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~TRQ NUNES

MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

. 1
ITEORIA E pRATICA

.DO PODER JUDICIÂRIO //

5S- 5

EDIÇAo
REVISTA FORENSE
RIO DE JANEIRO
. 1943

DO AUTOR

Do Estado Federado e sua organizaçéio municipal (his-


toria, doutrina, jurisprudência, direito comparado),
1920 (esgotado).
As Constituiç6es estaduais do Brasil (comentadas e com-
paradas entre si e com a Constituiçao Federal),
1922.
A Jornada Revisionista (estudo critico da Constituiçao),
1924 (obra premiada com a medalha de ouro "Car-
los de 'Carvalho" pela Instituto da Ordem dos Ad-
vogados Brasileiros).
Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa do
dtretto contra atos do Poder publtco,1937.

... .
~.
Ao Supremo Tribunal, às suas tradiç5as da
honra a de civismo, aos grandes juizas qua
nele tiveram assento; ~os meus coleqas a
mestres, com os quais coopero no dasampe-
nho da nossa tarefa comum .


Ir

'.

A minha mulher

e aos meus filhos

. êste livro, em que hé: muito


.

da colaboraçêi:o dela e deles.

o
"É nos perIodos de grandes
perturbaçees sociais em que as
violências pretendem dominar 0
mundo e s6 pelo emprêgo da fôrça
podem ser contidas e reprimidas,
que mais se faz sentir a idéia do
Direito e melhor se acentua a fun-
çao da Justiça.
Os governos fortes, concientes
de seus deveres, na enérgica rea-
çao contra os distlirbios e as agres-
sees, tanto maior confiança inspi-
rarao aos governados quanta mais
prestigiarem a Justiça.
É um truismo afirmar que 0
Direito é 0 oxigênio da vida social
e que a Justiça é a realizaçao do
, Direito; mas cumpre sempre lem-
bra-Io, quando tôdas as atençees
se dirigem para 0 emprêgo da
fôrça."
(Palavras do presidente
EDUARDO EspfNOLA)
Depois das obras classicas de JOAo MENDES,
Direito Judiciario, e de PEDRO LESSA, Do Poder Ju-
diciario, fazia-se mis ter continuar 0 exame das
nossas instituiç6es judiciarias, nos seus anteceden-
tes, nos seus grandes problemas de competência,
através as duas anteriores Constituiç6es republi-
canas e na sua apresentaçao atual.
Novos aspectos sObrevieram, exigindo uma re-
visao do conceito mesmo da jurisdiçao, que se am-
pliou, estendendo-se a outros setores do Estado,
sendo necessario articular com essas vias adminis-
trativas 0 Poder Judiciario, ainda que mantido 0
principio republicano da terminaçao nas vias judi-
cidrias de tôdas as controvérsias decididas conten-
ciosamente na Administraçao.
A extinçao da primeira instância federal e a
criaçao de justiças da Uniao como instituiç6es au-
tônomas, ainda que integrantes do quadro judicid-
rio, geraram problemas novos, que era precisa exa-
minar numa exposiçao sistematizada de tôdas essas
matérias.
Foi 0 que procurei fazer neste livro, que s6
agora aparece, mas que comecei ha anos, e jd 0
tinha virtualmente concluido quando ingressei no
Supremo Tribunal, onde nao me sobraria tempo
para fazê-lo, limitando-me a atualizd-lo nas escas-
sas horas de Lazer que deixa a funçao.
Os assuntos aqui estudados teem 0 seu assento
na Constituiçao,. mas 0 livro ntio é apenas um co-
mentdrio dos textos fundamentais, senao uma ex-
posiçao que alcança a preceituaçao secunddria e os

XII

problemas complementares ou correlatos, que exa-


mino à Luz da d01.drina e da jurisprudência. 1sso
lhe imprime maior interêsse prdtico, porque apre-
senta cada matéria no seu conjunto, ainda que com
muitas falhas, que reconheço, e erros possiveis, que
admito.
É, antes, um pequeno tratado teorico-prdtico
de Direito Judicidrio, ainda que mais limitado aos
problemas da orgânica judicidria e da competência,
. com os prolongamentos apenas incidentes na es-
fera processual. É diverso, portanto, dos dois con-
gêneres acima apontados (ainda que a ambos infe-
Tiar pOT todos os titulos), no pIano, apresentaçao e
desenvolvimento das matéTias.
Creio que serd 'litil ao advogado, ao juiz e ao
estudante.
N ao quero terminar sem deixar aqui consigna-
dos os meus agradecimentos ao distinto funciond-
rio da Secretaria do Supremo Tribunal, sr. dr. COR-
DEIRO DE MELO, pela colaboraçao que me prestou,
incumbindo-se da elaboraçaÇ) do tndice Alfabético e
Remissivo, que confiei à sua competência.

C. N.
Agôsto, 1943.

'r


./

.
-
INTRODUÇAO


CAPiTULO 1

DA JURISDIÇAO, CONCEITO E DIFUSAO NO ESTADO MODERNO

Bùlloi:Amo: 1. Jurisdiçâo, conceito. Define-se por uma concepçâo material do ato


Jurisdicional. Sua difusâo no organlsmo do Estado. 2. 0 Estado liberal e
0. concentraçâo Jurisdicional nas vias Judiclârias. 3. Jurlsdiçao administra-
tiva. Vistas doutrinârias. 4. Desenvolvimento das instanclas administrati-
vas no Estado contemporaneo. Correlaçâo com 0 desenvolvimento do poder
regulamentar. 0 fenômeno na Inglaterra e nos Estados Unidos. Outros
aspectos. 5. Equivalentes jurlsdlclonals e jurisdlçoes arbitrais, em forma
convenclonal ou legal. Jurlsdlçôes coextenslvas do poder normatlvo confe·
rido aos departamentos autônomos da pûblica admlnlstraçâo. Outras for-
mas de jurisdiçâo.

1. Jurisdiçao, conceito - Define-se por uma concep-


çâo material do ato jurisdicional - Sua düusao no organismo
do Estado. 0 conceito de jurisdiçao é de direito publico.
Nâo se confina nas estreitezas do direito judiciario. Domina
quase tôda a atividade do Estado moderno, pouco importando
o 6rgao que a exerça, corpo politico, coma se da no impeach-
ment, ou instância administrativa, de conclusividade mais
ou menos extensa, conforme 0 direito positivo de cada pais. 1
o Estado cada vez mais se define pela jurisdicionalizaçtio, em
que se traduz a sujeiçao dos seus atos à observância da norma
geral, lei ou regulamento.

1 LAPRADELLE (Droit Constitutionnel, p. 481) exempllflca com 0 contencloso das


elelçôes contestadas, mesmo naqueles paises, como a França, onde se mantém 0
prlnciplo da soberanla do Parlamento, 0 que nao tira, dlz êle, 0.0 poder de estatulr
sôbre as contestaçôes pele exame da Instruçâo eleltoral, argtliçâo de fraudes, lnele-
glbllidade de candldatos, etc., 0 carMer de verdadelra. jurlsdiçâo, un veritable
pouvoir de jurisdiction.
4 CASTRO NUNES

Como diz FRITZ FLEINER, as vias judiciarias nao esgotam


tôda a funçao jurisdicional do Estado. 2 0 principio dos po-
deres separados, que inspirou 0 preconceito de que era priva-
tivo do Judiciario julgar, coma do Executivo governar e admi-
nistrar e do Legislativo legislar, esta ainda na base das Cons-
tituiçoes escritas, mas sem a rigidez da formulaçao de MON-
TESQUIEU. A funçao primordial atribuida a cada um dos po-
deres apenas modela 0 argao e determina a sua' posiçao no
direito publico corn a denominaçao caracteristica. 3 Nao sig-
nifica, porém, que nos argaos judicüirios resida tôda a funçao
jurisdicional, 0 que seria definir a funçao pela argao e naD
pelos elementos materiais que a configuram. Como obsewa
LÉON DUGUIT, a autoridade judiciaria exerce precipuamente a
funçao jurisdicional; é essa sem duvida a sua funçao espe-
cifica. Mas nao exerce tôda a funçao jurisdicional do Estado,
Do ponto de vista material, 0 ato jurisdicional tanto pode ser
praticado por um funcionario ou agente do poder publico,
coma por um magistrado, ou, consoante a terminologia do
autor, por um funcionario estranho à administraçao e per-
tencente à ordem judiciaria. >
A distinçao, diz êle, é puramente formal. A matéria
sôbre a quaI se exerce a jurisdiçao administrativa é a mesma
ou pode ser a mesma sôbre a quaI se institue ou possa insti-
tuir-se 0 contencioso judicial. 0 essencial é que exista uma
contestaçao fundada em direito. A operaçao lagica que dai
decorre, a necessidade de conhecer e apreciar os fatos, 0 exame
dos documentos ou meios de prova, a aplicaçao ou naD apli-
caçao dos textos legais ou regulamentares invocados - tudo
isso q'Ue caracteriza 0 método da investigaçao judiciaria e con-
duz ao silogismo de que resulta, coma conclusao, a sentença
- esta indicando a identidade da funçao, a identidade do ato
jurisdicional, a existência de uma jurisdiçao paralela em es-
fera outra que naD a judiciaria.

2 FRITZ FLEINER, Instituciones de Derecho Administrativo, trad, esp. 1933, p. 11;


no mesmo sentido BIEDS ... , Derecho Administl'ativo, Buenos Aires, 1938, 3." ed., v. l.~
p; 594, nota 13.
3 FRITZ FLEINER, ibidem.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 5

A teoria de DUGUIT assenta em principios revelados pelos


fatos de todos os dias em todos os paises. Assenta no con-
ceito de jurisdiçao formulado por LABAND, JELLINEK, Rocco e
tantos outros que a definem, sem conte.staçao possivel, como
uma operaçao l6gica destinada a aplicar uma regra de direito
a um fato ocorrente ou a declarar um direito preexistente -
juris-dictio, juris declaratio.
Em conclusao: definir jurisdiçao pelo 6rgao ou aparelho
que a desempenha é cingir-se ao critério formal, um dos as·
pectos, mas nao 0 unico, da noçao. Esta assenta no ato ju-
risdicional, que implica necessariamente uma pretensao -
pretes a, no direito italiano, anspruch, na terminologia alema,
- envolvendo uma questao de direito, posta em têrmos con-
tradit6rios, ainda que sem a forma processual de um litigio,
condiçao nao inerente ao exercicio da jurisdiçao. Esta, na
mais ampla acepçao, deve ser definida pela conceito do ato
jurisdicional; porque, como ensina DUGUIT, sac duas coisas
absolutamente inseparaveis: a intervençao de um agente
publico, 6rgao do Estado, decidindo uma questao de direito
- e a noçao mesma da jurisdiçao. 4
2 . 0 Estado liberal e a concentraçao jurisdicional nas
vias judiciarias. 0 Estado liberal tendia naturalmente para
a unidade orgânica do poder jurisdicional. Tôda jurisdiçao
nas vias judiciarias. Era um reflexo da rigidez do principio
dos poderes separados. Consequência: a justiça administra-
tiva, nos paises, como a França e a Itâlia, que a mantiveram
como jurisdiçao privativa para certa ordem de feitos do con-
tencioso do Estado, ou era condenada nas vistas liberais dos
seus opositores como intromissao indébita na jurisdiçao civil
ou naD seria uma verdadeira jurisdiçao, definida esta como
privilégio da ordem judiciaria.
Êsse preconceito s6 a custo cedeu. 0 lucido MORTARA da
noticia da controvérsia na Italia, atestando que os mais au-
torizados opositores do dualismo jurisdicional orgânico, entre
• DUGUIT, Traité de Droit Constitutionnel, II, p. 316. Veja-se também, na mesma
ordem de idéias, ROGER BONNARD, Le Contrôle Jurisdictionnel de l'Administration,
1934, p. 22.
6 CASTRO NUNES

os quais ORLANDO e SCHANZER, renderam-se afinal à evidência


de que a jurisdiçao, nos Estados livres, pode estar repartida
entre 6rgaos administrativos e judieiarios - "10 sono con-
vinto", diz êle, "che la giustizia amministrativa, negli stati li-
beri, sia sempre una parte della funzione giurisdizionale civile,
rappresenti cioè un adattamento ulteriore di questa funzione a
bisogni nuovi della eviJlventesi attività politico-sociale. Ne
credo che al riconoscimento della esatteza di questo principio
possa fare impedimento la parziale 0 totale differenza degli or-
{Jani investiti della giurisdizione civile ordinaria e della ammi-
nistrativa". 5
A unidade, pois, de que se po de cogitar é meramente fun-
cional,e esta se define corn MORTARA pela identidade intima
dos fins, na linha juridica coma na linha politiea, do ato de
jurisdiçtio, qualquer que seja 0 orgtio que 0 pratique, consis-
tindo a unidade orgânica na concentraçtio de todos os oficios
jurisdicionais em uma so organizaçtio, a dos tribunais judi-
ciarios. 6

3. Jurisdiçao administrativa - Vistas doutrinârias.


No estado atual da doutrina naD é faeil afirmar que os tribu-
nais administrativos sejam impr6prios para a tutela do di-
reito. Tudo esta em organiza-los corn razoaveis garantias da
independência da funçao, aproveitando na sua composiçao
elementos idôneos, e naD demissiveis, da carreira administra-
tiva, para servirem por periodos prefixados, em instâncias su-
bordinadas a uma instância de superposiçao que seria um
Conselho de Estado, capaz de afiançar, pela seu relêvo, a se-
gurança dos direitos.
A complexidade crescente dos problemas do l!:stado e a
téenica especial que em muitos assuntos torna impr6prio 0
juiz para resolvê-los fizeram reviver a administraçtio judi-
cante que a tradiçao liberal havia condenado. Ela ressurge,
porém, em moldes novos e corn outras perspeetivas. 0 traço
imperialista ou regaliano que esta no seu fundo hist6rieo nao
5 MORTARA, Commenturio deI Codice e delle Leggi di Pro ce dura Civile, I, p. 34.
6 MORTARA, ibidem, ibidem, n. 41.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDIC:rA.RIO 7

basta para lhe deter 0 passo nas formas novas em que vai
ressurgindo.
Definida por êsse traço hist6rico como residuo da funçao
judicante da Coroa, justiça retida pela Rei para exercê-Ia por
seus agentes ou funcionarios e nao delegada aos tribunais,
destinatarios, estes, somente da funçao jurisdicional ordina-
ria, 7 a justiça administrativa vai se emancipando como ju-
risdtçao também delegada, e a si pr6prio assim se conceitua 0
Conselho de Estado, em França, reagindo contra a calceta
daquele passado extinto.
É êsse um exemplo, entre tantos outros de que esta cheia
a hist6ria do direito, de instituiçao condenada que revive ou
rehabilita-se sob formas novas, retomando 0 fio de uma evo-
luçao que parecera definitivamente encerrada.
o exemplo da França constitue 0 melhor elogio da inde-
pendência e da eficiência da justiça administrativa.'
o relêvo, a respeitabilidade, 0 alto senso construtivo do
seu Conselho de Estado documen tam-Ihe 0 elogio merecido e
quase unanimemente apregoado pelos publicistas franceses e
estrangeiros. PAUL DUEZ é dos raros que propendem para 0
contencioso judiciario.
o pr6prio DUGUIT, desapegado das idéias classicas, Ihe dâ
a sua autorizada adesao. É que 0 Conselho de Estado se
afirma cada vez mais, ampliando as vias de recurso, desen-
volvendo a tutela do direito, documentando por fatos 0 cres-
cente sucesso da instituiçao. Segundo informa HAURIOu, na
monografia que escreveu para 0 livro do cinquentenario da
Sociedade de Legislaçao Comparada (Les transformations du
droit dans les principaux pays, 1922, t. II, ps. 10 e segs.), jâ
nao existe interêsse sério - sao textualmente suas palavras
- em reclamar a jurisdiçao dos tribun ais judiciarios, tao efi-
ciente tem sido a açao tutelar do Conselho de Estado, sobre-
tudo depois da criaçao jurisprudencial do détournément du
pouvoir.
Criado originariamente como tribunal da prerrogativa da
administraçao, êle veio a tornar-se uma verdadeira delegaçao,
7 PALMA, Corso, II, p, 594.
8 CASTRO NUNES

naD mais da administraçao, mas do povo. Teve em LAFER-


RIÈRE 0 seu MARSHALL. Foi êle quem lhe revelou e desenvol-
veu as possibilidades.
GASTON JÈZE no prefacio do livro de ANDREADES - Le Con-
tentieux Administratif des Etats Modernes, 1932, mostra que
o dualismo das jurisdiçoes corn os seus orgaos proprios naD é
-contrario ao sistema das garantias individuais, antes melhor
se ajusta à dicotomia do direito, reservadas ao Judiciario as
questoes de direito privado e aos tribunais especiais as de di-
reito publico. Nao raro, diz êle, os juizes comprometem 0
direito impondo-Ihe sacrificios inuteis pela incompreensao dos
problemas de direito publico.
Na verdade, a justiça administrativa é uma justiça de es-
pecializaçao. E nos moveis que a inspiram oferece possibi-
lidades maiores de sutilizar as hipoteses; é mais flexivel na
apreciaçao dos casos; julga sem as formas solenes que estao
na tradiçao judiciaria; julga da razoabilidade da medida,
que po de modificar sem anular; aprecia 0 usa do po der, naD
so sob 0 aspecto formaI da competência da autoridade, mas
na aplicaçao mesma da medida, 0 que constitue 0 détourné-
ment du pouvoir, extensao que n8.0 tem 0 contrôle judicial.

4. Desenvolvimento das instâncias adrninistrativas no


Estado conternporâneo - Correlaçao· corn 0 desenvolvimento
do poder regularnentar - 0 fenôrneno na Inglaterra e nos
Estados Unidos - Outros aspectos. A hipertrofia das f'qn-
ç6es do Estado e a complexidade dos problemas da adminis-
traçao publica, exigindo conhecimentos especializados e, naD
raro, de técnica complicada, para a quaI nao estao aparelha-
dos os juizes de carreira, explicam 0 desenvolvimento, que vern
de longe, e se vai acentuando dia a dia, de instâncias admi-
nistrativas colegiadas para 0 exame e soluçao de tais quest6es.
Vârios fatores concorrem para êsse desenvolvimento.
Ern primeiro lugar 0 usa cada vez mais frequente da legisla-
çào delegada comportando maiores ensanchas ao poder regu-
lamentar do Executivo, êsse mesmo ja consentido em maior
escala do que na doutrina classica da separaçao dos poderes.
É uma tendência a que naD escapa nem mesmo a Inglaterra,
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARI0 9

berço do parlamentarismo, onde VaG abrindo caminho, naD


obstante as resistências do espirito tradicional, consideraveis
reservas em favor da administraçao na aplicaçao em concreto
de certas leis. 0 poder regulamentar desenvolvido leva ao
desenvolvimento correlato da funçao jurisdicional.
Consequência da mesma expansao administrativa e da ne~ .
cessidade de desconcentrar a atividade estatal, fazendo inter-
vir na execuçao de certos serviços a colaboraçao dos particula-
res ou das classes interessadas, é a instituiçao dos corpos pa-
raestatais, aos quais a lei confere, em extensao variavel, poder
normativo ou regulamentar que se desenvolve nas aplicaçoes
em espécie em via jurisdicional interna. 8
o desenvolvimento crescente nos Estados Unidos, Estado
de tipo judiciarista, de comissoes ou boards prepostos à
execuçao de certas leis, corn a atribuiçao de decidirem sôbre as
contestaçoes nascidas da aplicaçao dessas leis em casos con-
cretos, documenta a mesma expansao. Dai, do poder juris-
dicional consentido a êsses corpos administrativos, a locuçao
corrente corn a quaI se define 0 pa der exercido por êles, quasi~
-judicial lunctions 01 administratives bodies, usado 0 advérbio
latino para significar a assemelhaçao existente entre tais ins-
tâncias e as côrtes de justiça. Estao neste casa os tribunais
do tmbalho, cria dos coma aparelhos administrativos, tendo
no vértice 0 National Labor Relations Board. 9 A prolifera-
çao dessas instâncias desconhecidas do classicismo judiciario
tende para a burocracia, em que tera de desfechar a exage-
raçao da tendência, no sentir dos seus opositores. HERRING
da noticia das critic as levantadas contra êsse govêrno de re-
partiç6es e conselhos administrativos - "We can hardly say
that we today live under a government oj bureaus and com-
missions."
Mas a tendência caminha. Desenvalveu-a 0 New Deal.
A extensao do poder conferido a essas instâncias é conside-
ravel. Elas exercem uma jurisdiçao que, semi-plena na teoria
do direito, porque reservado sempre 0 direito de apelaçao para
B V. adiante Equivalentes :iurisdicionais.
o V. 0 cap. "Justiça do Trabalho".
10 CASTRO NUNES

as côrtes judiciârias (côrtes de apelaçao de circuito), é prati··


camente conclusiva, em extensao maior ou menor, conforme
as leis de sua respectiva criaçao. É que os tribunais, êles
mesmos, se limitam na apreciaçao dos tatos apurados, no en-
tendimento de certos têrmos ou locuç6es que envolvam
conhecimentos especializados e nas quest6es de carâter
técnico. 10
Mas existe um outro fator que estâ também influindo
na expansao jurisdicional do Estado. Se as necessidades prâ~
ticas da administraçao estatal hipertrofiada estao operande
uma descentralizaçao da funçao, repartindo-se entre 0 Ju-
diciârio e outros 6rgaos, estatais ou paraestatais, acentua-se
cada dia e em tôda parte a tendência para reduzir 0 arbitrio
na aplicaçao da lei. É 0 esprit de legalité, de que fala ROGER
BONNARD, dominando a execuçao dos serviços public os sob
formas assemelhadas às judiciârias.
É uma evoluçao ainda nas formas imprecisas des ta fa se
de transiçao. 0 que ela exprime é, sem duvida, 0 fato juris-
dicional dominando a atividade do Estado. Nao é nem a hi-
pertrofia nem a decadência do Judiciârio, que é, pOl' definiçao,
a jurisdiçao especifica do Estado. Mas formas novas de rea-
lizaçao do direito pela adequaçao de outros 6rgaos prepostos
a uma funçao estatal que cresceu em extensao e complexi-
dade e jâ naD encontra nos moldes clâssicos os meios nec es·
sârios à sua expansao. 11
10 Foi a êsse pensameuto, guiado pela experiênela amerieana, que obedeeeu a
emenda que ofereei, e a Sub-Comissao do Itamarati aceitou, no sentido de se ad-
mit1r 0 recurso para 0 Judicié.rio (Côrte de Reclamaçôes) de certas decisôes admi-
nistrativas. 0 pensamento exposto em sessao foi êste: as decisôes baseadas em
pareceres dos conselhos de administraçao sac atos jurisdicionais recorriveis, como
an sentenças da primeira instância, para a Côrte de Reclamaçôes. Era a combi-
naçao dos dois principios, 0 da jurisdiçao administrativa em primeiro grau e 0
da Jurisdiçao Judiciâria, em segundo. Na Constituiçao de 34 a idéia vingou no
art. 79, ainda que corn redaçao defeltuosa. A Côrte de Reclamaç6es se chamou, no
trato doutrinârio da matéria, tribunal administrativo, corn evidente impropriedade
de linguagem. Administrativas eram as instâncias recorridas; aquela COrte, ins·
tâuc1a ad quem, nao seria administrativa, senao judiciària.
11 WILLOUGHBY, On the Constitution, 1929, III, § 1.087; CORWlN, The Constitu.
tion and it means tOday, 1930, ps. 106 e segs.; EDOUARD LAMBERT, Le Gouvernement
des Juges, p. 193; ERNST FREUND, Administrative powers over persans and property,
1928, ps. 285 e segs.; HERRING, Public Administration and the public interest, 1936,
TEORIA E PRA 'l'ICA DO PODER JUDICIARIO 11

5 . Equivalentes jurisdicionais e jurisdiçoes arbitrais, em


forma convencional ou legal - Jurisdiçoes coextensivas do
pûder normativo conferido aos departamentos autônomos da
publica admi.11istraçâo - Outras fonnas de jurisdiçâo. Ou-
tras formas de jurisdiçao existem mesmo fora do Estado ou
concedidas por coextensao do poder normativo ou regula-
mentar reconhecido a certos corpos investidos de autoridade
public a (autarquias, sindicatos, etc.).
Assim, a jurisdiçao disciplinar que vai além dos 6rgaos
oficiais, coma integraçao da autonomia da associaçao na rea-
lizaçao dos seus fins, distinta do juizo penal, que é jurisdiçao
estatal. Para compreender que no uso do poder disciplinar,
mesmo quando exercido pelas associaçoes privadas, existe em
germe um poder jurisdicional, basta considerar que a apli-
caçao da pena estatutaria supoe um fato, a apuraçao dêste, a
defesa do acusado, 0 julgamento. Nao importam os efeitos
meramente internos da sançao aplicada.
Do mesmo modo, quando, por exemplo, arbitram, pOl' seus
6rgaos técnicos, contestaçoes entre associados ou entre estes
e terceiros. 0 desenvolvimento contemporâneo das compe-
tiçoes desportivas tem dado maior relêvo a essas manifesta-
ç6es da autonomia das associaçoes na realizaçao dos seus fins,
a tal ponta que se tomou à linguagem judiciaria a denomi-
naçao de juizes, que se vai tolerando para designar os mar~
cadores do jôgo. 0 germe da atribuiçao é a arbitragem, ainda
que sem a forma normal da clau sula compromiss6ria, mas
pOl' determinaçao estatutaria ou do regulamento do esporte.
A transgressao comporta as sançoes disciplinares internas
(repreensao, muIta, eliminaçao do quadro, etc.). Nao obsta
a açao dos tribunais para corrigir 0 ato, se contrario à lei, ou
à preceituaçao interna. Assim, 0 s6cio eliminado sera read-
mitido se, provocado em forma regular, 0 determinar 0 Ju-
diciario.
A jurisdiçao arbitral é em regra convencional. Resulta
da transaçao das partes. Supoe um litigio que se quer pre-
p. l1; ANDREADES, Le Contentieux Administratif des Etats Modernes, 1932. ps. 139
e segs.; ROGER BONNARD, Le Contrôle jur!3dictionnel de l'administration; FRANK-
FURTE.'R AND LANDIS, The Business of the Supreme Constitution, 1928, p. 147; PAUL
DUEZ, Les Actes de Gouvernement, 1935, Introduçâo.
12 CASTRO NUNES

venir ou subtrair ao conhecimento dos tribunais. Por isso


mesmo MATTIROLO e outros negam ao juizo arbitral car:~.ter
jurisdicional. Mas CARNELUTTI classifica-o entre 0 que êle
chama equivalentes jurisdicionais, coma modalidade alheia à
jurisdiçao oficial. Entram na mesma categoria, além das
sentenças arbitrais, as sentenças estrangeiras, emanadas de
6rgaos judiciarios, é certo, mas alheios ao Estado onde viio ter
exec1lçiio, pela autoridade que lhes imprime a delibaçiio (entre
n6s, homologaçao); as sentenças eclesiasticas, em particular
as da Igreja Cat6lica, corn maior ou menor extensao de efeitos
civis, conforme 0 direito positivo de cada pais, etc.
A instituiçao arbitral tem evoluido também em forma
legal, isto é, na instituiçao de 6rgaos oficiais para a soluçao e
constataçao de fatos em que naD é ou pode naD ser interes-
sado 0 Estado. MORTARA menciona as capitanias de portos,
os probiviri, as jurisdiç6es consulares, funcionando coma ins·
tituiç6es paralelas às justiças regulares. Disso tivemos um
bom exemplo na justiça do trabalho, enquanto exercida pelas
juntas de conciliaçao e julgamento, de composiçao paritario-
-corporativa, destinada a dirimir controvérsias entre parti-
culares em certa ordem de relaç6es juridicas. 12
Também para solucionar pendências entre particulares e
o Estado pode êste instituir a arbitragem legal, 0 que equivale
a instituir para certa ordem de feitos uma jurisdiçao arbitral.
o professor BIELSA da noticia de casos na Republica Argen-
tina. Temos entre nos um exemplo de arbitros oficiais, pre-
postos à execuçao de certa lei, na Câmara de Reajustamento
Econômico. A Uniao, parte na reclamaçao, consente em as-
sumir a responsabilidade de metade do crédito reajustado pela
decisao proferida por êsses arbitros. Outras vêzes 0 Estado'
institue um 6rg'ao oficial- tal é 0 casa do Tribunal Maritimo
Administrativo - coma jurisdiçao naD judiciaria para esta-
tuir entre particulares. A jurisdiçao em tal casa se diz ad-
ministrativa, mas sem confusao possivel com aquelas em que
as contestaç6es se dirigem contra 0 Estado. Apenas para ex-
cluir feiçao judiciaria, que naD tem 0 Tribunal Administrativo.
'" Sobre 0 carMer 1udiciàrto, entre n6s, da justlça do tra.balbo, v. Q cap. IV
do tit. V.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 13

Jurisdiç6es coextensivas do poder normativo ou regula-


mentar conferido a certas entidades que a lei institue por
descentralizaçao de serviços do Estado saD as exercidas pelas
autarquias em funçao'disciplinar ou defiscalizaçao, repressÉio
de fraudes, etc. Os americanos dao a êssepoder jurisdicio-
nal a qualificaçao de quasi-judicial functions, coma vimos
atras.
o fenômeno se acusa, alias, em tôda parte, realizando-se
pOl' es sa forma uma descentralizaçao funcional do Estado na
triplice esÎera executiva, normativa e jurisdicional. Sao
exemplos tipicos as universidades, os institutos prepostos à
economia dirigida ou planificada, as caixas de aposentado-
ria e pensoes, etc. 13

13 DUGUIT, Les Transformations du Droit Public, ps. 115 e segs.; SINAGRA, La Po-
testà Normativa, l, p. 168; CINO VITA, Il Potare DisciPlinare, ps. 95 e segs.; FRITZ
FLEINER, ob. cit., ps. 65 e segs.; MORTARA, ob. cit., v. II, ps. 5 e segs.; MATTmoLo, ob.
cit., l, p. 655; CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil Português, v. l, p. 835:
CARNELUTTI, Sis te ma dei Diritto Processuale Civile, v. l, ps. 154 e segs.; OLIVE~
VIANA, Problemas de Direito Corporativo, 1938, cap. III; HERRING, Public Admi-
nistration and the publie interest, 1936, ps. 218 e segs.; BILAC PINTO, Regul'CZmen-
taçiio Efetiva dos Serviços de Utilidade publica, 1941, ps. 160 e outras. Ja estava
concluido êste livro quando me chegou as maos a monograf1a do llustre PUbliclsta
patricto e brllhante professor, que versa maglstralmente 0 problema da jurlsdlçao
no Estado contemporaneo, numa vlsao panoramlca do mals alto Interêsse doutrl-
narlo. Alnda que com reservas acérca de algumas asserçôes do llustre autor, In-
clusive na extensao que precanlza para 0 poder Jurlsdlclonal a ser conferldo as
comissôes, sem recurso para 0 Judlclarlo, e no tocante a conceltuaçao dêste, cujo
carater de pOder nao reconhece, nas linhas do Estado moderno, colncldem, de um
modo geral, a orlentaç1io adotada e a dêste livro.
Reproduzo a segulr 0 t6plCO em que na mesma ordem de Idélas expostas linhas
aelma situa a funçiio jurisdicionaZ do Estado nas SUas modalidades varias, que dis-
crimina em Interessante graflco: "Esta funçao nao tem, entretanto, carMer formai,
"Isto é, a sua natureza nao decorre dos 6rgâos, dos agentes ou das autorldades que
"a exercem, mas da natureza mesma do ato de jurlsdlçâo, encarado do ponto de
"vista materlal. Asslm é que a regra da unldade do 6rgâo jurlsdlclonal do mon-
"tesquieismo 0 Estado moderne opôe a da varledade dos 6rgâos jurlsdlclonals. 0
"Estado tem efetlvamente tôda a funçâo jurlsdiclonal; nâo a exerce, porém, atm-
"vés de um unico 6rgâo (Poder Judlclarlo), mas, ao contrario, institue tantos 6r-
"gaos quantos sejam necessarlos, oportunos ou convenlentes. A jurlsdlçâo do Es-
"tado pode sofrer um processo de classlflcaçâo pela matérla sobre que se exerce,
"nada Impedlndo, entretanto, que 0 mesma 6rgâo exerclte duas ou mals jurlsdlçoes
"de natureza dlferente. 0 crltérlo da dlstrlbuiçao das competências é excluslva-
"mente fundado em conslderaçôee de ordem publica. Desde que um 6rgâo se revele
"mals apto que outro para exercer determlnada jurlsdlçâo, esta Ihe deve ser trans-
"ferlda. lt dêsse modo que, no pIano jurisdlclonal, se opera a raclonallzaçâo do
"govërno".
CAPtTULO II

DESENVOLVIMENTO DAS INSTANCIAS ADMINISTRATIVAS


ENTRE NOS

SUMARIO: 1. Contenc1oso adminlstrativo. Antecedentes do Império. 2. As questôes


adminlstrativas na competência judiciaria. 0 sistema adotado com a
Republica. 3. A aplicaçii.o contenc1osa da lei como jurlsdiçii.o residuaria das
adminlstraçôes. A exageraçii.o de um principio verdadeiro. 4. 0 desenvolvi-
mento das instii.ncias administrativas entre n6s. 5. 0 D.A.S.P. como instru-
mento da açii.o adminlstrativa do Presidente da Republiea. 6. Podem os
Estados instituir jurlsdlçôes admlnlstrativas?

1. Contencioso administrativo - Antecedentes do Im-


pério. No antigo regime, certas quest6es em que fôsse inte-
ressada a administraçao ou a fazenda publica nao compor-
tavam 0 exame judicial, competindo à propria administraçao
resolvê-Ias. Nao tinhamos, a rigor, uma justiça administra-
tiva aparelhada, mas alguma coisa a que se dava êsse titulo,
de imitaçao francesa, corn alguns orgaos incompletamente
organizados, "instituiçao mal delineada, imprecisa, em via
"de formaçao" 1 realizando, sob a égide de um Conselho de
Estado de alta respeitabilidade, uma funçao distinta e inde-
pendente da jurisdiçao dos tribunais comuns nas matérias
da sua competência privativa. 2
Clamava-se por uma lei orgânica da instituiçao. Enten-
diam uns que 0 Judiciario seria improprio para 0 desempenho
da funçao de dirimir as quest6es entre a administraçao e os
particulares, por aplicaçao das leis e regulamentos adminis-
trativos, reconhecendo-se, todavia, que urgia organizar a ju-
risdiçao, dotando-a de orgaos adequados. TaI era, entre ou-
1 NUNO PINHEIRO, Primeiro Congresso de Histori·fj NacionaZ, tese, 1941.
2 Sôbre as matérias da jurlsdlçii.o admlnistratlva, veja-se RIRAS, Direito Admi-
nistrativo BrasiZeiro, caps. VI e VII.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 15

tros, 0 pensar de RIBAS. Propugnavam outros, e eram os


liberais, pela restituiçao à Justiça de tôdas as atribuiç6es de
carater contencioso, as quais so por magistrados inamoviveis,
dizia-se, poderiam ser exercidas. 3
2. As questoes administrativas na competência judiciâ·
l'ia - 0 sistema adotado com a Republica. COUMOUL, repe·
tindo LAFERRIÈRE, classifica em três grupos os diferentes Es-
tados da Europa e da América, sendo 0 primeiro 0 daqueles
paises, como a Inglaterra e os Estados Unidos, em que 0 Ju-
diciario conhece de tôdas as questoes, mesmo as de natureza
administrativa (una lex, una jurisdictio); 0 segundo 0 dos
paises, como a França, prototipo do sistema, em que a juris-
diçao administrativa esta separada da judiciaria, jurisdiçoes
que funcionam paralelas, com os seus orgaos proprios; e 0
terceiro constituido pela Bélgica e outros Estados, que tam-
bém adotam 0 principio judiciarista, com temperamentos que
os colocam entre os dois extremos. 4 No primeiro grupo esta
o Brasil, depois da Republica. Todo direito lesado por ato
administrativo encontra reparaçao nos tribunais judiciarios.
A Republica, modelada à americana, realizou 0 voto dos esta-
distas liberais do Império. "0 atual regime", dizia VIVEIROS
DE CASTRO, "consagrou 0 principio da unidade do poder de
"julgar. 0 que subsiste" - saD ainda palavras do insigne
ministro - "é 0 processo e despacho ordinario por atos ad-
"ministrativos pèlos respectivos funcionarios e autoridades,
"admitindo-se recurso de suas decisoes, de umas para as ou-
"tras, segundo a hierarquia delas, estabelecida nas leis.
"Mas essas decisoes" - acrescentava - "nao fecham aos di-
"reitos lesados 0 ingresso nos tribunais pelos meios regu-
"lares". 5
Dizia-se entao que, estabelecendo a Constituiçao de 91
que tôdas as causas da ou contra a Uniao (considerada esta

3 OURO PRETO, apud PEDRO LESSA, Do Poder Judiciario, p. 144.


• COUMOUL, Du Pouvoor Judicia.ire, p. 160; ROGER BONNARD, Le Contrôle Juris-
dictionnel, p. 125; ANDREADES, Le Contentieux Administratif des Etats Modernes,
ps. 115 e segs.
• VrvEIROS DE CASTRO, Direito Administrativo, p. 676.
16 CASTRO NUNES

coma poder publico OU camo pessoa juridica) pertenceriam


ao conhecimento da justiça federal, suprimira virtualmente
a conclusividade das decisoes administrativas ou, consoante
a linguagem corrente, abolira 0 contencioso administrativo.
"Pelas disposiçoes ora analisadas", dizia PEDRO LESSA, "foi
"claramente revelado 0 pensamento do legislador consti-
"tuinte de abolir 0 contencioso administrativo, confiando aos
"tribunais judiciarios a atribuiçao de processar e julgar os
"feitos que outrora eram da competência dos tribunais ad-
"ministrativos".6
Na vigência da Constituiçao de 34 naD mudaram os têr 4

mos da questao; e, ainda agora, sob a Constituiçao de 37,


subsiste 0 mesmo principio, coma veremos adiante (tit. VIII,
cap. I).
3.. A aplicaçao contenciosa da lei como jurisdiçao resi-
duaria das administraçoes - A exageraçâo de um principio
vei·dadeiro. 0 Supremo Tribunal, em repetidos julgados, sob
a Constituiçao de 91, firmou 0 principio de que as decisoes ad-
ministrativas, mesmo as proferidas pela Tribunal de Contas
como jurisdiçao contenciosa nas tomadas de contas dos res-
ponsaveis para corn a fazenda publica, nao faziam coisa jul-
gada para 0 Judiciario, nao podendo, par igual, subsistirem
as restriçoes à defesa nos executivos fiscais. Tornou-se fre-
quente, de entao por diante, 0 dizer-se que a Constituiçao
abolira 0 contencioso administrativo.
Como veremos adiante, a asserçao, nos têrmos absolutos
da sua formulaçao, continha uma parcela de inexatidao, por-
que seria preciso admitir a jurisdiçao administrativa, como
funçao inerente a tôda administraçâo public a na apZicaçâo
contenciosa das leis e reguZamentos.
Contencioso administrativo ou, mais corretamente, ma-
téria contenciosa administrativa, existe mesmo nos Estados
onde nao haja jurisdiçao administrativa organizada como via
paraZela às vias judiciarias. Como nota HAURIOU, conten-
cioso vem do latim - contendere - porfiar, lutar, contender,

• PECRO LEsSA, ob. clt., p. 143.


TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrA.RIO 17

pretender 0 que é recusado, reclamar. .. A autoridade que


decide por aplicaçao da norma legal invocada como funda-
mento do d,ireito reclamado pratica necessariamente um ato
de jurisdiçao, na acepçao material desta palavra.
É essa a jurisdiçao chamada ministerial, isto é, do mi-
nistro-juiz (ministre juge).
o que se fêz em França e em outros Estados que lhe imi-
taram 0 sistema, foi dar à administraçao 6rgaos especiais,
organizada assim a jurisdiçao contenciosa sob a cupola do
Conselho de Estado como instância final. Mas nos Estados
em que naD existe essa diferenciaçao entre as funçoes da cha-
mada administraçao ativa e da administraçao contenciosa, é
forçoso reconhecer, por melhor Tazao, que a administraçao
acumula as duas funçoes, como 0 ministre juge em França,
na época anterior à instituiçao dos 6rgaos separados. 7
Para negar a possibilidade da jurisdiçao administrativa
sujeita nos seus atos ao reexame do Judiciario, argumenta-
vam uns que 0 desfecho da reclamaçao administrativa, 0 jul-
gamento do caso, naD seria senac 0 ato administrativo em
sua forma definitiva, 0 que evidentemente naD convence da
inexistência do ato jurisdicional administrativo, que sera, ja
entao, 0 ato sujeito ao exame judicial. Argumerttava-se tam-
bém que, destituida de execuçao ou fôrça compuls6ria, naD se
poderia conceituar como jurisdiçtio tal atividade, 0 que revela
confusao de dois conceitos diversos, 0 da jurisdiçao e 0 da
execuçao, podendo existir aquela (jurisdiçao semiplena)
ainda que confiada esta a outros 6rgaos. 8
Na exageraçao do principio judiciario nem se reparou
que muitas hip6teses suscitadas por aplicaçao da lei nas re·
tortas da administraçao encontram, ai mesmo, 0 seu desfe-
cho, em regra, definitivo. 86 esporadicamente vao aos tribu-
nais. TaI 0 casa dos processos de montepio, meio sôldo, apo-
sentadorias, etc., que fazem 0 seu curso normal nas vias ad-

7 HAURIOU, Droit Administratif, 1927, p. 941; BIELSA, Derecho Administrativo,


1929, v. l, ps. 366 e segs.; DARESTE, La Justice Administrative, p. 217.
B Tlvemos ocaslao de examlnar 0 assunto, corn malor desenvolvlmento, em tra-
balho publlcado em 1931, Bob 0 tftulo "Da Jurisdlçao no Regime" (Arq. Judicidr!a.,
v. 17, sup!.).
F. 2
18 CASTRO NUNES

ministrativas e terminam numa jurisdiçao administrativa SU-


perior, que é 0 Tribunal de Contas. 9
4. 0 desenvolvimento das instânci.as administrativas
entre nos. Ao tempo dessa jurisprudência nao tinhamos
senao raros 6rgaos coadjuvantes da administraçao ativa.
Tais orgaos so mais tarde vieram a ser criados, a partir, so·
bretudo, do Govêrno Provisorio da Revoluçao de 30, e dai por
diante ao influxo das mesmas causas gerais que ja ficaram
examinadas.
A criaçao dêsses orgaos n~o tem obedecido a nenhuma
idéia de sistema. Nao sao instâncias articuladas com um
orgao superior, alheio à administraçao ativa; mas, pela con-
trario, instâncias subordinadas, em regra, ao ministro da
pasta a que pertence 0 serviço.
Na terminologia do Direito Administrativo 0 recurso é
hierarquico ou jurisdicional, sendo êste 0 que se interp6e para
6rgao outro que naD a autoridade que praticou 0 ato, ou seus
superiores hierarquicos. 10 E entre nos, como nota TEMISTO-
CLES CAVALCANTI, 11 0 recurso, ainda que tendendo a acentuar
o traço da aplicaçao contenciosa da lei, naD perde 0 carMer
hierarquico, porque reservado ao ministro como instância
final. 12
• VIVEffiOS DE CASTRO, Direito Administrativo, p. 623. As restriçôes à. defesa nas
cobranças fiscais (momento 1udicial da arrecad'lçéio da receita publica) admitidas
na leglslaçâo do Império e na prime ira preceltuaçao orgânlca da Justiça da Unlno
(dec. n. 848, de 1890) podlam subslstlr sem ofensa ao prlnciplo constltuclonal do
ingresso, nos tr"unals, da relHçao juridlca, desde que assegurado êsse lngre!'So por
outros melos '.~li.o sumarla da lei n. 221 ou açao ordinaria). Nao importavam em
restaurar 0 ch nado contencioso adminlstratlvo, em que pese à. jurisprudêncla Ite-
ratlvamente reafirmada pela Supremo Tribunal, de vez que ressalvado ao contrl-
bulnte anular judiclalmente 0 imposto ou 0 lançamento. Tais restriçôes const!-
tuiam um privilégio menos do fisco do que da relaçao juridlca, ao alcance da lei
ordinarla, ad instar do que se consente no direlto cambial e em outras relaç'ôes de
ordem privada. Hoje, porém, é sem Interêsse a indagaçao, em face do dec.-lel
n. 960, de 1938, que homologou a jurlsprudêncla l1beral, facultando ao executado
"tôda a matéria ûtil à. defesa" (veja-se 0 cap. l do tit. VIII).
10 Veja-sE" 0 nosso Do ilfandado de Segurança, ondt.' examinamos mais demora-
damente os recursos admlnistratlvos.
II Instituiçoes de Direito Administrativo, v. II, ps. 770 e segs.
12 Entretanto, 0 processo do recurso, quando interposto para as instanclas cole-
gladas da adminlstraçao, é dlsclpllnado como 1urisdicional (prazos, dllaçôes, jun-
tada de documentos, razôes e até defesa oral da~ partes, que podem flonstltuir ad-
vogados, etc.).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIA.RIO 19

É, ainda, uma forma da administraçao-juiz, uma com-


binaçao, em matéria de recursos, do principio hierarquico com
o das jurisdiçoes administrativas, dotadas de meia autonomia
em face do ministro que superintende 0 serviço, aquilo a que
ROGER BONNARD chama "un moyen de mainmise de l'adminis-
tration sur le tribunal", uma variante, observa o· mesmo es-
critor, do antigo sistema do administrador-juiz (minis-
tre juge).
Exemplos de tais 6rgaos em forma de instâncias colegia-
das, dotadas de maior ou menor autonomia, de carater ar-
bitral umas, de feiçao consultiva outras, e, ainda, de carater
misto, corn funçoes deliberativas e consultivas, temos nos
conselhos da administraçao tribut aria ou fiscal (Conselho
Superior de Tarifas, Conselhos de Contribuintes, do Imposto
de Renda), e em outras esferas: Conselho de Recursos da
Propriedade Industrial; Conselho Nacional do Trabalho;
Tribunal Maritimo Administrativo; Conselho Nacional de
Educaçao; 6rgaos consultivos articulados corn a adminis-
traçao militar (Conselho Superior de Segurança Nacional,
Consclho do Almirantado), etc. 13
Nao menciono 0 Tribunal de Contas, do quaI tratarei em
separado, porque, embora jurisdiçao administrativa, situa-se
entre os poderes, naD sendo aparelho subordinado ao Poder
Executivo, cujos atos de administraçao financeira estao sob
o seu contrôle.
5. 0 D.A.S.P. como instrumento da açao at·n.inistrativa
. )

do Presidente da Republica. A Constituiçao de i\).de novem-


bro criou no art. 67, "junto à Presidência da Republica", 0
departamento administrativo, que 0 dec.-lei n. 579, de 1938,
organizou corn a denominaçao de Departamento Administra-
tivo do Serviço Publico (D.A.S.P.).
o nova 6rgao v,isa centralizar, sob as vistas diretas do
Presidente da Republica, a organizaçao e 0 funcionamento dos

111 Apenas exempliflco, pois nao esta nos moldes dèste livro esgotar a enumera-
çao nem descer a detalhes de org~nlzaçao. Sôbre a Câmara de Reajustamento,
veja-se 0 cap. I, n. 5, e, adiante, 0 cap. IV do tit. VID.
20 CASTRO NUNES

serviços publicos de ordem administrativa. 14 Ê 6rgao arti-


culado corn a funçao presidencial definida no art. 73, de su-
perintendência da administraçao do pais.
Nas atribuiçoes concernentes à organizaçao e funciona-
mento dos serviços publicos (seleçao e distribuiçao do pessoal,
eficiência do funcionario, corn as atribuiç6es correlat as sôbre
promoçao, remoçao, etc.) existe em germe a jurisdiçao pela
aplicaçao contenciosa da lei a casos em espécie, nos mesmos
têrmos em que a exercem outros 6rgaos da administraçao.
Todavia, 0 D.A.S.P. apresenta uma particularidade: é a
sua subordinaçao direta ao Presidente da Republica coma ins-
trumento articulado corn a funçao presidencial de superin-
tendência administrativa.
Dai resulta que os atos jurisdicionais do D.A.S.P., quando
aprovados pelo Presidente da Republica, sao atos dêste. E
entao, definido 0 Presidente no atual regime, coma "autori-
"dade suprema do Estado", seria possivel, ainda que infun-
dada, a duvida sôbre a sujeiçao de tais atos ao exame do Ju-
diciario. 15 .

A intervençao do Presidente pela aprovaçao que dê ao


ato nao 0 subtrai ao conhecimento do Judiciario, se a hip6-
tese nao é das que, corn fundamento na Constituiçao, este-
jam vedadas ao exame dos tribunais. É essa a regra do re-
gime, ainda agora mantida, coma ja vimos. Se 0 ato é de
natureza jurisdicional nao mudam os têrmos da questao. 0
ato jurisdicional praticado na administraçao é ato adminis-
trativo e, camo tal, anulavel em juizo pelos meios regulares
de direito.
A jurisdiçao do D.A.S.P. nao difere da que possa ser exer-
cida pelos ministros de Estado nos mesmos ou em outros as-
suntos. Se 0 Presidente da Republica aprova 0 ato da ju-
risdiçao ministerial ou 0 reforma, provendo recurso de inte-

l.I 0 D.A.S.P. sucedeu ao Conselho Federal do Serviço PÙblico Federal nas atri-
buiçôes a êste cometidas pela lei n. 284. de 28 de outubro de 1936, que 0 crlara,
atribuiçôes restr!tas aos funclonar!os da ordem administrativa, nao alcançando a
maglstratura (vela-se, adiante, 0 cap. III do tft. III).
15 Valtaremos a êsse aspecto no cap. III do Ut. I.
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICIÂRIO 21

ressado, tais at03 sao ajuizaveis e, por igual, 0 sao os prati-


cados com a colaboraçao daquele orgao.
6 . Podem os Estados Ïnstituir jurisdiçoes administra-
tivas? Nos mesmos têrmos em que 0 possa faze'r a Uniao,
isto é, sem retirar às justiças ordinarias 0 poder de estatuir
em definitivo sôbre os direitos controvertidos entre a admi-
nistraçao e os particulares, podem os Estados instituir os con-
selhos técnicos ou especializados que julgarem necessarios à
melhor execuçao das suas leis, com maior ou menor capaci-
dade decisoria. Êsse poder naD lhes esta proibido, como 0 es-
tava na Alemanha imperial, como limitaçao posta à autono·
mia dos Estados-membros 16; resulta, na ausência de proibi.
çao, do poder que lhes incumbe de "organizar os serviços do seu
"peculiar interêsse" (art. 8.°), com tôdas as atribuiçoes re-
manescentes, naD exclujdas express a nem implicitamente pela
Constituiçao (art. 21, II), disposiçoes de base em que assenta
a autonomia administrativa dos Estados, com os serviços e
aparelhos que forem julgados adequados.
A instituiçao de instâncias administrativas é integrante
do quadro do Direito Administrativo, que continua no âm·
bito legislativo de cada Estado, porque naD reservado à
Uniao (art. 16, XVI), salvas as restriçoes que puderem de·
correr das atinências com 0 Direito Civil e outras decorrentes
de certas matérias reservadas no todo ou em parte à Uniao.
Do mesmo modo no tocante à arbitragem legal ou con·
vencional, por expressa determinaçao e nos têrmos do
art. 18, d. 17

1. LABAND, ob. cit., IV, p. 207.


11 Vejam-se sôbre 0 assunto: BIELSA, Derecho Administrativo, 3." ed., v. 1.°,
p. 735, e Ccmtencio8o Administrativo, ps. 146 e segs.; BONNAlID, Le ContrÔle Jurn-
diction neZ de l'Administration, p. 121.
CAPîTULO III

o TRmUNAL DE CONTAS COMO JURISDIÇAO CONTENCIOSA NA


TOMADA DE CONTAS DOS RESPONSAVEIS PARA COM
A FAZENDA pnBLICA

Bu:adARlo: 1. AB declsoes do Tribunal de Contas e 0 Poder Judlclarlo. 2. Sera 0


Tribunal de Contas 6rgao Judlclarlo? 3. Jurlsdiçâo de contas. 4. Em que
têrmos deve ser entendida a Jurlsdlçâo de contas.

1. As decisoes do Tribunal de Contas e 0 Poder Judi-


Clario. Em 1940 1 examinei 0 assunto nos seguintes têrmos :
"Sempre combati, em varios escritos, a exageraçao do prin-
cipio da unidade jurisdicional.
Creio mesmo ter sido entre nos quem mais demorada-
mente fixou êsse aspecto, sobretudo no estudo a que deno-
minei "Da Jurisdiçao no Regime",2 onde mostrei, corn a liçao
de expositores estrangeiros, que jurisdiçao existe até mesmo
na administraçao ativa, tôda vez que um agente publico é
provocado a aplicar certa norma a um fato.
Aos juristas dominados pelo preconceito civilista da ju-
risdiçao como privilégio do Judiciario, escapava 0 fenômeno,
que nesses ultimos anos se desenvolveu ainda mais, documen-
tando a expansao jurisdicional fora da orbita judiciaria.
Entretanto, nao cheguei naqueles escritos a formar opi-
niao sôbre a conclusividade das decisoes da Côrte de Contas
em face do Judiciario, onde se executam ou se prolongam nas
consequências de ordem penal. Confesso mesmo que, nao
obstante reconhecer na tomada de contas uma verdadeira ju-
risdiçao,. tendia para 0 ponto de vista da jurisprudência pre-
l Jornal do Comércio de 2 de llovembro de 1!HO.
2 Arq. JudiCidrio, v. 17, supl.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 23

dominantemente orientada em sentido contrario a tal conclu-


sividade.
Entrando para 0 Tribunal de Contas, tive de reexaminar
o assunto para orientar-me nos votos que tenho proferido. E
cheguei à conclusao, que pretendo expor aqui em ligeira sin-
tese, de que as decisôes proferidas na jurisdiçao constitucio-
nal de contas, que tem naquele Tribunal 0 seu 6rgao privativo,
condicionam a instauraçao da açao penal e nao podem ser
revistas, quer no juizo penal, quer no juizo civel da execuçao.
Acresce às razôes de ordem doutrinaria que me levam a
êsse entendimento a circunstância de que, ja hoje, 0 juizo
penal dos acusados de peculato contra a Uniao se conclue nas
instâncias estaduais, sem recurso, que a Constituiçao naD re-
serva em matéria penal, para 0 Supremo Tribunal ou qual-
quer outra instância intermediaria federal. Sera uma con-
sideraçao de ordem meramente pratica, mas coadjuvante no
exame geral da matéria, tao relevant es sao, à evidência, os
interêsses, naD somente materiais, senao, também, morais, da
Uniao mi. repressao de tais delitos, que entendem corn a ho-
nesta execuçâo dos seus serviços. De qualquer modo, porém,
fôssem federais os 6rgâos judiciarios ou sejam locais, coma se
da agora, a instituiçâo constitucional de um juizo de contas
importa em limitar a autonomia do Judiciario, que julga 0
acusado, e po de absolvê-Io, mas n{io julga a conta, distinçâo
basica que faremos linhas adiante".
2. Sera 0 Tribunal de Contas orgao judiciârio? Nâo é
necessario que seja 6rgâo judiciario 0 Tribunal de Contas para
que as suas decisôes na jurisdiçâo contenciosa das contas
sejam conclusivas para a Justiça.
Cumpre, entretanto, examinar a indagaçâo para fixar a
posiçâo do Tribunal no mecanismo dos poderes e ir ao encontro
do argumento dos que, negando-Ihe aquela qualificaçâo, equi-
param sem razoaveis limitaçôes as suas decisôes a quaisquer
decisôes administrativas, mesmo as proferidas na jurisdiçao
contenciosa das contas dos responsaveis, Unico aspecto, alias,
de que estamos tratando.
24 CASTRO NUNES

80b a Constituiçao de 91 0 dec. n. 392, de 8 de outubro


de 1896, estabelecera: "Funciona 0 Tribunal de Contas: 1.0,
"como fiscal da administraçao financeira; 2.°, como tribunal
"de justiça com jurisdiçao contenciosa e graciosa".
A locuçao "tribunal de justiça", alias naD reproduzida na
lei n. 156, d.e 24 de dezembro de 1935, e no dec.-Iei n. 426, de 12
de maio de 1938, que reorganizaram 0 Tribunal sob as Consti-
tuiçoes de 34 e a atual, parecia inculca-Io como orgao judi-
cidrio, que êle naD era e naD é.
Parece mesmo que em nenhum pais do mundo - disse-o
certa vez 0 saudoso AGENOR DE RoURE em um dos artigos em
que magistralmente estudou a organizaçao do Tribunal de
Contas - 3 a Côrte de Contas faz parte do Poder Judiciario.
o que se admite em alguns, como na Bélgica, é a sua articula-
çao, mediante recurso em certos casos, corn a Côrte de Cas- .
saçao, instância judiciaria suprema. Na França, idêntica ar-
ticulaçao é com 0 Conselho de Estado, instância administra-
tiva suprema.
Os expositores dao noticia da controvérsia, concluindo
com DUCROC, que a Côrte de Contas naD é 6rgao judiciario,
mas jurisdiçao administrativa, dita judicidria, no tocante à
tomada de contas, apenas no sentido genérico de jurisdicional.
o que se diz, com ORBAN, por exemplo, é que a jurisdiçao de
contas é exercida pela Côrte em cardter judicidrio, 0 que naD
signifie a seja ela 6rgao judiciario. 4
. Entre n6s saD raras as opinioes autorizadas que 0 definem
como tribunal judiciario. Nao tenho noticia senao de JOAo
MENDES, 6 sob a Constituiçao de 91, e do ministro RUBEM ROSA,
meu eminente colega de Tribunal, que tem sustentado idên-
• Jornal do Comércfo de 6 de Janeiro de 1932. Tratam do Tribunal de Contas,
aqui como em tÔda parte, os expositores do Direito Administrativo. Entre n6s dele
se ocupam mais desenvolvidamente: VIVEmos DE CASTRO, Tratado de Ciêncfa da Ad-
ministraçao e de Direito Administrativo; TEMÎSTOCLES CAVALCANTI, lnstituiçoes de
Dlreito Admtnistnztivo; MATOS DE VASCONCELOS, Direito Administrativo; GUIMAllAEs
MENEGALE, Direito Administrativo e Ciêncfa da Administraçao; ALCIDES CRUZ, Direito
Administrativo Brasileiro; PÔRTO CARREmo, Liçoes de Direito Administrativo, etc.
• Vejam-se: VlTOR MARCÉ, Le Contrôle des Finances, l, ps. 123 e segs.; E. BESSON,
Le Contrôle des budgets, p. 390; ORBAN, Droit Constitutionnel de la Belgique,
m,130.
G Direito Judicidrio Brasileiro, p. 94.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 25

tico ponto de vista em votos que vao aparecer brevemente no


volume corn que documentara sua brilhante operosidade; di-
fere um pouco do de JOAO MENDES 0 modo de ver do ministro
RUBEM ROSA, que considera 0 Tribunal de Contas como insti-
tuiçao mista, ainda que predominantemente judiciaria, como
se vê dos seus votos publicados em 0 J ornal do Comércio de 4
de junho de 1935 a 11 de abril de 1936.
No Brasil, 0 Tribunal de Contas naD esta'e jamais esteve
articulado corn 0 Supremo Tribunal. É um instituto sui ge-
neris, pôsto de permeio entre os poderes politicos da Naçao, 0
Legislativo e 0 Executivo, sem sujeiçao, porém, a qual-
quer dêles.
Nao mudou essencialmente no regime atual a fisionomia
que lhe traçou RUI BARBOSA: "um mediador independente,
"pôsto de permeio entre 0 poder que autoriza periodicamente
"a despesa e 0 po der que cotidianamente a executa, auxiliar
"de um e outro, que comunlcando corn a legislatura e inter-
"vindo na administraçao, seja, naD s6 0 vigia coma a mao forte
"da primeira sôbre a segunda, obstando a perpetraçao das in-
"fraçôes orçamentarias por um veto oportuno".
Nao é uma jurisdiçao administrativa, senao em certo sen-
tido, sem confusao possivel, entretanto, corn as instâncias ad-
ministrativas que funcionam como 6rgaos subordinados ao
Poder Executivo. Por isso mesmo a Constituiçao 0 institue
corn 0 carater de uma verdadeira magistratura, equiparando
os seus membros, para 0 efeito das garantias da funçao, aos
ministros do Supremo Tribunal. 6
Mas naD basta isso para situa-Io no Poder Judiciario. Se
o instituto esta entre os poderes, é que a nenhum dêles per-
tënce propriamente, nem ao Judiciario, nem à administraçao
coma jurisdiçao subordinada, porque, ja entao, seria absurdo
que pudesse fiscalizar-lhe os atos financeiros; nem mesmo ao
Legislativo, corn 0 quaI mantém maiores afinidades.
• A denominaçâo de magistratura aplicada à Côrte de Contas é frequentemente
t'ncontrada nos exposltores. sobretudo os Italianos. quer os antlgos. quer os con-
temporâneos. A COrte de Contas e 0 Conselho de Estado. dlzem êles. sao as ma-
gistraturas da ordem iIdministrativa (Vide O. RANELLETTI, Institu2ione di Diritto
Pubblico, p. 467; CARLO COsTAMAGNA, Diritto Pubblico Fascista, p. 398).
26 CASTRO NUNES

As côrtes de contas nao sao delegaçoes do Parlamento,


sfio 6rgaos autônomos e independentes. Mas existem em
funçao da atribuiçao politica dos parlamentos no exame das
contas de cada exercicio financeiro. É êsse, na teoria do insti-
tuto, 0 traço fundamental. Na sua funçao cotidiana, quer na
fiscalizaçao financeira, quer na tomada das contas dos res-
ponsaveis pelos dinheiros publicos, ela serve a êsse objetivo
que lhe explica a destinaçao, como 6rgao auxiliar e prepara-
dor daquela funçao.
Como observa VITOR MARCÉ e 0 repete E. BESSON nas obras
citadas - "ce sont les deux parties d'un même tout: l'exa-
men analytique et detaillé des gestions particulières compta-
bles conduit à l'appreciation synthetique de la gestion des
ministres".
Ora, sendo 0 Tribunal de Contas um 6rgao coordenado
corn 0 Parlamento no desempenho de uma funçao dêste, é bern
de ver que nao po de ser tribunal judiciario, isto é, 6rgao do
Poder Judici?-rio, por 6bvias razoes. 7
3. Jurisdiçao de contas. A primeira Constituiçao repu-
blicana, instituindo um tribunal de contas "para liquidar as
"contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes
"de serem prestadas ao Congresso",nao expressava a jurisdi-
çao de contas, isto é, a tomada das contas da gestao subordi-
nada. 0 dec. n. 393, de 1896, teve-a acertadamente por im-
plicitamente contida, nos têrmos doutrinarios acima expostos,
e derivou-a, ainda que qualificando impropriamente de Tri-
bunal de Justiça ao Tribunal de Contas no desempenho dessa
funçao e derramando-se em demasias inadmissiveis, entre as
quais a de tratar como embargos remetidos os embargos opos-
tos na execuçao judiciaria contra os responsaveis alcançados,
embargos de que nao conheceria 0 juiz da execuçao, nem 0
7 No regime da atual Constituiçao, 0 dec.-lei n. 426, de 1938, consagra nos artigoB
53 e 54 soluçao de emergência mediante apreciaçao pelo Tribunal das contas do
exercicio encaminhadas a êle e devolvldas, ap6s exame, ao Presidente da Repùbllca.
Tais dlspositlvos legais deixam entrever que, embora nao expressa no texto constl-
tucional a tomada de contas pela Parlamento, deve ser tida como Impliclta e;;sa
funçao, a inferir-se da deflniçao constitucional dos crimes de responsabllldade do
Presidente da Repùbllca, entre os quais 0 que concerne à guarda e emprêgo dOl
dinhelros pùbllcos (art. 85, d).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 27

Supremo Tribunal, senao 0 Tribunal de Contas mesmo, cois a


tao inadmisslvel entao, coma ainda agora, nos têrmos consti-
tucionais da competência judiciaria para as causas em que
seja parte a Uniao.
Mas a reaçao encabeçada por PEDRO LESSA no Supremo
Tribunal foi além, extremou-se ao ponto de negar qualquer
carater decisorio às sentenças do Tribunal na tomada de
contas, desconhecendo-Ihe dêste modo uma funçao que lhe é
inerente e por isso mesmo implicita no dispositivo constitu~
cionaI. Tais decis6es, dizia 0 grande juiz, que tâo luminosos
traços deixou de sua passagem pela instância suprema, "s6
"teem 0 valor juridico de informaç6es", condescendendo em
acrescentar "pôsto que muito valiosas".8
A Constituiçao de 34 tornou express a a atribuiçao:
" ... julgar as contas dos responsaveis por dinheiro ou bens
"publicos". A de 37 usa de formula idêntica na locuçao
"julgar das contas", coma se vê do art. 114: "Para acompa-
"nhar diretamente ou por delegaç6es organizadas de acôrdo
"corn a lei a execuçao orçamentaria, julgar das contas dos res-
~'ponsaveis por dinheiros ou bens publicos e da legalidade dos
"contàüos celebrados pela Uniao é instituido um tribunal de
"contas ... ". 9
& Do Pader Judicidria. p. 149.
o A prap6sita da lacuçâa "julgar das", escrev!: "Guardo do meu tempo de es-
tudante a noçao de que 0 objeto direto pode estaI' regido de preposiçao sem alte-
raçao do sentido do verbo. A essa forma intransitiva dos verbos de predicaçao
incompleta se chamava entâo objeto direto esporadicamente preposicional, abo-
nanda-se-lhe 0 uso cam 0 exemplo chissico tirado do Lusiadas (canto III, CXXX) :
"Arrancam das espadas de aço lino
Os que pOl' bom tal feito aU pregoam".
Entretanto, a regra nao é absoluta, camo alias nenhuma 0 é. TaI é 0 caso
de usar, no exemplo usar cabeleira e usar de cabeleira; igualmente 0 de querer
alguém ou querer rz alguém, etc., nos quais é possivel lobrigar alguma dlierença
de sentido.
Em outros casos a particula restringe 0 sentido do verbo, tem "valor par-
titivo". :E: 0 que se mostra nos exemplas corner 0 pao e comer do pao, beber a
vinho e beber do vinho, etc., para indlcar qUA nao se comeu todo 0 pao, nem se
bebeu todo 0 vlnho, senao uma parte, funçao que do balxo latlm trouxe a particula
para 0 português, 0 italiano e 0 francês (EDUARDO CARLOS PEREIRA, Gramatica His-
t6rica, 8." ed., p. 466), sendo neste mals acentuadamente: "on mange de la viande,
je veux du pain", etc.
Sucedera 0 mesmo cam 0 verbo julgar quando usado na forma intransitlva
julgar de? Eis a questao que se oferece agora ao exame como um aspecto nova
da controvérsla ja tao eriçada de duvidas.
28 CASTRO NUNES

4. Em que têrmos deve ser entendida a jurisdiçao de


contas. Cumpre delimitar 0 que se compreende no âmbito
estreito dessa jurisdiçao. É apenas a conta, como diz EDGARD
ALLIX: a Côrte julga a conta, e naD 0 responsavel. A decisao
que profere é sôbre a regularidade intrinseca da conta, e nao
sôbre a responsabilidade do exator ou pagador ou sôbre a
imputaçao dessa responsabilidade: "Dire qui la Cour juge les
comptes et ne juge pas les comptables c'est dire qui la Cour
Os diciomlrios nâo resolvem a questâo. Dos que tenho à mâo, os de frei
DOMINGOS VIEIRA e MORAIS nada adiantam neste ou naquele sentido: 0 de CALDAS
AULETE distingue, assinando a julgar de a acepçâo de "ajuizar, formar conceito
acërca de alguém ou de alguma coisa"; 0 de CANDIDO DE FIGUEIREDO, igualmente,
"formar conceito sObre alguma coisa", acrescentando, todavia, sob a mesma ru-
brica, "lavrar ou pronunciar sentença", equivalente a "decidir como Juiz ou coma
arbitro, sentenc1ar, decidir", etc., s1gniflcados em geral reservados à forma trans1tiva.
A prevalecer a distinçâo, se é que existe, 0 julgar de nâo confere ao Tr1bunal
juizo pleno sObre as contas dos responsaveis para CCl'IIl 0 Tesouro Pùblico; nâo
equ1valera a julgar essas contas, estatu1ndo sObre elas no seu mér1to, quer ar1tmé-
t1co, quer moral ou juridico, como se fOra um tribunal jud1c1ario. Suas Clec1soes
sobre tais contas ter1am 0 valor de pareceres, e nii.o haver1a entâo co~o contestaI
a PEDRO LESSA quando as reduz1a a meras injormaç6es, ja hoje alias corn 0 reforço
dêsse argumento novo.
Acresce à diflculdade que 0 verbo dizer tem na linguagem jud1c1ar1a acep-
çoes diferentes, inconfundiveis, quando empregado trans1tivamente, dizer 0 dire1tCl,
e intrans1tivamente, dizer de dire1to, funçâo esta do M1n1stér10 Pùblico e nâo do
Juiz do Tr1bunal, a que compete por deflniçoes 0 jus dicere.
Tudo isso esta ind1cando que a diflculdade traz1da à controvérsia sobre a
extensâo jurisd1c10nal da COrte de Contas pela novo enunciado do seu poder cons-
tituc10nal precisa ser removida, coma obstaculo, que nâo posso de1xar à margem,
anteposto à tese da plen1tude da jurisdiçao do Tribunal sObre a conta suje1ta ao
seu exame. E para tanto sera necessario assentar que julgar d'ils equ1vale a julgar
as, 0 que procurare1 esclarecer, sem pretensâo a esgotar 0 assunto, corn os escassos
elementos de biblioteca de que disponho e outros, ainda mais escassos, do meu
entend1mento.
Na verdade, 0 emprêgo do verbo trans1tivo na forma 1ntransitiva é frequente
e nem sempre com alteraçâo no sentido.
RU!, depois de dizer que muitos verbos passam da classe dos intransitivos
para a dos transitivos, acrescenta: "Nâo tem men os frequência que essa a varia-
çâo dos transitivos em intransitivos". Mesmo 0 verbo querer, transitivo, ou querer
a, intransitivo, pOde sel' usado sem mudança de sentido, e corn 0 abono dos nu-
merosos exemplos classicos que êle aponta.
Do mesmo modo cumprir e cumprir cam, de uso mais frequente e autorizado
(Réplica, ns. 118 e 124, e conclusao, em nota).
JoÂo RmEIRo, embora advertindo, a prop6sito das formas usar a e usar do, que
"estas diversidades de reg1me envol vern quase sempre qualquer dlferença de Eentido,
reforçam, realizam ou enfraquecem e minoram 0 valor positivo e normal da ex-
pressâo", esclarece em outra nota: "0 verbo usar, coma ordenar, começar, cos-
tumar e muitos outros, pOde trazer, ou nao, indlferentemente, 0 regime de, oomo se
depreende da sintaxe dos classicos" (Seleta Clâssica, 4." ed., notas 145 e 151).
o emprêgo do verbo transitivo como intransitivo, ou vice-versa, pOde sel',
nois, admitido como regra. Enuncia-a outro mestre da lingua, 0 maior, talvez,
TEORIA E PRA.TICA DO PODER JUDICrA.RIO 29

ne se prononce que sur la regularité intrinsèque du compte


et non sur la responsabilité du comptable". E linhas adiante :
"C'est en realité, le compte qui se trouve condamné plutôt qui
le comptable". 10
Nem de outro modo dispoe a nossa Constituiçao. Nao se
atribue ao Tribunal de Contas senao 0 julgamento das contas:
"Julgar das contas dos responsâveis por dinheiros ou bens
"publicos" .
dentre os contemporâneos, 0 professor SOUSA DA Sn.VEIRA (Liç6es de Português, 1921.
p. 188; do mesmo modo MAXIMINO I\!L\CIEL, Gramatica Descritiva: "Hâ verbos que
tanto ocorrem no estado de objetivos diretos coma indiretos, ex.: usar de, mudar
de, sofrer de"; CARLOS G6IS, Sintaxe de regência, apud ARTUR TÔRRES, Re-
gêncla Verbal, p. 223: "Hâ verbos que, mantendo inalterâvel 0 sentldo, Indiferen-
temente pedem 0 objeto dlreto ou Indlreto, ex.: Obstava a que as ondas ... ; tem
querido 0 Estado obstar 0 jôgo ... ", etc.).
Quero crer que no caso de jUlgar, coma em tantos outros, a partfcula é me·
ramente de realce, tem apenas valor lIterario. Asslm é que RUI pôde dlzer: " ... da
Inconstltucionalldade nao se sentenceie nunca" e, logo adlante, "para sentenclar a
demanda". Em outra passagem, traduzlndo a ap6strofe de D'ARGENTRÉ - Cur de
lege judicas, qui sedes ut secundum leges judices? - nao omltlu a partfcula, que
allas grlfou para 0 s6 efeito, 6bvio, de avivar a antltese: "Por que te abalanças a
julgar das leis, quando 0 teu -cargo é julgar segundo as leis 1" (Colet4nea, IV,
ps. 126, 127 e 144).
É de observar que na lInguagem jUdiciarla nao se usa dlzer - julgar a cons·
tituclonalldade, julgar a legalldade, senao julgar da constltuclonalldade de uma
lei, julgar da legal1dade de um ato, etc. Por igual decidir, nos mesmos casos: ao
Juiz compete decldlr da pr6prla competêncla; os tribunals decldem da legalldade
dos atos admlnlstratlvos, etc.
Assim é que BARBALHO, falando do Judlciario, dlz que êle "decide da com-
petêncla constltuclonal dos poderes pûbllcos" (Comentarios à Constituiçéio Federal
Brasileira, La ed., !). 224).
Ora, no texto de 1934, as duas proposlçôes agora reunidas no mesmo enun-
clado estavam separadas: "julgar as contas dos responsaveis ... " (art. 99); "os
contratos que por qualquer modo Interessarem Imedlatamente à recelta ou à despesa,
s6 se reputarao perfeltos e acabados qu~ndo reglstados pela Tribunal de Contas".
A Constitulçao de 37 aglutlnou-as: "Para acompanhar ... a execuçao orçamentârla,
julgar das contas dos responsavels ... e da legalldade dos contratos ... é Instltu!do
um tribunaL .. " (art. 114).
Na Constitulçao de 34 0 vcrbo julgar nao se referia senao às contas. Podla
o leglslador usa-lo na forma transltlva ou Intransltiva. Da! 0 julgar as contas.
Na de 37, em que as duas competências foram reunldas no mesmo enunclado,
seria deselegante repetlr 0 verbo comum a ambas. Ope rou-se entao 0 que os gra-
mâticos chamam contraçéio preposicional por identidade do verbo (MAXIMINO MAcIEL,
Gramatica Descritiva, p. 339), que se omlte em uma das proposlçôes. por ellpse.
o verbo aparece somente na primelra proposiçao.
Acontece, porém, que na segunda proposlçao do enunclado em exame nao
quadrarla 0 verbo iulgar na forma transltlva, julgar a legalldade dos contratos.
Havia mlster de 0 adequar às duas hlp6teses. Dai 0 "julgar das contas ... e da le-
gallàade dos contra tas ... " .
10 EDGARD ALLIX, Science des Finances, ps. 363-364.
30 CASTRO N,UNES

Como observa BIELSA, um mesmo fato pode determinar


responsabilidades de ordem diversa - administrativa, penal
e civil. A tomada de contas da gestao financeira do agente
é de ordem administrativa, 0 que se fixa é a responsabilidade
do exator ou pagador no desempenho de sua funçao publica.
Quando se diz que essa responsabilidade é civil, coma é de uso
na linguagem corrente, 0 que se quer é apenas fixar a sua in-
dole civil em contraposiçao à responsabilidade penal, que as
côrtes d,e contas naD apuram, porque naD exercem jurisdi-
çao penal. Por isso mesmo conclue 0 douto expositor argen.
tino que as côrtes de contas naD invadem nem a jurisdiçâo
civil nem a jurisdiçao penal, a cargo dos juizes comuns,
quando fixam a responsabilidade do agente por fatos ou atos
da sua gestao. 11
E limita-se a es sa verificaçao 0 julgamento da conta. É
um juizo que se institue sôbre operaç6es administrativas, li-
mitado aos atos ou fatos apurados, seja para liberar 0 res-
ponsavel, seja para 0 declarar alcançado em vista das irregu-
laridades encontradas na sua gestao.
o Tribunal de Contas estatue somente sôbre a existência
mate rial do delito, fornecendo à justiça, que vai julgar 0 res-
ponsavel, essa base da acusaçao.
Nao julga a êste, naD 0 condena nem 0 absolve, funçao da
justiça penal. Fixa-Ihe apenas a responsabilidade material,
apurado 0 alcance. Outros aspectos da imputaçao perten-
cern por inteiro à justiça comum, que pode absolver 0 respon-
save? alcançado, contanto que naD reveja 0 julgado de contas,
naD negue a existência material da infraçao financeira.
A jurisdiçao de contas é 0 juizo constitucional das contas.
A funçao é privativa do Tribunal instituido pela Constituiçao
para julgar das contas dos responsaveis por dinheiros ou bens
publicos. 0 Judiciario naD tem funçao no exame de tais
contas, naD tem autoridade para as rever, para apurar 0 al-
cance dos responsaveis, para os Ziberar. Essa funçao é "pro-
pria e privativa" do Tribunal de Contas, diz 0 decreto orgâ-
nico em vigor, e os responsaveis sujeitos à tomada de contas
11 RAFAEL BIELSA, Derecho Administrativo, 4.- ed., 1938, v. !, p. 7114.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 31

"so por ato do Tribunal podem ser liberados de sua responsa-


"bilidade" (dec.-lei n. 426, de 12 de maio de 1938, arts. 8.° e 19).
Se a lei, diz ORESTE RANELLETTI, referindo-se precisa-
mente à Côrte de Contas, institue um dado orgao e 0 incumbe
de exercer determinada jurisdiçao, deve-se entender que esta
é privativa do orgao instituido. 12
o julgado da jurisdiçao de contas, restrito, coma ja ficou
explicado, ao elemento material do delito, sera uma prejudi-
cial no juizo penal.
MORTARA equipara as decisoes de tomada de contas às de-
cisoes proferidas nas questôes de estado, atendiveis no juizo
civil ulterior e no juizo penal. Do mesmo modo BIELSA. 13
A jurisprudência do Supremo Tribunal ora dava maior,
ora menor eficacia às decisoes proferidas na verificaçao do
alcance dos responsaveis processados criminalmente. Algu-
mas vêzes naD admitia a instauraçao da açao penal sem a
prévia tomada de contas; outras vêzes entendia que a açao
do Judiciario naD estaria limitada por essa formalidade de
ordem administrativa, podendo exercer-se desde que p:r;ovo-
cada regularmente, feita a prova da existência material do
delito na instruçao criminal.
Na cobrança executiva a mesma variedade de julgados,
entendendo-se algumas vêzes que 0 julgamento prévio do al-
cance naD seria condiçao indispensavel à propositura do exe-
cutivo nem limitada estaria a defesa do executado por aquele
pré-julgamento.
Nao me pare ce indispensavel colhêr na jurisprudência os
acordaos que eu aplaudiria no ramo das idéias aqui expostas.
Creio mesmo que de alguns anos a esta parte vai-se operando
uma reaçao contra a antiga jurisprudência e situando 0 juizo
de contas no seu devido lugar, sobretudo na cobrança exe-
cutiva dos alcances apurados. Sirva de exemplo 0 acordao
de 28 de julho de 1938, da 1.a Turm:a, do quaI foi relator 0
eminente ministro COSTA MANSO, que anulou certo executivo
12 o. RANELLETTI, Le Guarentigie della Giustizia nella Pubblica Amministrazione,
1937, p. 327.
13 MORTARA, Proc. Civ., I, p. 856; BIELSA, ob. c1t., ibd.
32 CASTRO NUNES

sob 0 fundamento de ser inadmissivel antes do julgamento


das contas do responsavel pela Tribunal de Contas.
Vai-se firmando assim 0 principio verdadeiro de que 0
julgamento da conta ou seja a apuraçao do alcance na juris-
diçao competente é operaçao prévia à propositura do exe-
cutivo, naD podendo ser êste admitido cam ressalva de ulterior
decisao do Tribunal de Contas, como se decidiu algumas vêzes,
do que é exemplo 0 acordao de 28 de julho de 1931, com uro
linica voto divergente, a do ministro RODRIGO OTAvIO, sempre
luminoso e conciso. 14
Mas, ajuizada a cobrança do alcance previamente apu-
rada, podera 0 fuizo conhecer de defesa que envolva revisEo
do julgado do Tribunal de Contas?
Sempre entendi que a jurisprudência do Supremo Tribu-
nal, suprimindo os obices le gais à amplitude da defesa nos
executivos fiscais para cobrança, naD so de alcances, mas de
impostos, muItas, etc., era uma exageraçao que conviria ser
reexaminada. Ao meu ver, a cobrança executiva é 0 momento
judicial da arrecadaçao da receita public a, traço que conserva
naquela fase culminante e que por isso mesmo teria de com-
portar as limitaçoes existentes na legislaçao e que vinham do
Império.
Entendeu-se, porém, com PEDRO LESSA, situando fora dos
seus exatos têrmos a questao, que tais limitaçoes importariam
em ressuscitar 0 chamado contencioso administrativo, argu-
mento que so teria razao de ser se, limitando a defesa na co-
brança fiscal, naD permitisse 0 direito cop.stituido que a ins-
criçao da divida pudesse ser atacada pela açao sumaria da
lei n. 221, meio proprio para, sem obstar a arrecadaçao judi-
cial do imposto, invalidar as operaçoes administrativas que lhe
serviram de base e devolver ao contribuinte 0 tributo inde-
vidamente pago.
Nao cabe aqui maior desenvolvimento dessa tese que ja
hoje, alias, tem a seu favor texto expresso de lei, que consa·
grou a jurisprudência, facultando ao executado "tôda a ma·

li Arq. JUdiciârio, v. 22, ps. 78-79.


TEORIA E PRATICA DO PODER JunlcIAIuO 33

"téria util à defesa" (dec.-Iei n. 960, de 17 de dezembro de


1938, art. 16).
Mas contra as decisôes proferidas pelo Tribunal como
juizo de contas naD caberia nem mesmo aquela açao, isto é, a
açao sumaria da lei n. 221 ou a via ordinâ.ria que a supre
quando perempto 0 direito de usa-la, porque 0 ato naD é do
Poder Executivo, naD é ato da administraçao enquadrada
nesse poder e a êle subordinada, mas de jurisdiçao situada
entre poderes, inaccessivel pelos motivos ja expostos ao exame
do Judiciario.
Muito menos, portanto, se compreende que possa ser re-
visto 0 julgado de. contas coma matéria de defesa na cobrança
executiva. A amplitude de defesa agora assegurada pela lei
tera, pois, de comportar essa limitaçao de base constitucional
em se tratando de alcance apurado pela Tribunal de Contas.
As decisôes proferidas em tomada de contas - ja se en-
tendia assim no antigo direito imperial e, hoje por melhores
razôes - "teem a autoridade e fôrça de sentenças dos tribu-
"nais de justiça e saD execut6rias desde logo contra os mesmos
"responsaveis".15 Por isso, mesmo "a divida proveniente de
"alcance naD precisa ser inscrita previamente" (dec.-Iei
n. 960, art. 2.°, § 2.°) ..
Entretanto, as hip6teses de mais dificil e delicada solu-
çao saD as que resultam da eficacia do julgado de contas na
jurisdiçao penal. A começar pela instauraçao mesma da
açao criminal. Sera necessario aguardar a tomada de contas
do responsavel ou podera êste ser denunciado, fazendo-se na
instruçao criminal a prova do alcance?
Ja se observou linhas acima que a funçao de tomar e
julgar as contas dos responsaveis para corn 0 Tesouro naD é
da Justiça, naD se podendo entender partilhada corn 0 Judi4
ciario uma atribuiçao conferida pela Constituiçao a uma ju·
risdiçao especial.
Objeta-se, porém, corn 0 riseo de prescrever a açao penal
antes de julgada a conta do responsavel. Mas, para obviar a
êsse risco possivel, a providência, da alçada do legislador, seria
:u; BANDEIRA, Novo Manual, nota 73.

F. 3
34 CASTRO NUNES

declatar suSpenso b curso da prescriçao em tais hip6teses, sem


excluir as diligências ao alcance da açao combinada, em cada
caso, dos· orgaos do Ministério Publico junto à Justiça e junto
ao proprio Tribunal de Contas, com 0 fim de apressar 0 jul-
gamento das contas do responsavel.
Seo Judiciario, precindindo da tomada de contas, ab-
solve 0 responsavel ou 0 condena, negando na primeira hip6-
tese ou afirmando na segunda a existência de alcance, cria
para o'Tribunal de Contas um verdadeiro impasse. Isso ja
tem ocorrido.
o Tribunal de Contas, em face da coisa julgada e da regra
contida no art. 1.825 do Codigo Civil, em virtude da quaI nao
se podera questionar no civel sôbre 0 tato ou quem seja 0 seu
autor quando tais questoes ja houverem sido decididas no
crime, fica: com a sua jurisdiçao trancada por êsse pronun-
ciamento intempestivo do Judiciario.
Outra hipotese: 0 réu declarado previamente alcançado
pela Tribunal de Contas foi absolvido sob 0 fundamento de
nao haver cometido 0 delito. Cria-se para 0 Tribunal 0 mesmo
impasse; Mas ja entao 0 pronunciamento judiciàl nao ter a
sido intempestivo nem fundado no interêsse de evitar a pres-
criçao da aç~o penal, senao no interêsse da defesa do acusado,
defesa que para ser ampla ter a de abranger 0 direito e 0 tato,
nao havendo como limitar 0 juiz penal na apreciaçao da hi-
,
potese sem limitar a defesa.
o argumento é sem duvida impressionante. Funda-se na
autonomia da jurisdiçao penal que se quer ampla para asse-
gurar na mesma medida a defesa do acusado.
É forçoso, porém, combinar êsse principio, alias expresso
hoje na Constituiçao em têrmos que nao sao os mesmos das
anteriores Constituiçoes - "a mais plena defesa" (Consti-
tuiçao de 91), "ampla defesa" (Constituiçao de 34), limitan-
do-se 0 texto atual a assegurar a defesa do acusado corn "as
"necessarias garantias", é forçoso combina-Io com outro pre-
ceito constitucional, 0 que institue 0 juizo de contas, para dai
concluir, harmonizando-os, que a jurisdiçao comum esta li-
mitada no julgamento dos responsaveis declarados alcança-
TE ORlA E PRÂTICt, DO PODER JUDIClA.RIO 35

dos, de cuja defesa, corn as garantias necessàrias, ter à co-


nhecido aquela jurisdiçao especial.
• Mas 0 proprio Judiciàrio é incongruente quando reivin.
die a a autonomia da jurisdiçao penal, desconhecendo a auto-
ridade do julgado de contas. Porque êle mesmo jamais ad-
mitiria que um responsavel quitado pela Tribunal de Contas
pudesse ser processado criminalmente. Como admitir a au-
toridade de casa julgado na quitaçao e naD admiti-la no al-
cance apurado?
Casos houve em que, instaurada a açao penal e quitado
ulteriormente pele Tribunal de Contas 0 responsàvel, enten-
deu 0 Supremo Tribunal que 0 processo penal "ficara sem
"objeto", livrando-se 0 acusado até por habeas-corpus. 16
Cumpre, todavia, examinar em cada casa concreto se 0
réu foi absolvido ou apenas impronunciado, porque so na
primeira hipotese estarà trancada a jurisdiçao de contas.
A impronuncia, mesmo quando fundada na deficiência
da prova, nao obsta a renovaçao da açao penal com elementos
supervenientes de prova do tato criminoso. Nao faz, por-
tanto, coisa julgada, naD elide a jurisdiçao do Tribunal de
Contas na apuraçao ulterior do alcance. 17

16 Ac6rdâo de 20 de julho de 1923. Diârio Dlicial de 7 de Janeiro de 1931.


" A hip6tese ocorreu recentemente e assim decidiu 0 Tribunal de Contas. No
voto oral que proferi. estabeleci a distinçao nos têrmos expostos.
ÙAPtTULO IV

DAS JURISDIÇÔES POLtTICAS

SuHARro: 1. 0 Parlamento como arbitro final da constitucionalldade das lels,


2. 0 Conselho Federal como tribunal de impeachment. 3. 0 Conselho Fe-
deral como Jurisdiçâo de politlca tributaria.

1. 0 Parlamento como ârbitro final da constituciona-


lidade das leis. Seria licito duvidar, no tocante à atribuiçao
nova adjudicada ao Parlamento, se êste, ao desempenha-la,
exerce realmente uma jurisdiçao. A rigor naD exerce. 0 que
lhe submete a iniciativa do Presidente da Republica naD é a
sentença, mas a lei, é a esta que êle confirmara ou nao, ainda
que, na primeira hip6tese, virtualmente cassada fique a sen-
tença. Somente por isso, por essa consequência, alias ex-
pressa no texto constitucional, é que se pode justificar 0 exame
do assunto no quadro jurisdicional.
o art. 96, depois de estabelecer que s6 por maioria abso-
luta de votos da totalidade dos seus juizes poderao os tribu-
nais declarar a inconstitucionalidade
, da lei ou de ato do Pre-
sidente da Republica, a~rescenta no parag. unico: "No
"caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que,
"a juizo do Presidente da Republica, seja necessaria ao bC'm-
"-estar do povo, à promoçao ou defesa de interêsse nacional
"de alta monta, podera 0 Presidente da Republica submetê-la
"novamente ao exame do Parlamento; se êste a confirmar
"por dois terços de votôs em cada uma das câmaras, fic ara
"sem efeito a decisao do Tribunal".
Nao se trata de um recurso que 0 Presidente interponha
da instância judiciaria para 0 Parlamento, coma ja houve
quem adiantasse num comentario apressado. 0 Parlamento
nao julga a sentença, julga a lei e s6 por via de consequência,
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICIDro
37

porque prevalente a lei, havera que decidir a espécie com su-


jeiçao a ela, sem efeito fic ara a sentença para que 0 Judicia-
rio, e naD 0 Parlamento, profira 0l:!tra. Recurso sup6e cor-
relaçao de autoridades no mesmo pIano jurisdicional. Os
têrmos da questao hao de ser substancialmente idênticos nas
diferentes instâncias, tao certo é que 0 recurso continua 0 li-
tigio. Ora; é precisamente 0 contrario 0 que se da. 0 Tri-
bunal, repelindo a lei, cingiu-se à naD conformidade desta com
a Constituiçao, apreciaçao de técnica j~ridica. Ao passo que
o Parlamento se liberta dos têrmos constitucionais da ques-
tao, podera validar a lei sem necessidade de !he demonstrar
a constitucionalidade, adotando a soluçao mais conforme "ao
"bem-estar do povo, à promoçao ou defesa de interêsse na-
"cional de alta monta", se lhe parecer que a lei repelida por
inconstitucional atende a essas conveniências pelas quais se
legitima a iniciativa presidencial e consequentemente a de-
liberaçao legislativa. 0 Parlamento naD é provocado a agir
como instância revisora da decisao nos têrmos constitucio-
nais da controvérsia. Retoma 0 ponto de vista legislativo,
mais amplo do que 0 judiciario, porque compreensivo também
da necesstdade da medida, da conveniência ou da oportuni-
dade da lei.
Entretanto, ha, digamos assim, um efeito jurisdicional,
que vem a ser a cas:;;açao da sentença e s6 por êsse motivo 0
exame do assunto encontra lugar aqui. 0 ato legislativo va-
lidando a lei se traduzira, em ultima analise, numa verdadeira
emenda à Constituiçao, quaisquer que sejam os fundamentos
da deliberaçao legislativa, cujo carater politico, alheio à com-
patibilidade da lei com a Constituiçao, de corre das palavras
"seja necessaria ao bem-estar do povo, à promoçao ou defesa
"de interêsse nacional de alta monta". Nao é uma decisao
jurisdicional.
Do exame do art. 96, parag. linico, conclue-se: 10°,
que a lei submetida ao Parlamento ha de ser uma lei em sen-
tido formaI, naD um decreto do Executivo, 0 que se infere das
palavras "submetê-Ia novamente ao exame do Parlamento" e,
ainda destas, "se êste a confirmar". 0 que se pressup6e é,
38 CASTRO NUNES

pois, um ato da alçada do Parlamento, de novo a êle subme-


tido para 0 confirmar, ou nao. Ha que observar, todavia, que
os decretos-Ieis, que 0 Presidente da Republica expedir fa-
zendo as vêzes do Parlamento, por inexistente êste, entram
na mesma regra, porque, cessada a autoridade constitucio-
nal do Presidente para os revogar, s6 ao Parlamento superve-
niente competira abroga-Ios e, portanto, confirma-los; 2. 0 ,
a lei ha de ser federal porque outras sao alheias à compe-
tência do Parlamento, 0 que decorre do reexame e da confiT-
maçâo pressupostos; 3. 0 , quem ajuiza da necessidade de
provocar a manifestaçao do Parlamento é 0 Presidente da
Republica, no desempenho da sua funçao de promover ou
orientar a politica legislativa de interêsse nacional (art. 73),
devendo-se haver a atribuiçao excepcional coma indelegdvel
aos ministros de Estado; 4. 0 , a decisao podera ser do Supremo
Tribunal ou de qualquer outro tribunal e, por fôrça de com-
preensao, de qualquer juizo, porque 0 que deve dominar a
exegese do preceito é a eficacia do poder conferido ao Parla-
mento para "confirmar" a lei, e nao a hierarquia do 6rgao
judiciario, que sera qualquer em cuja competência caiba 0
pronunciamento da inconstitucionalidade; 5. 0 , a cassaçao da
sentença é efeito, 0 Parlamento nâo julga a sentença, julga a
lei, que reexamina do ponto de vista legislativo, juizo politico
articulado corn a promoçao do Presidente da Republica. Pode
até reconhecer 0 acêrto da decisao judiciaria, e, nao obstante,
validar a lei, exatamente porque posta em têrmos constitu-
cionalmente diversos a indagaçao judiciaria e a deliberaçao
legislativa 1; 6. 0 , nao é indispensavel aguardar 0 pronuncia4
l Na justificaçao do dec.-Iei n. 1.564, de 5 de setembro de 1939, inseriu-se um
considerando inteiramente desacertado: "Considerando que essa decisao (refe-
"re-se as do Supremo Tribunal declarando imunes do imposto de renda os ven-
"cimentos pagos pelos cofres estaduais, pOl' interpretaçao de certo preceito cons-
"titucional) nao consulta 0 lnterésse nacional" ...
o ministro EDUARDO ESPÎNOLA pôs a questao nos seus devidos têrmos, em me-
mor:i.vel voto que proferiu e do quaI transcrevo os seguin tes tôpicos: "Niio se po-
"dcni. entao dizcr que a decisao do Tribunal seJa contr:i.ria ao lnterêsse naclonal, e
"sim, que, nab obstante apresentar-se a lei em conflito corn um dispositivo da
"Constltuiçao, deve ela prevalecer, pOl' assim 0 exigir 0 lntcrêsse nacional.
"A distinçâo naD é especiosa; corresponde à l.etra e - pOl' que n110 dizer? -
"ao pr6prio espirito da Constituiçfto, e atende as boa, normas politico-constitu-
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 39

mento do Supremo Tribunal sôbre a decisao. 0 essencial, nos


têrmos con'stitucionais da iniciativa presidencial, é que seja
declarada inconstitucional uma lei federal. Mas se pendente
esta 0 recurso extraordinario ou se ainda em tempo' a sua in~
terposiçao, manda a prudência politica que se aguarde a de-
cisao da instância suprema, salvo se as circunstâncias pude-
rem justiîicar a antecipaçao; 7.0, a iniciativa presidencial
supôe justificaçao, in verbis "seja necessaria ao bem-estar do
"povo, à promoçao ou defesa de interêsse nacional de alta
"monta", 0 que indica 0 carater excepcional da nova atribuiçao
conferida ao Chefe de Estado e ao Parlamento por desloca-
çao de um poder que, na teoria do regime, pertencia à Côrte
Suprema, coma arbitro final da inconstitucionalidade das leis.
Mas dos motivos que possam justificar a sua iniciativa é juiz
o proprio Presidente, aos quais atendera ou naD 0 Parlamento,
vedada aos tribunais coma "questao exclusivamente politica"
(art. 94) qualquer apreciaçao. 2
"clonais. além de consultar 0 interêsse nacional de alta monta, que ê 0 prestigio
"do POder Judiciario.
"A interpretaçiio que deu 0 Supremo Tribunal ao art. 32, letrac, da Const!-
"tulçiio, constitue sua jurlsprudêncla constante e uniforme, ao dur a Intel1gêncla
"de disposltlvo analogo da Constltulçiio anterior, Essa jurlsprudêncla era conhe-
"clda; apesar dlsso, a nova Constituiçiio reproduzlu substancialmente 0 texto In-
"terpretado.
"Impunha-se ao Tribunal 0 dever de ju!gar Inconstitucional qualquer lei 01'-
"dlnarla qUe se mostrasse incompativel com 0 dlsposltivo da nova Constltulçiio,
"segundo a interpretaçiio que semprc deu ao dlsposltivo slmllar da Constituiçao
"'anterlol'.
"Proclamar que uma lei, de algum modo Infensa a um dlsposltivo da Cons-
"tltulçiio, é necessaria ao lnterêsse naclonal, equlvale a reconhecer que 0 prlnc!plo
"constltuclonal em questfio deve ser afastado no ponto especial vlsado por
"aquela leI.
"E, por Isso, :l. pr6prla Constltulçiio admlte que, em tal sltuaçiio, a lei preva-
"Ieça, deixando de abrangê-Ia a regra da lei bâsica. Ou as palavras perderam a
"sua slgnificaçiio sensata e a boa razao os seus foros, ou, entiio, jamais se podera
"afil'mar que, lnterpretando, como lhe compete, um prlnciplo da Const!tulçiio,
"tenha 0 Juiz' profcrido uma declsiio contraria ao interêsse nacional.
"Niio consulta ra 0 interêsse nacional, antes os contingentes do m'omento, 0
"disposlt!vo da Constitulçiio, na esfera total de sua aplicaçiio; pOl' isso, uma lei
"especial que consulte êsse lnterêsse pOdera prevalecer, escapando à regra cons-
"tltuclonal, des de que seja confirmac!a nos têrmos rigorosos da mesma Cons-
"titulçiio",
" Voltarel ao exame do assunto nos caps, III e IV do Ut, VIII.
40 CASTRO NUNES

2. 0 Conselho Federal como tribunal de "impeach.


ment". 0 juizo de impeachment na atual Constituiçao com-
pete ao Conselho Federal, que sucede ao Senado da Consti-
tuiçao de 91, de cuja preceituaçao se aproxima muito mais
do que da de 34 a Con&tituiçao de 10 de novembro. Na de
34 0 julgamento competia a um tribunal especial de compo-
siçao mista, constituido de nove membros, sendo três tirados
dentre os ministros da Côrte Suprema, três do Senado Fe-
deral e três da Câmara dos Deputados. Presidi-Io-ia 0 presi-
dente da Côrte Suprema (art. 58). Era uma jurisdiçao orga-
nizada no rumo de certa corrente que propugna pela supres-
sao do impeachment, como julgamento politico, pelo perigo
do facciosismo das paixoes partidarias. A Constituiçao de
10 de novembro, articulando 0 mecanismo dos poderes fora
dos partidos, conservou a funçao em uma das Câmaras do
Parlamento, 0 Conselho Federal, nos têrmos seguintes : "0
"Presidente da Republica sera submetido a processo e julga-
"mento perante 0 Conselho Federal, depois de declarada por
"dois terços de votos da Câmara dos Deputados a procedência
"da acusaçao. § 1.0 0 Conselho Federal s6 podera aplicar a
"pena de perda do cargo, corn inhabilitaçao até 0 maximo de
"cinco anos para 0 exercicio de qualquer funçao publica,· sem
"prejuizo das açoes civis e criminais cabiveis na espécie.
"§ 2.° Uma lei especial definira os crimes de responsabilidade
"do Presidente da Republica e regulara a acusaçao, 0 pro-
"cesso e 0 julgamento" (art. 86).
o carater politico do juizo de impeachment nao lhe tira
o traço de jurisdiçao. Supoe a pratica de um crime funcio-
nal, acusaçao e defesa, debate contradit6rio e julgamento.
A pena a aplicar define 0 objetivo limitado da jurisdiçao, que
é apenas afastar 0 funcionario culpado, 3 arreda-Io corn a in-
terdiçao de exercer outra qualquer funçao publica dentro de
certo prazo até 0 maximo de cinco anos. Se 0 fato comporta
penas de direito comum ou consequências de ordem civil, às
justiças ordinarias compete pronuncia-Ias, observadas as for-
• Sujeitos à mesma forma de julgamento estao também os mlnlstroB de Estado,
nos crImes conexos com os do Presidente, e os mlnlstros do Supremo Tribunal Fe-
deral, nos crimes de responsabilidade (art. 89, § 2.°, e art. 100).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 41

mas regulares de direito. É a distinçao conhecida entre im.


peachment e indictement: Se 0 fato arguido contra 0 fun-
cionario constitue um delito, depois de removido por impeach-
ment, êle sera processado e punido no juizo ordinario _
"Where a criminal offense has been committed the party con.
victed is still liable and subject to indictement, trial, judge-
ment and punishment according to law." No mesmo sentido
BEARD: "Any pers on convicted, however, is still liable, alter
his removed Irom office, do indictement, trial, judgement, and
punishment lor his offense according to law".4
S6 entao, chamado 0 indiciado aos tribunais comuns,
instaura-se 0 processo penal, 0 que mostra que 0 juizo do im-
peachment é de natureza divers a, porque de outro modo se
teriam dois julgamentos penais sôbre 0 mesmo fato.
Dizendo a Constituiçao "sem prejuizo das aç6es civis e
"criminais cabiveis na espécie", deixa entrever claramente
que as du as jurisdiç6es sao paralelas, coexistindo corn a es-
pecial a competência dos tribun ais ordinarios para a aplica-
çao das penas em que haja incorrido 0 acusado e que nao cai-
barn naquela. 0 principio que informa 0 exercicio das juris-
diç6es comuns é que, apeado do cargo pela impeachment, 0
seu ex-titular passa à condiçao de particular, sem qualquer
privilégio de fôro.
Surge, porém, aqui uma indagaçao: a Constituiçao de
91, seguindo 0 exemplo americano e 0 argentino, usava das
express6es "contra 0 condenado", ornitidas na de 34 e na atual.
Estava, pois, expresso na clausula "sem prejuizo da açao da
"justiça ordinaria contra 0 condenado" que os tribunais co-
muns s6 poderiam ser chamados a sentenciar sôbre 0 mesmo
fato na hip6tese de ter sido condenado 0 funcionario. Mas
ha que ter-se por implicita essa condiçao no texto atual. Ab-
sOlvido, 0 titular do cargo volta a êste corn 0 privilégio do fôro
politico inerente à sua alta funçao, privilégio que se teria de
desconhecer admitindo a açao dos tribunais comuns. Por isso
mesmo 0 indic te ment s6 se autoriza nas praticas americanas
• WILLOUGHBY, ob. clt., II, p. 1.124; BEARD, American Government and Politics,
p. 254.
42 CASTRO NUNES

depois de removido do cargo 0 fundonario - after ·his re~


?noval from office - regra que se dt ve ter pOl' elementar do
impeachment. 5

3. 0 Conselho Federal como judsdiçao de politica tri-


butaria. Outra jurisdiçao politica também titulada pela
Constituiçao no Conselho Federal é a do art. 24, que, em se-
guimento aos preceitos dos arts. 20 e 23, que se ocupam da
partilha tribut aria entre a Uniao e os Estados, dispoe: "Os
"Estados poderao criar outros impostos. É vedada, entre-
"tanto, a bitributaçao, prevalecendo 0 imposto decretado pela
"Uniao, quando a competência for concorrente. É da com-
"petência do Conselho Federal, por iniciativa pr6pria ou me-
"diante representaçao do contribuinte, declarar a existência
"da bitributaçao, suspendendo' a cobrança do tributo es-
"tadual" .
Esta ai caracterizado 0 essencial para 0 exercicio da juris~
diçao: a possibilidade de provocaçao por interessado ("ou
"mediante representaçao do contribuinte"), a possibilidade
implicita de fundamentar (pareceres, documentos) a defesa
da sua pretensao; e 0 proveito pressuposto no interêsse que do
provimento da reclamaçao resultara para 0 reclamante, ainda
que tomada a deliberaçao pOl' disposiçao geral, abrangendo a
quantos se encontrem em idêntica situaçao, 0 que naD bastara
para excluir 0 carater jurisdicional da funçao, tanto que é
por essa forma que se declara a inconstitucionalidade em tese
nos pais es em que tal se admite. 6
No desempenho da atribuiçao do art. 24 0 Conselho Fe-
deral age coma jurisdiçao de politica tributaria. Nao é uma
jurisdiçao da constitucionalidade de leis locais de impostos.
Essa arguiçao continua a competir aos tribunais ordinarios.
A funçao do Conselho Federal situa-se, coma a do Senado sob
a Constituiçao de 34, na esfera tributaria concorrente possuida
em comum pela Uniao e pelos Estados.
fi BSARD, American Governme-nt and Politics, p. 254; WILLOUGHBY, The Constitu-
tion Law, v. 3, P. 934; Cyclopedia of American Government, II, v. "Impeach";
WOODBURN, The American Republic, p. 225.

o Veja-se EISENMAN, La Just. Const., ps. 105-107.


TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 43

A bitributaçao tem nessa esfera 0 seu campo de eleiçao,


pela possibilidade de utilizaçao da mesma fonte por mais de
um poder tributante. Nao se trata de saber no exame da ar-
guiçao se 0 imposto em questao é ou nao constituciona~
porque certamente 0 sera, visto como estara pressuposta a
competência constitucional, a competência concorrente do
Estado para decreta-Io. A dupla tributaçao nao é em si
mesma inconstitucional. Se a competência é cumulativa ou
concorrente, esta implicitamellte pressuposta na Constituiçao
a sua utilizaçao.
o que se fêz sob a Constituiçao de 34, coma agora, foi
atribuir a um orgao politico (Senado, Conselho Federal) uma
funçao coordenadora des sas competências tribut arias para-
lelas no interêsse da Uniao, isto é, no interêsse da preserva-
çao do imposto federal colidente corn 0 estadual decretado
par utilizaçao da mesma fonte. Êsse orgao tanto poderia set
um tribunal judiciario, a exemplo da Suiça, coma mais curial-
mente, a segunda Casa do Parlamento, corn 0 significado, que
lhe conservou a atual Constituiçao brasileira, de Câmara re-
presentativa dos Estados, investida da funçao de, verificada
a dupla imposiçao, suspender a cobrança do tributo estadual
em beneficio do federal. 7
Do exposto se vê que, se a imposto incriminado é da or-
bita tribut aria da Uniao, dos Estados ou dos Municipios, se-
gundo a discriminaçâo constitucional, a imposto nao sera proi-
bido porque bis in idem, mas porque inconstitucional, inda-
gaçao da competência do Judiciario. Violada tera sido a
Constituiçao, em algum preceito da partilha tributaria, nao a
regra fiscal ne bis in idem, ainda que se demonstre a identi-
dade dos dois tributos, 0 que nao tera alcance para elidir a
repetiçao. 0 problema, ja entao, estara pôsto na competên-

7 A indaga,âo consiste em saber se os dois impostos colldem, se um repele 0


outro, problema de técnica finance ira que nao cnvolve, em regra, nenlluma 1n-
dagaçâo constltucional. 0 Senado, sob a Constituiçâo de 34, combinando 0 pre-
ceitQ do art. 11 com outras dispositivos que inexistem na atual Constituiçâo,
tendeu a uma ampliaçâo que 0 converteria em instância da constitucionalldade
das leis de impostos, contribuindo para isso a ressalva contida naquele artigo, "sem
"prejuizo do recu'so judicial que couber", 0 que lcvava a situar a indagaçâo no
mesmo pIano jurisdicional.
44 CASTRO NUNES

cia judiciaria para a declaraçao, em espécie, da inconstitucio-


nalidade, seja do federal, seja do local, se se mostrar que um
ou outro contravém à discriminaçao tributaria da Consti-
tuiçao. 8
De outro modo, porém, tem entendido 0 Supremo Tri-
bunal, que admite 0 exame da bitributaçao na competência
judiciaria pela consideraçao de que, vedada pela Constituiçao,
envolve uma proibiçao que, transgredida, naD tranca ao
interessado a via judiciaria, em espécie, sem prejuizo do pro.
nunciamento posterior do Conselho Federal, por disposiçao
geral, suspendendo a cobrança do tributo estadual. Desen-
volvendo os meus votos vencidos, explanei longamente a ma-
téria (veja-se 0 cap. II do tit. VIII).

8 Sôbre a dupla tmposiçii.o, V., entre outros: EDGARD ALLIX, Science des Finances,
ps. 497 e segs.; MnmACK-RHEINFELD, Droit Financier, ps. 249 e segs. Entre n6s exa-
mina 0 assunto, particularizadamente do ponto de vista das taxas de melhoria,
suscitando interessantes problemas, 0 professor BILAC PINTO, Contribuiçilo de Me-
lhoria; CASTRO NUNES, "QuestOes Constitucionais: Declaraçii.o de Direitos e Bitri-
butaçao", in Rev. Forense, v. 91, ps. 5 e segs.
Titulo 1

,
DO PODER JUDICIARIO
CAPîTULO l

o JUDICIARIO COMO PODER DO ESTADO

SUMARIO: 1. A funçao de julgar, suas origens histOricas. Como se separou do


pader da Coroa. 2. 0 princfpio dos poderes separados. Como deve ser en-
tendldo. 3. 0 princfll'io dos poderes separados e 0 direlto de graça. 4. 0
Judlciârio como ramo do Poder Executlvo. Teoria de DuGUIT. 5. 0 'Judi-
clârl0 como poder do Estado na teoria constltuclonal. 6. 0 POder Judl-
clârl0 nas Constitulçôes da América.

1. A funçao de julgar, suas origens historicas - Como


se separou do poder da Coroa. A funçao de dizer 0 direito
era, nos primordios, uma funçao do Rei ou, mais precisa-
mente, do chefe despotico, que acumulava em suas ma<?s 0
poder de ditar a norma, executa-la e declarar 0 direito. Era
a confusao dos três poderes, que sa muito mais tarde se sepa-
raram corn os seus orgaos proprios.
Estudando 0 evolver lento dessa discriminaçao, os expo-
sitores encontram, como é natural, fases que se interpenetram
ou fases retardatarias, conforme 0 nivel da civilizaçao dos an-
tigos povos, uns mais avançados do que outros. Em alguns
era 0 chefe da tribu, senhor absoluto de todos os poderes, que
os nao compartia corn as assembléias primarias existentes em
outros, de costumes mais adiantados, as quais eram convoca-
das para colaborar corn 0 Rei na elaboraçao e aplicaçao das
normas.
Essas formas de colaboraçao se encontram mesmo em pe-
riodos historicos posteriores ao apogeu da Coroa como titular
da funçao judicante. Sao exemplos disso as assembléias de
francos e de anglo-saxoes que, repetindo os comicios roma-
48 CASTRO NUNES

nos, administravam, nao somente a justiça, mas exerciam até


funçoes de notariado na conclusao de certos contratos. 1
Em Roma predominou a funçao coma prerrogativa real,
ainda que subsistindo vèstigios de justiça popular, em maté-
ria penal, coma nota JHERING, contrariando a MOMSEN. 2
Esta, pois, nas bases da instituiçao judiciaria 0 elemento
popular ou democratico que antecedeu à prerrogativa da
Coroa. LETELIER chega mesmo a dizer que seria essa a evo-
luçao normal se outros fatores nao a tivessem perturbado no
interêsse da consolidaçao do po der real. 3
Dessas origens sao vestigios conhecidos 0 poder conferido
em certas épocas aos parlamentos para a administraçao da
justiça e as formas da justiça popular ainda sobreviventes no
juri e nas justiças de paz.
A questao de saber se a funçao de julgar é anterior à de
ditar a norma geral é controvertida.
Para alguns - e assim pensa CHARLES BENOIST - a prio-
ridade pertence à funçao de julgar, inseparavel da vida, e
exercida pela chefe soberano, so ou corn a ajuda de conselhei-
ros, ainda antes de limitar 0 seu arbitrio pelas normas que
êle proprio expedisse ou em que consentisse.
Na mesma ordem de idéias expoe ESMEIN: "Historique.
ment, la justice rendue à chacun a été le premier besoin des
sociétés humaines. Le pouvoir judiciaire, sous une forme em-
bryonnaire, est le plus ancien de tous; il a fait son appari-
tion alors qu'aucun des autres n'existait encore. Avec un
caractère arbitral fortement marqué, il commenc.e déjà à
s'exercer pour appliquer les premières coutumes, alors que la
loi est encore inconnue et que les chefs de tribu n'ont, en
temps de paix, aucun pouvoir de commandement. Dans le

1 LETELIER, Genesis deZ Estado y de sus Instituciones FundamentaZes, p. 577.


2 JHERING Informa que os prlmeiros 6rgaos judiciarios foram Instituldos por SER-
VIUS TuLLIUS para 0 julgamento das contestaçëies civls - éentumviri et decemviri
Zitibus judicantis (L'Esprit du Droit Romain, v. 2, p. 21).
3 Ob. cit., p. 575.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 49

développement des divers Etats, l'administration de la justice


reçoit généralement des organes spéciaux ou elle est astreinte
à des formes propres qui réellement en font un pouvoir dis-
tinct de l'imperium général".
Outros assinam ao Legislativo, nas assembléias primârias
ou representativas, 0 direito de primogenitura, acentuando
que a funçao judicial se destacou de ambos êsses poderes, isto
é, da Coroa e dos parlamentos. 4
Mas 0 Rei, como nota BENOIST, nem sempre exercia sozi-
nho a funçao de dizer 0 direito. Era assessorado por âulicos
ou conselheiros especializados que, participando do exercicio
do poder real, limitavam-no.
Ja entao 0 poder de julgar, ainda que pertencente ao Rei,
nao residia somente nele. Residia na uniao do Rei e da Côrte
ou Conselho que 0 assistia.
Com 0 andar dos tempos, 0 desenvolvimento das relaçoes
juridicas e a especializaçao da funçao tOl'nada cada vez mais
técnica, êsse corpo de profissionais veio a constituir uma ma-
gistratura a que 0 Rei foi abandonando, pouco a pouco, 0 exer-
cicio da prerrogativa.
Contribuiu para isso, nota LETOURNEAU, 0 principio da
infalibilidade real, que era incompativel com 0 direito de re-
correr, s6 possivel se, julgada a questao pelos funcionârios do
Rei, a êste se reservasse 0 direito de dizer a liItima palavra, 0
que, sem diminuir 0 prestigio da Coroa, deu origem ao direito
de apelaçao como uma garantia maior para as partes. 5
A funçao veio afinal a criar 0 orgao especifico.
o assessor cresceu e acabou por tomar, nao mais um
lugar junto ao Rei, mas 0 lugar do Rei. É essa a origem da
formula francesa de que a justiça emana do Rei, com as con-
sequências, que estudaremos adiante, no sentido de que 0 Ju-
diciârio nao é um poder do Estado, senao um ramo do Exe-
cutivo. 6
• BENOIST, La Reforme Parlementaire, p. 202; ESME!N, Droit Constitutionnel,
8.' ed., v. 1.0, p. 540; LETELIER, ob. cit.
fi L'Evolution juridique dans les diverses races, p. 497.
6 A tradlçâo revive a!nda hoje, sobretudo na Inglaterra, onde se supôe presente
oRe! nas côrtes jUd!c!ârias, que administram a just!ça em seu nome (PALMA, Corso,
v. 2, p. 593).
F. 4
50 CASTRO NUNES

~sse ligeiro bosquejo mostra que a separaçao do Judicia-


rio foi um fenômeno natural, e nao um artificio politico do
engenho humano.
o poder de criar a norma, coma funçao pr6pria dos parla-
mentos, pode ser, ainda nas democracias modernas, partilhada
corn 0 soberano ou chefe supremo do Estado, em maior ou
menor escala. Mas a funçao de julgar é incompartivel.
Nao pode deixar de estar nos seus 6rgaos proprios, sob
pena de nao existir.
2. 0 principio dos poderes separados - Como deve ser
entendido. É de MONTESQUIEU a classica trilogia dos poderes
constitucionais do Estado: "Il n'y a point de liberté, si la
puissance de juger n'est pas separée de la puissanse legisla-
tive, le pouvoir sur la vie et la liberté des citoyens serait ar-
bitraire, car le juge serait legislateur. Si elle était jointe à
l'executrice, le juge pourrait avoir la force d'un oppresseur". 1
A critica ao principio da separaçao ou, melhor dito, da
divisao dos poderes nao se dirige tanto à discriminaçao dos
6rgaos competentes para as três ordens de atividade do Es-
tado quanto à discriminaçao das funç6es, que nâo podem ser
separadas em compartimentos estanques, devendo-se enten.
der que no arranjo constitucional cada poder é preposto às
suas funçoes normais, 0 Legislativo para legiferar, 0 Executivo
para governar, 0 Judiciario para julgar por aplicaçâo em es-
pécie da norma legal.
É a divisao em principio, corn as exceç6es que puder com-
portar a regra constitucional na compreensao pratica dos fins
do Estado.
Assim é que 0 Po der Executivo, desdobrado na adminis-
traçao, que é 0 instrumento do Govêrno, exerce uma parte da
funçao jurisdicional do Estado, a jurisdiçao retida, inerente a
tôda administraçao ativa, e, ainda, a delegada a 6rgâos espe-
ciais, nos Estados em que se admite uma jurisdiçao adminis-
trativa paralela à jurisdiçao judiciaria. Do mesmo modo as
Casas dos Parlamentos processam e julgam no desempenho

• De L'Esprit des LoiS, LXI.


TE ORlA E PRATlCA DO PODER JUDlClÂRIO 51

da jurisdiçao politica do impeachment. 0 JUdiciario, por sua


vez, desempenha funç6es nao judiciarias, funç6es accessorias
de administraçao ativa na nomeaçao, remoçao, licenciamento
dos funcionarios auxiliares e até mesmo normativas na elabo-
raçao dos regimentos dos tribunais e nas instruç6es ou regras
gerais que estabelece para a boa ordem dos serviços.
o principio nao é, pois, absoluto. Isso, porém, nao en~
volve a sua negaçao, ainda que sem a rigidez do conceito de
MONTESQUIEU, porque de outro modo nao haveria 0 Estado
constitucional, que se define, historica e politicamente, por
essa separaçao. .
Animo-me a dizer que 0 que existia nas controvérsias
sôbre a sobrevivência do velho principio ou sua extensao no
quadro estatal é antes uma questao de palavras ou de ponto
de vista de onde se coloque 0 critico. Porque ninguém con-
testa a diferenciaçao das funç6es do Estado pelo triplice cri-
tério da criaçao da norma, sua execuçao e aplicaçao nos casos
concretos mecUante orgaos adequados.
Mesmo KELSEN, que nao encontra no Estado senao duas
ordens de funçao, a legis latio e a legis executio, consistindo
aquela (legislaçao) na criaçao da norma geral, e a outra
(execuçao) na aplicaçao em concreto dessas normas, entrando
na executio a jurisdictio, porque subordinada esta, coma a
administraçao, à observância da lei, operando-se assim, den-
tro dêsse principio de graduaçao hierarquica, a realizaçao do
direito - 0 proprio KELSEN, para quem a funçao judiciaria
é integrante da executio, reconhece, todavia, que existe uma
distinçao baseada na formaçao dos orgaos prepostos às duas
funç6es diferenciadas, 0 que bas ta para caracterizar uma dis-
tinçao pela menos tormal entre os orgaos da administraçao e
os judiciarios. 8
3.0 principio dos poderes separados e 0 direito de
graça. Nao constitue exceçao ao principio dos poderes sepa-
rados 0 direito de graça, exercido pelo Parlamento ou pela
Executivo, conforme a modalidade por que se apresente. É
certo que por êle se suprime 0 tato delituoso, obsta-se a açao
8 KELSi:N, Teoria General deI Estado, trad. esp., ps. 300 e segs.
52 CASTRO NUNES

penal, reduz-se, modifica-se ou cancela-se a pena aplicada


pelos tribunais, o que, de certo modo, faz supor que aos po-
deres politicos se reservam faculdades que colidem com 0
principio da separaçao. Nao ha colisao, porém. 0 direito de
graça é de inspiraçao politica, supoe 0 Judiciario na sua fun-
çao propria; que é aplicar a lei, fU!lçao que seria contraditoria
com a de dispensar na aplicaçao dela por motivos da inqul-
gência ou clemência. "É um meio de equilibrio entre a idéia
"de justiça e 0 espirito de humanidade", escreve BATISTA DE
MELO, acrescentando com RUI: "É 0 meio ~ue se faculta ao
"critério do mais alto magistrado nacional para emendar os
"erros judiciarios, reparar as iniquidades da rigidez da lei,
"acudir aos arrependidos, relevando, comutando, reduzindo
"as penas, quando se mostrar que recaem sôbre inocentes,
"exageram a severidade com os culpados ou torturam os que,
"regenerados, ja naD merecem 0 castigo, nem ameaçam com
"a reincidência a sociedade".9
o carater politico da prerrogativa se manifesta mais
acentuado na anistia, que suprime 0 fato, impondo perpétuo
silêncio ao delito, para obstar a açao penal ou tranca-la, se jâ
instaurada. Mas saD da mesma natureza, obedecendo a ra-
zoes de politica penal, 0 perdao ou indulto e a comutaçao
da pena.
No seu sentido mais amplo compreende 0 direito de graça
quatro prerrogativas que sao, segundo BRUNIALTI - a anistia,
a graça propriamente dita, 0 indulto e a rehabilitaçao. 10
A anistia compete em regra às assembléias representa-
tivas; as outras modalidades ao Chefe de Estado (veja-se
adiante, no tit. VIII, 0 exame da prerrogativa no direito bra-
sileiro) .
4. 0 Judiciârio como ramo do Poder Executivo - Teoria
de DUGUIT. Para muitos expositores, sobretudo os franceses,
o Judiciario naD é um poder do Estado. Admitem 0 Poder

9 BATISTA DE MELO, perdao e Comutaçao de Pen'IIs, in Arq. Judiciti1'io, vs. 35 e


36. sup!.
10 Il Diritto Costituzionale e la Politien TT. p. 250.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 53

Legislativo e 0 Poder Executivo, nao, porém, 0 Judiciario coma


um terceiro poder, senao um ramo de administraçao.
Mais coerente é DUGUIT que, naD reconhecendo 0 Judi.
ciario coma um poder do Estado, nao admite que 0 sejam tam-
bém 0 Legislativo e 0 Executivo, pois que, assentando em ou-
tras bases a sua concepçao da soberania, precinde dos poderes
e da sua divisao.
Mas, ainda assim, nao equipara a estes liltimos 0 Judi-
CIano. 0 Legislativo e 0 Executivo, diz êle, realizam funç6es
que Ihe sao inerentes ou especificas: a funçao legislativa, a
funçao governamental ou administrativa. Uma terceira fun-
çao no mecanismo estatal, coma funçao especifica, ne pour-
rait avoir de contenu.
Do ponto de vista material, diz 0 insigne professor de
Bordéus, 0 ato jurisdicional é um ato administrativo, que se
nao distingue dos atos da administraçao senao pela seu as-
pecto formal, isto é, porque praticado por um agente ou fun-
cionario nao integrado no mecanismo administrativo. É que
a noçao do ato jurisdicional, segundo êle exp6e, implica a
existência de uma pretensao fundada em direito ou a violaçao
de uma norma legal contra a quaI reage 0 prejudicado.
De acôrdo corn essas idéias naD existe propriamente uma
funçao judicidria, mas uma funçao jurisdicional, locuçao de
sentido mais amplo, exercida tanto na ordem judiciaria coma
na ordem administrativa, por aplicaçao da lei, mediante pro-
vocaçao do interessado, tendo por objeto resolver uma questao
de direito.
Pode-se falar de ordem judicidria, acrescenta; mas nao
de funçao judicidria, senao de funçao jurisdicional. Nesta se
contém aquela. TaI, em suas linhas gerais, a teoria de
DUGUIT.ll
Para nao aceitar a teoria de DUGUIT naD é precisa deixar
de reconhecer que ela contém uma grande parcela da
verdade.
Épela jurisdiçao, isto é, pela sujeiçao da açao pliblica às
normas legais, que se define 0 Estado de Direito, do que de-
U Traité de Droit Constitutionnel, v. II, ps. 308 e segs., e 540-542.
54 CASTRO NUNES

corre que ela esta necessariamente na base de todos os pode-


res, até mesmo do Legislativo, que exerce a jurisdiçao do im-
peachment e outras atribuiçoes de idêntica natureza varia··
veis conforme êste ou aquele regime politico.
Define-se, pois, como diz DUGUIT, pela noçao do ato ju-
risdicional.
E ato jurisdicional é todo aquele que tem por objeto de-
clarar um direito por aplicaçao de uma norma, resolvendo
uma contestaçao, noçao verdadeira que leva a concluir que
a jurisdiçao existe também fora dos quadros judiciarios, na
administraçao, como até mesmo na funçao parlamentar.
Mas sera isso bastante para que se conclua pela inexis.
tência da funçao judicüiria, yale dizer - da funçao jurisdi-
cional como funçao peculiar aos 6rgaos judiciarios?
Creio que nao.
Do conceito amplo da jurisdiçao, tao acentuado em nossos
dias, 0 que se pode concluir é apenas a identidade l6gica da
operaçao juridica, que se traduz no ato jurisdicional quando
exercido por um tribunal ou um 6rgao da administraçao.
Isso, porém, naD exclue a funçao especifica de que sac titu-
lares normais os tribunais, como veremos adiante.
o mesmo ocorre, alias, na formaçao do direito objetivo,
materialmente considerado, pois que lei e regulamento, so-
bretudo nas tendências contemporâneas, sac formas de legi-
feraçao que apenas se distinguem pela 6rgao de que emanam~
aspecto formal que nem por isso basta para suprimir a fun-
çâo legislativa que 0 mestre tem por inerente ou especifica
dos parlamentos.
DUGUIT perde de vista que a funçao partilhada naD ex-
clue a funçao normal, e é desta que se trata quando se fala
em funçao legislativa, em funçao judicial, em funçao exe·
cutiva ou governamental. É a funçao especifica de cada
poder. Se 0 Executivo legisla, porque lho consinta 0 Parla-
mento ou a Constituiçao mesma, naD deixa por isso de exer-
cer uma funçao parlamentar, funçao que normalmente naD
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 55

Ihe pertence, senâo às câmaras representativas, na teoria


constitucional. Se a administraçâo, por seus orgâos proprios,
julga certas espécies em definitivo, subtraindo-as ao conheci-
mento dos tribunais, coma se da em França, exerce uma fun-
çâo que normalmente a estes pertence, e dai a critica dos que
teem por usurpada ao Judiciario tal atribuiçâo. Se julga, sem
todavia fechar à relaçâo juridica 0 ingresso nos tribunais,
coma se da entre nos, exerce uma funçâo jurisdicional, asse-
melhada à judicidria ou, coma dizem os americanos, quasi-
-judicial junction, 0 que melhor aviva a distinçâo para situar
no Judiciario a atividade que a êste normalmente compete.,
5 . 0 Judiciârio como poder do Estado na teoria consti-
tucional. Estudando a matéria em face da Constituiçâo
belga, em comparaçâo corn a francesa e 0 Estatuto italiano,
ORBAN salienta que naquela 0 Judiciario tem 0 carater de um
verdadeiro poder, sendo que nas duas outras 0 fundamento
da funçâo de julgar se apresenta constitucionalmente coma
uma emanaçâo do poder real- "Toute Justice emane du Roi.
Elle s'administre en son nom par des juges qu'il nomme et
qu'il institue" - clausula que da Carta francesa passou para
o Estatuto italiano.
Mas explica, a seguir, citando ROSSI, 0 sentido mais his-
t6rico do que politico dêsse conceito, cujo alcance tera sido
declarar abolidas as justiças particulares, feudais, eclesiasti-
cas, senhoriais, etc. E dai conclue 0 douto comentador belga
que a funçâo judiciaria é em si mesma uma prerrogativa des-
tacada da soberania, um poder soberano da Naçâo. 12
Na mesma ordem de idéias esta LAPRADELLE que, entre-
tanto, vai além, quando observa que a natureza do Poder Ju-
diciario ou sua missâo constitucional leva a refletir que a se-
paraçâo nâo obedece à mesma medida, considerado 0 Judicia-
rio em face dos outros dois poderes. E explica: nas relaçoes
coristitucionais dos poderes politic os, a colaboraçâo é de regra,
e tende a acentuar-se; ao passo que, no tocante ao Judiciario,
12 ORBAN, Droit Constitutionnel de la Belgique, II, p. 523.
56 CASTRO NUNES

qualquer colaboraçao seria defesa, porque lhe afetaria a in~


dependência. 13
CmoVENDA, analisando a mesma clausula, observa que 0
juiz niio representa 0 Rei. :a:ste, diz êle, nao julga. Se dele-
gou a funçao, dela abriu mao. Os juizes passaram a ser or-
gaos autônomos do Estado. 14 .

Do mesmo modo PALMA e, em geral, os expositores italia-


nos, entende que aquela locuçao naD envolve a subordinaçao
do Judici~rio, que conceituam como um dos poderes do Es-
tado, pois de outro modo naD haveria Estado Constitucional. 15

6. 0 Poder Judiciârio nas Constituiçoes da América.


Nas Américas a controvérsia naD existe. 0 Poder Judiciario
esta definido em tôdas as Constituiçoes corn êsse carateri
Assim: nos Estados Unidos, sec. l, art. 11, da Constituiçao
- "The judicial power of the United States . .. "; na Argen-
tina, sec. III - "El poder judicial de la Naci6n ... " (art. 94) ;
no Mexico, art. 50: "0 supremo poder da Federaçao divide-se
"para seu exercicio em Legislativo, Executivo e Judicial", etc.
A Constituiçao argentina foi além. Julgou necessario
expressar no art. 95 0 divis6rio que torna 0 Judiciario inde-
pendente do Executivo, do quaI os expositores europeus 0 jul-
gam uma emanaçao: "Em nenhum caso, 0 Presidente da
"Confederaçao pode exercer funçoes judiciarias, nem arro-
"gar-se 0 direito de conhecer de causas pendentes ou proces-
"sos julgados". Também no Chile, de cuja Constituiçao se
tirou êsse preceito. 16
Em nosso pais, desde 0 Império, 0 Judiciario sempre se
definiu como um dos poderes do Estado. A Constituiçao Im~
perial mencionava entre os poderes politicos 0 Poder JudiciaZ
(art. 10), que, adiante, no art. 151, era declarado inde-
pendente.

13 LAPRADELLE, Cours, p. 477.


14 CHIOVENDA, Prfmcipii di Diritto Processuale Civile, p. 312.
m PALMA, Corso, II, p. 593; BRUNIALTI, n
Diritto Costituzionale e la Politica, II,
RANELLETTI, Istituzione di Diritto Pubblico, ::>. 403.
p. 490;
16 AaUSTIN DE VEDIA, La Constituci6n Argentina, p. 519.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 57

Na primeira Constituiçao republicana,17 art. 15: "Sao


"6rgaos da soberania nacional 0 Poder Legislativo, 0 Executi-
"vo e 0 Judiciario, harmônicos e independentes entre si"; na
de 16 de julho de 1934, art. 3.°: "Sao 6rgaos da soberania
"nacional, dentro dos limites constitucionais, os poderes Le-
"gislativo, Executivo e JUdiciario, independentes e coordena-
"dos entre si"; na de 10 de novembro de 1937, de inspira-
çao diversa, 0 Judiciario esta definido como um poder, no
mesmo nivel constitucional do Legislativo, sob a rubrica Do
Poder Judiciario (arts. 90 e segs.). 18

11 A llepûbllca deu ao Poder JudicIarI0 maior destaque com a atrtbuiçli.o de de-


clarar Inconstitucionals as leis emanadas do Congresso, poder até entao desconhe-
cido. 0 mecanismo federativo, a seu turno, trazendo aa contestaçôes derivadas da
partllha de poderes entre a Uniao e os Estados, acentuou-lhe 0 carMer politico, no
alto sentido dessa palavra, sobretudo no Supremo Tribunal (veja-se LEVi CAII-
NEIRO, Federalismo e Judiciarismo, 1930, onde 0 assunto é maglstralmente tratado).
18 Do JUdlciario na Constltuiçao de 37 trataremos adiante em capitulo especial.
CAPITULO II

o DUALISMO roDICIARIO DAS ANTIGAS CONSTITUIÇÔES E A


MARCHA PARA A UNIFICAÇAO

SUlldARIO; 1. 0 dualismo judiciario das antigas Constituiçoes. 2. 0 problema da


instância intermediaria na jurisdiçao federal. 3. A marcha para a uni-
ficaçâo. Antecedentes. F6rmulas de acomodaçâo dos dois principios. 4. A
unidade processual.

1. 0 dualismo judiciârio das antigas Constituiçoes .


Proclamada a Republica em 89, a seduçao das instituiç6es
norte-americanas, que se impunham como paradigma na con-
formaçao do nova Estado Federal, teria de refletir-se também
na ordem judiciaria, repartindo-se a jurisdiçao entre os Es-
tados e a Uniao, na reserva de certas causas que, pela seu re-
lêvo nacional mais acentuado, devessem caber a 6rgaos por
ela instituidos e mantidos.
Dai a dualidade, tida por inerente ao regime federativo,
com 0 exemplo mesmo das federaç6es entao existentes, os
Estados Unidos, a Argentina, a Suiça, velhos padr6es aos quais
se teriam de acrescentar a Alemanha Imperial que, ainda em
Weimar, quando ja transformada em Republica, manteve a
dualidade, 0 México, mesmo depois da nova Constituiçao de
1928, a Australia, 0 Canada, etc.
As tendências centralizadoras contemporâneas teriam de
levar a uma nova concepçao do arranjo federativo. 0 me-
Ihor exemplo é 0 da Austria de ap6s a guerra de 14, com a
sua primeira Constituiçao, elaborada por KELSEN, trazendo a
unidade judiciaria e outros traços de tao acentuada centrali-
zaçao que a muitos se afigurava uma contrafaçao do principio
federativo.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 59

Mas nos primeiros dias da Republica no Brasil seria di-


ficil, senao impossivel, compreender a federaçao sem as duas
justiças paralelas, correspondentes à partilha de poderes, nas
esferas legislativa e administrativa, entre os Estados e a
Uniao.
Dizia entao CAMPOS SALES que "nao· ha govêrno federal '\
"sem poder judiciario independente das justiças dos Estados,
"para manter os direitos da Uniao, guardar a Constituiçao e )
"as leis federais".
E, ainda antes da Constituiçao que viria a 24 de fevererro
de 1891, instituia 0 Govêrno Provis6rio, do quaI era êle 0 mi-
nistro da Justiça, 0 Judiciario da Uniao, com a organizaçao
dada pelo dec. n. 848, de 11 de outubro de 1890, cujo art. 1.0
dizia: "A justiça federal sera exercida por um Supremo Tri-
"bunal Federal e por juizes inferiores intitulados juizes de
"secçao".
Data dêsse decreto a criaçao da justiça federal com a
destinaçao assinalada na exposiçao de motivos do ato dita-
torial, nestes têrmos incisivos que valem pela melhor comen-
tario: "Esta ai bem positivamente assinalada, como princi-
"pal caracteristico do regime adotado, a co-existência de um
"poder judiciario federal e de um poder judiciario local, cada
"um desenvolvendo a sua açao dentro da respectiva esfera de
"competência, sem subordinaçao, porque ambos saD sobera-
"nos, e sem conflitos, porque cada um conhece a natureza dos
"interêsses que provo cam a sua intervençao".
Salienta a seguir 0 papel reservado aos tribunais federais
na preservaçao da lei magna: "Nao se trata de tribunais or-
"dinarios de justiça, com uma jurisdiçao pura e simplesmente
"restrita à aplicaçao das leis nas multiplas relaç5es do direito
"privado. A magistratura que agora se instala no pais,
"graças ao regime republicano, naD é um instrumento cego
"ou mero intérprete na execuçao de atos do Poder Legislativo.
"Antes de aplicar a lei, cabe-Ihe 0 direito de exame, podendo
"dar-Ihe ou recusar-Ihe sançao, se ela lhe parecer conforme
"ou contraria à lei orgânica". E, linhas adiante, assinalan-
do-Ihe 0 traço de jurisdiçao de direito publico: "De resta,
60 CASTRO NUNES

"perante a justiça federal dirimem-se nao so as contendas


"que resultam do direito civil, como aquelas que mais possam
"avultar na esfera do direito publico". "Porque", acrescen-
tava, "conhecer de tais quest6es é a sua natural destinaçao".
A Constituiçao de 91 manteve em suas linhas gerais a
organizaçao do decreto de 90. Dispunha 0 art. 55; "0 Poder
"Judiciario da Uniao tera por orgaos um Supremo Tribunal
"Federal ... e ta.ntos juizes e tribunais federais, distribuidos
"pelo pais, quantos 0 Congresso criar". 1
Era a mesma formula da sec. l, art. II, da Constituiçao
americana; "The judicial power of the United states shall
be vested in one Supreme Court, and in such inferior courts
as the Congress may from time to time ordain and establish."
Em têrmos idênticos a Argentina (art. 94): "El Poder
Judicial de la Nacion serd ejercido por una Corte Suprema de
Justicia y por los demtis tribunales inferiores que el Con-
greso estableciese en el territorio de la N acion".
A jurisdiçao exercida pelos orgaos judiciarios' da Uniao
estava enumerada na Constituiçao e partia do principio geral,
nela pressuposto, de assegurar 0 império da Constituiçao e
outros interêsses de relêvo nacional mais acentuado.
Era, no dizer de RUI BARBOSA, a Justiça "posta de guarda
"à Constituiçao", cujos grandes fins sao, segundo autorizado
expositor argentino, em primeiro lugar, a aplicaçao da Cons-
tituiçao e das leis federais, em segundo, dos tratados com as
naç6es estrangeiras.. A mesma concepçâo americana: ma-
téria constitucional e matéria internacional. 2
1 Das palavras do texto de 91 "quantos 0 Congresso crlar" vlnha a duvlda sObre
se estarla Incluido entre os trlbunals federals 0 Supremo Tribunal Mllltar, criado
pela art. 77 da ':Jntiga Constituiçâo. Pela aflrmatlva se pronunciaram, entre outros,
ANFIL6FIO, BANDElRA DE MELO, BARRADAS e FERREIRA VIANA, n'a Direito (v. 97, ps. 66
e segs.). Por flm era paciflco 0 entendlmento. Conslderou-se que também 0 jurl
tlnha exlstêncla no mecanlsmo jUdlclal por fOrça de clâusula da Constltuiçao
(art. 72, § 31); e jamais se pretendeu nao fOsse um dos aparelhos do Judlclârlo
Federal.
A jurlsdlçao mllitar era considerada uma modalldade da jurlsdlçao federal,
destacada pela Constltulçâo. Asslm 0 entendeu em repetldos ac6rdaos 0 Supremo
Tribunal ao declarar magistrados jederais os audltores que formam a prlmelra Ins-
tâncla daquela jurlsdlçâo. Entre outros, 0 ac6rdâo na apel. civel n. 5.886, in Arq.
Judiciàrio, v. 2.°, ps. 395 e segs.
2 GONzALEZ CALDER6N, Derecho Constitucional, III, p. 398.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIA.RIO 61

A Constituiçao de 91 nao cogitava nem aludia a 6rgaos


judiciârios locais. S6 se ocupava dos da Uniao.
Também a de 34, que mantivera a dualidade, so enume-
rava os federais; mas em outros dispositivos cogitava dos
6rgaos estaduais, cuja organizaçao pormenorizava, jâ no rumo
das tendências da concepçao nacional do estatuto judicial.
Dispunha 0 art. 63: "Sao orgaos do Poder Judiciârio:
"a) a Côrte Suprema; b) os juizes e tribunais federais; c)
"os juizes e tribunais militares; d) os juizes e tribunais elei-
"torais" .
2. 0 problema da instância intennediâria na jurisdi.
çao federal. Em tôrno da possibilidade constitucional 'da
criaçao de tribunais federais de segunda instância, postos de
permeio entre 0 Supremo Tribunal e os juizes de secçao, es-
tabeleceu-se grande controvérsia, que teve 0 seu momento cul-
minante quando, criados pelo dec. leg. n. 4.381, de 5 de de-
zembro de 1921, os chamados tribunais regionais ou de cir-
cuito, 0 Supremo Tribunal fulminou a medida por meio de
uma emenda regimental, matando-os no nascedouro, por en-
tendê-Ios incompativeis corn a Constituiçao. A reforma de
26 trazia 0 objetivo de os admitir, e assim 0 fêz, permitindo-
-lhes a instituiçao dentro do critério da alçada. Mas, ainda:
assim, naD chegaram a ser criados, apesar de instantemente
reclamados.
A Constituiçao de 34 autorizava-Ihes a criaçao no art. 78,
instituindo desde logo 0 tribunal inominado do art. 79; êste,
como aqueles, objeto de iniciativas parlamentares em meados
de 1937. 3
3. A marcha para a unificaçao - Antecedentes -
Formulas de acomodaçao dos dois principios. Jâ vinham de
longa data as criticas ao dualisme judiciârio instituido
pele dec. n. 848, de '11 de outubro de 1890, e malltido pela pri-
meira Constituiçao.

3 Para malor desenvolvtmento, v. LEVi CARNEIllO, Do Judiciario Federal, 1916, e


Pela Nova Constttuiçâo, 1936; CASTRO NUNES, A Jornada ReviSioniSta, 1924, etc.
62 CASTRO NUNES

Mesmo na Constituinte, vozes autorizadl:!-s se fizeram


ouvir, combatendo a criaçao de uma via judiciaria paralela
à local ou comum, para certas causas de maior interêsse na-
cionaI. 'reve papel mais saliente nessa oposiçao 0 ilustre
JosÉ HIGINO, que tinha por desnecessaria a instituiçao, in-
suficiente, ademais, no seu aparelhamento, para acudir às
necessidades da administraçao da. justiça no interior dos Es-
tados. 4
A aspiraçao de uma justiça nacional, organizada e man-
tida pela Uniao, teria de ganhar terreno. Em tôrno disso so-
mavam-se tôdas as correntes. De um lado, os adeptos da cen-
tralizaçao, mais ou menos hostis ao federalismo, saudosistas
do Império, que inculcavam a volta ao passado coma nec es-
saria à coesao nacional, corrente a que se juntava 0 espirito
juridico, conservador por indole, combatendo a du alidade das
magistraturas e a pluralidade processual pela que nelas ha-
veria de incompativel com a unidade do direito substantivo,
periclitante na sua aplicaçao, naD bastando 0 recurso extra-
ordinario, limitado a casos de entendimento restrito, para cor-
rigir tôdas as falhas; de outro lado, 0 quadro desolador das
justiças estaduais em muitos Estados, desgarantidas da hOS4
tilidade dos poderes politicos locais e aviltadas economica.
mente nos vencimentos exiguos e nem sempre pagos pon-
tualmente.
Enquanto isso, a experiência ia demonstrando dia a dia
a imprestabilidade do aparelhamento da justiça federal nos
Estados para 0 desempenho das suas funçoes, realizando-se 0
que previra JosÉ HIGINO. Limitada às capitais, onde tinha
sede 0 juizo de cada secçao, naD tinha orgaos idôneos em que
se desdobrasse no interior, inconveniente que a inércia do
Legislativo e a indiferença dos governos jamais corrigiram,
com as providências ao seu alcance.
Corn 0 andar do tempo melhorou a sorte das justiças es-
taduais. 0 Supremo Tribunal estendeu-Ihe as garantias de
funçao de que so se cogitava no texto de 91 para os juizes fe-

• Anais, II. ps. 64-65.


TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 63

derais, jurisprudência que se cristalizou em 26, na reforma


da Constituiçao.
Em muitos Estados uma melhor compreensao do papel
da justiça veio a refletir-se nas Constituiçôes e leis de orga-
nizaçao judiciaria, que deram aos juizes direitos de carreira
e melhores vencimentos.
De um modo geral melhorou a condiçao do juiz estadual. 5
Em um ou outro Estado seria talvez superior à dos juizes fe-
derais, até mesmo no estipêndio, sem falar nos direitos de
carreira, que estes nao tinham e so poderiam ter para as ins-
tâncias intermediarias, jamais criadas.
Mas, tudo isso, nao obstante, maIiteve-se em relaçao ao
problema judiciario a mesma atitude inicial, e entao mais
justificada.
Em maioria sempre as correntes que propugnavam pela
unificaçao, quer do processo, quer das magistraturas.
Três soluçôes estariam indicadas: a) ou manter a jus-
tiça federal de primeira instância melhor aparelhada e arti-
culada corn as justiças locais para as diligências e instruçao
probatoria no interior, dilatada a sua competência em corres-
pondência corn 0 desenvolvimento dos interêsses e serviços
da Uniao nos Estados, soluçao que, diga-se de passagem, ja-
mais se alvitrou e nao encontraria ambiente; b) ou federa-
lizar tôda a justiça, unificando-a no plano nacional; c) ou,
nao sendo isso possivel, unifica-Ia no plano estadual, isto é,
confiar às justiças locais tôdas as causas, inclusive as atri-
buidas à justiça federal de primeira instância.
A Revoluçao de 1930 trouxe de nova à tona 0 velho pro-
blema. Dai as formulas procuradas e que deram entrada,
quer no Ante-Projeto da Constituiçao elaborado pela Comissâo
do Itamarati, quer no de reorganizaçao da justiça nacional,
a cargo da Comissao presidida pela ministro BENTO DE FARIA.
Ambos assentavam em formula idêntica, direi melhor -
no mesmo pensamento fundamental de uma soluçao média,
critério de acomodaçao dos dois principios extremos, 0 prin·
cipio da dualidade da Constituiçao de 91 e 0 da unidade judi-
G CASTRO NUNES, As Constituiçoes Estaduais, 1921. tomo I.

64 CASTRO NUNES

ciaria, que tera parecido desde logo impraticavel, por envol-


ver a federalizaçao de tôda a funçao judicante no pais, le-
vando a desmontar os aparelhos judiciarios dos Estados, para
criar a justiça nacional, uma e unica, organizada, estipen-
diada e providos os cargos pelos poderes da Uniao.
Mantinha-se em ambos êsses projetos 0 Judiciario esta-
dual, suprimia-se a jurisdiçao federal e dava-se aos juizes es-
taduais 0 conhecimento das causas até entao atribuidas à
justiça federal.
A dualidade ressurgia, porém, na segunda instância, em
maior ou menor extensao. No ante-projeto da Comissao
BENTO DE FARIA, das decisoes proferidas pelos juizes de direito
naquelas causas caberia recurso para os tribunais de circuito ;
no do Itamarati, para 0 Supremo Tribunal e, em certos casos
(causas civeis ou criminais da Uniao), para 0 Tribunal de
Reclamaçoes; no do ministro ARTUR RIBEIRO, para 0 Supremo
Tribunal, pOl' apelaçao das decisoes dos tribunais superiores
dos Estados.
Era a unidade na primeira e a dualidade na segunda ins·
tância, bifurcando·se nesta (projetos das duas comissoes
mencionadas) os recursos provindos das justiças estaduais,
pela mesma razao em que se inspirava 0 dualismo judiciario,
isto é, a necessidade de dar à Uniao para as causas da sua
Fazenda ou mais diretamente ligadas à Constituiçao, à defesa
das instituiçoes e à execuçao dos serviços federais - orgaos
de jurisdiçao proprios. Salvava·se dessa incoerência 0 pro·
jeto do ministro ARTUR RIBEIRO, que naD criava segunda ins·
tância para as espécies de natureza federal.
A Assembléia Constituinte esteve a principio inclinada
ao sistema misto. Era a formula do rtamarati. As causas
da jurisdiçao federal seriam julgadas em primeira instância
por juizes estaduais e em segunda pelos tribunais de circuito.
Mas operou·se à ultima hora uma revlravolta.
o substitutivo elaborado pela Comissao constituida pelos
deputados RAUL FERNANDES, CARLOS MAXIMILIANO e LEVI CAR-
NEIRO, e do quaI foi êste 0 relator, ateve·se ao pensamento ja
entao dominante na Assembléia: "Entendeu a Comissao que,
TEORIA E PRA.TICA DO PODER JUDICIARIO 65

"antes do mais e irrecusavelmente, lhe cumpria investigar 0


"pensamento dominante na Assembléia acèrca da organiza.
"çao da justiça"; acrescentando a seguir: "Très saD os sis-
"temas propostos para a organizaçao da justiça: 0 da uni-
"dade completa, 0 da unidade mista e 0 da dualidade. Por
"èste ultimo parece que se inclina 0 plenario e por isso 0 adota
"a Comissao, sem embargo da opiniao individual de alguns
"dos seus membros, partidarios declarados do primeiro". 6

• Mlnhas Idéias sôbre 0 problema jUdlclarlo foram sempre em :ravor da duall-


dade, melhor aparelhada a primeira instâncla federal para desempenhar a sua
tarefa que terla de crescer como. um reflexo do crescimento dos poderes da UnlAo
no mecanlsmo federatlvo. Em abril de 1934, quando ja la adlantada a reaçl!.o em
favor da dualldade, asslm me manlfestel numa enquéte d'A Notte: "0 mecanlsmo·
que deu entrada no projeto suprime a coexlstência das duas jUrlsdiçôes, estadua-
llzando a primeira instância. Il: a unidade pela estaduallzaçao. Seguiu-se um rumo
antagônico do que parecia indicado na un1ficaçao reclamada, que seria a federall-
zaçao, a nacionallzaçao do poder jUdicante. Acentuou-se, ao contrario dlsso, a
preferência pela autonomia judicial dos Estados, ampllada na competência até ao.
ponto de absorver as causas federals.
Mas compreendeu-se que era preclso acautelar os interêsses da Unil!.o; dai
a dualldade vertical que ressurgiu, por discriminaçao de matérlas e tribunals, na
instância superior.
Tinha razao CAMPOS SALES quando dlzia: "N!i.o ha govêmo federaI sem
"poder judiciario independente das justlças dos Estados, para manter os direitos
"da Uniao, guardar a Constltuiçao e as leis federals".
Ora, a primeira instância é preclsamente a que mals Interessa à apllcaçao da.a
lels em geral e das leis orgânicas dos serviços em particular.
A 6rbita da Uniao dilata-se dia a dia. 0 projeto teria de traduzir essa.
tendênCl'l.
Il: a leglslaçâo do trabalho, 0 serviço mllltar, a leglslaçao sanitaria, a entrada
e expulsao de estrangeiros, 0 serviço imigrat6rio, sao as fraudes alimentares, as
questôes sôbre minas e aguas, as questôes de direito aéreo, circulaçao de autom6-
vels, etc., etc., atestando uma ampllaçao crescente dos poderes administrativos
da Uniao.
Ja nao sao somente as questôes enquadradas na competência clé.ssica do Ju-
dic1é.rio federal, as questôes de fundo constitucional, os lltigios de Direito Interna-
cional, as questôes de direlto maritimo e as causas flscals.
Il: aexecuçao dos serviços federais, a apllc~çâO das chamadas "tels especials"
do texto argentino, assento constitucional de que 0 Congresso dêsse pals tem tiradO
tôdas as consequências, dilatando a competência judiciarla faderaI.
Tudo isso esta indlcando que hOje, mals do que outrora, a Uniao precisa
ter uma funçâo JUdiciaria especiflca.
Pretender que 0 mecanlsmo dual na segunda instância atenda par si s6 à
necessldade de assegurar os interêsses da Unlao na arrecadaçl!.o das suas rendas,
na execuçâo dos seus servlços, na repressao do contrabando, do pec'ulato e da
moeda falsa, etc., naD sera uma experiência perigosa?
Animo-me a concluir pela afirmatlva. 0 fato mesmo de repartir os recurSOJ!.
pela natureza da matéria, ou das partes, na segunda instâncla, nao sera uma con-

P. 5
66 CASTRO NUNES

4. A unidade processual. É um segundo aspecto do


mesmo problema. A mesma reaçao que se desenvolveu con~
tra a dualidade judiciaria atingiu a pluralidade processual,
preconizando-se a federalizaçao do processo coma comple-
mento necessario da unidade do direito substantivo, ja da
competência legislativa da Uniao. 7
Vingou em 1934 essa soluçao., A Constituiçao reservou
à Uniao a competência para legislar sôbre 0 processo, man~
fissao indireta de que em certas causas, e sao as causas federais, a Uniao nao
confia nas relaç6es estadunis? E nao seré. um ilogismo aceitar Il primeira ins-
tância dos Estados e nao lhes aceitar a instâncla superior?
Os pré.ticos do direlto nao ignoram 0 papel, preponderante da primeira ins-
tâncla, de atuaçao muito mais dlreta e nao raro decislva na vida judicié.ria. Basta
considerar que é a instância probat6rla, no civel e no crime, para se compreender
que a sorte dos serviços federais fica pratlcamente na dependêncla dos juizes es-
taduais, 0 que levarla, se nenhum inconvenlente se lobrlgasse nisso, a manter a
mesmo principio nas instânclas de recurso.
Considere-se ainda que cobrança de divlda fiscal é arrecadaçao de rendas;
é 0 "momento judicinl", da mesma serlaçao de atos anterlores que nlnguém Be
lembrarla de entregar aos aparelhos da arrecadaçao dos Estados.
ll:sse aspecto pré.tlco da questao é da maior importância. E a êle me limito.
abandonando as consideraç6es de ordem doutrlné.rla.
Ao meu ver, a unidade a procurar é a unldade conceitual, a unidade do Ber-
vlço judicié.rio nas suas bases, na identldade das garantias, a unidade da funçl!.o
discipl1nada por um estatuto comum, que nao exclue a varledade dos aparelhos,
a dual1dade das jurisdlç6es acomodada as clrcunstâncias.
No regime da dual1dade judlclarla pratlcado entre n6s, 0 que havla e hé. sl!.o
defeltos de organizaçao, nao removldos em parte pela inércia do legislador. A co-
existência das duas jurisdiç6es nl!.o exclue uma colaboraçao razoavel, que é preciso
estabelecer e dara remédio aos Inconvenientes conhecldos.
AB duas justiças nao sao antagônlcas ou rivais.
Coexistem para fins superlores que lhes sao comuns, reciprocamente inde-
pendentes "mas harmOnicas perante 0 Interêsse nacional em sua unldade", como
dlzia JoKo MONTEIRO.
Mantê-Ias alheias uma a outra, como em compartlmentos estanques, tem
Bide uma exageraçao que nlnguém pode aplaudlr, e apenas tem servldo para d1fl-
cuItar 0 mecanismo e gerar a convicçao fundada na imprestabil1dade da justlça fe-
deral, reduzlda na sua atuaçao as capitais dos Estados. 0 que se deve fazer é
abrir xnargem no texto constltucional a formas de colaboraçâo faceis de encontrar.
Partindo da unldade conceltual da funç!lo jUdlclal em todo pais, por que
motiva nao dar aos juizes da primelra Instância em cada Estado funçôes comple-
mentares e executôrlas em colaboraçao com os juizes seccionais?
Nao posso entrar em mlnudências de organlzaçao. Nem preciso acrescentar
multo mais para focallzar 0 problema nos têrmos pratlcOB em que deve ser pOsf.
Allas, na Constltulnte, 0 sr. LEVi CARNEIRO nao 0 examlnou de outro mo,
no magniflco parecer que emltlu contrarlamente a soluçao hibrlda que prevaleceu"
~ A controvérsia em tOrno da competèncla estadual para leglslar sObre processo
teve 0 seu momento de malor relèvo na famosa pOlêmlca de PEDRO LESSA e JoKo
MENDES, adversarlo. êste. daquela competência, qu~ tlnha por ilegitimamente exer-
clda pelos Estados. e extremado. aquele. na defesa da prerrogatlva dos Estad
TEORIA E PRATICA DO PODER JunICrARro 67

tendo, todavia, a dualidade judiciaria. Um s6 C6digo, em ma-


téria civil ou penal, vigorante nas duas jurisdiç6es.
A Constituiçao atual manteve 0 mesmo principio, que se
expressa no art. 16, XVI, onde fixou a competência privativa
da Uniao para legislar sôbre "0 direito civil, 0 direito comer-
"cial, 0 direito aéreo, 0 direito operario, 0 direito penal e 0
"direito processual", abolindo, porém, 0 dualismo judiciario na
primeira instância: um s6 C6digo, uma s6 justiça, esta esta-
dual, aquele federal, como preceituaçao complementar da le-
gislaçao substantiva, civil e penal. 8

tinha por mais consentânea com 0 regime federativo e mais conveniente pelas
possib1l1dades maiores de adaptaçao das normas às pecul1aridades variâveis de
Estado para Estado (veja-se 0 opüsculo Interpretaçâo dos prts. 34, n. 23, 63 e 65,
n. 2, da Constituiçâo FederaZ, Bao Paulo, 1899). Na esfera politica 0 saudoso esta-
dista Nn.o PEÇANHA, entâo Presidente do Estado do Rio, tomOu a 1niciativa, que
~ao foi avante, de realizar a unif1caçao por via de acôrdo entre os Estados, soluçàO
tô:,.econizada em seguida pelo Congresso Juridico, que se reuniu no Rio de Janeiro
(""J!. 1908. Do assunto tratei na Jornada Revisionista, ps. 167 e segs .
• 8 0 C6digo de Processo Civil (dec.-Iei n. 1.608, de 18 de setembro de 1939) esta
em vigor desde 1 de março de 1940, corn as med1f1caçôes introduzidas, pele dec.-Iel
n. 4.565, de 11 de agôsto de 1942; 0 de Processo Penal (dec.-Iei n. 3.689, de 3 de
outubre de 1941) e a Lei das Contravençôes Penais (dec.-Iei n. 3.688, da mesma
(Ir' ',; .. :pomeçaram a vigoral' em 1 de Janeiro de 1942.
CAPiTULO m
o PODER JUDICIARIO NO ATUAL REGIME

SUM!RIO: 1. 0 princlpio dos poderes separados, sua apresentaçâo. 2. Prlmado do


Executivo, 0 que exprime. 3. 0 Presidente da Republica como "autoridade
Buprema do Estado". Sentido dessa locuçâo. 4. 0 Poder Judlclâ.rio no
atual reglme. 5. 0 mecanismo judiciârio. Unificaçâo pela estadualizaçâo.
Antecedentes. 6. A partllha da jurisdlçâo na Constitulçâo atm!.l. Coma
deve ser entendldo 0 art. 107. 7. CarMer nacional da Justiça. 8. Extinçâo
da justlça federal. Providênclas complementares.

1. 0 principio dos poderes separados, sua apresen-


taçao. Modificou-se nas modernas teorias a apresentaçao do
principio da divisao dos poderes, principio que obedece hoje a
inspiraçao diversa. 0 Estado é unD na sua estruturaçao, no
sentido de que a existência dos três po der es (Legislativo, Exe-
cutivo e Judiciario) nao quebra a unidade, nao é uma sepa-
raçao corn a reciproca hostilidade que estava na base da an-
tiga concepçao. 0 Estado é, a um tempo, 0 poder que legisla,
o poder que executa e governa e 0 poder que aplica as leis na
realizaçao do direito. Os tribun ais nao formam um poder
fronteiro aos dois outros, nao defrontam 0 Executivo e 0 Le-
gislativo, sao 0 pr6prio Estado na sua funçao judicante.
o poder é, em principio, um s6, apenas diferenciado nas
funçoes. Dai· 0 sentido de coordenaçao e colaboraçao no
pIano superior do interêsse publico que tem hoje a divisao dos
poderes.
Para alguns expositores a divisao deslocou-se do pIano
horizontal, em que assentava, para 0 pIano vertical, ob ede-
cendo ao principio da organizaçao hierdrquica dos poderes
publicos, acentuado dêste modo 0 primado do Executivo, hi-
pertrofiado nos regimes autoritarios.
TEORIA E PRJ\TICA DO PODER JUDICIARIO 69

Mas a existência de poderes distintos, ainda que coorde-


nados, continua admitida na teoria do Estado, como um pos-
tulado da razao e da experiência. 1
2. Primado do Executivo, 0 que exprime. É precisa
entender em têrmos 0 que exprime 0 primado do Executivo.
Nao é a negaçao dos outros poderes ou a concentraçao nas
maos do Chefe de Estado de todos os poderes constitucionais.
Isso seria, como diz RANELLETTI, 0 govêrno pessoal, 0 regresso
ao arbitrio irresponsavel dos reis na época do absolutismo, a
negaçao de outro primado, 0 primado da lei, que continua a
ser da essência das instituiçoes.
o que êle exprime é 0 crescimento daquele poder, que
nia se limita hoje à antiga funçao, dependente do Parla..
mento; é um poder de direçao politica, com atribuiçoes le-
gislativas que lhe sao proprias e mais as atribuiç6es outrora
reservadas ao Poder Moderador.
o crescimento do Executivo, acentuado nas tendências
contemporâneas, naD é um fato que tenha surgido de sur-
presa. Tem antecedentes conhecidos que precisam ser re-
cordados. A propria denominaçao poder Executivo ja, de
longa data, nao correspondia à realidade, na critica irrespon-
divel dos que naD viam na funçao do Govêrno apenas a funçao
mecânica de executor das leis, sobrevivência da reaçao liberal
que do Chefe de Estado fazia, na teoria constitucional, um
servo dos parlamentos, contra a evidência irresistivel dos
fatos. 2
o Parlamento era, pois, 0 eixo do sistema, 0 primeiro
poder, poder de comando, 0 poder de direçao politica por ex-
celência, exagerado ainda mais nos governos de gabinete em
que as proporçoes dêste predominio eram tao consideraveis
que, na opiniao de alguns, tais regimes constituiam a nega-

1 A Constituiçao portuguesa declara que sao 6rgaos da soberania da Naçil.o "0


"Chefe de Estado, a Assembléia Nacional, 0 Govêrno e os tTibunais" - 0 que
equivale a definir 0 Judiciârio como poder do Estado. V. cap. 1.
• V. entre outros: JOSEPH BAaTHELEMY, Le Rôle du Pouvoir Executif dans les
Républiques Modernes, ps. 12-13.
70 CASTRO NUNES

çao do principio da separaçao, substituido praticamente "par


le cumul de tous les pouvoirs dans les mains de la majorité
parlementaire". 3
Foi es sa supremacia que se inverteu, deslocada ja entao
para ro poder emancipado dessa tutela. 0 primado do Exe-
cutivo situa-se, pois, nas relaçoes dêste com 0 Legislativo,
pressuposta entre ambos uma colaboraçao em dominios co-
muns que a experiência revelou naD ser possivel demarcar.
Compreendeu-se, diz PEREIRA DOS SANTOS, que era impos-
sivel 0 Govêrno como expressao de um equilibrio cada vez mais
instavel na fragmentaçao dos partidos, ja naD bastando a
prerrogativa da dissoluçao que os métodos classicos punham
nas maos do Executivo, meio drastico que supoe a crise de-
senvolvida sem remédios preventivos que a evitem e cuja fre-
quência deixa entrever claramente a impossibilidade da açao
simultânea e paritaria de dois poderes institucionalmente
hostis.
Temos, pois, que é nesse dominio, 0 dominio le-gislativo-
-administrativo, 0 dominio reservado aos dois poderes politi-
cos, que se operou a reviravoIta.
A Justiça naD se retiraram funçoes, porque estas saD de
seu natural incompartiveis, além de que, como expressao de
ordem coletiva e da paz social, integram-se tais funç6es no
pensamento conservador e construtivo que preside a trans-
formaçao. A partilha de funçoes operou-se na esfera legis-
lativa, tirando-se aos parlamentos 0 poder de legislar sôbre
certas matérias ou reduzindo-Ihe a funçao, em outras, so-
mente às disposiçoes de base, ampliando-se consideravelmente
o direito de iniciativa do Executivo, 0 poder regulamentar, etc.
3. 0 Presidente da RepubIica como "autoridade supre-
ma do Estado" - Sentido dessa locuçao. Nos regimes auto-
ritarios 0 Presidente da Republica naD é 0 Poder Executivo
somente, mas 0 titular investido de uma soma de poderes ou
atribuiçoes destacadas do Legislativo, na sua compreensao
classica, e dos poderes acrescentados por efeito da prerroga-
3 E. GORDON, La Responsabilité du Chief de l'Etat dans la Pro tique Constitu-
tionnel, 1931, p. 113.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 71

tiva, em que revive 0 Poder Moderador, com as suas funçoes


de coordenaçao e direçao politicas.
Por isso mesmo a Constituiçao brasileira precinde da de~
nominaçao Poder Executivo, denominaçao que nao correspon-
deria às funçoes hipertrofiadas do Chefe do Estado. Poderes
sao, na linguagem constitucional, 0 Judiciario e 0 Legislativo.
o Presidente da Repûblica tem uma posiçao à parte. Dai
o defini-Io como "autoridade suprema do Estado" (art. 73),
cujo entendimento literaI poderia talvez levar a crer que 0
Judiciario e 0 Legislativo ficaram subordinados à Presidência.
ORESTE RANELLETTI, examinando 0 alcance das expressoes
"Chefe supremo do Estado", pelas quais se define a posiçao
do Rei nas monarquias constitucionais, como encarnaçao da
unidade nacional e 6rgao de coordenaçao de tôdas as ativida-
des do Estado, observa que isso nao envolve a subordinaçao
dos demais poderes - "Questa posizione del Ré non pone,
pero, gli altri organi costituzionali del stato in una condizione
di subordinazione di tronte a Lui".
É suprema a autoridade do Chefe de Estado pela extensao
dos poderes que The ficaram reservados, e que vao além das
funçoes ordinarias do Govêrno. Poderes de coordenaçao des-
conhecidos da concepçao classica do Poder Executivo. Pode-
l'es de direçao politica. Dai 0 teor do art. 73: "0 Presidente
"da Repûblica, autoridade suprema do Estado, coordena a ati-
"vidade dos 6rgaos representativos de grau superior, dirige a
"politica interna e externa, promove ou orienta a politica le-
"gislativa de interêsse nacional e superintende a administl"a-
"çao do pais". 4
4. 0 Poder Judiciârio no atual regime. A Constituiçâo
nao desconhece 0 Judiciario como um dos poderes do Estado,
e assim 0 qualifica na epigrafe a que subordina a preceituaçâo
• Também a Constltuiçao argentina definiu 0 Presidente da Republ1ca coma "el
"jete supremo de la Naci6n". Mas a designaçao é criticada coma mais adequada,
diz AROSEMENA, a um govêrno semimonarquico. Em todo 0 casa, os escritores pro-
curam concilia-la corn a existência de podel'es equipolentes, mostrando que cada
um deles é supremo na sua esfera, observando-se que supremo é a Presidente como
suprema é a. Côrte jUdicial mais alta em relaçao às Côrtes lnferiores (veja-se
DE VEDIA, Constituiçiio Argentina, ps. 423-425).
72 CASTRO NUNES

respectiva, quando enumera OS "orgaos do Poder Judiciario" ,


e em outros passos que nao é precisa apontar.
É certo que nao expressa 0 principio dos poderes sepa-
rados, que se inseria nas antigas Constituiçoes, e que derme
a Presidência da Republica como "autoridade suprema do
"Estado" .
Mas 0 sentido desta clausula e 0 alcance daquela omissao
nao afetam 0 Poder Judiciario nem lhe diminuem a indepen-
dência nos têrmos ja examinados.
A separaçao esta pressuposta na Constituiçao e com ela
a autonomia dos poderes separados nas suas respectivas or-
.bitas de açao.
Ao Presidente da Republica nao se reservou nenhuma
funçao judicante.
Todo 0 po der de julgar ficou com 0 Judiciario, nos seus
orgaos proprios, regulares ou especiais.
Por outro lado, incumbe ao Presidente da Republica, por
disposiçoes expressas, assegurar a execuçao das sentenças fe-
derais (art. 9.°, letra f), obrigaçao correspondente aos gover-
nadores, na orbita local, constituindo crime de responsabili-
dade atentar contra a execuçao das decisoes judiciarias
(art. 85, letra e).
Reafirma-se ainda a independência do Poder Judiciario
nas garantias, que nao saD menores do que as das anteriores
Constituiçoes, asseguradas à magistratura (art. 91).
Considere-se ainda que, mantido na sua prerrogativa de
julgar de legibus e de anular os atos inconstitucionais ou ile-
gais do Presidente da Republica e ter-se-a compreendido que
nao deu entrada na Constituiçao braslleira a doutrina que su-
balterniza 0 Judiciario como um ramo do Poder Executivo.
Os antecedentes e as razoes que determinaram a nova
ordem de coisas no Brasil nao autorizam, alias, outro enten-
dimento. A justiça, na Constituiçao de 10 de novembro, esta
pressuposta como condiçao da ordem juridica e da paz social,
objetivos declarados na instauraçao do regime por ela insti-
tuido, "regime de paz politica e social", ca paz de assegurar ao
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 73

povo brasileiro "as condiçoes necessarias à sua segurança, ao


"seu bem-estar e à sua prosperidade".5
5 . 0 mecanismo judiciârio - Unilicaçao pela estadua.
lizaçao - Antecedentes. De quantas sugestoes foram apre-
sentadas na fase preparatoria da elaboraçao constituinte
concluida em 34, nenhuma se aproxima tanto do que vingou
no texto de 37, como a do ministro ARTUR RIBEIRO, de saudo-
sissima memoria, na proposta que, como membro da Sub-Co-
missao do Itamarati, ofereceu ao exame desta, sem lograr, to-
davia, aceitaçao, alterada, que foi, em pontos substanciais,
no substitutivo proposto pelo ilustre sr. JOAo MANGABEIRA, e
que deu entrada no ante-projeto que serviu de base aos "tra-
balhos da Assembléia Constituinte.
o ministro ARTUR RIBEIRO partia do principio de que na-
cional é a distribuiçao da justiça, mas estadual a sua organi-
zaçao, isto é, a conformaçao dos seus orgaos e sua disposiçao
territorial. "A distribuiçao da justiça", dizia êle, "é sem du-
"vida, matéria do mais vivo interêsse nacional e um dos pon-
"tos mais importantes sôbre que se exerce a soberania de uma
"naçao; a sua organizaçao pratica, porém, dependendo de
"um aparelhamento mais ou menos complexo, naD pode dei-
"xar de, intimamente, se prender às condiçoes peculiares de
"cada unidade federada, pois deve ser realizada, conforme as
"condiçoes existenciais e exigências de cada regiao, de acôrdo
"com os seus recursos econômicos e financeiros e de acôrdo
"com os meios de vida mais ou menos dispendiosos e que
"muito variam, de localidade para localidade".
Mas, afirmado 0 carater regional da organizaçao judicia-
ria como prerrogativa inerente à autonomia dos Estados e
indeclinavel, dizia êle, no arranjo federativo, entendia que a
autonomia orgânica naD poderia ser exercida sem razoaveis
limitaçoes, 0 que justificava por êsse modo: "Três ordens de
"motivos exigem a prefixaçao constitucional de normas a

• Veja-se 0 discurso do ministro da Justiça, sr. FRANCISCO CAMPOS, na sessâo


inaugural- dos trabalhos do Supremo Tribunal em 1941, transcrito em parte na
cap. 1 do tit. lIT.
74 CASTRO NUNES

"que os Estados naD poderao fugir, na organizaçao e manu-


"tençao do seu poder judiciario :
"1) 0 carater nacional da distribuiçao da justiça, que nâo
"é matéria peculiaraos diversos Estados de que a naçao se
"comp6e;
"2) 0 exercicio de atribuiç6es, que ora sac concedidas às
"jurisdiç6es locais e que envolvem importantes interèsses da
"Uniao;
"3) a prevençao de graves abusos, que, contra a indepen-
"dència e regular funcionamento da magistratura, teem sido
"cometidos em alguns Estados e à sombra da sua autonomia".
Os principios que' enumerava e prevaleceram, em maior
ou menor extensao, no texto de 34 e ainda no de 37, eram os
seguintes :
"1) concurso para investidura, nos primeiros graus;
"2) acesso por merecimento e por antiguidade;
"3) perpetuidade e inamovibilidade;
"4) dualidade de instâncias ;
"5) incompatlbilidade absoluta da funçao judiciaria corn
"qualquer outra funçâo public a ;
"6) nomeaçâo e acesso, mediante proposta dos tribunais
"judiciarios superiores;
"7) irredutibilidade de vencimentos e seu pagamento
"efetivo;
"8) fixaçao, em lei ordinaria federal, do minimo de remu-
"neraçao dos juizes das du as instâncias, conforme as condi-
"ç6es peculiares de cada Estado".
Dava, para 0 Supremo Tribunal, um recurso, "de marcha
"rapida e pronta, como é 0 habeas-corpus", de que pudesse
lançar mac 0 juiz ou qualquer interessado, no caso de trans-
gressao pelo Legislativo ou pele Govèrno daquelas normas fun-
damentais do 'mecanisma judiciario. "Assim tutelada", dizia
èle, "a sorte da magistratura local, ela ficara em condiç6es de
"nao s6 atingir a sua nobre e elevada finalidade, que foi, até
"aqui, 0 seu objetivo, como de desempenhar, cabalmente, as
"atuais funç6es dos juizes federais".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 75

As causas da competência da justiça federal passariam


para os juizes locais em primeim e em segunda instância.
Delas conheceria, porém, 0 Supremo Tribunal como ter-
ceira instância, englobando-se na enumeraçao dos casos de
recurso naD s6 as hip6teses configuradas como de recurso ex-
traordinario, mas ainda as questaes de Direito Internacional,
civil e criminal, as questaes de direito maritimo e navegaçao,
as causas em que fôsse interessada a fazenda nacional como
autora, ré, assistente ou opoente, as sentenças proferidas em
processo por crime politico ou contra serviços e interêsses a
cargo da Uniao, etc., de um modo geral as causas, civeis ou
criminais, que formavam a competência exercida nas duas
instâncias pela justiça federal.
Afastava-se, assim, 0 Projeto ARTUR HIBEIRO, da soluçao
adotada pela Comissao presidida pela ministro BENTO DE FARIA
e, ainda, pela substitutivo que veio a prevalecer no Ante-Pro-
jeto do rtamarati, em ambos os quais se cogitava de instân-
cias intermediarias na jurisdiçao federal, isto é, de tribunais
federais de segunda instância para aquelas causas,as quais,
em primeira, seriam aforadas nas justiças locais. 0 recurso
em tais demandas seria para 0 Supremo Tribunal, ainda que
naD diretamente, como 0 faz a atual Constituiçao, mas com
escala pelas côrtes de apelaçao locais, no mecanismo ideado
pelo egrégio ministro.
Admitia êle, porém, que por lei ordinaria viessem a ser
criados, para desafôgo do Supremo Tribunal, tribunais de cir-
cuito, com a competência que lhes desse a lei, destacando-a
das atribuiçaes de recurso daquele Tribunal, por aplicaçao do
principio da alçada. 6
A êsse mesmo pensamento de naD retirar das autonomias
estaduais 0 poder de organizar os seus aparelhos judiciarios
obedeceram as Constituiçaes de 34 e de 37. Mas com restri-
ça es que aquela expressou e esta reproduziu em suas linhas
gerais, dentro da mesma idéia, a ambas comum, de realizar
a unidade por acomodaçao das suas soluçaes extremas, par-
tindo da identidade da funçao, que se teria de unificar num

6 AllTUR RmEIRO, Exposiçâo de motivos.


76 CASTRO NUNES

mesmo quadro de principios, para a pluralidade orgânica no


pIano federativo mas sob limitaçoes em que se traduz 0 prin-
cipio pressuposto da unidade funcional.
Separam-se, porém, as duas Constituiçoes, a de 34 e a de
37, num traço fundamental. Manteve-se naquela a duali-
dade, conservando a justiça federal de primeira instância corn
a mesma fisionomia, alias, que ja vinha das Constituiçoes
anteriores; suprimiu-a a de 37, estadualizando tôda a pri-
meira instância, sem excluir as causas até entao reservadas
à jurisdiçao federal, que passaram para os juizos locais de
primeira e de segunda instância, salve as causas da Uniao,
que vaG em recurso ordinario ao Supremo Tribunal.
6. A partilha da jurisdiçao na Constituiçao atual -
Como deve ser entendido 0 art. 107. A jurisdiçao continua
partilhada entre a Uniao e os Estados. Precindiu-se somente
de uma primeira instância federal para certas causas, civeis
e criminais, que, ja hoje, entram na competência das justiças
locais. Mas a Uniao naD se despojou inteiramente do Poder
Judiciario, 0 que, alias, seria um contrassenso. 0 que mudou
foi a fisionomia do Judiciario Federal que, tendo na cupola
o Supremo Tribunal, é representado pelos 6rgaos prepostos a
exercerem as três jurisdiçoes especiais da Constituiçao, as
quais sac - a jurisdiçao militar, a jurisdiçao de que é 6rgao
o Tribunal de Segurança Nacional e a jurisdiçao do trabalho. 7
o assento constitucional da partilha jurisdicional é 0
art. 107: "Excetuadas as causas da competência do Supremo
"Tribunal Federal, tôdas as demais serac da competência da
"justiça dos Estados, do Distrito Federal ou dos Territ6rios".
Nesta clausula se contém implicitamente a extinçao da
primeira instância federal, passando as causas que a ela com-
petiam para as justiças locais.
Mas a ressalva ficou incompleta, devendo ser completada
pela intérprete.

7 Habltuamo-nos a chamar iustiÇ'C! federal à prlmelra Instâncla exerclda pelos


juizes secclonals. Dai a· suposlçiio ou 0 dlzer corrente de que com a extlnçâo da-
quela extlngulu-se a justlça federal.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 77

Excetuadas naD ficaram somente as causas da compe-


tência do Supremo Tribunal, causas que serao as da compe-
tência originaria, senao também as que competirem às justi-
ças especiais da Uniao.
Sao, pois, as causas de que 0 Supremo Tribunal conhece
em instância unica (as de que êle conhece em grau de re-
curso, ordinario ou extraordinario, entram na regra geral da
competência das justiças dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territorios) e as que competem àquelas justiças as causas
excluidas da jurisdiçao comum ou local.
7 . Carater nacional da Justiça. 0 art. 90 da Consti-
tuiçao, enumerando os ôrgaos judiciarios, naD distingue entre
estes os de instituiçao federal e os de instituiçao local. Uns
e outros sao enumerados englobadamente: 0 Supremo Tri-
bunal Federal, os juizes e tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territ6rios, e os juizes e tribunais militares -
ao inverso do que faziam as anteriores Constituiçoes, que s6
enumeravam os da Uniao. A todos indistintamente confere
as mesmas garantias discriminadas no art. 91. Dai resulta
que a Constituiçao considera a funçao judiciaria uma funçiio
nacional, que naD é nem federal nem local, ainda que os or-
gaos instituidos possam trazer a marca dessa distinçao. 8
Por outro lado, precindindo de uma primeira instância
para as causas que, pela seu relêvo nacional, escapavam à
competência dos orgaos locais, confiou-as a êsses orgaos, ainda
que com recurso para 0 Supremo Tribunal.
Hoje é que se pode dizer com JOAO MENDES, quando sob a
Constituiçao de 91, escrevia: "0 Poder Judiciârio, delegaçao
"da soberania nacional, implica a idéia de unidade e totali-
"dade da fôrça, que saD as notas caracteristicas da idéia de so-
"berania: 0 Po der Judiciârio, em suma, quer pelos juizes da
"Uniao, quer pelos juizes dos Estados, aplica leis nacionais para
"garantir os direitos individuais; 0 Poder Judiciario nâo é fe-
"deml, nem estadual; é eminentemente nacional, quer se
"manifestando na jurisdiçiio federal, quer se manifestando
8 A êsse aspeeto voltarei no tft. VI, "Orgâos judieiArios IoealS".
78 CASTRO NUNES

"nas jurisdiçoes estaduais, quer se aplicando no civel e quer se


"aplicando no crime, quer decidindo em superior, quer deci~
"dindo em inferior instância".9 .

8 . Extinçao da justiça federal - Providências comple.


mentares. A extinçao da justiça federal de primeira instân~
cia (juizos seccionais) naD esta preceituada na Constituiçao.
Mas de corre de varios dispositivos, que levam claramente a
essa conclusao. Assim: 0 art. 107, ja examinado; 0 artigo
90 que, enumerando os orgaos judiciarios, naD menciona os
juizes seccionais; e a disposiçao transitoria do art. 182 que,
providenciando acêrca dos "funcionarios da justiça federal
"nao admitidos na nova organizaçao judiciaria", pressup5e
igualmente aquela extinçao.
A declaraçao formaI da extinçao veio corn 0 dec.-Iei n. 6,
de 16 de novembro (1937): "Ficam extintos os cargos de
"juizes federais nos Estados, no Distrito Federal e no Terri-
"torio do Acre e os dos respectivos escrivaes e demais serven·
"tuarios".10

• JOAo MENDES, Direito Judicic'irio, p. 40.


10 0 dec.-Iei n. 6, providenciando sObre 0 periodo de transiçao que se inaugu-
raya, dispOs sObre a remessa dos feltos em andamento às justiças locals, sObre os
recursos pendentes de julgamento no Supremo TrIbunal, seu encamlnhamento aos
tribunals de apelaçao, sObre as revisôes crlminais para declarar competentes os
pr6prlos tribunais prolatores das sentenças revlsandas, por efelto da supressâo da
competêncla, até entâo privativa, do Supremo Tribunal; manteve 0 mandado de
segurança nos têrmos da lei n. 191, de 1936, excluidos os atos do Presidente da
Repûblica, ministros de Estado, etc.; dispOs sObre 0 aproveitamento dos juizes
seccionais e escrivâes; criou no Distrito Federal três varas dos Feitos d'a Fazenda
Pûbl1ca; determinou que, enquanto nao promulgados os C6digos processuais, fOsse
apllcada no processo e julgamento das causas até entâo da competência federal a
leglslaçâo local vIgen te, corn ressalva das causas regidas por leis especlais; esta-
beleceu a alçada de dois contos de réis nas causas fiscais da Unlao, corn recurso, to-
davia, no casa de ser esta venclda no todo ou em parte e recurso de offcio, em
qualquer hip6tese, no casa de envolver a decisao matéria constitucional.
Varios outros decretos providenciaram sôbre aspectos de detalhe, entre ou-
tros: dec.-Iei n. 166, sôbre oficiais de justiça; dec.-Iei n. 172, sObre depositarlos,
etc. Relativamente à justiça eleitoral (modalldade da juetlça federal) provlden-
clou 0 dec.-Iel n. 41, de 6 de dezembro de 1937, sôbre os processos penais em curso
naquela justiça, declarando anlstiados os crimes exclusivamente eleitorais e orde-
nando a remessa dos processos ao juizo comum.' 0 dec.-Iei n. 167, de 5 de janelro
de 1938, deu nova organizaçâo ao Tribunal do Juri; 0 dec.-Iei n. 88, de 20 de de-
zembro de 1937, manteve 0 Tribunal de Segurança coma 6rgao da 1ustiça especial
corn a competência constitucional que lhe ficou atrlbuida.
CAPiTULO IV

6RGAOS DO PODER JUDICIARIO

SUMAIIIO: 1. Justlças ordinârlas e justlças especlals. 2. Justlças especlals nas an-


terlores Constltuiçôes brasUeiras. Juizos privativos. 3. A enumeraçlio cons-
titucional. 4. As justiças especials na atual Constltuiçao. 5. Juizes e tri-
bunals. argilos singulares e coletlvos. 6. Jurisdiçôes extraordinârias. Tri-
bunals de exceçao.

1. Justiças ordinârias e justiças especIalS. Do princi-


pia inserto na lei francesa de 1814, e repetido em tôdas as
Constituiçoes do século passado, em virtude do quaI ninguém
pode ser privado dos seus juizes naturais, ficando, consequen 4

temente, proibidas as comissoes ou jurisdiçoes extraordind-


rias, tirou-se, nas vistas extremadas do liberalismo, outro
princîpio - una lex, una jurisdictio - ou seja que a justiça
teria de ser uma e unica nos seus orgaos e no rito processual
que lhe disciplinasse a açao. Entendia-se, na justüicaçâo
dêsse ponto de vista, que, sendo a lei uma s6 para todos (prin-
cipio da igualdade de todos em face da lei), teria de repetir-se
no terreno jurisdicional a mesma igualdade, condenadas, por
conseguinte, as justiças especiais com os seus orgaos proprios
e até mesmo os juizos privativos destacados da orgânica ju-
diciaria comum.
A condenaçao das jurisdiçoes especiais levava à inadmis-
sibilidade das jurisdiçoes administrativas (0 chamado Con-
tencioso Administrativo dos Estados do continente europeu)
e bem assim da jurisdiçao militar, tidas, umas e outras, como
incompativeis com àquele principio.
Entretanto, êsse entendimento ortodoxo jamais vingou,
quer no texto, quel' na teoria das Constituiçoes. Jurisdiçoes
especiais, com os seus orgaos proprios, adequados ao exercicio
80 CASTRO NUNES

da funçao destacada dos moldes comuns pela legislador, sem-


pre existiram, mesmo nos pais es do mais insuspeito libe-
ralismo.
Como diz MORTARA, a unidade jurisdicional orgânica é um
principio meramente teorico.
o direito judiciario de cada pais precisa ceder às nec es-
sidades praticas; e dai a pluralidade dos orgâos jurisdicio-
nais - "Onde il legislatore, posto in presenza di nuova ma-
teria particolare, se intende conferire per essa un sindicato
giurisdizionale rapido, economico, completo, si trova indotto
senz'altro a creare una giurisdizione speciale".
É que a unidade a buscar, diz 0 mesmo autorizado expo-
sitor, naD é a orgânica, isto é, a concentraçao de todos os ofi-
cios numa sa organizaçao, mas a unidade funcional, isto é, a·
identidade dos fins e dos resultados, na linha juridica como
na linha politica, do ato jurisdicional, qualquer que seja 0
orgao de que promane. 1
Nesta mesma ordem de idéias, entendendo que as justiças
especiais, previamente estabelecidas, naD constituem dene-
gaçoes do principio da garantia judiciaria, esta ORBAN, ex-
positor liberal, no comentario à Constituiçao belga.
Assim é que, diz êle, 0 principio francês de que ninguém
pode ser privado dos seus juizes naturais deve ser formulado,
como 0 faz a Constituiçao belga, nestes têrmos: "Nul ne peut
être distrait du juge que la loi lui assigne". E acrescenta :
"L'es~entiel,c'est que le citoyen soit assuré de comparaître de~
vant une jurisdiction connue et determinée d'avance".
Na mesma ordem de idéias esta BRUNIALTI: juiz natural,
diz êle, é todo aquele que a lei previamente institue para
julgar certa ordem de questoes, isto é, para exercer determi-
nada jurisdiçao - "Giudice naturale si dice quello che trovasi
designato dalla legge siccome competente a conoscere e giu-
die are di una determinata questione, prima che essa sià in-
sorta". Dai decorre, sac ainda palavras do mesmo escritor, - ,
que juizes naturais sac os tribunais ordinarios e também os i
1 tribunais especiais que 0 legislador, tendo em vista 0 inte-

1 MORTA RA, ob. clt., V. 1.·, p. 51.


TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIMUO 81

rêsse publico, institue para 0 julgamento de matérias que, por


sua natureza ou atendendo à condiçao de certas pessoas, SM
por definiçao rnatérias especiais. E exemplifica corn os juizos (
privativos e 0 Senado, quando funciona coma Côrte de Jus-
tiça, juizo natural, ainda que especial, porque conforme à lei
e às prescriçôes constitucionais.
. Também os tribunal:; militares, organizados para a paz
ou para a guerra, na conformidade da lei que lhes disciplina
a composiçao e funcionamento, entram na classtlicaçao de
juizos naturais, dentro das vistas do mesmo autor e da dou~
trina e pratica preponderantes. 2
2. Justiças especiais nas anteriores ConstituiçOes bra-
sileiras - Juizos privativos. Nas duas anteriores Consti-
tuiçôes republicanas, corno na do Império, estava expressa a
garantia dos "juizes naturais", ressalvados somente os juizos
privativos, que sao subdivisôes da jurisdiçao comum. 3
Dizia a Constituiçao do Império (art. 179, 17): ~'A ex-
"ceçao das causas que, por sua natureza, pertencem a juizos
"particulares, na conformidade das leis, naD havera fôro pri-
"vilegiado, nem comissôes especiais nas causas civeis ou
"criminais".
o preceito passou para as Cartas republicanas (1891 e
1934), que 0 repetiram corn ligeira alteraçao de forma. Mas
a Constituiçao de 91 ja admitia a justiça militar, corn assento
no preceito do art. 77: "Os militares de terra e mar terao
"fôro especial nos delitos militares. § 1.0 ~ste fôro com-
"por-se-a de um Supremo Tribunal Militar .. , e dos conselhos
"necessarios para a formaçao da culpa e julgamento dos
"crimes". Do rnesmo modo a Constituiçao de 34, onde deram
entrada duas outras jurisdiçôes especiais,'a eleitoral e a do
trabalho (justiça eleitoral, justiça do trabalho), cada uma
delas corn a sua organizaçao peculiar discrepante dos moldes
comuns.

2 ORBAN, ob. cit., m, n. 149; BnUNIALTI, v. 2.°, p. 521; LAPRADELLE, ob. dt., p. 477 ;
COUMOUL, ob. clt., ps. 405 e segs.
a Voltaremos a tratar dos "juizos privativos" no tit. VI.
F. 6
82 CASTRO NUNES

Justiça especial era também a justiça federal de primeira


instância, no regime da dualidade das antigas Constituiçoes.
Il Chegava-se mesmo ao exagêro de supô-Ia justiça de exceçiio.
Na realidade era especial somente em contraposiçao à
justiça ordiruiria ou comum.
No seu conjunto (abrangendo 0 Supremo Tribunal Fe-
deral) ela constituia 0 Poder Judicidrio da Uniiio, compreen-
dendo duas ordens de jurisdiçao, uma, a cargo dos juizes sec-
cionais corn recurso para 0 Supremo Tribunal, e outra, come-
tida a organismos especiais (justiça militar e justiça eleitoral).
Seriam essas as jurisdiçoes particulares ou privativas,
confiadas a orgaos anômalos. A jurisdiçao remanescente
seria a jurisdiçao ordindria ou comum no quadro cras atribui-
çoes do Judicidrio da Uniiio, cometida a orgaos regulares ou
profisszonais, corn as garantias inerentes à funçao. 4

3. A enumeraçao constitucional. Dispoe a Constitui-


çao, no art. 90: "Sao orgaos do Poder Judiciario: a) 0 Su-
"premo Tribunal Federal; b) os juizes e tribunais dos Es-
"tados, do Distrito Federal e dos Territorios; c) os juizes e
"tribunais militares".
A primeira observaçao que acode é que estao ai rnencio-
nados, de par corn orgaos judiciarios da Uniao (Suprerno Tri-
bunal Federal e juizes e tribunais rnilitares), os orgaos das
justiças locais, isto é, "os juizes e tribunais dos Estados, do
"Distrito Federal e dos Territorios".
Nas duas Constituiçoes anteriores a enumeraçao com-
preendia somente os orgaos federais, isto é, os juizes e tribu-
nais do Judiciario da Uniao.
• Do assunto ocupel-me em 1936, escrevendo: "Juizos privativos, na jurisdlçao
federal, como modal1dades constitucionalmente destacadas dessa jurlsdlçao, sao
os aparelhos da justlça m1l1tar e os da eleltoral ou os que, por lel, possam ser
criados para determlnada matéria da competêncla federal, com fundamento no
art. 113, n. 25: assIm, por exemplo, uma vara prlvatlva para os crimes federais
ou para questôes de direlto maritimo em determinado pôrto do pais.
Nao, porém, os juizes federals com a plenltude da jurlsdlçao. Estes constl-
tuem, com os tribunais superlores da jurlsdlçao, 0 Judlclârio da Unlao, a justlga
central do regime.
De exceçao seria se de exceçâo fôsse a açao admlnistratlva da Unlao, ep1s6-
dica no desenvolvlmento econômlco, social, polftlco e financelro do pais, esbatlda
na trama dos Interèsses de tôda a ordem que se agltam na comunhao naclonal".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 83

A enumeraçao compreensiva de uns e outros desconhece


a coexistência de duas ordens judiciarias paralelas, refletindo
o carater nacional do Judiciario no atual regime. 5
parecera à primeira vista que orgaos judiciarios sac so-
mente êsses, e assim se entendeu nos primeiros tempos, mas
sem razao. A enumeraçao do art. 90 naD é taxativa, de vez
que em outros passos da Constituiçao se cogita de duas outras
justiças, a especial e a do trabalho, cujos orgaos naD podem
deixar de estar pressupostos, ainda que naD mencionados.
Sao ambas, como ja ficou dito, justiças especiais de con-
formaçao anômala e sem subordinaçao hierarquica às justi-
ças regulares. Essas caracteristicas terao contribuido para
que se entendesse naD se enquadrarem elas no Poder Judi-
ciario, cujos orgaos outros naD seriam senac os mencionados
no art. 90. (Voltaremos a êsse aspecto, quando tratarmos
da justiça especial e da do trabalho.)
Por agora basta considerar que no art. 90 estao enume-
rados somente os orgaos regulares, revestidos, em regra, das
garantias constitucionais da funçao judicial (vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade do estipêndio), critério
apenas dominante, mas relativo, nas exceç6es que comporta.
Assim é que entre os orgaos locais (justiças dos Estados, do
Distrito Federal e dos Territorios), em regra vitalicios, exis-
tem ou podem existir, pois que autorizados na Constituiçao,
os juizes temporarios e outros ainda mais discrepantes do pa-
radigma, etais sac as justiças de paz e 0 juri. Do mesmo
modo na justiça militar: sac providos vitaliciamente os mi-
nistros do Supremo Tribunal Militar e os auditores, uns e
outros revestidos das garantias da funçao, ainda que s6 rela-.
tivamente inamoviveis estes ultimos. Mas os conselhos mi-
litares de justiça sac de formaçao diversa, obedecem a outras
normas em que naD cabe a vitaliciedade.
Em todo 0 caso, naD obstante êsse carater relativo, 0 que
nos pare ce é que os orgaos enumerados sac os das justiças
projissionais, sem excluir os das justiças especiais, de confor-

" Cap. I do tft. VI.


84 CASTRO NUNES

maçao deixada ao critério do legislador, às quais êste aplicarâ


o estatuto da funçao na medida que julgar conveniente.
De modo que, completando a enumeraçao, temos que :
Sao 6rgaos do Poder Judiciario: a) 0 Supremo Tribunal Fe-
deral; b) os juizes e tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territ6rios; c) os juizes e tribunais militares;
d) os juizes e tribunais da justiça especial (Constituiçao,
art. 122, 17, e arts. 141 e 172); e) os juizes e tribunais da
justiça do trabalho (art. 139).6
4. As justiças especiais na atual Constituiçao. Na
Constituiçao de 37 nao se insere expressamente "a garantia
"dos juizes naturais". Mas seria inexato concluir que esteja
eliminada do quadro dos principios em que assenta a orgânica
judiciaria. 7
As jurisdiçoes especiais previstas na Constituiçao sao, no
crime, a justiça militar, mantida das anteriores, e a justiça
especial, cuja competência é restrita aos fatos que a lei defi-
nir como crimes contra 0 Estado e contra a economia popular.
No civel, a justiça do trabalhoJ juriscliçào destacada da comum
para os conflitos oriundos das relaçoes de trabalho entre em-
pregadores e empl'egados, ol'ganizada sem sujeiçâo aos mol-
des da orgânica judiciaria. Essas três justiças especiais en-
tram no quadro dos juizos naturais nos têrmos expostos.
J

5 . Juizes e tribunais - orgaos singulares e coletivos.


A Constituiçâo define como 6rgâos do Poder Judiciario "juizes
"e tribunais", com 0 carater de instâncias singulares e cole-
giadas. Na linguagem judiciaria a distinçao é corrente:
juizos emprega-se geralmente para designar 0 6rgâo de pri-
meira instância, entre n6s exercida em regra por magistra-

• Na exposiçao de motivos do dec.-lei n. 167, que estabeleceu 0 juri, nâo obs-


tante omisso na Constltuiçao, 0 minlstro FRANCISCO CAMPOS mostrou, com a ha-
bituaI proficiência, que nao é taxativa a enumeraçao do art. 90 (veja-se 0 cap. IV
do tlt. VI).
7 A Constituiçâo admite a existência de outras garantI as além das enumeradas,
desde que compatlvels com os prlnc!pios nela conslgnados (arts. 122 e 123). Vejam-se
o capltulo anterlor "0 Judiciario Da Constituiçao de 37" e 0 Ut. "Justlças espe-
ciais " , onde se tratara de cada uma delas.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAIuO 85

dos singulares; tribunais é denominaçao que se reserva aos


corpos judiciarios cOletivos, em regra de instância superior.
No art. 90, bec, as duas palavras estao empregadas com
êsse proposito de diferenciaçao, articulando-se com preceitos
ulteriores que, na discriminaçao dos orgaos da jurisdiçao local
e da militar, sup6em, em ambas, instâncias coletivas (tribu-
nais de apelaçao, Supremo Tribunal Militar, conselhos de
justiça) e orgaos individuais (juîzes de direito, pretores, juizes
municipais, auditores, etc.). Mas a regra naD é absoluta.
Em outros dispositivos a palavra tribunal nâo tem êsse sen-·
tido estritamente formaI. Esta empregada como sinônima de
JUzzo, que é mais genenca. Assim, no tocante ao recurso ex-
traordinario: a locuçao tribunal local equivale a juizo local,
pois que admitido 0 recurso de decisao de instância unica, que
tanto pode ser um tribunal superior como um juiz inferior em
causa de alçada. Do mesmo modo no art. 108: As causas
da Uniao "serao aforadas em um dos juizos da capital do Es-
"tado", juîzo que a lei de organizaçao local naD esta impedida
de instituir em forma colegial, sem deixar de ser de primeira
instância, a exemplo, alias, do que ja houve no Distrito Fe-
deral. Ainda: em casa de mudança da sede do juizo, diz 0
art. 103, l, é facultado ao juiz entrar em disponibilidade, dis-
posiçao por igual aplicavel em se tratando de tribunal, 0 que
mostra que é nesta acepçao que esta aU empregada a pala-
vra juizo. 8
6. Jurisdiçoes extraordinârias - Tribunais de exceçao.
Na vigência da Constituiçao de 91, muito se discutiu se, com
fundamento na decretaçao do estado de sîtio, sobretudo se
declarado pelo Congresso, podia 0 Presidente da Republica

8 Nas suas orlgens romanas tribunal nao era 0 6rgâo judlclarlo. mas Il cade1ra
(Ma10r Curulis) em que se sentavam os magistrados superlores. ao lnverso de
Juiz. 1udex, que tlnha assento no subsellium (ORTOLAN, I. 667). Tlve ocaslQo de
examlnar a questâo quando juiz federal. para mostrar que na lInguagem judlclarla
como na lIterarla juizo e tribunal se empregam multas vêzes com 0 mesmo sentido :
"Essa slnonlmia é de uso corrente: tribunal. "jurigdiçâo de um magistraàO ou de
multos que julgam ao mesmo tempo: os pr6prios magistrados" (Frei DOMINGOS
VIEIRA, Dicionario). RUI BARBOSA empregava frequentemente tribunais no sentldo
de Poder Judiciario. justiça. julzo. em arrazoados forenses: "para Il espollaçâo 08
tribunais"; "nem Il circunstância de receber êsse vlcio 0 sêlo dos dois poderes
86 CASTRO NUNES

instituir comissoes extraordinarias OU tribunais de exceçâo


para 0 processo e julgamento dos comprometidos na rebeliâo
que lhe dera origem. Nos primeiros tempos, logo que pro-
1 clamada a Republica, 0 Govêrno Provisorio decretara a cria-
çâo de comissoes militares, a que ficariam sujeitos também os
paisanos que atentassem contra as novas instituiçoes ou lhes
favorecessem por atos e palavras (noticias falsas ou boatos)
o insucesso (decs. ns. 85-A, de 23 de dezembro de 1889, e
295, de 29 de março de 1890). Mais tarde, ja na vigência da
Constituiçâo, a revoluçâo federalista no Rio Grande e a re-
volta da Armada de 1893 levaram 0 Congresso a decretar 0
estado de sitio, adjetivando-lhe 0 estado de guerra, do que re-
sultou a criaçâo de juntas militares, ressurgidas do nosso pas-
sada imperial, mas que encontravam fundamento, na opiniâo
insuspeita de um grande jurisconsulto da época, inimigo de-
clarado de tais côrtes, "filhas postumas do conde de ARCOS",
nâo no estado de sitio, que nâo as comportaria, mas no es-
tado de guerra adjeto àquele. Dizia êle, entâo: "É que a
"justiça militar é ordinaria ou extraordinaria; tem, indica-
"dos em lei, seus raios de atraçâo mais ou menos largos, mais
"ou menos intensos e inflexiveis, conforme 0 tempo em que
"atua - de paz ou de guerra, externa ou interna". 9
Nâo se admitia, porém, que pudessem legitimar-se as
justiças extraordinarias so por efeito do estado de sitio.
No govêrno de PRUDENTE DE MORAIS cogitou-se, ao que pa-
rece, de criar tribunais de exceçâo, como corolarios do estado
de sitio entao declarado, consequente aos. acontecimentos de
Canudos com a repercussao que tiveram na capital da Repu-
politlcos 0 subtral à jurisdiçâo dos tribunais"; "N6s fazemos as lels; sua Inter-
pretaçao pertence aos tribunais"; "a autorldade dos tribunais, 6rgaos reparadores
da Constltulçao" (Atos Inconstitucionais, ps. 204, 225, 242, 23B, 6, 7, etc.); ou
alnda, nestas passagens, "uma questao pOde ser dtstlntamente politlca ... e, con-
tudo, em revestlndo a forma de um plelto, estar na competêncla dos tribun ais" ;
"Nem a açao lnstaurada nos tribunais por um credor da Unlao"; "Se sao real-
mente crimlnosos ... termina a açâo politlca do Executlvo e começa a mlssao ju-
dlclârla dos tribunais"; "onde houver crimes processâvels pelos tribun ais" (0 Di-
reito do Amazonas, I, ps. 17B e 276; ColeUi.nea, v. 6.°, ps. 31B a 332).
"Também a Constltulçao amerlcana s6 se referlu a Courts, e se admltlram
juizes slngulares; e a Constltulçâo argentlna, 56 aludlndo a tribunales, tolerou
juizes slngulares" (LEvi CARNEmo, Do Judicidrio Federal. 1916. p. 77).
• CARLOS DE CARVALHO, 0 estado de sftio e os tribun ais de exceçâo, p. lB.
l'EORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 87

blica e 110S meios militares, repercussao que culminou no


atentado de 5 de novembro. CARLOS DE CARVALHO, naquela
monografia, deixa entrever Os propositos goyernamentais, que
combateu.
A opiniao dominante, e que sempre prevaleceu, é que 0
estado de sitio, ainda que decretado pela Congresso, naD afe-
tava 0 funcionamento dos outros poderes, portanto do Judi-
ciario, uma de cujas funçôes, titulada na justiça federal, era
processar e julgar os crimes politicos. De modo que nao po-
diam ser outros, senac os juizes federais e 0 Supremo Tribu-
nal, em grau superior, os juizes de tais crimespor fôrça da
Constituiçao, cujo art. 55, mencionando coma orgâos do Poder
Judiciario 0 Supremo Tribunal "e tantos juizes e tribunais
"federais, distribuidos pela pais, quantos 0 Congresso criar",
teria de ser entendido de acôrdo corn aquela limitaçOO para se
concluir que tais juizos e tribunais naD seriam outros senac
as instâncias inferiores ao Supremo Tribunal.
Discutindo a- matéria no Senado, em 1894, dizia CAMPOS
SALES, combatendo a criaçao dos tribunais extraordinarios :
"É manifesto que naD se pode, sem ferir a Constituiçâo no
"que ela tem de mais fundamental, que é a organizaçao dos
"poderes, criar tribunais militares especiais e corn jurisdiçao
"ilimitada. 0 proprio Poder Legislativo, enquanto vigorarem
"estes preceitos constitucionais, naD tem competência para
"restabelecer e fazer vigorar aquelas leis do Império. Na
"constância do estado de sitio, os podl~res da Republica fun-
"cionam regularmerite, cada um na esfera de sua competên-
"cia, cada um mantendo a plena soberania que lhe é pe-
"culiar". 10
Muito menos se poderia admitir que pudesse fazê-lo 0
Executivo, limitado às medidas de preservaçao da ordem que
estava autorizado a adotar (detençao em lugar nOO destinado
a réus de crime comum e destêrro para outros sitios do ter-
ritorio nacional), entre as quais naD se mencionava a facul-
dade de estabelecer tribunais extraordinarios. 0 Supremo

10 Apud CARLOS DE CARVALHO, 0 estado de sUio e os tribunais de exceç/io.


88 CASTRO NUNES

Tribunal, na mesma ordem de idéias, desconheceu essa possi-


bilidade, repelida pela texto constitucional, porque importaria
em conferir ao Executivo poder judicante. 11
A Constituiçao de 37 naD comporta entendimento di-
verso. 0 estado de emergência naD basta para mudar 0 en 4

quadramento jurisdicional. S6 0 estado de guerra 12 pode


operar 0 deslocamento para os tribun ais de guerra, repartida-
mente, a critério do legislador, com 0 Tribunal de Segurança
Nacional, nos têrmos da lei constitucional n. 7, de 30 de se-
tembro de 1942, que modificou 0 art. 173 da Constituiçao
(vejam-se os capitulos concernentes à justiça müitar e jus-
tiça especial).

U VlVEmoB DE CABTIIO, Direito P'Ilblico, p. 518; AC6rdiios e Votos, p. 599.


12 Dos tribunais de guerra ou cOrtes marciais se tratara. no capitulo da 1ust/ça
milttar.
AB jurisdlçoes extraordina.rias. fora do estado de guerra, sao frequentes por
efeito de uma revoluçao que é em si mesma 0 colapso da Constituiçao e comporta
o pOder sem limitaçoes. Foi 0 que ocorreu entre n6s ap6s a vit6rla da RevoluçÏlo
de 30, com a criaçâo do Tribunal Espectzl, mals tarde substituido pela Junta de
Sançôes. 0 dec. n. 19.398, de 11 de novembro de 1930, que instltuiu 0 Govêmo
Provis6rlo. dispos no art. 16: "Flca criado 0 Tribunal Especlal para 0 processo e
"julgamento de crimes poZiticos, funcionais e outros que serao discriminados na
"lei de sua organizaçâo".
Organizado pelo dec. n. 19.440, do mesmo mês e ano, e reorganizado pelo de
n. 19.719, de 20 de feverelro de 1931, foi substltuido mais tarde pela Junta de San-
çoes, criada pelo dec. n. 19.811, de 28 de março de 1931, com as modlficaçlJes tra-
zldas pela dec. n. 20.346, de 28 de agosto do mesmo ano, no tocante à execuçao
dos julgados. Tiveram assento nesses trlbunais figuras marcantes da revoluç!i.o
!itorlosa, inclusive ministros de Estado, designados pela Chefe do Govêrno Provl-
s6rlo. A açâo de ambos os tribunals se caracterizou pela serenidade e brandura;
de modo que s6 pela traço te6rico merecem a quallficaçâ,J de cortes revoluclonarias.
Titulo II

A-

DAS GARANTIAS DA INDEPENDENCIA DO


,
PODER JUDICIARIO
CAPiTULO 1

AS TRf.:S GARANTIAS FÙNDAMENTAIS

BUlIlARIO: 1. Quadro gerai das garantias. 2. As três garantias fundamentais. A


cIa.usuia "salvas as restriçôes expressas na Constituiçâo". 3. A vital1ciedade
no conceito doutrina.rio da inamovib1l1dade. Vital1ciedade e perpetuidade.
4. A vital1ciedade e a inamovib1l1dade nas antigas Constituiçôes brasllei-
ras. 5. A vital1ciedade na Constituiçâo atual. Conceito e restriçôes. 6. Ina-
movib1l1dade, conceito. As restriçôes constitucionais. 7. A irredutib1l1dade
dos venclmentos jUdiciais na Constituiçâo de 91. 8. 0 princlpio da irredu-
tib1l1dade e os lmpostos gerais. A questâo do ministro GEMINIANO DA FRANCA.
9. Os têrmos da irredutib1l1dade nas Constituiçôes de 34 e 37. 10. Venc1-
mentos irredutiveis serâo somente os da maglstratura?

1. Quadro geraI das garantias. Visando assegurar a


independência do Poder Judiciario, a Constituiçao cerca a
magistratura de garantias especiais, umas dizendo mais com
os 6rgaos na sua composiçao ou aparelhamento, garantias que
podemos chamar institucionais ou orgânicas, e outras que
dizem mais de perto com a autonomia da funçao, e que, cons-
tit'uindo para os seus titulares direitos subjetivos, podemos
chamar subjetivas ou funcionais, ainda que umas e outras
convirjam para 0 mesmo objetivo de assegurar a independên-
cia do Judiciario. 1

1 Nâo se veja na cIass1ficaçâo acima senâo 0 que é pecul1ar a tôdas as class1fi-


caçôes, isto é, um método de exposlçâo baseado em aigum traço distintivo mais ca-
racterlstlco. Olhando por êsse prisma 0 assunto, diz COUMOUL que 0 Poder Judl-
cla.rio, para ter convenlentemente assegurada a sua lndependêncla, carece de duas
ordens de garantia: La, as concernentes à sua constltulçâo; 2.", as que dlzeIXI
respelto às condiçôes da autonomia da funçé.o (ob. clt., ps. 303 e segs.).
92 CASTRO NUNES

De outro ponto de vista podernos distinguir ern urnas e


outras as comuns ou gerais e as locais, sendo estas as concer-
nentes aos 6rgaos das justiças dos Estados, do Distrito Fe-
deral e dos Territ6rios, e aquelas as que cornpreendern indis-
tintarnente as rnagistraturas regulares, federais ou locais.
Vejarnos agora quais as garantias institucionais ou orgâ-
nicas e as garantias subjetivas ou funcionais, de acôrdo corn
o critério exposto.'
lnstitucionais ou orgânicas :
a) as do art. 93, letras a e b (poder reservado aos tribu-
nais para organizarern os seus serviços auxiliares, disciplina-
çao dos seus trabalhos rnediante norrnas ernanadas de sua
autonornia (Regirnento Interno), direito de licenciar aos seus
rnernbros cornponentes, juizes inferiores e serventuarios; em
geral, as atribuiçoes inerentes ao poder de policia e ao poder
disciplinar) ;
b) as dos arts. 97, parag. unico, e 103, c, concernen-
tes à inalterabilidade da cornposiçao do Suprerno Tribunal
Federal e dos tribunais de apelaçao, salvo rnediante proposta
dos rnesrnos ;
c) as dos arts. 103, a, e 105, relativas à formaçao dos
quadros da rnagistratura, visando a seleçao ou recrutarnento
de elernentos idôneos, rnediante os critérios estabelecidos.
Su1:Jjetivas ou funcionais :
a) as do art. 91 (vitaliciedade e inarnovibilidade dos
juizes e irredutibilidade dos seus vencirnentos) ;
b) as do art. 103, letra b (direito à carreira), letra d (di-
reito a vencirnento fixado mediante certo critério de base),
letra e (fôro privilegiado) e letra f (inarnovibilidade rnesrno
no casa de rnudança da sede do juizo). 2

" A Constituiçâo de 34 (art, 175, § 4,°) resguardava da apl1caçâo das medidas


restritivas da l1berdade de locomoçâo os juizes da Côrte Suprema, do Supremo
Tribunal M1l1tar e dos demais tribunais superiores. Assim dispunha, coerente-
mente, porque de tais medidas podia conhecer 0 Judiciario (art. 175, § 14), com-
petência que inexiste em face da atual Constituiçâo (art. 170), onde nâo se re-
produz aquela imunidade que, sob a anteriol' Constituiçâo, seria uma garantia
juncio.nal.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDrcrA.Rro 93

Sao comuns ou gerais, porque compreensivas das magis.


traturas regulares, sejam elas de instituiçao federal ou local :
a) as garantias do art. 91, a, bec; b) as do art. 93, a e b 3 ;
c) a do art. 97, parâg. unico, peculiar· ao Supremo Tribu-
nal Federal, e a do art. 103, c, peculiar aos tribunais de apela-
çao, enunciada em têrmos diversos mas substancialmente
idênticos no que exprimem como garantia orgânica de apli-
caçao restrita a êsses aparelhos.
Sao garantias locais, sejam orgânicas, sejam funcionais,
as de aplicaçao limitada às justiças dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territ6rios, etais sac as concernentes à forma·
çao dos quadros judiciârios, direitos de carreira, fixaçao de
vencimentos, etc., mencionadas nos arts. 103 e 105. 4
2 . As três garantias fundamentais - A clausuIa "salvas
as restriçoes express as na Constituiçao". Dispoe 0 art. 91:
"Salvas as restriçoes expressas na Constituiçâo, os juizes
"gozam das garantias seguintes", garantias que enumera, e
sac a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade dos
vencimentos (letras a, bec).
No definir a vitaliciedade ressalva as hip6teses de perda
de cargo, por sentença, exoneraçao a pedido e aposentaçao
voluntâria ou compuls6ria; no definir a inamovibilidade,
ressalva a remoçao consentida pelo juiz ou determinada pelo
tribunal superior; e no tocante ao estipêndio a sujeiçao a
impostos.
Mas serac essas as restriçoes a que alude 0 texto? Evi-
dentemente nao. Seria uma redundância inadmissivel res-
3 0 art. 93 expressa uma garantia comum às duas magistraturas, nao obstante
omltido na remissao do art. 103, que s6 alude aos preceitos dos arts. 91 e 92.
E assim entendo porque 0 poder conferido aos tribunats por aquele dtspositlvo é
Inerente à autonomla das côrtes judiciârias regulares, 0 que se Infere da sua colo-
caçao mesma nas Disposiç6es Preltminares concernentes ao poder Judicidrio; e,
ainda, porque, envol venda uma limitaçao ao poder de ZegisZar, se deve entender
extensiva ao leglslador local.
• Neste t!tulo s6 trataremos das garantias comuns ou gerais, começando pelas
junCionais (cap. 1), seguindo-se as institucionats ou orgânicas (cap. II) e no ca-
pitulo m dos direitos, deveres e proiblçôes comuns às duas ordens judictarlas. Das
garantias Zocais, orgânicas ou funciona!s, trataremos no Ut. VI ("orgaos jud!clà-
rios locais").
94 CASTRO NUNES

salvar restriçoes que entram conceitualmente na definiçao


das garantias enumeradas a seguir.
Hao de ser outras as restriçoes. Vejamos quais.
Logo a seguir, no art. 92, uma nova hip6tese de perda
de cargo, por aceitaçao de funçao public a incompativel, isto
é, funçao outra nao judiciaria.
Outra restriçao compreendida naquela ressalva: os jui-
zes saD em regra vitalicios, mas os hâ também temporarios,
admitidos pela Constituiçao (art. 106) e bem asslm eletivos
(justiça de paz, art. 104), e removiveis, os magistrados mili·
tares, porque deslocâveis com as fôrças junto às quais ser-
virem (art. 113). Sao restriçoes naD mencionadas na defini-
i çao das garantias da vitaliciedade e da inamovibilidade, mas
\,_expressas em outros passos da Constituiçao. 5
Do mesmo modo quanto à irredutibilidade que, tratan-
do-se de prestaçao gratuita do serviço judicial (jurados, juizes
de paz, juizes suplentes), naD teria aplicaçao.
Acrescente-se que a Constituiçao cogita de duas justiças
de conformaçao deixada livre ao legislador ordinârio (justiça
especial e justiça do trabalho), às quais naD se aplicam, senao
na medida que a lei determinar, as prerrogativas das justiças
regulares.
3. A vitaliciedade no conceito doutrinârio da inamovi-
biIidade - Vitaliciedade e perpetuidade. É precisa naD con-
fundir, diz JM'IOT, a~Zidade_G..Q....m a perpet~e (in-
vestiture à vie). Os magistrados franceses saD inamoviveis,
mas naD saD nommés à vie, como em certa época, sob as Cons-
tituiçoes do ana VIII e de 1848. Entretanto, explicam GAR-
SONNET et BRU, a c1âusula nommés à vie naD signüicava nada
mais do que a inamovibilidade, porque sob ambas as Consti·
tuiçoes os magistrados podiam ser afastados por aposentaçao
ou destituidos por prevaricaçao - pouvaient être mise à la re-
• 0 art. 91 s6 cogita da aposentaçâo compuls6ria do juiz por Implementa de
idade (6B anos) ou em razâo de invalidez comprovada. Mas 0 art. 177, quando
aplicado aos juizes, acrescenta uma hip6tese nova - "no interêsse do serviço pli-
"blico ou por conveniência do reglme", disposiçao restabelecida pela lei constitu-
cional n. 2, por tempo indeterminado. l',;, pois, uma restriçao, ainda que de indole
transitôria. a ser incluida na ressalva.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARrO 95

traite ou déclarés déchus pour cause de forfaiture. Interpe-


lados na Assembléia Constituinte de 1848, DupIN e CREMIEUX
deram 0 sentido, que passaria para a exposiçao doutrinaria,
da locuçao nommé à vie: é a inamovibilidade, significando
- acrescentava CREMIEUX - que 0 juiz nao pode ser deslo-
cado nem destituido. Resulta dessa definiçao - continuam
GARSONNET et BRU - que um magistrado pode ser legalmente,
privado do seu cargo em quatro casos: por supressa6 da
Côrte ou Tribunal de que faça parte ou do cargo que ocupe ;
por medida disciplinar, em virtude de remoçao e por aposen-
taçao (mise à la retraite), nas condiç6es estatuidas em lei.
Do mesmo modo na Bélgica, onde a clausula nommé à
vie, inserta na Constituiçao, suscitou duvidas resolvidas no
mesmo sentido, isto é, como equivalente da inamovibilidade. 6
Vê-se do exposto que no conceito doutrins.rio de inamo·r
vibilidade se inclue nao s6 0 direito ao cargo, garantia que co·
nhecemos pela palavra vitaliciedade, como também à irre-
movibilidade, 7 com 0 sentido, porém, de inamovibilidade na
funçiio, como veremos adiante.

4. A vitaliciedade e a inamovibilidade nas antigas Cons-


tituiçoes brasileiras. A Constituiçao do Império no art. 113
declarava perpétuos 8 os juizes, mas amoviveis, por clausula
express a - "0 que todavia se nao entende que nao possam
"ser mudados de uns para outros lugares pela tempo e ma-
"neira que a lei determinar". Era a inamovibilidade somente
na funçiio, segundo se entendia. 9
A primeira Constituiçao republicana, nao obstante as
criticas conhecidas à desgarantia dos magistrados do Impé-
rio, perambulando de comarca para comarca, à mercê das

6 JAPIOT, ob. cit., p. 185; GARSONNET et CESAR BRU, ob. cit., l, ns. 135 e segs.;
ORBAN, Droit Constitutionnel de la Belgique, II, ps. 623 e segs.
7 Na exposiçao doutr!naria, inamovibilidade é 0 têrmo genérico, compreensivo
das duas garantias - COUMOUL, Du Pouvoir Judiciaire, ps. 303 e segs. "Prerroga-
tiva, define CAPrrANT, en vertu de laquelle la plupart des magistrats et certains
fonctionnaires ne peuvent être déplacés, privés ou suspendues de leurs fonctions
(Vocabulaire Juridique, v. Inamovibilité).
8 Sôbre 0 sentido de perpetuidade, veJa-se 0 que ja f!cou exposto.
• PIMENTA BUENO, Direito Pûblico Brasileiro, p. 333.
96 CASTRO NUNES

conveniências partidarias, naD expressava a inamoVibilZ.'dade,


limitando-se a dizer no art. 57: "Os juizes federais saD vita·
( "licios e perderao 0 cargo unicamente por sentença judicial"
- omissao estranhavel, porque 0 dec. orgânico, n. 848, de
1890, ja mencionava a garantia da inamovibilidade - "os jui.
"zes federais serao vitalicios e inamoviveis" e por igual 0 Pro-
jeto da Comissao do Govêrno Provisorio: "Sao garantidas a
"mdependência e a inamovibilidade (ja aqui no sentido dou-
"trinario da palavra) dos membros do Supremo Tribunal e
"mais juizes federais".
A omissao proveio dos decs. ns. 510 e 914-A, dos quais re·
produziu a Constituiçao 0 dispositivo acima transcrito.
A Comissao dos Vinte-e-Um naD emendou 0 projeto, antes
rejeitou tôdas as emendas, nas quais predominava alias 0
pensamento naD de aumentar mas de reduzir a extensao das
garantias da vitaliciedade e da irredutibilidade do estipêndio.
Assim é que a do sr. GABINO BESOURO era no sentido da su-
pressao da garantia da irredutibilidade, pela supressao pro-
posta do § 1.0 do art. 56 do dec. n. 510; a do sr. ANFILOFIO,
que acrescentava à hipotese da perda do cargo a de suspensao.
No plenario foram renovadas essas e outras emendas, do-
cumentando a mesma hostilidade, sobretudo ao principio da
irredutibilidade do estipêndio. Somente em uma delas se
aludiu à inamovibilidade. Assim é que 0 sr. TAVARES BASTOS
queria a vitaliciedade, mas naD impedia a reduçao dos venci-
mentos; 0 sr. ANFILOFIO renovou a sua emenda sôbre a
suspensao e perda do cargo; 0 sr. CASIMffiO JUNIOR manti-
nha a vitaliciedade, sem proibir a reduçao dos vencimentos ;
o sr. PINHEIRO GUEDES expressava a vitaliciedade e a inamovi-
bilidade, mas naD a irredutibilidade.
Tôdas es sas emendas, em La e em 2. a discussao, foram
rejeitadas. 10
A omissao do texto de 91 foi corrigida pela jurisprudên-
cia, com base no art. 74 que, garantindo "em tôda a sua ple-
"nitude as patentes, os postos e os cargos inamoviveis", pres·
10 - An'l!Ï8, II, ps. 85, 135, 118 e outras.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 97

"
supunha entre estes os da magistratura, isto é, os cargos civis
declarados vitalicios pela Constituiçao, coma pareceu a BAR-
BALHO. ll
Dai a jurisprudência considerando "implicita na vitali-
"ciedade outorgada pela art. 57 da Constituiçao a inamovi-
"bilidade dos juizes". 12
Na reforma de 1926 ficou 0 texto ainda sem a retificaçao
que s6 em 1934 viria a ser feita. Mas 0 entendimento ja
firmado passou a encontrar apoio também no art. 6.°, II, i, que,
mencionando a vitaliciedade e a inamovibilidade dos magis-
trados locais, pressupunha nos federais, obviamente, a garan-
tia nos mesmos têrmos. 13
Na Constituiçao de 34 a triplice garantia - vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade do estipêndio - ficou ex-
pressa coma prerrogativa inerente à fu.nçao judicial na or-
bita federal como na local (arts. 64 e 104).14

5 . A vitaliciedade na Constituiçao atual - Conceito e Ji \


restriçoes. A vitaliciedade se define pela direito de ser man~
tido. no cargo, salvo condenaçao em processo judicial, 0 que

II Comentarios à Constituiçao Federal BrasiZeira, art. 57.


12 OTA.VIO KELLY, Manual da Jurisprudência Federal, 4.° supl., n. 873.
13 0 ministro ARTUR RmEmo, que sustentara antes da reforma de 26 a removibi-
lidade dos julzes, rendeu-se em face do dlsposto no art. 6.°, II, i.
H De nm modo geral tôdas as Constltuiçôes asseguram garantias especials à
funçilo judicial.
No Uruguai, os julzes silo nomeados e conservados corn a clàusula de buena
comportaci6n, correspondente à argentina mientras dure su buena conduta, e,
ainda, à do Chlle - su bueno comportamiento - locuçôes que teem origem na clau-
sula- norte-americana que assegura aos juizes federais a permanência nos cargos
enquanto se conduzirem bem - hold their offices during good behaviour - equi-
valente à vital1ciedade assegurada pela texto braslleiro, visto coma se entende que
aquela significa que os julzes nilo pOderilo ser destituldos senile pela condenaçilo
em impeachment ou quando convencidos da prâtica de um del1to - ..... where pro-
tected Iram rem01!al otherwise th'an by impeachment and conviction 01 high crimes
and misdemeanors."
Em outros paises, da Europa como da América Latina, com idêntlcas garan-
tias, ainda que sob forma variavel. No México, como, em geral onde quer que se
admita a magistratura eletiva, sofre exceçilo 0 princlpio; mas depols de reconduzido
o Juiz, ap6s certo tempo de exerclcio, segue-se a regra geral (SERRANO, Constitu-
ciones de Europa y América, 1927, tomos l e II; ZAVALIA, Derecho Federal, 1926:
COUNTRYMAN, The Supreme Court and its appeZlate power).
F. 7
98 CASTRO NUNES

supoe a prâtica de um ato definido no C6digo Penal como


crime, processo e julgamento judicidrios. 15
É noçao bem conhecida em nosso direito, fixada de longa
r/data pela jurisprudência em face dos textos anteriores, e dis-
1 tinta da estabilidade, que precinde da apuraçao judicial do
1 ato imputado ao funcionârio, 0 quaI poderâ naD constituir
1
crime, senao mera falta funcional que autorize a demissao. 16
A vitaliciedade 17 estâ definida na Constituiçao por ex-
clusao das hip6teses, que enumera, da perda do cargo: "nao
"podendo perder 0 cargo senac em virtude de sentença judi-
"ciâria, exoneraçao a pedido ou aposentadoria, compuls6ria
"aos 68 anos de idade ou em razao de invalidez comprovada,
"e facultativa nos casos de serviço publico prestado por mais
"de 30 anos, na forma da lei" (art. 91, a).
Repete-se, corn ligeira alteraçao de forma, 0 que jâ dis-
punha a Constit\liçao de 34, à quaI cabe a prioridade na ado-
çao dêsse critério de definiçao.
A perda do cargo deve ser entendida como afastamento,
a titulo definitivo, da "funçiio, de vez que entre as hip6teses
enumeradas se inclue a da aposentadoria, em que 0 titular
conserva um dos predicamentos do cargo, 0 estipêndio, e bem
assim 0 titulo ou graduaçao.
A enumeraçao dessas hip6teses (corn as ressalvas jâ exa-
minadas e que se encontram em outros passos da Constitui-
çao) é que constitue propriamente a garantia, conhecida a
distinçao que existe entre esta e 0 direito (no casa 0 direito ao

15 A vltal1cledade dos ministros do Supremo Tribunal Federal dlscrepa dêsse

conceito, de vez que a perda do cargo pode resultar de condenaçâo pela Conselho
Federal (veja-se adlante 0 t!t. m).
la Da dlst!nçao entre os dols conceitos ocupei-me com maior desenvolv!mento
no meu Do Estado Federado, ps. 171-172.
11 Vitalicio, do lat!m vitalis, por tôda a vida, ou perpétuo, da! a clâusula nommé
A vie, de que jâ tratamos. Nao é êsse, porém, 0 sentido da Constltuiçao, que, de-
clarando vitalicios os Juizes, admlte que, em certns casos, possam perder 0 cargo
ou ser afastados da !unçao.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 99

cargo ou à permanência na funçao), a que ela serve de escudo


ou broquel. 18
Nao seria indispensavel tal enumeraçao para excluir 0
entendimento de que, sem ela, seria perpétuo, porque nommé
à vie, 0 magistrado, nao podendo ser afastado nem por apo-
sentaçâo.
Mas, fazendo-o, quis a Constituiçao fixar osentido dou-
trinario da vitaliciedade corn es sas ressalvas. Vale dizer que
deu ao conceito da vitaliciedade um sentido relativo, razoavel
e, a certos respeitos, mais favoravel ao titular da funçâo do
que a clausula nommé à vie, no seu entendimento literaI, ha
muito abandonado.
Corn efeito, até meados do século passado entendia-se que
o juiz nommé à vie nao paderia ser afastada nem mesma par
enfermidade (invalidez) e muito menas por velhice. Dessa
controvérsia dao noticia os expositores, particularmente
ORBAN, a prop6sito do art. 100 da Constituiçâo da Bélgica. 19
Admitindo-se que 0 juiz, embora vitalicio, possa ser com-
pelida a deixar 0 cargo ou a funçâo em certos casos, 0 que,
em ultima analise, se lhe assegura é 0 direito de ser conser-
vado fora des sas hip6teses enumeradas, dai decQrrendo a ga-
rantia funcional da magistrado, harmonizada razoavelmente
corn 0 interêsse publico, que estara em nao conservar 0 juiz
que delinquiu ou que por invalidez, comprovada ou presu-
mida de certo limite de idade, ja nao possa desempenhar, a
contento, a funçâo.
Essas hip6teses estâo, de um modo geral, na exposiçao
doutrinaria do assunto, corn base na direito positivo de cada
pais: "Un magistrat - dizem GARSONNET et BRU - "peut
être Legalement privé de son siège dans quatre cas: par sup-
pression de la cour ou du tribunal dont ü fait partie, ou du
siège qu'il occupe; par mesure disciplinaire; par voie de de-

18 A garantia estarâ em nao ser demitldo senao em virtude de sentonça; em


nao ser afastado da funçao senao pOT aposentaçao compuls6ria nas hlp6teses cons-
titucionals, Ilmltando asslm 0 arbitrlo do leglslador, que nao pOderla acrescentar
outras hlpôteses (veja-se RUI, Atos Inconstitucionais do Congresso e do Executivo,
ps. 183 e segs.).
10 Ob. clt., v. III, ns. 624 e segs.
100 CASTRO NUNES

placément, par mise à let retraite, en suivant dans ces trois


derniers cas les formes tracées par la loi". 20
Em nosso direito, no seu assento constitucional, elas
constituem um desdobramento do conceito mesmo da vitali-
ciedade.
No tocante à aposentadoria, RUI BARBOSA, ainda que
omisso 0 texto de 91, pressentiu essa correlaçao, irmanando
os dois conceitos, que se completam: "A aposentadoria é a
"integraçao essencial da vitaliciedade, nos cargos civis, coma
"a reforma 0 é da inamovibilidade, .nos militares; porque,
"dadas as condiçoes naturais da vida humana, a perpetui-
"dade fôra uma burla, se estivera subordinada à atividade.
"Assegurando, pois, a estabilidade nas funç5es vitalicias mi-
"litares, ou civis, 0 art. 74 da Constituiçao assegura-lhes a re-
"forma e a aposentadoria, isto é, faz de uma e de outra 0
"têrmo remuneratorio de uma carreira laboriosa". 21
Mas vitalicio é 0 juiz, isto é, aquele que, nomeado, tomou
posse e entrou em exercicio. A garantia supoe 0 magistrado
ja no exercicio da funçao. Até entao pode 0 Govêrno tornar
1 sem efeito a nomeaçao. 22
6. Inamovibilidade, conceito - As restriçôes constitu-
cionais. Os textos concernentes à inamovibilidade assegu-
rada tanto aos magistrados civis coma aos militares saD os
do art. 91, b, que é a clausula geral- "Inamovibilidade, salvo

l "por promoçao aceita, remoçao a pedido, ou pelo voto de dois


"terços dos juizes efetivos do tribunal superior competente,
20 GARSONNET et BRU, ob. cit., l, 135; JAPIOT, ob. clt., p. 185; PALMA, Corso, II,
p. 600; MATTmoLo, ob. cit., l, n. 87; PiITTINE, Dell'Ord., n. 274.
21 ROMERO PmEs, CoZet4nea, v. 6.·, p. 245. Foi dêsse ponto de vista que examinel
no Tribunal de Contas as aposentadorias dos ministros JEsuiNO CARDOSO e THOMP-
SON FLORES, para lhes apl1car a lei espectal de 1924 sôbre aposentadoria dos minis-
tros do Supremo Tribunal Federal. E assim decldimos, porque, dada a equlparlt-
çâo, no tocante às garantias da funçâo, dos ministros da Côrte de Contas aos da
Côrte Suprema, tal equiparaçâo se estenderta ao tratamento legal da aposentaçao,
considerada esta eomo desdobramento da vltal1ciedade, nos têrmos expostos (v. meu
voto na Rev. Foren.~e, v. 76, p. 595).
TaI entendimento, porém, nao prevaleceu, e sim 0 do Tesouro, por determl-
naçao do Presidente da Republlea, com base no parecer do entâo consultor gerai
da Republlca, que era 0 emlnente sr. ANÎBAL FREmE.
22 COSTA MANSO, ob. clt., p. 58.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO .-,,101

"em virtude de interêsse publico"; do ârt. 113 (justiça mili-


tar) : "A inamovibilidade assegurada aos juizes militares naD
"os exime da obrigaçao de acompanhar as fôrças junto às
"quais tenham de servir"; e do art. 103, f (justiças locais) :
"Em casa de mudança de sede do juizo, é facultado ao juiz,
"se naD quiser acompanha-Ia, entrlO'.r em disponibilidade com
"vencimentos integrais".
Essas disposiçoes vêm da Constituiçao de 34, com reda-
çao ligeiramente aIterada, salvo no tocante à remoçao dos
juizes militares, subordinada naquela à observância das con-
diç6es estabelecidas para a remoçao dos juizes civis (art. 87,
parag. unico, e art. 64, b), clausula naD reproduzida notexto
atual.
A noçao teorica de inamovibilidade abrange 0 grau e a
sede, isto é, a garantia que tem 0 juiz de nao ser destituido
1
e a de nao ser removido.
É por êste segundo elemento que se define em nosso di-/
reito a inamovibilidade de que fala a Constituiçao, diferen-
çando-a da vitaliciedade.
Mas admite três restriç6es ou, mais precisamente, duas
hipoteses que envolvem faculdades asseguradas ao juiz ina-
movivel, e a remoçao compulsoria, esta sim, a rigor, uma
restriçao.
Sao elas: a) remoçao consequente a promoçao aceita;
b) remoçao a pedido; c) remoçao por determinaçao do tri-
bunal competente, nos têrmos preceituados.
As duas primeiras so se relacionam com a garantia pelos
seus efeitos, isto é, porque 0 juiz que aceita a promoçao (do
que resulta a contrariu sensu 0 direito de recusa-la) ou 0 que
solicita a remoçao, deixa necessariamente 0 cargo antigo, do
quaI se desloca para exercer 0 outro. 0 art. 103, f, relativo
aos juizes locais, desenvolve ainda mais a garantia, que sub-
siste, mesmo no casa em que a lei desloq'Ue, naD 0 juiz, mas
a sede do juizo.
Sao aspectos que comportam maior desenvolvimento, mas
que terao 0 seu lugar proprio na trataçao, conforme as hipo-
teses, da justiça militar e do Judiciario local.
102 CASTRO NUNES

7. A irredutibilidade dos vencimentos judiciais na Cons-


tituiçao de 91. 0 principio que se inseria no art. 57, § 10°, da
Constituiçao de 91 correspondia à clausula americana que
aos juizes da Uniao assegura "a compensation which shall not
be diminished during their continuance in office" (Constitui-
çao, art. II, secçao 1), transplantada para a Constituiçao ar-
gentina (art. 96) nestes têrmos: "los jueces de la Corte Su-
prema y de los tribunales inferiores. .. recibiran por sus ser-
vicios una compensaci6n que determinara la ley, y que no
podra ser disminida en manera alguna mientras permane-
ciesen en sus funciones".
o sentido da proibiçao foi dado por HAMILTON na conhe-
cida passagem do Federalista - "ter açao sôbre a subsistên-
"cia de um homem é tê-la sôbre sua vontade".
o imposto que recaisse sôbre os vencimentos seria uma
forma indireta de reduçao dêsses vencimentos, ditos irredu-
tiveis pela Constituiçao. ~sse entendimento amplo, baseado
em precedentes americanos, foi 0 que prevaleceu entre nos.
o episodio mais memoravel foi 0 que ocorreu na execuçao do
decreto de 28 de janeiro de 1915, relativo a imposto sôbre ven-
cimentos, tido por incompativel com a proibiçao constitucio-
nal pela Supremo Tribunal, sob a forma de um protesto cole-
tivo de todos os seus membros. 0 Presidente da Republica
atendeu, determinando que cessasse a cobrança do imposto.
"Temos assim" - escreveu a proposito dêsse protesto 0
ilustre LEVi CARNEIRO - "firmado a isençao do imposto com
"maior amplitude do que mesmo nos Estados Unidos, onde
"ela so favorece aos magistrados em exercicio antes da lei de
"taxaçao". 23
Assim também na Argentina. Tem-se entendido, infor-
ma GONZALEZ CALDERON, que a reduçao censuravel seria a que
atingisse aos juizes em exercicio, ainda que sob a forma in-
direta do fmposto, dada a generalidade da interdiçao - "en
manera alguna". 24

23 Do Judicicirio Federal, p. 32.


2< Derecho Constitucional, III, p. 403.
TE ORlA ~ PRATICA DO PODER JUDlClARlO 103

8 . 0 principio da irredutibilidade e os impostos gerais


- A questao do ministro GEMINIANO DA FRAN CA. A reforma
constitucional de 1925-26 encontrou a controvérsia solucio-
nada pelo Supremo Tribunal no sentido de isentar de impos-
tos, nao somente os vencimentos correspondentes à funçao
judicial, como, de um modo geral, os da funçao public a inamo-
vivel, nos têrmos do art. 74: "As patentes, os postos e os
"cargos inamoviveis sao garantidos em tôda a sua plenitude".
Dai a disposiçao genérica que se inseriu no art. 72, § 32,
do texto entao consolidado: "As disposiçoes constitucionais
"assecurat6rias da irredutibilidade dos vencimentos civis ou
"militares nao eximem da obrigaçao de pagar os impostos ge-
"rais criados em lei". Justificou-a dêste modo a Comissao,
de que foi relator 0 sr. HERCULANO DE FREITAS: "Nao é licito
"a quem quer que seja eximir-se do onus de concorrer para as
"despesas indispensaveis à manutençao do Estado.
"Como 0 exercicio de alguns cargos é protegido pela ir-
"redutibilidade de vencimentos, se tem entendido nao pode-
"rem ser atingidos pela taxaçao os detentores dêsses cargos.
"A emenda n. 66, reconhecendo a necessidade de garantir a
"certa ordem de funcionarios a legitima recompensa dos ser-
"viços que prestam, e cpnsiderando-os libertos da incidência
"de impostos especiais que os alcancem, sujeita-os, entretanto,
"à obrigaçao de pagar os impostos gerais criados em lei. Sao
"assim defendidas as suas regalias e, ao mesmo tempo, asse-
"gurados os interêsses superiores do Tesouro publico". 25
o sentido do nova preceito no tocante aos magistrados
foi dado pela Supremo Tribunal na causa movida pelo mi-
nistro GEMINIANO DA FRANCA, entao com assento no dito Tri-
bunal, para 0 fim de ser declarada inconstitucional a inci-
dência do imposto de renda sôbre os seus vencimentos. 0
ac6rdao, largamente fundamentado pelo ministro BENTO DE
FARIA, concluiu no sentido da inconstitucionalidade, assentan-
do 0 principio da intangibilidade do estipêndio judiciario,
inacessivel mesmo aos impostos gerais (ac6rdao de 4 de ja-
neiro de 1929, no Arq . .Tudicidl'io, v. XII, ps. 341 e segs.).
25 Documentos Parlamentares, Revisao Constitucional, l, p. 328.
1Q4 CASTRO NUNES

Houve votos vencidos e declaraç6es de voto. Assim, 0


sr. HERMENEGILDO DE BARROS, voto vencedor, tinha, todavia,
"como indubitavel que os vencimentos dos juizes podem ser
"alcançados pelos impostos a que todos sao sujeitos, 0 que nao
"é propriamente uma reduçao dêsses vencimentos ... " acres-
centand~: "a hip6tese de baixar a reduçao a 100 ou 120 réis é
"gratuita, atingiria a todos os contribuintes, juizes ou nao, e
"justificaria uma revoluçao contra 0 poder que tivesl3e a lou-
"cura de decretar semelhante reduçao".
"Em doutrina é possivel sustentar", acrescentava, "que
"os vencimentos dos juizes nao podem ser taxados; nao em
"face da reforma constitucional, pois 0 que ela quis e deixou
"expresso, de modo iniludivel, foi justamente sujeitar os ven-
"cimentos dos juizes à taxaçao, suprimindo-se 0 que se dizia
"ser uma odiosa desigualdade, porque, ao passo que todos os
"cidadaos contribuiam para as despesas public as, estavam os
"juizes isentos dessa contribuiçao, contra 0 preceito constitu-
"cional que estabelece a igualdade de todos perante a lei".
"Apenas uma objeçao é cabivel": - sao ainda palavras
do eminente ministro - "a lei que criou 0 imposto de renda é
"de 1925. Mas é de setembro de 1926 a reforma constitucio-
"nal, que sujeitou os juizes ao pagamento dos impostos ge-
"rais criados em lei e dos quais até entao os mesmos juizes
"eram considerados isentos.
"Parece-me, pois, necessaria a promulgaçao de uma lei
"posterior, que declare extensivo aos juizes 0 imposto de renda
"criado pOl' lei anterior à Constituiçao Federal.
"Dir-se-a que nao ha necessidade dessa lei porque ja con-
"signaram 0 imposto de renda. as leis anuais do orçamento
"para os exercicios subsequentes ao de 1926.
"Nao me pare ce procedente a objeçao, porque as leis do
"orçamento nao podem conter disposiç6es estranhas à pre vi-
"sao da receita e à despesa fixada para os serviços anterior-
"mente criados (art. 34, § 1.°).
"Ora, as leis de orçamento, posteriores à que instituiu 0
"imposto de renda, apenas calcularam a importância do im-
"posto a ser cobrado, mas nao dizem nem pùdiam ter dito que
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 105

"os juizes estao sujeitos a êsse imposto. S6 pelo motivo, pois,


"de ser a lei do imposto de renda anterior à reforma consti-
"tucional e naD haver depois desta outra lei declarando que
"os juizes estao sujeitos àquele imposto, nego provimento à
"apelaçao".26
Votos vencidos, os ministros SORIANO DE SOUSA, CARDOSO
RIBEIRO e MUNIZ BARRETO fundamentaram desenvolvidamente
o seu modo de ver. Em outro ac6rdao, também 0 sr. RODRIGO
OTA.VIO se encorporou a essa minoria (ac6rdao de 17 de abri!
de 1929, no Jornal do Comércio de 26 de julho de 1929). Ob-
servou 0 ministro RODRIGO OTAVIO que a exclusao dos venci-
mentos judiciarios de um imposto que nao fôsse especial para
êles, mas tivesse um carater geral, afetando a universalidade
da comunhao nacional, viria a tornar-se um privilégio que,
certamente, a Constituiçao nao poderia ter tido em vista.
"Bem conheço", acrescentou, "quanto ocorreu nos Estados
"Unidos relativamente à taxaçao semelhante ali criada por lei
"federal. E é clara que nosso legislador constituinte também
"conhecesse êsses antecedentes, alias, tantas vêzes trazidos
"entre n6s à discussao; e, se 0 legislador, a despeito dêsses
"precedentes, introduziu na revisao constitucional de 1926 0
"texto explicito do citado paragrafo é que positivamente quis
"pôr de lado a jurisprudência americana nesta matéria. TaI
"jurisprudência constitue fonte subsidiaria do nosso direito
"federal, nos têrmos do art. 387 do dec. n. 848, de 1890; mas
"essa mesma natureza de subsidiaria bem salienta que s6
"po.de prevalecer na ausência de texto expresso de lei nossa.
ClOra, n6s temos êsse texto expresso de lei.
"A funçao tribut aria da Uniao, dentro de sua definiçao
"constitucional, é geral, refere-se às pessoas residentes no
"pais, funcionarios public os, de qualquer natureza, ou nao,
"nacionais ou estrangeiros, e a respeito disso nao encerra a
"Constituiçao preceito algum limitativo, sendo que, pelo con-
"trario, ela disp6e que todos SaD iguais perante a lei"
(art. 72, § 2.°).
20 Rev. de Jurisprudência Brasileira, v. l, p. 279.
106 CASTRO NUNES

A meu ver teriam de ser êsses os têrmos da questao, bem


exposta, nos votos vencidos, particularmente no do ministro
RODRIGO OTAVIO.
Passo para aqul, para completar a informaçao sôbre êsse
casa de tanta ilustraçao na matéria, 0 que escrevl entaQ: "0
acordao na açao do ministro GEMINIANO versou e decidiu duas
quest6es: a da cobrança do imposto de sêlo sôbre vencimen-
tos e a da tributaçao da renda, incidindo sôbre 0 estipêndio.
A primeira questao naD envolveu, nem tinha necessidade
de envolver matéria constitucional. 0 que se alegou, e as-
sentou-se no acordao foi que carecia de base legal 0 dito im-
posto, recaindo sôbre vencimentos de funcionario publico (e
nao somente dos jUlzes) quando naD promovidos ou transfe-
ridos, mas apenas majorados os vencimentos respectivos on
office (era a espécie em julgamento).
A segunda questao podia envolver 0 problema da incon&
titucionalidade da tributaçao da renda, e dêsse ponto de vista
foi examinada pela ministro EDMUNDO LINs. Mas 0 Tribunal
naD estatulu sôbre êsse aspecto. 0 que estava em causa era
a incidência dêsse imposto geral sôbre os vencimentos judi-
Clanos. E alegou-se que, sendo 0 autor na causa ministro do
Tribunal desde antes da reforma, naD se lhe podia aplicar a
emenda constitucional que declarara tributaveis os vencimen-
tos da magistratura. Argumentou-se com a noçao do direito
adquirido; e parece ter sido êsse 0 fundamento angular da
decisao.
É de observar, entretanto, que os têrmos da controvér-
sia nao podiam conter êsse argumento. Porque a proibi-
çao constitucional de prescrever leis retroativas (art. 11, n. 3)
se dirige ao legislador em funçao ordinaria; nao ao cons ti-
tuinte. Ambas as clausulas, a do art. 11, n. 3 e a do art. 72,
§ 32, teem igual fôrça e autoridade. Nao existe entre elas a
hierarquia, que é a condi~ao do mecanismo da declaraçao da
inconstitucionalidade.
Em face da Co:p.stituiçao 0 Congresso em funçao consti-
tuinte nao encontrava outros limites além dos mencionados
no art. 90.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 107

A reforma podia ter suprimido a propria irredutibilidade.


Pondo uma restriçao ao principio, essa restriçao se deve en-
tender em vigor ex tune, coma bem acentuou 0 ministro
MUNIZ BARRETO no seu voto vencido".

9. Os têrmos da irredutibilidade nas Constituiçoes de


34 e 37. A Constituiçao de 34 ficou corn 0 principio nos
têrmos da reforma de 26, deslocando-o, porém, para 0 quadro
das garantias judicitirias: "Irredutibilidade dos vencimentos,
"os quais ficam, todavia, sujeitos aos impostos gerais".
A de 37, mantendo a mesma colocaçao, omite 0 qualifi-
cativo: "Irredutibilidade de vencimentos, que ficam, tOdavia,
"sujeitos a impostos". Ha que observar de comêço: que ir-
redutivel é 0 estipêndio corn a qualificaçao, que lhe da 0 Di-
reito Administrativo, de vencimentos, compreendendo 0 orde-
nado e a gratificaçao, que 0 perfazem; nao, porém, as grati-
ficaçoes a titulo de representaçao ou qualquer outro, e muito
menos as custas ou emolumentos, que saD adminiculos e
podem ser retirados ou reduzidos pela legislador sem ofensa
ao principio da irredutibilidade (S.T.F., acordao de 13 de de-
zembro de 1935, rec. extr. n. 1.784). A omissao da palavra ge-
rais, em seguimento a impostos pode prestar-se a uma duvida.
Estara admitida a sujeiçao dos vencimentos dos juizes a im·
postos que naD sejam compreensivos dos vencimentos da fun-
çao publica em geral? Ou, por outras palavras: seria ad-
missivel imposto peculiar aos vencimentos da magistratura?
Interpreta-se a Constituiçao pelos principios gerais em
que ela assenta e pela boa fé que tera presidido à preceitua-
çao. Se ela estabelece a irredutibilidade como uma garantia
da fixidez dos vencimentos da, magistratura, sera êsse 0 prin-
cipio dominante que ha de guiar 0 intérprete. Qualquer re-
duçao fraudulenta, ainda que sob a forma de imposto, estara
excluida do razoavel entendimento do texto. 0 tributo par-
ticularizado aos vencimentos dos magistrados teria realizado
o que a garantia visa evitar, a hostilidade que estaria facul-
tada ao legislador, na escala dessas particularizaçoes, inuti-
lizando a garantia. 0 que esta tem em vista é a indepen-
108 CASTRO NUNES

dência da funçao e é por êsse objetivo que se tera de medir 0


seu alcance.
A sujeiçao dos vencimentos judiciais a impostos existiria,
a meu ver, mesmo no silêncio do texto, como um dever geral
em que se nao distingue 0 particular do funcionario, 0 funcio-
nario do juiz, 0 nacional do estrangeiro. 0 que se quis tornar
expresso é que a garantia da irredutibilidade nao col~de corn
êsse dever, que êste coexiste corn a garantia, que os juizes
nao gozam do privilégio, em que se traduziria ela, de nao pagar
os impostos a que estejam sujeitos os vencimentos da funçao
publica em geral.
10. Vencirnentos irredutiveis serao somente os da ma-
gistratura? Na competência para organizar os serviços pu.
blicos se inclue (salvo restriçao expressa, coma sucede no casa
do art. 93, a), a de fixar os vencimentos, atribuiçao de carater
legislativo que conSiste em estabelecê-Ios, suprimi-los, aumen-
ta-los ou reduzi-Ios.
A faculdade de reduzir esta, porém, limitada em certos
casos pela Constituiçao.
Sao exceçoes ao principio geral que subsiste em todos os
demais casos.
Nao basta que a funçao seja vitalicia para que se infira
a irredutibilidade dos vencimentos.
Necessario sera que haja clausula constitucional expressa,
como no casa dos magistrados judiciarios ou dos ministros
do Tribunal de Contas, equiparados aos do Supremo Tribunal
Federal no tocante às garantias (art. 114, fine, comb. corn 0
art. 91, c) ou dos militares, cujas patentes e postos "sao ga-
"rantidos em tôda a plenitude" (art. 160, b).
Quanto a estes ultimos a irredutibilidade esta pressu-
posta na clâusula "em tôda a plenitude", que exprime alguma
cois a mais além da garantia de vitaliciedade, sob pena de re-
dundante. Garantir em tôda a plenitude é garantir sem
qualquer restriçao, garantia integral que ha de abranger as
patentes e postos no conjunto dos seus predicamentos.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 109

A questao da irredutibilidade dos vencimentos militares


esta posta hoje em têrmos idênticos aos do texto de 91, antes
da reforma de 26. Havia entao duvidas, mas ja resolvidas
pela afirmativa.
o fundamento era 0 art. 74, inserto na Declaraçao de Di-
reitos, e que assim dispunha: "As patentes, os postos e os
"cargos inamoviveis saD garantidos em tôda a sua plenitude".
o lugar onde se inseria êsse dispositivo e a referência a cargos
inamoviveis levavam a estender a clausula "em tôda a sua
plenitude" também aos cargos civis (além dos judiciarios)
declarados vitalicios pela Constituiçao e até mesmo pela lei
ordinaria, entendendo-se, ainda que corn algumas vacilaçoes,
e em contrario à melhor doutrina, que na vitaliciedade se in-
cluia 0 direito ao vencimento irredutivel, como direito adqui-
rido pela titular do cargo, naD podendo ser reduzido nem
supresso mesmo quando extinta por lei a funçao.
A reforma de 26 deslocou da preceituaçao sôbre 0 Poder
Judiciario para a Declaraçao de Direitos 0 preceito da irredu-
tibilidade, corn a seguinte redaçao: "As disposiçoes consti-
"tucionais assecurat6rias da irredutibilidade dos vencimentos
"civis e militares naD eximem da obrigaçao de pagar os im-
"postos criados em lei" (art. 72, § 32), mantendo adiante, no
art. 74, sob a mesma rUbrica, a garantia das patentes, postos
e cargos inamoviveis "em tôda a sua plenitude".
Ficou assim fora de qualquer duvida que os vencimentos
irredutiveis naD seriam somente os dos juizes, mas de um
modo geral os da funçao vitalicia, dita inamovivel, coma tal
declarada na Constituiçao, particularizadamente as patentes
e os postos do oficialato das fôrças de terra e mar, vencimen-
tos, uns e outros, sujeitos unicamente à sujeiçao a impostos
gerais criados em lei. 27
Em face da atual Constituiçao, que insere a regra da ir-
redutibilidade na preceituaçao sôbre 0 Judiciario e a da ga-

27 Veja-se 0 parecer de CLOVIS, n'a Rev. Forense, v. 51, p. 403; Documentos Par-
lamentares, Revisao Constitucional, !, p. 320.
110 CASTRO NUNES

rantia "em tôda a plenitude" das patentes e postos sob a epi-


grafe "Dos militares de terra e mar", sem repetir a referência
aos cargos inamoviveis, como se fazia nos textos de 91 e de 26,
irredutiveis serao somente, pela interpretaçao combinada
dessas duas clausulas, os vencimentos judiciarios e os mili-
tares, corn a ressalva, em um e outro caso, da sujeiçao a
impostos.

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CAPITULO i l

AUTONOMIA INTERNA DOS TRmUNAIS

SUII1ARIO: 1. Autonomia interna dos tribunais. Razao de ser da prerrogativa judi-


ciâria. 2. A garantia nas Constituiçôes anteriores e na atual. 3. "Organi-
zar", em que consiste. 4. 0 poder de "nomear" nas antigas Constituiçôes.
5. No poder de "organizar" se incluirâ 0 de "nomear"? 6. Carâter admi-
nistrativo dos serviços aux1l1ares. 7. Regimento Interno. Competência para
l1cenciar.

1. Autonomia interna dos tribunais - Razao de ser da


prerrogativa judiciâria. A atribuiçao dada aos tl'ibunais para
organizar suas secretarias, cartorios e mais serviços am{ilia-
l'es, conceder licenças aos seus membros, juizes inferiores e
serventuarios, elaborar seus regimentos internos e propor ao
Po der Legislativo a criaçao e supressao de cargos com a fixa-
çao dos vencimentos respectivos (Constituiçao, art. 93, letras
a e b) é inerente à autonomia interna das côrtes judiciarias,
completando 0 sistema de garantias est"abelecido na Cons ti-
tlfiçao, do que resulta, conforme ja ficou exposto, que, embora
omitido o art. 93 na referência que somente aos arts. 91 e 92
faz 0 art. 103,1 deve entender-se extensiva a prerrogativa a
quaisquer tribunais regulares, 2 de instituiçao federal ou
local.
Nao estaria devidamente resguardada a independência
do Poder J udiciario se os tribunais naD pudessem dispor de
funcionarios proprios para 0 desempenho das atribuiç6es com-
l Veja-se 0 capitulo anterior.
• 0 art. 93 supôe tribunais regulares, isto é, 6rgii.os colegiados com as garantias
constitucionais da funçao judicial. Nada impede, porém, que a lei estenda, em
grau maior ou menor, às justiças especiais a prerrogativa dei art. 93 (veja-se adiante
"Justiça especial" e "Justiça do trabalho".
112 CASTRO NUNES

plementares e coordenadas com a funçao judicial e sujeitos


ao contrôle e disciplina dos orgaos judiciarios. 3
A razao de ser da garantia que, em têrmos alias mais com-
preensivos, ja existia na Constituiçao de 91, foi bem exposta
por BARBALHO: "0 intuito da disposiçao", diz 0 insigne co-
mentador da Constituiçao, "foi colocar os funcionarios admi-
"nistrativos da justiça unicamente sob a dependência das au-
"toridades judiciarias", acrescentando a seguir: "Nao pareça
"isso exagerada cautela ou mal entendida confiança. 0
"Po der Judiciario é por sua natureza 0 mais fraco, e é forta-
"lecê-Io assegurar-Ihe a completa subordinaçao dos seus agen-
"tes e, quanto possivel, coloca-Io fora da açao do Poder Exe-
"cutivo até nestas que parecem pequenas coisas, mas que, em
"dadas circunstâncias, ass'Umem certa importância".4
Para 0 sr. CARLOS MAxIMILIANO aquele dispositivo era um
"corolario do que estabelece a independência da magistra-
"tura", explicando: "Se assim naD fôra, poderia 0 Executivo
"rodear de inimigos pessoais ou politicos os juizes, impor-Ihes
"auxiliares ineptos, que lhes embaraçariam ou contrariariam
"a açao proveitosa e enérgica".5
2 . A garantia nas Constituiçoes anteriores e na atuaI.
Dispunha a de 91, no art. 58 e seu § 1.0 (nao alterados pela
reforma de 26): "Os tribun ais federais elegerao de seu seio
"os seus presidentes e organizarao as respectivas secretarias.
"A nomeaçao e demissao dos empregados da secretaria, bem
"como 0 provimento dos oficios de justiça nas circunscriç6es
"judiciarias, competem respectivamente aos presidentes dos
"tribunais" .
Na de 34, dispunha 0 art. 67: "Compete aos tribunais :
"a) elaborar os seus regimentos internos, organizar as suas
"secretarias, os seus cartorios e mais serviços auxiliares, e

• De um modo geral a razâo invocada val além dos tribunais superiores, alcança
os juizlils de qualquer categoria, pela menas no tocante à superintendência dos
serviços, disciplina e policla dos audlt6rios, atribuiçéies estas inerentes ao exerciclo
da autorldade e que, par isso mesmo, nao precisam ser expressamente conferidl1s.
• Comentarios à Condtituiçao Federal Brasileira, art. 58.
• Comentarios à Cornstituiçao Brasileira, 3." ed., art. 58.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 113

"propor ao Poder Legislativo a criaçao, ou supressao de em~


"pregos e a fixaçao dos vencimentos respectivos; b) conce-'
"der licença, nos têrmos da lei, aos seus membros, aos juizes e
"serventuarios que lhes SaD imediatamente subordinados;
"e) nomear, substituir e demitir os funcionarios das suas se.
"cretaI:ias, dos' seus cart6rios e serviços auxiliares, observados
"os preceitos legais". A' Constituiçao atual reproduz, no ar-
tigo 93, letras a e b, os preceitos correspondente~ do art. 67 da'
anterior, acima transcritos, naD porém, 0 da letra e, isto é, a
atribuiçao que aos tribunais se conferia para "nomear, subs·
"tituir e demitir".

3. "Organizar", em que consiste. 0 preceito constitucio-


nal discrimina "organizar as secretarias, os cart6rios e maiS
"serviços auxiliares", acrescentando "e propor ao Poder Le-
"gislativo a criaçao ou supressao de empregos e a fixaçao dos
"vencimentos respectivos".
Organizar, no sentido vulgar como no juridico, signüica
dispor os 6rgaos, institui-Ios, apropria-Ios à funçao, coorde.
na-los no interêsse de uma açao conjunta, etc. Organizar
suas secretarias, seus cart6rios e mais serviços auxiliares, quer
dizer, em face do preceito constitucional, formar os quadros
do pessoal necessario à execuçao dos serviços e distribuir e
moyer os funcionarios de acûrdo com as regras do Direito Ad-
ministrativo.
No tocante à formaçao 'dos quadros a atribuiçao conferida
aos tribunais se restringe, como a do Poder Executivo, somente
à inieiativa, pois a isso equivale "propor ao Poder Legislativo
lia criaçao e supressao de empregos e a fixaçao dos venciinen-
"tos respectivos. E' uma funçao de govêrno que se atribue
aos tribunais, inconfundivel com a outra, também contida
no verbo organizar, mas de carater administrativo, a quaI
supoe os 6rgaos ja criados ou estabelecidos e consiste na su-
perintendência e distribuiçao dos serviços, na coordenaçao das
funçoes, na preservaçao da hierarquia e da disciplina e, de
um modo geral, no exercicio das atribuiçoes inerentes a ad-
ministraçao publica.
F. 8
114 CASTRO NUNES'

A iniciativa pressup6e 0 principio geral de que ao Poder


Legislativo é que pertence consentir na despesa. 0 que se
confere aos tribunais é uma atribuiçao baseada na conside-
raçao de que ao Poder (em regra 0 Executivo, por exceçao os
tribunais)· que executa 0 serviço, e 0 dirige e controla, é que
deve competir indicar as modificaç6es aconselhadas pela ex-
periência, sem que isso anule, porém-, a funçao pr6pria do
Parlamento.
Sob a Constituiçao de 91 entendeu-se que a açao do Con-
gresso ficava coarctada pela proposta do Supremo Tribunal,
limitanao-se a aprova-Ia e votar os meios necessarios.
A reforma de 26 pôs têrmo à controvérsia, reivindicando
a atribuiçao legislativa para assentir eu nao, sendo modifi-
càdo 0 inciso 25 do art. 34, 0 quaI passou a figurar no texto
consolidado sob 0 n. 24, com a seguinte redaçao: "Compete
"privativamente ao Congresso Nacional criar e suprimir em-
"prego::, public os federais, inclusive os das secretarias das câ-
"mares e dos tribunais, fixar-lhes as atribuiç6es e estipular-
"-lhes os vencimentos". No parecer da Comissao Especial
incumbida de projetar a reforma esclareceu-se: "Competin-
"do ao Congresso criar empregos e fixar vencimentos, e de-
"vendo ser êle 0 juiz exclusivo do cabimento e oportunidade
"das despesas, pois a êle incumbe decretar os impostos, orçar
l'a receita e fixar a despesa para .cada exercicio - claro esta
d que tôda a competência estranha para, legitimamente, Ol"-
"denar despesas, anularia em parte as suas atribuiç6es e per-
"turbaria 0 exercicio de suas funçoes".6

4 . 0 poder de "nomear" nas antigas Constituiçoes.


Estava expresso na de 91, como na de 34, dizendo esta: "Com-
"pete aos tribunais nomear, substituir e demitir os funciona-
"rios de suas secretarias, dos seus cartOrios e serviços auxilia-
"res, observados os preceitos legais", e aquela: "A nomeaçud
"e demissao dos empregados de secretaria, bem como 0 provi-
"mento dos oficios de justiça nas circunscriçoes judiciarias
"competem respectivamente aos presidentes dos tribunais".

• Documentas Parlameutares, Revisao Constitucional, l, p. 311.


TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICrA.RIO 115

Nao obstante os dizeres fin ais dêsse dispositivo sempre


se entendeu que a competência do Supremo Tribunal ou do
seu presidente se restringia ao provimento dos cargos de sua
secretaria, competindo aos juizes federais na respectivl;l. secçao
nomear e, por fôrça de compreensao, demitir os seus escrivaes,
oficiais de justiça e outros serventuarios, tais como distri-
buidor e contador.
Essa competência vinha do dec. n. 848, de 1890, com rai-
zes em nossa tradiçao judiciaria 7 e foi mantida na legisla-
çao subsequente à Constituiçao, sem encontrar obstaculo na
palavra tribunais, ai empregada na acepçao ampla de juizos
ou pretorios. 8

5. No poder de "organizar" se incluira 0 de "nornear" ?


Sob as Constituiç6es anteriores a competência pa~a "nomear"
estava expressa. Mas ja se entendia que, ainda quando nao
expressa, poderia ser derivada do poder de "organizar".
Em 1935, sob a Constituiçao entao vigente, a Côrte Su-
prema assim 0 entendeu (acôrdao de 5 de julho, no mandado
de segurança n. 97), reconhecendo tal competência também
ao Tribunal de Contas, por interpretaçao do preceito do ar-
tigo 100, parag. unico, que assim dispunha: "0 Tribunal
"de Contas tera, quanto à organizaçao do seu Regimento In·
"terno e da sua secretaria, as mesmas atribuiç6es dos tribu·
"nais judiciais".
Argumentava-se em contrario com 0 art. 67 que, a estes
se referindo, regulava em incisos distintos a organizaçao da
secretaria e a nomeaçao e demissao dos funcionarios, con·
cluindo-se dai que a equiparaçao do TrilJUnal de Contas aos
tribun ais judiciarios era restrita, nos têrmos literais do enun-
ciado, às atribuiç6es contidas no inciso a - "elaborar os seus
"regimentos internos, organizar as suas secretarias ... ".
Lê-se no voto do relator, que foi 0 eminente ministro
COSTA MANso: "Literalmente, assim é. Mas eu respondo
"corn os arts. 26 e 91, n. VI, da Constituiçao. Tais disposi-
• JOAO MENDES, Direito Juàiciârio, p. 78; COSTA MANBO, Processo n'a Segunàa
Inst4ncia, p. 116, nota.
S V. cap. IV do Ut. I.
116 CASTRO NUNES

"tivos conferem à Câmara dos Deputados e ao Senado, nos


"mesmos têrmos em que a conferiu ao Tribunal de Contas, a
"atribuiçao de organizar as respectivas secretarias. Nada es~
"tabelecem quanto à nomeaçao e demissao dos funcionarios.
"Logo, se admitirmos a interpretaçao literaI, ao Presidente da
"Repûblica é que competiria nomear e demitir os empregados
"da secretaria da Câmara e do Senado ...
"Entretanto, as duas Casas do Parlamento conferiram
"tal atribuiçâo às suas respectivas mesas, 0 que Yale, quanto
"à Câmara dos Deputados, por interpretaçao autêntica da
"Constituiçao, por ela propria votada, coma Assembléia Cons~
"tituinte. Portanto, segundo essa interpretaçao, 0 po der de
"organizar compreende 0 de nomear e demitir". 9
Mas em face da Constituiçao de 37 naD parece admissivel
tal entendimento. 0 texto reproduz os dois primeiros inci~
sos da de 34, sem reproduzir 0 inciso C, onde se expressava 0
poder de nomear, 0 que indica 0 proposito de retirar dos tri-
bunais a prerrog'ativa, pelo menos no seu assento consti~
tucional. 10
6. Carâter administrativo dos serviços auxiliares. Os
serviços auxiliares sac administrativos, serviços destacados da
orbita do Poder Executivo, a que normalmente pertencem,l1
e confiados à superintendência dos proprios tribunais a que
sac adjetos.
Nao perdem êsse carater pela fato de serem coordenados
corn a funçao judicial e por isso mesmo formando um quadro
à parte, em razao das conveniências ja expostas. A funçao

• Arq. Judicictrio, v. 35, ps. 173 e segs.


,. Quero dizer que por lei ordlna.ria pode ser conferida a competência para no-
mear. A competência, pOsto que privativa, do Presidente da Repùbllca, para "pro-
"ver os cargos federais" (art. 74, letra l) comporta exceçoes - "salvo as exceçoes
"prevtstas na Constituiçii.o e nas leis", estando, pois, ao alcance do legislador con-
teri-la aos tribunais ou dispor que a estes competiria indicar em lista os candi-
datos à nomeaçii.o.
11 Em França mantém-se ainda a tradiçii.o do chanceler, garde des sceaux, que
é 0 ministro da Justiça, a quem competem as tunçoes de superintendência entre
n6s, como em outros paises, deslocadas para os pr6pr!:>s tribunats (GARSONNET ct
CESAR Bau, ob. cit .. 3." ed., l, § 21).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 117

peculiar aos tribunais é jurisdicional, consiste em dizer 0 di-


reito ou julgar.
A superintendência mesma dêsses serviços é funçao ad-
ministrativa, como, por igual, 0 provimento dos cargos, ainda
quando da competência dos tribunais, sujeitos êsses atos (no-
meaçao, demissao, etc.) como aquela superintendência às re-
gras do direito comum que disciplina os serviços publicos. 12
Dai resulta que os funcionarios das secretarias e dos demais
serviços sac agentes do poder publico na acepçao genérica de
funciondrios, aplicando-se-lhes as regras do Estatuto,13 com
as reservas que puderem resultar da Constituiçao e da su-
perintendência, com todos os meios a esta inerentes, deixada.
a cargo dos tribunais.
7. Regimento Intemo - Competência para licenciar.
A competência para elaborar 0 seu Regimento Interno esta
conferida aos tribunais por exclusao dos outros poderes que
dela nao podem compartilhar, @om 0 carater de prerrogativa
do Poder Judiciario. Nada impede, porém, que, instituindo
nm dado tribunal, possa a lei determinar que 0 seu Regimento
seja aprovado pela Tribunal Superior. Assim é que, na Repu-
blica Argentina, as câmaras federais de apelaçao submetem
os seus regimentos à prévia aprovaçao da Suprema Côrte. 14
No Regimento Interno se estabelecem as normas a seguir
na marcha dos trabalhos do Tribunal e demais disposiç6es
concernentes aos serviços da sua economia interna. 15 É de
12 Em voto que proferi na COrte Suprema, em 1935, sustentei que na locuçao
"Tepa~tiçéies administrativas" empregada no inciso 2 do art. 170 da Constltulçao
entâo vigente estavam incluidas as secretarias e demais serviços aux1l1ares dos tri-
aunMs, decorrendo dai que as investlduras iniciais teriam de obedecer è. regra
eeral do concurso, prescrita naquele inciso constitucional, apUcâvel também aos
tribunais no provlmento dos cargos (Do Mandado de Segurança, p. 85, nota, em que
se transcreve 0 voto referldo).
,. Declara 0 Estatuto dos Funcionârios PûbUcos Civis da Uniao (dec.-lel n. l.7l:!,
de 28 de outubro de 1939), no art. 1.°, parâg. ûnico, que as suas disposlçOes "58
"apllcam aos juncionarios das secretarias... do Poder Judicidrio, no que nao coll-
"direm com os dispositivos constltucionais".
•• ANTOKOLETZ, Derecho Constitucional, 1926, p. 189.
11 0 ministro COSTA MANSO encontra as origens do Regimento Interno, que esta
na tradiçao do nosso direito judlciârio, na lei portuguesa de 7 de junho de 1605,
relativamentc è. Casa de SupUcaçao de Lisboa (.processo na Segunda Inst4ncta,
p. 69, nota).
118 CASTRO NUNES

regra consolidar no seu texto as normas constitue ion ais e le-


gais respeitantes à organizaçao do Tribunal e ao processo na
parte aplicavel à instância superior.
o Regimento pode conter disposiç6es de direito nova no
tocante à policia interna, no desenvolvitnento do poder de
policia (police power) que é inerente a tôda administraçào
autônoma. 16
A competência que hoje teem os tribunais para conceder
licença aos seus membros foi reivindicada em 1913 pelo SU 4

premo Tribunal, por proposta do saudoso ministro ENÉIAS


GALVAO, como prerrogativa inerente à independência do Tri-
bunal, tendo sido muito combatida a inovaçao, afinal vito-
riosa até na preceituaçào legal ainda antes de dar entrada na
Constituiçao de 34 e na atual, como principio pacifico.
o poder de licenciar esta conferido aos tribunais relati-
vamente aos seus membros componentes e aos juizes e ser-
ventuarios que lhes sejam imediatamente sUbordinados, em
um e outro caso observada a preceituaçao legal. Juizes infe-
riares s6 os teem as justiças locais e, na 6rbita federal, a jus-
tiça militar. 17 0 Supremo Tribunal naD se articula adminis-
trativamente com os juizes locais que julgam as causas da
Uniao, os quais estào subordinados dêsse ponto de vista ao

1. Questào nluito discutlda é se 0 Reglmento interno pode dlspor sôbre matérta


prooessual para suprlr omlssocs, em pontas restrltos ao prccessamento dos felta!
ou dos recursos na Instâncll1 superlor.
o Supre.mo Tribunal dispos, por emenda reglmental, em 1913, sobre 0 pro-
cesso das açot's recls6rlas dos seus nc6rdaos, derlvando a competência originaria para
ju!gt\-lns e t'stnbelecendo normas apllcàveîs nao 56 ao julgamento mas ainda ao
pree_ento delas na Instâncla ln!erlor (veja-se 0 cap. "Supremo Tribunal Fe-
denù M
onde examlnrunos mals detalhadamente 0 assunto).
,

o atual Côdlgo de Processo reservou ao Supremo Tribunal dispor em seu


Regimento Intuno sobre 0 processamento do recurso extraordlnàrio (art. 8S9).
confUtos cie jurlsdlC)!\o (ort. 146. Il. etc., de"tmdo entender-se corn essas e OUtrns
po..~lbmd(\d~s 0 disposto no urt. 1.049: "As 1el8 de orgnnmaçâo Judiciâlia e os
"l'('glmentos internas dos tribunats adu.ptl\f-se-i!.o ils disp,oslçOes dêste Côdigo que
"s~bre umns <' outras prt'\'nlecen\".
No nhml Rell:imt>nto lntl'rno do Supremo Trlbunnl e~l8te UIDIl ino\'S.~ in-
tN·t's~<mt.!". Il do nrt. Ha, que udmlte. ~\lprlndO falhl\ do Cod1l:o de PrOC<'S!'o, œcuroo
tmI11 Q rU~ du Il.1l''''\·o dns d~b()es sObre mnndndo de ses;urnnç\\ nos ~œ l'ru que
~n (Ue Il lmt\\ndl\ litt (l'Item.
l~ A jusU<;'1l e.!Ip~llll tTrlb\llU\l de Si!II\lI'lUl\'n Niletoual) l' a lUSÜ(",'\ do tmblllm
pOO~Ul w:r
il l!N>rroQ7àU\'u, na me:U\l1l 0\1 en\ ffiellm extMn~o, pol' d~t«mÙ\là~1lI da
lü, e,~nl:\ ji\ n\lQu l'l>pllc\\do.
'l'EOR lA III PnATIClA DO Pounat JUDiOïAmo no
Tribunal de Apelaçao respectIvo. Os sel'ventuâr1os licenciA..
veis pelo Tribunal da cifcunscriçâo onde slrvam sic Bomente
os que lhe sejam imecLiatamente subordlnados, poclendo a lei
matlter, quanta aos demals, a regra comum do l1cenclamento
pelo Govêrno. lU

18 outres serventulir1ml extetem. além dos que mat. dlretammte lnterClll14m ao


funcionamento dOl! 6rgAœ Ju41ct8.rlos. ta.û> oomo ta.be1lAe8 de notwl. otlclalll dOl
d1!erentes reg1&tœ pubU008. ete. Todos Ile 1ntegram nœ orpnllJmOII 1oea18. "A
notara JoAo MZJrDES que 0lJ nâo tlnba a JUBtiça fec1eral, elltando todolJ 6111lC111 01'-
c1a1s sob 0 contrôle dos trlbUDaill ou Jufzofl privativos dM JWJt1çu Joca18 (Dtretto
J1I.d.icfI1rlo, p. 87). 0 vocabuJo .crtlcntw1rfo. que na téen1ca Judlclâr1a dOtilsna 011
que desempenbam certes ofie1os ptlbUcœ (eJICrlvw. tabeltâetJl. CU.tr1buldorM, par-
tldores, etc.). esta empregado no testa CODlO equlvalente de func1onÂrto, teDdo
tlesaparecldo cam a vena.Hdade e heredltanedade de ta18 o1lc1oll. extinta em Pra.nça
em 1791, 0 carater privado que ·tfabam até entAo. oomlderadtlS como pr01'1'tIlàa4e
dos que os obttnham e podlam l'ondé-lOI! ou tran...mlt1-1oo JlO1' berança. Dtd. dllHlMlff
Vestfg106 ~~ certa ~DCla om eqwpara-10li aoo tunc1onArlofl pitbllCOll.
Contlnuam como outrora a seT remunerndo!! Dela<! Dartell. IlOb a tonna de CUIlt;ft.!j
e emolumentos. SelVem vitauclamente, rem 111r!:IW, portmt, il apooentaçlW, quo
aU! recentemente nâo tinham. 5lit:uaç,k; Il que da"/am l'!:ml;dlo. no CMO cUl lnvlllldciz,
antlgas leis (dec. n .. 9.420. de 183, lel n. 1.228 e !eU r~" MC. n. 6.561, ae lOOtl) ,
obrlgando 0 suoeœor nomeado a pagar a Urça do ren4lrnento do cartôrlO 00
titular inv8lldo (GA.asoNlUll' et Bwu, 1, n. 221; Dummw GAMA. Manua' dOM TaO/!-
Ziiies, PlI. 11 eU; ~~, TllIbe,I~I, p. 54; AL!lUqu~~, Bl!l'ertÔTio Ju-
ridica, v. lIert16JituDrio). B.eœntemf:nt~, 0 dtc.-lel n. 2.164 dl.!!pÔll robre a apolMmtaçllo
dos senentu.â.riœ. No ~1to In.ltem.o dm trll:nm""l~ M:l dlMl11mlna a oompe-
tência para liœnelar. Asmn é que, no 00 Suprt'mo Trll7lJnal, a bite oomP!lÛl con-
ceder licença aos _ J,mÎIPJiœ membro!', cabelldo lW J>eU prellkhmte lluncW ()Ij
tuncionâr1œ da secJllEi!aria (0 Su.nem.o Tribunal D~O U~ ~"Aeg). peJo mUll·
dImento acima e:rpœ1G.
CAPiTULO m
POSIÇAO DO JUIZ NO ENQUADRAMENTO DA FUNÇAO PiJBLICA
(DffiEITOS, DEVERES, PROmIçOES)

StJMARro: 1. Poslçao do julz no enquadramento da funçao publlca. 2. Exame do


assunto no direlto publlco brasllelro. 3. Apllcabllldade do Estatuto a. ma-
glBtratura. Têrmos em que deve ser entendida. 4. Garantias da funçao
judicial e direitos correlatos. 5. Exoneraçao a pedido. 6. DlBponib1l1dade.
1. Aposentadoria compuls6ria e voluntarla. 8. Vencimentos da inatividade.
9. A compuIs6ria por idade. Em que momento se entende aposentado a
jUlz: ao completar 68 anos ou por efelto da expediçao do dfilcreto de apo-
sentadoria? 10. Invalldez em consequência de acldente no desempenho da
funçao. Doença profisslonal. 11. A compulB6rla por apllcaçao do art. 177.
12. Vencimentos da magistratura. Cabe às càmaras leglBlatlvas a Inlclatlva
da majoraçao? 13. Prolbiçao de exercer outra funçao publlca. 14. Ou-
tros deveres e proiblçôes.

1. Posiçao do juiz no enquadramento da funçao pu-


bliea. A noçao de funciondrio pertence ao Direito Adminis-
trativo. Sao êles os agent es do Po der Executivo, distribuidos
e hierarquizados nos quadros da administraçao, que é 0 ins-
trumento de açao do Govêrno.
. A noçao de juiz é de Direito Judiciario e, nos paises onde
o Judiciario é um poder do Estado, também de Direito Cons-
titucional.
Basta isso para nao permitir uma confusao ou equlpara-
çao que, por influência dos expositores franceses mal com-
preendidos, vai ganhando terreno entre nos.
Nenhum preconceito deve influenciar essa ordenaçao de
idéias e noçoes. Juizes e funcionarios, funcionaI ios e milita-
:res sao todos, por igual, servidores do Estado, conceito que al-
cança até mesmo os membros das câmaras legislativas e 0
Chefe ùa Naçao.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIA.Rl:O 121

Sao todos funciondrios no mais amplo sentido, porque


prepostos, por nomeaçao, eleiçao ou qualquer forma de inves-
tidura, ao desempenho de funçoes publicas. ~sse 0 conceito
genérico, que comporta todavia diferenciaçoes, sub-diferencia-
ç6es, res~riç6es, imunidades, prerrogativas. A primeira dife-
renciaçao é a que deriva da divisao dos poderes. Funciona-
rios, na acepçao propria, definida pela Direito Administrativo,
sac os que entram no quadro geral da administraçao, a que
superintende, no cume da hierarquia, 0 Presidente da Repu-
blica. Sao agentes do Poder Executivo, ainda quando desem-
penham funç6es coordenadas com a funçao legislativa ou a
funçao judicial, etais sac os funcionarios das secretarias e
serviços auxiliares das câmaras e dos tribunais, sem confu-
sao possivel com os orgaos do Poder Legislativo e do Poder Ju-
diciario, os quais, coletivamente considerados, sac as câmaras
e os tribunais, e individualmente os membros dessas câmaras
e os juizes.
Os juizes sao, portanto, membros do Poder Judiciario,
poder que, entre nos, esta separado do Executivo, e ao quaI
corresponde uma funçao, a funçéio de julgar, que lhe é pro-
pria, funçao especifica de que nao partilha 0 Executivo, cujos
atos podern: ser por êle anulados.
É muito diferente, portanto, a posiçao do juiz no quadro
da funçao public a aqui e na França, onde 0 Judiciario nao se
define constitucionalmente como um poder do Estado, a ju-
risdiçao esta repartida entre a administraçao, que conclue
nas contestaç6es entre os particulares e 0 Estado, e a Justiça,
que se limita a dirimir as controvérsias entre particulares.
Compreende-se que em tais paises 0 juiz esteja equipara·
do ao funcionario, e tratado como tal, funciondrio judicidrio,
dizem os expositores, porque preposto a uma funçao que per-
tence, em principio, à administraçao. A funçao judicial é
apenas uma ramificaçâo destacada para a ordem judicidria,
distinçao meramente formal, que nao basta para configurar
uma funçao especifica como conteudo de um po der separado. 1
Entretanto, mesmo nesses paises, nao se recusa ao juiz
uma posiçao à parte. 0 proprio DUGUlT, 0 mais autorizado e
l Veja-se 0 cap. 1 do tit. 1 - "0 JUdiciârlo como poder do Estado".
122 CASTRO NUNES

mais radical expositor des sa doutrina, reconhece que os ma-


gistrados naD podem ser considerados agentes administrati J

vos, mesmo quando praticam atos concernentes a matérias


de ordinario cometidas à administraçao. E cita, aplaudin-
do-a, uma decisao do Conselho de Estado, que naD admitiu re·
curso do despacho do presidente da Côrte de Apelaçao de
Paris eliminando do quadro dos tradutores juramentados
certo individuo que se recusara a prestar exame. "Le Conseil
d'Etat" - diz êle - "a très justement decidé que les membres
des Cours et des tribunaux ne perdaient jamais le caractère
judiciaire et ne pouvaient être en aucun cas consideres
comme des agents administratifs, même quand ils faisaient
des actes ayant le caractère aâministratit materieZ". 2
De igual modo LABAND, que, partindo da mesma sub-clas-
c;ificaçao de funciondrios judicidrios, distingue dêstes os juizes
pelas garantias especittis de que os cerca a lei - "mais la con-
dition ordinaire du fonctionnaire judiciaire est modifiée radi-
calement" - atente-se bem para êste advérbio - "lorsque ce
fonctionnaire est chargé des fonctions de juge. Des prescri-
ptions particulières entrent alors en viguer, afin d'affermir et
d'assurer l'independence du juge. C'est pourquoi" - acres-
centa - "la categorie spéciale des juges se distingue de l'en-
semble des fonctionnaires et. en particulier des fonctionnaires
judiciaires". 3
Observa CmoVENDA que 0 juiz é, sem duvida, um funcio-
nario do Estado, mas diferente, porque, diz êle, 0 juiz naD re-
presenta 0 Chefe do Estado (Reis nas Monarquias, Presidente
nas Republicas), coma se da corn a administraçao e seus agen-
tes. :tî: 6rgao autônomo do Estado, desempenhando uma
funçao, a funçao de julgar, que 0 Chefe de Estado naD exer-
ce, porque naD Iha reserva 0 Estatuto, que dela incumbiu a
um poder distinto, 0 Judiciario.
Mesmo na Italia fascista naD se desconheceu a distinçao.
A lei de 24 de dezembro de 1925 distinguiu do estatuto dos
funcionarios em geral 0 dos magistrados, oficiais do Exército
~ Traité de Droit Gonstitutionnel, m, p. 23.
• Le Droit Publique de l'Empire A.llemand, trad. fr., IV, p. J29.
'l'EORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 123

e da Armada e professores universitârios, pelas garantias pe·


culiares a cada uma des sas categorias. . Juiz, diz COSTAMAGNA,
é funcionârio, mas de categoria sui generis. É quanto basta
para determinar uma distinçâo no tratamento legal da fun-
çâo publica. 4
Em memorâvel parecer, 0 entâo consultor geral da Repu-
blica, hoje ministro ANÎBAL FREIRE, versou magistralmente 0
assunto, acentuando a distinçâo entre juiz e funcionârio,
mesmo nos pais es de organizaçâo totalitâria: "Abstraindo
·'dos ensinamentos dos regimes de indole puramente repre-
"s€ntativa, vê-se que os regimes de feiçâo totalitâria sagraIll
"e respeitam a independência do Poder Judiciârio. 0 ad-
"vento do govêrno fascista na Itâlia alterou profundamente a
"sua configuraçâo politica e funcional. Permaneceu de pé,
"entretanto, 0 principio da existência do Poder Judiciârio sob
"a égide da divisâo dos poderes. Para naD alongar citaçoes,
"basta-me reportar aos testemunhos de escritores insuspeitos
'"e recentes. ORESTE RANELLETTI, depois de acentuar que uma
"das caracteristicas do Estado constitucional é que na sua
"organizaçao atua a divisâo de poderes, declara que 0 poder
"de império do Estado se concretiza em trés funçoes: a legis-
"laçâo, a jurisdiçâo,. a administraçao. Noutro lance de sua
"explanaçâo, afirma 0 professor de Direito Administrativo da
"Universidade de Milao: 0 principio da divisâo de poderes é
"um principio fundamental da nossa organizaçâo e investe
"todo 0 direito publico italiano, especialmente para os limites
"do Poder Executivo (governativo) em face da lei, quer pela
"sua competência quer pela valor juridico de seus atos e pela
"organizaçâo da jurisdiçâo, pela competência em conhecer
"das controvérsias com a administraçâo publica e para os li-
"mites dos poderes da jurisdiçâo ordinâria em face do Poder
"Executivo, na resoluçao das referidas controvérsias de sua
"competência. Nâo se pode negar a existência dêsses prin-
• CHIOVENDA, Principii di Diritto Processuale Civile, p. 312; COSTAMAGNA, Diritto
Pubblico Fascista, p. 425; no mcsmo sentldo, entre outras, CHIMIENTI, Diritto Cos-
tituzion'Cle Fascista, pB. 345 e segs.
1!!.4 CASTRO NUNES

"cipios no direito italiano, sem desconhecer institutos e prin-


"cipios fundamentais. 5
"Agora a opiniâo de um membro da aIta magistratura da
"Italia, conselheiro da Côrte de Apelaçâo. Justificando a
"teoria 'da divisâo dos poderes, no seu conteudo e limites,
"afirma VmGILIo FEROe!: Os juizes exercitam suas funçoes
"independentemente de qualquer delegaçâo da parte do rei e
"0 seu poder é constitucionalmente originario, porque tira a
"sua origem, a par dos outros poderes, da orgânica atuaçâo da
"superior soberania do Estado. 6
"A Alemanha foi além da Italia na transformaçâo dos
"conceitos politicos ou na adaptaçâo dele ao pensamento nu-
"clear da organizaçao nacional-socialista. Mas, a despeito da
"amplitude dessa inovaçâo, 0 principio basilar da indepen-
"dência do Poder Judiciario flCOU assegurado. 0 carater tota-
"litario da Führung exige a absorçâo pelo Führe:- de tôdas as
dfunçoes, inclusive a jurisdicional. Os autores reconhecem,
"pùrém, que s6 excepcionalmente 0 Führer exercera a funçâo
"juri~dicional, "deixando os tribunais livres de assegurar 0
"exercicio normal Cl.essa funçâo e s6 intervindo por via de avo-
"caçâo quando 0 ato jurisdicional a praticar seja absoluta-
"mente exigido para a realizaçâo da Führung".7
"Alias, convém, por dever de lealdacte na exposiçao, .::cn-
"signar que 0 direito alemâo sempre incluiu os jUizes no qua-
"dro dos funcionarios do Im}lerl0 ou dos funcionarios IoealS. ~
"Entretanto, me15mü 11a atualidade lhes conserva uma
"feiçao à parte, em ra~ao de sua independência, assim como
"aos pr'ofessores das academias (Caracteristieas e natureza
"do direito do funeionalismo publiee alemao, conferência rea-
"lizada pelo professor HANS PETERS, no palacio Itamarati, em
"julho de 193",)
"0 regime institucional vigente no Brasil manteve a po-
"siçâo do Poder Judiciario entre os poderes constitucionais
5 Istituzioni di diritto pubblico, Il nuovo diritto pubblico italiano, 1937.
• Istituzioni di diritto pubblico seconda la vigente legtslazione jascista, 1937.
• ROGER BONNARD, Le droit :Jt l'Etat dans la doctrine nooional-soci';!liste, 1936,
cam apol0 no professor CARL SCHMIDT, Der Führer schutz der Recht, 1934.
• KAMMERER, La jonction publique en Allemagne, 18il9; CINO VrrTA, L'impiego
pubblico, em 0 Nuovo Digesto Italiano, tomo 6.°, 1938.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 125

"da Republica. Coerente corn 0 pragmatismo de seus dispo-


"sitivos e corn 0 seu conteudo l6gico, a Constituiçao de 10 de
"novembro de 1937 eliminou os conceitos anteriores sôbre a
"equivalência dos poderes hauridos da soberania nac10nal. 0
"pensamento constitucional do alargamento das fWlçoes do
"Presidente da Republica nâo afetou a indole do Poder Judi-
"ciario a ponto de lhe retirar a posiçâo de um dos poderes que
Ha Constituiçâo expressamente determina e regula coma tal",
2 . Exame do assunto no direito publico brasileiro. Os
juizes teem na Constituiçâo as bases do seu status, corn predi.
camentos ai expressos a bem da independência da funçao. em
face dos dois outros poderes. Sao regras que obedecem a essa
inspiraçâo conhecida, e por isso mesmo peculiares à magis-
tratura.
Funcionario na acepçâo genérica dessa palavra, 0 JWZ é
constitucionalmente um funcionario sui generis, vitalicio,
inamovivel e de vencimentos irredutiveis e, de par corn essas
garantias, que se nâo estendem, corn assento na Constituiçao,
aos funcionarios em geral - sujeito a deveres, proibiçoes e
incompatibilidades também especiais, coma a do art. 92, além
de outras clausulas que os separam das regras comuns do
Direito Administrativo, coma as do art. 93, ou lhes asseguram
direitos de carreira mediante critérios de base assentados n,a
lei fundamental. 9

9 0 Supremo TrlbunRI Federal 110 ac6rdiio da 2.' Turma, de 29 de outubro


de 1940 (apel. civel n. 7.376), em açiio proposta por um ministro do Supremo
Tribunal Militar, assentou que "magistrados, civis ou m!litares, nao sil.o func10-
"nar10s pUbl1cos, em a acepçao usual da nossa legislaçao adm1nistrativa; por isto
"a êles se nao aplicam d1sposiç6es pecul1ares ItOS funcionarios publicos em geral".
Nao se confunde no Dlreito Administrat1vo braslleiro - lê-se no ac6rdao de que
foi relator 0 min1stro CARLOS MAXIMILIANO - "0 magistrado com 0 func10nario pu-
"bUco em geral: 0 primeiro é vitalicio desde a data da posse no cargo; 0 segundo
Nadqu1re, nao a vltaliciedade, mas apenas a estab!lidade, e s6 depois de 10 anos de
"serv1ço ;aquele goza da irredutibilldade dos vencimentos, nao assegurada a êste;
"tanto a Constitu1çao de 1034 como a de 1937 dedicam, a cada um, capitulo espec1al,
"deixando assim evldente a absoluta diferença de colocaçao na esfera do direito
"publico; 0 magistrado é membro de um poder; 0 !uncionario, simples auxillar
"do Executivo; esta para 0 Presidente como 0 escrivao para 0 Juiz. Demais, nil.o
"é s6 0 estatuto fundamental que fixa claramente as diferenças; 0 legislador or-
"dinario, sabia e criterlosamente, orientou a exegese segura da letra s:uprema"
126 CASTRO NUNES

Além des sas clausulas, varias outras servem à mesma ca-


ractel1zaçao. 0 provimento dos cargos, os requisitos exigi-
dos nos graus inferiores e nas mais altas investiduras, as re-
gras de acesso, 0 fôro privilegiado até mesmo nos crimes co-
muns, a aposentadoria com dispensa da prova de invalidez
em certo caso, a disponibilidade com direito aos vencimentos
integrais coma garantia da inamovibilidade no casa de mu-
dança da sede do juizo, 0 direito ao vencimento na sua fixidez
(irredutibilidade) e na sua fixaçao, mediante critérios esta-
belecidos na Constituiçao, 0 direito à licença e as prescriç6es
disciplinares no seu particularismo, estao indicando que 0 tra-
tamento legal naD é possivel sem distinguir da funçao publica
em geral a funçao judicial.
3. Aplicabilidade do Estatuto à magistratura - Têrmos
em que deve ser entendida. A Constituiçao naD cogita de um
Estatuto particular para a magistratura. Cogita no art. 156
do Estatuto dos Funcionarios Piiblicos, de acôrdo com os pre-
ceitos que enumera.
A seguir, no art. 160, sob a epigrafe "Dos militares de
terra e mar" particulariza 0 Estatuto dos Militares, ob ede-
cendo "entre outros" aos preceitos especiais que expressa.
Ao tempo da elaboraçao do Estatuto dos Funcionarios Civis
da Uniao, em cumprimento do art. 156 da Constituiçao, en-
tendeu-se que a êle ficariam sujeitos também os membros do
Poder Judiciario.
Publicado 0 projeto para receber sugest6es, 0 Supremo
Tribunal Federal representou ao Presidente da Republica
contra a extensao das normas aos magistrados, ainda que com
ressalva daquelas que pudessem colidir com as prerrogativas
judiciarias. Concluiu pedindo "a supressao pura e simples
"no Estatuto a ser decretado de tôda e qualquer referência, di-
"reta ou indireta, aos membros do Poder Judiciario".10

10 0 parecer da douta Comlssao composta dos mlnlstros CARVALHO MOUllAo, que


fol 0 relator, LAUDO DE CAMARGO e COSTA MANSO, é longo e brllhantemente funda-
mentado. Nao podendo transcrevê-lo na Integra, reproduzlrel 03 t6plcos mals ex-
presslvos: "De nada yale (senao para gerar coufusâo) a ressalva contlda no re-
"ferldo art. 7.° verbis: "desde que nao colldam com os dls!,osltlvos constltuclonals";
"porquanto 0 simples fato de compreender os membros do Poder Judlclârl0 entre
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO 127

o protesto da Côrte judiciâria suprema foi atendido pelo


Chefe da Naçao, sendo afin al expedido 0 dec.-lei n. 1.713, de
28 de outubro de 1939 (Estatuto dos Funcionarios Publicos
Civis da Uniao) com exclusao dos membros do Poder Judi-
ciârio, como se vê do parâg. u.nico do seu art. 1.°: "As suas
"disposiç6es aplicam-se ao Ministério Publico, ao magistério
"e aos funcionârios das secretarias do Poder Legislativo e do
"Poder Judiciârio, no que naD colidirem com os dispositivos
"constitucionais" .
o Estatuto Judiciârio é, portanto, a pr6pria Constituiçao
nas clâusulas basilares da independência da funçao, desen-
volvidas pelas leis complementares ou peculiares li magis-
tratura.
"os funcionarios do Estado, sujeitos à, subordinaçao hierârquiea dos "6rgaos de
·coordenaçào e aperfeiçoamento", do funcionalismo publieo (de que trata 0 tltulo
VI do projeto) e de os submeter, em regra, à,s mesmas normas que devem reger
"a atividade, os deveres e os direitos dos funclonârlos que compôem 0 quadro hie-
"rârquico da admlnlstraçao publica, jâ colide fundamentalmente, nao somente
'com os dispositlvos da Constituiçao vigente referentes ao Poder Judiciârlo, senao
"também com a pr6pria estrutura do Estado por ela organizado, no quai 0 Poder
"Judieiârlo nao é, de modo algum, uma delegaçao do Poder Executivo, e sim Ull1
"dos 6rgaos da soberània nacional, ao lado do Poder Legislativo e do Poder Exe-
"cutivo, cujos ates sao, até, por êle controlados sob 0 ponta de vista de sua cons-
"titucionalidade (art. 96 da Constituiçao).
"A autonomla e Independência dos membros do Poder Judiciârio nao é um
"postulado peculiar à, liberal-democracla, como pareeeu ao D.A.B.P., nas conside-
"raçôes que fèz na exposlç!!.o de motivos de que vem preeedido 0 projeto; é uma
"condiçl!.o esseneial para 0 desempenho da pr6pria funçl!.o espec1fica dos juizes -
"a de julgar. Dai, no Estado modemo como quer que seja organizado (seja demo-
"crâtlco ou seja totalitârio) 0 carâter que assume sempre 0 Poder JUdielârio, de
"poder soberano _. 6rgâo direto da soberania do Estado na 'esfera das suas atri-
"buiçoes".
E linhas adlante: "Entre n6s, a Constituiçao de 10 de novembro de 1937,
"em seu art. 156 (ao quaI 0 projeto do D.A.B.P. pretende dar execuçi!.o), quando
"determinou que 0 Poder Legislativo deverâ organizar 0 Estatuto dos Funeionârios
"Publicos, empregou, é manifesto (pelo conteudo dos prinelpios bâsieos em seguida
"enumerados, quase todos, por sua natureza, inapllcâveis Il magistratura), empre-
"gou - diziamos - a locuçao "funeionârios publleos" no sentido estrito, de fun-
"cionârios administrativos (quer da administraçâo, propriamente dita, quer do
"Poder Legislativo, quer do Poder Judiciârio); no sentido lato, de pessoa legal-
"mente investida em funçao publlea (0 projeto, art. 1.°, diz: "cargo publico";
"veremos, porem, que "cargo" tem sentido restrito). Neste sentido amplo estariàm
"compreendidoB até 0 Presidente da Republlca, os ministros de Estado, os gover-
"nadores dos Estados-membros, os depU:tados, os membros do Conselho Federal,
"etc. - 0 que vai muito além das intençoes do pr6prio projeto (referiu-se èle, no
"citado art. 7.°, aos "funcionarios" do Poder Legislativo e aos "membros" da Justiça ;
"ao que parece, pois, exclue a aplleaçao de suas normas aos "membros" do Poder
"Legislativo; 56 compreendendo entre as pessoas a elas submetidas os funcionâ-
"rios das respectivas secretarias) (Diario Ofici:r!l de 19 de janeiro de 1939).
128 CAS T 1\ 0 NUl.. E S

Sempre se entendeu alias que 0 Estatuto dos Funciona-


rios Publicos seria restrito aos funcionarios administrativos,
compendiaçao de normas a que estariam sujeitos os agente~
do Poder Executivo, jamais os magistrados. 11
Assim é que em todos os projetos (dos deputados MUNIZ
SODRÉ e GRACCHO CARDOSO, no da Comissao nomeada em 1920
pelo Presidente EPITACIO PESSOA e bem assim no projeto da
Comissao Especial da Câmara dos Deputados, em 1929), se
declarava que 0 Estatuto naD abrangeria a magistratura, pela
razao apontada de que os juizes naD saD funcionarios pübli-
cos na acepçao propria des sa locuçao. 12
:m certo que as disposiç6es constitucionais peculiares aos
magistrados naD esgotam 0 tratamento da funçao, que, nos
pontos omissos ou na ausência de disposiç6es legais especiais,
tera de completar-se corn 0 que estiver preceituado para a
funçao publica em geral. É nestes têrmos que deve ser en-
tendida a aplicabilidade do Estatuto acs membros do Poder
Judiciario. 13
11 A Constltuiçao, tratando dos funcionarios pûblicos e providenciando sObre a
elaboraçao do seu Estatuto, diz no art. 156, a: "0 quadro dos funclonarlos pu~
"bUcos compreendera todos os que exerçam cargos publ1cos criados em lei, seja
"quaI for a forma do pagamento". É a mesma dlsposlçao que ja se inserla no
art. 170, § 1.°, da Constltulçao de 34.
Na controvérsia sôbre a inclusao dos magistrados tirava-se argumento do
adjetlvo todos.
o argumento pr.ovaria demais; porque entao se teriam de incluir até El Pre-
sidente da Republ1ca, os ministros de Estado, os membros das casas legislativas e
quantos, em geral, exercendo funçâo publ1ca, recebem paga dos cofres oficiais.
É bem de ver, porém, que a clausula constitucional enuncia um conceito ge-
nérlco, a ser entendido em têrmos. 0 argumento nao leva a nenhuma conclu-
sao positlva.
"" Il: de observar que 0 Conselho Federal do Serviço Publ1co Civil, a que sucedeu
o D.A.S.P., recusou-se a tomar conheclmento de reclamaçao formulada por julzes
Iederais postos em disponlbilidade, por entender nao extensivas à magistratura as
SUas oatribuiçôes (Diârio Oficial de 31 de maie de 1938).
lB Varios disposltlvos do art. 156 sao apl1cavels por extensli.o aos julzes. Assim
o inciso da letra g: "As vantagens da Inatlvldade nao poderao em caso algum ex.
"ceder as da ativldade", regra de apl1caçâo geral; 0 da letra f - aposentadorla
com venclmentoR Integra.is, qualquer que seja 0 tempo de serviço, por InvaUdez
consequente a acldente ocorrldo no servlço, regra extensiva por fôrça de compreen-
do aos maglstrados; e bem assim outras. Onde nao houver disposlçao pecuUar,
nem Incompatlbilldade, a clausula geral alcança funclonarlos e juizes, seja para
beneficlar, ampl1ando as garantlas da funçao, seja para proibir, como no casa do
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAIUO 129

4. Garantias da funçao judicial e direitos correlatos.


~ste assunto ja ficou examinado quando tratamos das garan-
tias fundamentais, vitaliciedade, inamovibilidade e irreduti-
bilidade de vencimentos. Apenas nos ocuparemos aqui dos
aspectos que completam aquele exame.
5. Exoneraçao a pedido. Uma das hip6teses da perda
do cargo é a exoneraçao a pedido. Nao era precisa expres-
sa-la. Em todo 0 caso, serve ao entendimento de que a fun-
çao judicial é, em regra, renuncidvel, salvo em se tratando
de jurado (dec.-lei n. 167, de 5 de janeiro de 1938, art. 5.°) e,
sob a Constituiçao de 34, da funçao eleitoral, que era em
principio obrigat6ria (art. 82, § 5.°).
6. Disponibilidade. Nao é uma hip6tese de perda do
cargo, senao do exercicio, e temporariamente, pressuposta a
volta ao cargo, se restabelecido, quando houver sido extinto,
ou 0 aproveitamento do seu titular em outro, equivalente ou
superior. É um parêntese que se abre no desempenho da
funçao, que 0 juiz conserva virtualmente, com a proibiçao de
exercer qualquer outra (art. 92).
Hip6tese expressa de disponibilidade é a do art. 103, f,
no casa de mudança da sede do juizo. 14
7. Aposentadoria compulsoria e voluntâria. 0 funcio-
nario naD se aposenta voluntariamente quando invalidado
para 0 serviço ou, por outras palavras, é a enfermidade, a
invalidez, que 0 obriga a deixar 0 exercicio do cargo, seja a
seu pr6prio requerimento, seja por provocaçao ex-officio da
autoridade competente para providenciar (em se tratando de
magistrado, 0 Ministério PUblico), quando êle proprio 0 naD
art. 159 (acumulaçôes remuneradas). Saber se tal ou quaI precelto se aplica tam-
bém aos ju!zes, ou se restrlnge ROS funclonarlos, ou a uns e a outros e, ainda aos
m1l1tares, nem Sempre é facU. A Constitulçâo e as leis usam multaS vêzes da.
locuçâo juncion6.rio publico na acepçâo genérlca e compreensiva, do que sao exem-
plos as clausulas sObre aposentadorla do art. 156, a prolbiçao do art. 159, etc. Exem-
plos de aplicab1l1dade restrlta SaD as dos arts. 157, 158 e outras.
1< A disponib1l1dade a titulo disciplinar de que cogita 0 art. 175 da Constltuiçii.O
supôe" juncionario "nI) gOzo das garantlas da estabilidade", nao se aplicando ta!
precelto aos juizes. SObre a dlsponlb1l1dade dos antigos ju!zes federais por apl1-
caçâo da disposlçao translt6rla do art. 182, veja-se adiante a nota 17.
F. 9
130 CASTRO NUNES

faça, como seria 0 caso, por exemplo, de insanidade mental


em que a iniciativa oficial teria de suprir a incapacidade do
titular da funçâo. Por isso mesmo diz acertadamente 0
texto: "aposentadoria compuls6ria. .. em razâo de invalidez
"comprovada".
A outra hip6tese de aposentaçâo compuls6ria é a decor-
rente da idade, 15 fixada hoje em 68 anos para todos, funcio-
narios e juizes, sejam estes federais ou locais. A Constituiçao
anterior estabelecia 0 limite de 75 anos para os magistrados,
68 p:ùa os funcionarios, podendo, porém, baixar aquele até
60 anos, em se tratando de magistrados locais.
A aposentadoria facultativa, a que preferimos chamar
voluntdria, é a decorrente "de serviço publico prestado por
"mais de 30 anos, na forma da lei". Independe de invalidez
ou da prova desta, pode 0 juiz pedi-Ia por um ato de sua von-
tade, ainda que notoriamente valido.
Essa forma de aposentaçâo é uma prerrogativa judicial,
nao se estendendo, com assento na Constituiçâo, aos funcio-
narios em geral.
B. Vencimentos da inatividade. Ao entrar em vigor a
Constituiçao de 34; que dava aos funcionarios da Uniâo coma
também 0 faz a atual, que contassem mais de 30 anos de
serviço e fôssem declarados invalidos, direito aos vencimentos
integrais, surgiu duvida sôbre a aplicaçâo da preceituaçao
legal anterior que estabelecia a proporcionalidade na base de
1/35, por isso que 0 limite para a obtençâo dos vencimentos
integrais era de 35 anos.
Decidiu 0 Tribunal de Contas, de acôrdo com 0 voto do
ministro RUBEM ROSA (sessâo de 28 de dezembro de 1934),
haver como inaplicavel 0 preceito da lei de 1915, mandando
calcular os vencimentos da inatividade em tantas trigésimas
partes quantos os anos de serviço - critério mandado apli-
car pela circular da Presidência da Republica (Didrio Oficial

l' Sob a Constltulçao de 91, que dela nao cogita va, se tlnha por Inconstltuclonal
a compulsorla por Idade apllcada aos maglstrados (acordao d,) Supremo Tribunal,
Al"q. Judiciario, v. 8.°, p. 139).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 131

de 15 de maio de 1936), e que subsiste em face da Constitui.


çao vJgente, que contém preceito idêntico (art. 156, e).
A mesma proporcionalidade se aplica na fixaçao dos ven-
cimentos dos juizes. 16
A irredutibilidade dos vencimentos sup6e 0 juiz na ativa.
Aposentado retira-se definitivamente da funçao, da quaI con.
serva apenas um predicamento, 0 estipêndio, cuja reduzibi-
lidade - e a tanto equivale a proporcionalidade na base do
tempo de serviço - a propria Constituiçao pressup6e quando
o da integral em certa hipotese (art. 91, a, comb. com 0 ar-
tigo 156, e), admitindo, pois, que 0 nao seja em outros casos,
isto é, quando naD for de mais de 30 anos 0 tempo de serviço. 17
Na hipotese da aposentadoria por idade, a lei n. 583, de
9 de novembro de 1937 dava os vencimentos integrais aos
funcionarios federais que ja pertencessem "em carater efe-
"tivo ao quadro do funcionalismo anteriormente à promul-
"gaçao da Constituiçao de 16 de julho de 1934", aplicando-se
por igual aos magistrados. 18
,. A aposentadorta dos minlstros d"ù Supremo Tribunal Federal é regulada pOl' lei
especial (v. cap. m, tft. III). Quanto aos jufzes federais, 0 dec. n. 848, de 11 de ou-
tubro de 1890, lhes conferlra 0 dlrelto à Inativldade com vencimentos Integrais apos
20 anos de serviço. 05 decs. ns. 113 e 117, de 1892, regulando a aposentadorla
dos funcionarios em geral, exclufram de sua apllcaçao os magistrados da Uniao,
delxando de pé, com essa ressalva também compreenslva dos milltares e professores,
o preceito do dec. n. 848. Mals tarde, a lei n. 2.924, de 5 de janelro de 1915, ao
regular a matéria, llmitou a ressalva aos milltares, inclusive os oflciais da Folicia
e do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, revogando tacitamente quanto aos
ju[zes fedemis a discipllnaçao especial.
17 0 interêsse maior da questao se apresenta nos casos de aposentaçao com-
pulsoria por implemento da idade-llmite ou nos casos do art. 177 da Constltuiçao
e lei constitucional n. 2. Em voto que proferi no Tribunal de Contas num caso
de aposentadoria de um minlstro dêsse mesmo Tribunal pOl' aplicaçao do art. 177,
mostrei que 0 afastamento da funçao vitalicia pOl' aposentaçâo, estando autcrizado
na Constituiçao, sem ressalva, nesta ou em lei ordinaria, dos vencimentos Integrais,
segue a regra geral da proporcionalldade (a êste aspecto voltarei adiante).
lB 0 dec.-Iei n. 1.713, de 1939 (Estatuto dos Funclonarios da Uniao), revogou a
lei n. 583.' Tem-se entendido, porém, que essa revogaçao nao alcança os magls-
trados; e asslm decldlu, em 1940, 0 Tribunal de Contas, alias contra 0 meu voto,
que fundamentel, entendimento que tem sido mantldo.
o Reglmento Interno do Supremo Tribunal (abril, 1940) consolidou a antiga
regra legal, asslm dispondo no art. 11, § 3.°: "A aposentadorla compulsé ria, por
"ter 0 mlnistro atlngldo a idade de 68 anos, lhe da direlto à percepçâo dos vencl-
"mentos Integrais duran1re a Inatividad~, se, ;i. data da promulgaçâo da Constituiçâo
"Federal de 1934, ja pertencia ao quadro do funcionalismo (lei n. 583, de 9 de no-
"vembro de 1937, art. 2.°)".
132 CASTRO NUNES

9. A compulsoria por idade - Em que momento se en-


tende aposentado 0 juiz: ao completar 68 anos ou por efeito
da expediçao do decreto de aposentadoria? É questao ainda
controvertida se 0 magistrado (e igualmente 0 funcionario)
deve ser tido como aposentado ao completar 68 anos ou se,
ao contrario disso, s6 0 estara com a expediçao do decreto
respectivo.· Esta ultima soluçao é a que tem sido sufragada
pelo Supremo Tribunal, alias desde 0 primeiro momento, ao
entrar em vigor a Constituiçao de 10 de novembro, por pr0 4

posta do seu presidente de entao, ministro EDMUNDO LINS,


que, nao obstante ja haver ultrapassado a idade-limite, aguar-
dou em exercicio a expediçao do decreto de sua aposentaçao.
Do mesmo modo 0 ministro ATAULFO DE PAIVA e outros que
uIteriormente atingiram a idade-limite. Divergiu daquele
modo de ver 0 ministro HERMENEGILDO DE BARROS, que nao
mais voltou ao Tribunal.
o interêsse pratico da indagaçao esta nas consequências
que possam resultar de um ou outro entendimento. Assim,
quanto aos vencimentos da inatividade, que sendo os da lei
vigente ao tempo da aposentaçêio, podem naD ser os mesmos
ao verificar-se aquele fato ou ao ser expedido 0 decreto, cum-
prindo determinar 0 momento em que se deva ter por aposen-
tado 0 titular da funçao, como ocorreu em certo casa debatido
no Tribunal de Contas e por êste decidido, contra 0 meu voto
e 0 do ministro BERNAPJ)INO DE SOUSA, no sentido de que os
proventos da inatividade sao os da lei vigente ao tempo em
que 0 funcionario completa 68 anos. Do mesmo modo, no
tocante à validade dos atos praticados pelo funcionario en-
quanto aguardou em exercicio 0 decreto do seu afastamento.
A meu ver 0 funcionario que atinge 68 anos nao esta apo-
sentado ipso jacta. A Constituiçao naD estapeleceu, nem
para os funcionarios nem para os juizes que atinjam aquela
idade, a aposentaçao automatica, casa em que teria usado
de outra forma de dizer de usa frequente na linguagem do
legislador, etaI seria consideram-se aposentados ... ou en·
tendem-se aposentados os funcionarios que atingirem ... , dis-
pensando-se assim qualque1" ato complementar, como acon-
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICrARIO 133

tece, por exemplo, sem sair da pr6pria Constituiçao, nas hi-


p6teses do art. 176 - "0 mandato dos atuais governadores ...
«se entende prorrogado ... " e do art. 186 - "É declarado em
"todo 0 pais 0 estado de emergência".
No voto que entao proferi, observei: "A aposentadoria
é um ato juridico complexo, um ato-condiçao na linguagem
dos expositores, misto de ato-regra e de ato-subjetivo, para
significar que 0 ato individual sup5e verificada uma condi-
çao legal e por isso mesmo diz JÈZE que a condiçao é ato prévio
do quaI decorre 0 ato criador de uma situaçao juridica indi-
vidual. A junçao dêsses dois elementos é que forma 0 ato-
-condiçao. Até entao, isto é, até a expediçao do ato ou dos
atos complementares, a situaçao juridica individual naD se
perfaz. Vejamos 0 que diz um expositor dos mais modernos
e de grande autoridade, ROGER BONNARD, ao tratar da noçao
do ato-condiçao e que vamos traduzir ao pé da letra: "Com-
"preendem-se", diz êle, "que, em certos casos, as regras gerais
"e impessoais naD eram aplicaveis de pleno direito, direta e
"imediatamente pelo s6 fato de existirem, às pessoas por elas
"visadas, e que, assim, as situaç5es juridicas gèrais e impes-
"soais consecutivas a es sas regras naD eram adquiridas de
"pleno direito por aqueles aos quais se destinavam. Viu-se
"que um ato de carater individual intervinha para tornar as
"'Pegras (sao do autor os grifos) aplicaveis aos interessados e
"lhes atribuir a situaçao juridica resultante dessas regras,
"para os investir dessa situaçao. Compreendeu-se que êsse
"ato devia distinguir-se, a um tempo, do ato-regra e do ato-
"-subjetivo para constituir uma outra categoria de atos. E
"sendo verdadeiramente distinto, deu-se-lhe um nome. Cha-
"mou-se-Ihe ato-condiçao".19
A regra assentada, quer por êste Tribunal, quer pelo
Supremo Tribunal e outras côrtes judiciârias do pais, é que
a lei que rege a aposentadoria é a vigente ao tempo de sua
concessao. Tudo esta, pois, em saber quaI 0 momento da
aposentaçao, tendo entendido 0 Tribunal com 0 eminente re-
lator que êsse momento se verifica com 0 atingir 0 funciona-
,. ROGER BONNARD, Précis de Droit Administratif, 1935, p. 36.
134 CASTRO NUNES

rio a idade de 68 anos, fato que, por êsse modo, se equipara


juridicamente à concessao.
Ora, se, coma jâ vimos, a aposentaçao do funcionârio,
mesmo nessa hip6tese, naD se opera automaticamente, nao
existe antes do decreto a situaçao juridica individual que s6
do decreto concessivo da inatividade terâ de decorrer. Re-
sulta dai que a contagem do tempo de serviço e a fixaçao dos
proventos da inatividade deverao ser reguladas pela precei-
tuaçao vigente ao tempo da concessao, isto é, do decreto con-
cessivo da aposentadoria. Nao a lei contemporânea do im-
plemento da idade, e lei subsequente, coma pareceu ao Tribu-
nal no casa em aprêço.
Aliâs, êste mesmo Tribunal sempre entendeu que a apo-
sentaçao nao se conclue senao corn julgamento pelo Tribunal
de Contas, entendimento que se coaduna corn a natureza do
ato complexo que se prolonga até a fixaçao definitiva do ven-
cimento, objetivo precipuo da inatividade. É a lei do mo-
mento dessa fixaçao, disse-o quando ministro dêste Tribunal
o saudoso VIVEIROS DE CASTRO, a que deve ser aplicada: "A
"reforma, coma a aposentadoria civil, regulando-se pela lei
"vigente na época em que a reforma tem lugar, nao pode jus-
"tificar a despesa corn os vencimentos da mesma reforma
"dispositivo sem vigência na época em que tal vencimento
."deve ser fixado". 20
Nao é precisa apontar as graves consequências que, a
prevalecer 0 modo de ver agora adotado sobretudo nas côrtes
judiciârias, podem sobrevir. Se aposentado se considera 0
funcionârio ou 0 juiz logo que completa 68 anos, antes do
decreto que 0 de clara aposentado, poàerao ser arguidos de
nulidade os atos por êle praticados no desempenho da funçao
ap6s êsse evento, porquanto se terâ de haver coma ilegal 0
exercicio desde entao, na hip6tese pela menos em que, tratan-
do-se de 6rgao colegiado, tenha sido decisivo 0 voto do maior
de 68 anos.
o Supremo Tribunal logo que inaugurado 0 regime atual,
resolveu, por proposta do egrégio ministro EDMUNDO LINS,
20 CARDOSO DA VErGA, Jurisprudência, p. 374.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIÂRIO 135

entao sen- presidente, e nesse entendimento se tem mantido,


que 0 ministro que atinge 68 anos conserva-se em exercicio
até ser cOnlpulsoriado por decreto. Importa em dizer que
até êsse momento nao existe para nenhum efeito aposentado--
ria ou que esta ter a 0 seu têrmo inicial no decreto que a con-
cede ou declara.
A pratica administrativa firmou-se com êsses preceden-
tes, e sob essa autoridade irrecusavel, no mesmo sentido. Ja
hoje suponho que 0 dec.-Iei n. 1.713, de 28 de outubro de
1939 (Estatuto dos Funcionarios Publicos), dispondo no ar-
tigo 208, parag. unico, que: "A aposentadoria produzira efei.
"tos a partir da publicaçao do respectivo decreto no Drgao
"oficial", sem distinguir entre as diferentes mOdalidades,
serve ao. entendimento de que é do decreto e nao do fato an-
terior (idade, invalidez comprovada, acidente em serviço, etc.),
que decorrem os efeitos juridicos da aposentaçao.
Nao ignoro que êsse dispositivo visou sufragar a opiniao,
vitoriosa neste Tribunal, de que 0 decreto, antes de publicado,
nao produziria efeito. Tera sido essa a razao da regra legal
que, tOdavia, pressup6e, ao exigir a publicaçao, a existência
de decreto como fonte necessaria dos efeitos juridicos da
aposentadoria.
Se assim é, se com base nessa lei se tera de entender de
entao por diante que ha de ser do decreto, e nao do imple-
mento da idade, que terao de decorrer os efeitos da aposenta-
doria, forçoso sera reconhecer que a lei, assim dispondo, nâo
contraria a Constituiçao. Por que entao nao admitir as pra-
ticas anteriores à lei, esta e aquelas dando ao mesmo pre-
ceito constitucional idêntico entendimento? Se 0 legislador
ordinario sufragou uma pratica administrativa adotada na
ausência de preceituaçao expressa e se nao se pretende seja
inconstitucional essa lei, é que 0 procedimento anterior estava
certo em face da Constituiçao".

10. Invalidez em consequência de acidente no desempe.


nho da funçao - Doença profissional. 0 preceito constitu-
cional no art. 156, f - "0 funcionario invalidado em conse·
"quência de acidente ocorrido no serviço sera aposentado corn
136 CASTRO NUNES

"vencimentos integrais, seja quaI for 0 seu tempo de exer~


"cicio", aplica-se por extensao aos juizes.
o interêsse da questao esta somente em saber se a doença
profissional (provado 0 nexo da causalidade entre esta e 0
desempenho da funçao) se equipara ao acidente funcional
para 0 efeito dos vencimentos por inteiro.
Essa hipotese estava na primeira parte, e nao na segunda,
do art. 170, VI, da Constituiçao de 34, que cogitava da inva-
lidez por acidente (a que se teria de equiparar a moIéstia pro-
fissitmal) e da invalidez que, mesmo sem essa vinculaçao, de-
corresse de moléstia contagiosa ou incuravel, entendendo uns
que nesta coma naquela hipotese os vencimentos seriam in-
tegrais, tendo prevalecido na administraçao soluçao contraria.
Hoje, essa ultima hip6tese, de que se nao cogita na Constitui-
çao, pertence ao âmbito do legislador, estando a matéria re-
gulada no Estatuto dos Funcionarios Publicos da Uniao que,
no art. 201, enumera as entidades morbidas que dao dire.ito
à integralidade da remuneraçao. 21

!!l No voto que profer! no julgamento da apel. civel n. 7.689, examlnei a


questâo em face da Constltulçao de 34 em um casa de telegrafista nposentado por
tuberculose e que reclamava vencimentos integrais. "A interpretaçao daquele pre-
celto constltuclonal, a ser aplicado no caso dêstes autos, suscitou grandes duvidas.
Dispondo que "0 funclonario que se invalidar em consequência de acidente ocor-
"rldo no serviço sera aposentado cam vencimentos Integrais, qualquer que seja
"0 seu tempo de servlço, sera a também aposentados 05 atacados de doenças con-
"taglosas ou lncuravels que os Inhabilite para 0 servlço do cargo", 0 que al S6
prescrevla era a equlparaçao das duas bipôteses mesmo quanta aos venclmentoB
da inatlvldade.
o Uustrado dr. procurador geral da Republlca no seu brllhante parecer ln-
vocado e transcrlto nas razôes da defesa da Unlao contesta essa equlparaçao, en-
tendendo, pelas razôes que explana, que 0 que se quis fol apenas estabelecer que
também na hlp6tese de haver 0 funclonario adquirldo moléstia contagiosa ou ln-
curâvel serIa aposentado. Mas para 1550 nao seria necessàrlo 0 precelto. Porque
estarla abrangida tal hipôtese na regra geral da aposentaçao por Invalidez. Se 0
funclonario que, por qualquer enfermldade que 0 Inhabilite para a funçao, passa
il lnativldade, nao haveria razao para exclulr aquele cuja doença fôsse contaglosa
ou lncuravel. Donde a conclusao de que seria supérfluo mencionar tal hip6tese,
se 0 Hm do preceito nao fôsse 0 de assegurar aos atingidos por tais lnfortunios um
tratamento de exceçao.
Compreende-se allas a razao humanitàrla da dlsposiçao. 0 funclonarlo que
é obrigado a retirar-se da funçao nem sempre esta lmpedldo de dedicar-se a ou-
tras atlvldades, podendo até obter com 0 repouso me!horas para a sua saude com-
prometlda. Mas 0 lncuravel e 0 que sofre de doença contagiosa sao muito mais
Infortunados. 0 contagio de que sao porta dores !hes d1flcultara a obtençao de
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 137

11. A compulsoria por aplicaçao do art. 177. "Dentro do


"prazo de 60 dias, a contar da data desta Constituiçao,
"poderao ser aposentados ou reformados de acôrdo com a le-
"gislaçao em vigor os funcionarios civis e militares, cujo afas-
"tamento se impuser, a juizo exclusivo do Govêrno, no inte-
"rêsse do serviço publico ou por conveniência do regime", dis-
posiçao restabelecida "por tempo indeterminado" pela lei
constitucional n. 2, de 16 de maio de 1938.
um emprêgo partlculal', além de despesas malores que terao de fazer com 0 tra-
tamento.
o preceito constltucional tera atendido a essa dlversldade de sltuaçôes.
É certo que se tem entendido, entre os dols extremos, que somente a doença
profisslonal, isto é, adqulrlda no serviço, poderla autorizar a concessao do vencl-
mente total.
Mas "doença proflssional" é acldente, por equlparaçao doutrlnaria e legal.
Desnecessario seria cogltar da hlp6tese mencionada na aUnea segunda daquele
dlspositlvo se fôsse para dlzer que a "doença contaglosa ou lncuravel" sera so-
mente a que provadamente sobrevler à lnvestldura e por efelto do desempenho do
servlço, lsto é, "doença pl'oflsslonal".
Ja exlstla em nossa Ieglslaçao aquela equiparaçao. Nao seria possivei ad-
mltlr que 0 Iegisiador constltumte, na locuçao "em consequêncla de acldente OCOl'-
rldo no servlço" quisesse rt;ferir-~e apenus ao acidente-tipo, com exclusao da doença
adqulrlda no servlço, e em razao dêste.
A hlp6tese é, portanto, outra. Nao é a mesma. É dlversa. É a daquele que
nao deve contlnUar na funçao pelo s6 fato de haver sldo atacado de doença ln-
curavel ou contaglosa, hlp6tese, esta ultlma, em que 0 lnterêsse publico de obstar
a propagaçao da moléstia determlna 0 afastamento.
Tanto é exato que a doença proflssionai é modalldade de acldente, que 0
Estututo dos Funclonàrios Publicos, ja na vlgêncla da atual Constltulçao, que
nao reproduz a aUnea segunda do dlsposltlvo de 34, dlspôe, equlparando ao aci-
dente a moléstia proflsslonal, in verbis:
"0 funcionario lnvalidado em consequêncla de acidente ocorrldo no exer-
"clclo de suas atribuiç6es, ou de doença prolission·;û, sera aposentado com vencl-
"mento ou remuneraçao, seja quaI for 0 seu tempo de servlço" (art. 200).
A seguir, no art. 201, enumera certas doenças que, pela Incurabllldade ou
contaglo (entre as quals a tuberculose atlva) , determinam por Igual 0 afastamento
com vencimentos lntegrals.
Em tals casos nao é necessârlo 0 nexo causal 56 exigivei em se tratando de
aoença prolissional. Basta 0 fato de ser portador de tais enfermldades 0 funclo-
nario sem necessldade de lnc!agar se fol adqulrlda no servlço e em razao dêste.
o prlncipio é 0 mesmo jâ exlstente no texto constltuclonal de 34. Apenas se
expressam hoje no texto legal as entldade~ m6rbldas mals expresslvas da incura-
billdade ou do contaglo.
Quanto à tuberculose, exige-se que seja aberta ou ativa, condlçao que se nao
mostra provada no caso dos autos e que nao me pare ce necessarla porque 0 pre-
celto a aplicar nao é êsse, apenas invocado como subsfdlo hermenêutlco, mas 0
texto constituclonal de 34, que nao dlscrlminava.
Ora, nao se contesta que 0 apelado tenha sldo aposentado por estar tuber-
culoso. Por lsso mesmo a sua aposentaçao se fêz com base no art. 170, VI, da
Carta entao vlgente.
Para mlm basta isso.
138 CASTRO NUNES

Duas SaD as questoes suscitadas nas hip6teses ajuizadas


da aplicaçao dêsse dispositivo a magistrados estaduais 22 :
1.a , se a medida é aplicavel a magistrados, de vez que 0 texto
s6 alude a funciondrios; 2. a , na hip6tese afirmativa, quais os
vencimentos da inatividade, por interpretaçao da clausUla
"de acôrdo corn a legislaçao em vigor".
No voto que proferi coma relator dos embargos opostos ao
ac6rdao proferido no rec. extr. n. 4.939, de Mato Grosso,
assim examinei a questao nos seus dois aspect os : "0 art. 177
contém três partes, duas das quais ao alcance do Judiciario, e
uma que lhe escapa.
Esta na sua alçada decidir se os magistrados saD por êle
a.lcançados, ou nao, ainda que me pareça fora de duvida, pela
razao exposta, concluir pela afirmativa. Esta ao seu alcance
interpretar a clausula "de acôrdo corn a legislaçao em vigor"
para dizer quais os vencimentos da inatividade, coma 0 esta
igualmente distinguir entre "juiz" e "funcionario", distinçao
irrecusavel em tese, ainda que comportando exceçoes no en-
tendimento e aplicaçao dêste coma de outros preceitos cons-
titucionais.
Vedado ao conhecimento judicial é somente'o conteudo do
ato, suas razoes determinantes. É êsse 0 elemento discricio-
ndrio no uso da medida excepcional, e isso decorre das pala-
vras "cujo afastamento se impuser, a juizo exclusivo do Go-
"vêrno, no interêsse do serviço publico ou por conveniência
Entretanto, ha raz6es para supor que a moléstia tenha sido adquirida no
serviço, :El certo que a prova teria de ser pericial, em têrmos que levassem a con-
cluir pela correlaçâo entre causa e efeito, Mas esta certif1cado pela chefe da re-
partiçâo que 0 apelado trabalhava com dois colegas tuberculosos, nos pernoltes a
que era obrlgado, servIn do-se dos utensilios de que os mesmos se servlam, Alnda
que desnecessaria essa prova, nos têrmos ja expostos, pois que naD é necessario,
nas apl1caç6es da alfnca segunda do antlgo precelto constitucional, que a doença
seja oriunda do serviço, serve a prova oflcial felta para mostrar a procedêncla e
justiça da causa do apelado.
Meu voto, acompanhando 0 do eminente sr. ministro relator, é para negar
provlmento à apelaçao, confirmande- a declsâo proferida pelo dr, ELMANO CRUZ, que
bem examlnou a espécie", 0 relator e 0 revisor Joram os eminentes mlnlstros
LAUDO DE CAMARGO e OrAVIO KELLY (ac6rdao d~ 15 de junl10 de 1942, Dicirio da Jus-
tiça de 6 de outubro de 1942),
22 0 uso dessa atribuiçao pelos interventores depende de "prévia e expressa au-
"torizaçao do Presidente da Repùblica, em cada caso" (dec,-lel n, 1.202, de 8 de
abrll de 1939, art, 33, n. 14).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 139

"do regime", apreciaçao vedada aos tribunais porque concer·


nente à conveniência ou oportunidade da medida.
A clausula !'l'de acôrdo corn a legislaçao em vigor" supoe
a legislaçao concernente às aposentadorias e reformas, legis-
laçao federal ou estadual, conforme 0 caso.
Sem duvida na "legislaçao em vigor" pode estar também
a lei das leis, que é a Constituiçao.
o dispositivo constitucional trazido à colaçao é 0 da ir-:
redutibilidade dos vencimentos judiciais.
Ja tive ocasiao de me manifestar, quer no Tribunal de
Contas, quer na turma a que pertenço, dando as razoes pelas
quais nao posso aderir a êsse argumento.
Vou resumir em poucas palavras as razoes que me lev am
a manter êsse modo de ver, divergindo, data venia, dos funda-
mentos em que assenta 0 entendimento contrario.
Nao vejo como possivel argumentar corn a garantia da
irredutibilidade em se tratando de vencimentos da inativi-
dade. Aquela garantia visa assegurar a fixidez dos venci-
mentos tabelados. Uma vez fixados, nao poderao ser redu-
zidos. Esgota-se nessa fase. É uma restriçao posta ao le gis-
lador em favor da independência da funçao judicial. Supoe
a funçao, 0 juiz na ativa. Nada tem que ver corn os venci-
mentos da inatividade.
A integralidade supoe os vencimentos ja fixados ou tabe-
lados, disciplinando-se por outros principios. Vencimentos
por inteiro ou vencimentos proporcionais tem-nos 0 juiz, ou
o funcionario, que se aposenta ou é aposentado por aplicaçao
das regras legais, ou constitucionais relativas aos proventos
da aposentadoria.
A propria Constituiçao admite que êsses proventos nOO
sejam integrais, ao estabelecer que 0 sejam nas duas unicas
hipoteses que menciona ou expressa, isto é, no casa em que 0
juiz conte mais de 30 anos de serviço ou, por extensao, na
hipotese de resultar de acidente ocorrido em serviço a inca-
pacidade do funcionario.
Nas outras hipoteses esta ao alcance do legislador da-los
ou nao. Mas se os nao da, prevalece a proporcionalidade,
140 CASTRO NUNES

que é 0 critério geral em que assenta, nos têrmos da precei-


tuaçao legal, a fixaçao dos vencimentos da aposentadoria.
Se da irredutibilidade dos vencimentos pudesse decorrer •
a integralidade, naD seria possivel dar vencimentos menores
ou proporcionais ao magistrado aposentado mesmo a seu pro-
prio requerimento. A adjudicaçao do estipêndio por inteiro
seria uma consequência ou um desdobramento da irredutibi-
lidade, irredutibilidade que é garantia, garantia que é irre-
nunciavel, do que decorre que a circunstância de ter sido re-
querida a aposentaçao seria inoperante.
Ora, naD é isso 0 que se da. Juizes que se aposentam
por invalidez saem com vencimentos por inteiro ou com ven-
cimentos menores, conforme 0 seu tempo de serviço.
A irredutibilidade que sempre existiu no direito consti-
tucional republicano jamais impediu que, passando à inati-
vidade, tivesse 0 juiz vencimentos menores que os da ativi-
dade. Por outro lado 0 funcionario que os naD tem irredu-
t~veis, pode sair, e naD raro sai, com os seus vencimentos por
inteiro.
De modo que vencimentos irredutiveis e vencimentos in-
tegrais SaD cois as diversas. Irredutiveis 0 SaD porque, uma
vez fixados, naD poderao sel' reduzidos. Integrais equivale a
totais, por inteiro.
Os vencimentos da funçao publica, uma vez fixados por
lei, hao de ser pagos por inteiro, nao porque sejam irreduti-
veis, mas porque devidos de acôrdo com as tabelas. Se fôrem
de juiz os vencimentos, a regra é necessariamente a mesma,
com um acréscimo, porém, quanto aos vencimentos judiciais,
- é que nao esta ao alcance do legislador altera-los para
menos. A isso se restringe a irredutibilidade, como limite
pôsto à funçao legislativa de fixar os vencimentos da magis-
tratura.
Tem-se procurado distinguir entre 0 afastamento com-
pulsorio e 0 facultativo. Admite-se que quando 0 juiz se apo-
senta a seu proprio requerimento sejam proporcionais os ven-
cimentos, proporcionalidade inadmitida nas outras hipoteses.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 141

Mas, ainda aquî, cumpre naD perder de vista que aposen-


tadoria propriamente voluntdria, decorrente da vontade livre
do titular do cargo, so existe numa hipotese, naquela em que
o juiz tenha mais de 30 anos de serviço, aposentadoria fa-
cultativa, diz 0 texto constitucional, concedida a tîtulo de
prêmio, dispensada a condiçao de invalidez.
Nos outros casos é compuls6ria, e as sim 0 diz a Consti-
tuiçao - "compulsoria aos 68 anos de idade ou em razao de
"invalidez comprovada". De modo que é a enfermidade, a
doença, a impossibilidade fîsica ou mental de continuar na
funçao que 0 obriga a deixa-Ia, a seu proprio requerimento
coma normalmente acontece ou, tal seja a hipotese, coma
seria, por exemplo, a de insanidade mental, a requerimento
do Ministério publico.
Nao é, pois, facultativa ou voluntaria a aposentadoria
por invalidez comprovada; naD resulta de uma atitude es-
pontânea do juiz ou do funcionario, mas de uma injunçao
das circunstâncias que a lei procura remediar amparando 0
servidor do Estado colhido pela doença que 0 incapacite para
a funçao.
Fora dos dois casos, ja apontados, em que a inatividade
do juiz ou do funcionario lhe da direito, corn base na Consti-
tuiçao, aos vencimentos integrais, em todos os demais depen-
dera da lei ordinaria conceder ou naD 0 estipêndio por inteiro,
coma aconteceu corn a aposentadoria por implemento da
idade de 68 anos, para a quaI foi necessaria uma lei especial,
a lei n. 583, de 9 de novembro de 1937, aplicada por extensao
aos magistrados. É evidente que desnecessaria seria para os
juîzes a lei se 0 estipêndio integral fôsse uma decorrência au-
tomatica da irredutibilidade.
A aposentaçao no interêsse do serviço ou por conveniên-
cia do regime é uma hipotese de afastamento compulsorio
nao mencionada no art. 91, a, da Constituiçao, porque cons-
titue uma medida de exceçao, e transit6ria, que, por isso
mesmo, naD coUde corn as regras normais e permanentes em
que assenta a garantia da funçao judicial, unicas de que co-
gita e teria de cogitar aquele dispositivo.
142 CASTRO NUNES

Esta, porém, subentendida, porque expressa na Constitui-


çao em outro passo e 0 estaria ainda que naD houvesse no teor
do proprio art. 91 a ressalva das restriçoes expressas na Cons-
tituiçao, uma das quais é a que se contém no art. 177.
Ja se tem dito que, em certos casos, naqueles em que seja.
exiguo 0 tempo de serviço do juiz, a aposentaçao pela art. 177
equivale a uma verdadeira demissao.
Mas sera isso peculiar ou inerente a tais hipoteses?
Nao sera uma consequência do es casso . tempo de serviço,
qualquer que seja a modalidade da compulsoria ?
Nao estara praticamente demitido, reduzido a uma parte
minima dos seus vencimentos, 0 juiz que pOl' motivo de en-
fermidade se vê forçado a pedir a sua aposentadoria?
o art. 177, no tocante aos vencimentos, naD traçou regra
nova. Nao impede que 0 juiz leve os seus vencimentos por
inteiro, se contar tempo para isso.
Ficou corn as normas legais preexistentes, que regulavam
a aposentaçao por invalidez em funçao do tempo de serviço.
De modo que, pela que diz respeito aos vencimentos, naD
existe diferença entre a aposentaçao do art. 177 e a deter-
minada por invalidez.
Aunica diferença esta em que, em um caso, é um motivo
de fôrça maior, a enfermidade, que scbrevém ao juiz antes de
completar 0 tempo necessario aos vencimentos por inteiro;
e no outro é 0 arbitrio do Govêrno.
É, portanto, a causa ou a razao determinante do afasta·
mento que diferencia as duas situaç6es.
Admite-se, sem discrepância, e sempre se admitiu, que 0
juiz passe à inatividade, por invalido, sem os vencimentos in-
tegrais; naD se admite, porém, que 0 mesmo ocorra quando
por determinaçao dis cric ion aria do Govêrno.
o que repugna ao sistema de garantias da magistratura
é, portanto, êsse arbitrio, a aposentaçao discricionaria em si
mesma. Nao SaD os vencimentos da inatividade.
Ora, eu naD vejo maneira de obstar'o exercicio dêsse poder
enorme que se deixou aos governos, ja agora por tempo in-
determinado.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 143

Nao hesito em reconhecer que, sobretudo no setor esta-


dual, onde tem sido exercido, ainda que sob as vis tas do Go-
vêrno Federal, constitue uma ameaça permanente à indepen-
dência dos juizes.
Mas se 0 poder esta expresso na Constituiçao e se 0 texto
se aplica também aos magistrados, naD é 0 vencimento da
inatividade que compromete ou poe em risco a independência
do Judiciario. É 0 afastamento mesmo do juiz à discriçao do
Govêrno. 0 vencimento, pela critério da proporcionalidade,
é uma consequência dêsse afastamento, de acôrdo corn as
leis preexistentes e de cuja constitucionalidade. jamais se
suspeitou.
Compreendo ainda, embora sem aderir a êsse entendi-
mento, que se pudesse argumentar corn os textos permanen-
tes da Constituiçao para nao estender aos magistrados a
art. 177, porque contradit6rio corn os principios em que se
inspira a regime no resguardo da independência da magis-
tratura.
Seria êsse 0 objetivo dominante no entendimento da
Constituiçao camo um todo, as a whole, a ser atingido pOl'
essa forma superior de exegese conhecida nas praticas ame-
ricanas par construction, indagaçao mais politica do que ju-
ridica, camo diz WORDBURN.23
Mas aqui a dificuldade decorre do carater transit6rio da
disposiçao que se teria de elidir.
A disposiçao transit6ria é uma dispensa que se autoriza
na aplicaçao de uma norma permanente, um preceito inter-
temporal, uma exceçao admitida, ainda que sem determina-
çao de tempo, a uma regra prefixada.
Dai resulta que argumentaI' corn as clausulas permanen-
tes para elidir a disposiçao transit6ria é argumentar corn a
regra para suprimir a exceçao.
Ora, 0 escopo visado em nome das garantias da indepen-
dência da magistratura teria de ser 0 preceito transit6rio que,

23 The American Republic, p. 335.


144 CASTRO NUNES

aplicado aos juizes, importa em permitir-Ihes 0 afastamento


pela vontade discricionaria dos governos.
Dir-se-a que a transitoriedade da disposiçao desapareceu
com a lei constitucional n. 2, que reafirmou a faculdade por
tempo indeterminado.
Creio que nem por isso deixou de ser transit6ria. É pos-
sivel distinguir na Constituiçao as clausulas permanentes e
as que lhe foram acrescentadas no capitulo final e que ante-
cedem à sua adoçao definitiva pela forma nela prevista.
Tôdas essas clausulas sao de seu natural disposiç6es cor-
respondentes à fase de transiçao nela pressuposta e cuja li-
mitaçao no tempo é dada pela duraçao mesma dessa fase".24

:u Houve empate na votaçâo, sobrevindo a lei constitucional n. 8, de 12 de ou-


tubro de 1942, que assim dispôs: "Os Juizes postos em disponibilidade ou apo-
"sentados na forma dos arts. 182 e 177 da Constituiçâo de 10 de novembro de 1937
"e da lei constltucional n. 2, de 16 de maio de 1938, perceberâo vencimentos pro-
"porcionais a partir do ato da disponibilidade ou aposentadoria, salvo se contarem
"mais de 30 anos de serviço".
o voto de desempate do presidente EDUARDO EspfNOLA foi 0 seguinte: "No
"julgamento dos embargos ao ac6rdâo proferido no rec. extr. n. 4.939, de Mato
"Grosso, os votos dos eminentes juizes dêste Tribunal dividiram-se: cinco rece-
"beram os embargos, outros cinco os rejeitaram.
"0 ponto principal da divergência consiste na interpretaçâo do art. 177 da
"Constltuiçâo de 1937 e da lei constitucional de 16 de maio de 1938, no tocante
"ao prlnc!pio de irredutibili:lade dos vencimentos dos magistrados, asse~urada como
"uma das gàrantias fundamentals do regime.
"Acaba de SEr aSl'lnada 'Jma lei constituctonal, da quaI consta que 0 sr. Pre-
"sidente da Repûblica, conslderando ns divergências que teem surgido em tôrno do
"assunto, esclarece 0 pensamento dos dispositivos constitucionais nestes tèrmos:
"Os juizes postos em dlsponlb1lldade ou aposentados, na forma dos arts. 182 e 177
"da Constituiçâo de 10 de novembro de J.937 e da lei constitucional n. 2, de 16 de
"maio de 1938, perceberâo venclmentos proporciùnals, a partir do ato de dispo-
"nlbll1dade ou aposentadorla, salve se contarem mais de 30 anos de serviço".
"Perderam tôda a oportunldade quaisquer consideraçôes ou argumentos, com
"que me propusesse a fundamentar 0 meu voto de desempate.
"Tendo em vista a nova lei constitucional, D. soluçâo que se impôe, sem mais
"comentarlos, é 0 recebimento dos embargos, para que prevaleça a Interpretaçâo
"que ela atrlbue ao art. 177 da Constltuiçâo de 1937.
"Asslm - em face da lei constitucional n. 8, de 12 de outubro de 1942, pro-
"!iro 0 meu voto, recebendo os embargos".
- Acêrca do entendlmento do art. 182 0 Supremo Tribunal decidira, dlas antes,
serem integrais os venclmentos da disponib1lldade dos anUgos juizes federais (ape).
civ. n. 7.749, em embargos) corn alguns votos vencidos, entre os quais 0 meu, pelas
razôes que entâo expûs - decisao tomada por desempate (ac6rdâo de 23 de setem-
bro de 1942, in Arq. Judiciàrio, v. 65, ps. 81 e segs.).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 145

12. Vencimentos da magistratura - Cabe às câmaras


legislativas a iniciativa da majoraçao? A questao dos venci-
mentos da magistratura se apresenta na Constituiçao sob
dois aspectos: 0 da sua fixidez, que constitue a garantia da
irredutibilidade, significando que uma vez tabelados naD po-
derao ser reduzidos, ressalvados os impostos; e 0 da sua fixa-
çtio em base minima, mediante certo critério, visando asse-
gurar aos juizes um nivel econômico compativel com a digni-
dade da funçao. É uma garantia, esta ultima, restrita aos
juizes locais, nas bases estabelecidas na Constituiçao e que
examinaremos em outro lugar. Vale, entretanto, como di-
retiva geral, de vez que a razao que informa 0 preceituado
naD se esgota no aparelhamento local, dominando a questao
do estipêndio judicial como um principio inerente ao relêvo
e à independência da magistratura.
Na tarifaçao dos vencimentos dos juizes ha que levar em
conta a proibiçao, prescrita na Constituiçao, de exercerem
êles qualquer outra funçao publica, limitando-se dêste modo
a possibilidade, deixada livre aos funcionarios em geral, de
aceitarem comissoes remuneradas.
o juiz insula-se na sua funçao, a que se deve por inteiro,
como dizem GARSONNET et BRU; a delicadeza do seu minis-
tério gera outras incompatibilidades ou inibiçoes para qual~
quer gênera de atividade privada, nas industrias e no comér-
cio, mesmo fora das proibiçoes legais. Considere-se ainda
que a funçao judicial é eminentemente técnica. Ha que pre-
sumir a aquisiçao de livros, 0 aparelhamento sempre a reno-
var da oficina de trabalho.
Discutiu-se, ao entrar em vigor a Constituiçao de 34 :
dependeria de proposta do Po der Executivo a majoraçao dos
vencimentos dos magistrados? Ou poderia a Câmara dos
Deputados tomar a iniciativa do aumento sem dependência
de proposta?
Dispunha 0 art. 41, § 2.°, que, "ressalvada a competência
"da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, quanto aos
F.10
146 CASTRO NUNES

"respectivos serviços administrativos, pertence exclusiva-


"mente ao Presidente da Republica a iniciativa dos projetos
"de lei que aumentem vencimentos de funcionarios, criem
"empregos em serviços ja organizados", etc.
Argumentou-se, entao, que, nao sendo funcionarios os
jUlzes, com os seus vencimentos nao se entenderia a exclusao
da iniciativa parlamentar, argumento que se reforçava com
o preceito do art. 67, a, que, dando aos tribunais a iniciativa
no tocante aos vencimentos dos funcionarios das suas secre-
tarias para os fixar e, pOltanto, majorar mediante proposta
diretamente feita ao Poder Legislativo, teria de comportar
o principio da iniciativa da Câmara dos Deputados quanto aos
vencimentos dos juizes, sem sujeiçao à prerrogativa presiden-
cial, s6 compreensivel no mecanismo administrativo, e incom-
pativel com a autonomia da funçao judicial.
Pareceres autorizados vieram a publico sustentando êsse
ponto de vista. A Câmara dos Deputados entendeu, porém,
e, a meu ver, bem - que ù disposto no art. 41, § 2.°, esta-
belecia uma regra geral com exceç6es que teriam de ser en-
tendidas restritamente, de acôrdo com os seus dizeres literais.
o deputado PEDRO ALEIXO, como relator do parecer da
Comissao de Justiça, esclareceu perfeitamente a questao: "A
"Constituiçao excetua da competência exclusiva do Presiden-
"te da Republica a iniciativa de projetos de lei que aumen-
"tem vencimentos de funcionarios da Câmara dos Deputados,
"do Senado Federal (art. 41, § 2.°), dos tribunais, 6rgaos do
"Poder Judiciario (arts. 63 e 67, letra a), e do Tribunal de
"Contas (art. 100, parag. unico). A regra, portanto, é a
"competência do Presidente da Republica para a iniciativa de
"projetos que aumentem vencimentos de funcionarios. As
"exceç6es sao somente as que expressamente constam do
"texto constitucional. Ora, 0 legislador constituinte nao ex-
"cetuou da regra geral os magistrados, os funcionarios judi-
"ciarios. Pode parecer estranhavel que, cabendo aos tribu-
TEORIA E PRA.TICA DO PODER JUDICIARIO 147

"nais propor ao Po der Legislativo a criaçao ou a supressao de


"empregos e a fixaçao dos vencimentos respectivos, isto é, ha-
"vendo sido excetuada da competência exclusiva do Presi-
"dente da Republica a iniciativa de projetos que aumentem
"vencimentos dos funcionarios administrativos dos tribunais,
"ficasse ainda reservada ao mesmo Presidente da Republica a
"competência exclusiva para promover aumentos de venci-
"mentos dos magistrados, aos quais estao subordinados aque-
"les funcionarios. A estranheza, entretanto, constitue a cri-
"tica a ser atendida pelo legislador do futuro, reflete consi-
"deraçao ponderavel para 0 jus condendum, importa em ob-
"servaçao a ser apreciada pela reformador. Ao intérprete do
"direito vigorante é que naD é permitido inovar a lei, crian-
"do-lhe exceçoes e introduzindo nela preceitos especiais, a
"pretêsto de desfazer antinomias ou dissipar contradiçoes que
"antes conclusoes preestabelecidas impoem, do que sobres-
"saem dos textos confrontados".
Em face da Constituiçao de 10 de novembro a soluçao
naD pode ser outra. Ficou mantida a prerrogativa dos tribu-
nais para, organizando as suas secretarias e mais serviços au-
xiliares, "propor ao Poder Legislativo a criaçao ou supressao
"de empregos e a fixaçâo dos vencimentos respectivos".
Ampliou-se, porém, ainda mais, a iniciat'lva presidencial,
que passou a ser a regra no regime, em têrmos mais compreen-
sivos - " ... naD serao admitidos coma objeto de deli-
"beraçao projetos ou emendas de iniciativa de qualquer das
"câmaras desde que versem sôbre matéria tribut aria ou que
"de uns ou de outras resulte aumento de despesa".

13. Proibiçao de exercer outra funçao publica. "Os jui-


"zes, ainda que em disponibilidade" - reza 0 art. 92 da Consti~
tuiçao - "nao podem exercer qualquer outra funçao publica.
"A violaçao dêste preceito importa a perda do cargo judiciario
"e de tôdas as vantagens correspondentes". É 0 mesmo pre-
148 CASTRO NUNES

ceito da Constituiçao de 34, apenas suprimida a exceçao


"salvo 0 magistério e os casos previstos na Constituiçao".25
A Constituiçao de 34, facultando ao juiz 0 exercicio do
magistério, teria de ser entendida em têrmos razoaveis. 0
magistério ai permitido seria 0 magistério juridico, pela con-
veniência, obvia no entendimento da exceçao à regra geral
da proibiçao, de serem utilizados na exposiçao teorica do Di-
reito os ensinamentos da pratica judiciaria, sem a extensao
que se condescendeu em dar ao preceito, à sombra do quaI
aquela articulaçao razoavel perdeu 0 sentido 'de exceçao para
se transformar em adminiculo financeiro facultado ao juiz
em todos os ramos, graus e funç6es accessorias do ensino. 26
A Constituiçao de 37 naD mais permite ao juiz 0 magis-
tério universitario, ou de qualquer grau. Mas, usando da
formula "qualquer outra funçao publica", proibe somente 0
magistério oficial, deixando facultado 0 particular e até 0
semi-oficializado, que podem levar, mais do que aquele, à ab-
sorçao do Juiz pela professor, nos desdobramentos da sua ati-
vidade livre.
o que esta proibido ao juiz é exercer outra funçao, fun-
çao publica outra que naD a funçao judicial. Outra funçao,
sendo de natureza judicial, exercida cumulativamente, ou nao,
naD esta proibida. TaI é 0 casa da presidência do Tribunal
de Segurança Nacional, exercida por um ministro do Supre·

J!5 Os casos previstos na Constituiçâo eram os do art. 12, § 5.° (juiz co;nissio-
nado p"ara tornar efetiva a intervençâo judiciaria requisitada pela Côrte Suprema
ou pela Tribunal Supremo da Justiça Eleitoral); do art. 17, § 1.0 (juiz comis-
s!onado pelo Govêrno na vigência do estado de sitio para os fins do § 3.°) e, mais,
os das Disposiçoes Transit6rias, art. 11 (elaboraçâo dos C6digos do Processo), art. 13,
§ 1.0 (ministros da Côrte Suprema coma arbitros em questôes de limites entre
Estados) e art. 18, parag. ùnico (comissôes incumbidas de opinar sôbre 0 apro-
\'eitamento de funcionarios afastados pela Govêrno Provis6rio). A funçâo eleito-
raI, ainda quando atribufda a magistrados de carreira, nao seria "outra funçao"
senao uma modal1dade de junçéio 1udicial, porquanto a justiça eleitoral fazia
parte do Poder Judiciario.
2C Em França nao esta 0 Juiz proibido de exercer 0 magistério dans une Fa-
culté de Droit (GARSONNET et BRU, ob. clt., I, 124. nota 4).
TEORIA E PRATICA DO PODER JunICrARIO 149

mo Tribunal, sem prejuizo das suas funçoes proprias, ficando


somente impedido nas causas que tenham sido ou devam ser
julgadas por aquele orgao da justiça especial (dec.-Iei n. 1.393,
de 29 de junho de 1939).
Do mesmo Tribunal fazem parte dois magistrados, um
civil e outro militar.
Aos juizes de direito compete, nas localidades até onde
naD chegue a jurisdiçao das juntas de conciliaçao e julga-
mento, administrar a justiça do trabalho (dec.-Iei n. 1.237,
de 2 de maio de 1939, e dec.-Iei n. 6.596, de 12 de dezembro
de 1940, art. 25).
Por extensao, de duvidosa constitucionalidade, se tem en- 1

tendido que naD sao funçoes alheias as relacionadas com as


funçoes pro prias do juiz. TaI 0 casa do juiz de Menores do
Distrito Federal com assento no Conselho Nacional do Ser-
viço Social (dec.-Iei n. 525, de 1 de julho de 1938). Do mesmo
modo a colaboraçao técnica na elaboraçao e revisao das leis,
por designaçao do ministro da Justiça, podendo 0 magistrado
ser até dispensado das suas funçoes normais (dec.-Iei nu-
mero 506, de 17 de junho de 1938), faculdade estendida aos
governos dos Estados quanto aos magistrados respectivos
(dec.-Iei n. 1. 510, de 15 de agôsto de 1939).
Abrange a proibiçao os juizes ainda que em disponibili-
dade, pela razao teorica de que 0 funcionario em tal situaçao
se entende virtualmente em funçao. 2'1
27 Por isso mesmo se nao permite aos juizes em dlsponlb1l1dade 0 exercicio da
advocacla, lncompativel de seu natural com a funçao Judicial.
Outro tanto naD se podera dizer, porém, do juiz aposentado, que nao tem
funç!l.o e desta conserva apenas um predicamento, que é 0 estipêndioo Nao obs-
tante, entendeu-se recentemente de restringir 0 exerciclo de advocacla aos juizes
aposentados, assim dlspondo 0 deCo-lei no 40803, de 6 de outubro de 1942: "Os ma-
"gistrados aposentados ou em Inatlvldade remunerada, no terrlt6rio sujeito à, ju-
"rlsdlçao do juizo ou tribunal em que tenham funcionado, até dols anos depois
"do seu afastamento, compreendendo-se nessa prolbiçao a emlssao de parecer ( ! )
"sôbre causas em andamento ou a serem propostas no dito terrlt6rlo"o
Outro deCo-lei, 0 de no 50410, de 15 de abrll do ano corrente, partlcularizou
o caso dos minlstros do Supremo Tribunal Federal, asslm dispondo: "Artlgo ûnlco.
"0 disposto no deCo-lei no 40803, de 6 de outubro de 1942, nao se apl1ca aos juizes
"aposentados do Supremo Tribunal Federal, senac quanto à,s causas que ja este-
"jam ajuizadas ao tempo da aposentadorla, à,s que se processem perante 0 mesmo
"Tribunal e à,s que sejam propostas contra a Fazenda Plibl1ca Federal, Estadual
"ou Municipal" 0
150 CASTRO NUNES

A transgressao importa a perda do cargo judiciario, com


tôdas as vantagens correspondentes, exceto 0 tempo de ser-
viço, que se nao suprime, para efeitos de ulterior apose"nta-
çao em outro cargo.
14. Outros deveres e proibiçoes. A obrigaçao que tem 0
juiz de dar-se por inteiro à sua funçao envolve a de residir
no lugar onde tem sede 0 juizo, seja êste singular ou colegiado.
A transgressao dêsse dever é, ao que parece, antiga, entre nos.
Ja no Império se tinha por necessario recomendar a residên-
cia dos juizes nas respectivas comarcas. 28 Em varios Esta-
dos, e até mesmo em Sao Paulo, 0 fato se verifica, e dele da
noticia COSTA MANSO (ob. cit., p. 120).
Outro dever subentendidona funçao judicial é 0 de fun-
damentar as decisoes. É um velho principio liberal expresso
em algumas Constituiçoes e subsistente ainda hoje pelo seu
alcance cada vez maior. É uma garantia para as partes, e
para 0 JUIZ mesmo. Para as partes, porque, conhecendo os
motivos da decisao, melhor poderao discuti-la e pleitear a sua
reforma; para 0 juiz, porque, pelos fundamentos em que se
esteou, se defendera da pecha de arbitrario ou parcial. 29
Proibiçao que estava expressa na anterior Constituiçao :
"Nenhuma percentagem sera concedida a magistrado em vir-
"tude de cobrança de divida". Nao reproduzida na atual,
poderia entender-se que os Estados nao estariam proibidos
de estabelecer em favor dos juizes da Fazenda certa pereenta-
gem sôbre a cobrança da divida fiscal.
o principio, nao obstante suas raizes em nos sa tradiçao
judiciaria, é imoral. Contradiz a isençao do juiz no desfecho
da demanda pela interêsse que para êle resulta de ganha-Ia
a Fazenda, 0 que, mesmo pressuposta a inteireza moral do
magistrado, 0 diminue na confiança dos jurisdicionados.

28 Veja-se PAULA PESSOA, C6digo de Processo CriminaZ, art. 6.·, nota 33.
29 Vejam-se ORBAN, II, 313; GARSONNET et BRU, ob. clt., m, n. 656.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 151

Havia que extirpar a possibilidade de serem restabeleci-


das as percentagens nas leis de organizaçao judiciaria dos Es-
tados. Foi 0 que fêz 0 dec.-lei n. 1.202, de 8 de abril de 1939,
art. 50: "É vedada a atribuiçao aos magistrados de percenta-
"gens sôbre quaisquer cobranças que se processem em juizo". 30

3D Outras proibiçôes, tais como a de conhecer de questoes exclusivamente poli-


ticas ou de atos do Govêrno Provis6rio dizem respeito ao exercicio da jurisdiçao,
e delas trataremos em outro lugar. Na Constituiçao de 34 havia uma que encon-
traria lugar aqui, a de exercer 0 juiz "atividade politico-partidaria" (art. 66). A
razao de ser da proibiçâo, que nlto reaparece na Constituiçao atual, assentava no
pressuposto da atividade do cidad/io no enquadramento dos partidos politicos,
entre os quais teria de mover-se 0 que fôsse Juiz, equidistante de qualquer deles.
Era d1ficn estabelecer regras dentro das quais se demarcassem as duas atividades
politicas, saber até onde pOderia ir 0 juiz como cidatl/io no cumprimento de de-
veres eleitorais de que nao estava isento, e onde começaria a atividade proibida
que outra naD seria senlto essa mesma, apenas mais acentuada nas suas preferên-
cias ou atitudes.
Porque, na verdade, levar a proibiçao ao ponto de vedar ao juiz quaZquer
atividade politico-partidaria seria incoerente com 0 regime mesmo, que assentava
nos partidos poZiticos, tidos como peças essenciais à democracia representativa, mo-
vendo-se dentro dêles 0 cidadlto.
Havia, pois, que distinguir, nas soluçoes em espécle, a atlvldade licim em
princfpio e 0 excesso condenavel. Assim é que no caso do dr. PUNIO BARRETO, com
assento no Tribunal Regional Eleitoral de Slto Paulo, decidiu 0 Tribunal Superlor
de Justiça Eleitoral que 0 tato de ser êsse Hustre jurista redator-chefe de UIIl
jornal de feiçao politica nao 0 incompatib1l1zava para aquela tunçao, dizendo 0
Tribunal: "A proibiçao se refere à açao direta em favor de um partido e s6 assim
"alcança 0 Juiz, por ser licito supor que nao teria a isençao de ânimo necessaria
"para decidir questôes submetidas a seu julgamento em que estejam envolvidas
"agremiaçôes partidarias" (BoZetim EZeitoraZ n. 92, 10 de setembro de 1934).
Titulo HI

DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


CAP1TULO l

o SUPREMO TRmUNAL NOS ESTADOS DE TIPO FEDERAL

SUMARIO: 1. As côrtes supremas como 6rgaos de equ1l1brio entre os poderes no


mecanismo do Estado Federal. 2. A Suprema Côrte nos Estados Unidos.
3. A presId1:ncla da Suprema Côrte nos Estados Unidos. 4. A Côrte Su-
prema na Republica Argentina e na Suiça. 5. 0 Supremo TrIbunal, sua
crIaçao na primelra Constituinte da Republica e sob a Constltulçao de dl.
6. 0 Supremo TrIbunal no atual regime. A palavra do ministro da JustIça.

1. As côrtes supremas como orgaos de equilibrio entre


os poderes no mecanismo do Estado Federal. Para bem com-
preender-se 0 papel da Suprema Côrte como 6rgao de equili-
brio entre os poderes no mecanismo do Estado Federal é ne-
cessario examinar, ainda que sucintamente, a funçao do Ju-
diciario no regime federativo.
É um aspecto de que me ocupei em outra ocasiao e passo
a reproduzir 0 que entao escrevi: 0 Estado Federal é um com-
posto, um complexo de competências diferenciadas, cujo ins-
trumento constitucional contém regras, expressas ou impli-
citas, delimitando as esferas de açao, naD s6 de cada um dos
poderes no organismo federal, mas ainda das entidades fe-
deradas em face da Uniao, ou desta em face daquelas.
Dai resulta que entre a Constituiçao, fundamento comum
de todos os poderes nas diferentes esferas da açao publica, e
as leis e atos deles emanados, se estabelece uma natural es-
cala hierarquica gerando problemas que se resolvem, em ul-
tima analise, em controvérsias sôbre competência, de alcance
politico, no sentido de que as decisoes estatuam necessaria-
mente sôbre 0 exercicio ou extensao dos poderes politicos, mas
156 CASTRO NUNES

de feiçao judicial, porque subordinadas às regras e condiçoes


que disciplinam 0 ingresso em juizo da relaçao litigiosa
(v. sôbre a natureza do Estado Federal: LOUIS LE FUR, L'Etat
Federal et la Confederation d'Etats; RAUL DE LA GRASSERIE,
L'Etat Federatif; JELLINECK, L'Etat moderne et son Droit;
LABAND, Le Droit Public de l'Empire Allemand; EDM. VER-
MEIL, La Constitution de Weimar; vejam-se também, entre
nos, AMARO CAVALCANTI, Regime Federativo, e 0 nosso Do Es-
tado Federado).
Foi dêsse ponto de vista que DICEY pôde afirmar que fe-
deralismo é sinônimo de legalismo, para acentuar 0 relêvo da
funçao judiciâria no mecanismo americano, ainda que le-
vando a sua observaçao ao ponto de ver no Judiciârio the
master of the Constitution, conceito que BRYCE reduz às suas
exatas proporçoes. 1
Todos os poderes constitucionais, diz COUNTRYMAN, sao
por igual independentes dentro da esfera de atribuiçoes de
cada um deles. Os diversos departamentos entre os quais se
distribue a açao do Govêrno exercem os seus deveres e funçoes
corn inteira liberdade de movimentos. Apenas estao adstri-
tos à observância das leis, e da lei das leis, que é a Constitui-
çao. Ferida ou violada a Constituiçao e suscitada a questao
entre partes, em forma regular, autoriza-se a jurisdiçao, corn
fundamento na clâusula constitucional que reservou ab Po der
Judiciârio tôdas as quest6es nascidas da Constituiçâo, das
leis federais e dos tratados, cabendo consequentemente ao
juiz a apreciaçao das regras constitucionais sôbre a partilha
dos poderes e discriminaçao das atribuiçoes dos diferentes de-
partamentos para decidir do direito pleiteado; e no exercicio
dessa funçao, acrescenta, êle desempenha uma funçao estri-
tamente judicial, que se nao confunde corn 0 Poder Legisla-
tivo ou Executivo - ((But as the judicial power is in terms des-
cribed as including 'all cases arising under the Constitution,

1 The American Commonwealth, e::l. 1923, !, p. 254.


TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 157

the laws of the United states, and treaties,' with other na-
tions, it follows that whenever a case arises in Law or equity
between proper parties, involving the constitutional validîty
of executive or Legislative acts, the Supreme Court is empow-
ered as the final arbiter to determine whether they are valid
or void; and such determination is thenceforth the Law of
the land. The determination of such a question depends
upon the Legal interpretation of the constitutional provisions
relating to the governmental powers of the differents depart-
ments under the Constitution and the exercise of this function
is clearly a judicial, as distinguish from an executive or legis-
lative power." 2
De tal sorte, 0 Po der Judiciario tem no regime federativo
um carater desconhecido em outros paises de diferente or-
ganizaçao.
Entre nos, outrora, no tempo do Império, adstrito à lei,
tida por expressao definitiva da soberania nacional, de defesa
apreciaçao, a ela vinculado como jurisdiçao secundum legem ;
na Republica, orgao, êle mesmo, da soberania, jurisdiçao cons-
titucional das competências, po der coordenador das funç6es
diferenciadas, juiz das leis - de legibus - em face da Cons-
tituiçao. Dai a sua autoridade maior, 0 seu relêvo no me-
canismo - "a federal system of government, if it is to be suc-
cessful, must have provision for a strong judiciary able com-
mand the respect and acquiescence of the people" (BENNETT
MUNRO, The Government of the United states, ed. 1927,
p. 385; dêsse e outros aspectos ocupou-se entre nos, magis-
tralmente, LEVI CARNEIRO, Federalismo e Judiciarismo, 1930).
2. A Suprema Côrte nos Estados Unidos. Os america-
nos referem-se com verdadeira ufania ao seu grande Tribunal.
WILLOUGHBY, 0 autorizado expositor, conclue a sua monogra-
fia salientando que a Suprema Côrte é, de tôdas as institui-
ç6es do seu pais, 0 produto mais caracterizado do gênio po-
litico americano. 3 É uma instituiçao distintamente ameri-

2 EDWIN COUNTRYMAN, The Supreme Court of the United States, ed. 1913. ps. 67-68.
8 The Supreme Court, p. 115.
158 CASTRO NUNES

cana - "distinctly American in conception and function", diz


HUGHES 4; ou, com a ênfase de BENNETT MUNRO: "This is the
Supreme Court of the United States, the highest court in the
land, and the most powerful tribunal in the world." 5
A Côrte tem sede em Washington, e _fJm.s.~9!1~L~m.JJ.Pl:;t.
~ncia...do.Capit61io,. na ..ala . ocupada.pel~S~!l::t.d()~ ... ~.
insJ;_a;.I_a;.ç~o !lag!lcj;~m_c1.esunt:yosa,
mas 0 cerimonial da aber-
tura da audiência merece regisïo. Os juizes (associate jus-
tices) , vestindo toga de sêda preta, bem como 0 chief justice,
tomam seus assentos. Em seguida, a um aceno do presi-
dente, 0 marshall da Côrte proclama a abertura da sessao com
com estas palavras - Oyez / Oyez /, com as quais desperta a
atençao dos presentes, a quem se dirige, declarando que 0 Tri-
bunal esta em trabalhos. E conclue com esta saudaçao:
"God save the United States, and this Honourable Court." 6
Muitos dos juizes que teem emprestado maior brilho à
tradiçao da Côrte e contribuido para 0 seu prestigio vieram da
politica ou das altas funçoes da administraçao, ainda que naD
tenham sido os serviços politicos ou a atuaçao partidaria dos
candidatos que lhes tenham granjeado a ascensao, antes 0
seu renome como juristas. TaI 0 caso de TANEY, BORBOUR,
WOODBURY, CHASE, MAc KENNA, WILLIAM TAFT, CHARLES EVANS
HUGHES e tantos outros. Mas, entrando para a Côrte, esque-
cem as vinculaçoes partidarias e se conduzem como verdadei-
ros juizes, ainda que com as falhas inevitaveis da natureza
humana. É 0 que informa HUGHES, que deixou, ainda ha
pouco, a presidência - "The Supreme Court has the inevit4
able failings of any human institution, but it has vindicated
thè confidence, which underlies the success of democratic ef~
fort, that you can find in imperfect human beings, for the es-
sential administration of justice, a rectitude of purpose, a clar-
ity of vision and a capacity for independence, impartiality
and balanced judgement which will render impotent the 80-

• The Supreme Court of the United States, p. 1.


5 The Government of the United States, p. 401.
• WILLOUGHBY, ob. clt., p. 106.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 159
~
licitation of friends, the ~ppeals of erstwhile political asso·
ciates, and the threats of enemies." 7
A atuaçao da Suprema Côrte na compreensao do regime
tem sido tao acentuada, tao extenso é 0 alcance politico da de-
claraçao da inconstitucionalidade das leis que, sob certos as-
pectos, se tem afigurado um 6rgao preponderante no me·
canismo.
Observa GROVER HAINES que as express6es correntes Th~
Supreme Court Government, Judicial Legislation, Judicial
Olygarchy, etc., com as quais se argue de exorbitante a açao
reparadora do grande Tribunal, documentam a sua atuaçao
no regime e a oposiçao despertada nos meios politicos.
Um daqueles aspectos é 0 que se refere ao poder de suprir
a omissao da lei, desenvolvendo-a, acrescentando-lhe regras
novas, mas implicitas, 0 que se define pela locuçao judge-made-
-law. De modo que, diz 0 escritor citado, temos ai a regra in·
glesa combinada com a extensao da jurisdiçao no direito es·
crito americano, resultando em consequência a supremacia do . 1
Judiciario nas instituiç6es americanas - "Ttis principle of .":...
" law and political practice which places the guardianship of
written constitutions primarily in courts of justice, combined
with the Anglo-Saxon idea of the dominance of judge-made-
-law, constitutes the basis of what may appropriately be term-
ed the American doctrine of judicial supremacy." E enumera,
a seguir, os principios americanos em que assenta a autori-
dade dos tribunais: "First, that a written constitution is
fundamental and paramount and therefore superior to com-
mon and statutory law; second, that the powers of the legis-
lature are limited, a written constitution being in the nature
of a commission to the legislature by which its powers are de-
legated and its limitations defined; third, that judges are
the special guardians of the provisions of written constitu-
tions which are in the nature of mandatary instructions to
the judges, who must up hold these provisions and the refuse
to enforce any legislative exactement in conflict therewith." 8

7 HUGHES, The Supreme Court, ps. 43 e 44.


• HAYNES, The American Doctrine of Judicial Suprem-acy, ps. 16 e 18.
160 CASTRO NUNES

As criticas ao poder da Côrte Suprema avolumaram-se


devido à influência das correntes socialistas, depois que a
Côrte declarou inconstitucionais varias leis sôbre 0 trabalho
operario, por incompativeis corn 0 principio da liberdade de
contratar, consignado na Constituiçao. Dêsses arestos e das
criticas que contra êles se teem levantado da desenvolvida no-
ticia BEARD. 9
Nega-se que a Constituiçao tenha conferido aos tribunais
tal poder, que aos opositores se afigura uma usurpaçao
(v. também a obra de EDOUARD LAMBERT, Le Gouvernement
des Juges, 1921).
Para limita-Io ou suprimi-Io, varias sugestoes teem sido
apresentadas. Entendem uns que 0 Congresso deveria esta-
belecer 0 quorum para a declaraçao da inconstitucionalidade,
fixando em sete 0 numero de votos necessarios para tais de-
cisoes, yale dizer, a quase unanimidade, pois saD oito os juizes,
sem contar 0 presidente - soluçao, esclarece BEARD, que
muito provavelmente a propria Côrte anularia, por inconsti-
tucional- (tIt is highly probable that if Congress should pass
such a law, the Court would declare it void."
Outro alvitre consiste em conferir ao Congresso, por
emenda à Constituiçao, a faculdade de, declarada inconstitu-
cional uma lei, votar outra, a despeito da decisao anulatoria,
à semelhança do que se da corn a rejeiçao do veto presiden-
cial, a que, dizem, se deve equiparar 0 veto judicial. Os mais
radicais reclamam uma emenda constitucional para abolir 0
poder das côrtes nessa ma téria. 1?
Servem ao mesmo objetivo. outras idéias correntes, tais
como a destituiçao dos juizes pela voto popular (recall) e que
tem sido bandeira de partido nas pugnas eleitorais. 11
:msse mesmo espirito de reaçao tem antecedentes mais
antigos. ~ecorda-se que na primeira fase a Côrte Suprema

9 The Supreme Court and the Constitution, ed. 1926, cap. I.


,. BEARD, American Government and Politics, ed. 1925, p. 392; CHARLES WARREN,
Congress, The Constitution and the Supreme Court, 1935, pa. 128 e segs.
11 HAYNES, American Doctrine 01 JudiciaZ Supremacy, pa. 341-342.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDIC:rAru:O 161

encontrou a hostilidade dos poderes politicos. Citam-se os


atritos memoraveis cam os presidentes JEFFERSON e JACKSON. 12
E cam êsses antecedentes se mostra que 0 movimento de hos-
tilidade apenas se deslocou, depois que a Côrte impôs, através
aquelas vicissitudes, a legitimidade da sua jurisdiçao ao aca-
tamento dos outras poderes constitucionais da Naçao e dos
Estados.
Par outra lado, nao se pode contestar, diz BENNETT MUNRO,
professor da Universidade de lIarvard - que a atuaçao da
Côrte Suprema tem sida de benéficos resultados. Nao fôra
ela e a regime nao teria a fisionomia que hoje apresenta, pois
foi ela, corn os seus arestos, quem lha traçou, dando-lhe a
ritmo do funcionamento e imprimindo ao jôgo dos poderes a
necessaria regularidade de movimentos. Fôsse outra a sua
atitude, acrescenta, e a regime seria um monstro corn ca-
beça de hidra - "a hydra-headed monstrdsity".
Foi dêsse mesmo ponta de vista que WILLOUGHBY pôde
dizer que a Côrte tem sida no jôgo do mecanismo a freio mais
poderoso - "the most powerful of these checks" - a roda
mestra - "the balance wheel" - das instituiçoes. 13
Par outra lado, acentua-se dia a dia a necessidade de ins-
tituir aparelhos de especializaçao técnica coma instâncias de
aplicaçao de certas leis sôbre assuntos econômicos, industriais
e sociais. A formaçao profissional dos juizes torna-lhes im-
possivel a perfeita compreensao de certas questoes em que a
soluçao juridica esta de modo tal vinculada a uma indagaçao
especializada ou técnica que esta vern a ser, em ultima ana-
lise, a chave da decisao.
Dai a tendência, ja acusada na instituiçao de tribunais
administrativos, para certos assuntos de ordem comercial.
fiscal e industrial, ainda que reservada aos tribunais regula.-
res a decisao definitiva. Dai os chamados brief$J que sao os
juizos ou pareceres de técnicos autorizados, e que assumem às
vêzes as proporçoes de verdadeiros tratados sôbre a matéria,
que a Suprema Côrte aceita coma elementos de informaçao,
1.2 In BRYCE, The American Commonwealth, l, pB. 267 e segs.
18 MUNRO, The Government of the United. states, ed. 1927, pB. 405-407; WILLOUGH-
BY, The Supreme Court, p. 33.
F.11
162 CASTRO NUNES

corn uma porçao de inconvenientes apontados pelos exposi-


tores do assunto. 14
3. A presidência da Suprema Côrte nos Estados Unidos.
o presidente da Suprema Côrte (chief justice) pode ser ou
nao escolhido pelo Presidente da Republica dentre os jufzes
(associate justices) do mesmo Tribunal. 0 ato de nomeaçao
depende de aprovaçâo do Senado.
A presidência do grande Tribunal americano tem tradi-
çoes memoraveis. Os três grandes perfodos que assinalam a
orientaçao da Côrte contam-se, segundo BRYCE, pelas presi-
dências de MARSHALL, de TANEY e de CHASE.
o primeiro foi verdadeiramente 0 revelador do papel da
Côrte no regime. Sua obra foi tâo consideravel que os ame-
ricanos 0 consideram "um dom da Providêp.cia" - "as a spe-
cial gift of favouring Providence." 15
JOHN MARSHALL ocupou a presidência do Tribunal por es·
paço de 34 anos, de 1801 a 1835; e nela faleceu. Contava
80 anos.
A tendência que caracterizou êsse longo perfodo de mo-
delaçao do regime foi a extensâo dos poderes federais e, ao
mesmo tempo, 0 desenvolvimento da jurisdiçâo da Côrte.
Data daf 0 julgado - Marbury v. Madison - em que se as-
sentou pela primeira vez 0 princfpio da declaraçâo da incons-
titucionalidade das leis do Congresso. 16
A teoria dos poderes im'pllcitos, visando 0 avigoramento
dos poderes federais, teve entao repetidas aplicaç6es. 0 jul-
gado-padrâo, ponto de partida de tantos outros, foi 0 aresto
Mc Culloch v. Maryland. 17
A fama, 0 prestfgio de MARsHALL, a sua ascendência moral,
que os atritos corn 0 Poder Executivo nâo diminufram, antes
acrescentaram - é comparada por BRYCE à de PAPINIANO, em
Roma, e à de Lord MANSFIELD, na Inglaterra.
H Vejam-se: EDOUARD LAMBERT, Le Gouvernement des Juges, ps. 196 e segs.;
FRANKFURTER and LANDIS, The Business of the Supreme Court, 1928, ps. 307 e segs.
15 BRYCE, The American Commonwealth, v. 1, p. 2613.
'6 BEARD, The Supreme Court, p. 119.
•• WILLOUGHBY, ob. clt., v. I, p. 59.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 163

A preeminência conquistada por MARSHALL na sua época


lhe advinha da retidao moral e da luminosidade do seu espi-
rito; naD era um reflexo somente do cargo, diz HUGHEs. 18
Seguiu-se-lhe TANEY, cuja presidência durou 29 anos
(1835-1864), caracterizando-se por uma tendência de reaçao
às diretivas da fase anterior.
o terceiro periodo começa com CHASE (1864-1873), atra-
vessando os graves acontecimentos da guerra da seccessao.
Voltaram as idéias de centralizaçao ou avigoramento dos po-
deres federais. Os po der es consideraveis de guerra, reivindi-
cados pela Congresso e pela Presidente tiveram 0 apoio das
decis6es judiciarias. 19
Quase todos os presidentes da Suprema Côrte teem saido
ou passado pela politica ou pelos altos postos do govêrno.
JOHN JAY, 0 primeiro na ordem cronologica (1789-1795)
fôra antes secretario dos Negocios Estrangeiros. Conta-se
que abandonara a presidência do Tribunal convencido do seu
reduzido papel no regime - "It would never adquire the ener-
gy, weight, and dignity essential to its affordings due support
to the national government." 20
JOHN MARSHALL fôra antigo secretario de Estado; ROGER
TANEY e SALMON P. CHASE, antigos secretarios do Tesouro.
Outros vieram do fôro, entre os quais MORRISON WAITE,
MELVILLE W. FULLER, etc.
Da propria Côrte foram tirados TUTLEDGE, cuja nomea-
çao 0 Senado naD confirmou; WILLIAM CUSHING, que naD
aceitou a investidura, e EDWARD WmTE, que exerceu a presi-
dência desde 1910, sendo substituido por WILLIAM TAFT,
ex-Presidente da Repûblica; seguiu-se-lhe CHARLES EVANS
HUGHES, antigo secretario de Estado, juiz resi.gnatario da
Côrte, jurista de grande nom,eada, autor da obra tantas vêzes
citada neste volume. 21
lB HUGHES, The Supreme Court, 1928, p. 58.
10 BRYCE, ibidem, ibidem, p. 398.
.. lIAYNES, American Doctrine of Judicial Supremv;r.cy, p. 157.
21 Cyclopedia of American Government, vb. Chief justice; HUGHES, The Su-
preme Court; CHARLES WARREN, The Supreme Court in United States Histor!l, n,
p. 763.
164 CASTRO NUNES

4. A Côrte Suprema na Republica Argentina e na Suiça.


Na Republica Argentina, para onde foi transplantada, a ins-
tituiçao naD tem tido, ao que parece, 0 sucesso documentado
pela tradiçao americana.
Segundo 0 testemunho de GONZÂLEZ CALDERON, a impor-
tância da Suprema Côrte no mecanismo do regime tem sido
relativa, e muito inferior à dos Estados Unidos, embora a cria-
çao constitucional tenha obedecido aos mesmos fins do mo-
dêlo americano.
Afora a primeira década da sua organizaçao, quando dela
faziam parte JosÉ BENJAMIM GOROSTIAGA, SALVADOR MAluA DEL
CARRIL, FRANCISCO DELGADO, JosÉ BARROS PAZOS e FRANCISCO DE
LAS CARRETAS, fase que foi assina.lada por alguns julgados do
maior alcance constitucional; afora êsse curto periodo em
que 0 Tribunal assentou principios avançados, negando, por
exemplo, a existência de todo e qualquer poder arbitrario, por
incompativel com 0 govêrno civilizado; ou, ainda, declaran-
do que as suas decisoes nao comportariam reexame pela Con-
gresso ou pela Executivo, seriam, para os poderes politicos,
conclusivas, finais, obrigatorias, tirando sua autoridade dire-
tamente da Constituiçao, e nao das leis ... ; afora essa fase
luminosa em que a Côrte reivindicou a sua feiçao americana
de "6rgano viviente de la Constitucion", ela tem estado, de
entao para ca, "siempre, al margen de su verdadera y trans-
cendental funccion de intérprete final y decisivo del Codigo
soberano" .
Raras vêzes - acrescenta 0 autorizado expositor - "la
Corte argentina ha aprovechado de las imnumerables ocasio-
nes que se le han presentado para establecer categoricamente
la doctrina constitucional auténtica, en cuanto a la preemi-
nencia de su situacion en el sentido indicado, y cuando lo ha
hecho, algo asi como un sentimiento de temor 0 de timidez
frente a los poderes politicos del gobierno nacional se tran-
sunta en sus declaraciones 0 en "los considerandos" con que
fundamenta sus sentencias. Estas se caracterizan casi uni-
formemente por una brevedad y una pequenez realmente
inexplicables en cuanto a sus formas, y en lo que concierne a
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 165

la substancia de las mismas no son muchas las que de jan


satisfecho a quién los consulta en busca de explicaciones am-
plias y profundas acerca de alguna question constitucional".
Continuando a salientar 0 que êle qualifica de capitis di-
minutio da Côrte, acrescenta: "Ordinariamente, parece mas
bién . .. un tribunal superior, con funciones analogas a las de
los otros tribunales de justicia . .. " E adiante, a prop6sito da
jurisprudência sôbre 0 recurso extraordinario, alude à tendên-
cia da Côrte "a eludir el examen de toda cuestion constitu-
cional que pueda comprometerla ante los poderes publicos 0
ante la opinion".
Reporta-se a seguir a idêntico depoimento de ZAVALIA e
de ESTANISLAU ZEBALLOS, êste ainda mais incisivo: "Ent1'e
nosotros, la Corte federal ha llevado una vida opaca, de accion
Ianguida, sin influencia gubernativa y sin prestigio popular.
En sus primeros tiempos parecia gosar de mayor autoridad,
que no provenia de sus fallos, sino del alto sentido politico de
los presidentes, de MITRE e AVELLANEDA, que la honraban. La
Corte fué digna; pero no siempre sabia y independiente, y li
menudo contradictoria". Linhas adiante (sao ainda palavras
de ZEBALLOS, escritas em 1922) : "La Corte Suprema ha sido
afetada por la degeneracion moral y politica de nuestros par-
tidos. Ellos la han tratado injustamente, como a una insti-
tucion judicial sUbalterna, sin recordar su carater supremo de
poder deI Estado. Los ejecutivos y los congresos de los ulti-
mos tiempos no le guardaron las consideraciones, ni rendido
los honores protocolares que le corresponden".22
- Na Suiça 0 Tribunal Supremo naD tem 0 relêvo consti-
tucional que lhe deram as Constituiçoes argentina e brasileira,
imitando a americana. Nem do aparelho suiço recebeu, ou
poderia receber 0 nosso legislador constituinte de 91 qualquer
inspiraçao.
o Tribunal suiço naD tem a amplitude de apreciaçao da
Suprema Côrte dos Estados Unidos, como observa ROUGŒR,
acrescentando: êle naD entra na apreciaçao da constitucio-
.. GoNzALEZ CALDER6N, Derecho Constitucional Argentino, ed. 1923, v. m, paginas
417-422.
166 CASTRO NUNES

nalidade das leis, esta subordinado aos textos legais, é antes


um guardiao da lei do que 0 guarda da Constituiçao. Sua
autoridade s6 existe em face dos cantoes, porque épela Cons-
tituiçao 0 baluarte das liberdades individuais quando feridas
pelos atos cantonais. Mas quando 0 ato é do poder federal,
a sua posiçao é mediocre.
É um defeito, comenta 0 escritor citado, da Constituiçao
de 1874, defeito que entao era quase nenhum, porque, dizia-se,
os contactos dos cidadaos eram muito mais frequentes, na es-
fera econômica e administrativa, com as autoridades canto-
nais do que com as federais. Hoje, porém, ja nao sucede isso,
dado 0 desenvolvimento ou ampliaçao dos poderes centrais.
De modo que, conclue ROUGIER, os direitos do cidadao em face
do poder publico da Confederaçao, encontram inlimeras opor-
tunidades de lesao sem as correspondentes garantias do di-
reito federal americano. 23
As contestaçoes derivadas ,de atos das autoridades fe-
derais escapam à competência judicial, porque ao Conselho
Federal, e, em certos casos, à As~embléia Federal compete 0
seu conhecimento. 24
5. 0 Supremo Tribunal, sua criaçao na primeira Cons-
tituinte da Republica e sob a Constituiçao de 91. A criaçao
do Supremo Tribunal data do dec. n. 848, de 11 de outu-
bro de 1890, que organizou a justiça federal, "exercida por
"um Supremo Tribunal Federal e por juizes inferiores inti-
"tulados - juizes de secçao", dispondo no art. 5.°: "0 Su-
'!premo Tribunal Federal tera a sua sede na capital da Repü-
"blica e compor-se-a de 15 juizes, que poderao ser tirados
"dentre os juizes seccionais ou dentre os cidadaos de notavel
"saber e reputaçao, que possuam as condiçoes de elegibilidade
"para 0 Senado".
o projeto da Comissao do Govêrno Provis6rio dizia, no
art. 64: "0 Supremo Tribunal de Justiça se compora de 15
"membros nomeados pelo Senado da Uniao, dentre os 80 juizes
"federais mais antigos e jurisconsultos de provada ilustraçao,
28 RoUGIER, Les Transformations du Droit, 1. p. 302.
•• RENÉ PAULINE, Le Tribunal Federal Suisse, ps. 114-115.
TEORIA E PMTICA DO PODER JunrcIAluo 167

"nao podendo 0 numero dêstes exceder ao têrço do nu.mero


"total dos membros do Tribunal".
Os decs. ns. 510, de 22 de junho, e 914-A, de 23 de outu-
bro de 1890, retomaram a denominaçao "Supremo Tribunal
"Federal" e 0 provimento pela Presidente da Republica, nos
têrmos seguintes, que vieram a prevalecer no texto constitu-
cional: "Art. 55. 0 Supremo Tribunal Federal compor-se-a
"de 15 juizes, nomeados na forma do art. 47, n. 12, dentre
1

"os cidadaos de notavel saber e reputaçao, elegiveis para 0


"Senado".
o debate que se seguiu na Constituinte fixa alguns as-
pectos interessantes de que vamos dar uma noticia sumariada.
"Rejeitado 0 pIano da IDlidade da magistratura" - es-
creve 0 sr. AGENOR DE ROURE - "os arts. 55 e 56 determinaram
"que 0 Poder Judiciario da Uniao devia ter por orgaos um
"Supremo Tribunal, corn sede na capital da Republica, e tan-
"tos juizes e tribunais federais, distribuidos pela pais, quan-
"tos 0 Congresso criar, compondo-se 0 Supremo Tribunal de
"15 juizes nomeados pelo Presidente da Republica, corn apro-
"vaçao do Senado, dentre os cidadaos de notavel saber e repu-
"taçao, elegiveis para 0 Senado, isto é, corn 35 anos de idade
"e gôzo dos direitos politicos".
Vingou 0 sistema do projeto - nomeaçâo pela Presidente
da Republica, com aprovaçâo do Senado - apesar de comba-
tido pelos srs. JosÉ HIGINO e ANFILOFIO, sendo que êste estra-
nhava a adoçao de um sistema pelo quaI s6 seria membro do
Supremo Tribunal quem 0 Presidente quisesse, "uma vez que
"tivesse 35 anos e um notavel saber que naD se faria conhecer
"por sinais externos ao alcance da critica da opiniao". Acres-
centava que as preferências do Presidente se dirigiriam para
os grandes Estados, que seriam os viveiros dos candidatos à
suprema magistratura, pelo apoio dos seus eleitorados ou de
suas representaç6es na politica federal (Anais, v. II, p. 19,
Anexo).
o sr. GONÇALVES CHAVES concordava corn 0 projeto, mas
somente para a investidura de um têrço dos membros do Tri-
bunal; os dois terços restantes seriam escolhidos dentre os
168 CASTRO NUNES

magistrados mais antigos, mediante concurso. Dêste modo


se conciliariam, dizia 0 representante de Minas Gerais, tôdas
as conveniências de ordem public a : tribunal politico, desti-
nado a manter 0 equilibrio de todos os poderes, teria juizes
nomeados pelo Presidente e confirmados pela Senado; mas
se atenderia também à conveniência de aproveitar as voca-
ç6es experimentadas da magistratura estadual.
o sr. CASSIANO DO NASCIMENTO combateu a idéia de dar
ao Supremo Tribunal tantos membros quantos fôssem os Es-
tados, lembrada em varias emendas, porque naD se devia pro-
curar dar àquele Tribunal uma organizaçao semelhante à do
Senado (v. III, Anexo, p. 12). No sentido de assegurar às ma-
gistraturas estaduais representaçao na Côrte Suprema esta-
vam, além do sr. GoNÇALVES CHAVES, os srs. LEOVIGILDO FIL-
GUEIRAS e SERZEDELO CORREIA, autor, êste ultimo, de emenda
por aquele apoiada. 25
Nos primeiros tempos da Republica 0 Tribunal naD tinha
a conciência do seu papel no regime. 1!:ste representava para
muîtos dos juizes que 0 compunham e que traziam do Impé-
rio uma bagagem intelectual copiosa e até brilhante, mas ina-
dequada à compreensao das novas instituiç6es, um sistema
pouco canhecido e que teria de receber na orbita judiciâria
uma aplicaçao perturbada pelos preconceitos da educaçao ju·
ridica haurida nas fontes romanas, reinicolas, nas tradiç6es
do -antigo regime e nos expositores do direito publico francês. 26
Coube a RUI BARBOSA um grande papel na evoluçao do
pensamento jurisprudencial da nossa Suprema Côrte. Quan-
do um dia se escrever a historia do Supremo Tribunal desde
os sens primordios indecisos e vacilantes em face da decla-
raçao de inconstitucionalidade de uma lei do Congresso, sera
precisa reservar à obra de doutrinaçao do insigne constitu~
cionalista um lugar de honra.
25 AGENOR DE ROURE, A Constituinte Republicana, II, p. 34; Anais, ru, p. 89; II,
p. 19, Ane.xo.
,., Idêntica observaçâo fêz na Repliblica Argentina 0 llustre MONTES DE OCA. A
organizaçlio Judiciaria, disse êle, esta calcada nos textos americanos; mas os tri-
bunais estâo alnda impregnados dos habitos das velhas Côrtes coloniais (Apua
AHAYA, Comentarios li la Constituci6n Argentina, v. II, p. 260).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 169

Seria êle, com idêntica atuaçao e cultura incomparavel·


mente maior, 0 MARsHALL brasileiro (sôbre aspectos relacio·
nados com 0 papel do Supremo Tribunal no regime e os gran·
des fastos da sua jurisprudência, veja-se LEVI CARNEffiO, Do
Judicidrio Federal, 1916, e Federalismo e Judiciarismo, 1930).

6. 0 Supremo Tribunal no atual regime - A palavra do


ministro da Justiça. 0 regime federativo instituido em 10 de
novembro de 1937, seguindo as diretrizes contemporâneas,
que convergem para a instituiçao de um Poder Central hiper-
trofiado nas suas funçoes e no seu raio de açao, é de concep-
çao nacional. Nada se tirou, porém, ao Supremo Tribunal,
que conserva a mesma fisionomia de 6rgao de coordenaçâo das
competências constitucionais no mesmo quadro de poderes,
ainda que reservada ao Parlamento a faculdade de validar a
lei declarada incqnstitucional, pela consideraçâo superior e
pragmatica de que, no conflito entre a Constituiçâo e a lei,
pode esta superar aquela na conveniência ou oportunidade
da medida, apreciaçao de indole legislativa, inteiramente
alheia à jurisdiçao. 27
Nao seria possivel dizer melhor, sôbre 0 carater do Su·
premo Tribunal neste regime, do que 0 disse 0 egrégio minis-
tro da Justiça, sr. FRANCISCO CAMPOS, no discurso de abril de
1941, proferido no recinto daquela Côrte Judiciâria, com a
autoridade oficial do seu cargo e das suas credenciais de ju-
rista e cQlaborador principal na implantaçao das novas ins-
tituiçoes.
Depois de salientar que 0 Supremo Tribunal "é um 6rgâo
"do Govêrno Nacional" e que "nem por serem tecnicamente
"tao diversas as suas funçoes e nem por se sentir acima dos
"rumores e das vicissitudes do dia, deixa de compreender que
"0 govêrno é um s6 e que, particularmente nos nossos dias de
"dificuldades e tormentas, a unidade do Govêrno naD deve ser
"apenas um postulado te6rico, ou um principio didâtico, mas
"uma regra prâtica ou um postulado de açâo", acrescenta 0
insigne ministro: "Se a justiça, nas suas categorias comuns'
27 Veja-se na Introduçâo 0 cap. IV, e adiante, 0 cap. III, onde se estuda a
"Posiçâo do Supremo Tribunal no mecanlsmo judlclârlo".
170 CASTRO NUNES

"ou ordinarias, ainda pode, desprezada a margem do êrro, ser


"conceituada como uma atividade puramente técnica ou in-
"diferente à politica, a de um Tribunal, armado, como 0 vosso,
"de tao altos e de tao transcendentais poderes, nao pode, sem
"êrro de inteligência e de critério, confinar-se na limitaçao ou
"estreiteza do conceito. Quais, efetivamente, os vossos pode-
"res no quadro do Poder, ou, no conjunto dos instrumentos e
"das delegaçoes de que se compoe 0 Govêrno Nacional, insti-
"tuido pela povo para legislar, administrar e distribuir a jus-
"tiça? Os vossos poderes nao sao apenas os da justiça comum
"ou ordinaria. A Constituiçao vos conferiu poderes de go-
"vêrp.o. Do pIano puramente técnico a que se achava confi-
"nada a justiça comum, a primeira Constituiçao republicana
"fêz com que emergisseis para 0 pIano do Govêrno ou para 0
"pIano da politica. Neste permaneceis ainda, porque embora
"tantas fôssem as mudanças operadas nas nossas instituiçoes
"politicas, para a honra da nossa cultura e por obra da au-
"toridade e do respeito nacional que soubestes granjear, nada,
"em substância, mudou da vossa posiçao no quadro constitu-
"cionaI. Continuais com a mesma investidura, com os mes-
"mos poderes e com a mesma autoridade. Continuais a fazer
"parte do Govêrno Nacional e, na medida em que as questoes
"por vos decididas transcendem do pIano das relaçoes indi-
"viduais ou do comércio juridico, ou na medida em que nelas
"se envolve um interêsse nacional ou em que, decidindo a
"questao, decidis, embora reflexa, obliqua ou indiretamente,
"sôbre a politica legislativa do Govêrno, estais, evidentemente,
"no pIano da po1ltica, nao somente pela natureza da questâo
"decidida, mas, sobretudo, porque do vosso julgamento hâo
"de decorrer, necessariamente, mudanças ou modificaçoes nas
"tendências da opiniao e do Govêrno. As vossas mais altas
"atribuiçoes teem, portanto, as suas raizes na politica, e na
"atmosfera da politica é que se encontram os principios sôbre
"os quais trabalha a vossa técnica.
"É verdade que uma doutrina metafisica da Constituiçâo
"estabeleceu que as questoes po1lticas sao defesas ao vosso
"conhecimento e à vossa decisao. Traduzida, porém, a es-
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 171

"tranha doutrina em linguagçm de sense comum, 0 que se


"quis dizer é que a vossa competência tem por limite a irre-
"cusavel competência dos demais poderes. Muitas palavras
"e muito esfôrço foram empregados para demonstrar 0 obvio.
"Tao obvia, porém, é a doutrina de que ha questoes excluidas
"da vossa competência porque delegadas pela Constituiçâo a
"outras competências, coma a de que, ao invés de excluidas,
"na vossa competência se acham incluidas, exceto aquelas,
"tôdas as questoes, por mais politicas, por mais eminente-
"mente politicas, por mais que, para sôbre elas decidir, na
"vossa decisao se haja de envolver, embora reflexamente, mas
'~efetivamente, uma decisao sôbre a politica do Govêrno. Se
"podeis decidir sôbre a Constituiçao, e sôbre ela decidis tôda
"vez que a interpretais, 0 que decidis, em suma, é sôbre ma-
"téria de govêrno e, particularmente, sôbre a politica legisla-
"tiva do Govêrno.
"Desde que decidis matéria constitucional, estais deci-
"dindo sôbre os poderes do Govêrno. Sois 0 juiz dos limites
"do poder do Govêrno, e, decidindo sôbre os seus limites, 0 que
"estais decidindo, em Ultima analise, é sôbre a substância do
"poder. 0 poder de limitar envolve, evidentemente, 0 de re-
"duzir ou 0 de anular. E eis, assim, aberto ou franqueado à
"vossa competência todo 0 dominio da politica: a politica tri-
"butaria, a politica do trabalho, a politica econômica, a po-
"litica da produçao e da distribuiçao, a politica social, em
"suma, a mais politica das politicas, a polis na sua totalidade
"- a sua estrutura, os seus fundamentos, a dinâmica das suas
"instituiçoes e do seu govêrno. Juiz das atribuiçoes dos de-
"mais poderes, sois 0 proprio juiz das vossas. 0 dominio da
"vossa competência é a Constituiçao, isto é, 0 instrumento
"em que se define e se especifica 0 Govêrno. No poder de in·
"terpreta-Ia esta 0 de traduzi-Ia nos vos sos proprios conceitos.
"Se a interpretaçao e particularmente a interpretaçao de um
"texto que se distingue pela generalidade, a amplitude e a
"compreensao dos conceitos, nao é uma operaçao puramente
"dedutiva, mas uma atividade de natureza plastica, constru-
"tiva e criadora, no poder de interpretar ha de incluir-se, ne-
172 CASTRO NUNES

"cessariamente, por mais limitado que êle seja, 0 poder de


"formular. 0 poder de especificar implica uma margem de
"opçao tanto mais larga quanto mais lata, genérica, abstrata,
"amorfa ou indefinida a matéria de cuja condensaçâo ha de
"resultar a espécie.
"0 poder de interpretar a Constituiçao envolve, em muitos
"casos, 0 poder de formula-la. A Constituiçâo esta em ela-
"boraçao permanente nos tribunais incumbidos de aplica-Ia,
"é 0 que demonstra a jurisprudência do nosso Supremo Tri-
"bunal e, particularmente, a da Suprema Côrte Americana.
"Nos tribunais incumbidos da guarda da Constituiçao fun-
"ciona igualmente 0 poder constituinte. Esta a honra, esta
"a autoridade, esta a responsabilidade que vos conferiu a
"Naçao".
Abordando 0 deslocamento, para 0 Parlamento, da funçao
de arbitro final da constitucionalidade das leis, assim justifi-
cou a inovaçao: "Poder-se-ia alegar, entretanto, a esta al-
"tura, que a Constituiçao de 37 mutilou a plenitude do vosso
"po der conferindo ao Poder Legislativo a faculdade de derro-
"gar os vossos julgados na parte em que deixam de aplicar a
"lei por tacha-la de inconstitucional. Esta faculdade, porém,
"é conferida em carater excepcional, coma demonstram as
"cautelas de que é rodeado 0 seu exercicio. A exigência de
"que se trate de interêsse nacional de alta monta nao deixa
"duvida quanto ao carater excepcional e extremo da medida.
"Sao, para assim dizer, questoes de encruzilhada, questoes
"que pela sua generalidade e pela amplitude da sua com-
"preensao, comportam perplexidade e duvidas quanta ao
"rumo. Nâo se trata, propriamente, de questoes susceptiveis
"de serem resolvidas fora de qualquer duvida razoavel, me-
"diante 0 processo de evidência ou de demonstraçao da 16gica
"juridica; na sua decisao, como em tôdas as decisoes basea-
"das em preceitos de ordem muito geral, entram fatores inte-
"lectuais de outra natureza; nelas influe, necessariamente,
"0 pêso do temperamento, da convicçao e das tendências ho-
"nestas, todos os fatores, em suma, que nos conduzem à opçao
"por um dos braços da encruzilhada.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO 173

"Nessas questoes os processos intelectuais em virtude dos


"quais os juizes optam por uma direçao sao os mesmos proces-
"sos' pelos quais os homens de govêrno optaram por outra.
"Tais questoes, por serem de carater mais geral, envol-
"vem riscos maiores. Nada mais natural, portanto, do que
"atribuir a sua decisao ao Govêrno, que assume os riscos e as
"responsabilidades das consequências e das repercussoes.
"Entre um postulado de natureza filos6fica e a guerra
"civil, seria evidentemente insensato optar pela ·guerra civil.
"Isto, porém, aconteceu, como sabeis, precisamente porque,
"em matéria de natureza puramente opclonal, prevaleceu
"sôbre a opçao do Govêrno a opçao da Justiça.
"Creio que é do mais evidente bom-senso, em matérià de
"alta gravidade, confiar a decisao àquele a cuja conta, deci-
"dindo ou nao, correrao as consequências.
"Acresce, ainda, que a faculdade em questao éconferida
"ao Poder Legislativo. Ora, no Poder Legislativo existe sem-
"pre 0 poder constituinte em estado potencial. Apenas 0 seu
"exercicio é condicionado a exigências cQ)nstitucionais. Satis-
"feitas e~tas exigências 0 Poder Legislativo exerce 0 poder
"constituinte em tôda a sua plenitude. Pois bem, a facul·
"'dade de que se trata, 0 Poder Legislativo ja a tem por im-
"plicita no poder constituinte. 0 malsinado artigo da Cons-
"tituiçao apenas tornou expresso 0 que é implicito no poder
"constituinte do Parlamento. Se é certo que as exigências
"para 0 exercicio da faculdade de derrogar julgados nao sao
"as mesmas prescritas para a reforma constitucional, nao é
"menos certo que se equivalem no rigor".
Continuando na mesma ordem de idéias, salienta e enal-
tece a seguir 0 papel da Justiça no Estado Nacional, nestes
periodos lapidares: "Em matéria essencialmente politica, nao
"apenas por ser politica, mas por nela envolver-se grave in-
"terêsse nacional, a Constituiçao de 37 da a ultima palavra
"aos 6rgaos representativos da Naçao. Nao sera isto, porven-
"tura, 0 que acontece em todos os pais es, mesmo naqueles em
"que existem tribunais incumbidos de interpretar a Consti-
"tuiçao? Nao esta isto na natureza das coisas, no carater
174 CASTRO NUNES

"do govêrno representativo, no pressuposto, fundamental a


"êste regime, de que 0 poder constituinte é delegado pela pova
"ao seu Poder Legislativo? Tudo esta em que 0 poder seja
"exercido com lealdade e boa fé. QuaI, porém, 0 fundamento
"do vosso poder senao a fundada presunçao nacional de que
"0 exerceis com lealdade e boa fé? Tôdas as instituiçoes
"humanas teem por pressuposto a lealdade e a boa fé. Se
"falha 0 pressuposto, com êle falham ainda as Constituiçoes
"mais sabias. e mais antigas. A confiança é a base das rela-
"çoes humanas. A confiança na Justiça, sobretudo. Infeli-
"zes os povos que naD confiam ou naD podem confiar na sua
"Justiça. Para nossa felicidade, Naçao e Govêrno confiam
"na sua Justiça, particularmente na justiça dêste grande Tri-
"bunal, a cuja decisao se confiaram as maiores questoes da
"terra, assim as dos individuos como as do Estado.
"A confiança naD se destroi quando os que confiam um
"no outro divergem com lealdade e boa fé. Se houve diver-
"gência entre 0 Tribunal e 0 Govêrno, a confiança dêste na
"nossa mais alta Côrte de Justiça naD diminuiu com a diver-
"gência. Digna do respeito e da admiraçao dos brasileiros,
"todos nos sentimos obrigados para com ela pelos inestima-
"veis serviços prestados ao Brasil, com a sua integridade, a
"sua isençao, a sua cultura e alta conciência do seu dever e
"da sua dignidade.
"Estamos num ~egime novo. A Justiça é parte integrante
"do regime. Nos confiamos nela e queremos que continue a
"nossa confiança. Nos temos uma tarefa de renovaçao e de
"criaçao a realizar. Sente-se que se aproxima, por entre a
"tormenta, um nova mundo.
"Na sua configuraçao a Justiça tem a sua parte. Nem so
"0 passado influe sôbre 0 presente: 0 futuro que se aproxima
"ja é um presente virtual. A Justiça naD podem ser indife-
"rentes as novas formas com que 0 presente procura configu-
"rar 0 futuro. A obra de construçao foi sempre um dos apa-
"nagios das grandes jurisprudências. Elas, em muitos casos,
"se anteciparam ao futuro.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDIC:rA.RIO 175

"Sr. presidente, srs. ministros, foi uma honra para mim


"falar neste recinto. Eu vos devo um grande agradecimento
"por esta distinçâo. Compreendo 0 vosso gesto. Sou um de-
"legado do Chefe do Govêrno e ninguém fêz mais pela Justiça
"do que 0 homem ao quaI no nosso pais foram conferidos os
"maiores poderes. No momento em que reline nas suas mâos
"todos os poderes e tôdas as responsabilidades do Govêrno, êle
"deixou limitar-se pela Justiça. Sois 0 juiz d~s seus poderes e
"nenhuma razâo existe para que com lealdade e boa fé, cada
"um cumprindo 0 seu dever, nâo se enconfrem, afinal, em
"tôrno do bem comum do Brasil". 28

.. F1!ANCISCO CAI\I!POS, Dtretto Constitucional, ed. Bev. Forense, p. 365.


CAPITULO n
CLAUSULAS ORGANICAS DO SUPREMO TRmUNAL
SUMWO: 1. Textos constitucionals. 2. Nûmero de minlstros, fixaç!i.o constitu-
cional, aumento. 3. Nomeaçâo, compromlsso, tratamento. 4. Notâvel saber
jurldico e reputaçâo llibada. 5. 0 requisito da idade. 6. Sede do Supremo
Tribunal. 7. A divlsâo do Supremo Tribunal em câmaras ou turmaB. 8. A
presidência do Supremo Tribunal. 9. Atribuiçôes da presidência (requi-
siç6eB de pagamentos, concessâo de exequatur). 10. Procuradoria Gerai
da Republica. 0 Minlstério PUblico federal na Constituiçâo de 91.
11. Funçâo consultiva do procurador geral da Republica. 12. Na Cons-
tituiçii.o de 34 e na atual. A escolha do procurador gerai da RepUbl1ca
fora do Tribunal. 13. 0 procurador gerai nos Estados Unidos.

1. Textos constitucionais. 0 texto de 91, - "0 Su·


"premo Tribunal Federal compor-se-a de 15 juizes, no-
"meados na forma do art. 48, n. 12, dentre os cidadaos de
"notavel saber e reputaçao, elegiveis para 0 Senado" - naD
sofreu alteraçao na reforma de 1926, nao tendo ido adiante a
emenda que mandava acrescentar à locuçao "notavel saber"
o adjetivo juridico. 1
A Constituiçao de 34 mudou a denominaçao para Côrte
Suprema, reduziu para 11 0 nfunero de juizes, reduçao alias
ja operada pelo dec. n. 19.656, de 3 de fevereiro de 1931, do
Govêrno Provis6rio da Revoluçao de 30 - permitindo, toda-
via, a elevaçao até 16 e bem assim a divisao do Tribunal
em câmaras ou turmas. Quanto aos requisitos para a no·
meaçao, julgou necessario tornar expresso que 0 "notavel
saber" seria 0 juridico, estabelecendo 0 limite maximo de 65
anos, além do minimo mantido de 35 anos. Eis 0 texto :
"Art. 73. A Côrte Suprema, corn sede na capital da
"Republica e jurisdiçao em todo 0 territ6rio nacional, com-
"poe-se de 11 ministros.
1 Documentos Parlamentares, Revisao Constitucional, v. 1.°, p. 320; v. 2.°,
pB. 5 e segs.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 177

"§ 1.0 Sob proposta da Côrte Suprema, pode 0 nfunero


"de ministros ser elevado por lei até 16, e em qualquer casa
"é irreduzivel.
"§ 2.° Também, sob proposta da Côrte Suprema, poden~
"a lei dividi-Ia em câmaras ou turmas e distribuir entre estas
"ou aquelas os julgamentos dos feitos, com recurso ou nao
"para 0 Tribunal Pleno, respeitado 0 que disp6e 0 art. 179.
"Art. 74. Os· ministros da Côrte Suprema serac nomea-
"dos pele Presidente da Republica, com aprovaçâo do Senado
"Federal, dentre bras1leiros natos de notavel saber juridico e
"reputaçao ilibada, alistados eleitores, nao devendo ter, salvo
"os magistrados, menos de 35, nem mais de 65 anos de idade".
A Constituiçao atual, no art. 97, disp6e: "0 Supremo
"Tribunal Federal, com sede na capital da Republica e juris-
"diçâo em todo 0 territ6rio nacional, comp6e-se de Il mi-
"nistros. Parag. linico. Sob propos ta do Supremo Tribunal
"Federal, pode 0 numero de ministros ser elevado por lei até
"16, vedada, em qualquer caso, a sua reduçâo.
"Art. 98. Os ministros do Supremo Tribunal Federal
"serao nomeados pelo Presidente da Republica, com aprovaçao
"do Conselho Federal, dentre brasileiros natos de notavel saber
"juridico e reputaçâo ilibada, nao devendo ter menos de 35
"nem mais de 58 anos de idade".
2 . Numero de ministros, fixaçao constitucional, au-
mento. A Constituiçao atual, como as anteriores, fixa 0 nu-
mero dos juizes componentes do Supremo Tribunal. Era êsse
um ponto em que a primeira Constituiçâo republicana se afas-
tara dos dois paradigmas de sua mais frequente inspiraçao:
o norte-americano e 0 argentino.
Como observa PEDRO LESSA, "a recordaçao do que se tem
"passado nos Estados Unidos da América do Norte, onde, por
"meros interêsses dos partidos politicos, se teem promulgado
"leis que, com manifesto prejuizo para a administraçao da
"Justiça, ora aumentavam, ora diminuiam 0 numero de mem-
"bros da Sliprema Côrte, justifica plenamente êste preceito
"do art. 56, em que se fixa 0 numero dos membros da nossa
"Côrte Suprema. Facil é imaginar 0 que fariam, sem essa
F.12
178 CASTRO NUNES

"limitaçao, as ambiçoes, os interêsses e as vinditas politicas,


"num pais em que saD frequentes os desvairamentos dos par-
"tidos ou dos grupos politicos".2
A Constituiçao americana criou a Suprema Côrte, dei-
xando, porém, ao Congresso estabelecer os detalhes de sua
organizaçao, bem como criar as côrtes inferiores que, a seu
critério, julgasse conveniente - "The judicial power of the
United states is vested in one Supreme Court and in such in-
terior courts as Congress may establis~ from time ta time."
Pela lei judicidria de 24 de setembro de 1789 (Judictiary
Act) 0 Congresso desenvolveu a clausula constitucional, fi-
xando em seis 0 numero de membros da Suprema Côrte (as-
sociate justices), inclusive 0 presidente (chief-justice). ~sse
numero foi alterado varias vêzes: aumentado, reduzido e no-
vamente aumentado em diferentes épocas e por motivos va-
rios, até fixar-se em nove, inclusive 0 presidente, sua compo-
siçao atual. 3
~sses antecedentes revelaram 0 ponto fraco - "the weak
point" - da instituiçao que, no entender de COUNTRYMAN, a
Constituiçao deixou exposta a essas possibilidades de com-
pressao exercida pelos poderes politicos. Dai 0 dizer corrente
que esta nos poderes do Congresso e do Presidente amarrar a
Côrte - "ta pack the Court". 4
Ja vimos que 0 numero de ministros foi reduzido a 11
pelo Govêrno Provisorio (dec. n. 19.656, de 3 de fevereiro de
1931), numero mantido pela Constituiçao de 34 e pela atual.
Mas deixou-se margem ao aumento, mediante iniciativa do
proprio Tribunal, até 0 maximo de 16, "vedada em qual-
"quer casa a sua reduçao", isto é, quer 0 nlimero estabelecido
no texto constitucional, quer 0 que venha a ser fixa do sob

• Do Poder Judiciârio, p. 27.


a CHARLES HUGHES, The Supreme Court of the United SPates, p. 42. Em 1936-37,
o Presidente ROOSEVELT tentou ob ter do Congresso 0 aumento do nùmero dos juizes
com 0 flm de consegulr malorla favorâvel ao New Deal. A lnlclatlva encontrou
fortes reslstênclas e nao fol adlante. Veja-se "0 Judlclârlo em funçao..... tit. VITI.
• WOODBURN, The American RepubZic, p. 330; COUNTRYMAN, The Supreme Court,
ps. 60-61. Na Argentlna, a Constltlllçao, art. 94, contém dlsposltlvo Idêntlco ao
amerlcano (veja-se GONZALEZ CALDER6N, ob. clt., nr, p. 414).
TE ORlA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 179

proposta do Tribunal, é irreduzivel. Quer isto dizer que 0


Supremo Tribunal naD tem poder para propor a reduçâo; so
pode propor 0 aumento. 5 Ê mais ampla aatribuiçao confe-
rida aos tribunais de apelaçao, como veremos.
3. Nomeaçao, compl'omisso, tratamento. Os ministros
do Supremo Tribunal Federal, diz a Constituiçao, "serao no~
"meados pela Presidente da Republica, com aprovaçao do
"Conselho Federal ... ". Ê 0 mesmo preceito americano -
"with the advice and consent of the Senate." De igual modo
na Republica Argentina.
Nos Estados Unidos ha varios exemplas de recusa de apro-
vaçao pela Senado, naD obstante, informa HUGHEs, terem re-
caido as nomeaçoes em juristas ilustres - "distinguished
lawyers." 6
o professor argentino GONZALEZ CALDERON critica 0 sis-
tema em tese. Entende êle que a livre escolha do Presidente
confere-Ihe largo arbitrio nas preferências, acrescentando que
somente na Argentina, nos Estados Unidos, no Brasil, em
Cuba, no Para guai e na Colômbia, se concentra na s6 inicia-
tiva do Presidente, com 0 assentimento do Senado, êsse deli-
cado mister de escolher bons elementos componentes da mais
alta Côrte judiciaria do pais. E acrescenta: "Una mala elec-
cion en cualquiera de los otros departamentos de la adminis-
tracion se puede corregir antes de que produjan perjuicios ;
pero en la administracion de justicia un juez incompetente 0
desviado produce males irremediables". Dai 0 alvitre, que su-
gere, de combinar a açao dos dois poderes politicos com a da
Suprema Côrte, competindo a esta organizar uma lista de 10
nomes, dentre os magistrados e advogados, exercendo-se a
atribuiçao politica da escolha dentro dessa lista, mediante
certo mecanismo que êledesenvolve. Visa com isso 0 publi-
cista argentino circunscrever a escolha a um campo de capa-
• Em 1936, na vigência da Const!tuiçâo de 34. a Côrte Suprema, par proposta
do procurador geral da Repùbl!ca, cuja iniciativa admitiu para propor a aumento
do nu.mero de ministros e a divisâo do Tribunal em câmaras, sugeriu a aumento
para 13, nâo tendo ido par diante a proposta.
• Ob. cit., p. 44.
180 CASTRO NUNES

cidades selecionadas e, ainda, porque, segundo diz, a prefe-


rência presidencial compromete a independência do magis-
trado, vinculado, de certo modo, a sentimentos de gratidâo ao
govêrno que 0 nomeou. 7
A critica do ilustre jurista po de encontrar sem duvida
confirmaçao nos fatos, aqui coma em tôda a parte. Mas 0
alvitre proposto perde de vista que nem s6 de juristas profis-
sionais, e sobretudo de magistrados de provincia, deve com-
por-se a Côrte Suprema.
BRYCE salienta e enaltece 0 critério que, em regra, tem
presidido às escolhas para a Suprema Côrte americana. Exa-
tamente porque as grandes causas, que explicam e definem
·0 papel da instância suprema no mecanismo do regime, saD
questoes de alta indagaçao constitucional, e naD tanto ques-
toes de exegese legal, de aplicaçao e interpretaçao do direito
comum; as consideraçoes, as r~zoes, as determinantes da
soluçao juridica se desenvolvem em campo mais amplo, mais
extenso. Conclue êle que tais questôes exigem por vêzes naD
somente a penetraçao do jurista, a retidao do magistrado,
mas também a compreenséio da natureza e dos .métodos de
govêrno, requisitos que na Europa naü se exigem de um juiz,
adstrito ao caminho estreito traçado pela legislaçao ordina-
ria - "They sometimes need the exercise not merely of legal
acumen and judicial fairness, but of a comprehension of the
nature and methods of government which one do es not de-
mand from the European judge who walks in the narrow
path traced for him by ordinary statutes." 8
- 0 compromisso é prestado em maos do presidente do
Tribunal, segundo determina 0 Regimento. Em regra em
dia de sessao, perante 0 Tribunal reunido.
- Os membros do Supremo Tribunal sempre tiveram 0
tratamento de ministros, mesmo sob a Constituiçao de 91,
7 Ob. clt., v. III, p. 405.
8 BRYCE, The American Commonwealth, ed. 1928, p. 254. Il: noçâo encontradlça
nos exposltores do dlrelto publico amerlcano. CHARLES WARREN, na Introduçâo da
sua grande obra The Supreme Court in United States History (v. 1.°, p. 1), trans-
. creve estas palavras do prlmelro ROOSEVELT: The Judges of the Supreme Court of
the land must be not only great ;urists. they must be great constructive states-
men. " (v. adlante 0 tit. VIII, caps. II e III).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDrCIARIO 181

que lhes nao conferia expressamente êsse titulo, 0 que so as


Constituiçoes de 34 e a atual viriam a fazer. Havia, porém,
disposiçoes esparsas na legislaçao, consolidadas no Regimento
Interno, de acôrdo corn a resoluçao do Supremo Tribunal, de
1 de julho de 1908. 0 trajo oficial é beca, capa e barrete.

4. Notâ.veI saber juridico e reputaçao ilibada. Deter-


mina 0 art. 98 que os ministros do Supremo Tribunal serac
nomeados. .. "dentre brasileiros natos de notavel saber juri-
"dico e reputaçao ilibada ... ". É a mesma formula repro~
duzida da Constituiçao de 34. A de 91 mais sintética - no-
tavel saber e reputaçtio.
A Constituiçao de 34 usava de formula idêntica como re-
quisito para 0 provimento de outros cargos da magistratura.
Assim: os juizes federais inferiores à Côrte Suprema ha-
viam de ser brasileiros natos "de reconhecido saber juridico e
"reputaçao ilibada"; do mesmo modo os chefes do Ministério
Publico local teriam de ser escolhidos corn idêntica presun-
çao constitucional de "juristas de notavel saber e reputaçao
"ilibada". A Constituiçao de 37 usa de formula equivalente
- "notorio merecimento e reputaçao ilibada" - quando se
refere aos advogados e membros do Ministério Publico que
devam ter ingresso nos tribunais de apelaçao (art. 105).
Sob a Constituiçao de 91 tive ocasiao de escrever qùe a
locuçao "notavel saber e reputaçao", corn 0 sentido excepcio-
nal que teria de ser dado à~ escolhas para 0 Tribunal Su~
premo, exprimiam "a notoriedade, 0 relêvo, 0 renome, a fama,
"a nomeada do candidato. Nao basta a graduaçao cientifica,
"a competência profissional presumida do diploma; é nec es-
"sario que a competência seja digna de nota, not6ria, reconhe-
"cida pele consenso geral da opiniao esclarecida".
A palavra reputaçtio, e ja hoje reputaçtio ilibada, escrevia
eu - "acrescenta maior fôrça à locuçao, é a boa fama, a per-
"feita idoneidade moral, alguma coisa de semelhante à exis-
"timatio dos romanos - dignitatis illœsœ status, legibus ac
"moribus comprobatus".
182 CASTRO NUNES

Esta hoje expresso que 0 "notavel saber" é 0 juridico.


Nao 0 estava, porém, no texto de 91, ainda que claramente
se devesse presumir.
FLORIANO nomeou dois generais e um médico para vagas
no Supremo Tribunal. 0 Senado desaprovou essas nomea-
çoes, entendendo que 0 notavel saber, de que falava 0 texto,
era 0 saber juridico.
No parecer que serviu de base a êsse pronunciamento da
Câmara Alta se encontram estas palavras: "êsse requisito
"de notavel saber, exigido pela Constituiçao, refere-se especial-
"mente à habilitaçao cientifica em alto grau nas matérias
"sôbre que 0 Tribunal tem de pronunciar-se, jus dicere, 0 que
"supoe nos nomeados a inteira competência e sabedoria que
"no conhecimento do Direito devem ter os jurisconsuItos". 9
Conhecidos os antecedentes que indispuseram FLORIANO
com 0 Supremo, tem-se a explicaçao do seu ato designando
pessoas leigas em direito para ministros daquele Tribunal.
Porque, na verdade, nao poderia haver duvida séria quanto a
~sse ponto.
Na reforma constitucional de 1926 cogitou-se de emendar
o texto para acrescentar 0 adjetivo juridico, com 0 fim de
evitar - dizia 0 parecer da Comissao Especial da Câmara -
a repetiçao de tao abusivo modo de en tender 0 dispositivo
constitucional (aludia às nomeaçoes de FLORIANO). A emen-
da foi retirada. 10 Como observa 0 sr. MUNIZ SonNÉ: "Adi-
"tamento inutil, porque, mesmo sob a obstinaçao, quiça es-
"carnecedora, de FLORIANO PEIXOTO, ninguém jamais teve du-
"vidas, sinceramente, de que 0 saber que se exige para a fun-
"çao de juiz, na Suprema Côrte de Justiça, s6 poderia ser de
"natureza juridica". 11
Nem s6 0 saber inerente ao desempenho da funçao po-
deria ser outro senao 0 juridico, como 0 hist6rico do disposi.
tivo continha subsidio que excluia entendimento diverso.
• Apud BARBALHO, Comentarios à Constituiçao Federal Brasileira, 2." ed., p. 307.
,. Documentos Parlamentares, Revisao Constitucionai, l, ps. 246 e 320; II,
ps. 5 e segs.
li 0 Poder Judtciario na Revistlo Constitucional, 1929, p. 27
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAR.IO 183

Com efeito, ja no projeto da Comissao do Govêrno Provis6rio


se estabelecia que as nomeaçoes para 0 Supremo Tribunal se
fariam dentre os juizes federais e jurisconsultos de provada
ilustraçao. Quando muito, 0 que poderia autorizar uma du-
vida razoavel seria a exigência do diploma, 12 levando-se em
conta que 0 saber, em qualquer ramo da ciência, pode inde-
pender da competência presumida, e mostrar-se à revelia de
titulo acadêmico, em afirmaçoes not6rias e documentadas.
o essencial, porém, é que seja a proficiência técnica nao so-
mente not6ria, mas adequada à funçao. Nao era êsse 0 caso
de nenhuma das nomeaçoes acima referidas.
5. 0 requisito da idade. 0 requisito de idade de que
cogitava 0 texto de 91 era somente 0 minimo, 35 anos, isto é,
a mesma idade e outras condiçoes de elegibilidade para 0 Se~
nado. Em 34, deu entrada na Constituiçao a compuls6ria
dos magistrados federais aos 75 anos. Havia, pois, que esta-
beiecer, além daquele minimo, um limite maximo para a in-
vestidura. Dai a clausula - "nao devendo ter, salve os ma-
"gistrados, menos de 35 nem mais de 65 anos de idade"
(art. 74).
o texto atuallimita-se a dizer "nao devendo ter menos de
"35, nem mais de 58 anos de idade". Basta que 0 requisito
da idade maxima exista na data da nomeaçao, porque é con-
diçao estabelecida para esta, e nao para a posse e exercicio,
que poderao verificar-se depois de haver 0 nomeado comple-
tado 58 anos.
6. Sede do Supremo Tribunal. A sede do Supremo Tri-
bunal, diz a Constituiçao, repetindo, alias, as anteriores, é "na
"capital da Republica". 13 Isto signifie a que onde estiver a
capital da Republica ai estara 0 Supremo Tribunal, junta-
mente com os poderes politicos da Naçao.
12 Mn.TON, A Constituiçâo do Brasil, p. 281.
13 Em alguns paises 0 Supremo Tribunal nao esta na capital, coma na Sulça,
Lausanne. e nao Berna, e na Alemanha, Leipzig, e nao Berlim. A soluçao é pre-
conizada por alguns pela razao te6rica de manter afastado do Govêrno e do Parla-
mento 0 Tribunal e proporcionar-lhe amblente mais favoravel ao estudo e à. re-
flexao. Outras vêzes sao razoes hist6ricas que determlnam a escolha de outra
cidade (RENÉ PAULINE, Le Supreme Tribun-nl Suisse, p. 39).
184 CASTRO NUNES

As antigas Constituiç6es cogitavam em clausulas expres-


sas da mudança da capital da Uniao para 0 centro do pais.
A atual, sem detalhar qualquer direçao, admite a hipotese,
quando disp6e no art. 7.°: "0 atual Distrito Federal, enquan-
"to sede do govêrno da Republica ... ".
A garantia da inamovibilidade, em se tratando de minis-
tros do Supremo Tribunal, sofre esta restriçao, isto é, tem de
ser entendida de acôrdo com a possibilidade constitucional de
ser outra, que naD a atual, a cidade - capital da Uniao, onde
passara a ter se de 0 Supremo Tribunal. Nao é 0 casa que se
prefigura no art. 103, b, quando inaplicavel naD fôsse por ou-
tros motivos de obvia compreensao.
7. A divisao do Supremo Tribunal em câmaras ou
turmas. Nao reaparece no texto atual 0 disposto na Consti-
tuiçao de 34, art. 73, § 2.°, onde se autorizava 0 legislador a
dividir a Côrte Suprema em câmaras ou turmas, precedendo
proposta dela mesma. Ja agora, com ou sem proposta do
Supremo Tribunal, poderâ. a lei distribuir 0 julgamento dos
feitos pelo critério que adotar, em câmaras especializadas, em
razao da matéria ou de competência cumulativa, como se esta
praticando no regime das turmas instituidas pela dec.-Iei
n. 6, de 16 de novembro de 1937, as quais equivalem prati-
camente à divisao nao confessada do Tribunal em duas
câmaras.
A questao constitucional em face do texto atual é a
mesma que se agitava sob a Constituiçao de 91, por igual
omissa. Havia opini6es pro e contra 0 fracionamento do Tri-
bunal em câmaras. Mas, ao que suponho, predominava 0
entendimento, fundado na liçao americana, da impossibili-
dade r.onstitucional de tal divisao, contraditoria de certo
modo com a feiçao mesma do Tribunal na sua caracteristica
de guarda da uniformidade da jurisprudência e de instância
suprema em face das demais jurisdiç6es do pais.
Entendia-se sob a Constituiçao de 91 que 0 que nesta se
definia como Supremo Tribunal seria um corpo constituido de
15 juizes - "0 Supremo Tribunal compor-se-a de 15
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 185

"juîzes ... ", donde a conclusao de que uma fraçao, delibe-


rando como tribunal (e a tanto equivaleria cada uma das
câmaras em que se dividisse), naD seria 0 Supremo Tribunal.
E se fôsse - acrescentava-se, haveria mais de um, contra 0
disposto no art. 55: "0 Poder Judiciario da Uniao tera pOl'
"orgaos um Supremo Tribunal. .. ".
Os subsîdios hauridos na liçao americana saD inteira-
mente contrarios à divisao. Veja-se entre outros WILLOUGHBY
na sua monografia classica sôbre a Suprema Côrte: "The
Constitution provides for the establishment of a single Su-
preme Court, and it may properly be questioned whether such
a plan as this would not be in contravention to that provision.
There is also this objection to the plan. Anything that
will tend to lessen the people's regard and confidence in the
Supreme Court is to be deprecated, and it is extremely prob-
able that a division of the Court, whereby suitors would ob-
tain the benefit of the learning of only a part of the justices,
would have this result." 14
Contra tal soluçao, reclamada como meio de resolver 0
problema do descongestionamento do Tribunal, sempre se
bateu entre nos 0 sr. LEVI CARNEIRO. Em 1931, sendo con-
sultor geral da Republica, coube-Ihe redigir 0 dec. n. 19.656,
de 3 de fevereiro, que, reorganizando 0 Supremo Tribunal,
adotou coma medida provis6ria, destinada a remediar a pIe-
tora de feitos acumulados, 0 julgamento por turmas, de for·
maçao variavel, em que funcionavam coma relator e revisores
os ministros que ja houvessem visto os autos, corn mais dois,
que eram os imediatos ao segundo revisor.
Dêste modo naD se quebrava a unidade do Tribunal, sem-
pre pleno no seu funcionamento, ainda que no julgamento de
cada feito da competência de turma houvesse juîzes sem voto,
isto é, sem intervençao no julgamento. Era uma soluçao
média, uma forma de transaçao entre a opiniâo radical dos
que combatiam a divisao, à frente dos quais estava 0 eminente
1< The Supreme Oourt, pB. 108-109.
186 CASTRO NUNES

jurisconsulto,15 e a dos que aceitariam êsse expediente coma


soluçao normal e permanente.
Em meados de 1934, muito se discutiu a matéria na Côrte
Suprema, a proposito da iniciativa do entao procurador geral
da Repûblica no sentido de ser aumentado de mais dois 0 nUe
mero de ministros e criadas duas câmaras.
0- duplo alvitre foi aceito pela Tribunal, tendo sido formu~
lado pelo ministro COSTA MANSO 0 projeto em que consubstan~
ciava a criaçao de duas câm~ras, 1.a e 2. a , de competência
cumulativa.
Afinal, em 1937, 0 dec.-Iei n. 6, de 18 de novembro, sob a
atual Constituiçao, permitiu a criaçao de turmas separadas,
de composiçao prefixada mediante 0 critério que adotasse 0
proprio Tribunal, 0 que redunda, como jâ. disse, no estabe-
lecimento de câmaras a que equivalem tais turmas. 16
15 Ao assunto voltou, combatendo a· resoluçao da COrte Suprema que propusera
ao Congresso a divisao em câmaras, no artigo publlcado em 0 JornaZ do Comércio
de 21 de agôsto de 1934.
16 Em sessao de 24 de novembro seguinte, 0 Tribunal, sendo relator da matéria 0
ministro COSTA MANSO, adotou a seguinte resoluçao que foi encorporada 60 Regi-
mento (Dicirio da Justiça de 25 de novembro de 1937) :
"Art. 1.0 As duas turmas, a que alude 0 art. 5.° do dec.-Iel n. 6, de 16 de
"novembro de 1937, flcam asslm constitufdas :
"a) a primeira, pelas cinco ministros mais antigos, excetuando 0 vlce-pre-
"sidente do Tribunal;
"b) a segunda, pela vice-presidente do Tribunal e pelos quatro mlnlstros
"mals modernos, Inclusive os que forem nomeados para as vagas ora exlstentes,
"§ 1.0 Os mlnistros, posterlormente nomeados, tomarao assento na turma
"em que tlver ocorrldo a vaga.
"§ 2.° 0 presidente e 0 vice-presidente nao reeleltos, ou que se exonerarenl,
"ocuparao 0 lugar delxado pela sucessor.
"Art. 2.° Sao presidentes:
"a) da prlmelra turma, 0 respectlvo mlnlstro mals antlgo;
"b) da segunda turma, 0 vice-presidente do Tribunal.
u§ 1.0 0 presidente da turma sera. substitufdo pelo mlnistro mais antigll
"dentre os presentes.
"§ 2.° 0 presidente do Tribunal assumlra. a presldêncla da turma, quando
"tenha de Intervlr em qualquer julgamento, constitufda a turma, neste caso, na
"forma do art. 2.° do dec. n. 19.656, de 1931.
"§ 3.° A presldênCia da turma sera. excrcida, cm qualquer hlp6tese, sem
prejufzo das funçoes jUdlcantes do 'mlnistro.
"Art. 3.° Cada turma funclonara. corn a presença de três jufzes desimpedi-
"dos, pela menos, inclusive 0 presidente e os mlnistros convocados (para.g. unico
"dêste artlgo).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 187

Na verdade, qualquer divisao do Supremo Tribunal so


deve ser tratada como medida de emergência, a cessar logo
que cessem os motivos que a determinaram, isto é, a nec es-
sidade de pôr em dia os trabalhos do Tribunal. Êste é, pela
sua destinaçao, um 6rgao de coordenaçao que perde um pouco
do seu relêvo e autoridade se lhe quebrarem a unidade corn 0
fracionamento. Ja entao das câmaras ou turmas, coma esta
acontecendo, serac os julgados em muitas quest6es, julgados
que, pela natureza da instituiçao, sao padr6es que, no enten-
dimento do direito federal, representam diretivas de obser-
vância obrigat6ria para as demais instâncias judiciarias, fe-
derais ou locais. Considere-se que um dos casos do recurso
extraordinario, figurado no inciso d, sup6e colisao entre jul-
gade local e decisao· do pr6prio Supremo Tribunal, decisao
cuja autoridade, como expressao normativa da jurisprudên-
"Parâgrafo ûnlco. Nao havendo três juizes deslmpedldos para 0 julgamento
"de algum felto, serao convocados, medlante escala, dentre os mlnlstros da outra
"turma, os substitutos Indlspensâvels para completar aquele nûmero.
"Se estiver presente algum daqueles mlnlstros, caber-Ihe-â funclonar Inde-
"pendentemente de convocaçao, fazendo-se as devldas compensaçôes.
"0 julgamento se efetuarâ com preferêncla a qualquer outro da pauta, logo
"que compareça 0 mlnlstro convocado.
"Art. 4.° Os feltos pertencerao à turma do relator. Nela se procederâ à rc-
"vlsao, quando tenha lugar, na ordem de antlguldade dos respectlvos mlnlstros,
"conslderando-se 0 mals antlgo da turma Imedlato ao mals moderno.
"Parâgrafo ûnlco. Os feltos, que tlverem presentemente 0 "vlsto" de mlnls-
"tros com assento em turmas dlferentes, serao julgados na turma do relator, dls-
"pensado neste caso 0 concurso dos revlsores que flzerem parte de outra turma.
"Art. 5.° Quando for Impedldo 0 rela.tor deslgnado, 0 felto passarâ para a
"outra turma, sendo dlstrlbuido a um dos seus juizes, salve se na turma da prl-
"melra dlstrlbulçao algum dos revlsores jâ tlver pôsto 0 "vlsto" nos autos.
"Art. 6.° A turma, que conhecer da causa, ou de algum dos seus incidentes,
"terâ a jurlsdlçao preventa, na açao e na execuçao, para 0 julgamento de todos os
"recursos posterlores.
"Art. 7.° Ao Tribunal Pleno compete:
"r - Julgar os embargos opostos aos ac6rdaos proferidçs pelas turmas.
"n - Julgar as causas da competêncla orlglnârla, menclonadas no art. 101,
"n. r, da Constltulçao.
"nr - Julgar as açôes recls6rlas dos seus ac6rdaos e dos das turmas.
"IV - Julgar os embargos Infrlngentes ou de nuUdade dos ac6rdâos das
"turmas, opostos na execuçâo.
"V - Decldlr sôbre assuntos admlnlstratlvos e de ordem Interna.
"Art. 8.° Quando a uma turma parecer Inconstltuclonal qualquer lei, regu-
"lamento ou ato do Presidente da RepûbUca, remeterâ os autos ao Tribunal Pleno
·para julgar a final.
188 CASTRO NUNES

cia local, naD sera a mesma quando emanada de câmara ou


turma. 17
8. A presidência do Supremo Tribunal. A Constitui-
çao de 91 conferia por texto expresso (art. 58) aos tribunais
federais a eleiçao dos seus presidentes. Nao era peculiar ao
Supremo Tribunal a prerrogativa, senao compreensiva de
todos os tribunais federais, entre os quais se incluiriam os
que fôssem criados coma instância iniermediaria, salvo 0 juri,
a que presidia 0 juiz federal da secçao respectiva (dec. n. 3.084,
l, art. 88).
Refere JOAo BARBALHO que 0 compromisso do presidente
do Supremo Tribunal, de acôrdo corn 0 dec. leg. n. 1, de 26 de
fevereiro de 1891, era prestado em maos do Presidente da Re-
publica. Sucedeu, porém, que, em 1894, FLORIANO PEIXOTO dei-
xou sem resposta a comunicaçao que para êsse fim lhe fizera 0
Supremo Tribunal sôbre a eleiçao do seu nova presidente.
Dai resultou 0 dispositivo que, por iniciativa do preclaro co-
mentador, entao senador por Pernambuco, deu entrada na
lei n. 221, daquele mesmo ano, conferindo ao proprio Tribunal
a atribuiçao de receber 0 compromisso do presidente es-
colhido. 18
"Art. 9.° Efetuar-se-âo:
"a) às segundas e qulntas-feiras, as sessoes da La Turma;
"b) às têrças e sextas-felras, as da 2." Turma;
"c) às quartas-felras, do Tribunal Pleno.
"Paragrafo unlco. No caso de extraordlnarla afluência de trabalho, real1zar-
"-se-ao aos sabados sessoes suplementares do Tribunal Pleno ou de alguma das
"turmas.
"Art. 10. Havera uma audiência semanal, às quartas-feiras.
"Art. 11. 0 presidente do Trlbunal deslgnara um chefe de secçâo para fun-
"cionar como secretario nas sessoes de uma das turmas.
"Art. 12. 0 relator podera dlspensar a junçao das notas taquigraficas do
"julgamento aos respectlvos autos, desde que 0 ac6rdâo seja redlgido na forma da
"art. 55 do Reglmento Interno. Nesse caso, as notas taquigraflcas serâo arqulva-
"das e publ1cadas corn 0 ac6rdâo na "Jurisprudêncla" anexa ao Dicirio da Justiça,
"fornecendo-se, do seu teor, as certldoes que forem solicitadas.
"Art. 13. Esta resoluçâo entrara em vlgor no dia 29 do corrente".
17 Relatlvamente ao quorum para 0 funclonamento do Tribunal, substituiçao
dos minlstros, etc., veja-se adlante 0 titulo "Do Judlciario em funçâo".
lB Ob. clt., p. 234. .
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 189

A Constituiçao de 34 nao reproduziu aquele preceito


constitucional, coma também nao 0 faz a atual, igualmente
omissa no conferir ao Supremo Tribunal e aos demais tribu-
nais, federais ou locais, tal prerrogativa.
A eleiçao do presidente e do vice-presidente do Supremo
Tribunal estava, nao s6 expressa na Constituiçao de 91, mas
também prescrita em lei anterior ou posterior a esta (dec.
n. 848, de 1890, art. 11; dec. leg. n. 1, de 26 de fevereiro
de 1891, art. 2. 0 ) . Em ambos êsses decretos se estabelecera
que os membros daquele Tribunal elegeriam entre si um pre-
sidente e um vice-presidente, por escrutinio secreto, pela
prazo de três anos, contados da posse, podendo ser reeleitos.
Tais disposiçôes, encorporadas ao Regimento Interno, vigora-
ram até recentemente, porque nao incompativeis corn a Cons-
tuiçao, omissa a respeito. 19
Competia ao presidente do Supremo Tribunal substituir
o Presidente da Republica na falta do vice-presidente da
Republica, do vice-presidente do Senado e do presidente da
Câmara dos Deputados; e bem assim presidir 0 Senado
quando funcionasse coma Côrte judiciaria no impeachment.
Tais atribuiçôes nao foram mantidas na atual Constituiçao.
Mas duas outras lhe foram expressamente conferidas: a do
art. 95, parag. unico, sôbre os pagamentos decorrentes de
sentença condenat6ria da Fazenda Nacional, e a do art. 102,
COllcernente à concessao de exequatur.

19 0 dec.-lei n. 2.770, de 11 de novembro de 1940, atrlbuiu ao Presidente da Repu-


blica a nomeaçao do presidente e do vice-presidente do Supremo Tribunal, nos
seguintes têrmos: "0 presidente e 0 vice-presidente do Supremo Tribun·al FederaI
"serao nomeados ·por tempo indeterminado dentre os respeetivos ministros pele
"Presidente da Republiea e considerar-se-ao empossados mediante publieaçao do
"respectivo ato no Diârio Olicial". A eseoilla do Govêrno reeaiu no ministro EDuAR-
DO ESPINOLA, que substituiu 0 ministro BENTO DE FARIA; êste, por sua vez, sucedera
ao ministro EDMUNDO LINS, sueessor, a seu turno, do ministro LEONI RAMOS, eleito
na vaga do ministro GODOFREDO CUNHA, etc. 0 primeiro presidente do Supremo Tri-
bunal, na Republiea, foi 0 viseonde de SABARA (JoÂo EvANGELISTA DE NEGREmOS SAIÂO
LOBATO), seguindo-se-lhe Os eonselheiros FREITAS HENRIQUES, AQUINO E CASTRO, PIS.\
E ALMEIDA, PINDAÎBA DE MATOS, HERMINIO DO ESPIRITO SANTO e ANDRÉ CAVALCANTI, su-
cedendo a êste GODOFREDO CUNHA, como ja ficou dito, todos ministros do Tribunal
(sôbre 0 assunto vejam-se: TAVARES DE LIRA, Ce:ntenârio do Supremo Tribunal de
Justiça, 1928; HERMENEGILDO DE BARROS, Gralndes Figuras da Magistf':Jtura, 1941;
LAUB!NIO LAGO, Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Fede1'l1.l, 1940).
190 CASTRO NUNES

Outras atribuiçaes decorrem de leis e da sua propria


condiçao de orgao de representaçao do Tribunal nas suas re-
laça es externas e, na ordem interna, de orgao de direçao e
coordenaçâo dos trabalhos do Tribunal, além das funçaes de
expediente e de superintendência dos serviços da secretaria
e mais serviços auxiliares, corn as atribuiçaes inerentes de po-
licia e de carater disciplinar, discriminadas umas e outras no
Regimento Interno.
9. Atribuiçoes da presidência - Requisiçoes de paga-
mentos. No art. 95 e seu parag. unico se reproduz corn ligeira
alteraçao de forma 0 que ja se continha no art. 182 e parag.
linico da Constituiçao de 34, apenas deslocado 0 preceito
das Disposiçoes Gerais, onde se encontrava, para as Dis-
posiçoes Preliminares do titulo consagrado ao Poder Judicia 4

rio, onde melhor se enquadra. Dispae 0 art. 95: "Os paga 4

"mentos devidos pela Fazenda Federal, em virtude de sen-


"tença judiciaria, far-se-ao na ordem em que forem apresen-
"tadas as precatorias e à conta dos créditos respectivos, ve-
"dada a designaçao de casos ou pessoas nas verbas orçamen-
"tarias ou créditos destinados àquele fim.
"Paragrafo unico. As verbas orçamentarias e os crédi-
"tos votados para os pagamentos devidos, em virtude de sen-
"tença judiciaria, pela Fazenda Federal, serac consignados
"ao Poder Judiciario, recolhendo-se as importâncias ao cofre
"dos depositos publicos. Cabe ao presidente do Supremo Tri-
"bunal Federal expedir as ordens de pagamento, dentro das
"fôrças do deposito, e, a requerimento do credor preterido em
"seu direito de precedência, autorizar 0 sequestro da quantia
"necessaria para satisfazê-Io, depois de ouvido 0 procurador
"geral da Republica".
:msse dispositivo consagra uma medida moralizadora.
Suas origens estao no Ante-Projeto do Itamarati, de onde
passou para a Constituiçao de 34, visando, corn base em an-
tecedentes conhecidos, coibir a advocacia administrativa que
se desenvolvia no antigo Congresso para obtençao de créditos
destinados ao cumprimento de sentenças judiciarias. Nao
raro, deputados levavam 0 seu desembaraço ao ponto de obs-
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 191

truirem 0 crédito solicitado, entrando no exame das sentenças,


pratica viciosa de que da noticia 0 sr. CARLOS MAxIMILIANO no
seguinte comentario: ":Èste (0 Congresso), provocado por
"proposta de um dos seus membros ou por mensagem do
"Executivo. a votar verba para 0 cumprimento de sentença,
"examinava os fundamentos desta e, se lhe naD agradavam,
"negava 0 crédito solicitado. Assim se sobrepunha um jul-
"gamento politico ao Judiciario; era um po der exautorado
"no exercicio pleno de suas funçoes". 20
As sentenças de que se trata sao evidentemente aquelas
cujo cumprimento envolva uma prestaçao pecuniaria devida
pela Uniao. 0 crédito ou verba orçamentaria tera de ser
global para a liquidaçao das sentenças em cada exercicio, ve-
dada, como ficou, "a designaçao de casos ou pessoas nas verbas
"orçamentarias ou créditos destinados àquele fim", 0 que im-
porta numa restriçao ao po der com autoridade constitucional
para consentir na despesa. A prioridade nos pagamentos
esta subordinada à ordem de apresentaçao dos precat6rios, a
que visa excluir as preferências pessoais, fiscalizaçao confiadg,
à alta autoridade do presidente do Tribunal supremo da
Naçao, a quem cabe expedir as ordens de pagamento dentro
das fôrças do crédito consignado ou ordenar 0 sequestro da
importância necessaria, se houver reclamaçao sôbre prece-
dência. 21
20 Comentdrios à Constituiçâo Brasileira, 3." ed., p. 313.
21 0 texto constltuclonal 56 se refere il Fazenda Federal. Mas a dlsposlçao, vl-
sando colblr 0 calote oficial, de antecedentes conhecldos, e assegurar a eflcacla da
colsa julgada, se estende ils condenaçôes da Fazenda estadual ou municipal coma
garantia implfcita resultante da forma de govêrno e dos prlnciplos conslgnados na
Constltulçao (art. 123).
- Relatlvamente ao sentldo do têrmo "pagamentos" do art. 95 decidiu 0 Su-
premo Tribunal, por ac6rdao da La Turma, sendo relator 0 minlstro ANÎBAL
F'REIRE (agr. de instr. n. 10.026, ac6rdao de 5 de outubro de 1941), que êle se refere
"a pagamentos resultantes de condenaçôes impostas il Fazenda, para as quais exis-
"tem créditos orçamentarios, neles nao se inclulndo a restituiçao de dep6sitos nao
"encorporados il receita publica".
- No Regimento Interno, capitulo "Das requisiçôes de pagamento" a matéria
esta regulada do seguinte modo:
"Art. 215. Os precat6rios de requisiçao de pagamento das somas, a que a
"Uniao Federal for condenada, serao dlrigidos pela juiz da execuçao ao presidente
"do Tribunal, devendo 0 instrumento conter 0 parecer do procurador regional e Vil
"devidamente autênticado com 0 reconhecimento da firma do Juiz.
192 CASTRO NUNES

COllcessao de "exequatur". "Compete ao presidente do


'~Supremo Tribunal Federal conceder exequatur às cartas ro-
"gat6rias das justiças estrangeiras" (Constituiçao, art. 102).
A atribuiçao deve ser entendida como sendo privativa do
presidente. 0 Tribunal nao tem competência para conceder
ou negar exequatur. Por isso, das decisoes do presidente nao
cabe 0 agravo do Regimento.
Essa questao foi examinada em janeiro de 1941, tendo
prevalecido êsse entendimento, contra os votos dos ministros
CARLOS MAXIMILIANO e CUNHA MELO, de acôrdo com 0 voto
que proferi, e foi 0 seguinte: "Sr. presidente, 0 art. 17 do
nosso Regimento assim disp6e: "A parte que se considerar
"agravada por despacho do presidente do Tribunal, ou do re-
"lator, podera requerer, dentro em cinco dias, que apresente 0
"feito em mesa, para ser a decisao confirmada ou revogada
"por ac6rdao, que sera lavrado pelo relator, se for confirmado,
"ou por outro ministro designado pela presidente, no casa
"contrario". Cabe, portanto, agravo do art. ~7 de despacho
do presidente do Tribunal. É evidente, porém, que ha de sel'
daqueles atos que 0 presidente pratica articuladamente com
o Tribunal. Assim, por exemplo - no casa em que 0 pre-
sidente do Supremo Tribunal julga deserto um recurso. Cabe,
entao, 0 agravo do art. 47 e 0 Tribunal podera confirmar ou
reformar a decisao, e, casa reforme 0 despacho, mandara subir
o recurso.
"Art. 216. Recebldo 0 precat6rlo, sera protocolado e autuado pelo secretario,
"e em segulda abrir-se-a vista do processo ao procurador geral da Repübllca para
"dizer sôbre 0 pedido. Com 0 seu parecer, 0 presidente apreclara e decldlra, or-
"denando 0 seu cumprlmento, ou determlnando dlllgênclas que tenha por Indls-
"pensaveis ao esclarecimento da matéria.
"Art. 217. Do despacho do presidente, que em definitivo resolver 0 pedido,
"cabera agravo para 0 Tribunal Pleno, no prazo de cinco dias contados de sua pu-
"bllcaçâo no Diario da Justiça.
"Art. 218. Deferldo 0 pagamento, sera feita a respectiva comunlcaçâo ao Mi-
"nistério da Fazenda, observada a ordem cronol6glca dos pedldos, p·ara que 0 pa-
"gamento se efetue dentro do crédito existente. No caso de estar esgotada a verba,
"sera. a divida relacionada para oportuna abertura do crédito.
"Art. 219. Além da pUbllcaçâo no Dicirio da Justiça da declsao que se pro-
"ferir a respelto, sera dado conhecimento de seu teor ao juiz requisltante, para que
"a faça constar dos autos tle que se extraiu 0 precat6rlo".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 193

Mas, neste caso, a atribuiçao constitucional pertence ao


presidente; 0 Tribunal naD concede exequatur. De sorte
que, admitido 0 agravo, 0 Tribunal, conhecendo dele, teria
necessariamente 0 poder de reformar a decisao para conce~
der 0 exequatur, 0 que naD é possive!.
Se entendêssemos que 0 Supremo Tribunal pode refor~
mar 0 despacho do presidente, teriamos 0 absurdo de com~
petir ao Tribunal negar ou conceder 0 exequatur às cartas
rogat6rias estrangeiras corn evidente usurpaçao de uma fun·
çao que a Constituiçao reservou ao presidente e lhe pertence
privativamente.
Julgo, portanto, inadmissivel 0 agravo".22
10. Procuradoria GeraI da Republica - 0 Ministério
Piiblico federal na Constituiçao de 91. A primeira Consti-
tuiçao republicana conferia ao Presidente da Republica (§ 2.°
do art. 58) a atribuiçao de designar, dentre os membros do
Supremo Tribunal, 0 procurador geral da Republica. Nos
seus impedimentos ou no casa de vacância "enquanto naD
"tiver sido nomeado e empossado quem, a titulo de efetivo,
"Ihe suceda no exercicio do cargo, servira 0 ministro que for

.. Carta rogat6ria n. 85, ac6rdâo de 8 de Janeiro de 1941 (Diarto da Justtça de 20


de julho). As disposiçoes do Regimento Interno do Supremo Tribunal sobre a
matéria sâo as seguintes:
"Art. 221. Recebida a rogat6ria, mandara 0 presidente abrir vlsta da mesma
"ao procurador geral da RepûbUca, que podera impugnar 0 seu cumprimento S8
"lbe faltar autenticidade, for contraria à ordem pûbl1ca ou à soberania nacional.
"Art. 222. Concedido 0 exequatur, sera a rogat6ria remetida, por intermédio
"da secretaria do Tribunal, ao Juiz de direito da comarca onde deva ser cumprida,
"segundo as regras gerais da competência.
"Art. 223. 0 andamento da rogat6ria na comarca sera promovido pelos in-
"teressados com a assistência, em todos os atos, do representante do Ministério
upûbl1co, 0 quaI sera, nas comarcas das capitais dos Estados, 0 procurador regional
"da Repûbl1ça.
··Art. 224. No cumprimento da rogat6ria cabem embargos relativos a quais-
"quer atos a ela referentes, opostos por qualquer interessado, inclusive 0 represen.
"tante do Ministério pûblico.
"Art. 225. Os embargos serâo afinal julgados pelo presidente do Tribunal ap6s
"audiência do procurador geral da RepûbUca. .
"Paragrafo ûnico. Ainda que nâo tenha sido embargada a rogat6ria, a au-
"diência do procurador geral da Repûblica é exigida.
"Art. 226. Cumprida a rogat6ria, sera devolvida à justiça rogante por inter-
"médio do Ministério da Justiça".

F.13
194 CASTRO NUNES

"para isso designado pelo· presidente do Tribunal" (lei n. 221~


de 1894, art. 41).
Entendia-se que a funçao era, para 0 ministro escolhido,
obrigatoria. "salvo escusa legitima a juizo do Presidente da
"Republica, ou opçao entre os cargos de presidente ou vice-
"-presidente do Supremo Tribunal Federal" (Regimento In-
terno, art. 7.°; dec. n. 3.084, 1.a parte, art. 110).
Era nomel:tdo corn a clausula de conservaçao "enguanto
"bem servir (ibidem, art. 109), sem 0 sentido, porém, que,
em se tratando de outras funçoes, selhe deu, de equivalente
da garantia de estabilidade na funçao. .
o dispositivo da Constituiçao de 91 era 0 mesmo que ja
estava no Projeto do Govêrno Provisorio. No plenario da
Constituinte, 0 sr. LEOVIGILDO FILGUEIRAS propusera emenda,
dando ao Presidente da Republica competência para esco-
lher 0 procurador geral fora do Tribunal, entre os "juriscon~
"sultos notaveis" do pais. 23
o Ante-Projeto MAGALHAES CASTRO dava ao proprio Tri~
bunal 0 direito de escolher 0 procurador geral. 24
11. Funçao consultiva do procurador geral da Republica.
Como veremos, 0 procurador geral da Republica é, nos Es~
tados Unidos, e bem assim na Republica Argentina, 25 0 asses~
sor do Govêrno.
Entre nos essa funçao lhe pertenceu nos primeiros tempos
da Republica, por determinaçao da lei n. 221, art. 38, 4.° -
"Consultar as secretarias de Estado, especialmente sôbre os
"seguintes assuntos: extradiçâo, expulsao de estrangeiros,
"aposentadoria, reformas, jubilaçoes, homologaçao de sen-
"tenças estrangeiras, etc.".
o dec. n. 967, de 2 de janeiro de 1903, criando 0 cargo de
consultor geral da Republica, dispôs que "a audiência do
"procurador geral da Republica, nos feitos de que trata 0
"art.. 20, § 2.0, do Regimento do Supremo Tribunal Federal,
"sera necessaria somente nas causas-crimes e nas civeis que
.. Anats, v. II, p. 133.
N AGENOa DE ROURE, ob. cit., II, p. 52.
JJ> ZAVALIA, ob. cit., p. 155.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 195

"interessarem à Uniao, à Fazenda Nacional e a pessoas inca-


"pazes ou representadas por tutores ou curadores; compe-
"tindo ao consultor geral da Republica as demais atribui-
"çôes constantes do Regimento, particularmente em matéria
"de extradiçôes, expulsao de estrangei+os, execuçao de sen-
"tenças de tribunal estrangeiro, autorizaçôes a companhias
"estrangeiras para funcionarem na Republica; alienaçao,
"aforamento, locaçao e arrendamento de bens nacionais;
"aposentadoria, reformas, jubilaçôes, pensôes e montepio dos
"funcionarios public os federais" (dec. cit., arts. 1.0 e 2.0, § 1.0).
12. Na Constituiçao de 34 e na atual - A escolha do
procurador geral da Republica fora do Tribunal. Ja eram
conhecidas as critic as ao sistema adotado pela primeira Cons-
tituiçao de fazer recair em um dos ministros do Supremo Tri-
bunal a designaçao para desempenhar as funçôes de pro-
curador geral da Republica, quando, em 1934, a Constituiçao
seguiu critério diverso, mantido, com pequena alteraçao, na
atual.
Dizia JOAo BARBALHO, aplaudindo 0 preceito de 91, que a
escolha dentre os membros do Supremo Tribunal imprimia
ao desempenho do cargo maior autoridade e independência,
além de favorecer - acrescentava - aos sentimentos de cor-
dialidade e harmonia no seio do Tribunal.
Mas - objetava PEDRO LESSA - "a essas razôes dema-
"siadamente fracas se opôem sérios e manifestos inconvenien-
"tes: 0 procurador geral da Republica nao raro se vê obri-
"gado a defender atos do Govêrno, sem nenhum apoio nas leis
"ou nos sentimentos da justiça; mais tarde, como juiz,· tera
"necessidade de repudiar as opiniôes que emitiu como advo-
"gado. .. e isso produz uma situaçao de manifesto constran-
"gimento ou, para se manter coerente, votara de acôrdo com
"as suas promoçôes, 0 que evidentemente é um mal ainda
"maior".26
A Constituiçao de 34, definindo 0 Ministério Publico como
"6rgao de cooperaçao nas atividades governamentais", dispu-

.. PEDRO LEBBA, Do Poeler Juelicidrio, ps. 39-40.


196 CASTRO NUNES

nha no art. 95, § 1.°: "0 chefe do Ministério Pûblico Fe·


"deral nos juizos comuns é 0 procurador geral da Repûblica,
"de nomeaçao do Presidente da Repûblica, corn aprovaçao do
"Senado Federal, dentre cidadaos corn os requisitos estabele-
"cidos para os ministros da Côrte Suprema. Tera os mesmos
"vencimentos dèsses ministros, sendo, porém, demissivel ad
"nutum".
Na Constituiçao de 10 de novembro 0 art. 99 se insere
sob a rubrica "Do Supremo Tribunal Federal" e esta assim
redigido: "0 Ministério Pûblico Federal tera por chefe 0 pro-
"curador geral da Repûblica, que funcionara junto ao Su-
"premo Tribunal Federal, e sera de livre nomeaçao e demis-
"sao do Presidente da Repûblica, devendo recair a escolha em
"pessoa que reûna os requisitos exigidos para ministro do Su-
"premo Tribunal Federal".
É substancialmente a mesma disposiçao, melhor redigida,
acentuado 0 traço de chefia do Ministério Pûblico da Uniao e
dispensada a aprovaçao do Conselho Federal, que corresponde
ao antigo Senado. 27
13. 0 procurador geral nos Estados Unidos. A organi-
zaçao norte-americana difere muito da nossa. 0 attorney-
-general é 0 chefe do Departamento da Justiça, a que corres-
ponde entre nos 0 Ministério da Justiça. É um funcionario
eminentemente politico, nomeado pela Presidente da Repû·
blica corn aprovaçao do Senado, tendo mais a representaçao
ou chefia do Ministério Pûblico da Uniao do que as funçoes
entre nos exercidas pessoalmente pela procurador geral da
Repûblica. Raramente èle comparece, em pessoa, informa
NERINX, perante a Côrte Suprema. Suas funçoes sao mais
,administrativas ou de expediente do que propriamente de ad-
27 Em 1936, tendo sido nomeado interinamente 0 dr. GABRIEL DE RESENDE PASSOS,
o entao presidente da COrte Suprema, que era 0 ministro EDMUNDO LINS, suscitou
a questao da necessidade da aprovaçao do Senado, nao obstante tratar-se de uma
nomeaçâo intel:ina e fora de qualquer questao os méritos do nomeado, mais tarde
efetivado. A duvida, jâ hoje sem interêsse, nao foi homologada pela Supremo Tri-
bunal, que aprovou 0 parecer da Comlssao constltufda pelos mlnistros COSTA MANSO,
relator, LAuDO DE CAMARGO e CARVALHO MOURÂO, tendo sldo a (J.uestao examlnada sob
os seus dlferentes aspectos (JomaZ do Comércio de 4 de junho de 1936).
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICIÂRIO 197

vogado da Naçao. É 0 consultor juridico do Presidente e dos


ministros de Estado mediante pareceres que constituem nor-
mas para a administraçao, no tocante à interpretaçao da
Constituiçao e das leis, enquanto uma decisao judicial nao
modifica 0 entendimento adotado.
A funçao propriamente judicial, perante a Côrte Suprema
e outras côrtes federais, é exercida por seus auxiliares ou ad-
juntos (assistante attorneys-general). "
o attorney-general, diz BRYCE, constitue 0 traço de
uniao entre 0 Govêrno e a Côrte Suprema, e é 6rgao de con-
sulta do Presidente da Republica. 28

,..' ", .'" , .' '.~,}

•••.•• - . .d ~!.

",

.. NEIIINX, L'Organisation Judiciaire aux Etats Unis, ps. 94 e 5egs.; Cyclopedia


0/ AmeriC'lln Government, v. 1.°, Yb. Attorney-general -
BaYCE, The American Com-
monwealth, v. 1.°, p. 378.
CAPiTULO III

POSIÇAO DO SUPREMO TRŒUNAL NO MECANISMO JUDICIARIO


(QUADRO GERAL DE ATRIBUIÇÔES)

SUMMUO: 1. Funçées do Supremo Tribunal. Como as exerce. Nao é 6rgao con-


sultivo. 2. Posiçao do Supremo Tribunal no mecanismo judicié.rio. 3. As
garantlas da funçao. Dlsposiçées pecullares ao Supremo Tribunal. 4. A
aposentadoria e montepio. 5. 0 impeachment apllcado aos ministros do
Supremo Tribunal. 6. Articulaçao do Supremo Tribunal com as justiças
especials da Uniao. 7. Articulaçao com as justlças Iocals. 8. Quadro geral
da competêncla do Supremo Tribunal. 9. Atrlbuiçées admillistrativas.

1. Funçoes do Supremo Tribunal - Como as exerce -


Nao é orgao consultivo. Definido como "guarda e oraculo da
"Constituiçao", 0 Supremo Tribunal se afigurou 6rgao de
consulta em matéria constitucional nos primeiros tempos da
Republica. BARBALHO refere êsses antecedentes para mostrar
que 0 Tribunal, fiel ao principio amencano, que é alias um
postulado do Direito Judiciario, em virtude do quaI os tribu~
nais s6 se pronunciam em espécie e por provocaçao de parte,
desatendeu às solicitaç6es, tanto mais estranhaveisquanto jâ
expresso no dec. n. 848, orgânico da justiça federal, aquele
principio. 1
Nos Estados Unidos, algumas Constituiç6es estaduais con~
feriam aos tribunais superiores a atribuiçao de responderem
a consultas dos poderes poIiticos. Dai 0 conhecido incidente
ocorrido na presidência de WASHINGTON, quando êste, fundado
naqueles precedentes, pediu à Suprema Côrte 0 seu parecer
sôbre os tratados com a França. A Côrte retorquiu que, como
6rgao do Poder Judiciario, estava adstrita aos têrmos consti~
tucionais da sua criaçao, e s6 poderia ocupar-se do assunto
1 Comentarios à Constituiçao Federal Brasileira, art. 59.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIAIUO 199

quando fôsse objeto de um litigio - "This was the intention


of the Constitution which expressly provided that the jud'i.cial
power should extend to 'cases' and 'controversies'." Outras
episodios mais recentes sao referidos por HUGHES para do-
cumentar que a Côrte se tem mantido sempre coerente corn
aquela atitude inicial, naD admitindo igualmente que as
côrtes inferiores desempenhem atribuiç6es outras que naD
tenham carater estritamente judicial. Assim é que, no Musk-
rat v. United states, foi resolvido que 0 Congresso carecia do
poder de votar uma lei conferindo à Côrte de Reclamaç6es
(Court of Claims) a atribuiçao de determinar a validade de
atos do mesmo Congresso relativamente aos indios, ainda que
corn a apelaçao para a instância suprema, a menos que a hi-
potese pudesse ser concretizada em demanda judicial. 2
Em 1792, 0 Congresso dos Estados Unidos conferiu aos
tribunais de circuito a atribuiçao de examinarem as reclama-
ç6es dos oficiais e soldados que, tendo tomado parte na Re-
voluçao, se julgassem corn direito a pens6es de invalidez, de-
terminando 0 montante a pagar e dando 0 seu parecer ao Mi-
nistério da Guerra. Os juizes do Tribunal de New York, in-
forma CHARLES HUGHES, entenderam que naD podiam exer-
cer essa atribuiçao senao individualmente, naD como corpo-
raçao. Outros tribunais, como 0 de Pensilvânia, repeliram
de pronto 0 encargo, pela fundamento de que a atribuiçao naD
era de natureza judicial. Outros atenderam.
Provocada a palavra da Suprema Côrte, esta decidiu pela
invalidade constitucional da lei, conforme parecera ao Tri~
bunal da Pensilvânia.
Mais recentemente - é ainda informaçao de CHARLES
HUGHES -.. êsse 'mesmo principio foi reafirmado pela chief-
-justice TAFT no casa Keller v. Potomac Electric Power Co.
Foi entao decidido, em apelaçao provinda da Côrte de Apela-
çao do Distrito de Columbia, que 0 Congresso naD pode con-
ferir à Suprema Côrte, mesmo em recurso de outro tribunal
revisor, funç6es de discriçao legislativa concernentes à fixaçao
2 HUGHES, The Supreme Court, 1928, p. 301; WARREN, Congress, The Constitu-
tion 'end the Supreme Court, 1935, p. 259. Todavia, no tocante à. Court of Claims,
o prlnc!pl0 p<lrece comportar exceç6es (BALDWIN, The American JudiciaTlI, p. 148).
200 CASTRO NUNES

de contribuiçoes devidas pela uso de um serviço publico - "It


was there decided that Congress cannot confer power upon
the Supreme Court to review, on appeal from another review-
ing court (in that case, the Court of Appeals of the District
of COlumbia), the legislative discretion of a public utilities
commission in fixing rates for public service corporation so
as to en able the court to consider the facts and fix the rate
which the commission should have made." 3
É a aplicaçao do antigo principio de que 0 Judiciârio nao
emite parecer, nao examina os fatos pelo aspecto da sua con-
veniência ou oportunidade, mas unicamente do ponto de vista
legal ou juridico.
2. Posiçao do Supremo Tribunal no mecanismo judi-
cJario. 0 Supremo Tribunal é um aparelho sui generis no
mecanismo judiciârio, sem paridade corn os tribunais de ape-
laçao, pois que inexato seria defini-lo coma um Super-Tribu-
nal dêsse gênero, e nem mesmo corn as côrtes de cassaçao
conhecidas em outros paises, das quais, tOdavia, se aproxima
muito mais.
Comoinstância de preservaçao do direito federal, de que
é instrumento 0 recurso extraordinârio nas suas diferentes
hip6teses; nao é uma instância revisora dos julgados locais
no sentido' de uma terceira instância, um Super-Tribunal de
Apelaçéio - de vez que limitada a jurisdiçao por êle exercida
aa âmbito da questéio federal, que se circunscreve ao julga-
mento de uma questéio de direito, mesmo nas hip6teses que
envolvam 0 mérito da causa, nao se estendendo ao reexame
dos fatôs e' das provas, que aceita nos têrmos postos pela tri-
bunal recorrido, 0 que acentua 0 traço, que lhe é peculiar, de
jurisdiçao de direito publico. 4
Nao é a rigor uma Côrte de Cassaçao, porque nao se li-
mita a càssar a sentença tresmalhada e mandar que 0 tribu-
nal recortido profira outra - como da indole de tais côrtes

3 HUGHES, ob. clt., pa. 32-33.

• Tribunal de Apelaçao é, entretanto, no julgamento das causas da Unlao, corn·


petêncla anOmala estranha à lnstltulçao, sobretudo no atual slstema.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 201

-- mas julga, êle mesmo, a espécie, no decidir a questiio fe.


deral que motivou 0 recurso.
Por outro lado, nas causas da liberdade é êle por exce.
lência 0 orgao da jurisdiçao do habeas-corpus. Aqui nao hâ
limitaçoes. Originariamente ou em recurso, cabe-lhe tutelar
por aquele meio a liberdade individual compremetida em face .
da lei, seja quaI for a jurisdiçao, local ou federal, comum ou
especial. É, pois, um orgao à parte, desconhecido na orgâ-
nica judiciaria tradicional, de sentido politico na sua desti-
naçao constitucional, 5 uma magistratura de exceçao até
mesmo nas gàrantias da funçao. 6
Em face da atual Constituiçao dilatou-se 0 pIano jurisdi-
cional em que se situam 0 Supremo Tribunal e as justiças 10-
cais. A articulaçao que outrora se realizava som ente pela
recurso extraordinario (salvo em matéria penal, em que era
mais ampla, porque compreensiva também da revisao crimi-
nal), se opera ja hoje também pela recurso ordinario das de-
cisoes da primeira instância local, que passou a fazer as vêzes
da extinta justiça federal, nas causas da Uniao. Destarte
deslocou-se mais para 0 centro do sistema.
o Supremo Tribunal é uma instância de superposiçao
em relaçao a tôdas as jurisdiçoes do pais, em escala maior ou
menor. É essa a sua posiçao no mecanismo judiciario.
Nao é um tribunal ordinario ou comum, senac 0 orgao de
uma jurisdiçao especial, que lhe é propria, corn as caracte-
risticas acima expostas.
Entende-se nos Estados Unidos que a Suprema Côrte é
a cupola, nao so da justiça federal mas de todo 0 sistema
judicial da Naçao - "At the head of the federal judiciary, and
through its appeal jurisdiction at the head of the whole judi-
cial system of the United States, is the Supreme Court of the
United States." 7
Entre nos, por melhores razoes, podera dizer-se 0 mesmo.
6 VeJa-se 0 cap. I.
e Quero referir-me ao impeachment, de que tratarel adlante.
7 BUSHNELL HART, Cyclopedia of American Government, v. III, yb. Supreme Court
202 CASTRO NUNES

3 . As garantias da funçao - Disposiçoes peculiares ao


Supremo Tribunal. 0 Supremo Tribunal constitue uma ma-
gistratura à parte. É uma magistratura vitalicia, inamovi-
vel e de vencimentos irredutiveis. Mas a vitaliciedade dis-
crepa das normas comuns, de vez que a perda do cargo, por
demissao, a titulo de pena, é pronunciada por uma jurisdiçao
poIitica, que é 0 Conselho Federal (nas antigas Constituiçoes,
o Senado), em contrario à regra de que a perda do cargo, na
funçao vitalicia, supoe processo e julgamento judicidrios. 8
Por outro lado, 0 cargo de ministro do Supremo Tribunal
nao é fim de carreira, no sentido de que a êle nao sobe 0 no-
meado, quando magistrado, por promoçiio.
Sao traços peculiares que determinam, no desenvolvi-
mento das garantias da. funçao, regras especiais quanto ao
tempo de serviço para a aposentaçao e montepio.
o ministro do Supremo Tribunal é um magistrado, mas
de categoria sui generis, como 0 é por igual 0 proprio Tribu-
nal, cuja feiçao politica, no alto sentido do têrmo, nao pode
ser desconhecida sem 0 desnaturar.
4. Aposentadoria e montepio. A lei n. 4.837, de 10 de
julho de 1924, estabeleceu condiçoes especiais para a aposen-
taçao dos ministros do Supremo Tribunal, determinando:
a) que 0 que contasse menos de 20 anos de serviço publico
tivesse tant as vigésimas partes do ordenado quantos os anos
de serviço; b) 0 ordenado por inteiro ou os vencimentos in-
tegrais, se 0 tempo de serviço for de mais de 20 ou exceder de
25 anos, respectivamente. Reduziu a inspeçao de saude a
um s6 exame e determinou: "Aos ministros que tiverem, pelo
"menos, quatro anos de exercicio efetivo no Supremo Tribu-
"nal sera computado para a aposentadoria 0 tempo de serviço
"prestado na magistratura estadual".
Considerou-se, para reduzir a 25 anos 0 tempo necessario
para a aposentaçao copI vencimentos integrais e para mandar
contar 0 tempo de serviço nas magistraturas estaduais, que
8 De certo modo, também a inamovibllldade, que sofre a restriçâo pressuposta na
possibilidade con~tituc:onal da mudnnça cla capital d·::r. Uniao, onde tem sede, par
outra clausula constituc!onal, 0 Supremo Tribunal.
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICrARIO 203

os nomeados para 0 Supremo Tribunal teriam de nele ingres-


saI' ja em idade madura, em geral muito depois dos 35 anos,
limite minimo' estabelecido, sendo que muitos deles teriam de
vir, e sempre vieram, das justiças estaduais, 0 que tornaria
dificil a aceitaçao da investidura se houvessem de perder 0
tempo de serviço estadual.
A constitucionalidade da lei de 1924 encontra hoje, em
face do art. 156, e, da Constîtuiçao, melhor fundamento do
que sob a Constituiçao de 91, porque expressa nesse disposi-
tivo - "0 prazo para a concessao da aposentadoria. " corn
"vencimentos integrais, por invalidez, podera ser excepcional-
"mente reduzido nos casos que a lei determinar" - a possi-
bilidade legal do tratamento de exceçao. Alias, foi sempre
pacifica a aplicaçao daquela lei, quer pela Tesouro, quer pela
Tribunal de Contas, mesmo nos casos das aposentaçoes com-
pulsoriamente decretadas pelo Govêrno Provis6rio, em 1931,
nao obstante prefigurada a s6 hip6tese de invalidez na sua
preceituaçao.
No tocante à computaçao do tempo de serviço estadual
hoje por melhor razao, dado 0 carater nacional das justiças
dos Estados.
- Os ministros do Supremo Tribunal nao sao contri-
buintes obrigat6rios do I.P.A.S.E., teem direito ao montepio da
antiga legislaçao (dec. n. 942-A, de 31 de outubro de 1890), 0
quaI lhes foi facultado pela lei n. 5.137, de 5 de janeiro de
1927, tendo sido fixado em dois contos de réis mensais pela
dec.-Iei n. 1.155, de 15 de março de 1939. 9
5. 0 "impeachment" aplicado aos mÏnistros do Supremo
Tribunal. (Da noçao do impeachment ja tratamos na Intro-
duçao, cap. IV.) Ao Senado, sob as antigas Constituiçoes,
competia conhecer dos crimes de responsabilidade dos mi-
nistros do Supremo Tribunal Federal. Hoje a mesma atri-
buiçao compete ao Conselho Federal. Ao tempo da Consti-
tuiçao de 91 muito se discutiu se ao Senado competiria tam-
bém processa-los, ou somente julga-los, coma estava expresso
• Sobre as restriçoes ao exerclcio da advocacia mesmo depo1s de aposentado 0
ministro, veja a nota 27, cap. m do tlt. II.
204 CASTRO NUNES

no art. 56, § 2. 0 • PEDRO LESSA, resumindo as opinioes sôbre a


controvérsia, entendia, e bem, que na funçao de julgar se
teria de haver como incluida a de processar, porque de outra
modo poderia frustrar-se a atribuiçao do Senado - "Viria
"êste a ficar privado de exercer sua competência sempre que
"ao Supremo Tribunal Federal se afigurasse nao haver justa
"motivo para a denuncia contra a letra e 0 espirito da Cons-
"tituiçao". 10
Por ocasiao da reforma constitucional de 26 0 assunto
voltou à tona: Cogitou-se de emenda, que teve parecer favo-
ravel da Comissao Especial da Câmara. Dizia a emenda:
"0 Senado processara e julgara os membros do Supremo Tri-
"bunal Federal nos crimes de responsabilidade ... ".
A emenda visava "a conveniência de unir a formaçao da
"culpa ao julgamento", como explicou 0 parecer daquela Co-
missao; mas foi retirada. 11
Na verdade era desnecessaria, nao obstante opinioes em
contrario entendendo que na funçao de julgar conferida ao
Senado nao se incluiria a de processar. 12
Ambas as atribuiçoes estao hoje expressas no texto cons-
titucional. .
o impeachment aplicado aos ministros do Supremo Tri-
bunal sofre restriçoes que derivam do entendimento combi-
nado de outros textos e da sua condiçao mesma de magis-
trados.
Assim é que independe de declaraçao da procedência da
acusaçao pela Câmara dos Deputados, formalidade que se
deve entender restrita ao impeachment do. Presidente da
Republica e dos ministros çie Estado nos crimes conexos (ar-
tigo 86 comb. com 0 art. 89, § 2.0 ) . A definiçao dos crimes
pOT lei especial s6 esta prevista para 0 Presidente (art. 86,
§ 2.0 ), do que decorre que, em se tratando daqueles magis-
trados, os crimes serao os da lei penal comum. Quanto ao

10 Do Poder JUdicidrio, ps. 31 a 34.


II Documentos Parlamentares, Revislio ConstituCional, II, ps. 5 a 9.
Jjl Entre outros, MUNIZ SODRÉ, 0 poder Judicidrio nll Revislio Constitucional,
ps. 31 e segs.
l'EORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 205

processo é uma decorrência da mesma regra que deva ser 0


comum, completado pela que dispuser 0 Regimento Interno
do Conselho Federal. 13
Reduz-se, portanto, 0 impeachment aplicado aos jUlzes do
Tribunal Supremo ao processo e julgamento dêstes por uma
Côrte nao judiciaria, que é 0 Conselho Federal.
Ha que observar que nao esta no âmbito do Conselho Fe-
deral aplicar outras penas senao a da "perda do cargo, corn
"inhabilitaçao até 0 maximo de cinco anos para 0 exercicio
"de qualquer funçao publica" (art. 86, § 1.0). Outras penas
em que incorra 0 acusado serao aplicadas pela justiça comum
- "sem prejulzo das aç6es civeis e criminais cabiveis na
"espécie" .
Varias quest6es suscitadas ao tempo da Constituiçao de
91 podem ser aqui recordadas para melhor ilustraçao da ma-
téria. A mais importante delas foi a de saber se 0 Congresso
poderia, sem ofensa ao espirito e à letra da Constituiçao, fazer
uma lei especial incriminando atos de funçao dos ministros
do Supremo Tribunal.
No v. 1 da Teoria e Pratica da Constituiçao, p. 472, escre-
veu AURELINO LEAL: "Nao ha lei nenhuma especial definindo
"os crimes de responsabilidade dêsses altos funcionarios (mi-
"nistros do Supremo Tribunal), devendo-se entender que sao
"os de oficio a que se referia 0 § 2.° do art. 5.° da lei de 18 de
"setembro de 1828, que 0 art. 11 do Regimento do Supremo
"Tribunal chama "crimes de responsabilidade do cargo". Na
"denu.ncia ou queixa respectiva dever-se-a, pois, recorrer ao
"C6digo Penal para classificar 0 crime".
Reservando-se para maior desenvolvimento no comenta-
rio ao art. 57, § 2.°, que nao chegou a escrever, 0 preclaro e
saudoso constitucionalista deixa entrever, todavia, 0 seu modo
de ver contrario à capitulaçao de delitos especiais para os
juizes da Côrte Suprema.
o assunto teve 0 seu momento quando, na presidência
HERMES, se cogitou de elaborar uma lei de responsabilidade
dos ministros do Supremo Tribunal. Era juiz dêsse Tribu-
13 De outro modo dlspôe 0 Côdlgo de Processo Penal no art. 1.°, n. II.
206 CASTRO NUNES

nal 0 sr. PEDRO LESSA, que escreveu a proposito: "1i:sses crimes


"sao os definidos no Codigo Penal. Quando no art. 54 se
"ocupou dos crimes de responsabilidade do Presidente da
"Republica, 0 legislador constituinte indic ou em que consis-
"tiam tais delitos, e dispôs que na primeira sessao do primeiro
"Congresso se fizesse a lei em que tais crimes deviam ser de-
"finidos, de acôrdo corn 0 preceito do art. 54. No § 2.0 dêste
"art. 54 alude apenas aos crimes de responsabilidade. Pa-
"rece evidente que naD se cogitou de crimes de responsabili-
"dade que devessem ser criados especialmente para os mem-
"bros do Supremo Tribunal Federal, de novas figuras de cri-
"mes de responsabilidade até entao ignoradas entre nos, mas
"dos crimes de responsabilidade capitulados em nossa lei
"penal. Nem explicita nem implicitamente a Constituiçao
"autoriza 0 Congresso a arvorar em crimes de responsabili.
"dade para os membros do Supremo Tribunal Federal atos
"que naD se reputam tais para a magistratura, federal ou es-
"tadual, em face do nosso C6digo Penal". 14
Na verdade era essa a melhor doutrina. A Constituiçao
s6 cogitava, como ainda hoje, de lei especial para os crimes de
responsabilidade do Presidente da Republica.
"Os crimes de responsabilidade" - disse-o RUI BARBOSA,
dando à doutrina de PEDRO LESSA 0 apoio inestimavel da sua
adesao - "sao definidos em comum no Codigo Penal, corn
"relaçao a todos os funcionarios, que neles incorrem, exce-
"tuando a Constituiçao apenas os do Presidente da Republica,
"u.nÎCo e sa funcionario, magistrado unico e s6, a respeito de
"quem a nossa lei fundamental declara, no seu art. 54, que
"uma lei especial definira os crimes de responsabilidade.
"Claro esta que, se os dos membros do Supremo Tribunal hou-
"vessem também de se definir em lei especial, 0 texto da Carta
"republicana, preciso e perempt6rio, sôbre 0 assunto, no to-
"cante ao Presidente da Republica, seria igualmente explicito
"e solene, em vez de omisso e silencioso, a respeito daqueles
"magistrados". 15

H Ob. clt., p. 34.


Ui Discurso no Instltuto dos Advogados, 19 de novembro de 1914.
TE ORlA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 207

Outra questao interessante foi esta levantada por PEDRO


LESSA: Sujeitos os ministros do Supremo Tribunal aos crimes
definidos no C6digo Penal, as penas correspondentes nâo po-
derao ser outras senao as previstas na mesma preceituaçâo.
E se 0 crime nao comportar a perda do cargo, se a pena for,
por exemplo, a de suspensao por certo tempo, estaria na al-
çada do Senado, e, ainda agora, na do Conselho Federal, pro-
nuncia-Ia?
A soluçao negativa se impunha, como por igual em face
da Constituiçao vigente. Se 0 delito nao comporta a perda
do cargo, unica ao alcance do 6rgao politico, se nao é esta a
pena legal, é que nao tem gravidade bastante para autorizar
o processo e 0 julgamento de exceçao. 16
Na mesma ordem de idéias tive ocasiao de examinar 0
assunto nestes têrmos: "Entende-se que 0 Tribunal de im-
peachment nao pode abrandar a pena, exatamente porque,
nao sendo uma côrte judiciaria, lhe é defeso gradua-la, e,
ainda, porque seria contradit6rio corn a finalidade daquele
instituto conservar no cargo 0 funcionàrio condenado. E
suspendê-Io apenas seria, virtualmente, assegurar-Ihe 0 exer-
cicio - soluçao inadmissivel no direito americano. 17
É de observar, alias, que a subtraçao dos pequenos deli-
tos ou das faltas funcionais de menor monta ao julgamento
por impeachment é de regra - "In general ... it is now un-
derstood that civil officials are not to be impeached except for
grave misconduct or malfeasance in office. General ineffici-
ency, or bad judgement, or the abuse of an official's discre-
tionary authority are not grounds for impeachment." 18
Entendia PEDRO LESSA que da sentença de impeachment
poderia caber 0 recurso de revisao para 0 Supremo Tribunal,
pela consideraçao de que 0 impeachment no Direito Constitu-
cional brasileiro diferia do instituto no direito americano,
dada a sua feiçao mais judiciaria do que politica, modo de
ver inaceitavel, porque importaria em dar ao Supremo Tri-
bunal 0 poder de cassar a decisao condenat6ria e, ·consequen-
16 Ibidem, p. 35.
11 SHEPAliDSON, in Cyclopedia of American Government, v. II, Yb. Impeacn.
16 MUNRO, The Government of the United States, ed. 1927, p. 210.
208 CASTRO Nu NES

temente, fazer retornar ao cargo 0 ministro destituido. 0


juiz final do impeachment ja nao seria 0 Senado ou 0 Conse-
lho Federal, em contrario ao texto que evidentemente assim
o supoe.
Nem mesmo 0 indulto se permite. Nos Estados Unidos 0
instituto de impeachment tem mais extensa aplicaçao.
Abrange de um modo geral os funcionarios civis - civil of-
ficers. Entretanto, 0 poder conferido ao Presidente da Repu-
blica em matéria de indulto ou comutaçao de penas esta ve-
dado expressamente nos casos de impeachment. 19
6. Articulaçao do Supremo Tribunal corn as justiças es-
peciais da Uniao. A razâo de ser da articulaçâo do Supremo
Tribunal corn as justiças locais é a necessidade de assegurar
em todo 0 pais a autoridade do direito federal e a uniformi-
dade das jurisprudências em tôrno da aplicaçao das leis fe-
derais, 0 que se realiza pelo recurso extraordinario.
Tratando-se, porém, de justiças da Uniao a mesma razao
inexiste, salvo, por outro motivo, em se tratando de causas
da liberdade.
As três justiças especiais de que cogita a Constituiçao
(justiça militar, justiça especial do art. 122, 17, e justiça do
trabalho) sao jurisdiçoes federais, em principio autônomas,
escalonadas em instâncias dentro do seu proprio mecanismo.
A articulaçao se apresenta, pois, em medida muito mais ou,
talvez, demasiado reduzida. Corn as justiças militar e espe-
cial (Tribunal de Segurança Nacional), ambas de indole cri-
minaI, somente por meio do habeas-corpus e dos conflitos de
jurisdiçao suscitados corn as justiças comuns ou entre uma e
outra. Corn a justiça do trabalho som ente nas hipoteses de
conflito, de vez que outro orgao, senao 0 Supremo Tribunal,
nao poderia resolver a controvérsia sôbre competência entre
ela e as jurisdiçoes comuns.
7. ArticuIaçao corn as justiças Iocais. A Constituiçao
partilhou tôda a jurisdiçao comum, excetuadas as causas da
competência originaria do Supremo Tribunal, entre êste e as
10 WALKER, American Law, p. 100; WILLOUGHBY, ob. cit., t. II, p. 1.124.
TEORIA E PRATICA DO PODER Junlcmro 209

justiças locais. É êste 0 sentido do art. 107: "Excetuadas


"as causas da competência do Supremo Tribunal Federal,
"tôdas as demais serao da competência das justiças dos Es-
"tados, do Distrito Federal ou dos Territ6rios".
Causas da competência do Supremo Tribunal SaD tam-
bém es sas mesmas, as quais, ingressando nos pretOrios 10cais,
lhe sobem em recurso, ordinario ou extraordinario, continuan-
do, pois, 0 seu curso,' tao certo é, como diz JAPIOT, que 0 re-
curso continua '0 litigio, que s6 termina.,esgotados todos os
meios de atacar a sentença nas diferentes instâncias. 20
A clausula "tôdas as demais serao da competência das'
"justiças dos Estados ... " naD significa, pois, que de tais
causas naD conheça 0 Supremo Tribunal, estando subenten 4
.

dida essa possibilidade nos têrmos constitucionais da sua


competência de recurso.
A ressalva expressa - "Excetuadas as causas da compe-
"tência do Supremo Triblmal ... " refere-se às causas de que
s6 êle mesmo conheça, corn exclusao das justiças locais, etais
SaD as da sua competência originaria.
Mas 0 sentido do texto naD se completa sem revelar outra
ressalva que se deve haver como implicita, ja agora do ponto
de vista da totalizaçao atribuida àquelas justiças. Excluidas
as clausulas da competência originaria do Supremo Tribunal,
tôdas as demais serao da competência local, excetuadas as
que, civeis ou criminais, couberem na competência da justiça
do trabalho, da justiça militar e da justiça especial.
o art. 107 pressup6e a inexistência de uma primeira ins-
tância federal. Esta impIicita no seu enunciado a extinçao
dos juizos federais. Foi por causa disso que se declarou que,
excetuadas as causas da competência, scilicet originaria do
Supremo Tribunal, tôdas as demais seriam da competência
local, isto é, que entre 0 Supremo Tribunal e as justiças la-
cais outra jurisdiçao naD haveria de permeio. 21
o enunciado completo do que se contém no texto vem a
ser, pois, nos têrmos expostos, 0 seguinte: Excetuadas as

"" JAPIOT, ob. cit., n. 142.


21 Veja-se 0 cap. "0 Poder Judiciâ.rio na Constituiçâo de 37".

F.14
210 CASTRO NUNES

causas originârias do Supremo Tribunal, tôdas as demais


serao da cornpetência local, ressalvada a competência das
justiças especiais da Uniao, e a possibilidade de chegarem até
o Supremo Tribunal, nos têrmos constitucionais da sua corn·
petência de recurso.
8. Quadro geral da competência do Supremo Tribunal.
A competência do Supremo Tribunal é: originaria, de re-
curso ordinario (causas da Uniao) e de recurso extraordi-
nario. 22

A competência originâria, que se exerce em instância


linica, compreende 0 processo, 0 julgamento e a execuçao das
decisoes proferidas.
Em tais causas 0 Supremo Tribunal processa, julga e
executa.
Uma exceçao se abre para as açoes recisorias dos seus
proprios julgados - que êle somente julga, naD processa.
Outra: a possibilidade que se lhe facultou de delegar atos
do processo da execuçao a juiz inferior .
.A competência de recurso, ordinârio ou extraordinârio,
sup6e 0 feito processado nas instâncias inferiores. A compe-
tência é conferida somente para julgar a causa por via do
recurso, com 0 processamento dêste depois de apresentado na
instância superior. A regra é que 0 que pertence à compe-
tência originâria naD po de caber na de recurso, ou. vice-versa.
Faz exceçao a essa regra a competência cumulativa para 0
habeas-corpus. Dêste, tanto conhece 0 Supremo Tribunal
originariamente como em grau de recurso, quando denegado,
e até supletivamente em dadas circunstâncias (art. 101, l,
g, fine).
Na atual organizaçao estreitou-se consideravelmente a
jurisdiçao penal, que 0 Supremo Tribunal exercia por apela-
"" Em setembro de 1940, 0 Supremo Tribunal entend eu sem apl!caçao no seu me-
canismo 0 recurso de revista. Crelo, porém, que estarla na sua alçada adota-Io,
sem col!sao possivel corn 0 recurso extraordlnarlo.
A revista é um recurso interno, destina da a reajustar declséies divergentes
de um mesmo tribunal quando fracionado em turmas ou camaras. Tanto pode
exlstlr nos tribunals locals coma no Supremo Tribunal, enquanto êste estiver bl-
parÜdo. A conslderaçao que domina 0 assunto Il a da convenlêncla, estando ao
alcance do Supremo Tribunal admiti-Io ou nao, no seu Reglmento.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 211

çao nas causas criminais da competência dos juizes federais


e nas revisôes criminais.
Os chamados "crimes federais" sao hoje da competência
local, em ambas as instâncias, corn exceçao de categorias ~tri­
buidas à justiça especial (Tribunal de Segurança Nacional).
A revisao criminal passou a ser um recurso do âmbito do
proprio tribunal prolator da sentença condenatoria.
A matéria criminal que entra, pois, na competência do
Supremo Tribunal se restringe aos casos da sua competência
originâria ou dela so conhece êle por via do recurso extraor·
dinârio ou do habeas-corpus, nos têrmos expostos.

9 . Atribuiçoes administrativas. Nao tendo primeira


instância a êle subordinada· administrativamente, pois que os
juizes inferiores, mesmo quando julgam causas da Uniao,
estao sujeitos ao Tribunal de Apelaçao respectivo na conces-
sao de licenças, férias, etc., sao hoje muito reduzidas as atri-
buiçôes administrativas do Supremo Tribunal, limitadas aos
serviços da secretaria e mais serviços auxiliares nos têrmos jâ
expostos (Ut. II, cap. II) e discriminadas no seu Regimento
Interno.
Muito mais amplas eram as atribuiçôes do antigo Supre-
mo Tribunal, umas de carâter politico, outras propriamente
administrativas.
Assim é que lhe competia: dar posse ao Presidente da
Repùblica, nao estando reunido 0 Congresso; propor ao Pre-
sidente da Republica os cidadaos aptos para os cargos da ma-
gistratura federal; censurar ou advertir nas sentenças os
juizes inferiores, e multâ-los ou condenâ-los nas custas; ad-
vertir e suspender os advogados pOl' espaço de tempo nunca
maior de 30 di as ; além de outras mencionadas na lei (dec.
n. 3.084, 1; art. 14). Mais extensas sao as atribuiçôes da
Côrte Suprema argentina, mesmo comparadas corn as que
tinha 0 nosso Supremo Tribunal. A Côrte argentina exerce
superintendência sôbre as câmaras e juizes federais, expe-
dindo instruçôes e regulamentos, impondo penas disciplina-
212 CASTRO NUNES

res, de modo a atender ao que for mais conveniente à admi-


nistraçao da justiça. 23
Mais de uma vez, informa ZAVALIA, a Côrte tem corrigido
até por via telegrafica desmandos e abusos dos juizes das
câmaras federais, aventando-se mesmo a conveniência de se
Ihe conferir 0 poder de suspender administrativamente os
juizes "como el unico medio de hacer cesar situaciones ingra-
tas y peligrosas, mientras se allana el camino de la separa-
cion definitiva del malo juez". 24

.. GoNZÂLEZ CALDœ6N, ob. cit., m, ps. 416-417.


.. ZAVALIA, Dereclto Federal, ps. 146-147.
CAPITULO IV

CAUSAS DA COMPETOCIA ORlGINARIA

SUMARxo: 1. A competêncla orlglnârla no texto de 91 examlnado em comparaçâo


com 0 amerlcano e 0 argentlno. 2. No texto atual. 3. Mlnlstros do Su-
premo Tribunal (Inclso a). 4. Mlnlstros de Estado (lnclso b). 5. Embal-
xadores e minlstros dlplomatlcos. 6. Outras autorldades de que cogita 0
Inciso. 7. Causas e conflitos entre a Unlao e os Estados ou entre estes (In~
ciso c). 8. Litiglos entre ns.çëies estrangeiras e a Unlâo ou os Estados (InCI-
50 d). 9. Conflitos de jurlsdiçâo (inclso e) e de "atribuiçao". 10. Avoca-
t6rla para restabelecer a jurlsdlçao do Supremo Tribunal.

1. A competência originâria no texto de 91 examinado


em comparaçào com 0 americano e 0 argtmtino. A primeira
Constituiçao republicana, definindo a competência originaria
do Supremo Tribunal, usava da locuçao "processar e julgar
"originaria e privativamente".
o advérbio tinha por fim excluir a partilha da compe-
'tência com os juizes inferiores."De certas causas" - expli-
cava JOAo BARBALHO - "sôbre assunto de carater nacional ou
"internacional s6 0 Supremo Tribunal Federal conhece. Pe-
"rante êle começam e acabam em uma unica instância. Com
"relaçao a ela, os juizes inferiores apenas praticarao as dili-
"gências que lhes forem.ordenadas".
PEDRO LESSA, igualmente, salientava que a competência
privativa em tais quest6es visava excluir os juizes inferiores
"porque assim 0 exigem um alto interêsse nacional e a po-
"siçao especial dos litigantes, circunstâncias que requerem
"para êsses casos predicados intelectuais e morais que naD se
"presumem nos juizes singulares de instância inferior ... ".1
Dêste modo, a Constituiçao de 91 se aproximava mais da
argentina do que da americana, como veremos a seguir.
1 PEDRO LESSA, ob. cit., p. 45.
214 CASTRO NUNES

Na Constituiçao dos Estados Unidos, a clausula correspon-


dente se limita a conferir à Suprema Côrte competência ori-
gindria para certas causas - ((In all cases affecting ambas-
sadors, other public ministers and consuls, and these in which
aState shall be a party, the Supreme Court shall have orig-
inal jurisdiction."
Na Republica Argentina, a Constituiçao confere à Côrte
Suprema atribuiçao origindria e exclusiva nas causas concer-
nentes a embaixadores ou naquelas em que uma provincia
seja parte - "la ejercerd originaria y exclusivamente" - diz
o art. 101.
Corn fundamento neste advérbio se tem entendido que
estao excluidas outras quaisquer causas, mesmo habeas-
-corpus.
, Em 1885, a Côrte se negou a tomar conhecimento de um
pedido dessa natureza originariamente feito, pOl' entender
que os têrmos constitucionais sac diversos dos do C6digo nor-
te-americano, onde a jurisdiçao da Côrte como instância unica
é somente origindria, sendo licito reparti-la corn as côrtes in-
feriores, para lhe dar maior eficiência; ao passo que na Ar-
gentina a clau sula constitucional naD comporta ensanchas,
visto que é ~xclusiva, unica, restrita, a competência da C6rte
Suprema, naD comportando, 'pOl' igual, nem reduçao nem am-
pliaçao.
Êsse entendimento, ao que parece, tem sido mantido.
Ainda hoje, informa ZAVALIA, naD se admite que a Côrte exerça
competência originaria para 0 habeas-corpus, que, s6 em grau
de recurso, pode chegar ao seu conhecimento. 2
Do modêlo americano se afasta 0 texto argentino, como
se afastava 0 nosso de 91. Neste, a competência, além de
originaria, era privativa; naquele, originaria e exclusiva.
Mas 0 sentido dêsses vocabulos teria de conduzir, como con-
duziu, a entendimentos diferentes. No argentino, exclusiva
se traduziu por excludente, as causas da competência origi-
naria seriam as enumeradas, com exclusao de outras, mesmo
as de habeas-corpus. No brasileiro, privativamente visou so-
2 ZAVALIA, ob. cit., p. 49.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 215

mente demarcar a competência em face dos juizos inferiores,


para 0 efeito de vedar a estes qualquer competência decisoria
nas causas enumeradas.
Dai resultou que, entre nos, pôde ser admitida na com-
petência originaria, ainda que naD mencionada no texto cons-
titucional de entao, a competência para 0 habeas-corpus, que,
dêste modo, passou a pertencer, em comum, à instância su-
prema e aos juizes inferiores, de cujas decisoes conheceria ela
também em grau de recurso.
Foi uma derivaçao, pOl' construçao, de um casa implicito
de competência originaria, alias naD unica, porque do mesmo
modo, por fôrça de compreensao, se derivou para a açao re-
cisoria dos julgados do Supremo Tribunal, pois que so êste
mesmo poderia recindi-Ios, omissa por igual a Constituiçao.
Por tudo isso dizia com razao J oAo MENDES que a com-:-
petência originaria entre nos era privativa, ou nao, dando 0
exemplo da competêricia concorrente ou cumulativa no ha-
beas-corpus, originariamente e em grau de recurso.
A Constituiçao americana, definindo a competência ori-
ginaria nos têrmos acima reproduzidos, acrescenta que em
tôdas as outras causas, que naD sejam as daquela competên-
cia - "in all other cases" - a competência da Suprema Côrte
é de apelaçao, com as exceçoes que 0 Congresso estabelecer -
"with such exceptions and un der such regulations as the
Congress shall make". Dai se conclue que, franqueada ao
Congresso a jurisdiçao· de recurso, vedada se deve entender a
originaria, naD podendo esta ser nem reduzida nem ampliada
-- "It has been he/J that it is not competent for Congress to
give to the Supreme Court original jurisdiction in other than
these specifically enumerated cases."
Entende-se, porém, que conferir às côrtes inferiores certas
atribuiçoes nas matérias da competência origLllaria naD im-
porta na negaçao do principio, uma vez que se reserve à Su-
prema Côrte 0 julgamento definitivo, por isso que a atribuiçao
é origindria, mas naD exclusi1)a. 0 julgado padrao nessa ma-
téria foi 0 casa Ames v. Kansas, quando 0 assunto foi larga-
mente examinado - "the question was very fully examined"
- tendo sido entao assentado que - "the original jurisdic-
216 CASTRO NUNES

tion of the Supreme Court in cases where aState is a party


is not made exclusive by' the Constitution, and that it is com-
petent for Congress to authorize suits by aState to be
brought in the inferior courts of the United States." 3

2. No texto atuaI. A Constituiçao de 34, com a liçao


dêsses antecedentes, expressou na competência originaria 0
habeas-corpus e a açao recisoria, deixando de reproduzir 0 ad-
vérbio privativamente. Do mesmo modo a atual, que se li-
mita a dizer no art. 101: "Ao Supremo Tribunal Federa]
"compete: l, processar e julgar originariamente . .. ".
É a clausula americana; com 0 mesmo sentido ja exami~
nado. E como definida esta por igual na Constituiçao a com~
petência de recurso ordinario (causas da Uniao) e bem assim
a do recurso extraordinario (de ambos trataremos no lugar
proprio), 0 principio que dai resulta é que a competência do
Supremo Tribunal, seja originaria, seja de recurso, é inacces-
sivel ao legislador ordinario.
É a seguinte a enumeraçao· constitucional :
"Art. 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete :
"l, processar e julgar originariamente :
"a) os ministros do Supremo Tribunal;
"b) os ministros de Estado, 0 procurador geraI da Repu-
"blica, os juizes dos tribun ais de apelaçao dos Estados, do
"Distrito Federal e dos Territorios, os ministros do Tribunal
"de Contas e os embaixadores e ministros diplomaticos, nos
"crimes comuns e nos de responsabilidade, salvo, quanto aos
"ministros de Estado e aos ministros do Supremo Tribunal
"Federal, 0 disposto no final do § 2.° do art. 89 e no art. 100 ;
"c) as causas e os conflitos entre a Uniao e os Estados,
"ou entre estes;
Ud) os litigios entre naç6es estrangeiras e a Uniao ou os
"Estados;
<te) os conflitos de jurisdiçao entre juizes ou tribun ais
"de Estados diferentes, incluidos os do Distrito Federal e os
"dos Territorios ;
1 WILLOUGHBY, ob. clt., II, ps. 971-975.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 217

al) a extradiçao de criminosos, requisitada por outras


"naç6es e a homologaçao de sentenças estrangeiras ;
ag) 0 habeas-corpus, quando for paciente, ou coator,
"tribunal, funcionario ou autoridade, cujos atos estejam su-
"jeitos imediatamente à jurisdiçao do Tribunal, ou quando se
"tratar de crime sujeito a essa mesma jurisdiçao em ilnica
"instância; e, ainda, se hùuver perigo de consumar-se a vio-
"lência antes que outro juiz ou tribunal possa conhecer do
"pedido;
ah) a execuçao das sentenças, nas ca~sas da sua com-
"petência originaria, corn a faculdade de delegar atos do pro-
"cesso a juiz infel'ior".
3. Ministros do Supremo Tribunal (inciso a). A com-
petência do Supremo Tribunal para julgar os seus proprios
membros nos crimes comuns naD estava expressa na Conilti4
tuiçao de 91. Somente dos crimes de responsabilidade se co-
gitava, na atribuiçt:o dada ao Senado para os processar e
julgar, competência restrita a tais crimes e, portanto, inam-
pliavel aos comuns.
Foi a lei n. 221 que derivou a atribuiçao (art. 22, a, 1),
conferindo-a ao proprio Supremo Tribunal para processar e
julgar os seus membros nos crimes comuns.
É um privilégio de fôro, de obvia justificaçao e, segundo
BARBALHO, corn fundamento nos debates da Constituinte. 4
A Constituiçao de 34 expressou a atribuiçao mantida na
atual. A competência é restrita aos crimes comuns, porque
os de responsabilidade competem ao Conselho Federal, con-
forme a ressalva constante do final do inciso b. 5
4. Ministros de Estado (inciso b). A Constituiçao de
91 titulava no Supremo Tribunal a atribuiçao de processar e
julgar, em instância ilnica, 0 Presidente da Republica, nos
crimes coinuns, e os ministros de Estado, nos crimes comuns
e nos de responsabilidade, naD sendo estes conexos corn os do
• Oomentârios à Oonstituiçao Federal Brasileira, art. 57, § 2.°.
5 Veja-se no capitulo anterlor "0 impeachment apl!cado aos mlnlstros do Supremo
Tribunal".
21'ti CAS"TRO NUNES

Presidente, casa em que responderiam perante 0 Senado, no


processo de impeachment (art. 52, § 2.°, e art. 33).
A Constituiçao atual, mantendo a competência para os
crimes comuns e de responsabilidade dos ministros de Estado
em têrmos idênticos aos prescritos na de 91, nao inclue 0 Pre-
sidente da Republica, pela razao de que, enquanto no exer-
cicio das suas funçoes, nao podera ser chamado aos tribun ais
para responder por crime comum, conforme dispoe 0 art. 87 :
"0 Presidente da Republica nao pode, durante 0 exercicio de
"suas funçoes, ser responsabilizado por atos estranhos às
"mesmas".
Era êsse - 0 fôro privilegiado para os crimes comuns do
Presidente da Republica - um dos pontos em que a primeira
Constituiçao republicana se afastara do modêlo norte-ameri-
cano. Ao passo que nos Estados Unidos, escreveu PEDRO LESSA,
o unico julgamento exéepcional, estatuido para 0 Presidente
da Republica, é 0 impeachment, em que funciona 0 Senado
como Côrte de Justiça, entre nos os proprios crimes comuns
do Chefe de Estado teem 0 fôro especial titulado no Supremo
Tribunal, com a prévia declaraçao pela Câmara dos Depu-
. tados da procedência da acusaçao (Constituiçao, art. 53).
Essa formalidade prévia era justificada pelo mesmo
autor: "Tem pOl' fim obstar a que prossigam denuncias alei-
"vosas, processos infundados, açoes que, inoportuna ou in-.
"convenientemente, poderiam arredar do seu pôsto 0 Chefe da
"Naçao, em graves conjunturas da politica nacional, ou da
"politica internaCÏonal". 6
Voltando aos ministros de Estado, ha que examinar a re-
missao feita ao § 2.° do art. 89, que, semelhantemente ao pre-
ceituado na Constituiçao de 91, as sim dispoe :
"Art. 89. Os ministros de Estado nao sao responsaveis
"perante 0 Parlamento, ou perante os tribunais, pelos conse-
"lhos dados ao Presidente da Republica.
"§ 1.0 Respondem, porém, quanto aos seus atos, pelos
"crimes qualificados em lei.

6 Ob. clt., p. 45.


TEORIA E PRA.TICA DO PODER JUDICIARIO 219

"§ 2.0 Nos crimes comuns e de responsabilidade serao


"processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal, e,
"nos conexos corn os do Presidente da Republica, pela autori-
"dade competente para 0 julgamento dêste".
Dizendo 0 art. 89 que "os ministros de Estado naD saD
"responsaveis perante 0 Parlamento ou perante os tribunais
"pelos conselhos dados ao Presidente da Republica" e decla-
rando a seguir (§ 1.0) que responderao quanto aos seus atos
"pelos crimes qualificados em lei", esta claro que a irrespon-
sabilidade de que se trata é unicamente a irresponsabilidade
politica ou parlamentar, nao excluida a responsabilidade
penal, a que ficarn sujeitos os ministros de Estado, e bem
assim a responsabilidade civil, pelos atos criminosos que pra-
ticarem, segundo as regras gerais de direito.
Na responsabilidade conexa corn a do Presidente da Repu-
blica os crimes dos ministros de Estado sao os definidos na
lei especial (art. 86, § 2.°). Tratando-se, porém, de crime
funcional sem essa vinculaçao, sera 0 que estiver definido na
lei penal comum.

5. Embaixadores e ministros diplomatie os. A origem


dêsse dispositivo, que ja se inseria na Constituiçao de 91, é a
clausula americana que à Suprema Côrte confere competên-
cia para tôdas as causas concernentes a embaixadores, rninis-
tros publicos e cônsules - "All cases affecting ambassadors,
other public Mfnisters and consuls."
Abrangem-se na competência do Suprerno Tribunal os
crimes corn uns e os de responsabilidade. Estes, sendo crimes
da funçiio, s6 se enquadram na competência do tribunal bra-
sileiro se 0 agente diplomatico for brasileiro, pois que, em se
tratando de embaixador ou ministro diplomatico estrangeiro
acreditado no Brasil, absurdo seria admitir a competência do
fôro territorial. Alias, 0 principio geral, a ser levado ern
conta no exame desta matéria, é que os representantes diplo-
rnaticos estao isentos pela direito das gentes da jurisdiçao
do pais onde sirvam, a menos que abram mao dêsse privilé.
gio, corn autorizaçao dos seus respectivos governos.
220 CASTRO NUNES

Mesmo nos crimes comuns 0 agente diplomatico é entre-


gue ao seu pais de origem, do que decorre que, se for estran-
geiro, acreditado no Brasil e aqui cometer tal delito, deverâ
ser entregue ao govêrno do seu pais, onde respondera pela
crime praticado; se, ao inverso, for brasileiro 0 diplomata
incurso em crime comum cometido no pais estrangeiro onde
servia, naD sera julgado pelos tribunais locais, senao pela jus-
tiça brasileira, isto é, pela Supremo Tribunal Federal.
A competência do Supremo Tribunal sup6e, portanto,
agente diplomatico brasileiro, ainda que sem excluir 0 diplo-
mata estrangeiro que, devidamente autorizado, prefira ser
julgado no Brasil, ja entao pela Suprema Tribunal, que sera 0
competente.
A Constituiçao argentin a confere idêntica atribuiçao à
Suprema Côrte; mas usa de formula diversa - "causas con-
cernientes a embajadores, ministros publicos y consules ex-
tranjeros". É a formula americana, com 0 acréscimo da pa-
lavra estrangeiros. Submetidos à jurisdiçao do Supremo Tri-
bunal argentino estariam, pois, os representantes diplomaticos
estrangeiros. Houve necessidade de interpretar 0 dispositivo
para pô-la de acôrdo com 0 direito das gentes, 0 que foi feito
pela lei judiciaria de 14 de setembro de 1863. 0 agente di-
plomatico so estara sujeito ao tribunal argentino se, autori-
zado pelo seu govêrno, renunciar à jurisdiçao do seu pais de
origem.
A necessidade dessa aùtorizaçao provém de que 0 privi-
légio de ser julgado no seu proprio pais (a hipotese so pode
ocorrer curialmente, ainda que dificilmente, se 0 crime for
cornum) naD pertence pessoalmente ao diplomata, funda-se,
como diz FAucHILE, no principio da inviolabilidade da sobera-
nia do pais representado (outras expositores explicam pela
ficçao da extraterritorialidade), inviolabilidade que se comu-
nica ao representante, naD podendo êste renunciar ao julga-
mento pela justiça do seu pais sem que nisso consinta 0 seu
govêrno.
A razao de ser do fôra de exceçao é a conveniência de
entregar 0 acusado ao tribunal de maior autoridade, dados
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 221

os possiveis melindres da naçao em cujo territorio tenha sido


cometido 0 delito, pela tendência natural a suspeitar da im-
parcialidade na puniçao do responsavel; e, por outro lado,
em se tratando de diplomata brasileiro, pela relêvo da funçâo
e pela circunstância mesma de haver cometido 0 crime, ainda
que comum, quando investido da representaçao diplomatica.
Estâo compreendidos na competência do Supremo Tribu-
nal, nos têrmos acima expostos, naD obstante mencionar 0
texto somente os embaixadores e ministros, os representan-
tes diplomaticos em geral, sob qualquer denominaçao, tais
como legados, nuncios, enviados extraordinarios, ministros
residentes e encarregados de negocios.
Entenda-se, porém, que 0 privilégio de ser julgado em seu
proprio pais por crime cometido no pais onde servia naD
isenta 0 representante diplomatico das medidas de instruçâo
criminal necessarias, pressuposta a repressao ulterior do de-
lito, de vez que imunidade naD significa impunidaàe. Assim
é que as autoridades locais naD estao impedidas de proceder
a corpo de delito, coligir as provas do crime, encaminhando-as
ao govêrno do pais de origem do delinquente afim de ser pro-
movida a puniçao. É direito do Estado cujas leis foram
transgredidas pela agente diplomatico exigir a sua imediata
saida do pais, vigiar-Ihe os passos, tomar as necessarias me-
didas preventivas para que 0 fato se naD reproduza, proi-
bir-Ihe 0 comparecimento na sede do govêrno e, em dadas
circunstâncias, detê-lo ou expulsa-lo.
- A Sexta Conferência Internacional Americana, reu-
nida em Havana, com a adesao dos Estados Unidos, de paises
da América Central e da América do Sul, inclusive 0 Brasil,
adotou os seguintes principios: "a) Estao isentos das leis
"penais de cada um dos Estados contratantes os chefes de
"outros Estados que se encontrem nos seus territorios; b)
"Os funcionarios diplomaticos, isto é, os que representam de
"maneira permanente 0 govêrno de um Estado perante outro,
"ou os encarregados de missào especial, ou ainda os que se
"acreditam para representa-Io em conferências, congressos ou
"outros organismos internacionais - também escapam a tôda
222 CASTRO NUNES

"jurisdiçao civil ou criminal do respectivo Estado ante 0 quaI


"sao acreditados, naD podendo ser processados e julgados
"senao pelos tribunais de seu pais, salvo quando, devidamente
"autorizados por seu govêrno, renunciem à imunidade; c)
"Aimunidade de jurisdiçao sobrevive aos funcionarios diplo-
"maticos, no que ~e refere às aç6es que com a mesma se re-
"lacionam" .
Estende-se 0 privilégio ao comparecimento como teste-
munhas arroladas em juizo e à familia do diplomata falecido,
pOl' um prazo razoavel, até que abandone 0 pais. Relativa-
mente aos cônsules também foram pactuadas algumas imu-
nidades, ainda que mais reduzidas. 7

6. Outras autoridades de que cogita 0 inciso. As fun-


ç6es de procurador geral da Republica competiam, sob a
Constituiçao de 91, a um dos membros do Supremo Tribunal
Federal, funçao adjetivada ao ministro, com direito, portanto,
ao privilégio do fôro a êste assegurado. A Constituiçao de
34, separando a funçao, para ser exercida por pessoa estranha
ao Tribunal, determinou, porém, que 0 titular do cargo teria
os mesmos requisitos exigidos para ministro, disposiçaoman-
tida na atual Constituiçao (art. 99).
Consedario dessa graduaçao teria de ser a extensao do
privilégio de fôro ao titular do nova cargo. É 0 que disp6e
a Constituiçao atual, como ja dispunha a anterior. Ha,
porém, uma diferença: é que 0 procurador geral responde
perante 0 Supremo Tribunal nos crimes comuns e também
nos de responsabilidade.
A inclusao dos desembargadores, isto é, dos juizes dos
tribunais de apelaçao dos Estados, Distrito Federal e Territo-
rio:', e também inovaçao que vem da Constituiçao de 34 e fun-
da-se na unidade conceitual da funçao judiciaria. (Voltare-
mos ao assunto no cap. II do tit. VIII.)
7 FAUCHILE, Droit Internationa! Publique, v. 1.°, 1." parte, ps. 63 e segs.; BONFILS,
Droit Internationa! Publique, ps. 398 e segs.; LAFAYETTE, Direito Internaciona! P'Ù-
blico, I, p. 410; DESPAGNET, Droit Internationa! Publique, p. 233; GEORGES BRY,
Droit Internationa! Public, p. 351; ARAYA, Comentarios a !a Constituci6n Argen-
tine, II, p. 268; ANTOKOLETZ, Tratado de Derecho ConstituJiona! y Administrativo,
II, ps. 688 e segs.; BENTO DE FARIA, Da Condiçâo dos Estrangeiros. 1930, ps. 9 a 11.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICL\RIO 223

Quanto aos ministros do Tribunal de Contas teriam, como


funcionarios federais, nos crimes da funçao, 0 fôro privile-
giado de dupla instância, titulado na justiça federal. Entre-
tanto, 0 dec. n. 3.084, de 1898 (parte l, art. 9.°, letra f), lhes
conferia 0 fôro de exceçao exercido em instância u.nica pele
Supremo Tribunal, nos crimes de responsabilidade. 0 fun-
damento constitucional era, porém, muito discutivel,8 a
menos que se considerassem os membros do Tribunal de Con-
tas como "juizes federais inferiores" (art. 57, § 2.°, fine), e
tera sido êsse 0 motivo que levou 0 eminente autor daquela
consolidaçao a inclui-los, mas inadmissivelmente. 9
A inclusao, hoje express a, e compreensiva tanto dos
crimes de responsabilidade como dos comuns, justifica-se ob-
viamente pelo relêvo da funçao exercida por aqueles magis-
trados administrativos, equiparados pela Constituiçao, do
ponto de vista das garantias da funçao, aos ministros do Su-
premo Tribunal Federal (art. 114, fine). Nao se compreende
porque naD tenham sido mencionados os ministros do Supre-
mo Tribunal Militar. Para os que entendiam sob a Consti-
tuiçao de 91 que a justiça militar era uma modalidade da
justiça federal, os membros do Supremo Tribunal Militar e
bem assim os juizes togados inferiores (auditores) entrariam
na qualificaçao de "juizes federais inferiores" e teriam de ser
julgados, nos crimes de responsabilidade, pele Supremo Tri-
bunal em instância unica (art. 57, § 2. 0 ) . Do mesmo modo
sob a Constituiçao de 34, com fundamento na clausula do
art. 76, l, b - "os juizes dos tribunais federais", ja entao es-
tendida a jurisdiçao especial também aos crimes comuns.
Entretanto, nunca se entendeu assim na preceituaçao
legal. Nem na Consolidaçao JosÉ HIGINO (dec. n. 3.084),
nem no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal se
fêz jamais mençao dos magistrados militares. Entendeu-se,
ao contrario disso, que ao proprio Supremo Tribunal Militar

8 AlIAUJO CASTRO, Manual da Constituiçao, 2." ed., p. 151, nota. Também incons-
titucional se afigurava, e com razâo, ao mesmo autor 0 julgamento em instâncla
unlca dos governadores ou presidentes de Estado em certos crimes de responsabi-
lldade, como determinava a lei n. 3.028, de 1916, art. 56 (ibidem).
o Veja-se 0 cap. III da Introduçâo.
224 CASTRO NUNES

competiria processar e julgar em instância fulica OS seus mem-


bros e OS juizes militares inferiores. Assim dispôs 0 dec.
n. 17.231-A, de 26 de fevereiro de 1926 (Codigo da Justiça Mi-
litar), e assim disp6e 0 Codigo atual (dec.-Iei n. 925, de 2 de
dezembro de 1938, art. 91, a), ja hoje em melhores têrmos
constitucionais, pois que inexistente a antiga clausula que
dava ao Supremo Tribunal Federal competência originaria
para julgar nos crimes de funçao os "juizes federais in-
"feriores" ou os "juizes dos tribunais federais", entre os quais
se teria de incluir aqueles.
7. Causas e conflitos entre a Uniao e os Estados ou entre
estes (inciso c). Ja se inseria nas anteriores Constituiç6es
idêntica disposiçao. Apenas 0 preceito sofre hoje a restriçao
decorrente do preceituado no art. 184: "Os Estados conti-
"nuarao na posse dos territOrios em que atualmente exercem
"a sua jurisdiçao, vedadas entre êles quaisquer reivindicaçoes
"territoriais. § 1.0 Ficam extintas, ainda que em andamento
"ou pendentes de sentença no Supremo Tribunal Federal ou
"em juizo arbitral, as questoes de limites entre Estados.
"§ 2.° 0 Serviço Geografico do Exército procedera às diligên-
"cias de reconhecimento e descriçao dos limite~ até aqui su-
"jeitos a duvidas ou litîgios e fara as necessarias demar-
"caçôes" .
Excluidas estao, pois, as causas entre Estados que te-
nham por objeto reivindicaçoes territoriais, conhecidas nos
antecedentes que terao determinado a providência do art. 184,
coma questoes de limites.
As primeiras quest6es de limites levadas ao Supremo Tri-
bunal deram 111gar a uma duvida, so mais tarde resolvida,
acêrca da competência do Supremo Tribunal para resolvê-Ias.
Argumentava-se que, tendo a Constituiçao conferido ao
Congresso a atribuiçao privativa de "resolver definitivamente
"sôbre os limites dos Estados entre si e os do Distrito Federal",
tais quest6es teriam de ser dirimidas pela Congresso, e nao
pela Judiciario. Esclareceu-se, entretanto, que essa atribui-
çao era complementar da que se continha no art. 4.0, facul-
tando aos Estados alteraç6es de fronteiras, consequentes a
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 225

acordos ou convenç6es entre êles concluidos, corn aquiescên-


cia de suas respectivas assembléias. 0 pronunciamento do
Congresso, definido no art. 34, n. 10, naD seria uma decisao
sôbre direitos afirmados e contestados, mas a aprovaçao ou
desaprovaçao dos atos locais, devendo-se entender nesse sen-
tido 0 verbo resolver, empregado no texto. Nao se tratando,
porém, de alterar, por acôrdo entre os Estados interessados,
os limites atuais, mas de os manter, assentando a controvér-
sia em fatos preexistent es a provar ou documentar, ai se de-
senharia a espécie judicial, da competência originaria da Su-
prema Côrte. 10
Também a indole poZitica da controvérsia suscitou gran-
des duvidas. Na açao propos ta pela Amazonas contra a
Uniao para reivindicar 0 Acre Setentrional foi êsse um dos
aspectos em que' mais se demorou RU! BARBOSA, patrono da-
quele Estado. Observou êle que 0 carater politico é inerente
à lide, porquanto 0 territ6rio reclamado naD 0 é a titulo pri~
vado, mas para que sôbre éle se exerçam direitos jurisdicio.
nais de poder publico.
o preceituado no art. 184 deve ser entendido combina-
damente com 0 disposto no art. 16, l, onde se confere priva-
tivamente à Uniao 0 poder de legislar "sôbre os limites dos
"Estados entre si, os do Distrito Federal e os do territ6rio na-
"cional com as naç6es limitrofes ... ".
o texto constitucional usa das express6es "causas e con-
"flitos", ja existentes no texto de 91.
Em nossa linguagem juridica, escreveu PEDRO LESSA, ~
causa, têrmo sinônimo de lide, é a questao (tôda questao) agi-
tada entre as partes perante 0 juiz, ou 0 direito deduzido em
JUlZO. Os conflit os sup6em duvidas ou controvérsias relativas
à competência entre duas autoridades. 11 As causas entre a
Uniao e os Estados ou dêstes entre si seguem 0 curso estabele-
cido no Regimento Interno do Supremo Tribunal (arts. 88 e

10 v.AURELINO LEAL, Técnica Constitucional Brasileira, p. 53; RUI BARBOSA, 0 Di-


reito do Amazonas ao Acre Setentriollal, l, p. 115; CASTRO NUNES, As Constitui-
çoes Estadu':lis, l, ps. 84-85.
11 Ob. cit., p. 52.

F.15
226 CASTRO NUNES

segs.); OS conflitos a que alude 0 texto constitucional sao


processados como conflitos de jurisdiçao, nos têrmos do
art. 89 do mesmo Regimento. 12
A expressao causas é aqui empregada na acepçao de
açoes civeis, visto como a Uniao e os Estados nao poderiam
ser réus em aç6es criminais.
8. Litigios entre naçoes estrangeiras e a Uniao ou os
Estados (inciso d). A Constituiçao de 91 dizia: "litigios e
"reclamaçoes . .. ". A de 34 suprimiu a palavra reclamaçoes J
adotando a formula mantida na atual. Sob aquela Consti-
tuiçao - havia que distinguir: litigios seriam as aç6es ou
demandas que intentasse uma naçâo estrangeira contra 0

12 0 conflito, positivo ou negativo, pode ocorrer entre autoridades judiciârias


(conflito de jurisdiçao) ou entre estas e as administrativas (conflito de atribui-
çao) , estando a maté ria regulada no Regimento Interno (arts. 165 e segs.) e ;no
C6digo de Processo Civll (arts. 146 e 802 a 807). Para que calba na competência
do Supremo Tribunal é necessârio que uma das autorldades seja estadual e a outra
federal ou que sejam ambas estaduals. A hlp6tese de conflito de atribuiçiio ocor-
reu em casa de que fui relator (conf!. de jurisdiçao n. 1.319, de Pernambuco,
ac6rdao de 9 de abrll cIe 1941), entre um Juiz de direito e a Câmara de Reajusta-
mento. No voto que proferi examinel 0 assunto, no ponto que interessa a êste
comentario, do seguinte modo: "A possibilidade, portanto, de se trazer ao conhe-
cimento do Supremo Tribunal uma dûvida sôbre competência controvertida entre
autorldades da Uniao e de um Estado, judiciarias e admlnlstrativas, sob a forma
de conflito, existe, e ja exlstia mesmo sob a Constltuiçao de 91, na quaI ja se In-
seria 0 mesmo dispositivo constitucional, pois que a lei n. 221, de 1894, e, corn
base nesta, 0 Regimento Interno de 1908, mandava apllcar aos conflitos entre a
Unlao e os Estados, ou dêstes entre si, 0 processo estabelecido para os conflitos de
jurlsdiçao entre trlbunals (art. 49, parâg. ÛnICo).
Mas, entao, coma hOje, em face das dJsposiçoes do C6dlgo de Processo e do
Regimento Interno, tais conflitos nao refogem as normas legals que disclplinam
o confllto proprlamente de jurlsdiçâo, Isto é, as autorldades em conflito hao de
ter declinado de conhecer do caso (confllto negativo) ou se terao arrogado, ambas,
competêncla para 0 decldir (conflito positlvo). Ou, por outras palavras: 0 confllto
dito de atribulçôes se processa como 0 confllto de jurisdlçao proprlamente tal".
A competêncla para decidlr tais conflltos nao tem assento na letra e, que
cogita tao somente dos conflltos entre ju!zes. Estando em causa autoridades ad-
minlstratlvas da Unliio e de um Estado, 0 fundamento constltuclonal da compe-
têncla s6 pode sel' 0 da Ietra c.
Foi a tese que susten tel naquele voto e no que profer! no julgamento do
conf!. n. 1.343, entre 0 Tribunal de Apelaçao do Distrlto Federal e a Câmara de
Reajustamento, sem a adesao dos meus eminentes colegas. Disse en tao nesse voto,
respondendo a objeçôes manlfestadas: "Tais conflltos, manda dos processar como
os con/litos de jurisdiçiio entre 03 tribunais, nao podlam ser os mesmos conflltos
de que se cogltava em outro Inclso constltucional - "Conflltos dos ju!zes ou trl-
bunais federals entre si, ou entre estes e os dos Estados, assim como os dos julzes
TEORIA E PRATlCA DO PODER JUDlCIARIO 227

Brasil ou vice-versa; reclamaç6es os procedimentos adminis-


trativos - os atos de jurisdiçao que um Estado estrangeiro
pretendesse executar no territ6rio brasileiro e que, pela na-
tureza da matéria ou por disposiçao da lei, pertençam ao co-
nhecimento do Po der Judiciârio, Dar execuçao a um jul-
gado proferido por tribunal de outro pais (homologaçao de
sentença estrangeira), conceder a extradiçao de um estran-
geiro processado ou jâ julgado em seu pais de origem - eis
os dois exemplos tipicos da palavra reclamaç6es no texto
de 9l.
No de 34, coma no de agora, essas duas modalidades apa-
recem destacadas, isto é, expressou-se a atribuiçao originâria
que se tinha por implicita para a extradiçao e para a homo-
e tribunais de um Estado corn os juizes e os tribun ais de outro Estado" (arts. 59-60.
I, c). Eram ê8ses os conf1itos de jurisdiçao entre tribunais, cujo rito processuaJ
se mandava apl!car a outros, que nao êsses, e eram os de que tratava 0 inciso c da
antiga Constituiçao, a que corresponde 0 inciso c do texto vigente: "Causas 8
con/litos entre a Uniao e os Estados, ou entre estes",
Examinando 0 inciso c da antiga Constituiçao, escreveu PEDRO LESSA: "As
"causas entre a Uniao e os Estados, ou entre estes, processadas e julgadas pela
"Supremo Tribunal Federal, seguem 0 curso das açoes ordlnarias. E aos conflitos,
"a que alude êste artigo da Constituiçao, apl!ca-se 0 processo dos confl!tos de ju-
"risdiçao entre os tribunais, segundo pres creve 0 art. 49, parag. ûnico, da lei n. 221,
"de 20 de novembre de 1894" (Do pouer Judiciario, p. 52).
A Uniao e os Estados, ou estes entre si, nao podem estar em conflito senao
por intermédio de suas autoridades, como, de um modo geral, as pessoas juridicas
nâo agem senao por via de seus dirigentes ou representantes.
o connito que se prefigura no texto constitucional, para caber na compe-
tência judiciaria, nao pode ser um conflito politico, entre governos, uma contro-
vérsia sôbre competência leglslativa ou executiva, a ser dirimida de outro modo.
É um conflito de atribuiçoes demarcadas na lei entre autoridades, judiciarias ou
administrativas, federais e locais. Se a justiça de um Estado se julga Incompe-
tente para certo "ato por entendê-lo da competência privativa de um departamento
admlnistrativo da Uniao e se esta, por sua vez, se abstém de resolver 0 caso por
entendê-lo da competência judiciaria local, teremos ai uma hlp6tese de contlito
negativo entre um Estado e a Uniao, isto é, entre autoridade administrativa desta
e autorldade jUdiciaria daquela. Se a Câmara de Reajustamento, 6rgao adminis-
trativo da Uniao, e um Juiz de direito, 6rgao jUdiciario do Estado, se julgam
ambos competentes para reajustar as dividas de um agrlcultor, eis uma hip6tese,
que nao é a dêstes autos, em que estaria configurado em forma positiva um con-
flito de atribuiçocs entre a UnH\o e um Estado por ates de suas respectivas au-
toridades.
o C6digo de Processo, admit!ndo tais conflit os, ou é inconstitucional, se nao
houver asœnto na Constltuiçao para a nossa competência, e nesse caso nao pode-
mos conhecer de conflito., outras que nao sejam entre juizes ou tribunais judi-
clarios, ou encontra base constitucional no inclso c, e, nesse caso, devemos co-
nhecer do connito, ainda que 0 julguemos improcedente, como é 0 caso".
228 CASTRO NUNES

logaçao. Dai a excisao daquele vocabulo no enunciado do


in'ciso ora examinado.
A aplicaçao do texto (hoje restrito aos litigios) é de POS4
sibilidades escassas. Em regra, a soluçao de tais questoes é
dada de govêrno a govêrno, por via diplomatica. Mas havia
que reservar, pOl' motivos de 6bvia compreensao, para tais de-
mandas a jurisdiçao mais alta do pais.
DESPAGNET aponta varias hip6teses, reportando-se às
conclusoes de VON BAR, adotadas pela Instituto de Direito In-
ternacional, reunido em Hamburgo, em 1891. Mas acrescenta
que, na maior parte das naçoes, especialmente em França, 0
principio aceito ainda é 0 da imunidade dos soberanos e Es-
tados estrangeiros em face da jurisdiçao territorial. A Côrte
de Cassaçao nao admitiu uma penhora em execuçao de sen-
tença proferida pelos tribunais franceses contra um Estado
estrangeiro. 13
Mas nao somente as demandas em que seja parte a Uniao
senac também aquelas em que for parte um Estado federado .
entram na competência originaria. A razao é que, no litigio
entre uma naçao estrangeira e um Estado federado, a naçao
é litisconsorte, coma diz DESPAGNET, acentuando 0 carater in-
tel'nacional dos litigios em que seja parte uma provincia nos
Estados de tipo federal, de vez que tais entidades carecem de
represen taçao internacional. 14
9. Conflitos de jurisdiçao (inciso e) e de "atribuiçao".
Nas anteriores Constituiçoes eram três as hip6teses figura-
das: La, conflito entre juizes e tribunais federais, uns corn
os outros; 2. a , entre tais juizes e tribun ais e os estaduais ;
3. a , entre juizes ou tribunais de Estados diferentes.
Entre os tribunais federais estariam os da instância in-
termediaria, isto é, os que vies sem a ser criados de permeio
entre 0 Supremo Tribunal e os juizes seccionais. Do mesmo
modo 0 Supremo Tribunal Militar. e, sob a Constituiçao de
34, também os tribunais da justiça eleitoral, estes, coma
aquele, tribunais federais.
13 DESPAGNET, Cours de Droit International. Public, ps. 248 e begs. e 124.
H DESPAGNBT, ibidem, ib·ldem.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 229

/Equiparados aos dos Estados (unicos mencionados no


texto de 91), para êsse como tantos outros efeitos judiciarios,
se houveram sempre os juizes e tribunais do Distrito Federal
e do Territorio· do Acre, entendimento jurisprudencial que se
expressou no texto de 34 e no atual.
A competência de alçada naD excluia 0 conflito. Nao
obstante naD mencionadas as quest6es sôbre competência
entre as excedentes da alçada dos juizes seccionais (dec.
n. 3.084, I, art. 66), entendia-se que a atribuiçao originaria de-
finida na Constituiçao desconhecia essa limitaçao criada pela
legislaçao ordinaria. Alias, as quest6es sôbre competência,
particularizadamente as suscitadas entre juizes federais e
juizes locais, envolviam, em regra, quest6es constitucionais,
excedentes, estas, por fôrça daquele preceito, da alçada legal.
Ja se entendia que, pendente a declinatoria fori, era inad·
missivel 0 conflito - "0 conflito de jurisdiçao é um meio ex-
"traordinario de determinar competência, so admissivel
"quando naD é possivel resolvê-Ia pelos recursos processuais
"comuns". 15
Hoje existe disposiçao expressa no Codigo de Processo,
art. 104. 16
- 0 conflito de jurisdiçao é um meio preventivo da in-
competência, que êle visa evitar, obstando que va além a de-
manda com a nulidade da sentença final por juiz incompeten-
te. As regras que regulam a competência dos diferentes juizos
e tribun ais constituem 0 mérito da decisao a ser proferida. E
como entre tais regras esta a da concentraçao no mesmo juizo
das causas conexas, com 0 fim de se evitarem decis6es contra-
ditorias sôbre a mesma relaçao jurîdica, necessario naD é,
para que se verifique 0 conflito, que dois ou mais juizes se

" Rev. do Suprcmo Tribunal, v. 60, p. 31.


1. A regra legal supâe necessariamente que u Instâncla competente para 0 con-
!llto seja a mesma instânclu ad quem do agravo a ser Interposto da declsiio sâbre
a competêncla. Em se tratando do Supremo Tribunal, Isso s6 pode ocorrer nas
causas da Unlâo. Fora dai, serâo competentes pa~a 0 agravo os trlbunals de ape-·
laçâo, sem prejuizo da competêncla constltucional do Supremo Tribunal para 0
confllto suscitado entre "juizes e trlbunais de Estados dlferentes", ainda que em
tais causas se tenha usado da exceçâo de i'lcompetêncla.
230 CASTRO NUNES

entendam competentes para 0 mesmo litigio; basta que quei-


ram processar e julgar demandas conexas. 17
Daquela funçao preventiva decorre que se 0 julgamento
ja foi proferido, se a espécie ja foi julgada, cessa a razao de
ser do conflito.
Por outro lado entende-se que a decisao proferida no con-
flito naD faz coisa julgada para 0 Tribunal superior que a pro-
feriu quando houver de julgar a causa em recurso ordinario
ou extraordinario. 0 argumento com que se defende êsse
entendimento é que naD seria admissivel que 0 Tribunal, em
face de melhores esclarecimentos e de provas s6 entao leva-
das ao seu conhecimento, persistisse no êrro do seu primeiro
julgamento. Objeta-se, porém, que a jurisdiçao normativa
das competências, que se realiza por meio do conflito para pre-
venir a nulidade por incompetência, tera falhado aos seus fins
se a controvérsia puder ser renovada ulteriormente.
Dai a regra expressa na lei n. 4.381, de 1921, art. 23 :
"Decidida a matéria de competência em conflito de jurisdiçao
"ou em agravo, naD é permitido renova-la na causa principal",
regra que, omisso 0 C6digo de Processo, foi consolidada no
atual Regimento Interno do Supremo Tribunal, art. 170, re·
lativamente aos conflitos de jurisdiçao e de atribuiçao. 18
- Por motivo, talvez, da inexistência da justiça federal de
primeira instância, naD se mencionou no texto da Constituiçao
a hip6tese de conflito entre juizes ou tribunais federais e entre
17 PEDRO LESSA, ob. cit., p. 79.
18 POdia, porém, sel' renovada no proprio confllto pOl' meio de embargos, visanda
a reforma da decisao. HOje, porém, nao cabem embargos - "Da decisao final do
"confl1to nâo cabera recurso" (CodigO de Processo, art. 807). A questao da embar-
gab!l!dade do acordâo proferido em confl!to foi muito debatida no Supremo Tri-
bunal, justificando-se pela necessidade de dar ao Tribunal Pleno a ûltima palavra
na. controvérsia. HOje, a competência para 0 confl1to é do Tribunal Pleno.
- A regra regimental do art. 170 proibe que se renove "na causa principal"
a. d!scussâo sObre competência ja resolvida POl' meio de conflito. Estara proibida
a renovaçâo em recurso extraordinario? PEDRO LESSA, escrevendo antes do dec. leg.
n. 4.381, de 1921, art. 23, levantou a questao, que resolveu pela negativa, enten-
dendo que, sobretudo no recurso extraordinal'io, nao estaria 0 Supremo Tribunal
inibido de ret!f!car a sua decisao proferida no confl!to (ob. cit., p. 80).
Parece, entretanto, que 0 objetivo pratico daquele dispositivo legal, que 0
Regimento Interno consol!dou, alcança quaisquer hipoteses, vedando re'abrir a
controvérsia ja POl' êle resolvida em confl!to, mesmo no recurso extraordinario ul-
teriormente interposto.
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICIÂRIO 231

um dêsses e um juiz ou tribunal local. Limita-se a dizer 0


atual texto: "Os conflitos de jurisdiçao entre juizes ou tri-
"bunais de Estados diferentes, incluidos os do Distrito Federal
"e os dos Territorios".
Tais hipoteses, porém, teriam de ocorrer, e ja teem ocor~
rido, naD havendo outro Tribunal, senao 0 Supremo, que possa
conhecer do conflito. Como ja tivemos ocasiao de notar, 0
que se extinguiu foi som ente a justiça federal ordinaria de
primeira instância. Das du as jurisdiç6es federais privativas,
a eleitoral e a militar, sobrevive esta. 0 Supremo Tribunal
Militar e os orgaos a êle subordinados saD instâncias, coleti-
vas ou singulares, federais.
Do mesmo modo a justiça especial (Tribunal de Segu-
rança) e a do trabalho saD instituiç6es da Uniao. Seus apa-
relhos saD tribun ais federais. Se entre tais tribunais se
disputa uma duvida sêbre competência, naD havera no me-
canismo judiciario outra instância para resolvê-Ia senao 0 Su-
premo Tribunal.
A questao foi examinada estando em causa 0 Tribunal
de Segurança e 0 Supremo Tribunal Militar. Do conflito co-
nheceu 0 Supremo Tribunal, de acôrdo com 0 parecer do pro-
curador geral da Republica, dr. GABRIEL DE RESENDEPASSOS,
que esclareceu perfeitamente a questao :
"0 atual Tribunal de Segurança naD tem mais laço de
"subordinaçao ao Supremo Tribunal Militar, que 0 fixe na
"hierarquia prevista pela art. 112 da Constituiçao.
"Nao é tribunal militar por sua constituiçao nem pelos
"seus fins; é tribunal politico com competência que trans-
"cende ao julgamento de determinada classe de pessoas, para
"abranger ta dos os individuos que atentem contra a ordem
"politica ou social da Republica.
"Acima dele, como Tribunal preeminente a todo 0 corpo
"judiciario do pais, se encontra 0 Supremo Tribunal Federal.
"Ora, se é certo que pelo art. 101, l, e, da Constituiçao,
"so esta taxativamente atribuida à competência do egrégio
"Supremo Tribunal Federal 0 processo e julgamento originario
"dos conflitos de jurisdiçao entre juizes ou tribunais de Es-
232 CASTRO HUNES

"tados diferentes, incluidos OS do Distrito Federal e os dos Ter-


"rit6rios, implicitamente nessa competência se compreende a
"de solucionar conflitos entre juizes e tribunais federais dife-
"rentes, naD sujeitos a nm mesmo Tribunal superior.
"É no carater nacional e preeminente do Supremo Tribu-
"nal Federal que esta a razao de sua competência para dar so-
"luçao a conflitos entre 6rgaos de justiças de competência limi-
"tada pela territ6rio jurisdicional, como no casa dos tribunais
"dos Estados, ou limitada pela condiçao das pessoas, coma no
"caso da justiça militar, ou limitada pela natureza do delito,
"como no casa do Tribunal de Segurança.
"Se existe 6rgao imediatamente superposto a tribunais
"confinados dentro dessas comp8tências diversas, a êle cum-
"pre solucionar os conflitos de jurisdiçao entre êles suscitados.
"No casa negativo, no âmbito do Tribunal a todos superior
"recai a competência para solucionar tais conflitos por motivo
"16gico ou metajuridico.
"A jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal Federal
"se tem orientado nesse sentido, coma bem 0 lembra 0 ac6rdao
"citado.
"Conhecendo, pois, do conflito, coma é 0 caso, somos por
"que seja 0 mesmo resolvido no sentido da competência da
"justiça militar". 19
Do mesmo modo se 0 conflito é entre tribunal da justiça
do trabalho e juiz ou tribunal da justiça comum, hip6tese ex-
pressa na lei (dec. n. 6.596, de 12 de dezembro de 1940,
art. 107, C).20

19 Conf1. de jurisd!çao n. 1.231-A, de 1938. Relator m!n!stro ARMANDO DE ALENCAR,


in Jomal do Comércio de 26 de agôsto de 1938.
"0 A nova preceituaçac ol'gân!ca da ju~t!ça do trabalho cometeu jur!sdiçao trd-
balh!sta aos jufzes de direlto, que sao normalmente 6rgâos da jurlsdlçao cornum,
De modo que 0 conf!lto po de ocorrer entre ju{zcs de direito de um ineamo Estado,
sendo um 6rgao jUd!r:lârlo do trabalho e 0 outra 6rgao jud!clârlo comurn, cornpe-
tlndo ao Supremo Tr!bunal resolvê-Io.
o caso jâ fol debatido no Supremo Tribunal (conf!. de jurisdlçao n, 1.345,
de Sao Paulo), sendo aflrmada a competênc!a da !nstânc!a suprema. No voto que
entlio proferf, aS5!m me manifeste!: "Sr. presidente. jâ temos adm!t!do, no Su-
premo Tribunal, conf1!tos de jurlsdiçao entre a justiça comum e 0 Supremo Tr!-
bunal M!l!tar, e entre aquela mesma justiça e 0 Tribunal de Segurança Nac!onal.
Sao casos que, tambérn, nao es tao expressos na Const!tulçao.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIA.RIO 233

Mas 0 Supremo Tribunal tem ide além. Tem admitido


o conflito entre juizes de um mesmo organisme local (Esta-
dos, Distrito Federal) quando um dêles é juiz privativo dos
Feitos da Fazenda Nacional. A razao de ser da ampliaçao
em tais hipoteses esta em que sendo 0 Supremo 0 tribunal de
recurso ordinario nas causas da Uniao, é necessariamente a
instância competente para todos os incidentes da causa, a co-
meçar pela questao da competência. Se esta questao, sus-
citada nos autos da açao, lhe sobe ao conhecimento por agravo
ou apelaçao, seria incurial que dela nao pudesse conhecer por
via do conflito ou, absurdo maior, que da controvérsia, posta
em conflito, conhecesse 0 Tribunal de Apelaçao, e posta em
recurso ordinario conhecesse 0 Supremo Tribunal, sem sujei-
çao, como é claro, ao julgado local. 21
10. Avocatoria para restabelecel· a jurisdiçao do Su-
premo Tribunal. Entre 0 Supremo Tribunal Federal e qual-
quer outro juizo ou tribunal nao pode haver conflito. "Dada
"a sua posiçao", escreve EspiNoLA FILHO, "de tribunal que
"paira acima de todos os outros, ou comuns ou especiais, exis-
"tentes no pais, 0 Supremo Tribunal Federal nunca podera
Na hip6tese, 0 confl1to é entre a justiça comum e a justiça do trabalho,
cujos 6rgéos podem ser 6rgâos pr6prios ou par aprop~"ic,<;3.0 dos do Poder Judiciâ-
rio local.
l!:ste é 0 casa: autoridade judiciâria local no cxerclcio de jurisdiçâo traba-
Ihista. Autoridade federal, pois, coma os auditores mllitares, POl' exemplo, que
tecm funçâo local, mas sâo autoridades federais.
Era 0 mesmo, igualmente, que se dava cam a antiga justiça federal: fun-
cionava nos Estados em âmbito circunscrito, mas era federal.
Por tudo isso, embora ache muito relevante a questao prcl1minar levantada
pela sr. ministro JosÉ LINHARES e reconheça que a letra do preceito constitucional
nao resolve "a questao, entendo, entretanto, que nao seria possivel deixar de reco-
nhecer no Supremo Tribunal Federal a competência para dirlmir 0 confl1to que se
estabelece entre a justiça local na sua funçâo de justiça comum, e a justiça local,
coma 6rgâo aproprlado pela Uniao para exercer jurlsdlçâo fecleral, camo é a juris-
dlçâo do trabalho".
21 Em face do texto de 91, que nâo lhe dava competência para conhecer de con-
flitos entre juizes de um mcsmo Estado, entendeu 0 Supremo Tribunal, par idën-
tica interpretaçao construtiva, que nâo estavam excluidos os casas em que se tra-
ta:se de matéria eleitoral, cometlda aos julzeg locais por lei federal. A lei
n. 17.526, de 1926, determlnara que nag comarcas em que 110uvesse mais de um Juiz,
o mais antigo seria 0 competente para exercer as atribulçôes eleitorais. Leis esta-
duais dispuseram de outro modo. Assi~!l, em Minas Gerais e também em Sâo Paulo,
234 CASTRO NUNES

"entrar em conflito com qualquer deles". Isso mesmo foi


enfaticamente afirmado pela ac6rdao de 15 de outubro de
1921, no confl. de jurisdiçao n. 558, relatado pela ministro
HERMENEGILDO DE BARROS: "nao podendo haver conflito entre
"êste (Supremo Tribunal Federal) e outra qualquer autori-
"dade, porque nenhuma lhe é igual e muito menos supe-
"rior". 22 E "os ac6rdaos do Supremo Tribunal, por isso
"mesmo que saD obrigat6rios para todos os juizes e tribunais
"de qualquer categoria ou classe, naD dao lugar a conflitos,
"resolvem a questao e devem ser cumpridos e observados"
(ac6rdao de 18 de janeiro de 1919, no confl. de jurisdiçao
n. 940, relator ministro PIRES E ALBUQUERQUE, Rev. do Supremo
Tribunal, v. 20, 1919, p. 243).
o meio de restabelecer a sua jurisdiçao, quando usur-
pada, no crime, é a avocat6ria prevista no art. 117 do atual
C6digo de Processo Penal: "0 Supremo Tribunal Federal,
"mediante avocat6ria, restabelecera a sua jurisdiçao, sempre
"que exercida pOl' qualquer dos juizes e tribunais inferiores".
:msse preceito é assim comentado por ESPINOLA FILHO :
"Pode suceder que um juiz ou tribunal de categoria inferior
"tome conhecimento de algum processo que seja privativo do
"Supremo Tribunal Federal; chegando isto ao conhecimento
"dessa alta Côrte, de qualquer forma, inclusive mediante re-
"querimento de algum interessado, chamara ela para si 0
"processo, requisitando-o, e a avocat6ria ter a 0 efeito de res-
"tabelecer a jurisdiçao do Supremo Tribunal, como salienta
"0 art. 117, em exame. Cham a-se tecnicamente avocatoria "a
"carta ou mandado que passa um juiz para vir ao seu juizo
"a causa, que corre em outro diverso, e cujo conhecimento
"lhe pertence" (definiçao de PEREIRA E SOUSA, Esbôço de um
a utrlbulçao fol destacada para um juizo prlvatlvo, 0 Juizo de Menores e do Servlço
Eleltoral. 0 Supremo Tribunal conslderou que, sendo a funçao de natureza federal
e cometlda a juizes locals par lei da Unlao, cabla-lhe conhecer do conflito suscltado
entre tais juizes. alnda que de um mesmo Estado, Isto é. entre 0 julz de dlrelto
mals antlgo da comarca e 0 prlvatlvo, para f1xar, nos têrmos da lei federal, a com-
petêncla daquele (Arq. Judicidrio, vs. 6, p. 487, e 14. p. <16).
!!2 Rev. do Supremo Tribunal, v 38, 1922, p. 24.
TEORIA E PRA.TICA DO PODER JUDICIA.RIO 235

Diciondrio juridico, teorético e prdtico, v. 10°, 1825, v. Avo-


catorio) ". 23
Ja vimos, linhas acima, que, par extensao jurispruden-
cial, compete ao Supremo Tribunal resolver os conflitos em
que se controverta competência para processar e julgar cau-
sas da Uniao. Varias hipoteses podem ocorrer, e algumas ja
teem ocorrido. Assim: entre juiz de vara civel (juizo co-
mum) e de vara privativa dos Feitos da Fazenda; entre êste
e juizo de comarca do interior do Estado; entre dois juizos
dos Feitos da Fazenda, mas de Estados diferentes, etc.
As duvidas sôbre a competência teem surgido principal-
mente a proposito da regra processual do fôro rei sitœ, em se
tratando de açoes relativas a imoveis, e bem assim da impos-
sibilidade, em face das leis de organizaçao judiciaria, de pra-
ticarem os juizes dos Feitos, de jurisdiçao confinada nas ca-
pitais, atos de oficio fora de sua comarca, como 0 exige 0 Co-
digo de Processo Civil no tocante às açoes divisorias e demarca-
torias.
Ambas essas regras le gais cedem necessariamente ao pre-
ceito constitucional do art. 108 que, estabelecendo para as
causas em que seja parte a Uniao, e que tenham de ser inten-
tadas nos Estados, 0 fôro da respectiva capital, desconhece a
competência dos juizes das comarcas do interior para tais de-
mandas, sejam de que natureza forem, excetuadas as fiscais,
para as quais 0 parag. unico do art. 109 reservou tratamento
diverso, ao alcance do legislador.
No confl. de jurisdiçao n. 1.359, do Parana, de que fui
relator, as sim decidimos por unanimidade, declarando a com-
petência do Juizo Privativo dos Feitos da Fazenda, corn sede
em Curitiba, para conhecer de uma açao demarcatoria em
que era ré a Uniao, competência reclamada pela juizo de di-
reito da comarca de Jaguariàiva, no mesmo Estado (acordao
de 1 de julho de 1942).

," Da avocat6r!::L no civel nao cogita a legislaçao vigente senao na prlmeira ins-
tância (v. adiante, tft. VII). Mas em principio nao me parece inadmissivel,
tais seJam as circunstânclas, para restabelecer a competêncla orlglnârla da instân-
cia suprema quando usurpada, de vez que possivel nao seria 0 conflito, nos têrmos
Jà expostos. e nao cabendo na espécie recurso direto para aquele Tribunal.
236 CASTRO NUNES

- 0 C6digo Nacional de Processo admite 0 conflito nao s6


entre autoridades judiciarias, senac também entre estas e as
administrativas (art. 802), entrando tais conflitos na compe-
tência do Supremo Tribunal, de acôrdo corn 0 seu Regimento
Interno, diz 0 art. 146, I, quando forem interessadas autori-
dades judiciarias dos Estados e autoridades administrativas
da Uniao, ou autoridades judiciarias e administrativas de Es-
tados diversos, ou, ainda, qualquer tribunal de apelaçao. 24
Ao conflito que ocorrer entre autoridades judiciarias e
autoridades administrativas denominou 0 Regimento Interno
do Supremo Tribunal, ja adaptado ao C6digo de Processo,
"conflito de atribuiçao", reservando a denominaçao "conflito
"de jurisdiçao" para os suscitados entre autoridades judi-
ciarias.
A denominaçao diversa parece refletir 0 entendimento
generalizado de que a administraçao, entre n6s, naD exerce
jurisdiçao. 25

Distingue-se no direito italiano é de jurisdiçao 0 con-


flito quando verificado entre autoridades judiciarias e tribu-

., Do assento constltuclonal da competêncla atrlbulda ao Supremo TrIbunal


para decldir taIs conflltos jâ nos ocupamos em parâgrafo anterlor. Da posslblll-
dade do confllto entre autorldades admlnlstratlvas do Estado e da Unlao nao co-
gita 0 C6dlgo de Processo ncm 0 Regimcntc Interno. Alias. dlflcllmente poderla
ocorrer. porque 0 lnteressado terla melos de provocar a soluçao judlclal usando de
outros remédlos. Mas 0 confllto negatlvo nao é, asslm, tao lmprovavel. E em tal
hlp6tese nao haverla outro TrIbunal, senao 0 Supremo, para resolver a contro-
vérsla. Em voto que profer! no julgamento do confllto de jurlsdlçao n. 1.364,
asslm me pronunciel: "Qui'.nto ao confllto entre autorldades admlnlstratlvils tao
somente serIa forçoso admltl-lo, se realmente ocorresse, por apllcaçao da leI n. 221,
que, lei especlal, manda tratar processualmente coma conflltos de jurlsdlçao tala
controvérslas.
Mas reconheço que Oll1cumente pOde ocorrer, pelo menos em forma posltlva.
Porque, :!e autorldade adminlstrativa da Uniao e autorldade adminlstratlva de um
Estado se julgam competentes para um dado ato, aquela que tomar a lnlclatlva
de 0 pratlcar encontrara a oposlçao do prejudlcado pelos melos regulares de dl-
relto, abrlndo-se assim 0 exame jUdlcial da competêncla dlsputada, corn a flxaçao
da competêncla que for constltuclonal.
Menos lmprovavel é, porém, a hlp6tese do confllto negatlvo. Um dado ato
pOde ser recusado por autoridade do Estado, que cntenda competente para 0 pra-
Ucar funclonarlo da Unlao, 0 quaI, por sua vez, podera decllnar da competêncla,
surglndo asslm a dupla recusa, a ser dlrlmlda em forma de confllto, se de outro
modo nao puder ser soluclonada" (Dicirio da Justiça de 13 de março de 1943).
20 V. Introduçao, caps. l e II.
TE ORlA E PRA.TICA DO PODER JUDIClARIO 237

nais do Contencioso Administrativo, porquanto estes exer-


cem, em via paralela, uma jurisdiçâo conclusiva em matéria
administrativa; e de atribuiçao quando suscitado entre tri-
bunais (orgâos judiciarios) e orgâos da administraçâo ativa,
que nâo exercem uma jurisdiçao propriamente dita. 26
Entre nos seria dificil, senâo impossivel, distinguir entre
os 6rgâos administrativos mediante 0 mesmo critério, de vez
que a jurisdiçao exercida, mesmo pelos 6rgâos colegiados da
administraçao, e em forma contenciosa, é relativa em face do
Judiciario.
Bem andou, pois, 0 Regimento do Supremo Tribunal qua-
lificando diferentemente as duas modalidades de conflito,
ainda que possam estar em causa orgâos administrativos ju-
risdicionais (Tribunal de Contas, Tribunal Maritimo Admi-
nistrativo, Câmara de Reajustamento, Conselhos de Contri·
buintes e outros), 27 de vez que as decisoes proferidas nao sâo,
em regra, conclusivas para 0 Poder Judiciario.

.. MATTmoLO, ob. clt., l, n. 1.026.


1I7 lntroduçao, cap. II.
CAPtTULO V

CAUSAS DA COMPET1l:NCIA ORIGINARIA


<Continuaçao)

SUMARIO: 1. Extradlçao e homologaçao (inclso n. 2. Extradlçao. 3. A contro-


vérsla sôbre 0 fundamento da competêncla orlgina.rla para as homologaçôes.
4. Sentenças estrangeiras. Homologaçao. 5. 0 habeas-corpus na compe-
têncla orlginarla (Inclso g). 6. 0 mandado de segurança na competêncla
orlglnarla. 7. Açao recls6rla (II, 1). Açao recls6rla de julgado proferldo
em recurso extraordina.rl0. 8. Embargos remetidos. 9. Revisâo de processos
penais. Competêncla origlnaria remanescpnte. 10. Indenizaçâo consequen-
te ao provimento da revisao. Competência. 11. Processamento das causas
da competência originaria. 12. Execuçâo das sentenças proferidas nas cau-
sas da competência originaria (inclso h). Sentença estrangelra homologada,
onde se ex ecu ta.

1. Extradiçâo e homologaçâo (inciso f) • Jâ. vimos, in-


cidentemente, no exame do inciso d, que, sob a Constituiçâo
de 91, a atribuiçâo originâ.ria do Supremo Tribunal para co-
nhecer dos pedidos de extradiçâo de estrangeiros e bem assim
da homologaçâo das sentenças proferidas em outros paises,
se derivava da palavra reclamaçoes, contida na locuçâo "liti-
"gios e reclamaç6es", empregada na letra d do art. 59 daquela
Constituiçao. Foi a lei n. 2.416, de 28 de junho de 1911, que
conferiu a atribuiçao para resolver sôbr:e pedidos de extradi-
çao; e a lei n. 221, de 20 de novembro de 1894, sôbre as homo-
10gaç6es das sentenças estrangeiras. Entendeu-se, e bem,
que, dêste modo, se desenvolvia razoavelmente 0 preceito cons-
titucional, conferindo ao mais alto Tribunal do pais 0 que s6
a êste mesmo poderia competir, isto é, resolver sôbre a legali-
dade, em face do nosso direito interno, de atos de soberanias
estrangeiras, etais SaD os pedidos de extradiçao formulados
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 239

pelos governos de outros pais es e a exequibilidade no terri-


t6rio nacional de atos de jurisdiçao emanados de tribunais
estrangeiros.
As Constituiçoes de 34 e a atual expressaram as duas or-
dens de atribuiçao, suprimindo a palavra reclamaçoes, que
naD reaparece no atual inciso d, por desnecessaria.
2. Extradiçao. A extradiçâo era regulada pela lei nu-
mero 2.416, de 28 de junho de 1911 1 ; hoje, pela dec.-Iei n. 394,
de 28 de abril de 1938, que revogou aquela, dispondo sôbre
tôda a matéria.
A extradiçâo entende com 0 direito de asilo; dai a larga
controvérsia a que se presta 0 assunto na doutrina dos pu-
blicistas. Entretanto, como diz LAFAYETTE, a responsabili-
dade pela infraçâo da lei penal nâo se extingue pelo s6 fato de
transpor 0 criminoso os limites do pais onde delinquiu. Ape-
nas 0 delinquente fica entre gue à soberania de outra naçâo.
"Entrega-Io, ou nâo, à autoridade estrangeira é um puro ato
"de soberania. POl' virtude da essência da soberania, êsse ato
"deve ser inteiramente livre, sob pena de ofensa da indepen-
"dência. Pode, pois, a naçâo se recusar a pratica-Io".
Mas como a ordem internacionai' - esclarece BONFILS
- exige que os atos criminosos, atentat6rios da segurança
das pessoas e dos seus bens, nâo fiquem impunes, estabele-
ceu-se 0 recurso da extradiçao, baseada nesse interêsse comum
das naçoes policiadas.
Nâo se aplica, porém, aos crimes politicos, nE:m às simples
contravençoes, sendo que estas, nas fronteiras, podem ser ob-
jeto de convençoes particulares. .
o deferimento, ou nao, do pedido de extradiçâo pode com-
petir ao Govêrno, como ato discricionario, sem interferência
dos tribunais.
Em alguns paises, porém, tais como a Inglaterra, os Es-
tados Unidos, Brasil, Bélgica, Holanda, etc., intervém a au-
toridade judiciaria, em maior ou menor extensao, em forma
1 Em correlaçao com aquela lei, que passou a dlsclpllnar a matéria, foram de-
nunclados os tratados que tinhamos com outros paises (PEDRO LESSA, ob. clt,
ps. 74-'15).
240 CASTRO NUNES

decisoria OU de simples parecer, quando solicitado pela


Govêrno.
Em regra, nao é admissivel a extradiçao do reinicola, mas
sO,mente dos alienigenas, entendendo-se coma tais os suditos
do Estado que a solicita ou, ainda, os de uma terceira pa-
tência. 2
A nossa antiga lei pel'mitia também a extradiçao de na-
cionais, quando, pOl' lei ou tratado, 0 pais requerente asse-
gurasse ao Brasil a reciprocidade de tratamento. Nao se ve-
rificando tal condiçao, era negada a extradiçao.
Hoje, porém, a extradiçao do nacional esta proibida pela
Constituiçao (art. 122, 12) e no dec.-Iei n. 394, de 28 de abri!
de 1938. A isençao aproveita nao so ao brasileiro nato mas
também ao naturalizado, contanto que a aquisiçao da nacio-
nalidade brasileira seja antel'ior ao crime.
Nao se concede a extradiçao quando se tratar de infra-
çao à quaI a lei brasileira imponha pena inferior a um ano,
além de outras condiç6es estabelecidas na lei.
No acordao de 22 de outubro de 1928, do quaI foi relator
o saudoso ministro ARTUR RIBEIRO, 0 Supremo Tribunal as-
sentou algumas tes es sôbre 0 instituto: "0 nosso legislador,
"sem recusar a intervençao do Executivo na concessao da en-
"trega, confiou ao Poder Judiciario a tutela da liberdade indi-
"vidual, até 0 limite em que deve começar a atividade sobera-
"na do Po der Judiciario do pais requerente. A êste, e somente
"a êste, compete, segundo a nossa lei, entraI' no exame da
"prova e apreciar a espécie em face da lei, decidindo se é justa
"ou injusta a imputaçao feita à extraditanda e se a ordem de
"prisao preventiva po dia ou nao sel' decretada, em frente da -
"prova dos autos e da lei argentina, restringindo-se a nossa
"açao ao exame das quest6es atinentes à identidade da pessoa
"reclamada, à legitimidade da entrega e à falta de autenti-
"cidade, à falsidade ou a qualquer outro defeito dos documen-
"tos produzidos".

2 BONFILS, ob. clt., ps. !!50-261; LAFAYETTE, ob. clt., I, ps. 230-236.
TE ORlA E PRATICA DO PODER JUDICrARro 241

Na Conferência de Havana foram, no tocante à extradi-


çao, adotados alguns principios. Assim: "Os Estados con-
"tratantes naD estao obrigados a entregar os seus nacionais.
"A naçao que se negue a entregar um dos seus cidadaos fica
"obrigada a julgâ-Io" (art. 345); "Para que a extradiçao possa
"ser pedida é necessario que 0 fato que a motive tenha carater
"de delito na legislaçao do Estado requerente e na do reque-
"rido" (art. 353); "Estao excluidos da extradiçao os delitos
"politicos e os com êle relacionados, segundo a definiçao do
"Estado requerido" (art. 335); "Nao sera reputado delito
"politico, nem fato conexo, 0 homicidio ou assassinio do chefe
"de um Estado contratante ou de qualquer pessoa que nesse
"exerça autoridade" (art. 357); "Em casa algum se imporâ
"ou se executarâ a pena de morte, por delito que tiver sido
"causa da extradiçao" (art. 378).3
3. A controvérsia sôbre 0 fundamento da competência
originaria para as homologaçoes. No tocante à competência
do Supremo Tribunal para placitar julgados estrangeiros, nao
era pacifico 0 entendimento acêrca do fundamento constitu-
cional, entendendo uns que a competência originâria assen-
tava na palavra reclamaç6es, do inciso d, como se viu acima,
opiniao de que nao partilhavam aqueles que, seguindo certa
doutrina, sufragada, entre outros, por PILLET,4 que situa no
Direito Internacional Privado a executoriedade dos julgados
a obter-se pela exequatur, derivavam a competência originâria
da competência federal para as quest6es de Direito Civil In-
ternacional. A es sa doutrina filiou-se 0 Supremo Tribunal
em certa época, como se vê do ac6rdao de 4 de maio de 1895. 5
Sobreveio, porém, em 1926, a reforma da Constituiçao,
retirando da competência federal aquelas quest6es, que pas-
saram para as justiças locais, e criando um casa nova de re-
curso extraordinârio para espécies do gênero. Desapareceu,
3 Veja-se BENTO DE FARIA, Da Condiçiio dos Estrangeiros, 1930, ps. 34 e segs.
4 Droit International Pl·ivé, l, ps. 5 e segs.
• VIVEIROS DE CASTRO da desenvolvlda apreclaçâo dêsse ac6rdâo, a que aplaude.
"Da homologaçâo d~s sentenças estrangelras", in Rev. da Faculdade de Direito,
XII, 1916.

F.16
242 CASTRO NUNES

em consequência, 0 fundamento em que até entao se arri-


mava a jurisprudência que tinha por espécie de Direito Inter-
nacional Privado 0 pedido de homologaçao. Convém obsèr-
var, para melhor esclarecimento, que continuou omisso, no
tocante à competência expressa para as homologaçoes, 0 texto
reformado em 26, pois, como ja vimos, s6 em 34 se expressou
êsse caso da competência originaria. 0 assunto teve de ser
reexaminado pele Supremo Tribunal. Era entao procurador
geral da Republica 0 ministro PIRES E ALBUQUERQUE, que deu
exhaustivo parecer 6 em que sustentou a competência origi-
naria conferida pela lei n. 221, de 1894, como derivada do in-
ciso d do art. 59 do antigo texto, a que correspondia no texto
reformado 0 conjugado 59/60, onde se conservava (letra d)
a mesma locuçao "os litigios e as reclamaç6es". 7
Foi êsse 0 entendimento que prevaleceu dai por diante,
isto é, a conceituaçao doutrinaria da homologaçao como es-
pécie judiciaria entroncada no Direito Internacional Publieo,
e naD espéeie de Direito Civil Internacional.
A êsse entendimento, adotado pelo Supremo Tribunal,
deram apoio, em votos largamente fundamentados, os minis-
tros PEDRO DOS SANTOS, ARTUR RIBEIRO, BENTO DE FARIA e ED-
MUNDO LINS, tendo êste observado, a proposito, que das ques-
toes de Direito Civil Internacional naD poderia 0 Tribunal eo-
nheeer, quer sob a Constituiçao de 91, quer sob 0 texto refor-
made em 26, senac coma instâneia de reeurso, ordinario sob
aquela, e extraordinario, sob êste, 0 que levaria a exeluir a
instância unica, em que naD eaberiam eonstitucionalmente
tais espécies. 8

• Jornal do Comércio de 30 de outubro de 1926.


• Ja era essa, aUas, a liçao de PEDRO LESSA (ob. cit., p. 75) e de outros exposi-
tores em face do texto de 91: CARLOS MAXIMILIANO, Comentârios à Constituiçaa
Brasileira, art. 59; ARAUJO CASTRO, M":!nual da Constituiçao, p. 154; OSCAR DA
CUNHA, Da Homologaçao das Sentenças Estrangeiras. Também no Regimento In-
terno do Supremo Tribunal, ainda antes da reforma de 26, ja se inserira 0 preceito
do art. 16, § 1.°, letra f: "Compete ao Tribunal processar e julgar originaria e pri-
"vativamente - os Utlgios e as reclamaçôes entre as naçôes estrangeiras e a Uniao
"e os Estados, bem como a homologaçao das sentenças estrangeiras, para serem
"exequlveis na RepubUca" (Constituiçao, art. 59, d; lei n. 221, art. 12, § 4.°).
8 Pandectas Brasileiras, v. 1.", 2.' parte, 1926, ps. 60 e segs.
TEORIA E PR,\TICA DO PODER JUDICrARIO 243

o interêsse dessa indagaçao em tôrno da natureza do ins-


tituto da homologaçao é hoje, em face do texto constitucional,
meramente doutrinario. Ficou sem razao de ser 0 problema,
do ponto de vista do fundamento constitucional da compe-
tência originaria, de vez que expressa na Constituiçao. Em
todo 0 casa é essa a melhor orientaçao doutrinaria e predo-
minante na liçao dos expositores, naD obstante 0 carater misto
do instituto, que tem muito do direito privado, no interêsse
da execuçao do julgado, predominando, porém,p interêsse pu-
blico que nele se acusa e que 0 situa no Direito Internacional
Publico, ou, melhor dito, no Direito Judiciario Internacional,
cujas tendências rumam para a criaçao de um direito supra-
nacional, coma queria FIORE. 9

4. Sentenças estrangeiras - Homologaçao. A regra


que nos legou 0 direito romano é que extra territorium jus di-
cendi impune non paretur. Extingue-se, pois, nas fronteiras
de cada pais a autoridade dos seus julgados. Nao se executam
no territ6rio do outro, salvo se êste 0 consente por um ato de
sua soberania. Dai 0 exequatur, têrmo genérico que equivale
ao cumpra-se, judicial em alguns paises, e em outros gover-
namental. Entre nos 0 exequatur, tratando-se de sentenças,
denomina-se homologaç{io, reservada a locuçao exequatur às
cartas rogatorias das justiças estrangeiras (Constituiçao,
art. 102).
o instituto da homologaç{io, em nosso direito, corres-
ponde à delibaç{io do direito italiano. 10 É 0 exame superfi-
cial ou perfunct6rio do julgado estrangeiro, em cujo mérito
naD entra 0 juizo da delibaçao. 11

• Vejam-se, entre outros: MACHADO VILELA, 0 Direito InternfLCional Privaao no


C6àigo Civil Brasileiro, p. 482; FIORE, Droit Internation-rll Public, II, n. 1.058,
pB. 428 e segs.; ESPINOLA, Direito Internacional Privado, p. 733; BENTO DE FARIA,
voto, Pandectas, clt.
10 Ver em MACHADO VILELA (ob. clt., ps. 493 e segs.) a resenha das d!ferentes
doutrlnas e sOluçôes, de menor lnterêsse prâtlco para 0 nosso estudo.
11 Delib'lçéio - tocar de leve, tocar corn os lâblos (CANDmo DE FIGUEIREDO, Dicio··
nario) , do lat!m delibare, um de cujos sent!dos é prec!samente êsse (SARAIVA, Di-
cionario, v. Delibo).
244 CASTRO NUNES

ojulgado estrangeiro, ainda que sem 0 exequatur, vale


coma coisa julgada, isto é, como ato de jurisdiçao. 0 que lhe
falta em outro pais é apenas a executoriedade, isto é, 0 impe-
rium, consoante a distinçao romana.
A delibaçao sup6e 0 julgado, isto é, a coisa julgada, dan-
do-lhe apenas 0 efejto extraterritorial necessario à execuçao
compulsoria, ato da justiça territorial. É êsse 0 objetivo res-
trito da homologaçao - imprimir executoriedade à sentença
estrangeira. 'A sentença, naD ou enquanto nao homologada,
valera, todavia, coma documento, corn 0 valor que lhe der 0
juiz territorial na apreciaçao das provas do fato - "C'est de
ne pas tenir pour non-avenu un fait regulièrement accompli
ailleurs, d'attribuer à la decision des magistrats étrangers la
même force probante qu'a tout autre acte authentique reçu
pour un officier public, au quasi-contract judiciaire que cette
decision suppose entre les parties la même valeur qu'a un
contract notarié". 12
Essa distinçao deu entrada no C6digo Civil brasileiro,
corn as reservas ai contidas. As sentenças estrangeiras, bem
coma as leis e outros atos emanados da soberania de outro
pais, e até mesmo as convenç6es entre particulares, podem
ter eficacia no Brasil se naD forem contrarias à nossa sobe-
rania, à ordem publica e aos bons costumes (Introduçao,
art. 17). As sentenças, porém, naD se executam senao depois
de homologadas ou, de um modo mais geral, "mediante as
"condiç6es que a lei brasileira fixar" (ibidem, art. 16).
A homologaçao das sentenças estrangeiras foi regulada
entre nos, na Republica, pela lei n. 221, de 20 de novembro
de 1894, art. 12, § 4.°, estabelecendo-se ai 0 processo da homo-
logaçao e os requisitos de que deve revestir-se 0 julgado es·
trangeiro. 13

12 ANDRÉ WEISS, Droit International Privé, p. 817.


l1l Nâo é indlspensâvel "carta de sentença", bastando cert!dâo, em devlda forma,
do julgado bomologando. Assim se dec!diu recentemente em caso de que fui revisor
(sent. estrang.e!ra n. 982, de Portugal, ac6rdâo de 23 de dezembro de 1942), com 0 se-
gu!nte voto: "0 C6d!go de Processo, no art. 785, alude L "cartas de sentenças"
quando trata de homologaçâo de sentenças estrangeiras. Repete a le! n. 221, de
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 245

o interessado(a quem a lei chama impropriamente exe·


cutado) em op or-se ao pedido de homologaçao po de alegar,
nos têrmos da preceituaçao legal, matéria concernente ao as-
pecto formal do julgado (falta de autenticidade do documento,
incompetência do juiz ou tribunal que proferir a sentença
1894, que, pOl' igual, exlgla que a pedldo viesse instruido cam a "carta de sentença"
do tribunal estrangelro de cuja sentença se pretendesse a homologaçâo.
A antiga jurisprudência déste Supremo Tribunal se orlentou preponderan-
temente no sentldo de exlgir "carta de sentença", nâo se contentando cam a cer-
tldao do julgado desacompanhada de outras peças processuais. Mais recentemente
se tem abrandado êsse entendimento, havendo ac6rdaos que conslderam satisfelta
a lnstruçao do pedldo cam a juntada de certldâo da sentença em forma autêntica.
o nosso Reglmento Interno, ja adaptado ao C6dlgo de Processo, nâo alude a
carta de sentença, exlgindo apenas que 0 pedldo venha lnstruido com "a prova au-
"têntlca da sentença homologanda" (art. 161, I).
o llustre dr. curador especlal, nome·ado pela eminente sr. ministro relatar,
levanta a questâo, entendendo que a sentença certlf!cada no doc. de fIs. nâo baSta,
sendo de exigir a carta de sentença nos têrmos da lei n. 221 e do C6digo de Pro cessa.
A sentença de que se trata é a ac6rdao proferldo, cm revista, pela Supremo
Tribunal de Justiça de Portugal, dêle constando a certldâo de que transitou em
julgado.
o ac6rdao expôe os fatos e a dlrelto. Dele consta a quallflcaçao das partes,
os fundamentos do pedido e a decisao.
Estara satisfelto a requlslto legal aD menas no seu espirlto? Ou sera neces-
sarlo exigir que a parte tIre carta de sentença?
A exigéncia da carta de sentença me parece uma demasla ou t·alvez uma
lmproprledade de técnlca do leglslador.
o que se homologa é a sentença e nao a carta, que contém outras peças pos-
slvelmente desnecessarias no juizo da del1baçâo e até mesmo no ulterior juizo
da execuçâo.
Par isso mesmo no dlrelto português nâo se exige para a conflrmaçâo dos
julgados estrange!ros senao a sentença, segundo Informa DIAS FERREIRA (C6dlgo de
Processo Clvll, III, art. 1,.088).
No direlto itallano nâo se exige senao a prova da sentença em forma autên-
tica, dispensando-se a juntada de outras documentas, salvo se a Côrte de Apelaçâo
os julgar necessarios para melhor exame da questâo, casa em que, segundo MATTI-
HaLo, converte a julgamento em d!ligéncla para mandaI' que a parte complete a
instruçao (ob. cit., v. VI, 1.209 e 1.210).
Nao ha razâo para exigir mais, salvo se a sentença for omissa em pontos es-
senclais sobre os quai~ se haja de exercer 0 exama de que dependa a homologaçao,
ou se a parte, na sua lmpugnaçâo, apontar falhas que dependam de prova comple-
mentar ou suscite dûvidas que devam ser esclarecidas mediante 0 ofereclmenta èe
novas provas.
Nao é a casa dos autos, pois, como ja disse, 0 ac6rdao homologando contém
um relato dos fatos e a quallf!caçao das partes na demanda.
o objetlvo da homologaçao é lmprlmir à sentença estrangelra executariedade
em nosso pais. Homologada, a sentença executa-se como as sentenças naclonais.
E se, para a execuçâo das sentenças nacionals, nao se exige, em regra, a carta de
246 CASTRO NUNES

homologanda, naD ter esta transitado em julgado, naD terem


sido devidamente citadas as partes, etc.), e bem assim a in-
compatibilidade do julgado estrangeiro com as nossas leis e
a ordem publica. 14
Nao se entra no mérito da questao julgada nem se admi-
tem provas em contrario às produzidas - "Em casa .algum é
"admissivel produçao de provas sôbre 0 fundo da questao
"julgada" (art. 12, § 4.°, 5, alinea 2. a ). 15
A homologaçao é restrita às sentenças propriamente ju-
diciais, naD abrangendo as decisoes das jurisdiç6es adminis-
trativas. Restringe-se em regra aos julgamentos civis e co-
merciais, com exclusao das sentenças penais. Admite-se, to-
davia, naD obstante controvérsias, què as partes accessorias da
sentença, bastando, em se tratando de sentença que nâo dependa de l1quidaçâo, !l
expediçâo de mal).dado em que se transcreva a decisâo exequenda (C6digo de Pro-
cesso, art. 889), nâo seria curial exigir para a homologaçâo a formal1dade da carta
de sentença que a lei brasUeira nâo mais exige para a execuçâo".
14 A nova lei de Introduçâo ao C6digo Civil (dec.-lei n. 4.657, de 4 de setembro

de 1942) dispôe:
"Art. 15. Sera executada no BrasU a sentença proferida no estrangeiro, que'
"reuna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juiz competente; b)
"terem sido as partes citadas ou haver-se lcgalmente verificado a revelia; c) ter
"passado em julgado e estar revestida das formalidades necessarias para a execuçâo
"no lugar em que foi proferi::!a; d) estar traduzida por Intérprete autorizado; el
"ter sido homologada pela Supremo Tribunal Federal.
"Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro pais, bem como quaisquer decla-
"raçôes de vontade, nâo terâo eficacia no Brasll, quando ofenderem a soberania na-
"cional, a ordem publ1ca e os bons costumes".
15 0 C6dIgo de Havana contém disposiçôes que completam 0 direlto Interno de
cada um dos Estados pactuantes. "Tôda sentença clvU" - dIspôe no art. 423 -
"ou contencioso-administrativa (é nosso 0 grlfo) , proferlda em um dos Estados con-
"tratantes, tera força e podera executar-se nos demais, se reunir as seguin tes con-
"diçôes: La, que 0 Juiz ou trIbunal que a tiver pronunciado tenha competèncla
"para conhecer do assunto e julga-lo, de aeôrdo corn regras dêste C6dIgo; 2.", que
"as partes tenham sido cltadas pessoalmente ou por seu representante legal, para a
"açâo; 3.', que a sentença nao ofenda a ordem pUbl1ea ou 0 direlto publieo do
"pais onde deve ser executada; 4.', que seja exeeut6ria no Estado em que tivet
"sido proferlda; 5. 8 , que seja traduzida autcrizadamente por um funcionario ou
"Intérprete oficial do Estado em que se ha de executar, se ai for dlferente 0 Idioma
"empregado; 6.", que 0 documento que a contém reuna os requisitos para ser
"considerado como autêntlco no Estado de que proceda, e os exigidos, para que
"faça fé, pela legislaçao do Estado onde se pretende que a sentença seja cumprida"
(BENTO DE FARIA, C6digo de Direito Internacional Privado, 1930, ps. 120 e segs.).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 247

sentença penal, envolvendo uma condenaçao civil, ou para


fins reparat6rios, possam ser homologadas. 16
o fim da homologaçao é a execuçao, a possibilidade da
execuçao forçada esta pressuposta, do que resulta que um jul-
gamento meramente declarat6rio ou certos atos da jurisdi-
çao graciosa ou vOluntaria, tais como os que se referem ao
estado da pessoa, alvaras provis6rios de separaçao de corpos,
etc., naD comportam homologaçao. 17

5. 0 "habeas-corpus" na competência ongmarm (in-


ciso g). 0 enunciado dêste inciso, "0 habeas-corpus, quando
"for paciente, ou coator, tribunal, funcionario ou autoridade,
"cujos atos estejam sujeitos imediatamente à jurisdiçao do
"Tribunal, ou quando se tratar de crime sujeito a essa mesma
"jurisdiçao em unica instância; e, ainda, se houver perigo

10 LA LOGGIA, La Esecusione delle Sentenze Straniere, n. 132 - 0 novo C6dlgo Penal


Brasllelro (dec.-Iel n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940) admlte sob certas reservas
a homologaçâo das sentenças penala: "Art. 7. 0 A sentença estrangelra, quando a
"apl1caçâo de lei brasllelra produz na espécle as mesmas consequênclas, pode ser
"homologada no Brasll para: I, obrlgar 0 conden'ado à reparaçâo do dano, restltul-
"ç6es e outros efeltos clvis: II, suJelta-lo às penas access6rlas e medldas de se-
"gurança pessoals. Paragrafo Unico. A homologaçao depende: a) para os efeltos
"prevlstos no n. I, de pedido da parte interessada; b) para os outros efeitos, de
"existência de tratado de extradiçao com 0 pais de cuja autoridade judicia.ria ema-
"nou a sentença ou, na falta de tratado, de requisiçâo do ministro da Justlça".
11 LA LOGGIA, ibidem, n. 157 - Asslm tem entendido 0 Supremo Tribunal, alnda
que sem unan1midade (ac6rdao de 18 de agôsto de 1941, sent. estrangelra n. 1.016,
Portugal, de acôrdo com 0 voto do relator, ministro OTAVIO KELLY). 0 voto que no
mesmo sentido proferi fol 0 segulnte: "Sr. presidente, as sentenças e os atos judl-
ciais estrangeiros produzem, em princlpio, todos os efeitos no pais onde tenham de
ser exhlbidos, independente de homologaçao. A homologaçao s6 é exlglda no easo
em que a sentença tenha de ser executada em pais estrangelro. É 0 prlnciplo
da executoriedade que se lhe imprime pela homologaçao. Pelo C6digo Civil se
exige que as sentenças estrangelras sejam homologadas para serem exequlveis no
Brasll. De sorte que, desde que 0 pedido de homologaçao nao tenha por objeto
execuçao, nem esta seja possivel, dada a natureza do julgado estrangelro, nâo vejo
razâo para se admitir a homologaçâo. Nestas condiçôes, acompanho 0 sr. ministro
relator" (Didrio da Justiça de 3 de fevereiro de 1942). 0 dec.-Iei n. 4.657, de 4 de
setembro de 1942 (nova lei de Introduçao ao C6dlgo Civil), declara e1'Pressamente :
"nâo dependem de homologaçao as sentenças meramente declarat6rias do estado
"daa pessoas" (art. 15, parag. unico).
- 0 pedido de homologaçâo nâo pode ser reiterado. A decisâo faz coisa jul-
gada, s6 podendo ser atacada por açâo recis6ria (ac6rdâo de 26 de agôsto de 1942,
relator mlnlstro LAUDO DE CAMARGO, Didrio da Justiça de 11 de fevereiro de 1943).
248 CASTRO NUNES

"de consumar-se a violência antes que outro juiz ou tribunal


"possa conhecer do pedido", vem da Constituiçao de 34, que 0
inseria no art. 76, 1.0, letra h.
A Constituiçao de 91 era omissa no tocante à competên-
cia originaria para habeas-corpus. TaI competência foi deri-
vada pela lei n. 221, como veremos adiante. So da compe-
tência de recurso cogitava a primeira Constituiçao para atri-
bUI-Ia ao Supremo Tribunal, quer das decisoes locais (art. 61,
1.°), quer das proferidas pelos juizes seccionais, em se tra-
tando de crime da competência federal (arg. ex., art. 59, II). 18
A lei n. 221, de 1894, no art. 23, expressou a competência
originaria "quando 0 constrangimento ou ameaça dêste pro-
"ceder de autoridade, cujos atos estejam sujeitos à jurisdiçao
"do Tribunal, ou for exercido contra juiz ou funcionario fe-
"deral, ou ainda no caso de iminente perigo de consumar-se a
"violência, antes de. outro tribunal ou juiz poder tomar co-
"nhecimento da espécie em primeira instância". Era dispo-
siçao que ja vinha do dec. n. 848, de 1890, mantida por aquela
lei na vigência da Constituiçao.
Do assunto tratou LEVI CARNEIRO, 19 esclarecendo : "JoAo
"BARBALHO refere as discussoes que, a principio, houve sôbre
"a constitucionalidade da jurisdiçao, assim conferida" - se
bem reconheça que 0 art. 23 da lei n. 221 "nao se possa
"dizer perfeitamente constitucional, em tôdas as suas partes",
considera ter pôsto fim à controvérsia, sendo aceito e executa-
do pelos tribunais. Ainda mais: assinala que "para isso deve
"ter contribuido 0 se haver, com essa disposiçao de lei, tor-
"nado ainda mais pronta, larga e segura a eficacia de tao pre-
"ciosa garantia da liberdade individual". 0 Tribunal tem
assim juigado inUmeras vêzes. No recente acordao de 17 de
maio (habeas-corpus n. 3.969) 0 sr. PEDRO LESSA justificou
brilhantemente essa jurispruaência". 20
. .
lb Veja-se adlante "Competêncla de recurso ordlnarlo".
" Do Judiciârio Federal, 1916, p. 81; v. também BARBALHO, ob. clt., 2." ed., p. 351.
20 0 ac6rdao de 17 de male de 1916 se encontra na Rev. do Supremo Tribunal,
v. 13, p. 173.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 249

Nesse acordao-padrao decidiu 0 Supremo Tribunal, acom·


panhando 0 eminente relator: "A regra é conhecer 0 Supre-
"mo Tribunal Federal de pedidos de habeas-corpus em se-
"gunda instância, isto é, que naD sejam originarios. Por ex-
"ceçao conhece originariamente de tais pedidos: a) quando
"se trata de violência ou crime imputado ao Presidente da
"Republica e aos ministros de Estado; b) quando 0 cons-
"trangimento procede dos juizes seccionais; c) quando 0
"caso é urgente e naD ha possibilidade de invocar outra au-
"toridade judiciaria".
Justificando cada uma dessas exceç6es 0 acordao fundou
a primeira na competência originaria do Tribunal para julgar
o Presidente da Republica nos crimes comuns e os ministros
de Estado nos crimes comuns e nOsOde responsabilidade naD
conexos corn os do Presidente - "desde que, em substância,
"nao quis 0 legislador constituinte que em hipotese alguma
"os crimes de qualquer espécie do Presidente da Republica e
"dos ministros de Estado fôssem julgados pelos juizes da pri-
"meira instância, corolario logico des sas determinaç6es é re-
"conhecer a competência do Supremo Tribunal Federal para
"conhecer originariamente dos habeas-corpus requeridos
"contra violências imputadas a êsses funcionarios". 21 "Esta
"parte do art. 23 da lei n. 221" - continua 0 acordao - "nao
n Do ato do Presidente da Republica prorrogando 0 estado de sitio, prorrogaçâa
arguida de inconstitucional, teria de conhecer originariamente a Côrte Suprema,
segundo entendi em voto que proferi, em 1936. Assim, porém, nâo 0 entendeu 0
Tribunal, pele principio de que tôda arguiçâo de ilegalidade no habeas-corpus se
resolve na llegalidade da detençâo, ato de execuçiio do estado de sitio a cargo do
chefe de Pollcia, enquadrado na competêncja federal da primeira instância, de cuja
decisâo denegat6ria cl;lberia entao 0 recurso para a instância suprema. 0 inte-
rêsse da indagaçâo é hoje meramente doutrinârio, de vez que dos atos concernen-
tes à decretaçao e execuçao do estado de emergência nao mais conhece 0 Judi-
ciario. De modo diverse dispunha a Constituiçao de 34 que da decretaçiio do
estado de sitio e dos atos de sua execuçao cogitava nos diferentes parâgrafos do arti-
go 175, dispondo no § 14: "A inobservancia de qualquer das prescriç6es dêste artigo
"tornarâ llegal a coaçao e permitirâ aos pacientes recorrerem ao Poder JUdiciârio".
Arguida a inconstltucionalidade da pl'orrogaçao do e~tado de sitio pOl' ato da fun-
çao de seu natural privativ.t e. portanto, indelegavel do Presidente da Republica,
os atos de execuçao, isto é, as detenç6es, nao estavam em causa senao pOl' via de
consequência, nao sendo possivel apreciâ-Ias sem apreclar 0 fundamento do pe-
dido, que era a arguida incon~titucionalidade daquele ato. Era um caso da com-
petêncla originaria da quaI declinou a Corte Suprema remetendo 0 postulante à
prlmeira instância (veja-se Arq. Judicidrio, v. 38, ps. 316 e segs.).
250 CASTRO NUNES

"se po de dizer contraria, mas antes, consentânea com a Cons-


"tituiç{io". E, linhas adiante: "A concessao do habeas-cor-
"pus importa, nao raro, no reconhecimento de um delito; e
"nao se compreende que fiquem sujeitos à apreciaçao dos
"juizes inferiores os atos do magistrado, ou dos funcionarios,
"que em casa nenhurri, nem sequer nos seus crimes comu:t:ls,
"respondem perante tais juizes".
Da segunda exceçao, isto é, dos casos em que 0 constran·
gimento partisse dos juizes federais de primeira instância,
tratava também 0 ac6rdao, hip6tese, alias, de mais facil jus-
tific~çao, porque subordinados diretamente tais juizes ao Su-
premo Tribunal, em relaçao a êles instância de apelaçao.
No exame da terceira exceçao esclarecia: "Tendo pre-
"ceituado 0 art. 72, § 22; da Constituiçao que se dê 0 habeas-
"-corpus sempre que alguém sofra ou esteja ameaçado de
"sofrer violência ou coaçao por ilegalidade ou abusa do po der,
"ordenar 0 legislador ordinario que se requeira ao Supremo
"Tribunal Federal habeas-corpus, quando a nenhum outro tri-
"bunal, ou juizo, seja possivel recorrer, é unicamente deduzir
"uma consequência forçada do art. 72, § 22. De nenhum
"efeito ficaria sendo 0 salutar preceito do art. 72, § 22, em
"nao raras hip6teses, desde que se eliminasse a parte final da
"primeira alinea do art. 23.
"Periclitaria a liberdade individual, 0 primeiro de todos
"os direitos depois do direito de viver, se ao Supremo Tribunal
"Federal nao fôsse reconhecida a competência para decidir
"originariamente neste caso".
o texto atual tem, pois, êsses antecedentes. Deu-se enun-
ciado diverso ao principio ja firmado pela jurisprudência com
apoio na lei n. 221, em virtude do quaI as exceç6es admitidas
encontravam base na pr6pria Constituiçao, de vez que justi-
ficadas como desenvolvimentos da garantia da liberdade.
Vej~mos agora 0 texto atual, começando pela terceira
hip6tese ai figurada - "e, ainda, se houver perigo de consu-
"mar-se a violência antes que outro juiz ou tribunal possa
"conhecer do pedido".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 251

Ha que observar de comêço que é a iminência do perigo


e a impossibilidade de 0 remover normalmente que jusÙfica
a competência originaria corn êsse fundamento, do que de-
corre que é de habeas-corpus preventivo que se trata. Esta
pressuposto que outro tribunal ou juizo seria 0 competente
para 0 pedido, so intervindo a instância suprema supletiva-:
mente, para acudir à violência que, sem a sua intervençao, se
consumaria.
Essa competência excepcional faz do Supremo Tribunal
uma verdadeira instância de concentraçâo na jurisdiçâo do
habeas-corpus, por substituiçao eventual da instância local
ou federal (especial) competente para 0 caso. A redaçao do
texto naD prima pela clareza nas hipoteses por onde começa.
Diz êle: "quando for paciente, ou coator, tribunal, fun-
"cionario ou autoridade, cujos atos estejam sujeitos imedia-
"tamente à jurisdiçao do Tribunal ... ", acrescentando, "ou
"quando se tratar de crime sujeito a essa mesma jurisdiçao
"em unica instância".
É forçoso ligar esta ultima locuçao à palavra paciente,
pois so a êste se refere. Sao os funcionarios ou autoridades
que 0 Supremo Tribunal pode processar e julgar em instância
unica os pacientes para 0 efeito da competência originaria
para 0 habeas-corpus.
TaI competência, em razao do paciente, supoe a' êste, ne·
cessariamente, coma réu ou, pelo menos, a possibilidade cons-
titucional de vir a ser réu perante 0 Supremo Tribunal. De
modo que as palavras "paciente, ou coator, ... cujos atos es-
"tejam sujeitos imediatamente à jurisdiçao do Tribunal ... "
supoem atos que, no tocante ao paciente, so podem ser atos .
criminosos, ou incriminados, pelos quais êle esteja responden-
do ou possa vir a responder coma réu na açao penal.
Se se trata, portanto, de imputaçao de crime a qualquer
dos funcionarios ou autoridades corn direito ao fôro privile-
giado em instância. uni ca, titulado no Supremo Tribunal, a
êste competira conhecer do constrangimento que dai resultar
por meio de habeas-corpus originario.
Mas a competência originaria se baseia também em ato
de coator sujeito imediatamente à jurisdiçao do Supremo Tri-
252 CASTRO NUNES

bunal. 0 coator podera ser um tribunal (judiciario em


regra) ou uma autoridade ou funcionario administrativo.
Funcionarios ou autoridades sujeitas imediatamente à
jurisdiçao do Tribunal saD as mesmas às quais êste pode pro-
cessar e julgar em instância ûnica, sujeitas dêste modo, ime-
diatamente, à sua jurisdiçao. Mas ja aqui na posiçao ativa
de coatores, e naD na situaçao passiva de réus. Quanto a
êsses, a competência originaria para 0 habeas-corpus se define
pela mesmo principio, invertida somente a posiçao.
Tratando-se, porém, de tribunal, é clara que somente na
posiçao de coator podera êle figurar. A competência origi-
naria para 0 habeas-corpus resulta aqui da combinaçao de
varios elementos que servem a configurar em grau maior ou
menor, conforme 0 caso, a subordinaçao.
A rigor, naD existe hoje nenhum tribunal subordinado
hierarquicamente ao Supremo Tribunal. Existe, porém, a su-
bordinaçao pela recurso e a competência originaria para a
açao penal contra juiz de tribunal inferior. Combinados
êsses dois elementos, explica-se a competência para 0 habeas-
-corpus nos casos em que a coaçao seja atribuida a qualquer
tribunal que decida em matéria crime ou constranja alguém
em têrmos que possa autorizar 0 habeas-corpus.
o Supremo Tribunal exerce no tocante ao habeas-corpus
uma jurisdiçao universaI. Venha de onde vier 0 constrangi 4

mento, ou êle conhecera em grau de recurso ou, tratando-se


de réu ja condenado, originariamente. Servem a êsse entendi-
mento, em falta de assento direto na Constituiçao, 0 advérbio
. sempre da clausula tutelar da liberdade. "Dar-se-a habeas-
"-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminên-
"cia ... " é 0 principio da distensibilidade das garantias ex-
presso no art. 123. 22
- Como vimos, a competência originaria para 0 habeas-
-corpus, em se tratando de coaçao emanada diretamente do

"" Em se tratando do Supremo Tribunal M1l1tar e do Tribunal de Segurança Na-


cional, a competência originaria funda-se, a meu ver, nos dizeres do texto "cujos
"atos estejam sujeitos imediatamente à jurisd!çào do Tribunal", de vez que das
decisôes denegat6rlàs conhece 0 Supremo Tribunal em recurso (art. 101, II, 2, b),
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 253

1;'residente da Republica, assentava na competência que tinha


o Supremo Tribunal para 0 processar e julgar "nos crimes
"comuns".
Em face da atual Constituiçao 0 Presidente nao poderâ
responder por crime comum, enquanto no exercicio do cargo.
É 0 que prescreve 0 art. 87: "0 Presidente da Republica nao
"pode, durante 0 exercicio de suas funçoes, ser responsabili-
"zado por atos estranhos às mesmas". Por isso mesmo nao
reaparece na competência originaria (inciso a) aquela antiga
atribuiçao. E é clara que, deixando 0 cargo, volta à condi-
çao de particular, sujeito ao fôro comum (de vez que nenhu-
ma ressalva existe), que sera 0 competente para 0 processo e
julgamento.
Mas a conclusao que negasse a competência originaria
do Supremo Tribunal para 0 habeas-corpus seria inadmissivel,
porque levaria ao absurdo de sujeitar a coaçao imputada ao
Presidente a um tribunal inferior, ao passo que da coaçao
praticada por ministro de Estado conheceria a instância su-
prema. Na competência originaria para conhecer do ha-
beas-corpus quando 0 coator é ministro de Estado esta impli-
cita a de conhecer do pedido quando 0 constrangimento ema·
nar diretamente do Presidente da Republica (sôbre 0 habeas-
-corpus no estado de guerra, v. 0 cap. III do tit. "Restriçoes
"ao exercicio da jurisdiçao") .
6. 0 mandado de segurança na competência origimiria.
Nao esta expresso êsse casa de competência. Derivou-a,
porém, 0 Codigo Nacional de Processo, art. 144, VI: "Compete
"originariamente ao Supremo Tribunal Federal processar e
"julgar os mandados de segurança contra atos de qualquer
"autoridade da respectiva secretaria, ou de qualquer de seus
"juizes, ou de seu presidente, ou do proprio Tribunal".
o que equivale a dizer que estâ em principio admit!da a suJeiçâo de ambos os tri-
bunais, no tocante à. Jurisdiçâo do habeas-corpus, ao Supremo Tribunal.
Claro é que a competêneia originâria s6 se Justifiea (salvas as hip6teses que
possam eomportar a intervençâo supletiva) em se tratando de eonstranglmento
emanado dlretamente daqueles tribunals, consoante, alias, a regra em virtude da
quaI se do pedido puder eonhecer 0 tribunal (federal ou local), a êle deve ser
endereçado, subindo -ao Supreme) Tribunal par via de reeurso (veja-se adiante -
"Competência de reeurso ordinario").
254 CASTRO NUNES

Na anterior Constituiçao, onde se inseria a clausula cria-


dora do mandado de segurança, 23 à Côrte Suprema competia
conhecer originariamente do pedido quando 0 ato fôsse do
Presidente da Republica ou deministro de Estado. A lei
n.· 191, de 1936, regulando 0 instituto, incluiu entre os atos
ajuizaveis na competência originaria, os do presidente da
propria Côrte, porque, à evidência, outro Tribunal nao pode-
ria conhecer de tais atos senac ela mesma.
"Nao se cogita da hipotese - escrevi entao - de ser 0
mandado de segurança requerido contra ato ou decisao da
propria Cârte Suprema. A competência definida na letra c
- "contra ato de tribunal federal ... " refere-se aos tribunais
inferiores.
Nem mesmo da hipotese de provir a decisao ou ato im-
pugnado de uma das turmas ou das câmaras em que venha
a ser dividida a Côrte Suprema (Constituiçao, art. 73, § 2.°).
De tal hipotese so se cogita na competência local (art. 5.°,
III, a).
Do mesmo modo, se se tratar de ato administrativo, nao
do presidente, mas da propria Côrte, ou daquele por esta ho-
mologado (sao hipoteses que podem surgir da aplicaçao do
art. 67, letras bec, do art. 182, etc.), nao esta expressa a
competência.
o legislador deteve-se, talvez receoso de ampliar mais a
competência originaria, que ja estendera aos atos da presi-
dência da Côrte. Mas, por implicita se deve ter, segundo
penso, essa mesma competência nas hipoteses figuradas, por
fôrça de compreensao.
Se foi possivel incluir no conhecimento originario os atos
do presidente, por igual razao, porque outro Tribunal nao
haveria para deles conhecer" - incluidos estarao os atos do
proprio Tribunal, de suas turmas ou câmaras ... ". 24

23 A Constituiçao atual nao alude ao mandado de segurança. Manteve-o, porém,


a dec.-lei n. 6, de dias ap6s, excluilldo, porém, de sua 6rbita os atos do Presidente
da Republlca, dos minIstros de Estado, dos governadores e interventores, exclusao
mantida no C6digo de Processo (art. 319).
.. CASTRO NUNES, Do Mandado de Segurança, 1937, ps. 229 e segs.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 255

o C6digo de Processo menciona, além do presidente, 0


pr6prio Tribunal ou qualquer dos seus juizes, ou "qualquer
"autoridade da respectiva secretaria" .
. Nao era necessario detalhar tanto. Atos da secretaria
serac atos do presidente, que superintendeos seus serviços,
no casa em que os homologue.
Atos dos ministros individualmente considerados naD se
atina quais possam ser, a menos que se admita, contra a ju-
risprudência até hoje assentada, possam ser os atos da funçâo
judicial propriamente dita, de vez que os juizes componentes
do Tribunal naD desempenham funçoes administrativas.
Atos do Tr~unal podem ser os atos de qualquer das tur-
mas em que êstè se subdivide e que, portanto, 0 representam.
Nao as menciona 0 texto. Mas subentende-se, com 0 mesmo
reparo acima feito.
Excluidos os atos da funçao judicial, segundo 0 entendi-
ment~ predominante, sac somente as atribuiç6es administra-
tivas do presidente ou do Tribunal as que podem determinar
o uso daquele remédio.
Assim: na superintendência dos serviços auxiliares, no
desempenho das atribuiçoes definidas no art. 95 e seu
parag. unico, na concessao ou recusa de exequatur, atribui-
çao que lhe é privativa, naD comportando agravo para 0 Tri-
bunal, etc.
Nao seria, porém, ato do presidente, susceptivel de man-
dado de segurança nos têrmos expostos, 0 voto de desempate
por êle proferido, porque ato de juiz. Alias, a decisao que se
vencesse com êsse voto seria do Tribunal e naD da autoridade
singular do presidente.
Como pôde a lei ordinaria (C6digo de Processo) derivar a.
competência originaria para 0 mandado de segurança?
QuaI 0 fundamento constitucional? A meu ver, com apoio
na competência de recurso ordinario. 0 recurso esta admi-
tido, com base no art. 101, II, 2, letra a, nas "causas em que
"a Uniao for interessada como autora, ou ré, assistente ou
"opoente", portanto nos mandados de segurança em que a
pessoa de direito publico interessada seja a Uniao.
256 CASTRO NUNES

Em se tratando de atos do presidente do Supremo Tribu-


nal, ou dêste mesmo, a pessoa publica interessada, ja entao
representada pela procurador geral da Republica, é a Uniao.
Sao atos de autoridade federal, e dos atos de tais autori-
dades conhece em principio 0 Supremo Tribunal, ainda que
coma segunda instância. Mas se a autoridade federal em
causa é 0 proprio Tribunal ad quem, absurdo seria sujeitar 0
seu ato, ou 0 do seu presidente, ou de qualquer dos seus mi-
nistros, ao exame da primeira instância, contra tôdas as re-
gras da hierarquia e do bom-senso.
A derivaçao da competência originaria corn base na com~
petência do recurso encontra outro exemplo, em matêria de
conflitos.
Para conhecer do conflito entre juizes de um mesmo Es-
tado, entre os quais se controverta competência para conhe-
cer de causa da Uniiio, ja se julgou competente 0 Supremo
Tribunal (veja-se 0 comentario do inciso e, no capitulo an-
terior) .
7. Açâo recisoria (II, 1) - Açao recisoria de julgado
proferido em recurso extraordinârio. Ao Supremo Tribunal
compete julgar as aç6es recisorias de seus acordaos. É um
caso, coma os anteriores, de julgamento em instância unica,
mas, ao invers~ daqueles, sem a atribuiçao correlata para
processar.
A Constituiçao atual tornou expressa, repetindo a ante·
rior, essa competência originaria, ja revelada, sob a Consti-
tuiçao de 91, omissa a respeito, pela proprio Supremo Tribu-
nal, por emenda regimental, em 1913. Entendia-se até entao,
e disso da noticia BARBALHO, que a recisoria de uma decisao
da instância superior teria de percorrer as duas instâncias,
como qualquer açao ordinaria. Era a doutrina desenvolvida
pelos praxistas, com base em cer!o julgado da Relaçao de
Lisboa que, de acôrdo com a tençao de MENESES, e em con-
trario ao modo de ver de GOUVEIA PINTO, entendera de sujei-
tar ao julgamento da primeira instância a decisao proferida
na segunda, contra tôdas as regras da hierarquia judiciaria.
TE ORlA E PRATICA DO PODER JUDIClARIO 257

PEDRO LESSA, recordando êsses antecedentes do nosso di-


reito colonial, inclinava-se à melhor doutrina, que seria a que
veio a prevalecer nos textos constitucionais; quere-la-ia,
porém, preceituada em lei, coma norma que ia além da eco-
nomia interna do Tribunal, e nao por emenda regimental. 25
Ja hoje, em face da Constituiçao, que tem por "açao" a
recis6:ria - "as açôes recisorias de seus acordaos" - parece
de nenhum interêsse pratico indagar se 0 remedium juris é
açao ou recurso, tomada esta palavra no seu sentido es-
trito. 26 Alias, 0 Codigo de Processo a qualifica e trata
coma açiio.
o essencial, para que se autorize a recisoria, é que a sen-
tença que se quer recindir, seja hcibil para produzir a coisa
julgada. Por isso mesmo é inadmissivel para anulaçao de
quaisquer decisôes de que caiba recurso, Oll sôbre meros inci-
dentes, ou, ainda, em processo administrativo, naD havendo
decisao ou sentença. Cabe para anular sentença declarato-
ria de falência; e assim 0 tem entendido 0 Supremo Tribunal
em casos do Distrito Federal, sem tomar à letra a locuçao
"processo ordinario contencioso", da lei de organizaçao ju-
diciaria. 27
Nao cabe contra sentenças criminais, nem contra acor-
daos de homologaçao de sentença estrangeira. 28
Cabe a recisoria contra julgado do Supremo Tribunal nas
causas civeis originarias ou quando proferido em recurso or-
dinario ou mesmo extraordinario. Quanto a êste grandes
duvidas se levantaram, notadamente no julgamento da açao
recisoria n. 26, de Sao Paulo, em 1919. Contra os votos de
PEDRO LESSA e J oAo MENDES, decidiu 0 Tribunal nos dois acor-
!Z PEDRO LESSA, ob. clt., p. 83.
,. Entendem alguns que, correspondendo a recls6rla à requête civile dos fran-
ceses, il rivocazione dos Itallanos, etc., é antes um reCUTSO do que propr!amente uma
açâo. É dessa opiniâo, entre outros, 0 professor COSTA CARVALHO, que aponta tam-
bém FILADELFO AzEVEDO, PEREIRA BRAGA e CANDIDO DE OLIVEŒA FILHO (Curso de Di-
reito Judicidrio Civil, v. IV, p. 20). Mas na tradlçâo do nosso dlrelto sempre se
houve a recls6rla camo açâo. Entre outros: LESSA, ob. clt.; CARVALHO DE MENDONÇA
(M. I.), Da Açiio Recis6ria; JORGE AMERICANO, Da Açiio Recis6ria, p. 30).
2'T Entre outros, 0 ac6rdâo no rec. extr. n. 2.922, de 4 de novembro de 1938, de
que foi relator 0 ministro CUNHA MELO.
!lB Veja-se CARVALHO DE MENDON ÇA (M. I.), Da Açiio Recis6ria, ps. 15 e segs.

F.17
258 CASTRO NUNES

daos, de que foi relator EDMUNDO LINS, nao. ser recindivel a


decisao proferida em recurso extraordinario. 29
Hoje a jurisprudência do Supremo Tribunal esta orien~
tada em sentido diverso. Admite-se a açao recisoria, e na sua
competência, até mesmo estando em causa acordao que nao
haja conhecido do recurso extraordinario.
No voto que proferi como relator da açao recisoria n. 81,
de Sao Paulo (acordao de 2 de setembro de 1942), examinei a
antiga jurisprudência e os aspectos correlatos da controvér-
sia: "OSupremo Tribunal nem sempre admitiu a açao re-
cisoria de seus julgados quando proferidos em recurso extra-
ordinario, nao obstante varios votos vencidos.
Os principais argumentos em que se fundava êsse enten-
dimento eram os seguintes: 1.0, que 0 antigo recurso de re-
vista, que se interpunha para 0 Supremo Tribunal de Justiça,
recurso a que se equiparava 0 extraordinario, nao comportava
a via recisoria, e assim sempre se entendera no Império com
base no reg. n. 737, cujo art. 681, § 4.0, excluia express a-
mente do âmbito da recisoria a sentença proferida em
grau de revista; 2.°, que 0 dec. leg. n. 4.381, de 5 de dezem-
bro de 1921, nao admitindo (art. 8.0) embargos na execuçao
a ac6rdao proferido pela Supremo Tribunal, implicitamente
repelia a possibilidade da açâo recis6ria, tida por equivalente
àquela defesa na execuçao.
Ja hoje me parece necessario reexaminar a questao, reto~
mando-a nos têrmos em que estava posta a controvérsia
àquele tempo.
o argumento fundado na inadmissibilidade da açâo re-
cis6ria, em se tratando de decis6es proferidas em grau de re-
vista, perdeu a sua base legal, de vez que 0 atual C6digo Na-
cional de Processo Civil nao reproduz 0 antigo preceito do
reg. n. 737, enumerando, nos arts. 798 e segs., os casos em
que se autoriza aquela via excepcional, sem tal restriçao.
2" Rev. do Supremo Tribunal, 21, 308 e 22, 41. No mesmo sentldo 0 ac6rdâo de
29 de agôsto de 1930, de que foi relator 0 ministro CARDOSO RIBEIRO, Arq. Judicwrio,
16, 244. Pela afirmativa, entre outros: JORGE AMEllICANO, Da Açlio Recis6ria, p. 51;
VASCO DE LACERDA GAMA, Do Recurso Extraordinârio, p. 387, etc.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICrARIO 259

Acresce que a paridade, que se tinha por existente, entre


o recurso extraordinario e 0 recurso de revista do Império é
muito contestavel, naD sa pelos motivos entao apontados mas
ainda por outra que direi adiante.
A principal objeçao fundava-se em que 0 recurso extra-
ordinario, com assento no texto constitucional de 91, defi-
nindo-se pela controvérsia sôbre a validade ou aplicaçtio da
lei federal, naD correspondia à hipotese da açao recisoria por
violaçao de direito expresso, sendo que era precisamente êsse
um dos casos em que se autorizava a revista, levando PEDRO
LESSA a dizer que desnecessaria seria entao a recisoria "porque
"a revista tinha por fim verificar (sempre restrita a questao
"ao ponto que se discute) se uma sentença fôra dada contra
"direito expresso".
Havia uma outra razao para naD admitir a recisoria de
julgado proferido na antiga revista, razao que, entretanto,
inexiste, tratando-se de recurso extraordinario.
Com efeito, a decisao que 0 Supremo Tribunal de Justiça
proferia em grau de revista naD era de reforma, senac de mera
cassaçao ou anulaçao do- julgado revisto, designando a Rela·
çao que houvesse de julgar novamente 0 feito - "remetendo
"os autos à Relaçao que designar para revisora, em vista da co-
"modidade das partes". 30
Do mesmo modo esclarece PIMENTA BUENO: "Se conclue
"que a tese geral, 0 direito da lei, foi respeitado, denega a re-
"vista sem se importar com 0 fundo da causa, com 0 bem ou
"0 mal julgado em relaçao à parte; se conclue 0 contrario,
"cassa a sentença, e para que 0 império da lei seja restabele·
"cido, express a as razoes pelas quais a julgou violada, exp6e
"a inteligência que entende ser a verdadeira e manda a causa
<ta outro Tribunal para que profira nova sentença".31
A revista era, pois, recurso de cassaçtio, e assim a quali.
ficava PIMENTA BUENO (ibidem, § 1.°), naD alcançando 0 re-
exame da espécie para confirmaçao ou reforma do julgado
revisto; ad instar do que ocorre na França, na Bélgica e,
80 RODRIGUES DE SOUSA, AncHise da Constituiç{io do Império, toma II, p. 412.
31 PIMENTA BUENO, Direito Publico Brasileiro, tomo II, § 4.°, p. 372.
260 CASTRO NUNES

corn algumas restriç6es, também na Italia: cassada a sen-


tença, é remetido 0 caso, para ser proferido nova julgamento,
a um tribunal da mesma categoria daquele cuja decisao foi
cassada. 32 Por isso mesmo nao se admite em tais paises a
requête civile e a revocazione, a que corresponde a nossa re-
cisoria. 33
Pelo recurso extraordinario, se dele conhece, 0 Supremo
Tribunal julga 0 feito, ainda que aceitando os fatos na sua
apresentaçao, isto é, nos mesmos têrmos em que tenha sido
posta a questao pelo julgado recorrido. Reforma, confirma
ou anula a decisao.
Se assim ja se entendia sob a Constituiçao de 91, que se
limitava a dizer que "das sentenças das justiças dos Esta-
"dos. .. havera recurso . .. ", pormelhor razao hoje em face
do texto constitucional que expressamente declara que ao
Supremo Tribunal compete julgar em recurso erlraordinario
as causas decididas pelas justiças locais, ainda que restrita-
mente ao ponto em litigio na questao federal. 34
A outra razao invocada na antiga jurisprudência para
nao admitir a recisoria era a decorrente da inadmissibilidade
de embargos na execuçao a acordao do Supremo Tribunal.
Mas 0 dec.-Iei n. 6, de 16 de novembro de 1937, admitiu tais
embargos (art. 7.°), etais sao os embargos chamados reme-
tidos na competência do Supremo Tribunal, do que resulta
que 0 preceito da lei de 1921 esta hoje revogado.
Ha que admitir, pois, a açao recisoria de julgados do Su-
premo Tribunal mesmo quando proferidos em recurso ex-
traordinario; e nesse sentido esta a nossa jurisprudência
mais recente.
Mas em todo e qualquer caso? Nao havera distinç6es
ou exceç6es a estabelecer? Cabera a via recisoria contra

32 GARSONNET et BRU, ob. clt., v. VI, n. 334; ORBAN, Droit Oonstitutionnel de la


Belgique, v. II, n. 275; CHIOVENDA, Diritto Processuale Oivile, p. 1.020.
ll3 JAPIOT, Procédure, n. 1.102,; EimERA, Droit Public Belge, p. 246; CHIOVENDA,
ob. clt., p. 1.001.
31 PEDRO LESSA, Do POder Judicidrio, ps. 100 e 123; MATns PEIXOTO, Do Recurso
Extraordinario, p. 272.
TEORIA E PRA.TICA DO PODER JUDICIARIO 261

acordao que naD tenha conhecido do recurso? Contra a de~


cisao proferida no recurso admitido corn base no inciso a?
Sao quest6es que, a meu ver, precisam, ja hoje, ser reexa-
minadas, tendo em vista 0 casa da letra a, que naD existia no
texto constitucional de 91 nem no da reforma de 1926.
Como é notoriamente sabido, êsse nova casa de recurso
deu entrada na Constituiçao de 34 pot sugestao do saudoso
ministro ARTUR E,IBEIRO, que 0 apresentara antes à Comissao
do Itamarati no seu projeto de reorganizaçao do poder Judi-
ciario, coma equivalente da açao recisoria por violaçao de di-
reito expresso.
MATOS PEIXOTO, reportando-se às atas daquela ilustre Co-
missao, escreve: "Segundo esclarece 0 autor dêsse projeto
"(refere-se ao ministro ARTUR RIBEIRO), 0 nova casa de recurso
"coincide corn um dos casos de açao recisoria, a saber, corn 0
"caso em que 0 juiz procede contra expressa disposiçao de lei",
acrescentando: "Explicada assim a gênese do art. 76, 2, III, a,
"é clara 0 sentido e 0 alcance das express6es decistio contra
"literal disposiçtio de lei ou tratado federal: facultar recurso
"extraordinario num dos casos em que cabe açao recisoria". 35
Ja na vigência daquela Constituiçao, discutindo neste Su-
premo Tribunal a reforma do Regimento, 0 insigne ministro
reafirmou 0 mesmo pensamento quando disse que naquele
casa de recurso se transformara "uma das hipoteses de açao
"recisoria". 36
A atual Constituiçao manteve a mesma disposiçao corn
ligeira alteraçao de forma, sem lhe mudar a substância -
"decisao contra a letra de lei federal " , a que corresponde na
açao recisoria a hipotese da letra c do art. 798 do atual Codigo
de Processo Civil - "contra literaI disposiçao de lei".
Do exposto decorre que 0 recurso extraordinario quando
interposto corn base no inciso a equivale à açao recisoria, quer
dele conheça, quer naD conheça, 0 Supremo Tribunal.
Se naD conhece, isso equivale a dizer que a lei federal
questionada naD foi violada na sua letra pela julgado local.

35 Do ReCUTSO ExtraGTdinario, ps. 236 e 238.


:J6 Arq. Judiciario, v. 31, p. 529.
262 CASTRO NUNES

Se conhece e lhe nega provimento (0 que so muito rara-


mente pode ocorrer), 0 resultado é 0 mesmo, pois que, dei-
xando de pé 0 julgado recorrido, deu por improcedente a ar-
guiçao.
Se conhece e lhe da provimento, reforma a decisao local,
o que equivale a julgar procedente a recisoria.
Vê-se do topico acima transcrito do voto de PEDRO LESSA,
que êle mesmo abriria uma exceçao à admissibilidade da re e

cisoria se houvesse no texto constitucional de entao um caso


de recurso extraordinario equivalente ao da antiga revista por
violaçao de direito expresso.
JORGE AMERICANO, escrevendo antes da Constituiçao de 34
(tenho à vista a l.a ediçao da sua brilhante monografia, pUe
blicada em 1926) e mostrando que a açao recisoria poderia ter
fundamento diverso do recurso extraordinario, ja advertia:
"1!:ste sa coincide corn a recisoria quando 0 seu fundamento
"for a violaçao do direito expresso".37
É claro que a equivalência do recurso extraordinario da
letra a e da açao recisoria por ofensa a literaI disposiçao de
lei supoe lei tederal.
Se, como me parece, 0 uso do recurso extraordinario nessa
hipotese restrita equivale ao exerclcio da açao recisoria, ad-
mitir a repetiçao desta, isto é, a propositura da açao recisoria
de julgado proferido no recurso extraord'inario interposto por
invocaçao do inciso a, é 0 mesmo que admitir recisoria de re-
cisoria na hipotese da letra c do art. 798, 0 que 0 Codigo de
Processo Civil naD admite.
Tem-se entendido algumas vêzes, e ha nesse sentido de-
cisoes dos tribun ais de apelaçao do Distrito Federal e de Sao
Paulo, que, naD conhecido 0 recurso extraordinario, naD estao
os tribunais de apelaçao impedidos de conhecer e julgar a re-
cisoria subsequente, de vez que, naD admitindo 0 recurso, 0
Supremo Tribunal se absteve de qualquer apreciaçao sôbre 0
julgado local, que naD confirmou nem reformou.

37 Dn. Açao Recisoria, p. 51.


TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 263

A competência local ficou, alias, claramente admitida no


acôrdao de 10 de setembro de 1919, dêste Supremo Tribunal,
do quaI foi relator 0 nosso insigne ex-presidente, ministro ED-
MUNDO LINS, nos casos em que do recurso extraordinario nao
tivesse conhecido 0 Supremo Tribunal e até mesmo naqueles
em que, conhecendo, lhe negasse provimento. 38
Mas a êsse tempo, como disse, nao havia 0 nova casa de
recurso, expresso em têrmos que coincidem corn os da açâo
recisôria por idêntico fundamento. Deixar de conhecer, hoje,
de recurso extraordinario interposto por invocaçao do in-
èiso a importa em declarar que improcede a arguiçao de vio-
laçao aberta da lei federal.
Dai resulta que a propositura da recisôria perante um
tribunal de apelaçao, ainda quando nao proibida a repetiçao
pela Côdigo de Processo, envolveria necessariamente 0 julgado
do Supremo Tribunal".
8. Embargos remetidos. 0 Côdigo Nacional de Pro-
cessa é omisso a respeito dos embargos opostos na execuçao,
a cargo das justiças locais, a acôrdao do Supremo Tribunal,
quando proferido em recurso, ordinario ou extraordinario.
Sô cogita (art. 784) da execuçao nas causas de sua compe-
tência originaria, embargos que êle nao somente julga, mas
também processa.
Nao sao êsses, pois, os embargos remetidos, de cuja pos-
sibilidade ja se duvidou em face do silêncio da nova lei pro-
cessual.
o texto mais recente sôbre a matéria é 0 do art. 7.° do
dec.-Iei n. 6, de 16 de novembro de 1937, 0 quaI dispoe: "Com-
"preende-se na competência do Supremo Tribunal 0 julga-
"mento das açoes recisôrias e dos embargos à execuçao, in-
"fringentes ou de nulidade, dos acôrdaos por êle proferidos ou
"confirmados, ainda que intentados aqueles ou opostos estes
"na vigência da nova Constituiçao".

88 Rev. do Supremo Tribunal, V. 22, p. 42.


264 CASTRO NUNES

o Regimento Interno do Supremo Tribunal, aprovado pOl'


êste ja na vigência do C6digo de Processo, disp6e no art. 22,
II, que a êle compete julgar (letra b) "os embargos opostos
"na execuçao aos seus ac6rdaos, ou aos das turmas".
o art. 784, relativo à execuçao dos ac6rdaos proferidos
nas causas da competência originaria, nao se aplica ao caso.
Mas subsiste 0 preceito do art. 7.° do dec.-Iei n. 6, coma
disposiçao especial nao revogada pela C6digo de Processo, nos
têrmos do seu art. 1.0.
Alias, ja era assim anteriormente, e jamais se controver-
teu por inconstitucional tal hip6tese de competência origi-
naria, derivada por construçao, dada a impossibilidade 6bvia
de deixar corn 0 juiz inferlor 0 julgamento de defesa que en-
volva a validade do julgado superior. Seria a subversao do
principio elementar da hierarquia, inerente ao mecanismo
das instâncias. A lei n. 221, de 1894, ja continha disposiçao
expressa: "Os (embargos) de nulidade da sentença ou in-
"fringentes do julgado opostos na execuçao serao julgados
"pelo juiz ou tribunal que proferiu a decisao embargada"
(art. 53, alinea 2. a ), preceito sufragado pacificamente pela
Supremo Tribunal: "Quando os embargos do executado
"visam a anulaçao de ac6rdao do Supremo Tribunal Federal,
"deve 0 juiz da execuçao limitar-se a recebê-Ios para discussao
He prova e, depois de discutidos e instruidos, remetê-Ios
"ao mesmo Supremo Tribunal, nos têrmos do art. 53, alinea
"2. a , da lei n. 221, de 1894".39
A devoluçao dos embargos à instância superior para que
esta os julgue sup6e a possibilidade de defesa na execuçao
pOl' meio de embargos. Por isso mesmo é peculiar às exe-
cuç6es civeis, de vez que as sentenças criminais pao sac su-
jeitas a embargos na execuçao. 40
Nos têrmos do atual Regimento do Supremo Tribunal, a
competência é do Tribunal Pleno, ainda que se trate de

39 OTAvIO KELLY, Manual de Jurisprudência Federal, n. 699.


'0 COSTA MANSO, Do Pro cessa na Segunda Instt1ncia, p. 99.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICL.\RIO 265

execuçao de ac6rdao proferido por uma das turmas (art. 22,


II, letra b, comb. corn 0 art. 202). 41
9. Revisao de processos penais - Competência originâ-
ria remanescente. Ainda ant.es da primeira Constituiçao, ja
o dec. n. 848 conferira ao Supremo Tribunal a competência
para "proceder à revisao dos processos criminais em que hou-
"ver sentença condenat6ria definitiva, qualquer que tenha
"sido 0 juiz ou tribunal julgador", recurso, dizia, "facultado
"exclusivamente aos condenados", extensivo aos "crimes de
"todo gênero, excetuadas as contravenç6es", acrescentando
que "em nenhum casa podera (a pena) ser agravada", e,
ainda, que, no julgamento da revisao, poderia 0 Tribunal
conhecer de fatos e circunstâncias que, nao constando em-
bora do processo, sejam perante êle alegados e provados
(art. 9.°, III).
Corn êsse mesmo carater de recurso instituido em bene-
ficio do réu, ao alcance dêste tao somente, e naD dos 6rgaos
da justiça public a (revisao pro societat~), e extensivo a tôdas
as sentenças, sem exclusao das proferidas pela justiça militar,
deu entrada 0 instituto no texto constitucional, corn escala
pelo Projeto do Govêrno Provis6rio. Assim dispunha 0 art. 59,
III: "Ao Supremo Tribunal Federal compete rever os pro-
"cessos findos nos têrmos do art. 81", dispondo êste: "Os
"processos findos em matéria crime poderao ser revistos, a
"qualquer tempo, em beneficio dos condenados, pela Supremo
"Tribunal Federal, para reformar ou confirmar a sentença.
"§ 1.0 A lei marc ara os casos e a forma da revisao, que po-
"dera ser requerida pela sentenciado, por qualquer do povo,
"ou ex-officia pelo procurador geral da Republica. § 2.° Na

41 Art. 220 do Regimento: "Os embargos remetidos serao julgados pela forma es-
"tabeleclda nos artlgos antecedentes para os embargos de nulidade e lnfrlngentes dO
"julgado, sendo, porém, dlstrlbuidos e processados na classe das apelaçoes".
- Os embargos remetidos na competêncla do Supremo Tribunal toram recen-
temente admltldos (posta a questâo nos têrmos acima), por ac6rdao de 1 de julh.:J
de 1942 (emb. remet. n. 7.391, de Sao Paulo). em casa de que fol relator 0 mi-
nistro ANÎB.\L FRElllE, sendo revisor 0 autor dêste livro, e por unanimldade.
266 CASTRO NUNES

"revisao nao podem Sel' agravadas as penas da sentença re·


"vista. § 3.° As disposiç6es do presente artigo sao extensi.
"vas aos processos militares". 42
o texto de 91 (art. 59) foi emendado na reforma de 26,
dizendo-se: "rever os processos findos em matéria crime".
Suprimia-se, assim, e supressa ficou no texto reformado, a re-
missao feita ao art. 81, na definiçao da competência do Su-
premo Tribunal.
No plenario, 0 senador MUNIZ SODRÉ suspeitou dos intui-
tos dessa supressao, alias naD esclarecidos pela Comissao que
projetara a reforma, dizendo: "0 intuito dos reformadores,
"suprimindo a referência ao art. 81, que restringia 0 recurso
"da revisao somente às sentenças condenat6rias, foi 0 de es·
"tendê-Io às sentenças absolut6rias, ou às que consignem
"penas insuficientes".
Em apartes, observou 0 senador EPITACIO PESSOA que,
tendo sido mantido 0 art. 81, persistia a restriçao, naD se po-
dendo fazer a revisao senao para beneficiar 0 condenado. Es-
clareceu ainda 0 eminente senador aparteante, que a remis-
sao feita ao art. 81 era escusada no preceito em que apenas se
tratava de fixaI' a competência do Tribunal, competência que
teria de exercer-se, mesmo sem aquela ressalva, nos têrmos
do art. 81, que era 0 assento constitucional do instituto, com
a sua finalidade ai estabelecida. 0 assunto ficou dêste modo
perfeitamente esclarecido. Mas, como redarguiu 0 sr. MUNIZ
SODRÉ, era dificil atinar com 0 alcance ou modificaçao em
ponto que nao estava requerendo alteraçao, a menos que se
pretendesse admitir também a revisao pro societate. 43
A Constituiçao de 34 manteve 0 instituto com a mesma
finalidade e na competência originaria da Côrte Suprema -
"Revel', em beneficio dos condenados, nos casos e pela forma

<2 Fol êsse 0 ponto mais dlscutido na AssembléIa Constituinte. A Comlssâo dos
Vinte-e-Um propusera que as revIsôes dos processos mllltares fIcasse CQm 0 Supre-
mo TrIbunal MilitaI'. 0 adltlvo fol aprovado, mas caiu na 2." dlscussâo, fIcando a
competêncla corn 0 Supremo TrIbunal Federal, nos têrmos expresso.s do § 3.° do
art. 81 (Anais, II, ps. 415, 417 e 436; AGEN OR DE ROURE, A Constituinte Republicana,
II, ps. 60-61).
4. MUNIZ SODRÉ, 0 Poder Judiciârio na Revisdo Constitucional, ps. 83 e segs.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 267

"que a lei determinar, os processos findos em matéria crimi-


"nal, inclusive os militares e eleitorais, a requerimento do réu,
"do Ministério Publico, ou de qualquer pessoa".
A Constituiçao de 10 de novembro de 1937 naD cogita do
instituto da revisao. Nao 0 menciona, dele naD se ocupa,
deixando-o ao legislador ordinârio, de vez que naD incompa-
tivel, no quadro dos recursos, com as garantias da defesa
assim do condenado como do bem publico (arg. ex., art. 23).
Pôde assim a lei (dec.-Iei n. 6, de 16 de novembro de 1937)
e jâ hoje 0 C6digo de Processo Penal (art. 624), atribuir a
competência ao pr6prio tribunal prolator da sentença conde-
nat6ria revisanda, supressa somente a competência privativa
do Supremo Tribunal Federal, naD mencionada na Consti-
tuiçao.
Pôde igualmente a lei instituir a revisao também pro
societate, de vez que, retirado 0 assento constitucional, é livre
a açao do legislador.
Ao tempo da reforma constitucional (1926), 0 ministro
EDMUNDO LINS sugeriu emenda nesse sentido. "A Constitui-
"çao", disse na justüicaçao da sua sugestao 0 insigne magis-
trado, "s6 admite a revisao pro réu, filiando-se à escola penal
"classica ; entretanto, muitos outros paises, cujos C6digos saD
"os mais recentes e reputados, consagram, de acôrdo com a
"nova escola penal, a revisao pro societate, isto é, também das
"sentenças absolut6rias, no sentido do voto expresso pelo
"Quarto Congresso Juridico Italiano, reunido em Nâpoles,
"em 1887.
"Se 0 fito da revisao criminal" - acrescentava - "é 0
"restabelecimento da verdade pela emenda e reparaçao de um
"êrro judiciârio, correspondendo el a, no crime, à açao recis6-
"ria, no civel, 0 que é 16gico é que es sa emenda e reparaçao se
"faça tanto a favor do réu, quanto da sociedade, pois a ver-
"dade naD interessa mais àquele do que a esta. A revisao,
"nesta hip6tese, imp6e-se até por maioria de razao, pois a
"sociedade é que é a principal vitima do crime, sendo um dos
268 CASTRO NUNES

"fins eSSenCIaIS do Estado a manutençao da ordem juridica


"interna, a quaI se naD pode obter sem a repressao dos
"delito3". 44
Dispôs 0 dec.-Iei n. 6, no art. 15: "As revisoes criminais
"serao processadas e julgadas: a) pela Supremo Tribunal
"Federal quanto às condenaçoes proferidas por êle proprio
"e pela extinto Supremo Tribunal da Justiça Eleitoral; b)
"pelo Supremo Tribunal Militar quanto às proferidas pela
"justiça militar; c) pelos tribunais de apelaçao, nos demais
"casos". 45
A competência do Supremo Tribunal Federal se restringe,
pois, à reVlsao: a) das sentenças que êle houver proferido,
em grau de recurso, nas causas penais outrora da competên-
cia dos juizes federais; b) das sentenças proferidas nas cau-
sas criminais da sua competência originaria; c) das profe~
ridas pela Tribunal Superior da extinta Justiça Eleitoral. 46
Assim dispoe 0 Regimento Interno no art. 145, fixando a com-
petência: "0 Tribunal procedera à revisao dos processos
"findos em matéria criminal, em que êle ou 0 extinto Tribu-
"nal Superior da Justiça Eleitoral houver proferido a decisao
"condenatoria" .
Os casos em que se autoriza a revisao foram definidos
na lei n. 221, de 1894, consolidados no dec. n. 3.084, e repro-
duzidos no Regimento Interno do Supremo Tribunal (arti-

... Didrio do Congresso de 26 de agôsto de 1926.


4. A mesma atribuiçâo foi confer id a ao Tribunal de Segurança Nacional pela
dec.-Iei n. 88, de 20 de dezembro de 1937, art. 11.
4. 0 C6digo de Processo Penal, no art. 624, J, omite a hip6tese, que se deve haver
como implicita, de condenaçâo emanada do Superior Tribunal da extinta Justiça
Eleitoral, de vez que outro Tribunal, sen"o 0 Supremo, nâo poderia conhecer da
revisâo. Em se tratando de ac6rdâo proferido cm grau de recurso de clecisâo pro-
ferida em primeira instância pela justiça federal extinta, ac6rdâo cuja execuçâo
compete hoje aos juizos locais, suscitou-se a questâo, ja na vigência do novo C6digo
de Processo Penal, de saber se a extinçâo da punibllldade, que obedece a rito pr6-
prio estabelecldo nesse C6digo, corn recurso para a instância superior, caberia no
âmbito da revisâo. Decidiu-se afirmativamente, de vez que, tratando-se de con-
denaçâo proferida pela Supremo Tribunal, s6 êste mesmo poderia conhecer dos
seus efeitos, nâo sendo admissivel que do recurso a ser interposto da decisâo do
Juiz da execuçao da pena pudesse conhecer 0 Tribunal de Apelaçao respective
(ac6rdao de 9 de setembro de 1942, rev. crim. n. 4.537, de Sao Paulo, relator mi-
nistro ANiBAL FREmE).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 269

gos 144 e segs.). Hoje a matéria esta regulada pela C6d.igo


de Processo Penal, arts. 621 e segs.
o instituto da revisao visa a reparaçao de êrro judiciario.
Pressupoe, coma a açao recis6ria :p.o civel, a coisa julgada;
dai os pontos de semelhança que lhe notam os expositores.
Abrange, naD somente oêrro de tato, mas também 0
êrro de direito, do que decorre que 0 Tribunal se substitue ao
juiz ou tribunal que proferiu a sentença, revê 0 julgado.
Supoe 0 processo findo, isto é, em que nao caiba mais re-
curso ordinario. Pode ser usado enquanto durar a conde-
naçao e até mesmo quando ja extinta pela morte do senten-
ciado (lei n. 221, art. 74, § 4.°; C6digo de Processo Penal,
art. 623), visando a sua rehabilitaçao, equiparando-se a esta
hip6tese a do indulto ou perdao, naD obstante um ou outro
julgado discrepante. 47
Estende-se a tôdas e quaisquer sentenças criminais, in-
clusive em se tratando de contravençoes de carater penal;
nao, porém, de posturas municipais, consoante a jurispru-
dência assentada pela Supremo Tribunal, em contrario a
PEDRO LESSA. Nao visa somente a absolviçao, mas também
a reduçao da pena, a desclassificaçao do delito ou simples-
mente a anulaçao do processo, casa em que se provê para que
seja renovado ou submetido 0 réu a nova julgamento.
É licito renovar 0 pedido por fundamento diverso. Nao,
porém, em embargos "cuja funçao naD comporta a f6rmula
"de uma pretensao nova" (ac6rdao n. 2.740, de 23 de agôsto
de 1929, in Arq. Judicidrio, v. 21, p. 507).
A lei n. 221 (art. 74, § 1.0, n. 7) autorizava a revisao tam-
bém no casa em que, depois da sentença condenat6ria, se des-
cobrissem "novas e irrecusaveis provas da inocência do con-
"denado". Semelhantemente 0 C6digo de Processo Penal
(art. 621, III). É a prova posterior à condenaçao, complemen-
tar, ou nao, da preexistente nos autos. 0 que se institue por
essa forma é mais do que uma revisao, é um julgamento nova
diante de provas que a instância originaria nao tivera. Tanto
41 Ac6rdâo de 29 de novembro de 1929, que juIgou prejudicado um pedido de
revlsâo por ter sido 0 réu perdoado.
270 CASTRO NUNES

basta para que deva ser entendido restritivamente. A lei


tinha necessidade de criar êsse caso, porque 0 êrro judiciario
pode naD ser por culpa do juiz ou tribunal prolator da sen-
tença, 0 quaI ter a sentenciado justa e acertadamente em
face das provas entao produzidas. Resultara em alguns casos
de uma circunstância, de um fato, de um documento des co-
nhecido, de uma confissao reveladora ou de qualquer acon-
tecimento que modifique inteiramente a situaçao do conde-
nado, nos têrmos em que fôra definida no curso do processo.
Sera 0 casa tipico, a feiçao mais dramatica do êrro ju-
diciario.
Mas 0 dispositivo presta-se (hoje ainda mais do que
entao, porque 0 C6digo de Processo Penal se limita a dizer
"novas provas", ao passo que a lei n. 221 exigia "novas e ir-
"recusaveis provas") a um entendimento amplo que pode
transformar em recurso ordinario 0 remédio excepcional da
revisao. 0 Supremo Tribunal (ac6rdao de 21 de setembro
de 1928, rev. crim. n. 2.737) chegou a admitir, em embar-
gos, a prova de uma atenuante por via de uma justificaçao,
depois de repelida, por imprestavel, a primeira, no ac6rdao
anterior. Houve alguns votos vencidos, entre os quais 0 do
ministro HERMENEGILDO DE BARROS, que rebateu vantajosa-
mente a doutrina do ac6rdao: "Re corre-se agora a um nova
"e perigosissimo expediente - a justificaçao na revisao para
"suprir a prova, que naD foi dada no processo criminal".
E, linhas adiante, depois de historiar os fatos, mostrar
a imprestabilidade das duas justificaçoes destinadas a provar
a atenuante da embriaguez, ponderava: "É precisa consi-
"derar que as Ordenaçoes ja proibiam, prudentemente, a ad-
"missao da prova testemunhal, em segunda instância, pela
"receio de serem corrompidas as testemunhas. No que res-
"peita especialmente à justificaçao, os praticos, em geral. en-
"sinam que ela naD po de substituir a inquiriçao, que deixou
"de ser feita no processo e na dilaçao probat6ria, porque isso
"seria iludir as leis, que estabelecem a ordem do processo -
"e daria lugar ao subôrno das testemunhas. Se isto é assim
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICL\RIO 271

"no processo ordinario, no processo comum, com maioria de


"razao devera sê-Io na revisao, cujo processo é extraordinario,
"excepcionalissimo" .
Em outras passagens do seu extenso voto, alude à juris-
prudência benévola do Tribunal na conceituaçao extensiva
do recurso, dando noticia de alguns casos que merecem aqui
mencionados, para ilustraçao do assunto. As vêzes, refere 0
ministro HERMENEGILDO, a revisao é requerida em nome do
condenado, mas sem ciência e até contra a vontade dele, como
ja se verificou em certo casa que aponta; outras vêzes, 0 re-
curso vem desacompanhado de qualquer prova, sob alegaçao
vaga de ser a sentença contraria à evidência dos autos, veri-
ficando-se, pela requisiçao do processo, a inteira improcedên-
cia da arguiçao. "Ja naD se Îazem" - acrescenta - "alega-
"ç6es relevant es nesses requerimentos, nem se lhes da qual-
"quer aparência de seriedade.
"As revis6es sao requeridas, ora simplesmente porque 0
"sentenciado "nao concorda com a condenaçao", e nada mais;
"ora, porque, como num casa que tenho à vista, os jurados "se
"atrapalharam" nas respostas aos quesitos, condenando
"quando queriam absolver, embora as respostas sejam irre-
"preensiveis, no tocante à harmonia e coerência com que
"foram dadas". 48
- Muito se discutiu se caberia a revisao em processo de
impeachment. Nao obstante a opiniao, pela afirmativa, do
preclaro PEDRO LESSA, 0 Supremo Tribunal jamais aderiu a
êsse modo de ver na doutrinaçao que sôbre a matéria expen-
deu nos casos estaduais submetidos ao seu exame por meio
de habeas-corpus.
o impeachment nao é, a rigor, um julgamento criminal,
senao politico, nos seus fins e no 6rgao constitucional com-
petente para pronuncia-Io. Esgota-se 0 exame do casa na
instância politica com a destituiçao do funcionario, ainda
quando agravada essa destituiçao com a inhabilitaçiio para
qualquer outra funçiio pûblica, equivalente à clausula "a bem
"do serviço publico" na demissao, abrindo-se entao, depois de
48 Arq. Judicidrio, v. VIII, ps. 302-306.
272 CASTRO NUNES

pronunciada a destituiçao, a jurisdiçao criminal, de cujo pro-


nunciamento definitivo cabera entao, sem duvida possivel, 0
recurso derradeiro da revisiio.
o assunto foi mais focalizado no casa de Mato Grosso, em
1918, levado ao Tribunal, naD em revisao, mas em habeas-
-corpus, ora concedido, ora cassado, ora denegado e de nova
concedido pela voto de desempate, dividido 0 Tribunal e va-
riando a decisao de acôrdo corn a maioria ocasional. Uma
corrente propendia pela competência judiciaria para cassar a
decisao da Assembléia estadual que decretara a destituiçao
do governador, conceituando 0 impeachment coma instituto
de natureza mista, politica e penal, corrente a que se ante-
punha a outra, venda no impeachment um julgamento poli-
tico, da alçada do Poder Legislativo, insusceptivel de reexame
pelos tribunais. 49
Em ac6rdaos anteriores ja se decidira, porém, que "deli-
"beraçoes de tais espécies pertencem exclusivamente ao do-
"minio politico do Poder Legislativo, dentro do quaI é vedado
"ao Judiciario intervir para 0 fim de diretamente as atenuar
"ou revogar, ou anular, mandando na ultima hip6tese que a
"Assembléia Legislativa reconsidere e renove sua decisao
"contra 0 vencido, ou mantenha certa e determinada pessoa
"no cargo de governador ou vice-governador" (ac6rdao n. 104,
de 11 de outubro de 1895; ac6rdao n. 343, de 22 de julho
de 1899).
o interêsse dessa indagaçao é hoje meramente doutri-
nano. Nos têrmos da preceituaçao atual, os tribunais s6 re-
vêem as sentenças que êles mesmos, ou suas instâncias infe-
riores, hajam proferido. É êsse 0 principio geral de que a
e
competência do Supremo Tribunal apenas uma particulari-
zaçao, ao inverso do que sucedia outrora, quando a atribui-
çao, dado 0 seu carater universal, dele fazia, coma no habeas-
-corpus, e talvez mais do que neste, pela extensao maior do
reexame, uma instância de concentraçao na tutela da li-
berdade.
•• Sôbre 0 aS3unto leia-se MARIO LESSA, Da Responsabilidade do Presidente da
Repûblica, 1925; MATOS DE VASCONCELOS, 0 "tmpeachme71t" dos ministros do Su-
jJTemo Tribunal Federal, 1925.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO 273

10. Indenizaçiio consequente ao provimento da reVISao


- Competência. Dispunha 0 C6digo Penal de 90 no art. 86 ~
"A rehabilitaçâo consiste na reintegraçâo do condenado em
"todol:l os direitos que houver perdido pela condenaçâo, quan-
"do for declarado inocente pele Supremo Tribunal Federal~
"em consequência da revisao extraordinaria da sentença con-
"denat6ria. § 1.0 A rehabilitaçao resulta imediatamente da
"sentença de revisâo passada em julgado. § 2.° A sentença
"de rehabilitaçao reconhecera 0 direito do rehabilitado a uma
"justa indenizaçâo, que sera liquidada em execuçâo, por todos
"os prejuizos sofridos com a condenaçao. A Naçâo, ou 0 Es-
"tado, sao responsaveis pela indenizaçâo".
A lei n. 221, no art. 84, enumerou os casos em que nâo
seria devida a indenizaçao e deu à Uniao e ao Estado açâo
regressiva contra os responsaveis, por culpa ou dolo, pela
condenaçao.
o nove C6digo Penal (dec.-Iei n. 2.848, de 7 de dezembro
de 1940) nao cogita da revisâo nem da indenizaçâo conse..;
quente ao seu provimento, conceituando de outro modo 0
instituto da rehabilitaçâo (arts. 119 e 120). 50
Mas 0 C6digo de Processo Penal (dec.-Iei n. 3.689, de 3 de
outubro de 1941) assegura ao absolvido em revisâo criminal
direito a indenizaçâo, em têrmos idênticos aos da anterior
preceituaçâo.
Dispoe 0 art. 630: "0 Tribunal, se 0 interessado· 0 re-
"querer, podera reconhecer 0 direito a uma justa indenizaçao
"pelos prejuizos sofridos. § 1.0 Por essa indenizaçâo, que
"sera liquidada no juizo civel, respondera a Uniao, se a con-
"denaçâo tivër sido proferida pela justiça do Distrito Federal
"ou de Territ6rio, ou 0 Estado, se 0 tiver sido pela respectiva
"justiça. § 2.° A indenizaçao nao sera devida: a) se 0
"êrro ou a injustiça da condenaçâo proceder de ato ou falta
"imputavel ao pr6prio impetrante, como a confissâo ou a
"ocultaçâo da prova em seu po der ; b) se a acusaçâo houver
"sido meramente privada".
50 Veja-se CARLOS XAVIER, Estat1!tos Penats, 1941, pB. 467 e segs.
F.18
274 CASTRO NUNES

QuaI 0 juizo ou tribunal competente para reconhecer 0


direito à indenizaçao? 0 pr6prio tribunal da revisao,em
instância unica, por ocasiao do julgamento - ou 0 juizo in·
ferior, competente para as causas da Fazenda, mediante açao
pr6pria, corn recurso para a instância superior?
É êsse 0 unico aspecto que interessa ao nosso exame.
Sob a antiga preceituaçao, em açao de perdas e danos
proposta, no Juizo Fec'1.eral da 2. a Vara desta capital (outu·
bro de 1934), julguei-me incompetente para conhecer do pe-
dido de indenizaçao consequente a certa revisao provida pela
Supremo Tribunal, entendendo que a êste mesmo é que corn·
petiria, no julgamento da revisao, conceder a reparaçao, se
requerida pela condenado. Hoje os têrmos preceituados no
C6digo de Processo Penal sao ainda mais expressivos, nao me
parecendo possam levar a outro entendimento. 51
Levada a questao, em agravo, à entao Corte Suprema,
decidiu esta, sem discrepância, acompanhando 0 voto do re-
lator, que foi 0 ministro EDUARDO EspiNOLA, negar-Ihe provi-
mento, confirmando a sentença.
Eis os têrmos do voto do eminente relator: "É manifesto
"que a rehabilitaçao e consequente indenizaçao devem ser de-
"cretadas pela Côrte Suprema, na revisao da sentença con-
"denatoria.
"A rehabilitaçao resulta imediatamente da sentença de
"revisao passada em julgado", diz a lei (C6digo Penal, art. 86,
§ 1.°). "Mas é necessario que haja umasentença de rehabi-
"litaçao proferida pela Côrte Suprema na revisao criminal.
"É 0 que resulta da mesma lei penal (C6digo Penal, artigo
"citado, § 2.°), quando diz: "A sentença de rehabilitaçao re-
"conhecera 0 direito do rehabilitado a uma justa indenizaçao,
"que sera liquidada em execuçao, por todos os prejuizos sofri-
"dos corn a condenaçao".
"Sem que a Côrte Suprema tenha declarado rehabilitado
"0 réu que sofreu a condenaçao e sem que a mesma sentença

ul De modo diverso opina, tOdavia, um mestre da matéria, 0 ministro BENTO DE


FARlA (C6àigo àe Processo Penal, v. II, 1941, p. 225).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 275

"de rehabilitaçao tenha reconhecido 0 seu direito a uma justa


"indenizaçao, naD pode êle promover no juizo inferior a liqui-
"daçao da indenizaçao. .
"Nao pode pedir a indenizaçao ao juiz inferior porque
"nao é a êste, mas à Côrte, que compete reconhecer 0 seu di-
"reito; naD pode cogitar de liquidaçao, porque 0 direito à
"indenizaçao ainda naD lhe foi reconhecido.
"Para que a Côrte Suprema deqrete a rehabilitaçao e
"consequente indenizaçao, é mister que 0 condenado formule
"0 respectivo pedido. Nao basta que peça a absolviçao e a
"obtenha. Casos ha, além disso, em que, apesar de rehabili-
"tado pela decisao da Côrte, naD cabe ao condenado indeni-
"zaçao alguma (lei n. 221, art. 84).
"Por isso, naD se deve concluir da sentença de rehabili-
"taçao, que implicitamente reconheceu 0 direito à indenizaçao.
"É necessario que no pedido de revisao, além da absolvi-
"çao, pleiteie a rehabilitaçao e reclame a indenizaçao, e assim
"também que 0 acordao da Côrte Suprema, além de absolver
"0 condenado, 0 rehabilite expressamente e também expres-
"samente lhe reconheça 0 dlreito a um!:j. justa indenizaçao,
"que sera liquidada em execuçao perante 0 juiz da instância
"inferior.
"Se 0 réu pedir a rehabilitaçao e a indenizaçao e a Côrte
"deixar de se pronunciar sôbre 0 pedido, cabera ao mesmo
"réu 0 direito de pedir por embargos de declaraçao que se
"repare a omissao.
"Se, porém, naD houver pedido de rehabilitaçao e inde-
"nizaçao, 0 acordao que deixa de decreta-las nada tem de
"omisso; nada ha, portanto, que declarar.
Da certidao de fls. se verifica que a Côrte apenas teve
"de se pronunciar sôbre 0 pedido de absolviçao, que reconhe-
"ceu procedente.
"Da certidao de fls. resulta que a ré, absolvida pela
"acordâo da Côrte, opôs embargos de declaraçao, alegando
"que 0 acordao fôra omisso, pois devera condenar a Fazenda
"Pliblica a uma indenizaçao.
276 CASTRO NUNES

"0 ac6rdao proferido em tais embargos acentua 0 se-


"guinte: "0 pedido (de indenizaçao) foi em embargos de de-
"claraçao, porque a ré entende que 0 ac6rdao foi omisso nesse
"ponto. Os embargos foram rejeitados, 0 ac6rdao nao con-
"tém 0 defeito apontado, nem qualquer outro que autorize 0
"recurso. A ré nao pediu a sua rehabilitaçao e nem a in-
"denizaçao que ora pede. Se se julga corn direito a esta, 0
"meio de que usou, para 0 reconhecimento de seu direito
" (embargos de declaraçao), é inidôneo".
"Por tôdas essas consideraç6es, creio que bem decidiu 0
"juiz a quo na sua brilhante sentença. Nego provimento ao
"agravo". 52

'2 Ac6rdao de 28 de abrll de 1937, agr. n. 6.774, in Arq. Judicidrio, v. 47, ps. 4
e segs. A sentença confirmada, na parte relatlva à fundamentaçao, fol a segulnte :
"1) 0 art. 86 do C6dlgo Penal dlspoe: "A rehabll1taçao consiste na relnte-
"graçao do condenado em todos 05 dlreltos que houver pe~dldo pela condenaçâo,
"quando for 4!eclarado lnocente pelo Supremo Tribunal Federal em coru:equêncta
"de revlsao extraordlnarla da JSentença condenat6rla. § 1.0. A rehabllltaçao resulta
"imedlatamente da sentença de revlsâo passada em julgado. § 2.°. A rehab1l1taçao
"reconhecera 0 dlrelto do rehabll1tado a uma Justa Indenizaçao, que sera l1quldada
"em execuçao, por todos 05 prejuizos sofrldos com a condenaçao. A Naçao ou 0 '
"Estado sao responsâvels pela Indenizaçao".
"A rehaoll1taçiio do condenado esté., pois, deflnlda na lei pen:3.1 como a reln-
"tegraçao âeste em todos os direltos que houver perdldo pela condenaçao, quando
"declarado lnocente pelo Supremo Tribunal em consequêncla do provlmento de
"revlsao. Nlsso consiste a rehabil1taçao em nosso direlto. It a reparaçao mesma,
"materlal ou moral, mas subordlnada ao provimento da revisao, como efelto ime-
"dlato dêste (GALDINO SIQUEIllA, Direito Penal BrasiZeiro, v. 1.°, p. 763). Nao é um
"lnstltuto autônomo, como no dlrelto francê~; opera a extlnçao da condenaçao
"com 0 sentldo que lhe da 0 art. 86; e por lsso mesmo, tem neste completado 0
"seu entendimento 0 dlsposto no art. 72, § 1.0 (p. 170). Complementar do provl-
"mento da revlsao, a rehabllltaçao resulta Imedlatamente da sentença de revlsao
"passada em julgado, confunde-se com a pr6prla revlsao, formando com ela uma 56
"espécle judiciaria; e é da rehabllltaçâo que advém, automatlcamente, 0 reconhe-
"cimento do direito à lndenizaçao: "A sentellça de rehabll1taçao reccinhecera 0
"dlrelto do rehabll1tado a uma Justa Indenizaçao, que sera l1quldada em execuçao,
"por todos os prejuizos sofrldos com a conden·açao" (art. 86, §§ 1.0 e 2.°). Vals
"dizer que a sentença de rehabll1taçao é a mesma sentença da revlsao. 0 Tri-
"bunai que tem autorldade constltuclonal para pronunclar esta, é necessarlamente
"0 prolator da rehabll1taçao.
"A rehabll1taçao, nâo sera demals repetir, é uma relntegraçao de dlrelto, de-
"fine-se, em nossa lei, por êsse concelto reparat6rlo; tera de resuitar imedlata-
"mente da revlsao, lsto é, da sentença que a esta proYer, e a sentença que asslm
"dlspuser reconhecera ao rehabll1tado uma Justa Indenlzaçii.o. A competêncla da
"primelra instâncla sera para a execuç!i.o, isto é. para a liquldaçao do dano cau-
"sado pela condenaçao, depols de reconhecldo pela instâncla competente para de-
"cretar a revlsiio 0 dlrelto do rehab1l1tado a uma Justa lndenizaçao.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 277

Consequência dêsse entendimento é 0 principio de que,


subordinado 0 direito à reparaçao ao provimento da revisao, e
nao prescrevendo esta, que pode ser requerida a todo tempo
pelo condenado, por igual nao prescreve aquele (ac6rdao da
l.a Turma, relator ministro ANlBAL FREIRE, de 18 de maio de
1942, agr. n. 10.371, in Didrio da Justiça de 1 de setembro
de 1942).
11. Processamento das causas da competência originan.a.
A atribuiçao conferida pela Constituiçao ao Supremo Tribu-
nal para processar as causas da sua competência originâria
se entende subordinada ao que preceituar a lei, yale dizer -
é à lei, e nao ao Regimento Interno do Tribunal, que compete,
em regra, dispor sôbre 0 rito a seguir na marcha de tais
causas.
"2) A lei francesa de 8 de agôsto de 1895 preceltua de modo semelhante ao
"que dispôe 0 nosso C6dlgo Penal, DOS seguintes têrmos: "L'arrêt ou le jugemen1
de revision d'où resultera l'innocence d'un condamné, pourra, sur sa demande, Z,U1
allouer des dommages-intérêts à raison du prejudice que lui aura causé la condem-
natIOn".
Comenta DUEZ: "C'est l'arrêt ou le iugement de revision qui accorde le3
dommages-imtérêts (La Responsabilité de la Puissance Publique, p. 145); e mals
explicltamente alnda DARESTE: "Il resulte du texte même que l'indemnité ne
peut être accordée que comme consequence de l'anullation prononcé du jugement
ou de l'arrêt ou le jugement de revision" (Les Voies de Recours, p. 639).
"No mesmo sentido SOVRDAT (T1"aité de la Responsabilité, v. 1.°, pS. 30 e segs.)
"e GARRAUD, que, em nota, esclarece que mesmo em se tratando de conselho de
"guerra" - "c'est-à-dire - une jurisdiction incompétente pour se prononcer sur
les intérêts civils" - "s6 a êle, como revisor da sentença, corn a competêncla legal
"para a revisâo, competlrla dar 0 access6rlo, acrescentando, corn apolo em arestes
"que menclona, que - "la demande formée après la revision serait irrevocable"
(Précis, p. 1.043).
"a prlncfplo tirado do entendimento da lei francesa é que 0 Juiz da revisâo
"é 0 Juiz do access6rio, que é a Indenizaçâo; se em nosso dlrelto ësse Juiz, ùnlco
"competente para decretar a revIsâo, é a Côrte Suprema, s6 a esta pode caber l'e-
"conhecer 0 dlrelto do rehabllltado a uma Justa Indenlzaçâo.
"3) É de obselvar que os caf os em que se autorlza a rehabllltaçâo, corn
"cfelto reparat6rlo, sfrc os da revlsâo extraordlnaria, de que falA. 0 art., 86. Ao
"tempo da promulgaçiio do C6dlgo Penal, em 1890, 0 Instltuto da revlsâo conhe-
"cido era 0 que nos legara 0 Impérlo; e dlstlngula-se entâo da revista no crime
"a revisao extraordlnarla restrlta a très casos ùnlcos (PIMENTA BUENO, Direito PtZ-
"blico Brasileiro, II, n. 491), hlp6teses tfplcas do êrro Judlciarlo, alias menclonadas
"entre os dlfereutes casos, em que sc Rutorlzava a revisâo na leglslaçâo republlcana.
"Dai resulta que as questôes, que se apresentam em tais espécles, sâo sobretudo
"questôes de fato, envolvendo apreclaçâo de clrcunstânclas que 56 à vista dos autos
"cm que foi proferlda a conden'açâo, e que a instância da revisâo pOdera requisltar.
"além de outros elementos de Informaçâo, poderâo ser decidldas corn pleno conhe-
"clmento de causa. As lImltaçôes estatuidas no art. 84, 1.°, da. lei n. 221, mostram
278 CASTRO NUNES

o que cabe no Regimento Interno é consolidar as dispo-


siç6es legais pertinentes à matéria, suprindo alguma omissao
ou usando da margem que lhe tenha deixado a pr6pria lei,
por clausula expressa, para completar 0 preceituado.
Nao seria mesmo curial que a Constituiçao partilhasse
a atribuiçao, de seu natural legislativa. Nenhuma entre n6s
o fêz, salvo a de 34, relativamente ao Tribunal Superior da
Justiça Eleitoral, ao quaI competia excepcionalmente, "regu-
"lar a forma e 0 processo dos recursos" nas causas de que ti-
vesse de conhecer. Mas a regra era, e ainda é, que tôda a
matéria é do âmbito do Po der Legislativo, 0 que nao impede.
todavia, que a lei mesma reserve ao Regimento Interno com-
pletar a preceituaçao em certos casos, como faz 0 C6digo de
Processo Civil no tocante ao recursq extraordinario.
"que. sem 0 exame das c1rcun~tânclas pecul1ares a cada caso em concreto, nâo sera
"possivel reccnhecer ao condenado 0 dlrelto à œhab1litaçâo, e conse'1uente indelll:'
"zaçâo. Asslm se expl1ca no dlrelto francês a unidade de julgamellto (DUEZ, ob.
"clt., p. 144), entre nés impemtlvampnte preceituada no texto cltado. Se 0 julga-
"mento da revlsao é omisso quanto à indenizaçâo, sera talvez 0 caso de reclama-la
."por embargos de declaraçao (Reglmento Interno do Supremo Tribunal, art. 175,
"§ 1.°). Ao juiz de prlmelra instancla é que nao cabe exercer uma competêncla
"que, nos têrmos expostos, é complementar da competência da Côrte Suprema.
"A vista disso, julgo-me Incompetente para conhecer do presente felto".
Mantendo a decisao, escrevl: "Trata-se nestes autos de uma questao nova,
para cuja soluçâo nao encontrel na jurlsprudêncla do antigo Supremo Tribunal
Federal nenhum elemento decisivo de orlentaçâo. Apenas no ac6rdao de 7 de de-
zembro de 1921 se declarou que "nao po de sel' l1quldada nos mesmos autos da re-
"visao crlminal a indenizaçao a que POl' acaso tenha direlto 0 peticlonario pOl' ter
"sido proclamada a sua inocência 0.0 sel' julgada a revisao".
Do despacho agravado do ministro relator parece tratar-se de pedido, nâo
propriamente de l1quldaçao, conforme se lê no dito acérdao e consta da respectiva
amenta, mas de pedido de Indenizaçâc consequente à declaraçao da inocência do
condenado, que, em tal caso, 0 Tribunal deixara de admitir pOl' via de embargos
de declaraçao, POl' terem sidos estes oferecidos fora do prazo (Rev. do Supremo
Tribunal, 38, p. 139).
A questao flcou, pois, em aberto. Se 0 pedido era da indenizaçao decorrente
do provlmento da revisao, 0 Tribunal, ainda que oferecidos dentro do prazo 09
embargos de declaraçao, admitiria, ou nao, essa via de reclamaçao, pOl' entendê-Ia
Idônea, na prlmclra hip6tese, 011 inidônea, na ~egunda. sob 0 fundamento possivel
de que a reparaçâo devera ter sido pedida cumulativamente com a declaraçao de
Inocência do condenado, no petitôrio da revisâo.
Mas, se era da l1quidaçao que se tratava, conforme se lê no ac6rdâo, 0 indc-
ferimento terla Il seu favor um argumento a mais, ainda que, nao pOl' via de em-
bargos de declaraçâo, mas do préprio pedido Inlclal da revlsao, constasse 0 pedldo, e
tal seria 0 que de corre do texto expresso do art, 86, § 2.°, do Cédigo Penal, assente
da matéria, em vlrtude do quai ajusta Indenlzaçao, decorrente da rehabi11taçao,
bera l1quidada em execuçao. Flea, portanto, de pé a tese da sentcnça ora agravada. '"
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 279

Observe-se, entretanto, que nos casos omissos, se naD


houver jeito de suprir a falha, naD é licito a nenhum juiz dei-
xar de sentenciar, guiando-se entao pela analogia e principios
gerais de direito. Aplicado 0 mesmo principio, e por melho-
res razoes, ao Supremo Tribunal, compete-Ihe suprir e com-
pletar a lei, se tanto for necessario, para exercer, a sua com-
petência constitucional.
TaI foi 0 caso ocorrido em 1913 no tocante ao rito da
açao recisoria dos seus proprios julgados, cujo processamento
ficou cometido, por emenda regimental, aos juizes federais
de primeira instância, corn reserva do julgamento, em ins-
tância fulica, pele Supremo Tribunal.
A essa iniciativa opôs-se PEDRO LESSA, por se tratar de
disposiçao que, segundo dizia, ia além da economia interna
do Tribunal, de vez que alcançava também a primeira ins-
tância, que ficava sujeita à regra do Regimento na fixaçao
da sua competência. 53
o que compete ao julz da primelra Instâncla é a l1quldaçao da indenlzaçao, que
ao condenado declarado Inocente for reconheclda na instâncla de revis!i.o. N!i.o!he
compete deferir aquela Indenlzaç!i.o, senâo ao pr6prlo Tribunal, hoje Côrte Suprema,
julz constltuclonal da revls!i.o e dos seus access6rlos, quer se tenha por instancla
nova e unlca (ac6rdâo dt> 29 de janelro de 1898), ('aso em qu-} a execuçao em primeirll
Instancla terla de resultar de delegaçâo (Constltulç!i.o, art. 76, 1.°, letra 1). A autora,
por seu emlnente advogado, junta uma certld!i.o do ac6rdâo que, nessa Egrégla Côrte
Suprema, lhe Indeferlu 0 pedldo de indenlzaç!i.o complementar, formulado por em-
bargos de declaraç/io, para dat tlrar 0 argumento de que compete à primelra ins-
tâncla processar e julgar a açao proposta. Mas vê-se claramente do veneravel acér-
d!i.o que a rejelç!i.o de tais embargos resultou da Inexlstêncla de ponto omisse no
julgado - 0 ac6rdao n!i.o contém 0 defelto apontado, nem qualquer outro que au-
torlze 0 novo recurso. E acrescenta a segulr: "A ré nao pedlu a sua rehabUlta-
"çao e nem a indenlzaç!i.o que ora pede". Dai conclulu multo loglcamente que 0
melo de que usou - embargos de declaraçao - era Inldôneo precisamente porque,
n!i.o tendo a condenada pedldo, corn a revls!i.o do seu processo, a rehabiUtaçao e
consequente indenlzaçâo, omlssao nao havla no ac6rdâo que !he deferlu 0 petlt6rlo,
e, pois. nâo havla como remedlar 0 caso por melo de embargos de declo.raçâo. Sem
necessldade de malores explanaç6es, limlto-me a acrescentar ao que ja flcou dito,
na motlvaçâo da sentença, 0 enslnamento de JOAo VIEIRA DE ARAûJO, no ponte em
que assenta que a condenaçâo nas perdas e danos compete ao Tribunal que julgar
do recls6rlo.
E nesse sentldo invoca a autorldade de GARRAUD, nestas palavras - sao conce-
dldas (as pCldas e danos) pela sentença ou julgamento da revisâo de que resultar
a Inocêncla de um condenado, isto é, pel,> julz do recls6rlo, cu pela Côrte de Cas-
saçâo, quando ela mt>sma proceder ao julgamento de fundo ou de mérlto (Rev. dos
Processos Penais, ps. 155-156). A Egrégla Côrte Suprema, "lntretanto, melhor dira".
'" Ob. clt., p. 84.
280 CASTRO NUNES

Nao era por êsse fulico motivo que se opunha à iniciativa


do Tribunal 0 seu grande ministro. Mas tera sido êsse 0 seu
mais valioso argumento, de vez que 0 Regimento, lei interna
do Tribunal, naD pode disciplinar atividades nem conferir
atribuiçoes que se desenvolvam fora dos seus trabalhos, ainda
que em se tratando, coma era 0 caso, de juizes hierarquica-
mente a êle subordinados.
É bem de ver, entretanto, que êsse aspecto da questao
naD bastaria para comprometer a iniciativa em si mesma, se
esta se houvesse contido no âmbito regimental, conferindo a
um dos ministros do Tribunal a funçao de juiz preparador.
Afinal 0 que veio a prevalecer na preceituaçao constitu-
cional· e legal foi 0 disposto na antiga emenda regimental.
Como ja vimos, 0 Supremo Tribunal naD pro cessa a reci-
'séria, julga-a somente. A açao é proposta em juizo inferior,
que ja hoje sera um juizo local, e por êle sera 0 feito pro cessa·
do, subindo afinal ao Tribunal para julgamento. Eis 0 que pre-
ceitua 0 Regimento Interno, suprindo omissao do Cédigo de
Processo: "Art. 97. A açao recis6ria de ac6rdaos do Supre-
"mo Tribunal, ou de suas turmas, sera processada no juizo
"local do domicilio do réu, e, se for movida contra a Uniao,
"Estado ou Distrito Federal, ou por estes intentada, no respec-
"tivo Juizo dos Feitos da Fazenda Public a (Constituiçao,
"art. 101, inciso II, n. 1). Paragrafo ûnico. Concluida a
"i?struçao; serac os autos remetidos à secretaria do Tribunal,
"observando-se dai em diante 0 disposto no. § 3. 0 do art. 95 do
"capitulo antecedente".
Dispunha a lei n. 221, de 1894, no art. 49: "No processo
"das apelaçoes e recursos civeis interpostos para 0 Supremo
"Tribunal Federal, assim como no processo e julgamento das
ucausas de privativa competência do mesmo Tribunal, se ob-
"servara 0 seu Regimento Interno".
Ao entrar em vigor a atual Constituiçao, determinou 0
dec.-Iei n. 6, de 16 de novembro (1937), que, enquanto naD
promulgados os C6digos de Processo Civil e Criminal, as justi.
ças dos Estados, do Distrito Federal e dos Territ6rios conti-
TEORIA E PruiTICA DO PODER JUDICIARIO 281

nuariam a aplicar a legislaçao local vigente no processo e


julgamento das causas até entao da competência da justiça
federal, salvo se regidas por leis especiais.
Entendeu, e bem, 0 Supremo Tribunal que a disposiçao
naD se lhe aplicava, senao som ente à primeira instância local
sucessora da extinta primeira instância federal, continuando,
pois, 0 processamento dos feitos da cœnpetência originaria
e outros 54 a ser disciplinado pela seu "Regimento Interno, corn
base no art. 49 da lei n. 221, até que a lei dispusesse em con-
trario. 55
o Codigo de Processo Civil deixou grande margem ao
SupremoTribunal para disciplinar em seu Regimento Interno
o rito a seguir no processamento das causas civeis da sua com-
petência originaria. So em matéria de conflitos contém dis-
posiçao expressa (art. 146, I), reservando ainda ai a discipli-
naçao ao Regimento Interno.
o rito das açoes civeis originarias esta estabelecido nos
arts. 88 e segs. do Regimento Interno. Distribuida a inicial
a um dos ministros, que sera 0 relator, ordenara êle a citaçao
do réu por intermédio da secretaria do Tribunal, competin-
do-Ihe funcionar coma juiz preparador do feito, observadas
as regras do processo comum, salvo no tocante às provas, que
delegara ao juiz de direito do lugar onde tenham de ser pro-
duzidas.
Essa delegaçao cometida a juiz inferior para as diligên-
cias probatorias nao contravém à regra constitucional que
atribue ao proprio Tribunal e, compreensivamente, a um dos
seus membros, 0 processamento do feito. Tôda a direçao da
causa compete ao relator designado, que funcionara coma
juiz preparador. De outro modo estaria nulo 0 processado.
E assim 0 entendeu 0 Tribunal em certo caso, julgando inapli-
cavel a regra de que a incompetência do juiz naD anula os
atos ordenatorios, senao somente os decisorios,56 regra que,
". Voitarei ao assunto quando trat:?r da campetêncla de recursa, ordlnarlo e ex-
traordinarlo.
.. Ac6rdâo de 26 de setembro de 1938.
GO Açâo civei orlglnarla n. 50, ac6rdaa de 22 de outubro de 1931 (Jorna! do Co-
mércio de 1 de mala de 1932).
:.!:82 CASTRO NUNES

ja hoje, sem assento na Constituiçao (a de 34 expressava-a no


art. 71), ainda que corn base na lei (Codigo de Processo,
art. 279), nao tem fôrça para determinar 0 contrario do que
prescreve a Constituiçao - e a tanto equivaleria validar 0
feito nao processado pela proprio Tribunal ou pela ministro
designado, que 0 representa.
~2 . Execuçao das sentenças proferidas nas causas da
competência originaria (inciso h) - Sentença estrangeira ho-
mologada, onde se executa. A atribuiçao que tem hoje 0 Su-
premo Tribunal para executar, êle proprio, as sentenças que
proferir nas causas da sua competência originaria, nao .existia
na primeira Constituiçao, foi-lhe conferida pela de 34, de
onde a reproduziu a atual nos mesmos têrmos: "A execuçao
"das sentenças nas causas da sua competência originaria, corn
"a faculdade de delegar atos do processo a juiz inferior".
Sob a Constituiçao de 91, omissa a respeito, a execuçao
competia aos juizes seccionais, por determinaçao da lei n. 221,
art. 17: "Os juizes seccionais sao competentes para a
"execuçao de tôdas as sentenças e ordens do Supremo Tri-
"bunal Federal. .. ", principio geral particularizado ao casa
das homologaçôes de sentenças estrangeiras pela art. 12,
§ 4.°, letra d: "Confirmada a sentença, extrair-se-a a com-
"petente carta, a que se adicionara il sentença homologada,
"para ser executada no jui:1o seccional a que pertencer".
o dec. leg. n. 4.381, de 5 de dezembro de 1921, revogou
o art: 17 da lei n. 221, determinando (art. 19,parag. fulico)
que a execuçao das sentenças nas causas originarias compe-
tiria ao proprio Tribunal, "de acôrdo corn a legislaçao geral,
"0 seu Regimento Interno e as disposiçôes desta lei", acres-
centando: "0 ministro relator sera 0 juiz da instruçao do
"processo. As atribuiçôes que lhe cabem nesse carater êle
"as exercera, segundo a hipotese, diretamente, ou por inter-
"médio do juiz federal competente".
Supressa a primeira instância federal, que se articulava
corn 0 Supremo Tribunal por via do recurso, e hierarquica-
mente, como entender a clausula "juiz inferior" de que fala
o texto?
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 283

Funcionalrnente, SaD juizos inferiores ao Supremo Tribu-


nal tôdas as instâncias judiciarias de cujas decisoes possa êle
conhecer por via de recurso, ordinario ou extraordinario. 57
Mas naD é êsse 0 sentido do texto. :Ê:ste supoe um juiz
singular, de primeirainstância, como destinatario normal da
atribuiçâo delegavel.
A designaçao fica ao critério do Tribunal. Naturalmente
indic ados estarao os juizes dos Feitos da Fazenda, em se tra-
tando de acordao proferido em causa da Uniao.
Nos demais casos, qualquer juiz do civel ou do crime.
Entenda-se, porém: a funçao delegavel é para atos pro-
cessuiLis da execuçâo, naD para esta mesma no que envolver
matéria decisoria.
- Uma vez homologada a sentença estrangeira, 0 que sa
executa naD é 0 ac6rdao, que apenas Ihe imprimiu a executo-
riedade, mas a sentença, a quaI, por efeito da homologaçao,
se executa como as sentenças nacionais.
É uma distinçao que precisa ser feita, e que jamais 0 foi.
Para a confusao reinante concorreu a lei n. 221, que chamou
exequentes e executados os interessados em promover e con-
testar a homologaçao, quando, na realidade, de execuçao,
nessa fase, ainda naD se trata, senao virtualmente, e aquela
mesma lei 0 reconhecia em outro passo, quando corretamente
dizia, referindo-se à carta de homologaçao: "a que se adicio-
"nara a sentença homologada para ser executada".
Tive ocasiao de estabelecer aquela distinçao em despacho
. que proferi quando juiz federal, decidindo uma preliminar le-
vantada pela operoso e brilhante procurador da Republica
LUIZ GALLOTTI. Tratava-se de executar uma sentença homo-
logada e havia que examinar se essa execuçao é questao de
Direito Internacional Publico ou de Direito Civil Internacio-
nal, do que teria de decorrer a verificaçao da competência.
Conclui entao que a atribuiçao para homologar, atribuiçao do
Supremo Tribunal, é de Direito Judiciario Internacional ; mas
1!7 Sôbre a subordinaçâo fUlldonal sem sU'oordinaçao hierarquica consequente,
veja-se CHIOVENDA, Principii, p. 401; em contrario, sustentando que 0 principio
hierarquico é inerente a subordinaçâo funcional - MA'ITIROLO, I, n. 412; MORTARA,
II, n. 321.
284 CASTRO NUNES

que a competência para executar a sentença depois de homo-


logada, envolvendo uma questao de Direito Internacional Pri-
vado, era, àquele tempo (sob a Constituiçao de 34), do juizo
federal (hoje, juizo local que 0 for de acôrdo com a preceitua-
çao geral). 0 topico da decisao que mais interessa à distin-
°
çao é seguinte, que passo a reproduzir: "A executoriedade,
objeto do juizo de delibaçao, no direito italiano, a que corres-
ponde, em nossa preceituaçao legal, inspirada naquele direito,
° instituto da homologaçao, 58 é ato de imperium, ato de sobe-
rania, diz MATTffiOLO. Visa somente declarar executorio 0
julgado, consentir na execuçao forçada de decisao emanada
de jurisdiçao estrangeira. 0 ato jurisdicional é a sentença
estrangeira, cuja eficacia coma tal independe até da deliba-
çao, valendo por si so coma meio de Brova, e é nisso que esta
a distinçao entre executoriedade e eficacia da coisa julgada
estrangeira. 59
Essa distinçao entre os dois atos decisorios, so aparente-
mente reunidos ou englobados no julgamento da homologa.
çao, mas inconfundiveis, esta em 0 nosso direito escrito (Codi-
go Civil, Intr., arts. 16 e 17) e resulta do principio geral, em
virtude do quaI os atos de jurisdiçao e de legislaçao (sentenças
e leis estrangeiras) produzem efeitos extra-territoriais por si
mesmos,60 guardadas as prescriçoes fundamentais do direito
jntèrno do pais onde pretendam aplicaçao, 0 que lhes assinala
a eficacia, a existência juridica, independente da homologa-
çao, so requerida para, no casa dassentenças, a execuçao
compulsoria.
Dai resulta que a eficacia juridica da sentença estran-
geira apenas se completa pela "cumpra-se" judicial, em que
se traduz a homologaçao, que naD envolve a revisao do jul-
gado, apenas lhe autoriza a execuçao compulsoria, ato da
mesma natureza do exequatur nos paises em que, coma em
nosso antigo direito, es sa funçao naD compete aos tribunais,

üB OSCAR DA CUNHA, Homolo{J':!çao de Sentença, p. 45.


.. MORTARA, Comme'Mario deI Codice e Leggi di Procedura Civile, v. 5, p. 43;
MATTmoLO, Diritto Giudiziario Civile, ed. 1906, v. 6, ns. 1.157 a 1.168.
GO CHIOVENDA, Diritio Processuale Civile, ed. 1928, ps. 930-931.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 285

mas ao proprio Govêrno, 0 que melhor lhe acentua 0 traço


de decisao administrativa, de decisao adjeta à sentença, ainda
quando proferida por uma instância judiciaria.
- Proferida essa decisao, concedida a homologaçao, a
sentença fic a aparelhada para a execuçao, e executa-se coma
se fôsse emanada dos tribunais nacionais. E corn isso termina
a missao da Côrte.
É 0 que ensina MATTIROLO: "Per vero, il giudizio de de-
libazione è un giudizio straordinario, il quale non ha altro
scopo, che quello di attribuire la fOTza esecutiva, ossia l'ese-
cutorietà nel nostTo stato alle sentenze emanate da giudizio
stranieri; na la Corte de Appelo, dopo che la statuito sopra
questo oggetto, e che cosi ha concesso l'exequatur, ha esau-
Tito il suo compito, functa est officia suo; la sentenza stra-
niera, munita della forza esecutiva; essa diventa un titolo
esecutivo in Italia". 61
Por isso mesmo que, proferida a decisao sôbre 0 pedido
de homologaçao, exhaure-se corn êsse julgamento a compe-
tência da Côrte, functa est officio SUD, a execuçao se faz em
qualquer juizo, mesmo fora da jurisdiçéio dela, porque jul- °
gamento da delibaçéio "vale per promoveTe l'esecuzione di
detta sentenza, non solo nel territorio della Corte davanti a
cui fu istituto il giudizio di delibazione ma in tuto il territoTio
del stato" 62; 0 que é confirmado por CmOVENDA em ediçâo
mais recente: "La forza esecutiva una volta accordata vale
peT promuevere l'esecuzione anche altre giurisdizione".63
É certo que, mesmo sem sair do quadro das atribuiçôes
originarias da Côrte Suprema, sentenças havera em que a de-
cisao sera homologatoria. Tais as causas de limites, - _cujo
processo, traçado pela dec. n. 4.381, de 1921, comporta, pela
natureza de tais questôes, a homologaçao de laudos periciais
e do acôrdo final pactuado entre os litigantes.

61 MATTmOLO, ob. clt., ibidem, n. 1.294.


'2 MATTmOLO, ibidem, ibidem, n. 1.293.
63 CHIOVENDA, Diritto Processuale Civile, ed. 1928, p. 935.
286 CASTRO NUNES

Mas em tais casos e em tantos outros conhecidos na pra-


tica judiciâria, do que se trata naD é de declarar execut6ria
uma sentença, mas sim de conferir a um ato, que naD tem
êsse carater, existência juridica como sentença. 64

Gl CHIOVENDA, Diritto Processuale Civile, ed. 1928, p. 239, nota 2.


CAPiTULO VI

COMPETiNCIA DE RECURSO ORDINARIO

SUMAluo: 1. A competência de apelaçao da Suprema Côrte nos Estados Unidos e


na Argentina. 2. A competência de recurso ordiné.r1o nas anteriores Cons-
tltulçôes brasUeiras. 3. No texto atual. 4. Caill;as da UnHio. 0 recurso
para 0 Supremo Tribunal. 5. Carâter federal da jurlsdiçao dos feitos nas
causas da Unlao. 6. Interêsse da Unlao. Causas das autarquias federais.
7. Vias de recurso cablveis na competência de recurso ordlnârlo. Recurso
de revlsta. 8. Do recurso da declsao final no mandado de segurança.
9. Recurso das declsôes denegat6rias de habeas-corpus. Exame do assunto
em face do texto de 91. 10. No texto de 34 e no atual. 11. Processamento.

1. A competência de apelaçao da Suprema Côrte nos


Estados Unidos e na Argentina. Ja vimos, no exame da com-
petência originaria, que a competência de recurso (appellate
jurisdiction) da Suprema Côrte dos Estados Unidos esta, ao
contrario daquela, inteiramente à discriçao do Congresso -
Clis wholy within the control of Congress" - em virtude da
clausula constitucional que a êste confere 0 poder de esta-
belecer as restriçoes que entender - "The Supreme Court
shall have appellate jurisdiction both as law and fact, with
such exceptions and under s'Uch regulations as the Congress
shall make."
Ru! BARBOSA, observando que naD imitaramos nesse
ponto 0 sistema americano, pois que definida também na
Constituiçâo a competência de apelaçâo do nosso Supremo
Tribunal, teve ocasiâo de dizer que naquele - "duas portas
"abertas deixara ao arbitrio do Congresso 0 legislador da
"Convençao: a fixaçao do numero dos juizes da Suprema
"Côrte e a determinaçao dos casos de apelaçao dos tribunais
"inferiores" .
288 CASTRO NUNES

COUNTRYMAN examina corn algumas reservas a clausula


"exceptions and regulations"; mas a opiniao corrente é que
a açao do Congresso é inteiramente livre no traçar a compe·
tência de apelaçao, ao inverso do que ocorre, coma ja vimos,
corn a competência originaria, esta sim inaccessivel - "com.
pletely safeguarded" - ao legislador. Se 0 Congresso, bem
ou mal, estabeleceu uma exceçao, diz HUGHES (até ha pouco
chief-justice), a Côrte tera de conformar-se corn ela, naD po-
dendo inquirir dos motivos que a tenham determinado -
"The Court must abide by it and was not at liberty to inquire
into the motives of the legislature." 1
o
texto /lrgentino é semelhante ao americano. Corn ex-
ceçao das causas originaria e exclusivamente atribuidas à Su-
prema Côrte, a competência de apelaçao desta se exerce
"segun las reglas y excepciones que prescribe el Congreso"
(Constituiçao, art. 101).
2 . A competência de recurso ordinârio nas anteriores
Constituiçoes brasileiras. No texto de 91 se definia engloba-
damente corn a.de recurso extraordinario e corn um equivoco
de redaçao que alterava 0 sentido do texto. Dizia 0 art. 59,
II, que ao Supremo Tribunal competia "julgar, em grau de
"recurso, as quest6es resolvidas pelos juizes e tribunais fe-
"derais, assim coma as de que tratam 0 presente artigo, § 10°,
"e 0 art. 60".
A remissao ao § 1.0 indicava os casos do recurso extraor-
dinario, 0 quaI, coma veremos no lugar proprio, era tido coma
recurso de apelaçao. A referência ao art. 60 naD tinha razao
de ser. Era nesse artigo que se definiam as atribuiç6es dos
juizes federais, e as quest6es por estes resolvidas ja se dissera
que ao Supremo Tribunal competiria julgar em grau de re-
curso. Seria uma redundância, se naD houvesse nessa remis-
saD um equivoco, porque teria de ser feita ao art. 61.
A proposito escrevemos em 1924 2: "0 equivoco passou
sempre despercebido. A referência ao art. 60 esta em tôdas
1 COUNTIlYMAN, The Supreme Court and its appellate power, p. 78; WILLOUGHBY,
The Supreme Court, p. 25; CHARLES HUGHES, The Supreme COlLrt, p. 24.
• A Jornada Revisionista, p. 168.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDXc:WuO 289

as ediçôes da Constituiçoo; nem deram por êle os primeiros


comentadores, como MILTON e BARBALHo. Coube a LEvi CAR-
NEffiO aponta-Io, mostrando, com argumentos irrespondiveis,
que a referência final do dispositiv,? é, noo ao art. 60, mas
ao art. 6l.
Sem necessidade de repetir aqui a argumentaçao do ta-
lentoso publicista no admiravel trabalho que escreveu sôbre
varios aspectos· do Judiciario neste regime, 3 vou reproduzir
somente 0 trecho que se segue, onde se desdobra a redaçoo
que restitue ao legislador constituinte 0 seu verdadeiro pen..
samento: "So assim" - diz 0 autor à p. 23 - "0 dispositivo
"constitucional se torna compreensivel; desfaz-se a redun-
"dância que haveria em dispor que 0 Supremo Tribunal jul-
"gasse em grau de recursoas causas Fesolvidas pelos juizes e
"tribunais federais e ... as do art. 60, que soo essas mesmas ...
"Corrigido 0 dispositivo constitucional, verifica-se que as três
"espécies de causas por êle abrangidas, seroo: a) as ques-
"tôes resolvidas pelos juizes e tribunais federais (art. 60) ;
"bJ os casos de recurso extraordinario (art. 59, § 1.0) ; c) as
"decisôes da justiça estadual sôbre habeas-corpus e sôbre es-
"polio de estrangeiros, quando a espécie nao estiver prevista
"em convençao ou tratado" (art. 61).
A êsse equivoco de redaçao a jurisprudência poderia ter
dado corretivo, como 0 fêz relativamente à clausula final do
art. 60, letra d; nao 0 fêz, entretanto. E 0 defeito tem per-
manecido de pé,· gerando argumento contra a alçada e contra
a criaçao dos tribunais regionais de segunda instância, que,
nao obstante a proclamada constitucionalidade daquela, 0 Su-
premo Tribunal reputa inconstitucionais.
A reforma de 1926, com 0 pensamento de permitir a cria-
çâo de côrtes intermediarias, mediante 0 critério de alçada,
estabeleceu nos arts. 59-60, II: "Julgar em grau de recurso
"as questôes, excedentes da alçada legal, resolvidas pelos jui-
"zes e tribunais federais".
A Constituiçoo de 34 definiu os casos da competência de
recurso ordinario da Côrte Suprema do modo seguinte: Ua)
a Do Judiciario Federal. pB. 16 e segs.

F.19
290 CASTRO NUNES

"as causas, inclusiye masndados de segurança, decididas por


"juizes e tribUnais federais, sem prejuizo do disposto nos
"arts. 78 e 79; b) as questoes resolvidas pela Tribunal Supe-
"rior da Justiça Eleitoral, no casa do art. 83, § 1.°; c) as de-
"cisoes de ultima ou unica instância das justiças locais e as de
"juizes e tribunais federais, denegat6rias de habeas-corpus"
(art. 76, II).
3. No texto atual. Dispoe 0 art. 101, II, 2: "Ao Su-
"premo Tribunal Federal compete julgar em recurso ordi·
"ncirio: a) as causas em que a Uniao for interessada como
"autora ou ré, assistente ou opoente; b) as decisoes de ul-
"tima ou Mica instância denegat6rias de habeas-corpus".
Nao reaparece a referência a juizes e tribunais federais
dos textos anteriores, articulando-se a competência definida
na letra a com a primeira instância local, nos têrmos do
art. 109, complementar do preceito ora examinado: "Das
"sentenças proferidas pelos juizes de primeira instância nas
"causas em que a Uniao for interessada como autora ou ré,
"assistente ou opoente, havera recurso diretamente para 0
"Supremo Tribunal Federal".
Nao reaparece, igualmente, a ressalva do principio da
alçada, feita na reforma de 26, como restriçao a ser admitida
por lei à competência de recurso ordinario do Supremo Tri-
bunal; nem a referência que fazia a de 34 às instâncias in-
termediarias dos arts. 78 e 79; com as quais se repartiria, nos
têrmos preceituados, ~quela competência. Ao contrario disso.
o que se estabelece no art. 109 é que das decisoes da primeira
instância local "havera recurso diretamente para 0 Supremo
"Tribunal Federal". 4
Omitiu-se também a referência às decisoes sôbre man-
dado de segurança, de que naD cogita a Constituiçao atual, e
bem assim as da justiça eleitoral, supressa como a federal, da
quaI era, alias, uma modalidade.
, . Nl\o parece possivel, il. vista do exposto, a criaçl\o de tribunais com os quais
se reparts. a competência de recurso do inciso a (causas em que seja interessada
a Unil\o, como parte principal ou secundé.ria), salve em se tratando de causas fiscais
(art. 109, paré.g. ünico).
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICrAIuO 291

4. Causas da Uniao - 0 recurso para 0 Supremo Tri-


bunal. Dispoe 0 art. 109: "Das sentenças proferidas pelos
"juizes de primeira instância nas causas em que a Uniao for
"interessada como autora, ré, assistente ou opoente, havera
"recurso diretamente para 0 Supremo Tribunal Federal".
o recurso é ordindrio (art. 101, II, 2, a), 0 Supremo Tri-
bunal intervém em tais causas como segunda instância, e
isso mesmo decorre do art. 109 quando supoe as sentenças re-
corriveis emanadas de "juizes de primeira instância". Tais
juizes, sejam privativos ou nao, funcionando em causas da
Uniao, fazem as vêzes dos antigos juizes federais, desligados,
portanto, de qualquer subordinaçao funcional, no tocante a
elas, à instância local superior.
A Constituiçao, dando 0 recurso direto para 0 Supremo
Tribunal, adotou uma soluçao inteiramente nova.
Nao ficou com 0 Projeto ARTUR RIBEIRO, que dava 0 re-
curso para as côrtes de apelaçao, de cujas decisoes haveria
entao recurso extraordinario para 0 Supremo Tribunal.
Menos ainda se ateve às sugestoes de outros projetos (veja-se
o cap. II, tit. 1), que cogitavam de instâncias intermediarias
federais, que seriam as destinatarias do recurso naquelas
causas e em outras.
No Império nao havia necessidade de retirar das Rela-
ç6es 0 recurso nas causas da Fazenda Nacional porque, sendo
a justiça una no plano nacional, os juizes da primeira, coma
os da segunda instância, eram orgaos judiciarios instituidos
e mantidos pela Naçao.
Mas, no sistema agora adotado, nao seria possivel deixar
que se decidisse da sorte dos interêsses da Uniao no meca-
nismo das duas instâncias locais, sendo indispensavel que a
uma instância federal (intermediaria ou 0 proprio Supremo
Tribunal, como se preferiu) se devolvesse, por apelaçao, 0 co-
nhecimento pleno das espécies inicialmente aforadas nos
juizos locais. 5

5 Sôbre as causas fiseais, veja-se atras, a nota 4.


292 'CASTRO NUNES

5. Carater federal da jurisdiçao dos feitos nas causas


da Uniao. A Constituiçao sup5e claramente uma jurisdiçao
especial dos Feitos da Fazenda Nacional (fiscais ou naD)
exercida em dupla instância, sendo que na primeira por juizes
locais e na segunda pele Supremo Tribunal Federal.
A autonomia da jurisdiçao naD é restrita ao Supremo
Tribunal, abrange os dois graus, alcança também os juizes
inferiores, que sucedem aos juizes federais da extinta orga-
nizaçao, até mesmo na autonomia. judicante em face das
côrtes locais. 6
Podem desconhecer um provimento emanado da Côrte
local, se tanto for indispensdvel para decidir com plena au-
tonomia a causa da Uniao submetida ao seu conhecimento.
Essa autonomia é inerente à jurisdiçaÇl, mesmo nos or-
gaos que a exercem em primeira instância. 7
6. Interêsse da Uniao - Causas das autarquias fe-
derais. 0 interêsse da Uniao, para a determinaçao da com-
petência da justiça federal e, portanto, do Supremo Tribunal,
se apurava em espécie, era de soluçao jurisprudencial, varia-
vel em face dos elementos de apreciaçao em cada caso.
Foi a Constituiçao de 34 que inseriu a regra objetiva man-
tida pela atual nos arts. 101, II, 2, a, e 109, ja havendo, alias,
tendências jurisprudenciais nesse sentido .

•. Nii.o se conclua, porém, que deixem de ser juizes 10cais, subordinados aos tri-
bunais de apelaçii.o em matéria disciplinar, no tocante a l1cenças, férias, etc. A
articulaçii.o com 0 Supremo Tribunal é apenas juncional. Nii.o passam a ;utzes je-
aerais (e ja. houve quem 0 dissesse), como nao se transformam em funcionârioB
na Un1âo os dos Estados quando incumbidos de um serviço federal (Constitulçao,
art. 19).
7 E um problema novo, decon-ente do sistema misto agora estabelecido. Nâo
havta duvidas quando a jurisdiçao era exercida nas duas instancias por 6rgii.os da
Uniao (PEDRO LESSA, ob. cit.). Quando juiz dos Feitos da Fazenda no Distrito Fe-
deral, proferi sentença em que reivindiquei essa autonomia indispensa.vel ao Juizo
dos Feitos quando julga causas da Uniao, em face dos provlmentos locais. Trat~­
va-se de um provlmento do Con.selho de Justiça do Tribunal de Apelaçao, sobre
distribuiçôes. A Fazenda Nacional alegara a nul1dade de certo processo, arguiçao
que me pareceu fundada em lei. Estaria adstrito 0 juiz à observancia do provi-
mento, porque emanado de um 6rgao local superior? Ou pOderia decidir llvremente,
como !he parecesse de direito?
Asslm 0 entend!, cm sentença longamente fundamentada (Arq. JudicldTio.
v. 47. ps. 180 e segs.). que 0 Supremo Tribunal nao manteve.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAru:O 293

Na interpretaçao dêsses dispositivos surgiram dûvidas


sôbre a extensao da competência do recurso da instância su-
prema no tocante às causas das autarquias de instituiçao
federal. 8
Decidiu-se, porém (e firmou-se recentemente essa juris-
prudência), que tal competência é restrita aos tênnos lite-
rais do enunciado, sendo necessario, para que se autorize,
que na causa movida pela ou contra a entidade autarquica,
tome a Uniao (citada, ou naD) posiçao processual no feito. Il
7 . Vias de recurso cabiveis na competência de recurso
ordinârio - Recurso de revista. Os recursos civeis enume-
rados na lei processual sao: apelaçao, embargos de nulidade
e infringentes do julgado; agravo, revista, embargos de de-
claraçao e recurso extraordinario (C6digo de Processo Civil,
art. 808, 1 a VI).
o "recurso extraordinario" a que se refere essa enumera-
çao é 0 recurso constitucional da competência privativa do
Supremo Tribunal Federal, nas quatro modalidades de que
cogita 0 art. 101, III, da Constituiçao.

" Sôbre a noçao de autarquia, veja 0 nosso Do MIJndado de Segurança, ps. 95


e segs.
• Agr. n. 8.745 (embargos). relator ministro BARROS BARRE'ro. No voto que pro-
(eri, como vogal, nesse julgamento, observei: "0 essencial no caso, segundo me
parecia e manifestei logo, era dizer quaI a instâncm. competente para decidir re-
cursos nas causas em que seja parte uma autarquia: Haveria que fixar 0 sentido
em que devem ser tomadas as palavras mediante as quais se enuncia a competência.
do Supremo Tribunal, isto é, restrita àquelas causas em que a Uniao for interes-
sada como autora, ré, assistente ou opoente.
Esté. pressuposto, evidentemente, nesse dispositivo, 0 interêsse da Uniâo;
êsse interêsse, porém, tem que ser manifestado por ela, sob a forma - se a causa.
nao for diretamente entre ela e terceiro - de assistência ou de opoência.
Se a Uniao nao se manifesta, nao mostra 0 seu interêsse, é claro que ela nâo
intervém na causa, nao toma posiçao na demanda.
Ora, como saba 0 Tribunal, ja antes da Constituiçao de 1934 se entendi8, que
a velho. controvérsia sôbre se a Uniao tinha ou nâo interêsse nesta ou naquela
causa tinha que ser dir1mida pela posiçâo que 8, Uniao assumisse no caso.
A Constituiçao de 1934 e, depois, a de 1937, apenas fixaram êsse ponto de
vista ja existente".
Uma cxceçâo tem sido admitida para a Caixa Econômica "atendendo il. cir-
"cunstância, peculiar il. Caixa Econômica, de que 0 Tesouro oé 0 seu fiador, de modo
"que 8, condenaçao da Caixa envolve virtualmente a condenaçao da Fazenda Na-
"cional" (Didrio da Justiça de 14 de julho de 1942, apel. civel n. 7.539).
2.94 CASTRO NUNES

Todos OS demais sao ordindrios, no sentido de que extra-


ordindrio so 0 é 0 que se inteI:poe das justiças locais para 0
Supremo Tribunal, esgotados os recursos locais facultados
em lei. Mas entre estes recursos alguns ha que sao cabiveis
em âmbito maior do que outros. Assim é que 0 de apelaçâo
cabe, em regra, de qualquer decisao definitiva de primeira
instância, constituindo na sistematica das vias de reforma-
çao de sentenças, mediante provocaçao à instância superior,
o recurso comum, cujo fundamento, diz GOUVEIA PINTO, é de
direito natural. 10

Os demais recursos, em face da nossa preceituaçao legal,


sao, em grau maior ou menor, stricti juris, isto é, sac inter-
poniveis verificadas certas condiçoes ou circunstâncias pre-
figuradas na lei. TaI é 0 casa do agravo e bem assim dos em-
bargos de nulidade ou infringentes do julgado, da revista e
dos embargos de declaraçao. É dêsse ponto de vista que se
diz na teoria dos recursos que sao ordindrias as vias de re-
curso que se abrem em qualquer circunstância, e extraordi-
ndrias as que se nao abrem senac em casos limitativamente
determinados - "On appelle ordinaires les voies de recours
qui se presentent en toute circonstance, et extraordinaires
celles qui ne s'ouvrent que dans des cas limitativement de-
terminés".l1 Os recursos visam: a) a reforma, anulaçac ou
modificaçao do julgado; b) a mera declaraçao em ponto
omisso, obscuro ou contraditorio; c) a retificaçao, por com-
paraçao com outros, para fins de uniformizaçao jurispru-
dencial. Nem todos se interpoem de uma instância ou au-
toridade para outra (apelaçao, agravo, revista, recurso ex-
traordinario), senac para a mesma instância prolatora da
decisao impugnada, constituindo, em tais casos, uma via de
retrataçao ou reconsideraçao, 12 categoria a que, em nosso dt-

1. Manual das Apelaçoes e Agravos, Introduçao.


11 GARSONNET et BRU, ob. cit., VI, p. 4.
1!! GARSONNET et BRU, ibidem.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 295

reito, pertencem os embargos de nulidade e infringentes do-


julgado. 13
Expostas estas noçoes, passemos a ver quais SaD os re-
cursos que cabem na competência ordinciria do Supremo Tri-
bunal Federal.
A Constituiçao, no art. 101, II, 2, a, naD especifica os re-
cursos mediante os quais possa 0 Supremo Tribunal conhe-
cer das causas em que a Uniao seja interessada, como autora
ou ré, assistente ou opoente. Limita-se a conferir-lhe com-
petência de recurso ordincirio para, em grau superior, julgar
essas causas, decididas em primeira instânCia pelos juizes
locais. 14
Os recursos hao de ser os que estiverem preceituados
na lei.
Sao êles: a apelaçao, 0 agravo, os embargos de nulidade
e infringentes do julgado, a revista e os embargos de decla-
raçao. Importa isso em dizer que, nas causas da Fazenda
Nacional, poderao as partes usar de qualquer dêsses recursm:,
inclusive do de revista. 0 essencial é que a causa caiba na
competência constitucional da Côrte Suprema, por se tratar
de feito em que seja interessada a Uniao em qualquer das po-
siçoes processuais acima indicadas; os meios de defesa serao
os que a lei admitir, as vias de reformaçao, retrataçao, decla-
raçao ou retificaçao do julgado hao de ser as que estiverem
preceituadas na lei, e couberem na espécie, ao alcance de
ambas as partes.
Entretanto 0 Supremo Tribunal nao tem admitido 0 re-
curso de revis ta, que jamais teve entrada no seu Regimènto

13 VIII. de retrataç!i.o também o·é a recis6ria, que entre n6s é, porém, açâo e nao
recurso proprlamente, como 0 é a requête civile, incluida pell) exposltor cltado
entre as vias de retratacao (ibidem). Sôbre os embargos e seu carMer de via de
reconslderaç!i.o, veja-se RUI BARBOSA: Questlio Minas-Werneck, sustentaç!i.o, ps. 23
e segs.
14 0 recurso ex-officio nas causas da Fazenda Naclonal estâ admlt1do por dls-
poslçao expressa do dec.-Iel n. 4.!l65, de 11 de agôsto de 1942. Omltlra-o, porém,
o C6dlgo de Processo, gerando duvldas, nao atendldas pela Supremo Tribunal, que 0
tivera por subslstente (acôrd!i.o de 25 de setembro de 1941, in Arq. Judici4riO, V. 60,
ps. 393 e segs.).
296 CASTRO NUNES

Interno, nem mesmo depois do C6digo Nacional de Processo,


que dele cogita, tirando-lhe 0 carater de recurso local que
antes tinha.
Considero-o, porém, um recurso pressuposto em qualquer
tribunal fracionado em câmaras ou turmas, pela possibili-
dade admitida de divergirem as decisoes definitivas delas ema-
nadas na interpretaçao do direito em tese. Tal é 0 disposto
no art. 853 do C6digo: "Conceder-se-a recurso de revista
"para as Câmaras Civis Reunidas nos casos em que divergirem
"em suas decisôes finais duas ou mais câmaras, ou turmas,
"entre si, quanto ao modo de interpretar 0 direito em tese.
")los mesmos casos, sera 0 recurso extensivo à decisao final
"de qualquer das câlnaras, ou turmas, que contrariar outro
"julgado, também final, das Câmaras Reunidas".
No art. 861 da-lhe até feiçao de recurso ex-ollicio: "A
"requerimento de qualquer dos seus juizes, a Câmara ou
"Turma julgadora podera promover 0 pronunciamento prévio
"das Câmaras Reunidas sôbre a interpretaçao de qualquer
"norma juridica, se reconhecer que sôbre ela ocorre ou po-
"dera ocorrer divergência de interpretaçao entre câmaras ou
"turmas".
Objeta-se que 0 texto, usando das expressoes "Câmaras
"Civis Reunidas" ou "Câmaras Reunidas", exclue 0 Supremo
Tribunal, pressupondo os tribunais de apelaçao, porque saD
estes que se subdividem em câmaras, umas civeis, outras cri-
minais, do que resulta que a composiçao ad quem - "Câma-
"ras Civis Reunidas" é peculiar a tais tribunais. 0 argu-
mento apega-se demasiado à letra, abandonando os fins da
lei. E sao estes que dao 0 critério da interpretaçao. Re-
curso de revista é corretivo de divergência entre fraçoes de
um mesmo tribunal. Autoriza-se em razao "dessa divisao.
Suas condiçoes essenciais sao: a) que 0 tribunal esteja di-
vidido em câmaras ou turmas julgadoras; b) que essas
câmaras ou turmas divirjam entre si no entendimento da
lei, proferindo decisoes dispares, cuja padronizaçao compete
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 297

às mesmas câmaras ou turmas em conjunto, ou seja ao Tri-


bunal Pleno, a que equivale conceitualmente a locuçâo Câ-
maras Reunidas. 15

8. Do recurso da decisao final no mandado de segurança.


É do Supremo Tribunal a competência para conhecer do re-
curso da decisao concessiva ou denegat6ria do mandado de
segurança, desde que nos autos esteja a Uniao assistindo ao
coator na qualidade de pessoa de direito publico responsavel
pela ato impugnado. 16
É hip6tese que se enquadra no inciso a do art. 101, II, 2.
Em regra, a decisao é do JUlzo dos Feitos, com 0 quai se
articula na competência de recurso ordinario 0 Supremo Tri-

10 Em voto que proferi (sessao de 28 de Janeiro de 1942) assim me manifestei:

"Sr. presidente, sinto dlvergir do despacho proferido por v. ex. e dos votos dos
srs. ministros VALDEMAR FALCAO e OROZIMBO NONATO, bem como do entendlmento
anterior do Tribunal, diata venia dos eminentes colegas. Parece-me que 0 recurso
de revlsta nao é nem federal, nem local: é um recurliO de coordenaçao de decisôes,
um recurso de que pode cogitar 0 Regimento Interno de ca da tribunal; existe,
pode existir, em todos os tribunais, sejam êles federais, sejam êles loeais, desde
que se achem divldldos em câmaras ou turmas; onde quer que seja que se vert-
fiquem col1sôes de julgamento, por efeito de fracionamento do tribunal em câma-
ras ou turmas, pode caber 0 recurso de revista.
É, portanto, perfeltamente admissivel tal recurso no Supremo Tribunal; nAo
ha aqui admltir dlstinçao por ser 0 Supremo Tribunal um tribunal federal, enten-
dendo-se por mero preconcelto, data venia, que é pecul1ar a revista aos tribunais
de apelaçao; realmente, foi crlado, orlginarlamente, para os tribunais de apela-
çao, mas, ja hoje, pela C6digo de Processo, nao é mais pecul1ar aos trlbunais locais.
o essenclal, nos têrmos do art. 853, é que as turmas ou camaras de um mesmo
tribunal divirjam quanta 800 modo de interpretar 0 direlto em tese.
É certo que dele nao cogita 0 nosso Regimento, por se haver entendldo, por
ocaslâo da sua reforma e adaptaçao 800 novo C6dlgo de Processo, que 0 recurso de
revista era um recurso local. Assim ara realmente, como ja disse, antes do C6dlgo
de Processo.
Hoje, porém, nada impede que admitamos, enquanto êste Tribunal estiver di-
vidido em turmas e pressupost.a e verificada em tantos casos a discrepâncla de
julgados. Ainda ha poucos dlas nao admit!, como relator, embargos da Fazenda
em certa questâo em que se alegava haver divergência entre as duas turmas, en-
tendendo nao estar prevlsta na lei essa hip6tese de embargab1l1dade. 0 remédio
seria, sem duvida, 0 recurso de revista para fixar 0 entendimento a ser adotado.
Dou provimento 800 agravo".
Na mesma ordem de Idélas 0 professor HAROLDO VALADAO, Rev. de Critica Ju-
diciciria, v. 35, ps. 188 e segs. Recentemente, por proposta do mlnistro FrLAnELFO
AzEvEDo, admltlu-se 0 pronunclamento do Tribunal Pleno sôbre 0 cabimento do re-
curso ex-officio em causa fiscal de alçada, nao admltldo na La e admltldo na 2.'
Turma, com assento no art. 861 do C6dlgo de Processo.
10 VeJa-se 0 nosso De Mandado de Segurança, ps. 24'i e segs.
298 CASTRO NUNES

bunal OU, de um modo mais geral, do juizo de direito da ca..


pital (nos Estados) onde, por fôrça da Constituiçao (art. 108),
devem ser aforadas as causas em que seja interessada a
Uniao.
Mas no Distrito Federal pode ocorrer que 0 ato impug-
nado seja de autoridade eonceituada como local, nao obstante
responsavel pelas consequêneias civis da lesao a Uniao, que
sera a pessoa de direito publiee cliamada a assistir ao coator.
A meu ver, a presença da Uniao nos autos, nesse carater,
bastà para autorizar a eompetêneia do Supremo Tribunal,
qualquer que seja 0 juizo prolator da decisao (vara civel ou
o Tribunal de Apelaçao em instância liniea). Nao me parece
essencial que a decisao promane do Juizo Privativo dos Feitos
da Fazenda, se a Uniao aeudiu ao chamamento e nao declinou
da intervençao. É a possibilidade da sua condenaçâo virtual
na hip6tese da eoncessao da segurança que determina a com-
petência do Supremo Tribunal para 0 reeurso. 17
o C6digo de Processo é omisso no tocante ao recurso ca w

bivel da decisao final no mandado de segurança. Seria, pois,


a apelaçao. Mas 0 Regimento Interno do Supremo Tribunal,
considerando obviamente que estaria comprometida a efieacia
dêsse remédio, de seu natural pronto e expedito, consolidou
no art. 142 a regra da lei n. 191, mandando-o processar e
julgar com 0 rito do agravo. 18
9. Recurso das decisoes denegatOrias de "habeas-cor-
pus" - Exame do assunto em face do texto de 91. Dispunha
entao a Constituiçao no art. 61: "As decisoes dos juizes ou
"tribunais dos Estados, nas matérias de sua competência,
17 Existe, porém, um acordao, de que foi relator 0 eminente ministro OROZIMBO
NONATo, em que se decidlu de modo contrario (Arq. JUdiciârio, v. 62, fasc. 1.°).
Tratava-se de ato do corregedor, autoridade judlciarla havlda como local, se-
gundo a jurlsprudêncl:a preponderante. Nao tomel parte nesse julgamento, do
quaI, data venia, terla divergldo, naD 50 porque nao consldero locais as autorldades
prepostas pela Unlao à execuçao dos servlços cOBstituclonalmente a ela reservados
(veja-se 0 cap. l do tlt. VI), como porque basta seja ela a pessoa pûbllca respon·
savel e que assiste ao coator, justlflcando 0 seu ato, para que se autorlze a com·
petêncla do f!upremo Tribunal.
lB Asslm se tem decldldo, com base nessa dlsposlçao reglmental, contra 0 voto do
ministre JosÉ LINHARES (rec. n. 666, mandado de segurança, acordao de 14 de male
de 1941, Diârio da Justiça de 26 de agôsto de 1941).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 299

"porao têrmo aos processos e às questoes, salvo quanto a: l,


"habeas-corpus; ou, II, espolio de estrangeiro, quando a es-
"pécie naD estiver prevista em convençao ou tratado.
"Em tais casos havera recurso voluntario para 0 Supre-
"mo Tribunal Federal".
Nao era pacifico 0 entendimento sôbre se estaria auto-
rizado 0 recurso somente das decisoes denegatorias ou se tam-
bém das concessivas, de vez. que 0 texto naD excluia essa pos-
sibilidade, limitando-se a estabelecer que voluntdrio fôsse 0
recurso (e jamais necessario ou ex-officio) , ao alcance, por-
tanto, de qualquer das partes, da defesa como da acusaçao.
Tive ocasiao de examinar a controvérsia nestes têrmos :
"A locuçao reCU1·SO voluntdrio tem um sentido conhecido em
nosso direito processual.
Contrapoe-se a recurso necessdrio, entendendo-se por êste
o ex-officio, que 0 juiz prolator da sentença "é autorizado ou
"obrigado a interpor em virtude de lei, sendo que, quando 0
"juiz é obrigado a interpor 0 recurso, toma êste a denomina-
"çao de recurso necessario".19 Voluntdrios &e dizem, con-
soante a definiçao do reg. n. 120, de 1843 (art. 439), os que
forem "interpostos a arbitrio das partes", conceito legal que
VlVEIROS DE CASTRO desenvolveu nestas palavras: "0 meio
"que a lei concede às partes para obterem a reparaçao das fi-
"justiças que uma primeira decisao lhes possa ter causado". 20
De tal sorte, estatuindo 0 dispositivo constitucional que
das decisoes estaduais sôbre habeas-corpus havera recurso vo-
luntdrio para a Suprema Côrte, naD vedou, antes prescreveu
imperativamente, a possibilidade do recurso por· provocaçao,
seja do acusado-paciente, seja do Ministério Publico, que é a
parte acusadora nos processos por crime de açao publica, 0
orgao, preposto pela lei, para exercer a açao penal em nome
da sociedade, 21 ou, segundo uma conceituaçao que se tornou
classica e que, como nota GALDINO SIQUEIRA, assinala a fina-
lidade politico-juridica do Ministério Publico: êste é, em

,. JOAO MENDES, Processo Criminal, v. 2, p. 493.


20 Jurisprudência Criminal, p. 135.
21 GARRAUD, Droit Criminel, ed. 1921, p. 596.
300 CASTRO NUNES

nosso direito, "0 advogado da lei, 0 fiscal de suaexecuçao . . .


"e 0 promotor da açao public a contra tôdas as violaçoes do
"direito". 22
"As expressoes havera recurso voluntario... indicam
"que, proibido 0 recurso ex-officio, 0 das partes, a critério
"destas, esta prescrito em têrmos imperativos, ao contrario
"do que dispunha 0 Projeto da Constituiçao do Govêrno Pro-
"visorio, in verbis "podera haver recurso" ... deixando, con-
"sequentemente, ao legislador ordinario estabelecê-Io ou nao.
"0 texto nao comportaria essa faculdade.
"A interposiçao do recurso é que é facultativa, em cada
"espécie, dado 0 seu carater voluntario. Nao, porém, a pos-
"sibilidade de sujeitar ao conhecimento final da suprema ins-
"tância as decisoes em matéria de habeas-corpus, proferidas
"nos pretorios estaduais. Essa possibilidade, vale dizer 0 re-
"curso, esta reservada ao Supremo Tribunal, sem a limitaçao
"criada pela jurisprudência assentada nesses ultimos tempos
"em repetidos acordaos".
Mas a jurisprudência se orientou em sentido diverso,
ainda que com alguns votos vencidos: "Com efeito, tem-se
"entendido que so as decisoes concessivas do habeas-corpus
"sao recorriveis. E nesse sentido esta orientada neste mo-
"mento a jurisprudência do Supremo Tribunal, nao obstante
"alguns votos vencidos".
o casa de maior repercussao foi 0 originado de uma por-
taria do Juizo de Menores do Distrito Federal proibindo 0
ingresso de menores de 18 anos em certo teatro, onde se re-
presentava peça reputada inconveniente.. 0 Conselho Su-
premo da Côrte de Apelaçao concedeu 0 habeas-corpus im-
petrado. Dessa decisao 0 procurador geral do Distrito re-
correu para 0 Supremo Tribunal, naD sendo 0 recurso conhe-
cido por entender 0 Tribunal que "0 recurso permitido pela
"art. 61, n. 1, da Constituiçao da Republica cabe unicamente
"quando 0 "habeas-corpus" é denegado pela justiça local,
"competindo sua interposiçao ao paciente ou a quem impe-
"trou a ordem em favor dele", reportando-se a seguir ao
"" Processo Criminal, p. 54.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAIuO 301

acordao n. 9.033, de 14 de maio de 1923, pela quaI se decidira


semelhantemente (acordao de 23 de abri! de 1928, in Arq.
Judicidrio, v. 10, ps. 96 a 98).
Mais recentemente foi confirmado êsse entendiIDento.
Tendo 0 Tribunal da Relaçao de Sergipe concedido uma ordem
de habeas-corpus em favor de Porfirio Martins Meneses e ou-
tros, intendente e vereadores eleitos do Municipio de .Lagarto,
naquele Estado, para 0 fim d~ poderem penetrar no edificio
da Intendência e ai exercerem as suas funçoes, recorreu de ta!
decisao 0 procurador geral do Estado.
o ac6rdao do Supremo Tribunal, da lavra do eminente
ministro MUNIZ BARRETO, que fôra também 0 relator dos dois
acima mencionados, desenvolveu larga e brilhantemente a
matéria, estudando-a no seu elemento hist6rico e concluindo
no sentido da inadmissibilidade do recurso.
"0 Supremo Tribunal Federal" - sao palavras do acor-
dao - "tem afirmado reiteradamente - e vern dizê-Io mais
"uma vez - que da sentença da justiça local concedendo
"habeas-corpus nao cabe 0 recurso instituido no art. 61, n. 1,
"da Constituiçao Federal" (veja-se acordao de 5 de junho de
1929, in Arq. Judicidrio, v. XI, p. 495).
Argumenta-se corn 0 dec. (orgânico) n. 848, de 1890,
que so cogitara do recurso na hipotese de denegaçao (arts. 9.°,
n. IV, e 49), e corn a lei n. 221, de 1894 (art. 23, parag. Unico) ,
que, alias, se limitou a esclarecer 0 art. 49 daquele de-
creto, declarando que das decisoes denegat6rias da justiça
local 0 recurso poderia ser interposto das sentenças de pri-
meira instância, e nao somente das proferidas pelas Relaçoes.
Mas do teor dessas disposiçÇies 0 que se pode concluir,
coma bem observou 0 ministro PEDRO DOS SANTOS no seu voto
vencido, é que elas "facultam 0 recurso no caso de denegaçiio ;
"mas nao 0 vedam no casa de concesséio".
"Depois" - sao ainda palavras do mesmo ministro -
"posteriormente a essas leis sao as de 17 de outubro de 1907,
"de 5 de dezembro de 1921 (art. 12) e de 26 de janeiro de 1923
"(art. 5.°), que 0 recurso autorizam, mesmo no caso de con-
"cesstio e, portanto, nao é possivel deixar de considera-las re-
302 CASTRO NUNES

"'vogat6rias das anteriores, se efetivamente elas houvessem


"proibido 0 recurso no caso aludido".23
A exegese sustentada pelo Supremo Tribunal advém do
comentario de BARBALHO, que, por sua vez, assentara 0 seu
modo de ver nos ac6rdaos ns. 396, de 1893, e 1.210, de 1892,
por êle citado, e no decreto orgânico da justiça federal (n.848,
de 1890). Entendia 0 egrégio comentador que "essa pratica
"era mais consentânea com 0 espirito liberal da Constituiçao
"e da nova legislaçao republicana". Recorda êle as palavras
com que CAMPOS SALES justificara no preâmbulo do dec. n. 848
a limitaçao do recurso aos casos de denegaçao; 0 mesmo zêlo
pela liberdade individual presidiu às disposiçoes relativas ao
habeas-corpus. As f6rmulas mais singelas, mais prontas e de
maior eficacia foram adotadas; e como uma s6lida garantia
em favor daquele que sofre 0 constrangimento, ficou estabele-
cido 0 recurso para 0 Supremo Tribunal Federal em todos os
casos de denegaçao de ordem de habeas-corpus. 24
Mas, como 0 salientou, no seu voto vencido no caso dos
menores, acima mencionado, 0 ministro HEITOR DE SOUSA - 0
que existe é um verdadeiro circulo vicioso: os comentadores
da Constituiçao se apoiam na jurisprudência do Tribunal e
êste, por seu turno, na liçao daqueles.
Na realidade 0 que se deve entender é que a Constituiçao
nao confirmou, antes revogou, 0 disposto no dec. n. 848,
de 1890.
Te-Io-ia repetido se houvesse 0 pensamento de estabelecer
a unilateralidade do recurso. A redaçao teria sido outra. Ao
contrario disso, 0 que se constata, relendo 0 inciso em exame,
é que nao esta autorizada a limitaçao criada pela jurispru-
dência. "As decisoes dos juizes ou tribunais dos Estados" ~
diz 0 texto - " ... porao têrmo aos processos e às questoes,
"salvo quanto a habeas-corpus, ... casa em que havera re-
"curso voluntdrio para 0 Supremo Tribunal Federal". Vale
dizer, por outras palavras: que as decisoes estaduais em ma-
téria de habeas-corpus nunca serac finais: delas havera
!!3 Arq. Judiciario, v. XI, p. 497.
~, Comentârios, 2." ed., p. 352.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO 303

sempre recurso para a suprema instância federal; e êste re-


curso naD podera ser ex-officio, sera sempre vOluntario, isto é,
interponivel pelas partes.
Isso quer se trate de habeas-corpus, quer se trate de es-
polio de estrangeiro, no casa figurado. Porque ambas as hi-
poteses estao subordinadas à mesma locuçao recurso volun-.
tario; e jamais se pretendeu que a parte prejudicada pela
sentença na hipotese de espolio estivesse inibida de recorrer.
Apenas 0 juiz naD poderia recorrer da propria sentença, por-
que êsse seria 0 recurso ex-officio - scilicet naD voluntario.
o Supremo Tribunal auto-limitou-se na apreciaçao das
hipoteses julgadas pelas justiças estaduais. Fundou-se em
lei anterior à Constituiçao, incompativel com esta, que lhe
naD adotou os dizeres restritivos da competência suprema,
antes a deixou soberana na compreensao de tôdas as hipote-
ses; distinguiu entre estas as que entendeu serem finais,
quando, na verdade, 0 principio transparente do inciso cons-
titucional foi reservar ao Supremo Tribunal a ultima palavra
em matéria de "habeas-corpus".
Antecedentes da legislaçao do Império contribuiam para
que se houvesse por excluido somente 0 recurso de oficio e naD
o vOluntario, ainda que concessiva a decisao: "É licito pre·
"sumir ,que a Constituiçao e, mais do que esta, 0 dec. n. 848,
"tenham obedecido a um pensamento de reaçao contra 0 prin-
"cipio monarquico do recurso necessario.
"Com efeito, so havia entao recurso da decisao que con-
"cedia 0 habeas-corpus, e êsse era ex-officia (art. 69, § 7.°, da
"lei de 3 de dezembro de 1841; art. 439, § 1.0, do reg. n. 120,
"de 1842), entendendo-se que, sendo os recursos de natureza
"stricti juris, inadmissiveis seriam os que se pretendesse in-
"terpor das decisôes denegatorias. 25
"0 dec. n. 848, de 1890, tera refletido 0 primeiro movi-
"mento de reaçao de seu natural exagerado; e prescreveu 0
"principio oposto. So admitiu ou, mais exatamente, so CQ-
"gitou de recurso na hipotese de denegaçao.

"' PAULA PESSOA, C6digo de Processo Criminal, p, 274, nota 1.660.


304 CASTRO NUNES

"Entretanto, 0 que cumpria fazer era abolir 0 recurso


"oficial, Unico que a legislaçao do Império comportava, e
"instituir 0 voluntario, acautelando a um tempo a liberdade
"individual, no casa .de denegaçao da ordem, e 0 interêsse
"também fundamental, da justiça public a, no casa de con-
"cessao, possivelmente atentatoria até de preceitos constitu-
"cionais. E foi 0 que fêz 0 legislador constituinte" (Do Re-
curso Voluntario em Matéria de "Habeas-Corpus", in Arq. Ju-
diciario, v. 13, supl.).

10. No texto de 34 e no atuai. Essa jurisprudência cris-


talizou-se no texto de 34, que à Côrte Suprema declarava com-
petir "julgar, em recurso ordinario, as decisoes de Ultima ou
"Unica instância das justiças locais e as de juizes e tribunais
"federais, denegatorias de habeas-corpus" (art. 76, 2, II,
letra c). A atual se limita a dizer: "as decisoes de Ultima
"ou tinica instância denegatorias de habeas-corpus" (art. 101,
II, 2, letra b).
Nenhuma duvida existe, pois, que somente das decisoes
denegat6rias cabe 0 recurso, jamais das concessivas, 0 que re-
vela que 0 recurso ordinario existe no so interêsse da tutela da
liberdade. 26
Duvidas ocorreram em face do texto de 34 sôbre a admis-
sibilldade do recurso das decisoes (denegatorias) emanadas
do Supremo Tribunal Milltar.
A duvida provinha da locuçao "decisoes de ultima ins-
"tância das justiças locais e as de juizes e tribunais federais".
tendo em vista 0 disposto no art. 63, onde se enumeravam os
orgaos do Poder Judiciario: "a) a Côrte Suprema; b) os
"juizes e tribunais federais; c) os juizes e tribunais mille
"tares; d) os juizes e tribunais eleitorais".
Distinguiam-se assim dos "juizes e tribunais federais" os
"juizes e tribunais milltares", parecendo levar à conclusao de
que as decisoes dêstes nao seriam recorriveis para ~ Côrte Su-
prema. A matéria foi brilhantemente debatida. Levantou a
... Dlverso é 0 objetlvo do recurso extraordlnarlo lnterponlvel de declsl\o con-
cessiva, que a antlga jurisprudêncla, por 19ual, nâo admlt!a, mas que pode ser
usado, consoante declsôes mals recentes (veja-se 0 cap. II do tlt. IV).
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICIÂRIO 305

questao 0 ministro COSTA MANSO, no julgamento do habeas-


-corpus n. 25.660, do quaI foi relator.
Mas êle mesmo deu 0 verdadeiro entendimento da dispo-
siçao constitucional nestes têrmos: "Penso, porém, que a
"interpretaçao literaI nao corresponde ao espirito da lei. A
"Constituiçao, a meu ver, ora emprega a expressao "juizes e
"tribunais federais" em sentido estrito, para designar os or-
"gaos da justiça ordinaria da Uniao, ora se utiliza dela em
"sentido Iato, para designar 0 Poder Judiciario federal, com-
"preendendo, assim, todos os juizes singulares ou colegiais
"que nao pertençam aos Estados, ao Distrito Federal e ao Ter-
"ritorio do Acre. Nesta acepçao, as palavras "juizes e tribu-
"nais federais" compreenderao os elementos componentes da
"justiça militar e da eleitoral. 0 art. 63 teria de ser lido
"assim :
"Sao orgaos do Po der Judiciario :
"a) a Côrte Suprema;
"b) os juizes e tribunais federais ordinarios ;
"c) os juizes e tribunais militares;
"d) os juizes e tribunais eleitorais".
Outros aspectos correlatos foram abordados pelo emi-
nente relator e pelos ministros que votaram no mesmo ou em
sentido diverso 27; mas, a meu ver, no topico acima trans-
crito se contém 0 argumento basilar, pois que as duas justiças
especiais (a militar e a eleitoral) nao eram senao modalida-
des destacadas da justiça federal, locuçao genérica e com-
preensiva de todos os orgaos do Judiciario da Unitio, empre-
gada naquele passo da Constituiçao como na linguagem ju-
diciaria para designar os juizes federais de secçao e 0 Supre-
mo Tribunal como instância superior.
Hoje, porém, em face do texto vigente, a competência de
recurso abrange quaisquer decisoes denegatorias, seja qual

zr Ac6rdao de 6 de dezembro de 1934, Jorna~ do Comércio de 14 de novembro


de 1935.

F.20
306 CASTRO NUNES

for a jurisdiçao de que promanem, alcançando as proferidas


pela Supremo Tribunal Militar e pela '{'"ribunal de Segurança
Nacional. É entendimento pacifico.
11 . Processamento. Os recursos ordinarios sao proces-
sados de acôrdo com 0 preceituado no C6digo de Processo e
disposiçôes complementares contidas no Regimento Interno.
Antes do atual C6digo de Processo, surgiu uma questao
interessante.
o dec.-Iei n. 6, de 16 de novembro de 1937, ja na vigência
da atual Constituiçao, providenciando sôbre a extinçao da
justiça federal, determinara (art. 18) que, enquanto nao pro-
mulgados os C6digos federais de processo, as justiças dos Es-
tados, do Distrito Federal e dos Territ6rios continuariam a
aplicar a legislaçao local vigente no processamento e julga-
mento das causas até entao da competência da justiça federal
extinta, salvo se regidas por leis especiais.
Alcançaria ao Supremo Tribunal a determinaçao legal?
Ou vigorariam quanto a êle 0 seu pr6prio Regimento e a le-
gislaçao consolidada no dec. n. 3.084, de 1898, e leis subse-
quentes? Evidentemente. E assinl se decidiu peio ac6rdao
(1. a Turma) de 26 de setembro de 1938, do quaI foi relator 0
ministro COSTA MANSO. Entendeu-se que a regra legal s6 se
aplicava na primeira instância.
Alias, no regime da pluralidade processual, jamais se
pretendeu que 0 Supremo Tribunal processasse os feitos por
aplicaçao dos C6digos locais. 0 art. 49 da lei n. 221 dispu-
sera: "No processo das apelaçôes e recursos clveis interpos-
"tos para 0 Supremo Tribunal Federal, assim como no pro-
"cesso e julgamento das causas da privativa competência do
"mesmo Tribunal, se observara 0 seu Regimento".
Titulo IV

DO RECURSO EXTRAORDIN.AruO
CAPiTULa 1

DO RECURSO EXTRAORDINARIO

SUMARxo: 1. Razao de ser do recurso extraordinario. 2. Recurso extraordiné.rio e


recursos s!mllares. '3. 0 recurso extraordinâr!o nos Estados Un!dos e na
Republ!ca Argentina. 4. 0 recurso extraordinârio nas anteriores Constitu!-
çoes e na atual. Denominaçao. 5. Funçao do recurso extraordinario.
6. Le! federal, 0 que por tal se entende para os efe!tos do recurso extraor-
dinâr!o. Constitu!çao, leis ordinâr!as, regulamentos. 7. A le! estrange1ra,
competente para a espéc!e, equipara-se a lei federaI. 8. mp6teses dere-
curso extraordinâr!o fundado diretamente na Const!tuiçao.

1. Razao de ser do recurso extraordinârio. A necessi-


dade de uma instância de superposiçâo com autoridade cons-
titucional para cassar os julgados tresmalhados da observân-
cia da lei e imprimir à jurisprudência uma direçao uniforme
nao é peculiar aos regimes federativos, embora tenha nb.,iJeS
maior alcance e significaçâo, porque da partilha de poderes
entre a Uniao e os Estados resulta um problema que nos Es-
tados unitarios nao existe, 0 da legislaçao e jurisdiçao sepa-
radas, levando à possibilidade de colisôes que, sem aquele
contrôle supremo, ficariam sem remédio, reduzidas a letra
mOTta a Constituiçao e as leis federais e comprometida a se·
gurança dos direitos, a paz social e a existência mesma da
Uniao. 1
Ninguém 0 disse melhor, entre nos, do que 0 eminente
sr. EPITACIO PESSOA, entao ministro do Supremo Tribunal:
"Reconhecida a soberania da Uniao e proclamada a obrigato-

1 COOLEY, Constitutional Limitations, ps. 4, 33 e 35; HUGHEs, The Supreme COUM


01 the United States, p. 84.
310 CASTRO NUNES

"riedade das leis federais em todo 0 territorio da Republica,


"forçoso é colocar essas leis sob a proteçao de um tribunal
"federal que lhes possa restabelecer a supremacia quando
"desconhecida ou atacada pela magistratu;ra dos Estados.
"Conferir às justiças independentes de 21 Estados autônomos
"0 direito de julgar sem recurso da validade ou aplicabilidade
"dos atos do Poder Legislativo da Naçao, seria lançar a maior
"confusao e obscuridade na legislaçao, enfraquecer as garan-
"tias que ela proporciona às liberdades individuais, perturbar
"as relaçoes que ela regula e por ultimo quebrar a unidade
"nacional, que encontra na unidade do direito um dos seus
"mais solidos esteios".2
A essa consideraçao superior cede 0 principio da auto-
nomia estadual. Na colisao entre um e outro, entre a auto-
nomia judicante dos Estados e a necessidade de preservar a
autoridade, a eficacia e a unidade do direito federal, prevalece
êste Ultimo principio, que tem no recurso extraordinario 0
instrumento adequado àqueles fins e exterioriza, na esfera ju-
diciaria, a supremacia da Uniâo no mecanismo federativo.
No atual regime, a reduçao do federalismo, a preponde-
rância acusada dos fins nacionais no arranjo federativo, a
unliicaçao judiciaria no pIano estadual, a dilataçao da esfera
legislativa da Uniao assinam ao recurso extraordinario um
sentido politico ainda mais expressivo e uma compreensao
muito mais vasta do que sob as anteriores Constituiçoes.

2 . Recurso extraordiruirio e recursos similares. 0 re-


curso extraordinario mantém pontos de contacto corn 0 recur-
so de cassaçao (pouvoir de cassation), corn 0 de revista e corn
a açao recisoria.
Mas naD é nenhum deles, coma veremos.
o recurso de cassaçiio, quer no direito italiano, quer no
belga ou no francês, devolve ao Tribunal somente 0 juizo de

, Do Recurso Extraordindr;o. in Rev. de Direito, v. 5. ps. 437 e segs.


TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 311

direito, isto é, 0juizo que se institue para decidir da aplicabi-


lidade ou aplicaçao de uma norma legal ao casa concreto. As
questoes de fato escapam-Ihe inteiramente, 0 recurso tem por
fim precipuamente, coma diz CHIOVENDA, julgar sentenças.
A Côrte de Cassaçao ntio julga a causa, cassa a decisâo e
remete 0 feito a outro tribunal para julga-Io: "Lorsqu'elle
(a Côrte) casse, elle ordonne le renvoi à un autre tribunal",
Para julgar 0 fundo da questao, diz THONISSEN, é radical a sua
incompetência.
Ao tempo do Império tinhamos 0 recurso de revis ta, que
se interpunha para 0 Supremo Tribunal de Justiça. Muito
se aproximava do de cassaçtio. 0 Tribunal, provendo 0 re-
curso, cassava a sentença, devolvendo 0 feito ao juizo compe-
tente para ser de nova julgado, guardada a doutrina do aresto
sôbre 0 ponto controvertido.
Corn a açao recisoria mantém 0 nosso recurso extraordi-
nario mais estreito contacto somente no casa da letra a, a que
se restringe a semelhança, visando êste coma aquela, na sua
modalidade correspondente, reformar ou recindir um julgado
proferido contra a letra da lei ou direito expresso. Nos de-
mais casos em que se autoriza 0 recurso, inexiste qualquer
paridade.
Pelo recurso extraordinario 0 Supremo Tribunal julga 0
feito, ainda que aceitando os fatos na sua apresentaçao, isto é,
nos mesmos têrmos em que foi posta a questao pela tribunal
recorrido. Reforma, confirma ou anula a decisao, substi-
tuindo-a nas duas primeiras hipoteses por outra, que profere,
sem devolver 0 casa para que seja novamente julgado de
acôrdo corn as teses ou diretrizes prefixadas, 0 que so pode
ocorrer na terceira hipotese, de anulaçao. Nao é, pois, um
recurso de cassaçao, ou de mera cassaçao.
Alias, 0 texto constitucional expressamente 0 diz: "jul-
"gar em recurso extraordinario as causas decididas pelas jus-
"tiças locais. . . ".
Sob a Constituiçao de 91 a duvida provinha do art. 61,
que dispunha: "As decisoes dos juizes e tribunais dos Esta-
"dos, nas matérias de sua competência, portio têrmo aos pro-
312 CASTRO NUNES

"cessos e às questoes", salvo no tocante a habeas-corpus e es-


polio de estrangeiro, nas hipoteses figuradas. Por outro lado,
a competência do Supremo Tribunal para 0 recurso extraor-
dinario se expressava de modo diverso: "Das sentenças das
"justiças dos Estados em ultima instância havera recurso para
"0 Supremo Tribunal Federal ... ".
A clausula ora vigente, reproduzida, alias, da Constitui-
çao de 34, nao se limita a dizer que "havera recurso"; de-
clara competir ao Supremo Tribunal Ujulgar, em recurso ex-
"traordinario, as causas decididas pelas justiças locais em
"unica ou ultima instância", 0 que equivale a julgar de novo
a causa, para reformar ou confirmar, modificar ou anular a
decisao recorrida. 3

3. 0 recurso extraordinario nos Estados Unidos e na


Repitblica Argentina. Sao as matrizes do instituto que inau-
guramos corn a Republica as preceituaçoes dêsses dois paises,
que nos precederam na adoçao do regime federativo. Con-
vém, pois, conhecê-Ias.
A ampliaçao do writ of error, recurso da common law, às
sentenças definitivas dos tribunais superiores dos Estados, ou
nas hipoteses prefiguradas, foi realizada pela lei judiciaria
de 1789, conhecida por Judictiary Act, e pouco anterior à
Constituiçao.
Suscitou-se duvida sôbre se êsse poder nao mencionado
na Constituiçao, atribuido à Côrte Suprema, em face dos jul-
gados estaduais, seria compativel corn ela. A oposiçao foi so-
bretudo forte na Virginia, que capitaneou a reaçao fundada
nas prerrogativas dos Estados, exageradas naquela primeira
fase. Mas logo de inicio a Suprema Côrte afirmou a consti·

3 PIMENTA BUENO, Direito Publico Brasileiro, II, ps. 349 e segs.; JAPIOT, Procé-
dure, 1935, n. 1.]22; GARSONNET et BRU, ob. cit., v. 6.°, ps. 604 e segs.; ORBAN,
Droit Constitutionnel de la Belgique, v. II, p. 585; MORTARA, ob. cit., TV, ps. 503-504:
CHIOVENDA, Principii, ps. 998 e 1.020; PEDRO LESSA, Do Poder JudiciciriO, ps. 109 8
123; MATOS PEIXOTO, Do RecuTso Extraordinario, p. 272. Na Argentina, a Côrte pOde
julgar 0 fundo ou devolver 0 feito para ser novamente julgado, segundo informa
BlELSA (El Recurso Extraordinario, 1936, p. 284).
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICIJl.RIO 313

tucionalidade do Judictiary Act (Martin v. Hunter's, Sessec


and Cohens v. Virginia) , que ja hoje naD comporta objeçao
séria.
Entendeu-se que 0 poder, pôsto que naD expresso, era
inerente à existência mesma da Uniao no concêrto federativo ;
e que a lei, no conferi-lo, 0 derivara da competência de ape-
laçao (appellate jurisdiction) da Côrte Suprema. 4
Os casos do writ of error aplicados aos julgados estaduais
sao os seguintes 5: 1.0, quando a decisao desconhece a vali-
dade de um tratado, lei federal ou ato exercido sob a autori-
dade dos Estados Unidos; 2.0, quando a decisao reconhece a
validade de uma lei ou de um ato do Govêrno do Estado, em
conflito com a Constituiçao, os tratados ou as leis federais;
3.0, quando 0 tribunal estadual nega um titulo, direito, privi-
légio, imunidade ou um mandato, comissao ou poder, assegu-
rado pela Constituiçao, tratados, leis e atos decorrentes da
autoridade dos Estados Unidos.
Na Republica Argentina, 0 recurso extraordinario foi es-
tabelecido pela lei n. 48, de 14 de setembro de 1863, que, no
art. 14, definiu os casos em que "podrd apelarse a la Corte
Suprema de las sentencias definitivas pronunciadas por los
tribunal es superiores de Provincia". Etais sao: "1.0, cuando
en el pleito se haya puesto en cuestion la validez de un tra-
tado, de una ley del Congreso 0 de una autoridad ejercida en
nombre de la N acion y la decision haya sido contra su vali-
dez; 2.°, cuando la validez de una ley, decreto 0 autoridad
de Provincia se haya puesto en cuestionba.io la pretension de
ser repugnante d la Constitucion nacional, a los tratados 0
leyes del Congreso, y la decision haya' sido en favor de la va-
lidez de la ley 0 autoridad de Provincia; 3.°, cuando la inte-
ligencia de alguna cldusula de la Constitucion, 0 de un tra-
ta do, 0 Ley del Congreso, 0 una comision ejercida en nombre de
la autoridad nacional haya sido cuestionada y la decision sea

• Veja-se: WILLOUGHBY, ob. cit. v. l, p. 120; COUNTRYMAN, The Supreme Court


and its appellate power, ps. 90 e segs.
u BRYCE, The American Commonwealth, 1; WILLOUGHBY, The Supreme Court,
p. 24; WARREN, The Supreme Court in United States History, 1936, ps. 267 e 740.
314 CASTRO NUNES

contra la -validez del titulo, derecho, privilegio 0 exenci6n que


se funda en dicha Clausula y sea matéria del litigio".
Na Constituiçao argentina, coma na dos Estados Unidos,
nao existe referência expressa à jurisdiçao extraordinaria da
Côrte Suprema. Ela se deriva por implicitamente contida no
mecanismo do regime. Como seria possivel, indaga ZAVALIA,
assegurar a supremacia da Constituiçao, que é um dos fins
expressamente nela propria consignados ? 6
Entretanto, ao que informa 0 mesmo escritor, a natureza
dêsse recurso - resorte misterioso dentro del mecanismo ju-
dicial - é ainda mal conhecida nos tribunais de provincia,
pouco penetrados do espirito do instituto; sendo que, por
seu lado, a Côrte Suprema se mostra incongruente nos seus
arestos e se inclina, nos casos de maior repercussao e que mais
de perto possam afetar aos poderes publicos e à opiniao, a
elidir 0 exame das quest6es constitucionais. 7
4. 0 recurso extraordinârio nas anteriores Constituiçoes
e na atual - Denominaçao. Proclamada a Republica, 0
dec. n. 848, de 11 de outubro de 1890, instituindo a justiça
federal, definiu os casos em que haveria recurso para 0 Su-
premo Tribunal das "sentenças definitivas proferidas pelos
"tribunais e juizes dos Estados".
A Constituiçao de 24 de fevereiro de 1891, art. 59, 3, § 1.0,
admitiu-o "das sentenças das justiças dos Estados em ultima
"instância", nos dois casos seguintes: "a) quando se ques-
"tionar sôbre a validade ou a aplicaçao de tratados e leis fe-
"derais, e a decisao do Tribunal do Estado for contra ela;
"b) quando se contestar a validade de leis ou atos dos gover-
"nos dos Estados, em face da Constituiçao ou das leis federais,
"e a decisao do Tribunal do Estado considerar validos êsses
"atos, ou essas leis impugnadas". 8
• Ob. clt., p. 131.
-; ZAVALIA, ibidem, p. 130; GONZALEZ CALDERON, Derecho Constitucional, III,
p. 421.
8 Classlflcava-se também coma de recurso extraordlnarl0 0 recurso voluntarlo do
art. 61, 2.° - "quando a declsâo versar sôbre espol1o de estrangelro, nâo estando a
"espécie prevlsta em convençâo üu tratado" (\·eja"se L-tCIO DE MENDON ÇA, Pàg. Ju-
rfdica, p. 9.).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 315

A êsse recurso inominado chamou a lei n. 221, de 1894,


de apelaçao, denominaçâo impropria que nâo atendia "a di-
"ferença entre êsse recurso, que se interp6e de uma justiça
"para outra, e em casos especiais e muito limitados, e os re-
"cursos ordinarios, de que na mesma justiça, e em grande
"nfunero de casos, se utilizam os litigantes para 0 fim de
"obter a reforma das decis6es de instância inferior pela
"superior". 9
A denominaçâo recurso extraordinario veio do primeiro
Regimento Interno do Supremo Tribunal (de 26 de fevereiro
de 1891; art. 99), 10 e foi a que prevaleceu na linguagem judi-
ciaria, ainda que so muito mais tarde, como veremos adiante,
desse entrada no texto constitucional.
A reforma de 1926 ainda a omitiu no definir os casos do
recurso, que desdobrou nos quatro incisos do texto consoli-
dado, arts. 59-60, III, § 1.0: "a) quando se questionar sôbre
a vigência ou a valida de das leis federais em face da Cons ti-
tuiçao e a decisao do Tribunal do Estado lhes negar aplicaçao ;
b) quando se contestar a valida de de leis ou de atos dos go-
vernos dos Estados em face da Constituiçao, ou das leis fe-
derais, e a decisao do Tribunal do Estado considerar validos
êsses atos ou essas leis impugnados; c) quando dois ou mais
tribunais locais interpretarem de modo diferente a mes ma
lei federal, podendo 0 recurso ser também interposto por qual-
quer dos tribunais referidos ou pela procurador geral da
Republica; d) quando se tratar de quest6es de direito cri-
minal ou civil internacional".

• PEDRO !.ESSA, Do POder Ju(!.iciano, p. 103.


10 AMARO CAVALCANTI, "Revisâo das sentenças dos tribunais estaduais", Jornal do
Comércio de 10 de junho de 1910. Contra a denominaçâo recurso extraordinario
se insurgia JOAO MENDES, que lhe encontrava maiores afinidades corn 0 "agravo or-
"dinario" ou supl1caçâo, das Ordenaçoes, denominaçâo que sugeria, do que corn 0
writ of erTOr dos americanos (Dimito Judicü'trio, ps. 512-515). Na Argentina. a le!
de 1863 chamou-lhe recurso de apelaciôn y nUlidad, mas la, coma entre nos. a
denominaçâo recurso extraordindrio foi a que prevaleceu (ZAVALIA, Derecho Fe-
deral, p. 127; CALDERON, ob. cit., III, p. 415).
Convém observar que 0 writ of error dos americanos nao é denom!naçaa
pecul1ar ao' recurso instituido no Judictiary Act, mas vern da common law, desig-
nando todo recurso, apelaçâo ou agravo, contra decisoes eivadas de êrro de direito
ou violaçao de lei.
316 CASTRO NUNES

So no texto da Constituiçao de 1934 aparece a denomi-


naçao recurso extraordindrio, admitido nas "causas decididas
"pelas justiças locais em unica ou ultima instância", art. 76,
2, III: "a) quando a decisao for contra literaI disposiçao de
"tratado ou lei federal, sôbre cuja aplicaçao se haja questio-
"nado; b) quando se questionar sôbre a vigência ou a vali-
"dade de lei federal em face da Constituiçao, e a decisao do
"tribunal local negar aplicaçao à lei impugnada; c) quando
"se contestar a validade de lei ou ato dos governos locais em
"face da Constituiçao, ou de lei federal, e a decisao do tribunal
"local julgar valido 0 ato ou a lei impugnada; d) quando
"ocorrer diversidade de interpretaçao definitiva de lei federal
"entre côrtes de apelaçao de Estados diferentes, inclusive do
"Distrito Federal ou dos Territorios, ou entre um dêstes tri-
"bunais e a Côrte Suprema, ou outro tribunal federal.
"Paragrafo unico. Nos casos do n. 2, III, letra d, 0 re-
"curso podera também ser interposto pela presidente de qual-
"quer dos tribunais ou pela Ministério publico".
A Constituiçao de 10 de novembro de 1937 dispôe, no
art. 101: "Ao Supremo Tribunal Federal compete: I I I -
"Julgar, em recurso extraordinario, as causas decididas pelas
"justiças locais em unica ou ultima instância: a) quando a
"decisao for contra a letra de tratado ou lei federal, sôbre
"cuja aplicaçao sè haja questionado; b) quando se questio-
"nar sôbre a vigência ou validade de lei federal em face da
"Constituiçao e a decisao do tribunal local negar aplicaçao à
"lei impugnada; c) quando se contestar a validade de lei ou
"ato dos governos locais em face da Constituiçao, ou de lei
"federal, e a decisao do tribunal local julgar valida a lei ou 0
"ato impugnado; d) quando decisôes definitivas dos tribu-
"nais de apelaçao de Estados diferentes, inclusive do Distrito
"Feaeral ou dos Territorios, ou decisôes definitivas de um
"dêstes tribunais e do Supremo Tribunal Federal derem à
"mesma lei federal inteligência diversa.
"Paragrafo linico. Nos casos do n. II, n. 2, letra b, po-
"dera 0 recurso também ser interposto pela presidente de
"qualquer dos tribun ais ou pela Ministério publico".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 317

5. Funçao do recurso extraordinârio. Nao raro per-


de-se de vista que a funçao do recurso extraordinario naD é
corrigir sentenças erradas, retificar a apresentaçao dos fatos
ou a apreciaçao das provas nos julgados locais, reformando-os
ou modificando-os corn a mesma amplitude da apelaçao.
A razao dêsse entendimento é que esta pressuposta na
Constituiçao a aplicaçao das leis federais pelas justiças locais
corn a interpretaçao que estas lhes derem. A boa ou ma
aplicaçao, por êrro de interpretaçao ou ma apreciaçao da hi-
p6tese nos seus contornos de fato, naD basta para autorizar
o recurso. Por isso mesmo é incabivel, e assim se tem en-
tendido predominantemente, no casa em que se argua que
era outro 0 dispositivo legal a aplicar ou que a questao era
criminal, e naD civil, que aplicavel seria esta ou aquela lei
federal e nao a adotada nas instâncias locais para disciplinar
a espécie.
Sao problemas de exegese que podem envolver na sua
soluçao desacertos demonstraveis mas que naD comprometem
a autoridade, a preeminência e a eficacia do direito federal,
razao de ser do recurso extraordinario. A êste objetivo de
preservaçao se limita a sua destinaçao constitucional. Am-
plia-Io além dêsses limites é desnatura-Io, convertendo-o em
apelaçao.
o esquecimento dêsses principios basicos leva ao empi-
rismo na jurisprudência, desnorteada tantas vêzes na apre-
ciaçao das hip6teses. 11
11 Existe a convicçâo generallzada e que atinge os mals altos cumes do pensa-
mento jurldlco, quer na advocacia, quer na maglstratura, de que 0 recurso ex-
traordinarlo é um recurso processual como qualquer outro, dest!nado a corrlgir de-
sacertos nos julgamentos, estando 0 Suprp.mo Tribunal cm relaçao as côrtes de
apelaçao como estas em face dos julzos de dlreito.
Nao existe tal correlaçao. Nem 0 Supremo Tribunal é uma tercelra instância,
nem 0 recurso extraordinario é apelaçao. Se fôsse apelaçao naD seria extraordl-
·nario, devolveria 0 conhec1mento de tôda a causa, nos seus diferentes aspectos,
nao haverla questfio federaZ a destacar, e a Côrte Suprema seria uma super-Côrte
de Apelaçao, uma Côrte de Apelaçao apenas mals graduada, uma terce Ira instâncla.
no mecanlsmo dos graus da jurlsdiçao, intelramente desnaturada nos seus fins,
porque nao foi corn êsse carMer que a instituiu a Constltulçao, nem é essa a
runçë.o das côrtes supremas no mecanlsmo do Estado fedel'al.
De nada valeu para acllmar a recurso inaugurado corn a Repùbl1ca a ob.
servaçao, tantas vêzes felta por LÙCIO DE MENDONÇA e alguns outros, de que 'Bal
recurso era diverso do da revlsta que vlnha do Impérlo, n:1o visando rever senten-
318 CASTRO NUNES

É certo que existe um caso, 0 da letra a, que tem por fim


retificar interpretaçâo, hipotese de mera interpretaçao, pois
que a justiça local, julgando contra a lei, nâo deixou de apli-
car a lei federal, e possivelmente com mais acêrto (juridica-
mente falando) do que se houvesse adotado a interpretaçao
literaI.
Mas tal hipotese aberra da noçao do recurso extraordi-
nario, pois que a rigor nao existe nenhum interêsse nacional
em recindir sentenças dadas contra direito expresso. Nem
tais sentenças comprometem a eficacia da lei federal, nem,
muito menos, poem em xeque a sua preeminência e auto-
ridade.
Em todo 0 casa 0 que se tem em vista é a fZagrância do
desrespeito, nao à lei federal, mas ao seu enunciado literaI.
E é nesse desencontro, entre a decisao e a letra da lei, que
consiste a questao federal.
Sao os outros casos os que melhor correspondem à noçâo
do recurso extraordinario como meio de assegurar a preemi-
nência, autoridade e eficacia das leis da Uniao.
A Constituiçao nao considera comprometida a preemi.
nência e autoridade do direito federal senao em duas hipo-
teses, as das letras bec: 1.a , quando a justiça local se re·
cusa a aplicar dada lei federal por nao vigente ou inconstitu-
cional, ou 2. a , quando aplica norma ou ato local infringente
de texto federal (Constituiçao ou leis ordinarias), hipotese
que se resolve na preservaçao do direito federal.
ça.s injustas nem corrigir desacertos da instância inferior, como ocorre com a ape-
Zaçao, denominaçao impr6pria que, alias, lhe deu a lei n. 221, aumentando a con-
fusao e atestando a mesma incompreensao.
Em nosses dias continua a masma mentalidade. 0 recurso constttucionaZ,
remédio sui generis criado pela Constituiçao como melo de equllibrio entre a au-
tonomla jUdicante dos Estados na aplicaçao do direlto federal e a Uniao na sua.
funçao preservadora, de que é 6rgao 0 Supremo Tribunal, é olhado como recurso
meramente processual, idêntlco, em sUbstâncla, aos demals recursos.
Forçoso é confessar que 0 Supremo Tribunal nao construlu a doutrina do
instltuto. A jurisprudência é empirlca. Nao fornece elementos seguros para. dela
se extrair uma teoria. Ora se alarga demaslado, ora se restringe usurarlamente 0
destaque da questao federal, que é a pedra de toque na técnlca do recurso.
É certo que, apolada numa vlsao de conjunto, sob a.s três Constltulçôes re-
publicanas, a jurlsprudêncla do Supremo Tribunal exprime uma atitude de con-
tensâo, rcagindo contra a desnaturaçâo do recurso extraordinàrlo. Mas é um re-
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 319

Nao considera comprometida a eficcicia do direito federal


senao quando as justiças locais a interpretam diferente-
mente, dando lugar a julgados divergentes.
Nesta hipotese esta comprometida a uniformidade na
aplicaçao, condiçao de eficacia.
6. Lei federal, 0 que por tal se entende para os efeitos
do recurso extraordinario - Constituiçao, leis ordinârias, re-
gulamentos. Nos quatro casos em que se desdobra 0 recurso
extraordinario, a Constituiçao emprega a locuçao lei federal
no seu sentido mais amplo e compreensivo. É a lei no sen-
tido de norma emanada dos poderes da Uniao, isto é, a lei pro-
priamente dita, coma ato do Parlamento ou do Presidente da
Republica quando exerce 0 poder legislativo (lei, decreto-lei)
e também os regul~mentos e atos normativos secundarios que
completam a lei, desenvolvem-na ou lhe facilitam a execuçao.
"Lei federal" equivale, pois, a "direito federal", direito obje-
tivo da Uniao.
A razao de ser dêsse entendimento é obvia. 0 direito
federal nao esta somente na Constituiçao e nas leis propria-
mente tais, que sao apenas as suas expressoes mais altas;
mas, também, nas normas secundarias adotadas por dispo-
siçao geral, do que resulta que estara comprometido aquele
sultado a. que se chegou e se val chegando sem exprlmir uma orlentaçâo bem as-
sentada.
A lmpressâo do casa concreto no desacêrto ou Injustlça da decisâo local ainda
domIna 0 exame, delxando à margem a natureza e destlnaçao do recurso.
o âmblto do recurso, cuja medlda é dada pela questâo federal, nem sempre
demarcado, é multas vêzes excedldo.
Exlstem asslm ac6rdâos ou arestos, alnda que possivelmente brllhantes ou
eruditos ou insplrados superiormente na melhor tutela do direlto da parte, que
precindem das regras em que assenta. 0 remédl0 excepclonal.
"0 carater extraordlnario do recurso" - escreveu recentemente 0 mais auto-
rizado expositor da atual Constltulçâo - "esta nisto; nlsto consiste, precisamente,
"a. sua natureza. excepclonal. Nao é um recurso que tenha a amplitude do re-
"curso ordlnarlo; 0 seu ral0 de açâo compreende apenas alguns casos excepclonals
"e mesmo nestes casos excepcionals apenas a matérla em razâo da quaI 0 recurso
"fol instltuldo. Instltuldo para garantir a apl1caçâo do dlrelto federal onde haja.
"êle de ser apl1cado, a Côrte Suprema, no seu julgamento, ha de ater-se estrlta-
"mente à questâo sôbre a quaI lhe confere 0 instrumento constltuclonal 0 poder
"de revisâo" (FRANCISCO CAMPOS, Direito Constitucional, ed. Rev. Forense, 1942,
p. 227).
320 CASTRO NUNES

se comprometida, em têrmos de autorizar 0 recurso, estiver


qualquer dessas normas.
Nao basta, porém, a invocaçao do direito subsidiario para
legitimar 0 recurso. 12 As regras do direito romano, os ares-
tos da jurisprudência americana,13 os principios gerais de
direito, etc., podem estar envolvidos no exame das espécies
como elementos informativos da jurisprudência, sobretudor
nos casos da letra d. Sua observância pode estar prescrita
em lei; mas naD saD normas de direito federal para a inter-
pQsiçao do recurso extraordinario, quando violadas ou aban-
donadas. A mesma regra observa-se na cassaçao. A norma
violada, capaz de autoriza-Ia, ha de ser do direito positivo,
isto é, do direito nacional escrito, salvo em se tratando de lei
estrangeira que deva ser aplicada à espécie por determina..
çao da lei nacional, casa em que a esta se equipara a lei es..
trangeira. 14 A êsse aspecto voltaremos adiante.
As leis nacionais equiparam-se os tratados. Do porlto
de vista do direito interno de cada pais, os tratados, diz DES-
PAGNET, desde que ratifie ados e aprovados, saD verdadeiras
leis, derrogam 0 direito comum e podem autorizar 0 recurso
em cassaçao (pouvoir en cassation) .15
o processo é hoje federal, isto é, da competência dos or-
gaos legislativos da Uniao. As normas processuais sao, por-
tanto, "leis federais", de âmbito nacional. Ha, porém, leis
emanadas daqueles orgaos que, segundo 0 entendimento pre-
dominante, naD saD leis federais, porque de âmbito local.
Tais saD as leis orgânicas do Distrito Federal e dos Ter-
ritorios, as de organizaçao judiciaria dessas mesmas circuns-
criç6es e, de um modo geral, as leis concernentes aos serviços
reservados à Uniao no Distrito Federal. Ainda que emana-
das dos orgaos legislativos da Uniao (Parlamento, Presidente
da Republica), saD tratadas como leis locais para os efeitos do
recurso extraordinario. Voltaremos adiante ao exame dêsse
ponto.
12 PEDRO LESSA, ob. clt., p. 313.
13 Dec. n. 848, art. 387.
II GARSONNET ct Bnu, ob. clt., VI, n. 370; CHIOVENDA, ob. clt., n. 1.024.
15 DESPAGNET, ob. clt., p. 492.
TEORIA E PRl1.TICA DO PODER JUDICrARIO 321

Entendia-se, porém, que em qualquer des sas leis (parti-


culannente nas de processo), podia estar enxertada uma dis~
posiçao de direito substantivo ou material, casa em: que se
admitia 0 recurso, tratada a disposiçao ai deslocada coma
lei federal. 16

7. A lei estrangeira, competente para a espécie, equipac


ra-se a lei federal. A lei estrangeir.a, declarada competente
pela lex fori, faz corpo corn esta. A espécie é de Direito In-
ternacional Privado, que no texto constitucional reformado em
26 constituia uma hip6tese de recurso extraordinario. Sob
a Constituiçao de 91, e, ainda, na vigência da de 34, 0 casa
decidido por aplicaçao de lei estrangeira subia ao Supremo
Tribunal por apelaçao, recurso ordinario das decisoes dos
juizes federais, aos quais cabia conhecer, em primeira ins-
tância, de tais questoes. Hoje competem aos juizes locais nas
duas instâncias, s6 podendo chegar ao Supremo Tribunal a
hip6tese por via do recurso extraordinario. A lei estrangeira
de observância obrigat6ria, por determinaçao da lei brasileira
(C6digo Civil, Introduçao), lei competente para reger a hip6-
te se, naD pode ser classificada no sistema juridico do pais
coma lei local, senao coma lei federal por equiparaçao neces-
sana. Se a justiça local deixa de aplica-Ia em dado caso,
aplicando a lei territorial, tera, se pertinente a invocaçao,
violado 0 C6digo Civil. Se aplicou, mas aplicou deturpan-
do-a, ainda aqui, ao que me parece, autorizado estara 0 ré-
curso coma se de lei nacional se tratasse.
Dir-se-a que, dêste modo, se tera restabelecido 0 casa
especial de recurso da reforma de 26. Assim é, certamente,
na classificaçao doutrinaria da espécie. Mas isso naD sera
razao para naD admitir 0 recurso, servindo, ao invés, para
mostrar que sob as anteriores Constituiçoes as questoes de
Direito Civil Internacional sempre estiveram, por motivos de
6bvia compreensao, na competência do Supremo Tribunal,
por via de recurso, ordinario ou extraordinario.
1. Exemplo: no tocante à açâo recls6rla, as dlsposlçéies de direlto substantivo
contidas no reg. n. 737. Entre outros: ac6rdâo de 21 de Janeiro de 1938, rec.
extr. n. 2.622.

F.21
322 CASTRO NUNES

A lei estrangeira encorporou-se ao direito nacional.Sua


autoridade resulta da obrigatoriedade que lhe empresta a
lex-fori, como magnificamente exp6e CUNHA GONÇALVFS:
"Nao é em virtude da autoridade do legislador estrangeiro
"que se aplica a lei por êle promulgada, pois essa autoridade
"termina nos limites do respectivo territ6rio; mas, sim, por
"fôrça da autoridade do legislador do pais onde 0 litigio é de-
"cidido. :mste legislador, em certos casos, apropria-se das leis
"estrangeiras, encorpora-as na sua legislaçao, inspirando-se
"nas mesmas raz6es e nos mesmos fins que lhe ditaram as
"leis nacionais ou no intuito de melhor realizar a justiça ou
Ha equidade. Dêste modo, nao ha partilha de soberanias;
"a soberania local, longe de ser suplantada, afirma-se mais
"vigorosamente, dando a uma lei estrangeira a fôrça precisa
"para ser reconhecida e aplicada".17
8 . Hipoteses de recurso extraordinario fundado direta-
mente na Constituiçao. A locuçao "lei federal" indica, de seu
natural, a lei ordinaria, a preceituaçao secundaria. A Consti-
tuiçao é a lei matriz, lei das leis, diferenciada hierarquica-
mente das demais leis.
o texto supoe 0 problema constitucional em funçao de
uma dessas leis, jsto é, figura uma norma inferior em con-
ffito com a Constituiçao.
Assim é que, nos casos das letras bec, esta autorizado 0
recurso nas hip6teses de ter sido a norma federal repelida
pela justiça local por incompativel com a Constituiçao ou de
ter sido reconhecida a autoridade da norma ou ato local im-
pugnado em face dela. Em ambos os casos 0 problema, ainda
que invertido nos têrmos do seu enquadramento, se apresenta
80b a forma de um conflito entre a Constituiçao Federal e
uma norma inferior, federal ou local. 0 exame da questao,
se admitido 0 recurso, visa conferir a possibilidade de coexis-
tirem elas com a Constituiçao, mérito da indagaçao.
Nos casos das letras a e d, a lei federal pressuposta é igual-
mente uma lei inferior, lei ordinaria de aplicaçao ou interpre-
taçao questionada.
17 CUNHA GONÇALVES, Tratado de Dircito Civil, v. I, p. 78.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 323

Tais sao os têrmos da controvérsia no enunciado literaI


do texto.
Mas pode ocorrer que a lei federal em causa seja a Cons~
tituiçao mesma, sem haver lei de permeio. Em tais casos
o recurso se funda na arguida violaçao de preceito constitu~
cional pela decisao local.
Examinei 0 assunto em 1933, em face do texto de 91 re~
formado em 26, onde havia clausulas que hoje inexistem,
concernentes à du alidade judiciaria,18 embora subsistam ou~
tras que servem à mesma tese.

lB Jornal do Comércio de 5 de fevereiro de 1933. "Casos implicitos de recurso


"extraordinario" - "0 texto de 91, ao definir os dois casos do rllcurso m'ais tarde
"dito extmordinario, nao menciollou a hip6tese de provir 0 atentado à Constitul~
"çao, nao da lel, nem de ato do Govêrno, mas da pr6pria sentença estadual, ar-
"guida de contraventora de precelto imperatlvo daquela.
"Seria a sentença inconstitucional, a incompatib1l1dade desta com um preceite
"basico federal, desconhecido ou vlo1ado pela Judiciario local. 0 fundamento, 0
"assento do recurso, teria de ser a pr6pria Constituiçao Federal no ponta violado.
"No cellario da vida judiciâria, tais hip6teses teriam de surgir, como surgi-
"l'am. li: as mais frequentes foram aquelas em que se controvertia questao de
"competêncla, ou melhor dito, as em que 0 recorrente reivindicava a jurisdiçao
"federal contra 0 estatuldo na liltima instância local.
"ASsim, por exemplo, se se argula 0 interêsse da Uniao como fundamento da
"competência federal. 0 casa fol conslderado de recurso, enquadrando-o, embora.
"0 Supremo Tribunal, na let ra a, ainda que sem possibtlidade de se enxergar na
"hip6tese qualquer lei em conflito com a Constituiçao, senao esta mesma e 56. 0
"julgamento se operou pela exame do arguldo interêsse da Uniao em face das clilU~
"sulas contratuais de uma concessao Ierrovlarla. Nao pOdia fundar-se na letra a,
"que pressupunha, coma ainda pressupôe, a existêncla de uma lei secundaria de
"permeio, em conflito com a Constituiçao. 0 que 0 Tribunal fêz fol apllcar aos
"jatos a regra constitucional (v. ac6rdao, in Arq. Judiciârio, v. V, p. 17).
HA reforma de 1926 reincidiu na mesma omissao, e com a agravante de que,
"tendo criado mais dois casos de recurso, se "fastou do conceito classico do recurs(.
"extraordinario, consoante a tradicâo do writ oj error dos americanos.
"Diga-se de passagem que as duas hlp6teses cogltadas nas letras c e d do
"art. 60, § 1.°, naD sao de recurso extraordlnario, mas de revista ou cassaçao, 50-
"bretudo no caso da letra d, em que imposslval se torna conceituar a questao je-
"deral, visto cO:qJ.o 0 recurso se autoriza pela sô fato de ser a espécle de Direito
"Criminal ou Civil Internacional.
"0 caso mellcionado na letra c (declsôes contraditôrias dos tribunais locais
"sôbre 0 entelldimento da mesma lei federal) nao focallzou senao parcialmente a
"questao que estamos examinando. Cogitou de julgados divergentes e visou a uni-
"formidade de apllcaçao das leis federais. A hip6tese do recurso fundado direta-
"mente na Constituiçâo, para 0 fim de restabelecer 0 impérlo desta, quando negado
"ou desconhecido pela decisao judiciaria local, continua em aberto, à mercê da
"jurisprudència" .
Voto vencido no acôrdao de 14 de novembro de 1929, 0 ministro HEnMENE-
Cn.DO DE BARROS declarou: "A letra a nao ampara 0 recurso, porque absolutamente
"nao se questionou sêbre a vigência ou valldade de qualquer lei federal, que a
324 CASTRO NUNES

Exemplo a figurar, ainda hoje, sera aquele em que a jus 4

tiça local admita como espécie judicidria uma questao exclu 4

sivamente politica, violando a proibiçao do art. 94 da Consti-


tuiçao. Que outro remédio senao 0 recurso extraordinario,
fundado, tais sejam as circunstâncias da hip6tese, até mesmo
na letra a, para cassar 0 julgado local?
Pode afirmar-se mesmo que algumas hip6teses que ou-
trora nao poderiam surgir, encontrarao agora, sob as novas
instituiçoes, sua oportunidade. As causas fundadas direta e
exclusivamente na Constituiçao eram entao da competência
da primeira instância federal. Hoje entram na competência
"Côrte de Apelal<ao tivesse deixado de aplicar, ou porque reputasse que a lei era
"inconstitucional, ou porque considerasse que a mesma lei nao Estava em vigor.
"Nada disso ocorreu. 0 que houve fei apenas uma arguiçao de incompetên-
"cia da justiça local, que esta julgou improcedente por se nao tratar de questao
"de direito maritimo. Tao somente".
E linhas adiante:
"0 recurso extraordinario, que é restrito, nao pode ser ampliado a casos nao
"compreendidos no dispositivo constituciona!".
o acôrdao de que foi relator 0 ministro MUNIZ BARRETO, admitiu 0 recurso.
Arguia-se a lncompetência da justiça local dêste Distrito para a questao de direito
maritimo, que f'e controvertia nos autos. Entendeu-se, pelo que consta da extensa
fundamentaçao do acôrdao, que a matéria da competência estava sendo agitada
no ventre dos autos rtinda quando vigente 0 texto de 91, antes, portanto, da re-
forma de 26, para dai tirar-sea conclusao de que 0 texto antigo era mais favo-
ravel il. admissao do recurso quando diretamente fundado na Constituiçao.
Na verdade, autorizado 0 recurso pelo texto de 91 nos casos em que se ques-
tionasse sôbre a validade ou a aplicaçao das leis federais, entre estas estaria a
. Constituiçao no preceito nao aplicado (v. ac6rdao no DiMio da Justiça de 13 de
junho de 1930. No mesmo sentido, isto é, entendendo que depois do texto re-
formado, que 56 cogita da .hipotese da vig'êfwia da lei federal ou da sua valiÙ\~de
controvertida em face da Constituiçao, nao esta autorizado 0 recurso - v. 0 ac6rdao
unanime de 6 de agôsto de 1930 e do quaI foi relator 0 ministro SORIANO, in Arq,
Judiciario, v. 15, p. 35).
No meu modo de ver, 0 recurso extraordinario, estando em causa a obser-
vancia de um preceito constitucional, se deve sempre en tender implicito na Cons-
tituiçao, alnda que nao havendo de permeio lei ou regulamento sôbre cuja vi-
gência ou validade se questione.
Ha na Constituiçao um conjunto de clausulas jUdiciarias que seriam letra
morta se 0 Supremo Tribunal se abstivesse de Ihes vigiar a aplicaçao.
No caso do art. 62, onde se prescreve que as justiças estaduais "nao podem
"intervir em questôes submetidas. aos tribunais federais, nem anular, alterar ou
"suspender as suas sentenças e ordens", 0 que existe é uma prescriçao proibitiva,
que, deixada sem remédio, nas hip6teses de violaçao, comprometida estaria a au-
tonomia do Judiciario federal, que, por meio dela, se procurou preservar.
Por isso, entendeu 0 Tribunal varias vêzes que era cabivel em tais casos 0
recurso, "institufdo (declarou em um dos ac6rdaos) para assegurar a autoridade
"e a preeminência drt~ leis fed~rais, e sobretudo da lei fundamental da Repl1blica",
cab en do "a interferência cm-retiva do Supremo Tribunal para fazer observar aquele
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 325

local. Delas conhecia outrora 0 Supremo Tribunal, por ape-


laçao. Delas ter a de conhecer agora em recurso extraortli-
nano, equiparado a "lei federal" 0 preceito constitucional
comprometido no julgamento.
Em tais hip6teses a violaçao do texto constitucional naD
é imputada ao legislador, como sucede nos casos em que se
argue de inconstitucional uma dada lei. A violaçao se argue
contra 0 juiz ou tribunal que proferiu 0 julgamento inconci·
liavel com a Constituiçao. l1iconstitucional sera a sentença
mesma, 0 julgado recorrido, sentença inconstitucional para
cujo reexame se tera de abrir a via do recurso extraordinario.
"precelto constltuclonal" (ac6rdao de 24 de junho de 1927, in Arq. Judicitirio, v. 10,
ps. 471 e segs.; Rev. do Supremo Tribunal, v. 69, p. 189).
Outra hlp6tese da mesma natureza: a do § 2.° do art. 60: "As justiças dos
"Estados consultarao a jurlsprudêncla dos trlbunals federals quando houverem de
"lnterpretar lels da Unlao".
RUI BARBOSA vlu nesse inclso um caso impliclto de recurso extraordinario
(apud JOAo MENDES, Direito JudiCidrto BrasiZeiro, ps. 528-531) e na reforma de 26,
êle se enquadra na letra c, porque na instâncla de correlçao que exercita 0 Su-
premo, pode êste cassar 0 julgado infrator.
Mas 0 textoprefigura dois ou mals julgados de tribunais diferentes, esta-
tuindo sôbre 0 entendlmento de uma mesma lei federal. De modo que 0 casa iso-
lado e&taria sem corretlvo.
o melhor exemplo a figurar é, entretanto, 0 que fornece a pr6pria reforma
de 26, no § 5.° do art. 60; ai se proibiu em têrmos perempt6rlos qualquer recurso,
para a justiça federal ou local, contra a intervençao nos Estados, declaraçao do
estado de sitio, verif1caçao de poderes, reconhecimento, posse, legitlmidade e perda
do mandato dos membros do Legislatlvo 'lU do Executivo, federal ou estadual.
Infringida essa proibiçao pela justlça estadual, como enquadrar 0 recurso
na letra b? Imposslvel.
A hlp6tese da vlolaçao dessa regra se deflne por uma infraçao judlclârla; s6
por esta forma se poderla lnfrlnglr 0 preceito constltuclonal, porque, em ûltlma
anallse, 0 que 0 texto prolbe naquele inciso é 0 exerciclo da 1urisdiçao em tais
matérlas.
o recurso terla de ser admltldo por induçao constltucional, como nas outrae
hip6teses acima apontadas. Ou estaria sem sançao 0 preceito constltucional.
Nem se poderâ dizer cerebrlna a hlp6tese flgurada. 0 precedente de uma
açâo intelltada no fôro federal para haver os proventos materlais de uroa cadeira
de senador, revIO'la que, na ôrbita esta dual, 0 mesmo recurso poderia ser tentado,
envolvendo na declsao matérla de reconhecimento ou legitimldade de mandato
leglslativo.
o recurso extraordlnarlo se deflne pela sua flnalldade, e naD pelos casos em
que se desdobra. Sua funçao no mecanlsmo é preservar a autorldade do dlrelto
federal. 0 Supremo Tribunal exercita essa lnstâncla de preservaçâo, quer prove-
nha 0 ato contraventor do Leglslatlvo ou do Executlvo, quer do Judlclârlo estadual.
Inerente à. dualldade judlciarla, 0 sucedâneo que lhe derem, com a felçao de
revista ou cassaçao, se vlngar 0 pensamento da unidade judiciaria, terâ de guar-
dar fldeUdade ao mesmo prlnc!plo que a omlssao do texto constituclonal, sobretudo
depols de 1926, deixou ao entendimento opinatlvo dos intérpretes".
CAPiTULO II

DO RECURSO EXTRAORDINARIO
(Continuaçao)

SUMARIO: 1. Causas decididas pelas justiças loeais em unica e ult1ma instância.


2. Quais os 6rgâos jUdiciarios cujas decisocs sâo recorriveis. 3. Sentido da
palavra "causa". Extensao que pOde comportar. 4. Decisoes "em unica ou
, ultima instância". 5. Questâo federal, em que consiste e 0 que compreende.
6. Ambito do recurso extraordlnario, 7. indole civil do recurso extraordi-
nario. 8. Quem po de recorrer. 9. Prazo para interposiçâo. 10. Contagem
do prazo. Uso de recurso local incabivel. Dùvldas relntlvas ao recur30 de
revista. 11. Fundamento do recurso, Aditamento. Denega'çâo. 12. Re-
curso ex'traordinario de decisâo concessiva de habeas-corpus. 13. Processo.
14. Execuçao.

1. Causas deeididas pelas justiças loeais em unie a e ul-


tima instâneia. A locuçao "justiças locais" esta usada neste
passo da Constituiçao para significar que sao as decisôes pro-
feridas na jurisdiçao comum as recorriveis extraordinaria-
mente para 0 Supremo Tribunal. 0 texto constitucional
teria dito melhor justiças comuns em lugar de "justiças 10-
cais", impropriedade que reproduziu da Constituiçao de 34,
sendo que na de 91 se dizia "justiças dos Estados".
Procurou-se com isso abranger também as justiças, do
Distrito Federal e dos Territ6rios, e dai 0 uso do qualificativo
locais, que me parece menos pr6prio para designar a jurisdi-
çao residuaria que a essas justiças compete (por exclusao das
jurisdiçôes especiais reservadas à Uniao) do que 0 adjetivo
comuns, que evoca a idéia de jurisdiçao ordindria ou comum,
conceito de direito judiciario em que se supôe a partilha da
jurisdiçao.
Locais diz respeito à partilha da competência, noçao de
direito politico, para a distribuiçao da justiça, entre a Uniao
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICWIO 327

e os Estados. Local é, pois, a competência, comum a ju-


risdiçao. 1
Na verdade, naD é porque sejam locais essas justiças que
de suas decisoes se autoriza 0 recurso extraordinario e sim,
como ja disse, porque tais decisoes emanam da jurisdiçao
comum. 0 carater local do 6rgao, no sentido territorial ou
geografico, naD bastaria para autorizar ou legitimar 0 re-
curso, ainda que 0 dispusesse a lei. Locais sao, dêsse ponto
de vista, as juntas de conciliaçao e julgamento, os conselhos
regionais do trabalho, as auditorias militares, etc., cujas de-
cisoes, todavia, ainda quando transitadas em julgado sem in-
terferência dos 6rgaos superiores respectivos, nem por isso
seriam recorriveis para 0 Supremo Tribunal. De modo que 0
principio a assentar é 0 seguinte: 0 recurso extraordinario,
sendo restrito às decisoes proferidas na jurisdiçao ordinaria
ou comum, naD alcança as decisoes emanadas das jurisdiçoes
especiais, a cargo de 6rgaos instituidos pela Uniao (justiça
militar, justiça especial, justiça do trabalho), ainda quando
proferidas por 6rgaos de âmbito limitado, regional ou local.
As decisoes recorriveis sao somente as judicitirias, isto é,
as proferidas por 6rgaos do Poder Judiciario, naD as de tri-
bunais ou conselhos administrativos, por mais acentuado que
seja {) seu carater jurisdicional. Dai resulta que das decisoes
emanadas das instâncias administrativas, quer da Uniao, a
quer dos Estado~ do Distrito Federal ou dos Territ6rios, naD
pode caber 0 recurso extraordinario.
Também na Republica Argentina a sentença recorrivel
tera de emanar de los tribunales superiores de provincia.
Mas 0 entendimento que a essa clausula tem dado a Suprema
Côrte é diverso, porque compreensiva também das decisoes
dos 6rgaos administrativos quando proferidas contencio-
samente. 3
l ~ja-se 0 cap. l do tit. VI, onde tratamos mais desenvolvidamente êsse ponto.
2 Das dec!s6es do Tribunal Maritlmo Admlnlstratlvo admltlam-no os decretos
do Govêrno Provis6rlo ns. 20.829, de 1931, e 24.585, de 1934, por Incompreensâo
da natureza do recurso extraordinario, tldo, alias, pele Supremo Tribunal como
manlfestamente Incompativel com a Constituiçao de 34, soluçao que nâo poderla ser
outra em face do, atual.
3 ZAVALIA, ob. cit., p. 139.
328 CASTRO NUNES

BIELSA combate essa jurisprudência; observando que a


Côrte tirou-a da sua competência de apelaçao nas causas
contencioso-administrativas a cargo dos juizes federais, mas
que, assim procedendo, ampliando 0 recurso extraordinario
ao contencioso administrativo local, perdeu de vista que êsse
recurso é de exceçao, limita 'somente a autonomia judicidria
(nao a administrativa) das provincias. Acrescenta ainda que,
dêste modo, a Côrte atua em instância unica e nao como ins-
tância de recurso, que pressup6e uma decis~o inferior ema-
nada da justiça. 4
o texto constitucional emprega a palavra causa ("causas
"decididas pelas justiças locais") no seu sentido mais amplo
e compreensivo. É todo procedimento em que se decida do
d·.eito da parte. Nao é preciso que seja, formalmente, uma
açao. Qualquer processo, seja de que natureza for, se nele
for proferida decisao de que resulte comprometida uma lei
federal, é uma causa para os efeitos do recurso extraordinario.
Alias, é essa acepçao que corresponde à palavra causas na
terminologia forense - "processos Jl.ldiciarios, seja quaI for
"sua natureza, ou fim".5
Ninguém melhor focalizou êsse ponto; entre nos, do que
AMARO CAVALCANTI, à luz dos ensinamentos americanos,
dando 0 sentido da palavra suit para 0 efeito do writ of error :
"0 vocabulo suit, empregado na lei, aplica-se a qualquer pro-
"cesso judicial, no quaI um individuo requer 0 remédio que
"a lei lhe as segura, inclusive 0 pedido de mandamus, de prohi-
"bition e de habeas-corpus. 6
• BIELSA, El Recurso Extraordinario, ps. 164-165. Entre n6s (diga-se de passagem)
'8 neeessidade de sujeitar ao Sûpremo Tribunal a apreeiaçao dos atos locais ofen-
sivos da Constituiçao Federal eneontrou soluçao diferente. Tais questoes eram afo-
radas no juizo federal competente (lei n, 1.939, art. 6,0) com 0 rito sumârio da
'lei n, 221, art. 13, subindo ao Supremo Tribunal por via de recurso ordinârio, Hoje,
extlnta 8 prlmeira instancia federal, nao ~endo parte na causa a Unlao, sobre 0
ato administrativo local decldem as instâncias Ioeals, alnda que arguido de lll-
compativel com 0 direito federal, enquadrando-se 0 reeurso extraordinârio na
regra eomum.
• 'TEIXEIRA DE F'REITAS, Vocabulcirio Jurfdico.
• AMARO CAVALCANTI, "Revlsao das Sentenças dos Trlbunais Estaduais", Jornal
do Comércio de 12 de junho de 1910. Do mesmo modo COUNTRYMAN, no capitulo
- What are cases of a Judictiary nature, onde trata desenvolvldamente do assunto
(The Supreme Court '::md its Appellate Power, p, 191).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 329

A "causa" pode ser civel, criminal, comercial, etc. Mesmo


o habeas-corpus, quando concedido, se considera causa para
o efeito do recurso extraordinario, como veremos adiante.
2 . Quais cs orgaos judiciârios cujas decisnes sao recor-
riveis. 6rgaos judiciarios sao, de um modo geral, todos aque-
les que, de acôrdo com a lei orgânica da justiça, puderem de-
cidir do direito da parte. Assim: os juizes de, qualquer ca-
tegoria, colegiados ou singulares, e até mesmo os juizes de
paz, nas causas de alçada em que proferirem decisoes termi-
nativas: quaisquer 6rgaos colegiados, isto é, 0 Tribunal de
Apelaçao, suas câmaras ou 6rgaos deliberantes (Câmara de
Conflitos, Conselho de Justiça), contanto que finais as deci-
soes proferidas. Entre tais 6rgaos incluo 0 presidente do Tri-
bunal, 6rgiio judicüirio, nos têrmos expostos, quando profere,
em autos, despacho de que naD caiba recurso para 0 Tribunal.
É bem de ver que se couber tal recurso, dele deve a parte usar ;
se usou, e 0 Tribunal naD 0 proveu, do Tribunal, e naD do pre-
sidente, sera, ja entao, a decisao. 7
3 . Sentido da palavra "causa" - Extensao que pode
comportaI'. Ja vimos que "causa", para 0 efeito do recurso
extraordinario, esta empregada na sua acepçao mais corn-
preensiva. Mas ha que admitir algumas exceçoes.
7 No julgamento do rec. extr. n. 735, do Distrlto Federal, asslm vote! (sessao de
30 de Janeiro de 1941): "Considera legitlnio 0 reeurso interposto de deelsao do
Conselho de Justlça, porque, nos têrmos em que a Constltuiçii.o autorlza tal medlda,
nâo é possivel dlstlngulr entre os 6rgâos eomponentes do organismo jUdiciarlo locaL
Qualquer 6rgâo pode ser reeorrldo em reeurso extraordlnarlo. Este se interpoe das
deelsoes das justlças loeals cm liniea ou liltlma Instâneia; por eonsegulnte, até um
julzo de paz pode ser reeorrido.
Nessas eondiçoes, sendo 0 Conselho de Justiça 6rgâo judielarlo local, basta
que profira deelsâo, como salientou 0 exmo. sr. mlnlstro OTAVIO KELLY, que viole
leI federal, ofendendo «ireito subjetlvo da parte para que possa ser interposto re-
curso extraordinarlo dessa deeisâo.
Nâo importa que se diga que 0 Conselho de Justiça é 6rgâo de jurlsdlçâo ad-
minlstratlva. Adminlstrativos sao, igualmente, 0 Julzo Orfanol6g1eo, 0 Juizo de
Provedorla e, entretanto, jamais se pretend eu que decisoes sobre matérla orfano-
16glca, sôbre matéria sueessôria, nao pudessem ser recorrldas e trazidas 300 conhe-
cimento do Supremo Tribunal".
Do mesmo modo se entende relativamente à cassaçao: Nao somente as sen-
tenças proprlamente dltas, senao também os provlmentos emanados das autoridades
jud!ciarias, podem ser atacados por meio da cassaçiio (MATTIROLO, ob. cit., v. IV,
n. 1.027).
330 CASTRO NUNES

Certos procedimentos, relativos às atribuiçoes adminis~


trativas dos 6rgaos judiciarios, nao sao propriamente causas.
que ocorre nos casos em que 0 Tribunal pratica um
Ê 0
ato de natureza administrativa, alheio à sua funçtio especifica
de 6rgao judiciario. Exemplos: quando elabora 0 seu Regi~
mento Interno, impoe uma puniçao disciplinar, organiza uma
lista de candidates para nomeaçao ou promoçao, etc. Se 0
ato les a um direito individual, cabe ao prejudicado usar do
mandado de segurança ou propor a açao que couber, e sera
êsse 0 feito judicial de cuja decistio final cabera entao 0 re-
curso extraordinario. 8 Nem sempre a distinçao tem sida
posta nos seus devidos têrmos. Algumas vêzes tem 0 Supre-
mo Tribunal deixado de admitir 0 recurso, distjnguindo na
decisao, embora proferida em processo judicial, 0 carater ad-
ministrativo da mesma. 9
4. Decisoes "em unica ou ultima instância". A Consti-
tuiçao, repetindo a de 34, usa da locuçao "em unica ou ul~
"tima instância". A Constituiçao de 91 e a reforma de 26
diziam "de ultima instância". Ja se entendia, porém, que as
decisoes proferidas em instância unica estavam compreendi-
das naquela clausula, por isso que finais no mecanismo ju-
diciario local, condiçao suficiente para a interposiçao do re-
curso extraordinario. .
Instância nao esta no texto para indicar 0 grau da juris-
diçao. Pode a causa naD percorrer as duas instâncias e ser
recorrivel a decisao, como nas causas de alçada. Po de ter
sido julgada nas duas instâncias e ser, naD obstante, irrecor~
rivel a decisao, se desta cabe ainda recurso. Instância tem
ai, pois, a sentido que lhe dava MORAIS CARVALHO - "curso
"legal da causa até final decisao".10
8 Ac6rdao de 15 de maio de 1936, rec. extr. n. 2.856, de que foi relator 0 ministro
COSTA MANSO.

PAssim é que da decislio de certo tribunal de Estado mandando arquivar de-


nùncia oferecida contra 0 interventor para que fôsse êste processado criminal-
mente, interpôs 0 denunciante recurso extraordinario que nao foi admitido pela
razâo de que "ainda que a autoridade seja judiciaria, nao cabe recurso se a de-
"cisao é meramente administrativa" (ac6rdao n. 4.301, de 17 de dezembro de 1940.
2." Turma).
10 Apud MATOS PEIXOTO, Do Recurso Extraordinario, ps. 199 e segs.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 331

Jâ assim se entendiano Império quanto ao recurso de


revista: "Sendo, porém, a sentença proferida em liltima ins-
. "tância, pouco importa saber se esta é primeira ou segunda,
"porquanto a primeira instância algumas vêzes figura coma
"primeira e liltima. Desde que a decisao é terminada em Ul·
"tima instância, como a lei expressa, prevalece sua disposiçao,
"por isso mesmo que naD resta nenhum outro recurso".l1
Por isso mesmo nas causas de alçada 0 recurso extraor-
dinario naD se entende limitado por ela. É que 0 valor da
causa, por infimo que seja, naD exclue a possibilidade de ter
sido comprometida pela decisao a autoridade do direito fe-
deral, razao de ser do recurso extraordinario.
Assim sempre se entendeu entre nos, 12 coma nos Estados
Unidos 13 e na Argentina, onde ZAVALIA da noticia de uma re-
clamaçao de unos centavos decidida pela alcalde de San Ni·
colas e que pôde chegar à Suprema Côrte, porque, para os
efeitos do recurso extraordinario, diz 0 expositor, "un alcalde
puede ser tribunal superior de provincia, desde que era el mas
alto donde podia obtenerse una decisi6n, dado que el monto
de la silma reclamada hacia imposible cualquier recurso or-
dinario". 14
Mas, se no mecanismo judiciario do Estado ainda houver
recurso, é indispensavel usar dele para abrir-se a via extraor-
dinaria. A decisao recorrivel é a decisao irrecorrivel nas ins-
tâncias locais.
É êsse 0 principio fundamental. Dai decorre que deve
a parte usar de todos os recursos facultados em lei nas ins-
tâncias locais antes de interpor 0 extraordinario. A razao é
obvia: antes de esgotados êsses meios naD se pode dizer que
a justiça local tenha violado a lei federal, de vez que se lhe naD

11 PIMENTA BUENO, ob. clt., II, p. 35l.


12 PEDRO LESSA, ob. clt., p. 124; LEVI CARNEIRO, Do Judicicirio Federal, p. 24.
13 WILLOUGHBY, The Supreme Court, p. 25.
14 Ob. clt., p. 137.
332 CASTRO NUNES

deu oportunidade para, ela mesma, reparar a infraçao. 15


Todos êsses recursos sac ordinarios, posta a questao, nao em
têrmos processuais, mas no pIano constitucional, pois que ex-
traordinario s6 0 é 0 que se interp6e das justiças locais para
o Supremo Tribunal. 16
Nao importa que de cabida dependente de condiç6es ou
pressupostos variaveis em espécie. É 0 casa da revis ta e, se-
~elhantemente, 0 do agravo e, de certo modo, também, 0 de
embargos. S6 a apelaçao é recurso comum, em regra sempre
cabivel. Qualquer dos outros depende, em grau maior ou
menor, do exame de certas circunstâncias variaveis in specie.
A jurisprudência do antigo Supremo Tribunal, ap6s al·
gumas vacilaç6es, orientou-se afinal no sentido de que do re-
curso extraordinario naD poderia usar a parte antes de esgo-
tar os reeursos loeais. A duvida surgiu a prop6sito do recurso
de embargos.
A êsse respeito escreveu PEDRO LESSA: "Pode interpor-se
"0 recurso da sentença de segunda instância da justiça local,
"ainda sujeita' a embargos? Tem variado a jurisprudência
"do Supremo Tribunal Federal. A melhor opiniao parece;-nos
"E:er a que exige a deeisao definitiva para admitir 0 recurso.
"Êste, por sua pr6pria natureza, s6 deve ser facultado depois
"de esgotados os reeursos ordinarios da justiça dos Estados.
"Se a parte veneida deixa de embargar a sentença contraria,
"a si pr6pria somente impute 0 ficar privada do remédio ju-
"dicial extraordinario que lhe oferece a lei". 17
15 PEDRO LESSA, ob. cit., p. 118. A mesma rl!gra se observa quanto li. cassaçao.
o julgamento ha de ter sido proferido em ultlma instancia, em dernier ressort.
Se a parte nao recorreu, isso equivale li. renuncia do recurso; "ed, in tale caso, it
silencio delle parti VUiolsi, interpretare come una tacita ed assoluta accetazione
dezz,.']; sentenza stessa" (MATTIROLO, ob. c1t., v. IV, n. 1.015; no mesmo sentido:
GARSONNET et BRU, ob. cit., v. VI, p. 359; JAPIOT, Procédure, p. 717).
10 A revisi'a é üm recurso especial, sui generis, de exceçao, mas d.a 6rbita local.
S6 ai, isto é, para os tribunais de avelaçao, sera êle extraordinârio. Mas para 0
Supremo Tribunal é recurso ordinârio como qualquer outro fac'~ltado no meca-
nismo local, porque extraordinârio s6 0 é 0 que para êle se interp6e, nos casos da
Constituiç!i.o, da decisao que pOe fim à demanda, esgotados aqueles recursos. 0 uso
do adjetivo extraordinârio empregado na exposiçao do assunto em relaçao li. re-
vista, gera a confusao, levando a supor que os dois recurSOR sao paralelos, podem
scr tlsados simult~neamente, como ja tem ncontecido.
17 Ob. cit., p. 113.
TEORIA E PR,iTICA DO PODER JUDICURIO 333

5. Questao federal, em que consiste e 0 que compreende.


o que na técnica do direito americano se chama federal ques-
tion (questao federal) é, praticamente, 0 que conhecemos por
preliminar do recurso, isto é, a verificaçao em espécie do en-
quadramento do casa em alguma das hip6teses constitucio-
nais em que 0 mesmo recurso se autoriza. 18
A operaçao jurfdica consiste em extremar 0 ponto con-
trovertido de consideraç6es alheias ou sem alcance para as
necessidades des sa indagaçao preliminar.
TaI verificaçao nem sempre é facil. A operaçao é muitas
vêzes delicada, dependendo de uma perfeita compreensâo da
natureza e fins do recurso extraordinario.
Os têrmos da questao variam conforme 0 inciso invocado
como fundamento do recurso.
Assim é que, no casa da letra a, havera que verificar, para
admitir 0 recurso, se esta realmente em causa uma lei federal,
de aplicaçtio questionada, e se a justiça local decidiu a espé-
cie em têrmos tais que a tese do julgado contnidiga a tese da
lei, isto é, em contrarIo aos dizeres literais do seu enunCiado ;
no casa da letra b, havera que verificar se foi posta em ques-
tao a constitucionalidade ou a vigência de uma lei, se esta lei
é federal e se a decisao local deixou de aplica-Ia ao casa por
niio vigente ou inconstitucional; no casa da letra c, se esta
em causa uma lei local (ou ato de Govêrno local) e se 0
tribunal recorrido aplicou-a, nao obstante arguida de incom-
pativel com a Constituiçtio ou com alguma lei federal; no
caso da letra d, se 0 julgado recorrido decidiu a espécie por
interpretaçtio de uma lei federal, lei que tenha sido aplicada
com interpretaçao diferente por outros tribunais locais ou
pelo pr6prio Supremo Tribunal, definindo-se por es sa discre-
pância a prelimmar do recurso.

18 Para malor llustraçâo da matérla convém 1er, dentre os exposltores amerlca-


nos: COOLEY, Constitution Limitations, 7.' ed., p. 25; WILLOUGHBY, The Constitu-
tion Law, 2.' ed., v. II, § 810; BLACK, Constitutional Law, p. 152; 0 ju1gado Osbrzrn
v. Bank of the United States in Mc CLAIN, Cases on Constitution Law, ps. 617 e
segs.; veja-se também, BIELSA, El Recurso Extraordinario, p. 254; AMAllO CAVAL-
CANTI, "Revlsâo das Sentenças Estaduals", no Jornal do Comércio de 12 de junho
de 1910.
334 CASTRO NUNES

Sao êsses OS aspectos gerais do problema na equaçao ju-


ridica em que se traduz 0 exame preliminar da cabida do
recurso. 19 (Ha outros aspectos de detalhe que completam 0
exame em cada casa e serac estudados a seu tempo).
6. Ambito do recurso extraordinario. Verificado que 0
recurso se enquadra em algum dos incisos constitucionais, 0
Tribunal dele conhece, e lhe dara, ou nao, provimento, para
confirmar ou reformar, modificar ou anular a decisao re-
corrida.
o âmbito do recurso in specie ou a extensao do julga-
mento depende da questtio federal. É esta que da a medida
do reexame da controvérsia e do pronunciamento do Tribu-
nal Supremo. A questao federal pode nao envolver 0 mérito,
senac um aspecto preliminar da demanda. A êsse ponto cin·
gir-se-a 0 julgamento. Pode, no mérito, envolver somente
uma questao a latere, casa em que, por igual, naD se esten-
der a a outros aspectos. poqe abranger 0 fundo da questao,
no casa em que por ela se configure a questtio federal.
Em regra, a decisao recorrivel é a sentença final, que poe
têrmo ao feito. Mas isso naD é indispensavel. Se, por de-
cisao interlocut6ria ou incidente, se resolveu terminativa-
mente sôbre uma preliminar, sera ela a recorrivel, de vez que
seja a ultima que sôbre a questao possam proferir as instân-
cias locais, porque, como diz COSTA MANSO, "a decisao que
"comporta 0 recurso extraordinario é a que resolver definiti-
"vamente a questao constitucional suscitada".20

,. Existe certa paridade, corno nota 0 ministro EDMUNDO LINS, entre 0 recurso
extraordinario e 0 agravo, no destaque da prellminar. Mas no agravo 0 problema
é muito mais simples, resolve-se em regra por um cotejo elementar entre 0 des-
pacha e 0 casa le gal correspondente. 0 ponta de semelhança esta somente na
ex!stência da preliminar de que tera de depender 0 con~ecimento do recurso, 0
que também ocorre nos embargos e, particularmente, na revista, cuja par!dade
corn 0 recurso extraordinar!o da letra cL é manifesta. A noçao pode ser ldêntica;
mas a complexidade da operaçao no casa do recurso extraordinarlo, sobretudo nas
hlp6teses das letras a e b, é, sem duvlda, muito maior.
20 Processo na SeguncLa Instdncia, v. 1.°, p. 170 - "Pelo recurso extraordinario,
"como Ilelo writ of error, 0 que se devolve ao conhec1mento da Côrte Suprema,
"tanto aqui coma nos Estados Unldos, nao é a causa, na sua totalldade, mas ape-
"nas a questao federal nela envolvida ..... (FRANCISCO CAMPOS, Direito Constitucio-
nal, ed. Rev. Forense, 1942, p. 229).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 335

Por isso é que se diz, corretamente, e ja 0 dizia a lei


n. 221, no art. 24, que "a sentença do Tribunal, quer confirme,
"quer reforme a decisao recorrida, sera restrita à questâo fe 4

"deral controvertida no recurso, sem estender-se a qualquer


"outra porventura compreendida no julgado".
Isso é da indole do recurso extraordinario.
Como bem observa PEDRO LESSA, 0 que veda aquela dis-
posiçao legal "é que se julgue questao estranha à suscitada
"acêrca da lei federal reguladora da espécie".
Aplicar ao fato a lei federal invocada, acrescentava 0 in-
signe ministro, e que se deixou de observar na justiça local,
naD importa em decidir questao estranha "à questao federal
"controvertida no recurso". 21
7. indole civil do recurso extraordinario. Nao havia
que distinguir nas hip6teses ajuizadas nas instâncias locais
para estabelecer regras diferentes conforme se trate de re-
curso extraordinario a ser interposto de decisâo proferida em
causa civil ou criminal. 0 recurso extraordinario é um s6,
sua indole é civil, -0 mesmo prazo para a sua interposiçao, 0
mesmo recurso na hip6tese de denegaçao, 0 mesmo proces-
samento na instância suprema. Nâo ha, senao por comodi-
dade de linguagem, recurso extraordinario civil e recurso ex-
traordinario criminal.
A locuçao corrente "recurso extraordinario criminal" naD
significa, pois, que se trate de um recurso diferente sob qual-
21. Ob. clt., p. 123. A regra legal esta consolldada no Reglmento Interno, art. 193 :
"No julgamento do recurso, 0 Tribunal verlficara prellminarmente se ocorre algum
"dos casos em que 0 mesmo é facultado. Decldlda a prellminar pela negatlva, nâo
"se tomara conheclmento do recurso; se pela afirmativa, julgara 0 felto, mas a
"sua declsâo, quel' confirme, quel' reforme a sentença rccorrlda, sera restrlta à
"questao federal controvertlda".
A "questao federal" é, pOl' deflnlçao, uma questâo de dlrelto. 0 Supremo
Tribunal, conhecendo do recurso, nao julga dos fatos, acelta-os nos têrmos da sua
apresentaçao pela julgado local, para decidir da apllcaçao controvertida da lei
federal. As quest6es de tato sao alheias ao âmbito do recurso extraordlnarlo.
"Estas", conforme observa FRANCISCO CAMPOS, "nao sao questôes federals; nao
"sendo questôes federais, a competência da justiça local para decldi-Ias exclue a
"sua revisao pela justiça federal, sendo, asslm, sôbre elas, concluslva e final e,
"portanto, corn fôrça de Tes iudicata, ainda para a Côrte Suprema, a declsâo das
"mesmas pela justiça local" (ob. cit., p. 228).
336 CASTRO NUNES

quer aspecto. A Constituiçao naD distingue: a "lei federal"


posta em causa, tanto pode ser civil coma criminal, processual
coma administrativa, social, etc. 0 alcance da designaçao
corrente nao afeta 0 instituto, é meramente pratico, à seme-
lhança do que ocorria corn os habeas-corpus, ditos politicos
pela natureza do "direito-escopo", dizer corrente criticado pOl'
PEDRO LESSA nestes têrmos: "Falar em habeas-corpus poli-
"ticos é 0 maior destempêro, corn que a inciência e a ma fé se
"podiam pronunciar sôbre a espécie. Nao sei que membro da
"familia dos Cervotos gerou tao descompassada celebreira.
"Nao ha, naD pode haver, habeas-corpus politicos, assim coma
"nao ha habeas-corpus comerciais, administrativos, ou de
"qualquer outro modo semelhante qualificados".22
Entretanto, a distinçao esta hoje feita na preceituaçao
legal, coma veremos adiante, disciplinado diferentemente 0
recurso nos C6digos de Processo Civil e Criminal. 23

8. Quem pode recorrer. 0 direito de recorrer é inerente


à condiçao de parte na demanda. É matéria regulada pelos
principios gerais de processo. Em se tratando do recurso ex-
traordinario, no casa da letra d, 0 recurso esta facultado tam-
bém ao presidente do Tribunal ou ao Ministério Publico (é as-
sunto de que trataremos em outro lugar).
Po de 0 terceiro prejudicado recorrer extraordinaria-
mente? A soluçao tem sido pela afirmativa. Examinei a
questao em voto que proferi, em 1937, na Côrte Suprema (rec.
extr. n. 2.869, ac6rdao de 30 de abril de 1937) : "Uma questao
preliminar, e de cuja soluçao ter a de depender 0 conheci-
mento do recurso extraordinario, é a que suscita a pr6pria re-
corrente, terceiro na causa entre 0 impetrante e 0 Estado, e
que alega ter sido prejudicada pela decisao recorrida.

22 Ob. cit., p. 297.


23 0 recurso extraordinarl0 era regulado outrora pelo dec. n. 848, let n. 221 e ou-
tras disposiçôes subsidiarias. inclusive as do Regimento Interno do Supremo Tri-
bunal, consolldadas por JosÉ HIGINO no dec. n. 3.084.
TEORIA E PRATICA DO PODER JunICIARIO 337

A questao estara em se saber se 0 terceiro prejudicado


pode recorrer extraordinariamente, usando de um direito que
se lhe reconhece na apelaçao.
No meu entender, pode, tudo se resumindo em verificar
se a recorrente po de ser havida como terceiro prejudicado, no
sentido processual dessa locuçao.
No casa dos autos 0 terceiro era um verdadeiro litiscon-
sorte do Estado. Estavam ambos ligados por um contrato, e
foi êste contrato que se rompeu para amparar 0 direito do
impetrante. A comunhao de interêsses existente entre êsse
terceiro e a parte vencida é, pois, evidente. Como diz JOAo
MONTEIRO, a regra de que 0 terceiro prejudicado pode apelar
se deduz da outra em virtude da quaI devem ser citados todos
aqueles que teem interêsse direto na decisao da causa.
Se a parte devia ser citada, mas naD 0 foi, fica-Ihe 0 di-
reito de apelar da sentença que lhe toca e a prejudica, nos
têrmos da Ordo do L. 3, tit. 81, pr.".

9 . Pl'aZO para interposiçao. 0 prazo era de 10 dias na


antiga legislaçao, tendo sido reduzido a cinco pela Codigo de
Processo Civil (art. 864). 0 dec.-Iei n. 4.565, de 11 de agôsto
de 1942, alterando em varios pontos êsse Codigo, restabeleceu
o decêndio.
Era dificil atinar corn a razao determinante daquela re-
duçao. Aumentara-se 0 da apelaçao, 15 dias; mantive-
ra-se 0 prazo para uso da revista, 10 dias. Razao haveria
para aumentar, e nunca reduzir, a dilaçao para 0 extraordi~
nario, recurso que se interpoe das justiças locais em todo 0
pais para 0 Supremo Tribunal e em uma de 'cujas hipoteses,
a da letra d, esta pressuposta documentaçao e esfôrço de pes-
quisa das coleçoes de julgados. 24

lU 0 prazo para 0 usa da cassaçao em França é de 60 dlas, salvo se se tratar de


sentença de prud'hommes (deelsôes trabalhlstas) e, na !talla, é, em regra, de 80
dlas (GARsONNET et BRU, ob. clt., v. 6.°, n. 396; MATTIROLO, ob. clt., v. 4.°, n. 1.069).

F.22
338 CASTRO NUNES

Tratando-se, porém, de recurso extraordinario criminal,


o legislador, naD se sabe porque, variou de critério. 0 prazo
é de 10 dias, por determinaçao do Codigo de Processo Penal
(art. 633).25

10. Contagem do prazo - Uso de recurso local incabivel


- Duvidas relativas ao recurso de revista. A questao esta em
saber de quando se deve contar 0 prazo, na hipotese em que
do recurso (apelaçao, agravo, embargos, etc.) naD tenha co-
nhecido 0 tribunal local por efeito de uma prejudicial admi-
tida, coma a interposiçao tardia do recurso ou 0 seu naD ca-
bimento.
Em tais hipoteses, quaI 0 julgado recorrivel extraordina-
riamente? 0 ultimo, que naD conheceu do recurso? Ou 0
anterior, cuja reforma se pretendeu por meio do recurso tido
por intempestivo ou incabivel ?
Se do anterior, a consequência seria ter de admitir-se,
contra 0 principio acima exposto, a interposiçao do recurso
extraordinario antes de esgotados pela parte vencida os re-
cursos facuItados em lei. Se do ultimo que, repelindo 0 re-
curso, se absteve de reexaminar 0 caso, a duvida se funda em
que a questtio federal ficou encerrada corn 0 julgado anterior,
ja transitado em julgado quando interposto 0 recurso extra-
ordinario.
Casos dêstes teem surgido principalmente a proposito do
recurso de revista, tendo-se entendido algumas vêzes que, re-

z; 0 art. 864 do C6digo de Processo Civil ficou assim redigido pela art. 38 do
dec.-Iei n. 4.565: "0 recurso extraordinario sera interposto em petiçao fundamenta-
Rda. dentro dos 10 dias seguintes à intimaçao do ac6rdao ou il sua publicaçao no
"6rgao oficial". Na contagem do prazo nao se inclue 0 dia do comêço, mas inclue-se
o do vencimento, subsistindo a regra do art. 125 do C6digo Civil, em contrario il letra
do art. 27 do C6digo de Processo Civil, resultante de um. êrro confessado de revisao
(PEDRO BATISTA MARTINS. Cornentàrios ao C6digo de Processo Civil, ed. Rev. Forense,
v. 1.°, p. 112); e assim, reiteradamente, decidiu 0 Supremo Tribunal, ainda na
vigência da disposiçao do C6digo, hoje modificado por aquele decreto-Iei, que assim
dispôe: "Na contagem dos prazos, salve disposiçao em contrario, excluir-se-a 0
"dia do comêço e se incluira 0 do vencimento. Se êste cair em dia fe,iado, 0 prazo
"considerar-se-a prorrogado até 0 primeiro dia ûtil" (art. 3.°).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 339

pelido por incabfvel êsse recurso, perdeu a parte 0 prazo para


usar do recurso extraordinario corn base no julgado anterior. 26
Dai, dêsse entendimento, 0 usa simultâneo dos dois re-
cursos (revista e recurso extraordinario), pratica inadmissi-
vel, porque subversiva do principio ja exposto da necessidade
de exhaurir os recursos locais antes de usar do extraordinario.
No prazo que a lei assina para recorrer naD pode ser
usado senao um recurso, ainda que no decurso dêsse prazo

2. A prlmelra vez que me manifestel (sessao de 13 de Janeiro de 1941), votel no


sentldo de que, deferlda ou Indeferlda a revlsta, 0 prazo começa a correr dêsse
ac6rdao. Dou, a segulr, 0 meu voto e, bem asslm, 0 do relator, mlnlstl'O OTAvIO
KELLY, onde melhor se esclarece a questao: "Entendo que 0 recurso extraordlnarlo
tem de caber, nos têrmos expressos da Constltulçao, da declsao de ultlma Instancla
da Justlça local. Da declsao final, portanto, nas causas que nao forem de alçadfL,
!sto é, da declsao de que nao calba ncnhum outro recurso proferldo pelo Tribunal
de A!lelaçao do Estado. Enquanto houver um recurso pre1llsto na leglslaçâo, do
quai possa a parte vencld& usaI' para obter a reforma do julgado estadual, ela tem
de usa-Io, sem 0 que nao podera usaI' do recurso extraordinarlo. Se 0 recurso de
revlsta pode conduzlr à reforma do Julgado - e é evldente que o' pade - é neces-
sarlo que a partll use dêste recurso para atacar 0 julgado.
Quanto ao recurso de revlsta, pOde 0 Tribunal do Estado dele conhecer ou
nâo adînlti-Io, rer>eli-Io. mesmo, in limine, por julga-Io Incabivel. Com esta de-
clsao estarao esgotados todos os meios de que a parte pOde usaI' perante a justlça
local, e s6 entâo cablvel. a meu ver, sera 0 recurso extraordlnarlo.
Prel!mlnarmente, Dols, 0 meu voto é para conhecer do recurso".
"0 sr. ministro Otavio Kelly (explicaçao) - Sr. presidente, sempre sustentel
"êste ponto de vista que 0 sr. ministro CASTRO NUNES vem de adotar no seu. voto.
"Dai a razii.o porque, ao inlclar 0 meu, disse que melhor estudo me levara a
"modlficar 0 ponta de vista anterior. É que a jurlsprudència firmada neste Trlbu-
"nal, paclfioo e trlunfante, é no sentldo de qUIl basta que a justlça local tenha
"conslderado incablvel 0 r€curso de revista para que 0 recorrente do recurso ex-
"traordinarlo tenha perdido 0 seu apêlo, exatamente por ter passado 0 prazo em
"que 0 pOderla Interpor".
o sr. ministro Castro Nunes - Eu nao 00ntrlbul para esta jurlsprudëncla,
pois estou votando pela primE>ira vez sobre a matérla.
"0 sr. ministro Otavio Kelly (relator) - Desde que 0 Tribunal entenda -
"e estou, neste ponto, de inteiro acordo com 0 sr. minlstro CAStRO NUNES - que
"qualquer que seja a decisao proferida pelo tribunal local, seja ela pelo cablmento
"ou nâo cablmento do recurso, pela sua procedêncla ou Improcedêncla, 0 ac6rdâo
"proferldo na revista é a ûltlma declsao, dela cabcndo recurso extraordlnarlo, eu
"nao tenho duvlda alguma em manter 0 meu ponto de vista anterlor.
"0 que nac posso compreender é que se delxe à justlça local a faculdade de
"repel!r 0 recurso de revista, pOl' uma apreclaçao desa00nselhada do texto ou quiça
"errônea e dlsso resulte 0 Racrificio do recurso extraordlnario, que, assim, vlrtual-
"mente sera delxado nas maos daquela justiça.
"Quando 0 tribunal local ne~a a revlsta, 0 Supremo Tribunal Federal nao
"tem conhecldo do recurso extraordlnario, sob 0 fundamento de que 0 prazo para 0
"mesmo esta esgotado. Contra e"sa jurlsprudêncla fol que Eugerl a f6rmula de
"nlio considera-la recurso, que ab~orva 0 prazo do extraordlnarlo, para exc1ui-10"
(l'cc. extr. n. 3.511, dB Sâo Paulo, ac6rdâo de 13 de janelro de 1941).
340 CASTRO NUNES

possa a parte variar, isto é, desistirdo interposto e lançar


mao de outro, que julgue ser 0 cabivel (C6digo de Processo
Civil, art. 809). Derroga-se dêste modo 0 velho brocarda -
una via electr.z regressus non datur ad alteram. Mas, expi-
rado 0 prazo, 0 recurso escolhido, se vier a ser julgado inca-
bivel pela instância superior, sera 0 unico, naD sendo permi-
tido à parte usar eiltao do que seja cabivel.
Dai se tem tirado a regra, tantas vêzes repetida, de que
os recursos incabiveis naD interrompem 0 prazo para 0 re-
curso extraordinario, isto é - se a parte usou do recurso de
revis ta (tem sido essa a hip6tese mais frequente; mas 0
.mesmo se dira do de embargos ou de qualquer outro) etaI
recurso foi repelido por incabivel, naD mais podera usar do
extraordinario em têrmos de alcançar a controvérsia decidida
no ac6rdao anterior, 0 quaI ter a passado em julgado.
É precisa nao perder de vista que 0 julgado recorrivel é
sempre 0 ultimo proferido no feito. Ha de ser, portanto', 0
ac6rdao que nao admitiu 0 recurso. Dele é que se contara
o prazo. Nao seria possivel, sem violar de frente preceitos
imperativos de lei, permitir que se recorra depois de decorrido
o prazo legal - e a tanto equivaleria admitir 0 recurso ex-
traorâinario como interposto da decisao anterior.
Penso, todavia, e assim votei varias vêzes,27 que 0 recurso
extraordinario interposto do ac6rdao que nao admitiu a re-
vista e naD reexaminou, portanto, a questao, alcança julgado °
zr Rec. extr. n. 4.716, do Distl'ito Federal, acordao de 23 de outubro de 1942 : "Com
"a decisao que inde.fere a revista faz corpo 0 acordao anterior de onde emerge a
"questao fedel'al" , que se quer submeter ao exame do Supremo Tribunal. A razao
"dêsse entendimento est5. em que 0 acordao anterior, enquanto pendente a Tevista,
"nao passa em julgado para os efeitos do recurso extraordlnario, de vez que êste
"supée a exhaustao dos recursos de que possam as partes usar nas instânclas locais.
"Nao sendo assim, ou a parte terla de optar entre a revista e 0 recurso extraordlnarlo,
"opçao inconclllavei com a Constltuiçao - ou estarla praticamente frustrado 0 re-
"curso extraordinarlo com 0 lndeferlmento da revista". Em outro caso (rec. extr.
n. 3.707), 0 Tribunal Pleno, em grau de embargos, su!ragou por maioria a mesma
tese (sessâo de 22 de julho de 1942), de acôrdo com os votos manlfestados, que
foram, além do meu, os dos mlnlstros GOULART DE OLIVEmA, OROZIMBO NONATO, ANfBAL
FREIRE, BARROS BARRETO e LAUDO DE CAMARGO, contra os dos ministros BENTO DE FARIA,
VALDEMAR FALCÂO, JOSÉ LINHARES e OTAVIO KELLY (Didrio da Justiça de 29 de dezem-
bro de 1942).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIA.lUO 341

anterior, se neste é que esta a questéio federal que se quer


submeter ao exame do Supremo Tribunal. 28
A regra acima exposta, em virtude da quaI a parte que
usa de recurso errado naD podera mais usar do recurso pr6.
prio ou cabivel, porque tal variaçao s6 se !he permitiria na
fluência do prazo para recorrer, sup5e, de seu natural, que
ao tempo em que recorreu, isto é, no decurso dêsse prazo,
pudesse a parte usar do recurso competente, 0 extraordi-
nano. Mas êste s6 se autoriza depois de esgotados os recur-
sos locais cabiveis em tese, recursos que estao enumerados na
lei, e sao: I, apelaçao; II, embargos de nulidade e infrin-
gentes do julgado; III, agravo; IV, revista; V, embargos de
declaraçao (C6digo de Processo, art. 808).
Usando de um dêsses recursos, a parte vencida tentou
esgotar os meios ao seu alcance nas instâncias locais, condi-
çao necessaria à interposiçao do recurso extraordinario. Ex-
por-se-ia, naD 0 fazendo, a ver trancado êsse recurso, pela de-
monstraçao ex-adverso de ser cabivel um deles.
Vale dizer que a via extraordinaria naD lhe era possivel
ainda, porque ainda possivel um recurso local, de que usou,
embora erradamente.
Dir-se-a, porém, que, em tais casos, 0 recurso extraordi-
nario estara limitado aos têrmos dêsse ultimo julgamento.
Mas isso seria frustrar 0 recurso extraordinario, por de-
masiado apêgo à 16gica juridica. A questéio federal pode naD
estar nesse julgamento, senao no anterior, que ficou de pé,
nem reformado nem confirmado formalmente pela Côrte
local (veja-se a nota 27).
É forçoso admitir, inversamente do que se tem afirmado,
que 0 recurso local, ainda que incabivel, interrompe 0 prazo
ou, melhor dito, naD preclude a via extraordinaria. 29
!!8 0 dec.-lei n. 4.565, procurando remediar as duvidas surgidas na jurlspru-
dência, permite que no mesmo prazo se interponham os dois recursos, 0 de revista.
e 0 extraordinario, flcando sobreestado 0 processamento dêste até 0 julgamento
daquele (art. 30).
Mas a duvida subsiste quanta aes demals recursos.
29 Mesmo em se tratando de embargos de decZaraçéio, acêrca dos quais entendeu
o C6digo de expressar a regra do art. 862, § 5.° - "Os embargos declarat6rioH, quando
"rejeitados, nao interromperao os prazos para outros recursos".
342 CASTRO NUNES

Seria contraditorio corn 0 principio basico, que deve do-


minar 0 exame da questao e a soluçao a adotar, principio em
virtude do quaI naD po de ser interposto 0 recurso extraordi-
nario antes de esgotados os recursos locais, 0 que equivale a
dizer que deve a parte vencida tentar obter por êsses meios
a reforma do julgado - seria contraditorio corn êsse princi-
pio e, alias, profundamente injusto, surpreender a parte que
usou de um dêsses recursos e sucumbiu por êsse ou aquele
motivo corn 0 trancamento do apêlo extraordinario.
É precisa ainda levar em conta que a escolha do recurso
ou a sua cabida em espécie po de oferecer duvidas mais ou
menos razoaveis.
A margem de êrro deve ser admitida, êrro no uso do re-
curso e êrro, também possivel, no seu indeferimento pela ins-
tância local superior.
Nao esquecer que 0 recurso extraordinario se governa por
principios proprios, de base constitucional.
As regras de processualistica que forem incompativeis
corn êle devem ser arredadas ou adequadas por construçao,
"Para outros recursos" entenda-se - na 6rbita local, !lao para 0 extraordi-
nârio, ao quai nao se aplica, pelas motivos expostos, essa regra legal.
A regra é infeliz. Mata 0 apêlo declaratorio. Corn relaçao ao recurso extraor-
dinârio, ë inconcll1avel com êste e, pOl·ta.nto, impraticâvel.
Na verdade, 0 julgamento declaratorio é ainda 0 mesmo julgamento que se
prolonga para sanar um defeito de forma na redaçao do acordao. 0 Tribunal que
proferiu 0 julgamento arguido de obscur3, omisso ou contraditorio, declara-o, in-
terpreta-o, funçao complementar que exerce em continuaçâo, por exceçao ao prin-
cfpio em vlrtude do quai, proferlda a sentença, flnda 0 oficlo do juiz (RAMALHO,
Praxe, § 225; GARSONNET et BRU, ob. clt., v. III p. 702), fazenda corpo com 0 julgado
decl·arado 0 que 0 declarou, do mesmo modo que com a lei Interpretada a inter-
pretatlva. Nao existem, pois, a rlgC'r, dols julgamentos sôbre a questao, mas um
50 julgamento que se completa, esclarece ou Interpreta por outro, dito julgamento
pelo 50 aspecto formai da deliberaçao. A declaraçao do julgado esta llgada às ne-
ce·osldades do recurso extraordinario, partlcularmente no caso da leira d.
Tratando da cassaçao, dizem GARSONNET et BRU que 0 prazo nao corre enquanto
pendente um pedldo de Interpretaçao dos pontos relacionados com aquele recurso
- "car les parties ne peuvent savoir, avant de conaitre le veritable sens d'un juge-
ment ou d'wn arrêt, si elles sont lesées pour lui et si, en les supposant lesées, l'er-
reur pour lui commise est de nature à ouvrir la requête civi'e ou le pouvoir en
cass:!tion" (ob. cit., v. 6.°, n. 399, nota).
- Em certo casa de denegaçao de recurso extraordinario, 0 Supremo Tribunal
(Ln Turma), de acôrdo com 0 voto do relator, que fôra 0 eminente ministro LAUDa
DE CAMARGO, mandou admitir 0 recurso indeferido por tardiamente interposto da
declsQo que rejeitara embargos de declaraçao (JoTnal do Fôro de 11 de agôsto
de 19~1).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 343

no sentido que dao os americanos a essa forma superior de


exegese.
Se 0 principio dominante é, conforme ja expus, que a
parte nao po de usar dêsse recurso sem primeiro lançar mâo
dos recursos que lhe faculta a lei nas instâncias locais, 0 prazo
para 0 interpor nao deve correr enquanto a parte esta usando
dêsses recursos, qualquer que seja 0 desfecho que lhes dê a
Côrte local.
Ha, porém, que distinguir nas duas hip6teses acima men-
cionadas. Po de 0 Tribunal local nao conhecer do recurso por
tardiamente interposto ou por impr6prio ou incabivel. Sao
duas situaçoes diferentes que levam a consequências diversas.
o recurso interposto fora do prazo e nao admitido por
êsse motivo equipara-se ao nao uso do recurso, violando-se
assim a regra da obrigatoriedade de usar dos recursos locais
antes de interpor 0 extraordinario. É um recurso inexis-
tente. Dêste modo se entende quer na França, quer na Italia,
relativamente à cassaçao. 30
Mas 0 uso do recurso, ainda que improprio ou incabivel,
entra na regra da obrigatoriedade, a que aderiu a parte.
Acresce que 0 desacêrto na escolha do recurso nao fere ne-
nhum interêsse de ordem publica, estando até pressuposta,
coma se viu acima, tal possibilidade, quando se releva a parte
que usou de açao ou de recurso improprio dos prejuizos dai
decorrentes.
Outra tanto nao se dira, porém, do prazo para recorrer,
que visa pôr um fim à demanda e assegurar a estabilidade da
coisa julgada. É de ordem publica. 31 Por isso mesmo a lei
o declara fatal ou perempt6rio, 0 que significa que nao esta ao
alcance do juiz dilata-Io ou releva-Io.
Uma razao de ordem pratica acrescenta um fundamento
a mais para que se nao equiparem as duas situaçoes: se 0
recurso nao admitido por interposto fora do prazo nao pre-

30 ~GARSONNET et BRU, ob. cit., v. 6. 0 , p. 359; JAPIOT, Procédure, n. 1.121; MATTI-


ROLO, ob. cit., IV, 1.015.
31 GARSONNET et BRU, ob. cit., v. 2.", n. 64.
344 CAS1'RO NUNES

cludisse 0 uso do recurso extraordinario, êste poderia ser jn-


terposto a todo 0 tempo em funçao da extemporaneidade da-
quele. A parte usaria, quando entendesse, do recurso local,
que, nao admitido, abriria a porta ao extraordinârio, 0 que
seria absurdo. .
- A regra da obrigatoriedade de usar dos recursos locais
como condiçao para legitimar 0 extraordinârio leva a uma
consequência: a possibilidade, ao alcance do recorrido, de
demonstrar que era ainda cabivel um daqueles recursos.
A hip6tese tem ocorrido principalmente no tocante à
revista.
o eminente ministro OROZIMBO NONATO fêz uma distin-
çao razoâvel: "Se cabe recurso de revista e êle naD é inter-
"posto, pareceria 16gico que nao devesse caber 0 recurso ex-
"traordinârio.
"Acontece, porém, que 0 recurso de revista, apesar de 15er
"um recurso comum, é fundado em divergência da jurispru-
"dência. E se a lei tem 0 seu conhecimento garantido por
"uma ficçao de direito, a jurisprudência nao 0 tem. Ninguém
"é obrigado a conhecer a jurisprudência, embora tenha de
"conhecer a lei.
"Assim, eu distinguiria: se a parte, nos debates, demons-
"trou conhecer a jurisprudência do tribunal recorrido e nao
"usou do recurso de revis ta, nao cabe 0 recurso extraordinâ-
"rio, porque a prova de que ela conhecia a jurisprudência é
"patente. Se essa prova nao existe, nao nos podemos fundar
"no conhecimento da divergência de jurisprudência para exi-
"gir 0 emprêgo de um recurso que, se é ordinârio, por um lado,
"é especial no seu fundamento" (rec. extr. n. 5.071, ac6rdao
de 30 de setembro de 1941, Diario da Justiça de 18 de feve-
reiro de 1942).
Havendo duvida sôbre a cabida do recurso local deve ser
admitido 0 extraordinario, dada a incerteza de que 0 admi-
tisse a Côrte local. A atitude do Supremo Tribunal deve ser,
antes para admitir do que para precludir 0 recurso em tais
casos.
TEORIA E PRA.TICA DO PODER JUDICIARIO 345

11 : Fundamento do recurso - Aditamento Dene·


gaçao. Supoe a Constituiçao, nos casos das letras a, bec,
que a questao tenha sido agitada nas instâncias locais. S6
no casa da letra d é que a indagaçao sera, e naD podera deixar
de ser, superveniente, isto é, somente nessa hipotese a con-
trovérsia, situada ja entao na discrepância entre 0 julgado
definitivo e decisoes de outros tribunais, tera de sobrevir, ne-
cessariamente, como problema novo.
A regra é, portanto, aquela - uma controvérsia anterior
à interposiçao do recurso. Se a questao federal, diz ZAVALIA,
surge depois do ultimo julgado, sem que a justiça local tenha
tido oportunidade de pronuncial'-se, inadmissivel sera 0 re-
curso. 32 É que pelo recurso extraordinario 0 Supremo Tri-
bunal nao julga questoes novas, que ja entao seriam por êle
decididas em instância ûnica. Compete-Ihe, ao contrario
disso, julgar, diz a Constituiçao, "as causas decididas pelas jus-
"tiças locais", pressupondo-se em qualquer dos três primeiros
incisos em que se desdobra a sua competência uma contro-
vérsia e a decisao que sôbre ela tenha proferido a justiça
local. TaI é 0 sentido obvia das clausulas - "sôbre cuja apli-
"caçao (da lei federal) se haja questionado" - "quando se
"questionar . .. e a decisao do Tribunal local negar aplicaçao
"à lei impugnada" - "quando se contestar. .. e a decisao ...
"julgar valida a lei, ou 0 ato impugnado".
Esta pressuposta em qualquer dêsses casos uma contro-
vérsia sôbre a quaI tenha sentenciado 0 acordao recorrido.
Pode ocorrer, entretanto, que 0 ultimo julgado tenha
desfechado numa soluçao que autorize 0 recurso, com sur-
presa para as partes, e sem mais recurso para 0 vencido.
PEDRO LESSA examinou, pormenorizando, tais hipoteses,
e a jurisprudência esta orientada sabiamente no sentido de
admitir 0 recurso, de vez que 0 julgado, imprevistamente, se
tera pôsto em antagonismo com 0 direito federal, havendo,
para admiti-Io, a mesma razao que 0 legitima no pressuposto
da prévia discussao entre as partes. 33

82 Ob. clt., p. 139.


33 PEDRO LESZA, ob. clt .. p. 118.
34ô CASTRO NUNES

Também Se admite, pela mesmo acentuado interêsse pu~


blico que domina 0 recurso extraordinario que, denegado êste,
adite 0 recorrente, na carta testemunhavel ou no agravo, que
hoje a substitue, 34 outro fundamento; e bem assim que a
nao indicaçao precisa do fundamento nao basta para que dêle
nao conheça 0 Tribunal, se do exame do casa se apura 0 seu
cabimento; e, ainda, que por fundamento outro, que nao 0
invocado, do recurso se conheça, quando 0 fundamento omi~
tido emerge da apresentaçao da hipotese.
Sao regras jurisprudenciais hoje pacificas, ainda que
nem sempre 0 tenham sido. 35
Questao ainda em aberto é a de saber se, mandando subir
o recurso, pela provimento dado ao agravo (outrora carta tes~
temunhavel), prejulgada fica definitivamente a sua admis-
sao, 0 que equivale a saber se 0 provimento do agravo faz
coisa julgada quanto ao cabimento do recurso quando êste
subir, ja entao para 0 so efeito de ser provido, ou nao.
Tem prevalecido a soluçao afirmativa, inspirada, supo-
nho, mais em razoes de ordem pratica, na conveniência de
dar por encerrada a questao preliminar cuja renovaçao pare-
cera contraditoria com 0 provimento do agravo - do que nos
principios que dominam 0 assunto.
o saudoso ministro ARTUR RIBEIRO, que nao atribuia ao
provimento da carta testemunhavel senao 0 efeito restrito,
que tinha esta e tem hoje 0 agravo, de fazer cessar 0 obstaculo
à interposiçao e seguimento do recurso, disse em voto, alias
vencido: "Os efeitos dessa procedência estao limitados a
"fazer desaparecer 0 embaraço à subida do recurso, para ser
"convenientemente estudada e apreciada a sua matéria, na
"instância superior". 36
'H C6dlgo de Processo Civil, art. 868 - Sendo criminal 0 recurso extraordlnario,
ficou mantlda a C':!.rta testemunhavel (C6dlgo de Processo Penal, arts. 639 e 641).
Veja-se, atras, "indole do recurso extraordlnarlo".
35 Mas convém nao exagerar essa posslbllldade. 86 quando, à evldêncla, ressalte
o cablmento, 0 que ocorre mals frequentemente na hlp6tese da letra c. Em regra,
nao deve 0 Supremo Tribunal suprlr a omlssao do recorrente, surpreendendo 0
recorrldo corn a admlssâo do recurso por outro fundamento que nao 0 Invocado e
Impugnado. Muito menas para sltuar 0 recurso na letra d, precindlndo de do-
cumentaçao ou ctemon,traçao que 0.0 recorrente cumprir fazer.
"" Rec. extr. n. 1.481, do Distrito Federal.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUD:LCIARIO 347

o agravo do despacho denegat6rio do recurso faz as vêzes


da carta testemunhavel; visa, como esta, restaurar a funçao
que a tôda instância ad quem compete para decidir do cabi-
mento do recurso, condiçao para dele conhecer e lhe dar ou
naD provimento. A atribuiçao em principio é tôda do Tribu-
nal superior e por isso mesmo se lhe devolve a apreciaçao do
cabimento do recurso denegado, sem alcance maior que 0
de remover 0 embaraço pele exame quanto baste para que se
verifique naD ser inteiramente descabido 0 recurso. TaI é a
funçao do agravo no recurso extraordinario. Subindo êste, à
vista de melhores elementos de informaçao, po de 0 Tribunal
naD conhecer dele, 0 que, alias, se infere do Regimento In-
terno, art. 190, parag. unico. Ressalva-se, dêste modo, apenas
a possibilidade de 0 fazer ou 0 poder reservado ao Tribunal ;
via de regra, porém, prdvido 0 agravo, esta admitido 0 re-
curso. 37
12. Recurso extraordinario de decisao concessiva de "ha-
beas-corpus". Vem de longa data a controvérsia, muitas
vêzes resolvida pela negativa. Recentemente a l.a Turrria,
em caso de que foi relator 0 ministro ANIBAL FREIRE, cujo voto,
brilhantemente fundamentado (rec. extr. crim. n. 5.331, de
Sao Paulo), foi acompanhado pela maioria, contra 0 voto do
ministro OTAVIO KELLY (ac6rdao de 22 de janeiro de 1942),
admitiu 0 recurso extraordinario interposto de decisao que
concedera 0 habeas-corpus, com ofensa de texto expresso da
lei federal. 38

37 Se a decisâo recorrida se reporta a outra quanto aos fundamentos, cumpre


fazer trasladar no Instrumento do agravo também a anterlor. Em certo caso de
que fui relator, asslm decldlmos na 1." Turma: "É necessarlo trasladar também 0
ac6rdâo revlstado, que faz corpo corn aquele, por Isso que 0 ac6rdâo proferldo na
revist:t nâo reproduzlu os têrmos da controvérsla, Indlspensàveis à comparaçâo ju-
ridlca que faz objeto do recurso extraordlnarlo de que se trata" (ac6rdâo de 27 de
janelro de 1941, agr. n. 9.534, in Arq. Judicicirio, v. 59, p. 179). De um modo geral,
qualquer que seja 0 fundamento invocado para 0 recurso extraordlnarlo, de vez
que impossivel sera verlf1car se ë1:te cabe sem c')nheccr os têrmos da controvérsia,
38 A questâo fol levantada e brilhantemente examinada pelo dr. LUIZ GALLOTTI,
no exerciclo do cargo de procurador geral da Republlca, no seu pare cel', em que
sustentou 0 cablmento do recurso.
A mesma turma, cm julgado posterior (rec. extr. n. 5.473, de Sii.o Paulo), sendo
eu relator e revisor 0 minlstro LAUDO DE CAMARGO, reufirmou a cubida do recurso .


348 CASTRO NUNES

Meu voto, coma revisor, foi 0 seguinte: "A questao foi


muito controvertida neste Supremo Tribunal sob a Constitui-
çao de 91, em que os têrmos constitucionais do problema eram,
alias, mais favoraveis à admissibilidade.
Corn efeito, 0 texto de entao se limitava a admitir recurso
voluntdrio das decisoes sôbre "habeas-corpus" (art. 61), sem
distinguir se somente das denegatôrias. Nao obstante, 0 Su-
premo Tribunal sempre entendeu, sem embargo de varios
votos vencidos, que naD caberia jamais qualquer recurso, nem
o ordinario nem 0 extraordinario, quando interposto de de-
cisao concessiva.
A Constituiçao de 34 nao reproduziu êsse preceito. Dis-
pôs de modo diverso. Traçando a competência de recurso
ordindrio da Côrte Suprema, admitiu 0 recurso das decisoes
sôbre habeas-corpus, mas somente quando denegatôrias
(art. 76, II, c). Na atual Constituiçao, semelhantemente, 0
recurso ordindrio esta admitido das "decisoes de ultima ou
"unica instância denegatôrias de habeas-corpus" (art. 101,
II, b).
Em estudo publicado em 1929, sob 0 titulo "Do recurso
"voluntario em matéria de habeas-corpus", examinei a juris-
prudência, entao preponderante, dela divergindo por enten-
der que a locuçao "recurso voluntario" tanto comportaria 0
recurso do paciente coma 0 do 6rgao da justiça publica, de
vez que a Constituiçao naD distinguia de que decisoes cabe-
ria, se somente das denegat6rias ou se destas e também das
concessivas, duvida que in existe hoje em face do texto ex-
presso que, s6 mencionando as denegat6rias, implicitamente
declara irrecorriveis as concessivas.
Mas, quanto ao recurso extraordinario continua em
aberto a questao. Os têrmos constitucionais saD os mesmos,
entao coma hoje. Nenhuma limitaçao se insere no texto.
E nao pode ser derivada por interpretaçao sem contrariar a
finalidade mesma do recurso extraordinario, a menos que se
pudesse demonstrar - 0 que naD seria possivel - que 0 di-
reito federal, que êle visa preservar, naD pode estar compro-
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 349

metido em decisoes criminais e, particularmente, nas de ha~


beas-corpus.
A êsse proposito escrevi, entao: "Funcionando em tais
casos a Suprema Côrte coma instância de preservaçao do di~
reito federal, nao ha coma lhe subtrair 0 conhecimento das
hipoteses prefiguradas, a primeira das quais, a de nao apli-
caçao de uma lei federal por incompativel corn a Constituiçao,
encontra possibilidades de realizaçao faceis de figurar sob a
forma de deferimento de habeas-corpus.
o Supremo Tribunal é 0 orgao vocal da Constituiçao, sua
voz viva, na frase de BRYCE; 0 arbitro final das controvérsias
dela derivadas, coma se .exprime COUNTRYMAN.
Instituido corn êsse carater, que lhe assinala tao alta
finalidade no regime, esta-se a ver que 0 principio da liber-
dade individual, ainda que fundamental, po de colidir corn
outros principios ou outros interêsses, também fundamentais,
expressos ou contidos na Constituiçao. Sao essas funçoes
que lhe traçam a fisionomia de po der coordenador das com-
petências derivadas da Constituiçao e dos principios em que
assenta 0 regime, um dos quais é, sem duvida, 0 da liberdade
individual que 0 habeas-corpus assegura e tem nela obvia-
mente a sua finalidade.
Mas seria tomar a parte pela todo se se dissesse que tam-
bém é essa a finalidade da Côrte Suprema: proteger a li-
berdade individual. Ainda porque haveria outras liberdades,
igualmente fundamentais e expressas na Constituiçao, mas
insusceptiveis de prateçao por aquele meio.
Entretanto, abstendo-se de apreciar os habeas-corpus
concedidos pelos juizes estaduais por entender que, conce-
dida a ordem, esta atendida a liberdade pessoal e assegurado
o fim do habeas-corpus, 0 Supremo Tribunal se define pelos
fins do habeas-corpus, deixando de lado outros aspectos que
podem sobrelevar aquele e determinar a revogaçao do ha-
beas-corpus concedido para acautelar outras principios, ou-
tras clausulas constitucionais, outros interêsses fundamentais
do regime, igualmente relevantes. 39

3D Arq. Judiciario, v. 13, sup!.


350 CASTRO NUNES

Pelo recurso ordinario 0 que se visa proteger é a liberdade


do paciente. Se 0 habeas-corpus foi concedido, essa liberdade
ficou assegurada, esgotou-se nas instâncias locais (ou, de um
modo mais geral, nas instâncias inferiores ao Supremo Tri-
bunal) à finalidade do habeas-corpus, que é restritamente as-
segurar aquela proteçao. Por isso, 0 contrôle do Supremo
Tribunal s6 se exerce na hip6tese da denegaçao, pela possibi-
lidade pressuposta de naD ter sido devidamente amparada a
liberdade do paciente.
Mas 0 recurso extraordinario governa-se por outros prin-
cipios, visa outros fins que podem estar comprometidos na
concessao. Aqui naD ha distinguir. Tanto cabera no casa
de concessao coma caberia no de denegaçao, se para tal hipo-
tese naD estives se previsto 0 recurso ordinario. Admito, pois,
o recurso".
13. Processo. Do recurso extraordinario se ocupa 0 Co-
digo de Processo Civil nos arts. 863 e segs., disciplinaçao com-
pletada pela que disp6e 0 Regimento Interno do Supremo Tri-
bunal, nos têrmos do art. 869 daquele Codigo.
Relativamente à juntada de documentos, disp6e 0 art. 192 .
do Regimento Interno: "Uma vez recebido 0 recurso no Tri-
"bunal, naD poderao mais as partes juntar-Ihe raz6es ou do-
"cumentos". Importa em dizer que 0 recurso é arrazoado e
instruido na instância recorrida.
Surge, aqui, uma duvida que examinei em casa de que
fui relator (rec. extr. n. 4.410, do Estado do Rio) : pode 0 re-
COl'rente juntar document os que modifiquem os fatos ou com-
pletem prova julgada insuficiente pela ac6rdao recorrido?
o principio que domina a matér.ia é que 0 Supremo Tri-
bunal aprecia os fatos conforme a sua apresentaçao perante
os tribunais de apelaçao. Pelo recurso extraordinario nada
se decide, acêrca de fator. Decide-se somente de direito acei-
tando os fatos tais coma tenham sido apresentados na justiça
recorrida.
Ora, 0 Tribunal de Apelaçao naD teve conhecimento dessa
escritura, so apresentada apos 0 seu pronunciamento.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO 351

Podera 0 Supremo Tribunal toma-la em consideraçao


para haver como feita a prova que 0 Tribunal recorrido houve
por nao feita?
Pare ce-me que nao.
É certo que 0 nosso atual Regimento s6 proibe a juntada
de documentos depois de recebidos os autos no Supremo Tri-
bunal (art. 192), 0 que parece indicar que possam as partes
fazê-Io quando 0 arrazoam na instância recorrida: Mas CUIn-
pre entender em têrmos razoaveis a adrnissibilidade dos do-
cumentos, ap6s a interposiçao, no sentido exposto de nao mo-
dificarem a questao de fato. Por isso mesmo a juntada de
documentos depois de interposto recurso extraordinario era
proibida no antigo Regirnento, preceito que JosÉ HIGINO con-
solidou: "Interposto 0 recurso, as partes 0 arrazoarao no
"prazo de 15 dias sem novos documen tos ... " (dec. n. 3. 084,
art. 746; MATOS PEIXOTO, Do Recurso Extraordindrio, p. 228).
14. Execuçao. Dispunha a lei n. 221, de 1894, no art. 58,
§ 3.°: "Se, por qualquer modo, for obstada ou irnpedida a
"execuçao das sentenças doSupremo Tribunal Federal, 0 Mi-
"nistério Publico apresentara denuncia contra 0 opositor ou
"opositores, pela crime definido no art. 111 do C6digo Penal,
"e tanto êle como as partes interessadas poderao promover a
"execuçao das mesmas sentenças perante 0 juizo federal, re-
"cusando-se 0 local".
A parte final dêsse dispositivo é hoje impraticavel, de vez
que extintos os juizos federais.
A execuçao compete, como dever funcional no mecanismo
da hierarquia judiciaria, aos juizes locais, sob as sanç6es pe-
nais cabiveis e corn 0 recurso extremo da intervençao, me-
diante requisiçao do Supremo Tribunal ao Presidente da
Republica (Constituiçao, art. 9.°, letra t, parag. unico).
Hip6tese menos improvavel é, entretanto, a da inobser-
vância do julgado pelo Tribunal recorrido.
Na representaçao n. 76, em que se arguira que no julga-
mento do mérito 0 Tribunal de Apelaçao de Goiaz nao se cin-
gira ao determinado pelo Supremo Tribunal em ac6rdao profe-
rido em recurso extraordinario sôbre uma preliminar, 0 pro-
352 CASTRO NUNES

curador geral, GABRIEL DE RESENDE PASSOS, pôs a questao nos


seus devidos têrmos, esclareeendo: "0 nosso proeesso nao ofe-
"reee remédio para que apure 0 egrégio Supremo Tribunal Fe-
"deral se os seus deeretos judiciais proferidos em recursos ex-
"traordinarios estao sendo fielmente cumpridos. As partes
"interessadas seriam os melhores fiscais dêsse cumprimento,
"se naD repousasse êle na gravidade, sabedoria e retidao dos
"tribunais de apelaçao.
"Nao ha, pois, necessidade de estabelecer-se uma via ju-
"diciaria especial para observar-se 0 cumprimento dos ac6r-
"daos do Supremo Tribunal Federal em recurso extraordina-
"rio, desde que a oposiçao franc a a êles seria criminosa e a
"sua imperfeita obediência, coma a desobediência disfarçada,
"seria obstada corn um nova recurso extraordinario - fun·
"dado, êste ultimo, no desrespeito à coisa julgada".40

•• A representaçio foi Julgada lmprocedente. nos têrmos do voto do relator. mi-


nlstro LAUDO DE CAMARGO. aguardando-se 0 recurso extraord.l.ml.rlo que vlesse a ser
tnterposto. onde se examlnarla li argulçâo. recurso que. alias. fol provldo.
CAPtTULO m
DOS CASOS DE RECURSO EXTRAORDINARIO

SUlldmo: 1. 0 caso da letra a na Constituiçao de 91. 2. 0 desdobramento nos


textos posteriores. 3. Decisâo "contra a letra". 4. Vigêncla ou val1dade
(inciso b). Hlp6teses de vigência. 5. Leis ou atos dos govemo.s locais (in-
ciso c). 6. Serao loeais ou federais as leis concernentes ao Distritg Federal
e aos Territ6rios?

1. 0 caso da letra a na Constituiçao de 91. 0 primeiro


casa do recurso extraordinario no texto de 91 estava assim
formulado: "Quando se questionar sôbre a validade ou apli.
"caçao de tratados e leis federais, e a decisao do Tribunal do
"Estado for contra ela". A reforma de 26 modificou 0 enun-
ciado, suprimindo a palavra "aplicaçao" no primeiro lanço
do periodo, mantendo 0 vocabulo "validade" (validade cons-
titucional) e acrescentando "vigência": "quando se questio~
"nar sôbre a vigência, ou a validade das leis federais em face
"da Constituiçao e a decisao do Tribunal do Estado lhes negar
"aplicaçao" .
A Constituiçao de 34 manteve 0 mesmo dispositivo, apenas
deslocado para a letra b; criando um casa nova para a letra a
- "quando a decisao for contra literaI disposiçao de tratado
"ou lei federal, sôbre cuja aplicaçao se haja questionado".
Ambos êsses dispositivos reaparecem no texto de 37, sendo
que no da letra a apenas se aIterou a redaçao para dizer :
" . . . contra a letra de tra tado ou lei federal ... " ..
Era muito controvertido 0 texto de 91 no entendimento
da palavra "aplicaçao", que, para alguns, equivalia a "aplica-
"bilidade", conforme se lia no dec. n. 848, de 1890; enten-
dendo outros que, nao tendo a Constituiçao adotado 0 mesmo
F.23
354 CASTRO NUNES.

vocabulo, senao "aplicaçao", ampliara 0 recurso, dando ao


Supremo Tribunal oportunidade de se pronunciar naD s6
sôbre se a lei federal questionada seria "aplicavel" mas, ainda,
sôbre a "aplicaçao" dada pela Tribunal local, interpretando-a,
portanto, porque de outro modo nao poderia corrigir a apli-
caçao recebida.
Veio aumentar as dificuldades 0 disposto no final do
art. 24 da lei n. 221, de 1894: "A simples interpretaçao ou
"aplicaçao do Direito Civil, Comercial ou Penal, embora obri-
"gue em tôda a Republica, coma leis gerais do Congresso Na-
"cional, nao basta para legitimar a interposiçao do recurso,
"que é limitado aos casos taxativamente determinados no
"art. 9.°, parag. unico, letra c, do citado dec. n. 848".
Dai, 0 entendimento predominante na jurisprudência, de
que a boa ou ma aplicaçao, a aplicaçao errada ou fraudada
da lei federal, nao bastaria para autorizar 0 conhecimento do
recurso, cujo âmbito se restringia assim demasiado. Fazia-se
dêste modo, ainda que sem 0 dizer, a velha distinçao (pres-
sentiu-a, em 1899, CARLOS DE CARVALHO) entre sentença pro·
ferida contra direito expresso e contra direito da parte; pois
que a tanto conduzia 0 entendimento literaI do preceito da
lei n. 221, deixando, em consequência, sem corretivo a juris-
prudência local tresmalhada da prefixada pela Supremo Tri-
bunal: "Aplicar falsamente uma regra de direito ou deixar
"de aplica-la", dizia 0 grande jurisconsulto, "é a mesma coisa,
"por serem idênticos os efeitos", acrescentando :"A lei de
"1894 ou é inconstitucional ou nao tem a inteligência atri-
"buida pela Supremo Tribunal Federal". 1
Para PEDRO LESSA, a referência ai feita (no preceito citado
da lei n. 221) ao inciso c do art. 9.°, parag. unico do dec.
n.848 ("quando a interpretaçao de um preceito constitucional
"ou de lei federal, ou de clausula de um tratado ou convençao,
"seja posta em questao ... ") alargava a craveira do recurso,
permitindo tirar do entendimento combinado dos dois textos
le gais a regra de que a aplicaçao question ad a envolveria ne-
cessariamente a interpretaçao da lei federal, coma operaçao
1 NOva Consolidaçao, Introduçâo, XLIX.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 355

juridica inerente a es sa aplicaçao, ao alcance, portanto, do


Supremo Tribunal. "Pouco importa", dizia êle, "que a jus-
"tiça local de clare previamente inaplicdvel a lei federal que
"pretende naD aplicar ou que tdcita, silenciosamente, sem
"preliminarmente justificar 0 seu procedimento, deixe de
"aplicar a lei invocada ou reguladora da hip6tese, ou que, de-
"pois de interpretar essa lei, a omita, ou despreze, no decidir
"0 feito, ou que interprete essa lei por meio de tais paralogis-
"mos, ou de tais sofismas, que a faça negar 0 titulo, privilégio,
"isençao, ou direito, em geral, que a lei realmente confere".
E, linhas adiante: "A interpretaçao que exclue a interposi-
"çao do recurso é a interpretaçao em consequência da quaI,
"entendida neste ou naquele sentido, a lei federal vern a ser
"aplicada, e naD a interpretaçao que anula a lei, que diz 0
"contrario do que 0 legislador estatuiu, que leva 0 intérprete
"a naD reconhecer a um dos contendores judiciais 0 direito
"que a lei federallhe concede". 2
Seria essa, a meu ver, a verdadeira exegese do preceito
constitucional de 91. 0 texto no inciso a abrangia as três
hipoteses que so mais tarde ~eram a ser destacadas e formam
hoje os incisos a, b e d. Havia que dilatar-Ihe 0 entendimento,
ao invés de 0 restringir, por combinaçao corn outras clausu·
las constitucionais, entre as quais a da observância da juris-
prudência federal pelas justiças locais (art. 59, § 2.°), regra
expressa na Constituiçao, que ficava praticamente desprovida
de sançao, sem 0 remédio adequado, que seria 0 recurso ex-
traordinario entendido de modo a alcançar até mesmo a mera
interpretaçao da lei federal, se destoante da jurisprudência
normativa da instância suprema.
2 . 0 desdobramento nos textos posteriores. 0 inciso a
do texto de 91 continha em germe os dois casos que vieram
a ser posteriormente destacados, e saD os das letras a e d da
atual Constituiçao. Sao hipoteses, ambas, em que se naD
discute nem a validade constitucional nem a vigência da lei
federal (caso da letra b), senao a "aplicaçao", scilicet "inter-
"pretaçao" adotada pela julgado local.
" Do Foder Judiciario. p. 111.
356 CASTRO NUNES

o recurso, no casa da letraa, visa corrigir a interpreta-


çao fora da letra; no casa da letra d a interpretaçao naD
uniforme, a ser fixada entre decis6es discrepantes.
o laço de parentesco existente entre essas duas moda-
lidades do recurso é, pois, irrecusavel. Num coma noutro
caso, do que se trata é de corrigir a aplicaçao recebida pela
interpretaçao adotada. Imp6e-se, portanto, a aproximaçao
hermenêutica dos dois dispositivos.
3. Decisao "contra a letra". Por menos que se aplauda
a hip6tese do inciso a, prenhe das mesmas duvidas geradas
pela casa similar da açao recis6ria,3 ha que encontrar para
ela sentido diverso e mais restrito do que 0 que se atribuiu à
palavra "aplicaçao" no texto de 9l.
A aplicaçao questionada naD estava, entao, sujeita, para
os efeitos da cabida do recurso, a nenhuma qualificaçao, fi-
cando ao intérprete maior liberdade na apreciaçao das hip6-
teses. Hoje, porém, se limita pela condiçao expressa de sel'
a decisao "contra a letra", condiçao que, sem arbitrio do in-
térprete, naD pode ser elidida.
É a violaçao qualificada da regra legal. A razao de ser
do preceito tera sido, ao que obviamente se depreende, que
nas hip6teses judiciais que apresentam tal caracteristica, é
• Como é notoriamente sabido, êsse novo caso de recurso deu entrada na Consti-
tuiçâo de 34 por sugestâo do saudoso ministro ARTUR RmEIRo, que 0 apresentara antes
à Comissâo do Itamarati no seu projeto de reorganizaçâo do Poder JUdiciario, como
equivalente da açâo recis6ria por violaçâo de direito expresso.
MATOS PEIXOTO, reportando-se as atas daquela llustre Comissâo, escreve: "Se-
"gundo esclarece 0 autor dêsse projeto (refere-se ao ministro ARTUR RmEmo), 0 nove
"caso de recurso coinclde com um dos casos de açao recis6ria, a sa.ber, com 0 casa
"em que 0 juiz procede contra expressa disposlçao de lei", acrescentando: "Expl1-
"cada assim a gênese do art. 76, 2, III, a, é claro 0 sentido e 0 alcance das ex-
"pressôes decisao contra l.iteral disposiçao de lei ou tratado federal: facultar re-
"curso extraordinario num dos casos em que cabe açao recis6ria" (Do Recurso Ex-
traordinario, ps. 236 e 238). .
.Ja na vigência daquela Constituiçâo, discutindo no Supremo Tribunal a re-
forma do Regimento, 0 insigne ministro reafirmou 0 mesm.J pensamento quando
di8&e que naquele caso de recurso se transformara "uma das hip6teses de açao re-
"cis6ria" (Arq. Judiciario, v. 31, p. 529).
A atual Constituiçao manteve a mesma disposiçao com l1geira alteraçao de
forma, sem lhe mudar a substâncla - "decisâo contra a letra de lei federal", a
que corre'ponde na açao recis6rla a hip6tese da letra c do art. 798 do atual C6digo
de Processo Civil - "contra literaI disposlçao de lei".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRro 357

mais flagrante 0 atentado que sofre 0 direito federal, compro~


metido na sua autoridade e eficacia pele julgado que decidiu
contra a evidência da lei.
A hipotese ocorre quando 0 direito reclamado pode
invocar um texto de lei que 0 sufrague em têrmos suficiente-
mente claros e precisos que permitam concluir que 0 julgado
dele se afastou, decidindo fora da letra.
Em regra tais questoes serac as que puderem ser redu~
zidas a uma tese de direito, a um problema teorico que se
pudesse formular mesmo fora dos têrmos processuais da
questao. É bem de ver que sa com isso naD se esgotam as
duvidas e incertezas de que oferece exemplos a jurisprudên~
cia do Supremo Tribunal na variedade das soluçoes, tantas
vêzes inspiradas na doutrina de julgados proferidos sob a
Constituiçao de 91, mas que perderam a sua razao de ser
pelos motivos ja expostos.
Entretanto, algumas noçoes basicas podem ser assenta-
das para use dos menos familiarizados com 0 assunto: 1 -
o texto naD fala em interpretaçâo da lei, senac em "aplica~
"çao", aplicaçâo. questionada. Mas a interpretaçao esta pres-
suposta, pois que naD é possivel aplicar a lei sem interpreta-la,
fixar-lhe 0 sentido, entendê-la.
É certo que a decisao "contra a letra da leP' supoe um
texto claro, e interpretatio cessat in claris. Mas 0 valor dêsse
brocardo é muito relativo. 0 texto, mesmo sem sair da sua
letra, po de conduzir a soluçoes diferentes. "A palavra", diz
CARLOS MAxIMILIANO, Olé um mau veiculo do pensamento;
"por isso, embora de aparência translucida a forma, naD re~
"vela todo 0 conteudo da lei, resta sempre margem para con-
"ceitos e duvidas; a propria letra nem sempre indica se deve
"ser entendida à risca, ou aplicada extensivamente; enfim,
"até mesmo a clareza exterior ilude; sob um sa involucro
"verbal se conchegam e escondem varias idéias, valores mais
"amplos e profundos do que os resultantes da simples apre-
"ciaçao literaI do texto".4 II - A aplicaçao, sendo em espé-
cie, supoe os têrmos pro ces suais da questâo. Quando se diz

• Hermenêutica e Aplicaçao do Direito, 3." ed., p. 54.


3f>8 CASTRO NUNES

que 0 Supremo Tribunal, no julgamento do recurso extraor-


dinario, naD julga questôes de fato nem aprecia provas, ex-
pressa-se uma verdade, um postulado da teoria dêsse recurso.
Mas cumpre entender em têrmos essa abstençao: 0 Tribunal
supremo nao julga os fatos, nao julga das provas produzidas,
aceita estas como aqueles nos têrmos em que os pôs 0 julgado
recorrido. Mas naD abstrai dêsses elementos quando a regra
legal assenta num pressuposto de fata, reconhecido como pro-
vado, ou nao controvertido nos autos. Em tais casos naD é
possivel declarar 0 'direito sem 0 fato que 0 condiciona. Se 0
julgado local naD teve como provado 0 fata, por ausência ou
defeito de prova, falta ao direita invocado um pressuposto que
ao Supremo Tribunal nao cabe apreciar nem estabelecer, por-
que soberana é, nessa parte, a justiça local. Mas se acêrca
do fato naD se controverteu ou se 0 julgado local liquidou a
controvérsia, naD ha porque deixar de Julgar a questao de di-
reito porque esta envolva um pressuposto de fato. 5 III - A
"questao federal", nas hipoteses do inciso a, é 0 proprio exame
do mérito quanto baste para se poder ajuizar da incompossi-
bilidade da decisao e do teor da norma legal. Nao se conclua
dai que, em tais casos, nao exista aquela prejudicial, ou pre-
liminar do julgamento, pelo fato de nao ser possivel desta-
ca-la sem entrar no mérito. 0 exame do mérito é indispen-
savel, porque sem êle naD seria possivel saber em que têrmos
foi posta a questao. É a apresentaçao juridica da controvér-
sia nos seus contornos de fato e de direito. A "questao federal"
existe, definindo-se pela contradiçao existente, naD entre 0
julgado local e a lei federal, mas entre aquele e 0 enunciado
literal desta. Mas a apreciaçao do mérito cessa em meio, di-
gamos assim, logo que 0 juiz se habilite a decidir da compos-
sibilidade do julgado com 0 texto invocado, no seu enunciado
literaI, ou vice-versa. Na primeira hipotese, naD conhece do
G Nem sempre 0 Supremo Tribunnl tem entendido asslm. Em certo casa em
que, corn fundamento no art. 567 do C6digo Civil, a justiça local nao teve por
alodial um terreno que, na ausència de prova do dom!nio direto, teria de ser ha-
vido como tal, entendeu 0 Supremo Tribunal naD caber 0 recurso extraordinarifl
fundado no inciso a, dizendo: "A questao é de prova e de interpretaçao de re-
"gras de dlreito, e, em apreciar aquela e bus car a inteligência destas, soberana é a
"autoridade das justiças locais" (rec. cxtr. n. 2.762, de 21 de novembro de 1938).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO 359

recurso. Na segunda, conhecendo do recurso, conclue 0


exame do mérito e Ihe dara ou nao provimento. 6 IV - De-
cide "contra a letra" 0 juiz (ou Tribunal) que nega a tese
da lei, isto é, decide dizendo 0 contrario do que diz a lei. É a
mesma noçao do julgamento (açao recis6r~a) com violaçao
de "direito expresso".
É regra te6rica, a ser entendida em têrmos razoaveis.
No recurso extraordinario, disse 0 ministro COSTA MANso
em varios votos, 7 basta "a antinomia aparente" para que dele
se conheça. Tais hip6teses ocorrem quando 0 Tribunal local
aplica a lei adotando uma doutrina que ela repila nos têrmos
do seu enunciado, ou tirando uma ilaçao, ainda que suben-
tendida, mas nao expressa, etc., afastando-se assim da super-
ficie do te:l>.1.o legal -para ficar corn 0 conteudo juridicQ do
precelto. V - 0 juizo recisorio é de direito e de tato. 0
juizo que se institue por via do recurso extraordinario é s6
de direito, no sentido, ja exposto, de que 0 fato é aceito nos
têrmos da sua apresentaçao pela julgado recorrido.
o que se examina é a tese do julgado em confronto com a
tese da lei. É necessario que a controvérsia possa ser redu-
zida a uma tese de direito em tôrno da lei fedel'al de aplicaçao
questionada. É êsse 0 sinal clinico no exame de tais espécies.
Se isso nao for possivel, naD sera possivel 0 confronto entre
a tese do julgado e a tese da lei, condiçao pressuposta para
que se admita ou nao 0 recurso. 8 VI - 0 Supremo Tribunal,
nao conhecendo do recurso, decide apenas que 0 julgado re~
corrido nao é contrario à letra da lei. Mas nao 0 confirma
nem Ihe sufraga a doutrina. 0 exame do mérito nao se com-
pletou, porque -parou no momento em que mostrou 0 sufi-
ciente para excluir a cabida do recurso.
Tanto isso é exato que se 0 recurso houver sido inter-
posto por invocaçao também da letra d, e for cabivel, a deci-
6 0 eminente minist.ro FILADELFO AzEVEDO nao destaca a questao federal. Co-
nhece, invariavelmente, desde que apontada a lei federal que se argua de violada,
alnda que para negar provimento, dada a manifesta lmprocedência da arguiçao.
7 Entre outros, veja-se ac6rdao de 28 de abril de 1938, carta test. n. 7.210, de
Pernambuco.
8 Voto que proferi, na 1.- Turma, rec. extr. n. 4.277, do Distrito Federal (sessao de
30 de dezembro de 1940).
360 CASTRO NUNES

sao podera ser reformada, se ao Supremo Tribunal parecer


que, nao obstante adstrita ao enunciado legal, nao· seguiu a
melhor inteligência da lei. VII - A contradiçao entre 0 jul-
gade recorrido e a letra da lei esgota-se na preliminar do re-
curso. Dai por diante, se dele conhece, nao fica 0 Supremo
Tribunal obrigado a reformar a decisao. Em regl'a reforma.
o julgado contrario à evidência da lei, e assim proclamado no
julgamento da preliminar do recurso, é cassado na maioria
dos casos. 9
Mas 0 Supremo Tribunal nao fica impedldo de confir~
ma-Io se lhe parecer juridicamente certo. Os ministros que
estiverem de acôrdo com a doutrina adotada pele julgado re-
corrido fora da Letra podern conhecer e, nao obstante, negar
provimento ao recurso. 10 VIII - Curnpre, finalmente, nao
perder de vista a funçao do recurso extraordinario na sua
destinaçao constitucional, matéria ja examinada em outro ca~
pitulo. 0 que êle visa é assegurar a autoridade e preeminência } :
do direito (objetivo) da Uniao, pressuposta, todavia, a autono-
mia deliberante das justiças locais na interpretaçao e aplicaçao
das leis federais. , Dai resulta que nao é corretivo de senten-
ças erradas ou injustas, por ma apreciaçao do direito e dos
fatos, senac quando ocorra, no tocante à interpretaçao, as
duas hip6teses figuradas, as das letras a e d, isto é, interpre.
taçao "contra a letra" e interpretaçao destoante da adotada
por outros tribunais.
Assim é que apJicar uma lei em lugal' de outra, sendo
ambas federais, pode, em espécie, consubstanciar um desa-
cêrto, como, por igual, a aplicaçao de um preceito por outro
da mesma lei fedtral. Mas em ambas as hip6teses foi apli-
cada a lei ou 0 preceito federal que 0 Tribunal local teve por
adequado à soluçao da demanda. A Uniao, a cuja suprema-

• 0 emlnente minlstro ANÎBAL FREII!E é doS que entendem que 0 conhec1mento


do recurso no caso da letra a leva, necessariamente, ao provimento, do que, data
venia, tenho divergido.
10 Ass1m, por exemplo, no caso em que 0 ju!gado local tenha admitido os fllhos
de desquitados como nao àdu!terinos, em contra.rio ao preceito expresse do art. 358
do C6digo Civil.· Conbecem do recurso e negam-lhe prov1mento, confirmando 0
ac6rdâo, os ministros que negam a adulterinidade em tais hip6teses.
TE ORlA E PRATICA DO PODER JunICIARIO 361

cia serve, na ordem judiciaria, 0 recurso extraordinal'io, nao


interessa que seja cassada a decisao.
No casa em que aplicado tenha sido um dispositivo dito
inaplicavel, ainda menos se justifica 0 conhecimento do re-
curso, e ja entao por uma razao a mais, isto é, por naD ser
possivel admitir que haja na mesma lei dois dispositivos que
se cuntradigam, e e:rpressamente, de vez que todos os pre-
ceitos da lei se harmonizam formando um todo. 0 julgado
dito contraventor da letra, aplicando um preceito pOl' outro,
limitou-sé a interpretar a lei. 11
. 0 êrro de interpr.etaçao situa-se em térmos mais amplos
no casa da letra d. A razao de ser do recurso extraordinario
é, ja entao, a uniformizaçao da jurisprudência no entendi-
mento da lei federal, ainda que para servir ao mesmo obje-
t~YO; mas, indiretamente. Concluindo: 0 inciso da letra a
consagra 0 julgamento secundum legern como satisfat6rio do
ponto de vista do interêsse nacional que 0 recurso e>...iraordi-
nario reflete. 0 que se teme no pensamento constitucional
é a exploraçiio juridica do texto, a fecundaçao da norma pela
illtérprete, que tira do enunciado uma outra regra que sera
possivelmente a mais justa, razoavel e. adequada mas que.
naD estando na superficie do enunciado, autoriza, s6 por isso,
a interposiçao do recurso.
Ora, 0 juiz nem sempre decide bem quando apegado à
letra da lei. Esta pode mostrar-se il1suficiente para as ne-
cessidades da realizaçao do direito nas suas inspiraçoes mais
altas, cumprindo ao juiz, mesmo sem chegar ao extremo da
livre revelaçao do direito, adequar a lei às cirC'unstâncias, às
realidades vivas do caso, humaniza-Ia tanto quanto possive!.
o recurso extraordinario admitido na hip6tese em que
o julgamento adote êsses critérios parece 'propender para a
escravizaçao do juiz à letra da lei, em contrario a tendências
que se acusam em outro sentido, conferindo ao juiz maiores
possibilidades na realizaçao do direito, tao certo é que 0 que
II Nesse sentldo esté. orlentada. a jurlsprudênela do Supremo Tribunal, do que é
exemplo, entre outros, 0 ae6rdao de 9 de janelro de 1940, ree. extr. n. 2.964, do
Distrito FederaL Mas hé. ae6rdaos diserepantes e votos vaeilantes.
362 CASTRO NUNES

a lei exprime e comporta é, em regra, muito mais do que' 0


qUE. se contém na sintese estreita da sua formulaçao.
o inciso a tem, pois, êsse sentido ou, mais exatamente,
êsse alcance de certo modo reacionario, 0 que digo sem quebra
da minha veneraçao pelo grande magistrado que foi 0 mi-
nistro ARTUR RIBErno. 12
4. Vigência ou validade (inciso b) - Hipoteses de vi-
gência. Diz a Constituiçao: "Quando se questionar sôbre a
"vigência ou validade de lei federal em face da Constituiçao,
CIe a decisao do Tribunal local negar aplicaçao à lei im-
"pugnada" .
No inciso ora em exame, 0 recurso extraordinario visa
rrecipuamente assegurar a autoridade das leis federais quan-
do negadas na sua aplicaçao pelas justiças locais, do mesmo
modo que na hip6tese da letra coque se objetiva é a preemi-
néncia da norma federal em face da local e no da letra d a
e1icacia da preceituaçao federal nas suas aplicaç6es discre-
pantes (uniformidade).
Nas primeiras aplicaç6es dêsse preceito que, como ja se
disse, data da reforma de 26, entendiam alguns que a clausula
"em face da Constitu.içao" referia-se também à vigência; ou,
por outras palavras - que a lei federal questionada teria de
,. Hlp6teses relaclonadas corn 0 Inclso a e de malor Interêsse doutrlnarlo: a vlo-
laçâo da lei federal pode ocorrer, excepclonalmente, par omis.lto, como no caso em
que 0 Tribunal local nâo declda a questâo, mas outra que nâo estava proprlamente
em causa, do que resulta que Ilegou formalmente 0 dlrelto plelteado (meu voto no
ree. extr. n. 4.936, 1." Turma, sessâo de 17 de novembre de 1941).
No mesmo sentldo 0 ac6rdâo no agr. de Instr. n. 10.007, do quaI fol relator,
na 2." Turma, 0 emlnente minlstro OROZIMBO NONATO; "Nâo é 0 modo dlreto ou
"Indlreto de ofensa da lei que Importa para a concessâo do recurso extraordlnarlo,
"mas a extensâo, 0 alcance da ofensa" (ac6rdâo de 16 de dezembro de 1941).
É de regra (allas, expressa) que sôbre a apllcaçâo questionada tcnha esta-
tuido 0 julgado recorrldo. Mas pOde ocorrer que a ofensa à lei sobrevenha no
ultimo julgado, desfechando a demanda numa soluçâo contraria a texto expresso.
Nâo é possivel corrigir pela recurso extraordlnarlo 0 julgamento da revlsta,
para dizer que os julgados cram discrepantes e que dela devera ·ter conhecldo 0
Tribunal de Apelaçâo. Averlguar a discrepâncla de julgados ja é julgar a revista,
atl'ibulçâo que eEcapa ao Supremo. 0 que êste pOde fazer é mandar admltlr a re-
vista, quando denegada, corn base em lei estadual, em contrario à lei federal n. 319,
ou quando nao admltlda por intempestlva ou por exlgência de certldôes dos julga-
dos, em contrario a dlsposlçôes legals, aspectos formais do recurso que nao en-
volvem 0 julgamento dêle na prellmlnar especific~. do seu conheclmento (ac6rdâo
de 2G de Janeiro de 1942, rec. extr. n. 5.512).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 363

ser conferida com a Constituiçao em ambas as hip6teses.


Mas, êsse modo de ver foi logo abandonado. "Laboram em
"confusao, a nosso ver, os que pensam assim. A clausula -
"em face da Constituiçao - que nâo existia no texto primi.
"tivo, refere-se unicamente à guestâo da validade.
"Validade em face da Constituiçao, compreende-se bem :
"para que a lei seja valida é mister que se inscreva na com-
"petência dada ao Congresso pela Constituiçao, tenha sido
"elaborada de acôrdo com 0 processo estabelecido na Consti-
"tuiçao e nao viole os preceitos da Constituiçao. Mas vigên-
"cia em face da Constituiçao é frase sem sentido: a lei, ou
"nao foi revogada por outra lei e continua vigente, ou foi re-
"vogada por outra lei e nao vige mais. A Constituiçao nada
"tem que ver ai". 13
Mas so cabera 0 recurso, com fundamento neste inciso,
se a lei houver sido julgada inconstitucional. Se 0 julgado
local aplicou-a por entendê-Ia compativel com a Constituiçao,
faltara à hipotese um pressuposto a que se condiciona a ca-
bida do recurso. A inconstitucionalidade pode ser formal ou
material, por inobservância das normas prescritas para a ela-
boraçao e promulgaçao da lei ou por incompatibilidade desta
com a Constituiçao (veja-se 0 cap. II do tit. VIII).
- Uma lei vige, jci ntio vige ou ainda nao vige. Ja naD
vige a lei que deixou de existir, porque revogada, expressa ou
tacitamente, total ou parcialmente, por outra lei. Ainda naD
vige a lei cuja aplicaçao depende, por exemplo, da expediçao
de um regulamento ou de qualquer fato on condiçao nela
previst~. Também nao vige ainda a lei tôda vez que nela
mesma se declara que so entrara em vigor em tal ou quaI
data, ou decorrido certo prazo, ou, se omissa a respeito, quan-
do ainda naD decorrido 0 prazo ou os prazos a que se subor-
dina, na lei comum, a obrigatoriedade das leis. 14
13 EPITAcIO PESSOA, "0 caso da Companbia Telefônica", memorial. Nesse sentido,
distinguindo as duas bip6teses, firmou-se a jurisprudêncla. Entre outros, 0 ac6rdao
de 25 de outubro de 1929, de que foi relator 0 ministro ARTUR RmEIRo.
1< A antiga lei de Introduçiio ao C6digo Civil dispunba no art. 2.°: "A obriga-
"toriedade das leis, quando nao fixem outro prazo, começara no Distrito Federal
"três dias depois de oficialmente publicadas, 15 dias no Estado do Rio de Ja-
"neiro. 30 dias r.os Estados maritimos e no de Minas Gerais, 100 dias nos ou-
364 CASTRO NUNES

- 0 problema da vigência da lei sup6e, na comparaçao,


normas da mesma hierarquia. Uma lei s6 se revoga, ou der·
roga, por outra lei.
Se 0 confronto se estabelece corn a Constituiçao, de vi·
gência propriamente naD se trata, senac da validade consti·
tucional, formaI ou material, da lei.
Tem-se entendido - e é es sa a opiniao gtneralizada e
sufragada pelo Supremo Tribunal - que 0 exame das leis
anteriores a uma Constituiçao naD é um problema de incons-
titucionalidade, senac de mera revogaçao de tais leis quando
julgadas incompativeis, implicita ou explicitamente, corn
aquela. Dêsse modo de ver tenho divergido (veja-se 0 cap. II
do tit. VIIi, onde se trata do assunto).
Mas a questao da vigência pode ocorrer, ainda que ex-
cepcionalmente, mesmo no dominio constitucional, coma no
casa em que se invoque preceito de Constituiçao anterior naD
reproduzido na atual, que sera 0 vigente (mérito da indaga-
çao) . 0 fato ocorreu corn 0 art. 173 da Constituiçao de 34,
em face da Constituiçao de 37, configurando uma hip6tese
de direito intertemporal, concernente à aplicabilidade da·
quele preceito no cumprimento de decisao sôbre reintegraçao
de funcionario. 15
Caso interessante, também de vigência, é 0 que pode de-
correr da aplicaçao do art. 122, 13, da Constituiçao, onde se
expressa que as penas agravadas na lei nova naD se aplicam
aos fatos anteriores. -
"tros, compreendldas as clrcunscrlçôes nao constltuidas em Estados". A nova lei
de Introduçao (dec.-lel n. 4.657, de 4 de setembro de 1942), dlspôe dlversamente
sôbre a matérla, nos segulntes têrmos:
"Art. 1.0 Salvo dlsposlçao contraria, a ~el come ça a vigorar em todo 0 pais,
"45 dlas depols de oflclalmente publ1cada.
"§ 1.0 Nos Estados estrangelros, a obrlgatorledade da lei brasllelra, quando
"admlt1da, se Inleia três meses depols de oflclalmente publleada.
"§ 2.° A vlgêncla das lels, que os governos estaduals elaborem por autorl-
"zaçao do Govêrno Federal, depende da aprovaçao (lêste e eomeça no prazo que a
"leglslaçao estadual flxar.
"§ 3.° Se, antes de entrar a lei em vigor, oeorrer nova pubUeaçâo de Beu
"texto, destlnada a correçao, 0 prazo dêste artlgo e dos paragrafoB anterlores co-
"meçarâ a correr da nova publleaçao.
"§ 4.° As eorreçôes a texto de lei ja em vigor conslderam-se lei nova".
n; Veja-se 0 parecer da Procuradorla GeraI da Replibllea (drs. GABRIEL DE RE-
ZENDE PASSOS e LUIZ G!lLLOTTI) no Jornorzl do Comércio de 5 de male de 1942.
TEORIA E PRA.TICA DO PODER JUDICIARIO 365

~sse dispositivo supoe duas ou mais leis em conflito no


tempo e resolve 0 problema mandando que se aplique a Lex .
mitior, pela principio universal da irretroatividade da lei
penal, salvo se em beneficio do acusado.
Ê uma norma de direito intertemporal, de base constitu·
cional, que 0 juiz observa em espécie, para resolver .qual das
leis em conflito é a aplicavel. Nao existe 0 problema cons-
titucional. ~ste pode, tOdavia, surgir, no casa em que 0 le-
gislador mande aplicar lei posterior ao delito, e mais gravosa,
casa em que, ja entao, 0 exame estaria situado na indagaçao
da constitucionalidade dessa lei.
- A questao federal, no casa de vigência questionada, es·
tara em verificar se existe realmente tal questao, se a justiça
local optou, para julgar a espécie, por uma das leis em causa,
a quaI tera tido por vigente.
Ê clara que, assim decidindo, teve por ntio vigente a outra·
lei, também invocada.
Ambas foram, portanto, impugnadas. 0 final do inciso
"e a decisao do Tribunal local negar aplicaçao à lei impug·
"nada" refere-se, a meu ver, à invalidade constitucional da
lei, naD se aplicando à controvérsia sôbre a vigência.
A funçao do Supremo Tribunal, neste casa de recurso, é
dizer quaI das leis federais é a vigente, se isso for indispensa.
vel para a soluçao do litigio.
As leis a comparar podem ser anteriores ou posteriores
à Constituiçao. 0 problema, na sua indagaçao prelimlnar
para 0 efeito do conhecimento do recurso, é de direito objetivo,
sem sujeiçao aos fatos da causa. Se se argue que foi aplicado
um preceito de lei em lugar de outro, ou uma dada lei federal
e naD outra que se tenha pOl' aplicavel à espécie, naD sera isso
um problema de vigência, senao de aplicaçao questionada,
que pode levar à demonstraçao de possivel êrro no decidir a
questao, 0 que naD basta para autorizar 0 recurso.
- Nem sempre é faeil distinguir se a hip6tese é de vigên·
cia ou de validade.
366 CASTRO NUNES

Assim é que a naD aplicaçao, pela Tribunal de Apelaçao


de Sao Paulo, da lei n. 319, de 25 de novembro de 1936, pelo
argumento de nao ser aplicavel aos Estados, pareceu envol-
ver um problema de vigência, e por êsse fundamento se ad-
mitiu algumas vêzes 0 recurso extraordinario.
Na verdade, porém, tratava-se de uma hipotese de inapli-
caçao por inconstitucional.
No voto que proferî coma revisor no rec. extr. n. 3.341,
daquele Estado, assim examinei a questao: "0 problema da
vigência ou naD de uma lei existe em funçao do tempo e naD
pela raio de sua aplicaçao. Uma lei deixa de ser vigente
quando outra lei, posterior, a abroga, no todo ou em parte,
estabelecendo-se assim um conflito de leis no tempo, a ser
resolvido pela determinaçao de quaI delas é a que vige.
Pode, é certo, ocorrer a hipotese sem concorrência de
leis, etaI é 0 caso em que a lei ainda naD entrou em vigor,
como acontece, por exemplo, nos casos do art. 2.° da Intro-
duçao do Codigo Civil. TaI lei estara em vigor no Distrito
Federal e em tal ou quaI Estado, mas naD em outro ou ou-
tros, porque naD decorrido 0 prazo prefixado à sua obrigato-
riedade.
Mas, em qualquer dêsses casos, do que se trata é sempre
de uma vigência que jd se extinguiu (hipoteses de abrogaçao)
ou que ainda naD começou.
É certo que 0 Supramo Tribunal admitiu esta mesma
controvérsia no pIano da vigência, nos têrmos, portanto, em
que a poe 0 recorrente.
Mas, data venia, naD é de vigência que se trata, senao de
competência que se contesta à Uniao - e a tanto equivale
declarar inaplicavel aos Estados aquela lei - para ditar aos
Estados, antes de .promulgado 0 Codigo Nacional respectivo,
normas de processo. A questao situa-se, pois, no pIano da
constitucionalidade ou naD da lei n. 319, problema de compe-
tência constitucional que se ajusta ao enunciado invocado da
letra b, pois que, negando aplicaçao a essa lei, a decisao re~
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 367

corrida negou-lhe, ainda que sem 0 dizer, validade em face


da Constituiçao, pela argumento, implicito mas transparente,
de que a matéria continuava a ser da alçada dos Estados até
que viesse 0 Codigo Nacional de Processo.
Conheço, pois, do recurso pelo fundamento da letra b,
divergindo apenas no tocante à apresentaçao do caso, nos
têrmos que acabo de expor. E também pela da letra d, pois
que, como demonstra 0 recorrente, em outros Estados, entre
os quais Minas Gerais e Piaui, as justiças locais teem aplicado
a lei n. 319".16

5. Leis ou atos dos governos locais (inciso c). 0 dis-


positivo ja existia na Constituiçao de 91, naD sofreu alteraçao
na reforma de 26, passando para a Constituiçao de 34 e para
a atual com redaçao apenas alterada. Dizia a Constituiçao
de 91 "leis ou atos dos governos dos Estados", O' que se mo-
dificou para dizer, mais compreensivamente, de modo a
abranger também as leis e atos da esfera municipal, de acôrdo
com 0, entendimento jurisprudencial ja assentado - "lei ou
"ato dos governos locais". 0 preceito autoriza 0 recurso-\
"quando se contestar a validade de lei ou ato dos governos
"locais em face da Constituiçao, ou de lei federal, e a decisao
"do Tribunal local julgar valida a lei ou 0 ato impugnado~~:___ J
A controvérsia ai pressuposta é sôbre a validade de lei ou
ato local em face do direito objetivo da Uniao (Constituiçao,
leis ordinaiias).
o recurso existe no interêsse exclusivo do direito federal.
É 0 casa em que melhor se caracteriza a "preeminência" da
lei federal na vida de relaçao entre a Uniao e os Estados.
Se a justiça local invalida a lei local ou anula 0 ato do
Govêrno, aplicando a norma federal invocada, inexiste a sua
razao de ser, por mais desacertada que seja a decisao.
Mas se, ao inverso, aplica a lei local ou mantém 0 ato
impugnado, pondo de lado a norma federal, resolve contra
,. Dicirio da Justiça de 2 de setembro de 1941.
368 CASTRO NUNES

esta a incompatibilidade controvertida, abrindo-se entâo a


via extraordinaria. 17
o texto fala em "leis ou d.tos dos governos locais". A
locuçâo "ato dos governos locais" tem um conteudo mais
amplo do que 0 que se denuncia ao primeiro exame.
Nâo sâo somente os atos do Po der Executivo, mas tam-
bém os atos emanados das câmaras legislativas, e que nâo
sejam leis, assim os do Po der Judiciario, que nâo sejam sen-
tenças, decisoes, etc., inclusive os do procurador geral do
Estado, no usa de suas atribuiçoes administrativas, como de~
cidiu 0 Supremo Tribunal, de acôrdo corn 0 voto do ministro
COSTA MANSO, no rec. extr. n. 2.880 (30 de outubro de 1936).
É 0 "ato" de qualquer dos poderes locais que nâo revista
a forma de disposiçâo geral ou de sentença ou decisâo judicial.
Se 0 Estado esta sob intervençâo, nem por isso deixa de
ser local 0 ato do interventor, nâo obstante a sua investidura
federal, e bem assim os atos emanados dos seus auxiliares ou
prepostos. 18

17 Nos Estados Unidos, igualmente, 0 caso s6 pOderia subir il Suprema Côrte


quando a justiça estadual decidisse pela constitucionalldade da lei local, nos tër-
mos do Judictiary Act, de 1789 "Mostraram-se os tribunais estaduais, em muitoB
"casos", escreve LEVi CARNEmo, "mais rigorosos na apllcaçao dos prlncipios consti-
"tucionals que a pr6pria Suprema COrte. E, assim, em 1914, 0 Congresso votou uma
"lei ampllando 0 recurso aos casos em que a decisao da justiça estadunl fOra pela in-
"constitucionalldade da lei". E, llnhas adiante: "Pouco importa a diferença pro-
"cessual que lâ existe nos dois casos - writ 01 error ou writ 01 certiorari. 0 que
"é certo, como atesta HOWARD LEE Mc BAIN, no seu livro do ano passado, The Living
."Constitution, é que a Suprema Côrte tem apreclado mais de mil leis estaduais e
"invalldado chca de uma quarta parte delas" (Federalismo e Judici·llrismo, 1930,
p. 101).

18 Quanto ao carMer local ou lederal do interventor existem controvérsias.


A jurisprudência tem varia do. T,enho entendido que 0 interventor ql1ando
nomeado para fazer as vêzes do governador é autorldade local. Nesse sentido tenho
votos fundamentados. De outro modo, porém, em se tratando do chefe de POl1Cid
do Distrito Federal, porque 0 serviço de policia e outros reservados il Uniao nesta
circunscriçao sao constitucionalmente lederais. Ainda aqui coerentemente com a
regra de que naD é a investidura, senao a funçao, que adscreve il autoridade 0 seu
carater fed~ral ou local.
SObre as leis emanada., dos 6rgaos legiferarites da Vniao e concernentes ao
Distrito e aos serviços a éste naa peculiares, veja-se adiante.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 369

6. Serao locais ou federais as leis concernentes ao Dis-


trito Federal e aos TerritOrios? A jurisprudência do Supre-
mo Tribunal esta, de longa (Lta, assentada no sentido de que
as leis concernentes ao Disttito Federal (lei orgânica) ou de
àmbito confinado nessa circunscriçao (lei de organizaçao ju-
diciaria e, sob a Constituiçao de 91, as leis processuais), ainda
que emanadas do Congresso Nacional (hoje do Parlamento ou
do Presidente da Republica), nao sao leis federais, senao lo-
cais, para os efeitos do recurso extraordinario em qualquer
das suas modalidades.
A meu ver, as leis emanadas dos orgaos que legislam para
a Uniao sôbre matérias a esta reservadas corn base na Cons-
tituiçao sâo leis federais, em razao do 6rgéio e da matéria
sôbre que dispoem.
Como se vai ver da exposiçao que passo a reproduzir, tais
assuntos escapam ao interêsse peculiar do Distrito Federal,
sao assuntos reservados à Uniao nessa circunscriçao, sôbre
'êles nao legisla 0 Conselho Federal que, na atual organizaçao,
sucede ao antigo Conselho ou Câmara Municipal, legislam os
orgaos legiferantes da Uniao, que sao 0 Parlamento e 0 Pre-
sidente da Republica. Federal é, pois, 0 orgao, e federal 0 do~
minio em que atua.
Diverso é, porém, 0 casa dos interventores que, embora
de investidura federal, fazem as vêzes dos governadores,
atuando, quando legislam, sôbre assuntos que sao, constitu~
cionalmente, da orbita local. Tais leis serao locais (veja-se
a nota 18).
Em estudo publicado em 1940, assim examinei a ma-
téria 19: "Nem todos aqueles que tinham por federais os ser-
viços a cargo da Uniao iam até ao ponto de manter êsse en-
tendimento no tocante às leis feitas pela Congresso sôbre ou
para 0 Distrito (lei orgânica, leis judiciarias, processuais, etc.)
quando controvertida a sua validade por via do recurso ex-
traordinario. TaI era 0 caso, por exemplo, de PEDRO LESSA,
repetindo 0 dizer corrente de que, ao elabora-las 0 Congresso

1. "0 Dlstrlto Federal como autarqula local e os servlços a cargo da Unlâo",


Direito, v. 1.°, ps. 92 e segs.

F.24
370 CASTRO NUNES

e ao sanciona-las 0 Presidente da Republica, "procedem coma


"poderes locais da circunscriçao", 20 naD obstante haver dito,
camo relator de certo acordao, que os serviços avocados
pela Uniao no Distrito, "passam constitucionalmente a ser
"federais". 21
Nao atino com qualquer razao constitucional que jus-
tifique essa contramarcha no entendimento dos que teem
por fed~rais os serviços avocados pela Uniao. Se tais serviços
saD constitucionalmente federais, entram no quadro dos ser-
viços da Uniao, e federais hao de ser as leis que os organizam
e regulam e os funcionarios que os executam.
A maior dificuldade estaria em se haver coma federal um
serviço, 0 de justiça, dito local na Constituiçao. Mas jâ
vimos, linhas acima, que 0 obstaculo so existia e existe pela
fôrça do habito mental de chamar local no Distrito a justiça
comum para distingui-Ia da outra, a justiça federal e, fa hoje,
das jurisdiçoes especiais que formam 0 Judiciario da Uniao.
o caso do recurso extraordinario em que se controverta
sôbre 0 carater local ou federal daquelas leis é 0 que, repe-
tindo os textos anteriores, se insere hoje no art. 101, III,
letra c: "Quando se contestar a validade de lei ou ato dos
"governos locais em face da Constituiçao, ou de lei federal, e
"a decisao do Tribunal local julgar valida a lei ou 0 ato im-
"pugnado" .
o preceito vern da Constituiçao de 91, onde se dizia "leis
"ou atos dos governos dos Estados . .. ".
Foi a Constituiçao de 34, e a atual repetiu-a, que mudou
para "l~i ou ato dos governos locais . .. ", sob a inspiraçao da
jurisprudência que ja havia abandonado a restriçao que pu-
desse decorrer das palavras "dos Estados" para considerar
coma locais também as leis e atos dos poderes municipais.
É jurisprudência pacifica do Supremo Tribunal, afirmada
de longa data em reiterados acordaos sob as très Constitui-
çoes l'cpublicanas, que as leis referentes ao Distrito Federal
(e aos Territorios) sôbre assuntos, quer judiciârios, quel' ad-

20 Do POder JudiCiario, p. 115.


!!1 Ac6rdâo de 16 de dezembro de 1918, apelaçao civel, Rev. de Direito, V. 59, p. 95.
TEORIA E PUTICA DO PODER JUDICIARIO 371

ministrativos, ainda que emanadas do Poder Legislativo da


Uniao, sac leis locais para os efeitos dêsse caso de recurso.
Considerou-se, para chegar a essa conclusao, da quaI ousamos
divergir, que 0 Po der Legislativo da Uniao quando legisla
sôbre tais assuntos age como legislatura local, correspon-
dendo a lei orgânica do Distrito Federal ao estatuto basico de
Estado, e as leis de processo, de organizaçac judiciâria, e ou-
tras sôbre assuntos administrativos, às leis que, normalmente,
em cada Estado, competiam ou competem às assembléias res-
pectivas.
Raros os que, no antigo Supremo Tribunal, discrepavam
da opiniao dominante. Voto constante no considerar tais
leis como federais era 0 ministro GUIMAHAES NATAL, mani-
festando-se no mesmo sentido 0 ministro MUNIZ BARRETO, na
questao da Telefônica.
A argumentaçao dissidente apoiava-se no critério orgâ-
nico ou fm·mal que teria de dominar 0 entendimento: naD
seriam leis locais as que fizesse 0 Congresso; critério a com-
binar com 0 material, visto como 0 assunto, local de origem,
se reservado à Uniao pela propria Constituiçâo ou corn apoio
nela, passa constitucionalmente a federal; e, ainda na con-
sideraçao de que naD seria possivel, sem arbitrio do intérprete,
distinguir entre as leis emanadas do Congresso aquelas que,
de validade controvertida nas jurisdiçôes locais, nac subiriam
à instância suprema senac na hip6tese, peculiar às leis
oriundas de orgaos locais, de lhes ser reconhecida a validade
cons tit ucional.
Presumo que tera influido na jurisprudência assentada
entre nos 0 entendimento argentino, que considera 0 Con-
gresso, quando legisla sôbre a capital da Naçao, como legis-
latura local. Porque nos Estados Unidos naD prevalece 0
mesmo entendimento, as leis feitas para 0 Distrito de Colum-
bia e para os Territorios sac leis nacionais, 0 Congresso naD
perde 0 seu carater de legislatura nacional ao elaborar tais
leis, naD obstante 0 raio limitado de sua aplicaçao. No jul-
gado classico sôbre a matéria, Cohe1ls v. Virginia, disse a
Côrte pela palavra do chief-justice MARSHALL: a razao é que
372 CASTRO NUNES

o Congresso, tendo pela Constituiçao 0 poder de legislar para


tais circunscriçoes, exerce essa competência constitucional
como qualquer das outras, no seu alto carater de legislatura
da Uniâo - "the reason is that Congress is not a loeallegis-
lature, but exereises this partieular power, like all its other
powers, in its high eharaeter, as the legislature of the Union."
Comentando essa decisao, diz WILLOUGHBY que a doutrina
do famoso julgado naD foi desde entao jamais posta em du-
vida - "has not sinee been questioned." 22
Nao foi, portanto, na jurisprudência americana que se
inspirou 0 entendimento, entre n6s corrente, de que as leis
sôbre 0 Distrito e os Territ6rios federais relativamente a as-
suntos reservados à Uniao sao leis locais.
Na Republica Argentina, 0 recurso extraordinario, criado
pela lei n. 48, de 1863, assenta em bases ou pressupostos cons-
titucionais que levaram 0 legislador ordinario a estrutura-lo
em moldes um pouco diversos dos nossos. No conceito de leis
naeionais, para 0 efeito da interpretaçao e aplicaçao a cargo
das justiças infedores, naD se compreendem senâo os tratados
e as leis nacionais strietu sensu, isto é, as chamadas leis es-
peeiais do Congresso, unicas, portanto, que podem dar lugar
ao recurso extraordinario.
Escapam a es sa qualificaçao os C6digos comuns (C6digos
Civil, Comercial, Penal e de Minas) e, bem assim, as leis con-
cernentes à capital da Republica e aos Territ6rios nacionais,
entendendo-se, na liçao dos expositores e da jurisprudência,
com apoio em preceitos constitucionais, particularmente os
dos incisos 11 e 27 do art. 67, que tais leis, ainda que ema-
nadas do Congresso, naD sao leyes naeionales rio sentido da
Constituiçao. 23
Entre n6s naD existe fundamento constitucional para a
mesma distinçao. Nao existe a restriçao do inciso 11 do
art. 67 da Constituiçao argentina, em que sc funda 0 enten-
dimento de que os C6digos comuns no tocante à sua inter-

"" WILLOUGHlIY, ob. clt., v. I, § 250, p. 452.


2" BIELSA, El Recurso Extraordinario, 1936, ps. 147 e segs.; ZAVALIA, Derecho Fe-
deral, ps. 139, 183 e outras; MAYA, Gomentàrios, v. II, p. 121.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 373

pretaçao e aplicaçao escapam ao âmbito do recurso extraor·


dinario. 24 Leis nacionais nao formam, pois, entre nos, uma
categoria à parte, mas sao quaisquer leis federais, gerais ou
nao, contanto que emanadas dos orgaos proprios da Uniao e
sôbre assuntos que a esta compitam.
Como ja vimos linhas aeima, a Uniao legisla para 0 Dis-
trito Federal sôbre certos assuntos que, nao atribuidos por
lei ao Conselho Federal, 6rgao local, ficam pertencendo à
competência dos orgaos que legislam para a Naçao. Tais
orgaos, exercendo es sa competência, nao legislam sôbre as-
suntos locais, mas sôbre assuntos ou serviços retidos ou
reservados, pela consideraçao, fundada na Constituiçao
(art. 53), de que nao sao peculiares à circunscriçâo, do que
resulta, a contrariu sensu, que sao do interêsse geral da
Naçao.
Nao ha· como dizer que, legislando sôbre tais matérias,
que, por fôrça da Constituiçao, nao sao locais, 0 Congresso ou
Parlamento equipara-se ao orgao local correspondente nos
Estados. É' uma equiparaçao que vai além da equiparaçao
judiciaria. Ja nao é 0 Distrito - circunscriçao judiciciria -
que se equipara a Estado nos têrmos ja expostos; mas os
orgaos legislativos da Uniao que se nivelam às assembléias
estaduais.
Ora, a tanto nao pode ir a equiparaçao formulada pela
jurisprudência sob a clausula "para efeitos judieiârios". Essa
clausula indica a limitaçao razoavel. 0 que se equipara sao
os organismos judiciarios, pela consideraçao, reforçada nos
textos atuais, de que a jurisdiçao comum é uniformemente
aparelhada e administrada em todo 0 pais, seja nos Estados,
seja nos Territorios e no Distrito Federal.
Nada autoriza concluir, como tantas vêzes se fêz, que,
equiparado 0 Distrito a Estado, equiparado ficou 0 Congresso
às legislaturas estaduais, 0 que equivalia a estender a equi-
paraçao também aos orgaos legislativos, mesmo quando nao
.. Crelo que se teré. lnsplrado na lel argentlna, aqui decalcada sem malor exame,
o preceito do art. 24, êJlnea 2.", da lel ll. 221, de 1894, que exclu lu do recurso extra-
ordillé.rlo a interpretaçâo e aplicaçâo do Direito Clvil, Comerclal e Penal, contrl-
buindo para desOl'lentar 0 intérprete na exegcse dos textos de 91.
374 CASTRO NUNES

legislavam OU nâo legislam sôbre justiça, senac sôbre a orga-


nizaçao do Distrito e outras matérias de carater administra-
tivo, inteiramente alheias ao âmbito judiciario, limite pres-
suposto na equiparaçao jurisprudencial.
Na verdade so tem carater local a legislatura que dispoe
sôbre assuntos da esfera local. Aqueles assuntos, judiciarios
ou nao, sôbre os quais legisla a Uniao, se reservados a esta
pela legislador, corn apoio na Constituiçao, nao sao locais;
logo, nao se equipara a orgâo estadual 0 orgao legislativo da
Uniao quando sôbre êles dispoe, precisamente porque esta
operando no seu dominio proprio.
Pode ocorrer, entretanto, que a Uniao legisle sôbre as-
sunto local, isto é, sôbre assuntos da orbita estadual nao re-
servados, portanto, à sua competência legislativa. Aqui 0
casa muda de figura. A legislatura nacional faz as vêzes de
assembléia local, a esta se equipara, sucede ao orgao local
dissolvido. É 0 que ocorre na intervençtio. Esta se da, como
ja vimos, na esfera local, na esfera dos interêsses peculiares
da unidade intervenida. Fora dai nao ha intervençao. A
UnHio esta em cada Estado, porque esta em todo 0 territorio
nacional, executando os seus proprios serviços, sem que isso
constitua intervençâo, que se define pela absorçao tempora-
ria, no todo ou em parte, dos assuntos da orbita peculiar ao
Estado. Os assuntos sôbre os quais ela legisla, substituindo
o orgao local, ou administra por um interventor, preposto do
Presidente da Republica, que faz as vêzes do governador, silo
necessariamente assuntos da esfera estadual submetidos a
êsse regime de exceçao, transitorio por natureza, a cessar corn
o motivo que 0 tenha determinado.
Serao, portanto, locais as leis que 0 Congresso fizer, local
a autoridade do interventor, quando executa a lei orçamen-
taria, arrecada impostos, nomeia e demite, etc. 25

". Sustentei êsse modo de ver, distinguindo nas funçOes do interventor as que,
de carater estadual, em que sucedè ao governador, imprimem carater local à sua
autoridade, em vote que profer! em 1937, 'luando em exercicio na Côrte Suprema.
Voltei ao assunto corn mainr desenvolvlmento quando examinei em livra a com-
petência para conhecer do mandado de segurança requerido contra atos do inter-
ventor (Do Mandado de Segurança, ps. 236-239).
TEoRIA E PRATICA DO PODER JUDICLiRIo 375

Nao é êsse, porém, 0 casa do Congresso ou Parlamento


quando legisla sôbre as matérias reservadas à sua propria
competência. 0 assunto naD é local, porque a reserva lhe
envolve a federalizaçao; naD substitue orgao local, transi-
toriamente impedido; nem 0 Presidente, que superintende
em grau superior a execuçao de tais serviços (note-se que 0
prefeito, autoridade local,. so é preposto do Presidente da
Republica na administraçao descentralizada), sucede ou faz
as vêzes de governador de Estado quando nomeia prefeitos ...
Vê--se, por ai, como SaD diferentes as situaçoes. 0 Es-
tado tem a competência constitucional e os orgaos proprios·
para exercê-Ia. 0 Distrito, nos mesmos assuntos (atribui-
çoes reservadas), naD tendo a competência, naD tem oorgao
correspondente, que constitucionalmente inexiste.
No primeiro caso, sob a intervençao, que é um acidente,
a Uniao arreda os orgaos locais e legisla e administra em
lugar deles; no segundo, ela esta no seu dominio proprio,
naD desloca nenhuma competência, naD suprime a açao de
nenhum orgao preexistente, naD se equipara, portanto, a or-
gaos locais, nem a estes substitue.
Essas leis sao, portanto, leis federais, para todos os efei-
tos, 26 inclusive 0 recurso extraordinario. Se aplicadas contra
a letra ou com inteligência divers a da assentada em outros
julgados (hipoteses das letras a e d), naD ha porque lhes fe-
char 0 acesso ao Supremo Tribunal.
Do mesmo modo quando de validade constitucional ou
vigência controvertida.
Os problemas que se incluem no exame da vigência, su-
poem leis da mesma fôrça e hierarquia, oriundas do mesmo
orgao, da mesma autoridade constitucional.
Ora, uma das hipoteses figuradas na letra c é a de coli-
SaD entre leis, leis de hierarquia diversa, lei federal, uma, lei
local, outra - uma das quais, esta llitima, tera de ceder à
de maior autoridade, a federal. Nao se concebe como possa
20 A inexecuç/io da lei orgânica do Distrito, no ponto referente il. instituiçao dO
Tribunal de Contas, protelada pelos 6rgâos locais, fol 0 fundamento invocado para
a intervençào decretada em 1937, como se vê da exposiçâo de motlvos do t'ntâo mi-
nistro da Justiça, AGAMEMNON MAGALHÂES.
376 CASTRO NUNES

existir êsse conflito entre leis emanadas da· mesma fonte, con-
fIito que, ja entao, se resolvera num problema de abrogaçac
ou coexistência de leis de igual autoridade.
Como se vê do exposto, nao adiro inteiramente ao ponto
de vista dos que, no antigo Supremo Tribunal, partiam do
orgiio para 0 carater federal da lei. A meu ver, federal 0
6rgao, é necessario que também federal seja a matéria. É 0
casa do Distrito e dos Territ6rios nos assuntos retidos pela
Uniao; nao é 0 casa dos Estados sob 0 regime da intervençao,
nos têrmos jâ expostos.
Federais, para os efeitos do recurso extraordinario ou
quaisquer outros, sac, portanto, tôdas as leis emanadas dos
6rgaos que legislam para a Uniao sôbre assuntos alheios à
esfera local. de tais circunscriçoes.

~" :. ~ " , . (_ ._, l t.

;.:
CAPiTULO IV

DOS CASOS DE RECURSO EXTRAORDINARIO


(Continuaçâo)

SUMABIO: 1. Decisôes divergentes na Interpretaçâo de lei tederal (inciso d.l.


2. Requisltos a que estâ condlclonada a admlssâo do recurso. 3.' Ambito do
recurso na hlp6tese da letra d.. 4. A qualiflcaçâo legal dos tatas. 5. In-
terposlçâo de offclo. 6. 0 recurso como instrumenta de fixaçâo jurispru-
dencial.

1 . Decisoes divergentes na interpretaçâo de lei federaI


(inciso d). Reza 0 texto: "quando decisôes definitivas dos
"tribunais de apelaçao de Estados diferentes, inclusive do
"Distrito Federal ou dos Territ6rios, ou decisôes definitivas
"de um dêstes tribunais e do Supremo Tribunal Federal
"derem à mesma lei federal inteligência diversa. Parag.
"unico: Nos casos do n. II, n. 2, letra b, podera 0 recurso
"também ser interposto pelo presidente de qualquer dos tri-
"bunais ou pelo Ministério publico".
:msse caso de recurso nao existia no texto de 91. Foi na
reforma de 26 que se lhe acrescentou, por proposta da Co-
missao Especial da Câmara dos Deputados, destinando-se a
assegurar - lê-se no parecer de que foi relator 0 deputado
HERCULANO DE FREITAS - "a igual eficacia da lei nacional em
"todo 0 territ6rio da Republica, impedindo a desigual aplica-
"çao da mesma pelos tribunais dos varios Estados".l
o Supremo Tribunal, em varios ac6rdaos, acentuou 0 al-
canee do novo dispositivo. Entre outros, no de 21 de maio
de 1930, de que foi relator 0 ministro MUNIZ BARRETO, no quaI
se lê êste trecho, que yale por um comentario: "Instituiu-se
1 Documentos Parlamentares, Revisdo Constitucional, J, p. 321.
378 CASTRO NUNES

"mais um meio de defesa e de afirmaçao da unidade da lei


"substantiva, unidade que nâo deve ser apenas material, isto
"é, excludente de pluralidade, mas também ideol6gica, com a
uuniformizaçâo da inteligência do texto, enunciada em espe-
"cial aresto desta Alta Côrte. De nada yale fundarem os tri-
"bunais na mesma disposiçao legal a soluçao de determinada
"relaçao de direito em lide, se os julgamentos divergem em
"suas conclusoes, pela diversidade de interpretaçao da lei re-
"guladora da espécie.
"Cumpria dotar êste nova caso de recurso extraordinario
"de facilidade maior para sua utilizaçao, aumentando as pro-
"babilidades de interposiçao do salutarissimo remédio, remo-
"vedor de dissonâncias e contradiçoes entre sentenças profe-
"ridas sôbre hipoteses de idênticas situaçoes juridicas. :mIe
"nao ficou subordinado à regra geral de que 0 reclamo à jus-
"tiça superior so pode ser feito por quem é parte na processa :
"além desta, um dos tribunais divergentes tem a faculdade de
"levar a controvérsia ao supremo intérprete das leis (é um
"recurso ex-officia naD obrigatorio); bem assim, 0 procura-
"dor geral da Republica, entidade inteiramente estranha ao
"feito decidido na justiça local, mas interessado, coma repre-
"sentante da Uniao e fiscal da lei perante 0 Poder Judiciario
"federal, na fixidez do sentido das disposiçoes legislativas, na
"interpretaçao una dos textos do direito nacional". 2
A Constituiçao de 34 manteve 0 dispositivo corn redaçao
modificada, de modo a alcançar também a hipotese de dis-
crepância entre tribunais locais "e a Côrte Suprema ou outro
"tribunal federal", mantido igualmente 0 recurso de oficio
(art. 76, 1, III, letra d).
A atual Constituiçao reproduz a mesma disposiçao, corn
redaçao apenas alterada, suprünindo a referência a "outro
"tribunal fedetal".
2. Requisitos a que esta condicionada a admissao do
recurso. A decisao recorrida e as apontadas para 0 cotejo
hao de emanar de tribunais de Estados diferentes, inclusive

2 Arq. Judicicirio, v. XV. p. 449.


TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 379

os do Distrito Federal e dos TerritOrios; e definitivas, seguin-


do a regra geral, ja exposta, em virtude da quaI 0 recurso ex-
traordinario s6 se autoriza depois de esgotados, nas instâncias
locais, os recursos facultados em lei.
Aplicam-se aqui outros principios ja examinados e que
soo comuns ao recurso extraordinario em qualquer das suas
modalidades.
Assim é que a controvérsia posta no recurso pode naD
ser sôbre 0 mérito, mas sôbre uma preliminar ou questOO in-
cidente, contanto que decidida em definitivo e sem mais re-
médio nas instâncias locais. Sera essa a quesUio federaZ a
decidir, isto é, a tese ZegaZ controvertida.
As decisoes hao de ser de tribunais de apelaçao de Es-
tados ou circunscriçoes diferentes e naD das câmaras ou tur-
mas de um mesmo dêsses tribunais. É outro principio paci-
ficamente assentado pela jurisprudência. A coordenaçOO dos
julgados discrepantes das câmaras ou turmas de um mesmo
tribunal se realiza pelo recurso de revis ta, e nOO pela extraor-
dinario.
Mas 0 julgado recorrido pode ser de TUl'ma ou Câmara,
contanto que definitivo, isto é, naD susceptivel de recurso para
a Côrte Plena. Podera mesmo ser de juizo singular, em causa
de alçada, pois que 0 recurso extraordinario se autoriza das
decisoes locais "em unica ou ultima instância".3 É bem de
ver que, em tais hip6teses, a comparaçao do julgado recorrido
pode ser admitida com julgados definitivos (nos têr:mos ex-
postos) das câmaras ou turmas de outro Tribunal de Apela-
çao ou, tratando-se de causa de alçada, com julgado da
• No julgamento, na 1." Turma, do agr. de instr. n. 9.749, do Distrito Federal, havia
a arguiçao de se nao admitir 0 recurso por êsse motivo. Ao agravo se negou pro-
vimento por insuficientemente instruido. Nao por aquela arguiçao, que examinei,
como relator, nos seguintes têrmos: "0 agravado contesta 0 cabimento do recurso
por entender que, nao estando em causa dois tribunais, senao um jUizo singular de
primeira instância, que tal fol 0 prolatol' da sentença de que se pretende recorrer ex-
traordinariamente, sentença a cotejar corn 0 julgamento invocado do Tribunal pau-
lista, MO se ver1fica a hip6tese constitucional da letra d, que, diZ êle, supôe de-
cisées de tribunais, isto é, "dec!sées definit!vas dos tribunais de apelaçâo de Esta-
"dos diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territ6rios, ou decisôes den-
"n!tivas de um dêstes tribunais e do Supremo Tribunal Federal que derem il.
"mesma lei federal intel!gênc!a d!versa".
380 CASTRO NUNES

mesma natureza, desde que emanado de juiz de outro Estado~


É certo que a comparaçao esta pressuposta, na letra do dis·
positivo constitucional, entre decisôes de tribunais de ape·
laçao, denominaçao que, com base em outros dispositivos,
corresponde à instância superior colegiada na plenitude da
sua composiçao.
Mas nao vejo como possivel admitir um entendimento
literaI para excluir a possibilidade acima exposta.
A Constituiçao naD cogita de câmaras ou turmas, cria·
çao da lei ordinaria. Mas se 0 legislador da organizaçao ju·
diciaria as instituiu fracionando, em cada Estado e no Dis·
trito Federal, os respectivos tribunais de apelaçao, e se 0 le·
gislador do processo admite que, em circunstâncias prefigu.
radas, os julgamentos possam terminar nas câmaras, de vez
que a possibilidade de embargos esta limitada aos julgamen.
tos em apelaçao e, ainda ai, em têrmos muito restritos, é for.
çoso admitir que as câmaras, em tais hipoteses, proferem de-
cisôes definitivas, equiparando-se aos respectivos tribunais de
apelaçao.
Sem duvida, em muitos casos sera possivel cotejar 0 jul-
gado da Câmara com decisôes da Côrte Plena. Mas se nao
houver tais decisoes? Se acêrca do entendimento de dada
lei federal nao houver senao julgado ou julgados de câmaras
de diferentes tribunais de apelaçao? Seria possivel trancar
o recurso extraordinario, abstendo-se 0 Supremo Tribunal de
retificar a inteligência que lhe pareça errônea?
A decisao local pode ser confrontada com julgado do
proprio Supremo Tribunal, conforme esta expresso no texto
cQnstitucional vigente.
É bem de ver, entretanto, que nao coIhe 0 argumento. 0 recurso extraordl-
nario cabe mesmo em se tratando de causas julgadas em instaneia linica, como
esta expresso no texto constitucionaI e, portanto, nas causas de alçada, em quaI-
quer das hip6teses prefiguradas, nao sendo possivel excetuar a da letra d, porque
ai se fala em tribunais, paIavra que, nesse inciso, como também nos anteriores
(c e b), onde igualmente é empregada, tem a acepçao genérlca de ju.izo, que, ~ias,
lhe corresponde na terminoIogia judiciaria.
Fade, portanto, existir uma cOlisao, para os efeitos do recurso com funda-
mento na Ietra d, entre um juIgado de Instância singular e linica, desde que seJa
definitivo, como suce de no casa em exame, e juIgados outros, de aIçada, ou nao,
emanados de tribun ais superiores, contanto que finais e de Estados diferentes".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 381

Nao 0 estava na letra da reforma de 26. Mas se teria de


entender assim, por construçao com a regra do art. 60, § 2.°,
como um consectario da obrigatoriedade da jurisprudência
da instância suprema no entendimento das leis federais.
"Nesta hipotese", observou EPITÂCIO PESSOA, "a gravidade do
"perigo se revela até mais impressionante, ja porque 0 Su-
"premo Tribunal é precisamente 0 orgao incumbido de inter-
"pretar de modo -soberano as leis da Uniao, ja porque 0 des-
"respeito à sua jurisprudência pela justiça dos Estados im-
"porta uma violaçao flagrante da Constituiçao".4
- Os requisitos assentados pela jurisprudência para que
se autorize 0 recurso extraordinario, no caso Dra examinado,
saD: LO, que as decisoes ditas divergentes constem de do-
cumentos autênticos ou, pelo menos (consoante entendimento
mais liberal e recente), que tenham sido publicadas em re-
vistas técnicas de reconhecida idoneidade; 2.°, que sejam as
mesmas, qùer a relaçao de direito, quer a disposiçao legal,
aplicadas pelo julgado recorrido e pelas decisoes discrépantes.
Quanto ao primeiro requisito a jurisprudência ja foi
mais severa.
Entendia-se que so por meio de certidoes dos julgados
apontados como dissonantes seria possivel reconstituir as hi-
poteses, de modo a possibilitar 0 cotejo, com a segurança ne-
cessaria, quer no tocante à autenticidade dos julgados, quel'
l'elativamente à sua conclusividade, irrecusavelmente suben-
'tendida nos textos de 26 e de 34 e, ja hoje, expressa in verbis
"'decisoes definitivas . .. ".
Havia, entretanto, votos vencidos, entre os quais 0 do mi-
nistro RODRIGO OTÂVIO.5
Mas ja no ac6rdao de 4 de setembro de 1934 (rec. extr.
'no 2.526) prevaleceu 0 entendimento favoravel à admissibi-
lidade da prova mediante a indicaçao de repert6rio idôneo.
~sse ac6rdao, de que foi relator 0 eminente ministro COSTA
MANso, tem a seguinte ementa: "A exigência do ofereci-
"mento da certidao torna praticamente inutil 0 preceito
• Questao da TelefôniC':l, memorinl, 1. p. 37.
o Arq. Judiciario, v. XI, p. 30.
382 CASTRO NUNES

"constitucional, pois, na maior parte dos casos, 0 recorrente


"nao pode, no exiguo prazo de 10 dias assinado para a in-
"terposiçao do recurso, obter 0 documento em questao, prin·
"cipalmente quando se trata de tribunais de Estados dis·
"tantes".
o problema é de soluçao delicada. A inserçao dos jul-
gados nos repert6rios indicados nem sempre certüica sejam
êles definitivos. A reconstituiçao da hip6tese juridica tor-
na-se assim precana. Por outro lado, aumenta considera-
velmente 0 trabalho do relator, que naD podera ter à mao
todos os repert6rios forenses idôneos public ados no pais. 6
Mas, por outro lado, estaria virtualmente frustrado 0 re-
curso com a exigência de certidôes. Dai 0 temperamento
adotado no entendimento do texto. 7
Ha que ressalvar, todavia, a possibilidade ao alcance do
recorrido, de contrapor a prova de que naD é autêntico 0 jul-
gado, nem definitivo.
A identidade exigida é somente da causa petendi que se
verüica, ensina JOAo MONTEIRo, "quando em uma e outra de-

o 0 art. 854 do C6dlgo de Processo Civil refere-se ao recurso de revlsta e s6 a


êste se apllca obrlgatorlamente. As declsôes divergentes sâ,o do mesmo Tribunal,
que as conhecerâ em multos casos, dlspensando até a Indlcaçâ,o de revlstas em que
tenham sldo publlcados. Nâ,o serve, como base legal, para a dispensa das certldOeS,
que 0 Supremo Tribunal nao estarla Impedldo de exlglr.
7 Nessa ordem de Idélas flz declaraçao de voto no julgamento do rec. extr.
n. 4.508, Inadmltlndo a pl'ellmlnar de se nâ,o conhecer do recurso: "Sr. presidente,
confesso que tenho reflet!do sôbre 0 problema e que nâ,o encontro 5Oluçâo actequada
em nenhum dos dols extremos. Se exlgirmos, em todos os casos, certidâo do 0061'-
doo apontado como divergente, imposslbllltaremos, multas vêzes, a Interposiçâo do
recurso extraordlnario, porque nao seria possivel ao recorrente obter tal certidâo
dentro do prazo de cinco dlas determlnado pela lei. Se admitirmos, como prova, 0
perl6dico oncial em que 0 acocdâ,o haja .sido publlcado, poderemos encontrar difi-
culdade em obtê-Io para a de\'ida veriflcaçâ,o. Flnalmente, se aceitarmos publica-
çôes de outra natureza, como, pOl' exemplo, revlstas especiallzadas, nâo s6 poderemos
encontrar a mesma diflculdade em obter a revlsta, se esta for publicada fora do
Rio de Janeiro, como também, conle,rme acentuou 0 exmo. 3r. mlnlstro relator,
tais revlstas publlcam, muitas vêzes, ac6rdâ,os que alnda..dloo passaram em Julgado.
sujeltos, por consegulnte, a embargos:
A mlnha tendêncla, entretanto, é para admitir a publlcaçâo nessas revlstas
especiallzadas, desde que se trate realmente de publlcaçâ.o Idônea.
Nestas condiçôe~, rejelto a prellminar levantada pela exmo. sr. relator" (Dia-
ric da Just!ça de 29 de outubro de 1941).
TEORlkE PRATICA DO PODER JUDICIA.RIO 383

"mandas 0 mesmo for 0 fundamento legal do direito que uma


"parte faz valer contra a outra". 8
Dai resulta, conforme tem assentado a jurisprudência,
que ha de ser a mes ma a relaçao juridica controvertida e
com base nos mesmos preceitos de dada lei jederal. De outro
modo naD seria possivel a comparaçtio juridica.
Mas naD é indispensavel que sôbre a interpretaçao ado-
tafia pela Tribunal local se tenha questionado. 0 essencial é
que a decisao recorrida tenha desfechado numa soluçao con-
traria a julgados de outros tribunais, inclusive do Supremo.
E isso pode ocorrer, e s6 ocorrer no Ultimo ac6rdao profe-
rido na espécie. 9
Admite-se também 0 recurso, sem sair daquele critério,
quando disposiçao antiga foi reproduzida em têrmos idênticos
na preceituaçao vigente, havendo julgados sôbre aquela, os
quais podem ser trazidos à conferência no exame da inter-
pretaçao da lei posterior. 10
3. Ambito do recurso na hipOtese da letra d. Na com-
paraçao dos julgados, 0 Supremo Tribunal naD esta adstrito
a nenhuma das interpretaç6es adotadas. Podera preferir
uma terceira.
o recurso sup6e decis6es discordantes, adotando inter-
pretaç6es contrarias da mesma norma federal. Mas essa ve-
rificaçao se esgota no exame ou destaque da questtio jederal,
que nisso consiste. Dai por diante, na apreciaçao da hip6-
tese, a soberania do Supremo Tribunal naD encontra limites,
naD estando obrigado a aderir a qualquer delas, se entender
que nenhuma consagra a melhor inteligência da lei.
4. A qualificaçao legal dos fatos. A regra assentada no
exame dos outros incisos e, particularmente, no da letra a, no
sentido de que, pela recurso extraordinario, naD se examinam
• Processo, m, § 242.
• Rec. extr. n. 4.423, de ~âo Paulo, aeôrdâo de que fui relator na La Turma (15
de maio de 1941).
10 Assim deeidimos na Ln Turma, em easo de que foi relator 0 ministro ANÎBAL
F'REniE (ree. extr. n. 4.753, aeôrdâo de 18 de setembro de 1941, Didrio da Justiça de
13 de Janeiro de 1942).
384 CASTRO NUNES .

fatos e provas, nem' se interpretam convençoes e testamentos,


subsiste no casa da letra d, mas com algumas exceçoes, que
decorrem da finalidade do recurso nesta hip6tese, de vez que
tem por fim retificar uma interpretaçao desacertada da lei
federal, seja literaI ou extensiva. A interpretaçao judiciaria
é eminentemente pratica, tende necessariamente à aplicaçao
da lei, nad é um problema em abstrato, um exemplo, uma hi-
p6tese figurada. É uma operaçao de técnica juridica, em que
naD raro entram elementos que a lei naD expressa mas supoe
na sua aplicaçao. É a construçiio juridica que, segundo
GENY, se realiza mediante a apresentaçao por conceitos e
tende à sistematizaçao completa do direito. 11
Os fatos saD recebidos pela Supremo Tribunal conforme
os apresenta a decisao recorrida. Mas as deduçoes juridicas
dos fatos assim fixados naD Ihe fic am defesas em dadas hipo-
tes es. :msse entendimento é pacifico na jurisprudência da
Côrte de Cassaçao, em França. É a qualificaçiio legal dos
tatos, na hip6tese do recurso por violaçao da lei.
Também la a Côrte naD examina fatos e provas nem in-
terpreta convençoesou testamentos. Mas adroite 0 recurso
(pourvoi) - "dès qu'il s'agit d'apprecier le caractère legal de
ces faits et d'en tirer les consequences de droit qu'ils con~
tiennent". 12
Tem-se feito entre n6s uma aplicaçao, ainda que sem 0
dizer, dêsse mesmo principio na admissao do recurso extraor-
dinario para decidir, por interpretaçao de deixa testamen-
teira, se se trata de fideicomisso ou de usufruto. 13
Outro exemplo de interpretaçao juridica dos fatos é 0 do
concubinato que, nao definido na lei civil, comporta as duas
modalidades conhecidas, sem sair dos têrmos do julgado re-

11 FRANÇOIS GENY, Science et Technique, III, p. 191. Veja-se, também, Méthode


.d'Interpretation, do mesmo autor, v. l, ps. 115, 254 e outras; EspfNOLA e ESP!NOLA
FILHo, Tratado, v. III, p. 96; FERRAllA, Interpretaçao e Aplicaçao, trad. MANUEL IlE
ANDRADE, etc.
12 GARSONNE"r et BRU, ob. cit., v. 6.°, n. 377; no mesmo sentido, FABREGUETTEB,
L'Art de Juger, ps. 336 e segs.
1J 0 recurso é incabivel corn base na letra a, de vez que, admitindo 0 C6d1go
Civil os dois institutos, nao terâ violado a letra a decisâo que classif!car a verba.
·testamentûria como usufruto ou fideicomisso. 86 podera. caber na letra d.
TEORIA E PRKTICA DO PODER JUDIcrAlU:O 385

corrido. Se êste naD teve por configurado 0 concubinato por


lhe faltar a exteriorizaçao more uxorio e se ha decisOes em
outro sentido, admitindo-o mesmo sem a cohabitaçao, 0
exame do casa pelo Supremo Tribunal é possivel, e assim
sempre se entendeu, visando fixar 0 conceito juridico do con-
cubinato, 0 que importa, no exame da espécie, em dar aos
fatos a sua qualificaçao legal. 14
5. Interposiçao de oficio. Ha um equivoco na remissao
ao n. II, 2, letra b, devendo entender-se coma feita ao n. m,
letra d.
o que ai se faculta é 0 recurso de oficio, ao alcance do
"presidente de qualquer dos tribunais" e do 6rgao do Minis-
tério publico. 15
A redaçao dêste paragrafo naD prima pela clareza. A
locuçâo "pelo presidente de qualquer dos tribunais" poderia
levar a entender-se que facultado ficou ao presidente de um
Tribunal de Apelaçao recorrer da decisao de outro Tribunal, 0
que seria absurdo. A decisao recorrivel s6 podera ser a pro-
ferida pela Tribunal a que presida 0 interponente, quando des-
toante de decisoes emanadas de outros tribunaϧ.
o 6rgao do Ministério Publico competente tanto podera
ser 0 procurador geral da Republica ou um dos procuradores
regionais, coma 0 procurador geral do Estado ou do Distrito
Federal. 0 texto da reforma de 26 s6 aludia ao procurador
•• Com 0 exame do assunto se relaclona 0 que modernamente se tem cbamado 0
standard jur1dlco que, em certos casos, corresponde à qualflicaç40 1urldica dos
fatos nos exemplos tirados da jurisprudêncla da COrte de Casaaçâo. "Nom avions
depufs longtemps l'Cl chose" - diz DEMOGUE - "sans aoofr un terme spécial "ou,
la désigner" (veja-se MARCEL STATI, Le Standard JuTfdique, 1937, prefâcl0 e p. 284).
lJ; 0 recurso ex-officia estabelecldo, em certos casos, pela dec. do Govêmo Pro-
vis6rl0 n. 23.055, de 1933, nao subsistlu ap6s a Constltulçâo de 34 e, pelas mesma&
razOes, sob a atual. Asslm decldlu 0 Supremo Trlbun!Ù no rec. extr. n. 2.762, ac6r-
dao de 23 de novembro de 1938, onde se lé: "0 art. 1.°, § 1.0, do dec. n. 23.055,
"de 1933, crlou 0 recurso extraordina.rl0 ex-ol/icw sempre que os julgamentos da
"justlça local se fundassem em ~isposlçao ou princ1plo constltuclonal ou decidfs-
"sem contrariamente a lefs lederais ou a decreto8 ou atos do Govérno da Unt40.
"A Constltulçao Federal de 1934, porém, ao disclpllnar 0 usa do recurso extraordi-
"na.rl0, admltlu-o, entre outros casos, naquele em que a decisâo lmpugnada fOsse
"proferlda contra literaI disposlçao de tratado ou lei federal, sObre cuja aplicaçâo
"se houvesse questlonado (art. 72, 2, m, a). li:, como se vê, um recurso anâlogo,
"mas a que retlrou 0 carMer necessdrw, que so conservou para 0 casa do art. 76,
"2, ilI, d (art. 76, 3, para.g. ünlco) ".

F.25
386 CASTRO NUNES

geraZ da Republica, motivando duvidas que perderam a sua


razao de. serdepois que, na Constituiçao de 34, como na atual,
se adotou a locuçao ampla "pelo Ministério publico". Em
todo 0 casa ja se admitia entao que pudesse fazê-lo 0 procura-
dor geral do Estado eIll matéria criminal ou, particularizada-
mente, se interposto de decisao concessiva de habeas-corpus
(acordâo de 26 de abri! de 1929, in Arq. Judicüirio, v. 11,
p. 112).
o recurso de oficio, no caso, nâo é necessario, senac vo-
luntario. Aviva 0 interêsse publico ligado à conveniência
de unüormizar a jurisprudência no entendimento das leis
federais, imprimindo· ao' recurso a feiçao irrecusavel de via
de açâo publica:
Duvidas teem surgido na aplicaçao dêsse dispositivo, quer
quanta ao prazo para a interposiçâo, quer quanto ao efeito,
se suspensivo, ou nao, quer quanto à possibilidade de ser
usado por prèsidente de Câmara ou Turma, se desta for a de-
cisâo recorrida, etc. 16
o Supremo Tribunal examinou essas questoes no julga-
mento do rec. extr. n. 9 (acordao de 13 de dezembro de 1935),
interposto pelo presidente das Câmaras de Agravos da Côrte
de Apelaçao do Distrito Federal.

18 0 llustre professor FrLADELFO AzEVEDO, hoje ministro do Supremo Tribunal,


suscitou .outras duvidas, além dessas, que examinou: ":Il:sse dispositivo original
"atrlbuiu feiçao curloslsslma ao recurso extraordlnârio, que, infellzmente, nao foi
"realçada por. nenhum dos autorlzados escritores que sôbre 0 assunto se manl-
"festaram ap6s aquela data. '
"Crlou-se um. recurso ex-officia, alnda que em causas de natureza prtvada e
"alnda contra a vontade das partes, pois se eJ;l.tendeu que, aclma do seu interêsse,
"estava 0 do pres~!gio da lei federaI, dUacerada por entendimentos contradit6rios.
"Todavia, nunca 0 legislador ordinârio cogitou das consequências prâticas
"dêsse recurso sui generis, que desafiava uma série de Interrogaçoes, '1>. g., quem
"pagaria as custas, quem tiraria 0 traslado, necessario, quaI 0 prazo para a Inter-
"posiçl!.o e como correria, como seriam intimados os tribunais, ou seus presidentes
"e 0 procurador geral da Hepubllca ?
"Por ·outro lado, a repercussao que a sorte do recurso teria para os Interêsses
"das partes forçava outra série de Indagaçoes, por exemplo: seu provlmento anularia
"as transaçoes e os pagamentos, evitaria êle a execuçao compuls6ria? Ou, ao con-
"trârio, nl!.o teria repercussao alguma in specie a reforma do julgado, apenas se res-
"salvaudo a pureza de apllcaçao da lei federal, 0 prlncipio te6rico, sem repercussao
"sôbre as partes, que continuariam a agir, como se 0 decreto local, ou nao estivesse
"suspenso, ou nao pudesse mesmo ser cassado?" (A Crise do Recurso Extraordina-
rio, in Arq. Judiciârio, v. 62, suPl.).
TEORIA E PRATrCA DO PODER JUDrCrAIuO 387

Prevaleceu 0 voto do relator, ministro COSTA MANso, que


versou proficientemente a matéria, tendo vingado 0 entendi-
mento, nao obstante varios votos vencidos, de que 0 prazo nao
é 0 da lei comum, senao 0 de três dias, estabelecido no dec.
n. 23.055, e que competente para a interposiçao é, nao so-
mente 0 presidente do Tribunàl de Apelaçao, mas também 0
presidente da câmara ou câmaras prolatoras da decisao re-
corriveI.
É de muita ilustraçao conhecer êsse voto, que passo a re-
produzir nos seus t6picos mais expressivos :
"l. a questâo. A Côrte de Apelaçao do Distrito Federal e
"as de diversos Estados sao divididas em câmaras. Nem sem-
"pre 0 presidente da Côrte é também presidente das câmaras.
"0 art. 76, parag. fulico, da Constituiçâo, conferiu a faculdade
"de recorrer ex-officio, no casa do n. 2, inciso III, letra d, do
"mesmo artigo, ao "presidente" de qualquer dos tribunais di-
"vergentes. Quis 0 legislador referir-se ao presidente da
"Côrte ou também se refere aos presidentes das câmaras ?
"0 eminente chefe do Ministério Publico Federal sus-
"tenta, no seu parecer, que s6 0 presidente da Côrte pode
"recorrer.
"Literalmente, essa é a boa interpretaçao. A letra d do
"preceito citado alude a "divergências entre côrtes de apela-
"çâo de Estados diferentes". A expressao "presidente de
"qualquer dos tribunais", que se encontra no parag. Unico,
"parece, pois, referir-se ao presidente da Côrte de Apelaçâo.
"Penso, porém, que nao deve ser adotada a interpretaçao
"literaI.
"0 legislador, embora tivesse empregado a expressao
"Côrte de Apelaçâo, nao excluiu a possibilidade de haver
"julgamentos definitivos proferidos por câmaras ou grupos
"de câmaras. Nao é necessario, pois, para que 0 recurso seja
"interposto, que a decisao seja do Tribunal Pleno. Basta que
"seja definitiva. A divergência de interpretaçao pode, pois,
"manifestar-se em decisao proferida fora da presença do pre-
"sidente da Côrte, que, dêsse modo, ficaria impossibilitado de
"recorrer ex-officio. Quem deve recorrer é, pois, 0 presidente
388 CASTRO NUNES

"do corpo judicante, do orgao prolator da decisao. 1!:sse


"corpo judicante - câmara, grupo de câmaras ou Côrte Plena
"- é 0 "Tribunal", cujo presidente pode recorrer, nos têrmos
"50 preceito constitucional. Nem me parece quê a compe-
"tência para a interposiçao do recurso seja funçao privativa
"do presidente efetivo do corpo judicante. Deve recorrer 0
"magistrado que presidir ao julgamento, embora ocupe oca-
"sionalmente a presidência. Tendo ouvido 0 relatorio do
"feito, os debates entre as partes e os votos dos juizes, êle é
"que esta em condiç6es de apreciar a questao e conciente-
"mente fazer uso da faculdade constitucional.
"2. a questtio. 0 recurso subiu nos proprios autos e nao
"em instrumentos, certamente porque 0 dec. n. 23.055, de 9
"de agôsto de 1933, dera efeito suspensivo ao recurso ex-of-
"ficio nele instituido. Tratava, porém, êsse decreto de um
"recurso especial, de que as partes naD podiam lançar mao.
"Era uma espécie de recurso de ordem publica, que naD se
"disciplinava pelas normas gerais do recurso das partes.
"Corn a Constituiçao, êsse recurso especial desapareceu.
"Agora, 0 recurso que a Constituiçao admite é comum ao pre-
"sidente do Tribunal, ao Ministério Publico e às partes liti-
"gantes. Logo, se a lei naD estabelece 0 efeito suspensive no
"caso em que a parte recorra, naD ha razao para que se atri·
"bua êsse efeito ao recurso do presidente do Tribunal.
"Penso, pois, que os recursos ex-officia naD teem efeito
"suspensivo e devem subir em instrumento. Mas nao debm
"de conhecer do recurso, por ter subido nos proprios autos,
"uma vez que a parte vencedora naD reclamou e porque, po·
"dendo 0 relator ou a Côrte Suprema exigir a remessa dos
"autos integrais, a circunstância de terem êles sido remetidos
"espontaneamente nao inutiliza 0 recurso.
"3. a questtio. QuaI 0 prazo para a· interposiçao do re-
"curso ex-officio? É 0 de três dias, fixado no citado dec.
"n. 23.055, art. 1.0, § 1.0 ? É 0 de 10 dias, concedido às
"partes? Deve 0 recurso ser interposto no ato do julga-
"mento, para que cons te do acordao ?
ThORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAluO 389

"0 dec. n. 23.055 criara um casa nova de recurso extra~


"ordinario, nao previsto na Constituiça6 de 1891, texto de
"1926, entao vigente. Esta admitia 0 recurso ex-officia, mas
"interposto pelos proprios tribunais Iocais, no casa de diver-
"gência com a jurisprudência de outros tribunais igualmente
"locais. 0 decreto instituiu 0 recurso do presidente do Tri-
"bunaI, para 0 caso de divergência com a jurisprudência do
"Supremo Tribunal Federal e no de decisâo contraria a leis
"federais ou atos do Govêrno Federal. A Constituiçao de
"1934 adotou a inovaçao do decreto, no tocante à competên-
"cia do presidente para recorrer, e também admitiu 0 recurso,
"no casa de divergência com a jurisprudência da Côrte Su-
"prema. 0 nova recurso atualmente em vigor é, pois, uma
"combinaçao dos estabelecidos em 1926 e 1933.
"Como 0 decreto de 1933 tratou da parte adjetiva, até
"entao nâo regulada, marcando 0 prazo de três dias para a
"interposiçao do recurso, penso que êsse prazo subsiste, en-
"quanto a lei nao mandar, como é mais razoavel, que 0 re-
"curso seja interposto no ato do julgamento, para constar do
"acordao".17
6 . 0 recurso como Îllstrumento de fixaçao jurispru~
dencial. A funçao do recurso extraordinario, no casa da
letra d, é interpretar para uniformizar, isto é, optar, entre
interpretaçoes controvertidas, por uma, que fixara (ou outra,
que preferir), para uniformizar a aplicaçao da lei federai em
todo 0 pais.
A exegese fixada yale em espécie e também como diretiva
a. ser observada em hipoteses idênticas, sobretudo quando
reafirmada a orientaçao da Côrte Suprema em julgados de-
finitivos.
A autonomia inerente à funçao judicial gera um pro-
blema de düicil soluçâo, um conflito entre a convicçâo juri-
dica, que é individual, e a soluçâo adotada, que é da corpo·
l'açâo, nem sempre unânime e tantas vêzes opinativa.

17 Jurisprudência, 1935, xxxm, matérla civel, 1.- parte, ps. 425-427.


390 CASTRO NUNES

Os juizes novos, que sobreveem e trazem opiniao assen-


tada em contrario à do Tribunal e, neste mesmo, os que di-
vergiram da soluçao vencedora podem formar maioria, ope-
rando uma reviravolta na orientaçao até entao adotada.
Dai a instabilidade da. jurisprudência, fenômeno nao pe-
culiar ao Supremo Tribunal, porque idênticos em qualquer
instância colegiada aqueles fatores de desequilibrio, mas que,
em se tratando daquele, é mais grave, porque de consequên-
cias irreparaveis e porque contradit6ria, de certo modo, com
a destinaçao mesma do recurso extraordinario no caso em
exame, a quaI é pôr têrmo a controvérsias de interpretaçao na
aplicaçao das leis federais.
Mas nao ha como coibir, de modo absoluto, essa possibili-
dade, que resulta, como disse, da autonomia peculiar à fun-
,çao judicial, cujos limites dependem da conciência de cada
um, iluminada pelos ensinamentos da doutrina e do quadro
das suas idéias gerais, que tanto influem na opiniao em
concreto.
Por outro lado, nac ha como desconhecer que a juris-
prudência pode variar para melhorar, para melhor servir à
realizaçao do direito, e é nesse dinamismo, nessas possibili-
dades amplas de adaptaçao da lei às circunstâncias novas de
cada momento e aos avanços da doutrina, que esta 0 seu me-
lhor elogio como instrumento da revelaçao do direito (veja-s'e
o cap. IV do tit. VIII).
Mas é possivel encontrar um razoavel meio têrmo -
entre a necessidade de nao persistir no statu quo e, possivel-
mente, no êrro demonstrado de uma dada exegese e a conve-
niência, também atendivel, de nao modificar, sem uma razao
imperiosa ou um motivo de grande relevância, a interpreta-
çao adotada, ainda que de duvidoso acêrto.
o direito é uma idéia eminentemente pratica. A sua
realizaçao pelos tribunais reflete, mais do que 0 seu ensino
te6rico, êsse traço, que é a segurança das relaçoes juridicas
e a paz social. É preferivel algumas vêzes 0 mal menor de
um possivel desacêrto de exegese aos imprevistos da insta-
bilidade, às variaç6es da jurisprudência, que levam 0 desassos-
TEOlUA E PR!TICA DO PODER JUDICIARIO 391

sêgo, a inquietaçâo e até mesmo podem produzir injustiças


relativas, determinando soluçoes diferentes em hip6teses per-
feitamente idênticas. 18
Tomemos a liçao da Côrte de Cassaçao da França.
Dizem os expositores que ela prefere algumas vêzes abster-se
de modificar a sua jurisprudência para nâo levar a pertur-
baçao aos neg6cios - "Les revirements de jurisprudence ont-
-ils une telle gravité que la Court de Cassation aime quelque-
fois mieux persister dans une solution douteuse que de jeter,
en l'alJandonant, la perturbation dans les affaires". 19

';-;:' ,:.-
'-.'..r"·

lB TaI 0 caso da embargabWdade de ac6rdios anterlores a.o 06d1go Naclonal de


Processo. Ao entrar para 0 Bupremo Tribunal ja encontrel assentada a soluçAo
a!1rmatlva, a que aderi, ressalvando, todavla, 0 meu ponto de vista pessoal am
contrario a êsse entendimento, pols que apllcarla 0 art. 1.047, § 2.°, sem dist1ngu1r,
pelas ra.zôes que explis em voto fundamentado.
Essa ressalva nio compromete a coerêncta do jUiz, que flca com a Jurispru-
dêncta, alnda que nio convencldo do seu acêrto.
,. GARSONNET et BRU, ob. cit., v. 1.°, n. 96.
Titulo V

DAS m,BTIçAS ESPECIAIS


CAPiTULO 1

CARATER JUDICIARIO DAS JURISDIÇOES ESPECIAIS ,

No presente capitulo pouco temos a acrescentar ao que


ja ficou dito em 0 cap. IV do tit. 1 (6rgaos do Poder Judi-
ciario) .
As justiças especiais s8.o: a justiça militari que ja vinha
da Constituiçao de 91 como modalidade destacada da justiça
federal; a justiça especial, de que cogita a atual COl1stitui-
'çao nos arts. 122, 17, 141 e 172; e a justiça do trabalho, que i
ja vinha da. Constituiçao de 34. Hesitou-se, a principio, em
admitir como integrante da ordem judicidria a justiça espe-
cial, cujo 6rg8.o continua a ser 0 Tribunal de Segurança
Nacional; e, sobretudo, a justiça do trabalho - entenden-
do-se que, ja pela composiç8.o anômala de ambas, aberrante
do standard constitucional das justiças regulares, ja porque,
n8.o articuladas, pelo mecanismodos recursos, com os tribu-
nais comuns, constituem organismos à parte, escapando à
hierarquia judiciaria.
Dizia-se entào que, por ÎS80 mesmo, as omitira 0 art. 90
da Constituiçao, na enumeraç8.o dos 6rg8.os judiciarios.
Mas nenhuma procedência tinham as duvidas suscitadas.
o argumento tirado da n8.o menç8.o dos 6rgaos da justiça es-
pecial e da justiça do trabalho no art. 90 era de palpavel in-
consistência. Basta considerar que também a Constituiç8.o
de 34 nao mencionava na enumeraçao do art. 63 os 6rg8.os
locais, que nem por isso se suspeitou jamais naD fôssem judi-
ciarios.
396 CASTRO NUNES

A prop6sito do juri, que, omitido no texto constitucional


vigente, se teve por também exc1uido, esclareceu magnüica-
mente 0 ministro da Justiça FRANCISCO CAMPOS: "Argumen-
"ta-se que a nova Carta constitucional tacitamente aboliu 0
"tribunal popular, de vez que nao faz mençao dêle, deixando
"de inclui-lo entre os "6rgaos do Poder Judiciario", enumera-
"dos no seu art. 90. A improcedência do argumento é, porém,
"manifesta. Funda-se êle no velho e desacreditado principio
"inclusio unius exclusio alterius, ja substituido, na doutrina
"e na jurisprudência, salvo casos especiallssimos, pela afo-
l "risma contrario: positio unius non est exclusio alterius.
"Para evidenciar 0 êrro da sua aplicaçao na espécie, basta
"atentar em que, no citado art. 90, a Constituiçao nao faz
"igualmente referência aos juizes e tribunais que terao de
"julgar os crimes politico-sociais (art. 172) e as questoes entre
"empregadores e empregados (art. 139) ; e seria absurdo con-
"c1uir-se dai que tais juizes e tribunais sejam 6rgâos de outro
"poder que nao 0 Judiciario". 1
Na verdade, nao haveria onde colocar tais justiças se elas
nâo coubessem no Poder Judiciario. Jurisdiçoes administra-
tivas nao 0 sao, porque uma delas é uma jurisdiçâo penal (e
as jurisdiçoes penais, como veremos, 2 sao necessariamente
judicicirias) e a outra é uma jurisdiçao cujo particularismo
da a razao da autonomia pressuposta na sua instituiçao.
Nao ha duvida que soo justiças anômalas na sua com-
posiçao. Mas isso nao basta para exclui-las do quadro judi-
ciario, porque também 0 soo as justiças de paz e 0 juri, como
os prud'hommes e os probiviri, 6rgaos judiciarios uns e
outros.
Mas, 0 que mais impressionava aos opositores do carater
judiciario de tais justiças era a ausência de articulaçao delas
no mecanismo dos recursos com as instâncias regulares.

1 Exposlçao de motlvos do deCo-lei n. 167, publlcada na Bev. Forense, v. 73, p. 219.


2 Tito VIII, "Do Judlclé.rlo em funçâo", capo l, no 4.
TEORIA E PRATICA DO PODER JunICIAIuO 397

Também essa nao sera uma razao decisiva. 0 juri era autâ-
nomo como jurisdiçao do mérito, na organizaçao antiga e
nem por isso deixava de ser 6rgao judiciario.
Hoje, porém, nao mais se contesta 0 carater judiciârio
dêsses organismos. De modo que é desnecessârio levar mais
longe 0 exame da antiga controvérsia. 3

8 . 0 fato mesmo de se permitir, como 0 faz a lei, e jama.1!l se d1Bcutlu - que


pudeBBe um mag1Btra.do aceltar a presldêncla do Tribunal de Segura.nça Naclona.1
sem perds. do cargo jUdlclal, revela a identida.de da funçâo (ConstituiçAo. art. 92)
e, portanto. 0 ca.râter judlciârio do 6rgAo.
Outro indice expresslvo: 0 dec.-lei n. 88, de 20 de dezembro de 1937, fazendo
do Tribunal de Segurança 6rgao da justlça especla.1. permltlu-lhe deprecar d1l1-
gênclas às autorldades judiciârlas e mandar pUblicar 0 seu expediente e dec1s6es
no Diario da Justiça.
Do mesmo modo, rels.tlvamente à justlça do trabalho, cujo carater judic1âr1o
ficou bem patente, desde que fol pOBBivel repartir a jur1sdlçll.o traba.lh1Bta. entre
as juntas e os juizes de d!re!to nos lugares onde nAD ex1stam aquelas. 0 que acen.
tua a identidade da funçâo. Sao aspectos a que voltaremos.
CAPITULO TI

roSTIÇA MILITAR

BUWRIo: 1. Razl!.o de ser da Justlça mUltar. 2. Organizaçl!.o da justlça mUltar.


Garantias de funçl!.o. 3. Jurlsdlçl!.o e competêncla. 4. Delitas mllltares.
Moda.lldades. Cr1tér10 leglslat1vo. 5. Extensâo do fOro mllltar aos c1vls.
6.0 Supremo Tr1buna.1 MUltar. Competênc1a orlglnâr1a. Art1culaçl!.0 com 0
Supremo Tribunal Federal. 7. 0 habeas-corpus na juriBd1çl!.o mUltdr.
8. Pol1c1a.s mil1tarizadas. Podem 05 Estados Inst1tuir jur1sd1çl!.0 mlllta.r?
9. Estado de guerra. 10. Just1ça. mUltar de guerra. 11. Penas mllltares.
Pena de morte. 12. Consequênc1a.s da condenaçâo. Perda de pOsta e pa-
tente. Cumprlmento da pena.

1. Razao de ser da justiça militar. A jurisdiçao militar,


diz JOAo VIEIRA DE ARAuJO, "nao é um privilégio pessoal, nem
"uma prerrogativa de corporaçao ou seita, mas é ordenada
"sôbre a essência do serviço militar, a quaI naD adroite que a
"disciplina fique perturbada ou enfraquecida, que sejam sub-
"traidas aos chefes militares a vigilância sôbre as ordens, a
"subordinaçao e 0 juizo das violaçoes delas; donde a com-
"petência militar é uma exceçao de severidade, e naD de favor,
"nao respeita senao a matéria do fato criminoso cometido
"pelo militar nas relaçoes que 0 envolvem no serviço militar".
Nao é a justiça dos militares, corn 0 carâter de privilégio
\ de fôro para quaisquer delitos: "Se os tribunais militares",-
\ acrescenta 0 emérito criminalista, - "julgassem os militares
"por todos os crimes respectivos e também pelos de direito
"comum, a jurisdiçao militar adquiriria 0 carâter de um pri-
"vilégio de fôro pessoal, que naD seria conciliâvel corn os prin-
"cipios da igualdade civil que dominam as legislaç6es mo-
"dernas". 1
l Direito Penal do Exército e Armada, p. 53.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 399

o principio fixo e que caracteriza a jurisdiçao é, pois, 0


da infraçao, que ha de ser militar, ainda que susceptivel de
conceituaçao larga, contanto que incriminado 0 fato com
êsse carater pelo legislador. É dentro dêsse critério que esta
definido 0 fôro militar na Constituiçao: "Os militares e as
"pessoas a êle assemelhadas terao fôro especial nos delitos
~'militares". Corrobora êsse entendimento a possibilidade
que se reservou ao legislador de estendê-lo aos civis, quando
cometerem crimes contra a segurança externa do pais ou as
instituiçoes militares, crimes que deslocados de outra juris·
diçao para aquele fôro passam a ser necessariamente crimes
militares, porque de outros naD conhece a justiça militar.
A razao de ser da jurisdiçao é a mesma que informa 0
1;>ireito Penal Militar, no seu particularismo. A jurisdiçao é \1
coextensiva da preceituaçao especial. Se esta refoge ao di-
reito comum, estabelecendo sançoes adequadas à violaçao de
deveres especiais dentro de um critério geral de maior seve·
ridade necessârio à coesao e disciplina dos exércitos, a juris..
diçao correspondente teria de articular-se pelo mesmo crité-
rio, dentro do mesmo quadro de principios. 2

• A nossa. antiga. legislaçâo penal mUital' remonta ROS Artigos de Guerra, do


conde de LIPPE. que datam de 1763. e a varias disposiçôes esparsas em alvarâ8,
canas régias, etc., do periodo colonial. Mais tarde, a provisâo de 27 de outubro
de 1838 regulou 0 assunto, seguindo-se-lhe 0 dec. de 18 de setembro de 1851.
Vârias tentativas de codificaçâo merecem recordadas: a de MAGALHAEs
CASTRO, em 1861, quanto 0.0 processo militar; a da Comissâo presidida pela conde
D'Eu, em 1865-66; e da quaI foi relator TOMAZ MVES, até 0 Esbôço do jurisconsulto
CARLOS DE CARVALHO, em 1890. como relator da Comissâo que tinha como presidente
BENJAMIM CONSTANT. Mas 0 Govêrno Provis6rio nâo adotou 0 trabalho da Comis-
sao, com 0 quaI nada tem de comum 0 C6digo Penal da Armada (dec. n. 949, de
5 de novembro de 1890), nem 0 dec. de 7 de março de 1891, codiflcaçao mais tarde
ampliad!l 0.0 Exército (lei n. 612. de 29 de setembro de 1899). Quanto 0.0 processo
militar. vigorou, por muito tempo, 0 Regulamento ProcessualMilitar. baixado pelo
Supremo Tribunal Militar em 16 de julho de 1895, em vlrtude de delegaçâo dada
pelo dec. n. 149. de 1893. 0.0 Executivo, que da regulamentaçâo incumbiu aquele
Tribunal, cujo. organizaçao e funçôes foram definidas pela dito decreto. Varias
outras iniciativas sao dignas de nota. entre as quais a de CLOVIS BEVILAQUA. por
incumbência do enUo ministro da Marinha. MARQUES DE LEAO; a do deputado CAN-
DIDO MOTA, em 1911, etc. (veja-se CRIS6LITO DE GUSMAO. Direito PenyzZ MiZitar,
ps. 33 e segs.). A justiça mllitar foi reorganizada pela dec. leg. n. 15.635, de 26
de agôsto de 1922 (C6digO de O»ganizaçâo Judiciaria e Processo Militar), a que se
seguiu 0 dec. n. 17.231-A, de 26 de feverelro de 1926 (C6digo da Justiça Militar),
etc. A organizaçâo atual é a do dec.-Iei n. 925. de 2 de dezembro de 1938 (C6digo
da Justlça MUltar).
400 CASTRO NUNES

2. Organizaçao da justiça militar - Garantias de


funçao. Sao orgaos da justiça militar, diz a Constituiçao no
art. 112, "0 Supremo Tribunal Militar e os tribunais e juizes
"inferiores criados em lei". Ja no art. 90, c, definira como
orgâos do Poder Judiciario "os juizes e tribunais militares':.
o duplo grau de jurisdiçao esta aU pressuposto na locuçâo
"tribunais e juizes inferiores", como regra a observar no me-
canismo. Somente 0 Supremo Tribunal Militar tem existên-
cia prefixada na Constituiçao. As instâncias subordinadas
serâo as que a lei ordinaria instituir para 0 exercicio da ju-
risdiçao militar, com 0 conteudo que a esta puder reservar na
contormidade de outras clausulas constitucionais.
o Supremo Tribunal Militar tem sede na capital da Repu-
blica e jurisdiçao em todo 0 territorio nacional. É um orgao
de composiçao mista, em que predomina 0 elemento militar.
Compoe-se de 11 juizes com a denominaçao de ministros,
nomeados pelo Presidente da Republica, dos quais três esco-
lhidos entre os generais efetivos do Exército, dois dentre os·
oficiais, de igual graduaçao, da Armàda, dois dentre os ofi-
ciais generais da Aeronautica e quatro civls (dec.-Iei n. 925,
de 2 de dezembro de 1938 [Codigo da Justiça Militar] e dec.-Iei
n. 4.235, de 6 de abril de 1942).3
o presidente e 0 vice-presidente saD escolhidos pelo pro-
prio Tribunal dentre os ministros militares, pela prazo de
dois anos.
A primeira instância é constituida por juizes togados,
chamados audit ores, e por conselhos de justiça, compostos de

3 Dec.-Iei n. 4.235, de 6 de abrll de 1942:


"Art. 1.0 Fica alterada a composiçâo do Supremo Tribunal M1l1tar fixada no
"art. 8.° do C6digo da Justiça Mll1tar (dec.-Iei n. 925, de 2 de dezembro de 1938).
"que passa a ter a seguinte redaçâo: Art. 8.° 0 Supremo Tribunal M1l1tar com-
"por-se-a. de 11 juizes vital1cios com a denominaçâo de ministros, nomeados pelo
"Presidente da Republica, dos quais três eBcolhidoB entre os generais efetivos do
"Exército, dois dentre os ofic1ais generais da Armada, dois dentre OB oflc1ais gene-
"rais da Aerona.utica e quatro civis".
"Art. 2.° Aos ministros m1l1tares da Aeronautica fica extensiva a prescrlç!!.O
"do art. 11 e tôda a legislaçâo em vigor relativa aos demais ministros m1l1tares.
"Art. 3.° A nova composiçao do quadro dos ministros m1l1tares tornar-se-à
"efetiva conforme forem ocorrendo as respectivas vagas, atinentes aos oficiais ge-
"nerais do Exército e da Marinha".
TEORIA E PR.,\TICA DO PODER JUDICrARIO 401

um auditor e de quatro juizes militares de patente superior


à do acusado. Os juizes militares saD designados nas épocas
pro prias mediante sorteio na forma preceituada. Os conse-
Ihos funcionam, conforme 0 caso, na sede da auditoria ou na
parada da unidade a que pertencer 0 acusado. Preside-os 0
oficial superior ou general mais graduado e, no casa de igual-
da de de pôsto, 0 que for mais antigo.
Vitalicios saD somente os juizes do Supremo Tribunal Mi-
litar e os audit ores, considerados, estes e aqueles, ainda sob a
Constituiçao de 91, como magistrados federais, gozando das
garantias correspondentes. 4
Quanto à inamovibilidade ha que distjnguir, porém.
Dispoe a Constituiçao, no art. 113, que "a inamovibilidade
"assegurada aos juizes militares naD os exime da obrigaçao
"de acompanhar as fôrças junto às quais tenham de servir"~.
A disposiçao sa pode ter aplicaçao em se tratando de
juizes militares inferiores, que saD os auditores e os compo-
nentes dos conselhos de justiça. Nao se aplica aos ministros
do Supremo Tribunal Militar, porque referente, nos têrmos
preceituados, aos orgaos cujo deslocamento esta previsto na
lei orgânica da justiça militar, etais saD os conselhos de
justiça corn os auditores que deI es façam parte. Aquele Tri-
bunal é orgao sedentario, naD se desloca nem mesmo em
tempo de guerra, em que lhe fazem as vêzes no teatro das
operaçoes os conselhos superiores de justiça militar, que sâo
tribun ais especiais de segunda instância (Codigo da Justiça
Militar, art. 332).
o deslocamento dos orgaos militares de hierarquia in-
ferior é inerente à funçao, naD se confunde, pois, corn a re-
moçao de que cogita 0 parag. unico do art. 113 - "Cabe ao
"Supremo Tribunal Militar determinar a remoçao dos juizes
"militares, quando 0 interêsse publico 0 exigir".
A remoçao é medida de serviço, de outra natureza, tenha
ou nao tenha carater punitivo. Esta prevista coma exceçao ao
principio da inamovibilidade para os juizes em geral "pela
i,l'
l'
"voto de dois terças dos juizes efetivos do Tribunal superior
4 Veja-~e 0 cap. l do tit, II.

F.26
402 CASTRO NUNES

"competente, em virtude do interêsse publico" (art. 91, b).


Particularizou-se, apenas, 0 preceito no tocante aos juizes
militares, para 0 efeito de titular a atribuiçao no Supremo
Il Tribunal Militar e de suprimir a condiçao de ser tomada a
\ deliberaçao por dois terços de votos, bastando, pois, que 0 seja
por maioria absoluta, salvo se a lei dispuser de outro modo.
Os aparelhos auxiliares compreendem 0 procurador geral
da justiça militar, que é 0 chefe do Ministério Publico e fun-
ciona junto ao Supremo Tribunal Militar, promotores, advo-
gados de oficio, além dos serviços auxiliares inerentes à auto-
nomia dos tribunais (Constituiçao, art. 93).
De um modo geral os juizes militares estao sujeitos às
mesmas proibiçoes prescritas para os magistrados civis (ar-
tigo 92). Igualmente aplicavel 0 preceito do art. 96, refe-
rente ao quorum para a declaraçao da inconstitucionalidade
de lei ou ato do Presidente da Republica.
3. Jurisdiçao e competência. Dispoe a Constituiçao no
art. 111: "Os militares e as pessoas a êles assemelhadas terao
"fôro especial nos delitos militares. :Èste fôro podera esten-
"der-se aos civis, nos casos definidos em lei, para os crimes
"contra a segurança externa do pais ou contra as institui-
"çoes militares".
o dec.-lei n. 925, de 2 de dezembro de 1938 (C6digo da
Justiça Militar), ja na vigência da nova Constituiçao, assim
dispôs sôbre a competência :
"Art. 88. 0 fôro militar é competente para processar e
"julgar os crimes definidos em lei como militares :
Ua) os militares em serviço ativo no Exército e na Ar-
"mada, dos diferentes quadros ;
Ub) os oficiais da 1. a classe da reserva de La linha e os
"reformados do Exército e da Armada, quando em serviço ou
"comissao de natureza militar ;
"e) os oficiais da 2.a classe da reserva de La linha do
"Exército, nos têrmos do art. 17 do dec. leg. n. 3.352, de 3 de
"outubro de 1917 ;
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 403

"d) os oficiais da reserva da Armada, nas mesmas con-


"diç6es dos da 2. a classe da reserva do Exército de 1.a linha;
"e) os oficiais e praças do Exército de 2. a linha, nos
"têrmos do art. 6.° do dec. n. 13.040, de 29 de maio de 1918 ;
"t) os reservistas do Exército de 1.a linha e os da Ar-
"mada, quando mobilizados, em manobras ou em desempe-
"nho de funç6~s militares ;
te g ) os sorteados insubmissos;
"h) os assemelhados do Exército e da Armada;
te i) os civis, nos crimes definidos em lei que atentem
"contra a segurança externa do pais ou contra as instituiç6es
"militares ;
te j) os oficiais e praças das policias, quando encorpora- .
"dos às fôrças federais ;
te l) os militares e seus assernelhados quando pratica-
"rem crime nos recintos dos tribunais militares ou suas de-
"pendências, nos lugares onde estes funcionem, nas audito-
"rias, nos quartéis, navios, aeronaves, embarcaç6es, reparti-
"ç6es e estabelecimentos militares e quando em serviço ou co-
"missao de natureza militar, ainda que contra civis;
"m) os militares da ativa em crime contra militares
"também da ativa, ainda que nao sejam praticados em lugar
"militar, nem em razao de serviço ou da funçao militar.
"Art. 89. Sao assemelhados os individuos que, nao per-
"tencendo à classe militar, exercem funç6es de carâter civil
"ou militar, especificadas em lei ou regulamentos, a bordo de
"navios de guerra ou embarcaç6es a estes equiparadas, nos ar-
"senais, fortalezas, quartéis, acampamentos, repartiç6es, lu-
"gares e estabelecimentos de natureza e jurisdiçao militar e
"sujeitos por isso a preceitos de subordinaçao e disciplina pre-
"vistos nas leis e regulamentos disciplinares".5

5 0 dec.-Iel n. 4.766, de 1 de outubro de 1942, modificou a competênc!a da jus-


t!ça militar, em tempo de guerra, repartlndo-a com 0 Tribunal de Segurança Na-
cional, nos têrmos da lei const!tuc!onal n. 7. de 30 de setembro, que alterou 0
art. 173 da Constltu!çâo. Veja-se, ad!ante, 0 exame da matéria no estado de gueTTa.
404 CASTRO NUNES

4 . Delitos militares - Modalidades - Critério legis-


lativo. Nao existe, - escreve ESMERALDINO BANDEIRA, - um
critério cientifico unanimemente indicado e aceito para a
classificaçao do crime militar. Nem cientifico, nem legal,
neni jUrIsprudencial. Variam tanto nesse assunto a dOu-
trina quanto a jurisprudência e a lei. C6digos ha que, em
seus pr6prios ditados, divergem sôbre 0 elemento informativo
da referida classificaçao, formulando espécies e individuando
casos de delito militar em que entra ora um, ora outro dos
critérios conhecidos de diferenciaçao especifica. Segundo in-
forma CHASSUGNADE BELMIN, a expressao infraç6es militares
po de ser entendida em três acepç6es diferentes. Em primeiro
lugar, e no sentido mais largo da expressao, significa - todo
delito em que 0 autor esta sujeito à jurisdiçao dos tribun ais
. militares. Em segundo lugar, e na acepçao mais usual, quer
dizer - infraç6es que fazem objeto de dispositivos especiais
nas leis penais militares. Em terceiro lugar, e no sentido
mais restrito, designa aquelas infraç6es que s6 por militareS
podem ser cometidas, em razao das obrigaç6es particulares
que Ihes incumbem nessa qualidade.
É, porém, corrente e usual entre n6s a divisao de tais
crimes em pr6pria e impropriamente militares ou em essen-
cial e acidentalmente militares.
Os primeiros sup6em a um tempo qualidade militar no
ato e carater militar no agente. Sao os crimes que, conforme
o ensinamento de certa doutrina, constituem um residuo de
infraç6es irredutiveis ao direito comum.
Os segundos saD crimes intrinsecamente comuns, mas
que se tornam militares, ja pela carater militar do agente, ja
pela natureza militar do local, ja pela anormalidade da época
ou do tempo em que saD cometidos.
Segundo CLOVIS BEVILAQUA, os crimes militares devem ser
distribuidos em três grupos: 1.0, crimes essencialmente mi-
litares; 2.°, crimes militares por compreensao normal da
funçao militar; 3.°, crimes acidentalmente militares.
o mais antigo documento em nosso direito sôbre essa
matéria é a provisao de 27 de outubro de 1834, que reputava
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO 405

crimes meramente militares todos os declarados nas leis mi-


litares e que s6 pelos cidadaos alistados nas fileiras poderiam
ser praticados. Etais eram, segundo a dita provisao: 1.0, os
que violam a santidade e religiosa observância do juramento
prestado pelos que assentam praça; 2.°, os que ofendem a
subordinaçao e boa disciplina do Exército e da Armada; 3.°,
os que alteram a ordem politica e econômica do serviço mili-
tar, em tempo de guerra ou de paz; 4.°,0 excesso ou abuso de
autoridade em ocasiao de serviço ou influência de emprêgo
militar, nao excetuados por lei, que positivamente prive 0 de-
linquente do fôro militar.
Os têrmos demasiado vagos dessa enumeraçao foram cri-
ticados por TOMAZ ALVES.
"A tendência modern a e verdadeira", - informa CRISO-
LITO DE GUSMAO, - "é a que propugna so possam ser -consi-
"derados crimes militares aqueles que so pela militar podem
"ser cometidos, constituindo assim uma infraçao especifica,
"pura, funcional ou de serviço".
Em nosso direito constituido, a orientaçao é, porém,
outra. E a jurisprudência a tem legitimado. É 0 que vere-
mos a seguir.
Ja em 1910, 0 ministro GUIMARAES NATAL, entao procura-
dor geral da Republica, escrevia em parecer: "Segundo a
"doutrina da resoluçao tomada sob consulta do Supremo
"Tribunal Militar, de 1 de setembro de 1902, os crimes defi-
"nidos no Codigo Penal da Armada aplicavel ao Exército saD
"essencialmente ou acidentalmente militares. Essencialmente
"sao os que, de sua natureza militares, teem por agente um
"militar; acidentalmente os que, de natureza comum, prati-
"cados por militar, assumem 0 carater de militares pelas cir-
"cunstâncias especiais do tempo ou lugar em que saD cometi-
"dos, pelo dano que, dadas certas circunstâncias, causam à
"administraçao, à hierarquia, ou à disciplina militar, como 0
"crime praticado por militar dentro dos quartéis, suas depen-
"dências, etc."
Essa doutrina, do Supremo Tribunal Militar, foi aceita
pelo Supremo Tribunal Federal no acordao de 21 de junho
406 CASTRO NUNES

de 1912, a que serviu de base aquele parecer (sôbre os di-


ferentes aspectos do assunto, vejam-se: ESMERALDINO BAN-
DEIRA, Direito Penal Militar; CRISOLITO DE GUSMAO, Direito
Penal Militar).
o Supremo Tribunal Federal e 0 Militar teem conti-
nuado a entender que os crimes militares sac os que a lei
define como tais - ratione legis.
TaI a doutrina explanada no ac6rdao de 28 de setembro
de 1928 do Supremo Tribunal Militar, no quaI se lê: "Os
. "demais conceitos diferenciais da natureza dêsse delito, coma
"sejam ratione materiœ, ratione personœ, ratione loci, ratione
"temporis - serviram, sem duvida, de orientaçao ao legisla-
"dor, para a capitulaçao dos crimes constantes do C6digo,
"atuando, ora isoladamente, ora concomitantemente.
"Teoricamente, 0 crime se torna militar pela concurso de
"dois ou mais daqueles critérios; um s6 dêles raramente é
"suficiente para sua caracterizaçao, salve quando contém im-
"plicitamente um dos outros. Assim é que 0 crime de deser-
"çao se reput a essencialmente militar, ratione materiœ, mo-
"tivo êsse que naD pode existir no caso sem 0 elemento pes-
"soal, ratione personœ, porque, sem que 0 agente seja mUi·
"tar, 0 crime nao po de ter essa natureza.
"0 mesmo se da em relaçao aos crimes de abandono de
"pôsto, de inobservância do dever militar, de insubordinaçao,
"de traiçao, de cobardia, revolta, todos, essencialmente ;rnili-
"tares, ratione materiœ. Os crimes de morte, les6es corpo-
"rais, furto, dano, peculato, falsidade administrativa e ou-
"tros, s6 se consideram militares quando praticados por mili-
"tares contra militares, ou no exercicio de funç6es militares.
"Os crimes de libidinagem teelITl a indicar-Ihes 0 carater mi-
"litar somente 0 critério ratione personœ. Os delitos previs-
"tos no art. 3. 0 , § 3. 0 , do C6digo Penal Militar consideram-se
"passiveis de penas militares e sac sujeitos aC' fôro militar,
"ratione tempol'is e ratione loci, independentemente do cri-
e'tério pessoa!.
"Para 0 juiz", - sac ainda palavras do ac6rdao, do quaI foi
relator 0 ministro EDMUNDO DA VEIGA, - "para 0 juiz, porém,
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 407

"0 critério regulador e decisivo da diferenciaçao do crime mi-


tllitar é0 ratione legis. Se 0 deUto estiver previsto no Côdigo
"Penal Militar é militar, e se nele naD tiver sido incluido, nâo
"pode como tal ser considerado". Assinou vencido 0 minis-
tro BULCAO VIANA, que, entretanto, escreveu no seu voto :
"Nao sou dos que entendem que 0 fôro militar so é compe-
"tente para conhecer dos crimes propria ou essencialmente
"militares, isto é, os que so pelo soldado podem ser cometidos,
"por consistirem na infraçao especifica e funcional da pro-
"fissao militar. Penso, ao contrario, que 0 fôro militar é tam-
"bém competente para conhecer dos crimes impropria ou aci-
"dentalmente militares, isto é, daqueles que, por sua natu-
"reza, embora possam ser considerados comuns, tenham, en-
"tretanto, alguma razao especial em sua estrutura que dire-
"tamente possam afetar a subordinaçao, boa ordem e disci-
"pUna militar".
Acrescenta, porém: "Ora, 0 nosso Codigo Penal Militar
"é quase copia servil do C6digo Penal (:olITlum, e por isso um
"notavel jurista patrio, de saudosa mem6ria, teve ocasiao de
"dizer que no Codigo Penal Militar sa nao se encontrava de-
"finido e previsto 0 crime de abôrto.
"No direito brasileiro, coma diz RU! BARBOSA, em seu no-
"tavel parecer, por ocasiao da conspiraçao militar em 1904,
"0 critério do delito militar é, mui acertadamente, ao mesmo
"tempo, real e pessoal: ratione materiœ e ratione personœ.
"Assim, nem 0 critério ratione legis, apreciado isolada-
"mente, nem 0 critér.io ratio ne loci, apreciado em conjunto,
"po de, como se pretende, na hip6tese vertente, caracterizar 0
"delito militar, para 0 relegar à competência dos tribunais
"militares". 6
A doutrina do ac6rdao acima citado tem sido confirmada
pela Supremo Tribunal Federal. Crimes militares sao os que
a lei define, "sao os crimes previstos na leI camo militares".
Tanto assim que - argumenta ac6rdao que vamos transcre-
ver linhas adiante - se houvesse 0 pensamento de subtrair
ao conhecimento da jurisdiçâo militar os crimes impropria-

• In Rev. de DiI'cita, v. 90, ps. 289-292.


408 CASTRO NUNES

mente ou acidentalmente militares, 0 texto constitucional


teria intercalado entre 0 substantivo delitos e 0 adjetivo mili-
tares um advérbio que restringisse 0 sentido dêste. Por outro
lado, a linica limitaçao autorizada é a que se contém na atri-
buiçao para julgar os crimes politicos, dada à justiça federal
comum, e insusceptivel, portanto, de ser absorvida pela ju-
risdiçao militar.
Tratava-se de um casa de peculato, delito previsto no Co-
digo Penal Militar (art. 43), tendo sido 0 réu condenado pelo
Supremo Tribunal Militar, conhecendo da espécie a instância
suprema por via da revisao criminal, sob a alegaçao da in-
competência da justiça militaI' para julgamento de crime ma-
terialmente comum e pertinente às atribuiçoes da justiça fe-
deral, com assento nos arts. 59-60, letras bec.
Assim estatuiu 0 acordao relatado pela ministro MUNIZ
BARRETO: "Êsse delito, de peculato, esta previsto na lei mili-
"tar, e naD perde aquele caràter pelo fato de se naD compreen-
"der entre as infraçoes puramente, essencialmente militares.
"É 0 que resuIta do estudo dos arts. 72, § 23, e 77 da Consti-
"tuiçao da Republica".
E, linhas adiante: "Como se vê, 0 que sejam delitos mi-
"litares, as suas diversas espécies ou classes, se estas se devem
"constituir obedecendo aos critérios ratione materiœ, ratione
"loci aut temporis, ou se, ao contrario, é de necessidade re-
"duzir êsses delitos às infraçoes especificas e funcionais do
"soldado, aquelas em que ha dupla concorrência de qualidade
"militar - no ato e no agente, tudo isso ficou a cargo das le-
"gislaturas ordinarias, sendo neste ponto restaurado 0 pen-
"samento da primeira parte do art. 100 do Projeto da Comis-
"sao nomeada pela Govêrno Provisorio que excluiu do fôro
"comum os crimes definidos em lei militar.
"Se a Constituinte houvesse deliberado desatender a êsse
"pensamento, teria colocado entre 0 substantivo delitos e
"0 adjetivo militares, modificando êste, um dos seguintes
"advérbios: propriamente, puramente, essencialmente, pri-
"vativamente.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDIC:çARIO 409

"Comentando 0 aludido art. 77, escreveu JOAo BARBALHO :


"Hoje, todos os crimes militares sao definidos pelo C6digo
"Penal da Armada, de 7 de março de 1891, ampliado ao Exér·
"cito pela lei n. 612, de 29 de setembro de 1899" - (Nota).
"Para CARLOS MAXIMILIANO, a emenda VALADAO-GABINO BE-
"SOURO revela 0 desejo de nada se inovar em semelhante as-
"sunto, como declarou 0 ultimo. 7
"0 que 0 legislador constituinte quis, portanto, foi que
"os crimes previstos na lei como militares, e naD todos os cri-
"m.es perpetrados por militares, fôssem sujeitos à jurisdiçao
"militar.
"É bem de ver que daquela regra se excetuam os crimes
"politicos, porque a Constituiçao deu 0 processo e 0 julga-
"mento dessas infraç6es penais à justiça federal propriamente
"dita (art. 60, letra i), cuja competência esta regulada na
"secçao relativa ao Poder Judiciario, e no art. 81".
Foi voto vencido 0 do ministro HERMENEGILDO DE BARROS,
que tinha por "in competente a justiça militar, desde que nao
"se trata de delito propriamente militar, que é 0 que s6 por
"militar po de ser cometido, isto é, 0 delito que constitue in-
"fraçao especifica e funcional do soldado" (ac6rdao, na Rev.
Criminal, n. 2.138, de 9 de novembro de 1925, confirmado em
embargos pelo de 9 de novembro de 1927, in Arq. Judicidrio,
v. VIII, p. 55).
o que se po de concluir do que acaba deser exposto é
que crimes militares sao os que a lei define como tais ou su-
jeitos ao julgamento dos tribunais militares. Nao existe para i
o legislador qualquer limite fundado na natureza da infra-
çao. Esta, qualquer que seja, pode, em circunstâncias pre-
figuradas na lei, constituir um delito militar e caber na ju-
lisdiçao militar. Por isso é que 0 crime comum, praticado
em dada ocasiao ou em certo lugar - ratione temporis aut
loci - toma a feiçao de, ainda que acidentalmente, militar.
Assim, 0 crime comum, cometido em certos recintos, repu-
ta-se militar.

7 CARLOS MAXIMILIANO, Comentàrios à ConstituiçfÏo BrasileiT'3, p. 471.


410 CASTRO NUNES

o dec. n. 20.256, de 14 de novembro de 1931, criou êsse


caso de competência ratione loci: "Os crimes praticados nas
"audiências e nas sessoes dos conselhos de justiça militar e
"nos recintos das auditorias e dos quartéis ou repartiç6es mi-
"litares sac da competência da justiça militar".
Sobrevindo a Constituiçao de 34 e jâ na vigência da de
10 de novembro que, como aquela, limita aos delitos milita-
res, porque so a estes alude, a competência da justiça militar,
o Supremo Tribunal Militar teve por inaplicâvel 0 dispositivo
num caso de ofensas fisicas (crime comum) praticado por
oficial do Exército contra auditor de guerra na sala das au-
diências da Auditoria (habeas-corpus n. 8.769, acordao de 17
de novembro de 1937).
De acôrdo com os principios que expusemos aCima, se a
lei incriminou 0 fato como infraçao militar, ainda que so pOl'
êsse elemento acidental - 0 lugar em que foi cometida -
passou a ser militar e caber na competência das instâncias
militares 0 crime comum.
Mais recentemente, 0 dec.-Iei n. 510, no art. 2.°, estendeu
o fôro militar aos civls que, "em lugar sujeito à jurisdiçao mi-
"litar, cometerem crime definido em lei militar, ou na lei
"penal comum, contra pessoa investida de autoridade militar".
Aqui, também, 0 que se estabelece é um caso de compe-
tência ratione loci. 0 crime comum cometido par civil con-
tra militar pertence às jurisdiç6es comuns, e mesmo 0 pra-
ticado por militar contra milita?", n3.o bastando que sejam
militares, ou assemelhados, 0 ofensor e a vitima do delito para
que êste se repute militar (acordao do Supremo Tribunal Fe-
deral, de 22 de novembro de 1934, habeas-corpus n. 25.639).
1!:sse entendimento subsiste, nao foi alterado. Mas se 0 crime,
mesmo comum, foi praticado em recinto sujeito à jurisdiçao
militar e 0 ofendido é militar, desclassifica-se 0 delito, par
essa dupla circunstância - ratione loci et r;ersonœ - para
caber na competência dos tribunais militares.
o texto so figura a hipotese de ser civil 0 ofensor, mas
parece que, par melhor razao e fôrça de compreensao, en-
trarâ naquela competência 0 delito, se milita?" for 0 acusado.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 411

5 . Extensao do fôro militar aos civis. A extensibilidade


do fôro militar aos civis ja estava facultada ao legislador no
art. 84 da Constituiçao de 34, em têrmos idênticos ao disposto
no art. 111 da atual: "1i:ste fôro podera estender-se aos civis,
"nos casos definidos em lei, para os crimes contra a segurança
"externa do pais ou contra as instituiçoes militares".
A emenda n. 1, aditada à Constituiçao de 34, equiparando
a estado de guerra a comoçao intestina grave com finalidades
subversivas' das instituiçoes, permitiu a criaçao do Tribunal '
de Segurança Naciomil comoinstância militar especial, com
competência para julgar espécies delituosas que entravam
na configuraçao de crimes politicos e dos praticados contra a
ordem social, atribuidos pela Constituiçao aos juizes federais.
Levantada a questao da constitucionalidade da lei n. 244,
que instituira aquele Tribunal, transferindo-Ihe 0 conheci-
mento de tais crimes, a entao Côrte Suprema naD atendeu a
arguiçao, afirmando a constitucionalidade da lei.
Do voto do relator, que foi 0 ministro COSTA MANSO, 0
trecho seguinte esclarece perfeitamente a questao: "Ora, 0
"art. 84, depois de estabelecer, como regra, que "os militares
"e as pessoas que lhes sao assemelhadas terao fôro especial
"nos delitos militares", permite seja êsse fôro estendido aos
"civis, nos casos expressos em lei, para a repressao de crünes
"contra a segurança externa do pais, ou contra as instituiçoes
"militares.
"Esta medida po de ser adotada tanto na paz como na
"guerra, ja porque a Constituiçao naD distingue, ja porque
"a açao da justiça militar em tempo de guerra vem regulada
"de modo mais amplo no art. 35. E, de fato, os crimes contra
"a segurança externa do pais ou contra as instituiçôes mili-
"tares podem ser praticados antes da declaraçao de guerra
"e mesmo que ela naD sobrevenha. Basta lembrar a espio-
"nagem, a revelaçao de segredos politicos ou militares, as in-
"trigas internacionais, a propaganda contra as fôrças arma-
"das, 0 incitamento delas à rebeliao, etc.
412 CASTRO NUNES

"Nas hip6teses do art. 84, pois, os crimes politicos ou con-


"tra a ordem social podem ser transferidos da justiça federal
"comum para a militar".
Ja na vigência da Constituiçao de 10 de novembro, 0
dec.-Iei n. 510, de 22 de junho de 1938, definiu os casos em
que 0 fâro militar se estende aos civis, nos seguintes têrmos :
"Art. 1.0 Serao processados e julgados no fôro militar,
"em tempo de paz, os civis que, coma autores, co-autores ou
"cumplices, cometerem crimes definidos em lei coma :
"1) crimes contra 0 dever militar, inclusive os crimes
"contra 0 serviço militar e de insubmissao ;
"2) crimes de usurpaçao de autoridade militar;
"3) crimes contra a disciplina das fôrças armadas,
"assim entendidos os crimes contra a honestidade e bons cos-
"turnes e a segurança da pessoa e da vida ;
"4) crimes contra a propriedade militar e a ordem eco-
"nômica do Exército e da Marinha.
"Paragrafo unico., Nos casos a que se referem os incisos
"ns. 2, 3 e 4, 0 disposto nesta lei aplica-se aos crimes prati-
"cados contra as fôrças policiais.
"Art.2.0 0 fôro militar abrangera os civis que, em lugar
"sujeito à jurisdiçao militar, cometerem crime definido em
"lei militar, ou na lei penal comum, contra pessoa investida
"de autoridade militar.
"Art. 3.° Para 0 efeito da aplicaçao da pena, os civls
"serao, sem qualquer exceçao, considerados praças de pré.
"Art.4.0 Revogam-se as disposiç6es em contrario".
Sobrevindo 0 dec.-Iei n. 925, de 2 de dezembro de 1938
(C6digo da Justiça Militar), suscitou-se duvida sôbre a pos-
sibilidade de subsistir essa lei especial em face de preceitos
invocados daquele C6digo.
o Supremo Tribunal Militar decidiu pela afirmativa, en-
tendimento que, tOdavia, naD foi confirmado pela Supremo
Tribunal Federal em varios ac6rdaos.
Mais recentemente, porém, tem prevalecido na instância
suprema a soluçao afirmativa, ainda que sem unanimidade.
TE ORlA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 413

Também a inconstitucionalidade do dec.-lei n. 510 foi arguida


e igualmente repelida.
No julgamento do rec. de habeas-corpus n. 28.055, disse
o ministro ANIBAL FREIRE, cujo voto foi vencedor: "Que diz,
"na verdade, 0 Codigo da Justiça Militar? Reproduz 0 texto
"constitucional. Ora, se a lei anterior considera e enumera v~­
"rios delitos de ordem militar, por que teria 0 Codigo revogado
"essa lei? 0 Codigo usa da expressao "definidos em lei".
"Se 0 Codigo tivesse feito enumeraçao sistematica de todos
"os delitos militares, diferentemente do que esta enquadrado
"no dec.-lei n. 510, evidente:mente, ai sim, haveria revogaçao".
o ministro VALDEMAR FALCAO, depois de observar que a
guerra moderna é a "guerra total", acrescentou: "Nesta,
"todos êsses elementos - metais, ferros, etc., como os que
"foram subtraidos pela acusado, sao elementos necessarios à
"defesa nacional, que integram 0 aparelhamento bélico das
"fôrças armadas. Nao se pode deixar de entender a subtra-
"çao dêsses elementos como imanente aos proprios interêsses
"da segurança nacional.
"Ora, admitindo que êles fôssem, aparentemente, sem
"importância, de qualquer forma teriam, porventura, afetado
"0 funcionamento de uma das unidades de defesa, de uma
"viatura, de uma peça de artilharia, etc., elementos que podem .
"ser importantes, em dado momento, para a defesa nacional.
"0 raciocinio, pois, do legislador do dec.-lei n. 510 foi 10-
"gico, capitulando como delitos contra a ordem militar todos
"aqueles que dizem respeito aos interêsses das proprias insti·
"tuiçoes militares. Esta, portanto, dentro do espirito da
"época contemporânea e da logica".
o ministro OROZIMBO NONATO examinou 0 casa sob 0 duplo
aspecto da arguiçao: 0 da revogaçao do dec.-lei n. 510 pela
Cédigo e 0 da inconstitucionalidade daquela por ~xorbitân-
cia do legislador: "A pretensao do recorrente encontra obs-
"taculo invencivel no dec.-lei n. 510 e, exatamente por isso é
"que, contra a validade dêsse decreto, se desenvolve tôda a ar-
"gumentaçao do recorrente.
414 CASTRO NUNES

"Levantam-se, contra êle, duas arguiçoes: esta revogado


"pelo C6digo da Justiça Militar; foi além da Constituiçao, é
"exorbitante e irrito.
"A meu ver, nenhuma dei as merece prosperar.
"Nao ocorreu a revogaçao pretendida. De revogaçao ex-
"pressEi naD se trata, claramente.
"E a tacita, que se naD presume, também naD se verifi-
"cou: - nem 0 C6digo estabeleceu um ordus novo, incompa-
"tivel com 0 decreto, nem tratou do mesmo assunto comple-
"tamente, de modo a naD deixar espaço à vigência da lei an-
"terior.
"0 C6digo naD fêz enumeraçao completa dos delitos.
"Reportou-se, ao revés, às leis que tratam dos delitos milita-
"res. Onde, pois, a revogaçao tacita ?
"Também naD ocorre inconstitucionalidade. A Consti-
"tuiçao apenas deu 0 critério geral para extremar 0 delito
"militar do comum. Nao os enumerou e naD definiu a exten-
"sao do delito militar, isto é, dos delitos contra as instituiçoes
"militares -, definiçao que cabe ao legislador ordinario.
"1!:ste, no caso, naD transcendeu do critério geral estabe-
"lecido na Constituiçao".-
No mesmo rumo de idéias, observei no meu voto, quanta
ao conteudo da locuçao constitucional "crimes contra as ins-
"tituiçoes militares": "Podem ser considerados crimes con-
"trarios às instituiç6es militares os crimes contrarios do ponto
"de vista da eficiência, do carater bélico dessas instituiçoes ;
"podem ser assim considerados do ponto de vista da economia
"das instituiçoes. De qualquer maneira, ainda é sempre 0
"critério legislativo, 0 critério do legislador. Ê êste quem vai
"dizer, dentro do critério lato, 0 que considera capaz de com-
"prometer as instituiçoes militares, 0 qUè considera como
"contrario às instituiçoes militares. Eu nao consideraria in-
"constitucional êste preceito". 8

8 Ac6rdâo de 7 de janeiro de 1942 (Diàrio da Justiça de 28 de abrll de 1942).


TEORIA E PRA.TICA DO PODER JUDICrA.RIO 415

6. 0 Suprerno Tribunal lViilitar - Cornpetência orlgl-


naria - Articulaçao corn 0 Suprerno Tribunal Federal. 0
Supremo Tribunal MilitaI' exerce as suas funçoes originaria-
mente ou em grau de recurso, confomne 0 preceituado na lei.
Suas decisoes sao terminativas, porque é da essência da insti-
tuiçao, dominada pelo particularismo do Direito Penal Mili-
taI', que nos seus orgaos proprios se esgote a jurisdiçao es-
pecial. POl' isso mesmo se compreende a' qualificaçao de
Supremo dada ao mais alto Tribunal militar para significar
que do exercicio da jurisdiçao militaI' naD partilham as jus-
tiças civis, nem mesmo 0 Supremo Tribunal Federal. Abre-se
uma exceçao expressa para 0 habeas-corpus, se denegado,
por motivos de obvia compreensao no interêsse da melhor tu-
tela da liberdade. TaI é a clausula ampla do art. 101, II, 2, b,
que ao Supremo Tribunal Federal reserva conhecer de quais-
quer decis6es, qualquer que seja a jurisdiçao em que tenham
sido proferidas, contanto que "de unica ou ultima instância
"denegatorias de habeas-corpus".
A Constituiçao atual naD manteve a atribuiçao que tinlla
sob as anteriores 0 Supremo Tr~bunal Federal para rever as
sentenças condenatorias proferidas pelos outros tribunais, in·
clusive 0 militar, em beneficio do condenado. Ja hoje, a com-
petência sera do proprio Tribunal prolator.
Discutiu-se ha anos se po dia a lei ordinaria reservar para
o proprio Tribunal 0 processo e julgamento em instância
unica dos oficiais-generais do Exército e da Armada e dos seus
proprios membros, nos crimes militares e de responsabilidade.
A arguiçao da inconstitucionalidade foi atendida pela Supre-
mo Tribunal Militar; mas 0 Supremo Tribunal Federal re-
formou a decisao, julgando constitucional a lei que lhe COI!-
ferira tal competência, mantida na preceituaçao atual: "0
"argumento da instância unica" - lê-se no acordao - "é
"menos valioso, porque a du alidade das instâncias naD é prin-
"cipio constitucional, coma 0 demonstra 0 art. 59, assentando
"a competência originaria do Supremo Tribunal Federal -
"também as garantias da defesa (art. 72, § § 13, 14, 15
"e 16 da Constituiçao reformada) naD colidem corn a
416 CASTRO NUNES

"norma legal da instância unica; .pensou do mesmo modo


"ARARIPE JUNIOR, quando consultado em 1910 sôbre um pro·
"jeto de fusao dos conselhos de investigaçao e de guerra corn
"atribuiçao de processar e julgar. Por igual, assim se pro ce·
"dia nos dominios dos C6digos de Organizaçao Judiciaria e
"Processo Militar de 1920 e 1922, com relaçao aos membros mi·
"litares do Supremo Tribunal Militar, nos crimes militares e
"de responsabilidade, e os 6rgaos do Ministério Publico, os mi-
"nistros civis, os militares e os juizes militares do Conselho de
"Justiça, nestes ultimos crimes (arts. 47 e 60, respectiva·
"mente)". Assinaram vencidos, com fundamentaç6es diver-
sas, os ministros GEMINIANO DA FRANCA, HERMENEGILDO DE
BARROS e EDMUNDO LINS (ac6rdao de 11 de maio de 1928, in
Arq. Judicùirio, VII, ps. 3 e segs.). 9
A competência continua expressa com assento, hoje, no
art. 91, a, do C6digo da Justiça Militar (dec.-lei n. 925) : "Ao
"Supremo Tribunal Militar compete: a) processar e julgar
"originariamente os ministros do mesmo Tribunal, 0 procura-
"dor geral e os oficiais-generais do Exército e da Armada,
"sendo que estes ultimos nos crimes militares e de responsa·
"bilidade. . . ".
7. 0 "habeas-corpus" na jurisdiçao militar. 0 atual
C6digo da Justiça Militar, repetindo os anteriores, consigna
expressamente 0 direito ao habeas-corpus ao alcance dos ju·
risdicionados da justiça militar.
Assim é que disp6e 0 art. 91, letra c - ao Supremo Tri-
bunal Militar compete processar e julgar petiç6es de habeas-
-corpus quando a coaçâo ou ameaça emanar da autoridade mi-
litar, administrativa ou judiciaria ou junta de alistamento e
sorteio militar.
Mas nem sempre foi assim. Houve tempo em que, jâ na
Republica, os militares estavam privados dessa garantia.
Entendia-se, com fundamento no dec. n. 848, de 1890, e
no dec. n. 3.084, de 1898, - que "nos casos de jurisdiçao mi-
"litar, quando 0 constrangimento ou ameaça de constrangi-

o Veja-se no tit. III (Supremo Tribunal Federal) 0 cap. IV, n. 6.


TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 417

"mento se dirigir contra individuos pertencentes à classe mi-


"litar ou a classes anexàs e sujeitas a regimento militar" -
os juizes federais e, por maioria de razao, os da jurisdiçao
local, nao poderiam acudir corn 0 remédio do habeas-corpus
aos réus processados perante a justiça militar.
o Supremo Tribunal Militar, por sua vez, nao tinha atri-
buiçao legal para conceder habeas-corpus, entendendo-se até
que essa atribuiçao seria incompativel com a disciplina e
que, por isso mesmo, aquele recurso fôra sempre relegado no
Império, como impr6prio dajurisdiçao militar, doutrina abra-
çada pelo Conselho de Estado e que veio até aos nos sos ~ias,
nao obstante algumas tentativas, sempre fracassadas, devido
ao preconceito acima aludido. 10 "Em 1912", informa CARLOS
MAXIMILIANO, "ao discutir-se na Câmara dos Deputados 0
"projeto de reorganizaçao da justiça militar, elaborado por
"uma Comissao nomeada para êsse fim, 0 relator, CANDIDO
"MOTA, e 0 autor dêste livro propugnaram a idéia de confiar
"aos tribunais militares atribuiçao para conceder habeas-
"-corpus aos membros do Exército e da Armada. 0 prop6sito
"liberal nao vingou; porque 0 marechal HERMES DA FONSECA,
"Presidente da Republica, se opôs com energia, apoiado nos
"precedentes. Na verdade, no Império cogitara~ do as-
"sunto; foram ouvidos grandes generais cobertos de gl6rias
"no exterior, e todos acharam a medida incompativel com
"a disciplina.
"Enfim, por iniciativa do jurisconsulto EPITACIO PESSOA,
"e com 0 apoio do Presidente BERNARDES, triunfou a idéia com-
"batida outrora". 11
8 . Policias militarizadas - Podem os Estados instituir
jurisdiçao militar? A questao se apresentou, ao tempo da
Constituiçâo de 91, depois- que se deu a encorporaçao ao

10 PEDRO LESSA, Do POder Judiciario, p. 275.


11 Comentarios à Constituiçao BrasileiM, 3." ed., p. 796. Excetuam-se os casos
de punlçao dlsclpllnar, consoante a regra geral expressa na Constltulçao, art. 122, 16.
Das decls6es denegat6rlas proferldas pela Supremo Tribunal Mllltar cabe re-
curso voluntBrlo para 0 Supremo Tribunal Federal, corn base no art. lOI, n, b, da
Constltulçao (veja-se 0 cap. VI do tit. III).

F. 27
418 CASTRO NUNES

Exército das fôrças policiais militarizadas dos Estados. Sôbre


o assunto escrevemos dando noticia da jurisprudência em
tôrno da controvérsia suscitada: "Nas Constituiçoes de a1 4

guns Estados é atribuiçao expressa do Legislativo, ao qual


compete, organizando a fôrça publica, estabelecer os preceitos
disciplinares a que esta ficara sujeita. 0 Supremo Tribunal,
por acordao de 30 de outubro de 1909, declarou inconstitu-
cional uma lei do Parana, que estabelecera 0 processo a seguir
nos delitos funcionai~ dos oficiais e praças da sua Policia,
tornando-lhes extensiva a aplicaçao do Codigo Penal do Exér-
cito e Armada. "Considerando" - lê-se no acordao - "que
"as fôrças policiais dos Estados, nao sendo as militares de
"que trata a Constituiçao, nao teem jurisdiçao especial para
"os crimes previstos pela lei militar, ficando conseguintemente
"sujeitas ao processo e penalidades comuns, em virtude do
"principio geral de igualdade na administraçao da justiça".
No voto vencido corn que assinou êsse ac6rdao, 0 minis-
tro PEDRO LESSA, depois de dizer que os delitos comuns, per-
petrados pelos oficiais e praças da Policia estadual, com-
preendem-se nas figuras delituosas do Codigo Penal -- per-
gunta: "Mas os delitos funcionais, as violaçoes da lei sem
"cuja puniçao é absolutamente impossivel manter qualquer
"corpo armado, que lei os pune quando cometidos pelas pra-
"ças e oficiais de policia de um Estado? QuaI sera 0 poder
"competente" - continua 0 emérito juiz - "para estatuir
"penas para os delitos de insubmissao e deserçao, abandono
"do pôsto, inobservância do dever policial, desafio e ameaças,
"publicaçoes proibidas, e outros que causam dano direto à
"existência dos corpos armados de policia? Parece-me in-
"dubitavel que, tendo a Constituiçao conferido aos Estados
"competência para criar e organizar os seus corpos de policia,
"ipso facto lhes outorgou todos os poderes uecessarios para
"legislar acêrca do que é indispensavel à organizaçao dêsses
"corpos armados. Dizer que 0 C6digo Penal é bastante para
"punir os delitos dos oficiais e praças de policia, é esquecer 0
"que é sabido, isto é, que 0 C6digo Penal nao se ocupa dos de-
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 419

"litos funcionais, dos crimes peculiares aos corpos armados.


"A deserçao, por exemplo, nao tem castigo no C6digo Penal". 12
Essa doutrina tornou-se, afinal, vitoriosa. Por ac6rdao 1

de 18 de dezembro de 1915, 0 Suprelmo Tribunal, declarando


embora que as policias estaduais s6 poderao ficar sob 0 C6digo
Penal da Armada e demais regulamentos militares da Uniao,
quando ao serviço des ta; reconheceu aos Estados a faculdade
de definir e punir disciplinarmente faltas, infraçoes ou trans-
gressoes, que nao estejam incluidas na legislaçao penal da
Republica. 13
Em 1917, 0 Congresso Nacional, pela dec. n. 3.351, de 3
de outubro, tornou extensiva aos oficiais e praças das policias
militarizadas da Uniao e dos Estados, nos crimes propria-
mente militares, a aplicaçao da lei penal militar. Acudiu
assim 0 Congresso à necessidade, que mais se acentuou nas
organizaçôes policiais militarizadas dos Estados, depois da
sua nova condiçao de fôrças auxiliares do Exército. Em voto
brilhantemente fundamentado que proferiu recentemente
coma ministro do Supremo Tribunal Militar, 0 dr. MAm:o A.
CARDOSO DE CASTRO reporta-se, esclarecendo êsse aspecto da
questao, ao parecer da Comissao de Justiça e Legislaçao do
Senado, sôbre 0 projeto que se converteu em 0 dec. n. 3.351,
de 1917, e do quaI foi relator 0 entao senador dr. ÈPITACIO
PESSOA: "Desde que neste pa.rticular é licito apenas ao Es-
"tado definir as infraçôes de disciplina e estabelecer as pena~
"lidades disciplinares respectivas, ineficazes para os crimes
"propriamente ditos, e uma vez que 0 C6digo Penal comum
"nao cogita dos delitos essencialmente militares - deserçao,
"revolta, motim, insubordinaçao, etc. - forçoso é que 0 Poder
"Legislativo Federal dê remédio a essa situaçâo, pois os Esta-
"dos, adstritos, ou a nao punir de modo nenhum aqueles cri-
"mes, ou a puni-los irrisoriamente corn penas disciplinares,
"estao na iminência de ver dissolvidas as suas fôrças de
"policia" .

12 Apud HENRIQUE COELHO, ob. cit., p. 54.


13 OTÂVIO KELLY, Jurisprudência Federal, 2.0 supl., yb. PoHcia.
420 CASTRO NUNES

No acordao de 16 de agôsto de 1920, proferido no conflito


de jurisdiçao n. 490, 0 Supremo Tribunal Federal n.ao entrou
na apreciaçao da constitucionalidade do dec. n. 3.351, ao
quaI, tOdavia, se refere sem 0 inqninar de tal vicio-·· limitan-
do-se a declarar que a hipotese ajuizada, nao sendo de delito
militar, era da alçada da justiça comum. Mais recentemente,
porém, por acordao de 16 de maio de 1921,0 mesmo Tribunal,
concedendo habeas-corpus a um tenente da Policia de Sao
Paulo, processado militarmente por peculato, que é delito
comum, definido no C6digo Penal, externou 0 conceito de
que "os militares de terra e mar, que teem fôro especial nos
"delitos militares, sao os do Exército e da Armada nacionais,
cee nao os oficiais das fôrças public as nos Estados, porque
"estas nao sao as instituiç6es nacionais a que se refere 0
"art. 14 da Constituiçao". PEDRO LESSA, assinando êsse ac6r-
dao, ressalvou, todavia, 0 seu modo de ver conhecido, no sen-
tido da competência estadual, deri"llada do art. 65, § 2.°, da
Constituiçao Federal. 14
Mais tarde, 0 dec. leg. n. 4.527, de 26 de janeiro de 1922,
mandou aplicar às policias militarizadas que constituirem
jôrças auxiliares do Exército, 0 C6digo Penal Militar. E 0
C6digo da Justiça Militar definiu, como se viu acima, a juris-
diçao do Supremo Tribunal Militar para conhecer, em re-
curso, das espécies delituosas.
Surgiram duvidas acêrca da constitucionalidade da am-
pliaçao. No pr6prio Supremo Tribunal Militar es sa questao
preliminar foi discutida, e teve os votos vencidos dos minis-
tros JOAO PESSOA, MENDES DE MORAIS e BARROS BARRETO (ac6r~
dao de 28 de junho de 1926, in Arq. Judicicirio, v. l, p. 265).
o Supremo Tribunal Federal, por ac6rdao de 2 de setem-
bro de 1927, relatado pela ministro HEITOR DE SOUSA, concluiu
no sentido da improcedência da arguida inconstituciona-
lidade.
Sao êsses os princip ais fundamentos do ac6rdao: "Con-
"siderando que desde muito êste Tribunal firmou a doutrina
"de que é perfeitamente constitucional e valido 0 dec. leg.
11 V. Didrio O/icial de 9 de agôsto de 1921.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 421

"n. 4.527, de 26 de janeiro de 1922 - que, nao s6 mandou


"aplicar às policias militarizadas da Uniao ou dos Estados 0
"C6digo Penal Militar, coma também instituiu para elas 0
"fôro especial previsto no art. 77 da Constituiçao Federal,
"mandando processar e julgar os seus oficiais e praças em
"primeira instância por um conselho organizado de acôrdo
"corn as leis e regulamentos respectivos e, em segunda ins~
"tância, pelo Supremo Tribunal Militar ; 15 considerando que,
"antes de vigorar essa jurisprudência, ja êste Tribunal, por
"iniciativa do erudito e saudoso ministro PEDRO LESSA, havia
"reconhecido a competência dos Estados para legislarem
"criando juizos ou foros especiais para as praças militariza-
"das das suas pollcias, estendendo-se tal competência à Uniao
"no tocante aos oficiais e praças da Brigada Policial, como,
"entre outros casos, se julgou no ac6rdao de 13 de dezembro
"de 1912; considerando que indiscutivel como é a validade
"da jurisdiçao criada pelo dec. n. 4.527, de 1922, nao ha tam-
"bém como negar que a Brigada Policial dêste Distrito é uma
"fôrça auxiliar do Exército Nacional, militarmente organi-
"zada e permanentemente mobilizada para a defesa do pais
"no interior e no exterior; considerando que, por fôrça da
"lei federal vigente, a referida Brigada Policial e as policias
"dos Estados estao encorporadas ao Exército Nacional, para
"serem utilizadas no serviço da Naçao, nao aproveitando in-
"vocar, como fêz 0 suscitante, a condicional ou a restriçao, ja
"inexistente, de se acharem a referida Brigada e os corpos
"policiais dos Estados "em mobilizaçao ou quando em ma·
"nobra".16
JOAO MENDES punha a questao em têrmos interessantes.
Dizia que 0 fôro militar nao era federal nem local, era. na-
cional. "Os nossos Estados federados nao teem nem podem
"ter Exército e Armada; e por isso, naD podem ter justiça
"propriamente militar, nao podendo, coma tal, ser conside-
"rada a competência especial criada para 0 processo e julga-
"mento dos crimes de indisciplina praticados pelos engaja-

15 Rev. do SUllrem'J TribunaZ, V. 62, p. 458; v. 87, p. 190.


10 Confllta de jurlsdiçtia n. 761, in Arq. Judicic1rio, v. IV, ps. 399-401.
422 CASTRO NUNES

"dos nos corpos de policia. A locuçao "Exército Federal",


"usada no art. 87 da Constituiçao da Republica, naD pode ter
"como correlativo a possibilidade da existência de exércitos
"estaduais, visto que, nos têrmos do art. 34, n. 18, da mesma
"Constituiçao "compete privativamente ao Congresso Nacio-
"nal legislar sôbre a organizaçao do Exército e da Armada".
"Aquela locuçao, portanto, deve ser entendida por "Exército
"Nacional" .
Acrescentava, a seguir, que, do fôro militar tratava a
Constituiçao em secçao diversa da consagrada à justiça fe-
deral, no art. 77, subordinado à epigrafe "Declaraçao de di-
"reitos", criando para os delitos militares um fôro especial,
fôro especial que era, dizia 0 emérito jurisconsuIto, "de juris-
"diçao simplesmente nacional".17
A meu ver, é especiosa a distinçao.
Qualquer das jurisdiçoes especiais reservadas à Uniao
tem carater nacional. A chamada justiça federal das anti-
gas Constituiçoes, nas suas duas instâncias, era nacional,
coma nacional era e é 0 Supremo Tribunal, cupola do Poder
Judiciario da Naçao.
A justiça eleitoral que existiu sob a Constituiçao de 34
era nacional. Igualmente a justiça especial de que é orgao
o Tribunal de Segurança Nacional. Nacional, igualmente, a
justiça do trabalho. 0 que ocorre com a justiça militar, dil>-
tinguindo-a das demais, é que a razao de ser de sua institui-
çao se reproduziu na orbita local, de vez que naD proibidos
os Estados de organizar militarmente as suas fôrças policiais.
A organizaçao militar trouxe a necessidade de proyer às
necessidades da disciplina, que é inerente aos corpos armados.
Dai a jurisdiçao correspondente que, a meu ver, naD é, e naD
poderia ser, senao um desdobramento da orgânica judiciaria
nos Estados, um juizo especializado ou privativo, ainda que
colegiado ou em duas instâncias, perfeitamente ao alcance
das leis judiciarias dos Estados, que naD estaù impedidos de
criar juizos privativos em razao da natureza das causas (ve-
ja-se 0 titulo "6rgaos judiciarios locais").

17 Direito JudiciàTio Brasüeiro, ps. 94-95.


TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 423

o Supremo Tribunal, interpretando 0 disposto no art. 5.°,


n. XIX, letra l, da Constituiçao de 34, a que corresponde 0 in·
ciso n. XXVI do art. 16 da atual Constituiçao - "Compete
"privativamente à Uniao legislar sôbre organizaçao, instru-
"çao, justiça e garantia das fôrças policiais dos Estados e sua
"utilizaçao coma reservas do Exército", naD houve por incons·
titucional a lei paulista que, nos têrmos da lei federal n. 192,
de 17 de janeiro de 1936, organizou a justiça militar da sua
Policia, justiça a que ficariam sujeitos os oficiais e praças da
fôrça policial, enquanto naD encorporada às da Uniao.
o voto do relator, que foi 0 eminente ministro LAUDO DE
CAMARGO, esclareceu a questao sob os seus diferentes aspec-
tos: "A lei estadual de n. 2.856, de 8 de janeiro de 1937, esta
"calcada na lei federal n. 192, de 17 de janeiro de 1936.
"Diz, entretanto, a inicial: "Nao se discute a inconsti4
"tucionalidade da lei federal, mas da lei do Estado, que criou
"0 tribunal militar, para a sua Policia Militar".
"Nao é bem assim, pois a inconstitucionalidade da se-
"gunda s6 po de provir da inconstitucionalidade da primeira,
"uma vez que nela se fundara.
"Uma e outra, entretanto, sac leis constitucionais.
"0 legislador brasileiro houve por bem instituir uma jus-
"tiça especial, naD para os delitos dos militares, mas para os
"delitos militares.
"Fê-Io, para atender nao. s6 à ordem publica coma à dis-
"ciplina, condiçao primordial à existência das fôrças armadas.
"Dai 0 preceito do art. 84 da Constituiçao de 34, em
"cujo regime tudo se praticou, preceito que rezava 0 seguinte :
"Os militares e as pessoas que lhes sac assemelhadas terao
"fôro especial nos delitos militares".
"A par do dispositivo geral, outro se estabeleceu, quaI 0
"do art. 5.°, n. XIX, letra l, assim concebido: "Compete pri-
"vativamente à Uniao legislar sôbre a organizaçao, instruçao,
"justiça e garantias das fôrças policiais dos Estados e condi-
"çoes gerais da sua utilizaçâo em casa de mobilizaçao ou de
"guerra".
424 CASTRO NUNES

"Pretende-se tirar dai a incompetência dos Estados, para


"organizarem a justiça sôbre a sua Pollcia.
"Isto, porém, naD acontece, pois se cabe à Uniao 0 legis-
"lar, cabe aos Estados executar 0 legislado.
"E, para atender ao preceituado na Constituiçao, foi que
"apareceu 0 dec. n. 162, de 17 de janeiro de 1936, que, pela
"art. 19, parag. unico, dispôs 0 seguinte: "Cada Estado or ga-
"nizara a -sua justiça militar, constituindo coma 6rgao de
"primeira instância os conselhos de justiça e, de segunda, a
"Côrte de Apelaçao ou Tribunal Especial".
"Dêste modo, a Uniao veio a legislar em conformidade
"coilIl a Cons1;.ituiçao.
"E naD po dia deixar de ser assim.
"Se, para a justiça comum, a Uniao permitiu que os Es-
"tados fizessem a sua organizaçao, naD fugindo ao arcabouço
"delineado pela lei das leis, para a justiça especial dos milita-
"res estaduais naD deixou de ter igual proceder.
"Mandou, entretanto, se tivesse em vista 0 art. 167, con-
"cebido nestes têrmos: "As policias militares saD considera-
"das reservas do Exército e gozarao das mesmas vantagens a
"êste atribuidas, quando mobilizadas ou a serviço da Uniao".
"Importa em afirmar que, reservas do Exército, as poli-
"cias a êle se encorporam quando mobilizadas ou a serviço da
"Uniao.
"Tem-se, portanto, como certo que os oficiais e praças
IOdas pollcias estaduais estao, em regra, sujeitos ao fôro mi-
"litar dos Estados e, por exceçao, ao fôro militar da Uniao.
"A regra vigora quando as policias servem exclusiva-
"mente ao Estado.
"E a exceçao aparece quando elas passam a servir à
"Uniao.
"Quando, entretanto, se precisasse de interpretaçao a
"respeito, melhor naD haveria que a provinda de disposiçao
"expressa de lei posterior, quaI a do art. 88, letra j, do dec.-Iei
"n. 925, de 2 de dezembro de 1938, dispondo ser competente
"0 fôro militar da Uniao para 0 processo e julgamento dos
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIA.RIO 425

"crimes militares dos "oficiais e praças das policias, quando


"encorporadas às fôrças federais".
"É, pois, da encorporaçao que surge 0 regime de exceçao,
"ou seja, do fôro militar da Uniao.
"Sem ela, prevalece 0 do Estado.
"Na espécie, trata-se de delito militar, assim considerado
"pelos elementos que 0 integram.
"0 processo tinha, portanto, de correr, coma correu, pe-
"rante a justiça especial organizada no Estado de Sao Paulo,
"organizaçao que nao deixou de atender a postulados consti-
"tucionais, como bem acentuara 0 ilustre Tribunal de Apela-
"çao paulista.
"Nao ha, assim, inconstitucionalidade a decretar e, con-
"sequentemente, coaçao ilegal a ser pronunciada".
A decisao foi unânime. Fizeram declaraçoes de voto,
no mesmo sentido, os ministros BARROS BARRETO, ARMANDO
DE ALENCAR e CARVALHO MOURAO, sendo que êste focalizou 0
problema em face da Constituiçao atual, dizendo: "Perante
"a Constituiçao de 1937, nao vejo disposiçao alguma que
"tenha vindo modificar 0 estado da legislaçao, porquanto 0
"art. 16, n. XXVI, que é citado como fundamento do pedido,
"dispoe que compete, privativamente, à Uniao, a organizaçao,
"instruçao, justiça e garantia das fôrças policiais dos Estados
CIe sua utilizaçao como reserva do Exército. Todavia, pelos
"antecedentes hist6ricos e pela interpretaçao que as leis or-
"dinarias vieram trazer (entre elas, 0 C6digo da Justiça Mi-
"litar, citado pelo sr. ministro relator), 0 que se deve enten-
"der é que a Constituiçao, nesse artigo, em que tratou espe-
"cialmente do assunto, visou a organizaçao, a instruçao, a
"justiça e a garantia das fôrças policiais guando encorpora-
"das, isto é, como reservas do Exército, pois, em outros tem-
"pos, elas nao sao mais do que reservas potenciais, latentes.
"Somente naquelas condiçoes é que ficariam sujeitas à legis-
"laçao federal.
"0 art. 102, também invocado, nao tem, também, aplica-
"çao, pois, tratando da justiça militar no capîtulo da organi-
"zaçao federal (portanto, justiça militaI' fedeI'al), dos tribu-
426 CASTRO NUNES

"nais federais de justiça militar, preceituou: "Sao 6rgaos de


"justiça militar 0 Supremo Tribunal Militar e os tribunais e
"juizes inferiores, criados em lei".
"Aqui s6 se regula a justiça do Exército e da Armada,
"como bem disse 0 dr. procurador geral do Estado.
"0 unico artigo da Constituiçao de 1937, que se refere às
"policias dos Estados, sob êsse ponto de vista, é 0 art. 16,
"n. XXVI, 0 quaI, porém, entendido de acôrdo corn a tradi-
"çao e 0 conjunto das disposiçoes constitucionais, s6 pode ser
"entendido coma 0 entende 0 sr. ministro relator: os Estados
"organizarao suas fôrças policiais coma tôdas as fôrças mi-
"litares, isto é, corn todos os 6rgaos necessarios para que pos-
"sam servir de aparelho de guerra, ja que Sao reservas do
"Exército, afim de que se achem aparelhadas quando tiverem
"de passar do pé de paz para 0 pé de guerra, para funciona-
"rem corn eficiência.
"Além disso, aos Estados compete, pela pr6pria Consti-
"tuiçao de 1937, a organizaçao judiciaria e, portanto, a Uniao
"nao poderia, enquanto naD encorporadas as fôrças policiais,
"criar tribunais militares estaduais, quando naD estivessem
"elas submetidas à disciplina militar do Exército, ou da
"Armada.
"A consequência sera que os oficiais e praças das fôrças
"policiais dos Estados, enquanto naD encorporadas, s6 pode-
"riam ser julgados pelos tribunais estaduais comuns.
"A interpretaçao naD po de ser outra: aos Estados com-
"pete organizar as fôrças policiais, "enquanto naD encorpo-
"radas, e, quando encorporadas, ficarao elas, em tudo, sujeitas
"à legislaçao da Uniao, aos tribunais federais, porque passa..
"rao a fazer parte do Exército.
"Por tudo isso, nego a ordem, de acôrdo corn 0 sr. minis-
"tro relator". 18
9 . Estado de guerra. A jurisdiçao militar de guerra
supoe a decretaçao do estado de guerra.

15 Acordâo de 3 de Janeiro de 1940, rec. de habeas-corpus n. 27.396.


TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 427

o estado de guerra pode nao ser a guerra, tomada esta


no sentido de operaç6es materiais. É um estado de direito. 19
o estado de guerra pode ser motivado por conflito com
outro pais ou por fatos de ordem interna. A guerra externa
acarreta, necessariamente, 0 estado de guerra interna, ope-
rando 0 deslocamento de certos crimes para os tribunais de
guerra.
Equipara-se a estado de guerra, nos têrmos da nossa pre-
ceituaçao constitucional, 0 estado de emergência, se a como-
çao intestina assumir proporç6es tais que exijam 0 emprêgo
das fôrças armadas em defesa do Estado, com aplicaçao, na
zona de operaçoes, da Ieglslaçao militar e da jurisdiçao dos
tribunais militares (art. 166, alinea 2. a , art. 172, § 1.°).
Declarado 0 estado de guerra, fica 0 Presidente da Repu-
blica armado de poderes extraordinarios, deixando de vigorar
a Constituiçao nas partes por êle indicadas (art. 171), 0 que
significa que em suas maos ficam todos os meios proporcio-
nados à necessidade suprema de vencer a guerra. 20
o estado de guerra se define como um complexo de atos
de natureza militar, civil e jurisdicional, inerentes à ocupaçao
militar e ao desenvolvimento das operaç6es.

,. LAFAYETTE, Direito Internacional Pûblico, v. II, ps. 56, 419 e segs.; FAUCHILLE,
II, ps. 11 e segs.
20 0 estado de guerra do Brasll com a Alemanha e a Italla foi declarado pela
dec.-Ie! n. 10.358, de 31 de agôsto de 1942, ass!m redig!do :
"Art. 1.° :É: declarado 0 estado de guerra em todo 0 terr!t6r!o nac!onal.
"Art. 2.° Na v!gênc!a do estado de guerra de!xam de v!gorar, desde Ja, as
"segu!ntes partes da Const!tu!çâo :
"Art. 122, na. 2, 6, 8, 9, 10, 11, 15 e 16;
"Art. 122, n. 13, no que diZ respeito à !rretroat!v!dade da le! penal;
"Art. 122, n. 15, no que concerne ao dire!to de manifestaçao do pensamento;
"Art. 136, final da aUnea ;
"Art. 137;
"Art. 138;
"Art. 156, letras c eh;
"Art. 175, pr!meira parte, no que concerne ao curso do prazo.
"Paragrafo ûnico. Ressalvados os atos decorrcntes de delegaçao para a
"eX"ecuçao do estado de emergêncla declarado no art. 166 da Constltu!çâo, 56 0 Pre-
"s!dente da Repûblica tem 0 poder de, d!retamente ou por delegaçâo expressa, pra-
"t!car atos fundados nesta le1.
"Art. 3.° 0 presente decreto-Ielentrara em vigor na data de sua publlcaçao.
"revogadas as dlsposlçoes em contrario".
428 CASTRO NUNES

Observam OS expositores que OS poderes do comando mi-


litar vao até a esfera legislativa. Nao é possivel delimita-los
previamente no teatro das operaçoes militares. ~le suprime,
altera, derroga a legislaçao local, expede ordenanças de po-
licia, adota, enfim, tôdas e quaisquer providências ditadas
pela necessidade.
Informa MANZINI que a legislaçao penal militar revelou
na guerra de 1914 deficiências que tiveram de ser supridas
corn a capitulaçao de verdadeiros delitos de emergência ou
infraçoes de policia, fraudes de tôda ordem no abastecimento
das tropas, delito de derrotismo, de auto-Iesionismo (tenta-
tiva de suicidio ou auto-mutilaçao para fugir ao serviço mi-
litar) , etc. Hoje seria precisa acrescentar 0 quinta-colunismo
e varios outros.
~sses poderes excepcionais do comando se refletern, diz
êle, na esfera jurisdicional. Os condenados pelas justiças re-
gulares, se adrnitidos a prestar serviço nas fileiras, podern ser
rehabilitados por mérito de guerra. 21
Por ocasiao do nosso estado de guerra corn a Alernanha,
ern 1918, entendeu-se que, naD havendo operaçoes rnilitares,
nao haveria como aplicar a pena de morte.
Decidiu, entao, 0 Supremo Tribunal Militar, acornpa-
nhando 0 voto do rninistro VICENTE NEIVA, que a legislaçao
rnilitar prevista para 0 tempo de guerra s6 podia ser aplicada :
a) desde a ordem de concentraçao ou mobilizaçao, total ou
parcial, das fôrças; b) no lugar ern que, por decreto espe-
cial, for rnandada aplicar; c) na zona das operaçoes. 22
Do rnesrno sentir era 0 saudoso VIVEIROS DE CASTRO, entao
ministro do Suprerno Tribunal Federal, entendendo que so-

!!1 WILLOUGHBY, On the Constitution, III, p. 1.586; BALDWIN, The American Judie-
tiary, p. 305; GAr,NER, Le pouvoir executit en temps de guerre, p. 11; DUGulT, ob.
elt., IV, p. 314; GOHZALEZ CALDERÔN, ob. elt., II, ps. 278 e segs.; MANZINI, Legisla-
2ione Penale di Guerra, variis lacis. Sôbre a habeas-corpus no estado de guerra,
veja-se a cap. III do t!t. VIII.
"" ARAUJO CASTRO, Manllal da Constituiçao, 2." ed., p. 339.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 429

mente na zona de operaçoes, que ao Govêrno competiria de-


limitar, seria aplicavel a lei marcial, pressuposta a impossi-
bilidade, acrescentava, do funcionamento dos tribunais civis. 23
10. Justiça militar de guerra. A justiça militar esta or-
ganizada para a paz e para a guerra. Na zona de operaçoes
os seus 6rgaos simplificam-se na sua composiçao e abre-
viam-se as formas processuais. É 0 dominio· da lei marcial,
corn os poderes hipertrofiados do comando militar, a que cor-
responde 0 brocardo - inter arma silent leges.
Em dois casos permite a Constituiçao que se opere a su-
jeiçao dos acusados aos tribunais militares, deslocando-os do
seu fôro especial ou comum: a) no caso de conflito corn pais
estrangeiro (guerra externa), nos têrmos do art. 173; b) na
zona de operaçoes, durante grave comoçao intestina (guerra
civil) .
o art. 173 foi modificado pela lei constitucional n. 7, de
30 de setembro de 1942, passando a ter a seguinte redaçâo :
"0 estado de gu.erra motivado por conflito corn pais estran-
"geiro se declarara no decreto de mobilizaçao. Na sua vigên-
"cia, 0 Presidente da Republica tem os poderes do art. 166 e a
"lei determinara os casos em que os crimes cometidos contra
"a estrutura das instituiçoes, a segurança do Estado e dos
"cidadaos serao julgados pela justiça militar ou pelo Tribu-
"nal de Segurança Nacional".
Definindo êsses crimes, 0 dec.-Iei n. 4.766, de 1 de outu-
bro seguinte, reservou à justiça militar os que constam da
enumeraçao do art. 65: "Além dos crimes previstos em lei,
"consideram-se da competência da justiça militar, qualquer
"que seja 0 agente :
"1 - Os crimes definidos nos arts. 2.° a 20 desta lei;
"II - Os crimes definidos nos arts. 46 a 51, quando com-
"prometam ou possam comprometer a preparaçao, a eficiên-

23 Ac6rdiios e Votas, p. 603.


430 CASTRO NUNES

"cia OU as operaçoes militares, OU, de qualquer outra forma,


"atentem contra a segurança externa do pais ou possam ex-
"pô-la a perigo ;
"III - Todos os crimes definidos nesta lei e na legislaçao
"de segurança nacional, quando praticados em zona decla-
"rada de operaçoes militares ;
"IV - Os crimes contra a liberdade, contra a incolumi-
"dade publica, contra a paz publica ou contra 0 patrimônio,
"punidos pelo Codigo Penal corn a pena de reclusao, quando
"praticados em zona declarada de operaçoes militares.
"Parâgrafo Unico. No casa do n. IV, serao impostas as
"penas estabelecidas no Codigo Penal, salvo se a lei penal mi-
"litar cominar para 0 fato pena mais grave".
11. Penas militares - Pena de morte. As penas mili-
tares, de acôrdo corn a nossa legislaçao vigen te, sao as seguin-
tes: morte, prisao corn trabalho, prisao simples, degradaçâo
militar, destituiçao, demissao, privaçao de comando e reforma
- além das penalidades disciplinares. A penal de morte
sempre foi admitida na legislaçao militar, para ser aplicada
em tempo de gueTra. No Império, existia também para os
crimes comuns. Aboliu-a a primeira Constituiçao republi-
cana, "reservadas as disposiçoes da legislaçao militar em
, "tempo de guerra". É que, em tais circunstâncias, explica
CALDERON - hay enemigos mas que subditos, e inimigos sao
todos aqueles, nacionais ou estrangeirot3, que tentam compro-
meter 0 êxito das operaçoes.
No mesmo sentido comentava BARBALHO: "Em tempo de
"guerra predominam, sôbre tôdas, as leis da guerra, e a prin-
"cipal é a destruiçao do inimigo; e inimigo se constitue quem
"quer que afronte a disciplina, plante a insubordinaçao e dê
"vantagens ao adversârio. Desde que é legitima a guerra, é
"preciso admitir os rigore§ excepcionais que ela exige. Mas
"nisto mesmo nao haverâ mero arbitrio, existem os reguIa-
"mentos militares que restringem, quanto possivel no caso, 0
"poder discricionârio dos chefes".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 431

A Constituiçâo de 10 de novembro, admitindo a pena de


morte para os delitos constantes da enumeraçâo contida nos
incisos do n. 13 do art. 122, enumeraçâo desenvolvida pela
emenda de 16 de maie de 1938 (lei constitucional n. 1), re-
servou, além dêsses, "os casos previstos na legislaçâo militar
"para 0 tempo de guerra". A forma de execuçâo, estabele-
cida na lei brasileira, é 0 fuzilamento pela frente. Na legisla-
çâo de outros povos existem a decapitaçâo, a forca e a morte
por fuzilamento na espinha dorsal, conforme a maior gravi·
dade do delito. 24
É bem de ver que nem todos os crimes, mesmo na zona
de operaçoes, dâo lugar à pena capital. Sâo, em geral, os de
traiçâo, deserçâo em presença do in~migo, etc.
o condenado, militar ou civil sujeito à jurisdiçâo militar,
é fuzilado depois que transita em julgado a sentença, salve
decisao em contrario do Presidente da Republica. Em regra,
entra nos poder~s do comando militar suspender a execuçâo
para dar ao condenado a possibilidade dêsse apêlo supremo. 25
Ao condenado é permitido receber os socorros espirituais
que reclamar, de acôrdo corn a sua religiâo.
o militar que tiver de ser fuzilado, sai da prisâo em uni-
forme cÇ>mum, e sem insignias, e tera os olhos vendados no
momento em que receber a descarga. As vozes de fogo sâo
substituidas por sinais. Corn relaçâo aos civis é idêntico 0
cerimonial. Da execuçâo é lavrada uma ata circunstanciada,
assinada pele executor e cinco testemunhas (dec. n. 17.231-A,
de 26 de fevereiro de 1926, arts. 349 e segs.; dec.-lei n. 925,
de 2 de dezembro de 1938, arts. 381 e segs.).
12. Consequências da condenaçao - Perda de pôsto e
patente - Cumprimento da pena. A condenaçâo de oficial
das fôrças armadas a pena restritiva da liberdade por tempo
superior a dois anos acarreta a perda do pôsto e patente. A
perda equivale à demissâo, declarou 0 Supremo Tribunal Fe-
deral, interpretando 0 art. 165, § 1.0, da Constituiçâo de 34,
.. ESMERALDINO BANDEIRA, Direito Penal MiUtar, p. 443.
!!6 MANZINI, ob. clt., p. 17.
432 CASTRO NUNES

a que corresponde 0 parag. unico do art. 160 da Carta atual. 26


É excluido das fileiras, passando à condiçao de civil e cum-
prindo a pena em penitenciaria comum. Inversamente:. 0
oficial condenado a pena de dois anos de prisao, ou menos,
naD perde 0 pôsto e a patente, conserva a condiçao de militar,
devendo voltar às fileiras depois de cumprida a pena. Dai
resulta 0 seu direito de cumpri-la em quartel, fortaleza ou
presidio militar. 27
Mas, perde patente e pôsto se, condenado embora a pena
inferior a dois anos, for declarado indigno do oficialato, ou

20 Ac6rdao de 20 de agôsto de 1937, rec. extr. n. 2.978.


zr Ac6rdao de 11 de novembro de 1942, rec. de habeas-corpus n. 28.318, do Distrito
Federal. Meu voto como relator foi no sentido de restringir a prerrogativa aos
oficiais da ativa, nao alcançando os da reserva, salve quando convocados. Trans-
crevo, a seguir, a parte que mais interessa ao exame do assunto: "0 excluido das
fileiras, em virtude de condenaçao pronunciada, seja pela justiça civil, seja pela
m1l1tar, perde a condiçao de m1l1tar e deve cumprir a pena em penitenciaria civil,
seja êle oficial ou praça de pré.
É disposiçao expressa que se Insere no art. 343 do C6digo da Justiça M1l1tar :
"A pena de prisao, sempre que acarretar a perda de pôsto ou de patente, logo que
"tenha passado em julgado a respectiva sentença, importara a exclusao do serviço
"m1l1tar e sujeitara 0 condenado ao cumprimento da pena em penitenciaria civil".
Nenhuma dûvida jamais existiu, em se tratando de condenaçao proferida
pela justiça comum. Mas existiram no tocante as condenaçôes pronunciadas pela
justiça m1l1tar.
Entendia 0 Supremo Tribunal Militar que, mesmo em se tratando de praças
de pré, as condenaçôes a qualquer pena, desde que emanadas da justiça m1l1tar,
nao poderiam ser cumpridas em prisao civil.
Veio, porém, 0 C6digo da Justiça M1l1tar, aprovado pela dec. n. 17.231-A, de
26 de fevereiro de 1926, que inseriu disposiçao expressa determinando que 0 mll1tar
exclufdo por efeito de condenaçao cumpriria a pena em penitenciaria civil. E 0
Supremo Tribunal Federal, em ac6rdao de que foi relator 0 eminente ministro
RODRIGO OTÀVro, decisao unanime, confirmou 0 mesmo entendimento, por isso que
o excluido perde a qualidade de m1l1tar, é considerado civil, nada mais tendo corn
a condenaçao e sua execuçao a justiça militar (ac6rdao de 20 de setembro de 1929,
in Arq. Judicitirio, v. XII, ps. 21-23).
Mas, se é pacifico, e fora de qualquer contestaçao, que 0 m1l1tar, seja oficial
ou inferior, quando excluido por fôrça de condenaçao, alnda que pronunciada pela
justiça m1l1tar, cumpra a pena em prisao civil, surge a dûvida quando a conde-
naç!i.o n!i.o acarrete a perda da patente e. pôsto, devendo, portanto, 0 condenado,
depois de cumprida a pena, voltar as fileiras.
Diga-se, entre parênteses, que até a condenaç!i.o definitiva 0 acusado tem
direito a prisao especial, responda êle perante a justiça m1l1tar ou perante a jus-
tiça comum. Nao chega a ser mesmo um privilégio dos m!l1tares, de vez que 0
atual C6digo de Processo Penal, repetindo, alias, preceitos preexistentes, que apenas
tera ampl1ado, inclue na enumeraç!i.o dos acusados com d!reito aquela prerrogativa
os ministros de Estado, os governadores e interventores, os magistrados, os diplO-
mados por escolas superiores, etc., e até os cidad!i.os inscritos no "Livro do Mérito"
e os ex-jurados.
Nao é disso, porém, que se trata. 0 réu teve prisao especial durante 0 pro-
cesso. 0 que êle quer é continuar com a mesma prerrogativa depois de condenado.
Se s: tratasse de condenaçao pronunciada pela justiça m1lltar, nenhuma dû-
vida eXlstlria, corn base no art. 345 do C6dlgo da Justiça Militar (dec.-Iei n. 925,
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIA.RIO 433

corn êle incornpativel (art. 160, parag. unico) ; ou se 0 crime


cornetido 0 for contra a segurança do Estado ou a estrutura
das instituiç6es (art. 172, § 2.°).
de 1938, que dispoe: "As penas de prisao com trabalho, que nao importem perda
"de patente ou pasto ou exclusao do serviço militaI', serao cumpridas nos quar-
"téis, fortalezas ou presidios militares ......
Na legislaçao comum nao existe idêntica disposiçao.
o art. 295 do C6dlgo de Processo Penal, quando enumera as pessoas corn di-
reito a prisao especial, subordina tal prerrogativa à clausula "antes da condenaçao
"definitlva", 0 que indica, claramente, que é um direito que confere ao acusado,
nao ao condenado.
o invocado preceito constitucional nao resolve a questao. Limita-se a .dizer
que "0 oficial das forças armadas s6 perdera 0 seu pasto e patente pOl' condenaçao
"passada em julgado a pena restritiva da liberdade pOl' tempo superior a dois anos",
ressalvadas as hip6teses de se tratar de crime contra a segurança do Estado ou a
estrutura das instituiçoes ou de sel' declarado indigno do oficialato, casos em que,
seja quaI for a pena, perdera pasto e patente.
A soluçao terâ. de sel', pois, indireta, em se tratando de condenaçao pelas
justiças civis, pOl' crime comum, a penil. nao superior a dois anos de prisao.
Se, pela condenaçao, 0 oficial nao é excluido das fileiras e a elas tera de
voltaI' com a sua patente e pasto, subsiste a sua condiçao de militaI' no cumpri-
mento da pena.
11: em razao disso que 0 C6digo da Justiça MilitaI' Ihe da 0 direito de cum-
prir a pena em fortaleza, quartel ou presidio militaI', sem remoçao para a peniten-
ciaria civil, remoçao s6 admitida quando da condenaçao resulte a perda de pasto e
patente, isto é, a exclusao do serviço militaI'.
A mesma razao ha de vigorar para que se estenda aquele preceito da lei 01'-
ganlca da justiça militaI' no caso de condenaçao pronunc1ada pelas justiças civis :
o condenado deve sel' tratado ainda como militar no cumprimento da pena.
Como observou 0 ministro COSTA MANSO no seu voto adotado unanimemente
pOl' êste Supremo Tribunal, "voltando ao comando, nao devia levaI' a sua auto-
"ridade dimlnuida pelo convivio de criminosos comuns".
Mas, no caso dêstes autos, nao se trata de militaI' da ativa. Trata-se de um
tenente da 2." classe da reserva do Exército. 11: um militaI' que s6 tera funçao
quando convocado. As vantagens e prerrogativas de que gozam os oficiais da ativa
nao se estendem aos da reserva, senao quando chamados ao exerc1cio da funçao
militaI'.
o Estatuto dos Milltares (dec.-lei n. 3.864, de 24 de novembro de 1941) supoe
claramente a distlnçao, quando dispoe no art. 91: "Os militares da reserva, quando
"convocados, concorrem, para os efeitos relativos a honras e prec~dência, com os
"da ativa, como se pertencessem ao serviço ativo ... ", donde, a contrariu sensu,
a conclusao de que, enquanto nao convocaàos, nao gozam das mesmas regalias,
vantagens e prerrogativas dos oficiais da ativa.
11: certo que, nos preceitos invocados, a Constituiçao nao distingue. Nao
perde patente e pasto 0 oficial, seja da ativa, seja da reserva, seja reformado, que
for condenado a pena nao superior a dois anos e, bem assim, que de uns e outros
sao privativos os titulos, postos e uniformes militares. 11: 0 que esta dito no
art. 169, parag. unico e letra c.
Mas sem 0 alcance que se pretende.
Em primeiro lugar, a privatividade dos tltulos, postos e uniformes mllitares
visa, unicamente, a aboliçao dos postos ou graduaçoes honorarias.
Em segundo, porque 0 que se determina na Constituiçao é somente que a
condenaçao pode, na hip6tese prevista, nao acarretar a perda do pasto e patente.
Nada se diz, porém, sobre 0 cumprimento da pena em prisao especial. 11: ma-
téria que ficou ao alcance do intérprete e do legislador. 11: prerrogativa que pode
sel' reconhecida aos oficiais da ativa, sem 0 sel', necessariamente, aos da reserva e
aos reforma dos. E como a razao de sel' de tal privilégio é a funçao militaI' que,
interrompicla pelo cumpl'imento da pena, voltara a sel' exercida pela oflcial, nao
llà porque amplià-lo aos oficials da reserva nao convocados e, portanto, sem fun-
çâo militar".
F.28
CAPiTULO TIr

JUSTIÇA ESPECLAL
(Tribunal de Segurança Nacional)

SUMAIuO: 1. A justiça especial como justiça de defesa do Estado. Antecedentes.


A criaçao do Tribunal de Segurança Nacional. 2. Da. justiça especial. Suas
caracterfstlcas. 3. 0 Tribuna.l de Segurança como 6rgao da justiça espe-
cial. Organizaçao. 4. Competência. Processamento. 5. Articulaçao com 0
Supremo Tribunal Federal (habeas-corpus e conflito de jurisdiçao). 6. 0
Tribunal de Segurança no estado de guerra.

1 . A justiça especial como justiça de defesa do Estado


- Antecedentes - A criaçao do Tribunal de Segurança Na-
cionaL Os acontecimentos de novembro de 1935, em varios
pontos do pais, e em particular na capital da Republica, re·
velaram a extensao da propaganda comunista, sobretudo nos
quartéis, e bem assim a ineficacia dos meios de que dispunha
o Estado para a repressao de tais atividades criminosas, que
estavam a exigir pronta e severa puniçao.
Compreendeu-se que as formas judiciais assecurat6rias da
defesa plena dos acusados teriam de sofrer restriçôes ditadas
por uma imposiçao das graves circunstâncias do momento
hist6rico. Era mister aparelhar a justiça para enfrentar a
onda subversiva, criando aparelhos adequados à crise, corn
os meios de açao apropriados à repressao de praticas crimino-
sas dissimuladas e insidiosas na sua calculada difusao em
tôdas as camadas sociais, civis e militares. Dai a necessi-
dade de deslocar dos juizes federais para um tribunal espe-
cial, e mediante formas abreviadas de processo e julgamento,
a competência para os crimes politicos e contra a ordem so-
cial. Considerou-se, porém, em face da Constituiçao de 34,
entao vigente, que êsse deslocamento nao poderia operar-se
TE ORlA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 435

senao em funçao do estado de guerra para uma instância mi-


litar, surgindo entao a formula de equiparaçao a estado de
guerra da comoçao intestina grave com finalidades subversi·
vas das instituiç6es politicas e sociais.
TaI foi 0 objeto da emenda n. 1, aditada à Constituiçao
de 34, emenda que possibilitou a criaçao, pela lei n. 244, de
11 de setembro de 1936, do Tribunal de Segurança Nacional,
como aparelho da jurisdiçao militar, instituido em funçao do
estado de guerra e, portanto, de duraçao transitoria - "Fica r
"instituido, como orgao da justiça militar, 0 Tribunal de Se- (
"gurança Nacional, que funcionara no Distrito Federal, sem- :
"pre que for decretado 0 estado de guerra e até que ultime 0 j

"processo dos crimes de sua competência".


A experiência demonstrou, porém, a inconveniência do
nova orgao como instância subordinada ao Supremo Tribunal
Militar, adstrito êste ao sistema das provas legais e livre
aquele na apreciaçao das provas.
A Constituiçao de 10 de novembro de 1937 adotou
formula diversa. Instituiu uma jurisdiçao especial, separada
da jurisdiçao militar, e autônoma no seu funcionamento, com
o carater bem acentuado de "justiça de defesa do Estado".
"Atendendo" - lê-se na justificaçao preambular daquela
Constituiçao - "ao estado de apreensao criado no pais pela
"infiltraçao comunista, que se torna dia a dia mais extensa e
"mais profunda, exigindo remédios de carater radical e per-
"manente; atendendo a que, sob as instituiçoes anteriores,
"nao dispunha 0 Estado de meios normais de preservaçao e de
"defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo ... ".
Essa feiçao de "justiça de defesa do Estado" é a predo-
minante na instituiçao; e assim a qualifica 0 art. 1.0 do
dec.-Iei n. 88, de 20 de dezembro de 1937, que, ja na vigência
da Carta de 10 de novembro, deu-Ihe como orgao, a titulo
provisorio, "até a organizaçao da justiçà. de defesa do Estado",
o preexistente Tribunal de Segurança Nacional. 1

1 Veja-se adlante, nota 3.


436 CASTRO NUNES

2 . Da justiça especial - Suas caracteristicas. A deno·


minaçao "justiça especial" é genérica. Justiças especiais sac
tôdas aquelas que destoam da orgânica judiciâria comum.
Sao especiais em contraposiçao a ordinârias, regulares ou co-
muns. 2 Mas tem sido essa a locu~ao adotada na linguagem
judiciâria para designar a nova jurisdiçao, diferençando-a
das duas outras jurisdiçoes especiais da Constituiçao, que sac
a justiça militar e a justiça do trabalho. Dela se ocupa a
Constituiçao em três lugares diferentes, sem propriamente a
qualificar. Apenas em mu dêles, no art. 172, usa da locuçao
"justiça e processo especiais", quando se refere aos crimes
contra a segurança do Estado e a estrutura das instituiçoes.
A primeira referência da Constituiçao é a que se encon-
tra em 0 n. 17 do art. 122, sob a rubrica "Dos direitos e garan-
"tias individ uais".
Essa é a clâusula geral, 0 assento bâsico da instituiçao.
o lugar onde se insere indic a que ao principio tradicional, e
obviamente subentendido na compendiaçao dos direitos e ga-
rantias, em virtude do quaI ninguém pode ser privado dos
seus juizes naturais, que seriam, na ausência dessa disposiçao,
as justiças regulares, se quis abrir uma exceçao para certa
ordem de crimes. Diz aquele dispositivo: "Os crimes que
"atentarem contra a existência, a segurança e a integridade
"do Estado, a guarda e 0 emprêgo da economia popular serac
"submetidos a processo e a julgamento perante tribunal es-
"pecial, na forma que a lei instituir".
Na preceituaçao concernente à "Ordem econômica", par-
ticulariza-se: "Os crimes contra a economia popular sac
"equiparados aos crimes contra 0 Estado, devendo a lei co-
"minar-Ihes penas graves e prescrever-Ihes processo e julga-
"mento adequados à sua pronta e segura puniçao".
Igualmente, no art. 172, que se insere sob a rubrica "Da
"defesa do Estado": "Os crimes cometidos contra a segu-
2 Veja-se 0 cap. IV do tit. l, onde examlnamos êsse e outros aspectos relaclo-
nados com a poslçao das justlças especlals da Constltuiçao 110 ordenamento jU-
dlclàrio.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 437

"rança do Estado e a estrutura das instituiç6es serao sujeitos


"a justiça e processo especiais, que a lei prescreverâ".
Da leitura das três clâusulas constitucionais se vê que
sao as seguintes as caracteristicas da nova jurisdiçao: La, é
uma jurisdiçao civil (no sentido de nao militar); 2. a , é uma
justiça da Uniao, organizada por lei federal e providos os car-
gos por nomeaçao do Presidente da Republica; 3.a, limitada
aos crimes que forem definidos por lei como integrantes das
duas categorias mencionadas; 4.a , dotada de orgâo ou or-
gaos proprios, corn as garantias e condiç6es de investidura que
a lei estabelecer, sem sujeiçao às garantias constitucionais da
funçao judicial; 5. a , disciplinada no seu funcionamento por
normas processuais peculiares.
Os moldes da organizaçao, no quadro dessas diretrizes
ou caracteristicas principais, foram deixados ao legislador. 3
3. 0 Tribunal de Segurança como orgao da justiça es-
pecial - Organizaçao. Jâ na vigência da Constituiçao de
10 de novembro, 0 dec.-Iei n. 88, de 20 de dezembro de 1937,
fêz do Tribunal de Segurança Nacional, jâ existente coma
instância da justiça militar, orgao da justiça especial, assim
dispondo no art. 1.°: "Até a organizaçao da justiça de defesa
"do Estado, a que se refere a Constituiçao, continuarâ a fun-
"cionar 0 Tribunal de Segurança Nacional, instituido pela
"lei n. 244, de 11 de setembro de 1936; suprimida a limita-
"çao constante do art. 1.°".4 Passou, assim, a ter existência
permanente, coma orgao daquela jurisdiçao constitucional.
o Tribunal tem sede no Distrito Federal e jurisdiçao em
todo 0 pais. Comp6e-se de seis juizes, entre os quais um
8 0 art. 122, 17, fala em tribunal ("perante tribunal especial"), parecendo asslm
lndicar que nao sera. mais de um. Isso, porém, nao seria exato. 0 que deve do-
minar 0 entendlmento, pelo exame comp·arado dêsse precelto com os outr05 dols
assentos constituclonais, é 0 nm que se teve em vista, Isto é, 1nstituir, nao um
tribunal, mas uma jurisdiçâo com 05 6rgaos que forem Julgados necessàrios pelo
leglslador.
Mas, Ja. agora sera. preciso levar em conta, se vier a ocorrer duvida, a let
constitucional n. 7, que nomeia 0 "Tribunal de Segurança Nacional", em referênclll
à,quele dlspositivo constltucional.
, A limitaçao constante do art. 1.0 da lei n. 244 era a que se continha nas pa-
lavras "sempre que for decretado 0 estado de guerra e até que ultime 0 processo
"dos crimes de sua competência".
438 CASTRO l'lUNES

que é tirado, por escolha do Presidente da Republica, dentre


os ministros do Supremo Tribunal Federal, para presidi-Io.
Os demais juizes sao: um magistrado civil, um magis-
trado militar, um oficial do Exército e outro da Armada,
ambos da ativa, e um advogado de notorio saber.
o ministro do Supremo Tribunal designado para exercer
a presidência do Tribunal de Segurança continua no exercicio
das suas funçoes, ficando impedido nas causas "que tenham
"sido ou devam ser julgadas pela Tribunal de Segurança Na-
"cional". 5 Ê substituido, nas faltas e impedimentos, pelos
outros membros do Tribunal, "na ordem descendente de an-
"tiguidade, ou de idade, quando a antiguidade for igual"
(dec.-lei n. 1.393, art. 1.0, parag. unico).
Os magistrados e os militares com assento no Tribunal
conservam os direitos e garantias dos respectivos cargos ou
postos, sendo a todos extensiva a garantia da irredutibilidade
de vencimentos (dec.-lei n. 88, art. 2.°, § 2.°). Os juizes civis
usam beca de magistrado, conforme estabelece 0 Regimento
Interno, detalhando 0 modêlo; os militares, 0 uniforme tam-
bém ai estabelecido.
Atribuiçoes inerentes às magistraturas regulares, no to-
cante a licenças, férias, providências de ordem interna, etc.,
foram estendidas ao Tribunal Especial, e constam do seu Re-
gimento Interno.
o Tribunal funciona como segunda instância. Em pri-
meira, 0 juiz que for designado para 0 processo.
4. Competência - Processamento. A competência do
Tribunal de Segurança, exercida em primeira e segunda ins-
tâncias, nos têrmos expostos, compreende: a) os crimes
contra a existência, a segurança e a integridade do Estado;
b) os crimes contra a estrutura das instituiçoes; c) os cri-
mes contra a economia popular, sua guarda e seu emprêgo;

• Dec.-Iei n. 1.293, de 29 de junho de 1939. Até entao, a presidência competia a


um dos magistrados corn assento no Tribunal, tendo servido des de sua instalaçao.
em 24 de outubro de 1936, 0 entao desembargador BARROS BARRETO, mais tarde no-
meado ministro do Supremo Tribunal e rcconduzido naquela funçao, que exerce
com grande clevotamento.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 439

d) as contravençoes do dec.-lei n. 37, de 2 de dezembro de


1937, e de outras preceituaçoes posteriores. 6
Compete, ainda, ao Tribunal: a) julgar as revisôes cri-
minais das suas proprias decisoes condenatorias ou das que,
profèridas em primeira instância, tenham transitado em jul-
gado; b) conhecer de habeas-corpus em que a arguiçao de
constrangirnento se relacione com ato ou fato que a lei defina
como crime da competência do Tribunal; c) decidir sôbre ar-
quivamento de inquéritos ou exclusao de algum indiciado.
o processo e 0 julgamento dos crimes da competência do
Tribunal de Segurança sac regulados pela dec.-lei n. 474, de 8
de junho de 1938, continuando em vigor, no que naD for con··
trario a essa lei, as disposiçoes relativas à instruçao e julga-
mento contidas em preceituaçao anterior.
A êsse proposito esclarece 0 ministro BARROS BARRETO, a
quem damos a palavra: "0 dec.-lei n. 88, que reorganizou 0
"Tribunal, ja havia removido as principais causas da demora
"dos processos e atendido à melhor graduaçao da pena. Mas
"0 dec.-Iei n. 474 estàbeleceu medidas e providências acerta-
"das para tornarem ainda mais rapido 0 andamento dos fei-
"tos, de vez que, além de reduzir os prazos processuais: a)
"considera provado, desde que nao ilidido por prova em con-
"trario, 0 que ficou apurado no inquérito; b) determina
"seja a citaçao do réu sôlto ou foragido feita por editaI afixado
"à porta do Tribunal; c) fixa em duas, no ;maximo, para
"cada réu, as testemunhas de defesa, naD devendo a inquiri-
• Os crimes politicos e os praticado.~ contra a ordem social foram definidos pelas
leis n. 38, de 4 de abrll de 1935, e n. 136, de 14 de dezembro do mesmo ano, estando
agora deflnidos no dec.-Iei n. 431, de 18 de maio de 1938 (crimes contra a perso-
nalldade internacional, a estrutura e a segurança do Estado e contra a ordem
social), cominada a pena de morte por fuzilamento, em certos casos (art. 2.°), pre-
ceituaçao a que acrescentou outras modalldades, no 'htual estado de guerra, 0
dec.-Iei n. 4.766, de 1 de outubro de 1942.
Os crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprêgo, foram de-
flnidos pela dec.-Iei n. 869, de 18 de novembro de 1938, corn as mod1f1caçôes dos
decs.-Ieis n. 2.524, de 23 de agôsto de 1940, n. 1.402, de 5 de Julho de 1939, n. 1.716,
de 28 de outubro de 1939, n. 1.888, de 15 de novembro de 1939, e n. 2.238, de 28 de
maio de 1940.
As infraçôes do dec.-Iei n. 37, de 2 de dezembro de 1937, que dispOs sObre
partidos pol!ticos, se completam corn 0 que dispôem 0 dec.-Iei n. 383, de 18 de abrll
de 1938, que veda a estrangeiros a atlvidade politica no Brasll, e 0 dec.-Iei n. 1.687,
de n de outubro de 1939, que delimita as zonas interdit as à navegaçao aérea.
440 CASTRO NUNES

"çao de cada uma durar mais de 15 minutos; d) institue


"debates orais em primeira e segunda instâncias, dispondo
"que a sentença seja proferida pelo juiz na mesma audiência
"ou pelo Tribunal Pleno na sessao de julg::imento, e, em casa
"de empate, prevaleça 0 voto do presidente". 7
o julgamento é "por livre convicçao" nos crimes do
art. 4.°, letras a e b, do dec.-Iei n. 88 (crimes contra a existên-
cia, segurança e integridade do Estado e contra a estrutura
das instituiçoes), conforme dispoe 0 art. 13 do mesmo de-
creto-Iei.
5. ArticuIaçao com 0 Supremo Tribunal Federal ("ha-
beas-corpus" e conflito de jurisdiçao). É no mecanismo dos
recursos que se acusa a articulaçao dos orgaos judiciarios.
Essa articulaçao entre 0 Supremo Tribunal e as justiças es-
peciais estreitou-se demasiado. Quase naD existe. Sao ju-
risdiçoes autônomas, que se movem dentro de um quadro de
principios e normas que lhes sac peculiares. E tera sido por
es sa razao que a Carta Constitucional as situou (principal-
mente a justiça especial e a do trabalho) sem subordinaçao
hierarquica e sem maiores vinculaçoes com as instâncias re-
gulares.
A justiça especial supoe 0 estado de insurreiçao perma-
nente, proprio da época que estamos vivendo. É uma justiça
de reaçao, justiça que se poderia dizer de contra-revoluçiio,
ou, conforme a qualifica a lei mesma, justiça "de defesa do
"Estado".
Compreende-se, assim, a razao dos seus escassos pontos
de contacto com 0 Supremo Tribunal. Somente em dois
casos pode 0 Supremo Tribunal intervir: a) por via de ha-
beas-corpus, em grau de recurso ou originario; b) por via
de conflito de jurisdiçao.
Por qualquer dêsses meios 0 Supremo Tribunal naD se
substitue ao Tribunal de Segurança para rever 0".1 reformar,
como instância superior, a sua decisao. Limita-se a exa-
minar, pela habeas-corpus ou por via de conflito, a conformi-
7 Relat6rio, 1939.
TE ORlA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 441

dade do exercicio da jurisdiçao corn a preceituaçao legal ou


constitucional. 8
Do habeas-corpus conhece 0 Supremo Tribunal, em grau
de recurso ou originariamente. A competência originaria foi
controvertida. A de recurso jamais 0 foi, nem 0 poderia ser,
em face do texto constitucional (art. 101, II, 2, b) que sujeita
ao reexame da instância suprema as decisoes denegat6rias,
sem distinguir a jurisdiçao de que promanem. A competên-
cia originâria foi debatida no Supremo Tribunal em 1939,
tendo vingado a soluçao afirmativa pelos votos dos ministros
CARVALHO MOURAO, relator, JosÉ LINHARES, ARMANDO DE ALEN-
.CAR, COSTA MANso, LAUDO DE CAMARGO e PLINIO CASADO, ha-
vendo votos vencidos. Decidiu-se - e jâ hoje é pacifico êsse
entendimento - que a competência originâria alcança 0 Tri-
bunal de Segurança, por interpretaçao da clâusula cons-
titucional "quando for paciente, ou.coator, tribunal, funcio-
"nârio ou autoridade, cujos atos estejam· sujeitos imediata-
"mente à jurisdiçao do Tribunal. .. ".
Atos de tribunal sao, em primeira linha, as decisoes que
êle profere. E se das decis6es denegat6rias de habeas-corpus
conhece, incontroversamente, 0 Supremo Tribunal, segue-se
dai que existe a sujeiçao pressuposta no texto constitucional
para a legitimidade da competência originâria.
Tais foram os têrmos em que colocou a questao 0 minis-
tro COSTA MANso, cujo voto aborda a questao nos seus pontos
principais, e damos a seguir: "Sr. presidente, a lei admite
"expressamente 0 remédio do habeas-corpus contra os atos
"do Tribunal de Segurança ou dos seus membros, quando
"funcionem na qualidade de juizes singulares. De fato, 0
"art. 4.° do dec.-Iei n. 88 disp6e: "Compete privativamente
"ao Tribunal de Segurança processar e julgar: ... Parâgrafo
"unico. Campete-Ihe, ainda, conhecer e decidir sôbre ha-
"beas-corpus impetrados em favor de quem sofra ou se ache
"ameaçado de sofrer violência ou coaçao por ilegalidade ou
8 Sôbre a competência para dirimir 0 conflito entre 0 Tribunal de Segurança Il
outros 6rgâos judlclârlos: e bem assim sôbre outros aspectos, vejam-se os capitulos
concernentes ao Supremo Tribunal, particularmente 0 III, IV e V.
442 CASTRO NUNES

"abuso de po der, em virtude de ato ou fato que lhe seja atri-


"buido coma crime da competência do Tribunal".
"Alias, coma demonstrou 0 sr. ministro relator, naD ha
"constrangimento à liberdade de locomoçao que 0 habeas-
"-corpus deixe de proteger. 0 art. 122, n. 16, da Carta Cons-
"titucional vigente assegura 0 amparo do habeas-corpus
"sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de so-
"frer violência ou coaçao ilegal na sua liberdade de ir e vir,
"salvo nos casos de puniçao disciplinar". Logo, todo ato île-
"gal, qualquer que seja a autoridade que 0 pratique ou de-
"termine, pode ser invalidado por meio do remédio constitu-
"cional do habeas-corpus. A lei que determinasse 0 contrario
"seria manifestamente inconstitucional. A soluçao da pri-
"meira preliminar naD oferece, portanto, dificuldade.
"A segunda, exige mais demorado exame. Compete ao
"Supremo Tribunal Federal, originariamente ou em grau de
"recurso, deferir pedidos de habeas-corpus contra constran-
';gimento resultante de ato do Tribunal de Segurança? Res-
"pondo afirmativamente.
"0 art. 101, II, 2, da Carta Constitucional, confere ao
"Supremo Tribunal Federal a atribuiçao de "julgar ... em re-
"curso ordinario. .. as decisoes de ûltima ou ûnica instância
"denegat6rias de habeas-corpus". 0 texto naD alude às de-
"cisoes das justiças locais, coma no casa do n. III, referente
"ao recurso extraordinario. Logo, de tôda decisao denegat6-
"ria de habeas-corpus cabe recurso para 0 Supremo Tribunal
"Federal, qualquer que seja 0 tribunal ou juiz que a profira,
"em ûnica ou ûltima instância. Ja temos admitido recursos
"de decisoes do Supremo Tribunal Militar. Nada justifica a
"exclusao do Tribunal de Segurança, que esta colocado no
"mesmo pIano.
"Se cabe 0 recurso, é claro que, coma acontece com todos
"os tribunais do pais, os atos do Tribunal de Segurança estao
"imediatamente sujeitos à jurisdiçao do Supremo Tribunal
"Federal. Compete, pois, a êste, nos têrmos do art. 101, l, g,
"da Carta, processar e julgar originariamente 0 habeas-cor-
"pus, quando 0 Tribunal de Segurança seja 0 coator.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 443

"A circunstância de se tratar de um tribunal especial,


"nao incluido na engrenagem da magistratura comum,· naD é
"obstaculo à conclusao a que cheguei, pois, como vimos, a
"Carta Constitucional naD restringe a competência do Supre-
"mo Tribunal, quando lhe atribue 0 julgamento dos recursos
"de habeas-corpus. E como a regra de competência, na ma-
"téria, decorre da superioridade de grau na ordem da jurisdi-
"çao judiciaria (lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871,
art. 18), segue-se que somente 0 Supremo Tribunal Federal,
"que naD tem superior, conhece definitivamente do habeas-
"-corpus impetrado contra os seus proprios atos.
"0 Supremo Tribunal Federal naD pode, em julgamento
"de habeas-corpus, emendar as decis6es dos tribunais inferio-
"res. Desde, porém, que 0 constrangimento seja ilegal, isto é,
"extrinsecamente contrario à lei, 0 remédio constitucional é
"admissivel.
"Tomo conhecimento do pedido".9

6. 0 Tribunal de Segurança no estado de guerra. A lei


constitucional n. 7, de 30 de setembro de 1942, emendou 0
art. 173 da Constituiçao, que deslocava para os tribunais mi-
litares, por efeito do estado de guerra, os crimes cometidos
contra a estrutura das instituiç6es e a segurança do Estado
e dos cidadaos. Visou a emenda conservar na competência
do Tribunal de Segurança alguns dêsses crimes, mediante
partilha ao alcance do legislador.
É êste 0 teor da emenda constitucional: "Considerando
"que, pela art. 122, n. 17, da Constituiçao Federal, "os crimes
"que atentarem contra a existência, a segurança, a integri-
"dade do Estado, a guarda e 0 emprêgo da economia popular
"serao submetidos a processo e julgamento perante tribunal
"especial, na forma que a lei instituir" ;
"Considerando que, para cumprimento do dispositivo ci-
"tado, foi mantido 0 Tribunal de Segurança Nacional, insti-
"tuido pela lei n. 244, de 11 de setembro de 1936 ;

• Arq. Judicilirio, V. 49, ps. 535 e segs.


444 CASTRO NUNES

"Considerando que, na vigência do estado de guerra,


"podem ser praticados crimes sujeitos a julgamento pela jus-
"tiça militar e também crimes cujo julgamento é da compe-
"tência do Tribunal de Segurança Nacional;
"Considerando que, assim, se torna necessârio adequar
"0 art. 173 da Constituiçao Federal à coexistência dos 6rgaos
"da justiça militar com 0 Tribunal de Segurança Nacional,
"decreta :
"Artigo linico. 0 art. 173 da Constituiçao fica assim re-
"digido :
"Art. 173. 0 estado de guerra motivado por conflito corn
"pais estrangeiro se declararâ no decreto de mobilizaçao. Na
"sua vigência, 0 Presidente da Republica tem os poderes do
"art. 166 e a lei determinarâ os casos em que os crimes co-
"metidos contra a estrutura das instituiçoes, a segurança do
"Estado e dos cidadaos serao julgados pela justiça militar ou
"pelo Tribunal de Segurança Nacional".
o dec.-lei n. 4.766, de 1 de outubro de 1942, definindo
crimes militares e contra a segurança do Estado, repartiu a
competência para deles conhecer entre a justiça militar
(art. 65) e 0 Tribunal de Segurança, assim dispondo 0
art. 66: "Além dos crimes previstos em lei, consideram-se da
"competência do Tribunal de Segurança Nacional, qualquer
"que seja 0 agente :
"1 - Os crimes definidos nos arts. 21 a 45 desta lei;
"II - Os crimes definidos nos arts. 46 a 49, fora dos casos
"previstos no n. II do artigo anterior ;
"III - Os crimes definidos nos arts. 50 e 51, fora dos
"casos previstos no n. II do artigo anterior, desde que se rel a-
"cionem a qualquer dos casos especificados no art. 1.0 do
"dec.-lei n. 431, de 18 de maio de 1938.
"Art. 67. Esta lei retroagirâ, em relaçao aos crimes con-
"tra a segurança externa, à data da ruptura de relaçoes diplo-
"mâticas com a Alemanha, a Itâlia e 0 Japao.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAru:O 445

"Art. 68. No casa de aplicaçao retroativa da lei, a pena


"de morte sera substituida pela de reclusao por 30 anos.
"Art. 69. Continuam em vigor a legislaçao penal mili-
"tar e a legislaçâo de segurança nacional, no que nao colidi-
"rem" com 0 disposto nesta lei".
CAPiTULO IV

JUSTIÇA DO TRABALHO

SUMARIO: 1. Crlaçil.o da justlça do trabalho entre n6s. As juntas do Govêrno


Prov1s6rl0. 2. A justlça do trabalho na Constltulçil.o de 34. Caracteristlcas
da jurisdlçâo. 3. A justiça do traoalho no direito comparado. 4. A justiça
do trabalho na Constituiçil.o atual. 5. Poslçâo da justlça do trabalho no
mecanismo judlclârl0. 6. Competêncla da justlça do trabalho. Direlto
comum subsldlârl0. 7. Execuçâo das decisôes da justlça trabalhista. A
controvérsla sôbre a concluslvldade das proferldas pelas antlgas juntas.

1. Criaçao da justiça do trabalho entre nos - As juntas


do Govêrno Provisorio. A instituiçao de uma jurisdiçao es-
pecial para decidir os litigios oriundos das questoes do tra-
baIllo entre empregadores e empregados data do Govêrno
, Provis6rio da Revoluçao de 30. 0 dec. Il,. 22.132, de 25 de
novembro de 1932, criou as juntas de conciliaçiio e julga-
, mento, para 0 fim declarado de "dirimirem os litigios oriun-
"dos de quest6es de trabalho em que sejam partes emprega-
"dos sindicalizados e que naD afetem as coletividades a .que
"pertencerem os litigantes", juntas compostas de dois vogais,
sendo um tirado dos empregadores e 0 outro dos empregados,
e de um presidente nomeado pelo ministro do Trabalho e que
teria de ser um eslranho às duas classes profissionais, de-
venda a escolha recair de preferência em advogado, magis-
trado ou funciomirio.
Outros decretos vieram desenvolver essa organizaçao em-
brionaria e incompleta, mas cujo sentido de jurisdiçao traba-
lhista e, de seu natural, autônoma, teria de ser reconhecido,
naD obstante algumas resistências do espirito juridico tradi-
cionaI.
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICIÂRIO 447

Como diz GALLART FOLCH, a instituiçao de uma jurisdi-


çao trabalhista equivale à instituiçao de um fôro privilegiado,
é a negaçao do principio da unidade jurisdicional - una lex,
una jurisdictio - tao caro à reaçao liberal contra as justiças
de classe'e à instituiçao de justiças especiais ou privativas. 1
É uma jurisdiçao articulada corn 0 particularismo da le-
gislaçiio social, obedecendo aos mesmos principios em que
esta se inspira, 0 que, desde logo, revela que a autonomia,
nesse quadro de idéias, é inerente à instituiçao.
A êsse pensamento obedeceu a criaçao das juntas
em 1932.
Na mensagem que dirigiu à Assembléia Nacional Cons-
tituinte em 15 de novembro de 1933, assim se expressou 0
Presidente GETULIO VARGAS :
"A criaçao de uma justiça do trabalho para dirimir os
"litigios de natureza individual que, de momento a momento,
"surgem das relaçoes entre empregados e empregadores, vern
"dar soluçao satisfatoria a êsses conflitos, que nao encontra-
"vam amparo eficiente, tanto na organizaçao judiciaria fe-
IOderaI, como na dos Estados. Era habito, até bem pouco, en-
"carar-se tais litigios como casos de policia, resolvidos arbi-
"traria e sumariamente pelas autoridades policiais.
"A institaiçao das comissoes mistas de conciliaçao e ar-
"bitragem resolveu um dos pontos da questao pela criaçao de
"orgaos que solucionam os conflitos coletivos de trabalho.
"Perdurava, porém, 0 aspecto individual do problema, em face
"do quaI 0 Brasil, nao obstante ser signatario do Tratado de
"Versalhes e membro do "Bureau" Internacional do Trabalho,
"se conservava em manifesta inferioridade, ante a maioria
"das naçoes cuItas. A legislaçao decretada, criando as jun-
"tas de conciliaçao e julgamento para os dissidios individuais,
"reparou a falha de modo completo e satisfatorio".
2 . A justiça do trabalho na Constituiçao de 34 - Ca-
racteristicas da jurisdiçao. Na Constituiçao de 34 deu en-
trada a justiça do trabalho como instituiçao ligada à Ordern
1 GALLART FOLCH, Derecho Administrativo y ProcesaL de las Corporaciones de
Trabajo, ps. 158 e segs.
448 CASTRO NUNES

econômica e social, calcada nos mesmos moldes corporativo-


-paritarios da organizaçao adotada pelo Govêrno Provis6rio,
corn a designaçao eletiva dos vogais pelos sindicatos de classe
e a mesma fin alidade, que se trai até no mesmo verbo dirimir,
de que usara 0 dec. n. 22.132.
Eis 0 texto constitucional: "Para dirimir as questoes
"entre empregados e empregadores, regidas pela legislaçao
"social, fica instituida a justiça do trabalho, à quaI naD se
"aplica 0 disposto no cap. IV do tit. 1. Paragrafo unico.
"A constituiçao dos tribunais do trabalho e das comissoes de
"conciliaçao obedecera sempre ao principio da eleiçao dos
"seus membros, metade pelas associaçoes representativas dos
"empregados e metade pelas dos empregadores, sendo 0 pre-
"sidente de livre nomeaçao do Govêrno, escolhido dentre pes-
"soas de experiência e not6ria capacidade moral e intelectual".
A analise do preceito constitucional - tive ocasiao de
dizer em artigo doutrinario - revela as seguintes caracteris-
ticas da instituiçao: 1.0, é uma justiça eletiva, e profissional,
porque representativa das duas grandes classes em que se
reparte a atividade social (empregados e empregadores) ;
mas, 2.°, essa representaçao naD é atomistica, senao articula-
da corn os grupos associados, que se representam por igual
numero de vogais, donde resulta que é corporativo-paritriria ;
3.°, tem competência limitada ao direito excepcional do tra-
balho - questoes ... "regidas pela legislaçiio social"; 4.°, é
conclusiva, dentro dessa competência restrita, 0 que se ex-
pressa pelo verbo dirimir (decidir, extinguir, terminar); 5.°,
o presidente de qualquer das instâncias do trabalho naD é,
necessariamente, um magistrado de carreira, mas pessoa da
livre escolha do Govêrno corn os requisitos exigidos de idonei-
dade moral e técnica.
o legislador constituinte, no mesmo rumo do Govêrno
Provis6rio, instituiu a justiça do trabalho coma um reflexo
da pr6pria legislaçao social. Precindiu das justiças togadas,
tidas por certa cor rente como impr6prias, pela sua formaçao
juridica e habitos mentais, para 0 exercicio dessa jurisdiçao,
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 449

que se orienta por principios peculiares, requer maior flexi-


bilidade no entendimento e na aplicaçao da lei.
"Los tribunales ordinarios" - diz FOLCH - "por la for-
maci6n cientifica de sus componentes, por la adaptaci6n pro-
fesional de los mismos y, en algunos de estos, por profunda
convicci6n de los que los componen, tienen un criterio civilista
del derecho congruente con la mayor parte de las leyes que
aplican y con las alegaciones que ante ellos han de hacerse
por los litigantes que invocan casi exclusivamente derechos
basados en el dominio 0 en el contrato. La reforma de esta
mentalidad, sin que fuera sincronizada con una lenta reforma
legal, seria profundamente perturbadora. Por eso, sin pre-
juzgar aqui, como no lo prejuzgamos tampoco al hablar de
la complexidad y lentitud del procedimiento, la orientaci6n
de esas reformas, podemos concluir, como lo hicimos alli, que
la jurisdicci6n civil ordinaria es inadecuada para la adminis-
traci6n de justicia en orden a las relaciones de trabajo".
Por outro lado, a justiça do trabalho, na mesma ordem
de idéias da legislaçao social, é tutelar do fraco, 0 operario ou
empregado, sem meios para moyer a maquina judiciaria e su-
portar-lhe os onus e a discussao demorada nos pret6rios;
julga mediante formas simples em que predomina a oralidade,
sem apêgo à igualdade processual dos litigantes, porque, diz
.0 mesmo escritor - "la supuesta igualdad del derecho en el
litigio 0 lucha judicial resuelta ilusoria ante la desigualdad
econ6mica de los dos contendientes, cuando esta es muy
acusada".
Todos os expositores, quer os espanh6is, quer os italianos
e, até mesmo, os franceses, a prop6sito dos prud'hommes, sa-
lient am êsse traço de celeridade e simplificaçao que caracte-
riza a jurisdiçao. Domina 0 principio da oralidade e da co!"-
centraçâo processual, nos têrmos da liçao de CmoVENDA, por
todos invocada. Dos prud'hommes (também jurisdiçao pa-
ritaria, ,composta de igual numero de elementos patronais e
operarios), se diz que constituem uma jurisdiçao especial e
técnica, expedita e barata - "expeditive et à bon marché".
F.29
450 CASTRO NUNES

Justiça do trabalho é jurisdiçao de equidade, traço mais


acentuado nos conflitos coletivos do que nos individuais, que
pressup5em lei preexistente a aplicar e apenas comportam 0
principio coma temperamento na interpretaçao.
o fim da justiça do trabalho é conseguir a paz social,
evitar a luta de classes, e dai a proibiçao da greve e do lock-
-out, que sao formas de auto-defesa tornadas inadmissiveis
nos pais es que a teem organizada e vao, como a Italia, até a
incriminaçao daquelas atitudes perturbadoras da harmonia
social e do interêsse coletivo.
Na mesma ordem de idéias, mostrei 0 carater da insti-
tuiçao como instrumento da paz social e a mentalidade nova
do juiz do trabalho no quadro das idéias que dominam 0 par-
ticularismo do direito trabalhista: "Disse-o muito bem 0 mi-
nistro AGAMEMNON MAGALHAES na exposiçao de motivos do
projeto ora encaminhado à Câmara dos Deputados: "Sem
"justiça organizada todo 0 humanismo social que a Revoluçao
"de 1930 realizou, valorizando 0 trabalho e animando as fôr-
"ças da nossa economia, se transformara em motivos de re-
"beldia e reivindicaç5es subversivas. A parede e 0 lock-out
"geram ressentimentos entre empregados e patr5es, incenti-
"vando rivalidade e odio de consequências imprevistas. 0 es-
"tado passional que se segue às paredes, coma observa 0 pro-
"fessor FOLCH, da Universidade de Barcelona, é mais nocivo à
"produçao do que a perda econômica do valor das jornadas do
"trabalho. É indispensavel, pois, que 0 interêsse do capital e
"do trabalho se expresse por uma relaçao juridica e que esta
"encontre nos orgaos da justiça a fôrça que a declare e im-
"ponha".
É nas controvérsias coletivas que melhor se acusa a des-
, tinaçao econômica da jurisdiçao trabalhista, como nos dissi-
1 dios individuais mais se acentua 0 seu carater judiciario.
\ Naquelas, as decis5es sao normativas, atos formalmente juris-
dicionais mas substancialmente legislativos, coma observa ZA-
NOBINI. Maiores possibilidades se abrem ao exercicio da ju-
risdiçao de equidade, que, no dizer de CALAMANDREI, nao é,
apenas, declarat6ria do direito, senao criadora da norma ju-
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 451

ridica OU, como diz CARNELUTTI, a adequaçâo da lei ao caso


concreto, 0 juiz legislador do caso-specie.
Nas contestaç6es individuais, a equidade tende a uma re-
tificaçao das desigualdades sociais, como diz HINOJOSA FERRER,
no interêsse do trabalhador, principio que informa tôda a le-
gislaçao social. ,
A liberdade do juiz, diz 0 mesmo autor, é um dos pressu-
postos do sistema. E, mesmo na Italia, onde se preceitua
que em tais espécies 0 julgamento se fara secundum legem,
o sentido da legislaçao social deve guiar 0 juiz, juiz especial,
ainda que tirado da magistratura comum, cujos critérios e
poderes, informa PERGOLESI, excedem os normais dos juizes
ordinarios. 2
Tive ocasiao, em sentença que proferi, de examinar, a
proposito da aplicaçao da lei de férias, êsse aspecto, isto é,
as possibilidades mais amplas do juiz togado quando funciona
.coma magistrado do trabalho :
"~sse poder de tirar da norma a soluçao ditada pelas
possibilidades da espécie é 0 processo técnico a que se vem
dando a moderna denominaçao de "standard" juridico, de
sentido, alias, antagônico de idêntica denominaçao na técnica
industrial. Por maiores que sejam as reservas que possa
comportar em outros dominios juridicos essa dilataçao do
poder hermenêutico do juiz ou essa ressurreiçao da jurispru-
dência pretoriana, é na aplicaçao das leis sociais, nas rela-
ç6es entre 0 capital e 0 trabalho, que êle encontra 0 seu ter-
reno de eleiçao.
MARCEL STATI, citando SALLEILLES, escreve: "c'est, d'ail-
leurs, dans ce domaine des faits economiques, où les change-
ments ont toujours, été plus grand et plus brusques, que se
manifeste avec plus de succès la jurisprudence pretorienne,
les juges subissent la force latente irresistible et triomphante

• GALLART FOLCH, Derecho Administrativo y Procesal de las Corporaciones de


Trabaio, 1933, ps. 155 e segs.; GEORGE BRY, Les Lois du TravlliZ Industriel, 1921.
n. 803; ZANOBINI, Corso di Diritto Corporativo, 1936. p. 221; CARNELUTTI, Sistema deI
Diritto Processuale Civile, 1936, p. 135; HINOJOSA FERRER, El Eniuiciamiento en el
Derecho deI TMbaio, 1933, ps. 11 e segs.; PERGOLESI, La Magistratura deI Lavoro,
1928, ps. 13 e Begs.
452 CASTRO NUNES

qui résulte des faits ou plutôt de l'application de l'idée de jus-


tice aux realités de la vie".
Nao chega a ser uma novidade, diz 0 classico DEMOGUE,
prefaciando 0 livro de STATI: "Nous avions depuis longtemps
la chose sans avoir un terme special pour la designer".
Essa mobilidade ou flexibilidade dos critérios legais de
justiça, observa 0 autor citado, justifica-se pela necessidade de
acompanhar as transformaçoes das relaçoes econômicas, que
nao se compadecem corn as regulamentaçoes rigidas, que cor-
rem 0 risco de ficar aquém das realidades sociais, tornando-se
ineficazes. 3
Tôda a legislaçao do trabalho representa um esfôrço cons-
tante de reivindicaçao de direitos que s6 a custo se impuse-
r~ às resistências do capital pela coerçao do Estado. 0 re-
pouso hebdomadario, hoje pacificamente admitido, provocou
em França 0 clamor do comércio varejista, que tinha nos do-
mingos, quando fechados os grandes magazines, as suas me-
lhores oportunidades, coma observa PAUL PIC.
o direito a férias, nascido das mesmas inspiraçoes e corn
mais largas perspectivas do ponto de vista biol6gico, teria de
encontrar os obstaculos que eram de prever, cumprindo ao
Judiciario processar a transformaçao social que estamos as-
sistindo, sem estrangular, por amor à letra da lei, conquistas
evoluidas que deverao encontrar nos textos 0 seu instrumento,
e naD a sua negaçao". 4
3. A justiça do trabalho no direito comparado. Em
outros paises naD se julgou necessario criar uma jurisdiçao
de classe para os litigios do trabalho, naD obstante conhecidas
as razoes que particularizam a justiça social. Acrescentou-se
às funçoes da magistratura ordinaria uma funçao especial,
naD se criou uma jurisdiçao especial, e tal é 0 casa da Italia,
onde se confiou à magistratura comum a funçao de magis-:
tratura do trabalho (sôbre essa distinçao e a justificaçao ofi-
cial da soluçao italiana, veja-se PERGOLESI, La Magistratura
3 MARCEL STATI, Le Standard Juridique, 1927, ps. 163-164.
4 "Da justiça do trabalho no mecanlsmo jurlsdlclonal do reglme", in Arq. Ju-
diciario, v. 41, suplemento.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 453

del Lavoro, pS. 11 e segs., e, também, ZANOBINI, Diritto Corpo-


rativo, 1936, p. 221).
Sao as pr6prias côrtes de apelaçao, ou, mais exatamente,
secçoes dessas côrtes, os tribunais do trabalho, compostas de
três juizes assistidos por dois consiglieri esperti, técnicos es-
pecializados, escolhidos dentre professores universitarios ou
portadores de titulos equivalentes de especializaçao em as-
suntos de legislaçao social e que tomam assento na instância
colegiada, corn direito de voto. 5
Também em Portugal, no Portugal dos nossos dias, reno-
vado pela gênio politico de SALAZAR, 0 Estatuto do Trabalho
reservou a magistrados especiais, assistidos pelos representan-
tes de sindicatos de classe das partes em litigio, a funçao de
juizes do trabalho, corn recurso, em revisao, para um tribunal
superior.
Na Alemanha existem os tribunais de trabalho (Arbeits-
gericht), que sao de primeira instância, e os tribunais regio-
nais (Landesarbeitsgerichte), compostos de um Juiz de car-
reira coma presidente, e de dois assessores escolhidos entre os
empregados e os empregadores.
Mas 0 Tribunal Supremo, que julga em revisao (Reichs-
arbeitsgerichte) , tem composiçao diferente, compoe-se de três
juizes do Reichsgericht, e de dois asses sores, do que resulta
que nele predomina, como na Italia, 0 elemento togado (PE-
REIRA DOS SANTOS, Un Etat Corporatif, 1935, ps. 83-84; Recueil
International de la Jurisprudence du Travail, 1934-35; mais
amplas informaçoes sôbre 0 direito comparado em PERGOLESr,
La M agistratura del Lavoro).
Nos Estados Unidos os têrmos constitucionais do proble-
ma nao permitiram a criaçao de uma jurisdiçao trabalhista
desarticulada corn a justiça togada. A criaçao é recente, data
do New Deal. Os tribunais trabalhistas, tendo no vértice do
sistema 0 National Labor Relations Board, de cujas decisoes
cabe recurso para as côrtes de apelaçao de circuito (Circuit
Courts of Appeal) , foram criados corna aparelhos administra-

, ZANOBINI, COTBO di Diritto CorporatiVo, 1936, p. 221; NICOLA JAEGER, Corso dl


Diritto Processuale dei Lavoro, 1936, p. 70.
454 CASTRO NUNES

tivos, ditos embora autônomos e independentes, coordenados


corn 0 Ministério do Trabalho, "in connection with the De-
partment of Labor", ainda que investidos de funçao quasi-
-judicial, no sentido americano dessa locuçao, isto é, conclu-
siva quanto aos fatos e circunstâncias, mas nao quanto ao
entendimento da lei, nao obstante 0 desenvolvimento daquela
formula que a jurisprudência tem favorecido. 6
Mas, embora administrativos tais conselhos, nao foram
criados coma peças da administraçao ou aparelhos subordi-
nados ao Poder Executivo, 0 que melhor aviva 0 traço que jâ.
assinalamos no tocante à autonomia da jurisdiçâo do traba-
lho em face do Executivo. Suas decisôes, diz um expositor
da matéria, "were final and not subject to review by any per-
son or agency in the Executive branch of the Government".
E delas conhecendo, as côrtes de circuito, infoJ1llam BERN-
HEIM AND VAN DOREN, nao admitem defesa que nao tenha
sido antes apresentada na instância recorrida, salvo circuns-
tâncias extraordinarias; e, se anulam a decisao, devolvem 0
casa para que 0 reexamine 0 tribunal do trabalho.
No tocante aos fatos e circunstâncias se auto-limitam,
aceitando-os coma conclusivos, salve se, à evidência, se mos-
trar 0 contrario: "the findings of the Board as to the facts,
if supported by eVidence, shall be conclusive". 7

Vê-se do exposto que, nao obstante mera criaçao legisla-


tiva corn base na National lndustrial Recovery Act - a juris-
diçao do trabalho nos Estados Unidos traz a marca da sua
destinaçao, nao é uma dependência do Executivo, é de indole
quasi-judicial, dotada da autonomia que esta pressuposta na
instituiçao e que 0 Judiciario federal naquele pais preservou,
na atitude discreta que adotou, para nao absorver as funçôes
da competência especial.
4. A justiça do trabalho na Constituiçao atual. A
Constituiçao de 10 de novembre manteve a instituiçao nos
seguintes termos (art. 139): "Para dirimir os conflitos
o Veja-se WILLOUGHBY, On the Constitution, 1929, nr, § 1.087.
~ LORWIN AND WUBING, Labor Relations Board, 1935, ps. 395 e 397; BERNHEIM AND
VAN DOREN, Labor and the Govern, 1935, ap., p. 39(1.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 455

"oriundos das relaçoes entre empregadores e empregados, re-


"guladas na legislaçao social, é instituida a justiça do traba-
"lho, que sera regulada em lei, e à quaI nao se aplicam as dis-
"posiçoes desta Constituiçao relativas à competência, ao re-
"crutamento e às prerrogativas da justiça comum.
"A greve e 0 lock-out saD declarados recursos antissociais
"nocivos ao trabalho e ao capital e incompativeis com os su-
"periores interêsses da produçao nacional".
Comparado êsse dispositivo com 0 que se inseria na Cons-
tituiçao de 34, vê-se: 1.0, que nao se reproduziu 0 parag.
unico do texto anterior, onde se prescrevia expressamente -
"obedecera sempre ao principio da eleiçao dos seus membros,
"metade pelas associaçoes representativas dos empregados e
"metade pelas dos empregadores", preceito imperativo que vi-
sava a composiçao dos tribunais do trabalho como orgaos
corporativo-paritarios, estando ai também pressuposto 0 duplo
grau no mecanismo da jurisdiçao; 2.°, que em ambas as Cons-
tituiçoes, na anterior como na atual, 0 que se instituiu foi e é
a jurisdiçiio do trabalho, dentro de um quadro de principios
que lhe saD peculiares, e naD orgaos especiais da magistratura
comum, isto é, juizos especiais ou privativos mediante desdo-
bramentos da orgânica judicïaria comum; 3.°, que à jurisdi-
çao correspondem orgaos proprios, aos quais nao se aplicam
os preceitos constitucionais concernentes às magistraturas re-
gulares, 0 que se expressa na locuçao "à quaI naD se aplicam
"as disposiçoes desta Constituiçao relativas à competência, ao
"recrutamento e às prerrogativas da justiça comum", equiva-
lente à do texto anterior "à quaI naD se aplica 0 disposto no
"cap. IV do tit. l''.
Do exposto resulta: a) que ficou ao legislador ordina-
rio maïor liberdade na organizaçao da justiça trabalhista, livre
de adotar 0 principio corporativo-paritario integralmente ou
de adjudicar a jurisdiçao a orgaos da magistratura ordinaria,
combinados em grau maior ou menor os dois principios; b)
que essa possibilidade nao é, porém, ilimitada, estando, como
esta, claramente pressuposta a jurisdiçao trabalhista com os
seus orgaos pr6prios, 0 que decorre da clausula "à quaI nao
456 CASTRO NUNES

"se aplicam ... "; c) que os magistrados de carreira, quando


investidos de funçoes da magistratura do trabalho, sao juizes
do trabalho, sem prejuizo das garantias inerentes à sua fun-
çao normal; d) que a justiça do trabalho é uma justiça es-
pecial, autônoma no mecanismo das suas instâncias, distinta
da justiça comum, sem perder com isso 0 seu carater judi-
ciario.
5 . Posiçao da justiça do trabalho no mecanismo jndi-
clario. Entre os orgaos do Poder Judiciario ha que incluir a
justiça do trabalho, ainda que nao mencionada na enumera-
çao do art. 90 da Constituiçao atual, onde também nao se
menciona 0 Tribunal de Segurança Nacional, orgao da jus-
tiça especial (veja-se 0 cap. l dêste titulo).
A mesma duvida se levantava sob a anterior Constitui-
çao, cujo art. 63, enumerando os orgaos do Poder Judiciario,
naomencionava, também, os juizes e tribunàis do trabalho.
Acrescentava-se, ainda, que a clausula do art. 122 "à quaI
"nao se aplica 0 disposto no cap. IV do tit. 1", capitulo êsse
consagrado ao Poder Judiciario, importava em dizer que
dêsse poder nao fazia parte aquela jurisdiçao.
A êsse proposito escrevi entao 0 que passo a reproduzir
e que serve ao entendimento do texto atual: "Isso naD quer
dizer, porém, que a lista das instâncias judiciarias federais
esteja esgotada com aquela enumeraçao. 0 juri nao esta
mencionado e é uma jurisdiçao judiciciria. Também 0 Tribu-
nal Especial, jurisdiçao politico-penal, que, ja hoje, alcança
até os ministros da Côrte Suprema, nos crimes de responsa-
bilidade. Do mesmo modo os tribunais de exceçiio nascidos
do estado de guerra, do que temos 0 exemplo atual. Sao ins-
tâncias judiciarias, ainda que nao mencionadas entre os or-
giios do Poder Judicicirio.
Inclino-me a crer que a remissao feita pela art. 122 ao
tit. l, cap. IV, nao exclue a possibilidade de s~ conceituarem
os tribunais do trabalho como tribunais federais, refere-se à
orgânica judiciaria na sua composiçao, às garantias da' fun-
çao judicial, às proibiçoes a que estao sujeitos os juizes de
carreira. Nada disso se aplica realmente aos magistrados do
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 457

trabalho, que saD eletivos e leigos, como, alias, 0 saD também


os juizes de paz (Constituiçao, art. 104,-§ 4.°), estranhos à
carreira, coma por igual os jurados, do que resulta que a com-
posiçao eletiva dos tribunais do trabalho e a funçao leiga e
eventual dos que neles tenham assento naD bastara para que
se naD possam ter tais aparelhos coma instâncias judiciarias.
Também naD sera obstaculo 0 fato de se tratar de uma
justiça coordenada corn 0 Ministério do Trabalho, e naD corn
o da Justiça, 0 que decorre da Constituiçao mesma, que dela
cogita no capitulo sôbre a Ordem econômica e social, conhe-
cida a expressao social da instituiçao. Alias, 0 mesmo ocorre
corn a justiça militar, tambêm coordenada, em razao da ma-
téria, corn. outro Ministério que naD 0 da Justiça, 0 da
Guerra".8

6. Competência da justiça do trabalbo - Direito comum


subsidiârio. A competência dessa justiça é restrita às ques-
tôes do trabalho, quando suscitadas entre empregadores e em-
pregados e regidas pela legislaçao social. É uma competên-
cia em razao da matéria" e das pessoas.
Sôbre 0 entendimento da clausula regidas pela legislaçiio
social (a que equivale a àtual "reguladas na legislaçao so-
"cial") muito se discutiu a prop6sito de preceitos do C6digo
Civil e do C6digo Comercial relativos à locaçao de serviços,
que entendiam uns compreendidos na jurisdiçao trabalhista,
e outros nao.
A controvérsia relativamente a êsses preceitos esta hoje
resolvida legislativamente. 0 dec.-Iei n. 4.037, de 19 de ja-
neiro de 1942, determina que os arts. 81 e 1.221, respectiva-
mente, dos C6digos Comercial e Civil, constituem normas de
natureza social, podendo ser aplicados pelos tribunais do tra-

8 Artigo citado, in Arq. Judicidrio, v. 41. Ainda que justificando a necessidade da


autonomia da jurlsdiçao trabalhista e ° seu carMer jUdiciârio, aludf à conveniên-
cia de articula-la, em certos casos, com 0 Supremo Tribunal, mediante recurso res-
trito a ser estabelecido, a exemplo do que ocorre em França e mesmo na Espanha,
cuja organizaçao tera servido de modêlo ou inspiraçao para a criaçao, entre n6s,
das juntas de 1932 (veja-se HINOJOSA FERRE11, El Enjuiciamient"o en el Derecho deZ
Trabajo, ps. 155 e segs.).
458 CASTRO NUNES

balho. Com relaçao a normas outras, umas de assento cons-


titucional, outras insertas nos Codigos comuns, 0 problema
ficou em aberto, ainda que favorecida a soluçao afirmativa
por aquele decreto-lei.
Em recente acordao, de que fui relator (confl. de juris-
diçao n. 1.378, acordao de 26 de agôsto de 1942), decidiu 0
Supremo Tribunal, contra os votos dos ministros JosÉ LINHA-
RES e BENTO DE FARIA, que, configurado em espécie um con-
trato de trabalho, é competente a justiça respectiva para apli-
car as normas de proteçao insertas em qualquer lei - "As
"normas de proteçao do trabalho se identificam como sociais
"pelo seu conteudo, e nao pela lei em que se insiram" (in Ar-
quivo JUdicidrio, v. 64, ps. 196 e segs.).
Coisa diversa e que jamais comportou controvérsia séria
é a aplicaçao subsidiaria ou accessoria do direito comum,
quando necessaria para coadjuvar a aplicaçao da norma es-
pecifica do direito social. A êsse proposito escrevi: "Cum-
pre nao esquecer que a disciplinaçao do trabalho nao é um
fenômeno isolado do direito, do quadro das suas instituiçôes
ou regras fundamentais. "La reforma social ha vivido dema-
siado tiempo divor,ciada de las disciplinas juridicas". Sao
palavras do professor FOLCH na Introduçao do seu livro acima
citado.
Responsaveis por isso, acrescenta êle, sao os juristas de:-
masiado apegados ao arcaismo das formulas, incompativeis
com as necessidades novas, as novas concepçôes econômicas
que se refletem na legislaçao social. Dai, dessa atitude rea-
cionaria de incompreensao da nova ordem de coisas, 0 arbi-
trio dos utopistas a que ficaram abandonadas as questôes so-
ciais, sem 0 senso da medida que é 0 espirito juridico, deslo-
cadas, sao ainda palavras do mesmo escritor, "de esa admira-
ble sintesis de las relaciones entre los hombres, elaborada en
largos sig los de reflexi6n, que es el Derecho".
. Se a lei é omissa em certo ponto, aplica-se 0 direito co-
mum, chamado a completa-la.
Os principios gerais do direito governam 0 exercicio da
jurisdiçao. Vigora a regra de que 0 juiz da açao é 0 juiz da
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 459

·execuçao, do que resulta que a competência se amplia a outros


dominios. Também pela conexao, abrangendo aquilo a que
NICOLA JAEGER chama controvérsias de trabalho impr6prias.
É 0 que pode ocorrer na reconvençao, em que, alegado 0 pa-
gamento ou a compensaçao, 0 casa se desloca para 0 direito
civil. 9
Na produçao da prova as regras gerais de processo su-
prem as lacunas da lei. É preceito expresso no direito corpo-
ratlvo italiano. 10
7 . Execuçao das decisoes da justiça trabalhista - A
controvérsia sôbre a conclusividade das proferidas pelas an-
t.igas juntas. Antes da organizaçao definitiva da justiça do
trabalho, a execuçao das decisoes proferidas pelas juntas
trabalhistas competia aos juizes federais e, sob a Constitui-
çao de 37, aos juizes locais, conforme 0 preceituado no dec.-lei
n. 39, de 3 de dezembro do mesmo ano, gerando problemas
cuja soluçao teria de depender do caniter representativo que
àquelas juntas se atribuisse como 6rgéios da justiça do traba-
lho e do reconhecimento des ta coma magistratura autônoma
ou justiça especial.
• NICOLA JAEGER, Corso di Diritto Processuale deI Lavoro, 1936, p. 201.
10 Quando Juiz federal, numa execuçao de julgado de junta, anulei a decisao
por nao terem sido tomados os depoimentos das testemunhas arroladas pela em-
pregador, depoimentos orais em que se baseara a junta para pronunciar a conde-
naçao. A lei (dec. n. 22.132), disse eu, permite a prova testemunhal. Nao diz que
os depoimentos possam ser orais, ou que as testemunllas possam ser ouvidas sem
compromisso. Nem, ao menos, a ata do julgamento trazia a assinatura das tes-
temunhas. Se de outro modo nao disp6e a lei especial, apllca-se 0 C6digo de Pro-
cesso Civil, dizem os expositores itallanos (JAEGER, ob. cit., p. 137; ZANOBINI, ob.
cit., ps. 57 e 321). Também no processo perante os prud'hommes: a prova, nos
pontos omissos, segue as regras do direito comum (PAUL PIC, ob. cit., ps. 622-624) e
as testemunhas devem ser compromissadas (BRY, ob. cit., p. 674).
A oralldade, princfpio que domina 0 processo nas jurisdiç6es trabalhistas,
nao excluil 0 depoimento escrito. A autoridade invocada é CHIOVENDA, 0 autor
cla.ssico na matéria, e êle diz: "La deposizione si scrive nel processo verbale in
persona llrim'll, e si legge al testimone, finito il suo esame, chiedendogli si persista
in essa" (Principii, p. 835).
Em outra passagem, acrescenta que 0 compromisso da testemunha é indis-
pensavel, irrenunciavel; e isso, porque 0 falso testemunho é crime (ibidem, p. 833).
Acresce que, em face da nossa lei, as juntas nao julgam de conciência: 0
art. 13 sup6e julgamento fundado na instruçao do processo, e 0 art. 17 apenas lheB
faculta julgar Dor indfcios e presunç6es, 0 que esta longe de ser 0 mesmo que
julgar ex-informata constientia.
460 CASTRO NUNES

o Supremo Tribunal, pela menos em um ac6rdao, de que


foi relator 0 ministro COSTA MANso, admitiu as juntas do Go-
vêrno Provis6rio como 6rgaos representativos, ainda que em-
brionarios, daquela justiça, até que viesse a sua organizaçao
definitiva (Arq. Judicidrio, v. 37, ps. 10 e segs.).
Mas nao tirou a consequência que logicamente teria de
decorrer dêsse reconhecimento, porque admitiu muitas vêzes
a defesa ampla do executado, abrangendo 0 mérito da ques-
tao, sem as limitaçoes express as que a restringiam nessa fase
à prova da quitaçao ou cumprimento da decisao, prescriçao
e nulidade substancial.
Convertia-se, dêste modo, a execuçao (execuçao que nâo
perdia êsse carater pela fato de operar-se, nos têrmos da lei,
mediante açtlo, isto é, por executivo comum) em revisao do
julgado trabalhista, entendimento a que jamais, data venia,
pude aderir e do quaI ainda continuo separado em votos pro-
feridos em hip6teses antigas que teem subido ao Supremo
Tribunal. 11
11 Examinel 0 assunto no artlgo citado (Arq. Judiciàrio, v. 41). A lei n. 39 pre-
cindiu da açâo coma instrumento execut6rio, dlspondo que 0 processo a seguir sera
o da execuçâo de sentenças, corn as restrlçoes mencionadas e desde entao admitl-
das em alguns ac6rdaos. Nao sera demals informar que, em regra, as justiças de
exceçao (na terminologia francesa) nao executam as suas decisoes, pela princ!plo
de que & execuçâo jorç'c;da pertence às jurisdiç6es de direito comum; e, por isso,
acrescentam GARSONNET et CEZAR BRU, as declsoes dos prud'hommes sao executadas
pelos tribunals clvis (ob. olt., v. I, n. 166, e IV, n. 2).
A execuçao forçada se funda no principio civil de que quem se obrlga, obriga os
pr6prios bens, principlo universal, diz JOAo MONTEIRO, tornado expresso no art. 2.092
do C6digo Civil francês.
Da! a indole civil das execuçoes, tao bem sallentada por COVIELLO (Manuale
di Diritto Civile, § 188).
Nao me parece, entretanto, escrev! cm 1936, que êsse principio te6rlco
seja obstâculo insuperâvel à vontade do legislador, se êste entender que a Constl-
tuiçao, criando a justlça do trabalho, quis aparelha-Ia com os meios necessârios
à reallzaçao dos seus fins, dentro das idélas de uÏn sistema que tem na soluçao
pronta das demandas, mediante formas simples e abreviadas, uma das suas carac-
teristlcas fundamentais.
o essencial, a meu ver, é 0 carMer judiciàrio dos tribunais do trabalho.
Nem obsta 0 fato de se tratar de uma jurlsdiçao especial. Desapareceram
do moderne dlreito jUdiciario as jurisdiç6es semi-plenas, r:omo mostra MATTIROLO.
A noçao romana que tinha por separadas a jurisdictio e 0 imperÎiLm mi.xtum, 1'e-
servado êste às magistraturas superiores, tem hoje valor meramente hist61'ico (MAT-
TIROLO, Diritto Giudiziario, 5.· ed., v. 1.°, ns. 10 e 11; veja-se, no mesmo sentldo,
JOAO MONTEIRO (Processo Civil, v. 1.°, § 34).
HOje, como veremos adlante, a justlça do trabalho executa, ela mesma, as
suas decis6es.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO 461

A defesa ampla na execuçao, partindo do pressuposto de


naoserem as juntas 6rgaos judiciarios, leva à possibiIidade de
serem anuladas as decis6es trabalhistas por via da açao pr6-
pria para invalidar os atos administrativos por indevida ou
errônea aplicaçao da lei. 12
Outra questao surgida na aplicaçao da antiga preceitua-
çao legal, era a relativa à avocaçao pela ministro do Trabalho
do julgado proferido pelas juntas. Seria 6rgao da justiça do
trabalho 0 titular da pasta respectiva, no exercicio dessa atri-
buiçao legal ?
Em voto que proferi coma revisor no rec. extr. n. 4.870,
da Paraiba, assim me pronunciei: "No sistema do dec.
n. 22.132, de 1932, que instituiu as juntas de conciliaçao e
julgamento, ficaram estas sujeitas nas suas deliberaç6es ao
ministro do Trabalho, ao quaI se reservou pelo art. 29 a facul-
dade de avocar qualquer processo por elas julgado, funcio-
nando assim, também, 0 ministro, como instância trabalhista
de grau superior em relaçao às juntas. Essa atribuiçao po-
deria ser arguida de inconstitucional em face da Carta de 34,
.art. 122, parag. unico. Hoje, porém, em face do art. 139
da Carta atual, nenhuma duvida se oferece, e alias, nenhuma
.objeçâo se levanta nestes autos, pois que 0 aparelhamento dos
6rgaos trabalhistas naD ficou subordinado, coma entao, ao j
.'principio paritario, senao à livre disciplinaçao legal".13
Também a questao da autonomia do procedimento fiscal
.para cobrança de muItas impostas pela Ministério do Traba-
Iho, em face da execuçao do julgado trabalhista, tem sido
'controvertida, tendo-se entendido algumas vêzes que, pen-
'dente a execuçao ou decaindo 0 promovente, sobreestada de-

1.2 No sentido da inadmissib1lidade da açao anulat6ria se tem decidido algumas


'Vêzes, ainda que sem unanimidade. Assim: no ac6rdao de 28 de abrll de 1942
. '(1. n Turma), na apel, civel n. 7.330, de Sao Paulo, em que votei nesse sentido .

. 13 Ditirio da Justiça de 1ô de dezembro de 1941 (decisao unanime, da quaI fOl

-relater 0 minlstro ANÎBAL FREIRE). Mais recentemente, arguida a inconstltucio-


.nal1dade da avocat6ria, em se tratando de decisao do antigo Conselho Nacional do
Trabalho, 0 Tribunal Pleno nao deu pela nrguiçao, unanimemente (apel. civel
n. 7.871, ac6rdao de 13 de Janeiro de 1943, relator ministro LAUDO DE CAMARGO).
462 CASTRO NUNES

vera ficar ou julgada improcedente devera ser a cobrança da


multa administrativa imposta pela naD cumprimento do
julgado. 14
14 De outro modo decidimos na La Turma, em casa de que fui relator (agr.
n. 9.494, de Sao Paulo), corn 0 seguinte voto: "0 dec. n. 22.132, de 23 de novem-
bro de 1932, dispondo sôbre multas por infraçao das leis reguladoras do trabalho, dis-
pôs, no art. 20, que 0 julgado das juntas seria cumprldo, pela parte condenada, no
prazo de cinco dias, e, sendo esta revel, no prazo de 10 dias, acrescentando no
art. 22 que, "afora 0 cumprimento do acôrdo ou declsao, fica 0 injrator, ainda, su-
"jeito à multa de 200$000 a 2:000$000 ... ".
o dec. n. 24.742, de 14 de julho de 1934, determinou no art. 2.° que "0 nao
"cumprimento" da sentença das juntas de conc1l1açao e julgamento, nos prazo8
marcados pelo art. 20 e seu paragrafo, do dec. n. 22.232, teria como sançao, contra
o empregador, a multa de 200$000 a 2:000$000 e, para 0 empregado, a perda do dl-
relto, pela prazo de seis meses, de apresentar nova reclamaçao.
Vê-s€ do exposto que a multa contra 0 empregador existe pela sô fato do
nao cumprimento, nos prazos legals, clnco dias, se se defendeu, 10 dias, se fol
revel, coma sançao destinada a tornar efetivas as decisées das juntas do trabalho.
É uma penal!dade que a lei impée ao empregador rebelde ao lmedlato cumpri-
mento da sentença trabalhista. Existe, ou é exigivel, desde que se verifique que,
dentro daqueles prazos, 0 empregador nao prestou obedlêncta ao julgado. Por lS80
mesmo, dlz 0 dec. n. 22.132, de 1932: "Afora 0 cumprimento da dec1s!i.O, fica 0
"infrator ... ", distinguindo, assim, nao obstante a ma redaçao, a satistaçao da-
qullo a que foi condenado em beneficio do empregado e que sem 0 contelido da
execuçao a ser contra êle promovida, da rebeldia contra a autoridade da junta, ato
de desobediência pela quaI a lei 0 qualifica de infrator. sujeitando-o a multa, com
o carMer de penal!dade, devida, portanto, independentemente da execuçao do jul-
gade trabalhista. A lei n. 39, de 3 de dezembro de 1937, veio expl!citar melhor essa
distinçao. No art. 2.° cogita da execuçao do julgado, limitando a defesa do exe-
cutado à prova do pagamento, prescriçao da divida ou nulidade do processo da
execuçao. No art. 4.° cogita das "multas impostas por infraçao das leis da pro-
"teçao e assistência ao trabalhador", entre as quais se Inclue a de que se trata.
determlnando no parag. linlco "sempre que num processo se fIzer cumulativa-
"mente apllcaçao de multa em proveito da Fazenda Nacional e da penalidade pe-
"cuniaria ou indenlzaçao em javor dos empregados, corl'erao as respectivas cobran-
"ças em apartado, as primeiras na conformidade dêste artigo (isto é, promovida a
"cobrança pelos procuradores da Replibl!ca) e as liltimas de acôrdo corn 0 art. 2.Q
"do presente decreto" (isto é, promovida a execuçao pelo pr6prio lntereSSado ou,
se êste 0 requerer, pelos procuradores do Ministério do Trabalho ou promotores da.
justiça dos Estados).
Sao, pois, duas divldas diferentes, de natureza diversa, lndependentes uma
da outra, e cobraveis separadamente e em julzo diferente. Nao esta no arbltrlo do
empregador condenado a pagar certa soma ao seu ex-empregado aguardar 0 des-
fecho da execuçao para, entao, pagar a multa devida à Fazenda Nacional. 0 que lhe
cumpre é satisfazer 0 julgado ou, se 0 nao flzer e preferir aguardar a execuçao.
pagar a multa, que se tornou devida pelo s6 fato de, pela sua recusa em fazê-lo no
prazo da lei, obrigar a parte, por si, ou corn a assistência dos 6rgaos do Mlnistérlo
do Trabalho, a promover a execuçao compuls6ria.
A execuçao do julgado da junta nao é suspensiva da cobrança da multa.
No entanto, foi isso que prevaleceu nestes autos. 0 executivo fiscal arrastou-se
até que se promovesse aquela execuçao e que esta chegasse a. têrmo com a decisao
do Tribunal de Apelaçao.
Nao sera demais observar que a justiça do trabalho, da quaI as juntas, em
1935, ja eram 6rgaos, é um organismo, um sistema, uma jurisdiçao à parte, com a
autonomia necessaria ao desempenho da sua funçao. Obedecendo a êsse pensa-
mento, a lei n. 39 llmitou a defesa na execuçao - a cargo das justiças regulares -
negando a estas que se substituam aos tribunais trabalhistas na apreclaçao de
qualquer aspecto da controvérsia que a estes tribunais privativamente compete nos
têrmos da sua destinaçao constitucional.
A lncompetência da junta para conhecer desta ou daquele casa é matéria. de
defesa a ser apresentada perante ela, e s6 ela decidira, corn os recursos que houver
para outras instancias trabalhistas. No juizo comum apenas se executa a sentença,
sem outra defesa que a prova do pagamento da dlvida posteriormente à condena-
çao, prescriçao ou nulldade substancial da mesma execuçao".
Titulo VI

, - ,
. ORGAOS JUDICIARIOS LOCAIS
CAPiTULO l

A ORGANICA JUDICIARIA E AS RESTRIÇOES CONSTITUCIONAIS

SUMARro: 1. Carâter naclonal das justlças Ioca18. Antecedentes. As justlças 10ca18


e 0 direlto federal. 2. A organlca judlclârla e as restrlçôes constltuclona18.
3. Eletlvldade da maglstratura. 4. Organizaçâo e dlvisâo judlclârlas, em que
conslstem. 5. Organizaçâo jUdlciârla do D18trlto Federal e dos Terrlt6rlos.
6. Em que sentldo é local a justiça do Dlstrito Federal. 7. Equlparaçâo do
D18trlto Federal a Estado como clrcunscrlçâo judiclarla. 8. Jur18dlçâo
comum, 0 que compreende.

1 . Carater nacional das justiças locais - Antecedentes


- As justiças locais e 0 direito federal. Em nosso pais, a ins-
tituiçao do regime federativo apresentou, logo de comêço, uma
particularidade que teria de refletir-se na esfera judiciaria,
decorrente da reserva em favor da Uniao das normas do di-
reito substantivo, 0 que imprimiu às justiças dos Estados,
obrigadas a aplica-Ias, 0 carater, que lhes pressentiu JOAo
MENDES, de orgaos da soberania nacional. É em nome da
Naçao, dizia êle, e nao do Estado onde exerce a jurisdiçao, que
o juiz estadual profere a sentença, decidindo uma controvér-
sia que tem 0 seu fundamento no direito substantivo, 80b a
égide da Constituiçao Federal. 1
Em consequência, os magistrad,?s estaduais nao poderiam
ter garantias menores que os da Uniao. Somente a estes se
referia a Constituiçao de 91, para lhes assegurar as garantias
da funçao, silenciando quanto aos estaduais, cuja sorte ficara
dêste modo ao arbitrio das legislaturas locais. Nao tardou,
porém, que a jurisprudência corrigisse a lacuna do texto cons-
titucional, estendendo aos juizes dos Estados as mesmas ga-

L JOAO MENDES, Soberania, Autonomia, Federaçao.

F .. 3D
466 CASTRO NUNES

rantias asseguradas pela Constituiçao aos federais. Com essa


jurisprudência 0 Supremo Tribunal criou, por construçao her-
menêutica, uma limitaçao à autonomia dos Estados, detendo
o arbitrio dos poderes locais quando desconheciam nos juizes
aquelas garantias fundamentais, tidas por inerentes à judi-
catura, apanâgio de todo juiz, em qualquer das duas juris-
diçôes.
Tratei do assunto em 1922, escrevendo: "A instituiçao
mesma do recurso chamado extraordinario pressupôe na jus-
tiça estadual a faculdade de apreciar a validade das leis fe-
derais (Constituiçao, art. 59, III, § 10°, letras a e b), 0 que
assinala no Judiciârio dos Estados 0 po der, inerente ao Judi-
ciârio neste regime, de julgar de legibus, constituindo, pois,
a vitaliciedade e outras prerrogativas relacionadas com a in-
dependência do juiz garantias a bem, naD somente dos liti-
gantes em cada Estado, mas ainda da Constituiçao da Repu-
blica, quando violada por uma lei ou regulamento federal ou
do Estado, e das pr6prias leis federais, possivelmente compro-
metidas por leis ou atos do Estado. "Tao essencial é a vita-
"liciedade ao Poder Judiciârio, como ao Poder Legislativo a
"temporariedade".2
Com êsses precedentes estava lançada a idéia de um es-
tatuto judicial comum que mais tarde viria a ser desenvol-
vido, acentuadas cada vez mais as tendências no sentido da
_unificaçao judiciâria.
Jâ a reforma de 26 foi um primeiro passo cristalizando
no texto aquela jurisprudência.
Com a Revoluçao de 30 culminou 0 espirito centralizador.
A aspiraçao de uma justiça unica, nacional, voltou à tona,
mas naD vingou em nenhum dos ante-projetos. De um lado,
os onus financeiros com que iria arcar a Uniao tomando a
seu cargo todo 0 aparelhamento judiciârio do pais; de outro
lado, as autonomias estaduais, pouco propensas a abrir mac
da prerrogativa, terao determinado a soluçao média de, man-
tidas na competência dos Estados a organizaçao e divisao ju-
diciârias, com 0 provimento pelos governadores dos cargos ju-
" PEDRO LESSA, Do Pacler J1tclicidrio, p. 29.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO 467

diciais, estabelecer na lei fundam~ntal da Naçao os preceitos


dentro dos quais teria de mover-se 0 legislador estadual, a
bem do resguardo da independência da magistratura.
A Constituiçao de 34 deu forma a êsse pensamento, esta-
belecendo garantias que seriam comuns aos juizes da Uniao
e dos Estados e, além dessas, outras garantias peculiares aos
magistrados locais, ditadas, estas Ultimas, no tocante a ven-
cimentos, promoç6es, etc., pela condiçao econômica dos jui-
zes, aviltada em alguns Estados, e suas precarias seguranças
de carreira. .
A Constituiçao de 37 reproduz, com ligeiras alteraç6es, 0
preceituado naquela, dentro do mesmo pensamento de pre-
servar das legislaturas loeais a magistratura nas garantias
essenciais à independência da funçao, cuja area de atuaçao
se dilatou com a supressao da justiça federal de primeira
instância.
Mas, ainda sob 0 regime da du alidade, mantido, ap6s va-
cilaç6es, pela Constituinte de 34, a funçao judiciaria local ja
se exercia preponderantemente no entendimento e aplicaçao
do direito federal, por efeito do crescimento dos poderes da
Uniao sem correspondêneia na via judiciâ.ria espeeifica, que se
nao dilatou nem na letra da nova Constituiçao, nem no en-
tendimento dos textos, nem no aparelhamento, que a inércia
do legislador deixou nos velhos moldes acanhados do dec.
n. 848, de 1890.
A Constituiçao de 37, entregando tôda a jurisdiç~o comum
às justiças locais e dilatando ainda mais os poderes da Uniao,
aumentou consideravelmente a area de atuaçao dessas justi-
ças na aplicaçao do direito federaI. Ja nao é, apenas, 0 di-
reito civil, 0 comercial, 0 penal mas, ainda, 0 processuaI, 0
aéreo e 0 operario, que a Uniao chamou a si para ditar nor-
mas de aplieaçao confiada às judicatura-s estaduais. Sao,
ainda, os serviços administrativos da Uniao que se desenvol-
vem nos dominios da economia, da educaçao, da defesa na-
cionai e da ordem interna, reduzindo até mesmo 0 campo do
direito administrativo dos Estados, em muitos assuntos subor-
dinado às preceituaç6es de base ditadas pela Uniao.
468 CASTRO NUNES

Nao é preciso dizer mais para deixar acentuado que 0


Judiciario estadual é, no atual regime, de indole mais nacio-
nal do que local. 3 Esta sob a guarda da Uniao, no sentido
que deve ser dado às garanti as preceituadas na Constituiçao.
É, pois, um serviço que, ja hoje, mais do que nunca, se po-
dera dizer nacional na sua destinaçao. Porque em, talvez,
três quartas partes da sua tarefa, se destina a dizer 0 direito,
aplicando normas emanadas dos poderes da Uniao, até mesmo
no campo do direito federal administrativo e particularmente
fiscal.
2 . A orgânica judiciaria e as restriçoes constitucionais.
Cada Estado organiza a sua justiça. É um po der que lhes
ficou reconhecido no art. 103: "compete aos Estados legislar
"sôbre a sua divisao e organizaçao judiciaria e proyer os res-
"pectivos cargos ... ", preceito que se articula corn 0 do art. 8. 0 ,
que, declarando competir a cada Estado "organizar os servi-
"ços do seu peculiar interêsse e custea-Ios corn seus pr6prios
"recursos", ja lhes deixara implicitamente reconhecido 0
poder de instituir, por suas leis, proyer por atos dos seus go-
vernadores, custear corn as suas rendas, os cargos necessarios
ao serviço da administraçao da justiça no âmbito dos seus
respectivos territ6rios. 4
Mas a organizaçao, ainda que adaptada às peculiaridades
de cada um, ter a de ser uniforme nas suas bases. Sao as li-
mitaçoes ressalvadas no final do art. 103 - "observados os
"preceitos dos arts. 91 e 92, e mais os seguintes principios",
etais saD os que se expressam nos incisos em que se desdobra
aquele artigo.
A mençao dos arts. 91 e 92 naD esgota as garantias, pois
que outras ha que é forçoso haver coma subentendidas. É 0

8 Dêsse aspecto ja. nos ocupamos (cap. III, tit. I).


• 0 dec.-Iei n. 1.202, de 8 de abrll de 1939, que dispôs sôbre 0 govêrno dos Esta-
dos e munlciplos nesta fase de transiçâo, subordina a organizaçâo jUdiciâria e, de
um modo geral, tôda preceituaçâo concernente ao Poder Judiciario, compreendida
nos arts, 90 a 96, e 103 a 110 da Constituiçiio, il. aprovaçâo do Presidente da Repù-
blica, al·t. 32, XXIII.
TEORIll. E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 469

casa do art. 93, que completa 0 sistema qe garantias do me-


canismo judiciario. 5
Outras disposiç6es constitucionais existem que por igual
se deverao haver coma es::!ritas, obrigado 0 legislador esta-
dual a observa-las nas leis de organizaçao judiciaria. TaI é
o casa da exigência do quorum para as quest6es constitucio-
nais, nos têrmos do art. 96. É um principio geral. Outras
restriç6es poderao decorrer da iniciativa do legislador federal,
etaI é 0 casa do juri, sôbre 0 quaI legislou a Uniâo.
Do mesmo modo a proibiçao relativa a percentagens, que
a lei local nao podera atribuir a juizes na cobrança de dividas
da Fazenda, proibiçao constante do dec.-1Eü n. 1.202, de 1939,
art. 50. 6
Vê-se, portanto, que a Constituiçao nao imp6e aos Esta-
dos uma dada organizaçao judiciaria, antes lhes reserva 0
poder de traça-la, movendo-se, porém; dentro de certos limi-
tes que tem por essenciais à independência da magistratura,
inspiraçao superior que tera de dominar 0 entendimento dos
textos.
Subordinado a es sas limitaç6es esta 0 legislador ordina-
rio, e também 0 constituinte na orbita estadual.· Do mesmo
modo, 0 legislador federal, em funçao ordinaria, no tocante à
organizaçao judiciaria do Distrito Federal e dos Territorios.
3 . Eletividade da magistratw·a. Proibiçao nao expres-
sa, mas obviamente implicita na Constituiçâo, é a do provi-
mento eletivo dos cargos da magistratura, corn a ressalva
fulica da justiça de paz.
A regra da Constituiçao é a funçao vitalicia e inamovivel.
A remissao ao art.·91 torna fora de duvida que corn êsses atrî-
butos é que devem ser providos os cargos da judicatura local.
Admitem-se por exceçao: a) a justiça de paz, eletiva; b)
os juizes naD vitalicios, ternporarios; c) 0 juri, justiça de
indole nao profissional.
• Veja-se 0 cap. II do tit. II, e cap. III dêste titulo.
• Llmitaçoes ha que decorrem de lels federals em matérla da competêncla da
Uniao. Asslm é que 0 C6dlgo Nacional do Processo Civil dlsp5e no art. 1.049: "As
"lels de organlzaçao Judlclarla e os regimentns Internas dos tribun ais adaptar-se-ao
"as dispos!çoes dêste C6d!go, que sobre umas e outras prevalecera".
470 CASTRO NUNES

A investidura eletiva dos juizes esta hoje condenada na


quase generalidade das opiniôes. Praticam-na, todavia, nâo
obstante 0 declinio em que vai caindo, alguns Estados da
Uniâo americana. 7 Teve certa aceitaçâo no periodo aureo
da democracia liberal.
Argumenta-se em favor da eletividade, recordando que
a funçâo judicial é, em sua essência, uma funçâo de sobera-
nia, e esta reside no povo, de cuja vontade depende 0 provi-
mento do Executivo e das câmaras legislativas, nâo sendo
admissivel quebrar 0 encadeamento 16gico do sistema demo-
cratico-representativo para estabelecer uma exceçâo que re-
dunda em subordinaçâo do Judiciario aos outros dois pode-
res, de cujas preferências fica dependendo a escolha dos jui-
zes. Em contrario, argumenta-se que a eletividade desconhe-
ce 0 carater da funçâo judicial, que é fundamentalmente im-
parcial e serena, incompativel, portanto, corn 0 espirito de
partido, de seu natural apaixonado e faccioso; além de que,
se se reconhece ao povo a faculdade de designar os juizes, é
forçoso admitir que também possa destitui-los (recall). Por
outro lado, a eletividade pressupôe a duraçâo limitada do
mandato. Como nota ESMEIN, 0 po der de uma magistratura
vitalicia, saida das urnas, seria imenso, e ameaçaria os ou-
tros poderes do Estado.
A experiência esta feita, em varios Estados da Uniâo ame-
ricana, em contrario ao provimento eletivo dos juizes. E la
existe uma opiniâo publica vigilante, que força a abstençâo de
certas atitudes, e a influência das associaçoes dos advogados,
interessados estes nas escolhas de juizes aptos e pouco pro-
pen sos às tentaçoes partidarias. Depois de salientar as ra-
zoes de interêsse coletivo que poem em movimento as state
Bar Associations, BRYCE nao oculta que, apesar de neutrali-
zados em certa medida os maleficios da magistratura eletiva,
o sistema apresenta todos os traços de irrecusavel inferiori-
dade, afasta as capacidades, gera muitas vêzes a timidez e
mata a independência do juiz.

1 Veju-se STII\1S0N, Federa! and State Constitutions of the United Stn.tes, § 654.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUD!CIAR!O 471

Em uma palavra, como diz GONzALEZ CALDERON, a eletivi-


dade liberta 0 juiz da vontade de um so para subordina-lo à
de muitos.
Também na Republica Argentina se admite 0 juiz pro-
vincial eleito, ainda que em poucas provincias, com tendên-
cias para a completa eliminaçao do sistema. 8
Entre nos jamais foi praticado, ainda que a Constituiçao
de 91 naD contivesse clausula em contrario, nada estabelecen-
do quanto aos juizes estaduais, cuja investidura se poderia
entender, talvez, ao livre alcance das legislaturas dos Estados,
com a circunstância, ainda, de que a proibiçao da eletividade
fôra sugerida em emenda na elaboraçao da nossa primeira
Constituiçao, emenda que naD vingou por contrariar ao re-
gime federativo. 9
Entendeu-se, porém, em alguns Estados que os juizes mu-
nicipais ou distritais, nao sendo magistrados, porque tempo-
rarios, segundo 0 entendimento entao vigente, podiam ser in-
vestidos por eleiçao, 0 que foi adotado em certa época por
alguns (Pernambuco, Espirito Santo, Parana). 10
4. Organizaçao e divisao judiciârias, em que consistem.
"Por organizaçao judiciaria", explica PIMENTA B.UENO, "en-
"tende-se a constituiçao dos diversos orgaos, a composiçao ou
"coordenaçao sistematica dos tribunais, agentes ou instru-
"mentos da administraçao da justiça, - complexo ou condi-
"çoes que estabelecem 0 todo e cada um dos tribunais ou ju-
"risdiçoes, seus graus ou recursos instituidos para proteger
"os direitos individuais, ordem e paz publicas".
JOAo MENDES enumera 0 que se compreende na organi-
zaçao judiciaria: 1.0, divisao territorial; 2.°, enumeraçao e
nomenclatura dos juizes e tribunais; 3.°, enumeraçao e no-
menclatura dos seus auxiliares; 4.°, condiçoes para a inves-
tidura das autoridades judiciarias e dos seus auxiliares; 5.°,
condiçoes de exercicio; 6.°, substituiçoes: 7.°, competência
8 GONZÂLEZ CALDERON, Derecho Publico Provincial, p. 309; ARTURO BAS, Derecho
Federal Argentino, v. !, p. 335.
• Anais, !, p. 121.
10 CASTRO Nu NES, As Constituiçoes Estadu'::is, 1922, tomo I, p. 144.
472 CASTRO NUNES

material dos'juizes OU tribunais; 8. 0 , atribuiç6es dos serven-


tuarios, dos oficiais de justiça e dos 6rgaos do Ministério Pu-
blico, além de outras condiç6es access6rias, entre as quais as
concernentes à disciplina geral do fôro. PIMENTA BUENO de-
fine a divisao judiciaria: "É a determinaçao do nlimero e a
"repartiçao ou distribuiçao dos tribunais, assim da primeira
"como da segunda instância, pelas diversas localidades do
"Estado" .
A organizaçao judiciaria abrange a divisao, isto é, a dis-
tribuiçao territorial dos 6rgaos judiciarios.
A Constituiçao discrimina. No Império, sob 0 Ato Adi-
cional, as provincias s6 tinham a divisao, destacada da or ga-
nizaçao judiciaria, reservada esta aos poderes centrais. 11
5 . Organizaçao judiciaria do Distrito Federal e dos Ter-
ritorios. Nas circunscriç6es que a Uniao administra, etais
saD 0 Distrito Federal e os Territ6rios, é bem de ver que a ins-
tituiçao dos 6rgaos judiciarios e a sua distribuiçao territorial,
a ela mesma teria de competir, com os encargos correlatos do
provimento dos cargos e custeio do serviço.
o preceito do art. 16, XXII, fixa a atribuiçao legislativa
no quadro dos poderes da Uniao, a esta competindo legislar
"sôbre divisao judiciaria do Distrito Federal e dos Terri-
"t6rios" .
Nao se fala ai em organ'lzaçao, mas somente em divisao
judicidria. É uma omissao, mas sem consequências, porque,
federalizada a circunscriçao, naD haveria a quem atribuir,
senao à Uniao mesma, a atribuiçao naD expressa. 12

11 0 dec,-lei n, 311, de 2 de março de 1938, dispondo sôbre a divisao territorial


do pais, contém preceitos que interessam à divisao judiciâria (arts. 5.°, 6.° e 7.°).
12 A organizaçao judlciârla do Distrito Federal e dos Territ6rios assenta nab
mesmas bases constitucionais prescritas para a dos Estados, como se vê da rubrica
- "Da justiça dos Estados, do Dlstrito Federal e dos Territ6rios" - a que estâo
subordinados os arts. 103 e seguintes.
Mas a equlparaçao pocte comportar exceçoes razoâvels, que a Constitulçac.
de 34 jâ admltla por clâusula expressa (art. 105) e cuja posslbllldade nao estâ ex-
cluida de modo absoluto. TaI 0 caso d3 fixaçao dos venclmentos dos desembarga-
dores do Tribunal de Apelaçâo do Dlstrlto Federal, de que trataremos adlante
(cap. II). Outro exemplo, quanto aos Terrlt6rlos, nos fornece 0 dec.-Iel n. 2.291,
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 473

A atribuiçao é do Parlamento, e naD do Conselho Federal


isoladamente. A êste eompete, nos têrmos do art. 53, "le gis-
"lar para 0 Distrito Federal e para os Territorios no que se re-
"ferir aos interêsses peculiares dos mesmos". 13
6. Em que sentido é local a justiça do Distrito Federal.
A jurisdiçao, em nosso regime, esta, e 0 estava sob as anterio-
res Constituiçoes republieanas, partilhada entre os Estados e
a Uniao. Aos Estados eompetia e eompete a jurisdiçao
comum, definida por exelusao das jurisdiçi5es especiais, eon-
feridas estas à Uniao (Supremo Tribunal Federal, justiça mi-
litar, justiça espeeial, justiça do trabalho). De modo que a
funçao partilhada é a jurisdiçao. Esta é especial ou comum
(noçao de direito judieiario), naD é nem federal nem local,
senac em razao da eompetêneia eonstitueional para exereê-Ia
e aparelha-Ia (noçao de direito publiee federal). Se a eom-
petêneia eonstitucional é exereida pelos Estados (regra do
regime), os orgaos prepostos ao exercieio da jurisdiçao comum
sac estaduais ou, mais eorrentemente, locais; se a mesma
eompetêneia esta eonstitueionalmente atribuida à Uniao, os
orgaos por esta instituidos para 0 desempenho da jurisdiçao
comum sac necessariamente federais. Federal ou local, é,
pois, a eompetêneia, e desta é que decorre a qualifieaçao.
Tornou-se corrente 0 use de dizer local a justiça do Dis-
trito para distingui-Ia das varas federais, ou, de um modo
mais geral, da justiça federal, distinçao adotada e que ainda
de 8 de junho de 1940, que, dispondo sobre a organizaçao judiciaria do Acre, ex-
tinguiu-Ihe 0 Tribunal de Apelaçao. passando as causas de sua competência, ori-
ginaria ou em grau de recurso, para 0 Tribunal de Apelaçao do Distrito Federal.
com 0 que desconhece no mecanismo judiciario da circunscriçao a existência de
uma segunda instância.
18 0 dec.-Iei n. 96, de 22 de dezembro de 1937, sob a atual Const1tuiçao, deflniu
a competência do Conselho Federal, exercida, enquanto inexistente êsse 6rgao,
pelo Presidente da Republica, para legis1ar, relativamente ao Distrito Federal, sôbre
tuào quanto se retira ao seu peculiar interêsse, especlficando, r. seguir, varias ma-
térias (operaçoes de créditos, impostos e taxas, desapropriaçôes, educaçao e cultura,
higiene e assistência, etc.), nao incluindo, porém, a organizaçao judiciaria, porque,
embora local, constitue um serviço reservado à Uniao e, portanto, tederal em certo
sentido, como vel'emos a seguir. Sôbre 0 assunto, com maior desenvolvimento,
veja-se 0 meu artigo "0 Distrlto Federal como autarquia local e os serviços a
cargo da Uniao" (Direito, v. 1.°, ps. 65 e segs.).
474 CASTRO NUNES

hoje po de ser admitida por comodidade de linguagem. Mas


que se nao perca 0 verdadeiro sentido da noçao.
Do assunto ocupei-me no artigo ja referido, nos seguin-
tes têrmos: "Ha uma dificuldade apenas aparente em con-
siderar federal a justiça do Distrito, isto é, a jurisdiçao comum
aqui aparelhada e mantida pela Uniao. Aparente, digo eu,
porque na realidade 0 que existe é somente um obstaculo de
palavras facil de remover se quisermos encontrar para 0 qua-
lificativo federal, quando aplicado às duas ordens judiciarias
coexistentes nas circunscriç6es anômalas, que sao 0 Distrito
e os Territorios, 0 duplo sentido que êle pode comportar.
Corn os serviços administrativos a mesma dificuldade
nao ocorre. 0 serviço administrativo reservado nao tem con-
gênere no quadro da Uniao, é totalmente local, é um serviço
meramente local que se desloca para a Uniao. 0 que sobra,
isto é, a parte que a Uniao nao avoca, fica na esfera mu-
nicipal.
o todo comporta, pois, uma divisao ou partilha: a parte
avocada pela Uniao sera 0 serviço federal, e ninguém hesita
em lhe dar essa qualificaçao; 0 remanescente consentido aos
poderes locais sera 0 serviço municipal. TaI é 0 caso, por
exemplo, da policia: policia federal e policia municipal;
saude public a federal, saude public a municipal - indicando
o serviço reservado e 0 serviço deixado ou consentido à mu-
nicipalidade.
Corn a justiça, porém, 0 mesmo nao ocorre nem pode
ocorrer. 0 serviço reservado é a jurisdiçao comum, que n:ao
cabe na esfera municipal, porque os municipios nao disp6em
de orgâo judiciario. Local nao tem, pois, no caso 0 mesmo
sentido. Justiça local nao é justiça municipal.
Tudo seria muito simples, nenhuma dificuldade existiria,
se ao lado dessa justiça mantida no Distrito pela Uniao esta
nao tivesse outros orgaos na mesma Circunscriçao, que en-
tram no quadro da sua competência, ainda que por outro
titulo. 0 serviço reservado se diria federal sem confusao pos-
sivel corn outro congênere e paralelo.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 475

Nao era, porém, assim, nem 0 é ainda hoje. A Uniâo


mantinha no Distrito (e nos Territorios) varas federais, isto é,
6rgaos da primeira instância da justiça federal como, ainda
hoje, extinta essa instância, mantém orgaos inferiores da
justiça militar e da justiça do trabalho, de jurisdiçao confi-
nada nos mesmos limites geograficos em que se exerce a ju-
risdiçao comum, também a seu cargo.
Havia que reservar, na linguagem corrente, a designaçao
de federal para os primeiros, porque de outro modo naD seria
possivel distinguir as duas ordens judiciarias. Local ficou
sendo 0 serviço reservado (justiça comum) e federal a justiça
ou justiças especiais administradas a outro titulo pela
Uniao. 14
Na verdade, 0 adjetivo local acentua,. apenas, 0 traço da
competência normal na partilha federativa. É que em nosso
regime 0 Judiciario se reparte entre a Uniao e os Estados pela
principio da divisao da jurisdiçao. Com estes ficou a juris-
diçao comum; com aquela certas jurisdiçoes especiais des-
tacadas dêsse tronco.
o que é local é a competência para administrar a juris-
diçao comum, regra de competência que é de direito consti-
tucional federativo e nada tem que ver com 0 conceito de
jurisdiçao e suas subdivisoes, matéria de direito judiciario.
Jurisdiçao por si so naD é nem federal nem local, podendo
estar subdividida em comum e especial, sem a competência
diferenciada peculiar ao Estado federal.
Assim é que em qualquer Estado unitario (e tal é 0 casa
dos Estados-membros da Federaçao) existem orgaos de juris-
diçao comum e orgaos privativos ou de jurisdiçao especial,
oriundos, uns e outros, da mesma fonte legislativa.
No Império (Estado unitario) existia, como existe na
França ou em qualquer outro pais em que seja nacional a
14 :€ bem de ver que fora do Dlstrlto e dos Terrlt6rlos essa diflcuIdade nao exis-
tia nem pode existlr. :€ que, em cada &stado, 0 servlço local da justlça esta na
competêncla local; a jurisdlçao comum esta na competência legislatlva estadual;
ao passo que naquelas circunscriçoes 0 serviço local esta na. competência da. Unlao ;
a. jUl'isdlçâo comum esta na competêncla legislatlva jederal. De modo que, nos
Estados, nao leglslando a Uniao sobre a jurisdiçao comum, justlça local e justlça
jederal correspondem, naturalmente, a serviço estadual e servlço da Uniao, sem
posslbllidade de confusâo.
476 CASTRO NUNES

justiça, 0 mesmo fracionamento da jurisdiçao em érgaos, es-


peciais ou especializados, sem diferenciaçoes de competências
legislativas. Justiça comum e justiça local, sao, pois, dois
conceitos diversos, um de direito judiciario, outro de direito
publico federaL
Em nosso regime 0 que se fixa na Constituiçao (unico
aspecto que interessa a um C6digo poIitico) é a regra da
competência, ainda que tendo esta como pressuposto 0 con-
ceito judiciario da divisao da jurisdiçao.
o enunciado exato do principio sera êste: a jurisdiçao
naD conferida li Uniao, por exclusao das jurisdiçoes especiais,
pertence aos Estados. Ou, por outras palavras, é local, por-
que da competência estadual, a jurisdiçao comum.
Local é, portanto, a competência; comum a jurisdiçao.
As locuçoes justiça local e justiça comum se equivalem cons-
titucionalmente, porque a regra do regime é que a justiça
comum é local.
Acontece, porém, que a essa regra poe, a Constituiçao
mesma, na reserva consentida à Uniao, uma exceçao, em se
tratando do Distrito e dos Territ6r~os, exceçao que pode ser
assim enunciada: a jurisdiçao comum, que é matéria de
competência estadual, pertence ao quadro das atribuiçoes da
Uniao no Distrito Federal.e nos Territ6rios. Ou, melhor di-
zendo: a competência para dela dispor em tais circunscri-
çoes nao é local, senac federal.
o que se altera é precisamente a regra da competência
constitucionaL A justiça comum deixa de ser local, passa
constitucionalmente a federal.
É certo que a Constituiçao usa da locuçao justiças locais,
como no caso do recurso extraordinario, para designar as
justiças estaduais e as correspondentes no Distrito e nos Ter-
ritérios. Mas, assim fazendo, limita-se a designar a institui-
çao pele traço da competência normal na estruturaçao fe-
derativa. De outro modo, a dar valor ao argumento estreita-
mente verbaIistico que se pretendesse tirar do emprêgo da-
quela palavra, estaria sem sentido a exceçao, fundada na
Constituiçao, em que consiste a reserva do serviço à com-
petência legislativa da Uniao.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 477

Concluindo: 0 que se pode dizer é que as express6es jus~


tiça local e justiça comum se equivalem constitucionalmente.
No Distrito, como nos Territ6rios, uma ou outra dessas lo~
cuç6es designa 0 serviço reservado, que naD deixara de ser
federal, no sentido em que 0 sac os demais serviços reservados
ou retidos pela Uniao, naD obstante a qualificaçao de local
admitida, pela necessidade de distingui~lo das jurisdiç6es es~
peciais que, naquelas circunscriç6es, representam 0 Judiciario
da Uniao. 15
A nao ser assim, tendo de excluir a justiça, que é, dentre
os serviços retidos 0 mais importante, nao haveria outro ca~
minho indicado pela mais elementar probidade intelectual,
senac 0 de aderir à opiniao dominante, que' tem por locais
êsses serviços".
7 . Equiparaçao do Distrito Federal a Estado como cir~
cunscriçao judiciâria. Se ha principio pacifico revelado pela
jurisprudência federal desde a primeira Constituiçao, é 0 da
equiparaçao do Distrito a Estado para os efeitos judiciarios.
Hoje, como sob a Constituiçao de 34, essa equiparaçao
decorre das clausulas expressas em que se irmanam no mesmo
tratamento as justiças dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territorios.
,.~ É bem de ver que a equiparaçau, sendo para efeitos ju~
diciarios, cinge-se a êsses efeitos. 0 que se equipara a Es~
tado é 0 Distrito como circunscriçao judicidria. Vale dizer
que a administraçao da jurisdiçao comum esta sujeita no Dis~
trito (e nos Territ6rios) às mesmas regras constitucionais e
às mesmas garantias de funçao que os Estados estao obriga-
dos a guardar. 16
1> Veja-se 0 cap. II do tit. IV (Do recurso extraordinario).
10 Entretanto, a jurisprUdência tirou des sa equiparaçâo consequências que, a
meu ver, vao além da equiparaçao judlciaria. Perdeu-~e de vista que equlparado
a Estado estavB 0 Distrito mesmo para os efeitos d'a competência da 1ustiça federal,
coma no casa de habitantes de Estados divers os (hip6tese, sob a Constltuiçâo de 91,
de aforamento da causa no juizo federal), 0 que mostra, no sentido das ldHas aclma
expostas (n. 4), que a equiparaçâo era da circunscriçâo judiclaria com as duas or-
dens de 1urtsdiçâo, nao sendo, portanto, peculiar ao serviço reservado (justiça
comU!ll ou local). 0 argumento tirado de tal equiparaçâo para negar 0 carâter
federal da justiça do Distrito nao tin ha, pois, razâo de ser.
478 CASTRO NUNES

8. Jurisdiçao comum, 0 que compreende. Jâ ficou dito,


linhas acima, que 0 que pertence aos Estados é a jurisdiçao
ordinaria ou comum, remanescente, na partilha constitucio-
nal, por exclusao das categorias de causas que, em razao da
matéria ou das pessoas, pertençam às justiças especiais a
cargo da Uniao.
A jurisdiçao partilhada subsiste no atual mecanismo,
ainda que em moldes diversos.
As causas que outrora formavam a competência da pri-
meira instância federal (juizos seccionais) pertencem hoje
aos juizos locais, extinta que foi aquela primeira instância.
Subsistem, porém, na competência federal (Tribunal de Se-
gurança Nacional, como 6rgao da justiça especial), os crimes
cometidos contra a segurança do Estado e a estrutura das ins-
tituiçoes que se inseriam, outrora, na competência dos juizos
federais para processar e julgar, com recurso para 0 Supremo
Tribunal, os crimes politicos e os praticados contra a ordem
social. A essas categorias se acrescentou outra, a dos crimes
contra a economia popular, também atribuidas àquela
justiça.
A justiça militar, que jâ existia sob a COI.lstituiçao de 91,
como modalidade destacada da justiça federal, é outra juris-
diçao reservada à Uniao.
A justiça do trabalho, igualmente, completa 0 quadro das
jurisdiçoes especiais, tôdas três formadas pela destaque de
causas outrora cometidas à justiça federal ou que, sem a cria-
çao da justiça especial e da do trabalho, pertenceriam, de seu
natural, às justiças locais (crimes contra a economia popu-
lar, causas entre empregadores e empregados regidas pela
legislaçao social).
o Supremo Tribunal constitue no mecanismo um 6rgao
à parte, uma instância de superposiçâo articulada corn a ju-
risdiçâo comum (justiças locais) e em muito menor escala
com as justiças especiajs.17
A chave do sistema é 0 art. 107 da Constituiçao: "Exce-
"tuadas as causas da competência do Supremo Tribunal Fe-
17 Veja-se 0 t1t. III, cap. ill.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 479

"deral, tôdas as demais sedio da competência da justiça dos


"Estados, do Distrito Federal e dos Territ6rios".
Dito esta nesse dispositivo que, excetuadas as causas,da
competência do Supremo Tribunal, causas para as quais nâo
teem competência as justiças locais, e hâo de ser as da sua
competência originaria, tôdas as demais (subentendida a
reserva das que competirem às justiças especiais da Uniâo)
serâo da competência daquelas justiças, sob a égide do Supre-
mo Tribunal, que delas conhece nos casos da sua competên-
cia de recurso.
CAPiTULO i l

DAS GARANTIAS DA FUNÇ.liO JUDICIAL NA ORBITA LOCAL


8UMÀ.RIO: 1. Garantlas gerals ou eomuns. Pecul1arldades concernentes às justlças
locals. Vltalicledac;le. 2. Jnamovlbilidade. Mudança da sede do julzo. Re-
moçao par determlnaçao do Tribunal superior. 3. Jrredutib1l1dade dos ven-
cimentos. 4. FOra priv!legiado. 5. Aposentadorla por Idade. Jnapl1cab1l1-
dade da lei n. 583 aos magistrados estaduals. 6. Das garantias funclonais
pecullares às justlças loeais. 0 direito à carrelra. 7. Jnvestldura nos prl-
meiros graus (ineiso a). 8. Investidura nos graus superiores (incisa b).
9. Fixaçao de veneimentos (inciso d). 10. A questao dos desembl1rgadores
do Distri ta Federal.

1. Garantias gerais ou comuns - Peculiaridades con-


cernentes às justiças locais - Vitaliciedade. 0 assunto ja
ficou examinado quando tratamos das garantias da funçao
judicial e sua classificaçao (veja-se 0 cap. l do tit. II). Os
conceitos de base sao os mesmos. Mas do ponto de vista das
organizaçoes locais ha que fazer alguns acrescentarnentos.
Assim é que na 6rbita local a Constituiçao adroite, pOl' exce-
çao, juizes temporarios (art. 106), de que trataremos adiante.
Também juizes de paz que, sendo eletivos, por prescriçao
constitucional (art. 104), naD podern ser vitalicios. Sao essas
as exceç6es relacionadas corn 0 principio da vitaliciedade. 1
2. Inamovibilidade - Mudança da sede do juizo - Re-
moçao por determinaçao do Tribunal superior. A inamovibi-

\ lidade abrange, na conceituaçao doutrinaria do instituto, 0


1 80b a Constituiçao de 91 algumas Cm·tas estaduaia adn.itlam a destttuiçéio do
juiz par incapacldarle, nao ~omente risiea, mas, tamb6m, moml. A incapacldade
fislea seria a i1tvalide.:O, que, eomprovada, teria de levar à aposentaçâo, nao à des-
titulçao. A incapacldade moral pod~rla determlnar a demlssâo, mas consequente
11 processo penal, resolvendo-se tal Incapacidade na apuraçâo de orime eapltulado
em lei. Eram demaslas ou impropriedades de dizer que se terlam de entender
neste,'; têrffios. Do assunto tratei no meu livl'O As Constituiç6es Estaduais, J, p. 147.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 481

grau e a sede, isto é, 0 direito de naD ser destituido (a que 1


chamamos vitaliciedade) e 0 de naD ser transferido ou remo-
vido (inamovibilidade, na linguagem do nosso direito po-
sitivo) .
A inamovibilidade se define, pois, em nosso direito pela
conservaçao na sede do juizo. "Consiste", disse 0 Supremo
Tribunal, "no direito de ser conservado na comarca, secçao
"ou têrmo - sede do juizo - salve promoçao ou permuta a
"que anuir 0 juiz" (ac6rdao de 26 de julho de 1938, apel. civel
n.6.204).
A rigor, a inamovibilidade é somente a irremovibilidade
do juiz, naD do juizo, ao alcance do legislador na designaçao
da sede ou cabeça da comarca ou do têrmo. 2
Mas a Constituiçao brasileira vai além, assegura a inamo-
vibilidade mesmo na hip6tese da mudança da sede do juizo,
facultando ao juiz acompanha-Ia ou entrar em disponibili-
dade com os vencimentos integrais (art. 103, f). Repetiu-se
a Constituiçao de 34, a quaI, por sua vez, consagrara a juris-
prudência que identificava com a inamovibilidade 0 desloca-
mento da sede da comarca, nem sempre determinado por
conveniência publica, senac para castigar 0 juiz. 3 Vinham,
alias, do Império praticas abusivas, continuadas na Republi-
ca em alguns Estados. Entendia-se, no Império, qu~ a cons-l
tituiçao, declarando perpétuos os magistrados, naD lhes obs:..
tava a remoçao, por isso que a perpetuidade significava so-
mente ta inamovibilidade na funçao.
Nao raro, informa AQUINO E CASTRO, classificava-se coma
de entrância superior uma comarca de pequeno movimento e
para ela se transferia 0 juiz indesejavel. 4
2 PETTINE, Dell'Ordinamento, p. 263.
3 Nâo se disf.ingulu. porém, a hip6tese da mudança da capital do Estado, a quaI
teria de excluir a razao de ser do dispositlvo constltucional, fundado em tais pre-
cedentes. Seria absurdo admitlr a mudança da capital do Estado com os mesmos
intuitos de represalla. Apllcado à letra 0 dlsposltlvo, ficarlam em disponlbllldade
nao s6 os julzes slngulares, mas. alnda. os desembargadores, com venclmentos in-
tegrais, do que hé. exemplo na exageraçâo da garantla no caso da mudança da
capital do Terrlt6rlo do Acre.
• AQUINO E CASTRO, Pro das Correiçoes, ps. 22 e ~egs.; RODRIGUES DE SOUSA, Andlise
da Constituiçao do Império, v. 2.°, ps. 381 e segB.

F.31
482 CASTRO NUNES

Nâo colide com a garantia da inamovibilidade a transfe-


rência ou remoçao por determinaçao do Tribunal superior no
interêsse do serviço, restriçao autorizada no texto constitu-
cional (art. 91, b).
A inamovibilidade, como a vitaliciedade e a irredutibili-
dade do estipêndio, se define como garantia inerente à
funçao contra os poderes politicos, de modo a assegurar aos
juizes a necessaria independência em face da hostilidade ou
da pressao que lhes possa advir da administraçao ou do Con-
gresso. É nesse sentido que os autores doutrinam sôbre 0
assunto, visando sempre manter 0 magistrado a salvo dêsses
riseos. Assim é que, diz BRUNIALTI, acentuando a equipolên-
cia dos dois principios - uma remoçao pode equivaler a uma
destituiçao; e isso por si s6 bastaria para deprimir 0 ânimo
do magistrado, e torna-lo servil ao poder. 5
l!:sse risco inexiste, uma vez que a medida é tomada por
conveniêneia da pr6pria justiça, justifieada por essa conve-
niência e consentida pela mais alto Tribunal da jurisdiçao a
que pertencer 0 juiz.
o preceito eonstitucional disp6e que os juizes podem ser
removidos "pelo voto de dois terços dos juizes efetivos do Tri-
"bunal superior competente, em virtude de interêsse publico".
Dai resulta que deve a remoçao ser pronunciada: a) pela
r , Tribunal superior competente que é, na orgânica local, 0 Tri-
i bunal de Apelaçao; b) pelo voto de dois terços, pelo menos,
i dos juizes efetivos do mesmo Tribunal, excluidos, assim, os jui-

l
zes inferiores que, embora com assento no Tribunal como
substitutos, dele naD fazem parte; c) justificadamente, 0 que
decorre das palavras "em virtude de interêsse publico".
A remoçao tem 0 carater de penalidade e, como taI, nâo
pode ser aplicada sem motivaçâo que convença de sua neces-
sidade a bem do serviço judiciario.
Mesmo os juizes temporarios gozam da inamovibilidade
relativa, durante 0 periodo da judicatura. Assim decidiu 0
Supremo Tribunal, sob a Constituiçâo de 91 (ac6rdâo de 20
• BRUNIALTI, Diritto Costituzionale, II, p. 510.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 483

de agôsto de 1930, apel. civel n. 3.692), e assim se entende


em França (JAPIOT, ob. cit., p. 185).6
3 . Irredutibilidade dos vencimentos. A peculiaridade
a salientar, no tocante aos juizes locais, é a decorrente do pri-
vilégio, que lhes reconhecia a jurisprudência, de nao pagarem
o imposto federal de renda, corn base na clausula constitu-
cional da imunidade reciproca da UnHio e dos Estados relati-
vamente aos bens, rendas e serviços.
TaI entendimento, do quaI, data venia, divergi no voto
adiante transcrito, partiu do argumento de que imunes à tri-
butaçao federal os serv'iços estaduais, isentos estariam os ser-
vidores, funcionarios ou juizes.
Criava-se, dêste modo, um tratamento diverso para os
juizes federais, a começar pelos do Supremo Tribunal, e os
juizes estaduais, conceituando-se de forma diversa, para uns
e outros, a garantia da irredutibilidade que nos têrmos da
Constituiçao é uma s6 para estes coma para aqueles, sujeitos
indistintamente a impostos. 7
6 Tem-se admitido a pratica de transfer!r 0 juiz de uma vara para outra, preen-
chendo vaga, na mesma categoria e na mesma secçao judiciâria.
Vetando certo dispositivo da proposiçao legl5lativa que se converteu na lei
n. 256, de 28 de f'etembro de 1936, sObre nomeaçôes e promoçôes na justlça local do
Dl5trito Federal, assim fundamentou 0 veto a Presidente da Republica: "A trans-
"ferêncla dos juizes de uma vara para outra, alnda que na mesma classe ou cate-
'"gorla, importa no provimento de um cargo vago. Par 1580 se entende que a facul-
"dade tIe remover deve ser considerada coma deçorrente da faculdade de nomear, e,
"asslm, deve caber 11.0 Presidente da Republica, salvo as exceçôes ou restriçôes ex-
"pressas na Constituiçâo".
Essas exceçôes expressa:i abrangem dois casos apenas: a do art. 87, que con-
fere 11.0 Supremo Tribunal M1l1tar a faculdade de remover os juizes m1l1tares, e a
do art. 64, letra b, parte final, que permite a remoçâo compuls6rla, em virtude de
lnterêsse publico "pela voto de dois terços dos julzes efetivos do Tribunal superlor
"competente". Fora dêsses doi'! casas, em todos os demals a competêncla para a
remoçâo pertence 11.0 Presidente da Republica.
Assim se tem praticado, etaI pratlca anterlor, fundada no texto constltucional,
convém seja mantlda, a bem da coordenaçâo dos poderes, prlncipio bâslco da nossa
organizaçâo polltica (art. 3.°).
7 No julgamento do agr. n. 9.493, do Espirito Santo, sessâo de 23 de janelro de
1941, assim me manifestei: "Sr. presidente, slnto diverglr do no cre relator e da
jurisprudência do Supremo Tribunal, a que v. ex. se refere, porquanto de velha
data sustenta a opiniâo de que a imposto de renda abrange 0 funcionario, portanto,
o Juiz, quanto as suas rend as, seus proven tas, sem que isso possa colidir cam a
clausula da Constituiçâo atual, e que ja vem das antigas Constituiçôes, Inclusive
484 CASTRO NUNES

4. Fôro privilegiado. É também aspecto que jâ ficou


examinado quando tratâmos da competência originâria do
Supremo Tribunal. A êste compete processar e julgar os
juizes dos tribunais de apelaçao dos Estados, do Distrito Fe-
deral e dos Territorios, nos crimes comuns e nos de responsa-
bilidade. Os juizes inferiores aos desembargadores saD pro-
cessados e julgados, nos mesmos crimes, p~lo Tribunal de
Apelaçao da circunscriçao respectiva, competência expressa
no inciso e do art. 103.
o privilégio de fôro tem aqui 0 mesmo sentido de garan-
tia jâ salientado, particularmente acentuado em se tratando
de juiz estadual, que ficaria exposto às represâlias dos interês-
ses contrariados se tivesse de ser julgado no fôro do delito,
perante 0 juri local, por exemplo.
Ao mesmo pensamento terâ obedecido 0 fôro de exceçao
em favor dos desembargadores que, respondendo por delito
comum ou funcional perante 0 Supremo Tribunal, livram-se
da pressao dos poderes pollticos locais sôbre os seus pares no
julgamento perante as côrtes de apelaçao, que eram, até
entao, isto é, no regime anterior à Constituiçao de 34, os tri-
bunais competentes para julgar 0 acusado nos crimes comuns,
sendo da Assembléia estadual ou somente do Senado (nos Es-
tados que adotavam a dualidade das câmaras legislativas)
a competência nos crimes de responsabilidade.
da de 1934, que isenta, reciprocamente, a Uniao e os Estados da tributaçao de
beDB, rendas e serviços.
Quando se tributa a renda do funcionario nao se tributa serviço nem renda
do Estado, porque a renda daquele é diferente da dêste, e a isençao refere-se as
rendas do Estado. Trlbutar 0 serviço estadual seria tributar 0 funcionamento dêsse
serviço e, nesse caso, 0 contribuinte seria 0 Estado, e nao 0 funcionario.
Oro., na hip6tese presente, nao se pretende tributar serviço estadual, mas a
renda do funcionarlo, coisa diversa do que seria a tributaçao das rendas e dos ser-
viços do Estado.
Além disso, 0 imposto de renda global incide sôbre todos os rendimentos:
e a velha regra em matéria de incidência de tal imposto, aqui, como em tôda a
parte, é que mesmo as rendas dos serviços ou industrias protegidas, ou que gozam
de outras isençoes, sofrem a incidência do imposto de renda, porque nao se dis-
tingue, nas rendas, a proveniência de cada uma del:ls.
Nestas condiçoes, meu voto é que 0 imposto de renda sôbre venclmentos de
magistrados ou funciolll'u·los estaduais nad a tem a ver corn os serviços dos Estados,
aos quais se restringe a isençao".
TE ORlA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 485

Dêsse critério afastavam-se, porém, alguns Estados. No


Para, quel' nos crimes comuns, quel' nos de responsabilidade,
o julgamento competia a urn tribunal misto, composto de
dois desembargadores e de dois senadores, presidido pelo pre-
sidente da Côrte de Apelaçao. No Piaui êsse tribunal espe-
cial seria constituido pelo presidente da Assembléia,. pelos
juizes do Tribunal de Justiça nao envolvidos na acusaçao e
pOl' cinco cidadaos notaveis pela sua reputaçao e designados
anualmente pela Assembléia. No Ceara competia à Assem-
bléia, quando a acusaçao abrangesse a maioria ou a totalidade
dos membros do Tribunal, nos crimes de responsabilidade,
competindo ao proprio Tribunal de Justiça, desde que se nâo
verificasse a hipotese figurada. No Rio Grande do Norte,
quel' nos crimes de funçao, quel' nos crimes comuns, a atri-
buiçao era do proprio Tribunal, como também no Rio de Ja-
neiro e em alguns outros Estados. Entretanto, no Rio Grande
do Norte competia ao juiz de direito da capital convocar jui-
zes de direito que constituissem 0 tribunal julgador, se a
acusaçao envolvesse a totalidade dos desembargadores. 0
mesmo tribunal especial, formado pOl' três deputados e três
desembargadores, eleitos de três em três anos pelas corpora-
çoes respectivas era, no Espirito Santo, 0 tribunal de im-
peachment, perante 0 quaI responderiam 0 presidente do Es-
tado, os desembargadores e os juizes de direito. Sao Paulo
adotava a regra federal, atribuindo ao Senado 0 julgamento
dos juizes do Tribunal de Justiça, nos crimes funcionais. Uma
Côrtè especial, composta de três senadores, três deputados e
três desembargadores, era 0 tribunal a que caberia, em Minas
Gerais, julgar os membros d,e qualquer das corporaçoes a que
pertencessem os seus elementos componentes. Goiaz atri-
buia ao proprio Tribunal 0 processo e julgamento; mas a sus-
pensao e perda do cargo so 0 Senado as poderia decretar. Em
Mato Grosso competia 0 julgamento ao proprio Tribunal de
que fizesse parte 0 acusado; mas, se a acusaçao envolvesse a
maioria ou a totalidade, à Assembléia, convertida em tribunal
de justiça. 8

8 CASTRO Nu NES, As Constituii'ôes Estaduais, I, p. 152.


486 CASTRO NUNES

5 . Aposentadoria por idade - Inaplicabilidade da lei


n. 583 aos magistrados estaduais. Um dos casos da aposen-
taçao compuls6ria de que cogita a Constituiçao é 0 do imple-
mento de idade. Outro casa é 0 do art. 177, do quaI ja nos
ocupamos em 0 cap. III do tit. II. Nenhum deles é peculiar
aos magistrados Iocais.
o interêsse da indagaçao neste momento esta somente
em saber se aos magistrados locais compulsoriados por have-
rem atingido a idade de 68 anos se aplica a lei federal n. 583,
de 9 de novembro de 1937, que assegurou aos funcionarios da
Uniao e, por extensao, aos magistrados, a aposentaçao corn
vencimentos integrais naquela hip6tese.
A jurisprudência do Supremo Tribunal esta assentada
em reiterados ac6rdaos concluindo pela negativa.
No mesmo sentido votei, examinando 0 assunto, nos se-
guintes têrmos: "Pretende 0 recorrente se Ihe aplique a lei
n. 583, de 9 de novembro de 1937, que aos funcionarios da
Uniao assegurava vencimentos integrais no casa de aposen-
tadoria compuls6ria por idade. E argumenta que 0 art. 170
da Constituiçao de 34, determinando que 0 Poder Legislativo
votasse 0 Estatuto dos Funcionarios Publicos, observadas as
normas enumeradas, entre as quais a do § 3.°, relativa à
aposentadoria dos funcionarios que atingissem 68 anos de
idade, nao distinguia entre os funcionarios, fôssem da Uniao
ou dos Estados, uns e outros sujeitos às mesmas normas cons-
titucionais e à mesma disciplinaçao legal.
Nao procede a argumentaçao. É certo que, em princi-
pio, as normas constitucionais que naquela Constituiçao coma
na atual amparam os direitos da funçao publica sao comuns
aos servidores federais e locais. Mas 0 Estatuto de uns e de
outros, ainda que assentando nas mesmas disposiçoes de base,
é diverso nos desenvolvimentos que couberem na autonomia
das unidades federadas e nao colidirem corn aqueles preceitos
basicos. Por isso mesmo, 0 Estatuto dos Funcionarios Civis
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 487

da Uniao (dec.-Iei n. 1.713, de 28 de outubro de 1939) deixou


livre espaço às preceituaçoes locais no tocante aos funciona.-
rios dos Estados e dos municipios, s6 se lhes aplicando, dispoe
o art. 1.0, "no que couber".
Ora, 0 § 3.° do art. 170 da Constituiçao de 34 (ao qual
corresponde em idênticos têrmos, na atual, 0 art. 156, d), di-
zendo que "serao aposentados compulsoriamente os funciona.-
"rios que atingirem 68 anos de idade", naD aludia aos venci-
mentos, nada dispunha quanto a estes, nao determinava que
fôssem integrais, ao inverso do que, em outras hip6teses, dis-
punha, dando 0 estipêndio por inteiro, casos estes (tempo de
serviço &uperior a 30 anos, invalidez decorrente de acidente no
serviço, etc.) em que 0 legislador ordinârio, federal ou local,
fic ou adstrito àquela prefixaçao.
No caso, porém, da aposentaçao por implemento de idade,
omisso na Constituiçao qualquer critério sôbre 0 vencimento,
ficou livre ao legislador adotar essa ou aquela soluçao. A
Uniao, legislando para os seus funcionârios, deu-Ihes, pela lei
n. 583, de 1937, vencimentos integrais, vencimentos que sao
hoje proporcionais, porque, sem encontrar obice na Constitui-
çao de 10 de novembro, que reproduz 0 mesmo preceito da an-
terior, jâ revogou aquela lei pela dec.-Iei n. 1.713, que é 0 Es-
tatuto. Por igual, os Estados e os municipios que, legislando
para os seus funcionârios, podem aposentâ-los corn os venci-
mentos por inteiro, ou nao". 9
6.Das garantias funcionais peculiares às justiças locais
- 0 direito à carreira.
0 art. 103, nos diferentes incisos em
que se desdobra, visa organizar a carreira judiciâria, quer pela
seleçao e recrutamento dos mais capazes nas investiduras de
ingresso, quer pela acesso assegurado até ao pôsto mais alto,
que é 0 de desembargador, mediante os critérios combinados
da antiguidade e do vencimento.
7. Investidura nos primeiros graus (inciso a). Dispôe
êsse inciso: "A investidura nos primeiros graus far-se-a. me-

" Rec. extr. n. 4.160, ac6rdao de 4 de agôsto de 1941, La Turma.


488 CASTRO NUNES

"diante concurso organizado pele Tribunal de Apelaçao, que


"remetera ao governador do Estado a lista dos três candida-
"tos que houverem obtido a melhor classificaçao, se os clas-
"sificados atingirem ou excederem· aquele numero".
Semelhanternente dispunha a Constituiçao de 34 (ar-
tigo 104, a).
Grau é ai empregado para significar 0 primeiro pôsto na
carreira judiciaria, 0 cargo de ingresso no mecanismo da jus-
tiça togada. Estao excluidos os juizes de paz, que nao sao
juizes de carreira. Por igual, os jurados. Mas os juizados
temporarios e de alçada, de que cogita 0 art. 106, ainda que
de funçoes limitadas a certa ordem de atos processuais, podern
ser 0 primeiro grau, se assim 0 determinar a lei.
o concurso sera organizado pele Tribunal de Apelaçao.
Organizar é dispor os meios para certo fim, competindo, pois,
ao Tribunal estatuir no seu Regimento sôbre a forma do con-
curso, se de provas ou de titulos, etc. A lista sera triplice.
Se os candidatos classifie ados forem em numero menor, po-
dera ser de dois a lista. A indicaçao unipessoal parece ex-
cluida, porque se tiraria ao Govêrno 0 direito, pressuposto
no inciso, de escolher dentro da lista. Em tal hip6tese ha-
veria que renovar 0 concurso.
8. Investidura nos graus superiores (inciso b). 0 que
se assegura por êsse dispositivo é 0 direito de acesso, que é 0
que melhor caracteriza 0 direito à carreira. :a:sse direito,
ainda quando nao expresso, é tido por inerente a tôda funçao
publica hierarquizada. De tal modo se impoe nos quadros
da funçao administrativa que, rnesmo naqueles paises, dizem
os expositores, em que a doutrina e a jurisprudência repelem
a natureza contratual da investidura, nao tem sido possivel
recusa-la ao funcionario. Dai dizer MEUCCI que "la promo-
zione 0 avanzamento è un diritto condizionato dell'impiegato,
e forma che se dice la carriera amministrativa", 10 sendo ainda
mais explicito HAURIOU,l1 que se reporta a rlumerosas deci-
wes do Conselho de Estado para concluir que, nao obstante
,. MEUCCI, Istituzioni, p. 206.
Il lIAURIOU, Droit Administratif, p. 463.
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICrARIO 489

algumas hesitaçoes no comêço, se tem entendido que 0 di-


reito ao acesso po de ser reclamado pela funcionario porque,
definido pela lei do serviço, encorporou-se ao seu patrimônio,
tornou-se adquirido e pode ser restabelecido, quando negado
pela administraçao, graças ao recurso por excesso de poder.
A Constituiçao expressou a garantia: "Investidura nos
"graus superiores mediante promoçao por antiguidade de
"classe e por merecimento, ressalvado 0 disposto no art. 105".
o inciso aplica-se aos diferentes graus na carreira judi-
ciaria, e naD som ente às promoçoes ao grau mais elevado
(Tribunal de Apelaçao), como poderia fazer supor a ressalva
expressa, que s6 diz respeito à composiçao de tais tribunais,
de acesso também facultado a elementos estranhos à carreira.
Os dois critérios estao no preceito constitucional indica-
dos paritariamente, "mediante promoçao por antiguidade . ..
"e por merecimento", naD podendo 0 legislador local adotar
f6rmula que importe na sua fraudaçao. A lista dos classifi-
cados para promoçao por merecimento pode conter dois, três
ou mais nomes. Nao se reproduziu 0 preceito de 34, que dizia'
"fazendo-se a classificaçao, sempre que possivel, em lista tri-
"plice", exigência hoje express a somente na indicaçao dos
candidatos ao quinto (art. 105) e na primeira investidura
(art. 103, a).
Também naD reaparece a disposiçao do § 2. 0 do art. 104
da Constituiçao de 34, que permitia ao Tribunal preterir nas
promoçoes 0 mais antigo em favor do imediato, se mais
idôneo.
Por antiguidade de classe entende-se 0 tempo de exer-
cicio na categoria imediatamente inferior. Se a categoria é
escalonada em entrâncias, conta-se a antiguidade de classe
pela antiguidade na entrância.
Essa questao tem suscitado duvidas, resolvidas nesse sen-
tido pela Supremo Tribunal. A êsse aspecto voItarei adiante.
9. Fixaçao de vencimentos (inciso d). A questao dos
vencimentos da magistratura 12 situou-se no Brasil, depois da
12 Dos vencimentos jUdicÏfüs jâ me ocupei no cap. III do tit. II dêste livra.
490 CASTRO NUNES

Repliblica, nos quadros estaduais. Mas j a vinham do Impé-


rio as mesmas queixas. 0 aviltamento econômico da magis-
tratura em alguns Estados 13 determinou a estipulaçao de
critérios de base para a fixaçao dos vencimentos dos juizes
no preceito que deu entrada na Constituiçao de 34 e a atual
reproduz com ligeira alteraçao de forma: "fixaçao dos ven-
"cimentos dos desembargadores do Tribunal de Apelaçao em
"quantia nao inferior à que percebam os secretarios de Es-
"tado; entre os vencimentos dos demais juizes nao devera
"haver diferença maior de 30 % de uma para outra catego-
"ria, nem 0 vencimento dos de categoria imediata à dos jui-
"zes do Tribunal de Apelaçao sera inferior a dois terços do
"vencimento dêstes liltimos".
A questao mais debatida tem sido a do escalonamento da
primeira instância em entrâncias diferenciadas pelo ven-
cimento.
o Supremo Tribunal ja tem decidido que "nao coUde com
"os textos constitucionais os dispositivos das leis de organiza-
"çao judiciaria dos Estados que dividem as comarcas em en-
"trâncias. Em consequência, a remuneraçao tem de ser di-
"versa, observadas as regras constitucionais" (rec. extr.
n. 3.636, de Sao Paulo, ac6rdao de 4 de agôsto de 1941, de
que foi relator 0 eminente ministro ANIBAL F'REIRE). Meu
voto, como revisor, no mesmo sentido, foi 0 seguinte: "0 dis-
positivo constitucional contém duas partes: na primeira es-
tabelece um critério de remuneraçao para os desembargado-
res, que nao poderao ganhar menos do que os secretarios do
Govêrno do Estado; na segunda cogita dos "demais juizes",
os quais sao, como ja vimos, os juizes vitalicios, ou de carreira,
da primeira instância, juizes de direito ou de comarca, em
nossa terminologia judiciaria.
A possibilidade de categorias diversas, diferenciadas pelo
vencimento, refere-se, pois, aos juizes de direito e esta pressu-
posta no texto constitucional. .
~ste, com efeito, estabelece dois critérios de fixaçao em
base diferente, pressupondo a existência de uma categoria
13 Da condiçao do jUiz estadual tratel em 1924 em A JornruIa Revisionista.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 491

imediata em relaçao aos desembargadores, 0 que leva necessa-


riamente a admitir a existência da categoria ou categorias
mediatas. Quanto àqueles, a diferença dos vencimentos em
comparaçao corn os da instância superior podera ir a 33 % e
fraçao, pois a tanto equivale permitir-se-lhes a fixaçao em
dois terços; diferença que, de entOO por diante, isto é, entre
os vencimentos dos juizes da "categoria imediata" e os das
demais categorias, naD podera exceder de 30 %.
Os meios de realizar essa diferenciaçao dos vencimentos
na primeira instância sOO varios e ficaram ao critério do le-
gislador. Um deles é a classificaçao das comarcas em en-
trâncias, sendo a primeira a de ingresso e correspondendo a
Ultima à categoria imediata de que fala 0 texto.
Esta, portanto, ao alcance do legislador adotar 0 sistema
das entrâncias. Nao digo, porém, que esteja impedido de se-
guir orientaçao contraria, igualando todos os juizes de direito,
isto é, constituindo uma so categoria, e naD mais de uma, 0
que esta por igual ao seu alcance.
Se os juizes sOO todos de uma mesma categoria, naD ga-
nharac menos de dois terços, serac todos da categoria ime-
diata. Mas, se abaixo dêsses outros houver, naD os podera
instituir 0 legislador corn vencimentos infiÏnos, senac corn os
da categoria superior reduzidos somente até 30 %".14
10. A questâo dos desembargadores do Distrito Federal.
Desembargadores corn assento no Tribunal de Apelaçao do
Distrito Federal propuseram açao para que lhes ficassem as-
segurados os vencimentos de ministros de Estado, argumen-
tando corn a equiparaçao do inciso e do art. 104 da Constitui-
çao de 34, e inciso d do art. 103 da atual.
No voto que proferi, coma relator, conclui pela improce-
dência da equiparaçao pretendida. No mesmo sentido 0 voto
do eminente revisor, que foi 0 ministro LAUDO DE CAMARGO: e
nessa conformidade se decidiu. 15
No voto que entao proferi examinei 0 casa nos seguintes
têrmos: "A locuçao "secretarios do Estado", empregada no
1< Diario da Justiça de 14 de outubro de 1941.
JO "'pel. civel n. 7.577. acôrdao (La Turma) de 5 de novembro de 1942.
492 CASTRO NUNES

texto de 34, ou "secretarios de Estado", usada no texto de 37,


equivale a secretarios do Govêrno de cada Estado e nao a
rninistros de Estado, como se pretende.
Jamais se chamou, entre n6s, aos auxiliares imediatos
do Presidente da Republica de secretarios de Estado.
Na linguagein das três Constituiçôes republicanas, na
atual como nas anteriores, a denominaçao que se lhes da é de
rninistros de Estado, naD se encontrando em nenhum passo
dos textos constitucionais de 34· e de 37 outra qualificaçao,
senac essa, para designar os secretarios do Govêrno da Uniao.
"Secretarios de Estado" é locuçao· de que se usa ou se pode
usar na linguagem expositiva, por apropriaçao da denomina-'
çao americana.
Mas naD tem cunho constitucional, exata.mente porque a
Constituiçao dela naD usa para nomear os secretarios do Go-
vêrno da Uniao, reservando-Ihes a denominaçao pr6pria e ca-
racteristica de rninistros de Estado.
Nos Estados, os auxiliares imediatos do Govêrno jamais
foram chamados ministros de Estado na linguagem oficial.
Eram secretarios: secretario geral, secretario do Interior,
secretario das Finanças, etc., qualificaçao que a Constituiçao
de 34 ja encontrou adotada e manteve como critério de base
para a fixaçao dos vencimentos dos desembargadores em cada
Estado. É a êsses secretarios do Govêrno em cada Estado
que se refere 0 texto constitucional.
Os apelantes naD contestam que assim seja quanto aos
desembargadores estaduais. Quanto a estes a locuçao "secre-
"tarios de Estado" equivale a secretarios do Govêrno do Es-
tado. 0 que dizem é que, em se tratando de desembargado-
res do Distrito Federal, é diverse 0 sentido do texto, equiva-
lendo a "ministros de "Estado", isto é, secretarios do Govêrno
da Uniao.
Argumentam que no Distrito Federal naD existe 0 têrmo
constitucional de referência, porque naD sendo essa circuns-
criçao urn Estado, naD ha aqui "secretarios de Estado".
De fato assim é. 0 Distrito Federal naD era um Estado ;
era e ainda 0 é, pela menos a certos respeitos, como ja tive
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 493

oportunidade de mostrar, uma circunscriçao de carater mu-


nicipal. 16 Secretarios do Govêrno do Distrito sao os auxilia-
res do prefeito, que 0 administra, e, pois, secretarios de um
govêrno de indole municipal.
Ora, a justiça nao é um serviço municipal. As magis-
traturas municipais do Brasil-colônia sao desconhecidas em
nosso regime. Justiça entre nos é estadual ou federal. Se a
justiça do Distrito Federal nao é estadual, coma nâo 0 sao as
justiças dos Territorios, é claro que tais justiças, constituindo
serviços, ainda que de indole local, atribuidos ou reservados
à Uniao, sao, em ultima analise, serviços federais, organizados
pelos poderes da Naçao, custeados pelos cofres nacionais, no-
meados pela Presidente da Republica os seus servidores, etc.
Possivel nao seria, portanto, adotar coma têrmo de refe-
rência 0 secretariado da Prefeitura para resolver 0 problema
da equiparaçao quanto aos vencimentos dos desembargado-
res. Seria absurdo classifie a-los coma desembargadores
municipais.
Segue-se dai que sao êles desembargadores federais, por-
que a justiça do Distrito so é local pela raio limitado de sua
jurisdiçao, 0 que nao basta para excluir 0 seu carater federal.
É um aspecto que examinei demoradamente no trabalho
acima citado sob a rubrica "Em que sentido é local a justiça
do Distrito Federal".
Mas, exatamente porque entendo que a justiça do Dis-
trito é uma magistratura federal, nao vejo coma lhe aplicar
uma equiparaçao em que na letra do texto constitucional e
nas razoes conhecidas que 0 determinaram se pressupoe cla-
ramente 0 desembargador estadual.
É de notorio conhecimento de quantos acompanharam os
trabalhos da Assembléia Constituinte de 1934 que a providên-
da de estabelecer um minimo no tabelamento dos vencimen-
tos da funçao judicial visou 0 juiz esta dual. Jamais se pre-
tendeu estabelecer qualquer critério de tarifaçao para os jui-
zes estipendiados pela Uniao. Nao era a esta, isto é, ao le gis-
l(J "0 Dlstrlto Federal como autarqula local e os servlços a cargo da Unlâo". in
Diretto, v. 1.°, ps. 65 e segs.
4S4 CASTRO NUNES

lador federal, que se pretendia limitar, mas ao legislador esta-


dual, responsavel pela estado de penuria em que deixara em
quase todos os Estados, corn raras exceçoes, a magistratura.
Eram as mesmas queixas que ja vinham do Império, quan-
do se dizia corn TAVARES BASTOS, na A Provincia, que a magis-
tratura constituia uma "classe mendicante, que professa a mi-
"séria", acrescentando 0 insigne publicista que 0 problema do
estipêndio nao era para 0 juiz, no Brasil, "uma questao de dig-
"nidade, mas de subsistência".
Sobrevindo a Republica e repartida a jurisdiçao entre a
Uniao e os Estados, em muitos dêstes 0 mal se agravou, avil-
tados economicamente os juizes e desgarantidos nos seus di-
reitos de carreira.
Foi a êsse estado de coisas que visou dar remédio 0 cons-
tituinte de 34. Ja antes, no Ante-Projeto do Itamarati, se
expressara idêntica preocupaçao. A lei orgânica judiciaria
a ser votada pela Assembléia Nacional estabeleceria "0 venci-
"mento minimo que, em cada Estado, e de acôrdo. corn as
"suas condiçoes peculiares, perceberâo os desembargadores e
"juizes" .
A Constituiçao de 34 naD fixou êsse minimo nem reser-
vou ao Poder Legislativo federal prefixa-Io. Encontrou e ado-
·tou outra formula, acomodavel às condiçoes financeiras va-
riaveis de cada Estado, estabelecendo coma ponto de partida
para 0 tabelamento dos vencimentos judiciais a remunera-
çao percebida pelos secretarios do Govêrno em cada um deles,
para estipular que 0 estipêndio dos desembargadores naD
fôsse menor.
Essas razoes, que determinaram 0 dispositivo, é que lhe
devem dar 0 sentido e alcance. A locuçao adotada "secreta-
"rios de Estado" corresponde a êsse pensamento, no rumo dos
antecedentes recordados. É, pois, um critério peculiar aos
desembargadores estaduais, esgotando-se as suas possibilida-
des na orbita de cada Estado.
É certo que as normas de base estabelecidas para a or-
ganizaçao das justiças dos Estados se aplicam à do Distrito
Federal. Mas, evidentemente, no que forem aplicaveis. Isso
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 495

estava .expresso na Constituiçao de 34, art. 105, que assim


dispunha: "A justiça do Distrito Federal e a dos Territorios
"serao organizadas por lei federal, observados os preceitos do
"artigo precedente no que lhes torem aplicdveis . .. ".
Essa clausula nao reaparece no texto da atual Constitui-
çao. Mas nao me parece que êsse argumento seja decisivo.
Basta considerar que tais normas so se aplicam ao Distrito
Federal e aos Territorios por extensao ou equiparaçao, de vez
que foram estabelecidas para os Estados, 0 que claramente se
depreende até mesmo do seu enunciado, onde nao se alude
senao a Estados, governador, secretdrios de Estado, etc.
A razao de ser dessa equiparaçao tera sido diversa da que
determinou a preceituaçao no tocante aos Estados.
Parece-me de obvia. compreensao que tera sido para or-
ganizar em moldes idênticos a administraçao da jurisdiçéio
comum que, por exceçao, naquelas circunscriçoes anômalas,
ficou a cargo da Uniao.
Dai resuIta que tudo 0 que esta preceituado se aplica aos
Estados ;. mas ha que admitir, em principio, que nem tudo
se aplique ao Distrito Federal e aos TerritOrios:
Sem duvida, 0 legislador federal esta obrigado a guardar
as clausulas, tôdas as clausulas acêrca das quais nao se de-
monstre impossibilidade de aplicaçao na organizaçao judicia-
ria daquelas circunscriçoes anômalas. Mas 0 fato mesmo de
serem anômalas no sistema federativo e a circunstância de
naD terem sido estabelecidas para elas as normas preceitua-
das, levam-nos a admitir que possa ocorrer algum desajus-
tamento, como sucede na hip6tese em exame".
CAPîTULO 111

MECANISMO JUDICIARIO LOCAL

SUMARIO: 1. Garantias orgânicas apllcaveis às justiças locais. 2. Duplo grau de


jurisdiçao. 3. Orgaos e aparelhos. Nomenclatura. 4. Tribunais de apela-
çao. Competència originaria. Inalterab1lldade do nlimero de seus juizes.
Sede. 5. Tribunais de apelaçiio. Composiçiio. 0 quinto reservado a ele-
mentos estranhos à carreira. 6. Magistrados, quem siio. Juizes de direito,
juizes temporarios. Alçada. 7. Juizos privativos. 8. AB causas da Uniao
na primeira inst!i.ncia local. CauRas fiscais.

1. Garantias orgânicas aplicaveis às justiças locais.


Grande parte dêste assunto ja ficou examinada no cap. II do
tit. II, ao quaI remetemos 0 leitor. A garantia orgânica do
art. 93, letras a e b, em virtude da quaI compete aos tribunais
elaborar os seus regimentos internos, organizar suas secre-
tarias e serviços auxiliares, corn 0 poder de iniciativa que lhes
ficou reservado, e bem as sim licenciar os seus membros, jui-
zes inferiores e serventuarios que Ihes sejam imediatamente
subordinados, nao esta mencionada na remissao feita pela
art. 103, a quaI se limita aos arts. 91 e 92. Mas trata-se, coma
ja vimos, de uma prerrogativa comum ou geral, inerente aos
tribunais judiciarios, necessaria à sua autonomia, devendo-se,
pois, haver coma implicita no mecanismo local.
Garantia orgânica peculiar às justiças locais é, porém,
a do art. 103, c, restrita aos tribunais de apelaçao, aos quais
se atribue a iniciativa de alteraçao do numero dos seus juizes.
É aspecto a que voltaremos adiante.
Sao es sas as garantias expressas; mas, além destas, ou-
tras ha que se devem haver coma subentendidas. Delas, a
mais importante é 0 duplo grau da jurisdiçao.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 497

2. Duplo grau de jurisdiçâo. 0 principio tradicionaI do


duplo grau. da jurisdiçao, pressuposto na instituiçao das jus-
tiças regulares, esta implicito no art. 103, em diferentes in-
cisos. Assim é que, logo no da letra a, se alude à investidura
nos primeiTos graus, com direito de acesso aos graus superio-
res (letra b). A existência mesma de um tribunal dito de
apelaçao, na organizaçao judiciaria de cada Estado, indica
claramente que a dupla instância esta pressuposta. A fixa-
çao dos vencimentos dos juizes pela critério estabelecido no
preceito da letra d revela, por igual, que a Constituiçao supôe
no mecanismo judiciario magistrados escalonados em cate-
gorias hierarquicamente superpostas. Do mesmo modo, no
julgamento das causas da Uniao esta prescrito 0 recurso, ja
entao para 0 Supremo Tribunal (art. 109). Ainda: das de-
cisoes dos juizes de paz ficou ressalvado 0 recurso para a jus-
tiça togada (art. 104).
A pluralidade dos graus de jurisdiçao naD é extreme de
critica na exposiçao doutrinaria, ainda que seja dominante a
aceitaçao do principio, com algumas restriçoes, pelas suas
evidentes vantagens praticas. Observa-se que, se a razao de
ser de uma segunda instância, instância superior a que ascen-
dem os juizes de maior tirocinio e experiência, é assegurar
maior acêrto nas decisoes, 16gico seria precindir das instân-
cias inferiores e ficar com aquela somente.
CmovENDA poe a questao nos seus devidos têrmos. A plu-
ralidade de instâncias, diz êle, naD se baseia na inferioridade
da primeira instância e na superioridade das demais do ponto
de vista do acêrto das decisoes. Favorece, apenas, pela reexa-
me do casa por juizes diferentes, a melhor soluçao. E acres-
centa que 0 mecanismo das instâncias estimula os juizes in-
feriores, cujos erros ficam sujeitos à revisao da superior, esta,
por sua vez, diz êle, freada muitas vêzes pelos fundamentos
da sentença de primeira instância. E, ainda: satisfaz à
confiança public a pela possibilidade, que se reserva, de um
nova exame da questao. 1

1 CHIOVENDA, Principii, ps. 370 e segs.

F.32
498 CASTRO NUNES

Mas a regra nâo é absoluta. Comporta exceçoes. A


Constituiçao, admitindo 0 recurso extraordinario das decisoes
das justiças locais "em unica ou liltima instância", pressupoe
no mecanismo local a possibilidade de julgamentos proferi-
dos em uma s6 instância. Tais sao os julgamentos que pro-
ferem os tribunais de apelaçao nas causas da sua competên-
cia originaria e as decisoes cabiveis dentro da alçada, admi-
tida esta, expressamente, pelo art. 106.
3. orgaos e aparelhos - Nomenclatura. Os Estados
mantiveram, corn ligeiras alteraçoes, a organizaçao judiciaria
que vinha do Império, instituida pelas leis que, a partir de
1828, revogaram a organizaçao colonial do Livro 1.0 das Or-
denaçoes, conservando instâncias colegiadas de grau supe-
rior - Relaçoes - e no grau inferior juizes singulares, além
do juri e das justiças de paz, eletivas. 2
A antiga denominaçao, Tribunal da Relaçao, ou simples-
mente Relaçao, foi em muitos deI es abandonada, preferindo-se
Superior Tribunal de Justiça (Amazonas, Para, Maranhao,
Ceara, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Baia, Parana e
Goiàz), ou Tribunal de Justiça (Sao Paulo e Piaui), Tribunal
Superior (Alagoas), Superior Tribunal (Santa Catarina e Rio
Grande do Sul), Tribunal Superior de Justiça (Espirito Santo
e Para), Tribunal de Apelaçao e Revista (Baia). 3
A Constituiçao de 34 uniformizou a denominaçâo, Côrte
de Apelaçao, que a de 10 de novembro alterou para Tribunal
de Apelaçao, retomando corn a palavra tribunal a tradiçâo da
nossa nomenclatura judiciaria. Fixou-se, igualmente, a de-
nominaçao desembargador, que é a empregada no inciso d, e
era a tradicional, de que se afastavam poucos Estados, ado-
tando a de ministros ou cOl1selheiros.
Na primeira instância: Juiz de direito, consoante a de-
nominaçao mais generalizada, ou juiz de comarca (Rio Gran-

2 Para ma10r desenvoivimento. vejam-se: ENÉIAS GALVAO, Juizes e Tribunats no


Periodo Colonial, in Rev. do Instituto Hist6rico; tomo espec1aI; JOAO MENDES, Di-
reito Judiciàrio, ps. 72 e segs.; VIEmA FERREmA, Juizes e Tribunais do Primeiro lm-
pério e da Regêncw.
" CASTRO Nu NES, As Constituiçoes Estaduais, 1. p. 149.
TE ORlA E PRATICA DO PODER JUDICrARro 499

de do Sul); e, nos graus inferiores, juiz municipal, também


chamado em alguns Estados juiz de distrito ou distrital (Ama-
zonas, Piaui, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Espirito
Santo e Rio Grande do Sul) ou substituto (Para), pretOT
(Distrito Federal), 4 ainda que sem perfeita correspondência
nas atribuiçoes.
De tais denominaçoes naD cogita a Constituiçao, ficando
livre aos Estados mantê-Ias, ou nao, ainda que recomendavel
o critério da tradiçao.
Como instituiçao integrante do mecanismo ja tinhamos,
e manteve-as a Constituiçao na esfera estadual, as justiças
de paz. ·0 juri, naD mencionado na Constituiçao, esta nele
implicito como aparelho judiciario, ja hoje reorganizado por
lei federal.
4. Tribunais de apelaçao - Competência originâria --
Inalterabilidade do niimero de seus juizes - Sede. Na cupola
do Judiciario local estao os tribunais de apelaçao. Pode 0 le-
gislador criar outros tribunais superiores, mas de instância
intermediaria, sobrepostos aos juizes de direito ou do mesmo
nivel, para 0 desempenho de alguma jurisdiçao especial; nao,
porém, de instância mais alta, porque 0 que se depreende dos
incisos em que se desdobra 0 art. 103, é que os tribunais de
apelaçao, no organismo judiciario de cada Estado, sao a ins-
tância final e 0 6rgao de maior autoridade no mecanismo.
Também nos Estados da Uniao Americana, sao as Courts of
Appeals os tribunais de relêvo dominante no arranjo judi-
ciario. Existem, é certo, em alguns deles, ao lado da Côrte
de Apelaçao, uma Côrte Suprema, Supreme Court; mas esta
nem sempre é superior àquela, e em alguns Estados, como
New York, a Côrte Suprema, naD obstante 0 adjetivo pom-
poso, cede à outra a prima zia - " ... there is a Court of Ap-
peals above the Supreme Court."
A Côrte Suprema no mecanismo estadual americano é, em
regra, uma jurisdiçao especial, exercida originariamente. Em
muitos Estados se lhes reserva competência especial para
• A denomlnaçâo pretor esta hoje adotada. também. em alguns Estados.
500 CASTRO NUNES

certos writs, como habeas-corpus, injunction, mandamus, cer-


tiorari, etc. Funcionam também, em alguns Estados, como
orgao consultivo da legislatura e do govêrno, por imitaçao das
praticas inglesas. 5
Entre nos essa Ultima atribuiçao naD seria admissivel, e
jamais 0 foi. Sempre se entendeu, seguindo 0 exemplo da
Côrte Suprema dos Estados Unidos, que 0 Supremo Tribunal
naD responderia a consultas nem exerceria atribuiçoes, judi-
ciarias ou administrativas, que lhe cometesse 0 legislador or-
dinario, fora do quadro das suas atribuiçoes originarias.
Em idênticos têrmos tera de ser posta a questao na orbita
local. É certo que a competência originaria dos tribunais de
apelaçao nao esta traçada na Constituiçao Federal, porque
matéria da competência do legislador local; mas êste, ainda
que constituinte, estara limitado pelo art. 110, que supoe na
competência originaria 0 proC'edimento contencioso em espé-
cie, açôes, diz 0 texto, isto é, litigios, pleitos, demandas. 6
Enquadram-se normalmente na competência originaria
dos tribunais de apelaçâo os conflitos de jurisdiçao entre jui-
zes do mesmo Estado, habeas-corpus e mandados de segu-
rança (pelo critério que se adotar fundado na hierarquia da
autoridade coatora), 0 julgamento das açoes recisorias dos
seus proprios acordaos, etc.
Caso expresso é 0 do inciso e, que lhe reserva, privativa-
mente, naD sa 0 julgamento, mas, ainda, 0 processo dos juizes
inferiores por crime comum ou de responsabilidade.
o numero de juizes "sa podera ser alterado por proposta
"motivada do Tribunal" (art. 103, c). É uma garantia a bem
da independência do Tribunal que, dêsse modo, fica dono do
seu quadro, a cavaleiro da politica nos expedientes, que nao
seriam inéditos, de ajeitar, pelo aumento ou reduçao do nu-
mero de juizes, a maioria necessaria a interêsses de ocasiao.
o numero de juizes de cada Tribunal de Apelaçao varia
de Estado para Estado. As necessidades do serviço tanto
5 STIMSON, Fed. and State Constitutions, p. 347. Para outros detalhes veja-se,
também, DEALEY, Our State Constitutions, ps. 57 e segs.
o Dispôe 0 art. 110 da Constituiçao: "A lei podenl estabelecer para determina-
"das açües a eompetência originària dos tribunais de apelaçao".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 501

podem determinar-lhe 0 aumento como a reduçao, tais sejam


as circunstâncias. Dai a alternativa que se contém no verbo
alterar, com a garantia, porém, de partir do proprio Tribunal
a proposta, que se requer motivada.
Sao outras as razoes que informam a prerrogativa asse-
gurada ao Supremo Tribunal, por isso mesmo em têrmos di-
ferentes. É aspecto de que ja me ocupei no lugar proprio.
A Constituiçao determina que a sede do Supremo Tribu-
nal Federal é na capital da Republica. Implicita esta que
nas capitais dos Estados terao sede os tribunais de apelaçao,
nao podendo as leis estaduais, nem mesmo as Constituiçoes,
designar para 0 Tribunal, que é a expressao mais aIta do Poder
Judiciario em cada Estado, outra cidade que naD a sua capital
politica, onde funcionam os dois outros poderes constitu-
cionais. 7
5. Tribunais de apelaçao - Composiçao - 0 quinto re-
servado a elementos estranhos à carreira. Os tribunais de
apelaçao compoem-se de juizes de carreira, que a êle sobem
'-
por promoçao, mediante 0 duplo critério da antiguidade e do
merecimento, e de juizes que neles ingressam sem percorre-
rem os postos inferiores.
Reza 0 preceito do art. 105: "Na composiçao dos tribu-
"nais superiores, um quinto dos lugares sera preenchido por
"advogados ou membros do Ministério Publico, de notorio me-
"recimento e reputaçao ilibada, organizando 0 Tribunal de
"Apelaçao uma lista triplice". 0 preceito obedece ao mesmo
pensamento ja salientado (veja-se 0 capitulo anterior) de re-
crutar elementos idôneos para a magistratura, naD somente
nos primeiros graus, senac também nas instâncias superiores,
aproveitado assim 0 saber experimentado fora dos seus
quadros.
Ao entrar em execuçao a Constituiçao de 34, que ja con-
tinha 0 dispositivo reproduzido na de 37, suscitou-se a questao
de saber se teriam de ser computados no quinto os desembar-
gadores ja com assento nos tribunais de apelaçao e provindos
7 COSTA MANSO, 0 Processo na Segunda Instllncia, 10°, p. 42.
502 CASTRO NUNES

da advocacia, do Ministério Publico ou, mesmo, da carreira


judiciaria, mas de outro Estado. Assim 0 entenderam os tri-
bunais do Distrito Federal e de Sao Paulo, neste com valiosos
votos vencidos. Afinal, a lei n. 256, de 28 de setembro de
1936, regulando as nomeaç6es e promoç6es na justiça local
do Distrito, dispôs no sentido da interpretaçao ja adotada pOl'
aquele Tribunal. .
Na verdade, parece ser essa a melhor interpretaçao. 0
que a Constituiçao quer é que em cada Tribunal haja quatro
quintos de desembargadores saidos, por promoçao, pela duplo
critério da antiguidade e do merecimento dos quadros judicia-
rios do proprio Estado, e um quinto de elementos outros, que
naD êsses, elementos de fora, estranhos à carreira, cujas etapas
naD percorreram, que naD chegaram ao Tribunal por promo-
çao. Sup6e-se 0 Tribunal formado por uns e outros na pro-
porçao estabelecida e computam-se no quinto os desembarga-
dores nome ados anteriormente fora do quadro dos juizes de
direito, categoria esta imediatamente inferior aos desembar-
gadores na escala da carreira judiciaria. Se houver fraçao,
resolve-se em favor do quinto, porque naD estaria observado 0
preceito constitucional, que manda reservar aos estranhos à
carreira judiciaria no Estado um quinto dos lugares na com-
posiçao do Tribunal, se se lhes desse menos do que isso.
Assim, se 0 Tribunal se comp6e de 18 juizes, 0 quinto consti-
tucional sera quatro e naD três e uma fraçao, quinto arit-
mético.
6. Magistrados, quem sao - Juizes de direito, juizes
temporârios - Alçada. Nao havia na Constituiçao de 91 dis-
posiçao express a relativamente aos juizes temporarios, nem
permitindo, nein proibindo aos Estados a adoçao dessa cate-
goria de juizes nas suas organizaç6es judiciarias. Enten-
dia-se, por isso mesmo, que 0 poder nao proibido, era remanes-
cente na orbita estadual, integrante da autC1nomia orgânica
dos Estados.
Ja havia, alias, juizes temporarios na justiça federal, os
cham ados juizes substitutos, criados pela dec. n. 848, de 1890,
e mantidos nas preceituaç6es posteriores. De modo que sem-
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 503

pre se toleraram os juizes nomeados por certo tempo, com a


funçao de preparadores e de substitutos eventuais dos juizes
vitallcios.
A Constituiçao de 34 os admitiu por clausula expressa e,
igualmente, a de 37, no art. 106: "Os Estados poderao criar
"juizes com investidura limitada no tempo e competência
"para julgamento das causas de pequeno valor, preparo das
"que excederem de sua alçada e substituiçao dos juizes vi~
"talicios" .
-Magistrados, na acepçao ampla, saD todos aqueles que,
a titulo perpétuo ou temporario, investidos. por nomeaçao ou
outro processo de escolha, exercem a funçiio de julgar, em
maior ou menor extensao. TaI é a noçao dada por GARSON-
NET et BRU, que nela incluem os juizes de paz, os prud'hom-
mes e até os suplentes de juiz, que nao exercem, senao aciden-
talmente, a funçao judicante. 8
Mas na acepçao restrita 0 magistrado se define pela con-
diçao da vitaliciedade para 0 efeito de certas garantias con:-
cementes aos direitos da carreira. Alias, ja se entendia
assim sob a Constituiçao de 91. Magistrados saD somente -
diziam as Constituiç5es estaduais - os desembargadores e os
juizes de direito, excluidos os juizes de investidura tem-
poraria.
Em face da atual preceituaçao constituclonal nao muda
o entendimento. 0 art. 103 sup5e a carreira judiciâria com
as garantias normais inerentes à funçao.
No voto que proferi como revisor no rec. extr. n. 3.636,
de Sao Paulo, examinando 0 alcance da clausula "dos demais
"juizes", do art. 103, letra d, entendi que entre tais juizes nao
se incluem os temporarios, senao somente os de direito de di-
ferentes entrâncias: "Cada Estado organizara a sua justiça,
diz 0 art. 103, observando as clausulas dos arts. 91 e 92, e
mais as que a seguir enumera, concernentes ao ingresso na
magistratura (letra a), ao direito do magistrado à promoçao
por antiguidade e merecimento (letra b), direito ao venci-
mento tabelado nas bases estabelecidas (letra d), vencimento
" Ob. clt., l, n. 105.
504 CASTRO NUNES

que conservarâ integral, como um atributo da inamovibili-


dade, no caso de mudança da sede do juizo (letra f).
Tudo esta indicando que os diferentes preceitos em que·
se desdobra 0 art. 103 dizem respeito aos magistrados propria-
mente ditos, aos juizes de direito e desembargadores, e nao a
outros juizes, orgaos anômalos que 0 legislador local podera
instituir como peças accessorias do mecanismo, etais sao os
juizes temporarios de que cogita 0 art. 106 e os juizes de paz,
de que fala 0 art. 104. A instituiçac de uns e de outros esta
facultada ao legislador da organizaçao judiciaria; que deles
podera precindir, nao os instituindo, ao inverso do que se da
·com aqueles que formam a primeira e a segunda instância na
magistratura regular ou de carreira, pressuposto como esta,
claramente, na Constituiçao, em varios dispositiv6s, 0 duplo
grau da jurisdiçao". 9
- Aos "juizes temporarios podem caber três ordens de
atribuiç6es, nos têrmos do preceito constitucional: a) jul-
gamento das causas de pequeno valor; b) preparo das que
excederem de sua alçada; c) substituiçao dos juizes vitali-
cios. A alçada se define pele valor da causa, do que decorre
que" nac poderac ser instituidos para julgar em matéria
crime, em que a alçada, admitida nas antigas leis, se definia
pela· quantidade da pena e nao pele valor, que se ha de en-
tender 10 pecuniario, da demanda, civel, portanto.

• Didrio da Justiça de 14 de outubro de 1941.


10 A alçada foi Eempre tida entre n6s como incompativel com as causas de liber-
dade e as relativas ao estado das pessoas. umas e outras. de seu natural. inesti-
maveis (PEREIRA E SOUSA, PrimeiraB Linhas, nota 659). restriçao que deu entrada na
leglslaçao republ!cana. ainda antes da Constituiçao (dec. n. 848. de 11 de outubro
de 1890. art. 9 .... n. c) e foi repetida na lei n. 221. de 1894. art. 12. § 3.°. sendo con-
sol!dada por JosÉ HIGINO no dec. n. 3.084. art. 66, 1." parte.
Alçada se define pela vp,lor da causa. e valor, no sentldo jurldico. dtz TEIXEIIlA
DE FUEITAS, "é 0 preço pecuniario de tôdas as colsas estimavels pelo dinheiro. deno-
"minador comum delas (Vocabulario Jurlàico). sendo as causa~ de alçada. como en-
sina PAULA BATISTA, "as contestaçôes de pequenas quantlas" (Compénàio de Teoria
e Pràtica de processo Civil, § 50). No Império naD se admitia a revista "por nul!-
",dade manifesta ou injustiça not,6ria" nas causas criminals; mas se se tratava de
causa criminal. que as antigas leis sujeitavam ao critério da alçada. "dele conhecia
o Supremo Tribunal de Justlça, por entender inaplicavel ao crime a 7'estriçéio do
recurso (PIMENTA BUENO, II, n. 489).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO 50fl

Dentro da alçada que a lei estabelecer os juizes processam


e julgam; mas fora deI a, iSto é, nas causas que a excederem,
poderao ser apenas preparadores, se assim 0 determinar a lei.
As causas cabiveis na alçada hao de ser de "pequeno
"valor", critério relativo que vale apenas como uma diretiva
ao legislador para que naD exagere 0 principio da alçada, que,
envolvendo uma derrogaçao do duplo grau de jurisdiçao, re-
quer aplicaçao comedida. .
FacuIta-se, ainda, ao legislador, que a tais juizes dê tam-
bém a funçao de substituir os vitaIicios, ja entao, é forçoso
concluir, com a plenitude de jurisdiçao do vitalicio, porque
de outro modo nao seria substituido. É uma anomalia, s6
compreensivel como exceçao. Na funçao pr6pria, esta limi-
tado à alçada; naD na funçao superior, a que sobe momen-
taneamente, nos impedimentos ou faIta do juiz vitalicio, em
que fara as vêzes dêste, provisoriamente, interinamente. 11
7. Juizos privativos. Os juizos privativos, ainda que
nem sempre bem recebidos pela opiniao liberal, que neles via
uma exceçao ao principio da igualdade, que teria de repetir-se
no tratamento jurisdicional, 12 sempre existiram em nosso di-
reito judiciario. Ja os autorizava a Constituiçao do Império,
u 0 Supremo Tribunal sempre afirmou a constitucionaUdade da alçada, que,
mais tarde, viria a servir de critério na reforma constitucional de 26, para a instl-
tulçao, af autorizada, dos trlbunals Intermedlarlos na jurlsdlçâo federal, ja entao
comportando 0 duplo grau no seu mecanlsmo.
A alçada dos juizes federals fol institufda em 1890. pelo dec. n. 848, elevada
de dols para clnco contos de réls pelo dec. leg. n. 4.381, de 5 de dezembro de 1921.
Excediam-na. porém, as questéies de Direlto Cr1minal, de Direito Constltuclonal,
Internacional PÙbllco e Prlvado, as de div6rclo, nul1dade e anulaçao de casamento,
as que se fundassem em convençéies ou tratados da Unlao com outras naçéies, Ils
que derivassem de atos adminlstrativos do Govêrno Federal e de atos das autorida-
des administrativas federals ofenslvas de direltos individuals e tôdas aquelas em
que fôsse parte a Uniao ou algum Estado (dec. n. 3.084, I, arts. 11, letra a, e 66).
Essas restriçOes continuam ao alcance do leglslador ordinarlo.
o dec.-Iei n. 6. de 16 de novembro de 1937, dispondo sôbre providências con-
sequentes à. extinçao da justiça federal, estabeleceu, com base no parag. ùnico do
art. 109 da Constituiçao, a alçada de dois contos de réis para as causas fiscais da
Uniao, com uma restriçao que se deve entender unica, a da ressaNa do recurso
ex-ollicio no caso de ser a Uniao vencida no todo ou em parte e de envolver a
questao matéria constitucional.
1!l Dos juizos privativos ja nos ocupamos no cap. IV do tft. l para diferença-Ios
das iustiças especiais, com as quals manteem de comum apenas 0 traço do parti-
cUlarismo jurlsdicional.
506 CASTRO NUNES

cujo preceito se transplantou, com pequena variante de reda-


çao, para a de 1891, que assim dispunha no art. 72, § 23 :
"A exceçao das causas que, por sua natureza, pertencem a
"juizos especiais, naD havera fôro privilegiado". Na de 1934
semelhantemente: "Nao havera fôro privilegiado nem tri-
"bunais de exceçao, admitem-se, porém, juizos especiais em
"razao da natureza das causas" (art. 113, n. 25).
A inserçao dessas clausulas na Declaraçao de direitos e
garantias de ambas as Constituiç6es visava naD so proibir 0
fôro privilegiado em razao das pessoas como também as juris-
diçôes extraordindrias, adrede instituidas para fatos e pessoas,
dêste modo subtraidas às garantias do juizo comum - duas
proibiç6es desfechando, digamos assim, numa mesma garan-
tia, a garantia do fôro preestabelecido para todos, fôsse para
proteger, fôsse para perseguir. Era êsse 0 sentido politico da
exceçao, restrita, portanto, ao fôro particular em razao da
matéria, isto é, da "natureza das causas".
Na Constituiçao de 10 de novembro 0 mesmo preceito naD
reaparece, mas deve ter-se por subentendido, como ja vimos
atras (cap. IV, tit. 1).
A criaçao dos juizos privativos obedece ao principio da di-
visao do trabalho e à conveniência pratica de centralizal'
certa ordem de feitos em um dado juizo. Ja no Império eram
preconizados: ''Nao so 0 nu.mero de negocios, mas a especial
"consideraçao de alguns podera demandar a divisao dessa
"jurisdiçao comum, e exigir alguns juizos particulares". E,
linhas adiante: "Se, pois, uma razao fundada de interêsse
"publico aconselhar alguma outra divisao ou subdivisao, como
"ja temos, naD havera porque censura-la". 13
Os juizos especiais podem ser colegiados ou unipessoais;
exercidos por o:.:gaos da primeira como da segunda instância.
Basta que a lei atribua a um dado orgao, ainda que sem pre-
juizo das suas funç6es normais, certa jurisdiçao particulari-
zada. Assim é que entram na categoria das jurisdiçoes pri-
vativas os tribunais de conflitos ou os orgaos a que incumbir
13 PIMENTA BUENO, DiTeito Pùblico, p. 425; no mesmo sentido BARBALHO, Comen-
tarios, p. 444.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 507

essa matéria; as corregedorias, exercidas em Câmara ou Tri-


bunal ou por 6rgao individual. Sao mais frequentes, porém,
na primeira instância: Juizo dos Feitos da Fazenda, 14 Juizo
de Menores, Juizo de Acidentes, Juizo dos Registos PUbli-
cos, etc.
8. As causas da Uniao na primeira instância local -
Causas fiscais. 0 assento constitucional é 0 art. 108, que
assim dispoe: "As causas propostas pela Uniao ou contra ela
"serao aforadas em um dos juizos da capital do Estado em
"que for domiciliado 0 réu ou 0 autor. Paragrafo unlCO.
"As causas propostas perante outros juizes, desde que a
"Uniao nelas intervenha como assistente ou opoente, passa-
"rao a ser da competência de um dos juizes da capital, perante
"êle continuando 0 seu processo". 0 que por êsse dispositivo
se confere à Uniao é 0 privilégio do fôro da capital quando
tenha de agir ou responder judicialmente em qualquer Es-
tado. Nao é essencial que privativo seja 0 juizo ou vara, con-
diçao nao estabelecida na Constituiçao.
Mas, se houver vara privativa, nos têrmos da lei de or-
ganizaçao judiciaria, sera essa a competente. 15
o fôro constitucional da Uniao nos Estados, é, pois, 0
da capital, atraindo as causas entre terceiros propostas em
comarcas do interior, desde que nelas intervenha a Uniao,
conforme determina 0 parag. linico. 16

U Veja-se a nota 15.


15 No domlnio da antlga leglslaçâo portuguesa havla julzes dos Feitos da Fazenda
e, bem asslm, dos Feltos da Coroa. Eram graduados em desembargadores e despa-
chavam "em Relaçâo" (Ord., L. I, tit. 10).
No Impérl0 eram juizes especiais, escolhldos dentre os julzes de dlrelto, con-
slderando-se de terceira entrllncia a lnvestldura. 86 havla três juizos especials da
Fazenda Nacional, um na COrte, com jurisdiçâo estendida à Provlncla do Rio de
Janeiro, e 08 dols outros na BaIa e em Pernambuco.
Nas demais Provinclas era 0 juiz de direlto do civel (juizo comum) que
fazia as vêzes de julz da Fazenda Naclonal, ainda que em algumas houvesse car-
t6rios privativos para essa ordem de feitos (veja-se ENÉIAS GALVAO, Juizos e Tribu-
nais no Periodo Colonial, in Rev. do lnstituto Hist61'wo, tomo especlaI; PEnDIGAO
MALHEIROS, Manual do Procurador, § 47, nota 118; 8. BANDEIRA, Nova Manual, §§ 16,
17 e 30 a 35).

,. 80bre 0 recurso para 0 8upremo Tribunal, veja-se 0 cap. VI do tlt. m.


508 CASTRO NUNES

A regra constitucional cedem quaisquer regras legais in-


conciliâveis corn ela. Assim é que a regrado fôro rei sitœ,
nas açoes sôbre im6veis, naD pode prevalecer para 0 efeito
de tornar competente juiz de comarca do interior. Do mesmo
modo a lei de organizaçao judiciâria. Se a presença pes-
soal do juiz competente para processar feitos da Uniao for
indispensâvel, nos têrmos da preceituaçao processual (açôes
de divisao e demarcaçao), em alguma comarca do interior, é
forçoso haver como naD confinada à capital a sua jurisdiçao. 17
Dispondo 0 texto que "as causas propostas pela Uniao
"ou contra ela serac aforadas em um dos juizos da capital
"do Estado em que for domiciliado 0 réu ou 0 autor", 0 que
ai se prescreve é que: a) as causas propostas pela Uniao
serac aforadas no Estado onde for domiciliado 0 réu; b) as
causas propostas contra a Uniao serac aforadas no Estado
onde for domiciliado 0 autor.
Vale dizer que, na hip6tese de ser a Uniao a autora, sub-
siste 0 principio geral em virtude do quaI 0 réu responde no
fôro do seu domicilio, considerando-se domicilio, para os efei-
tos da competência constitucional, nao a comarca ou lugar
onde reside 0 réu, mas 0 Estado.
Na hip6tese de ser a Uniao ré na demanda proposta pela
particular, é a êste que se beneficia, pois que abandonada a
regra do fôro do domicilio da Uniao, que é 0 Distrito Federal
(C6digo Civil, art. 35, 1), onde teem se de os poderes constitu-
cionais da Uniao, para 0 efeito de se permitir seja ela cha-
mada a juizo no Estado onde tenha domicilio 0 autor. Em
ambos os casos no fôro da capital.
A rigor, nada se inovou em relaçao ao direito anterior,
em que tais causas jâ competiam ao juizo federal da secçao
onde houvesse de ser executado ou produzir efeitos 0 ato ad-
ministrativo ou ocorresse 0 fato jurigeno. Extinta a justiça
federal de primeira instância, 0 antigo juiz de secçao é hoje
representado pela juiz local da capital do Estado, nas causas
civeis em que seja autora ou ré a Uniao. Subsiste, pois, 0 pre-
17 Supremo Tribunal, ac6rdao de 1 de Julho de 1942, confl. de Jurlsdlçâo n, 1.359,
in Arq, Judiciàrio, v, 64, ps, 439 e seg~,
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 569

ceito do art. 35, § 1.0, do Codigo Civil, que refletiu, alias, a ju-
risprudência do antigo Supremo Tribunal no sentido de des-
centralizar 0 fôro da Uniao, permitindo que esta acionasse ou
fôsse acionada no domicilio do particular, isto é, do autor li-
tigante.
o art. 108 apenas traduziu em formula mais ampla ou
genérica êsse mesmo principio, retomando a tradiçao do an-
tigo Juizo dos Feitos do Império, cuja competência se definia
cumulativamente com 0 da Provincia onde residisse a parte
interessada, isto é, 0 litigante contrario à Fazenda. 18 0 que
domina a inteligência do art. 108 da Constituiçao é que a
Uniao esta em tôda a parte, nas circunscriçôes territoriais que
ela administra, coma nos Estados, cujos territorios entram na
definiçao do territorio nacional (art. 4.°).19
Quanto às causas fiscais deixou-se ao legislador regular
a competência, sem sujeiçao, coma é claro, ao principio do
art. 108: "A lei regulara a competência e os recursos nas
"açôes para cobrança da divida ativa da Uniao ... " (art. 109,
parag. unico).
o dec.-lei n. 960, de 17 de dezembro de 1938, e outras leis
sôbre arrecadaçao da divida ativa da Uniao dispôem sôbre 0
assunto, permitindo sejam aforadas nos juizos do interior,
nos Estados, as causas fiscais, entre as quais as arrecadaçôes
lB PERDIGAO MALHEmos, Manual do Procurador, ps. 29-32; BANDEIBA, Novo Manu.~l.
ps. 41-44.

19 Relatlvamente as causas de nulldade de patentes e marcas entendeu-se, em


certo ac6rdao, nao obstante alguns votos vencidos, que 0 fôro competente seria 0
do Dlstrlto Federal, alnda que domlclllada qualquer das partes, ou ambas, fora dessa
clrcunscrlçâo - pela conslderaçâo de ser aquf a sede do Departamento da Proprle-
dade Industrlal, com os elementos de lnformaçao necessarlos ao alcance da Pro-
curadorla Especlal, obrlgada a onclar em tais feltos, conslcteraçâo secundârla que
levaria à mesma conclusao em se tratando de qU3.!squer outros atos admillistratlvos
da Unlâo pratlcados no Dlstrlto Federal. A êsse entendlmento aderlu 0 C6d!go Na-
clonaI de Processo, art. 147. Para 0 Departamento Naclonal do Café jâ se abrira
uma exceçâo, pOl' determlnaçâo legal (dec.-lel n. 1.252, de 1939). para 0 efelto de
ser aclonado no Dlstr!to Federal, perante urna das varas prlvatlvas dos Feltos da
Unlâo, prlvlléglo de que nao poderla gozar esta mesma, nâo sendo possivel conte-
ri-lo a uma de suas autarquias. Nesse sentldo, lsto é, declarando lnconstltuclonal
o art. 1.0 daquele decreto-Iel, 0 ac6rdâo de 17 de junho de 1942, no agr. de lnstr.
n. 10.229 (relator mlnlstl'O BARROS BARRE'ro), proferldo por unanlmldade de votos,
entre os quais 0 rneu. pelas fUlldarnentos entao expostos (Didrio da Justiça de 20
de outubro de 1942).
510 CASTRO NUNES

de heranças jacentes, que, declaradas vacantes, sao adjudica-


das à UnHio como receita. 20
Mas 0 juiz do interior competente para os feitos fiseais
da Uniao ha de ser juiz com os predicamentos da funçao ju-
dicial, portanto juiz de direito, e naD juiz temporario ou de
têrmo, salvo se deprecado para diligências sem carater deci-
sorio. 21
o recurso de oficio esta prescrito nos arts. 53 e 74 do
dec.-lei n. 960. 22

!!OArq. JucZtciario, v. 64, ps. 439 e segs.


21 Ac6rdâo (1.- Turma) de 15 de Janeiro de 1942 (Didrio da Justiça de 19 de
agôsto) .
22 0 recurso ex-officia é. em nosso dlrelto fiscal, um recurso sui generis; se nao
é mals apelaç/io, como 0 era antigamente. nao é também agravo, e isso mesmo se
-colhe do pr6prio dec.-Iei n. 960, que trata distintamE;nte de um e de outro. Nil.o
sendo agravo, senao devoluç/io automâtica do casa à. instância superior pelo Juiz
que decldiu contra a Fazenda, tante pode 0 tribunal ad quem negar-Ihe provimento
como provê-Io, no todo ou em parte, para reformar a sentença ou, apenas, anular 0
processado (meu voto no julgamento dos embargos opostas ao ac6rdao n. 9.796,
sessao de 14 de Janeiro de 1942).
Nas causas f1scais de alçada. entendemos na La Turma nll.o caber 0 recurso de
oficio, salvo se decidida maté ria constitucional; mas 0 Tribunal Pleno entendeu
diversllmente. pelo vota de desempate.
CAPîTULO IV

JUSTIÇASHONORARIAS
..... (Justiça de paz e juri)

SUMARIO: 1. Justiças honorârias. Jufzes de paz. 2. 0 juri nas ConstituiçOes re-


publicanas. 3. 0 juri na sua atual organizaçao. 4. A competência da
Uni!io para legislar sObre 0 jurt. el>:aminada no Supremo Tribunal. 5. Jul-
gamento por livre convicçao atribuido ao Tribunal de Apelaçao. 6. Outras
hlp6teses jUdlclârlas decorrentes da apl1caçao do dec.-lei n. 167. 7. Jurl de
Imprensa.

1. Justiças honorârias - Juizes de paz. Sempre se to-


lerou entre nos, coma em tôda a parte, ao lado das magistra-
turas profissionais, de carreira, providas por nomeaçao e do-
tadas de garantias de estabilidade, uma magistratura hono-
l'aria, leiga, eletiva, que, em certos momentos, em que cul-
minou a reaçao liberal, teve significado maior do que tem
hoje coma expressao democratica na ordem judiciâria. As
justiças de paz, as magistraturas municipais, extintas entre
nos, pela lei de 1 de outubro de 1828, que suprimiu a jurisdi-
çao contenciosa das câmaras municipais, corn os seus juizes
almotacés, alcaides, etc.; 0 juri, e, fora dos dominios da Jus-
tiça, a Guarda Nacional, nascem do mesmo fundo historico
de reaçao contra 0 espirito profissional na orgânica do Estado,
em beneficio das franquias populares, postas em guarda con-
tra os aparelhos que a suspicacia liberal tinha coma mais
doceis à vontade dos Principes.
Eram entao, a êsse tempo, respiradouros consentidos no
Estado fechado à colaboraçao popular e sem valvulas na opi-
niao publica - as câmaras municipais corn as raizes profun-
das do seu passado na reaçao corn un al européia e, em parti-
cular, no municipalismo lusitano; as justiças de paz, tradu-
512 CASTRO NUNES

zindo 0 mesmo espirito de democratizaçao na esfera judiciâ.-


ria, e, finalmente, 0 juri, com a mesma feiçao de justiça po-
pular e instituida com 0 sentido de garantia fundamental das
liberdades publicas.
Dentro do espirito de seu tempo, a Constituiçao do Im-
pério, ao traçar as bases da organizaçao do Poder Judicial,
teria de reparti-Io entre os magistrados de carreira, os juizes
de paz e os jurados. "0 Poder Judicial sera composto de jui-
"zes e jurados", e "havera juizes de paz, os quais serao eleti-
"vos pela mesmo tempo e maneira por que se elegem os verea-
"dores das câmaras".
Leis posteriores deram forma às justiças de paz" que os
Estados, sobrevindo a Republica, mantiveram nos seus or-
ganismos judiciarios.
A Constituiçao de 34 inseriu clausula que nao havia na
Constituiçao anterior: "Os Estados poderao manter a justiça
"de paz eletiva, fixando-Ihe a competência, com ressalva do
"recurso das suas decis6es para a justiça comum" (artigo
104, § 4.°).
A Constituiçao de 10 de novembro manteve 0 dispositivo,
mas com melhor redaçao, substituindo manter por criar e
comum por togada: "Os Estados poderao criar a justiça de
"paz eletiva, fixando-Ihe a competência, com ressalva de re-
"curso das suas decis6es para a justiça togada".
Nao se imp6e, apenas se taculta aos ESiados a criaçao da
justiça de paz, que poderao instituir em moldes mais adequa-
dos, contanto que eletiva. É êsse 0 traço da instituiçao. 1
o pensamento a que tera obedecido 0 Estatuto de 10 de
novembro nao é tanto 0 de conservar uma instituiçao tradi-
cional, ja hoje sem 0 sentido politico que deixamos assinalado,
mas 0 de permitir aos Estados, na modelaçao dos seus apare-
Ihos, utilizar-se de uma forma de colaboraçao que, em nosso
pais, dada a sua extensao territorial, tera nisso uma razao
de ser, porque 0 juiz de paz é a Justiça em cada distrito, ao
pé da porta dos moradores de cada localidade, para as peque-

1 Presentemente, os Ju[zes de paz sao de !lyre nomcaçao dos governos dos Esta-
dos, por determ!naçao do dec.-le! n. 536, de 5 de Julho de 1938.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIA.RIO 513

nas demandas que exigem soluçao pronta e abreviada nas


formas processuais.
Como 0 indica a propria denominaçao, a justiça de paz
corresponde ao juizo de conciliaçao, visa harmonizar as par-
tes, evitando as demandas. É outro traço, ainda que mais
teorico do que pratico, inerente à instituiçao. 2
E naD sendo isso possivel, transforma-se em contenciosa a
jurisdiçao, corn recurso, ressalvado na Constituiçao, para 0
juiz de direito da comarca ou outro juiz de carreira que for
competente nos têrmos da lei judiciaria. É êsse 0 sentido da
locuçao "justiça togada" que 0 t~xto atual emprega em lugar
de "justiça comum", de que usava a Constituiçao de 34 em
contraposiçao à, entao existente, justiça federal.
o juiz de paz é um magistrado (no sentido amplo da pa-
lavra, ja examinado em 0 numero anterior) honorario, em
regra naD estipendiado, naD vitalicio, porque a eletividade nao
comporta a vitaliciedade, ainda que corn direito à funçao nos
têrmos legais de sua investidura.
2. 0 juri nas Constituiçoes republicanas. A Constitui-
çao de 91 mencionava 0 juri como garantia, no art. 72, § 31 :
"É mantida a instituiçao do juri". Entendeu-se; predomi-
nantemente, que mantida estava somente a instituiçao, naD 0
Tribunal com a organizaçao e competência que trazia do Im-
perlO. É bem de ver que s6 corn isso naD se esgotaram as
controvérsias. Restava saber 0 que era essencial à institui-
çao, 0 que estaria ao alcance do legislador modificar na sua
modelaçao. É sabido que 0 juri, segundo a concel?çao liberal
de que nascera, tinha no escrutinio secreto e no diréito, por
parte da acusaçao e da defesa, às recusas peremptorias, os
dois traços caracteristicos da sua fisionomia de tribunal de
conciência.
Dai, do sigilo do voto, a incom,unicabilidade dos jurados e
a sua irresponsabilidade (sôbre as caracteristicas da institui-
• "0 carater l1beral da instituiçâo", escreve COSTA MANSO, "obl1terou-se inteira-
"mente. Hoje, 0 Juiz de paz, em regra, é um instrumento, de politicalha local e,
"portanto, um instrumento de opressâo. Nem é mais juiz, nem 0 é de paz"
(COSTA MANSO, 0 Processo na Segunda Instdncia, p. 49).

F. 33
514 CASTRO NUNES

çâo, veja-se 0 ac6rdao do Supremo Tribunal Federal, n. 406,


de 7 de outubro de 1899, interpretativo do art. 72, § 31, da
Constituiçao) .
Na Constituiçao de 34 deslocou-se 0 juri do quadro das
garantias constitucionais, isto é, do titulo concernente à De-
claraçiio de direitos para a preceituaçao relativa ao Po der Ju-
dicùirio, inscrevendo-se no art. 72: "É mantida a instituiçâo
"do juri, com a organizaçao e as atribuiç6es que lhe der a lei".
Passou a ser mero aparelho judiciârio, mas de existência
obrigat6ria no mecanismo, cortadas apenas as duvidas, nos
rumos jâ pacificos da jurisprudência, quanto à latitude reser-
vada ao legislador ordinârio para 0 adequar às conveniências
da Justiça.
Na Constituiçao de 37 nao ha referência ao juri. Duvi-
dou-se, a principio, da possibilidade da sua conservaçao com
a preceituaçao orgânica anterior. Veio, porém, 0 dec.-Iei
n. 167, de 5 de janeiro de 1938, em cuja exposiçao de motivos
o ministro da Justiça esclareceu perfeitamente êsse ponto
(veja-se adiante).
Jamais se considerou, que, sendo 0 juri uma instituiçao
pressuposta, como garantia, nos organismos judiciârios, quer
dos Estados, quer da UnHio, a competência para 0 organizar
e traçar-Ihe as atribuiç6es nao poderia ser somente dos Esta-
dos,3 competindo, pois, à Uniao as disposiç6es de base. 4

8 JoÀo MENDES, Direito Judicicirio.

• Sob a Constituiçao de 34, os tèrmos constitucionais da competência da justlça


federal criaram um problema novo, 0 da possibllldade da existência do juri federal.
Examine! 0 assunto no despacho que passo a tl'anscrever: "Na antiga ConstituiÇao,
os crimes federais el'am do conhecimento dos juizes e tribun ais federais, e entre
.estes se incluia 0 Tribunal do Jur!, alias, deflnido como garantia constitucional, no
art. 72, § 31; e hoje como peça do mecanismo judlciario.
Hoje, porém, nao mais se emprega a expressao tribunais na competência atrl-
buida "aos juizes federais", pelo art. 81.
Juizes federais sao os que 0 art. 80 define como tais para os efeitos da com-
petência ordinciria, traçada logo a seguir.
Dos tribunais federais inferiores à COrte Suprema, cogitam os arts. 78 e 79, e
entre êESes nao seria possivel incluir 0 jur!.
Pode 0 legislador, à vista dos arts. 80 e 81, combinados com 0 art. 76, 2, II,
letra a, cometer ao Tribunal do Juri, 0 julgamento de qualquer dos crimes federais ?
A dùvlda é suscitada pela sr. ARA1rJO CASTRO, que a resolve pela negativa (A
Nova Constitlliçao, p. 259) ".
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICIARIO 515

Sob a Constituiçao de 91 dominou a maior desorientaçao


na preceituaçao constitucional dos Estados. Em alguns, pela
menos no comêço da Republica, se facultou ao Legislativo
institui-Io no crime, como no civel (Minas Gerais, Baia), ainda
que predominantemente restrito à matéria crime, segundo a
evoluçao que se operou em contrario ao texto da Constituiçao
do Império que 0 admitia também para as questoes civeis.
Em outras, fic ou mantido com as atribuiçoes do antigo re-
gime, tomando-se assim à letra 0 verbo mantido (Rio Grande
do Sul, Mato Grosso). Mas, assim mantido no quadro das
atribuiçoes, julgaram possivel, golpeando a instituiçao, su-
primir as recusaçoes e instituir 0 voto a descoberto (Rio
Grande do Sul). 5
Na jurisdiçao federal, sob a Constituiçao de 91, 0 juri foi
perdendo pouco a pouco as suas atribuiçoes em favor do juiz
togado, "de tal sorte que hoje se pode dizer que a competên-
"cia do juri é a exceçao, e a competência do juiz federal a
"regra". "Nenhuma des sas leis que assim vieram desfal-
"cando, em beneficio da segunda, aquela competência" -
acrescenta 0 ministro PIRES E ALBUQUERQUE - "se considerou
"infringente do art. 72 da Constituiçao".6
3 . 0 juri na sua atual organizaçao. Bem andou a
Constituiçao de 37 naD mencionando 0 juri entre os aparelhos
judiciarios e, muito menos, como garantia constitucional.
o juri, as justiças de paz, e a Guarda Nacional sao indi-
ces da mesma reaçao hist6rica contra 0 despotismo. Os exér-
citos regulares, como as justiças profissionais, eram suspeitos
à liberdade. Os métodos de defesa da liberdade e a concepçao
desta mudaram. Tais instituiçoes, passado 0 seu momento,
ou tendem a desaparecer ou a adaptar-se. Foi 0 que se fêz
em 1937, com relaçao ao juri, ja agora instituiçao federal de
fisionomia profundamente modificada em pontos essenciais,
tais como a devoluçao do caso, por efeito da apelaçao, à ins-
• Veja-se JOAQUIM LUIZ OS6RIO, A Constituiçao Polttica do Rio Grande do Sul,
p. 188. (Sôbre os textos estaduals comparados, veja-se CASTRO NUNES, As Constitui-
ç6es Estaduais, 1921, l, p. 153).
6 Leis e Principios, 1928, p. 46.
516 CASTRO NUNES

tância superior togada para julgar de direito e de fato


(art. 96), a responsabilidade criminal dos jurados por atos de
oficio, como os juizes regulares (art. 9.°).
o ministro FRANCISCO CAMPOS, na exposiçao de motivos
do dec.-Iei n. 167,7 assim justificou a competência da Uniao
para legislar sôbre 0 juri e as novas caracteristicas da insti-
tuiçao: "A subsistência da instituiçiio do juri - É motivo de
"controvérsia a sobrevivência do juri apas 0 advento da Cons-
"tituiçao de 10 de novembro. Argumenta-se que a nova Carta
"Constitucional tacitamente aboliu 0 tribunal popular, de vez
"que naD faz mençao dele, deixando de inclui-Io entre os "ar-
"gaos do Po der Judiciario" enumerados no seu art. 90. A
"improcedência do argumento é, porém, manifesta. Funda-se
"êle no velho e desacreditado principio inclusio unius exclu~
"sio alterius, ja substituido, na doutrina e na jurisprudência,
"salvo casos especialissimos, pelo aforisma contrario: positio
"unius non est exclusio alterius. Para evidenciar 0 êrro de
"sua aplicaçao na espécie, basta atentar em que, no citado
"art. 90, a Constituiçao naD faz, igualmente, referência aos
"juizes e tribunais que terao de julgar os crimes politico-so-
"ciais (art. 172) e as quest6es entre empregadores e empre~
"gados (art. 139), e seria absurdo concluir-se dai que tais jui-
"zes ou tribun ais sejam argaos de outro poder que naD 0 Ju-
"diciario. 0 que cumpre indagar é, tao somente, se a insti-
"tuiçao do juri esta compreendida no preceito genérico do
"art. 183 da nova Constituiçao, que de clara em vigor, en-
"quanto naD revogadas, "as leis que, explicita ou implicita-
"mente, naD contrariarem as disposiç6es desta Constituiçao".
"Ora, 0 vigente regime governamental é fundamentalmente
"democrdtico e, portanto, lhe é inerente 0 principio de que 0
"povo, além de cooperar na formaçao das leis, deve participar
"na sua aplicaçao.
"Outra questao é saber se 0 juri, deixando de ser uma
"injunçao constitucional, deve ser mantido. A resposta naD
"pode deixar de ser afirmativa. Se outros méritos naD tivesse

7 Da matéria processual trata 0 novo Côdigo de Processo Penal (dec.-lei n. 3.689,


de 3 de outubro de 1941), arts. 406 e segs.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 517

"0 tradicional instituto (sao bem conhecidos os argumentos


"formulados em seu favor), teria, pelo menos, 0 de correspon-
"der a um interêsse educacional do povo e 0 de difundir, no
"seio dêsse, a nitida noçao e 0 apurado sentimento da respon-
"sabilidade que lhe cabe como participante da atividade do
"Estado.
"0 que se tornou indissimulavelmente antinômico com 0
"atual regime politico, orientado primacialmente na defesa do
"preponderante interêsse coletivo, até agora embaraçada
"pelas demasias de um anacrônico liberalismo individualista,
"foi 0 juri que 0 Império nos legara, 0 juri ilimitadamente so-
"berano e irresponsavel. Ja nao se pode compreender que
"alguns cidadaos, investidos na funçao de juizes de fato, se
"sobreponham, incontrastavelmente, às exigências da justiça
"penal, na sua finalidade de defesa da sociedade. A l6gica
"do sentimento, que serve às decis6es do juri, nao pode re-
"dundar em escandalosa indulgência para com os criminosos,
"através de veredicta inteiramente aberrantes dos elementos
"de convicçao colhidos nos processos.
"0 contrôle das decisoes do juri - Para coibir 0 mal
"acima referido, um unico recurso apresenta-se indicado, em-
"bora importe 0 repudio de uma das "idéias consagradas" pela
"concepçao enfatica do liberalismo: conceder-se aos tribu-
"nais de apelaçao a faculdade de reforma das decis6es do juri
"quando manifestamente contrarias às provas dos autos. A
"sujeiçao do juri à censura dos tribunais de recurso, mesmo
"no tocante ao mérito dos processos, nao é uma providência
"inteiramente nova: ja a adotara 0 C6digo de Processo Penal
"do Ceara, embora nao tivesse tido aplicaçao, pois no regime
"transato fôra julgada inconstitucional. Como delegaçao do
"Estado, nao pode 0 juri ficar a coberto das limitaç6es que
"êste lhe imponha, inspiradas pelo interêsse social.
"Competência do Tribunal do J'Uri - Foi fixada a compe-
"tência do Tribunal do Juri, enumerando-se taxativamente os
"crimes cujo julgamento lhe cabe. Entre 0 dispositivo cons-
"titucional que outorga aos Estados competência privativa
"para legislar sôbre a pr6pria organizaçao judiciaria e 0 fun-
518 CASTRO NUNES

"damental critério, também consagrado na Constituiçao, de


"unidade e homogeneidade do sistema legal de aplicaçao de
"justiça em todo 0 territorio da Republica, naD ha duvida que
"0 primeiro deve ceder ao ultimo, e a êste se afeiçoa a aludida
"prefixaçao de competência. Estaria ferido 0 principio de
"uma justiça substancial e formalmente igual para todos os
"brasileiros se se permitisse a diversidade de pontos de vista
"na distribuiçao da competência entre os juizes criminais de
"oficio e 0 Tribunal do Juri.
"Diversidade de f6rmulas - Foram levadas em conta, na
"elaboraçao de uma lei a ser aplicavel em todo 0 Brasil, a di-
"ferença de condiçoes entre os grandes centros urbanos e as
"comarcas do interior. Assim, nem sempre foram adotadas
"formulas irrestritas,pois, de outro modo, teriam de ser tra-
"tadas igualmente coisas desiguais.
"Outras inovaç6es - Além da reformabilidade das deci-
"soes do juri pelos tribun ais de apelaçao, foram introduzidas
"as seguintes inovaçoes :
"a) fortalecimento da autoridade e maior amplitude de
"açao do presidente do Tribunal do Juri ;
"b) critério positivo de maior rigor na seleçao dos
"jurados;
"e) eliminaçao de ensejos a procrastinaçoes e expedien-
"tes cavilosos ;
"d) supressao da fastidiosa e quase inexpressiva leitura
"do processo pela escrivao, e sua substituiçao por um relatorio
"verbal feito pela presidente do Tribunal, no tocante às pro-
"vas existent es nos autos e às conclusoes das partes;
"e) reduçao do tempo dos debates, para evitar que estes
"degenerem em discuss6es acadêmicas ou torneios de retorica;
"f) maior sinceridade na garantia de defesa do réu;
"g) efeito suspensivo da apelaçao interposta da decisao
"do juri, ainda que unânime, quando se trate de crime ina-
"fiançavel ;
"h) 0 julgamento por livre eonvieçao, atribuido ao Tri-
"bunal de Apelaçao, quando tenha de pronunciar-se sôbre os
"processos oriundos do juri, em grau de recurso ;
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 519

"i) restriçâo dos casos de nulidades do processo e do jul-


"gamento, no sentido da prevalência da justiça substancial
"sôbre a meramente formaI". 8
4. A competência da Uniao para legislar sôbre 0 juri,
cxaminada no Supremo Tribunal. Arguida a inconstitucio-
nalidade do dec.-Iei n. 167, pela negativa decidiu 0 Supremo
Tribunal Federal no habeas-corpus n. 26.783, por ac6rdâo de
13 de setembro de 1938, acompanhando 0' voto do relato!, mi-
nistro CARVALHO MOURAO, assim fundamentado: "Sera êle
"inconstitucional diante da Constituiçâo de 1937? Nao me
"parece. Desde que se trate de regular uma instituiçâo, é
"impossivel cindir a competência legislativa. Mesmo quando
"se discrimina a competência legislativa da Uniao e dos Esta-
"dos, nos regimes federativos, sempre se admite que, quando
"uma instituiçao forme um todo, uma unidade incindivel,
"enfim, quando é uma verdadeira instituiçao juridica, ha de
"ser regida por lei uniforme, ou s6 pela lei federal, ou s6 pela
"lei estadual.
"No regime da Constituiçao de 1891, embora isto nela nao
"estivesse escrito, a doutrina e a jurisprudência admitiam que
"a Uniâo legislasse sôbre certas matérias, que eram, em prin-
"cipio, da competência estadual. Assim, na Lei de Falências ;
"assim quando regulou a instituiçao da hipoteca, por se en-
"tender que, num e noutro caso, a parte substantiva e a parte
"adjetiva eram de tal modo incindiveis que nao era possivel
"fôssem reguladas em lugares diferentes, pela lei federal e
"pela lei estadual.
"Coisa semelhante se da agora corn 0 juri. Trata-se de
"regular a instituiçâo. A Constituiçao foi silenciosa a res-
"peito, mas, numa das leis orgânicas, entendeu 0 Govêrno
"Federal de proclamar a sua manutençao, embora despida do
"carater anterior de constitucionalidade, a regula-la. Para
"isso teria de legislar uniformemente, para 0 pais inteiro, sob
"pena de cindir a matéria estrutural do juri, mesmo apesar da

• FRANCISCO CAMPOS, Exposiçao de motivos do dec.-lel n. 167, de 5 de janelro de


1938, in Rev. Forense, v. 73, ps. 212 e segs.
520 CASTRO NUNES

"Constituiçao ter dado aos Estados a competência para legis-


"lar sôbre a organizaçao judiciaria, e à Uniao s6 a de deter- _
"minar sôbre processo.
"0 sr. ministro Costa Manso - Entretanto, nada se alega
"contra 0 fato dos Estados poderem continuar a legislar sôbre
"a explanaçao dos seus tribunais de apelaçao.
"0 sr. ministro Carvalho Mouriio - Quanto ao juri, 0
"caso nao é idêntico.
"De fato, 0 juri é instituiçao peculiar, sui generis, na es-
"trutura, na origem do Tribunal, na proveniência dos juizes.
"Tudo isso, nele é mais essencial do que 0 processo. A maté-
"ria de processo é secundaria, 0 rito pode perfeitamente va-
"riar; alias, 0 pr6prio ato esta profundamente cOlorido, im-
"pregnado da natureza do Tribunal, que tem de caracteristico,
"acima de tudo, ser popular, ser constituido por sorteio. É
"instituiçao hist6rica, tradicional, com os mesmos elementos
"essenciais, as mesmas caracteristicas, onde quer que exista,
"no mundo inteiro. Como seria possivel, dêste modo, deixar
"que os Estados legislassem sôbre 0 caso? 0 linico meio mais
"eficaz, prâtico, de regular, uniformemente, a instituiçao seria
"lei federal, aos Estados reconhecida, apenas, a ligeira compe-
"tência, de que fala 0 art. 1.0, e que é, alias, alusao ao art. 18
"da Constituiçao, que diz :
"Independentemente d.e autorizaçao, os Estados podem
"legislar, no caso de haver lei federal sôbre a matéria, para
"suprir-lhe as deficiências ou atender às peculiaridades 10-
"cais, desde que nao dispensem ou diminuam as exigências
"da lei federal, ou, em havendo lei federal e até que esta os
"regule, sôbre os seguintes assuntos :

"g)processo judicial ou extra-judicial".


"Prazos, notificaç6es, etc., é 0 que êste dispositivo quer
"dizer".
5 . Julgamento por livre convicçao atribuido ao Tribu-
nal de Apelaçao. É essa a mais importante inovaçao. Disp6e
o dec.-lei n. 167, no art. 96: "Se, apreciando livremente as
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICrARIO 521

"provas produzidas, quer no sumario de culpa, quer no plena-


"rio do julgamento, 0 Tribunal de Apelaçao se convencer de
"que a decisao do juri nenhum apoio encontra nos autos, dara
"provimento à apelaçao para aplicar a pena justa, ou absol-
"ver 0 réu, conforme 0 caso". É uma limitaçao à soberania
tradicional do juri e um corretivo à indulgência, oriunda do
sentimentalismo ou de outros fatores menos defensaveis, do
que ha tantos exemplos que, entre n6s, comprometeram a ins-
tituiçao, pela desamparo em que deixava 0 interêsse social
ligado à repressao dos delitos contra a evidência das provas
existent es nos autos.
No voto que proferiu como relator do ac6rdao de 11 de
abril de 1939 (apel. criminal n. 62), 0 desembargador JosÉ
DUARTE, com assento no Tribunal de Apelaçao do Distrito Fe-
deral, esclareceu 0 conceito do julgamento por livre convic-
çao, no seguinte t6pico do seu brilhante voto: "No sistema
"da convicçao intima 0 juiz tira da pr6pria conciência 0 cri-
"tério da verdade, sem exigência de nenhuma regra legal, e
"julga segundo a pr6pria impressao, sem ser obrigado a expor
"as razôes pelas quais se convencera. Nesse -caso nao se lhe
"reconhece 0 - dever de ater-se à persuasao racional, em que
"0 juiz pesa com justo critério 16gico 0 valor das provas pro-
"duzidas. 0 jurado, juiz de conciência, age, assim, com a
"mais ampla liberdade, nao oferecendo sequer a oportunidade
"de exame dos motivos por que assim julgara. Ter-se-a, des-
"tarte, de inferir, de presumir, de supor que julgara de tal ma-
"neira porque se apoiara a tal ou quaI razao, nesta ou naquela
"prova.
"A critica da decisao, ou do veredictum, é, pois, mais difi-
"cil porque nao se fazem e:b.rplicitos os seus motivos, os seus
"fundamentos. Mas a lei do juri, permitindo que 0 Tribunal
"aprecie livremente as provas produzidas, facultando, coma
"se vê da exposiçao de motivos, 0 julgamento por livre con-
"vicçao, por juizes togados, evidentemente, possibilitou 0
"exame mais amplo das raz6es que teriam influido na decisao
"do juri. Se nao atendermos a essa razao 16gica, e nos fixar-
"mos, apena~, na clausula "nenhum apoio encontra nos
522 CASTRO NUNES

"autos", evidentemente, estaria comprometido êsse sistema de


"livre apreciaçâo, pois que, a nâo ser em casos de notorio es-
"cândalo ou prevaricaçâo, - felizmente casos raros, havera,
"sempre, no campo da psicologia, motivos que expliquem uma
"decisâo proferida por homens que apreciam provas, livre-
"mente, sem a escravizaçâo a regras legais. Nâo ha recear,
"como observara ALTAVILLA, 0 subjetivismo do juiz, porque êsse
"é grandemente temperado pela continuo exercicio profissio-
"nal e 0 magistrado nâo é atingido pela coeficiente de sua
"emoçâo, de suas simpatias, de sua paixâo".9
A inteligência do art. 96 foi objeto de outro importante
julgado do mesmo Tribunal, em Câmaras Criminais Reunidas.
Tratava-se de saber quaI a extensâo dos poderes da instância
togada (Tribunal de Apelaçâo) no exame das provas em face
da clausula "se se convencer de que a decisâo do juri nenhum
"apoio encontra nos autos", entendendo 0 Tribunal, nos têr-
mos do voto do relator, que foi 0 desembargador, hoje minis-
tro GOULART DE OLIVEIRA, que essa clausula nâo envolve uma
restriçâo na apreciaçâo das provas, apreciaçâo que a instân-
cia togada exercera "livremente" para aplicar a pena que con-
siderar "justa"; em contrario a varios votos vencidos, que
acompanharam 0 do desembargador EDGARD COSTA. Dou, a
seguir, ambos os votos, que esclarecem brilhantemente a
questâo.
o voto vencedor, na parte que mais interessa, foi 0 se-
guinte: "0 dispositivo em que se funda 0 pedido é parte in-
"tegrante de um sistema adotado pelo legislador de 1938.
"Preciso é como tal ser compreendido. 0 dec.-Iei n. 167 veio al-
"terar profundamente 0 sistema anterior, com propositos per-
"feitamente definidos. Ao regime de absoluta autonomia do
"juri preferiu 0 contrôle acentuado do tribunal togado.
"Assim, à regulaçâo anterior, que ja substituira uma formula
"vaga, estreitando-a na "decisâo manifestamente contraria à
"prova dos autos", admitindo 0 recurso apenas para ser man-
"dado 0 réu a nova juri, preferiu a nova lei atribuir ao tribu-

• 0 vota do relator abrange outras aspectas concernent es à 1nst1tu1çao nos seus


novas moldcs (Jornal do Gomércio de) 22 de agôsto de 1939).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDWIARIO 523

"nal de magistrados 0 dever de julgar, reformando, se nec es-


"sario, intrinsecamente, 0 veredictum proferido. Convém sa-
"lientar uma circunstância, que é: mesmo quando se reco-
"nhecia otabu da soberania do tribunal popular, ja se asse-
"gurava ao tribunal togado a ampla apreciaçao sôbre a prova
"colhida, contra ou a favor do réu. :€le era 0 unico.juiz sôbre
"a contrariedade porventura existente entre a decisao e a
"prova. Apenas limitava-se 0 seu critério selecionador pela
"significaçao limitadissima do advérbio manifestamente.
"A redaçao da lei nova é bem 0 reflexo do defeito radical,
"dos resultados experimentados e sofridos corn a perigosa e
"combatida autonomia atribuida a tribunal de leigos. Como
"admitir-se haja es sa lei ampliado os efeitos dessa autonomia,
"feito crescer, avultar, êsse defeito, fechando ouvidos à salu-
"tar campanha desenvolvida ? .. Felizmente, a redaçao do
"texto do art. 96 nao autoriza a menor duvida.
"Em primeiro lugar, enganam-se aqueles que procuram
"ver nesse dispositivo uma exceçao, ao invés de norma comum
"reguladora de um dos casos de cabiment6 do recurso de ape-
"laçao. .. 0 art. 92 estabelece os dois casos em que se po de
"fundar 0 recurso; os artigos subsequentes regulam es sas hi-
"p6teses. " Nenhuma novidade sob êsse aspecto. Depois,
"basta lê-Io para compreender que, contendo uma determina-
"çao imperiosa, submete-se a duas condiç6es de carater am-
"plissimo, porque subjetivas: "Se, ,apreciando livremente",
diz 0 texto, "as provas produzidas, quer no sumario de culpa,
"quer no plenario do julgamento, 0 Tribunal de Apelaçao se
"convencer de que a decisao do juri nenhum apoio encontra
"nos autos, dara provimento à apelaçao para aplicar a pena
"justa, ou absolver 0 réu, conforme 0 caso".
"A clara preocupaçao do legislador se reflete na cuidada
"formula em que a transmite aos julgadores. Ou as palavras
"perderam de todo a sua significaçao e finalidade, ou arro-
"jada e audaciosa é a afirmativa de que no conteudo dessa
'''norma se pretende manter e reforçar a jurisprudência de
"sempre, convertendo 0 tribunal togado em mera instância
((de fata.
524 . CASTRO NUNES

"Diz-se que a lei limita a apreciaçao do Tribunal aos casos


"em que as decisoes do juri nenhum apoio encontram nos
"autos, restringindo, assim, a açao dos magistrados a uma es-
"treitissima esfera de capacidade definida. E com isso se
"teria visado a moralizaçao do juri e naD a sua reforma ...
"A maneira mesma de argumentar asseverando yale por uma
"confissao de fraqueza. Se 0 legislador sente a necessidade
"de controlar a moralidade do juri e entrega êsse delicado
"mister ao Tribunal de Apelaçao, atribuira, por certo, a êle,
"alguma coisa mais do que sancionar-Ihe as afirmaçoes dos
"julgados. A absolviçao que 0 juri afiançar com algum
"apoio nos autos naD granjeara maiores foros de moralidade
"e de justiça no fato de ser confirmada pelo tribunal togado,
"se essa confirmaçao constituir um imperativo da lei. Ao
"contrario, se dêsses veredictos reiterados pode decorrer a des-
"moralizaçao do primeiro, essa aprovaçao sistematica fara
"que se estenda fatalmente ao segundo. E se isso fôsse 0 que
"quis 0 legislador, teria dito na lei, sem êsse reprovavel luxa
"vocabular, entao sem sentido: "Nao cabera apelaçao da
"sentença proferida pela Tribunal do Juri quando tiver esta
"algum apoio na prova dos autos". E que disse êle? Que
"fica entregue ao tribunal togado a tarefa preliminar de sub-
"meter tôda a prova, desde 0 sumario de culpa até 0 plenario,
"ao cadinho do seu julgamento; recomenda que êsse julga-
"mento seja livre, extreme de quaisquet restriçoes possiveis.
"E so na hipotese de resultar dêsse processo de pesquisa
"livre a convicçêio de que faltou ao juri apoio para a conde-
"naçao ou para a absolviçao, julgara... Nao tera, ainda
"assim, limitado 0 arbitrio no sentido de uma reforma con-
"denatoria.
"0 legislador quer, em qualquer situaçao, que 0 Tribunal
"aplique "a pena justa" se,a naD houver aplicado 0 juri . .. A
"lei quer que 0 tribunal togado aprecie livremente a prova ...
"que forme convicçao... que aplique a pena justa... Foi
"0 que fêz. Nao podia, para isso, despir a toga, reduzir-se a
"j'urado, reconhecer plena e insuprivel soberania no julgado
"submetido ao seu contrôle legal".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO 525

Do voto vencido, que é igualmente longo, transcrevo 0


t6pico mais expressivo, que é 0 seguinte: ":msse dispositivo
"legal, - e especialmente as suas expressoes finais quando
"a decisao do juri nenhum apoio encontrar nos autos - deve
"ser interpretado e entendido nos têrmos em que foi justifi-
"cado na exposiçao de motivos daquele decreto-Iei: "A 16gica
"do sentimento, que serve às decisôes do juri, nao pode re-
"dundar em escandalosa indulgência para com os criminosos,
"através de veredictos inteiramente aberrantes dos elementos
"de convicçao colhidos no processo. Para coibir 0 mal acima
"referido, um unico recurso apresenta-se indicado, embora
"importe 0 repudio de uma das "idéias consagradas" pela con·
"cepçao enfatica do liberalismo: conceder-se aos tribunais a
"reforma das decisoes do juri quando manifestamente con-
"trarias às provas dos autos". Procurando-se, pois, combater,
"por contrario aos interêsses da sociedade, 0 que se convencio-
"nou charnar de "liberalismo" e "sentimentalismo" do juri, 0
"dec.-Iei n. 167 conferiu aos tribunais de apelaçao a facul-
"dade de reformar as decisoes daquele, e condenar os réus.
"Mas, porque essa inovaçao vies se ferir fundo a "idéia con-
"sagrada" da soberania da instituiçao, 0 referido decreto-lei
"procurou estabelecer limites àquela faculdade, somente per-
"mitindo que dela usassem os tribunais de recurso quando a
"decisao - nenhum apoio encontrasse nos autos, isto é, fôsse
"escandalosa, aberrante, manifestamente contraria às provas
"dos autos" (Arq. Judiciario, v. II, p. 362). 10

6. Outras hipoteses judiciârias decorrentes da aplicaçao


do dec.-Iei n. 167. A presidência do Tribunal do Juri compete
a juiz de direito, nos têrmos do art. 2.° (hoje reproduzido no
C6digo de Processo Penal, art. 433). Assim decidiu 0 Su-

10 Ac6rdâo de 28 de maie de 1940, Arq. Judicicirio, v. 55, ps. 254 e segs. 0 novo
C6digo de Processo Penal nao reproduziu integralmente 0 dispositivo do dec.-Iei
n. 167, suprimindo-Ihe as palavras !niciais, que alargavam 0 âmbito de apreciaçâo
dos tribunats de apelaçao. 0 art. 606 esta ass1m redigido: "Se a apelaçao se fundar
"no n. III, letra b, do art. 593, e 0 Tribunal de Apelaçao se convencer de que a
"dec!sao dos jurados nao encontra apo!o algum nas provas ex!stentes nos autos,
"darâ provimento à apelaçâo para apllcar a pena legal, ou absolver 0 réu, con-
"forme 0 casa".
526 CASTRO NUNES

premo Tribunal por acordao de 9 de abri! de 1941 (rec. de ha-


beas-corpus n. 27.783, de Sergipe), do quaI fui relator, com 0
seguinte voto: "Entende 0 tribunal recorrido que a funçao
de presidir ao juri naD é privativa dos juizes de direito, nos
têrmos em que se subdividem as comarcas, competindo tal
funçao, na quaI se compreende 0 sorteio dos jurados, aos
juizes dêsses têrmos, que saD os pretores.
Entretanto, 0 dec.-Iei n. 167 diz expressarnente no art. 2.°:
"0 Tribunal do Juri comp6e-se de um juiz de direito, que é 0
"seu presidente, e de 21 jurados ... ".
Dito esta, portanto, em têrmos inequivocos, que 0 pre-
sidente do Tribunal do Juri ha de ser um juiz de direito, isto
é, um magistrado revestido das garanti as constitucionais da
funçao judicial, ra zao obvia da presunçao legal.
É certo que aquele decreto-Iei, regulando a instituiçào,
ressalva no art. 1.°: "A presente lei aplica-se em todo 0 ter-
"ritorio da Republica, ressalvada a subsistência das leis es-
"taduais de processo concernentes a atos, têrmos ou prazos
"que, em razao de distâncias, dificuldades de comunicaçao ou
"peculiaridades locais, devam por elas ser regulados".
Nao é 0 casa dos autos, que diz respeito à composiçao
mesma do Tribunal, que a lei federal sup6e presidido por um
juiz de direito.
o parag. unico do art. 29, invocado pela acordao recor-
rido, naD leva a concluir que a funçao do juiz preparador do
processo va até ao sorteio dos jurados, como se pretende.
o que se depreende dos dizeres daquele paragrafo in
ver bis: "Quando a lei de organizaçao judiciaria local naD
"atribuir ao presidente do Tribunal 0 preparo dos processos
"para julgamento, 0 juiz competente remeter-Ihe-a os pro-
"cessos preparados até cinco dias antes do sorteio a que se
"refere 0 art. 32", 0 que se conclue naturalmente dessas pa-
lavras é que 0 presidente do Tribunal do Juri podera ser, ou
nao, 0 juiz preparador dos proc~ssos, à opçao da lei estadual.
Se naD foi êle 0 juiz preparador, 0 magistrado incumbido por
lei de tal funçao tera de fazer a remessa prescrita em tal
dispositivo. É isso que diz a lei.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIA.RIO 527

Na linguagem judiciaria juiz preparador é 0 juiz da for-


maçao da culpa. Suas funç6es vao, se a lei assim 0 dispuser,
até a pronfulcia, e nao mais. 0 sorteio dos jurados é ato de
julgamento, ato preparatério, é certo, mas da funçao julga-
dora, que sup6e encerrada a funçao do preparador.
Da discussao nos autos e particularmente do voto vencido
do desembargador OLIVEIRA RIBErno vê-se que nenhuma lei
estadual confere aos pretores a presidência do juri.
A lei orgânica da instituiçao, aplicavel a todo 0 pais, fixa
no art. 2.° positivamente a competência dos juizes de direito,
aos quais incumbe 0 sorteio dos jurados. Se 0 juiz de direito
nao pode afastar-se da sede da comarca, cumpre-Ihe fazer-se
substituir de acôrdo corn 0 estatuido na lei de organizaçao ju-
diciaria.
As consideraç6es de ordem pratica suscitadas no acér-
dao recorrido seriam atendiveis se a lei federal nao dispusesse
expressamente sôbre a presidência do Tribunal, titulando-a
nos juizes de direito, para maior garantia dos acusados.
Dou provimento ao recurso para conceder 0 habeas-
-corpus".
- 0 art. 3.° do dec.-Iei n. 167 menciona os crimes da
competência do juri; 0 art. 4.° declara que os crimes que
corn êles forem conexos entrarao na mesma competência.
Entre aqueles esta 0 de homicidio. Tratando-se, porém, de
homicidio que constituir a violência na pratica de crime fun-
cional, a competência pertence ao juiz togado.
Assim se decidiu no Supremo Tribunal (rec. de habeas-
-corpus n. 28.073, do Parana), de acôrdo corn 0 voto que pro-
feri coma relator, nos seguintes têrmos: "De fato, 0 dec.-Iei
n. 167, regulando a instituiçao do juri, de clara no art. 3.° que
sao da competência dêsse Tribunal a pronuncia e 0 julgamen-
to dos crimes do art. 294 e outros ai mencionados. Mas ressal-
va, logo a seguir, no art. 4.°, a hipétese de tratar-se de crime
funcional: "No casa de continência ou conexidade de crimes
"prevalecera a jurisdiçao do Tribunal sôbre a dos juizes sin-
"gulares, salvo se concorrer crime funcional de resistência,
"desacato, tirada ou fugida de presos ou acometimento de
"pris6es".
528 CASTRO NUNES

o crime cometido pela paciente no exercicio de suas fun-


ç6es de delegado de policia, matando 0 preso que êle pr6prio
conduzia, é um crime funcional. Incorreu êle no art. 231
da Consolidaçao das Leis Penais, Émtao em vigor: "Cometer
"qualquer violência no exercicio das· funç6es do emprêgo, ou
"a pretexto de exercê-Ios. Penas - de perda do emprêgo,
"no grau maximo; de suspensao por três anos no médio e
"por um ano, no minimo, além dos mais em que incorrer pela
"violência" .
A palavra violência, diz BENTO DE FARIA, é aqui tomada
em sentido amplo: compreende desde as mais graves (ho-
micidio) até as mais leves (vias de fato). 11
o crime do paciente é, pois, funcional, com 0 quaI é co-
nexo 0 de homicidio, que constitue a violência cometida no
desempenho das funç6es do emprêgo.
Competente para julga-Io era 0 juiz singular e ainda
agora 0 é, em face do art. 4.° do dec.-Iei n. 167".
- A apelaçao ex-officio, estabelecida nas leis estaduaîs,
nao subsiste em face do dec.-Iei n. 167,0 quaI, nao se referindo
a tal recurso, senao à apelaçao voluntaria, aboliu-o. E, assim
sendo, a matéria ao alcance do legislador local sera a que
nao houver sido regulada pela federal, nao no ponto em de-
bate, que nao é omisso. Subsiste, todavia (a apelaçao ex-of-
ficio) , nos casos pendentes, se interposta antes daquele de-
creto-lei, pela principio de que os recursos sao os previstos na
lei vigente ao tempo da seritença (ac6rdao de 13 de setembro
de 1938, habeas-corpus n. 26.783, relator ministro LAUDO DE
CAMARGO).
- A falta do têrmo nao obsta 0 conhecimento da apela-
çao, quer em face do dec.-Iei n. i67, quer do nova C6digo de
Processo Penal. A sua preteriçao nao induz nulidade a ser
pronunciada por habeas-corpus (Supremo Tribunal, ac6rdao
de 27 de janeiro de 1942).
- Nao pode 0 auxiliar da acusaçao apelar se 0 promotor
publico nao apelou: "A questao ha de ser, agora, decidida em
face do decreto-lei sôbre 0 juri (n. 167, de 5 de janeiro de 1938
- lei uniforme para todo 0 pais), que, de acôrdo com a tra-
1l BENTO DE FARIA, C6digo Penal, V. 1.°, art. 231.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICmIO 529

diçao do nosso direito, da quaI somente discrepava 0 C6digo


de Processo Penal rio-grandense (nesta parte sempre julgado
inconstitucional por êste Supremo Tribunal), manteve no
acusador particular 0 carater de simples auxiliar da acusaçao
(art. 61, § 1.0) e 56 adroite apelaçao "de qualquer das partes"
no processo (art. 91).
Pelo exposto, concedo a ordem impetrada para que cesse
o constrangimento de que esta ameaçado 0 paciente pela de-
cisao que 0 mandou a nova juri" (ac6rdao de 10 de janeiro de
1940, habeas-corpus n. 27.395, do Rio Grande do Sul, relator
ministro CARVALHO MoURlio).
7. Juri de imprensa. 0 Govêrno Provis6rio, em 1934,
pela dec. n. 24.776, de 14 dejulho, ao regular a liberdade de
imprensa, ja criara uma modalidade nova do juri para os de-
litos de imprensa. É um tribunal especial, composto do juiz
de direito da comarca e de quatro cidadaos sorteados dentre os
alistados como jurados. 0 juiz tem voto e preside a êsse tri-
bunal adrede organizado para 0 julgamento. 12
A queixa ou denuncia é oferecida ao juiz de direito que,
observadas as formalidades le gais, a recebera ou rejeitara,
procedendo, na primeira hip6tese, à instruçao criminal.
Ao juri de imprensa compete somente 0 julgamento, sob
a presidência daquele juiz.
12 Sobrevlndo ao dec. n. 24.776, de 14 de jUlho de 1934, a Constitu1çAo de 16 do
mesmo mês e ano, suscitou-se a questao de saber se 0 crime de lnjûrias impressa.s
irrogadas a funcionario federal em razao de suas funçoes, enquadrado na locuçao
"crimes praticados em prejuizo de serviços e interêsses da Uniao" (art. 81, letra t),
podia caber na competênc1a daqucle tribunal especial ou se, com base no preceito
constitucional, seria da competência dos juizes federais, com recurso para. 0 Su-
premo Tribunal.
Era a mesma indagaçao, ja examlnada em relaçao ao juri comum, apenas fo-
calfzada na hip6tese do juri de imprensa.
Como juiz federal dei-me por competente para julgar certo acusado, deixando
de apl1car por inconstitucional aquele decreto
Assim fundamentei 0 despacho que entao '-profer! e do quai reproduzo os tre-
chos segulntes: "Aos ju!zes federais compete", diz 0 art. 81 da. Constituiçao, "pro-
"cessar e julgar, em prime ira lnstância", letra i, "05 crimes polfticos e os pratica.-
"dos em preju!zo de serviços ou lnterêsses da Uniao, ressalvada a. competência. da
"justiça eleitoral ou mUitar",
o crime de que se trata é 0 de injurias impresEas irrogadas a. !uncionarto
federal "em razao de suas funçoes", e, como tal, enquadrado na. segunda moda-
l!dade daquele inciso.

F, 34
530 CASTRO NUNES

A deliberaçao é secreta, findos os debates, votando em


·primeiro lugar 0 juiz, a quem incumbe lavrar a sentença,
fundamentando-a, de acôrdo corn 0 vencido, sendo por todos
os vogais assinada, sentença que 0 juiz lera a seguir, em ses-
TaiS crime~, como tôdas as causas, civeis ou criminais, enumeradas no
art. 81, sao da competência dos "juizes federais", compreendendo-se nessa com-
.petência 0 processo e, bem assim, 0 julgamento.
Juizes jederais sao os definidos no art. 80 - "nomeados dentre brasUeiroB
"natos de reconhecido saber juridico e reputaçao ilibada, alistados eleitores, e que
"nao tenham menos de 30 nem mais de 60 anos de idade, dispensado êste limite aos
"que forem ma~istrados", acrescentando-se no parag. unico: "A nomeaçiio sera.
"feita pelo Presidente da Repûblica, dentre cinco cidadaos, com os requisitos acima
"exigidos, e indicados na forma da lei, e POl' escrutinio secreto, pela Côrte Suprema".
Sao, pois, à vista dos têrmos da definiçao constitucional, 6rgaos individuais
ou singulares.
Nâo sâo tribunais, no sentido que esta palavra comporta, de instancias coleti-
vas ou corpos colegiados. Donde decorre que, na primeira instância federal, nâo
ha instâncias coletivas ou tribunais, porque dêstes nâo cogita a Constituiçâo, nem
como aparelhos de primeira, nem como 6rgaos de instdncia unioo, etaI seria 0
èaso do juri, mantido pela art. 72.
Os tribunais, de que cogitam os arts. 78 e 79, sao de segunda instancia (PONTES
DE MIRANDA, Comenttirios à Constituiçao Fedcral, l, p. 694), salvo, quanto a êsse Ul-
timo,a atribuiçâo do n. 2.
De instdncia unica cogita a Constituiçâo, mas sempre se referindo às Justiças
locais (art. 76, 2, II, c, e III).
Se 0 tribunal especial, de que trata 0 art. 55 do citado decreto, é Juri, 0 cha-
mado juri de imprensa, admiti"lo na Jurisdiçao federal seria admitir que causas
federais pudessem sel' julgadas POl' outros juizes que nâo os "juizes federais", de-
flnidos com os requisitos constitucionais do art. 80, como instancias singulares to-
gadas, com as garantias de funçao asseguradas no art. 63.
E, linhas adiante: "Dir-se-ia, porém, que 0 juri de iml1~'ensa é um tribun,.,!
especial, daqueles de que cogita a Constituiçâo no art. 113, lO.f 25 - "Juizos espe-
"ciais em razâo da natureza das causas". Mas êsses juizos ~1.p~ciais sâo aparelhos
da Justiça profissional, permanente ou togada, vitalicios e iri" ti:oviveis, com as ga-
rantias de funçâo dos 6rgiios normais do Poder Judiciario. "
o juri de imprensa é, sem dûvida, um tribunal sui generis, insusceptivei de
sel' definido como juri, porque julga de fato e de direito, como, aliii.s, 0 demonstrou
em longo e brllhante voto 0 desembargador MUNHOZ, da COrte de Apelaçâo de
Sâo Paulo; mas nao sera, também, um dos jufzos cspeciais do art. 113, 25, porque
constitufdo de jurados, juizes leigos e eventuais.
Tribunais especiais, ou tribunais de exceçao, niio proibidos pela Constituiçâo,
serao os que esta comportar pelo entendimento conibinado de outras clé.usulas.
TaI é 0 caso do Tribunal de Segurança, criado pela lei n. 244, como prime ira ins-
tância da justiça militar. Esta justiça jé. é de exceçiio no mecanismo judic1é.rio
federal. Os seus 6rgiios de primeira instância sempre foram de composiçâo mista
e funçao temporarla. Tais sao os conseillos de guerra ou conselhos de justiça, em
cuja composlçao entra apenas um juiz togado, 0 auditor, que 0 preside.
As posslbilidades constltuclonals dessa crlaçao legislativa estâo, pois, no tra-
tamento como crimes mllltares, sujeltos à jurisdlçao militar, dos crimes de compe-
têncla federal comum (art. 81, i e 1), resultando dessa quallflcaçâo a extensiio do
tôra militar aos civis neles comprometldos (Constltuiç5.o, art. 84).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICL\RIO 531

sao publica. Da sentença cabe apelaçao, que 0 tribunal ad


quem (Tribunal de Apelaçao) podera proyer quanto ao mé-
rito, sem qualquer restriçao. 13
Para julga-los em primeira instância, 0 tribunal ou tribunais, tanto pOdiam
ser conselhos de guerra ou cotlselhos de Justiça. ja conhecidos da legislaçao m1l1tar,
coma um aparelho adrede criado, nos têrmos do art. 86, que declara: "Sao 6rgaos
"da justiça m1l1tar 0 Supremo Tribunal M1l1tar e os tribunais e jui20s interiores
"criados por lei".
Tais foram, em l111has gerais, os fundamentos pelas quais a Egrégia Côrte
Suprema, acompanhando 0 voto do ministro COSTA MANSO, julgou constitucional 0
Tribunal de Segurança para exercer aquela competência.
Para julgar 0 crime de que se trata nestes autos, crime que é da competência
federal porque enquadrado na locuçao constitucional "e os praticados em prejulzo
"de serviços e interêsses da Uniao", 0 tribunal criado pelo dec. n. 24.776, de 14
de ju!ho de 1934, nao encontra assento em nenhum dispositivo constitucional.
Como bem observou 0 Ministro COSTA MANSO no seu voto, "as exceçoes il competên-
"cla dos julzes federais devem estar expressas na Constituiçao. Portanto. haja ou
"nao uma ressalva no art. 81, 0 Juiz federal sera Incompetente se, em outro ponto,
"'fJ lei suprema con/erir a atribuiçao a jUi20 diverso". Portanto, êste julzo s6 seria
incompetente para 0 julgamento, se 0 juri de imprensa, coma juri ou coma tribu-
nal especial, se pUdesse legitimar em face da Constituiçâo para exercer atribuiçôes
dos ju!zes federais.
A imunidade conferida pela aprovaçâo decorrente do art. 18 das Disposiçôes
Transit6rias da Constituiçao nao pOde conferir aos atos legislat1vos do Govêrno
provis6r10 maiores prerrogativas do que as que podem ter as leis emanadas do Poder
Legislativo no regime constitucional.
Se incompativeis corn a Constituiçao, pOde e deve 0 Judiciar10 !hes recusar
apl1caçao" (Constftuiçao, art. 187).
Distrito Federal, 27 de Janeiro de 1937. - (a.) Castro Nunes".
13 Assim 0 entendeu 0 Supremo Tribunal, no rec. extr. n. 3.800, de Sao Paulo,
em ac6rdao de 17 "e Junho de 1941, do quaI foi relator 0 ministro OROZIMIlO No-
NATO, na 2." Turm, 0 entendimento nao é, porém, pacifico, e da controvérsia da
not!cia 0 eminentE' elator. Do mesmo modo de ver foi 0 revisor ministro BENTO
DE FARIA: "Nilo hé )mo l1mitar a sua autoridade (do tribunal de 1mprensa), po-
"dendo condenar, oû absolver, ou mandar 0 réu a nova juri especial, conforme tal
"for indicado pelo que constar dos autos". Outros, entre os quais 0 ministro
KELLY, entendem, porém, que os tribunais togados nilo padern rever as decisoes do
jur1 de imprensa, senao quanto ils nul1dades, porque isso seria contravir aos fins
da lei.
No seu voto, dlz 0 ministro OROZIMBO: "0 tribunal de que se trata difere,
"profundamente, em sua estrutura e em seu funcionamellto, do Tribunal do Jud,
"de que nao possue os caracter!sticos principais e os traços dominantes.
"Nao se limita, como 0 Juri, a julgar apenas questôes de fato, emotivamente.
"Decide questoes de direito, dando os fundamentos da decisao. 0 Julgamento
"nao é s6 de conciência.
"Os votos vencidos a que me refer! dilo todo 0 relêvo a essas diferenças fun-
"damentais.
"Quanto ao segundo argumento, de ordem teleol6gica, nao é decisivo, nao 56
"pelo exemplo da legislaçao estrangeira, a que se refere 0 desembargador MARCIO
"MUNHOZ em voto publicado na Rev. Forense, v. 66, p. 635, como ainda pela consi-
"deraçao de que, nao restringindo os efeitos da apelaçao, 0 legislador, se visou aque-
"les fins, nao os logrou alcançar" (Jornal do Comércio de 26 de agôsto de 1941).
Titulo VII

, - ,
ORGAOS JUDICIARIOS FEDERAIS E LOCAIS
(Coordenaçao e outtos aspectos)
CAPITULO l

NORMAS DE COORDENAÇAO

SUIlolARIO: 1. Normas de coordenaçao entre os 6rgaos judlclârlos federais e locals.


Precat6r1as e avocat6rlas. 2. Jurisprudêncla local. Jurisprudêncla federal.
A regra da observâncla reciproca. Em que têrmos deve ser entendlda. 3. Ex-
tradiçao Interestadual.

1. Normas de coordenaçao entre os orgaos judiciiuios


federais e locais - PrecatOrias e avocatorias. Na Constitui-
çao de 91 inseriam-se três regras que nao reaparecem no atual
texto.
Uma delas, a dos arts. 59-60, § 3.°: "É vedado ao Con-
"gresso cometer qualquer jurisdiçao federal às justiças dos
"Estados" .
A proibiçao visava 0 Congresso; mas, corn base nela se
entendia proibida a prorrogaçao da jurisdiçao local nas cau-
sas da competência da federal quando aforadas naquela, pelo
argumento irrecusavel de que, se 0 Congresso nao podia fa-
zê-Io, muito menos 0 poderia a justiça tolerando a prorroga-
çao (veja-se adiante).
A proibiçao subsiste em principio, de vez que, continuan-
do, em face do atual texto, partilhada a jurisdiçao entre or-
gaos federais e locais, nao seria licito ao legislador transferir
para estes, no todo ou em parte, jurisdiçao cometida pela
Constituiçao aos tribunais da Uniao (Supremo Tribunal Fe-
deral, tribun ais militares, Tribunal de Segurança Nacional).
Mas 0 principio pôde comportar uma exceçao: a atri-
buiçao cie jurisdiçao trabalhista aos juizos de direito, orgaos
judiciarios locais (veja-se 0 capitulo "Justiça do trabalho").
Outra regra do texto de 91: "As justiças dos Estados nao
"podem intervir em quest6es submetidas aos tribunais fe-
536 CASTRO NUNES

"derais, nem anular, alterar OU suspender as suas sentenças


"OU ordens. E, reciprocamente, a justiça federal nao pode
"intervir em quest6es submetidas aos tribunais dos Estados,
"nem anular, alterar ou suspender as decis6es ou ordens
"dêstes, excetuados os cas os expressamente declarados nesta
"Constituiçâo".
A primeira parte envolvia uma proibiçâo absoluta; a se-
gunda traduzia um principio geral, fundado na autonomia
judicante dos Estados, mas comportando exceç6es.
Os casos de intervençâo da justiça federal nas quest6es
submetidas às justiças dos Estados, consoante a clausula "ex-
"cetuados os casos expressamente declarados nesta Consti-
"tuiçao", eram os seguintes: a) conflitos de jurisdiçâo; b)
habeas-corpus; c) revisao crime; d) recurso extraordinâ.-
rio; e) recurso em casa de espolio de estrangeiro. 1
A regra, pôsto que nao expressa, subsiste ainda hoje em
têrmos idênticos como um postulado decorrente da jurisdiçâo
partilhada. Nem as justiças locais podem intervir nas ques-
t6es submetidas aos tribun ais da Uniâo para lhes anular, al-
terar ou suspender as decis6es; nem os tribun ais federais
podem intervir nas quest6es aforadas nas justiças locais.
As exceç6es hoje permitidas corn assento expresso na
Constituiçao sao as seguintes (tôdas decorrentes da compe-
tência do Supremo Tribunal Federal): a) conflitos de ju-
risdiçao; b) habeas-corpus; c) recurso extraordinario; d)
recurso ordinario nas causas da Uniao.
A Constituiçâo de 34, reproduzindo a antiga regra, acres-
centava: "Os juizes e tribunais federais poderao, todavia, de-
"precar às justiças locais competentes as diligências que se
"houverem de efetuar fora da sede do juizo deprecante". 2
1 PEDIlO LESSA, tratando desenvolvidamente do assunto, acrescentava outras hi-
p6teses, tiradas por interpretaçao, mas ja hoje sem interêsse pratlco (Do Poder Ju-
diciario, ps. 432 e segs.).
• Nao era necessario expressar essa ressalva, porque ao julz é sempre licito, con-
soante regra de direito comum, deprecar dillgências que tenham de reallzar-se fora
de sua jurisdiçao. 0 que se fazia mlster, conforme observei no Congresso de Di-
reito Judiciario, era estabelecer uma articulaçâo mals estreita entre a Justiça fe-
deral de prlmeira instância e os juizos de direito do int.erior dos Estados, mediallte
f6rmulas de colaboraçâo mais pratica e eflciente.
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICrARIO 537

Mas ja era tranquilo 0 entendimento, sob a Constituiçao


anterior, com base no art. 362 do dec. n. 848, de 1890, no sen-
tido de que as diligências rogadas pela juiz federal ao juiz
local naD colidiam com a proibiçao de cometer jurisdiçao fe-
deral às justiças locais nem com 0 respeito à autonomia
destas.
Mesmo depois da lei n. 1.939, de 28 de agôsto de 1908,
que, derrogando 0 disposto na lei n. 221 e no dec. n. 848, proi-
biu a prorrogaçao da jurisdiçao local nas causas da compe-
tência federal, sempre se admitiram as precatorias para inti-
maçôes e diligências. E isso porque 0 juiz deprecante naD
delega a jurisdiçao; conserva 0 poder de julgar.
A rogat6ria, dizia-se, é uma requisiçao de ato ou diligên-
cia e enquadra-se de certo modo no dever que às autoridades
locais incumbe de prestarem 0 auxilio invocado pelos oficiais
judiciarios da Uniao no interêsse da execuçao das sentenças
federais.
É que seria impossivel a coexistência de duas justiças no
mesmo territ6rio e exercendo a sua açao sôbre as mesmas
pessoas sem êsse auxilio reciproco. 3
Com 0 correr do tempo mais se ampliou êsse entendi-
mento. Assim é que 0 serviço eleitoral da Uniao pôde ser co-
metido aos juizes estaduais. 0 Supremo Tribunal declarou
constitucional a lei que entre gara às justiças estaduais 0 ser-
viço de alistamento, mesmo para as eleiç6es federais. 4
Subsiste hoje a mesma possibilidade como um dever de
colaboraçao reciproca entre as justiças especiais da Uniao e
as justiças comuns ou locais. Assim é que os juizes da jus-
tiça especial, de que é orgao 0 Tribunal de Segurança Nacio-
nal, podem deprecar diligências a qualquer outra autoridade
judiciaria, civil ou militar (dec.-Iei n. 88, de 20 de dezembro de
1937, art. 20, n. 18) ; do mesmo modo os 6rgaos da justiça do
trabalho (dec.-Iei n. 6.596, de 12 de dezembro de 1940,
arts. 10, a, e 36, a).
3 Ac6rdâo n. 109, de 29 de agôsto de 1895, ..:zpud PEDRO LESSA, Do poder Judicid.
rio,p. 262.
4 Ac6rdâo no Arq. Judiciârio, v. 14, p. 46.
538 CASTRO NUNES

Também nunca se entendeu proibida a avocat6ria, coma


meio de restabelecer a jurisdiçao federal, aliâs, expressamente
permitida pela lei n. 221, art. 79, que dispunha: "A interven-
"çao proibida pela art. 62 da Constituiçao nao compreende a
"expediçao de avocat6rias para restabelecimento da jurisdi-
"çao dos juizes federal e local. .. ".
"A avocat6ria", explica PEDRO LESSA, "é uma carta preca-
"t6ria. Se 0 juiz deprecado nao acede, 0 remédio é susci-
"tar-se 0 conflito de jurisdiçao". 5
Extinta a primeira instância federal, subsiste como meio
de restabelecer a jurisdiçao dos feitos da Fazenda.
Nas causas federais, estâ implicitamente previsto na
Constituiçao, in ver bis "perante êle continuando 0 seu pro-
"cesso" (parâg. fulico do art. 108), como sançao processual
apropriada para remover do juizo do interior para a comarca
da capital 0 feito em que intervier a Uniao como assistente ou
opoente, por aplicaçao de antigas regras legais que vigem
como leis especiais no silêncio do C6digo Nacional de Pro-
cesso. 6
o C6digo de Processo Penal cogita da avocat6ria como
meio ao alcance do Supremo Tribunal para restabelecer a sua
jurisdiçao quando usurpada. Disp6e 0 art. 117, no capitulo
sôbre os conflitos de jurisdiçao: "0 Supremo Tribunal Fe-
"deral, mediante avocat6ria, restabelecerâ a sua jurisdiçao
"sempre que exercida por qualquer dos juizes ou tribunais in-
"feriores".
A razao de ser dêsse dispositivo provém do fato de nao
poder estar em conflito com 0 Supremo Tribunal qualquer

5 Ob. cit., p. 435. Do assunto tratou em exhaustivo voto proferido no julgamento


do agr. n. 4.951 (ac6rd!i.o de 25 de abrll de 1930) 0 ministro MUNIZ BARRETO (Didrio
da Justiça de 16 de julho de 1930).
o SOUSA BANDEffiA, Novo Manual, § 14; CANDIDO DE OLIVEIRA FILHO, Consolida-
çao das Leis d'fI Justiça Federal, v. 1.°: "Nos casos de chamamento il autoria, opo-
"siçao e assistência, a causa poderâ ser avocada para 0 Juiz go fOro da Fazenda"
(art. 2.191, parâg. unlco). Em se tratando de causa fiscal, 0 dec.-lel n. 986, de 27
de dezembro de 1938. cogita do desaforamento para a comarca da capital, a reque-
rimento do orgao do Ministério Publico, subentendendo, por conseguinte, a avoca-
toria como meio adequado (art. 9.°, II).
TE ORlA E PRATlCA DO PODER JunlCrARlO 539

outro tribunal (veja-se 0 cap. IV do tit. III), competindo-Ihe


avocar 0 processo que entenda ser da sua competência. 7
o comentârio de EspfNOLA FILHO expIica: "Pode suceder
"que um juiz ou tribunal de categoria inferior tome conhe-
"cimento de algum processo que seja privativo do Supremo
"Tribunal Federal; chegando isso ao conhecimento desta
"alta Côrte, de qualquer forma, inclusive mediante requeri-
"mento de algum interessado, chamarâ ela para si 0 processo,
"requisitando-o, e a avocatoria terâ 0 efeito de restabelecer a
"jurisdiçao do Supremo Tribunal, como salienta 0 art. 117,
"em exame. Chama-se, tecnicamente, avocatoria a carta ou
"mandado que passa um juiz para vir ao seu juizo a causa,
"que corre em outro diverso, e cujo conhecimento lhe per-
"tence" (definiçao de PEREIRA E SOUSA, Esbôço de um Dicio-
ndrio Juridico, teorético e prdtico, v. l, 1825, v. Avocatorio). 8

2. Jurisprudência local - Jurisprudência federal - A


regra da observância reciproca - Em que têrmos deve ser
entendida. Outra clâusula constitucional que também nao
reaparece no texto atual: a da observância reciproca das
jurisprudências pelos tribunais federais e loeais.
Dispunha a Constituiçao de 91: "Nos casos em que hou-
"ver de aplicar leis dos Estados a justiça federal consultarâ
"a jurisprudência dos tribunais locais e, vice-versa, as justiças
"dos Estados consultarao a jurisprudência dos tribunais fe-
"derais, quando houverem de interpretar leis da Uniao"
(art. 59, III, § 2.°; arts. 59-60, III, § 2.°, da reforma de 1926).
A primeira parte era apenas uma diretiva, desprovida de
sançao, no caso em que a inobservância da jurisprudência
local partisse do Supremo Tribunal. 9

1 A mesma razao leva a admlti-Ia também no civel, com base no precelto citado
da lei n. 221, quando nao seja possivel ao Supremo Tribunal reivindicar por outro
meio a 5ua competência originâria ou de recurso na,. causas da Uniao.
8 C6digo de Processo Penal Anotado, II, p. 263.
• Il: claro que somente nessa hlp6tese. Sendo atribuida ao juiz federal ao julgar
causa em que hou vesse de apl1car lei local, estava ao alcance do Supremo Tribunal
reformar a decisao.
A regra era em princ!pl0 obrlgat6ria. E asslm 0 declarou 0 Supremo Tribunal
em ac6rdao de 26 de junho de 1925 (Rev. do Supremo Tribunal, v. 5. 0 , p. 178).
540 CASTRO NUNES

Mais importante era, porém, a segunda parte, havendo


jurisprudência assentada pela Supremo Tribunal, na inteli-
gência da Constituiçao e das leis federais.
A sançao especifica é aqui 0 recurso extraordinario, como
corretivo da inobservância.
A regra esta impllcita no recurso extraordinario, parti-
cularmente no casa da letra d, que, visando a uniformizaçao
da jurisprudência no entendimento do direito federal, sup6e
as justiças locais obrigadas a observa-la.
A inspiraçao do inciso que deu entrada em nossa Cons-
tituiçao de 91 ter a sido a regra americana contida no Judic-
tiary Act, de 1789, assim formulada :
"The laws of the several States, except where the Consti-
tution, treaties, or statutes of the United States otherwise re-
quil·e or providf}, shall be regarded as rules of decision in trials
at common Law, in the courts of the United states, in cases
where they apply."
A Suprema Côrte, na interpretaçao desta regra, tem sen-
tenciado que 0 entendimento dado à lei local pela Côrte es-
tadual superior vale como um complemento da lei: "is re-
garded as a part of the statu te" - e é obrigat6ria para as
côrtes federais como 0 pr6prio texto legal - "and is as bind-
ing upon the courts of the United states as the text."
Como se vê, a regra americana s6 cogita da observância
das jurisprudências locais, como um dever imposto às côrtes
ïederais, ressalvada a hip6tese de estarem em causa a Cons-
tituiçao, os tratados e as leis da Uniao.
É a primeira parte do nosso inciso de 91.
Nao se conclue, porém, que, embora naD expressa, no
texto americano, a reciproca, seja menos obrigat6ria para as
côrtes estaduais a observância da jurispr11dência federal no
entendimento das normas da Uniao. Na regra express a se
contém obviamente a reciproca, que se deve haver por suben-
tendida, porque de outro modo estaria comprometido 0 direito
objetivo da Uniao.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 541

o que se da é 0 seguinte: na aplicaçâo das leis locais, as


côrtes estaduais ditam 0 entendimento que as côrtes federais,
quando julgam pleitos que envolvam essa aplicaçâo, devem
observar; na aplicaçâo das leis federais, as côrtes federais,
como donas da jurisdiçâo, ditam 0 entendimento a ser obser-
vado pelas côrtes estaduais: - "wh en the question con-
cerns the construction or effect of an provision of the Consti-
tution of the state or ot astate statute, and it has been au-
thoritatively decided by the court of last resort in the state,
the federal courts will consider themselves bound to adopt
and apply the doctrine so laid down. So of a decision of the
state courts that a given statute is or is not repugnant to the
state Constitution."
Mas, se a decisâo estadual envolve aplicaçâo de direito
federal, as côrtes federais retomam a sua liberdade de decidir
- "But if the construction of the state Constitution or stat-
ute, as settled by its courts, conflicts with or impairs the ef-
ficacy of some provision of the Constitution or a Law of the
United states, the federal courts will not be bound to fol-
low it," - pois que a autonomia das côrtes locais, que se visou
resguardar, s6 existe quando a decisâo nâo envolva poderes
de autoridade federal ou 0 exame do casa em face da Consti-
tuiçâo ou das leis da Uniâo: "where nothing is involved of
national authority, or of right under the Constitution, laws,
or treaties of the United states."
Requer-se, todavia (e 0 mesmo se dira da jurisprudência
federal), que as decisôes sejam seguidas, concordantes, nâo
contradit6rias ou isoladas, pois que s6 assim poderâo ser tidas
- "as the settled, fixed, and received Law of the State." 10
A oportunidade da aplicaçâo de leis dos Estados pela jus-
tiça federal era, entre n6s, mais frequente ao tempo da Cons-

10 BLACK Constitutional Law, ps. 186-187; WILLOUGHBY, On the ConstituUon Lato,


II, p. 1.028, e The Supreme Court, p. 66; BENNETT MUNRO, The Government oi
the United states, p. 396; COOLEY, Constitutional Limitations, p. 31.
542 CASTRO NUNES

tituiçao de 91, nas causas entre cidadaos (habitantes) de Es-


tados diferentes. 11
Hoje estas possibilidades nem sei se existem.
No casa do recurso extraordinario da letra c, 0 Supremo
Tribunal aprecia atos e leis locais, mas do ponto de vista da
sua compossibilidade corn a Constituiçao e as leis federais,
têrmos em que se situa 0 problema. 0 objeto da indagaçao
é 0 direito federal, comprometido na sua aplicaçao em face da
lei ou ato local.
A federalizaçao das leis de processo ter a suprimido as ul-
timas possibilidades. Até entao, no julgamento dos recursos
de habeas-corpus ainda seria possivel, quando a arguida co a-
çao viesse do entendimento dado à lei processual. 12
De modo que a regra, hoje nao expressa, se deve haver
coma implicita na Constituiçao, mas praticamente s6 existe
para tornar efetiva a jurisprudência do Supremo Tribunal
em relaçao às côrtes inferiores - sejam estas locais ou fe-
derais, quer por via do habeas-corpus, quer pela recurso extra-
ordinario ou pelo recurso ordinario nas causas da Fazenda
Nacional.
3. Extradiçao interestadual. Do assunto cogita a atual
Constituiçao no art. 35, a: "É defeso aos Estados, ao Distrito
"Federal e aos municipios - denegar uns aos outros, ou aos
"territ6rios, a extradiçao de criminosos, reclamada, de acôrdo
"corn as leis da Uniao, pelas respectivas justiças".
Na Cbnstituiçao de 91 ja se inseria (art. 66, n. 4) idêntica
disposiçao: "É defeso aos Estados - denegar a extradiçao de
"criminosos, reclamados pelas justiças de outros Estados, ou

11 A hipôtese da açao sumâria especial do art. 13 .da lei n. 221, quando ut!l!zada,
na competência federal, para anular atos administratlvos estadua!s ou munlclpals,
por fundar-se diretamente na Constituiçao 0 direlto reclamado (lei n. 1.939, de 28
de 'agôsto de 1908), pOdla posslbllltar 0 exame da jurisprudêncla local, de vez qùe
estariam em causa um ato local e as lels Invocadas na sua justi!!caçao; mas a
razao de decidir seria a Incompatlb!l!dade destas e daquele corn a preceituaçao fe-
deral, de modo que Inoperante a invocaçâo da jurlsprudêncla estadual, que poderla
ser repellda.

" E sobretudo nas revis6es crlminals, quando da competência privativa do Su-


premo Tribunal.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 543

"do Distrito Federal, segundo as leis da Uniao, por que esta


"matéria se reger", leis que 0 art. 34, n. 32, atribuia ao Con-
gresso: "regular os casos de extradiçao entre os Estados".
Na de 34 se dizia: "É defeso aos Estados, ao Distrito Federal
"e aos municipios - denegar a extradiçao de criminosos, re-
"clamada, de acôrdo corn as leis da Uniao, pelas justiças de
"outros Estados, do Distrito Federal ou dos Territ6rios" (ar-
tigo 19, III), acrescentando-se no art. 39, 8, b, entre as atri-
buiç6es, ai enumeradas, do Poder Legislativo, "legislar sôbre
"as medidas necessarias para facilitar, entre os Estados, a pre-
"vençao e repressao da criminalidade e assegurar a prisao e
"extradiçao dos acusados e condenados".
A clausula do art. 35, a, da Constituiçao de 37, reproduz
corn ligeira alteraçao de forma 0 disposto no art. 19, III, da
de 34; mas, desta vez, corn impropriedade que resulta do
emprêgo inadequado do adjetivo respectivas, pois que os mu-
nicipios, também mencionados no corpo da disposiçao, nao
teem justiça. Entenda-se, pois, que as justiças, a que se re-
fere 0 texto, sac as dos Estados e a do Distrito Federal, insti-
tuida esta pela Uniao para administraçao da jurisdiçao
comum nesta circunscriçao, e bem assim as dos Territ6rios.
Desde logo se percebe que os criminosos de que se trata sac
os incursos na lei penal comum, isto é, os chamados a respon-
der perante as justiças corriuns ou locais, nao os jurisdicio-
nados das justiças penais da Uniao. Assim ja 0 era sob a
Constituiçao de 91 relativamente aos individuos processados
por crimes da competência dos juizes federais, acêrca dos
quais nao se fazia mister a extradiçao, limitando-se em tais
casos os juizes federais a comunicar ao ministro da Justiça
ou aos procuradores dos Estados 0 mandado de prisao e re-
quisitar a remessa do acusado, nos têrmos do art. 1.0, XI,
parag. fulico, da lei n. 39.
A extradiçao sup6e a autonomia judicante reconhecida
aos Estados ou, pelo menos, a existência de uma jurisdiçao
que, em principio, nao pertence à Uniao. Por isso mesmo se
explica a razao de ser da proibiçao que se insere no texto
constitucional no sentido de que nao poderao os Estados e ou-
544 CASTRO NUNES

tras circunscriçoes administrativas recusar a extradiçao de


criminosos homisiados em seus respectivos territ6rios, quando
requisitada pelas justiças de outro Estado, do Distrito Fe-
deral ou dos Territ6rios federais. Nao obstante a unidade do
Direito Penal, ou, talvez, por isso mesmo, havia mister de
expressar a proibiçao, para tornar efetiva a aplicaçao das leis
repressivas em todo 0 pais. Dada a multiplicidade das ju-
risdiçoes em nosso pais, a extradiçao nas relaçoes internas é
o meio de tornar efetiva a aplicaçao da lei substantiva penal,
preservando-Ihe a autoridade. Aqui, como na antiga Alema-
nha, se pode dizer com LABAND que êsse instituto serve à uni-
ficaçao da justiça penal no pais. 13
A lei que disciplina a matéria é federal. Nao mais se in-
sere a atribuiçao no quadro da competência legiferante da
Uniao; mas 0 assunto, por isso que atinente à vida de rela-
çao entre os Estados da Federaçao, nao é peculiar a nenhum
deles, escapando, pois, à competência das assembléias locais
regula-Io, 0 que, alias, de corre da locuçao "de acôrdo com as
"leis da Uniao", que se insere na clausula do art. 35, a.
A extradiçao de que ora se cogitaé eminentemente ju-
risdicional, no sentido de que a pr6pria Constituiçao lhe re-
tira 0 elemento conceitual de ato de soberania, uma vez que
nega aos Estados a faculdade de consentir, ou nao, na entrega
do extraditando.
É de notar, alias, que 0 traço jurisdicional se acusa tam-
bém na extradiçao reclamada por um Estado estrangeiro. A
extradiçao, livremente, discricionariamente consentida, diz
BRUNIALTI, se opoe 0 principio, hoje em marcha, do consenti-
mento judiciario, 0 que mostra 0 carater jurisdicional do ins-
tituto, mesmo na esfera internacional. 14
A êsse principio aderimos pela lei n. 2.416, de 1911, do
quaI nao se afastou 0 dec.-Iei n. 394, de 28 de abril de 1938. 15

la LABAND, Le Droit Publie de l'Empire Allemand, ed. fr., V. 1, p. 253.


II BRUNIALTI, Il Diritto Costituzionale e la Politica, v. II, ps. 548 e segs.
" Da extradlçao Internaclonal Jà nos ocupamos no cap. V, tit. III.
TEORIA E PRÂT1CA DO PODER JUD1CIAIuO 545

A extradiçao interestadual foi regulada, entre nés, pela


lei n. 39, de 30 de janeiro de 1892. 16
Ficara a cargo dos juizes federais, corn recurso para 0
Supremo Tribunal, resolver sôbre a legalidade da extradiçao,
decidindo as duvidas suscitadas.
10 É ainda a lei vigente, cujo texto é 0 seguinte: "Art. 1.0 É defeso às autori-
"dades dos Estados e às do Distrito Federal delxar de satisfazer as requisiç6es leg!-
"tlmas de qualquer natureza das autorldacies de outrÇlS Estados e do mesmo Dis-
"trito Federal, e bem asslm denegar extradiçao de crlminosos sujeitos a pr1sâo.
"1 - A extradlçao de crlminosos sera feita mediante requisiçii.o da autorldade
"pollcial ou judiclarla, nos Estados por intermédio de seus governadores ou pre-
"sidentes, e no Distrito Federal por intermédio do ministro da Justiça.
"A estes ou àqueles, conforme 0 caso, serao comunlcadas pelas autorldades
"competentes do lugar do refûgio a prisao efetuada e a entrega ordenada do cri-
"minoso reclamado, afim de que providenciem sôbre a sua remessa, a dos lnstru-
"mentos e efeitos ou objetos do crime que, porventura, houverem sido sequestra-
"dos e a indenlzaçao de despesas de que trata 0 nÛIDero seguinte.
"Paragrafo ûnico. Nos ·casos que nao admitam demora, sempre entre mu-
"niclpios confinantes de Estados diferentes, a extradiçao podera ser reclamada e
"satisfeita pelas autorldades pollciais e judiciarias competentes, diretamente entre
"si, as quais darao lmediata e circunstanciada parte do ocorrido ao ministro da
"Justiça, governador, ou presidente, de que se tratar, ficando as mesmas autorlda-
"des rigorosamente responsaveis por qualquer abuso.
"II - No Distrito Federal, 0 mlnistro da Justiça. e nos Estados, os governa-
"dores ou presidentes, providenciarao sôbre a conduçao e remessa dos crlminosos.
"A illdenlzaçâo das despesas com a prisâo, conduçâo e entrega dos crlminosos e
"objetos do crime correra por conta dos cofres do Estado que os reclamar, ou pelos
"da Unlao, se a reclamaçao for felta pelo Distrito Federal, salvo 0 direito regresslvo
"da Uniao, ou do Estado, contra a parte que promover a acusaçii.o.
"m - É competente para pedlr a extradiçao do crimlnoso a autoridade que
"0 for para decretar a prisao, ou expedir 0 respectivo mandacio.

"IV - A prisâo, remessa e entrega do crlminoso por extradlçâo 56 ·pooerao


"ter lugar se, em vlrtude das leis vigen tes no Distrlto Federal, ou na Estada que a
"tlver de proces5ar e punir:
"a) for casa de prisao antes da culpa formada;
"b) a pronûncia do réu der lugar a sua detençao;
"c) a condenaçao for a pena de prlsâo ou outra que passa ser comutada
"em prisâo;
"d) tratar-se de crlminoso evadldo, que estlvesse condenado ou detento le-
"galmente.
"Paragrafo ûnlco. Em todos os casos em que for admltlda a fiança, esta
"podera ser prestada no lugar do refûglo do crlminoso, seja no Distrlto Federal
"ou em qualquer Estado, resolvendo-se asslm pela fiança a proce5so da extradlçâo.
"V - Em todos os mais casos 56 podera ter lugar:
"a) a notlf!caçao do Indlclado ou acusado para assistir aos têrmos do seu
"processo, ou responder ao julgamento;
"b) a requlslçao de d1llgênclas tendentes à Instruçao do processo de formA.-
"çao de culpa ou à pro va para acusaçao;

F. 35
546 CASTRO NUNES

Nao passou sem reparo essa competência atribuida à jus-


tiça federal, de vez que 0 crime atribuido ao extraditando
seria, necessariamente, um crime comum, da alçada das jus-
tiças locais.
Mas 0 Supremo Tribunal afirmou a perfeita conformi-
dade constitucional da competência judiciaria federal. No
ac6rdao de 28 de agôsto de 1920, de que foi relator PEDRO
LESSA, disse êste no seu voto vencedor :
"Tratando-se de relaçoes entre dois Estados, muito cons-
"titucional é a lei de 30 de janeiro de 1892 confiando à justiça
"federal 0 julgamento da matéria. Tanto para resolver ques-
"toes entre Estados, como para decidir pleitos que interessam
"às naçoes estrangeiras, isto é, para julgar tudo 0 que inte-
"c) 0 pedido de remessa de qualquer documento ou auto necessario aos
"referldos fins, com ou sem a clausula de serem devolvidos;
"d) a audiçao de testemunhas ou a sua intimaçao para depor em Estado
"dlverso, mas sem cominaçao de penas.
"VI - Na concorrência de pedidos de extradiçi\Q 0 Estado requerido :
"a) se se tratar do mesmo crime, dara preferêncla ao Estado em cUjo terri-
"t6rio tiver êle Bide cometido, ainda que nao seja 0 seu, salve prevençao da pr6-
"pria jurisdlçao;
"b) se se tratar de crimes diversos, sera atendida na resoluçao de preferên-
"cia a gravidade relatlva dos crimes.
"Quando a gravldade for 19ual, ou no caso de duvida sObre quaI seja 0 crime
"mais grave, 0 Estado requerldo levara em conta a priorldade do pedldo efettva-
"mente expedido e conhecldo.
"Se suscitar-se duvlda sObre a legal1dade da extradiçao ou sObre a prefe-
"rência de que trata a letra b, dêste nUmero, a questâo sera afeta ao julz secclo-
"naI do Estado requerido.
"VII - Para os .flns previstos nesta lei, 0 pedido de extradiçao deve Inclulr
"as indicaçôes concludentes à veriflcaçao da Identldade do re!ugiado e declarar 0
"lugar e a data do crime, sua natureza e circunstânclas e ser acompanhado de
"c6pia de queixa, denuncla, ato inicial ordenando 0 processo, ou do despacho de
"pronuncia, do respectivo l1belo, ou sentença de condenaçao, quando se tratar dcl
"individuo ja pronunclado ou condenali% . iil
"Parii.grafo unico. Em caso urgentl requlsiçao poderii. ser felta e executada
"à vista de despacho telegraflco para prisao prov1s6ria, atê a remessa dos documen-
"tos de que trata êste artigo.
"VIII - 0 criminoso, cuja entrega for obtida por extradlçao, poderii. ser pro-
"ceBsado, julgado e punido por outro crime, nao incluido no pedido de extradi-
"çâo, sendo licito igualmente ao Govêrno da Uniao, no Distrito Federal, ou ao do
"Estado onde êle se achar, entregii.-Io ao de outro qualquer Estado, sem necessidade
"de consentlmento de quem 0 entregou. A entrega do extradltado pode ser defl-
"nltiva ou provis6rla para cumprimento da penil. imposta, confrontaçâo c6m outro
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 547

"ressa à Naçao brasileira e nao a um determinado Estado da


"Uniao, a justiça competente é a federal".
No mesmo sentido se manifestou 0 ministro PEDRO DOS
SANTOS, esclarecendo :
"Também nos Estados Unidos para casos tais a jurisdi-
"çao é federal".
Assim se manifestou a Côrte Suprema no casa ex-parle
Smitt, e outra coisa naD ensina COOLEY quando escreve: <tA
prisoner held under State process for extradition to another
State may have a 'habeas-corpus' from a Federal Court or
judge ; the process of extradition being provided for by and
taken under the Constitution of the United states." 17

"crimlnoso, formaçao de culpa ou Interrupçao de prescrlçao, comunlcando sempre


"as autorldades da Unlao ou dos Estados, umas as outras, 0 resultado do proces60.
"IX - Para fazer ou satlsfazer pedldos de extradlçao, nenhum efelto jurl-
"dico tera a qual1dade de naclonal ou estrangelro, nem a de clda4,ao do Estado
"requerente ou requerldo. 0 Estado de orlgem do extradltado nenhum dlrelto
"podera fazer valer, nem 0 Estado requerldo tera 0 de preferlr aquele, ou 0 do ter-
"rlt6rlo do crime, com Infraçao das regras do n. VI. 0 transito do extradltado é
"obrlgat6rlo pela terrlt6rlo da Unlao, salvo prévio ajuste com 0 Govêrno do Estado
"estrangelro por onde 0 extradltado houver de transltar.
"X - A presente lei compreende os crimes praticados antes da sua execuçl\o.
"XI - Fica entendldo que nao havera necessldade de extradlçâo quando se
"tratar de Indivlduos lncursos em crimes da competência da justiça federal (Cont-
"titulçl\o, art. 7.°, § 3.°, e art. 60, §§ 1.0 e 2.°).
"Nestes casos, as autoridades judiclarias federals se l1mitarao a comunicar,
"no Distrlto Federal, ao minlstro da Justiça e, nos Estados, aos seus governadores
"ou presidentes, a prlsâo dos criminosos e a sua remessa para 0 lugar da requlslçii.o,
"ainda quando se ache pendente a extradiçao entre Estados ou entre estes e 0
"Dlstrlto Federal.
"XII - A presente lei entrara logo em execuçao, independentemente do re-
"gulamento que para êsse flm 0 Poder Executivo houver de expedlr.
"Art. 2.° Achando-se 0 delinquente em lugar lncerto, a sua prlsao podera
"ser requlsitada por circular do governador do Estado, onde se iniciou 0 processo,
"dlrlglda aos governadores dos outros Estados. Efetuada a prlsâo, tera lugar a ex-
"tradiçao desde logo, se 0 indiclado . 'io' opuser; no caso contrario, 0 fato sera.
"levado ao conheclmento do governadür: ~;~ requlsitou a prlsao, para que observe 0
"dlsposto no n. VII.
"Art. 3.° Os agentes policiais de um Estado poderâo penetrar no territ6rlo
"de outro quando forem no encalço de criminosos, devendo apresentar-se a com-
"petente autoridade local, antes ou depols de efetuada a diligência, conforme a
"urgêncla desta.
"Art. 4.° Flcam revogadas as dlsposlçoes em contrario".

17 COOLEY, The general principles of Constitutional Law of America, p. 147 (Dia-


rio 0 ficial de 29 de j anelro de 1922).
548 CASTRO NUNES

Hoje, porém, dada a extinçao da justiça federal de pri·


meira instância, a competência é da justiça do Estado reque·
rido, s6 podendo chegar ao Supremo Tribunal 0 conhecimento
do casa por via de habeas-corpus. 18

lB Alguns pontos ja. flxados pela jurisprudência convém aqui recordar, porque
atnda liteis ao entendimento da lei, mutatis mutandis: Il: competente para pedtr
a extradiçao do criminoso a autoridade qu~ 0 for para decretar a prlsii.o ou expedtr
o respectivo mandado (lei n. 39, art. 1.0, III).
- 0 Supremo Tribunal tem entendido que os juizes federais somente pOdem
conhecer da legal1dade da extradiçao quando feita a requisiçao pela Govêrno de
um Estado, nao por tntermédio do ministro da Justiça (ac6rdâo de '19 de Julho de
1920, Rev. de Direito, v. 68, p. 307, apud BENTO DE FARIA, Dir. Extrad., 1930, p. 218).
A ilegalidade do pedido de extradiçao, scilicet a tnobservância das jormalidades es-
tatuidas em lei, e nao a culpab1l1dade do tndiciado, é 0 que pertence ao conheci-
mento do Juiz federal, conflgurando uma ameaça à l1berdade tndividual sUBcepti-
vel de ser reparada por habeas-corpus (BENTO DE FARIA, ob. cit., p. 217). Destinan-
do-se a extradiçao à entrega de criminosos, nao cabe essa forma de requisiçao
quando se trata de pessoa sujeita a prisao Civil, decretada como meio compuls6rio
para prestaçâo de alguma obrigaçâo ou pratica de certo ato (ac6rdao do Supremo
Tribunal, in 0 Direito, v. 92, ps. 310-311, apud BENTO DE FARIA, ob. cit., p. 216).
Il: necessario que haja processo, pela menos instaurado, atnda que antes de
formada a culpa (ibidem, ibidem). Se 0 crime for aflançavel, nao tera. lugar a
extradiçâo se 0 extraditando prestar fiança, 0 que podera. fazer no pr6prio lugar
do seu refugio (lei n. 39, art. 10°, IV; BENTO DE FARIA, ibidem, p. 229).
Nao tem lugar a extradiçao quando se trata de crime da jurisdiçao federal
(lei n. 39, art. 1.0, XI).
CAPtTULO TI

EXECUÇAO DE SENTENÇAS FEDERAIS E LOCAIS

SUMAluo: 1. Execuçio de sentenças federais. 2. Execuçl\o de sentenças dos Es-


tados. 3. Intervençio recla.mada para assegurar 0 cumprimento de dec1sli.o
admlnlstrativa de Tribunal de Apelaçl\o. 4. Sentenças condenat6rlas da Fa-
zenda PUblica estadual ou municipal.

1. Execuçao de sentenças federais. Da execuçao das


sentenças federais cogita a Constituiçao em varios dispositi-
vos. No art. 85, letra e, quando define como crime de res-
ponsabilidade do Presidente da Republica atentar "contra a
"execuçao das decisoes judiciarias"; no inciso f do art. 9.°,.
quando autoriza a intervençao no Estado onde se faça ne-
cessâria "para assegurar a execuçao das sentenças federais".
A execuçao das sentenças condenat6rias da Fazenda Nacional
se realiza pela forma estabelecida no art. 95 e seu parag.
uruco. É 0 cumprimento da decisao judicial, nao propria-
mente a execuçiio, cujo carater compuls6rio, inadmitido, se
proscreveu dêste modo, sem deixar, todavia, insatisfeita a
condenaçao. 1
A palavra sentença esta empregada no texto constitu-
cional como sinônima de julgamento ou decisao - hodie
quœvis judicis pronuntiatio sententia dicitur (quaisquer pro-
nunciaçoes da autoridade judiciâria). Ja era êsse 0 entendi-
mento sob a Constituiçao de 91. 2
Nas anteriores Constituiçoes se prescrevia que as senten-
ças e ordens da magistratura federal seriam executadas "por
"oficiais judiciârios da Uniao, aos quais a policia local é obri-
1 Veja-se 0 cap. II do tft. m.
AURELINO LEAL, Teoria e Pratica da Constituiçao, I. p. 87.
550 CASTRO NUNES

"gada a prestar auxilio, quando invocado por êles" (texto


de 91), ou "as decis6es da justiça federal serao executadas
"pela autoridatle judiciaria que ela designar ou por oficiais
"judiciarios privativos. Em todos os casos, a fôrça publica
"estadual ou federal prestara 0 auxilio requisitado na forma
"da lei" (texto de 34), prevista, em ambas, a intervençao,
coma medida extrema.
Estava pressuposto nessas disposiç6es 0 dualismo judi-
cfario, hoje inexistente, do que resulta que os executores sâo
os orgaos locais, 3 corn 0 auxilio, se requisitado, da policia es-
tadual, prevista, igualmente, a intervençao, coma veremos a
seguir. Um dos casos de intervençao de que cogita a Cons-
tituiçao é 0 do inciso f do art. 9.°: "para assegurar a execuçâo
"das leis e das sentenças federais". Semelhantemente na de
91 (art. 6.0, 4.°).
A intervençao coma meio drastico para obrigar 0 cum-
primento de uma decisao errlanada de tribunal da Uniâo é,
apenas, um corolario da obrigatoriedade compulsoria das leis
federais em todo 0 territorio do pais.
Como dizia PEDRO LESSA: "Ha uma sentença, 0 que pres-
"sup6e a aplicaçao de uma norma juridica; e, portanto, do
"que se trata é de executar um preceito legal do pais, apli-
"cado pela Poder Judiciario".4
A competência para decreta-la é, num coma noutro caso,
isto é, para tornar efetiva a execuçao das leis e das sentenças
federais, do Presidente da· Republica; mas, em se tratando
de sentenças, "mediante requisiçao do Supremo Tribunal Fe-
"deral" (art. 9.°, parag. linico).
No poder de requisitar se inclue 0 de apreciar as circuns-
tâncias para atender ou nao à reclamaçao. Esta deve ser en-
dereçada ao Supremo Tribunal pela orgao judiciario local res-
ponsavel pela execuçao do julgado, depois de requisitada a
fôrça estadual, e recusada, ou fraudada dolosamente a
execuçao. Intervençao - lê-se no acordao do Supremo Tri-

3 Sôbre a execuçao das sentenças do Supremo Tribunal, proferidas nas causas


de sua competência originaria, veja-se 0 cap. V do tft. liI.
4 Ob. cit., p. 264.
TEORIA E PRA.TICA DO PODER JUDICIARIO 551

bunal de 15 de abri! de 1935, "supoe a recusa, a violência


"oposta à execuçao das ordens e decisoes dos juizes e tribunais
"federais" .
Se 0 Estado jâ. esta sob 0 regime da intervençao, confiada
a sua administraçao a um delegado do Presidente da Repu-
blica, inconcebivel é a intervençao para assegurar a execuçao
de qualquer sentença, porque intervençao supoe autonomia,
isto é, 0 Estado corn os seus orgaos proprios (acordao de 13
de abril de 1938, interv. n. 5, de Sergipe).
2. Execuçâo de sentenças dos Estados. As sentenças e
ordens da magistratura estadual sao cumpridas pelos oficiais
judiciarios respectivos corn 0 auxilio da fôrça public a, se re-
quisitado. Aplica-se em grande parte 0 que ja ficou dito
acêrca da execuçao de sentenças federais. A in,tervençao fe-
deral, no casa de recusa ou desobediência em espécie, nao esta
expressa na atual Constituiçao. Na de 34 havia varios dis-
positivos detalhando: Art. 12, IV - "para garantir 0 livre
"exercicio de qualquer dos poderes publicos estaduais", livre
exercicio que se configurava nas hipoteses de: "a) obstâculo
"à execuçao das decisoes e ordens dos juizes e tribunais; b)
"falta injustificada de pagamento, por mais de três meses, no
"mesmo exercicio financeiro, dos vencimentos de qualquer
"membro do Poder Judiciario" (§ 3.°).
A seguir, 0 § 5.°, fixando a competência do Presidente da
Republica para decretar a intervençao nessas hipoteses, en-
globava-as no enunciado amplo "para garantir 0 livre exer-
"cicio do Poder Judiciario local".
Acrescentava-se, ainda (§ 5.°), que a intervençao seria
requisitada ao Presidente da Republica "pela Côrte Suprema
"ou pela Tribunal Superior da Justiça Eleitoral, conforme 0
"caso, podendo 0 requisi~ante comissionar 0 juiz que tome
"efetiva ou fiscalize a execuçao da ordem ou decisao". 5
• A Constituiçâo de 34 exeluia das atrlbulçôes do Judlelârio local a requisiçii.o
da fOrça federa! (art. 104). sem que Isso signlfieasse. poréro. nâo poderem ser utll!-
zadas as fOrças da Uniâo no europriroento dos juigados estaduais. mas porque se
reservara. mesmo em tais casos, à COrte Supreroa e ao Tribunal Superlor da Jus-
tlça Eieitorai 0 poder de a requlsltar (art. 12, VI, § 5.°). sob representaçâo ou re-
claroaçâo dos 6rgaos Ioeals.
552 CASTRO NUNES

A Constituiçao de 37 nao é tao casuistica; mas, partindo


da existência em cada Estado de um Poder Judiciario, ja hoje
com a funçao de julgar até as causas federais, inclusive as
criminais, e estas sem recurso para uma instância federal,
claro esta que nao pode ser indiferente à Uniao a autoridade
e eficacia dos julgados locais.
Autorizando a intervençao para tomar efetivos os direitos
e garantias assegurados na Constituiçao (art. 9.°, e, 3), impli-
citamente inclue a obediência aos julgados, porque de outro
modo nao estariam assegurados os direitos reconhecidos.
Por outro lado, facultada esta a intervençao "para ad-
"ministrar 0 Estado quando, por qualquer motivo, um dos
"seus poderes estiver impedido de funcionar" (art. 9.°, c), hi-
p6tese que, nos têrmos amplos do enunciado, po de compor-
tar a medida extrema para restabelecer a ordem juridica com-
prometida pela desobediência aos julgados. Alias, as hip6-
teses mencionadas no texto de 34 eram desdobramentos dêsse
mesmo impedimento, isto é, do funcionamento regular do
Judiciario, que se tinha por impedido por obstaculos criados
à sua açao pelos poderes locais e pela nao pagamento dos
vencimentos dos juizes. 6
A intervençao s6 se justifica depois de esgotados todos
os meios ao alcance do Judiciario local junto ao governador.
A requisiçao por intermédio do Supremo Tribunal s6 esta au-
torizada no casa de se tratar de execuçao de julgado federal.
Nos demais casos revive a pratica seguida, na vigência da
Constituiçao de 91, da requisiçao feita diretamente pelo Tri-
bunal local ao Presidente da Republica ou, mais acertada-
mente, ao ministro da Justiça. 7
o A partlcularlzaçâo dêsse caso era uma demas1a. Tanto se· just1f1car1a a 1nter-
vençâo no caso de suspensâo do pagamento dos vencimentos dos juizes, como, de
um modo geral, quando se tratasse dos vencimentos dos func1onar1os em geral ou
do sôldo das praças e of1c1a1s da fôrça publica. Em qualquer caso estar1am com-
promet1dos os serv1ços publicos em têrmos de autorlzar a 1ntervençâo com funda-
mento, ja hoje, na letra c do art. 9.°, sem a partlcularlzaçâo dos venc1mentos ju-
d1c1ar1os. 0 atraso no pagamento dos func1onar10B é um s1ntoma de desordem
finance1ra, que a todos afeta. Nâo ha exemplo, nos precedentes conhec1dos, de
suspensâo dos venc1mentos jUd1c1ar10s somente, por ac1nte à mag1stratura, man-
t1das em d1a as demais fôlhas de pessoa!.
7 AUIlELŒO LEAL, Teoria e Prci.tica da Constituiçao, p. 205.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 553

3. IntervençaQ reclamada para assegurar 0 cumpri-


mento de decisao administrativa de Tribunal de Apelaçao.
Tratando-se de decisao proferida no uso de suas atribuiçoes
administrativas por um Tribunal de Apelaçao, cabera a in-
tervençao para compelir 0 Govêrno do Estado a cumpri-Ia?
A hip6tese se apresentou em 1938, ja na vigência, por-
tanto, da atual Constituiçao, a prop6sito de certo concurso
procedido pela Tribunal de Apelaçao de Sergipe para preen-
chimento de vagas de juiz de direito, concurso anulado por
decreto do interventor.
o Tribunal, por intermédio do seu presidente, representou
ao Supremo Tribunal Federal para que êste providenciasse
junto ao Presidente da Republica, providência que, nos têr-
mos dos preceitos invocados (art. 9.°, letras c e f), seria a re-
quisiçao da intervençao federal.
Do pedido naD conheceu, preliininarmente, 0 Supremo
Tribunal, de vez que, nos têrmos da atual preceituaçao cons-
titucional, a sua atribuiçao para requisitar a intervençao s6
se autoriza, nos têrmos do art. 9.°, letra f e parag. Unico, in
fine, no casa de se tratar de execuçao de sentença federal,
competindo nos outros casos ao Presidente da Republica deli-
berar sem essa requisiçao.
Mas, ainda quando possivel fôsse, acrescenta 0 ac6rdao,
duas outras razoes se oporiam ao deferimento do pedido: 0
fato de ja se achar sob intervençao 0 Estado e de se tratar,
naD propriamente de sentença, senac de decisao de carater ad-
ministrativo proferida pela 6rgao local articuladamente com
o Govêrno do Estado.
o voto do relator, que foi 0 ministro CARVALHO MOURAO,
adotado pelo Supremo Tribunal, esclarece os diferentes as-
pectos nos seguintes têrmos: "Nao tomo conhecimento do
"pedido, por naD ser 0 casa de intervençao federal, nos têrmos
"do art. 9.° da Constituiçao de 10 de novembro de 1937. Esta
"pressupoe necessariamente que 0 Estado esteja exercendo
"normalmente os poderes constitucionais que na Lei Magna
"lhe sac atribuidos, e consiste essencialmente na avocaçao,
554 CASTRO NUNES

"pelo Govêrno da Uniao, dos poderes autônomos do Estado-


"-membro na medida necessaria para os fins da intervençao~
"0 Estado de Sergipe ja esta atualmente sob regime de inter-
"vençao federal, decretada ex-vi do disposto no art. 176,
"parag. unico, das Disposiçoes Transit6rias da Constituiçao.
"Nao se compreende que contra um ato do interventor
"do Estado (representante do Presidente da Republica, que
"em nome dêste exerce os poderes de que se acha investido)
"se requisite intervençao, que s6 na sua demissao ou destitui-
"çao pode consistir; tendo, coma tem, 0 Presidente da Repu-
"blica 0 poder de cassar os seus atos arbitrârios ou inconve-
"nientes, e até mesmo 0 de substitui-lo livremente, se as sim
"julgar oportuno. 0 casa é, pois, de representar 0 Tribunal
"de Sergipe, diretamente, ao Presidente da Republica contra
"os atos do interventor, que considera inconstitucionais ou
"ilegais.
"A êste Supremo Tribunal falece competência para re-
"quisitar ao Presidente da Republica providências contra atos
"de um representante ou preposto dele, Presidente, que age
"em seu nome e sob sua exclusiva responsabilidade.
"Nao ha, nao pode haver, intervençao federal contra atos
"de autoridade federal.
"Alias, - ainda que estivesse 0 Estado de Sergipe no exer-
"cicio autônomo de seus poderes constitucionais - nao com-
"petiria a êste Supremo Tribunal, pelos fatos expostos no ofi-
"cio de fls., requisitar intervençao federal; porque, pelos que
"a autorizariam corn fundamento na letra c do art. 9.° da
"Constituiçao, a atribuiçao de a decretar compete, privativa-
"mente, ao Presidente da Republica, ex-vi do disposto no
"parag. unico do mesmo artigo, e quanto ao alegado desres-
"peito às deliberaçoes do Tribunal sergipano sôbre 0 concurso
"para provimento de cargos vagos de juiz de direito, nao se
"trata de "execuçao de sentença federal" (caso da letra f do
"citado art. 9.°), senao de participaçao de um Tribunal esta-
"dual em ato da administraçao interna do Estado-membro,
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAruO 555

';nos têrmos do art. 193, principio, e letra a, da Constituiçao


"Federal". 8
4. Sentenças condenatOrias da Fazenda Publica Esta-
dual ou municipal. 0 preceito do art. 95 e parâg. fulico s6
se refere à Fazenda Nacional. Mas a razao de ser da medida
ai adotada existe por igual nos casos em que condenado seja
um Estado ou municipio a uma prestaçao pecuniâria. Visa,
como jâ vimos (cap. II do tit. III), assegurar eficacia às pro-
nunciaç6es do Judiciârio nas causas movidas contra a Fazen-
da Publica, de execuçao até entao procrastinada à sombra de
tôda a sorte de conchavos. E assim 0 entenderam as Cartas
estaduais, sob a Constituiçâo de 34, inserindo 0 preceito corn
as necessârias adaptaç6es. É um principio do regime, a bem
da garantia dos direitos reconhecidos contra a Fazenda Pu-
blica, que, de outro modo, nâo pode ser compelida a satisfazer
a condenaçao.

8 Arq. Judicidrio, v. 46, p. 404.


CAPtTULO m
MINISTÉRIO P'OBLICO FEDERAL E LOCAL
(Clausulas de base)

SUlldmo: 1. Mlnistérlo publleo. noçiio. 2. 0 Mlnistérlo PUblieo na prlmeira Cons-


tltulçiio republleana. A el{~usula "enquanto bem servir". 3. 0 Mlnlstérlo
PUblieo eomo 6rgiio de cooperaçiio. 4. Organlzaçiio atual do Mlnlstérlo PU-
blleo federal. 5. Mlnlstérlo Publleo local.

1. Ministério Pitblico, noçao. 0 Ministério Publieo, diz


JULES COUMOUL, é 0 agente ativo da justiça em todos os as-
suntos em que predomina 0 interêsse geral. Da funçao ju-
dieiaria é êle 0 dinamo que a impulsiona ou a faz mover.
Por isso é que se deve entender eomo peça aecessoria do Poder
Judiciario. "La règle de la separation des pouvoirs une fois
admise, en effet, elle ne saurait souffrir que le pouvoir exe-
cutif ait dans sa main une institution d'ordre essentielle-
ment judiciaire".
RUI BARBOSA, entre nos, fixou 0 carater da instituiçao :
"0 orgao da Justiça Publiea naD é um patrono de causas, in-
"térprete pareial de conveniências, coloridas corn mais ou
"menos mestria: é rigorosamente a personifieaçao de uma
"alta magistratura. A lei naD 0 instituiu solicitador das pre-
"tensoes contestaveis do erario, de seus interêsses injustos :
"mandou-o, pela contrario, em todos os feitos, onde ser-
"visse, "dizer de direito", isto é, trabalhar imparcialmente na
"elucidaçao da justiça".''l
Dai a necessidade dàs garantias da funçao, garantias que
nao precisam ser tao amplas quanto as que cercam a funçao
judicial propriamente dita, mas que, segundo COUMOUL,
l Atos Inconstitucionais do Congresso e do Executivo, p. 11.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAIuo 557

devem assegurar que êle chama "l'esprit de justice dans la


0
direction de leur carrière". Era a situaçao de estabilidade
relativa que a antiga jurisprudência emprestava à clausula
"enquanto bem servir", posta de permeio entre a vitaliciedade
e a demissibilidade ad nutum.
Na mesma ordem de idéias, acrescenta COUMOUL que a
razao de ser da garantia funcional resulta da distinçao fun-
damental entre os dois poderes - 0 Executivo e 0 Judiciario
- em matéria de infraçoes penais. 0 Executivo se destina
a preveni-las; é a sua funçao policial. 0 Judiciario tem a
missao de as reprimir; é uma funçao coercitiva, punitiva, es-
tritamente penal. E é no desempenho desta, acrescenta, que
intervém 0 Ministério PUblico, por isso mesmo cognominado
. de magistratura em pé. 2
2. 0 Ministério Publico na primeira Constituiçao repu-
blicana - A clausula "enquanto bem servir". A Constitui-
çao de 91 s6 aludia ao procurador geral da Republica, chefe
do Ministério Publico federal, como, alias, igualmente, diga-se
desde ja, a atual Carta Politica. 3
Organizou-o 0 dec. n. 848, de 1890, anterior àquela Cons-
tituiçao, seguindo-se-lhe a lei n. 221, de 1894, e outras subse-
quentes, sôbre aspectos de detalhe.
Os procuradores seccionais da Republica eram nomeados
com a clausula "enquanto bem servirem", cujo entendimento
na tradiçao do nosso direito administrativo equivalia à de-
missibilidade ad nutum, mas que veio a ter significado di-
verso que lhe deu 0 Supremo Tribunal, ja entao sinônima de
estabilida(ie, meio têrmo entre a vitaliciedade e a livre demis-
sibilidade.
:G:sse entendimento foi pela primeira vez fixado pelo ac6r-
dao de 23 de abril de 1913 (caso da Coletoria de Sao Simao, do
Estado de Sao Paulo), do quaI fôra relator PEDRO LESSA, 4 se-
guido de muitos outros julgados, no sentido de que aquela
clausula era equivalente à americana during good behaviour,
COUMOUL, Traité du Pouvoir Judiciaire, ps. 386, 395 e 402 e segs.
• Veja-se 0 cap. II do tit. m.
• Rev. de Direito, v. 29, ps. 325 e segs.
558 CASTRO NUNES

conferindo ao funcionario uma verdadeira garantia de esta-


bilidade, distinta da vitaliciedade mas inconfundivel com a
livre demissibilidade. 5
Os procuradores seccionais eram nomeados com a dita
clausula e ja havia no mesmo sentido jurisprudência assen-
tada com relaçao a êles. 6
Ainda em abril de 1926, na apel. civel n. 3.481, sendo re-
lator do acordao 0 ministro PEDRO DOS SANTOS, 0 Tribunal, ja
vacilante, assentava, todavia, que "ainda quando se naD dê
"à clausula "enquanto bem servir" 0 sentido da vitaliciedade,
"que ela tem na Inglaterra e nos Estados Unidos, como esta
"reclamando a boa hermenêutica, em todo 0 casa naD é licito
"desconhecer que entre nos ela oferece ao nomeado relativa
"garantia de naD poder ser privado do seu cargo, senao se
"apurando que mal serviu 0 mesmo cargo".
Ja era grande, entao, 0 numero de votos vencidos que,
acompanhando a argumentaçao do ministro HERMENEGILDO
DE BARROS, entendiam que a dita clausula tinha sentido di-
verso da arnericana, consoante as tradiçoes do nosso direito
adrninistrativo, que a adjetivava aos cargos de irnediata con-
fiança, tais corno os de chefe de Policia, corn 0 sentido obvia
de deixar livres os rnovirnentos do Govêrno, juiz inapelavel do
born ou rnau desernpenho dado à funçao.
o acordao de 6 de seternbro de 1927, na apel. civel n. 5.349,
deu ganho de causa a essa corrente, na questao entre 0
dr. OSWALDO POGGY DE FIGUEIREDO, exonerado do cargo de pro-
curador seccional no Espirito Santo, e a Uniao Federal (acor-
dao no Arq. Judicidrio, v. VIII, p. 30; veja-se, a seguir, 0 voto
vencido do rninistro PEDRO DOS SANTOS, ps. 32 e segs.).
Cornentando êsses julgados, escreveu LEvi CARNEIRO:
" ... na jurisprudência do Tribunal vern se acentuando uma
"nova orientaçao que subverte os principios anteriorrnente
"assentados sôbre a estabilidade dos funcionarios publicos :
"considerando-os dernissiveis ad nutum sernpre que nornea-
"dos sob a clausula "enquanto bern servirern". Esta clausula
• Rev. do Supremo Tribunal, v. m, parte 1.', ps. 175 e 493.
ü Rev. do Supremo Tribunal, v. 35, p. 129; v. 23, p. 142; v. 67, p. 285.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 559

"era tida coma correspondente à formula americana during


"good behaviour, que significa a vitaliciedade, 7 a inamovi-
"bilidade. 8
"Esta correspondência foi, ainda uma vez, demonstrada,
"corn a habituaI proficiência, pela sr. ministro PEDRO DOS SAN-
"TOS, em voto vencido ao acordao de 6 de setembro de 1927,
"relatado pelo sr. ministro ARTUR RmEffio. 9 Entretanto, neste
"caso, e em outros, 10 foi se firmando a nova jurisprudência,
"que atribue à clausula, em nosso direito, significado diverso e
"restrito, e que 0 eminente ministro sr. HERMENEGILDO DE BAR-
"ROS mostrou ter 0 apoio de sete votos irredutiveis, além do
"proprio presidente. 11
"Poderia, contudo, haver decisoes no sentido da jurispru-
"dência anterior, em virtude da maioria ocasional, e, agora, a
"morte do ministro HEITOR DE SOUSA reduziu a seis aqueles
"votos, nao me sendo conhecida a opiniao do nova ministro
"sr. RODRIGO OTAVIO.
"Sem entrar" - acrescenta 0 emérito publicista - "na
"ap:rreciaçao do merecimento das doutrinas em coilflito, que 0
"momento nao comportaria, e contentando-me corn apontar a
"repercussao politica da jurisprudência do Tribunal, suponho
"irrecusavel que a nova jurisprudência fortalece, de modo no-
"tavel, a autoridade do Poder Executivo, investindo-o de po-
"deres absolutos sôbre numerosos funcionarios, garantidos
"plenamente pela jurisprudência anterior". 12
3 . 0 Ministério Pitblico como orgao de cooperaçao. A
Constituiçao de 34 mencionava coma "orgâo de cooperaçâo
"nas atividades governamentais" 0 Ministério Publico, 0 Tri-
bunal de Contas e os conselhos técnicos.
o chefe do Ministério PUblico nos juizos comuns (ressal-
vadas as organizaçoes especiais que teria junto às justiças
PIERSON, Our Changing Constitution, p. 9.
B DrCEY, Introdution à l'Etude du Droit Constitutionnel, p. 141.
9 Rev. de Direito, v. 90, pS. 65-79.
10 Rev. de Direito, v. 90, p. 79.
U Pandeètas Brasileims, v. IV, parte II, ps. 96-97.
]3 LEVi CARNEIRO, Federalismo e Judiciarismo, 1930, pS. 107-198.
560 CASTRO NUNES

eleitoral e militar) era 0 procurador geral da Republica, no-


meado pele Presidente da Republica com aprovaçao do Se-
nado dentre cidadaos com os requisitos para ministro da
Côrte Suprema. Era demissivel ad nutum.
Cogitava, a seguir, dos chefes do Ministério Publico no
Distrito Federal e nos Territorios, que teriam de ser escolhidos
"dentre juristas de notavel saber e reputaçao ilibada, alista-
"dos eleitores e maiores de 30 anos", equiparados, quanto aos
vencimentos, aos desembargadores.
Exigia concurso para as demais nomeaç6es, acrescentan-
do - CIe so perderao os cargos, nos têrmos da lei, por sentença
"judiciaria, ou processo administrativo, no quaI lhes sera as-
"segurada ampla defesa".
Examinando a posiçao do Ministério Publico em face da
Constituiçao de 34, escreveu TEMISTOCLES CAVALCANTI: "A co-
"locaçao do Ministério Publico entre os orgaos de cooperaçao
"nas atividades governamentais, veio dar-lhe um relêvo que
"so existia pela natureza das funç6es que sempre exerceu,
"mas veio, também, por outro lado, sugerir um novo debate
"sôbre a sua posiçao perante 0 Poder Executivo".
E linhas adiante :\ "Sob 0 ponto de vista juridico, nota-se
"em nossa legislaçao urha tendência bem acentuada para co-
"locar 0 Ministério Publico como orgao da lei e da defesa
"social. A sua açao, eminentemente fiscalizadora, exige de
"seus membros uma perfeita independência do Poder Exe-
"cutivo, para que nao se transforme em instrumento de in-
"terêsses politicos a que se acham necessariamente ligados os
"orgaos do Govêrno, mormente levando-se em consideraçao
"0 seu carater eletivo. \ \ \
"Teoricamente, pode se verificar uma subordinaçao ou,
"melhor, uma relaçao mais intima entre 0 Po der Executivo e
"0 Ministério Publico, em matéria de repressao penal. Ali,
"pode-se considerar a açao do Ministério Publico um prolon-
"gamento da açao repressiva, iniciada pelo Poder Executivo,
"por intermédio de seus aparelhos de repressao, principal-
"mente os de natureza policial.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 561

"Foi, por isso, que ja houve quem denominasse 0 Ministé-


"rio Publico como 0 "ôlho do Govêrno" junto ao Poder Judi-
"ciario (TREILHARD), ou como 0 agente do Govêrno juntoà
"autoridade judiciaria.
"Essa tendência, que teve a sua origem na velha doutrina
"francesa, quando 0 Ministério Publico ainda podia se con-
"siderar como 0 advogado do Rei, nao se concilia mais com a
"tendência moderna do Ministério publico.
"A funçao repressiva naD po de ser considerada puramente
"governamental; obedece, antes, a uma finalidade social,
"que deve ser preenchida por todos os ôrgaos governamentais.
"Explica-se, portanto, a açao cooperadora do Ministério Pu-
"blico, dentro dêsse critério, como 0 prolongamento da açao
"repressiva, perante 0 Poder Judiciario".
Acrescenta, a seguir, 0 ilustre expositor: "É preciso, no
"entretanto, compreender a tese, dentro do quadro em que se
"deve movimentar a açao do Ministério Publico, isto é, das
"relaç6es que mantém corn 0 Poder Executivo e com 0 Poder
"Judiciario.
"Nao se pode, efetivamente, levar a independência do Mi-
"nistério Publico ao ponto de negar aQ Poder Executivo 0
"contrôle indispensavel à disciplina daquele ôrgao judiciario.
"A independência do Ministério e a sua unidade cons-
"tituem, porém, as duas condiç6es de sua existência. Fora
"dêsse quadro, nao pode levar a têrmo as suas finalida-
"des, sob pena de sofrer a influência da politica, e de perder
"a fôrça inerente às organizaç6es autônomas".13
4 . Organizaçao atual do Ministério Publico federaI.
o dec.-Iei n. 986, de 27 de dezembro de 1938, deu nova orga-
nizaçao ao Ministério Publico federal, adaptando-o ao sis-
tema da atual Constituiçao que, precindindo de uma justiça
federal de primeira instância, cometeu aos jUlzes locais com-
petência para processarem e julgarem as causas em que seja
parte, principal ou auxiliar, a Fazenda Nacional.

13 Instituiçoes de Direito Administratwo, 2." ed., v. 1.°, ps. 530-532.

F.36
562 CASTRO NUNES

o Ministério Publico federal, diz <> art. 1.0, sera exercido :


l, pela procurador geral da Republica; II, pelos procuradores
regionais da Republica, sendo que (art. 3.°) cada Estado, 0
Distrito Federal e 0 Territorio do Acre constitue uma regiâo,
onde tera exercicio pela menos um procurador regional; III,
pelo procurador da Propriedade Industrial; IV, pelos pro-
curadores adjuntos; V, peles promotores de justiça dos Esta-
dos e do Territorio do Acre, quando representarem em juizo a
Fazenda Federal.
o cargo de procurador geral da Republica é provido em
comissao, devendo a escolha recair em pessoa que tenha os
requisitos para ministro do Supremo Tribunal. 14
Os procuradores regionais e demais membros efetivos do
Ministério Publico federal gozam das garantias asseguradas
em lei aos funcionarios publicos em geral, aplicando-se-Ihes 0
Estatuto dos Funcionarios Publicos Civis da Uniao (dec.-Iei
n. 1. 713, de 28 de outubro de 1939, art. 1.0, parag. linico).
Um procurador regional e dois dentre os procuradores
adjuntos poderao ter exercicio junto ao procurador geral, por
designaçao dêste (art. 4.°).
A Uniao é citada inicialmente na pessoa do procurador
geral, quando a causa for da competência originaria do Su-
premo Tribunal. Nas demais causas sao citados os procura-
dores regionais.
Os procuradores nao podem transigir, comprometer-se,
confessar, desistir ou fazer composiçoes, salve se, ouvido 0
procurador geral e obtida por êste a permissao do Govêrno,
forem por aquele autorizados a fazê-Io (art. 20). 15
Os membros do Ministério Publico sao responsâveis soli-
dariamente corn a Fazenda Nacional 'Pelos prejuizos decor-
14 Do procurador geral da Repùbl1ca como 6rgâo articulado corn 0 Supremo Tri-
bunal Federal je. tratamos no cap. II do tit. III.
15 Nao obsta a prescriçao intercurrente 0 fato de haver 0 procurador adjunto
assinado em audiência prazo para 0 autor sustentar os embargos, se je. consumada
a prescriçao, pelo principio de que, sem expressa autorizaçâo do Govêrno, por in-
termédio do' procurador geral da Repùbl1ca, nao podem os procuradores transigir e,
portanto, renunclar à prescriçâo (Supremo Tribunal, embargos na apel. civel
n. 5.714, ac6rdâo de 6 de janeiro de 1943).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 563

rentes de negligência, omissao ou abuse no exercicio de suas


funçoes (art. 19).16
Nas capitais dos Estados, do Territorio do Acre e no Dis-
trito Federal a cobrança da divida ativa da Uniao compete aos
procuradores regionais, e aos promotores de justiça (orgaos
locais) quando a açao houver de ser proposta noutro fôro
(art. 25), atribuiçao que pôde ser conferida ao Ministério Pu-
blico dos Estados corn base no art. 109, parag. unico, da Cons-
tituiçao, in verbis "podendo (a lei) cometer ao Ministério Pu-
"blico dos Estados a funçao de representar em juizo a Fa-
"zend a Federal". 17
As atribuiçoes estao enumeradas no dèc.-Iei n. 986, arts. 7.°
e segs., corn as alteraçoes do dec.-Iei n. 5.455, de 3 de maio
de 1943. 18
5. Ministério P1iblico local. 0 interêsse do exame na
orbita local esta somente na escolha do procurador geral~
para saber se os Estados, ou 0 legislador federal quando or-
ganiza as justiças locais do Distrito e dos TerritOrios, podem
cometer a funçao a um magistrado, membro do Tribunal de
Apelaçao, como se praticava outrora, na vigência da Consti-
tuiçao de 91 e da reforma de 26.
Entendia-se entao que, naD obstante estabelecido na
Constituiçao, quanto ao procurador geral da Republica, que
10 SObre a responsabilldade solidâria do funcionârio corn 0 Estado por atos de
funçao. veja-se 0 nosso Do Manaado de Segurança. onde abordamos os diferentes
aspectos da matéria. no capitulo "Responsab1l1dade do Estado por atos do Pader
publico".
17 No julgamento do agr. n. 10.173. do Maranhao. suscitou-se perante al .• Turma
a questâo de saber se podem agir pela Uniâo os adjuntos de promotor ou somente
os promotores. coma opinara a ProcuradorJa GeraI da Republica. e assim me pa-
receu no voto que proferi. corn base no dec.-Iei n. 986. arts. 25. 26. 27. 28. 29,
31. 33 e 36.
A representaçâo da Uniao nos processos de herança jacente (dec.-Iei n. 1.907.
de 26 de dezembro de 1939). nas comarcas do interior. pertence aos promotores das
justiças dos Estados. por determinaçao do dec.-Iei n. 2.254, de 30 de maie de 1940.
lB Relativamente aos recursos extraordinarios. 0 dec.-lei n. 2.590. de 17 de se-
tembro de 1940. dispensou a audiência do procurador geral. salve se for parte
pessoa Jurfdica pUblica ou se 0 relator 0 solicitar. 0 Regimento Interno. emen-
dado em 9 de dezembro de 1942, desdobrou 0 pensamento da lei nos seguinteS
têrmos: "nos recursos extraordinarlos. se tor parte pessoa juridica pUblica. in-
"clusive autarquia federal. estadual ou municipal ou 6rgâo do Ministério PUblico,
"ou quando 0 relator 0 solicitar".
564 CASTRO NUNES

êste teria de ser um dos ministros do Supremo Tribunal, por


escolha do Presidente da Republica, nao estavam os Estados
obrigados a seguir 0 paradigma federal. Alguns Estados afas-
tavam-se dêsse critério, permitindo a escolha fora dos qua-
dros da magistratura. 19
Hoje, porém, es sa possibilidade de dispor diversamente, ja
agora para permitir que 0 cargo pudesse ser exercido por de-
sembargador Ou outro magistrado, esta coartada pela dis-
posto no art. 92, que proibe aos juizes, ainda que em dispo-
nibilidade, exercer qualquer outra funçao publica, sob pena
de perda do cargo judicial e das vantagens a êste correspon-
dentes.
Que a funçao do Ministério Publico é estranha e até in-
compativel, de seu natural, com a de juiz, nao padece duvida.
Ainda que correlat a, é funçao diversa, correspondente a car-
reiras diferentes e de feiçao tao antagônica com a judicatura;
que ter a sido êsse um dos motivos, nos têrmos da critica de
PEDRO LESSA, que terao determinado a escolha fora dos qua-
dros da judicatura.

10 CASTRO NUNES, As Constituiç6es EstacLuais, l, p. 154.


· Titulo VIII

, -
DO JUDICIARIO EM FUNÇAO
CAPiTULO 1

FUNÇOES DO PODER JUDICIARIO

SUMAlIro: 1. Funçao do Poder Judiciario. 2. Direito à. jurisdiçao. 3. Conceito de


jurisdiçao. Jurisdiçli.o contenciosa. 4. Jurisdiçâo penal. Jurisdiçâo civil.
5. A jurisdiçao repressiva e 0 direito de graça. 6. Direito subjetivo. Con-
diçôes de ingresso em juizo. Açôes :populares. 7. Dlreitos publicos subje-
tlvos. B. As questôes administratlvas na competência judlciarla. 9. Ju-
rlsdiçao e execuçâo. 10. Funçôes complementares da Justiça.

1. Funçao do Poder Judiciârio. A funçao caracteris-


tica do orgao judiciario é a jurisdiçao, isto é, a funçao de dizer
o direito contestado entre partes. É a jurisdiçao contenciosa,
de que trataremos adiante, com a eficacia coercitiva que se
traduz na execuçao compulsoria ou forçada. Mas nem so
essa é a funçao dos orgaos judiciarios. Também exercem
estes a jurisdiçao dita administrativa, graciosa ou voluntaria,
em regra desprovida de execuçao forçada e que cede 0 passo
à contenciosa, surgindo controvérsia - voluntaria jurisdictio
transit in contensiosam, interventu justi adversarii - por-
que as decisoes nela proferidas naD fazem coisa julgada,
abrindo caminho à discussao no juizo contencioso. Por isso
mesmo se diz semi-plena es sa forma da atividade judiciaria,
a que os romanos negavam 0 carater de jurisdiçao, consoante
a distinçao que estabeleciam entre jurisdictio e imperium,
consistindo esta mais em providências administrativas do
que em via declaratoria do direito - quœ sunt magis imperii
quam jurisdictionis.
Essa forma de jurisdiçao imperfeita, susceptivel de reexa-
me por via contenciosa, pode estar fora dos orgaos judiciarios,
como ja vimos nos capitulos da Introduçao, reservada, toda-
568 CASTRO NUNES

via, ao Judiciario na sua funçâo propria, que é decidir con-


tenciosamente da aplicaçao da lei em espécie, 0 julgamento
definitivo da questâo. 1
Assim é em nosso direito positivo (em outros pais es existe
via jurisdicional paralela, e conclusiva, a cargo de orgâos ad-
ministrativos) .
o conceito de jurisdiçâo é, materialmente, um so, como
ja fic ou explicado em outra lugar. Nâo muda, em substân-
cia, quando exercida por orgâos judiciarios, concepçâo pura-
mente formal que leva ao preconceito de supor essa atividade
do Estado como circunscrita a êsses orgâos.
É dêsse ponto de vista, isto é, olhando a noçâo pela orgâo
que a exerce, que os expositores do direito judiciario a defi-
nem: jurisdiçâo, ensina MATTIROLO, é 0 "poder exercido pela
"autoridade judiciaria no desempenho de suas funç6es" (ob.
cit., v. I, p. 4).
Do mesmo modo os expositores patrios: "0 poder de ad-
"ministrar justiça" (RAMALHO, Praxe, § 1.0); "funçâo espe-
"cifica do Poder Judiciario" (JoAo MENDES, Direito Judicia-
rio, p. 31).
JOAo MONTEIRO apreendeu a noçâo no seu conjunto, dis-·
tinguindo. Em seu sentido amplo define-a como "0 poder de
"conhecer dos negoeios publieos e resolvê-Ios", 0 que vai muito
além da noçâo, nos têrmos ja expostos, pois que nem tôda
deliberaçâo sôbre os "negoeios publieos" constitue ato de ju-
risdiçao. Em seu sentido restrito ao direito judieiario: "0
"poder das autoridades judieiarias no exercicio das respecti-
"vas funç6es" (Processo Civil, I, § 34).
2. Direito à jurisdiçao. 0 direito à jurisdiçâo é um co-
rolario do primado da lei, isto é, do principio da legalidade
que domina tôdà a atividade do Estado.
1 PEDRO LESSA definiu como funçâo pr6pria do Poder Judiciario a de aplicar con-
tenciosamente a lei a casos particulares (Do Poder Judicitirio, p. 1). A critica de
PAULO LACERDA (Direito Constitucional, v. 2.°, ps. 477 e segs.), repetida por outro
sem lhe indicar a prioridade, perdeu de vista que PEDRO LESSA definira a funçâo
pela seu traço caracterlstico, que é a contenciosidade, 0 que êle mesmo expl1ca, em
nota, citando GLÜCK, corn a circunstância a mais de que a jurisdiçâo jederal, de
que tratava 0 autor brasiJeiro, era, por definiçâo, contenciosa, camo é do conheci-
mento dos familiarizados corn 0 Direito Pùblico Federal.
TEORIA E PRATICA DO PODER JunICrARro 569

A lei, definida coma norma impessoal da conduta dos go-


vernantes, leva, necessariamente, à jurisdiçâo, corolario da
obrigatoriedade da norma, porque, como diz CmMIENTI, 0
dever de obediência envolve 0 direito à defesa judiciaria _
«l'individu~, accanto al dovere di obbedienza a quelle norme,
ha la pretesa giuridica alla difesa giudiziaria".2
Em face da Constituiçao brasileira 0 direito à proteçao
jurisdicional esta implicito coma garantia resuItante da
forma de govêrno e dos principios nela consignados, porque
inerente à segurança dos direitos, condiçao da paz social, do
bem-estar e da prosperidade do povo (Preâmbulo e art. 123
da Constituiçao).
Articula-se corn 0 direito à jurisdiçao 0 principio ja exa-
minado, em virtude do quaI ninguém pode ser privado dos
seus juizes naturais, por igual implicito na Constituiçao.
Ja vimos no cap. II da Introduçao que a jurisdiçao pode
estar fora dos 6rgaos judiciarios, toma da a palavra no seu
sentido genérico.
Trata-se, agora, somente da juris'diçéio judiciciria, diga-
mos assim, cuja amplitude depende do direito positivo de cada
pais, sendo que em alguns existe uma jurisdiçao paralel:;t,
administrativa, conclusiva e, portanto, privativa para as ques-
toes entre a administraçao e os particulares.
Entre n6s, porém, tais questoes entram na competência
judiciaria, do que decorre que 0 âmbito judiciario é, em prin-
cipio, ilimitado, nao encontrando outras limitaçoes senao as
decorrentes da Constituiçao ou corn esta compativeis.
É essa a regra do regime, mantida na atual Constitui-
çao, como veremos adiante.
3. Conceito de jurisdiçao - Jurisdiçao contenciosa. 0
conceito dominante de jurisdiçao tem as suas raizes no di-
reito romano, em que se definia a jurisdictio (juris dictio,
juris declaratio) pelos seus dois elementos componentes, a
notio e 0 judicium, e mais 0 imperium, noçao complementar
mas diversa daquela. Os jurisconsuItos romanos subdivi-
" CHIMIENTI, Diritto Costituzionale, 1934, p. 348.
570 CASTRO NUNES

diam imperium em merum e mixtum, dizendo mixtum 0


0
imperium a que inerisse a jurisdiçcïo - cui etiam jurisdictio
inest. Essa forma do imperium competia aos magistrados
superiores, integrando-se nele a jurisdiçao chamada plena,
porque reunidos no mesmo orgao os dois elementos, a decla-
ratio e a coertio, a que corresponde na linguagem corrente a
execuçcïo da sentença. Aos magistrados menores sa compe-
tia 0 imperium merum, mero poder de ordenaçao, mais admi-
nistrativo do que propriamente judiciario, constituindo a ju-
risdiçao dita semi-plena.
Diz MATTIROLO que a distinçao ja naD tem razao de ser,
porque 0 magistrado moderno, ao inverso do romano, tem 0
imperium mixtum, pelo quaI se define a jurisdiçao plena, com-
preendendo a declaraçao do direito controvertido entre par-
tes e a funçao de comando judicial que lhe é inerente e se
traduz na fôrça executoria da sentença. 3
É a jurisdiçao contenciosa, definida pela mesmo autor
como 0 poder que tem 0 magistrado de declarar 0 direito con-
trovertido entre partes e de dar à sua decisao eficdcia exe-
cut6Tia. Em uma palavra: 0 imperium mixtum dos ro-
manos. 4
4. Jurisdiçao penal - Jurisdiçao civil. A jurisdiçao
civil pode ser, e 0 é em alguns pais es, subtraida em certas
matérias aos orgaos judiciarios; tal é a jurisdiçcïo adminis-
trativa, dela destacada e cometida a tribunais da propria ad-
ministraçao ou alheios ao Poder Judiciario. Outro tanto naD
se da, porém, com a jurisdiçao penal, que é essencialmente
judicidria, na teoria constitucional.
Como diz ORBAN, naD é precisa que isso esteja expresso
na Constituiçao, como desnecessario se tornou declarar abo-
lida a escravidao ou a tortura. É que a tutela da liberdade
corporea naD poderia ficar a cargo do Executivo sem regredir
a um passado extinto, às jurisdiçoes extraordinarias surgidas
dos acontecimentos por emanaçao do arbitrio do Principe.
3 MATTIROLO, Diritto Giudiziario, 5." ed., v. 1.", p. 13.
4 MATTIROLO, Diritto Giudiziario, p. 11. Veja-se adiante, "Jurisdiçao e execuçao".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 571

Por isso acrescenta aquele expositor: "L'administration de la


justice repressive rentre toute entière et exclusivement dans
la fonction judiciaire; elle ne peut en être détachée; le le-
gislateur ne pourrait ni confier le jugement d'un procès cri-
minel à une autorité differente des courts ou tribunaux, ni
retenir pareil procès pour s'en attribuer lui même la de-
cision".5

5 . A jurisdiçao repressiva e 0 direito de graça. 0 direito


de graça, nas suas diferentes modalidades, naD coUde corn a
funçao judicial e por isso mesmo naD constitue uma exceçao
ao principio dos poderes separados. Dele ja nos ocupamos
no cap. l do tit. I.
. Na Constituiçao atual 0 direito de graça esta atribuido ao
Presidente da Republica coma prerrogativa (art. 75, letra f),
do que resulta que a atribuiçao é tôda do Chefe da Naçao,
nada restando aos Estados, porque a prerrogativa é, de seu
natural, incompartivel. 6 Ja assim 0 era, também, sob a
Constituiçao de 34 que, mantendo embora a dualidade judi-
ciaria, naD reservara ao Presidente da Republica somente 0
indulto e comutaçao de penas nos crimes da jurisdiçao fe-
deral, senao em quaisquer outros, ainda que da orbita judi-
cante dos Estados, ao inverso da de 91 que Ihe conferia 0
poder corn essa limitaçao. A anistia, na tradiçao liberal, sem-
pre se reservou por texto expresso às assembléias representa-
tivas. Assim 0 era nos textos anteriores. A Constituiçao
atual naD interrompeu a tradiçao, inserindo coma do poder le-
gislativo a anistia, ao declarar no art. 16, XXV, que à Uniao
compete privativamente (corn exclusao dos Estados) legislar
sôbre anistia. 7

6 ORBAN, ob. dt., v. II, ti. 259.


• M. BLOCK, Dictionnaire de la Politique, II, v. Prerrogatij.

• 0 C6digo de Processo Penal (dec.-Iei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941) dispôe


sôbre a "graça, indulto e anistia", nos têrmos seguintes:
"Art. 734. A graça podera ser provocacta por petiçiio do condenado, de qual-
"quer pessoa do povo, do Conselho Penitenclario, ou do Ministério Publieo, ressal-
"vada, entretanto, ao Presidente da Republiea a faeuldade de eoneedê-Ia espon-
"taneamente.
572 CASTRO NUNES

6. Direito subjetivo - Condiçoes de ingresso em ]WZO


Açoes populares. Para que 0 direito .se possa conceituar
como subjetivo, isto é, como faculdade de agir - facultas
agendi - é necessario que reuna certos requisitos que condi-
cionam 0 seu ingresso em ]UlZO. É matéria disciplinada pela
direito judiciario, mas que tem cabimento aqui, porque sao
êsses requisitos que estabelecem 0 traço diferencial das cau-
sas que se devem entender excluidas, ou nao, da jurisdiçao.
Segundo a escola classica de SAVIGNY, fundada no di-
reito romano, a açao é 0 proprio direito subjetivo em movi-
mento. Por êste se define a açao como direito emergente
ou complementar - jus persequendi in judicio quod sibi de-
betur, consoante a definiçao romana.
Outra doutrina vê na açao um direito à parte, autônomo,
um dos direitos potestativos de que fala CmovENDA. Seja
como for, porém, a funçao do juiz é verificar se existe 0 di-
reito reclamado na sua configuraçao legal, isto é, se existe
a norma legal invocada e um fato que traduza a violaçao dessa
"Art. 735. A petiçao de graça, acompanhada dos documentos com que 0 im-
"petrante a instruir, sera remetlda ao ministro da Justlça, por Intermédl0 do Con-
"selho Penltenclarl0.
"Art. 736. 0 Conselho Penitenciarl0, à vista dos autos do processo, e depois
"de ouvir 0 dlretor do estabelecimento penal a que estiver recolhldo 0 condenado,
"fara, em relatOrio, a narraçao do fato crlmlnoso, examlnaraas provas, menclo-
"nara qualquer formal1dade ou clrcunstancla omltlda na petiçao e expora os an-
"tecedentes .do conde na do e seu procedimento depols de preso, oplnando sôbre 0
"mérlto do pedido.
"Art. 737. Proce8sada no Mlnlstérl0 da Justiça, com os documentos e 0 rela-
"t6rl0 do Conselho Penltenclarl0, a petiçao subira a despacho do Presidente da
"Repûbl1ca, a quem serao presentes os autos do processo ou a certldâo de qualquer
"de suas peças, se êle 0 determlnar.
"Art. 738. Concedida a graça e junta aosautos c6pla do decreto, 0 julz de-
"clarara extlnta a pena ou penas, ou ajustara a execuçâo aos têrmos do decreto,
"no caso de reduçao ou comutaçâo de pena.
"Art. 739. 0 condenado podera recusar a comutaçao da pena.
"Art. 740. Os autos da petiçâo de graça serac arqulvados no Mlnlstério da
"Justiça.
"Art. 741. Se 0 réu for beneficlado por lndulto, 0 juiz, de offclo ou a re-
"querlmento do lnteressado, do Minlstério Pûblico ou por lnlclatlva do Conselho
"Penltenchi.rlo, provldenclara de acôrdo com 0 dlsposto no art. 738.
"Art. 742. Concedlda a anlstla ap6s transltar em julgado a sentença conde-
"natôria, 0 juiz, Je oficio ou a requerimento do interessado, do Ministérlo Pûbl1co
"ou pOi' iniciativa do Conselho Penitendario, cleclarara extinta a pena'·.
TE ORlA E PRATlCA DO PODER JUDICIARIO 573

norma. É a isso que os processualistas chamam "0 direito


originario da açao". 8
A violaçao, positiva ou negativa, tera de ser conceituada
como fato, procedimento ou atitude contra direito. "Nin-
"guém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
"coisa, senac em virtude de lei", principio que, embora nao
expresso na Constituiçao atual, se deve haver como suben-
tendido corn base no art. 123, porque fundamental na confi-
guraçao dos direitos subjetivos.
De modo que a pretensao ajuizada ter a por objeto, em
primeiro pIano, 0 que, na técnica dos. escritores europeu~, se
chama um sindicato de legalidade, tendente à verificaçao, en-
tendimento e aplicaçao da regra normativa do ato ou abs-
tençao reclamada. 80 em segundo pIano aparece a indaga-
çao da constitucionalidade: ou quando naD exista lei de per-
meio, e neste casa 0 fato contraventor pode ser diretamente
examinado em face da Constituiçao ; .ou existe, e neste casa
o objeto da indagaçao é a lei posta coma obstaculo ao reco-
nhecimento do direito que se diz fundado na Constituiçao.
Nao basta, porém, ter 0 direito, isto é, po der apontar a
norma legal e 0 fato contrario a esta. Havera sem dûvida -
tal seja a hipotese - um interêsse publico em promover 0
restabelecimento da autoridade ou do império da lei violada
ou posta à mal'gem. Mas podeni naD existir 0 "interêsse de
"agir", na técnica processual, a ratio agendi, com os seus ca-
racteristicos secundarios. 9
o interêsse é a medida das aç6es. É, coma diz Cmo-
VENDA, a condiçéio especifica do direito de acionar. Dele re-
cuIta a qualidade de agir, isto é, 0 titulo para reclamar em
~uizo contra um dano, iminente ou emergente, susceptivel
de ser individualizado.
É pela interêsse, "legittimazione ad agire", na técnica do
egrégio CHIOVENDA, que se chega à averiguaçao da pertinên-
cia do direito, que, observa 0 mesmo autor, se confunde na
pratica corn a existência mesma da relaçéio juridica ajuizada.
8 JOAO MONTEIRO, Teoria do Processo Civil e Comercial, l, § 19.

o JOAO MONTEIRO, ob. clt., § 20.


574 CASTRO NUNES

Em todo 0 caso, da falta da legitimatio ad causam re-


sulta, nao a declaraçao da inexistência do direito ou a impro-
cedência do pedido, mas somente a de ser 0 autor carecedor
de açao - 0 que assinala 0 traço diferencial. É por êsse in-
terêsse especifico que 0 C6digo Civil define 0 direito de açâo
(arts. 75 e 76).
Mesmo naqueles casos, observa MORTARA, em que a lei
permite a quis que de populo 0 direito de usar de açao contra
atos administrativos arguidos de contrarios a direito ou le-
sivos do interêsse publico, 0 individuo exercita um direito sub-
jett'fl fundado na sua qualidade de cidadao, de eleitor ou de
contribuinte.
Nosso direito constituido nao admite as chamadas aç6es
populares, que 0 direito romano conheceu - De popularibus
actionibus (Dig., L. 47, tit. 23), destinadas à conservaçao e
defesa da coisa publica e intentadas por qualquer do povo. 10
Com a modern a organizaçao do Estado, essas açoes cai-
ram em desuso e ficaram sem objeto, porque os casos de que
se originavam sao fatos puniveis nas leis penais, nos regula-
mentos de pollcia, nas posturas municipais, etc.; e a defesa
da lei, scilicet do interêsse publico, se transferiu para 0 Mi-
nistério Publico e outros 6rgaos da açao administrativa do
Estado e das suas subdivisoes autonômicas. 11
7. Direitos piiblicos subjetivos. A noçao dos direitos
publicos subjetivos é de evoluçao relativamente recente, quer
na doutrina dos escritores, quer na jurisprudência. SANTI-
-ROMANO começa a sua monografia sôbre a teoria dos direi-
tos publicos subjetivos com esta interrogaçao: Sera possivel
que existam na esfera do direito publico outros direitos sub-
jetivos que nao sejam os do pr6prio Estado?

10 A Constltulçao de 1934, no art. 113, n. 38, as admltt:;.: "Qualquer cldadao sera


"parte legitlma para pleltear a declaraçao de nul1dade ou anulaçao dos atos le-
"slvos do patrlmônl0 da Unlao, dos Estados ou dos Munlciplos".
11 Veja-se CHIOVENDA, Diritto Processua!e, 4." ed. (1928), ps. 149, 154 e segs.; LUDO-
VICO MORTARA, Comentario, v. !, p. 62; JOAo MENDES, Direito Judiciario, p. 108;
MARTIN HO GARCEZ, Teoria Gera! do Direito, p. 162.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 575

Seria uma tese absolutista a negativa, incompativel com


os principios que dominam a proteçao juridica e 0 proprio
mecanismo do Estado, instituido para realizar 0 direito.
o egrégio professor italiano suscita a questao, mostra-lhe
os antecedentes germânicos, passa em revista as teorias de
GERBER, LONGO, JELLINECK, THON, JHERING e tantos outros, con-
cluindo que os direitos subjetivos existem como interêsses ju-
ridicamente protegidos, titulados no Estado ou a êste con-
trapostos pela individuo.
JELLINECK classifica-os em quatro categorias ou status :
subjectionis, libertatis, civitatis e activœ civitatis - ou, se-
gundo propoe SANTI-RoMANO: l, diritti de supremazia (que
pertencem ao Estado ou aos corpos autârquicos, tais como as
provincias e comunas); II, diritti di libertà; III, diritti ci-
vici; IV, diritti politici; V, diritti pubblici patrimoniali. 12

Mais recentemente SILVIO LONGHI apresenta a matéria de


outro modo, em quatro categorias: a) direitos de liberdade
(status libertatis, ou estado negativo), aos quais corresponde
da parte do Estado uma obrigaçao de nao fazer, situaçoes que
encontram, acrescentamos nos, no habeas-corpus 0 seu remé-
dio especifico; b) direitos civicos, que pressupoem da parte
do Estado uma prestaçao positiva (status civitatis ou estado
positivo), e entre êsses se incluem, mencionadamente, os di-
reitos da funçao publica, concernentes a nomeaçoes, promo-
çoes, etc.; c) direitos politicos, entre os quais se compreen-
dem os eleitorais, e, d) os estados de sujeiçao ou dependência
(status subjectionis) , que nao comportam 0 exercicio de
nenhum direito contra 0 Estado. 13
A questao divide os escritores no campo da doutrina filo-
sofica e da técnica juridica (veja-se DUGUIT, no Traité de Droit
Constitutionnel, v. l, e Transformations du Droit Public, van-
tajosamente refutado por HAURIOU, no Traité du Droit
Public).

12 In Diritto Amministrativo Italiano, de ORLANDO, v. l, ps. 113 a 220.


13 SILVro LONGHI, La Leggitimità della Resistenza, ps. 13 e segs.
576 CASTRO NUNES

Mas no direito publico, constitucional e judiciario, é ma-


téria que se pode reputar pacifica: "Il diritto alla leggitimità
degZi atti della pubblica amministrazione, come diritto pub-
bZico subbiettivo, spettante a ogni membro della consociazione
politica, sià persona fisica 0 giuridica, od ente autarchico am-
ministrativo, puo adesso considerarsi compreso nelle classifi-
cazioni scientifiche e sopra tutto puo vedersi in attività quo-
tidiana di esercizio".
Nestas palavras de LUDOVICO MORTARA esta exposta a dou-
trin a predominante - "la maggiore conquista e la più ele-
vata espresione dell'ordine giuridico nello stato Zibero". 14

o
direito de acionar 0 Estado para dele exigir uma pres-
taçao positiva ou negativa esta assegurado na Constituiçao
brasileira, coma veremos a seguir. Diversas sac as vias de
que pode lançar mac 0 prejudicado, conforme a natureza da
relaçao juridica. 15

8. Asquestôes administrativas na competência judi-


cIaria. Como ja vimos na Introduçao (cap. II), ao tempo do
Império certas questoes entre a administraçao e os particula-
res escapavam à competência judiciaria, esgotando-se nas
jurisdiçoes administrativas, sob a égide do Conselho de Es-
tado. Mas a primeira Constituiçao da Republica, dispondo
que seriam processadas e julgadas pelos juizes federais, corn
recurso para 0 Supremo Tribunal, "tôdas as causas propostas
"contra 0 Govêrno da Uniao ou a Fazenda Nacional ... JI, e
acrescentando, a seguir, em outro inciso, " ... ou quaisquer
"outras, propostas pela Govêrno da Uniao contra particula-
"res, ou vice-versa", aboliu, implicitamente, a exclusao das
causas até entao subtraidas ao conhecimento do Poder Ju-
diciario.

14 MORTARA.. Comenrario, l, p. 59.

15 Veja-se 0 nosso Do Mandado de Segurança e de outras meios de defesa do


direito contra atos do Poder Pùblico, 1937.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 577

:Ê]sse principio foi proclamado pela Supremo Tribunal em


jurisprudência, a principio vacilante, mas afinal firmemente
orientada nesse sentido. 16
Na Constituiçao de 34 nao reapareceu 0 adjetivo "todos",
limitando-se 0 texto a declarar que seriam da competência
dos juizes federais "as causas em que a Uniao for interessada
"como autora, ré, assistente ou opoente" (art. 81, a).
Na atual Constituiçao 0 exame do assunto tem assento
nos arts. 107, 108 e 109, combinados com 0 disposto no art. 101,
II, 2, a. 0 art. 107, dispondo que "excetuadas as causas da
"competência do Supremo Tribunal Federal, tôdas as demais
"serao da competência das justiças dos Estados, do Distrito
"Federal e dos Territ6rios", enuncia 0 principio geral de que,
ressalvada aquela competência e, compreensivamente (pelo
entendimento combinado de outras clausulas constitucio-
nais), a das justiças especiais da Uniao, tôdas as demais cau-
sas sao da competência das justiças comuns, da competência
judicidria, portanto.
Os arts. 108 e 109, com 0 seu paragrafo, particularizam a
competência judiciaria nas causas da Fazenda Nacional, de-
clarando aquele: "As causas propostas pela Uniao, ou contra
"ela, serao aforadas em um dos juizos da capital do Estado ,... "
Isso equivale a dizer que tôdas as causas em que seja
parte a Uniao serao julgadas em primeira instância por êsses
juizes, que sucedem aos juizes federais na jurisdiçao das cau-
sas da Fazenda Nacional, com recurso direto para 0 Supremo
Tribunal, ao quaI compete "julgar em recurso ordinario, as

,. 0 principio revelado pela j urisprudência era verdadeiro, mas exagerado,


como ja vimos (Introduçao, cap. II). As restriç6es legais il. defesa nos executivos
flscais pOdiam subslstir sem colisao corn êle, desde que se nao negasse ao contri-
buinte 0 direlto de, por cutro meio, atacar 0 imposto ou 0 seu lançamento. Quanto
ao Tribunal de Contas, ja estava implicita, no texto de 91 a sua competência para
julgar das contas dos responsaveis, competência a ser concll1ada, em têrmos razoa-
vels, corn a do Judlciario, e nao por êste repelida como destituida de qualquer au-
toridade na verificaçao e julgamento do alcance dos responsaveis para corn a Fa-
zenda (veja-se 0 cap. III da Introduçao).

F. 37
578 CASTRO NUNES

"causas em que a Uniao for interessada como autora, ré, as-


"sistente ou opoente".17
i!:sses dispositivos sup6em 0 mecanismo judiciario nas
causas em que for parte a Uniao e, por igual, um Estado ou
um municipio.
Outros preceitos confirmam tal entendimehto: 0 do
art. 96, que sup6e em juizo ato do Presidente da Republica
arguido de inconstitucional; 0 do art. 95, que sup6e a con-
denaçao da Fazenda por juiz ou tribunal judiciario, in verbis
"em virtude de sentença judiciaria", etc.
Do exposto decorre que os atos administrativos, mesmo os
de carater jurisdicional, podem ser anulados pelo Judiciario.
Vale dizer que as jurisdiç6es administrativas naD sac con-
clusivas em face do Judiciario.
9. Jurisdiçao e execuçao. Como diz MORTARA, a coerçiio
é um efeito da jurisdiçiio. Mas corn esta naD se confunde.
Entende-se mesmo na teoria do direito judiciario - e nesta
corrente esta CARNELUTTI - que a execuçao refoge ao con-
ceito de jurisdiçao, definindo-se esta por uma pretensao con-
testada, e aquela por uma pretensao que, ja reconhecida, niio
foi satisfeita (insoddisfata).
Essas duas formas de atuaçao podem estar separadas nos
6rgaos, contanto que ambos (0 prolator da sentença exe-
quenda e 0 executor) pertençam ao quadro judiciario.
É 0 que se da frequentemente na execuçao do julgado de
instância superior por juiz inferior. Do mesmo modo, en-
tram na regra as chamadas justiças especiais ou de exceçao
(na terminologia francesa) etais sac as justiças de paz, os
tribunais do comércio, os conselhos de prud'hommes, etc., as

17 RUI BARBOSA mostrou que a locuçao "as causas" equ1vale a "tôdas as causas".
"Numa propos1çao geral, a que 0 contexto da frase nao abre exceçOes, 0 artigo defi-
"n1do, anteposto ao apelativo, 1nd1ca ord1nar1amente a total1dade, 1ncluindo em
"un1versal no alcance da oraçao 0 gênero, de que se trata, nas suas vâr1as espéc1es e
"membros. Ass1m, naquelas três clâusulas subsecutivas, ou se d1ga "tôdas as cau-
"sas", ou "as causas", sempre se diz que sao tôdas (Oolectd.nea HOMERO PmEs, v. IV,
p. 450). No Direito do Amazonas (v. 1.°, p. 228), 'acrescentou: "~ste as equ1vale
"gramat1calmente a tôdas, e a tôdas log1camente equ1vale.
"As causas é 0 mesmo que tôdas as causas, uma vez que, nesse texto, ou fora
"dele. naD se exclue a nenhuma. expl1c1ta ou 1mpl1c1tamente".
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 579

quais pertencem à ordem judicidria, na liçao dos expositores,


e cujas decisoes el as préprias nao executam, senâo as justiças
regulares ou comuns.
Pode ocorrer, ainda, sem sair da érbita judiciaria, a hipé-
tese de jurisdiçao exercida sem execuçao, como se da nas
açôes declaratorias (mero acertamento). 18

Mas a jurisdiçao nas vias judiciarias envolve a cogniçao


do casa submetido ao magistrado e 0 poder a êste conferido
de passar à execuçao da sentença.
É es sa a regra com as ressalvas ja expostas. Dai 0 dizer
corrente - que nao ha jurisdiçao ~em execuçâo, uma idéia
envolve a outra, onde houver jurisdiçao regular esta pressu-
posta a execuçao das decisoes proferidas, porque do contra-
rio seria iluséria - "Cui jurisdictio data est, ea quoque con-
cessa esse videntur, sine quibus jurisdictio explicari non
potest". 19

10. Funçoes complementares da Justiça. As atribuiçoes


concernentes à vigilância exercida pelos érgaos superiores da
ordem judiciaria, as instruçoes que expedem para a boa
execuçao dos serviços, as providências relativas à disciplina,
a policia das audiências e dos tribunais, tôda ou quase tôda a
matéria regimental, os atos de nomeaçao de funcionarios, li-
cenciamento, etc., nao decorrem da jurisdiçao graciosa ou vo-
Iuntaria, dita também administrativa, que é coisa diversa e é
a que aparece na dicotomia jurisdicional exposta pelos pro-
cessualistas.
Tais funçoes sao administrativas no sentido préprio dessa
palavra, como desenvolvimentos do poder reguIamentar na
érbita judiciaria.

:18 A jurlsdlçâo admlnlstratlva é, entre n6s, exerclda, sem concluslvldade e, por-


tanto, sem eflcâcla execut6rla (veja-se a Introduçâo, cap. II). As declsôes das
juntas do trabalho, antes da atual organlzaçâo, eram executadas pelas justlças
regulares, à semelhança do que ocorre com as sentenças dos prud'hommes. A
execuçâo, dada a sua indole civil, é do âmblto das justlças comuns (COVIELLO, Ma-
nuale di Diritto Civile, p. 568). Veja-se ° capitulo "Justlça do trabalho".
,. Vejam-se: MORTARA, ob. clt., I, n. 32; CARNELUTTI, Sistema, 1936, v. 1.", p. 179 ;
Dizion-ario de SCIALOJA, v. Giurisdizione.
580 CASTRO NUNES

Variando embora, conforme 0 direito positivo de cada


pais, sao atos de jurisdiçao apenas do ponto de vista orgânico
ou formaI, porque emanados de orgaos judiciarios e guardan-
do, em regra, a forma de decisoes judiciarias. Mas nao ha
como confundi-Ias corn os atos propriamente jurisdicionais,
ainda que da jurisdiçao voluntaria, observando MATTIROLO
que, em alguns casos, os tribunais sao cham ados a expedir
certi provvedimenti che non sono di giurisdizione volontaria.
E aponta as funçoes de vigilância, superintendência de ser-
viços, disciplina.
Do mesmo modo CHIOVENDA, quando trata da jurisdiçao,
nas suas relaç6es com outras funç6es, notando que à separa-
çao conceitual das funçoes nao pode corresponder uma sepa-
raçao absoluta de poderes, e por isso mesmo os tribunais, diz
êle, exercem funçoes administrativas coordinata all'anda-
mento della cos a giudiziaria.
Em França tais funçoes sao, em regra, subtraidas aos
tribunais, mantendo-se ainda a tradiçao do chanceler, garde
des sceaux, que é 0 ministro da Justiça, a quem cabe a su-
perintendência de tôdas as peças da ordem judicidria - "Il
donne les ordres et instructions à transmettre aux cours et
aux tribunaux pour tout ce que concerne l'execution des lois
et reglements et l'administration de la justice civile et crimi-
nelle". E isso vern confirmar que as funç6es sao de seu na-
tural da orbita do Executivo, deslocadas em outros paises,
entre os quais 0 nosso, para 0 proprio Judiciario, mediante
orgaos especiais, melhor resguardada, assim, a independên-
cia dêsse poder. 20

.0 MATTmow, ob. clt., ibidem, ps. 378-379; CHIOVENDA, ibidem, ps. 310 e 390;
GARSONNET et BRU, ob. clt., I, § 21.
CAPiTULO TI

o PODER DE DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS

SUWRIO: .1. 0 poder de declarar a inconstitucionalldade das lels. 2. Na Consti-


tuiçâo americana e na brasileira de 91. 3. Na Constituiçao atual. 4. Am-
bito da jurlsdlçâo constttucional. No direlto amerlcano e no brasileiro.
5. Orlgem e técnlca da declaraçâo de Inconstltuclonalldade. 6. A regra da
presunçao da constltuclonalldade. 7. Autorldade final das declsées. 8. !Jo
declaraçâo da Inconstltuclonalldade e a mentalldade judlclârla. Exame do
assunto na atualldade norte-amerlcana. 9. Quorum para a declaraçâo da
Inconstltuclonalidade. 10. As lels anterlores à Constltulçâo. quando com
esta incompativels. devem ser declaradas Inconstltuclonals. ou apenas re-
vogadas?

1. 0 poder de declarar a inconstitucionalidade das leis.


Do assunto ocupei-me anos atras, escrevendo: "Em todos os
"paises" , diz LAPRADELLE, "onde 0 Poder Legislativo é distinto
"do constituinte, e a lei, consequentemente, deve confor-
"mar-se com a Constituiçao, 0 juiz tem, implicito na sua ju-
"risdiçao, 0 direito de examinar se 0 ato emanado do corpo
"legislativo naD estara em contradiçao com as prescriçoes
"constitucionais. É um princîpio", acrescenta, "que decorre
"de tôda Constituiçao rigida; porque esta envolve necessa-
"riamente um contrôle judiciario sôbre a constitucionalidade
"das leis". 1
A necessidade de uma jurisdiçao para estatuir sôbre os
conflitos entre a Lei Magna e as leis secundarias e dizer em
definitivo sôbre a extensao dos poderes conferidos pela Cons-
tituiçao é um fato que se acusa e se acentua dia a dia.
Na Alemanha, a Constituiçao de 11 de agôsto de 1919
criou a Alta Côrte de Justiça - staatsgerichshof - orga-
1 LAPRADELLE, Droit Constitutionnel, ps. 487-489.
582 CASTRO NUNES

nismo especial, na ordem judiciaria, para as questaes consti-


tucionais e as controvérsias suscitadas entre 0 Reich e os
paises (LandeT). Essa côrte especial, que PREUSZ dizia, nos
trabalhos da assembléia de Weimar, - ser precisa criar sem
tardança, tem por fim declaradamente defender a Consti-
tuiçiio. 2

Na Austria e na Checoslovaquia, idênticos aparelhos


foram criados para 0 exame da constitucionalidade das leis,
mas a indagaçao é posta em tese e, uma vez declarada a nu-
lidade, a decisao é tornada obrigat6ria por decreto. É alguma
coisa de semelhante ao judicio de amparo, no México, insti-
tuido perante a Suprema Côrte, independentemente de liti-
gio, corn 0 carater politico de revogaçiio da lei, que naD tem
nos Estados Unidos, na Argentina, no Brasil e em outros pai-
ses, onde a decisao esta subordinada às condiçaes peculiares
ao exercicio da jurisdiçao. 3
Alguns principios basicos convém estabelecidos para me-
lhor compreensao da matéria: a) 0 problema da inconsti-
tucionalidade supae 0 exame de normas de hierarquia dife-
rente, oriundas as superiores de um poder (constituinte) que
supera 0 que legifera ordinariamente (Legislativo), do que
resulta que é peculiar ao sistema das chamadas Constitui-
ça es rigidas, inexistindo no mecanismo das Constituiçaes fle-
xiveis, que sao obra dos parlamentos em funçao ordinaria;
b) a inconstitucionalidade pode estar no conteudo da lei, na
violaçao de regras de competência ou na transgressao de nor-
mas contidas na Constituiçao (inconstitucionalidade mate-
rial), sendo esta a modalidade mais caracteristica da indaga-
çao; coma pode estar, unicamente, na inobservância das for-
mas prescritas para a elaboraçao e obrigatoriedade das leis
(inconstitucionalidade formal) ; c) tôda matéria incluida na
Constituiçao é constitucional, inclusive as normas estranhas
à organizaçao dos poderes publicos, garaI'.tias da liberdade,

2 BRUNET, L,. Constitution Allemande, p. 89; ED. VERMEIL, La Constitution de


Weimar, ps. 110-21l.

Il SERRANO, Constituciones de Europa y América, 1927, 1; LAPRADELLE, Droit Cons-


titutionnel, p. 490.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 583

etc.; d) a Constituiçao é, no direito interno de cada pais, a


Lex legum, a medida a que fica subordinada a revelaçao do di-
reito na sua forma objetiva ou subjetiva, constituindo, no
dizer de EISENMANN, 0 metro supremo da regularidade juri-
dica; e) 0 contrôle da constitucionalidade é uma forma es-
pecial de jurisdiçao, que se governa por principios e regras
que lhe SM peculiares; f) a declaraçao da ihconstituciona-
lidade tem por objeto, em regra, a lei ordinaria, mas as pr6-
prias leis constitucionais, as emendas ou reformas de uma
Constituiçao podem ser objeto de indagaçao, por inob-
servância de normas constitucionais (inconstitucionalidade
formal).4

2. Na Constituiçâo americana e na brasileira de 91.


o assento constitucional dêsse poder das côrtes no mecanismo
americano costuma ser derivado da clausula inserta na sec. II,
art. 3.°, da Constituiçao - "The judicial power shall extend
to all cases, in law and equity, arising under this Constitu-
tion, the laws of the United states, and treaties made, or
which shall be made under their authority." 5
o texto, segundo alguns, nao confere expressamente 0
poder de recusar autoridade aos atos do Congresso, senac a
jurisdiçao para decidir os pleitos fundados na Constituiçao
e nas leis e tratados feitos em conformidade com ela.
A funçao que! com raizes hist6ricas cOnhecidas, a Côrte
Suprema veio a exercitar, data da grande presidência de
MARsHALL com 0 famoso julgado Marbury v. Madison (veja'-se
BEARD, The Supreme Court, pass.), é um produto, uma cria-
çao da sua jurisprudência, é uma peculiaridade, afirma
WILLOUGHBY, do direito judiciario americano - "is a product
of American jurisprudence, and peculiar to it" (Constitution
Law, l., § 1.0, p. 2).
BEARD é dos que entendem qu~ 0 poder foi conferido. A
rejeiçao do Conselho de reviséio - revisionary Council -
pelos convencionais de Filadélfia nao autoriza a conclusao
• SObre 0 assunto, para maior desenvolvimento, veja-se ErsENMANN, La Just
Const., La parte.
fi COUNTRYMAN, The Supreme Court, ed. 1913, p. 191.
584 CASTRO NUNES

em contrario. Porque, diz êle, posteriores declaraçoes ao


tempo da ratificaçao do instrumento tornam certo que os
opositores tiveram em vista deixar com os tribunais 0 poder
de declarar invalidos os atos do Congresso incompativeis com
a Constituiçao. 6
Entre nos, porém, "êsse poder incomparavel, desconhe-
"cido nos outros regimes, vedado mesmo no suiço, latente
"apenas na Constituiçao americana" (RUI BARBOSA, ibidem,
p. 19), é expresso no art. 60, § 1.0 (a e b), e se deriva também
do art. 60, letra a, da Constituiçao.
Era principio, alias, ja consagrado no dec. orgânico
n. 848, de 11 de outubro de 1890, anterior à Constituiçao; e,
depois desta, expresso na lei n. 221, de 1894, art. 13, § 10, in
ver bis "os juizos e tribunais apreciarao a validade das leis e
"regulamentos e deixartio de aplicar aos casos ocorrentes as
"leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos ma-
"nifestamente incompativeis com as leis ou com a Consti-
"tuiçao".
3. Na Constituiçao atual. A possibilidade de ser decla-
rada inconstitucional uma lei federal ou local esta, como nas
Constituiçoes anteriores, pressuposta nos casos do recurso ex-
traordinario, art. 101, III, letras bec.
Mas hoje existe disposiçao que diretamente titula nos
tribunais, sejam federais, sejam locais, aquela possibilidade.
É 0 art. 96 e seu parag. unico, onde expressamente se pres-
supoe a declaraçao da inconstitucionalidade de lei ou ato do
Presidente da Republica. 7
4 . Ambito da jurisdiçao constitucional - No direito
americano e no brasileiro. Nos Estados Unidos as questoes
constitucionais formam 0 cerne da jurisdiçao federal. Nada
se termina nas côrtes federais inferiores, em havendo na es-
pécie uma controvérsia constitucional.
o recurso das decisoes dos tribunais de apelaçao de cir- .
cuita (Circuits Courts of Appeals) é autorizado tôda a vez que
o BEARD, The Supreme Court and the Constitution, ed. 1926, ps. 43-44.
Veja-se adlante.
TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICrAru:O 585

a sentença envolve a interpretaçao ou a aplicaçao da Cons-


tituiçao ou a constitucionalidade de um tratado ou lei federal
ou, ainda, quando arguida de inconstitucional uma lei esta-
dual - " ... or involving the construction or application of
the Constitution, or the constitutionality of any law of the
United states or the validity or construction of any treaty, or/i::.
in which the Constitution or law of any State is claimed to
be in contravention of the National Constitution." 8
S6 nos casos em que nenhuma questao constitucional é
suscitada - "where no issue relating to the constitutionality
ofa law is raised" - a Côrte de Apelaçao de Circuito profere
uma decisao final - "has final authority". Mas nas fre-
quentes vêzes em que se levanta a indagaçao constitucional,
cabe recurso para a Suprema Côrte - "But when this issue
is raised, as it is a multitude of cases, an appeal may be car-
ried to be the Supreme Court." 9 E assim em todos os casos
em que se suscita uma controvérsia constitucional - "in all
cases involving the construction or application of the Consti-
tution . .. ". 10
A razao de ser dessa totalizaçao esta em que, na teoria
do direito federal, sao as questoes constitucionais que justi-
ficam a existência de uma jurisdiçao reservada à Uniao, em
cuja cupola esta a Suprema Côrte, definida como arbitro
final em matéria constitucional - "the final arbiter of cons-
titutional questions" (COUNTRYMAN, ob. cit., p. 67).
Entre n6s, mesmo sob as anteriores Constituiçoes, 0 prin-
cipio jamais teve a mesma extensao. Em todo 0 caso, havia
. na competência da primeira instância federal, hoje extinta,
uma categoria - causas fundadas direta e exclusivamente na
Constituiçao - em que se possibilitava, fôsse quaI fôsse a so-
luçao, a palavra do Supremo Tribunal, como instância do re-
curso de tais decisoes.
• COUNTRYMAN, The Supreme Court, ed. 1913, p. 113.
• MUNRO, The Government of the United States, ed. 1927, p. 415.
10 BALDWIN, The American Judiciary, p. 146; WILLOUGHBY, On the Constitution,
p. 977; WALKER, American Law, p. 123; BEARD, Americ-:m Government and PoZitics,
p. 287, e Cyclopedia of American Government, v. 1.°, v. Courts.
586 CASTRO NUNES

Hoje essas questoes entram na competência local, sem


recurso ordinario para 0 Supremo.
o recurso extraordinario s6 apanha a questao por um
certo ângulo. 11 De modo que s6 em tais casos ou, incidente-
mente, nas causas da Fazenda Nacional ou em habeas-corpus,
pode 0 Supremo Tribunal conhecer das controvérsias suscita-
das sôbre 0 entendimento ou aplicaçao da Constituiçao.
Ora, os tribunais inferiores (locais e federais) podem
aplicar a lei corn violaçao da Constituiçao, e nao havera re-
curso; podem invalidar lei local, por contraria à Constitui-
çao, cerceando uma atribuiçao possivelmente legitima do le-
gislador local, sem que sôbre a questao se pronuncie a ins-
tância judiciaria suprema. Pode 0 Tribunal de Contas em
dadas hip6teses pr:onunciar a inconstitucionalidade de uma
lei federal sem possivel recurso de tal decisao para 0 Supre-
mo Tribunal. Podem os tribunais criminais especiais (Su-
premo Tribunal Militar, Tribunal de Segurança Nacional)
fazer 0 mesmo, fechando ao Supremo 0 conhecimento da hi-
p6tese se nao houver meio de ajuizar a questao por habeas-
-corpus, s6 autorizado 0 recurso das decisoes denegat6rias,
que deixam à margem hip6teses ai nao compreendidas. Tal-
vez por isso mesmo, isto é, porque nao seja 0 Supremo Tri-
bunal 0 estuario que devera ser, em que teriam de desembo-
car tôdas as controvérsias constitucionais ajuizadas no pais,
nas jurisdiçoes especiais, como nas ordinarias, talvez por isso
mesmo nao diga a Constituiçao, no art. 96, parag. unico, que
hao de ser as decisoes por êle proferidas as que 0 Presidente
da Republica pode sujeitar ao reexame do Parlamento, senâo
as que emanarem de qualquer tribunal em cujo âmbito caiba
o pronunciamento da inconstitucionalidade.
5. Origem e técnica da declaraçao de inconstituciona-
lidade. A declaraçao de inconstitucionalidade se funda na
hierarquia das leis. No sistema americano - diz BRYCE -
as leis se classifie am de acôrdo corn a sua graduaçao hierar-

11 Notou-o LEVI CARNEIRO, examinando ° assunto sob a Constituiçâo de 91 (Fe-


deralismo e Judiciaris17w, 1930, p. 101).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDIC:rAru:O 587

quica: l, a Constituiçao Federal; II, as leis federais; III,


as Constituiçoes dos Estados; IV, as leis estaduais.
A Côrte americana, diz êle, naD entra em conflito com a
legislatura quando declara inconstitucional uma lei ordina-
ria. 0 conflito se estabelece entre as diferentes espécies de
normas legais, e 0 Tribunal se limita a assegurar a cada
uma a autoridade que lhe é devida. A questao se resolve na-
turalmente pela nao aplicaçao da lei hierarquicamente infe-
rier quando incompativel com a de maior autoridade consti-
tucional.
A Côrte nada mais faz, observa NERINX, senac declarar,
em dada espécie, e a proposito de um litigio submetido, em
devida forma, ao seu julgamento - a inconciliabilidade de
uma disposiçao legislativa com outra que lhe seja superior na
hierarquia das leis.
A origem dêsse poder dos tribunais é exposta por BRYCE :
antigas Cartas conferiam às assembléias coloniais certos po-
deres de legislaçao, limitados naD so pele teor da Carta, mas
também pelos usos e praticas inglesas.
Excedidos êsses poderes, surgia a indagaçao em tôrno da
validade das leis emanadas dessas assembléias, e as côrtes
cOloniais, chamadas a estatuir sôbre um dado litigio, deixa-
vam de lhes reconhecer a validade, secundadas pele Conselho
Privado da Metropole, como instância de recurso. Com a
declaraçao da lndependência, em 1776, as 13 colônias se
transformaram em Estados e as Cartas coloniais em Consti-
tuiçoes. Mas 0 problema subsistiu. Observa BRYCE que
nenhum principio nove se criou. Apenas se superpôs ao di-
reito local a Constituiçao federal, como outrora, no periodo
colonial, 0 Parlamento inglês e as leis e praticas inglesas.
Houve somente - acrescenta - uma nova aplicaçao, nas re-
laçoes da Naçao com os Estados, da velha doutrina, de acôrdo
com a quaI um poder limitado naD pode ultrapassar os limi-
tes que lhe sac traçados. 12

12 BRYCE, The American Commonwealth, v. l, ps. 248 e segs; NERINX, L'organisa-


tion judiciaire aux Etats Unis, ps. 40 e segs.
588 CAstRO NUNES

Vejamos a liçao de HAMILTON: se 0 juiz - diz êle - en·


contra entre a lei ordinaria e a Constituiçao uma contradi·
çao absoluta, êle tera de preferir a Constituiçao, como ex-
pressao superior da vontade do povo. Essa conclusao - acres-
centa - nao envolve superioridade do Judiciario sôbre 0 Le-
gislativo. Significa somente que 0 poder do povo é superior a
ambos, e que, quando a vontade dele é expressa pela legislatura
em conflito com a declarada na Constituiçao, é a esta, e nao
àquela, que 0 juiz deve obediência. 13 Nao exprime um con-
trôle sôbre 0 Congresso. Nao tem êsse carater 0 pronuncia-
mento judicial. Quem 0 diz, fixando 0 ponto de vista da
jurisprudência americana, é WILLOUGHBY: "If an act is held
void it is because it is contrary to the Constitution, and not
because the Court claims any control over the legislature.
Th? will of the people as expressed in its fundamental law, is
considered as more direct and authoritative, than their will
as expressed through their representatives in congressional
exactement." 14
impr6prio dizer-se que 0 Judiciario anula a lei incons-
É
titucional. Anular seria revoga-Ia, cassa-la, declara-la sem
efeito, atribuiçao privativa da legislatura da quaI tenha ema-
nado. Sentenças nao podem anular leis, disse RU! BARBOSA.
"Uma coisa é declarar a nulidade. outra, anular. Declarar
"nula uma lei é simplesmente consignar a sua incompossi-
"bilidade com a Constituiçao, lei primaria e suprema. Rao
"de 0 fazer, porém, na exposiçao das razoes do julgado, como
"consideraçao fundamental da sentença, e nao, em hip6-
"tese nenhuma, como conclusao da sentença e objeto do
"julgado". 15
TaI é 0 que se poderia chamar - a técnica da declaraçao
de inconstitucionalidade. Mas praticamente a lei declarada
inconstitucional esta ferida de morte. A decisao, ainda que
em espécie, suprime-Ihe virtualmente a autoridade na apli-

13 Le Federaliste, ed. fr., 1902, p. 649.


11 WILLOUGHBY, The Supreme Court, p. 37.
1,; RUI BARBOSA, 0 Direito do Amazon'as, !, p. 103.
TE ORlA E PMTlCA DO PODER JUDICIARIO 589

caçao a casos idênticos. É dêsse ponto de vista que um dos


mais autorizados expositores do moderno direito americano
afirma que a decisao judicial opera coma um verdadeiro veto,
tornando a lei impugnada inteiramente nula - "The right to
determine whether acts of Congress, the validity and effect
of which are involved in litigations at Law or in equity, are in
harmony with or in contravention of the Constitution, is an
exercise of the judicial power, and, if the decision is adverse,
operates as an absolute veto which renders the formal statute
ulterly void." 16
Em boa técnica, entretanto, 0 que se da é 0 abandono da
lei contraventora e a sujeiçao do casa sub judice à Constitui-
çao ou ao direito legal ou subsidiario compativel corn os prin-
cipios dela. 0 Tribunal ignora, desconhece a lei incompati-
vel; deixa de aplica-Ia, poe-na de lado e decide 0 casa coma
se ela naD existisse. A lei subsiste e, se 0 vicio era parcial,
vigora validamente na parte sa, naD afetada pela inconstitu-
cionalidade. 17
Em nosso direito constituido é êsse 0 principio expresso
em lei (lei n. 221,. de 1894). Os tribunais, apreciando a va-
lidade das leis (se isso for indispensavel ao julgamento da
espécie ajuizada), deixarao de aplicar as que forem manifes-
tamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente
incompativeis com as leis ou com a Constituiçao (art. 13,
§ 10). Anulam, sim, no todo ou em parte, os atos e decis6es
administrativas que tiverem por ilegais (ibidem, § 9.°).
Tais principios assentou-os 0 Supremo Tribunal no ac6r-
dao de 30 de maio de 1896. 18
6. A regra da presunçao da constitucionalidade. Exa··
minei 0. assunto sob a Constituiçao de 91 em têrmos que, mu-
dadas as referências aos preceitos constitucionais, SaD os
mesmos em face dos novos textos. "Nao somente 0 Judicia-
rio mas qualquer dos outros dois poderes é intérprete do texto

10 COUNTRYMAN, The Supreme Court, ed. 1913, p. 70.


17 WILLOUGHBY, The Constitution Law, T, ps. 17 e 18.
JB Apud MILTON, A Constituiçdo do Brasil, ps. 300-301.
590 CASTRO NUNES

corn igual autoridade constitucional para ditar as regras da


sua aplicaçao de acôrdo corn 0 entendimento que !he derem.
:ti:sse poder é, alias, inerente à aplicaçao de tôda lei; por-
que a aplicaçao pressupoe a exegese, como operaçao prepara-
t6ria do desenvolvimento da regra legal ou da expediçao do
ato. Quer 0 Poder Legislativo, corn as luzes de suas comis-
soes técnicas, quer 0 Executivo, esclarecido pelos precedentes
judiciais e por outros subsidios de informaçao juridica, fixam
para as necessidades do desempenho das suas funçoes respec-
tivas 0 entendimento das clausulas constitucionais (Consti-
tuiçao Federal, art. 35, 1; art. 37, § 1.°; art. 54, 2, etc.).
Dai resulta que as leis do Congresso e os atos de igual
fôrça, ainda que emanados do Executivo, sao, quando argui-
dos de inconstitucionais, presumidamente validos.
Presume-se que a legislatura agiu dentro dos seus poderes
constitucionais; de modo que na duvida a Côrte se abstém
de pronunciar a invalidade do ato. A oposiçao entre a Cons-
tituiçao e lei deve ser tal que 0 juiz experimente uma clara e
forte convicçao - "a clear and strong conviction" - da in-
compatibilidade entre ambas existente. 19 Nem se pronuncia
a inconstitucionalidade por entender 0 juiz que a lei repugna
ao espirito da Constituiçao. 20
Na realidade, porém, a regra jurisprudencial americana
nao fornece um critério objetivo de aferiçao do grau maior
ou menor da inconstitucionalidade. Dizer que - "no act ri
to be declared unconstitutional unless it is crearly so beyond a
1'easonable doubt" - nao chega a ser um critério, uma regra,
uma f6rmula capaz de orientar 0 intérprete. Porque a evi-
dência ou a nâo evidência da inconstitucionalidade esta em
funçao do preparo juridico, da acuidade mental e até das idéias
gerais do juiz no tocante aos aspectos correlatos corn a decisao
da lide.
É de observar que 0 poder mesmo que se atribuiu à Su-
prema Côrte para recusar a aplicaçao das leis tidas por in-
constitue ion ais é dos mais controvertidos. Autores da maior

'" \VILLOUGHDY, The Supremc Court, p. 38.


"0 COOLEY, Constitutional Limitations, ps. 239-241.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 591

autoridade nao lhe encontram assento na Constituiçao 21 e 0


reputam, coma é corrente, mera criaçao jurisprudencial.
Antecedentes colhidos nos debates da Convençâo se re-
partem na justificaçao das duas opini6es extremadas em
tôrno dessa prerrogativa, que assinala a finalidade caracte-
ristica ~o Tribunal, mas que para muitos representa uma ~11
usurpaçao. :':'{iJd
Essa controvérsia, ainda hoje aces a, documenta que 0 V1cJ- 1

poder derivado nao é de uma limpidez tao meridiana quanto


se imagina; e que para 0 exercitar e construir a teoria que 0
explica, a Suprema Côrte teve necessidade de negar ao Con-
gresso 0 poder ou a autoridade de intérprete final da consti-
tucionalidade dos seus proprios atos!
Teve de medir e' conceituar a extensao dos poderes do
Congresso em matéria de exegese constitucional, para os ba-
lizar pelos poderes correlatos do Judiciario; e nisso exata-
mente consiste 0 mecanismo da declaraçao da inconstitucio-
nalidade. Vale dizer que êsse poder de declarar a inconstitu-
cionalidade das leis é, para muitos, inconstitucional.
Dai as reservas corn que deve ser aceita a formula ame-
ricana, cuja frivolidade nao tem escapado a criticas (veja-se
o artigo de ALBERT M. KALES, na The American PoliticaZ
Science Review, maio de 1918, ps. 241 e segs.), sobretudo nos
casos que envolvem 0 entendimento da clausula due process
of Zaw.
É uma formula vazia de sentido como regra objetiva de
exegese. Se um juiz pronuncia a inconstitucionalidade é
porq"ll;e esta se lhe afigura tao clara e irrecusavel quâo obs-
cura e duvidosa se depara aos outros jUlzes do mesmo tribu-
nal que lhe nao des cob rem 0 vicio apontado. Entretanto,
uns e outros estao aplicando a mesma regra, quer os que pro-
nunciam a inconstitucionalidade, por entendê-Ia manifesta,
quer os que opinam de modo contrario, por menos conven-
cidos da irrecusabilidade da arguiçao. Outros havera ainda
que terao por absolutamente constitucional a lei ou ato im-
pugnado.
Zl THAYER, Cases on Constitution Law, I, p. 153.
592 CASTRO NUNES

Em ultima analise, a regra tao preconizada vale apenas


como advertência ao exame individual, conselho a ser seguido
pela exegeta, atitude mental que 0 intérprete deve guardal'
no exame do texto em lide. A regra cientifica, objetiva, é a
da presunçao da constitucionalidade acima exposta. É êsse
o principio fundamental da exegese constitucional.
7. Autoridade final das decisôes. Pressupostas as con-
diçoes inerentes ao exercicio da jurisdiçao, a decisao da Su-
prema Côrte é final e definitiva. 22
Tais decisoes sao conclusivas quer para as partes con-
tendoras, quer para os outros poderes constitucionais da
Naçao e dos Estados - "The Court of last resort, as the ulti-
mate expounder of the organic Law, is, therefore, in all mat-
ters concerning the constitutional limitations of their powers,
the supreme monitor and guide of all the governmental de-
partments." 23
Tôda a duvida estaria circunscrita ao poder jurisdicio-
nal, isto é, à autoridade constitucional da Côrte para senten-
ciar sôbre a compossibilidade da lei e da Constituiçao. Mas
admitida a jurisdiçao, a conclusao logica é que 0 entendi-
mento fixado pela Tribunal Supremo é final, conclusivo, de-
finitivo. É 0 que diz HUGHEs, antigo chief-justice: "If the
judicial power extended to such cases, the determination of
the Supreme Court must be final." 24
Entre nos, em dois casos memoraveis se recusou ao Su-
premo Tribunal êsse po der de pronunciamento definitivo
sôbre as hipoteses sentenciadas, sob a alegaçao de serem poli-
ticas, e nao judiciais tais hipoteses: 0 casa do Conselho do
Distrito Federal, em 1911, e 0 casa do Estado do Rio, em 1915.
No primeiro, a decisao do Supremo Tribunal foi desacatada
pelo Presidente HERMES, que dissolveu por decreto a Assem-
bléia local, gararitida por habeas-corpus; no segundo, 0 Pre-
sidente VENCESLAU, cumprindo a decisao mas ressalvando a
22 WILLOUGHBY, ob. cit., ps. 75 e segs.; BEARD, The Supreme Court and the
Constitution, ed. 1926, p. 34.

2:1 COUNTRYMAN, The Supreme Court, ed. 1913, p. 73.


"1 The Supreme Court of the United states, ed. 1928, p. 87.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 593

sua opmIao individual contraria à jurisdiçao exercida pelo


Tribunal, convocou em seguida 0 Congresso para decidir da
dualidade de assembléias e de executivos naquele Estado, rei-
vindicando, dêsse modo, para 0 Legislativo, 0 pronunciamento
definitivo sôbre a questao. Em ambas as hipoteses, é claro,
o fundo da questao era constitucional; porque eminente-
mente constitucional a extensao mesma da jurisdiçao da Su-
prema Côrte, juiz da sua propria autoridade.
Discutindo no Senado, em 1915, a intervençao federal re-
clamada para 0 Estado do Rio, disse RU! BARBOSA, argumen·
tando corn irrecusavel logica no sentido da finalidade das de-
cisoes judiciais em matéria constitucional: "Na Constitui-
"çao brasileira, justamente porque nos beneficiamos do pro-
"duto dêsse exemplo, dessa experiência, consagramos em
"texto expresso, no art. 59, que 0 Supremo Tribunal Federal
"decidiria em ultima instância as questoes relativas à vali-
"dade constitucional dos atos do Govêrno, do Poder Legisla-
"tivo, isto é, a Constituiçao brasileira lhe da formaI, declarada,
"literalmente, a autoridade irrecorrivel de declarar quando
"os nossos atos (os do Poder Legislativo) sac ou naD constitu-
"cionais; e nos é que vamos agora dizer ao Poder Judiciario
"quando é que sac constitucionais êsses atos !
"La, basta uma inferência para estabelecer a suprema
"autoridade do Tribunal;. aqui, a letra expressa da Consti-
"tuiçao naD yale nada !" (in Rev. do Supremo Tribunal, III,
2. a parte, p. 100. Sôbre 0 casa do Conselho, veja-se PEDRO
LESSA, Do Poder Judicidrio, ps. 276 e segs.). 25

Z; Sao conhecidas as cr1ticas que, nos Estados Unidos, tem suscltado 0 poder
conferldo à Suprema Côrte e às tentativas, seja para estabelecer um quorum, seja
para fazer do Congresso 0 arbitro final (veja-se WARREN, Congress, The Constitu-
tion and the Supreme Court, 1935, ps. 128 e 5egs.). Entre n6s prevaleceu na Cons-
titulçao de 37 a re5triçao do art. 96, parag. unlco. Retlrou-se, dêste modo, do Su-
premo Tribunal a !unçao de arbitro final da constituclonalidade das leis. A ino-
vaçao seria desnecessaria, de vez que, podendo ser emendada a Constltuiçao pelo
voto da maioria nas duas Casas do Parlamento (art. 174), estarla ao alcance dêste
elidlr, por emenda constituclonal, votada como qualquer lei ordlniiria, a contro-
vérsla s6bre a lei que se houvesse pOl' indispensiivel. Mas as decisôes jii proterldas
terlam de sUbsistlr; e terii sldo para realizar 0 duplo objetivo de validar a lei e
cassar os julgados que se lnseriu no texto aquela clau sula (veja-se na Introduçâo
o cap. IV).
F. 38
594 CASTRO NUNES

8. A declaraçao da inconstitucionalidade e a mentali-


dade judiciâ.ria - Exame do assunto na atualidade nOl·te-
-americana. No discurso que me coube proferir, por honroso
convite do Conselho da Ordem dos Advogados, entao pre si-
dido pela dr. TARGINO HIBErno, na "solenidade judiciaria" rea-
lizada aos 31 de março de 1937, estudando a personalidade de
RU! BARBOSA, examinei a crise do judiciarismo nos Estados
Unidos, dando noticia das COlTentes em choque na Suprema
Côrte: "Dentro da propria Côrte se formou nesses liltimos
anos uma corrente vigorosa contraria à extensao dada pela
maioria à prerrogativa de declarar inconstitucionais os atos
legislativos.
o que a minoria, tendo à frente 0 justice BRANDEIS, re-
clama é uma maior contensao em face dos atos dos outros
poderes, maior liberdade de açao ao Congresso, maior flexi-
bilidade no entendimento da Constituiçao. 0 oraculo dessa
orientaçao é 0 grande justice HOLMES, falecido ha poucos
anos, cujos ensinamentos sac a cada passo recordados. Uma
palavra, dizia êle propugnando por maiores ensanchas na
interpretaçao constitucional, naD é um cristal, mas a carne
de um pensamento vivo - "the skin of a living thought."
A maioria se atém aos precedentes, procura encontrar na
teoria constitucional, que êsses julgados refletem, a soluçao
de cada caso.
Para os dissidentes, a extensao dada pela Côrte ao con-
trôle da constitucionalidade das leis converte-a numa super-
legislatura. 0 juiz sobrep6e-se à Constituiçao, dizem êles, lê
na linguagem neutra da Constituiçao as suas proprias con-
cepç6es, econômicas e sociais - "It is most revealing that
members - of the Court, are frequently admonished by their
associates not to read their economic and social views into
the neutral language of the Constitution." 26
Fora da Côrte, a orientaçao da mjnoria avança na dou-
trina dos escritores.
CORWIN, 0 mais festejado dos contemporâneos, professor
da Universidade de Princeton, escreveu ha pouco um livro de

'" FRANKFURTER and LANDIS, The Business of the Supreme Court, 1928, p. 310.
TEORIA E PnATICA DO PODER JUDICL\RID 595

sucesso corn êste titulo sugestivo: The Twilight of the Su-


preme Court (0 Declinio da Côrte Sup1"ema).
A Côrte, diz êle, exagerou a prerrogativa, tornou·se so-
berana na escolha das soluç6es. Jogando corn os elementos
acumuIŒ.dos da sua jurisprudência, disp6e hoje de tal varie-
dade de instrumentos que chega aos resuItados que deseja
encontrar nos textos sem flagrante abandono das. normas
de exegese - "The Court, as heir to the accumulated doc-
trines of its predecessors now finds itself in possession of such
a variety of instruments of constitutianal exegesis that is able
ta achieve almost any result in the jield of constitutional in-
terpretation which it considers desirable, and that without
flagrante departure from j1ldicial gaod form" (p. 181).
Na primeira fase, diz 0 mesmo autor, no periodo de MAR-
SHALL, ainda dominava 0 documento, "constitutional do-
cument"; 0 segundo é 0 da teoria constitucional; 0 terceiro,
o atual, da revisao judicial pura e simples: Judicial Review.
o lema é a frase do chief-justice HUGHES, tantas vêzes
recordada: "Vivemos sob uma Constituiçao, mas 0 que seja
"esta, sao os jUlzes que 0 dizem" - "We are under a Consti-
tution, but the Constitution is what the judges say it is."
Para CORWIN, estava na livre escolha da Côrte, "complete
freedom of choice," sustentar ou derrubar 0 New Deal - "to
sustain or to overturn the New Deal."
Aos olhos de outro escritor, a jurisprudência da Côrte
tomou as proporç6es de uma procela sôbre a Constituiçâo,
"storm ove1· the Constitution"; tal é 0 titulo do livro de IRV-
ING BRANT, citado por CORWIN em artigo recente, publicado
em The Political Science Review (dezembro de 1936), sob a
epigrafe: The Constitution as a instrument and a symbol.
Os Estados Unidos passaram, nesses ultimos tempos, diz ~
IRVING BRANT, de uma Constituiçao de poderes implicitos sob
poderes express os para uma Constituiçao de poderes expres-
sos corn limitaçoes implicitas, coma se houvesse sido escrita
de novo; e ambas as coisas pôde fazê-las a Côrte Suprema -
"During this latter period the United States shifted from a
Constitution of implied powers under express powers (of
596 CASTRO NUNES

Congress) to a Constitution of implied limitations on the ex-


press powers. Was virtually the same thing as writing a new,
and innitely narrower, Constitution - that is, the same
thing as permetting the Court to do this."
Vêde os têrmos em que se situa a questao.
É um debate, ja.hoje deslocado das campanhas politicas
e dos programas de partido para 0 terreno da opiniao juri-
dica. Um entrechoque de concepçôes juridicas antagônicas,
corn a repercussao apaixonada que se denuncia até mesmo
nos titulos das obras de critica. Os observadores estrangei-
ros comentam 0 desenrolar da luta.
Ao livro de EDOUARD LAMBEjRT, Le Gouvernement des
Juges, em que se examina a jurisprudência vitoriosa corn 0
sentido que se trai no enunciado do titulo, respondeu receIÏ-
temente ROGER PINTO corn a interessante monografia Des
Juges qui ne gouvernement pas, e sao os dissidentes, os ven-
cidos, cujos pontos de vista 0 autor aplaude.
Uns e outros, maioria e minoria, entendem que a inter-
pretaçao constitucional deve ser ampla. HUGHES e HOLMES
partem dêsse mesmo principio. Mas os opositores da juris-
prudência tradicional advogam 0 principio, em beneficio da
lei, de uma maior tolerância em face dos atos dos outros po-
deres.
Em uma palavra: do que se acusa a Côrte é ~e inter-
pretar amplamente a Constituiçao mas para repelir a lei. É
êsse 0 ponto nevralgico da questao.
A Côrte, fiel aos seus métodos tradicionais, envelheceu
ou, melhor, foram os precedentes que envelheceram e se tor-
naram inadequados à compreensao das realidades do mo-
mento. Nao foram os juizes que envelheceram, note-se bem,
BRANDEIS é um dos mais velhos, esta octogenario, e é 0 leader
das idéias novas, tao certo é que a velhice dos anos po de naD
trazer a velhice das idéias.
A velhice sera, pois, da mentalidade que nao evoluiu dos
precedentes para as realidades novas da época.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARro 597

A interpretaçao constitucional é, como sabeis, eminente-


mente politica. Politica nas suas inspiraç6es superiores e
na sua repercussao.
Cada decisao da Côrte nas grandes quest6es constitucio-
nais, disse 0 attorney-general WICKERSHAM, veio a ser uma
pagina da historia. Cada juiz que nela tem assento, diz
WARNER, naD é apenas um jurista, mas ua great statesman." 27
A critica dos que se espantam diante do alcance politico
das decis6es da Suprema Côrte é, pois, superficial. Esta
press1,lposto êsse alcance no poder de definir as competências
constitucionais, mantendo os poderes federais, entre si ou em
face dos poderes lqcais, dentro das orbitas respectivas.
Dai, dessa feiçao polltica da atribuiçao, as locuç6es tao
encontradiças de Supreme Court Government, Judicial Legis-
lation, Judicial Olygarchy, etc., revelando, a um tempo, diz
GROVER HAINES, a significaçao politica do poder e a irritaçao
clos seus opositores.
Se 0 texto constitucional é obscuro ou presta-se a mais
de um entendimento, a exegese tera de sofrer, inevitavel-
mente, nesse dominio mais do que em qualquer outro, a in-
fluência das idéias gerais do intérprete, das tendências do
seu temperamento e da sua educaçao juridica. A Constitui-
çao quem a faz saD os juizes, disse 0 atual chief-justice _. e é
uma verdade.
É bem de ver que a prerrogativa constitucional sup6e na
lei submetida a julgamento 0 êrro de boa fé, e naD 0 desvio
propositado do legislador. Dai, no volume das inconstitu-
cionalidades pronunciadas, as que se teriam de excluir das
culpas irrogadas à Côrte. É 0 proprio Congresso, subalter-:
nizado à pressao de interessados ou à clientela dos partidos,
que vicia 0 regime, votando leis flagrantemente inconstitu-
cionais.
- Um dos eXDositores de maior autoridade, JAMES YOUNG,
observa que em muitos casos 0 Congresso vota a lei sabendo-a
inconstitucional, mas contando corn a Côrte para invalida-la.
Dai, dessa "Zegislative cowardice," grande parte da hostilidade
"" WARNER, The Supreme Court in United States History, 1935, v. 1, p. 1.
598 CASTRO NUNES

que cai sôbre a Côrte - "Both Congress and state Legislature


trequently pass laws that are either inconstitutional or un-
clear, knowing that the odium of declaring them illegal or of
defining their real meaning will faU not upon theirs authors
but upon their interpreters." 28
Um dos principios que aprendemos todos corn RUI, e no
quaI assenta a declaraçao da inconstitucionalidade das leis, é
o da constitucionalidade presumida dos atos legislativos, que
s6 uma clara e forte -"a clear and strong" - incompatibi-
l1dade corn a Constituiçao podera invalidar. A regra nao
mudou. Esta de pé.
Cada um dos juizes a invoca, os que repelem a lei por
inconstitucional e os que a julgam conforme a Constituiçao.
D'onde vern, pois, essa discrepância, se do rnesmo critério
hermenêutico partem todos? Da equaçao pessoal de cada
um, inseparavel do intérprete.
Essa contingência é humana e, portanto, inevitavel. 0
reparo de HOLMES ignora 0 elemento subjetivo na inter-
pretaçao.
SUTHERLAND, um dos expoentes da velha guarda, conser-
vador apegado ao staris decisis, nao na observa menos do que
BRANDEIS, ainda que cheguem ambos a soluçao diversa, en-
contrando aquele nas leis do trabalho uma inconstituciona-
lidade inexistente para 0 outro, 0 socialista BRANDEIS, cuja
nomeaçao, em 1916, pela Presidente WILSON, sobressaltou 0
espirito reacionario, que nela viu a ameaça da ordem nova.
TaI é 0 fundo da questao na crise que ora atravessa 0 ju-
diciarismo americano.
Nao é uma crise institucional senao uma crise da men-
talidade judiciaria. É por essa mentalidade que se ter a de
autolimitar 0 judiciarismo, obra dos jui70:es mesmos e nao do
Congresso, enquanto subsistir na competência da Côrte aquele
poder politico de superlegislatura, que ela encontrou impli-
cito na Constituiçao e que s6 mediante alteraçao desta e por
texto expresso, vedando-Iho, Ihe podera ser retirado':.
"" YOUNG, The New Amcrican Govcrnme7!t and its Work, 1931, p. 3:n.
ThORIA Il: PRATICA DO PODER JUDlcIAmo 599

9. "Quorum" para a declaraçâo da inconstitucionali-


dade. A noçao de quorum vern das praticas parlamentares
inglesas. 0 quorum, define EUGÊNIO PIERRE, é constituido
pela numero de membros cujo concurso ativo ou passive é in-
dispensavel para a validade dos votos de uma assembléia. 29
Dispoe 0 art. 96 da Constituiçao: "S6 por maioria ab-
"soluta de votos da totalidade dos seus juizes poderao os tri-
"bunais declarar a inconstitucionalidade da lei ou de ato do
"Presidente da Republica". ~sse dispositivo reproduz 0 do
art. 179 da Constituiçao de 34, corn alteraçao, somente, na
parte final, onde se lia "ou de ato do Poder Publico" e hoje se
lê "ou de ato do Presidente da Republica".
Na Constituiçao de 91 nao havia preceito estabelecendo
um quorum especial para a declaraçao da inconstitucionali-
dade. Mas havia leis exigindo a presença de 10 ministros
desimpedidos (0 Supremo Tribunal co:rnpunha-se entao de
15 ministros), incluido nesse numero 0 presidente. 30
o quorum exigido se define pela maioria da totalidade
dos juizes componentes do Tribunal (maioria absoluta), nao
bastando a maioria da maioria presente, maioria acidental )
ou relativa. Se 0 Tribunal se compoe de 11 membros, coma
é 0 casa do Supremo, serac necessarios, no minimo, seis mi-
nistros desimpedidos, além do presidente. ~te!ld~-~~.

--
~alidade....o~ero legal dos juizes, ~coml?osiçao constitu-
cional da Côrte, sem desconto dos lugares vagos. 31
.- ~_._-----~-
A exigência do quorum assim definido é restrita à decla-
raçao da inconstitucionalidade de leis ou decretos-Ieis e de
quaisquer atos, normativos ou de carâter individual, contanto
que emanados do Presidente da Republica. Escapam à com-
preensao do dispositivo outros atos do Poder Publico (atos

29 Traité de Droit Politique, p. 974.


00 Dec. n. 938, de 29 de dezembro de 1902, art. 1.°; dec. n. 1.939, de 28 de agôsto
de 190B, art. B.o; Reglmento Interno do Supremo Tribunal, art. 13. Nesse sentldo
decidiu 0 Supremo Tribunal, im. Rev. do Supremo Tribunal, v. 9, p. 2B.
m. EUGJi:NIO PIERRE, ob. cit., p. 977. Nao podem ser convocados os substitutos dos
ministros (desembargadores do Tribunal de Apelaçâo do Distrito Federal, nos têr-
mos do dec.-Iei n. 6, dc 1937, art. 8.°) para completa rem a quorum exigido (Regl-
mento Interna, art. 87, § 2.").
600 CASTRO NUNES

de ministros de Estado e de autoridades subordinadas), ao


inverso do que preceituava 0 texto de 1934.
A exigência da maioria da totalidade supoe 0 Tribunal
Pleno, e naD uma de suas fraçoes, turmas ou câmaras. Surge,
entao, a questao: poderao estas conhecer da inconstitucio-
.nalidade alegada, ainda que a nao declarem?
Ou, por outras palavras: 0 quorum constitucional é exi-
gido somente para 0 casa em que 0 Tribunal declare a in-
constitucionalidade, ou para a simples arguiçao, ainda que
nao acolhida?
Na vigência da Constituiçao de 34 a questao foi debatida
na Côrte Suprema, entendendo-se, contra 0 voto do ministro
COSTA MANso, e de acôrdo com os votos manifestados pelos
ministros CARVALHO MOURAO, relator, LAUDO DE CAMARGO, AR-
TUR RIBEIRO, ATAULFO DE PAIVA, OT.AVIO KELLY e CUNHA MELO,
que s6 0 Tribunal Pleno pode decidir da inconstitucionali-
dade, quando arguida pela parte ou levantada por um dos
ministros. 32
E assim se tem praticado. Levantada a questao consti-
tucional, a Turma sobre esta no julgamento e submete 0 casa
ao Tribunal Pleno. 33
10. As leis anteriores à Constituiçao, quando corn esta
incornpativeis, devern ser declaradas inconstitucionais, ou
apenas revogadas? 0 assento da matéria é 0 art. 183 da
Constituiçao, que reproduz preceito ja inserto nas anteriores
em têrmos idênticos, e esta assim formulado: "Continuam
"em vigor, enquanto nao revogadas, as leis que, explicita ou
"implicitamente, nao contrariem as disposiçoes desta Consti-
''tuiçao''.
Tem-se dito - e é essa a opiniao generalizada, quer na
exposiçao do nosso direito constitucional, quer na jurispru-

a;, Acordao de 17 de junho de 1935, rev. crim. n. 3.820, de Sao Paulo.


33 A rigor, as turmas naD deveriam poder julgar 0 recurso extraordinarl0 nos
casos em que se controverta sôbl'e val1dade de lei em face da Constituiçao, 0 que
revela, ainda aqui, quao contraditoria é corn os fins do Supremo Tribunal a sua
divisao em turmas ou câmaras. 0 meio de obviar a dif1culdade tem sido 0 de de-
ferir ao Tribunal Pleno a soluçao, nos têrmos expostos, em certos casos, a critério
da propria Turma.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 601

dência - que as leis preexistentes e havidas coma incompa-


tiveis corn a Constituiçao saD leis revogadas, que escapam ao
tratamento da declaraçao da inconstitucionalidade.
Tenho divergido dêsse entendimento assentado de longa
data pelo Supremo Tribunal.
o problema ja hojc tem um interêsse ou alcance maior
do que tinha sob as anteriores Constituiçoes. É que a atri-
buiçao dada ao Parlamento (art. 96, parag. unico) para vali-
dar a lei declarada inconstitucional estaria limitada pela en-
tendimento de que entre tais leis naD se incluem as anterio-
res à Constituiçao, as quais, como as supervenientes, podem
ser, todavia, "necessarias ao bem-estar do povo, à promôçao
"ou defesa de interêsse nacional de alta monta". 34
A meu ver, a Constituiçao naD revoga leis, senao quando
expressamente 0 faz. As leis anteriores subsistem até que as
revogue 0 poder competente. Isso mesmo esta dito no texto
constitucional - "continuam em vigor, enquanto nao revo-
"gadas . .. ", isto é, até que as revogue 0 6rgao competente
para legislar, 0 quemostra que naD foram revogadas pela
Constituiçao. .
Mas reconheço que a questao naD é simples. Entram no
seu exame outros principios que levam à opiniao contraria e
preponderante.
Assim é que tais leis, precisamente porque anteriores à
Constituiçao, naD gozam da presunçao de constitucionalidade,
sendo antes de presumi-las contrarias à nova ordem de cois as
implanta da pela Constituiçao.
Seria êsse 0 argumento capital a contrapor-se à diversi-
dade de tratamento. Mas naD me parece decisivo. Primeiro,
porque os atos do Poder Executivo, normativos ou individuais,
naD gozam daquela presunçao e sao, naD obstante, sujeitos ao
tratamento da inconstitucionalidade, 0 que, alias, se expressa
hoje, no art. 96. Segundo, porque a regra se dirige ao intér-
prete da Constituiçao, 0 quaI, posta a indagaçao em tôrno de

81 0 outro alcance prtltico decorre da incompetência das turmas em que ora se


divide 0 Supremo Tribunal para decidirem da arguiçao da inconst!tuciollallé!adc,
do que resulta que quando se trata de lei ante ri or a Turma sc julga competente
para nâo aplicar a lei que repele por abrogada.
602 CASTRO NUNES

uma lei anterior, mais inclinado estaria - corno 0 esta em


face dos atos do Executivo - a declarar a arguida incompati-
bilidade.
É certo que aigumas vêzes 0 texto constitucionai repele
tao explicitamente 0 preceito legal que 0 caso assume as pro-
porgDes de uma revogaçao expressa. Exemplos dessa incom~
patibilidade flagrante teem ocorrido na aplicaçao das nossas
duas ûltimas Constituiçoes, em cujos textos se inseriram,
principalmente na de 34, regras de direito civil, comercial,
etc. A Constituiçao invadiu a esfera da preceituaçao secun-
daria, dai resultando que dispôs sôbre matérias naD propria-
mente constitucionais e sôbre as quais ja havia preceituaçao
legal ordinaria.
o que impressiona em tais casos é a fZagrância da in-
compatibilidade. A Constituiçao dispôs ao inverso do que dis-
punha a lei, naD se fazenda necessario nenhum esfôrço de in-
dagaçao para se concluir pela incompatibilidade.
Essa incompatibilidade flagrante, evidente, irrecusavel,
naD existe em se tratando de leis feitas na vigência de uma
Constituiçao, porque 0 legislador naD pode ter 0 prop6sito de
viola-la e, ainda quando 0 faça, procurara contornar 0 obs-
taculo constitucional, disfarçando a violaçâo. Ora, essa in-
compatibilidade duvidosa, equivoca, opinativa, pode existir
quando trazida à comparaçao uma lei anterior, situando-se
assim a indagaçao em têrmos que sac tecnicamente idênticos,
ainda que desajudada a norma preexistente da presunçao de
conformidade corn a Constituiçao.
De modo que, pelo menos nesses casos, naD vejo porque
tratar diferentemente a norma trazida à colaçao.
Dir-se-a, por aplicaçao das regras comuns, que a lei an-
terior incompativel, ainda que implicitamente, corn a pos-
terior, é lei tacitamente revogada. Assim é.. Mas entre no1'-
mas de hierarquia diversa essa incompatibilidade impIlcita
é p1'ecisamente 0 objeto da indagaçao da constitucionalidade
da no1'ma inferior. 0 problema é materialmente 0 mesmo,
quer se trate de lei anterior, quer se trate de lei posterior à
Constituiçao. 0' exame situa-se, em ambos os casos, em ve-
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 603

rificar se pode subsistir a norma inferior em face da Consti-


tuiçao.
Nao contesto que a incompatibilidade se resolve numa .
1'evogaçéio, 0 que resulta da anterioridade da norma. Mas
perde-se de vista 0 outro elemento, a diversidade hierarquica
das normas.
A teoria da abrogaçao das leis sup6e normas da mesma
autoridade. Quando se diz que a lei posterior revoga, ainda
que tacitamente, a anterior, sup6em-se no cotejo leis do
mesmo nive!. Mas se a questao esta em saber se uma norma
pode continuar a viger em face das regras ou principios de
uma Constituiçao, a soluçao negativa s6 é revogaçiio por efeito
daquela an terioridade; mas tem uma designaçao pec~liar a
. êsse desnivel das normas, cham a-se declaraçiio de inconstitu-
cionalidade. 35

8G Rouve um caso (nâo tenho notlci& de outros) cm que 0 Supremo Tribunal


decidiu pela constituciona!iàaàe controvertida de uma lei anterior: 0 do C6digo de
Aguas. cuja inconstitucional1dade se argulu por ter sido pUbl1cado posteriormente à
Constltulçii.o de 34. Era uma mgulçii.o de lnconstltucional1dade forma!. Sera mo-
tivo para tratar dlferentemente quando a argulçâo for de inconstitucionalidade m!l-
terial. que é a forma mals grave e mals caracteristica do problema?
CAPiTULO ID

RESTRIÇOES AO EXERCiCIO DA JURISDIÇAO

SUMARIO: 1. Restriçôes ao exercicio da jurisdiçao. 2. AB chamadas "questôes po-


"liticas". 3. Poder discricionii.rio. seus limites. 4. Do poder de policla.
5. Legltimidade dos fins ou dos motivas do ato coma crltério de aferlçao da
legalldade.

1. Restriç~es ao exercicio da jurisdiçao. Tais restriçoes


sac as decorrentes, explicita ou implicitamente, da Consti-
tuiçao ou de lei ordinaria, em têrmos que com aquela forem
compativeis, concernentes à vedaçao do exame judicial ou aos
meios de defesa em juizo.
Existom, assim, em nosso direito constituido, restriçoes
constitucionais e restriçoes legais, isto é, prescritas em lei or-
dinaria.
Em principio, 0 exercicio da jurisdiçao se entende naD
limitado. 0 ingresso em juizo da relaçao juridica é de regra,
observadas somente as condiçoes estabelecidas na lei pro-
cessual.
Mas ha exceçoes: e sac estas que formam 0 quadro das
restriçoes que examinaremos adiante, depois de exposta a
noçao do que sejam questoes politicas e atos discricionarios,
vedados, estes como aquelas, à apreciaçao do Judiciario.
2. As chamadas "questoes poIiticas". É assunto de que
me ocupei alhures, escrevendo: "Quando se diz que 0 Poder
Judiciario naD julga questoes politicas, 0 que corn isso se ex-
prime é uma vedaçao, obvia no texto, nos principios am que
assenta a Constituiçao e na indole mesma daquele poder, que
é, por definiçao, uma jurisdiçao, alheada, por conseguinte, do
torvelinho da politica, das lutas partidarias e da soluçao boa
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO û05

ou ma, errada ou certa, conveniente ou nao, que aos assuntos


distribuidos pela Constituiçao entre 0 Legislativo e 0 Executi-
vo, e concernent es à esfera politico-administrativa de cada
um, tenha sido dada por tais poderes. Nao se diz, porém, que
o Judiciario nao tenha em nosso regime uma funçao politica,
tomada esta palavra no seu alto sentido, para significar que
êle desempenha uma funçao coordenadora das competências
constitucionais, 0 que lhe assinala a feiçao caracteristica de
que falamos acima. TaI é 0 poder de declarar a inconstitu-
cionalidade das leis, funçao politica por excelência, coma jâ
vîmos.
o desempenho dessa funçao ou, melhor, 0 exercicio da
jurisdiçao em tais casas naD envolve a apreciaçao da medida,
legislativa ou administrativa, no seu mérito, no acêrto ou de-
sacêrto da deliberaçao tomada, na oportunidade ou conve-
niência da iniciativa, na substância, em suma, do ato ajuizado.
o exame dos tribunais é circunscrito a uma indagaçao
que naD vai além da questao prejudicial, para usar de uma
expressao judiciâria. Resolve 0 casa pela aplicaçao da regra
de direito comum, que tem por nulo 0 ato praticado ultra
vires.
Entretanto, diz BEARD, essa regra teorica nem sempre se
apresenta em têrmos tao simples, tornando-se dificil, muitas
vêzes, extremar do aspecto puramente judicial outros que en-
volve a indagaçao. Isso, nao somente com relaçao aos atos
do Congresso, mas sobretudo no que toca ao desenvolvimento
dos poderes de policia que competem à administraçao. Frases
tais como "necessary and proper, due pro cess of law, privi-
legies and immunities" - envolvem principios e limitaçoes ex-
pressas em têrmos muito genéricos, susceptiveis de apreciaçao
variavel, consoante as teorias, 0 ponto de vista e os preconcei-
tos de cada juiz. Dai 0 fermento de agitaçao que 0 dissidio
mesmo entre os juizes contribue para entreter nos meios po-
liticos, envolvendo a propria Côrte, cuja opiniao é reivindi-
cada ou combatida como expressao da vitoria ou da derrota
de uns ou de outros. 1
1 BEARD, A71lerican Govern71lent and Politics, p. 297.
606 CASTRO NUNES

Tôda a dificuldade nessa matéria esta em assentar um


critério discriminativo das quest6es politicas defesas ao exame
dos tribunais e das que, envolvendo um direito individual,
possam ter ingresso no Judiciario. Nao existem regras pre-
cisas. 0 critério jurisprudencial americano - "merely, pure-
ly, exclusively political questions" - tao repetido entre nos, é
empirico, casuistico, nao assenta em nenhum principio ra-
cionaI.
Nao é pOl' ser politica a maté ria que ela escapa ao poder
de apreciaçao do Judiciario. Matéria eminentemente poli-
tica é a tributaçao, sao os tratados, é a expulsao de estrangei-
l'OS, é 0 direito eleitoral, sao os crimes politicos. No entanto,
ninguém dira que as quest6es dai derivadas naD sejam ou
nao possam ser, em dados casos, de indole judicial.
Essencialmente polîtico é 0 estado de sitio, na decreta-
çao coma na execuçao da medida, considerada a mais alta ex-
pressâo da polîcia politica. No entanto, a configuraçao do di-
reito individual poderia resultar; v. g., do tratamento como
réus de crimes comuns dos detidos em consequência do
sitio, ainda mesmo que tal violaçao constitucional tivesse
assento no ato do Congresso que autorizasse a medida. Da
mesma natureza a anistia que, nao obstante, ROI BARBOSA
ajuizou, na defesa de direitos individuais lesados.
Nem sera porque sejam discricionarias tais medidas, e
bem assim tantas outras de carater legislativo ou executivo,
abrangidas na conceituaçao do poder de policia. Porque a
discriçao cessa onde começa 0 direito individual, pôsto em
equaçao legal.
As medidas politicas sao discricionarias apenas no sen-
tido de que pertencem à discriçao do Congresso ou do 00-
vêrno os aspectos da sua conveniência ou oportunidade, a
apreciaçao das circunstâncias que possam autoriza-Ias, a es-
colha dos meios, etc. Discricionarias sao, com idêntica con-
ceituaçao, as medidas de policia no seu mais amplo sentido
adotadas na esfera administrativa. Mas, dizendo isso, nao
se diz, nem se poderia dizer, que a discriçao legislativa ou ad-
ministrativa pode exercitar-se fora dos limites constitucio-
TEORIA E PR!TICA DO PODER JUDICIARIO 607

nais ou le gais, ultrapassar as raias que condicionam 0 exer-


cicio legitimo do po der.
Basta assentar êsse principio para se ver, des de logo, que
a discriçao so existe dentro dos limites objetivos, le gais - e
que, ultrapassados estes, começa a esfera jurisdicional.
Na verdade, os tribunais naD se envolvem, naD examinam,
naD podem sentenciar nem apreciar, na fundamentaçao das
suas decisoes, as medidas de carater legislativo ou executivo,
poli tic as ou nao, de carater administrativo ou policial, sob
aspecto outro que naD seja 0 da legitimidade do ato, no seu
assento constitucional ou legal. Mas, nessa esfera restrita
o po der dos tribunais naD comporta, em regra, restriçao fun-
dada na natureza da medida".
E em outro topico: "0 critério jurisprudencial, baseando
na natureza da questao, "questoes meramente, puramente e
"exclusivamente politic as" , nao resolve a dificuldade.
COUNTRYMAN é dos que naD repetem essa fraseologia
vazia de sentido - "merely, purely and exclusively political
questions. "
Para êle, 0 critério diferencial naD reside na natureza po-
litica do ato - "the criterion is not that the questions is or
is not of a political nature" - mas na possibilidade de ser
enquadrado, concludentemente, na Constituiçao 0 direito in-
dividual que se diz violado.
E acrescenta: "There is no exception or exclusion of
cases presenting questions of a political nature or invol-
ving officiaIs acts of the political departments of the Gov-
ern1nent." 2
Os americanos se fundam na clausula constitucional que
colocou sob a égide do Judiciario "aU cases in Iaw and equitJl
arising under this Constitution," concluindo-se dai que todos
os casos de feiçao constitucional estao abrangidos na juris-
diçao, sem exclusao de qualquer espécie. 3
Entre nos, ninguém examinou corn maior abundância
êsse aspecto do que 0 preclaro RUI BARBOSA. Se bem que fo-
COUNTRYMAN, The Supreme Court and its Appellate Power, ps. 191 e segs.
3 COUNTllYMAN, ibidem, ibidem.
603 CASTRO NUNES

calizando assuntos do momento, ainda em ebwiçâo, no am-


biente aquecido pelas lutas partidarias, a sua liçâo, bebida
nas melhores fontes americanas, fornece diretivas seguras
que ainda hoje podem orientar a jurisprudência.
Em um dos seus liltimos trabalhos, naquele em que mais
eÀ1iensamente se devotou à objeçâo do casa politieo coma ex-
ceçâo declinatoria da jurisdiçâo, ja nâo insistiu no critério
fundado na natureza da questâo que, anos antes, em 1893,
apontara coma elemento de caracterizaçao (veja-se Atos In-
eonstitueionais do Congresso e do Executivo, p. 128), assen-
tando a noçâo na base discricionaria da conveniência, utili-
dade ou oportunidade da medida. "Tôdas elas (as questOes
"puramente politicas) teem por objeto a apreeiaçao de eon-
"veniêneias, transitorias ou permanentes, mas sempre de na-
"tureza geral. Sâo consideraçôes de interêsse comum, de
"utilidade publica, de neeessidade ou vantagem nacional, re-
"querendo uma autoridade mais ou menos arbitraria, subor-
"dinada a competência dos que a exercem aos freios da opi-
"niâo popular e da moral social, mas autônoma numa vasta
"orbita de açao, dentro na quaI a discriçâo do legislador e do
"administrador se move livremente.
"Eis 0 terreno meramente politieo, defeso como tal à in-
"gerência dos tribunais. Contraposto a êste se estende, corn
"divisas claras e sensiveis, 0 terreno da justiça, assinalado
"exatamente pela caracteristica oposta de que as questôes
"de sua alçada, em vez de obedecerem à apreciaçao de eontJe-
"niêneias, mais ou menos gerais, entendem corn a aplieaçao
"do direito legal aos casos particulares, de ordem individu al
"ou coletiva".4
Na compendiaçao dos atos defesos ao exame dos tribu-
nais, porque assentados em critérios de apreciaçao alheios à
orbita judicial, estao, entre muitos outros apontados pelo
Mestre, os seguintes: a declaraçao de guerra e a celebraçâo
da paz, 0 reconhecimento do Govêrno legitimo nos Estados
quando contestado entre duas parcialidades, a apreciaçâo, nos
governos estaduais, da forma republicana, 0 regime tributa-
• Direito do Amazonas, 1. p. 164.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDIClARIO 669

rio, a distribuiçao orçamentaria da despesa, a declaraçao da


existência do estado de insurreiçao, etc. 5
Poli tic a naD é, pois, a questâo, senac a funçao exercida
mediante critérios que escapam à apreciaçao judiciâria. Por
isso mesmo entendia RU! que "uma questao pode ser distin-
"tamente politica, aItamente politica fora dos dominios da
"justiça, e, contudo, em revestindo a forma de um pleito, estar
"na competência dos tribunais, desde que 0 ato, executivo ou
"legislativo, contra 0 quaI se demanda, fira a Constituiçao,
"lesando ou negando um direito nela consagrado".6
"Nao ha matéria que seja, por sua natureza, judicial, ad-
"ministrativa ou legislativa. Um mesmo assunto, diz JOUSSE-
"RANDOT, na sua monografia Du Pouvoir Judiciaire, é legisla-
"tivo, administrativo ou judicial, segundo 0 fim proposto.
"Trata-se de regula-Io por uma lei? É legislativo. Cumpre,
"a respeito do mesmo, agir de acôrdo corn a lei? É adminis-
"trativo. Deu origem a contestaç6es nascidas da aplicaçao
"da lei? É judicial. 0 que, pois, fixa e limita a competência
"dos três poderes é a natureza das funç6es. A competência é
"determinada ratione muneris, e naD ratione materiœ".7
Na doutrina francesa sac atos politicos as medidas de
govêrno, emanadas do Congresso ou do Executivo, para fins
de defesa e conservaçao do poder politico que êles repre-
sentam. 8
DUEZ classifica coma vedados à apreciaçao dos tribunais
os atos parlamentares e os atos ditos de govêrn(). Alias, tôda
a monografia dêsse escritor tende a mostrar a reduçao do
campo discricionario em matéria administrativa e mesmo no
tocante aos atos propriamente de govêrno. 9
É de observar que os atos ditos de govêrno se distinguem
na França, coma em outros paises, por um critério orgânico
• Ibidem, ibidem.
• Ibidem, ibidem, p. 178; no mesmo sentido EpITAcIO PESSOA, Discurso no Senado,
in Rev. do Supremo Tribunal, v. II, 2." parte, ps. 387 e segs.; BaUNIALTI, Il Diritto
Costituzionale e la politica, l, p. 322, etc.
7 Apud PEDRO LESSA, Do poder Judicidrio, ps. 69 e 70 (nota).
8 DUGUIT, ob. cit., II, p. 304.
o Les Actes de Gouvernement, 1935.

F. 39
610 CASTRO NUNES

ou formaI que, entre nos, inexiste. Em tais paises os admi-


nistradores sac os ministros; 0 govêrno é 0 gabinete. Dai
uma diferenciaçao pela orgao de que tenha emanado a me-
dida, critério de aplicaçao relativa entre nos, porque 0 Pre-
sidente da Republica é, a um tempo, 0 govêrno e a adminis-
traçao, de que é 0 chefe supremo.
Ponto que se pode considerar pacifico é que sao os pro-
prios tribunais e, na cupola da hierarquia, a instância supre-
ma, os juizes Unicos do carater politico, ou nao politico, da
questao ajuizada. Se a Justiça conhece do casa e 0 julga, é
que politico nao é.
A soluçao é, pois, jurisprudencial, em espécie, ainda que
orientada, como é curial, pelos subsidios da doutrina e enqua-
drados os critérios da apreciaçao nos mesmos principios de
moderaçâo e prudência que dominam a declaraçao da incons-
titucionalidade das leis, problema politico por excelência.
Casos ha, entretanto, em que 0 carater politico do ato ou
da questao decorre da vedaçao do exame judicial por deter-
minaçâo, explicita ou implicita, da Constituiçao.
É 0 que veremos adiante, posta a indagaçao em nosso
direito.
3. Poder discricionario, seus limites. Na apreciaçao da
legalidade do ato administrativo ha que distinguir em prin-
cipio a atividade regulada ou regrada da que se exerce livre
das peias legais ou regulamentares. É esta a esfera dos po-
deres discricionarios da administraçao. Atos discricionarios
ou faculdades discricionarias se dizem aqueles que 0 poder
publico exercita dentro de limites amplos, que Ihe balizam a
esfera de açao, no tocante à cf1YJveniência, à oportunidade e
aos meios adequados a um fim de interêsse geral, que se tenha
em vista.
Nao é 0 arbitrio, nao é 0 poder ilililitado, que seria in-
compativel com 0 regime de garantias instituido pela Consti-
tuiçao.
Confunde-se ou identifie a-se a noçao corn a eoneeitua-
çao das ehamadas quest6es politicas; mas estas eonstituem
o gênera de que os atos diserieionarios sao apenas espéeie.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 611

Nos paîses que naD admitem 0 contrôle da constitucio-


nalidade das leis, tais coma a França, as quest5es ditas poli-
tic as naD comportam 0 exame judicial, naD tanto porque 0
sejam - convém acrescentar - mas por isso que, fundada
a lesao no ato legislativo, êste naD poderia ser pôsto em causa
perante os tribunais, porque 0 regime naD comporta a in-
dagaçao.
Nao assim os atos discricionarios da administraçao que,
nos paîses de jurisdiçao administrativa, podem ser objeto de
contencioso sob 0 aspecto, mais ou menos amplo, da sua lega-
lidade.
De um modo geral, 0 que se pode dizer em consonância
corn as idéias ja expostas quando tratamos das chamadas
quest5es politicas, é que estas se definem pela maior extensao
da discriçao do poder no decreta-las ou no executa-las. Mas
também é êsse 0 traço conceitual dos atos discricionarios da
administraçao; de modo que em ambas as modalidades da
açao publica, quer se exerça esta na alta esfera politic a, quer
nos contactos mais diretos do poder corn 0 cidadao, 0 que
existe é êsse fundo comum, que esta longe de fornecer um
critério de diferenciaçao.
Na pratica, porém, os tribunais apreciam corn maïor lar-
gueza os atos administrativos, de menor relêvo constitucional,
sobretudo nos Estados Unidos, coma veremos adiante.
Os atos discricionarios se abrangem do ponto de vista ad-
ministrativo, no conceito de poder de policia (police power),
de que trataremos adiante.
LÉON DUGUIT nega a existência do poder discricionario, e
bem assim a noçao do ato dito.de govêrno ou politico, se corn
tais qualificativos se pretende isenta-los do exame jurisdicio-
nal - "Admettre des actes de gouvernement ainsi compris,
c'est admettre que pour des raisons d'Etat on peut apporter
des exceptions plus ou moins arbitraires au principe essen-
tiellement protecteur, au principe fondamental, le principe de
legalité materielle, sans lequel il n'y a pas d'Etat de droit,
sans lequel, pourrais-je dire, il n'y a pas vraiment de droit
public".
612 CASTRO NUNES

E, analisando a jurisprudência do Conselho de Estado,


por via, sobretudo, do détournement du pouvoir, criaçao ju-
risprudencial que se destina a vigiar, em beneficio do parti-
cular lesado, 0 uso do po der, condicionado, coma se entende,
à conveniência publica e naD a interêsses outros ainda que
mascarados corn êsse rotulo, - chega à afirmativa, alias cor-
roborada por outros autores, de que no moderne direito fran-
cês naD ha lugar para 0 ato discricionario ou de pura ad-
ministraçao. 10
o poder discricionario se justifica, diz GEORGES RÉNARD,
pela impossibilidade de enquadrar na lei a variedade infinita
e indefinida das situaçôes concretas que sobrevenham, pro-
vocando a açao da autoridade.
Nos Estados Unidos, as restriçôes à liberdade e à proprie-
dade estao subordinadas à observância da clausula constitu-
cional, estendida aos Estados pela emenda adotada em 1865,
pela quaI ninguém pode ser privado da vida, da liberdade e
da propriedade sem 0 devido processo legal - " ... nor be
deprived of life, liberty, or property, wfthout due process
of law."
o
sentido dessa regra constitucional tem sido dado pela
jurisprudência; em ultima analise, é a justificaçao do ato aà-
ministrativo.
Considera-se, de um modo geral, justificado 0 ato quando
êste apresenta intima e razoavel relaçao - "has a substantial
or reasonable relation" - corn os interêsses da saude e se-
gurança publicas, da moral e do bem-estar (welfare) da co-
letividade. É a esfera, extensa e indefinida, do police power.
A justificaçao do ato exclue 0 poder discricionario. Por
isso é que 0 "due process of law," com 0 desenvolvimento que
Ihe teem dado as côrtes judiciarias, se afigura 0 paladio de
todos os direitos individuais - "It has become a sort of pal-
ladium covering manner of individual rights." 11
Tem-se entendido algumas vêzes que a justificaçao do
ato pela propria a,utoridade que 0 expediu, em forma adminis-
10 DUGUIT, ob. c1t., ed. 1927, ps. 419-420.
11 MUNRO, ob. clt., p. 348.
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICrARIO 613

trativa regular, satisfaz ao requisito constitucional, sobretudo


em matéria de taxaçao e nos assuntos ligados às leis sôbre en-
tradas de estrangeiros. Na maioria dos casos, porém, a Côrte
Suprema abandona 0 critério, a justificaçao por via adminis-
trativa, e examina 0 ato com a maior autonomia. 12
Cessa a discriçao do poder publico desde que !he faite
competência para praticar 0 ato ou, sendo competente, ex-
ceda as condiçoes postas pela lei ou pelos regulamentos ao
exercicio da funçao. As condiçoes de cada casa poderao de-
terminar uma extensao maior ou menor da sindicância judi-
cial, sobre tu do nas hip6teses de excesso de poder, que envol-
vem muitas vêzes questoes de fato.
Sao os limites do poder discricionario, limites que 0 expo-
sitor classico da matéria denomina fatores nâo discricionarios
no exercicio dos poderes discricionarios. 13
No quadro do nosso direito positivo temos um critério
legal a ser observado como regra.
A lei n. 221, de 1894, dispondo sôbre a invalidaçao judicial
dos atos administrativos, declara no art. 13, § 9.°, letra a :
"Consideram-se ilegais os atos ou decisoes administrativas
"em razao da nao aplicaçao ou indevida aplicaçao do direito
"vigente. A autoridade judiciaria fundar-se-a em razoes ju-
"ridicas, abstendo-se de apreciar 0 merecimento dos atos ad-
"ministrativos, sob 0 ponto de vista de sua conveniência ou
"oportunidade"; e na letra b: "A medida administrativa
"tomada em virtude de uma faculdade ou poder discriciona-
"rio somente sera havida por ilegal em razao da incompetên-
"cia da autoridade respectiva ou de excesso de poder".
Define-se, pois, 0 poder discricionario pela conveniência
ou oportunidade da medida. Yale dizer que no exame da le-
galidade do ato 0 juiz se atém à inobservância ou transgressao
da lei. Sao os limites formais do poder discricionario.
Mas a ilegalidade pode nao estar na inaplicaçâo da lei,
senac no modo de sua aplicaçao. TaI é 0 sentido da regra

12 GOODNOW, Droit Administratif des Etats Unis, ps. 370 e segs.; HAINES, The
Constitution of the United States, ed. 1928, ps. 234-235.
13 ERNEST FREUND, Administrative powers over persans and property, ps. 65 e segs.
614 CASTRO Nu NES

legal: "Consideram-se ilegais OS atos OU decis6es adminis-


"trativas em razao da nao aplicaçao ou indevida aplicaçao do
"direito vigente".
Equipara-se assim à violaçao da lei a sua errônea, viciosa
ou fraudulenta aplicaçao.
A conveniència se define pela conveniência publica, pelos
fins de interèsse publico a que tenha obedecido 0 ato admi-
nistrativo. Se patente a oposiçao entre a fin alidade objeti-
va da em concreto e a finalidade legal, indevida tera sido a
aplicaçao da lei e, portanto, ilegal 0 ato.

4. Do poder de poIicia. 14 A policia é uma das formas


da atividade administrativa; 0 poder de policia, a manifes-
taçao do poder publico concernente a essa atividade. Assim
começa OTTO MAYER 0 seu estudo da matéria, recapitulando
a seguir as diferentes fases por que passou a instituiçao até 0
seu enquadramento no Estado constitucional moderno, corn
a noçao que lhe da de atividade destinada a defender, pelos
meios adequados ao exercicio da autoridade, a boa ordem da
coisa publica contra as perturbaç6es que os individuos lhe
possam trazer. 15

Essa funçao de conservaçao, inerente ao poder de policia,


pressupondo relaç6es que èle acautela e defende, mas nao
cria, é igualmente salientada pela emérito RANELLETTI, quan-
do escreve: "Per consequenza, per noi, la polizia ha una sola
funzione, quella negativa, cioè di conservazione. Essa si li-
mita a combattere tutte le deviazioni dello stato di ordine, le
minachie all'ordine pubblico, quindi a defendere quest'ordine
secondo le leggi ed istituzioni che sono ad esse date della po-
testà della stato; ma non crea nulla; essa non crea i rap-
porti che realizano l'ordine pubblico, ne dà le norme fonda-
mentali, secondo le quali quest'ordine dev'essere assicurato".

H Para maior desenvolvlmento. veja-se 0 nosso Do Mandado de Segurança, 1937.


ps. 134 e segs.
10 OTTO "!::.\YEn. Le Droit Aaminisirai:j ..-iilc71!(;:zd. II. § 13.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 615

E acrescenta: "Il potere di polizia entra neZ concetto


della difesa del diritto, degl'interessi sociali, e dello Stato, che
ne è l'organo supremo". 16
Nao é a negaçao do estado de direito, mas a condiçao da
conservaçao da ordem juridica preexistente; e por isso
mesmo se entende, na liçao americana, que 0 seu principio
fundamental é a maxima - "Sic utere tuo ut aZienum non
lœdas".17
Essa funçao adjetiva do poder de pollcia, à margem do
direito, seguindo-o, preservando-o, sem 0 desconheeer ou su-
primir, é 0 traço que distingue 0 principio nas suas aplica-
ç6es hodiernas. Por isso mesmo foi possivel aclima-lo nas
demoeracias, coma instrumento de açao preventiva do inte-
rêsse geral contra as demasias do interêsse individual.
o poder da polieia, diz FREUND, é um poder implicito que
tem por fim imediato a promoçao do bem publieo, por meio
de restriç6es aos direitos privados - "The power which has
for immediate object the furtherance of the public welfare
through restraint and compulsion exercised over priva te
rights."
Foi corn fundamento no po der de policia que a jurispru-
dência pôde aceitar a legislaçao sôbre os estrangeiros, as limi-
taç6es postas à entrada dêstes no territ6rio americano e até
a proibiçao integral, coma no casa dos chines es.
De um modo geral é, porém, no exercicio das suas atri-
buiçoes definidas na Constituiçao que 0 Congresso tem usado
mais do poder de policia. E, ainda, naqueles casos que nao
comportem nenhuma providência federal, 0 Congresso age
indiretamente. Assim, por exemplo, 0 Congresso nenhum
poder possue para legislar sôbre loterias; entretanto, como
lhe toca legislar sôbre telégrafos e correios, êle pôde proibir
a rem es sa ou transmissao de listas ou de noticias. A juris-
prudência tem endossado essa pratica (Cyclopedia of Amer-
ican Government, Police Power).

10 RANELLETTI, in Diritto Amministrativo Italiano, v. 4, parte 1.", p. 279.


17 COOLEY, Constitutiorwl Limitations, p. 838.
616 CASTRO NUNES

A locuçao poder de policia nao tem um sentido bem de-


terminado. Define-se pela seu objeto, pela sua funçao au-
xiliar do direito, pela funçâo adjetiva que desempenha na
vida social. É a um tempo poder e funçâo de govêrno, sis-
tema de regras de organizaçao administrativa dotadas de
poder coercitivo. 18
Como instrumento de propulsao do bem publico, com-
preendendo os interêsses da policia, no seu mais a;mplo sen-
tido, e até os da economia, segundo a noçao totalitaria de
BLACKSTONE - "the due regulation and domestic order of
the kingdom . .. " - êle se destina a preencher as lacunas dei-
xadas pela direito na sua finalidade de proteçao individual,
por isso que, coma nota LETELIER, os povos vivem em um per-
pétuo vai-e-vem, entre 0 regime judicial puramente repres-
siva, que favorece a liberdade, mas nâo evita 0 mal, e 0 regime
de policia, de seu natural preventivo, que visa evitar 0 mal,
mas s6 0 consegue à custa da liberdade. 19
Os limites ao exercicio do po der de policia se encontram
na finalidade mesma dêsse instrumento, que, coma ja vimos,
se destina à promoçao do bem publico - "The scope and lim-
itation of the police power are controlled by the legitimate
demands of the public welfare and by the fundamental
rights of the individual" (Cycl., ibidem, ibidem).
As clausulas expressas da Constituiçao, as leis e regula-
mentos, os principios fun dament ais que informam tôda a
infraestrutura da vida juridica do pais, - tais sao os limites
naturais dentro dos quais tera de exercitar-se 0 poder de po-
·licia, sob pena de se tornar compressivo das liberdades publi-
cas e incorrer na censurJ. jurisdicional.
Nao se desconhece no direito americano, antes se aviva a
noçao dêsse perigo no uso incontrolado do poder de policia,
sem atençao aos direitos fundamentais do cidadao - "The
police power is an attribute of government fundamentally ne-
cessary to the public, but so easily perverted as to be extreme-
ly dangerous to the rights and the liberty of the citizen." 20
18 BmLSA, Derecho Administra/ivo Argentino, v. III, p. 82.
19 La Genesis dei Estado, p. 544.
20 BLf.CK, Constitutianal Law, p. 290.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 617

Os limites do poder de policia se encontram corn as ex-


tremas do poder discricionario. Conceituar êste, traçar-Ihe
as divisas, é balizar aquele.
No direito americano, 0 poder de policia é limitado pela :t-
clausula "due process of law". É esta, praticàmente, a me-
dida do seu exercicio. 21
Resumindo 0 que acaba de ser exposto, podemos· dizer :
o poder de policia é um direito primario de auto-defesa do
Estado, inerente a todo govêrno autônomo. Destina-se a
preservar e a promover 0 bem publico, acautelando os inte-
rêsses da ordem e da segurança individual, da saude, do
bem-estar, da tranquilidade e confôrto das populaç6es. Rea-
liza uma funçao auxiliar e complementar do direito, acudindo
às necessidades da vida coletiva na extensao e corn as limita-
ç6es que lhe forem traçadas pela legislador, de acôrdo corn
aquelas necessidades e as circunstâncias emergentes de cada
momento. É instrumento da açao social do Estado, meio de
preservaçao do interêsse coletivo contra as demasias do in-
terêsse individual.
Entende-se implicito na atividade constitucional de todos
os poderes do Estado, como funçao inerente ao desempenho
das suas atribuiç6es expressas, de acôrdo corn as limitaç6es
que, por construçao constitucional, se devam ter por suben-
tendidas.
Seus limites naturais sac os que se compreendem na sua
definiçao como instrumento da açao publica para os fins su-
periores do interêsse geral. Seus limites objetivos, as normas
legais ou regulamentares que condicionam 0 seu exercicio e
os principios fun dament ais da vida juridica do pais. 22
!!l A clausula amerlcana "without due process of law" nao tem correspondente
em nosso texto constltucional. A êsse prop6s!to, escrevf: "NaD temos em nossa ."-
Le! Magna uma clausula espec!al, como a amerlcana, cond!c!onando 0 exercfc!o do
poder de poUc!a, nas suas diferentes modal!dades. Mas as garanti as enumeradas
no art. 72, compreendendo partlcularlzadamente os d!reltos concernentes il vida
(abol!çâo da pen a de morte, § 21), il l!berdade (§§ 13 a 16) e il propr!edade (§ 17),
bem como a ampl!abll!dade de outras garantias nao expressas, mas subentendldas
na f!nal!dade do regime (art. 78), equ!valem, por construçao jur!sprudenc!al, à.
clausula amerlcana "due pTOce~s of law". Cumpre. todav!a, nao perder de vista,
hoje, 0 precelto da parte 2." do art. 123 da Const!tu!çao (veja-se adlante "Declaraçao
de d!reltos e sua Interpretaçao").
22 Dos poderes de polfcla da Unlao ocupel-ma n'A Jornada Revisionista, 1922;
hoje sac multo mals exten,os, corn assento em varias dlspos!t!vos da Carta de 10
de novembro, particularmente no do art. 16, V, que à. Unlao atrlbue competênc!a
para leglslar sôbre "0 bem-estar, ri ordem, a tranqull!dade e a segurança pûbl!cas,
"quando 0 exlglr a n,~cess!dade de uma regulamentaçao uniforme".
618 CASTRO NUNES

5. Legitimidade dos fins ou dos motivos do ato como


critério de aferiçao da legalidade. DUGUIT é dos que limitam
o contrôle jurisdicional à verificaçao objetiva da legalidade;
mas admite a teoria dos fins. Tôda a funçao jurisdicional,
diz êle, consiste em resolver uma questao de direito. Contro-
lar a oportunidade é, ao contrario, decidir uma questâo de
fato. Mas, acrescenta, se a administraçao é livre de escolher
o momento de agir e apreciar as circunstâncias na adoçao
de certa medida, es sa deliberaçao ha de tstar subordinada a
um fim de serviço publico, naD podera ser, por exemplo, un
bût de vengéance, nem mesmo qualquer consideraçao que,
embora ligada ao serviço pliblico, seja estranha aos fins pres-
supostos pelo legislador na adoçao da medida.
PAUL DUEZ naD vai tao longe. 0 poder discricionario,
diz êle, engloba, por um lado, quest6es de oportunidade e
arte administrativa e, por outro, "le domaine de questions
qui, logiquement, pourraient relever de la legalité, mais qui,
en fait, n'ont pas été reglementées imperativement par le Le-
gislateur et sont, en consequence, restées soumises au prin-
cipe de liberté juridique de l'administrateur".
Mais longe ainda do que DUGUIT vai GEORGES RÉNAF,D,
prefaciando 0 livro de HENRI WELTER. 0 contrôle dos fins,
para êsses dois escritores, alcança até a moralidade do ato.
Nao visa a utilidade da medida, e muito menos a apreciaçao
de sua oportunidade, "mais la conception juridique que l'ad-
ministrateur s'est faite de son devoir fonctionnel en suivant
une direction donnée".
A trilogia é, pois, a seguinte: legalidade, moralidade,
oportunidade. S6 esta liltima constitue, mesmo no sentir
dos mais avançados, 0 reduto da discricionariedade.
A moralidade se enquadra na legitimidade dos fins ou
dos motivos determinantes do ato ou decisao. 23

"" CASTRO NUNE6, Do Mandado de Segurança, 1937, p. 132.


CAPiTULO IV

RESTRIÇÔES AO EXERCtCIO DA JURISDIÇAO


( Continuaçao)

SUMARIO: 1. Quest6es polfticas em face da Constituiçao brasUeira: A) Questées


de limites; B) Declaraçao da existência ou inexistência de bitributaçâo;
C) Vedaçao do exame jUdicial aos atos do Govêrno Provis6rio. 2. Poder
discricionario. Hip6teses da Constituiçào. Atos de execuçao do estado de
emergência e Cio estado de guerra. Suspensao do habeas-corpus,' em que
têrmos deve ser entendida. 3. Aposentaçao e reforma forçada de civis e
m1l1tares. 4. Restriç6es estabelecidas por lei ordinaria. Decis6es da Câ-
mara de Reajustamento. Outras hip6teses.

1. Questoes politicas em face da Constituiçao brasi·


leira. A Constituiçao enuncia, no art. 94, 0 principio geral
de que "é vedado ao poder Judiciario conhecer de quest6es
"exclusivamente politicas" .
. Ja vimos na exposiçao doutrinaria da matéria 0 sentido
dessa proibiçao. Sao, de um modo geral, as mesmas ques-
t6es da compendiaçao de Rur, à luz dos ensinamentos da j'u-
risprudência americana,l acrescentadas agora as resultantes
1 RUI enumerava: "1. A declaraçâo de guerra e a celebraçào da paz. 2. A man-
"tença e direçao das relaçc5es diplomaticas. 3. A vcrif1caçiio dos poderes dos repre-
"sentantes dos governos estrangeiros. 4. A celebraçao e reclsâo de tratados. 5. 0
"reconlleclmento da independência. soberanla e govêrno de outros paises. 6. A fi-
"xaçâo das extrema5 do pais éoru os seus vlzlnllos. 7. 0 reglme do comércio inter-
"nacional. 8. 0 comando e disposiçao das forças mllltares. 9. A convocaçâo e ruo-
"bllizaçiio da milicla. 10. 0 reconhecimento do Govêrno legitlmo nos Estaùos.
"quando contestado entre duas parclal1dades. 11. A apreciaçâo. nos governos es-
"taduais. da forma republ1cana. exigida pela Constitulçâo. 12. A fixaçâo das l'e-
"laç6es entre a Uniâo ou os Estados e as tribus indigenas. 13. 0 reglme tribu-
"tario. 14. A adoçâo de ruedidas protecionistas. 15. A distribuiçâo orçamen-
"taria da despesa. 16. A admissâo de um Estado à. Uniâo. 17. A declaraçâo da
"existência do estado de insurreiçâo. 18. 0 restabeleciruento da paz nos Estados
"insurgentes e a reconstruçâo neles da ordem federal. 19. 0 provimento dos cargos
"federais. 20. 0 exerciclo da sançâo e do veto sobre as resoluçôes do Congresso.
"21. A convccaçao extraol'dinarla da repreœntaçiio nacional" (Direito do Amazonas,
v. I. ps. 163-164).
620 CASTRO NUNES

do exercicio da prerrogativa do Presidente da Republica, no


atual regime, e tendo em vista outros subsidios de interpreta-
çao que decorram dos principios em que êste se inspira. 2
Cumpre observar desde ja que, nao obstante a identidade
existente entre 0 que se chama "questao politica" e "poder
discricionario", é possivel distinguir as duas noç6es.
Muitas quest6es, ditas politicas na linguagem corrente,
nada mais SaD que atos resultantes do exercicio do po der dis-
cricionario da autoridade. Assim é, por exemplo, que, no
tocante ao esta do de sitio (hoje dito de emergência) , a questao
propriamente politica esta na sua declaraçao ou decretaçao,
possibilitando à autoridade a pratica de atos ou medidas dis-
criciondrias na sua execuçao.
De acôrdo corn êsse critério vamos examinar, agora, as
"quest6es politicas", que teem êsse carater por disposiçao ex-
pressa da atual Constituiçao. Sao quest6es politicas formais,
corn a proibiçao, explicita ou implicita, do exame judicial.
Somente dessas nos ocuparemos, pela seu maior interêsse
atual. Sao elas: a) as questoes de limites entre Estados ;
b) a declaraçao da existência da bitributaçao; c) a vedaçao
do exame judicial dos atos do Govêrno Provisorio. 3

A) Questoes de limites. Disp6e 0 art. 184, § 1.0: "Ficam


"extintas, ainda que em andamento ou pendentes de sentença
"do Supremo Tribunal Federal ou em juizo arbitral, as ques-
"t6es de limites entre Estados", acrescentando no § 2.°: "0
• "Sao prerrogatlvas do Presidente da Republ!ca, de clara 0 art. 75: a) Indlcar
"um dos candldatos à Presldência da Republ!ca; b) dissolver a Câmara dos Depu-
"tados, no caso do paràg. unico do art. 167; c) nomear os ministros de Estado;
d) designar os membros do Conselho Fedaral reservados à sua escolha; e) adiar.
"prorrogar e convocar 0 Parlamento; f} exercer 0 dlrelto da graça".
3 No cap. IV, da Introduçao (Das jurlsdiçôes polltlcas), jà tratamos do im-
peachment, que ê um julgamento polltlco. Tratamos, 19ualmente, da bitributaçlio,
a que voltamos aqui. Quanto à faculdade reservada ao Parlamento para confir-
mar a lei declarada inconstltuclonal, nao importa, a rigor, numa restrlçao ao exer-
cielo da jurisdiçao, pois que sltuadas as du as indagaçôes em pIanos paralelos,
conforme expusemos; mas 0 sentldo da inovaçao coarta a hegemonla pecullar à
lnstâncla suprema neste reglme no tocante à declaraçao da Inconstltuclonalldado
das lels, como arbitro final. Além dlsso, 0 ejeito da dellberaçao das câmaras legls-
latlvas... importa numa restriçao, de vez que se entende cassad:z a deelsao jU-
(!lelal.
TEORIA E PMTICA DO PODER JunrCIARIO 621

"Serviço Geografico do Exército procedera às diligências de re-


"conhecimento e descriçao dos limites até aqui sujeitos a du-
"vidas ou litigios, e fara as necessarias demarcaçôes", preceitos
a serem entendidos combinadamente com 0 do art. 16, 1. A
soluçao de tais questoes é legislativa, estando proibida por
fôrça do art. 184, § 1.0, a soluçao judicial, ainda que pendente
a demanda, e mesmo a arbitral.
De tais preceitos decorre que a competência do Supremo
Tribunal para "as causas ou conflitos entre a Uniao e os Es-
"tados, ou entre estes" (art. 101, I, c) deve ser entendida com
essa limitaçao expressa, isto é, excetuadas as causas de limi-
tes entre Estados.
Na vigência da Constituiçao de 91, na quaI ja se inseria,
tal competência foi muito controvertida, tendo prevalecido
nos primeiros tempos da Republica 0 entendimento de que
as quest6es de limites, fôsse qual fôsse a natureza da contes-
taçâo, eram defesas ao conheclmento judiciario.
Mas 0 Supremo Tribunal, nao obstante alguns votos ven-
cidos, veio a entender, com base na interpretaçao combinada
dos arts. 4.°, 34, n. 10, e 59, I, letra c, que havia duas hipo-
teses a distinguir - aquela em que os Estados entrassem em
acôrdo subordinado à aprovaçao (ou desaprovaçao) do Con-
gresso, hipotese essa da competência dêste - e aquela em
que contendessem fundados na legitimidade de documentos
ou outros meios de prova, abrindo-se, entao, a competência do
Supremo Tribunal.
Essa, a doutrina que veio a prevalecer, assim justificada
por PEDRO LESSA, em acordao de que foi relator: "Quando os
"Estados querem encorporar-se entre si, subdividir-se ou des-
"membrar-se, para se anexar a outros ou formar novos Esta-
"dos, é competente 0 Congresso Nacional para resolver defini-
"tivamente, depois de manifestada a aquiescência das assem-
"bléias legislativas estaduais, nos têrmos dos arts. 4.° e 34,
"~no 10, da Constituiçao federal. Ê:sses artigos sao claros e ca-
"tegoricos. Quando, porém, se suscita um litigio (causa ou
"conflito, na linguagem ampla da Constituiçao) entre dois
"Estados, como na espécie dêstes autos, nao descubro um so
622 CASTRO NUNES

"fundamento para duvidar da competência outorgada ao Tri-


"bunal pela art. 59, !, letra c. Ao litigarem neste processo,
"0 Estado do Parana e 0 de Santa Catarina naD pretendem
"desmembrar-se, subdividir-se ou encorporar-se entre si; naD
"cogitam de alterar ou de retificar liimites incontestados.
"0 intuito dos pleiteantes é que se ponha fim a um conflito
"de velhissima data. 0 que ambos querem é resolver uma
"contenda sôbre limites, que um deles assevera terem si do
"fixados ha muito, de um certo modo, em determinados pon-
"tos, de acôrdo corn certas leis, alvaras, cartas régias e pro-
"visees, e 0 outro afirma terem sido fixados de modo diverso,
"em pontos diferentes, por êsses mesmos atos de ordem legis-
"lativa".4
B) Declaraçao da existência ou inexistência de bitribu-
taçao. Outra questao politica é a declaraçao da existêneia G,
compreensivamente, da inexistêneia da bitributaçao, nos têr-
mos do art. 24 da Constituiçao, que, sem reproduzir a ressalva
contida no texto de 1934, art. 11 - "sem prejuizo do recurso
"judieial que couber" - assim dispee: "Os Estados poderao
"criar outros impostos. É vedada, entretanto, a bitributaçao,
"prevaleeendo 0 imposto decretado pela Uniao quando a com-
"petêneia for coneorrente. É da competência do Conselho
"Federal, por iniciativa propria ou mediante representaçao
"do eontribuinte, declarar a existêneia da bitributaçao, sus-
"pendendo a eobrança do tributo estadual".
A Constituiçao, depois de partilhar entre a Uniao e os
Estados as fontes de receita, permitiu a estes e, implicita-
mente àquela, a utilizaçao das fontes naD partilhadas ou dei-
xadas em condominio. É nessa es fera que po de oeorrer a
dupla imposiçao, isto é, a taxaçao de un: mesmo produto, ma-
téria ou fundo tributavel pela Uniao ou por um Estado, com-
petindo ao Conselho Federal e, enquanto inexistente êsse
orgao, ao Presidente da Republiea (dec.-Iei n. 1.202, de 8 de

• AURCLINO LEAL, Teoria e P7àtica da Constituiçao, !, ps. 607-608.


TEORIA E PMTICA DO PODER JUDICIARIO 623

abril de 1939) declarar a existência da bitributaçao, suspen-


dendo a cobrança do tributo estadual. 5
C) Vedaçao do exame judicial dos atos do Govêrno Pro-
visorlO. Logo que se inaugurou 0 atual regime, suscitou-se
a questao de saber se poderia subsistir, em face do nova texto
constitucional, a clausula do art. 18 das Disposiç6es Transito-
rias da Constituiçao de 16 de julho de 1934, corn a vedaçao do
exame judicial dos atos do Govêrno Provisorio.
o interêsse da indagaçao estava somente nessa vedaçao,
naD se contestando subsistisse a aprovaçao, coma tata consu-
mado, coma subsistem quaisquer leis (e compreensivamente
quaisquer atos) enquanto naD revogadas e que naD contraria-
rem, explicita ou implicitamente, as disposiç6es da nova Cons-
tituiçao (art. 183).
Em causa da Standard Oil v. Uniao Federal proferi sen-
tença, coma juiz dos Feitos da Fazenda (20 de dezembro de
1937), concluindo pela afirmativa, isto é, pela preclusao do
exame judicial.
A questao naD era simples. Basta considerar que entre
nos a regra é 0 ingresso do ato administrativo nos tribunais,
regra que ficou mantida na atual Constituiçao. A êsse prin-
cipio so podem ser admitidas exceç6es fundadas na Constitui-
çao mesma; e a nova Constituiçao, naD repetindo a clausula
transit6ria da anterior, omite a vedaçao expressa.
Considerei, porém, que, aprovados os atos da Revoluçao
corn aquela restriçao ao exercicio da jurisdiçao relativamente
a êles, naD havia coma cindir essa aprovaçao, para aceita-Ia
na prîmeira parte e recusa-la na segunda. Acresce que sem
a vedaçao do exame judicial seria in6cua, e talvez desneces-
saria, a aprovaçao dos atos, cujo mérito de legalidade nao
estaria subtraido, pela s6 aprovaçao, ao contrôle dos tribunais.
Por outro lado - e é êsse 0 aspecto mais importante - a
razao de ser daquela vedaçao (e naD da mera aprovaçao)
era de molde a superar a mudança das instituiç6es, dado 0
:)

" :ttsse é 0 meu modo de ver, mas nao é 0 do Supremo Tribunal. Do assunto
me ocupo long-amente no estudo "Bitributaçao e competência judiciâria", publi-
cado na Rev. Forcnsc, Rio, 1942, v. 91, ps. 5 e segs.
624 CASTRO NUNES

carater de anistia que revestiu a proibiçao em beneficio dos


erarios publicos. Justificando 0 meu modo de ver, disse eu
na aludida sentença: "A aprovaçao dos atos do Govêrno Pro-
viso rio e a interdiçao do exame judicial dos mesmos é um fato
consumado, cujos efeitos continuam a produzir-se na vigên-
cia da nova preceituaçao constitucional que, naD contendo
clausula expressa em contrario, comporta a imunidade criada
em favor d~queles atos.
o art. 123 consagra, é certo, 0 principio da distensibili-
dade das garantias (e tôda açao como qualquer meio de pedir
em juizo é, objetivamente considerada, garantia) ; mas acres-
centa que a revelaçao das garanti as implicitas se limita pela
"bem publico" e por outras consideraç6es de interêsse geral.
A aprovaçao dos atos do Govêrno Provisorio teve 0 cara-
ter de uma verdadeira anistia em favor dos erarios publicos,
federais e locais, e isso mesmo fic ou bem salientado no dis-
curso do deputado MEDEIROS NETO, que liderava a maioria, ao
combater a emenda RAUL FERNANDES (Diario da Assembléia
Nacional de 5 de junho de 1934).
Visou-se coni aquela aprovaçao tornar legal 0 que fôsse
porventura ilegal na administraçao do Govêrno Provisorio,
encerrando-se em beneficio do Tesouro 0 passivo dêsse pe-
riodo.
Foi êsse 0 sentido constitucional da aprovaçao, scilicet
validaçao dos atos do Govêrno Provisorio, tidos, em conse-
quência, como legais para 0 Judiciario, do que decorre, como
mero corolario, a vedaçao do exame judicial.
o bill de indenidade, em que se traduziu a aprovaçao,
teve, pois, 0 carater de uma anistia financeira em favor da
Naçao, no tocante aos atos do setor federal.
Nao teve por fim, somente, isentar de responsabilidade
politica ou penal os ministros responsaveis, como acontece
nas praticas do govêrno parlamentar, em que estao pres su-
postos dois po dents que se defrontam: 0 Legislativo, dono
do poder utilizado pela Executivo, absolve a êste e ratifica-lhe
os atos, homologa-os.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDIC:WUO 625

Aqui,nao. Foi a propria Assembléia Constituinte, no


mesmo instrUlIIlento constitucional, que cancelou as respon-
sabilidades dos tesouros publicos em todo 0 pais. 0 biU foi
concedido, pois, à Naçao, e nao ao Govêrno. Subsiste, por-
tanto, na, vigência das novas instituiç6es" (Diana da Justiça
"de 21 de dezembro de 1937).6
Dispunha 0 art. 18 das Disposiç6es Transitorias da Cons-
tituiçâo de' 34: "Ficam aprovados os atos do Govêrno Pro-
"visorio, interventores federais nos Estados e mais delegados
"do mesmo Govêrno, e excluida qualquer apreciaçao judiciâ-
"ria dos mesmos atos e dos seus efeitos".
Entre os atos aprovados se incluem os da Junta Gover-
nativa que: 0 precedeu em 24 de outubro de 1930, os quais 0
decreto orgânico de 11 de novembro seguinte declarou expres-
samente ratificados (Côrte Suprema, ac6rdao de 16 de ja~
neiro de 1935).
A ved~çao do exame judicial significa que os atos do Go-
vêrno Provisorio sâo, por fôrça da clausula proibitiva, ques~
t6e,s politicas, de carater formal. É 0 ato, em si mesmo, inde~
pendente do seu conteudo, 0 que se subtrai à apreciaçâo judi~
Clana. A interdiçao se define pelo mesmo critério doutrma-
rio acêrca dos atos parlamentares e atos de govêrno, inacces-
siveis ao contrôle dos tribunais: "l'accès du pretoire est Te~
fusé a ces actes". 7

Fora;m grandes, e ainda existem, as duvidas sôbre a ex~


tensâo da imunidade, quais as exceç6es que pode ou deve com-
portar, etc.
Em abri! de 1937 examinei 0 assunto em voto que pro-
feri, com assento na Côrte Suprema, e no quaI procurei coor-
denar algumas idéias basicas: "Naquela aprovaçao se deve
entender implicita a cœnpossibilidade de tais atos com a pre~
ceituaçao constitucional.
Admitir que êles possam subsistir, quando provadamente
inconciliaveis com algum preceito da Constituiçao, seria ad~
6 Essa declsâo fol reformada pele Supremo Tribunal. Hoje. porém. é pacifleo 0
entendlmento. e por unanlmldade.
7 PAUL DUEZ, Les Actes de Gouvernement, p. 13.
F. 40
626 CASTRO NUNES

mitir que a preceituaçao transit6ria prevalece sôbre a precei-


tuaçao permanente, ou, ainda, que a Constituiçao esta em
vigor corn as exceçoes resultantes daqueles atos.
Eu entendo, em contrario a opinioes muito respeitaveis,
que a aprovaçao, qualquer que seja a natureza do ato, resulta
do preceito das Disposiçoes Transit6rias. Invoca-se, quanto
aos decretos-Ieis, 0 art. 187, para dizer-se que por êsse dispo-
sitivo, e nâo pela outro, é que ficaram aprovadas as leis ema-
nadas do Govêrno Provis6rio.
Isso nâo me parece exato. 0 art. 187 nâo aprovou ato
algum, nem se refere somente aos atos legislativos daquele
periodo, senao a quaisquer leis anteriores à Constituiçao, in-
clusive as da Republica velha e do Império. É 0 mesmo prin-
cipio do art. 83 da Constituiçao de 91.
Nas Disposiçoes Transit6rias (art. 18) é que se aprova-
l'am os atos da Ditadura, na esfera federal e na esfera local,
atos que serao os decretos-Ieis e quaisquer outros, qualquer
que seja a sua forma administrativa ou denominaçao.
A regra do art. 187 serve, entretanto, coma subsidio à
tese de que os atos, mesmo os administrativos, isto é, ema-
nados da Ditadura como govêrno ou administraçao, terao de
ceder à Constituiçao, porque seria absurdo que tais atos pu-
dessem gozar de uma prerrogativa que nem mesmo as leis
podem aspirar.
É nestes têrmos que entendo 0 preceito do art. 18 das Dis-
posiçoes Transit6rias. S6 a Constituiçao, ela mesma, tera
fôrça para criar exceçoes à vedaçao judiciaria nos têrmos pe-
rempt6rios em que a formulou 0 legislador constituinte. A
nao conformidade dos atos executivos ou administrativos corn
a preceituaçao normativa e aplicavel nao bastaria, porque,
aprovando-os, a Constituinte validou êsses atos, ainda que
praticados ultra vires.
Essa aprovaçao acrescentou um elemento novo que, a
meu ver, impossibilita, de um modo absoluto, 0 exame de
tais atos sob aqueles aspectos. Até entao, na vigência da Di-
tadura, era possivel verificar a conformidade do ato com a
lei orgânica ou com as disposiç6es normativas vigentes. 0
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDIClAJuO 627

art. 5.° do decreto de 11 de novembro excluia do exame judi-


cial os atos "praticados na conformidade da presente lei ou
"de suas modificaç6es ulteriores". Donde a conclusao de que
autorizaria êsse exame quando se demonstrasse a incompati-
bilidade do ato com a lei orgânica. TaI foi 0 casa do decreto
que mandou reabrir a discussao de feitos ja julgados pe-
remptos, na conformidade do decreto anterior, pela nao pa-
gamento, em determinado prazo, da taxa judiciaria.
Aquele decreto cassava sentenças judiciais, contra 0 dis-
posto na lei orgânica, que ao Chefe do Govêrno Provisorio nao
reservara poder judiciârio senao 0 legislativo e executivo;
sendo que além disso desconhecia 0 direito adquirido nas re-
laç6es de ordem privada, em contrario à determinaçao da
mesma lei orgânica.
Foi possivel, nesse caso, invalidar 0 ato do Govêrno Pro-
visorio. Assim 0 decidiu esta Côrte Suprema, confirmando
sentença que proferi.
Mas agora SaD outros os têrmos da questao, segundo en-
tendo. A aprovaçao daqueles atos pela Assembléia Consti-
tuinte lhes duplicou a imunidade. Nao vejo como possivel
desconhecer êsse alcance naquela aprovaçao, que teve por
fim, precisamente, validar tais atos para impedir 0 exame do
mérito da sua legalidade. A rejeiçao da emenda do eminente
deputado RAUL FERNANDES esclarece bem êsse pensamento,
porque era precisamente de possibilitar êsse exame, mantendo
a questao nos mesmos têl'mos do art. 5.° da lei orgânica, que
se cogitava.
Objeta-se, porém, que muitos dêsses atos, na vigência dos
poderes discricionarios e ainda agora, sao apreciados pelos
tribunais, etaI é 0 casa das cobranças fiscais.
Parece-me, todavia, que essa objeçao, tao altamente pa-
trocinada pela eminente ministro COSTA MANSO, com 0 brilho
da sua grande inteligência e excepcional cultura - parece-me
que essa objeçao depende apenas do ponto de vista em que
nos coloquemos.
Quando a Constituiçao declara aprovados os atos do Go-
vêrno Provisorio e os isenta de qualquer apreciaçao judicia-
628 CASTRO N'UNES

ria, 0 que ela visa é impedir 0 exame judicial provocado pela


particular. É quanto a êste, nas açoes da sua iniciativa, que
esta proibido 0 exercicio da jurisdiçao. ,.
Mas se é a propria Fazenda Public a que ajuiza 0 ato,
coma se da nas cobranças de impostos, multas, etc., cessa a
imunidade, porque se devolve ao juiz da causa 0 conhecimento
de tôda a questao.
Isso ocorre frequentemente em matéria fiscal. Pode
ocorrer em matéria civel, se amanha, invocando a nulidade
de um ato daquele periodo, a Fazenda pedir em juizo a reci-
sac de um contrato, a reivindicaçao de um .imovel, etc.
Do mesmo modo em matéria criminal.
Se 0 proprio Ministério Publico intenta a açao penal con- .
tra 0 peculatario, naD ha porque tranca-la sob a alegaçao de
que os atos imputados ao denunciado foram atos por êle pra-
ticados coma delegado do Govêrno Provisorio. Em todos êsses
casos esta aberto 0 caminho ao julgamento do ato pelos tri-
bunais, desde que 0 Poder Publico 0 requeira.
É dêsse ponto de vista, segundo penso, que deve ser enca-
rada a proibiçao do exercicio da jurisdiçao relativamente aos
atos aprovados pela Constituinte: coma uma limitaçao an-
teposta ao particular, e naD ao Poder publico.
Temos de interpretar 0 dispositivo pelo fim superior que
o determinou: impedir as açoes de indenizaçao, que fatal-
mente surgiriam, criando dificuldades imensas para 0 Te-
souro.
Isso ficou bem salientado no discurso do deputado MEDEI-
ROS NETO, que liderava a maioria, ao combater a emenda RAUL
FERNANDES.. Veja-se êsse discurso 'no Didrio da Assembléia
Nacional de 5 de junho de 1934 e ter-se-a a confirmaçao do
que acima fic ou dito. Concluia 0 eminente deputado pela
Baia corn um apêlo :
"Peço, pois, à Assembléia que, sem prejuizo dos recursos
"administrativos instituidos na propria legislaçao do Govêmo
"Provisorio, em nome da Naçao, que nao pode suportar tais
"encargos (muito bem), em nome do Poder Judiciario, que
"nao poderiamos desorganizar, pois naD lhe bastaria uma eter-
TEORIA E PMTICA DO PaDER JUDICIARIO 629

"nidade para tamanha tarefa, aprove 0 art. 14 da Constitui-


"çao, porque nesse é que esta 0 verdadeiro interêsse nacional !
"A opiniao public a que julgue a Revoluçao !"
Foram essas consideraçoes de ordem pratica que deter-
minaram, naD apenas a aprovaçao, talvez até desnecessaria,
mas a exclusao do exame judicial sôbre os atos do Govêrno
Provisorio. Os desacertos, a ofensa a direitos, os atos visce-
ralmente nUlos, a açao administr~tiva exorbitante da precei-
tuaçao normativa a que teria de subordinar-se - tudo isso
pode estar admitido, e tera ocorrido. Mas 0 que se vê clara-
mente dêsses antecedentes é que houve 0 proposito de dar por
encerrado êsse passivo do Govêrno Provisorio, a bem do inte-
rêsse publico. .
Essa circunstância, essa razao do preceito constitucional,
o fim que se teve em vista, circunscreve 0 objetivo da vedaçao
do exame judicial às açoes de iniciativa do particular".8
Dessas diretrizes naD me tenho afastado no julgamento
dos casos afetos ao Supremo Tribunal. Elas fornecem os sub-
sidios necessarios à sistematizaçao das idéias em tôrno do
entendimento da questionada imunidade.
Creio ser possivel assentar os seguintes principios :
1.0 Autoriza-se 0 exame judicial pela necessidade de apli-
car a Constituiçao, do que decorre que, em conflito corn uma
disposiçao constitucional os efeitos do ato, ha de prevalecer a
Constituiçao. Se a incompatibilidade demonstrada de tais
efeitos corn a Constituiçao de 34 podia abrir a via judiciaria,
por igual se deve entender na vigência da atual.
2.° Os atos aprovados foram, naD somente os legislativos,
mas, sobretudo, os atos do Govêrno e da administraçao, sendo
que dêsses é que teriam de provir as mais numerosas hipoteses
de lesao de direitos individuais, corn 0 consequente ressarci-
mento que se quis evitar. 9

B Ae6rdào de 30 de abrll de 1937, rec. extr. n. 2.869, do ParR.


• 0 parâg. unlco do art. 18 fornece 0 argumenta de que até mesmo os atos le-
slvos de dlreltos da funçao publlea, suseeptlvels de reparaçào pela forma ai Indl-
eada, nao darlam lugar à pereepçâo dos venelmentos atrasados.
630 CASTRO NUNES

3.° 0 exame dos atos legislativos, em face do decreto


orgânico do Govêrno Provisorio ou de quaisquer atos em
face dêsse mesmo decreto ou de outras preceituaçoes nor-
mativas expedidas por aquele Govêrno, era possivel, ainda
que em escass!ssima medida, antes da aprovaçao deles pela
Assembléia Constituinte corn a vedaçao complementar do
exame judicial. Vigia, entao, a clausula inserta no art. 5.°
daquele decreto orgânico: " ... excluida a apreciaçao judicial
"dos decretos e atos do Govêrno Provisorio, ou dos interven-
"tores federais, praticados na conformidade da presente lei ou
"de suas modificaçoes anteriores".
Era possivel, assim, apurar a conformidade do ato infe-
rior corn a norma a que teria de cingir-se no quadro dos po-
der es do Govêrno Provisorio. 10
Mas, aprovados pela Assembléia Constituinte e proibido
o seu conhecimento pela Judiciario sem aquela ressalva, do-
brou-se a imunidade de que ja gozavam tais atos.
4.° A vedaçao supoe, de seu natural, a iniciativa do par-
ticular. É a açao dêste contra a Fazenda que se proibe. Nao
a da Fazenda contra 0 particular, da! decorrendo que, se é 0
Poder Publico quem vai a juizo, nao podera eximir-se à apre-
ciaçao do ato coma matéria de defesa do réu. 11
5.° 0 ato publico imune à apreciaçao judicial é 0 ato que
envolva a responsabilidade do Estado. As razoes que deter-
minaram a vedaçao mostram que é essa a medida a ser obsel'-
vada. Se 0 ato, embora praticado por oficial publico ou re-
partiçao administrativa, é um ato de notariado, registo, au-
tenticaçao, deposito, etc., no resguardo e conservaçao de di-
l'eitos de terceiros, cessa a razao da imunidade. 12
10 Asslm é que, em malo de 1934, proferl sentença recusando apllcaçâo a um de-
creto do Govêrno, que mandara reabrlr a dlscussâo de feltos jé. julgados peremptos,
por Isso que tal determinaçâo equlvalerla a revogar declsoes judlclals, poder que
o Govêrno Provls6rlo se nâo reservara no decreto de sua instltulçâo (Arq. Juài-
Ciàrio, v. 30, ps. 377 e 471). Essa declsao fol confirmada pelo Supremo Tribunal.
11 Ela a razâo da defesa jamals cerceada nos executlvos flscals aforados ao tempo
do Govêrno Provls6rlo, circunstâncla de que se tlrava argumento para a dlstlnçâo
especlosa entre atos leglsIatlvos e atos admlnlstrativos, reclamando-se para estes
tratamento dlferente.
12 TaI 0 caso das açoes de nulldade de marcas e patentes, açôes que se travam
entre particulares e cujo desfecho nrtO compromete a Unlâo.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAIUO 631

6.° A proibiçao se dirige ao Judiciario, nao ao Govêrno.


Sao os tribunais que estao impedidos de rever os atos
do Govêrno Provis6rio, nao 0 Govêrno subsequente ou 0 Par-
lamento. De outro modo se teria entorpecido. a açao admi-
nistrativa, até mesmo para reparar a lesao de algum direito,
coma ja tem ocorrido. Alias, a proibiçao se expressa em
têrmos que nao comportam outro entendimento - "ex-
"cluida qualquer apreciaçao judiciaria ... ". Ao Govêrno nao
se proibe que reexamine 0 ato para 0 reconsiderar. 13
2. Poder discricionârio - Hipoteses da Constituiçio _
Atos de execuçio do estado de emergência e do estado de
guerra - Suspensio do "habeas-corpus", em que têrmos deve
ser entendida. Corn as questoes propriamente politicas iden-
tificam-se por suas consequências os atos discriciondrios,
coma ja vimos.
Sao hip6teses dêste gênera as dos arts. 170, 177 e muitos
outros. Nao se faz mister aponta-Ias tôdas. De um modo
geral, a discricionariedade é inerente aos atos de govêrno, corn
os limites que possam decorrer da Constituiçao ou das leis, a
cuja observância devem cingir-se. Do mesmo modo em ma-
téria administrativa, corn as possibilidades, em idênticos têr-
mos, do poder de policia.
Dispoe 0 art. 170 da Constituiçao: "Durante 0 estado
"de emergência ou 0 estado de guerra, dos atos praticados em
"virtude deles nao poderao conhecer os juizes e tribunais".
Essa proibiçao deve ser entendida combinadamente corn
o art. 167 e seu parag. fulico, em virtude dos quais das me-
didas tomadas durante 0 periodo de vigência de um ou de
outro conhecera a Câmara dos Deputados para as aprovar ou
desaprovar, promovendo, nesta hip6tese, a responsabilidade
do Presidente da Republica, salvo a êste "0 direito de apelar
"da deliberaçao da Câmara para 0 pronunciamento do pais,

]3 Em voto que profer! como relator, na Turma, do rec. ext. n. 3.396, de Santa
Catarina, sustentei essa tese (ac6rdiio no Didrio da Justiça de 2 de setembro
de 1941).
632 CASTRO NUNES

"mediante a dissoluçao da mesma e a realizaçao de novas


:"eleiçoes ".
"Durante 0 estado de emergência" - dispoe 0 art. 168-
"as medidas que 0 Presidente da Republica é autorizado a
"tomar serao limitadas às seguintes: a) detençao em edi-
"ficio ou local nao destinado a réus de crime comum; des-
"têrro para outros pontos do territorio nacional ou residêncii:l
~'forçada em determinadas localidades do mesmo territorio,
"corn privaçao da liberdade de ir e vir; b) censura da cor-
"respondência e de tôdas as comunicaçoes orais e escritas;
"e) suspensao da liberdade de reuniao; d) busca e apreen-
"SM em domicilio".
Na vigência das anteriores Constituiçoes e conforme-
mente ao espirito das instituiçoes podia entender-se que, limi-
tada a açao do Govêrno, na execuçao do estado de sitio, às
medidas autorizadas no texto, nao estaria vedada a restau-
raçao, pelos tribunais, dos direitos violados, sem prejuizo do
conhecimento ulterior do Congresso para os efeitos da res-
ponsabilizaçao politica do Presidente.
Na Constituiçao de 34 havia até clâusula expressa permi-
tindo recorrer ao Judiciârio para tornar efetiva a observância
das limitaçoes estabelecidas (art. 175, n. 2, combinado corn
o § 14).14
Na de 91, reformada em 1926, inexistia permissao ex-
pressa, mas 0 entendimento da clâusula "na vigêhcia do
"estado de sitio nao poderao os tribunais conhecer dos atos
"praticados em virtude dele pela Poder Legislativo ou. Exe-
"eutivo" (arts. 59-60, § 5.°), levava à mesma conclusao, con-
forme jâ ficou exposto.
Hoje, porém, a indole autoritâria do regime e a facul-
dade, que ficou reservada ao Presidente da Republica, de dis-
solver a Câmara dos Deputados na hipotese de serem desa-

u Por ocasiâo do estado de slt10 mot1vado pelos acontec1mentos de novembro de


1935 concedi habe!!s-corpus para assegurar a certo pac1ente. que se encontrava preso
em cubieulo da Casa de Correçâo. 0 dire1to de ser transferldo para um presidlo
poliUeo.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAIuO 633

provadas as medidas adotadas, - mostram que, na teoria da


Constituiçao, a competência do Judiciario na repressao dos
abusos praticados oferece maiores dificuldades.
o estado de guerra envolve a suspensao da Constituiçao
nas partes indicadas pela Presidente da Republica no ato de
sua decretaçao (art. 171), possibilitando as sim ao Govêrno
todos os meios necessarios a vencer a guerra, objetivo supre-
mo que deve dominar a exegese. A jUrisdiçao se transfere
para as côrtes marciais, e assim determinava 0 art. 173, mo-
düicado pela lei constitucional n. 7 (30 de setembro de 1942)
que, emendando a Constituiçao, dispôs: "0 estado de guerra
"motivado por conflito corn pais estrangeiro se declarara no
"decreto de mobilizaçao. Na sua vigência, 0 Presidente da
"Republica tem os poderes do art. 166 e a lei determinara os
"casos em que os crimes cometidos contra a estrutura das ins-
"tituiçoes, a segurança do Estado e dos cidadaos serao jul-
"gados pela justiça militar ou pela Tribunal. de Segurança
"Nacional".
Corn base nessa modificaçao foi possivel repartir a com-
petência para conhecer de tais crimes pela forma estabele-
cida no dec.-lei n. 4.766, de 1 de outubro. 15
Nao ha limites prefixados ao Presidente da Republica na
suspensao parcial da Constituiçao. Pode qualquer "parte"
da Constituiçao "deixar de vigorar" se ao seu alto critério
parecer necessario aos fins supremos da defesa nacional.
Entre as clausulas suspens as na decretaçao do nosso atual es-
tado de guerra corn as potências do Eixo, esta a do art. 122,
16: "Dar-se-a habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou
"se achar na iminência de sofrer violência ou coaçao ilegal
"na sua liberdade de ir e vir ... ".
Sus citou-se no Supremo Tribunal a questao de saber se
poderiam os tribun ais continuar a conhecer dos pedidos de
habeas-corpus nao relacionados corn os motivos determinan-
tes ou as medidas de execuçao do estado de guerra, tendo pre-

!JI Nos capitulos referentes 11 justiça m!l!tar e ao Tribunal de Segurança Nacio-


nal examinamos mais desenvolvid'amente a matéria.
634 CASTRO NUNES

valecido, ainda que sem unanimidade, 0 entendimerito pela


afirmativa. 16

3 . Aposentaçao e reforma forçada de civis e militares.


Outra hip6tese constitucional de poder discricionario é a re-
ferente à aposentaçao ou reforma forçada de civis e militares.
No art. 177 - "Dentro do prazo de 60 dias (prazo indeter-
"minado, por fôrça da lei constitucional n. 2), a contar da
"data desta Constituiçao, poderiio ser aposentados ou refor-
"mados, de acôrdo corn a legislaçao em vigor, os funcionarios
"civis e militares, cujo afastamento se impuser, a juizo exclu-
"sivo do Govêrno, no interêsse do serviço publico ou por con-
"veniência do regime" - existem dois elementos a distinguir,
um discriciondrio e outro susceptivel de apreciaçao judicial.
o ato discriciondrio esta no afastamento (por aposenta-
çao ou reforma) "a juizo exclusivo do Govêrno", excluido,
portanto, 0 reexame do ato pelo Judiciârio. A êste, porém,
nao esta proibido fixar 0 entendimento da clausula "de acôrdo
"corn a legislaçao em vigor", para decidir quais sejam, se in-
tegrais ou proporcionais, os vencimentos da inatividade. 17
4. Restriçoes estabelecidas por lei ordinâria - DecisOes
da Câmara de Reajustamento - Outras hipOteses. A precei-
tuaçao le gal referente à Câmara de Reajustamento Eco-
nômico, 6rgao administrativo incumbido de reajustar as di-
vidas dos agricultores, verificando a existência de certas con-
diç6es de que dependera tomar a si a Uniâo a responsabili-
10 0 que se suspende é 0 privilégio, e nâo 0 writ, a irrecusabUldade da ordem.
fornecendo-se ao Juiz um fundamento constitucionai para nâo conceder 0 bene-
ficio. alnda que provada a coaçâo. Essa dIstlnçâo é da indole do habells-corpus e
esta express a na Constltulçâo americana. quando permite suspender "the privilege
Of the writ of habeas-corpus," no caso de Invasâo ou lnsurreiçâo. 0 que se nao
admite - allas ha controvérsias famosas na jurisprudência americana - é 0 ha-
beas-corpus na zona de operaçoes de guerra. onde a jurisdIçâo é exercida pel:ls
côrtes marciais. Mas. estando abertos os tribunais. 0 exame das hip6teses para ve-
rificar se a coaçâo é determlnada ou relacionada com as medidas de guerra é. em
principI0. admitido (vejam-se. entre outros: DICEY, Introduction; STORY, On the
Constitution, II. § 1.342; WILLOUGHBY, On the Constitution, v. III. § 1.056; TuCKER,
The Constitution, II. § 315; DUGurr, Traité de Droit Constitutionnel, V. ps. 80-82
e segs.). Veja-se 0 voto que profer! na sessâo de 26 de outubro de 1942 (Arq. Ju.-
diciârio, v. 66. ps. 211 e segs.).
17 Veja-se 0 cap. III do tit. II.
l'EORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 635

dade de metade da divida, pagando-a em apolices, subtrai


ao conhecimento do Judiciario as suas decis6es, concedendo
ou negando 0 reajustamento.
Disp6e 0 dec. n. 24.233, de 12 de maio de 1934, art. 26 :
"É privativa e exclusiva da Câmara de Reajustamento Eco-
"nômico a competência para decidir sôbre os favores constan-
"tes dêste decreto, nao podendo as justiças ordinarias tomar
"conhecimento da matéria nele regulada, a nao ser em
"execuçao das decisoes da Câmara e ainda para fazer cum.
"prir os dispositivos dos §§ 2.° e 3.° do artigo anterior sempre
"que os interessados oferecerem prova de poder 0 casa ajui-
"zado ser incluido nos favores dêste decreto".
No art. 29, fine, acrescenta: "Das decis6es da Câmara
"nâo havera recurso para nenhum juizo ou autoridade".
A questâo de saber se êsse dispositivo, vedando 0 reexame
e consequente invalidaçâo pelo Judiciario daquelas decis6es,
era ou nâo compativel corn a Constituiçâo, foi mais de uma
vez debatida no Supremo Tribunal, que, por acordâo de 25
de setembro de 1940, 0 declarou inconstitucional. 18
A Câmara de Reajustamento é um arbitra legal. Exerce
uma jurisdiçâo arbitral. 0 conteudo da decisâo é uma com-
posiçâo clausulada na lei e so consentida pela Uniâo, que é
parte no acôrdo, quando deliberada por aquele orgâo, que a
representa. 19
Nessa esfera é autônoma a Câmara de Reajustamento ;
mas se, ao deliberar sôbre 0 reajustamento, violar a lei ou
decidir contra direito por errônea interpretaçâo, abre-se a
competência judiciaria para anular - tais sejam os têrmos
da questâo - a decisâo e mandar que a Câmara profira outra,
subordinando-se ao julgado.
Assim se decidiu na apel. civel n. 7.108 (acordâo de 17
de abril de 1939, de que foi relator 0 ministro WASffiNGTON DE

lB Ac6rdiio do Tribunal Pleno, de 25 de setembro de 1940, in Arq. Judiciu.rlo,


v. 58, ps. 227 e segs. A malaria acompanhou a vota do relator, minlstro JosÉ LINHA-
ilES. Corn a revlsor, que fol a mlnlstro EDUAI!DO ESPiNOLA, cujo br1lhante vota poo
a questâo nos seus devldos têrmos, votaram os ministros BAlU!oS BAllHETO e CARLOS
MAXIMILIANO.

,. 0 assunto jé. flcou examlnado, em parte, na Introduçâo, caps. l e ll.


636 CASTRO NUNES

OLIVEIRA) e, mais recentemente, na apel. civel n. 7.535 (ac6r-


dao de 22 de dezembro de 1941, de que fui relator, sendo re-
visor 0 ministro LAUDO DE CAMARGO, e unanimemente).
Sôbre 0 reajuste em si mesmo naD decide a justiça; mas
decide da violaçao da lei envolvida no reajustaanento, apre-
ciaçao que se naD encerra no .âmbito de autonomia da Câ-
mara respectiva. 20
A restriçao que dai decorre para 0 Judiciario - posta a
questao nos têrmos expostos - nao é inconstitucional.
Mas, ao que se depreende da impugnaçao oposta pela
Uniao, 0 que se negava naD era somente isso, senao também
o ingresso em juizo do pedido de anulaçao. E foi a êsse en-
tendimento que naD aderiu 0 Supremo Tribunal. Porque
para verificar se a decisao impugnada naD envolve outra ma-
téria senao a concernente ao exame dos titulos e outras apre-
ciaç6es relativas à composiçao clausulada na lei em que se
traduz 0 reajuste; ou se, pela contrario, 0 reajustamento foi
deliberado corn ofensa à lei ou por errônea interpretaçao
desta - indispensavel se torna admitir a açao do prejudicado,
para julga-Ia procedente, ou nao.
Do mesmo modo, e por melhor razao, no casa em que a
Câmara se recuse a examinar 0 pedido de reajustamento ou
se negue a reexamina-Io em pedido de reconsideraçao, por er-
rônea interpretaçao da lei. 21
- Mas nem sempre a lei veda 0 ingresso na jurisdiçao,
limitando-se a condicionar êsse ingresso à observância de
uma formalidade prévia, ao uso ou exaustao dos recursos ad-
ministrativos, coma 0 faz 0 Estatuto dos Funcionarios Pu-
blicos (dec.-Iei n. 1. 713, de 28 de outubro de 1939), em cujo
art. 223 se declara que 0 funcionario s6 podera recorrer ao
Judiciario depois de esgotar os recursos na esfera adminis-

'0 Veja-se 0 meu livro Do Mandado de Segurança, ps. 123-125, onde transcrevi
trechos do voto do ministro COSTA MANSO, que esclareceu magnif1camente a questâo.
21 Acérdâo de 22 de dezembro de 1941, na apel. civel n. 7.535 (Dicirio da Justiça
de 5 de malo de 1942; Arq. Judiciàrio, v. 61).
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICmIO 637

trativa 22; ou exigindo 0 prévio pronunciamento do Tribunal


Maritimo Administrativo, em se tratando de causa sôbre aci-
dente da navegaçao. 23
- Outras restriç6es existem, relativas, nao propriamente
à jurisdiçao, senac aos meios de defesa do direito.
Assim é que ao contribûmte do imposto de renda nao
se permite a defesa no executivo fiscal (em contrario ao prin-
cipio geral da defesa ampla, nos têrmos do dec.-Iei n. 960)
para obter a declaraçao da nulidade ou reforma do lança-
mento, devendo propor, dentro de 90 dias, a competente açao
(dec.-Iei n. 1.168, de 22 de março de 1939, art. 25).
Outro exemplo: a exclusao do mandado de segurança
como meio de defesa contra atos do Poder Publico quando
êsses atos sejam do Presidente da Republica, ministros de Es-
tado, governadores ou interventores, prefeito do Distrito Fe-
deral, etc.

"" A hlp6tese ja se apresentou, em se tratando de !unclonarlos da Prefeltura. do


Distrlto Federal, por apUcaçâo daquela regra legal, aUas repetlda no Estatuto dos
!unclonarlos dessa clrcunscrlçâo. Nâo se houve por Inconstltuclonal a restrlçao,
senao Inadmlssfvel em espécie, por se tratar de recurso para 0 Presidente da Repû-
bUca, que a Prefeltura entend la de IndecUnavel utlllzaçao pelos prejudlcados, e 0
Supremo Tribunal, pela La Turma, julgou ser excepc1onal, nao se enquadrando 0
caso nos têrmos do enunclado legal que 0 estabelece (rec. extr. n. 6.302, ac6rdii.o
de 17 de dezembro de 1942).
.. Dec. n. 24.585, de 5 de julho de 1934, art. 52, § 1.0. A restrlçii.o fol ad-
mltlda pela La Turma no julgamento do rec. extr. n. 6.271, do quaI fol relator 0
mlnlstro LAUDO DE CAMARGO (ac6rdao de 5 de outubro de 1942, Dtdrio da Justiça de
16 de março de 1943). Assim fundamentel 0 meu voto: "Sr. presidente, em voto
que proferf em sessâo do Tribunal Pleno, sustentel que as decisoes do Tribunal Ma-
ritimo Admlnlstratlvo nâo fazem colsa julgada para 0 Judlc1âr1o, mas constltuem
quest6es de fato apuradas que, em regra, a justlça respelta.
1l:sse 0 sentldo da jurlsprudêncla amerlcana, na !6rmula quasi-iudicial ques-
tion, declsao quase judlclal, que nao 0 é proprlamente, mas que se lhe assemelha
a certos respeltos.
o de que se trata, no caso, é 0 seguin te: 0 julz admltlu a açâo e senten-
clou sem ouvlr 0 Tribunal Maritlmo Admlnlstratlvo, cujo pronunclamento sObre a
questao técnlca do acldente de navegaçâo era impreclndivel, em face do decreto-Iel
em causa. 1l:sse decreto-Iel manda que nâo se processe açao alguma sObre matérla de
navegaçâo, sem que conste a manlfestaçâo prévla do Tribunal Maritimo Admlnls-
tratlvo. Fol êsse decreto-lei que se vlolou.
Dlante dessa vlolaçâo express a, é caso de se proyer 0 recurso e anular 0 pro-
cessado. Nâo estou em contradlçâo corn 0 meu voto anterlor. Conheço do re-
curso pela letra a, e lhe dou provlmento".
638 CASTRO NUNES

Ainda uma hipotese: a do de~-lei n. 893, de 26 de no-


vembro de 1938 que, dispondo sôbre as terras da Fazenda
Nacional de Santa Cruz, estatue no art. 18: "Nao podera sel'
"tomada contra a Uniao qualquer medida judicial que per-
"turbe a livre disposiçao das terras a que se refere esta lei".
o que ai se proibe é 0 usa dos meios inibitorios da açao das
àutoridades d~ Uniao, tais como os interditos possessorios, 0
mandado de segurança, etc. 24

.. De modo contrârlo decldlu 0 Supremo Trlbunal, admltlndo em certa hip6tese


o interdito possess6rlo (ac6rdl!.o de 11 de male de 1939, agr. n. 8.367, relator mlnlBtro
OTAvIO KELLY).
CAPlTULO V

FUNÇAO CONSTRUTIVA E SUPLETIVA DOS mmUNAIS

SUMAIIIO: 1. A common law e a equity no dlrelto anglo-amerlcano. 2. Construc-


tion e interpretvItton, distinçao.
3. Funçao construtlva e Bupletiva dos tri-
bunais. 4. Funçao da jurisprudêncla nas tendênclas contemporâneas. 5. 0
lISBunto examlnado à luz dos nossos textos.

1. A "common law" e a "equity" no direito anglo-


-americano. A revelaçao espontânea do direito e sua sedi-
mentaçao nas prâticas e precedentes, que valem como nol'-
mas fora do campo estreito da lei escrita, é de origem anglo-
-saxônia, constituindo uma caracteristica da formaçao juri-
dica britânica, a quaI passou para os Estados Unidos, ainda
que mais acentuada na orbita estaduaI, como veremos
adiante.
A common law abrange todo 0 direito privado, 0 pro-
cesso e 0 direito penal. A equity tem as suas origens ingle-
sas na jurisdiçao do King's Bench, porque, cabendo ao Rei re-
solver as pendências de maior importância, outorgava a03
seus conselheiros a funçao de estudar os assuntos, resoiven-
do-os sicut ei et sapientioribus regni placeret, consoante a
formula da antiga Curia Regis. 1
Dai a jurisdiçao de equidade e os seus principios quase
todos integrados hoje na common Law, que é, em uitima de-
finiçao, 0 conjunto das mâximas e prâticas inglesas trans-
plantadas para a América e que constituem diretivas traçadas
ao Iegislador e aos tribunais na preservaçao de certos direitos

1 A. TODD, Le Gouve.rnement Parlamelltaire cn Angleterre, v. 1, p. 31.


640 CASTRO NUNES

e liberdades tradicionalmente proclamados, segundo 0 con-


senso geral. 2
É 0 dominio do precedente, que é a regra aprioristica do
"judge-made-law", fundado nos sedimentos da conciência ju-
ridica britânica englobados na expressao ampla de cOtn-
mon law. 3
Os Estados Unidos codificaram 0 direito publico, afas-
tando-se nesse ponto da antiga Metropole. E, organizado 0
sistema federal, criada a justiça federal, resultou dai que a
jurisdiçao da common law e da equity remanesce corn os Es-
tados, sendo a jurisdiçao federal estatutaria, isto é, legal ou
definida pela lei escrita, tomada essa palavra no seu sentido
mais amplo e compreensivo.
Isso nao significa, porém, dizem os expositores, que 0
Congresso, no traçar a competência das côrtes federais, nao
se abebere naquelas fontes tradicionais, nem deixe de Ihes
cOnferir, corn assento na secçao II da Constituiçao, também
jurisdiçao de equidade. 4
Entretanto, todo 0 direito constitucional americano, quer
no setor federal, quer no estadual, é escrito. Mas a autori-
dade das praticas e precedentes se impoe também nesse campo
aparentemente fechado à formaçao espontânea do direito.
É mesmo um dos aspectos mais interessantes a examinar
no tocante às aplicaçoes da Constituiçao 0 que diz corn os
desenvolvimentos a latere que Ihe teem acrescenta~o 0 usa
e a jurisprudência nos Estados Unidos. Mais do que a inter-
pretaçao das leis ordinarias, a exegese constitucional favorece
e comporta essas ampliaçoes - exatamente porque a Consti-
tuiçao nao contém senac os princlpios gerais, os fundamen-
tos da vida politico-juridica do pais.
Dai 0 dizer-se que nem tôda a Constituiçao 8Jmericana
esta no texto escrito. Sao os principios derivados do use, das
tradiç6es, das praxes seguidas ininterruptamente - que
2 ED. LABOULAYE, Histoire des Etats Unis, v. III, p. 473.
3 DICEY, Le Droit et l'Opinion Publique en Angleterre, p. 345; ANsaN, Lois et
Pratique Constitutionnel de l'Angleterre, passim.
• BRYCE, American Commonwealth, v. l, p. 237; WILLOUGHBY, On the Constitu-
tion, Il, p. 1. 030.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 641

constituem êsse direito suplementar - "practices and pr.e-


cedents having all the force of law" - entre os quais se men-
ciona a vedaçao nao escrita da reeleiçao do Presidente para
um terceiro periodo, 5 0 naD exercicio pele Senado da prer-
rogativa de recusar 0 Gabinete escolhido pele Presidente e
tantas outras prâticas e precedentes que completam 0 sentido
da Constituiçoo. 6
Mas no campo constitucional, 0 que domina no direito
americano é 0 desenvolvimento dos textos, por êsse método.
amplo de exegese conhecido pOl' construction.
É 0 que vamos ver a seguir.

2 . "Construction" e "interpretation" - Distinçao. li:"sse


poder de indagaçao constitue ion al , de pesquisa dos principios
bâsicos em que assenta 0 mecanismo, tem sido obra de mé-
todo exegético, denominado construction, diverso da inter-
pretation, mais preso, êste, à regra escrita, e que se dirige ao
significado de uma palavra ou à elucidaçao de uma frase;
ao passo que 0 proeesso 16gico da construction é diverso, muit,tl
mais amplo, compreende a Constituiçao no seu todo - "as a:
whole" - no seu espirito, na coordenaçao das suas clâusulas,
na revelaçao dos se us principios subentendidos, na investi-
gaçao das clâusulas que, naD escritas, te-Io-iam sido se 0 le-
gislador constituinte tivesse tido diante de si as circunstân-
cias coetâneas da exegese. Ao contrârio da interpretation,
di-Io WOODBURN, a construction tem um carâter mais politico
do que propriamente juridico - "Interpretation has bèe1)
chiefly a matter of law; construction has been largely 'a.
matter of politics." 7 .

É pela construction, observa FREUND, que 0 juiz ameri:'"


cano se revela 0 juiz-Iegislador - "the judge-made-law.;'

• A reelelçao do atual Presidente ROOSEVELT para um tercelro periodo é uma ex-


ceçâo. just!flcada. e asslm compreendlda pela povo amerlcano. em face das tlr-
cunstânclas excepclonals que 0 mundo atravessa. como um lmperativo de salvaçao
naclonal.
• WOODI'IURN, The AmeriC1!n Republic, p. 92.
7 WOODBURN, The American Republic, p. 334; BLACK, On Interpretation of;
Laws, p. 2.
F. 41
642 CASTRO NUNES

Porque "construction is essentially supplementary legislation"


- conferindo ao magistrado um verdadeiro poder de pretor
romano, na funçao de completar 0 texto da lei e de Ihe vivi-
ficar 0 espirito - ". .. a praetorian power of supplementing
the letter of the law, and the spirit of construction will fre-
quently determine the living principe of statute or consti-
tution." 8
É do mesmo teor a liçao de HAYNES, ao salientar que as
decisôes das côrtes, em matéria constitucional, e depois de
confirtnadas pela autoridade da instância suprema, teem a
fôrça e os efeitos de verdadeiras clausulas constitucionais -
"have the force and effect of the original provisions of the
Constitution." 9
Mais frisante ainda é~ BENNETT MUNRO, professor da Uni4 ..
versidade de Harvard. :Êle encara de frente a doutrina, que
chama ortodoxa - "an ortodox theory" - dos que enten-
dem que as côrtes somente interpretam e aplicam as leis -
jus dicere, non dare. Desenvolve corn exemplos tirados das
aplicaçôes da teoria dos poderes impllcitos 0 seu pensamento,
assertando que a Suprema Côrte tem extraido da Constitui-
çao americana - "has read into the American Constitution"
- muitas cois as que naD eram visiveis a ôlho mi - ((many
things which are not there visible to the naked eye." E con-
clue, incisivamente, que 0 juiz americano legisla, e deve le-
gislar - "do and must legislate." 10 A observaçao, alias, naD
é nova. Ja a fixara BRYCE, salientando que a Constituiçao
naD se pode considerar somente obra da Convençao, mas tam-
bém dos juizes e, sobretudo, de MARSHALL - "It is not merely
their work but the work of the judges, and most of all of one
man, the great chief-justice Marshall" (ob. cit., l, p. 255).11

• 8 ERNEST FREuND, Standards of American Legislation, p. 275.


.• The American Doctrine of Judicial Supremacy, p. 5.
10 The Government of the United States, ed. 1927, p. 76.
Do assunto tratou, entre n6s, maglstralmente, OLIVEIIIA VIANA, Problemas !te
II
Direito corporativo, 1938, cap. 1.°, Veja-se no capitulo anterlor 0 estudo sObre a
declaraçâo da Inconstituclonalidade nas tendênclas contemporâneas da jurispru-
dêncla amerlcana.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO 643

3. Funçao construtiva e supletiva dos tribunais. É bem


de ver que qualquer dessas formas de exegese supoe a lei
escrita. É em tôrno desta, particularizadamente a lei funda-
mental, que se desenvolve 0 método construtivo da exegese
americana, que tem sido, ao lado do processo legislativo das
emendas, uma forma de acrescentamento da Constituiçao,
mais acentuado, ainda, pela construction do que pelos adita-
mentos emanados do Congresso - "While the Constitution
has developed considerably by amendment, it been developed
much more by construction and interpretation, and especially
by construction" (WOODBURN, ibidem, ibidem).
o juiz inglês, diante da lei escrita, naD tem tao largo
poder de apreciaçao, em consequência mesmo da supremacia
., do Parlamento, caracteristica do regime, que lhe nao permi-
tiria deixar de aplica-Ia ao casa ocbrrente ou lhe desenvolver
o sentido para lhe preencher as lacunas.
É 0 que salienta DICEY (Le Droit et l'Opinion Publique en
Angleterre, p. 345).
Nao se dissimula que por êste modo as côrtes exercem
uma funçao legislativa - "The Courts of the United States, as
'guardians of Constitutions' virtually nullify scores of stat-
utes annually, and thus exercise an effective check upon le-
gislative activity." 12 É essa a forma, sem duvida, pela quaI
mais incisivamente podem as côrtes influir na formaçao do
direito: repelindo as leis inconstitucionais, resguardando
das incursoes ilegitimas do Govêrno e do Congresso a Cons-
tituiçao.
Mas nao som ente sob essa forma critica, ou simplesmente
eliminat6ria das leis em conflito com a Constituiçao, se
exerce a açao dos tribunais; também em forma que se pode-
ria dizer supletiva, do que oferece os melhores e mais varia-
dos exemplos a clausula constitucional "due process of law,"
cujo sentido os tribunais teem procurado firmar acomodando
com as necessidades do police-power 0 principio fundamental
da liberdade individual. Foi dêsse ponto de vista que 0 pri-
meiro ROOSEVELT pôde dizer em uma das suas mensagens ao
12 l!AYNES, The American Doctrine ot Judicial Supremacy, p. 15.
644 CASTRO NUNES

Congresso "The chief lawmakers in our country may be,


and often are, the judges, because they are the final seat of
authority. Every time they interpret contract, property,
vested rights, due process of Law, liberty, they necessarily
exact into Law parts of a system of social philosophy; and as
such interpretation is fundamental, they give direction to an
law-making" (HAYNES, ibidem, p. 309).13

13 0 ministro FRANCISCO CAMPOS, no discurso proferido na sessao inaugural dos


trabalhos do Supremo Tribunal, em abrll de 1941, acentuou êsse traço mais cul-
minante na exegese constitucional: "0 poder de interpretar a Constltuiçao en-
"volve, em muitos casos, 0 poder de formula-la. A Constituiçao esta em elabora-
"çâo permanente nos tribunais incumbidos de apllca-la; é 0 que demonstra a Ju-
"risprudência do nosso Supremo Tribunal e, partlcularmente, a da Suprema Côrte
"americana" (veja-se neste volume 0 cap. !, "Do Supremo Tribunal Federal", onde
reproduzlmos grande parte dessa notàvel oraçao). Na mesma ordem de idéias, 0
ministro EDUARDO EspiNOLA, presidente do Suprcmo Tribunal, na sessao inaugural
de 1942, reportando-se a êsse discurso, expendeu conceitos de mestre, que aqui re-
produzimos em parte: "E, na verdade, a Constituiçao e as leis teem 0 alcance, a
"finalidade, a virtude que Ihes confere a interpretaçüo dos que, na organizaçao
"politico-social, exercem a funçao de apllca-Ias coercitlvamentc.
"Quando vemos nu ma expressao constltucional assegurado 0 valor da letra da
"lei ou 0 respelto de sua disposiçao literal, bem compreendemos que Isso nao pass·a
"dum eufemismo.
"A letra em si é inexpressiva; a palavra, como conjunto de letras ou com-
"binaçao de sons, s6 tem sentldo pela idéia que exprime, pelo pensamento que en-
"cerra, pelas emoç6es que desperta.
"Nao ha coma separar a forma da substancia.
"Um dos mais notaveis juizes da Suprema Côrte norte-americana - BENH-
"11<1111<1 N. CARDOSO - pôde afirmar: "Os f1l6soios teem durante séculos procurado
"inutllmente estabelecer uma distinçâo nitlda entre a substância e a simples
"aparência, no mundo da matéria. Duvido que sejam mais felizes na tentativa de
~traçar semelhante separaçao no mundo do pensamento. A forma nao é alguma
"coisa que se aerescente à substância como um ornamento protuberante: fun-
"dem-se, uma e outra, em perfeita unidade".
"!nterpretar a lei, para executa-la, é missao especiflca dos Juizes.
"Mas os juizes sao homens, cujas opini6es e eonvicç6es dbedecem à Influên-
"cia dos elementos que concorreram para a formaçâo de seu espirito e se modi-
"flcam à mercê das vicissitudes da vida - estudos, reflexao, experiência.
"Seus talentos variam, sua educaçao fllos6fica, cientiflca, polltlca, econômica,.
"apresenta disparidades sensiveis, ainda entre os coevos; nao possuem no mesmo.
"grau a cultura sociol6gica e compreensao ética da convivência social.
"Dai as divergências de interpretaçâo: nao somente dos diversos apl1cadorea
"da lei no mesmo tribunal ou em tribunais diferentes, como do mesmo juiz em
"decis6es sucessivas.
"Quando HUGHES afirmava - temos uma Constituiçao, mas a Constltuiçao 6
·0 que os juizes dizem que ela é - avançava uma sentença, cuja verdade cada
"vez mais se acentua na doutrina e na jurisprudência norte-americana.
"Por maior valor que se reconheça ao principio resultante da interpretaçao·
"pratica, cumpre nâo perder de vista que nao é êle imutavel: pode ser modificado
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO 645

4. Funçao da jurisprudência nas tendências contempo-


râneas. MARCEL NAST assina à jurisprudência uma triplice
funçao, que assim discrimina: uma funçao coma que auto-
matica, que consiste em aplicar a lei; uma funçao de adapta-
çâo, que visa reajustar a lei às idéias e necessidades contem-
porâneas; uma funçao criadora, que consiste em preencher
"ou destruido, quando as circunstânclas ou um melhor descortlno lhe revelem a
"Inconvenlêncla ou 0 desacêrto.
"Os precedentes, por mais vallosos e respeltâvels, sao precârlos e contingentes.
"É 0 que se vê naqueles pr6prios paises em que se proclama Indlsfarçavel-
"mente a lnfluêncla da sententia 1udicis na prâtlca do dlrelto.
"Tornou-se multo conhecldo 0 concelto do julz Inglês Sir GEORGE JESSEL:
"Tenho dito multas vêzes, e replto agora, que, numa declsao judlclal, é 0 prln-
"ciplo admitido no caso conslderado que ohriga 0 julz subsequente com a fôrça
"da autoridade; mas nao basta que 0 caso tenha sldo decldldo de acôrdo com um
"prlncipio, se êsse principlo nao é 0 principio justo, ou nao é apllcâvel ao caso -
"if that principle itsell is not a right princip le, or one not applicable to the
case"; "cabe ao Juiz subsequente dlzer se é, ou nao, 0 princfpio justo, e, se a
"nao for, pOde êle entiio assentar 0 verdadelro prlncfplo - "and, il not, he may
"himself lay down the true principle."
"Nao ha quem desconheça quantas vêzes, entre n6s, a jurisprudência prâtlca
"varlou na Intellgêllcia de um dlspositivo constltucional ou de uma lei ordlnârla.
"Convém sallelltar que as clâusulas da Constitulçiio e das leis nao sao f6rmu-
"las matemâticas; que, além da Impreelsao das disposiç6es expressas, multo flea
"de vago e indetermlnado na eonceituaçiio e flrmeza dos princfplos implicltos.
"Mas 0 que mereee malor relêvo é que, no apllcar a lei, se deve ter em vista.
"preponderantemente a sua flnalldade.
"A preocupaçao teleol6glca ocupa, entre os deveres do julz, 0 lugar primordial.
"As mais conceltuadas escolas do pensamento moderne orlentam-se por êsse
"prlncfpio utilltârlo, que denomillam pragmatismo, Instrumentallsmo, operaclona-
"lIsmo, posltivlsmo 16glco, funclonamento adequado. raclonallsmo.
"Em re!açao ao departamento juridlco, ao quadro das lels, a verdade do
"prlnc!plo é de prlmzlra evldência.
"A lei se destina a manter a vida em socledade, a tornar possfvel a conve-
"nlêncla harmonica dos homens, a asscgurar direitas e deveres dos Indlvfduos entre
"si e entre êles e 0 Estado.
"A politlca legislativa consiste em formular a lei que corresponda. a essas fI-
"nalldades.
°Mas a lei dirige-se ao futuro.
"0 leglsladar, multa vez, nilo tara apreendido na complexldade dos fenomenos
"da vida social até onde se estenderâ a esfera da regra que edita.
"Ademais, os Interêsses assumem aspectas navas, a Inflnlta mutabllldade das
"circunstânclas esbaça perspectivas descanhecidas.
"86 0 julz esta ha bill ta do a decidir, ante as conflguraç6es pecullares da es-
"pécle, se determlnada regra pOde ser apllcada, como corresponda à sua flnalldade
" juridlco-social.
"Nâo raro, é nos tribun ais que sc revela a Inconvenlência de alguma regra
"que ja naa atende à f111alidade a que se destinara" (ln Rev. Forense, Rio, 'l
1942, v. 90, ps. 853 e segs.).
CASTRO NUNES

as lacunas da lei e, quando omissa, em acrescentar-Ihe re-


gras juridicas novas. 14
o individualismo juridico nascido da Revoluçao francesa
trouxe, de par corn 0 monopolio oficial na elaboraçao da
norma, a oniciência e a onipotência da lei como instrumento
da revelaçao do direito. Reduziu em consequência a funçao
dos tribun ais, jungidos à letra da lei e à logica juridica, que
tem no método silogistico a sua formulaçao. Foi a época
do primado da lei. Fatores vârios e complexos convergem
para dar à jurisprudência maiores possibilidades. A parti-
lha da funçao legiferante corn os corpos para-estatais, aos
quais se consente a elaboraçao de normas outrora do mono-
polio oficial dos parlamentos, trouxe a revisao da teoria tra-
dicional das fontes e corn ela 0 pluralismo e maior extensao
do poder dos tribunais na revelaçao do direito. 15
DUGUIT é dos mais avançados. Para êle a lei é apenas
um documento, um critério de base e naD uma regra impera-
tiva para 0 juiz. Em apoio da sua tese, aponta exemplos na
jurisprudência francesa que revelam os avanços da exegese
sôbre a letra fria da lei. 16
Mas, mesmo sem aderir aos extremistas do direito livre, e
ficando corn 0 critério moderado do prœter legem, que supôe
o texto e 0 seu desenvolvimento pela intérprete guiado pela
critério teleologico que deve dominar a exegese, sobra espaço
ao juiz para adequâ-Io às necessidades novas, completando-o
ou derivando regras que nele se devam haver coma subenten-
didas. É ainda DUGUIT quem observa que ao lado da lei se
formam regras normativas novas que 0 legislador acaba ado-
tando em leis posteriores.

H MARCEL NAST, La jonction de la jurisprudence dan~ la vie juridique jrançaise,


1922, p. 4.
:us Entre outros: GURVITCH, Le temps present et l'idée du Droit Social; EDOUAU
LAMBERT, Le Gouvernement des juges; DEL VECCHIO, Justice, Droit, Etat, 1938. A
palavra jurisprudéncia tem varios sent1dos, mas é aqui tomada coma ser1aça.o ou
sequênc1a de julgados sôbre a entendlmento de uma dada le1 ou uma tese juridic"
(CAPITANT, Vocabulaire Juridique, v. Jurisprudence).
11 DUGUIT, Traité de Droit Constitutionnel, v. l, ps. 94 e scgs.
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDIC:rA.RIO

o exemplo mais expressivo è 0 détournement du pouvoir,


em França, criaçao jurisprudencial do Conselho de Estado.
Fundado 0 contencioso por excesso de poder em uma lei
de 1790, era restrito, informa HAURIOU, às quest6es de com ..
petência e de forma, vale dizer que 0 exame seria limitado à.
legalidade do ato. Mas 0 Conselho de Estado ampliou 0 con-
trôle jurisdicional, enteridendo que "il y a excès de pouvoir,
non seulement quand l'administrateur dépasse les limites lé-
gales ae ses attributions, mais même lorsqu'il use, pour des
motifs étrangers au bien du service, de son pouvoir disCT:é-
tionaire d'apreciation".17 S6 mais tarde 0 legislador, por
uma lei de 1872, reconheceu a nova via jurisdicional, que Du-
GUIT apresenta coma exemplo de criaçao construtiva do Con-
selho de Estado. 18
5. 0 assunto examinado à luz dos nossos textos. 0
principio da colaboraçao suplet6ria da jurisprudência tem
raizes em nossa tradiçao juridica.
A regra de direito é que "nao é licito ao j. jz abster-se do
"julgamento a pretêsto de ser 0 casa omisso nas leis ... de-
"vendo proferir suas decis6es coma entender de justiça" (Ord;,
L. 3.°, tit. 65, 18; MELO FREIRE, L. 4.°, tit. 21, § 3.°; aviso
de 7 de fevereiro de 1856, apud RAMALHO, Praxe Brasileira,.
p. 345, nota).
~sse principio deu entrada no C6digo Civil - " ... nem
"corn 0 silêncio, a obscuridade ou a indecisao (da lei) se exime
"0 juiz de sentenciar ou despachar". E ja era a norma cor-
rente consolidada por CARLOS DE CARVALHO, corn fundamento
na Ordo cita da e na chamada lei da boa razao (de 18 de agôs-
to de 1769), que assinalou em Portugal a época pombalina, e
que dera ao juiz ensanchas de interpretaçao que 0 espirito do
tempo naD podia comportar, "desligados, coma ficaram, da
"lei positiva, abandonados aos principios gerais do direito
"natural". 19
17 HAURIOU, Droit Administratif,ed. 1927, p. 386.
18 DUGUIT, Traité de Droit Constitutionnel, v.1, pS. 95-96.
1. CLOVIS, Comentririos ao Côdigo Civil, v. l, art. 5.° da Introduçao; CARx.DS
DE CARVALHO, Consolidaçdo das Leis Civis, art. 58; COELHO DA ROCHA, Direito Civil
Portugués, nota, p. 281.
CASTRO NUNES

No antigo direito judiciario português, os assentos da


Casa de Suplicaçao, que eram deliberaç6es relativas à inter-
pretaçao do direito, tinham fôrça de lei. E, continuando essa
tradiçao, a lei n. 2. 684, de 23 de outubro de 1875, conferia ao
Supremo Tribunal de Justiça idêntica atribuiçao. Na elabo-
l'açao do C6digo Civil, cogitou-se de disposiçao expressa dando
aos juizes a faculdade de suprir as lacunas da lei, e às decis6es
do Supremo Tribunal a autoridade de leis. Pareceu inconsti-
tucional, por contraria ao principio da separaçâo dos pode-
res. Mas 0 art. 5.° da Introduçao, pressupondo 0 silêncio, a
obscuridade ou a indecisao da lei, admite obviamente a fun-
çao supletiva do juiz "como revelador do direito latente", mas
ainda naD revelado pela legislador. E, dêste modo, a disposi-
çao se acomoda com aquele principio basico do mecanismo
constitucional. 20
Duas clausulas constitucionais servem, ainda que indi-
l'etamente, ao reconhecimento de certo âmbito reservado à
j urisprudência.
o recurso extraordinario, no casa da letra a (art. 101,
III), consagra, é certo, 0 principio arcaico da interpretaçao
literaI; mas, no inciso d, atribue-se ao Supremo Tribunal,
entre os julgados trazidos à colaçao, adotar 0 que se afastou
da letra ou traçar, à revelia de qualquer deles, 0 entendimento
mais consentâneo com a justiça, a paz social e 0 interêsse
publico relevante que estiver em causa. 21

20 PAULO DE LACERDA, M'crnual do C6digo Civil, l, n. 301; Direito Constitucional


Brasileiro, II, n. 643; CLOVIS BEVILAQUA, ob. cit., v. l, p. 106; vejam-se, ainda, a
prop6sito do assunto: MARTINHO GARCEZ, Nulidades, l, p. 383; EDUARDO EspiNOLA, A
Jurisprudéncia dos Tribunais, nas Pandectas Brasileiras, v. 1.
. 0 assunto é vastissimo e comporta desenvolvimentos muito maiores. Sôbre Ri
noçôes de equid'IJde, como adequaçâo da lei ao caso em espécie, e analogia, veja-se,
entre outros, CARNELUTTI, Sistema, l, 1936, ps. 118, 135, etc.; CLOVIS, Jornal do Co-
mércio de 17 de março de 1935; EspiNOLA e EspiNOLA FILHO, Tratado, v. 4.·,
"0 método positivo na interpretaçâo e na integraçâo das nonnas juridicas", etc.
A nova lei de Introduçâo ao C6digo Civil (dec.-Iei n. 4.657, de 4 de setembro de
1942) expressa 0 mesmo principio no art. 4.·: "Quando a lei for omissa, 0 juiz
"decidira 0 caso de F.côrdo com a analogia, os costumes e os princfpios gerais de
"direito".
!!J. É hoje critério le gal de hermenêutica expresse no art. 5." da nova lei de In-
troduçao ao C6digo Civil: "Na aplicaçao da lei 0 juiz atendera aos fins socials
"a que ela se dirige e as exigências do bem comum".
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICIARIO 649

D
Do mesmo modo a clausula do art. 123, cuja primeira
parte corresponde ao teor do art. 78 do texto de 91, sob a epi.
grafe "Dos direitos e garantias individuais".
A declaraçao de direitos naD se dirige somente ao legis-
lador, senac também aos tribunais, sob cuja guarda estao os
direitos e garantias que a Constituiçao expressa, mas naD es-
gota, na enumeraçao que faz, deixando ao intérprete desen-
volvê-]Las ou completa-las por exploraçao dos textos, 22 regra
constitucional cujo sentido favorece, de um modo geral, a
exegese fora da letra da lei.
A jurisprudência brasileira, naD obstante a critica severa,
ainda hoje justa a certos respeitos, de LAFAYETTE, 23 possue
alguns padr6es dignos de mençao.
Lembrou 0 presidente EspiNOLA, no seu discurso inau-
gural ha pouco referido, que "os nossos tribunais viram-se na
"contingência de admitir a validade dos seguros de vida, ainda
"quando as nossas leis os proibia:m " , mostrando com êsse
exemplo altamente expressivo 0 poder de formulaçao reser-
vado aos tribunais.
Outros exemplos, sem a pretensao de esgotar a lista,
podem sel' acrescentados.
A competência criminal da justiça federal foi desenvol·
vida pela Supremo Tribunal, de modo a abranger os crimes
de furto de valores, incêndio e depredaç6es de bens da Uniao,
e outras hipoteses, ainda antes da preceituaçao legal, que veio
consagrar essa jurisprudência. ~4
A açao recisoria na competência originaria do Supremo
Tribunal é outl'O exemplo, competência derivada por interpre-
,. ln Rev. Forense, 1942, v. 91, ps. 5 e segs.
"" uA coleçâo dos julgados dos nossos tribunais nâo oferece consistêncla para
tormaçâo de uma jurlsprudéncla. Caracteriza-os a mais assombrosa variedade na
Inteligêncla e na aplicaçâo do Direito. Nâo exprlmem tendêncla alguma, nem 0
predomfnio do rigor cientifico, nem 0 afrouxamento da equidade prâtlca. Acervo
1n!orme de contradiç6es e incoerênclas, muita3 vêzes a negaçâo das doutrinas mals
conhecldas e dos principios mais certos, essa coleçâo de julgados tem todos os de-
teitos e tôdas as singularidades das criaçôes, que sâo antes a obra do lnstinto cego,
à mercê de lnfluências acidentals e passage Iras, do que 0 produto da razâo hu-
mana, iluminada pela clência e pela dlscussâo" (Direito das Coisas, Prefâclo, IX).
"1 PIRES E ALBUQUERQUE, Leis e Principios, 1928.
650 CASTRO NUNES

taçao e que s6 mais tarde deu entrada na Constituiçao,.


texto de 34.
o habeas-corpus, adaptado a situaçôes subjetivas outras
que nao de coaçao da liberdade corp6rea, constituindo 0 que
entao se chamou a teoria brasileira do "habeas-corpus", foi
outra criaçao jurisprqdencial, do mesmo, senac de maior tomo
que 0 détournement du pouvoir em França, extensao que visou
dar remédio a situaçôes individu ais naD tuteladas dE:] outro
modo pelas leis entao vigentes, corn apoio na derivaç~o das
garantias e direitos autorizada pela Constituiçao, no art. 78.
Foi dêsse ponto de vista que RUI BARBOSA pôde escrever :
"Na ordem juridica dos nossos tempos nao se ha mister de,.
"para cada hip6tese, encontrarmos especificadamente con-
"sagrada a faculdade legal de manter 0 direito mediante açôes
"judiciarias adequadas. A tôda violaçao de um direito res-
"ponde sempre uma açao correlativa, independentemente de
"lei especial que a outorgue".; 26

25 RUI BARBOSA, 0 Direito do Amazonas, V. l, p. 3'17.


, ,
INDICE ALFABETICO
fNDICE ALFABÉTICO

, A
Absolviçao - indenizaçao consequente ao processo de revisao 273
Açao executiva fiscal - julgamento prévio do alcance ........ 31
- revisao do julgado de contas como matéria dedefesa 32
- cobrança do imposto de renda, restriçôes à defesa ... 637
Açao penal - julgamento prévio do alcance .... . . . . . . . . . . . . . . . 31
- quitaçao ulterior do alcance, efeitos .................. 35
Açao recÏSoria - competência do Supremo Tribunal Federal
para 0 seu julgamento ....................... 210, 216, 256
- requisitos ........................................... 257
- contra decisao proferida em recurso extraordinârio .. 257
- naD cabe contra sentenças criminais .................. 257
- de ac6rdao nas causas civeis originârias do Supremo
Tribunal Federal ...................................... 257
- contra decisao que naD conheceUj do recurso extra-
ordinârio .............................................. 258
- contra decisoes proferidas em grau de revista ......... 258
- processo .............................................. 280
Acidente - de navegaçao, pronunciamento prévio do Tribunal
Maritimo Administrativo .............................. 637
Açoes civeis originârias - do Supremo Tribunal Federal, pro-
cessa .................................................. 281
AçOes populares - condiçoes de ingresso em juizo ............ 572
Admissao - do recurso extraordinârio, requisitos ............. 378
Admissibilidade - do r ecu r s 0 extraordinârio, preliminar,
questao federal, em que consiste e 0 que compre-
ende ................................. 333, 358, 365, 379, 383
AIçada - dos juizes temporarios, qualidade de magistrado ... 502
AIcance - apuraçao e julgamento prévio para a propositura
da açao executiva .................................... 31
- apuraçao e julgamento, autoridade de casa julgado ... 35
654 CASTRO NUNES

Anistia - carater politico da prerrogativa .................... 52


- quem'pode decreta-la ................................. 571
Apelaçao - ex-'otticio das decisôes do juri .................. 528
- de decis6es do juri pele auxiliar da acusaçâo .......... 528
- de decis6es do juri de imprensa ....................... 531
Aposentadoria - compulsoria do magistrado ................. 94
- do magistrado, cQneeito .............................. 100
- compulsoria e voluntaria .............................. 129
- compulsoria, em que momento se entende aposentado 0
juiz ou 0 funcionario ............................... .-. 132
- contagem de tempo, lei que a rege .................... 133
- compulsoria do juiz por aplicaçao do art. 177 ......... 137
- dos ministros do Supremo Tribunal Federal .......... 202
- dos juizes locais, por idade - inaplicabilidade da lei
n. 583 ................................................ 486
- e reforma forçada de civis e militares ................. 634
Arbitragem - competência desportiva, poder jurisdicional ... 11
- legal, instituiçao, jurisdiçao ........................... 12
Articulaçao - do Supremo Tribunal Federal, com as justiças
especiais da Uniao ................................... 208
- do Supremo Tribunal Federal, com as justiças locais 208
Ato - administrativo, anulaçao, competência judiciaria ..... 576
- administrativo, poder discricionario, seus limites ....... 610
- administrativo, poder de policia ........................ 614
- discricionario da administraçao, conceito ............... 610
- discricionario, legitimidade dos fins ou motivos como cri-
tério de aferiçao da legalidade ....................... 618
- discricionario - hipoteses da Constituiçao ........... 631
- discricionario - aposentaçao e reforma forçada de civis
e militares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 634
- do Govêrno Provisorio, vedaçâo do exame judicial ..... 623
- dos governos loeais para efeito do reeurso extraordinario 367
- jurisdieional, eoneeito ................................. 4
- jurisdieional, definiçao ................................ 53
- jurisdieional, reeurso .................................. 10
- do Poder Publieo, exclusao do mandado de segurança ., 637
- do Presidente da Republiea - quorum para a deelaraçao
da ineonstitueionalidade ............................... 599
Atribuiçao - eonstitueional dos tribunais para nomear e demi tir
os seus empregados .. '" ........ ..... .... ....... ...... 115
Atribuiçoes - do Supremo Tribunal Fèderal - quadro geral 198
- administrativas do Supremo Tribunal Federal e da Côrte
Suprema argentina ................................... 211
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO - INDICE ALFABÉTICO 655

Autarquias - poder jurisdicional ............................. 13


- federais - causa, interêsse da Uniao .................. 292
Autonomia - interna dos tribunais, razao de ser da prerrogativa
judiciaria ............................................. 111
Auxiliar de acusaçao - apelaçao das decisoes do juri ......... 528
Avoeatoria - normas de coordenaçao entre os 6rgaos judiciarios
federais e locais ...................................... 535

B
Bitributaçao - competência para a declaraçao ............... 43
- declaraçao de existência ou inexistência .............. 621
- restriçao ao exercicio da jurisdiçao - vedaçao ao exame
judicial dos atos do Govêrno provis6rio ............... 623

c
Câmara de Reajustamento - decisoes, restriçao à jurisdiçao es-
tabelecida por lei ordinaria ........................... 634
Câmaras ou turmas - no Supremo Tribunal Federal ......... 184
Cargo - judiciario - perda pelo exercicio de funçao publica,
tempo de serviço ...................................... 150
Caso julgado - na quitaçao pelo Tribunal de Contas .......... 35
Causa - definiçao le gal para efeito do recurso extraordi-
nario ............................................. 323, 329
Causas - da competência originâria do Supremo Tribunal Fe-
deral ............................................. 213, 238
- e conflitos entre a Uniao e os Estados ou entre estes,
competência para 0 julgamento ..................... 224
- originarias do Supremo Tribunal Federal, processo ... 277
- da Uniao, recurso para 0 Supremo Tribunal Federal ., 291
- da Uniao, carater federal da jurisdiçao dos feitos .... 292
- das autarquias federais, interêsse da Uniao ............ 292
- fiscais da Uniao - na primeira instância local ......... 507
- de alçada, para efeitos do recurso extraordinario ....... 331
Coisa julg-ada - decisao administrativa, jurisdiçao contenciosa 16
"Common law" e "equity" - no direito anglo-americano ..... 639
Competência - judiciaria, questoes administrativas - 0 siste-
ma adotado com a Republica ........................ 15
- para provimento de cargos nos tribunais .............. 105
- para organizaçao das secretarias dos tribunais ......... 113
656 CASTRO NUNES

- dos tribunais para a concessao de licença ............. 117


- para majoraçao de vencimentos da magistratura ...... 145
- do juri de imprensa ................................... 259
- extradiçao interestadual .... ......... ..... ............. 542
- judiciaria, das questôes administrativas ............... 576
- da Uniao para legislar sôbre processo .................. 66
Competência do Supl'emo Tribunal Federal, v. Supremo Tribu-
nal Federal.
Competência do Supremo Tribunal Militar, v. Supremo Tribunal
Militar.
Competência do Tribunal de Segurança, v. Tribunal de Segu-
rança.
Competência dos tribunais de apelaçao, v. Tribunal de Apelaçao,
Competência do Tribunal de Contas, v. Tribunal de Contas.
Competência da justiça do trabalho, v. Justiça do trabalho.
Competência da justiça militar, v. Justiça militar.
Compromisso - de ministro do Supremo Tribunal Federal ... 179
Conflito - de atribuiçao e jurisdiçao - distinçao - competência
para 0 julgamento .................................... 235
- de jurisdiçao, competência para 0 julgamento ......... 228
- de jurisdiçao, reg ras que regem a competência do jul-
gamento .............................................. 229
- entre a Uniao e os Estados ou entre estes, competência
para 0 julgamento .................................... 224
- de jurisdiçao entre 0 Tribunal de Segurança e 0 Supremo
Tribunal Militar ...................................... 231
- de jurisdiçao entre autoridades judiciarias e adminis-
trativas - competência para 0 'julgamento ........... 235
- de jurisdiçao entre juizes locais nas causas da Uniao. 233
Conselho - de contribuintes, conflito de atribuiçao ........... 237
- federal, como tribunal de impeachment ............... 40
- federal, com jurisdiçao de politica tributaria .......... 42
- militar, funçao ........................................ 401
Constitucionalidade - das leis - presunçao, regrc.. ............ 589
"Construction" e "interpretation" - distinçao ................ 641
Contas - dos responsaveis por dinheiros ou bens publicos -
julgamento, funçao privativa .......................... 30
Contencioso - administrativo - jurisdiçao ................... 7
Côrte Suprema - na Argentina e na Suiça ................... 164
- argentina - atribuiçôes administrativas .............. 211
TEORIA :E: PRATICA DO PODER JUDICrARIO - iNDICE ALFABÉTICO 657

Côrtes Supremas - como orgaos de equilibrio entre os poderes


no mecanismo do Estado Federal ..................... 155
Crimes - de responsabilidade dos ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, processo e julgamento ................. 203
- federais, competência para 0 julgamento .............. 211
- militares - modalidades, critério legislativo ........... 404
- contra a segurança do Estado, competência do Tribunal
de Segurança ......................................... 443

1/ D
Decisao - administrativa - jurisdiçao contenciosa - coisa jul-
gada . ................................................ 16
- do Tribunal de Contas e 0 Po der Judiciario ........... 22
- sôbre tomada de contas - "prejudicial" no juizo penal 31
- sôbre toma da de contas - eficacia na jurisdiçao penal 23
- sôbre tomada de contas - revisiio em matéria de defesa
na cobrança executiva do alcance .................... 33
- dever do jlliz em fundamenta-Ia ...................... 150
- final no mandado de segurança ....................... 292
- denegatoria de habeas-corpus - recurso, exame em face
do texto de 91 ....................................... 298
- denegatoria de habeas-corpus - recurso, exame em face
do texto de 34 e do atual .............................. 304
- em unica e ultima instância, para 0 efeito do recurso
extraordinario ......................................... 330
- concessiva do habeas-corpus, recurso extraordinario .... 347
- da justiça trabalhista - execuçao, controvérsia sôbre a
conclusividade das proferidas pelas antigas juntas .... 459
- administrativa do Tribunal de Apelaçao - intervençao
no Estado para assegurar 0 seu cumprimento .......... 553
- judiciaria sôbre a constitucionalidade das leis, autori-
dade final ............................................ 592
Defesa - apreciaçao do julgado sôbre tomada de contas no exe-
cutivo fiscal .......................................... 23
- restriçao nos executivos fisc ais de cobrança do imposto
de renda .............................................. 637
Delitos - modalidades, critério legislativo .................... 404
Departamento Administrativo do Serviço PiibIico - como ins-
trumento da açao administrativa do Presidente da
Republica ............................................. 19
Desembargadores - questao da equiparaçao de vencimentos. 491
Despacho - dos presidentes dos tribun ais de apelaçao - quando
cabe recurso extraordinario ............................ 329
F. 42
658 CASTRO NUNES

Direito - federal, equivalência a lei federal, para os efeitos do


recurso extraordinario ................................ 319
- de graça, e os principios dos poderes separa dos ....... 51
- de graça, e a jurisdiçao repressiva ..................... 571
- subjetivo, condiç6es de ingresso em juizo - aç6es po-
pulares ............................................... 572
- publico subjetivo, doutrina ............................ 575
Disponibilidade - do juiz ................................... 129
Distrito Federal - carater das leis orgânicas ................. '. 369
- e as justiças locais ................................... 465
- equiparaçao a Estado coma circunscriçao judiciaria ... 477
- em que sentido a sua justiça é local................... 473
Divisiio - dos poderes do Estado ............................. 50
- do Supremo Tribunal Federal em câmaras ou turmas. 184
- e organizaçao judiciaria das justiças locais ........... 471
Doença - profissional - invalidez do juiz em consequência de
acidentes no desempenho da funçao .................. 135
Dualismo - judiciario das antigas Constituiçôes e a marcha
para a unificaçao ..................................... 58
- judiciario, jurisdiçao federal, problema da instância ad-
ministrativa ........................................... 61
- judiciario - marcha para a unificaçao - antecedentes,
formula de acomodaçao dos dois principios ............ 61

E
Embaixadores e ministros diplomaticos - crimes comuns e de
responsabilidade ...................................... 219
Embargos - opostos à execuçao de acordao do Supremo Tribu-
nal Federal, competência para 0 juIgamento .......... 264
Embargos remetidos - nas execuçôes - a acordao do Supremo
Tribunal Federal em recurso ordinario ou extraordimirio 263
Equivalentes - jurisdicionais e jurisdiçôes arbitrais, em forma
convencional ou legal - jurisdiçôes coextensivas do
poder normativo conferido aos departamentos da pu-
blica administraçao ................................... 10
Escolha - do procurador geral da Republica - no regime da
Constituiçao de 34 e da atual ...................... ,. 195
Estabilidade - do magistrado ................................ 93
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO - lNDICE ALFABÉTICO 659

Estado - descentralizaçao funcional ......................... 13


- liberal e a concentraçao jurisdicional nas vias jUdiciarias 5
- como deve ser entendido 0 principio dos poderes sepa-
rados ................................................. 50
- principios dos poderes separa dos no atual regime ...... 68
- primado do Executivo, 0 que exprime ................. 59
Estado de emergência - e 0 estado de guerra, atos de execuçao,
poderes discricionârios ................................ 631
Estado.. de guerra - jurisdiçao extraordinâria ................ 86
- jurisdiçao militar ..................................... 426
- atribuiç6es do Tribunal de Segurança ................ 443
- poderes discricionârios ................................ 631
Estatuto - dos Funcionârios Pûblicos, têrmos em que deve ser
entendida a sua aplicabilidade à magistratura ......... 126
Execuçao - de sentença proferida em causa da competência
originâria do Supremo Tribunal Federal ............... 262
- embargos remetidos - julgamento, competência do Su-
premo Tribunal Federal .............................. 263
- de sentença estrangeira homologada .................. 282
- de ac6rdao proferido em recurso extraordinârio ....... 351
- das decis6es da justiça trabalhista - controvérsia sôbre
a conclusividade das proferidas pelas antigas juntas ... 459
- de sentenças locais e federais ......................... 549
- de sentenças dos Estados .............................. 551
- de sentenças condenat6rias da Fazenda Pûblica, estadual
ou municipal.......................................... 555
- e jurisdiçao ........................................... 578
Executivo fiscal, v. Açao executiva fiscal.
"Exequatur" - competência para a concessao ................ 175
- conceito ............................................... 243
Exoneraçao - do juiz, a pedido ............................... 129
Extinçao - da justiça federal - providências complementares 78
Extradiçao - competência originâria do Supremo Tribunal
Federal ............................................... 238
- conceito ............................................... 239
- interestadual .......................................... 542

F
Fazenda - Pûblica, estadual ou municipal, sentença condena-
t6ria, execuçao ....................................... 555
660 CASTRO NUNES

Fôro - militar 402


- militar, extensao aos civis ............................ . 411
- privilegiado para 0 processo e julgamento dos juizes 10-
cais nos crimes corn uns e de responsabilidade ......... . 484
- da Uniao ............................................. . 507
Funçao - jurisdicional, do Estado e dos orgaos judiciarios " 4
- jurisdicional do Estado ............................... . 13
- j urisdicional .......................................... . 54
- legislativa, judicial, executiva ou governamental ...... . 54
- da justiça, carater nacional ..........................1< 77
- judicial, conceito ..................................... . 121
- jurisdicional - legitimidade dos fins ou motivos do ato
coma critério de aferiçao da legalidade ............... . 618
- judicial na orbita local, garantias gerais e comuns ... . 480
- judicial e funçao publica, distinçao ................... . 147
- construtiva e supletiva dos tribunais ................. . 643
- do Poder Judiciario .................................. . 5
- da jurisprudência nas tendências contemporâneas .... . 645
- da jurisprudência, colaboraçao supletoria dos tribunais,
exame à luz dos nossos textos ........................ . 647
- consultiva do procurador geral da Republica .......... . 194
Funciomirio - e juiz, conceito genérico, diferenciaçôes ....... . 106
- e juiz - acepçao genérica ............................ . 125
- publico - compulsoria por idade - em que momento se
entende aposentado .................................. . 132
Funçôes - do Supremo Tribunal Federal, coma as exerce - nao
é orgao consultivo ................................... . 198
- complement ares da Justiça .......................... . 579

G
Garantias - de independência do Poder Judiciario ............ 91
- institucionais ou orgânicas do Poder Judiciario ....... 92
- subjetivas ou funcionais do Poder Judiciario ........... 92
- funcionais peculiares às justiças locais, direito à carreira 487
- orgânicas aplicaveis às justiças locais ................. 496

H
"Habeas-corpus" - competência cumulativa do Supremo Tri-
bunal Federal para 0 seu julgamento ................. 210
- competência originaria para 0 seu julgamento ....... 216
- na competência originaria do Supremo Tribunal Federal 247
- decisao concessiva - recurso extraordimirio ........... 347
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIA.RIO - iNDICE ALFABÉTICO 661

- na jurisdiçao militar ................................. 416


- contra atos do Tribunal de Segurança - em recurso e
originario ............................................. 440
- suspensao - em que têrmos deve ser entendida - po-
deres discricionarios .................................. 631
Homologaçao - de sentença estrangeira - controvérsia sôbre
o fundamento da competência originaria para 0 julga-
mento ................................................ 241
- de sentença estrangeira, inadmissibilidade da açao reci-
.soria 257

1
Idade - requisito para a nomeaçao de ministros do Supremo
Tribunal Federal .............................. :...... 183
"Impeachment" - aplicado aos ministros do Supremo Tribu-
nal Federal ........................................... 203
- e indictement - distinçao ............................ 41
Impostos - gerais - sôbre vencimentos judiciais, principio de
irredutibilidade - a questao do ministro GEMINIANO DA
FRANCA • ..•.......•..••..••.........•••••.........•••• 103
- gerais - os têrmos da irredutibilidade de vencimentos
dos magistrados nas Constituiçoes de 34 e 37 ......... 107
Imprensa. - competência do juri .............. :............. 529
Inamovibilidade - vitaliciedade e irredutibilidade de vencimen-
tos dos magistrados .................................. 93
- e vitaliciedade nas antigas Constituiçoes brasileiras .. 95
- conceito, restriçoes constitucionais ..................... 100
- dos ministros do Supremo Tribunal Federal ........... 184
- dos juizes locais ....................................... 401
- dos ministros do Supremo Tribunal Militar ............ 401
- dos juizes locais - mudança de sede do juizo - remo-
çao pOl' determinaçao do Tribunal superior ........... 480
Inconstitucionalidade - das leis, 0 poder de declarar ......... 581
_ das leis, 0 poder de declarar na Constituiçao americana
e na brasileira de 91 .................................. 583
_ das leis, 0 poder de declarar na Constituiçao atual .. 584
_ das leis, origem técnica da sua declaraçao·............ 586
_ das leis, declaraçao, e a mentalidade judiciaria - exa-
me do assunto na atualidade americana ............... 594
- das leis, quorum para a declaraçào .................... 599
Indenizaçao - consequente ao provimento da revisao criminal 273
662 CASTRO NUNES

Instância - sentido legal, grau de jurisdiçao 330


Instâncias - administrativas, jurisdiçao .................... 3
- administrativas no Estado contemporâneo - correlaçao
com 0 desenvolvimento do poder regulamentar - 0 fe-
nômeno na Inglaterra e nos Estados Unidos - outros
aspectos ............................................... 8
- administrativas - contencioso administrativo - anteee-
dentes do Império .................................... 14
- administrativas - as questoes administrativas na com-
petência judiciaria - 0 sistema adotado com a RepU.':"
bliea ................................................. : 15
- administrativas - aplicaçao conteneiosa da lei como ju-
risdiçao residuaria das administraçoes - exageraçao de
um principio verdadeiro ............................... 16
- administrativas - desenvolvimento ................... 18
- administrativas - 0 D.A.S.P. como instrumento da
açao administrativa do Presidente da Republiea ..... 19
- administrativas - Podem os Estados instituir jurisdi-
çoes administrativas? ................................ 21
- administrativas - decisao, inadmissibilidade do reeurso
extraordinario ......................................... 327
Instâncias intermediarias - na jurisdiçao federal .......... 61, 75
Interposiçao - do reeurso extraordinario, prazo ............. 337
- do reeurso extraordinario - fundamento, aditamento,
denegaçao ............................................. 345
- do reeurso extraordinario - de ofieio ................. 385
Intervençao - no Estado, para' exeeuçao de sentenças federais 549
- no Estado, para exeeuçao de sentenças Ioeais ........... 551
- no Estado, reelamada para assegurar 0 eumprimento de
deeisao administrativa dos tribunais de apelaçao ...... 553
Invalidez - do juiz em eonsequêneia de aeidente no desempe-
nho da ftmçao - doença profissional ................ 135
Irredutibilidade - dos veneimentos dos magistrados .......... 93
- de veneimentos judieiais na Constituiçao de 91 ....... 102
- de veneimentos judieiais nas Constituiçoes de 34 e 37. 107
- de veneimentos - serao somente os da magistratura? .. 108
- de veneimentos judieiais e os impostos gerais ......... 103
- de veneimentos - inatividade do juiz, reduzibilidade ... 117
- de veneimentos - aposentadoria por aplieaçao do art. 177 137
- de veneimentos dos juizes do Tribunal de Seguranç.a .. 438
- de veneimentos dos juizes Ioeais ....................... 483
TEORIA E P!tATICA DO PODER JUDICIAIuo - iNDICE ALFABÉTICO 663

J
Juiz - proibiçao a percentagens na cobrança da divida fiscal 150
- v. Magistrado.
Juizes- e tribunais - 6rgaos singulares e coletivos ........... - 84
- dos tribunais de apelaçao, crimes comuns e de responsa-
bilidade ............................................... 222
- militares, vitaliciedade ................................ 401
- militares, designaçao .................................. 401
- militares, inamovibilidade ............................. 401
_J do Tribunal de Segurança, direitos e garantias ....... 438
- locais, inamovibiIidade e vitaliciedade .................. 480
- locais, irredutibilidade dos vencimentos ................ 483
- locais, crimes comuns e de responsabilidade, processo e
julgamento ............................ i . • • • • • • • • • • • • • • 484
- locais, aposentadoria por idade - inaplicabilidade da lei
n. 583 ................................................ 486
- locais, investidura nos primeiros graus ................ 487
- locais, investidura nos graus superiores ............... 488
- locais, fixaçao de vencimentos ........................ 489
- de direito, juizes temporârios - alçada . . . . . . . . . . . . . . . . . 502
- temporârios - alçada - qualidade de magistrado ..... 502
- de paz................................................ 511
- v. Magistrado.
Juizo - arbitral, carâter jurisdicional ........................ 11
Juizos - privativos .......... ; ............................. 81, 505
Julgado - de contas, autonomia da jurisdiçao penal ......... 34
Juntada - de documentos no recurso extraordinârio ......... 351
Juntas de COllciliaçao e Julgamento - criaçao ................ 446
Juri - nas Constituiçoes republicanas ...................... 513
_ na sua atual organizaçao .............................. 515
_ competência da Uniao para legislar sôbre 0 juri exami-
nada no Supremo Tribunal Federal .................... 519
_ decisao - recurso para 0 Tribunal de Apelaçao, apre-
ciaçao por livre convicçao ............................ 520
_ presidência do Tribunal - outras hip6teses judiciârias
decorrentes da aplicaçao do de.::. -lei n. 167 .......... 525
_ apelaçao ex-officio .................................... 528
_ apelaçao pelo auxiliar da acusaçao .................... 528
_ de imprensa - competência .......................... 529
Jurisdiçao - conceito - sua difusao no organismo do Estado 3
_ conceito .......................................... 568, 569
_ unidade e difusao ..................................... 3
664 CASTRO NUNES

~ - administrativa e judiciaria, distinçâo ................. 4


- 0 Estado liberal e a concentraçâo jurisdicional nas vias
judiciarias ............................................ 5
'1 - administrativa - vistas doutrinarias .................. 6
- desenvolvimento das instâncias administrativas do Es-
ta do contemporâneo - correlaçâo com 0 desenvolvimen-
to do poder regulamentar - 0 fenômeno na Inglaterra
e nos Estados Unidos - outros aspectos ................ 8
\' - das instâncias administrativas ......................... 9
- jUdiciaria, instância administrativa, recurso ........... 10
- administrativa, recurso ................................\ 10
- equivalentes jurisdicionais e jurisdiç6es arbitrais na
forma convencional ou le gal - jurisdiç6es coextensivas
do poder normativo conferido aos departamentos autô-
nomos da pUblic a administraçâo ...................... 11
- disciplinar ., ................. .......................... 11
- arbitral .... ,......................................... 12
- das autarquias ....................................... 13
- do Estado, descentralizaçâo ............................ 13
- contencioso administrativo - antecedentes do Império 14
- as quest6es administrativas na competência judiciaria -
o sistema adotado n~ Republica ....................... 15
- a aplicaçâo contenciosa da lei como jurisdiçâo residuaria
das administraç6es - a exage.raçâo de um principio
verdadeiro ............................................ 16
- 0 desenvolvimento das instâncias administrativas entre
n6s ................................................... 18
- 0 D. A. S. P . como instrumento da açâo administra-
tiva do Presidente da Republica .................. ...... 19
- podem os Estados instituir jurisdiç6es administrativas? 21
- as decis6es do Tribunal de Contas e 0 Poder Judiciario . 22
- sera 0 Tribunal de Contas 6rgâo judiciario? .......... 23
- jurisdiçao de contas ................................. 26
- em que têrmos deve ser entendida a jurisdiçâo de contas 28
- penal, apreciaçâo da defesa sôbre a existência do alcance 33
- penal, autoridade do julgado de contas ............... 33
- do Tribunal de Contas na apuraçâo do alcance ........ 35
- federal, problema da instância intermediaria ......... 61
- a partilha na Constituiçâo atual- como deve ser enten-
dido 0 art. 107 ........................................ 76
- do Supremo Tribunal Federal, restabelecimento por avo-
cat6ria, no crime ...................................... 234
- dos feitos nas causas da Uniâo, carater federal ........ 292
- e competência da justiça militar ....................... 402
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO - iNDICE ALFABÉTICO 665

- militar - pOde ser instituida pelos Estados? ......... 417


- militar, no estado de guerra .......................... 426
- da justiça do trabalho, caracteristicas ................ 447
- partilhada entre os Estados e a Uniao ................ 473
- comum, 0 que compreende ............................ 478
- duplo grau na instituiçao das justiças locais ........ 497
- normas de coordenaçao entre os 6rgaos judiciarios fe-
derais ~ locais ........................................ 535
- extradiçao interestadual ............................... 542
y - administrativa, graciosa ou voluntaria dos 6rgaos judi-
tiarios ................................................ 567
- judiciaria ............................................. 568
- contenciosa, conceito .................................. 569
- penal e jurisdiçao civil ................................. 570
- repressiva e 0 direito de graça ......................... 571
- e execuçao ............................................ 578
- funç6es complementares da Justiça ................... 579
- constitucional, no direito americano e brasileiro ...... 584
de equidade - a common law e a equity no direito anglo-
-americano . . ......... :............................... 639
- Restriçôes ao exercicio .,............................. 574
- as chamadas quest6es politicas ........................ 605
- po der discricionario, seus limites ...................... 610
- do poder de policia .................................... 614
- legitimidade dos fins ou dos motivos do ato coma crité-
rio de aferiçao da legalidade .......................... 618
- quest6es politicas em face da Constituiçao brasileira ... 619
- quest6es de limites entre Estados ...................... 620
- declaraçao da existência ou inexistência de bitributaçao 621
- vedaçao do exame judicial dos atos do Govêrno Provis6rio 623
- po der discricionario - hip6teses da Constituiçiio - atos
de execuçiio do esta do de emergência e do esta do de
guerra - suspensiio do habeas-corpus, em que têrmos
deve ser entendida ...... .......... .................... 631
- aposentaçiio e reforma forçada de civis e militares ..... 634
- restriç6es estabelecidas por lei ordinaria - decis6es da
Câmara de Reajustamento - outras hip6teses .......... 634
- exclusiio do mandado de segurança contra atos do Poder
Publico ............................................... . 637
- acidentes de navegaçiio, prévio pronunciamento do Tri-
bunal Maritimo ....................................... 637
- atos do Poder Publico, exclusao do mandado de segu-
rança ................................................. 637
- disposiçiio das terras da Fazenda Nacional de Santa Cruz 638
666 CASTRO NUNES

Jurisdicionalizaçao - do Estado ........................... '" . 3


Jurisdiçoes arbitrais - formas de equivalência ................ 11
Jurisdiçoes especiais - previstas na Constituiçao ............. 84
- carâter judiciârio ...................................... 395
Jurisdiçoes extraordimirias - tribunais de exceçao ........... 85
Jurisdiçoes politicas - 0 Parlamento como ârbitro final da cons-
titucionalidade das leis ............................... 36
- 0 Conselho Federal como tribunal de impeachment .... 40
- 0 Conselho Federal com jurisdiçao de politica tributâr~a 42
Jurisprudência - local, federal - regra de observância recipro-
ca, em que têrmos deve ser entendida ................ 539
- colaboraçao supletiva dos tribunais, exame do assunto à
luz dos nossos textos .................................. 647
Justiça - carâter nacional ................................. 77
- funç6es complement ares .............................. 579
- administrativa, instituiçao e jurisdiçao ................ 6
- federal - extinçao, providências complement ares ..... 78
- do Distrito Federal, em que sentido é local............ 473
- local e justiça comum - equivalência, exceçao ........ 473
Justiça militar - carâter judiciârio .......................... 395
- razao de ser da justiça militar ....................... 398
- organizaçao .- garantias de funçao .................... 400
- jurisdiçao e competência .............................. 402
- delitos militares - modalidades - cri té rio legislativo .. 404
- extensao do fôro militar aos civis ..................... 411
- Supremo Tribunal Militar - competência originâria -
articulaçao com 0 Supremo Tribunal Federal ......... 415
- 0 habeas-corpus na jurisdiçao militar ................. 416
- policias militarizadas - podem os Estados instituir ju-
risdiçao militar? ..................................... 417
- esta do de guerra ...................................... 426
- justiça militar de guerra ............................. 429
- penas disciplinares - pena de morte ................. 430
- consequéncias da condenaçao - perda de pôsto e pa-
tente - cumprimento da pena ....................... 431
Justiça do trabalho - carâter judiciârio ..................... 12
- criaçao - juntas do Govêrno Provis6rio ............... 446
- na Constituiçao de 34 ................................ 447
- caracteristicas da jurisdiçao ........................... 447
- no direito comparado ................................. 452
- na Constituiçao atual ................................. 454
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO - iNDICE ALFABÉTICO 667

- posiçao no mecanismo judiciario ...................... 456


- competência - direito comum subsidiario ............. 457
- execuçao das decisôes da justiça trabalhista - a contro-
vérsia sôbre a conclusividade das proferidas pelas anti-
gas juntas ............................................ 459
Justiças especiais - e justiças ordinarias ..................... 79
- nas anteriores Constituiçôes brasileiras - juizes priva-
tivos .................................................. 81
- na atual Constituiçao ................................. 84
..
- da Uniao, articulaçao com 0 Supremo Tribunal Federal
- carater judiciario .....................................
208
395
- justiça militar ........................................ 398
- Tribunal de Segurança Nacional ..... ; ..... ,.......... 434
- justiça do trabalho ................................... 446
Justiças honorarias - juizes de paz .......................... 511
- jun ..................................... 513, 515, 519, 520
- juri de imprensa ...................................... 529
Justiças locais - articulaçao com 0 Supremo Tribunal Federal 208
- conceito .............................................. 326
- a orgânica judiciaria e as restriçôes constitucionais . 465 468
- carater nacional - antecedentes - as justiças locais e
o Distrito Federal ..................................... 465
- eletividade da magistratura ........................... 469
- organizaçao e divisao judiciaria, em que consistem .... 471
- organizaçao judiciaria do Distrito Federal e dos Terri-
torios ................................................. 472
- em que sentido é local a justiça do Distrito Federal... 473
- equiparaçao do Distrito Federal a Estado como circuns-
criçao judiciaria ...................................... 477
- jurisdiçao comum, 0 que compreende ................. 478
.- das garantias da funçao na orbita local ............... 480
- garantias gerais ou comuns - peculiaridades concer-
nentes às justiças locais - vitaliciedade .............. 480
- inamovibilidade - mudança da sede do juizo - remoçao
por determinaçao do Tribunal superior ............... 480
- irredutibilidade dos vencimentos ...................... 483
- fôro privilegiado ...................................... 484
- aposentadoria por idade - inaplicabilidade da lei n. 583
aos magistrados estaduais ............................. 486
- das garantias funcionais peculiares às justiças locais,
o direito à carreira .................................... 487
- investi dura nos primeiros graus (inciso a) ..........• 487
- investi dura nos graus superiores (inciso b) •....•..•... 488
668 CASTRO NUNES

- fixaçao de vencimentos (inciso d) ...•................• 489


- a questao dos desembargadores do Distrito Federal .... 491
- mecanismo jUdiciario local ........................... 496
- garantias orgânicas aplicaveis às justiças locais ....... 496
- duplo grau de jurisdiçao ............................... 497
- 6rgaos e aparelhos - nomenclatura .................. 498
- tribunais de apelaçao - competência originaria - inal-
terabilidade do numero de seus juizes - se de .......... 499
- tribunais de apelaçao - composiçao - 0 quinto reser-
va do a elementos estranhos à carreira ................. 501
- magistrados, quem sao - juizes de direito, juizes tempo-
rarios - alçada ....................................... 502
- juizos privativos ...................................... 505
- as causas da Uniao na primeira instância local - causas
fisc ais ................................................. 507
- coordenaçao e outros aspectos .................. ...... 533
- normas de coordenaçao entre os 6rgaos judiciarios fe-
derais e locais - precat6rias e avocat6rias ............. 535
- jurisprudência local - jurisprudência federal - a regra
da observância reciproca - em que têrmos deve ser
entendida ............................................. 539
- a extradiçao interestadual ............................. 542
- execuçao de sentenças dos Estados ..................... 549
- intervençao reclamada para assegurar 0 cumprimento
de decisâo administrativa dos tribun ais de apelaçao ., 553
- sentenças condenat6rias da Fazenda Publica estadual ou
municipal ............................................. 555

L
Legislaçao - sôbre 0 juri, competência da Uniao examinada no
Supremo Tribunal Federal ............................ 519
Lei - declaraçao de inconstitucionalidade, requisitos ......... 36
- conflito com preceito constitucional, prevalência ....... 38
- estrangeira, competente para a espécie, equiparaçao a
lei federal para efeitos do recurso extraordinario ....... 321
- federal, 0 que por tal se entende para os efeitos do re-
curso extraordinario - Constituiçao, leis ordinarias,
regulamentos ......................................... 319
- federal, vigência ou validade para efeito do recurso ex-
traordinario ........................................... 362
- federal, divergência de interpretaçao para efeito do re-
curso extraordinario ................................... 377
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO - iNDICE ALFABÉTICO 669

Leis - 0 poder de declarar a sua inconstitucionalidade ........ . 581


- 0 p,9der de declarar a sua inconstitucionalidade na
Constituiçao americana e na brasileira de 91 ........ . 583
- 0 poder de declarar a sua inconstitucionalidade na Cons-
tituiçao atual ........................................ . 584
- origem e técnica da declaraçao de inconstitucionalidade

586
- regras da presunçao da constitucionalidade ........ 589, 600
- decis6es sôbre a constitucionalidade, autoridade final .. 592
- declaraçao de inconstitucionalidade e a mentalidade ju-
J diciaria - exame do assunto na atualidade norte-ame-
ricana ............................................... . 594
- quorum para a declaraçao da inconstitucionalidade ... . 599
- anteriores à Constituiçao, quando com esta incompati-
veis, declaraçao de inconstitucionalidade ou revogaçao . 600
- concernentes ao Distrito Federal e Territ6rios ........ . 369
- e regulamentos, aplicaçao contenciosa ................ . 16
- orgânicas do Distrito Federal e dos Territ6rios, leis locais
para 0 efeito do recurso extraordinario ............... . 320
- de processo, carater federal para 0 efeito do recurso ex-
traordinario .......................................... . 320
- ou atos dos governos locais para 0 efeito do recurso ex-
traordinario .......................................... . 367
Licença - competência dos tribunais para a sua concessao .. . 117
Litigios - entre naç6es estrangeiras e a Uniao e os Estados,
competência para 0 julgamento .................... . 226

Magistrado - quem é - juizes de direito, juizes temporarios,


alçada . ............................................... 502
- quadro geral das garantias ........................... 91
- as três garantias fundamentais - a clausula "salvas as
"restriç6es express as na Constituiçao" ................ 93
- a vitaliciedade no conceito doutrinario da inamovibili-
da de - vitaliciedade e pel'petuidade .................. 94
- a vitaliciedade e inamovibilidade nas antigas Constitui-
ç6es brasileiras ....................................... 95
- a vitaliciedade na Constituiçao atual - conceito e res-
triç6es ................................................ 97
_ inamovibilidade, conceito - as restriç6es constitucionais 100
- a irredutibilidade dos vencimentos judiciais na Consti-
tuiçao de 91 .......................................... 102
- 0 principio da irredutibilidade e os impostos gerais -
a questao do ministro GEMINIANO DA FRANCA ............ 103
670 CASTRO NUNES

- OS têrmos da irredutibilidade nas Constituiçoes de 34 e 37 107


- vencimentos irredutiveis sedi.o somente os da magis-
tratura? .............................................. 108
- direitos, deveres, proibiçoes ............................ 120
- posiçao do juiz no enquadramento da funçao publica 120
- exame do assunto no direito publico brasileiro ......... 125
- aplicabilidade do Estatuto à magistratura - têrmos em
que deve ser entendida ................................ 126
- garantias da funçao judicial e direitos correlatos ...... 129
- exoneraçao a pedido .......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
- disponibilidade ........................................ 129
- aposentadoria compuls6ria e voluntaria ............... 129
- vencimentos da inatividade ........................... 130
- a compu1s6ria por idade - em que momento se entende
aposentado 0 juiz: ao completar 68 anos ou por efeito
da expediçao do decreto de aposentadoria? ............. 132
- invalidez em consequência de acidente no desempenho
da funçao - doença profissional ..................... 135
- a compuls6ria por aplicaçao do art. 177 .............. 137
- vencimentos da magistratura - cabe às câmaras le-
gislativas a iniciativa da majoraçao? ................. 145
- proibiçao de exercer outra funçao publica ............ 147
- outros deveres e proibiçoes ............................ 150
- das garantias da funçao judicial na orbita local..... . 480
- garantias gerais ou comuns - peculiaridades concer-
nentes às justiças locais - vitaliciedade ............... 480
- inamovibilidade - mudança de sede do jUlzo - remoçao
por determinaçao do Tribunal superior ............... 480
- irredutibilidade dos vencimentos ...................... 483
- fôro privilegiado ...................................... 484
- aposentadoria por idade - inaplicabilidade da lei n. 583
aos magistrados estaduais ............................. 486
- das garantias funcionais peculiares às justiças locais -
o direito à carreira ................................... 487
- investidura nos primeiros graus (inciso a) ............ 487
- investidura nos graus superiores (inciso b) ............ 488
- fixaçao de vencimentos (inciso d) .....•••..•.....•..•. 489
- a questao dos desembargadores do Distrito Federal .... 491
Mandado de segurança - na competência originaria .......... 253
- recurso da decisao final .............................. 297
- exclusao contra atos do poder Publieo ................. 637
Mccanismo judiciârio local ................................. 496
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICL\RIO - iNDICE ALFABÉTICO 671

l\finistério Publico - noçao .................................. 556


- na primeira Constituiçao republicana - a clausula
"enquanto bem servir" ............................... 557
- como orgao de cooperaçao ............................. 559
- federal, na Constituiçao de 91 ......................... 193
- federal, organizaçao atual ............................ 561
- federal e local - clausula de base .................... 556
- local, funçao .......................................... 563
IUinistros - diplomaticos, crimes comuns e de responsabilidade 219
- de Estado, crimes comuns e de responsabilidade ...... 217
- do Supremo Tribunal Federal - nfunero, fixaçao cons-
titucional, aumento ................................... 177
- nomeaçao, compromisso e tratamento ................ 179
- condiç6es para nomeaçao .............................. 181
- nomeaçao, requisitos de idade ........................ 183
- magistrado de categoria sui generis ................... 202
- restriçao às garantias de inamovibilidade .............. 184
- aposentadoria e montepio ............................. 202
- aplicaçao do impeachment ........................... 203
- crimes comUl1S e de responsabilidade, processo e julga-
mento ................................................. 217
- do Supremo Tribunal Militar - numero, fixaçao consti-
tucional ............................................... 400
- vitaliciedade e inamovibilidade ........................ 401
- escolha para presidente e vice-presidente do Tribunal .. 400
- crimes comuns e de responsabilidade .................. 223
- do Tribunal de Contas - garantias da funçao ....... 25, 223
- crimes comuns e de responsabilidade .................. 223
Moléstia profissional, invalidez do juiz, vencimentos .... ~~ . . . . 135
Montepio dos ministros do Supremo Tribunal Federal 202

N
Nomeaçao - de ministro do Supremo Tribunal Federal, com-
promisso e tratamento ................................ 162
- requisitos de idade .................................... 183
- de ministro do Supremo Tribunal Militar .............. 400
Normas - de coordenaçao entre os 6rgaos judiciarios federais
e locais ............................................... 535
Numero - de ministros do Supremo Tribunal Federal, fixaçao
constitucional, aumento ............................... 169
672 CASTRO NUNES

T 'L:~OC' 0
Organizaçao - nos tribunais - das secretarias, cart6rios'e ser-
viços auxiliares, em que consiste ...................... 113
-:- do Supremo Tribunal Federal ........... . . . . . . . . . . . . . . . 176
- da justiça militar ............................. ,....... 400
- e divisao judiciaria das justiças locais, em que consistem 471
- judiciaria do Distrito Federal e dos Territ6rios ..... ,. 472
- judiciaria - justiças locais, 6rgaos e aparelhos, nomen-
clatura ................................. ,.............. 498
- do Poder Judiciario, carater das jurisdiçoes especiais '.. 395
orgaos - judiciarios federais e locais, normas de coordenaçâo
- precat6rias e avocat6rias . .... ......... .... ........ 535
- judiciarios locais, orgânica judiciaria e as restriç6es cons-
titucionais ............................................ 465
- da justiça publica, v. Ministério publico.
p
Parlamento -'declaraçao de inconstitucionalidade de lei - al-
çada . ................................................ 36
Partilha jurisdicional - na Constituiçâo atual - coma deve ser
entendido 0 art. 107 .................................. 76
Pena - disciplinar, aplicaçao, poder jurisdicional ............ 11
- de morte ...............................•............. 430
Penas - militares, consequências da condenaçao - perda de
pôsto e patente - cumprimento da pena .............. 431
Percentagem - em favor dos juizes, proibiçâo ................. 150
Perpetuidade e vitaliciedade dos magistrados, doutrina ....... 94
Poder - discricionario - legitimidade dos fins ou dos motivos
do ato coma critério de aferiçâo da legalidade ......... 618'
- discricionario, seus limites ............................ 610
- discricionario - hip6teses da Constituiçâo ............ 631
Poder Executivo - primado .................................. 69
- e Chefe do Estado, conceito nos regimes autoritarios ... 69
Poder Judiciario - e as decisoes do Tribun~.l de Contas... ... 22
- 0 Judiciario como poder do Estado ................... 47
- funçao de julgar, suas origens hist6ricas - coma se se-
parou do poder da Coroa ............................. 47
- 0 principio dos poderes separados, coma deve ser enten-
dido .................................................. 50
- 0 principio dos poderes separados e 0 direito de graça 51
TEORIA E PRATICA DO PODER JUnIcrARIO - iNDICE ALFABÉTICO 673

- 0 Judiciârio coma ramo do l &ecutivo - teoria de


DUGUIT ••.•.•..•......... 52
- unificaçao processual .............................. : .. 53
- coma poder do Estado na teoria constitucional ....... . 55
- nas Constituiç6es da América ....................... . 56
- 0 dualismo judiciârio das antigas Constituiçiies ....... . 5B
- Poder Judiciârio da Uniao, instituiçao pelo Govêrno Pro-
visorio ............................................... . 59
- Poder Judiciârio da Uniao, no regime da Constituiç~o
~ de 91 ................................................. r 60
- Po der JUdiciârio, na Constituiçao de 34 .............. . 150
- 0 problema da lnstância intermediâria na jurisdiçao fe-
deral ................ ; ...............................•. 151
- a marcha para a unificaçao - antecedentes - formulas
de acomodaçao dos dois principios ................... . 151
- a unidade processual ...............................•• 66
- 0 Poder Judiciârio no atual regime ............... .68, 71
- 0 principio dos poderes separados, sua apresentaçao .. . 68
- primado do Executivo, 0 que exprime ................ . 69
- 0 Presidente da Repiiblica coma "autoridade sùprema do
"Estado" - sentido dessa alocuçao .................. . 70
- 0 mecanismo judiciârio - unificaçao pela estadualizaçao
- antecedentes ...................................... . 73
- lnstâncias intermediârias ............................ :. 75
- a partilha da jurisdiçao na Constituiçao atual - coma
deve ser entendido 0 art. 107 .......................... . 76
- carâter nacional da Justiça .......................... ;. '17
- extinçao da justiça federal - providências complemen-
tares ................................................. . 78
- ôrgaos do Poder Judiciârio ........................... . 79
- justiças ordinarias e jùstiças especiais ............... . 79
- justiças especiais nas anteriores Constituiç6es brasileiras
- juizos privativos ................................. ~ . 81
- a enumeraçao constitucional ......................... . 82
- as justiças especiais !la atual Constituiçao ........... . 84
- juizes e tribunais - orgaos singulares e coletivos .... . 84
- jurisdiç6es extraordinârias - tribunais de exceçao ... . 85
- das garantias da independência do Poder Judiciârio,
v. Magistrado.·
- autonomia interna dos trihllnais, v. Tribunais.
- posiçao do juiz no enquadramento da funçao piibIica,
v. Magistrado.
- das justiças especiais - carâter judiciârio 395
F. 43
674" CASTRO NUNES

- justiça militar, v. Justiça. militar.


- justiça especial, v. Tribunal de Segurauça.
- justiça do trabalho, v. Justiça do trabalho.
- funçoes doPoder Judicmrio .......................... 567
- direito à jurisdiçao .................................... 568
- conceito de jurisdiçao - jurisdiçao contenciosa ....... 569
- jurisdiçao penal - jurisdiçao civil ..................... 570
----
a jurisdiçao repressiva e 0 direito de graça ............. 571
- direito subjetivo - condiçôes de ingresso em juizo -
açaes populares ....................................... 572
- direitos publicos subjetivos ............................ 574
- as questôes administrativas na competência judiciaria 576
- jurisdiçao e execuçao .................................. 578
- funçaes complementares da Justiça .................. 579
- 0 poder de declarar a inconstitucionalidade das leis .... 581
- na Constituiçao americana e na brasileira de 91 ...... 583
- na Constituiçao atual ................................. 584
- âmbito da jurisdiçao constitucional - no direito ameri-
cano e no brasileiro ................................... 584
- origem e técnica da declaraçao de inconstitucionalidade 586
- a regra da presunçao da constttucionalidade .......... 589
- autoridade final das decisôes ......................... 592
- a declaraçao da inconstitucionalidade e a mentalidade
judiciaria- exame do assunto na atualidade norte-ame-
ricana........................... ...................... 594
- quorum para a declaraçao da inconstitucionalidade .... 599
- as leis anteriores à Constituiçao, quando com esta in-
compativeis, devem ser declaradas inconstitucionais, ou
apenas revogadas? .................................... 600
- restriçoes ao exercicio da jurisdiçao ................... 604
- as chamadas questôes politicas ........................ 604
- poder discricionario, se us limites ...................... 610
- do poder de policia .................................. 614
- legitimidade dos fins ou dos motivos do ato como cri té rio
de aferiçao da legalidade ............................. 618
- questôes politicas em face da Constituiçao brasileira .. 61~
- questôes de limites... .. . .. ..... ....................... 620
-' declaraçao da existência ou inexistência de bitributaçao 622
- vedaçao do exame judicial dos atos do Govêrno Provis6rio 623
-' poder discricionario - hip6teses da Constituiçao - atos
de execuçao do esta do de emergência e do estado de
guerra - suspensao do habeas-corpus, em que têrmos
deve ser entendida .................................... 631
- restriçôes estabelecidas por lei ordinaria - decisôes da
Câmara de Reajustamento - outras hip6teses ........ 634
l'EORIA E PRATICA DO PODER JUDICIÂRIO - iNDICE ALFABÉTICO 675

- funçao construtiva e supletiva, v. Tribunais.


Poder jurisdicional - unidade orgânica no Estado liberal ... . . . 5
Poder de policia ......................................... ...... 614
Policias militarizadas - podem os Estados instituir jurisdi-
çao militar? .......................................... 417
...--'-' -
Prazo - para interposiçao do recurso extraordinârio .......... 337
PrecatOrias - normas de coordenaçao entre os 6rgaos jUdicia-
,
rios federais e Ioeais .................................. 535
Preliminar - de recurso extraordinario, questao federaI, em
que consiste e 0 que compreende ...... 333,358,365,379, 383
Presidente da Republica - como autoridade suprema do Estado,
sentido dessa alocuçao ................................ 70
- 0 direito de graça .................................... 571
Presidente da Suprema Côrte - nos Estados Unidos ......... 162
Presidente do Supl'emo Tribunal Federal - eleiçao e nomeaçao 188
- atribuiç5es - requisiç5es de pagamento ............... 190
- eompetência para a coneessao do exequatur ........... 193
Presidente e vice-presidente do Supremo Tribunal Militar, es-
colha ................................................. 400
....-
Presidente do Tribunal de Segurança, designaçao ............. 438
Prescriçao - da açao penal, tomada de contas, suspensao ... 33
Processo - das causas da competência originâria do Supremo
Tribunal Federal ...........•.. ,....................... 277
- das aç5es civeis originârias ........................... 281
- do reeurso ordinârio .................................. 306
- do recurso extraordinârio ............................. 350
Procurador geral da Republica - 0 Ministério Publieo federai
na Constituiçao de 91 ................................. 193
- funçao consultiva . ................................... 194
- escolha no regime da Constituiçâo de 34 e da atual .... 195
- nos Estados Unidos ................................... 196
- crimes comuns e de responsabilidade, competência para
o processo e juigamento ........ :.. .... ............... 222
Procuradores regionais, v. Ministério Publico federal.
Procuradores seccionais - vitaliciedade, sentido da clâusula
"enquanto bem servir" ................................ 557
Promoçao - de juizes Ioeais ................................. 488
6'16 CASTRO NUNES

Q
Questao federal, em que consiste e 0 que compreende para efei-
to do recurso extraordinario ......... 333, 358, 365, 379, 383
Questôes - administrativas, competência judiciâria ........... 576
- de limites entre Estados ............................. 620
- politicas, restriçoes ao exercicio da jurisdiçao ......... 604
- politicas, em face da Constituiçao brasileira ........... 619
- politicas, atos do Govêrno Provis6rio, vedaçao do exame
judicial ................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... 623
Quitaçao - declarada pelo Tribunal de Contas, efeitos 35

R
Recurso - administrativo, carater hierarquico ................ 18
- de cassaçao, pontos de contacto com 0 recurso extraordi-
nario .................................................. 310
- competência do recurso ordinario ................ :.... 281
- a competência de apelaçao da Suprema Côrte nos Es-
tados Unidos e na Argentina ........................ 287
- a competência do recurso ordinârio nas anteriores Cons-
tituiçoes brasileiras ................................... 288
- no texto atual ........................................ 290
- causas da Uniao - 0 recurso para 0 Supremo Tribunal
Federal ............................................... 291
- carater federal da jurisdiçao dos feitos nas causas da
Uniao ................................................. 292
- interêsse da Unlao - causas das autarquias federais. 292
- vias de recurso cabiveis na competência do recurso or-
dinario - recurso de revista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293
- do recurso da decisao final no mandado de segurança. 297
- recurso cias decisoes denegat6rias de habeas-corpus -
exame do assunto em face do texto de 91 ............. 298
- no texto de 34 e no atual ............................. 304
- processamento ......................................... 306
Recurso extraordinario - razao de ser do recurso ............. 309
- e recursos similares ................................... 310
- nos Estados Unidos e na Republica Argentina ......... 312
- nas anteriores Constit.uiçoes e na atual - denominaçao 314
- funçao ............................................ 317, 360
- lei federal, 0 que por tal se entende para efeitos do
recurso - Constituiçao, leis ordinarias, regulamentos .. 319
- a lei estrangei'ra, competente para a espécie, equipara-
da a lei federal para efeito do recurso ................. 321
l'EORIA E PRATICA DO PODER JUDICIAIuO - ÏNnICE ALFABÉTICO 677

- hipoteses do recurso fundado diretamente na Consti-


tuiçao ................................................ 322
- causas decididas pelas justiças locais em linica e ultima
instância .............................................. 326
- quais os orgaos judiciarios cujas decis6es sac recorriveis 329
- de decis6es emanadas das instâncias administrativa~. 327
- de despacho dos presidentes dos tribunais de apelaçao 329
- sentido da palavra "causa" - extensao que pOde com-
portar ................................................ 329
- decis6es em (mica e Ultima instância ................. 330
- , questao federal, em que consiste e 0 que compre-
ende ................................. 333, 358, 365, 379, 383
- âmbito do recurso .................................... 334
- restriçao à questao federal controvertida .............. 334
- indole civil ...................... :.................... 335
- a denominaçao "criminal" naD afeta a indole civil do
recurso ................................................ 335
- quem pode recorrer ................................... 336
- prazo para interposiçao ............................... 337
- prazo para interposiçao, uso de recurso incabivel, duvi-
das relativas ao recurso de revista .................... 338
- contagem de prazo para interposiçao ................ 338
- uso simultâneo do recurso de revista .................. 339
- de decisao que naD admitiu a revista - exame da
questao federal ........................................ 340
- de decisao que naD admitiu recurso por incabivel, prazo
de interposiçao ........................................ 340
- fundamento - aditamento - denegaçao ............. 345
- de decisao concessiva de habeas-corpus ............... 347
- processo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 350
- juntada de documentos ............................... 350
- execuçao do acordao ................................. 351
- 0 caso da let ra a da Constituiçao de 91 ................ 353
- 0 caso da letra a, desdobramento nos textos constitu-
clonais posteriores ..................................... 355
- decisao contra a letra da lei .......................... 356
- vigência ou validade da lei (inciso b) - hipoteses de vi-
gência ................................................ 362
- âmbito do recurso na hip6tese da letra d .............. 363
- leis ou atos dos governos locais (inciso c) ............ 367
- carater federal ou local das leis concem.entes ao Dis-
trito Federal e aos Territ6rios ......................... 369
- decis6es divergentes na interpretaçao da lei federal (in-
ciso d) ............................................... 377
678 CASTRO NUNES

- requisitos a que esta condicionada a admissâo do re-


curso ................................................. 378
- âmbito do recurso na hip6tese da letra à .............. 383
- a qualificaçâo legal dos fatos ......................... 383
- interposiçâo de oficio ................................. 385
- 0 recurso como instrumento de fixaçâo jurisprudencial 389
-- uniformizaçâo da jurisprudência no entendimento do di-
reito federal, observância das justiças locais .......... 539
- funçâo da jurisprudência, colaboraçâo suplet6ria dos tri-
bunais, exame à luz dos nossos textos ................. 647
Recurso de revista - no Supremo Tribunal Federal ., ........ ~ . 295
- julgado incabivel, prazo para interposiçâo do recurso
extraordimirio ........................................ 338
Reforma de civis e militares - ato discricionario, apreciaçâo
judicial ............................................... 634
Regimento Interno - dos tribunais - competência para a con-
cessâo de licença ..................................... 117
Remoçao - dos juizes locais .... , .... ..... . ................. 480
Requisiçoes - de pagamento - atribuiçôes do presidente do
Supremo Tribunal Federal ............................. 190
Residência - do juiz - fora da se de do juizo, proibiçâo ...... 150
Responsabilidade - dos ministros do Supremo Tribunal Fe-
deral, processo e julgamento .......................... 203
Revisao criminal - competência para 0 julgamento ......... 211
- competência originaria remanescente .................. 265
- requisitos ............................................. 269
- indenizaçâo consequente ao provimento ............... 273
Revista - no Supremo Tribunal Federal ..................... 295
- e recurso extraordinario 260

s
8ede - do Supremo Tribunal Federal 183
8entença estrangeira - competência para a homologaçâo .... 238
- controvérsia sôbre 0 fundamento da competência origi-
naria para a homologaçâo ............................ 241
- homologaçao - ato jurisdicional, execuçâo ........... 243
- homologaçâo - inadmissibilidade da açao recis6ria .... 257
- homologada - onde se executa 282
- homolngada - execuçao ...... ,....................... 283
TEORIA E PRATICA DO PODER JunIC:WUO - iNDICE ALFABÉTICO 679

Sentenças - judiciârias - dever do juiz em fundamenta-Ias 136


- jUdiciarias, condenaçao da Fazenda Federal - requisi-
ç6es de pagamento, atribuiç6es da presidência do Su-
premo Tribunal Federal .............................. . 190
- criminais - inadmissibilidade da açâo recisoria ...... . 257
- federais e locais ..................................... . 549
- dos Estados, execuçao ................................ . 551
- condenatorias da Fazenda Publica estadual ou muni-
cipal, execuçao ....................................... . 555
- judiciarias - jurisdiçao e execuçao ................... . 578
~ t uarlOs
S erven ' . - d e ·JUSt·lça, 1·lcença ......................... . 117
Semços - auxiliares dos tribunais - carater administrativo 116
Suprema Côrte - nos Estados Unidos ...................... . 157
- nos Estados Unidos e na Argentina, competência de
apelaçao ............................................. . 287
Supremo Tribunal Federal - nos Estados do tipo federal .... . 155
- as Supremas Côrtes coma orgaos de equilibrio entre os
poderes no mecanismo do Estado Federal ............ . 155
- a Suprema Côrte nos Estados Unidos ................ . 167
- a presidência da Suprema Côrte nos Estados Unidos .. . 162
- a Côrte Suprema na Republica Argen.tina e na Suiça . 164
- 0 Supremo Tribunal, sua criaçao na primeira Consti-
tuinte da Republica e sob a Constituiçao de 91 ........ . 166
- 0 Supremo Tribunal no atual regime - a palavra do
ministro da Justiça ................................. . 169
- clausulas orgânicas .................................. . 176
- textos constitucionais ......................... .- ...... . 176
- mudança de denominaçao para Côrte Suprema ...... . 176
- numero de ministros, fixaçao constitucional, aumento 177
- nomeaçao, compromisso, tratamento ................. . 179
- notavel saber juridico e reputaçao ilibada ............ . 181
- 0 requisito da idade para a nomeaçao de ministro .... ; 183
- sede ................................................. . 183
- a divisao em câmaras ou turmas ..................... . 184
- a presidência . . ...................................... . 188
- atribuiç6es da presidência (requisiçoes de pagamento e
a concessao de exequatur) ............................ . 190
- Procuradoria GeraI da Repùblica - 0 Ministério Publir:o
federal na Constituiçao de 91 ......................... . 193
- funçao consultiva do procurador geral da Republica .. 194
- na Constituiçâo de 34 e na atual - a escolha do pro-
curador geral da Republica fora do Tribunal .......... . 195
- 0 procurador geral nos Estados Uni dos .............. . 196
680 CASTRO NUNES

- posiçao do Supremo Tribunal no mecanismo judicilirio


(quadro geral de atribniçoes) ......................... 198
- funçoes - como as exerce - nao é 6rgao consultivo .. 198
- posiçao dêste no mecanismo jUdiciario ............... .
- as garantias da funçao - disposiçoes peculiares ...... 202
- aposentadoria e montepio ............................. 202
- 0 impeachment aplicado aos ministros ............... 203
- articulaçao do Tribunal com as justiças especiais da
Uniao ................................................ 208
- articulaçao com as justiças locais .................... 208
- quadro geral da competência do Tribunal ............ " 210
- atribuiçoes administrativas ............................ 211
- causas da competência originaria ..................... 213
- a competência originaria no texto de 91 examinado em
comparaçao com 0 americano e 0 argentino ........... 213
- no texto atual ........................................ 216
- ministros do Supremo Tribunal (inciso a) ............ 217
- ministros de Estado (inciso b) ........................ 217
- embaixadores e ministros diplomaticos ............... 219
- outras autoridades de que cogita 0 inciso ............. 222
- causas e conflitos entre a Uniao e os Estados ou entre
estes (inciso c) ...................................... 224
- litigios entre naçoes estrangeiras e a Uniao ou os Es-
tados (inciso d) ...................................... 226
- conflitos de jurisdiçao (inciso e) e de "atribuiçao" .... 228
- avocat6ria para restabelecer a jurisdiçao do Tribunal.. 233
- conflitos entre autoridades judiciarias e administrativas 235
- extradiçao e homologaçao (inciso 1> ................... 238
- extradiçao ............................................ 238
- a controvérsia sôbre 0 fundamento da competência ori-
ginaria para as homologaçoes ......................... 241
- sentenças estrangeiras - homologaçao ............... 243
- 0 habeas-corpus na competência originaria (inciso g) .. 24'7
- 0 mandado de segurança na competência originaria .. 253
- açao recis6ria ......................................... 256
-:- açâo recis6ria de julgado proferido em recurso extra-
ordinario ............................................. 256
- embargos remetidos ................. :................. 263
- revisâo dos proc';!ssos penais - competência originaria
remanèscente ......................................... 265
- indenizaçâo consequente ao provimento - competência 273
- processamento das causas da competência originaria. 277
- execuçao das sentenças proferidas nas causas da compe-
tência originaria ...................................... 282
- sentença estrangeira - onde se executa ................ 282
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrARIO -- ÎNDICE ALFABÉTICO 681

- competêneia do recurso ordinario, v. Recurso.


- competência do recurso extraordinario, v. Recurso ex-
traordinârio.
- execuçao dos acordaos proferidos em recurso extraordi-
nario ................................................. 351
-- articulaçao corn 0 Tribunal de Segurança -- habeas-
-corpus e conflitos de jurisdiçao ....................... 440
- coordenaçao entre os orgaos judiciarios federais e locais
-- precatorias e avocatorias ........................... 535
-- jurisprudência federal -- jurisprudência local-,- a regra
• da obs~rvância reciproca -- em que têrmos deve ser
entendida ............................................. 539
-- declaraçao da inconstitucionalidade das leis, quorum " 599
Supremo Tribunal MiIitar - e 0 Tribunal de Segurança -- con-
flitos de jurisdiçao ................................... 231
- jurisdiçao e sede ...................................... 400
- nomeaçao e n'limero de ministros .................... 400
- competência originaria -- articulaçao com 0 Supremo
Tribunal' Federal ..................................... 415
- atribuiçao para julgamento èe habeas-corpus ......... 416

T
Terceiro prejudicado - direito ao recurso extraordinario 336
Têrmo - de apelaçao das decisoes do juri ................... 528
Territ6rios -- federais -- carater das leis orgânicas .......... 369
Textos - constitucionais -- referentes à composiçao do Su-
premo Tribunal Federal .............................. 176
Tratados - equiparaçao às leis nacionais .................... 320
Tribunal administrativo -- funçao judicante ................. 6
-- jurisdiçao -- recurso ................................. 10
Tribunal de Apelaçao - competência originaria -- inalterabi-
lidade do numero de seus juizes -- sede ................ 499
-- composiçao -- 0 quinto reservado a elementos estranhos
à carreira ............................................ 501
-- julgamento por livre convicçao sôbre as decisoes do juri 520
-- decisao adrninistrativa -- intervençao no Estado para
assegurar 0 seu cumprimento ......................... 553
-,... a orgânica judiciaria e as restriçoes constitucionais, v.
Justiças locais.
Tribunal de Contas -- jurisdiçao contenciosa na toma da de
contas dos responsaveis para corn a Fazenda Publica .. 22
-- jurisdiçao contenciosa ................................ 23
682 CASTRO NUNES

- carater judiciario da funçao ......................... 23


- como orgao judiciario ................................ 23
- jurisdiçao administrativa - dita judiciaria ............ 24
- jurisdiçao admin~strativa ............... :.............. 25
- atribuiçao "politica" .................................. 26
- jurisdiçao de contas. . ..... ....... ................ ..... 26
- em que têrmos deve ser entendida a jurisdiçao de contas 28
- em face da coisa julgada - pronunciamento do Judi-
ciario ......................................... :....... 34
- conflito de atribuiçôes' . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 237
Tribunal do Juri - competência ........................... ~. 526
- composiçao e presidência ............................. 526
- apelaçao ex-officia das suas decisôes .................. 528
- apelaçao pela auxiliar de acusaçao ................... 528
Tribunal Maritimo Administrativo - jurisdiçao ............... 12
- conflito de atribuiçôes ................................ 237
- acidentes de navegaçao - pronunciamento prévio .. , 637
Tribunal de Segurança - e 0 Supremo Tribunal Militar - con-
flito de jurisdiçao .................................... 231
- instância militar especial ............................. 411
- justiça especial como justiça de defesa do Estado - an-
tecedentes - sua criaçao ............................ 434
- justiça especial, suas caracteristicas .................. 436
- como orgao da justiça especial - organizaçao ......... 437
- sede e jurisdiçao ........................ '.' .. " ....... 437
- competência ........................................... 438
- articulaçao cam 0 Supremo Tribunal Federal - habeas-
-C01'pUS e conflito de jurisdiçao ....................... 440
- no esta do de guerra .................................. 443
Tnbunais - autonomia interna ............................. 111
- garantia de autonomia interna nas Constituiçôes ante-
riores e na atual ..................................... 112
- poder de "nomear" nas antigas Constituiçôes ......... 114
- no pOder de "organizar" se incluira 0 de "nomear"? 115
- carater administrativo dos serviços auxiliares ......... 116
- funçao construtiva e supletiva ....................... 643
- funçao da jurisprudência nas tendências contemporâneas 64.5
- funçao da jurisprudência - colaboraç~o supletoria -
exame à luz dos nossos textos ........................ 647
- e juizes - 6rgaos singulares e coletivos ............... 84
- de circuito - instâncias intermediarias ............... 75
- locais - garantias orgânicas aplicaveis .............. 496
- regionais ou de circuito - instância intermediaria na
jurisdiçao federal ...................................... 61
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICrAJuO - iNDICE ALFABÉTICO 683

- de exeeçao - jurisdiç6es extraordinârias 85


Tribunais locais, v. Justiças locais.
Turmas - divisao do Supremo Tribunal Federal 184

u
Unidade proeessual ......................................... 66
Unificaçao ":"'"" do meeanismo judieiâ,rio pela estadualizaçao _
anteeedentes ,......................................... 61
• v
Vencimentos - judieiais na Constituiçao de 91 - irredutibi-
lidade ................................................. 102
- dos magistrados - os têrmos da irredutibilidade nas
Constituiçoes de 34 e 37 ............................. 107
- irred.utiveis serao somente os da magistratura? ...... 108
- inatividade do juiz .................................... 130
- do juiz, em easo de aeidente no desempenho da funçao
- doença profissional ................................. 136
- do juiz, por aposentadoria eompu1s6ria do art. 177 ... 137
- da magistratura - eabe às eâmaras Iegislativas a ini-
ciativa da majoraçao? ............................... 145
- dos juizes Ioeals, irredutibilidade ..................... 483
- dos juizes Ioeais, fixaçao .............................. 489
- a questao dos desembargadores do Distrito Federal .... 491
- judieiais - impostos gerais - prineipio da irredutibi-
lidade - a questao do ministro GEMINIANO DA FRANCA •• 103
- impostos gerais - os têrmos da irredutibilidade nas
Constituiçoes de 34 e 37 .............................. 107
Vias - judieiarias - eoneentraçao jurisdieional no Estado li-
beral .................................................. 5
Vigência ou validade de lei - para efeito do reeurso extraor-
dinario ............................................... 362
Vitaliciedade - inamovibilidade e irredutibilidade dos venei-
mentos dos magistrados .............................. 93
- no eoneeito doutrinario da inamovibilidade - vitalieie-
dade e perpetuidade .................................. 94
- e inamovibilidade nas antigas Constituiçoes brasileiras 95
- na Constituiçao atual - eoneeito e restriçoes ......... 97
- dos ministros do Supremo Tribunal Federal ........... 401
- dos juizes militares .................................. 401
- dos juizes loeais ...................................... 480
,
INDICE GERAL
iNDICE GERAL

J
INTRODUÇAO

CAPlTULO 1
Da jurisdiçao, conceito e dijusâo no Eslado moderno

1 - Jurisdiçao, conceito. Define-se por uma concepçao ma-


terial do ato jurisdicional. Sua difusao no organismo do
Estado. 2 - 0 Estado liberal e a concentraçao jurisdi-
cionai nas vias judiciarias. 3 - Jurisdiçao administra-
tiva. Vistas doutrinarias. 4 - Desenvolvimento das
instâncias administrativas no Estado contemporâneo.
CorreIaçao com 0 desenvolvimento do poder regulamen-
taro 0 fenômeno na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Outros aspectos. 5 - Equivalentes jurisdicionais e ju-
risdiç6es arbitrais, em forma convencional ou legal. Ju-
risdiç6es coextensivas do poder normativo conferido aos ,
departamentos autônomos da publica administraçao.
Outras formas de jurisdiçao '......................... 3

CAPlTULO II
Desenvolvimento das instâncias administrativas entre n6s

1- Contencioso administrativo. Antecedentes do Império.


2 - As questoes administrativas na competência judi-
ciâria. 0 sistema adotado com a Republica. 3 - A apli-
caçao contenciosa da lei como jurisdiçao résiduâria das
administraç6es. A exageraçao de um principio verda-
deiro. 4 - 0 desenvolvimento das instàncias adminis-
trativas entre nos. 5 - 0 D.A.S.P. como instrumento
da açao administrativa do Presidente da Republica.
6 - Podem os Estados instituir jurisdiçôes administra-
tivas? . ............................................... 14
688 CASTRO NUNES

CAPiTULO III

o Tribunal de Contas como jurisdiçiio contenciosa na tomada


de contas dos responsaveis para com a Fazenda Publica
1 - As decisôes do Tribunal de Contas e 0 Poder Judiciario.
2 - Sera 0 Tribunal de Contas 6rgao judiciario? 3 - Ju-
risdiçao de contas. 4 - Em que têrmos deve ser enten-
dida a jurisdiçao de contas .......... .......... ........ 22

CAPiTULO IV

Das jurisdiç6es politicas

1- 0 Parlamento coma arbitro final da constitucionalidade


das leis. 2 - 0 Conselho Federal coma tribunal de im-
peachment. 3 - 0 Conselho Federal como jurisdiçao de
politica tributaria ..................................... 36

TiTULO 1

Do PODER JUDICrA.RIO

CAPiTULO 1

o Judicicirio como poder do Estado


1- A funçao de julgar, suas origens hist6ricas. Como se
separou do poder da Coroa. 2 - 0 principio dos pode-
res separados. Como deve ser entendido. 3 - 0 prin-
cipio dos poderes separados e 0 direito de graça. 4 - 0
Judiciârio como ramo do Poder Executivo. Teoria de
DUGUIT. 5 - 0 Judiciârio coma poder do Estado na teo-
ria constitucional. 6 - 0 Poder Judiciario nas Consti-
tuiçôes da América .................................... 47

CAPiTULO II

o dualismo judicicirio das antigas Constituiç6es e a marcha


para a unificaçiio
1- 0 dualismo judiciario das antigas Constituiçôes. 2 - 0
problema da instância intermediâria na jurisdiçao fe-
deral. 3 - A marcha para a unificaçao. Antecedentes.
F6rmulas de acomodaçao dos dois principios. 4 - A uni-
dade processual ....................................... 58
TEORIA E PRÂTICA DO PODER JUDICIÂRIO - INDICE GERAL 689

CAPITULO III
o Poder Judiciétrio no atual regime
1- 0 principio dos poderes separados, sua apresentaçâo.
2 - Primado do Executivo, 0 que exprime. 3 - 0 Presi-
dente da Republica como "autoridade suprema do Es-
tado". Sentido dessa locuçâo. 4 - 0 Pod~r Judieiario
no atual regime. 5 - 0 mecanismo judieiario. Unifie a-
çâo pela estadualizaçâo. Antecedentes. 6 - A partilha
da jurisdiçâo na Constituiçâo atual. Como deve ser en-
i-pndido 0 art. 107. 7 - Carater nacionaI da Justiça.
8 - Extinçâo da justiça federal. Providêneias eomple-
mentares . ............................................ 68

CAPITULO IV
6rgiios do Po der Judiciario
1- Justiças ordinarias e justiças especiais. 2 - Justiças es-
peeiais nas anteriores Constituiç6es brasileiras. Juizos
privativos. 3 - A enumeraçâo eonstitueionaI. 4 - As
justiças especiais na atual Constituiçâo. 5 - Juizes e
tribunais. 6rgâos singulares e coletivos. 6 - Jurisdiçoes
extraordinarias. Tribunais de exeeçâo ................ n

TITULO I I
DAS GARANTIAS DA INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIARIO

CAPiTULO l
As três garantias jundamentais
1- Quadro geral das garanti as. 2 - As três garantias fun-
damentais. A elausula "salvas as restriç6es expressas na
Constituiçâo". 3 - A vitaliciedade no coneeito doutri-
nario da inamovibilidade. Vitaliciedade e perpetui-
dad~. 4 - A vitalieiedade e a inamovibilidade nas anti-
gas Constituiç6es brasileiras. 5 - A vitalieiedade na
Constituiçâo atual. Conceito e restriç6es. 6 - Inamo-
vibilidade, eonceito. As restriç6es eonstitueionais. ~­
A irredutibiIidade dos veneimentos judieiais na Consti-
tuiçâo de 91. 8 - 0 principio da irredutibiIidade e os
impostos gerais. A questâo do ministro GEMINIANO DA
FRANCA. 9 - Os têrmos da irredutibilidade nas Consti-
tuiç6es de 34 e 37. 10 - Vencimentos irredutiveis serâo
somente os da magistratura? .... .... ................. 91
F. 44-
690 CASTRO NUNES

CAPiTULO II
Autonomia interna dos tribunais

1- Autonomia interna dos tribunais. Hazao de ser da prer-


rogativa judiciaria. 2 - A garantia nas Constituiçoes
anteriores e na atual. 3 - "Organizar", em que consiste.
4 - 0 po der de "nomear" nas antigas Constituiçoes.
5 - No poder de "organizar" se incluira 0 de "nomear" ?
6 - Carater administrativo dos serviços auxiliares. 7 -
Hegimento Interno. Competência para licenciar ...... 111

CAPiTULO III
Posiçiio do juiz no enquadramento da junçiio pUblica
(Direitos, deveres, proibiçoes)
1 - Posiçao do juiz no enquadramento da funçao publica.
2 - Exame do assunto no direito publico brasileiro. 3 -
Aplicabilidade do Estatuto à magistratura. Têrmos em
que deve ser entendida. 4 - Garantias da funçao judi-
cial e direitos correlatos. 5 - Exoneraçao a pedido.
6 - Disponibilidade. 7 - Aposentadoria compulsoria· e
voluntaria. 8 - Vencimentos da inatividade. 9 - A
compulsoria por idade. Em que momento se entende
aposentado 0 juiz: ao completar 68 anos ou por efeito
da expediçao do decreto de aposentadoria? 10 - In-
validez em consequência de acidente no desempenho da
funçao. Doença pro fission al. 11 - A compulsoria por
aplicaçao do art. 177. 12 - Vencimentos da magistra-
tura. Cabe às câmaras legislativas a iniciativa da ma-
joraçao? 13 - Proibiçao de exercer outra funçao pu-
bllca. 14 - Outros deveres e proibiçôes . .............. 120

TiTULO III
Do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

CAPiTULO l
o Supremo Tribunal nos Estados de tipo jederal

1- As Côrtes Supremas como orgaos de equilibrio entre os


poderes no mecanlsmo do Estado Federal. 2 - A Supre-
ma Côrte nos Estados Unidos. 3 - A presidência da Su-
prema Côrte nos Estados Unidos. 4 - A Côrte Supre-
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO - iNDICE GERAL 691

ma na Republica Argentina e na Suiça. 5 - a Supre-


mo Tribunal, sua criaçao na primeira Constituinte da
Republica e sob a Constituiçao de 91. 6 - a Supre-
mo Tribunal no atual regime. A palavra do ministro
da Justiça . .......................................... 155

CAPiTULa II
Cldusulas orgânicas do Supremo Tribunal
1- Textos constitucionais. 2 - Numero de ministros, fixa-
;ao constitucional, aumento. 3 -Nomeaçao, compro-
misso, tratamento. 4 - Notavel saber juridico e repu-
tàçao ilibada. 5 - a requisito da idade. 6 - Sede do
Supremo Tribunal. 7 - A divisao do Supremo Tribunal
em câmaras ou turmas. 8 - A presidência do Supremo
Tribunal. 9 - Atribuiç6es da presidência (requisiç6es
de pagamentos, concessao de exequatur). 10 - Procura-
doria GeraI da Republica. a Ministério Publico federal
na Constituiçao de 91. 11 - Funçao consultiva do pro-
curador geral da Republica. 12 - Na Constituiçao de
34 e na atual. A escolha do procurador geral da Repu-
blica fora do Tribunal. 13 - a procurador geral nos
Estados Unidos . . .................................... , 176

CAPiTULa III
Posiçao do Supremo Tribunal no mecanismo judicidrio
(Quadro geral de atribuiç6es)
1- Funç6es do Supremo Tribunal. Como as exerce. Nao
é 6rgao consuItivo. 2 - Posiçao do Supremo Tribunal
no mecanismo judiciario. 3 -As garantias da funçao.
Disposiç6es peculiares ao Supremo Tribunal. 4 - Apo-
sentadoria e montepio. 5 - a impeachment aplicado
aos ministros' do Supremo Tribunal. 6 - Articu}açao do
Supremo Tribunal com as justiças especiais da Uniao.
7 - Articulaçao com as j ustiças locais. 8 - Quadro ge-
raI da competència do Supremo Tribunal. 9 -Atribui-
ç6es administrativas . ................................. 198

CAPÏTULa IV
Causas da competência Qriginaria
1- A competência originaria no texto de 91 examina do em
comparaçao com 0 americano e 0 argentino .. 2 - No
texto atual. 3 - Ministros do Supremo Tribunal (inciso
692 CASTRO NUNES

a). 4 - Ministros de Estado (inciso b). 5 - Embaixa-


dores e ministros diplomaticos. 6 - Outras autoridades
de que cogita 0 inciso. '7 - Causas e conflitos entre a
Uniao e os Estados ou entre estes (inciso c). 8 - Liti-
gios entre naçoes estrangeiras e a Uniao ou os Estados
(inciso d). 9 - Conflitos de jurisdiçao (inciso e) e de
"atribuiçao". 10 - Avocat6ria para restabelecer a juris-
diçao do Supremo Tribunal ........................... 213

CAP1TULO V
Causas da competência originaria
CContinuaçao)
1- Extradiçao e homologaçao (inciso f). 2 - Extradiçao.
3 - A controvérsia sôbre 0 fundamento da competência
originaria para as homologaçoes. 4 - Sentenças estran-
geiras. Homologaçao. 5 - 0 habeas-corpus na compe-
tência originaria (inciso g). 6 - 0 mandado de segu-
rança na competência originaria. 7 - Açao recis6ria
(II, 1). Açao recis6ria de julgado proferido em recurso
extraordinario. 8 - Embargos remetidos. 9 - Revisao
de processos penais. Competência originaria remanes-
cen.te. 10 - Indenizaçao consequente ao provimento da
revisao. Competência. 11 - Processamento das causas
da competência originaria. 12 - Execuçao das senten-
ças proferidas nas causas da competência originaria (in-
ciso h). Sentença estrangeira homologada, onde se
executa . 238

CAPîTULO VI
Competência de recurso ordinario
1- A competência de apelaçao da Suprema Côrte nos Esta-
dos Unidos. e na Argentina. 2 - A competência de re-
curso ordinario nas anteriores Constituiçoes brasileiras.
3 - No texto atual. 4 - Causas da Uniao. 0 recurso
para 0 Supremo Tribunal. 5 - Carater federal da juris-
diçao dos feitos nas causas da Uniao. 6 - Interêsse da
Uniao. Causas das autarquias federc.is. 7 - Vias de re-
curso cabiveis na competência de recurso ordinario.
Recurso de revista. 8 - Do recurso da decisao final no
mandado de segurança.. 9 - Recurso das decisoes de-
negat6rias de habeas-corpus. Exame do assunto em face
do texto de 91. 10 - No texto de 34 e no atual. 11-
Processamento . 287
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDIcmro - INDICE GERAL :693

TITULO IV
Do' RECURSO EXTRAORDINARIO

CAPITULO l
Do recurso extraordinario'
1- Razao de ser do recurso extraordinario. 2 - Recurso
extraordinario e recursos similares. 3 - 0 recurso ex-
traordinario nos Estados Unidos e na Republica Argen-
tina. 4 - 0 recurso extraordinario na3 anteriores Cons-
e tituiçôes e na atual. Denominaçao. 5 - Funçao do re-
curso extraordinario. 6 - Lei federal, 0 que por tal se
'Elntende para os efeitos do recurso extraordinario. Cons-
tituiçao, leis ordinarias, regulamentos. 7 - A lei estran-
gelra, competente para a espécie, equipara-se a lei fe-
deral. 8 - Hip6teses de recurso extraordinario fundado
diretamente na Constituiçao . ........................ 309

CAPiTULO II
Do recurso extraordinario
(Continuaçao)
1- Causas decididas pelas justiças Iocais em unica e' ultima
instância. 2 - Quais os orgaos jUdiciarios cUjas deci-
soes sac recorriveis. 3 - Sentido da palavra "causa".
Extensao que pode comportar. 4 - Decisôes "em unica
ou uitima instância". 5 - Questao federal, em que con-
siste e 0 que compreende. 6 - Ambito do recurso extra-
ordinario. 7 - indole civil do recurso· extraordinario.
8 - Quem pode recorrer. 9 - Prazo para interposiçao.
10 - Contagem do prazo. Uso de recurso local incabi-
vel. Diividas relativas aa recursa de revista. 11- Fun-
damento do recurso. Aditamento. Denegaçao. 12 -
Recurso extraordinario de decisao concessiva de habeas-
-corpus. 13 - Processo. 14 - Execuçao .............. 326

CAPiTULO III
Dos casos de recurso extraordinario
1- 0 casa da Ietra a na Constituiçao de 91. 2 - 0 desdo-
bramento nos textos posteriores. 3 - Decisao "contra a
letra". 4 - Vigência ou validade (inciso b). Hipoteses
de vigência. 5 - Leis ou atos dos governos Iocais (in-
ciso c). 6 - Serao Iocais ou federais as Ieis concernen-
tes ao Distrito Federal e aos Territorios? .............. 353
694 CASTRO NUNES

CAPiTULO IV
Dos cas os de recurso extraordincirio
(Continuaçao)
1- Decisôes divergentes na interpretaçao de lei federal (in-
ciso d). 2 - Requisitos a que esta condicionada a admis-
sao do recurso. 3 - Ambito do recurso na hip6tese da
letra d. 4 - A qualificaçao legal dos fatos. 5 - Inter-
posiçao de oficio. 6 - 0 recurso como instrumento de
fixaçao jurisprudencial . .............................. 377

TiTULO V
DAS JUSTIÇAS ESPECIAIS

CAPiTULO l

Carciter judicicirio das jurisdiç6es especiais 395

CAPiTULO II
Justiça militar
1- Razao de ser da justiça militar. 2 - Organizaçao da
justiça militar. Garantias de funçao. 3 - Jurisdiçao e
competência. 4 - Delitos militares. Modalidades. Cri-
tério legislativo. 5 - Extensao do fôro militar aos civis.
6 - 0 Supremo Tribunal Militar. Competência origi-
naria. Articulaçao com 0 Supremo Tribunal Federal.
7 - 0 habeas-corpus na jurisdiçao militar. 8 - Policias
militarizadas. Podem os Estados instituir jurisdiçao mi-
litar? 9 - Estado de guerra. 10 - Justiça militar de
guerra. 11- Penas militares. Pena de morte. 12 -
Consequênclas da condenaçao. Perda de pôsto e pa-
tente. Cumprimento da pena ......................... 398

CAPiTULO III
Justiça especial
(Tribunal de Segurança Nacional)
1- A justiça especial como justiça de defesa do Estado.
Antecedentes. A criaçao do Tribunal de Segurança Na-
clonaI. 2 - Da justiça especiaI. Suas caracteristicas.
3 - 0 Tribunal de Segurança como orgao da justiça espe-
TEORIA E PRA.TICA DO PODER JUDICrARIO - INDICE GERAL 695

cial. Organizaçao. 4 - Competência. Processamento.


5 - Articulaçao com 0 Supremo Tribunal Federal (ha-
beas-corpus e conflito de jurisdiçao). 6 - 0 Tribunal de
Segurança no estado de guerra ........•.............. 434

CAPITULO IV
Justiça do trabalho
1- Criaçao da justiça do trabalho entre nos. As juntas do
Govêrno Provisorio. 2 - A justiça do trabalho na Cons-
,tituiçao de 34. Caracteristicas da jurisdiçao. 3 - A
justiça do trabalho no direito comparado.· 4 - A justiça
tIo trabalho na Constituiçao atual. 5 - Posiçao da jus-
tiça do trabalho no mecanismo judiciario. 6 - Compe-
tência da justiça do trabalho. Direito comum subsi-
diario. 7 - Execuçao das decisoes da justiça trabalhista.
A controvérsia sôbre a conclusividade das proferidas
pelas antigas juntas .................................. 446

TiTULO VI
6RGAOS JUDICrARIOS LOCAIS

CAPiTULO l
A orgânica judicidria e as restriç6es constitucionais
1- Carater nacional das justiças Iocais. Antecedentes. As
justiças Iocais e 0 direito federal. 2 - A orgânica judi-
ciaria e as restriçoes constitucionais. 3 - Eletividade da
magistratura. 4 - Organizaçao e divisao judiciarias,em
que consistem. 5 - Organizaçao judiciaria do Distrito
Federal e dos Territorios. 6 - Em que sentido é local a
justiça do Distrito Federal. 7 - Equiparaçao do Distrito
Federal a Estado como circunscriçao judiciaria. 8-
Jurisdiçao comum, 0 que compreende ................. 465

CAPiTULO II
Das garantias da funçéio judicial na orbita local
1- Garantias gerais ou comuns. Peculiaridades coneer-
nentes às justiças Ioeais. Vitalieiedade. 2 - Inamovi-
bilidade. Mudança da sede do juizo. Remoçao por de-
terminaçao do Tribunal superior. 3 - Irredutibilidade
dos veneimentos. 4 - Fôro privilegiado. 5 - Aposenta-
doria POl' idade. Inaplieabilidade da lei n. 583 aos ma-
696 CASTRO NUNES

gistrados estaduais. 6 - Das garantias funcionais pe-


culiares às justiças locais. 0 direito à carreira. 7 - In-
vestidura nos primeiros graus (inciso a). 8 - Investi-
dura nos graus superiores (inciso b). 9 - Fixaçao de
vencimentos (inciso d). 10 - A questao dos desembar-
gadores do Distrito Federal ............................ 480

CAPITULO III
Mecanismo judiciârio local
1- Garantias orgânicas aplicaveis às justiças locais. 2 - ~
Duplo grau de jurisdiçao. 3 - 6rgaos e aparelhos. No-
menclatura. 4 - Tribunais de apelaçao. Competência"
originaria. Inalterabilidade do numero de seus juizes.
Sede. 5 - Tribunais de apelaçao. Composiçao. 0 quin-
to reservado a elementos estranhos à carreira. 6 - Ma-
gistrados, quem sao. Juizes de direito, juizes tempora-
rios. AIçada. 7 - Juizos privativos. 8 - As causas da
Uniao na primeira instância local. Causas fisc ais .... 496

CAPîTULO IV
Justiças honorârias
(Justiça de paz e juri)
1- Justiças honorarias. Juizes de paz. 2 - 0 juri Ras
Constituiçoes republicanas. 3 - 0 juri na sua atual or-
ganizaçao. 4 - A competência da Uniao para legfslar
sôbre 0 juri, examina da no Supremo Tribunal. 5 - Jul-
gamento por livre convicçao atribuido ao Tribunal de
Apelaçao. 6 - Outras hip6teses judiciarias decorrentes
da apIicaçao do dec.-Iei n. 167. 7 - Juri de imprensa 511

TtTULO VII
dRGAOS JUDICL\RIOS FEDERAIS E LOCAIS
(Coordenaçao e outros aspectos)
CAPtTULO l
Normas de coordenaçao
1- Normas de coordenaçao entre os 6rgaos judiciarios fe-
derais e locais. Precat6rias e avocat6rias. 2 - Juris-
prudência local. Jurisprudência federal. A regra da
observância reciproca. Em qm~ têrmos deve ser enten-
dida. 3 - Extradiçao interestadual .................. 535
TEORIA E PRATICA DO PODER JUDICIARIO - iNDICE GERAL 697

CAPtTULO II
Execuçao de sentenças, jederais e locais

1- Exeeuçao de sentenças federais. 2 - Exeeuçao de sen-


tenças dos Estados. 3 - Intervençao reelamada para
assegurar 0 eumprimento de deeisao administrativa de
Tribunal de Apelaçao. 4 - Sentenças eondenatorias da
Fazenda Publiea estadual ou municipal ............... 549

CAPtTULO III
Ministério Publico jederal e local
(Clausulas de base)
1- Ministério Publieo, noçao. 2 - 0 Ministério Publieo na
primeira Constituiçao republieana. A elausula "en-
quanto bem servir"~ 3 - 0 Ministério Publieo eomo
orgao de eooperaçao. 4 - Organizaçao atual do Minis-
té rio Publieo federal. 5 - Ministério Publieo local .... 556

TtTULO VIII
Do JUDICIARIO EM FUNÇAO

CAPtTULO l
Funç6es do Poder Judiciario

1- Funçao do Poder Judieiario. 2 - Direito à jurisdiçao.


3 - Coneeito de jurisdiçao. Jurisdiçao eonteneiosa. 4-
Jurisdiçao penal. Jurisdiçao civil. 5 - A jurisdiçao re-
pressiva e 0 direito de graça. 6 - Direito subjetivo.
Condiç6es de ingresso em juizo. Aç6es populares. 7-
Direitos public os sUbjetivos. 8 - As quest6es adminis-
trativas na eompetêneia judieiaria. 9 - Jurisdiçao e
exeeuçao. 10 - Funç6es eomplemfO!ntares da Justiça 567

CAPtTULO II
o poder de declarar a inconstitucionalidade' das lets
1- 0 poder de deelarar a ineonstitueionalidade das leis.
2 - Na Constituiçao amerieana e na brasileira de 91.
3 - Na Constituiçao atual. 4 - Ambito da jurisdiçao
eonstitueional. No direito amerieano e no brasileiro.
698 CASTRO NUNES

5 - Origem e técnica da declaraçao de inconstituciona-


lidade. 6 - A regra da presunçao da constitucionali-
dade. 7 - Autoridade' final das decisôes. 8 - A decla-
raçao da inconstitucionalidade e a mentalidade judicia-
ria. Exame do assunto na atualidade norte-americana.
9 - Quorum para a declaraçao da inconstitucionalidade.
10 - As leis anteriores à Constituiçao, quando com esta
incompativeis, devem ser declaradas inconstitucionais,
ou apenas revogadas? ................................ 581

CAPiTULO III
Restriç6es ao exercicio da jurisdiçéio
1- Restriçôes ao exercicio da jurisdiçao. 2 - As chama-
das "questôes politicas". 3 - Poder discricionario, seus
limites. 4 - Do poder de policia. 5 - Legitimidade dos
fins ou dos motivos do ato como critério de aferiçao da
legaliliade . . ......................................... . 604

CAPiTULO IV
Restriç6es ao exeroicio da jurisdiçéio
(Continuaçao)
1- Questôes politicas em face da Constituiçao brasileira.
A) Questôes de limites. B) Declaraçao da existência
ou inexistência de bitributaçao. C) Vedaçao do exame
jUdicial dos atos do Govêrno Provisorio. 2 - Poder dis-
CrlClOnarlO. Hipoteses da Constituiçao. Atos de exe-
cuçao do esta do de emergência e do estado de guerra.
Suspensao do habeas-corpus, em que têrmos deve ser en-
tendida. 3 - Aposentaçao e reforma forçada de civis
e militares. 4 - Restriçôes estabelecidas por lei ordina-
ria. Decisôes da Câmara de Reajustamento. Outras
hipoteses ............................................ . 619

CAPiTULO V
UPREMO TRIBUNAL FEDE"A~
Funçéio construtiva e supletiva dos tribunais
common Law e a equity no direito anglo-amerlcano.
"~~" Construction e interpretation, distinçao. 3 - Fun-
construtiva e supletiva dos tribunais. 4 - Funçao
jurisprudência nas tendências contemporâneas. 5-
assunto examinado à luz dos nossos textos ........... . 639

Imprensa Nacional - Rio de Janeiro - 1943

EXEMPLAR DEo P>-IùPRIEDADE


DA UNIÀO

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