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SUCESSÕES

ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA E PARTILHA DOAÇÕES

Sucessão - conceito - 2024º e discrepância1 com o disposto no art. 2025º:


enquanto que o art. 2024º refere como objecto da sucessão as relações jurídicas
patrimoniais, para o art. 2025º tal objecto é constituído pelas relações jurídicas que não
devam extinguir-se por morte do respectivo titular.
Há relações jurídicas que, constituídas intuitu personae, findam com a morte do
respectivo titular. É o caso do uso e habitação (1485º), do usufruto (1443º e 1446º),
das prestações alimentares (2013º, 1, a); outras podem extinguir-se por vontade do
titular (servidões activas - 1569º, 1, a) - ou herança passível de repúdio - 2062º e ss.

Excluídos da sucessão estão ainda os direitos de carácter não patrimonial


(de personalidade, de investigação ou impugnação de paternidade ou maternidade,
direitos morais de autor, direito de continuar com a acção de divórcio para efeitos
patrimoniais - 1785º, nº 3) que, não obstante transitarem para os herdeiros do
respectivo titular, não fazem parte da herança.
O mesmo acontece com direitos de carácter patrimonial, como o arrenda-
mento para habitação que, não caducando por morte do arrendatário, se transmite
segundo regras próprias - art. 85º do RAU, hoje 1106.º CC - não coincidentes com as
regras sucessórias e com o direito a indemnização por danos não patrimoniais que
nasce directamente na esfera jurídica das pessoas referidas no nº 2 do art. 496º do
CC, ao menos para quem entenda que se não verifica aí transmissão do finado para
os seus herdeiros.

São dois os títulos de vocação sucessória - 2026º: a lei e a vontade, de que


resulta serem duas as formas de sucessão mortis causa:

A) - sucessão legal - defere-se por força de disposição normativa de carácter


legal. Pode ser - 2027º
1 - legítima - é deferida por lei supletiva, pode ser afastada pelo de cuius -
2131º a 2155º - Se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em
parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão
desses bens os seus herdeiros legítimos: o cônjuge, os parentes e o Estado - 2132º -
pela ordem fixada no art. 2133º.
2 - legitimária - necessária ou forçada, é deferida por lei (em sentido lato - 1º,
nº 2) imperativa, mesmo contra a vontade expressa do finado, na porção de bens de
que não pode dispor por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários - 2156º a
2178º - porção de bens essa chamada legítima - 2156º - e que se destina, por força
da lei, aos herdeiros legitimários que são o cônjuge, os descendentes e os
ascendentes – 2157º.

A legítima é variável conforme a qualidade e número de herdeiros - art. 2158.º a


2161.º - e calcula-se nos termos do art. 2162°.
Ressalvam-se os casos de deserdação - 2166° - sendo o deserdado
equiparado ao indigno - 2034° a 2038° - para todos os efeitos legais.

B) - a sucessão voluntária - 2026° - decorre de um acto voluntário, negócio


jurídico unilateral (testamento) ou bilateral (contrato de doação mortis causa) - do de
cuius e pode ser
1
- Capelo de Sousa, Sucessões, I, 25.
1
1 - contratual - 2028°, n° 1 - Prevalece sobre a designação sucessória
testamentária, pois os pactos sucessórios, como quaisquer contratos, são, em
princípio, irrevogáveis após aceitação (1701°, n° 1 e 1705°, n° 1); daí que uma deixa
testamentária possa mais tarde ser revogada por manifestação de vontade expressa
ou tácita do de cuius ao doar mortis causa o mesmo bem - 2311° a 2313°.
Antes de aberta a sucessão, os contratos sucessórios (doações por morte,
venda de herança própria ou de terceiro) são em geral proibidos e nulos - 2028°, n.º
1, 286° e 289° e ss; as doações por morte, quando não permitidas por lei, são
legalmente convertidas em disposições testamentárias, se observadas as formalidades
dos testamentos - 946°, nº 2 e 2204° e ss.
Casos de doações por morte válidas - 1700° (convenção antenupcial),
(ir)revogáveis nos termos do art. 1701°.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º João Bernardo) de 10.1.2008, no P.º 07B3972:

1. O contrato-promessa pode ter como objecto a efectivação de um ou mais actos jurídicos


unilaterais.
2. O contrato celebrado entre os cônjuges, não levado a cabo em convenção antenupcial, em
que cada um renuncia à herança do outro é nulo.
3. Sendo igualmente nulo o contrato-promessa, não inserto em tal convenção, em que cada um
deles promete vir a repudiar, quando o outro morrer, a herança deste.
4. Aquele que outorga com o cônjuge, em contrato-promessa, no sentido de cada um deles,
reciprocamente, se obrigar a repudiar a herança do outro quando ele morrer, coloca-se em terreno ilícito,
não podendo a sua sucessora legitimamente - atenta a figura do tu quoque – invocar o abuso do direito
contra o cônjuge sobrevivo que se recusa a levar a cabo o prometido repúdio.
5. Em qualquer caso, esta recusa, sem prova de outros factos interessantes, não integra a figura
do venire contra factum proprium.

2 - Testamentária - 2179° e ss - pode incidir sobre toda a herança no caso de


não haver herdeiros legitimários ou somente sobre a quota disponível, quando os haja.
O testamento é um acto unilateral, livremente revogável a todo o tempo; nem
sequer pode o testador renunciar à faculdade de o revogar, no todo ou em parte -
2311°.
As doações mortis causa prevalecem sobre as deixas testamentárias, sejam
estas anteriores ou posteriores àquelas – 2171.º.

A partilha em vida - 2029º - é uma doação entre vivos, com a especialidade


de os donatários serem, exclusivamente, herdeiros legitimários do doador e de
requererem, para serem válidas, o consentimento dos outros presumidos herdeiros
legitimários e o mais exigido neste art. 2029º.
A partilha em vida, como qualquer doação, não é revogável depois da aceitação
- 969º, nº 1 - salvo por ingratidão do donatário - 970º e 974º e ss.

Os sucessores são herdeiros ou legatários - 2030º.

Casos duvidosos - O de cuius deixa a A 1/3 dos seus bens, mas preenche
essa quota com determinados bens que entende corresponderem a esse terço.
Se por interpretação da vontade do testador - interpretação especialmente
regulada no art. 2187º - se concluir, como parece ser o caso, que ele quis compor
aquela quota com determinado bem, estamos perante instituição de herdeiro.
A deixa de universalidades de facto - 206º - rebanho, biblioteca, colecção de
moedas, selos ou pintura - é legado, assim como de património autónomo 2 ou parte
2
- Dentro do património geral de uma pessoa existe uma massa de bens ou valores patrimoniais ou um
conjunto de relações jurídicas patrimoniais submetidos a um tratamento jurídico particular e unitário, com
2
dele, de estabelecimento comercial ou industrial e de usufruto de herança ou de quota
dela, de coisa genérica (coisa indeterminada de certo género - 2253º) ou de todos os
bens móveis ou todos os imóveis.

Interessa distinguir entre Herdeiros e Legatários porque os herdeiros


respondem, quanto a encargos e dívidas da herança, nos termos dos art. 2068º e
2071º, enquanto que os legatários só respondem, nos termos do art. 2277º, se toda a
herança foi distribuída em legados. Mas também aqueles têm amplo direito de
acrescer - 2137º, nº 2, 2301º e 2302º - enquanto que os legatários só têm direito de
acrescer em relação ao bem para que foram nomeados - 2302º, nº 1.

Quanto ao direito de preferência, os herdeiros gozam de tal direito nos termos


do art. 2130º - venda ou dação em cumprimento a estranhos (continua a ser estranho
e, por isso, sem direito de preferência na venda de outro quinhão o terceiro que já
anteriormente adquiriu algum quinhão hereditário – Col. Jur. STJ 2003-III-104) do
quinhão hereditário -, enquanto que os legatários só gozam de preferência nos termos
gerais dos comproprietários, ou seja, depois de aberta a sucessão em que estão em
situação de compropriedade com o seu co-legatário.

Aberta a sucessão - 2031º - pela morte (68º, nº 1) 3 do de cuius, são chamados


à titularidade das relações jurídicas do falecido os seus sucessores (herdeiros e
legatários), desde que tenham a necessária capacidade - 2032º - e são, além do
Estado, as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão e, na
sucessão testamentária ou contratual, ainda os nascituros não concebidos que
sejam filhos de pessoa determinada, as pessoas colectivas e as sociedades, nas
condições do art. 2033º, n.ºs 1 e 2, a) e b).

As regras fundamentais da sucessão legítima são as de


- preferência das classes de sucessíveis - 2134º : os herdeiros de cada uma
das classes de sucessíveis (art. 2133º) preferem aos das classes imediatas.
- prioridade dos parentes de grau mais próximo, dentro de cada classe, sobre
os parentes de grau mais afastado – 2135º, sem prejuízo do direito de
representação - 2039º a 2045º.

Indignidade - 2034º a 2038º. Atenção ao prazo de caducidade da


indispensável acção cível de declaração de indignidade - 2036º.

Indignidade sucessória (e deserdação)


Sentença estrangeira não revista nem confirmada em Portugal
Caducidade Sucessão legitimaria

I - A sentença penal estrangeira é insusceptível de ser executada em Portugal enquanto não


revista e confirmada.
II - Mas nada obsta a que tal sentença seja utilizada em acção de declaração de indignidade
sucessória, como meio de prova de que o réu foi condenado por homicídio doloso contra a pessoa do
autor da sucessão.
III - O prazo do art. 2036º do C.C. é de caducidade, pelo que tal prazo fica impedido pela
propositura da acção e não pela citação do réu.
IV - Ao passo que no instituto de indignidade sucessória basta ao autor provar os requisitos do
art. 2034º do C.C., no instituto da deserdação tem o autor da sucessão de, em testamento, excluir

os elementos patrimoniais sujeitos a uma especial destinação e a um particular regime por dívidas.
Casos da herança não partilhada, património conjugal
3
- Comoriência - 68º, nº 2 - presunção ilidível. A prova do momento da morte pode fazer-se por todos
os meios possíveis, sem prejuízo das regras do registo. Curadoria e morte presumida - 89º e 114º CC e
1451º e ss do CPC.
3
expressamente o herdeiro da legítima, com fundamento em qualquer das ocorrências do art. 2.166º do
C.C.
V - O instituto da indignidade sucessória é aplicável no caso de sucessão legitimária.
R.ão Porto, 5.3.01, Col. 01-II-161

Se os bens ainda não estiverem na posse do indigno, a indignidade pode ser


invocada a todo o tempo por via de excepção - 287º, nº 24 - e Col. Jur. (STJ) 2003-I-
21, Ac. de 16.1.2003 (A. Barros):
I - O regime da indignidade depende da situação em que o pretenso indigno se encontra
relativamente aos bens hereditários: caso se encontre na posse deles, a indignidade terá que
ser judicialmente declarada, dentro dos prazos previstos no artigo 2036º do CC; se, ao invés, os
bens não estiverem em poder do indigno, não terão os interessados que lançar mão da acção
judicial para declaração da indignidade, podendo invocá-la por via de excepção a todo o tempo,
resultando a mesma directamente da lei.
II - O prazo de caducidade de um ano previsto nesse artigo conta-se desde a data do trânsito
em julgado do acórdão condenatório, e não desde a data da decisão proferida no recurso
extraordinário para fixação de jurisprudência de seguida interposto.

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Alves Velho), de 27.3.2007, no Pr.º 07P569:

- Não pode haver lugar à declaração de indignidade sucessória do herdeiro que, indiciado
por homicídio do autor da herança, não foi, pela prática do respectivo crime, condenado
em processo penal;
- Nada autoriza, designadamente em caso de extinção do procedimento criminal por
morte do agente indiciado, a aplicação da norma do art. 2034º-a) C. Civil, por via de
recurso à analogia ou a interpretação extensiva do preceito.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. - AA e outros, todos seus irmãos, propuseram contra BB e mulher, CC, acção declarativa
pedindo que fosse declarada a incapacidade sucessória de DD, por indignidade, e afastado da
sucessão à herança da falecida EE e filho, FF, condenando-se os réus a reconhecerem a dita
indignidade do seu filho.

Alegaram os Autores que são, com EE, filhos de GG e HH, bem como tios de FF, filho daquela
EE. No dia 26.07.04, EE e o seu filho FF faleceram, em consequência de disparos de caçadeira,
da autoria de seu marido e pai, DD, que, por sua vez era filho dos Réus. Relativamente a estes
factos correu termos processo de Inquérito, o referido DD foi detido e foi-lhe aplicada a medida
de coacção de prisão preventiva, processo que foi arquivado por causa da morte do arguido, em
17.11.04, quando este se encontrava detido no Estabelecimento Prisional, o qual só não foi
condenado porque se suicidou.

Contestaram os Réus, peticionando a total improcedência do pedido, com fundamento no facto


de que não chegou a ser proferida decisão condenatória no processo de Inquérito instaurado ao
referido DD, estando os Autores a emitir um juízo de prognose póstuma ao vaticinar a
condenação do mesmo.

A acção foi julgada improcedente no despacho saneador, decisão que a Relação confirmou.

Os Autores pedem ainda revista, pedindo a revogação do acórdão e insistindo na procedência


da acção, a coberto das seguintes conclusões:
1 - Baseando-se numa interpretação meramente literal dos dispositivos das als. a), b), c) e d) do
art. 2034.º C. Civil, o Tribunal considerou que a inexistência de condenação pelo crime de
homicídio constitui impedimento à declaração de indignidade, para efeitos sucessórios;
2 - A interpretação do citado normativo não toma em conta, desde logo, que nas als. c) e d) do
art. 2034º podem caber actuações que não se integram num tipo legal de crime;

4
- BMJ 239-224
4
3 - Casos com as circunstâncias e especificidades da situação subjudice, que, obviamente, não
poderiam ser integralmente previstas, merecem a tutela do direito, com recurso à analogia, ou,
pelo menos, à interpretação extensiva da norma a al. a) do art. 2034º;
4 - O entendimento do acórdão recorrido, nos termos do qual o procedimento criminal por
falecimento do agente inviabiliza automaticamente a declaração de indignidade deste para
efeitos sucessórios, representa uma violação do direito a uma efectiva tutela jurisdicional,
consagrado no art. 20.º da Constituição da República;
5 - A interpretação perfilhada pelo Tribunal recorrido não toma em devida conta os princípios
vertidos nos arts. 9º, 10º e 11º do C. Civil.

2. - Vem provado o seguinte conjunto fáctico:

- Os Autores são irmãos e tios de II, respectivamente;


- Aquela foi mulher de JJ, que foi pai de FF;
- EE e FF morreram no dia 26.07.04;
- JJ morreu no dia 17.11.04;
- Pela morte de II foi indiciado JJ, tendo corrido termos o processo de Inquérito n.º …… GBPRD
cujo arquivamento foi ordenado por ser legalmente inadmissível o procedimento criminal fruto da
morte do arguido.

3. Mérito do recurso.

3. 1. - A questão que se coloca consiste em saber se pode haver lugar à declaração de


indignidade sucessória do herdeiro indiciado por homicídio do autor da herança,
independentemente de condenação em processo penal, como prevê a al. a) do art. 2034.º C.
Civil, designadamente em caso de extinção do procedimento criminal por morte do agente,
devendo, para tanto, recorrer-se a interpretação analógica ou extensiva do preceito.
Sendo negativa a resposta, questiona-se ainda se um tal juízo de inviabilização da declaração
de indignidade viola o direito constitucional a uma efectiva tutela jurisdicional – art. 20.º CR.

3. 2. - As causas de incapacidade sucessória por indignidade encontram-se enunciadas no art.


2034º C. Civil.

Depois de, no art. 2033º, estabelecer os princípios gerais da capacidade sucessória, o legislador
aponta as causas de incapacidade por referência aos actos ilícitos geradores da indignidade que
faz assentar em circunstâncias “de raiz puramente subjectiva, traduzida numa atitude de repúdio
da lei pelos factos graves cometidos por alguém contra o autor da herança, seu cônjuge ou
familiares mis próximos” (P. DE LIMA e A. VARELA, “C. Civil, Anotado”, VI, 37).

Assim, prevê a al. a) mencionado art. 2034º que carece de capacidade sucessória, por motivo
de indignidade, o condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não
consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, ascendente, descendente,
adoptante ou adoptado.

A lei exige claramente a condenação do indigno, como autor ou cúmplice da prática dos factos,
em sentença penal, resultando afastada a possibilidade de prova do ilícito constitutivo do crime
em acção cível (cfr., nesse sentido, ob. cit., pg. 38 e R. CAPELO DE SOUSA, “Lições de Direito
das Sucessões, I, 3.ª ed., 257).
Como se escreveu no acórdão deste Supremo de 23/7/74 (BMJ 239-225), “a falta dessa
capacidade (sucessória)» por motivo de indignidade», nem é mero efeito da prática do crime e
homicídio contra o autor da herança – pois o art. 2034 – a) C. Civil, tal como o previgente art.
1782.º do Código de Seabra, só a recusa, como acentuava DIAS FERREIRA (C. Civil Anotado,
2.ª ed., vol. 3º, 296), a quem por ele tenha sido condenado «por sentença com trânsito em
julgado» (…) sendo antes, conforme observa o Prof. O. ASCENSÃO (“As Actuais Coordenadas
do Instituto da Indignidade Sucessória”, pg. 8, Separata dos anos 100.º e 101. de “O DIREITO”)
«consequência autónoma no plano civil» da respectiva condenação”.

Que assim é, colhe-se também da concretização do regime e requisitos dos factos de natureza
criminosa previstos nas als. a) e b) do art. 2034.º.
Com efeito, logo no art. 2035.º se estabelece que a condenação a que se referem as als. a) e b)
do art. anterior pode ser posterior à abertura da sucessão, mas só o crime anterior releva para o
efeito, do mesmo passo que quanto às causas previstas nas mesmas alíneas a lei toma como

5
indexante do prazo de caducidade da acção de declaração de indignidade a data da
condenação pelo crime que a determina.
Já relativamente às causas previstas nas als. c) e d) do preceito, não necessariamente de
natureza criminosa, o prazo de caducidade se conta do conhecimento de cada uma dessas
causas, assim ficando estabelecido mais um traço de distinção entre os factos ilícitos cujo
reconhecimento e relevância dependem de condenação penal e os que podem ser conhecidos
em acção cível.

3. 3. - Sustentam os Recorrentes que, não tendo o legislador previsto o falecimento do herdeiro


homicida antes de proferida a sentença condenatória definitiva, há que resolver a situação
recorrendo à analogia ou a interpretação extensiva da al. a) do art. 2034.º.

3. 3. 1. - De harmonia com o disposto no art. 10.º-1 C. Civil, deve o julgador aplicar aos casos
omissos as normas que directamente disponham para casos análogos.
A analogia existe, como do n.º 2 do preceito se colhe, quando no caso omisso concorram as
mesmas razões justificativas da solução encontrada pela lei, isto é, quando “o critério valorativo
adoptado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual
ou maioria de razão aplicável ao outro” – BAPTISTA MACHADO (“Introdução ao Direito e ao
Discurso Legitimador”, 202) – justificando-se o recurso à analogia por razões de coerência do
sistema e de justiça relativa, tudo postulado pelo princípio da igualdade e pela certeza do direito.

De notar, como referem P. DE LIMA e A. VARELA (ob. cit., I, 4ª ed., 59), que “a analogia das
situações mede-se em função das razões justificativas da solução fixada na lei, e não por
obediência à mera semelhança formal das situações”.

Ora, a situação que se apresenta não constitui, a nosso ver, um caso omisso, um caso que
sendo relevante, não constitui objecto de disposição legal.

Diferentemente, o caso é objecto de previsão e regulamentação justamente na al. a) da norma


que se pretende ver aplicada por analogia.

O que acontece é que para além da previsão do facto ilícito gerador do efeito jurídico, a mesma
norma exige um outro requisito, de natureza exógena e processual, que consiste na verificação
e declaração definitiva do facto e sancionamento do agente pelo tribunal materialmente
competente.
Não se pode falar de incompletude ou falha de previsão que deva ser integrada, no sentido de
que a lei não contém uma resposta á questão jurídica. A lei contempla a situação de comissão
de homicídio contra o autor da herança, mas condiciona a eleição do acto criminoso a causa de
declaração de indignidade à condenação penal transitada.

E, como já se adiantou, tal sucede porque, certamente atendendo às razões subjectivas que
sustentam o repúdio da lei pelos factos de natureza criminosa que, pela sua gravidade, elegeu à
categoria de determinantes da indignidade, manteve deliberadamente a exigência de
condenação penal que vinha do direito anterior, dispensando-a quanto aos factos que enuncia
nas als. c) e d) do artigo, atendendo à sua diferente natureza.

A tal não será certamente estranho o princípio, com consagração constitucional – art. 32º-2 CR
– da presunção de inocência, desde logo na sua vertente de dever considerar-se inocente quem
não foi ainda julgado culpado por sentença transitada em julgado, mesmo sem curar aqui de
questões que podem prender-se, por exemplo, com a imputabilidade do agente, o que não é
indiferente face à opção pela natureza não objectiva das causas de indignidade.

A gravidade da declaração de indignidade e dos factos que o legislador seleccionou como suas
possíveis causas, bem como os requisitos de que as fez depender, conduzem-nos, ainda, ao
entendimento que devem considerar-se taxativas as causas de incapacidade sucessória
enunciadas no art. 2034º.

3. 3. 2. - Do referido pode já deduzir-se que também se entende não ser caso de, por
interpretação extensiva, incluir a situação dos autos na previsão da norma da alínea a) – arts. 9.º
e 11.º C. Civil.

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Decerto que à razão de ser da lei, enquanto norma de fixação da causa de indignidade, não
repugnaria a abrangência de casos como o ajuizado, demonstrado que fosse facto ilícito
criminoso.
Porém, como já se viu, nem a letra nem o espírito da lei comportam o entendimento de que a
mesma diga mesmo do que aquilo que pretendia dizer

Não se trata, mais uma vez, de a lei contemplar uma situação, estabelecendo o respectivo
regime jurídico, deixando de fora situações que, pelos mesmos ou mais fortes motivos
(argumentos a pari e a fortiori), haveriam de ser abrangidas pela mesma lei.
A situação está contemplada, mas tem a respectiva relevância condicionada a certos requisitos
de reconhecimento e eficácia.

3. 3. 5. - Concluindo, dir-se-á que nada autoriza, por via de recurso à analogia ou a interpretação
extensiva, aplicar a norma do art. 2034º-a) do C. Civil a casos em que o autor (indiciado) do
facto criminoso não foi pela respectiva prática condenado por sentença penal.

3. 4. - Finalmente, os Recorrentes sustentam que o entendimento segundo o qual a extinção do


procedimento criminal por morte do agente inviabiliza a declaração de indignidade deste para
efeitos sucessórios representa uma violação do direito a uma efectiva tutela jurisdicional,
consagrado no art. 20º CR.
Em vão se procuram, nas alegações, as razões da afirmação, pois que nada mais se acrescenta
ao conteúdo da conclusão.

Nestas circunstâncias, nada mais haverá a dizer que vendo os Recorrentes, como viram,
apreciado e definido o direito que invocaram em conformidade com a interpretação que o
Tribunal, por aplicação da lei e do direito, teve como adequada, com respeito pelas normas
processuais, designadamente assegurando o contraditório e a igualdade das partes, também em
sede de recurso, não se vislumbra a violação do mencionado preceito constitucional ou de
qualquer princípio nele contido.

5. – Decisão.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:


- Negar a revista;
- Confirmar a decisão impugnada; e,
- Condenar os Recorrentes nas custas.

Lisboa, 27 Março 2007

Alves Velho Moreira Camilo Urbano Dias

Direito de representação - 2039º - e direito de transmissão - 2058º

O Direito de Representação (2039º) defere-se ex lege, não por manifestação


de vontade do de cuius. É imperativo (tem sempre lugar – 2042º) na sucessão legal
e supletivo na sucessão testamentária - 2041º e 2042º: descendentes de filho do
autor da sucessão (na linha recta) e descendentes do irmão do falecido (linha
colateral).
Supõe que o herdeiro ou legatário não pôde (morreu antes, v. g.) ou não quis
(repudiou) aceitar a herança e que os descendentes tenham, no momento da abertura
da sucessão, capacidade sucessória.
No DR há apenas uma aquisição sucessória, os bens passam directamente do
de cuius ao representante, pelo que este deve ter existência e capacidade em relação
ao de cuius e não ao representado - 2043º.
Em caso de representação cabe a cada estirpe aquilo em que sucederia o
ascendente respectivo - art. 2044º.

Ver, para perfeita compreensão dos art. 2044º e 2045º, o CC Anotado, de P.


Lima-A. Varela, VI, 61 a 68.
7
No Direito de Transmissão (2058º) há duas aquisições sucessórias,
inicialmente para o sucessível primeiramente chamado e de seguida para os herdeiros
deste, pelo que os pressupostos de existência e capacidade devem verificar-se tanto
do 1º chamado para o de cuius como dos segundos chamados em relação ao 1º
chamado.
É o caso de A falecer e deixar dois filhos, B e C, que não aceitam nem
repudiam, não procedem à partilha da herança de seu pai A; quando falecer B ou C, os
herdeiros destes vão herdar de seu pai B ou C, além dos bens que integram a herança
deste, também a parte da herança do avô que com a morte deste se integrara no
património do pai, B ou C, falecido depois de herdar de A.

Aceitação - 2050º e ss - e Repúdio - 2062º e ss

A aceitação da herança é um negócio jurídico unilateral, consubstanciado numa


declaração de vontade destinada à aquisição da herança; é indispensável para que o
chamado, herdeiro ou legatário, adquira a qualidade de herdeiro, mesmo que de
herdeiro legitimário se trate, pois o domínio e posse dos bens da herança adquirem-
-se, independentemente da sua apreensão material 5, pela aceitação - 2050º - com
efeitos retrotraídos ex lege (nº 2 do art. 2050º) ao momento da abertura da sucessão.
Com a abertura da herança transmite-se uma posse apenas jurídica ou ideal.
A posse perfeita, verdadeira, em nome próprio, tem de referir-se ao momento em que o
possuidor a alcança de modo exclusivo sobre certos e determinados bens da herança,
em que se dá a conversão da quota ideal num poder concreto e exclusivo sobre esses
bens.
... no nosso direito, a partilha tem por função penas «localizar» sobre uma parte
determinada da herança a quota ideal de cada um dos herdeiros. Não se «transmite»
por ela um direito; faz-se apenas a «conversão das quotas».
As partilhas não têm o efeito de transferir o domínio, como era por direito
romano; mas unicamente o de separar os bens, cuja propriedade e posse cada um
dos herdeiros se reputa ter obtido desde a morte do defunto 6.

DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO ENCRAVADO OBJECTO DE LEGADO
ABERTURA E ACEITAÇÃO (DA SUCESSÃO)
ACEITAÇÃO EXPRESSA E ACEITAÇÃO TÁCITA
VENDA MEDIO TEMPORE

I - No testamento, a instituição de herdeiro ou legatário origina-se em duas manifestações de


vontade: a instituição propriamente dita e a aceitação, as quais, embora correlacionadas, se
apresentam como manifestações de vontade distintas.
II - Assim, antes da aceitação e sem ela, não há sucessão, pelo que só após a aceitação e
por força dela é que o chamado ingressa na titularidade dos bens ou direitos hereditários.
III - A aceitação da herança ou legado é um acto jurídico unilateral e receptício, que corresponde
ao exercício do direito de suceder conferido a um sucessível através da manifestação de vontade de
adquirir efectivamente a herança ou legado.
IV - Conforme dispõe o artigo 2056º do Código Civil, a aceitação pode ser expressa ou tácita: é
expressa quando em algum documento o sucessível chamado à herança declara aceitá-la; é tácita
quando resulta de factos concludentes, quando o herdeiro ou legatário pratica qualquer facto de que
necessariamente se deduza a intenção de aceitar.
V - Revela sem dúvida esta última intenção - aceitação tácita - a inscrição no registo predial,
levada a cabo pelos legatários, do prédio que lhes foi legado em comum e partes iguais.
VI - Não obstante tal prédio revestir a natureza de prédio encravado, por estar onerado com
servidão legal de passagem, não gozam as legatárias de direito de preferência na venda do prédio
5
- Para a posse, já assim o determina o art. 1225º. Posse jurídica ou civil porque prescinde do corpus.
6
- BMJ 326-483.
8
dominante concretizada em momento posterior à abertura da sucessão, mas anterior à aceitação
tácita do legado operada nas sobreditas circunstâncias.
VII - É que o direito de preferência consignado no artigo 1555º do Código Civil cabe apenas ao
proprietário ou proprietários do prédio onerado com a servidão legal de passagem e as legatárias,
quando da venda do prédio dominante, não eram ainda titulares do direito de propriedade sobre o
prédio encravado objecto do legado - STJ, Ac. de 10. 12. 1997, no BMJ 472-443

A aceitação pode ser simples ou a benefício de inventário - 2052º (com


importante diferença no onus da prova da existência de bens na herança para
responderem pelos encargos desta - 2071º CC; 827º e 863ºA, al. c) CPC) - mas
não pode ser condicional nem a termo - 2054º; A aceitação pode ser expressa ou
tácita - 2056º e 2057º - neste caso sujeita ao regime do art. 217º, nº 1, parte final,
caducando o direito de aceitação ao fim de dez anos, contados nos termos do nº 2 do
art. 2059º.

Antes da aceitação ou da declaração de vaga para o Estado, a herança diz-se


jacente - 2046º - mas mesmo aí há já necessidade de administrar os bens que a
constituem, pelo que qualquer sucessível chamado, mesmo antes da aceitação ou
repúdio, pode tomar providências de administração - 2047º - da mesma forma que
pode ser nomeado curador à herança jacente - 2048º.

Só à herança jacente é atribuída personalidade judiciária - 6º, al. a), do CPC -


porque se os sucessores já estiverem, pela aceitação, determinados, ainda que a
herança continue indivisa ou com inventário em curso, deixa a herança de ter
personalidade judiciária para caber esta, tanto activa como passivamente, ao conjunto
dos herdeiros, em litisconsórcio necessário activo ou passivo - 2091º e 28º, nº 1,
aquele do CC e este do CPC7.

«A referida herança ilíquida e indivisa, cujos herdeiros já se encontram determinados, não tem
personalidade jurídica, nem judiciária (Ac. S.T.J. de 19-3-92, Bol. 415-658).
Com efeito, o art. 6, al. a), do C.P.C., apenas atribui personalidade judiciária à herança jacente e
aos patrimónios autónomos semelhantes.
A herança jacente é aquela que já se encontra aberta, mas ainda não foi aceita nem declarada
vaga para o Estado - art. 2031 e 2046 do C. C.
Os patrimónios autónomos semelhantes, que gozam de igual tratamento, "são constituídos por
aqueles bens ou massas unificadas de bens cuja titularidade seja incerta (doações ou deixas
testamentárias a nascituros, concebidos ou não concebidos: arts 952, 2033, nº 2, al. a) e 2240 do C.C.)
ou que pertençam a um conjunto de pessoas, ao qual seja reconhecida personalidade jurídica
( sociedades civis: art. 996; e associações sem personalidade jurídica: art. 198, nº 3; comissões
especiais para a realização de certos interesses colectivos de carácter difuso: art. 199; condóminos na
propriedade horizontal: art. 1433, nº 4 e 1437, nº 1, todos do Cód. Civil)" - Antunes Varela, Manual de
Processo Civil, 2ª ed., pág. 111.
Também Miguel Teixeira de Sousa (As partes, o Objecto e a Prova na acção declarativa, 1995,
pág. 118) escreve:
"Nos patrimónios autónomos strictu sensu incluem-se nomeadamente, os patrimónios das
associações sem personalidade (art. 159 do C.C.), das comissões especiais (art. 199 do C.C.), das
sociedades civis sob forma civil (art. 980 do C.C.), as partes comuns dos imóveis em propriedade
horizontal (art. 1421 do C.C.) os bens doados ou legados a nascituros (arts. 952, nº 1 e 2033, nº 2, al. a)
do C.C.), os bens do Estado geridos ou administrados autonomamente (art. 20 nº 2 ) e o
estabelecimento individual de responsabilidade limitada, regulado pelo dec-lei 248/86" .

Pois bem.

Para a resolução da questão que agora nos ocupa, importa atentar no preceituado no art. 2091
do Cód. Civil, que impõe aos herdeiros a representação da herança e a legitimidade para contradizer.

7
- Ac. RP, de 4.12.98, na Col. Jur. 1998-V-211, com numerosa indicação de doutrina e Jurisprudência
no mesmo sentido, e contra a opinião de A Varela.
9
"Os herdeiros são partes legítimas na acção contra eles intentada, para os credores do autor da
herança verem os seus créditos pagos pelos bens da mesma.
No entanto, não podem ser condenados a pagar as dívidas (...): não são devedores.
Mas tem de se ter em consideração que a herança não pode ser demandada nem condenada,
porque não tem personalidade.
Os herdeiros serão demandados e condenados, mas não a pagar os créditos, tão somente a
reconhecerem a sua existência ou a verem satisfeitos pelos bens da herança os créditos dos credores
do de cujus (Herança Indivisa - Sua natureza jurídica, Responsabilidade dos herdeiros pela dívida da
herança, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 46, págs 567 e segs).

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-11-77 (Bol. 273-322), também já decidiu:


" Se os herdeiros se encontram determinados (embora a herança não esteja partilhada), aqueles
são os representantes da herança, porque tal qualidade lhes é conferida pelo art. 2091, do C.C.
E daí que possam ser demandados pelas dívidas do de cujus, sendo, pois, partes legítimas, em
acções destinadas à respectiva cobrança.
Outro problema distinto é o de saber como, determinados os herdeiros, se devem liquidar os
respectivos encargos.
E aqui têm de se distinguir dois momentos: antes da partilha, os bens respondem colectiva-
mente pela sua satisfação (art. 2097); depois da partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos na
proporção da quota que lhe couber na herança, podendo até os herdeiros deliberar sobre a forma de
efectuar o seu pagamento (art. 2098 do C.C.)".
Assim, concordando-se com esta doutrina e jurisprudência, é de concluir que, não sendo
demandada, a herança do falecido CC não deve ser directamente condenada.
Os seus herdeiros também não devem ser condenados a pagar as indemnizações constantes
das alíneas b), c), d) e e) da parte decisória da sentença da 1ª instância, mas apenas a reconhecer a
existência desses débitos, que devem ser satisfeitos pelas forças da mesma herança – Ac. STJ (Ex.mo
Cons.º Azevedo Ramos) de 31.1.2006, P.º 05A3992.

Não parece merecer grande polémica o facto de a herança, enquanto indivisa, ser encarada
pela lei como património autónomo de afectação especial (indepen-dentemente de se tentar determi-
nar, nesta sede, qual a verdadeira natureza jurídica da herança: património autónomo, universalidade de
direito ou situação jurídica complexa), assim se compreendendo que somente o seu activo (e não o
património dos herdeiros) responda pela satisfação das respectivas dívidas. Por conseguinte, os
herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários, não sendo sequer
comproprietários dos bens, mas tão-só titulares em comunhão desse património.

Deste modo e por efeito das disposições conjugadas dos artigos 2068º e 2097º, ambos do
Código Civil, estar-se-ia perante uma nítida situação de ilegitimidade passiva, no caso de acção
proposta contra os herdeiros para os responsabilizar directamente pelo pagamento das dívidas da
herança indivisa.

Conforme salienta Capelo de Sousa (Lições de Direito dos Sucessões, Coimbra Editora,
1980/1982, pág. 109), a tónica objectivista na determinação da responsabi-lidade pelos encargos da
herança tem expressão no regime legal decorrente dos antigos 2068º e 2069º do Código Civil - a massa
patrimonial que constitui a herança é que é directamente responsável pelos encargos desta - e «é
sobretudo patente no caso da herança indivisa, em que se está perante um património autónomo
directamente responsável (artigo 2097º do Código Civil) e em que os herdeiros apenas têm de intervir
como co-titulares desse património (artigo 2091º do Código Civil)».

Transpondo estes aspectos para o âmbito processual, onde se constata que a herança indivisa,
embora não sendo pessoa colectiva, é dotada de personalidade judiciária (cfr. artigo 6º do Código de
Processo Civil), há que considerar que a legitimidade passiva relativamente às questões de
responsabilidade por encargos da herança indivisa terá necessariamente de caber aos co-
herdeiros, atendendo à respectiva natureza de co-titulares do património em causa (neste sentido
Vaz Serra, anotação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Julho de 1971, Revista de
Legislação e de Jurisprudência, ano 105º, pág. 208).
Com efeito, embora a lei processual atribua à herança cujo titular não seja determinado perso-
nalidade judiciária, assumindo esta o estatuto de «verdadeira parte» (e, como tal, parte legítima
enquanto sujeito da relação material controvertida), a própria lei admite o carácter subsidiário do critério
de legitimidade ínsito na regra constante do nº 3 do antigo 26º do Código de Processo Civil.
Consequentemente, admite-se legalmente a possibilidade de ser parte legítima quem não é (ou
apenas é em parte) titular da relação material. Assim, por efeito do artigo 2091º, nº 1, do Código

10
Civil, só os herdeiros podem praticar o pagamento do passivo hereditário, sendo que esta
disposição contempla uma das situações em que a lei atribuiu a necessidade de fazer intervir o
co-herdeiro para defender o acervo hereditário da retirada de bens adstritos a este (neste sentido
Vaz Serra, anotação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Julho de 1971, Revista de
Legislação e de Jurisprudência, ano 105, pág. 208) - Ac. do STJ, de 9.12.99, no BMJ 492-377.

Acórdão do STJ (Cons.º Salvador da Costa) de 15.1.2004, Processo 03B4310:

1. A herança indivisa aceite pelos sucessores do seu autor não tem personalidade
judiciária, nem se subsume, para esse efeito, à figura de património autónomo semelhante de
titular não determinado.
2. A legitimidade do cabeça de casal para cobrar os direitos de crédito da herança quando
a cobrança possa perigar pela demora, a que se reporta o artigo 2089º do Código Civil, ocorre,
por exemplo, nos casos de receio de insolvência do devedor e inexistência de garantia real, de
necessidade de reclamação de créditos em acção executiva ou de proximidade do termo do
prazo de prescrição.
3. A afectação do princípio da estabilidade da instância no plano subjectivo só pode
ocorrer em consequência da substituição de alguma das partes na relação jurídica substantiva,
ou no quadro dos incidentes de intervenção de terceiros ou no caso de alguma das partes haver
sido julgada ilegítima por não estar em juízo determinada pessoa.
4. Tendo a acção declarativa de condenação sido intentada pela herança indivisa e
prosseguido até à fase da condensação na perspectiva de ser dotada de personalidade judiciária
e de legitimidade ad causam própria, não pode considerar-se intentada pela cabeça de casal ao
abrigo do artigos 2089º do Código Civil e 26º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
A herança aberta por óbito de A, dita património autónomo representado pelo cabeça de
casal, intentou, no dia 28 de Dezembro de 2001, contra B, C, D e F, as três últimas na posição de
sucessoras de G, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação
a pagar-lhe 10 000 000$, com fundamento em acordo de acerto de contas relativas a vários negócios
celebrado em Luanda, Angola, no dia 24 de Abril de 1972, entre o réu B e G, por um lado, e G, por
outro, pelo qual os primeiros se teriam obrigado a pagar ao último 10 000 000$ e juros à taxa anual de
6%, assinando uma letra, mas que não tenham cumprido.
Os réus, na contestação, invocaram a transmissão por G do direito de crédito em causa, a
prescrição deste, a incompetência internacional do tribunal português, por a dívida se ter vencido depois
da independência da República Popular de Angola, e a ilegitimidade da ré C, o que foi objecto de
resposta de sentido negativo da autora no instrumento de réplica.
Na primeira instância, na fase da condensação, o tribunal absolveu os réus da instância com
fundamento na falta de personalidade judiciária da autora, sob a motivação de, pela sua aceitação
efectiva, a herança deixar de estar jacente e perder a susceptibilidade de ser parte, e de a herança
indivisa em causa se não subsumir à noção de património autónomo semelhante de titular não
determinado.
Agravou a autora para Relação, e esta, por acórdão de 15 de Maio de 2003, sob motivação
similar à adoptada na 1ª instância, negou provimento ao recurso.

Interpôs a autora recurso de agravo do acórdão da Relação, formulando, em síntese, as


seguintes conclusões:
- a consideração de que a herança não tem personalidade judiciária não levaria a improcedência
do recurso para a Relação, porque a acção foi instaurada pela herança ilíquida e indivisa aberta por
óbito de A, representada pela respectiva cabeça de casal;
- deveria entender-se, até por razões de economia processual, que está em causa a cobrança
de um crédito da herança, para a qual tem legitimidade a cabeça de casal que
expressamente intervém na acção nessa qualidade, pelo que a acção devia com ela seguir os
seus termos;
- não tendo assim entendido, o acórdão recorrido violou os artigos 6º e 265º-A do Código de
Processo Civil, pelo que deve ser revogado e ordenado o prosseguimento da acção.

Responderam os recorridos, em síntese de alegação:


- não se trata de herança jacente, porque já aceite, pelo que a autora não tem personalidade
judiciária;

11
- a posição assumida pela recorrente é nova em relação ao articulado na petição inicial, onde
não invocou ser a cabeça de casal a autora, porque nela referiu a herança ilíquida e indivisa aberta por
óbito de A, património autónomo representado pela cabeça de casal;
- ainda que se entendesse ter sido invocada na petição inicial, autonomamente, a qualidade de
cabeça de casal, ela só podia cobrar dívidas cuja cobrança perigasse com a demora, mas não invocou
esse perigo;
- a economia processual não justifica que uma petição possa oficiosamente ser transformada em
nova causa de pedir e em novo pedido ou em meio de converter a fundamentação inicialmente
produzida;
- a recorrente não invocou a nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre os pontos de
estar em causa a cobrança de um crédito da herança e de razões de economia processual imporem o
reconhecimento da legitimidade da cabeça de casal, o que está prejudicado pela decisão sobre a falta
de personalidade judiciária da recorrente.
II
A questão essencial decidenda é a de saber se autora é não dotada de personalidade judiciária.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e
dos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- conceito de personalidade judiciária em geral;
- extensão da personalidade judiciária a entidades que não tenham personalidade jurídica;
- conceito de herança jacente no confronto com o conceito de património autónomo sem titular
determinado;
- é ou não a recorrente destituída de personalidade judiciária, e respectiva consequência
jurídica?
- pressupostos da legitimidade ad causam do cabeça de casal para intentar acções tendentes à
cobrança de créditos da titularidade da herança que administra;
- pode ou não considerar-se, na espécie, ter a acção em causa sido intentada pela cabeça de
casal no quadro dessa particular legitimidade ad causam?
- síntese da solução para o caso concreto decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
A personalidade judiciária traduz-se, essencialmente, na possibilidade de requerer ou de
contra si ser requerida alguma providência de tutela jurisdicional (artigo 5º, n.º 1, do Código de Processo
Civil).
Em consonância com o princípio da coincidência entre a personalidade judiciária e a
personalidade jurídica, a lei estabelece que quem a última tiver também dispõe da primeira (artigo 5º, nº
2, do Código de Processo Civil).
Assim, a regra é no sentido de que todos os indivíduos, independentemente da sua
nacionalidade, maioridade, menoridade, capacidade ou incapacidade, têm personalidade judiciária por
virtude de, em princípio, poderem ser sujeitos de relações jurídicas (artigos 14º, nº 1, e 67º do Código
Civil).
A referida regra é extensível às associações e fundações e às sociedades a quem a lei
reconheça personalidade jurídica, embora só possam estar em juízo através dos seus representantes
estatutários (artigos 157º, 158º do Código Civil e 5º do Código das Sociedades Comerciais).

2.
A lei atribui, excepcionalmente, personalidade judiciária a entidades que não têm personalidade
jurídica.
Antes da sua última alteração, a lei de processo prescrevia que a herança cujo titular não
estivesse determinado e os patrimónios autónomos semelhantes, mesmo que destituídos de personali-
dade jurídica, tinham personalidade judiciária (artigo 6º do Código de Processo Civil).
Actualmente, no quadro do desenvolvimento do referido normativo de pretérito, a lei estabelece
terem personalidade judiciária a herança jacente e os patrimónios autónomos cujo titular não estiver
determinado (artigo 6º, alínea a), do Código de Processo Civil).
Em relação à herança, a lei processual actual substituiu o segmento normativo que constava da
lei anterior cujo titular ainda não esteja determinado pelo segmento normativo herança jacente.
O referido normativo atribui, assim, excepcionalmente, personalidade judiciária, por um lado, à
herança jacente e, por outro, aos patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não esteja
determinado.

3.

12
O conceito de herança jacente, oriundo da lei civil, significa a herança aberta ainda não aceita
nem declarada vaga para o Estado, ou seja, o património da pessoa falecida entre o chamamento dos
sucessíveis e a sua aceitação (artigo 2046 do Código Civil).

Assim, enquanto os sucessores não aceitarem tácita ou expressamente a herança, ou esta não
houver sido declarada vaga para o Estado, ocorre a referida situação de jacência.
Isso significa, a contrario sensu, que a herança ainda não partilhada, mas cujos titulares
quinhoantes estejam determinados, não tem personalidade judiciária.
Assim, em regra, se a herança tiver sido aceite, não obstante ainda não ter ocorrido a respectiva
liquidação e partilha, o contraditório deve ser estabelecido com os herdeiros aceitantes.
Acresce que a herança indivisa não se subsume, para efeito de lhe ser atribuída personalidade
judiciária, ao conceito legal de património autónomo semelhante cujo titular não esteja determinado
Com efeito, embora a herança indivisa funcione para variados efeitos como património
autónomo, este só tem personalidade judiciária se os respectivos titulares não estiverem determinados,
o que, na espécie, não ocorre.

4.
Como a recorrente já não está na situação de jacência, porque os seus titulares já a aceitaram,
certo é, como se concluiu no acórdão recorrido, que não é dotada de personalidade judiciária.
Ademais, embora indivisa, porque os seus titulares estão determinados, não pode aspirar a ser
detentora de personalidade judiciária como sendo um património autónomo de titular indeterminado.
Assim, tal como foi julgado na 1ª instância e confirmado pelo acórdão recorrido, verificada a não
jacência da recorrente como herança, queda a mesma destituída de personalidade judiciária, o que se
traduz em excepção dilatória típica e insuprível, de conhecimento oficioso, implicante da absolvição dos
agravados da instância na fase do processo em que ocorreu (artigos 288º, nº 1, alínea c), 493º, nº 2,
494º, alínea c), 495º, e 508º-A, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil).

5.
A regra, como é natural, é no sentido de que os direitos de crédito da titularidade da herança
devem ser cobrados pelos herdeiros a quem os mesmos sejam encabeçados no acto de partilha.
Todavia, por razões de urgência, a lei atribui ao cabeça de casal a legitimidade para cobrar as
dívidas activas da herança, além do mais, que aqui não releva, quando a demora possa fazer perigar a
cobrança (artigo 2089º do Código Civil).
O referido normativo corresponde essencialmente ao que prescrevia o proémio artigo 2083º do
Código Civil de 1867, segundo o qual o cabeça de casal promoveria a cobrança e arrecadação das
dívidas activas quando pudessem perigar pela demora.
A doutrina, a propósito do referido normativo de pretérito considerava estar a cobrança em
perigo pela demora, por exemplo, nos casos de decaimento de fortuna pelo devedor e de receio da sua
insolvência, de algum outro credor haver instaurado acção executiva contra o devedor e dever participar
em concurso de credores, de o devedor pretender ausentar-se para o estrangeiro e a dívida não estar
devidamente garantida, de o crédito estar prestes a prescrever ou o prazo de prescrição se completar
durante o processo de inventário, ou de o devedor estar a dissipar ou a alienar, real ou simuladamente
os seus bens (CUNHA GONÇALVES, Tratado, vol. X, 1935, pág. 669, citado por PIRES DE LIMA e
ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. VI, Coimbra, 1998, pág. 150).
A limitação da legitimidade substantiva do cabeça de casal da herança constante deste artigo e,
decorrentemente, da sua legitimidade ad causam, é motivada pela ideia de curta duração da função de
administração do cabeça de casal e de ser lógico e adequado que a cobrança dos créditos seja
realizada pelos sucessores do de cujus a quem foram adjudicados, salvo nos casos excepcionais de
urgência, como são os acima referidos.

6.
No caso vertente, conforme resulta dos termos da acção, foi a recorrente que a intentou, na
perspectiva de que era excepcionalmente dotada de personalidade de judiciária e, naturalmente, no
quadro da sua legitimidade própria, naturalmente representada pela cabeça de casal, por isso sem
experimentar a necessidade de invocar a o perigo da demora na cobrança do crédito que pretende fazer
valer na causa no confronto dos recorridos.
Citado o réu, de harmonia com o princípio processual da estabilidade da instância, salvo as
possibilidades de modificação legalmente consignadas, deve aquela manter-se quanto às pessoas, ao
pedido e à causa de pedir (artigo 268º do Código Civil).
No quadro da excepção do princípio da estabilidade da instância, ela só pode modificar-se no
plano subjectivo em consequência da substituição, na relação jurídica substantiva, de alguma das
partes, por sucessão ou por acto entre vivos, dos incidentes de intervenção de terceiros ou no caso de

13
alguma das partes haver sido julgada ilegítima por não estar em juízo determinada pessoa (artigos 269º,
n.º 1, e 270º do Código de Processo Civil).
A pretensão da recorrente de se considerar que a acção em causa foi intentada pelo cabeça de
casal nos termos do artigo 2089º do Código Civil, porque assim não foi na realidade, não assenta em
mera questão de palavras, e não é consentida por qualquer das excepções ao princípio da estabilidade
da instância acima referidas.
Com efeito, ao admitir-se a referida pretensão da recorrente, estar-se-ia a consentir a violação
do aludido princípio da estabilidade da instância, que o tribunal não pode sufragar e, consequentemente,
não pode deixar de recusar.
7.
Em consequência do exposto, a recorrente não tem personalidade judiciária e não pode
considerar-se, dados os termos da causa, que a acção foi intentada pela cabeça de casal no quadro da
legitimidade substantiva prevista nos artigos 2089º do Código Civil e 26º, n.º 3, do Código de Processo
Civil.
Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, n.ºs 1
e 2, do Código de Processo Civil).
III
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das
custas respectivas.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2004.


Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís

Ainda dentro desta matéria da administração da herança, importa considerar a


acção de petição da herança a que se refere o art. 2075º e que, como acontece com
a generalidade de contitulares de direitos (1286º - composse e 1405º -
compropriedade), pode ser proposta por um só herdeiro - 2078º - sem que o
demandado possa opor ao demandante que os bens não lhe pertencem por inteiro.

A acção de petição de herança visa um duplo fim:


- reconhecimento da qualidade sucessória, do título ou qualidade de
herdeiro, do demandante e
- restituição dos bens da herança possuídos pelo demandado, a título de
herdeiro ou outro ou sem título.

Tal como na reivindicação, pede-se a restituição de uma coisa. Mas enquanto


que na reivindicação o pedido de restituição assenta na prévia declaração de
proprietário do A, na petição de herança a restituição pressupõe a declaração prévia
da qualidade de herdeiro.
Antes da partilha, o herdeiro usa a acção de petição de herança; partilhada a
herança, quem quiser pedir a restituição de um bem que herdou há-de usar a
reivindicação porque então é já proprietário.

V - A acção de petição de herança visa primacialmente obter uma sentença condenatória de


restituição de uma universalidade de bens.
A sua individualidade própria, o seu cunho diferenciador, caracteriza-se pelo facto de ela versar
sobre uma universalidade de bens e ter como causa de pedir a sucessão mortis causa.

VI - Pedindo a autora:
- Que os bens e direitos que constituem o património da herança de [...] pertencem à legítima
herdeira deste, a quem deverão ser entregues, e
- Que a arguida esbulhou os herdeiros de parte substancial da herança devendo, por isso, ser
condenada a restituir à autora a casa de morada de família com o respectivo recheio, numerário, cartões
bancários, valores, documentos de um prédio urbano e respectivas chaves e recheio), documentos de
um carro de família e respectivas chaves e outros títulos pertencentes ao autor da herança no momento
do seu falecimento;

14
está-se perante uma acção de petição de herança prevista no artigo 2075º, nº 1, do Código
Civil e não perante uma acção especial de restituição de posse: é que os bens objecto do pedido de
restituição fazem parte da herança - BMJ 441-202, Ac. STJ de 14.11.94.

«Dispõe o art. 2.075º do CC, que o «herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento do
direito da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de
parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou, por outro título, ou mesmo sem título».
Foi o que autora fez: pediu judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória e a
consequente restituição de parte dos bens da herança.
Essencial na petição de herança é o duplo fim que ela visa: por um lado, o reconhecimento
judicial do título ou estatuto de herdeiro que o autor se arroga; por outro, a integração dos bens que o
demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro.
Na verdade, a petição da herança «é a acção por meio da qual aquele que pretende ser
chamado a uma herança reclama o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro. Esta acção, não
tende tanto à entrega das coisas como ao reconhecimento da qualidade de herdeiro, com o propósito de
recuperar, no todo ou em parte, o que constituir o património hereditário». (Rodrigues Bastos, "Direito
das Sucessões", 1981, pág.158).
Já o Dr. Cunha Gonçalves (Tratado, Vol. X, pág. 479), ao tratar da natureza desta acção,
opinava que ela não era pessoal, nem real, mas mista: «é pessoal, quanto ao reconhecimento da
qualidade de herdeiro; é real, quanto à entrega do quinhão de herança, pertencente a este herdeiro».
Nas acções de petição de herança, a causa de pedir consiste na sucessão mortis causa e na
subsequente apropriação por outrem de bens da massa hereditária. (Pires de Lima e Antunes
Varela, "Código Civil Anotado", Vol. VI, pág. 131; Capelo de Sousa, "Lições de Direito das Sucessões,
Vol. II, pág. 41, nota 598).
Ora na petição inicial corrigida (arts. 10º a 31º e 38º), a autora alegou ter sido judicialmente
declarada filha do falecido Alfredo Sousa e ser sua única herdeira e que os bens cuja entrega peticiona
fazem parte do acervo hereditário.
A acção tem causa de pedir.
A petição não inepta, como bem decidiu a 2ª instância.

Diversamente, na acção de reivindicação, são dois os pedidos que a caracterizam: o reco-


nhecimento do direito de propriedade, por um lado; a restituição da coisa, por outro - art. 1.311º do CC.
Enquanto a acção de petição da herança tem, como pedido principal, o reconhecimento
judicial da qualidade sucessória do herdeiro, já a acção de reivindicação tem como pedido principal o
reconhecimento do direito de propriedade, sendo, em ambas as acções, a pretensão da restituição da
coisa um pedido derivado daqueles pedidos principais» – Ac. STJ (Azevedo Ramos) de 2.3.2004, Col.
Jur. (STJ) 2004-I-87.

ACÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA


- Pedidos a formular
- Usucapião de bens integrados na herança (R.ão de C.ª, Ac. de
19.5.98, na Col. Jur. 98-III-116)

I - A acção de petição de herança envolve os pedidos de reconhecimento da qualidade de


herdeiro e a restituição dos bens hereditários.
II - O pedido de reconhecimento da qualidade de herdeiro pode resultar de forma implícita.
III - Provando o R. o poder de facto, por 20 anos, dos bens que faziam parte da herança,
presume-se o animus, improcedendo a petição de herança quanto a eles.

É que, embora o direito à herança não prescreva, o exercício do direito de


petição da herança, com vista à restituição ou entrega dos bens hereditários, pode,
como acontece com o direito de propriedade na reivindicação (art. 1313º CC), soçobrar
perante a usucapião invocada pelo demandado8. Situação semelhante vimos
acontecer com a posse que, por se perder com a posse de outrem por mais de um ano
(1267º, al. d), também faz caducar as acções possessórias de manutenção ou de
restituição - (1283º).

Acórdão STJ (Ex.mo Cons.º Custódio Montes) de 2.12.2004, no Pr.º 04B3817:

8
- Importante estudo do Prof. A. Varela sobre o assunto na RLJ 120-152 e ss, em comentário ao ac.
acima citado, do BMJ 326-483.
15
1. Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores, os quais apenas
passam a possuir em nome próprio a partir da inversão do título.
2. Um dos casos típicos de inversão do título da posse é ter havido partilha de facto.
3. Em acção de restituição de bens para a herança, cabe ao herdeiro demandado
demonstrar que possui os bens do de cuius em nome próprio e não ao demandante que os bens
pertencem à herança.
4. A restituição dos bens à herança só pode improceder perante a usucapião do
demandado.
5. Apesar de a R. não ter demonstrado, como alegara, que houve partilhas extrajudiciais,
momento a partir do qual passaria a possuir em nome próprio, porque se deu como provado que
a mesma adquiriu os bens reclamados por usucapião, a acção improcede já que o STJ não pode
sindicar aquela matéria de facto, por a questão não ter sido suscitada no recurso nem ocorrer
qualquer das excepções contempladas no art. 722.º, 2 do CPC.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

"A", Intentou contra B

Acção com processo comum sob a forma ordinária

Pedindo se condene a R. a restituir ao acervo da herança, aberta por óbito de C, os bens


identificados na petição inicial, para serem relacionados no inventário que corre termos no 1 ° juízo
deste tribunal, sob o n.º 1021/1926, bem como a cancelar os registos efectuados em seu nome e
subsequentes, alegando factos tendentes a demonstrar que os bens pertencem à mencionada herança
e que à R. foram indevidamente adjudicados por escritura pública de habilitação e partilha por óbito do
seu marido, a qual promoveu o registo da predial da respectiva aquisição.

Contestou a R. impugnando os factos alegados pelo A. e referindo que fora instituída como
herdeira da quota disponível por sua mãe e, após a morte dela foram feitas partilhas extrajudiciais
verbais, passando a possuir em nome próprio, invocando factos tendentes a demonstrar que adquiriu os
bens reclamados por usucapião.

Houve réplica.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença a julgar improcedente a acção, absolvendo a R.


dos pedidos formulados.

Inconformado, o A. interpôs recurso de apelação, que foi julgado improcedente, confirmando-se


a sentença.

Novamente inconformado, o R. interpôs recurso de revista …


O direito

Nas suas conclusões (1), o recorrente insurge-se contra a matéria de facto dada como provada,
referindo que a R. nunca podia possuir em nome próprio por os bens objecto da acção nunca terem sido
partilhados e, além disso, também não podia exercer a posse com boa fé porque sabia que tais bens
eram dos herdeiros de sua mãe, avó do recorrente.
Contudo, a matéria de facto vai noutro sentido, demonstrando-se o alegado pela R. para concluir
que os mencionados bens foram por si adquiridos por usucapião.
Claro que a R. não demonstrou o facto que evidenciaria a inversão do título, para, a partir daí,
começar a usufruir em nome próprio.
Na verdade, como dispõe o art. 1255.º do CC, «por morte do possuidor, a posse continua nos
seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa (2); e
a posse em nome próprio só começa a partir da inversão do título (3) .
Um dos casos indicados por Vaz Serra para inverter o título (4) é o de ter havido partilha de
facto, que, «embora juridicamente irrelevante» faz inverter o título, «passando cada herdeiro a ter uma
posse exclusiva sobre certa parte determinada da herança», sendo, então possível a usucapião.

16
E foi, precisamente, a partilha de facto a circunstância invocada pela R. para se concluir pela
inversão do título.
Só que não provou tal facto, como, claramente, se vê da resposta negativa ao quesito 7.º (5) e
respectiva fundamentação das respostas aos quesitos (6).
Ora, não se tendo dado como provado o facto alegado pela R. caracterizador da inversão do
título, de acordo com o rigor dos princípios, em sede de julgamento da matéria de facto, não devia o
julgador ter dado como provada a matéria de facto pela mesma R. alegada tendente a demonstrar que
havia adquirido por usucapião os aludidos prédios.
Ou então, se o tribunal deu como provado que a R. passou a possuir os prédios em nome
próprio, devia ter tido em conta o facto (7) que caracterizou a inversão do título.
Mas o que, de facto, aconteceu é que o tribunal a quo deu como provados os factos que deu e a
Relação não os alterou, decidindo, sobre o assunto, definitivamente, porque este Supremo Tribunal os
não pode alterar por não nos ter sido suscitado nem se vislumbrar qualquer das excepções
contempladas no art. 722.º, 2 do CPC.
E a questão de facto, para além de termos que a acatar, pode até ser a mais consentânea com
a realidade porque não deixa de ser estranho que a mãe do A., irmã da R., nunca tenha reivindicado os
prédios em causa desde a data da morte da mãe -18.10.61 -até à sua morte -30.1.89.
Poderia tal circunstância inculcar ser verdadeira a alegação de que, entretanto, tenham as irmãs
(mãe do A. e R.) feito as partilhas extrajudicialmente.

Mas, volta a referir-se, o facto não se deu como provado.

Quid juris?

A presente acção é uma acção de petição de herança em que o A. invoca como causa de pedir
a qualidade de herdeiro e a restituição dos bens que fazem parte da herança.
Tendo sido decidido que a petição de herança não caducou (8), a restituição dos bens à herança
só podia soçobrar, diz A. Varela, (9) perante a usucapião do demandado.
Assim, demonstrado que o A. é herdeiro da de cuius, sua avó, por direito de representação de
sua mãe, filha daquela, a restituição dos bens que lhe pertenceram só podia improceder se provada a
usucapião invocada, no caso, pela R.
Não era, pois, ao A. que cabia demonstrar que os bens sempre pertenceram à herança da sua
avó, depois da sua morte (10), como diz a R. nas suas contra alegações, (11) mas a esta que os
adquiriu por usucapião. (12)
Não se provou o facto por si invocado para inverter o título, mas vem demonstrado que, desde a
morte da de cuius, a R. adquiriu por usucapião o direito aos bens reivindicados para a herança.
E, como é insindicável a decisão sobre a matéria de facto, (13) face aos normativos processuais
acima citados, temos de concluir que se deve manter a decisão que julgou improcedente a acção

Decisão

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2004

Custódio Montes
Neves Ribeiro
Araújo Barros
----------------------------------------------------
(1) Que delimitam o objecto do recurso -arts. 684.º, 2 e 3 e 690.º1 do CPC.
(2) Como dizia Vaz Serra a págs. 181 da RLJ Ano 91, embora no domínio do Cód. de Seabra,
mas com validade face ao disposto no mencionado art. 1255.º do CC, «só,..., uma partilha legalmente
feita, pode localizar o domínio de cada um dos consortes em bens certos e determinados".
(3) "Enquanto não houver inversão do título, continua o ilustre mestre Vaz Serra, Ob. e loc. cit,
pág. 182, «enquanto não houver inversão do título da posse, cada um dos consortes possui por si e
pelos outros, não podendo, portanto, adquirir por prescrição bens certos e determinados do património
indiviso».
(4) Ob. e loc. cits na nota anterior.
(5) Perguntava-se: «após o falecimento de C (mãe) em 18.9.61, e considerando o mencionado
em L), foi feita, entre os herdeiros, partilha extrajudicial da herança deixada por aquela ?»

17
(6) Diz-se que a resposta se deveu "à total ausência de elementos probatórios pré-existentes
nos autos ou produzidos em audiência de julgamento no sentido da sua realidade, já que nenhuma das
testemunhas inquiridas a esses factos demonstrou ter conhecimento directo deles, tanto mais que as
mesmas, na sua generalidade e mormente as residentes em Preguiça e Arada, nunca conheceram
outros filhos à C, falecida em 1961, sendo a R. que com ela residiu e cuidou da casa e do terreno até à
sua morte, após a qual continuou ininterruptamente a residir e cuidar da casa e do terreno, ...»
(7) Diz a doutrina que tal facto tem de ser inequívoco "diz Manuel Rodrigues, A Posse, pág. 232
que "não há inversão sem que se substitua a causa - o título jurídico que determinou a detenção - por
um outro que seja capaz de criar uma posse".
(8) Decisão proferia a fls. 22 a 24, transitada em julgado.
(9) RLJ Ano 120, pág. 156.
(10) Até essa altura vem demonstrado que os referidos bens lhe pertenciam.
(11) Embora a acção de petição de herança - art. 2075.º do CC - tenha afinidade com a acção
de restituição, não se confunde com ela - ver A. Varela, ob. e loc. cts.
(12) Como se diz no Ac. deste Supremo tribunal de 20.11.03, in DGSI, n.º SJ200311200030147.
(13) Embora não provado aquele motivo invocado de inversão do título, pode o juiz do
julgamento de facto se ter capacitado de que a não oposição aos actos de posse em nome próprio da
mãe do A., durante cerca de 27 anos - desde a data da morte da de cuius, em 1961, até à sua morte,
em 1989, equivaleu a uma atitude de inversão do título para a R. ter adquirido os bens por usucapião.

ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA

Aceite a herança e tomadas as providências necessárias à sua conservação -


2047º e 2075º - é necessário administrá-la até à sua liquidação e partilha, momento a
partir do qual cada um dos herdeiros se transforma em proprietário - com efeitos desde
a data da morte do de cuius, data da abertura da sucessão (2031º, 2050º e 2119º) - e
pode, portanto, exercer todos os poderes do proprietário.

A administração da herança, até à sua liquidação e partilha - ou só até à


liquidação se não houver lugar a partilha por haver um único herdeiro (2103º) -,
pertence ao cabeça de casal - 2079º - cargo que se defere, na falta de acordo dos
interessados - 2084º - nos termos do art. 2080º ou, no caso de a herança ter sido toda
distribuída em legados, ao legatário mais velho - 2081º .

O cabeça de casal administra os bens próprios do finado e, tendo ele sido


casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal – 2087.º
No exercício da administração o CC tem os amplos poderes conferidos nos art.
2088º (pedido de entrega de bens), 2089º (cobrança de dívidas urgentes) e 2090º -
(venda de bens deterioráveis).

Assim, o CC tem legitimidade para instaurar acções possessórias não só


contra terceiros, mas até contra os próprios herdeiros para obter a entrega de bens
que estejam em poder deles, desde que a entrega material dos bens ao CC seja
realmente necessária ao exercício da administração que lhe compete - 2088º.

Pode cobrar dívidas activas da herança quando a cobrança possa perigar com
a demora - 2089º - e vender frutos e outros bens deterioráveis, nos termos e com
os fins definidos no art. 2090º.

O cabeça de casal tem poderes de administração ordinária. Considerou-se


acto de administração ordinária a instauração de acção contra Junta de Freguesia, a
pedir a sua condenação a fazer obras numa mina a esta pertencente e cuja água
danificava prédio da herança - Col. Jur. 01-V-192.

18
Actos de disposição só podem ser praticados por todos os herdeiros.

Fora destes casos e sem prejuízo do direito de petição de herança por um só


herdeiro - 2078º - os direitos relativos à herança só podem ser exercidos por
todos ou contra todos os herdeiros - 2091º, nº 1, em litisconsórcio necessário,
portanto.
Claro que os herdeiros demandam ou são demandados, não a título individual
mas como representantes da herança.

Assim, instaurada execução contra a herança de A, representada pelo cabeça


de casal, e tendo havido já habilitação de herdeiros, devia a execução ser proposta
contra todos os herdeiros e a oposição por embargos procede, com fundamento na
ilegitimidade ou irregularidade da representação do executado, determinante de
absolvição da instância, como decidiu o STJ em 27.10. 98, no BMJ 480-392, de que se
transcreve:

Essa personalidade judiciária da herança não deve, porém, justificar-se por se tratar de herança
jacente, uma vez que não foi sequer alegado que os seus titulares ainda não estejam determinados (já
houve mesmo habilitação de herdeiros) ou que não tenha havido a sua aceitação (artigos 6º do Código
de Processo Civil e 2046º e seguintes do Código Civil).
Do que se trata antes é de exigência do pagamento de alegada dívida do falecido que se terá
transmitido para a herança, a qual será a responsável por esse pagamento (artigo 2068º do Código
Civil), só podendo ser demandado algum dos herdeiros, pessoal e directamente, no caso de ter
assumido esse encargo na partilha da herança.
Assim, qualificada como património autónomo (Oliveira Ascenção, Direito Civil - Sucessões, pág.
472), ou como universalidade, detentora de personalidade jurídica, por gozar de aptidão para ser titular
de relações jurídicas (citados artigos 2068º e 1462º do Código de Processo Civil), a herança tem
personalidade judiciária (artigos 5º e 6.º do CPC) e, sendo o sujeito passivo da relação material
controvertida, é ainda parte legítima na execução (art. 56º, nº 1, do mesmo Código).
O problema reside apenas na representação da herança em juízo, por não gozar de
capacidade judiciária, e, neste ponto, a solução não é susceptível de dúvidas sérias.
Não se está perante qualquer das hipóteses previstas nos artigos 2087º a 2090º do Código Civil,
em que a administração e representação da herança pertence ao cabeça-de-casal, sendo pois aplicável
o artigo 2091º, nº 1, do mesmo Código, onde se estabelece que «os direitos relativos à herança
só podem ser exercidos ... contra todos os herdeiros».
Isso não significa que os herdeiros tenham de ser demandados pessoalmente, pois, como se
notou, a própria herança é que goza de personalidade judiciária e de legitimidade, mas apenas que eles
têm de intervir como representantes da herança, em suprimento da sua falta de capacidade
judiciária.
No caso presente, a execução foi instaurada contra a herança, «na pessoa do cabeça-de-casal»
ou representada por este, e, havendo outros herdeiros além do exequente e do cabeça-de-casal, ocorre
o vício da ilegitimidade ou irregularidade da representação do executado, o que constitui fundamento de
oposição à execução por embargos - artigos 813º, alínea c), e 815º, nº 1, do Código de Processo Civil.
A consequência desse vício, que integra excepção dilatória, é a absolvição do executado da
instância - artigos 288º, nº 1, alínea e), 494, nº 1, alínea b), e 801º do citado Código; tal vício pode, em
princípio, ser sanado (artigos 23º e seguintes do citado Código)...

Da mesma forma se entendeu que o cabeça-de-casal não tem legitimidade


para pedir a declaração de nulidade ou anulação de deliberação social, pedido
que não cabe no âmbito de administração ordinária 9 e, por isso, devia ser formulado
por todos os herdeiros.

O Cabeça de Casal tem existência jurídica desde o passamento do de cuius,


independentemente de nomeação judicial, cabendo-lhe logo o cumprimento de
deveres fiscais, mas é sobretudo no processo de inventário que sobressai a
9
- BMJ 454-607
19
importância do bom desempenho das suas funções para rápida conclusão do
processo.

A pessoa a quem caberia o cabeçalato pode pedir escusa nos casos previstos
no art. 2085º; a remoção do cargo está prevista no art. 2086º.

PARTILHA DA HERANÇA - 2101º e ss

Tal como nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão,


mas pode convencionar-se por cinco anos, renováveis, que a coisa comum permaneça
indivisa - 1412º - qualquer co-herdeiro ou cônjuge meeiro tem o direito de exigir
partilha quando lhe aprouver - 2101º, nº 1 -, sem prejuízo de convenção de indivisão
do património hereditário por não mais de cinco anos, também renovável por nova
convenção - 2101º, nº 2.

A partilha pode fazer-se extrajudicialmente, quando houver acordo de todos


os interessados ou por inventário judicial na falta de acordo ou quando a lei o exija,
mercê do dever de tutela especial dos direitos de algum dos interessados - 2102º, n.ºs
1 e 2.

O novo Código do Registo Civil, com a redacção dada pelo Dec-lei n.º
324/2007, de 28 de Setembro, criou uma nova forma de partilha designada
Procedimentos simplificados de sucessão hereditária, regulado nos art. 210ºA a
210ºR.

Com o Dec-lei nº 227/94, de 8 de Setembro, deixou de haver inventário


obrigatório, cabendo ao MºPº requerer inventário judicial se, à vista das circuns-
tâncias referidas no nº 2 do artº 2102º, assim o entender.

O inventário judicial tem os fins previstos no art. 1326º CPC, começa por
requerimento subscrito por quem tenha legitimidade para o requerer 10 - 1327º CPC -
acompanhado de certidão de óbito do finado e indicação de quem, nos termos da lei –
art. 2080º CC -, deve desempenhar as funções de cabeça de casal - 1338º.
Segue-se despacho do Juiz a nomear a pessoa proposta ou outra a quem tal
cargo couber e a designar dia e hora para as declarações do CC que é citado com a
advertência a que se refere o art. 1340º.

As declarações do CC são a peça fundamental do inventário, pois é ali – 1340º


CPC - que deve ficar a constar não só a identificação dos sucessores como os
elementos que permitirão conhecer os bens a partilhar, a partir do regime de bens do
dissolvido casal e da origem dos bens do finado.
Deve, ainda, o CC apresentar a relação de bens elaborada nos termos dos art.
1345º a 1347º e instruída com os documentos pertinentes: certidões matriciais e de
registo, testamentos, convenção antenupcial, escrituras de doação, etc.
Citados os interessados a que se refere o art. 1341º, com cópia das decla-
rações do cabeça de casal - art. 1342º CPC - e decididas oposição ou impugnação a
deduzir em trinta dias - 1343º - segue-se eventual reclamação11 contra a falta,
excesso ou inexactidão na descrição de bens na relação apresentada - 1348º - que é
10
- O cônjuge do herdeiro do de cuius só tem legitimidade para requerer inventário se o regime de bens
for o da comunhão geral - Ac. da R.ão do Porto, de 9.2.99, na Col. Jur. 99-I-219.
11
- A reclamação contra a relação de bens pode, nos termos do nº 6 do art. 1348º CPC , ser
apresentada a todo o tempo, até à sentença homologatória de partilha - Ac. STJ, de 28.9.99, no BMJ
489-280.
20
decidida no inventário ou nos meios comuns se se tratar de matéria de facto complexa,
insusceptível de averiguação pela forma sumária do incidente - 1350º:

I - A disciplina do art. 1823º, al. c) do CC, ao exigir que a proveniência do dinheiro ou valores
próprios de um dos cônjuges seja mencionada no documento de aquisição, deve ser interpretada
restritivamente, aplicando-se apenas nas relações dos cônjuges com terceiros.
II - Ingressado um bem na comunhão, qualquer um dos cônjuges pode fazer a prova de que na
respectiva aquisição foram empregues valores próprios, tendo direito a ser compensado no momento da
dissolução e partilha do património comum.
III - As questões referentes à relação de bens só devem ser objecto de decisão definitiva
em processo de inventário quando seja viável a formulação, a seu respeito, de um juízo com
elevado grau de certeza, o que não acontece quando a matéria fáctica subjacente revele grande
complexidade e o seu apuramento demande, designadamente, a produção de prova testemunhal
- Ac. de 15.5.01, na Col. Jur. (STJ) 01-II-75.

Determinados os bens a partilhar (depois de decididas as reclamações


apresentadas – art. 1348º a 1350º) e tornados certos os sucessores (por decididas as
oposições e impugnações deduzidas – art. 1343º e 1344º), segue-se a importante fase
da conferência de interessados - art. 1352º e ss - em que estes deliberam sobre a
composição de quinhões, aprovação do passivo e mais encargos da herança, forma de
cumprimento dos legados, valor dos bens e, de forma geral, sobre quaisquer questões
cuja resolução possa influir na partilha.
Na falta de acordo quanto à composição de quinhões seguem-se licitações e
eventual avaliação de bens doados em caso de arguida inoficiosidade - 1363º e
ss.
Segue-se a indicação, pelo MºP e ou advogados dos interessados, da forma da
partilha - em que se diz como deve a herança ser partilhada - e despacho do Juiz a
determinar o modo como deve ser organizada a partilha - 1373º.
De seguida a Secretaria organiza o mapa da partilha, de acordo com o
respectivo despacho e em conformidade com a acta da conferência de interessados
(licitações, adjudicações, pagamento do passivo).
Pode haver necessidade de cumprir o disposto no art. 1377º - opções
concedidas aos interessados a quem haja de caber tornas:

I - O direito de escolher, de entre as verbas licitadas em processo de inventário, as necessárias


para preencher a sua quota, é exclusivo do licitante; o não licitante deverá, em princípio, requerer a
composição do seu quinhão em abstracto e, se requerer a composição com verbas em concreto, essa
escolha não vinculará o licitante.
II - A inovação do artigo 1377º, introduzida no CPC pela reforma de 1961, permitindo que os
interessados que tenham direito a tornas possam optar pela composição dos seus quinhões em bens
pelo valor da licitação, pretendeu corrigir o excesso desta, especialmente em casos de desigualdade
económica entre os interessados, assim se tentando o equilíbrio entre a partilha justa e o direito de
escolha, procurando evitar, até onde for possível, o pagamento de tornas, uma vez que o dinheiro tende
a desvalorizar-se.
III - Daí que o artigo 1374º, al. b), do CPC, procure a harmonia entre quinhões, estipulando que
aos não licitantes serão, em princípio, atribuídos bens.
IV - O direito de composição dos quinhões dos não licitantes pode ser feito através da
adjudicação de uma fracção de qualquer das verbas, desde que observada a preferência já referida -
Ac. de 15.5.2001, na Col. (STJ) 01-II-87.

«A regra quanto ao preenchimento dos quinhões é, por um lado, no sentido de que os bens
licitados devem ser adjudicados ao respectivo licitante e os bens doados e legados devem sê-lo ao
respectivo donatário ou legatário (artigo 1374º, alínea a), do Código de Processo Civil).
E, por outro, no sentido de que aos não licitantes e não conferentes são adjudicados, tanto
quanto possível, bens da mesma natureza dos bens doados ou licitados e, se isso não for possível, são-
lhes adjudicados outros bens da herança.

21
Mas se lhes forem adjudicados bens de natureza diferente, podem exigir a composição em
dinheiro, caso em que serão vendidos judicialmente os bens necessários para a obtenção das quantias
em dívida.
E esse regime é aplicável a favor de co-herdeiros não legatários quando alguns dos herdeiros
tenham sido contemplados com legados (artigo 1374, alínea b), do Código de Processo Civil).
Este normativo apenas expressa que os não licitantes obterão o preenchimento dos seus
quinhões hereditários tanto quanto possível com bens da mesma espécie e natureza dos bens dos bens
licitados, ou seja, não estabelece que na partilha cada interessado participe igualmente em cada
categoria de bens.
Os bens restantes que haja são repartidos à sorte pelos interessados, por lotes iguais (artigo
1374º, alínea c), do Código de Processo Civil).
Na sequência do mapa informativo, os interessados a quem hajam de caber tornas são
notificados para requererem a composição dos seus quinhões ou reclamarem o pagamento das tornas
(artigo 1377º do Código de Processo Civil).
Com efeito, se algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para
preencher a sua quota, a qualquer dos notificados é permitido requerer que as verbas em excesso ou
algumas lhes sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão (artigo
1377º, nº 2, do Código de Processo Civil).
O conceito de verbas em excesso a que se reporta este último normativo significa licitação
excessiva em relação à quota hereditária do licitante, ou seja, não tem necessariamente a ver com o
número de verbas abrangidas pelo acto de licitação.
O referido direito de preenchimento do respectivo quinhão em bens pelo credor de tornas
pressupõe, pois, que esse crédito derive de licitação excessiva, em pluralidade de verbas.
Mas é o licitante que pode escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para
preencher a sua quota, para o que será notificado para escolher os bens necessários ao preenchi-mento
do valor que tenham direito a receber (artigo 1377º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Assim, o referido direito de escolha dos licitantes está sujeito ao limite do preenchimento do
valor que tenham direito a receber.
Neste quadro de direito de escolha de bens licitados por parte dos licitantes, a lei só confere aos
credores de tornas não licitantes o direito de requererem a composição do respectivo quinhão
hereditário em abstracto, isto é, sem indicação de bens, o que, em regra, se traduzirá no preenchi-
mento por via dos bens excedentes da escolha feita pelos licitantes.
Todavia, o direito de escolha de bens licitados pelos licitantes não é ilimitado, certo que,
conforme já se referiu, está limitado pelo referido critério legal da necessidade, sob o escopo finalístico
da igualação de quem, a título sucessório ou de outra ordem, concorre à partilha de determinado
património.
A lei visa, por via dos referidos direitos dos licitantes à escolha entre os bens licitados, e dos não
licitantes à composição dos quinhões por via de bens licitados, salvaguardar quem, por razões de
carência económica, não pode licitar e para lhe obviar à afectação patrimonial em razão da desvalo-
rização da moeda como referencial do valor dos bens.
O abuso do direito, excepção peremptória imprópria de conhecimento oficioso, está legalmente
previsto em termos de ser ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda
manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico
desse direito (artigo 334º do Código Civil).
Rege este normativo para as situações concretas em que é manifesta e exorbitante a
contrariedade entre o resultado prático da aplicação do direito subjectivo exercitado e os princípios a
que aquele normativo se reporta, pensados para uma comunidade de cidadãos em convivência
solidária.
Todavia, conforme acima se referiu, o direito de composição dos quinhões dos não licitantes não
envolve que lhe sejam adjudicados bens da mesma natureza dos que foram licitados.
Acresce que, face ao mapa de partilha que foi elaborado, não se verifica que as recorridas D e C
tenham escolhido bens em termos de afectar o direito de composição do recorrente, ou em abuso do
seu direito de escolha.
A conclusão, é, por isso, no sentido de que a Relação, ao considerar não haver sido invocada
desigualdade na composição dos quinhões, não infringiu o normativo do artigo 1377º, nº 2, do Código de
Processo Civil – Ac. STJ (Ex.mo Consº Salvador da Costa) de 3.11.2005 na base de dados do ITIJ.

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Lopes Pinto) de 21.1.2003, no Processo 02A4472:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

22
No inventário por óbito de A requerido por B e em que é cabeça-de-casal C, agravou aquele do
despacho que mandou aguardar os autos que os interessados usem da faculdade a que alude o art.
1.378º-2 CPC por o mesmo não ter, apesar de notificado para o efeito, depositado as tornas dentro do
prazo fixado e reclamadas pelos interessados D, C e E.
Entretanto, faleceu a interessada C, cumulando-se o seu inventário neste, havendo lugar à
respectiva descrição de bens, a conferência de interessados e despacho determinativo de partilha.

Agravou o requerente B do despacho que deferiu a pretensão do interessado D, formulada ao


abrigo daquela norma, para que, das verbas destinadas àquele lhe fosse, adjudicada a verba nº 26 da
descrição de bens de fls. 1.259 e que, por ultrapassar a sua quota, lhe fossem passadas guias para
depositar de imediato a importância em excesso e, efectivamente, depositou-a.

Prosseguindo o processo, da sentença homologatória da partilha apelou o interessado B.

A Relação negou provimento aos agravos e confirmou a sentença.

Inconformado com o não provimento do 2º agravo e a improcedência da apelação, este


interessado agravou, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -
- o credor de tornas D só poderia usar do direito de escolha desde que tivesse pedido que lhe
fossem adjudicadas as verbas necessárias para o preenchimento total das suas quotas e não apenas
para o seu preenchimento parcial;
- entendendo-se que o valor resultante da licitação da verba nº 26 excedia a sua quota, como na
realidade excedia, não poderia também ser deferida a pretensão desse credor;
- não tendo sido requerida a composição de quinhões, não pode considerar-se abusivo o facto
de o agravante ter licitado em mais bens que os demais interessados;
- a sentença homologatória de partilha é nula por não especificar os fundamentos de facto e de
direito que justificaram a decisão;
- violado o disposto nos arts. 1.378º-2, 1.377º-2, 659º e 668º-1 b) CPC.

Contra-alegando, defendeu o interessado D a confirmação do aresto.


Colhidos os vistos.

Factos provados com interesse para a decisão, além do constante do relatório supra, e
enunciados pela Relação -
a) - verificando a secção, no acto da organização do mapa, que os bens licitados pelo
interessado B excediam a sua quota, informou no processo, sob a forma de mapa, indicando o montante
do excesso, no caso, no valor de 802.293.791$08;
b) - segundo o referido mapa, todos os demais interessados ficaram credores de tornas,
designadamente, o interessado D pelo montante de 39.293.208$92;
c) - notificados esses interessados para requerer, nos termos do art. 1.377º-1 CPC, a
composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas, optaram por reclamar o
pagamento;
d) - notificado o devedor das tornas para as depositar, no prazo de 10 dias, nos termos do art.
1.378º-1 CPC, não efectuou o depósito;
e) - por esse motivo, requereu o interessado D, nos termos do art. 1.378º-2 CPC, que, das
verbas destinadas ao interessado B, lhe fosse adjudicada a que tem o nº 26 na descrição de bens a fls.
1.259, pelo valor da licitação - 81.000.000$00 -, requerendo ainda que lhe fossem passadas guias para
depositar de imediato a importância que tinha de pagar por virtude da adjudicação, ou seja,
41.706.791$08 (81.000.000$00 - 39.293.208$92);
f) - por despacho proferido a fls. 1.630 foi ordenada a notificação dos restantes interessados
para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem, querendo, quanto ao teor do requerimento da al. anterior,
nada tendo sido dito;
g) - foi, então, proferido o despacho de fls. 1.647, objecto do 2º agravo, onde se decidiu -
«atendendo a que não foi deduzida oposição e ao disposto no art. 1.378º nº 2 do CPC, defere-se a
pretensão do requerente D»;
h) - a quota do interessado B era de 82.043.208$92 e licitou bens no valor de 884.337.000$00.

Decidindo: -
1.- A descrição acima feita torna assaz evidente que foi respeitada a tramitação legal.
Por isso, apenas cumpre desfazer uma certa confusão que grassa relativamente aos campos de
aplicação dos arts. 1.377º e 1.378º CPC.
Os interessados credores de tornas são notificados para ou requerer a composição dos seus
quinhões ou reclamar o pagamento daquelas.

23
Se um interessado licitou em excesso em relação ao preenchimento da sua quota pode qualquer
interessado credor de tornas que as verbas em excesso ou algumas lhe sejam adjudicadas pelo valor
resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão.
Se houve licitação em excesso e tiver sido requerida a composição do quinhão, goza o licitante
da faculdade de escolha e só se a não exercer ou a não tiver exercido em termos de ser relevante, é
que o requerimento do credor de tornas pode ser atendido na medida em que o dever ser.
Este o regime consagrado nos 3 primeiros nºs. do art. 1.377º (o nº 4 não oferece interesse quer
por não ser aqui aplicável quer por o art. seguinte o mandar também aplicar se o requerimento for feito
por mais de um interessado e não houver acordo entre eles sobre a adjudicação).
Se o credor de tornas, porém, optar por requerer o seu pagamento, o devedor delas é notificado
para as depositar.
Se as não depositar e o credor de tornas requerer que das verbas destinadas ao devedor lhe
sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação, sob a forma de mapa, as que escolher e sejam
necessárias para preenchimento da sua quota, contanto que deposite imediatamente a importância das
tornas que, por virtude da adjudicação, tenha de pagar.
Neste caso, já ao licitante em excesso não concede a lei a faculdade de escolha.
E, sendo a lei redigida para a vida real, não se pode pretender que apenas confere este direito
ao credor de tornas se entre os bens licitados houver uns cujo valor coincida com as tornas devidas pelo
licitante.
Este o regime consagrado nos 2 primeiros nºs. do art. 1.378º (os dois imediatos não tem
interesse para o caso sub judice).
No nº 2 há que distinguir entre tornas devidas pelo licitante e as que o credor daquelas possa vir
a dever. As primeiras, autorizam o seu credor a exercer, optando, um dos direitos que a lei lhe
reconhece nos arts. 1.377º e 1.378º CPC; as segundas, implicam para o credor requerente o seu
depósito imediato, sob pena de perder o direito de escolha que quis exercer.
Quando o interessado licita em excesso não abusa do direito de licitar, mas sujeita-se a que o
credor de tornas possa ou requerer a composição de quinhões ou reclamar o seu pagamento ou pedir
que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados
ao devedor até onde seja necessário ou, nenhum desses direitos exercendo, registar hipoteca legal
sobre os bens adjudicados ao devedor (ou, quando essa garantia se mostre insuficiente, requerer que
sejam tomadas, quanto aos móveis, as cautelas prescritas no art. 1.384º).
O agravante licitou em excesso, exerceu um direito que tinha. A qualificação da sua conduta
opera-se com relação ao momento em que sucede, não depende de facto ou de conduta posterior e a
ela alheia. Por isso, não havia que qualificar de não abusivo o acto de licitar por não ter sido requerida a
composição de quinhões.
Mas do facto de o exercício do direito de licitar não ter sido abusivo não é lícito retirar argumento
para negar ao agravado um direito que lhe é reconhecido por lei (CPC 1.378º,2).
O agravado reclamou o pagamento das tornas não tendo o agravante, delas devedor, efectuado
o seu depósito; por isso, aquele requereu a adjudicação da verba nº 26 licitada por este - era um direito
que lhe assistia. Neste caso a lei não reconhece ao devedor de tornas - que teve oportunidade de evitar
essa adjudicação efectuando o depósito mas a não usou - a faculdade de escolha.
Não há nisto um exercício abusivo do direito de requerer a adjudicação de certo bem, o que
apenas sucederia se com isso houvesse um desapossamento, o que tornaria ilegítimo o exercício do
direito (CC- 334º).
Além de não ser o caso, teria falhado o agravante num outro aspecto.
Ao lhe ser notificado o requerimento do agravado, deveria ter acusado de exercício abusivo e,
sem que isso significasse o exercer uma faculdade que não tinha - a de escolha, indicar que este tinha a
possibilidade de preencher a sua quota com bem menor prejuízo para ele, agravante.
Certo que daí não poderia retirar, como uma certeza, o deferimento dessa acusação.
Porém, sujeitava-a a apreciação judicial e, divergindo da decisão, poderia agravar.
Uma outra vantagem desse procedimento seria a de alinhar uma matéria de facto (a da
indicação que fizesse em defesa da tese do exercício abusivo) que nos seus recursos não usou, apenas
se limitando a transcrever, a tal respeito, uma passagem das 'Partilhas Judiciais' de Lopes Cardoso
(II/427).

2.- O agravante arguiu de nulidade, por falta de fundamentação de facto e de direito, a sentença,
o que a Relação negou.
Renova a arguição e, embora fale de sentença, entende-se que a discordância reside em
relação ao acórdão que não atendeu a sua arguição.
A lei fala (CPC - 1.382º) em sentença homologatória de partilha e tal denominação tem razão de
ser e comporta em si um significado.
Ao qualificá-la de homologatória está a indicar que vai dar força ao que é homologado apenas
se pedindo ao tribunal se esse quid foi produzido por quem com legitimidade e se pelo seu objecto é

24
válido. Não se requer que, na sentença, o tribunal decida de mérito a controvérsia que possa ter sido
estabelecida entre os interessados - essa, se a houve, foi, ao longo do inventário, sendo resolvida e é já
sobre o 'degrau' final, quando este se mostra em condições de poder ser consolidado, que intervém o
juiz para efectivamente o consolidar.
O juiz não vai efectuar o julgamento da partilha, esta já foi feita e foram percorridos os itens
posteriores necessários à sua consolidação. O processo é-lhe concluso «para, ..., proferir sentença
homologando a partilha constante do mapa» (CPC- 1.382º,1). Nada se opondo à sua validade, havendo
conformidade do mapa à mesma e verificando que nela intervieram as pessoas interessadas, o tribunal
dá consistência legal à partilha constante do mapa, autentica-a.
Há, pois, uma norma especial a regular, não havendo que recorrer à geral (CPC- 659º) a não ser
no mínimo aí contido - identificação do processo que, por neste não haver partes, é obtida através da
identificação da natureza do processo e dos nomes dos inventariado e inventariante, e condenação em
custas.
A estes dois elementos (identificação e custas), acresce um outro, esse o especial a que se
reporta aquele nº 1 do art. 1.382º.

Termos em que se nega provimento ao agravo.


Custas pelo recorrente.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2003


Lopes Pinto
Ribeiro Coelho
Garcia Marques

Posto em reclamação o mapa, é homologada por sentença a partilha dele


constante - 1382º.

A partilha, mesmo depois de transitada a sentença que a homologou, pode ser


emendada - 1386º - por acordo no próprio inventário ou, na falta de acordo, em acção
própria, a instaurar no prazo de um ano a partir do conhecimento do erro que deve ser
posterior à sentença - 1387º.
Tudo sem prejuízo da possibilidade de correcção de simples erros materiais,
como em geral e para as sentenças dispõe o art. 667º do CPC.

A anulação da partilha só pode ocorrer nas condições do art. 1388º:

Prescreve a lei, salvaguardando os casos de recurso extraordinário, que a anulação da partilha


judicial confirmada por sentença transitada em julgado só pode ser decretada quanto tenha havido
preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados
procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi
preparada (artigo 1388º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O disposto no normativo em análise é aplicável ao caso vertente, ou seja, às situações de
preterição de co-interessados na partilha do património integrante da comunhão conjugal (artigo
1404º, nº 3, do Código de Processo Civil).
É, assim, pressuposto da anulação da partilha judicial confirmada por sentença passada em
julgado a preterição ou a falta de intervenção de algum dos co-herdeiros ou co-interessados.
Uma das obrigações do cabeça de casal é a de identificar os interessados directos na partilha
(artigo 1340º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil).
O sentido jurídico mais geral da expressão preterição é essencialmente o de postergação,
omissão ou falta, e o da expressão intervenção, não obstante a respectiva polissemia, é de participação.
Neste quadro, tendo em conta a letra e o elemento finalístico da lei, ocorre a preterição de algum
co-herdeiro ou co-interessado e a sua falta de intervenção, por exemplo, quando o cabeça de casal
omitir a sua indicação nas declarações iniciais ou subsequentes, neste caso se entretanto conheceu
essa posição jurídica, independentemente do tempo em que ocorrera.
Ademais, exige a lei, como pressuposto da anulação da partilha judicial transitada em julgado,
que os outros interessados hajam procedido com dolo ou má fé, seja quanto a preterição, seja quanto ao
modo como a partilha foi preparada.
O dolo e a má fé a que este normativo se reportam significam essencialmente a consciência de
causar prejuízo ao co-interessado que devia intervir na partilha judicial.

25
Ora, no caso vertente, a recorrida indicou o recorrente como interessado directo na partilha e ele
foi citado para o processo de inventário e efectivamente notificado para alguns dos seus actos.
Ademais, os factos provados não revelam que a recorrida tenha agido no processo de inventário
com dolo ou má fé na forma de preparação da partilha.
Não ocorrem, por isso, na espécie, os pressupostos de anulação da partilha a que se reporta o
artigo 1388º do Código de Processo Civil. – Ac. STJ (Ex.mo Consº Salvador da Costa) de 3.3.2005.

A partilha adicional - de bens omitidos na partilha - deve obedecer à forma


prescrita no art. 1395º.
O regime dos recursos é o do art. 1396º, com a redacção dada pelo Dec-lei n.º
303/207, de 24 de Agosto.

O inventário judicial tem, apenas, por fim relacionar os bens da herança e,


eventualmente, servir de base à sua liquidação, se houver um único interessado - art.
2103º - que pode ter todo o interesse na aceitação a benefício de inventário, atenta a
responsabilidade da herança por dívidas - 2068º, 2071º e 2097º.

A partilha extrajudicial

deve ser reduzida a escritura pública (ou documento particular autenticado), tal como o
repúdio (2063º) ou a alienação da herança (2126º), se na herança houver imóveis -
80º, nº 2, d), do C. Notariado.
É de todo o interesse atender às atribuições preferenciais do cônjuge
sobrevivo - 2103ºA a 2103º C, à colação12 - art. 2104º e ss - e eventual redução de
liberalidades inoficiosas, as que ofendem a legítima dos herdeiros legitimários -
2168º.

Para se encontrar o valor da herança a partilhar13 é fundamental, no caso de


indivíduo que faleceu no estado de casado ou, mesmo divorciado, mas sem partilha
dos bens do casal, conhecer o regime de bens do casamento para se encontrar os
bens próprios dele e a sua eventual meação nos bens comuns, constituindo a soma
destes valores (bens próprios mais a meação ou metade nos comuns) o activo da sua
herança.
Com efeito, o acervo hereditário depende do regime de bens do casamento que,
como se sabe, é o vigente ao tempo do casamento, mesmo se anterior ao Código de
1967, nos termos do art. 15º do Dec-lei nº 47.344, de 25.11.66, aprovador do CC
actual.

Por isso, num casamento em segundas núpcias, celebrado em 1964, com filhos
do primeiro casamento, o bínubo não podia comunicar mais que metade dos bens que
tinha ao tempo do casamento ou que viesse a receber por doação ou herança de seus
parentes - 1235º e 1109º do C. Seabra (hoje - art. 1699º, nº 2.

Falecido o bínubo em 1980, aplica-se à partilha a lei então vigente, mas, porque
é necessário atender primeiro ao regime de bens do casamento para encontrar a
massa de bens a partilhar, mandou-se aplicar aquele regime do Código de Seabra e,
portanto, os bens que se não comunicaram continuaram bens próprios dele e
integraram, juntamente com a sua meação nos comuns, a sua herança14.

Também se ensinou e decidiu - Col. STJ 95-I-58 - que


12
- muito bem explicadinha no VI volume do C. Anotado do Prof. Varela, em notas aos art. 2104º e ss e
C. de Sousa, II, 261.
13
- Capelo de Sousa, II vol.
14
- Col. STJ 96-III-88.
26
Na comunhão conjugal existe um património colectivo, isto é, um património com dois
sujeitos que dele são titulares e que globalmente lhes pertence.
Essa massa patrimonial não se reparte entre os cônjuges como na compropriedade ou
comunhão do tipo romano: antes, como na antiga comunhão de tipo germânico, pertence-lhes em bloco
e só em bloco.
Os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação,
a lei concede um certo grau de autonomia, e pertence aos dois cônjuges, podendo dizer-se que os dois
são titulares de um único direito.
Marido e mulher não têm qualquer fracção de direito que lhes corresponda individualmente e de
que, como tal, possam dispor; como, individualmente, não podem dispor em face do património comum
por acto inter vivos.
Trata-se de um património que pertence em comum a duas pessoas, mas sem se repartir entre
elas por quotas ideais, como na compropriedade: enquanto esta é uma comunhão por quotas, aquela é
uma comunhão sem quotas.
Mas o património comum pressupõe o vínculo conjugal, vínculo que tem as suas formas de
extinção próprias.
Dissolvido o vínculo conjugal, o património comum degenera em comunhão ou
compropriedade do tipo romano, podendo então, qualquer dos consortes dispor da sua quota ideal ou
pedir a divisão da massa patrimonial através da partilha.
A partilha é um negócio certificativo, um negócio que se destina a tornar certa uma situação
anterior.
Cada um dos ex-cônjuges já tinha direito a uma quota ideal do património do casal: com a
partilha esse direito vai concretizar-se em bens certos e determinados.
Mas, no fundo, esse direito a bens determinados que existe depois de efectuada a partilha é o
mesmo direito indeterminado que antes existia, apenas modificado no seu objecto.
Por isso a partilha não tem efeito translativo ou constitutivo, antes se reveste de um carácter
declarativo
Na definição de Manuel Andrade..., a herança é o conjunto dos direitos e obrigações
patrimoniais de que um indivíduo (pessoa física) era titular ao tempo da sua morte e que passam para
os seus herdeiros legatários.
A herança reveste a fisionomia de um património separado em confronto com o
património pessoal dos herdeiros.
Antes da partilha, a herança é uma "universitatis juris" com conteúdo próprio fixado na
lei.
Só o activo da herança, e não o património pessoal dos herdeiros, responde pelas dívidas
hereditárias; os credores pessoais dos herdeiros só podem pagar-se pelos bens hereditários depois de
satisfeitos os credores do de cujus e de desaparecer, consequentemente, a herança como património
autónomo, pois a sua autonomia foi instituída precisamente para o efeito de, com aqueles bens, se
prover ao pagamento destes últimos credores.
Os herdeiros são titulares de um direito indivisível enquanto se não fizer a partilha; até à
partilha tal direito recai sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados,
sobre uma quota ideal, não de cada um dos bens que constituem a herança.
Ao cônjuge sobrevivo assiste o direito de receber a sua meação do património colectivo (artigos
1688º e 1689º do Código Civil).
A partilha do património comum do casal dissolvido é, consequentemente, pressuposto
necessário da determinação da herança do cônjuge que haja falecido (art. 2024º, in fine, do CC).
Mas a meação e a herança não se confundem: a titularidade daquela constitui um direito
próprio relacionado com o vínculo conjugal, a desta do fenómeno sucessório.
São patrimónios autónomos, distintos e com diversa afectação.

O cônjuge sobrevivo, além de herdeiro legitimário - 2157º - pode ser meeiro e


ter bens próprios (1722º e 1723º, 1733) - 1689º. Por tudo é fundamental distinguir entre
meação (1688º, 1689º e 1730º) e herança, sendo aquela resultado do regime de bens
do casamento cujas relações patrimoniais cessaram pela dissolução, declaração de
nulidade ou anulação do casamento - 1688º - pois o casamento dissolve-se com a
morte ou divórcio (1788º) e, quanto aos bens, também pela simples separação judicial
de bens - 1770º - ou separação judicial de pessoas e bens - 1795ºA.

Encontrado o acervo hereditário, é necessário saber se estamos perante


sucessão legítima, legitimária ou testamentária ou se, no caso de sucessão legitimária,
27
há testamento ou doações a considerar, encontrando-se então a legítima destinada
aos herdeiros legitimários e a disponível (pelo de cuius) pela forma fixada no art. 2162º
e com os valores constantes dos art. 2158º a 2161º, como já visto.

São tantas as hipóteses que é impossível prevê-las a todas, mas pode


encontrar-se as mais frequentes nas Lições do Prof. Capelo de Sousa, II vol. e no II
vol. de Partilhas Judiciais do Saudoso e Ilustre Advogado que foi o Ex.mo Dr. J. A.
Lopes Cardoso.

DOAÇÕES

Conceito - 940º: contrato, vínculo jurídico pelo qual o doador fica adstrito à
realização da prestação para com o donatário; supõe proposta e sua aceitação, pois
a proposta de doação caduca se não for aceita em vida do donatário - 945º, nº 1;
mesmo no caso de doações puras a incapazes, é necessária a aceitação que a lei -
951º, nº 2 - presume.
A doação é essencialmente gratuita: só o doador fica obrigado a entregar a
coisa doada – art. 940º - e nas doações com encargos - 963º - (doações modais ou
onerosas) estes hão-de ter valor inferior ao dos bens doados; nas remuneratórias
exige-se que os serviços assim remunerados não tenham a natureza de dívida exigível
- 941º; é da natureza da doação o espírito de liberalidade (antónimo de dever ou
necessidade), animus donandi.
Por isso não há doação nas hipóteses prevenidas no nº 2 do art. 940º: na
renúncia trata-se (quando não seja renúncia contratual e translativa) de atitude
meramente passiva do renunciante que não fica mais pobre por isso; no repúdio
haverá doação no caso de aceitação e alienação gratuita a que se refere o nº 2 do art.
2057º; nos donativos conformes aos usos sociais é necessário ver se, pelo valor da
diminuição do património do ofertante, não estaremos em presença de verdadeira
doação (família média que oferece um carro de alto preço).

- Objecto da doação - requisitos gerais do objecto negocial - 280º

- bens futuros, os que ainda não existem no património do doador: proibição


pelo nº 1 do art. 942º, com a ressalva do nº 2 - universalidades de facto (206º, nº 1),
biblioteca ou rebanho: as crias que venham a nascer ou os livros adquiridos depois da
doação pertencem ao donatário.
- promessa de doação - proibida ou sem valor. A promessa de doação não
passa de proposta de doação que se transforma em doação pela simples aceitação do
donatário, enquanto que é característico do contrato-promessa ficar o promitente
obrigado a outorgar o contrato prometido, obrigação que retiraria a natureza de
liberalidade à doação prometida. Não é, pois, possível a execução específica de
promessa de doação, por a tal se opor a natureza da obrigação assumida (830º, nº 1,
in fine), assim como a doação por morte (e não a promessa) só seria válida como
disposição testamentária se tivessem sido observadas as formalidades próprias dos
testamentos - 946º, nº 2 e 2204º e ss15.

Ac. do STJ, de 20.11.1986, no BMJ 361-519:

Comecemos por considerar que o contrato-promessa - hoje contemplado expressamente pelo


Código Civil vigente, nos artigos 410.° e segs. - embora se tenha de haver como um verdadeiro enlace
de vontades das partes intervenientes, que reciprocamente se obrigam, tem como sua característica
própria, o objecto de celebração de um contrato futuro, nos moldes definidos nesse contrato-promessa,

15
- BMJ 460-707.
28
que, por isso, sujeita os contratantes às obrigações assumidas, e que a lei patrocina estabelecendo as
regras relativas ao cumprimento dessas obrigações e as sanções correspondentes à falta do acordado,
ou seja, à celebração do contrato definitivo - o prometido, futuro - de que o contrato-promessa se pode
apelidar de provisório.
Daí, que consideremos inaceitável entender-se «a promessa de doação, aceite pelo beneficiário,
como constituindo uma verdadeira doação, na medida em que cria, desde logo, um direito de crédito em
benefício do promissário à custa do património do promitente» - cfr. Drs. Pires de Lima e Antunes
Varela, no Código Civil Anotado, 2.° vol., pág. 229, e Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano
110.°, pág. 213, em comentário ao acórdão deste Tribunal, de 18 de Maio de 1976.
Há que entender, sim, que não é possível, legalmente, a promessa de doação, não só porque
não é passível da regulamentação estabelecida para os contratos-promessa, designadamente, nos
artigos 442.° e 830.° do Código Civil, com especial relevo para a inadmissibilidade de se impor, ao
promitente-doador, a celebração do contrato de doação prometido, no caso de ela voluntariamente não
se prestar à realização desse contrato, pois que tal imposição brigaria com a característica fundamental
da doação, ou seja, o espírito de liberalidade, o animus donandi, inexistente quando «o autor da
atribuição cumpre, apenas, um dever jurídico, uma vez que tal espírito de «liberalidade implica a ideia de
generosidade ou espontaneidade, oposta à de necessidade ou de dever» - cfr. ob. cit., vol. lI, pág. 182
(edição de 1968).

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons. Ribeiro de Almeida) de 21.11.2006, no Pr.º 06A3608

I - É válida a promessa de doação. Mas uma coisa é a validade da doação e outra é a de saber
se a mesma é passível de execução específica, como determina o art. 830.º do CC.
II - A natureza da obrigação assumida pelo promitente opõe-se pela sua natureza à execução
específica.
III - Nos termos do n.º 2 do art. 452.º do CC, a lei proíbe a reserva de nomeação, entre outros,
nos casos em que é indispensável a identificação dos contraentes.
IV - Na doação, quer a pessoa do doador quer a pessoa do donatário têm que estar
determinadas.
V - No caso em apreço, da promessa de doação não consta o nome do donatário, atribuindo-se
a uma terceira pessoa a possibilidade de o vir a indicar, pelo que, a promessa de doação tem que se
considerar nula e de nenhum efeito.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

A) No tribunal de Família e Menores de ..., AA, intentou acção com processo ordinário contra
BB, pedindo que fosse proferida sentença equivalente ao negócio de doação.

Alega que o Réu prometeu a CC doar a quem esta indicasse metade de um prédio urbano,
tendo CC indicado a Autora como a beneficiária dessa doação. Como o Réu se recusa agora a efectuar
a doação prometida, a Autora pede que o tribunal profira sentença equivalente ao respectivo negócio de
doação.

B) Contestou o Ré afirmando que ião é admissível a execução específica do negócio prometido


e que não teve conhecimento da indicação da Autora como beneficiária da promessa, nem da marcação
da respectiva escritura e conclui pedindo a improcedência da acção.

A acção veio a ser julgada improcedente.

C) Inconformada com tal decisão dela apelou a Autora, mas sem êxito.

Recorre agora de Revista, concluindo assim:

a) O art. 949° nº 1 do Código Civil, invocado pelo douto aresto recorrido no sentido de não
considerar válida a promessa de doação assumida pelo Réu, tão somente proíbe que alguém atribua,
por mandato, a faculdade de designar a pessoa do donatário;
b) Sendo o mandato o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos
jurídicos por conta de outrem (art. 1157° do Código Civil) e não intervindo no documento da alínea B)
dos factos assentes, a pessoa a quem o Réu conferiu a possibilidade de indicar a pessoa do donatário,
a hipótese dos autos não cai na previsão do art. 949° nº 1 do Código Civil;

29
c) O referido documento apenas consiste numa promessa unilateral de doação através da qual o
Réu confere a outrem a possibilidade de nomear o respectivo beneficiário, o que tem acolhimento nos
art°s 452° e seguintes do Código Civil;
d) E nada obsta à exequibilidade específica de promessa de doação em que o próprio autor da
promessa declarou e aceitou expressamente tal possibilidade, como sucedeu in casu;
e) Deverá, pois, ter-se como válida a obrigação assumida pelo R, no documento da alínea B)
dos FA e a possibilidade da respectiva execução específica, imputando-se, consequentemente, ao douto
acórdão recorrido, a violação, por erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art°s 280°, 411°,
452°, 830°, 940° nº 1, 949° e 1157° do ÇC, que se espera sejam interpretados e aplicados nos termos
aqui propugnados.

Nas suas contra – alegações o Réu defende que a Revista deve ser negada.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

D) Os Factos:

I - Encontra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante


apresentação nº. 112, datada de 9 de Setembro de 2002 a aquisição a favor de DD, ora Réu, por
partilha em consequência de divórcio, do prédio urbano sito no lote 40 da Rua .... (antiga Rua ... em ...,
freguesia de São Domingos de Rana, descrito naquela Conservatória sob o nº 02724/021288 e inscrita
na matriz predial urbana da referida freguesia sob o arC 7840 (alínea S dos factos assentes).
II – Por documento escrito denominado "Promessa unilateral de doação" e datado de 6 de
Setembro de 2002, o Réu declarou prometer doar a quem for indicado por CC um meio do prédio
identificado em I (alínea B dos factos assentes).
Ill – No documento aludido em II consta:

"Esta promessa só se torna eficaz decorridos que sejam 12 meses sobe a presente data.
Indicado que seja o beneficiário da prometida doação ser-lhe-á licito, em caso de não outorga da
respectiva escritura, recorrer á execução específica da presente promessa" (alínea C dos factos
assentes).

IV - CC enviou ao Réu em 5-9-2003 uma carta registada com aviso de recepção que este
recebeu em data posterior, com o seguinte conteúdo:
"Nos termos e para os efeitos da promessa unilateral de doação por si subscrita em 6 de
Setembro de 2002, indico-lhe que a doação de --12da moradia sita no lote 40 da Rua ... (antes Rua...),
em ..., S. Domingos de Rana, descrito na 1 ° Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o nº
02724/021288, deverá ser feita a AA, residente no .... Santa Cruz das Flores.
Os actos de formalização da doação ficarão a cargo do Advogado Sr. Dr. ..., que oportunamente
lhe dará conhecimento do local, dia e hora fixados para a escritura pública" (resposta aos quesitos 1° e
2°).
V – Em 16 de Outubro de 2003, a Autora requereu a notificação judicial avulsa do R. no sentido
de lhe dar conhecimento da data, hora e local designados para a escritura (5 de Novembro de 2003, ás
17 horas, no 1 ° Cartório Notarial de Cascais), e por forma a que ele comparecesse no 1 ° Cartório
Notarial de Cascais a fim de a outorgar (resposta ao quesito 3°).
VI - Foi tentada a notificação com hora certa referida em V na morada constante do documento
referido II) que é a residência dos pais do Réu, a qual não foi efectuada devido ao Réu não se encontrar
presente na hora designada apesar da sua mãe o ter avisado dessa marcação (resposta ao quesito 4°).
VII – Em 3-11-2003, o mandatário da Autora enviou ao Réu uma carta registada com aviso de
recepção que este recebeu, com o seguinte teor, além do mais:

“... Visando evitar litígios judiciais, entendeu-se marcar nova data para a escritura - 20 de
Novembro pf, às 17 horas, no referido Cartório –, pelo que pela presente, aviso V.ª Exª da referida
marcação, devendo no acto declarar que se encontra assegurado o pagamento da dívida hipotecária
supra aludida, devendo confirmar-me até ao dia 17 de Novembro p.f. pelas 17 horas, por carta ou
telecópia, se comparecerá no dia designado, sem o que o respectivo silêncio será interpretado como
recusa de comparência, com as consequências daí decorrentes " (resposta aos quesitos 5° a 8°).
VIII – Em 19-11-2003, o Réu remeteu ao mandatário da Autora um fax com o seguinte conteúdo:

"Recebi a sua carta enviada a 3-11-2003 onde refere as preocupações da sua cliente quanto à
feitura de uma escritura de promessa de doação da parte que lhe couber após a venda da moradia sita
em ......

30
Ora como depreendo da sua carta uma ameaça velada de pressão e como na minha boa fé não
encontro razões para tal procedimento, é minha opinião não fazer, neste momento, qualquer tipo de
escritura ou outros actos, pois que o melhor mesmo será não levantar muitas ondas... " (resposta ao
quesito 9°).

IX – Em consequência do Réu e CC terem simulado a partilha do único bem imóvel que


integrava o seu património comum resultante do casamento entretanto dissolvido por divórcio,
adjudicando-o ao Réu na totalidade sem contrapartida para evitarem a sua penhora por credores de CC,
foi lavrado o documento referido em II) como forma de obrigar o Réu a posteriormente restituir a esta ou
a pessoa da confiança desta o direito a metade do referido imóvel de que ela era titular (resposta ao
quesito 10°).
X – O Réu não compareceu no 1 ° Cartório Notarial de Cascais no dia 5 de Novembro de 2003,
às 17 horas (alínea D dos factos assentes).

E) Decidindo:

Das conclusões das alegações de recurso, que delimitam o âmbito da sua apreciação, resultam
duas questões a resolver, por um lado a de saber se a promessa unilateral de doação para pessoa a
nomear é válida e a segunda é a de saber se sendo a mesma válida é possível a execução específica
da mesma. Aliás é este o pedido que a Autora formula.
As decisões das Instâncias são no sentido de que a promessa de doação é nula. Essa nulidade
resultaria do facto de a pessoa do donatário vir a ser determinada por outrem que não o doador.

Partem pois do disposto no Artigo 947 do Código Civil que:

1. A doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública.


2. A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando
acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser
feita por escrito.

Tem-se discutido na doutrina a admissibilidade do contrato-promessa de doação. Para alguns


autores, não seria este um negócio admissível em virtude de, por um lado se pôr em causa o requisito
de espontaneidade, que se considera dever presidir à doação e, por outro lado, a ser admissível
negócio, ele valeria logo como doação (cf. art. 954. ° c)), não sendo consequentemente, uma verdadeiro
contrato-promessa, além de que a promessa de doação poderia pôr em causa a proibição da doação de
bens futuro (art. 942).
A Doutrina tem sido no sentido de que é possível e válida a promessa de doação – cf. Eridano
de Abreu, “Da doação de direitos obrigacionais” em Dir 84 (1952), pp. 217-235 (226 e ss.), Vaz Serra
“Anotação Ac. STJ 18/5/1976” na RLJ 110 (1977), pp. 207-208 e 211-214, e BMJ 76; Antunes Varela,
“Anotação Ac. 16/7/1981”, em RLJ 116 (1983), pp. 30-32 e 57-64 (61 e ss,) Das Obrigações em Geral
Vol I 4ª Edição pág 275 e Pires de Lima/Antunes Varela Código Civil Anotado em anotação oa art. 940.
°, n.° 9, p. 240. Pronuncia-se também, embora com hesitação, em sentido afirmativo, Ana Prata «O
contrato-promessa e o seu regime civil», Coimbra, Almedina, 1995, pp. 305 e ss. (315)
Na Jurisprudência pode confrontar-se os Acórdão publicados no BMJ 361/ 515 e
J.R., Ano 13,pág. 537 e C.J., Ano XX, tomo 5, pág. 131.(entre outros)
Pela validade do contrato promessa de doação pronunciaram-se os Acórdãos de 410/01 da 6ª
Secção em que foi Relator o Conselheiro Afonso de Melo; e 407/01 da 1ª Secção em que foi Relator o
Conselheiro Pinto Monteiro; BMJ 309/283, este comentado por Antunes Varela na RLJ ano 116 página
61 e seguintes onde se afirma:
«Que, sendo uma atribuição solvendi causa “o contrato prometido não representa uma segunda
doação, mas não pode deixar de ser considerado uma disposição (ou atribuição) gratuita feita pelo
disponente a favor do beneficiário, visto ser efectuado sem nenhum correspectivo ou contraprestação
por parte deste”. Mas, “o facto de o contrato prometido (…) não constituir em si mesmo uma doação (por
falta do espírito de liberalidade, próprio da disposição donandi causa), não impede que ele integre uma
doação, visto que a sua causa (a relação jurídica subjacente) está no contrato-promessa marcada por
esse espírito de liberalidade’’.
Podemos assim concluir que é válida a promessa de doação.

Mas uma coisa é a validade da doação e outra é a de saber se a mesma é passível de execução
específica, como determina o Artigo 830 do Código Civil.

Efectivamente no sentido da não execução específica da promessa de doação válida é unânime


a Doutrina e a Jurisprudência, argumentando-se que « a sua natureza justifica que as partes conservem

31
a possibilidade de desistir do contrato definitivo até à celebração deste, embora incorrendo em
responsabilidade pelo incumprimento do contrato promessa» —- M. J. Almeida Costa, Direito das
Obrigações, pág. 279; ver também o que escreveu na RLJ, ano 118, págs. 24 e Seg. No mesmo sentido,
Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, pág. 286. Pode pois também concluir-se que a natureza da
obrigação assumida pelo promitente opõe se pela sua á natureza á execução específica.
Se o contrato promessa dos autos fosse válido, nunca o pedido formulado pela Autora poderia
proceder, uma vez que se pede que seja proferida sentença que produza os efeitos do contrato
prometido ou seja, pede-se a execução específica do contrato.

No caso em apreço a promessa de doação tem uma nuance que tem que ser analisada, da
mesma não consta o nome do donatário, atribuindo-se a uma pessoa a possibilidade de a vir a indicar.

Prescreve o Artigo 949 do Código Civil que:

1. Não é permitido atribuir a outrem, por mandato, a faculdade de designar a pessoa do


donatário ou determinar o objecto da doação salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 2182. °

2. Os representantes legais dos incapazes não podem fazer doações em nome destes.

«Repugna á natureza pessoal da doação e ao espírito de liberalidade que a caracteriza, que a


determinação do donatário seja confiada a um terceiro, assim como o requisito do animus donandi
justifica em princípio a nulidade da cláusula que remeta a um terceiro a determinação do objecto da
doação.» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol.II, pág. 271 (3ª ed.).
No caso dos autos essa incumbência foi atribuída a terceiros, pelo que a promessa de doação
tem que se considerar nula e de nenhum efeito.
E nem se argumente, como faz a recorrente que face ao disposto no Artigo 452 do Código Civil
tal é permitido.
Efectivamente esse preceito afirma:

1. Ao celebrar o contrato, pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro que
adquira os assuma as obrigações provenientes desse contrato.
Mas logo de seguida, o seu n.º 2 refere que:
2, A reserva de nomeação não é possível nos casos era que não é admitida a representação ou
é indispensável a determinação dos contraentes.
Anotando este número dois – Código Civil Anotado pág 434 Pires de Lima/ Antunes Varela –
ensinam que «Nos termos do n° 2 deste artigo, não é possível a reserva de nomeação, se desde logo se
deve conhecer o contraente ou se não é admitida a representação. Não é por exemplo, de admitir a
reserva no contrato de doação pelo menos em relação ao donatário. Este há-de ser desde logo
conhecido sob pena de não ter sentido a liberalidade».
Ao contrário do que afirma a recorrente, a doação é nula, como bem defenderam as Instâncias,
porquanto a pessoa do donatário tem que ser conhecida e por outro lado a lei proíbe a reserva de
nomeação, entre outros nos casos em que é indispensável a determinação dos contraentes. Ora na
doação que a pessoa do doador quer a pessoa do donatário têm que estar determinadas, com se deixou
explicado e dito.

F) Face ao exposto acorda-se em negar a Revista.


Custas pela recorrente.

Lisboa, 21 de Novembro 2006

Ribeiro de Almeida (Relator) Nuno Cameira Sousa Leite

- prestações periódicas - 943º - pagamento mensal das propinas ou da pensão


de um estudante. A doação extingue-se com a morte do doador.
- doação conjunta, feita a várias pessoas conjuntamente - 944º: salvo
declaração do doador em contrário, considera-se feita em partes iguais, sem direito de
acrescer entre os donatários, com regime especial - 944º, nº 2 - para o usufruto
constituído por doação.
- aceitação - 945º - também aqui, como em geral nos contratos, é necessária a
aceitação da proposta de doação para que o ciclo negocial se complete. Mas não se
aplicam aqui as regras do art. 228º: enquanto não ocorrer aceitação - e tem de sê-

32
-lo em vida do doador - 945º, nº 116 -, o doador pode livremente revogar a sua
declaração negocial - 969º - desde que observe as formalidades desta.

Tradição de coisa móvel doada (ou de título que a represente, p. ex., cheque)
equivale a aceitação (manual); se não houve tradição da coisa móvel (ou do título
representativo) nem aceitação no próprio acto, é indispensável escritura pública (ou
documento autenticado) para os imóveis e escrito para os móveis (947º) e
declaração, ao doador, de aceitação, sob pena de não produzir efeitos - 945º, nº
3.
Decidiu - R.ão do Porto, Ac. de 11.10.2001, na Col. Jur. 2001-IV-211:

I - As doações verbais de coisas móveis, no caso de dinheiro, não sendo acompanhadas do


levantamento do mesmo e da sua entrega imediata ao donatário, só são válidas se forem reduzidas a
escrito.
II - Consistindo a doação em dinheiro depositado à ordem em conta conjunta, de que eram co-
titulares a doadora e a donatária, não sendo o seu montante levantado em vida daquela, o que só
aconteceu após o seu falecimento, e não existindo qualquer documento escrito revelador dessa doação,
é esta nula por vício de forma.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Abílio Vasconcelos) de 27.5.2003, no Pr.º 03B1251:

DEPÓSITO BANCÁRIO
DOAÇÃO
TRADIÇÃO DA COISA

Sumário:
I - O depósito bancário constitui um depósito irregular, a que se aplicam as regras do
mútuo na medida em que sejam compatíveis com a função específica do depósito, mais as
normas do depósito que não colidam com o efeito real da transferência da propriedade do
dinheiro depositado.
II - O documento que corporiza a conta de depósito bancário representa o dinheiro que foi
objecto do depósito.
III - A "tradição", requisito essencial, na falta de documento escrito, para a validade de
doação de bem móvel (dinheiro) pode consistir na colocação pelo doador, na esfera do
beneficiário, da possibilidade de movimentar e dispor do documento representativo do valor do
dinheiro.

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Lucas Coelho), de 11.10.2005, no Pr.º 04B1464

DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTA CONJUNTA
CONTA SOLIDÁRIA
ÓNUS DA PROVA
PODERES DA RELAÇÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS

Sumário:
I - Nas contas bancárias conjuntas, a mobilização e disponibilidade dos fundos depositados
exige a simultânea intervenção da totalidade dos titulares, enquanto nas contas solidárias basta para o
efeito a intervenção de qualquer dos titulares, indistinta e isoladamente, subscrevendo cheques ou
acordos de pagamento, independentemente da autorização ou ratificação dos restantes; e isto,
independentemente de quem seja de facto e juridicamente o proprietário desses valores», ou seja, a
natureza solidária da conta releva apenas nas relações externas entre os seus titulares e o banco,
quanto à legitimidade da sua movimentação a débito, e nada tem a ver com o direito de propriedade das
quantias depositadas;
II - Nesta vertente as contas solidárias estão sujeitas ao regime da solidariedade activa
definido no artigo 512.º, n.º 1, Código Civil, cujo efeito predominante, nas chamadas relações externas»,

16
- No BMJ 445-458 entendeu-se que por não ter caducado o mandato com a morte do mandante, (art.
1175º) era válida a doação pelo mandatário e aceitação, perante este, pelo donatário, apesar de falecido
antes o doador (mandante)
33
entre os credores solidários e o devedor, é o de que cada um daqueles tem o direito de exigir deste a
prestação integral, sem que o devedor comum possa aduzir a excepção de que esta não lhe pertence
por inteiro;
III - Se, porém, o credor solidário viu o seu direito satisfeito para além do que lhe cabia na
relação interna entre os concredores, terá de satisfazer aos outros a parte que lhes pertence no crédito
comum, conforme explícita estatuição do artigo 533 - preceito simétrico do artigo 524 relativo ao direito
de regresso na solidariedade passiva. (artigo 533); e justamente com vista à determinação da parte dos
restantes credores nas relações internas se explica o artigo 516.º, e a presunção meramente iuris
tantum da participação proporcional nele desenhada;
IV - A presunção foi, todavia, ilidida no caso sub iudicio, uma vez ter-se provado que as contas,
de que a falecida era titular à data do acidente, foram constituídas com dinheiro dela, não comungando
consequentemente os parentes contitulares em qualquer quota da propriedade do dinheiro; pelo que,
em tais condições, havendo estes réus não obstante procedido ao levantamento da totalidade dos
depósitos ainda em vida da proprietária, devem agora restituir à sua herança indivisa a totalidade
dessas importâncias, nos termos do artigo 533.º;
V - Os réus recorrentes pretendem que as quantias depositadas lhes foram doadas pela autora
da sucessão, mas não se provou que esta, por espírito de liberalidade, tenha disposto gratuitamente das
aludidas quantias em seu benefício, elementos típicos do contrato de doação conforme o artigo 940.º do
Código Civil, cuja prova incumbia aos réus como factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito
de restituição (artigo 342.º, n.º 2).
VI - Aliás, os factos e circunstâncias que os recorrentes referem nas conclusões da alegação
constituem presunções e bases de presunções que induziriam interpretativamente os aludidos
elementos integradores do tipo legal da doação. Conforme, porém, a jurisprudência constante deste
Supremo Tribunal, estava vedado à Relação extrair as presunções em questão, relativamente a factos
seleccionados como tema da prova, que o julgador de facto em 1.ª instância deu, todavia, como não
provados.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
1. "A" e esposa B, residentes em Lisboa, coligados com C e marido D, residentes na freguesia
de Ceivães, concelho de Monção, instauraram no tribunal desta comarca, em 2 de Março de 2000,
contra:

1.ª "E", viúva, residente na freguesia de Ceivães, e os filhos desta,


2.os "F" e esposa, residentes na mesma freguesia;
3.os "G" e marido, residentes em França;
4.os "H" e marido, residentes na freguesia de Barbeita, concelho de Monção;
5.os "I" e esposa, residentes nesta mesma freguesia; e
6.os "J" e esposa, residentes na freguesia de Ceivães,

acção ordinária tendente a obter a restituição pelos réus à herança de K, falecida a 7 de


Dezembro de 1994, em consequência de acidente de viação ocorrido a 9 de Abril do mesmo ano, dos
montantes de contas bancárias identificadas nos autos das quais eram titulares a falecida e diversos
dos réus, que estes levantaram em Abril de 1994 e fizeram seus apesar de as respectivas quantias,
totalizando 11.139.779$00, pertencerem exclusivamente àquela.

Os autores A e C, e a ré E, eram irmãos de K e herdeiros legítimos desta, uma vez que a


mesma faleceu no estado de viúva, sem descendentes nem ascendentes, e sem testamento ou
qualquer outra disposição de última vontade.

As lesões sofridas por K no acidente de 9 de Abril de 1994 foram de tal forma graves que a
mantiveram ininterruptamente internada em estabelecimentos hospitalares do Norte, num estado
comatoso e de inconsciência, que a impedia de falar, ver, ouvir e movimentar-se, sendo-lhe a
alimentação inclusive ministrada por meio de sonda introduzida no nariz.

E nesta situação de absoluta incapacidade para reger a sua pessoa e administrar o seu
património, impeditiva de qualquer contacto com familiares, amigos, ou conhecidos, e com os próprios
bens, permaneceu a sinistrada sem alteração, desde a data do acidente até à sua morte em 7 de
Dezembro de 1994.

Pedem o reconhecimento da sua qualidade de herdeiros legítimos da falecida; de que os


dinheiros dos depósitos bancários pertencem à herança desta; e a consequente condenação dos

34
diversos réus a restituírem ao acervo hereditário, acrescidas de juros, essas quantias que
respectivamente fizeram suas.

2. Os réus contestaram, alegando que o dinheiro já não pertencia a K na altura da sua morte,
uma vez que o fora dividindo ao longo da vida pelos réus, através do sistema das contas conjuntas ou
autorizando que procedessem ao levantamento das mesmas. Procedeu a falecida deste modo por
manter uma relação mais próxima com os réus, que, de entre os familiares, sempre a ajudaram. Daí a
sua vontade de lhes doar essas quantias em forma de agradecimento.

Prosseguindo o processo os trâmites legais, veio a ser proferida sentença final, em 21 de Junho
de 2003, que julgou procedentes os pedidos formulados, condenando os réus em conformidade.

Apelaram os demandados, impugnando inclusive a decisão de facto - assim o entendeu a


Relação de Guimarães -, mas sem sucesso, tendo o mesmo tribunal negado provimento à apelação e
mantido na íntegra a decisão recorrida.

3. Do acórdão neste sentido proferido, em 10 de Dezembro de 2003, trazem os réus vencidos a


presente revista, formulando na alegação respectiva as conclusões que se reproduzem:

3.1. «Salvo o devido respeito por melhor opinião, resulta dos autos que a K quis doar, como
aliás doou, aos réus, as verbas depositadas nas várias instituições bancárias e na proporção em que
cada co-titular ou procurador intervinha no respectivo depósito;
3.2. «Resulta dos autos que a falecida além da sua irmã E tinha ainda vivos os irmãos A e C e
vários sobrinhos, filhos de irmãos pré-falecidos;
3.3. «No entanto os depósitos bancários só tinham como co-titulares ou procuradores a irmã E
e/ou os filhos desta. Sendo que nem todos eram procuradores ou co--titulares das mesmas contas;
3.4. «Daí se terá que normalmente concluir que a vivência e confiança da falecida passava
somente pelos réus. Pois de outro modo não existe justificação para das contas não constarem os
outros familiares;
3.5. «Até porque a irmã G morava mais perto da casa da falecida que a E ou seus filhos (alguns
deles emigrantes em França);
3.6. «Por outro lado se a razão de as contas não estarem tituladas somente pela falecida para
possibilitar o levantamento no caso de impossibilidade dela, chegaria mais um titular e naturalmente que
seria o mesmo;
3.7. «Também é verdade que a falecida sabia que quer os co-titulares quer os procuradores
podiam levantar o dinheiro aí depositado;
3.8. «Aliás não existe outra explicação normal e plausível para que numa conta sejam
procuradores cinco pessoas;
3.9. «Resulta assim, de todo o comportamento da falecida que o que ela pretendeu foi doar as
importâncias depositadas aos réus, e assim foi entendido pelos réus e seria por qualquer cidadão
comum;
3.10. Sempre ela o afirmou às vizinhas e aos próprios sobrinhos e irmã E;
3.11. «Como também era sabido que a falecida mantinha relações muito distantes com a
restante família;
3.12. «As instâncias, salvo o devido respeito, fizeram uma aplicação errada do direito,
nomeadamente não aplicando o disposto nos artigos 236.º, 238.º e 349.º todos do Código Civil e ainda o
disposto no artigo 668.º, n.° l, alínea c), do Código de Processo Civil.»

4. Contra-alegam os autores, pronunciando-se pela negação da revista e a condenação dos


réus em multa e indemnização como litigantes de má fé.

E o objecto do recurso, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz da


fundamentação da decisão recorrida, consiste em saber se os montantes das contas bancárias que os
réus levantaram em seu proveito lhes pertencem a eles como donatários das mesmas, ou pertencem
antes à herança da falecida, devendo a esta ser restituídas.

II
1. Rejeitando como dissemos a impugnação da decisão de facto pelos réus apelantes, que
apreciou criteriosamente, a Relação de Guimarães considerou assente a factualidade dada como
provada na 1.ª instância, para a qual, não impugnada e devendo aqui manter-se inalterada, desde já se
remete nos termos do n.º 6 do artigo 713.º do Código de Processo Civil.

35
Na perspectiva do presente recurso interessa, todavia, conferir elucidativo destaque aos factos
seguintes:

1.1. "K" faleceu em 7 de Dezembro 1994, no estado de viúva de L, sem descendentes nem
ascendentes, ou qualquer disposição de última vontade relativa aos bens, sendo seus herdeiros os
irmãos, entre os quais os autores A e C, a ré E, e diversos sobrinhos [alínea A) da especificação];
1.2. Os réus F, G, H, I e J são filhos da ré E e sobrinhos da falecida K [alínea B)];
1.3. K foi vítima de acidente de viação em 9 de Março de 1994 e, desde então até ao seu
falecimento, ininterruptamente, esteve internada em estabelecimentos hospitalares em estado
comatoso, incapaz e inconsciente [C)];
1.4. Por óbito de K, foi instaurado inventário facultativo, a requerimento da autora C, sendo
cabeça de casal a ré E, onde aquela acusou a falta de relacionação dos depósitos bancários da falecida,
acerca dos quais foram os interessados remetidos para os meios comuns [alíneas D) e E)];
1.5. À data do acidente de viação que a vitimou, a K era titular dos seguintes depósitos a prazo
[F)]:
1.º na agência de Monção do Banco ... o depósito n° 22 540 167/300, com o saldo credor de
4.143.337$00, que tinha como procuradores cinco sobrinhos seus, os réus F, G, H, I e J;
2.° na agência de Melgaço do Banco ... (actual BPI), o depósito n.° 73 103 540, com o saldo
credor de 513.062$00, solidariamente com os réus H, I e J;
3.° na agência de Monção do Banco .., o depósito n.° 22 222 722, de 178.707$00,
solidariamente com o réu F;
4.° na mesma agência, o depósito n.° 1 862 793, de 540.560$70, solidariamente com o mesmo
réu F;
5.º na mesma agência, o depósito n.° 1 897 371, de 335.593$60, solidariamente com o mesmo
réu F;
6.° na mesma agência, o depósito n.° 1 973 887, de 109.800$00, solidariamente com o mesmo
réu F;
7.° e, na mesma agência, o depósito associado à conta à ordem n.° 7 727 399 011, de 982
859$40, solidariamente com a ré E.

1.6. Esses depósitos foram efectuados com dinheiro da K [G)];


1.7. Os depósitos referidos na alínea F) foram levantados [H)]:

- o 1.º em 18 de Abril de 1994, pela ré G;


- o 2.º em 18 de Abril de 1994, pelos réus H, J e I, acrescido dos respectivos juros de 108$00;
- os 3.º, 4.º, 5.º e 6.º, em 11 de Abril de 1994, pelo réu F;
- o 7.º em 19 de Abril de 1994, pela ré E, acrescido dos juros, no total, de capital e juros, de
1.000.453$60.

2. A partir da factualidade descrita, considerando o direito aplicável, o acórdão recorrido,


confirmando a sentença da 1.ª instância, respondeu à questão há momentos definida como constituindo
objecto da revista no sentido de as quantias depositadas nos bancos não terem sido doadas pela
falecida K a sua irmã E e filhos.

E isto decerto no tocante ao depósito do Banco ..., em que os cinco réus sobrinhos apenas
intervinham nas contas como procuradores da tia, de forma que os actos por eles praticados, maxime as
movimentações da conta, deveriam sempre conformar-se adentro dos poderes de representação por ela
conferidos mediante as procurações, e produzindo enquanto tais os seus efeitos na esfera jurídica
própria da dona do negócio K (artigos 258.º e 262.º do Código Civil).

Mas, tão-pouco relativamente aos demais depósitos, em que os familiares demandados


participavam nas respectivas contas solidárias como contitulares, poderia falar-se de doações.

Desde logo, porque o dinheiro das contas pertencia à falecida, consoante se provou (supra, II,
1.6.), havendo a sentença por isso considerado ilidida a presunção estabelecida no artigo 516.º Em
segundo lugar, por não se ter provado qualquer animus donandi na constituição das contas solidárias,
cujo ónus probatório, impendente sobre os réus, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, restou incumprido
mercê das respostas não provado a todos os quesitos 1.º a 8.º da base instrutória.

Acresce, na perspectiva do artigo 947.º, sempre do Código Civil, que, não tendo as pretensas
doações sido feitas por escrito, o certo é que, consoante presunção extraída pela Relação dos factos
provados, a K não procedeu à entrega ou tradição das quantias pecuniárias em apreço aos réus seus
familiares (1).

36
3. Eis aí justamente, emanando das decisões das instâncias e por último do acórdão em revista,
a composição correcta do presente litígio.

3.1. Pode parecer que a solução seja menos discutível no caso da conta meramente com
procuração dos réus sobrinhos. Vejamos então paradigmaticamente as contas solidárias.

As modalidades e o regime das contas bancárias reflectem de algum modo os tipos de


depósitos subjacentes: v.g., a prazo ou à ordem, singulares ou colectivas (2).
Com efeito, em razão do número de titulares as contas bancárias podem configurar-se como
singulares ou colectivas, distinguindo-se na segunda espécie as contas conjuntas das contas solidárias
(3).
Nas contas conjuntas, a «mobilização e disponibilidade dos fundos depositados exige a
simultânea «intervenção da totalidade dos titulares», enquanto nas contas solidárias basta para o efeito
a intervenção de «qualquer dos titulares, indistinta e isoladamente, subscrevendo cheques ou acordos
de pagamento, independentemente da autorização ou ratificação dos restantes».

Interessa-nos em especial esta segunda modalidade, a que pertencem todas as contas


discutidas nestes autos, com excepção, como acabámos de ver, da conta no Banco ..., com os cinco
procuradores.

Pois bem. Na estrutura e funcionalidade da conta solidária, cada um dos titulares fica a ter, em
relação ao banco, «o direito de dispor, como entender, e unicamente com a sua assinatura, de todas as
somas ou valores em crédito da conta», podendo desta forma, «separadamente e sozinho, retirar a
totalidade ou parte das somas ou valores» (4). Basta, dito de outro modo, «a assinatura de apenas um
dos respectivos titulares para a sua movimentação e até mesmo para o seu encerramento». (5)

E isto, sublinha a doutrina que se vem acompanhando, «independentemente de quem seja de


facto e juridicamente o proprietário desses valores» (6).

Distinção esta - a de que a natureza solidária da conta «releva apenas nas relações externas
entre os seus titulares e o banco, quanto à legitimidade da sua movimentação a débito, e nada tem a ver
com o direito de propriedade das quantias depositadas» - constantemente salientada outrossim na
jurisprudência deste Supremo Tribunal (7).

Em síntese. As contas solidárias de que K era titular podiam ser movimentadas no todo ou em
parte pelos parentes contitulares isoladamente, tendo estes em face do banco devedor, nos termos
expostos, o direito de dispor delas como entendessem, desacompanhados da falecida, independen-
temente de ser esta ou algum daqueles o proprietário dos fundos existentes nas conta.

3.2. Nesta vertente estavam as mesmas contas, numa palavra, sujeitas ao regime da
solidariedade activa definido no Código Civil (8).

Na verdade, conforme o artigo 512.º, n.º 1, observa a doutrina, «o efeito predominante da


solidariedade entre credores é o de que cada um deles tem o direito de exigir a prestação integral, sem
que o devedor comum possa aduzir a excepção de que esta não lhe pertence por inteiro» (9).

E este é, com efeito, «o regime fundamental da solidariedade nas chamadas relações externas»
(10), entre o credor solidário e o devedor.

Se, porém, o credor solidário «viu o seu direito satisfeito para além do que lhe cabia na relação
interna entre os concredores, terá de satisfazer aos outros a parte que lhes pertence no crédito comum
(artigo 533.º)». «E nessa relação interna, presume-se que os credores solidários participam no crédito
em partes iguais (artigo 516.º).» (11)

A distinção, entre os dois planos, das relações externas e das relações internas, é, por
conseguinte, essencial na compreensão do sistema (12).

Repete-se. Se um dos credores receber toda a prestação, consoante é seu direito perante o
devedor, no regime próprio da solidariedade activa (artigo 512.º, n.º 1), ficando satisfeito «além da parte
que lhe competia na relação interna entre os credores», está então obrigado a satisfazer aos outros a
parte que lhes pertence no crédito comum, conforme explicita estatuição do artigo 533.º - preceito
simétrico do artigo 524.º relativo ao direito de regresso na solidariedade passiva.

37
E justamente com vista à determinação da parte dos restantes credores nas relações internas se
explica o artigo 516.º, e a presunção meramente iuris tantum da participação proporcional nele
desenhada.

3.3. A presunção foi, todavia, ilidida no nosso caso, uma vez que se provou que as contas, de
que a falecida era titular à data do acidente (supra, II, 1.5.), foram constituídas com dinheiro dela (supra,
II, 1.6.), não comungando consequentemente os parentes contitulares em qualquer quota da
propriedade do dinheiro.

E, em tais condições, havendo estes réus não obstante procedido ao levantamento da totalidade
dos depósitos ainda em vida da proprietária, devem agora restituir à herança indivisa de K a totalidade
dessas importâncias, nos termos do artigo 533.º do Código Civil, acrescidas dos juros em que também
vêm condenados.

Por maioria de razão, se é possível, estão obrigados a idêntica restituição do que levantaram do
Banco ..., acrescido dos respectivos juros, os réus com procuração sobre a conta aí constituída.

3.4. Pretendem ex adverso os recorrentes que as quantias depositadas lhes foram doadas pela
autora da sucessão.

No entanto, como as instâncias registaram, não se provou que a falecida, por espírito de
liberalidade, tenha disposto gratuitamente das aludidas quantias em benefício dos réus, elementos
típicos do contrato de doação conforme o artigo 940.º do Código Civil, cuja prova incumbia a estes como
factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de restituição (artigo 342.º, n.º 2).

Aliás, os factos e circunstâncias que os recorrentes referem nas conclusões da alegação


constituem presunções e bases de presunções que induziriam interpretativamente os aludidos
elementos integradores do tipo legal da doação.

Conforme, porém, a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, estava vedado à Relação
extrair as presunções em questão, relativamente a factos seleccionados como tema da prova, que o
julgador de facto em 1.ª instância deu, todavia, como não provados (13) - tais exactamente os factos
constantes dos quesitos 1.º a 8.º do questionário, como já referimos, com os quais as conclusões da
alegação se encontram em estreita afinidade.

Por isso que não se verifique, salvo o devido respeito, a violação dos preceitos citados na
conclusão 12.ª

4. Quanto à arguida litigância de má fé …

III
Na improcedência, por todo o exposto, das conclusões da alegação, acordam no Supremo
Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo pelos réus recorrentes (artigo 446.º do Código de Processo Civil).

Lisboa, 11 de Outubro de 2005


Lucas Coelho,
Bettencourt de Faria,
Moitinho de Almeida.
-----------------------------------------------
(1) Acerca das condições em que pode ter lugar a entrega ou tradição da coisa nas doações em
apreço, veja-se, tendo embora presentes especificidades do direito italiano, Alberto Trabucchi,
Instituzioni di Diritto Civile, 41.ª edizione, a cura di Giuseppe Trabucchi, CEDAM, Padova, 2004, págs.
200, 495/496, 548, 768.
(2) José Ibraimo Abudo, Do Contrato de Depósito Bancário, Instituto de Cooperação
Jurídica/Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Almedina, Coimbra, Junho de 2004, págs. 154
e segs., que por momentos se segue.
(3) Abudo, op. cit., págs. 157 e seguintes.
(4) Maurice Chapoutot, Les dépôts de fonds en banque, Paris, 1928, pág. 135, apud Abudo,
idem, págs. 157/158, nota 285.

38
(5) Aramy Dornelles da Luz, Negócios Jurídicos Bancários, São Paulo, Brasil, 1999, págs. 83/84,
apud Abudo, idem, pág. 159.
(6) José Maria Pires, Direito Bancário, vol. II, Lisboa , 1995, pág. 149, apud Abudo, idem, pág.
157.
(7) Citem-se a propósito os seguintes acórdãos: de 22 de Abril de 1999, revista n.º 251/99, 2.ª
Secção; 17 de Junho de 1999, agravo n.º 418/99, 2.ª Secção; 12 de Março de 2002, revista n.º 3484/01,
6.ª Secção; 3 de Junho de 2003, revista n.º 1615/03, 6.ª Secção; 14 de Outubro de 2003, revista n.º
2193/03, 1.ª Secção; 13 de Novembro de 2003, revista n.º 3040/03, 7.ª Secção; 16 de Novembro de
2004, revista n.º 3291/04, 1.ª Secção.
(8) Neste sentido anotam Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição
revista e actualizada, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Lda.,
Coimbra, 1987, pág. 529, que um «caso muito frequente de solidariedade activa é o dos depósitos
bancários feitos em nome de duas ou mais pessoas», «em que qualquer dos depositantes fica com a
faculdade de fazer levantamentos».
(9) Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª edição, revista e aumentada,
Almedina, Coimbra, Outubro de 2001, pág. 625.
(10) Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª edição, revista e actualizada
(Reimpressão), Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2003, pág. 753.
(11) Almeida Costa, op. cit., pág. 629.
(12) Veja-se, além dos autores citados nas notas 28 e 29, também Manuel de Andrade, Teoria
Geral das Obrigações, com a colaboração de Rui de Alarcão, Almedina, Coimbra, 1958, págs. 122 e
seguintes.
(13) Citem-se nesse sentido os seguintes arestos: de 21 de Setembro de 1995, «Colectânea de
Jurisprudência. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça», Ano III (1995), Tomo 3, págs. 15 e
seguintes; 30 de Outubro de 2002, revista n.º 3012/02, 7.ª Secção; 20 de Maio de 2003, revista n.º
1236/02, 1.ª Secção; 9 de Outubro de 2003, revista n.º 2536/03, 7.ª Secção; 18 de Dezembro de 2003,
revista n.º 3453/03, 2.ª Secção; 22 de Setembro de 2005, revista n.º 2668/03, 2.ª Secção.

- Doações por morte são, em geral, proibidas - 946º, nº 1 - e como tal nulas -
294º. Os casos ressalvados pela lei são

- as instituições de herdeiro ou legatário nas convenções antenupciais - 1700º,


nº 1, a) e b), as chamadas doações para casamento;
- doações por morte em que foram respeitadas as formalidades dos testamentos
(escritura pública e testemunhas instrumentárias - 67º do C. Not.), mas então
tais doações são havidas como disposição testamentária, sujeitas à livre
revogabilidade (2179º, nº 1) dos testamentos.

Forma da doação: 947º, n.º 1


I - Imóveis - escritura pública ou documento particular autenticado) - 80º, 1, C.
Not.

II - Móveis – 947.º, n.º 2


- se acompanhada de tradição (ou do título representativo, cheque, p. ex.)
não depende de qualquer formalidade;
- desacompanhada de tradição - escrito
A doação de móveis sem tradição necessita de ser feita por documento escrito,
sob pena de nulidade.

Se as partes posteriormente elaboram documento escrito de doação, embora reportando-se a


data anterior à da elaboração do documento, no qual ter-se-ia celebrado o negócio sem a formalidade
exigida, tal documentação não tem a virtualidade de confirmar um negócio anterior, com efeitos
retroactivos, mas apenas de renovação da celebração do negócio nulo, agora sem o vício que ditara a
sua invalidade, sem qualquer efeito retroactivo - Col. 99-IV-284

39
- doações entre casados: escrito, mesmo que acompanhada de tradição -
1763º, nº 1.

Capacidade activa - 948º e 949º; 1708º e 1709º, 1756º e 1700º (convenções


antenupciais); 123º, 127º, 1886º e 1893º, 1, c) e f) (menores); 156º, 160º, 257º, 149º
e 148º (interditos e inabilitados); 1681º a 1682ºB (cônjuges);

Tratando-se de doações mortis causa cada um dos cônjuges pode dispor dos
bens próprios e da sua meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições
impostas por lei a favor dos herdeiros legitimários, nos termos e com os efeitos
previstos no art. 1685º.

Art. 160º (Princípio da especialidade das pessoas colectivas); indispo-


nibilidade relativa - 2192º a 2198º por remissão do art. 953º - razões de ordem moral
e de liberdade de disposição.

Capacidade passiva - 950º a 952º; indisponibilidade relativa – 953º que


remete para os art. 2192º a 2198º

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º ARAÚJO BARROS), de 13.5.2004, no Pr.º 04B1452:

ENFERMEIRO
DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA
VÍCIOS DO CONSENTIMENTO
ANULABILIDADE

Sumário:
1. A referência do artigo 2194º do Código Civil ao enfermeiro reporta-se ao que tem a qualidade
legal de enfermeiro, não abrangendo quaisquer outras pessoas que, movidas por razões de amizade ou
de solidariedade, hajam prestado ao testador serviços e cuidados de enfermagem.
2. A estas pessoas, na medida em que possam ter conduzido e determinado o testador a
beneficiá-las no testamento, são aplicáveis as disposições relativas à anulabilidade resultante de vícios
de vontade ou de negócio usurário.

Efeitos das doações - 954º a 968º

Os efeitos essenciais das doações, constantes do art. 954º, permitem concluir


que a doação é um contrato de eficácia real, quoad effectum, pois a transferência da
propriedade ou da titularidade do direito verifica-se em consequência do próprio
contrato.
Salvo nos casos em que se presume a aceitação (art. 951º, nº 2), porque a
doação, como contrato que é, só fica perfeita com a aceitação, é com esta que se
produzem os aludidos efeitos da doação.
A doação de bens alheios é nula, mas o doador não pode opor a nulidade ao
donatário de boa fé - 956º, nº 1 - respondendo nos termos dos n.os 2 a 4.

Também é nula a doação de parte certa e determinada de bens comuns - 1408º


(compropriedade).

De entre as restrições aos efeitos da doação como translativa do direito de


propriedade plena sobre a coisa doada destacam-se:
- direito de reversão - 960º
- reserva do direito de dispor de coisa determinada ou
- reserva do usufruto, do direito de uso ou do direito de habitação - 958º e
- substituições fideicomissárias - 962º.

40
Nestas hipóteses de reserva - instituição de um regime especial de revoga-
bilidade das doações ou de redução do seu valor, ou cisão dos poderes inerentes ao
direito de propriedade - o doador reserva direitos que pode exercer por si só, sem
necessidade de qualquer colaboração ou cooperação por parte do donatário.
Na reserva há uma restrição de ordem jurídica ao direito que é doado.
Durante o período de tempo em que a reserva vigorar o direito é menos amplo do que
quando se achava na esfera jurídica do doador, está amputado de alguns dos poderes
que o integravam.
Cinde-se o direito de propriedade plena através da constituição de um direito
real menor. Estas restrições são de ordem jurídica.

Já o direito a certa quantia sobre os bens doados - 959º, nº 1, in fine - e os


encargos modais constituem restrições de ordem económica, simples direito de
crédito a favor do doador ou de terceiro: com a doação transferiu-se o direito real de
propriedade plena, todos os poderes reais inerentes ao que é doado ficam a pertencer
ao donatário que fica onerado com restrições de ordem económica, em termos de
direito de crédito.
Na doação com reserva constituiu-se um direito, de natureza real, do próprio
doador (ou do terceiro beneficiário) sobre a coisa doada. O doador ou o terceiro passa
a ser titular de um poder directo e imediato sobre a coisa doada). O donatário adquire
um direito real limitado ou menor, mas não assume qualquer obrigação (artigo 958.° do
Código Civil).
Na doação modal constituiu-se um vínculo de natureza obrigacional em que é
sujeito activo o beneficiário (o próprio doador ou terceiro) e sujeito passivo o donatário.
Nesta modalidade o donatário assume contratualmente uma obrigação de prestar
(artigo 963. ° do Código Civil).

Doações com encargos ou modais - 963º a 967º

Doação com encargos tanto é ... aquela em que o donatário se compromete a


dar ao doador ou a terceiro, durante certo prazo, uma quota-parte dos rendimentos da
coisa ou soma doada, como aquela em que o donatário de um prédio urbano se obriga
a pagar as dívidas do doador, a mandar rezar umas tantas missas por alma deste ou a
distribuir todos os anos certo bodo pelos pobres da freguesia.

Nos termos do Assento de 25.2.97, no BMJ 464-58 e ss, a cláusula modal a


que se refere o artigo 963.° do Código Civil abrange todos os casos em que é imposto
ao donatário o dever de efectuar uma prestação, quer seja suportada pelas forças do
bem doado quer o seja pelos restantes bens do seu património.

«O modo é mais do que a simples expressão de um desejo ou conselho. Tem


consistência jurídica; é seu conteúdo uma regulamentação acessória de interesses
inspirada no fim ou num dos fins mediatos do negócio jurídico (fim de carácter
oneroso) e nessa qualidade vincula, requer obediência e acatamento».

Por isso podem o doador ou seus herdeiros ou qualquer interessado exigir do


donatário ou dos seus herdeiros o cumprimento dos encargos, segundo os meios
coercivos facultados nos art. 817º e ss - 965º - como podem pedir (judicialmente) a
resolução da doação, fundada no não cumprimento dos encargos, quando esse
direito lhes seja conferido pelo contrato - 966º.

41
Frequentemente, pessoas de idade e sem herdeiros legitimários fazem doações
a amigos ou vizinhos com o encargo de o donatário cuidar do doador são como são,
doente como doente, ou seja, cuidar e alimentar o doador pelo resto da vida. Porque o
tratamento não é como pretendido pelo doador ou porque aparecem familiares ou
herdeiros (não legitimários) do doador a querer herdar, surgem acções a pedir a
resolução da doação por não cumprimento dos encargos.

DOAÇÕES
Cláusula modal
Resolução do contrato
Ac. STJ de 9.2.1999 Col. Jur. STJ 99-I-94

I - A cláusula modal é uma cláusula acessória típica dos negócios gratuitos, divergindo o
seu regime consoante seja estabelecida em testamento ou doação.
II - A doação modal é uma modalidade de doação que se caracteriza pela imposição ao
donatário de uma obrigação ou de um ónus, acessório da liberalidade e que, sem ter a natureza
de contraprestação, limita o seu valor.
III - Sendo a doação modal, a aceitação que a lei exige, em regra, nas doações, há-de
abranger não só a liberalidade como também o próprio encargo que a limita, para que o donatário
possa ficar a saber ao que se obriga. E tal só pode acontecer se do contrato constarem os
titulares do direito do pedido de resolução por incumprimento dos encargos.
IV - Nada constando do contrato de onde se possa retirar que o doador tenha querido
atribuir aos seus herdeiros tal direito de resolução, não assiste a estes o direito de pedi-la.

Alfredo Francisco fez doação aos RR desta acção, com reserva do usufruto para si, da fracção
autónoma designada pela letra "N", correspondente ao terceiro andar, frente, do prédio urbano, em
regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa.
d) - esta doação foi feita pelo Alfredo Francisco "com o encargo dos donatários manterem em
bom estado de limpeza a residência dele, doador, bem como as suas roupas pessoais e da casa e,
ainda, de o assistirem, em caso de doença, e ainda de pagar as respectivas despesas provenientes de
luz, água, contribuições e de condomínio".
e) - Nesta escritura, "ele, doador, reserva o direito de pedir a resolução da doação, se estes
encargos não forem cumpridos".
f) Os donatários declararam, na escritura referida, "que aceitam esta doação".

2. - O art. 966º do C. Civil estabelece: "o doador, ou os seus herdeiros, também podem pedir a
resolução da doação, fundada no não cumprimento de encargos, quando esse direito lhes seja
conferido pelo contrato".
Esta norma tem redacção diferente no art. 25º do articulado proposto pelo Prof. Pires de Lima e
que era a seguinte: “a resolução da doação pelo não cumprimento de encargos também pode ser
pedida pelo doador ou pelos seus herdeiros, mas somente quando prevista no contrato".
Esta redacção manteve-se no Anteprojecto, 1ª e 2ª revisão ministerial, apenas com a alteração
da epígrafe, a qual, era "condição resolutiva tácita" no articulado e na 1ª revisão ministerial e passou a
ser "resolução da doação" na 2ª revisão ministerial.
Não parece que a inclusão do pronome pessoal Ihes tenha a finalidade de apenas referenciar
no texto "a pluralidade dos sucessivos titulares na perspectiva do seu (do direito) exercício", como se diz
no douto Acórdão. Seria inútil, uma vez que:
a) a pluralidade dos titulares estava enunciada no inicio da norma;
b) a sucessão na titularidade do direito era óbvia - os herdeiros só podiam pedir a resolução do
contrato no caso de o doador não ter exercido esse direito; pedida e obtida a resolução pelo doador,
estava realizado o interesse do titular do direito, o direito tinha cumprido a sua função, preenchido o seu
fim, o interesse a que se destinava extinguira-se.
Portanto, a inclusão do pronome pessoal lhes no art. 966º não pode ter o escopo avançado na
decisão recorrida.
E também não parece que, tenha ou não sido razão determinante da doação a cláusula modal, o
incumprimento dos encargos, leve automaticamente (como parece entendimento do douto Acórdão
recorrido) a não subsistência da doação.
A ser desta forma, a cláusula modal não passaria de uma condição resolutiva tácita, visto que a
resolução se traduziria, ao fim e ao resto, num direito inerente ao incumprimento - art. 801º.
E não podia entender-se que o fosse. Mesmo a ser condição resolutiva, a redacção proposta
pelo Prof. Pires de Lima, mantida no Anteprojecto, impunha a sua previsão expressa no contrato de

42
doação. Assim acontecia também no parágrafo quarto do art. 793º do C. Civil Italiano. E não era tão
certo assim que esta norma dispensasse a previsão expressa do direito de Resolução para os herdeiros
do donatário.
A questão específica que nos é colocada (que não encontrámos tratada na doutrina e na
jurisprudência) impõe considerações mais alargadas no sentido de determinar o verdadeiro sentido e
alcance do art. 966º.

3. - A) - A cláusula modal é uma cláusula acessória típica dos negócios gratuitos.


O seu regime difere, conforme seja estabelecida em testamento ou em doação. Como nem
podia deixar de ser, uma vez que o testamento com encargos é um negócio unilateral, revogável, não
receptício, pelo qual uma pessoa dispõe dos seus bens ou de parte deles para depois da morte - art.
217º, nº 1; enquanto que a doação modal tem por fonte um contrato - art. 940º. De comum o testamento
com encargos - art. 2244º - e a doação modal - art. 966º - têm as características da pessoalidade e da
gratuitidade.
Esta diversa natureza é que explica.
a) - a não coincidência da legitimidade substantiva para pedir a resolução do testamento e da
doação celebrados sub modo;
b) - a diversidade de efeitos.
Efectivamente, pelo que respeita a legitimidade substantiva, no testamento a resolução, por
incumprimento do encargo, pode ser pedida por qualquer interessado, e pode ser pedida, quer no caso
de o testador assim o ter determinado, quer no caso de ser “lícito concluir do testamento que a
disposição não teria sido mantida sem o cumprimento do encargo" - nº 1 do art. 2248º.
Quer dizer, qualquer pessoa pode pedir a resolução por incumprimento dos encargos, desde
que prove ter interesse em fazê-lo, esse pedido pode ter por fundamento também a vontade presumível
conjectural do testador.

Nas doações não é assim, a resolução só pode ser pedida pelo próprio doador ou seus
herdeiros e desde que expressamente prevista no contrato de doação - art. 966º.

b) - Quanto a diversidade de efeitos, temos que, enquanto a resolução do testamento mantém,


em regra, os encargos, apenas mudando a pessoa obrigada a satisfaze-los, que deixa de ser o
beneficiário do testamento para passar a ser o beneficiário da resolução - nº 2 do art. 2248º - na doação,
a resolução destrói o próprio negócio jurídico da doação a que a cláusula incumprida foi aposta.

B) - A resolução prevista no art. 966º é uma resolução necessariamente judicial - doador, ou


seus herdeiros, também podem pedir a resolução da doação", diz este preceito.
"A solução da resolução auctoritate judicis explica-se pelo carácter especial do modo que não
afecta a essência da liberalidade, podendo o doador querer manter esta, mesmo que o modo não tenha
sido cumprido".
A expressão “também" apenas quer significar que o doador, ou os seus herdeiros. podem pedir
a resolução do contrato de doação para além de poderem fazer o pedido de cumprimento dos encargos
facultado no art. 965º. Destina-se, pois, a fazer a ligação desta norma à anterior, sendo certo que, se for
pedido o cumprimento dos encargos, não pode ser pedida a resolução da doação - os efeitos excluem-
se.
O pronome "lhes" referencia necessariamente o doador e os herdeiros. É ponto indiscutido
(acertado na doutrina e na jurisprudência) que o próprio doador não pode pedir a resolução da doação
modal se não tiver reservado para si este direito potestativo no contrato.
E daqui poderíamos concluir logo que, se o doador não tem o direito de pedir a resolução da
doação sub modo sem tal direito estar previsto no contrato, por maioria de razão o não têm os seus
herdeiros no caso de não se inferir do contrato que o doador lhes o concedeu.

É que, face ao disposto no art. 966º, podem configurar-se três situações:


a) - o doador reserva para si apenas o direito de pedir a resolução.
b) - o doador reserva o direito de pedir a resolução apenas para seus herdeiros.
c) - o doador reserva o direito de pedir a resolução para si e para seus herdeiros, e naturalmente
que, dando-se esta última hipótese, os herdeiros só podem exercer o direito depois da morte do doador.

O direito de os herdeiros pedirem a resolução da doação modal por incumprimento dos


encargos tem de lhes ser atribuído expressamente no contrato para que eles estejam substantivamente
legitimados a fazê-lo. Parece ser deste entendimento A. Vaz Serra quando escreve. "a resolução
prevista no art. 966º não produz ipso jure os seus efeitos (como os produziria uma condição resolutiva -
art. 276º), tendo de ser pedida pelo seu titular (como diz o art. 966º) decretada pelo tribunal”.

43
A própria natureza do contrato exige que seja como se disse.
A doação modal pode ser definida: - "é a modalidade de doação que se caracteriza pela
imposição ao donatário de uma obrigação ou de um ónus, acessório da liberalidade e que, sem ter a
natureza de contraprestação, limita o seu valor".
Sendo a doação modal uma modalidade do contrato de doação, naturalmente que a aceitação,
que a lei exige, em regra, nas doações, há-de abranger não só a liberalidade como também o próprio
encargo que a limita. Até pela simples razão de que o encargo constitui, para o donatário. uma
verdadeira obrigação, uma obrigação em sentido técnico. O donatário tem de saber, pois, ao que se
obriga. Tal só pode acontecer se do contrato constarem os titulares do direito do pedido de resolução
por incumprimento dos encargos.
E isto que nos parece querer dizer Maria do Rosário P. Ramalho, quando escreve: no nosso
entender, o direito de resolução tem de ser retirado da interpretação dos termos do contrato,
procurando-se a vontade das duas partes contratantes e não apenas o animus do doador. É que nos
parece que, quando o legislador se refere ao facto de o direito ser «conferido pelo contrato», está a
pensar na convenção entre as partes, no acordo que ambas manifestaram em relação a cada cláusula
contratual. E, mesmo que diga que, no contrato de doação, a vontade do doador prevalece sobre a do
donatário, a verdade é que este ultimo aceitou a doação e o encargo qual tale, isto é, nos exactos
termos expressos no contrato".
No contrato de doação celebrado entre o falecido Alfredo Francisco e os ora RR. e Recorrentes,
nada consta, sequer, de onde se possa retirar que o doador tenha querido atribuir à ora A. e Recorrida o
direito de pedir a resolução do contrato por incumprimento dos encargos.
E tinha de constar para o contrato poder ser interpretado no sentido de que nele estava tal
direito conferido à Recorrida, atento o disposto no art. 238º.
Parece-nos, por tudo isto, que à A. e ora Recorrida Lucinda de Magalhães não assiste o direito
que pretende fazer valer na presente acção.
Nestes termos, a decisão recorrida não pode ser mantida.

Ver Ac. da Relação de Coimbra, de 31.3.1998, na Col. Jur. 1998-II-38:

DOAÇÕES
Revogação e resolução
Fundamentos
Questão nova

I - A revogação da doação implica a destruição da relação contratual, podendo ocorrer


por vontade do doador dada a ingratidão do donatário; a resolução também consiste na
destruição do contrato, fundada num facto posterior à sua celebração por incumprimento de
cláusulas modais.
II - Sendo o contrato formal as cláusulas modais têm de ser expressas no contrato para
fundamentarem a resolução.
III - Com fundamento para a revogação por ingratidão por recusa de alimentos, torna-se
necessária a obrigação de prestá-los por acordo ou decisão judicial.
IV - Invocada só nas alegações para a Relação a anulabilidade da doação, esta não é
cognoscível.

A revogação da doação está prevista nos art.s 969º a 980º do C. Civil (a que pertencerão as
normas subsequentemente citadas sem indicação de proveniência). Assim, e porque estamos perante
um contrato de doação, com aceitação por parte dos donatários (vide escritura pública junta a fls. 8 a 11)
e não mera proposta, pode a doação ser revogada por ingratidão quando o donatário se torne incapaz,
por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se verifique alguma das ocorrências que justificam a
deserdação.
É o art. 2034º que estabelece taxativamente as hipóteses de incapacidade sucessória por
indignidade. Assim, carecem de incapacidade sucessória, por motivo de indignidade:
a) O condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra
o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adoptante ou adoptado;
b) O condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas,
relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos, qualquer que seja a sua
natureza;
c) O que por meio de dolo ou coacção induziu o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar
o testamento, ou disso o impediu;
d) O que dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu o testamento, antes ou
depois da morte do autor da sucessão, ou se aproveitou de algum desses factos.

44
Por outro lado, as situações justificativas da deserdação estão contempladas no art. 2166º, ou
seja, o autor da sucessão pode em testamento, com expressa declaração da causa, deserdar o herdeiro
legitimário, privando-o da legítima, quando se verifique alguma das seguintes ocorrências:
a) Ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra algum
descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime corresponda pena superior a
seis meses de prisão;
b) Ter sido o sucessível condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as
mesmas pessoas;
c) Ter sido o sucessível, sem justa causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os
devidos alimentos.

Estes são, pois, os pressupostos legalmente previstos que legitimam o doador a requerer em
tribunal a revogação da doação, revogação que não opera «ipso jure» ou «ope legis». A figura da
revogação da doação é completamente distinta da figura da resolução da doação, encontrando esta a
sua previsão no art. 966.º, e que, tal como aquela, terá de ser requerida em tribunal para produzir os
seus efeitos.
Enquanto a revogação do negócio consiste numa destruição voluntária da relação contratual
pelos próprios autores do contrato, ou por acordo de ambos os contraentes ou então por vontade de
apenas um deles. Em princípio, a revogação apenas projecta para o futuro os seus efeitos.
A resolução contratual, porém, também consiste numa destruição do negócio, mas fundada na
verificação de um facto posterior à sua celebração. Em princípio, a resolução destrói retroactivamente os
efeitos do contrato, regressando os contraentes ao status quo ante. (veja-se, a este respeito, Das
Obrigações em Geral, vol. 2˚, p. 242 e segs, 3ª edição, do Prof. Antunes Varela e Das Doações, p. 108 e
segs. de Manuel Batista Lopes).
A resolução da doação apenas pode ocorrer por incumprimento dos encargos das doações ou
das cláusulas modais por parte do donatário que a esses encargos ficou adstrito (ut art. 966º). A
resolução, quanto aos seus efeitos, tal como já vimos opera ex tunc - retroactivamente -, equiparando-
-se à nulidade e anulabilidade (art. 433º em conjugação com o art. 289˚), com ressalva do disposto nos
arts. 434˚ e 435˚.
A revogação da doação, no tocante à projecção dos seus efeitos entre as partes tem o seu
regime específico previsto no art. 978º e relativamente a terceiros dispõe o art. 979º.
A resolução da doação que se baseia exclusivamente no inadimplemento dos encargos
modais, só pode ser requerida pelo doador, ou seus herdeiros, quando esse direito seja conferido pelo
contrato de doação (art. 966˚).
Tendo em conta que esse direito de resolução não foi exarado no contrato, nem sequer foi
alegado que era essa a vontade da doadora para a hipótese de incumprimento dos encargos. Deste
modo, e como corolário lógico, é despiciendo perscrutar se a presente doação foi onerada com
encargos, uma vez que o seu inadimplemento apenas pode basear a resolução e já não a revogação.
Os encargos configuram-se com simples limitações ou restrições à prestação do disponente
(liberalidade) - tornando-a mais moderada - e não como seu correspectivo (Cfr. Prof. Antunes Varela, in
Ensaio sobre o Conceito e o Modo e Batista Lopes, obra citada, p. 112).
Os encargos não passam, assim, de uma cláusula acessória típica por virtude da qual nas
doações e nas liberalidades testamentárias - senão porventura noutros negócios gratuitos - o autor da
liberalidade impõe ao respectivo beneficiário a obrigação de adoptar um certo comportamento (dar ou
não dar, fazer ou não fazer alguma coisa), no interesse do próprio disponente ou no interesse de terceiro
ou do próprio beneficiário. (vide Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. 2˚, p. 393, de Manuel de Andrade
e a obra citada de Batista Lopes, p. 108 e segs.) Não integram os elementos essenciais, os requisitos
necessários para a validade do negócio gratuito onde podem ser apostas.
Do acervo factual provado apenas se extrai que os RR. - donatários - mediante a doação
prometeram à Autora, a ajuda material e moral necessária, fazer-lhe uma cozinha, arranjar o
aquecimento da casa, bem como outros arranjos e auxiliá-la na sua solidão, não a perturbando. Inexiste
qualquer imposição por parte da doadora.
Mas mesmo que se configurassem como encargos para os RR., todavia, como estipulações
verbais acessórias contemporâneas do contrato de doação, não obstante, e a nosso ver, não sujeitas à
forma exigida para o contrato de doação (art. 221º, nº 1), a sua existência não podia ser feita através de
prova testemunhal (art. 394º, nº 1). Mas, se bem se atentar, a Autora jamais peticionou a resolução da
doação, mas antes a sua revogação, não relevando os encargos modais para efeitos de revogação. O
inadimplemento culposo dos encargos apenas legitima a que seja exigido o seu cumprimento (art. 965˚)
ou então a resolução da doação (art. 966˚), sendo incorrecto, à face da lei, buscar apoio no
incumprimento dos encargos modais para pedir a revogação, qualificando tal incumprimento como
ingratidão do donatário, uma vez que, como já dissemos, a revogação por ingratidão tem um substrato
factual taxativamente fixado, não sendo imperiosa a estipulação de encargos modais (art. 974˚).

45
É manifesto que os donatários, não podem ser reputados por indignos, face à previsão do art.
2034º e art. 2166º, nº 1, alíneas a) e b), acima explicitados.
A Autora, ora Apelante, defende, contudo, na conclusão 17ª, que os RR., ora Apelados, sem
justa causa, não lhe prestaram os devidos alimentos. Ora, a noção de alimentos consta do art. 2003º,
tendo direito a alimentos a pessoa que não pode prover ao seu sustento, incluindo neste tudo o que for
necessário, não apenas à alimentação, mas também ao vestuário e habitação do necessitado (A.
Varela, Dir. de Família, p. 69).
Estabelece o art. 2011˚, nº 2 que sobre o donatário recai a obrigação de alimentar o doador
segundo a proporção dos bens doados. Compulsando a factualidade provada, em parte alguma se vê
que a doadora tenha pedido alimentos aos donatários ou mesmo que a mesma esteja carecida de
alimentos e impossibilitada de prover à sua própria subsistência. Aliás, como acertadamente vem
salientado da douta decisão impugnada, o doador não pode pedir se decrete a revogação da doação
com base na recusa da prestação de alimentos pelo donatário, se este não está obrigado a prestá-los
por acordo ou decisão judicial (ut acórdãos da Relação do Porto, in C.J. 1988, 2˚, p. 194 e desta
Relação, in C.J. 1991, 4˚, p. 125).
Sem dúvida, que a conduta dos RR., face aos factos vertidos na decisão recorrida é censurável,
e «ingrata» no plano moral, devendo ajudar a Autora, conforme prometeram. Todavia, a conduta dos
RR. é irrelevante para efeitos da ingratidão prevista na lei (art. 974˚), pelo que incontroverso se torna
que não é cabida a pretendida revogação da doação por ingratidão dos RR. donatários.
Improcedem, destarte, as conclusões 1ª a 6ª da alegação.

III - 2) - Queremos, agora, de dilucidar a 2ª questão acima equacionada.


Vem colocada tal questão nas conclusões 7ª a 15ª. Vê-se que a Autora, apenas, nesta instância
alega a anulabilidade da doação com fundamento em erro que atinge os motivos determinantes da
vontade quanto à pessoa dos donatários, dizendo que «se a doadora tivesse previsto que os donatários
não iriam respeitar as cláusulas de tal acordo, os encargos modais, atrás referidos, não lhes teria dado o
imóvel identificado nos autos, o que é, e foi, do inteiro conhecimento destes.». A este respeito, diga-se,
desde já, que a anulabilidade terá de ser requerida pelo interessado (art. 287˚, n˚ 1), não sendo de
conhecimento oficioso pelo tribunal, pelo que estava vedado ao Tribunal recorrido dela conhecer porque
aí não arguida (cfr. Ac. deste Relação, de 11/06/86, in CJ 1986, 3˚, p. 67). E, como é por demais sabido,
e vem sendo com frequência e uniformemente dito na jurisprudência, os recursos não servem para neles
se suscitarem questões novas, só devendo reapreciar as questões resolvidas no tribunal «a quo» a não
ser que sejam de conhecimento oficioso (veja-se, entre muitos outros, os Acs. do STJ, publicados no
BMJ 364, p. 714 e 849, 372, p. 385, 373, p. 462, AJ 17˚, p. 15, Acórdãos Doutrinais 355˚, p. 934).
É certo que o Julgador é livre no tocante à qualificação jurídica dos factos articulados pelas
partes e que venham a considerar-se provados, não podendo, contudo, alterar a causa de pedir. Não
está o Julgador sujeito às alegações das partes relativamente à indagação, interpretação e aplicação
das regras de direito.
Mas a Autora, no caso vertente, não alegou nos seus articulados, e não apresentou como causa
de pedir, factualidade consubstanciadora da anulabilidade, agora, defendida, decorrente de vontade
viciada por erro aquando da celebração do contrato de doação acerca das qualidades pessoais dos
donatários, ou seja, como agora alega, a Autora não teria feito a doação se tivesse previsto que os
donatários não iriam cumprir os encargos ou que a cláusula modal foi causa impulsiva da doação e,
ainda, que o motivo sobre que incidiu o erro era reconhecido, ou não devia ser ignorado, como essencial
pelos donatários (arts. 251˚ e 247˚).
A Autora, na sua petição, apenas aduziu factualidade que, na sua óptica, era conducente ao
pedido de revogação, figura completamente diversa quer da anulabilidade quer da resolução do
contrato. Aceita-se, contudo, como diz a Apelante, que os motivos determinantes da vontade não têm de
constar do contrato escrito ou da escritura e o erro sobre os mesmos pode ser demonstrado através de
quaisquer meios de prova.
Simplesmente, repete-se, a causa de pedir e a atinente factualidade invocada nesta acção, nada
tem a ver com a vontade viciada da Autora por erro sobre as qualidades pessoais dos RR que eram
determinantes para a declaração daquela.
Não podem, pois, merecer acolhimento os argumentos vertidos nas doutas conclusões 7ª a 15ª
enquanto visam sustentar que a doação analisada é anulável.
Em suma, a douta decisão sob recurso não merece qualquer censura, tendo feita correcta
interpretação e aplicação da lei, não infringindo as normas apontadas pela Apelante ou mesmo
quaisquer outras».

Diferentemente se passam as coisas na revogação – 970º e 974º - que,


excluída nas situações previstas no art. 975º, pode ser judicialmente decretada (na

46
falta de acordo de doador e donatário) por ingratidão do donatário, ingratidão não no
sentido corrente ou moral, mas sim quando se verifiquem os pressupostos da
indignidade (art. 2034º) ou deserdação (2166º).

Acórdão STJ, Processo nº 073987, de 23/10/86:

I - A doação pode ser revogada por ingratidão, quando o donatário se torne incapaz, por
indignidade de suceder ao doador, ou quando se verifique alguma das ocorrências que justificam a
deserdação - artigos 2034, 2166.
II - A revogação por indignidade pode fundamentar-se em os donatário deixarem de prestar ao
doador os devidos alimentos e o conveniente tratamento17.
III - Entende-se por alimentos, tudo o que e indispensável ao sustento, habitação e vestuário,
devendo eles ser proporcionados aos meios daquele que houver de presta-los e a necessidade daquele
que houver de recebê-los.
IV - O não cumprimento de encargos da doação conduz, não a revogação mas a resolução da
mesma doação quando este direito seja conferido ao doador no contrato.
V - A revogação de um contrato não se confunde com a resolução deste, pois, enquanto a
resolução tem, em regra, eficácia retroactiva (ex tunc), a revogação pode não a ter, operando só para o
futuro.

O art. 969º, 1, regula a revogação da proposta, não da doação. A perfeição da


doação depende de aceitação - salvo as doações puras a incapazes - 951º, nº 1 - pelo
que e contra o regime geral dos negócios jurídicos (art. 230º, nº 1), a proposta de
doação é revogável enquanto a doação não for aceita, mas também não caduca -
969º, nº 2 - pelo decurso dos prazos a que se refere o art. 228º: o doador não pode
impor, eficazmente, ao donatário um prazo para a aceitação. Se quiser evitar que a
doação se torne efectiva e irrevogável precisa, em qualquer caso, de a revogar, com
observância das formalidades da proposta».

Prazo (de caducidade) e legitimidade para a acção de revogação e efeitos


desta - 976º a 979º

Doações para casamento - 1753º a 1760º - e entre casados - 1761º a 1766º.


Deve notar-se que as doações para casamento, apesar do regime especial-
mente favorável que as caracteriza, estão sujeitas a redução por inoficiosidade
(2168º) nos termos gerais (art. 1759º), pois a doação é um contrato feito sempre com
a condição de não ofender a legítima dos herdeiros do doador e, por isso, sujeita a
redução quando o valor do benefício excede a legítima do donatário e a quota
disponível do doador (2168º).
Além de encargos pode o doador sujeitar a doação a condição suspensiva ou
resolutiva, mas tanto os encargos como as condições hão-de ser conformes à lei.
Porém, ao contrário do que acontece no regime estatuído no art. 271º - a
nulidade resultante da condição ilícita inquina todo o negócio - nas doações e por força
do art. 967º, as condições ou encargos impossíveis ou ilícitos ficam sujeitos às
regras estabelecidas em matéria testamentária, ou seja, ao regime dos n.os 1 e 2 do
art. 2230º (ver art. 2232º a 2234º).

Por remissão do art. 953º, são nulas as doações nos mesmos casos em que o
são as deixas testamentárias - 2192º a 2198º.

COLAÇÃO (2104º a 2118º 18)

17
- art. 2166º, c), CC. Desde que os alimentos tenham sido (judicial ou extrajudicialmente) fixados – Col.
Jur. 1991-IV-124.
18
- Parecer do Prof. Capelo de Sousa, na Col. Jur. (STJ) 2001-III-15.
47
Colação - 2104º, 1 - é a restituição que, para igualação da partilha, os
descendentes que queiram entrar na sucessão do ascendente têm de fazer à massa
da herança, dos bens ou valores que lhes foram doados por este.

O fundamento da colação está na vontade presumida do de cuius que, ao


fazer a doação a um dos seus descendentes, não terá querido avantajá-lo em face dos
outros; segundo a vontade presumida do doador e autor da sucessão, a doação terá
sido mera antecipação da quota hereditária do donatário e não propriamente
antecipação da legítima, pois a doação que exceda a legítima também deve ser
conferida nesse excesso, até onde for possível realizar a igualdade na partilha.
Em caso de repúdio (para fugir à colação) o repudiante não tem que trazer à
colação os bens doados, sem prejuízo de a doação poder vir a ser reduzida por
inoficiosidade19.

Quando assim sucede, a lei pressupõe que o pai ou a mãe, ao doarem


quaisquer bens ou valores a um de dois ou mais filhos, em vez de o quererem
distinguir dos outros, quiseram apenas, pressionados pelas necessidades pessoais e
especiais da vida dele, fazer-lhe uma espécie de adiantamento por conta da quota
hereditária que, em regime de igualdade, projectam deixar a todos os filhos20.

Só os descendentes que à data da doação eram presuntivos herdeiros


legitimários do doador estão obrigados à colação - 2105º.

Se a doação foi feita ao neto depois da morte do pai, ou se o neto sucede em


representação do donatário seu pai, está esse neto e representante obrigado à
colação enquanto donatário do que lhe foi doado depois da morte do pai e também do
que foi doado ao pai - 2106º e 2062º.
Não terá que conferir, porém, o que lhe foi doado em vida de seu pai quando
não era presuntivo herdeiro do doador seu avô.
Também no art. 2107º se reflecte este regime: o cônjuge do presumido
herdeiro legitimário não está obrigado a conferir.

A colação, de presumir nas doações a herdeiros legitimários, pode ser


dispensada nos termos do art. 2113º, e presume-se dispensada nas doações
manuais e nas remuneratórias - 2313º, nº 3.
Com a dispensa de colação o pai doador não procura antecipar bens por conta
da legítima do filho, mas antes pô-lo numa situação de vantagem vis à vis dos outros.
Pela dispensa, pois, o pai não quer a igualdade entre os filhos e por isso há que
reconhecer que a liberalidade feita revela o mesmo intuito jurídico e económico que o
existente nas doações feitas a estranhos, ficando sujeita apenas a ser reduzida por
inoficiosidade, se for caso disso, para se preencher a legítima dos herdeiros da
sucessão: o herdeiro donatário com dispensa de colação recebe os bens por conta
da quota disponível do doador e a doação será conferida nos mesmos termos que a
doação a terceiros. Apenas poderá ser reduzida se e enquanto inoficiosa.

Estão sujeitos a colação os bens doados e despesas feitas em proveito dos


descendentes, com excepção e nas condições do nº 2 do art. 2110º.

À colação procede-se nos termos do art. 2108º, nº 1.

19
- P. Coelho, 1968, 251
20
- P. Lima - A. Varela, CCA, VI, nota ao art. 2104º.
48
Mas não é forçoso que as doações sejam reduzidas por forma a que todos os
herdeiros recebam o mesmo. Com efeito e nos termos do nº 2 do art. 2108º, se não
houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros, nem por isso são
reduzidas as doações, salvo se houver inoficiosidade.

No exemplo de Baptista Lopes21: falecido A com dois filhos, B e C, tendo doado


a B 70 contos e deixado bens no valor de 80, porque a herança (2162º, nº 1) é de 150
contos e a legítima de cada filho é de 50 contos (2159º, nº 2), o filho C não donatário
recebe, dos 80 remanescentes, 50 contos que tanto é a sua legítima, e os restantes 30
(80-50) são divididos em partes iguais por B e C. B recebe, pois, 70+15 e C 50+15.

«4. Suponhamos, para simplificar as coisas, que na sucessão não há cônjuge sobrevivo (porque
o de cuius morreu viúvo, divorciado, ou solteiro mas com filhos), que o autor (A) deixou três filhos (B, C e
D), ao primeiro dos quais doara em vida 400, deixando por morte bens no montante de 500. (Cfr. os
exemplos paralelos da exposição de Oliveira Ascensão, ob. cit., págs. 547 e segs.).
Nesse caso, o valor da herança, para efeitos do cálculo da legítima (art. 2162.°, n.° 1), será de
900 e a porção legitimária (global) será de 600 (art. 2159.°, n.° 2), da qual caberão a cada um dos filhos
200.
Não será possível, num caso destes, igualar os filhos na partilha, sem reduzir o valor da doação.
Para igualar os filhos na partilha, sem reduzir o valor da doação (que foi de 400), seria necessário que A
tivesse deixado por morte bens no valor de 800. Só assim, de facto, a herança teria o valor global de
1200, que permitiria deixar a cada um dos filhos C e D uma quota hereditária de 400, igual ao valor da
doação de 400, feita ao filho B.
Como, porém, o valor dos bens deixados por morte de A foi apenas de 500, e o artigo 2108.°
nem por isso permite reduzir a doação, a solução que deste preceito (n.° 2 do art. 2108.°) resulta para o
caso exemplificado é a seguinte: B e C receberão, cada um deles, a quota hereditária de 250 contos,
cociente da divisão por dois dos 500 relinquescentes do património do autor da herança.

5. Resta, finalmente, o exemplo destinado a ilustrar a hipótese prevista na parte final do n.° 2
deste artigo 2108.°: a da inoficiosidade da doação feita ao descendente do doador, que concorre à
herança deste.
Imaginemos, para o efeito, que, no quadro familiar suposto no número anterior, o pai, que morre
deixando no património bens no valor de 300, doara em vida ao filho B um imóvel no valor de 600.
Nesse caso, a doação seria, de facto, manifestamente inoficiosa, porque tendo a herança, para
o efeito do cálculo da legítima (art. 2162.º, n.º 1), o valor global de 900, atingiria o conjunto dos quinhões
legitimários dos filhos C e D o valor de 400, sabendo-se que os bens deixados apenas somam o valor
de 300.
Quando assim seja, a doação feita a B, que não pode ser reduzida pelo simples facto de não
haver na herança bens suficientes para igualar os quinhões de todos os herdeiros, poderá, todavia, ser
impugnada por inoficiosidade, nos termos do n.º 2 do artigo 2108.º, visto não haver entre os bens
deixados valores suficientes para integrar as legítimas de dois dos herdeiros legitimários concorrentes à
sucessão.
6. A solução fundamental, consagrada no n.º 1 do artigo, de imputar, não apenas no quinhão
legitimário, mas em toda a quota hereditária, o valor dos bens doados, com todas as consequências que
logicamente decorrem dessa presunção, é a que melhor se harmoniza com a vontade presuntiva do
doador, que não sabe, normalmente, se o valor dos bens doados ultrapassa ou não o quinhão
legitimário do donatário mas que ao mesmo tempo não quer, em princípio, beneficiar mais o filho
donatário do que os outros filhos.
Sendo assim, parece, de facto, mais correcto afirmar que a doação ao filho é feita, em regra,
como uma antecipação dos direitos sucessórios do donatário, e não como um simples adiantamento por
conta da legítima.» - Ex.mos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anot., VI, notas 4 e 5
ao art. 2108º.

Para que haja inoficiosidade e consequente redução na medida do


necessário para garantir a legítima do não donatário é preciso que o valor da
doação exceda a soma da quota disponível do doador com a legítima do
donatário - 2108º, nº 2.

21
- Das Doações, 216, obra que vimos seguindo de muito perto.
49
Havendo dispensa da colação (efectiva ou presumida - 2113º, 1 e 3) a doação
será imputada na quota disponível (do doador de cuius, claro) - 2114º, nº 1; porém,
se não há lugar à colação porque o donatário repudiou a herança e não tem
descendentes que o representem22, será a doação imputada na quota indisponível (do
de cuius) - nº 2 do art. 2114º.

Pode, todavia, acontecer - e essa é a hipótese prevista e regulada no nº 2 - que


a doação seja feita a um descendente, presuntivo herdeiro legitimário do doador à data
da doação, que repudie mais tarde a herança do pai, e não deixe quem o represente
na sucessão deste.
Nesse caso, prescreve o nº 2, a doação é imputada na quota indisponível.

«Suponhamos então, para ilustrar com um novo exemplo a doutrina deste nº 2, que A morre
(solteiro ou viúvo) com três filhos (B, C e D), tendo doado ao primeiro deles bens no valor de 1000, e
tendo o donatário repudiado a herança do pai, sem filhos que o pudessem representar, mas deixando A,
na data em que morreu, outros bens no valor de 2000.
Nesse caso, a doação feita a B (legitimário repudiante) é imputada, nos termos do nº 2 deste
artigo, na quota indisponível do de cujus, que terá o valor, precisamente, de 2000.
Como é, precisamente, de 2000 o valor dos bens deixados por A, e porque B não compartilha da
herança, por ter repudiado, os dois filhos C e D repartirão entre si, a título de legítima e em partes iguais,
os 2000 que restaram no património do falecido.
Deste modo se evita que, tendo havido, por ex., ao lado da doação feita ao presumido herdeiro
legitimário, outras doações feitas pelo de cujus a terceiro, a soma da doação feita ao filho com as
doações feitas a terceiro pudesse facilmente esgotar o montante da quota disponível e provocar a
injusta inoficiosidade destas últimas.
O herdeiro legitimário repudia, porque a lei lhe não quer tolher a liberdade de o fazer, e nem por
isso revoga a doação, porque ela foi livremente realizada pelo doador e livremente aceite pelo donatário.
Mas imputa-a nesse caso na quota indisponível do doador, para não prejudicar os donatários que, de
outro modo, poderiam ser prejudicados com a inoficiosidade da liberalidade que receberam»23.

Em caso de doação de bens comuns (do património conjugal, não em


compropriedade) feitas por ambos os cônjuges confere-se metade por morte de
cada um deles - 2117º, nº 1 - sendo o valor de cada uma das metades a conferir o que
essa metade tiver ao tempo da abertura da respectiva sucessão - nº 2.
«Conferir por metade», «tomar por metade», «fazer meia conferência», são expressões
equivalentes e significam que, para cálculo da legítima e da disponível do doador, se considera apenas
metade do valor dos bens doados a não ser que a doação tenha sido de bens próprios do doador e
inventariado.
Rigorosamente, pois, a conferência apenas se efectua depois de separada a meação do
inventariante na qual ainda não há, por permanecer vivo, que considerar qualquer conferência.

A colação é onus real sujeito a registo - 2118º.

REDUÇÃO POR INOFICIOSIDADE (2168º a 2178º)

Dizem-se inoficiosas quaisquer liberalidades, entre vivos (doações) ou por


morte (instituições de herdeiro ou legados contidos em testamentos ou doações mortis
causa), feitas a herdeiros (mesmo legitimários - Bol. 498-245), parentes ou estranhos,
que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários, por ultrapassarem o limites da
quota disponível do de cuius - art. 2168º.
A redução só pode ser pedida por herdeiros legitimários - ou seus sucessores,
herdeiros, legatários ou cessionários - (só os legitimários é que têm direito a legítima

22
- Se o repudiante tivesse deixado representantes, estes concorriam à herança em seu lugar e, por
isso, a doação seria imputada na quota disponível (art. 2039º e 2043º).
23
- P. Lima - A.Varela, VI, 190.
50
que pode ser ofendida com a liberalidade) que tenham aceitado a herança e dentro de
dois anos (caducidade) a contar da aceitação - 2178º.
As liberalidades serão reduzidas pela ordem indicada no art. 2171º a 2173º e
a redução consiste em tirar à doação o excesso em que ela ofendeu as legítimas dos
herdeiros legitimários do doador, obrigando o donatário a restituir ao monte da herança
esse excesso, em espécie, ou o seu equivalente - 2174º a 2177º.

A redução das doações inoficiosas faz-se em inventário, pois pelo processo


comum apenas podia obter-se sentença que reconhecesse ao Autor o direito à
redução, sentença a executar em inventário, duplicação inútil de processos.

Havendo herdeiros legitimários, o cabeça de casal deve, no processo de


inventário, identificar os donatários e juntar os documentos pertinentes [(art. 1340º, 2,
b) e 3)]; os donatários são citados para os termos do inventário (1341º) em que podem
intervir espontaneamente (1331º, nº 1) e reclamar contra a relação de bens (1348º),
são chamados à conferência de interessados onde deliberam sobre a aprovação das
dívidas de que possa resultar a redução das liberalidades (1359º), podem opor-se à
licitação sobre os bens doados (1365º) com avaliação dos bens doados ou legados e
dos restantes (1367º e 1368º) com possibilidade de escolha, entre os bens doados,
dos necessários para preencher o valor que tenha direito a receber - 1376º, nº 2.
Acórdão do STJ Pº 05B3239 (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa), de 11/03/2005 :

5. Inoficiosidade é a ofensa da legítima dos herdeiros legitimários por via de liberalidades do
autor da herança que excedam o âmbito da sua quota disponível, e é susceptível de abranger as que
ocorram entre vivos - doações - ou por morte - legados.
6. A colação é a restituição pelos descendentes, em regra pelo valor, dos bens ou valores que
os ascendentes lhes doaram, constitui condição de participação na sucessão destes e visa a igualação
na partilha do descendente do donatário com os demais descendentes.
7. Doações manuais, cuja dispensa de colação a lei presume, são, por exemplo, aquelas em
que o tradens, com animus donandi, entrega dinheiro ao accipiens que, pelo recebimento, revela a
vontade de aceitação.

Ac. do STJ (Cons.º Afonso Correia), de 29.10.2002, P.º 02A1934:

Consabido é que a sucessão legitimária, a que se impõe mesmo contra a vontade do de cuius,
corresponde a interesses tão imperiosos aos olhos do legislador que este transforma as respectivas
normas num verdadeiro ius cogens, inderrogável pela vontade do de cuius.
De entre essas normas destacam-se as que definem e quantificam a legítima - art. 2156º e
2158º a 2162º CC - e a que reconhece a qualidade de herdeiros legitimários ao cônjuge, aos
descendentes e ascendentes - art. 2157º CC.

Claro que os proprietários dos bens são inteiramente livres de, em vida e a título oneroso, dispor
deles como entendam, sem necessidade de se preocuparem com as simples expectativas dos que
serão os seus herdeiros legitimários.
Mas já não é assim no tocante a doações, pois a lei - art. 2162º CC - manda atender, para o
cálculo da legítima, ao valor dos bens doados pelo autor da sucessão, dispõe que, sendo a doação de
bens comuns feita por ambos os cônjuges, conferir-se-á metade por morte de cada um deles (art. 2117º,
n.º 1) e classifica de inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos
legitimários (art. 2168º CC).
As razões que justificam a instituição da legítima não são bastantes para impor a redução ipso
jure das doações inoficiosas, antes tal redução só pode verificar-se a requerimento do interessado cuja
legítima seja ofendida.
É quanto dispõe o art. 2169º do CC: as liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento
dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tudo quanto for necessário para que a legítima
seja preenchida.

Claro que o herdeiro testamentário é sucessor do de cuius, nos termos dos art. 2024º, 2026º e
2030º, n.os 1 e 3, do CC.

51
Não quer isto dizer, porém, que o herdeiro testamentário possa exercer todos os direitos que
cabiam ao falecido pois, como diz o art. 2025º do CC, não constituem objecto de sucessão as relações
jurídicas que, em razão da sua natureza ou por força da lei, devam extinguir-se por morte do respectivo
titular.
Atento o regime e natureza da sucessão legitimária e os interesses que vimos estarem-lhe
subjacentes, temos por seguro que o direito de pedir a redução das liberalidades inoficiosas apenas
cabe ao sucessor do herdeiro legitimário que seja, ele próprio, também herdeiro legitimário de quem se
finou sem exercer tal direito. É que o herdeiro testamentário da quota disponível não tem qualquer
legítima a defender se o de cuius não lhe transmitiu tal direito.
Por isso os Prof. Pires de Lima e A. Varela (CC Anotado, VI, 374) lêem assim este art. 2169º:
«as liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus
descendentes ...».
Nem se diga que se a falecida tivesse vendido o seu direito à herança indivisa de seu falecido
marido e a sua meação no casal igualmente indiviso, ninguém poria em dúvida o direito da adquirente a
obter a redução da doação inoficiosa.
São diferentes as situações, a requerer tratamento diferenciado. Na venda do quinhão
hereditário vai incluído tudo quanto integra a herança da cedente, seja a legítima seja a disponível; na
deixa testamentária da quota disponível o de cuius dispõe apenas da parte do seu património que a lei
lhe permite distribuir como entender.
Termos em que se decide a I questão e se desatende o concluído em 4ª e 8ª.

Carece a Recorrente de razão quando pretende receber a quantia de 4.379.385$00, mesmo


sem direito a obter a redução da doação, por inoficiosa.
O mapa de partilha foi elaborado de acordo com o despacho que a determinou e deu pleno
cumprimento ao disposto no art. 2162º, n.º 1, do CC, o que não acontece com as contas elaboradas
pela Recorrente. Como do mapa se vê, a legítima da falecida na herança do pré-defunto marido era de
5.002.392$00 e a sua disponível ascendia a 9.140.352$50. Porque nesta se imputa a meia conferência
do bem por si e marido doado por conta da disponível, no valor de 12.500.000$00, é claro que nada
sobrava da disponível para que o testamento produzisse qualquer efeito.
Pelo que improcede o concluído em 6ª e 7ª.

Por último, dir-se-á que o facto de se não reconhecer à herdeira testamentária o direito de pedir
a redução da doação ou o de haver o remanescente da quota disponível, apesar do testamento que
como tal a instituiu, nada tem a ver com a protecção da legítima do doador sobrevivo ou com o seu
direito de testar a que se referem os art. 69º e 2179º e ss, maxime 2188º, todos do CC.
O doador sobrevivo que, juntamente com seu cônjuge, doou aos filhos, por conta da disponível,
bem que a excede, continua a ter capacidade pata testar. O que não tem é bens de que possa dispor,
sob pena de afectar a legítima dos legitimários.
De resto e como resulta do art. 2171º do CC, se houvesse lugar a redução, cairiam
primeiramente a deixa à recorrente e o legado, só depois sendo atingida a liberalidade feita em vida do
autor da sucessão. O que demonstra proteger a lei a doação em vida em detrimento das disposições
testamentárias.

Porto, UCP, Novembro de 2008

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