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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.729.549 - SP (2017/0253182-4)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO


RECORRENTE : EDITORIAL PERFIL S.A
ADVOGADOS : MARCO ANTONIO GARCIA LOPES LORENCINI - SP104335
ANDRÉ CAMERLINGO ALVES - SP104857
ANDRÉA CARVALHO RATTI - SP155424
ULISSES SIMÕES DA SILVA E OUTRO(S) - SP273921
RECORRIDO : UNIVERSO ONLINE S/A
ADVOGADOS : RICARDO CHOLBI TEPEDINO - SP143227
FÁBIO TEIXEIRA OZI E OUTRO(S) - SP172594
MARCUS VINICIUS SOUZA MAMEDE E OUTRO(S) - DF016615
IGOR CARNEIRO DE MATOS E OUTRO(S) - DF017063
ALUÍSIO CABIANCA BEREZOWSKI - SP206324
EMENTA

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 e 535, I e II, DO


CPC/1973. INEXISTÊNCIA. ART. 95, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CF/1988.
QUARENTENA IMPOSTA AO EX-MAGISTRADO PARA O EXERCÍCIO
DA ADVOCACIA. RESTRIÇÃO QUE NÃO ATINGE OS DEMAIS
ADVOGADOS DO ESCRITÓRIO. ADPF N. 430/STF. DIREITO
INTERNACIONAL PRIVADO. APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO
PELO JUIZ BRASILEIRO. POSSIBILIDADE. EQUIPARAÇÃO DA LEI
ESTRANGEIRA, APLICADA NO BRASIL, À LEGISLAÇÃO FEDERAL,
PARA EFEITO DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL.
DIREITO CONTRATUAL ARGENTINO. OBRIGAÇÃO CONDICIONAL.
ARTS. 537 E 538 DO CC ARGENTINO. NECESSIDADE DE
COMPROVAÇÃO DA FRAUDE. IMPEDIMENTO DOLOSO DA
REALIZAÇÃO DA CONDIÇÃO QUE A CONSIDERA REALIZADA.
1. Havendo a apreciação pelo Tribunal de origem de todas as matérias
suscitadas pelas partes, não há falar-se em violação dos arts. 165, 458 e
535, I e II, do CPC/1973.
2. A quarentena imposta ao ex-magistrado que pretende exercer a
advocacia, prevista no art. 95, parágrafo único, V, da CF/1988, não
alcança os demais advogados do escritório do qual aquele venha a fazer
parte.
3. De fato, por incidir severamente sobre a liberdade profissional, a
restrição não é capaz de subsidiar a aplicação de sanções éticas em face
de terceiros, sob pena de se atentar contra o princípio da
intranscendência das sanções ou das medidas restritivas de direitos
(ADPF n. 310/STF, public. 27/2/2020).
4. Sendo caso de aplicação do direito estrangeiro, caberá ao juiz brasileiro
fazê-lo, de ofício, consoante as normas do direito internacional privado,
entendido este como o conjunto de regras que orientam a solução das
relações jurídicas privadas envolvidas em mais de uma esfera de
soberania.

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5. A lei estrangeira, aplicada por força de dispositivo de direito
internacional privado (art 9º da LINDB), se equipara a legislação federal
brasileira, para efeito de admissibilidade de recurso especial.
6. A teoria contratual, fundamento do direito das obrigações argentino,
possui entre seus princípios a boa-fé objetiva, a má-fé e a fraude, que
conferem ao juiz diretriz na busca da regra de decisão.
7. A mala fe, no direito portenho, configura-se quando o sujeito tem
conhecimento de determinada situação relevante para o direito, à luz das
particularidades de cada ato jurídico, e, com base nesse conhecimento,
promove ações antifuncionais. Os atos, nesses termos praticados, serão
considerados ilegítimos, dada a manifesta intolerância com esse
comportamento por parte do ordenamento.
8. No sistema jurídico argentino, a fraude, como violação de contrato,
configura-se quando o devedor tem a capacidade de cumprir e não deseja
fazê-lo deliberadamente ou quando o inadimplente está plenamente ciente
da ilegitimidade de suas ações. É a ação qualificada pelo dolo.
9. Nos termos dos arts. 537 e 538 do Código Civil argentino, que tratam
das obrigações condicionais, considera-se realizada a condição
suspensiva, quando há intenção fraudulenta de impedir o cumprimento da
condição pelo interessado que não se beneficia da execução. Sendo
assim, apenas em caso de impedimento doloso ou culposo a condição
será considerada cumprida.
10. Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do


Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, negar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria
Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.
Sustentaram oralmente o Dr. ULISSES SIMÕES DA SILVA, pela parte
RECORRENTE: EDITORIAL PERFIL S.A; e o Dr. RICARDO CHOLBI TEPEDINO, pela parte
RECORRIDA: UNIVERSO ONLINE S/A.
Brasília (DF), 09 de março de 2021(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO


Relator

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2017/0253182-4 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.729.549 / SP

Números Origem: 01059394320128260100 1059394320128260100 5830020121059395

PAUTA: 02/03/2021 JULGADO: 02/03/2021

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS
Secretária
Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : EDITORIAL PERFIL S.A
ADVOGADOS : MARCO ANTONIO GARCIA LOPES LORENCINI - SP104335
ANDRÉ CAMERLINGO ALVES - SP104857
ANDRÉA CARVALHO RATTI - SP155424
ULISSES SIMÕES DA SILVA E OUTRO(S) - SP273921
RECORRIDO : UNIVERSO ONLINE S/A
ADVOGADOS : RICARDO CHOLBI TEPEDINO - SP143227
FÁBIO TEIXEIRA OZI E OUTRO(S) - SP172594
MARCUS VINICIUS SOUZA MAMEDE E OUTRO(S) - DF016615
IGOR CARNEIRO DE MATOS E OUTRO(S) - DF017063
ALUÍSIO CABIANCA BEREZOWSKI - SP206324

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Empresas - Espécies de Sociedades

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Adiado o julgamento para a próxima sessão (09/3/2021), por indicação do Sr. Ministro
Relator.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.729.549 - SP (2017/0253182-4)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : EDITORIAL PERFIL S.A
ADVOGADOS : MARCO ANTONIO GARCIA LOPES LORENCINI - SP104335
ANDRÉ CAMERLINGO ALVES - SP104857
ANDRÉA CARVALHO RATTI - SP155424
ULISSES SIMÕES DA SILVA E OUTRO(S) - SP273921
RECORRIDO : UNIVERSO ONLINE S/A
ADVOGADOS : RICARDO CHOLBI TEPEDINO - SP143227
FÁBIO TEIXEIRA OZI E OUTRO(S) - SP172594
MARCUS VINICIUS SOUZA MAMEDE E OUTRO(S) - DF016615
IGOR CARNEIRO DE MATOS E OUTRO(S) - DF017063
ALUÍSIO CABIANCA BEREZOWSKI - SP206324

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:

1. EDITORIAL PERFIL S.A., ora recorrente, ajuizou ação em face de


UNIVERSO ONLINE S.A., ora recorrida, visando à declaração de seu direito em efetuar a
"troca das ações" que detém da UOL Argentina por ações da companhia ré, nos termos
previstos no Acordo de Acionistas celebrado entre as partes, bem como à condenação da
demandada ao pagamento de dividendos decorrentes dessa posição acionária (fls. 3-30).
Na peça inicial, a autora afirmou tratar-se de renomado veículo de comunicação
na Argentina, responsável pela edição de diversos periódicos semanais de grande circulação
naquele país e detentora dos direitos sobre marcas mundialmente conhecidas (CARAS,
LUNA, FOCO), sendo a ré empresa atuante na área de disponibilização de conteúdos e
prestação de serviços de internet no Brasil e América Latina, controladora do Grupo UOL.
Em 1999, as partes celebraram contrato por meio do qual a ora recorrente,
EDITORIAL PERFIL S.A., adquiriu participação correspondente a 25% do capital social do
UOL Argentina S.A., que à época estava em processo de constituição. Alguns meses depois,
já no ano 2000, as empresas firmaram Acordo de Acionistas, que regulou a relação entre os
sócios. Posteriormente, com o ingresso de outras acionistas, a participação societária da
autora passou a ser de 6% do capital social da UOL Argentina.
Narrou a autora que, em contraprestação à sua expressiva contribuição, por
meio da disponibilização de publicidade e dos conteúdos de seus editoriais à UOL Argentina,
durante todo o tempo de vigência do Acordo de Acionistas, foi-lhe ofertada a possibilidade de
troca de todas as suas ações na UOL Argentina por ações na UOL Brasil, quando esta
promovesse a abertura de seu capital em bolsa de valores (Initial Public Offering - IPO). A

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cláusula terceira do mencionado Acordo dispôs o seguinte: decorridos três anos da
assinatura do pacto e realizada Oferta Pública Inicial (IPO) do UOL Inc. S.A. em uma
importante bolsa de valores dos Estados Unidos da América, a EDITORIAL PERFIL S.A.
poderia notificar a UOL, no prazo de um ano, contado do último desses eventos, para realizar
a troca de todas as suas ações da UOL Argentina por ações do UOL Inc. S.A., hoje sucedida
pela ora recorrida, UNIVERSO ONLINE S.A.
No ano de 2003, o Acordo de Acionistas completou 03 (três) anos de vigência,
primeira condição para o "direito de troca das ações". Em dezembro de 2005, a ora recorrida,
UOL, efetuou a oferta primária de suas ações na Bolsa de Valores do Estado de São Paulo
(BOVESPA), fato considerado pela autora como concretização da segunda condição para o
surgimento do direito à troca de ações.
Disse a autora que assumiu as obrigações descritas no Acordo de Acionistas
por conta da possibilidade futura de vir a participar do capital social da UOL Brasil
(incorporada pela ré), após a abertura da referida companhia, sendo essa sua efetiva
contraprestação. Acrescentou que somente concordou com a inclusão da cláusula 3.1. (que
tratou da abertura futura do capital em Bolsa de Valores), sem a estipulação de prazo para a
realização dessa obrigação, em razão da relação de confiança existente entre as partes, à
época.
Aduziu que a comercialização de ações no mercado norte-americano foi
condição estabelecida pela própria ré e que sua concretização dependia exclusivamente de
sua vontade, não tendo se realizado propositalmente como forma de se esquivar da
obrigação contratual.
Acrescentou que o Código Civil Argentino, diploma legal competente para reger
a contenda, dispõe que, em sendo maliciosamente obstada a condição pela parte a quem
esta desfavorece, reputa-se verificada essa condição.
Analisada a demanda, o sentenciante julgou parcialmente procedente o pedido
(fls. 1850-1858), para, nos termos da cláusula 3.1 do Acordo de Acionistas, declarar o direito
de ser efetuada a "troca das ações", em quantidade correspondente ao mínimo de 2% do
valor de mercado da Companhia ré em 5/12/2006. Ademais, condenou a ré ao pagamento de
dividendos decorrentes dessa posição acionária, com os devidos acréscimos legais.
Houve interposição de apelação por UNIVERSO ONLINE S.A e recurso adesivo
pela autora, julgados pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP,
oportunidade em que reformou-se a sentença, provendo-se o recurso da ré, negando-se
provimento ao recurso adesivo, nos termos da ementa (fl. 2007):
Sociedade anônima. Acordo de acionistas. Permuta de ações. Ajuste
condicionado a evento não implementado.
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Justificativa para a ausência de oferta de ações da companhia ré em bolsa
norte americana. Condição não indevidamente obstada. Troca de ações
que não se impôs como remuneração da autora, senão em meio a projeto
da ré, a que a autora se associou e que se frustrou. Indenização, por
conseguinte, indevida, sendo que eventual crédito por serviços prestados
deve ser exigido, em sede própria, da empresa beneficiária.
Sentença revista. Recurso de apelação provido, desprovido o adesivo.

Opostos embargos de declaração por EDITORIAL PERFIL S/A (fls. 2036-2043),


foram rejeitados.
No recurso especial interposto com fundamento na alínea "a" do permissivo
constitucional, EDITORIAL PERFIL S.A alega ofensa aos arts. 4°, parágrafo único, 34, I e 44,
II, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da OAB) e art. 95, V, da CF/1988. Ainda, defende que foram
violados os arts. 9º e 14 da LINB; 337 do CPC/1973; arts. 505, 528, 529, 533, 537, 538 e
1.198 do Código Civil Argentino; art. 218 do Código de Comércio Argentino. Afirmou a violação
dos arts. 165, 458 e 535, I e II do CPC/1973.
Nas razões recursais, a recorrente apresenta preliminar de nulidade,
consistente no fato de não ter sido estendida a todos os advogados de um mesmo escritório
a vedação imposta ao magistrado aposentado que pretende exercer a advocacia, qual seja,
quarentena pelo período de três anos.
Argumenta que, por força dos dispositivos do Estatuto, cabe àquele Órgão de
Classe impor limites e restrições ao exercício da advocacia, estabelecendo hipóteses em que
há proibição total, parcial e impedimento ao exercício da atividade e que, com base nessa
previsão, o Conselho Federal da OAB teria definido regras no sentido de suas alegações.
Alegou ter sido omisso acórdão recorrido, quanto às questões impugnadas em
embargos de declaração rejeitados.
Quanto ao mérito, afirma que o Acordo de Acionistas celebrado entre as partes
previu que eventual controvérsia dele advinda seria solucionada à luz do direito argentino, e
que, apesar de as instâncias ordinárias reconhecerem dita circunstância, o tribunal paulista
teria dado interpretação equivocada aos dispositivos do Código Civil Argentino, negando o
direito da ora recorrente.
Assevera que os arts. 528 a 538 do diploma civil Argentino, partes do Título
"Das Obrigações Condicionais", subsidiam suas alegações no sentido de que, tendo a
recorrida obstado voluntariamente a ocorrência da hipótese prevista na Cláusula 3.1. do
Acordo de Acionistas, considera-se realizada a condição, nascendo o direito de troca das
ações.
Argumenta que o art. 1.198 do código argentino positiva a regra geral de boa-fé
objetiva, que deve ser observada na interpretação e execução dos contratos e que o art. 218
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do Código de Comércio estabelece as bases a serem observadas quando necessária a
interpretação de uma cláusula contratual.
Reitera que, apesar do Tribunal de origem fazer menção expressa aos artigos
do Código Civil Argentino, interpretou-os de forma equivocada, ao afirmar que o legislador
argentino exigiria a configuração do dolo do devedor em obstar a ocorrência da condição
suspensiva, para, então, considerá-la realizada.
Acrescenta que, ao interpretar erroneamente os dispositivos do código
argentino suscitados pela recorrente, o Tribunal paulista ofendeu os artigos da Lei de
Introdução às Normas de Direito Brasileiro, fundamento para aplicação da legislação
estrangeira ao caso concreto.
Foram apresentadas contrarrazões às fls. 2168-2199.
Às fls.2342-2343, proferi decisão de conversão do agravo em recurso especial
em recurso especial para melhor análise da questão apresentada nestes autos.
É o relatório.

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RECORRENTE : EDITORIAL PERFIL S.A
ADVOGADOS : MARCO ANTONIO GARCIA LOPES LORENCINI - SP104335
ANDRÉ CAMERLINGO ALVES - SP104857
ANDRÉA CARVALHO RATTI - SP155424
ULISSES SIMÕES DA SILVA E OUTRO(S) - SP273921
RECORRIDO : UNIVERSO ONLINE S/A
ADVOGADOS : RICARDO CHOLBI TEPEDINO - SP143227
FÁBIO TEIXEIRA OZI E OUTRO(S) - SP172594
MARCUS VINICIUS SOUZA MAMEDE E OUTRO(S) - DF016615
IGOR CARNEIRO DE MATOS E OUTRO(S) - DF017063
ALUÍSIO CABIANCA BEREZOWSKI - SP206324
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RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 e 535, I e II, DO


CPC/1973. INEXISTÊNCIA. ART. 95, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CF/1988.
QUARENTENA IMPOSTA AO EX-MAGISTRADO PARA O EXERCÍCIO
DA ADVOCACIA. RESTRIÇÃO QUE NÃO ATINGE OS DEMAIS
ADVOGADOS DO ESCRITÓRIO. ADPF N. 430/STF. DIREITO
INTERNACIONAL PRIVADO. APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO
PELO JUIZ BRASILEIRO. POSSIBILIDADE. EQUIPARAÇÃO DA LEI
ESTRANGEIRA, APLICADA NO BRASIL, À LEGISLAÇÃO FEDERAL,
PARA EFEITO DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL.
DIREITO CONTRATUAL ARGENTINO. OBRIGAÇÃO CONDICIONAL.
ARTS. 537 E 538 DO CC ARGENTINO. NECESSIDADE DE
COMPROVAÇÃO DA FRAUDE. IMPEDIMENTO DOLOSO DA
REALIZAÇÃO DA CONDIÇÃO QUE A CONSIDERA REALIZADA.
1. Havendo a apreciação pelo Tribunal de origem de todas as matérias
suscitadas pelas partes, não há falar-se em violação dos arts. 165, 458 e
535, I e II, do CPC/1973.
2. A quarentena imposta ao ex-magistrado que pretende exercer a
advocacia, prevista no art. 95, parágrafo único, V, da CF/1988, não
alcança os demais advogados do escritório do qual aquele venha a fazer
parte.
3. De fato, por incidir severamente sobre a liberdade profissional, a
restrição não é capaz de subsidiar a aplicação de sanções éticas em face
de terceiros, sob pena de se atentar contra o princípio da
intranscendência das sanções ou das medidas restritivas de direitos
(ADPF n. 310/STF, public. 27/2/2020).
4. Sendo caso de aplicação do direito estrangeiro, caberá ao juiz brasileiro
fazê-lo, de ofício, consoante as normas do direito internacional privado,
entendido este como o conjunto de regras que orientam a solução das
relações jurídicas privadas envolvidas em mais de uma esfera de
soberania.
5. A lei estrangeira, aplicada por força de dispositivo de direito
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internacional privado (art 9º da LINDB), se equipara a legislação federal
brasileira, para efeito de admissibilidade de recurso especial.
6. A teoria contratual, fundamento do direito das obrigações argentino,
possui entre seus princípios a boa-fé objetiva, a má-fé e a fraude, que
conferem ao juiz diretriz na busca da regra de decisão.
7. A mala fe, no direito portenho, configura-se quando o sujeito tem
conhecimento de determinada situação relevante para o direito, à luz das
particularidades de cada ato jurídico, e, com base nesse conhecimento,
promove ações antifuncionais. Os atos, nesses termos praticados, serão
considerados ilegítimos, dada a manifesta intolerância com esse
comportamento por parte do ordenamento.
8. No sistema jurídico argentino, a fraude, como violação de contrato,
configura-se quando o devedor tem a capacidade de cumprir e não deseja
fazê-lo deliberadamente ou quando o inadimplente está plenamente ciente
da ilegitimidade de suas ações. É a ação qualificada pelo dolo.
9. Nos termos dos arts. 537 e 538 do Código Civil argentino, que tratam
das obrigações condicionais, considera-se realizada a condição
suspensiva, quando há intenção fraudulenta de impedir o cumprimento da
condição pelo interessado que não se beneficia da execução. Sendo
assim, apenas em caso de impedimento doloso ou culposo a condição
será considerada cumprida.
10. Recurso especial improvido.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Em primeiro lugar, no que respeita à alegação de nulidade por negativa de


prestação jurisdicional, em razão de omissão não sanada no âmbito de embargos de
declaração, é de ser afastada a existência de vícios no acórdão, tendo em vista o
enfrentamento da matéria impugnada, de forma objetiva e fundamentada, naquilo que o

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Tribunal a quo entendeu pertinente à solução da controvérsia.
Em síntese, os vícios que implicam violação aos arts. 165, 458 e 535, I e II, do
CPC/1973, são aqueles que recaem sobre ponto que deveria ter sido decidido e não o foi, e
não sobre os argumentos utilizados pelas partes, os quais podem ser ilididos por diversa
fundamentação fática e jurídica que tenha sido considerada prevalecente na hipótese.
A propósito:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. VIOLAÇÃO
AO ART. 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. 2. MEDIDA CAUTELAR DE
ARRESTO. PERICULUM IN MORA NÃO CONFIGURADO. MODIFICAÇÃO DO
ACÓRDÃO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 3.
DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA
ENTRE OS ACÓRDÃOS EVIDENCIADA PELA APLICAÇÃO DA SÚMULA
7/STJ. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Havendo a apreciação pelo Tribunal de origem de todas as matérias
suscitadas pelas partes, não há que se falar em violação do art. 1.022 do
CPC/2015.
(...)
4. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1043856/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
TERCEIRA TURMA, DJe 15/09/2017)

Dessa forma, ante a ausência de vício no acórdão impugnado, não se


vislumbra a ocorrência de omissão no apelo nobre, ou negativa de prestação jurisdicional na
decisão de embargos, a ensejar o reconhecimento de nulidade.
3. A preliminar de nulidade de julgamento dos recursos de apelação e atos
processuais que se seguiram a ele também merece ser rejeitada.
3.1. De fato, a recorrente alega que, após a sentença, a ora recorrida teria
outorgado poderes de representação a escritório de advocacia composto por desembargador
aposentado da Câmara de Direito Empresarial do TJSP. Assim, conclui que tal circunstância
é causa de nulidade, uma vez que a "quarentena" imposta ao desembargador aposentado
"contamina" todos os integrantes do escritório, conforme entendimento do Conselho Federal
da OAB (Ementa n. 018/2013/COP).
Acrescenta, quanto ao ponto, que a não subscrição de petições pelo ex-
magistrado não seria capaz de evitar a "contaminação" dos demais membros do escritório
substabelecente, os quais, no caso dos autos, representaram os interesses da recorrida.
Conclui que os atos praticados pelo desembargador e pela banca de
advogados da qual ele faz parte são nulos de pleno direito e que, não bastassem as sanções
administrativas previstas pelos arts. 4º e 34 do Estatuto da OAB, esses dispositivos,
cumulativamente, propõem a nulidade do ato judicial.

Documento: 2027120 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/04/2021 Página 10 de 5
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Ao analisar a questão preliminar, o acórdão recorrido manifestou-se nos
seguintes termos (fl. 2011):
Em primeiro lugar, afasta-se a alegação de nulidade do apelo da ré ao
argumento de que subscrito por Advogados impedidos, como tais
entendidos aqueles integrantes do mesmo escritório a que pertencente
Desembargador aposentado, a quem se impõe a chamada quarentena.
Na verdade, a ré vinha sendo patrocinada por outros Advogados,
note-se, que substabeleceram - e não ao Advogado alegadamente
em quarentena - com reservas (fls. 1449) e, um deles, que
subscreveu, também, o recurso de apelação. Daí a ausência da mácula
a reconhecer, posto que abstraída a referência ao Desembargador
aposentado como mero consultor do Escritório.

Em resposta aos embargos de declaração opostos pela ora recorrente,


arrematou (fl. 2064):
Em primeiro lugar, expressa a apreciação da prejudicial de nulidade do
julgado de origem sob a consideração básica - e a superar, assim, qualquer
outra - de que advogado substabelecente com reservas também assinou o
recurso de apelação. Sem contar o substabelecimento a advogados
desimpedidos, referido aquele em quarentena apenas como
consultor do escritório dos advogados substabelecidos.

3.2. Como de conhecimento, a vedação do exercício da advocacia imposta aos


juízes que se afastam do cargo por aposentadoria ou exoneração tem assento constitucional,
nos seguintes termos:
Art. 95.
(...)
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
(...)
V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de
decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou
exoneração.

No ponto, esclareço que o entendimento do Conselho Federal da OAB, acerca


da matéria em debate, invocado nas razões recursais, encontra-se documentado na Ementa
n. 018/203/COP, cujo teor se reproduz:

CONSULTA N. 49.0000.2012.007316-8/COP.
Origem: Conselho Seccional da OAB/Roraima - Ofício n. 116/2012/GP, de
30.07.2012.
Órgão Especial. Assunto: Consulta. Quarentena de magistrado.
Impedimento. Extensão aos demais sócios da sociedade de
advogados. Matéria afetada ao Conselho Pleno (Órgão Especial).
Relator: Conselheiro Federal Duilio Piato Júnior (MT).
EMENTA N. 018/203/COP. Quarentena. Constituição de empresa. Inserção
em empresa já existente, como sócio, associado ou funcionário de
advogado impedido de advogar por quarentena contamina o escritório e
todos os associados com o impedimento no âmbito territorial do tribunal no
Documento: 2027120 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/04/2021 Página 11 de 5
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qual atuou como magistrado, desembargador ou ministro. Mesmo que de
forma informal. Escritório de advocacia, sócios e funcionários passam a ter
o mesmo impedimento do advogado que passar a participar do escritório
formal ou informalmente. Qualquer tentativa de burlar a norma
constitucional incide no art. 34, item I, do Estatuto da Advocacia e da OAB.
Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em
referência, acordam os membros do Conselho Pleno do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil, por maioria, em acolher o voto do
Relator, parte integrante deste. Brasília, 20 de maio de 2013. Marcus
Vinicius Furtado Coêlho, Presidente. Duilio Piato Júnior, Relator.
(DOU, S.1, 03.09.2013, p. 85)

Acerca da matéria, doutrina e jurisprudência assinalam que a finalidade da


previsão constitucional - introduzida no ordenamento pela EC n. 45/2004 - foi impedir
eventual tráfico de influência ou exploração de prestígio, em detrimento das normas
de moralidade administrativa, entendimento esse ratificado em consulta submetida ao
Conselho Nacional de Justiça na qual se estabeleceu que o escopo daquela previsão seria
evitar que o magistrado inativo viesse a advogar em curto lapso temporal, tão-somente em
relação a seus pares nos Tribunais de origem ou no Juízo do qual se afastou.
No julgamento do Pedido de Providências n. 929, em 14/11/2006, tal
entendimento foi prestigiado pelo CNJ. Naquele caso, com objeto um pouco diverso,
defendeu o requerente que Juízes, Desembargadores e Ministros dos Tribunais Superiores,
por terem sua atuação estendida a um número indeterminado de jurisdicionados, deveriam
ter o exercício da advocacia vedado em todo o território nacional, no período a que se refere a
norma constitucional (CF, art. 95, parágrafo único, inciso V).
Para registro, segue a ementa do julgamento:
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS N º 200910000010374
EMENTA: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONSULTA. ARTIGO 95,
PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
QUARENTENA. EXTENSÃO DA VEDAÇÃO RELATIVA AOS JUÍZES DE
PRIMEIRA INSTÂNCIA.
1. Ao juiz de Direito é vedado exercer a advocacia na Comarca da qual se
afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo, por
aposentadoria ou exoneração.
2. Ao juiz Federal ou juiz do Trabalho é vedado exercer a advocacia na
seção, onde não houver subdivisão judiciária, subseção ou foro do qual se
afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por
aposentadoria ou exoneração.
Consulta parcialmente conhecida
(Disponível em:
file:///C:/Users/timpo/Downloads/documento_0001037-77.2009.2.00.0000_%
20(1).PDF)

No que respeita à questão, no sentido do que se afirmou acima, destacaram o


eminente Ministro Gilmar Ferreira Mendes e o professor Paulo Gustavo Gonet Branco, em
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obra doutrinária:
A EC n. 45/2004 inovou nas vedações, ao estabelecer a proibição de o
ex-ocupante de cargo na magistratura exercer atividade advocatícia perante
o juízo ou tribunal do qual se afastou, salvo se decorridos três anos do
afastamento.
Tem-se aqui a aplicação da chamada "quarentena" no âmbito do Poder
Judiciário, com o objetivo de evitar situações geradoras de um
estado de suspeição quanto ao bom funcionamento do Judiciário.
Embora a matéria tenha suscitado alguma polêmica, tendo em vista a
restrição que impõe sobre direitos individuais, o entendimento veiculado
a decisão afigura-se plenamente respaldada na ideia de reforço da
independência e da imparcialidade dos órgãos judiciais.
Eventuais críticas ao modelo adotado centraram-se na limitação ao
exercício livre de atividade profissional.
(Curso de Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 969)

A matéria em debate desafiou o crivo do Supremo Tribunal Federal, pela


primeira vez, na esfera de suspensão de segurança. Naquela oportunidade, em mandado de
segurança, deferiu-se liminar para retirar a eficácia da Ementa n. 18/2013/COP, acima
referida.
Inconformado, o Conselho Federal da OAB apresentou pedido de suspensão da
segurança, argumentando que o entendimento firmado na Ementa n. 118/2013 prestigia a
regra constitucional e preserva a imparcialidade do Poder Judiciário, com o fim de evitar o
tráfico de influência e exploração do prestígio dos magistrados.
Analisando o pedido de suspensão, o eminente relator, Ministro Joaquim
Barbosa, sob o fundamento, em síntese, de que o princípio da liberdade de exercício de
profissão, invocado pelo Tribunal Regional Federal, não se mostrava juridicamente adequado,
deferiu o pedido cautelar para suspender a liminar proferida no mandado de segurança,
restabelecendo a eficácia do Enunciado n. 18/2013, do Conselho da Ordem dos
Advogados. (SS n. 4848 MC/DF. DJe-202 DIVULG 10/10/2013 PUBLIC 11/10/2013)
Ressalte-se, entretanto, que em abril de 2019, o eminente Ministro Dias Toffoli,
no exercício da Presidência da Corte, analisando pedido de extensão daquela suspensão
de segurança (SS n. 4848), revogou a decisão anteriormente concedida em favor do
Conselho Federal da OAB, para restabelecer as decisões judiciais que negavam eficácia ao
Enunciado 018/2013, por considerarem inviável, naqueles termos, a limitação ao exercício
profissional dos advogados que compunham o quadro de causídicos de um mesmo
escritório.
Confira-se trecho da decisão monocrática proferida:
De fato, a questão em debate nestes autos diz com a possibilidade de o
requerente, no atributo de seu poder de regulamentar o exercício da
profissão de advogado, no Brasil, estender a vedação constante da aludida
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norma constitucional, a todos os advogados integrantes de sociedade que
magistrado aposentado passe a integrar Não se nega à OAB o direito - e
mesmo o dever - de regulamentar o exercício da profissão de advogado, no
Brasil, com a tomada das medidas administrativas a isso inerentes, mas
sempre dentro do arcabouço legal existente acerca do tema.
E a proibição prevista na norma do artigo 95, parágrafo único, inciso V, da
Constituição Federal é endereçada unicamente à pessoa física que exerceu
a magistratura, inexistindo, no referido dispositivo constitucional, ou mesmo
em alguma outra norma legal, previsão que autorize a extensão de tal
vedação a eventuais sócios do magistrado aposentado.
Tampouco se negligencia a importante função desempenhada pela OAB,
por expressa previsão legal, de fiscalizar o adequado exercício da profissão
de advogado, mas isso não pode ser feito com base em suposições de má
conduta, tal como exposto na exordial desta ação, até porque, como se
sabe, má-fé não se presume.
(...)
Assim, sempre considerando que a admissibilidade da contracautela
pressupõe, entre outros aspectos legais, a demonstração de que o ato
questionado possa vir a causar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança
e à economia pública, mais adequada se mostra a rejeição da pretensão
ora em análise.
Ante o exposto, indefiro o pedido de suspensão, revogando as decisões
liminares proferidas nos autos e dando por prejudicados o agravo
regimental e os demais pedidos de extensão, ainda não apreciados.
(SS 4848. MINISTRO PRESIDENTE. Divulgado em 12/04/2019; Publicação,
DJE 15/04/2019)

Ainda mais recentemente, em 18.10.2019, a Suprema Corte, sob a relatoria do


ilustre Ministro Alexandre de Moraes, voltou a ser instada a debater a questão, agora, por
meio de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental promovida pela Associação
dos Magistrados do Brasil – AMB, pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho –
ANAMATRA e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, alegando que o
entendimento do Conselho da OAB sobre a matéria, ofende os artigos 5º, XVII e LIV, 95 e 170,
caput e VIII, da CF/1988.
Conhecida a ADPF, o Pleno do Supremo Tribunal, por unanimidade, julgou
procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do ato normativo
questionado, qual seja o Enunciado n. 018/2013, editado pelo Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil.
Verifique-se a ementa do acórdão:
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.
ENUNCIADO 018/2013, DO CONSELHO PLENO DA OAB. QUARENTENA
PREVISTA NO ART. 95, V, DA CF. EXTENSÃO A ADVOGADOS
ASSOCIADOS, FORMAL OU INFORMALMENTE, A EX-JUÍZES. ATO DO
PODER PÚBLICO COM APTIDÃO PARA LESAR A LIBERDADE
PROFISSIONAL. SUBSIDIARIEDADE ATENDIDA. VEDAÇÃO RESTRITA A
EX-INTEGRANTES DA MAGISTRATURA. INCONSTITUCIONALIDADE.

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1. Ilegitimidade ativa da ANAMATRA e AJUFE para a instauração de
processo objetivo de controle de constitucionalidade contra ato do poder
público cujos efeitos atinjam todos os integrantes da magistratura, ante a
deficitária abrangência do vínculo de representatividade que caracteriza a
identidade associativa de ambas as entidades.
2. A norma impugnada cria impedimento ao exercício da advocacia não
relacionado a requisitos individuais de capacidade técnica, mas a fato de
terceiro (exercício, por outrem, da magistratura), sem qualquer
intermediação legislativa, em conflito com a garantia do livre exercício “de
qualquer trabalho, ofício ou profissão” (art. 5º, XIII).
3. O art. 95, parágrafo único, V, da Constituição Federal estabelece um
importante padrão de moralidade pública, visando a coibir situações de
conflito de interesses que possam ameaçar a credibilidade do Poder
Judiciário.
4. Embora a aplicação dessas vedações pressuponha uma margem de
valoração sobre os comandos contidos no art. 95 da CF, não é possível
acrescentar a eles elementos normativos estranhos, principalmente no que
se refere ao seu alcance subjetivo, pois o estatuto pessoal dos ocupantes
da magistratura não pode ser aplicado a terceiros sem vínculo com a
atividade judicante, sob pena de violação ao princípio da intranscendência
das normas restritivas de direitos.
5. A cláusula constitucional hospedada no art. 5º, XIII, da CF, é
asseguradora de direito fundamental – o exercício de profissões e ofícios –
cuja restrição está submetida à reserva legal qualificada, não podendo ser
formalizada por fonte jurídica diversa da legislativa.
6. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada
procedente.
(ADPF 310, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado
em 18/10/2019, PUBLIC 27-02-2020)

Na ocasião, de início, consignou o eminente relator que o ajuizamento de


arguição de descumprimento de preceito fundamental era admitido não somente em relação
a ato do Poder Público com potencialidade lesiva a direitos fundamentais, mas também em
virtude de controvérsia constitucional relevante sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou
municipal, incluídos os anteriores à Constituição.
Asseverou, no particular, que o objeto da impugnação consistia em ato editado
pelo Órgão Especial do Conselho Pleno da OAB, no uso das atribuições conferidas pelo
Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia, que, em seu art. 85, IV, estabelece a
competência para deliberar, privativamente e em caráter irrecorrível, sobre consultas
escritas, formuladas em tese, relativas às matérias de competência das Câmaras
especializadas ou à interpretação do Estatuto, deste Regulamento Geral, do Código de Ética
e Disciplina e dos Provimentos.
Interessa salientar que o fundamento principal para o acolhimento do pedido
formulado pelas Associações de Magistrados consistiu no reconhecimento de que os termos
do Enunciado da OAB criavam um impedimento ao exercício da advocacia –

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relacionado não a requisitos de capacidade técnica individuais, mas a um fato de
terceiro (exercício, por outrem, da magistratura) –, sem nenhuma intermediação
legislativa.
Na linha desse raciocínio, asseverou o douto Ministro relator que o ato
impugnado tracionava "em sentido antagônico a uma das liberdades individuais de maior
apelo social da Constituição Federal, que vem a ser aquela prestigiada no seu art. 5º, XIII, a
proteger o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão".
Arrematou com acerto habitual:
A chamada quarentena impõe restrição jurídica gravosa aos seus
destinatários, vinculando-os mesmo após o desligamento da função pública,
independentemente do período de exercício da jurisdição e mesmo que o
afastamento tenha decorrido de exoneração voluntária.
(...)
Por incidir severamente sobre a liberdade profissional, a vedação prescrita
pelo art. 95, parágrafo único, V, da CF jamais poderia ser utilizada como
fundamento normativo para a aplicação de sanções éticas em face
de terceiros, que nunca tiveram vínculo algum com a magistratura,
sob pena de se atentar contra o princípio – medular em nosso
ordenamento – da intranscendência das sanções ou das medidas
restritivas de direitos.

3.3. Com efeito, percebe-se que o exame do tema em debate está


inevitavelmente vinculado à análise do âmbito de proteção da liberdade de exercício
profissional, da mesma forma assegurada constitucionalmente (art. 5º, XIII), assim como à
identificação das restrições e conformações legais constitucionalmente permitidas.
Nesses casos, é certo que não se limita o legislador ordinário a estabelecer
restrições a eventual direito, cabendo-lhe definir, em determinada medida, a amplitude e a
conformação desses direitos individuais.
Nesse rumo, tem-se, no citado preceito constitucional, uma inequívoca reserva
legal qualificada. A Constituição remete à lei o estabelecimento das qualificações
profissionais como restrições ao livre exercício profissional, sendo igualmente inequívoco
que, mesmo por meio da lei, ao legislador não é dado o poder de restringir o exercício da
liberdade a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial.
A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de
imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a
admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também
sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o principio da proporcionalidade.
(RE 511961, Órgão julgador: Tribunal Pleno. Relator(a): Min. GILMAR MENDES; Julg:
17/06/2009 Publ: 13/11/2009).

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3.4. Somando-se aos fundamentos já apresentados, saliente-se que, por uma
questão de hermenêutica jurídica, as normas que restringem direitos devem ser interpretadas
restritivamente, não comportando exegese ampliativa.
Por oportuno:
ADMINISTRATIVO. DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL APOSENTADO.
INSCRIÇÃO NA OAB. IMPEDIMENTO DO ART. 30, I, DA LEI 8.906/1994.
INAPLICABILIDADE.
1. Controverte-se a respeito da decisão proferida pela OAB/Seção de Santa
Catarina, que deferiu, com a restrição prevista no art. 30, I, da Lei
8.906/1994, o pedido de inscrição em seus quadros, formulado por
Delegado de Polícia Federal aposentado.
2. A limitação ao exercício profissional possui o seguinte teor: "Art. 30. São
impedidos de exercer a advocacia: I - os servidores da administração direta,
indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual
seja vinculada a entidade empregadora".
3. A recorrente defende a tese de que o legislador não delimitou o termo
"servidores" e que, ademais, a aposentadoria, por si só, não retira "do
interessado sua condição de servidor público" (fl. 238, e-STJ). Por essa
razão, a norma deve ser interpretada no sentido de que inclui tanto os
ativos como os inativos.
4. A interpretação conferida, data venia, é destituída de juridicidade e de
razoabilidade.
5. Em primeiro lugar, por questão de hermenêutica: as normas que
restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, o que,
aplicado ao caso concreto, recomenda que o impedimento parcial do
exercício da advocacia incida apenas em relação aos servidores
ativos.
6. Ademais, o dispositivo legal em análise visa a evitar conflito de ordem
moral e ética que haveria se o servidor pudesse se valer das informações a
que tem acesso, pela sua condição, e, simultaneamente, atuasse no sentido
de promover suas atividades profissionais como órgão integrante do Poder
Público e de, contraditoriamente, patrocinar causas contra o respectivo ente
federativo.1471391 7. A extinção do vínculo estatutário, decorrente da
aposentadoria, faz cessar esse conflito. Nesse sentido, reporto-me ao
entendimento adotado à unanimidade pelo próprio Conselho Federal da
OAB: Recurso nº 0140/2003/PCA-SC, Relator Conselheira Ana Maria Morais
(GO), DJ 24.04.2003, p. 381, S1.
8. Recurso Especial não provido.
(REsp 1471391/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,
DJe 26/11/2014)

Nesse ponto, deve ser ressaltada a alegação da ora recorrente no sentido da


negativa de vigência a dispositivos da Lei n. 8.906/1994, Estatuto da OAB, que preveem a
nulidade dos atos praticados por advogados, que de alguma forma estejam impedidos de
exercer a advocacia (arts. 4º e 34).
Na mesma medida, deve ser destacado, conforme demonstrado nos itens
anteriores, que o impedimento a que estariam sujeitos, no caso concreto, o desembargador
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aposentado e os advogados do escritório do qual aquele passou a pertencer, está
disciplinado na Constituição Federal, e, por essa razão, impô-se, naturalmente, sua análise,
mesmo em recurso especial.
De fato, conforme ressaltado pelo douto Ministro Luís Roberto Barroso em obra
doutrinária, a interpretação sistemática da legislação infraconstitucional, dentro dos ditames
traçados pela própria Constituição, passa, muitas vezes, pela atribuição de sentido ao próprio
texto da Lei Fundamental. Nessa extensão, concluiu:
Em todo ato de concretização do direito infraconstitucional estará envolvida,
de forma explícita ou não, uma operação mental de controle de
constitucionalidade. A razão é simples de demonstrar. Quando uma
pretensão jurídica funda-se em uma norma que não integra a
Constituição - uma lei ordinária, por exemplo, o intérprete, antes de
aplicá-la, deverá certificar-se de que ela é constitucional. Se não for,
não poderá fazê-la incidir, porque no conflito entre uma norma ordinária e a
Constituição é esta que deverá prevalecer. Aplicar uma norma
inconstitucional significa deixar de aplicar a Constituição.
(BORROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito
brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2009)

Com efeito, é pacífico o entendimento de que não é possível atuar como


guardião da legislação infraconstitucional sem conferir aos textos legislativos interpretação
em harmonia com os princípios, as regras e os valores constitucionalmente assegurados,
não representando essa harmonização perda de autonomia dos institutos
infraconstitucionais, que possuem evolução jurídica e histórica própria.
Nessa linha, vejam-se os seguintes julgados:
DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO
SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521,
1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE
VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO
PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA
CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA
CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N.
4.277/DF.
1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito
infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução
do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização
do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe
aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser
entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na
Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua
missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode
conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente
aceita.
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ
e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002
interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que
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impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre
pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como
sinônimo perfeito de família.
3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do
direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção
de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são
igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família",
recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver
que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico
de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de
família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados
princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a
concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria
com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque
plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o
destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um
propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável
dignidade.
4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente
reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se
pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam
menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas
apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos.
5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias
multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão
somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve
facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte
que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico
chamado família.
6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o
Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares
reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma
família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos
partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos
possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais
heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o
afeto.
7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o
direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e
ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com
plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também
não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê
o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante
ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo
haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir
família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla
liberdade de escolha pela forma em que se dará a união.
8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de
2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do
mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao
casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios
constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da
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dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre
planejamento familiar.
9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante
seus representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente"
decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre
alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e não o
Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e protetivo de
especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as
maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em
vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das
minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os
críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma
de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos.
10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume,
explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa
e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário
demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que
somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma
mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis.
11. Recurso especial provido.
(REsp 1183378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012)

4. Enfrentada a preliminar de nulidade alegada, passo à análise da questão


relativa à possibilidade de aplicação do direito estrangeiro pelo juiz brasileiro.
No caso dos autos, a ora recorrente, desde os embargos de declaração
opostos ao julgamento da apelação, assevera que a cláusula 16.6 do Acordo de Acionistas
previu a aplicação da lei argentina para reger o acordo e todos os eventuais conflitos
dele decorrentes e, por essa razão, "as partes deduziram seus pedidos e desenvolveram
todos os seus argumentos pautados nas disposições de leis vigentes no ordenamento
jurídico argentino e, ainda, com respaldo nos princípios gerais de Direito Internacional
Privado" (fl. 2038).
Em resposta aos embargos, no rumo das afirmações da embargante, o tribunal
paulista asseverou às fls. 2064-2065:
De outro lado, o acórdão foi igualmente explícito na análise do direito
argentino alegado (fls. 1.585/1.586), quer sobre a precisão do artigo 537,
quer do artigo 438, bem assim sobre a questão da culpa que a seu respeito
se agitou.
Já a fls. 1.580/1.581 o acordo de acionistas foi analisado na integralidade
das cláusulas que se consideraram relevantes ao deslinde, a fls. 1.582
detendo-se o julgado na interpretação da cláusula 3.1 vis à vis com o pacto
e fatos que lhe foram subjacentes. Se a embargante supõe literal a
interpretação e, por isso, equivocada, a matéria, de toda sorte, não é de
embargos declaratórios.

É certo que a elaboração e aplicação do direito de um país são atributos

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reconhecidamente da soberania estatal. Haverá, no entanto, hipóteses em que a expressão
daquela mesma soberania se dará por meio da concessão, pelo ordenamento, da incidência
do direito estrangeiro para solução das demandas.
Nesses casos, o Estado, no exercício de sua soberania, elege situações que
determinarão a incidência de um Direito que não o seu próprio.
Com efeito, a doutrina de direito internacional privado é uníssona em afirmar a
possibilidade da designação da lei de um país estrangeiro para reger determinada situação
jurídica objeto de processo que se desenvolverá no Brasil.
Sobre o tema, pontua Cândido Rangel Dinamarco:
A problemática da competência internacional não coincide nem se confunde
com a da extraterritorialidade do direito substancial. Como expressão do
poder estatal, a jurisdição de um país é exercida exclusivamente nos lindes
territoriais deste e sempre segundo as normas nacionais de direito
processual.
O direito material, ao contrário, vai além-fronteiras em muitos casos,
segundo normas de super direito representadas pelo direito
internacional privado (LICC, arts. 7.º-11).
(...)
O Código de Processo Civil admite claramente que juízes brasileiro julguem
a causa segundo o direito estrangeiro que em cada caso tenha legítima
pertinência (art. 337). É perfeitamente admissível, portanto, que, não
obstante a competência internacional pertença à autoridade judiciária de
dado Estado soberano, esse juiz internacionalmente competente venha a
julgar segundo normas jurídico-substanciais de outro país e até mesmo
dar-lhe efetividade mediante os atos do processo de execução forçada.
(Instituições de direito processual civil. v. 1. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
2004).

O renomado professor Luiz Olavo Baptista, em artigo acerca do tema,


conceitua a expressão direito estrangeiro com base na valiosa contribuição do jurista
português, João Baptista Machado, nos seguintes termos:
o direito estrangeiro chamado pelas normas de conflito é aquele direito
privado que efectivamente vigora no território de um determinado
Estado. Todos os preceitos de direito privado normal e efectivamente
aplicados no território de um Estado são abrangidos pela referência do
direito conflitual do foro. Não será necessário que tais preceitos emanem
directamente de fonte estadual: basta, como se disse, que constituam
direito privado vigente no domínio territorial de um Estado.
(Lições de Direito Internacional Privado. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1985, p.
242-243).

Consultando a jurisprudência desta Casa, entre os pouquíssimos julgados que


localizei tratando, em recurso especial, ainda que de forma genérica, da teoria do direito
internacional privado, apenas um apreciou a questão da aplicação do direito estrangeiro pelo

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julgador brasileiro, afirmando incidência de normas estrangeiras, quando assim determinado
pelas regras de direito internacional privado. Refiro-me ao Resp n. 254.544/MG, de relatoria
do eminente Ministro Eduardo Ribeiro.
Leia-se trecho do voto proferido pelo relator:
Sem que houvesse alegação das partes, a propósito da incidência do direito
estrangeiro, determinou o juiz trouxesse o autor “a prova de todo o direito
americano legal pertinente aos instrumentos objeto da cobrança, fazendo-o
em prazo de sessenta dias “
Não há dúvida alguma de que, em certas circunstâncias, a Justiça
brasileira haverá de aplicar o direito estrangeiro. Isso resulta de
normas de Direito Internacional Privado que, apesar do nome são de
direito interno. Caso deixasse de fazê-lo, estaria negando aplicação
a tais normas, integrantes do ordenamento nacional.
E se assim é, incide também aqui a regra de que o juiz aplica de ofício o
direito. Não carece, pois, de provocação das partes para verificar se o caso
há de ser regido por alguma disposição de direito estrangeiro.
Não tendo o julgador conhecimento do teor daquele direito, deverá
determinar as diligências necessárias a que isso se esclareça.

Abaixo, ementa do acórdão referido acima:


Direito estrangeiro. Prova.
Sendo caso de aplicação de direito estrangeiro, consoante as normas do
Direito Internacional Privado, caberá ao Juiz fazê-lo, ainda de ofício. Não se
poderá, entretanto, carregar à parte o ônus de trazer a prova de seu teor e
vigência, salvo quando por ela invocado.
Não sendo viável produzir-se essa prova, como não pode o litígio ficar sem
solução, o Juiz aplicará o direito nacional.
(REsp 254.544/MG, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA,
julgado em 18/05/2000, DJ 14/08/2000)

Seguindo nessa linha, é certo que julgador brasileiro dispõe de regramento


específico, um tanto quanto limitado, que orienta a aplicação do direito estrangeiro. Já no
Código de Bustamante (Decreto n. 18.871/1929), o art. 408 preceituava que "os juizes e
tribunaes de cada Estado contractante applicarão de officio, quando fôr o caso, as leis dos
demais, sem prejuízo dos meios probatórios a que este capitulo se refere". No mesmo rumo,
são as previsões dos arts. 9º e 14 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(Decreto-lei n. 4.657/1942); o art. 337 do CPC/1973; assim como o art. 376 do CPC/2015.
Benigno Nuñez Novo, doutor em Direito Internacional pela Universidad
Autónoma de Asunción, elucida que, numa definição estrita, o direito internacional privado
compreenderia as normas de solução dos conflitos de leis no espaço, sendo certo haver
estudiosos que incluem no rol de objetos daquelas normas as regras jurídicas referentes à
nacionalidade e à condição jurídica do estrangeiro, por exemplo.
Nas lições do mesmo professor, existe a definição de "conflito de leis no
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espaço" como sendo qualquer relação humana ligada a duas ou mais ordens jurídicas, cujas
normas não sejam coincidentes, resultando na concorrência de duas ou mais leis -
produzidas por países (ou províncias) diferentes -, sobre a mesma questão jurídica. Nesses
casos, o juiz ou o intérprete da lei procederá à definição da lei aplicável e essa escolha terá
como base regras preestabelecidas, cujo conjunto constitui o direito internacional privado. (A
aplicação do direito estrangeiro. Disponível em:
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-170/a-aplicacao-do-direito-estrangeiro/)
Na linha desse entendimento, é a doutrina de Irineu Strenger, que afirma ser o
Direito Internacional Privado um conjunto de princípios que cuida da legislação aplicável às
relações jurídicas privadas envolvidas em mais de uma esfera de soberania. (Direito
internacional privado: parte geral, direito civil internacional, direito comercial internacional. 5.
ed. São Paulo: LTr, 2003)
Extraem-se, uma vez mais, do trabalho de Benigno Nuñez Novo, orientações
acerca da aplicação do direito estrangeiro no Brasil
A aplicação do direito internacional privado a um caso concreto ocorre por
meio de três conceitos: o de "categoria de relações jurídicas" (ou
"qualificação"), o de "elemento de conexão" e o de "lei competente". Por
exemplo, o direito internacional privado brasileiro dispõe que "para qualificar
e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que constituírem".
Um juiz brasileiro que tenha em mãos um caso de conflito de leis sobre um
contrato celebrado na França se perguntará, em primeiro lugar, qual a
categoria de relações jurídicas (no caso, trata-se de obrigações – um
contrato); em segundo lugar, qual o elemento de conexão que o direito
internacional privado brasileiro manda usar para reger as obrigações (é a
lei do lugar onde se constituíram – a França); concluirá então que a lei
competente para reger o contrato do exemplo é a francesa.

Ressaltem-se, assim, duas assertivas: 1) como de conhecimento comezinho,


a territorialidade é a regra e conduz à aplicação, em princípio, da lei brasileira a todos os
nacionais e estrangeiros que se encontrem em território brasileiro; 2) nos termos do direito
internacional privado, os elementos de conexão, mencionados na transcrição acima,
indicarão a lei aplicável a casos relacionados a legislações de mais de um país e estarão
sempre preestabelecidos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Na linha desse raciocínio, repita-se, haverá situações para as quais a regra de
conexão determina a regência da lide por legislação estrangeira, sempre respeitados
princípios do ordenamento jurídico nacional essenciais à sobrevivência do Estado. Ademais,
conforme bem elucida Luiz Olavo Baptista, em matéria de contratos "é expressa e
incontestável a escolha do legislador pela regra de conexão lex loci contractus, um dos
critérios de conexão mais antigos no direito". (Contratos internacionais. São Paulo: Lex, 2010.
p. 35).
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Destarte, no que respeita ao ordenamento brasileiro, "a incidência do direito
alienígena está limitada, porém, pelas restrições do artigo 17 da LINDB, que retira a eficácia
de atos e sentenças que ofendam a soberania nacional, a ordem pública e os bons
costumes" (REsp 1628974/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA
TURMA, DJe 25/08/2017)
Aliás, importa acrescentar sobre a questão específica dos contratos que,
conforme orienta Nadia de Araújo, "apesar da expressa tendência mundial de recepção e
respeito ao princípio da autonomia privada nos contratos internacionais, o Direito Internacional
Privado do Brasil não aceita expressamente a escolha da lei aplicável como elemento de
conexão, mas tão somente a lex loci contractus. (Direito internacional privado: teoria e prática
brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004).
Nesse mesmo sentido já se manifestou a Terceira Turma em recurso especial
que, apesar de reconhecer a legislação norte-americana aplicável à situação, não analisou a
violação ao direito estrangeiro, propriamente, por não ter havido questionamento nessa linha:
Em primeiro lugar, conforme se extrai da sentença, os dispositivos legais
enunciados na petição inicial dizem respeito a aspectos processuais, visto
que a legislação processual aplicável é a brasileira (art. 88, I, do
CPC/1973). Por outro lado, não pode a parte unilateralmente alterar a
legislação aplicável quando lhe convier. E, na hipótese, o recorrido
afirma expressamente a incidência da legislação americana,
ressaltando que no corpo dos títulos está escrito "Reconheço ainda
que, sob as leis de Nevada, este instrumento é idêntico a um cheque
pessoal (...)" (fl. 272, e-STJ). Assim, não há falar em renúncia à
legislação estrangeira.

Abaixo, a ementa do acórdão:


RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA.
COBRANÇA. DÍVIDA DE JOGO. CASSINO NORTE-AMERICANO.
POSSIBILIDADE. ART. 9º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO
DIREITO BRASILEIRO. EQUIVALÊNCIA. DIREITO NACIONAL E
ESTRANGEIRO. OFENSA À ORDEM PÚBLICA. INEXISTÊNCIA.
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. VEDAÇÃO. TRIBUNAL ESTADUAL.
ÓRGÃO INTERNO. INCOMPETÊNCIA. NORMAS ESTADUAIS. NÃO
CONHECIMENTO. PRESCRIÇÃO. SÚMULA Nº 83/STJ. CERCEAMENTO DE
DEFESA. OCORRÊNCIA.
1. Na presente demanda está sendo cobrada obrigação constituída
integralmente nos Estados Unidos da América, mais especificamente no
Estado de Nevada, razão pela qual deve ser aplicada, no que concerne ao
direito material, a lei estrangeira (art. 9º, caput, LINDB).
2. Ordem pública é um conceito mutável, atrelado à moral e a ordem jurídica
vigente em dado momento histórico. Não se trata de uma noção estanque,
mas de um critério que deve ser revisto conforme a evolução da sociedade.
(...)
11. Recurso conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido.
(REsp 1628974/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
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TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 25/08/2017)

Apenas a título ilustrativo, saliente-se que a jurisdição arbitral possibilita,


expressamente, a escolha da lei aplicável pelas partes, como se infere do art. 2º da Lei n.
9.307/1996 (Lei da Arbitragem).
Acrescento apenas que as normas de direito internacional privado são as
responsáveis pela indicação do direito aplicável a uma determinada relação jurídica.
Assim, na hipótese, não apenas existe a possibilidade do julgamento da lide
pelo juiz brasileiro, com base na legislação argentina, como também é importante destacar
que não é a cláusula 16.6 do instrumento contratual pactuado entre as partes, invocada pela
ora recorrente, que conduz a essa conclusão, mas os dispositivos da Lei de Introdução às
Normas Brasileiras e os elementos de conexão por ela eleitos.
Ainda há outra questão a ser sopesada, sobre se o direito estrangeiro
aplicável pode ser objeto do recurso especial.
Nesse ponto, uma vez mais, confesso que localizei na jurisprudência apenas
um julgado, com resposta direta e objetiva à questão, a meu ver, absolutamente coerente
com o raciocínio desenvolvido até aqui.
Com efeito, em 1981, anteriormente à criação deste colendo Tribunal, quando o
Supremo Tribunal Federal ainda reunia entre suas competências o julgamento que se
referisse à legislação infraconstitucional, a Segunda Turma, de maneira analítica, tratou da
possibilidade de a lei estrangeira, nos casos em que deva ser aplicada, ser objeto de
investigação pela instância extraordinária, quando for alegada interpretação equivocada feita
pelo julgador brasileiro ou a negativa de sua aplicação.
É que, se a aplicação do direito infraconstitucional é passível de ser
questionada por meio do recurso especial, não há como, no meu entender, defender o
contrário, quando se tratar de legislação estrangeira. Se ao julgador das instâncias ordinárias
é dada a chance de interpretar e aplicar o direito estrangeiro, nada mais natural que a este
Tribunal também o seja.
Confira-se a ementa do recurso, que teve como relator o ilustre Ministro Moreira
Alves (RE n. 93131-7/MG):
EQUIPARAÇÃO DA LEI ESTRANGEIRA, APLICADA NO BRASIL, A
LEGISLAÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, PARA EFEITO DE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DAÇÃO EM
CUMPRIMENTO. SUB-ROGAÇÃO LEGAL. CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS
(ARTS. 592, 593 E 837). INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DE VIGÊNCIA DO
ARTIGO 9 DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. DISSIDIO DE
JURISPRUDÊNCIA NÃO DEMONSTRADO. A LEI ESTRANGEIRA, APLICADA
POR FORÇA DE DISPOSITIVO DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
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BRASILEIRO (NA ESPÉCIE, O ARTIGO 9. DA LEI DE INTRODUÇÃO AO
CÓDIGO CIVIL), SE EQUIPARA A LEGISLAÇÃO FEDERAL BRASILEIRA,
PARA EFEITO DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
NÃO OCORRÊNCIA, NO CASO, DE DAÇÃO EM CUMPRIMENTO (DATIO IN
SOLUTUM) E DE SUB-ROGAÇÃO LEGAL. NEGATIVA DE VIGÊNCIA DOS
ARTIGOS 837, 592 E 593 DO CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
(RE 93131, Relator(a): MOREIRA ALVES, Segunda Turma, julgado em
17/12/1981, DJ 23-04-1982)

A hipótese julgada pelo Supremo, naquela ocasião, tratava de contrato de


empréstimo entre SOEICOM S.A., Sociedade de Empreendimentos Industriais, Comerciais e
Mineração e um conglomerado de bancos liderado pelo Bayersche Vereinsbank International -
Societê Anony -, estabelecido em Luxemburgo, no valor de US$14.000.000,00. O garantidor
do negócio foi o estabelecimento bancário português, Banco Pinto & Soutto Mayor, envolvida
a Empresa de Cimento Leiria, com sede em Lisboa. O autor da ação era proprietário de
ações da Empresa de Cimento particular de nacionalidade portuguesa.
Argumentou o autor que, tratando-se de negócios e obrigações constituídas em
Portugal, a legislação portuguesa regeria as relações jurídicas, nos termos do art. 9º, da Lei
de Introdução, à época, ao Código Civil. A Justiça Brasileira seria, todavia, a competente para
julgar a ação, pois a obrigação deveria ser cumprida no Brasil, assim como, por ser a ré uma
empresa brasileira (art. 12, LICC).
Assim foi reconhecido pelo juiz brasileiro, que a legislação aplicável à espécie
era a portuguesa, portanto julgou o feito com base nos institutos portugueses relacionados à
contenda.
Merecem transcrição os trechos do judicioso voto proferido pelo douto Ministro
relator, pela clareza na exposição das ideias e por esgotarem as questões relevantes sobre a
matéria:
1. Alegam os recorrentes que o acórdão recorrido negou vigência ao art. 9º
da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, que por não haver aplicado
a lei estrangeira aplicável - a lei inglesa -, quer por haver negado vigência à
lei estrangeira aplicada - a lei portuguesa - que, nesse caso, se incorpora
ao direito nacional, equiparando-se à lei federal; bem como o artigo 17 da
mesma Lei de Introdução. Pretendem, ainda, os recorrentes que há dissídio
de jurisprudência, pois, enquanto o acórdão recorrido sustenta, com apoio
em AMILCAR DE CASTRO, que "na esfera da apreciação de contratos
realizados no estrangeiro, para lhes serem atribuídos ou negados efeitos no
Brasil, não prevalece o famoso princípio da autonomia da vontade: as
partes não podem escolher o direito que lhes aprouver", esta Corte teria
entendimento contrário, no RE 14.328, nas S.E. 2.178 e 2.98, no exequatur
1408 e no Ag. 11.371.
2. O acórdão recorrido, embora haja aludido à opinião de AMILCAR DE
CASTRO no sentido de que "as partes não podem escolher o direito que
lhes aprouver", entendeu, em verdade, que a lei portuguesa seria aplicável
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à espécie porque o artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro
estabelece que "para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se á a lei do
país que se constituírem"
(...)
Portanto, a questão a ser agora examinada se desdobra, na
realidade, em duas:
a) - a lei estrangeira, aplicada por força de dispositivo de direito
internacional privado brasileiro (na espécie, o artigo 9º de nossa Lei
e Introdução ao Código Civil), se equipara à legislação federal, para
efeito de admissibilidade do recurso extraordinário?
b) - em caso afirmativo, a aplicação da lei estrangeira o foi de molde
que se caracterize negativa de sua vigência?

Quanto à primeira dessas indagações, não tenho dúvidas em


responder afirmativamente. Nesse sentido, aliás, de há muito se
vêm manifestando os mais categorizados autores pátrios.
Já MATOS PEIXOTO, em sua monografia clássica - "Recurso
extraordinário", editada, em 1935, (...) depois de acentuar que "se a justiça
local deixa de aplicar a lei estrangeira contra as disposições da lei nacional
ue determina expressamente essa aplicação, como nos casos do art. 8 e 14
do Código Civil tem todo o cabimento o recurso extraordinário, por se tratar
de sentença contra a literal disposição de lei federal", arrematava:
"O mesmo se deve dizer da interpretação falsa ou tão errônea que
importe na negação da lei estrangeira.
Negando a lei estrangeira nos casos em que a lei pátria manda aplicá-la,
o juiz nega esta última; daí o fundamento do recurso extraordinário" (nº
22, pág. 261).
Na mesma esteira, CASTRO NUNES (Teoria e Prática do Poder
Judiciário...):
"A lei estrangeira de observância obrigatória, por determinação da lei
brasileira (Código Civil, Introdução), lei competente para reger a
hipótese, não pode ser classificada no sistema jurídico do país como lei
local, senão como lei federal por equiparação necessária. Se a
justiça local deixa de aplicá-la em dado caso, aplicando a lei
territorial, terá, se pertinente a invocação, violado o Código Civil.
Se aplicou, mas aplicou deturpando-a, ainda aqui, ao que se
parece, autorizado estará o recurso como se lei nacional se
tratasse.
.........................................................................
A lei estrangeira incorporou-se ao direito nacional. Sua autoridade
resulta da obrigatoriedade que lhe empresta a lex-fori, como
magnificamente expõe CUNHA GONÇALVES: 'Não é em virtude da
autoridade do legislador estrangeiro que se aplica a lei por ele
promulgada, pois essa autoridade termina nos limites do respectivo
território; mas, sim, por força da autoridade do legislador do país onde o
litígio é decidido. Este legislador, em certos casos, apropria-se das leis
estrangeiras, incorpora-as na sua legislação, inspirando-se nas mesmas
razões e nos mesmos fins que lhe ditaram as leis nacionais ou no intuito
de melhor realizar a justiça ou a equidade. Deste modo, não há partilha
de soberanias: a soberania local, longe de ser suplantada, afirma-se
mais vigorosamente, dando a uma lei estrangeira a força precisa para
ser reconhecida e aplicada".
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A doutrina da incorporação da lei estrangeira ao direito nacional e
de sua equiparação à lei federal pátria por força da qual aquela foi
incorporada é acolhida unissonamente pelos nossos tratadistas de
direito internacional provado. Assim, TITO FULGÊNCIO (...), pondera:
"quando a lei brasileira sobre o conflito das leis remete para uma lei
estrangeira, não basta para que seja ela respeitada, que se aplique,
de uma maneira qualquer, a estrangeira referida. É preciso que seja
aplicada de maneira exata. Da violação não pode deixar de haver
recurso para o alto Tribunal da União, à qual compete tudo quanto
entende com o comércio internacional"; VALADÃO (...) acrescenta:
"Doutra forma seria, com tal grave menosprezo ao direito estrangeiro, violar
a norma brasileira que o tornou obrigatório e praticar uma denegação de
justiça"; AMILCAR DE CASTRO (...); CAMPOS BATALHA (...), o qual, além
de invocar, no mesmo sentido, CLÓVIS BEVILAQUA, PEDRO BATISTA
MARTINS e FREDERICO MARQUES, observa que o art. 412 do Código
Bustamante estabelece: "Em todo Estado contratante em que exista
o recurso de cassação ou instituição correspondente, poderá
interpor-se por infração, interpretação errônea ou aplicação
indevida de uma lei de outro Estado contratante, nas mesmas
condições e hipóteses que a respeito do Direito nacional".
(...)
Plenas de verdade são estas palavras de Amilcar de Castro (...) ao
responder a indagação de ofensa ao direito estrangeiro aplicável dar, ou
não, margem a recurso extraordinário:
"A resposta afirmativa impõe-se, porque, por um lado, se estará, na
verdade, negando vigência à norma federal brasileira de direito
internacional privado, que submete a apreciação do fato anormal à
determinado, e não há qualquer direito; e, por outro lado, aplicar direito
estrangeiro nada mais é que organizar direito brasileiro especial, tanto
quanto possível, semelhante a certo uso jurídico estrangeiro
cuidadosamente considerado. Quando o poder judiciário adultera uso
jurídico estrangeiro, por isso mesmo desrespeita a norma brasileira do
direito internacional privado. Quando o juiz brasileiro, por exemplo, imita
direito estrangeiro revogado, ou de vigência posterior ao fato anormal,
ou não interpreta bem uma disposição legal, está organizando direito
brasileiro especial diferente daquele que deveria organizar. Na minha
opinião de Rolin, "seria formalismo ridículo sustentar que nesses casos o
juiz não violou a lei nacional". E quem admita que cabe recurso
extraordinário quando o juiz se recusa formalmente a imitar o direito
estrangeiro que lhe é indicado pelo direito internacional privado
brasileiro, deve também concordar em que cabe o mesmo recurso,
quando o juiz o imita mal, pois, como diz muito bem Colin, "violar uma lei
ou não aplica-la, vem a ser, em bom senso, a mesma coisa".
E, por entender cabível o recurso extraordinário para verificar se
houve, ou não, negativa de vigência da lei estrangeira aplicável por
força de princípio de direito internacional privado brasileiro, passo a
enfrentar a segunda das indagações a que alude de início: na
espécie, a aplicação da lei estrangeira o foi de molde que se
caracteriza negativa de sua vigência?

5. Assim sendo, passo à necessária análise da matéria alienígena impugnada.

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A ora recorrente afirma que o tribunal paulista teria dado interpretação
equivocada aos dispositivos do Código Civil Argentino, negando o seu direito.
Afirma que os arts. 528 a 538 do diploma civil Argentino, "Das Obrigações
Condicionais", vão ao encontro de suas alegações no sentido de que, tendo a recorrida
obstado voluntariamente a ocorrência da hipótese prevista na Cláusula 3.1. do Acordo de
Acionistas, considera-se realizada a condição, nascendo o direito de troca das ações.
Argumenta, na mesma extensão, que o art. 1.198 do código argentino positiva a
regra geral de boa-fé objetiva, que deve ser observada na interpretação e execução dos
contratos e que o art. 218 do Código de Comércio estabelece as bases a serem observadas
quando necessária a interpretação de uma cláusula contratual.
Reitera que o tribunal de origem se equivoca ao afirmar que o legislador
argentino exigiria a configuração do dolo do devedor em obstar a ocorrência da
condição suspensiva, para, só nesses casos, considerá-la realizada.
Acerca dos fatos, manifestou-se o acórdão recorrido, nos seguintes termos:
No mais, e respeitada a convicção da MM. Juíza de origem, não se
considera que o pleito inicial merecesse acolhimento, menos ainda para
garantir, à ré, tout court, o mínimo de 2% das ações da ré, veja-se, pelo seu
valor de mercado em 2006, olvidando-se todo o procedimento avaliatório
estabelecido nas cláusulas 3.1, 3.2 e 3.3 do Acordo de Acionistas, ademais
em que se previu a expressa exclusão de alguns negócios (chamados
"Negócios Excluídos"), devidamente especificados (fls. 162).
Mas, seja como for, considera-se que o próprio direito à permuta de
ações não se houvesse de reconhecer, fundamentalmente porque
condicionado e porque, sem causa injustificável atribuível à ré, não
implementado o evento futuro e incerto subordinante, neste ponto,
do ajuste firmado entre as partes.
As empresas litigantes, primeiro em 1.999 e, depois, em 2000,
firmaram negócio por meio do qual constituíram empresa, na
Argentina, para, em parceria, desenvolver os negócios que a ré
explorava, e ainda explora, aqui no Brasil. Constituída assim a UOL
Argentina, com maioria do capital da ré e 25% da autora, o que
depois se reduziu a 6%, em 2001 (fls. 104 e 124).
Pactuou-se Acordo de Acionistas (fls. 160/176), a fim de "estabelecer a
estrutura geral que irá reger a relação entre as partes na qualidade de
acionistas da UOL-Argentina", prevendo-se estimativa de aporte necessário
ao empreendimento na casa dos 20 milhões de dólares americanos, e
durante o período inicial de cinco anos após a subscrição do acordo,
financiado em função da participação dos acionistas no capital social.
Portanto, de pronto cabe assentar que se a autora diz ter investido cerca de
cinco milhões, e por meio da cessão ou créditos de espaços publicitários,
como já se havia previsto no acordo de 1999 (v. fls. 137/138), restaram os
outros quinze a cargo da ré.
Ainda ajustaram as partes que o conteúdo da UOL-Argentina seria
fornecido, nem só pela autora, mas por ambas, mediante as condições da
cláusula 5ª do Acordo de Acionistas. Assim, incumbir-se-ia a ré dos
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conteúdos genéricos em idioma espanhol e a autora dos seus próprios
conteúdos específicos, conforme detalhado na cláusula 5.4 (fls. 164). Tanto
quanto a plataforma e mecanismos de busca, a autora fornecia seus
conteúdos por meio do que no Acordo se chamou de uma divisão de seus
negócios, a UOL-Portal Espanhol (UOL-E), a uma remuneração fixada nas
cláusulas 5.1 e 5.2, enquanto a autora, pelo seu próprio fornecimento, teria
direito também a uma remuneração, prevendo-se na parte final da cláusula
5.4: "em contraprestação às obrigações assumidas pela PERFIL na
presente clausula 5.4, a PERFIL deverá possuir o direito de receber uma
comissão da UOL-Argentina igual a 50% das receitas líquidas da
UOL-Argentina derivadas da publicidade inserida nos sites de produtos da
PERFIL."
Daí já se extraem algumas conclusões que se reputam relevantes.
Primeiro que ambas as partes investiram, e nas forças de sua
participação social, a evidenciar a real parceria que entre elas se
erigiu.
Segundo que o fornecimento de conteúdos, igualmente, coube a
ambas e, por isso, se previram remunerações próprias, em cláusula
própria, distinta da questão da troca das ações, que se vai examinar
adiante. Terceiro que bem se denota, já pela referência, na cláusula
5ª, a uma divisão de negócios da ré para fornecimento de conteúdos
genéricos em espanhol, aludindo a divisões operacionais em idioma
espanhol e, não apenas à UOL-Argentina, mas também à UOL-Chile, à
UOL-México, entre outras (v. fls. 163), um evidente projeto de expansão
para a América Latina. E justamente aí se coloca o problema da
oferta pública de ações da ré em Bolsa norte americana. Frise-se,
evento que se elegeu condicionante do direito de a autora trocar
sua participação acionária na UOL-Argentina por ações da
Companhia ré.
Consoante, de fato, se ajustou na cláusula 3.1 do Acordo de
Acionistas, "as partes concordam que, durante o período de um ano
após o que ocorrer por último entre: (1) o último dia do terceiro ano
após a data do presente Acordo de Acionistas e (2) a data da Oferta
Pública Inicial (IOP) da UOL-INC, em uma importante bolsa de valores
dos EUA, a PERFIL LIMITED deverá possuir o direito de notificar, por
escrito, a UOL-INC, sobre a intenção da PERFIL LIMITED de permutar
todas, e não menos do que todas, as suas ações da UOL-Argentina
por ações da UOL-INC." Isto, é certo, mediante as condições de
implementação já acima referidas, com exclusão, ademais, de alguns
negócios na avaliação a que se deveria proceder.
Contudo, no que agora importa, concordaram as partes em ajustar
um direito formativo de a autora trocar suas ações na UOL-Argentina
por ações da ré, dependente, fundamentalmente, do transcurso do
prazo de três anos da data do Acordo de Acionistas ou da oferta
pública inicial que a apelante viesse a fazer em bolsa norte
americana, o que ocorresse por último e a partir de quando fixado
prazo decadencial de um ano para exercício da faculdade.
Pois bem. Firmado o Acordo de Acionistas em 2000, passou-se um ano dos
três iniciais do ajuste, como nele previsto, sem que qualquer opção de troca
das ações se manifestasse. Tal manifestação se fez em dezembro de 2006
(fls. 213), ao fundamento de que no prazo contado desde evento posterior,
o último conforme a previsão da cláusula 3.1, assim o lançamento de ações
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da ré. Mas não em bolsa norte americana, senão na BOVESPA, o que
sucedeu em dezembro de 2005.
A propósito, sustenta a autora, de um lado, que a previsão de permuta das
ações se colocou no contexto de verdadeira retribuição ou contrapartida
pelos conteúdos que, mesmo depois do prazo inicialmente firmado,
permaneceu a fornecer para a UOL-Argentina. Mas, como já se viu, também
a ré, além da própria plataforma e mecanismos de busca, disponibilizava
conteúdo. Depois, igualmente visto que, por isso, ambas as partes tinham
retribuição própria e prevista em cláusula específica.
Segue a autora argumentando que a aquisição das ações constituía
justa expectativa de quem investiu cerca de cinco milhões no
negócio. Mas eram cinco de vinte milhões previstos, o que significa
dizer que nem só ela investiu, e nem a maior parte, ademais da
consideração básica de que o investimento é próprio do negócio
que se quis implementar. Eram empresas sócias no projeto de se
levarem ao solo argentino os serviços de conteúdos virtuais que a
ré explorava no Brasil.
Por fim, defende a autora interpretação extensiva para a condição
ajustada, de modo a se reconhecer que no lançamento das ações na
BOVESPA já se traduzia o implemento do evento futuro e incerto a
subordinar o direito de troca das ações, literalmente previsto como
sendo IPO em mercado bursátil norte americano. A tanto acrescenta
que era notório interesse da ré em fazê-lo e que para isso lançou as ações
no Brasil.
Não se nega, nem se controverte que, quando da entabulação do
negócio em questão, fosse propósito da ré internacionalizar sua
atividade, colocando-se no mercado latino americano por meio da
constituição de empresas, como no caso, na Argentina, mas também
em outros países, como Chile e México, por exemplo, de resto
conforme antes se salientou, e ao que serviria o lançamento de
ações nos EUA. Isto, porém, não significa que esta oferta de ações
em bolsa americana fosse uma certeza. Deu-se caso típico da
chamada condição simplesmente potestativa, ou seja, em que o
evento futuro e incerto que subordina os efeitos do negócio
jurídico depende da vontade de uma das partes, mas ela própria
depende de circunstâncias externas, como, no caso, do mercado.
E o fato é que, quando do lançamento das ações, no Brasil, em 2005, cerca
de cinco anos passados desde o Acordo de Acionistas, a realidade era
outra. Veja-se, a respeito, que, no prospecto de fls. 623, em sua página
112, já se referia o encerramento de outras empresas UOL latino
americanas, retratando-se bem o quadro de insucesso da tentativa de
expansão dos negócios da ré. Do mesmo modo, no documento, agora na
página 134, observa-se a posição da UOL-Argentina no movimento total da
Companhia, decerto que insuficiente, só por isso, a levar a ré a ofertar
ações nos EUA. Aliás, bem ao contrário, incontroversas as dificuldades
enfrentadas pela empresa constituída na Argentina, e mesmo pela própria
ré, demonstrado o processo de "concurso preventivo" que teve trâmite
naquele País vizinho.
Neste cenário, não parece ser possível concluir que o lançamento de ações
na BOVESPA sirva a considerar implementada a condição prevista na
cláusula 3.1 do Acordo de Acionistas, nem mesmo permitindo entrever que
se integrasse a estratégia de oferta inicial (IPO) no mercado americano.
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Aliás, o que parece ter sido reconhecido pela própria autora, logo no ano de
2006, quando firmou negócio - posto que sem interferir no pleito veiculado,
como abaixo referido - sobre as ações da UOL-Argentina com um seu
credor (v. fls. 282).
De igual forma, pelos mesmos motivos, também não se entende
razoável imaginar que a ausência desta oferta em bolsa dos EUA
tenha de algum modo sido motivada pelo propósito de frustrar a
condição em exame, de sorte a se autorizar a conclusão pela sua
ficta implementação (art. 537 do CC argentino). E, acrescente-se,
ainda que se defenda a aplicação do artigo 538 da mesma legislação,
aquela incidente à espécie conforme as condições do negócio
firmado, nem por isso o deslinde se altera.
A uma que a doutrina diverge sobre se na compreensão do art. 538
não se exige, também, como no artigo 537, parte final, malícia quanto
à ocorrência do evento condicionante, havendo quem defenda que
a diferença entre os preceitos esteja, antes, no doloso impedimento
a que o evento se realize ou na dolosa provocação de evento que
não se realizaria. Por exemplo, sustenta Alfredo Como que, na regra
do art. 537, quer-se dizer: "se tendrá por no cumplida (o fallida) la
condición, cirando dolosamente se procure (y no se impida) su
cumplimiento por parte del que va a resultar beneficiado por ella. Em el
art. 538 se quiere lo opuesto: la condición será juzgada como cumplida
cuando el que va a resultar perjudicado por su cumplimiento
dolosamente lo impide." (De las obligaciones en general. 2" ed.
Buenos Aires. Lib. Y Casa Ed. de Jesus Menendez. t. I, p. 167). Daí
defender sempre necessária a malícia, não a mera culpa (Idem,
ibidem; no mesmo sentido: Baldomero Llerena. Concordancias y
comentados ao CC argentino. 3" ed. Lib. Y Ed. La Facultad. t. II. p.
471-472)). E sintomático que, no novo Código argentino, ainda a
viger, a matéria, antes tratada no capítulo das obrigações, tenha
sido levada à parte geral e num só artigo que dispõe: "el
incumplimiento de la condición no puede ser invocado por la parte que,
de mala fe, impede su realización." (art. 345)
Porém, mesmo rebatendo-se a tese, sem deixar de reconhecer sua
força, ao argumento de que, literalmente, o CC ainda atual somente
consagrou a hipótese de frustração do evento (por todos: Hector
Lafaille. Derecho civil. Tratado de las obligaciones. Buenos Aires.
Ediar Ed. t. VII. p. 51), de qualquer maneira a condição fictamente
implementada, na hipótese do artigo 538, pressupõe ao menos culpa
da parte, como o reconhece a própria autora, remetendo à lição de
Belluscio e Zannoni, que colaciona (v. fls. 1.529/1530). É dizer então
que o efeito não se opera "si al impedir el cumplimiento de la
condición el obligado há procedido en ejercicio de um derecho"
(Raymundo Salvat. Tratado de derecho civil argentino. Obligaciones en
general. 4ª ed. p. 275), ou, havendo causa bastante a justificar a
conduta da parte, portanto afastando-se mesmo a culpa, senão o
dolo. E tal o que se há de compreender na espécie.
A rigor, insista-se, a ausência de lançamento das ações nos EUA deu-se em
meio à alteração do mercado em relação à expansão pretendida e mesmo
diante da frustração de um projeto que não era somente da ré, mas a que
se associaram seus parceiros nos diversos países, incluída a autora,
destarte ainda aqui sem se cogitar de culpa que autorize considerar
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implementada condição a permitir que a parceira em empresa desvalorizada
se torne titular de dois por cento do capital da ré, no Brasil.
A verdade é que a iniciativa em virtude da qual se associaram as partes não
deu certo e o que, por evidente, deve trazer, como traz, consequência a
ambas, afinal sócias. A autora decerto teve prejuízo, como teve a ré.
Nada nos documentos firmados justifica a conclusão de que não
houvesse risco também para a autora, acaso garantida em qualquer
circunstância pela integração aos quadros da ré no Brasil.
Não houve, como quer a autora, o que seria um calote em crédito
que não se reconhece a si afeto, e muito menos garantido pela troca
de ações. Sua integração ao negócio se deu por meio de participação
societária que lhe poderia trazer lucros ou prejuízos. Insista-se, para ela e
para a ré, aliás, na força da participação de cada qual, e visto que bem
maior a da apelante.
Daí, preservada a convicção da MM. Juíza de origem, e mesmo superada a
questão da titularidade das ações da autora na UOL-Argentina,
especialmente em face da declaração da própria Quebecor, de fls. 1139,
não se justificar a deliberação de permuta das ações, de conseguinte
ausentes dividendos que a ré deva pagar pela posição acionária que não
se reconhece à autora, em seus quadros. E, do mesmo modo, não há
indenização de que se deva cogitar, note-se, na inicial associada à negativa
de troca das ações (fls. 25/26), mas que não se considera ilícita.
Textualmente afirmou a autora que "se o direito de troca das ações tivesse
sido acatado pela ré, restaria encerrado o dever da autora de disponibilizar
conteúdos e, portanto, deve ser ela indenizada do valor equivalente". Ou
seja, pretende-se indenização por ato ilícito, vinculado a causa que não se
pode alterar dado o princípio da estabilização da lide e da adstrição.

Percebe-se, pois, que há no acórdão recorrido a análise de questão jurídica sob


o prisma do direito argentino, assim como de questões fáticas, naturalmente.
É bem de ver, por óbvio, que há a impossibilidade deste Superior Tribunal
revisitar o contexto fático-probatório dos autos, tal como acontece no julgamento dos
recursos dessa espécie, quando o objeto de investigação é o direito interno, dada a
incidência, como regra, do enunciado da Súmula n. 7/STJ.
Exatamente no rumo dessa conclusão foi o entendimento ressaltado no
julgamento do RE n. 7076, sob a relatoria do eminente Ministro Castro Nunes, quando ao STF
cabia a análise da legislação infraconstitucional. Confira-se:
A lei estrangeira, dita competente, para reger dada espécie, pela lei
brasileira, a esta se equipara, não podendo ser tratada, no recurso
extraordinário, com maiores prerrogativas de que a lei territorial, para o
efeito, pretendido pela recorrente, de ser guardada com maior rigor. E se
na aplicação das leis nacionais, o merecimento das provas escapa
ao recurso extraordinário, não vejo como admiti-lo para re-examinar
os documentos em que se baseou o Tribunal de Apelação para dar
como regularmente provado um casamento celebrado na Guatemala à vista
de certidão provinda dos registros desses país.

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Superior Tribunal de Justiça
Abaixo a ementa do acórdão:
Recurso extraordinário - Casamento, ação anulatória - matéria de prova - lei
estrangeira, aplicação. - Não cabe recurso extraordinário da decisão da
justiça local que concluiu pela nulidade do segundo casamento em face da
prova de que o anterior não estava dissolvido por qualquer dos meios
legais.
(RE 7076, Relator(a): CASTRO NUNES, julgado em 16/11/1944)

Feita essa observação, identifico que a questão jurídica a ser analisada


limita-se à verificação da necessidade de existência de conduta dolosa ou, ao menos,
culposa, daquele a quem cabia realizar o evento eleito como condição da obrigação, para
que se considere realizada referida condição e as consequências que daí adviriam.
Os dispositivos do Código Civil Argentino vigente à época dos fatos, que
disciplinam a hipótese, vinham assim redigidos:
ARTICULO 537. Las condiciones se juzgan cumplidas, cuando las partes a
quienes su cumplimiento aprovecha, voluntariamente las renuncien; o
cuando, dependiendo del acto voluntario de un tercero, éste se niegue al
acto, o rehuse su consentimiento; o cuando hubiere dolo para impedir su
cumplimiento por parte del interesado, a quien el cumplimiento no
aprovecha.
Art. 537. As condições consideram-se realizadas, quando as partes, cujo
cumprimento delas se aproveite, as renunciem voluntariamente; ou quando,
a depender de ato voluntário de terceiro, este recuse o ato ou recuse seu
consentimento; ou quando há intenção fraudulenta de impedir o
cumprimento pelo interessado que se não beneficia da execução.
ARTICULO 538. Se tendrá por cumplida la condición bajo la cual se haya
obligado una persona, si ella impidiera voluntariamente su cumplimiento.
Art. 538. A condição a qual uma pessoa foi obrigada considera-se
cumprida, se ela voluntariamente impedir o seu cumprimento.

5.1. Acerca do Direito Civil Argentino, o professor Otavio Luiz Rodrigues


ressalta que o código disciplinador de suas relações, cujo projeto teve a paternidade de
Dalmacio Vélez Sarsfield, inspirou-se profundamente na obra do brasileiro Augusto Teixeira
de Freitas, responsável pela elaboração da Consolidação das Leis Civis (1857), que serviu no
lugar de um Código Civil efetivamente até 1916 e o Esbôço, que pretendia ser o projeto do
Código, sendo "raro livro de Direito Civil brasileiro, com nível de aprofundamento mediano,
que não cite, compare ou comente os artigos do Código de Vélez Sarsfield". (Argentina
promulga seu novo Código Civil e Comercial - parte 1.
Disponível:https://www.conjur.com.br/2014-out-15/direito-comparado-argentina-promulga-codi
go-civil-parte)
Com efeito, examinando o direito patagão, percebe-se logo a referência ao
baiano Teixeira de Freitas, havendo no próprio diploma notificação expressa de como se deu
sua contribuição. Não bastasse, a leitura da doutrina nos conduz à identificação de institutos
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próprios dessa disciplina e à similaridade de sua compreensão pelos dois países.
Em Nota encaminhada pela Comissão de elaboração do Código, em junho de
1865, quando da entrega do Livro 1 do Projeto, Vélez fez constar expressamente:
Me he servido [para este trabajo] principalmente sobre todo del
Proyecto de Código Civil que está trabajando para el Brasil el señor
Freitas, del cual he tomado muchísimos artículos (...)
(Nota de 21 de Junio de 1865. Apud: BRITO, Alejandro Guzmán. Historia de
la Codificación Civil em Iberoamérica. Navarra: Editorial Aranzadi, 2006. p.
272).

A influência referida acima resultou no fato de quase 1/4 dos 4.908 artigos do
Esbôço de Freitas ter sido "encontrado" nos três primeiros livros da obra argentina e as fonte
da qual se valeu Vélez é facilmente reconhecida, porque, como dito, a cada dispositivo do
Código, seu criador acrescentou "notas explicativas", que diziam respeito, também, às suas
influências. (NOCCHI, Carolina Penna. A influência de Augusto Teixeira de Freitas na
elaboração do Código Civil argentino. Revista do CAAP. Número Especial: I Jornada de
Estudos Jurídicos da UFMG. Belo Horizonte, jul./dez., 2010, pp. 37-48).
No que respeita ao caso dos autos, indispensável se faz uma leitura, com base
no sistema jurídico portenho, dos princípios e institutos intimamente ligados à teoria
contratual, mormente a boa-fé, que tomou lugar de destaque no código argentino,
considerado por Teixeira de Freitas, na Consolidação das Leis Civis, como a "alma do
comércio", sem a qual ele não pode subsistir.
Conforme documentado por Aurélio Agostinho da Bôaviagem, Doutor em direito
pela UFPE, cuida-se aqui da boa-fé objetiva, lealdade negocial, que orienta as partes a "agir
com honradez, denodo, lealdade, honestidade e confiança recíprocas, isto é, proceder de
boa-fé tanto na tratativa negocial, formação e conclusão do contrato como em sua execução
e extinção, impedindo que uma dificulte a ação da outra". (Sobre princípios dos contratos
internacionais de comércio. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife. v. 88, n. 2,
jul./dez. 2016).
Na mesma linha, a doutrina de Juan Manuel Aparicio:
el principio de buena fe enuncia los criterios que permiten colmar los vacíos
susceptibles de generarse en la resolución de los casos concretos,
planteados en la vida económica y social, permitiendo la función integradora
derivada, secundaria y complementaria que debe operar dentro del marco
del sistema. (Contratos en general, Observaciones al Proyecto de Código
Civil y Comercial. La Ley, 5.12.2012, p. 4).

Aída Kemelmajer de Carlucci, ex-Ministra da Suprema Corte de Justicia de


Mendoza e juíza adjunta da Corte Suprema de Justicia de La Nación Argentina, destaca o
caráter de princípio geral de direito dado à boa-fé, formulado por meio de uma cláusula geral,
Documento: 2027120 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/04/2021 Página 35 de 5
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que não se resume a princípio dedutivo ou argumentação dialética, mas que confere ao juiz
uma medida, uma diretriz, para buscar a regra de decisão. Concluiu a honorável jurista, que a
boa-fé, como técnica de formação judicial da norma, deve ser aplicada ao caso concreto sem
um modelo de decisão pré-constituído por um pressuposto factual normativo abstrato (La
buena fe en la ejecución de los contratos. Revista de Derecho Privado y Comunitario. n. 18.
Responsabilidad contractual. II, Rubinzal-Culzoni Editores, Santa Fe, 1998, pág. 211).
Apoiado na conceituação da boa-fé, Juan Carlos Rezzónico, professor Emérito
da Universidad Nacional de La Plata, desenvolveu o conceito de "mala fe", como sua antítese,
a ponto de não os conceber como entidades singulares, visto que, na bipolaridade, seriam
mútuas. Nesse sentido, escreveu:
ambos puntos pueden concebirse como las dos caras de una misma
medalla: la parte de la buena fe nos mostrará un rostro lozano, sereno,
invitando a compartir una misma y diáfana verdad; la cara de la mala fe
exhibirá un aspecto indefinido, vago, doble, por momentos cambiantes,
como lo son las mil máscaras de la astucia y la deslealta
(Efecto expansivo de la buena fe, La Ley, tº 1991-C- 518)

Por sua vez, Pascual Eduardo Alferillo, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais
pela Universidad de Mendoza e Diretor do Instituto Regiòn Cuyo de la Academia Nacional de
Derecho de Córdoba, leciona que a "mala fe" se configura quando o sujeito tem
conhecimento de determinada situação, circunstâncias, dados ou condições, relevantes
para o direito, à luz das particularidades de cada ato jurídico, e, com base nesse
conhecimento, promove ações antifuncionais. Os atos, nesses termos praticados, serão
considerados ilegítimos, dada a manifesta intolerância com esse comportamento por parte do
ordenamento. (Reflexiones sobre la mala fe. Revista del Notariado. set. 2003.
https://ar.ijeditores.com/articulos.php?idarticulo=21047&print=2).
Elucida o mesmo doutrinador portenho que o indivíduo que tem, ou deva ter,
esse "conhecimento significativo", contraria o princípio da boa-fé, se o retiver sem notificar o
outro sujeito do ato, ao celebrar, executar ou interpretar o negócio, pois estará transgredindo
a confiança e a lealdade que devem ser regra em todos os atos jurídicos.
Na mesma linha de intelecção, o espanhol Francisco Jordano Fraga esclarece
que a condenação das condutas realizadas nos moldes acima descritos fundamenta-se no
reconhecimento da existência dos deveres tutelares secundários ao (principal) dever de
provisão e visa preservar cada uma das partes dos danos que possam decorrer do
cumprimento da obrigação: "los deberes de protección tienen un contenido autónomo
respecto al deber de prestación, de modo que, desde la perspectiva del deudor, estos
deberes operan con independencia de que la prestación principal se haya cumplido". (La
responsabilidad contractual. Editorial Civitas S. A. Madrid, 1987, p. 141).

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Superior Tribunal de Justiça
Seguindo no rumo da doutrina argentina já referida, e em complemento à teoria
da mala fe, a Cámara Nacional de Apelaciones en lo Criminal y Correcional de la Capital
Federal apresentou o conceito de fraude, caracterizando-a como a violação de contrato que
se configura quando o devedor tem a capacidade de cumprir e não deseja fazê-lo
deliberadamente ou quando o inadimplente está plenamente ciente da ilegitimidade de suas
ações, agindo de má-fé, violando deliberadamente suas obrigações. (Autos n. 46.914/95
Servicios Petroleros Fueguinos S.A. Transportes Pampeanos SACIFA s/Incumplimiento de
contrato. 18/6/1996)
Aprofundando no estudo dos institutos da teoria civilista, acerca da fraude, o
Professor Alberto Spota, ao analisar a recepção da norma legal da boa-fé no Código Vélez,
vigente à época dos fatos deste processo, compreende que a má-fé dela se aproxima, mas
com ela não se identifica e esclarece que a disparidade substancial entre os dois
institutos centra-se no fato de que, para se configurar fraude é imprescindível que
haja intenção de causar prejuízo, condição não essencial no caso de má-fé. (Spota,
Alberto G. Instituciones de Derecho Civil - Contratos. v.III, punto f. 2. reimpresión. Buenos
Aires: Depalma, 1980, p. 338).
Na mesma direção, Guillermo Borba, citado na obra de Pascual Alferillo, citado
na obra já referida de Pascual Alferillo, leciona: "en materia contractual existe un dolo
(intención de no cumplir) calificado por la malicia del deudor; es un no cumplir-o, lo que es lo
mismo, cumplir defectuosamente, de mala fe-, desinteresándose de las consecuencias que
ese incumplimiento podrá causar al acreedor más allá de la órbita propia del contrato"
(ALFERILLO, Pascual E. Op. cit).
Uma vez mais, Pascual Alferillo, mas em obra diversa, que compara a
compreensão da má-fé nos ordenamentos argentino e peruano, orienta que, no sistema
jurídico argentino ela pode existir independentemente da finalidade de prejudicar o outro
sujeito, não significando, entretanto que, quando ocorrer, deva ser reparada. E, na sequência,
orienta o professor para a compreensão da fraude, nos seguintes termos: quando o sujeito
pratica determinada conduta, consciente de seu desacordo com a realidade e, valendo-se do
desconhecimento do mandante, somando-se à intenção de prejudicar a outra parte de
uma negociação, o ato pode ser revogado, por fraude, dando lugar à respectiva
indenização". (La "Mala Fe" en Argentina y Perú (Disponível:
https://revistas.ulima.edu.pe/index.php/Advocatus/article/view/4282/4218)
Na linha desse raciocínio, ainda que se reconheça a existência de estudiosos
que relativizam a diferenciação aqui destacada, estabelecendo a sinonímia entre a má-fé e a
fraude, concluiu-se que o entendimento da doutrina argentina majoritária, é no sentido de que,
em matéria contratual, existe fraude (intenção de descumprimento), quando qualificada

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pelo dolo daquele que descumpre certa obrigação.
5.2. Diante desse cenário, voltando ao caso em análise, penso que a
interpretação do tribunal paulista conferida aos dispositivos da lei argentina impugnados
deu-se de forma consentânea com a leitura realizada pela doutrina daquele país.
É que, não havendo na redação dos arts. 537 e 538 do CC Argentino,
referência expressa à dispensa do dolo na prática da conduta para que, numa relação
obrigacional, considere-se aperfeiçoada a condição suspensiva, não estaria o juiz
autorizado a concluir nesse sentido.
Acerca da atividade interpretativa, Ricardo Lorenzetti, Juiz da Corte Suprema de
Justicia de la Nación Argentina, elucida que a doutrina e a jurisprudência desenvolveram,
durante os anos de vigência do Código Vélez, regras básicas de interpretação contratual, que
se dirigem tanto às partes, quanto ao juiz ou árbitro incumbido de resolver uma disputa
contratual e interpretar o que as partes acordaram. (La interpretación de los contratos.
Suplemento especial contratos, La Ley, 2015, pp. 198-199).
Na mesma linha, Diego Serrano Redonnet acrescenta que a "interpretação
contextual" como regra de hermenêutica, orienta que as cláusulas de um contrato sejam
interpretadas umas por intermédio das outras, atribuindo o sentido adequado ao ato como um
todo, ou seja, "interpretando el contrato como un todo coherente, armónico y orgánico, como
lo ha indicado la jurisprudencia". (La interpretación de los contratos en el nuevo Código Civil y
Comercial.
Disponível:http://mail.abogados.com.ar/la-interpretacion-de-los-contratos-en-el-nuevo-codigo-
civil-y-comercial/16420).
Ademais, esclarece o advogado portenho acima referido que, quando o
significado das palavras interpretadas contextualmente não for suficiente, devem-se levar em
consideração as circunstâncias em que o contrato foi celebrado; a conduta das partes,
inclusive após sua conclusão; a finalidade do contrato, por exemplo, expressa em
negociações prévias, assumindo essas circunstâncias grande relevância por imprimirem
autenticidade à atividade interpretativa.
Salienta, por fim, a importância da regra interpretativa específica ou restritiva,
inclusive positivada no novo Código Civil e Comercial da Argentina, consistente no
direcionamento do intérprete pela literalidade dos termos utilizados na expressão da vontade
documentada nos pactos realizados.
Saliente-se, conforme mencionado pelo julgador a quo, que o atual Código Civil
e Comercial da Argentina possui artigo com disciplina correlata à apresentada acima,
dispondo nos seguintes termos:

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ARTICULO 345. Inejecución de la condición. El incumplimiento de la
condición no puede ser invocado por la parte que, de mala fe, impide su
realización.
Art. 345. Não cumprimento da condição. O descumprimento da condição
não pode ser invocado pela parte que, de má-fé, impede a sua realização.

Em comentário ao art. 345, Gustavo Caramelo; Sebastián Picasso e Marisa


Herrera esclarecem, no sentido do que afirmamos, que o novo diploma civil/comercial
argentino acatou, nessa norma, as críticas que eram feitas aos arts. 537 e 538 do CC, os
quais diziam que, em caso de impedimento doloso ou culposo a condição deveria ser
considerada cumprida. Acrescentam os doutrinadores que o silêncio do novo art. 345 remete
à solução geral pelo descumprimento da condição estabelecida no art. 349 do CCyC.
Note-se:
C.CyC. Infojus - LIBRO PRIMERO - PARTE GERAL
TITULO IV - Hechos e actos jurídicos
CAPITULO 7 - Modalidades de los actos jurídicos
SECCION 1ª Condición
1. Introducción
El CCyC recoge, em esta norma, las criticas que se habían realizado a los
arts. 537 y 538 CC que, en caso de entorpecimiento doloso o culposo,
establecia que la condición debía tenerse por cumprida. Por el contrario, el
silencio de este artículo remite a la solución general que, para el
incumplimiento de la condición, establece el art. 349 CCyC.
Cuando el hecho condicional no se cumple a causa de la mala fe del
obligado o de la parte promitente, se impide a estos invocar el
incumplimiento para sustraerse de sus obligaciones Una conducta
semejante genera esponsabilidad.
(Código Civil y Comercial de la Nación Comentado. Libro Primero. Parte
General - Título IV. Hechos y actos jurídicos. 1. ed. - Ciudad Autónoma de
Buenos Aires: Infojus, 2015. p. 551)

Adiante, seguem na interpretação, pontuando que o mandamento constante do


art. 347, "das condições pendentes", é um postulado geral: enquanto a condição não for
cumprida todos devem-se comportar de boa-fé. E, nessa extensão, concluíram que o art. 345
seria pressuposto específico em relação ao geral destacado.
Por fim, arrematam que o art. 538 estabelece como sanção ou consequência
da má-fé, que a condição deve ser considerada cumprida caso o devedor voluntariamente
impeça - de forma fraudulenta - a sua execução. Lembram que a referida disposição não
fazia qualquer referência à culpa e alguns os autores entendiam que a mesma consequência
era aplicável à parte que agisse culposamente.
El artículo 538 establecía como sanción o consecuenia del reudio a la mala
fe, que la condición debía tenerse por cumplida en caso que el obligado
impida voluntariamente - dolosamente - su ejecución. Dicha disposicón no
hacía ninguna referencia a la culpa de modo que los autores entendían que

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Superior Tribunal de Justiça
esa misma consecuencia era aplicable a la parte que culposamente.
(Op. cit)

Sendo assim, a meu ver, é certo reconhecer que tendo em vista o fato de a
condição (oferecimento da ações da ora recorrida em uma importante Bolsa de Valores dos
EUA) não se ter realizado por circunstâncias as quais não podem ser atribuídas à recorrida,
mas, ao revés, por acontecimentos externos, enumerados no acórdão, mostra-se inviável o
deferimento do pedido de troca das ações.
De fato, na linha do que afirmou o acórdão, não se configurou conduta dolosa,
fraude, por parte da UNIVERSO ONLINE, no que respeita à não realização da condição
suspensiva, já que as razões para que acontecesse a abertura das ações deveram-se a
circunstâncias objetivas de inconveniência mercadológica, questões, aliás, sobre os quais
não cabe a esta instância extraordinária debruçar-se.
Ademais, na mesma linha da conclusão alcançada pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo, entende-se que a concessão das ações UOL Brasil, por meio de troca, em favor
da recorrente, de fato não eram contrapartida ou parte da remuneração devida em razão do
negócio ajustado entre as empresas, mas possivelmente uma espécie de bônus pela
concretização do sucesso daquela, caso ocorresse.
6. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.

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Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2017/0253182-4 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.729.549 / SP

Números Origem: 01059394320128260100 1059394320128260100 5830020121059395

PAUTA: 02/03/2021 JULGADO: 09/03/2021

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA
Secretária
Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : EDITORIAL PERFIL S.A
ADVOGADOS : MARCO ANTONIO GARCIA LOPES LORENCINI - SP104335
ANDRÉ CAMERLINGO ALVES - SP104857
ANDRÉA CARVALHO RATTI - SP155424
ULISSES SIMÕES DA SILVA E OUTRO(S) - SP273921
RECORRIDO : UNIVERSO ONLINE S/A
ADVOGADOS : RICARDO CHOLBI TEPEDINO - SP143227
FÁBIO TEIXEIRA OZI E OUTRO(S) - SP172594
MARCUS VINICIUS SOUZA MAMEDE E OUTRO(S) - DF016615
IGOR CARNEIRO DE MATOS E OUTRO(S) - DF017063
ALUÍSIO CABIANCA BEREZOWSKI - SP206324

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Empresas - Espécies de Sociedades

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). ULISSES SIMÕES DA SILVA, pela parte RECORRENTE: EDITORIAL PERFIL S.A
Dr(a). RICARDO CHOLBI TEPEDINO, pela parte RECORRIDA: UNIVERSO ONLINE S/A

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

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