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Júri:
Presidente:
Doutora Maria Margarida Branco de Brito Tavares Tomé, Professora Catedrática do Instituto
Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa.
Vogais:
Doutor João Ferreira da Costa Neto, Investigador Auxiliar e Presidente do Instituto Nacional
do Café de Angola;
Doutora Maria Carlos Correia Mendes Radich de Oliveira Baptista, Professora Catedrática
Aposentada do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, orientadora;
Doutor Carlos Manuel de Almeida Cabral, Professor Auxiliar Aposentado do Instituto Superior
de Agronomia da Universidade de Lisboa.
2017
Agradecimentos
Aos meus pais e irmã por um amor e apoio que foi sempre constante e sem o qual não seria
quem sou.
À Inês que me é muito querida, pela infinita paciência e amor e à nossa Ervilhinha que aí vem
para tomar o seu lugar nas nossas vidas.
Para cada um dos momentos legislativos é feita uma caracterização do regime em questão,
apresenta-se a legislação surgida no período intermédio, dá-se o enquadramento histórico e
comenta-se o diploma.
The question of land tenure in a colony, during the colonization process, presents itself with
specificities that are unparalleled in territories continually occupied by consolidated political
entities. The non-recognition of the native rights towards land ownership led to the drafting of
a set of laws, focused on regulating the settlers access to land.
This work intends to analyse the land granting legislation in Angola, during the period between
1856 and 1973. The period under study was divided per seven legislative milestones that
represent the adoption of a general regulation of land grants.
A portrayal of the regimes in question was made for the legislative milestones as well as an
overview of the legislation that emerged in the interim period. For each of the key diploma the
historical framework and a commentary were added.
The analysis focused on the formalities, on the jurisdiction of the metropolitan administration
and the autonomy of the colonial administration, on the modalities of land grants and on the
traditional rights of the Angolan people and their access to land.
1. Introdução ..........................................................................................................................1
9. Conclusão ........................................................................................................................56
Anexos
Com este trabalho pretendeu-se contribuir para o conhecimento desta questão, partindo do
material recolhido e publicado no relatório de execução, do primeiro ano do projecto “Angola.
História do café colonial”, resultante da parceria entre o Instituto Nacional do Café (Angola) e
o Centro de Estudos Tropicais para o Desenvolvimento (Centrop). A análise centrou-se na
legislação sobre concessões de terras, aplicável ao território angolano, de 1856 a 1973.
Como método procedeu-se numa primeira fase à identificação dos diplomas relativos à
concessão de terras publicados no Boletim Oficial do Governo de Angola ou nos diversos
nomes que tomou o boletim oficial da administração colonial em Angola, nas séries presentes
no Arquivo Histórico Ultramarino. Após a consulta dos diplomas identificados apuraram-se
aqueles que corresponderam à introdução de um regulamento de concessão de terras para o
território de Angola. Foram assinalados sete diplomas que corresponderam a essa introdução
de um novo regulamento geral para a concessão de terras: a Carta de Lei de 21 de Agosto
de 1856; a Carta de Lei de 9 de Maio de 1901; a Portaria nº 1292 de 27 de Novembro de
1911; o Decreto 5847-C de 31 de Maio de 1919; o Decreto nº 33727 de 1944; Lei nº 6 de
1973. Estando identificados os diplomas, e na circunstância da sua redacção ter sido da
responsabilidade das autoridades metropolitanas, procedeu-se à sua pesquisa no Diário do
Governo ou nos diversos nomes que tomou o jornal oficial do governo português, através da
plataforma digital http://www.dre.pt, ou nos casos de legislação monárquica através da
plataforma digital do parlamento http://legislacaoregia.parlamento.pt/. Refira-se que só a
Portaria nº 1292 de 27 de Novembro de 1911 correspondeu a um diploma de iniciativa das
autoridades coloniais. Procedeu-se à selecção da legislação identificada, eliminando aquela
A análise foi efectuada considerando os tais sete períodos distintos, assinalados pela
publicação e aplicação dos principais diplomas legislativos, que introduziram ou reformularam
os regimes de concessão de terras. Foram, ainda, acompanhadas as alterações legais que
foram tomando lugar nos diplomas intermédios
Na apreciação dos diplomas tiveram-se em conta: o acesso à terra (evolução dos critérios de
elegibilidade, evolução das áreas concessionáveis, modelos elegíveis de concessão); as
competências da administração local e da administração metropolitana (a evolução da
autonomia local, as competências de atribuição quanto à área e quanto ao modelo de
concessão); os direitos tradicionais (o seu reconhecimento e as garantias de acesso à terra);
as preocupações de soberania e as medidas para a sua consolidação; a estratégia para uma
colonização europeia por via do acesso à terra agrícola.
Para dar uma contextualização histórica, que permitisse uma interpretação das alterações que
foram sendo incluídas ao longo do processo legislativo, foi feita uma consulta bibliográfica de
fontes que incidissem sobre a situação doméstica e colonial, nos períodos assinalados.
Reconhecidos os desafios dominantes na relação entre a metrópole e Angola, procurou-se
encontrar uma correspondência entre essas preocupações e a iniciativa legislativa que foi
tomando lugar.
No período que antecedeu a Carta de Lei de 21 de Agosto de 1856, de acordo com Santos
(2004), as concessões em terrenos ultramarinos faziam-se, de modo geral, em consonância
com a legislação metropolitana (SANTOS, 2004, p. 23). Não obstante, para cada território
ultramarino poder-se-iam encontrar disposições legais distintas. No caso angolano, a sua
especificidade pode-se encontrar no Regulamento de 12 de Fevereiro de 1676, que mandava
repartir terras sem dono por pessoas beneméritas, com a obrigação de as cultivarem em 5
anos (SANTOS, 2004, p. 31), e na Portaria Régia de 10 de Outubro de 1838, que dava
orientações para que se distribuíssem os terrenos sem domínio particular por aqueles que as
pretendessem cultivar, segundo as leis de Sesmarias.
Quanto ao processo de alienação dos terrenos, este poderia ser sempre desencadeado por
requerimento na metrópole, ao Ministério dos Negócios da Marinha e do Ultramar ou, caso a
área recaísse nas competências do governador da província, no próprio território. O
requerente indicaria o terreno desejado e o uso destinado. A autoridade administrativa da
subdivisão territorial à qual pertencessem os terrenos em questão seria chamada a informar
por meio de editais, recolher reclamações e alegações dos vizinhos e interessados, dando
Embora pouco tempo depois o governo setembrista tenha dado lugar ao regime cabralista,
este último não abandonou o projecto colonial, apesar de não ter tido sucesso na tentativa de
relançar a colonização portuguesa em Angola e muito pouco no reforço das relações
mercantis com as colónias. Chegados aos anos cinquenta, com o primeiro governo da
“Regeneração”, Portugal consegue finalmente algum período de estabilidade política. No
Ultramar, fecha-se o mercado de escravos brasileiro que era o principal obstáculo ao
desenvolvimento de uma economia de plantação nos territórios africanos, sobretudo Angola
(ALEXANDRE, 2000a, p. 15).
É neste contexto que surge a Carta de Lei de 21 de Agosto de 1856. Um período onde se
começa a materializar a intenção de levar a cabo uma ocupação compacta dos territórios
ultramarinos, associados a uma política de colonização europeia e com uma economia que
tinha no sector da produção agrícola uma pedra basilar.
Desta forma, esta lei acabou por dar um enquadramento legal à procura de terra, segundo as
normas jurídicas portuguesas, nas áreas onde o domínio colonial havia sido implantado.
Tratou-se de uma fase de transição, em que as unidades de produção assentes na
propriedade privada da terra, em articulação com o capitalismo mercantil, se tornaram
componentes essenciais do processo de mudança da economia colonial (FREUDENTHAL,
2005, pp. 125-126).
Tendo sido a Carta de Lei de 21 de Agosto de 1856 o primeiro esforço de regular de forma
geral e uniformizada o processo de concessão de terrenos em territórios ultramarinos, é
possível nela encontrar as primeiras intenções do poder político nesta matéria.
A carta de lei zelava pela salvaguarda de terrenos com interesse público, ou nos quais se
antecipava eventual interesse público, mantendo na posse do Estado terrenos com recursos
valiosos, com importância para as comunicações ou com interesse para as necessidades dos
povos habitantes.
No que respeita à administração local, embora ainda muito débil em comparação com as
competências da administração metropolitana, são dados os primeiros passos para a
atribuição de um poder efectivo. Este poder materializava-se pela possibilidade de reserva de
terrenos com interesse público e pela competência do governador de Angola, em conselho,
dispensar autorização metropolitana para conceder terrenos, embora de áreas diminutas.
Não pode passar despercebida, neste diploma, a intenção evidente de fomentar uma
colonização europeia dos territórios ultramarinos. No seu 24º artigo, estabelecia-se que a área
máxima de 500 ha que poderia ser concedida pelos governadores das províncias poderia ser
excedida, caso o pretendente fizesse transportar para a colónia, no prazo de 5 anos, uma
pessoa branca de cada sexo, do Reino e ilhas adjacentes, por cada 10 ha extra. O pretendente
ficava também obrigado a alimentar estes indivíduos durante 1 ano se não conseguisse
empregá-los de forma a garantir-lhes o sustento, o que deixava bem claro que a prioridade de
povoar com europeus o território se sobrepunha a uma racionalização de recursos no
investimento agrícola.
No tempo que mediou entre a aprovação da Carta de Lei de 21 de Agosto de 1856 e o seguinte
grande momento legislativo, que surgiu por via da Carta de Lei de 9 de Maio de 1901, foram
elaborados outros diplomas que, contudo, não alteraram o espírito da lei. Assim, no Decreto
com Força de Lei de 4 de Dezembro de 1861 foi autorizado o governo, ouvido o conselho
ultramarino, a conceder por aforamento, directamente e independentemente de hasta pública,
terrenos baldios para a cultura de algodão ou outros produtos. Foi também reforçada a
competência do governador geral de Angola que, em conselho, poderia conceder por
aforamento, terrenos até 1.000 ha para idêntico destino. Esta faculdade atribuída aos
governadores de Angola passou, no entanto, a exigir a aprovação do governo da metrópole
em virtude do Decreto de 14 de Outubro de 1891, que visou impedir concessões sucessivas
ao mesmo requerente.
A Carta de Lei de 9 de Maio de 1901 estabeleceu que os terrenos do Ultramar, que à data da
publicação do diploma não constituíssem propriedade particular, adquirida nos termos da lei
portuguesa, seriam considerados domínios do Estado.
Aos africanos, quando não tivessem adquirido as suas terras por via da legislação geral, era
reconhecido o direito de propriedade dos terrenos por eles cultivados e nos quais habitassem.
No entanto, a sucessão desses direitos de propriedade estava sujeita aos usos e costumes
locais sendo proibida a transmissão para não indígenas salvo autorização da autoridade
administrativa. Refira-se que a transmissão era a única possibilidade reconhecida de
transferência destes direitos. Quaisquer actos e contratos que não tivessem correspondência
nesta forma eram considerados nulos e os terrenos sobre os quais esses actos versassem
entrariam ipso facto no domínio do Estado. A lei, no seu artigo 4º, refere que os casos de
indígenas aos quais pudessem ser conferidos títulos de propriedade perfeita, por cultivarem
ou terem feito as suas habitações em terras ocupadas por mais de vinte anos, teriam a sua
situação regularizada por legislação especial que não foi possível encontrar. Este não se
tratou do primeiro momento legislativo em que se reconheceu o direito de ocupação e usufruto
aos povos africanos; desde a publicação do Regulamento do trabalho indígena no Diário do
Governo nº 262 de 18 de Novembro de 1899 já haviam sido reconhecidos estes direitos, mas
tratou-se da primeira referência em legislação própria sobre terras.
O governo era autorizado a fazer o regulamento para a execução desta lei, que surgiu a 2 de
Setembro de 1901. As concessões, à luz deste regulamento, poderiam ser feitas por
aforamento, com áreas máximas de 50.000 ha se fossem feitas pelo governo, ou se fossem
feitas pelo governador da província com aprovação do governo em portaria, por aforamento,
arrendamento ou venda, até 5.000 ha. Quanto aos habilitados a receberem concessões, havia
Uma das inovações mais determinantes nesta nova legislação de terras foi a introdução da
Comissão das Terras, presente na sede de cada distrito e formada pelo conservador, pelo
delegado do procurador da Coroa e Fazenda, pelo agrónomo (ou substituído por individuo
com curso de regente agrícola) e pelo chefe agrimensor do distrito (sendo a secção de
agrimensura criada para o efeito). Das competências desta comissão constava a de organizar
o cadastro dos bens do Estado, fiscalizar a demarcação de terrenos concedidos, velar pelo
cumprimento dos contratos (incluindo os abusos sobre indígenas), consultar sobre a justiça e
oportunidade de remoção dos indígenas, proceder à demarcação e levantamento dos terrenos
a conceder em cada distrito e informar sobre os pedidos de concessão. Como etapa inicial de
organização do cadastro, a Comissão das Terras avançou com um processo de
reconfirmação de todas as concessões atribuídas anteriormente ao regulamento, retirando os
direitos sobre as terras em situações de ausência de documentação ou de abandono.
Num prazo de dois anos deveria o concessionário proceder ao levantamento de todo o terreno
concedido e proceder ao seu registo na secretaria do governo.
No caso do arrendamento, o prazo máximo para prédios rústicos era de 20 anos e teria
sempre que ser obtido por hasta pública. Nos casos de venda, esta seria sempre realizada,
em hasta pública, em lotes com dimensão máxima de 50 ha quando resolvida pelo governo,
ou até 5 ha quando resolvida pelo governador de Angola, sendo que, no entanto, esta
modalidade de concessão não recaía sobre terrenos incultos.
Este processo de colonização em Angola não era isento de problemas. De acordo com
Amadeu Homem (1993), para além do endurecimento da política interna, configuravam-se
também, desde os princípios da década de 70, dificuldades de relacionamento com as antigas
e novas potências coloniais. O processo europeu de industrialização sofria os bloqueios
decorrentes da saturação dos mercados. Quando mudou a imagem do continente africano,
outrora julgado inóspito e economicamente desinteressante, ou seja, quando os relatos de
exploradores sertanejos, de geógrafos, cientistas e aventureiros apresentaram a África como
um território cobiçável, os países europeus industrializados abandonaram a sua postura de
alheamento. O continente negro passou a ser visto não só como o fornecedor tradicional de
mão-de-obra escrava e de matérias-primas subalternas, mas sobretudo como um mercado
alternativo futuro, servido por recursos de impensável dimensão (HOMEM, 1993, p. 142). A
necessidade de arbitrar estes redobrados apetites europeus, no continente africano, levou à
conferência de Berlim iniciada em Novembro de 1884, através da qual se iriam definir critérios
de acção a este respeito.
A conferência de Berlim acabou por não ser uma vitória para os interesses coloniais
portugueses, pois segundo Amadeu Homem (1993), o Acto Geral da Conferência revogou o
critério de apropriação colonialista no qual assentava a tranquilidade portuguesa, dispondo
que, doravante, a legitimidade de soberania deveria firmar-se na existência de uma ocupação
palpável. Esta exigência, acarretando a transferência de importantes meios humanos e
materiais para regiões africanas teoricamente sujeitas à nossa esfera de influência, viria a
manifestar-se incompatível com as forças e possibilidades do país (HOMEM, 1993, p. 143).
Porque, de acordo com o documento de Berlim, toda a nação europeia que tomasse posse
de uma zona costeira africana ou nela estabelecesse um protectorado teria de comunicar
esse facto aos restantes signatários para a ratificação das suas pretensões. O ocupante das
áreas costeiras deveria ainda provar que dispunha de autoridade suficiente para fazer cumprir
os direitos vigentes e, se fosse o caso, a liberdade de comércio e de trânsito nas condições
já estipuladas. O tratado anglo-alemão celebrado em 1886 introduzia ainda a noção de
«esferas de influência», à qual se acrescentaria a de «hinterland», que permitiam a ocupação
Ficava assim definitivamente para trás a ambivalente opinião colonial quanto às políticas a
adoptar, que durou até 1880, e que alternava grosso modo, entre duas posições: ou ocupar
militarmente os postos mais avançados de comércio europeu no interior, ou abandoná-los
(DIAS, 1998, p. 409). A partir desse momento, só a ocupação efectiva do território colonial
poderia dar uma garantia mínima de soberania sobre territórios africanos.
O período durante o qual foi redigida a Carta de Lei de 9 de Maio de 1901 foi marcado pela
necessidade de afirmação da soberania portuguesa sobre o território angolano, daí que esta
reclamasse para a posse do Estado todos os terrenos que não constituíssem propriedade
particular adquirida nos termos da lei portuguesa. É no seguimento dessas preocupações com
a soberania portuguesa, que se limita o acesso de estrangeiros à terra, através de novas
restrições, nomeadamente a declaração expressa de sujeição às leis e tribunais nacionais e
só após 2 anos de residência em território português.
No que respeita aos direitos indígenas, não havia uma equiparação de direitos, estando-lhes
impedida a posse plena de terras. Desta forma, mantendo-se um direito de ocupação, sempre
na medida que essa ocupação fosse ao encontro dos interesses coloniais, deixava-se sempre
aberta a possibilidade de expansão das áreas sujeitas à colonização europeia e
simultaneamente garantia-se uma disponibilidade próxima de mão-de-obra.
Em 1904, por via da Portaria nº 554, surgiram alterações processuais com vista a uniformizar
e clarificar os processos de concessão em Angola. O Decreto de 9 de Setembro regularizou
situações de ocupação de terreno sem concessão, mas no qual os ocupantes haviam feito
benfeitorias, dispensando-os de hasta pública. Por sua vez, o Decreto de 6 de Agosto,
introduziu alterações nas disposições dos processos de aforamento, sobretudo relacionadas
com requerentes que não pudessem comparecer ou fazer-se representar na metrópole ou no
ultramar.
No último ano da monarquia constitucional, em 1910, surgiu aquele que seria o seu último
diploma legislativo sobre a questão de terras em Angola, a Portaria de 6 de Setembro que
alterou a importância dos depósitos a fazer pelos adjudicatários de terrenos no ultramar.
Quanto à classificação dos terrenos, foram criadas duas classes: os de 1ª classe seriam os
terrenos pertencentes a povoações classificadas como de carácter europeu e os de 2ª classe
seriam os restantes terrenos.
O governador geral mandaria publicar no boletim oficial as suas decisões e dentro de três
dias, não havendo reclamações ou estas julgadas improcedentes, deveria o requerente
depositar na direcção de agrimensura os valores referentes aos trabalhos de reconhecimento,
levantamento da planta e demarcação definitiva, se não tivesse optado por agrimensor
particular.
Neste diploma, ficou definido que a comissão de terras, sediada em Luanda, seria composta
pelo procurador da República que a presidiria, por inspectores da fazenda e agricultura e pelo
director de agrimensura que seria também secretário e escrivão (sem direito de voto nos
processos de concessão). Na sede de cada distrito, haveria uma delegação da comissão de
terras, composta pelos delegados que houvesse dos membros desta em cada sede, e teria
como secretário o funcionário da secção de agrimensura.
Por via desta portaria seria também criada uma direcção de agrimensura, na capital da
província, com secções nas sedes dos distritos administrativos e regulada a sua composição
e competências.
O período final da monarquia seria marcado por uma crescente deterioração da vida política
interna. Recrudesciam as intrigas políticas e acirravam-se os ânimos contra os abusos que se
davam na administração civil. Câmaras municipais em situação de ruptura financeira,
funcionários da Justiça e da Fazenda sobre quem impendiam acusações de peculato, queixas
dos particulares que se sentiam lesados tornavam-se factos correntes nas províncias
metropolitanas (SERRÃO, 1988, p. 93). Os governos, de curta duração, sucediam-se e a
questão dos adiantamentos à casa real, discutidos na câmara dos deputados, servia para
alastrar as simpatias republicanas (SERRÃO, 1988, pp. 122-123). Entrar-se-ia no período da
ditadura de João Franco, que surgiria através da dissolução das cortes, com a concordância
do Rei D. Carlos I. Segundo Serrão (1988), este seria um governo que iria sofrer a oposição
dos dois partidos monárquicos e do republicano. A repressão sobre a imprensa e a dissolução
da Câmara Municipal de Lisboa, seriam combustível que aumentaria o ódio sobre o
franquismo que cobriria também a figura do Rei que seria assassinado, juntamente com o
príncipe herdeiro, a 1 de Fevereiro de 1908 (SERRÃO, 1988, pp. 122-130). Assumiria ainda
o trono D. Manuel II, mas seria incapaz de impedir o estertor da monarquia. Afinal, durante os
últimos 20 anos do regime, houve 21 executivos e alguns sujeitos a remodelação, o que
mostra o grau de instabilidade política em que muitas vezes se viveu (SERRÃO, 1988, p. 161).
Quanto às alterações mais significativas deste diploma, por comparação com o anterior
grande momento legislativo, destaca-se um cuidado acrescido quanto às concessões
atribuídas a estrangeiros, que não é de estranhar dadas as inseguranças ainda existentes
quanto à soberania portuguesa, por via das insurreições locais, pelos apetites de potências
colonizadoras rivais ou por via da ainda incipiente presença administrativa em vastas
extensões territoriais.
No ano de 1914, surge no BOA, a Portaria nº89, publicada a 24 de Janeiro, com o propósito
de introduzir um regulamento de cobrança de foros e rendas por concessão de terrenos e a
Portaria nº 1047, publicada a 26 de Setembro, que autorizava o director da agrimensura a
lançar despachos interlocutórios, nos processos de concessão de terrenos.
No ano seguinte, é publicado no BOA a 2 de Janeiro, o Decreto com Força de Lei nº 1145 que
redefinia as áreas máximas concessionáveis, da competência de cada órgão, estabelecia o
principio da concessão condicional e fixava novos valores de foro, por classes de acordo com
condições de acesso a vias de comunicação e de existência de hasta pública. No nº 38 do
BOA é publicado o Decreto nº 1834 que introduzia disposições transitórias para processos de
concessão já em curso, aquando da introdução do Decreto com Força de Lei nº1145.
O ano de 1918 seria, por sua vez, marcado pelo Decreto nº 4581-A, publicado no BOA nº 35,
a 31 de Agosto que inseriria disposições sobre o resgate de concessões.
Quanto à classificação dos terrenos atribuíram-se três classes. A 1ª classe seriam terrenos
de povoações classificadas e seus subúrbios, a 2ª classe seriam terrenos não pertencentes à
1ª nem à 3ª classe e, por fim e como novidade, a 3ª classe que seriam terrenos reservados
para uso exclusivo da população indígena.
A implantação da República não trouxe uma visão distinta dos territórios ultramarinos. De
acordo com a Constituição, as colónias continuavam a ser parte da Nação, tal como antes.
Contudo, a República veio introduzir mudanças essenciais na administração do Ultramar.
Durante cerca de uma década, princípios novos de governo, que assentavam numa
descentralização ampla, tentaram dar forma a uma África portuguesa mais progressiva e
suscitar o seu desenvolvimento ininterrupto (MARQUES, 2001, pp. 21-22). Conscientes da
força do império na formação da unidade e identidade nacionais, os republicanos
incorporaram desde cedo, no seu discurso cultural e político, a defesa da salvaguarda,
manutenção e desenvolvimento dos territórios ultramarinos como um dos vectores
fundamentais da sua propaganda política. Profundamente patriotas e colonialistas, ao
alcançarem o poder, os republicanos ver-se-iam confrontados com a dura realidade dos factos
e tomariam consciência das enormes dificuldades em concretizar os seus projectos de
engrandecimento do império, e consequentemente do país, de forma a realizar o sonho
sempre presente da criação de novos «brasis» em Africa. A República herdara da Monarquia
um império vasto, mas pouco desenvolvido, com uma diminuta percentagem de população
branca, uma incipiente rede de transportes e onde perduravam formas ancestrais de trabalho
(PROENÇA, 2011, pp. 205-206).
Se por um lado, segundo Proença (2011), o grande desiderato do Governo seria que se
pudesse efectivar a colonização livre, individual ou colectiva por meio de empresas e
companhias que, dispondo de capitais, pudessem valorizar as terras incultas, por outro a
situação financeira não era favorável a esse investimento. Um dos mais gravosos factores
para a debilidade da situação financeira das colónias residia no modelo de regime bancário
assente no monopólio do Banco Nacional Ultramarino, como banco emissor e tesoureiro do
Estado. O regime de monopólio de que o BNU gozava era causa de grandes desvantagens,
porque o banco cobrava juros exorbitantes nas letras e nas hipotecas, tornando ruinosas para
as colónias as transacções económicas com recurso ao crédito (PROENÇA, 2011, pp. 213-
214). Esta foi uma das dificuldades que acabaram por comprometer as propostas para o
fomento dos territórios ultramarinos, com base em quatro pontos, considerados
indispensáveis ao desenvolvimento e consolidação de Portugal como grande potência
colonial: a implantação de uma rede ferroviária nas colónias, que ligasse o litoral ao interior e
permitisse o escoamento dos produtos autóctones; o desenvolvimento da agricultura e da
pecuária; a progressiva libertação dos entraves mercantilistas que impossibilitavam a criação
de riqueza; e a fixação de colonos europeus que promovessem o efectivo desenvolvimento
económico e civilizacional. Associavam-se as dificuldades dos graves problemas financeiros,
com sucessivos e crescentes défices coloniais, agravados pela desorganização das contas
públicas, situação que também se verificava no Governo central, impossibilitando qualquer
política consequente de investimento nos territórios ultramarinos. Por outro lado, a influência
de uma burguesia, sedeada na metrópole, que, apesar das declarações ousadas, continuava
arreigada aos mecanismos proteccionistas dos quais arrecadava lucros chorudos. Tudo isto
contribuía para que, também neste campo, os factos estivessem em contradição com os
Através deste diploma, continuaram a manter-se as tendências que já tinham sido observadas
na anterior legislação. O agravamento da contribuição predial com o não aproveitamento de
concessões insere-se nas anteriores tentativas de combater a especulação imobiliária e
impedir a expansão de territórios expectantes.
Desde o anterior grande momento legislativo, que surgiu na forma do Decreto nº 5847-C de
1919, até ao seguinte, que se expressou no Decreto nº 33727 de 1944, a actividade legislativa
foi constante.
Em 1920, surge a Portaria Provincial nº 265, publicada a 14 de Agosto que, dada a escassez
de funcionários da direcção de agrimensura, cancelou, provisoriamente, a recepção de mais
pedidos de concessão, que pretendessem que o levantamento topográfico fosse executado
por pessoal dessa direcção. No mesmo ano é publicado, a 29 de Outubro, o Decreto nº 7078,
que determinou que os processos de concessões especiais (minas, reservas, sistemas de
viação, aproveitamento hidráulico, etc.) tivessem início na colónia respectiva.
No ano de 1922, é publicada a Portaria Provincial nº 64, datada de 29 de Março, que estende
a todos os processos de concessão de 2ª classe, que tivessem sido requeridos ao abrigo do
regime provisório de concessões de terrenos do Estado de 11 de Novembro de 1911, a
doutrina do artigo nº 115 do Decreto nº 5847-C de 1919. Esta doutrina impunha que, após 15
dias passados desde o prazo de reclamações para a demarcação de terrenos, o processo
fosse enviado ao ministro das colónias, para autorizar a ocupação e exploração do terreno
escolhido. A 16 de Maio, surge o Decreto nº 147, que regulou a natureza e publicação, no
boletim oficial, de diplomas sobre concessão de terrenos, de acordo com as competências de
atribuição. A 3 de Junho, as taxas de foro das concessões sofrem um aumento, através do
Decreto nº 162. A 10 de Junho, o prazo para o levantamento do depósito dos pedidos de
concessão indeferidos é reduzido, por deliberação da Portaria Provincial nº 108. Ainda no
A 30 de Abril de 1927 é publicada a Portaria Provincial nº 88, que introduziu normas para a
identificação das áreas ocupadas por indígenas titulados, nas demarcações definitivas, e
estabeleceu normas a seguir para a conservação dos títulos de ocupação.
A 24 de Março de 1928 é publicado o Diploma Legislativo nº 740, que introduziu normas para
o processo de transferências ou associações de direitos de concessão, dificultando o
processo em caso de não aproveitamento, e aumentando o valor do foro e das licenças para
demarcação. No mesmo dia, é publicada a Portaria nº 52, que obrigou os demarcadores de
terrenos, onde o Estado fez benfeitorias, a pagar as despesas feitas. Ainda no mesmo ano, a
19 de Maio, surge a Portaria nº 94 que introduziu clarificações sobre que repartição é
competente para avaliar o aproveitamento dos terrenos concedidos.
Em 1930, são estabelecidas normas sobre a colocação dos marcos perimetrais, aquando da
demarcação definitiva, através do Diploma Legislativo nº 261 datado de 19 de Fevereiro. No
mesmo ano, a 8 de Novembro, é publicado o Diploma Legislativo nº 152, que permite
transitoriamente, a detentores de terrenos sem título legal, requerer a sua concessão por
aforamento, sem dependência de hasta pública.
Em 1936, a 30 de Maio, surge o Diploma Legislativo nº 822, que estabeleceu alterações, entre
outras, às condições de aproveitamento, suavizou os encargos das transmissões, exigiu a
existência de uma habitação de materiais permanentes para a remissão do foro. A 12 de
Setembro desse ano, é publicado o Decreto nº 26886, que fixou as condições em que as
sociedades e as empresas comerciais podiam usufruir e aproveitar a concessão de terrenos
no Ultramar.
Este diploma reclamou para o domínio do Estado todos os bens imobiliários que não
pertencessem, por título legítimo, a pessoa singular ou colectiva. Relativamente à
classificação dos terrenos, mantinha a mesma fórmula do Decreto nº 5847-C de 1919: a 1ª
classe seriam terrenos de povoações classificadas, de carácter europeu, e seus subúrbios, a
2ª classe seriam terrenos não pertencentes à 1ª nem à 3ª classe e a 3ª classe seriam terrenos
reservados para uso exclusivo da população indígena. No que respeita às possibilidades de
concessão, consideravam-se concedíveis os terrenos de 1ª e 2ª classe, a europeus ou a
pessoas de cultura europeia não de raça branca, e os de 3ª classe, a indígenas, dentro dos
limites de áreas estabelecidos. Como terrenos não concedíveis constavam: os destinados a
A área máxima de uma concessão seriam os 5.000 ha ou, nos casos de exploração pecuária,
50.000 ha por arrendamento. Nos casos de exploração de floresta espontânea, a área
arrendada máxima seria de 50.000 ha, por um prazo não superior a 25 anos, prorrogáveis por
períodos sucessivos, não superiores a 10 anos. De acordo com este decreto, nenhuma
Os 25 anos, que mediaram entre o Decreto nº 5847-C de 1919, e o Decreto nº 33727 de 1944,
apresentaram grandes convulsões políticas, que tiveram implicações nos desenvolvimentos
coloniais. Poderemos considerar este intervalo, dividido em duas etapas, sendo a primeira, o
período que procedeu o pós-guerra (1ª Guerra Mundial) e a segunda, o pós-golpe de 1926,
que deu origem ao Estado Novo.
Quanto à questão colonial, a conferência de paz da grande guerra, alterou a visão europeia
dos seus territórios ultramarinos. Da lógica de ocupação efectiva, expressa pela conferência
de Berlim, avançou-se para uma lógica de promoção do desenvolvimento e educação das
populações, com o propósito da sua progressiva autonomia. É nesse contexto que é criado o
Alto-Comissariado para Angola e que, no início de 1921, Norton de Matos parte para o
território para assumir a função, depois de, no parlamento, ter apresentado vários projectos,
que tiveram o apoio dos deputados, visando uma política de fomento da colónia. Do plano de
Norton de Matos constava uma política expansionista de obras públicas (sobretudo vias de
comunicação), um incremento da colonização branca e a exploração das riquezas naturais,
sobretudo da produção agrícola, com um abandono do trabalho compulsivo. (PROENÇA,
2011, pp. 507-508)
Para financiar esta política de fomento foi negociado um empréstimo interno, com o BNU, por
dificuldades de acesso ao crédito externo. O descalabro financeiro acabou por ser o resultado
deste empréstimo que, na sua negociação, incluía a possibilidade de o BNU, como banco
emissor, elevar a circulação fiduciária em Angola. A consequência foi a desvalorização do
escudo angolano, o fim da paridade com a moeda metropolitana, e enormes dificuldades nas
transferências para a metrópole. Da parte do BNU, houve um incumprimento dos termos
acordados, concedendo apenas parte do empréstimo, alegando alterações cambiais, dado o
empréstimo ter sido negociado em ouro. Norton de Matos, por sua vez, tentou negociar um
empréstimo em Londres, mas a interferência ilegal do governo central, naquilo que seria uma
competência do governo de Angola, levou ao seu abandono do cargo. (PROENÇA, 2011, pp.
509-511)
O Decreto nº 33727 surge já no contexto de uma política colonial, que reforça o centralismo
metropolitano e aposta na colonização dos territórios ultramarinos. É no âmbito do estímulo à
colonização de Angola, por parte de portugueses europeus, que surgem uma série de
medidas, como por exemplo: as facilidades de pagamento, a remissão do foro ocorrer só com
Ao nível dos direitos indígenas, vê-se claramente um retrocesso, sendo este o primeiro
decreto onde é abertamente introduzida uma definição racial, que vai para além do conceito
de assimilado ou civilizado. Aos indígenas voltaria a ser retirada a possibilidade de posse
plena da terra. No entanto, surge o conceito de proprietário agrícola que permitiria, àqueles
que assumissem uma agricultura de modelo europeu, um direito de ocupação de áreas mais
alargadas, visando com isso estimular a adopção desses modelos.
O esforço de legalizar ocupações sem título legal prosseguiu dois anos depois no Decreto
Legislativo nº 2733, publicado a 15 de Fevereiro de 1956, no nº 7 do Boletim Oficial de Angola.
Neste diploma estabeleceu-se a obrigação dos serviços geográficos e cadastrais verificarem
as infracções, mas simultaneamente abriu-se um período de um ano para a legalização de
ocupações de terrenos aproveitados.
Em virtude de, passados dois anos desde a publicação do Decreto Legislativo nº 2733 de
1956, ainda se verificarem muitos casos de não legalização de terrenos ilicitamente ocupados,
avançou-se com novo esforço legislativo nesse sentido. Assim sendo, a 26 de Novembro de
1958, através da publicação do Diploma Legislativo nº 2942, acrescentaram-se disposições
para a regularização dessas situações, anteriores a 1956, durante um período limitado.
Quanto à existência de reservas, este diploma reconhecia-as de dois tipos: as totais, onde
qualquer uso, ou ocupação, por entidades públicas ou privadas era proibido (os parques
nacionais e reservas naturais integrais) e as parciais, aquelas em que só era permitido o seu
uso ou ocupação para os fins visados na sua constituição (as reservas: de povoamento;
florestais; para fins de saúde pública; para a instalação de serviços públicos; de fronteira; para
aproveitamento hidroeléctrico ou hidroagrícola; para exploração pecuária).
No que respeita à classificação dos terrenos, estes dividiam-se em três classes. Pertenciam
à 1ª classe, terrenos de povoações e seus subúrbios. Da 2ª classe faziam parte os terrenos
demarcados, para atribuição conjunta a populações, para, por elas, serem usados de acordo
com os seus usos e costumes. Classificados como pertencentes à 3ª classe, seriam os
terrenos vagos, não pertencentes à 1ª nem à 2º classe.
Ao ministro do Ultramar competia conceder terrenos de 3ª classe, por aforamento, com área
superior a 5.000 ha. Conceder por contrato terrenos de 3ª classe, para áreas superiores a
5.000 ha até um máximo de 100.000 ha. Ultrapassados os 100.000 ha e até um máximo de
250.000 ha, seria possível conceder por contrato, mediante autorização do conselho de
ministros. Caber-lhe-iam, ainda, as concessões por arrendamento, de terrenos de 3ª classe,
destinados à criação de gado e indústrias dela derivadas, e destinados à exploração de
floresta espontânea, quando a área concedida excedesse os 25.000 ha.
Cada concessão atribuída não poderia exceder os 50.000 ha, quando tivesse como destino a
exploração de florestas espontâneas ou criação de gado e indústrias dela derivadas, e não
poderia exceder os 5.000 ha nos outros casos. Quando se provasse o aproveitamento da
concessão, atribuída a pessoa singular ou colectiva, esta poderia requerer outra, até um
máximo de 15.000 ha de áreas somadas ou 75.000 ha para fins de exploração de florestas
espontâneas ou criação de gado e indústrias dela derivadas.
Aquele que pretendesse uma concessão deveria começar por fazer um requerimento de
licença de demarcação provisória, acompanhado de prova de capacidade financeira, caso a
área requerida tivesse dimensão superior a 100 ha, e se se destinasse a fins agrícolas ou
agro-pecuários, um plano pormenorizado do aproveitamento do terreno. Seriam competentes,
para outorgar a licença de demarcação provisória, os directores dos serviços de agrimensura,
para áreas até 250 ha e o governador que, caso a área em questão não excedesse os 2.000
ha, poderia delegar nos directores de serviços de agrimensura. Em regiões onde a densidade
de ocupação e o risco de conflito fosse alto, a demarcação provisória seria determinada pelo
governador, em portaria.
O governador daria despacho, que seria publicitado por meio de aviso no Boletim Oficial. Os
despachos de venda ou concessão provisória, por aforamento, de terrenos de 3ª classe já
A hasta pública seria realizada nos serviços de agrimensura, na data assinalada nos editais
para o efeito.
O governador daria despacho sobre a concessão definitiva, que seria publicado por aviso no
Boletim Oficial.
Nas situações de concessão por aforamento, o foro seria calculado de acordo com tabelas
publicadas em legislação complementar. O foro só poderia ser remido verificando-se o
aproveitamento total do terreno e havendo no terreno todas as construções indispensáveis à
exploração.
Nos casos de concessão por arrendamento, a renda seria calculada segundo tabelas
publicadas em regulamentação complementar, com a renda a ser actualizada no fim de cada
período de 10 anos, de acordo com coeficientes que estabeleceriam um tecto máximo. Nos
casos dos arrendamentos para fins pecuários, estes seriam feitos por um período de 20 anos,
renovável automaticamente por um período de 5 anos, até um máximo de 50 anos.
Na questão dos direitos de ocupação, qualquer “vizinho das regedorias”, termo que substituiu
o anterior “indígena”, poderia ocupar terrenos incultos, vagos ou devolutos, a fim de neles
instalar a sua habitação e culturas ou apascentar gado. Poderiam ainda os vizinhos das
regedorias, ser foreiros ou arrendatários de terrenos de 1ª e 3ª classe.
Entre o anterior grande momento legislativo, que tomou forma em 1944, através do Decreto
nº 33727, e este novo esforço, que surgiu por via do Decreto nº 43894 de 1961, ocorreram
importantes alterações políticas e económicas. Se é certo que os territórios africanos do
império português foram poupados à segunda guerra mundial, não foram alheias as
repercussões que se fizeram sentir, por todo o globo, e em particular nos territórios imperiais.
Segundo Alexandre (2000b), ocorreu uma reorientação global dos fluxos mercantis e, no caso
português, fortaleceram-se as ligações entre a metrópole e as colónias. Este fortalecimento
foi em parte fruto de mecanismos proteccionistas e de uma intervenção administrativa, que
redefiniu as actividades produtivas, sobretudo através do trabalho forçado e das culturas
obrigatórias. A alta dos preços e o aumento da procura de produtos coloniais, no pós-guerra,
levou a uma expansão económica, da qual o crescimento da produção do café em Angola foi
um exemplo. Esta situação de melhoria económica de Angola, juntamente com a alteração da
percepção dos territórios africanos, fruto da propaganda do Estado Novo, podem ser
apontadas como a causa para um enorme aumento do fluxo de emigração portuguesa. Este
incremento de população portuguesa em Angola fomentou as trocas comerciais entre a
metrópole e a colónia, levando a um aumento do investimento, nomeadamente em
plantações. A disponibilidade de investimento teve a capacidade de pressionar as autoridades
De acordo com Rosas (1994), este fluxo de investimento do pós-guerra teve também
continuidade no I Plano do Fomento, que destinava uma fatia do seu orçamento aos territórios
ultramarinos. Este investimento público materializou-se, sobretudo, no investimento em infra-
estruturas de comunicação e transporte, mas também teve expressão em investimentos ao
nível da urbanização, da electrificação e do saneamento. Esta política de matizes
keynesianas, teve o condão de levar a um período de crescimento económico, que se
começou a manifestar no começo da década de 60 (ROSAS, 1994, pp. 485-495).
No que respeita às alterações de fundo, que se fizeram sentir com o Decreto nº 43894 de
1961, é importante enquadrá-las na situação política, espoletada pelo início das sublevações
nacionalistas.
É evidente que o elemento de ruptura mais evidente, que este decreto trouxe, foi a questão
dos direitos de propriedade da terra, que passaram, formalmente, a poder ser usufruídos
plenamente pelos africanos nativos. As alterações legislativas que visavam um
apaziguamento da situação social levaram à eliminação de qualquer nomenclatura com uma
evidente carga racial. Assim, nomenclaturas como indígena ou não assimilados, anteriores
fórmulas de designar os povos nativos, foram substituídos por vizinhos das regedorias.
Tornaram-se mais difíceis os processos de remoção das populações locais do interior de
concessões e alargaram-se as áreas reservadas às regedorias. No mesmo sentido, surgiram
mecanismos para impedir concessões, sempre que a paz social das regiões estivesse em
perigo.
No caminho para um alargamento da autonomia política, que também surge como resposta
às pressões políticas, pode ser encarada a alteração de estatuto dos terrenos vagos, como
sendo do domínio da província. Este fortalecimento de competências locais também se
expressou na possibilidade de o governo provincial determinar a execução de demarcações.
Apesar do período de guerra, este foi o momento mais dinâmico na atribuição de concessões,
tanto em termos de área como em valor absoluto e com uma primazia notória das concessões
por aforamento, tal como se pode observar no anexo II.
De acordo com a lei, existiam as reservas parciais, que só permitiam um uso que não colidisse
com o fim a que se destinassem, e as reservas totais, nas quais não era permitido qualquer
uso, salvo o necessário à sua preservação ou exploração para fins científicos. As
propriedades privadas que fossem incluídas numa reserva seriam alvo de uma expropriação.
Relativamente aos terrenos vagos, poderiam as províncias ultramarinas dispor deles nos
termos da legislação, utilizar os necessários aos seus serviços, reservando-os, e aproveitar
os seus produtos, no respeito dos regulamentos que disciplinassem essas actividades.
Nos casos de concessão por aforamento, havendo ocupação e exploração da área concedida,
poderiam os foreiros adquirir a propriedade através da remissão do foro. Nas situações de
arrendamento de terrenos, para fins de exploração pecuária, em áreas até aos 15.000 ha,
O valor máximo de área concedível, a pessoa singular ou colectiva, para terrenos rústicos,
era de 15.000 ha por aforamento (em parcelas que não excedessem os 5.000 ha) e de 75.000
por arrendamento (em parcelas que não excedessem os 25.000 ha). A concessão sucessiva
de parcelas só seria possível mediante prova de aproveitamento das concessões definitivas
anteriores.
O ministro do ultramar tinha competência para conceder terrenos rústicos, por aforamento, ou
autorizar a venda, a quem detivesse mais do que 7.500 ha, e a conceder terrenos rústicos por
arrendamento, a quem detivesse mais de 37.500 ha (até ao tecto fixado para concessões a
pessoa singular ou colectiva). Era ainda função do ministro do ultramar conceder por
aforamento, provisória ou definitivamente, e por arrendamento, mediante contrato especial,
terrenos rústicos de áreas superiores ao limite máximo, até ao limite absoluto de 100.000 ha.
Poderia o ministro do ultramar estabelecer, levantar ou modificar reservas de terrenos, nos
casos de alto interesse nacional.
Aos governadores de distrito competia conceder provisoriamente terrenos rústicos até 2.500
ha, por aforamento.
As concessões por aforamento eram atribuídas inicialmente a título provisório, por um prazo
até 5 anos, e poderiam converter-se em definitivas se cumprissem as cláusulas de
aproveitamento mínimo e se o terreno estivesse definitivamente demarcado. A lei determinava
que a remissão do foro das concessões seria permitida, mediante condições a regulamentar.
As concessões por arrendamento, para fins de exploração pecuária, eram atribuídas por um
período inicial de 20 anos, renovável por períodos consecutivos de 5 a 10 anos.
Os terrenos ocupados pelos vizinhos das regedorias e aqueles necessários à sua economia
tradicional, eram considerados integrados no património da província de Angola. Os terrenos
nessas circunstâncias não poderiam ser concedidos ou vendidos enquanto se mantivesse a
ocupação. A lei estabelecia que ao Estado cabia acelerar a promoção do desenvolvimento
económico e social dos vizinhos das regedorias e fomentar o seu acesso à propriedade da
terra, nos termos gerais de direito. Nesta tarefa do acesso dos vizinhos das regedorias à
propriedade da terra, a lei anunciava futura regulamentação especial.
Desde 1961, ano de publicação do Decreto nº 43894, até 1973, ano da publicação da Lei nº
6, Angola teve na guerra colonial o acontecimento mais determinante.
Quanto aos efeitos da guerra, Pélissier descreve uma fuga em massa das populações nos
territórios do Norte de Angola, logo no começo das hostilidades, e embora tenha havido um
retorno gradual, não compensou o êxodo inicial. Sobre a questão da terra, o mesmo autor
salienta o esforço legislativo de evitar conflitos entre a população indígena e os colonos,
através da atribuição às regedorias, de uma reserva de cinco vezes a área explorada pelos
africanos. No que respeita ao trabalho rural, os Decretos nº 44309 e 44310 de 1962,
decretaram o fim da obrigação de trabalhar e das sanções penais no caso de incumprimento
dos contratos, o que levou a um aumento significativo do salário mensal dos trabalhadores
rurais. Associadas a estas alterações, foram criados os mercados rurais, que diminuíram os
abusos praticados pelos comerciantes portugueses, sobre os pequenos produtores africanos.
No entanto, apesar dos esforços de apaziguamento, criava-se simultaneamente a Junta
O momento histórico no qual foi publicada a Lei nº 6 de 1973 é marcado pelo conflito militar
nos territórios coloniais portugueses. O período de aplicação desta lei acabou por ser
insignificante dada a proximidade da revolução de 25 de Abril de 1974 e a posterior
independência de Angola a 11 de Novembro de 1975, mas as tendências nela expressas
representam o último esforço do regime colonial no que respeita a lei de concessões de terras.
Um dos elementos mais inovadores desta lei de concessões foi a tentativa de generalizar o
acesso às concessões de terras, libertando os potenciais concessionários do espartilho
económico que eventualmente sofreriam, facilitando o acesso ao crédito. Com esta lei, surgiu
a possibilidade de subarrendamento de parte das concessões às instituições de crédito, em
caso de incumprimento das obrigações assumidas (Base XII).
Os direitos tradicionais dos povos sempre tiveram uma posição secundária na legislação
colonial. O direito à terra, por parte das sociedades tradicionais, foi sempre subordinado ao
interesse colonial e sobretudo enquadrado nas necessidades económicas da potência
colonial, ou encarado como um compromisso para assegurar a pacificação e sustento da mão-
de-obra que se desejava disponível. Na primeira legislação de terras não existe qualquer
referência ao direito à terra pelos povos locais e a primeira tentativa de regular esses direitos
surge, sintomaticamente, no Regulamento do Trabalho Indígena de 1899. A regulamentação
do acesso à terra, por parte das populações africanas, assentou sobretudo num direito de
ocupação condicionado quanto ao uso e quanto às áreas, impondo um modelo agrícola e a
adopção de um modo de vida. Se, por um lado, para o usufruto do direito de ocupação era
imposto um modelo europeizado que à primeira vista levaria a uma assimilação de ordem
cultural e jurídica, por outro era removida qualquer possibilidade de dispor dos terrenos da
mesma forma que um colono europeu.
A evolução do reconhecimento dos direitos tradicionais não foi um processo linear. Sofreu
avanços e retrocessos. Se na primeira referência à propriedade indígena em legislação de
terras, que surgiu no regulamento para a execução da Carta de Lei de 9 de Maio de 1901, se
reconhecia o direito de propriedade sobre terrenos por eles cultivados e nos quais tivessem a
sua habitação construída, sem referência a áreas máximas, já na legislação de 1911 surgem
limitações à área. No entanto, se a Portaria nº 1292 de 1911 introduzia limitações de área,
também atribuía a posse plena à ocupação por mais de 20 anos (que isentaria do trabalho
forçado), embora condicionada à residência na propriedade. É neste momento legislativo que
surge a possibilidade de criação de reservas para os povos de Angola. Outro elemento
introduzido pela legislação de 1911 foi a necessidade de interacção com a administração
Seguidamente, pela legislação de 1919, fora das reservas poderia haver ocupação de
terrenos vagos, e em caso de concessão desses terrenos, poderiam os seus habitantes optar
entre a permanência ou por indemnizações. Nesse momento legislativo retrocedeu-se no
direito à posse plena da qual deixou de haver menção, passando a ser referida a titulação da
ocupação.
A legislação de concessão de terras no território da Angola colonial acabou por ser marcada
pela tentativa de atingir equilíbrios e pelas alterações da natureza de regime de Portugal.
Tinha por missão regulamentar o acesso à terra, por colonizadores, num processo que se
desejava ambicioso e sedutor, mas simultaneamente pretendia impedir a especulação e o
desaproveitamento. Dotava-se de uma burocracia processual para neutralizar as ameaças à
soberania e ao aproveitamento dos terrenos, e posteriormente tentava agilizar os processos
para fomentar a chegada do investimento e da população. Pretendia o desenvolvimento da
autonomia administrativa colonial, mas desconfiava dessa autonomia e centralizava na
metrópole o poder de decisão (no anexo I encontra-se sintetizada num quadro a evolução das
competências nas atribuições de concessões). No que respeita ao acesso dos povos de
Angola à terra, nunca houve uma paridade de direitos. Foram sobretudo reconhecidos direitos
de ocupação sintonizados com os interesses económicos e as necessidades de pacificação.
Quando surgiram as reservas de terrenos para as populações naturais, estas não tinham parte
activa na sua definição nem localização.
Nº Área (ha) Nº Área (ha) Nº Área (ha) Nº Área (ha) Nº Área (ha)
1955 75 61 110,0800 60 46 449,0000 13 13 461,0000 2 1 200,0800
1956 147 94 111,7450 103 59 220,6140 41 22 639,9950 3 12 251,1360
1957 91 59 867,7966 76 50 644,4000 15 9 223,3966
1958 156 80 752,4065 125 65 048,7884 30 13 703,6181 1 2 000,0000
1959 254 104 641,3139 197 73 028,4039 50 31 002,3069 5 80,1240 2 530,4791
1960 392 125 580,0330 324 74 420,5814 62 39 371,6154 5 11 588,8362 1 199,0000
1961 384 106 423,5361 321 68 422,2665 55 27 545,6102 4 3 510,0840 4 6 945,5754
1962 927 333 752,8322 666 140 031,2051 252 179 185,8201 8 11 300,0000 1 3 235,8070
1963 739 175 643,5296 522 40 581,6614 210 96 698,2720 7 38 363,5962
1964 729 102 775,6781 614 74 508,5784 105 25 196,3923 1 700,0000 9 2 370,7074
1965 382 45 021,9606 355 386,4336 13 18,8205 12 43 696,7065 2 920,0000
1966 680 109 266,8340 578 60 023,3026 90 16 845,0289 7 27 902,6839 5 4 495,8186
1967 618 169 964,8807 528 80 091,5766 70 25 419,5218 12 60 653,1000 8 3 800,6823
1968 350 124 016,9523 255 33 956,1115 58 15 959,6975 37 74 101,1433
1969 338 145 055,6205 201 50 813,4653 78 18 698,4406 11 73 686,1690 48 1 857,5456
1972 401 309 574,7000 197 67 774,0000 114 61 102,0000 37 175 604,0000 53 5 094,7000