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NOÉ AZEVEDO

lf

OT S ]URIDICAS

(Artigos de colaboração
na "Folha da Manhã")

1944
EMPR1!:SA GRAFICA DA "REVISTA DOS TRIBUNAIS" LTDA.
Rua Conde de Sarzedas, 38 - São Paulo
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ao ponto de vIsta do orador, e um dos congressistas formulou contra


a unificação proposta uma declaração de voto, que foi subscrita
pela quase totalidade dos membros da Comissão presentes, para
ficar constando dos anais do Congresso.
CONTRA A NACIONALIZAÇÃO DA MAGISTRA- Mas, apesar disso, parece que essa idéia de nacionalização da
TURA E O EXCESSO DE CENTRALIZAÇÃO * magistratura continua a agitar alguns espíritos. Isso bem mostra o
acêrto daquela distinção de Pascal entre "l'esprit géometrique et
l'esprit de finesse."
Seria realmente mais simétrico, mais simples e mais estético,
talvez, o nosso sistema de organização judiciária, se fôsse êle o
Em sessão da Comissão de Direito Judiciário Penal e Peniten- mesmo para todo o país e se só tivéssemos juízes pertencentes a um
ciário do Congresso Jurídico Nacional, o Dl'. Carvalho Neto, presi- quadro uniforme de magistrados DB.cionais. Mas o jurista não deve
dente do Conselho Penitenciário de Sergipe, proferiu brilhante ser dominado exclusivamente pela lógica, que encontra o seu melhor
discurso sôbre uma comunicação feita pelo Dr. Cesar Salgado, da arrimo nos teoremas e nas figuras da geometria. E o jurista que
delegação de São Paulo, a respeito da criação neste Estado do Con· deseja ser também estadista precisa agir com tato, prudência e finura,
selho dos Patronatos de Egressos. Falou do muito que o seu Estado afim de bem atender a exigências nem sempre concordantes de re-
já havia realizado em assuntos penitenciários, pôs em relêvo as giões diferentes do país. Dada a nossa grande extensão territorial, e a
grandes iniciativas de outros Estados, e exaltou sobretudo os extraor- imensa variação das atividades, com Estados essencialmente agrícolas
dinários progressos do Estado de: São Paulo, quanto a trabalhos de e pastoris, outros entregues à indústria extrativa e outros já inicia-
reforma penitenciária. Falou da necessidade da promulgação do dos na grande indústria manufatureira, uns já bastante adiantados,
Código Penitenciário e da uniformização do tratamento aos senten- outros ainda na fase de adaptação ao meio físico, - será dificílimo
ciados, assim como da assistência a suas famílias, em todo o país. resolver de maneira uniforme todos os problemas que vão surgindo
.o que aqui se estava fazendo serviria de padrão para as iniciativas nas zonas tropicais e temperadas. Em climas diferentes, diversos
nacionais. hão de ser os métodos de adaptação ao ambiente e de aproveitamento
Mas, prosseguindo nessa ordem de considerações, levantou tam- das possibilidades pelo homem.
bém a questão da unidade ou nacionalização da magistratura no país. E foi naturalmente por isso que, desde o tempo das capitanias,
Argumentou com a situação precária dos juízes de alguns Estados, se foram formando núcleos mais ou menos densos de população,
que têm de demonstrar um verdadei.ro heroísmo para se manterem em pontos distanciados, do litoral e do "hinterland".
condignamente e para desempenharem as suas funções em ambiente Disse o autorizado publicista Dr . .otto Prazeres, em artigo publi-
nem sempre cercado das necessárias garantias. .o Estado Nacional cado no "Jornal do Comércio" no dia 29 de agôsto próximo passado,
deveria voltar as suas vistas para êsse trabalhadores intemeratos, que a Constituinte brasileira não devia ater-se ao modêlo americano,
que fazem prevalecer, nos mais remotos confins do território da porque nos Estados Unidos a situação política era bem diversa.
República, a unidade do nosso direito. E isso só se poderia realizar Foram as províncias, que se haviam desligado da metrópole, que
pela unificação da magistratura. operaram um movimento confederativo. Trataram de se unir, e che-
Tivemos oportunidade então de aparte á-lo, dizendo que os males garam mesmo a uma organização federativa. Mas os laços desta
apontados, decorrentes especialmente de uma remuneração que não União não poderiam ser muito apertados, porque cada uma delas se
corresponde ao valor do trabalho e à dignidade do cargo, não desa- mostrava ciosa das prerrogativas que já havia adquirido, querendo
pareceriam com a nacionalização da magistratura, que possivelmente governar-se por si mesma.
traria um nivelamento inferior às aspirações dos próprios juízes .o fenômeno histórico no Brasil, por ocasião da Constituinte
brasileiros . Republicana, era bem outro. As nossas províncias estavam muito
.o assunto não foi debatido, visto não constar da tese especial- longe daquela situação de nações independentes e soberanas, que já
mente apresentada. Mas as manifestações gerais foram contrárias se consideravam as da federação americana. Não havia razão,
portanto, para os exageros que se observaram na fase de orga-
$ "Fôlha da Manhã" de M de setembro de 1943. nização da primeira República, em que se chegou até a falar em
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"soberania dos Estados", cogitando-se de dar a cada um dêstes atri- Em'basbacados com aquela atitude, resolvemos consul(har um
buição até de legislar sôbre direito substantivo. colega mais velho, mais experimentado, um ministro do Tribunal
Faz o notável articuL.sta um estUQO minucioso do anteprojeto de Justiça, que então se aposentara e estava fazendo brilhante car-
da Constituição de 1934, elaborado pela grande comissão que fun- reira na advocacia. Êste disse que, apesar de ser irritante o realismo
cionou no palácio do Itamarati, e da discussão do projeto na Assem- cru com que aquêle industrial pintara a situação, êle a focalizara
bléia Nacional. Procura mostrar que havia uma tendência manifesta muito bem, e o melhor era mesmo fazer a redução pretendida.
para a unificação da justiça. Diz que a Constituição de 1937 avançou Usavam então os advogados de todos os recursos possíveiS para
mais, nesse sentido, do que a anterior, e chega mesmo à conclusão desaforar a causa da Justiça Federal para a dos Estados, afim de
de que "não existe mais Justiça dos Estados." São suas estas pa- evitar a eternização das demandas. A União fez o que pôde para
lavras: melhorar essa Justiça, mas acabou, como diz o Sr. Otto Prazeres, por
"A Justiça é uma só. Mesmo, porém, que os teimosos queiram suprimí-la, sujeitando seus próprios interêsses a serem debatidos
sustentar, "quand même", que existe - não lhes será possível dizer perante os juízes estaduais.
que os Estados continuam a possuir um Poder Judiciário ao qual A aspiração que os juízes de Estados menos prósperos querem
êles, Estados, apenas sustentam, como acontece aos maridos divor- satisfazer, com o encampamento de todo o serviço judiciário pela
ciados, que ficam com o ônus da pensão à antiga espôsa, quebrando, União, concentra-se principalmente na melhoria dos vencimentos.
embora, o vínculo que os unia. .. e desaparecendo, portanto, o casa- Mas, segundo o documentado trabalho do DI'. Otto Prazeres, o argu-
mento legal. mento do qual os entusiastas da unificação procuravam desviar-se
"Progredimos? era, justamente, o de que a União não podia assumir o encargo de
"Sim, e muito. Hoje, temos, p'ràticamente, uma Justiça Nacional, remunerar a todos os juízes do país. E foi por isso, isto é, por meio
a que comparece ou a que se rende, mesmo nos Estados, a União dêsses desvios, que se teria chegado à situação que êle entende ser
Federal." a real, em face da Constituição de 1937:
Quando iniciamos a nossa vida profissional, há vinte e poucos
- Não existe mais Justiça dos Estados. Só existe a Justiça Na-
anos, bem antes da reforma constitucional de 1926, as causas entre
cional. Mas são os Estados que pagam essa magistratura, que têm o
cidadãos de Estados diversos ainda eram ajuizadas perante a Justiça
encargo de sustentá-la, tal como os maus maridos que, depois de
FederaL Veio ter ao nosso escritório o representante de uma grande
desquitadOS, são obrigados a sustentar as espôsas.
firma de Pernambuco, exportadora de algodão. Vendera vultosa par-
tida a uma poderosa fábrica desta Capital. Houvera grande baixa Os desembargadores do Distrito Federal, que trabalham tanto
no preço e a compradora telegrafara, declarando que a mercadoria como os de São Paulo, vivendo em cidade maior, onde o custo da vida
não conferia e que estava à disposição. é mais elevado, recebem vencimentos inferiores aos dos seus colegas
Em companhia daquele cliente, fomos ao suntuoso escritório dn paulistas.
industrial de São Paulo, resolvidos a receber de novo a mercadoria, E por que?
se um perito declarasse que de fato ela era inferior à amostra. Porque, para aumentar os vencimentos dos desembargadores,
Mas o homem não era entendido apenas em tipos de algodão e teriam de ser naturalmente melhorados os de outros numerosíssimos
tecidos: conhecia também as tricas da JustiÇ? Riu-se muito da nossa funcionários que ocupam cargos por êles considerados como de igual
ingenuidade, supondo que êle iria mostrar o algodão. Êsse, de há relevância, na cúpula de um outro setor da organização adminis-
muito, estava transformado em tecido. Alegara que o mesmo não trativa. Aumentados os vencimentos dêsses cargos superiores, te-
conferia porque houvera baixa e queria obter uma redução, logo riam de ser majorados proporcionalmente os dos vários graus colo-
proposta. Para melhor dizer, redução por êle imposta, pois o arguo cados abaixo, naquela hierarquia. E o mesmo ocorreria em todos
mento foi êste: se forem discutir, terão de ajuizar a cauSa na os departamentos da complexa organização federal.
Justiça Federal; levarão no mínimo dez anos para chegar ao fim Basta isso para mostrar quantas dificuldades adviriam dessa
da demanda; conheço bem o assunto, porque aí já tenho uma causa unificação.
idêntica sôbre farinha; possivelmente perderei a causa mas, durante Demais, desapareceria o estímulo que os Estados de maior pro-
todo êsse tempo, terei o dinheiro a juros de 6% e êsse capital, na gresso e cultura exercem sôbre os demais, melhorando, na medida
minha indústria, dá no mínimo 20%. das suas possibilidades, o seu serviço judiciário. Não haveria hoje
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o exemplo de São Paulo, que os outros precisam e devem imitar como


disse muito bem o presidente do Conselho Penitenciário de S~rgjpe,
não só no que respeita aos Conselhos dos Patronatos de Egressos mas
também no que entende com a organização da sua magistratul'a,
para a qual se voltam constantemente os estadistas, sempre com
a mesma disposição de espírito manifestada na frase, que tem feito o DIVóRCIO PERANTE O CONGRESSO
voga, do Sr, Fernando Costa: "Tudo que se fizer pela Justiça é
pouco."
JURíDICO NACIONAL *
Victor Cambon, que muito se preocupava com a centralização
administrativa da França, conta que, quando os americanos aí chega-
ram na guerra passada, verificaram a necessidade de se fazerem cais
para desembarque de todo o maquinário de guerra que deviam con- Os jornais du Rio e de São Paulo já noticiaram que foi discutida
duzir. Foram, entretanto, informados de que aquêle serviço não no Congresso Jurídico Nacional a questão do divórcio, tendo a maio·
poderia ser realizado sem a aprovação da repartição de "Ponts et ria da comissão de Direito Civil opinado pela sua admissão no Brasil,
Chaussées". Estavam dispostos a submeter-se a essa formalidade com as cautelas indispensáveis para evitar abusos.
quando o informante os advertiu de que seria impossível concluir-se O Sr. Desembargador Percival de Oliveira, na sua crônica de do-
o processo administrativo em menos de dois anos. Diante disso, mingo último sôbre "Direito e Justiça", no "O Estado de São Paulo",
puseram logo mãos à obra e, em, seis meses, fizeram uma extensão bordou alguns comentários a respeito do assunto, achando que não
maior de cais do que aquela que.' a França construíra em todos os tem maior significação êsse voto puramente opinativo de uma assem-
séculos da sua existência. bléia de juristas, pois êstes não representam por si sós o pensamento
N essa mesma época, conta o autorizado economista, foram tor- nacional, parecendo-lhe, ademais, que em tal assunto deveriam ser
pedeados vários navios de um comboio carregado de farinha. Grande ouvidas especialmente as mulheres, que êle considera como as
quantidade dessa fécula ensacada foi ter às praias. A farinha ume- principais vítimas da tão discutida instituição.
decida formava uma crosta, que impermeabilizava o pano durante Não queremos, de maneira alguma, recomeçar o debate, em que,
algum tempo. A população acorreu em massa para salvar o precioso contra a vontade, já uma vez nos envolvemos, nem tampouco repro-
alimento, o que obtinha tirando logo a farinha sêca dos sacos mo- duzir aqui, nesta resenha dos assuntos discutidos no Congresso
lhados. Mas os fiscais alfandegários embargaram sem demora aquêle Jurídico Nacional, tudo quanto ali se falou pró e contra. Poderia
serviço, porque devia ser previamente pago o imposto de importação, o público redarguir com o "quousque tandem ... " ciceroniano. Pro-
e o assunto não seria resolvido sem consulta a repartições superiores. metemos, entretanto, ir repetindo alguns dos argumentos que tivemos
Muito antes de qualquer dos conspícuos burocratas descobrir em ocasião de ali expender sôbre variados problemas jurídicos e, tendo
que artigo e tabela das tarifas se enquadrava o assunto, o mar sido a questão do divórcio a que provocou mais acalorados debates,
tragou o resto do precioso alimento. não ficaria bem que guardássemos a respeito da mesma completo
silêncio.
Um dos primeiros oradores levantou a preliminar de que uma
assembléia, composta na sua maioria de advogados, era a menos
indicada para resolver com acêrto matéria que interessa a tôdas as
correntes do pensamento nacional e afeta a própria constituição da
sociedade cristã. Deveriam ser ouvidos os representantes de tôdas
as profissões liberais, de tôdas as classes e camadas sociais. Acres-
centou mesmo que os advogados estavam sujeitos ao êrro de uma
generalização precipitada, impressionados com os casos infelizes com

* "Fôlha da Manhã" de 1.0 de outubro de 1943. - V. tambêm "Revista


dos Tribunais", vol. 140, pág. 443.

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