c. em breve fariam populoso esse território.
Nem nos faz duvida, que um plano dessa natureza pudesse in-
spirar interesses no Brazil oppostos aos de Portugal; porque a
prosperidade do Brazil será sempre de reciproco proveito a Por-
tugal, e se isto desse origem a uma subdivisão de patriotismo,
nem assim o j ulgariamos desacertado. He preciso evitar as rixas
de uma província com outra, que levam aos feudos e opposiçoens;
mas pôde bem deixar-se obrar o espirito de rivalidade, que sen-
do conduzido por um Governo sábio excita o patriotismo, e es-
porêa a industria.

Procedimentos das Cortes de Portugal.

He quasi inconcebível a multiplicidade de negócios, que se


tractam e despacham nas Cortes. Só para o resumo de suas
sessoens precisaríamos compilar cadamez um grosso volume, e
por isso nos vemos obrigados a fazer como o índice, e issosódos
objectos de mais geral importância, ou em si mesmos ou em suas
conseqüências.
O projecto de Constituição começou a discutir-se na Sessaõ
136, aos 18 de Julho, e tem continuando lentamente, por outras
matérias se offerecerem, que exigem immediata decisão.
O projecto he em si volumoso, segue os princípios fundamen-
Miscellanea. 163

taes, estabelecidos pelas Bazes, que ja publicamos por extenso


em outro N.° e se encosta de mui perto á Constituição Hespa-
nhola.
Com tudo afasta-se desta em três pontos essenciaes, que, se
forem approvados, marcarão uma importante distincçaõ entre as
Constituiçoens dos dous paizes. Saõ estes pontos ; a tolerância
religiosa, o veto d'El Rey, e o methodo das eleiçoens.
Quanto á Religião, declara a Constituição Portugueza, no
§ 25., que " a Religião da Naçaõ Portugueza he a Catholica
Apostólica Romana. Permitte-se com tudo aos estrangeiros o
exercício particular de seus respectivos cultos."
A primeira parte deste artigo se pôde entender, como mera-
mente declaratoria de um facto: e tomada neste sentido, sem in-
volver coacçaõ nem pena ao contrario, pouca objecçaõ admitte,
da parte dos tolerantes. Nisto differe essencialmente a Consti-
tuição Hespanhola, que no §. 12. declara, que a Naçaõ Hespa-
nhola professa somente a Religião Catholica Apostólica Romana,
com exclusão de todas outras.
Isto involve um principio de intolerância, que a distingue da
Constituição Portugueza.
A segunda differença essencial, que notamos, he sobre o Veto
d'El Rey na formação das Leys. Pela Constituição de Hespa-
nha, tem El Rey 30 dias para deliberar se deve ou naõ dar a sua
sancçaõ a qualquer ley feita pelas Cortes ; e, se a negar, naõ se
tornará a agitar a mesma matéria naquelle anno. Se a ley for
renovada no segundo anno, poderá ainda o Rey negar-lhe a sua
sancçaõ. E se for ainda renovada e approvada pelas Cortes no
terceiro, entaõ se supporá concedida a sancçaõ do Rey, quer
elle a dê quer naõ. Temos pois que o Rey pôde pelo menos
prolongar por três anuos a promulgação de qualquer ley, que
fizerem as Cortes.
Na Constituição Portugueza, o Rey deve dar ou negar a sua
sancçaõ dentro de um mez (§ 91.) pela formula de dizer " Volte
ás Cortes." e por baixo desta formula se escreverão as razoens,
porque El Rey nega a sua sancçaõ (§ 90.) mas se duas terças
partes das Cortes forem de opinião que a ley deve passar como
164 Misceilanea.

estava, El Rey será obrigado a dar a sua sancçaõ. Assim te-


mos que a maioridade de dous terços força a sancçaõ do Rey;
o que naõ ha na Constituição Hespanhola.
O terceiro ponto de differença he nas eleiçoens, que soffrem em
Hespanha três apuraçoens, quando em Portugal só se elegem os
Eleitores, e estes os Deputados das Cortes; methodo muito
mais expedito, e menos exposto a abusos.
Divide esta Constituição os poderes políticos da Naçaõ em
quatro ramos; que saõ o legislativo, executivo, judicial, e ad-
ministrativo. Naõ achamos porém o motivo, porque se des-
membra o poder administrativo do poder executivo ; antes nos
parece, que na practica se achará seresta divisão muito incom-
moda, e capaz de chocar muitas vezes as attribuiçoens do Exe-
cutivo; porque a complicação da machina política he sempre
um mal, quando naõ he absolutamente necessária para proteger
o indivíduo ou a sua propriedade, com cujo intento se separa,
por exemplo, o judicial do executivo.
As authoridades locaes, escolhidas por alguma forma de
eleição popular, saõ de summa utilidade, para dar aos indivíduos,
em um Governo Constitucional, o character de cidadão, e o inte-
resse, que convém que tenham, nas matérias da administração;
porém taes authoridades locaes naõ devem ser senaõ ramos do
poder executivo.
A objecçaõ, que estamos fazendo, naõ se dirige ao plano de fa-
zer governar as províncias por estas junctas, e as cidades e villas
por suas câmaras : este plano nos parece mui bom, e infinita,
mente preferível ao dos Governadores, como succede maiormente
no Brazil: mas observamos, que a Constituição naõ nestabelece
uma responsabilidade directa dessas junctas ao Governo Execu-
tivo, pelo que se lhes dá o character de um quarto poder politico,
que julgamos incommodo, por ser susceptível de encontrar-se
com o exercício do Poder Executivo.
Esta objecçaõ nos parece tanto mais cojente, quanto esta
Constituição insiste no principio, que temos ja combatido quan-
do se fizeram as eleiçoens para as presentes Cortes, de escolher
para Deputados somente os que podem ser eleitores, e que pelo
o 55 saõ só os que residem na Comarca.
Miscellanea. 165

Esta circumstancia alem de privar as Cortes dos talentos de


indivíduos illustrados, que concorram com outros no lugar de
seu domicilio, quando puderam ser eleitos por outra parte aonde
naõ pudesse haver a concurrencia de igual merecimento, tem a
tendência de dar a cada província ou comarca interesses desliga-
dos ; e favorecer demasiado a independência disso que se deno-
mina o poder administrativo. Ora, se a doutrina das presentes
Cortes tem sido, que logo que um Deputado entra nas Cortes he
representante de toda a Naçaõ, e naõ somente da comarca por
que foi elegido, naõ deveria importar que esse representante de
toda a Naçaõ seja ou naõ domiciliado entre os eleitores que o es-
colhem.
Fallando da Constituição de Hespanha, eao depois das Bazes
da Portugueza, dissemos já o que entendíamos, a respeito do
estabelicimento de um Conselho de Estado; e por isso julgamos
desnecessário repetillo aqui: mas sempre tocaremos em um pon-
to.
Se este Conselho de Estado fosse nomeado por El Rey para o
ajudar, e só responsável a S. M., assim como seus membros amo-
viveis por vontade do mesmo Rey, ficaria a responsabilidade dos
Ministros ás Cortes sendo perfeita. Expliquemos isto.
Supponhamos que El Rey, pelo parecer do seu Conselho de
Estado queria executar alguma medida, a que os Ministros se
recusavam, por lhes parecer, que se naõ poderiam justificar delia
perante as Cortes. El Rey tinha entaõ a alternativa, ou de
abandonar o parecer do Conselho de Estado, e conservar os Mi-
nistros ; ou de insistir em seguir o Conselho de Estado, demittir
os Ministros, e nomear outros, se os achasse, que quizessem to-
mar sobre si a responsabilidade da medida.
Mas segundo a presente organização do Conselho de Estado,
que he responsável ás Cortes e naõ pôde ser removido por El-
Rey, se o Conselho quizer uma cousa e os Ministras outra <* qual
dos dous deve o Rey seguir ? O Executivo deve ficar parado,
ou a execução ser referida ás Cortes, que teraõ nesse caso de
intervir nas funcçoens do Executivo; o que nos parece de grande
inconveniente á Causa Publica.
jgg Miscellanea.
Sendo o Conselho de Estado nomeado pelas Cortes, e os Mi-
nistros por El Rey achamos dous corpos distinctos no Executivo
sem meio de os conciliar, quando estiverem de vistas oppostas.
Mas se o Conselho fosse nomeado, e amovivel por El Rey, como
o saõ os Ministros, o Rey poderia entaõ dimittir uns ou outros,
para os substituir por pessoos que fossem concordes; pois dis-
cordando aquelles dous corpos em medidas essenciaes, naõ vemos
como o Governo Executivo se possa conduzir com a energia ne-
cessária, e com a piecisa concórdia.
Ultimamente notamos, que nenhumas restricçoens se impõem
ao poder legislativo; porque as Cortes podem tudo fazer, so-
mente no §. 73 se diz, que a respeito das discussoens se seguirá
o Regulamento, que tem feito presentemente, e ao qual pode-
rão fazer alteraçoens. Se as corporaçoens naõ fossem susceptí-
veis de abusos, como saõ os indivíduos, este illimitado poder das
Cortes naõ seria de temer ; mas por desgraça da humanidade te-
mos mil exemplos de maioridades conrompidas em assembleas
legislativas, que torcem a seus interesses o que devia só attender
ao publico.
Isto supposto, apresentamos a hypothese que as Cortes, com
uma maioridade conrompida, fazem uma ley opposta aos princí-
pios constitucionaes, que esta Constituição se propõem a estabe-
lecer, e que os Ministros de maõs dadas com essa corrupta mai-
oridade obtém para tal ley a sancçaõ do Rey. Neste caso, naõ
vemos que a Constituição providencia remédio algum, por que
tudo he permittido ás Cortes.
Citaremos um exemplo. Pela presente Charta da França,
concedia-se aos Francezes a liberdade da imprensa ; mas logo
que o Ministério pôde obter uma maioridade conveniente nas
Câmaras, passou-se uma ley, que estabelecia a censura previa,
a despeito da liberdade da imprensa, que se julgava ley funda-
mental. Podemos pois suppor que iguaes casos venham a 6uc-
ceder em Portugal, e contra este mal naõ achamos que o projec-
to de Constituição proponha remédio algum.
Os Estados Unidos poderiam talvez offerecer exemplo da ma-
neira por que se podem quartar os abusos do Poder Legislativo,
Miscellanea. 167
e para a Constituição geral, e Constituiçoens dos Estados parti-
culares dos diversos Estados daquella Uniaõ referimos nossos Lei-
tores ; mas sempre diremos, que, pelo menos, se deveriam de-
clarar nullas as leys anti-Constitucionaes, por mais dirricil que
fosse o determinar depois quem devia, e como se podia julgar
dessa nullidade das leys. Nos Estados Unidos, nem os Juizes
nem os indivíduos saõ obrigados a obedecer ás leys inconstitu-
cionaes.
Quanto ao resto, achamos o todo deste projecto de Constituição,
mui adaptado ao systema, que se propõem estabelecer; mui cheio
de methodo, e mui bem pensado na enunciaçaõ; e quando faze-
mos os breves reparos, que deixamos acima, queremos com isso
mostrar, que o nosso elogio naõ he vago ou feito ao accaso, mas
sim fundado no exame que deste projecto fizemos, de sua com-
paração com a Constituição de Hespanha; e em fim da reflexão
nascida de nosso modo de entender.
Naõ podemos concluir este artigo sem fazer o devido elogio
ao Presidente, que o foi dous mezes consecutivos, o Deputado
Moura; pela direcçaõ que deo aos deveres do lugar de Presiden-
te ; porque, assumindo a si a decisão de muitos pequenos pontos
na ordem dos debates, continuadamente evitou delongas, que
alias occorreriam, se se appellasse para a decisão de toda a as-
semblea. Este comportamento, que será obvio a quem quer
que ler os Diários das Cortes aonde os debates vem por inteiro,
nos persuade ainda mais, que para a presidência das Cortes se
deve escolher um membro, que tenha para isso o talento peculiar,
que faça um estudo particular, e adopte maneiras adequadas
para salvar o tempo com a promptidaõ de suas decisoens, e com
o exerciciode decisiva authoridade, sem infringir ja mais, nem
mesmo influir na liberdade deliberativa de nenhum membro. Ora
estes requisitos peculiares naõ he possível que os tenham todos
os Membros, por mais capacidade que mostrem a outros respei-
tos ; assim, ja que as Cortes tem de eleger seu Presidente todos
os mezes, tendo-se mostrado na practica, que elle pôde ser re-
elegido, parece-nos, que seria de grande vantagem, que encon-
trando-se algum adaptado ao lugar fosse nelle conservado por
meio de continua reeleição.
168 Miscellanea.

Melhoramentos em Portugal.

A adopçaõ do Systema Constitucional, e a indizivel activi-


dade das Cortes vam dando aos negócios públicos a direccaõ fa-
vorável e o impulso benigno, que éra de esperar; e com tudo
conhece-se bem, que só o tempo pôde consolidar um systema, a
que todos estavam tam desacustumados, por que naõ he fácil que
uma Naçaõ entenda de um golpe o que he liberdade, e menos o
modo de usar delia. Daremos disto um exemplo.
Certo indivíduo, que se intitulava Procurador dos Lavradores
dos vinhos, publicou um folheto, no qual, por occasiaõ de trac-
tar da questão da Companhia dos Vinhos, se expressou de manei-
ra, que approvava umas e desapprovava outras das opinioens
dos Deputados das Cortes nesta matéria. Um dos Deputados,
Pessanha, na sessaõ 116, perguntou se éra permittido a alguém
dizer, que approvava ou reprovava as opinioens dos Deputados,
e sobre isto houve alguma discussão posto que se regeitasse
uma moçaõ que se fez neste assumpto, pela razaõ de ser o folhe-
to obra insignificante.
Naõ hesitamos em responder á pergunta do Deputado pela af-
firmativa; porque, se naõ he licito approvar ou desapprovar as
opinioens dos Deputados, com tanto que isso se faça com decên-
cia, he vaõ fallar em liberdade de escrever. Essa doutrina éra
a do Governo passado, que deixava a liberdade de escrever, com
tanto que se escrevesse a favor dos que governavam e nada
contra : óra esta naõ pôde seguramente ser a mesma norma em
um Governo Constitucional.
As Cortes, na sessaõ 126, resolveram que se nomeassem Com-
missoens, de pessoas de fora, para as aj udar com voto consulti-
vo. Esta idea he sem duvida de utilidade ; mas louvamos muito
mais a outra do Deputado Pereira do Carmo, faltando da Cons-
tituição; o qual propoz que se provocasse a discussão e o exame,
naõ só de todos os Portuguezes, mas dos sábios estrangeiros, para
pôr assim em contribuição as luzes de todos os homens instruídos
em auxilio dos esforços das Cortes.
Misccllanea: 169

Quizéramos pois, que isto mesmo se ampliasse a todos os


mais objectos, sobre que deliberam as Cortes. Com essa liber-
dade appareceraõ muitos escriptos ineptos e desprezíveis, mas
por isso se naõ devem perder as suggestoens úteis, que homens
cordatos podem offeiecer, sendo livre a discussão. Os mãos
escriptos cairaõbem depressa no esquecimento, que merecem;
os bons produzirão sempre alguma utilidade: em uma palavra,
sem a liberdade de discussão naõ he possivel consolidar-se ja
mais o systema Constitucional, nem produzir os erfeitos benéficos
de que he capaz.
De natureza bem differente foi a queixa que fez o Ministro
Residente da Hespanha, contra um Deputado (Sarmento) e con-
sta dos procedimentos da sessaõ 139. Naõ podemos melhor
explicar os nossos sentimentos a este respeito, do que referindo-
nos á falia que fez Deputado Pereira do Carmo (p. 141.) Com
effeito, se os Deputados fossem obrigados a dar satisfacçoens, pe-
los seus dictos nas Cortes, acabada estava a liberdade de discus-
são; porque o consentir-se mesmo a expressão das opinioene mais
desvairadas, he a garantia de que necessariamente se haõ de ou-
vir as mais cordatas, e isto só pôde offerecer excepçaõ, quando os
Deputados faliam de matérias alheias da questão de que se
tracta; e juiz dessa excepçaõ naõ deve nem pôde ser outro senaõ
as mesmas Cortes, por via do seu Presidente, pondo em vigor os
Regulamentos, por que se devem fazer os debates.
Sobre os Deputados das Cortes naõ deve nunca haver outra
authorídade mais do que a opinião publica. Sejam as sessoens
publicas, sejam os argumentos expostos á censura da Naçaõ, e
digam o que quizerem, ou o que entenderem ; pois o temor da
opinião publica he assas freio para conter todos os sensatos em
seus deveres, e se algum houvesse, que disso naõ fizesse caso,
seria uma gota de tinta preta lançada ao mar, para perturbar o
cristalino de suas águas; isto he, produziria nenhum effeito.
Regosijamo-nos em ver, que nas Cortes foi unanime esta opi-
nião.
Pelo resumo do que se passou nas Cortes, na sessaõ 121, verá
V O L . X X V I I . N \ 169. T
170 Miscellanea.
o Leitor a dotação, que se arbitrou a El Rey e Família Real,
para sua subsistência. Naõ he demasiada, para sustentar o ex-
plendor do throno, em uma naçaõ, que deve figurar no mundo
sem ser das ultimas, mas estamos persuadidos, que as posses
do Reyno, no presente estado embaraçado de suasfinanças,naõ
permittiam que as Cortes pudessem fazer mais ; e, considerando
o muito a que tem de attender, foram liberaes.
Na sessaõ 118, em que a Commissaõ de Fazenda fez o seu re-
latórios respeito do Monte Pio, se mostrou, que as rendas publi-
cas, neste anno, se calculavam a 15 milhoens de cruzados. 0
exercito custa mais de 9 milhoens, a marinha mais de 2 ; a isto
accresce a folba civil, obras publicas, kc. do que conclue a Com-
missaõ, que haverá um déficit de dous milhoens.
Mas as Cortes, attentas sempre aos progressos dos melhora-
mentos, cuidam deste ramo, assim como dos demais com igual ap-
plicaçaõ; e entre outras cousas naõ podemos deixar de notar o
estabelicimento de uma posta diária em Lisboa, que pela exten-
çaõ daquella capital; deve ser da mais decidida utilidade.
Entre os melhoramentos mais importantes devemos enumerar
n debate das Cortes e sua decisão, na sessaõ 127, sobre o artigo
26 do tractado de Commercio de 1810. A p. 127, achará o Lei-
tor o relatório da Commissaõ, a este respeito, e que foi approva-
do pelas Cortes, ordenando-se, que do 1." de Agosto deste anno
em diante, as fazendas de laS da Gram Bretauha paguem em
Portugal o direito de 30 por cento.
Deve-se este exame e interpretação do artigo 26 do tractado,
principalmente aos esforços do Deputado Luiz Monteiro, que foi
um dos Portuguezes, que desde o principio se convenceoda per-
niciosa tendência daquelle tractado, mas que naõ podendo ja
remediar-se em todo, propoz que ao menos se desse a este
artigo a sua interpretação natural, desapprovando a outra, que
dera motivo á impolitica redacçaõ dos direitos de 30 a 15 por
cento.
Outro Melhoramento importante foi o que propoz o Deputado
Frahzini, na sessaõ 114, que muito ajudará a favorecer as finan-
ças de Portugal. Reduz-se este projecto a supprimir as presi-
.Miscellatt**. 171
denci&s dos tribuiiaes, que vagarem para o futuro, servindo de
presidente o vogai mais antigo : e naõ substituir os vogaes, que
forem vagando, até que o seu numero se reduza ao absolutamen-
te necessário : probibindo-se a admissão de novos officiaes nas
Secretarias de Estado : e que as vacâncias, que se houverem de
preencher, sejam annunciadas logo no Diário do Governo, para
que todos os concurrentes possam apresentar seus requirimentos
e se escolha d'entre elles quem for mais digno: e em fim, que
todas as repartiçoens remettam ao Governo listas dos empregados,
que se julgarem desnecessários.
Eis um projecto, que deve produzir considerável economia, e
que ao mesmo tempo naõ despede e deixa sem paõ os actuaes
empregados, prudente consideração, mui digna de louvor.

Diplomáticos Portuguezes.

Na sessaõ 126 (p. 125) lembrou o Deputado B. Carneiro,


que, tendo chegado El Rey, éra tempo de se proceder a formar
causa aos Diplomáticos aceusados ante as Cortes. Disse o Pre-
sidente, que naquelle mesmo dia se expedia ao Governo a reso-
lução das Cortes, para que se lhe desse effeito.
Na sessaõ 137, porém, se lêo um officio do Ministro dos Ne-
gócios Estrangeiros, em que representava, que S. M. naõ podia
deixar de attender aos serviços, que fizeram na Embaixada de
Paris e Vienna, o Marquez de Marialva, o Conde de Oriola, e
Antônio de Saldanha da Gama: isto he os que as Cortes suppu-
nham mais culpados.
Causou isto uma viva discussão, em que se reprovou mui deci-
didamente o comportamento do Ministro dos Negócios Estiangei-
ros (Conde de Barbacena) neste ponto; remettendo-íe o officio a
uma Commissaõ Diplomática, que se nomeou nessa mesma sev-
o para informar sobre a matéria.
Naõ foi este somente o ponto, em que o Ministro dos Negó-
cios Estrangeiros foi estranhado uas Cortes, e se disseram delle
172 Miscellanta.

cousas mui ásperas. Nos procedimentos da sessaõ 134 verá o


Leitor; que elle foi accusado de uma omissão importante em seu
officio; e sendo chamado ás Cortes no dia seguinte, na sessaõ
135 explicou sua conducta da maneira, que o leitor poderá ver a
p. 136.
Por occasiaõ desta discussão dos Diplomáticos, e do que se
disse a respeito do Conde de Barbecena, tornamos a lembrar
aqui o que dissemos no nosso N.* passado, sobre o conservar ou
nomear empregados, que naõ saõ bem affectos ao systema cons-
titucional.
Dissemos entaõ, que para consolidar o systema actual, con-
vém que só se empreguem pessoas, que naõ sejam oppostas á
presente ordem de cousas , mas ainda mesmo nestes he preciso
fazer distincçoens entre indivíduos, que a justiça pede se naõ
confundam na mesma classe. Uns naõ indignos de confiança,
meramente porque em seus actos ou palavras dam a entender,
que uaõ lhe apraz o systema constitucional: outros saõ indife-
rentes á presente ou passada ordem de cousas: outros, posto
que decididamente contrários, e até criminosos, foram incluídos
na amnistia : outros foram criminiosos, e naõ incluídos na am-
nistia ; e outros em fim foram e saõ oppostos ao systema cons-
titucional, posto que naõ tenham commettido acto algum crimi-
noso.
Quanto aos decididamente criminosos, deixallos sem castigo
he approvardirectamente a op posição ao systema constitucional;
he cavar a sua rui na. Os suspeitos he preciso vigiállos, e nada
mais ; os outros pede a justiça, que naõ sejam castigados, mas
convém ao bem pablico, que naõ sejam empregados.
Se naõ fora a importante consideração, de que se naõ pôde
levar a diante o systema constitucional, sendo seus executores
seus opponentes ; bastaria o escândalo que resulta á Naçaõ, de
ver empregados aquelles, que deve olhar como imigos da liber-
dade, e a desinquietaçaõ que deve causar no espiiito publico,
o temor de que tal gente se aproveite da influencia de seus lu-
gares, para derribar a obra feita, e para se vingar entaõ de seus
opponentes políticos. A inquietação, que resulta de tal circum-
Mixcetlanea. 173

stancia tem effeitos mui extensos, e que facilmente se conhe-


cem, quando se reflecte na matéria.
Se qualquer iudividuo naõ approva um Governo Constitu-
cional e prefere o Despotico, mas naõ passa aactos offensivos,
goze ambóra de suas opinioens e viva tranquillo : mas chamállo
á vida publica, encarregallo de qualquer parte da administração,
em um systema, que elle reprova ; he pôllo em estado de se con-
strangir a obrar contra o que entende, ou arriscallo a encontrar-
se com seus deveres. Por outra parte he escandalizar a Naçaõ,
dando a entender, no emprego de tal gente, que entre os sec-
tários do systema constitucional naõ ha pessoas dignas dos em-
pregos, mas que he preciso ir buscallas d' entre os do partido,
que lhe he opposto.
He por isso que julgamos ter sido uma eircumstancia des-
agradável, que logo na primeira nomeação de Ministros appa-
recesse um, contra o qual se pôde dizer nas Cortes o que se disse.
Mas o remédio, sem duvida, virá das Cortes, porque os De-
putados, ainda os poucos, que sesuppôem menos constitucio-
naes, mostram tal patriotismo, que delles ha tudo a eperar.
Somente desejamos lembrar, que por mais necessária que seja
uma extrema vigilância, para que se naõ empreguem anti-con-
stitucionalistas, naõ he menos preciso, para a consolidação do
systema, que as Cortes exercitem seu poder, nesta vigilância,
com tal delicadeza e dexteridade, que obtenham o seu fim sem
fazer a menor usurpaçaõ ás attribuiçoens do executivo.
A respeito de Stockler, por exemplo, se vê pela sessaõ 137,
que as Cortes exigiram que elle fosse removido. Nos julgaria-
mos bastante, que depois do que delle se disse nas Cortes, estas
mandassem remetter ao Governo as informaçoens, que tinham.
Se o Governo naõ procedesse logo a suspender e mandar retirar
oaecusado, e exigir delle a sua justificação, as Cortes poderiam
chamar o Ministro de Estado, para explicar seus motivos : se o
Ministro continuasse a naõ attender á indicação; fizesse-se
nesse caso effectiva a sua responsabilidade.
Ha casos, em que convém obrar de outra maneira, sem espe-
rar por taes formalidades ; mas notamos isto simplemente para
174 Miscellanea.
mostrar, que as Cortes tem meios de dar a direcçaõ que quize-
rem aos negócios públicos, sem atacar directamente as attribui-
çoens do Executivo, como em regra o seria, ordenando, que tal
indivíduo fosse demittido de seu emprego, ou tal indivíduo
no meado para tal emprego.
O Deputado Luiz Monteiro, nesta sessaõ 137, pareceo des-
approvar, que o Ministro fallasse em nome d' El Rey ; mas
por ma is judiciosas, que nos pareçam sempre as observaçoens
deste Deputado, nisto differimos de sua opinião. Os Ministros
naõ podem fallar senaõ em nome d' El Rey ; e como executo-
res de suas ordens ; mas segundo as máximas constitucionaes,
havendo nestas ordens alguma cousa que reprovar, destramente o
argumento se volta contra o Ministro, e com justiça ; porque
pela mesma Constituição elle he o responsável, pela execução
da ordem que recebera.

A M F . R I C A - H f . S P A N HO L A .

Depois do General Independente, Bermudes, haver tomado a


Cidade de Caracas, os Realistas se tornaram a apossar delia;
mas o mesmo Bermudes de novo tomou a cidade, e Laguayra,
fugindo os Realistas para Puerto Cavello.
A escuna Falmouth, que chegou a S. Thomaz aos 14 de Julho
deo noticia de que aos 24 de Junho tinha havido, juncto a Valen-
cia, uma batalha geral, entre os exércitos Independente e Realis-
ta, em que este fora derrotado. Esta batalha se entendia ser
decisiva, pelo que respeita a independência de Venezuela e No-
va-Granada: ambas as partes tinham concentrado todas as suas
forças, e depois do combate, os Realistas, que eram em numero
de 2.300 homens, se refugiaram em Puerto Cavello, único porto,
que lhes restava, na província de Venezuela. Em Nova Grana-
da a única posição, que tinham os Realistas, éra Carthagena, que
Miscellanea. 175

estava sitiada pelos independentes. Puerto Cavello he fortaleza


mui defensável, porém tendo-se accumulado ali todos os fugiti-
vos Realistas, e estando os independentes de posse de todo o
interior, necessariamente havia a maior dificuldade em procurar
mantimentos para tanta gente. Esperáva-se que o Presidente
Bolívar marcharia logo a bloquear Puerto Cavello.
Uma artigo das gazetas de Madrid, datado de Lima 9 de Fe-
vereiro, se expressa assim :—" Depois de todos os sacrifícios, que
temos feito para repellir os invasores, San Martin, e Cochrane,
com a lisongeira esperança de que seriamos auxiliados pela me-
trópole, ao menos em navios) receamos que o nosso Governo naõ
presta artençaõ á nossa critica situação, e que a contenda ter-
minará em nossa ruína. Se assim tem o Governo de Hespanha
sido negligente, se assim tem ficado surdo aos nossos gritos, e,
finalmente, se naõ tem mandado uma força naval com officiaes
hábeis, he isso prova de que deseja que nos precipitemos, e se-
jamos victimas de nossos inimigos, ou que lhe naõ importa pre-
servar estes deliciosos paizes. Ha na nossa costa navios de
guerra de todas as naçoens, excepto de Hespanha; e alguns
Americanos crem, que o Governo está por os deixar independen-
tes, com esta noçaõ. Se o vulcano arrebenta, nem navios nem
força alguma humana o poderá subjugar. Navios immediata-
mente, a menos que se naõ tenha de renunciar ás províncias
Americanas do Sul, e consequentemente ás do Norte, Scc. &c.
Naõ se pôde fazer imputaçaõ contra a fidelidade destes heróicos
habitantes, que, sem excepçaõ, se tem arruinado na defeza da
causa nacional. As suas riquezas se tem desvanecido, e a nossa
constância finará se formos abandonados. Somos e desejamos
ser Hespauhoes; porém precisamos soccorros, e esperamos que
nossos clamores, que sobem aos Céos, naõ deixarão de ser ou-
vidos."
No México naõ vaõ as cousas melhor para os Hespanhoes, do
que apparecem em Lima, o que se vè do seguinte artigo, data-
do de Madrid, aos 20 de Junho, referindo noticias de Vera Cruz,
de 3, 5, e 7 de Maio.
" Aos 3, um viajante de Talapa deo informação de que o Co-
176 Miscellanea.
ronel Hevia (das tropas Reaes) foi ferido em ambas as pernas,
e se retirou de Tepeaca com perda de 500 homens. Porém ou-
tras notícias confirmam o que se disse, das vantagens, que ali
ganhara Hevia, e accrescentam, que elle seguia Herrera em sua
retirada. Dizem que os insurgentes foram mal succedidos em
um ataque, que fizeram contra Talapa aos 29 de Abril.
O Vice Rey do México intimou á municipalidade de Vera
Cruz.que mandaria tropas, logo que os corpos de Herrera, Bravo,
e outros insurgentes fossem dispersos. A deputaçaõ provincial
authorizou a municipalidade para fazer os desembolços necessá-
rios, em defensa da boa causa. As cartas particulares do Méxi-
co faliam de corpos de insurgentes, e de tropas, que se mandam
em sua opposiçaõ. Iturbide dizem que esta em Salvaterra com
4.000 homens. Quintana foi chamado ao México aos 5 de Maio.
Diz um viajante, que Herrera estava em Cordoba, comVictoria,
aonde se fortificava esperando por Hevia, que se suppunha estar
em St. Andres. Tem havido desagradáveis disputas entre vári-
os commandantes Hespanhoes. Dizem que Iturbide estava em
Laureies aos 10 d'onde marchara aos 11 para Citacuaro."
Aqui temos, pois, neste extracto das gazetas Hespanholas,
assas para concluir do miserável estado em que se acha a autho-
ridade dos Hespanhoes, mesmo no México, que he a única de
suas colônias da America, aonde parecia naõ haver insurreição,
que apresentasse forma regular, prova evidente da diff iculdade
que a Hespanha tem de manter a energia de seu Governo na-
tantes paizes.
Segundo as noticias, que trouxe nm navio saido de Havanah,
aos 9 de Julho, o Coronel Hevia, commandante das tropas Rea-
listas, foi morto em uma tentativa para tomar de assalto um pos-
to fortificado, que tinham os insurgentes juncto a Poebla; e a
morte do Commandante causou tal desconcerto nos seus, que
ameaçava fataes conseqüências á causa Real. O Governador de
Vera Cruz mandou para Havanah um reforço de tropas, sem con-
siderar se a sua guarniçaô éra ou naõ assas forte para rebater o
ataque que se esperava dos Insurgentes. Os mercadores e famí-
lias ricas estavam por isso, em Vera Cruz, em grande consterna-
Miscellanea. 177
çaô: toda a sua propriedade, fazendas e dinheiro estava empa.
cotada e prompta a embarcar para Havanah , se os Insurgentes
se aproximassem.
Segundo as noticias de Buenos- Ayres de 10 de Maio, as pro-
víncias adjacentes ao Rio-da-prata continuavam na mesma in-
certeza a respeito de sua forma de Governo. Aquelles povos,
havendo adquirido a independência, tanto por seu valor e reso-
lução, como pela fraqueza de sua ex-metropole, naõ sabiam como
dispor da segunda questão, que he o formar algum Governo per-
manente, que substitua o que se abolio. A constituição política
de qualquer paiz deve ser análoga ao character dos povos a que
he applicada. Mas os poucos que tem conhecimentos e que
possuem influencia naõ querem consentir em uma forma de Go-
verno, inferior ás ideas do século; a maioridade naõ sabe a que
se deve submetter. Os índios circumvizinhos a Buenos-Ayres
tem feito incursoens naquella província. Ramires e outros des-
contentes, á frente das forças de Entre Rios, cruzaram o Para-
ná, e invadiram o território de Buenos-Ayres. As finanças es-
tão no mais deplorável estado ; e com tudo ha tranquillidade e
tal qual segurança publica: indubitavelmente cresce a instrucçaõ
e a industria ; e as mesmas queixas contra a immoralidade, pro-
vam o melhoramento da civilização. A difficuldade está no que
todos os ignorantes julgam mui fácil ; formar um Governo adap-
tado ao gênio dos povos, mas que admitta e promova o melhora -
mento.
O General Ramires, que, em grande parte, succedeo ao Ge-
neral Artigas, no comutando do território de Entre Rios, fez
uma prociamaçaõ aos povos de Buenos-Ayres, em que os con-
vida á uniaõ, e a desprezar as authoridades, que previnem esse
uniaõ. No entanto nem aponta as bazes da uniaõ, nem indica
os meios de formar um Governo Central, sem o qual deve neces-
sariamente continuar a anarchia naquellas províncias.
Por outra parte D. Martin Rodrigues, que he o Chefe em Bue-
nos Ayres, expedio outra proclamaçaõ contra Ramires, em que
naõ inculca mais do que a resistência contra a invasão meditada
pelo outro chefe Ramires.
VOL. XXVII, N.° 150. z
178 Miscellanea.
Tal éra a situação daquelle paiz aos 8 de Abril, quando
o Chefe de Buenos-Ayres, expedio sua proclamaçaõ. E ainda
assim mandaram tomar posse das ilhas juncto a Malvinas,
chamadas de Faulkland, como se vé da seguinte ;—

Circular.

Fragata Nacional Heroina, no porto da Soledad.

Senhor!—Tenho a honra de vos informar da minha chegada a


este porto, a tomar posse destas ilhas em nome do Supremo Go-
verno das Províncias Unidas da America Meridional. A cerimo-
nia foi publicamente celebrada aos 6 de Novembro, e se arvorou
no forte a bandeira nacional, dando esta fragata uma salva, na
presença de vários cidadãos dos Estados Unidos e da Gram Bre-
tanha. He o meu desejo obrar para com todas as bandeiras ami-
gas, com a mais distincta justiça e hospitalidade, e me dará
prazer o ajudar e auxiliar a todos que o requererem, para obte-
rem refrescos com o menor trabalho e menos despeza possivel.
Rogo-vos, que communiqueis esta informação a todos os vasos
de vossa naçaõ, a quem isto importe.
Sou, Senhor, Scc,
D. JBWETT.
Coronel da Marinha das Províncias Unidas
da America Meridional, e Commandante
da fragata Heroina.

E S T A D O S - U N IDOS.

O Governo de Washington, cançado das procrastinaçoens de


Hespanha, resolveo-se a mandar tomar posse das Floridas ; e
este acto foi annunciadoem uma proclamaçaõ do General Jack-
son.
Miscellanea. 179

HESPANHA.

O Papa recusou dar as suas bullas de confirmação para um


Arcebispo e um Bispo, que El Rey de Hespanha tinha nomeado;
e o Nuucio de Sua Sanctidade em Madrid deo como motivo des-
ta negativa, que os indivíduos nomeados por El Rey, quando
eram membros das Cortes, votaram, um pela suppressaõ de Con-
ventos, outro pela abolição da Inquisição.
Contentava-se o Núncio, cora que os eleitos se retractassem
das opinioens que haviam manifestado, o que elles naõ quizé-
ram fazer ; e resta a ver as medidas que o Governo Hespanhol
sdopta nesta conjunctura.
Naõ ha muitos annos, que Sua Sanctidade fez a mesma oppo-
eiçaõ á nomeação de Frey Jozé de Sancta Clara, que S. M. Fi-
delissima tinha nomeado para o Arcebispado de Évora. Mas
El Rey de Portugal ordenou ao seu Ministro em Roma, que in-
sistisse na expedição das bullas para o Arcebispo, até o ponto
de ameaçar rompimento com a Se de Roma; e que declarasse,
que se o Papa naõ cedesse, El Rey recorreria á antiga disciplina
de fazer confirmar os Bispos, naõ pelo Papa, mas por um Con-
cilio Nacional.
Se EI Rey de Portugal se portou com tal energianaquella oc-
casiaõ, mal podemos pensar que o Governo de Hespanha se mos-
tre menos determinado a resistir ás pretençoens do Papa, que
assim pertende intrometter-se nas opinioens, que os Deputados
sustentam em Cortes, tractando do Governo de seu paiz. Quan-
do isto assim seja, e a Corte de Roma naõ ceda, teremos de ver
uma mudança na disciplinada IgrejaHespanholasobre a eleição
e confirmação dos Uispos, que naõ pôde deixar de redundar em
diminuição da influencia do Pupa. Porém a Corte de Roma
conhece melhor os seus interesses, do que insistir nesta preten-
çaõ, quando vir que os Hespanhoes estuõ resolvidos a resistir-
lhe seriamente.
A inquietação dos espíritos em Hespanha ainda continua, pos-
to que nuõ ameace conseqüência séiia; mas pela monitoria do
180 Miscellanea.
Chefe Político de Madrid, que publicamos a p. 166., se vê, que
o Governo intenta remediar o nial vigiando a diseusjaõ publica.
Com estas vistas determinou aquelle Chefe Político, que um
magistiado por elle autborizado assistisse as sessoens do Club de
Fontana d'Oro, aonde se debatem objectos políticos, afimde
prevenir fallas desço nedidas que inflamem o espirito publico.
Fraco remédio he este era uma naçaõ que deseja ser livre ;
pois estamos convencidos,que a suppressaõ da expressão da opi.
niaô publica, tanto de viva vóz como por escripto, naõ extingue,
só faz occultar e talvez concentrar o descontentamento, se ha
causa para que este exista ; e se a naõ haõ, uns poucos de fallado.
res desarrazoados nunca seraõ capazes de incouimodar o Gover-
no, se este for assas vigilante e forte para rebater as vias de facto.

INCI.ATBKEA.

Sua Majestade, a Raynha, íalleceo aos 9 de Agosto, e por


uma disposição de seu testamento, foi seu corpo levado ao Con.
ti nente para ser enterrado em Brunswick, no sepulcro da família
de seu pay.
El Rey foi visitar a Irlanda, aonde nenhum dos Reys da Fa-
mília reynante tinha ainda entrado, e nenhum de eus predeces-
sores ali tinha ido, senaõ por occasiaõ de guerras civis, e com
força armada.
Assim esta visita pacifica do Rey, foi recebida pelos Irlande.
zes, com todas as demonstraçoens da mais enthusiastica alegria.
Miscellanea. 181

EU88IA.

Quando toda a Europa tem os olhos fitos na Rússia, he impor-


tante o seguinte resumo do estado de suas finanças, no 1," de
Janeiro de 1821.
Divida que vence juros.
Guildere Hollandezes, empréstimo na Hollanda ava-
liado em Libras esterlinas 4:000.000
Robles de prata, 12.615.752, divida inscripta no li-
vro grande, a juro de 6 por cento 1:800.000
Rubles de prata, 13*250.000, com juro de 5 por cen-
to 1-650.000
Rubles de papel 286:624.12, juro 6 por cento 12.-000.000

Total 19:450.000
Divida do Império, que naõ vence juros em notas do
Baaco.
Rubles de papel 639.460.000, avaliados em libras
esterlinas 27:000.000

Total £46:450.000
Para encontrar esta divida possue o Banco do Governo um
capital de 35:799.531 rubles: e 60.000.000 rubles das rendas do
Império saõ annualmente fixos para o pagamento dos juros da
divida nacional, e para o fundo de amortização, e para o fim de
diminuir as notas do Banco do Governo que servem de papel
moeda.
O fundo de amortização tem ja um capital, excedente as des-
pejas, de 15.000.000 rublos, que a 6 por cento dá annualmen-
te 900.000 rublos, e terá de comprar no decurso deste anno, 9
milh oens da divida nacional, que vence juros.
Pelo que respeita a questão da guerra ou paz entre Rússia ea
Turquia, continua a mesma incerteza, assim como os preparati-
vos de guerra de ambas as partes. Explicam alguns a indecisão
que se observa, pela circumstancia de haver tanto no Gabinete
de Rússia como no Divan em Constantninopla dous paritdos de
175 [182] Miscèllanea.

opinioens oppostas ; um que delibera a favor da paz ; outro


que julga necessária a guerra.
A nota que o Governo de Kussia mandou á Sublime Porta,
se diz que requer os seguintes pontos :—
1." Que se reedifiquem todas as Igrejas ChristaSs, que se tem
demolido em todo o Império Ottomano.
2." Que todos os vassallos Christaõs, e habitantes do Império
Ottomano, seraõ protegidos nos seus direitos e privilégios, que
lhes seraõ assegurados por tractados os mais solemnes.
3.* Que se faça differeaça, entre os Gregos rebeldes e os indi.
dtviduos daquella naçaõ pacíficos e innocentes : e que estes
naõ sejam tractados como aquelles, só porque faliam a mesma
língua, e vestem o mesmo traje.
4o. Que se torne a pôr tudo na Wallacia e Moldaviu, o mais
depressa que for possivel, no mesmo pé ttn que eslava concor-
dado pelos tractados.

TURQUIA

A tropas Ottomanas tem alcançado algumas victorias parri-


aes dos insurgentes Gregos ; e com tudo o espirito de insurrei-
ção naõ soffre diminuição, fazendo-se as hostilidades de parte a
parte, com todo o horror, que inspira a vingança entre naçoens
barbaras.
Desta guerra civil dos Gregos contra os Turcos tem ja resul-
tado considerável mal ás outras naçoens Europeas, que nn vogam
no Mediterrâneo ; porque os vasos armados de ambas as panes
commcttem pirateiras, que he impossível prevenir, em similhantes
oceasioens ; e para o que os numerosos portos no Archipelago
Grego erTerecem grande facilidade.
As Gazetas Alemafls tem publicado contas das forças da Tur-
quia, para mostrarem a grande differença entre as tropas effecti-
vas, eo numero imaginário, que os Turcos tem em seus mappas.
Os Janizaros, segundo as listas nominaes montam a 240.000
"SMiictllnnea. 183

mas a maior parte destes constam de cidadãos pacíficos, merca-


dores, e artistas, que tem alistado seus nomes nos corpos desta
tropa, a fim de participar de seus privilégios- Os Janizaros,
que actualmeute recebem soldo, naõ chegam a mais de 40.000;
20. dos quaes estaõ na Capital. Ha outros que recebem raçaõ,
mas naõ tem soldo: todos saõ obrigadas a marchar, quando o
Gram Senhor vai ern pessoa ao Exercito. A cavallaria poderá
chegar a 134.000 homens; porém he uma cavallaria como a da
idade media, ou como os pospolitas da Polônia. Os Sophis saõ
boa força de cavallaria ligeira, porém pouco formidável em
guerra regular. A artilheria Turca, posto que melhorada por
officiaes Francezes (que tem construído varias fortalezas aos
Turcos) ainda tem muitos defeitos, tanto no material como no
pesssoal. Em vez de 20.000 homens, como dizem os mappas
só terá 12.000. Artilheria e parque be mui mal preparado. As
relaçoens Turcas naõ mencionam oNizim Dzgerid, ou força su-
geita á disciplina Europea; porque esta medida tem sido mal
auccedida, por quanto a constituição e character das tropas
Turcas faz mui difícil a introducçaõ da rigorosa displina mili-
tar Europea, debaixo do preseute Governo.
Neste estado de cousas he difficil prognosticar o resultado da
insurreição dos Gregos; mas se a Rússia se declarar contra a
Porta, e as demais naçoens Europeas naõ intervierem na ques-
tão, naõ será possível aos Turcos manterem por muito tempo a
posse de Constantinopla, por que o seu Império se acha enfra-
quecido com rebelioens em muitos pontos, para que o Gram Se-
nhor possa acudir a todos; e naõ será fácil reviver agora o en-
thusiasmo Mahometano, que facilitou as conquistas aquelles bár-
baros em tempos antigos.
CORREIO BRAZILIENSE
DE SEPTEMBRO 1821.

Na quarta parte nova os campos âra ;


E se mais mundo houvera lâ chegara.
CAMOENS, C. VII. e 14

POLÍTICA.

REYNO UNIDO DK PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES

ProolamaçaS das Cortes aos habitantes do Brazil.


A heróica rosoluçaõ, que haveis tomado, de seguir a
causa da pátria, e correr a sorte de seus valorosos filhos,
acabou de consolidar para sempre o majestoso edifício da
liberdade da independência nacional. Promettendo adop-
t;tr a Constituição Política, que fizerem as Cortes Geraes
» Extraordinárias, vós contrahistes a obrigação de adop-
tar também as Bazes, que ei Ias ja decretaram, e que a
naçaõ tem abraçado, c jurado, como preliminares de sua
venturosa regeneração. Nellas vereis lançados com maõ
segura e acautelada os traços fundamentaes desse mara-
vilhoso monumento, que vai ser levantado pelo sublime
VOL, XXVII. N.-iõU «? A
1SG Política.
esforço da constância e da virtude, sobre as ruínas do des-
potismo e da arbitrariedade. Nellas vereis o mais segu-
ro apoio da felicidade dos Portuguezes; porque éllas en-
cerram a declaração authentica dos direitos do homem, a
salvaguarda das suas franquezas, e o resumo de suas rela-
çoens sociaes, intimameute ligados com sua existência
política. Uma Religião sancta, professada e sustentada
com o fundamento da moral publica ecomo fonte perene
da geral prosperidade. Um Monarcha Constitucional,
como primeiro magistrado, e chefe da naçaõ, que o esco-
lheo. Direito da successaõ ao throno para evitar as com-
moçoens dos interregnos. Poderes soberanos em fimdis-
tinctos e separados, mas deveres e obrigaçoens mutuas do
Rey para com o Povo, e do Povo para com o Rey, saõ
outros tantos principios sanccionados nas Bazes, que affi-
ánçam a felicidade da naçaõ, clevanda-a ao eminente lu-
gar, que ella deve occupar entre as grandes naçoens, e
fixando para toda a duração dos séculos a epocha mais
brilhante e mais gloriosa de seus fastos, e aconteecitnentos
políticos. Brazileiros ! O Congresso naõ duvidava dos
vossos sentimentos patriocos e liberaes, mas elle respei-
tava o direito, que só a vós pertencia de manifestar com-
petentemente vossos desejos. Decretou por isso, que
vós farieis parte da grande família Portugueza, logo que
tivesses declarado vossa adhesaõ ao novo pacto social, que
ella acabava de fazer. Assim, quando vós repetistes com
tanto enthusiasmo o grito, que resoou do Douro ao Tejo,
quando vós fizestes conhecer tam solemne e espontanea-
mente a vossa vontade, vós prendestes maravilhosamente
em laços indissolúveis um a outro hemisfério, e pela mais
depurada e solida política vos unistes em um só interesse
os interesses de tantos habitantes, por centenares e cen-
tenares de léguas. He preciso, com tudo, que vossos de-
putados venham completar o quadro da representação na-
Política. 187
cional, para auxiliar as Cortes em suas laboriosas tarefas,
e tornar nas deliberaçoens a parteque devem ter. O Con-
gresso irá entretanto continuando a marcha augusta, fir-
me e regular, com que tem principiado a reforma dos
abusos, que oppiimem a naçaõ. A liberdade da impren-
sa, esta irmaã gêmea da liberdade civil e política, esta
filha querida dos Governos representativos, he hoje o pri-
meiro e mais apreciável direito do cidadão Portuguez.
A Inquisição e a Inconfidência, verdadeiros monstros na
ordem social, e horrível invento dos déspotas e dos ty-
rannos, ja naõ existem. A humanidade e a razaõ tem
recobrado seus foros. Os differentes ramos da pubtica
administração vam tomando uma nova face: a marcha
dos negócios ja he outra. Uma severa economia preside
â despeza da fazenda nacional, que naõ será mais consu-
mida em desperdícios, ou indiscretas mercês, e naõ me-
recidas tenças. O thesouro publico entregue a maõs
fieis e vigilantes naõ será mais a preza de ambiciosos
áulicos, nem de perversos conselheiros. Uma judiciosa
fiscalização dá j a esperanças de que a naçaõ poderá pa-
gar em poucos annos a divida, que tem reconhecido, sem
augmentar mais tributos, e sem faltar ás urgências diárias.
Uma caixa de amortização com fundos próprios, appli-
cados a este objecto, segura os credores do Estado, e res-
tabelece o credito do Governo. Tracta-se da reforma e
reducçaõ do exercito até ao ponto em que seja bastante
para fazer a vossa e a nossa segurança, e cuida-se da ma-
rinha de guerra, a tal ponto arruinada, que só se conhece
agora pelos dispendiosos e quasi inúteis estabelicimentos
que delia nos restam. Hoje he demonstrada a necessi-
dade de levar ao mais perfeito estado, que possivel for,
esta parte da força publica. Naõ ha com effeito outro
meio de restabelecer nosso commercio, conservar o se-
nhorio de nossos mares, defender as suas costas, e fazer
188 Politícu.
respeitar nossa bandeira: mas as Cortes tem projectado
diminuir, neste ramo, o apparato, augmentando a reali-
dade. Os Ministros e empregados públicos saõ vigiados
em sua conducta, e a sua responsabilidade he ja effecti-
va. Muitos tem sido demittidos, por indignos, dos luga-
res que occupavam. Fiscalizam-se os salários: e os or-
denados saõ postos na proporção, que devem ter em um
systema constitucional. Naõ haverão mais officios cre-
ados só para empregar homens, e esses quasi sempre in-
dignos de qualquer emprego. Tem-se adoptado outras
muitas medidas sobre diversos ramos de publico e univer-
sal interesse. A agricultura, o commercio, a industria,
como fontes da riqueza nacional, tem merecido ao Con-
gresso um particular cuidado e vigilância. Muitas destas
geraes providencias, que fazem o objecto de differentes
decretos das Cortes, saõ applicaveis ao Brazil, e portan-
to vós ides gozar ja dos bens que dellas resultam; mas
convém admittir o principio> de que naõ se fazem refor-
mas senaõ com tempo, e que mais tempo ainda he ne-
cessário para lhes dar execução, consistência e estabili-
dade. Com tudo um meio se offerece, muito prompto de
certo, para remediar em grande parte vossos males, e he
que o Governo de vossas províncias regulado de modo
que vosso estado tam imperiosamente exige, seja logo
entregue a homens probos e verdadeiramente constitu-
cionaes, que plantem entre vós este venturoso systema,
debaixo do plano de moderação e suavidade, que se tem
seguido com tanta energia. Conhecereis entaõ por unia
feliz experiência quaes saõ as vantagens, que haõ de re-
sultar-vos da vossa adhesaõ á Constituição, que as Cortes
estaõ fazendo, e vereis quanto he bello e magnífico o fu-
turo, que ella vos apresenta eafiança. He preciso porem
ter em grande consideração as circumstancias em que nos
achamos. Nenhum estado pôde subsistir sem força phi-
Política. 189
3ica e sem forç* moral; mas aquella he quusi sempre
perdida sem esta. Para conservar ambas devemos por
tanto estreitar cada vez mais nossas relaçoens políticas.
Os sentimentos fraternaes, que a natureza nos inspira; a
consoladora idóa de que temos todos a mesma origem, e
a lembrança atê de que tem pezado sobre nós as mesmas
desgraças, nos persuade de que devemos ter também to-
dos a mesma-fortuna. E na verdade, que outra cousa he
mais conforme a nossos mútuos interesses? Habitando
o paiz mais feitil e mais rico dos que se conhecem, nós
naõ precisamos para sermos venturosos senaõ de boas
leys, e executadas por um Governo bem organizado, e
que saiba tirar todo o partido, que offerece nossa vanta-
josa situação. Este governo existe ja. Cada dia se vai
melhorando o systema administrativo: cada dia augmen-
ta a força da opinião, que reconhece a necessidade de
manter a nova ordem das cousas; porque ella dá ja em
resultado verdadeiros bens; de que naõ itinham gozado
nuuca. Esta he hoje a convicção de todos os Portugue-
zes: os que a naõ adquiriram ainda perderam esse nome.
Ei Rey acaba de chegar a este Reyno, e a sua entrada
em Lisboa deo nova oçcasiaõ aos habitantes e ao Con-
gresso, de manifestarem o amor, que consagram á sua
pessoa, e a veneração, que tem por suas virtudes. Naõ
faltou demonstração alguma publica de respeito, que lhe
he devido; e, no meio da maior ordem e tranquilli-
dade, foi geral a satisfacçaõ e alegria da capital ao tornar
e ver seu Monarcha Constitucional. O juramento solem-
ne, qae S. M. deo na presença das Cortes, promettendo
observar e fazer observar as Bazes da Constituição, poz
o ultimo sello â confiança publica, e acabou de socegar
aquelles, que se lembravam de duvidar dos seus senti-
mentos, só porque elle chegara cercado desses homens
mãos, que tam grande parte tiveram nas desgraças da pa-
190 Política.
tria. As Cortes manifestaram a necessidade de os seps
rar para longe de uma cidade, á qual tanto escandal
tem dado. Com isso conseguiram elles também escapa
a outras demonstraçoens do desprezo publico, que o
acompanhará, toda a via, em qualquer parte era que 81
acharem. Tal he, habitantes do Brazil, nossa politia
situação; e â vista delia, que mais podemos nós desejar:
He mantida a nossa liberdade; protegida a nossa segu
rança; e respeitada a nossa propriedade: que maiores oi
que mais sólidas vantagens offereeerá por tanto qualquei
outra forma do governo. Acaso poderemos nós illudir
nos ainda com essa idea chimerica de uma liberdade pou-
co menos que illimitada? Acaso seria possivel conse-
gui Ua, sem commoçoens, sem violências e sem desgra-
ças? E, conseguida ella, de que nos serviria? Seria-
mos nós por ventura mais felizes ? As luzes do século
regeilam hoje tam arriscados como indiscretos desejos; e
uma desgraçada experiência tem convencido os homens
de que devem viver livres, mas que deve também ser ex-
ercitada de modo, que se prevlnam as revoluçoens vio-
lentas, e se mantenha a maior harmonia entre a legisla-
ção e os conhecimentos úteis á humanidade, e necessá-
rios á felicidade dos povos. He preciso respeitar o voto
geral das naçoens. Lançai os olhos pela historia, e ve-
reis qual tem sido o resultado da luta dos partidos e das
facçoens. O estrago, a assolaçaõ e a morte, companhe-
iras inseparáveis da anarchia, e da guerra civil, foi sem-
pre e está sendo ainda hoje a sorte dos paizes, em que as
paixoens fometáram a desunião e a discórdia entre os
seus concidadãos. Habitantes do Brazil! Continuai a
imitar a moderação, que nesta epocha memorável tem
manifestado vossos irmaõs. He só no socego, ena uniaõ
dos sentimentos patrióticos, que se formam custumes, e
se adquirem esses hábitos, essencialmente necessários
Polilica. 191
para a mudança que fazemos. Naõ he de outro modo
que se fortalece um espirito publico, e um character na-
cional» esta virtude, verdadeira origem de todas as ou-
tras virtudes sociaes e cívicas, que distingue e enobrece
os povos civilizados, e de que os Portuguezes naõ saõ
menos capazes, nem precisam menos. Brazileiros! Nos-
sos destinos saõ ligados ; vossos irmaõs naõ se reputarão
livres, sem que vós o sejais lambem: vivei certos disso;
e convencei-vos de que os seus Deputados, como repre-
sentantes de toda a naçaõ, estaõ promptos a sacrificar até
a sua própria existência, para que ella seja tam livre e
tam feliz, quanto o pôde e o merece ser.
Paço das Cortes 13 de Julho de 1821.
JOZE JOAQUIM FERREIRA DE MOURA. Presidente.
JOAÕ BAPTISTA FELGUEIRAS. Dep. Secr.
AGOSTINHO JOZE FREIRE. Dep. Secr.

Ley sobre a liberdade da imprensa.

D. Joaõ por graça de Deus e pela Constituição da Mo-


narchia, Rey do Reyno Unido de Portugal Brazil e Al-
garves, d'aquem e alem mar em África, &c. Faço sa-
ber a todos es meus subditos, que as Cortes decretaram
o seguinte:—
As Cortes Geraes Extraordinárias e Constituintes da
Naçaõ Portugueza, querendo desenvolver e determinar
os princípios, que sobre a liberdade da imprensa estabe-
leceram nos artigos 8. vo 9.° e 10.° das Bazes daConstitui-
9*5» por conhecerem que aquella liberdade he o apoio
mais seguro do systema constitucional, decretam o se-
guinte.
192 Política.

Titulo 1. Sobre a extençaõ da liberdade da imprensa.

Art. I. Toda a pessoa pode da publicação desta le;


em diante imprimir, publicar, comprar e vender nos Es
tados Portuguezes quaesquer livros ou escriptos sem pre
via censura; e só com a declaraçoens seguintes.
2. A faculdade de imprimir qualquer livro ou escripb
original ou traduzido, constitue propriedade vitalícia d
seu author ou traduetor, a qual ainda pertencerá a seu
herdeiros e suece sores por espaço de dez annos. Quan
do o author ou traduetor for sociedade literária, ou outr
qualquer corporação, gozará da mesma propriedade po
tempo de 60 annos.
3. Quem imprimir qualquer livro ou escripto, que no
termos do artigo antecedente constitua propriedade d
outrem, perderá todos os exemplares delle para o pro
prietario; e se naõ chegarem ao numero de mil, pagar!
mais o valor dos que faltarem para preencher este nume
ro.
4. Todo o escripto impresso nos Estados Portugueze
deve ter estampado o lugar e anno da impressão, e (
nome do impressor.
5. Quem imprimir vender ou publicar qualquer livrr.
ou escripto sem algum dos requisitos mencionados no ar-
tigo precedente, será condemuado em trinta mil reis.
6. Quem falsificar algum dos requisitos mencionado!
no artigo 4." será condemnado em cincoenta mil reis; <
se com essa falsificação attribuir o impresso a alguma
pessoa existente, será condemnado no dobro desta pena,
7. O author ou edictor de escriptos impressos em Es.
tados Portuguezes, eo impressor delles, quando naõ con-
ste quem seja seu aulhorou edictor, responderão por to-
do o abuso, que nelles se fizer da liberdade da imprensa,
Política. 193
nos caíos determinados nesta ley; e bem assim o livreiro
ou publicador, pelos abusos, que se commetterem nos
Escriptos que vender ou publicar impressos em paizes es-
trangeiros, quando contiverem expressoens ou estampas
obscenas ou libellos famosos.

Titulo II. Dos abusos da liberdade da imprensa, e das


penas conrespondentes.
8. Pode abusar-se da liberdade da imprensa. 1." con-
tra a Religião Catholica Romana. 2.° contra o Estado.
3." contra os bons custumes. 4.° contra os particulares.
9. Todos os delictos comprehendidos no artigo ante-
cedente seraõ qualificados em 1.° 2.° 3.° e 4." gráo, em
attençaõ ás diversas circumstancias, que podem augmen-
tar ou diminuir a sua gravidade*
10. Abusa-se da liberdade da imprensa contra a Reli-
gião. l.° quando se nega a verdade de todos ou de algum
dos dogmas definidos pela Igreja: 2.° quando se estabe-
lecem ou defendem dogmas falsos: 3.° quando se blas-
pliema ou zomba de Deus, dos seus sanctos, ou do culto
religioso approvado pela Igreja.
11. Quem abusar da liberdade da imprensa, contra a
Religião Catholica Romana em 1.° gráo. será condemna-
do em um anno de prizaõ, e 50.000reisem dinheiro: no
2.°, em 8 mezes de prizaõ e 50.000 reis: no3.°, em 4me-
zes de prizaõ e 50.000 reis: e no 4." em 50.000 reis so-
mente.
12. Abusa-se da liberdade da imprensac ontra o Estado:
1.° excitando os povos directamente á rebelião: 2. pro-
vocando-os directamente a desobedecer ás leys ou ás au-
thoridades constituídas : 3.° attacando a forma do gover-
no representativo, adoptada pela naçaõ: 4.° infamando
VOL XXVII. N.° 160. «B
194 Política.
ou injuriando o Congresso Nacional ou o Chefe do Podi
Executivo.
13. Quem abusar da liberdade da imprensa contra
Estado, em l. c gráo, será condemnado em 5 annos c
prizaõ, e 600.000 reis em dinheiro: no 2.° em 3 annos c
prizaõ e 400.000 reis: no 3.° em um anno de prizaõ
200.000 reis: no 4.° em 3 mezes de prizaõ, e 100.000 rei
e sempre que se verificar abuso em algum dos dous pr
meiros grãos, accrescerá ás penas estabelecidas a do pe
dimento dos cargos públicos, que o delinqüente occupai
e sendo ecclesiastico a inhibiçaõ do exercício dos sei
officios, e a privação dos réditos dos seus benefícios, n
1.° gráo perpetuamente, e no 2.° por 6 annos.
14. Abusa-se da liberdade da imprensa contra os bor
custumes: 1." publicando escriptos, que ataquem diret
tamente a moral Christaã recebida pela Igreja Universal
2.° publicando escriptos ou estampas obscenas.
15. Quem abusar da liberdade da imprensa contra c
bons custumes em primeiro gráo será condemnado er
50.000 reis: no 2.° gráo em 40.000 reis: no3•"em30.00
reis, e no 4." em 20.000 reis.
16. Abusa-se da liberdade da imprensa contra os parti
culares: 1." imputando a alguma pessoa ou corporaçai
qualquer facto criminoso, que daria lugar a procedimen
to judicial contra ella: 2." imputando-llievicios ou defei
tos, que a exporiam ao ódio ou desprezo publico: 3.
insultando-a com termos de desprezo ou ignomínia.
17. Quem abusar da liberdade da imprensa contra o
particulares em 1." gráo será condemnado em 100.00*
reis : no 2.' em 80.000 reis: no 3.° em 60.000 reis: no 4.
em 40.000 reis, e além destas penas haverá em todos o
gráos a reparação civil do damno e injuria, sempre qiu
os Juizes de Facto declararem ter lugar.
18. Havendo reincidência em qualquer dos caso6 men
Política. 195
cionados nesta ley, applicar-se-ba a pena conrespondente
multiplicada pelo numero das reincidências: nos casos
do artigo 16" somente se verificará reincidência havendo
identidade do delicto e pessoa offendida.
19. Será livre de toda a pena, quem provar os crimes,
que imputou, quando forem contra o Estado, ou consis-
tirem em abusos de authoridade, commettidos por algum
empregado publico; e nos outros casos, quando o façto
imputado estiver julgado provado em juizo anterior, ou
interessar ao publico ou ao particular, naõ havendo ani-
mo de injuriar.
20. Em todo o caso, porém, de abuso de liberdade de
imprensa seraõ supprimidos todos os exemplares daquelle
impresso, em que se verificar, estando na maõ do author,
edictor, impressor, vendedor ou distribuidor, e quem
vender ou distribuir algum depois desta suppressaõ, fi-
cará incurso nas penas impostas ao author ou edictor.
21. Em todos os casos em que por esta ley he imposta
ao delinqüente pena pecuniária, naõ tendo elle por onde
pague, será condemnado em tantos dias de prizaõ, quan-
tos conresponderem á quantia, em que for mulctado, na
razaõ de mil reis por cada dia.

Titulo III. Do Juizo competente para conhecer dos


delictos commettidos por abuso ds liberdade da im-
prensa.

22. O conhecimento e qualificação dos delictos com-


mettidos por abuso da liberdade da imprensa pertencerá
aos Conselhos de Juizes de Facto. que para isso se crea-
rao em cada um dos districtos designados na tabeliã junc-
ta.
23. Em cada um daquelles districtos se formarão dous
Conselhos de Juizes de Facto: o l.« será composto de
IQQ Política.

nove vogaes, e o 2.° de doze: haverá também um juiz d


direito, que no districto de Lisboa será o Corregedor d
Crime da Corte; no do Porto o Corregedor da 1.» Var
do Crime; e nos outros districtos os Corregedores da
respectivas capitães, e haverá igualmente um Promoto
de Justiça.
24. Para exercerem o cargo de Juizes de Facto será
eleitos 48 homens bons, que sejam cidadãos em exercici
de seus direitos, de idade de 25 annos pelo menos, resi
dentes no districto, e dotados de conhecida probidade
intelligencia e boa fama: alem destes se elegerão mai
doze para substitutos, dotados das mesmas qualidades:
um para Promotor, e outro para seu substituto, quealêr
de possuírem aquellas qualidades deverão ser Bacharel
Formados em alguma das Faculdades Juridicas. Naõ pc
dera ser eleito para Juiz de Facto, quem o naõ puder se
para Eleitor de Comarca.
25. A eleição das pessoas mencionadas no artigo ant(
cedente seta feita pelos Eleitores da Comarca ou Cornai
cas, que formam o Districto, reunidos para isso na cap
tal delle, sob a presidência do Juiz de Direito, bastand
que concorram aquelles eleitores, que ao tempo da eleiça
se acharem residindo no Districto.
26. A primeira eleição será feita logo que esta ley s
publicar, expedindo os presidentes respectivos avizosac
eleitores, para que em dia certo se reünam nas capitar
dos districtos, aonde se faraó as eleiçoens por listas, e
maioridade relativa de votos. As eleiçoens seguintes SÍ
raõ feitas logo depois das dos Deputados de Cortes, pel
mesma forma, que para estas se prescrever na Constitu
çaõ.
27. Nenhum cidadão poderá escusar-se do cargo d
Juiz de Facto, ou de Promotor, por motivo ou pretext
algum; exceplo o de impossibilidade moral ou phisic;
Política. ig7
legalmente provada perante a juncta Eleitoral, em quan-
to estiver reunida: ou perante a Juncta dos Juizes de
Facto, quando se reunir em sessaõ periódica, na forma
do artigo 42. Se porém a escusa for temporária, pode-
rá conhecer delia o primeiro Conselho, mencionado no
artigo 23.
28. Finda a eleição, o Presidente remettera uma copia
delia ao Governo, o qual a fará publicar no seu Diário:
e o mesmo Presidente fará affixar na Capital do districto
uma lista das pessoas, que ficaram eleitas, para exerce-
rem as funcçoens de Juizes de Facto.
29. As funcçoens destes durarão de uma atê outra le-
gislatura; mas poderão ser reeleitos com intervalo de uma
eleição. Estes Juizes, no exercício de suas funcçoens,
gozarão dos mesmos direitos e immunidades, que com-
petem aos Magistrados.

Titulo IV. Da ordem do processo nos juizos sobre os


abusos da liberdade dv imprensa.

30. O Promotor será o Fiscal por parte do Publico,


para dará denuncia, e promovera accusaçaõ dos delictos,
commettidos por abuso da liberdade da imprensa: e o
mesmo fica sendo permettido a todo e qualquer cidadão;
excepto nos casos do artigo 16, em os quaes somente as
pessoas offendidas o poderão fazer: concorrendo mais do
que um denunciante, ficará sendo considerado como tal
0
primeiro que denunciar; e os mais como assistentes,
*e tiverem concorrido antes da contestação da lide.
31. A dennncia do impresso poderá ser feita perante o
Juiz de Direito de qualquer dos districtos: e, sendo dada
perante muitos, ficará preventa pelo primeiro, a quem for
«presentada.
32. O Jujjj d e Di r e jt 0 n o primeiro caso do artigo 12.
198 Política.
logo depois da denuncia mandará proceder á prizaõ
réo, se pela inquirição de três testemunhas, que deve
rar, deprehender quem seja ; e a sequestio em todos
exemplares do impresso denunciado em qualquer dos
sos desta ley, estando na maõ do author, edictor, impi
sor, vendedor ou distribuidor.
33. Immediatamente fará eleger o primeiro Conse
dos Juizes de Facto: e para isso, concorrendo na Casa
Câmara em hora determinada com o escrivão, a quer
denuncia tiver sido distribuída, com o Promotor e I
nunciante, se o houver, estando a porta aberta, fará I;
çar em uma urna eedulas, em que estejam escriptos
nomes de cada uma das pessoas eleitas para Juizes
Facto; e fazendo depois de revolvida extrahir delia i
um menino nove das dietas cédulas, ficarão sendo eleil
para o primeiro Conselho aquelles, cujos nomes ellas <
signarem, e dos quaes o escrivão fará assento, em um
vro destinado para esse fim, numerado e rubricado p<
Juiz de Direito; eassignado o mesmo assento pelo dic
escrivão e Juiz de Direito, se publicará por edictn
affixadosnos lugares do custume.
34. Logo depois deste acto mandará o mesmo Juiz n
tificar cada um daquelles eleitos para que em dia e hc
determinada se refinam na capital do districto, na Ca
da Câmara, e aquelle que faltar será, pela primeira v
condemnado em 20.000 reis; pela segunda era 40.000 n
pela terceira em 60-000 reis; e pela quarta em SOdiasi
prizaõ, naõ justificando uma impossibilidade absolut
nos termos do artigo 27.
35. Reunido o Conselho, o Juiz de Direito, â por
aberta, deferirá a cada um dos vogae& o juramento ai
Sanctos Evangelhos, para que bem e fielmente desen
penhe os deveres do seu cargo: e entregando depois a
vogai primeiro na ordem da eleição o exemplar do in
Política. 199
presso denunciado, e mais documentos, que instruírem o
processo, lhes fará uma explicação exactae clara de tudo
e exporá a questão, que tem a examinar e decidir, eque
deve estar escripta nos autos do processo ; na forma se-
guinte:—" Este escripto contem motivo para se formar
processo por tal abuso da liberdade da imprensa."
36. Immediatamente se retirarão os vogaes do Conselho
para outra casa, aonde estando eos, presididos pelo pri-
meiro na ordem da eleição, e â porta fechada, faraõ o
exame do impresso e mais documentos: e depois de con-
ferir entre si, declararão em resposta áquelle quesito, se
o impresso contém ou naõ motivo para se formar processo
pelo abuso indicado: sendo preciso para decisãoaffirma-
tiva, que concorram pelo menos duas terças partes dos
votos.
37. Escripta a declaração nos autos da denuncia por
um dos vogaes, e assignada por todos, sairaõ para a pri-
meira casa, aonde deve estar o Juiz de Direito, e em pre-
sença delle, estando a porta aberta, lera o vogai, que ser-
vio de presidente, em voz alta aquella declaração.
38. Se a declaração for negativa, o Juiz de Direito
proferirá sentença, em que julgue sem effeito a denuncia
e ordene a soltura do réo, estando prezo, e o levanta-
mento do seqnestro dos exemplares do impresso, con-
demnado o denunciante nas custas da denuncia, quando
tiver sido feita por algum particular. A denuncia assim
julgada sem effeito naõ podei á ser repetida em outro
juízo pelo mesmo caso.
39. Se a declaração for afiirmativa o Juiz de Direito
proferirá sentença, em que declare ter lugar a accusaçaõ
e ordene o seqüestro em todos os exemplares do impresso
denunciado, existentes na maõ do author, edictor, im-
pressor, vendedor ou distribuidor; e mande proceder á
averiguação de quem seja o réo, e á prizaõ delle no pri-
200 Política.
meiro caso do art, 12. quando se naõ tenha verificad
pela diligencia ordenada no artigo 32.
40. Proferida a sentença, seguir-se-ha a accusaçaõ d
réo, que deve ser intentada no juizo do districto dose
domicilio : excepto no caso de ser denunciado por libe
los famosos; porque nesses fica livre ao accusador intet
tar a accusaçaõ naquellejuizo, ou no próprio domicilii
41. O Juiz do Direito, sendo-lhe apresentado o pr<
cesso, que para isso será entregue ao accusador nos case
de delicto particular, e remettido pelo correio officiosa
mente nos casos de delictos públicos, ficando em uns
outros por traslado no primeiro juizo, fará notificar o ré
a requirimento da parte, ou do Promotor naõ a havendi
para que no dia da reunião do segundo Conselho comp:
reça per ante elle por si ou por seu procurador.
42. Esta reunião se fará em Lisboa, Coimbra e Port
de seis em seis semanas: nos outros districtos do Reyn
de Portugal e A lgarves de três em três mezes, e nos df
ilhas adjacentesdeseisem seis mezes: concorrendo tode
os eleitos para Juizes de Facto â Capital do districto pc
avizo do Juiz de Direito, quando houver processo, par
que seja precisa aquella reunião.
43. No dia aprazado, concorrendo o Juiz de Direit
com os eleitos na Casa da Câmara, a porta aberta, e n
presença das partes, ou de seus procuradores, mandar
fazer pelo escrivão a chamada de todos, e fazendo escn
ver em cédulas os nomes dos que responderen
excepto os daquelles, que formaram o primeiro conselhc
ordenará que se lancem em uma urna, e que depois pre
tedendo-se na forma do artigo 33, se extraham delia c
doze, que haõ de formar o segundo Conselho.
44. O aceusado e accusador poderão recusar os Juizei
que lhes forem suspeitos, á medida que seus nomes foret
saindo de urna: podendo o primeiro recusar até vinte,
Política. 201
o segundo até seis; se forem muitos os accusadores, di-
vidirão o numero entre si de maneira, que nunca se re-
cuse maior numero do que o de vinte. Se antes de se
apurarem doze juizes naõ recusados se extrahirem da ur-
na todas as cédulas, lançar-se-haõ nella outras com os
nomes dos substitutos, e se continuará na extracçaõ até
que haja doze juizes naõ recusados, çom os quaes ficará
formado o Conselho, para se proceder ao juizo da accu-
saçaõ.
45. Reunidos os vogaes do Conselho, a portas abertas,
o juiz lhes deferirá juramento na forma do artigo 35, na
presença das partes, ede seus advogados ou procuradores;
em caso de revelia do réo terá o Juiz nomeado um advo-
gado, que o defenda.
46. Immediatamente perguntará ao réo o seu nome,
idade, profissão, domicilioenaturalidade; sefoiavizado
do dia e hora da reunião do Conselho, e se recebeo copia
do libello, com o rol das testemunhas, três dias antes da
reunião; devendo para isso o Juiz de Direito ter dado lu-
gar ao author para o offerecer antes desse termo. A estas
perguntas se seguirão todas as outras, que se julgarem
necessárias para a averiguação da verdade.
47. Ultimado o interrogatório, ordenará o Juiz de Di-
reito ao escrivão, que leia a accusaçaõ do author, a defe-
sa que o réo deve ter apresentado, e mais peças do pro-
cesso ; e fará de tudo uma exacta e clara exposição para
intelligencia dos Juizes de Facto, das partes e das teste-
munhas.
41. Seguir-se-ha a inquirição das testemunhas, prin-
cipiando pelas do author e continuando com as do réo
successivamente; podendo as partes ou seus procurado-
res contestallas e arguillas, sem que as possam interrom-
per. Poderá depois o accusador fazer verbalmente a sua
VOL. XXVII. N.o 160. c c
202 Política.
allegaçaõ jurídica sobre a accusaçaõ e provas, e o acc
sado defender-se pelo mesmo modo.
49. O Juiz fará entaõ ao Conselho um relatório res
mido do processo, expondo a questão com todas as su
qualidades, indicando as provas produzidas por uma
outra parte, e os fundamentos principaes da accusaçaõ
defeza, e recommendando-lhe, que deve consultar some
te a vóz da sua intima convicção, resultante do exan
do processo, e independente de formalidades judicia*
lhe proporá as questoens, que tem de decidir á vista <
processo.
50. Estas questoens seraõ reduzidas ás formulas segui
tes ; 1.* O impresso denunciado contém tal abuso da !
herdade da imprensa? 2.* O accusado he criminoso de
te delicto? 3.* Em que gráo he criminoso? Nos cas<
do artigo 16, accrescentará o seguinte : 4." quesito: Te
lugar a reparação civil do damno e injuria ?
51. Escriptos estes quesitos, o Juiz de Direito os e
tregará, com todas as peças do processo ao Conselho, pi
maõ do vogai primeiro na ordem da eleição; eretirand
se depois todos os vogaes para outra casa, estando sós,
porta fechada, e presididos por aquelle, faraõ o exan
do processo, e depois de conferirem entre si decidir.
em resposta ao 1.* quesito: se o impresso contém ou n;
o abuso, de que he arguido : em quanto ao terceiro,
he no 1.' 2.* 3.° ou 4." gráo: em quanto ao quarto, se te
ou naõ lugar a reparação do damno : sendo preciso no
votos para que se verifique decisão affirmativa,e se detc
mine o gráo, propondo o presidente cada um delles su
cessivamente á votação.
52. Escripta cada uma destas decisoens em respos
aos quesitos por um dos vogaes, e assignada por todc
sairaõ estes para a Casa publica, aonde deve estar o Ju
de Direito, e tomando assento, se levantará depois o v
Política. 203
sal que serviode presidente, e dizendo em voz alta : " O
Conselho dos Juizes de Facto, consultando a convicção
intima da sua consciência, entende que (lera a declara-
ção) entregará as decisoens com o processo ao Juiz de
Direito.
53. Se a decisão for de que o impresso naõ contem
abuso da liberdade da imprensa, de que he arguido, o
Juiz de Direito proferirá sentença de absolvição do réo,
mandando, que seja immediatamente posto em liberdade,
estando prezo, e que se relaxe o seqüestro dos exemplares
do impresso denunciado, condemnando nas custas do
processo o Denunciante, se for particular.
54. Se a decisão for de que o impresso contém abuso
e o accusado he criminoso, o Juiz de Direito proferirá
sentença, em que applique a pena conrespondente ao
crime, e ao gráo, e condemne ao réo nas custas do pro-
cesso, declarando qual he o artigo desta ley, em que foi
incurso, e ordenando igualmente a suppressaõ de todos
os exemplares do impresso denunciado, que estiverem na
maõ do author, edictor, impressor, vendedor ou distri-
buidor: e a reparação do damno, se tiver havido declara-
ção de que tem lugar.
55. Se a declaração for de que o impresso contém abuso,
rnas que o accusado naõ he criminoso, o Juiz de Direito
ordenará na sentença a suppressaõ dos exemplares do
dicto impresso, mas que o accusado seja posto em liber-
dade, se estiver prezo, declarando-o absolvido, e con-
demnando o accusador nas custas do processo, se for par-
ticular.
56. Quando o denunciante ou accusado tiver sido ab-
Ivido, e o denunciante ou accusador naõ fosse particu-
t as custas do processo seraõ pagas pelo cofre da capi-
o districto, aonde se deve recolher a importância das
penas pecuniárias impostas em virtude desta ley.
204 Política.
57. Da declaração dos Juizes de Facto naõ haverá
curso algum, excepto: 1." se houver nullidade no f
cesso por falta de algum dos requisitos exigidos nesta
2.* se o Juiz de Direito naõ applicar a pena conresp
dente.
58. Nos dous casos do artigo antecedente, poderão
partes appellar para o Tribunal Especial de Protecçac
Liberdade da Imprensa : 1." para que, remettido o r
cesso ao Juiz de Direito, este convoque de novo o C
selho dos Juizes de Facto, para o reformarem: e no
para que elle mesmo Juiz o reforme, applicando a pi
conrespondente. E m qualquer destes dous casos pod
o Tribunal condemnar o Juiz de Direito nas custas
processo de appellaçaõ.
59. A sentença proferida pelo Juiz de Direito naõ s
do appellada no decennio, passará em julgado, e se e:
cutará, e publicará com a declaração do Conselho i
Juizes de Facto no Diário, do Governo, enviando para e
fim o Juiz de Direito uma copia ao Redactor.

Titulo V. Do Tribunal Especial de Protecçaõ da lil


dade da Imprensa.

60. Haverá um Tribunal Especial para proteger a i


berdade da Imprensa, composto de cinco membros, i
meados pelas Cortes, no principio de cada Legislatu
e poderão ser reeleitos. Servirá de Presidente o prime
na ordem da nomeação.
61. O mesmo Tribunal nomeará um Secretario,quer
será d'entre os seus membros, um escripturario, e i
porteiro; e, apenas eleito, fará um regulamento para
seu governo interior, que proporá â approvaçaõ das C
tes, bem como o ordenado para os dictos Secretario, 1
cripturario e Porteiro.
Política. 205
92. Os membros do referido Tribunal teraõ de ordena-
do annualseis centos mil reis. Se porém perceberem de
outro emprego publico um igual ordenado, nenhum outro
vencerão por este titulo.
63. Este Tribunal terá as attribuiçoens seguintes, l.°
tomar conhecimento das appellaçoens, que para elle fo-
rem interpostas, na forma dos artigos 57 e 58: 2:° propor
ás Cortes com seu informe todas as duvidas, sobre que as
authoridades e juizes o consultarem, respectivas á obser-
vância desta ley : 3.° apresentar ás Cortes no principio de
cada Legislatura uma exposição do estado, em que se
achar a liberdade da imprensa, dos obstáculos, que for
preciso remover, e dos abusos que devam remediar-se.
Paço das Cortes em 4 de ulho de 1821.
(Seguia-se a tabeliã da divisão dos districtos de jura-
dos; a saber, 4 no Minho: 2 em Traz-os-Montes; 5 na
Beira: 3 na Estremadura. 3noAlemtejo: 1 no Algarve:
1 nas ilhas dos Açores: um na ilha da Madeira: 1 em
Cabo Verde.)

Decreto do Principe Regente do Brazil, creando uma


Juncta Provisória de Governo, e novos Ministros d'Es-
tado.

Desejando em tudo satisfazer aos vassallos d'El Rey


meu Senhor e Pay, e concorrer para o bem geral, que he
e tem sido o meu particular desvelo, determino por justas
e bem attendiveis razoens, que me foram ponderadas pe-
lo povoe tropa desta Cidade, que os Ministros e Secre-
nosde Estado continuem a despachar com a minha
_ Pessoa, conforme mandam as instrucçoens de 22 de
* ^ u e m eu Augusto Senhor e Pay me deixou; e crear
uncta Provisória, composta de nove deputados es-
206 Política.
colhidos de todas as classes, perante a qual os sobrec
tos Ministro e Secretários de Estado verifiquem a :
responsabilidade, que lhes he imposta pelo artigo 3.° <
Bazes Constitucionaes Portuguezas. Esta Juncta será 1
ponsavel ás Cortes convocadas na muito nobre e leal
dade de Lisboa, pela sua conducta activa e passiva. 1
termino autro sim, que todas as leys, que pela necei
dade publica eu for obrigado a fazer, sejam remettii
em projecto pelos Msnistros e Secretários d'Estado á Ju
ta, para que depois de por ella serem examinadas,
bam á minha Real presença, para eu as sanccionar.
Ministros e Secretários d'Estado saõ os que constam
relação juncta, assignada pelo Conde de Lousaã D. E
go, meu Ministro e Secretario d'Estado dos Negócios
Fazenda. Paço em 5 de Julho de 1821.

(Com a Rubrica do Principe Regente.)

Para Ministro e Secretario d'Estado dos Negócios


Reyno, e Estrangeiros, o Desembargador do Paço Pe
Alvares Diniz: Dos Negócios da Fazenda; com a p
sidencia do Erário Regio, o Conde da Lousaã D. Dio
Dos Negócios da Guerra o Marechal de Campo Cai
Frederico de Caula. Dos Negócios da Marinha, o Ch
de Esquadra Manuel Antônio Farinha.

Decreto approvando a eleição da Juncta.

Tendo eu creado, pelo meu Real Decreto da data


hoje uma juncta Provisional, perante a qual se verifi<
a responsabilidade dos Ministros e Secretários de Est;
do meu Despacho, que o artigo 31 das Bazes da Con
Política. 207
tuiçaõ Portugueza lhes impõem; e naõ querendo retar-
dar por mais tempo a installaçaõ desta Juncta, hei por
bem approvaros deputados delia, que me foram propostos
pelo povo e tropa desta Cidade, constantes da relação
juncta, assignada por Pedro Alvares Diniz, do Conselho
deS. M. Ministro e Secresario de Estado dos Negócios do
Reyno e Estrangeiros: o mesmo Ministro e Secretario de
Estado e os das repartiçoens da Fazenda, Guerra, e Ma-
rinha o tenham assim entendido, e o façam executar pela
parte que a cada um delles pertence. Paço 5 de Junho
de 1821.
(Coma Rubrica do Principe Regente.)
PEDRO ALVARESDINIZ
( 208 )
Preços Correntes dos principaes Productos do Br ai
LONDRES, 21 de Septembro de 1821

Gêneros. Qualidudc. Preços. Direitoi.

. Bahia por lb Oa. l l p . a Os. 1 1 >


Capitania. .
Ceara Os. l l j p . a l s . Op.
Algodam . Marunhnm .. Os. l l p . a 09. U j p . 6 por cento a
Minas novas Os. 9p. a Os. lOp. lorem.
Pará Os. lOp. a Os. l l p .
'Pernambuco Os. l l p . a Os. 13p.
Anil ..Rio 4 } por lb.
Redondo . ., 32s. a 36s.
Assncar . Batido 24s. a 28s.
! Mascavado . 18s. a 22s. Livre de direito
A r r o z . . . . . . Brazil exportação.
Cacáo ..Pará 46s. 48s
Carie Rio 104s. 108s. 3
Cebo Rio da Prata s . 2p.por 1121b,
Chifres. Rio Grande por 123 46 50 5«. por 1121b.
<A 8Jp. 9jp.
Rio da Prata, pilha i B 7p. 8p
6p 6JP
' AC 10 p. por coiir
Í< B 8èp. 9p.
, Rio Grande 7p. 8p.
<C 6p.
Pernambnco, salgados
Rio Grande de cavallo
Iperucuanha Brazil por lb. 7s. Op. à l i s . Op.l
Óleo de cupaiba 3s. Op. a 3s. 8p.| 2sS* {P° r l b -
Orucu 3s. Op. a 4s. Op 1
Pão Amarelo. Brazil direitos pagos
Pao Brazil ....Pernambuco 200Í. por ton comprador,
Salsa Parrilha. Para . . 2s. Op, a 2s, 6p.
Tabaco
Tapioca
( em rolo.
^ e m fo,ha
Brazil.
S direitos pagos
coniprador,
6J porlb.

Câmbios com as seguintes praças.


Rio de Janeiro 48| Hambmgo
l.ishna r>o Cadiz
Porto r.o GibrMlar
Paris 26 Gênova
Anistrrdam 12 17 Malta

Espécie eguros.
Ouro em barra £ 3 17 10J ' Brazil. Ilida 25s Vol
Peças de 6400 reis 3 17 6 Lisboa 20»
Dobroens Hespa- por
. onça Porto 2bs
nhoes 3 M 6 Madeira 25s
P e z o s . . . .dietos 4 9j' Açores 52>
Prata em barra Rio Ha Praia 35s
Bengala 63s
209

LITERATURA E SCIENCIAS.

NOVAS P U B L I C A Ç O E N S E M I N G L A T E R R A .

Davy's Ceylon. 4. t0 preço 3./ 13s. 6d. Noticia do In-


terior da ilha da Ceylaõ, e de seus habitantes, com as
viagens naquella ilha; por Joaõ Davy. M. C.

Beringtoris History of the Middle Ages, 4to. preço


il. 2Í. Historia Literária da Idade Media; comprehen-
dendo uma noticia do estado das sciencias, desde o fim
do reynado de Augusto até a sua restauração no século
15. Pelo Reverendo Joseph Berington.

Millafs Ilistorical view of the English Government. 4


vol. 8T0. preço 1/. 16s. Exame histórico do Governo In-
glez, desde o estabelicimento dos Saxonios na Bretanha
>té a revolução de 1988; ao que se ajunctam algumas
dissertaçoens, connexas com a historia do Governo, des-
de a revolução até o tempo presente. Por Joaõ Millar,
Professor de Direito na Universidade de Glasgow.

Robinson's Mexican Revolution. 2. vol.8 vo . preço 1/4*


Voi. XXVII, N.» 160. DD
210 Literatura e Sciencias.
Memórias da revolução do México, incluindo a narra
va da expedição do General Xavier Mina, e observaçoe
sobre a practicabilidade de abrir uma communicaçt
entre os Oceanos Pacifico e Atlântico, e da vasta impo
tancia de tal abertura para o commercio do mundo civ
lizado. PorGuilherme Davis Robinsou.

Secret Societies of Italy. 8*o. preço 1 2 . Í Memórias si


bre as Sociedades Secretas do Sul da Itália, principalmei
te a dos Carbonari.

Hancocks on Pestilenee. 8T°. preço 8.s Indagaçoens s<


bre as Ieyse phenomenos da Peste; incluindo umesboç
medico e revista da peste em Londres, no anno de ICO
e notas sobre as quarantenas; com um appendix de ez
tractos e observaçoens sobre as pestes de Morroco.Malt
NoyaeCorfu. Por Thomaz Hancock. M. D.

Brook"s History of Religious Liberty. 2 vol 8°. preç


1/ 4.s Historia a Liberdade religiosa, desde a primeii
propagação do Christianismo na Inglaterra até a morl
de George I I I . ; incluindo o seu estado suecessivo, infli
encia benéfica, e poderosas interrupçoens. Por Benjs
min Brook.
Literatura e Sciencias. 211
PORTUGAL.

Saioi luz: O Pároco Constitucional, ou Dialogo en-


tre um Pároco de Ribatejo, e um cidadão liberal de Lis-
boa, seu amigo. Preço 150 reis.

O Atlas Universal Portuguez, redigido em Lisboa, e


que contém, alem do retrato deSua Majestade, 26 cartas
geographicas, entre as quaes se admiram em ponto gran-
de a Carta Militar de Portugal, as da Hespanha, e Rús-
sia. Preço 0:400 reis.

Primeira Memória, sobre os abusos introduzidos na


educação da Mucidade nas aulas Regias de primeiras le-
tras, dos Collegios e da Casa Pia. Preço 80 reis.

A Soberania da Naçaõ, ou manifesto aos frades e clé-


rigos. Preço 80 reis.
Defeza das memórias para as Cortes Luzitanas, contra
Joze Daniel e mais ralhadores.

Regimento da proscripta Inquisição de Portugal,com


uma introducçaõ do Edictor Jczó Maria de Andrade.
Preço 480 reis-
( 212 )

MISCELLANEA.

Mudança de Governo, no Rio-de-Janeiro.

(Extracto da Gazeta do Rio, de 9 de Junho.)


Tendo-se divulgado nesta Corte, desde o fim de Abril,
tanto pelo Diário da Regência de Lisboa, como pelo das
Cortes celebradas naquella Capital, as bazes, sobre que
se ha de estabelecer a Constituição Política Portugueza,
ja sanccionadas, e mandadas jurar e observar como ley
fundamental pelas mesmas Cortes, o povo e a tropa da-
guarniçaõ desta Cidade, que haviam solemnemente jura-
do a Constituição, que aquellas Cortes fizessem, julgaram,
que, tendo prestado aquelle juramento a toda a Constitui-
ção, também se entendia a respeito das bazes, que faziam
uma parte essencial da mesma; e como S. A. R. o nosso
benignissimo Principe Regente, havia promettido antici-
par aos povos deste Reyno todos os benefícios da mesma
Constituição, julgaram, que no numero destas vantagens
affiançadas pela sua Real palavra, se devia compreben-
der o effectivo juramento: dirigiram á presença Augus-
de S. A. R. uma Deputaçaõ, encarregada de manifestar
ao mesmo Augusto Senhor estes sentimentos tam patrió-
ticos, etam dignos da Sua Real e providentissima atten-
çaõ; do que resultou vir S. A. R. ãquella mesma praça,
e tendo subido à grande salla do tbeatro de S. Joaõ, e
Miscellanea. 213
sendo ali mais particularmente informado dos votos do
povo e tropa, se dignou de annuir a tam justa represen-
tação, naõ só permittindo que se jurassem as dietas ba-
zes, mas sendo S. A. R. o primeiro que as jurou. E por
que todo o povo e tropa tinham provas publicas de que a
demora daquelle juramento éra devida á influencia do
Conde dos Arcos, Ministro e Secretario de Estado dos
Negócios do Reyno e Estrangeiros, igualmente rogaram
a S. A. R. houvesse por bem remover o dicto Ministro
daquelle emprego, supplicando-lhe ao mesmo tempo, que
se dignasse de permittir a eleição de uma Juncta, que ti-
vesse por objecto examinar qualquer ley, que alguma
urgência de publica administração tornasse indispensável,
a fim de subir a Real assignatura depois de visto, e ap-
provado pela referida Juncta, a qual he responsável pela
sua conducta activa e passiva ás Cortes de Lisboa; outro
sim fosse servido permittir, que se elegessem dous offi-
ciaes Generaes, adjunetos ao despacho e expediente do
General das Armas desta Corte e Província, o que tudo
foi generosamente concedido pelo mesmo Augusto Se-
nhor, com animo e benignidade verdadeiramente Real;
dignando-se nomear para Ministro e Secretario de Estado,
em lugar do Conde dos Arcos, o Desembargador do Paço
Pedro Alvares Diniz, e ordenado se convocassem os elei-
tores de comarca, que elegeram os deputados para as
Cortes, para que, com a presidência da Câmara, e con-
curso de dous officiaes de cada corpo da l. a e 2 a . linha da
guarniçaõdesta Corte, elegêssemos Membros, de que se
deveria compor a referida Juncta. Findo este acto, os
Officiaes, que tinham sido nomeados pelos seus respec-
tivos corpos, para a eleição dos membros daquella Junc-
to» elegeram para adjunetos ao Governo das Armas os
Brigadeiros Veríssimo Antônio Cardoso e Francisco Sa-
214 Miscellanca.
raiva da Costa Refoios. A' noite se dignaram S. A. R-
o Principe Regente, e S. A. a Princeza Real, acompanha-
dos da Corte, honrar com a sua augusta presença o Real
theatro de S. Joaõ, aonde se deram repetidos vivas â Re-
ligião, â Constituição, a S. M. e S. A. R. e a toda a Real
Família. Cantou-se o hymno constitucional, e recita-
ram-se vários versos allusivos às repetidas demonstraço-
ens de beneficência, que o mesmo benignissimo Senhor
nos tem prodigalizado, mostrando-se em tam vivos ap-
plausos o regosijo publico.
No dia 7 ás 9 horas da manhaã appareceo S. A. R. o
Principe Regente, com todos os Ministros, em uma das
saltas do paço, e ali concorreram os membros da Juncta
Provisória, e prestaram o devido juramento nas maõs do
Ex m o Bispo Diocesano Capellaõ Mor, em presença do Se-
nado da Câmara, do Exercito e do Povo. &c.

CORTES DE PORTUGAL.

144.» Sessaõ. 28 de Julho.


Apresentou-se o parecer da Commissaõ de Constitui-
ção, sobre vários despachos feitos na Corte do Rio-de-
Janeiro, e o Snr. Fernandez Thomaz observou, que a
Juncta do Governo Supremo do Reyno nunca cumprio
despachos da Corte do Rio-de-Janeiro em que via se
prejudicavam interesses de terceiro, e se oppunham á e-
conomia do Thesouro; e reflectio que actualmente S. M-
naõ quer se cumpra mercê alguma das feitas anteriormen-
te, sem primeiro lhe ser apreseutada,concluindo daqui,
Miscellanea. 215
que isto succede de Sua Majestade ter actualmente a seu
lado quem lhe falia a verdade. Leo-se artigo por artigo
o parecer da Commissaõ, que notava graças concedidas
para renuncias de benefícios &c. por bullas Pontifícias,
mercês de hábitos e pensoens annexas ; commendas, pro-
vimentos e serventias de officios, dispensas, licenças, &c,
a Commissaõ éra de opinião, que se verificassem algumas
destas graças, e outras naõ ; e este parecer foi pela maior
parte approvado pelo Congresso.
Approvou-se o parecer da Commissaõ do Ultramar,
para que se mandassem expediçoens ã America.

145.* Sessaõ. 30 de Julho.

Foram lidos e mandados imprimir para discussão os


addicionamentos à constituição, dos Senhores Baeta,
Vasconcellos, e Gouvea Duraõ. Houve grande discus-
são sobre o artigo 20, que prohibe a allienaçaõ do terri-
tório Portuguez sem approvaçaõ das Cortes, suppondo-o
alguns desnecessário,outros muito importante; e ficou a
questão addiada.

14ó*.a Sessaõ. 31 de Julho.


A Commissaõ Diplomática leo o parecer a que deo
motivo o officio do Ministro dos Negócios Estrangeiros,
por occasiaõ da Nota do Encarregado de Negócios de
Hespanha, que pedia satisfacçaõ, pelas expressoens que
havia usado o Snr- Deputado Sarmento, no Congresso,
A Commissaõ qualifica de irregular e intempestivo o pro-
cedimento do Encaregado, discorendo sobre a inviolabili-
dade dos membros das Cortes. Foi aprovado o parecer
da Commissaõ,
2l<5 Miscellanea.

2" Sessaõ Extraordinária das Cortes.

As 5 horas da tarde deste mesmo dia se abrio sessaõ


extraordinária das Cortes para aviar os muitos negócios
pendentes, para o que naõ chega o tempo nas sessoens or-
dinárias. O Snr. Pereira do Carmo expoz o parecer da
Commissaõ do Ultramar, sobre dous requirimentos dos
povos da província do Seara, em que se queixam do Go-
vernador da mesma Província, Francisco Alberto Rubim,
julgando que deviam ser remettidos ao Governo, para
proceder contra os culpados na conformidade das leys.
Foi approvado.
O Snr. Vasconcellos propoz que a Commissaõ de Con-
stituição propuzesse quanto antes um plano sobre a for-
ma, porque se devem reger os governadores do Ultramar,
e as attribuiçoens, que devem ter. O Snr. Rodrigo Pe-
reira apresentou um projecto sobre a forma, numero de
membros e attribuiçoens, como se devem compor os Go-
vernos Ultramarinos.

147." Sessaõ. 1 de Agosto

Continuou a discutir-se nesta sessaõ o art. 20 daCons-


tuiçaõ, que prohibe a alienação do território Portuguez
sem o consentimento das Cortes, o que depois de longo
debate foi supprimido, por se julgar desnecessário.

148." Sessaõ. 17 de Agosto.


Discutio-se o caso do ex-Brigadeiro Jordaõ, que a Re-
gência demittira do seu posto, em virtude do Decreto,
que dava poderes á mesma Regência para remover os
empregados públicos, quando o julgasse conveniente.
Miscellanea. 217
O parecer da Commissaõ Militar, a quem a matéria foi
referida, propunha o restabelecer o ex-brigadeiro em seu
posto, e que se processasse em um Conselho de guerra. O
Congresso regeitou este parecer, decidindo que a Re-
gência obrara legalmente em virtude dos poderes, que
tinha, mas que era livre ao Brigadeiro justificar-se aonde
conviesse.

149-° Sessaõ. 16 de Agosto

O Sr. Franzini, propoz que se desse ao ex-Brigadeiro


demittido, Telles Jordaõ, uma pensaõ de 40.000 reis por
mez, em attençaõ a seus serviços passados. Naõ houve
decisão, esperando-se para a segenda leitura da mo-
çaõ.
Tractou-se da ultima parte do artigo 20 de Constitui-
ção sobre a divisão do território Portuguez, em provín-
cias, comacas e concelhos. Ficou adiado. Discutiram-
se os artigos 21 e 22 sobre os requisitos para ser cidadão
Portuguez : combatendo os Snrs. Fernandes Thomas e
e Castello Branco a distincçaõ entre Portuguez e cidadão
Portuguez, e se determinou, que naõ houvesse estas duas
denominaçoens. Examinou-se depois a addiçaõ livres
do artigo 21. O que ficou adiado, junctamente com os
artigos 21 e 24.
O artigo 25 occasionou alguma discussão, propondo,
o Sr. Trigoso, que se declarasse, que a religião dos Portu-
guezes seria sempre a Catholica Romana; mas ficou a
discussão adiada.

1 õO.a Sessaõ. 4 de Agosto.


O Snr. Maldonado expoz por extenso os inconveni-
entes de se mudar, coma fora proposto em outra ses-
VOL. XXVII. N." 160. EE
218 Miscellanea.
saõ, o local das Cortes para o collegio dos Nobres; e de-
pois de alguma disccssaò foi a matéria referida á Com-
missaõ das Artes

3* Sessaõ Extraordinária.

Leo-se a lista das pessoas, que a commissaõ de Justiça


criminal propunha, para formar a Commissaõ externa,
que ha de organizar e propor o código criminal. Disse
o Sr. President*% que de todas as pessoas, que formarem
commissoens de fora, se ha de formar uma lista geral,
para ser impressa, e distribuída, para o Congresso os ap-
provar. Tractou-se de varias outras commissoens de
fora, estabelecendo-se em regra, que se nomeassem pes-
soas, que tivessem ja ordenados por outras repartiçoens
para se evitarem despezas.
O Sr. Pereira do Carmo, por parte da Commissaõ de
Constituição, leo o parecer â cerca do Ministro dos Ne-
gócios do Reyno, sobre a divisão da mesma Secretaria,
julgando que está divisão, estando ja determinada no
projecto de Constituição, e ser necessária, se ordenasse
ao Ministro, que apresente ás Cortes um projecto, que re-
gule a divisão e os trabalhos pertencentes a cada um dos
dous ramos: foi approvado.
O Sr. Miranda, por parte da Commissaõ Diplomática,
lêo o parecer á cerca do officio do Ministro dos Negócios
Estrangeiros, respectivo aos Diplomáticos: em que jul-
gava se devia responder, quanto ã nomeação de novos Di-
plomáticos, que as Cortes ficavam inteiradas; e quanto
à exposição officiosa a respeito do Marquez de Marialva,
Saldanha, e Conde de Oriola, expondo diversas razoens,
entendia a Commissaõ, se devia responder; " Que as
Cortes ja tem tomado a sua deliberação á cerca dos Di-
plomáticos. Foi approvado o parecer.
Miscellanea 219

151." Sessaõ. fí de Agosto.


O Snr. Pereira do Carmo feza moçaõ de que nenhum
Deputado solicite para si ou para outro mercê alguma
do Poder Executivo, á excepçaõ dos lugares, que lhe
pertencerem por escala; fazendo-se para isto um decre-
to provisório. O Sr. Pinto de Magalhães accrescentou,
que se discutisse o artigo 80 da Constituição, que tracta
do mesmo assumpto. O Sr. Fernsndcs Thomaz disse,
que este assumpto exige prompta resolução, pelas con-
seqüências, que podia ter. O Sr. Borges Carneiro observou
que naõ éra de esperar de nenhum Deputado, o ter aceitado
ou solicitado mercê alguma, mas que havendo-a deve-
ria ser revogada immediatamente. O Sr. Trigoso ajunc-
tou, que o Deputado naõ possa requerer dentro de um
anno depois da Legislatura, e que naõ possa aceitar em-
prego, que lhe pertença mesmo por escala parcial, quan-
do naõ seja por escala geral.
Declarou-se todas estas indicaçoens da maior urgência,
e foram lidas immediatamente pela segunda vez.
Leo-se o artigo 80 da Constituição, que se refere a este
assumpto; mas o Snrs. Fernandes Thomaz, Moura, Pe-
reira do Carmo, Franzini, &c. foram de opinião, que a
a matéria éra tam urgentes, que se devia dar ja uma
providencia, sem esperar pela discussão do artigo 8o da
Constituição.
O Sn. Giraõ acerecentou, que nenhum deputado de
Cortes possa beijar a maõ a S. M. ou visitallo sem licen-
ça das Cortes. Foi apoiado, e se ordenou, que se lavrasse
o decreto ja, uo sentido destas indicaçoens. Depois de
haverem alguns Deputados perguntado, se certas perten-
çoens, que tinham com o Governo, eram comprehendidas
neste assumpto, se resolveo que naõ; disse o Snr. Castello
Branco, que a sessaõ se naõ levantasse em quanto o de-
220 Miscellanea.
creto naõ fosse redigido e approvado. O Senhor Fer-
nandes Thomas seguio o mesmo, observando que no Go-
verno havia muitos requirimentos, &c.
Continou a discussão do artigo 25 da Constituição, que
ainda ficou adiada.
O Snr. Presidente informou o Soberano Congresso, que
tendo sido examinado um parecer da Commissaõ Diplo-
mática fora apresentado em outra sessaõ, se conhecera,
que, pela sua natureza devia ser discutido em secreto,
sendo necessário que a assemblea se occupasse com elle
por mais meia hora, e nesta conformidade foi approvado,
fechando-se immediatamente a sessaõ publica, ao meio
dia, e saindo o povo das tribunas ficou o Congresso tra-
balhando secretamente.

162.° Sessaõ. 7 de Agosto.

Sr. Secretario Felgueiras fez a leitura de um officio,


dirigido pela Juncta Provisional do Governo da Bahia, in-
cluindo um officio do Condede Arcos, Secretario no Rio-
de-Janeiro, e a resposta, que a juncta lhe deo, descul-
pando-se de naõ dever sugeitar se ao Governo de S. A.
R. e dando, no officio, que dirige ao Congresso, a razaõ
porque assim practicou, e protestando a maior e mais de-
cidida adhesaõ ás Cortes.
Muitos Deputados deram louvores ao Governo da Ba-
hia, que o Congresso mandou entrar na Acta.
O Snr. Alves do Rio deo o relatório do Ministro da Fa-
zenda sobre as despezas publicas, mostrando pelo se_
mestre passado, e orçamento do actual, que a despeza ex-
cede a receita, em cada um, mil e tantos contos de reis.
Que a forma de remediar estes males pode ser de duas
maneiras, ou por empréstimo, ou diminuindo as despezas;
expõem as difficuldades do primeiro, e as vantagens do
Miscellanea. 221
segundo. Prova com documentos annexos, que a despe-
za do exercito, no semestre passado, e orçamento do ac-
tual, chega a três quartas partes de todo o rendimento
do Estado. Propõem a reforma dos regimentos em qua-
tro batalhoens, para evitar os Estados Maiores, extinguir
as musicas, extinguir o batalhão de artífices ; reduzir a
uma brigada as quatro de Artilheria; licenciar uma
parte do exercito, &c; e mostra em fim o orçamento
da despeza da Marinha, Casa Real, Cortes, Pensoens,
Tenças, Diplomáticos, Obras Publicas, &c. &c. A Com-
missaõ concordava com o Ministro, e que se mandasse
imprimir o Relatório, para se discutir com brevidade.
Foi approvado.
Leo-se o relatório sobre o requirimento do Conde de
Sabugal, e depois de alguma discussão e vários pareceres
foi decidido, " que se concedesse ao Conde de Sabugal
poder-se justificar, sendo posto em liberdade; naõ lhe
sendo permittida a residência na capital,"
O Senhor Felgueiras deo conta de um officio do Mi-
nistro da Marinha, que acabava de chegar, remettendo
com elle três do Governo da Bahia, informando, que se
vam dar as ordens necessárias para sustar o desembarque
do Conde dos Arcos até ulterior determinação; que o
Conde vinha no brigue Treze-dê-Maio, conduzido do
Rio-de-Janeiro debaixo de prizaõ, em conseqüência dos
successos de 5 de Junho. Que o mesmo Governo da
Bahia havia retido a inalla de Pernambuco, por julgar
comprehendido o Govenador daquella província, Luiz do
Rego, no mesmo caso do Conde dos Arcos, e remettendo
a mesma malla para Lisboa.
O Senhor Ferreira Borges fez logo a indicação de que
o Governo, assim que chegue o Brigue Treze de Maio
o ponha incommunicavel, interrogando a tripulação,
«2 [222] Miscellanea.

para ver se veio em direitura da Bahia; o que foi appro-


vado.

153.° Sessaõ. 8 de Agosto.

Leo-se decreto redigido, que prohibe aos Deputados


das Cortes solicitar ou receber mercês do Executivo; e
faltando das mereês, que ja se tiverem feito, disse o Sr.
Pinto Magalhaens, que o decreto naõ devia ter effeito
retroactivo, e que se houvesse alguém, que tivesse soli-
citado alguma mercê, ficasse com o opprobrio, que dahi
lhe resulta, devendo o decreto ter força desde a sua pu-
blicação.
Leo-se uma carta do Sr. deputado Braamcamp, per-
guntando, se pôde aceitar na parte que lhe pertence a
mercê solicitada por seu pay, o Baraõ do Sobral, de certa
dispensa, que lhe pertence, e tem sido retardada pela au-
sência do Governo. Remetteo-se ã Commissaõ de Cons-
tituição.
Por moçaõ do Sr. Maldonado se decidio, que se mande
perguntar ao Ministro dos Negócios do Reyqo quaes saõ
as consideraçoens que tem havido na escolha de mestre»,
e educação do Sr. Infante D. Miguel.
Discutio-se o artigo 25 da Constituição, que diz, " A
Religião da Naçaõ Portugueza he a Catholica Apostólica
Romana; permitte-se com tudo aos Estrangeiros o exer-
cício particular de seus respectivos cultos."
Depois de alguma discussão, em que o Sr. Bispo de
Beja propoz que perdesse o direito de cidadão todo o
Portuguez que deixasse a religião Catholica, se observou
que esta matéria pertencia ao artigo 23; e foi este artigo
approvado como se achava no projecto.
Miscellanea. 223

1*4.* SessaQ. 9 de Agosto.


Examinou-se o projecto do Sr- Fernandes Thomas
para a extincçaõ dos Capitaens Mores das Ordenanças,
que foi approvado; e por moçaõ do mesmo Sr. Fernan-
des se incluíram nisto as ilhas da madeira e Açores, fi-
cando o Brazil para se discutir, quando estiverem pre-
sentes os seus deputados.
Leo-se um officio do Ministro da Marinha, em que
participava a chegada do Brigue Treze-de-Maio com o
Conde dos Arcos a seu bordo: e remettia o original de
uma carta, que o Principe Regente do Brazil escrevia a
El Rey, e que S. M. mandara remetter às Cortes; exigin-
do que lhe fosse restituida. Leo-se esta carta, em que
S. A. dá conta dos successos de 5 de Junho, expõem a
sua constanta vontade de manter o systema coiittitucio-
nal, e pede que esta carta seja apresentada ás Cortes.
Lidos os decretos, auto da Câmara do Rio e mais docu-
mentos, que acompanhavam o officio, propoz o Sr Ferrei-
ra Borges, e foi approvado, que se mandassem vir as ins-
trucçoens, que deve ter o commandante do brigue, para
a vista delles se decidir a respeito do Conde dos Arcos.
Resolveo-se também, que o brigue fosse posto em livre
practica, tendo o Governo o Conde dos Arcos em seguran-
ça até a decisão do Congresso.

155." Sessaõ. 10 de Agosto.


Leo o Snr. Borges Carneiro, por parte da Commissaõ
de Constituição, o parecer sobre o Conde dos Arcos, ex-
pondo, que tendo em vista o officio do Governo da Ba-
hia e mais papeis, julgava que o mesmo Conde deveria
»er mandado recolher na Torre de belem, em prizaõ de-
224 Miscellanea.
cente em quanto se naõ averigue, e forme processo sobre
os motivos de sua prizaõ, devendo ser ouvido, e manda-
rem-se vir todas as informaçoens necessárias da Bahia e
Rio-de-Janeiro: igualmente, que o Governador de Per-
nambuco Luiz do Rego Barreto, deve ser ja mandado re-
mover, e substituir no Governo por uma Juncta Provisó-
ria. Foi approvado sem discussão.
Examinou-se o artigo 26 da Constituição que depois
de longa deliberação foi approvado; assim como o artigo
27 com algumas emendas.

Iõ6.° Sessaõ. 11 de Agosto.

Apresentou-se um officio do Ministro da Marinha, in-


cluindo as instrucçoens do Commandante do brigue
Treze-de-Maio, que o Congresso tinha pedido; nestas
instrucçoens só se ordenava, Receba a bordo o Conde
dos Arcos e sua família, e passe os passageiros, que ja
estaõ no brigue, para bordo da nâo Raynha, prompta a fa-
zer viagem.
O Senhor Borges Carneiro apresentou por escripto
uma indicação, para que seja immediatamente removido
o Governador de Pernambuco Luiz do Rego, junctamen-
te o da província do Ceará; e que o que se nomeou sirva
de Presidente da Juncta Provisória, que ali existe.
O Senhor Soares oppoz-se ás duas primeiras partes des-
ta indicação, a final foi resolvido, que se remettesse á
Commissaõ de Constituição.
O Sr Castello Branco leo o parecer da Commissaõ de
Constituiçaõ,sobreaperguntadoSr.Braamcamp,reduzido
a que a graça, mencionada na pergunta, tinha natureza de
nov* mercê, e que ficava á vontade do mesmo Sr. Depu-
tado obrar o que entendesse, vistoquena suacarta ao bo-
'Miscellanea. 225
berano Congresso elle se sujeitava a regeitar a mesma
mercê se o Congresso a julgasse de Bimilhante natureza.
Foi approvado.
O Sr. Jo^é Pedro da Costa exigio, que o Soberano Con-
gresso declarasse, se podia aceitar a escolha, que delle
fizera, e de outros Lentes, a Universidade de Coimbra,
para formar a Deputaçaõ, que em nome da mesma Uni-
versidade deve cumprimentar Sua Majestade.
Os Snrs. Freire e Margiochi acharam, que se devia es-
tranhar â Universidade nomear para tal Deputaçaõ Len-
tes, que eram membros das Cortes. O Sr. Alves do Rio
disse, que a Academia das Sciencias ja fizera o mesmo;
e o Sr. Trigoso disse, que elle fora esse membro da Aca-
demia, mas que havia obtido o consentimento do Sr.
Presidente. Depois de alguma discussão se decidio, que
nenhum deputado das Cortes possa aceitar incumbência
alguma, que naõ seja determinada pelas mesmas Cortes.
Examinado-se um officio do Ministro da Guerra, em
que pedia algumas explicaçoens, sobre a expedição para
o Rio-de-Janeiro, que as Cortes haviam mandado apron-
tar, entrou em deliberação, se, depois dos últimos suc-
cessos, devia ou naõ ir tal expedição; mas foi adiada
a discussão, até que a Commissaõ de Constituição des-
se o seu parecer.
Entrou em deliberação a matéria das pautas das alfân-
degas; e depois de longa discussão foi decidido, que a
pauta feita e posta em vigor por uma commissaõ nomeada
pelo Governo fosse approvada pelo Congresso, quando se
apresentasse o parecer da Commissaõ de Fazenda, e que
»e estabeleça um prazo desde quando deve ter effeito.

VOL. XXVII. No. 160. F F


226 Miscellanea.

157.» Sessaõ. 13 de Agosto.

Ventilou-se o artigo 28 da Constituição, cuja decisão


foi adiada depois de longa discussão.

158. Sessaõ. 14 de Agosto.


Leo-se um officio do Ministro da Marinha, incluindo
a participação do Governo Provisório da ilha Terceira,
dando conta da cessaõ espontânea do Bispo, Stocklere
Caetano Paulo, e participando a Organização do actual
Governo, remettendo vários papeis officiaes, tudo con-
duzido por uma deputaçaõ, que enviam ao Soberano
Congresso e a S. M.
O Senhor Miranda apresentou uma indicação, para
que o laço nacional seja daqui em diante verde salsa e
amarello cõr de ouro. Ficou para segunda leitura.

4. a Sessaõ extraordinária.
Esta sessaõ começou ás 5 horas da tarde do mesmo dia.
Tractou-se das ultimas promoçoens no exercito e mari-
nha, feita no Rio-de-Janeiro, e das preteriçoens, que en-
taõ houveram. Remetteo-se a matéria depois de longa
discussão a uma commissaõ especial.
Examinaram-se vários pareceresde Commisoens,quese
achavam atrazados»

159». Sessaõ. 16 de Agosto.

O Snr. Borges Carneiro fez uma indicação, relativa á


forma porque se continuam a fazer os pagamentos, obser-
vando que o maior pezo (dous terços em papel) recaia
sobre as classes mais indigentes. O Snr. Xavier Montei-
Miscctlanca. 227
rO observou, que naõ havia motivo de queixa, pois que
até oGovernadores tinham recebido dous terços em papel.
O Snr. Borges Carneiro disse," Pois entaõ como a necessi-
dade exige, que se façam os pagamentos nesta forma,
proponho, que principie pelos Deputadosde Cortes o ex-
emplo, recebendo estes duas terças partes em papel.
Isto motivou uma discussão, sobre o modo porque se
fazem os pagamentos ao Erário: pelo que se remetteo o
assumpto à Commissaõ de Fazenda.
Approvou-se o parecer da Commissaõ de Constituição,
sobre o plano do Ministro dos Negócios do Reyno, para
dividir em duas aquella repartição; e se mandou redigir
o Decreto.

lGOa. Sessaõ. 17 de Agosto.

Examinou-se o artigo 28 da Constituição, que versa


sobre as formalidades, para se alterar no futuro a mesma
Constituição. Foi regeitado o artigo depois de longa
discussão; e se decidio, que na Legislatura immediata
áquella em que se propozer a alteração, seja esta deter-
minada, tendo os deputados para isso poderes expressos
dos eleitores-

161 a . Sessaõ. 18 de Agosto.

O Snr. Borges Carneiro, e depois de uma elaborada,


e eloqüente introducçaõ, propoz uma emenda ao arti-
go 28 da Constituição, tendente, a que elle fosse só ap-
plicavel ao estado de paz; mas que em tempo de guerra,
interior ou exterior, votando duas terças partes das
Cortes estar a pátria em perigo, se possam suspender os
artigos da Constiluigaõ, relativos ú divisão dos poderes
228 Miscellanea.
políticos, provendo as Cortes como convier & salvação
publica. Ficou para segunda leitura.
O Snr. Pereira do Carmo propoz: 1.° Que o Governo
proteja a publicação de documentos relativos às Cortes
antigas. 2*. Que se .nomeie quanto antes o Tribunal de
de Prolecçaõ da Liberdade da imprensa.
O Snr. Ferreira Borges appresentou, pela ordem que
tinham dado as Cortes, a relação das pessoas, que prepa-
raram a associação, que produzio o resultado do dia 24 de
Agosto de 1820; e saõ:
Manuel Fernandes Thomas, José Ferreira Borges, Jozé
da Silva Carvalho, Joaõ Ferreira Vianna: com tstes qua-
tro principiou a associação em 22 de Janeiro de 1818.
Duarte Leça unio-se em 10 Fevereiro 1818. José Maria
Lopes Carneiro, e José Gonçalves dos Santos Silva, em
3 de Maio 1818. José Pereira de Menezes, em 6 de
Julho 1818. Francisco Gomes da Silva e Joaõ da Cunha
Soutomaior em 26 de Maio 1820. José de Mello e Cas-
tro d'Abreu, em 5 de Junho 1820. José Maria Xavier
d'Araújo, em 22 de Junho 1820. Bernardo Corrêa Castrro
e Sepulveda, em 19 de Agosto 1820.
Disse mais o Sr. Borges Carneiro, que o Conselho Mi-
litar, e Chefes dos Corpos, a quem os membros desta
associação faltaram, tinham um direito e vidente a serem
relacionados, o que elle naõ fizera, porque nada mais se
ordenara do que a lista precedente. Ordenou-se esta lista,
e que apresentada fosse remettida á Commissaõ dos
prêmios.
Foi admittida a Deputaçaõ dos Açores, que fez o seu
discurso, a que o Sr. Presidente respondeo.

162<». Sessaõ. 20 de Agosto.

Discutio-se o artigo 29 da Constituição, que diz " 0


Miscellanea. 229

Governo da Naçaõ Portugueza he a Monarchia constitu-


cional hereditária, com leys fundamentaes, que regulem
o exercício dos quatro poderes políticos."
O Sr. Bastos queria, que se addisse um quinto poder
que fosse o Real; sendo elles o legislativo judicial, ad-
ministrativo, ministerial e real. O Sr. Macedo oppunha-
se a que houvesse mais de três poderes; a saber; legisla-
tivo, executivo e judicial, como se menciona nas bazes,
e isso foi decidido, mandando-se reformar o artigo.
O artigo 31 foi também reformado, ficando nestes ter-
mos. " A dynastia reynante he a da Sereníssima Casa de
Bragança. O nosso Rey actual he o Sr. D. Joaõ V I .
Aprovou-se o artigo 32 em parte, e adiou-se a discus-
são.

163/ Sessaõ. 21 de Agosto.


Leo-se um officio do Ministro dos Negócios do Reyno,
remettendo a minuta de um Decreto de S. M., para fazer
commulativa a authoridade dos magistrados, nas provi-
dencias, que o Corregedor de Lamego propõem serem
necessárias, para evitar os abusos de contrabando dos
gêneros cereaes, aguardente, &c.
O Sr. Guerreiro, Fernandes Thomaz, e outros, oppu-
zeram-se fortemente a isto; porque éra dar o Governo a
iniciativa das leys, naõ lhe pertencendo mais do que a
sua execução. Decidio-se, que a representação do Cor-
regedor fosse remettida à Commissaõ, e regeitado o pro-
jecto enviado pelo Ministro.
O resto da sessaõ se passou em ouvir pareceres de
commissoens sobre casos particulares.

5.» Sessaõ Extraordinária.


O Sr. Pereira do Carmo por parte da Commissaõ do
230 Miscellanea.
Ultramar leo o parecer ;'i cerca do requiriniento de Jozé
Caetano de Paiva Pereira, Membro da Juncta da Fazen-
da da Bahia, em que pede escusa do seu lugar, julgando
a Commissaõ, que se lhe naõ devia conceder, o que foi
approvado.
Depois de lidos vários pareceres de Commissoens, se
tractou da moçaõ do Sr. Miranda, sobre a adopcaõ de um
laço nacional. Depois de alguma discussão ficou appro-
vado, que as cores do laço nacional sejam azul e branco;
que sejam obrigados a usar delle todos os empregados pú-
blicos; que aos mais cidadãos he livre o usar delle.
Leo-se entre outros o parecer da Commissaõ de Consti-
tuição, sobre a forma da nomeação e attribuiçoens, que
devem ter os Governadores do Ultramar, cujo parecer
constava de 18 artigos: propunha a extincçaõ de todos
os tribunaes que se creárani no Rio-de-Janeiro; que o
Principe Real volte para Portugal e visite as principaes
Cortes da Europa, nomeando S. M. pessons capazes, que
o devem acompanhar ; e que naõ vá a expedição para o
Rio-de-Janeiro.

Ifí4 a . Sessaõ. 22 de Agosto.


Discutio-se e foi approvando artigo 39 da Constituição,
e o artigo 33, foi discutido mas naõ a final.

165 a . Sessaõ. 23 de Agosto.


O Sr. Pereira do Carmo apresentou a seguinte indicação.
" A instituição dos Juizes de Facto, ja decretada para
os crimes por abuso da liberdade da imprensa, e projec-
tada para todos os outros crimes no artigo 171 do projec-
to da Constituição, he sem duvida o maior e mais valio-
so presente, que podíamos fazer a nossos constituintes:
toda a via s u a por ventura menos bem recebida entre
Miscellanea. 231
nós, por a estranheza, que sempre custumam causar in-
stituiçoens novas, quando a opinião publica naõ tem pre-
parado e disposto o animo dos povos. Ha mais de 30
annos, que se trabalha por naturalizar em França a insti-
tuição dos Jurados; e ainda o anno passado mandou o
Governo Francez â Inglaterra um Jurisconsulto, Mr.
Cottu, para se instruir nesta matéria. Comecemos pois
por onde os Francezes acabaram, e digamos ao Governo,
que mande á Inglaterra uni Jurisconsulto Portuguez ver-
sado na língua Ingleza, a practicar o processo dos Jura-
dos, com obrigação de assistir ás Correiçoens de trimes-
tres, e findo que seja um anno volte â Pátria, a plantar
entre nós os conhecimentos, que tiver adquirido. " Ficou
para segunda leitura.
Discutio-se a questão se devia ou náõ ir a expedição
para o Rio-de-Janeiro; e depois de uma longa discusaõ,
em que a maior parte dos Snrs. Deputados, que fallaram,
julgavam desnecessário e até impolitico o mandar tropas
para o Brazil, visto que os povos por si mesmos abra-
çavam o systema constitucional, ficou adiada a questão.
232 Miscellanea.

Reflexoens sobre, as novidades deste mez.


RKYNO UNIDO DE P O R T D C U B R A Z I L E ALCAHVKSi

Negócios do Brazil.

Começamos este N.° pela proclamaçaõ das Cortes ao Brazil,


cuja redacçaõ faz muita honra ao Deputado, que delia se eucar-
regou : he enérgica, e cheia de princípios, que devem satisfazer
os povos, a quem he dirigida.
Mas naõ basta que fiquem em theoria, os princípios porque
se proclama a unidade da naçaõ, e a fraternidade de todos os
povos, e de todas as províncias, que compõem aMonarchia; he a
demais preciso, que esses princípios se realizem na practica, a
fim de que esSa uniaõ, porque tanto contendemos, seja efficaz.
Ja notamos, que logo ao principio se naõ cuidou em chamar
para as Cortes Deputados do Brazil: remediou-se depois este
erro: mas se elle naõ tivera existido, estariam ja agora nas Cor-
tes os Depvtados de todas as províncias do Ultramar, e naõ ha-
veria a necessidade de differír o exame de muitos e importantes
pontos, como nas Cortes e tem feito, resolvendo-se esperar, até
que cheguem os Deputados das províncias do Ultramar.
Agora mesmo, está proclamaçaõ annunciando, com muita
verdade, os bens, que se devem esperar do systema constitucio-
nal, diz, entre outras cousas, que " a liberdade da imprensa,
esta irinaS gêmea da liberdade civil e política, esta filha querida
dos Governos representativos, he hoje o primeiro e mais apreci-
ável direito do cidadão Portuguez."
Naõ obstante esta declaração, approvou-se nas Cortes uma
ley para proteger a liberdade da impredsa, enella se naõ compre -
hendeo o Brazil.
Depois diremos nossa opinião sobre esta ley; mas como ella
se promulgou por se julgai de tam grande utilidade, he claro,
que vem a ser uma distincçuõ odiosa, naõ romprehender ntlla o
Brazil.
Nem se nos diga, que a imprensa no Brazil naõ merecia esta
contemplação por estar ainda em sua infância; porque neste
Miscellanea. 233

ponto, mais atrazailas estaõ ainda as ilhas dos Açores e Madeira,


que foram comprehendidas nesta ley, incluindo-se na tabeliã dos
districtos para jurados; e até mesmo em muitos dos districtos,
meucionados nas províncias de Portugal, naõ ha por óra impren-
sas, e uo Brazil as ha, sejam poucas ou muitas.
Se o argumento for de que se esperavam para isto os Deputa-
dos do Brazil, respondemos que quando esta ley se approvou,
ainda naõ havia nas Cortes Deputados dos Açores, e com tudo
estas ilhas foram comprehendidas na ley.
A demais, tractou-se nas Cortes das attribuiçoens, que devem
ter os Governadores do Brazil, que he matéria da mais transcen-
dente importância, sem se esperar pelos Deputados do Brazil:
e neste ponto somos de opinião, que se naõ deve tractar de taes
Governadores, nem com Deputados do Brazil, nem sem elles;
porque se naõ ha taes Governadores nas províncias de Portugal*
he distincçaõ odiosa, o conservallos no Brazil, seja com que at-
tribuiçoens for.
Nem obsta, que se chame a isto arranjo provisional; porque
para governar provisionalmenre, até que a Constituição decida
a forma administrativa das províncias, tem o Brazil nomeado suas
Junctas de Governo provisório, e essas Junctas se tem mostrado
assas patrióticas, assas adictas ao systema constitucional, e as-
sas decididas pela uniaõ e integridade da Monarchia, para que
naõ seja necessário mandar-lhes de fora Governadores; medida
esta, que, quando naõ tivesse contra si outras objecçoens, bas-
tava aquella de trazer á lembrança o autigo systema colonial,
porque o Brazil éra governado, e inspirar ideas do passado des-
potismo dos Governadores, de que tem havido tam fataes e tam
freqüentes exemplos.
Somos obrigados a lembrar ás Cortes estas circumstancias,
entre outras que pudéramos mencionar, porque julgamos, que
he da ultima importância, que as Cortes evitem até as apparèn-
ciasdequeo Brazil continuará a ser governado como colônia;
e sabemos que lá existe esse receio, pelas muitas communicaço-
ens,que recebemos sobre este assumpto: e nesses receios fundam
VOL. XXV11. N \ 160 o c
234 Miscellanea.
seus planos, os que malavizadamente pensam naquella separação*,
de que ao diante faltaremos.
Circumstancias de grande pezo se nos tem do Brazil commu-
nicado, as quaes faríamos publicas, se a mesma pessoa do Re-
dactor deste Periódico naõ fosse mencionada, sendo contra a li-
nha, que sempre nos propuzemos seguir, o mixturar considera-
çoens, em que nos mesmo somos involvidos, com o que he de
interesse publico,
Convencidos, como estamos, que as Cortes naõ tem em vista
senaõ o bem geral da Monarchia, mui sinceramente attribuimos
as suas medidas, a que em nossa opinião chamamos erradas, á
falta de olhar as questoens por todos os lados, falta a que todos
os homens estaõ sugeitos ; e por isso tanto mais francos somos
em expor o que nos naõ agrada : diremos pois em summa:—-
Se as Cortes, em quaesquer medidas, que sejam, derem ao
Poder Executivo mais arbitrariedade no Brazil doque a estabele-
cida para a administração das províncias de Portugal, sugeitam-
se as Cortes a dous inconvenientes ao mesmo tempo, ambos os
quaes he da maior importância evitar.
1." Desgostam o povo do Brazil, que todas as vezes que ob-
servar differença entre a administração das províncias de Portu-
gal e do Brazil, se reputará colônia e naõ província.
2.° Que quanto maior poder as Cortes puzerem uas maõs do
Executivo no Brazil, tanto melhor poderá esse executivo ter
meios, para opprímir a liberdade em Portugal.

Estado Político do Brazil.

Damos a p. 212 a relação da mudança de Governo no Rio-de-


Janeiro que havíamos annunciado no mesmo N°. passado; e a
p. 205 os dous Decretos do Principe Regente, relativos a este
acontecimento.
A commoçaõ foi fundamentada, em que o Principe Regente
diffena o prestar, e fazer, que se prestasse, juramento as Bazes
da Constituição, e se attribuia outrosim esta demora ao Minis-
Miscellanea. 235
tro de Estado Conde dos Arcos, o qnal he demais indicado
pelo Governo Provisório da Bahia, como parte em uma conspi-
ração contra o Estado, que se crê ter sido um plano, para fa-
zer o Brazil independente de Portugal, entrando nisto o actual
Governador de Pernambuco.
Tudo isto tem tanto de conjectura, de supposiçoens e de pre-
sumpçoens, que seria imprudência formar, e mais ainda ex-
pressar, opinião alguma sobre as causas de taes factos; e por
isso nos contentaremos com referir o acontecido, e reflectir uni-
camente sobre o que he sabido com certeza.
O Conde dos Arcos, contra quem se mostrava a indignação
publica, embarcou-se a bordo de um bergatim destinado a Lis-
boa, e arribando á Bahia, em sua viagem,o Governo Provisório
naõ só lhe prohibio desembarcar, mas deo tal conta delle
para Lisboa, que quando ali chegou foi logo prezo na Torre de
Belém aonde se acha.
Que a maioridade do Brazil deseja continuar em sua uniaõ
com Portugal, he o que se manifesta pelas declaraçoens de
todas as cidades capitães de Províncias, que sucessivamente
foram reconhecendo o systema Constitucional; e com tudo pôde
muito bem haver, e sabemos que ha, algumas pessoas, que
julgam ser chegado o tempo do Brazil se separar de sua antiga
metrópole. Este partido, porém, o julgamos por ora pequeno;
e os que desse partido forem sinceros facilmente se convencerão
que vam errados : os outros que obrarem assim por motivos
menos honrosos do que a persuaçaõ, de que obram a favor de
sua pátria, naõ merecem que se argumente com elles.
Os Governos Provisórios em todas as Proviucias do Brazil,
tem até aqui sido instituídos com o expresso fim de ir de ac-
cordo com Portugal, e neste sentido naõ encontrou o plano com
opposiçaõ alguma, excepto somente no Maranhão, aonde houve
algumadifferença de opinião, e isso por parte de pessoas, que
naõ gozavam de influencia no publico. Tivemos uma informa-
ção circuinstanciada de seus nomes e character, mas julgamos
ser melhor naõ fazer uso delia, para naõ deitar mais leuha ao
fogo, que desejamos ver extinguido; e tanto mais, quanto nessa
236 Miscellanea.
mesma participação os accusados naõ o saõ de quererem o sys-
tema velho, mas somente de desejarem o systema novo por di-
verso modo.
A commoçaõ no Rio-de-Janeiro, de que tractamos, obra no
mesmo sentido das demais províncias do Brazil; porque, fossem
ou naõ fossem verdadeiras as suspeitas que su allegáram, ínsti-
tuio-se uma Juncta de Governo, por se suppôr, que esta obraria
mais em conformidade com o systema das Coites Geraes, junc-
tas em Lisboa, do que se continuasse o governo absoluto do
Principe Regente, com os Ministros que tinha.
A nossa decidida opinião vai exactamente de accordo com a
desta maioridade do Brazil ; porque, se o Brazil tem um dia de
ser independente da Europa, nada lhe pôde ser mais conveni-
ente do que ir de accordo, e em uniaõ com Portugal, até que
ambos tenham conseguido estabelecer as suas formas consti-
tucionaesde Governo; porque, se antes disso se desunirem, seja
porque pretexto for, o partido despotico achará fácil meio nessa
desunião de os vencer a ambos separadamente, e calcar aos pés
a liberdade nascente.
Ha ainda outro motivo de interesse para o Brazil, que deve
induzir os Brazilienses sensatos, a cooperar para a uniaõ com
Portugal, e preservar a integridade da Monarchia.
Se em Portngal, um Reyno pequeno, aonde ha, em proporção,
muita mais gente instruída; aonde a proximidade aos demais
paizes eultos da Europa offerece occasioena e opportunidade
de apprender com a experiência das outras naçoens, as Cortes
encontram cada dias difnculdades, e se commettem erros de
política importantes, como por mais de uma vez temos notado;
estes males e incovenientes devem ser maito mais sensíveis no
Brazil. A grande extençaõ de te rr ri to rio faz mui difficil, que
as diversas províncias possam obrar de concerto umas com as
outras, e por tanto uma tentativa para a independência, neste
momento, seria o signal para uma guerra civil.
O pequeno numero de gente instruída no Brazil, relativamente
á sua população, seria outro obstáculo. Os Brazilienses saõ
dotados de talento, mas isso naõ basta: se agora se declarassse
Miscellanea. 237

o Brazil independente; se fosse possivel, o que julgamos im-


practicavel, que todas as províncias concorressem a mandar de-
putados para um Congresso, sem haver guerra ou a menor com-
moçaõ civil, achar-se-bia esse Congresso composto, de homens
de talento, se a escolha fosse boa, mas homens sem conhecimentos
políticos, sem nenhuma practica de formas constitucionaes, e nesse
caso seria um verdadeiro milagre, se um Congresso assim com-
posto de indivíduos nascidos, creados e educados debaixo do mais
aviltante despotismo, houvesse logo de um jacto de estabelecer
um Governo livre, e de o sustentar na practica. Naõ está isto
na possibilidade das cousas humanas.
Por outra parte, depois que as Cortes de Portugal tiverem es-
tabelecido no Brazil taes ou quaes formas constitucionaes, de-
pois que os Deputados do Brazil tiverem adquirido experiência
em matérias de governo nas Cortes de Portugal, depois que a
operação de uma administração constitucional tiver acustumado
os povoado Brazil a viver sem ser debaixo do sceptro de ferro de
um governador omnipotente, entaõ se poderá pensarem uma in-
dependência, que naõ traga com sigo os males que apontamos.
Isto avançamos naõ só pela theoria, mas pela experiência.
As Américas Hespanholas declaráram-se independentes; mas
tal éra a falta de conhecimentos políticos naquelles paizes, que
um punhado de Hespanhoes tem sido bastante para continuar a
guerra em Caracas, e distrahir por tal modo os habitantes, que
três constituiçoens e vários Congressos, que tem instituído, naõ
puderam ainda manter nenhuma sorte de Governo geral. Em
Buenos Ayres e províncias adjacentes ao Rio-da-Prata, ha mais
de dez annos, que naõ apparece um só soldado Hespanhol, e
ainda agora naõ ha naquella província nem esperança ou projec-
to de alguma forma de Governo regular e permanente.
Eata infelicidade naõ se pode attribuir a outra fonte senaõ á
ignorância geral dos povos, em matérias políticas : adquiriram
por sen valor a independência, expulsando seus ryrannoa, mas
scham-se sem saber como haõ de usar da liberdade que obtive-
ram.
i Naõ seria este agora o mesmo caso no Brazil ? A impaci"
238 Miscellanea.

encia dos Brazilienses, em ultimar sua independência traria com


sigo sua própria ruína, e tal vez a sugeiçaõ a algum despotismo,
de que nunca mais se pudessem livrar, senaõ paracahir em outro
e outros successivamente.
Mas se esperarem que as formas constitucionaes adoptadas em
Portugal se fortaleçam com o tempo, ainda mesmo que a exis-
tência das Cortes Geraes em Lisboa cause alguma pequena dif-
ferença na administração do Brazil, essa pequena desvantagem
he amplamente compensada pelo melhoramento progressivo, que
ainstrucçaõ irá tendo no Brazil, até o ponto de que os povos
possam apreciar o que he liberdade, e como se pode usar delia.
As Cortes em Portugal, que ao principio naõ tizéram muita
conta com o Brazil, hoje em dia pensem nelle mui seriamente, e
se mostram o mais dispostas, que he possivel, a tractar o Bra-
zil com igual cuidado, que as demais províncias da Monarchia;
e quando os Deputados do Brazil se reunirem aos demais, naõ
ha para que suppór, que suas suggestoens a favor do Brazil naõ
encontrem a mais séria attençaõ nos demais deputados Europeos.
Tractava-se de mandar tropas para o Brazil, mas esta medida
foi abandonada pelas Cortes, pela bem pensada razaõ, de que
naõ he pela força, mas pela opinião, que se deve manter e for-
tificar a integridade e uniaõ de todas as partes da Monarchia.
Alguns de nossos conrespondentes do Brazil se enfurecem
contra esta ou aquella opinião que algum dos Deputados tem
expressado sobre o Brazil. He desnectssario descer ás particu-
laridades ; basta que respondamos, em geral, que o que diz um
Deputado nem he ley, nem he prova da opinião da naçaõ, que
por mais absurda que seja a opinião de um Depntado, elle tem
o direito de a expressar, e isso está tam longe de ser motivo de
queixa, que he objecto de louvor ás Cortes, que dam toda a li-
berdade a seus membros para exporem suas ideas sem reserva.
Menos razaõ ainda ha, para formar queixas pelo que diz al-
gum particular ; a este se pôde responder como faz um nosso
conrespondente, cujacommunicaçaõ publicamos no fim deste N°.
Quando porém as decisoens das Cortes forem taes, que ataquem
a uniaõ da Monarchia; entaõ será justíssimo, que seus Depu.
Miscellanea. 139

tados levantem a vóz, que os povos se queixem, e que se accuse


o Governo: mas tal momento ainda naõ chegou, nem ha appa-
rencias de que chegue; e portanto dizemos, que a menor idea
de separação fará um terrível mal á nascente liberdade de Por-
gal, e nenhum bem aos povos do Brazil; e se os argumentos,
que temos produzido, naõ tem aquella força que desejamos, sem
duvida deve ter algum pezo a opinião de quem tem sempre
mostrado o mais denodado afferro pelos interesses de seu paiz.

Evacuação de Monte-Vedio.
Por mais de uma vez se tem mencionado nas Cortes o negocio
de Monte Vedio ; e sentimos dizer, que alguns deputados tractá-
ram esta matéria, que suppomos da maior importância ao Bra.
zil, como objecto de mera bagatella. Na sessaõ do dia 21 de
Julho se leo nas Cortes o parecer da Commissaõ do Ultramar, á
cerca de Monte-Vedio, que propunha se mandassem render as
tropas que ali se achavam. O parecer ficou por entaõ adiado.
No entanto o Governo do Rio-de-Janeiro mandou ordens ao
General Lecor, para que, convocando os habitantes de Monte
Vedio, soubesse delles se queriam continuar unidos ao Brazil,
ou recobrar sua independência; no primeiro caso, que nomeas-
sem Deputados para as Cortes; no segundo, que o general Lecor
se retirasse com suas tropas para o Rio-Grande,
O General Lecor fez a convocação do povo, mas esta tornou-
se tam desregrada e tumultuosa, que o General decidio naõ
estarem as cousas em estado de poder haver deliberaçoeus ma-
duras, e por tanto, que continuaria na oocupaçaõ da praça, e
darta parte ao Governo.
Havendo tractado tam diffusamente, como temos feito em
outros números deste periódico, da importância do território de
Monte Vedio para o Brazil, e do direito que Portugal tem
áquellaoccupaçaõ, só nos resta dizer, que seria muito em descré-
dito das Cortes, determinar ousanccionar a evacuação de Monte
Vedio, sem tomar em consideração todas as circumstancias desta
240 Miscellanea.

questão ; e que o Brazil deve olhar para as Cortes, como a quem


pertence declarar, qual he a protecçaõ efficaz que resta áquellas
fronteiras, se Monte Vedio for evacuado.

Liberdade da Imprensa.

Copiamos, de p. 191 em diante, a longa esperada ley sobre a


liberdade da imprensa. He um melhoramento na legislação Por-
tugueza, quando naõ fosse em outros respeitos, porque dá o pri-
meiro passo para a introducçaõ dos Jurados nas causas crimes.
Com tudo esta ley fica muito áquem da bondade, que pudera ter:
repetimos o que ja dissemos em outro N.°, que talvez as Cortes
assentassem, que o presente estado de civilização em Portugal
naõ permittia cousa melhor; mas essa consideração ainda assim
nos naõ parece bastante, para deixar-mos de notar o que nesta
ley nos parece defeituoso, e como naõ he legislação eterna, talvez
o que apontarmos servirá para o futuro, quando algumas altera-
çoens se julgarem admissíveis.
Primeiramente achamos máo o principio geral da ley, que sup-
poem necessária uma apparatosa ley particular, para os crimes
commettidos pelos abusos da liberdade da imprensa; porque estes
crimes saõ de classe secundaria, tanto em sua natureza como em
seus effeitos, e a importância, que se lhe dá nesta ley, só pro-
cede do choque das justas opinioens modernas com os antigos
prejuízos, com os quaes houve, em nossa opinião, demasiada
contemplação.
Objectamos ao principio da ley, parque vai estabelecer crimes
novos, contra a liberdade da imprensa, que naõ existiam na le-
gislação antiga, quando essa liberdade he altamente proclama-
da o primeiro paládio das instituiçoens constitucionaes ; e mui
principalmente, quando alguns desses crimes (como por exemplo
excitar a rebelliaõ) ja estavam comprehendidos «'outras leys,
que por esta se naõ revogam ; e assim ficará o réo sugeito as
conseqüências de dous crimes; primeiro o de excitar rebelliaõ, e
Miseellanea. 241

segundo o de a excitar por escriptos impressos, o que he a de-


mais de desnecessário injusto.
No artigo 10." se classificam os casos contra a Religião, e a
cláusula he em termos tam geraes, que torna impossível as con-
trovérsias polemicas; matéria em que os Governos ja mais se
ingeriram, sem que produzissem mais mal do que bem. A ex-
periência tem mostrado, que o intrometter-se o Governo em taes
disputas, tem sido causa de persegaiçoens fanáticas, que tem
desolado vários paizes; e que, por outra parte, nos Estados aon-
de se segue a máxima deorum injuries diis cura, nunca a religião
he causa de distúrbios.
A pro8cripçaõ total nesta legislação, neste sentido, põem as
cousas em peior estado do que se achavam dantes; porque an-
tigamente, quem quizesse ler as obras de Lutero ou Calvino,
podia obter uma licença para as comprar: agora naõ se estabe-
lece meio algum legal para obter taes obras, prohibidas por esta
ley. Isto pois leva a intolerância, além do que antes estava, pa-
ra o que naõ achamos razaõ sufficiente.
O modo de eleger os Juizes de Facto be summamente defei-
tuoso ; porque as listas saõ em numero demasiado pequeno, e
estes Juizes permanentes durante uma Legislatura, o que faz os
Jurados conhecidos d'ante maõ ; e por conseqüência sugeitos aos
mesmos inconvenientes, que se a causa fosse julgada por Juizes
de Direito permanentes.
A maior vantagem da instituição dos Jurados, he o naõ se po-
der saber quem elles seraõ ; e para isso a practica, na Inglaterra
e outros paizes, aonde esta legislação se tem adoptado, he ter
listas preparadas de todas as pessoas do districto, que saõ qua-
lificadas para serem Jurados, e em cada sessaõ do tribunal se ti-
ram dessas listas 36 nomes, dos quaes o reo regeita todos, se tem
uma razaõ geral, ou exclue doze, o accusador exclue outros
dose, e os doze restantes servem nas causas todas dessa sessaõ
do tribunal, em que naõ ha objecçoens particulares, e quando ha
objecçaõ substitue-se nessa causa outro ao objectado.
•egue-se outra determinação, que devemos tanto mais notar,
V o i . XXVII. N.« J60. HH
242 Miscelfanea.
quanto houve algum deputado nas Cortes, que allegou para ella
o exemplo da Inglaterra, e vem a ser, o mandar o Juiz de Direi-
to prender o accusado e aprehender os exemplares do impresso
antes do 1" Conselho de Jurados decidir se ha ou naõ motivo de
accusaçaõ. He um erro alegar para isto com a legislação íugle-
za ; porque na Inglaterra nunca o accusado he piezo, senaõ de-
pois do Grand-Jury (que conresponde a esse l.o Conselho) de-
cidir que ba lugar para accusaçaõ ; e ainda assim, sempre se ad-
mitte fiança ao reo para se defender fora da prizaõ ; e nunca se
procede á apprehensaõ dos exemplares, nem mesmo depois da
accusaçaõ, e sentença.
Temos pois, que bem longe de imitar esta ley, na matéria de
que falíamos, a legislação Ingleza, estabelece um procedimento
muito mais rigoroso, e que até nos parece contra as bazes da
Constituição; pois elías determinam, que ninguém seja prezo
antes de culpa formada ; e segundo esta ley pertence ao 1. Con-
selho de Juizes de Facto o formar a culpa, isto he, declarar que
ha lugar para a accusaçaõ, e se este he o officio, e único officio do
do I.° Conselho, naõ vemos como se devesse conceder ao Juiz de
Direito o poder de prender o accusado antes do 1.° Conselho ve-
rificar o crime e o criminoso.
Quanto aos libellos contra particulares, se faz uma dislineçaõ
entre os empregados e os que o naõ saõ, admittindo-se a prova
da verdade do facto, como justificação do accusado por libello.
Na legislação Ingleza naõ se attende tanto a verdade ou falsidade
do escripto, como á intenção do escriptor. Houve quem disse
nas Cortes, quando se debateo este ponto, que as intençoens do
criminoso só eram do conhecimento do confessor, e que a ley só
devia attender ao facto. Mas este principio he contrario a toda
a boa legislação ; porque se um homem mata outro, naõ se at-
tende somente ao facto da morte, mas á intenção do matador,
naõ havendo nenhuma justiça em metter na mesma classe de
crime a morte feita por accidente imprevisto, em própria defeza,
&c. e a morte de caso pensado, por vingança, para roubar o mor-
to, 4cc. A intenção he justamente o que se averigua para clas-
sificar o crime. Sine dolo nulafit injuria.
Miscellanea. 243

Nos libellos, em Inglaterra, este quo animo he objecto da pri-


meira importância na classificação do crime; porque verdades
ha que se naõ podem dizer sem grandíssimo mal á parte de quem
se dizem, e de cuja revelação naõ provém bem a ninguém, e só
gratifica a maldade do que a diz : e falsidades se poderão dizer,
estando quem as diz está convencido de ser v rela le o que asse-
vera, e ua persuaçaõ de um bem que vai a produzir: e mais ainda
neste caso de ser falsa a asserçaõ, he mais fácil a reparação do
damno, contradizendo-6e e provando-se o contrario; o que naõ
pôde ter lugar se a asserçaõ for verdadeira.
Poderíamos disto tudo allegar muitos exemplos, na practica
dos Tribunaes lnglezes, se naõ fosse o receio de sermos demasi-
ado prolixos í mas a quem nisto reflectir naõ seiá difficil o
imaginar os casos, que podem occurrer na practica.
As pessoas, que segundo esta ley podem ser incursas na sua
sancçaõ, saõ o author, impressor vendedor, e distribuidor. Ora
a palavra distribuidor lie demasiado ambígua, e como isto seja
legislação nova em Portugal, carecia de alguma explicação;
porque haverá caso em que alguém distribua só dous exemplares
ou um unicamente, ou que alguém, tendo na sua livraria uma
dessas obras piohibidas, a mostre a alguém. Será tudo isto
distribuição do libello ?
Se o he, quem possuir alguma obra volumosa (a Encyclopedia
por exemplo) aonde haja algum artigo contra a Religião Catho-
lica Romana, incorrerá no crime da primeira divisão desta ley,
se mostrar alguma parte desta obra a qualquer pessoa. A
latitude, pois, da expressão distribuidor, carecia de alguma
restricçaõ, para evitar maliciosas perseguiçoens.
Sobre os libellos de manuscripto ou por piiicluras, a ley naõ
diz cousa alguma, quando por este modo se pôde injuriar e causar
damnos aos iudividuos, de igual magnitude do que pela imprensa,
e esta circumslancia nos confirma a opinião, de que esta ley teve
muito em vista attender aos prejuízos naciouaes; e ao temor,
que os partidistas do despoüt-nio tem infundido uo publico, por
tudo que he, como Ia chamam, letra redonda.
244 Miscellanea.

Os bons Governos naõ tem noda a temer, antes tudo a esperar


da liberdade da imprensa: o contraraio succede com os mãos
Governos; e por isso dizemos, que estas precauçoens, contra a
letra, redonda só saõ filhas do prejuízo ; e disto daremos um ex-
emplo, que he de casa.
Houve tempo em que o passado Governo de Lisboa teve
quatro ou cinco escriptores empregados em atacar, ja com argu-
mentos, ja com toda a sorte de injurias pessoaes, o Correio Bra-
zilense. Mas esses escriptos caíram todos por terra, e o Correio
Braziliense sobreviveo a todos, até ter a consolação de ver che-
gar a reforma do Governo.
Agora o partido aristocrático lançou maõ de um miserável
folheto, que se imprime em Londres, para atacar os procedimen-
tos das Cortes, injuriar os sequazes destas, e louvar as pessoas,
que sorTrem o bem merecido desprezo da naçaõ, e dos homens
bons. Mas o êxito de tal esforço he, que o folheto he lido uni-
camente por uns poucos de coadjuctores, ligados com a embai-
xada Portugueza, que esperavam mundos e fundos do Ministério
de seu Corifeo Conde de Palmella; e que achando-se com suas
esperanças frustradas, ladram, como o caõ de Alciato, á
lua.
i D'onde procedem estes resultados ? De que os escriptos,
que defendiam ou defendem o partido despotico, advogando uma
causa evidentemente péssima, nem saõ cridos, nem attendidoi;
e ainda que tivessem outra habilidade além de escrever impro-
périos nunca haveria quem lhes desse ouvidos, em desprezo da
verdade que elles attacam. Assim o que as Cortes e o Governo
constitucional devem temer, naõ he o que se diz, só porque se
diz em letra redonda; devem sim temer, que se diga, quer por
escripto quer de viva vóz, factos desacreditantes, fundados ha
verdade: esta he a que produz o effeito, e naõ a falsidade, só por
que vem em letra redonda.
A demais, se estes poucos miseráveis, que pela bem merecida
queda do Conde de Palmella e seu partido, se vem reduzidos á
insignifkancia, de que suppunham poder sair, gritam eescrevem
Miscellanea. 245

contra as Cortes, seria injusta oppressaõ privallos da consolação


de gritar, por mais desentoados que gritem, contra o presente
systema, que lhes derribou os castellos, que tinham formado no
vento.
Até haverá mesmo alguém (posto que raro será) que em sua
consciência julgue o systema antigo preferrivel ao presente; e
se um tal he Portuguez, essa sua opinião, com tanto que obe-
deça ás leys, naõ o faz menos Portuguez, nem lhe deve tirar o
direito de dizer o que entende nos objectos públicos; e mui mal
seguro estaria o Governo Constitucional, se o grasnar de taes
raSs pudesse produzir em aballállo, o mesmo effeito que outros
escriptos obtiveram, em expor em suas próprias e verdadeiras
cores os abusos do Governo passado.
As accusaçoens verdadeiras contra o Governo passarão de
boca em boca, quando de todo se naõ possam escrever; e pro-
duzirão o seu effeito. As falsas accusaçoens, o bradar de meia
dúzia de descontentes, por mais que repitam suas falsidades
pela imprensa, só faraõ accreditai a liberalidade de princípios
de um Governo justo, sem produzir mais damno que o choque
de um mosquito, contra a carreira d'um elefante.

Melhoramentos pelas Cortes.

A affluenoia dos negócios tem obrigado as Cortes a fazerem


sessoens extraordinárias, pela tarde, em certos dias, a fim de dar
aviamento ás matérias, que tem de despachar; naõ sendo de
pouco importe o tempo que se gasta em ouvir pareceres das
Commissoens, e resolver sobre innumeraveis requirimentos de par-
ticulares, que se appresentam ás Cortes. A maior parte destes
requirimentos observamos serem sobre matérias, que naõ saõ do
conhecimento do Corpo Legislativo, e comtudo como a ninguém
se deve negar este recurso extraordinário, naõ ha outro remédio
8euaõ obrar como fazem as Cortes; isto he, receber as petiçoens,
S46* Miscellanea.
remetêllas a uma commissaõ, que as examine, ouvir o parecer
desta, e resolver depois o que he justo.
Por esta latitude, em examinar todos os requirimentos, as
Cortes sstaõ ao facto dos abusos, que be preciso remediar; e,
ainda que naõ seja possivel acudir a tudo de presente, cada dia
se lançam os fundamentos para úteis reformas.
As finanças do paiz, tem, como éra de esperar, occupado mui
particularmente a attençaõ das Cortes, e parece q ue os cálculos
feitos na Commissaõ de Fazenda indicam, que haverá um déficit
de dous milhoens de cruzados. Para satisfazer a esta falta, sem
recurrer a novos tributos, se tem proposto muitos expedientes,
e principalmente o prevenir a accumulaçaõ de muitos officios
ou pensoens em uma mesma pessoa, a abolição de empregos
inúteis, &c.
Mas sobre esta matéria achamos, que ha Deputados nas Cor-
tes, que em sua anxiedade de patriotismo tem querido levar sua
theoria muito além do que permitte em practica a utilidade da
Naçaõ. Por exemplo; houve quem propuzesse nas Cortes, que
os Deputados, para mostrar seu desejo sincero nesta reforma,
naõ pudessem gozar de outro e.nolumentosenaõ o que tem como
Deputados. Se tal se adoptasse, viria um General, um Bispo,
um Desembargador, que he membro de Cortes, a ter em paga
de seus serviços patrióticos, a pe^rda de seus meios, talvez
únicos, de subsistência, ficando somente com a ajuda de custo
de Deputado, que além de ser o mais módica, que éra possivel
arbitrar-se, he de sua natureza temporária.
Se as Cortes nisto acquiescessem dariam um golpe fatal ao
patriotismo, reduzindo á pobreza comparativa aquelles funcio-
nários públicos, que mais direito tem á gratidão da Nação ; o
que seria um principio directamente opposto a seus mais bem
entendidos interesses.
Saindo, porem, das Cortes, aonde esperamos que tal principio
uunca se applique, achamos, que se naõ pôde accommodar uma
regra geral a todos os casos particulares; porque taes officios
ha, que podem serseividos por por um só indivíduo, com pe-
queno ordenado por duas partes, quando a separarem-se os offi-
Miscellanea. 247
cios seria necessário augmenlar os ordenados em r »bos. p 0 r
isso, julgando ser contra a mesma economia, essa regra geral
na practica, somos de opinião, que para se conseguir a reforma
da abolição de empregos desnecessários, he preciso uma inda-
gação especial em cada um dos casos.
O meio mais próprio para isto se fazer, naõ he o mais expe-
dito, mas he o mais seguro ; e vem a ser, nomearem as Cortes,
ou dentro dellas, ou de fora, uma Commissaõ, que examine por
miúdo toda a série de empregados públicos, seus deveres, seus
ordenados, seus emolumentos, suas relaçoens com outros em-
pregos, &c; sobre estas indagaçoens especiaes somente he que
as Cortes poderão decidir; porque, quando se estabeleçam regras
geraes se acharão inconvenientes na practica.
Em conseqüência da liberdade da discussão nas Cortes, foi
exposto por algums Deputados o character publico do Conde de
Barbacena, que S. M. tinha nomeado para Ministro dos Negó-
cios Estrangeiros. Resultou daqui, que o Ministro foi demitti-
do, logo que se soube que elle naõ gozava da confiança das Cor-
tes, e El Rey substituio em seu lugar a Silvestre Pinheiro Fer-
reira.
As Cortes concluíram e sanccionaram a ley, sobre a collecta
da imposição uos dízimos, o que muito deve facilitar o augmen-
tar as rendas publicas, e diminuir as presentes difnculdades do
Erário.
Em conseqüência das opinioens, que se desenvolvem nas Cor-
tes, o Governo começa a mostrar, que naõ attenderá somente ao
mero capricho: assim Fr. Francisco de S. Luiz, o Monge Be-
nedictino, que tam dignamente havia occupado um lugar na Re-
gência, foi nomeado por El Rey Bispo Coadjutor e fnturo suc-
cessor, no Bispado de Coimbra: e além disso a futura successaõ
do Cargo de Reitor Reformador da Universidade, que occupa
agora o Bispo de Coimbra. Ainda assim, porque nesse decreto
se louvava o Bispo de Coimbra, de que as Cortes naõ estaõ bem
satisfeitas, foram esses louvores censurados: o que prova, quam
ampla he a liberdade de deliberação nas Cortes, e quanto essa
248 Miscellanea.
liberdade he benéfica em dirigir e servir de freio i arbitrariedade
do Poder Executivo.
Tem sido sempre nossa opinião, que os empregados públicos,
que foram creados e educados debaixo das formas do despotismo
nunca seraõ, em via de regra, capazes de promover o systema
constitucional, e que tal gênero de pessoas he o mais terrível
obstáculo para os melhoramentos, que se meditam.
Assim apparecem todos os dias queixas contra os procedimen-
tos dos magistrados ; mas também todos os dias dam as Cortes
providencias, sobre estes enormes males ; e somente nos pare-
cem defectivas, em naõ remover logo o empregado publico,
quando a culpa se prova, e essa culpa provem de falta de princí-
pios acordes com o systema constitucional. obrando-se sempre
conforme esta regra em breve se apuraria a administração.
Um insignificante periódico, que se imprime em Londress
debaixo dos auspícios de certos addidos á Legaçaõ Portugueza,
attreveo-se a dizer, que a má administração em Portugal contí-
nua do mesmo modo, e pessoas incapazes occupam ainda lugares,
e outras comem ainda as rendas de empregos que naõ exerci-
tam.
Convimos com esses miseráveis, em que alguma parte da accu-
saçaõ he verdadeira; mas somente em uma pequeníssima parte
as Cortes tem a culpa ; e como nunca deixamos de accusar as
Cortes, quando nos parece que naõ obram bem, com essa mes-
ma franquezadiremos em que he ajustada a taxa, que esse perió-
dico, (a quem chamaremos o echo do partido Palroelico) põem
ás Cortes.
Escandaloso he, que as Cortes naõ tenham até agora pergun-
tado, por que razaõ o Senhor Cruz, que foi ha tantos annos no-
meado Ministro Diplomático para a Suécia, está ainda ein Lon-
dres ; e porque naõ perguntam, se além de elle naõ ir para o seu
lugar, recebe algum ordenado ou pensaõ. Muito escandaloso
he, que as Cortes naõ perguntem, porque razaõ, ou com que
occupaçaõ se acha D. Lourenço de Lima na lista dos addidos á
Legaçaõ de Londres, com o que goza de vários privilégios, prin-
cipalmente o de naõ poder ser obrigado por seus credores.
Miscellanea. 249

Escandaloso he, que as Cortes naõ tenham examinado, por


que ordens e com que justiça se pagam as inumeráveis pensoens*
que distribuea Legaçaõ de Londres, do que até agora se naõ apre-
sentaram listas ás Cortes.
Escandaloso he, que o author do Zurrague Político, que cha-
mou ás Cortes uma corja de Peralvilhos, tenha recebido um só
real por conta da Naçaõ Portugueza, e naõ seja chamado a Por-
tugal a dar conta de seu audaz comportamento, e receber o me-
recido castigo, pelos insultos, que tem feito a Naçaõ.
Escandaloso he que Portugal conserve, depois de doze mezes
que começou a sua regeneração, um corpo diplomático nas Cor-
tes Estrangeiras, que as mesmas Cortes de Portugal estigmati-
zaram, e que nenhum Portuguez deixa de conhecer, que taes di-
plomáticos, por interesse, vontade, e character, haõ de ser op-
postos ao systema constitucional.
Escandaloso he, que quando ha uma manifesta combinação'
de vários gabinetes, contra as formas constitucionaes de todos os
paizes, as Cortes de Portugal consentissem, e se contentassem
com uma mera promessa do Governo, que taes Diplomáticos
seriam removidos (agora tarde e a más horas) ficando as Lega-
çoens encarregadas a secretários e escreventes, ou creaturas ou
espioens desses mesmos Diplomáticos demittidos, pelo que elles
sabem tudo que se passa, e dirigem todas as intrigas, como se
estivessem nos mesmos lugares.
Escandaloso he, &c. &c. &c.
Porém no meio destas omissoens e erros das Cortes, grande
injustiça seria, se concedêssemos aos escribas e rabiscadores de
Ues periódicos, que as Cortes naõ cuidam nos melhoramentos da
administração ; porque muito pelo contrario prestam as Cortes a
isto a mais escrupulosa attençaõ, e o Govemo he todos dias obri-
gado a obrar conforme as sugrsrestoens das Cortes.
Por uma portaria de 20 de Junho, maudou o Governo intimar
aoBegedor da Justiça no Porto, a expedição de certos proces-
•o» cnminaes, que se achavam demorados, e isto em termos os
Vou XXU1I. N.c 160 i i
250 Miscellaneo.

mais decisizos, e expressoens de desapprovaçaõ dessas demoras,


as mais fortes e efficazes.
Pela defTerencia á opinião das Cortes se nomeou Governador
para as ilhas dos Açores, e se mandou retirar Stockler, o bispo
e o Coronel Cabia, mas também nomeou o Governo um Desem-
bargador, que fosse devassar daquelles empregados demittidos.
Porque a vigilância das Cortes prevalece vimos um Ministro
(Conde dos Arcos) chegado do Brazil, recluso em uma prizaõ, e
desticado a ser processado pela responsabilidade de seu cargo,
j Quando veríamos nós um Ministro de Estado sugeito a pro-
cesso, se naõ existissem as Cortes ?
Por que temos Cortes, 6uccede, que appaaeceo no dia 9 de
Agosto um decreto, pelo qual S. M. determina, que os dias 24
de Agosto, 15 de Septembro, 26 de Janeiro, e 26 de Fevereiio
fiquem sendo dias de grande gala na Corte! !
Em fim seiia tarefa immensa enumerar os benefícios, que se
devem ás Cortes, os abusos que remedêam todos os dias, e a at-
tençaõ, que prestam ao bem do Estado; e se as Cortes collecti-
vamente assim obram, os Deputados individualmente naõ mere-
cem menos louvor, pela assiduidade de seu trabalho, pelo pa-
triotismo que desenvolvem, e pelo terror que inspiram ao parti-
do do despotismo.
Com tudo as Cortes naõ deixam de ter em si elementos de di-
visão ; porque ha alguns deputados que differem da maioridade ;
em pontos essenciaes. Em uma asseroblea deliberativa tam nova
apenas se podem descubrir ainda as inclinaçoens dos indivíduos;
nem elles podem ter em si mesmos assas de opposiçaõ systema-
tica, para que se possa tirar a linha de demarcação, que designa
os partidos, e quaes membros pertencem a cada partido, ou em
que gráo, e quaes saõ neutraes.
A primeira vez que observamos esta divisão um poucocharao
terizada, foi na sessaõ 148, sobre o relatório da Cominissaõ mili-
tar, em que expunha seu parecer, acercada petição de fulano
Jordaõ, que a Regeucia dimittira do posto de Brigadeiro, pelo
julgar pouco aflecto ao systema constitucional.
A Commissaõ Militar éra de opinião, que o ex-brigadeiro fot-
Miscellanea. 251

se restituido ao seu posto, e se tinha crimes fosse processado em


Conselho de guerra. A maior parte dos membros que opinaram
foi de parecer, que a Regência obrara o que devia ; porque naõ
convinha que empregassem quem lhe fosse suspeito ; mas que o
ex-brigndeiro podia de pois justificar-se : isto se venceo.
Seojjaiecer da Commissaõ fosse approvado, a conseqüência
seria, que as Cortes nunca poderiam conseguir deitar fora de seus
empregos os mais decididos opponentes do systema constitucio-
nal; porque essa opposlçaõ se pôde sempre fazer efncaz,
sem cometter crime, que se possa provar; e assim, confun-
dindo se as ideas de castigar, e de naõ empregar gente
suspeita, nunca seria possivel estabelecer um governo con-
stitucional. Fadando vulgarmente ; com todos os membros car-
cundas naõ pôde haver uma associação desempennada ; e se naõ
se permittir que se despeçam os que vem embuçados no seu capote
e recusam descubrir-se, de certo se corre o risco, de que entrem
de envolta com os desempennados os que saõ carcundas; e a pro-
babilidade he que todos os que se naõ quizerem desembuçar saõ
carcundas, que temem ser descubertos.

Finanças.

Na sessaõ 152 das Cortes, em 7 de Agosto, se apresentou o re-


latório da Commissaõ de Fazenda, sobre a exposição do Ministro
desta Kepartiçaõ, pela qual se mostra, que, segundo o balanço
do semestre passado, e orçamento do actual, a despeza excede a
receita, em cada um, mil e tantos contos de reis.
Tal éra amiseria, o desperdício, a prevaricação do antigo Go-
verno, que tudo ia sem conta, nem pezo, nem medida : com tu-
do, naõ serve ja o fallar das ladroeiras passadas, o caso está co-
mo se haõ de providenciar as despezas correntes, e pagar as pas-
sadas, em que bem ou mal está empenhada a reputação nacio-
nal.
Propõem o Ministro, e approva a Commissaõ de Fazenda, que
este mal se pôde remediar por dous modos, um por empréstimo.
252 Miscellanea
outro diminuindo as despezas. Tanto n Ministro como a Com-
missaõ preferiam o segundo methodo, e para isto se propunha a
reformados Regimentos em quatro batalhoens, para evitar os es-
tados-maiores; extinguir as musicas, que fazem a despeza de
cincoenta contos de reis; o batalhão de artífices; e reduzir as
quatro brigadas de artilheria a uma só ; licenciar uma parte do
exercito, &c.; tudo isto porque o exercito absorbe três quartas
partes de todo o rendimento do erário.
Daqui fica evidente, que a sustentação do que se pode chamar
o Governo da Naçaõ excede os seus meios, e que a reforma naõ
pode ser parcial; porque he absurdo tractar da existência de uma
naçaõ, com estabelicimentos públicos, que ella naõ pode susten-
tar.
Parece-nos, que a própria reunião do Brazil na Monarchia,
remediará estes males em grande parte. Dizemos própria reuni-
ão, e naõ uniaõ verbal; e em outra occasiaõ nos explicaremos
mais sobre este importante objecto.

Diplomáticos Portuguezes.
Referimos no nosso N.° passado, p. 171, que o Ministro Con-
de de Barbacena, tinha recommendado ás Cortes a contempla-
ção com o Marquez de Marialva, e outros Diplomáticos, que se
tinham feito obnoxios á Naçaõ. Este officio do Ministro foi re.
mettido a uma Commissaõ Diplomática especial, a qual fez o seu
relatório na sessaõ extraordinária de 4 de Agosto.
Em conseqüência deste relatório determinaram as Cortes, que
se respondesse ao Ministro, quanto a nomeação de novos Diplo-
máticos, que as Cortesficavaminteiradas ; e quanto á exposição
officiosa a respeito do Marquez de Marialva, Saldanha e Conde
de Oriola, se devia responder, que as Cortes ja tem tomado a
sua deliberação á cerca dos Diplomáticos.
Na verdade he inconcebível a tergiversação, que temos obser-
vado, a respeito deste negocio dos Diplomáticos Portuguezes.
Se naõ houvessem factos, tam positivos como como ha, bastava *
Miscellanta. 253
pre8umpçaõ para o presente Governo naõ continuar em tam de-
licados empregos, homens de que o passado Governo usara, quan-
do tudo tendia ao systema do despotismo; pois tal he a natureza
dos lugares diplomáticos, que os agentes de um governo despo-
tico nunca podem bem servir um governo constitucional; e quan-
to melhor servissem o despotismo, tanto menos aptos saõ para
favorecer as vistas he um systema liberal.
O primeiro cuidado do Governo de Hespanha, logo que obteve
a sua regeneraçeõ, foi remover todos os seus ministros diplomá-
ticos, e substituídos por outros homens de differentes opinioens
políticas. Mas a conveniência desta medida he tam obvia, que
naõ precisa de citação de exemplos.
Com effeito, como se pode esperar que os Diplomáticos Por-
tuguezes cumpram honradamente as ordens do presente Governo,
quando elles haõ desacreditado os motivos da revolução. Até
no modo ordinário de negociar entre os gabinetes, todas as vezes
que he preciso mudar o systema, que se tinha mandado susten-
tar por algum ministro, he este mudado, para o naõ obrigar a
contradizer o que elle mesmo dantes advogara, ou lançar contra
seu Governo e Naçaõ a culpa da mudança de medidas. Suppc—
mos este principio tam bem sabido, que em sua prova so daremos
um insignificante facto.
A gazeta Ingleza, chamada o Courrier, publicou falsificados
ou exaggerados factossobre o ter a populaça em Lisboa quebrado
pedradas as janellas do Cônsul Austríaco, porque naõ puze-
ra luminárias, quando toda a Cidade de Lisboa se illuminava. A
Corte de Áustria tomou daqui pretexto para se formalizar, pela
publicidade que tal insulto obtivera, em conseqüência do que
disse aquella gazeta.
Se a queixa se originou nessa publicidade, isso se remediava,
mandando o Ministro Portuguez em Londres contradizer official-
mente aquelle jornal, e nas paginas do mesmo jornal; de manei-
ra que junctamente com o veneneo apparecesse o antídoto. Mas
elle naõ fez isso, nem éra de esperar que o fizesse ; e por tanto
a culpa he das Cortes, que naõ tem attendido a este negocio dos
254 Miscellanea.

Diplomáticos, com a energia, que a importância da matéria re-


quer.
A mera refutaçaõ do Courrier, no mesmo Courrier, tirava
á Áustria todo o pretexto de fazer a bulha que fez; e esta mera
circumstancia dará occasioens a conseqüências bem sérias, eque
levarão longo tempo a remediar. E a origem disto he o modo
porque está arranjada a Legaçaõ em Londres, onde Ministros,
Secretários, Escreventes, porteiros, lambe pratos, &c. &c. tudo
saõ creaturas do Conde de Funchal, do Conde Palmella, do Con-
de minha avó torta, de maneira, que nada pode ir direito era
quanto se naõ limpar a estrebaria, e até raspar as paredes da
casa, para que lhe naõ fique pegada alguma cousa da peste.
O mesmo se pode dizer de outras legaçoens. e a repugnância
que tem mostrado, e vam mostrando os ministros em remediar
este mal, continuando em empregos menores as creaturas da-
quelles, que ja naõ podem empregar nos empregos maiores,
prova bem a necessidade de cortar este mal pela raiz.

Ministros Estrangeiros em Lisboa.


Os Ministros de Áustria Prússia e Rússia, pediram seus pas-
saportes, e sairam de Lisboa, da maneira abrupta, que se cus-
tuma fazer, quando se ameaça uma ruptura entre duas naçoens.
A populaça quebrou as janellas do Cônsul de Áustria em Lis-
boa, em uma noite de illuminaçaõ, porque o Cônsul naõ quiz
illurninar a sua casa, como fizera toda a gente. O Ministro de
Áustria, chegado do Rio-de-Janeiro, pedio disto uma satisfac-
çaõ, que lhe foi dada da única maneira que éra possível, mas
elle deo-se por dissatisfeito, e pedio seus passaportes.
Os Ministros de Rússia e Prússia, que naõ tinham de que se
queixar, pediram também seus passaportes, pela razaõ de que
naõ se queriam expor a ter de que se queixar.
A conrespondencia commeçou durante o breve ministério do
Conde de Barbacena, e terminou, no de Silvestre Pinheiro, e
Miscellanea. 255
este publicou todos os documentos, que se passaram a este res-
peito.
He inútil dizer, que os Ministros de Rússia e Prússia saíram
assim abruptamente de Lisboa, sem motivo razoável; porque
aquelles Ministros nem se quer allegam queixa alguma. Mas naõ
será desnecessário o lembrar, que o Ministro Austríaco, éra o
mesmo que foi com o Conde de Palmella de Gibraltar até o Rio-
de-Janeiro ; que os Ministros, que assim deixaram Lisboa, saõ
os das principaes Cortes da Sancta Alliança; e que na supposta
protecçaõ desses gabinetes, fundam todas as suas esperanças os
do pequeno partido em Portugal, que deseja derribar a presente
ordem de cousas, para tornar a verem seu auge a Inquisição, a
prepotência dos fidalgos, e o absoluto despotismo de Ministros
irresponsáveis.
Ja na Hespanha se enganaram os Adiados, contando com um
partido servil poderoso, quando só se achou um pequeno nume-
ro de descontentes sem influencia; pelo que foi preciso variar
ali o manejo da intriga. Se observarem Portugal com olhos im-
parciaes, acharão que laboram no mesmo erro.
No entanto factos desta natureza saõ demasiado demonstrati-
vos, para que as Cortes de Portugal naõ se aprecatem, contra
os distúrbios, que os partidistas do despotismo lhe preparam, a
fim de fazer com que os Portuguezes comprem o mais caro que
for possivel os bens de um Governo Constitucional, de que de-
sejam gozar.

Direitos de Cidadão.
Muito estranho nos tem parecido, que, declarando-se tam al-
tamente a voz da Naçaõ Portugueza, a favor de uma Consti-
tuição liberal; haja nas Cortes quem tanto insista em restrin-
gir e limitar os direitos de cidadão, o que está bem longe de ser
principio liberal, e mais parece dictado pelos princípios da mes-
quinhez.
Naõ admira, q u e o Bispo de Beja propuzesse riscar de ser
cidadão Portuguez todo o que deixar de ser Catholico Romano,
256 Miscellanea.
a seu modo: nao admira isto; primeiro porque he Bispo, e
segundo porque he o Bispo de Beja. Como Bispo segue a má-
xima dos fanáticos, que assentam, que a verdadeira religião pre-
cisa da força, do ferro e fogo, para se sustentar: como Bispo
de Beja, que ja votou pelo que houvesse de decidir a maioridade;
e quem assim votou uma vez, merece toda a indulgência, em
tudo quanto disser nas Cortes.
Mas o mesmo naõ podemos dizer de outros deputados, que
tem em tantos pontos mostrado seu juizo, e discernimento, quan-
do os vemos inclinados a quartar os direitos do cidadão : ja pro-
pondo uma distincçaõ odiosissima, entre Portuguezes e cida-
dã õs Portuguezes; ja limitando a eleição dos deputados de
Cortes áos que residirem na província aonde se faz a eleição; e
ja propondo a regra de que os Portuguezes, que residirem fora
do Reyno por cinco annos sem licença do Governo, percam o
direito de cidadão, &c.
Esta ultima restricçaõ nos parece por extremo illiberal: e
desafiamos os membros das Cortes, a que nos mostrem um ex-
emplo de tal legislação, naõ dizemos ja em paizes livres e con-
stituoionaes, mas em qualquer Estado civilizado da Europa,
por mais despotico, que seja seu Governo.
A faculdade loco-motiva, he inherente ao homem, emil casos
acontecem diariamente, em que o cidadão he forçado a sair da
pátria, e se a licença do Governo se lhe deve dar em todos ca-
sos, vem a ser uma cerimonia inútil; e se o Governo a pode ne-
gar he fazer o cidadão servus gleba, escravo do terreno, donde
naõ pode sair sem licença de seu senhor, debaixo da máxima
pena, próxima á de morte natural, de perder seu direito de
cidadão.
Motivos de família justíssimos, consideraçoens pecuniárias
pes8oaes,e muitos outros motivos, obrigarão o cidadão a ausen-
tar-se temporariamente, sem que deva revelar seus motivos, nem
ao Governo nem a ninguém; e por isso seria a maii tyraonica
oppressaõ ao indivíduo expôllo por isso á máxima pena da morte
civil.
Muito má idea se dá daquella pátria, em que he preciso for
çar os cidadãos a viver ntlla, por leys penaesde tal severidade :
Misccllanca. 257

mas como o ai tico ainda naõ passou, naõ julgamos necessário


deniorar-mo-nos inais nesta matéria ; esperando que quando se
ventilarem nas Cortes as qualificaçoens dos cidadãos Portugue-
zes, deputados haverá assas illustrados, para se op porem a tam
illiberaes ideas.
Diremos somente, que cada re.stricçaõ, que se impõem ao ci-
dadão, he uma porçaõ que se lhe tira de sua liberdade natural;
e que quanto menos liberdade tiver o indivíduo, tanto nienos li-
beral será a Constituição ; e por isso cada uma dessas restric-
çoens deve ser fundamentada, na clara e provada ntcessidade
de manter a Sociedade política: sem isto toda a diminuição da
liberdade do homem he uma iufracçaô de seus direitos ; por ou-
tras palavias um acto de tyrannia.

AMERICA IIESPANHOI.A.

Os exércitos Realista e Independente, em Venezuela, con-


centraram suas farçasde maneiia, que pudessem dar uma bata-
lha geral. O General Hespanhol La Torre publicou em Valen-
cia aos G de J u n h o uma proclamaçaõ, em que declarou blo-
queados os portos de Maracaibo, Barcelona e Coro, que os Inde-
pendentes possuíam.
Aos 24 de Junho vieram os exércitos contendentes á batalha,
juncto a Carabobo ; em numero de 6:000 homens de cada parte.
A contenda foi breve, e a derrota dos Hespanhoes tam completa,
que diz o General Bolívar, em seu officio de 2 5 de Junho, d i .
rígido ao Congresso ; que lhe escaparam dos inimigos só 400 h o -
mens, que se acolheram a Pueito Cabello ; pos>to que naõ mais
do que uma quinta parte do exercito dos Independentes pudesse
entrar na acçaõ, em conseqüência das difflculdades do terreno.
Depois desta victoiia, que parece ter decidido a sorte de Co.
lumbia, duas a Ires mil pessoas, l l o p a n h o e s e seus paitidistas,
se embaicáiain para Cuiaçaô e ondas ilhas, abandonando o paiz;
Voi.. X X V I I . N.o 160. K K
258 Miscel/anea.

e segndo as ultima noticias os Hespanhoes so ficavam de posse


de Puerto Cabello . praça forte, mas destituída de inantimentos.
O governador de Vera Cruz pedio soccorros de tropas ao de Ha-
vanah, a fim de proteger a propriedade Hespanhola, que a li se
acha, e se avalia em 12 ou 13 milhoens, tanto fazendas como
prata ; e uma carta do México de 29 de Maio diz, que se ia a
publicar uma proclamaçaõ, para que todos os homens, que ti-
vessem meios de servir na tropa á sua custa, se armassem em
defensadaquella capital. Naquella epocha naõ tinha havido mais
occurrencias militares, depois da morte de Hevia, e perca de Pu-
erto de Rey, Jalappae Valladolid: esta praça capitulou, com
a condição de que a guarniçaõ seguiria o partido que escolhesse :
seiscentos soldados Europeos marcharam para México. Parece
que o plano dos Hespanhoes he concentrar as suas forças naquella
capital, visto que lhes naõ he possivel defender toda a pioviii-
cia.
As noticias de Lima do 1." de Maio referem, que o General
San Martin se embarcara em Huaco, com um destamento de 1600
homens, com a intenção de retirar-se a Valparaiso,

HESPANHA.

O espirito de partido em Hespanha tem continuado a produzir


parciaes coruruoçoeus, mas todas de natureza, que naõ ameaçam
de forma alguma a tranquillidade geral; posto que as gazetas
Francezas lhe dem sempre a maior exaggeraçaõ, que podem ;
pelo que se prova, de que parte está o desejo de que os distúr-
bios em Hespanha assumam um character sério.
Entre outros distúrbios desta natureza, foi um que aconleeeo
em Madrid, entre as guardas de Palácio, a alguma populaça,
que as insultara na noite de 20 de Agosto.
Outro foi em Saragoça, aonde o General Riego foi accusado
de ter tomado parte. Porem o mais extraordinário he o que re-
fere o Uuiversal de 5 de Septembro.
MisceUanea. 250
Pretende aqueUa gazeta, que o motivo da prizaõ de Riego em
Saragoça, p*'lo que o Club de Fontana d'Oro, em Madrid, se
mostráia taro indignado, teve origem em se descubrir um plano
formado por um Francez, em que entrara o General Riego, o que
obrigou o Governo a tirar-lhe o commando e desterrado para Le-
nda. Insinua-se, que o plano de Riego éra assumir a si o Dic-
tatorato, e invadir a França para derribar ali o Governo dos Bom -
bons. Este projecto tem parecido tam absurdo, que alguns sup-
pozéram naõ ser mais do que uma intriga da policia Franceza, a
fim de haver pretexto para se armar a França contra a Hespanha,
e facilitar assim as vistas do* Adiados contra as Cortes Hespa-
nholas, e seu Governo Constitucional.
Como quer que fosse, a prizaõ de Riego causou tal agitação no
espirito publico em Madrid, que o Ayuntamiento requeieo a El
Rey, que voltasse á capital. S. M. mandou responder pelo Minis-
Bardaxi, que voltaria logo que o estado de sua saúde o permit-
tisse, pois se achava em Sacedon, para o beneficio dos banhos.
A fermentação, porém, continuou, e os Ministros ofTereceram
a El Rey a sua resignação, que foi apresentada a S. M. pelo
Ministro da Marinha e Colônias, a quem El Rey recebeo de mui-
to máo grado.
O General Rodriguez foi nomeado Ministro da Guerra, mas por
sua muita idade recusou-se de servir. O Geueral-Morillo tinha sido
demittido de seu lugar, pelas intrigas dos Depntados da Ameri-
ca; e o Embaixador de França éra bastante suspeito pelo povo
de ter parte nas commoçoens, que agitavam o Reyno. Comparo
o Chefe Político resignou também o seu lugsr; e nestes termos
naõ admira, que ausência d'El Rey seja motivo de séria descon-
tentamento.
Parece que o Governo Francez, debaixo do pretexto de formar
um cordaõ, que previna e introducçaõ de moléstias contagiosas,
tem pnchado tropas para as fronteiros de Hespanha, e suppoera-
•*> que este movimento he conseqüência de se saber dessa pre-
tendida invasão, pois até se publicaram proclamaçoens, que se
disae haverem sido preparadas, por certo Francez, Montarlet
afio iliscellanea.

que cuidava no ;ij andamento de tropas na Hespanha para esse


fim.
O Ministro de Graça e Justiça escreveo um officio ao Bispo de
Oviudo, em que o repreheude fortemente, por se naõ conformar
com as ordens das Cortes, relativas aos 69 Depu:sdos das Cortes
de Cadiz, que assignárauí a petição a £1 Rey para a dissolução
das mesmas Cortes, e conclue dizendo :—" S. M. vos otdeua
agora pela ultima vez, abster-vos absolutamente do exercício das
funcçoens de que tendes sido privado, e naõ tentar o desempe-
nho de qualquer dellas, nem dentro nem fora de vossa diocese;
e que em conseqüência, desde este momento deixeis ao Cabido a
liberdade de obrar, como deve em vosso legitimo impedimento ;
e se a isto faltarei* S. M. se verá na necessidade de vos mandar
prender, e tomaras demais medidas, que julgar necessárias pa-
ra vigorar suas ordens, e assegurar a publica tranquillidade."
O Governo Hespanhol portou-se com tal firmeza a respeito dos
Bispos de Orchueloe Tarrazoua, que se o Bispo de Oviedo conti-
nuar a desobedecer, insistindo em governar sua diocese, depois de
prohibido, será banido do Reyuo.

KUSSIA.

O Gabinete Rnssiano, segundo as ultimas noticias, por via de


Frankfort, exige da Porta as seguintes condiçoens :
1. O restabelícimento das igrejas, e o concerto da Basílica
Patriarchal, aonde se deposite o corpo do Patriarcha Gregorio,
em magnífico túmulo.
2. A restituição das propriedades confiscadas ás famílias dos
Gregos, que tem perecido na revolução.
3. A indefinita liberdade do culto Orthodoxo, dt baixo da pro-
tecçaõ dos Embaixadores e Cônsules Russsianos, os quaes, para
este fim, estabelecerão agentes, aonde quer que o julgarem ne-
cessário, para proteger o clero e culto da religião Oithodoxa.
Miscellanea. 261

4. Para segurança, e como garantia, a occupaçaõ dos Prin-


cipados de Moldavia e Wallachia, e das fortalezas Turcas na
margem direita do Danúbio, aonde se metteraõ guarniçoens Rus-
sianas.
5. Em ordem a segurar melhor a execução destas estipulaço-
ens, pede o Imperador de Rússia, que um dos portos no Archi-
pelago, que elle escolher, lhe seja entregue, para postar ali uma
esquadra, cuja despeza assim como a do exercito de occnpaçaõ
será paga pelo Governo Turco.
Sejam ou naõ exactas estas noticias, parece certo, que o Mi-
nistro Inglez, e os de outras Poiencias em Constantinopla, se
esforçam poi conseguir uma reconciliação, e que a Poita está
inclinada a acceder ás condicçoeus, que parecerem razoaves.
No entanto as forças Russianas, nas fronteiras da Turquia,
em vez de diminuir augmenlatn.
A importante disputa entre a Rússia e o Império Ottomano,
suscitada em conseqüência da revolta dos Gregos, pôde ser de
tam sérias conseqüências para a Europa, e outras partes do mun-
do, que julgamos será bem aceito a nossos leitores um resumo
das relaçoens políticas daquelles dous paizes.
Pelo tractado de Kainardgi, em 1774, que foi confirmado pelo
tractado de Jassi, em 1792, e pelo de Bucarest, em 1812, se-
gundo o qual a Rússia restituio á Porta toda a Bessarabia, com
as cidades de Akerman, Kilia, Ismael, e a fortaleza de Bender, e
os principiados de Walachia e Moldavia, a Rússia estipulou es-
tas condi çoens :—-
A Porta prometteo proteger a religião e igrejas ChristaSs, e
naó impedir de forma alguma o sen livre exercício : restabelecer
aos conventos e pessoas particulares, as terras, que lhes haviam
sido tomadas nos districtos de Brahilov, Choczira e Bender; e
ter para com os ecclesiasticos aquella consideração e respeito,
que sua dignidade requer.
Prometteo também a Porta, que attendería á humanidade e
generosidade, na imposição dos tributos, e que os receberia pela
intervenção de deputados, que se lhe mandariam de dous em dous
annos. Que os Bachas, Governadores, &c. naõ teriam poder
2(jj Miscellane*.

de impor outros tributos on pedir outras contrihuiçoens. Em fim


que os povos daquellas províncias gozariam de todas as vanta-
gens, que tinham durante o Governo de Mahomet IV.
Os Príncipes de \Yalachia e Moldavia poderiam ter seus Mi-
nistros juncto á Porta, queseiiam tractados segundo o que o di-
reito das gentes concede aos embaixadores estrangeiros. O Mi-
nistro da Rússia teria faculdade de representar á Porta o qut jul-
gasse conveniente a favor daquelles principados.
A Rússia íestituio também á Porta as ilhas do Archipelago,
que lhe tinha tomado, estipulando para os habitantes as mesmas
vantagens, que tinha ajustado para a Walpchia e Moldavia.
He nestas estipulaçoens, justas e moderadas da parte da Rús-
sia, que o Impeiador Alexandre funda suas pretençoens, em in-
gerir-se nos negócios da revolução da Grécia.

TURQUIA

O Gram Senhor condescendeo em publicar um manifesto, em


que expõem seus motivos para usar da torça, a fim de conter
os Gregos na legitima sugeiçaõ do Império Ottomano. Igual-
mente ordena a todas as authoridades, que distinguam os culpados
dos innocentes, tractando a estes com toda a brandura, e prestan-
do-lhes inteira protecçaõ.
Uma proclamaçaõ assignada por Odysseus, commandante dos
Mucedonios, e datada aos 20 de Julho do Campo, no Monte
Olympo, convida os Gregos a debellar os Turcos, em termos os
mais enérgicos, e leinbrando-lhe a gloria da antiga Grécia.
s«a

CONRESPONDENCIA.

Ao Redactor do Correio Braziliense, sobre as relaçoens


de Portugal com o Bntzil.
Cidade de S. Paulo, 5 de Maio 2821.
A razaõ de Brazileiro, e o zêllo publico que V, M. tem mos-
trado nos seus periódicos, como honrado e bom patriota, pela
Naçaõ Portugueza, em geral, e em particular pelo que respeita
o Brazil, nos tem enchido de prazer e gratidão, e olhando o seu
periódico como nosso especial defensor, me animo a dirigir-lhe
a inclusa resposta ao Portuguez Constitucional de Lisboa, de
para que se sirva dar-lhe a mais prompta circulação que puder.
Sou Scc.
(Assignado) —___-_

0 Portuguez Constitucional N". 72. Lisboa 15 de De-


zembro de 1820.
" Sexto mal, o Commercio. Parece que este mal he incu-
rável, mas que por tanto he bem fácil de remediar, o caso
está em os Portuguezes, Europeos e Brazileiros, querermos.
Como assim ? Pondo tudo no antigo estado, como estava até
1807. Tempo feliz, em que Lisboa éra o deposito geral da
Europa! Por força assim deve ser á imitação da Itália, ser o
deposito dos seus gêneros cereaes. Sim Portuguezes Brazilei-
ro8
« i Quando fostes mais felizes ? { Quando nadaveis em
2($4 Conrespondsncia.

ouro? ^ Antes ou depois de serem francos vossos portos ?


Faltai, senhores de engenho, e lavradores do Brazil, j quando
fostes felizes ? Agora ? Desenganai-vos, o vosso único ar-
mazém he Portugal. Este armazém he o único, que pode livrar
de todas as misérias a Naçaõ Portugueza de ambos os hemi«-
pherios. Fatiai { quando tivestes mais navios ? Quando ga-
nhastes maiores cabedaes ? Fadai povo < quando espirou a vossa
felicidade ? Respondei < Quando se abrtram os vossos portos ás
naçoens estrangeiras. Pois bem, volte isto ao antigo estado:
abula-se o tractado de Commeicio com Inglatena, para todos os
Portuguezes serem felizes de ambos os hemispherios. He bas-
tante este passo, o caso he he—querermos—
Lm Lisboeta

Resposta do Brazil

Senhor Lisboeta. Com indignação leo e ouvio o Brazil a sua


cantilena supra, que tem por estribilho " o caso he querermos."
Quod volumut facile credimus. Pôde ja substituído com
este nosso." O caso he se o Brazil quer." De muito bom
grado toiiiuios a tarefa de responder-lhe, sendo a these os
três princípios geraes tam incontestáveis como de eterna ver-
dade. 1°. que nunca a maior parte cede á menor, sim a menor
á maior, bem como se sacrifica um dedo ao cutello, para a exis-
tência de todo o corpo. 2 . Que pretender que 3 pequena parte
do Reyno-Unido prospere com selecçoens, vantagens e riquezas,
sacrificando a isto a parte mais interessante, e mais integrante
do mesmo, he um paradoxo, he mais um criminoso egoísmo par-
cial, pois o verdadeiro patriotismo he aqueUe, que move a todiw
individualmente ao bem geral de toda a Sociedade fraternal da
mesma Naçaõ. 3. que o sacrosancto das leys he a generalidade
dellas, sem excepçoens, que tem arruinado a naçaõ.
Senhor Lisboeta, as suas pílulas saõ bem dourada", mas
t quem naõ ve o seu morte cór, muito bem dado pelo piucel do
"
Conrespondencia. 205

egoísmo parcial, e naõ verdadeiro patriotismo ? ; Com que


volte o Brazil ao estado antigo, como estava até 1807 ? Segun-
daeste seu paradoxo tam escandaloso, decerto julgo que nada
quer de constituição, e que tudo também lhe estava bom no esta-
do antigo, uma vez que o Brazil seja degradado da dignidade de
Reyno-Unido, e lhe sejam lançados outra vez os grilhoens de
duras leys coloniaes, por prêmio de ter recebido e poasuido 14
aunos em seu coração o seu Augusto Soberano em pessoa.
O Brazil he magnânimo, he liberal, he generoso, para fazer
todos os sacrifícios, para o bem geral de toda a Naçaõ : mas
naõ sacrifício, que lhe he mortífero, só a bem de prosperar e en-
riquecer o commercio reprobando de Portugal, que tem sido
a ruiua desastrosa e inconsiderada da Naçaõ Portugueza em am-
bos os mundos.
Calem-se as theorias perante os factos. Quando o Commer-
cio de Portugal só comprava os fabricos Asiáticos na índia, e
condnzindo-os para aquelle Reyno interessavam a sua alfân-
dega, e dali saiam para os reynos estrangeiros, éra este com-
mercio de uma vantagem real: mas logo que findou essa epocha,
e os estrangeiros, seguindo o nosso trilho, principiaram a con-
duzir os mesmos fabricos Aziaticos, fazendo-se independentes
de oa compar em Portugal, ja esse commercio começou a ser
desastroso e ruinoso, até agora, porque só serve para consumo da
mesma naçaõ, de debilitar o espirito de nossas fabricas, e de in-
troduzir nos o luzo do fabrico estrangeiro, em ambos os mundos
Portuguezes, e de exhaurir-nos cada vez mais uma incalculável
somma de milhoens de milhoens do nosso ouro, que naõ volta
mais, por sabias e providentes leys Aziaticas. Lamentável
desgraça naõ se terja abolido tam ruinoso e desastroso com-
commercio, só porque rende para a alfândega de Lisboa, inte-
ressa esse commercio precário, arruinando-se e empobrecendo-se
a Naçaõ, e desapparecendo o nosso ouro.
Bem ponderava o Marquez de Pombal, esse que como lumino-
so planeta, que fazendo seu curso de longos annos, nos apparece
VOL. XXVII. N.« IfiO. LL
266 Cvnrespondencla.
por poucos dias ; esse nosso sábio piloto, que só soube sem
par guiar a naõ do Estado, dizia muitas vezes: tomara Sua
Majestade, que a alfândega de Portugal lhe naõ renda um só
real.
O luxo em geral he o veneno da Sociedade : só o lucro do fa-
brico nacional he salutifeio, para animar as próprias fabricas;
mas o luxo do fabrico estrangeiro he mortífero. Logo, a par dos
tempos e de suas circumstancias, se devem derogar os sysitmas
e leys antigas, ou sanecionar novas, e naõ persistir no estudo
antigo, tam ruinoso á piosperidade geral da Naçaõ.
Sendo o axioma do todos os sábios políticos do inundo antigo
e moderno, que a agricultura he o primeiro e principal nervo
das monarchias, aqnella, que a naõ tem por baze, seu comme?-
cio he sempre precário; e por isso os Romanos, os mais sábios
legisladores do Universo, a enobreceram de privilégios, liber-
dades, izençoens e nobrezas, chamando-a do arado para a toga.
O Senhor Lisboeta, preferindo o comniercio precário de Portu-
gal á tam interessante, pomposa e majestosa agricultura do Bra-
zil, neste vastíssimo império, tam produetivo, podeudo, por sa-
bias e providentes leys, fazer em bem pouco tempo respeitável
no inundo a naçaõ Portugueza, por seu local defensivo, por sua
própria independência, extençaõ e riquezas ; quer que o Brazil
volte ao antigo estado de colônia : systema fatal!
i Que estrangeiro sensato haverá, a quem este paradoxo naõ
mova a liso ou lastima i Quer-se a via das riquezas, mas que
naõ prospere a fonte deltas. A este desastroso systema se deve
naõ estar o Brazil mais augmentado e opulento; systema deplora,
vel; tam rniuoso tanto á sua agricultura como ao seu commercio.
O meio mais efíicaz de proteger a agricultora e fomentar a in-
dustria rural, conforme os sábios políticos, he facilitar a venda,
expoitaçaô e embarque dos seus etfeitos, para fora do seu conti-
nente ; para que o lavrador, reanimado logo com o doce frueto de
suas fadigas e suores, sHpportando o pezo do dia e do calor,
pague u seus credores exactamente sua industria. Pelo con-
trario naquella desgraçada epocha, os lavradores, e os commer-
ciuutes de seus effeitos, requeieudo aos nossos inaudoens, para
Conrespondencia. 2f57

embarcarem seus productos para este ou aquelle porto do mesmo


Brazil, aonde sabiam estavam em bom preço, recebiam por des-
pacho—" Indeferido, embarque para Portugal." Replicavam,
que elles naõ podiam empatar para Portugal,por tantos annos, e
precisavam o dinheiro para pagarem suas dividas, adiantar e
augmentar sua industria rural, e o commerciante poder fazer
novas compras aos lavradores, a quem deviam—" Indeferido,
vendam aos eomrnerciantes grandes, que embarcam para Portu-
gal." Ora estes poucos commerciantes grandes, só podiam em-
patar quatro, cinco e mais annos para aquelles portos do antigo
mundo, tam distante, duas mil léguas, ja conservados em con-
loio, promettiam prejuízos ao infeliz lavrador e pobre commer-
ciante pequeno, dizendo-se-lhes, que em Portugal estava tudo
de rastos e em abatimento; e naõ havendo outro recurso, davam-
lhe os productos pelo preço que elles taxavam.
Pelo contrario agora, desde a feliz epocba de seus portos
abertos ao estrangeiro, aõ estagnam os seus eflèitos no campo
do lavrador nem nos seus portos; naõ só pela avidez de muitos
compradores e barcos estrangeiros, como de muitos commer-
ciantes pequenos, que compram ao lavrador os eflèitos, que con
duzidos aos portos de mar logo os tornam a vender, vindo a pagar
o que tinham comprado, e fazendo novo emprego em beneficio
da nossa lavoura ; sendo disto prova irrefragavel o terem qua-
druplicado por todo o Brazil as rendas reaes, desde essa feliz
epocha,e ter subido o café a 0.000 reis como nunca vimos, resul-
tando ainda outro maior bem : os muitos estrangeiros, que em
companhias se acham nos campos e matos , agricultando e po-
voando com nosco este vastíssimo paiz, que tanto precisa de
povoadores. Acha-se exuberantemente provado que a antigo
commercio do Brazil, uesse desgraçada tempo de colônias,
era um completo monopólio de uns poucos de ricos, que só
podiam empatar e embarcar para Portugal, tudo em prejuízo
e ruina da lavoura e da Naçaõ.
A Itália, por escacez ou esterilidade de viveres ceraes, faz
depósitos em celeiros públicos, em providencia da fome, inas
••te deposito he no seu mesmo Continente, e naõ na referida
distancia de um mundo para outro, ainda quando os efeitos, que
268 Conrespondetuia.

se exportsm do Brazil, á excepçaõ do arroz, naõ saõ cereaes ;


e por isso a apparidade he disparidade.
O Commercio precário de Portugal tabmem éra outro formal
e ruinoso monopólio para o desgraçado Brazil; pois que rece-
bendo em si todos os eflèitos deste, pagava-lhe tarde e mal,
naõ com moeda, que ja mais voltava, mas sim com fazendas
estrangeiras, que em portos abertos compravam em Portugal, e
as remetliam para cá aos seus consstituintes, e aos chamados
commissarios, tam sobrecarregadas e por tal forma, que hoje,
feliz epocha, o Brazil compra esses mesmos gêneros, que pre-
cisa, tudo por menos da quarta parte do preço de entaõ ; vindo
por tal desgraçado estado antigo a recair, todos os trabalhos, fa-
digas e suores da desgraçada lavoura do Brazil, em utilidcde d«
uns poucos de negociantes monopolistas de Portugal, e do Bra-
zil, por cujas maõs somente se manejava o criminoso monopólio,
sem que houvesse outro recurso de as comprar mais barato, poi
outras maõs, como hoje se compra: isto em utilidade, e bem
vantajoso dos particulares, mas em ruina de toda a naçaõ. O
monarcha he rico, quando seus vassallos o saõ ; por isso he que
o grande Henrique IV dizia, que applicava seus sentidos e cui-
dados, para que o menor de sens vassallos comesse uma gali-
nha gorda todos os domingos.
Mais outro prejuizo nos causavam esses commenciantes de
Portugal, 110 estado antigo de colônias. Os seus tonslituintts
reinetlendo-lhe do Brazil seus eflèitos, lá tinham t>eus capitães
3. 4. 5. e mais annos, antes que se principiassem a remetlei-lhes
para cá varias receitas de fazendas estrangeiras, tam sobrecarre-
gadas no preço, comparado ao por que hoje as comparamos, sem
que os seus constituintes de cá pudessem ajuizados, reclamar
ou saldar suas contas, de uma distancia de duas mil léguas. Eu
mesmo vi algumas casas no Brazil atrazadas e arruinadas, ou-
tra quebrada e prejudicada, e ura, que perdendo seu giande
capital em Lisboa, endoudeceo: os cabedaes até hoje Ia existem.
Ao Brazil he mais vantajoso vender os seus eflèitos, em seus
portos abertos, para o ultramar e paia todo mundo; por isso es-
cusa de ter navios de transportes, e de ter procuradores cm
Conretpondencia. 269

Portugal, que, demorando tanto seus capitães, lévam-lhe com-


missoens, para lhe pagarem quando queriam com fazendas
estrangeiras, tam sobre carregadas, sendo aqni os eflèitos com-
prados a dinheiro.
Portugal jamais poderá ter fabricos seus, para suprir-se a si
e ao Brazil, para poder fazer uma recipoca troca com nossos
eflèitos. Logo se havemos comprar os estrangeiros, tam sobre
carregados, só pelas maõs do monopólio do estado antigo,
queremos comprar tam barato como compramos hoje o que pre-
cisamos, em nossos portos abertos, e ser por isso mesmo tam fácil
a venda, prompta salda e exportação dos nossos eflèitos. Ora se
Portugal pôde ter portos abertos ao estrangeiro; < porque o Brazil
os naõ pôde ter tendo a mesma dignidade? Se os Estrangeiros em
14 annos levaram ouro dos portos abertos do Brazil, ha mais de
um século, desde o rey nado do Senhor D.Pedro II, de saudosa me-
mória, que pelos portos de Portugal, e pelas maõs de seu ruinoso
commercio precário tem saído quanto ouro e riquezas tem pro-
duzido o infeliz Brazil.
Nos ca he que nos devemos persuadir, que o Senhor Lisboeta
lã está nadando emouro; por quanto, desde a referida epocha,
uma incalculável somma de milhoens de milhoens de ouro e de
pedras preciosas, e tudo quanto o Brazil tem produzido, tudo
tem ido do Brazil para Portugal, quando tinha aquelle seus
portos fechados e bem aferrolhados. Todos bem podem lamen-
tar, com nosco, que a naçaõ senhora do ouro, he a que tem
menos em si.
As referidas riquezas naõ saíram do Brazil pelos seus portos
abertos ao estrangeiro, massim pelas maõs do ruiuoso, precário,
e detestando commercio de Portugal, por malvado systema de
colônias para enriquecer esse commercio de Portugal, exhau-
nndo-se e achando-se o desgraçado Brazil em sua agricultura,
para naõ prosperar a fonta única das riquezas da naçaõ : mas por
•ua errada poliricase empobreceu Portugal mais do que o Brazil.
"*a Ia todo o seu ouro e riquezas se acabasse ja, e os seus
nuoeiros, que saõ os mais empenhados, pobres e miseráveis de
todos, se appUcassem á nossa riquíssima agricultura, em que
270 Conrespondencia.

temos neste tam ameno, feitilissimoe vastíssimo paiz outra inex


haurivel e mais abundante fonte de riquezas dos nossos effeitos,
com que podemos prosperar, enriquecer, e trocar por tudo qui
precisamos ; e entaõ viraõ os tempos felizes, em que por sabias
leys esse ouro esperdiçado e dispersado regressará ao seu natal.
Naõ duvido que Portugal he o pequeno recinto de um bellis-
sinio jardim ; mas que por muito fabricado ja naõ admitte maii
augmento, nem esperanças de vir a ser mais do que he, e que a
agricultura de seus habitantes apinhoados, apenas lhes chega
para seis mezes. Ora sabido isto, todo aquelle que gastar mais
do que lucra deve tirar uma conseqüência certa de pobreza, mi-
séria e lastima : em tal caso venhamos povoar, augmentar, e
agriculturar este nosso fertilissimo Biazil, que tem grandes pro-
porçoens, para fazer grande o nome e a naçaõ Portugueza, dan-
do-se igualmente arrimoe subsistência a Portugal, tendo no Bra-
zil direitos livres em todos os seus fabricos, para animar suas
fabricas, e as venderem com vantagem aos estrangeiros, naõ po-
dendo estes venderem em retalho, e só sim em grosso no Brazil,
Vivamos todos contentes. O Senhor Lisboeta pôde vir para cá
e tirar a seu gosto o ouro, que tanto lamenta, e nadar nelle; pois
de boa vontade lhe offerecemos as nossas lavras devolutas; mas
que dirá agora a sua theoria, perante os factos relatados: eu naõ
penso que elle segue os sórdidos axiomas do egoísmo : " grita
a vizinha, minha casa cheia de farinha." Grite meu iimaõ, para
mim maior quinhão. Prospere Portngal, chore o Brazil. Huiu
pay de muitos filhos, que com selecçoens de estima e preferen-
cia ama um soem abandono dos outros, este pay indiscreto naõ
faria menos que fazer a deshonra deste terno nome, fermentando
o ódio filial, e a discórdia fraternal: escutemos o Evangelho por
boca do nosso Divino Legislador." A casa, ou a Naçaõ, divi-
dida em partidos, he arruinada.
Senhor Lisboeta, naõ declame contra a prosperidade e saúde
do Brazil, sim declame contra os seguintes males epidêmicos da
naçaõ: contra o prêmio sem méritos, e méritos sem prêmios:
contra o escolherem-se os empregos para os homens, e naõ os ho-
mens para os empregos; que hc o qne tem desterrado o antigo
Conrespondencia. 271

patriotismo dos nossos avós, e plantado desgraçadamente no


meto da naçaõ o sórdido egoísmo; porque, com esta marcha fa-
tal se nos ensina, que a via de alcançar os louros e as distine-
çoens, as honras e os prêmios, naõhe a via da virtude, da hon-
ra, da probidade e do patriotismo; mas sim a da fortuna paia
comprar validos e Mecenas, por isso que todos, por faz ou por
nefas, procuram só a fortuna, que he a única via hoje de ser fe-
liz: contra uma guerra civil e eterna, que nos devora, qual a
marchado nosso foro, com delongas e chicanas, para decidirem
nossas demandas, com interpretaçoens arbitrarias, e subterfu-
giosas ás nossas leys, que dam lugar á boa ou má tençaõ : sane-
cionem-se leys positivas, decisivas, geraes, sem exeepçoens,
claras,e intelligiveis, que naõ dem entrada a similhantes males;
haja um novo código; ns officios de escrivaens sejam dados de
graça, por prêmios de serviços, da honra e da probidade, e naõ
rematados em praça, a quem mais da em beneficio do Erário, e
em prejuízo do povo, que he o que paga tudo: que se ataque o
luxo, que também nos devora, rolem em todos os objectos delle
os tributos, e abulam-se os impostos nos gêneros de primeira ne-
cessidade á subsistência da vida humana, bem como os da car-
ne e sal no Brazil, que impedem a pobreza de os comer difficul-
tam o augmento das suas criaçoens vacums e cavallares, em pre-
juízo da naçaõ e do Estado.
Senhor Lisboeta, as leys humanas podem sacar vantagem da
sua novidade ; porque as leys novas annunciam a intenção de
reformar antigos abusos, ou de fazer algum novo bem, e naõ
permanecer e insistir no antigo estado ruinoso. A pátria naõ he
o natal de cada indivíduo, he sim a unidade da Naçaõ: esta só
*e a que merece o nosso verdadeiro patriotismo, os nossos sacri-
fícios, e a nossa vida, paia o bem geral do todo, que a compõem.
A pátria naõ he um ente abstracto de um Estado tam extenso co-
mo o Brazil: a pátria naõ seria mais sensível para cada indiví-
duo, do que pôde ser so o novo mundo em difterente clima, se
"»o noa affeiçoassem a ella com boos instituiçoens, capazes de
tornada presente ao nosso espirito, a nossa imaginação, aos nos-
sos sentidos, aos nossos affectos. A pátria naõ he alguma cou-
272 Conrespondencia.

sa, que real seja, senaõ em quanto ella se compõem de todas


instituiçoens, que podem tornar-no-la grata. Importa que
cidadãos a amem ; mas para iáto importa que possam ser amai
delia. Se a pátria protege a propriedade, o cidadão lhe st
affeiçoado, como á sua propriedade.
Cidadãos Legisladores congregados de ambos os mundos P
tuguezes, em Cói tes, para o bem geral da Naçaõ ; Dissip
degradai ruinosas antipathias, criminosas prevençoens ; honi
o nome, que temos de Reyno-Unido ; desempenhai os votos
vossos concidadãos, que vos elegeram. Os verdadeiros amig
da liberdade vos abençoarão, por vos tereis elevado ás grand
máximas, que a experiência de males consagrou: nós gravar
mos vossos bustos, vossos nomes, em nossos coraçoens; e a no
sa posteridade os fixarão no Pantheon dos libertador
da naçaõ, como tam liberaes pays da pátria. Plantai ja
arvore benéfica da nossa regeneração, para que todos os Port
guezas de ambos os mundos, reunidos como doce e fraternal ne:
no andar dos séculos futuros, e vigorados em igual partilha, eo
os seus sazonados pomos, possam fazer a honra, o respeito,
gloria, e a inconcussa força do nosso Reyno-Unido de Portug
Brazil e Algarves.

O BBAZILEIRO.

Avizos a Conrespondentes.

M. P. S. do Maranhão. He impossível inserir tal commun


cação, por uma authorídade anonyma.
Patriota. Chegou demasiado tarde para ser inserido nesi
a
N. séllo-ha no seguinte.
P. L. de Lisboa. Tem muita razaõ; mas ha cousas, que ma
vai callar, que dizer ; quando se tem em vista o bem publico.
CORREIO BRAZILIENSE
DE OUTUBRO 1821.

Na quarta parte nova os campos ára ;


E se mais mando houvera lft chegara.
CAMOENS, c . v i i . e ! 4

POLtTICA.

ttETNO UNIDO S E PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Decreto sobre os Empregados Diplomáticos.


D. Joaõ por Graça de Deus e da Constituição, &c.—
As Cortes Geraes &c. decretam :—
1." Ficam extinctos os lugares de Embaixadores Ordi-
nários, e deixa-se ao arbítrio do Governo nomear para
as Cortes de Roma, Londres, Petersburgo, Vienna, Pa-
ris e Madrid Ministros Plenipotenciarios, Enviados Ex-
traordinários, ou Agentes, com o character de Encarre-
gados dos Negócios Politicose Commerciaes dos Estados
Portuguezes.
2.* Para Stockholmo, Copenhague, Berlm, Bruxellas.
v
°t- XXVII. Nf.« I G I u M
27-1 Política.
Nápoles e Turin, seraõ nomeados Cônsules Geraes, c
Encarregados dos Negócios, Políticos e Couiuierciai
dos Estados Portuguezes, segundo parecer ao Goven
mais conveniente, attentas as relaçoens políticas e con
merciaes, em que aqucllas Cortes se acharem, com
Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.
3.° Ficam abolidos, os lugares de Conselheiro de L
gaçaõ; e dado o caso que o Governo nomeie Ministro PI
nipotenciario para qualquer das Cortes referidas no art
go I o , haverá somente em cada uma dellas um secretari
de Legaçaõ.
4.° A cada um dos mencionados Ministros ou Agente
Diplomáticos, poderão aggregar-se com ordenado, um o
dous addidos de legaçaõ, nas Cortes de Madrid, Loi
dres e Paris, e um somente em qualquer outra Còrti
podendo ser admittidos sem ordenado os mais que a
julgarem convenientes. Seraõ considerados igualment
como addidos á Legaçaõ, e com subordinação aos mei
mos Ministros ou Agentes, todos aquelles que o Govei
no houver por necessários para exercerem nos diversc
portos as funcçoens consulares, reduzindo-se quanto pos
sivel for o numero dos Cônsules e Vice-consules perma
nentes.
5." Quando o Governo entenda, que deve nomear Mi
nistros Plenipotenciarios nos termos do Artigo l.o con
tinuaraõ elles a vencer os mesmos ordenados, que at
agora percebiam ; e julgando que ha necessidade de ai
terar os mesmos ordenados, proporá essa alteração a
Cortes, para resolverem o que for justo.
6.* O máximo dos vencimentos doe Encarregados do
Negócios Políticos e com merciaes dos Estados Portu
guezes, será nas Cortes designadas no artigo 1. a quan
tia annual de 4.800,000 reis; e a de 4:000.000 de reis na
Cortes referidas no artigo 2.*
Política. 27i
7. Aos addidos de Legaçaõ, cônsules e vice-consules,
de que tracta o artigo 4." se arbitrará ordenado, segundo
a importância dos consulados,e carestia das diversas ter-
ras de sua residência, de (jO-OOOO reis, até 1:200.000 reis.
8. A cada missaõ diplomática se abonará para despezas
de Secretaria a quantia media, que resultar do orçamen-
to de despezas, calculado por alguns annos; ficando as
contas effectivas sujeitas ao devido exame, e sendo a mis-
saõ indemnizada do excesso, que se mostrar legitimamen-
te despendida.
9. Haverá somente um cônsul geral, para todo o Impé-
rio de Marrocos, cujo ordenado, cumulativamente com
as despezas do consulado, naõ exceda a quantia de
3:000.000 de reis.
10. O Governo, consultando as localidades, poderá
diminuir de todas as quantias, que ficam indicadas, tan-
to quanto permittirem as circumstancias e o decoro na-
cional.
18. A disposição do presente decreto será immediata-
mente executada; e depois de se haver verificado, o Go-
verno transmittirà ás Cortes o estado miudamente parti-
cularizado das reformas effectivas, a que proceder, com
um mappa demonstrativo dos lugarps para onde mandar
Ministros ou Agentes Diplomáticos, seu character, orde-
nados, e despezas de Secretaria, a fim de que em vista
de tudo se organize sobre este objecto um regulamento
geral e permanente.
Paço das Cortes, 1 de Septeinbro, 1821.

Creaçaõ de Junctas de Governo no Brazil.


D. Joaõ por graça de Deus, e pela Constituição da Mo-
narchia, Rey do Reyno Unido de Portugal; Brazil, e Al-
ga ves d'aquem, e d'alem Mar, em África, etc. Fuço
270 Política.
saber a todos os meus subditos, que as Cortes decretai;
o seguinte:
As Cortes Geraes Extraordinárias, e Constituintes
Naçaõ Portugueza, havendo prescriptoo conveniente si
tema de Governo,e administração publica da província
Pernambuco, por decreto do primeiro do presente mez;
reconhecendo a necessidade de dar as mesmas e outras
milhantes providencias a respeito de todas as mais provi
cias do Brazil, decretam provisoriamente o seguinte :
1.° E m todas as províncias do Reyno do Brazil, em q
até ao presente haviam Governos independentes, se ei
araõ Junctas Provisórias de Governo, as quaes ser
compostas de sette membros, naquellas províncias, q
até agora eram governadas porcapitaensgeneraes; a sah
Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio-de-Janeir
S. Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Geraes, Matl
Grosso, Goiazes : e de cinco membros em todas as m«
províncias, em que até agora naõ havia capitaens genera
mas so Governadores, incluídos em um e outro nume
o Presidente e Secretario.
2.° Seraõ eleitos os membros das mencionadas Junct
por aquelles eleitores da parrochia da província, que p
derem reunir-se na sua capital no prazo de dous meze
contados desde o dia em que as respectivas authoridad
da mesma capital receberem o presente decreto.
3.° Seraõ nomeados os membros das Junctas Provisor
as do Governo, entre os cidadãos mais conspicuos pi
seus conhecimentos, probidade, e adhereticia aoSysteu
Constitucional, sendo além disto de maioridade, no e:
ercicio dos seus direitos, e possuindo bastantes meios c
subsistência, ou provenham de bens de raiz, ou de con
mercio, industria ou emprego.
4," Será antes de todos eleito o Presidente, depois
Secretario, e finalmente os outros cinto, ou três membro
eg u ndo a classificação expressa no artigo 1.", sem qi
Política. 2T7
tenha lugar a nomeação de substitutos. Poderá recahir
a eleição era qualquer dos membros do Governo, que se
acha constituído na província, bem como em qualquer
dos eleitores; e quando for eleito algum magistrado, offi-
cial de Justiça, ou fazenda, ou official militar, naõ exer-
cerá seu emprego em quanto for membro do Governo
5.° O Presidente, Secretario, emais membros das Junc-
tas Provisórias, além dos ordenados, e vencimentos, que
por qualquer outro titulo lhes pertençam, perceberão an-
nualmente n gratificação de um conto de reis, naquellas
províncias que até agora tinham capitaens generaes, e seis
centos mil reis em todas as outras províncias.
6.° Fica competindo ás Junctas Provisórias de Governo
das províncias do Brazil toda a authoridade, e jurisdic-
çaõ na parte civil, econômica, administrativa, e de poli-
cia, em conformidade das leys existentes, as quaes seraõ
religiosamente observadas, e de nenhum modo poderão
ser revogadas, alteradas, suspensas, ou dispensadas pelas
Junctas do Governo.
7.° Todos os magistrados, e authoridades civis ficam
subordinados ás Junctas do Governo, nas matérias indi-
cadas no artigo antecedente, excepto no que for relativo
ao poder contencioso, c judicial, em cujo exercício
seraõ somente responsáveis ao Governo do Reyno, e ás
Cortes.
8.* As Junctas fiscalizarão o procedimento dos empre-
gados públicos civis, e poderão suspendelos dos seus em-
pregos, quando commêttam abusos de jurisdicçaõ; pre-
cedendo informaçoens, e mandando depois formar-lhes
culpa no termo de oito dias, que será remettida a compe-
tente Relação para ser ahi julgada na forma das leys; dando
as
mesmas Junctas im medi ata conta de tudo ao Governo
«eyno, para providenciar como for justo, e necessá-
rio.
9«° A fazenda publica das províncias du Brazil conti-
278 Política.
nuará a ser administrada, como até ao presente, segum
as leys existentes, com declaração, porém, que será Pi
sidente da Juncta da Fazenda o seu membro mais antij
(exceptuando o tbesoureiro, e escrivão, ncs quaes nun
poderá recabir a Presidência) e todos os membros da nw
ma Juncta da Fazenda seraõ colleetiva, e individualrae
te responsáveis ao Governo do Reyno, e ás Cortes, por si
administração.
10.* Todas as províncias, em que até agora havia gove
nadores e capitaens generaes, teraõ daqui em diante gen
raes encarregados do Governo das armas, os quaes sen
considerados, como saõ os Governadores das armas d;
províncias de Portugal, ficando extincta a denominaçs
de Governadores e capitaens generaes.
11.° Em cada uma das províncias, que até agora tu
tinham Governadores e capitaens generaes mas só Gove
nadores, será de óra era diante incumbido o Governo di
armas a um official de patente militar até Coronel incl
sivamente.
12.° Vencerão mensalmente a titulo de gratificação <
Governadores das armas das Províncias do Brazil, no cai
do artigo 10.°, a quantia de duzentos mil reis, e os Con
mandantes das armas, nos termos do artigo 11." a quant
de cincoenta mil reis.
13.' Tanto os Governadores de que tracta o artigo 10
como os Commandaotes das armas, na forma do arti§
undecimo, se regularão pelo regimento do primeiro c
Julho de 1073, em tudo o que se naõ acha alterado p<
leys, e ordens posteriores, suspenço nesta parte somem
o Alvará de 21 de Fevereiro de 1816. No caso de vi
canela, ou impedimento passará o commando á paten'
de maiorgraduaçaõ, e antigüidade que estiver naprovii
cia; ficando para este fim sem effeito o Alvará de 12 D<
zenibro de 1670.
Política. 279
14.* Oa Governadores, e Commandantes das armas de
cada uma das províncias, seraõ sujeitos ao Governo do
Reyno, responsáveis a elle, e ás Cortes; e independentes
das Junctas Provisórias do Governo, assim como estas o
saõ delles, cada qual nas matérias de sua respectiva com-
petência, devendo os Governadores, e Commandantes das
armas communicar ás Junctas, bem como estas a elles
por meio de officios, concebidos em termos civis, e do
estillo, quanto entenderem ser conveniente ao publico
serviço.
15.° Igualmente se entendem a respeito de Pernambuco
qualquer das referidas providencias, que se naõ achem no
decreto do primeiro do corrente, o qual fica ampliado
e declarado pelo presente decreto.
16.* As respectivas authoridades seraõ effectiva, e rigo-
rosamente responsáveis, pela prompta, e fiel execução
deste decreto. Paço das Cortes em 29 de Septerobro de
1821.
Por tanto mando a todas as authoridades a quem o co-
nhecimento, e execução do referido decreto pertencer,
que o cumpram e executem tam inteiramente como nelie
se contém. Dada no Palácio de Queluz em o 1." de Ou-
tubro de 1821.
—El Rey com guarda.—Joaquim Jozé Monteiro Torres.
Carta de ley pela qual V. Majestade manda executar o
decreto das Corte6 Geraes, Extraordinárias e Constitu-
intes da Naçaõ Portugueza, sobre o estabelicimento das
Junctas Provisórias, e Governos das armas nas Províncias
do Brazil.—Para Vossa Majestade vêr.—Lourenço Antô-
nio de Araújo a fez.

•»-«y paro a formação do Conselho de Estado.


"°*a Joaõ por graça de Deus e pela Constituição da
Monarchia, Rey do Reyno Unido de Portugal, Brazil, e
Algarves, daquem e d'além Mar em África, etc, F a ^
280 Política.
saber a todos os meus subditos que as Cortes decretárar
o seguinte:
As Cortes Geraes, Extraordinárias e Constituintes d
Naçaõ Portugueza, attendendo a que o Conselho de Es
tado deve ter um regimento accommodado ás presente
circumstancias, decretam provisoriamente o seguinte,
1. O Conselho de Estado he composto dos oito Cor
selheiros propostos pelas Cortes em listas triples, e escc
lhidos por El Rey.
2. Cada um dos Conselheiros de Estado antes de entra
no exercício de suas funcçoens prestará nas maõs de E
Rey juramento de manter a Religião Catholica Apostolic
Romana, obedecer em tudo à Constituição e ás leys, <
dar ao Rey com toda a liberdade e imparcialidade aquel
les Conselhos, que julgar mais conducentes a promover
observância das leys, e o bem geral da Naçaõ.
3. O Conselho de Estado se congregará em uma da
sallas do Palácio Real impreterivelmente duas vezes po
semana, e todas as mais que o Rey mandar.
4. O Rey he o Presidente do Conselho, e no seu impe
dimento o mais velho dos Conselheiros.
5. Será Secretario do Conselho de Estado um dos seu
membros, nomeado pelo mesmo Conselho.
Escreverá as actas das sessoens em livro para esse fin
destinado. Cada um dos membros assignará as actas con
seu appellido, e poderá fazer inserir nellas o seu vot<
quando fôr dissidente.
G. Naõ poderá haver sessaõ de Conselho de Estado sen
a presença de cinco vogaes. Todos os Conselheiros to
maraõ assento sem alguma precedência.
7. Nenhum Conselheiro pôde faltar ás sessoens sem li
cença previa do Conselho, o qual a naõ concederá ser
justificado motivo. O vogai, a quem sobrevier impedi
mento repentino, o participará logo ao Conselho.
Política. [280a] *273
8. Os Secretários de Estado com parecerão no Conselho
de Estado, quando por elle forem chamados para darem
inforroaçoens, ou esclarecimentos sobre qualquer objecto.
9. Seraõ primeiramente propostos no Conselho de Es-
tado aquelles negócios que El Rey mandar. O Presidente
assim como cada um dos vogaes poderá propor quaesquer
negócios, que julgar dignos da attençaõ do Conselho.
10. Os votos dos Conselheiros saõ meramente Consulti-
vos,
11. Compete ao Conselho de Estado propor a El Rey
em listas triples as pessoas, que houverem de ser nomea-
das para os Bispados; e para quaesquer benefícios naõ
curados, que forem do padroado Real: e bem assim para
os cargos de magistratura até as primeiras Relaçoens in-
clusivamente, e para os mais officios civis de justiça ou
fazenda.
12. A todas as propostas do Conselho de Estado, ex-
cepto as que se fizerem para os Bispados, precederá sem-
pre concurso, aberto ao menos por trinta dias perante o
mesmo Conselho, segundo até ao presente se tem obser-
vado nos tribunaes, acerca dos lugares da magistratura.
13. Ficam em consquencia extinctas quanto aoscargos
civis da magistratura as consultas dos tribunaes e propos-
tas de donatários.
14. As cadeiras da Universidade continuarão a ser
providas como até agora.
15. Os postos do Exercito, até Coronel inclusivamente,
seraõ providos em promoçoensgeraes década arma. eos
officiaes Generaes, Governadores de Províncias, praças e
mais empregados militares seraõ nomeados quando assim
0
exigir o serviço publico.—Para todos seraõ feitas as
propostas pelo Conselho de Guerra., o qual antes da sua
nova organização, que terá lugar quanto antes, se regu»
Vo/.. WVü, V" 101. MM*
274* [280b] Política.
taràpclas leys existentes, c pelas iuformaçüens semestres
e do estylo.
In'. Os postos da armada seraõ providos por consulu
do Conselho do Almirantado, o qual se conformará con
as leys existentes, e continuará a propor para os coniman
dos dos navios, segundo a practica estabelecida. Em to-
dos os casos deste artigo, e do artigo antecedente, o Go-
verno approvará ou regeitarâ as propostas do Conselhc
de Guerra, ou do Conselho de Almirantado, ouvido c
Conselho de Estado. O Commandante em Chefe de uma
esquadra, ou divisão, será nomeado por El Rey, consulta-
do igualmente o Conselho de Estado.
17. Terá o Conselho de Estado grande cuidado em pro-
por para quaesquer cargos somente aquellas pessoas, que
alem da sua notória aptidão, tiverem conhecido amor e
firmeadherencia á causa Constitucional. Haverá nas pro-
postas para o episcopado toda a consideração com os bons
parrocos; e para os benefícios naõ curados teraõ prefe-
rencia aquelles ecclesiasticos, que melhor, e por mais
tempo houverem servido a igreja nos benefícios curados,
preferindo, em paridade de circumstancias,os que forem
mais antigos.
18. Os Conselheiros de Estado seraõ responsáveis pe-
las propostas, que fizerem contraaley.
19. O Conselho de Estado precederá tias funcçoens
publicas a todas as corporaçoetts de Estado, excepto a
qualquer deputaçaõ das Cortes. Os vogaes do Conselho
teraõ o tractamento de Excellencia, e gozarão de todas
as honras, distineçoens, e preeminencias pessoaesde que
até aqui gozavam.
20. Os Conselheiros de Estado durante este emprego
naõ poderão ser promovidos a outro, nem exercer o que
ja tiverem.
21. Teraõ os Conselheiros de Estado o ordenado de
Política. [280c] *275
2:400.000 reis—Aquelles que por outros títulos tiverem
outros ordenados ou soldos, escolherão ficar com o or-
denado de conselheiro, ou com aquelles ordenados, ou
soldos, que ja tinham ; mas neste caso naõ se entenderão
comprehendidos nesses ordenados ou soldos as gratifica-
çoens.que por qualquer titulo percebiam.
22, As cartas de Conselho até ao presente concedidas,
e que de futuro se concederem, ficam reduzidas a títulos
meramente honoríficos, sem conferirem preferencia, ou
maior antigüidade na ordem dos empregos públicos.
23- A presente organização do Conselho de Estado naõ
obsta de modo algum a formação do Conselho de Minis-
tros ou Ministério, o qual será composto de todos os Se-
cretários de Estado, sem que por isso se entenda alterada
a responsabilidade de cada um delles nos objectós da sua
respectiva repartição. Paço das Cortes em 22 de Dezem-
bro de 1821.
Por tanto mando a todas as authoridades a quem o co-
nhecimento e execução do referido decreto pertencer que
o cumpram e executem tam inteiramente como nelle se
contem. Dado no Palácio de Queluz aos 25 dias do mez
de Septembro de 1821. El Rey com guarda.—
Jozé da Silva Carvalha
Carta de ley pela qual Vossa Majestade manda execu-
tar o decreto das Cortes Geraes, Extraordinárias e Con-
stituintes da Naçaõ Portugueza, que regula provisoria-
mente o regimento para o Conselho de Estado.—Para
Vossa Majestade vér.—Manoel Nicoláo Esteves Negraõ.
•—Foi publicada esta carta de ley na Chancellaria Mór da
Corte e Reyno. Lisboa 2 de Outubro de 1821—D. Mi-
guel Jozé da Câmara Maldonado.—Registada na Chan-
cellaria Mór da Corte e Reyno no livro das leys a foi. 17
'ers. Lisboa 2 de Outubro de 1821.—Francisco Jozé
Bravo.—Gaspar Feliciano de Moraes a fez.
( '276* ) [280d]
Preços Correntes dos principaes Productos do tiram
LONDRES, 16 de Outubro de 1821.

Gêneros. Qnatidade. Preço». Direita*.

, Bahia por lb Os. l l p . a Os. l l i p .


í Capitania. .
1 Ceará Os. l l j p . a ls. Op
AlgoJnm . .J Maranhnm .. Os. l l p . a Os. llip. ' 6 por cento ad
1 Minas novas Os. flp. a Os. lOp. lorem,
f Pará Os. lOp. a Os. llp.
^Pernambuco Os. l l p . a Os. 13p.
Anil, Rio 4 4. por lb.
. Redundo . . . 32s. a 36s.
Atsucar . . . ? Batido 24s. a 28s.
' Mascarado . 18s. a 22s. Lirrc de direito» pi
Arroz Brazil exportação.
Caçáo Pará 46s. a ISs
Caffe Rio......... 06*. a 100*.
Ceho Kio da Piata 3». 2p. por 1121b,
Chifres. Rio Grande por 123 46 a 50 5s. por 1121b,
8Jp. » 9ip.
Rio da Prata , pilha i B 7p. a 8p
'C fip 6jp
Í A 84p. a 9p. 10 p. per couro
L Rio Grande. 7p. a 8p.
&p. a &jp.
Pernambuco, salgado»
Riu Grande de cavai Io
Ipecacnaobo Brazil por lb. 7». Op. a l i s . Op,
Óleo de cupaiba 3s. 4p. a 4s. Op 2s. jportb.
Orueu l s . 3p. a 1». 9p
Páo Amarelo. Brazil direitos pagai p c |,
Pao Brazil . . . . Pernambuco 200/. por toa . . . . coorp radar.
Salsa Parrilha. Pará . . 2». Op, a 2H, fip.
Tabaco t m dh-elto» pago» pelo
l i era folha.
?t"
comprador,
TaPÚea Brazil.. 6J por lb.

Câmbios com as seguintes praças.


Rio de Janeiro 47 Hamburgo 38
Lisboa 50 Cadiz 16
Porto 50 Gibrallar 30i
Paris 26 5 Gênova 43J
Anisterdam 12 17 Malta 45

Espécie eguros.
Onro em barra £ 3 17 10J BTazil. Hida 25» Volta 26'
Peças de 6400 reia 3 17 6 Lisboa 20s 20s
Dnbroea» Heapa. por
. onça . Porto 25» 35s
uboes 3 14 6 II Madeira 25a 2»a
Vez<n dielos 4 9 I Açores 52» *6»
Prata em barra 4 Itf j ' Ria da Prata 3Ss
Be»gala 6Ss fij»
( *77< )[280e]

LITERATURA E SCIENCIAS.

NOVAS PUBL1CAÇOEN3 E U I N G L A T E R R A .

Smith's Principies of Política l Economy. 1 voL 8.*°


preço 7s. Tentativa para definir alguns dos primeiros
princípios de Economia Política. Por Tliomas Smith.

Mackenziés on Chemistry. 8."»° preço Üls. Mil ex-


perimentos Chimicos, acompanhados de observaçoens
practicas, e alguns milhares de processos, nas artes úteis,
dependentes daquella Sciencia. Por Colin Mackenzie.

HorsefitWs Zoolagy of Jata* N / 1. Indagaçoens


Zoológicas na ilha de Java; com estampas dos quadrú-
pedes naturaes do paiz. Por Thomaz Horeefield. M. D.
Esta obra se completará em 8 N.o* em 4.«° grande, a
ti*: cada N.°, que consistirá de 8 estampas ílluminadas,
apresentando quadrúpedes e pássaros; e cada estampa
com sua conrespondente explicação.

Smith', Medicai Jurisprudence. 8.™ preço 14s. Prin-


cípios de Medicina Forense; arranjados systernatica-
278* [280f] Literatura e Sciencias.
mente, e applicados á practica Britannica, com numero
sas explicaçoens e exemplos, para uso dos advogados
magistrados e médicos. Por J. G. Smith. M. D.

PORTUGAL.

O Desengano do Mundo, ou a morte de Bonaparte, fat-


iando a alma deste com a de Junot, na outra vida, com c
encontro das almas de alguns Corcundas, que tem falle-
cido na presente epocha, e com três sonetos joviacsàs ex-
tinctas Religioens. Por Jozé Daniel Rodrigues da Costa,
Preço 80 reis.

Carta aos Médicos Portuguezes, sobre a Elephantiase;


noticiándo-lhes um novo remédio para a cura desta enfer-
midade. Por Bernardino Antônio Gomes. Preço 150
reis.

O S.° volume da Historia completa das Inquisiçoens


com uma estampa. Preço 240 reis.

Ephemerides Atsronomicas da Universidade de Coim-


bra para os annos de 1823, e 1824. Volume XV. Pre-
ço 1200 reis.
( 279* }[280g]

MISCELLANEA.

Relação da Receita, e despeza da Administração da Real


Extracçaõ dos Diamantes desde o seu principio até o
fim do anno de 1795.

Despeza annual. Diamante» que se Ouro.


receberão no Cofre
OITAVAS. TALOR

1772 . . . 447:825.1124 1.915.A.2 .. «.»... 16:333.650


1773 . . . . 374:212.275 2.897.0.0 .. . . . . . . 12:743.775
1774 ....278:976.611$ , 2.120.0.1 .. .*••«. 12:671.025
1775 . . . . 286:059.2854 2.109.I.2Í . . . . . « • . 21:260.5874
r776 . . . . 317:113.3031 • • « • • • z* 13o.f. 7 « • •. . . . . . 21:506.2124
1777 . . . . 294:213.161 ••>••• J .O \ r j . * . r ) £ • • ...... 33:628.987A
1778 • • •. 278:778.682 •••••• émteJUéitm^eXj • • ...... 30:712.462$
1779 •••• 244:895.0141 •••«•• ^«ZvD.4*7s • • ...... 30:128.362$
1780 • • . . 265:403.430 »••••• I . ç í j i O . :>•*- •« ...... 30.158.362$
1781 •••• 280:213.611$
2.206.0.1 . ...... 40:551.525
1782
•••• 313:773.394$ • • • • » • x.sjzy.^.o • • . . . . . . 33:957.000
1783
•••• 297:530.626$ • • • • • • A.TVU.J. 1 •« . . . . . . 29:014.912$
1784
•••• 296:863.732 • «••.#• t>.04*/»^«* • ...... 29:913.450
1785
•••• 291:557.752 2.144.f.2 .. . * • • « • 21:861.550
180* [280h] Miscellanea.

1786 . . . . 283:469.650$ 1.743.0.6 . . . . 21:337.27;


1787 ....275:107.133 1.623.1.0 . . . . 1.4:116.27
1788 .... 297:152.435 1.635.0.5 .... 18.664.31
1789 .... 263:256.139 1.688.|.7 ... 18.887.02
1790 .... 251.387.272 1.882.1.0 .... 15.365.55
1791 .... «56:284.830$ 1.621.$.l .... 16.276.80i
1792 . . . . 265:717.900$ 1.496.£.7 .... 20:227.80
1793 . . . . 268:311.244 I.692.$.4 . . . . 18:159.56!
1794 . . . . 275:250.474 1.902.$ ;0 . . . . 32:838.001
1795 . . . . 201:448.792$ 1.477.$.7 . . . . 25:640.101
&911:801.862$ 50.155.0.5 . . . 565:975.01!

Da conta acima mostra-se que a despeza feita com a Real extraci


dos Diamantes em 24 annos, que decorreram desde o 1." de Janeiro
1772, até o ultimo de Dezembro de 1795, importa, abatido o rendimei
do ouro, que houve no dito tempo, em 6:345:826.850 reis, que repartii
pelos ditos 24 annos, vem a sahir o anno comraum a 264:409.452 re
e que para compensação desta despeza se recolheram ao Cofre da Intt
dencia 50.155 oitavas, e 5 vinténs, de Diamante», que repartidas tambi
em anno commum, vem a sahir este a 2.089f oitavas e 1 vinten. ei
quantidade repartida pela mencionada despeza vem a sahir o custo de ui
oitava dos mesmos Diamantes a 126.524 reis.
Miscellanea. 281

Relação da Receita, e Despeza da Administração, da


Real Extraeçaõ dos Diamantes, saído Intendente da
mesma o D.or Joaõ Ignacio do Amaral Silveira.

Despeza aonual. Diamantes qae se receberam Ouro


OITAVA». VALOR

1796 98:757.764$ 845.$.7 23:648.400


1797 101:220.492 629.0.3 10:150.500
1798 98:933.656 634^.2 20:360.700
1799 97:215.444$ 684.0.4 24:267.900
1800 102.-971.868$ 687.0.4 15:112.425
1801 l."Sem.e 60:254.524 342.0.5 387.750

559:353.739$ 3:822.$. 1 93:927.675

Da conta acima mostra-se que a despeza feita com a Real Extraeçaõ


dos diamantes, em cinco annos e meio, que decorreram desde o 1.° de
Janeiro de 1796 até o ultimo de Junho de 1801, importa, abatido o
rendimento do Ouro, que houve no dito tempo, em 465:426.064$ reis
que repartidos pelos ditos 5 annos e meio, vem a sahir o anno commum
a 84:622.920 reis, e que para compensação desta despeza, se recolheram
ao Cofre da Intendencia 3:822$ oitavas e 1 Vintém de Diamantes, que
repartidas também em anno commum, vem a sahir este a 695 oitavas
euja quantidade repartida pela mencionada despeza, vem a sahir o custo
de uma oitava dos mesmos Diamantes a 121.775 reis.
Voi. XXVII, N.« 101. NN
28S Miscellanea.

Relação da Receita, e Despeza da Administração


Real Extiacçaõ dos Diamantes, sendo Intendente (
rol da mesma o Dez.or Modesto Antônio Mayer
Fiscal, Manuel Pires de Figuereido.

Despeza animal. Diamantes que se receberam. Oo.ro.


OITAVAS. VALOt
1801 2.» Sem. 62:664.183 . . 556.0.4 7:356.86
1802 125:465.956$ . . 1.672.£.6 10:056.75
1803 137:110.582$ . . 1.625.0.0 10.818.001
1804 140:564.631$ . . 850.0.0 14:298.26;
1805 137:957.414 . . 874.0.6$ 9:830.40
1806 por calculo 130:000.000 . . 1.033.0.3 9:909.60

733:762.767$ . 6.610.|3.$ 62:269.87!

Da conta*acima mostra-se, que a despeza feita com a Real Eztr


çaõ dos Diamantes, em cinco annos e meio, que decorreram desde o
de Julho de 1801 até o ultimo de Dezembro de 1806, importa, abatic
rendimento do Ouro, que houve no dito tempo, em G71.49 2.8921 r
que repartidos pelos sobredictos 5 annos e meio vem a sahir o anno c<
mum a 122:089.616; e que para compensação desta despeza, se re
lheram ao Cofre da íntendencia 6.610J oitavas 3$ vinténs de Diamani
que repartidas também em anno commum, vem a sahir este a 1202oita\
cuja quantidade repartida pela mencionada despeza, vem asabir o eu
de uma oitava dos mesmos Diamantes a 101.670 reis.
Miscellanea. 283

Destas três demonstraçoens resulta.

Que desde o principio do anno de 1772, até o ultimo de De-


zembro de 1795, se despendeo, abatido o rendimento doOuro
6:345:826.850 reis, e com esta despeza se receberam 50.155
oitavas 5 vinténs de Diamantes, e cuja quantidade repartida
pela dieta despeza, vem a sahir o custo de cada Oitava de
Diamantes a 126.524
Que desde o principio de 1796, até o ultimo de Junho de
1801, se despendeo 465:426.064$ reis, e se receberam
3.822$ oitavas e 1 vintém de Diamantes, cuja quantidade
repartida pela dieta despeza vem a sahir o custo de cada
Oitava dos mesmos Diamantes a 121.775
Que desde o l.»de Julho de 1801, até o ultimo de Dezem-
bro de 1806, se despendeo 671:492.892$ reis, e se rece-
beram 6.fíl0j oitavas e 3$ vinténs de diamantes,cuja quan-
tidade repartida pela dieta despeza vem a sahir o custo de
cada Oitava de Diamantes a . 101.570
984 Miscellanea.
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288 Miscellanra.

Observaçoens á Despeza.

As despezas notadas neste orçamento foram tomadas


segundo o que constava dos diversos balanços, addicio-
nando-se a cada uma d ei Ias o que se achava por pagar ú
vista do que constava; naõ se podendo assegurar a sua
exactidaõ pela falta de classificaçoens, obrigando a le-
vallas a títulos geraes, principalmente na do Arsenal.
A despeza civil comprehende os ordenados dos empre-
gados, pençoens e despezas miúdas para as diversas esta-
çoens desta Província. A militar he relativa a soldos,
fardamento e monicio. A do Arsenal concerne o labora-
tório delle, fabrico, concerto de embarcaçoens, forneci-
mento para o batalhão N. r 12, trem e mais despezas miú-
das da Marinha. A do trem augmentou mais o anno de
1817, pela compra que se fez por elle de armamento para
a expedição de Pernambuco. A de Mercê Ordinária lhe
está consignada a quantia de 400.000 reis annualmente.
porém os antigos Governadores a excediam. A de Juros
naõ sofre orçamento; por ser quantia certa annualmente,
e só differia quando havia annuidade. A de Dizimos c
Professores também naõ sofre combinação, pois saõ des-
pezas, que naõ regulam menos que o ultimo anno. A
da fortaleza da Ajuda he levada ao anno em que se fez o
pedido, naõ declarando o tempo a que pertence; e por
isso he orçada pela segunda parte, sendo os direitos de
1000 reis por escravo appliçados a esta despeza.
Como se ha suspendido a mezada ou consignação do
Banco do Brazil, de 35:000.000 reis, que esta Província
dava, e os saques extraordinários do Erário do Rio-de-
Janeiro, que igualmente se pagavam, naõ se caleu aram
em despeza futura: a primeira, com o rebate, orçava cm
426:326.276 reis: a segunda em 116:363.468 rei».
Miscellanea. 280
Supposto que cresça a despeza desta Província por o
motivo do augmento da nova tarifa dos soldos da tropa
e outros accrescimos; equilibra talvez a isso os avançados
preços porque se compravam os gêneros para fornecimen-
to do Arsenal, e mais repartiçoens, e as despezas, que
se faziam superfluamente: deste modo naõ poderá exce-
dera muito mais a despeza futura desta Província.

Observaçoens â Receita.

Os impostos estabelecidos neste anno, como os direitos


sobre o vinho estrangeiro, e aguardente de consumo, naõ
se pôde incluir em comparação dos outros rendimentos,
por se tomar os quatro últimos annos. Os direitos d e i l -
luminaçaõ, os das muletas do tabaco, contribuiçoens
para a Juncta do commercio, faróes, &c; cujos rendimen-
tos se remettiam para o Rio-de-Janeiro, também se naõ
mencionaram pelo motivo acima.
Mostrando ser os direitos de 10.000 reis por escravo,
em alguns annos últimos, um rédito mais pequeno que
os dos 9.000 reis; cumpre advertir, que procede das em-
barcaçoens, que tocam as Ilhas do Principe e S. Thomé,
despacharem ali os escravos pelos direitos de 3.500, reis,
que lhes saõ consignados.
No anno de 1517, se naõ tinha estabelecido o imposto
de 9.000 reis por escravo, e por isso se orçou pela terça
parte. O rendimento do Dizimo e subsidio do assu-
car, tabaco e algodão, foi tomado conforme os despachos
das diflerentes saffras, e naõ pelo arrecadado nestes an-
nos; pois pelo atrazo em que se acha aquella repartição
n
»õ se pode tirar com exactidaô o anno de 1820; e se to-
mou como acima ; e a somma declarada he unicamente a
importância do rédito desta Província.
VOL. XXVII, N." 161. oo
290 Miscetlanea.

Os réditos conlractados foram orçados pela combina*


çaõ de dous triennios, comprehendendo alguns biennios,
e annos soltos, inclusive a cada um delles as suas respec-
tivas propinas.
Naõ foi orçada a receita extraordinária, como a de co-
bre da Casa de Moeda e outras ; por naõ ser ordinária do
Estado; assim como o contracto dos novos impostos, por
naõ pertencer ao augmento do Banco do Brazil, ao qual
lhe èra applicado.
Todos os réditos desta Província, transcriptos no pre-
sente orçamento, promettem maior augmento; uma vez
extinctos alguns abusos na arrecadação delles.

CORTES S E PORTUGAL.

166/ Sessaõ. 25 de Agosto.

Entrou-se na ordem do dia do parecer adiado, sobre


dever ou naõ ir tropas para o Brazil, e disse o Sr. Carva-
lho, que naõ achava necessidade nenhuma, para que fos-
se uma nova expedição para o Rio, render a que lá está;
porque o Rio-de-Janeiro, disse o Deputado, está ligado a
nós, e deseja a nossa mesma causa. E por isso, que as-
sentava que esta medida éra mais inconstitucional do que
constitucional; e concluio dizendo, que naõ só éra um
acto impolitico, mas atéoffensivo, o mandarem-se tropas
para o Brazil ; e que éra de voto naõ fossem, satisfazendo-
se aos navios, o que tivessem vencido, e que voltassem
as tropas, que estaõ no Rio, porque se lhes tinha pro-
mettido, e que esta promessa se devia cumprir.
O Sr. Abbade de Medroens disse, que no Rio naõ se
necessitavam nossas tropas; porque là havia regimentos
'Síiscel/anea. 291
de linha, milícias a pé e a cavallo, caçadores, brigada,
&c, o que se podia ver do Almanach; e que por tanto
naõ deviam ir, em quanto naõ viessem os Deputados do
Rio; porém que vindo elles, e di^essem, que éra preci-
so tropas, entaõ se mandassem. O Sr. Gouveia Ozorio
foi do mesmo voto.
O Sr. Serpa Machado, depois de um largo discurso,
em que mostrou, que no Rio naõ havia dissençoens; por-
que todos tinham de sua vontade concorrido a abraçar
este pacto, e com muita satisfacçaõ; mas com tudo, que
sempre tinha havido uma rivalidade da parte dos Euro-
peo9 com os Americanos; o que ainda continuava a ha-
ver; e que por isso, para evitar qualquer desunião, que
pertencia ao Governo dar providencias, para conservar o
socego publido: e por estes motivos, que éra de opinião,
que devia ir tropa de Portugal.
O Sr. Ferraõ apoiou o Sr. Serpa, dizendo que naõ éra
preciso ir grande tropa, mas aquella que fosse bastante
para conservar a ordem. O Sr. B. Carneiro disse, que as
tropas, que estavam no Rio, deviam infallivelmente vol-
tar; porque assim se lhes tinha promettido, o que se de-
via cumprir; dizendo, que as embarcaçoens estavam ja
promptap de viveres, e que por isso devia ira tropa. Os
Srs. Vasconcellos e Franzini apoiaram esta opinião.
OSr. Miranda respondeo ás opinioens acima, dizendo ;
ouvi neste Congresso dizer, que a tropa vai a modo de
subjugar; isso naõ he assim : ella vai somente para sus-
tentar o socego. Eu estou muito longe de querer que vá
outra tropa lá, que fique a mesma que lá já está. Naõ
admitto que se diga, que as circumstancias saõ as mes-
mas; he verdade que eu, quando sube, que tinha havido
fogo no Rio-de-Janeiro, quando foi das eleiçoens, éra de
parecer que fosse tropa; porém agora naõ estou dessa
opinião. E concluio dizendo, que naõ importava estarem
292 Miscellanea.
ja viveres comprados, que esses mesmos podiam ser con-
sumido» pela tropa, que cá está : e votou contra ir a tro-
pa.
O Sr. Fernandes Thomaz disse, que as informaçoens»
que havia, eram por cartas particulares, e naõ por um offi-
cio, que as mostrasse verdadeiras; por conseqüência naõ
apoiando que fossem 1.500 homens, que se queriam man-
dar, pelo motivo que custaria muito á naçaõ criar este
numero: e disse mais, que se devia esperar pelos deputa-
dos do Rio, e se elles assentassem, que devia ir, que en-
taõ iriam; mas que por ora se naõ deviam mandar.
O Sr. Trigozo disse, que se devia render a tropa de Mon-
te Vedio. O Sr. Soares Franco pedio, que se demorasse
a decisão até segunda feira, porque tinha noticia deter
chegado um navio com os deputados de Pernambuco.
Sobre isto houve alguma discussão; epondo-se a votos
sedecidio por 40 votos contra 37, que devia ir ja a expe-
dição : e quanto ao numero, se decidio, que naõ excedes-
sem a 1200 praças; e que regressassem as tropas que là
estavam.
Elegeo-ae Presidente para o seguinte mez, o Sr. Vaz
Velho; e Vice Presidente o Sr. Trigozo.

167a. Sessaõ. 27 de Agosto.


O Sr. Borges Carneiro, depois de uma apropriada intro-
ducçaõ propoz; 1.° que se revogue o beneplácito Regio,
concedido ao famoso motu próprio de Clemente XI, para
o fim de se instaurar o antigo Arcebispado de Lisboa, e
se reduzir a capella Real ao que dantes éra; derrogados
todos os alvarás, decretos e mais disposiçoens relativas a
esta matéria. 2.° Quanto aos actuaes prelados, beneficia-
dos, e empregados da dieta Igreja Patriarchal, que se peça
ao Governo uma lista delles, e de seus vencimentos, para
Miscellanea. 293
se designar quaes devam ter, em quanto naõ forem em-
pregados em outros empregos.—Foi posta sobre a Meza,
para esperar segunda leitura.
O Sr. Fernandes Thomaz fez uma moçaõ, para que se
cunhasse uma nova moeda de prato, cora valor depreci-
ado, trazendo emblemas relativos á regeneração da pá-
tria.
Discutio-se, segundo a ordem do dia, o ponto da Con-
stituição, seas eleiçoens dos Deputados de Cortes deviam
ser feitas directamente pelo povo, se por eleitores inter-
mediários: depois de longa discussão, ficou a questão
adiada.

168 a . Sessaõ. 28 de Agosto.

Leo-se um ofíicio do Ministro dos Negócios do Reyno,


em que perguntava se S. M. podia nomear para Secretario
de Estado, a qualquer dos seus Conselheiros. Causou
este officio viva sensação no Congresso, e alguns dos Snrs.
Deputados se expressaram em termos bastante fortes ; e
por fim foi decidido: 1." Que naõ poderá El Rey nome-
ar para Secretario de Estado a qualquer dos seus Conse-
lheiros: 2.° Nem tam pouco para outro qualquer empre-
go ou cargo.
O Sr. Borges Carneiro fez um discurso preliminar a
uma moçaõ, em que invectivou contra muitos magistra-
dos, que, esquecendo-se de sua alta dignidade,protegem
ladroens e assassinos, e se dobram a empenhos, apontan-
do factos; e propoz, que se apresentassem ao Congresso,
os processos de certos réos, que tinham sido absolvidos,
e que se tornassem a mandar prender. Depois de algu-
ma discussão approvou-se a primeira parte da moçaõ, mas
•**õ que se mandassem prender de novo os taes reos.
O Sr. Fernandes Thomaz leo o parecer da Commissaõ,
294 Miscellanea
sobre os officios vindos de Pernambuco, e propunha a
Commissaõ, que se participasse ao Governo, que desse
ordens á Câmara do Recife, para que nomeie uma Junc-
ta Provisória, composta de homens decididamente aífec-
tos ao Systema constitucional, expõem as attribuiçoens
da Juncta; que a administração da Fazenda fique como
até agora; mas encarregada ao Presidente da Juncta, que
será por tudo responsável ao Governo e ás Cortes, que ou
o actual, ou outro qualquer fique sendo o Governador das
armas, e que 6e ligue ao regimento da 1671, com algumas
alteraçoens, que se mencionaram.

169 a . Sessaõ. 29 de Agosto.

O Sr. Secretario Felgueiras mencionou uma represen-


tnçaõ, datada de hontem, a bordo da EscunaFlor do Mar,
anchorada defronte de Belero, que ao Soberano Congres-
so remetteo General Francisco de Borja Garçaõ Stockler,
pedindo, que se lhe permitta apresentar uma memória
justificativa, em que exponha toda a sua conducta, du-
rante o governo, que exerceo nas Ilhas dos Açores. So-
bre isto se leo o parecer da commissaõ, a quem foram re-
mettidos os papeis relativos áquellas ilhas, e que recom-
mendava, o prender-se Stockler na fortaleza de S. Juli-
caõ; e o Governo lhe mandasse formar culpa e processar.
Continuou a discussão sobre o ponto da Constituição,
que se refere ás eleiçoens de Deputados de Cortes. E se
resolveo, 65 votos contra 30, que as eleiçoens fossem pelo
methodo directo.
Foram introduzidos os Senhores Deputados, pela pro-
víncia de Pernambuco, que saõ os seguintes.
Ignacio Pinto de Almeida e Castro. Manuel Zeferino
dos Santos. Pedro de Araújo Lima. Joaõ Ferreira da
Silva. Francisco Moniz Tavares. Feliz Joze Tavares de
Miscellanea. 295
Lima. Domingos Malaquias de Aguiar. Pires Ferrei-
ra.
170.° Sessaõ. 29 de Agosto.
Em conseqüência de uma indicação do Sr. Borges Car-
neiro, contra os abusos do Coramissariado, houve alguma
discussão, em que reflectio no comportamento do Minis-
tro da Fazenda, que naõ cohibia os males daquella Re-
partição; e foi resolvido, que se pedissem informaçoens
ao Governo.
O Sr. Castello Branco Manuel lêo o parecer da Com-
missaõ do Ultramar, sobre os acontecimentos da9 ilhas de
Cabo Verde; attribuindo-se tudo ao Governador Antônio
Pussis, por naõ querer declarar-se desde logo pela causa
da Regeneração. Sobre varias cousas, que pedem os po-
vos daquella ilha, cujo comportamento a Commissaõ
houva, e julga que somente tem lugar, a que pede que o
mercado da Urzella seja feito em Lisboa; o que foi appro-
vado; e que se pagasse cada arratel de Ursella a 40 reis.
Leo o Sr. Fernandes Thomaz o parecer da Commissaõ
sobre o Governo das províncias do Ultramar, que se reduz
a nomear-se uma Juncta de sette membros, d'entre os quaes
se ha de escolher Presidente e Secretario, e que haõ de ser
nomeados pelos Eleitores de Comarca, sendo elegiveis
pessoas capazes, de conhecida probidade, affectos ao sys-
tema constitucional, e que por seus bens, negocio ou in-
dustria, tenham meios para subsistrem com decência:
expõem as attribuiçoens desta Juncta: que um official
de competente graduação deve immediatamente ir sub-
stituir Luiz do Rego Barreto; que o batalhão do regimen-
to do Algarve, que lá está, seja immediatamente remo-
vido, &c.
O Sr. Moniz Tavares, queixando-se altamente das vio-
lências do tyranno Luiz do Rego, disse, que naõ só a elle
296 Miscellanea.
se deviam attribuir todos os males: concluindo, que haja
contemplação com os desgraçados Pernambucanos, que
se acham cm ferros, prizoens e degredos.
O Sr. Medonça Falcaõ queria, que se lhes applicasse
o decreto de amnistia; mas o Sr. Macedo sustentou, que
lhe naõ éra applicavel por naõ serem criminosos, mas o
Sr. Bastos disse, que naõ só naõ eram criminosos, mas de-
viam ser considerados como heroes. O Sr. Borges Car-
neiro orou energicamente contra o Governador Rego, e
a favor das victimas de seu despotismo.
Depois de varias discussoens disse o Sr. Monis Barreto,
que os habitantes de Pernambuco, e de todo o Brazil,
jamais ambicionavam a independência, que desejam ser
livres com uma Constituição liberal, e gozarem todos os
bens, que os habitantes de Portugal gozarem. O Sr. Bor-
ges exclamou—" Vivam os Pernambucanos"—e foi se-
guido de todo o Congresso.
Foi approvado o parecer da Commissaõ com breves al-
teraçoens. Também se resolveo, que sejam suspensos os
ouvidoures geraes, e que se lhe forme culpa, e que o Pre-
sidente da Juncta da Fazenda seja o membro mais antigo
da Provisória, e que seja removido o batalhão do Al-
garve.

171. a Sessaõ. 31 de Agosto.

O Sr. B. Carneiro apresentou três indicaçoens; a 1.» so-


bre o conceder-se licenciamento aos milicianos: 2.° Para.
se mandarem ordens ás Junctas Provisórias das Provín-
cias Ultramarinas, para fazerem construir embarcaçocns
de guerra e de transportes; pois sem marinha naõ se po-
derão sustentar as relaçoens do commercio e uniaõ em
todo o Reyno. 3. a Para que se indique pela competente
Miscellanea. 297
via, que o Conselho de Estado proponha a S. M: a neces-
sidade, que ha de se cuidar na educação do Sr. Infante
D. Miguel, propondo o mesmo Conselho dous mestres,
que lhe dem todos os dias liçoens de Grammatica
Portugueza, &c.
O Sr. Fernandes Thomaz apresentou duas indicaçoens.
1." para que se peça ao Governo, que remetta ás Cortes
com toda a brevidade, a conrespondencia dos Diplomá-
ticos de Inglaterra, Hespanha e França, do dia 24 de
Agosto do anno passado para cá. 2.» Para que se pague
aos empregados que vieram do Rio-de-Janeiro os seus or-
denados.
O Sr. Fernandes Thomaz queixou-se de que os Minis-
tros naõ tivessem ainda feito listas desses empregados.
O Sr. Miranda, disse ; os estrangeiras naõ cessam de
louvar as decisoens das Cortes, e de se admirarem ao mes-
mo tempo, que do Poder Executivo naõ apparecesse
ainda um só decreto: os Ministros naõ saõ capazes, naõ
se unem, naõ fazem nada: um accumulou-se de tantos
empregos, que ainda que tivesse dez vezes mais talento,
do que realmente naõ tem, naõ seria capaz talvez de de-
sempenhar um só; o da Guerra ha tanto tempo no Minis-
tério, devendo conhecer o quanto o Exercito precisa d' uma
reforma, ainda nem ao menos offereceo um plano, nem
tractou de cousa alguma: uns velhos, outros ineptos, em
summanaõ ha Ministério, naõ temos nada, esem elle he
impossível dar um passo; porque fazermos as leys, e fa-
zermos ao mesmo tempo executallas, naõ he da nossa
competência, nem o podemos.
Fallou no mesmo sentido ampliando toda a via com
algumas idéas, as razoens, que se chavara expendidas, o
Sr. Castello Branco: expoz a desunião dos Ministros, e
a necessidade, que ha em que se unam; e conduto, que
Vot. XXVII. No. 161. Q«
298 Miscetlanea.
se indicasse isto de alguma forma a El Rey, para que
nomeasse um novo Ministério; e tendo o Sr. Abbade de
Medroens lembrado, que se discutisse o regimento dos
Conselheiros d r l£stado, pois éra o modo de poderem en-
taõ fallar claro, e aconselhar a S. M . : o Sr. Caldeira com-
binou com este parecer, e logo o Sr. Moura se levantou,
e combateo energicamente a ultima parte do parecer do
Sr. Castello Branco, assegurando serem os mais sólidos,
justos c sanctos os princípios, que expendéra na primei-
r a ; naõ posso; disse, admittir que se afirme nesta As-
semblea, que se indique a El Rey que escolha um novo
Ministério: pertence somente a S. M. essa escolha; tem
toda a liberdade de a fazer; eu quero que elle saiba, quan-
do ler os Diários de Cortes, qual he a minha opinião,
quaes saõ as dos meus collegas ; mas de sorte alguma se
pense, que este Congresso lhe indicou a escolha ou elei-
ção do Ministério, concordo com tudo, queonaõtemos:
naõ consta que uma só vez se unissem os Ministros, nem
ao menos em um Club particular, para unidos tractarem
c cuidarem dos interesses da Naçaõ, pois éra esse o seu
dever, he isso o que exige o systema constitucional.
Discutio-se, segundo a ordem do dia, o projecto da Con-
stituição, no que respeita as eleiçoens dos Deputados de
Cortes, e lia vendo-se decidido, que as eleiçoens fossem
immediatas, o que lie contrario ao que se adiava no pro-
jecto, se passaram os artigos respectivos á Commissaõ,
para os redigir nessa conformidade, unindo-se á Commis-
saõ os Srs. Franzini e Miranda.
Discutio-seo artigo34,daCoustituiçaõ,que ordena as elei-
çoens cada dous annos: dahi o artigo 47, em que se regula a
proporção de um Deputado para cada 30.000 habitantes-
Depois de terminar a sessaõ ordinária, se passou aos
objectos designa dos para a prorogaçaõ da mesma.
Começou a discussão o ^r. Araújo Lima, para que se
Misccllanea. 299
extendesse o decreto do licenciamento das milícias ás de
Pernambuco. O Sr. Zeferino dos Santos naõ só apoiou
o mesmo, mas orou a favor dos officiaes, que se acham
prezos, e desterrados pelos acontecimentos de 6 de Mar-
ço. O Sr. Moniz Tavares fallou no mesmo sentido; e
6e resolveo, que se pedissem esclarecimentos à nova Junc-
ta Provisória, sobre os crimes porque foram arguidos, e
os cargos em que podem ser empregados, e qne se lhes
paguem os seus vencimentos, até que venham as pedidas
informaçoens: e extendeo-se a Pernambuco a providen-
cia do licenciamento das milícias.

172a. Sessaõ. 1 de Septembro.


O Sr. Braamcamp disse: na sessaõ de hontem se resol-
veo, que se pedisse ao Governo a conrespondencia dos
Diplomáticos de Hespanha, França e Inglaterra; peço
que se declare na acta, que eu votei pelo contrario.
Approvou-se o decreto para a inauguração do Governo
Provincial de Pernambuco.
O Sr. Braamcamp lêo o parecer da Commissaõ Diplo-
mática, a respeito dos ordenados, que devem vencer os
Diplomáticos nas Cortes Estrangeiras. Antigamente os
das três Cortes principaes montavam e 48 mil cruzados,
e os das outras todas a30 mil cruzados, fora outras despe-
zas de secretários, pensoens, &c.; faz depois um resumo
do plano do Ministro dos Negócios Estrangeiros, expon-
do, que se deve dar aos das Cortes de Roma, Londres,
Hespanha, Petersburgo, 12 mil cruzados; aos outros 10
mil cruzados, e todos com o titulo de Agentes, revestidos
do character d'Enviados Extraordinários; e que para as
despezas de secretarias se disponham de 600.000 reis até
3 mil cruzados. A commissaõ concorda com o plano do
Ministro, com pouquíssimas alteraçoens.
300 Miscellanea.
A Commissaõ deo também o seu parecer sobre os Côn-
sules das Potências Barbarescas. Estes pareceres foram
approvados.
O Sr. Borges Carneiro lembrou, que se chamassem a
Portugal os Diplomáticos, que estaõ julgados como in-
cursos hos delictos contra o novo systema, e o Sr. Moura»
asseverando, que esta moçaõ he de todo o pezo, susten-
tou toda a via, que naõ deve ir embaraçar a prompta exe-
cução da primeira: esses quatro cidadãos naõ devem es-
tar ausentes; porque podem ser perigosos fora de Portu-
gal.
Disse o Sr. Braamcamp, que talvez embaraçasse a no-
meação' dos Diplomáticos, o naõ haver Conselho dista-
do: porque por elle deve ser tractado este negocio; e
pedio se designasse um dos próximos dias para a discus-
são. Respondeo o Sr. Fernandes Thomaz; nada disso,
o Governo faça o que entender, isto naõ tem demora, e
primeiro que se discuta e approve o regimento, que se
unam, &c, leva muito tempo: nada, nada de demo-
ras.
A ppróvaram-se os primeiros três artigos do projecto,
sobre os Governos Ultramarinos.

173.m Sessaõ. 3 de Septembro.

O Sr. Arcebispo da Bahia apresentou um projecto de


decreto, para que se nad enterrem os cadáveres nas igre-
jas, e se estabeleçam cemitérios.
Discutio-se o ponto da Constituição, sobre a epoclia
do anno, em que se devem reunir as Cortes; e foi deci-
dido, que no Outono, e a 15 de Dezembro. Decidiram-
se também outros artigos relativos ao ajunctamento das
Cortes.
Miscíllanea. 301

174a. Sessaõ. 4 de Septembro.

O Sr. B. Carneiro fez as seguintes moçoens. 1.» Para


que se dirija um mui respeituoso memorial a S. M, para
que quanto antes mude a sua residência para o palácio da
Ajuda: e para que com toda a humildade se lhe peça,
que disponha o Ministério de modo, que se uma, e cuide
dos interesses da Naçaõ. O Sr. Castello Branco obser-
vou, que a palavra humildade naõ éra própria; mas o
Sr. B. Carneiro respondeo, que elle a tomara na mesma
accepçaõ de respeito.
2.a Sobre o declararem os Desembargadores nos accor-
daõs, quaes saõ os seus votos.
3.* Que se naõ execute certa sentença de um Conselho
Militar.
4.° Que se formasse uma Commissaõ de Negociantes,
para fazerem as arremataçoens do Commissariado.
O Sr. Frazini fez uma moçaõ para que se naõ executas-
se um Avizo do Ministro da Fazenda, pelo qual suspen-
dia todas as pensoens, tenças e ajudas de custo, sem dis-
criminação* o que éra contrario ás intençoens das Cor-
tes.

175.* Sessaõ. 5 de Septembro.

O Sr. B. Carneiro expoz as informaçoens que tinha,


sobre os roubos, que os ladroens commettiam em varias
províncias, e da culpa que nisso tinham os magistrados,
que OB naõ castigavam. Houve algum debate a cerca das
verdadeiras causas destes males, no que houve variedade
de opinioens. Decidio-se a final, que â Commissaõ de
justiça criminal se ajunctassem os Snrs. Brandão, Annes,
e Bitancourt, e que quanto antes dessem o seu parecer,
302 Miscellanea.
sobre as providencias, que se devem adoptar a este res-
peito: tendo em vista as indicaçoens do Sr. Margiochi
sobre os jurados, e do Sr. Alvez do Rio, para que o pro-
cesso criminal seja feito publicamente.
O Sr. Braamcamp, depois de uma appropriada intro-
ducçaõ, sobre a necessidade de estreitar os laços da uniaõ
entre Portugal e Pernambuco ; propoz, que se abolissem
os direitos de importação e exportação, nos gêneros de
commercio, entre Portugal e Pernambuco e que o mes-
mo se extenda às mais partes do Brazil, logo que possam
ser consultados seus respectivos deputados.

176 a . Sessaõ. 6 de Septembro.

Apresentou-se a conrespondencia dos Diplomáticos,


desde 24 d'Agosto, que fora pedida ao Governo; e se
mandou passar á Commissaõ Diplomática.
Discutiram-se alguns artigos do Regimento do Con-
selho d'Estado.

177 a . Sessaõ. 7 de Septembro.

Continuou a discussão do regimento do Conselho de


Estado, sendo o principal debate a cerca do modo da no-
meação dos indivíduos para a magistratnra e outros em-
pregos, assim como Bispados e benefícios Ecclesiasticos:
e ficou adiado este artigo, que he o décimo do projecto.

178.* Sessaõ. 10 de Septembro.

O Sr. Fernandes Thomaz propoz: 1.° Que se separem


da Secretaria dos Negócios da Marinha os que saõ priva-
Miscellanea. 303
tivo9 ao Ultramar, passando ás differentes repartiçoens.
a que pertencem, como se practica com os de Portugal.
2.° Para que se desunam os lugares de Ministro da Fa-
zenda e Presidente do Thesouro.
O Sr. Deputado Pimentel Maldonado apresentou um
requirimento, pedindo que, entre as graças, que
se tem de supplicar ao Romano Pontífice, se lhe peça,
que, exceptuados os domingos, reduza todos os mais
dias sanctificados tam somente ás festividades do Na-
tal, Asccnçaõ, Annunciaçaõ, Epiphania, Padroeira do
Reyno, Dia de Todos os Sanctos. E que as Cortes de-
cretem que o poder secular naõ se intrometia mais em fa-
zer eífectiva similhante sanctificaçaõ, por dever unica-
mente competir ao poder ecclesiastico.
Reassumio-se a discussão, sobre o artigo décimo do
regimento do Conselho d'Estado; que foi approvado.
Prestaram juramento e tomaram assento os deputados
do Rio-de-Janeiro: os Snrs. Luiz Nicolao Fagundes Va-
rella : Joaõ Soares Brandão; Bispo Titular d'Elvas: e
Luiz Martins Bastos. A respeito do Bispo de Coimbra
foi a Commissaõ de Poderes de opinião, que apenas o re-
cebesse, se apresentasse para ser verificado, e tomar o seu
lugar.

179-* Sessaõ. 11 de Septembro.


O Sr. Moniz Tavares apresentou uma moçaõ a respeito
de vexames e violências, que practicam os Governadores
e Capitaens Generaes das Províncias Ultramarinas, e es-
pecialmente de algumas, que mencionou, como Paraíba,
Alagoas, &c.
O Sr. Ferraõ fez uma moçaõ, para que se passe ordem
ao Collegio Patriarchal, que pelas rendas de Mitra forne-
ça a titulo de beneficência uma pensaõ mensal (qual as
304 Miscellanea.
Cortes arbitrarem) para sustentação do infeliz Cardeal
Patriarcha.
O Resto da sessão se passou em ouvir pareceres das
Commissoens, sobre requirimentos de particulares.

Sessaõ Extraordinária deli de Septembro.

Começou a sessaõ ás 3 horas da tarde, e foi occupada


em ouvir pareceres de commissoens.

108.* Sessaõ. 12 de Septembro.

Entrando em discussão o regulamento do Conselho d i s -


tado, propoz o Sr. Arcebispo da Bahia, que se declaras-
sem as qualificaçoens dos indivíduos propostos para Bis-
pos. O Sr. Sarmento lembrou, que os officiaes de Fazen-
da e os Diplomáticos fossem também propostos em listas
triplas pelo Conselho de Estado. O Sr. Guerreiro propoz
que à proposta doConselho d'Estado precedesse concurso,
na forma do uso e custume. Mas opppoz-se a isto o Sr.
Antônio Rebello, pelo que pertence aos Bispos. Apprc-
varam-se os artigos 12 e 11 deste projecto.

181.a Sessaõ. 13 de Septembro.

O Sr. Abbade de Medroens, depois de conveniente in-


troducçaõ, propoz, que o Conde dos Arcos fosse solto, e
enviado dentro de três dias para fora de Lisboa, 20 légu-
as, e distante 10 das costas do mar, como se practicou
com os fidalgos, que acompanharam a S. M.
O Sr. Fernandes Thomaz respondendo a algumas obser-
vaçoens do precedente Deputado, propoz que se esperasse
Miscellanea. 305
até o outro dia, pois havia na Commissaõ de Constitui-
ção um requirimento do Conde. O que foi approvado.
O Sr. Soares Franco propoz; l.*Que se passem ordens
a fim de virem com os Deputados da índia os seus substi-
tutos. 2.* Para que o Governo faça construir duas ou
mais fragatas em Damaõ: 3:* Que se examine o compor-
tamento dos carcereiros.
Discutio-se o regulamento do Conselho d'Estado, no
que respeita as promoçoens no Exercitoe Marinha; e da-
hi houve longa discussão sobre a concessão de Cartas do
Conselho, que o Sr. Bispo de Beja considerava como o
primeiro titulo de Grandeza, e o Sr. Fernandes Thomaz
dizia, que naõ havia ley, que tal authorizasse. Resolveo-
se por fim, que se ficassem continuando estas Cartas de
Conselho.

182.» Sessaõ. 14 de Septembro,

Em conseqüência do parecer da Commissaõ de Guerra,


se deliberou, e decidio, que o serviço da Guarda de Po-
licia em Lisboa, se reduza ao primitivo, a que aquelle
corpo fora destinado ; e se for preciso augmentar-se, o
Ministro da Guerra o participe ao Congresso.
Discutiram-se nesta sessaõ alguns artigos da Constitui-
ção.

183.a Sessaõ. 17 de Septembro.

Leo-se um officio do Governador de Pernambuco, Luiz


do Rego, em que participa o haverem-lhe atirado um tiro
de que ficava mal ferido; e que mandara prender varias
VOL. XXVII. N.o 160 RR
306 Misccllanea.
pessoas, que remettia para Lisboa, por serem sequazes do
partido da independência.
O Sr. Moniz Tavares fez ver, que os eflèitos do despo-
tismo e da arbitrariedade saõ os motivos daquelles horro-
rosos procedimentos: mostrou a necessidade de mandar
estabelecer os novos Governos do Brazil; e expoz o triste
estado dos povos das Alagoas e do Ceará, &c.
A Commissaõ de Constituição expoz o seu parecer a
respeito do Conde dos Arcos ; reduzido a que se diga ao
Governo, que se a prizaõ naõ he conveniente á saúde do
prezo, se mude para outra, em que esteja igualmente se-
guro; e que achando-se em Lisboa muitas pessoas vindas
do Rio-de-Janeiro, o Governo nomeie um Ministro, que
em Lisboa mesmo abra a devassa sobre o Conde. Foi ap-
provado este parecer, depois de longo debate.

184." Sessaõ. 18 de Septembro.

Leo-se uma representação de 75 negociantes de Per-


nambuco, expondo o caso do Governador, attribuindo-o
ao partido dos independentes; e pedindo a conservação
de Luiz do Rego no Governo.
O Sr. Malaquias disse, que a maior partedestes negoci-
antes juraram falso, nas devassas, quo se tiraram em 1817,
e que saõ do partido do Governador. O Sr. Miranda ex-
poz, que tendo lido as gazetas de Pernambuco naõ tem
encontrado senaõ motivos de se persuadir, que Luiz do
Rego se tem portado muito bem, c com muita honra; e
disse muito em seu louvor.
O Sr. Ferreira e Silva fallou contra o Governador, eque
o acontecimento éra devido a motivos particulares, e re-
quereo, que se mandasse tirar uma devassa.
Discutio-se um addicionamentono regulamento do Con-
selho d'Estado, proposto pelo Sr. Braamcamp, para que
Misitltanea. ."307
eBta organização n a õ impedisse a f o r m a ç ã o d o Conselho
dos Ministros.

I 8 5 . a Sessaõ. 1 9 de Septembro.

Tomou-se em consideração o parecer da Commissaõ,


sobre os Governos Ultramarinos, e se leo o regulamento
feito ja paca Pernambuco, que se julgava applicavel a ou-
tras provincias. Foi primeiramente resolvido, que o nu-
mero de Membros nas Junctas de Governo fosse de sette,
para as que tinham ja tido Governador Capitão General ;
a saber: Para, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio-de-
Janeiro, Rio Grande do Sul, S. Paulo, Minas Geraes,
Goyazes, e Mato Grosso; e nas outras provincias cinco
membros.
Tractou-se depois do tempo em que se devem fazer as
eleiçoens desses membros, qualificaçoens, que devem ter
os eleitores, e ordenados que devem vencer. Depois
tractou-se do Governador militar da província e suas at-
tribuiçoens; e ultimamente sobre a conservação das Re-
laçoens no Brazil, o que ficou adiado.

186.a Sessaõ. 20 de Septembro.

Receberam-se officios da Secretaria da Marinha, parti-


cipando outros do Governo da Bahia, em que se explicam
os motivos de naõ se haverem effectuado as eleiçoens de
Deputados das Cortes, em conseqüência das distancias
das comarcas.
O Sr. Bastos propoz uma indicação, para que se sus-
pendesse a expedição para o Rio-de-Janeiro, posto que
ja esteja decretada, e que a matéria se discuta de novo,
30S Misrellaneo.
visto terem chegado os Deputados daquella província.
O Sr. Moura se oppoz a esta proposta comoanticonstitu-
cional, porque logo que os Deputados entram em Cor-
tes representam toda a naçaõ. O Sr. Fernandes Thomaz
também se oppoz a isto ; e regeitou-se a final a indica-
ção.
Discutiram-se vários artigos sobre os Governos Ultra-
marinos; e se decidio, que regressasse do Brazil o Princi-
pe Real, e que seja mandado viajar a Europa.

187.* Sessaõ. 21 de Septembro.

O Sr. fez uma indicação, para se pagarem os orde-


nados aos empregados, que vieram do .Rio-de-Janeiro, o
que causou bastante discussão; e outra para que se desig-
nassem as congruas aos Bispos.
O Sr. Ferreira da Silva observou, que ainda se naõ ti-
nha nomeado Governador para Pernambuco, apezar do
que havia determinado o Congresso; e o Sr. Malaquias
sustentou, que em quanto se naõ retirar Luiz do Rego e
o batalhão do Algarve, naõ ha de haver socego em Per-
nambuco.
O Sr. Baeta disse, que sabia ter o Governo nomeado
um oficial, que naõ quiz aceitar, e portanto propunha,
que todo o militar, nomeado para um governo, fosse obri-
gado a obedecer, ou se lhe desse baixa. O Sr. Fernan-
des Thomaz apoiou isto, e que a medida se extendessc a
todos os empregados.

188.» Sessaõ. 22 de Septembro,

O Sr. Bastos oftereceo uma representação do Ouvidor


do Conselho de Villa nova da Gaia. expondo que, na&
Miscelfanra. 309
18 freguezias e 2 coutos da sua jurisdicçaõ, quasi todas
PH noites ha assaltos de numerosas quadrilhas de ladroens,
arrombando portas, dando descargas cerradas, como se
fossem tropa disciplinada, aterrando e afugentando os
povos, e roubando-cs impunemente: exigio, que se des-
sem as mais enérgicas providencias, ponderando o que
do contrario se viria a seguir. Foi apoiado; mas obser-
vando o Sr. Camello Fortes, que está prompto na Com-
missaõ de Justiça Criminal o parecer sobre o corpo da
Policia no Reyno, se resolveo que fosse apresentado Se-
gunda Feira para se discutir.
O Sr. Ribeiro Telles, pela Commissaõ de Fazenda, lêo
o relatório sobre as bazes da nova pauta da alfândega,
reduzidas a três pontos. 1." Que os gêneros do paiz se-
jam favorecidos. 2.° Que os estrangeiros, que também fo-
rem próprios do paiz, sejam carregados de grandesdireitos
ou prohibidos: mas os de matérias primas, indispensáveis
ás fabricas nacionaes, sejam favorecidos. 3.° Que os gê-
neros coloniaes se conservem no mesmo estado, até a re-
união dos Deputados do Brazil, para entaõ se discutirem
as medidas geraes a este respeito.
Houve uma grande discussão a respeito doCommissa-
riado, e se resolveo a final, que se pagasse o paõ aos sol-
dados a dinheiro, ficando adiado quanto ao que devia
ser, até o relatório de uma Commissaõ especial, que paia
isso se nomeou.

189.» Sessaõ. 24 de Septembro.

Leo-se o parecer da Commissaõ de Justiça Criminal,


sobre as providencias para perseguir e prender os ladro-
' " s ; e depois de longo debate, sobre se deviam dar-se
providencias immediatas, ou esperar pela discussão des.-
310 Misce.lltíW-a.

te projecto, se resolveo, que se recommende ao Governo


a exacta observância das leys existentes a este respeito,
e que se auxilie da tropa.
O Sr. Fernandes Thomaz fez duas indicaçoens: l. a para
se discutirem na sessão de 4. a feira os artigos da Consti-
tuição 172, 173, e 174, para que os artigos das bazes,
que se acham suspensos se ponham em execução. 2."
Que tendo-se embarcado no Rio-de-Janeiro todos os pa-
peis da Secretaria de Estado, na fragata Venus, e que
determinando-se que esta fosse para o Sul, passaram ao
navio Gram Pará; que lhe consta que depois se arromba-
ram, e que se tiraram todos os papeis pertencentes ao Ul-
tramar, entrando toda a conrespondencia dos Diplomáti-
cos. Propõem, portanto, que se interrogne o Conde dos
Arcos judicialmente a este respeito, e que com toda a
brevidade se passem ordens, para que do Rio-de-Janeiro
se remettam estes papeis; participando-se ao Governo,
que tanto da interrogação do Conde, como do resultado
da requisição, que se faz dos papeis, dê parte ao Congres-
so.
Discutio-se umaddicionamenlo ao artigo 68 do projec-
to de Constituição, proposto pelo Sr. Vasconcellos, que
foi approvado.

190 a . Sessaõ. 25 de Septembro.

Esta sessaõ se passou quasi toda em ouvir e resolver


pareceres de Commissoens sobre casos particulares.

191 a . Sessaõ. 25 de Septembro.


Leo-se uma representação da Juncta Provisória do Go-
verno da Bahia, datada de 9 de Agosto, em que expõem,
que tendo o Membro da mesma José Caetano de Paiva
Miscellanea. 311
Pereira requerido a sua demissão, e naõ lhe sendo con-
cedida, se ausentou sem dar parte alguma: a Juncta
manifesta o pezar, que tem pôr um tal acontecimento»
principalmente por ser aquelle cidadão um dos mais
beneméritos collaboradores da gloriosa revolução daquella
província
O Sr. Zeferino dos Santos apresentou três indicaçoens:
1.* para que os tributos, que pagam os povos de Pernam-
buco, para os encanamentos, obras publicas; eestradas da
província do Rio-de-Janeiro, sejam sim conservados, mas
que se appliquem para Pernambuco: accresentando, que
naõ he justo, que os povos desta província estejam pa-
gando para os benefícios de outra: 2 a . que também seja
conservado o tributo de 1.400 reis por cada escravo da
Costa d' África, e que eram applicados para a illumina-
çaõ da cidade do Rio-de-Janeiro; mas que revertam a
beneficio dos povos de Pernambuco, para se allumiar a
sua cidade, e naõ o fazerem com archotes, que estaõ
actualmente comprando aos Inglezes, que saõ quem lá os
leva. 8.<» para que cessem desde logo os emolumentos,
que se estaõ recebendo pela secretaria do Governo de
Pernambuco, e que revertem para os officiaes daSecre-
rla de Estado dos Negócios do Ultramar no Rio-de-Ja-
neiro. Ficou para segunda leitura.
Requereo o Sr. Moniz Tavares, que pelo navio, que
está próximo a sair para Pernambuco, se mandem os de-
cretos, par serem installadas as Junctas de Governo nas
provincias annexas, como saõ Alagoas, Ceará, &c. Ap-
provado.
Discutio-se a indicação do Sr. Fernandes Thomaz,
sobre os artigos 172, 173, e 174 do projecto de eonsti-
tuiçaõ, que respeita os casos em que os reos se devem
1'vrar soltos. Foi adiado.
312 Miscellanea.
Nomeou-se Presidente para o seguinte mez o Sr. Cag.
te Ho Branco; e Vice Presidente o Sr. Trigoso.

192a. Sessaõ. 27 de Septembro.

Propoz o Snr. Franzini, que se passem ordens ao Go-


verno, para que faça suspender os effeitos do arbitrário
Aviso do ex-ministro da Fazenda, de 18 de Junho, pelo
qual se mandaram parar os pagamentos de todas as pen-
soens ordinárias e tenças: mandando o Governo fazer,
para serem presentes ao Congresso, as relaçoens a que
unicamente mandam proceder. Foi esta moçaõ regei-
tada, e approvou-se em seu lugar, depois de alguma dis-
cussão, que o Governo mande cumprir todas as ordens
do Congresso a este respeito, fazendo cessar a circular
do ex-Ministro, que suspendeo as pensoens, tenças e
ordinárias.
Por moçaõ do Sr. Ferraõ se ordenou, que se exponham
ao publico os cárceres e segredos da Inquisição na ci-
dade de Lisboa.
Approvou-se a indicação do Sr. Fernandes Thomaz,
para que o Governo solicite a bulla para o povo Portu-
guez comer sempre carne nos dias de abstinência.
Foi regeitada a indicação do Sr. Pereira do Carmo,
para se mandar á Inglaterra um Jurisconsulto aprender
o processo dos Jurados.
Miscellunca. 3l3

193.* Sessaõ. 28 de Septembro.

Discutio-se o artigo 173 da Constituição, e se passou


ao exame do artigo 69 ; que determina haverem sesso-
ens secretas nas Cortes, com a emenda do Senhor Braam-
camp, que sejam quando o determinar o regulamento
interior das Cortes. Examinou-se depois o artigo 70,
para que El Rey naõ possa impedir as eleiçoens, nem
o ajunetamento das Cortes, nem possa prorogallas.
Queria o Sr. Rebello, que a pena d' El Rey obrar em
contrario deste artigo fosse perder a Coroa; o Sr. Pinto
Magalhaens seguia, que somente sobre os Ministros de_
via cahir a responsabilidade. Muitos dos Senrs. Depu-
tados tomaram parte na questão; e a final foi o artigo
approvado, por 52 votos contra 24.
Approváram-se também os artigos 71» 72 e 79. Passou
se depois ao Capitulo III, e artigo 74 ; sobre as qualifi-
caçoens dos deputados das Cortes: e versou a discussão
principalmente sobre o terem rendas sufficientes para se
sustentarem, e naÕ serem de certas classes de emprega-
dos públicos. Depois de longa discussão ficou o artigo
addiado.

194* Sessaõ. 29 de Septembro.

Approvou-se nesta sessaõ o decreto redigido, sobre os


Governos do Ultramar. Approvou-se taraben a forma
da participação, que se ha de dirigir a S. M. á cerca da
regressão do Principe Real ao reyno de Portugal, e da
»ua viagem incógnita às Cortes de Hespanha, França e
Inglaterra.
Discutio-se um decreto, para se abolir o direito de
20.000 reis em cada pipa de aguardente exportada de
V©l. XXVII. N.o 161, si
314 Misrel/anea.
Portugal e ilhas, conservando-se somente o direito de
2.000 reis por pipa; remettèram-se alguns dos artigos á
commissaõ para os redigir de novo; adiando-se outros
artigos

195a. Sessaõ. 4 de Outubro.


Foram introduzidos e tomaram seu assento os Depu-
tados das ilhas do Pico e Fayal; e saõ os Snrs. Manuel
Jozé de Ai riaga Bruno da Silveira, e Felisberto Jozé de
Sequeira.
O Sr. Fernandes Thomaz apresentou duas indicaçoens.
1." Que achando-se a Naçaõ muito mal servida nos luga-
res de Cônsules com estrangeiros; propõem, que sejam
estes removidos, e substituídos por Portuguezes, cujas
qualidades aponta, devendo entre ellas terem a reconheci-
da adhesaõ ao systema constitucional. 2.» Sendo certo, e
indubitavcl, que ha Portuguezes tam degenerados, e per-
versos, que procuram, por discursos e conversaçoens.
tanto publica como particularmente, transtornar e pertur-
bar a nova ordem de cousas, disseminado a desconfian-
ça entre os povos; propõem, que a Commissaõ de redac-
çaõ se encarregue de fazer e propor ao Soberano Congres-
so, para ser discutido, um projecto de ley crjminal, que
puna, como crime de Leza Naçaõ, tendo em vista a Or-
denação do Reyno no que he respectivo a este objecto,
todos aquelles, que por este meio perturbarem a tranqüi-
lidade e a ordem publica. Approvados.
O resto da sessaõ passou examinando negócios de par-
ticulares.

196a- Sessaõ. 1 de Outubro.


Mencionou-se um officio do Ministro da Marinha, em
Miscellanea. 315
que expõem que S. M. deseja saber qual deve ser o espa-
ço de tempo, que os Governadores do Ultramar devem
servir; e que S. M. está resolvido a nomear um Ajudan-
te de Pessoa, a estes Governadores, concedendo-se forra-
gens, &c. Depois de alguma discussão foi remettido
este officio a uma Commissaõ.
O Sr. Moniz Tavares fez as seguintes indicaçoens,
que ambas ficaram para segunda leitura: I a . Sobre as
grandes sesmarias, que concediam os Governadores do
Brazil, o que tudo éra em detrimento dos pobres, que-
rendo o illustre author da indicação, que naõ se conce-
da maior porçaõ do que aquella, que he precisa para um
homem se manter, e doze filhos, tendo para isto prefe-
rencia o homem casado, o soldado, que tiver servido por
cinco annos com honra, e o estrangeiro, que se quizer
estabelecer; fazendo-se esta doaçaõ de graça, e antes
concedendo-se á custa do Thesouro da Naçaõ osinstru-
mentos precisos para a agricultura, caso precisem : mas
também com a restricta obrigação de serem cultivadas lo-
go as terras, dentro do espaço prefixo de seis mezes.
2.a Sobre os desgraçados indígenas do Brazil, remo-
vendo-se o bárbaro uso de os caçar nas matas, e atirar-
lhe; devendo-se ter toda a contemplação com elles, tra-
tando-se de os reunir por meio de persuaçoens de ho-
mens religiosos de saã virtude; e dando-se todos os me-
ios para se estabelecerem, conservando-se illesas todas
as terras que possuem, servindo de exemplo o que prac-
ticam hoje mesmo os Americanos do Norte.
O Sr. Fernandes Thomaz depois de uma muito judi-
ciosa introducçaõ, em que expoz, que a necessidade de
dar prêmios à virtude he tam urgente como de punir
o» crimes; propoz, que se nomeasse uma Commissaõ,
para reformar immediatamente o Regimento das Mercês,
fazendo um novo, em que se estabeleçam regras certas,
316 Miscellanea.
pelas quaes se premeiem as acçoens dos cidadãos, que
tiverem servido a Pátria por tanto tempo ou de tal modo,
que ella seja obrigada por justiça a recompensallas. Foi
esta proposição admittida logo a segunda leitura; e o Sr.
Presidente nomeou depois os membros para esta Com-
missaõ.
Tractou-se da forma de proceder à eleição dos Depu-
tados, que faltam pelo Alemtejo, e Trás os Montes, e que
foi remettido a uma Commissaõ.
Discutio-se o artigo 172 da Constituição, que ficara
addiado, sobre os casos em que os réos se devem livrar
soltos. Depois de longa discussão voltou à Commissaõ'
O mesmo succedeo com o artigo 173 que ficou addiado.

197." Sessaõ. 2 de Outubro.

Leo-se um officio do Ministro da Repartição de Jus-


tiça, que expõem o caso do Religioso Carmelita, Fr. Ma-
nuel das Dores, que depois de soffrer 18 annos de prizaõ
no seu convento, e as mais atrozes oppressoens da
parte de seus prelados, foi por ordem das Cortes mu-
dado para outro convento, aonde morreo logo ao outro
dia. Foram os papeis remettidos á Commisaõ de Jus-
tiça Criminal, com as observaçoens de vários Deputa-
dos, que taes abusos dos superiores dos conventos jus-
tamente mereciam.
Leo-se uma proposta do Ministro do Negócios
Estrangeiros, em que diz. que pertencendo a S. M. no-
mear os differentes Diplomáticos, segundo a reforma das
Legaçoens, observa que o decreto das Cortes, sobre este
objecto, determina, que, encontrando quaesquer duvidas,
as proponha ás Cortes, para deliberarem; e que nesta
conformidade, encontrando, que saõ mui pequenos os
ordenados, que se designaram aos Addidos nas seis prin-
Miscellanea. 317
cipaes Cortes da Europa, e nos Estados Unidos da Ame-
ca Septentrional, indica a necessidade de serem augmen-
tados, nas quantias, que referre no mesmo officio.
Causou isto forte debate, fundadas as duvidas, em
que o Ministro fora o mesmo, que propuzéra o plano
do deereto, que depois de um mez naõ tinha cumprido, e
que lhe punha agora duvidas, que so pareciam tendentes
a espaçar a sua execução. Alguns deputados defende-
ram energicamente o Ministro, e a final foi a matéria re-
mettida à Commissaõ Diplomática para informar o Con-
gresso.
Houve renhida discussão sobre a introducçaõ das
águas ardentes estrangeiras na ilha da Madeira, susten-
tando uns a sua necessidade para o fabrico dos vinhos,
outros a ruinosa tendência desta medida, para as aguas-
ardentes do paiz. Resolveo-se a final, que se admitis-
sem, com o direito de 10.000 reis em cada pipa. Ex-
tendeo-se o mesmo ás Ilhas dos Açores.

198.* Sessaõ. 5 de Outubro.

Recebeo-se da Secretaria da Marinha o interrogatório, a


que as Cortes mandaram proceder, e que foi feito pelo
Corregedor da Corte e Crime, ao Conde dos Arcos, e a
algumas outras pessoas vindas do Rio-de-Janeiro, a res-
peito da razaõ porque naõ vieram daquella Corte os pa-
peis pertencentes ás Secretraias de Estado, e especial-
mente as conrespondencias dos Diplomáticos, passou á
Commissaõ de Constituição.
O Conde de Palmella envia um requirimento, acom-
panhado de muitos documentos, em que expõem, que
havendo alcançado licença e passaporte do Governo,
para passar á Itália, o naõ pôde fazer, em conseqüência
da ordem das Cortes, que determinaram, que estivesse
3Í8 Miscetlanea.
distante dez léguas da costa,naõ podendo atravessar este
caminho, sem que o Augusto Congresso o permitta.
Passou á Commissaõ das petiçoens.
O Sr. Ferreira Borges propoz, que se pedisse ao Mi-
nistro da Fazenda a sua opinião: 1." sobre a causa do
desconto do papel moeda: 2.° sobre o remédio próprio
de minorar ou destruir este mal, indicando medida par-
ticular, ou geral, queconvenha tomar-se a este fim. Ap-
provado.
Leo-se o adictamento do Sr. Braamcamp ao artigo 173
da Constituição, no qual se estabelece, que devem todos
instantaneamente obedecer aos mandados do Juiz, sob
pena de ser tido como criminoso de resistência, quem
fizer o contrario.
Oppoz-se energicamente o Sr. Fernandes Thomaz, mo-
strando-se decididamente contrario ao principio de obe-
diência cega; e allegando o exemplo da legislação Roma-
na. Lamentamos naõ poder copiar a luminosa falia deste
illustre Deputado. O Sr. Freire foi a favor da emenda.
Tomaram parte na questão vários deputados, e por fim
se resolveo, que o addictamento formasse parte da Cons-
tituição. Mas havendo sobre a mesma matéria outro ad-
dictamento a votos, em nova forma; a final se acharam
regeitados; e se approvou a doutrina nas seguintes pa-
lavras propostas pelo Sr. Pinto Magalhaens.
" Aquelle, que desobedecer ao mandado da Authori-
dade Legislativa, revestido das formulas, que a ley pre-
screve, se torna por isso culpado, e soffrerá as penas
que as leys prescreverem."
Miscellanea. {3191329

Refiexoens sobre as novidades deste mez.


REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Mudança de Ministério,
Os nossos Leitores estaõ ja informados de se haver mudado o
Ministro dos Negócios Estrangeiros em Lisboa : agora temos de
annunciar, que todos os outros Ministros foram também removi-
dos, nomeando S. M. os seguintes:
Para os Negócios do Reyno, o Desembargador Felippe Ferrei-
ra de Aiaujo e Castro. Para a repartição da Justiça, o Dr.
Jozé da Silva Carvalho. Fazenda, o Dr. Jozé Ignacio da Costa.
Guerra, Manuel Martins Pamplona.
Precedeo a esta mudança o ter o Ministro dos Negócios do
Reyno mandado perguntar ás Cortes, se El Rey poderia nomear
um Conselheiro d'Estado para a Secretaria do Ministério da Jus-
tiça, que por um decreto das Cortes de 23 de Agosto se desanne-
xára dos Negócios do Reyno.
As Cortes responderam pela negativa, mas na sessaõ 168, em
que isto se resolveo, se fizeram acres observaçoens, sobre os mo-
tivos de tal pergunta, e conseqüências desta doutrina.
Suscitou-se também nas Cortes grande queixa contra os demais
Ministros, apontando alguns Deputados faltas consideráveis,
como éra a de se naõ ajunetarem em Conselho de Gabinete, e
deliberarem junetos sobre as matérias de Governo Geral: naõ at-
tenderem á má administração de Justiça, punindo os culpados ;
ícc. O Ministro da Fazenda, que também fora comprehendido
nessas queixas, principalmente por oecupar mais de um emprego,
eipedio a 27 de Agosto uma portaria mui enérgica, para que
os empregados públicos prestassem a devida attençaõ a suas obri-
gnçocns, mas como naõ passou de uma admoestaçaõ geral, naõ
satitfez isso aos clamores, que se haviam suscitado nas Cortes.
Seguio-se a isto a nomeação dtí" novos Ministros, para todas as
Keparliçoens, como fica dicto: o que evidentemente se deve at-
320 Conrespoudencia.

thbuir ádefferencia, que houve, para com a opinião das Cortes;


posto que ellas naõ tomassem sobre isso alguma resolução for-
mal; e pelo contrario, muitos Deputados exprimiram a sua opi-
nião, de que o executivo devta ser perfeitamente livre na escolha
dos Ministros.
Este principio, que he verdadeiro, e que he de suinma impor-
tância guardar, para que as Cortes se naõ intrometiam nas attri-
buiçoens do Poder Executivo, deve porém conciliar-se com o
dever das Cortes, em vigiar que as diversas authoridades cum-
pram com seus deveres, a fim de accudir aos abusos com leys
convenientes. Inquiramos psis o modo por que isso se pôde ef-
fectuar ; e nos explicaremos com um exemplo.
O Deputado Fernandes Thomaz, na sessaõ 189, expóz; que,
tendo-se embarcado no Rio-de-Janeiro todos os papeis das Se-
cretarias de Estado na fragata Venus, e determinaudo-se que
esta fosse para o Sul, passaram ao navio Gram-Para; que lhe
constava, que ao depois se arrombaram, e se tiraram todos os
papeis pertencentes ao Ultramar, entrando toda a conresponden-
cia dos Diplomáticos. Propoz este Deputado, em conseqüência,
que se interrogasse o Conde dos Arcos, judicialmente, a este res-
peito, e que com toda a brevidade se passem ordens, para que
do Rio-de-Janeiro se remettam estes papeis ; participando-se
ao Governo, que tanto da interrogação do Conde, como do resul-
tado da requisição, que se faz dos papeis, se dê conta ao Con-
gresso,
A subtracçaõ desses papeis he um attentado escandalosissimo;
a falta de providencias em tal caso um descuido criminoso nos
Ministros; e o expediente proposto pelo Deputado, e approva-
do pelas Cortes, mui necessário ; mas isso he das attribuiçoens
do Poder Executivo, e naõ das Cortes.
Mas a questão he, se os Ministros naõ cumpriram o que de-
viam i devéllo-haõ fazer as Cortes ? Dizemos que naõ; porque
estas naõ devem ingerir-se no executivo. Mas entaõ, pergun-
tar-se-ha, deve ficar tam grande mal sem remédio ? Dizemos
também, que naõ: e exaqui como nos parece que as Cortes de-
Misccllancet. 321

veriam proceder, para remediai o mal, e naõ entrar com tudo


nas medidas, que pertencem ao Governo.
Perguntado o Ministro da Repartirão competente, e verificado
o facto da negligeucia de se naõ ha.eiuti tomado medidas e.iâ-
t.izes, em matéria de tanta ponderação, deviam as Cortes logo
formar processo ao Ministro culpado, que pelo facto da accusa-
çaõ ficaria suspenso : seu successor tractaiia do remediar a ne-
gligencia passada ; e quando o naõ fizesse, fosse também aspera-
mente castigado. Um ou dous exemplos destes fatiam os Minis-
tros diligentes; sem que as Cortes se vissem na uecessidade de
dar ordens sobre cousas, em que o Executivo deve cuidar.
Deste exemplo, pois, queremos deduzir a regra, que, todas
as vezes que algum empregado publico faltar a seus devei es, as
Cortes se naõ intromettam em remediar por si mesmas o mal, sal-
vo se o caso pedir providencias legislativas ; mas façam efficaz
a responsabilidade do Ministro, a quem competia providenciar
na conformidade das leys, ou participar immediatamente ao Con-
gresso, que naõ tinha em tal caso ley porque se regulasse.
O mesmo he applicavel a outro facto, de se apresentar nas Cor-
tes, na sessaõ 188, uma representação do Ouvidor do Conselho
de Villa Nova da Gaia, expondo o descaramento com que nume-
rosas quadrilhas de ladrotns roubam as casas, e afugentam os
moradores. Tal representação devia ser feita ao Governo : leys
ha sufficientes para estes casos, e o Ministro da Repartição com-
petente, deve responder pela sua naõ execução.
Terceiro raso ainda mencionaremos, e he o de Stockler. As
Cortes tomaram sobre si o mandar prender este homem, contra
quem ha queixas da mais séria natureza; c mandaram mais, que
fosse um Ministro devassar delle nas Ilhas dos Açores. Tudo
isto deveria ter feito o Executivo, e achando as Cortes, que se
naô fazia, deveriam incontinente proceder contra o Ministro da
Repartição competente.
Igual comportamento deveria ter havido contra o Governador
de Pernambuco; a quem alguns Deputados das Cortes elogiam,
por sua coragem, no debate da sessaõ 170 ; como se a coragem
daquelle homem, no serviço militar, pudesse sei vir de escusa ás
VOL. XXVII. N,« IGI. TI
322 Miscellanea.
atrocidades e tyrannias de que o nccusam, no seu lugar de Go-
vernador.
Por uma resolução das Cortes, na sessaõ 171, se mandou bus-
car a conrespoudencia dos Ministros Diplomáticos. Ora se o
fim he saber por ella os crimes, que taes Diplomáticos cotuniet-
têram contra a Regeneração da Pátria, bem pouco ou nada se sa-
berá disso pela tal conresponde ncia ; porque para o Brazil, e
naõ para Lisboa, iam seus officios, e no Rio-de-Janeiro houve
bom cuidado de dar cabo desses papeis assim o próprio expedi-
ente éra indagar do Ministro a razaõ, porque taes Diplomáticos
naõ estaõ ja em Lisboa passando por um processo legal.
Devemos pois desenganar-nos, que o Systema Constitucional
naõ progredirá, sem que a responsabilidade dos Ministros se fa-
ça perfeitamente efficaz : desta falta procederam todos os abusos
da passada Administração; e as Cortes nem tem tempo, nem
lhes compete, o entrar em providencias particulares ; mas teraõ
preenchido seus fins, quando naõ perdoarem aos Ministros, nem
sequer a menor conivência com os abusos dos empregados públi-
cos.

Prêmios aos beneméritos da Pátria.

Pnblicainos ja a p. 228 do N.° passado, os nomes dos indivídu-


os, que, na cidade do Porto, começaram a gloriosa revolução,
que trouxe com sigo a presente reforma de Portugal. Copiamos
esses nomes do relatório, apresentado, por ordem das Cortei,
pelo Deputado Ferreira Borges, e se acham desta maneira:
" Manoel Fernandes Thomaz : Jozé Ferreira Borges: Jozé da
Silva Carvalho: e Joaõ Ferreira Vianna : que fundaram uma so-
ciedade em 20 de Janeiro de 1818. Aggregáram a si Duarte
Lessa, em 10 de Fevereiro de 1818; Jozé Maria Lopes Carneiro
e Jozé Gonçalves dos Santos Silva, em 3 de Maio de 1818: Joze
Pereira de Menezes, em 6 de Julho de 1818 : Francisco Gomes
da Silva, e Joaõ da Cunha Souto Maior, em 20 de Maio 1820:
Miscellanea. 323
Jozé de Mello Castro e Abreu, em 5 de Junho 1820, Jozé Ma-
ria Xavier de Araújo, em 22 de Junho de 1820 : BernardoCor-
rea de Castro Sepulveda, em 19 de Agosto de 1820."
Devemos porém notar, que falta aqui uma circuinstancia, mui
iuteressante para a historia desta revolução; e vem a ser, o modo
por que os primeiros quatro se arranjaram; e naõ devemos omit-
tir a nossos Leitores o que sabemos de boa parte a este respeito.
Foi no dia 27 de Dezembro de 1817, em um passeio nos arra-
baldes da cidade do Porto, que Manuel Fernandes Thomaz, fat-
iando com Jozé da Silva Carvalho, lhe propoz o arranjo desta so-
ciedade, depois de reflexionarem muito sobre o decadente esta-
do da Naçaõ Portugueza, julgando mui conveniente haver um
partido de homens, que evitassem a anarchia, em que a Naçaõ
ia a cair, e pudessem dirigilla a receber uma Constituição libe-
ral, de que muito precisava. Nestes termos, Fernandes Thomaz
pódio a Carvalho, que lhe lembrasse alguém, que pudesse entrar
nesta empreza; e Carvalho mencionou a Borges, Lessa, Vianna,
Gonçalves, Carneiro; e ajunctando-se os primeiro quatro, no
mencionado dia 22, em casa de Borges, de manhaâ; por occasiaõ
de uma visita, ali faltaram todos, e na noite desse dia fizeram a
primeira sessaõ, e continuaram depois, dirigindo e encaminhan-
do a opinião publica, e fazendo todos aquelles esforços, que fo-
ram capazes de produzir o dia 24 de Agosto de 1820.

Tendência da Revolução em Portugal.

Foi, por muitos annos, objecto de assíduas lucubraçoeris nes-


te periódico, o mostrar a El Rey e a seu Governo, que os abusos
na Administração publica eram de tal magnitu4e, que se naõ
podiam remediar, nem mesmo paliar, sem a total reforma do sys-
tema político da Naçaõ : e insistimos estrenuaiuente, que a naõ
fazer o Governo as necessárias mudanças o povo faria a Revolu-
ção ; e que, começada esta pelo povo, uiuguein poderia predi-
zer os resultados.
Naõ fomos accreditados, pelo menos naõ se attendeo a nossos
324 Miscellanea.
avizos ; e porque aniuinciavamos, como fiel atalaia, que a re-
volução chegava, insensatamente nos accusavam os áulicos de
chamarmos por ella, de a desejarmos de sermos inimigos d'Ll
Rey, &c.
Chegou por fim essa revolução : e entaõ dissemos, que ja naõ
havia outra linha a seguir; senaõ o identificar-se El Rey com
ella, e seguir a sorte da Pátria, accommodando-se aos successos,
do melhor modo que fosse possivel, nãõ podeudo nas rtvoluçoens
escolher-se o bem absoluto, mas o relativo, ou o que he menos
mao.
Isto mesmo naõ foi seguido, e os áulicos se persuadiram, que
podiam, por meio de embustes, e subterfúgios, oppôr-se á revo-
lução, contrariálla e deilálla abaixo. Mas quando naõ houves-
sem outros indícios desses planos, bastava considerar quaes eram
as pessoas, q ue appareciam em scena no Governo d'El Rey.
Figurava como primeiro o Conde de Palmella; cuja política
he characterizada pelo grande defeito de vouloir tovjour
tromper; o mesmo que tinha tido parte na celebre proclamaçaõ
da Regência em Lisboa, contra os rebelde» do Porto. Claro está,
que, com tal homem á frente, dos negócios, as mais sinceras in-
tençoens d El Rey se deviam tornai suspeitas.
Seguio-se daqui o chamamento de umas Cortes no Brazil, que
haviam ser constituídas por tal •naneira, que só appresentavam
um escaineo de representação nacional ; e que por mais bem
constituidas que fossem, indicavam uma scisaõ do Brazil, poi
se naõ contemplarem as Cortes de Portugal, nem se dará Córlc
do Rio-de-Janeiro por sabedora de que em Portugal havia algu-
ma revolução.
No entanto que isto se passava no Brazil, os Diplomatas Por-
tuguezes nas Cortes Estrangeiras combinavam planos contra a
regenerarão de Portugal; e affirinava-se mui abertamente, e sem
que os amigos do Conde de Palmella o contradissessem, que
este Ministro do Brazil éra o primeiro inovei dessas intrigas di-
plomáticas na Europa. Daqui crcscèiam naturalmente as sus
peitas, contra tudo o que provinha do Ministério do Rio-dc-Ja-
nciro.
Miscellanea. 325
Arrebentou naquella cidade uma commoçaõ popular eda tropa,
que, ja por sua violência intrínseca, ja por que tinha sido prece-
dida por outras similhantes em varias partes do Brazil, forçou
os Ministros de Estado, para fora de seus lugares ; e El Rey pro-
metteo unir-se á Revolução, e pouco depois embarcou-se para a
Europa.
Mas, para que este passo prudente e justo da parte d'El Rey
fosse susceptível de sinistras interpretaçoens, acompanháram-o
para a Europa o mesmo Conde de Palmella, com o resto dos se-
quazes de seu Ministério, e antes de chegarem a Lisboa ja todo
o mundo apregoava, que esses homens haviam aconselhado a
El Rey, que em vez de chegar a Portugal aportasse nas ilhas
dos Açores, e dali tomasse suas medidas contra a Revolução.
Chega com effeito El Rey a Lisboa, e naõ só ali havia ja no-
ticia de todas essas intrigas, mas até uma carta de um desses
áulicos que vinham com El Rey, em que convidava, para se unir
a suas vistas, um dos corifeos da Revolução, actual membro da
Regência nomeada pelas Cortes.
< Que mais éra preciso para despertar os ciúmes e o zelo das
Cortes ? As Cortes e todos os heroes da regeueraçaõ da Pátria,
se os seus receios contra os áulicos se verificassem, deviam te-
mer o nome de rebeldes, e a sorte dos que arderam nas fogueiras
do Campo de Sancta Auna. Era a salvação da Pátria, éra a
segurança de suas próprias vidas, quem os obrigava a guardar-
se contra o que tam razoadamente deviam recear.
Mas nestes termos i que fizeram as Cortes ? Naõ procederam
a inflingir em seus opponentes, as penas que indubitavelmente
delles receberiam, se a revolução fosse derribada: a misericór-
dia se offereceo áquelless que na sua proclamaçaõ ameaçaram vin-
gança, e que a executariam (testemunha o Campo de Santa An-
na) se houvessem ficado vencedores. Em vez de subterrâneas
masmorras, e prisoens incommunicaveis, o Conde de Palmella,
e seus sequazes, só foram prohibidos de viver em Lisboa, aonde
poderiam com mais facilidade levar a diante suas intrigas. Seja
isto dicto, muito em louvor da revolução, que tem procurado, e
tem até agora conseguido, obter a desejada reforma, sem sangue.
326 Miscellanea
i E de que forma tem esses áulicos conrespondido á misericór-
dia, com que as Cortes tractaram seus inimigos ?
Os folhetos contra a revolução publicados em Londres; as con-
nexoens dos protectores de taes folhetos com o Conde de Palmella
e seu partido ; respondem amplamente á pergunta; porque saõ
factos públicos ; outros de natureza mais particular, em adequa-
do tempo sairaõ á luz.
Mas, tornando ao fio do nosso discurso, esta strie de erros
commettidos pelos perversos charlataens politicos, que cercavam
El Rey, produzio o ciumed as Cortes, e fez mudar o character
da revolução; negando-se ao Soberano muitas cousas, que nem
se meditava negar ao principio, nem se deveriam negar, se naõ
fossem as intrigas desses áulicos, que deram motivo a tam fu-
nestas suspeitas.
A conhecida benignidade d'El Rey, seu character pacifico e
bem fazejo, seu distincto amor pela Naçaõ, o faziam superior a
toda a suspeita ; e por outra parte, a decidida affeiçaõ dos Por-
tuguezes pela dynastia da Casa de Bragança, dar iam a este So-
berano toda a ascendência nos negócios públicos, de que elle,
em todos os tempos, se tem mostrado credor.
Mas, quando elle se acha rodeado de áulicos taes, como os que
até aqui tem figurado no Governo, a precaução das Cortes he
medida da mais urgente necessidade ; e esta consideração serve
a desculpar muitas decisoens das Cortes, que nós mesmos repro-
vamos, como inadmissíveis, se as cousas progredissem n'um
estado regular da sociedade, em Portugal.
E para que naõ se supponha, que nós desejamos cegamente
approvar, nem ainda desculpar,todos os aclos das Cortes, por essa
única mas ponderosa razaõ da própria conservação, diremos a
nossa opinião ; e he, que em taes conjuncturas, deveriam as Cor-
tes fazer a legislação perfeita, e suspender a execução daquelles
artigos, em que houvesse perigo, até que este cessasse. Allu-
dimos á composição do Conselho de Estado, e outras medidas
de igual tendência, que temos reprovado.
Outra causa tem contribuído, para alterar o character da revo-
lução, dando-lhe mais a forma de Monarchia-Deniocratica, pelo
Miscellanea. Zl7

augmento do Poder das Cortes, e vem a ser a negligencia dos


Ministros, mesmo dos nomeados pelas Cortes. Esta circumstan-
cia tem obrigado as Cortes a tomar sobre si o despacho de mui-
tos negócios, que deveriam pertencer ao Executivo; porque
este naõ tem feito o que lhe cabia.
Eis aqui a demasiada tendência á Democracia : Governo, que
estamos certos naõ he adaptado ao Gênio da Naçaõ Portugueza.
Esta mudança a que chamamos um mal, he um dos effeitos das
revoluçoens populares ; effeitos imprevistos, porque éra impos-
sível prever as causas incidentaes, que tem occurrido, e cujas
conseqüências também se naõ podem prognosticar; porque de-
pendem dos mais erros, que ambas as partes forem ao diante
commettendo.

Cortes de Portugal.

Lendo os debatei no Diário das Cortes, observando os seus


procedimentos, e meditando nas decisoens que adoptam, cada
vez nos covencemos mais de sua utilidade.
Seria tam inútil como prepostero disfarçar, que existem nas
Cortes Deputados, cujas opinioens se inclinam constantemente
para o systema antigo. Mas longe de julgarmos, que isso he
um mal para a Naçaõ, pensamos, que dahi resulta algum bem ;
c só notamos que os Deputados Liberaes tem mostrado com esses,
em alguns casos, demasiada coudescendencia.
As tentativas para salvar os Diplomáticos criminosos: os es-
forços para continuar a intolerância : a defeza dos empregados
públicos, aceusados de prevaricação ou negligencia, characteri-
zam á face da Naçaõ os Deputados, que saõ contra o Systema
Constitucional; por mais que elles trabalhem em mascarar com
especiosos argumentos suas ideas rançosas. Ao mesmo tempo,
o resultado das discussoens prova a maioridade dos Liberaes nas
Cortes, quando os argumentos satisfazem a Naçaõ, de que todos
os partidos saõ ouvidos com igual attençaõ; e nenhuma opinião
328 Miscellanea.

he suffocada, posto que seja arguida, c convencida, em tanto


quanto o espirito: de partido e a obstinação no erro saõ capa-
zes de convicção.
Os sofismas dos argumentos de uns, o desejo de conciliação
em outros, naõ permitte que as Cortes levem suas reformas ao
ponto, que muitos, e nós mesmos, desejaríamos ; e ainda mes-
mo assim muito se faz e tem feito. A desgraça he, que o mesmo
partido, que impede os melhoramentos, he o que por baixo de
maõ aceusa as Cortes, de naõ fazerem mais do que fazem.
No entanto as Cortes dam passos, que a todos convencem de
sua utilidade. Basta lembrar o ex-Ministro Conde dos Arcos,
o ex-Governador Stockler, prezos, e sugeitos a serem processa-
dos : exemplos inauditos na Administração passada, e que nun-
ca tiveram existido, se o antigo Governo continuara.
O plano das Junctas de Governo do Brazil; que estrondoso
melhoramento nos negócios públicos da Monarchia.
A decisão das Cortes, para que as eleiçoens dos Deputados
seja feita directamente pelo povo, sem a intervenção de primei-
ros e segundos eleitores intermediários, com o que se abriria tam
ampla porta á corrupção.
A resolução de mandar vir do Brazil o Principe Real. A in-
dagação sobre o modo de educação do Sr. Infante. ; Que passos
tam essenciaes, tam importantes, para o melhoramento da Monar-
chia!
Foram abolidos os Capitaens Mores, e as milícias licenceadas,
como prelúdio para desfazer aquelle horroroso systema, pelo qual
o Marechal Beresford, sob pretexto da defensado Reyno, redu-
ziria a Monarchia a um completo despotismo militar, que em
poucos annos igualaria a política dos Governos Asiáticos.
Naõ esquecem, no entanto, medidas collateraes, que servem
para fortalecer o Systema Constitucional; como foi a cerimonia
de assistir EI Rey a lançar a primeira pedra de uin monumento
no Rocio, em commemoraçaõ da Regeneração da Naçaõ. A so-
lemnidade foi conduzida com toda a pompa; e depois houve um
juntar publico, a que assistiram quatro centas pessoas ; e rego-
sijos por toda a cidade de Lisboa.
MisccHanea. 329

Local das Cortes.

Tem-se discutido nas Cortes vários planos, sobre o procurar


casa conveniente, aonde as Cortes tenham suas sessoens. Sêja-
nos permittido fallar neste incidente, e ajunctar mais a nossa
idea, ás de outros muitos.
O palácio da Inquisição, offerece mui boas accommodaçoens,
excepto o sallaõ aonde se devem ajunctar os Deputados; ora
para isto ha sobejo lugar nopateo aonde estavam os cárceres ; e
o edificarsomente esta salla, deve ser cousa de pequeno custo,
comparativamente ás demais casas, que se precisam, como saõ
secretarias, quartos para as commissoens, officinas, &c.; para
o que o palácio he sufficiente.
Além da pouca despeza, apraz-nos a idéa consolodora, de ver
erigido o Sanctuarío da liberdade nacional, sobre as ruínas da su-
perstição, e centro do despotismo.
Esta mudança 6eria de per si um monumento e symbolo da Re-
generação de Portugal. O passageiro naõ olharia para este lu-
gar, sem que sua imaginação fosse tocada do contraste.

Expedição para o Brazil.


Na sessaõ 166. a das Cortes, se debateo a questão, sobre o
mandar um corpo de tropas para o Brazil, segundo éra a opinião
de muitos Deputados, e conforme até ás intençoens d'EI Rey.
Com tudo, havendo mudado as circumstancias, e achando-se as
Cortes melhor informadas sobre o modo de pensar da maioridade
dos povos do Brazil, foi aquella opinião grandemente modifica-
da.
Os Deputados Carvalho, Abbade de Medroens, Gouveia Oso-
no, e outros, foram de opinião, que naõ éra preciso mandar tropa
para o Brazil. Os Deputados Serpa Machado, Ferraõ e outros
queriam que se mandassem unicamente tropas, para render as
que estavam no Rio-de-Janeiro. O Sr. Fernandes Thomaz e ou.
VOL. XXVII. No. 161. v v
330 Misccllanca.
tios opinavam por que se esperasse a chegada dos Deputados d„
Rio-de-Janeiro, para ouvir seu parecer, sobre a necessidade des-
ta expedição.
Depois de varias opinioens se decidio, que fosse a expedição,
mas naõ os 2.000 homens, que originalmente se tinha projecta-
do ; e fossem somente 1.200 praças ; e que regressasse a tropa,
que lá estava.
Ja dissemos, com o voto de alguns Deputados de Cortes, que
a uniaõ do Brazil com Portugal deve ser sustentada pela opini-
ão, e naõ pela força = assim estas tropas só poderiam ser envia-
das com utilidade, no sentido de render as que se acham no Bra-
zil, e que naõ estiverem inclinadas a fazer aquelle serviço.
Devemos confessar, que o procedimento das Cortes, e as opi-
nioens dos Deputados, que tem o character de mais liberaes,
tendem a pôr as provincias do Brazil era igual pé que as de Por-
tugal. Naõ bastam estas boas intençoens, he preciso, outro sim,
que os povos do Brazil estejam convencidos desta verdade: mas
uma vez que se produza esta convicção, ella será a verdadeira
força, sem precisão de tropas-

Governo Provisional no Brazil.

Discutiu-se j a e approvou-se nas Cortes a forma de Governos


Provisórios, para as províncias do Brazil, como se vê do docu-
mento, que publicamos a p. 275,
Reduz-se o plano a estabelecer Junctas, cujos membros sejam
escolhidos pelos eleitores de parochia de toda a província,
que puderem vir á capital ; sendo o numero dos vogaes
sette, nas provincias que d'antes tinham Capitão General; e saõ
—Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio-de-Janeiro, Itio-
Grande do Sul, S. Paulo, Minas Geraes, e Malto-Grouso: u**
outras somente cinco vogaes. O Governador militar naõ l<ra
outras attribuiçoens mais, que as dos Governadores das Arm*s
das provincias de Portugal.
Ao depois diieiiioj mui;, alguma cousa a este respeito; Pül
Miscellunca. 331

ora conlentamo-nos com expressar a nossa satisfarçaõ com a


medida em geral, que nos parece a mais prudente, que éra pos-
sivel adoptar nas circumstancias actuaes.
O primeiro beneficio, que resulta deste expediente, he terem
provado as Cortes o interesse, que mostram pelos povos do Bra-
zil, abolindo a tyrannia dos Bachás, que com nome de Gover-
nadores assolavam aquellas provincias. A segunda utilidade
consiste em tirar ao Ministério a odiosa responsabilidade da boa
ou má administração daquelles governantes; porque, deixando-
se a sua escolha aos povos, de si mesmos elles se deverão quei-
xar, caso os indivíduos naõ conrespondam ao que delles se espe-
ra. A terceira vantagem he dar-se aos povos do Brazil a opportu-
nidade de olharem por seus interesses ; a occasiaõ de se instruírem
nos negócios públicos ; e um motivo de adquirirem o character
de cidadão, que até agora estava submergido no mero estado de
subdito passivo.
Obtido assim este grande bem, tudo o mais saõ consideraçoens
secundarias, que poderão ser mais ou menos bem resolvidas, mas
que naõ podem obstar essencialmente ao plano geral.
Uniram-se já ás Cortes os Deputados pela província de Per-
nambuco, cujos nomes saõ :—Ignacio Pinto d* Almeida e Castro:
Manuel Zeferino dos Santos: Pedro de Araújo Lima : Joaõ Fer-
reira da silva: Francisco Monis Tavares: Feliz Jozé Tavares
Lyra : Domingos Malaquias de Aguiar : Pires Ferreira.
Também chegaram os do Rio-de-Janeiro; e saõ, Custodio
Gonçalves Ledo : Luiz Nicoláo Fagundes Varella : Joaõ Soares
Brandão; O Bispo Titular d'Elvas : Luiz Martins Bastos: e o
Bispo de Coimbra.
Destes, o Bispo de Coimbra ainda naõ tomou assento; e o
liispo titular d'Elvas morreologo depois de tomar o seu lugar.
Os Deputados do Brazil começaram logo por entrar nas deli-
beraçoens, sobre o que pertencia ao seu paiz ; e os de Pernam-
buco mui principalmente clamando contra o Governador Rego
e
> favor das muitas victimas, que a tyrannia daquelle Bachá tem
sacrificado, sob o pretexto de desafTeiçaõ naquella província á
uniaõ do Brazil com Portugal; pelo que opprime os indivíduos
332 Miscellanea.

e mancha o Brazil com uma nodoa, que, ainda que verdadeira


fosse, convinlia naõ assoalhar •, mas nenhuma outra cousa se podia
nunca esperar de homens taes como Rego ; cuja ignorância e ha-
bito do despotismo lhes naõ dá outra idea de Governo, senaõ a do
mando absoluto, e uma submissão cega da parte dos subditos,
tal qual se naõ encontra, nem mesmo n'uma corporação de Fran-
ciscanos, e que he incompatível com a sociedade de homens li-
vres.
Os Deputados da Bahia, ainda naõ chegaram a Lisboa, e a
Juncta daquella província informou as Cortes, de que as eleiço-
ens se tinham retardado, era conseqüência das distancias, mas
que se esperava pudessem partir no mez de Agosto.
A mesma causa se allega, pela tardança dos Deputados do
Pará; e no Maranhão naõ se tinham ainda jurado as Bazes da
Constituição; porque naõ foram ali notificadas officialmente.
i Porque razaõ senaõ perguntou isto ao Ministro do Ultramar,
e se naõ fez responsável por esta omissão ?
No entanto, se o systema constitucional naõ faz no Brazil oi
progressos, que se podiam desejar, pelo menos naõ di pasto»
retrógrados, e esperamos que o estabelicimento das Junctas Pro-
visionaes de Governo lhe dê a consistência, que he necessária.
Havendo, porém, expendido as vantagens, que resultam ao
Brazil das presentes medidas das Cortes, pelo que, se os Brazi-
lienses tem sentimentos de justiça, se devem mostrar gratos;
convém que naõ deixemos no esquecimento, pelo que sobre isto
teremos de dizer no futuro, os interesses que Portugal tira desta
uniaõ.
Primeiramente, he melhor que uma Naçaõ consista de sette
milhoens do que de três milhoens de habitantes.
Depois, em ponto de finanças, a uniaõ do Brazil com Portu-
gal pôde ser comparada a dous negociantes, ambos em miserável
estado de seus negócios : mas um tem dividas em somroa de 00
milhoens, e com poucos meios de os satisfazer; o outro tem uma
divida de 15 milhoens, e amplos meios de os pagar. Está claro
que entrando estes dous negociantes em parceiragem, o mais io-
dividado tira o maior proveito da sociedade.
Miscellanea. 333
A p. 284 publicamos uma contado rendimento e despeza da pro-
víncia da Bahia ; e, a pezar da miserrima administração pas-
sada, ha considerável saldo a favor do thesouro, que sem duvida
crescerá melhorando a administração, e naõ temos a menor du-
vida, que o mesmo se mostre em todas as mais provincias do
Brazil. Ora em Portugal o que appareee he um déficit enorme,
como dicemos no nosso N.° passado. Daqui se vê o proveito
que Portugal tira de sua uniaõ com o Brazil, em ponto de finan-
ças.
A p. 279*, publicamos também o estado da administração dos
diamantes. Este artigo deve ser mui interessante a Portugal; mas
daquellas contas se vê o miserrirno lucro, que tam precioso gê-
nero tem dado; pelo modo porque este negocio he manejado.
Ha muito quem pense, que as Cortes fariam o mais essencial
serviço á Naçaõ, se abolissem essa péssima Administração dos
Diamantes, da qual provêm aos habitantes do Districto Diaman-
tino os mais inauditos vexames; quando o proveito he comparati-
vamente tam insignificante, como se vê pelo preço médio de ca-
da oitava, resultante do mappa que deixamos publicado.
Desejaríamos, pois, que essas sobras das rendas do Brazil se
aproveitassem realmente em beneficio de Portugal, e que naõ
servissem de alimentar déspotas, que opprimem o Brazil. Exa-
minem as Cortes os habitantes doTejuco, e conhecerão o que
elles soffrem com o despotismo annexo á Administração dos dia-
mantes , o pouco que o thesouro nacional lucra com esse me the—
do; e a magnitude dos descaminhos pela exportação por contra-
bando dos mesmos diamantes.
O Deputado B. Carneiro olhou por uma face mui importante
os interesses que Portugal pôde tirar do Brazil; propondo, que
ali se mandassem construir vasos de guerra. Neste ramo pôde
o Brazil ser de directa, e grande utilidade ao Reyno Unido; e
a vantagem he tam grande, que se naõ deverá nunca perder de
viste.
Conhecemos mui bem, que as Cortes naõ podem fazer tudo de
um
golpe; mas convém, que se naõ deixem no esquecimento
esles apontamentos.
334 Misce/lanea.

Tractado de Commercio com a Inglaterra.


Observamos, no penúltimo N.° deste Periódico, como melho-
ramento das cousas publicas em Portugal, adiscussaõ, que hou-
ve nas Cortes, sobre a interpretação do tractado de commercio com
Inglaterra. O nosso louvor limitava-se unicamente á circumstau-
cia de haver ja em Portugal meio de discutir, examinar e resol-
ver as matérias de importância nacional, fora do mysterioso se-
gredo do gabinete, com o que se cobrem as intençoeus, muitas
vezes sinistras, de perversos conselheiros.
Quanto á resolução, que neste ponto adoptaram as Cortes,
pôde ser objecto de justa controvérsia : quanto ao modo de pro-
ceder, nós mesmo duvidamos de sua verdadeira tendência: mas
tudo isto naõ tira a vantagem de haver ja um meio efficaz, por
meio da representação nacional, para examinar os procedimen-
tos do Ministério; o que nunca haveria, se naõ houvessem
Cortes.
Isto, que dissemos, excitou uma carta de um de nossos Con-
respondentes, a qual publicamos no fim deste N.°; o que fazemos
de mui boa vontade ; porque he judiciosa, como o Leitor verá;
mas reservamos sempre a nossa opinião, nestes interessantes
pontos.
Em uma gazeta Ingleza (Morning Chronicle de 13 de Ou-
tubro) appareceo uma carta, justificando o procedimento das
Cortes, e o Redactor fez a ella suas observaçoens. Uma c
outra opinião merece grande attençaõ.
O escriptor da carta começa, expondo a situação relativa,
quanto ao commercio das duas naçoens, pelos tractados de 1642,
1G54, e 1703 ; pelo que respeita a importação dos panos de
laS Inglezes em Portugal.
Depois examina o outro tractado de Dezembro de 1703, co-
nhecido pelo nome de Methuen, em que se funda toda a questão
actual; dizendo-se ali:—
" Que seria permittido aos Inglezes a introducçaõ dos panos
de laS e outros artigos, com a condição, que os vinhos Portu-
guezes seriam introduzidos em todos os portos da Gram Breta-
Miscellanea. 335
nha, pagando de direitos a terça parte menos do que os vinhos
da França."
Entaõ os direitos, pobre os panos de laS Inglezes, se estabele
ceram a 30 por cento, como os da naçaõ mais favoiecida, que
eram os Hollandezes.
Passa depois o escriptor da carta, a examinar o tractado de
1810, nos artigos 15 e 26; sobre cuja interpretação resta a pre-
sente disputa.
O artigo 15 estipnla, que as mercadorias Inglezas pagarão nos
portos dê Portugal 14 por cento de direitos; porém, diz o escrip-
tor, nisto se naõ incluíram as fazendas de laS; o que se conhece
naõ só do espirito dos tractados precedentes mas do artigo 26 deste
mesmo tractado, aonde se declara, que ficam sem alteração as
cstipulaçoens contidas nos tractados antecedentes, quanto á
admissão dos vinhos de Portugal, de uma parte, e dos panos
de laS Inglezes, da outra, (Veja-se o Correio Braziliense Vol,
V. p, 129)
Daqui conclue o escriptor, que o artigo 15 do tractado de 1810
naõ comprehende os panos de laâ"; e tanto assim, que ainda de-
pois do tractado esses panos continuaram a pagar no Brazil o
direito de 30 por cento, pelo decurso de três annos, até que pelo
decreto de 5 de Maio 1814 se reduziram esses direitos de 2 0 a 15
por cento: e isto contra a Consulta do Conselho da Fazenda em
Lisboa, na data de 28 de Septembro de 1813.
O eseriptor copia depois o parecer da Commissaõ das Cortes
a este respeito, e sua decisão; a qual justifica plenamente,
quanto ao direito, e se inclina também a approvar quanto ao ex-
pediente político.
O escriptor da carta, que parece pelo contexto ser um Inglez,
e a data de Lisboa aos 22 de Septembro, conclue assim :—
" Ninguém se regosija mais do que nos, quando os nossos
compatriotas obtém vantagens no commercio, ou novo mercado
para suas manufacturas; porém os tractados commerciaes, para
darem satisfacçaõ e serem duradouros, devem ser justos, per-
feitamente equalizados e recíprocos. Os Portuguezes tem visto
qu« o nosso Ministro de Finanças, sempre que lhe serve á sua
33<5 Miscellanea.

conveniência, levanta os direitos no vinho do Porto a 55 libras


por pipa; isto he 200 por cento, sobre o primeiro custo, sem
tomar em consideração, que os direitos que nós pagamos era
Portugal saõ fixos e estacionarios, e naõ tem proporção alguma,
com os que se cobram nos nossos portos. Felizmente para os
Portuguezes, estes excessivos direitos naõ tem diminuido o con-
samo do vinho do Porto na Gram Bretanha, que por muitos an-
nos tem sido de 20 a 25 mil pipas annualmente: e com tudo tem
impedido o seu augmento, e induzido as pessoas nisso interessa-
das a crer, que nós obramos por princípios arbitrários. Nós
parecemos temerosos de mostrar aos Hespanhoes, assim como
aos Portuguezes, o menor signal de approvaçaõ, a respeito das
ultimas mudanças, felizmente effectuadas em seus respectivos
Governos. Aos 24 de Agosto passado, anni versario da gloriosa
revolução do Porto, Mr. Ward, nosso Enviado em L»"boa, foi
convidado, com o resto da Corte, em honra do dia, que se inten-
tava celebrar. Mr. Ward naõ aceitou o convite, allegando, que
naõ tinha character formal como Enviado , mas poucos dias de-
pois, apparecendo como tal, apresentou uma reclamação, a
favor de certo navio, que havia sido condemnado nos tribunaes
regulares. i Que maior insulto se podia offerecer ao Governo e
Povo Portuguez!"
Até aqui o escriptor da carta. O Redactor da gazeta, fazen-
do a isto seus commentos, concorda cora o escriptor da carta,
em que a resolução das Cortes foi exactamente na conformidade
dos tractados; mas nega, que as Cortes obrassem segundo os
princípios da saS política; porque um tributo de 30 por cento
na importação de manufacturas estrangeiras, naõ he capaz de
proteger as fabricas do paiz, e tornar o paiz fabricante. E con-
tinua dizendo, que ainda no ponto de vista de augraentar as ren-
das do thesouro nacional, este expediente he máo; porque pri-
va o consumidor de se valer do uso dos panos luglezes, quando
os naõ tem seus. Dahi alega com o exemplo da Inglaterra, que
tendo seguido o mesmo systema de carregar de tributos as fazen-
das estrangeiras, sempre tem perdido com isso.
Se houvéramos de decidir a questão, sem duvida nos irtclinan-
Miscellanea. 337

amos a esta parte, pelos princípios tam bem desenvolvidos por


Simonde na sua Economia Política, de que temos dado uma tra-
ducçaõ em vários N°*. deste periódico: mas se isto he um erro
(como pensamos que he) assas desculpa tem as Cortes de Portu-
gal em seguir o exemplo da Inglaterra, em pontos de economia
política no ramo commercial, que se suppoem mais bem enten-
dido aqui, do que em nenhuma outra parte do Mundo.
Quanto ao direito de qualquer naçaõ, em regular estas maté-
rias como melhor entender; issoaté nem entra em questão : mas
quanto ao modo de proceder dasCôrtes, a cousa naõ he igualmente
clara. As naçoens, sejam grandes sejam pequenas, tem todas
iguaes direitos : assim eomo bem observou um membro das Cor-
tes, que se Inglaterra naõ consultava Portugal, para augmentar
os direitos nos vinhos do porto, Portugal naõ tinha obrigação
de consultar a Inglaterra, para augmentar os direitos nos seus
manifactos de laS.
Isto verdade he : mas ainda que todos os homens tenham igu-
aes direitos, a prudência pede que um homem de poucas posses
naõ vá pôr uma demanda a outro homem, que he poderoso, sem
primeiro tentar o recuperar o que pretende ser seu, por vias ami-
gáveis ; e isto por obvias razoens, que todos conhecem.
Disputas desta natureza causam azedumes entre as naçoens ;
e antes de usar do direito, se deveria alhanar o caminho para evi-
tar discussoens. Portugal naõ está em circumstancias de pro-
vocar contendas com outras naçoens, quando se vê que ellas bus-
cam pretextos para arruinar a presente ordem de cousas em
Portugal e Hespamha. Isto saõ consideraçoens de prudência,
naõ de direito; e quem sabe evitar o perigo naõ mereee menos
louvor por sua sagacidade, do que quem arrostra com elle por
sua coragem.
Supponhamos, que se descobre, que a Inglaterra conrompeo
os Ministros Portuguezes, para obter a diminuição dos direitos,
de que se tracta. A Inglaterra allegará, que comprou essa gra-
ça ao Governo Portuguez, e nós ficaremos com o labeo de haver-
VOL. XXVII. N.o 160 xx
338 Miscellanca.
mos vendido aos estrangeiros nossos direitos e interessas. ]r£
por tanto mais honroso, que essas cousas se accommodcm, an-
tes do que se disputem.

Colônia de Suissos no Brazil..

He mui importante para o credito e honra do nome Portuguez,


que as Cortes da Naçaõ saibam o que se passou em Londres, a
respeito da Colônia de Suissos no Brazil ; e esperamos, que so-
bre esta matéria se ciem algumas providencias.
Aos 27 de Septembro houve um ajunctamento dos Suissos,
residentes em Londres, para deliberarem sobre o estado miserá-
vel de seus patrícios, que tinham ido estabelecer-se no Brazil,
sobre a protecçaõ do Governo daquelle paiz. Leo-se o relatório
da Commissaõ, nomeada em um ajunctamento anterior, para ex-
por o estado daquella Colônia.
Este relatório, que he demasiado longo para podermos inse-
rillo por extenso; começa expondo os motivos desta associação
caridoza, para soecorrer seus infelizes compatriotas no Brazil;
cuja colônia foi visitada por Mr. Schmidlmeyer, a fim de poder
coxrectamente informar esta associação, e ajunetava o relatório
uma copia do tractado entre S. M. Fidelissima e o Cuntaõ de
Friburgo, para a formação desta colônia no Brazil.
As pessoas emigradas montavaut a 2.000, homens, mulheres
e crianças; iam debaixo da protecçaõ do Governo Portuguez, c
sob condiçoens e regulamentos assás próprios. A Commissaõ
naõ imputa ao Governo, o que os emigrados sofTréiam no decur-
so da viagem, nem a falta de preparativos paia os receber no Bra-
zil: politicamente se attribue isto a causas accidenlaes, a naõ
estarem os matos roçados, e as terras limpas para receberem os
novos habitantes ; pelo que ainda na data das ultimas noticias
se achavam muitas famílias em estado de naõ poderem proenrar
sua subsistência, e sem saberem que terras ou porçaõ de terra
ihes cabia em sorte. Alguns, depois de lerem Tocado e limpado
terras, disséram-lhes que pertenciam a outninje foiam conte-
Miscellanea. 339

quentemente obrigados a começar de novo os seus trabalhos em


outra parte.
0 descuido e negligencia, neste ponto, he evidente, mas a
Commissaõ, passando por isso sem fazer observação nlgnrria,^só-
mente expressa a sua esperança de que S. M. Fideli<wima fará
com que seu Governo ponha em rxecnçaõ suas bencvolas inten-
çocnR, significadas no tractado; principalmente polo que respei-
ta as terras concedidas á municipalidade da colônia, melhora-
mento das estradas publicas, emedição do3 terrenos, assim como
a clara verificação das datas aos diversos oecupantes.
A Commissaõ louva positivamente os esforços charitativos de
muitos indivíduos no Brazil, a favor das viuvas e orfaõs de alguns
desses colunistas, que tem morrido ; mas assevera, que esses soc-
corros naõ saõ suficientes; e muitos dos colonistas teriam mor-
rido de miséria e desesperaçaõ, se naõ fosse a firmeza e bom ma-
nejo do Clérigo, que acompanhou a Colônia, do Coramissario de
Policia, e outras pessoas da mesma colônia, que confortam, ani-
mam e dirigem os colonistas. Conclue a Commissaõ propondo
uma subscripçaõ, ou contribuição voluntária, para o auxilio da-
quelles colonistas no Brazil.
O Ajunctamento approvou o relatório ; e que se participasse
isto aos Suissos em Paris, e a um Committé de Suissos, que j a
existe, para o mesmo fim, no Rio-de-Janeiro. E procedeo-se á
collecta, que foi logo assas abundante, para dar esperanças de
seu bom exi o*
Podiamos notar aqui, que, a pezarda moderação com que nes-
te Ajunctamento se fallou dos culpados nas desgraças daquelles
emigrados Suissos, nós temos bastantes informaçoens particula-
res para dizer; que desde o sen alistamento na Suissa, ate o seu
estabelicimento no Canta Gaito, houve uma continuada prevari-
cação da qual resultou toda a miséria dos colonistas.
Pede pois a honra nacional, pede o interesse da população do
Brazil, (1'onde as queixas daquelles infelizes Suissos, e a publi-
cidade de seus soffrimentos deve afugentar os Europeos, que para
ali quizessem emigrar ; o indagar-se seriamente esta matéria, e
dar aos culpados tal castigo, que com elle se lave a honra da Na-
340 Miscellanea
çaõ, e que por elle também veja a Europa, que ha verdadeira
intenção de proteger os emigrados para o Brazil, contra as con-
cussoens e prepotencias dos empregados públicos.
Fxamine-se o modo porque o Negociador Portuguez na Suissa
empregou o dinheiro, destinado a fazer transportar os colonistas,
com toda a comraodidade, e naõ apinhoados em navios, aonde
adquiriram moléstias contagiosas, de que tantos morreram.
Examine-se porque, havendo tantas terras devolutas no Bra-
zil, se comprou por alto preço uma fazenda a um particular,
para nella fundar a colônia.
Examine-se porque, quando os colonistas chegaram ao Bra-
zil, naõ estavam promptosmantimentos para os sustentar; trans-
portes para os conduzir ao lugar de seu destino, e accommoda-
çoens convenientes ; assim como demarcação feita dos terrenos,
que se deviam dar a cada família; e regulamentos arranjados
para a distribuição das terras divididas em datas, e demarcadas.
Se as Cortes deixarem passar sem exame um facto destes, tam
conspicuo no Mundo, roa) pode a Naçaõ esperar lavar-se da no-
doa, de ser cúmplice, cornos culpados nas desgraças daquelles
colonistas : nem o Governo esperar, que haja alguma útil emi-
gração para o Brazil, em quanto durar a lembrança de tam cru-
éis prevaricaçoens.

Monte-Vedio.

As ultimas noticias do Rio-da-Prata saõ de Montevedio 1 de


Agosto. Houve naquella praça uma revolução de importante na-
tureza, havendo-se aquella província declarado parte do Brazil.
Aos 15 de Julho se convocou uma assemblea de representantes
do povo, para considerar a alternativa, ou de estabelecer um go-
verno independente, ou unir-se ao Brazil. Escolheo a assem-
blea este segundo expediente, mas naõ se dizem ainda as con-
diçoens; só se menciona, que se manterão ali 6.000 homens de
tropas Portuguezas, para protecçaõ do paiz ; a parte do exerci-
Miscellanea. 34l
to acampada fora da praça, descontente pelo atrazo de 22 mezes
no seu pagamento, avançou amotinada para os portoens da for-
taleza, que forçariam, se o General Lecor naõ os accommodasse,
promettendo-lhe o pagamento dos atrazados dentro de um mez.
Ha qnem diga; que a posse de Monte-Vedio naõ vale a pena
do sacrifício de manter ali 6.000 homens. Nós somos de opinião
contraria; porque julgamos a accessaõ de Monte Vedio mui
importante ao Brazil, e porque, em vez de ter tropas em ou-
tros pontos do Brazil, aonde o povo, n'uma constituição livre,
he mui capaz de se defender a si mesmo, as tropas devem ir
para as fonteiras, aonde saõ necessárias ; porque sem ellas nem
se pode manter Monte-Vedio, nem guardar as fronteiras do Rio-
Grande, contra as incursoens dos povos, que vivem em anarchia,
nas margens do Urugay e Rio-da-Prata.

AMERICA HESPANHOLA.

O Poder Hespanhol na America parece estar ao ponto d


expirar, nas duas partes em que tinha ainda alguma firmeza,
que saõ o México, e o Peru.
A mesma tropa da guarniçaõ de México significou ao Vice-
Rey, Apodaca, que devia cessar de governar, e nomearam em seu
lugar o Marechal de Campo. D . Francisco Novella. No meio
desta discórdia entre os mesmos Hespanhoes, os insurgentes,
debaixo de Ituribe e outros chefes, correm impunemente as pro-
vincias, e até tem bloqueado a importante praça de Vera-Cruz,
aonde deram um assalto, na verdade mal suecedido, porem que
mostra a confiança, que os insurgentes tem em suas forças.
Antônio Lopez Santa- Anna he o General dos insurgentes, qne
commanda juncto a Vera-Cruz, e intimou ao Governador, Da-
villa, aos 27 de Julho, que se rendesse, o que naõ foi altendido,
vieto terem os sitiantes sido mal suecedidos nesse seu ataque.
O mais he, que o máo estado das cousas dos Hespanhoes no
México, tem ja causado na ilha de Cuba grande impressão.
Começa ali a duvidar-se da possibilidade de continuar aquella
342 Miscellanea.
ilha dependente da Hespanha, julgando uns que deve formar
governo separado, outros que virá a pertencer á Gram Br*ta-
nba,
No Peru, evidentemente se vai a extinguir o poder Hespa-
nhol. O General Chileno Arenales, teve uma acçaõ juncto a
Pasco com o General Realista Riccafort; esste perdeo uma
perna, e toda sua divisão ficou morta, ferida ou prisioneira.
Antes que o General ein Chefe Chileno (San Martin) soubesse
desta victoria, que os seus tinham alcançado, o Vice-Key
de Lima, que delia teve informação, propoz um armistício,
para se tractar da pacificação: foi isto concedido pelos Chilenos,
e as condiçoens saõ as seguintes.
1. Suspender-se-haõ as hostilidades entre as partes contrac-
tantes, durante o termo de 20 dias, contando daquelle em que
se ratificar o presente armistício. As divisoens de ambos os
exércitos conservarão as possessoens, que oecuparem ao tempo
em que lhes for notificada a ratisficaçaõ do presente armistício;
e as suas partidas naõ avançarão além das linhas, a que presente-
mente se extendem.
2. Se o sobredicto termo de 20 dias naõ for sumeiente para
preencher o objecto a que se propõem, poder-sc-ha extender
quanto seja necesserio para este effeito.
3 . Logo que o armistício for ratificado, Suas Excellencias, o
Senhor D. Jozé de Lacerna, e o Senhor D. Jozé San Martin,
accompanhados por dous dos membros da Juncta de pacificação,
erigida no Peru, e de outras pessoas em que se concordar, teraõ
uma entrevista, no dia e lugar, que se convencionar, a fim de se
removerem as dificuldades, que existem para com cada uma
das partes contractautes; e ambas as commissoens poderão im-
mediatamente passar ao arranjamento de um armistício defini-
tivo.
4. Se, por alguma fatalidade imprevista, as duas partes cou-
tractantes naõ puderem chegar á mutua boa intelligencia, naõ
se renovarão as hostilidades sem dous dias de previa noticia,
para fechar o armistício.
5. Suas Excellencias o Senhor D. José de Lacerna, e o S< nli"1
Miscellanea. 343
D. José de San Martin, ratificado este armistício, daraõ ordens,
respectivamente, para que os precedentes artigos sejam escru-
pulosamente observados.
Dado em Punchaneao aos 23 de Maio; de 1821; e ratificado
no mesmo dia.
He mui possivel, que deste armistício se naõ siga ainda a
separação do Peru ; mas esta offerta para capitulação da parte
do Governo do Peru ; prova que esse acontecimento deve estar
mui próximo.
O Governo de Chili publicou uma proclamaçaõ, em data de
13 de Junho, pela qual declara cm bloqueio somente as costas
do Peru, deste latitude 11 gráos e 58 minutos Sul, até os 13
gráos e 51 minutos. Parece que esta restricçaõ foi feita, em
conseqüência de disputas, que tem havido, com o Commodoro
Inglez, naquella estação, que se queixa de os Chilenos haverem
tomado vasos Inglezes, que se naõ destinavam a portos do Peru
em actual estado de bloqueio, e com a presença de uma força
naval sufficiente para sustentar tal bloqueio. Lord Cochrane,
o Almirante dos Chilenos, impunha contribuiçoens aos navios,
que se destinavam a portos, comprehendidos nobloqueio geral
antes proclamado; e alegava a mesma doutrina, que os Ingle-
zes sustentaram durante a ultima guerra com a França. O Com-
modoro Inglez, naõ adinitte para com os Chilenos, os mesmos
princípios de Direito das Gentes, que sua Naçaõ ha poucos an-
nos sustentara.
Com tudo o Commodoro Inglez parece accommodar-se com o
bloqueio, como agora se propõem.

ESTADOS-UNIDOS.

Entre os notaveies acontecimentos do nosso século, naõ he


pouco allendivel, para a historia, o facto de tentarem os Ame-
ricanos dos Estados Unidos formar uma colônia nas costas occi-
denlaes de África. Esta empreza, primeira em sua espécie, se
disse ter em vista o philautiopico piojecto da civilização dos
344 Miscellanea.
Africanos: mas como os Americanos intentassem estabelecer-se
mui perto de Serra Leoa, a colônia Ingleza ali julgou que a sua
philantropia naõ devia ser interrompida pela philantropia dos
Americanos. Estes attenderam ás representaçoens da colônia
Ingleza.- e de Sherborough, aonde meditavam alojar-se, man-
daram um destacamento pela costa até a embocadura do rio Me-
surada, em busca de outra posição. No entanto continuaram
os Ameriacnos no mesmo lugar; por naõ permittir a estação a
projectada mudança ; e conservaram-se era boa harmonia com
os Inglezes.
Publicou-se nos Ertados Unidos o documento authentico, pelo
qual D. Jozé Callavia, como Commissario do Governo Hespa-
nhol, entregou ao General Jackson, como Commissario do Gover-
no dos Estados Unidos, a província das Floridas. O documento
he datado do dia da posse, 7 de Julho de 1821; e por elle se
absolvem os habitantes de sen juramento de fidelidade a El Rey
de Hespanha.
He assim, que pela prudência de seu Govemo, seguraram os
Estados Unidos o seu território pelo Sul, augmentando seus
limites, livrando-se de um vizinho com quem tinham disputas, e
abrindo para si o commercio do Golpho México, que daqui em
diante ninguém poderá fazer com a mesma vautagem dos Estados
Unidos.

HESPANHA.

El Rey voltou de San Udefonso para Madrid, aos 22 de Sep-


tembro ; e nesse dia abriram as Cortes a sessaõ preparatória,
por um discurso do Presidente da Deputaçaõ Permanente; in-
formando os Deputados, que isto éra uma convocação extraor-
dinária, e que ella confundiria de novo os inimigos internos e
externos da Constituição, vendo o Monarcha unido em sentimen-
tos com seus subditos. Aos 23 de Septembro houve a segunda
sessaõ preparatória, em que a Commissaõ de Poderes referio,
Miscellanea. 345
quaes eram as provincias do Ultramar que tinham mandado De-
putados ás Cortes, e quaes as que nem se quer tinham pensado
em fazer eleiçoens. Depois de longo debate se resolveo, que
naõ se admif tissem supplentes senaõ pelas Phillippinas e Peru.
As agitaçoens internas na Hespanha, sem duvida tem sido
mui exaggeradas nas gazetas Francezas ; e com tudo essas agi-
taçoens foram sufHcientes para que a Deputaçaõ permanente
julgasse necessária a convocação extraordinária das Cortes. A
prizaõ do General Riego he sem duvida o effeito do cboque de
partidos, e o Chefe Político de Madrid, San Martin, abate com
maõ pezada todos os opponentes do Governo. Mandou fechar o
Club de Fontana d'Oro, muitos dos oradores daquella sociedade
foram prezos, e o dono da casa mettido em dura masmorra. O
mais he, que as Cortes sendo chamadas extraordinariamente,
só podem deliberar nos pontos para que foram convocadas. Com
tudo, se o Governo tende ao despotismo, a melhor parte da Na-
çaõ está decidida pela liberdade.
No meio disto as Cortes se acham empregadas em discutir o
plano da nova distribuição das provincias, porque a antiga, se-
guindo a divisão dos reynos, que foram gradualmente consolidados
na Monarchia Hespanhola, mal se adaptava ao presente sys-
tema. O principio adoptado para a divisão, he geralmente ap-
provado ; e as discussoens versam só quanto á sua applicaçaõ
nas particularidades. Os Hespanhoes, mais prudentes do que
os Francezes, na sua repartição de departamentos, evitaram a
confusão e repugnância á medida, que resulta da mudança de
nomes: assim os nomes das provincias de Hespanha, saõ os
mesmos das cidades, que se escolhem para capitães, e com esta
circuinstancia, apparentemunte trivial, se evitam grandes ciú-
mes entre os Governos municipaes, e desgostos nos mesmos po-
vos. O maximum para os habitantes, que devem constituir uma
província he de 400.000; o mínimo he de 100.000. Para me-
lhor se evitarem os ciúmes e ideas de preferencia segue-se a or-
dem alphabetica dos nomes. A despeza total do governo civil
VOL, XXVII N° 161 vY
346 Miscellanea.
das provincias, segundo o novo arranjamento, h e calculada ei
5:349.500 reales.
El R e y , tendo ouvido o parecer do seu Conselho de Estadc
concedeo o Placito Regio á Bulla de Sua Sanctidade, para a s<
cularizaçao perpetua das freiras; esta Bulla he concedida n<
mesmos termos e exige as mesmas formalidades, que trazia
anterior para a secularizaçaõ dos frades.
Pelas noticias de Gibraltar se sabe, qual he o fructo do systi
ma prohibitivo de commercio, que o Governo Hespanhol tei
adoptado. O contrabando vem a ser um ramo de industria e arti
que se aperfeiçoa á proporção que as leys se fazem mais severa:
Os enormes direitos nas fazendas estrangeiras, em vez de animi
as fabricas nacionaes, augmentam os lucros do contrabandisti
e privam, pelo contrabando, o thesouro de receber o rendimet
to que cobraria em módicos direitos de entrada; e em grand
proveito de pouco negociantes de Gibraltar.
i Quando aprenderão as naçoens a deixar de fazer esta guen
de alfândegas a s e u mutuo commercio ?
Achamos em um Jornal Hespanhol um sumario estadist
co da população de Hespanha, e do que ainda os Hespt
nhoes continuam a chamar suas Colônias ; e apresenta o seguii
te resultado.
O Reyno de Hespanha contem 10:372.000 habitantes, espt
lhados por uma superfície de 24.661 milhas quadradas. As Ce
lonias, em 669.094 léguas quadradas contam 17:700.000 habi
tantes, distribuídos da maneira seguinte.
léguas quadradas. Habitante
Nova Hespanha 118.477 7550.00c
Guatimala 53,089 l:200,ooc
Cuba e Florida .115.039 592.0OC
Puerto Rico S. Domingo 2.805 493,oo(
Nova Granada 80.433 v,600jo<xi
Caracas 64 561 900.000
Pew 60172 1.500 000
Chili 92.000 900.000
Miscellanea. 347

La Plata 144.955 1.100.000


Philli ppinas 13,888 1.-740.000
Mariannas 1,425 80.-000
As rendas de Hespanha, em 1817, montavam a 620:000.000
reales. A sua força militar a 262.000 homens, dos qnaes 110.000
estavam nas Colônias, A frota era composta de 283 vasos, 43
dos quaes eram navios de linha,
( 348 )

CONRESPONDENCIA.

Carta ao Redactor, sobre o tractado de Commercio, entre


a Inglaterra e Portugal.

Snr. Redactor do Correio firaziliense!

No N.° passado de seu respeitável Periódico, he enumerado


entre os melhoramentos mais importantes, o debate das nossas
Cortes, e sua decisão sobre o artigo 26 do tractado de Commer-
cio de 1810. Ainda que he sem duvida um melhoramento, per-
mitia-me dizer, que naõ deixa de se conhecer, pelo relatório da
Commissaõ, e outros princípios mais, que elle com justiça e le-
galidade precisa fazer-se mais completo, segundo o espirito e
tençaõ das partes contractantes daquelle tractado.
O relatório diz:—" Que o tractado, que serve de guia áquel-
le artigo, he o de Methuen, o qual naõ estipula direitos certos
nas fazendas de laS da Gram Bretanha; e diz mais, que se lhe
podem lançar novos, e aquelles que se julgarem a propósito;
que os vinhos estaõ pagando na Gram Bretanha enormes direi-
tos; duzentos por cento:—Que na injusta e mal entendida re-
ducçaõ, que se fez dos direitos a 15 por cento; a renda publica
tem soffrido enorme desfalque; cerca de três milhoens em oito
annos, a beneficio das dietas fazendas. A vista de tudo isto,
parece que a justiça e a razaõ pedem, em lugar de 30, que as
fazendas de laS antes pagavam, se estipulasse 45 ou 50; a fim
ao menos de recuperar o perdido, que naõ podemos esperdiçar;
' >onrespondencia. 349

maiormente quando estes direitos saõ sobre uma módica avalia-


ção ou factura, a mais das vezes simulada.
Como o tractado de 1810 he fundado, segundo nelle se diz,
nas bazes de reciprocidade, e mutua conveniência, 30 e ainda
60 por cento de direitos nos lanificios, e da maneira que ficadic-
to, he nada para contrabalançar aquelles, que os nossos vinhos
aqui pagam, e com o enorme desfalque, que temos soffrido, fica-
mos, sim melhor, porém muito além de gozarmos mutua e re-
ciproca vantagem, neste remendado artigo.
Em quanto a maneira e modo, com que os direitos de nm e
outro gênero saõ estabelecidos e arrecadados, naõ se pode igno-
rar, que ficamos ainda muito mais distantes daquelles princípios,
que constituem as bazes do tractado: e para que exista alguma
reciprocidade, precisa-se da nossa parte uma bem apurada con-
sideração, para que elles sejam lançados com igual exactidaõ,
e se recebam livres dos custumados e bem sabidos abusos.
Os vinhos, dons on três dias depois da sua descarga na Gram
Bretanha, saõ medidos por um official da alfândega, e ontro da
Excisa: vê-se e confere-se a quantidade, e o Governo logo se faz
credor de 7s. 7d. por gallaõ, naõ se reexportando para paiz es-
trangeiro ; quer o vinho seja bom ou mao, quer elle se avarie,
ou se tenha tornado vinagre; e tam zelosos saõ de sens interes-
ses, que se forem exportados para melhor mercado, de um a ou-
tro porto da mesma Gram Bretanha, no caso de se perder a em-
barcação, o carregador he responsável ao Governo pelos seus
respectivos direitos, naõ obstante irem debaixo da sua guia, e
perder o dono seu capital.
Eis aqui a maneira e modo, como se extrahem os direitos de
nossos vinhos, na Gram Bretanha, sem que possa haver dolo na
sua arrecadação; e ninguém duvidará ser cora a maior exactidaõ,
apurado zelo, e mui differente da maneira e modo, com que em
Portugal saõ extrahidos os das fazendas de laS. Estas pelo con-
trario pagam seus direitos segundo a qualidade, e sabendo tam-
bém na Gram Bretanha lançar direitos na qualidade, fazendo-lhe
conta, como succede nas águas ardentes, e outros gêneros, de
'gual consideração, nos vinhos, que se distinguem em mãos,
3 4 8 [349a] Conrespondencia.

inferiores, bons, e superiores, e por conseguinte diversos pre-


ços, pagam seus direitos na quantidade: e c- porque naõ paga-
rão igualmente as fazendas de laS em Portugal os seus direitos
na quantidade, calculando tanto por covado? Isto nos será de
grande vantagem, e de igual reciprocidade. Pagando as fazen-
das de laã os direitos na qualidade, quer esta se estabeleça por tuna
avaliação ou factuia; sabe-se e a experiência tem mostrado,
que saõ tara fáceis as fraudes e abusos, que, além da desigual-
dade he preciso mui particular sentido, para que se faça a sua
arrecadação exacta; e sem que a renda publica seja prejudica-
da.
Depois disto os direitos dos vinhos na Gram Bretanha naõ es-
tando sujeitos a avarias, como estaõ os das fazendas de lal em
Portugal, quer ellas tenham sido avariadas antes da sua descar-
ga, ou pela detenção nos armazéns, naõ se pôde negar ser tam-
bém em nosso prejuízo; e para que o haver em Portngal tal
consideração, quando sabemos que naõ contentes com illudir a
competente administração de outras muitas formas, tem chegado
até ao ponto de humedecer, quanto seja sufficiente, aquellas fa-
zendas que naõ correm maior risco, a fim de serem favorecidas
nos direitos, como se avariadas estivessem ?
Todas estas circumstancias, todas estas desigualdades e des-
vantagens, que o antigo Governo devia e tinha tempo de saber
para nos melhorar, antes de ser tam generoso, julgo naõ serem
de pouca monta ; para que o Sr. Redactor se digne manifestar
por meio do seu erudito Periódico, na persuasão de que saõ de
utilidade, para quando se julgue conveniente melhorar aquelle
referido artigo; único objecto desta minha ousadia.
Longe de mim querer, com estas toscas observaçoens, insinuar
a mais leve falta de respeito e consideração aos nossos mui dig-
nos, sábios, e bem intencionados Representantes, que tara zelo-
sos e indefatigaveis tem sido em melhorar tanto a nossa condic-
çaõ, mas todos sabemos, que elles tem ideas liberaes, desejam
ouvir a todos, naõ tem estado ociosos; e que estas particulari-
dades ninguém as pode saber, senaõ quem tem experiência, on
he informado pelos que a tem.
Conrespondencia. [349b] 3*9
Naõ duvido toda a via, que houvesse de sua parte alguma de-
licadeza e attençaõ, pelas circumstancias em que ainda nos acha-
mos, para naõ irem por óra mais avante, na emenda daquelle
artigo; mas o seguinte facto mostrará, que na Gram Bretanha
estabelecem direitos, quando lhe parece, com toda a sem ceri-
monia, em nosso prejuízo, e contra o que nos promettêram ; e
por isso he justo que imitemos tam bom exemplo, para fazer-
mos o mesmo quando assim nos convenha.
AslaSs eram admittidas na Gram-Bretanha livres de direitos,
e ha cerca de dous annos que estabeleceram o direito de 6d. em
arratel, na importação de todas em geral, sem distincçaõ, a fim
de favorecerem as de sua própria industria. Promettendo-nos a
Inglaterra, no artigo 19 do tractado de 1810, de nos tractar
como a naçaõ mais favorecida, por aquella deliberação, á pri-
meira vista mui igual, vê-se que, sem delicadeza ou attençaõ
alguma, decretaram a prohibiçaõ de nossas IaSs, e favoreceram
as de Hespanha e Alemanha; deixando-nos em peior situação.
Pela minha carta, que se dignou inserir a p. 510, Vol.
26., se ve a desgraça em que o descuido tem posto as nos-
sas IaSs, e por isso a differença, que ha de seu preço áquel-
las de Hespanha e Alemanha; e dahi se collige, que o imposto
de 6d. em arratel he para nós quasi prohibiçaõ, quando para
os outros he apenas um módico direito. Mas a melhor de-
monstração do eileilo de tal medida he, que aqui naõ existe hoje
uma só saca das nossas IaSs. Em Liverpool existe uma bagatel-
la; e pelos preços correntes consta, que hoje vai de ls. a l s . 6 d .
e por isso soffrerá o direito, de 39 a 50 por cento, s E naõ foi
este direito, esta prohibiçaõ de nossas IaSs, estabelecido, quan-
do os lanificios da Gram Bretanha pagavam em Portugal 15, ali-
as 10 por cento, e menos ? Se isto naõ he sufficiente para pôr
de parte toda e qualquer delicadeza, para que os nossos sábios
legisladores possam legislar como julgarem conveniente, he ao
menos mais que sufficiente para se exigir quanto antes da Gram
Bretanha o admittir as nossas laâs nos mesmos termos, que an-
tes eram admittidas.
Ja que se fallou nu artigo 19, em que nos ptometteni igualar
350 Conrespondencia.

á naçaõ mais favorecida, naõ perderei esta occasiaõ para adver-


tir, a lamentável falta de consideração, em qne se acha outro nos-
so gênero de grande importância, para se naõ perder de vista
em reclamar o que lhe he devido. A Gram Bretanha favorece
os Americanos, nos direitos dos seus tabacos, e faz pagar aos
nossos e aos de Hespanha 6s. de direitos em arratel, quando pelo
dicto artigo nos deviam igualar aquelles, que pagam somente
4 s . ; e por isto naõ existe hoje aqui uma só folha de tabaco do
nosso Brazil. Os Hespanhoes ainda acham neste mercado re-
curso para aquelle gênero, em que nós devíamos ter grande van-
tagem, e nós estamos privados do que nos prometteram, e igua-
lam-nos cora aquelles, que lhes prohibiram in totumassuasma-
nufacturas.
Eis aqui tem mais, Senhor Redactor, a que estado o descuido
do Governo passado tem reduzido o nosso Commercio, o qual pe-
las proporçoens, que tem, devia ser de todos os mais llorente,
e parece que todo o intento e estudo daquelles governantes éra
de excluir todos os nossos gêneros dos mercados da Gram Bre-
tanha, e de fazer com que esta entulhasse com as suas manufac-
turas todo o Portugal e Brazil: naõ tenho duvida, que, se os
deixassem, em pouco temgo, conseguiriam o seu fim.
Admira-me que os Cônsules, anxiosos pelas Patentes, que al-
cançaram á força de empenhos, e que aqui se póem disfruetando
ordenados e emolumentos, presenciando com o maior socego do
mundo todas estas calamidades, que devem affligirtodo aquelle
que deseja o bem da naçaõ, só tenham a vista bem apurada para
lançar maõ de pingues reclamaçoens, quando lhes apparecem.
Consta que um tem dado á luz suas traducçoens, d'onde espera
proveniente lucro; porém nenhum publica ou informa aquillo,
que he preciso a beneficio e augmento de sua prejudicada Pátria.
Sou, &c.
PATRIOTA.
Londres 24 de Septembro de 1821.
[351]

CORREIO BRAZILIENSE
D E NOVEMBRO 1821

Na quarta parte nova os campos âra;


E se mais mundo houvera lá chegara.
CAMOENS, c. v i l . e 14

POLÍTICA.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Decreto para a regressão do Principe Real.

D. Joaõ, por graça de Deus e pela Constituição da Mo-


narchia, Rey do Reyno Unido de Portugal Brazil e AI-
garves, d'aquera e d'alem mar em África, &c. Faço sa-
ber a todos os meus subditos, que as Cortes decretaram
o seguinte:
As Cortes Geraes, Extraordinárias e Constituintes da
naçaõ Portugueza, havendo decretado, em data de hoje,
a forma de Governo e Administração das provincias do
Brazil, de maneira que a continuação da residência do
VOL. XXVII. N.° 162 zz
352 Política.
Principe Real no Rio-de-Janeiro se torna naõ 90 desneces-
sária mas atê indecorosa á sua alta jerarchia; e conside-
rando junctamente quanto convém aos interesses da naçaõ,
que S. A. R. viage por alguns paizes illustrados, a fim de
obter aquelles conhecimentos, que se fazem necessários
para um dia occupar dignamente o throno Portuguez:
mandam respeituosamente participar a El Rey, que tem
resolvido o seguinte:—
1." Que o Principe Real regresse quanto antes para Por-
tugal.
2.° Que S. A. R. logo que chegue a Portugal passe a
viajar incógnito as Corte6 e Reynos de Hespanha, Fran-
ça e Inglaterra, sendo acompanhado por pessoas dotadas
de luzes, virtudes e adhesaõ ao systema constitucional;
que para esse fim S. M. houver por bem de nomear.
Paço das Cortes em 29 de Septembro de 1821.
Portanto mando, que seja assim presente a todas as
authoridades destes Reynos, e a todos os meus dictos
subditos, para sua intelligencia. Dada no Palácio de
Queluz em o J.° do mez de Outubro de 1821.
EL R E Y , com guarda.
Jozé da Silva Carvalho.

AMERICA HESPANHOLA.

Declaração da Independência do México.

Plano do Governo Provisório do México, concordado


entre o Coronel D. Agostinho Iturbide, e o Conde de Ve-
nadito, Vice Rey da Nova Hespanha.
j . A Religião da Nova Hespanha he e será a Catho-
Política. 353
lica Apostólica Romana, sem tolerância de nenhuma ou-
tra.
2. A Nova Hespanha he independente da Hespanha
Velha e de toda outra qualquer Potência no nosso Con-
tinente.
3. O seu Imperador será D. Fernando VII, mas no ca-
so em que elle naõ appareça pessoalmente no México,
dentro do tempo, que as Cortes especificarem, a fim de
prestar juramento, o Sereníssimo Infante D. Carlos, D.
Francisco de Paula, o Archiduque Carlos, ou qualquer
outro indivíduo da Família reynante, que o Congresso
julgar próprio, será chamado em seu lugar.
4. O seu Governo será uma Monarchia limitada, con-
forme a Constituição, que o Governo adoptar.
5. Até que as Cortes se ajunctem, haverá uma Juncta
para o fim de fazer a convocação, e fazer que este plano
se execute em toda a sua extençaõ.
6. A dieta Jnncta, que será denominada administrativa,
será composta dos membros nomeados na carta de S. Ex. a
o Vice-Rey, porquem será convocada.
7. Até que D- Fernando VII se apresente em pessoa,e
preste o juramento, a Juncta governará em nome de Sua
Majestade, em virtude do juramento de fidelidade, que
a Naçaõ tem prestado. Com tudo, a execução de todas
as suas ordens, que se expedirem antes d'elle prestar esse
juramento, será suspensa até entaõ.
8. Se D. Fernando VIL naõ condescender em vir para o
México, a Juncta ou Regência governará em nome da Na-
çaõ, até que o Imperador, que deve ser coroado, seja de-
signado.
9. Este Governo será mantido pelo exercito das três
garantias, abaixo mencionado.
10. As Cortes determinarão a Constituição de uma Re-
gência, até a chegada da pessoa, que ha de ser coroada.
354 Política.
11. As Cortes estabelecerão ao depois a Constituição
do Império Mexicano.
12. Todos os habitantes da Nova Hespanha, sem algu-
ma distincçaõ de Europeos, Africanos, ou índios, saõ
cidadãos desta Monarchia, e eligiveis para todos os offi-
cios, segundo o seu merecimento e virtudes.
13. A pessoa e propriedade de cada cidadão será res-
peitada, e protegida pelo Governo.
14. O clero secular e regular será mantido em todos os
seus direitos e preeminencias.
15. A Juncta terá cuidado de que todas as repartiçoens
do Estado permaneçam sem alteração, equc todos os of-
ficiaes civis e militares continuem nos seus presentes lu-
gares :somente seraõ removidos os que recusarem concor-
rer no plano, substituindo era seus lugares as pessoas,
que mais se distinguirem pela virtude e merecimento.
16. Formar-se-ha um exercito protector, que será de-
nominado das três garantias; porquanto toma debaixo da
sua protecçaõ; em primeiro lugar, a preservação da Re-
ligião Catholica Apostólica Romana, usando de todos os
meios no seu poder, para que naõ haja mixtura de outra
alguma seita; e que sejam atacados a tempo os inimigos,
que a ameaçarem: em segundo lugar, a independência,
sob o systema acima mencionado: em terceiro lugar, a
intima uniaõ doí Europeos e Americanos; e garante es-
tas bâzes fundamentaes da felicidade da Nova Hespanha,
sacrificando-se a si, desde o Commandante em Chefe até
o ultimo soldado; antes do que consentir na sua infrac-
çaõ.
17. As tropas do exercito observarão a mais exacta dis-
ciplina, segundo a estricta letra dos artigos de guerra;
e os chefes e officiaes continuarão no mesmo pé cm que
se acham agora; isto he, nos seus respectivos postos,
Política. 355
sendo os officiaes elegiveis para os postos, que vagarem,
ou possam vagar, pelas pessoas que naõ quizerem servir,
e sendo elegiveis para os novos postos, que se julgarem
necessários ou convenientes.
18. As tropas do dicto Exercito seraõ consideradas
como tropas de linha.
19. O mesmo privilegio gozarão as que se alistarem im-
mediatamente, e as que, tendo pegado em armas em
apoio do antigo systema de independência, se unirem
promptamente ao dicto Exercito; e os paizanos, que se
alistarem, seraõ considerados como tropa de milícia na-
cional ; e seraõ empregados na segurança interna ou ex-
terna do Reyno, da maneira que as Cortes ordenarem.
20. As patentes seraõ concedidas segundo o mereci-
mento real, em propostas dos respectivos officiaes com-
mandantes, e em nome da Naçaõ, provisionalmente.
21. Até que as Cortes ordenem outra cousa, se faraó
os processos criminaes segundo a Constituição Hespa-
nhola.
22. No caso de conspiração contra a independência, o
culpado será prezo, até que as Cortes determinem o cas-
tigo do maior dos crimes, excepto aquelles contra a Di-
vina Majestade.
23. As pessoas, que tentarem fomentar a desunião se-
raõ vigiadas, e reputadas conspiradores contra a indepen-
dência.
24. Como as Cortes, se haõ de convocar, para formar
a Constituição, he necessário que os Deputados recebam
poderes suficientes para esse fim : e como também he de
muita importância, que os eleitores saibam, que haõ de
•er representados no Congresso de México, e naõ no de
Madrid, a Juncta prescreverá as regras para a eleição, e
uesiguarà o tempo em que se deve fazer; e tempo da
356 Política.
abertura do Congresso; e como as eleiçoens ja naõ po-
dem ter lugar em Março, se estenderá o período o mais
que for possivel.

Artigos de Convenção entre o Chefe dos Independente», e


o Vice-Rey da Nova Hespanha.

1. Esta America será soberana e independente, e cha-


mada o Império Mexicano.
2. O seu Governo será uma Monarchia moderada Con-
stitucional.
3. Fernando VII. vindo para o México, reynará; e na
sua falta seus herdeiros ou successores, na devida or-
dem.
4. Os Imperadores fixarão a sua Corte em México, ca-
pital do Império.
5. Dous Commissarios do Sr. D. Joaõ 0'Donoju parti-
rão a levar este tractado ao Rey de Hespanha; no entan-
to as Cortes do Reyno lhe offereceraõ a Coroa, sob pró-
prias garantias e formas, e requererão a sua acquiescen-
cia ao 3.° artigo.
6- Segundo o espirito do plano de igualdade, se for-
mará uma Juncta das principaes pessoas do Império
por suas virtudes, seus empregos, seu charaeter, suas
riquezas, e estimação que tiverem na opinião publica, e
cujo numero seja assas considerável, para qne a reunião
de seus talentos assegure a obediência ás suas determina-
çoens, que diamanaraõ da authoridade e poderes, que se
lhes concedem nos seguintes artigos.
7. A Juncta será denominada Governo Provisional.
Política. 357
8. O Sr. D. Joaõ 0'Donoju será membro delia: mas he
indispensável omíttir algumas das pessoas nomeadas no
plano, em conformidade com o espirito de sua intenção.
o. A Juncta elegerá um Presidente, á maioridade de
votos, d'entre seus membros, ou do publico em geral.
10. O primeiro acto da Juncta será informar o povo de
sua installaçaõ, motivos de sua reunião, e outras explica-
çoens ulteriores, que julgar de utilidade publica; e o mç-
tbodo que se ha de adoptar, para eleger os membros das
Cortes.
11. A Juncta, depois de eleger o seu Presidente, no-
meará uma Regência de três pessoas, escolhidas dVntre
seus próprios membros, ou do publico, em quem se de-
positará o poder Executivo, e o Governo do Império até
a chegada do Monarcha.
12. O Governo Provisional, logo que for installado, go-
vernará segundo as leys existentes, excepto quando ellas
differirem do plano de igualdade, e até que as Cortes for-
mem a Constituição do Império.
13. Logo que a Regência for nomeada, se convocarão as
Cortes, na conformidade do artigo 24 do plano de igual-
dade.
14. O Poder Executivo reside na Regência; o legisla-
tivo nas Cortes; e, em quanto se naõ ajunctam, a Juncta
Provisional exercerá esta faculdade, nos casos que naõ
admittirem demora, e a Regência o approvará. A Junc-
ta formará também um corpo auxiliar e conselho da Re-
gência.
15. Toda a pessoa terá faculdade de se mular, e tanto
a si como a sua propriedade, para onde quer que julgar
conveniente: excepto os devedores e os criminosos: con-
sequentemente os Europeos, que estaõ na America, e os
Americanos, que estaõ na Península, teraõ liberdade
de adoptar o paiz, a que derem preferencia, com tanto
358 Política.
que ao sair deste paiz paguem os direitos pela proprieda-
de, que exportarem.
16. No artigo precedente se naõ incluem os funcciona-
rios públicos ou militares, notoriamente oppostos à inde-
pendência do México: esses devem necessariamente sair
do paiz, dentro do período que a Regência lhes prescrever,
levando com sigo sua propriedade, e pagando os direitos
de exportação.
17.0 Sr. D. Joaõ 0'Donoju offerece usar de suaautho-
ridade, para que as tropas, que estaõ agora na cidade do
México, saiam delia, por meio de uma capitulação hon-
rosa: concorrendo com os desejos do Commandante em
Chefe, para evitar a effusaõ de sangue e o emprego da
força.
Dada em Cordova aos 24 de Agosto, de 1821.
í 359 )
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LONDRES, 3 de Novembro de 1821.

Gêneros. Qualidade. Preços. Direitos.

.Bahia por l b . Os. lOip. a Os. l l p .


( Capitania. . .
1 Ceará Os. 1 l p . a Os. l l £ p
Alfodam . . < Maranhnm ... 0» lOJp.a Os. l l p . '6 por cento ad va
J Mi.ias novas . Os. fip. a Os. fi£p lorem.
I Pará Os. lOp. a Os, íojp,
^•Pernambuco • Os. l l p . a Os. 12$p.
Anil Rio 4} por lb.
Redondo . . . 32s. a 36s.
Í Batido
Maseavado . .
24s. a 28s.
18B. a 22*. Livre de direitos por
Arroz Brazil exportação.
Cacao ..Para 49s. a 61s
Oaffe Rio 86». a 100(.
C e b o . . . . . . . . R i o da Prata 3 s . 2 p . por 1121b,
Chifres. Rio Grande por 123 46 a 50 5s. por 1121b.
<A «èp- a 9*1'-
Rio da Prata, pilha ] B 7p. a 8p
'C 6p a 6Jp
8JP. a 9p. 10 p. por couro
tA 7p. a 8p.
k RioGrande...... < B 6p. a 5Jp.
<C
Pernambuco, salgados • ••• * •* #
Rio Grande de cavallo 7s. Op. â l i s . Op 48.
Ipecacnanlia Brazil por lb. 3s. 4p. a 4s. Op 28 íporlb.
Oloo de cupaiba l s . 3p. a l s . íip
Orucu 1
direitos pagos pelo
Páo Amarelo. Brazil 200/. por ton comprador,
Pao Brazil . . . . Pernambuco 2s. Op, a 2s, 6p. 1
Salta Parrilha. Pará . . . direitos paços pelo
Tabaco j6'"?!"" i comprador,
I em folha. 6£ porlb.
Tapioca Brazil..
Câmbios com as seguintes praças.
Rio de Janeiro 44 fla!!ll)lllg*0 37
Lisboa 50 Cadiz 36
Porto 50 Gibnllnr 30*
Paris 25 90 Gênova 43|
Amilfrdam 12 14 Malta 45

Etpecie Seçitras.
Onroembsrra £3 17 10I Brnril. Ilida 25s Volta 23s
H«-Ç.s dê 6400 reis 3 17 0 f.isl.na 20s 20s
Dobroens Hespa- por
<in <n
Porto 25P 25S
nhoes 3 ,, Madeira 25s 25s
Pezot. ..dictos 4 Açores 52s 25»
Prata em barra 4 Rio da Praia 35% 35s
liengala 63s 83*
VOL. XXVII. N.o 161. 3A
( 360 )

LITERATURA E SCIENCIAS,

N O V A S p u n i . i t A Ç O E N S EM I N G L A T E R R A .

Tweed on Regimen and Diet, 12,n><> preço 5s. Obser-


vaçoens practicas sobre o Regimen e Dieta; em que se
apontam e explicam a natureza e qualidades do mantt-
mento commum; as regrase regulamentos, pelo quéres-
peita a saúde; e como se devemaccommodar âsdifferen-
tes situaçoens e circumstancias, desde a infância até a
velhice. Por Joaõ Tweed. Cirurgião, &c

Phillips's Essays. Preço 9s. Doze Ensaios, sobre as


Causas próximas dos phenomenos aggregados e atômico»
do Universo. Per Sir Ricardo Phillips.

WoocCs Primitive Inhabitants of Ireland. 6.?0 preço


lOs. 6d. Indagação sobre os habitantes primitivos da Ir-
landa : illustrada por um mappa de Ptolomeu, represen-
tando Erin, correcto com o auxilio da Historia Barhics.
pelo Dr. Thoroas Wood. M. D.

Grey's Memória Tech nica, 12.mo preço òs. Methodo


Literatura e Sciencias. 361
de memória artificial; applicado, e exemplificado, na
Chronologia, Historia,Geographia, e Astronomia; assim
como nas moedas, medidas e pezos Judaicos e Romanos.
Aiuncta-se a isto uma idea da Mneraonica de Low, cm
vários ramos da literatura e sciencias. Pelo Dr. Grey.
M.D.

Lavoisne's Genealogical Atlas. Preço 61. 16s. 6d.


Atlas Genealogico, Histórico, Chronologico, e Geogra-
phico; contendo a creaçaõ, dispersão e divisão do gêne-
ro humano: origem das naçoens, estabelicimento, conti-
nuação e decadência dos impérios e estados: a genealogia
directa e collateral de todos os soberanos e potentados,
desde os tempos mais antigos até o presente anno»

Strouds Systematic Botany. Elementos de Botânica


physiologica e systematica: contendo uma exacta inves-
tigação da estructura interna e externa dos vegetaes, os
diflerentes phenornenos, que acompanham o processo da
vegetação; os princípios do arranjamento natural e arti-
ficial; os systemas de Tournefort, Linneo eJussieu; e
um copioso diccionario de todos os termos usados naquella
sciencia. Por T. B. Stroud. Jardineiro.

Lewu on Stenography. Preço lüs. Noticia histórica


da origem e progresso da Stcnographia, conteúdo exten-
362 Literatura e Sciencias.
sivo e interessante exame de todos os systemas, que se
tem publicado na Europa, desde a primeira invenção
desta arte, até o tempo presente. Por J. H. Lewis.
Esta obra he illustrada por muitas estampas gravadas
em madeira : contém milhoens de exemplos da excellen-
cia e defeitos comparativos dos differentes methodos: a
verdadeira dafa e titulo de cada systema; e um plano
para estabelecer nova e universal Stenographia. Tem 17
estampas, que exhibem todos os alphabetos do modo de
escrever abreviado.

Safês Koran. 2 vol. 8-vo Preço 1./ \.s O Koran,


commumraente chamado o Alcorão de Mafoma, traduzi-
do do original Arábico, com annotaçoens explicatorias,
tiradas dos authores mais bem approvados. Ajuncta-se
um prefacio, pelo traduetor George Sale.

PORTUGAL.

Tractado de operaçoens de Banco, ou Directorio de


Banqueiros, extrahido dos melhores authores. Por Antô-
nio Thomaz de Negreiros. 1 vol. 4to. Bahia 1817; pre-
ço 400 reis.

Quinta parte do Thesouro descuberto no máximo rio


das Amazonas, obra interessante, escripta pelo celebre
Jezuila Joaõ Daniel, nos cárceres de S. Juliaõ; equea
Literatura c Sciencias. 363

pezar de intitular quinta parte, pôde ser considerada co-


mo o principal, segundo elle mesmo confesssa. Preço
StfjO reis.

Manual de Medecina e Cirurgia practica, fundado so-


bre o systema de Brown, pelo Dr. Weikard; traduzido
e anotado por Manuel Joaquim Henriques de Paiva. 4
vol, em 8.»° Bahia, 1818. Preço 1600 reis.

Quatro primeiras Cartas de uma collecçaÕ dellas, con-


tra o Marechal Beresford. De duas em duas se publica-
rão aos Sabbados. Lisboa. Preço 40 reis cada uma.

As obras poéticas, sacras e profanas, do Reverendo


Antônio Pereira de Souza Caldas, com as notas e addic-
tamentos de l • de B. Garçaõ Stockler» impressas em Pa-
ris, em 1821; 2 vol. 8.v«.
364 Literatura e Sciencias.

Jornal da Expedição do General Mina ao México.

Extrahido de um manuscripto original, por um ofli-


cial, que acompanhou aquelia Expedição.

Introducçaõ.

Para que se possa formar mais distincta e comprehen-


siva idea da seguinte narrativa, se julgou necessário dar
alguma noticia da topographia e recursos daquella parte
do extenso paiz, commummente chamado o Reyno de
México, que foi o theatro da campanha do General Mina,
com um esboço da população, origem e progresso da pre-
sente revolução, até o tempo da chegada desta Expedi-
lha ao lugar da Insurreição.
Os naturaes do paiz o distinguem ordinariamente em
três grandes divisoens, designadas pelos climas e situação;
a saber, La Costa, as Tierras Calientas, as Tierras Fri-
as. A costa ocidental inclue o districto, que se extende
de de as praias do mar Pacifico, por 30 ou 40 léguas até
a Serra*; usualmente chamada Sierra Madre de Tucum-
bero, aonde começam as Tierras Frias. Os limites do
paiz para Leste, até o Golpho de México naõ saõ tam
bem marcados pela natureza como os dous precedentes,
o que se chama Costa se extende por cousa de vinte
léguas distante do mar e ao longo delle, aonde começam
as Tierras Caiientes. Toda a parte povoada do Reyno
naõ he mais do que uma immensa montanha, que come-
ça no Oceano Occidental, e levantando-se gradualmente
possue todos os climas succeptiveis de vegetação, á pro-

• A luaib elevada e extensa cordilheira de montanhas.


Literatura e Sciencias. 36*
porçaõ dos vários grãos de elevação, localidade e situa-
ção. Assim as Tierras Calientes, no lado Occidental
especialmente, ainda que muito mais altas do que a cos-
ta, saõ geralmente muito mais quentes; porque saõ situ-
adas em uma grande concavidade, circumscrípta por al-
tas serras, que impedem o moderar-se o calor pelas vira-
çoens frescas do mar, com que se refresca a atmosphera
das costas do mar. As Tierras Frias, por sua grande
elevação, gozam de clima temperado, posto que situadas
na zona torrida, desde o mez de Novembro até Fevereiro:
ha neves nas serras, e lugares elevados.
Subindo das Tierras Calientes para as Tierras Frias,
he mui repentina a mudança do clima: o viajante pôde
jantarem um engenho de assucar, respirando a fragran-
cia dos laranjaes vizinhos, e quando chegar ao lugar da
cèa pela noite, achar-se entre dura neve, aonde as pro-
ducçoens do terreno saõ o pinheiro sylvestre, e outras ar-
vores, que nascem nas regioens frigidas ou polares. Por
conseqüência a vegetação he tam varia como os climas.
A Costa e Tierras Calientes produzem todas as arvores,
fructos, graõs e plantas, que usualmente se acham entre
Trópicos : e as Tierras Frias, independente do milho, e
pimenta (dous mui importantes artigos no paiz) produzem
toda a espécie de arvore frutífera, graõ e plantas, que se
cultivam na Europa. Por conseqüência saõ os mercados
constantemente suppridos com variedade de fructos e
vegetaes, que supponho em parte alguma se acharão junc-
ta»; causa isto admiração e prazer aos estrangeiros, naõ
accustumados a ver producçoeus das zonas temperadas
e torrida, junctas no mesmo lugar.
As summidades das Serras, que muitas vezes seguem
um nivel por muitas léguas, ordinariamente estaõ cuber-
tas de arvores sylvestres, entre as quaes se acham varias
366 Literatura e Sciencias.
espécies de carvalho. As producçoens dos serros*, e
muitas das planícies e vales produzem ordinariamente
arbustos de espinho, e grande variedade de Nopaes (cha-
mados no Brazil Erumbebas), cujo fructo naõ deixa de
ser saboroso, e he mui estimado peles naturaes do paiz.
Todos estes vegetaes saõ de pouco uso, excepto para quei.
mar no fogo: para os objectos de edificar he necessário
trazer a madeira, com grande trabalho, das serras. No
pequeno espaço de terras lhaãs, que se acham ao longo
dos rios e ribeiros, e aonde desembocam no mar, se
acham altas palmeiras, e arvores de magno, e outras em
grande quantidade.
Os territórios da Costa e Tierras Calientes para o ocei-
dente, consistem principalmente de vastas cordilheiras de
rochedos quebrados, que obstruem as estradas, ou para
melhor dizer azinhagas, que apenas dam passagem: por
outra parte, grande porçaõ das Tierras Frias consiste em
immensas planícies, cercadas por outras menores de to-
dos os lados. Em algumas das planícies se acham evi-
dentes signaes de haverem originariamente sido recepta-
culos de grandes lagos: agora entupidos pelo continuo
sedimento da terra, levada pelas chuvas dos montes vizi-
nhos. Tenho visto vários destes lagos ou planícies tam
entupidos, que pouco tempo depois de passadas as chuvas
se secaram, deixando os alveos secos, pela distancia de
trinta milhas. Os principaes lagos, que existem presente-
mente, saõ os de Chalapa, México, e Patequana, o pri-
meiro do quaes he de tal extençaõ, que somente he infe-
rior ao maior dos lagos do Canada.
Em uma ilha deste lago estabeleceram os Independen-
tes ha alguns annos uma bem defendida fortaleza; que

* Falla-se de uma cordilheira de montanhas, destacadas das


serranias grandes pelas planícies.
Literatura e Sciencias. 367

os Realistas sitiaram por longo tempo. Era principalmen-


te guarnecida por índios, que repelliram todas as tenta-
tivas dos sitiadores, os quaes construíram barcas canho-
neiras em San Blas, e as conduziram para o lago com
grande custo, para bloquear a praça. Se naõ fosse pela
traição do commandante geral da província, he provável
que nunca seria tomada: elle se passou para o inimigo
com suas tropas, e fez com que o forte se entregasse.
As planícies das Tierras Frias possuem geralmente ter-
reno rico: e na estação das chuvas, produzem grande
quantidade de liigo, feijaõ, centeio, &c. A cultura do
trigo se limita ordinariamente aos proprietários de grau
des Fazendas*, que tem meios de construir prezasf; para

* 0 termo Fazenda (Hazienda) quando se applica ás terras,


significa uma herdade ou terras de que alguma parte he destina-
da á agricultura, outra aos rebauhos de gado e crias de cavallos.
ecuja extensão he algumas vezes de 30 a 40 léguas em extensão :
os proprietários saõ pela maior parte Hespanhoes, ou creoulos
seus descendentes: a paizanagem, que existe nestas herdades,
he numerosa, e composta de índios do paiz, e de varias classes
produzidas dos brancos e índios. A casa do Senhor da teria
geralmente he um edifício grande, levantado, sem gosto, de pe-
dra ou tijolo seco ao Sol, cercado pelas rasas dos trabalhadores
e formando, algumas vezes, uma considerável aldea. He usual
mente occupada pelo mordomo ou feitor ; porque os propricta
rios residem principalmente nas grandes povoaçoens ou cidades.
A maior parte dos grandes edifícios lias Fazendas daquella. parte
do paiz, que he o theatro da revolução, se acha em ruínas, ha-
vendo sido destruída por ambas as partes contendentes, para im-
pedir que as casas su convertam em fortalezas.
t Chamam-se prezas os grandes depósitos de águas, ou la-
gos, feitos para servirem nas regas da agricultura : saõconstiu
dos. erigindo-se muros de pedia eiuzando algum vale ; e ordi-
V O L . X X V I . N" 162. 3 »
368 Literatura e Sciencias.
regarem as terras, sem o que naõ se produz graõ nas pla-
nícies do México. A razaõ he porque semêam o trigo
em Outubro, quando tem principiado a estação seca, e as-
sim naõ cresce, a menos que o terreno seja huraedecido,
o que somente se pode obter por meio das prezas; pois
as planícies das Tierras Frias, por sua grande elevação,
saõ pela maior parte destituídas de rios ou regatos. Vi
algum trigo produzido nas Sierras sem ser regado, e que
fora humedecido pela atmosphera daquellas elevadas,
regioens: mas éra de inferior qualidade. Ainda que
as planícies das Tierras Frias tem poucas torrentes d'agua,
naõ succcde o memo nas Sierras e Tierras Calientes; es-
tas, e as Costas, saõ amplamente regadas por bellos rios
e ribeiros, que pela maior parte nascem dos altos montes
que cercam as grandes planícies das Tierras Frias, e que
se pode dizer saõ os seus cumes. Os rios naõ saõ mui
caudalosos, em conseqüência da grande declividade e
pouca distancia de seu curso; mas saõ suflicientes para
regar qualquer numero de jardins, hortas e plantaçoens
de assucar nas suas margens, Estes ribeiros raras vezes
secam, mas nas Tiertas Frias, os poucos que ha,
apenas existem, depois das chuvas, por mais de 3 mezes.
A divisão do anno, mais geralmente reconhecida entre
os Mexicanos, he dupla; isto he chuvosa eseca: a pri-
meira começa ordinariamente em Maio, quando entram
as chuvas com pouca interrupção até o meado de Outu-

nariamente nos cerros, elevados acima das planícies, as quaes


inundam, quando he necessário, por meio de canaes. Supprcni
também água para o gado da Fazenda. Algumas vezes saõ as
prezas construídas em situação vantajosa nas planícies, e quan-
do chega a estação de semear, se tira a água por meio de com-
portas, e se desposita o graõ no alveo do lago,bem estrumado
p ela acumulação do limo dos outeiros vizinhos.
Lileratnra e Scieucias. 369
bro; entaõ começa a segunda, e amenos que naõ seja um
arruaceiro parcial no mez de Janeiro, naõ ha mais chuva
até a estação seguinte. A primavera do México, fatiando
propriamente, começa em Junho, os mezes de Março,
Abril e Maio saõ excessivamente quentes, e com tudo
cessa de todo a vegetação, pela secura do chaõ.
Pouco depois de começarem as chuvas, grande porçaõ
do paiz dos cerros, assim como das planícies se cobre de
luxuriosa herva, a qual offerece pasto aos innumeraveis
rebanhos de gado e carneiros e manadas de cavallos, que
pela maior parte andam soltos pelos campos, e sem mo-
léstias que precisem curativo. Feno para o inverno naõ
he necessário, e como o gado anda ao largo pela Fazen-
do* faz-se quasi selvagem.
Naõ hede suppor que um paiz montanhoso fosse falto
de metaes, na verdade he de presumir, que em nenhuma
outra parte se encontrem em tanta abundaneia, nem em
tam grande variedade, como no México. Ha muito tem-
do que as minas no México tem a preeminencia sobre as
dos outros paizes, por suas riquezas em metaes preciosos,
ouro e prata, mas abundam igualmente em mais úteis
metaes, cobre, ferro, estanho, chumbo, e também se acha
azougue em considerável quantidade. As minas de ouro

* 0 numero de cavallos e gado, que d'anles pertencia ás gran-


dasFazendas, he pasmoso. A Fazenda de Sancta Anua, na
província de Nova Galliza, antes da revolução, dizem que con-
tava maía de 20.000 éguas de cria, e 200.000 cabeças de gado;
mas tendo freqüentemente sido roubada pelas partidas hostis,
poucos, comparativamente fatiando, restam. Com tudo ainda
se encontra considerável numero de éguas e gado vacum, quan-
do se viaja pelo paiz. Poucas éguas se usam para sella: os Me-
ncanos preferem os cavallos, e nunca usam das éguas senaõ em
caso de necessidade.
370 Literatura t Sciencias.

e prata podem ser lavradas, o que p e r m i t t c o Governo de


H e s p a n h a , pelas grandes rendas, que tira destes metaes.
D e p o i s do p r i n c i p i o d a revolução, os Índios tem extra-
hido considerável q u a n t i d a d e de cobre, ferro, estanho e
c h u m b o , sem o u t r o processo mais do que derreter a mina,
q u e a c h a m pelas terras em abundância, sem o trabalho
de cavar. N u n c a ouvi fallar de minas destes metaes, que
se lavrassem no M é x i c o .
O s I n d e p e n d e n t e s usam actualmente do cobre para fun-
dir peças d e artilheria e fazer balas; o chumbo para a
mosquetaria, e o ferro para espadas e lanças. Naõ sei
q u e uso fazem d o estanho, por que ainda que tenha visto
consideráveis q u a n t i d a d e s , extrahidas dos cerros, nunca
ouvi q u e se manufacturasse: provavelmente se vende em
b r u t o para as cidades, e povoaçoens consideráveis.
E x t r a h e - s e grande quantidade de salitre, nas cavidades
das montanhas, aonde algumas vezes se encontra christa-
lizado e puro ; e o mesmo suecede nos volcanos* que saõ

* Ha sette ou oito vulcanos nas provincias do México; tive


somente oceasiaõ de visitar um, que foi o vulcuno de Jorulla:
fica na parte occidental da serra de Jacambero, na província de
Mechoacan : ainda que de considerável elevação, somente está
uma terça parte da subida desde o pé do monte. A erupção
parece sair de muitas bocas, distantes umas das outras. A prin-
cipal cratera he de considerável altura, provavelmente quasi uma
milha, e atira aréa pela errupçaõ, com que cobre o terreno por
varias léguas em redor, mas naõ apparecem traços de lava. A
boca da cratera parece ter meia milha de diâmetro, e as chuvas
tem escavado muitas barrocas pelos lados, aonde crescem peque-
nas plantas e arbustos. O vulcano de Colima, na província de
Nova Galliza, foi ha pouco o theatio de uma das mais terríveis
errupçoens, que tem acontecido por muitos annos. Succedeo
pelas 9 horas da tarde, ,\us 15 de Fevereiro de 1818, precedida
Literatura e Sciencias. 371
muitos nestas provincias, e ministram inexbaurivel quan-
tidade de enxofre, com o que os Independentes fazem

por alguns violentos tremores de terra. Achava-me eu entaõ


na vizinhança de uma pequena aldea chamada Zaraté, nas Tier-
ras Calientes da província de Mechoacan, cousa de 80 léguas
distante do volcano; e naõ obstante a distancia, ouviam-se distin-
ctamente as explosoens, que se assimilhavam ao estrondo de mui
forte artilheria. Eu viajava em companhia do Commandante de
uma pequena escolta de 8 ou 10 soldados; e suppondo que isto
era algum ataque, que fazia algum numeroso corpo de Realistas,
contra uma pequena partida de tropas independentes em Zaraté,
montamos immediatainente a cavallo, e retiramo-nos; mas ape-
nas tínhamos marchado uma légua, quando arrebentou outra ex-
plosão, e sabendo, que naõ havia ali artilheria capaz de produ-
zir aquelle estrondo, mais perto do que San Blas ou Acapulca,
70 ou 80 léguas distante; eu atiríbui justamente o phenomeno
a sua causa real, uma errupçaõ de Colima; e persuadi os meus
companheiros a que parassem, por aquella noite. Um dos nos-
sos camaradas éra dos membros do Governo, e por isso o temor
do inimigo venceo nelle a evidencia dos sentidos ; assim conti-
nuou a retirada a pezar de muitas representaçoens ; a civilidade
nos obrigou a seguillo, ainda que a cada instante corríamos o
risco de sermos esmagados pelos cavallos perderem o passo e
rodarem pelo precipício na escuridão. Pelas duas horas da ma-
nhas, perdi eu a paciência, estando ja desfalecid : apeeime, e
declarei que naõ passava adiante, até que rompesse o dia : e o
tal Representante, com evidentes mostras de repugnância con-
sentio em fazer halto. Poucos dias depois chegamos a uma Fa-
zenda, na confluência dos rios Sant-iago e Marquez, cousa de
65 léguas distante do vulcano, e fomos informados por um offi-
cial, que os habitantes daquelle lugar, suppondo, como nós,
que éra um ataque dos Realistas, fugiram para o Cerro vizinho,
d'oode claramente descubriram a matéria combustível, que o
vulcano arremessava a grande altura, e que na obscuridade da
372 Literatura e Sciencias.
toda a pólvora de que usam : mas naõ he boa, pelo im-
perfeito modo de sua preparação.

noite se assimilhava a foguetes, ou estreitas errantes. Disseram-


me ao depois muitos dos residentes nas vizinhanças de Guanaxato
que tinham ouvido a explosão da errupçaõ mui distinetamente
ainda que estivessem na distancia de 400 milhas pelo menos; e
disse-se, que oceasionára considerável susto na cidade de México,
aonde os Hespanhoes tomaram a precaução de dobrar as guardas,
temendo um ataque: he dirncultoso dizer qual dos partidos se as-
sustou mais nesta oceasiaõ. A cidade de México está mais de
500 milhas distante de Colima, e quam terrível deve ter sido a
explosão, para se ouvir em tal distancia.
Ha em varias partes do paiz uma espécie de lagos circulares,
chamados pelos habitantes Albergues, que sem duvida saõ cra-
teras de vulcanos extinetos. Vi duas dellas, uma juncto á po-
voaçaõ do Vale de Santiago, no Bajio, e outra na vizinhança de
Jacambero, nas Tierras Calientes. Estaõ ambas na sumidade
de outeiros, formados da matéria que as errupçoens expellem.
A do Valle de Sant-iago he de quasi um quarto de milha de diâ-
metro, e a água a 200 pés na margem, composta de rochedos
perpendiculares, e somente accessivel por um lado. A outra,
ainda que naõ tam grande, he muito mais útil; porque delia se
formou um aquedueto, furando um dos lados da cratera, e dahi
corre considerável quantidade de água, que rega varias planta-
çoens de assucar, e move os moinhos d'agua. Ainda que o des-
aguadouro he constante, naõ percebi, que a água diminuísse;
provavelmente he suprida por fontes subterrâneas. Entes Alber-
gues tem por varias vezes sido sondados por comprida* linhas,
mas nunca se lhe chegou ao fundo. Os Mexicanos, por uma es-
tranha analogia chamam ás montanhas, era cujas sumidades ha
perpetuamente neve, vulcanos de neve, muitos dos habitantes
das Tierras Calientes tem os pescoços inchados a enorme ponto:
presumo que em conseqüência de beberem a água que desce des-
tes vulcanos ; e as pessoas, que tem esta molebtia, se chamam
Bouchones, no paiz.
Literatura e Sciencias. 373
A Sierra Madre he uma perfeita massa de metaes e
mineraes, e as partes rugosas dos cerros apparecem ver-
des por léguas continuadas, pela quantidade de cobre que
contêm* Esta mina, segundo me informaram pessoas
intelligentes na matéria, contêm certa porçaõ de ouro.
Ha innumeraveis minas de ouro e prata neste paiz, que
estaõ intactas: os descubridores,que saõ de ordinário ín-
dios e creoulos,naõ esperando obter licença de as lavrar,
naõ informam disso a seus naturaes inimigos e oppresso-
res, os Hespanhoes, para que estes se naõ aproveitem
da informação.
Nas vizinhanças da povoaçaõ de Silva, naõ longe de
Leon, vi signaes de carvaõ mineral, e naõ tenho duvida
de que haja abundância delle no paiz. Fontes mineraes
e quentes*, abundam em quasi todas as províncias, que
visitei, porém seria exceder os meus limites o descrevèllas.
Toda a população do Reyno do México se pode dividir
em quatro classes: Europeos ou naturaes de Hespanha;
Creoulos; índios civilizados: e índios bravos. Os cre-
oulos saõ susceptíveis de ulterior subdivisão em 3 clas-
ses: a saber, os brancos descendentes de Europeos; as
varias mixturas de brancos (Europeos e Creolos) com os

(*) As mais notáveis destas se acham na Fazenda de Co-


manjita, cousa de 4 léguas distante da cidade de Leaõ, e uma
légua da villa de Silva. A água sáe com effervecencia con-
siderável, de uma planície juncto de um cerro, e corre em
grande torrente: he reputada amais quente do mundo. Naõ
tive meios de averiguar o seu gráo de temperatura; porem al-
gumas maçarocas de milho verde, que lhe lancei, ficaram cozidas
em tam breve tempo, como se fossem mettidas n'uma panella
d água fervendo ao fogo. Ha aqui banhos, que eram frequenados
pelos habitantes das cidades e villas do Bajio, antes de Revolu-
ção presentemente estaõ desertas, pelo temor dos independentes.
374 Literatura e Sciencias.
índios-, e a mixtura produzida pelos casamentos dos ne-
gros Africanos e índios.
Os negros, que presentemente existem nas provincias,
que visitei, saõ tam poucos em numero, que apenas me-
recem serem contados como formando classe distincta da
população: isto provavelmente tem resultado de seus ca-
samentos com os creoulos e índios, em preferencia com
a gente de sua mesma còr. Os Europeos e brancos cre-
oulos, residem pela maior parte nas cidades, villas e
aldeas, e Fazendas das Tierras Frias. A população das
Tierras Calientes consiste principalmente das castas mix-
tas de brancos e índios, e creoulos e índios: a Costa tem
a população de todas as mixturas, com poucos índios;
e estes preferem ordinariamente a residência nos cerros,
para onde he natural que se retirassem, logo depois da
conquista pelos Hespanhoes: vivem em villas c aldeas,
exclusivas delles, preservando ainda sua linguagem c
custumes, e raras vezes visitam as cidades e villas habi-
tadas pelos creoulos; a menos que naõ seja para vender
seus gêneros, producto de seus trabalhos e arte*. O di-
alecto dos índios das differentes provincias he inteira-
mente differente, e nas suas aldeas, o cura e governa-
dor saõ as únicas pessoas que faliam Castelhano.

* No principio da revolução havia grande numero dos ín-


dios dos Cerros nos exércitos dos independentes, a principal
parte das tropas de Hidalgo e Morellos, eram desta classe :
presentemente os chefes creoulos, por motivos de temor eciuinc,
naõ os empregam muito. Pelos seus custumes e modo de viver,
que os habitua a toda a sorte de rigores, fariam elles excedente
cavallaaria, sendo propriamente disciplinados. Empregados
como correios, os tenho visto viajar a pé 40 ou 50 milhas pm
dia, por azinhagas nos montes, que eram impervias a genle
a cavallo.
Literatura e Sciencias, 375

Os índios Bravos habitam as varias e naõ penetradas


regioens, na província de Texas, ao occidente do Rio
Bravo dei Norte, e para o Norte e Occidente do Golpho
de Califórnia; e bem como as demais tribus de seus ir-
mãos da America Septentrional, subsistem de caça. E m
vários tempos tem os missionários Hespanhoes visitado
estes paizes, por ordem do Governo Hespanhol no Mé-
xico; mas nunca ouvi que suas exhortaçoens produzissem
grande effeito, ou induzissem os índios a alterar o seu mo-
do de vida*. O que os padres chamam vida civilizada,
naõ podem estes homens deixar de olhar como estado de
escravidão aos Hespanhoes; e para resistir a isto estaõ
geralmente em guerra com o Vice Rey do México. As
artes, que superaram seus mais civilizados vizinhos, os
subditos de Montezuma, naõ valem para com estes filhos
dos maLtos, que consideram os commodos da vida civi-
lizada, como objectos comprados demasiadamente caros
quando se trocam por sua independência. N o Império
de Montezuma, em tanto quanto pude observar dos cus-
tumes do povo, os padres certamente fizeram mais para o
Governo de Hespanha, sugeitando os habitantes do paiz,
do que executaram os militares.
A superstição he certamente o mais poderoso vinculo,
que pode qualquer Governo ter, para com um povo igno-
rante, e em nenhum paiz tem os padres usado da religião
com melhor suecesso do que no México. Os padres tem
arranjado tam artificiosamente a mixtura da pompa da
religião catholica, com as cerimonias, que d'aules usa-
vam os índios no seu culto, que he difficil para aquella
gente ignorante poder fazer a distineçaõ. Nas suas pro-

•Has algumas missoens na costa de Califórnia, até Monterray,


em latitude 36.# N., aonde os padres tem alcançado civilizar
alguns dos Índios.
VOL. XXVII. No. 162. 3 c
37 6 Literatura e Sciencias.
cissoens, nos dias de festa, levam as imagens dos Sanctos
da Igreja Romana, mixturadas com as representaçoens
do Sol, Lua, &c. antigos objectos da adoração Indiana,
e nas occasioens solemnes, ainda usam das antigas dan-
ças religiosas dos índios, que se executam nas igrejas,
depois da celebração da missa. Presenciando eu orna
procisaõ desta sorte, perguntei a um dos naturaes do paiz
a significação destas cerimonias, que me pereciam tam
estranhas: respondeo-ine que eram derivadas de seus an-
tepassados nos dias de Montezuma.
Naõ he de admirar, que os índios adoptassem tam fa-
cilmente a religião de seus conquistadores, quando nas
exterioridades tam bem se adaptaram as cousas ao seu
modo de culto. Os altares das igrejas Hespanholas es-
taõ carregados deomatos, que naturalmente attrahem a
attençaõ e adoração de um povo rude, que facilmente
se induz a trocar seus mal formados ídolos, por imagens
bem douradas dos sanctos. A miraculosa appariçaõ da
Virgem de Guadalupe* pouco tempo depois do desembar-

* A miraculosa appariçaõ da Virgem de Guadalupe, foi


narrada em epitome, ha pouco tempo, por um padre do Méxi-
co, da seguinte forma. Cerca de dez annos depois dos Hes-
panhoes tomarem a cidade de México, no mez de Dezembro,
passando um índio certo cerro, uma ou duas léguas distante da
cidade, encontrou uma linda mulher, esplendidamente vestida.
Ainda que esta aparição naõ fosse mui própria para inspirar
medo, parece que o índio ficou mui assustado, e começou a
chorar ; mas a rogos da Senhora consentio em parar. Ella o
informou que éra a virgem Sanctissima de Guadalupe, padro-
eira dos Mexicanos, e lhe deo um retrato seu, dizendo-lhe,
que o levasse ao Bispo de México, e lhe ordenasse, em nome
da mesma Senhora, erigisse uma capella no lugar em que se
achava. A fim de provar a certeza do milagre, e obviar qual-
Literatura e Sciencias. 377

que de Cortez, a qual se declarou protectora d o M é x i c o


c deixou um retracto seu, que naõ representa mal a figu-
ra do Sol, para ter adoração, provavelmente poz o sêllo
à conversão dos Mexicanos, e naçoens vizinhas; esta

quer escrúpulo do Bispo, a Senhora deo ao índio um ramalhete de


rosas para lhe apresentar, observando, que só por meios sobre-
naturaes se poderiam produzir aquellas flores n'um cerro estéril,
no tempo de inverno. Esta prova, posto que satisfactoria para
o padre, talvez produza pouca corr/icçaõ no espirito daquelles,
que sabem quam fácil he produzir rosas por meios artiticiaes,
ainda mesmo no clima de Inglaterra; durante o maior rigor do
inverno, e multo mais facilmente ainda entre trópicos, aonde
florecem todos os mezes do anno, e nas vizinhanças de uma po-
pulosa cidade. He apenas necessário ajunctar a isto, que se
obedeceo ao mandado da Virgem, erigio-se a capelia, e o Papa,
satisfeito com a irresistível prova do milagre, canonizou a Vir-
gem de Guadalupe, que foi solemnemente installada Padroeira
do México. Vi copias desta pintura, representando a sua des-
cida do Céo, sobre um segmento de circulo, sustentado por
cherubims, e a roupagem mui elegante, comparada com as
ridículas figuras, que ordinariamente ornam as igrejas Catho-
licas Romanas. A figura está envolvida em um manto azul,
decorado com estreitas e cercado de um resplandor. A cui-
da Virgem pareceo-me um pouco singular. Os padres, pro-
vavelmente, ssbendo que os seus compatriotas tinham dado aos
Índios ampla razaõ de detestar os Europeos, temeram, que naõ
obtivessem muitos proselytas, se a Virgem se parecesse com
elles, e sentido ao mesmo tempo a repugnância de representar
um sancto destinado a ter tam conspicuo lugar no Kalendario
Mexicano, com feiçoens Indianas, conservaram um prudente
meio; eactualmente pintaram a pele da Virgem de côr azul.
A melhor parte da gente entre os Mexicanos, posto que naõ se
altrevam a profeiillo, estaõ convencidos da impostuia, practica-
da sobre a credulidade dos pobies Índios.
378 Literatnra e Sciencias,
pintura he ainda objecto principal de adoração entre os
creoulos e índios civilizados do Reyno.
Qualquer que seja a causa, o certo he, que os padres
tem mais influencia, no paiz, do que os officiaes d'EI
Rey : os commandantes mais populares do partido Inde-
pendente, invariavelmente saõ ecclesiasticos.
Existe o mais deplorável gráo de ignorância na genera-
lidade dos Mexicanos: os poucos que podem ler eescre-
ver, pouca vantagem tiram desta habilidade; porqne a
maior parte dos livros, que a Inquisição lhes permitte ler,
saõ legendas de Sanctos, ou nauseosa narrativa de mila-
gres, que tem feito alguma imagem das igrejas; espécie
de leitura mui pouco própria para illuminar o espirito.
A política do Governo Hespanhol parece ter sido diri-
gida a embrutecer o entendimento deste infeliz povo, pa-
ra o privar de seus direitos sem encontrar resistência.
Encontrei homens tam ignorantes da situação geographi-
ca, em que a providencia os colocou, que, antes da che-
gada da divisão do General Mina, julgavam que só havia
dous paizes—Hespanha e México: prova decisiva da vi-
gilância, que até aqui exereciao Governo Hespanhol, em
excluir os estrangeiros do chaõ Mexicano. Até mesmo a
topographia de suas provincias he somente conhecida
dos correios, ou vendelhoens itinerantes; o resto do po-
vo raras vezes se aventura a uma viagem. A chegada
dos estrangeiros, que compunham a expedição do Gene-
ral Mina, e cuja noticia se espalhou geralmente por todo
o paiz, lhes ensinou, que ha no mundo taes naçoens co-
mo a Inglaterra, França, e os Estados Unidos da Ame-
rica.
As causas, que produziram a presente revolução no
México, saõ, sem duvida, a tyrannia e injustiça dos Eu-
ropeos, e a sua altivez e intolerável comportamento para
com os naturaes do paiz. O Hespanhol Europeo, que
Literatura e Sciencias. 379

occupa os lugares de todas as repartiçoens do Governo,


civis e militares, e das quaes por motivos de zelosa pre-
caução, saõ cuidadosamente excluídos os naturaes, dà
àquella classe ampla occasiaõ de satisfazer sua avareza,
ou gratificar sua vingança, contra as pessoas, que por sua
riqueza excitam a cubiça, ou por infelicidade incorrem
na desgraça desses Europeos.
Como grande parte dos emigrantes Hespanhoes, que
vam para as colônias, saõ aventureiros sem educação,
que deixaram a pátria impellidos da pobreza, ou expul-
sos pelos crimes, a fim de buscar fortuna, naõ he de sup-
pôr que sejam demasiado escrupulosos, quanto aos meios
de adquiri rir riquezas; consequentemente, estaõ nocus-
tume de practicar toda a sorte de extorsoens e fraudes
com os creoulos, que possuem propriedades: os índios
dos cerros, vista a sua pobreza, ficavam alem de seu al-
cance. Em vaõ a parte aggravada buscaria o remédio
legal; porque este se naõ poderia obter do Magistrado
Europeo, que havia de decidir contra um seu compatri-
ota, a favor de um creolo, que elle considera como es-
cravo do natural Hespanhol: portanto o pobre Mexicano
ordinariamente julgava preferível submetter-se paciente-
mente á injustiça, antes do que adoptar um modo d re-
mediar o aggravo, que seguramente lhe occasionaria
grande despeza, e lhe altrahiria a vingança do aggressor
e do Juiz. Mas, ainda que o Mexicano fosse obrigado
a dissimular, naõ he de suppor que deixasse de nutrir
profundas raízes de inimizade contra os Hespanhoes Eu-
ropeos, que por tantas geraçoens tinham adquirido tal
vigilância, posto que até à presente revolução naõ sei que
jamais houvessem tentado vigoroso esforço, para sacudir
o jugo de seus oppressores*.

* Um creoulo de Nova Galicia me informou, que houvera


380 Literatura e Sciencias.
Quando a Família Real de Hespanha foi preza em Fran-
ça, e Fernando renunciou a coroa a favor de Bonaparte,
e os Francezes entraram em Madrid, toda a população
do México se declarou a favor da independência, os Eu-
ropeos, considerando o seu paiz como conquistado, de-
sejavam segurar um azylo em outro, e os naturaes, que
saõ muito mais numerosos, esperavam estabelecer uma
forma de Governo, com equidade, que os garantisse con-
tra a oppressaõ, para o futnro. Esta harmonia entre Eu-
ropeos e Mexicanos foi de breve duração; porque logo
que se annunciou, que havia um Governo estabelecido
na Hespanha, e que se faziam preparativos para repellir
os invasores, os Europeos deixaram toda a idea de inde-
pendência, e se resolveram a seguir a metrópole. Esta
classe commandava ainda o exercito, e por conseqüência
tinha o poder em sua maõ: assim estes immediatamente
prenderam os mais activos d'entre os Independentes, e
entre outros Iturrugurray, o Vice Rey, que foram man-
dados para Hespanha, para serem castigados como Insur-
gentes e rebeldes. Os naturaes do paiz, prevendo que
se frustrariam suas esperanças de melhorarem de condi-
ção, pegaram em armas, para segurar sua independência,
e formaram um exercito de vinte ou trinta mil homens
(em tanto quanto uma multidão de gente meia armada

uma insurreição naquella província, ha cousa de 25 annos, 0


chefe dos insurgentes naõ he geralmente conhecido, porque nunca
apparecia em publico senaõ com uma mascara dourada, pd»
que lhe chamaram pelo nome de mascara d'ouro. Suppunha-
se, que era pessoa de conseqüência, pela riqueza de. seus ves-
tidos, e seus ornatos de ouro. Foi breve sua carreira ; porque
foi prezo, e dispersos os seus sequazes : quem me deo esta in-
formação naõ sabia que foi feito delle.
Literatura e Sciencias. 381
se pode chamar exercito) debaixo do commando de um
padre chamado Hidalgo.
He um pouco singular, que os revolucionários temiam
declarar a independência, a que sem duvida aspiravam;
provavelmente desejavam unir a si alguns dos Realistas,
ou receavam as fulminaçoens da Igreja; o certo he, que
ambas as partes contendentes continuaram a guerra em
nome de Fernando VII, e pelejavam debaixo da mesma
bandeira, até que Fernando inesperadamente voltou de
seu captiveiro, e por isso ficaram privados de todoo pre-
texto de continuarem a mesma sorte de guerra. O exer-
cito de Hidalgo, composto de populaçaajunctadaapres-
sa, sem disciplina, e armada principalmente de paos,
fundas e espadas, e poucas lanças ou armas de fogo, naõ
hede admirar que fosse com facilidade disperso, e este
chefe aprisionado. Elle com todos os seus sequazes fo-
ram solemnemente excommungados, e declarados here-
jes, e subseqüentemente foi elle executado na cidade do
México. Grande parte de sua gente era composta de
índios, que haviam deixado suas casas, mais por affeiçaõ
pessoal ao chefe, do que por interesse que tomassem na
causa, que tinham abraçado, a qual, de facto, naõ enten-
diam: assim voltaram para suas aldeas nos cerros, imme-
diatamente que souberam da prizaõ de seu commandan-
te. Logo se espalhou um espirito geral de insurreição,
em todas as provincias principaes do Reyno, e grande
parte das cidades e villas ou se declararam a favor dos
Independentes, ou caíram em suas maõs; mas como os
diversos chefes obravam sem connexaõ, e sem concerto
entre si, achou-se que éra necessário formar um Governo
geral, para dirigir o todo, o que com effeito se estabele-
ceo, na villa de Zitaguara.
Nesta epocha se lisongearam os Independentes de ter-
minar em breve a revolução a seu favor, mas infelizmen-
382 Literatura e Sciencias.
te para elles, tendo sido adoptada a nova Constituição
de Hespanha, que admittia as colônias a ter parte na Le-
gislatura; desde esse momento começaram os Mexicanos
a dividir-se entre si, pensando alguns, que tinham ja
obtido por aquella constituição tudo quanto podiam
razoavelmente esperar; ao mesmo tempo que outros se
uniam aos Europeos temendo o seu poder. Esta divisão
entre os Independentes foi ardilosamente aproveitada pe-
los officiaes do Governo Hespanhol, que lisongeando uns
e intimidando outros, obtiveram alcançar entre os Inde-
pendentes grande partido.
O espirito de desaffeiçaõ á causa da independência
cresceo muito, pela derrota de uma partida das tropas
nacionaes, em conseqüência do que foi o Governo obri-
gado a retirar-se para Tcnango, perdendo grande parte
de seu poder, e da influencia, que até ali possuía. Os
negócios do Governo se restabeleceram em breve, pelo
resultado do cerco de Quantia, acontecimento olhado pe-
los independentes como um dos mais importantes feitos
da revolução, e de conseqüências, que fizeram o nome
de Morelos justamente famoso entre seus compatriotas.
Este official, que tomou mui activa parte com Hidal-
go, em promover a causa da Independência do México,
éra também clérigo, começou a sua carreira militar com
quatro espingardas velhas, mas em conseqüência de al-
gumas vantagens, que alcançou, sobre o inimigo, posto
que armado principalmente de lanças, fundas e maças,
gradualmente ojunctou tolerável força, com a qual foi
cerca do em Quantia, por mui superior numero de Realis-
tas. Por sua coragem e arte frustrou todas as tentativas do
inimigo, para entrar a praça, e quando a fome fez que
se naõ pudesse sustentar por mais tempo, saio com suas
tropas, a pezar dos esforços dos Realistas, sem perca.
A conseqüência da evacuação de Quantia foi uma rápida
Literatura e Sciencias. 383
successaõ de victorias, que alcançou o General Morelo9
sobre os Realistas, particularmente em Chilapa, Huas-
suapa, San Agustin e El Palmar, tomou a villa de Ori-
zaba, por uma rápida marcha de cem léguas, chegou á
cidade de Oaraca, e as suas fortificaçoens foram tomadas
logo que appareceo ante ei Ias. Daqui marchou para Aca-
pulco, duzentas léguas distante, e tomou o castello, que
ali havia, depois de breve resistência; e partindo para
Chilpanzingo ali installou o Congresso Nacional, consis-
tindo este de representantes de varias provincias, entre os
applausos de seus cidadãos. Este e outros feitos fizeram
o nome de Morelos immortal na historia de uma revolu-
ção, da qual sem duvida este foi o mais brilhante perío-
do.
Deste lisongeiro estado dos negócios conceberam os
amigos da liberdade razoáveis esperanças de alcançar em
breve sua independência; mas estas favoráveis perspecti-
vas em breve desappareceram. O General Morelos re-
solveo atacar a cidade de Valladolid, na província de
Mechoacan, com uma força de 7.000 homens. O fraco
e ruinoso estado das fortificaçoens, o pequeno numero da
guarniçaõ, faziam quasi inevitável a queda daquela pra-
ça; mas antes delle chegar, chegaram soccorros aos ini-
migos, e elle foi derrotado juncto às muralhas da cidade,
por uma força mui inferior de 1000 Realistas. Conside-
rável parte das tropas do commando do General Matamo-
ros, valente e bem instruído official, se retirou para a
Fazenda de Puruaran, cousa de 20 léguas distante, aon-
de foram estas tropas outra vez atacadas, derrotadas e
dispersas, com a perca de seu chefe, e muitos dos prin-
cipaes officiaes.
0« Realistas, aproveitando-se da consternação, em que
se achavam os Independentes, pela derrota de seu gene-
ral valido, e dispersão de seu exercito, tornaram a apos-
VOL. XXVII. N.° 162 3D
384 Literatura e Sciencias.

sar-se de Oxaca e Acapulco, capitulando esta cidade pe-


la fome, e depois da guarniçao ter encravado as peças do
castello e queimado as carretas .- os Independentes perde-
ram em breve tempo considerável parte das provincias
do Sul, recentemente conquistadas por Morelos.
Quando começou a acalmar a agitação, que estas des-
graças occasionáram, o Congresso se occupou em repa-
rar, com toda apromptidaõ possivel, os males, que
se haviam soffrido. Em breve tempo se formou e pro-
mulgou uma constituição, para a administração do Go-
verno.
Fernando havia voltado do seu captiveiro para a Hes-
panha, estabelecido o despotismo nas ruínas da Consti-
tuição decretada pelas Cortes de Hespanha, para aquella
monarchia e suas colônias; pelo que resolveram os Inde-
pendentes, que as hostilidades naõ continuassem em seu
nome; consequentemente a Constituição, que entaõ for-
maram 09 Mexicanos, expressamente declarou a indepen-
dência das provincias Mexicanas. O Governo recebeo
nova forma; fez-se uma distribuição dos poderes, pondo
os negócios dos Independentes em tam respeitável pé,
que éra de esperar, que se a revolução naõ terminasse em
breve, favoravelmente, pelo menos os Realistas naõ po-
deriam fazer progressos, em quanto se tomavam medidas
para chegar á conclusão. Entre outros planos que lem-
braram para este fim, foi um o abrir communicaçaõ com
os Estados Unidos da America, por meio de um Minis-
tro authorizado, que para ali se mandou para este fim.
O indivíduo escolhido para este importante lugar foi
um padre chamado Herrera, que se embarcou na provín-
cia de Vera-Cruz, e partio para Nova Orleans. Parece
que este homem éra mui pouco próprio para executar
tam importante missaõ, como o Governo, que o enviou,
tinha em vista. Depois de se demorar consideravelmen-
Literatura t- Sciuneias. 38ã
te cm Nova Orleans, voltou paru Vera-Cruz, sem que
nem a curiosidade nein os deveres de sua missaõ o indu-
zissem a passar a diante, até a capital dos Estados Unidos.
Para que o Governo pudesse estar mais próximo deste
Ministro, e consultar com elle, sobre o que pudesse con-
duzir ao bem da independência, foi resolvido passar-se
para a província de Vera-Cruz.
As authoridades foram escoltadas pelo General Morelos,
com as tropas, que tinha ajunetado, subseqüentemente
ao infeliz resultado de sua tentativa em Valladolid. Di-
zem que elle representara contra o plano de marchar com
tam considerável corpo de tropas, e empachado com as
famílias e bagagem dos Representantes ; temendo que os
Realistas, que tinham superioridade de forças, os alcan-
çassem, logo que soubessem deste movimento. Infeliz-
mente naõ se seguio a sua opinião, prevalecendo a de
alguns homens influentes no Governo, que ou eram timo-
ratos, ou consideravam somente a sua conveniência pes-
soal; e por isso naõquizéram partir com escoltas ligeiras
e a marchas rápidas, ou deixar suas famílias e bagagem.
O resultado foi precisamente o que o General Morelos
tinha previsto, foi alcançado e atacado na marcha por
um numeroso corpo de Realistas, as suas tropas disper-
sas, e elle feito prisioneiro e levado para México, aonde
o mataram. Dizem que elle se poderá ter escapado, mas
por seu cuidado em favorecer a retirada do Governo foi
induzido a ficar no campo de batalha, aonde o desampa-
raram quasi todas as suas tropas.
A morte de Morelos foi o mais fatal golpe que até en-
taõ tinham recebido os Independentes: era elle verdadei-
ro patriota, e Generalissiino dos exércitos, e principal
centro, que unia as operaçoens militares. Logo que se
soube da sua prizaõ, cada connnandante General,nas
differcHtcs proviucias, aspirou a ser supremo. Ne-
386 Literalera e Sciencias.
nbum delles possuía a mesma preponderância de forças,
talentos ou popularidade, para que tivesse titulo a deci-
siva preeminencia sobre seus companheiros; sua ambi-
ciosa lucta pela superioridade, produzio em breve o espi-
rito de intriga e rivalidade de uns para com outros, e a
insubordinação de todos ao Governo. As conseqüências
disto foram as mais desastrosas á causa da revolução. Dis-
persou-se o Congresso, e alguns dos Representantes foram
prezos pelo General Terran, commandante General na
província de Puebla.
Este infeliz acontecimento foi o precursor de todos os
incalculáveis males, que invariavelemnte acompanharam
o estado de anarchia e confusão, que se seguio: os com-
mandantes dos districtosnaÕ tinham authoridade superior,
que os governasse, obravam independentes nas suas com-
mandancias, sem systema, nem respeito ao bem geral.
E m vez de empregar as suas forças contra os Realistas, o
único fito, que tinham, era destruírem-se uns aos outros;
com as vistas de chamarem a si os soldados, armas e ter-
ritórios de seus vizinhos, para poderem obrar sem restric-
çaõ.
Terran naõ sobreviveo longo tempo á destruição do
Governo, foi cercado pelos Realistas, em uma pequena
aldea, juncto a uma de suas fortalezas, eaprizionado com
suas tropas. Elle induzio seus companheiros, que com-
mandavam o posto, a que se rendessem aos Realistas, pela
promessa de que lhe salvariam a vida; mas geralmente se
pensa, que foi sacrificado aos zelosos temores do Gover-
no Realista.

(Continuar-se-ha.)
387

MISCELLANEA.

Relatório da Commissaõ Especial de Marinha, sobre a


promoção de 24 de Junho de 1821: apresentado ás
Cortes em 25 de Septembro de 1121.

A Commissaõ especial de Marinha, examinou os re-


quirimentos dos officiaes do corpo da Armada Nacional e
Real, e da Brigada de Marinha, assignado o primeiro por
64 officiaes, e o segundo por 26 officiaes daquelle corpo.
No primeiro requirimento allégam os officiaes de Ma-
rinha, os serviços, que tem feito áquella corporação, e
notam com magoa, que depois de se terem effeituado duas
promoçoens geraes no Exercito, e uma na Magistratura,
elles se lisongeâvam com a esperança de ver apparecer
algum novo plano de organização para o corpo da Mari-
nha; no qual, reformando-se os indivíduos impossibilita-
dos a exercer osdeveres daquella trabalhosa profissão, fi-
zesse progredir os que ficassem em actividade: porém
que à vista da promoção de 24 de Junho, na qual foram
somente contemplados os officiaes pertencentes aDivisaõ,
que acompanhou a Sua Majestade, deixando-se em es-
388 Miscellanca.
quecimento aos Supplicantes, c preterido todo o corpo
da Marinha, se acham na imperiosa necessidade (artigos
8, 7, 14 das Bazes da Constituição) de reclamarem o re-
médio, que as circumstancias exigem, sendo incompatí-
vel com a honra, e character de officiaes acreditados, fi-
carem absolutamente esquecidos. Iguaes reclamaçoens
e sentimentos expressam os Officiaes preteridos da Briga-
da da Marinha.
A Commissaõ, antes de interpor o seu parecer, sobre
tam importante objecto, naõ pôde deixar de expor ao
conhecimento do Augusto Congresso, algumas observa-
çoens sobre o estado actual da nossa Marinha Militar, a
fim de que, á vista de factos decisivos, possa deliberar,
com a madureza e justiça, que merecem as bem fundada
reclamaçoens deste respeitável Corpo, sem todavia exce-
der os limites, que a boa razaõ, e o bem do serviço infe-
lizmente prescrevem, nas actuaes circumstancias, impe-
dindo que a todos se satisfaça, segundo os desejos da
Commissaõ, idênticos aos do Soberano Congresso.
N o anno de 1793, epocha a mais florescente da Marinha
Militar Portugueza, sendo entaõ Ministro de Estado Mar-
tinho de Mello e Castro, contava esta arma em estado de
serviço 35 embarcaçoens, com 1556 bocas de fogo, inclu-
indo-se 12 nãos de linha (Veja-se o mappa N. 0 1) e nessa
mesma epocha compunha-se o pessoal da Marinha de 143
Officiaes (Veja-se o mappa N." 2), os quaes pelos soldos
actuaes venceriam annualmente em terra48:444.000 reis;
e ainda que este numero se reputasse insufficiente, para
guarnecerdevidamente aquelles vasos, todavia na sobre-
dicta epocha, c nos annos subsequentes, estiveram quasi
todos armados, fazendo até parte das esquadras combi-
nadas, empregadas contra a França, no Oceano e Medi-
terrâneo.
Miscetlanea. 389
Infelizmente ficou estacionario o augmento daquella
força, pelo tempo que decorreo até a epocaha da retirada
de S. M. para o Brazil; mas desde entaõ foi rapidís-
sima a sua decadência, ou para melhor dizer destru-
ição, chegando a tal ponto, que actualmente apenas se
poderiam armar 4 náos de linha, duas das quaes necessi-
tam de grandes reparaçocns, sendo ja mui antigas. As
fragatas, corvetas e brigues naõ excedem a 24 (Veja-se o
mappa N.° 2) montando a totalidade destes vasos 993 bo-
cas de fogo, pelo que o material desta arma se acha redu-
zido aos dous terços do que foi em 1793, comparando-se
as respectivas bocas de fogo existentes nas duas epoebas,
pois que na realidade muito mais desastrosa se deve repu-
tar a diminuição, comparando a importância dos vasos
perdidos; pois que em 12 nãos de linha se inutili-
zaram 8.
Passara agora a Commissaõ a lançar um golpe de vista
sobre o estado pessoal da mesma Marinha, depois da
promoção de 24 de Junho de 1821, origem das justas re-
clamaçoens dos Supplicantes.
Compòem-se actualmente o Corpo da Officialidade da
Armada do numero das patentes designadas no mappa
N." 4, subindo na totalidade ao numero de 585, cujos
soldos de terra importam annualmente em 183:280.000
reis; contando-se naquellenumero 45 Officiaes Generaes.
Metade destes officiaes, com pouca differença, se acham
no departamento do Rio-de-Janeiro; porém um grande
numero regressa em serviço, ou por outras causas.
Do referido se deduz, que tendo diminnido o material
ua Marinha na razaõ de 3 para 2, augmentou-se o pesso-
al na proporção de 1 para 4; incluindo-se algun3 offici-
aes generaes honorários, com vencimentos e accessos de
effectivos, e 5 Capitaens de Mar e Guerra, a saber 3, Phi-
390 Misccllanea.
sicos Mores, e 2 Cirurgioens Mores, vencendo os soldos
de embarcados das suas respectivas patentes, além das
comedor ias, e dos ordenados de 400.000 reis, annexos
àquella profissão, importando na totalidade em 6:480.000
reis, pagos pelo cofre da Marinha, naõ se comprehenden-
do mais 4:000.000 reis, que vencem por outras repartiço-
ens.
O mappa N.° 5. indica o numero e patentes dos offici-
aes promovidos a 24 de Junho, sendo89os que pertencem
ao Corpo da Marinha, e 21 á Brigada.
A Commissaõ observa, que o augmento annual dos sol-
dos, que vencerão em terra os sobredictos officiaes pro-
movidos, naõ excederia a 6:894.000 reis, quantia pouco
considerável, se naõ fosse a mui prejudicial e quasi irre-
mediável influencia, que vai ter sobre a nova promoção
requerida; pois sendo promovidos os mais modernos offi-
ciaes das respectivas classes, deixaram preteridos 304
Officiaes (Veja-se o mappa N.° 6.)
Para se indemnizarem todos os indivíduos preteridos,
seria necessário promover ãs patentes abaixo designadas
(Veja-se o mappa N. c 7.)
Subiria, portanto, o total das promoçoens a 418, naõ
obstante serem 384 os officiaes preteridos, pois que 24
Capitaens de Mar e Guerra graduados deveriam passar a
effectivos, para depois serem graduados em Chefes de
Divisão.
A conseqüência iramediata de simiihante promoção se-
ria elevar o N.° de Officiaes Generaes effectivos e gradua-
dos a 79, com a singularidade dé desappparecer a classe
dos segundos Tenentes, dos quaes só ficariam permane-
cendo naquella patente os 13 effectivos, ultimamente pro-
movidos da classe de Guardas Marinhas e Aspirantes, al-
guns dos quaes com a cláusula de naõ terem accesso, em
quanto se naõ habilitarem na parte scientifica da profis-
Miscelianca. 301
saõ. Naõ se incluem os 97 Segundos Tenentes gradua-
dos, que pelas suas diversas profissoens naõ devem con-
siderar-se Officiaes da Marinha Militar, e por isso naõ
foram mencionados no numero dos preteridos.
O augmento annual dos soldos de terra, que receberi-
am os officiaes preteridos do Corpo da Marinha, e do des-
tacamento da Brigada da Marinha em Lisboa, no caso
de uma promoção geral, subiria a 23:334.000 reis (ma-
pas 7 e 8), que, junctos ao accrescimo dos soldos dos
officiaes ja promovidos, daria o total de 30:228.000 reis,
naõ se podendo orçar exactamente as differenças quando
embarcados, pois dependemdacircumstanciade comman-
darem ou naõ embarcação : e nas patentes superiores
varia do commando de navio ao commando de divisão;
porém em geral pode dizer-se, que os officiaes generaes
quadruplicam os seus vencimentos a bordo, os officiaes
superiores triplicam os mesmos vencimentos, e os offici-
aes subalternos dobram os seus soldos. (Veja-se o map-
pa N.» o.)
A' vista pois de similhante quadro, naõ he para extra-
nhar a perplexidade da Commissaõ em emittir uma opi-
nião, que conciliasse as justas reclamaçoens dos officiaes
preteridos com o bem geral da Corporação e do Thesou-
ro publico.
Tendo-se demonstrado a impossibilidade de uma pro-
moção geral de 418 patentes, a qual unicamente poderia
satisfazer a todos os offlciaes preteridos, naõ se compre-
hendendo neste numero os officiaes da Brigada da Mari-
""*» Promoção que na realidade seria injusta, fazendo-se
extensiva a um grande numero de officiaes, que naõ tem
treito a serem promovidos, pois que se naõ devem con-
siderar como officiaes effectivos de Marinha Militar, naõ
Vou XXVII. N.OJG2. 3E
392 Miscclla/iea.
só pela falta dos necessários requisitos, mas também por
naõ terem tido exercício a bordo das embarcaçoens, julga
a Commissaõ, que o único arbítrio, que poderá conciliar
a justiça, a que tem direito os officiaes indevidamente
preteridos, com as complicadas conseqüências da referida
promoção, se reduz a considerar provisoriamente a sobre-
dicta promoção como simplesmente honorária, continu-
ando os officiaes promovidos a vencer os soldos das suas
antigas patentes, como ja se acha determinado pelo Go-
verno, exceptuando-se desta restricçaõ os Segundos Te-
nentes da Marinha promovidos de Guardas Marinhas ou
Aspirantes; e aos Sargentos de Brigada, promovidos a
Segundos Tenentes.
Regulados desta maneira os soldos dos officiaes promo-
vidos, julga aCommissaõ de urgente necessidade, que o
Governo proceda a uma reforma do Corpo, na conformi-
dade dos desejos manifestados pelos Supplicantes pre-
teridos, comprehendendo na classe de officiaes effectivos
a todos aquelles, que por sua habilitação scientifica, apti-
dão e serviços prestados no exercício da profissão, se
acharem nas circumstancias de serem empregados activa-
mente, como verdadeiros officiaes de Marinha Militar.
Estes officiaes, depois de designados, deverá o Governo
contemplar em promoção geral, e na conformidade das
leys; e por este motivo lembra a Commissaõ a utilidade.
que resultaria, de se considerarem na nova organização
as patentes dos indivíduos naõ militares, como simples-
mente honorárias, e sem accesso ou vencimento de soldo,
limitando-se os vencimentos dos indivíduos, hoje conde-
corados com estas patentes, aos ordenados, que lhes com-
petirem pelas respectivas profissoens, que efléctivamente
exercerem.
os officiaes effectivos, que se naõ julgarem neressa-
Miscellanca. 393
rios para o servtço dos navios armados, poderá o Gover-
no conceder licenças para navegarem em navios mercan-
tes cessando, durante este serviço, os soldos das suas res-
pectivas patentes, como actualmente se practica, sendo
sempre preferidos nas promoçoens geraes os serviços pres-
tados a bordo dos navios do Estado.
A outra classe deverá ser formada dos officiaes, que pe-
la sua idade, enfermidades, ou por outros motivos se jul-
garem nas circumstancias de ficarem addidos ou reforma-
dos; attendendo-se porém a que os seus futuros venci-
mentos naõ soffram notável differença, em conseqüência
de serem mui tênues os soldos de terra dos Officiaes da
Armada.
O parecer exposto se applica igualmente ao Corpo da
Brigada da Marinha, aonde uma promoção geral de pre-
teridos offereceria os inconvenientes ja ponderados, pois
que existe igual disproporçaõ entre os officiaes e a força
effectiva dos quatro Batalhoens, de que se compõem
aquelle Corpo, dos quaes existem três mui diminutos na
cidade do Rio-de-Janeiro.
A' vista desta exposição determinará o Soberano Con-
gresso, com a sabedoria, que o characteriza, o que jul-
gar mais justo.
Jozé Antônio da Roea. Álvaro Xavier de Povoas.
Marino Miguel Franzini. Francisco de Paula Travassos.
Agostinho Jozè Freire. Jozé Victorino Barreto Feio.
304 Miscellanea.

CORTES GERAES DA NAÇAÕ.

199.* Sessaõ. 6 de Outubro.


Leo o Sr. Freire o parecer da Commissaõ de Fazenda &
cerca de differentes requirimentos de grande numero de
Câmaras do Reyno, a respeito dos sobejos das Sizas. O
Sr. Sarmento abrio a discussão, e defendeo que aquelles
restos saõ próprios e privativos dos povos, e applicaveis
para as obras publicas dos seus Concelhos, como saõ fon-
tes, estradas, pontes, &c. que elle, tendo servido em mui-
tos lugares de Magistratura na Província de Traz os Mon-
tes, e ultimamente em Corregedor da mais rica parte de
Portugal, como he Villa Real, se vio na precisão de usar
muitas vezes de chicanas, para naõ mandar aquelles res-
tos, ou para o Erário, ou para Coimbra, e que pezando-
lhe sobre a sua consciência os immensos damnos, que a
falta de pontes causava, chegando em alguns invernos a
morrer quatro e cinco pessoas, e tendo mais em vista o
temor de Deus do que dos Tribunaes, mandava com
aquelle dinheiro fazer pontoens, para evitar assim maiores
perigos, e fallando largamente sobre este objecto concluio
mostrando, que aquelles restos saõ dos povos, e saõ elles
quem os devem empregar em beneficio das obras publi-
cas dos seus Concelhos.
Fallou o Sr, Camello Fortes, e expondo diversas razo-
ens, que foram apoiadas pelo Sr. Saraiva, pedio a pala-
vra o Sr. Ribeiro Telles, que defendeo o parecer da Com-
missaõ, concordando, que aquelles sobejos saõ dos povos.
O Sr. Moura foi da mesma opinião, expoz o modo por-
que se faziam os lançamentos, e os passos que se seguiam,
quando em qualquer Concelho se requeria uma obra; que
vinha isso pelo Desembargo do Paço, que nada sabia das
necessidades locaes dos Concelhos.
Miscellanea. 395
Faltaram vários Deputados sobre os abusos, que se
commettem nos lançamentos, avultados salários dos es-
crivaens. &c. e considerou-se a matéria de tanta impor-
tância que ficou adiada para outra sessaõ.

Sessaõ Extraordinária de 6 de Outubro.

Nesta sessaõ se tractou de ouvir pareceres de Commis-


soens sobre requirimentos de particulares: notaremos
dous:—
Diogo de Ourem, para entrar no exercício de Porteiro
da Secretaria d'Estado dos Negócios Estrangeiros, de que
tinha sido privado, por portaria a Regência, e julga a
Commissaõ, que seja reintegrado naquelle lugar.
Tenente General Stockler, dando por suspeitos os indi-
víduos constantes d'uma relação que ajuncta, asseverando
serem sens inimigos declarados, e exigindo, que naõ ju-
rem no seu proceeso: reduz-se o parecer, a que seja re-
mettida ao Governo, para obrar na conformidade das
ley*.

200.» Sessaõ. 8 de Outubro.

Examinou-se o artigo 174 da Constituição, que diz;


Somente poderão ser prezos sem dependência de culpa
formada; i.° os que forem surprendidos em fragante de-
licio, no qual caso, qualquer pessoa os poderá prender:
«•° os salteadores e Iadroens de estrada: 3.° os implicados
em
""nes relativos á segurança do Estado, nos casos
declarados nos artigos 107, n. 3. e 181,
A primeira parte do artigo foi approvada, depois de
breves reflexoens. A segunda parte, depois de se pro-
porem varia» emendas, a fim de combinar a liberdade do
396 Miscellanea.
cidadão com a segurança publica, voltou á Commissaõ,
para se redigir de novo.
Sobre a terceira parte faliou o Sr. Braamcamp, susten-
tando, que se dava demasiado arbítrio aos que houverem
de mandar proceder á prizaõ. Da mesma opinião foi o
Sr. Ribeiro Saraiva. O Sr. Freire defendeo o artigo, ex-
plicando o modo porque se devia entender. O Sr. Camel-
lo Fortes propoz, que se declarassem quaes eram os casos,
e que se podiam reduzir a quatro ou poucos mais. O Sr.
Bastos apoiou esta idea. O Sr. Moura defendeo o artigo;
porque a presente forma de Governo deve ter muitos ini-
migos, e que pelo menos o saõ todos aquelles, a quem se
tem tirado todos os privilégios; e comprovou isto com o
exemplo da Inglaterra, aonde durante os 50 annos pas-
sados se tem suspendido o habeas corpus meia dúzia de
vezes. O Sr. Braamcamp refutou o Sr. Moura, mos-
trando, que naõ havia analogia entre os dous paizes; c
que, se Portugal está, como julgava o iIlustre preopi-
nante, nesse perigo, por inimigos do systema constitucio-
nal, que se declare assim por um decreto; que soffr
agora o cidadão alguma cousa na sua liberdade, mas
que naõ seja um artigo constitucional. No mesmo in-
sistio o Sr. Vasconcellos, ao que replicou o Sr. Moura.
Muitos dos Srs. Deputados tomaram parte na questão,
mas por fim ficou addiado o artigo.

201 a . Sessaõ. 9 d' Outubro.


O Ministro da Marinha envia em nome de S. M. uma
uma carta do Principe Real, datada em 17 de Julho,
que contém um relatório circunstanciado do estado da
província do Rio-de-Janeiro, no qual diz, que ella está
em soeego: dá conta das despezas do anno pasmado,
mostrando, que subiram a vinte milhoens de cruzados,
Misccllanea. 397
e que o orçamento das deste anno he de quatorze. Mos-
tra que a província naõ renderá mais do que seis mi-
lhoens, que desta sorte faltam oito, os quaes naõ sabe
d'onde haõ de'vir; porque as outras capitanias nada
querem mandar. Que emS. Paulo se creou uma Juncta, à
qual o povo deo as attribuiçoens do Governador, e que
logo mandaram uma deputaçaõ a cumprimentállo; e
que em todo este processo fez grandes serviços o Des-
embargador Jozé Bonifácio de Andrade, e que aquella
província esta prompta para tudo, menos para mandar
dinheiro. Que a tropa de Santos fez uma espeeie de
levantamento, para que lhe pagassem; e que, naõ o
alcançando, foram a casa de um rico, e pelas suas pró-
prias maõs o fizeram. Que em Campos houve quer que
foi. Conclue finalmente, que elle tem feito tudo quan-
to está ao seu alcance, para o bem e gloria da Naçaõ, e
que esta conseguirá tudo, se todos á sua imitação con-
correrem para o mesmo fim ; pede a seu Augusto Pay,
que esta carta seja apresentada logo ás Cortes, a fim
de a tomar em consideração; e ellas de accordo com
S. M. darem as providencias, que o Bsazil imperiosa-
mente exige. Expõem, que ficou no Rio-de-Janeiro, na
qualidade de Principe Regente, e que actualmente naõ
he mais do que um Capitão General de uma província ;
porquaas outras naõ se conrespondem com aquella, nem
prestam socorros alguns, o que tudo por certo naõ he
decoroso, nem ao Rey, nem ao Herdeiro da Coroa.
Por esta oceasiaõ instou o Sr. Freire, que a Commis-
saõ desse o seu parecer sobre o arranjamento dos tribu-
naes no Rio-de-Janeiro, e o Sr. Ledo ponderou o estado
ruinoso a q u e seriam reduzidas muitas famílias, pela
auzencia do Principe Regente. O Sr. Moura propoz; vista
a impossibilidade do Sr. Fernandes Tomaz, que os
Srs.Deputados do Ultramar se unissem á Commissaõ de
398 Miscellanea.
Constituição para tractarem deste objecto. Assim se
ordenou.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros remette a sua
conrespondencia com o Encarregado dos Negacios de S.
M. Britannica, sobre o augmento de direitos em certas
fazendas. Depois de varias observaçoens, sobre a Com-
missaõ a que isto se devia remetter, foi resolvido, que
fosse à que foi creada para indagar os tractados.
Leo-se o relatório da Commissaõ Diplomática, sobre
as duvidas do Ministro dos Negócios Estrangeiros, a res-
peito dos ordenados dos Addidos ãs Legaçoens; sendo a
opinião da Commissaõ, que nas seis Cortes mencionadas
no 1.° artigo da ley, tenham os mesmos ordenados dos
secretários de Legaçaõ, &c. foi approvado.
Houve renhida discussão sobre o processo de alguns
ladrocns, que foram absolvidos pela Relação do Porto, e
se resolveo, que se mandasse formar causa aos Juizes do
feito, ficando no entanto suspensos.

202.a Sessaõ. 10 de Outubro.

Depois de varias indicaçoens de alguns Snrs. Deputa-


dos, para se crearem as Junctas de Governo na Ilha da
Madeira e Açores, e outras; se leo um officio do Ministro
de Justiça expondo, que os Guardas da extincta Inqui-
sição, representaram ao Intendente da Policia, que paten-
teando os careeres da Inquisição ao povo, segundo as or-
dens das Cortes, o povo quizéra arrombar portas, que se
communicavam com o Palácio, e levando luzes e archotes,
houve quem gritasse—" lance-se fogo:" &c.
O Sr. Bastos disse, que a desordem procedera dos guar-
das naõ mostrarem todos os cárceres, e instrumentos de
tortura, e explicarem seus usos, como se lhes havia orde-
nado, e ainda pertendem tributar toda a veneração àquel-
Miscellanea. 399
le edifício. O Sr. Ferraõ seguindo o mesmo dise, que se
puze8sem luzes pelos corredores escuros. Resolveo-se,
que o Ministro dê todas as providencias para fazer effi-
cazes as ordens das Cortes,
O Sr* Ferreira Borges, notando a necessidade de refor-
ma nas cousas da Fazenda, propoz, que a Commissaõ de
Fazenda especial fosse composta de nove membros: que
trabalhasse dentro do edifício do thesouro; que o Minis-
tro lhe desse os officiaes necessários, dos que saõ empre-
gados no Erário: e continuou especificando todas as mais
attribuiçoens desta Commissaõ. Remetteo-se à Commis-
saõ ordinária de Fazenda.
Continuou a discussão do artigo 74 da Constituição. O
Sr. Bastos abrio a discussão propondo a questão, se os em-
pregados públicos poderiam ou naõ ser eleitos membros
das Cortes. Este Sr. Deputado fallou largamente contra
a admissão dos empregados públicos nas Cortes; e entre
muitos argumentos ponderosos, prevendo a objecçaõ de
que nas Cortes actuaes se acham Deputados de illustre e
importante character, que saõ empregados públicos; dis-
se:—" Naõ nos iIludamos com o que actualmente acon-
tece, entre nós. Sempre em tempos de revolução e de
crise apparecêram heroes. Mas nós legislamos para o
futuro, para quando a voz dos interesses particulares naõ
deixará talvez ouvir sem custo a voz do interesse publi-
co."
O Sr. Annes seguio a opinião opposta: falláram vári-
os Deputados, e depois de renhido debate se propoz à
votação:—i Podem ser os empregados públicos em regra
eleitos para Deputados em Cortes? Decidio-se, que
sim.
Passou-se a diseutir a outra parte do artigo, mostrando
o Sr. Peixoto, que se lhe deve dar a maior amplitude,
VOL. XXVI. N \ 162. 3F
400
Miscellanea.
uma vez que se admittiram as eleiçoens directas. Seguio-
se o Sr. Monis Tavares, que foi de opinião; que se mar-
casse quanto deve ter o indivíduo em bens ou rendimen-
tos para poder ser Deputado. O Sr. Xavier Monteiro
expoz a inutilidade do artigo; e foi combatido pelo Sr.
Trigoso. O Sr. Moura disse, que a pezar de elle ser o
redactor do artigo, estava convencido, que precisava mo-
dificação. Com tudo ficou o artigo approvado.
Um officio, que chegou do Ministro da Marinha, an-
nunciava, que na cidade de Angra se fizera a eleição de
Deputados, ficando eleitos Manuel Ignacio Martins Pam-
plona, e Roberto Luiz de Mesquita Pimentel; que o ul-
timo Deputado tinha chegado; e o primeiro, estando no
Ministério da Guerra, cumpria ao Congresso resolver so-
bre o que se devia obrar.
Participou-se também, que o Bispo de Coimbra, em
razaõ de suas moléstias pedia escusa de servir como De-
putado peia província do Rio-de-Janeiro, para que fora
eleito.
Passaram estas communicaçoens á Commissaõ compe-
tente.

203." Sessaõ. 11 de Outubro.

Participou o Sr. Secretario, que recebera uma congra-


tulação dos Portuguezes residentes em Londres; a qual
leo. Propoz o Sr. Presidente, que fosse mencionada na
acta com honrosa mençaõ, e que se mande imprimir no
Diário do Governo, para ser patente a toda a Europa a
uniaõ da grande família Portugueza em toda a parte do
mundo, devendo notar-se, que o Benemérito cidadão,
que a entregara, preparou com seus escriptos a nossa re-
generação, e que se observasse, que naõ vinha assignada
Miscellanea. 401
por nenhum dos muitos empregados da Legaçaõ em Lon-
dres. Assim se resolveo.
O Sr. Vasconcellos fez uma indicação, l." Que o Sobe-
rano Congresso authorize o Ministro da Fazenda, para
entregar ao da Marinha mais 4 contos de reis mensaes,
por espaço de um anno, para a construcçaõ dos navios,
de que fallou no preâmbulo, pois que esta quantia, juncta
com aquella consignação, fará que em breve se concluam
aquellas embarçaçoens; 2.° Que apenas estejam promptas
e saíam do estaleiro, se ponham logo as quilhas para du-
as fragatas de 50 peças cada uma.
Houve duvidas sobre isto, considerando as presentes cir-
cumstancias do thesouro, e ficou para considerar-se na
prorogaçaõ desta sessaõ.
Leo-se um officio do Ministro de Justiça, em que an-
nunciava, que S. M. naõ só havia manddo executar o de-
creto das Cortes, para o regresso do Príncipe Real, e suas
viagens â Hespanha, França e Inglaterra; mas que, ten-
do visto até agora com grande satisfacçaõ as mais judicio-
sas e sabias medidas, que o mesmo Soberano Congresso
tem adoptado, S. M. naõ pode deixar de considerar mui-
to particularmente vantajosa ao bem e felicidade dos po-
vos do Reyno Unido a luminosa e acertada deliberação,
que elle acaba de tomar no referido decreto, pelos resul-
tados felizes, que promette, quando habilita o immedia-
to Successor da Coroa para adquirir nos paizes illustrados
em que ha de demorar-se, os necessários e muitos úteis
conhecimentos practicos do Systema Constitucional, que
El Rey mui deliberadamente abraçou, e ao qual de novo
reitera e protesta a mais firme e invariável adhesaõ. S.
M. manda ultimamente dar ao Congresso Soberano seus
mau cordeaes agradecimentos, naõ só pelo desvelo, com
que por meio de tam assíduos como bem dirigidos traba-
lhos tem procurado desempenhar os poderes, que lhefô-
402 Miscellanea.
ram confiados, mas pelo interesse particular, que toma,
pela pessoa do Principe Real seu filho, &c.
Ordenou-se, que se responda ao Ministro, que as Cor-
tes ouviram com muito especial agrado as satisfactorias
expressoens de S. M.

204». Sessaõ. 12 de Outubro.

O Sr. Secretario Felgueiras disse, que se achava sobre


a meza uma representação assignada por 210 cidadãos de
Pernambuco, certificando, que a ordem e o socego, que
tem reynado na sua província, saõ devidos ao Capitão
General Luiz do Rego, que, possuído dos mais verdadei-
ros e constitucionaes sentimentos, a tem salvado dos hor-
rores da anarchia: que nunca foi, como se disse em al-
guns papeis públicos de Portugal, anti-constitucional:
mas que sempre foi anti-revolucionario. Representam
depois, que o povo applaudio e louvou muito a medida,
que tomou, de chamar a si um Conselho Consultati vo, com-
posto das pessoas mais probas e capazes, naõ se organi-
zando Junctas Provisórias, por julgar-se esta providencia
naõ só extemporânea mas até illegal; e conolue dirigindo
ao Governador muitos elogios, e que lhe remettêram uma
copia daquella representação, para o fazerem sabedordos
seu3 puros sentimentos. Foi remettida á competente
Commissaõ.
Passando á ordem do dia, a Commissaõ de Poderes quiz
interpor um parecer, que se mandou pôr sobre a meza;
e se passou ao exame do artigo 74 da Constituição.
Versou a discussão sobre os empregados, que naõ po-
dem ser Deputados de Cortes. O Sr. Soares Franco mos-
trou, que toda a questão se pode reduzir a dous princí-
pios: 1." se devem haver excepçoens: 2.° se estas devem
ser as que se acham expendidas no presente artigo: disse
Miscellanea. 403
que suppoem conformes as que ali se encontram, pela
influencia que os exceptuados podem ter nas eleiçoens,
e que tinha somente de accrescentar, que fossem também
excluídos os Coronéis de Milicicia.
O Sr. Guerreiro opinou, que os Bispos naõ fossem ex-
cluídos, na excepçaõ, o que seguio o Sr. Corrêa deSea-
bra. O Sr- Faria de Carvalho foi contra esta excepçaõ.
O Sr. Annes de Carvalho suppunha, que a discussão des-
te artigo dependia da decisão de outros, que ainda estaõ
suspensos. Oppóz-se o Sr. Freire, eseguio-se o Snr. Re-
bello, que mantendo o principio das excepçoens, sus-
tentou, que os estrangeiros em caso nenhum deviam ser
membros das Cortes. A discussão se fez geral, opinando
muitos dos Snrs. Deputados, e depois de madura delibe-
ração se decidio na conformidade da doutrina do artigo,
isto he, que os Bispos naõ possam ser eleitos nos distric-
tos das suas dioceses. Igualmente se approvou, que os
Ministros, ou exercitem de per si a jurisdicçaõ, ou col-
legialmente, sejam também excluídos nos seus districtos;
também o saõ os Secretários d'Estado, os que servem car-
gos da Casa Real; e os Estrangeiros ainda que tenham
carta de cidadão.
Quanto aos Parrochos nas suas freguezias, Coronéis de
Milícias, no seu districto, e Lentes da Universidade de
Coimbra, ficou adiada a questão.

205." Sessaõ. 13 de Outubro.

Leo-se um officio do Governo de Pernambuco, datado


de 31 de Agosto, paiticipando que Luiz doRegoseacha-
va restabelecido de suas feridas : que convocando a Câma-
ra tractava de deliberar sobre a forma de Governo daquel-
la província. Que o povo de Guiana, nomeara uma Junc-
404 Miscellanea.
ta Provisória; e que o Governador Rego, a pezar de ter
ã sua disposição toda a força armada, naõ usou delln para
cousa alguma, senaõ para accommodar alguns pequenos
tumultos: que sendo elle nomeado pela Câmara Gover-
nador das Armas, houve quem gritasse " Morra o Gover-
nador, e viva a Juncta Provisória." Que a pezar desta
nomeação recusou aceitalla, sem que o mesmo povo no-
measse alguns sugeitos para o coadjuvarem, o que fez,
excluindo-se a penas o Desembargador Ouvidor da Co-
marca, &c.
A representação do Ouvidor de Olinda, para se formar
ali uma Universidade, passou â Commissaõ de Instrucçaõ
Publica
A Commissaõ de Constituição referio, que se devia at-
bender à representação do Bispo de Coimbra, que por sua
idade e moléstias pede ser dispensado de occupar o lu-
gar de Deputado das Cortes, para que fora eleito pela
província do Rio-de-Janeiro. Approvado, e que se
chame o seu substituto.
A mesma Commissaõ apresentou verificados os poderes
dos Deputados das Ilhas dos Açores, e em quanto a du-
vida sobre o Deputado, actual Secretario de Estado,era
a Commissaõ de parecer, que a eleição fora legal, por
ter sido feita antes que elle estivesse naquelle emprego.
O Sr. Miranda oppoz-se a este parecer, em que foi apoi-
ado pelo Sr. Ledo. O Sr. Bitancourt sustentou o pare-
cer da Commissaõ. O mesmo seguio o Sr. Borges Car-
neiro ; porque a eleição para Deputado deve prevalecer
a toda a outra consideração. Foi portanto approvado o
parecer da Commissaõ.
Leo-se o parecer da Commissaõ de Fazenda sobre a
pauta provisória da alfândega. Depois de grande discus-
são foi approvado, dando-se o prazo de três mezes para
ter effeito.
Miscellanea. 405
Reduz-se aos 3 seguintes princípios. l.° Que os gêne-
ros do paiz* transitando de uns para outros portos e luga-
res do Reyno, e também quando saõ exportados para
paizes estrangeiros, devem ser muito favorecidos, ou in-
teiramente aliviados de direitos, 2.° Que os gêneros es-
trangeiros iguaes aos do paiz, de que nelle ha abundan-
dancia, devem ser sugeitos a direitos fortes ou totalmente
prohibidos: aquelles, pelo contrario, que saõ matérias
primas precisas para o estabelecimento, laboraçaõ ou au-
gmento das fabricas nacionaes de que houver falta, ou
escazex no Reyno, devem ser muito favorecidos, ou in-
teiramente aliviados de direitos, 6.* Que nos gêneros
até agora conhecidos pelo nome de coloniaes, devem por
ora conservar-se os direitos, sem a menor alteração; de-
pendendo a sua regulação para o futuro do novo systema
político, que tornou as antigas colônias em provincias do
Reyno Unido, para a qual se deve esperar pelos Deputa-
dos das diversas provincias, para de acordo com elles se
proceder a tam importante objecto, e firmar-se um sys-
tema geral.

206 Sessaõ. 15 de Outubro.

Leo-se um officio da Juncta de Governo da Bahia, em


que dá parte da chegada da tropa ida de Lisboa, e
agradece esta medida; que causou prazer aos constitu-
cionaes, e dissabor aos do partido da independência:que
os deputados daquella província naõ tem sido eleitos por
naõhaverem chegado aquella cidade os eleitores de Jaco-
bina; e que a Juncta, attendeudo â demora, que tem tido
os eleitores das outras provincias, determinava mandar
proceder ás eleiçoens.
Foi introduzido o Sr. Deputado Pamplona, havendo
primeiro sido lida uma participação do mesmo, em que
406 Miscellanea.
annunciava ter-lhe S. M. dado a demissão, que requereo,
de Secretario de Estado dos Negócios da Guerra, e um
officio do Ministro dos Negócios Estrangeiros em que
se incluíam os decretos de S. M. sobre este assumpto.
O novo Deputado, depois de tomar o custumado ju-
ramento, pretendeo fallar, porém naõ o pode conse-
guir.
Segundo a ordem do dia discutio-se o artigo 74 da
Constituição; e depois de longa discussão; se resol-
veo por 49 votos contra 48, que os parochos nas suas pa-
rochias naõ pudessem ser eleitos Deputados em Cortes.
Seguio a discussão sobre os corroneis de milícias, que se
decidio fossem elegiveis para Deputados das Cortes naõ
votando seus próprios soldados.
Votou-se também, que os Governadores das provincias
e os Lentes da Universidade pudessem ser eleitos De-
putados.

207-a Sessaõ. 16 de Outubro.

Menciou o Sr. Secretario as segundas vias da repre-


sentação de Luiz do Rego, por occasiaõ das suas
feridas, e accompanhada d'outras, que lhe dirigiram
differentes cidadãos e corporaçoens em abono da sua
conducta. Igualmente leo uma declaração de José
Thomaz de Campos Quaresma Guerra, expondo, que fora
induzido a assignsr uma das representaçoens a favor de
Luiz do Rego. Passaram estes papeis á Commissaõ de
Constituição.
Foi introduzido o Deputado substituto pela província
do Rio-de-Janeiro, Francisco Vilella Barboza.
Leo-se a indicação o Sr. Ferreira da Silva, a favor dos
42 prezos vindos de Pernambuco, requerendo que se
mandassem soltar. 0 Sr. Monis Tavares, fez as mais
Miscellanea. 407
fortes observaçoens a favor dos prezos, e contra o Go-
vernador Luiz do Rego, que os tinha enviado. Todos
os Deputados de Pernambuco falláram no mesmo sen-
tido, asseverando o Sr. Zeferino dos Santos, que para
Luiz do Rego e seus satélites a palavra provisório he
synonima de independência. O Sr. Fernandes Thomaz
notou, que a ley determinava, que se tirassem residên-
cias dos Governadores.
O Sr. Villela, em um eloqüentíssimo discurso, que
chamou os applausos de toda a Assemblea e dos expec-
tadores, orou em conformidade dos antecedentes Depu-
tados: mas o Sr. Miranda disse, que em quanto naõ
tiver factos sufficientes para conhecer dos crimes do
Governador Rego, o defenderá, sendo todavia primeiro a
accusàllo, logo que os tenha contra o seu procedimento.
Decidio-se que voltassem ao Governo estes papeis, a
fim de tomar as necessárias informaçoens, ouvindo os
prezos, e outras pessoas, a respeito da conducta de
Rego.
Passou-se á ordem do dia, ouvindo pareceres das Com-
missoens, e entre outros, que se leram, foi o de Commissaõ
de Fazenda, sobre os ordenados dos Ministros de Estado,
que julgou deverem-se arbitrar em 3:200.000 annuaes :
resolveo-se, depois de alguma discussão, que se lhe
dessem 12.000 cruzados.

2l8. a Sessaõ. 17 de Outubro.


Segundo a ordem do diasediscutiooartigo 74 da Con-
stituição, na parte que diz:—"Os Deputados de uma
Legislatura poderão ser reeleitos para as seguintes."
Oppoz-se ao artigo o Sr. Serpa Machado, e foi apoiado
pelo Sr. Trigoso, o qual disse, que isto seria dar umapro-
VOL. XXVII. No. 162. 3 c
408 Miscellanea.
priedade nova ; e que sendo reeleitos os Deputados po-
dem fazer uma grande falta nas obrigaçoens, que tiverem
a seu cargo, se forem empregados públicos, como Bispos,
Parrochos, &c.; e em fim pela indevida influencia , que
os Deputados podem ter nas suas reeleiçoens.
O Sr. Moura defendeo o artigo, e o mesmo seguio o Snr.
Borges Carneiro, dizendo, que o artigo ja se achava bas-
tante coarctado, pela exclusão de tanta gente, que n'um
Reyno tam pequeno como Portugal naõ haverá entaõ a
quem eleger. Alegou os exemplos da França e da Hes-
panha, cujos acontecimentos terríveis procederam de se
naõ poderem reeleger os Deputados, e por isso na segun-
da eleição occuparam os lugares dos sábios legisladores
de Cadiz esses Persas, que tornaram a entregar a Hespa-
nha nas garras do despotismo, que por 6 annos a devorou.
O Sr. Abbade de Medroens, Maldonado e Castello
Branco Manuel falláram contra o artigo. Mas o Sr. Xa-
vier Monteiro disse, em longo discurso, entre outras cou-
sas; " que aquelle momento, em que os povos deixarem
de nomear um sufficiente numero de deputados, capaz
de sustentar os princípios legislativos, será aquelle fatal
momento, em que d'entre elles desapparecerâ para sem-
pre a Constituição e a liberdade.
Depois de longo debate foi aprovada esta parte do ar-
tigo, por 64 votos contra 32.

209.a Sessaõ. 18 de Outubro,

O Sr. Borges Carneiro, mencionando dous casos, em


que certos Desembargadores da Relação do Porto tinham
absolvido réos de grandes crimes, propoz, que fossem esses
processos chamados ás Cortes e nellas examinados. Foi
approvada esta indicação. Propoz depois o mesmo De-
putado, que se impetre uma bulla do Sancto Padre, á
Miscellanea. 409

similhança da que concedeo á Hespanha, para conceder


a secularizaçao aos Regulares. Fez mais outra indicação,
para que se declare abusiva a pastoral do defuncto Bispo
do Algarve, de 28 de Janeiro 1796, que se acha em prac-
tica, a respeitos de certas certidoens, &c. que he neces-
sário obter para os casamentos, e que custam oito mil e
tantos reis.
Propoz o Sr. Guerreiro, que esta matéria fosse á Com-
missaõ Ecclesiastica. Assim se decidio.
O Sr. Rebello lêo uma indicação por parte da Commis-
saõ Ecclesiastica, para que o Governo impetre de Sua
Sanctidade as seguintes bullas: l. 1 para a suppressaõ de
certos mosteiros e conventos: 2." para se poderem desli-
gar os conventos dos seus prelados geraes, e ficarem su-
jeitos aos locaes, com dependência dos Ordinários: 3.» pa-
ra poderem secularizar-se todos os Regulares, que pos-
suam patrimônios, mesmo quando tenham ordens sacras,
ficando habilitados para os benefícios: 4." para que os
Regulares, que ficarem nos conventos, possam entrar no
concurso dos benefícios curas (Palmas: 5.a para que os
Religiosos Coristas e leigos possam ser empregados nos
cargos civis, que naõ forem oppostos ao seu voto, sendo-
lhes permittido ficarem no estado ecclesiastico, se tive-
rem sufficiente patrimônio.
O Sr. Ferreira Borges propoz, que se mandasse ao Mi-
nistro da Fazenda responder aos seguintes quesitos:—
1. Quanto he o papel moeda que se emittio.
2. Quanto he o papel moeda, que se tem amortizado,
4. Quanto he o papel moeda, que se pode presumir ex-
istente, supposto o perdido, roto e extraviado pela inva-
são Franceza, e outros eventos.
4. Se o Thesouro tem feito por especulação ou por ne-
cessidade a operação de comprar e vender papel moeda,
410 Miscellanea.
qual tem sido o resultado de perda, ou ganho annual,
tomando o termo médio de dez annos.
5. Quanto he o papel moeda falso, que se tem queima-
do.
Pedio o mesmo Sr. Deputado, que se perguntasse a
opinião do Ministro sobre o seguinte:—Se anda em gyro
muita quantidade de papel moeda; e qual he o meio de
evitar este mal; visto que, ainda que o Thesouro o amor-
tize por um lado, entra por outro.
O Sr. Ferreira e Silva fez a indicação seguinte:—"Cons-
tando-me que Luiz do Rego Barreto afretara por cinco
contos de reis uma embarcação, para conduzir essas infe-
lizes victimas do despotismo, a qual além do frete traz
uma porçaõ de páo-brazil, proponho, que se indique ao
Governo, que mande tomar conta do sobredicto páo-
brazil, assim como de quaes querfretes,que tenha trazido,
por pertencerem a fazenda nacional. Approvado.
Discutio-se o ponto de irem ou naõ tropas para Pernam-
buco. O Sr. Moniz Tavares abrio o debate com um lar-
go discurso, para mostrar a inutilidade de mandar tropas
a Pernambuco; asseverando, que os habitantes daquella
província saõ mui generosos, e suffiçientes para manter
a segurança interna, e repellir a força externa. Que cada
província do Brazil tem seus prejuízos, e se observa cer-
ta emulação entre o povo rude, a respeito da gente da Eu-
ropa: que por isso, vendo chegar tropa da Europa, em
vez de julgar que ella vai firmar a Constituição, se haõ
de persuadir, que vai apoiar o despotismo,
O Sr. Vicente Antônio refutou largamente esta opinião,
e o mesmo seguio o Sr. Miranda, que por cartas, que ti-
nha visto, daquella província, estava persuadido que ali
existiam partidos, puramente particulares, e que nada
tinham com o publico. O Sr. Villela combateo o Sr. Vi-
Miscellanea. [411] 41
cente Antônio, e seguio, que se naõ devia mandar tropa.
O mesmo seguiram todos os Srs. Deputados de Pernam-
buco; mas a final resolveo-se, que fosse a tropa.
O Sr. Fernandes Thomaz propoz, que se mandassem ar-
razar os cárceres da Inquisição, e que se puzesse ali um
padraõ com esta inseripçaõ—" Maldição eterna a lodo
o Portuguez, que naõ tiver para sempre em horror tam in-
fernal invento."

210.a Sessaõ. 19 de Outubro.

Discutio-se o artigo 75 da Constituição, que diz: " Nin-


guém poderá ser eleito Deputado das Cortes, em Comar-
ca onde naõ tiver naturalidade ou domicilio, &c."
O Sr. Bastos opinou contra o artigo; porque circum-
screve demasiado a liberdade das eleiçoens, que devem ir
buscar o merecimento onde quer que se achar; e porque
destróe um principio do systema constitucional, que he
o espirito de unidade, e porque pôde haver cidadão de
distinetissimo merecimento, e que o Poder Executivo
deseje excluir, o que fará facilmente se o conseguir na
única comarca, a que a sua eleição se limite.
O mesmo seguio o Sr. Sarmento, alegando com o ex-
emplo da Inglaterra, e explicando as razoens particula-
res porque a França seguio diverso caminho. O Sr. Bor-
ges Carneiro disse, que o artigo fora assim redigido, na
supposiçaõ de que as eleiçoens se fizessem indirectamen-
te; mas que lia vendo-se adoptado o methodo directo,
naõ podia deixar de ser de opinião, que a eleição possa
recair em sujeitos, que estejam fora da província. O
mesmo apoiaram os Srs. Soares Franco e Ferreira Borges.
O Sr. Xavier Monteiro opinou a favor do artigo, o mesmo
seguio o Sr. Margiochi. O Sr. Miranda queria que nem
fosse essa liberdade da escolha tam restricta, que se li-
412 Miscellanea.
mitasse â Comarcajnem tam ampla, que saísse da provín-
cia.
Ficou a questão adiada. Passou-se ao artigo 76, que
declara, que cada deputado he solidariam ente Procura-
dor e Representante de toda a Naçaõ, e naõ da Comarca,
que oelegeo. Depois de alguma discussão sobre a enun-
ciaçaõ do artigo, foi approvada a sua doutrina, assim
como a do artigo 77.
Sobre o artigo 78, em que se determina a inviolabi-
lidade dos Deputados, houve grande discussão, ficando
parte do artigo adiado.

211 a . Sessaõ. 20 de Outubro.

O Snr. Secretario Felgueiras deo conta da redacçaõ do


Decreto, que regula os ordenados dos Secretários de
Estado, e depois de se fazerem sobre isto algumas re-
ílexoens, propoz o Sr. Pimentel Maldonado uma emenda,
consistindo, em que seja substituída a palavra " aug-
mentados," em lugar de " estabelecidos," fundado-se em
que o Soberano Congresso lhes tinha designado seis mil
cruzados; notou o Sr. F. Borges, que naõ tinha lugar a
emenda; porque aquelles ordenados tinham sido appli-
cados á Regência: approvou-se o decreto.
Leo-se o decreto, sobre o modo de evitar os abusos no
lançamento da siza; e o Snr. Borges Carneiro fez uma
indicação, que foi motivo de debate, a respeito das Baixas
dos soldados, que se alistaram voluntariamente no Exer-
cito, durante o tempo da campanha passada; e propu-
nha, que se perguntasse ao Ministro da Guerra; porqne
motivo naõ tem cumprido o decreto das Cortes, pelo qual
se mandaram dar estas baixas. Foi regeitado.
O Sr. Trigoso leo um Decreto, para que os directores
das officinas typographicas mandem um exemplar de
Miscellanea. 413
todas as obras, que imprimirem, para a Biblioteca Pu-
blica de Lisboa; inclusive periódicos.
O Sr. B. Carneiro, depois de apropriada introducçaõ
histórica, e legal, propoz a abolição de ordem de Malta
em Portugal; subsistindo as commendas actuaes, em
quanto viverem os commendadores, que as possuem.
O Sr. Ferreira da Silva pedio licença para fallar, a res-
peito do procedimento que teve o Ministro, a quem foi
confiada a diligencia de conduzir ao Castello os 42 pre-
zos chegados de Pernambuco, propondo que se pergunte
ao Governo; porque motivos aquelles cidadãos, que se
podem chamar mais do que beneméritos, foram condu-
zidos para a cadea do Castello, em procissão, cercados de
tropa de cavallaria e infanteria, ao som de tambores, ex-
citando o horror e compaixão de todos os habitantes
desta cidade: porque motivo se lhes negou, que fossem
alguns conduzidos em sejes, como seus amigos e paren-
tes exigiam; porque se lhes prohibio, que levassem as
suas camas, a sua roupa, em fim tidos como uns mal-
feitores, privando-os de todos os indispensáveis socorros,
como comida, água, &c.
O Snr. Pamplona fez uma exposição de todas as pro-
videncias, que o Ministro da Justiça tomou acerca desses
prezos: assegurou, que lhes mandou franquear as me-
lhores casas da cadêa do Castello, que lhes mandou dar
camas; em fim até prestaçoens diárias aquelles, que
naõ tem meios de subsistência; finalmente, que passou
ordens ao Chanceller, para fazer abrir a Relação extra-
ordinariamente, para tomar conhecimento de suas cul-
pas, e sentenceâllos : que se lhes negara hontem levarem
seu fato, em conseqüência da ley, a que estaõ sugeitos
todos os indivíduos, que vem de fora do Reyno, para
serem examinados na alfândega os seus bahus, &c; e que
foi isto o que se practicou, estando talvez a estas horas
j a entregues de tudo, que lhes pertence.
414 Miscellanea.
O Sr. Vasconcellos disse, que naõ duvidava de tudo,
quanto ficava expendido; mas que a maneira, com que
hontem foram conduzidos aquelles homens, causou es-
cândalo a todo povo de Lisboa : disse, que, sendo elles
cidadãos Portuguezes, cujos crimes ainda naõ se conhe-
cem, naõ deveriam ser assim tractados.
O Sr. Franzini foi da mesma opinião, acrescentando,
que tinha pretendido fazer uma indicação a esse respeito;
porem, que observando que o Ministro de Justiça tem
dado todas as providencias necessárias a este respeito,
nada lhe resta senaõ o propor, que todos estes homens,
que estaõ prezos somente por opinioens políticas, sejam
soltos, para assim se livrarem.
O Sr. Miranda foi de contrario parecer, asseverando,
que todas as medidas, que o Governo tomou, foram jus-
tas, politicas, e da natureza daquellas, que estaõ ásua
disposição, para manter a segurança publica: que os
soldados naõ saõ guardas vis, que he assim que seprac-
ticou sempre, eque havendo-se tomado todas as medidas
que o illustre Deputado, o Sr. Pamplona, acabou de re-
ferir, naõ ha cousa alguma a perguntar-se ou de que in-
crepar-se o Governo.
O Sr. Soares Franco opiniou da mesma forma; e de-
pois de algumas outras observaçoens foi regeitada a
proposta do Sr. Ferreira da Silva.
Continuando a discussão do que havia proposto a Com-
missaõ Ecclesiastica, sobre a impetraçaõde certas bul-
las de Roma; foi impugnado o 1/ artigo do parecer, que
propunha impetrar-se bulla para se abolirem alguns
conventos de regulares; dizendo o Sr. Magalhaens, que
para tal cousa naõ éra preciso bulla do Papa; porque
isto éra attribuiçaõ do poder temporal.
O Sr. Rebello, defendendo o parecer da Commissaõ,
disse, (pie ella naõ ignorava estes princípios de Direito
Miscellanca. 415

Publico, mas que tivera em vista satisfazer aos prejuízos


dos povos, que se achavam ainda em grande parte
cm crassa ignorância.
Os Snrs. Bispo de Castello Branco e Isidoro Joze dos
Santos fallaram largamente a favor do parecer da Com-
missaõ asseverando que esta matéria he própria de um
Concilio de Bispos, e naõ de uma assemblea de par-
ticulares.
O Sr. F Borges, oppondo-se aos Snrs. Deputados
que o precederam, mostrou a necessidade de reformar os
regulares, lembrando o caso recente do Carmelita Des-
calço, que se achou no calabouço de um convento do
Porto, depois de sette annos de prizaõ.
O Sr. Fernando Thomaz levou a questão ao maior
ponto de clareza, mostrando que naõ ha necessidade de
se impetrar tal bulla do Papa; que isso, longe de ser re-
ligião, he mostrar que a naõ ha.
Addiou-se a questão.
O Sr. Moura, por parte da Commissaõ de Constitui-
ção, leo o parecer ds mesma sobre os quesitos propostos
pelo Governador nomeado para Pernambuco: e saõ :—
1. Que os Capitaens Generaes sempre tiveram vanta-
gens de soldos e gratificaçoens, c requer que lhe sejam
também concedidos alguns augmentos.
A Commissaõ julga que por ora naõ pode ter lugar.
Approvado.
2. Se a disposição e destino da força marítima he da
attribuiçaõ da Juncta Provisória de Governo, ou se do
Governador.
A Commissaõ he de parecer, que a força e destino da
força marítima seja encarregada áquclla authoridade, a
quem o Governo, por meio das ordens intimadas ao
Commandante da mesma, a cnticgar. Approvado.
VOL. XXVU. N." 162 üu
416 Aliscellanta.
3. Pede o Governador, que na Juncta da Fazenda se
estabeleça cofre separado, para os rendimentos destina-
dos á manutenção do Exercito.
A Commissaõ conclue, que isto naõ he necessário.
A pprovado.
4 Tractamento da Juncta Provissoria.
A Commissaõ propõem o de Senhoria.
5. Que aos Capitaens Generaes sempre se deo ajuda
de custo, e mais 1:200.000 reis; e pede ser assim con-
temp lado.
A' Commissaõ parece, que dever ter só o que as leys
lhe concedem. Approvado.
Q. Que havendo em todas as provincias do Brazil palá-
cios, para residência dos Governadores, exige saber se
pôde aproveitar-se do que ha em Pernambuco.
Julga a Commissaõ, que devendo as casas em que até
agora tem habitado os Capitaens Generaes servir para
a J uneta Provissoria fazer as suas sessoens, o Governa-
dor das armas naõ as pôde oecupar. Approvado.
Quanto aos dous quesitos do Ministro da Marinha,
1." Que tempo deve servir o Governador: 2.° Se deve
ter ajudante de pessoa. Julga a Commissaõ, quanto ao
I o : que naõ devem ser vitalicos; quanto ao 2o; que
deverão gozar de tudo quanto as leys concedem aos Go-
vernadores das armas das provincias de Portugal.

212.» Sessaõ. 22 de Outubro.


Leo-se um officio do Ministro da Marinha, expondo,
que naõ encontrou documento algum, relativo ás infor-
maçoens, que lhe foram pedidas, sobre haver o Conde de
Villa Flor exigido dinheiros adiantados da Juncta da
Fazenda do Pará: diz o Ministro, que officiou ao Conde
Misce Ua nea. 417
para o informar, debaixo da sua palavra de honra, do
que houvesse a este respeito; e que elle lhe enviara a
a resposta, que inclusa remette.
Passou-se â ordem do dia, examinando-se o artigo 78
da Constituição que diz; "Quanto ás causas criminacs,
o tribunal competente, artigo 159, decidirá se devam
suspender-se, e se o Deputado, que he arguido, conti-
nuará no exercício de suas funcçoens."
O Sr. Ribeiro Saraiva opiniava para que se riscasse esta
parte do artigo ; porque nenhum Deputado deve entrar
em seu lugar, antes de justificado de qualquer delicto,
que tenha perpetrado; e que a assemblea naõ perde cousa
alguma por estar um Deputado suspenso algum tempo. O
Sr. Guerreiro defendeo, que naõ éra este o lugar próprio
de se tractar dos crimes commettidos antes do cidadão
ser Deputado: mas sim depois de o ser ; e concluio, que
approvava o artigo.
O Sr. Corrêa de Seabra seguio o mesmo; a disse, que
o tribunal, de que tracta o artigo 159 he contrario ás ba-
zes da Constituição, que supprimio todos os Juízos de
Commissaõ: e que éra preferível, caso se temesse al-
guma influencia do Executivo, a fim de privar algum
deputado do exercício de seu lugar, determinar-se entaõ
que se naõ cumpra a sentença dada contra o Deputado, até
se concluir a Legislatura.
Tomaram parte na discnssaõ os Snrs. Castello Branco
Mannuel, Borges Carneiro e outros, e principalmente o
Sr. Moura, que pezou as razoens produzidas por ambas
as partes ; e por fim foi approvado o artigo por 44 votos
contra 39.
Approvou-se também o artigo 79, que estabelece sub-
sidio pecuniário aos membros das Cortes, e além disto
aos do ultramar as despezas da viagem.
418 Miscellanea.
O artigo 80 estabelece a regra de que os Deputados
naõ possam requerer nem aceitar para si ou para outrem
pensoens pecuniárias ou conderaçoens, que sejam provi-
das por El Rey: e assim também empregos públicos,
salvo os que lhes competirem por escala.
A doutrina do artigo foi approvada, sem prejuizo dos
additamentos, que os Snrs. Deputados lhe quizerem fazer,

213.° Sessaõ. 23 de Outubro-


Leo-se um officio do Conselho Consultivo de Pernam-
buco, datado de 3 Septembro, no qual annuncia, que
logo que se instalou o fez participar a todas as diversas
comarcas, para como tal o reconhecerem ; mas que a de
Guianna se oppoz; que em conseqüência deste procedi-
mento se mandaram tropas, com mandadas pelo Coronel
Caiola, com instrucçoens de naõ usar da força para os
fazer entrar no seu dever; pede o mesmo Conselho que
se mandem paraaquella província quanto antes, dousba-
talhoens, para manter o socego, e a tranqüilidade daquel-
les povos, remette também copia da conrespondencia,
que tem tido com a Juncta Provisória de Guianna, aquai
diz, que naõ reconhece outro Governo senaõ o de Lisboa
e as Cortes, únicos baluartes que podem livrar os seus ha-
bitantes dos despotismos de Luiz do Rego Barreto. Foi
o officio remettido á Commissaõ de Constituição.
OSr. fez as seguintes indicaçoens: 1.° Para se obvia-
rem certos abusos nó Correio. 2"° Expondo as barbari-
dades commettidas pelos frades Carmelitas Descalços,
que se passem ordens aos Corregedores das Comarcas,
para fazerem nas suas visitas rigorosos exames nos Con-
ventos, e participem sem demora o que encontrarem a
este respeito. Ficou para segunda leitura: 3.° Para se
providenciar á cultura do Alemtejo.
Misccllaned. 419
Lendo-se vários pareceres de Commisoens, appareceo
um sobre o req-uirimento de um indivíduo, que preten-
dia imprimir uma Folhinha Constitucional, a que se op-
punham os Padres do Oratório, que tem o privilegio ex-
clusivo de imprimir folhinhas. Resolveo-se conforme o
parecer da Commissaõ, que taes privilégios exclusivos
se achavam derrogados pela ley da liberdade da impren-
sa.

S essao Extraordinária de 23 de Outubro.

Esta sessaõ se occupou em examinar pareceres de Com-


missoens, sobre negócios de particulares.

214 Sessaõ. 24 de Outubro

Um officio do Ministro dos Negócios do Reyno, re-


metria ás Cortes um masso das pastoráes, escrrptas em
França pelo ex-Cardeal Patriarcha, e que foram apre-
bendidas pelo seuperintendente da alfândega de Lisboa,
visitando o navio Francez, Hasard, entrado neste porto
com fazendas prohibidas. Foram distribuídas as pasto-
toraes pelos Senhores Deputados: e o sobrescripto, de-
baixo de que vinham dirigidas, que éraF, Bretass e Com-
panhia, negociantes em Lisboa, foi remeftido á Com-
missaõ de Constituição, para dar o seu parecer.
Sobre isto fallou o Snr. L. Monteiro, sobre o descara-
mento com que se faz o contrabando, e fez uma indica-
ção, para que se expuzessem os nomes dos negociantes
quefizeremo contrabando.
Passando-se á ordem do dia se discutio o addictamen-
to, que ao artigo 80 da Constituição propuzéra 0 Senhor
Rebello, isto he que se addisse ao fim do artigo as palavras
"promoção geral". Depois de algumas reílexoens foi re-
420 Misccllanea'.
geitado; assim como outro addictamcnto do Sr.B. Carnei-
ro, para que os Deputados pudessem requerer ao Go-
verno sem lisença das Cortes, sobre negócios particulares,
durante os nove mezes da Deputaçaõ Permanente.
Propoz o Sr. Guerreiro, que nenhum Deputado pu-
desse receber remuneração alguma, ou ser emmpregado
pelo Governo, antes de passar um anno depois da Legis-
latura. Oppoz-se a isto o Sr. Serpa Machado e outros, e
foi o addictamento regeitado por 44 votos contra 40.
Approvou-se porém outra emenda do Sr. Guerreiro, que
depois da palavra " solicite " se acrescente " para si."
Approvou-se o artigo 81, que dispensa os deputados
dos seus empregos civis ou militares durante a legislatu-
ra.
O artigo 82, que determina poder ser empregado
algum Deputado, saindo das Cortes; em algum caso
extraordinário, concordando duas terças partes dos votos;
houve grande discussão, mas por fim foi approvado.

215». Sessaõ. 25 de Outubro.


O Sr. B. Carneiro fez uma indicação, destinada a favo-
recer a industria nacional, que suppunha poder-se reviver
1.° rectificando-se o espirito publico nesta matéria; 2. in-
staurando as fabricas nacionaes. Pelo que propoz :—
1. Que decretando-se que tragam o laço nacional to-
dos os cidadãos, que saõ empregados públicos, se decre-
te também, que usem de vestido e calçado nacional.
2. Que se examinem as condiçoens da arremataçaõ
da fabrica de Cascaes, para se examinar o motivo por-
que naõ trabalha, e se proceda contra o arrematante como
for justo. A primeira ficou para segunda leitura. A se-
gunda mandou-se executar.
' O Sr. Soares Franco propoz, que o Governo mandasc
Miscellanea. 421
ás Cortes listas dos rendimentos das alfândegas, Casa da
índia, &c Approvado.
O Sr. Xavier Monteiro propoz ,que se pedisse ao Gover-
no informação da Moeda cunhada desde 1807. Appro-
vado.
Leo-se um projecto de ley, para a formação das câma-
ras das cidades e villas; que em geral devem constar de
cinco Vereadores, tirados de todas as classes; e que a
sua eleição se faça pelos povo, e pelo modo directo, como
se adoptou para os Deputados das Cortes. Quanto ao
numero ficou approvado, que fosse diverso segundo as
localidades, sendo o máximo 9, o mínimo 3.

216/ Sessaõ 16 d' Outubro.


Tractaram-se de algumas emendas ao artigo 82 da
Constituição, que foram regeitadas; e se passou á dis-
cussão do artigo 83. que diz " Nenhum Deputado pode-
rá ser removido de suas funcçoens senaõ por causas gra-
víssimas, approvadas pelas duas terças partes; e esta
remoção naõ impedirá que elle possa para o futuro ser
reeleito.*'
Este artigo soffreo grande opposiçaÕ, e occasionou vivo
debate. Combateram a sua doutrina os Snrs. Guereiro,
Serpa Machado, e Trigoso: defenderam-a os Snrs. Moura,
e Fernandes Thomaz; depois fali ou contra o Sr. Bettan-
court, seguindo o mesmo o Sr. Braamcamp. Por fim
foi supprimido o artigo.
Elegeo-se para Presidente do seguinte mez o Snr. Tri-
goso; para Vice-Presidente o Sr. Margiochi.
422 Miscellanca

Reflexoens sobre as novidades deste mez.

R E Y N O UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVE».

Systema de Intolerância.
Quando se tractou nas Cortes o artigo da Constituição, que
declarava a Religião Catholica Apostólica Romana, a Religião
dos Portuguezes; quizéram alguns Deputados, que se estabele-
cesse, que o Portuguez, que deixasse de ser Catholico Apostó-
lico Romano, perdesse os direitos de Cidadão; e se resolveo,
que naõ entrasse a matéria naquelle lugar; mas que se reservas-
se para outro artigo, em que se tracte dos direitos de cidadão e
modo de perder esse direito.
Naõ foliaremos da tolerância religiosa, mas sim da tolerância
civil; porque naõ escrevemos como theologns, mas como políti-
cos ; e isto, naõ porque nos faltem argumentos, mas porque
naõ be sobre as decisoens de um concilio, e sim á cerca de me-
didas de uma asseuiblea legislativa, que nos propomos tractar.
Como christaõs, basta-nos ter lido os Evangelhos, e os escrip-
tos dos Apóstolos, para estarmos convencidos de que a Religião
Chriataâ be fundada na tolerância, porque os seus preceitos saõ os
da brandura, sorTrimento, charidade, e resignação na humildade;
e que somente o espirito anti-christaõ de alguns ecclesiasticos,
com as vistas de conservar suas riquezas e poder, a despeito e
em detrimento das máximas do Evangelho, poderiam jamais
lembrar-se de querer sustentar essa religião de brandura, com
ferro e fogo, valendo-se para isso do auxilio de governos tempo-
raes, assas ignorantes, ou assas perversos, para traficarem com
a religião, em apoio de suas sinistras intençoens.
Basta lêr a vida de Jesus Christo, como a referem os Evange-
listas, para conhecer, que os seus preceitos se destinavam a cor-
tar pela raiz a intolerância dos Judeos, que se tinha introduzido
entr'elles, da maneira a mais perniciosa, tanto para seus negó-
cios civis, como para a pureza de seus dogmas. Foi precibu
todo o sophisma dos ecclesiasticos, todo o manejo oculto de suas.
Miscellanca. 423

embrulhadas, para desfigurar estas verdades tam patentes da


Religião ChristaB; quando em tempos de confusão, se nos sécu-
los de ignorância, se valeram da força dos Imperadores Romanos,
do estabelicimento da Inqnisiçaõ, da usurpaçaõ da autboridade
temporal; chegando o antichristianismo ao ponto de naõ só te-
rem os Bispos cadcas, em que mandavam prender os que naõ
queriam ser christaõs a seu modo ; mas até cadeasnos conventos
de frades, para obrigar os homens a seguir conselhos Evangéli-
co*, a que pela confissão de todos naõ estaõ os christaõs obriga-
dos.
Poderíamos citar a favor desta tolerância religiosa, naõ só
muitos textos da Escriptura, mas passagens terminantes dos
mais eminentes padres, que florecêram nos primeiros e mais
virtuosos séculos da Igreja ChristaS. Comeffeito he desgraça,
que ainda neste século sejamos obrigados a dizer, que he con-
tra a mansidão essencial da religião ChristaS, o systema de um
Inquisidor, que entrega ás chamas um miserável, por que Peus
lhe naõ deo o mesmo juizo, o mesmo raciocínio, que tinha o In-
quisidor, que o queria convencer do erro. E quando em Portu-
gal ja naõ ha esse Inquisidor, haja ainda um Bispo, que, naõ
podendo queimar esse, que naõ eoncorda com elle em opinião,
trabalhe pelo exterminar, privando-o dos direitos de cidadão*
E que tal Bispo seja apoiado nas Cortes por um Canonista, que
deseja a mesma intolerância, somente porque outros, naõ tem
o juízo tam claro como el/e para ver essas verdades, que elle de-
seja manter com leys penaes, ou porque esses outros naõ saõ
tam hypocritas como aquelles, que sem estarem convencidos de
tal, mostram muito respeito por esses cânones com a inscripçaõ
de Palha, e que fazem grande parte do estudo do que chamam
os Sagrados Cânones em Coimbra.
Uma cousa só notaremos, e he, que se nós naõ estamos conven-
cidos de que esses cânones de Palha merecem a denominação
de sagrados: o mandarem-nos para a cadea, o privar-nos dos
direitos de cidadão, seguramente nos naõ convencerá do contra-
rio. E se o fim dessa coacçaõ he, naõ convencer o nosso euten-
VOL. XXVII. N.o 162 3 i
424 Mixccllanea.

dimcnto, mas fazer que professemos no exterior aquillo de que


naõ estamos convencidos no interior; naõ sabemos, que religi-
ão tenha o Bispo ou d Sr. Canonista, que se satisfaz cora essa
nossa hypocrisia; a qual he mais insultante á Divindade ; do
que um culto errado, procedido de sincera convicção : e claro
está, que a coacçaõ externa produzirá a hypocrisia: mas nunca
a convicção.
Deixaremos pois estes preténso9 defensores da religião Chris-
taS, que o que querem he a exterioridade, istohe, a hypocrisia:
fitar-lhes a Escriptura, os sábios discursos dos padres da Igreja,
contra os perseguidores Nero, Caligula, &c; seria tempo perdi-
do ; porque esses argumentos só servem de convencer, a quem
tem por alguma cousa o conveucimento da consciência; e naõ a
quem procura somente a hypocrisia externa. Por isso iremos
ao nosso fim, que he considerar a matéria, em ponto político,
como Estadistas.
A nossa questão, pois, se reduz a considerar, se as Cortes de-
vem instituir leys penaes, contra os sectários de qualquer das
seitas existentes de Christaõs, e ainda contra os que seguirem
outra diversa religião.
As Cortes, como Governo Civil, naõ tem direito de entrar no
exame dos dogmas de nenhuma seita : porque o Governo civil
só pode olhar para as religioens, como systemas de moral; e por
tanto, o que tem de examinar as Cortes he, se a moral de alguma
seita do povo que governam, he ou naõ contraria ao systema de
legislação do paiz. Se he contraria, tem o direito de a reprimir
por leys penaes : se o naõ he, naõ devem embaraçar-se com seus
dogmas.
Naõ achamos que ao magistrado civil fosse confiada a direc-
çaõ das consciências de seus subditos, nem pela religião revela-
da, nem pelo direito natural. Naõ cousta de parte nenhuma dos
livros sagrados, em que se funda a Religião ChristaS, que Deus
ordenasse aos povos, que buscassem nas opinioens religiosas do
Magistrado a regra de sua consciência; se assim fosse, os Israe-
litas, no tempo de seus reys orthodoxos, deviam seguir a ley de
Moisés, e, no tempo dos reys idolatras, deveriam sacrificar aos
Miscellanea. 423

ídolos, e, agora, todos os Christaõs, que vivem em Constantino-


pla deveriam tornar-se Mahometanos: he logo claro, que o ma-
gistrado civil, pela religião revelada, naõ tem direito de pres-
crever a seus subditos a regra de sua consciência, nas matérias
de para crença; ou, como lhe chamam, dogma.
Citaremos, a este respeito uma passagem da obra do Sr. Fran-
cisco Coelho de Souza e Sampaio, no seu Direito Publico Por-
tuguez, nota ao § 87: diz assim :—
" Naõ quero nisto dizer, que o Principe tem direito coactivo
para obrigar os subditos a seguirem a Religião ChristaS; por
que o homem nada tem mais livre, nem mais incapaz de coac-
çaõ do que a Religião ; porém elle tem o direito de a promover,
pelo bem, que delia resulta ao Estado, usando dos meios pró-
prios e competentes á Natureza da Religião."
Citamos, de propósito, este author, que naõ pôde ser suspei-
to, já pelos princípios que segue, e ja por que escieviaem tem-
pos da Inquisição ; e para mostrar o contraste se as Cortes agora
seguirem o contrario.
Mas i deduzir-se-ha este poder do magistrado civil, do pac-
to social tácito, pelo qual se suppoem, que os homens cedem ao
Governo parte da liberdade natural, a fim de conservar a ordem
da mesma sociedade }
Dizemos claramente, que naõ ; porque a presumpçaõ de re-
nuncia desses direitos, ou parte de liberdade cedida, naõse pôde
extender a mais do que aqui lio que he necessário, para a con-
servação da sociedade ; e muito menos se pude extender tal re-
nuncia, no pactosocial presumido, de uma cousa, que he impos-
sível renunciar; porque ninguém poderia de boa fé e sincera-
mente entrar em um pacto de pensar e estar convencido dos dog-
mas e opinioens, que o magistrado julgasse verdadeiras, e de mu-
dar de crença quando o magistrado a mudasse. Sendo tal pac-
to oa ajuste impossível na execução, naõ se pode presumir que
existisse no pacto social tácito ; por que um paclo de impossí-
vel execução naõ se presume de direito ; e ainda que existisse
de facto; ou ainda que as Cortes o declarem como tal, no pacto
social que offerecem á Naçaõ, com o nome de Constituição, ta
42<$ Miscéllanea.
declaração de pacto existente he nulla, porque declara um con-
tracto de sua natureza inexequivel.
i Quem dirá, que he de possivel execução um ajuste, pelo
qual nos obriguemos a ser todos os dias da mesma opinião, e
estarmos convencidos, sempre no mesmo gráo, de certa verdade
ou systema de verdades ? Naõ podemos prometter o que de nós
naõ depende, e nós naõ somos livres na nossa convicção, pois
ella provem irresistivelmente do modo porque os argumentos
nos tocam : e he nos tam impossível o resistir á luz interna do
nosso entendimento, como deixar de ser o que somos.
Deduzimos daqui a regra geral, que o Legislador naõ tem di-
reito de regular as consciências; nem por direito divino, nem
por direito humano. Assim, se o magistrado pode castigar,
quem for commetter um sacrilego desacato a uma igreja ou tem-
plo, naõ he por que a acçaõ seja impia, mas porque he anti-
social. No primeiro sentido só Deus heojuiz daquella acçaõ
do homem : no segundo, o magistrado previne a perturbação da
oídem publica ; que he justamente o seu dever.
Isto posto, a tolerância civil naõ be um beneficio, que se pe-
ça ás Cortes; he de sua obrigação adoptalla ; por que ninguém
lhes deo, nem lhes podia dar, o direito de obrar em contrario;
e de prescrever uma regra para as consciências dos homens. As
bazes declararam a Religião Catholica Romana, como a Religião
da Naçaõ, e como este ponto, em these, he além do poder civil,
he preciso interpretai Io no sentido o mais restricto.
As Cortes, por essas Bazes da Constituição, estaõ obrigadas
a proteger e manter a Religião Catholica Romana; mas essa pro-
tecçaõ deve ser toda conforme ao systema do Christianismo, e
segundo as máximas do Evangelho, que indubitavelmente seop-
poem a constranger ninguém a que siga o Christianismo.
Se as Cortes sanecionarem leys penaes, para obrigarem alguém
a ser Catholico Romano contra a sua convicção, tam longe
está isso de ser protecçaõ á Religião ChristaS, que he destruir
os seus fundamentos, usando de coaçaõ, no qne a mesma Reli-
gião a desapprova; essa legislação penal seria introduzir no
Christianismo a máxima do Alcorão ; e mixturar o systema Ma-
Misce/lanea. 417

hometano, como a moral do Evangelho, he degraduar, he des-


truir o Christianismo, em vez de o proteger.
Mas objectar-se-ha a isto, a favor da intolerância, o inconve-
niente, que resulta da multiplicidade de religioens, e as vanta-
gens da uniformidade de crença. Montesquieu tem amplamente
respondido a esta objecçaõ; e parece-nos, que a authoridade de
tam profundo político he de assas pezo nestas matérias.
Accrescentaremos, porém, que essa uniformidade de pensar,
he chimerica, porque he contra a natureza dos homens ; e o re-
sultado de uma legislação intolerante será sempre, naõ produzir
a tal uniformidade, mas estabelecer as perseguiçoens e os casti-
gos contra os dissidentes; por outras palavras, estabelecer uma
Inquisição, de ecclesiasticos ou de seculares, com processos
públicos ou particulares, com mais ou menos rigor; mas sempre
com oppressaõ dos indivíduos, que tiverem a infelicidade de naõ
pensar como o magistrado civil, ou que forem assas honrados
para se naõ mostrarem hypocritas.
Os males, que podem produzir as differentes seitas n'um Es-
tado, naõ provém da diversidade de modo de pensar dos sectá-
rios, se os deixarem gozar de suas opinioens; porém, como
a historia demonstra, dessa intolerância, que combatemos; por
ella he que as seitas opprimidas se revoltam contra a seita op-
pressora, que o magistrado quer que se siga pela força; por
ella he que se perpetuam os ódios ; e por ella he que esses ódios
se tornam mútuos, e os homens procedem a vias de facto.
Observem-se os paizes aonde a tolerância está estabelecida;
quanto maior he esse gráo de tolerância, menos zelos mostram
as seitas umas para com as outras, e se essa tolerância he per-
feita, nem ha se quer apparencia de opposiçaõ entre os diffu-
rentes sectários : como se observa eminentemente nos Estados
Unidos, aonde cada seita procura estabelecera sua superioridade,
rivalizando as outras em virtudes moraes, para assim provar sua
excellencia.
Ubjectar-se-hã mais, que a introducçaõ de novas seitas tem
causado distúrbios em varias naçoens : a isto replicamos outra
vez, que quem causou esses distúrbios foi a intolerância, e naõ
428 Miscellanea.
os novos sectários, que se os deixassem, ou os combatessem só
com as armas do argumento, naõ teriam elles que oppor a força
para se defenderem, contra a força que os opprimla.
Se com effeito algums sectários ou inovadores cousassem sedi-
çoens, ou introduzissem doutrinas ímmoraes, entaõ o magistra-
do que os castigue como infractores das leys: mas naõ se con-
fundam esses criminosos, com os que só pedem a liberdade de
pensar, e de professar uma crença, que suppôem a melhor, e
com a qual naõ offendem os direitos de ninguém.
Quanto á protecçaõ, que as Cortes devem dar á Religião Ca-
tholica Apostólica Romana, he evidente, que o devem fazer,
pois essa he declarada a Religião da naçaõ, mas o que conten-
demos be, que essa protecçaõ naõ comprehende a intolerância;
nem enforcar, queimar, desterrar, ou banir os homens, para os
forçar a ser Christaõs ; porque tal protecçaõ, contendemos, he
contra o mesmo espirito do Christianismo; e contra a summa
bondade de Deus, ao que repugnam os sacrifícios de victimas
humanas, de qualquer modo practicados, com o pretexto da
honra de Deus.
As Cortes saõ uma Corporação Legislativa civil, que nenhuma
faculdade podem ter sobre as consciências dos povos, para que
legislam. Se os membros das Cortes saõ Christaõs, isso he. um
character accidental á sua qualidade de Legisladores. Se os po-
vos para quem legislam saõ Christaõs, as leys, que fizerem, se
devem conformar com o espirito do Christianismo; e contendemos,
que toda a coacçaõ, toda a força, toda a legislação penal, para
obrigar os homens a serem Christaõs, he diametralmente opposta
ao systema do Christianismo. Ninguém mostrará uma só pás-
sagem nos Evangelhos, que admitta a interpretação de manter
ou proteger o Christianismo pela força, nem por leys penaes. Se
as Cortes assim obrassem; excederiam seus poderes, e obrariam
de modo antichristaõ ; tomariam como regra as leys do Alcorão,
e naõ o Evangelho.
Miscellanea. 429

Cortes de Portugal.

He com summo prazer que noticiamos ainda os continuados


esforços das Cortes, para regenerar o seu paiz: o trabalho in-
cansável dos Deputados, e as proposiçoens benéficas, que to-
dos os dias se fazem, indicando remédios aos abusos, cuja mul-
tiplicidade havia arruinado a Naçaõ.
Serta por extremo desarrazoado esperar, que no meio de tam
multiplicados e complicados trabalhos, tudo merecesse a ap-
provaçaõ de todos. Naquillo em que differimos da opinião das
Cortes, nisso mesmo se deve achar um elogio ; porqne, pelo
menos, dam ouvidos ás diversas opinioens. Mas seja o naõ
bem fundada esta ou aquella resolução, os negócios marcham, a
passos rápidos, para um visível melhoramento.
Achamos, entre outras cousas, que nas Cortes se começa a
entender melhor a divisão dos poderes ; matéria por certo dif-
ficil, e cujo conhecimento só com a experiência podem as Cortes,
e os povos ir apprendendo. Sobre isto he mui importante, o que
na Sessaõ 168 disse o sábio e prudente Deputado Fernandes
Thomas. Nada porém pôde ser mais digno de louvor, do que o
socego e dignidade com que se discutem os pontos mais contro-
vertidos ; e especialmente o que se passou, na sessaõ 204, so-
bre as excepçoens, para os que naõ podem, segundo a Consti-
tuição, ser eleitos Deputados de Cortes. Quer approvemos,
quer naõ, as decisoens das Cortes, o merecimento destas he o
mesmo, pela calma e circumspecçaõ, com que as matérias se
examinam.
Que as Cortes se tem ingerido em objectos, que naõ devem
ser de sua competência, parece-nos que he uma das mais
bem fundadas queixas, que contra dias temos produzido ; e mui
bem se exemplificam, nos dous casos, que se offerecêram na
Sessaõ Extraordinária de 6 de Outubro. Entaõ se decidio man-
dar entrar um indivíduo de Porteiro em uma das Secretarias de
Estado: e se decidio sobre uma capatazia da alfândega. Segu-
ramente isto saõ objectos demasiado insignificantes, para as
430 Misccllanca.

Cortes se occuparem com elles, quando tem matérias de tam


alta importância, que exigem sua mais séria attençaõ.
He porém matéria de grande satisfacçaõ, ver que, nas Cor-
tes, se começa a entender a distincçaõ dos poderes, e que, tan-
to em theoria como em practica, se vam restringindo ao que
deve ser de sua competência.
Na sessaõ 174, por occasiaõ do requirimento de alguns mo-
radores de Évora, que expunham naõ se ter deferido á queixa,
que ha muito tempo tinham feito ao Governo contra o Juiz de
Fora; queria Borges Carneiro, que a petição se remetesse ao
Governo com recommendaçaõ-
O Snr. Moura disse. " Nunca serei de opinião, que deste
Congresso se diga ao Governo, proceda assim ou assim/
porque entaõ he tirar-lhe a responsabilidade. Só se lhe deve
dizer, que proceda ; e se o naõ fizer como deve entaõ a respon-
sabilidade carrega sobre elle.
O Sr. Macedo. A divisão dos poderes ja está sanccionada
pelo Soberano Congresso, e naõ permilte, que obriguemos os
Ministros a revogarem suas disposiçoens : o que cumpre fazer,
quando elles se apartam da vereda da justiça, he tornar eftec-
tiva a sua responsabilidade.
O Snr. Fernandez Thomaz : O direito de fazer effectiva a res-
ponsabilidade dos Ministros todos o reconhecem. O poder exe-
cutivo he tam Soberano no exercício das suas funcçoens, como o
legislativo no das suas: a difTerença he, que aquelle tem res-
ponsabilidade. Mas naõ observamos esta divisão, se nos en-
carregamos de casos particulares, o Congresso legislativo se
tornará em um tribunal de appellaçaõ. He verdade que nos
compete o direito de vigiar na observância das leys: as leys de-
vem ser observadas ; mas também naõ devemos estar a interpre-
tallas em cada negocio."
Muito nos alegramos de ver, que as ideas, que temos por
varias vezes expendido sobre este ponto, convém com os dos
illustres Deputados, que acabamos de mencionar. Tal autlio-
ridade deve ter todo o pezo, e he este sem duvida o methodo de
consolidar o systema constitucional.
MisceUuneu, 431

Ha porém, na naçaõ,certos prejuízos, que conv.'m destruir, e


sobre os quaes he preciso, que as Cortes lancem seus vigilantes
olhos. Daremos disto um exemplo. Para que o povo por si
mesmo se convencesse da muita razaõ, com que se abolio o
tribunal do Sancto Officio, ordenaram as Cortes, que se fizes-
sem públicos os cárceres da Inquisição, a fim de que se sou-
besse universalmente, ao menos alguma parte dos mysterios
de iniqüidade, que ali se practicávam.
Os guardas, que ainda se conservaram, e a quem competia a
execução da ordem em patentear esses cárceres, ainda assim
mostraram repugnância, e se queixaram do pouco respeito com
que o povo se portava, para com aquella instituição, que esses
guardas, e outros poucos fanáticos, ainda olham com supersti-
ciosa veneração; e isto naõ obsante haver-se passado a se-
guinte ordem superior.
" Manda El Rey, pela Secretaria de Estado dos Negócios da
Justiça, que o Intendente Geral da Policia expessa logo as
ordens necessárias, para que se abram as portas da entrada dos
Cárceres das Inquisiçoens de Évora e de Lisboa, pulos respec-
tivos guardas, que ainda percebem ordenados, os quaes acom-
panharão as pessoas, que os quizerem vêr, e lhes explicarão os
usos, que ali se faziam das casas, e dos utensílios que existirem,
tudo na forma da Resolução das Cortes Geraes e Extraordiná-
rias da Naçaõ Portugueza de 27 do mez ultimo, que se lhe
remette por copia, para ter a sua devida execução. Palácio de
Queluz, em 2 de Outubro de 1 8 2 1 . . . Jozé da Silva Carva-
lho."
Naõ ha prejuízos mais fortes, nem ha males de mais difficil
remédio, do que aquelles, que se acham sanctificados com o pre-
texto da Religião; mas, graças ao systema constitucional, se
vam desenterrando e trazendo á luz áquellas máculas e deffeitos,
que desfiguravam a Religião, e que eram outro sim conciderados,
como effeitos de sua perfeição. Leia-se a seguinte portaria do
ministro de Justiça, e se julgará do que asseveramos.
" Manda El Rey, pela Secretaria d'Estado dos Negócios de
VOT,. XXVII. N.o 102, 3K
432 Miscellanea.

Justiça, remetter ao Collcgio Patriarchal da Sancta Igreja de


Lisboa, a informação e sumario, a que procedeo o Corregedor
da Commarca de Santarém, subie o requirimento também
incluso da Câmara da Villa da GolegaS, em que se queixa do
irregular comportamento de Manuel Joaquim de Oliveira, Prior
e Vigário da Vara da dieta villa: e ordena, que o mesmo Collcgio
Patriarchal, suspendendo o supplicado, do exercicio do dicto
priorado e vigairaria, e nomeando-lhe um encommendado, o
faça processar no juizo competente ; porquanto, pela sobredicta
informação se verefica a sua relaxada moral, seu orgulhoso cha-
racter, violento e vingativo, em tal auge, que tem chegado a ne-
gar os sacramentos e sepultura em sagrado aos seus parrochia-
nos, constando igualmente ter estuprado uma orfaS e practi-
cado os factos escandalosos, que se provam dos sumários de
testemnnhas, que inquirio o dicto Corregedor da Comarca de
Sautarem. Palácio de Queluz, em 9 de Outubro de 1821.—
Jozé da Silva Carvalho."
Porém a atrocidade da oppressaõ ecclesiastica, e os benefícios
do systema constitucional, em reprimilla, se mostra incontesta-
velmente no caso do frade Carmelita descalço, cuja prizaõ foi
denunciada ás Cortes. Este mireravel, cujo nome éra Fr. Ga-
briel, se achava por muitos annos fechado e incommunicavel,
nos cárceres de seu convento no Porto, foi dali tirado, por ordem
do Governo; e passado a um mosterio de frades Cruzios, em
quanto se naõ faziam ulteriores indagaçoens; e o Ministro,
que fez a deligencia, relatou as cirrumstancias horrorosas, em
que achara o prezo, e a estudada crueldade, o refinado martírio,
com que aquelles religiosos o tinham tractado.
Este he o segundo frade Carmelita Descalço, que se Um
achado soffrcndo o pezo de tam damnaveis instituiçoens , e
ainda que a sagacidade desses fanáticos possa oceultar o mais,
bastam esies exemplos, para que todo o homem racionavel seja
obrigado a confessar a superiodade do presente systema de Go-
verno, que he capaz de tirar á luz do dia, de castigar, e de re-
mediar tam abomináveis procedimentos.
Misccllanca. 433

Se as Cortes merecem todo o louvor, pelos seus louváveis es-


forços em remediar os abusos, naõ he menos digna de admira-
ção a sua brandura, no modo porque tractam seus decididos
opponentes. Um lllustre e virtuosíssimo Deputado, Ferraõ,
propoz nas Cortes, que por misericórdia, e por magnanimidade
nacional, se mandasse dar uma pensaõ ao ex-Patriarcha, que
sendo exterminado do Reyno, por ser inimigo do systema c on
stitucional, se achava sem meios de subsistência. Mas qua
fosse a gratidão disse anticonstitucional se vio na sessaõ 214,
quando se apresentaram ás Cortes maços de proclamaçoens ou
pastoraes, que o tal ex-patriaicha escrevera em França, e trac-
tara de introduzirem Portugal por contrabando, a fim de indis-
por o povos contra o actual Governo. E ha ainda obstinados,
que naõ confessem a bondade das Cortes, e a perversidade de
seus opponentes !
Depois de havermos annunciado no nosso N.° passado a nova
formação de Ministros, recebemos o plano do Ministro da
Guerra (Pamplona) pelo qual dava novos regulamentos á sua
Secretaria, e procurava absorver nella duas outras repartiçoens
do Exercito; naõ se lembrando, que uma das aceusaçoens
contra o ex-Ministro da Fazenda, tinha sido o oecupar elle a
presidência de outros lugares, alem da sua repaitiçaõ.
Preparavamos-nos para fallar deste Ministro, quando chegou a
noticia de que elle tinha resignado o seu lugar, por haver sido
eleito deputado das Cortes, pelas Ilhas dos Açores ; chegando
a tempo ás Cortes, para fallar no negocio dos prezos de Pernam-
buco, tentando justificar o que com elles se passou, á sua che-
gada em Lisboa. Corno saio do Ministério, escusamos de fallar
de Pamplona como Ministro ; e como Deputado das Cortes nos
suppomos dispensados de outra cousa, mais do que copiar o elo-
gio que delle faz o Sovella, periódico de Londres, que naõ cus-
tumamos citar; mas que se nos naõ levará agora a mal o citar-
mos pela primeira vez, quando faz um elogio. Eis aqui a passa-
gem :—
" A nomeação do General Pamplona, para Ministro da Guei-
ía, he um phenomeno uioiul e político, que tem espantado a
431 Mitcellanea.

muitos, desgostado alguns, mas geralmente agradado aos que


conhecem o merecimento deste general, a quem naõ faltam todos
os requisitos necessários, para bem desempenhar este cargo de
summa importância, e tam difficil de exercer com geral satisfac-
çaõ, vistas as necessidades do estado e do exercito, e falta de
recursos para o entreter, e pagar pune malmente. Os amigos
do novo Ministro, que vem na sua nomeação uma prova a mais
evidente de que El Rey ja esta inteirado da sua innocencia, e
da injustiça com que seus inimigos o caluraniavam, pois que
S. M. o honra com a sua confiança, naõ deixam com tudo de te-
mer, que tam assignalada mercê lhe suscite novos inimigos e
novas calumuias. Entretanto elle poderá servir de exemplo, que
a veidade, a justiça e o talento, tarde ou cedo chegam a trium-
phar de seus inimigos, &c."
O Sovela, neste mesmo N.° faz o elogio de D. Lourenço de
Lima, do periódico intitulado Navalha do Figaró, attribuido ao
Corrêa de Hamburgo, em que as Cortes saõ tractadas de uma
" corja de peralvilhos," E outras pessoas de igual merecimen-
to. O Leitor nos dispensará de copiar esses outros elogios, que
acompanham o do ex-general Pamplona; porque nos falta o lu-
gar: mas parece-nos mui digno de notar as pessoas elogiadas
em tal folheto, e até copiar esses elogios, para edificação dos
Constitucionaes.

Brazil.
Pelo documento, que publicamos no principio deste N.° se ve
a resolução das Cortes para que volte do Brazil S. A. R. o Prin-
cipe Regente, e passe a viajar algumas das Capitães da Europa.
Também se apresentou ás Coites um officio do mesmo Princi-
pe Regente, em que S. A. R. representa a pouca authoridade,
que exerce no Brazil, porque as provincias naõ contribuem para
o Erário do Rio-de-Janeiro, e este se acha com déficit de vinte
milhoens, que o mesmo Principe diz naõ sabe d'ondc lhe haõ de
vir.
Misccllunca. 435

Este mesmo Principe Regente, ou seu Ministro, Conde dos


Arcos, havia dado por justas e liquidadas as contas do Theson-
reiro Mor, Targini, e passaporte para se por ao fresco. ^ e as-
sentam esses Senhores, que tal modo de proceder he calculado
a obter a confiança das provincias, e que estas lhe mandem o seu
dinheiro, sem saber para que, como se ha de gastar, ou quem
ha de ser responsável pelos extravios ?
Acabou-se o tempo das mágicas; e os homens, ainda que se-
jamos nós os tolos do Brazil, ja naõ crem em bruxas : e antes
que se peça dinheiro para supprir esse déficit de vinte milhoens,
he preciso que se saiba, em que se gastaram, e que sorte de con-
tas dèo, auem administrava os dinheiros públicos.
Na Sessaõ 202 das Cortes, se apresentaram os Deputados pe-
la cidade de Angra nas ilhas dos Açores ; mas da maior parte
do Brazil, ainda andam retardados ; e supposto vejamos esta re-
presentação do Principe Regente sobre o déficit, ainda nos naõ
chegaram à noticia as suas providencias para accelerar a tam ne-
cessária e essencial eleição dos Deputados pelo B m i l > e por
outra parte se tem feito publico, o estudado desdém, com que o
Ministro, Conde dos Arcos, em vez de conciliar, quiz tractar
por menor a importante província da Bahia.
Se a estada de S. A. R., no Brazil, tendesse a formar um cen-
tro commum de uniaõ, entre aquellas provincias e as de Portu-
gal, a retirada que se ordena pelas Cortes seria para lamentar;
mas pelo que se tem passado vemos, que para essa desejada uniaõ
he preciso recorrer a outras medidas ; e assim a sua residência
no Brazil vem, neste sentido, a ser perfeitamente inútil. Quan-
do, manejado o negocio com prudência, havia necessariamente
ser da mais decidida utilidade.

Pernambu co.

No extracto, que fizemos dos procedimentos das Cortes, na


sessaõ 209, verá o Leitor, que se resolveo a final o mandar ai-
435 Miscellanca.
gumas tropas contra Pernambuco, sendo contrários a essa opini-
ão todos os deputados daquella província. Para se mandarem
as tropas alegava-se o estado inquieto, e descontente daquella
parte do Brazil. Para se naõ mandarem argumentava-se, que as
tropas auguientariam o descontentamento, o qual provinha das
tropas Europeas (o batalhão do Algarve) que lá se acha; e do
character do Governador Rego.
Que existem em Pernambuco partidos e descontentamentos
he evidente, as suas causas, e o meio de as remediar, he a ques-
tão, que muito convém indagar e resolver; e por isso exporemos
os factos, que nos induziram a formar uma opinião sobre este
assumpto. Queixa-se do Governador Rego muita gente, outros
faliam a seu favor :'por tanto deve applicar-se a critica, para dis-
tinguir qual dos testemunhos he mais crivei. A favor do Gover-
tnador existem: 1." os elogios que lhe fazem as gazetas de Per-
nambuco ; 2.° as diversas representaçoens em seu louvor, pu-
blicadas nessas mesmas gazetas, e dirigidas ao Governador, prin-
cipalmente na oceasiaõ dos tiros, que lhe atiraram: 3.° um me-
morial apresentado ás Cortes na sessaõ 204, assignado por 214
habitantes de Pernambuco, expiimindo-se decididamente a favor
do General Rego: 4.° finalmente, uma carta, que nós mesmos
publicamos no fim deste numero, em que se refuta uma das ca-
lumaias inventadas contra o Governador.
Quanto ao 1.° está tam longe de ser em cousa alguma a favor
de Luiz do Rego, os elogios, que lhe fazem as gazetas «le Pernam-
buco, que he isso prova de sua impudencia ; porque he claro,
que nem o Governador nem os seus Censores, permittiriam, em
tam despotica administração, que alguma gazeta se attrevesse
a dizer a menor cousa contra o seu Bachá. Logo esses panegi-
ricos naõ podem ter mais pezo do que os elogios forçados, de
quem naõ tem faculdade de fallar de outro modo ; e he prova da
falta total de modéstia (para usar do termo mais brando possivel)
em o Governor sanecionar nessas gazetas, que se devem chamar
suas, os seus próprios elogios.
Pelo que respeita o 2." he evidente o pouco pezo, que taes me-
moiiaes devem ler, em characterizar u comportamento do Gover
Miscellanea. 437

nador ; porque mui lerdo seria elle, se governando tam despoti-


camente, que manda a seu bel prazer prender, encarcerar, de-
gradar, e arruinar, a quem lhe parece, naõ tivesse meio de ob-
ter algumas poucas assignaturas, em qualquer papel ou certidão
a seu favor. Apenas haveria indivíduo, que naõ julgasse do
seu dever comprar o seu socego e o de sua família, a troco de
assignar um papel, que lhe pedissem, a favor de um Bachá,
que com um mero aceno podia reduzir a cinzas a quem recuzasse
essa assignatura.
0 3° argumento, que he a representação ás Cortes assignada
por 214 habitantes, labora no mesmo defeito, para merecer cre-
dito; mas além disso, um desses que aassignou (Veja-se a sessaõ
207.) representou ás Cortes, que tal papel assignara porque fo-
ra para isso seduzido; e os deputados de Pernambuco assevera-
ram, que a maior parte dos que assignáram aquelle papel eram
homens, que juraram falso na devassa sobre o motim de 1817:
taes pessoas naõ podem ser dignas do credito.
Ultimamente a carta, que inserimos na Conrespondencia,
allivia o Governador de uma das accusaçoens ; desejamos que
disto tire todo o proveito, que se lhe pôde dahi seguir ; e por
isso mesmo a inserimos; porque ainda aos homens de quem
fazemos e peior idéa, se lhe deve fazer justiça ; e, como diz o
rifaò, naõ se deve pintar o demônio mais regro do que elle he.
Mas olhe-se para o character; que o escriptor dessa carta dá
ás tropas, que se mandaram a Pernambuco; considere-se que
esse escriptor he um elogiador de Rego (e até nos dizem, parti-
cularmente, que vivia em sua casa) considere-se o mesmo facto
de que oGovernador foi accusado, de que essa carta o justifica,
e que se prova ser commettido por um ornei ai dessa tropa; e
decida o Leitor imparcial, se lhe pôde ficar alguma duvida da
razaõ com que os Pernambucanos se tem em vaõ queixado da
existência daquella tropa em Pernambuco.
Diz-se, que existe naquella Província um partido, que deseja
a indepeudencia : deste desejo se faz um crime, que o Gover-
nador Rego passa logo a castigar, com prizaõ e desterro; tendo
mandado uns para África, outros para vários presídios, e final-
438 Miscellanea.
mente uma carregação delles para a Europa. Para isto fretou
um navio, que outro sim trouxe boa quantitade de páõ Brazil
o qual, um Deputado na sessaõ 209 requereo, que a Fazend;
Real tomasse como seu ; querendo a fortuna, que até para isti
precissasse o Executivo, que as Cortes lhe fizessem nma lem
branca.
Esta accusaçaõ contra os Pernambucanos, sobre desejos de in
dependência ; funda-se na continuação da idea que tem Rego
e os do seu partido, sobre o motim de 1817; e por isso volvere
mos aquelles factos, para mostrarmos quam errado hc o rami
nho,que alguns querem que se signa, nestas importantes e critica
circumstancias, e que se acha o Reyno Unido.
Que o G overno do Reyno-Unido éra máo prova a Revoluçai
actual; e aquelles que o derribáram em Portugal, sendo por iss<
denominados os heroes da Pátria, naõ sabemos como podem cha
racterizar de criminosos os esforços dos Pernambucanos, po
tentarem fazer isso mesmo em 1817. Mas entaõ esses fallaram er
independência: i mas de quem queriam que se mostrassem de
pendentes ? £ da Regência de Lisboa, que os regeneradore
de Portugal tem declarado como péssima e incorrigivel ? Si
naõ havia nenhum Governo no Reyno-Unido, que merecessi
obediência, nada restava aos Pernambucanos, senaõ erigir para s
umJGoverno á parte; pois naõ tinham outra alternativa. Naí
tentamos desculpar os erros, precipitação, e incoherencia da
quella revolução; se a presente de Portgal se chama uma acçaí
heróica, naõ sabemos como se possam taxar de criminosos o.1
motivos da outra.
Foi aquella revolução, por isso que era mal conduzida, sopr
tada pelo Governo: o Conde dos Arcos, que requer agora jus
tiça e processos, nas maõs dos constitucionaes, mandou qui
lhes atirassem, como quem atira a lobos. A Corte do Hio
de-Janeiro, mandou ali uma alçada, que por annos consecutivos
vexou os Pernambucanos com indiziveis supplicios, envolven
do cúmplices e innocentes, roubando a todos, e dessolando (
paiz. Para gram apoiador desta alta justiça se mandou o Gover
nador Rego, assistido pela mais immorale indisciplinada tropa,
Miscellanea. 439
como a characteriza até o mesmo escriptor da carta a favor de
Rego, que publicamos neste numero.
No meio desta perseguição, deste systema de atroz rigor, ain-
da que Rego fosse o melhor homem do mundo, bastava ser o
gram executor desses castigos, para ser odiado naquella Capi-
tania.
Mas naõ para aqui; declara-se a Bahia pelo systema Consti-
tucional, e Rego naõ se communica com a Bahia,- exabi novas
causas de desafeiçaõ a um tal Governador. Mais ainda, trama-
se, no Rio-de-Janeiro, uma e depois outra conspiração, para
derribar o systema constitucional, depois mesmo d'El Rey o
ter abraçado: diz-se abertamente em toda a parte, que Rego
entrava nesses planos, e que para isso fora Maciel a Pernam-
buco : e depois disto < como éra possível, que os amigos da li-
berdade em Pernambuco, pudessem sorTrer tal General ?
Prevalece em fim o systema constitucional; e Rego o despo-
tico Rego, o mesmo Rego gram executor d'alta justiça pelo an-
tigo despotismo, quer apparecer no mundo como constitucional:
que phenomeno! Assumindo este character, ja naõ podia per-
seguir os Pernambucanos, pelo pretexto de serem amigos da li-
berdade ; mas para continuar o vexame, vai desenterrar o grito
vago de independência (de 1817) e persegue os liberaes como
reos de independência. Com esta trama se conseguiam dous
fins: um dar cabo de seus opponentes; outro o fazer serviços
ao systema aclual, para apagar seus despotismos antigos, pre-
tendendo que vigora o systema constitucional, perseguindo os
Pernambucamos, que desejam ser independentes de Portugal.
Quer o Governador Rego, que no dia 8 de Julho houvesse de
arrebentar em Pernambuco uma revolução, ao tempo que se
cantava um Te Deum : diz Rego que sabia isto, mas tal naõ suc-
cedeo no tal dia 8 ; e no dia 9 foi que elle mandou fazer as pri-
zoens dos accusados. Diz, que ha muito linha noticia, que o
queriam matar; mas naõ diz que tomasse precaução alguma,
para sua cautella, antes passeava de noite pela cidade, sem
guardas; depois que lhe atiraram um tiro entaõ manda cercar
VOL. X X V I . N°. 162. 3 L
440 Miscellanea.
de soldados sua casa, fortificar-se de artilheria, &c. para se I
vrar do perigo que ja tinha passado.
Está claro, que em taes circumstancias, estas accusaçoei
de Rego naõ merecem o menor credito; mas se he verdad
que existem em Pernambuco, em algum gráo considerave
essas ideas de independência. ; seria meio de conciliar i
Pernambucanos, o conservar ali até agora, como se tem coi
servado esse Governador Rego, odiado como he (seja com ri
zaõ ou sem ella) e a tropa desenfreada, que obriga os Pernan
bucamos a se lembrarem da independência, ou de qualquer dei
atino, antes do que sofTrer tal vexame ?
Mas todos estes males se remediariam ainda, talvez ; post<
que as Cortes ainda se lembrassem de mandar, e mandaram
tropas para Pernambuco, sem mandar novo Governador, queh
muito está nomeado. A medida de uma Juncta Provisória, d
Governo, que as Cortes decretaram, muito remediaria também ma
acaba de succeder um facto, quesupposto ja esteja remediado
quanto á matéria, nos parece de assas importância, quanto a
modo, pelas conseqüências, que pode ainda ter, e por isso no
alargaremos com elle.
Rego, em conseqüência de seu systema de se mostrar cons
titucional, agora, que naõ tem outro remédio, depois de outra
muitas prizoens e desterros, prendeo ultimamente 42 pessoas
a torto e a direito, e remetteo-as a Lisboa, com a accusaçaõ
naõ de serem amigas da liberdade (disso se livraria elle hoje eu
dia) mas como amigas da independência.
Até aqui isso vai coherentecom Rego, e naõ podia causar mai
damno ao publico bem, do que suas passadas prisoens e exter
minios. Maschegam os prezos a Lisboa ; e as Cortes, como si
tudo isto fosse um procedimento mui ordinário e regular, mau
dam que os prezos se processem e sentenceem. 0 Ministro di
Justiça, em conseqüência, ordena ao Corregedor de Belém, qui
conduza os prezos ao Castello, e ao Regedor das Justiças, qui
os processasse immediatamente. O Corregedoi pede auxilio di
tropas, para esta diligencia, c com uma escolta de cavallaria e in
fanteria, tambor batente, e mais pompa de justiça, leva essei
Miscellanea. 441
prezos em procissão pelas ruas de Lisboa, até o Castello, com
o apparato de um triumpho ; recusa a alguns, que tinham meios,
o serem conduzidos em seges; a alfândega impede que tivessem
sua roupa, até que o Ministro de Justiça ordenou, que se revis-
tassem seus bahus sem demora.
Antes de passar a diante, diremos aqui, que no Astro da Lu-
zitania appareceo uma grande diatribe contra estes factos, que
se diz produzirem o maior desgosto no povo de Lisboa, que tal
presenciou; e estes mesmos sentimentos annunciaram alguns
deputados em Cortes: o Diário do Governo, defendeo o|Ministro
de Justiça; impugnando o Astro da Luzitania; e he contra o
modo dessa defeza, que mais temos a dizer, pela ponderosa cir-
cumstancia de se acharem no Diário do Governo as expressoens
perigosas, e das mais serias conseqüências, que vamos a notar.
Quanto ao Miuistro de Justiça, que he o único accusado no
Astro da Luzitania, he justamente aquelle, quehe o mais inno-
cente em tudo isto; por que só fez o que mandaram as Cortes, e
fello do melhor modo possivel; porque mandou desembarcar os
prezos para o Castello, ordenando que se lhes dessem as melhores
accommodaçoens, que houvesse naquella cadea : ao Regedor or-
denou, naõ só que fizesse processar os réos, mas que o fizesse
com toda a brevidade, e até abrindo para isso Relação extraor-
dinária : aos prezos, que necessitassem, mandon-lhes dar uma
ajuda de custo para se manterem, que alguns aceitaram ; á al-
fândega deo ordens para que se despachassem immediatamente
os bahus e falo dos prezos. Mais naõ cabia, segundo nos pa-
rece, em sua alçada, e por tanto as imputaçoens do Astro da
Luzitania contra o Ministro, por si mesmas se destróem.
Quanto ao apparato da procissão, que fez o Corregedor de Be-
lém, isso he manha velha dos que governam em Portugal, e ti-
rem as inquiriçoens ao tal Corregedor; e o acharão um completo
satélite do Despotismo; porque ainda que o Diário do Governo
queira disculpar essa pompa do acompanhamento de tropa de
cavallaria e infantaria, tambor batente, &c. como guarda de hon-
ra, quem andava a pé dirigido á prizaõ, no meio dessas honradas
guardas, naõ podia deixar de sentir-se mui humilhado, conside-
442 Misccllanea.
rar-se uma victima sacrificada ao Governador de Pernambuci
e esta procissão como um triumpho de Rego. Mas se isto t'
estupidez ou maldade do Corregedor, com isso nada tem o M
nistrode Justiça, que só ordenou, como as Cortes quizéram
que o tal Corregedor levasse os prezos ao Castello.
Vamos ás Cortes. O character de Rego, e as oppressoens
que tem soffrido o povo de Pernambuco desde 1817, dá baslant
razaõ para presumir, que a opposiçaõ e ódio dos Pernambuca
nos contra Rego, se originam em motivos bem differentes d<
que as ideas de independência, de que se arguiam aquelles 4í
prezos; assim uma arguiçaõ procedente de via tam suspeita
nsõ merecia ser tractada como um caso ordinário, mandando este
prezos a sentenciar á Rellaçaõ de Lisboa, por crimes que s
dizem ser commeltidosem Pernambuco, em taescircumstaucias
quando com inimigos poderosos do systema constitucional,se ter
mostrado a mais ampla indulgência.
Mas damos por concedido, que as Cortes deviam accredita
nas accusaçoens de Rego como no Evangelho: que na Provinci;
de Pernambuco ba essas combinaçoens para a independência, qu<
os 42 prezos eram os mais influentes authores delia, que Regi
julgou importante remover, para o socego da Provincia, &c. 4cc
Se isto assim he entaõ o caso de Pernambuco, ja naõ he um di
justiça ordinária, para castigar um ou uns poucos de criminosos
he uma medida de Política, sobre os meios de apaziguar unu
provincia; e por isso, como caso extiaordinario, e das roaii
sérias consequeucias, pertencia ás Cortes o seu conhecimento
e naõ a um tribunal ordinário de justiça, para onde foram man-
dados.
Quaes fossem as medidas politicas, que as Cortes deveriarr
adoptar, pode ser matéria de discussão, e diversas opinioens; ma»
fazer de um caso desta magnitude, como saõ 42 prezos manda-
dados por um Governador odiosisimo em sua provincia, peli
accusaçaõ de independência, um mero caso ordinário dos tribu-
naes de Justiça : he o que as Cortes, que aliás se ingerem «ir
tantos outros negócios menos importantes, nunca deviam lei
feito.
Miscellanea. 443

Quanto ái medidas políticas,.que se deviam adoptar em tal


caso he, como dizemos, matéria de opinião; a nossa seria,
que, ainda sendo verdade tudo quanto diz esse Rego, s e trac-
tasse de bagatella, para naõ dar ás outras provincias do Brazil,
aonde possa haver alguns partidistas da independência, a idea
de que achariam em Pernambuco grande apoio : este systema,
a remoção de Rego, e do batalhão do Algarve, &c: tenderia a
destruir tal partido, mostrando-se-lhe assim que naõ tinham tal
supposto apoio em Pernambuco.
Vamos em fim ao Diário do Governo, que se propoz a justifi-
car o Ministro de Justiça, que de tal justificação naõ precisava,
contra o Astro da Luzitania.
Diz esse Diário do Governo (N.«255) em um paragrapho, o
seguinte:—
" Esta imaginação vagabunda e exaltada, que nos pinta al-
guns milhoens de indivíduos, sacrificando os seus verdadeiros
interesses por quarenta e dous ; e que nos faz antever no futuro
as pragas do Egypto caindo sobre nós, assim como a prosperi-
dade agrícola e commercial amanhecer ja no matto entre os Robi-
cudos ; esta imaginação he digna do século de Dante ou de
Ariosto- Para nós, que sabemos, que o Brazil tem excellentes
gênios, que sabem o que fazem, e o que lhes convém fazer,
naõ nos assustamos de que um mal fundado capricho dè lugar
a tam intempestivo successo ; e quando elle vier a acontecer,
ainda assim naõ desmaiaremos, em quanto naõ soubermos, pela
differença das importaçoens, quanto perdeoa Inglaterra, quando
os Estados Uuidos se separaram da sua tutella ; e entaõ teremos
occasiaõ de desmentir ou vereficar os escriptores, que lhe
daõ um augmento de lucros nuca até ali pensado."
Temos, pois, que o Diário do Governo suppóem, que, seja
qualquer que for a injustiça com que sejam tractados 42 cida-
dãos de Pernambuco, sejam quaes quer qne forem os insultos,
que se lhes façam, o resto dos Pernambucanos he demasiado
.sizudo para preferir o ficar socegado, soffrendo o Governador
Kego, e o Batalhão do Algarve ; porque essas victimas naõ saõ
btnaõ. 42.
444 Mücella/lta.
i Naõ se lembra o Diário de Governo, que pela afronta de nr
só Lucrecia, foram de Roma expulsos os Reys ? <• Naõ
lembra o Diário, que por se pôr a perigo de vida o filho de Gi
lherme Tell se rebellaram todos os Suissos, para nunca ms
tornarem a entrar na sugeiçaõ de Áustria ? < Naõ se lembra
Diário do Governo, que esses 42 prezos saõ somente uma ai
dicçaõ ao numero muito maior, que aquelle Governador tinli
dantes perseguido : ; Naõ se lembra o Diário do Governo, qi
cada um dos perseguidos tem um irmaõ, um parente, um amigo
i Como se pode pois argumentar, que, se este suecesso he ui
facto oppresivo, ou ao menos olhado como tal pelos Pcrnambu
canos, deixe de augmentar o descontentamento da provincia
pelo motivo de que se estes prezos saõ agora só em numero d
42?
Mas vamos á peior parte deste paragrapho: consiste ella n
exemplo, que traz dos Estados Unidos e da Inglaterra. Naõ h
lembrança mais infeliz, nem peior annunciada; porque falia
paragrapho comosedisses.se:" Naõ ha receio de que a gent
do Brazil se resinta de injurias, e quando o faça, ganharemo
com isso, como tem ganho o commercio da Inglaterra com a in
dependência dos Estados Unidos." Lembrar ao povo do Brazil
que façam, nesta epocha, similhante comparação, dando a en
tender o desprezo com que Portugal deve olhar os recursos, qu
tira do Brazil, he uma liçaõ que mal podíamos esperar achar n
Diário do Governo de Lisboa ; he a linguagem mais alheia d
conciliação, que se podia imaginar; e he lançar as sementes d
uma divisão, de que os inimigos da causa publica lançarão ma<
com avidez.
Por isso desejaríamos lançar um véo sobre este quadro escuro
deixando de dizer o muito, a que um tal paragiapho provocaval.
Esperamos que as Cortes remedeiem este mal; e com o remedic
provem ao Brazil, que naõ authorizam os procedimentos actuaei
de Rego; e menos os do Governo passado, que deo motivo á<
motim de 1817. Esperamos isto das Cortes; e imploramos i
sua séria attençaõ ás conseqüências de um paragrapho como es
te, publicado no Diário do Governo, e naõ em qualquer gazeli
paiticulai. Nemseescure(,a asua importância com dizei, «F
Miscellanea. 445

só os artigos marcados officiaes saõ por authoridade. O Diário


do Governo será sempre tido por orgaõ das opinioens do Gover-
no enisto consiste o mais pernicioso de similhante artigo.
Pelo que respeita os taes 42 prezos; em conseqüência das
promptas e mui louváveis ordens do Ministro de Justiça, foram
elle* logo processados, e soltos por sentença da Relação de 27
de Outubro. Mas naõ temos em vista nestas observaçoens uni-
camente os indivíduos, consideramos tam bem, e mui principal-
mente, as conseqüências políticas, que se podem seguir de erros
da natureza destes que apontamos: sobre isto he que insistimos
para que se naõ comettam para o futuro,
O detestado Governador de Pernambuco, Rego, estabeleceo uma
cousa, a que chama Conselho Consultativo (veja-se a sessaõ 213
das Cortes p. 148) e porque a Comarca de Guianna naõ reconhe-
ce tal Governo he acc usada de rebelde.
Ora esse Governo nem foi nomeado por El Rey, nem determi-
nado pelas Cortes, nem escolhido pelo povo, he uma mera in-
venção do atroz Rego, para obrar seus despotismos, com appa-
renle sancçaõ de uns poucos d'homens, que se diz terem voto
consultivo: istohe que votem como votarem o Governador fará
o que quizer. E por que o povo de Guianna naõ quer sugeitar-
se a tal Governo, que naõ tem o menor pretexto de legitimidade,
mandam-se tropas a provar com as baionetas, que Rego deve ser
obedecido, ainda que seja um diabo encarnado.
Foi por muitos annos nossa tarefa, escrever, para prevenir a
revolução, mostrando, que os males do Estado eram tam grandes
que ao Governo naõ lhe dar o remédio, a revolução lho daria.
Naõ conseguimos o nosso fim, o Governo naõ nos ouvio, e seus
partidistas accusáram-nos de chamar por essa revolução, que
nós só pedíamos, que se prevenisse.
Agora, temos razaõ para crer, que será nosso dever clamar pela
uniaõ de Portugal com o Brazil: e desejávamos ter uma voz de
trovaõ para inculcar a utilidade desta medida, para persuadir a
importância desta uniaõ, e declamar contra todas as medidas,
que tiveremopposta tendência: esperamos a mesma sorte, de
que nos accusem de promover essa desunião. Mas se as Cortes
446 Miscellanea.

naõ tomarem as mais decisivas medidas para calmarem o des-


contentamento no Brazil, em qual quer côr que appareça, bre\i
será o espaço de tempo, que ha de passar, antes de se verificai c
mal que receamos.
As Cortes se resolveram mandar de Lisboa 400 homens, que
ja chegaram a Pernambuco, para manter, como se disse, a poli-
cia do paiz. Como força conquistadora ou dominante, quatro
centos homens he nada para reduzir os Pernambucanos : come
auxilio de policia, he esse reforço desnecessário, por que tal nu-
mero de gente facilmente se levantava em Pernambuco ; come
motivo de zelos e de ciúme, p orque saõ tropas idas de Portugal,
he isso mais que bastante, para perpetuar o ódios, e para for-
tificar prejuízos» i A que propósito, pois, se mandam qua-
tros centos homens de Lisboa para Pernambuco?
Em Portugal derribou-se o systema antigo, e os grandes em-
pregados do Governo, saõ, com toda a razaõ, tidos por suspei-
tos, tanto pelos povos, como pelas mesmas Cortes : faça-se pois
justiça ao Brazil, e admitta-se, que, pelo mesmo motivo, os
Governadores do Pará, Maranhão Ceaiá, Pernambuco, &c, de-
vem ser desagradáveis aquelles povos. Permittir a sua conser-
vação, he irritar as paixoens daquella gente, e attribuir essa ir-
ritação a desejos de independência, he presumir um facto naõ
provado, e lembrar aquillo, que he da boa política das Cortes
deixar na escuridão.
O melhor homem do mundo, como Governador do Brazil, deve
ser odiado pelo povo ; por isso que éra um homem, que exerci-
tava um poder despotico : conservar tal homem, he estimu-
lar as paixoens que se devem suffocar, e cada indivíduo do Bra-
zil que se soffre ser sacrificado ao resentimento do Governa-
dor he mais um elemento que se ajuncta ao systema de desu-
niam, que infelizmente tantos imprudentes amam fomentar.
Daremos mais sobre isso uma leve intimaçaõ ás Cortes ; ehe
que essa divisão naõ só he agradável a alguém no Brazil; ha
no exterior, quem a fomente, e se regosige com ella. Neste pon-
to naõ queremos ser mais extensos, mas as Cortes, partindo
deste principio, devtm crer, que temos muita razaõ de gritar
Miscellanea. 447

lhes uniaõ conciliação: outra vez uniaõ, conciliação : ou tudo


vai perdido.

Sobre o papel moeda em Portugal.

Por ordem das Cortes apresentou o Ministro da Fazenda uma


Memória, respondendo aos dous quesitos 1.° Causa da depre-
ciação do papel moeda : 2.° Modo de obviar o desconto.
Propomo-nos a reduzir a uma só, a causa da depreciação do
papel moeda, que hea primeira que o Miuistro aponta; e dare-
mos a sua desenvoluçaõ: dopois consideraremos o remédio.
O numerário, que possue qual quer indivíduo, representa a
propriedade ou os gêneros, que elle tem sobejo, e precisa trocar
por outros. Esta propriedade pode consistirem cousas herdadas
ou adquiridas de outro modo, ou em sua industria actual ou
possível.
Por exemplo ; um fabricante de panos, tantos covados de pano
tiver para vender, quantos valores de cada covado poderá trazer
ao mercado, para comprar outros gêneros, que precise : a isto
aceresce o credito ; isto he, além do pano ja fabricado, obterá
mais tantos valores, quantos forem os covados de pano, que po-
derá fabricar, em certo tempo, que os credores limitarem.
Se, por tanto, este fabricante der bilhetes ou obrigaçoens a
pagar em certo prazo, coin tanto que esses empenhos estejam ao
capto da sua possibilidade, as pessoas, com quem elle quizer fa-
zer as permutaçoeus, aceitarão como paga ou equivalente essas
obrigaçoens: mas quando esse indivíduo prometter mais valores
do que pode fabricar covados de pano, durante o prazo prescrip-
to, soas obrigaçoens naõ seraõ recebidas como valores reaes.
Do mesmo modo acontece coin toda a Naçaõ. O numerário
desta, seja metálico, sí-ja papel, deve representar a totalidade
de sua propriedade e industria ; e todo o numerário (que he o
meio das permutaçoeus) além da propriedade e industria actual
e possivel da Naçaõ, cessando de representar um valor real, dei-
xa de figurar como preço no mercado. A naçaõ, bem como o
VOL. XXVII. N.o i 6 2 3M
443 Mc±yi-llu>it'f>.
indivíduo, naõ lie rrida em suas promessas, quando ella» vain
elcm da possibilidade de as cumprir.
Supponhurnos que uma Naçaõ tem ouro bastante para cunhai
tanta quantidade de moeda, que o seu vslor total represente t
dobro da propriedade e da industria actual e possivel da naçaõ
Neste caso essa moeda, cessando de representar propriedade oi
riqueza existente, será considerada meramente no valor do meta
de que he construída. Se essa moeda uuõ for metálica, mas dt
papel, sola, madeira, ou outro material de quasi nullo valor, sert
depreciada em tal proporção, que fique reduzida a representai
precisamente aiiquezada Naçaõ. Assim, se a totalidade dt
valor imaginário dessa moeda for o duplo da riqueza nacional
dobrará o preço de todos os productos, para trazer o valor do nu-
merário ao nivel do valor da riqueza da Naçaõ.
Isto pelo que pertence ao nacional; porque, quanto ao es-
trangeiro, além desta depreciação do meio circulante, on o que
he o mesmo, augmento dos preços, ha de mais a desvantagem
do cambio, que dahi resulta, e se agrava por outras combinaço-
ens, que naõ he para aqui tractar.
Resulta destes princípios a resposta ao primeiro quesito, iste
he, que a causa da depreciação do papel moeda provém de qut
o seu valor total, em circulação, excede o valor da riqueza na-
cional. Em outros termos, o representante da propriedade t
industria de cada indivíduo, excede o valor real dessa proprie-
dade e industria ; e por tanto deve depreciar no mercado, quan-
to for bastante, para o trazer ao devido equilíbrio.
Sendo o meio circulante composto de moeda metálica e moedu
papel; e excedendo á somma da riqueza nacional, que pretende
representar, o valor desse meio circulante deve depreciar; mae
como a moeda metálica tem um valor intrínseco, a moeda de pa-
pel, que naõ tem nenhum, sorTre todo o rebate.
Mas para resolver com precisão ésla questão, assim determina-
da em termos geraes, éra preciso ter a resposta do Ministro da
Fazenda, aos quusilos propostos na sessaõ 209, e a demais sabei
qual era a suiiima da propriedade e industria e ciedilo nacional.
Fiam esses quesitos : 1." quanto he o papel moeda, que se emit-
Miscellunta. 449

tio : 2." quanto he o papel moeda, que se tem amortizado : 3.°


quanto he o papel moeda, que se pode presumir existente, sup-
posto o perdido, roto e extraviado, pela invasão Franceza e
outros eventos: 4.''se o thesouro tem feito por especulação ou
por necessidade a operação de comprar ou vender papel moeda,
qual tem sido o resultado da perda ou ganho annual, tomando
o termo médio de dez annos : 4.* quanto he o papel moeda falso,
que se tem queimado.
Quanto á propriedade, que esse papel representa, as Cortes
naõ pediram explicaçoens ; mas para se deteiminar ao justoa de-
preciação do papel, seria necessário saber exactamente o valor
total da propriedade, assim como o nominal desse papel, que
pretende representalla.
Passaremos agora ao meio de obviar esse mal da depreciação
do papel moeda. Julgamos, que o 3.° expediente, que o Minis-
tro aponta, he o único; porque he preciso trazer o meio
circulante ao nivel da propriedade, que pretende representar.
A moeda metálica he a mais própria, para representara ri-
riqueza nacionai; por isso que, ainda sendo excessiva, tem seu
valor intrínseco no metal. A moeda de papel he um represen-
tante da riqueza nacional tanto mais fallaz, quanto delia só se
tem usado até aqui para enganar o publico, valendo-se os Go-
vernos deste expediente, para representar riquezas naõ existen-
tentes, ou que naõ existem senaõ em parte.
Naõ ha pois meio algum de obstar a depreciação do papel
moeda, em quanto elle naõ representa riqueza actual; e ha de
por força perder de seu valor ; em tanto qu.mto for alem da
riqueza nacional; e outro sim na difterença que vai do ágio,
quando se troca por metal, que he recebido nos paizes estran-
geiros.
Segue-se daqui, que o único remédio para obstar a depreciação
desse papel moeda, he extinguir aquella parte, que naõ repre-
senta riqueza existente, e mais a diffeiença do ágio.
A questão, logo.se reduz ao modo de fazer essa operação, com
o menor inconveniente possivel ; porque inconveniente sempre
o ha de haver em todos os rasos, para similhante operação.
4ôO Misccllanca.
O methodo, que reconimendariamos, seria, fallando em gera
um dos que o mesmo Ministro aponta ; e vem a ser, compr;
toda a moeda de papel, que compõem uma fraudulenta repn
sentaçaõ de riqueza nacional.
Mas dir-se-ha, que o Governo naõ tem meios de effectuar ess
compra. A isto respondemos, que a compra se pôde fazer gn
dualmente, e mesmo em grandes porçoens, reduzindo o papi
moeda a apólices, que vençam juros. Assim esse papel na
representará uma riqueza real e existente, mas ao menos crea
rá um capital imaginário, cujos juros seraõ um valor real.
Estando a moeda de papel ao desconto de 20 por cento, <
juros desse capital seraõ somente 4 por cento : e se as rendi
da Naçaõ permittirein, que se applique para este objecto um
som ma igual ao juro de 10 por cento, restarão cada anno G pi
cento para amortizar a divida ; os seis por cento, em juro con:
posto, daraõ o prospecto de extinguir essa divida em pouco
annos.
Outra vez somos obrigados a fallar aqui em termos geraes
porque naõ tendo o Ministro exposto na sua memória o estai
das rendas da Naçaõ, existentes ou possíveis, e as despezas,
que he necessário oceurrer, naõ nos he possivel determinar, s
se podem ou naõ dispensar as sommas necessárias para pagi
esses juros de 10 por cento, ou mais, ou menos. Mas era geri
dizemos, que este iuethodo da amortização do papel, applicai
do-lhe um juro maior, que o de 4 por cento, cujo exceden
seja composto para a mesma applicaçaõ, he o mais suave, a:
sim como o mais efficaz meio de effectuar a operação.
Se nos objectarem, que he grande sacrifício á Naçaõ pagi
esse juro; responderemos, que a naçaõ soffre actualmente ess
sacrifício dos quatro por cento de juros no desconto do pape
e esses quulio por cento repetidos no decurso de um anno lai
tas vezes, quantas o mesmo papel passa de um proprietário
outro : o que, no decurso do anno, forma uma somnia enorme
Quanto aos outros 6 por cento para amortização, o inconvt
niente he mais do que compensado, 1.' pela multiplicada perd
Mt.iccllanca. 451

dodeconto, em tantas vezas quantas se troca o papel ; e 2."


nos lucros, que resultam ao commercio com o Estrangeiro, ex-
tinguindo o ágio, que provém da differença dos câmbios, pro-
cedente desse papel moeda.
Como naõ he do nosso intento, nem seria compatível com
nossos limites, entar nas particularidades desse plano; somente
lembraremos dous requisitos, que saõ essenciaes, para sua exe-
cução,
1." Que a entrada da moeda papel no Erário, para ser fundi-
dida em divida publica, vencendo juros, seja regulada em taes
quantias, que naõ peze sobre aquelles possuidores, que tem tam
pouco, que naõ podem dispensar o seu capital, para o emprestar
a juros.
2." Que os réditos, applicados ao juro e amortização desssa
divida, sejam tam seguros, que nem se qner se suspeite fallen-
cia nos pagamentos.
O Ministro lembra-se também do methodo de augmentar a
riqueza nacional, para a trazer ao nível da sua representação
no papel moeda actual. Esse methodo, se fosse factível, pro-
duziria justamente o mesmo resultado ; mas infelizmente isso
depende de muitas causas, que em parte precisam de tam longo
espaço de ttmpo, que a naçaõ succumbirá antes que o remédio
se verefique.
Sem duvida a decadência do Commercio contribue para
diminuir a riqueza da Naçaõ, induz a depreciação do papel
moeda ; como o Ministro justamente lembra em sua memória.
Poréui o expediente que elle aponta, no § 9, para reviver o com-
inercio de Portugal, he demasiado impolitico, para que se deva
adoptar; por quanto, no presente inquieto estado das cousas,
qualquer tentativa para tirar alguma parte do commercio
do Brazil, a fim de favorecer um empório delle em Lisboa,
seria uma causa real de discórdia, entre o Brazil e Portugal, e
o que mais he um pretexto para para os inimigos da uniaõ,
que urgiriam este argumento, muito em desabono da causa
nacional.
45-2 Miscel/anea.
A demais, o tractado de 1810, se oppoiia directamente a qi
o plano se verificasse, pelo que respeita a Inglaterra, e fazendi
se uma excepçaõ somente quanto a esta; as outras naçoens i
julgariam mui descaidas no favor de Portugal, vendo-se exciu
das do commercio directo com o Brazil, por esse augmento <
direitos, qne o Ministro recommenda. Os povos no Braz
favoreceriam as vistas dessas naçoens, e quando se naõ seguii
sem outras conseqüências políticas mais sérias no Brazil, qi
saõ para recear, pelo menos se causaria o mal de estabelecer u
extenso commercio de contrabando, com o que se arruinaria]
de todo as rendas das alfândegas; porque Portugal naõ póc
ter forças para bloquear e impedir o contrabando, em 200 legus
de costa no Brazil; e quando tivesse forças bastantes para issi
a despezaa de tal systema de bloqueio, para destruir o contra
baudo, custaria mais do que as rendas provenientes do commei
cio legal, nos direitos da Alfândega.
Na sessaõ 215, fez o Deputado, B. Carneiro umas indicaçoen:
para que os empregados públicos usassem, de vestuário das fabri
cas nacionaes. Nisto só temos que louvar o zelo e patriotism
do Deputado; porque, quanto ao resultado, naõ pude ser pai
a Naçaõ do beneficio, que se representa.
Para se estabelecerem fabricas, he necessário que hajam capi
taes superabundantes, depois de supprida a cultura das terras
óra i aonde estaõ em Portugal os capitães, que sobejam da agri
tura ? O império da moda será sempre mais poderoso, nesaa
matérias, do que as leys das Cortes, e ainda que estas conse
guissem tirar o capital empregado, ou que se deve empregar, d
agricultura, para o colocar em fabricas, restava ainda a difficul
dade de conseguir, qne o povo preferisse essas manufacturas
outras extrangeiras, mais baratas, ou mais de seu gosto:
qual satisfarão sempre pelo contrabando, a pezar de todas a
leys em contrario.
Julgamos, por tanto, que o único meio, que ha, para obvia
os enormes males, que o papel moeda está fazendo em Portugal
he tirallo todo da circulação, deixando só circular os seus juros
fundindo (como hoje em dia se chama) o papel moeda, em divi
Miscellanca. 453

da nacional; com a applicaçaõda somma, que se puder dispen-


sar todos os annos, para sua amortização, pelo calculo do juro
composto.

Armada Portugueza.

Publicamos a p. 387 o relatório de uma Commissaõ Especial


de Marinha, que fora nomeada pelo Soberano Congresso, para
informar sobre a promoção de 24 de Junho de 1821; porque as
Cortes se naõ deram por satisfeitas com as informaçoens, que em
14 de Agosto receberam da Commissaõ de Marinha ordinária.
Este relatório he mui interessante, pela comparação, que
faz, do estado da marinha de guerra em differeutes epochas;
mas o motivo delle foi a queixa, mui bem fundada, dos officiaes
da Marinha, que viram uma promoção somente daquelles que
pertenciam a serviço do Brazil; o que dava a entender grande
parcialidade, como se aquelle estúpido Ministério acintes qui-
zesse dar a entender, que naõ fazia caso de Portugal.
Mas he ainda mais importante o que respeita á Marinha de
Guerra em geral. Ve-se do relatório, que desde 1793 até agora,
e principalmente durante o péssimo Ministério do Brazil, se re-
duziram os vasos de guerra aos dous terços, e nas nas náos de
linha de 12 que eram se reduziram a 4 ; e duas dessas incapa-
zes de servir sem grandes concertos : ao mesmo tempo, para
attender a afilhados se augmentaram os officiaes na proporção
de 1 para 4.
A este inaudito desgoverno se seguio a promoção, que faz
objecto da queixa, e tam parcial e injusta foi, que para reme-
diar-se, promovendo os preteridos, se causaria um transtorno
geral, augmentando a ponto ridículo os officiaes generaes, e
ficando a Marinha sem Segundos Tenentes, como bem observa
a Commissaõ.
O relatório de que tractamos causou em Lisboa grande sensa-
ção eutre os ofhciaes de Marinha, que naõ ficaram callados ; e
454 Misccllanea.

a seu favor, e contra a opinião da Commissaõ, se tempublic;


vários papeis, a que se tem respondido.
Naõ podemos melhor explicar nossa opinião nesta matéria, <
naõ com o dictado antigo : " Casa onde naõ ha paõ, todos ralh;
e ninguém tem razaõ." Achavam-se mais officiaes de Marin
promovidos, e mais preteridos do que precisam os vasos de gui
ra existentes, e do que o Thesouro tem meios de pagar. Nes
circumstancias éra impossível contentar a todos, assim, julgan
imparcialmente, nos parece, que o meio termo, que seguio a Co
missaõ, foi, entre a escolha de males, o que se apresentava
menos más conseqüências.

Colônia dos Suissos no Brazil.

Talvez em conseqüência do que dissemos a este respeito, n


lemetteo um nosso conrespondente, a carta (pie publicamos
fim deste N.° copiada de um periódico Inglez. Inserimólb
porque convém ouvir ambas as partes; e com tudo, delia se ^
que aconteceo a calamidade de uma epidemia, contrahida ant
de chegar ao Brazil, e que delia morreram o quinto dos coloni
tas, ficando assim em pé o que perguntamos, se isto tinha pi
cedido das mas accommodaçoens a bordo dos navios.
Também observamos, que, a pezar da pinetura agradável, q
esta carta faz da situação dos colonistas, pelo que respeita o c
ma, e favorável acolhimento no paiz, os nossos quesitos, soh
os abusos commettidos no estabeledimento desta colônia no Br
zil, ainda estaõ sem resposta; e por tanto insistimos ainda, <
que esta matéria he digna de iniuda investigação, pela aulho
dade das Cortes.

Banco do Brazil.

O Banco do Rio-de-Janeiro se acha de tal modo arruinad


pelas manobras da passada Administração, que naõ pôde is
Miscellanea. 4òó

deixar de aflèctar mui seriamente o commercio daquella provin-


cia e talvez a de outras do Brazil. O plano, que os Directores
agora adoptáram, para os seus pagamentos, prova ou a sua falta
de conhecimentos nessas matérias, ou a incapacidade do Banco
de restabelecer o seu credito. As notas do Banco haõ de ser
pagas nas seguintes proporçoens :—
de reis: em papel: prata: cobre.
1:000.000 800.000 150.000 50.000
IOO.OOO 75.000 15.000 10.000
50.000 10.000 6.000 4.000
10.000 — — 10.000
Ora nestes termos naõ pôde haver quem queira ter negócios
com tal Banco. Queimaram-se 800:000.000 de papel, mas o des-
crédito continua, e a prata desapparece da circulação. Até o
cobre tem um ágio. A prata tem o ágio de 7 a 8 por cento; e
o ouro chega a ter o ágio de 28 por cento.
Se estas desgraças affectassem somente o Banco, grande como
éra o mal, seria supportavel, por comprehender somente uma
classe de pessoas; mas evidentemente a falta do numerário ar-
ruina todo o paiz, e se as Cortes naõ derem sobre isto alguma
providencia, as conseqüências podem ser da natureza a mais sé-
ria.

AMERICA HESPANHOLA.

México.

Aos 11 de Agosto o Coronel Santana entrou em uma conven-


ção com o Vice-Rey do México, para que, cessando as hostili-
dades entre as tropas Realistas e Independentes, se abrissem as
portas de Vera-Cruz, no dia seguinte; se soltassem os prisionei-
ros de ambas as partes, e a gente do paiz pudesse vir á cidade,
porém desarmada e naõ em grande numero.
VOL. XXVII. N.° 162. 3N
456 Miscellanea.

Logo depois o Coronel Iturbide, chefe dos Independentes, c


tordoii com o Vice Rey, Conde de Venadito, no plano de Goi
no Provisional, paia aquelle Império, que deixamos copiado:
352; e aos 24 de Agosto se assignou em Cordova a Convcnç
que transcrevemos a p. 356; pela qual se assentam as bazes
independência do Império do México.

Columbia.

Por uma ordenança do General Soublette, Vice-Prcsidente


Venezuela, em data de 6 de Julho deste anno, se determin
que a cidade de Caracas fosse a Capital desta provincia de 4
lumbia, mandáram-se passar para ali os tribunaes, archivos, i
e o Almirantado, que estava na ilha de Margarita, foi remov
para La Guayra.

Buenos-Ayres.

A Juncta de Representantes de Buenos-Ayres passou um i


ereto aos 21 de Agosto, ordenando nova pauta da alfândega, c
deve começar a executar-se do principio do anno de 1822. I
tre as providencias temporárias em que se manda observar
panta até aqui existente, se fazem algumas excepçoens: a
ber, os licores espirituosos pagarão 72 pezos, por pipa di
Barris : naõ excedendo a prova a 2 4 gráos : vinho 42 pez<
vinagre 30 : tabaco do Praguay 2 pezos por arroba: tabaco
Brazil 4 pezos por arroba: assucar 1 pezo. Ficam exceptuac
de direitos, as gomas, laff, cabello, e tintas, para as fabricas
chapeo: melado e mel para a destilaçaõ de aguardente, c tci
a casta de instrumentos e machinas, usadas nas fabricas
paiz.
Miscellanea. 457

Chili.

Por noticias de Santiago, de 13 de Agosto, se sabe, que o


General San Martin tomou a capital o Peru á força d'armas,
rendendo-se a cidade de Lima, porque os Hespanhoes ja naõ
podiam conter em sugeiçaõ seus habitantes.
Assim terminou de todo a dominação Hespanhola nas costas
do Mar Pacifico, e ficou sellada a independência da America Me-
ridional Hespanbola.
Este acontecimento, noticiado ao mesmo tempo que a revolu-
ção do México, põem fim á guerra dos Hespanhoes na America,
mas nem por isso se deixa ainda de fallar em Hespanha em suas
colônias Americanas, como se estivessem no século dos Phillip-
pes!

HESPANHA.

Na sessaõ das Cortes de 26 de Outubro, um dos Deputados


Americanos, Sr. Paula, fallou com largueza, sobre o Estado de-
plorável doque os Hespanhoes ainda por habito chamam suas
colônias, e propoz, " que o Ministro das Colônias informasse as
Cortes, o mais breve possível, sobre as medidas, que convinha
adoptar, para effectuar a tranquillidade e felicidade das Ameri-
ca». Depois de longo debate foi regei tada a proposição, por
75 votos contra 70.
El Rey tornou a fazer outra mudança parcial no Ministério,
•nas o espirito de suspeita, que existe no povo. contra o partido
da Corte, naõ soffre diminuição ; talvez o rlagello da peste, que
continua em algumas provincias, seja cansa de naõ apparecerem
calamidades de outra natureza, procedidas da inquietação dos
partidos Politicos.
458 Miscellanea.

INGLATERRA.

Lista dos navios de guerra Inglezes, que se estaõ actualmei


construindo sm vários estaleiros por oídem do Governo.
Em Porlsmouth. Princess Charlotte, de 120 peças: Ind
80 : Carnatic, 7 9 : President, 60 : Fox,46: Penelope, 46: TI
lia, 4 6 : Tweed, 3 8 : Volage. 28 : Ferret, brigue canhoneiro, 1
Philomel, 10 : Royalist, 10.
Em Plymouth. S. George, 120: London, 110:HindostJ
8 0 : Lancaster, 6 0 : Portland, 6 0 : Statira, 46: Proserpine, 4
Circe, 46 : Cerberus, 46: Tigress, 46 : Daphne, 2 8 : Porcupii
28: Partridge, 10 : Mutine, brigue canhoneiro 10: Hope, 1
Bramble,cutter, 10 : Belzebub, bombardeira ; Devastation, d
to; Volcano, dicto.
Em Chatham. KingGeorge the Fourth, 120: Neptune, 12
Formidable, 8 6 : Powerful, 8 0 : Mermaid, 46: Rainbow, 4
Thames, 4 6 : Unicorn, 46 : Crocodille, 28 ; Rattlesnake, 2
Weasle, 10 : Procris, 1 0 : Diana, 46 : iEtna, bombardeira ; Si
phur, dicto ; Basilisk, cutter.
Em Deptford. Monarch, 84: Russell, 74 : Worcester, (
ÍEolus, 46 : Amazon, 46 : Daedalus, 46 : Mercury, 46: Pega»
46 : Alarm, 28 : Andromeda, 28: Vigilant, cutter, 12: Algeri
10: Halcyon, 10 . Forester brigue canhoniero; 10: Giffon, dii
10: Thunder, bombardeira.
Em Woolwich. Thunderer, 80: Chichester, 60: Winches
60 : Clyde, 46: Hebe, 49 : Jason, 40 : Medusa, 49 : Nortb St
28 : Kingsfisher, 10: Magnet, 10: Tyrian, IO.
Em Pembroke. Goliah, 84 : Vengnance, 80: Druid, 46 : 1
niadriad, 46: Nemesis, 46 : Nereus, 4 6 : Thisbe, 46: Successi
28 : Talbot, 28: Reynard, 10: Zephyr, 10: Sparrow, cutter, 1
Meteor, bombardeira.
Em Sheerness. Onix, 10.
Em Bombaim, Ásia, 84: Bombay, 84 : Ganges, 84 . Mac
gascar. 46 : Manilha, 46.
Em Cochin China. Samarang, 28: Termagant, 28.
Vem a ser os navios de guerra, que se estaõ contruindo ü
Miscellanea. 459

a saber, 18 náos, de linha, 36 fragatas pezadas, 13 ligeiras : 14


chalnpase brigues: 7 bombardeiras: 5 brigues canhoneiros,
e 4 cutter».

Ilhas Ionias.

As Ilhas Ionias tem mostrado symptomas de grande agitação;


e parece, que uma das principaes causas he quererem seus ha-
bitantes auxiliar a causa dos Gregos, ao que se oppóem o Go-
verno Inglez. O Lord Protector expedio uma proclamaçaõ, em
que declara, que todo o cidadão daquellas Ilhas, que servir a
causa dos Gregos será punido como traidor.

SARDENHA.

S. M. Sarda, El Rey Carlos Feliz, acaba de publicar um edicto


em data de 5 de Outubro deste anno, pelo qual prohibe as socie-
dades ocultas nos seus domínios. Escusamonos de Copiar a inte-
gra deste documento; por que basta dizer, que he outro que tal
como a ley contra as sociedades secretas, com que ha poucos
annos o Ministro Villa Nova Portugal, presenteou o Reyno Uni-
do de Portugal Brazil e Algarves.
Os homens, que taes leys fabricam, naõ podem sezudamente
estar persuadidos, que as revoluçoens da Hespanha, America
Htspanhola, Nápoles, Sardenha, Portugal, Moldavia, Grécia,
&£i possam ser meramente o effeito de uns poucos indivíduos li-
gados em uma sociedade occulta. Mas se o que se pretende com
üus leys, he impedir os progressos dos conhecimentos humanos,
a* üçoens, que tem dado a Europa e a America, deveria terdes-
enganado os conspiradores contra o gênero humano, que tal pro-
jecto he de impossível execução; e quantas mais medidas desta
natureza se adoptarem, tanto mais motivos de irritação se dam
aos povos, e tanto mais he de temer sua vingança, quando chegar
460 Miscel/anea.
o dia da retribuição. Mas essa gente parece ser da classe
quella, que nenhuma experiência ensina, e a quem nenhum <
selho aproveita.
No meio disto se publicou em Vienna um tractado, assig
aos 20 de Julho deste anno, entre a Áustria, Rússia, Prusi
Sardenha, pelo qual se estipula, que um corpo de 12.000 i
triacos formará uma linha militar nos Estados de Sardenha,
manter a tranquillidade do paiz, em conjuneçaõ com as tr
Sardas. Esta occupaçaõ militar continuará até Septembi
1822 ; e entaõ os Soberauos Alliados se ajunetaraõ em Flore
para deliberar se esta occupaçaõ deve cessar ou continuar.
461 )

CONRESPONDENCIA.

A seguinte carta, dirigida ao Campeão Portuguez, chegou a


Londres depois de haver cessado aquelle Jornal; e por isso se
nos rogou que a inseríssemos em justificação do acusado. Vinha
mais accompunhada, de uma certidão da sentença do Conselho
de guerra, que condemnou o offtcial culpado do estupro, que se
imputou ao General Rego, e outros papeis.
Deste homem damos nossa opinião n'outra parte deste N.o os
documentos occupariam demasiado lugar, que desejamos dedicar
ao serviço publico e naõ ao do General Rego. A carta aqui lha
publicamos pelos motivos, que deixamos expendidos ; e he a
seguinte.

Snr. Redactor do Campeão Portuguez.

Tendo eu lido em alguns dos nossos Jornaes, tanto impressos


iu Gram Bretanha, como em Portugal, muitas invectivas contra
um homem de distincto merecimento e raras virtudes, como he
Luiz do Rego Barretto, Capitão General de Pernambuco, e
conhecendo, que saõ dictados por pessoas de mui ruim
character, algumas das quaes eu mesmo conheço, sem que um
vislumbre de verdade haja em tudo o que dizem contra este va-
rão, que tanto ha trabalhado em honra e defensa da sua pátria,
cumpre-me como seu amigo, e como amante da Justiça e da ver-
dade informar a V. M. do que ha de verdadeiro, relativamente
ao mais notável libello, que se ha escripto contra elle.
mvino a V. M. que nem tomo esta tarefa de encomuitnda,
402 Coiircspondencia.

nem com vistas de agradar ao General, ou recebei delle mci


algumas, que naõ quero de ninguém, e protesto-lhe que ja m
me descubriei CDino seu defensor.
No Campeão Portuguez de Janeiro vem uma carta anonyi
em que se conta o caso de rapto feito a uma senhora bem nasc
desta villa, por um Tenente Coronel Commandante, que era,
2°. Batalhão de caçadores desta praça.
Diz o author, que o General tivera parte neste crime; ]
que guardara a senhora raptada três dias em sua casa, no
dos quaes a apresentara ao Pay, que a naõ quiz receber,
conseqüência do que a mettera em recolhimento. Em qu
to ao raptor, que o deixara impune, com horror e esc;
dalo geral. Segue-se depois um epilogo muito vehemente, c
termina, " Justiça de Deus sobre os malvados"
Foi na verdade raptada, por sedução, essa infeliz Senhi
muito digna de melhor sorte, e por esse Tenente Coronel; fi
mem perfeitamente immoral, que no tempo da nossa glori
revolução entrara no exercito, que j a m a i s se distinguira j
acçoens de valor, nem de virtudes; que a pezar disto, vindi
Corte do Rio-de-Janeiro, fora protegido, acerescentadoem p
tos, e ein mercês ; e por fim veio commandar um batalhão
Pernambuco.
Esta expedição de Pernambuco, em 1817, desentulhou o R
de-Janeiro de um grosso bando de harpias, que vieram a t
província fazer das suas. O pobre Capitão General, qne naõ t
d'(iutra gente para o serviço militar, foi o primeiro a lastimai
da sua má fortuna ; porém o demo quiz sempre, que uns m;
fossem substituídos por outros peiores ; e naõ pode ver
nunca livre desta gente. Naõ he isto dizer, que nem um só d
tes indivíduos fosse pessoa de probidade: ha alguns mui dign
mas comparados com o grande numero dos perversos ; c
podiam fazer ?
Perdoe a transição, que me pareceo indispensável; e van
ao caso. Na noite de 12 de Septembro do anno passado, ao
colher-se o General a sua casa, voltando do theatro, achou á po
delle, actompanhado dt uni amigo, o Pay da Senhora raptac
Conrespondencia. 4Q3

qne dando-lhe a noticia da fuga da sua filha, pedio a protecçaõ


do mesmo General, para livrállado malvado Joaõ Casimiro (lie
este o nome do infame.)
O General torna para traz, accompanhado de um ajudante
d' ordens, chega ao theatro, manda chamar o raptor, pergun-
tando-lhe novas da Senhora : este vai tremendo á casa aonde a
tinha guardada, protesta que naõ tivera parte na fuga, o Gene-
ral o expelle de sua presença, leva quasi de rojo a menina, que
repugna com todas as suas forças accompanhallo, por temer a
cholera do Pay ; o General a deixa em caminho, sob a vigilância
de um amigo do mesmo Pay, e corre a dar-lhe parte, A Senhora
partio para casa do primeiro, e o General perguntou ao Pay, que
queria que fizesse.
Propoz-lhe (vendo-o em summa consternação) ou que se cir-
cuitasse o sueceso, encarregando-se elle de exterminar Joaõ
Casimiro, quanto antes, ou de perseguir o monstro segundo as
formalidades da ley. Naõ decidindo o queixoso, qual dos partidos
abraçava, ou antes abraçando óra um ora outro, o General lhe
recommendou, que se aconselhasse. Assim o fez, e resultou
preferir os meios legaes. Requereo ao General, este remetteo
o caso ao Ouvidor, formou-se querella, sahio pronunciado o rap-
tor, o General nomeou-lhe Conselho de Guerra, que o senten-
ciou a dez annos de degredo, em Ásia ou África, foi confirmada a
sentença na Corte, e aqui cumprida.
Este caso suecedeo do modo que o conto, e que o expõem o
supra citado Jourdan, que vio e presenciou tudo desde o prin-
cipio. Nem ha aqui pessoa, que duvide disto. O mesmo
Jourdan, indignado do libello que vio, escreveo ao Redactor da
gazeta de Pernambuco uma carta que assignou ; e eu re-
metto a V. M . o exemplar para maior desengano. Também
lhe mando a copia da sentença do Conselho de Guerra, e o of-
ficio, que acompanhou o Réo, quando foi mandado para o seu
degredo. A* vista de tudo o que levo exposto, fira da ultima
evidencia, que o author da carta citada he um desprezível em-
busteiro, e que nada he mais injusto do que ver-se um homem
VOL, XXVII. N.« 162. 3o
464 Conrespondi-ncia.
de bem, e que agora mesmo está fazendo relevante serviçi
sua Pátria, vilipendiado tam iniquamente, Eu naõ quero ;
fazer o elogio do General Rego, mas naõ posso deixar en
lencio, que he elle quem, nestes tempos críticos, manteve a
nesta provincia, declarando-se com a maior energia a favo
causa da liberdade, sem comprometter o povo: he elle quem
sustentado o socego e a paz publica, ameaçada por alguns
magogos, que fortemente attentaram annihilar com o intuit
engrandecer-se dosdespojos dos empregados, públicos: he
quem tem dado mui saudáveis providencias para os melhoro
tos possiveis. convocando um Conselho de homens de luzes e
tudes, que o ajudam em tam pezadas tarefas, concorrendc
maõs dadas para alcançarem os melhores resultados. O r
saõ patranhas de gente vil e abjccta, que medra com desordi
que as deseja ; porque d'outra sorte'lhe he impossível faze
gura. Nem saõ estes detractores movidos por amor da Pat
he sentimento nimiamente ellevado, que naõ tem cabimento
almas tam baixas, que só se nutrem de paixoens maligi
Luiz do Rego he um homem grande Portuguez, um idolatn
Naçaõ, homem honrado, bom amigo, e optimo cidadão.
Peço-lhe o favor de esta inserir no seu estimavel period
para confusão dos perversos, e triumphoda virtude calumnk
Seu venerada
CP.
Pernambuco 2 de
Maio de 1821.

Copia de uma carta dt nova Friburg, no Brazil, daU


de 28 de Janeiro 1 8 2 1 , c publicada no Monthly J
g a z i n e , vol 52. N. 360, de Novembro 1821,/), 325.
Ha quasi dous annos, que me acho separado de vós eder
antigo paiz (éra o districto de Porentruy que foi tirado da Fr
ça em 1815, e unido ao cantaõde Berne ; depois daquelle ac
tecimento tem sido consideráveis as emigraçoens para o Bra
Se tenho demorado escrever-vos, he por que desejava prin
IO averiguar plenamente a nossa situação, para que vós
desseis ajuizar delia.
Conrespondencta. 465

Estamos bem satisfeitos com a nossa nova pátria, e somos


tractados com tal liberalidade, que nos sentimos como se
sempre a ella tivéssemos pertencido. O districto, intersectado
nor altas montanhas, com aprazíveis vales abaixo dellas ; os ma-
tos estaõ cheios de varias sortes de animaes, alguns delles in-
commodos, nenhuus malignos.
Chegando ao nosso destino, Morro-queimado, achamos as
herdades ja preparadas para entrarmos nellas, limpas, e conve-
nientes. As nossas casas se podem chamar as principaes em
Nova-Friburgo, que he um estabelicimento crescente. As nos-
sas terras saõ ricas era producçoens vegetaes; ha feijoens eba-
tatas em abundância.
Toda a colônia he dividida em cem famílias de 15 a 18 indi-
víduos cada uma. Cada herdade ou porçaõ de teria coutem
cousa de cem braças (cada uma de 6 pés 10 polegadas) de
longo, por 300 do largo. Além das herdades, dam-se terras a
todos os que as pedem, e tantas quantas desejam. Por todo o
paiz o ar he mui saudável; gozamos perfeita saúde, e facilmente
podemos soffrer o calor, que nunca passa de 30 gráos. Este he
aiada moderado por suaves e frescas viraçoens, que sopram por
todo o dia. A temperatura nunca he fria, eternos somente duas
estaçoens, primavera e veraõ. A qualidade do terreno he excel-
lente, três gráos mais productivo do que na Suissa, e requer in-
finitamente menos cultura.
As batatas, feijaõ, arroz verde e seco, carne, e caffe, he o nos-
so principal mantimento. Carne de vaca, saborosa, naõ custa mais
de2J peniques por libra : paõ 3 peniques fò ou 6 sottsj; porém
a carne de porco he ainda em maior abundância, de 1 a 1 | pe-
nique por libra. Naõ temos grande necessidade de vinho, o
qual se vende a 1 liore 10 sous por garrafa ; porem os vinhos da
Madeira, Canárias e Portugal saõ mui bons ; assim como a agu-
ardente de cana, e tam barata como a aguardente em Suissa.
O que tem circulado nas gazetas da Europa, relativamente á
mortalidade, prevalente no nosso estabelicimento, he totalmente
sem lundamento. Temos tido uma espécie de doença, depois que
rliegumos ao novo mundo, mas foi uma epidemia, que se con-
tialiiu duiunie anoasa tblada na llollauda, e delia fórauí viUiina*.
466 Conrespondencia.

famílias inteiras. Foi só depois de alguns mezes de residi


no clima da America, que desappareceo a enfermidade. J
réram delia a quinta parte de nosso numero.
Naõ podemos louvar demasiado o comportamento verd;
ramente paternal d'El Rey. O recebimento, que nos fizé
seus Commissarios, quando desembarcamos no Rio-de-Jan
foi mui benigno; e succedeo aos 28 de Novembro de 1819.
do quanto se nos prometteo, quando deixamos o nosso ]
tem sido escrupulosamente executado. Durante o primeiro
da nossa chegada, recebi seis francos por dia, á proporçi
20 sous por cabeça, por toda a minha família. Presenten
temos somente metade daquella somma; mas isto he competi
por outras muitas vantagens.
Segundo esta relação, que em tudo concorda com os fac
sem duvida vós concluireis, que a nossa situação he agrad
enaô nos deixa desejo algum por satisfazer. Resta somente
cousa, para completar a minha satisfacçaõ, e he que vós fo
um dos nossos, para participar de nossa boa fortuna, que v<
deiramente se pôde dizer, que he paraenvej e» r. A nossa 1
taçaõ he a habitação da paz e do contentamento; naõ t<
máos vizinhos, que nos disturbem, nem cousa alguma, qm
terrompa o nosso socego, excepto algumas vezes os macaco:
papagayos. Quanto á chicana das leys, e seus litígios, he
a segunda terra de Promissaõ. Naõ ha aqui disputas por ui
de terra, muito menos por uma geiia. Os Jui/es executa
seu officio sem ordenado, e administram a justiça a todos ii
criininadainenle aos ricos e pobres. Temos um Director <
inspector, e ambos mostram as mais amigáveis atlençoens
com nosco.

N. U. l a i a o Sm. Kedacior coiupaiai com o que, tanto ao


tiaiio, se avançou sobie o objecto, lia algumas .semanas, eu
ajuiictaiiieuto, (jue se ú\i numeroso e lespcitavel, em uma (jti
Taverna de Londies ! t\t.
Conrespondtncia. 467

Senhor Redactor do Correio Braziliense.

A paginas 250 do N°. 69 do Portuguez, foi publicada uma


carta, que, em 12 de Julho passado, eserevi ao Redactor
(1'aquelle periódico, em a qual lhe enviei uma lista das pessoas,
que assignaram os Memoriaes votados ao Augusto e Supremo
Congresso das Cortes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da
Naçaõ Portugueza, e á Magestade do Senhor Rey D. Joaõ V I ;
e nella também lhe disse o motivo por que alguas pessoas naõ
assignáraõ os ditos Memoriaes. Esta carta foi transcripta (e
por signal estropiada) a paginas 155 e 156 do Numero 20 de um
jomal que se aqui imprime, intitulado O P A D R E AMARO, OU
SOVELA POLÍTICA, &C. aonde o Redactor diz, que pode afir-
mar a todo o mundo que o Ministro de Sua Magestade, nesta
Corte, nem pela sua parte, nem pela dos empregados na Lega-
çaõ, me enviou partecipaçaò nenhuma, em resposta á Circular,
que lhe dirigi.
Muito embora afirme o Redactor a todo o mundo o que bem
llie parecer • o que eu lhe posso assegurar, Senhor Redactor, hé
que quanto disse na minha carta hé pura verdade; e o provarei,
se for contradicto pelo Ministro de Sua Magestade, nesta Corte ;
que mal posso crer authorizasse o Redactor de tal periódico para
affinnar o contrario, como elle pertende inculcar.
Sou,
Senhor Redactor
Muito seo Venerador
Londres 5 de Novembro de 1821.
A. J. FREIRE MARRECO.
CORREIO BRAZILIENSE
DE DEZEMBRO 1821.

Na quarta parte nova o» campos ára ;


E se mais mundo houvera lâ chegara.
CAMOKNR, c. v i l . e 14

POLÍTICA.

nEYNO U N I D O DE P O R T U G A L D R A Z I L E AT.CARVES,

fiecreto, para as Junctas Provisórias de (locerno nu


Brazil.
D. Joaõ, &c.

As Cortes Geraes Extraordinárias e Constituintes da


Naçaõ Portugueza, havendo prestripto o conveniente
syâlemade Governo e administração publica da província
oe Pernambuco, por decreto do 1.' do presente mez : e
reconhecendo a necessidade de dar as mesmas, eoutras si-
milhantes providencias, a respeito de todas as mais pio-
vincias do Brazil, decretam provisoriamente o seguinte.
1. hin todas as provincias do Reyno do Brazil, em qne
''•no presente havia governos independentes, se crearaõ
\'<>i. XXVII. N". \fí'j. 3P
470 Po/ilka
Junctas Provisórias de Governo, as quaes seraõ coi
tas de set f e membros naquellas provincias, que at«
ia eram governadas por Capitaens Generaes, a saber
rá, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio-de-Janei
Paulo, Rio-Grande do Sul, Minas-Geraes, Matto-G
e Goyazes: e de cinco membros em todas as mais pi
cias, em que até agora naõ havia Capitaens-Generaes,
só Governadores; incluindo em uni e outro numero (
siclente e Secretario.
2. Seraõ eleitos os membros das mencionadas Jui
por aquelles eleitores de parrochia da provincia, qu
dem reunir-se na sua capital, no prazo de dous n
contados desde o dia, em que as respectivas authorii
da mesma capital receberem o presente decreto.
3. Seraõ nomeados os membros das Junctas Provii
de Governo entre os cidadãos mais conspicuos por
conhecimentos, probidade, e adherencia ao systema
stitucional, sendo além disto de maioridade, estand
exercício de seus direitos, e possuindo bastantes i
de subsistência, ou provenham de bens de raiz, o
commercio, industria ou emprego.
4. Scrà antes de todos eleito o Presidente, depois
cretario, e finalmente os outros cinco ou três meni
segundo a classificação expressa no artigo 1.", sem
tenha lugar a nomeação de substitutos. Poderá rec
eleição em qualquer dos membros do Governo, qu
achar constituído na província, bem como em qual
dos eleitores ; c quando for eleito algum magistrado,
ciai de justiça ou fazenda, ou official militar, naõ i
ccrá seu emprego, em quanto for membro do Goven
ò. O Presidente Secretario e mais membros rias Jir
Provisórias, além rios ordenados e vencimentos, que
qualquer outro titulo lhes pertençam, perceberão an
mente a -ratilicaçaõ de uni coul» de reis, naquella*
Política. 471

vincias, q»e ate agora tinham capitaens Generaes, e seis


T
cenlos mil reis em todas as outras provincias.
6. Fica competindo ás Junctas Provisórias de Governo
das provincias do Brazil toda a authoririariee jurisriicçaõ
na parte civil, econômica, administrativa e de policia,
em conformidade das leys existentes, as quaes seraõ re-
B
ligiosamente observadas, e de nenhum modo poderão ser
^ revogadas, alteradas, suspensas ou dispensadas pelas
Junctas de Governo.
7. Todos os magistrados e authoridades civis ficam su-
''•}' bordi nados às Junctas do Governo, nas matérias indicadas
no artigo antecedente, excepto ao que for relativo ao po-
h der contencioso e judicial, em cujo exercício seraõ so-
mente responsáveis ao Governo do Reyno e ás Cortes.
c, 8. As Junctas fisca lizaraõ o procedimento dos empre-
gados públicos civis, e poderão suspendêllos de seus e m .
(::• pregos, quando commettam abusos de jurisdicçaõ, pre-
Ü cedendo informaçoens, e mandando depois formar-lhes
n culpa, no termo de oito dias, que será remettida á com-
petente Relação, para ser ahi julgada, na forma
leys, dando as mesmas Junctas immediata conta cie tudo
)Sf ao Governo do Reyno, para providenciar como for justo
M, e necessário.
f 9. A fazenda publica das províncias rio Brazil conti-
nuará a ser administrada como até ao presente, segundo
as leys existentes, com declaração porém, que será Pre-
•idente da Juncta da Fazenda o seu membro mais antigo
(exceptuando o Thesoureiro e Escrivão, nos quaes nun-
c* poderá recair a Presidência), e todos os membros da
mesma Juncta da Fazenda seraõ collectiva e individual-
mente responsáveis ao Governo do Reyno, e ás Cortes por
sua administração.
10. Todas as provincias, em que até agora havia Go-
vernadores e Capitaens Generaes, teraõ daqui em diante
472 Política.
Generaes, encarregados rio governo das armas, os
seraõ considerados, como saõ os Governadores das
das províncias de Portugal, ficando extinctaa deno
çaõ de Governadores e Capitaens Generaes.
11. Em caria uma rias províncias, que até agor;
tinham Governadores e Capitaens Generaes, mas s<
vernadores, será d'ora em diante incumbido o go
rias armas a um offlcial de patente militar, até coron
clusivamente.
12. Vencerão mensalmente a titulo de /jratificaç
governadores das armas das províncias rio Brazil no
do artigo 10.°, a quantia de 200.000 reis, e os com
dantes das armas nos termos do artigo 11. a quanl
50.000 reis.
13. Tanto os Governadores de que tracta o artig
como os Commandantes rias armas, na forma do ;
11.", se regularão pelo regimento dol." de Junho de
em tudo o que se naõ acha alterado por leys e ordem
teriores, suspenso nesta parte somente o-alvará de '
Fevereiro de 1816. No caso de vacância ou impedi
to, passará o commando à patente de maior gradti
e antigüidade, queestiver na provincia; ficando pa
te fim sem efleito o alvará de 12 de Dezembro de 1
14. Os Governadores e Commandantes das armas d
da uma das províncias, seiaõ sugeitos ao Goveri
-Reyno, responsáveis a elle e ás Cortes., e independ
das Junctas Provisórias do Goveruo, assim como és
saõ delles, cada qual nas matérias de sua respectiva
petencia; devendo os Governadores e Commandante
armas communicar ás Junctas, bem como estas a
por meio de officios concebidos em termos civis e rii
tylo; quanto entenderem ser conveniente ao publico
viço.
1';. igualmente se etilenriem a respeito de IYinairi
Política. 473
quaes quer das referidas providencias, que se naõ achem
no decreto do primeiio do corrente, o qual fica ampliado
e declarado pelo presente decreto.
16. As respectivas authoridades seraõ affectiva e rigo-
rosamente responsáveis pela prompta e fiel execução des-
te decreto.
Paço das Cortes em 29 de Septembro de 1821.

Addicionamento ao Projecto de ley sobre os Foraes, apre-


sentado pelo Deputado Borges Carneiro, na sessaõ 222.'

1." Ficam extinetas todas as pensoens determinadas ou


indeterminadas, censos, foros, laudemios, luetuosas, e
quaesquer outras prestaçoens agrárias de qualquer deno-
minação que sejam, c que se pagam à Coroa ou aos seus
donatários, ou ellas descendam de foraes, custumes, ou
contractos censificos ou enfiteuticos ou outras quaesquer*
que naõ sejam o de arrendamento.
2. Ficam extinetas todas as commendas, alcaidarias
mores, almoxirifados e capellas da coroa, com quaesquer
prestaçoens agrárias, que se lhes pagam, ou estejam na
coroa ou nos donatários, revertendo desde ja para a Na-
<;aõe seu thesouro, os prédios, que os compõem, para se-
guirem a sorte dos mais bens nacionaes, e os dízimos ; em
quanto sobre estes se naõ dá uma determinação definitiva.
3. As Casas de Bragança, Raynha, e Infantado, da di-
minuição, que soffrem, em conseqüência deste decreto^
seraõ indemnizadas, recebendo do Thesouro nacional uma
pensaõ, que se julgar necessária, para se prefazer com os
bens patrimoniaes das mesmas Casas um rendimento ade-
quado a dignidade rio suecessor da Coroa, dasRaynhas e
Jos Infantes.
*• ^ lla '»to aos outros donatários da Coroa, alcaides-ino-
474 Política.
res e commendariores, em quanto vivos forem, reccl
pelo Thesouro a metarie rio que importavam as pi
çoens, que até agora recebiam, as quaes, quando f<
indeterminadas, ou consistentes em gêneros, seraõ i
zidasa uma prestação pecuniária, determinada pela f<
estabelecida no §. 4.° do projecto que esta era discu
Isto mesmo se entenderá com as pessoas que tiverem \
nos dictos bens, os quaes tenham sido concedidos poi
viços decretados em quanto subsistirem.
5. Quando para o futuro se houver de remunerar ai
serviços, por serem mui longos ou extraordinários, i
raõ com pensoens pecuniárias, pagas pelo Thesoui
quem os fizer, ou ainda seus descendentes.
6. Ficam por tanto extinetos todos os almoxai ili
feitores, recebedores, e mais officiaes empregados na
recadaçoens das dietas casas, almoxarifados e comi
das, os quaes, em quanto naõ forem competentemente
pregados, receberão seus ordenados por inteiro, até a q
tia de 480.000 reis, e dahi para cima com mais me
do excesso.
7. A. diminuição, que pelo presente decreto soff
rendimento rio Thesouro, na parte em que naõ he <
pensada com a suppressaõ dos dictos empregos; co
rendimento dos prédios e dízimos, que ja começa a
fruetar, e com o grande augmento, que vai a ter a i
cultura, seraõ por hora indemnizados por augmento
porcional da décima em todo o Reyno, o qual augm
se tornará desnecessário, logo que tenha sido simpli
da a arrecadação da fazenda publica, e se hajam i
nestas as economias, que a razaõ altamente reclama.
8. Quanto aos censos, que se pagam a quaesquer
soas ou corporaçoens particulares, íicaraõ reduzido;
porcento do arrendamento arinual do prédio, exten'
Política. 475

a lodo o Reyno, o que para o do Algarve dispoz o Alva-


rá de 19 de Janeiro de 1773.
o. Os foraes enfiteuticos, que se pagam a pessoas ou
corporaçoens particulares, subsistirão até nova disposi-
ção, que regule o contracto enfiteutico: ficam porem
desde ja extinetas as penas de commissaõ, e as luetuosas,
e reduzidos os laudemios a 2 porcento do valor rio prédio
liquido das bemfeitorias, que nelle se houverem feito.

Ley para distribuir pelas diversas Secretarias d*Estado,


os negócios, (/he se tractavam na do Ultramar.

D. Joaõ, &c.
As Cortes Geraes Extraordinárias e Constituintes da
Naçaõ Portugueza, attendendo a que a accumulaçaõ dos
negócios do Ultramar na Secretaria de Estado da Marinha,
demanda conhecimentos e trabalhos superiores ás forças
de um homem só, decretam o seguinte:—
1.° Os negócios rias provincias Ultramarinas, que até
o presente tem estado annexos á Secretaria de Estado da
Marinha, ficam pertencendo a cada uma das diversas Se-
cretarias de Estado, segundo a sua natureza for, do In-
terior do Reyno, da Justiça, da Fazenda, da Guerra, e
Estrangeiros.
2. A Secretaria de Estado da Marinha ficam em conse-
qüência competindo somente aquelles negócios, que forem
relativosà Repartição da Marinha, 110 Reyno Unido de
Portugal, Brazil e Algarves, equantoaté agora dizia res-
peito ao Ultramar, correrá daqui em diante pelas mesmas
lvepartiçoens, por onde se expedem os negócios de Por-
tugal e Algarve.
3. I odos os livros, documentos e mais papeis, que na
47C Púlitüii.
Secretaria de Estado ria Marinha se acharem pertenc
ao Ultramar, seraõ classificados, distribuídos o rei
dos, segundo o seu objecto, ás respectivas Secretav
Estado.
4. Fica nesta parte revogado o alvará de 28 deJu
1736, e qualquer outra legislação contraria á riispc
do presente Decreto.
Paço das Cortes em 6 de Novembro de 1821.
Pelo que mando, árc.—Palácio de Queluz 8 de Ni
bro de 1821.
Er. R E Y , com guarda.
Felippe Ferreira ri'Araujo e Cas

Sentença dos Prezos enviados de Pernambuco.

Ofílcio rio Regedor ao Secretario de Justiça.

Illustrissinio e Excellentissimo Snr.—Participo


Ex. J que acaba de se julgar na Casa ria Supplicaçaõ
cesso dos 42 prezos vindos de Pernambuco, que
mandou sentencear, convocando eu hoje para essi
Relação extraordinária, declarando-sc que naõ pi
ser retidos na prizaõ, uns por falta rie processo, <
por falta de provas nos que lhes diziam respeito; e
por isso restituidos á sua liberdade. Naõ transníi
V- Ex. a o próprio accordaõ; porque o Escrivão d
tos o levou para o Castello, a fim de lhe darpromp
ecuçaõ. Deus guarde a V. Ex. a muitos annos. I
27 rie Outubro rie 1821—Illustrissinio e Excellenti
Snr. Jozé ria Silva Carvalho.—O Clianceller, que sei
Regerior, Fernando Luiz Pereira Barradas.
Poli li< a 477

Accordan.

Accordaõ em Relação, &c. Que vistos os autos, rim-


em virtude da Regia Portaria f. 2. expediria pela Secre-
taria de Estado dos Negócios ria Justiça se mandam sen-
tenciar em Relação extraordinária sendo precisa; como
no dicto processo se encontre a f. 8 uma lista rie 4-2 pre-
zos, que com o mesmo foram effectivamente remettirios,
como consta do auto f. 52 ; achando-se uns sem culpa al-
guma formada, outros indicados nos sumários f. 19 e f.
27, e outros incluídos na certidão rie pronuncia f. l(j, jul-
gam quanto aos primeiros, que naõ permittindo as leys
reter pessoa alguma preza, sem culpa formada, devem os
mesmos serem logo soltos.
Quanto aos segundos, mostra-se serem dous os summa-
rios; o de f. 19, respectivo ao major Antônio Joaquim
Guedes, o qual por falta de prova legal naõ procede; e
o de f. 27, que respietao Tenente Coronel Francisco de
Albuquerque e Mello, verificando-se pela certidão appen-
sa de novo, terja sido declarado improcedente na Casa
da Supplicaçaõ do Brazil, o mesmo summario f. 27, com
o qual tinha para ali sido remettido, sem que contra elle
liaja outra alguma culpa, como se conhece ria certidão rie
folha corrida também appensa, be obvio naõ poder sus-
tentar-se a sua prizaõ, tanto mais irregular e odiosa, quan-
to procedida de um principio ja definitivamente julgado
'rn juízo competenle.
Quanto aos terceiros, contra os quaes naõ lia prova al-
guma nos autos além da indicação, que resulta da certi-
(|
™ de pronuncia f. iG, que naõ he bastante per si só,
despida de todos os auxílios jurídicos, quaes o auto res-
petivo, que pudesse legitimar o procedimento rie rievaça
1«i.. XXVII. No. lfi.í. í) 0
478 Política.
segundo a ley, e as testemunhas, e todos os mais
mentos, que pudessem legalizar a dieta pronuncia
serem conservados em prizaõ, o que importaria o n
que sustentar a pronuncia sem prova alguma, ofienc
se por similhante modo a liberdade individual de
daõ, que lhe deve ser garantida pelo Juizo, em obs
cia das Bazes da Constituição, j ulgava que nesl
cumstancias naõ pôde haver procedimento contra o
mos.
Por tanto mandam, que sejam restituidos á sua
dade todos os 42 prezos vindos de Pernambuco no 1
Intriga, e actualmente recolhidos na Cadea do Ca
com consta do auto f. 62 ; e haõ este accordam p<
blicado na maõ do escrivão, visto naõ haverem ai
cias, o quai immediatamente lhe dará prompta exe<
Lisboa 27 de Outubro de 1821.
Ferraõ.—Gravita.—GarciaNogueira.—Godinho.-
mano Veiga.—Cardoso.
( 479 )
Pretos Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LONDRES, 2 8 de Dezembro de 1821.

Qualidade. Preços. Direitos.


Gencroi.
.Bahia por lb .(08 lOJp. a Os. l l p
í Capitania. .
1 Ceará Os. l l p . a Os. l l j p .
Algodam • •< Maranharo .. Os. 1 0 | p . a Os. l l p . ' C por cento ad va
1 Minns novas Os. 9p. a Os. 9ip. lorem.
fPará Os. lOp. a Os. lOip.
^Pernambuco Os. l l f p . a Os. 12Jp.
Anil Bio 4 J por lb.
r Redondo. .. 32s. a 36s.
Aiincar . . . ) Batido 24s. a 28s.
18s. a 22s. Livre de direitos por
' Mascavado .
Arroz Brazil exportação.
Cacio Pará 44s. 48s
CaHc Rio 95s. lOls.
Cebo Rio da Prata 3s.2p. por 1121b.
Chifres. Riu Grande por 123 5s. por 1121b,
,A
Rio da Prata, pilha ] B
! ' r.
10 p. por couro
iRio Grande.

Pernambuco, salgados
Rio Grande de cavallo
Ipecacuanh» Brazil por lb. 4s. } ,,
Olco de cupaiba St. íP°r,b-
Orucu
1
Pio Amarelo. Brazil direitos pagos pelo
Pao Brazil . . . . Pernambuco 200Í. por ton . . . . comprador,
Snlia Parrilha. Para . 2s. Op, a 2s, 6p.
T.baco \emt °\l
r
£ direitos pagos pelo
/ em lolh $ comprador,
Tapioca Brazil 6£ porlb.

Câmbios com as seguintes praças.


Rio de Janeiro 39 Hamburgo 37 9
Lisboa 49| Cadiz 36
Porto 50 Gibraltar 30*
Paris 25 90 Gênova 43J
Aoiitardnm 12 14 Malta 45

l.specie Seguros.
'"«""barra £3 17 10A Brazil. Hida 2ãs Volta 25s
; Í » U . 6400 reis 3 17 0 Lisboa 20s 2l)s
l>^roe„, Hcspa. por Porta 25s 25»
I»,., J 14 0 onça Madeira 25s 25s
'""••'.•4.1-1.,
1
4 «;i Açores 2fts 25s
" " em barra , w\ Rio da Prata 35s 63*
Bengala 63s 63a
480

LITERATURA E SCIENCI

NOVAS rUBLICAÇOENS EM INGLATERRA

Townleifs Biblical Literaturc. 3 vols 8.vo, pr


I2s. Illustraçoens da Literatura Bíblica, mosl;
historia e sorte dos Escriptos Sagrados, desde c
remotos períodos até o presente século; incluinc
cias biographicas dos traductores, e outros em
estudiosos da Bíblia. Pelo Reverendo James Tov

Buckingham's Traveis in Palestine. 1 vol 41


3/. 13s. 6d. Viagens na Palestina, e pelos pai
Baxan e Gilead, ao oriente do rio Jordaõ; in
uma visita ás cidades de Geraza, e Gamala, em De
Por J. S. Buckingham, Esc.

Huttons Voyage to África. 8.vo preço 18s.


à África, com a narrativa particular da embaixad
dos reynos do interior, no anno de 1820. Por Gu
Hutton, Cônsul da Nacjaõ Ashantee; e ofiicial ri
panhia Africana.
Literatura e Sciencias. 481

Gilchrists Trials by ordeal. 8.vo preço 12*. Breve


exposição da origem e historia dos processos pelas pro-
vas de fogo, batalha, tribunaes de cavallaria, decisão
por duelo, &c. Por James P. Gilchrist,

PORTUGAL

Saio à luz: Relação dos successos do dia 26 de Feve-


reiro de 1821, na Corte do Rio-de Janeiro: preço 120
reis.

Arte de escrever tam depressa como se falia (por Ma-


chado.)

0 4°. Livro da Historia das Inquisiçoens, com três es-


tampas: preço 140 reis.

índice Chronologico do Oiario das Cortes Geraes e


Extraordinárias da Naçaõ Portugueza: preço 40 reis.

Representação ás Cortes e Invectiva contra a Inquisi-


ção. Por Francisco de Mello Freire: preço 120 reis.
Varia Fortuna ou Grito da Justiça; pelo mesmo Au-
thor : preço 120 reis.
Elogio a S. M. o Senhor D. Joaõ VI, Rey Constitu-
cional : preço 60 reis.

Impostura Fradesca desmascarada. Preço 120 reis.


482 Literatura e Sciencias,

Novo Periódico mensal (em Lisboa) intitulado


pilador, ou Miscellanea Universal: para o mez
vembro 1821.

Contracto Social, ou princípios de Direito Pub


J. J. Rosseau, traduzido por B. L. Vianua. Impr
Paris, 1 vol. em 12 ; preço 600 reis.

Jvrnal da Expedição do General Mina ao M

(Continuado de p. 386.)

A Corte de Madrid, provavelmente percebenc


o systema de rigor e imolaçaõ deliberada de mi
de victimas, em vez de intimidar os Mexican
dúzia maior gráo de ódio, e desejo de vingança
veo-se a adoptar medidas conciliatórias *; cor

* Pareceria qne os Mexicauos naõ andariam atrazac


retorquir ás crueldades practicadas por seus inimigos;
vè pela seguinte anecdota, que refiro pela aulhoridade
official, que me disse tella presenciado. Houve uma
nas terras Calientes, na qual ficaram victoriosos os li
dentes, que aprisionaram 400 Realistas : debateo-se pc
tempo, como se disporia dos prisioneiros, avendo, como
dinario, variedade de opinioens. Ultimamente um offi
independentes notou, que os Realistas nunca moetraví
seiicordia, para com seus prisioneiros, portanto, que ai
talião éra naõ só justa mas necessária. Tinha este
um irmaõ entre os prisioneiros, mas para mostrar que <
de consangüinidade naõ eram cousa alguma paia com i
comparação da liberdade de seu paiz, deo-lhcs o exemplo
Literatura c 'Sciencias. 483
vistas e instrucçoens para este fim, se julga que foi o
General Apodaca nomeado Vice Rey de México.
Tendo tomado posse do Governo, dizem que ordenara
às tropa»» que se abstivessem de matar ou roubar os
naizannos, e pessoas, que naõ se achassem em armas,
como até entaõ se practiva nos exércitos Realistas.
Offereceo-se o livre perdaõ, e a graduação no exercito
Real aos officiaes Independentes, que a elle se passassem
com suas tropas, seguindo a bandeira Real.
Esta medida éra mui política no estado actual da re-
volução, e vários dos commandantes Independentes por
medo se pasaáram aos Realistas, com seus soldados e
armas. Outros foram induzidos a adoptar o mesmo
plano, esperando gozar em descanço as riquezas, que
adquiriram roubando seus concidadãos, e applicando a
seu próprio uso os dinheiros públicos, resultantes de
suas commandancias, cujos fundos elles administravam
exclusivamente, depois da dispersão do Governo.
0 estado de anarchia, que se seguio a este deplorável
acontecimento, durou quasi um anno, e neste período
os Realistas, quasi sem opposiçaõ, fizeram taes progres-
sos, que parece haverem por fim despertado os Indepen-
dentes, fazendo-lhes sentir sua perigosa situação. Em
conseqüência, os principaes chefes das Provincias de Po-
tosi.Guanaxauto, Mechuacan, Nueva Gallicia e México,
determinaram esquecer-se de suas rixas, cessando as
hostilidades entre si, e procurando restabelecer a ordem,
por meio de um Governo provisional, em que se rieposi-

°*xecntor de seu próprio irmaõ. Formáram-se os prisionei-


ro» em nma linha, e este homem começou decapitando seu
irmaõ com sna espoda: o resto foi igualmente passado á es-
P *• Estas scenas se assimelhani mnito ás que aviltaram a
'"OIIIÇÍÕ Franceia.
484 Literatura e Sciencias.
ta6se a soberania da Naçaõ, conforme a Constiti
até que as circumstancias permitissem a convoc
Congresso.
Em conseqüência desda determinação, ajunct
na Fazenda de Cuirimeo, e elegeram os officiaes
sente Governo, composto de um presidente, se<
e quatro representantes.
O Governo escolheo para sua residência a fort;
Xajilla no Bajio, pouco distante da villa de Puru
pouco tempo depois de estar em operação, e 1
começado a estabelecer algum gráo de ordem e
militares, chegou a expedição do General Mii
principaes occurrencias referidas na seguinte n;
depois da chegada desta expedição, acontecéi
Bajio; e por isso julguei necessário dar breve
em especial, desta parte do paiz.
O districto, comprehendido debaixo deste nc
inclue considerável parte da grande planície nas
Frias, situada na juncçaõ das provincias de Guan
Mecboacan e Nova Galliza. Nestas planices e
tuadas as cidades de Leon, Salamanca, Santa-Cr
laya, no valle de Sant-iago: Pueblo-Novo, Penjai
ruandero, com grande numero de populosas aldei
zendas.
A cidade de Guanaxuato, celebre por suas m
prata, esta situaria em ura cerro no Bajio, o q
tricto, depois do valle de México, he provaveli
mais populosa parte do Reyno.
Se os meus informantes merecem credito, a |
revolução teve origem na villa de San Miguel-el-
juncto ao Bajio, sob os auspícios dos Generaes '.
e Allenda; os dous primeiros eram curas de i
guel e Dolores, pequenas villas na vizinhança, c
éra um particular.
Literatura c Sciencias. 485
Ja tive occasiaõ de mencionar a desastrosa sorte de
HidahroeMorellos: o general Allenda teve similhante
successo, e naõ sobreviveu muito o começo da revolução.
Albino Garcia he o primiero commandante dos Inde-
pendentes de alguma nota, de que presentemente se falia
no Bajio. Parece que éra homem de baixa esphera, sem
educação, e infelizmente para a causa, que abraçou, a
única boa qualidade, que se di» ter, éra possuir valor,
o que lhe naõ faltava, ainda que fosse, como os demais
seus compatriotas, desituido de conhecimentos militares,
e commandando uma população desarmada, consistindo
as guarniçoens Realistas, naquelle tempo, de poucos sol-
dados para a policia, em breve se fez senhor de muitas
cidades e villas no Bajio. As suas tropas eram um
bando desordenado de creoulos e índios, mal armados, e
peior vestidos, que comraettlam toda a sorte de excessos,
roubando indiscriminadamente amigos e inimigos, por
onde quer que passavam, para o que os officiaes davam
o primeiro o exemplo.
A cidade de Guanaxato foi tomada por esta gente,
segundo se diz com peças d'artilheria feitas de pâo; e
tam ignorantes eram os índios do bando de Garcia do
uso da artilheria, que provavelmente nunca d'antes haviam
visto, que tentaram prevenir a explosão das peças do
inimigo, mettendo os chapeos e cobertores nas bocas das
peças. O exercito, ou para melhor dizer populaça, ajunc-
tou-secom a esperança do roubo; consistia em cerca de
30.000 homens, e por tanto he fácil prevenir, que se naõ
popouâ cidade. Naõ se fez distincçaõ de Europeos
Hespanhoes ou Creoulos, amigos ou inimigos, todos ti-
veram a mesma sorte; e crivelmente se diz, que se
achara na cidade iramensa quantidade de dinheiro, que
VOL. XXVI. N \ 162. 3R
486 Literatura c Sciencias.
os ignorantes índios dos Cerros venderam os dobroens
a real cada um, suppondo que eram medalhas.
N o exercito de Garcia havia mais mulheres do que
homens, cada soldado linha pelo menos uma, e os oflici-
ciaes, começando pelo General, davam o exemplo, le-
vando grande numero, á proporção de sua graduação.
O modo usual de marcha de Garcia, éra em carruagem
(tendo aprezado uma de alguma personagem) cheia de
mulheres, e elle sentado no meio dellas, com uma garrafa
de aguardente, que usava liberalmente. Seguiam-se os
seus principaes officiaes, cercados por suas mulheres a
cavallo: logo os soldados; e cada três ou quatro homens
providos de uma guitarra, para se divertirem e ás
suas mulheres: uma confusa multidão de mulheres e
índios, quasi nus formavam a retaguarda. A generalidade
dos officiaes e soldados levavam uma garrafa ri'aguardentc,
e um baralho de cartas, e assim que o exercito fazia halto,
fosse onde fosse, ou para qualquer objecto, estendiam no
chaõ um cobertor, e começava um systema de jogo, sem
distinção de classe ou pessoas.
Os officiaes eram igualmente destituídos de todos os
conhecimentos militares, tanto como os soldados: naõ
he portanto de admirar, que se naõ achasse disciplina ou
subordinação entre elles, aspirando cada um ao privi-
legio de fazer o que queria, em conseqüência de sua li-
berdade novamente adquirida.
Se algum indivíduo se achava cançado da campanha,
retirava-se para sua casa, sem cerimonia, e sem licença
de seu chefe; e estes patriotas, pretendiam, ao menos
practicamente, o direito de roubar qualquer pessoa rica,
fosse Hespanhol ou Creoulo ; e matallo, se resistisse.
Mas isto naõ he tudo; obravam como se suppozessem,
que a communidade das mulheres éra necessária para o
bem da Naçaõ, o raptavam sem cerimonia qualquer mu-
Literatura r. Sciencias. 4S7

lher, que lhes agradava, mostrando os officiaes, geral-


mente, o exemplo, nestas aviltantes scenas de deprava-
çaõ
Os ignorantes índios, novamente saídos de seus cerros,
naõ conheciam distincçaõ entre brancos Creoulos ou Eu-
ropeos: geralmente matavam quem succedia ficar-lhe ao
alcance, em nome da Sancta Padroeira, a Sanctissima
Virgem de Guadalupe, seu grito de guerra.
Muitos dos mais respeitáveis Creoulos do Bajio, que
eram dos amigos da independência de seu paiz, foram
obrigado» a procurar um azylo, contra estes iníquos pro-
cedimentos, no meio dos Realistas; preferindo um pe-
queno gráo de oppressaõ da parte delles, aos males que
lhes acarretavam a gente de seu próprio partido.
A retirada destes homens fez um mal incalculável á
causa da revolução, impeli indo para os Realistas consi-
derável proporção da riqueza e influencia do paiz. Tal
estado de violência naõ podia ser durável. Garcia foi
aprisionado pelos Realistas e fuziladof : mas a falta de
disciplina, e o estado de insubordinação, que elle per-
mittia, prevalecia ainda em grande gráo, entre as tropas
do Bajio, posto que os seus successores naõ tolerassem
os excessos, que elle permittia, que a soldadesca com-
mettesse impunemente.
As forças do Bajio consistiam principalmente em ca-
vallaria: os soldados saõ geralmente excellentes cavallei-
ros, e ordinariamente fatigavam o inimigo, quando a sua
tropa consistia somente em cavallaria: os Realistas co-

t O official Realista, que aprisionou Garcia, fatiou-lhe


nos seguintes termos. " Garcia, se eu cahisse em tuas maõs,
como me tractarias ?" Garcia respondeo, " Eu haveria ordenado
que tu fosses fuzilado, como supponho que tu intentas obrar
comigo.
488 Literatura e Sciencias.
nhecem isto muito bem ; e agora ja mais permittem que a
cavallaria marche sem ser acompanhada por infanteria.
Os Hespanhoes aproveitaram-se da occasiaõ, que lhes
offereceo o estado de auarchia entre seus opponentes, de-
pois da morte do General Morellos, para fortificarem as
principaes cidades e villas d o Bajio, como único meio,
que podiam adoptar, para conservarem pé no paiz.
Estas fortificaçoens, geralmente, naõ saõ outra cousa se-
naõ um muro de pouca grossura e altura, constando de
tijolos secos ao Sol, que cerca uma praça, aonde ordina-
riamente está situada a igreja principal. Ainda que naõ
pudessem resistir o ataque de 500 homens de infanteria
regular, pelo espaço de uma hora, saõ suficientes para
repellir a cavallaria do Bajio, que perde toda a confiança
que tem em si mesmo, no momento em que desmontam
para fazerem um ataque.
Mui pequena porçaõ de sciencia militar seria bastante
para entrar trincheiras, aonde a fraqueza das fortificaço-
ens torna desnecessário o uso da artilheriat, no ataque;
mas os commandantes Independentes do Bajio naõ pos-
suem sequer a pequena porçaõ que bastava; e por conse-
qüência, em mui poucos casos tem conseguido desalojar
seus inimigos, das praças guarnecidas.
Todas as terras abertas pertencem aos independentes
os quaes naõ soffrem cultura alguma na distancia de uma
légua de qualquer lugar guarnecido pelos Realistas: por
conseqüência as cidades e villas dependem dos Indepen-
dentes para sua subsistência e mantimentos, e podiam
fazer-se render á fome, se fosse possivel que osComman-

f O General Mina obteve tomar alguns delles mandando aos


Mexicanos romper as paredes cora snas lanças, o q u e se effertuou
sem dificuldade.
Literatura e Sciencias. 489
dantes quizessem largar maõ das rendas; que tiram dos
foros das terras, que elles gozam exclusivamente.
Longe de obrar naquelle sentido, os camponezes facil-
mente obtém passaportes desses commandantes, para irem
vender o producto de suas terras, nas cidades habitadas
pelos Realistas, cujos habitantes ficam continuamente fe-
chados nas praças, naõ se attrevendo a viajar por uma só
légua, no campo aberto.
As tropas realistas raras vezes saem de suas fortifica-
çoens, excepto em grandes partidas, e quando a fome os
obriga a ir procurar mantimentos; e nestas sortidas saõ
geralmente perseguidos pela cavallaria dos Independentes.
Todos os habitantes dos campos abertos saõ do partido
dos Independentes, e quando o naõ fossem saõ obrigados,
debaixo de graves penas, a dar informação a tempo de
todos os movimentos do inimigo, aos commandantes dos
Independentes nos seus districtos; e como estes possuem
superior conhecimento do paiz, podem assim atacar os
Realistas, surprendellos, e até destruillos em grande nu-
mero.
Tal éra o estado da Revolução, á chegada da Divisão
do General Mina, de cuja campanha se verá o resultado,
na seguinte narrativa*

Continuai-se-ha.
490

MISCELLANEA.

CORTES SE PORTUGAL.

217.* Sessaõ. 27 de Outubro.

O Sr. Vasconcellos leo uma indicação, para que se


mande ao Governo; 1.° que o primeiro batalhão, que deve
embarcar para o Rio-de-Janeiro. se aprompte quanto an-
tes, para irconjunctamentecom o que vai para Pernam-
buco, com ordens, que chegando a este porto se examine
se está em socego; estando, que possa partir para o seu
destino, e em caso contrario, que desembarque, para fi-
car ás ordens do novo Governador: 2.° que, no caso de
naõ poder apromptar-se o batalhão, que deve partir
para o Rio-de-Janeiro, ao mesmo tempo que aquelle que se
destina para Pernambuco, parta este sem demora, abre-
viando-se o mais possivel a satda do outro, devendo em
todo o caso tocar naquelle porto, para saber as novidades
que ali correm, e conforme ellas desembarcarem ou se-
guirem viagem : 3.° que todos os batalhoens, que forem
para o Rio-de-Janeiro vam sempre a Pernambuco. N. B.
A viagem assim feita he sempre mais commoda e breve.
Foi objecto de alguma discussão, finda a qual se re-
solveo, que se participasse ao Governo, que ficava â sua
disposição tudo quanto he necessário para manter o so-
cego do Brazil.
Miscellanea. 491
Começou nesta sessaõ a discussão sobre a ley, que pro-
põem reformar os Foraes.
Na sessaõ extraordinária deste dia se ouvio o parecer
da Commissaõ das Pautas da alfândega, sobre a redução
dos emolumentos dos empregados na Casa da índia.
Requerendo o Sr. Pamplona, que se discutisse o plano
da formação de Guarda da Policia, disse o Sr. Ferraõ,
que éra este objecto mui urgente; porque os roubos nas
provincias continuam do mesmo modo; e que agora fa-
zem mais, porque matam, o que lhe foi dicto hoje mes-
mo pelo Intendente Geral da Policia, e concluio, que saõ
falsas todas as partes, que os Generaes das provincias
deram.

218'. Sessaõ. 29 d' Outubro.


Annunciou-se a chegada de dous Deputados do Mara-
nhão para as Cortes, o Desembargador Joaquim Antônio
Vieira Belford, e o Conego José Joaõ.
Leo-se uma indicação do Sr. Moniz Tavares; que pro-
põem ; que tendo sido soltos por accordaõ da Relação
os innocentes prezos, que em Pernambuco foram victimas
da crueldade de Luiz do Rego Barretto, patenteando-se
assim toda atrocidade do seu coração, ainda toda via naõ
estaõ cevados todos os seus projectosí porque os desgra-
çados pela maior parte se acham sem meios de subsistir
ede voltar à sua pátria, donde inhumanamente foram ex-
pulsos : e portanto, que se determine ao Governo, que na
embaracaçaÕ, que está próxima a sair para aquella pro-
vincia, os faça conduzir, prestando-lhes todos os soccor-
ros, que necessitarem, e forem compatíveis.
O Sr. Giraõ apoiou a indicação, accrescentando, que
todas estas despezas, e bem assim as perdas e damnos,
que estes homens tem softrido, devem ser pagas pelos
4 p2 Miscellanca.
bens do Déspota de Pernambuco, por ser elle o culpado
de tudo. Depois de haver tornado a fallar no mesmo
sentido o Sr. Moniz Tavares, seguio-se o Snr. Borges
Carneiro, fallando largamente.
Disse, que os acontecimentos de Goyanna eram devidos
aos despotismos de Luiz do Rego, mostrou que elle prac-
ticou contra todas as leys, remettendo aquelles homens
para Lisboa, deterrando-os antes de serem sentenciados
pelo juizo competente, que éra a Relação da Bahia, con-
cluio dizendo:—** todos os motins e desordens de Per-
nambuco saõ devidos ao déspota Luiz do Rego Barreto."
O Snr. Martins Bastos disse, que aquelles homens fo-
ram soltos ; porque naõ tinham trazido culpa alguma;
porém que talvez viessem os seus processos por elles se
conheçam seus crimes.
Mandou-se imprimir a indicação; e depois segundo a
ordem do dia sediscutio o artigo 84 da Constituição
219.» Sessaõ. 30 de Outubro.
Ficou sobre a meza, depois de ser lida, a indicação do
Snr. Zeferino J. dos Sanctos, para que a Fazenda nacio-
nal seja indemnizada por Luiz do Rego Barreto de todas
as despezas, que se tem feito com os deportados, pelos
despotismos daquelle Governador, devendo o Procura-
dor da Fazenda tractar immediatamente de effectuar esta
cobrança.
O Senhor Ferreira da Silva leo uma indicação, para
que sejam conduzidos a suas casas, á custa da Fa-
zenda da provincia de Pernambuco, os prezos que
se acham degradados na ilha de S. Fernando, por uma
simples ordem do Governador Luiz do Rego: ficou para
segunda leitura.
Leo-se o parecer ria Commissaõ de Constituição, sobre
os Empregados vindos do Rio-de-Jaueiro, aos quaes, de-
Miscellanea 499
pois de alguma discussão, se mandou pagar, excepto aos
que naõ tem empregos effectivos.
Leo-se o parecer da commissaõ especial, sobre os em-
pregados da Marinha, vindos do Brazil, ao que o Snr.
Povoas addio outro, sobre os officiaes militares.

220.» Sessaõ. 31 de Outubro.

Segundo a ordem do dia se discutio o artigo 87, e 88,


No meio disto se interrompeo a discussão, para se ler
um memorial do Commandante e mais officiaes do pri-
meiro batalhão de infanteria regimento N. 1., a protesta-
rem sua adhesaõ ao sytema constituicional, antes de sua
partida para Pernambuco. Continuou depois a dis-
cussão sobre o artigo 89 da Constituição, sobre o modo
de apresentar as leys á approvaçaõ d' El Rey; e se deci-
dio que fosse por uma deputaçaõ, estando El Rey em
Lisboa; o que deo lugar a uma discussão sobre a resi-
dência d* El Rey no palácio da Ajuda.
Discutio-se mais o artigo 90, que ficou adiado.

Sessaõ extraordinária de 31 d' Outubro.

Leo-se e discutio-se o parecer da Commissaõ Especial


de Marinha, sobre a promoção de 24 de Junho. Propoz
a Commissaõ, que o Governo desse a demissão a uns,
destinos a outros, e reforma aos que a merecessam. Foi
approvado
Lèram-se mais outros pareceres, de pouca importân-
cia publica.

2 2 l \ Sessaõ. 2 de Novembro.

O Snr. Moniz Tavares expoz, que em vaõ o Soberano


VOL. XXVII. No. 163. 3s
500 Miscellanea.
Congresso mandava passar ordens; porque os Ministros
as naõ executavam ; que havendo-se mandado dar passa-
gem e comedorias aos 42 infelizes, que vieram prezos de
Pernambuco, se lhe negam estes últimos soccorros, sem
os quaes de nada servem os outros: requereo, que se par-
ticipe ao Ministro, que immediatamente cumpra as deter-
minaçoens do Congresso. Resolveo-se, que se pergun-
tasse ao ministro, porque naõ cumpria a ordem.
Discutio-se o artigo 90 da Constituição, que ficara adia-
do, sobre o veto d' El Rey; foi approvado o artigo, de-
pois de viva discussão, com varias emendas, sendo prin-
cipal a que muda as palavras " dous terços," pela palavra
maioria"; com o que se reduz a quasi nullidade o Veto
do Rey.

222. a Sessaõ. 3 de Novembro

Leo-se redigido o decreto, que ha de servir de decla-


ração ao artigo 13 das Bazes da Constituição, cujo ob-
jecto em geral se reduz a que" a nobreza naõ he parte
essencial para a occupaçaõ ou provimento dos empregos
civis e ecclesiasticos." e se mandou que se expressassem
também os militares e de marinha, remettendo para isso
outra vez o decreto ás commissoens respectivas.
Segundo a ordem do dia se discutio a ley sobre os fo-
raes, a que propoz o Snr. Borges Carneiro um addicta-
mento; e ficou ainda a discussão adiada.

Sessaõ Extraordinária de 3 de Novembro.

Examinou-se o projecto de ley para se abolirem as de-


vassas geraes, concebido em 4 artigos: e quando conti-
nuava a discussão foi interrompida, para se ouvir uma
Miscellaneu. 501
congratulação do official de Marinha, que ia comboyar
as tropas para Pernambuco.
Discutio-se também nesta sessaõ o projecto de ley so-
bre os egressos ou translatos das corporaçoens religiosas-

223* Sessaõ. ò' de Novembro.

Discutio-se o artigo 91 da Constituição, sobre a sanc-


çaõ d* El Rey ás leys, decidindo-se depois de alguma
discussão, que se o Rey naõ der a sua sancçaõ,
nos casos ordinários, dentro de um mez, se supporá que
a deo, e se publicará a ley. Nos casos declarados pelas
duas terças partes dos Deputados, o espaço de tempo
para essa sancçaõ poderá ser alterado.
Approvou-se também o artigo 92, que declara os ca-
sos em que naõ he necessária a sancçaõ do Rey, que
saõ 4 : I a presente constituição: 2. as leys das presen-
tes Cortes: 3. as disposiçoeus concernentes a convocação
das junctas eleitoraes.

224.° Sessaõ. 6 de Novembro.

Leo-se o projecto de decreto para a extincçaõ da Pa-


triarchal, revogando-se o placito Regio concedido á bulla
por que foi creada; applicando-se as rendas ao Thesouro
nacional, até a extincçaõ da divida publica, e depois
dessa epocha, revertendo os dízimos ás igregas a que
pertenciam d'antes; e designando-se aos actuaes prelados
conegos e beneficiados algumas pensoens de que vivam.
O Sr. Villelaentregou uma indicação, para se extinguir
a décima testamentaria no Brazil: e o Sr. Ledo outra,
para que as habilitaçoens ultramarinas se façam nos dis-
trictos das naturalidades e naõ em Lisboa.
504 Misccllanea.
228.* Sessaõ. 10 de Novembro.

Entrou em diseussaõ o projecto da reforma dos foraes,


limitando-se por entaõ ã proposição " £ Qual he a baze
em que deve assentar a reforma dos foraes ?" Abrio a
discussão o Snr. Pereira do Carmo. Seguiram-se-lhe ou-
tros Snrs. tractando-se a matéria com tal diffusaõ, que
torna impossível o resumo; e ainda assim ficou adiada a
discussão.

Sessaõ Extraordinária de 10 de Novembro

Abrio-se a sessaõ ás 5 horas da tarde, ouviram-se pa-


receres de Commissoens, e teve principal consideração o
parecer da Commissaõ da Guerra, sobre o projecto da
creaçaõ de guardas de Policia, que o Sr. Deputado Pam-
plona, quando éra Ministro de Guerra, tinha proposto.
Depois de longa discussão ficou adiado.

229. a Sessaõ. 12 de Novembro.

Discutio-se o artigo 97 da Constituição; em que se es-


tabelecem as attribuiçoens das Cortes, além do poder le-
gislativo. Consta de 13 §, e approvaram-se do 1.° até o
5 e parte do 6." e 7.° addiando-se a discussão a respeito
de alguns dos outros, posto que ficasse approvada a dou-
trina.
Entrou depois em discussão o artigo 98, primeiro do
Capitulo, 5. sobre a deputaçaõ permanente de Cortes, que
constará de três Deputados da Europa, três do Ultramar,
e um tirado ã sorte.
O Sr. Moniz Tavares entregou uma indicação, para se
discutir antes do artigo, para que se formassem duas de-
putaçoens iguaes, aquella de que falia o artigo, uma na
capital de Deputados Europeos, e outra em qualquer
Miscellanea. 505
parte do Brazil, composta de Deputados daquelle Reyno.
A discussão do artigo, porém, ficou adiada.
O Snr. B. Carneiro fez a seguinte indicação:—"A
presente mocçaõ tende a fiscalizar a observância da
Ord. L. 1. tt. 5. §. 4. e outras leys parellellas, que
mandam depor de seus lugares, e mulctar os Desembar-
gadores e outros julgadores, que naõ guardarem inteira-
mente as ordenaçoens e leys. Em um dos annos ante-
cedentes (mandaram os desembargadores da Supplica-
çaõ enforcar um Reo, depois de o haverem tido prezo
nas horrorosas enxovias do Limoeiro, por tempo de 13
annos, isto he, depois de lhe haverem imposto por sua
alta recreação outra pena talvez maior que a mesma
morte. Na lista dos prezos das cadeias da Relação do
Porto, pedida à pouco pelas Cortes, se lem os nomes
de 18 réos de crimes taes, que provados merecem pena
capital, demorados na prizaõ ha 8 annos emais; eouvido
o Governador da chamada Justiça, e o Corregedor do
Crime sobre esta escandalosissima infracçaõ da ley, re-
conheceram nos seus officios, que os dictos réos saõ as-
sassinos e ladroens, e responderam mui frescos, que naõ
tractavam de os julgar, por motivos políticos. Em um
processo da mesma Relação, que, para fim diverso da-
quelle que óra tracto, foi chamado ás Cortes, veraõellas
de agora ha poucos dias o exemplo de outro prezo, cujo
processo somente um do juizes teve concluso na sua
maõ sette annos. En enfadaria esta Soberana Assem-
blea se quizesse referir quanto ha nesta matéria; basta
dizer que este he o paõ quotidiano dos Desembargado-
res: elles o fazem, os dous Presidentes o consentem,
o Governo dorme. As leys nesta parte saõ boas,
porém os Desembargadores estaõ na antiga posse de se-
rem dellas árbitros soberanos, e como saõ egoístas e
trapaceiros pouco lhes importa, naõ digo ja a humanidade,
mas nem o Governo, as Cortes, nem o tribunal da opinião
506 Miscellanea.
publica; e ninguém me argua se eu fallo com generali-
dade; pois ainda que nem todos sejam taes, hc bem
que reflicta em todos a ignorância de tamanha maldade,
porque os que a naõ comettem convém com tudo
com os primeiros em grandes amizades, similhantes
aquelle que ha pouco promoveo a. soltura de um cabeça
de salteadores, e roubadores de igrejas, para andar logo
com elle de braço dado pelas ruas do Porto e de Cabe-
ceiras de Basto. Quanto a mim, desde ja publico, que
se ao tempo de ir para a Relação, estiver lá algum
Desembargador, naõ disse bem, algum tigre, que
retenha por 7 annos o processo de um prezo, e
algum Governador que o tolere, naõ lhes tirarei o
chapeo, e farei com que saiba toda a naçaõ, que
o tenho era execração, e me deshonro de intitular-me
seu collega. Quando neste sanctuario de Justiça for pre-
sente o referido caso, hei de pedir que se mande suspen-
der aquelle Desembargador, e formar-lhe culpa, e ao
Governador, que o consentio; ja que nada se fez contra
os juizes dos 18 réos acima mencionados: e se o naõ con-
seguir, hei de renovar a moçaõ do fim de 3 mezes, e
pedir que seja também deposto o respectivo Ministro do
Governo; porque quando um Governo, qual éra o antigo,
tolerava tamanhas maldades, e outras similhantes, qual
a que nos descreveo o Astro da Luzitania, sobre o que
elle denomina Cometa Sarmentino está provado á face
de toda a Europa, que a Naçaõ devia levantar-se, e naõ
só deitar por terra um tal Governo, mas desterrallo para
os rochedos de Caconda. As naçoens naõ saõ bestas, que
devam deixar as rédeas a monstros, a homens perver-
sos degenerados. Volto ao assumpto. Desenganemo-nos,
Senhores, sal corrupto naõ pode salgar: cumpre deitallo
fora. Os actuaes desembargadores consideram-se se-
nhores das leys: pouco lhes importa o que ellas tem dis-
posto a respeito dos brevíssimos processos dos prezos, e
Miscel/anca. [506a] 501
principalmente dos implicados em crimes graves: a es-
tes he que mais demoram, e mesmo se bem lhes parece
os julgam era visita, em lugar de ser nas varas de Cor-
reiçaõ do Crime. Vimos por tanto conflagar-se Lisboa,
e asprovincias, em assassinios e roubos, e a policia vigi-
lante conduzir às cadeas os aggressores, e se falíamos
com algum Desembargador sobre a necessidade de se dar
prompto exemplo para escarmento de outros, se inten-
tamos persuadir, que um roubador promptamente
punido evitará cem roubos, um assassino cem assassinos,
respondem-nos {como tem comigo succedido) com o tal
estrebilho doa motivos políticos: e desta forma, até as
pessoas que sabem da perpetraçaõ doscrimes, e de quem
saõ os aggressores, fogem de os denunciar, e de depor
como testemunhas.—He por tanto evidente, que o actu-
al Regedor, o Governador da chamada justiça do Porto,
e os Corregedores das varas do Crime de uma e outra
Relação, tem ja encorrido na suspensão e muletas comi-
nadas na Ordenação; porque, havendo as leys sabiamen-
te estabelecido os processos eummarissimos dos crimes
graves pertencentes ás dietas varas, e estando-se com-
mettendo tantos assassinos e roubos, e prendendo os ag-
gressores, naõ digo ha seis mezes a esta parte, que he o
maior prazo que devem durar os seus processos, confor-
me o alvará de 31 de Março de 1742. §. 2. mas ha muito
mais tempo; o que vemos he, que ou os dictos Correge-
dores naõ apromtam os processos, ou o Regedor e Gover-
nador naõ mandam propor os réos; o que vemos, pela
própria confissão destas autlioridades, he, que ellas naõ
•e governam ja pelas leys, mas por motivos políticos, que
tanto vale como dizer pelo seu livre alvedrio.
Proponho, por tanto, que se diga ao Governo, que
mande se lhe apresentem listas exactas dos processos
V o t . XXVII. N«. 103- 3T
502 [506b] Miscellanea.
cessos dos réos arguidos de crimes, que pela sua gravi-
dade pertencem ás varas da Correiçaõ do Crime das duas
Relaçoens, com declaração do tempo em que foram per-
petrados, e achando que algum se tem demorado além
do tempo prescripto na ley, ainda no caso de naõ terem
sido os réos prezos, pois se devia proceder por edictos
contra os ausentes; proceda logo em conformidade da
citada Ordenação e mais leys análogas, contra os Presiden-
tes das duas Relaçoens, que naõ tiverem mandado pro-
por os rêos, e contra os dictos corregedores, que naõ ti-
verem apromptado os processos; devendo declarar na
ordem que os naõ depóem e castiga, por motivos políticos,
mas pela disposição das leys.—Borges Carneiro.

230.° Sessaõ. 13 de Novembro.


Esta sessaõ se passou em ouvir pareceres de Commis-
soens, principalmente relativos á Fazenda, e tal foi a
confusão das matérias, que nenhuma importante se re-
solveo.
231.a Sessaõ. 14 de Novembro
Segundo a ordem do dia, se discutio o artigo 97, re-
duzindo-se as decisoens a que somente ficasse dependen-
te da sancçaõ do Rey a 2». parte do artigo 8.° que prin-
cipia na palavra authorizar, e conclue na indispensável:
ao § 7.° se fez o seguinte additamento, " com a proposta
ou informaçoens do Governo."
Discutio-se o artigo 98, abrindo o debate o Snr. Perei-
ra do Carmo, com a perspicácia, boa fé e discernimento,
que o characterizam, approvando o artigo, o Snr. Miran-
da se lhe oppoz. Resolveo-se a final, depois da mais
renhida discussão, que se approvasse o artigo (69 votos
contra 29) que a metnde dos Deputados da deputaçaõ
Miscellanta. [506c] 503
permanente das Cortes fosse da Europa e a outra do ul-
tramar.

232." SessaÕ. 15 de Novembro.


Discutio-se o projecto para a extincçaõ da Patriarchal.
As objecçoens sobre esta matéria só versaram sobre o
modo por que se devia dispor a Jurisdicçaõ espiritual,
até agora commettida à Patriarchal. Ninguém fallou
sobre a parte política da medida; a maior parte a olhou
pelo que respeito a Fazenda.
Resolveo-se a questão principal, que éra a extincçaõ,
da Patriarchal, instaurando-se a antiga Igreja Archiepis-
copal de Lisboa.
A consciência do Snr. Presidente (o Canonista Trigoso)
o obrigou a sair da Cadeira, para expor a sua opinião,
sobre a jurisdicçaõ espiritual, e foi este ponto adiado.

233,» Sessaõ. 16 de Novembro.

Discutio-se pela ordem do dia o § 98 do artigo da


constituição, que se achava adiado, sobre o modo de
eleger o Presidente da Deputaçaõ Permanente das Cortes.
Resolveo-se por fim, que o Septimo Deputado fosse sor-
teado entre um da Europa e outro do Ultramar; o que
passou por 49 votos contra 45: mas procedendo-se, por
proposição do Snr. Fernandes Thomas, à votação nomi-
nal ; apparecêram 48 votos contra 47- Continuando a
discussão do artigo foi decidido, que o Presidente da
Deputaçaõ seja nomeado por ella mesmo; a presidên-
cia mensal, e que naõ possa ser successivamente ree-
leito.
Approvou-se o artigo 99 relativo ao mesmo objecto,
504 [506d] Mistellanea.
sobre os devercs da Deputaçaõ Permanente. Discutio-se
o artigo 100, que ficou adiado.

234.° Sessaõ. 17 de Novembro.

Discutio-se o projecto de reforma dos foraes, e come-


çando o Snr. Pereira do Carmo o debate, recapitulou o
que se havia dicto na sessaõ passada, sobre este assump-
to, e concluio, que se devia adoptar a baze da reforma, na
forma que elle propuzéra.
O Sr. Serpa Machado notou terem sido três os remé-
dios propostos a este mal. 1°. a sua suppressaõ total; ha-
vendo toda a contemplação com os que pagam e nenhu-
ma com os que recebem: 2.a reformar somente os abusos
da arrecadação: 3.* diminuir os foros, reduzindo-os a
prestaçoens certas. A esta parte se inclinava.
O Snr. Serpa Machado alegou com sua experiência,
que os foraes naõ eram pezados aos povos; e que, nos lu-
gares aonde os naõ havia, se observava a mesma decadên-
cia da agricultura; a qual o Snr. Deputado atribula ao
luxo que se havia augmentado, às extorsoensdos rendeiros,
e â introducçaõ de cereaes estrangeiros. Mostrou depois a
injustiça de igualar todas as prestaçoess, em temas varias
nas suas producçoens, e maior injustiça ainda de impor
tributos para compensar os foros, quando os que os pa-
gam o fazem por contractos onerosos pelas terras que re-
ceberam ; e as outras classes por quem tal ônus se repar-
tiria, naõ tem a vantagem de possuir as taes terras.
Propunha pois uma Commissaõ fora das Cortes para ex-
aminar a matéria, e reduzir os foros a prestaçoens cer-
tas, que se pudessem remir.
Resolveo-se a final, que os foraes dever ser reformados ;
que uma das bazes seja reduzillos a prestaçoens certas;
e outra a diminuição das prestaçoens.
Miscellanea. [506e] 505

235». Sessaõ. 19 de Novembro.


Discutio-se o artigo 100 da Constituição, que foi ap-
provado, com pequenas alteraçoens de palavras. Passou-
se logo ao exame do artigo 101, quesimilhantemente foi
approvado; e depois se tomaram em consideração os ad-
ditamentos,que havia proposto o Snr. Basto, os quaes todos
foram regeitados, á excepcçaõ de um, que ficou adia-
do, sobre a responsabilidade dos Ministros.
Approvàram-se mais os artigos desde 102 até 104;
e ao 105, em que se tracta das attribuiçoeus do Rey,
se approvou o preâmbulo e os §§ 1 e 2, ficando o resto
adiado.
Tomou assento o Deputado pela Ilha de Sancta Ca-
tharina, o Snr. Lourenço Rodrigues de Andrade.
O Sr. Fernandes Thomaz apresentou dous passaportes,
dos que se daõ aos navios na Secretaria da Marinha, que
disse estavam em frazemui inconstitucional, eisso feito
de propósito pelo Ministro da Marinha; lendo-se em uns
a palavra vassallos n'outros subditos, n'um armada Real,
n'outro Real e Nacional ,* que depois destes passaportes
terem sido pedidos, por sua indicação, o Ministro mandara
imprimir de novo aquelles; procedimento este muirepre-
hensível. Paliou entaõ longamente do desleixo e desma-
zelo do Ministro; sustenstando, que tudo se acha na sua
repartição, no mesmo ou peior estado, que d'antes se
achava; e como prova rie sua pouca activ idade allegou,
que o Decreto das Cortes, que annulava a promoção
de 24 de Junho, naõ se acha na sua publicação assig-
nado, nem pelo Rey, nem por elle. Propoz em fim o De-
putado, que se informasse El Rey de quanto se acha
mal servido por aquelle Ministro.
Mandou-se apresentar a indicação por escripto.
500 [506f] Miscellanea.
Ficou para segunda leitura uma indicação do Snr.
Vasconcellos, para que se mandem pôr em liberdade os
degradados de Nápoles, que se receberam nos presí-
dios Portuguezes de África, por ser contra as Bazes, que
estes homens estejam cm degredo sem ter culpa for-
mada.
336*. Sessaõ. 20 de Novembro.
Occupc-se esta Sessão em ouvir pareceres de Com-
missoens.
237-* Sessaõ. 20 de Novembro.
Felippe Alberto Patroni Maciel Parente, encarregado
pela provincia do Pará de tractar dos seus negócios per-
ante o Augusto Congresso, e o Governo, representa, que
o Ministério naõ tem cumprido as ordens das Cortes,
que mandaram nomear um Governador das armas, para
quella provincia.
O Senhor Castello Branco defendeo, que ou este ho-
mem seja, ou naõ seja, encarregado pela sua pro-
víncia, como cidadão Portuguez pôde, deve, e tem
todo o direito de reclamar, e requerer a beneficio da
sua pátria; provou, que se deve mostrar toda a attençaõ
a esta provincia, até mesmo porque foi a primeira, que
adherio e abraçou a nossa sancta causa „• continuou di-
zendo, que no Pará tem havido e continuam a haver mui-
tas desordens; que a mesma Jnncta o confessa, e o respec-
tivo Ministro o expõem; disse estaõ; £ porque se naõ
haõ de immediatamente applicar promptas providen-
cias a tantos males? He necessário e justo saber-se,
quaes tem sido as causas deste abandono.
O Sr. Freire disse, que sabia com toda a certeza, que
se tracta da nomeação geral dos Governadores do Ultra-
mar; que o Conselho de Guerra consultou ja a este res-
peito, e a consulta se acha agora em poder do Conselho
Miscellanea. 507
de Estado; e que procurar homens com os quesitos ne-
cessários para Governadores, naõ he cousa de tam pouco
momento, que se possa fazer de repente.
O Sr. Moura apoiou estas razoens, e em conseqüência
se indiferio o requirimento.
Discutio-se segundo a ordem do dia o § 4. do artigo
105 da Constituição, que foi approvado assim: " Prover
todos os mais empregos civis, excepto os electivos, e
bem assim os miltares, tudo na conformidade das leys.
O § 5 do mesmo artigo teve longa discussão, no de-
curso da qual se mostrou muito calor, e foi algum De-
putado chamado à ordem; propoz-se o adiamento da
questão, e foi regeitado. Propoz entaõ o Presidente a
questão assim. " Apresentar para os Bispados, prece-
dendo proposta triple de Conselho d* Estado." Foi ap-
provado depois de algum debate, por 70 votos contra 31.
Quanto às mais dignidades ecclesiasticas, venceo-se que
se provessem por concurso. O resto do § ficou appro-
vado como se achava redigido.
Discutindo-se o artigo 82, sustentaram os Snrs. Cas-
lello Branco, Miranda, Moura, e outros, que estando
a pátria em perigo o Congresso nomeasse o Comman-
dante das forças. Oppoz-se o Sr. Serpa Machado, e o Sr.
Braamcamp. Mas adiou-se a questão.

238.» Sessaõ. 22 de Novembro.

Segundo a ordem do dia, se tractou do projecto para


a extincçaõ da Patriarchal, ao que se oppunham, quan-
to ao modo, os Snrs. Ribeiro Saraiva, Albade de Me-
droens, Isidoro Joze dos Sanctos, que queriam isto se
fizesse por bulla do Papa.
Depois da mais viva discussão propoz o Sr Presidente
a questão: " Se a Igrega Patriarchal deve interinamente
508 Miscellanea.
ficar no mesmo lugar, aonde se acha, ou passar para a
Basilica de Sancta Maria ? Resolveo-se, que ficasse inte-
rinamente na Capella Real da Ajuda,aonde presentemen-
te se acha.
Propoz mais.- "Se oCollegio deveficarsomente acom-
panhado de todos os beneficiados collados, que propuzer
e que forem approvados pelo Soberano Congresso, ou se
deve ficar com todos os que actualmente existem.?"
Resolveo-se que ficasse acompanhado o Collegio daquelles
que houver de propor, e que forem approvados pela
Augusta Assemblea.
Propoz finalmente ; " Se o Collegio Patriarchal deve
informar o Soberano Congresso de quaes haõ de ser os
benefícios, que haõ de ficar, quaes as reformas, que se
haõ de fazer, e quanto se ha de applicar para o guizâ-
mento da igreja?" Mandou-se practicar assim.

230.a Sessaõ. 23 de Novembro.


Continou a discussão sobre a questão, se ao Con-
gresso devia competir nomear o Commandante da Força
armada, quando a pátria estivesse em perigo. Depois
de longa discusaõ se venceo, que naõ passasse o artigo
na forma que se achava, 52 votos, contra 49-
Propuzeram-se entaõ quatro emendas, havendo varias
duvidas sobre o modo de votar sobre ellas. Por fim
adiou-se a matéria.

2i0. a Sessaõ. 24 de Novembro.

Rccebeo-se um officio do Ouvidor do Recife, partici-


pando que se installara uma Juncta em Goyana, que
reunira a si a villa do Cabo, e outras; que se anogara
poderes administrativos, e ajunctàra uma força de mi-
Miscellanea. 500
licianos com que marchara contra Olinda: e que por
fim se entrou em negociação, ficando as Junctas de
Pernambuco e Goyana usando de suas jurisdicçoens
separadas até a resolução das Cortes.
Segundo a ordem do dia se discutio o projecto de re-
forma dos foraes. Começou a discussão o Snr. Pereira
do Carmo, expondo o principio ja determinado, de que
a base da reforma fosse a diminuição das pençoens, e
sua reducçaõ a cotas certas; e fallou entaõ do quan-
tuin dessas reducçoens, propondo (|ue fosse a do 12."
para todo o Reyno.
Regeitou-se o primeiro artigo do projecto ; e propoz
a emenda do Sr. Soares Franco, que se reduzissem as
pençoens à metade: foi apprOvada por 69 votos contra
29.

241» Sessaõ. 26 de Novembro.


Exminou-se, segundo a ordem do dia, o que restava
das emendas propostas, sobre o nomeaçaõdo Comman-
dante das forças em tempo de perigo da pátria. Foi
finalmente approvada a emenda do Snr. Xavier Montei-
ro, nestes termos:—" Excepto quando a segurança pu-
blica, e a liberdade da Naçaõ 6e achar em perigo; por-
que entaõ as Cortes poderão fazer as nomeaçoens, que
alias deveriam ser feitas por El Rey."
Examinou-se depois o outro poder, que he nomear
os Diplmaticos. Approvon-se o § com a declaração, que
será ouvido o Concelho ri'Estado, quando se tractar da
nomeação dos Diplomáticos. Approvou-se o § 8. assim
como também o § 9. na seguinte forma: " Perdoar ou
minorar as penas aos delinqüentes, na conformidade das
V O L . XXVI. N \ 1<>3. 3 u
510 Miscellanea.
leys." Approvou-se também o § 10. E ficou addiado
o 11.°
Elegeou-se Presidente o Snr. Trigoso. Vice Presidente
o Snr. Pinheiro d'Azevedo.

242*. Sessaõ. 27 de Novembro.

Tractava-se de ouvir pareceres de Commissoens, quan-


do o trabalho foi interrompido, por chegar o coronel e
mais officiaes do batalhão N. 4 que vai para o Rio-de-
Janeiro, a congratular as Cortes, e despidir-se. O Sr.
Secretario Freire leo a exposição; e dous Secretários
foram fora agradecer aos officiaes.
Continou a sessaõ ouvindo pareceres das commisso-
ens.

243.» Sessaõ. 28 de Novembro.


Versou a discussaaõ, pela ordem dia, sobre o §. 11
do artigo 5. deConstituiçaõ, e passou tal qual se achava.
Approvou-se também o § 12 e 13.
O Artigo 10G, diz, que naõ he permittido ao Rey sem
consentimento das cortes l.° obdicar a Coroa: 2. Sair
do Reyno: 3.° contrahir matrimônio.
Approvou-se o § 1.° sobre o segundo houve algum
debate, e se lhe acerescentaram as palavras " sair do
Reyno de Portugal e Algarves."
Ao § 3. se fizeram algumas observaçoens, que prohibe
o casamento d' El Rey, sem permissão das Cortes. Re-
solveo-se que se omitisse.

244." Sessaõ. 3 de Novembro.


Leo-se o projecto de decreto, para abolir as auditorias
Miscellanca. 511
rio Exercito, que se approvou; e depois outro decreto,
para a extincçaõ dos médicos e i-irurgioens riu Exercito,
approvaram-sedeste projecto alguns artigos, outros ficaram
adiados.

245». Sessaõ. 30 de Novembro.

Examinou-se, segundo a ordem do dia, o artigo 107 da


Constituição que contem três artigos." Também naõ
pôde o R e y ; I o . impor tributos, coutribuiçoens ou fintas
algumas, directa ou indiretamente, nem tomar emprésti-
mos: 2o. Conceder privilégios exclusivos 3 / Suspender
magistrados, ou fazer prender cidadão, salvo nos termos
dos artigos 162, e 170, ou quando a segurança publica
exigir a respectiva prizaõ de algum cidadão, no qual
caso dentro de 48 horas o mandará entregar ao juiz
competente.
O I o . § foi approvado com o accrescentamento das
palavras " e m nome da Naçaõ." 0 2 . ° foi regeitado; para
se considerarem algumas emendas propostas, adoptaudo-
se a do Sr. Borges Carneiro, que passasse o § para o artigo
105; aonde se definiriam os casos em que se podem
conceder privilégios. O § 3.° ficou adiado.
Discutio-6e aqui a proposição adiada, " o Rey naõ
pôde alienar parte alguma do território." Foi approvado,
e passou a formar o § 3. rio artigo 107.
Examinou-se também a proposição do Snr. Villela,
que nem El Rey nem o Principe Real pudessem tomar
o Commando do Exercito em pessoa. Foi approvada
a primeira parte, depois de viva discussão; e ficou adi-
ada a segunda.
Approvou-se o artigo 108 '. que especifica o juramento
d'El Rey; e foi approvado como se achava redigido
512 Miscellanea.
Approvou-se também o artigo 109; que os filhos do
Rey e do Príncipe Real tenham o titulo de Infantes.
Depois se passou ao artigo 110, pelo qual os Infantes
naõ podem servir emprego algum electivo; e quanto
aos nomeados por El Rey, os podem servir, excepto os
de Ministro, Conselheiro d'Estado, Embaixador, Ge-
neral Commandante do Exercito ou Armada, e Pre-
sidente ou Ministro dos Tribunaes de Justiça. Foi ap-
provado, menos a prohibiçaõ de serem Conselheiros de
Estado; e se incluio o Principe Real nas outras prohi-
çoens.

2éô. a Sessaõ. 1 de Dezembro.

Examinou-6e o artigo 2 o . do projecto para reformados


foraes, que foi supprimido: passou-se ao art 3.% que tam
bem ficou supprimido. Quando se examinava o 4.° foi
o debate supendido, para o Presidente participar, que
Antônio Joaquim JZozado, coronel do Regimento de In-
fanteria N. 3. e commandante do corpo expedicionário,
que deve sair para o Rio-de-Janeiro, 6e achava com
toda a officialidade na imraediata salla, para fazer as suas
despedidas e de novo protestar ao Soberano Congresso os
seus sentimentos de á pátria, e de adhesaõ ao sytema
constitucional. Leo-se a exposição do official, e orde-
nou-se, que fossem fora dous Secretários cumprimentar
o coronel.
A discussão, de que se tractava, continou depois por
algum tempo, e foi adiada.
Miscellanea. 513

247*. Sessaõ. 3 d' Dezembro.


Discutio-se o artigo 111 da Constituição, que foi ap-
provado; assim como o artigo 112, com as mesmas emen-
das, que se fizeram ao artigo 106. O mesmo succedeo
aos artigos 113,114, e 115 com pequenas alteraçoens.
Sobre o artigo 118, em que se tracta da successaõ
à Coroa, houve longo debate, e se propuzéram varias
emendas, e se adiou a discussão.

248.» Sessaõ. 4 de Dezembro.


Foram lidos officios recebidos de Pernambuco, con-
tendo uma longa narração, assignados por todos os Mem-
bros do Governo, e seu presidente Barretto, a quem o-
lham como salvador daquelles povos: he datado de 12 de
Outubro, e accompanhado de mais de 40 documentos.
O Snr. Pereira do Carmo e Sr. Franzini requerêram a
leitura do documento N°. 13, o Sr. Vicente Antônio a de
N.° 11. Este he um officio da Juncta de Goyana á de
Pernambuco, em que participa sua installaçaõ, até que
as Cortes de Lisboa lhe decretem outro. O de N. e 13.
he uma carta de um indivíduo de Patacuba, em que
n'um P. S. a um seu amigo de Pernambuco, lhe asse-
gura, que a tropa de Goyana vinha dar saque a Pernam-
buco.
Leram-ee também officios da Juncta de Goyana, que
fazia o seu relatório, opposto ao de Pernambuco, e ca-
pitulando Luiz do Rego; e trazia mais de 50 documen-
tos. Estes e outros papeis foram remettidos ã commis-
saõ de Constituição.
Entre outros pareceres leo Sr. B. Carneiro, o da ComT
missaõ de Constituição, appresentando os papeis do
541 [514] Miscellanca.
Conrie de Palmella, e que na Commissaõ houvera muita
variedade de opinioens. O Sr. B. Carneiro opinava para
que se concedesse ao Conde sair do lugar aonde se acha
limitado, mas naõ para fora do Reyno. O Sr. Pereira do
Carmo, que possa o Conde seguir o destino que bem lhe
parecer. O Sr. Castello Branco, que vista a resolução
tomada sobre o Conde dos Arcos, se puzesse em plena
liberdade o Conde de Palmella, e todos os mais, que fo-
ram com elle comprehendidos no decreto de 3 de Julho.
Fallaram mais alguns Snrs. e o Sr. Xavier Montei-
ro em explicação disse, que a assemblea laborava em
engano pois o Conde só pedia licença para sair do
Reyno, e ir cuidar na educação de seus filhos, e o
decreto só lhe prohibia approximar-se ás costas do mar.
O Sr. Sarmento faltou a favor do Conde, e de seus senti-
mentos patrióticos.
O Sr. Fernandes Thomaz mostrou os perigos a que
será exposta a Naçaõ, concedendo-se a licença requiri-
d a : que o Conde nas Cortes estrangeiras aonde a Rege-
neração de Portugal tem tantos inimigos, pôde promover
muitos males; que o systema constitucional ainda naõ
está consolidado em Portugal; porque tem muita gente
que se lhe oppôem; que naõ he de opinião que o Conde
seja maltractado; posto que esteja bem persuadido,
que se accaso o Conde tivesse que dar um voto a seu
respeito, como elle (F. T.) tem que dar a respeito do Conde,
seria, que o conduzissem logo para o Campo de Sancta
Anna. Concluio, que naõ se lhe deve conceder a licen-
ça, e que Deus permitta, que elle se engane no seu modo
de pensar.
O Sr. Margiochi observou, que éra ser coherente com
o próprio requerimento do Conde, o negar-se-lhe a licen-
ça; porque elle allega, que he muito amante do sytema
constitucional, e por tanto naõ se deve consentir, que vá
Miscel/atiea. 515
para o Piemonte, aonde se enforcam os homens nobres,
que defendem a causa da liberdade, e que saõ constitu-
cionaes, nem que seus filhos vam ser educados em tal
paiz.
O requirimento foi indeferido.

249a- Sessaõ. 5 de Dezembro.

Progredio a discussão do artigo 118 da Constituição,


se a successaõ da coroa deve ou naõ passar ás linhas col-
lateraes; e depois de longo debate foi approvado.
Examinou-se depois o artigo 119, que foi approvado ;
e seguio se o artigo 120, que diz '< Extinetas as linhas
mencionadas no artigo 117, chamarão as Cortes ao throno,
a pessoa, que entenderem convir melhor ao bem da
Naçaõ, &c." Sobre isto houve renhido debate, que fi-
cou adiado.

250. a Sessaõ. 6 de Dezembro.


Leo-se o parecer da Commisaõ de Constituição para
a organiçaõ das Ilhas dos Açores. Foi isto objecto de
bastante discussão, e foi resolvido, que se naõ appro-
vasse o parecer da Commissaõ, e em seu lugar se deter-
minou. 1." Que as Ilhas Terceira, Graciosa, e J. Jorge:
S. Miguel e Santa Maria: Fayal, Pico, Flores e Corvo:
fiquem assim unidas com titulo de comarcas, e sugeitas
aos seus governos particulares. 2. Que as suas capitães
•êjam, da ia. comarca, Angra; da 2a. Ponte Delgada;
da 3.» Villa da Horta.

251.a Sessaõ. 7 de Dezembro.

Examinou-se a emenda do Sr. Magalhasns, sobre a sue-


510' Miscellunea.
ccessaõ da Corôoa; qne " sendo extincta a successaõ
do Sr. D. Joaõ VI. seraõ admittidas as linhas collate-
raes." O Sr. Serpa Machado *' que na falta de descen-
dência seadoptem as leys fundamentaes da Monarchia,
como até agora tem sido: O Sr. Fernandes Thomaz,"
que findas aquellas linhas succedessem os parentes na
conformidade das leys do Reyno."
Foi approvada a emenda do Sr. Magalhaens.
A este tempo chegou ao Congresso um officio do
Ministro da Marinha, que parcipitava a seguinte novi-
dade de Pernambuco.
"6deDezembrol82i.—Galera Portugueza Constituição,
Capitão Antônio José Nogueira, vindo de Pernambuco,
tendo por carga a mobília dos passageiros, com 40 dias de
viagem, 66 pessoas de tripulação, 108 passageiros, e 1
mala. O Capitão diz, que juncto com elle sato de Per-
nambuco um bergantim Francez, a bordo do qual vem
o General Luiz do R e g o : que este entregara o Governo a
uma Juncta de sette membros (nomeados pela Câmara)
da qual ficou presidente Gervasio Pires Ferreira, e isto em
consquencia de ordens,que tinham recebido por um navio
chegado do Porto. Que foi grande o descontentamento,
pela remoção do dicto General, como pela desconfiança
que merecem os membros da nova; porque todos fi-
guraram nos acontecimentos públicos de 1817, e que por
issso se julgavam suspeitos do partido da Independência.
Diz mais, queà sua saída passavam de 1.700 pessoas entre
nacionaes e estrangeiras, que tinham emigrado para dif-
ferentes partes, e que constava, que da Bahia remettiam
para Portugal muitos prezos, a bordo do bergatim Pro-
videncia.—O Capitão graduado do 2.° Batalhão de Ca-
çadores de Pernambuco, Joaõ Jorge de Figueiredo, en-
tregou um officio, que se remette juncto. Inclusa vai
a relação nominal dos passageiros, St<:."
Misccf/anea. 517

O Sr. Castello Branco tomou a palavia e disse, que ti-


nha chegado o tempo de se conhecer, quaes tem sido as
intençoens de Luiz do Rego Barreto, que bem se vê ago-
ra, que elle foi sempre constitucional; e que tem defen-
dido constantemente a causa de Portugal ; que Pernam-
buco estas horas terá talvez proclamado a sua indepen-
dência, e que, a naõ ser o bem da pátria, deveria aquella
desgraçada provincia abandonar-se a si própria, que cm
taes circumstancies naõ ha remédio senaõ oppôr-se ao
partido,que loucamente abraçaram aquelles povos; com
força, que estava a embarcar 2. ou 3 . feira, e que deve ir
munida de todas as necessárias instrucçoens, para assim
practicar; quehe por tanto necessário, que a Commissaõ
de Constituição, rie que he membro, dê com a maior urgên-
cia o seu parecer a este respeito, que tractando-se de negó-
cios da pátria, naõ ha tempo a perder, nem qualquer con-
templação aos dias de festividades, e por tanto se re-
finam a manhaã, domingo, os Srs. Deputados; e formem
neste Augusto Congresso uma sessaõ, para se tractareste
interessantíssimo negocio.
O Sr. Villela disse; quando n'u ma das antecedentes
sessoens se leram neste Augusto Congresso os officios de
Pernambuco e de Goyana, o Sr. Deputado Bento Pereira
do Carmo requereo,que por ora suspendesse esta assein-
blea qualquer juizo, que pudesse entrepór, sobre o pro-
cedimento de Luiz do Rego; e como por ora naõ ha mais
esclarecimentos, eu novamente requeiro, que também
fique suspenso qualquer JUÍZO, sobre os acontecimentos
de Pernambuco, e até mesmo sobre aquelle Governador;
Pernambuco, por certo, assim como todo o Brazil, naõ
quer outra cousa mais do que a Constituição, e aquelles
povos todos estaõ para a sustentar, e a causa de Portu-
gal, promptos a derramar o seu sangue : eu sou filho do
VOL. XXVII. N'. 164. x
518 Miscellanea.
Brazil, e se accaso os meus patrícios se esquecessem do
que devem á mãy pátria, do que devem a Portugal, aonde
tem seus pays, seus parentes, e até seus bens, eu seria
o primeiro a embarcar, e a ir combatêllos, até que fos-
sem vencidos, e entrassem de novo nos seus primeiros
rievcTC-S ; mas naõ he assim; os povos do Brazil naõ
querem, torno a dizello, senaõ a Contituiçaõ, nem pela
idéa lhes passa a independência, e eu peço a este Au-
gusto Congresso, que suspenda o seu juizo, em quanto
naõ houverem novos esclarecimentos, e taes que pos-
sam fazer com que tenhamos todo o concheciinento de
causa.
Fallou o Sr. B. Carneiro, e logo o Sr. Malaquias no
mesmo sentido d o Sr. Villela, asseverando os bons
sentimentos de todos os povos de Pernambuco, e que o
tempo mostrará, que he o motor de todos estes inales o
desposta Luiz do Rego, que a elle, e somente a elle deve
Pernambuco a degraçada sorte em que se achava, e que
de novo torna a asseverar, que a sua provincia ja mais
deixará de ser unida à causa de Portugal, estando
prompta a dar por ella todo o sangue de seus habitantes,
e fazer os maiores esforços.
Do mesmo pensar foi o Sr. Moniz Tavares, dizendo,
que esta persuadido, qne um Deputado revestido da res-
peitavei authoridade rio seu ministério naõ se attrevera a
fazer neste Congresso Augusto uma accusaçaõ contra
um homem, sem que tenha suflicientes provas para a
sustentar, que apenas entrou nesta Augusta Assemblea
aceusára Luiz do Rego, e que.se o fez. he por que tinha
sólidos fundamentos ; asseverou, que todos os seus con-
stituintes amam o systema constitucional, e que por ( He
derramarão todo o seu sangue, e faraõ todos quantos sacri-
fícios estejam ao seu alcance; disse que atéagora tem
estado em silencio, quando ae tractu dos negócios ria sua
Misc.cllnnea. 519

pátria: mas que hoje fallava por ver infamada a sua


honra, e adhesaõ á causa de Portugal.
OSr. Soares Franco fez algumas importantes observa-
çoens a respeito deste negocio, sustentando, que he
da competência do Governo tomar as medidas, que jul-
gar convenientes, para obviar aquelles deastrosos acon-
tecimentos, e que bem se observava, que ja as come-
çava a tomar, por quanto o Ministro no seu officio diz,
que S. M. determinava que no dia 12 do corrente saíssem
os batalhoens para o Rio-de-Janeiro, tocando primeira-
mente em Pernambuco.
Esta opinião foi seguida por alguns Snrs. O Snr»
Braamcamp disse, que por ora nada mais havia do
que a parte vocal d'um capitão de navio, que talvez saísse
de Pernambuco fugindo, cheio de medo, e mal informa-
do; que éra necessário naõ obrar com precipitação, e
que negócios de tanta monta precisam de mui madura
reflexão, e terminou concordando, com o Sr. Franco,
em que éra ao Governo, que pertencia providenciar estes
casos.
O Snr. Ferreira da Silva fallou a favor dos Pernambu-
canos, expondo as atrocidades de Luiz do Rego: foi
chamado á ordem : mas concluio dizendo, que todos os
que vem fugindo de Pernambuco, naõ saõ negociantes
de primeira ordem, e todos saõ do partido do Déspota.
Fallando o Sr. Mirauda e outros Snrs. observou o Sr.
Presidente . que deviam esperar por officios, pelos quaes
mais circumstanciadamente se soubessem aquelles acon-
tecimentos, e que entaõ se resolveria sobre este objecto,
deixando-se por ora ao Governo o tomar aquellas me-
didas, que mais úteis e necessárias lhe parecessem. Foi
geralmente recebida esta opinião.
520 Miscellanea.

Reflexocns sobre as novidades deste mez.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Procedimentos das Cortes em Portugal.

tio meio do incançavel trabalho, que tem tomado sobre si os


Deputados das Cortes, no meio dos sentimentos patrióticos, que
todos os dias desenvolvem, e no meio de tantas medidas, que me-
recem e tem alcançado o louvor de todos os homens, imparciaes
e justos, ha dous pontos de transcendente importância para os
interesses nacionaes, em que os procedimentos das Cortes tem
em grande parte deixado baldadas nossas esperanças; saõ elles,
a maneira de fazer efticaz a responsabilidade dos Ministros de
Estado; e a conservação da uniaõ do Brazil com Portugal. Ex-
aminemos o primeiro.

Responsabilidade dos Ministros.

Naõ nos demoraremos em provar, porque he principio geral-


mente admittido, que a differença characteristica do Governo
Constitucional he, que os poderes políticos estejam de tal modo
entre si divididos, que se possa impedir que nenhuma pessoa,
ou corporação de pessoas, que exercitam alguma authorídade
na republica, passem além dos limites, que a essa authorídade
prescreve a expressa constituição do Estado; e em Portugal
está outro sim admittido, que esses poderes políticos distinetos
sejam o Legislativo, Executivo, e Judicial.
O primeiro he o que se tem dado e intenta dar ás Cortes : o
segundo he o que se diz dar-se ao Rey, fazendo os Ministros,
que expedem suas ordens, responsáveis por esses actos: o ter-
ceiro, o que deveria competir aos julgadores nas causas foren-
ses civis e criminaes.
Por agora, ninguém se attreve, em Portugal, a ingerir-se no que
pertence ás Cortes, mas estas estaõ a cada hora obrando de ma-
neira, que se intromeltem no que naõhe legislativo, com o pre-
Miscellanea. 521

texto do direito de inspecçaõ, em ver que se executam as leys; re-


sultando dahi, naõ só o excederem os limites do poder político,
que tem proclamado pertencer-lhe, mas destruírem, talvez sem
o quererem fazer, a responsabilidade dos Ministros, que he da
maior importância estar sempre em todo o rigor.
Como talvez estes erros se commèttam desaprecatadamente,
citaremos alguns exemplos, e mostraremos o modo por que elles
influem em deteriorar a Constituição, ainda antes delia sair á
luz. ou as suas bazes, que ja foram publicadas, juradas, e se
dam como aceitas por toda a Naçaõ, e que de certo o saõ por
sua grande maioridade.
Decretaram as Cortes, que o Príncipe Real voltasse do Bra-
zil para Portugal. Isto naõ he das attribuiçoens do Poder Le-
gislativo; porqne, se o Principe Real se consideracomo um sim-
ples indivíduo particular, as Cortes, como poder legislativo, naõ
tem direito de mandar, que nenhum iudividuo resida nesta ou
naquella parte do Reyno Unido, ou fora delle, se isso melhor
lhe convier. Se o Principe se considera como uma personagem
publica, como exercitando certo emprego nacional, entaõ ao Ex-
ecutivo he que pertence o determinar, em que, quando, e aon-
de tal homem publico deve ser empregado. Caso os Ministros
naõ empregassem esse homem publico no lugar mais convenien-
te aos interesses da Naçaõ ; entaõ as Cortes façam efficaz a res-
ponsabilidade do Ministro, mas naõ lhes compete o ordenar como
o iudividuo deve ser empregado ou aonde o deve ser.
Supponhamos para i Ilustração um caso extremo: que os Mi-
nistros mandavam um Desembargador do Paço commandar o Ex-
ercito, e um General servir de Bispo; entaõ as Cortes teriam o
direito, por sua auihoridade de vigiar na execução das leys, de
fazer responsáveis os Ministros por este máo exercício de suas
faculdades ; mas nunca poderão, sem incoherencia em seus prin-
cípios, dictar ao Ministro como e qual General deve empregar,
e em que serviço.
Na Sessaõ das Cortes de 9 de Novembro, fez o Deputado Bae-
ta uma indicação, para que o Governo reprehenda os Correge-
dores de Torres Vedras, Barcellos e Moncorvo, por naõ terem
322 Misccllanea.
ainda cnmprido com as ordens do Congresso, mandando as rela-
çoens dos mendigos da sua Comarca. Esta moçaõ foi approva-
da.
Ora isto he uma ingerência do Legislativo, com o Executivo ;
porque ao Ministro se pediram estas informaçoens, se naõ tem
chegado, a elle se deve perguntar a razaõ: se o Ministro naõ tem
apertado como devia os Corregedores por essas informaçoens,
elle deve ser o responsável: o demais he uma confusão; porque
o Corpo Legislativo nem lhe compete, nem tem tempo que es-
perdiçar em reprehender os Magistrados, que naõ cumprem com
seu dever.
O mesmo dizemos a respeito dos ladroens, que infestam Por-
tugal. Fallando-se sobre isto nas Cortes, houve quem propu-
zesse varias providencias legaes ; outros, que se esperasse pelo
novo plano de organização da guarda de Policia, que se quiz in-
troduzir em Portugal, á imitação da Gendarmeria em França,
que reduzio aquelle reyno a uma grande prizaõ politica. Ora
ninguém se attreverá a sustentar, que naõ ha na legislação Por-
tugueza assas regulamentos e providencias para prender os la-
droens, e se isto se naõ faz, seguramente os Ministros devem
responder; porque se naõ executam as leys existentes, e naõ
esperar porque se façam mais leys.
Mas os Ministros apresentaram participaçoens dos Generaes
das provincias, em que asseguravam terem supprimido os la-
droens. Acontece, porém, que na sessaõ 217, teimando-se
ainda em discutir esse plano afrancczado de uma guarda de Po-
licia para todo o Reyno, antes que se cuidasse em prender os la-
droens, disse o Deputado Ferraõ " que os roubos nas provincias
continuam do mesmo modo; e que agora fazem mais por que
matam, o que lhe foi dicto hoje mesmo pelo Intendente Geral
da Policia, e concluio, que saõ falsas todas as partes, que os
Generaes das provincias deram.
Ora uma accusaçaõ de natureza tam séria deveria ter imme-
diato exame ; mas passou isso até sem a menor observação.
Em outra occasiaõ o Deputado Fernandes Thomaz disse, que
a Marinha andava tam mal governada como d'antes : mas entaõ
Misce/lanea. 523

seguio com uma moçaõ, para que as Cortes informassem El


Rey, de quam mal servido éra com o Ministro da Marinha. Isto
he o que se chama proceder constitucionalmente; e o que se de-
veria seguir, em todos os casos, como procedimento mais brando,
e como mais rigoroso, sendo necessário, passar a metter o Minis-
tro em processo ante as Cortes (se cilas reservarem para si, co-
mo podem fazer, este único caso judiciário) ou mandallo sen-
tenciar nos tribunaes ordinários.
Na sessaõ 227, se regeitou a moçaõ do Deputado B. Carnei-
ro, para que naõ fosse o Bispo de Coimbra ao mesmo tempo
Reytor da Universidade. A política e justiça desta proposição
éra evidente, porque as mesmas Cortes tem energicamente re-
provado a accumulaçaõ de muitos empregos em uma só pessoa,
mas agora resolveo-se outra cousa.
Muito nos regosijamos de ver Fr. Francisco de S. Luiz, pre-
miado pelos serviços que fez na revolução ; mas quando se nomea
Bispo de Coimbra Conde de A rganil, único Bispo Conde no
Reyno, parece claro, que naõ éra necessário exemplificar nelle
uma accumulaçaõ, tantas vezes reprovada nas Cortes, de dous
empregos, cada um delles de assas importância para oecupar os
talentos e actividade de qualquer homem. O Ministro deveria
responder por esta contravenção dos princípios das Cortes: mas
a moçaõ foi regeitada.
O Leitor verá com adniiiaçaõ na sessaõ 229. p. 499, pela in-
dicação que fez o Deputado B. Carneiro, até que ponto chegam
os abusos, que ainda o Governo permitte. Disto tivemos noti-
cia, em muitas cartas, que se nos escreveram, nunca lhes demos
credito, negamos a pésjunetos que tal fosse verdade; porque
nunca nos desejamos persuadir de tal; porém quando vemos isso
autbenticado pela indicação daquelle Deputado, e quando sabe-
mos por outra parte, que ha no Ministério quem lhe chame por
escarneo accusador publico, e apóstata da magistratura, veino-
nos mui reluetautemente obrigados a prestar-nos á evidencia, e
ceder a palma a nossos opponentes.
Leia-se essa indicação, e diga-se-nos, ensinem-nos, porque
sinceramente o desejamos saber, como defender um Ministério,
524 Miscellanea.
que tal consente; ou as Cortes, que naõ chamam a rigorosa
conta tal Ministério ? No entanto as Cortes tomam em conside-
ração na sessaõ 223, em proposta do Deputado Braamcamp, o
perdaõ de duas mulheres, que tinham feito ou introduzido por
contrabando alguns arrateis de sabaõ; como se naõ bastasse
que El Rey concedesse esse perdaõ, caso fosse merecido, occu-
pando-se o tempo das Cortes com essas pequenas cousas, alias
da competência do Executivo, pelas leys existentes, e pelos po-
deres, que se lhe intenta dar na Constituição.
Mas observamos ainda alguma cousa peior nesta confusão dos
poderes políticos, que pode trazer com sigo as mais sérias con-
seqüências. Na sessaõ 222, interrompeo o Presidente o debate,
para annunciar, que na sala immediata se achava, Jozé Xavier
Bressane Leite, commandante da força naval, que ia para Per-
nambuco; e logo o Secretario, Freire, lêo a congratulação; que
aquelle official dirigia ás Curtes, ese resolveo, que fossem fora
dons Secretários congratular-se com o mesmo official.
Igual interrupção e por igual motivo houve na sessaõ 224, sen-
do o official, que se dirigio ás Cortes, ainda que se naõ apresen-
tasse, o Brigadeiro Moura, que foi nomeado Governador das ar-
mas de Pernambuco ; e foi seu memorial ouvido com especial
agrado. Mas logo na Sessaõ 242 (deve ser 241) de 27 de No-
vembro, a interrupção foi naõ só pelo Commandante do batalhão
N.° 4, que vai para o Rio-de-Janeiro, mas toda a oficialidade,
o que foi recebido com igual formulário, e declaração de espe-
cial agrodo.
Ora iito he sanecionarem as Cortes um poder deliberativo nas
tropas, capaz de transtornar toda a disciplina militar. As Cor-
tes naõ nomearam esses officiaes, foi El Rey; logo, só ao Exe-
cutivo poderiam expressar seus sentimentos, se he que aoa mili-
tares se pôde permittir outro sentimento, que naõ seja o da promp-
ta obediência. A demais, se os militares saõ assim authohzados
era deliberar sobre as matérias políticas, se se admitte, que el-
les podem ir congratular as Cortes, isto he approvar os seus pro-
cedimentos, segue-se, que a manhaV podem ir outros ás Cortes,
Miscellanea. 525

desapprovar o que ellas fizerem ; porque o direito de approvar


envolve o desapprovar.
Ora ; aonde iria parar a authorídade das Cortes, se lá fosse
um corpo de officiaes militares representar contra o systema das
Cortes e suas medidas ? Entretanto o principio disto, que he
uma congratulação ou approvaçaõ, foi ja recebido pelas Cortes
com especial agrado.
Os abusos entram sempre insinuando-se com a capa do bem
publico ; e he preciso atalharem-se ao principio. Se as Cortes
cederem a tudo que parecer a favor de sua authorídade, muitos
meios haverá de lisongear sua ambição ou vaidade, para de pro-
pósito confundir os poderes, o que trará por certo com sigo a
ruina do systema constitucional.
Haviam-se feito nas Cortes observaçoens mui ásperas, por naõ
ter o Ministério mudado os Diplomáticos nas Cortes Estrangei-
ras : por fim fez-se a nomeação, e o Ministro dessa Repartição
remetteo ás Cortes, na sessaõ 226, a lista dos nomeados.
Está claro, que esta nomeação he privativa doExecntivo, mas
as Cortes, aceitando o obséquio dessa participação, que lhe naõ
diz respeito, aliviaram o Ministro de sua responsabilidade, ja
pela demora, ja pela escolha se ella naõ for boa; porque, se pa-
ra o futuro alguém se lembrasse de aceusar o Ministro a este res-
peito, elle teria a melhor escusa na approvaçaõ tácita das Cortes;
visto que receberam a sua participação, sem nada dizer contra
ella. Assim, recebendo as Cortes esta apparente condescendên-
cia a que naõ tem direito, tiram do Ministro uma responsabili-
dade, que só a elle pertence.
Supponhamos, que se vinha ainda a mostrar, que em conse-
qüência da tardia nomeação desses Diplomáticos, o Ministro
ignorara muitas negociaçoens, que se tinham passado em paizes
estrangeiros, a respeito da independência do Brazil; o Minis-
tro está ja livre dessa responsabilidade, porque destramente sub-
metteo sua nomeação á approvaçaõ das Cortes; e estas, posto
que tal fosse estranho de suas attribuiçoens, receberam como
eu mprimeato agradável, sem nenhuma observação, o que punha
o Ministro a salvo : se a nomeação foi tardia ou foi má, tanta
VOL. XXVII. No. 163. 3Y
526 Miscellanea.
culpa tem disso o Ministro, como as Cortes, que delia foram of-
ficialmente informadas.
Parece-nos, que temos produzido exemplos bastantes, para
mostrar o pouco que se attende ajusta distribuição dos poderes
Político*; e tanto mais quanto nos parece que he simples o me-
thodo a seguir.
Em regra, podiam os Cortes ordenar, que todo o empregado
publico, que naõ mostrasse boa vontade de remediar os antigos
abusos, devia ser removido. Estabelecida esta regra, o Minis-
tro devia responder por tudo o mais ; sendo demittido, quando
naõ vigiasse sobre os empregados, em sua repartição, como de-
vesse.

Deputados do Brazil em Cortes.


Chegaram as Cortes, e tomaram seu assento na sessaõ 226,
dous Deputados pelo Maranhão ; e saõ o Desembargador Antô-
nio Vieira Belford, que entrou como substituto de Raymundo de
Brito Magalhaens e Cunha, o qual pedio e teve escusa, para
naõ servir: e o Conego Joze Joaõ Bekmam e Caldas.
Vieram também dous Deputados de Sancta Catherína, e saõ
o Padre Vigário Lourenço Rodrigues de Andrade ; e o Major
Jozé da Silva Mafra.
Do Pará, Bahia, &c. ainda nenhuns chegaram ; assim a De-
putaçaõ do Brazil em Cortes naõ he tam numerosa, que assuste
os Deputados Europeos.

Constituição.

O exame do projecto de Constituição tein continuado nas Cor-


tes, e ja chegaiam ao artigo 119; como se vêdoindex das ses-
soens, que publicamos de p. em diante. Vai de vagar, naõ
só porque a matéria he de si importantíssima ; mas porque a di-
versidade de opinioens e de vislas de cada Deputado requer mu-
Miscellanea. 527

tuas e longas explicaçoens, no que forçosamente se consome mui-


to tempo.
Tivemos ja occasiaõ de notar, que a revolução ia tomando
mais democrática tendência do que ao principio se annunciarao.
A fraze, que se usa, he de Systema Constitucional: esta expres-
são he imprópria ; porque constitucional pôde ser qualquer Go-
verno, que se regula por uma Constituição, a que o Legislador
he obrigado a cingír-se.
Dizemos, que o próprio nome, que se deve dar ao Governo de
Portugal, que se vai estabelecendo pela practica, e se indica
formar na Constituição, he o de uma Monarchia Democrática,
e esta, segundo o invento moderno, por via de Representação.
Como esta parece ser a tendência da Revolução, ou, por outras
palavras, os desejos dos homens, que nella mais influem; as
questoens principaes sobre a Constituição se reduzem natural-
mente a examinar, nessa mixtura de Monarchia e Democracia,
que parte dos poderes políticos se ha de conceder a um ou a ou-
tro ramo.
Assentado, pois, que esta he a forma de Governo, que se tem
de estabelecer, todo o cuidado dos Deputados deve consistir,
em que as differentes partes da Constituição se conformem umas
com as outras, e naõ sejam ja mais, nem directa nem indirecta-
mente, contrarias a esse principio. He além disso necessário,
que todas as leys regulamentares, e até o systema de educação,
se vám dirigindo ao mesmo objecto.
Naõ he para aqui o discutir qual forma de Governo he a mais
preferível; se, por exemplo, a dos Egypcios, aonde todos os em-
pregos se regulavam pelo merecimento literário dos membros de
differentes collegios, sem attençaõ a famílias (e como moderna-
mente succede na China); se a dos Israelitas, aonde o direito de
famílias ou tribus (e como hoje em dia se observa na índia) era
quem designava os empregos. Queremos unicamente dizer,
que a exemplo dos povos mais sábios da antigüidade, em con-
formidade dos dictames da razaõ, e segundo a opinião dos mais
accreditados authores, que tem escripto nestas matérias, uma
vez adoptada qualquer forma de Governo, he preciso para
528 Mtscellanea.
elle se manter, que toda a legislação conspire na mesma tendên-
cia ; e tanto mais precisa he essa harmonia nos governos mixtos,
aonde essa mesma mixtura he ja de si um principio de desunião.
O Governo, que se esta formando em Portugal, he uma Monar-
chia-Democratica-Representativa; posto que lá se contentem
de chamar-lhe pelo termo vago de Governo Constitucional. Di-
zemos, pois, que se quizerein fazer esse Governo permanente,
devem as Cortes adaptar toda a sua legislação a esse principio.
Parece-nos que a parte, que o Monarcha tem na constituição, se
lhe limita na practica, e se annula de todo na theoiia, quanto a
parte legislativa.
Na sessaõ 222, 223, e 227 se examinou o importante ponto
do Veto d'El Rey, e pelo que se verá do extracto que fizemos
dessas sessoens, se reduziu a decisão das Cortes a que El Rey
seja obigado a dar a sua sancçaõ ás leys, e se a naõ der publicar-
se-haõ as leys, e seraõ validas sem ella.
Dizemos, que se na formação das Bazes da Constituição, que
indicaram um Governo Monarchico-Democratico, se achou con-
veniente fazer as leys dependentes da sancçaõ do Monarcha, is-
sa só podia ser para por um freio á precipitação do poder Legis-
lativo, determinar agora que o Monarcha seja obrigado a dar essa
sancçaõ he destruir todo o beneficio, que dessa sancçaõ podia
resultar.
Se, porém, na distribuição dos poderes, se assenta, que as
Cortes só de per si devem fazer as leys, sem dependência algu-
ma do Monarcha, o decretar essa sancçaõ forçada he uma for-
malidade peior que desnecessária ; porque deixa no Estado uma
sombra de poder, que uaõ existe na realidade; e naõ pôde ser-
vir de outra cousa mais do que suscitar discórdias, uma vez que
haja diversidade de partidos no Ministério e nas Cortes.
Naõ entramos na questão, qual dos dous expedientes he o me-
lhor; mas dizemos, que se devem adoptar medidas coherentes:
se as Cortes devem ter exclusivamente o poder legislativo, e sem
coacçaõ alguma; naõ se dê o Feto a El Rey. Se porém El Rey
tem de possuir o direito de sanecionar as leys, faça-se efficaz
essa sancçaõ, o que so pode ser, dando-lhe o direito de deliberar
Miscellanea, 520

sobre o que faz, e por conseqüência a faculdade de negar essa


sancçaõ.
Se a sancçaõ do Rey he mera formalidade, fica inútil; e tudo
quanto he formalidade inútil, na Constituição, he pernicioso ;
porque nella naõ deve haver nada indifferente.
Na practica vemos que as Cortes se podem dispensar até da
formalidade, que tem prescrípto para a promulgação das leys ;
porque, determinando muitas cousas por uma mera ordem, es-
ta naõ he apresentada a El Rey, e se executa sem ter mesmo o
formulário de ser promulgada por El Rey. Ora corno naõ estaõ
definidos os casos em que as Cortes devem fazer os seus decretos
por simples ordem ou por ley, segue-se que as Cortes podem as-
sumir todo o Governo sem que El Rey seja disso sabedor.
Dizemos pois, que naõ he este o meio de conservar a forma
Monarchico-Democratica, quando se abre a porta para a parte
Democrática absorver todo o poder político ; e se o que se dese-
ja he estabelecer uma Constituição Democratico-Representativa,
entaõ o Poder Real, ainda tal qual se acha, he incoherente com
essa forma de Governo ; porque so pôde servir de empecer-lhe a
marcha, e naõ de a promover. Em unia palavra, quando as Cor-
tes puderem fazer tudo, a forma de Governo he puramente De-
mocratica-Representativa, e entaõ o Rey será um elemento des-
necessário na Constituição.
Tendo notado a pouca exactidaõ das palavras Governo Consti-
tucional, para expressar a forma de Governo, que se quer adop-
tar em Portugal; observaremos agora outra expressão, de que
se tem feito grande uso, e he igualmeate indeterminada: isto he
constituirão liberal.
O Deputado Bastos, nas Cortes, propoz varias emendas á
Constituição, em imitação da de Hespanha; a que chamou li-
beral ; e outra muita gente, que olha para a Hespanha tal vez
mais do que éra para desejar para o bem de Portugal, fazem da
Constituição de Hespanha o termo de comparação, para dizer,
que a de Portugal deve ser mais ou menos Kberal. Ora este ter-
mo, qne foi pela primeira vez usado, para este fim, pelo Juiz do
Povo de Lisboa, no motim porque se determinou, que a eleição
530 Miscellanea.
dos Deputados de Cortes fosse feita pelo modelo de Hespanha,
he um termo tam indeterminado nesta applicaçaõ, que se o seu
uso tem desculpa na boca daquelle Juiz do Povo, naõ sabemos
que inteipretaçaõ dar-lhe, quando he empregado por um Depu-
tado em Cortes; e quando se tracta da importantíssima discussão
de organizar a Constituição Política do paiz.
Da forma de eleiçoens, que naquella oceasiaõ se adoptou, di-
zendo-se que éra mais liberal, que a outra proposta pela Juncta
Preparatória de Cortes, resultou tal escolha de Deputados, que
mal serve de explicar a palavra liberai; porque vemos nessas el-
leiçoens sair eleito Deputado pela Beira, somente com 44 votos,
Manuel Fernandes Thomaz, o coriféo da revolução: Jozé da Sil-
va Carvalho foi regeitado, quatro Bispos foram eleitos, a maior
parte decrépitos : Desembargadores, que assignaram a sentença
de Gomes Freire e seus treze companheiros, primeiros martyres
da causa nacional, &c.: O que explica ; porque, tendo as Cor-
tes declarado legítimos os actos de revolução, pelos quaes estas
Cortes estaõ em authorídade, naõ fizeram o mesmo, quanto
aquelles martyes, que estavam nas mesmas circumstancias, só
com a differença de se ter malogrado o seu projecto : mas em
vez de os comprehender naquelle decreto, por que os actos de
uns se declararam de uma vez legaes ; o processo dos outros foi
mandado a sentencear de novo.
Se pelos termos mais liberalidade, sequer entender mais li-
berdade individual (pois ninguém tenta definir o que entendem
pela palavra liberal) ja se vô que a ley da liberdade da impren-
sa he um dos maiores embargos, que as Cortes podiam pôr á li-
beidade individual; e com effeito tal he a qualidade das pessoas,
que tem sido eleitas para os Conselhos de Jurados, que se diz
em Portugal, que nenhum escriptor, que lhe cair nas maõs, tem
a menor probabilidade de escapar, e como delles depende a clas-
sificação do crime, está vista a arbitrariedade que se lhes con-
cede ; ora essa arbitrariedade he sempre contraria á liberdade in-
dividual, e por tanto illiberal, se essa he accepçaõ que querem
dar á palavra.
Miscellanea. 531

Conselho de Estado.
Quando seinstitnio o Conselho de Estado, expuzemos as ob-
jecçoens, que eram obvias, á cerca de sua composição e attri-
buiçoens. Começam a apparecer os resulados, no segniute
officio :—
" Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.—O Conselho de
Estado remette a Vossa Excellencia o requirimento incluso de
Joaõ Gomez da Cruz, para que Vossa Excellencia se sirva es-
clarecello sobre os objectos de que elle tracta, ordenando a re-
messa para o mesmo Conselho, de todos os papeis, que elle men-
ciona, e que devem existir nessa Secretaria, ou no Conselho da
Fazenda. Deus guarde a V. Ex,a Paço da Bemposta, em 13
de Outubro de 1821. Joaõ Antônio Ferreira de Moura.—Snr.
Jozé Ignacio da Costa."
Ora perguntamos aos fautores de tal Conselho de Estado, se o
Ministro de Estado, a quem este officio foi remettido, naõ o
quizesse cumprir } a quem se queixaria o Conselho ? A El Rey:
e se El Rey acha-se que o Conselho, e naõ o Ministro estava
no erro, como se livraria El Rey desse Conselho, que as Cortes
e naõ elle nomearam? Appellaria para as Cortes—entaõ estas
tomariam ssbre si a responsabilidade de resolver as questoens do
Gabinete, e por tanto tirariam do Ministro esta responsabilidade.
i Ora he isto o que se intenta estabelecer pela presente Consti-
tuição, ou pelas bazes ja adoptadas ? Julgamos que naõ. E
seja isto prova da necessidade de pôr as leys todas em harmonia
com o principio, que se adoptar, para a Constituição do Estado.
Com o Conselho de Estado tal qual está, El Rey naõ he livre no
seu Governo, e a Responsabilidade dos Ministros naõ he perfeita.

Brazil.
Deixamos para o N.° seguinte a consideração do segundo pon-
to, que mencionamos a cima (conservação da uniaõ do Brazil
532 Miscellanea.
com Portugal) naõ só porque o primeiro (responsabilidade dos
Ministros) nos occupou mais espaço do que pensávamos; mas
porque he esta matéria em que entramos de mui pouca vontade ;
posto que em fim he preciso entrar nella, ja que assim o quer a
sorte. Limitar-nos-heinos agora aos suecessosde Pernambuco e
Rio-de-Janeiro.
Os 42 prezos, que de Pernambuco remetteo para Lisboa o
Governador Rego, foram soltos, como tínhamos annunciado no
nosso N." passado : o que se fez pelo accordaõ, que publicamos
a p. 476. Pareceria que depois daquella decisão naõ haveria
mais duvida sobre o character dos procedimentos daquelle Gover.
nador; visto que uns dos prezos foram absolvidos, porque até
nem tinham pronuncia; outros porque naõ havia prova contra
elles ; e outros porque ja tinham sido soltos por sentenças, pelo
mesmo crime por que Rego agora os tornou a prender.
Naõ obstante isto houve ainda quem fallasse nas Cortes contra
os prezos, como foi o Deputado Bastos ; o Deputado Pereira do
Carmo pedio, que se suspendesse o juizo sobre o proceder de
Rego; mas nós vendo o accordaõ,que he juizo definitivo, mal po-
demos em nosso entender dar sentença suspensiva somente.
Em quanto isto se passava em Lisboa, esforçava-se Rego em
Pernambuco, para obrigar a Juncta Piovisoria de Governo, (que
se creou na Goyana, e que para se crear tinha a mesma autho-
rídade, que todas as mais das outras partes do Brazil, que tem
sido approvadas pelas Cortes) a que prestasse obediência á que
elle creáracomo lhe pareceo, e levou suas ameaças e prizoens ao
ponto de que os de Goyana foram obrigados a armar-se para se
defenderem, e pura naõ terem a sorte dos mais, que Rego podia
colher ás maõs. Rego, ein vez de accommodar as cousas, con-
tinuou seus roucos em Pernambuco, os outros vieram contra
elle, e o modo por que o apertaram o descreveremos com o se-
guinte extracto de nnia Gazetta dos Estados Unidos, que por
ser narrativa estrangeira fica izenta da suspeita de ser parcial a
algum partido.
Miscellanea. 533

Extracto de uma gazeta de Philadelphia.

O brigue Nimph saio de Pernambuco aos 23 de Septembro,


pelas 3 da tarde ; quando ali havia a maior consternação, e va-
rias famílias, principalmente mulheres, da maior distinção, se
refugiaram a bordo dos navios. A maior parte dos vasos Por-
tuguezes se estavam preparando para sair do porto, e alguns
no anchoradouro de fora, estavam promptos a dar á vela, tendo
ja abordo mantimentos e aguada. Os postos avançado* dos
Realistas foram atacados juncto a Olinda. Os piquetes foram
rechaçados, e houveram algumas escaramuças, em que se apri-
sionaram alguns patriotas, que foram trazidos a Pernambuco,
e tractados asperamente, vindo com as maõs atadas atraz, e
amarrados aos dous e três, como cacns de caça. Succedeo isto
aos 21 de Septembro. Ouvio-se o fogo distinctamente, e via-se
a fumaça das pontes do Recife: ao mesmo tempo um piquete de
Realistas, em Affogados, aldea da parte opposta, cousa de três
milhas de Pernambuco, foi atacado das casas, d'onde lhe faziam
fogo, e dizem que até as mulheres lhe atiravam com cal das ja-
neilas, para os cegar. Mas, fosse a provocação qual fosse,
mandáram-se para ali três peças de artilheria, que continuaram
a atirar ás casas, com grande mortandade, por toda a tarde.
Dizem que se naõ perdoou a homem, mulher ou criança, e em
uni caso foi morto á bayoneta um pobre velho, que estava doente
de cama. A acçaõ se ouvio igualmente na cidade. O nume-
ro das infelizes e innocentes victiinas, que morreram nesta san-
guinolenta matança, se julgava ser de300 ou 400 pessoas : naõ
se assignava outra causa mais do que uma altercaçaõ entre al-
guns Americanos do paiz, e parte de um piquete, composto de
tropas Europeas, chamadas do Algarve.
A insurreição ou rebellíaô, como lhe quizerem chamar, prin-
cipou em Goyana, povoarão distante de Pernambuco cousa de
20 léguas: he capitaneada por Joaõ Martins, irmaõ de outro
Martins, que foi cabeça da revolução passada, e por isso deca-
pitado : he este o chefe militar, e tinha eslado prezo na Bahia,
Voi.. XXVII. N." 108. 3 T.
534 Miscellanea.
desde aquella epocha : o cabeça político he um Padre, chamado
Francisco de Paula Simaõ da Silva, que acompanha esta divisão,
composta de 3.000 homens bem esquipados, principalmente em
cavallaria ; mas falta-lhes artilheria : porém as forças, que espe-
ravam, que se lhes unissem de outras partes, formariam um todo
de 10.000 homens, pelo menos, pois tinha havido uma revolu-
ção para o Sul, juncto ao Cabo de S. Agostinho, e outra para
o poente, de que se recebeo informação authentica.
A causa apparente he a accusaçaõ que fazem contra os actos
arbitrários e despoticos do Governador : querem que elle seja
deposto, e que o coronel do Corpo do Algarve resigne o seu com-
mando : mas pensa-se, que nada menos os satisfará do que a ex-
pulsão de todos os Europeos, que estaõ em poder; ejulgam os
do paiz, que elles mesmos podem manejar os seus negócios. Mar-
cham porém com uma bandeira, em que tem pintado o retrato do
Rey e do Principe Regente em corpo inteiro, e a palavra " Con-
stituição."
O actual General, que he junetamente o Presidente do Gover-
no Provisional, he um valoroso official, discípulo de Lord Wel-
lington, e que muito se distinguio nas guerras da Península.
Os Europeos, geralmente, tem nelle a maior confiança; e, na
verdade, uma cousa lhe faz muita honra, que he a excellente po-
licia que estabeleci o em Pernambuco, t acabar de todo com o
systema de esfaquear e matar, iam fomentado no seu paiz metró-
pole ; o que fez mandando prender indiscriminadamente quem
trouxesse com sigo sequer um canivete.
A revolução tem estado em embrião por muito tempo, e jul-
ga-se que a expectaçaõ da chegada de tropas, que se esperava
brevemente de Lisboa, oceasionou o rebentar mais cedo do que
sesuppunha. Como quer que seja, derramou-se ja o primeiro
sangue, e aonde ou como terminará só o tempo o poderá mos-
trar. A perda na acçaõ dus postos avançados, em Olinda, he
diversamente referida. Os Realistas perderam 15 homens entre
mortos e feridos. Os Patriotas, como elles se chamam, perde-
ram 25 mortos e feridos, e 25 prisioneiros.
A cidade de Pernambuco pôde dizer-se que consiste em três
Miscellanea. 535
secçoens; a saber o Recife, Sancto Antônio, e Boavísta. A pri-
meira secçaõ, o Recife, he a mais capaz de protecçaõ, e de re-
pellir o inimigo, as outras secçoens foram literalmente desertas,
os que naõ fugiram para o campo, mudáram-se para o Recife,
aonde todas as casas ficaram cheias. O que os Realistas mais
temiam, éra que a água de beber lhes fosse cortada, o que po-
diam efficazmente fazer os Patriotas, tomando posse de Olinda
cousa de três milhas distante. Os mantimentos tinham subi-
do em preço bons 100 por cento ; isto he o producto do paiz.
Para formar uma ideada situação de Pernambuco, quando a
Nimphdali saio, que se figure a artilheria plantada em todas as
pontes e portas da cidade, com mechas acesas, os soldados esti-
rados nas ruas, e quando eram rendidos da obrigação procurando
dormir alguma cousa, havendo estado debaixo de armas continu-
adamente por quatro dias e quatro noites: as casas todas fecha-
das, e toda a gente moços e velhos, capazes de pegar em armas,
particularmente os Europeos, auzentes de suas casas. Os ma-
rinheiros Portuguezes, que todos sem excepçaõ foram postos
em requisição, uns meio bêbados, com espingardas e bayonetas
fixas, correndo pelas ruas: a pobres mulheres nas janellas,
olhando em anxiosa suspençaõ, inquirindo dos que passavam,
por seus maridos, pays, irmaõs ou parentes, patrulhas em toda
a parte, para conter os desaffectos e os negros, e os Patriotas
com muitos partidistas na cidade."

Sendo esta a situação de Pernambuco, o Governador Rego ex-


pedio uma proclamaçaõ, em que diz naõ precisar nada do inte-
rior do paiz, convida os habilaetes, a voltar para suas casas, e as-
severa, que tem forças bastantes para fazer em postas os que e l -
1 e chama rebeldes. Ninguém crêo nelle. Da Bahia mandaram-
lhe um reforço de tropas, e nem com isso pôde fazer face aos taes
rebeldes, antes foi obrigado a fazer com elles uma capitnlaçaõ
concedendo que os de Goyana se governassem por si, até a s
Cortes determinarem outra cousa ; e he o que deveria ter feito
ao principio, para evitar a effusaõ de sangue, nas batalhas, que
536 Miscellanea.
se deram ; o qual sangue deve recair sobre sua cabeça; porque
devia e podia evitaDo.
Mas nem assim se deo Rego por seguio; primeiro, escreveo
um officio ás Cortes,que se leo na sessaõ 240, e vinha assignado
por seu consocio, o Ouvidor do Recife, Antero José da Maria
e Silva, em que se diz que por comiseração dos rebeldes
se tinha arranjado o armisticio; mas logo depois se espa-
lhou, que tinham chegado ordens das Cortes por um navio do Por-
to, para se instalar a Juncta Provisória, o que se praclicou logo ;
Rego entregou-lhe o Governo e pôz-se ao fresco n'um navio Fran-
cez, deixando aos seus partidistas escaparem-se como pudessem,
o que se vê pelo extracto da sessaõ 251, das Cortes que deixamos
copiada a p. 516.
Deixamos por agora de fazer as devidas notas, sobre a lin-
guagem, que se usou nas Cortes nessa occasiaõ ; porque esses e
outros factos ficam necessariamente para serem considerados no
N.° seguinte. Liraitamo-nos aqui em dirigirmo-nos aos Pernam-
bucanos.
Tiveram elles um completo liiumpho ÜIII ver fugir o Governa-
dor que odiavam, ao mesmo tempo que estava blazonando de
seu poder. Mas agora assim satisfeitos os Pernambucanos de-
vem usar com toda a moderação de sua victoria : recommendaçaõ
que julgamos tanto mais necessária, quanto muitos Europeos
emigraram de Pernambuco, temendo a retorsaõ, que lhes pode-
ria cair em cima, da parte dos offendidos pelo tal Governador.
Dizemos pois aos Pernambucanos, que se tal fizessem obrari-
am contra a justiça, contra a política e contra os seus interesses.
Contra a justiça ; porque naõ se segue que os Portuguezes
residentes em Pernambuco, sejam todos do partido de Rego:
muitos destes haverá, pelo menos muitos ha aqui, que nós conhe-
cemos, que tal conducta de Rego tem decididamente desapprova-
do ; e extenderem os Pernambucanos seu ódio a todos os Euro-
peos he comprehender innocentes e culpados, o que nenhuma
justiça jamais adinittio, e fazerem o mesmo, de que accusavam
Rego.
Contra a política; porque talvez muitos desses Europeos'
\lisce/lunca. 531
mesmo particlislas de Rego, talvez assim se mostrassem por con-
ternplaçoens, que naõ poderiam remediar, e a política pede, que
se fechem os olhos a faltas dessa natureza, quando sua influencia
para o futuro deixa ja de ser perigosa.
Contra os seus interesses; porque os Europeos estabelecidos
no Brazil, com suas famílias, seus cabedaes, seu modo de vida,
bem Brazileiros saõ, e tam bons como muitos dos nascidos no
paiz. Teraõ talvez alguma maior predilecçaõ pela provincia em
que nasceram ; isso tem elles direito a ter,, está tam longe de ser-
lhes nodoa, que lhes serve de louvor, e nem essa parcialidade os
faz menos bons cidadãos, naõ mais do que o Paraense no Rio-de-
Janeiro, que mostre afferro pelas margens do Amazonas, ou um
Trausmontano no Alemtejo, que se deleite em louvar os outeiros
em que foi criado.
Seja a disputa excitada pelo Governador Rego, ou por quem
quer que for, se os Pernambucanos derem um passo que seja, ein
perpetuar a distincçaô entre Portuguez e Braziliense ; mais, se
a Juncta Provisória de Governo naõ cuidar positivamente em abo-
lir <• extinguir esse gennen de divisão, tam culpada a teremos
enlaõ, corno temos agora o mesmo Rego.
He do primeiro interesse para o Brazil fomentar a immigraçaõ
para ali dos Portuguezes, e se os espantarem com pueris dis-
tincçoens, os que para isso contribuírem saõ tara inimigos dos
Pernambucanos como se mostrou Rego.
Assim param as cousas por óra em Pernambuco, e se segui-
rem nosso conselho, esquecendo-se das injurias passadas, muito
aliviarão seus males, e muitos bens prepararão para o futuro.
No Maranhão continua o mesmo Governador a obrar com sua
arbitrariedade, louvado pelos de seu partido, mas odiado pelos
de mais. Ha sobre elle um relatório da Commissaõ do Ultramar
das Cortes, que naõ publicamos agora de propósito, para o tomar-
em consideração no N.° seguinte.
Deixamos também o Pará, & c , que vam obrando como que-
rem, sem terem providencias das Cortes; passaremos também de
alto pela Bahia, aonde havia alguma cousa a debulhar, e conclu-
538 M<*( clliiiicti.
iremos esto artigo com algumas breves noticias do Rio-de-.fanei-
io.

Evcitaram-se boatos naquella cidade, que a tropa da guarni-


çaõ intentava fazer outra mudança do Governo, e que éra no
sentido de declarar a independência do Brazil. Como essa tropa
linha ja feito duas impunemente, acereditou-se agora neste
boato facilmente.
Para experimentara opinião publica se recorreo a um curioso
experimento. Aos 18 de 8eptembro, estando o Principe Regen-
te no tbeatro de S. Joaõ, levantou-se um grito do camarote do
Estado Maior, dizendo, " Viva o Principe Real Nosso Senhor" ;
e sendo perguntados os officiaes, que ali se achavam, quem fora
o que levantara o grito, respondèam que fora um homem des-
conhecido, cjue ali se introduzira, com o pretexto de fallar ao
Official Superior do Dia; e se escapara logo sem ser conhecido.
Algum Europeo inconsiderado, lembrou-se de excitar, como
remédio, os sentimentos dos Portuguezes contra os Brazilienses,
publicando o seguinte :—
"Recruta-se para uma" lieru.uliuha " a favor do Principe
dam-se no iheatro extemporâneos vivas do Príncipe Regente
" Nosso Senhor" ? Que quererá isto dizer ? Quer dizer que
todo o verdadeiro Portuguez deve acautelar-sedecair no laço, que
os vis satélites do antigo despotismo lhes armam, com a seduc-
tora o fie ria de um reyno independente do de Portugal—A
lerta Portuguezes*"
Isto foi impresso,e postado em todas as esquinas do-Rio-de-
Janeiro, aos 21 de Septembro, quando a fermentação éra gran-
de. Poroutia parte publicou-se, e espalhou-se com sunima
actividade a seguinte décima ; indicando as vistas do outro par-
tido.
Para ser de gloria forte,
luda que naõ fosse herdeiro.
Seja ja Pedro Primeiro
Se algum dia ha de ser Quarto,
Naõ he preciso algum parto,
DL Uernaida atroador,
MhceUttntn. 539
Seja nosso Imperador
Com Governo liberal
De Cortes, franco e legal,
Mas nunca nosso Senhor.
Entende-se por Bernarda e Bernaidina, unia Constituição; por
ser esse o alcunho, que puzéram os soldados á Constituição de
Portugal; estas bagatellase outros similhantes pasquins excitaram
um fermento considerável, de maneira que se dizia abertamente
estar a chegar uma crise, assentando todos os que isso ouviam
que se acclamaria o Principe Real Rey do Brazil, e fizeram esses
boatos com que S. A. R. expedisse aos 6 de Outubro uma pro-
clamaçaõ, concebida em termos os mais enérgicos e decididos ;
naõ só negando-se a participar nesses projectosde o levantarem
Rey do Brazil; mas declarando, que a isso Fe opporía, arriscan-
do sua vida ; e que tinha de sua parte a força armada, a qual
éra bastante para esmagar todos os partidistas da independên-
cia do Brazil.
O Intendente Geral da Policia (Antônio Luiz Pereira da Cu-
nha,) havia ja aos 3 de Outubro 'publicado um edictal na mesma
tendência, vendo que ferviam os pasquins, e que até se desig-
nava o dia 12 de Outnbro, como aquelle em que se declararia a
revolução, ou declaração da independência. Isto éra tam pu-
blico e tam geral, que se o Intendente houvesse de mandar pren-
der a todos que assim se expressavam, naõ bastaiiain todas as
cadeas do Rio-de-Janeiro, e seu contorno, para conter os pro-
nunciados.
Com tudo o Principe Real parece naõ se ter contentado, com
que o Intendente se limitasse a exhortaçoens ; e portanto foi di-
mittido do lugar, e substituído por Joaõ Ignacio da Cunha, por
um decreto de S. A. R. de 6 de Outubro, que foi a data da pro-
clamaçaõ do Principe.
Seguio-se a isto um apparente socego, e o dia 12, em que se
esperava a revolução, passou quietamente. He natural a conjec-
tura de que se os boatos tinham fundamento fosse pela proclama-
çaõ de S. A, R. que se desfizesse o que estava assentado ; por-
que, se os que eram do partido da independência, firmaram a
540 Wuetllaneu.
baze dessa independência em fazer do Brazil uma Monarchia,
cujo Monarcha fosse o Principe, declarando este tam positiva-
mente que se oppunha ao projecto, éra preciso que elles o aban-
donassem.
Mas pôde ainda duvidar-se, se por haver falhado esse plano
de pôr no throno da Monarchia do Brazil o Principe Real, os do
partido da independência renunciaram a ella, ou meditam outros
meios de a pôr em execução. He possivel que a calma, que se
seguio á declaração do Principe, seja somente o effeito da neces-
sidade de concertar novas medidas. Se assim for, os males, que
devem seguir-se,só poderão ser atalhados por uma consummada
política, nunca por um punhado de tropas, que se possa man-
dar de Portugal. Veremos o que para esse fim obram as Cortes.
Por ora ainda naõ sabemos de outras providencias» se naõ o
mandarem-se tropas para ali, cuja expedição deveria sair de
Lisboa aos 24 de Novembro, mas no I o . de Dezembro ainda naõ
tinha partido : e preparava-se uma náo, que deve conduzir á
Europa o Pripcipe Real.
Em S. Paulo tinha-se feito, segundo o exemplo das mais capi-
tanias, uma Juncta Provisória, mas a guarniçaõ de Santos le-
vantou-se amotinada por falta de pagamentos ; commetteo mui-
tos roubos e mortes ; mas foi por fim submellida pelos esforços
tempestivos da Juncta de S. Paulo, que nisto se portou com
louvável vigor.
Temos noticias de Monte-vedeo, até 26 de Septembro. A
Banda Oriental, formalmente annexa ao Biazil, mostra com tudo
o semblante de que procurará constituir-se um Governo indepen-
dente; porque nenhumas medidas se tem adoptado para conso-
lidar aquella uniaõ. As forças de Entre Rios que cruzaram o
Paraná foram totalmente destruídas, e seu chefe Ramirez foi
decapitado. Cairera escapou-se, e se retirava para Mendoza.

Liberdade da Imprensa.
Chegou ja o caso, que lilibamos previsto, quando demos nossa
Misccilauca. 511

opinião sobre a ley que fizeram as Cortes, a que puzéram o


alcunho de protecçaõ da imprensa. Alludimos aos manuscrip-
tos, que se naõ chegam a imprimir. O caso agora acontecido
se contem no documento seguinte : e veremos como se reraedea
pelos entrávez, que aquella ley póz á liberdade da imprensa ;
ou se daqui se seguirá uma declaraçaõá ley, para coinpreheuder
os manuscríptos.
" Manda EI Rey, pela Secretaria de Estado dos Negócios de
Justiça, remetter ao Chanceller da Casa da Supplicaçaõ, que
serve de Regedor, a couta inclusa do Intendente Geral da Policia,
datada em 11 do corrente mez ; que acompanha a devassa, a
que procedeo o Corregedor da Comarca de Villa-Viçosa, para
descubrir o author do manuscripto intitulado, " Preservativo
simples e calholico, contra as ideas liberaes do século 19;" do
qual se conceitua ser seu author o Doutor Frei Manuel da Encar-
naçaõ Sobrinho, religioso de S. Paulo, e residente no convento
de Villa Viçosa: e ordena que o mesmo Chanceller faça proce-
der contra o culpado na forma da ley; supprindo-se no processo
aquellas nullidades, que forem suppriveis por direito, e dando
parte por esta Secretaria de Estado da conclusão do negocio de
que se tracta. Palácio de Queluz, em 22 de Novembro de 1821.
—Jozè da Silva Carvalho."

Despachos Diplomáticos.

O Ministro dos negócios Estrangeiros communicou official-


mente ás Cortes a lista dos Diplomáticos nomeados para as Cor-
tes Estrangeiras ; e he a seguinte :—
Londres. Encarregado de Negócios, Joaõ Francisco de Oli-
veira. Primeiro addido, Jozé Fernandes Thomaz : Segundo ad-
dido, Thomaz Yanzeller.
Paris. Encarregado de Negócios, Sebastião Xavier Botelho.
Primeiro addido, Jozé Diogo Mascarenhas Neto : Segundo ad-
VOL. XXVII. No. 163. 4A
542 Miscellanea.

dido, Torquato Jozé Ferreira. Addidos sem ordenado, Joaõ da


Câmara Leme, e Duarte Ferreira Bastos.
Madrid. Encarregado dos Negócios, Manuel de Castro Pe-
reira. Primeiro addido, Joaõ Bernardo da Rocha.
N. B. Interinamente fica naquella mesma qualidade Diogo
Vieira Tovar de Albuquerque, que éra ctnselheiro de Legaçaõ,
e está encarregado de promover a causa.
Segundo addido, Jozé Gnilherme de Lima.
Petersburgo. Encarregado dos Negócios, Antônio Joaquim
Gomes de Oliveira. Addido, Luiz Antônio de Abreu e Lima.
Roma. Addido, Luiz Francisco Risso.
Vienna. Encarregado dos Negócios, D. Francisco de Almei-
da Portugal. Addido, Joaõ Freire de Andrade Salazar e Eça.
Washington. Encarregado de Negócios, Francisco Solano
Constancio. Addido, Veríssimo Antônio Ferreira.
Stockholmo. Encarregado de Negócios, Jacob Frederico
Torlades Pereira de Azarabuja. Addido, Ricardo Albuquerque
Corte Real. Addido sem ordenado, Caetano Alberto Pereira
d'Azarabuja.
Copen/iague. Addido, Antônio Esteves Chaves.
Berlin. Enearregado de Negócios Jozé Balbino Barboza
Araújo,
Bruxellas. Encarregado dos Negócios, Joaõ Antônio Ramos
Nobre. Addido, Nuno Barboza de Figueiredo.
Nápoles. Eucarregado dos Negócios, Jozé Pereira de Mene-
zes. Addido, Antônio Jorge Demony.
Turim. Encarregado dos Negócios, Carlos Malhias Pereira.
Addido, Jorge Husson.

Esta nomeação tem sido mui taxada de imprópria, tanto em


Lisboa, como nos paizes estrangeiros, aonde essas cousas se
analyzara miudamente : confessamos, que algumas das aceusa-
çoens saõ verdadeiras ; mas passamos por ellas; porque para o
futuro se poderão fazer melhores: por ora contentamo-nos com
ver sair essa Repartição da influencia de certas famílias, quepa-
Misce/lanea. 543

reclam occupar esses lugares como morgados, que só elles e seus


apaniguados deveriam gozar: um principio de reforma he sem-
pre um bem.
A propósito destes lugares. D. Lourenço de Lima, que foi
Ministro em Londres, e ultimamente servio de simples agregado
á Missaõ nesta mesma Corte, retirou-se a Lisboa, e teve o des-
pejo de ir apresentar-se no Conselho da Fazenda, como Conse-
lheiro: mas os sens Collegas o naõ quizerara receber, e apenas
lhe concederam ficar escondido n'um quarto, para sair com os
demais qnaudo acabon a sessaõ do Tribunal, a fim de parecer ao
publico, que actualmente havia tomado o seu assento. Sictran-
sit gloria mundi

Conde dos Arcos.

Ja tivemos occasiaõ de notar, que este fidalgo obtivéra das


Coites, que se devassasse delle em Lisboa, a fim de se poder jus-
tificar: o resultado desta indagação foi o seguinte :—
" Manda El Rey, pela Secretaria de Estado dos Negócios de
Justiça, participar ao Chanceller da Casa da Supplicaçaõ, que
serve de Regedor, que as Cortes Geraes e Extraordinárias da
Naçaõ Portugueza; tomando em consideração o summario de
testemunhas transmittido pela Secretaria de Estado dos Negócios
de Justiça em data de 27 d'Outubro, a que procedeo o Correge-
dos do Crime da Corte, em virtude da ordem de 17 de Septem-
bro proxime passado, á cerca da supposta conspiração; que a
Juncta do Governo da Bahia imputou ao Conde dos Arcos, na
sua conta de 20 de Junho do presente anno ; tendo junctamente
presentes a memória e documento justificativos offerecidos pelo
mesmo Conde, de que tudo se mostra a falta de fundamento da
quella impntaçaõ, em que a Juncta se reporta a cartas, que naõ
manda, recebidas do Rio-de-Janeiro, de pessoas, que nem no-
mêa, accrescentando, que o Conde viuha em custodia no brigue
Treze-de-Maio, quando he evidente por seus documentos, que
vinha para Portugal com sua filha, por licença do Príncipe Real "•
544 Miscellanea.

resolveram, que o Conde dos Arcos seja immediatamente resti-


tuido á sua inteira e plena liberdade. Em conseqüência do que
manda o mesmo Senhor, que o sobredicto Chanceller da Casa da
Supplicaçaõ, ficando nesta inteliigencia, faça logo expedir as
ordens necessárias, para inteiro e devido cumprimento do que as
Cortes Gerats e Extraordinárias da Naçaõ Portugueza tem orde-
nado. Palácio de Queluz em 29 de Novembro de 1821. Jozé
da Silva Carvalho."

Conde de Palmella,

Pelos extractos da sessaõ 248 das Cortes a p. 513 se vê que os


requirimentos do Conde de Palmella ás mesmas Cortes, posto
qne tivessem Deputados a seu favor, naõ tiveram o mesmo re-
sultado do negocio do Conde dos Arcos ; porque se assentou, que
os casos eram differentes; e para esta decisão muito contribuio
a falia do deputado Fernandes Thomaz, na mesma sessaõ, e pa-
ra a qual referimos o Leitor.
A tergiversação do Conde em toda a sua vida publica, o fa-
zer má escolha de amigos e inimigos, de tal modo o derrotaram
na opinião publica, que muitos o suppoem ja totalmente inca-
pacitado de poder ser nocivo ao systema constitucional, e com
tudo ainda suas travessuras naõ esqueceram, como piova a deci-
são a que vieram as Cortes, sobre suas petiçoens,

AMERICA HESPANHOLA.

Parecei que as ex-c.olonias de Hespanha na America se vain a


constituir em quatro Estados diflerentes, e independentes entre
si, cada um dos quaes abrange territórios mais dilatados do que
o maior reyno da Europa. O 1.' he o México, que ultimamente
se declarou naçaõ a parte : o 2.* he Columbia, que abrange as
Miscetla/iea. 545

antigas provincias de Venezuela, Nova Granada, Guayaquil, e


suas dependências : o 3." La Plata, cujas províncias ainda naõ
tem território determinado, por obrarem algumas de suas comar-
cas separadamente de Buenos Ayres : 4.° O Chili, a que parece
se lhe vai unir o Peru.
De todos estes Estados, aquelle que está menos consolidado em
seu Governo, he o que primeiro adquiriu sua independência, La
Plata, ou Buenos Ayres.

Cotnmbiu.
A Republica de Columbia, propoz á província de Guayaquil,
que se unisse aos outros Estados de Venezuela e Nova Granada,
com que a Republica de Columbia terá importantes portos no
Oceano e mar Pacifico. Aos 15 de Maio se concordou em
Guayaquil, n'uma convenção, que conta 7 artigos, e que de-
termina esta uniaõ.
Tendo os Columbianos tomado posse de Carthagena, única
praça que ainda restava aos Hespanhoes naquella costa, des-
tinava-se o General Bolívar a ir com uma expedição contra Pa-
namá, o que dará á Republica de Columbia o commando do
ithmo daquelle nome, e completará o território de que aquelle
novo Estado se deve compor.
Segundo estes planos vein o Brazil a ficar em contacto com a
Republica de Columbia, pela demarcação do Governo do Rio-
Negro.

México.

Por uma gazeta do México, intitulada Noticioso General,


consta, que aos 27 de Septembro entrou naquella capital o
General dos Independentes, Iturbide, accompanhado do Ex-Vice-
Rey, Conde de Abisbal, que foram recebidos, com suas tropas,
no meio de festividades, e grande alegria,
No dia seguinte se inaugurou a Juncta provisioual de Go-
verno, e o Conselho de Regência, expedindo-se uma proclama-
546 Miscellanea.

çaõ assignada pelo Presidente, Iturbide, em e que annuncia


officialmente este acontecimento, e qne a Juncta Provisional
ia a tractar da convoçaõ das Cortes. Parece que o Ex-Vice-
Rey, 0'Donoju, falleceo pouco depois destes acontecimentos.

Chile.

Recebemos ura interessante papel, denominado " Gazeta


Ministerial Extraordinária de Chile," (15 de Agosto 1821) Neste
papel se contém a relação official ecircumstanciada dos succes-
sos do Peru. Havendo ja annunciado isto mesmo em summa, no
nosso N." passado, pouco interesse causaria a descripçaõ par-
ticular, que só no paiz he bem apreciada. Bastara dizer, que
o Bispo ficou em Lima, para seguir a sorte do povo, o que lhe
obteve uma carta de louvor do General San Martin, e que as
provas forças Hespanholas, que naõ quizéram estar pela ca-
pitulação, se retiraram ao interior, commettendo barbaridades
inexcusaveis, por isso que naõ tem plano determinado, e ex-
posta a parecer á fome e miséria, sem fim estabelecido a que se
dirijam, e somente por uma cegueira indisculpavel. Um desta-
camento de San Martin seguio estes miseráveis para Ornaz da
Serra, na estrada de Coayllo, e a deserção prova quam errado
caminho seguiam aquelles infatuados Hespanhoes.

ESTADOS UNIDOS,

Segundo a Constituição do Estado de Nova-Vork o que tam-


bém se observa em todas as dos mais Estados Unidos, se deve
de tempos em tempos, e a períodos determinados, rever e emen-
dar a mesma Constituição, Em conseqüência disto se convo-
cou ha dous ou três mezes uma Convenção, em Albany, que
findou agora seus trabalhos, concordando na reforma da Consti-
Misce/lanea, 547

tuiçaõ com tal unanimidade, que quasi parceiia incrível, trac-


tando-se de um instrumento, aonde se determinam os pontos
essenciaes de Governo. A convenção consistia de 124 mem-
bros, somente oito naõ quizéram assignar as novas reformas; e
18 estavam ausentes. Consistem essas reformas nas qualifica-
çoens dos eleitores, e tempo que devem sei \ 11 os eleitos 110 Se-
nado, 11a Asseniblea, e na Governança,

FRANÇ A.

O Ministério Francez, que ha muito tempo se achava ameaça-


do por invencível opposiçaõ dos dous partidos extremos, deno-
minados U/trus e Liberaux, succumbio em fim a uma maioridade
na Câmara dos Deputados, a que naõ pôde resistir.
A Câmara dos Pares, no seu memorial a El Rey, na abertura
da pi escute sessaõ, claramente intimou a S. M., que desappro-
vava seu comportamento, em naõ tomar parte na causados Gre-
gos, quando o respeito á Religião e á Justiça devia ser preferi-
do ás consideraçocns da Política. El Rey respondeo a isto, em
um paragrapho, com bastante vehemencia, nestas palavras :—
" No desterro e na perseguição, tenho sustentado os meus di-
reitos, a honra da minha família, e a d o nome Francez. No thro-
no, ceicado pelo meu povo. me sinto indignado, com a mera
supposiçaò de que ja mais sacrificarei a honrada Naçaõ, e a dig-
nidade de minha coroa."
Os Ministros propuzéram a continuação da ley, sobre a liber-
dade da imprensa, que a menos que naõ fosse renovada devia ex-
pirar. Esta ley intitulava-se ley parasupprimir os crimes com-
mettidos pela imprensa ; e ao menos no nome, foram os Ministros
Francezes mais consistentes ou mais sinceros do que as Cortes
de Portugal, que impuzéram as suas leys penaes contra a im-
prensa, debaixo do nome de protecçaõ da imprensa.
Com tudo a ley, que propuzéram os Ministros Francezes éra
548 Misccllanea.

tam obuoxia, e tam diiectamente opposta á publicação de cousa


nenhuma útil pela imprensa, que o partido, Liberal, se delibe-
íou a ter por Ministros qualquer combinação de homens, que naõ
fosse a que formava o actual Ministeiio.
Isto decidido votaram com os do partido Ultra, e deixaram os
Ministros em tal minoridade, que se viram na necessidade de
largai seus postos, sendo impossivel continuai no Governo, ten-
do contra si a maioridade da Camaia dos Deputados.
Houveram vai ias negociaçoens para se arranjar novo Ministé-
rio, e depois de naõ pequenas difficuldades, annunciou El Rey
sua escolha pela seguinte :—

Ordenança Real.

" Luiz. pela Graça de Deus, &c.—Temos ordenado e ordena-


mos o seguinte:—O Sieur Peyronnet, membro da Camaia dos
Deputados he nomeado Ministro Secretario de Estado na repar-
tição de Justiça, e Guarda dos Séüos. O Visconde Montemo-
rency, Par de Fiança, Ministro Secielario deF.stado da reparti-
ção dos Negócios Estrangeiros. Marechal Duque de Belluno,
Par de França, Ministro Secretario de Estado da repartição de
Guerra. Sieur Corbiere, Membro da Câmara dos Deputados,
Ministro Secretario de Estado da repartição do Interior. Mar-
quez de Clermont Tonnerre, Par de Fiança, Ministro Secreta-
rio de Estado da repartição da Marinha. Sieur de Villele, mem-
bro da Câmara dos Deputados, Ministro Secretario de Estado
da repartição de finanças,—O nosso Ministro Secretario de Es-
tado na repartição de nossa Casa he encarregado da execução
da presente ordenança. Dado ein Paris no Castello das Thuil-
lenas, aos 14 de Dezembro, no anno da Graça 1821; e 27 do
nosso Reynado—
(Assinado) Luiz.
Por ordem d'EI Hey LADIUSTON.

Quanto ás causas d< sta importante mudança no Ministério de


França devemos obseivar, que ella foi causada, pela uniaõ dos
Liberaes eoin os Filias ; porque, por mais estranho que pança,
Min eldíiti n 549

estes eram menos obnoxios que ns outros Realistas, que


estavam em poder.
Além do desgosto geral, que tem causado á Naçaõ todos 06
Ministérios escolhidos pel actual Rey, havia contra o ultimo ac-
cusaçoeus particulares. Os Francezes naõ podiam supportar,
que seu Governo olhasse tranqüilamente para o poder e influ-
encia da Áustria na Itália, sob pretexto de reintegrar os Reys de
Nápoles e Sardenha em seu antigo domínio : nem se accommo-
dam os Francezes a que a França pareça neulral, na contenda dos
Gregos contra os Turcos : ultimamente o projecto de ley contra
a imprensa exasperou os ânimos, e servio de obvio pretexto,
para que os Liberaes se unissem aos Ultras.
Esta manobra política teve o manifesto fim, de forçar os Ultras
a seguir aquellas medidas, que os trouxeram aoMinisterio, e quan-
do o naõ façam, a mostrar que os Liberaes os podem outra vez
expellir, unindo-se a seus rivaes.
O Duque de Richelieu, teve de soffrer todo o ódio da opposi-
çaõ; porque a queixa a respeito da Itália e da Grécia attribuia
á influencia da Rússia, o naõ tomar a França parte naquellas
transacçoens ; e essa influencia Rússia se dizia ser exercitada
por meio do Ministro Richelieu.
Aos 15 se apresentou á Camaia dos Deputados a ordenança
d'El Rey, retirando ofticialmente a proposição da ley contra a
liberdade da imprensa. Seguiram-se os annuncios da resigna-
ção ou demissão de muitos funecionarios públicos de maior im-
portância, taes como Pefeito da Policia em Paris, Administra-
dor dos Correios, Director dos Registros, &c.

nr:si'AN H A .

As commoçoens e descontentamento dos Hespanhoes, contra


varias medidas de seu Governo, tem tomado tam séiio aspecto,
que as Cortes nomearam para indagai este objecto uma ( ouiiiiis-
Voi.. XXVII. Ne. 103. 4n
jj(t MisCellwlCfl.

saõ Especial. 1 ez a Commissaõ o seu relatório, que se publi-


cou, mas acompanhou-o de outro fechado, que recoinmendou se
naõ fizesse p u b l i c o ; e ésla recommendaçaô foi attendida, depois
de longo debate.
Cadiz, e mais cidades de Andaluzia, se tem declarado tam d e -
cididamente contra o Governo, qne as tropas da guarniçaõ se ar-
maram para resistir a entrada do novo General, que a Corte lhe
nomeara. O memorial lemetlido a El Key contra as medidas
do .Ministério, foi assignado por todas as authoridades civis, e
pelos principaes chefes niilitates.
A primeira assignatura neste memorial he a do Chefe Político
Jauregny ; e contém passagens directamente apontadas contiu
El Rey. O Baraõ D ' Andilla, que a gente de Cadiz agora re-
gei ta, he j a o segundo Governador, que soffie este d i s s a b o i ;
porque antes delle foi nomeado o Marquez de Ia Reunion, que
encontrou similhante repulsa. Por isto se vê, que se os povos
se mostram pouco satisfeitos com alguma nomeação, El Rey faz
outra, que seja ainda mais odiada.
Em Si. \ ilha suecedeo o mesmo com o Governador, que para ali
se mandou, o General Moienc, e com tudo El Rey naõ no-
mea Ministros se naõ aquelles homens, que sigam este systema,
e sem pie acha quem queira s u b m t t t e r - s e a tal tarefa.
El Rey, por unia mensagem, em 27 de Novembro, se queixou
ás Cortes deste comportamento de Cadiz, em termos mui acerbos.
i i\Ias epie auxilio lhe podem d;,r as Cortes ? Quando o Gover-
no despreza a opinião publica, nada o pode salvar.
Em Galiza vam as cousas da mi sina forma, porque mandando
o Governo um suecessor ao General Mina, que governa aquella
provincia, uma combinação geral se oppoz a este mandado.
Mina impoz tiibutos para obter meios com que fazer efficaz a re-
sistência, e esses tiibuins foram pagos com a mais decidida boa
vontade.
Em Barcelona e Catalunha mostia-se o mesmo sentimento de
opposiçaõ ao Governo ; e com tudo naõ apparece queixa alguma
de que se ti nha violado a Constituição, nem por El Wey, nem
poi seus Minislios.
Miscellanea. 551
He logo matéria de summa importância examinar a causa de
um descontentamento, que parece tam geral.
As queixas contra os Ministros ferviam de todas as partes,
mas El Rey friamente respondia, que os Ministros o serviam a
seu modo, e que por tanto os naõ despediria, e se elles naõ obra-
vam constitucionalmente, o remédio éra obvio—uma accusaçaõ
das Cortes contra elles. E com tudo, S. M, consultou Martinez
de Ia Rosa, Presidente das Cortes, sobre a nomeação de novo
Ministério. Martinez propoz-lhe para Ministros, Arena, Osório,
e Dofeo.
Quando começaram os distúrbios politicosem Hespanha. pe-
lo ameaço da invasão Franceza, muitos Hespanhoes conheceram,
que os males da Naçaõ provinham da corrupção de seu Gover-
no, e da depravaçaõ dos Cortezaõs, e propuzéram-se a remediar
o mal, reformando o Governo, e limitando o poder Real. Cha-
maram-se a estes o partido Liberal.
Outros Hespanhoes, que depois tiveram o nomes de Afrance-
zados, seguiram a vereda de se livrar de seu Governo, favorecen-
do a dominação estrangeira, e serviram ao Rey, que lhes deram
os Francezes, Jozê Bonaparte.
Claro está, que ambos estes partidos queriam excluirá domi-
nação da casa reynante em Hespanha; mas os Liberaes propu-
nham-se a substituir-lhe outro governo nacional, os Afranceza-
dos um jugo estrangeiro. El Rey, Fernando V i l , quando foi
restituido ao throno de Hespanha, conbecêo, equnaõ podia go-
vernar por meio das pessoas, que eram adictas ao antigo despo-
tismo ; por que tal gente éra a olhos vistos odiada por toda a na-
çaõ. Tinha por tanto a escolher entre inimigos, isto he entre
os Liberaes, e Afrancezados ; estes eram os que lhe faziam me-
nos sombra ; porque éra natural suppôr, que quem se accommo-
dara ao despotismo Francez, facilmente se traria a reconciliar-
se com o despotismo de um Hespanhol.
Vendo-se El Rey, pela sublevaçaõ das tropas, obrigado a tor-
nar a admittir as Cortes, seguio o systema de se servir dos Afran-
cezados, porque naõ podia empregar os declarados servis, sem
552 Miscellanea.
que o escândalo, por mui conhecido, se fizesse geralmente odi-
ado.
Daqui procedeo a perseguição surda, que tem soffridoos Li-
beraes, e o chamarem-se para os empregos os Afrancezados,
sempre que isso se tem podido fazer impunemente, sem que se
diga que houve iufracçaõ da Constituição. Mas a Naçaõ, que
vê este ataque surdo, clama, e daqui a origem de tam aberto
descontentamento.
Demoraino-nos um pouco nesta matéria; porque observamos
em Portugal a imitação dos mesmos erros, em vez de melhora-
mento pela experiência na casa alheia, e em outra occasiaõ ap-
plicaremos ei cuento.
Como quer que seja, o Rey da Hespanha tem chegado ao crí-
tico momento dever a Andaluzia, uma das mais importantes pro-
víncias daquella Monarchia, fallar de independência ; e o Minis-
tério Portuguez tendo a fraqueza de se ingerir nestas matérias:
mas sobre isto mais devagar fatiaremos n* outro N.°
Aos 20 de Novembro se recebeo em Madrid noticia do que O*
Donoju tinha feito em México, relativamente á independência do
Mcxico, e acordaram os Hespanhoes do sonho em que estavam,
contando ainda com suas colônias na America. He notável,
que tanto o partido Liberal como o Servil, julgaram que este
acontecimento favorecia suas vistas. Os Liberaes assentavam
que este importante successo serviiia de expor a fraqueza e im-
becilidade dos Ministros. Os Sei vis olhavam para isto como
exposição da perversidade dos Liberaes em arruinar a sua pátria,
porque o negocio foi concluído por 0'Donoju, um dos do par-
tido Liberal; o desgosto e paixaõ dos de mais Hespanhoes foi
mui geral, vendo perdidas as suas minas do México, sem remé-
dio, e inevcigavelnieiite.

R U S s I A.

Conforme as ultimas noticias, que se tem publicado, sobre


as vibtas do Gabiuele de S. Peleisbuigo, está ainda indecisa
Misccilflnea. 553

a questão da paz ou da guerra com a Turquia. A postura a-


meaçadora da Rússia, porém, se poderá conhecei, pela distri-
buição e arranjo de suas forças militares, segundo colhemos das
gazetas de Bruxellas.
A massa das tropas Russianas está dividida em dous exerci-
tos, e cinco grandes corpos. O primeiro exercito he composto
d e d e z divisoens : o segundo de q u a t r o ; e o todo em lõ corpos.
Estas divisoens estaõ organizadas em igual maneira; infante-
ria, cavallaria, artilheria e engenheiros, formando biigadas
5ÍC. O total de cada corpo he de 00 e 70 mil homens. Cada
uni dos dous exércitos tem seu Generalissimo, Os Corpos des-
tacados tem seu General em Chefe. Todos estes corpos estaõ
distribuídos da maneira s e g u i n t e ; —
O primeiro exercito se extende por todas as provincias occi-
dentacs ; e toca nas fronteiras de Polônia e Áustria : o segundo
está postado na parte Meredional do império, principalmente
no lado de T u i q u i a e Moldavia. Os cinco corpos destacados
estaõ acantonados da maneira seguinte,
1. Os regimentos das guardas, que he o corpo inais uumero-
;-o, porque tem 80.(ií)(l homens effectivos, e que está geralmen-
te em S. Pelersburgo e suas vizinhanças, tem agora avançado
para as fronteiras occidentaes.
2. A divisão de Lithuania occupa as provincias do Baltico, e
se extende até as fronteiras de Prússia.
3 . A divisão de 1'inland está aquartelada ao longo do golpho
daquelle nome, e no lado da Suécia.
4. A divisão de Geórgia occupa aquelle paiz e fionteiras de
Peisia.
5 . A divisão de Sibéria se extende pelo Norte de Ásia. Além
desta massa de tropas, ha em cada Governo dous ou ires bata-
Ihoens de guarniçaõ, segundo sua extençaô. Contando somente.
100 homens por guarniçaõ, eajunctando-lhe unia companhia de
veteranos em serviço actual, na cidade principal, de cada distric-
to ; todos estes corpos destinados ao servi ço do interior, e tam
bem exercitados como as tropas de linha, as Iciças devem sei
iimnensas.
554 Miscellanea.

Portanto a massa total das tropas deve subir a cima de um mi-


lhão de homens, sem contar os inválidos, que fazem o serviço
local, e cujo numero he considerável. Somente os officiaes de
todos estes corpos formariam um exercito, mais numeroso do que
o de alguns reynos.

TURQUIA.

A revolução das províncias Gregas tem mostrado a fraqueza


do Império Ottomano, que naõ podendo submetter um só Bacha
de Janina, mal poderia depois subjugar a rebelliaõ de tan-
tas provincias na Grécia. Accresce agora, que se declararam
também hostilidades com a Pérsia, tendo esta potência a victo-
ria nos primeiros recontros com os Turcos. Julgou-se ao prin-
cipio, que este ataque fora de pouca importância; porem no-
ticias subsequentes tem mostrado, que he o effeito de uma
invasão organizada, que ameaça ao mesmo tempo Erzerum e
Bagdad, e que dará um golpe mortal ao poder Turco naquella
parte da Ásia.
( 555 )

DO VOLUME XXVII.
No. 158.
POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.


Decreto de S. M. dando a liberdade de imprensa no Brazil 3
Decreto, approvandoa Constituição, e annunciando a mu-
dança d*El Rey para Lisboa 5
Decreto para se elegerem no Brazil Deputados das Cortes 8
Decreto das Cortes abolindo as Administraçoens nas Casas
Particulares 9
Decreto das Cortes, abolindo as aposentadorias 9
Officio do Secretario d'Estado d* El Rey á Regeucia 10
D*. D", annunciando a negociação de nm empréstimo 13

COMMERCIO E A R T E S .

Preços correntes em Londres 15

L I T E R A T U R A E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra 16
Portugal 17
O Eremeterio de Kandu 18
556 Index.

MISCELLANEA.

Sessoens das Cortes desde 96 até 115 26


Parecer da Commissaõ sobre os Diplomáticos Portuguezes 53

Rejlexoens sobre as novidades deste mez.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves. Vinda


d* El Rey para Lisboa 64
Regência no Brazil 68
Expedição da Bahia 70
Liberdade da Imprensa 70
Banco do Rio-de-Janeiro 71
Procedimentos das Cortes 73
Educação Publica 76
Diplomáticos Portuguezes 77
Conde de Sabugal 78
Partido Anti-constitucional 79
Monte-Vedio 80
Maranhão 81
America Hespanhola 82
França 84
Hespanha 84
Inglaterra 85
Commercio da Escravatura 86
Turquia. 87
Miscellanea. 557

No. 159.

POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.

Decreto de S. M. nomeando a Regência no Brazil 89


Instrucçoens para o Principe Regente 91
Falia do Presidente das Cortes a El Rey 93
Resposta d'El Rey 97
Officio das Cortes pedindo explicaçoens a esta falia 100
Resposta do Ministro d* El Rey 101
Decreto d'El Rey nomeando Ministros d'Estado 102
Annunciando a sua escolha de Conselheiros 103
Decreto das Cortes sobre o formulário das leys 103
Hespanha. Monitoria do Chefe Político de Madrid 106

COMMERCIO E ARTES.

Preços correntes em Londres 109

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra 11
Portugal 112

MISCELLANEA.
Cortes de Portugal, desde sessaõ 116 ate 143 113
V O L . XXA 7 II. N°. 1Ü3. 4c
558 Inde.i.

Relatório da Deputaçaõ de Cortes que recebeo S. M. 145

Rejlexoens sobre as novidades deste mez.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves. Mudança de


S. M. para Lisboa 156
Governo do Brazil 159
Procedimentos das Cortes de Portugal 162
Melhoramentos em Portugal 168
Diplomáticos Portugueses 171
America Hespanhola 174
E - 178
Inglaterra 180
Rússia 181
Turquia 182

No. 160.

Reyno Unido de Portugal Braxil c Algarves.

Proclamaçaõ das Cortes aos habitantes do Brazil 185


Ley sobre a liberdade da imprensa 191
Decreto do Príncipe Regente do Brazil creando uma Juncta
Provisória de Governo 205
Decreto do Principe Regente approvando a eleição da
Juncta 206

COMMERCIO E A R T E S .

Preços correntes em Londres 203


Index. 559

L I T E R A T U R A E SCIENCIAS.

Novas publicaçoens em Inglaterra 209


Portugal 211

MISCELLANEA.

Mudança de Governo no Rio-de-Janeiro 212


Sessoens das Cortes desde 144 até 165 214

Reflexoens sobre as novidades deste mez.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves. Negócios


do Brazil 232
Estado Politico do Brazil 234
Evacuação de Monte-Vedio 239
Liberdade da Imprensa 240
Melhoramentos pelas Cortes 245
Finanças 251
Diplomáticos Portuguezes , 252
Ministros Estrangeiros em Lisboa 254
Direitos de Cidadão 255
America Hetpanhola 257
Hespanha , 259
Rússia 260
Turquia 262

C O N R E S P O N D E N CIA

Carta ao Redactor sobre as relaçoens de Portugal com o


Brazil 263
Avisos a Conrespondeules 272
560 Index.

N o . 161

POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.

Decreto sobre os Empregados Diplomáticos 273


Creaçaõ de Junctas de Governo no Brazil 275

COMMERCIO E A R T E S .

Preços correntes em Londres *273

L I T E R A T U R A E SCIENCIAS.

Novas publicaçoens em Inglaterra *277


Portugal *279

MISCELLANEA.

Relação da receita e despeza da administração dos Dia-


mantes *279
Receita e despeza da Provincia da Bahia desde 1817 até
1821 284
Cortes de Portugal: Sessaõ 166 até 198 290

Reflexoens sobre as novidades deste mez.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves, Mudança


de Ministério 329
Prêmios aos beneméritos da Pátria 322
Tendência da Revolução em Portugal 323
//(</<-1. 561

Cortes de Portugal 327


Local das Cortes 329
Expedição para o Brazil 329
Governo Provisório do Brazil 330
Tractado de Commercio com a Inglaterra 334
Colônia de Suissos no Brazil 336
Monte Vedio 340
America Hespanhola 341
Estados Unidos 343
Hespanha 344

CONRESPONDENCIA.

Carta sobre o tractado de Commercio com Inglaterra 348

No. 162.

POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil c Algarves.

Decreto para a Regressão do Principe Real 351


America Hespanhola. Declaração da Independência do
México 352
Artigos da Convenção entre o Chefe dos Independentes e o
Vice Rey da Nova Hespanha 356

COMMERCIO E ARTES.

Pieços correntes em Londres 359


562 l/trlu.

LITERATURA E .S(1EN< IAS.

Novas puhlicaçoens em Inglaterra 30(1


Portugal 302
Jornal da Expedição do General Mina ao México 364

MISCELLANEA.
Relatoiioda Commissaõ de .Marinha ás Cortes 38?
Cortes de Portugal. Sessaõ 199. a até 210 394

Rejlexoens sobre as novidades deste mez,

Reyno Unido de Vortugal Brazil e Algarves. Systema


de Intolerância 422
Cortes de Portugal 429
Brazil 434
Pernambuco 435
Sobre o papel moeda em Portugal 447
Armada Portugueza 453
Colônia dos Suissos no Brazil 454
Banco do Brazil 454
America Hespanhola. México 4õ.r>
Columbia 450
Buenos Ayres 450
Cluli 457
Hespanha 457
Inglaterra 458
Ilhas Ionias 459
Sardenha 459
Index. 563

CONRESPONDENCIA.

Carta sobre o Governador de Pernambuco Rego 461


Sobre a Colônia de Suissos no Brazil 464
Do Snr. Marreco refutando o Sovela 467

N o . 163.

POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.


Decreto para creaçaõ de Junctas de Governo no Brazil 469
Addicionamento ao projecto de ley sobre os foraes 473
Ley para distribuir os Negócios do Brazil, unidos na Re-
partição do Ultramar, ás outras Secretarias 475

COMMERCIO E ARTES.

Preços correntes em Londres 479

LITERATURA E SCIENCIAS.

Novas publicaçoens em Inglaterra 480


Portugal 481
Jornal da Expedição do General Mina ao México 482
5t34 hi<U

MISCELLAMiA.

Cortes Geraes da Naçaõ. Sessaõ 21? afe '251 490


Rcjiexocns sobn as novidades deste mez.
Reyno Unido de Portugal Brazil <• Algarves. Procedi-
mentes das Cortes 520
Responsabilidade dos Minisiros °-"
Deputados do Brazil em Cortes 520
Constituição 5-0
Conselho de Estado 531
Brazil 531
Liberdade da imprensa °^"
d4i
Despachos Diplomáticos
d4
Conde dos Arcos **
Conde de Palmella °**
America Hespanhola "44
Columbia 545
México 545
Chile 540
Eslados-Unidos 540
França *)4'
54í>
Hepanha
d >1
Russsia ' -
&54
Turquia.
F,\tc iftlume foi fae-similatlo a partir
de coleção de José Mmdlin.
inelusiee capas e sobrecapa.
Impresso em janeiro de 200,'i em papel
1'ólen Rustic H.lpnr nas oficinas da
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
Textos complementares compostos
em Hodom. corpo (> 11 18.

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