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HABEAS CORPUS Nº 764270 - SC (2022/0255566-1)

RELATOR : MINISTRO JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR


CONVOCADO DO TJDFT)
IMPETRANTE : VALENTINA FABEIRO E OUTROS
ADVOGADOS : EDINANDO LUIZ BRUSTOLIN - SC021087
LUIS IRAPUAN CAMPELO BESSA NETO - SC041393
ANDRÉ SCHMIDT JANNIS - SC045529
VALENTINA FABEIRO - SC061893
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIÃO
PACIENTE : LUIS GUSTAVO CANCELLIER
CORRÉU : CIMARA FURLAN REDIVO
CORRÉU : SILVIO LUIS CANCELLIER
CORRÉU : EMERSON JEREMIAS
CORRÉU : ALECKSSANDRA MACCARI RODRIGUES
CORRÉU : ARTUR BIANCHINI HERTEL
CORRÉU : THIAGO FELIPPE
CORRÉU : THIAGO ROSSO
CORRÉU : MARCIO CORREA NUNES
CORRÉU : CARLOS ALBERTO GOLOMBIESCKI
CORRÉU : AKILSON MOTA BARBOSA
CORRÉU : EUCLIDES SABINO MISSAGIA

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão assim ementado (fls. 61-
62):

PENAL. PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA


ORIGINÁRIA DESTE TRIBUNAL. PREFEITO. PRELIMINARES
AFASTADAS. ORGANIZAÇÃOCRIMINOSA. SONEGAÇÃO DE
DOCUMENTOS. FALSIDADEIDEOLÓGICA. DESVIOS DE VERBA
PÚBLICA FEDERAL. CONCURSOMATERIAL. CRIME
CONTINUADO. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ABSOLVIÇÃO
SUMÁRIA. NEGATIVA. REPARAÇÃO DO DANO. PEDIDO
CONHECIDO. MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS. MANUTENÇÃO.
1. Afastadas as preliminares de nulidade do inquérito
policial e processos relacionados, de afronta ao sistema acusatório, de
inépcia da denúncia e de carência de justa causa.

Edição nº 0 - Brasília, Publicação: sexta-feira, 03 de fevereiro de 2023


Documento eletrônico VDA35066466 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Signatário(a): MINISTRO Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) Assinado em: 02/02/2023 09:42:31
Publicação no DJe/STJ nº 3569 de 03/02/2023. Código de Controle do Documento: 6430712c-2596-4a2e-bef8-fce40c9bed52
2. Recebida a denúncia quanto aos delitos do art. 2º, §4º, II,
da Lei12.850/2013; art. 299, caput e parágrafo único c/c art. 71 do CP;
e art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/1967 c/c o art. 71 do CP, todos em
concurso material, art. 69do Código Penal; art. 314 do CP c/c art. 69
do CP em concurso material com os delitos supramencionados; e art.
299 c/c art. 29 e 71, todos do Código Penal.3. Negada a absolvição
sumária por estarem presentes os pressupostos processuais, as
condições exigidas e a justa causa para a instauração da ação penal.
4. Mantidas as medidas cautelares pessoais impostas aos
denunciados.
5. Conhecido o pedido de reparação do dano.

No bojo da Operação "Benedetta", o paciente, Prefeito de Urussanga/SC, foi


denunciado como incurso no art. 2º, §4º, II, da Lei 12.850/2013; art. 299, caput e
parágrafo único e art. 314 c/c art. 71, do CP; e art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/1967 c/c o
art.71 do CP, todos em concurso material, art. 69 do CP.

Alega e requer a defesa: "(i) o reconhecimento de ilicitude das investigações


policiais efetuadas em desrespeito à prerrogativa de foro do Réu, declarando-se nulos os
elementos de prova a partir delas obtidos (art. 5º, inc. LVI, da CF, c/c art.157 do CPP);
(ii) o desentranhamento da denúncia aditada do MPF, vez que provocada pelo
magistrado, em frontal violação ao sistema acusatório; (iii) subsidiariamente, a rejeição
do aditamento da denúncia, visto que formalmente inepta e/ou por faltar justa causa para
o exercício da ação penal" (fl. 24).

Indeferida a liminar e prestadas informações, o Ministério Público Federal


manifestou-se pela denegação da ordem.

É o relatório.

Decido.

Quanto à nulidade da investigação, extrai-se do acórdão que: "Quanto ao fato


de o IPL ter sido instaurado por Delegado, mediante informações fornecidas por cidadão,
mas somente posteriormente ter sido acatada a competência por esta Corte, não há
nenhuma nulidade a declarar, pois da prerrogativa de função não decorre nenhuma
condicionante à atuação do Ministério Público ou da autoridade policial no exercício do
mister investigatório, sendo, em regra, despicienda a admissibilidade da investigação pelo
tribunal competente" (fl. 45).

O entendimento esposado no acórdão encontra respaldo na jurisprudência do


STJ, na seguinte dicção:

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[...]
2. A jurisprudência atual deste Tribunal Superior fixou-se no
sentido de que, "no que concerne às investigações relativas a pessoas
com foro por prerrogativa de função, tem-se que, embora possuam a
prerrogativa de serem processados perante o tribunal, a lei não
excepciona a forma como se procederá à investigação, devendo ser
aplicada, assim, a regra geral trazida no art. 5º, inciso II, do Código de
Processo Penal, a qual não requer prévia autorização do Judiciário. 'A
prerrogativa de foro do autor do fato delituoso é critério atinente, de
modo exclusivo, à determinação da competência jurisdicional
originária do tribunal respectivo, quando do oferecimento da denúncia
ou, eventualmente, antes dela, se se fizer necessária diligência sujeita à
prévia autorização judicial' (Pet 3825 QO, Relator p/ acórdão: Min.
Gilmar Mendes, Pleno, julgado em 10/10/2007). Precedentes do STF e
do STJ." (RHC n. 79.910/MA, relator Ministro REYNALDO SOARES
DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/3/2019, DJe
22/4/2019).
3. Outrossim, a jurisprudência desta Corte Superior é
firmada no sentido de que "todas as nulidades, sejam elas relativas ou
absolutas, demandam a demonstração do efetivo prejuízo para que
possam ser declaradas" (AgRg no AREsp n. 713.197/MG, relator
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
19/4/2016, DJe 28/4/2016), o que não se verificou no presente caso.
[...]
(AgRg no AREsp n. 1.541.633/PR, relator Ministro Antonio
Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 6/10/2020, DJe de
13/10/2020).

Quanto à alegada nulidade do aditamento da denúncia por violação ao sistema


acusatório, eis o excerto pertinente do acórdão recorrido (fl. 48):

O juiz criminal, equidistante das partes, deve zelar pela


regularidade e clareza dos atos no processo penal.
O despacho do evento 127, tacitamente contestado pelos
denunciados LUIS GUSTAVO CANCELLIER e SILVIO LUIS
CANCELLIER, apenas zela pela regularidade do processo, uma vez que
o recebimento da denúncia pelo quinto fato elencado, embora se
apresentasse formalmente possível nos moldes em que a denúncia
original foi ofertada, pode não ter permitido aos acusados uma visão
tão clara quanto possível do conteúdo acusatório, o que poderia
prejudicar a própria defesa dos acusados, uma vez que não houve,
antes do aditamento, resposta direta e relevante quanto aos fatos
denunciados na pg. 27 da peça inaugural (evento 1, DENUNCIA2).
Prova disso é que, embora o conteúdo da denúncia pouco
tenha se alterado, permitiu uma defesa mais completa a partir do
melhor delineamento do Fato V pelo aditamento, o que vem

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justamente em favor da defesa dos acusados, que puderam apresentar
resposta pertinente à acusação formulada.
O intuito do despacho do evento 127, portanto, foi o de
preservação da ampla defesa, mediante o esclarecimento e organização
adequada dos fatos narrados na pg. 27 da peça inaugural (evento 1,
DENUNCIA2).
Não há falar, portanto, em afronta ao sistema acusatório,
especialmente quando o procedimento busca assegurar aos
denunciados a ampla defesa.

Como se vê, não houve aditamento da denúncia determinado pelo magistrado.


Diferente do que alega a defesa, pretendeu-se obter do Ministério Público
esclarecimentos sobre os fatos imputados, para possibilitar à defesa o devido exercício do
contraditório e da ampla defesa, na ocasião da apresentação da resposta à acusação,
sobretudo, considerado, como afirmado no acórdão, que a exordial poderia ser
formalmente aceita na forma em que apresentada.

Ademais, não houve demonstração concreta de prejuízo oriundo da alegação


de nulidade em comento, pois, como registrado pelo Tribunal de origem, "não houve,
antes do aditamento, resposta direta e relevante quanto aos fatos denunciados na pg. 27
da peça inaugural".

Entende esta Corte que "[a]legações de nulidade desprovidas de demonstração


do concreto prejuízo não podem dar ensejo à invalidação da ação penal. É imprescindível
em tais casos a demonstração de prejuízo, pois o art. 563 do Código de Processo Penal
positivou o dogma fundamental da disciplina das nulidades - pas de nullité sans grief
(HC n. 190.469/GO, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 28/6/2012)" (AgRg nos
EDcl no REsp n. 1.642.825/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma,
julgado em 1/10/2019, DJe de 11/10/2019).

No que se refere às teses de inépcia da exordial acusatória e ausência de justa


causa para a persecução penal, a título ilustrativo, o seguinte excerto da denúncia (fls. 74-
75):

Conforme expresso no Laudo Pericial n. 940/2021, os


contratos de serviços de máquinas foram feitos por registros de preços,
não estando vinculados à obra específica, de forma a permitir que a
prestação do trabalho fosse requisitado fracionadamente para qualquer
obra. “Desse modo, para que houvesse certeza da quantidade de horas-
máquina pagas por tipo de máquina e por obra, foi necessário rastrear
os processos de pagamento, o que incluir ordens de pagamento (que
continham descrições genéricas das ordens de empenho), as notas

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fiscais e a liquidação.”
Identificaram os peritos criminais federais o
superfaturamento de quantidades de horas-máquina, além da má
qualidade do serviço prestado, visto que trechos do asfaltamento já
apresentam rachaduras e buracos. Sobe o modus operandi, apurou-se
que as empresas contratadas emitiam notas fiscais apontando
quantidades e valores dos serviços prestados que não conferiam com
aqueles efetivamente executados.
Tais notas eram chanceladas pelo fiscal da obra,
denunciado Emerson Jeremias, e pelo próprio gestor municipal,
denunciado Luiz Gustavo Cancellier, o que permitia a liquidação de
pagamentos superfaturados com desvio de verba pública federal.
A organização criminosa se valeu de relatórios de
apresentação dedados confeccionados pelo denunciado Artur Hertel
com maquiagem dos números e valores com o propósito de ocultar a
inclusão de acesso em benefício a particular e o superfaturamento dos
serviços contratados pela Prefeitura nas obras em foco.
Ainda, a fim de proteger e manter o controle sobre o
esquema criminoso, a organização negou acesso a documentos
contendo informações sobre as obras para a Câmara de Vereadores,
para particulares e ao Vice-Prefeito, mediante a alegação de que todas
as informações estariam disponibilizadas no portal da Prefeitura na
internet.
O resultado da atuação organizada dos acusados, unidos
pelo mesmo propósito, foi o pagamento a maior em benefício dos
prestadores de serviços contratados pela Prefeitura para a execução
das duas obras referidas, que configurou desvio de verba em detrimento
dos cofres públicos, mediante o superfaturamento dos serviços
prestados e da má qualidade ou deficiência da pavimentação entregue à
população, e o desvio de verba pública mediante a pavimentação de
acesso viário em benefício de particular.
Nenhuma das empresas dispunha do maquinário suficiente
exigido pelos editais.
[...]
Assim, de forma reiterada entre o início de 2019 até
dezembro de 2020, no Município de Urussanga/SC, os denunciados
constituíram e integraram organização criminosa associando-se, em
comunhão de ideias e unidade de desígnios, deforma estruturada e
com divisão de tarefas, sob o comando dos denunciados Luís Gustavo
Cancellier e Sílvio Luís Cancellier, para ao fim de obterem vantagens,
inclusive financeiras, mediante o desvio de verbas públicas federais
em proveito próprio e alheio, a sonegação de documentos e o
cometimento de falso, em detrimento da sociedade, por meio da
cobranças superfaturadas de serviços e da construção de obras
defeituosas e de má qualidade.

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Por oportuno, eis a transcrição do aresto, no ponto (fls. 49-52):

Quanto à imputação do delito de sonegação de documentos,


LUÍS GUSTAVO CANCELLIER (Prefeito, responsável, a quem foram
dirigidos os requerimentos, ratificando as respostas), SÍLVIO
LUÍSCANCELLIER (compilava os dados, detinha e centralizava as
informações, segundo colhido na perícia efetuada pela DPF - eventos
92 e 96 do IPL),EMERSON JEREMIAS (então Secretário de
Infraestrutura, que assinou a resposta à Câmara em 26/11/2019 -
processo 5002995-14.2021.4.04.0000/TRF4, evento1, NOT_CRIME3,
fl. 43), CIMARA FURLAN REDIVO (contadora e responsável pelo
controle da prestação de contas do contrato) e ALECKSSANDRA
MACCARIRODRIGUES (Chefe de Gabinete, assinou a resposta de fls.
38-39 juntamente com Cimara (processo 5002995-
14.2021.4.04.0000/TRF4, evento 1,NOT_CRIME3) e controlava o
acesso às informações (processo 5002995-14.2021.4.04.0000/TRF4,
evento 14, DESP1, fls. 03-04 e 08). Há indícios razoáveis de que cada
um dos denunciados teve participação na sonegação de documentos
(aos quais tinham acesso ou pelos quais eram
responsáveis),contextualizando a exposição de fatos e circunstâncias e
demonstrando que a denúncia é apta no ponto, cumprindo com os
requisitos do art. 41 do CPP.
No que concerne à falsidade ideológica, há indícios graves
da existência de declarações falsas nas prestações de contas à CEF,
conforme indicado na denúncia, seja com respeito a quantidades ou
valores de serviços prestados, tendo sido trazido aos autos laudos
periciais pela DPF com indícios de superfaturamento, os quais
contextualizam as circunstâncias em que teria ocorrido o delito
(processo 5002995-14.2021.4.04.0000/TRF4, evento 143,DESP1e
processo 5002995-14.2021.4.04.0000/TRF4, evento
160,REL_FINAL_IPL1).
Embora haja indícios de responsabilidade do então Prefeito
como ordenador de despesas, constatada a existência e suficiência da
prova indiciária para o recebimento da denúncia, deve-se aprofundar a
apuração do envolvimento dos demais indiciados, que teriam
concorrido para o crime, cada um na medida de sua participação,
conforme apontado pelo MPF, seja no controle dos dados, na
fiscalização ou pelo eventual recebimento de valores por serviços mal
cumpridos ou cumpridos a menor.
[...]
Em relação à acusação quanto ao delito de falsidade
ideológica, o MPF aponta que "Euclides, de fato, não teve qualquer
ingerência ou responsabilidade técnica sobre o planejamento nem
sobre a execução das referidas obras, tendo exclusivamente emprestado
o seu nome para conferir regularidade formal perante o Conselho
Regional de Engenharia e Arquitetura de Santa Catarina e perante a

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Caixa Econômica Federal. A falsidade ideológica perpetrada pelo
denunciado Euclides servia aos interesses da organização criminosa,
porquanto formalmente mantinha um engenheiro responsável pelas
obras, um testa de ferro, mas de fato contava com a atuação do
denunciado Arthur na condução dos projetos e na execução das obras,
promovendo esse as alterações dos valores e dos traçados, conforme a
conveniência dos associados criminalmente. (Grifei)" O depoimento do
próprio denunciado Euclides à DPF não destoa da alegação do
Ministério Público Federal (processo5002995-
14.2021.4.04.0000/TRF4, evento 130, DESP63, fls. 03-05), de que tal
fato ocorreu com o conhecimento e anuência dos denunciados, razão
pela qual é imperioso que a situação seja devidamente apurada em sede
judicial, avaliando-se a conduta dos denunciados.
Na mesma medida vejo cumpridos os requisitos do art. 41 do
CPP quanto à acusação de desvio de verba pública federal. Os já
citados laudos periciais especificam valores e percentuais de
superfaturamento.
LUÍS GUSTAVO CANCELLIER (Prefeito/Ordenador de
Despesas),SÍLVIO LUÍS CANCELLIER (responsável de fato pelo
controle das prestações de serviços das obras), CIMARA FURLAN
REDIVO (contadora e responsável pelo controle da prestação de
contas), ALECKSSANDRA MACCARI RODRIGUES, chefe de Gabinete
do Prefeito, EMERSON JEREMIAS, na condição de Secretário de
Infraestrutura, ARTHUR BIANCHINI HERTEL (autor dos projetos
básico e executivo, fiscal das obras e representante da empresa Litoral
Sul), THIAGOFELLIPE (sócio e representante da empresa F. Aguiar),
THIAGO ROSSO (sócio-administrador e representante da empresa Via
Norte), MÁRCIO CORREA NUNES(sócio-administrador e
representante da empresa Corrêa Nunes), CARLOSALBERTO
GOLOMBIESCKI (sócio-administrador da empresa MW Prestadora de
Serviços) e AKILSON MOTA BARBOSA (representante da empresa
MW Prestadora de Serviços).
Os laudos periciais apontaram serviços não prestados,
serviços de má qualidade, bem como prestação de serviços a particular
às expensas do Poder Público, com documentação especificada na
denúncia acima citada.
Foram listados pelo MPF três obras em que tais desvios
teriam ocorrido, com detalhamento escudado nos laudos periciais
trazidos pela Polícia Federal.
No que concerne à acusação de que os denunciados
promoveram/constituíram/integraram organização criminosa, o MPF
aponta a participação de cada um no referido delito, que seria,
resumidamente:
- LUÍS GUSTAVO CANCELLIER - Prefeito de
Urussanga/SC, detentor do poder de mando e de gestão municipal -
autorizou e determinou que seu irmão, o acusado Sílvio Luís

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Cancellier, pessoa de sua total confiança, embora não mantivesse
qualquer vínculo oficial com a Prefeitura, atuasse no controle da
prestação de serviços nas obras investigadas, interferindo, negociando
e tratando dos quantitativos de horas de serviços prestadas;
[...]
Tanto a denúncia (evento 1, DENUNCIA2) quanto o
relatório final da DPF (processo 5002995-14.2021.4.04.0000/TRF4,
evento 160, REL_FINAL_IPL1)apontam uma série de documentos que
embasam os argumentos do MinistérioPúblico Federal.
[...]
Assim sendo, a denúncia é apta quanto a todos os crimes
supramencionados, sendo que se extrai das defesas prévias dos réus que
lhes foi possível compreender os fatos que lhes foram imputados e se
defender deles.

O trancamento da ação penal é medida excepcional, só admitida quando ficar


provada, de forma clara e precisa, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto
fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da
punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade,
hipóteses que não se fazem presentes.

Divisa-se da denúncia que o paciente, na qualidade de prefeito de


Uruassunga/SC, determinou que seu irmão, pessoa de sua confiança, sem qualquer
vínculo com a administração pública, como registrado no acórdão, "atuasse no controle
da prestação de serviços nas obras investigadas, interferindo, negociando e tratando dos
quantitativos de horas de serviços prestadas". Os laudos periciais deram conta de
"serviços não prestados, serviços de má qualidade, bem como prestação de serviços a
particular às expensas do Poder Público", como observado pelo Tribunal de origem.

Destacou-se na exordial acusatória que, "de forma reiterada entre o início de


2019 até dezembro de 2020, no Município de Urussanga/SC, os denunciados constituíram
e integraram organização criminosa associando-se, em comunhão de ideias e unidade de
desígnios, deforma estruturada e com divisão de tarefas, sob o comando dos denunciados
Luís Gustavo Cancellier e Sílvio Luís Cancellier, para ao fim de obterem vantagens,
inclusive financeiras, mediante o desvio de verbas públicas federais em proveito próprio e
alheio, a sonegação de documentos e o cometimento de falso, em detrimento da
sociedade, por meio da cobranças superfaturadas de serviços e da construção de obras
defeituosas e de má qualidade" .

Vê-se que a denúncia acima transcrita contou com a exposição dos fatos

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criminosos, suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação dos crimes -
art. 2º, § 4º, II, da Lei 12.850/2013; art. 299, caput e parágrafo único e art. 314 c/c art. 71,
do CP; e art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/1967 c/c o art.71 do CP, na forma do art. 69 do
CP, possibilitando o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Assim, não há
falar em inépcia da exordial.

Nesse mesmo sentido, entende esta Corte que "[n]ão há inépcia da denúncia,
se a respectiva peça e o seu aditamento expõem o fato criminoso, suas circunstâncias,
qualificam o acusado e classificam o crime, de modo a possibilitar o pleno exercício do
contraditório e da ampla defesa, nos termos do art. 41 do CPP" (AgRg no HC n.
643.083/MT, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022,
DJe de 21/6/2022).

Tendo o Tribunal de origem, com base nos indícios de autoria e materialidade


apresentados pelo Ministério Público - provas documentais e laudos periciais -, concluído
pela existência de justa causa para a persecução penal, alterar o referido entendimento, no
caso, demandaria maior incursão no material cognitivo dos autos, providência obstada na
estreita via do writ.

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSO PENAL. PEDIDO DE


RECONSIDERAÇÃO NO HABEAS CORPUS RECEBIDO COMO
AGRAVO REGIMENTAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DENÚNCIA.
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP.
VERIFICADO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO VERIFICADA.
EXISTÊNCIA DE MATERIALIDADE E INDÍCIOS MÍNIMOS DE
AUTORIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Inicialmente, tendo em vista que o presente pedido de
reconsideração foi formulado dentro do quinquídio legal, recebo-o
como agravo regimental.
2. A denúncia que descreve os fatos de forma satisfatória, em
observância ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal e, por
conseguinte, permite o regular exercício da ampla defesa, não pode ser
acoimada de inepta.
3. No presente caso, o agravante e mais três corréus foram
denunciados pela prática do crime de homicídio qualificado, uma vez
que, na qualidade de policiais militares, efetuaram disparos de arma de
fogo contra a vítima, após abordagem policial.
4. Destaca-se que, "no caso de crime praticado mediante
concurso de agentes, afigura-se dispensável que a denúncia descreva de
forma minuciosa e individualizada a conduta de cada Acusado,
bastando, para tanto, que a exordial narre o fato principal e as

Edição nº 0 - Brasília, Publicação: sexta-feira, 03 de fevereiro de 2023


Documento eletrônico VDA35066466 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Signatário(a): MINISTRO Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) Assinado em: 02/02/2023 09:42:31
Publicação no DJe/STJ nº 3569 de 03/02/2023. Código de Controle do Documento: 6430712c-2596-4a2e-bef8-fce40c9bed52
qualificadoras de forma a possibilitar o exercício da ampla defesa"
(RHC n. 24.183/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma,
julgado em 17/3/2009, DJe de 13/4/2009).
5. "O trancamento da ação penal por ausência de justa
causa exige comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da
ocorrência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de
lastro probatório mínimo de autoria ou de materialidade" (AgRg no
AREsp n. 454.084/PR, minha relatoria, Sexta Turma, julgado em
14/9/2021, DJe de 22/9/2021). Assim, consignada pelo Tribunal de
origem a existência de depoimento testemunhal, inviável o trancamento
da ação penal pela ausência de justa causa.
6. Ademais, não há ilegalidade no oferecimento da denúncia
com esteio em elementos colhidos na fase inquisitorial.
7. De mais a mais, destaco que "o reconhecimento da
inexistência de justa causa para o prosseguimento da ação penal e da
atipicidade da conduta exige profundo exame do contexto probatório
dos autos, o que é inviável na via estreita do writ" (AgRg no RHC
137.438/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA,
julgado em 02/02/2021, DJe 08/02/2021)" (RHC n. 147.724/SP, relator
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em
19/10/2021, DJe de 26/10/2021).
8. Recurso desprovido.
(RCD no HC n. 676.381/RJ, relator Ministro Antonio
Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de
3/11/2022.)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS


CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. LAVAGEM/OCULTAÇÃO
DE BENS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO DO
PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO
IDENTIFICADA. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A Corte local, ao analisar as razões do habeas corpus,
concluiu, diante do acervo fático-probatório dos autos, pela existência
de justa causa para o prosseguimento da ação penal.
2. Nos termos do entendimento do Superior Tribunal de
Justiça, "tradicionalmente, a justa causa é analisada apenas sob a ótica
retrospectiva, voltada para o passado, com vista a quais elementos de
informação foram obtidos na investigação preliminar já realizada.
Todavia, a justa causa também deve ser apreciada sob uma
ótica prospectiva, com o olhar para o futuro, para a instrução que será
realizada, de modo que se afigura possível incremento probatório que
possa levar ao fortalecimento do estado de simples probabilidade em
que o juiz se encontra quando do recebimento da denúncia" (APn n.
989/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe de
22/2/2022)

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3. Assim, não há qualquer fato, no caso em exame, que seja
capaz de ensejar o pretendido encerramento prematuro do processo,
visto que a exordial acusatória está lastreada em elementos
informativos que atestam, ao menos para essa etapa processual, a
materialidade e indicam suficientemente a autoria delitiva.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RHC n. 167.015/RS, relator Ministro Rogerio
Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de
25/10/2022.)

Diante de fatos que merecem maior apuração ao longo da instrução criminal,


revela-se prematuro o trancamento da ação penal.

Ante o exposto, denego o habeas corpus.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília, 01 de fevereiro de 2023.

Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT)


Relator

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