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Casos duvidosos - O de cuius deixa a A 1/3 dos seus bens, mas preenche
essa quota com determinados bens que entende corresponderem a esse terço.
Se por interpretação da vontade do testador - interpretação especialmente
regulada no art. 2187º - se concluir, como parece ser o caso, que ele quis compor
aquela quota com determinado bem, estamos perante instituição de herdeiro.
A deixa de universalidades de facto - 206º - rebanho, biblioteca, colecção de
moedas, selos ou pintura - é legado, assim como de património autónomo 2 ou parte
2
- Dentro do património geral de uma pessoa existe uma massa de bens ou valores patrimoniais ou um
conjunto de relações jurídicas patrimoniais submetidos a um tratamento jurídico particular e unitário, com
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dele, de estabelecimento comercial ou industrial e de usufruto de herança ou de quota
dela, de coisa genérica (coisa indeterminada de certo género - 2253º) ou de todos os
bens móveis ou todos os imóveis.
os elementos patrimoniais sujeitos a uma especial destinação e a um particular regime por dívidas.
Casos da herança não partilhada, património conjugal
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- Comoriência - 68º, nº 2 - presunção ilidível. A prova do momento da morte pode fazer-se por todos
os meios possíveis, sem prejuízo das regras do registo. Curadoria e morte presumida - 89º e 114º CC e
1451º e ss do CPC.
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expressamente o herdeiro da legítima, com fundamento em qualquer das ocorrências do art. 2.166º do
C.C.
V - O instituto da indignidade sucessória é aplicável no caso de sucessão legitimária.
R.ão Porto, 5.3.01, Col. 01-II-161
- Não pode haver lugar à declaração de indignidade sucessória do herdeiro que, indiciado
por homicídio do autor da herança, não foi, pela prática do respectivo crime, condenado
em processo penal;
- Nada autoriza, designadamente em caso de extinção do procedimento criminal por
morte do agente indiciado, a aplicação da norma do art. 2034º-a) C. Civil, por via de
recurso à analogia ou a interpretação extensiva do preceito.
1. - AA e outros, todos seus irmãos, propuseram contra BB e mulher, CC, acção declarativa
pedindo que fosse declarada a incapacidade sucessória de DD, por indignidade, e afastado da
sucessão à herança da falecida EE e filho, FF, condenando-se os réus a reconhecerem a dita
indignidade do seu filho.
Alegaram os Autores que são, com EE, filhos de GG e HH, bem como tios de FF, filho daquela
EE. No dia 26.07.04, EE e o seu filho FF faleceram, em consequência de disparos de caçadeira,
da autoria de seu marido e pai, DD, que, por sua vez era filho dos Réus. Relativamente a estes
factos correu termos processo de Inquérito, o referido DD foi detido e foi-lhe aplicada a medida
de coacção de prisão preventiva, processo que foi arquivado por causa da morte do arguido, em
17.11.04, quando este se encontrava detido no Estabelecimento Prisional, o qual só não foi
condenado porque se suicidou.
A acção foi julgada improcedente no despacho saneador, decisão que a Relação confirmou.
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- BMJ 239-224
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3 - Casos com as circunstâncias e especificidades da situação subjudice, que, obviamente, não
poderiam ser integralmente previstas, merecem a tutela do direito, com recurso à analogia, ou,
pelo menos, à interpretação extensiva da norma a al. a) do art. 2034º;
4 - O entendimento do acórdão recorrido, nos termos do qual o procedimento criminal por
falecimento do agente inviabiliza automaticamente a declaração de indignidade deste para
efeitos sucessórios, representa uma violação do direito a uma efectiva tutela jurisdicional,
consagrado no art. 20.º da Constituição da República;
5 - A interpretação perfilhada pelo Tribunal recorrido não toma em devida conta os princípios
vertidos nos arts. 9º, 10º e 11º do C. Civil.
3. Mérito do recurso.
Depois de, no art. 2033º, estabelecer os princípios gerais da capacidade sucessória, o legislador
aponta as causas de incapacidade por referência aos actos ilícitos geradores da indignidade que
faz assentar em circunstâncias “de raiz puramente subjectiva, traduzida numa atitude de repúdio
da lei pelos factos graves cometidos por alguém contra o autor da herança, seu cônjuge ou
familiares mis próximos” (P. DE LIMA e A. VARELA, “C. Civil, Anotado”, VI, 37).
Assim, prevê a al. a) mencionado art. 2034º que carece de capacidade sucessória, por motivo
de indignidade, o condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não
consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, ascendente, descendente,
adoptante ou adoptado.
A lei exige claramente a condenação do indigno, como autor ou cúmplice da prática dos factos,
em sentença penal, resultando afastada a possibilidade de prova do ilícito constitutivo do crime
em acção cível (cfr., nesse sentido, ob. cit., pg. 38 e R. CAPELO DE SOUSA, “Lições de Direito
das Sucessões, I, 3.ª ed., 257).
Como se escreveu no acórdão deste Supremo de 23/7/74 (BMJ 239-225), “a falta dessa
capacidade (sucessória)» por motivo de indignidade», nem é mero efeito da prática do crime e
homicídio contra o autor da herança – pois o art. 2034 – a) C. Civil, tal como o previgente art.
1782.º do Código de Seabra, só a recusa, como acentuava DIAS FERREIRA (C. Civil Anotado,
2.ª ed., vol. 3º, 296), a quem por ele tenha sido condenado «por sentença com trânsito em
julgado» (…) sendo antes, conforme observa o Prof. O. ASCENSÃO (“As Actuais Coordenadas
do Instituto da Indignidade Sucessória”, pg. 8, Separata dos anos 100.º e 101. de “O DIREITO”)
«consequência autónoma no plano civil» da respectiva condenação”.
Que assim é, colhe-se também da concretização do regime e requisitos dos factos de natureza
criminosa previstos nas als. a) e b) do art. 2034.º.
Com efeito, logo no art. 2035.º se estabelece que a condenação a que se referem as als. a) e b)
do art. anterior pode ser posterior à abertura da sucessão, mas só o crime anterior releva para o
efeito, do mesmo passo que quanto às causas previstas nas mesmas alíneas a lei toma como
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indexante do prazo de caducidade da acção de declaração de indignidade a data da
condenação pelo crime que a determina.
Já relativamente às causas previstas nas als. c) e d) do preceito, não necessariamente de
natureza criminosa, o prazo de caducidade se conta do conhecimento de cada uma dessas
causas, assim ficando estabelecido mais um traço de distinção entre os factos ilícitos cujo
reconhecimento e relevância dependem de condenação penal e os que podem ser conhecidos
em acção cível.
3. 3. 1. - De harmonia com o disposto no art. 10.º-1 C. Civil, deve o julgador aplicar aos casos
omissos as normas que directamente disponham para casos análogos.
A analogia existe, como do n.º 2 do preceito se colhe, quando no caso omisso concorram as
mesmas razões justificativas da solução encontrada pela lei, isto é, quando “o critério valorativo
adoptado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual
ou maioria de razão aplicável ao outro” – BAPTISTA MACHADO (“Introdução ao Direito e ao
Discurso Legitimador”, 202) – justificando-se o recurso à analogia por razões de coerência do
sistema e de justiça relativa, tudo postulado pelo princípio da igualdade e pela certeza do direito.
De notar, como referem P. DE LIMA e A. VARELA (ob. cit., I, 4ª ed., 59), que “a analogia das
situações mede-se em função das razões justificativas da solução fixada na lei, e não por
obediência à mera semelhança formal das situações”.
Ora, a situação que se apresenta não constitui, a nosso ver, um caso omisso, um caso que
sendo relevante, não constitui objecto de disposição legal.
O que acontece é que para além da previsão do facto ilícito gerador do efeito jurídico, a mesma
norma exige um outro requisito, de natureza exógena e processual, que consiste na verificação
e declaração definitiva do facto e sancionamento do agente pelo tribunal materialmente
competente.
Não se pode falar de incompletude ou falha de previsão que deva ser integrada, no sentido de
que a lei não contém uma resposta á questão jurídica. A lei contempla a situação de comissão
de homicídio contra o autor da herança, mas condiciona a eleição do acto criminoso a causa de
declaração de indignidade à condenação penal transitada.
E, como já se adiantou, tal sucede porque, certamente atendendo às razões subjectivas que
sustentam o repúdio da lei pelos factos de natureza criminosa que, pela sua gravidade, elegeu à
categoria de determinantes da indignidade, manteve deliberadamente a exigência de
condenação penal que vinha do direito anterior, dispensando-a quanto aos factos que enuncia
nas als. c) e d) do artigo, atendendo à sua diferente natureza.
A tal não será certamente estranho o princípio, com consagração constitucional – art. 32º-2 CR
– da presunção de inocência, desde logo na sua vertente de dever considerar-se inocente quem
não foi ainda julgado culpado por sentença transitada em julgado, mesmo sem curar aqui de
questões que podem prender-se, por exemplo, com a imputabilidade do agente, o que não é
indiferente face à opção pela natureza não objectiva das causas de indignidade.
A gravidade da declaração de indignidade e dos factos que o legislador seleccionou como suas
possíveis causas, bem como os requisitos de que as fez depender, conduzem-nos, ainda, ao
entendimento que devem considerar-se taxativas as causas de incapacidade sucessória
enunciadas no art. 2034º.
3. 3. 2. - Do referido pode já deduzir-se que também se entende não ser caso de, por
interpretação extensiva, incluir a situação dos autos na previsão da norma da alínea a) – arts. 9.º
e 11.º C. Civil.
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Decerto que à razão de ser da lei, enquanto norma de fixação da causa de indignidade, não
repugnaria a abrangência de casos como o ajuizado, demonstrado que fosse facto ilícito
criminoso.
Porém, como já se viu, nem a letra nem o espírito da lei comportam o entendimento de que a
mesma diga mesmo do que aquilo que pretendia dizer
Não se trata, mais uma vez, de a lei contemplar uma situação, estabelecendo o respectivo
regime jurídico, deixando de fora situações que, pelos mesmos ou mais fortes motivos
(argumentos a pari e a fortiori), haveriam de ser abrangidas pela mesma lei.
A situação está contemplada, mas tem a respectiva relevância condicionada a certos requisitos
de reconhecimento e eficácia.
3. 3. 5. - Concluindo, dir-se-á que nada autoriza, por via de recurso à analogia ou a interpretação
extensiva, aplicar a norma do art. 2034º-a) do C. Civil a casos em que o autor (indiciado) do
facto criminoso não foi pela respectiva prática condenado por sentença penal.
Nestas circunstâncias, nada mais haverá a dizer que vendo os Recorrentes, como viram,
apreciado e definido o direito que invocaram em conformidade com a interpretação que o
Tribunal, por aplicação da lei e do direito, teve como adequada, com respeito pelas normas
processuais, designadamente assegurando o contraditório e a igualdade das partes, também em
sede de recurso, não se vislumbra a violação do mencionado preceito constitucional ou de
qualquer princípio nele contido.
5. – Decisão.
DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO ENCRAVADO OBJECTO DE LEGADO
ABERTURA E ACEITAÇÃO (DA SUCESSÃO)
ACEITAÇÃO EXPRESSA E ACEITAÇÃO TÁCITA
VENDA MEDIO TEMPORE
«A referida herança ilíquida e indivisa, cujos herdeiros já se encontram determinados, não tem
personalidade jurídica, nem judiciária (Ac. S.T.J. de 19-3-92, Bol. 415-658).
Com efeito, o art. 6, al. a), do C.P.C., apenas atribui personalidade judiciária à herança jacente e
aos patrimónios autónomos semelhantes.
A herança jacente é aquela que já se encontra aberta, mas ainda não foi aceita nem declarada
vaga para o Estado - art. 2031 e 2046 do C. C.
Os patrimónios autónomos semelhantes, que gozam de igual tratamento, "são constituídos por
aqueles bens ou massas unificadas de bens cuja titularidade seja incerta (doações ou deixas
testamentárias a nascituros, concebidos ou não concebidos: arts 952, 2033, nº 2, al. a) e 2240 do C.C.)
ou que pertençam a um conjunto de pessoas, ao qual seja reconhecida personalidade jurídica
( sociedades civis: art. 996; e associações sem personalidade jurídica: art. 198, nº 3; comissões
especiais para a realização de certos interesses colectivos de carácter difuso: art. 199; condóminos na
propriedade horizontal: art. 1433, nº 4 e 1437, nº 1, todos do Cód. Civil)" - Antunes Varela, Manual de
Processo Civil, 2ª ed., pág. 111.
Também Miguel Teixeira de Sousa (As partes, o Objecto e a Prova na acção declarativa, 1995,
pág. 118) escreve:
"Nos patrimónios autónomos strictu sensu incluem-se nomeadamente, os patrimónios das
associações sem personalidade (art. 159 do C.C.), das comissões especiais (art. 199 do C.C.), das
sociedades civis sob forma civil (art. 980 do C.C.), as partes comuns dos imóveis em propriedade
horizontal (art. 1421 do C.C.) os bens doados ou legados a nascituros (arts. 952, nº 1 e 2033, nº 2, al. a)
do C.C.), os bens do Estado geridos ou administrados autonomamente (art. 20 nº 2 ) e o
estabelecimento individual de responsabilidade limitada, regulado pelo dec-lei 248/86" .
Pois bem.
Para a resolução da questão que agora nos ocupa, importa atentar no preceituado no art. 2091
do Cód. Civil, que impõe aos herdeiros a representação da herança e a legitimidade para contradizer.
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- Ac. RP, de 4.12.98, na Col. Jur. 1998-V-211, com numerosa indicação de doutrina e Jurisprudência
no mesmo sentido, e contra a opinião de A Varela.
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"Os herdeiros são partes legítimas na acção contra eles intentada, para os credores do autor da
herança verem os seus créditos pagos pelos bens da mesma.
No entanto, não podem ser condenados a pagar as dívidas (...): não são devedores.
Mas tem de se ter em consideração que a herança não pode ser demandada nem condenada,
porque não tem personalidade.
Os herdeiros serão demandados e condenados, mas não a pagar os créditos, tão somente a
reconhecerem a sua existência ou a verem satisfeitos pelos bens da herança os créditos dos credores
do de cujus (Herança Indivisa - Sua natureza jurídica, Responsabilidade dos herdeiros pela dívida da
herança, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 46, págs 567 e segs).
Não parece merecer grande polémica o facto de a herança, enquanto indivisa, ser encarada
pela lei como património autónomo de afectação especial (indepen-dentemente de se tentar determi-
nar, nesta sede, qual a verdadeira natureza jurídica da herança: património autónomo, universalidade de
direito ou situação jurídica complexa), assim se compreendendo que somente o seu activo (e não o
património dos herdeiros) responda pela satisfação das respectivas dívidas. Por conseguinte, os
herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários, não sendo sequer
comproprietários dos bens, mas tão-só titulares em comunhão desse património.
Deste modo e por efeito das disposições conjugadas dos artigos 2068º e 2097º, ambos do
Código Civil, estar-se-ia perante uma nítida situação de ilegitimidade passiva, no caso de acção
proposta contra os herdeiros para os responsabilizar directamente pelo pagamento das dívidas da
herança indivisa.
Conforme salienta Capelo de Sousa (Lições de Direito dos Sucessões, Coimbra Editora,
1980/1982, pág. 109), a tónica objectivista na determinação da responsabi-lidade pelos encargos da
herança tem expressão no regime legal decorrente dos antigos 2068º e 2069º do Código Civil - a massa
patrimonial que constitui a herança é que é directamente responsável pelos encargos desta - e «é
sobretudo patente no caso da herança indivisa, em que se está perante um património autónomo
directamente responsável (artigo 2097º do Código Civil) e em que os herdeiros apenas têm de intervir
como co-titulares desse património (artigo 2091º do Código Civil)».
Transpondo estes aspectos para o âmbito processual, onde se constata que a herança indivisa,
embora não sendo pessoa colectiva, é dotada de personalidade judiciária (cfr. artigo 6º do Código de
Processo Civil), há que considerar que a legitimidade passiva relativamente às questões de
responsabilidade por encargos da herança indivisa terá necessariamente de caber aos co-
herdeiros, atendendo à respectiva natureza de co-titulares do património em causa (neste sentido
Vaz Serra, anotação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Julho de 1971, Revista de
Legislação e de Jurisprudência, ano 105º, pág. 208).
Com efeito, embora a lei processual atribua à herança cujo titular não seja determinado perso-
nalidade judiciária, assumindo esta o estatuto de «verdadeira parte» (e, como tal, parte legítima
enquanto sujeito da relação material controvertida), a própria lei admite o carácter subsidiário do critério
de legitimidade ínsito na regra constante do nº 3 do antigo 26º do Código de Processo Civil.
Consequentemente, admite-se legalmente a possibilidade de ser parte legítima quem não é (ou
apenas é em parte) titular da relação material. Assim, por efeito do artigo 2091º, nº 1, do Código
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Civil, só os herdeiros podem praticar o pagamento do passivo hereditário, sendo que esta
disposição contempla uma das situações em que a lei atribuiu a necessidade de fazer intervir o
co-herdeiro para defender o acervo hereditário da retirada de bens adstritos a este (neste sentido
Vaz Serra, anotação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Julho de 1971, Revista de
Legislação e de Jurisprudência, ano 105, pág. 208) - Ac. do STJ, de 9.12.99, no BMJ 492-377.
1. A herança indivisa aceite pelos sucessores do seu autor não tem personalidade
judiciária, nem se subsume, para esse efeito, à figura de património autónomo semelhante de
titular não determinado.
2. A legitimidade do cabeça de casal para cobrar os direitos de crédito da herança quando
a cobrança possa perigar pela demora, a que se reporta o artigo 2089º do Código Civil, ocorre,
por exemplo, nos casos de receio de insolvência do devedor e inexistência de garantia real, de
necessidade de reclamação de créditos em acção executiva ou de proximidade do termo do
prazo de prescrição.
3. A afectação do princípio da estabilidade da instância no plano subjectivo só pode
ocorrer em consequência da substituição de alguma das partes na relação jurídica substantiva,
ou no quadro dos incidentes de intervenção de terceiros ou no caso de alguma das partes haver
sido julgada ilegítima por não estar em juízo determinada pessoa.
4. Tendo a acção declarativa de condenação sido intentada pela herança indivisa e
prosseguido até à fase da condensação na perspectiva de ser dotada de personalidade judiciária
e de legitimidade ad causam própria, não pode considerar-se intentada pela cabeça de casal ao
abrigo do artigos 2089º do Código Civil e 26º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
I
A herança aberta por óbito de A, dita património autónomo representado pelo cabeça de
casal, intentou, no dia 28 de Dezembro de 2001, contra B, C, D e F, as três últimas na posição de
sucessoras de G, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação
a pagar-lhe 10 000 000$, com fundamento em acordo de acerto de contas relativas a vários negócios
celebrado em Luanda, Angola, no dia 24 de Abril de 1972, entre o réu B e G, por um lado, e G, por
outro, pelo qual os primeiros se teriam obrigado a pagar ao último 10 000 000$ e juros à taxa anual de
6%, assinando uma letra, mas que não tenham cumprido.
Os réus, na contestação, invocaram a transmissão por G do direito de crédito em causa, a
prescrição deste, a incompetência internacional do tribunal português, por a dívida se ter vencido depois
da independência da República Popular de Angola, e a ilegitimidade da ré C, o que foi objecto de
resposta de sentido negativo da autora no instrumento de réplica.
Na primeira instância, na fase da condensação, o tribunal absolveu os réus da instância com
fundamento na falta de personalidade judiciária da autora, sob a motivação de, pela sua aceitação
efectiva, a herança deixar de estar jacente e perder a susceptibilidade de ser parte, e de a herança
indivisa em causa se não subsumir à noção de património autónomo semelhante de titular não
determinado.
Agravou a autora para Relação, e esta, por acórdão de 15 de Maio de 2003, sob motivação
similar à adoptada na 1ª instância, negou provimento ao recurso.
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- a posição assumida pela recorrente é nova em relação ao articulado na petição inicial, onde
não invocou ser a cabeça de casal a autora, porque nela referiu a herança ilíquida e indivisa aberta por
óbito de A, património autónomo representado pela cabeça de casal;
- ainda que se entendesse ter sido invocada na petição inicial, autonomamente, a qualidade de
cabeça de casal, ela só podia cobrar dívidas cuja cobrança perigasse com a demora, mas não invocou
esse perigo;
- a economia processual não justifica que uma petição possa oficiosamente ser transformada em
nova causa de pedir e em novo pedido ou em meio de converter a fundamentação inicialmente
produzida;
- a recorrente não invocou a nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre os pontos de
estar em causa a cobrança de um crédito da herança e de razões de economia processual imporem o
reconhecimento da legitimidade da cabeça de casal, o que está prejudicado pela decisão sobre a falta
de personalidade judiciária da recorrente.
II
A questão essencial decidenda é a de saber se autora é não dotada de personalidade judiciária.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e
dos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- conceito de personalidade judiciária em geral;
- extensão da personalidade judiciária a entidades que não tenham personalidade jurídica;
- conceito de herança jacente no confronto com o conceito de património autónomo sem titular
determinado;
- é ou não a recorrente destituída de personalidade judiciária, e respectiva consequência
jurídica?
- pressupostos da legitimidade ad causam do cabeça de casal para intentar acções tendentes à
cobrança de créditos da titularidade da herança que administra;
- pode ou não considerar-se, na espécie, ter a acção em causa sido intentada pela cabeça de
casal no quadro dessa particular legitimidade ad causam?
- síntese da solução para o caso concreto decorrente dos factos e da lei.
1.
A personalidade judiciária traduz-se, essencialmente, na possibilidade de requerer ou de
contra si ser requerida alguma providência de tutela jurisdicional (artigo 5º, n.º 1, do Código de Processo
Civil).
Em consonância com o princípio da coincidência entre a personalidade judiciária e a
personalidade jurídica, a lei estabelece que quem a última tiver também dispõe da primeira (artigo 5º, nº
2, do Código de Processo Civil).
Assim, a regra é no sentido de que todos os indivíduos, independentemente da sua
nacionalidade, maioridade, menoridade, capacidade ou incapacidade, têm personalidade judiciária por
virtude de, em princípio, poderem ser sujeitos de relações jurídicas (artigos 14º, nº 1, e 67º do Código
Civil).
A referida regra é extensível às associações e fundações e às sociedades a quem a lei
reconheça personalidade jurídica, embora só possam estar em juízo através dos seus representantes
estatutários (artigos 157º, 158º do Código Civil e 5º do Código das Sociedades Comerciais).
2.
A lei atribui, excepcionalmente, personalidade judiciária a entidades que não têm personalidade
jurídica.
Antes da sua última alteração, a lei de processo prescrevia que a herança cujo titular não
estivesse determinado e os patrimónios autónomos semelhantes, mesmo que destituídos de personali-
dade jurídica, tinham personalidade judiciária (artigo 6º do Código de Processo Civil).
Actualmente, no quadro do desenvolvimento do referido normativo de pretérito, a lei estabelece
terem personalidade judiciária a herança jacente e os patrimónios autónomos cujo titular não estiver
determinado (artigo 6º, alínea a), do Código de Processo Civil).
Em relação à herança, a lei processual actual substituiu o segmento normativo que constava da
lei anterior cujo titular ainda não esteja determinado pelo segmento normativo herança jacente.
O referido normativo atribui, assim, excepcionalmente, personalidade judiciária, por um lado, à
herança jacente e, por outro, aos patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não esteja
determinado.
3.
12
O conceito de herança jacente, oriundo da lei civil, significa a herança aberta ainda não aceita
nem declarada vaga para o Estado, ou seja, o património da pessoa falecida entre o chamamento dos
sucessíveis e a sua aceitação (artigo 2046 do Código Civil).
Assim, enquanto os sucessores não aceitarem tácita ou expressamente a herança, ou esta não
houver sido declarada vaga para o Estado, ocorre a referida situação de jacência.
Isso significa, a contrario sensu, que a herança ainda não partilhada, mas cujos titulares
quinhoantes estejam determinados, não tem personalidade judiciária.
Assim, em regra, se a herança tiver sido aceite, não obstante ainda não ter ocorrido a respectiva
liquidação e partilha, o contraditório deve ser estabelecido com os herdeiros aceitantes.
Acresce que a herança indivisa não se subsume, para efeito de lhe ser atribuída personalidade
judiciária, ao conceito legal de património autónomo semelhante cujo titular não esteja determinado
Com efeito, embora a herança indivisa funcione para variados efeitos como património
autónomo, este só tem personalidade judiciária se os respectivos titulares não estiverem determinados,
o que, na espécie, não ocorre.
4.
Como a recorrente já não está na situação de jacência, porque os seus titulares já a aceitaram,
certo é, como se concluiu no acórdão recorrido, que não é dotada de personalidade judiciária.
Ademais, embora indivisa, porque os seus titulares estão determinados, não pode aspirar a ser
detentora de personalidade judiciária como sendo um património autónomo de titular indeterminado.
Assim, tal como foi julgado na 1ª instância e confirmado pelo acórdão recorrido, verificada a não
jacência da recorrente como herança, queda a mesma destituída de personalidade judiciária, o que se
traduz em excepção dilatória típica e insuprível, de conhecimento oficioso, implicante da absolvição dos
agravados da instância na fase do processo em que ocorreu (artigos 288º, nº 1, alínea c), 493º, nº 2,
494º, alínea c), 495º, e 508º-A, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
5.
A regra, como é natural, é no sentido de que os direitos de crédito da titularidade da herança
devem ser cobrados pelos herdeiros a quem os mesmos sejam encabeçados no acto de partilha.
Todavia, por razões de urgência, a lei atribui ao cabeça de casal a legitimidade para cobrar as
dívidas activas da herança, além do mais, que aqui não releva, quando a demora possa fazer perigar a
cobrança (artigo 2089º do Código Civil).
O referido normativo corresponde essencialmente ao que prescrevia o proémio artigo 2083º do
Código Civil de 1867, segundo o qual o cabeça de casal promoveria a cobrança e arrecadação das
dívidas activas quando pudessem perigar pela demora.
A doutrina, a propósito do referido normativo de pretérito considerava estar a cobrança em
perigo pela demora, por exemplo, nos casos de decaimento de fortuna pelo devedor e de receio da sua
insolvência, de algum outro credor haver instaurado acção executiva contra o devedor e dever participar
em concurso de credores, de o devedor pretender ausentar-se para o estrangeiro e a dívida não estar
devidamente garantida, de o crédito estar prestes a prescrever ou o prazo de prescrição se completar
durante o processo de inventário, ou de o devedor estar a dissipar ou a alienar, real ou simuladamente
os seus bens (CUNHA GONÇALVES, Tratado, vol. X, 1935, pág. 669, citado por PIRES DE LIMA e
ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. VI, Coimbra, 1998, pág. 150).
A limitação da legitimidade substantiva do cabeça de casal da herança constante deste artigo e,
decorrentemente, da sua legitimidade ad causam, é motivada pela ideia de curta duração da função de
administração do cabeça de casal e de ser lógico e adequado que a cobrança dos créditos seja
realizada pelos sucessores do de cujus a quem foram adjudicados, salvo nos casos excepcionais de
urgência, como são os acima referidos.
6.
No caso vertente, conforme resulta dos termos da acção, foi a recorrente que a intentou, na
perspectiva de que era excepcionalmente dotada de personalidade de judiciária e, naturalmente, no
quadro da sua legitimidade própria, naturalmente representada pela cabeça de casal, por isso sem
experimentar a necessidade de invocar a o perigo da demora na cobrança do crédito que pretende fazer
valer na causa no confronto dos recorridos.
Citado o réu, de harmonia com o princípio processual da estabilidade da instância, salvo as
possibilidades de modificação legalmente consignadas, deve aquela manter-se quanto às pessoas, ao
pedido e à causa de pedir (artigo 268º do Código Civil).
No quadro da excepção do princípio da estabilidade da instância, ela só pode modificar-se no
plano subjectivo em consequência da substituição, na relação jurídica substantiva, de alguma das
partes, por sucessão ou por acto entre vivos, dos incidentes de intervenção de terceiros ou no caso de
13
alguma das partes haver sido julgada ilegítima por não estar em juízo determinada pessoa (artigos 269º,
n.º 1, e 270º do Código de Processo Civil).
A pretensão da recorrente de se considerar que a acção em causa foi intentada pelo cabeça de
casal nos termos do artigo 2089º do Código Civil, porque assim não foi na realidade, não assenta em
mera questão de palavras, e não é consentida por qualquer das excepções ao princípio da estabilidade
da instância acima referidas.
Com efeito, ao admitir-se a referida pretensão da recorrente, estar-se-ia a consentir a violação
do aludido princípio da estabilidade da instância, que o tribunal não pode sufragar e, consequentemente,
não pode deixar de recusar.
7.
Em consequência do exposto, a recorrente não tem personalidade judiciária e não pode
considerar-se, dados os termos da causa, que a acção foi intentada pela cabeça de casal no quadro da
legitimidade substantiva prevista nos artigos 2089º do Código Civil e 26º, n.º 3, do Código de Processo
Civil.
Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, n.ºs 1
e 2, do Código de Processo Civil).
III
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das
custas respectivas.
VI - Pedindo a autora:
- Que os bens e direitos que constituem o património da herança de [...] pertencem à legítima
herdeira deste, a quem deverão ser entregues, e
- Que a arguida esbulhou os herdeiros de parte substancial da herança devendo, por isso, ser
condenada a restituir à autora a casa de morada de família com o respectivo recheio, numerário, cartões
bancários, valores, documentos de um prédio urbano e respectivas chaves e recheio), documentos de
um carro de família e respectivas chaves e outros títulos pertencentes ao autor da herança no momento
do seu falecimento;
14
está-se perante uma acção de petição de herança prevista no artigo 2075º, nº 1, do Código
Civil e não perante uma acção especial de restituição de posse: é que os bens objecto do pedido de
restituição fazem parte da herança - BMJ 441-202, Ac. STJ de 14.11.94.
«Dispõe o art. 2.075º do CC, que o «herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento do
direito da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de
parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou, por outro título, ou mesmo sem título».
Foi o que autora fez: pediu judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória e a
consequente restituição de parte dos bens da herança.
Essencial na petição de herança é o duplo fim que ela visa: por um lado, o reconhecimento
judicial do título ou estatuto de herdeiro que o autor se arroga; por outro, a integração dos bens que o
demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro.
Na verdade, a petição da herança «é a acção por meio da qual aquele que pretende ser
chamado a uma herança reclama o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro. Esta acção, não
tende tanto à entrega das coisas como ao reconhecimento da qualidade de herdeiro, com o propósito de
recuperar, no todo ou em parte, o que constituir o património hereditário». (Rodrigues Bastos, "Direito
das Sucessões", 1981, pág.158).
Já o Dr. Cunha Gonçalves (Tratado, Vol. X, pág. 479), ao tratar da natureza desta acção,
opinava que ela não era pessoal, nem real, mas mista: «é pessoal, quanto ao reconhecimento da
qualidade de herdeiro; é real, quanto à entrega do quinhão de herança, pertencente a este herdeiro».
Nas acções de petição de herança, a causa de pedir consiste na sucessão mortis causa e na
subsequente apropriação por outrem de bens da massa hereditária. (Pires de Lima e Antunes
Varela, "Código Civil Anotado", Vol. VI, pág. 131; Capelo de Sousa, "Lições de Direito das Sucessões,
Vol. II, pág. 41, nota 598).
Ora na petição inicial corrigida (arts. 10º a 31º e 38º), a autora alegou ter sido judicialmente
declarada filha do falecido Alfredo Sousa e ser sua única herdeira e que os bens cuja entrega peticiona
fazem parte do acervo hereditário.
A acção tem causa de pedir.
A petição não inepta, como bem decidiu a 2ª instância.
8
- Importante estudo do Prof. A. Varela sobre o assunto na RLJ 120-152 e ss, em comentário ao ac.
acima citado, do BMJ 326-483.
15
1. Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores, os quais apenas
passam a possuir em nome próprio a partir da inversão do título.
2. Um dos casos típicos de inversão do título da posse é ter havido partilha de facto.
3. Em acção de restituição de bens para a herança, cabe ao herdeiro demandado
demonstrar que possui os bens do de cuius em nome próprio e não ao demandante que os bens
pertencem à herança.
4. A restituição dos bens à herança só pode improceder perante a usucapião do
demandado.
5. Apesar de a R. não ter demonstrado, como alegara, que houve partilhas extrajudiciais,
momento a partir do qual passaria a possuir em nome próprio, porque se deu como provado que
a mesma adquiriu os bens reclamados por usucapião, a acção improcede já que o STJ não pode
sindicar aquela matéria de facto, por a questão não ter sido suscitada no recurso nem ocorrer
qualquer das excepções contempladas no art. 722.º, 2 do CPC.
Relatório
Contestou a R. impugnando os factos alegados pelo A. e referindo que fora instituída como
herdeira da quota disponível por sua mãe e, após a morte dela foram feitas partilhas extrajudiciais
verbais, passando a possuir em nome próprio, invocando factos tendentes a demonstrar que adquiriu os
bens reclamados por usucapião.
Houve réplica.
O direito
Nas suas conclusões (1), o recorrente insurge-se contra a matéria de facto dada como provada,
referindo que a R. nunca podia possuir em nome próprio por os bens objecto da acção nunca terem sido
partilhados e, além disso, também não podia exercer a posse com boa fé porque sabia que tais bens
eram dos herdeiros de sua mãe, avó do recorrente.
Contudo, a matéria de facto vai noutro sentido, demonstrando-se o alegado pela R. para concluir
que os mencionados bens foram por si adquiridos por usucapião.
Claro que a R. não demonstrou o facto que evidenciaria a inversão do título, para, a partir daí,
começar a usufruir em nome próprio.
Na verdade, como dispõe o art. 1255.º do CC, «por morte do possuidor, a posse continua nos
seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa (2); e
a posse em nome próprio só começa a partir da inversão do título (3) .
Um dos casos indicados por Vaz Serra para inverter o título (4) é o de ter havido partilha de
facto, que, «embora juridicamente irrelevante» faz inverter o título, «passando cada herdeiro a ter uma
posse exclusiva sobre certa parte determinada da herança», sendo, então possível a usucapião.
16
E foi, precisamente, a partilha de facto a circunstância invocada pela R. para se concluir pela
inversão do título.
Só que não provou tal facto, como, claramente, se vê da resposta negativa ao quesito 7.º (5) e
respectiva fundamentação das respostas aos quesitos (6).
Ora, não se tendo dado como provado o facto alegado pela R. caracterizador da inversão do
título, de acordo com o rigor dos princípios, em sede de julgamento da matéria de facto, não devia o
julgador ter dado como provada a matéria de facto pela mesma R. alegada tendente a demonstrar que
havia adquirido por usucapião os aludidos prédios.
Ou então, se o tribunal deu como provado que a R. passou a possuir os prédios em nome
próprio, devia ter tido em conta o facto (7) que caracterizou a inversão do título.
Mas o que, de facto, aconteceu é que o tribunal a quo deu como provados os factos que deu e a
Relação não os alterou, decidindo, sobre o assunto, definitivamente, porque este Supremo Tribunal os
não pode alterar por não nos ter sido suscitado nem se vislumbrar qualquer das excepções
contempladas no art. 722.º, 2 do CPC.
E a questão de facto, para além de termos que a acatar, pode até ser a mais consentânea com
a realidade porque não deixa de ser estranho que a mãe do A., irmã da R., nunca tenha reivindicado os
prédios em causa desde a data da morte da mãe -18.10.61 -até à sua morte -30.1.89.
Poderia tal circunstância inculcar ser verdadeira a alegação de que, entretanto, tenham as irmãs
(mãe do A. e R.) feito as partilhas extrajudicialmente.
Quid juris?
A presente acção é uma acção de petição de herança em que o A. invoca como causa de pedir
a qualidade de herdeiro e a restituição dos bens que fazem parte da herança.
Tendo sido decidido que a petição de herança não caducou (8), a restituição dos bens à herança
só podia soçobrar, diz A. Varela, (9) perante a usucapião do demandado.
Assim, demonstrado que o A. é herdeiro da de cuius, sua avó, por direito de representação de
sua mãe, filha daquela, a restituição dos bens que lhe pertenceram só podia improceder se provada a
usucapião invocada, no caso, pela R.
Não era, pois, ao A. que cabia demonstrar que os bens sempre pertenceram à herança da sua
avó, depois da sua morte (10), como diz a R. nas suas contra alegações, (11) mas a esta que os
adquiriu por usucapião. (12)
Não se provou o facto por si invocado para inverter o título, mas vem demonstrado que, desde a
morte da de cuius, a R. adquiriu por usucapião o direito aos bens reivindicados para a herança.
E, como é insindicável a decisão sobre a matéria de facto, (13) face aos normativos processuais
acima citados, temos de concluir que se deve manter a decisão que julgou improcedente a acção
Decisão
Custódio Montes
Neves Ribeiro
Araújo Barros
----------------------------------------------------
(1) Que delimitam o objecto do recurso -arts. 684.º, 2 e 3 e 690.º1 do CPC.
(2) Como dizia Vaz Serra a págs. 181 da RLJ Ano 91, embora no domínio do Cód. de Seabra,
mas com validade face ao disposto no mencionado art. 1255.º do CC, «só,..., uma partilha legalmente
feita, pode localizar o domínio de cada um dos consortes em bens certos e determinados".
(3) "Enquanto não houver inversão do título, continua o ilustre mestre Vaz Serra, Ob. e loc. cit,
pág. 182, «enquanto não houver inversão do título da posse, cada um dos consortes possui por si e
pelos outros, não podendo, portanto, adquirir por prescrição bens certos e determinados do património
indiviso».
(4) Ob. e loc. cits na nota anterior.
(5) Perguntava-se: «após o falecimento de C (mãe) em 18.9.61, e considerando o mencionado
em L), foi feita, entre os herdeiros, partilha extrajudicial da herança deixada por aquela ?»
17
(6) Diz-se que a resposta se deveu "à total ausência de elementos probatórios pré-existentes
nos autos ou produzidos em audiência de julgamento no sentido da sua realidade, já que nenhuma das
testemunhas inquiridas a esses factos demonstrou ter conhecimento directo deles, tanto mais que as
mesmas, na sua generalidade e mormente as residentes em Preguiça e Arada, nunca conheceram
outros filhos à C, falecida em 1961, sendo a R. que com ela residiu e cuidou da casa e do terreno até à
sua morte, após a qual continuou ininterruptamente a residir e cuidar da casa e do terreno, ...»
(7) Diz a doutrina que tal facto tem de ser inequívoco "diz Manuel Rodrigues, A Posse, pág. 232
que "não há inversão sem que se substitua a causa - o título jurídico que determinou a detenção - por
um outro que seja capaz de criar uma posse".
(8) Decisão proferia a fls. 22 a 24, transitada em julgado.
(9) RLJ Ano 120, pág. 156.
(10) Até essa altura vem demonstrado que os referidos bens lhe pertenciam.
(11) Embora a acção de petição de herança - art. 2075.º do CC - tenha afinidade com a acção
de restituição, não se confunde com ela - ver A. Varela, ob. e loc. cts.
(12) Como se diz no Ac. deste Supremo tribunal de 20.11.03, in DGSI, n.º SJ200311200030147.
(13) Embora não provado aquele motivo invocado de inversão do título, pode o juiz do
julgamento de facto se ter capacitado de que a não oposição aos actos de posse em nome próprio da
mãe do A., durante cerca de 27 anos - desde a data da morte da de cuius, em 1961, até à sua morte,
em 1989, equivaleu a uma atitude de inversão do título para a R. ter adquirido os bens por usucapião.
ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
Pode cobrar dívidas activas da herança quando a cobrança possa perigar com
a demora - 2089º - e vender frutos e outros bens deterioráveis, nos termos e com
os fins definidos no art. 2090º.
18
Actos de disposição só podem ser praticados por todos os herdeiros.
Essa personalidade judiciária da herança não deve, porém, justificar-se por se tratar de herança
jacente, uma vez que não foi sequer alegado que os seus titulares ainda não estejam determinados (já
houve mesmo habilitação de herdeiros) ou que não tenha havido a sua aceitação (artigos 6º do Código
de Processo Civil e 2046º e seguintes do Código Civil).
Do que se trata antes é de exigência do pagamento de alegada dívida do falecido que se terá
transmitido para a herança, a qual será a responsável por esse pagamento (artigo 2068º do Código
Civil), só podendo ser demandado algum dos herdeiros, pessoal e directamente, no caso de ter
assumido esse encargo na partilha da herança.
Assim, qualificada como património autónomo (Oliveira Ascenção, Direito Civil - Sucessões, pág.
472), ou como universalidade, detentora de personalidade jurídica, por gozar de aptidão para ser titular
de relações jurídicas (citados artigos 2068º e 1462º do Código de Processo Civil), a herança tem
personalidade judiciária (artigos 5º e 6.º do CPC) e, sendo o sujeito passivo da relação material
controvertida, é ainda parte legítima na execução (art. 56º, nº 1, do mesmo Código).
O problema reside apenas na representação da herança em juízo, por não gozar de
capacidade judiciária, e, neste ponto, a solução não é susceptível de dúvidas sérias.
Não se está perante qualquer das hipóteses previstas nos artigos 2087º a 2090º do Código Civil,
em que a administração e representação da herança pertence ao cabeça-de-casal, sendo pois aplicável
o artigo 2091º, nº 1, do mesmo Código, onde se estabelece que «os direitos relativos à herança
só podem ser exercidos ... contra todos os herdeiros».
Isso não significa que os herdeiros tenham de ser demandados pessoalmente, pois, como se
notou, a própria herança é que goza de personalidade judiciária e de legitimidade, mas apenas que eles
têm de intervir como representantes da herança, em suprimento da sua falta de capacidade
judiciária.
No caso presente, a execução foi instaurada contra a herança, «na pessoa do cabeça-de-casal»
ou representada por este, e, havendo outros herdeiros além do exequente e do cabeça-de-casal, ocorre
o vício da ilegitimidade ou irregularidade da representação do executado, o que constitui fundamento de
oposição à execução por embargos - artigos 813º, alínea c), e 815º, nº 1, do Código de Processo Civil.
A consequência desse vício, que integra excepção dilatória, é a absolvição do executado da
instância - artigos 288º, nº 1, alínea e), 494, nº 1, alínea b), e 801º do citado Código; tal vício pode, em
princípio, ser sanado (artigos 23º e seguintes do citado Código)...
A pessoa a quem caberia o cabeçalato pode pedir escusa nos casos previstos
no art. 2085º; a remoção do cargo está prevista no art. 2086º.
O novo Código do Registo Civil, com a redacção dada pelo Dec-lei n.º
324/2007, de 28 de Setembro, criou uma nova forma de partilha designada
Procedimentos simplificados de sucessão hereditária, regulado nos art. 210ºA a
210ºR.
O inventário judicial tem os fins previstos no art. 1326º CPC, começa por
requerimento subscrito por quem tenha legitimidade para o requerer 10 - 1327º CPC -
acompanhado de certidão de óbito do finado e indicação de quem, nos termos da lei –
art. 2080º CC -, deve desempenhar as funções de cabeça de casal - 1338º.
Segue-se despacho do Juiz a nomear a pessoa proposta ou outra a quem tal
cargo couber e a designar dia e hora para as declarações do CC que é citado com a
advertência a que se refere o art. 1340º.
I - A disciplina do art. 1823º, al. c) do CC, ao exigir que a proveniência do dinheiro ou valores
próprios de um dos cônjuges seja mencionada no documento de aquisição, deve ser interpretada
restritivamente, aplicando-se apenas nas relações dos cônjuges com terceiros.
II - Ingressado um bem na comunhão, qualquer um dos cônjuges pode fazer a prova de que na
respectiva aquisição foram empregues valores próprios, tendo direito a ser compensado no momento da
dissolução e partilha do património comum.
III - As questões referentes à relação de bens só devem ser objecto de decisão definitiva
em processo de inventário quando seja viável a formulação, a seu respeito, de um juízo com
elevado grau de certeza, o que não acontece quando a matéria fáctica subjacente revele grande
complexidade e o seu apuramento demande, designadamente, a produção de prova testemunhal
- Ac. de 15.5.01, na Col. Jur. (STJ) 01-II-75.
«A regra quanto ao preenchimento dos quinhões é, por um lado, no sentido de que os bens
licitados devem ser adjudicados ao respectivo licitante e os bens doados e legados devem sê-lo ao
respectivo donatário ou legatário (artigo 1374º, alínea a), do Código de Processo Civil).
E, por outro, no sentido de que aos não licitantes e não conferentes são adjudicados, tanto
quanto possível, bens da mesma natureza dos bens doados ou licitados e, se isso não for possível, são-
lhes adjudicados outros bens da herança.
21
Mas se lhes forem adjudicados bens de natureza diferente, podem exigir a composição em
dinheiro, caso em que serão vendidos judicialmente os bens necessários para a obtenção das quantias
em dívida.
E esse regime é aplicável a favor de co-herdeiros não legatários quando alguns dos herdeiros
tenham sido contemplados com legados (artigo 1374, alínea b), do Código de Processo Civil).
Este normativo apenas expressa que os não licitantes obterão o preenchimento dos seus
quinhões hereditários tanto quanto possível com bens da mesma espécie e natureza dos bens dos bens
licitados, ou seja, não estabelece que na partilha cada interessado participe igualmente em cada
categoria de bens.
Os bens restantes que haja são repartidos à sorte pelos interessados, por lotes iguais (artigo
1374º, alínea c), do Código de Processo Civil).
Na sequência do mapa informativo, os interessados a quem hajam de caber tornas são
notificados para requererem a composição dos seus quinhões ou reclamarem o pagamento das tornas
(artigo 1377º do Código de Processo Civil).
Com efeito, se algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para
preencher a sua quota, a qualquer dos notificados é permitido requerer que as verbas em excesso ou
algumas lhes sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão (artigo
1377º, nº 2, do Código de Processo Civil).
O conceito de verbas em excesso a que se reporta este último normativo significa licitação
excessiva em relação à quota hereditária do licitante, ou seja, não tem necessariamente a ver com o
número de verbas abrangidas pelo acto de licitação.
O referido direito de preenchimento do respectivo quinhão em bens pelo credor de tornas
pressupõe, pois, que esse crédito derive de licitação excessiva, em pluralidade de verbas.
Mas é o licitante que pode escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para
preencher a sua quota, para o que será notificado para escolher os bens necessários ao preenchi-mento
do valor que tenham direito a receber (artigo 1377º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Assim, o referido direito de escolha dos licitantes está sujeito ao limite do preenchimento do
valor que tenham direito a receber.
Neste quadro de direito de escolha de bens licitados por parte dos licitantes, a lei só confere aos
credores de tornas não licitantes o direito de requererem a composição do respectivo quinhão
hereditário em abstracto, isto é, sem indicação de bens, o que, em regra, se traduzirá no preenchi-
mento por via dos bens excedentes da escolha feita pelos licitantes.
Todavia, o direito de escolha de bens licitados pelos licitantes não é ilimitado, certo que,
conforme já se referiu, está limitado pelo referido critério legal da necessidade, sob o escopo finalístico
da igualação de quem, a título sucessório ou de outra ordem, concorre à partilha de determinado
património.
A lei visa, por via dos referidos direitos dos licitantes à escolha entre os bens licitados, e dos não
licitantes à composição dos quinhões por via de bens licitados, salvaguardar quem, por razões de
carência económica, não pode licitar e para lhe obviar à afectação patrimonial em razão da desvalo-
rização da moeda como referencial do valor dos bens.
O abuso do direito, excepção peremptória imprópria de conhecimento oficioso, está legalmente
previsto em termos de ser ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda
manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico
desse direito (artigo 334º do Código Civil).
Rege este normativo para as situações concretas em que é manifesta e exorbitante a
contrariedade entre o resultado prático da aplicação do direito subjectivo exercitado e os princípios a
que aquele normativo se reporta, pensados para uma comunidade de cidadãos em convivência
solidária.
Todavia, conforme acima se referiu, o direito de composição dos quinhões dos não licitantes não
envolve que lhe sejam adjudicados bens da mesma natureza dos que foram licitados.
Acresce que, face ao mapa de partilha que foi elaborado, não se verifica que as recorridas D e C
tenham escolhido bens em termos de afectar o direito de composição do recorrente, ou em abuso do
seu direito de escolha.
A conclusão, é, por isso, no sentido de que a Relação, ao considerar não haver sido invocada
desigualdade na composição dos quinhões, não infringiu o normativo do artigo 1377º, nº 2, do Código de
Processo Civil – Ac. STJ (Ex.mo Consº Salvador da Costa) de 3.11.2005 na base de dados do ITIJ.
22
No inventário por óbito de A requerido por B e em que é cabeça-de-casal C, agravou aquele do
despacho que mandou aguardar os autos que os interessados usem da faculdade a que alude o art.
1.378º-2 CPC por o mesmo não ter, apesar de notificado para o efeito, depositado as tornas dentro do
prazo fixado e reclamadas pelos interessados D, C e E.
Entretanto, faleceu a interessada C, cumulando-se o seu inventário neste, havendo lugar à
respectiva descrição de bens, a conferência de interessados e despacho determinativo de partilha.
Factos provados com interesse para a decisão, além do constante do relatório supra, e
enunciados pela Relação -
a) - verificando a secção, no acto da organização do mapa, que os bens licitados pelo
interessado B excediam a sua quota, informou no processo, sob a forma de mapa, indicando o montante
do excesso, no caso, no valor de 802.293.791$08;
b) - segundo o referido mapa, todos os demais interessados ficaram credores de tornas,
designadamente, o interessado D pelo montante de 39.293.208$92;
c) - notificados esses interessados para requerer, nos termos do art. 1.377º-1 CPC, a
composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas, optaram por reclamar o
pagamento;
d) - notificado o devedor das tornas para as depositar, no prazo de 10 dias, nos termos do art.
1.378º-1 CPC, não efectuou o depósito;
e) - por esse motivo, requereu o interessado D, nos termos do art. 1.378º-2 CPC, que, das
verbas destinadas ao interessado B, lhe fosse adjudicada a que tem o nº 26 na descrição de bens a fls.
1.259, pelo valor da licitação - 81.000.000$00 -, requerendo ainda que lhe fossem passadas guias para
depositar de imediato a importância que tinha de pagar por virtude da adjudicação, ou seja,
41.706.791$08 (81.000.000$00 - 39.293.208$92);
f) - por despacho proferido a fls. 1.630 foi ordenada a notificação dos restantes interessados
para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem, querendo, quanto ao teor do requerimento da al. anterior,
nada tendo sido dito;
g) - foi, então, proferido o despacho de fls. 1.647, objecto do 2º agravo, onde se decidiu -
«atendendo a que não foi deduzida oposição e ao disposto no art. 1.378º nº 2 do CPC, defere-se a
pretensão do requerente D»;
h) - a quota do interessado B era de 82.043.208$92 e licitou bens no valor de 884.337.000$00.
Decidindo: -
1.- A descrição acima feita torna assaz evidente que foi respeitada a tramitação legal.
Por isso, apenas cumpre desfazer uma certa confusão que grassa relativamente aos campos de
aplicação dos arts. 1.377º e 1.378º CPC.
Os interessados credores de tornas são notificados para ou requerer a composição dos seus
quinhões ou reclamar o pagamento daquelas.
23
Se um interessado licitou em excesso em relação ao preenchimento da sua quota pode qualquer
interessado credor de tornas que as verbas em excesso ou algumas lhe sejam adjudicadas pelo valor
resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão.
Se houve licitação em excesso e tiver sido requerida a composição do quinhão, goza o licitante
da faculdade de escolha e só se a não exercer ou a não tiver exercido em termos de ser relevante, é
que o requerimento do credor de tornas pode ser atendido na medida em que o dever ser.
Este o regime consagrado nos 3 primeiros nºs. do art. 1.377º (o nº 4 não oferece interesse quer
por não ser aqui aplicável quer por o art. seguinte o mandar também aplicar se o requerimento for feito
por mais de um interessado e não houver acordo entre eles sobre a adjudicação).
Se o credor de tornas, porém, optar por requerer o seu pagamento, o devedor delas é notificado
para as depositar.
Se as não depositar e o credor de tornas requerer que das verbas destinadas ao devedor lhe
sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação, sob a forma de mapa, as que escolher e sejam
necessárias para preenchimento da sua quota, contanto que deposite imediatamente a importância das
tornas que, por virtude da adjudicação, tenha de pagar.
Neste caso, já ao licitante em excesso não concede a lei a faculdade de escolha.
E, sendo a lei redigida para a vida real, não se pode pretender que apenas confere este direito
ao credor de tornas se entre os bens licitados houver uns cujo valor coincida com as tornas devidas pelo
licitante.
Este o regime consagrado nos 2 primeiros nºs. do art. 1.378º (os dois imediatos não tem
interesse para o caso sub judice).
No nº 2 há que distinguir entre tornas devidas pelo licitante e as que o credor daquelas possa vir
a dever. As primeiras, autorizam o seu credor a exercer, optando, um dos direitos que a lei lhe
reconhece nos arts. 1.377º e 1.378º CPC; as segundas, implicam para o credor requerente o seu
depósito imediato, sob pena de perder o direito de escolha que quis exercer.
Quando o interessado licita em excesso não abusa do direito de licitar, mas sujeita-se a que o
credor de tornas possa ou requerer a composição de quinhões ou reclamar o seu pagamento ou pedir
que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados
ao devedor até onde seja necessário ou, nenhum desses direitos exercendo, registar hipoteca legal
sobre os bens adjudicados ao devedor (ou, quando essa garantia se mostre insuficiente, requerer que
sejam tomadas, quanto aos móveis, as cautelas prescritas no art. 1.384º).
O agravante licitou em excesso, exerceu um direito que tinha. A qualificação da sua conduta
opera-se com relação ao momento em que sucede, não depende de facto ou de conduta posterior e a
ela alheia. Por isso, não havia que qualificar de não abusivo o acto de licitar por não ter sido requerida a
composição de quinhões.
Mas do facto de o exercício do direito de licitar não ter sido abusivo não é lícito retirar argumento
para negar ao agravado um direito que lhe é reconhecido por lei (CPC 1.378º,2).
O agravado reclamou o pagamento das tornas não tendo o agravante, delas devedor, efectuado
o seu depósito; por isso, aquele requereu a adjudicação da verba nº 26 licitada por este - era um direito
que lhe assistia. Neste caso a lei não reconhece ao devedor de tornas - que teve oportunidade de evitar
essa adjudicação efectuando o depósito mas a não usou - a faculdade de escolha.
Não há nisto um exercício abusivo do direito de requerer a adjudicação de certo bem, o que
apenas sucederia se com isso houvesse um desapossamento, o que tornaria ilegítimo o exercício do
direito (CC- 334º).
Além de não ser o caso, teria falhado o agravante num outro aspecto.
Ao lhe ser notificado o requerimento do agravado, deveria ter acusado de exercício abusivo e,
sem que isso significasse o exercer uma faculdade que não tinha - a de escolha, indicar que este tinha a
possibilidade de preencher a sua quota com bem menor prejuízo para ele, agravante.
Certo que daí não poderia retirar, como uma certeza, o deferimento dessa acusação.
Porém, sujeitava-a a apreciação judicial e, divergindo da decisão, poderia agravar.
Uma outra vantagem desse procedimento seria a de alinhar uma matéria de facto (a da
indicação que fizesse em defesa da tese do exercício abusivo) que nos seus recursos não usou, apenas
se limitando a transcrever, a tal respeito, uma passagem das 'Partilhas Judiciais' de Lopes Cardoso
(II/427).
2.- O agravante arguiu de nulidade, por falta de fundamentação de facto e de direito, a sentença,
o que a Relação negou.
Renova a arguição e, embora fale de sentença, entende-se que a discordância reside em
relação ao acórdão que não atendeu a sua arguição.
A lei fala (CPC - 1.382º) em sentença homologatória de partilha e tal denominação tem razão de
ser e comporta em si um significado.
Ao qualificá-la de homologatória está a indicar que vai dar força ao que é homologado apenas
se pedindo ao tribunal se esse quid foi produzido por quem com legitimidade e se pelo seu objecto é
24
válido. Não se requer que, na sentença, o tribunal decida de mérito a controvérsia que possa ter sido
estabelecida entre os interessados - essa, se a houve, foi, ao longo do inventário, sendo resolvida e é já
sobre o 'degrau' final, quando este se mostra em condições de poder ser consolidado, que intervém o
juiz para efectivamente o consolidar.
O juiz não vai efectuar o julgamento da partilha, esta já foi feita e foram percorridos os itens
posteriores necessários à sua consolidação. O processo é-lhe concluso «para, ..., proferir sentença
homologando a partilha constante do mapa» (CPC- 1.382º,1). Nada se opondo à sua validade, havendo
conformidade do mapa à mesma e verificando que nela intervieram as pessoas interessadas, o tribunal
dá consistência legal à partilha constante do mapa, autentica-a.
Há, pois, uma norma especial a regular, não havendo que recorrer à geral (CPC- 659º) a não ser
no mínimo aí contido - identificação do processo que, por neste não haver partes, é obtida através da
identificação da natureza do processo e dos nomes dos inventariado e inventariante, e condenação em
custas.
A estes dois elementos (identificação e custas), acresce um outro, esse o especial a que se
reporta aquele nº 1 do art. 1.382º.
25
Ora, no caso vertente, a recorrida indicou o recorrente como interessado directo na partilha e ele
foi citado para o processo de inventário e efectivamente notificado para alguns dos seus actos.
Ademais, os factos provados não revelam que a recorrida tenha agido no processo de inventário
com dolo ou má fé na forma de preparação da partilha.
Não ocorrem, por isso, na espécie, os pressupostos de anulação da partilha a que se reporta o
artigo 1388º do Código de Processo Civil. – Ac. STJ (Ex.mo Consº Salvador da Costa) de 3.3.2005.
A partilha extrajudicial
deve ser reduzida a escritura pública (ou documento particular autenticado), tal como o
repúdio (2063º) ou a alienação da herança (2126º), se na herança houver imóveis -
80º, nº 2, d), do C. Notariado.
É de todo o interesse atender às atribuições preferenciais do cônjuge
sobrevivo - 2103ºA a 2103º C, à colação12 - art. 2104º e ss - e eventual redução de
liberalidades inoficiosas, as que ofendem a legítima dos herdeiros legitimários -
2168º.
Por isso, num casamento em segundas núpcias, celebrado em 1964, com filhos
do primeiro casamento, o bínubo não podia comunicar mais que metade dos bens que
tinha ao tempo do casamento ou que viesse a receber por doação ou herança de seus
parentes - 1235º e 1109º do C. Seabra (hoje - art. 1699º, nº 2.
Falecido o bínubo em 1980, aplica-se à partilha a lei então vigente, mas, porque
é necessário atender primeiro ao regime de bens do casamento para encontrar a
massa de bens a partilhar, mandou-se aplicar aquele regime do Código de Seabra e,
portanto, os bens que se não comunicaram continuaram bens próprios dele e
integraram, juntamente com a sua meação nos comuns, a sua herança14.
DOAÇÕES
Conceito - 940º: contrato, vínculo jurídico pelo qual o doador fica adstrito à
realização da prestação para com o donatário; supõe proposta e sua aceitação, pois
a proposta de doação caduca se não for aceita em vida do donatário - 945º, nº 1;
mesmo no caso de doações puras a incapazes, é necessária a aceitação que a lei -
951º, nº 2 - presume.
A doação é essencialmente gratuita: só o doador fica obrigado a entregar a
coisa doada – art. 940º - e nas doações com encargos - 963º - (doações modais ou
onerosas) estes hão-de ter valor inferior ao dos bens doados; nas remuneratórias
exige-se que os serviços assim remunerados não tenham a natureza de dívida exigível
- 941º; é da natureza da doação o espírito de liberalidade (antónimo de dever ou
necessidade), animus donandi.
Por isso não há doação nas hipóteses prevenidas no nº 2 do art. 940º: na
renúncia trata-se (quando não seja renúncia contratual e translativa) de atitude
meramente passiva do renunciante que não fica mais pobre por isso; no repúdio
haverá doação no caso de aceitação e alienação gratuita a que se refere o nº 2 do art.
2057º; nos donativos conformes aos usos sociais é necessário ver se, pelo valor da
diminuição do património do ofertante, não estaremos em presença de verdadeira
doação (família média que oferece um carro de alto preço).
15
- BMJ 460-707.
28
que, por isso, sujeita os contratantes às obrigações assumidas, e que a lei patrocina estabelecendo as
regras relativas ao cumprimento dessas obrigações e as sanções correspondentes à falta do acordado,
ou seja, à celebração do contrato definitivo - o prometido, futuro - de que o contrato-promessa se pode
apelidar de provisório.
Daí, que consideremos inaceitável entender-se «a promessa de doação, aceite pelo beneficiário,
como constituindo uma verdadeira doação, na medida em que cria, desde logo, um direito de crédito em
benefício do promissário à custa do património do promitente» - cfr. Drs. Pires de Lima e Antunes
Varela, no Código Civil Anotado, 2.° vol., pág. 229, e Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano
110.°, pág. 213, em comentário ao acórdão deste Tribunal, de 18 de Maio de 1976.
Há que entender, sim, que não é possível, legalmente, a promessa de doação, não só porque
não é passível da regulamentação estabelecida para os contratos-promessa, designadamente, nos
artigos 442.° e 830.° do Código Civil, com especial relevo para a inadmissibilidade de se impor, ao
promitente-doador, a celebração do contrato de doação prometido, no caso de ela voluntariamente não
se prestar à realização desse contrato, pois que tal imposição brigaria com a característica fundamental
da doação, ou seja, o espírito de liberalidade, o animus donandi, inexistente quando «o autor da
atribuição cumpre, apenas, um dever jurídico, uma vez que tal espírito de «liberalidade implica a ideia de
generosidade ou espontaneidade, oposta à de necessidade ou de dever» - cfr. ob. cit., vol. lI, pág. 182
(edição de 1968).
I - É válida a promessa de doação. Mas uma coisa é a validade da doação e outra é a de saber
se a mesma é passível de execução específica, como determina o art. 830.º do CC.
II - A natureza da obrigação assumida pelo promitente opõe-se pela sua natureza à execução
específica.
III - Nos termos do n.º 2 do art. 452.º do CC, a lei proíbe a reserva de nomeação, entre outros,
nos casos em que é indispensável a identificação dos contraentes.
IV - Na doação, quer a pessoa do doador quer a pessoa do donatário têm que estar
determinadas.
V - No caso em apreço, da promessa de doação não consta o nome do donatário, atribuindo-se
a uma terceira pessoa a possibilidade de o vir a indicar, pelo que, a promessa de doação tem que se
considerar nula e de nenhum efeito.
A) No tribunal de Família e Menores de ..., AA, intentou acção com processo ordinário contra
BB, pedindo que fosse proferida sentença equivalente ao negócio de doação.
Alega que o Réu prometeu a CC doar a quem esta indicasse metade de um prédio urbano,
tendo CC indicado a Autora como a beneficiária dessa doação. Como o Réu se recusa agora a efectuar
a doação prometida, a Autora pede que o tribunal profira sentença equivalente ao respectivo negócio de
doação.
C) Inconformada com tal decisão dela apelou a Autora, mas sem êxito.
a) O art. 949° nº 1 do Código Civil, invocado pelo douto aresto recorrido no sentido de não
considerar válida a promessa de doação assumida pelo Réu, tão somente proíbe que alguém atribua,
por mandato, a faculdade de designar a pessoa do donatário;
b) Sendo o mandato o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos
jurídicos por conta de outrem (art. 1157° do Código Civil) e não intervindo no documento da alínea B)
dos factos assentes, a pessoa a quem o Réu conferiu a possibilidade de indicar a pessoa do donatário,
a hipótese dos autos não cai na previsão do art. 949° nº 1 do Código Civil;
29
c) O referido documento apenas consiste numa promessa unilateral de doação através da qual o
Réu confere a outrem a possibilidade de nomear o respectivo beneficiário, o que tem acolhimento nos
art°s 452° e seguintes do Código Civil;
d) E nada obsta à exequibilidade específica de promessa de doação em que o próprio autor da
promessa declarou e aceitou expressamente tal possibilidade, como sucedeu in casu;
e) Deverá, pois, ter-se como válida a obrigação assumida pelo R, no documento da alínea B)
dos FA e a possibilidade da respectiva execução específica, imputando-se, consequentemente, ao douto
acórdão recorrido, a violação, por erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art°s 280°, 411°,
452°, 830°, 940° nº 1, 949° e 1157° do ÇC, que se espera sejam interpretados e aplicados nos termos
aqui propugnados.
Nas suas contra – alegações o Réu defende que a Revista deve ser negada.
D) Os Factos:
"Esta promessa só se torna eficaz decorridos que sejam 12 meses sobe a presente data.
Indicado que seja o beneficiário da prometida doação ser-lhe-á licito, em caso de não outorga da
respectiva escritura, recorrer á execução específica da presente promessa" (alínea C dos factos
assentes).
IV - CC enviou ao Réu em 5-9-2003 uma carta registada com aviso de recepção que este
recebeu em data posterior, com o seguinte conteúdo:
"Nos termos e para os efeitos da promessa unilateral de doação por si subscrita em 6 de
Setembro de 2002, indico-lhe que a doação de --12da moradia sita no lote 40 da Rua ... (antes Rua...),
em ..., S. Domingos de Rana, descrito na 1 ° Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o nº
02724/021288, deverá ser feita a AA, residente no .... Santa Cruz das Flores.
Os actos de formalização da doação ficarão a cargo do Advogado Sr. Dr. ..., que oportunamente
lhe dará conhecimento do local, dia e hora fixados para a escritura pública" (resposta aos quesitos 1° e
2°).
V – Em 16 de Outubro de 2003, a Autora requereu a notificação judicial avulsa do R. no sentido
de lhe dar conhecimento da data, hora e local designados para a escritura (5 de Novembro de 2003, ás
17 horas, no 1 ° Cartório Notarial de Cascais), e por forma a que ele comparecesse no 1 ° Cartório
Notarial de Cascais a fim de a outorgar (resposta ao quesito 3°).
VI - Foi tentada a notificação com hora certa referida em V na morada constante do documento
referido II) que é a residência dos pais do Réu, a qual não foi efectuada devido ao Réu não se encontrar
presente na hora designada apesar da sua mãe o ter avisado dessa marcação (resposta ao quesito 4°).
VII – Em 3-11-2003, o mandatário da Autora enviou ao Réu uma carta registada com aviso de
recepção que este recebeu, com o seguinte teor, além do mais:
“... Visando evitar litígios judiciais, entendeu-se marcar nova data para a escritura - 20 de
Novembro pf, às 17 horas, no referido Cartório –, pelo que pela presente, aviso V.ª Exª da referida
marcação, devendo no acto declarar que se encontra assegurado o pagamento da dívida hipotecária
supra aludida, devendo confirmar-me até ao dia 17 de Novembro p.f. pelas 17 horas, por carta ou
telecópia, se comparecerá no dia designado, sem o que o respectivo silêncio será interpretado como
recusa de comparência, com as consequências daí decorrentes " (resposta aos quesitos 5° a 8°).
VIII – Em 19-11-2003, o Réu remeteu ao mandatário da Autora um fax com o seguinte conteúdo:
"Recebi a sua carta enviada a 3-11-2003 onde refere as preocupações da sua cliente quanto à
feitura de uma escritura de promessa de doação da parte que lhe couber após a venda da moradia sita
em ......
30
Ora como depreendo da sua carta uma ameaça velada de pressão e como na minha boa fé não
encontro razões para tal procedimento, é minha opinião não fazer, neste momento, qualquer tipo de
escritura ou outros actos, pois que o melhor mesmo será não levantar muitas ondas... " (resposta ao
quesito 9°).
E) Decidindo:
Das conclusões das alegações de recurso, que delimitam o âmbito da sua apreciação, resultam
duas questões a resolver, por um lado a de saber se a promessa unilateral de doação para pessoa a
nomear é válida e a segunda é a de saber se sendo a mesma válida é possível a execução específica
da mesma. Aliás é este o pedido que a Autora formula.
As decisões das Instâncias são no sentido de que a promessa de doação é nula. Essa nulidade
resultaria do facto de a pessoa do donatário vir a ser determinada por outrem que não o doador.
Mas uma coisa é a validade da doação e outra é a de saber se a mesma é passível de execução
específica, como determina o Artigo 830 do Código Civil.
31
a possibilidade de desistir do contrato definitivo até à celebração deste, embora incorrendo em
responsabilidade pelo incumprimento do contrato promessa» —- M. J. Almeida Costa, Direito das
Obrigações, pág. 279; ver também o que escreveu na RLJ, ano 118, págs. 24 e Seg. No mesmo sentido,
Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, pág. 286. Pode pois também concluir-se que a natureza da
obrigação assumida pelo promitente opõe se pela sua á natureza á execução específica.
Se o contrato promessa dos autos fosse válido, nunca o pedido formulado pela Autora poderia
proceder, uma vez que se pede que seja proferida sentença que produza os efeitos do contrato
prometido ou seja, pede-se a execução específica do contrato.
No caso em apreço a promessa de doação tem uma nuance que tem que ser analisada, da
mesma não consta o nome do donatário, atribuindo-se a uma pessoa a possibilidade de a vir a indicar.
2. Os representantes legais dos incapazes não podem fazer doações em nome destes.
1. Ao celebrar o contrato, pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro que
adquira os assuma as obrigações provenientes desse contrato.
Mas logo de seguida, o seu n.º 2 refere que:
2, A reserva de nomeação não é possível nos casos era que não é admitida a representação ou
é indispensável a determinação dos contraentes.
Anotando este número dois – Código Civil Anotado pág 434 Pires de Lima/ Antunes Varela –
ensinam que «Nos termos do n° 2 deste artigo, não é possível a reserva de nomeação, se desde logo se
deve conhecer o contraente ou se não é admitida a representação. Não é por exemplo, de admitir a
reserva no contrato de doação pelo menos em relação ao donatário. Este há-de ser desde logo
conhecido sob pena de não ter sentido a liberalidade».
Ao contrário do que afirma a recorrente, a doação é nula, como bem defenderam as Instâncias,
porquanto a pessoa do donatário tem que ser conhecida e por outro lado a lei proíbe a reserva de
nomeação, entre outros nos casos em que é indispensável a determinação dos contraentes. Ora na
doação que a pessoa do doador quer a pessoa do donatário têm que estar determinadas, com se deixou
explicado e dito.
32
-lo em vida do doador - 945º, nº 116 -, o doador pode livremente revogar a sua
declaração negocial - 969º - desde que observe as formalidades desta.
Tradição de coisa móvel doada (ou de título que a represente, p. ex., cheque)
equivale a aceitação (manual); se não houve tradição da coisa móvel (ou do título
representativo) nem aceitação no próprio acto, é indispensável escritura pública (ou
documento autenticado) para os imóveis e escrito para os móveis (947º) e
declaração, ao doador, de aceitação, sob pena de não produzir efeitos - 945º, nº
3.
Decidiu - R.ão do Porto, Ac. de 11.10.2001, na Col. Jur. 2001-IV-211:
DEPÓSITO BANCÁRIO
DOAÇÃO
TRADIÇÃO DA COISA
Sumário:
I - O depósito bancário constitui um depósito irregular, a que se aplicam as regras do
mútuo na medida em que sejam compatíveis com a função específica do depósito, mais as
normas do depósito que não colidam com o efeito real da transferência da propriedade do
dinheiro depositado.
II - O documento que corporiza a conta de depósito bancário representa o dinheiro que foi
objecto do depósito.
III - A "tradição", requisito essencial, na falta de documento escrito, para a validade de
doação de bem móvel (dinheiro) pode consistir na colocação pelo doador, na esfera do
beneficiário, da possibilidade de movimentar e dispor do documento representativo do valor do
dinheiro.
DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTA CONJUNTA
CONTA SOLIDÁRIA
ÓNUS DA PROVA
PODERES DA RELAÇÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Sumário:
I - Nas contas bancárias conjuntas, a mobilização e disponibilidade dos fundos depositados
exige a simultânea intervenção da totalidade dos titulares, enquanto nas contas solidárias basta para o
efeito a intervenção de qualquer dos titulares, indistinta e isoladamente, subscrevendo cheques ou
acordos de pagamento, independentemente da autorização ou ratificação dos restantes; e isto,
independentemente de quem seja de facto e juridicamente o proprietário desses valores», ou seja, a
natureza solidária da conta releva apenas nas relações externas entre os seus titulares e o banco,
quanto à legitimidade da sua movimentação a débito, e nada tem a ver com o direito de propriedade das
quantias depositadas;
II - Nesta vertente as contas solidárias estão sujeitas ao regime da solidariedade activa
definido no artigo 512.º, n.º 1, Código Civil, cujo efeito predominante, nas chamadas relações externas»,
16
- No BMJ 445-458 entendeu-se que por não ter caducado o mandato com a morte do mandante, (art.
1175º) era válida a doação pelo mandatário e aceitação, perante este, pelo donatário, apesar de falecido
antes o doador (mandante)
33
entre os credores solidários e o devedor, é o de que cada um daqueles tem o direito de exigir deste a
prestação integral, sem que o devedor comum possa aduzir a excepção de que esta não lhe pertence
por inteiro;
III - Se, porém, o credor solidário viu o seu direito satisfeito para além do que lhe cabia na
relação interna entre os concredores, terá de satisfazer aos outros a parte que lhes pertence no crédito
comum, conforme explícita estatuição do artigo 533 - preceito simétrico do artigo 524 relativo ao direito
de regresso na solidariedade passiva. (artigo 533); e justamente com vista à determinação da parte dos
restantes credores nas relações internas se explica o artigo 516.º, e a presunção meramente iuris
tantum da participação proporcional nele desenhada;
IV - A presunção foi, todavia, ilidida no caso sub iudicio, uma vez ter-se provado que as contas,
de que a falecida era titular à data do acidente, foram constituídas com dinheiro dela, não comungando
consequentemente os parentes contitulares em qualquer quota da propriedade do dinheiro; pelo que,
em tais condições, havendo estes réus não obstante procedido ao levantamento da totalidade dos
depósitos ainda em vida da proprietária, devem agora restituir à sua herança indivisa a totalidade
dessas importâncias, nos termos do artigo 533.º;
V - Os réus recorrentes pretendem que as quantias depositadas lhes foram doadas pela autora
da sucessão, mas não se provou que esta, por espírito de liberalidade, tenha disposto gratuitamente das
aludidas quantias em seu benefício, elementos típicos do contrato de doação conforme o artigo 940.º do
Código Civil, cuja prova incumbia aos réus como factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito
de restituição (artigo 342.º, n.º 2).
VI - Aliás, os factos e circunstâncias que os recorrentes referem nas conclusões da alegação
constituem presunções e bases de presunções que induziriam interpretativamente os aludidos
elementos integradores do tipo legal da doação. Conforme, porém, a jurisprudência constante deste
Supremo Tribunal, estava vedado à Relação extrair as presunções em questão, relativamente a factos
seleccionados como tema da prova, que o julgador de facto em 1.ª instância deu, todavia, como não
provados.
I
1. "A" e esposa B, residentes em Lisboa, coligados com C e marido D, residentes na freguesia
de Ceivães, concelho de Monção, instauraram no tribunal desta comarca, em 2 de Março de 2000,
contra:
As lesões sofridas por K no acidente de 9 de Abril de 1994 foram de tal forma graves que a
mantiveram ininterruptamente internada em estabelecimentos hospitalares do Norte, num estado
comatoso e de inconsciência, que a impedia de falar, ver, ouvir e movimentar-se, sendo-lhe a
alimentação inclusive ministrada por meio de sonda introduzida no nariz.
E nesta situação de absoluta incapacidade para reger a sua pessoa e administrar o seu
património, impeditiva de qualquer contacto com familiares, amigos, ou conhecidos, e com os próprios
bens, permaneceu a sinistrada sem alteração, desde a data do acidente até à sua morte em 7 de
Dezembro de 1994.
34
diversos réus a restituírem ao acervo hereditário, acrescidas de juros, essas quantias que
respectivamente fizeram suas.
2. Os réus contestaram, alegando que o dinheiro já não pertencia a K na altura da sua morte,
uma vez que o fora dividindo ao longo da vida pelos réus, através do sistema das contas conjuntas ou
autorizando que procedessem ao levantamento das mesmas. Procedeu a falecida deste modo por
manter uma relação mais próxima com os réus, que, de entre os familiares, sempre a ajudaram. Daí a
sua vontade de lhes doar essas quantias em forma de agradecimento.
Prosseguindo o processo os trâmites legais, veio a ser proferida sentença final, em 21 de Junho
de 2003, que julgou procedentes os pedidos formulados, condenando os réus em conformidade.
3.1. «Salvo o devido respeito por melhor opinião, resulta dos autos que a K quis doar, como
aliás doou, aos réus, as verbas depositadas nas várias instituições bancárias e na proporção em que
cada co-titular ou procurador intervinha no respectivo depósito;
3.2. «Resulta dos autos que a falecida além da sua irmã E tinha ainda vivos os irmãos A e C e
vários sobrinhos, filhos de irmãos pré-falecidos;
3.3. «No entanto os depósitos bancários só tinham como co-titulares ou procuradores a irmã E
e/ou os filhos desta. Sendo que nem todos eram procuradores ou co--titulares das mesmas contas;
3.4. «Daí se terá que normalmente concluir que a vivência e confiança da falecida passava
somente pelos réus. Pois de outro modo não existe justificação para das contas não constarem os
outros familiares;
3.5. «Até porque a irmã G morava mais perto da casa da falecida que a E ou seus filhos (alguns
deles emigrantes em França);
3.6. «Por outro lado se a razão de as contas não estarem tituladas somente pela falecida para
possibilitar o levantamento no caso de impossibilidade dela, chegaria mais um titular e naturalmente que
seria o mesmo;
3.7. «Também é verdade que a falecida sabia que quer os co-titulares quer os procuradores
podiam levantar o dinheiro aí depositado;
3.8. «Aliás não existe outra explicação normal e plausível para que numa conta sejam
procuradores cinco pessoas;
3.9. «Resulta assim, de todo o comportamento da falecida que o que ela pretendeu foi doar as
importâncias depositadas aos réus, e assim foi entendido pelos réus e seria por qualquer cidadão
comum;
3.10. Sempre ela o afirmou às vizinhas e aos próprios sobrinhos e irmã E;
3.11. «Como também era sabido que a falecida mantinha relações muito distantes com a
restante família;
3.12. «As instâncias, salvo o devido respeito, fizeram uma aplicação errada do direito,
nomeadamente não aplicando o disposto nos artigos 236.º, 238.º e 349.º todos do Código Civil e ainda o
disposto no artigo 668.º, n.° l, alínea c), do Código de Processo Civil.»
II
1. Rejeitando como dissemos a impugnação da decisão de facto pelos réus apelantes, que
apreciou criteriosamente, a Relação de Guimarães considerou assente a factualidade dada como
provada na 1.ª instância, para a qual, não impugnada e devendo aqui manter-se inalterada, desde já se
remete nos termos do n.º 6 do artigo 713.º do Código de Processo Civil.
35
Na perspectiva do presente recurso interessa, todavia, conferir elucidativo destaque aos factos
seguintes:
1.1. "K" faleceu em 7 de Dezembro 1994, no estado de viúva de L, sem descendentes nem
ascendentes, ou qualquer disposição de última vontade relativa aos bens, sendo seus herdeiros os
irmãos, entre os quais os autores A e C, a ré E, e diversos sobrinhos [alínea A) da especificação];
1.2. Os réus F, G, H, I e J são filhos da ré E e sobrinhos da falecida K [alínea B)];
1.3. K foi vítima de acidente de viação em 9 de Março de 1994 e, desde então até ao seu
falecimento, ininterruptamente, esteve internada em estabelecimentos hospitalares em estado
comatoso, incapaz e inconsciente [C)];
1.4. Por óbito de K, foi instaurado inventário facultativo, a requerimento da autora C, sendo
cabeça de casal a ré E, onde aquela acusou a falta de relacionação dos depósitos bancários da falecida,
acerca dos quais foram os interessados remetidos para os meios comuns [alíneas D) e E)];
1.5. À data do acidente de viação que a vitimou, a K era titular dos seguintes depósitos a prazo
[F)]:
1.º na agência de Monção do Banco ... o depósito n° 22 540 167/300, com o saldo credor de
4.143.337$00, que tinha como procuradores cinco sobrinhos seus, os réus F, G, H, I e J;
2.° na agência de Melgaço do Banco ... (actual BPI), o depósito n.° 73 103 540, com o saldo
credor de 513.062$00, solidariamente com os réus H, I e J;
3.° na agência de Monção do Banco .., o depósito n.° 22 222 722, de 178.707$00,
solidariamente com o réu F;
4.° na mesma agência, o depósito n.° 1 862 793, de 540.560$70, solidariamente com o mesmo
réu F;
5.º na mesma agência, o depósito n.° 1 897 371, de 335.593$60, solidariamente com o mesmo
réu F;
6.° na mesma agência, o depósito n.° 1 973 887, de 109.800$00, solidariamente com o mesmo
réu F;
7.° e, na mesma agência, o depósito associado à conta à ordem n.° 7 727 399 011, de 982
859$40, solidariamente com a ré E.
E isto decerto no tocante ao depósito do Banco ..., em que os cinco réus sobrinhos apenas
intervinham nas contas como procuradores da tia, de forma que os actos por eles praticados, maxime as
movimentações da conta, deveriam sempre conformar-se adentro dos poderes de representação por ela
conferidos mediante as procurações, e produzindo enquanto tais os seus efeitos na esfera jurídica
própria da dona do negócio K (artigos 258.º e 262.º do Código Civil).
Desde logo, porque o dinheiro das contas pertencia à falecida, consoante se provou (supra, II,
1.6.), havendo a sentença por isso considerado ilidida a presunção estabelecida no artigo 516.º Em
segundo lugar, por não se ter provado qualquer animus donandi na constituição das contas solidárias,
cujo ónus probatório, impendente sobre os réus, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, restou incumprido
mercê das respostas não provado a todos os quesitos 1.º a 8.º da base instrutória.
Acresce, na perspectiva do artigo 947.º, sempre do Código Civil, que, não tendo as pretensas
doações sido feitas por escrito, o certo é que, consoante presunção extraída pela Relação dos factos
provados, a K não procedeu à entrega ou tradição das quantias pecuniárias em apreço aos réus seus
familiares (1).
36
3. Eis aí justamente, emanando das decisões das instâncias e por último do acórdão em revista,
a composição correcta do presente litígio.
3.1. Pode parecer que a solução seja menos discutível no caso da conta meramente com
procuração dos réus sobrinhos. Vejamos então paradigmaticamente as contas solidárias.
Pois bem. Na estrutura e funcionalidade da conta solidária, cada um dos titulares fica a ter, em
relação ao banco, «o direito de dispor, como entender, e unicamente com a sua assinatura, de todas as
somas ou valores em crédito da conta», podendo desta forma, «separadamente e sozinho, retirar a
totalidade ou parte das somas ou valores» (4). Basta, dito de outro modo, «a assinatura de apenas um
dos respectivos titulares para a sua movimentação e até mesmo para o seu encerramento». (5)
Distinção esta - a de que a natureza solidária da conta «releva apenas nas relações externas
entre os seus titulares e o banco, quanto à legitimidade da sua movimentação a débito, e nada tem a ver
com o direito de propriedade das quantias depositadas» - constantemente salientada outrossim na
jurisprudência deste Supremo Tribunal (7).
Em síntese. As contas solidárias de que K era titular podiam ser movimentadas no todo ou em
parte pelos parentes contitulares isoladamente, tendo estes em face do banco devedor, nos termos
expostos, o direito de dispor delas como entendessem, desacompanhados da falecida, independen-
temente de ser esta ou algum daqueles o proprietário dos fundos existentes nas conta.
3.2. Nesta vertente estavam as mesmas contas, numa palavra, sujeitas ao regime da
solidariedade activa definido no Código Civil (8).
E este é, com efeito, «o regime fundamental da solidariedade nas chamadas relações externas»
(10), entre o credor solidário e o devedor.
Se, porém, o credor solidário «viu o seu direito satisfeito para além do que lhe cabia na relação
interna entre os concredores, terá de satisfazer aos outros a parte que lhes pertence no crédito comum
(artigo 533.º)». «E nessa relação interna, presume-se que os credores solidários participam no crédito
em partes iguais (artigo 516.º).» (11)
A distinção, entre os dois planos, das relações externas e das relações internas, é, por
conseguinte, essencial na compreensão do sistema (12).
Repete-se. Se um dos credores receber toda a prestação, consoante é seu direito perante o
devedor, no regime próprio da solidariedade activa (artigo 512.º, n.º 1), ficando satisfeito «além da parte
que lhe competia na relação interna entre os credores», está então obrigado a satisfazer aos outros a
parte que lhes pertence no crédito comum, conforme explicita estatuição do artigo 533.º - preceito
simétrico do artigo 524.º relativo ao direito de regresso na solidariedade passiva.
37
E justamente com vista à determinação da parte dos restantes credores nas relações internas se
explica o artigo 516.º, e a presunção meramente iuris tantum da participação proporcional nele
desenhada.
3.3. A presunção foi, todavia, ilidida no nosso caso, uma vez que se provou que as contas, de
que a falecida era titular à data do acidente (supra, II, 1.5.), foram constituídas com dinheiro dela (supra,
II, 1.6.), não comungando consequentemente os parentes contitulares em qualquer quota da
propriedade do dinheiro.
E, em tais condições, havendo estes réus não obstante procedido ao levantamento da totalidade
dos depósitos ainda em vida da proprietária, devem agora restituir à herança indivisa de K a totalidade
dessas importâncias, nos termos do artigo 533.º do Código Civil, acrescidas dos juros em que também
vêm condenados.
Por maioria de razão, se é possível, estão obrigados a idêntica restituição do que levantaram do
Banco ..., acrescido dos respectivos juros, os réus com procuração sobre a conta aí constituída.
3.4. Pretendem ex adverso os recorrentes que as quantias depositadas lhes foram doadas pela
autora da sucessão.
No entanto, como as instâncias registaram, não se provou que a falecida, por espírito de
liberalidade, tenha disposto gratuitamente das aludidas quantias em benefício dos réus, elementos
típicos do contrato de doação conforme o artigo 940.º do Código Civil, cuja prova incumbia a estes como
factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de restituição (artigo 342.º, n.º 2).
Conforme, porém, a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, estava vedado à Relação
extrair as presunções em questão, relativamente a factos seleccionados como tema da prova, que o
julgador de facto em 1.ª instância deu, todavia, como não provados (13) - tais exactamente os factos
constantes dos quesitos 1.º a 8.º do questionário, como já referimos, com os quais as conclusões da
alegação se encontram em estreita afinidade.
Por isso que não se verifique, salvo o devido respeito, a violação dos preceitos citados na
conclusão 12.ª
III
Na improcedência, por todo o exposto, das conclusões da alegação, acordam no Supremo
Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelo pelos réus recorrentes (artigo 446.º do Código de Processo Civil).
38
(5) Aramy Dornelles da Luz, Negócios Jurídicos Bancários, São Paulo, Brasil, 1999, págs. 83/84,
apud Abudo, idem, pág. 159.
(6) José Maria Pires, Direito Bancário, vol. II, Lisboa , 1995, pág. 149, apud Abudo, idem, pág.
157.
(7) Citem-se a propósito os seguintes acórdãos: de 22 de Abril de 1999, revista n.º 251/99, 2.ª
Secção; 17 de Junho de 1999, agravo n.º 418/99, 2.ª Secção; 12 de Março de 2002, revista n.º 3484/01,
6.ª Secção; 3 de Junho de 2003, revista n.º 1615/03, 6.ª Secção; 14 de Outubro de 2003, revista n.º
2193/03, 1.ª Secção; 13 de Novembro de 2003, revista n.º 3040/03, 7.ª Secção; 16 de Novembro de
2004, revista n.º 3291/04, 1.ª Secção.
(8) Neste sentido anotam Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição
revista e actualizada, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Lda.,
Coimbra, 1987, pág. 529, que um «caso muito frequente de solidariedade activa é o dos depósitos
bancários feitos em nome de duas ou mais pessoas», «em que qualquer dos depositantes fica com a
faculdade de fazer levantamentos».
(9) Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª edição, revista e aumentada,
Almedina, Coimbra, Outubro de 2001, pág. 625.
(10) Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª edição, revista e actualizada
(Reimpressão), Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2003, pág. 753.
(11) Almeida Costa, op. cit., pág. 629.
(12) Veja-se, além dos autores citados nas notas 28 e 29, também Manuel de Andrade, Teoria
Geral das Obrigações, com a colaboração de Rui de Alarcão, Almedina, Coimbra, 1958, págs. 122 e
seguintes.
(13) Citem-se nesse sentido os seguintes arestos: de 21 de Setembro de 1995, «Colectânea de
Jurisprudência. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça», Ano III (1995), Tomo 3, págs. 15 e
seguintes; 30 de Outubro de 2002, revista n.º 3012/02, 7.ª Secção; 20 de Maio de 2003, revista n.º
1236/02, 1.ª Secção; 9 de Outubro de 2003, revista n.º 2536/03, 7.ª Secção; 18 de Dezembro de 2003,
revista n.º 3453/03, 2.ª Secção; 22 de Setembro de 2005, revista n.º 2668/03, 2.ª Secção.
- Doações por morte são, em geral, proibidas - 946º, nº 1 - e como tal nulas -
294º. Os casos ressalvados pela lei são
39
- doações entre casados: escrito, mesmo que acompanhada de tradição -
1763º, nº 1.
Tratando-se de doações mortis causa cada um dos cônjuges pode dispor dos
bens próprios e da sua meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições
impostas por lei a favor dos herdeiros legitimários, nos termos e com os efeitos
previstos no art. 1685º.
ENFERMEIRO
DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA
VÍCIOS DO CONSENTIMENTO
ANULABILIDADE
Sumário:
1. A referência do artigo 2194º do Código Civil ao enfermeiro reporta-se ao que tem a qualidade
legal de enfermeiro, não abrangendo quaisquer outras pessoas que, movidas por razões de amizade ou
de solidariedade, hajam prestado ao testador serviços e cuidados de enfermagem.
2. A estas pessoas, na medida em que possam ter conduzido e determinado o testador a
beneficiá-las no testamento, são aplicáveis as disposições relativas à anulabilidade resultante de vícios
de vontade ou de negócio usurário.
40
Nestas hipóteses de reserva - instituição de um regime especial de revoga-
bilidade das doações ou de redução do seu valor, ou cisão dos poderes inerentes ao
direito de propriedade - o doador reserva direitos que pode exercer por si só, sem
necessidade de qualquer colaboração ou cooperação por parte do donatário.
Na reserva há uma restrição de ordem jurídica ao direito que é doado.
Durante o período de tempo em que a reserva vigorar o direito é menos amplo do que
quando se achava na esfera jurídica do doador, está amputado de alguns dos poderes
que o integravam.
Cinde-se o direito de propriedade plena através da constituição de um direito
real menor. Estas restrições são de ordem jurídica.
41
Frequentemente, pessoas de idade e sem herdeiros legitimários fazem doações
a amigos ou vizinhos com o encargo de o donatário cuidar do doador são como são,
doente como doente, ou seja, cuidar e alimentar o doador pelo resto da vida. Porque o
tratamento não é como pretendido pelo doador ou porque aparecem familiares ou
herdeiros (não legitimários) do doador a querer herdar, surgem acções a pedir a
resolução da doação por não cumprimento dos encargos.
DOAÇÕES
Cláusula modal
Resolução do contrato
Ac. STJ de 9.2.1999 Col. Jur. STJ 99-I-94
I - A cláusula modal é uma cláusula acessória típica dos negócios gratuitos, divergindo o
seu regime consoante seja estabelecida em testamento ou doação.
II - A doação modal é uma modalidade de doação que se caracteriza pela imposição ao
donatário de uma obrigação ou de um ónus, acessório da liberalidade e que, sem ter a natureza
de contraprestação, limita o seu valor.
III - Sendo a doação modal, a aceitação que a lei exige, em regra, nas doações, há-de
abranger não só a liberalidade como também o próprio encargo que a limita, para que o donatário
possa ficar a saber ao que se obriga. E tal só pode acontecer se do contrato constarem os
titulares do direito do pedido de resolução por incumprimento dos encargos.
IV - Nada constando do contrato de onde se possa retirar que o doador tenha querido
atribuir aos seus herdeiros tal direito de resolução, não assiste a estes o direito de pedi-la.
…
Alfredo Francisco fez doação aos RR desta acção, com reserva do usufruto para si, da fracção
autónoma designada pela letra "N", correspondente ao terceiro andar, frente, do prédio urbano, em
regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa.
d) - esta doação foi feita pelo Alfredo Francisco "com o encargo dos donatários manterem em
bom estado de limpeza a residência dele, doador, bem como as suas roupas pessoais e da casa e,
ainda, de o assistirem, em caso de doença, e ainda de pagar as respectivas despesas provenientes de
luz, água, contribuições e de condomínio".
e) - Nesta escritura, "ele, doador, reserva o direito de pedir a resolução da doação, se estes
encargos não forem cumpridos".
f) Os donatários declararam, na escritura referida, "que aceitam esta doação".
2. - O art. 966º do C. Civil estabelece: "o doador, ou os seus herdeiros, também podem pedir a
resolução da doação, fundada no não cumprimento de encargos, quando esse direito lhes seja
conferido pelo contrato".
Esta norma tem redacção diferente no art. 25º do articulado proposto pelo Prof. Pires de Lima e
que era a seguinte: “a resolução da doação pelo não cumprimento de encargos também pode ser
pedida pelo doador ou pelos seus herdeiros, mas somente quando prevista no contrato".
Esta redacção manteve-se no Anteprojecto, 1ª e 2ª revisão ministerial, apenas com a alteração
da epígrafe, a qual, era "condição resolutiva tácita" no articulado e na 1ª revisão ministerial e passou a
ser "resolução da doação" na 2ª revisão ministerial.
Não parece que a inclusão do pronome pessoal Ihes tenha a finalidade de apenas referenciar
no texto "a pluralidade dos sucessivos titulares na perspectiva do seu (do direito) exercício", como se diz
no douto Acórdão. Seria inútil, uma vez que:
a) a pluralidade dos titulares estava enunciada no inicio da norma;
b) a sucessão na titularidade do direito era óbvia - os herdeiros só podiam pedir a resolução do
contrato no caso de o doador não ter exercido esse direito; pedida e obtida a resolução pelo doador,
estava realizado o interesse do titular do direito, o direito tinha cumprido a sua função, preenchido o seu
fim, o interesse a que se destinava extinguira-se.
Portanto, a inclusão do pronome pessoal lhes no art. 966º não pode ter o escopo avançado na
decisão recorrida.
E também não parece que, tenha ou não sido razão determinante da doação a cláusula modal, o
incumprimento dos encargos, leve automaticamente (como parece entendimento do douto Acórdão
recorrido) a não subsistência da doação.
A ser desta forma, a cláusula modal não passaria de uma condição resolutiva tácita, visto que a
resolução se traduziria, ao fim e ao resto, num direito inerente ao incumprimento - art. 801º.
E não podia entender-se que o fosse. Mesmo a ser condição resolutiva, a redacção proposta
pelo Prof. Pires de Lima, mantida no Anteprojecto, impunha a sua previsão expressa no contrato de
42
doação. Assim acontecia também no parágrafo quarto do art. 793º do C. Civil Italiano. E não era tão
certo assim que esta norma dispensasse a previsão expressa do direito de Resolução para os herdeiros
do donatário.
A questão específica que nos é colocada (que não encontrámos tratada na doutrina e na
jurisprudência) impõe considerações mais alargadas no sentido de determinar o verdadeiro sentido e
alcance do art. 966º.
Nas doações não é assim, a resolução só pode ser pedida pelo próprio doador ou seus
herdeiros e desde que expressamente prevista no contrato de doação - art. 966º.
43
A própria natureza do contrato exige que seja como se disse.
A doação modal pode ser definida: - "é a modalidade de doação que se caracteriza pela
imposição ao donatário de uma obrigação ou de um ónus, acessório da liberalidade e que, sem ter a
natureza de contraprestação, limita o seu valor".
Sendo a doação modal uma modalidade do contrato de doação, naturalmente que a aceitação,
que a lei exige, em regra, nas doações, há-de abranger não só a liberalidade como também o próprio
encargo que a limita. Até pela simples razão de que o encargo constitui, para o donatário. uma
verdadeira obrigação, uma obrigação em sentido técnico. O donatário tem de saber, pois, ao que se
obriga. Tal só pode acontecer se do contrato constarem os titulares do direito do pedido de resolução
por incumprimento dos encargos.
E isto que nos parece querer dizer Maria do Rosário P. Ramalho, quando escreve: no nosso
entender, o direito de resolução tem de ser retirado da interpretação dos termos do contrato,
procurando-se a vontade das duas partes contratantes e não apenas o animus do doador. É que nos
parece que, quando o legislador se refere ao facto de o direito ser «conferido pelo contrato», está a
pensar na convenção entre as partes, no acordo que ambas manifestaram em relação a cada cláusula
contratual. E, mesmo que diga que, no contrato de doação, a vontade do doador prevalece sobre a do
donatário, a verdade é que este ultimo aceitou a doação e o encargo qual tale, isto é, nos exactos
termos expressos no contrato".
No contrato de doação celebrado entre o falecido Alfredo Francisco e os ora RR. e Recorrentes,
nada consta, sequer, de onde se possa retirar que o doador tenha querido atribuir à ora A. e Recorrida o
direito de pedir a resolução do contrato por incumprimento dos encargos.
E tinha de constar para o contrato poder ser interpretado no sentido de que nele estava tal
direito conferido à Recorrida, atento o disposto no art. 238º.
Parece-nos, por tudo isto, que à A. e ora Recorrida Lucinda de Magalhães não assiste o direito
que pretende fazer valer na presente acção.
Nestes termos, a decisão recorrida não pode ser mantida.
DOAÇÕES
Revogação e resolução
Fundamentos
Questão nova
44
Por outro lado, as situações justificativas da deserdação estão contempladas no art. 2166º, ou
seja, o autor da sucessão pode em testamento, com expressa declaração da causa, deserdar o herdeiro
legitimário, privando-o da legítima, quando se verifique alguma das seguintes ocorrências:
a) Ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra algum
descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime corresponda pena superior a
seis meses de prisão;
b) Ter sido o sucessível condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as
mesmas pessoas;
c) Ter sido o sucessível, sem justa causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os
devidos alimentos.
Estes são, pois, os pressupostos legalmente previstos que legitimam o doador a requerer em
tribunal a revogação da doação, revogação que não opera «ipso jure» ou «ope legis». A figura da
revogação da doação é completamente distinta da figura da resolução da doação, encontrando esta a
sua previsão no art. 966.º, e que, tal como aquela, terá de ser requerida em tribunal para produzir os
seus efeitos.
Enquanto a revogação do negócio consiste numa destruição voluntária da relação contratual
pelos próprios autores do contrato, ou por acordo de ambos os contraentes ou então por vontade de
apenas um deles. Em princípio, a revogação apenas projecta para o futuro os seus efeitos.
A resolução contratual, porém, também consiste numa destruição do negócio, mas fundada na
verificação de um facto posterior à sua celebração. Em princípio, a resolução destrói retroactivamente os
efeitos do contrato, regressando os contraentes ao status quo ante. (veja-se, a este respeito, Das
Obrigações em Geral, vol. 2˚, p. 242 e segs, 3ª edição, do Prof. Antunes Varela e Das Doações, p. 108 e
segs. de Manuel Batista Lopes).
A resolução da doação apenas pode ocorrer por incumprimento dos encargos das doações ou
das cláusulas modais por parte do donatário que a esses encargos ficou adstrito (ut art. 966º). A
resolução, quanto aos seus efeitos, tal como já vimos opera ex tunc - retroactivamente -, equiparando-
-se à nulidade e anulabilidade (art. 433º em conjugação com o art. 289˚), com ressalva do disposto nos
arts. 434˚ e 435˚.
A revogação da doação, no tocante à projecção dos seus efeitos entre as partes tem o seu
regime específico previsto no art. 978º e relativamente a terceiros dispõe o art. 979º.
A resolução da doação que se baseia exclusivamente no inadimplemento dos encargos
modais, só pode ser requerida pelo doador, ou seus herdeiros, quando esse direito seja conferido pelo
contrato de doação (art. 966˚).
Tendo em conta que esse direito de resolução não foi exarado no contrato, nem sequer foi
alegado que era essa a vontade da doadora para a hipótese de incumprimento dos encargos. Deste
modo, e como corolário lógico, é despiciendo perscrutar se a presente doação foi onerada com
encargos, uma vez que o seu inadimplemento apenas pode basear a resolução e já não a revogação.
Os encargos configuram-se com simples limitações ou restrições à prestação do disponente
(liberalidade) - tornando-a mais moderada - e não como seu correspectivo (Cfr. Prof. Antunes Varela, in
Ensaio sobre o Conceito e o Modo e Batista Lopes, obra citada, p. 112).
Os encargos não passam, assim, de uma cláusula acessória típica por virtude da qual nas
doações e nas liberalidades testamentárias - senão porventura noutros negócios gratuitos - o autor da
liberalidade impõe ao respectivo beneficiário a obrigação de adoptar um certo comportamento (dar ou
não dar, fazer ou não fazer alguma coisa), no interesse do próprio disponente ou no interesse de terceiro
ou do próprio beneficiário. (vide Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. 2˚, p. 393, de Manuel de Andrade
e a obra citada de Batista Lopes, p. 108 e segs.) Não integram os elementos essenciais, os requisitos
necessários para a validade do negócio gratuito onde podem ser apostas.
Do acervo factual provado apenas se extrai que os RR. - donatários - mediante a doação
prometeram à Autora, a ajuda material e moral necessária, fazer-lhe uma cozinha, arranjar o
aquecimento da casa, bem como outros arranjos e auxiliá-la na sua solidão, não a perturbando. Inexiste
qualquer imposição por parte da doadora.
Mas mesmo que se configurassem como encargos para os RR., todavia, como estipulações
verbais acessórias contemporâneas do contrato de doação, não obstante, e a nosso ver, não sujeitas à
forma exigida para o contrato de doação (art. 221º, nº 1), a sua existência não podia ser feita através de
prova testemunhal (art. 394º, nº 1). Mas, se bem se atentar, a Autora jamais peticionou a resolução da
doação, mas antes a sua revogação, não relevando os encargos modais para efeitos de revogação. O
inadimplemento culposo dos encargos apenas legitima a que seja exigido o seu cumprimento (art. 965˚)
ou então a resolução da doação (art. 966˚), sendo incorrecto, à face da lei, buscar apoio no
incumprimento dos encargos modais para pedir a revogação, qualificando tal incumprimento como
ingratidão do donatário, uma vez que, como já dissemos, a revogação por ingratidão tem um substrato
factual taxativamente fixado, não sendo imperiosa a estipulação de encargos modais (art. 974˚).
45
É manifesto que os donatários, não podem ser reputados por indignos, face à previsão do art.
2034º e art. 2166º, nº 1, alíneas a) e b), acima explicitados.
A Autora, ora Apelante, defende, contudo, na conclusão 17ª, que os RR., ora Apelados, sem
justa causa, não lhe prestaram os devidos alimentos. Ora, a noção de alimentos consta do art. 2003º,
tendo direito a alimentos a pessoa que não pode prover ao seu sustento, incluindo neste tudo o que for
necessário, não apenas à alimentação, mas também ao vestuário e habitação do necessitado (A.
Varela, Dir. de Família, p. 69).
Estabelece o art. 2011˚, nº 2 que sobre o donatário recai a obrigação de alimentar o doador
segundo a proporção dos bens doados. Compulsando a factualidade provada, em parte alguma se vê
que a doadora tenha pedido alimentos aos donatários ou mesmo que a mesma esteja carecida de
alimentos e impossibilitada de prover à sua própria subsistência. Aliás, como acertadamente vem
salientado da douta decisão impugnada, o doador não pode pedir se decrete a revogação da doação
com base na recusa da prestação de alimentos pelo donatário, se este não está obrigado a prestá-los
por acordo ou decisão judicial (ut acórdãos da Relação do Porto, in C.J. 1988, 2˚, p. 194 e desta
Relação, in C.J. 1991, 4˚, p. 125).
Sem dúvida, que a conduta dos RR., face aos factos vertidos na decisão recorrida é censurável,
e «ingrata» no plano moral, devendo ajudar a Autora, conforme prometeram. Todavia, a conduta dos
RR. é irrelevante para efeitos da ingratidão prevista na lei (art. 974˚), pelo que incontroverso se torna
que não é cabida a pretendida revogação da doação por ingratidão dos RR. donatários.
Improcedem, destarte, as conclusões 1ª a 6ª da alegação.
46
falta de acordo de doador e donatário) por ingratidão do donatário, ingratidão não no
sentido corrente ou moral, mas sim quando se verifiquem os pressupostos da
indignidade (art. 2034º) ou deserdação (2166º).
I - A doação pode ser revogada por ingratidão, quando o donatário se torne incapaz, por
indignidade de suceder ao doador, ou quando se verifique alguma das ocorrências que justificam a
deserdação - artigos 2034, 2166.
II - A revogação por indignidade pode fundamentar-se em os donatário deixarem de prestar ao
doador os devidos alimentos e o conveniente tratamento17.
III - Entende-se por alimentos, tudo o que e indispensável ao sustento, habitação e vestuário,
devendo eles ser proporcionados aos meios daquele que houver de presta-los e a necessidade daquele
que houver de recebê-los.
IV - O não cumprimento de encargos da doação conduz, não a revogação mas a resolução da
mesma doação quando este direito seja conferido ao doador no contrato.
V - A revogação de um contrato não se confunde com a resolução deste, pois, enquanto a
resolução tem, em regra, eficácia retroactiva (ex tunc), a revogação pode não a ter, operando só para o
futuro.
Por remissão do art. 953º, são nulas as doações nos mesmos casos em que o
são as deixas testamentárias - 2192º a 2198º.
17
- art. 2166º, c), CC. Desde que os alimentos tenham sido (judicial ou extrajudicialmente) fixados – Col.
Jur. 1991-IV-124.
18
- Parecer do Prof. Capelo de Sousa, na Col. Jur. (STJ) 2001-III-15.
47
Colação - 2104º, 1 - é a restituição que, para igualação da partilha, os
descendentes que queiram entrar na sucessão do ascendente têm de fazer à massa
da herança, dos bens ou valores que lhes foram doados por este.
19
- P. Coelho, 1968, 251
20
- P. Lima - A. Varela, CCA, VI, nota ao art. 2104º.
48
Mas não é forçoso que as doações sejam reduzidas por forma a que todos os
herdeiros recebam o mesmo. Com efeito e nos termos do nº 2 do art. 2108º, se não
houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros, nem por isso são
reduzidas as doações, salvo se houver inoficiosidade.
«4. Suponhamos, para simplificar as coisas, que na sucessão não há cônjuge sobrevivo (porque
o de cuius morreu viúvo, divorciado, ou solteiro mas com filhos), que o autor (A) deixou três filhos (B, C e
D), ao primeiro dos quais doara em vida 400, deixando por morte bens no montante de 500. (Cfr. os
exemplos paralelos da exposição de Oliveira Ascensão, ob. cit., págs. 547 e segs.).
Nesse caso, o valor da herança, para efeitos do cálculo da legítima (art. 2162.°, n.° 1), será de
900 e a porção legitimária (global) será de 600 (art. 2159.°, n.° 2), da qual caberão a cada um dos filhos
200.
Não será possível, num caso destes, igualar os filhos na partilha, sem reduzir o valor da doação.
Para igualar os filhos na partilha, sem reduzir o valor da doação (que foi de 400), seria necessário que A
tivesse deixado por morte bens no valor de 800. Só assim, de facto, a herança teria o valor global de
1200, que permitiria deixar a cada um dos filhos C e D uma quota hereditária de 400, igual ao valor da
doação de 400, feita ao filho B.
Como, porém, o valor dos bens deixados por morte de A foi apenas de 500, e o artigo 2108.°
nem por isso permite reduzir a doação, a solução que deste preceito (n.° 2 do art. 2108.°) resulta para o
caso exemplificado é a seguinte: B e C receberão, cada um deles, a quota hereditária de 250 contos,
cociente da divisão por dois dos 500 relinquescentes do património do autor da herança.
…
5. Resta, finalmente, o exemplo destinado a ilustrar a hipótese prevista na parte final do n.° 2
deste artigo 2108.°: a da inoficiosidade da doação feita ao descendente do doador, que concorre à
herança deste.
Imaginemos, para o efeito, que, no quadro familiar suposto no número anterior, o pai, que morre
deixando no património bens no valor de 300, doara em vida ao filho B um imóvel no valor de 600.
Nesse caso, a doação seria, de facto, manifestamente inoficiosa, porque tendo a herança, para
o efeito do cálculo da legítima (art. 2162.º, n.º 1), o valor global de 900, atingiria o conjunto dos quinhões
legitimários dos filhos C e D o valor de 400, sabendo-se que os bens deixados apenas somam o valor
de 300.
Quando assim seja, a doação feita a B, que não pode ser reduzida pelo simples facto de não
haver na herança bens suficientes para igualar os quinhões de todos os herdeiros, poderá, todavia, ser
impugnada por inoficiosidade, nos termos do n.º 2 do artigo 2108.º, visto não haver entre os bens
deixados valores suficientes para integrar as legítimas de dois dos herdeiros legitimários concorrentes à
sucessão.
6. A solução fundamental, consagrada no n.º 1 do artigo, de imputar, não apenas no quinhão
legitimário, mas em toda a quota hereditária, o valor dos bens doados, com todas as consequências que
logicamente decorrem dessa presunção, é a que melhor se harmoniza com a vontade presuntiva do
doador, que não sabe, normalmente, se o valor dos bens doados ultrapassa ou não o quinhão
legitimário do donatário mas que ao mesmo tempo não quer, em princípio, beneficiar mais o filho
donatário do que os outros filhos.
Sendo assim, parece, de facto, mais correcto afirmar que a doação ao filho é feita, em regra,
como uma antecipação dos direitos sucessórios do donatário, e não como um simples adiantamento por
conta da legítima.» - Ex.mos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anot., VI, notas 4 e 5
ao art. 2108º.
21
- Das Doações, 216, obra que vimos seguindo de muito perto.
49
Havendo dispensa da colação (efectiva ou presumida - 2113º, 1 e 3) a doação
será imputada na quota disponível (do doador de cuius, claro) - 2114º, nº 1; porém,
se não há lugar à colação porque o donatário repudiou a herança e não tem
descendentes que o representem22, será a doação imputada na quota indisponível (do
de cuius) - nº 2 do art. 2114º.
«Suponhamos então, para ilustrar com um novo exemplo a doutrina deste nº 2, que A morre
(solteiro ou viúvo) com três filhos (B, C e D), tendo doado ao primeiro deles bens no valor de 1000, e
tendo o donatário repudiado a herança do pai, sem filhos que o pudessem representar, mas deixando A,
na data em que morreu, outros bens no valor de 2000.
Nesse caso, a doação feita a B (legitimário repudiante) é imputada, nos termos do nº 2 deste
artigo, na quota indisponível do de cujus, que terá o valor, precisamente, de 2000.
Como é, precisamente, de 2000 o valor dos bens deixados por A, e porque B não compartilha da
herança, por ter repudiado, os dois filhos C e D repartirão entre si, a título de legítima e em partes iguais,
os 2000 que restaram no património do falecido.
Deste modo se evita que, tendo havido, por ex., ao lado da doação feita ao presumido herdeiro
legitimário, outras doações feitas pelo de cujus a terceiro, a soma da doação feita ao filho com as
doações feitas a terceiro pudesse facilmente esgotar o montante da quota disponível e provocar a
injusta inoficiosidade destas últimas.
O herdeiro legitimário repudia, porque a lei lhe não quer tolher a liberdade de o fazer, e nem por
isso revoga a doação, porque ela foi livremente realizada pelo doador e livremente aceite pelo donatário.
Mas imputa-a nesse caso na quota indisponível do doador, para não prejudicar os donatários que, de
outro modo, poderiam ser prejudicados com a inoficiosidade da liberalidade que receberam»23.
22
- Se o repudiante tivesse deixado representantes, estes concorriam à herança em seu lugar e, por
isso, a doação seria imputada na quota disponível (art. 2039º e 2043º).
23
- P. Lima - A.Varela, VI, 190.
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que pode ser ofendida com a liberalidade) que tenham aceitado a herança e dentro de
dois anos (caducidade) a contar da aceitação - 2178º.
As liberalidades serão reduzidas pela ordem indicada no art. 2171º a 2173º e
a redução consiste em tirar à doação o excesso em que ela ofendeu as legítimas dos
herdeiros legitimários do doador, obrigando o donatário a restituir ao monte da herança
esse excesso, em espécie, ou o seu equivalente - 2174º a 2177º.
Consabido é que a sucessão legitimária, a que se impõe mesmo contra a vontade do de cuius,
corresponde a interesses tão imperiosos aos olhos do legislador que este transforma as respectivas
normas num verdadeiro ius cogens, inderrogável pela vontade do de cuius.
De entre essas normas destacam-se as que definem e quantificam a legítima - art. 2156º e
2158º a 2162º CC - e a que reconhece a qualidade de herdeiros legitimários ao cônjuge, aos
descendentes e ascendentes - art. 2157º CC.
Claro que os proprietários dos bens são inteiramente livres de, em vida e a título oneroso, dispor
deles como entendam, sem necessidade de se preocuparem com as simples expectativas dos que
serão os seus herdeiros legitimários.
Mas já não é assim no tocante a doações, pois a lei - art. 2162º CC - manda atender, para o
cálculo da legítima, ao valor dos bens doados pelo autor da sucessão, dispõe que, sendo a doação de
bens comuns feita por ambos os cônjuges, conferir-se-á metade por morte de cada um deles (art. 2117º,
n.º 1) e classifica de inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos
legitimários (art. 2168º CC).
As razões que justificam a instituição da legítima não são bastantes para impor a redução ipso
jure das doações inoficiosas, antes tal redução só pode verificar-se a requerimento do interessado cuja
legítima seja ofendida.
É quanto dispõe o art. 2169º do CC: as liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento
dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tudo quanto for necessário para que a legítima
seja preenchida.
Claro que o herdeiro testamentário é sucessor do de cuius, nos termos dos art. 2024º, 2026º e
2030º, n.os 1 e 3, do CC.
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Não quer isto dizer, porém, que o herdeiro testamentário possa exercer todos os direitos que
cabiam ao falecido pois, como diz o art. 2025º do CC, não constituem objecto de sucessão as relações
jurídicas que, em razão da sua natureza ou por força da lei, devam extinguir-se por morte do respectivo
titular.
Atento o regime e natureza da sucessão legitimária e os interesses que vimos estarem-lhe
subjacentes, temos por seguro que o direito de pedir a redução das liberalidades inoficiosas apenas
cabe ao sucessor do herdeiro legitimário que seja, ele próprio, também herdeiro legitimário de quem se
finou sem exercer tal direito. É que o herdeiro testamentário da quota disponível não tem qualquer
legítima a defender se o de cuius não lhe transmitiu tal direito.
Por isso os Prof. Pires de Lima e A. Varela (CC Anotado, VI, 374) lêem assim este art. 2169º:
«as liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus
descendentes ...».
Nem se diga que se a falecida tivesse vendido o seu direito à herança indivisa de seu falecido
marido e a sua meação no casal igualmente indiviso, ninguém poria em dúvida o direito da adquirente a
obter a redução da doação inoficiosa.
São diferentes as situações, a requerer tratamento diferenciado. Na venda do quinhão
hereditário vai incluído tudo quanto integra a herança da cedente, seja a legítima seja a disponível; na
deixa testamentária da quota disponível o de cuius dispõe apenas da parte do seu património que a lei
lhe permite distribuir como entender.
Termos em que se decide a I questão e se desatende o concluído em 4ª e 8ª.
Por último, dir-se-á que o facto de se não reconhecer à herdeira testamentária o direito de pedir
a redução da doação ou o de haver o remanescente da quota disponível, apesar do testamento que
como tal a instituiu, nada tem a ver com a protecção da legítima do doador sobrevivo ou com o seu
direito de testar a que se referem os art. 69º e 2179º e ss, maxime 2188º, todos do CC.
O doador sobrevivo que, juntamente com seu cônjuge, doou aos filhos, por conta da disponível,
bem que a excede, continua a ter capacidade pata testar. O que não tem é bens de que possa dispor,
sob pena de afectar a legítima dos legitimários.
De resto e como resulta do art. 2171º do CC, se houvesse lugar a redução, cairiam
primeiramente a deixa à recorrente e o legado, só depois sendo atingida a liberalidade feita em vida do
autor da sucessão. O que demonstra proteger a lei a doação em vida em detrimento das disposições
testamentárias.
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