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ADILSON MACHIAVELLI
Tijucas
2008
ADILSON MACHIAVELLI
Tijucas
2008
ADILSON MACHIAVELLI
Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e
aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, Campus de Tijucas.
Orientador
À toda a minha família, pelo apoio, pelo carinho, pela compreensão e pela confiança que
depositaram em mim.
Ao Professor Orientador, Prof. MSc. Alexandre Botelho, norte seguro na orientação deste
trabalho.
Aos colegas de classe, tanto do 9º como do 10º períodos, pelos momentos que passamos
juntos, pelas experiências trocadas e pelo apoio.
Ao prefeito de Itapema, Prof. Sabino, pela confiança depositada e pelo apoio quando
necessário.
A todo o pessoal da Fundação Ambiental Área Costeira de Itapema – FAACI, pela dedicação,
companheirismo, respeito, compreensão, amizade, colaboração....
A todos, enfim, que de alguma forma colaboraram com críticas e sugestões para a realização
deste trabalho.
Qualquer um que escreve tem o privilégio de julgar os vivos e os
mortos, porém nós próprios somos julgados por outros, que o serão
por sua vez, e de século em século todas as sentenças são reformadas.
Voltaire
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.
Adilson Machiavelli
Graduando
RESUMO
Os Terrenos de Marinha e seus acrescidos são bens da União cuja origem remonta à época do
Brasil colônia. Foram instituídos como garantia de um espaço livre para a defesa e para
serviços públicos e particulares, adquirindo, posteriormente, importância como fonte de
rendas para a União. Atualmente encontram-se regidos, basicamente, pela CRFB/1988, pelo
Decreto-Lei n. 9.760/1946, pela Lei n. 9.636/1988 e o pelo Decreto n. 3.725/2001. O regime
patrimonial a que estão sujeitos é, em regra, o de bens dominicais da União, regidos pelo
instituto da enfiteuse, podendo ainda, constituírem-se em bens de uso comum do povo, ou
bens de uso especial. A delimitação destes terrenos apresenta elevada carga de incerteza, fruto
da necessidade de se estabelecer a Linha de Preamar Média de 1831, atribuindo-se a
Secretaria do Patrimônio da União – SPU a obrigação de identificar, demarcar, cadastrar,
registrar, fiscalizar, regularizar as ocupações e promover a utilização destes bens imóveis da
União. Decisões judiciais têm reconhecido o direito de interessados diretos participarem do
processo administrativo de demarcação destes terrenos, bem como a inocorrência de Terrenos
de Marinha ao longo de Rio Estadual por não recepção, na íntegra, do Decreto-Lei 9.760/1946
pela Constituição de 1946 e subseqüentes. Atualmente, viceja entendimento de que,
excetuados aqueles definidos aos longos dos rios e lagoas, deve-se manter o instituto Terrenos
de Marinha e seus acrescidos como bens da União, atribuindo-lhes não mais função
arrecadadora, mas sim de preservação e/ou recuperação ambiental, compatível com uma
função sócio-ambiental condizente com um bem de expressão constitucional.
The tide lands and those added to them are property of the Union whose origin dates back to
the colony Brazil times. Were imposed as a warranty of a free space for the protection to
private and public services, acquiring then importance as a source of income for the Union.
Currently they are ruled, basically, by The Brazil Federal Constitution of 1988, by Decree-law
no. 9.760/1946, by Law no. 9.636/1988 and by the Decree no 3.725/2001. The scheme assets
that are subject is as a rule, the Union of property domain, conducted by the emphyteusis
institute can be, yet, constitute themselves into common use of the people or assets of special
use. The demarcation of these lands presents high burden of uncertainty because of the need
to establish the line big tide average of 1831 year, giving up the Registry of the Patrimony of
the Union - RPU be required to identify, demarcate, register, monitor, regulate the
occupations and promote the use of such property of the Union. Court decisions have
recognized the right of direct interested participation of the concerned administrative
demarcation process these lands. and the not occurrence of tide lands across the state rivers,
because a not receiving, in full, of Decree-law no. 9.760/1946 by the Constitution of 1946 and
subsequent. Currently, shine understanding that defined, exception that defined across the
rivers and lakes, must had the institute of tide lands and those added to them should assets as
of the Union, giving them no longer collection function, but to preserve and/or environmental
recovery, consistent with a socio-environmental function agree with a assets from
constitutional level.
A. Autor
abr. Abril
ago. Agosto
ac. Acórdão
Des. Desembargador
dez. Dezembro
ed. Edição
fev. Fevereiro
j. julgado em
Jan. Janeiro
kms Quilômetros
m Metro
m. mês, meses
mar. Março
Min. Ministro
MSc. Mestre, Mestra
n. Número
N. do A. Nota do Autor
nov. Novembro
obs. Observação
org. Organizador
r. Respeitável
set. Setembro
% por cento
§ Parágrafo
LISTA DE SIGLAS
ON Orientação Normativa
Lista de categorias1 que o Autor considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com
seus respectivos conceitos operacionais2.
Aforamento
Enfiteuse ou Aforamento é o instituto civil que permite ao proprietário atribuir a outrem o
domínio útil do imóvel, pagando a pessoa que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao
senhorio direto uma pensão ou foro anual, certo e invariável (CC de 1916, art. 678). Consiste,
pois, na transferência do domínio útil do imóvel público para a posse, uso e gozo perpétuos da
pessoa que irá utiliza-lo daí por diante. Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal
Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 325.
Bem Dominical
É o que compõe não só o patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios, bem como o
das pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado a estrutura de direito privado,
como objeto do direito pessoal ou real dessas pessoas de direito público interno. Pode
abranger coisas móveis ou imóveis, como título de dívida pública, estrada de ferro, terra
devoluta, terreno de marinha, mar territorial, oficina e fazenda do Estado, queda d’água,
jazida e minério, arsenal das Forças Armadas etc. Cf. DINIZ, Maria Helena. Dicionário
Jurídico. vol.1, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 470-471.
Carta Régia
Documento que era firmado pelo rei de Portugal e dirigido a algum súdito em importante
missão, dando-lhe instruções, delegando-lhe competência para a prática de certos atos etc. Cf.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. vol.1, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 611.
Constituição
Lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do
Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar,
distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Cf. MORAES,
Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 36.
1
Denomina-se “categoria” a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia. Cf.
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed.
Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 31.
2
Denomina-se “Conceito Operacional” a definição ou sentindo estabelecido para uma palavra ou expressão, com
o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas ao longo do presente trabalho. Cf.
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito, p. 43.
Decreto-Lei
Assim se dizia do ato emanado do Poder Executivo, quando, no seu fundo e na sua forma, se
equiparava às próprias leis, emanadas do Poder Legislativo. Peculiar aos regimes de exceção,
tendo sido empregado entre nós durante o Estado novo e o Movimento de 1964, foi abolido
pela CF/88. Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 419.
Rio Estadual
Corrente de água natural que deságua em outro curso de água, num lago ou no mar, tendo
todo o seu curso, desde a nascente até a foz, em território de um só Estado e sob domínio legal
deste.
Rio Federal
Curso de água natural que deságua em outro curso de água, num lago ou no mar, tendo o seu
curso em terrenos de domínio da União, ou que banhe mais de um Estado, sirva de limites
com outros países, ou se estenda a território estrangeiro ou dele provenha (definição
construída com base na CRFB/1988, art. 20, III).
Terrenos Marginais
São os que banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a
distância de 15 (quinze) metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, contados
dêsde a linha média das enchentes ordinárias (definição legal – Decreto-Lei 9.760/1946, art.
4º).
Terrenos de Marinha
São terrenos situados na costa marítima, e nas margens de rios e lagoas até onde se faça sentir
a influência das marés, bem como os que contornam ilhas situadas em zona sob influência das
marés, em faixas com 33 (trinta e três metros) de largura, medidos horizontalmente, a partir
da Linha de Preamar Média de 1831, em direção a terra. (Conceito elaborado a partir da
definição legal – Decreto-Lei 9.760/1946).
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................................... 7
ABSTRACT .............................................................................................................................. 8
LISTA DE ABREVIATURAS................................................................................................. 9
LISTA DE SIGLAS................................................................................................................ 11
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 17
2 TERRENOS DE MARINHA.............................................................................................. 22
2.1 CONCEITO........................................................................................................................ 22
2.2 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 22
2.3 DESLOCAMENTO HISTÓRICO ..................................................................................... 23
2.3.1 Situação Atual ................................................................................................................. 31
2.4 TERRENOS ACRESCIDOS DE MARINHA ................................................................... 34
3 UTILIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA.......................................................... 37
3.1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 37
3.2 REGIME PATRIMONIAL ................................................................................................ 37
3.3 FORMAS DE UTILIZAÇÃO ............................................................................................ 40
3.3.1 Tendências do regime de Aforamento............................................................................. 47
4 DOS PROBLEMAS DE ORDEM PRÁTICA .................................................................. 50
4.1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 50
4.2 DEMARCAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA....................................................... 50
4.3 A LINHA DE PREAMAR MÉDIA ................................................................................... 54
4.4 A DELIMITAÇÃO DE TERRENOS DE MARINHA EM RIOS E LAGOAS ................ 61
4.4.1 Delimitação em lagoas..................................................................................................... 61
4.4.2 Delimitação em rios......................................................................................................... 63
5 DOS PROBLEMAS DE ORDEM JURÍDICA ................................................................. 66
5.1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 66
5.2 DEMARCAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA....................................................... 66
5.3 EXISTÊNCIA DE TERRENOS DE MARINHA AO LONGO DE RIO ESTADUAL .... 69
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 73
O presente trabalho tem por objeto3 os Terrenos de Marinha e seus acrescidos, ou seja,
das faixas de terras específicas ocorrentes ao longo de todo o litoral brasileiro, delimitadas
com base na Linha de Preamar Média de 1831. Devido ao amplo espectro destes institutos, o
trabalho será focado no deslocamento histórico, formas de utilização e, notadamente, com
relação às dificuldades práticas e jurídicas para a delimitação dos mesmos.
A importância do estudo deste tema reside na relevância que tais terrenos apresentam
sob enfoques diversos: são bens que apresentam elevada valoração econômica que lhes atribui
a indústria imobiliária; constituem-se em significativa fonte de recursos para a administração
pública federal; possuem alta significância como instrumentos de preservação ambiental na
orla brasileira; são de difícil delimitação prática. Tais características, normalmente
antagônicas entre si, tornam os Terrenos de Marinha e seus acrescidos objetos principais de
crescente número de ações judiciais.
3
Nesta Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e
ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 170-181.
18
Marinha e dos Terrenos Acrescidos de Marinha. Tais dificuldades acabam por prejudicar o
correto exercício do direito de propriedade de muitas pessoas junto à faixa litorânea.
A análise do objeto do presente estudo não está acentada sobre diretrizes teóricas
específicas ou artigos pré-selecionados. A reflexão realizada sobre o tema escolhido está
norteada pela dificuldade de se entender como um bem pertencente a um Estado, no caso um
rio que neste tem nascente e foz, pode gerar um bem para a União, caso dos Terrenos de
Marinha e seus acrescidos ao longo deste rio. Sob a luz desta dúvida, pretende-se investigar os
deslocamentos percebidos pelo objeto central da pesquisa, especialmente na literatura jurídica
contemporânea, colmatando seu significado na atualidade.
a) O Congresso Nacional, através de lei, altere o ano base da Linha de Preamar Média
que define os Terrenos de Marinha e seus acrescidos, trazendo-o para o presente ou para
passado próximo;
derradeiro, a quarta sopesou as dificuldades jurídicas que cercam o instituto dos Terrenos de
Marinha e seus acrescidos, dentro dos limites propostos de atuação da pesquisa.
4
Sobre os “Métodos” e “Técnicas” nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática
da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 99-125.
5
Quanto às “Técnicas” mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e
ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 61-71, 31- 41, 45- 58, e 99-125, nesta ordem.
21
Com este itinerário, espera-se alcançar o intuito que ensejou a preferência por este
estudo: demonstrar que, apesar das dificuldades na sua delimitação, Terrenos de Marinha e
Terrenos Acrescidos de Marinha constituem-se em institutos importante dentro do
ordenamento jurídico pátrio ao longo de uma região do País alvo de intensa cobiça por parte
da indústria imobiliária, a costa.
2 TERRENOS DE MARINHA
2.1 CONCEITO
2.2 INTRODUÇÃO
A expressão "medidos horizontalmente" visa a evitar que nos locais em que existam
aclives mais acentuados, a faixa destes terrenos, por efeito trigonométrico, ficasse reduzida a
menos de 33 metros em planta, se a medição se efetuasse segundo a inclinação da área.
Trata-se de um instituto peculiar do direito brasileiro que tem sido citado, com alguma
freqüência, na mídia nacional, em razão de inconformismos ou processos judiciais nos quais
6
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Dispõe sôbre os bens imóveis da União e dá outras
providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del9760compilado.htm>.
Acesso em: 20 abr. 2008.
23
são o objeto principal, em razão dos valores atribuídos ao foro anual e taxa de ocupação
devidos pelos detentores de sua posse ou em razão de propostas de alterações normativas em
trâmite no Congresso Nacional, tanto no nível constitucional, como infraconstitucional.
Com relação aos processos judiciais, buscas nas páginas da internet dos tribunais de
justiça tendo Terrenos de Marinha como argumento de pesquisa, indicam que tais processos
versam, basicamente, sobre três assuntos: a) cobrança de foro anual e da taxa de ocupação a
serem pagos pelos detentores do domínio útil destas áreas; b) inocorrência de Terrenos de
Marinha e/ou inconformidades na sua delimitação; e c) demandas ambientais decorrentes da
utilização destas áreas sem o devido licenciamento ambiental.
A par destas questões há, ainda, discussões freqüentes sobre a utilidade de manutenção
desta figura jurídica havendo, inclusive, Proposta de Emenda à Constituição7 (n. 57, de
6/6/2007) de autoria do Senador Almeida Lima que propõe a extinção dos Terrenos de
Marinha e de seus acrescidos do rol de bens da união. Proposta de Emenda à Constituição8 de
igual teor (n. 40, de 5/5/1999) de autoria do Senador Paulo Hartung foi arquivada ao final da
52ª Legislatura (final de 2006).
7
BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 53, de 2007. Revoga o inciso VII do art. 20
da Constituição e o § 3º do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para extinguir o instituto
do terreno de marinha e seus acrescidos e para dispor sobre a propriedade desses imóveis. Senador Almeida
Lima. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=81429>.
Acesso em: 20 abr. 2008.
8
BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 40, de 1999. Revoga o Inciso VII do Artigo
20 da Constituição Federal e o § 3º do Artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
extinguindo os terrenos de marinha e seus acrescidos e dispondo sobre a sua destinação. Senador Paulo Hartung.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=40377>. Acesso em:
20 abr. 2008.
24
Em sua obra de 200313, Paulo Affonso Leme Machado também esclarece, de forma
clara e sucinta, esta concepção inicial, e ressalta a importância atribuída aos Terrenos de
Marinha, desde a época do Brasil colônia, até os dias atuais, nos seguintes termos:
9
Portugal e Espanha, pioneiros europeus da expansão ultramarina, recorreram à autoridade do Papa para
legitimar a posse de suas descobertas. Uma bula papal de 1493 estabeleceu um meridiano que passava a 100
léguas a oeste de Cabo Verde como divisor dos domínios de Portugal (à leste) e Espanha (à oeste). Neste limite o
Brasil estaria sob domínio espanhol. No ano seguinte, 1494, foi negociada uma nova divisão, dando origem ao
Tratado de Tordesilha, que estabeleceu como divisor do mundo ocidental um meridiano localizado a 370 léguas
a oeste de Cabo Verde, ampliando o domínio português, incluindo, assim, parte do que viria a ser o Brasil. Esta
divisão do mundo foi contestada por potências européias (Holanda, França, Inglaterra) o que forçou Portugal e
Espanha a adotarem uma atitude efetiva em relação às terras descobertas. A colonização, desta forma, viabilizou
a posse efetiva. Fonte: REFORMAS Pombalinas, Primeiras Contestações ao Sistema Colonial e Fixação de
Limites entre Portugal e Espanha. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/contestacoes.htm>. Acesso em:
16 mar. 2008.
10
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Art. 1º - Incluem-se entre os bens imóveis da
União:...j) os que foram do domínio da Coroa.
11
Sesmaria: Terreno inculto ou abandonado que os reis de Portugal concediam a sesmeiros, para que o
cultivassem. Cf. FERREIRA, Aurelio Buarque de Hollanda. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa. 11. ed. Rio de Janeiro: Nacional, 1987, p. 1108. (1301 p.).
12
MENEZES, Roberto Santana de. Regime patrimonial dos terrenos de marinha. Jus Navigandi, Teresina, ano
9, ano. 9, n. 485, 5 nov. 2004. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5855>. Acesso em:
12 ago. 2007.
13
Em homenagem ao leitor, vale esclarecer que, em edições mais recentes de sua obra (p.ex. 13ª edição, de
2005), Paulo Affonso Leme Machado revisa completamente o Título II, eliminando os capítulos II – Atividades
Relacionadas com o Meio Ambiente e III – Bens Ambientais na Constituição Federal de 1988, substituindo-os
pelo capítulo II – Constituição Federal e Meio Ambiente, não tratando mais dos Terrenos de Marinha.
25
Esta ordem real, de lavra do Rei D. João V, foi baixada durante a chamada Guerra dos
Mascates, conflagração entre Olinda e Recife, importantes cidades litorâneas, ocorrida entre
1710 e 171115.
Uma importante obra sobre esse instituto jurídico e sua dimensão, é o livro de Rosita
de Souza Santos17, específico sobre o tema. Para a autora, a expresão “terra de marinha” ou
“terreno de marinha” foi estabelecido quando o País ainda era colônia.
14
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.132-
133.
15
CABRAL, Gabriela. Guerra dos mascates. Disponível em <http://www.brasilescola.com/historiab/guerra-dos-
mascates.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.
16
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 861.
17
SANTOS, Rosita de Souza. Terras de marinha. Rio de Janeiro: Forense, 1985. 324 p.
26
pela sua borda são reservadas para servidão pública, e que tudo que toca a água do mar e
acresce sobre ela é da nação” 18.
A primeira lei que tratou expressamente sobre Terrenos de Marinha, de acordo com
Mariana Freitas, foi a Lei Orçamentária de 15 de novembro de 1831. Até então o assunto
estava reservado apenas à seara administrativa. Desta maneira, até essa data, os aforamentos
dos Terrenos de Marinha eram aproveitados apenas pelos que tinham conhecimento dos
editais publicados que, desde então, já não alcançavam a totalidade da população19. Dizia o
art. 51 da mencionada Lei Orçamentária:
A observação do texto transcrito revela uma característica que parece própria dos atos
normativos da época em que foi editado. Em um mesmo tópico a lei contém diversas
decisões, conforme ficou bem explicado por Rosita de Souza Santos:
Deste momento em diante, como parece ter sido usual na época, quando em
uma mesma lei, e em um mesmo inciso, se tomavam variadas medidas e se
faziam diversas determinações, os terrenos de marinha alcançaram espaço
em um corpo de lei; passaram ao controle do Ministério da Fazenda, porque
sua renda foi incluída na receita pública; foram postos à disposição das
Câmaras Municipais para logradouros públicos; foi permitido ao Ministro da
Corte, e aos Presidentes nas Províncias, proceder o aforamento deles a
18
FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. Curitiba:
Juruá, 2005. p. 166-167.
19
FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 167.
20
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4904, de 2005. Dispõe sobre a linha da preamar na fixação
dos terrenos de marinha e dá outras providências. Deputado Alceu Collares. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/285125.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2008.
27
A destacar que ainda hoje os Terrenos de Marinha são medidos tendo como parâmetro
a Linha de Preamar Média de 1831, por força do disposto no Decreto-Lei n. 9.760/194622. A
causa provável do estabelecimento do ano de 1831 seria a Lei Orçamentária acima citada.
A partir desta lei orçamentária, os Terrenos de Marinha passaram figurar nas leis
orçamentárias como elemento gerador de renda através de foros e laudêmios. Ao que parece,
a importância adquirida como fonte de renda para o Estado tornou-se mais importante que sua
utilidade como área reservada para a defesa e para serviços públicos.
Percebe-se ainda da leitura da lei que, embora fosse permitido aos Presidentes das
Províncias aforar Terrenos de Marinha a particulares, bem como estabelecer o foro, “segundo
for justo”, a titularidade permanecia com o Império (poder central) e as rendas, estabelecidas
pelas Províncias, também permaneciam sobre controle do poder central, sob incumbência do
Ministério da Fazenda.
21
SANTOS, Rosita de Souza. Terras de marinha. p.12.
22
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Art. 2º São terrenos de marinha, em uma
profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do
preamar-médio de 1831.
23
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4904, de 2005.
24
FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 168.
28
25
LIMA, Obéde Pereira de; LIMA, Roberval Felippe Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar
média de 1831 - LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos.
Disponível em: <http://www.cartografia.org.br/xxi_cbc/024-G05.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2008.
26
FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. pp. 168-171.
27
A criação do sistema métrico decimal surge em plena Revolução Francesa. O depósito do metro-padrão nos
Arquivos da República (Paris), em 22 de junho de 1799, marca esta criação. A definição foi estabelecida como a
décima-milionésima (1/10.000.000) parte da distância entre o Pólo Norte e o Equador pelo meridiano que passa
por Paris. Hoje o metro é definido como a distância percorrida pela luz no vácuo durante o intervalo de tempo de
1/299.792.458 de segundo. (BRASIL. Inmetro. Sistema Internacional de Unidades - SI. 8. ed. Rio de Janeiro,
2003. 116 p). No Brasil, o sistema métrico francês foi oficialmente implantado pela Lei 1.157 de 26 de junho de
1862. Uma braça craveira equivalia a 2,2 metros.
29
Nas contra razões apresentadas à Ação Ordinária supra, Epitácio Pessoa, segundo
Roberto Menezes, assim destacou a importância que a República atribuía aos Terrenos de
Marinha:
28
MENEZES, Roberto Santana de. Regime patrimonial dos terrenos de marinha. Jus Navigandi. p. 1.
30
Este mesmo decreto trouxe ainda uma alteração bastante significativa no tocante à
demarcação da Linha de Preamar Média. Pela primeira vez um texto legal estabelece que deve
ser levado em consideração o preamar máximo atual. Diz seu artigo 3º:
29
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4904, de 2005.
31
Vale destacar, para que não restem quaisquer dúvidas, que Terrenos de Marinha não
são terrenos da Marinha. Eles não pertencem à Marinha do Brasil, ou Comando da Marinha,
órgão subordinado ao Ministério da Defesa, mas sim à União, que exerce o controle
patrimonial sobre os mesmos através da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, órgão
vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG. Celso Ribeiro
Bastos assim comentou, referindo-se aos Terrenos de Marinha,
Os Terrenos de Marinha também não podem ser confundidos com terras devolutas,
como já aconteceu. A Ação Originária n. 8 intentada pelos Estados do Espírito Santo e da
Bahia, já comentada, serve de exemplo. As terras devolutas são aquelas que não foram
incorporadas a nenhum patrimônio particular ou foram incorporadas ao patrimônio público,
mas sem destinação para uso público. Bandeira de Mello esclarece da seguinte forma a
origem e o que são as ditas terras devolutas.
São as terras públicas não aplicadas ao uso comum nem ao uso especial. Sua
origem é a seguinte. Com a descoberta do País, todo o território passou a
integrar o domínio da Coroa portuguesa. Destas terras, largos tratos foram
trespassados aos colonizadores, mediante as chamadas concessões de
30
BRASIL. Lei nº 11.481, de 31 de maio de 2007. Dá nova redação a dispositivos das Leis nos 9.636, de 15 de
maio de 1998, 8.666, de 21 de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho de 2005, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 -
Código Civil, 9.514, de 20 de novembro de 1997, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos
9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21
de dezembro de 1987; prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União;
e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2007/Lei/L11481.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008.
31
FREITAS, Mariana Almeida Passos de. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos, p.146.
32
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva 1999. p. 303.
33
Entretanto, a condição hoje atribuída a este bem da União, quase que unicamente
como fonte de receita, destoa da sua condição de bem com expressão constitucional. A esse
respeito comenta Paulo Affonso Leme Machado: “Os terrenos de marinha ganharam a
valorização constitucional não para que depois fossem privatizados, esquecendo-se sua
conotação de “bens de uso comum do povo””35, tendo ressaltado:
33
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, pp. 757-
758.
34
FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 171.
35
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 133.
36
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p.133.
34
Mariana Freitas, também destacam a importância presente destas áreas para a preservação
ambiental, dispondo: “[...] hoje, ganha relevo o interesse ecológico, uma vez que a maior
parte desses terrenos constitui área de preservação permanente: Mata Atlântica, mangues,
morros, dunas [...]”37.
Segundo o artigo 20, VII, da CRFB/1988, são bens da União não só os Terrenos de
Marinha, mas também “os seus acrescidos”38. O artigo 3º do Decreto-Lei n. 9.760, de 1946,
traz a definição destes terrenos acrescidos, com a seguinte redação: “São terrenos acrescidos
de marinha os que se tiverem formado natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos
rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha”39.
37
FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 166.
38
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 20. São bens da União: (...) VII – os
terrenos de marinha e seus acrescidos Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008.
39
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946.
35
Verifica-se nesta definição que o autor trata, inicialmente, de terrenos acrescidos aos
Terrenos de Marinha ou aos Terrenos Marginais. Ao final, refere-se a ambos como bens
dominicais e sua propriedade pode ser tanto de entidade pública (não se restringe a União),
como constituir propriedade privada, muito embora o texto legal, Decreto-Lei n. 9.760/1946,
assim não preveja.
40
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 761.
41
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 678.
42
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 678.
36
que não em seguimento a Terrenos de Marinha. Qualquer uma das possibilidades não está
devidamente aclarada no texto.
Destarte, terrenos acrescidos, quer por aluvião ou por avulsão, em margens de rios e
lagoas que sofram a influência de mares ou em margens de rios navegáveis, somente não
pertencem a União se houver o entendimento que, por alguma razão de ordem jurídica, as
disposições expressas no Decreto-Lei nº 9.760/1946 sobre a presença de Terrenos de Marinha
e/ou Terrenos Marginais ao longo de rios e lagoas não mais se sustentam, total ou
parcialmente.
43
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Art. 4º.
3 UTILIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA
3.1 INTRODUÇÃO
44
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. ADCT, Art. 49. (...) § 3º - A enfiteuse
continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da
orla marítima. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso
em: 21 abr. 2008.
45
BRASIL. Lei nº 10.406, de 20 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 99. São bens públicos: I - os de
uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou
terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal,
inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito
público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008
38
Por expressa determinação dos arts. 100 e 101 do CC/2002, apenas quando dominicais
os bens públicos são passíveis de alienação46.
Ao tratar também do assunto, Diógenes Gasparini cita vários sinônimos para bens
dominicais, tais como: bens disponíveis; bens do patrimônio disponível; bens patrimoniais
disponíveis; bens do patrimônio fiscal; bens patrimoniais do Estado e bens do domínio
privado do Estado48. Este autor define-os da seguinte forma:
A despeito das restrições, ou requisitos, estabelecidos aos bens dominicais, estes têm
diferenças jurídicas claras em relação aos de uso comum do povo e aos especiais,
principalmente por serem regidos pelo direito privado, conforme esclarece Diogo de
Figueiredo Moreira Neto:
46
BRASIL. Lei nº 10.406, de 20 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 100. Os bens públicos de uso
comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a
lei determinar. Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.
47
MASAGÃO, Mário. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. p.133.
48
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 811.
49
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 811.
39
Este terceiro tipo, dos dominicais, enseja ao Estado uma possibilidade legal
de disposição mais ampla que em relação aos anteriores, quase semelhante à
aberta pelo regime privado. Na verdade, os poderes do Estado sobre tais
bens são estabelecidos pelo Direito Público, através de prescrições
constitucionais e administrativas, apropriadas para cada nível federativo,
somente se valendo da normatividade civil em caráter complementar ou
suplementar, no que compatível50.
Perceba-se que o autor deixa claro que é “quase semelhante” ao regime do direito
privado, esclarecendo que este atua de forma complementar ou suplementar as prescrições
constitucionais e administrativas.
Ao tratar do tema bens dominicais, Maria Sylvia Zanella di Pietro aponta quais seriam,
tradicionalmente, as principais características dessa classe de bens, na qual estariam incluídos
os Terrenos de Marinha.
Aqui a autora retoma uma situação específica aos Terrenos de Marinha, já comentada
no tópico anterior, qual seja a de que os bens dominicais são utilizados pelo Estado
principalmente como fonte de rendas.
50
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002. p. 233.
51
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 642.
40
Destarte, os Terrenos de Marinha podem ser incluídos em cada uma das três espécies
de bens públicos: a) quando vagos ou ocupados por particulares, constituem-se em bens
dominicais; b) quando apresentam praias, esta porção da área classifica-se como bem de uso
comum do povo, por determinação expressa de lei, artigo 10 da Lei 7.661, de 16 de maio de
198852; c) finalmente, se estes terrenos estão ocupados por alguma edificação pública,
qualquer que seja, constituirão bens de uso especial. A regra, entretanto, é que constituam
bens dominicais.
Algo que distingue os Terrenos de Marinha dos demais bens imóveis da União quanto
ao regime patrimonial aplicado é que, quando situados na orla, na faixa de segurança, eles não
são suscetíveis de alienação total. Esta vedação aplica-se ainda que não estejam afetados ao
serviço público, nem constituam bem de uso comum do povo. Quando for conveniente que
deles terceiros façam uso, existe a obrigatoriedade, por expressa disposição constitucional, de
fazê-lo sob o regime da enfiteuse53 (ou Aforamento).
As formas de uso dos Terrenos de Marinha e seus acrescidos estão vinculadas à sua
classificação patrimonial. Eles podem estar afetados ao serviço público, constituírem bens de
uso comum do povo ou fazer parte do patrimônio disponível da União como bens dominicais.
Nesta condição, e somente nesta, o domínio útil dos Terrenos de Marinha pode ser
trespassado ao particular, mediante Aforamento.
52
BRASIL. Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988. Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá
outras providências. Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre,
livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de
interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L7661.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.
53
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. ADCT, Art. 49. A lei disporá sobre o
instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extinção, a remição dos
aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos.
(...) § 3º - A enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de
segurança, a partir da orla marítima. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008.
41
para terceiros da fração “domínio útil” também denominada “direito real de uso”, por meio da
enfiteuse, pela qual permanece com a União o “domínio direto”, ou seja, fica a União na
condição de “nu proprietário”54.
Embora não exista uma definição precisa do que vem a ser esta faixa de segurança,
Roberto Menezes entende que se trata de uma faixa de cem metros, na costa, por interpretação
do art. 100 do Decreto-Lei nº 9.760/194655. É o que diz este artigo:
54
MENEZES, Roberto Santana de. Regime patrimonial dos terrenos de marinha. Jus Navigandi. p. 5.
55
MENEZES, Roberto Santana de. Regime patrimonial dos terrenos de marinha. Jus Navigandi. p. 7.
56
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946.
42
Portanto, naquilo que se refere a Terrenos de Marinha, por serem bens públicos, a
concessão do Aforamento resulta de ato administrativo.
57
FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 154.
58
SANTOS, Rosita de Souza. Terras de marinha. p. 66.
59
FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 155.
43
comprova por preceito do Código Civil de 1916 que, no seu artigo 680 limitava seu alcance às
terras não cultivadas e a terrenos urbanos não edificados60.
Na seara do direito privado, o conceito de enfiteuse era dado pelo próprio Código
Civil de 1916, no seu artigo 678. Entretanto, tal artigo não encontra correspondência no
Código Civil de 2002, que excluiu todo o capítulo dedicado à enfiteuse existente no Código
Civil pretérito. A causa mais provável para essa exclusão é o pouco uso de tal instituto.
Entretanto, ela ainda vigora no tratamento jurídico dos Terrenos de Marinha, conforme
previsto no artigo 2.038, § 2º, do atual Código Civil:
A lei especial a que se refere o § 2.º na verdade são duas: o Decreto-Lei n. 9.760/1946
e a Lei n. 9.636/1998.
60
BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Art. 680. Só podem ser objeto de enfiteuse
terras não cultivadas ou terrenos que se destinem a edificação. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm>. Acesso em: 18 jun. 2008.
61
FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 155.
62
BRASIL. Lei nº 10.406, de 20 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 2.038. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.
63
MONTEIRO, Whashington de Barros. Curso de direito civil. . 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 200.
44
o domínio útil mediante pagamento de importância anual, denominada foro ou pensão. Por aí
se verifica que sobre o mesmo bem incidem dois tipos de domínio, conforme esclarece Hely
Lopes Meirelles:
No caso dos Terrenos de Marinha, o foro é estabelecido pelo artigo 101 do Decreto-
Lei n. 9.760/1946, que assim dispõe: “Os terrenos aforados pela União ficam sujeitos ao foro
de 0,6% (seis décimos por cento) do valor do respectivo domínio pleno, que será anualmente
atualizado”.
Além do foro, outra taxa a que está sujeito o enfiteuta é o laudêmio. Esta taxa incide
quando o particular aliena os seus direitos sobre os imóveis da União. No caso dos Terrenos
de Marinha, a União tem direito de opção ou preferência na aquisição do domínio útil pelo
prazo de trinta dias. O foreiro que pretenda a alienação deve requerer certidão autorizativa de
64
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 503.
65
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 770.
66
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 769.
67
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 503.
45
transferência junto a Gerência Regional da SPU em seu Estado, Se não for exercido o direito
de preferência, e as taxas de foro estiverem em dia, será emitida a certidão e incidirá laudêmio
quando o imóvel for alienado, “correspondente a importância equivalente a 5% do valor do
terreno e das benfeitorias existentes.”68.
O foro e o laudêmio são créditos fiscais cujo não pagamento pode gerar ação executiva
por parte da União (execução fiscal), conforme estabelecido no artigo 201 do Decreto-Lei n.
9.760/1946: "São consideradas dívida ativa da União, para efeito de cobrança executiva, as
provenientes de aluguéis, taxas, foros, laudêmios e outras contribuições concernentes de
utilização de bens imóveis da União”.
É de se esclarecer que tanto o foro, como o laudêmio, são taxas e, embora tributos, de
natureza distinta dos impostos com os quais não se confundem. Desta maneira, se o Terreno
de Marinha estiver localizado em perímetro urbano, além das taxas citadas o imóvel está
sujeito ao imposto predial e territorial urbano – IPTU.
68
BRASIL. MPOG. Os Terrenos de Marinha e as atividades imobiliárias da SPU - Informações de interesse
do cidadão. Disponível em: <http://www.spu.planejamento.gov.br/conteudo/apresentacao/terrenos.htm>. Acesso
em 11 fev. 2008.
69
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 503.
70
BRASIL. Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e
alienação de bens imóveis de domínio da União, altera dispositivos dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de
setembro de 1946, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987, regulamenta o § 2o do art. 49 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. Art. 9o É vedada a inscrição de ocupações que: I -
ocorreram após 27 de abril de 2006; (...). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9636.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008.
46
71
BRASIL. MPOG-SPU. Manual de regularização fundiária em terras da união. São Paulo: Instituto Polis,
2006. p. B:49.
72
BRASIL. MPOG. Os Terrenos de Marinha e as atividades imobiliárias da SPU - Informações de interesse
do cidadão. Disponível em: <http://www.spu.planejamento.gov.br/conteudo/apresentacao/terrenos.htm>. Acesso
em 11 fev. 2008.
73
BRASIL. MPOG-SPU. Manual de regularização fundiária em terras da união. São Paulo: Instituto Polis,
2006. p. E:77.
47
no Código Civil de 2002, do existente capítulo sobre o tema no Código Civil de 1916, ou de
maneira direta, pela expressão clara disposta do artigo 2.038, caput, do CC/200274. Contudo,
como observado no parágrafo 2.º deste artigo, a enfiteuse é mantida para os Terrenos de
Marinha. Ou seja, extinta na seara do direito privado, a enfiteuse continuará existindo para ser
utilizada pelo poder público. É essa também a interpretação de Sílvio de Salvo Venosa:
Por fim, cabe dizer que enfiteuse sempre foi entendida como direito real sobre coisa
imóvel alheia e é perpétua. No caso dos Terrenos de Marinha, por serem bens públicos, no
regime de Aforamento, o direito real sobre coisa alheia é constitutivo. Assim, depende de
prévia inscrição no Registro de Imóveis76.
74
BRASIL. Lei nº 10.406, de 20 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 2.038. Fica proibida a
constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do
Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, e leis posteriores. (...) § 2o A enfiteuse dos terrenos
de marinha e acrescidos regula-se por lei especial. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.
75
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: vol. 1:parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 390.
76
FREITAS, Mariana Almeida de Passos. Zona Costeira e Meio Ambiente: aspectos jurídicos. p. 157.
48
existentes, até sua extinção, regem-se pelas disposições do Código Civil de 1916 e leis
posteriores. Sobre isso se manifesta Maria Helena Diniz: “[...] a animosidade contra a
enfiteuse não é recente e muitos Códigos a aboliram, por não se coadunar com o princípio da
função social da propriedade.”77
77
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 350.
78
BRASIL. Lei nº 11.481, de 31 de maio de 2007. Dá nova redação a dispositivos das Leis nos 9.636, de 15 de
maio de 1998, 8.666, de 21 de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho de 2005, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 -
Código Civil, 9.514, de 20 de novembro de 1997, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos
9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21
de dezembro de 1987; prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União;
e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2007/Lei/L11481.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008.
49
O último ato atinente a PEC-603/1998 registrado pela Câmara dos Deputados está
datado de 20/12/06 e informa que o parecer da relatora, Deputada Telma de Souza, foi
aprovado com substituto. Pela proposta aprovada, não haveria a extinção do instituto da
enfiteuse, mas sim, a possibilidade deste continuar a ser aplicado aos Terrenos de Marinha e
seus acrescidos, sendo também admitidas outras formas de concessão de direitos sobre os
mesmos, nos termos da lei80.
As mudanças apontadas pela SPU no sentido de que o patrimônio da União deve ser
utilizado com estrita observância de sua função sócio-ambiental são indicativos importantes
quando avaliam-se as mudanças pretendidas na legislação. Se a intenção é de fato dar a estes
bens, notadamente aos Terrenos de Marinha, importância ambiental elevada, as mudanças
propostas devem ser sempre analisadas no sentido de garantir a propriedade da União sobre
tais terrenos como fator facilitador das ações de preservação e/ou recuperação ambiental.
79
BRASIL. Câmara dos Deputados. PEC-603/1998. Revoga o § 3º do art. 49 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. (Excluindo a aplicação da enfiteuse/aforamento aos terrenos de marinha situados na
faixa de segurança, na orla marítima, alterando a Constituição Federal de 1988). Deputada Laura Carneiro.
Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 21 abr. 2008.
80
BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº 603, de 1998. Parecer. Relatora:
Deputada Telma de Souza. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/431993.pdf>. Acesso em:
21 de abr. 2008.
4 DOS PROBLEMAS DE ORDEM PRÁTICA
4.1 INTRODUÇÃO
81
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Dispõe sôbre os bens imóveis da União e dá outras
providências.
51
Segundo essa norma, a SPU demarcaria a Linha de Preamar Média de 1831 com base
em documentos da época ou de período próximo a ela, de autenticidade irrecusável. Este
cuidado mostra que, até então, os Terrenos de Marinha não se encontravam devidamente
demarcados. Tal trabalho ainda está por ser finalizado, conforme admite a própria Secretaria:
Assim, a partir de 1946, a SPU deveria ter iniciado os trabalhos objetivando descobrir
e demarcar a posição da Linha de Preamar Média de 1831 – certamente, tarefa nada simples,
pois se tratava do levantamento topográfico de todo o litoral brasileiro, o qual “compreende
uma faixa de 8.698 km de extensão e largura variável, contemplando um conjunto de
ecossistemas contíguos [...]”84.
82
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946.
83
BRASIL. MPOG. Os Terrenos de Marinha e as atividades imobiliárias da SPU - Informações de interesse
do cidadão. Disponível em: <http://www.spu.planejamento.gov.br/conteudo/apresentacao/terrenos.htm>. Acesso
em 11 fev. 2008.
84
PROJETO ORLA: fundamentos para a gestão integrada / Ministério do Meio Ambiente, Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão. Brasília: MMA, 2006. p. 24.
52
Para Obéde Lima e Roberval Lima, os critérios utilizados pela SPU na demarcação
dos Terrenos de Marinha estão baseados em conceitos que levam ao estabelecimento de uma
Linha de Preamar Média de 1831 presumida, porque aquele órgão não teria conhecimentos
sobre como localizar nos dias atuais a linha real de 1831. Tal situação, estabelecimento de
linha presumida, feriria frontalmente, segundo os autores, a definição contida na legislação
em vigor86.
85
BRASIL. MPOG-SPU. ON-GEADE-002 Orientação normativa que disciplina a demarcação de terrenos
de marinha e seus acrescidos. 12/03/01. Disponível em: <
http://www.spu.planejamento.gov.br/arquivos_down/spu/orientacao_normativa/ON_geade_002.PDF>. Acesso
em: 21 abr. 2008. p. 13.
86
LIMA, Obéde Pereira de; LIMA, Roberval Felippe Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar
média de 1831 - LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos.
Disponível em: <http://www.cartografia.org.br/xxi_cbc/024-G05.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2008. 2ª p. (obs. O
texto não é paginado no original).
87
BRASIL. Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e
alienação de bens imóveis de domínio da União, altera dispositivos dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de
setembro de 1946, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987, regulamenta o § 2o do art. 49 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. Art. 1o É o Poder Executivo autorizado, por intermédio da
Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, a executar ações de
53
Com o fito de cumprir com sua obrigação, a SPU, entre outras ações, editou uma
cartilha em linguagem apropriada ao grande público sobre o processo de cadastramento,
demarcação e regularização dos Terrenos de Marinha, com o evidente propósito de esclarecer
e, conseqüentemente, reduzir apreensões que a aceleração dos trabalhos poderia trazer aos
possuidores antes tranqüilos, em posse mansa e pacífica88.
identificação, demarcação, cadastramento, registro e fiscalização dos bens imóveis da União, bem como a
regularização das ocupações nesses imóveis, inclusive de assentamentos informais de baixa renda, podendo, para
tanto, firmar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios em cujos territórios se localizem e,
observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, celebrar contratos com a iniciativa privada. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9636.htm>. Acesso em: 21 abr. 2008.
88
BRASIL. MPOG-SPU. Cartilha SPU: Tudo o que você precisa saber sobre laudêmio, taxa de ocupação e
foro. Disponível em: <http://www.spu.planejamento.gov.br/publicacoes/cartilha_laudemio.htm>. Acesso em: 21
abr. 2008.
89
BRASIL. Lei 9.636 de 15 de maio de 1998
90
BRASIL. Lei 9.636 de 15 de maio de 1998. Art. 1.º.
54
lavrará em livro próprio, com força de escritura pública, o termo competente, incorporando a
área ao patrimônio da União91.
Para que uma área seja considerada Terreno de Marinha ou Terreno Acrescido de
Marinha, bem público dominical da União, deve haver, primeiramente, a delimitação da
Linha de Preamar Média de 1831. Em seguida, a demarcação do terreno pela SPU, atendendo
a todas as exigências mencionadas no Decreto-Lei 9.760/1946, após será o imóvel inscrito no
Registro de Imóveis.
91
BRASIL. Lei 9.636 de 15 de maio de 1998. Art. 2.º.
55
Para que o entendimento seja mais completo, também se faz necessário que o conceito
de marés esteja claro. Argeo Magliocca apresenta o seguinte conceito para maré:
Ressalte-se, ainda, que linha de costa não se confunde com Linha de Preamar Média.
Carlos Roberto Soares e Rodolfo José Ângulo esclarecem o que é linha de costa,
diferenciando-a da Linha de Preamar Média, nos seguintes termos:
92
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaib Filho e Gláucia Carvalho. 26. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 1072.
93
MAGLIOCCA, Argeo. Glossário de oceanografia. São Paulo: Nova Stella-EDUSP, 1987. p. 190.
94
SOARES, Carlos Roberto e ANGULO, Rodolfo José. Sobre a delimitação da linha de preamar-médio de
1831, que define os terrenos de marinha. Revista do Direito Ambiental, São Paulo, nº. 20, 2002. p. 263.
56
demarcada em todo o litoral brasileiro. Esta situação, segundo Diógenes Gasparini95, levou o
Judiciário, os particulares e os órgãos públicos, mesmo a SPU, a aceitar critérios outros para
sua determinação, como é o caso da linha do jundu, vegetação existente nas proximidades das
praias, como marco substituto da Linha de Preamar Média de 1831. Sobre o assunto comenta
ainda Gasparini:
Nos termos do Decreto-Lei n. 9.760/1946, devem ser usadas como base “plantas de
autenticidade irrecusável relativas àquele ano ou, quando não obtidas, à época que do mesmo
se aproxime”97. É evidente a enorme dificuldade de localização de tais plantas, se é que
existam ou existiram, tendo em vista o longo tempo decorrido. A dificuldade em obter-se tais
plantas de autenticidade irrecusável, datadas desse ano, é comentada por Carlos Roberto
Soares e Rodolfo José Angulo:
95
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 865.
96
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. p. 865.
97
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Art. 10.
57
Associado a este fator tem-se outro, que é a falta de equipamentos adequados para a
aferição atual da Linha de Preamar Média. Ora, se é difícil estabelecer a linha de preamar
média atual, imagine-se estabelecer aquela de 1831. Sobre tais dificuldades também
comentam Carlos Roberto Soares e Rodolfo José Angulo:
98
SOARES, Carlos Roberto e ANGULO, Rodolfo José. Sobre a delimitação da linha de preamar-médio de
1831, que define os terrenos de marinha. p. 265.
99
SOARES, Carlos Roberto e ANGULO, Rodolfo José. Sobre a delimitação da linha de preamar-médio de
1831, que define os terrenos de marinha. p. 264.
58
consideram que o nível médio do mar vem subindo a uma taxa da ordem de 38 cm por século
na área em estudo100.
100
LIMA, Obéde Pereira de e LIMA, Roberval Felippe Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar
média de 1831 - LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos.
Disponível em: <http://www.cartografia.org.br/xxi_cbc/024-G05.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2008.
101
LIMA, Obéde Pereira de e LIMA, Roberval Felippe Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar
média de 1831 - LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos. pp. 8-10.
(não numeradas no original).
102
Estirâncio ou estrão: Faixa do litoral entre a mais alta e a mais baixa maré, sendo, por conseguinte, a zona
lavada do litoral. Cf. GUERRA, Antônio Teixeira e GUERRA, Antonio José Teixeira. Novo dicionário
geológico-geomorfológico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 249. Definição não constante no texto
original.
103
Isoípsa: Linha que liga os pontos de igual altitude, situados acima do nível do mar. O mesmo que curva de
nível. Cf. GUERRA, Antônio Teixeira e GUERRA, Antonio José Teixeira. Novo dicionário geológico-
geomorfológico. p. 358. Definição não constante no texto original.
104
LIMA, Obéde Pereira de e LIMA, Roberval Felippe Pereira de. Localização geodésica da linha da preamar
média de 1831 - LPM/1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos. p. 6 (não
numeradas no original).
59
Vale recordar aqui que Carlos Soares e Rodolfo Angulo salientaram o fato de que a
costa brasileira é extremamente dinâmica, especialmente as praias, o que faz com que a linha
de preamar possa mudar, até mesmo diariamente105.
Tal estudo identifica a praia de Meia Praia como disposta em uma baía bem protegida
com relação ao regime sul-brasileiro de ondas oceânicas. Esta proteção deriva de sua
orientação e da dimensão de seus costões rochosos. A combinação destes fatores determina
que as ondas que tem maior acesso à baía são aquelas provenientes de nordeste, com
características de alturas pequenas e baixos períodos. As ondas de maior energia da costa
catarinense, oriundas de sul-sudeste, são quase que totalmente bloqueadas pela configuração
geográfica local.107
Mesmo com toda esta proteção que a praia de Meia Praia possui ela é extremamente
dinâmica. A Figura 1, mostrada adiante, registra dois perfis topográficos com diferenças
marcantes entre eles, levantados no mesmo local, na porção central da praia. O primeiro
efetuado na data de 4/8/2006 e o segundo, em 29/8/2006.
105
SOARES, Carlos Roberto e ANGULO, Rodolfo José. Sobre a delimitação da linha de preamar-médio de
1831, que define os terrenos de marinha. p. 264.
106
AMBIENS CONSULTORIA E PROJETOS AMBIENTAIS (Itapema). Estudo de Impacto Ambiental -
EIA Implantação da Avenida Beira-Mar: Município de Itapema/SC. Florianópolis, 2006. pp. 318.
107
A AMBIENS CONSULTORIA E PROJETOS AMBIENTAIS (Itapema). Estudo de Impacto Ambiental -
EIA Implantação da Avenida Beira-Mar. pp. 170-177.
108
AMBIENS CONSULTORIA E PROJETOS AMBIENTAIS (Itapema). Estudo de Impacto Ambiental -
EIA Implantação da Avenida Beira-Mar. pp. 90-94.
60
Figura 1. Perfis em datas diferentes da porção central da praia de Meia Praia (Itapema/SC)
mostrando variação de volume de sedimentos, aumento tanto na porção subaérea, como na porção
submersa, e avanço em direção ao mar da linha de costa (fora de escala). Fonte: AMBIENS
CONSULTORIA E PROJETOS AMBIENTAIS (Itapema). Estudo de Impacto Ambiental -
EIA Implantação da Avenida Beira-Mar: Município de Itapema. Florianópolis, 2006. p. 92.
Tal grau de variabilidade depõe contra o esforço elaborado por Obéde Lima e
Roberval Lima para a definição da Linha de Preamar Média de 1831. Verifica-se que, por
melhor que tenha sido o programa computacional utilizado, o grande potencial de variação
dos ângulos de declividade da costa, do estirâncio e da zona frontal, dificilmente é avaliado
adequadamente. Ademais, o resultado alcançado por estes autores para retrovisão a 1831 está
61
fundado na premissa de que houve uma variação positiva do nível do mar da ordem de 38 cm
por século, algo ainda a ser cabalmente demonstrado. Desta maneira, a localização da Linha
de Preamar Média de 1831 obtida pelos autores ainda não pode ser afirmada como real.
A primeira questão que merece ser colocada é que a utilização do termo lagoa no
Decreto-Lei n. 9.760/1946, fez-se de maneira equivocada. O que pretendia o legislador era
referir-se a lagunas, já que estas, e não aquelas, sofrem com a influência das marés. A razão
para tal equívoco é que a confusão na utilização dos termos lagoas e lagunas é extremamente
comum no Brasil, a tal ponto que as lagunas mais conhecidas no País recebem o nome de
lagoa, citando-se como exemplos: Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul; Lagoa Rodrigo de
Freitas e Lagoa de Araruama, no Rio de Janeiro e Lagoa do Imaruí e Lagoa da Conceição em
Santa Catarina. Para ajudar a esclarecer a questão vejamos como alguns autores conceituam
lagunas e, a seguir, conceitos para lagoas e lagos:
do mar109.
Laguna: são corpos de água rasa e salobra ou salgada, separadas do mar
aberto por bancos arenosos ou ilhas-barreiras, porém mantendo comunicação
através de barras (canais de comunicação)110.
Laguna: Depressão contendo água salobra ou salgada, localizada na borda
litorânea. A separação das águas da laguna das do mar pode-se fazer por um
obstáculo mais ou menos efetivo, mas não é rara a existência de canais,
pondo em comunicação as duas águas. Na maioria das vezes, usa-se o termo
lagoa (vide) ao invés de laguna111.
Lagoa: Depressão de formas variadas – principalmente tendendo a
circulares – de profundidades pequenas e cheia de água doce ou salgada.
As lagoas podem ser definidas como lagos de pequena extensão e
profundidade112.
Lago: são corpos de água parada constituídos em geral de água doce,
embora existam lagos de água salgada, como acontece nas regiões de baixa
pluviosidade. Embora a distinção não seja muito clara, o termo “lagoa” tem
sido mais comumente utilizado no Brasil para designar corpos de água
parada de dimensões menores que os lagos113.
O elemento comum nas definições de laguna é a interação entre as águas destas com a
água do mar. Há uma comunicação entre laguna e mar. Já com relação aos lagos (e lagoas),
não há esta interação. Não há a comunicação. Eis, pois, a diferença fundamental entre eles.
109
LEIZ, Viktor e LEONARDOS, Othon Henry. Glossário geológico. 3. ed. São Paulo: Nacional, 1982, p. 114.
110
SUGUIO, Kenitiro. Rochas sedimentares: propriedades, gênese, importância econômica. São Paulo:
Edgard Blücher, 1980. p. 359.
111
GUERRA, Antônio Teixeira e GUERRA, Antonio José Teixeira. Novo dicionário geológico-
geomorfológico. p. 381.
112
GUERRA, Antônio Teixeira e GUERRA, Antonio José Teixeira. Novo dicionário geológico-
geomorfológico. p. 373.
113
SUGUIO, Kenitiro. Rochas sedimentares: propriedades, gênese, importância econômica. p. 344.
114
MENDES, Josué Camargo. Elementos de estratigrafia. São Paulo: T.A.Queiroz – EDUSP, 1984. pp.138 e
243-256; SUGUIO, Kenitiro. Rochas sedimentares: propriedades, gênese, importância econômica. pp. 307 e
359-362.
63
De outro lado, existem lagunas que recebem grande influência de bacias hidrográficas,
como é o caso da Lagoa (laguna) dos Patos, no Rio Grande do Sul. Na porção noroeste desta
laguna ocorre o estuário do Guaíba, onde deságuam os rios Jacuí, Gravataí, Caí e dos Sinos.
Outro importante rio que chega à laguna é o Camaquã, além de rios menores115.
Este afluxo elevado de drenagens traz uma elevada carga de sedimentos e como as
lagunas, por definição, são ambientes rasos, tal carga, promove alterações aceleradas nas suas
margens, notadamente nas áreas de deságüe. Nestes casos, a par da dificuldade do
estabelecimento da Linha de Preamar Média de 1831, há, ainda, a dificuldade de
determinação da configuração original da laguna no ano de 1831.
Com relação à ocorrência de Terrenos de Marinha ao longo dos rios que sofrem
influência das marés, a situação assemelha-se àquela descrita para as lagunas. Ou seja:
existem rios que, em virtude do substrato geológico, estão encaixados em leitos que raramente
sofrem variações. Nestes casos a grande dificuldade prática reside unicamente no
estabelecimento da Linha de Preamar Média de 1831.
Porém, assim como para as lagunas, existem aqueles rios, que devido a características
próprias, notadamente do substrato geológico, apresentam grandes variações nas disposições
de seus leitos.
Esta alta taxa de migração lateral fica bastante evidenciada quando se observa a carta-
imagem do Rio Perequê mostrada na Figura 2, elaborada a partir da Carta Náutica da Enseada
de Porto Belo de 1945, na escala 1:27.000, sobre a qual foi disposta a configuração do Rio
Perequê constante na Folha Camboriú do IBGE, na escala 1:50.000, do ano de 1986. A
115
MENDES, Josué Camargo. Elementos de estratigrafia. p. 248.
116
MENDES, Josué Camargo. Elementos de estratigrafia. p. 141.
64
imagem é bastante clara ao mostrar que a posição do rio em 1986 (delimitado em azul e
acompanhado de linhas diagonais em vermelho), é bastante diferente da posição do rio em
1945 (azul acinzentado), notadamente em relação à sua foz. A desembocadura do Rio
Perequê, em 1945, encontrava-se a cerca de 700 metros em direção sudeste com relação a sua
posição em 1986 (posição atual).
Na carta-imagem da Figura 2, o Rio Perequê atual (1986) está marcado com linhas
diagonais em vermelho, que delimitam uma faixa de 33 metros ao longo de suas margens.
Para uma representação mais próxima àquela prescrita pela legislação (Decreto-Lei nº
9.760/1946) o Rio Perequê da Carta Náutica (azul acinzentado) é que deveria estar
acompanhado por uma faixa de 33 metros, como representação dos Terrenos de Marinha,
visto que esta Carta representa uma realidade mais próxima ao ano de 1831.
Por expressa disposição legal, já comentada, a Linha de Preamar Média a ser utilizada
para a demarcação dos Terrenos de Marinha é aquela de 1831. Mudando o rio o seu curso, a
delimitação destes terrenos deverá considerar a posição deste rio naquele ano.
A perda de sua função primeira faz com que muitos propaguem a idéia da extinção dos
Terrenos de Marinha. Entretanto, este instituto pode cumprir um papel muito mais importante
na atualidade, qual seja, e de servir como área de preservação ambiental em uma região do
País (o litoral) objeto de intensa especulação imobiliária.
Especificamente com respeito aos Terrenos de Marinha ao longo dos rios que sofram
influência de marés, sua extinção não traria maiores conseqüências com relação a preservação
ambiental, já que margens de rios são consideradas Áreas de Preservação Permanente em uma
faixa mínima de 30 metros, segundo disposto no artigo 2º, alínea a, da Lei nº. 4.771/65117.
Verificados alguns dos problemas de ordem prática para a delimitação dos Terrenos de
Marinha e seus acrescidos, tanto ao longo da consta, como junto às lagunas (lagoas) e rios que
sofrem influência das marés, analisar-se-ão, a seguir, alguns problemas de ordem jurídica que
cercam estes institutos.
117
BRASIL. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L4771.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.
5 DOS PROBLEMAS DE ORDEM JURÍDICA
5.1 INTRODUÇÃO
No transcurso deste trabalho restou claro que, a par de disposições legais de fácil
entendimento e perfeitamente inseridas no ordenamento jurídico pátrio, há dispositivos
relacionados aos Terrenos de Marinha e seus acrescidos que conduzem a um emaranhado de
dificuldades de ordem prática.
Tal situação não difere, em essência, quando se observa, em uma rápida pesquisa nos
sítios da internet dos Tribunais de Justiça Federais o número, e o cerne, das demandas
judiciais que têm como objeto principal estes terrenos. Ou seja, mesmo que o dispositivo seja
claro e objetivo, pode conduzir a demandas judiciais.
demarcação de que, propriamente, a demarcação em sí. Por outro lado, ao ser argüida a forma
pela qual se deu a demarcação, pode-se estar apenas querendo ganhar tempo para o posterior
questionamento da demarcação propriamente dita.
118
BRASIL, STJ, Recurso Especial 545.524 – SC (2003/0092927-3), 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, j.
23.09.2003, DJU 13.10.2003.
69
falta de convocação pessoal. Esta tutela é, exatamente, a que permite ganhar-se o tempo e os
meios adequados para, em um novo procedimento administrativo demarcatório, intentar
assegurar aquilo que de fato se julga justo, qual seja, de que a área objeto da demanda não
compõe o patrimônio dominical da União, não é Terreno de Marinha.
Rio Estadual é entendido como aquele que tem todo o seu curso em território de um só
Estado, desde sua nascente até a foz. Esta é a interpretação que se obtém da análise dos
artigos 20, III e 26, I da CRFB/1988, a seguir transcritos:
Assim, verifica-se que um rio será de domínio de um Estado por exclusão, se não
atender umas das seguintes situações: a) estar em domínio da União; b) banhar mais de um
Estado; c) servir de limites com outros países; d) estender-se a território estrangeiro; e) provir
de território estrangeiro. Atendendo uma dessas determinações o rio será Federal120.
119
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
120
VALENTE, Manoel Adam Lacayo. O domínio público dos terrenos fluviais na Constituição Federal de 1988.
Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 37 n. 147, jul./set. 2000. p.242.
70
A matéria foi objeto de um parecer datado de 25/8/1982, assinado por Paulo César
Cataldo, então Consultor-Geral da República. A conclusão do parecer foi a seguinte:
A Justiça Federal, de outro lado, entendendo que a Constituição de 1946, bem como as
subseqüentes, não recepcionaram a conceituação de Terrenos de Marinha do Decreto-Lei
9.760/1946 no que toca àqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir
a influência das marés, tem decidido no sentido de que não existem Terrenos de Marinha e
Terrenos Acrescidos de Marinha ao longo de Rio Estadual. Veja-se a decisão em apelação
cível, por unanimidade, da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Porto
Alegre, Estado do Rio Grande do Sul:
121
PARECER Nº P-23. Dúvida sobre a inclusão, entre os bens dos Estados e dos Territórios, dos rios que não
ultrapassam os respectivos limites geográficos, desaguando no oceano. Paulo César Cataldo. DOU, 23 set. 1982.
pp. 17927-17933.
122
VALENTE, Manoel Adam Lacayo. O domínio público dos terrenos fluviais na Constituição Federal de 1988.
Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 37 n. 147, jul./set. 2000. p. 245
71
e não do oceano.
4. A Constituição de 1946, bem como as subseqüentes, não recepcionaram a
impropriedade do decreto-lei 9.760/46, no que conceituou como terreno de
marinha aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça
sentir a influência das marés, resultando certo que nenhum texto
constitucional tratou de estabelecer tal fenômeno determinante do domínio.
5. Se houve acréscimos às margens do Rio Tramandaí, sendo ele um rio
estadual, passam eles também ao seu domínio, e a União não pode
considerar-se dona das margens que não lhe pertencem, pelo simples fato de
haver assentado a barra do rio.
6. O domínio dos Estados constitui conquista destes frente à descentralização
do poder após a República, o que foi primeiramente previsto por exclusão e,
depois, de forma expressa.
7. O que a Constituição fixa em dispositivo auto-aplicável, sem ressalvas
nem remessa à lei regulamentadora, não pode ser ampliado nem restringido,
muito menos por um decreto-lei.
8. Entendimento embasado em Parecer do Procurador-Geral da Fazenda
Nacional, aprovado pelo Consultor-Geral da República, após manifestação
do Secretário do Meio Ambiente, do Diretor-Geral do Serviço do Patrimônio
da União, da Consultoria do Ministério do Interior e do Procurador do
Ministério da Fazenda, que afastam a tese consubstanciada na sentença.
9. Mantida a sentença de procedência da ação que declarou a nulidade dos
atos administrativos que impliquem inscrição, lançamento e cobrança,
relativos à taxa de ocupação sobre o imóvel descrito na inicial.
10. Precedentes da Corte.
11. Remessa Oficial e apelação improvidos123.
A decisão é bastante clara no sentido de que as margens dos rios estaduais pertencem
ao Estado em que se encontra o rio, não sendo possível, portanto, a existência de bens da
União nestas mesmas margens. Veja-se que consta do acórdão supracitado a informação “10.
Precedentes da Corte” a indicar que não se trata de decisão única.
123
BRASIL, TRF4, Apelação Cível nº 2004.71.00.035996-6/RS, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo
Thompson Flores Lenz, j. 26.06.2006, DJU 06.09.2006.
124
BRASIL, STJ, Recurso Especial 963.910 – RS (2007/0148241-9), Rel. Min. José Delgado, decisão
16.08.2007, DJU 31.08.2007.
72
Tal supressão não traria maiores prejuízos à causa ambiental que se pretende para os
Terrenos de Marinha e seus acrescidos, vez que as margens dos rios continuariam a contar
com a proteção que lhes empresta o Código Florestal127. Por outro lado, tiraria da SPU a
inglória tarefa de tentar delimitar tais terrenos, seguindo todos os procedimentos e cuidados
necessários para, após, ver seu trabalho desconsiderado por uma decisão judicial.
125
BRASIL. MPOG-SPU. Cartilha SPU: Tudo o que você precisa saber sobre laudêmio, taxa de ocupação e
foro. p. 6.
126
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Dispõe sôbre os bens imóveis da União e dá outras
providências. Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos
horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no
continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés.
127
BRASIL. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Art. 2º Consideram-se de
preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a)
ao longo dos rios ou qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima
será: 1) de 30 (trinta) metros [...].
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os Terrenos de Marinha e seus acrescidos são bens da União que estão listados no
artigo 20, inciso VII, da CRFB/1988. Correspondem a uma faixa com 33 metros de largura,
medidos horizontalmente, em direção a terra, contados da linha de preamar média de 1831.
Encontram-se localizados em áreas, normalmente, limítrofes com as praias brasileiras, o que
os tornam valiosos para a indústria imobiliária, assim como para a União, que os tem como
fonte de recursos, através de foros, taxas de ocupação e laudêmios.
O primeiro documento conhecido que faz menção a estes terrenos remonta à época do
Brasil colônia. É a Carta Régia, de 21/10/1710, de lavra de D. João V. Já a primeira lei que
tratou expressamente sobre Terrenos de Marinha foi a Lei Orçamentária de 15 de novembro
de 1831. A partir desta lei, o que era para ser um instrumento que garantisse um espaço livre
para a defesa e para serviços públicos e particulares, tais como o embarque e desembarque de
pessoas e mercadorias, passou a adquirir importância como fonte de renda, desvirtuando sua
origem primária e destoando da sua condição atual de bem com expressão constitucional.
Atualmente, os Terrenos de Marinha e seus acrescidos são regidos, basicamente, pela
CRFB/1988, pelo Decreto-Lei n. 9.760/1946, pela Lei n. 9.636/1988 e o pelo Decreto n.
3.725/2001.
A utilização de Terrenos de Marinha e seus acrescidos por particulares faz-se por ato
administrativo, sob o regime da enfiteuse ou Aforamento, pelo qual fica a União com o
domínio direto e transfere ao enfiteuta o domínio útil mediante pagamento de foro
correspondente a 0,6% (seis décimos por cento) do valor do respectivo domínio pleno,
74
O foro e o laudêmio são créditos fiscais cujo não pagamento pode gerar ação executiva
por parte da União (execução fiscal), e que, embora tributos, são de natureza distinta dos
impostos, com os quais não se confundem. Desta maneira, os Terrenos de Marinha e seus
acrescidos estão sujeitos, ainda, ao imposto predial e territorial urbano – IPTU ou ao imposto
territorial rural – ITR, a depender de sua localização.
Tal supressão não traria maiores prejuízos à causa ambiental que se pretende para os
Terrenos de Marinha e seus acrescidos, vez que as margens dos rios continuariam a contar
com a proteção que lhes empresta o Código Florestal. Por outro lado, tiraria da SPU a inglória
tarefa de tentar delimitar tais terrenos, seguindo todos os procedimentos e cuidados
necessários para, após, ver seu trabalho desconsiderado por uma decisão judicial. Impediria,
também, a identificação de Terrenos de Marinha e seus acrescidos em áreas afastadas dos rios
78
que lhes justificam a origem, bem como a existência de rios, ou trechos destes, que sofram
influência de mares sem que acha a delimitação de tais terrenos em suas margens.
As mudanças apontadas pela SPU no sentido de que o patrimônio da União deve ser
utilizado com estrita observância de sua função sócio-ambiental são indicativos importantes
quando se avaliam as mudanças pretendidas na legislação. Se a intenção é de fato dar a estes
bens, notadamente aos Terrenos de Marinha e seus acrescidos, importância ambiental elevada,
as mudanças propostas devem ser sempre analisadas no sentido de garantir a propriedade da
União sobre tais terrenos no ambiente litorâneo, como fator facilitador das ações de
preservação e/ou recuperação ambiental.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4904, de 2005. Dispõe sobre a linha da
preamar na fixação dos terrenos de marinha e dá outras providências. Deputado Alceu
Collares. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/285125.pdf>. Acesso em:
10 mar. 2008.
BRASIL. Inmetro. Sistema Internacional de Unidades - SI. 8. ed. Rio de Janeiro, 2003.
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de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de
28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987;
prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União; e
dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
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