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HABEAS CORPUS Nº 712320 - RJ (2021/0397284-7)

RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA


IMPETRANTE : RUBEM RIBEIRO CESAR DE OLIVEIRA E OUTRO
ADVOGADOS : BRUNO RIBEIRO VALLE MACEDO - RJ217373
RUBEM RIBEIRO CESAR DE OLIVEIRA - RJ203574
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE : MARISTELA MELO DA SILVA (PRESO)
CORRÉU : ANTONIO CABEDE LOPES
CORRÉU : GISELLE ANET DO NASCIMENTO
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de MARISTELA MELO DA SILVA em que

se aponta como autoridade coatora Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (HC n. 0078172-

19.2021.8.19.0000).

O paciente teve a prisão em flagrante convertida em preventiva em razão da suposta prática

dos delitos descritos nos art. 126, 155 e 273, § 1º-B, I, todos do Código Penal, e no art. 7º, IX, da Lei n.

8.137/1990, na forma do art. 69 do Código Penal.

O decreto prisional fundou-se nos indícios de autoria e materialidade delitiva, dada a

gravidade concreta do delito, na periculosidade da agente – o corréu teria praticado mais de teria praticado

mais de 200 abortos ilegais apurados pela polícia do Amazonas, em local inapropriado, com uso de

medicamentos vencidos, colocando em risco a integridade física das gestantes, cobrando cerca de

R$5.000,00 por procedimento, sendo que a paciente teria a função de instrumentadora, além de atuar

captando cliente, intermediando negociações e efetuando a contabilidade da clínica clandestina –, e no

risco de reiteração delitiva.

Impetrado writ originário, a ordem foi denegada.

A defesa alega que o paciente está sendo vítima de constrangimento ilegal, em face do não

preenchimento dos requisitos ensejadores da segregação cautelar, a qual teria assentando-se somente na

gravidade abstrata do delito.

Afirma que "as alegações impostas pela autoridade policial são inverídicas, não há

comprovação nos autos de que a Requerente tenha praticado qualquer fato típico" (fl. 6).

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Aduz que o decreto prisional carece de fundamentação idônea, sendo possível a fixação de

medidas cautelares alternativas. Ressalta que a paciente possui residência fixa, ocupação lícita, bons

antecedentes e é primária.

Sustenta que a paciente possui saúde frágil, com apenas um rim e que precisa passar por

procedimento cirúrgico.

Pontua a respeito da inconstitucionalidade do art. 273, § 1ºA-B, do CP, dando ensejo à

violação do princípio da proporcionalidade.

Requer a concessão da liberdade provisória a paciente, expedindo-se alvará de soltura em seu

favor, para que possa responder ao processo penal em liberdade.

É o relatório. Decido.

Ainda que inadequada a impetração de habeas corpus em substituição à revisão criminal ou

ao recurso constitucional próprio, diante do disposto no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, o STJ

considera passível de correção de ofício o flagrante constrangimento ilegal.  

Nos casos em que a pretensão esteja em conformidade ou em contrariedade com súmula ou

jurisprudência pacificada dos tribunais superiores, a Terceira Seção desta Corte admite o julgamento

monocrático da impetração antes da abertura de vista ao Ministério Público Federal, em atenção aos

princípios da celeridade e da efetividade das decisões judiciais, sem que haja ofensa às prerrogativas

institucionais do parquet ou mesmo nulidade processual (AgRg no HC n. 674.472/SP, relator Ministro

Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 10/8/2021; AgRg no HC n. 530.261/SP, relator Ministro Sebastião

Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 7/10/2019).

Sendo essa a hipótese dos autos, passo ao exame do mérito da impetração.

A prisão preventiva é cabível mediante decisão fundamentada em dados concretos, quando

evidenciada a existência de circunstâncias que comprovem a necessidade da medida extrema, nos termos

dos arts. 312, 313 e 315 do Código de Processo Penal (HC n. 527.660/SP, relator Ministro Sebastião Reis

Júnior, Sexta Turma, DJe de 2/9/2020).  

No caso, está justificada a manutenção da preventiva, pois foi demonstrado o

preenchimento dos requisitos do art. 312 do CPP, não sendo recomendável a aplicação de medida

cautelar referida no art. 319 do CPP. A propósito, assim se manifestou o Tribunal a quo (fls. 69-70):

Do contexto, portanto, se extrai a assertiva quanto à gravidade da conduta, evidenciando-se a


presença dos pressupostos jurídicos da custódia cautelar, conforme exaustivamente fundamentados.
Feito pedido de revogação do decreto prisional, o pleito foi indeferido por decisão igualmente
fundamentada, ressaltando Sua Exa. que “restaram preenchidos, deforma concreta, os pressupostos
cautelares exigidos pelo legislador; a saber: à garantia da ordem pública, o perigo gerado pelo estado

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de liberdade do imputado, o receio de perigo e a existência concreta de fatos novos ou
contemporâneos”.
Eventuais circunstâncias pessoais favoráveis alegadas, ainda que comprovadas, por si sós, não
impedem a prisão cautelar, notadamente quando regularmente determinada, como no presente caso.
Não há dúvida de que a gravidade do fato demanda imediata resposta estatal, garantindo-se a
ordem pública e prevenindo-se a reiteração de condutas, notadamente diante da notícia de que a
paciente está sendo investigada no Estado do Amazonas pela prática de mais de duzentos crimes de
aborto.
Note-se que a necessidade da prisão preventiva exsurgiu dos elementos de informação
colhidos em sede policial, consistentes na oitiva dos policiais civis que atuaram na diligência e
de outras, que prestaram declarações pormenorizadas dos fatos.
Não há dúvida, portanto, de que o risco de reiteração criminosa justificará o manejo
imediato da prisão preventiva, não sendo suficientes medidas cautelares diversas da prisão,
inclusive porque o vínculo da paciente é com o Estado do Amazonas, onde residia, assim como
sua família.
As alegações relacionadas à ausência de provas inserem-se no mérito da ação penal deflagrada
contra a paciente, cujo exame é de ser feito na época própria pelo juiz natural da causa, sob pena de
supressão de instância julgadora.
Da mesma forma, não há que falar em ausência de justa causa, haja vista que a peça acusatória
contém a descrição dos fatos criminosos, com todas as suas circunstâncias, estando de acordo com os
tipos penais indicados. Além disso, a narrativa aponta a existência de indícios suficientes acerca da
autoria e materialidade delitivas, o que impede a sua rejeição no estreito âmbito do habeas corpus.

Tendo a necessidade de prisão cautelar sido exposta de forma fundamentada e concreta, é

incabível a substituição por medidas cautelares mais brandas (RHC n. 133.153/MG, relator Ministro

Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 21/9/2020). 

Observa-se que os indícios de autoria e materialidade delitiva, dada a gravidade

concreta do delito, a periculosidade da agente – o corréu teria praticado mais de teria praticado

mais de 200 abortos ilegais apurados pela polícia do Amazonas, em local inapropriado, com uso de

medicamentos vencidos, colocando em risco a integridade física das gestantes, cobrando cerca de

R$5.000,00 por procedimento, sendo que a paciente teria a função de instrumentadora, além de

atuar captando cliente, intermediando negociações e efetuando a contabilidade da clínica

clandestina –, e o risco de reiteração delitiva, foram considerados pelo Juízo de primeiro grau

para a decretação da prisão preventiva.

O entendimento acima está em consonância com a jurisprudência do STJ de que “a

gravidade concreta do crime como fundamento para a decretação ou manutenção da prisão preventiva

deve ser aferida, como no caso, a partir de dados colhidos da conduta delituosa praticada pelo agente, que

revelem uma periculosidade acentuada a ensejar uma atuação do Estado cerceando sua liberdade para

garantia da ordem pública, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal” (HC n. 596.566/RJ,

relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 4/9/2020).

Ademais, eventuais condições subjetivas favoráveis da paciente, como residência fixa e

trabalho lícito, não impedem a prisão preventiva quando preenchidos os requisitos legais para sua

decretação. Essa orientação está de acordo com a jurisprudência do STJ. Vejam-se os seguintes

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precedentes: AgRg no HC n. 585.571/GO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe de

8/9/2020; e RHC n. 127.843/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 2/9/2020. 

No que diz respeito ao estado de saúde da paciente, o STJ, em relação à aplicação da

Recomendação CNJ n. 62/2020, firmou o entendimento de que a flexibilização da medida extrema não

ocorre de forma automática (AgRg no HC n. 574.236/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da

Fonseca, DJe de 11/5/2020; e HC n. 575.241/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 3/6/2020). 

Para tanto, é necessária a demonstração de que o preso preenche os seguintes requisitos: a)

inequívoco enquadramento no grupo de vulneráveis à covid-19; b) impossibilidade de receber tratamento

no estabelecimento prisional em que se encontra; e c) exposição a mais risco de contaminação no

estabelecimento onde está segregado do que no ambiente social (AgRg no HC n. 561.993/PE, relator

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 4/5/2020). 


Nesse sentido, o Tribunal de origem assim consignou (fls. 70-71):

Quanto ao estado de saúde da paciente, verifica-se que a maior parte dos documentos
apresentados não está datada e os documentos que estão remontam ao ano de 2019, inexistindo
demonstração de que que a unidade prisional onde a paciente se encontra custodiada não possua
condições de prestar eventual atendimento médico.
Ademais, não se olvida a emergência na saúde pública provocada pelo novo coronavírus
(COVID-19). No entanto, não se pode afirmar que os estabelecimentos prisionais não estejam
tomando as medidas preventivas necessárias para evitar a propagação da doença.
Da mesma forma, não se ignoram as recomendações exaradas pelo Conselho Nacional de
Justiça, que trazem parâmetros a serem sopesados na análise do caso concreto, os quais, contudo, não
podem esvaziar a necessidade da prisão preventiva quando recomendada.

Assim, como não foram demonstradas as situações descritas, não se verifica desrespeito à

Recomendação CNJ n. 62/2020.

Por fim, no tocante à alegada inconstitucionalidade do art. 273, § 1ºA-B, do CP, o Tribunal

de origem fundamentou sua decisão na inexistência de discussão a respeito da constitucionalidade do

preceito primário do referido dispositivo legal, assim como na inexistência de condenação até o momento,

considerando que a ação penal ainda está em fase inicial e na impossibilidade de análise de

inconstitucionalidade na via estreita do writ, nestes termos (fl. 71, destaquei):

Por fim, não se desconhece que o preceito secundário do caput do artigo 273 do Código Penal
foi declarado inconstitucional pelo STF quando do julgamento do Tema n. 1003 pela sistemática de
repercussão geral, sendo aprovada a Tese: “É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do
artigo 273, do Código Penal, com a redação dada pela Lei 9.677/98 (reclusão de 10 a 15 anos), na
hipótese prevista no seu parágrafo 1º-B, inciso I, que versa sobre importação de medicamento sem
registro no órgão de vigilância sanitária. Para essa situação específica, fica repristinado o preceito
secundário do artigo 273, na redação originária (reclusão de 1 a 3 anos, multa)”.
Contudo, nota-se que não houve qualquer alteração no preceito primário do referido
artigo, cuja constitucionalidade é indiscutível. Ademais, não houve condenação, haja vista que a
ação penal está em sua fase inicial, não cabendo a análise da alegada inconstitucionalidade pela
estreita via do habeas corpus.

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Além disso, ressalte-se também que a alteração da decisão que decretou a preventiva no que

se refere à existência de indícios de autoria e de prova da materialidade do delito demanda dilação

probatória, procedimento incompatível com a estreita via do habeas corpus, devendo a questão ser

dirimida no trâmite da instrução criminal. Nesse sentido: HC n. 504.546/SP, relator Ministro Jorge Mussi,

Quinta Turma, DJe de 4/10/2019; e RHC n. 123.822/DF, relator Ministro Teori Zavascki, Segunda 

Turma, DJe de 20/10/2014. 

Portanto, não se constata a existência de flagrante constrangimento ilegal que autorize a

atuação ex officio.

Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do presente 

habeas corpus, ficando prejudicado o pedido de liminar.  

Publique-se. Intimem-se.  

Cientifique-se o Ministério Público Federal.  

Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos ao arquivo. 


Brasília, 15 de dezembro de 2021.

MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA


Relator

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