Você está na página 1de 14

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA.


PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. PACIENTE
ADVOGADO. ARTIGO 7º, INCISO V, DO ESTATUTO
DA ADVOCACIA. PRERROGATIVA. PRISÃO
PROVISÓRIA EM SALA DE ESTADO MAIOR.
- REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. A decisão
que decretou a segregação cautelar do paciente está
devidamente apoiada em valor protegido pela ordem
constitucional em igualdade de relevância com a
liberdade individual – a tutela da ordem pública.
Ademais, apresenta suficiente análise dos pressupostos
do art. 312 do Código de Processo Penal – prova da
existência do crime e indícios da autoria, seguida da
decretação da medida restritiva com fulcro em hipótese
fática prevista no dispositivo legal.
- PERICULUM LIBERTATIS. FUMUS COMISSI
DELICTI. Evidenciado o alto grau reprovação do modo
de execução do delito, pois o acusado, no exercício da
atividade de advogado, apropriou-se, em tese, de quantia
monetária, porquanto sacou alvarás judiciais destinados
a seus clientes e utilizou em proveito próprio, jamais
repassando o numerário aos devidos beneficiários. Conta
bancária do paciente, na qual foram depositados os
valores, encontra-se com saldo de R$ 0,11, inviabilizando
o ressarcimento dos ofendidos. Há notícia de que o
advogado, natural de outro estado, oculta-se de seus
clientes, e ainda de que sua esposa pediu demissão do
hospital onde labora. Não obstante, os notáveis 12 (doze)
registros de ocorrência por apropriação indébita e 1
(um) por estelionato demonstram que o paciente é
contumaz na prática delitiva. Nesse contexto, fica
evidente a configuração do periculum libertatis, o que
conduz à conclusão de que a restrição de direito imposta
foi corretamente decretada.
- PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
Conforme pacífico entendimento doutrinário e
jurisprudencial, constatada a excepcional necessidade de
resguardo de valores constitucionais de igual relevância à
liberdade do paciente, justifica-se a flexibilização desse
princípio.
- ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE CONDIÇÕES
PESSOAIS FAVORÁVEIS. Eventuais condições pessoais
favoráveis do agente não obstam a decretação da prisão
preventiva, nem conferem ao paciente o direito subjetivo
à concessão de liberdade provisória.
- PACIENTE ADVOGADO. RECOLHIMENTO À
SALA DE ESTADO MAIOR. ART. 7º, INC. V, DO
1
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

ESTATUTO DA ADVOCACIA. PRERROGATIVA.


Não obstante as providências empreendidas no juízo a
quo, não foi possível o cumprimento das disposições
legais, que determinam que é direito do advogado “não
ser recolhido preso, antes de sentença transitada em
julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e
comodidades condignas e, na sua falta, em prisão
domiciliar”. In casu, não se demonstra razoável a
concessão de prisão domiciliar ou a substituição por
medidas alternativas, em razão da gravidade da conduta
do paciente, do corrente risco de reiteração delitiva e de
evasão do distrito da culpa. Contudo, diante da
inexistência de sala de Estado Maior na Penitenciária
Estadual de Caxias do Sul e de notícia de local
compatível na região, determina-se a transferência do
paciente para local com estrutura compatível à sala de
que trata o Estatuto da OAB.
LIMINAR CASSADA E ORDEM PARCIALMENTE
CONCEDIDA, POR MAIORIA.

HABEAS CORPUS OITAVA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702- COMARCA DE GRAMADO


35.2016.8.21.7000)

VILNEI PINHEIRO SESSIM IMPETRANTE

RICARDO DE ALMEIDA CAMPBELL PACIENTE

JUIZ DE DIREITO DA 1 VARA JUDICIAL COATOR


DA COMARCA DE GRAMADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em cassar a liminar e conceder parcialmente a
ordem, determinando a transferência de Ricardo Almeida Campbell para o 4° Regimento de
Polícia Montada de Porto Alegre (4° RPMON), vencida a Relatora, que ratificava a liminar e
concedia parcialmente a ordem para revogar a decisão que decretou a prisão preventiva do
paciente, impondo-lhe as medidas cautelares previstas no art. 319, incs. I, IV e VI, do CPP.
2
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

Custas na forma da lei.

Participou do julgamento, além dos signatários, a eminente Senhora DES.ª


NAELE OCHOA PIAZZETA (PRESIDENTE).

Porto Alegre, 12 de abril de 2017.

DESEMBARGADORA ISABEL DE BORBA LUCAS,


Relatora.

DESEMBARGADOR DÁLVIO LEITE DIAS TEIXEIRA,


Redator.

RELATÓRIO
DESEMBARGADORA ISABEL DE BORBA LUCAS (RELATORA)

De início, ressalto que serão analisados conjuntamente os Habeas Corpus de


números 70072271802 e 70072355084, porquanto dizem respeito ao mesmo paciente e aos
mesmos fatos, um impetrado eletronicamente e outro, em regime de plantão.
RICARDO PEREIRA CANTERGI impetrou habeas corpus (nº
70072271802) em favor de RICARDO ALMEIDA CAMPBELL, com pedido liminar.
Em suas razões, alegou, em síntese, a ausência dos requisitos ensejadores da
segregação cautelar, destacando que o paciente é advogado, e que os relatos das supostas
vítimas demonstram, apenas, a existência de discussões contratuais entre este e seus clientes,
inexistindo crime de apropriação indébita. Afirmou que a segregação cautelar do paciente,
em cela de isolamento na Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, em parcas condições de
higiene e salubridade, é flagrantemente ilegal, considerando a norma prevista no artigo 7º, V,
da Lei 8906/94 (Estatuto da Advocacia), que determina que é direito do advogado não ser
recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior,
com instalações e comodidades condignas e, na sua falta, em prisão domiciliar.

3
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

Subsidiariamente, afirmou a possibilidade de substituição da segregação cautelar por


medidas diversas, salientando as condições subjetivas favoráveis do paciente.
Com base nessas considerações, requereu a imediata revogação do decreto
de prisão preventiva e, subsidiariamente, pleiteou a imposição de medidas cautelares
diversas ou a concessão da prisão domiciliar, com a posterior concessão, em definitivo, da
ordem.
Diante das peculiaridades do caso concreto, a análise do pedido liminar foi
postergada, solicitando-se informações pormenorizadas ao juízo da origem, com urgência,
especialmente acerca da existência de Sala de Estado Maior nos estabelecimentos prisionais
da região, da existência de processo administrativo perante a Ordem dos Advogados contra o
paciente, bem como de notícia acerca do andamento do inquérito policial e de registros ou
denúncias de outros clientes do paciente, pela prática de fatos semelhantes aos que
culminaram em sua prisão preventiva (fls. 202/203).

Em razão da ausência de resposta ao ofício, antes de iniciado o recesso


forense, foi impetrado novo habeas corpus em favor do paciente, também com pedido
liminar, por VILNEI PINHEIRO SESSIM, em regime de plantão (nº 70072355084),
reiterando as razões anteriormente apresentadas.

A liminar foi deferida pela MMª. Desembargadora Plantonista Jucelana


Lurdes Pereira dos Santos, determinando a substituição da prisão preventiva pelas medidas
cautelares de comparecimento bimestral para informar e justificar suas atividades e proibição
de ausentar-se da Comarca e mudar de endereço, sem comunicação prévia ao juízo (fl. 29 e
verso do processo nº 70072355084).
Informações prestadas pelo juízo a quo, juntadas aos autos eletrônicos em
11/01/2017 (fls. 212/214), relatando os fatos e afirmando não ter ciência quanto à existência
de sala de estado maior na região. Além disso, deu conta que, em contato com a presidente
da subseção da OAB/RS, esta informou que, com a prisão do paciente, conseguiriam intimá-
lo acerca da instauração de processo administrativo. Finalmente, acrescentou que o paciente
possui doze registros de ocorrência por apropriação indébita e um por estelionato.
Retornaram os autos eletrônicos para a análise do pedido liminar,
oportunidade em que estendidos os efeitos da concessão parcial da ordem, em sede liminar,
impondo as medidas cautelares previstas no artigo 319, incisos I, IV e VI, do Código de
4
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

Processo Penal, de comparecimento bimestral em juízo para informar e justificar suas


atividades, proibição de ausentar-se da comarca e de mudar de endereço, sem comunicação
prévia ao juízo e suspensão do exercício da atividade profissional da advocacia (fls. 215 a
217 dos autos eletrônicos).
As mesmas informações, pelo juízo a quo, foram juntadas aos autos do
processo de nº 70072355084 (fls. 38 e verso), salientando o cumprimento da decisão que
deferiu a liminar.

Em parecer, opinaram os ilustres Procuradores de Justiça, Dr. Luiz Henrique


Barbosa Lima Faria Corrêa (processo nº 70072271802 – fls. 225/231) e Dr. Ivory Coelho
Neto (processo nº 70072355084 – fls. 40/41v), pela denegação da ordem.
Em razão das férias desta relatora, entendendo pela necessidade de
julgamento dos presentes habeas corpus com maior urgência, foi determinada a sua
redistribuição, em 20/01/2017 (processo nº 70072271802) e 13/02/2017 (processo nº
70072355084).
Entendendo pela não configuração da urgência, diante da concessão da
liminar, bem como da impossibilidade de inclusão, a tempo, dos writs em pauta, o MM.
Desembargador Dálvio Leite Dias Teixeira determinou a redistribuição dos feitos à esta
relatoria originária, em 28/03/2017.
Vieram ambos os feitos conclusos, para julgamento conjunto.

É o relatório.

VOTOS

DES.ª ISABEL DE BORBA LUCAS (RELATORA)


Reitero que serão julgados conjuntamente os Habeas Corpus de números
70072271802 e 70072355084, porquanto dizem respeito ao mesmo paciente e aos mesmos
fatos, um impetrado eletronicamente e outro, em regime de plantão.

Pela análise dentro dos limites da estreita via do habeas corpus, entendo que
a ordem deve ser parcialmente concedida, ratificando-se a decisão liminar.

5
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

Trata-se de impetração que visava à revogação da prisão preventiva do


paciente, decretada, na origem, para a garantia da ordem pública e para assegurar a instrução
criminal (fls. 49/50).

Assim decidiu a MMª. Desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos,


quando do deferimento do pleito liminar (fls. 29 e verso do processo nº 70072355084):

[...]
Inobstante a existência de prova da materialidade e de
indícios de autoria, concedo a ordem de habeas corpus.
Embora o delito imputado ao paciente seja censurável, pois
há indícios que se apropriou de valores pertencentes a
clientes, recebidos em função da profissão, deve-se destacar
que não foi cometido com violência ou grave ameaça à
pessoa, o que importa em apenamento maior.
Como o paciente é primário e, a pena a ser aplicada em
caso de eventual condenação, será em regime mais brando
que o fechado.
Além disso, há declarações dele comprometendo-se a
prestar contas dos processos judiciais envolvendo algumas
das vítimas, o que indica que entregará os valores sacados,
entendo viável a substituição por medidas cautelares,
consistentes em: (a) comparecimento bimestral para
informar e justificar suas atividades e (b) proibição de
ausentar-se da Comarca e mudar de endereço, sem
comunicação prévia ao juízo.
Assim, defiro a liminar. Expeça-se alvará de soltura se não
estiver preso por outro motivo.

Ao estender os efeitos da decisão supra ao processo nº 70072271802, quando


também da análise do pedido liminar, assim me manifestei (fls. 215/217):

Ciente da decisão proferida pela MMª Desembargadora


Plantonista Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, datada de
22 de dezembro de 2016, nos autos do Habeas Corpus nº
70072355084, impetrado em favor do paciente, durante o
recesso forense, na qual a prisão preventiva foi substituída
por cautelares diversas, deferindo a liminar, entendo que
deve ser mantida, somando-se, agora, a medida prevista no
artigo 319, inciso VI, do Código de Processo Penal, de
suspensão do exercício da atividade profissional da
advocacia, considerando que não há notícia nos autos de
que esta já tenha sido imposta pela origem, ou pela
OAB/RS, mostrando-se adequada e necessária,

6
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

considerando que o paciente utilizar-se-ia desta para a


suposta prática dos delitos investigados.
Destarte, mantenho concessão parcial da ordem, em sede
liminar, impondo as medidas cautelares previstas no artigo
319, incisos I, IV e VI, do Código de Processo Penal, de
comparecimento bimestral em juízo para informar e
justificar suas atividades, proibição de ausentar-se da
comarca e de mudar de endereço, sem comunicação prévia
ao juízo e suspensão do exercício da atividade profissional
da advocacia.
Oficie-se, inclusive à OAB-RS, dando ciência da presente
decisão.

No caso concreto, entendo que a decisão que decretou a segregação cautelar


do paciente, bem como a decisão posterior, que a manteve, foram devidamente
fundamentadas, em primeiro lugar, diante da gravidade concreta dos delitos a ele imputados
– supostas apropriações indébitas, de valores pertencentes a diversos clientes, obtidos, por
levantamento de alvarás e do recebimento de honorários contratuais, que somam alto valor
pecuniário, aproveitando-se da relação de confiança estabelecida com as vítimas, em razão
de sua profissão.
Além disso, conforme constou da informação do juízo a quo, o paciente
possui doze registros de ocorrência, por apropriação indébita, e um por estelionato,
evidenciando possibilidade concreta de reiteração delitiva, o que também configura ofensa à
ordem pública, nos termos da jurisprudência das Cortes Superiores.
Ressalto que a alegação de que o tipo de delito comportaria, em caso de
condenação, a fixação de regime carcerário mais brando que o atual, não serve para o
abrandamento da custódia preventiva, na medida em que deve ser levada em conta a natureza
processual da prisão preventiva, uma vez que está pautada pelos requisitos elencados no
artigo 312 do CPP: garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da
instrução criminal, ou assegurar a aplicação da lei penal, não constituindo forma de
cumprimento antecipado de eventual pena. Além disso, consagrado na jurisprudência desta
Corte que somente as condições subjetivas do paciente não obstam a custódia cautelar.
No entanto, embora entenda preenchidos os requisitos do artigo 312 do CPP,
tenho como inviável a manutenção da segregação do paciente, diante da prerrogativa a ele
concedida, pela qualidade de advogado, no Estatuto da Advocacia.
7
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

Assim dispõe o artigo 7º, V, da Lei 8.906/94:

Art. 7º São direitos do advogado:


[...]
V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em
julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e
comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e,
na sua falta, em prisão domiciliar;   (Vide ADIN 1.127-8)

Conforme relatado na inicial e corroborado pelos documentos acostados ao


feito, o paciente encontrava-se recolhido, na Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, em
cela de isolamento, destinada a presos que não podem permanecer no mesmo ambiente que
os demais, por suas incompatibilidades, e que, conforme relatório da Comissão de Defesa,
Assistência e Prerrogativas da OAB/RS, apresentaria parcas condições de higiene e
salubridade.
Ao prestar informações, o magistrado a quo afirmou não ter ciência quanto à
existência de sala de estado maior na região.
A assessoria desta Relatora, ainda, entrou em contato com o 4º Regimento de
Polícia Montada da Brigada Militar, em Porto Alegre, diante da notícia de que, em
determinadas oportunidades, recebia, para segregação em suas dependências, advogados, a
fim de cumprir com o requisito previsto no artigo 7º, V, da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB),
no entanto, não houve retorno quanto à possibilidade de ingresso do paciente no
estabelecimento.
Destarte, inviável a manutenção da segregação cautelar do paciente, sob
pena de violação do artigo 7º, V, da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), considerando a
ausência de notícia quanto à existência de Sala de Estado maior ou instalação congênere no
estado, capaz de recebê-lo.
Finalmente, de destacar que não há notícia nos autos de que o paciente tenha
descumprido, até então, qualquer das medidas cautelares impostas.
Assim, impõe-se a ratificação da liminar, com a concessão parcial, em
definitivo, da ordem.

8
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

EM FACE DO EXPOSTO, voto no sentido de ratificar a liminar e conceder


parcialmente a ordem, para revogar a decisão que decretou a prisão preventiva de RICARDO
ALMEIDA CAMPBELL, impondo-lhe as medidas cautelares previstas no artigo 319,
incisos I, IV e VI, do Código de Processo Penal, de comparecimento bimestral, em juízo,
para informar e justificar suas atividades, proibição de ausentar-se da comarca e de mudar de
endereço, sem comunicação prévia ao juízo, e suspensão do exercício da atividade
profissional da advocacia.

DESEMBARGADOR DÁLVIO LEITE DIAS TEIXEIRA (REDATOR)


Com a devida vênia, vou divergir da eminente Relatora.

Segundo consta, o paciente Ricardo Almeida Campbell, advogado


militante nos municípios de Gramado e Canela, teve contra si decretada prisão preventiva
nos autos da ação penal nº 101/2.16.0002327-7 pela prática, em tese, do crime de
apropriação indébita qualificada, em desfavor de seus clientes, porquanto teria sacado
alvarás judiciais a eles destinados e utilizado em proveito próprio, jamais repassando o
numerário aos devidos beneficiários.

Não se verifica, no caso, qualquer hipótese de constrangimento ilegal (art.


648 do Código de Processo Penal) a revelar que a restrição imposta ao paciente configura
violência ilegal à sua liberdade.
A decisão que decretou a segregação cautelar está devidamente apoiada em
valor protegido pela ordem constitucional em igualdade de relevância com a liberdade
individual – a tutela da ordem pública e garantia de aplicação da lei penal. Ademais,
apresenta exaustiva análise dos pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal –
prova da existência do crime e indícios da autoria, seguida da decretação da medida restritiva
com fulcro em hipótese fática prevista no dispositivo legal.
O fumus comissi delicti, consistente na prova da materialidade delitiva e
indícios suficientes de autoria, manifesta-se com impetuosidade.
Consta nos autos que o Delegado de Polícia, ao representar pela prisão
preventiva, noticiou que “até o momento, já identificamos quatro vítimas do referido
advogado, as quais tiveram prejuízos financeiros relevantes. Uma das vítimas sofreu
prejuízo de dezena de milhares de reais. Outrossim, a quebra do sigilo bancário evidenciou,
ainda mais, a má-fé do advogado, pois na conta bancária onde ingressaram os R$
9
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

112.000,00 (cento e doze mil reais), atualmente, o saldo é de R$ 0,11 (onze centavos).
Também teriam ingressado nesta conta os R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais) da
vítima DALVA. Ou seja, a conta bancária foi literalmente “raspada”. (...) Ao mais, pelo que
se depreende das ocorrências mais recentes e pela certidão policial que integra o feito, o
acusado está se escondendo dos clientes, bem como pretende deixar a cidade, pois
inclusive sua companheira teria solicitado demissão do hospital, onde trabalha como
enfermeira. Importante salientar que RICARDO DE ALMEIDA CAMPBELL é natural
de outro Estado da Federação, possuindo vínculos na Bahia (...)” (grifei).
De fato, os lesados Regina, Dalva e José Alexandre, em sede policial,
narraram que tiveram frustradas suas tentativas de contato com o paciente, patrono de suas
ações judiciais. Dalva ainda refere que o proprietário da sala onde está situado o escritório do
advogado, ora investigado, disse que igualmente não encontra o locador, demonstrando
intenção de ingressar com ação de despejo (fl. 73).

E em que pese o paciente tenha levantado valores, como os R$ 112.167,17


(cento e doze mil, cento e sessenta e sete reais e dezessete centavos) referentes ao processo n.º
101/2.16.0002051-0 (fls. 65/67), os quais foram depositados em sua conta bancária, nesta há
disponível apenas R$ 0,11 (onze centavos), consoante informado pelo Banco Sicredi no ofício
de fl. 72. Tal saque, por óbvio, impossibilita o ressarcimento dos ofendidos, dos quais o
paciente claramente tenta esquivar-se, havendo risco, inclusive, de evasão do distrito da
culpa.
Não obstante, os indícios, além de demonstrarem o fumus comissi delicti,
apontam que o paciente é contumaz na prática delitiva. A autoridade dita coatora, ao prestar
informações, cientificou que o imputado possui notáveis 12 (doze) registros de ocorrência
por apropriação indébita e 1 (um) por estelionato. Ademais, em cumprimento ao
mandado de busca e apreensão na residência e no escritório do agente, foram apreendidos
vários processos, sendo que 03 (três) estavam na posse do acusado, sem estar com carga dos
mesmos, inclusive processo em posse desde 2013 (fls. 212/213).

Nesse contexto, fica evidente a configuração do periculum libertatis, o que


conduz à conclusão de que a restrição de direito imposta foi corretamente decretada.

Tampouco assiste razão ao impetrante quando invoca o princípio da


presunção de inocência como fundamento para a presente ação constitucional. Conforme
10
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, constatada a excepcional necessidade de


resguardo de valores constitucionais de igual relevância à liberdade do paciente, justifica-se
a flexibilização desse princípio.

A impetração da presente ação constitucional funda-se, ainda, na alegação de


existência de condições pessoais favoráveis ao agente. Consoante tranquilo entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, refletido na jurisprudência desta Câmara, contudo, eventuais
condições pessoais favoráveis não obstam a decretação da prisão preventiva, nem conferem
ao paciente o direito subjetivo à concessão de liberdade provisória. Por força disso, a
existência de residência fixa e primariedade são circunstâncias que não influenciam no
exame de legalidade da segregação cautelar decretada.
Quanto ao que concerne a alegação de ilegalidade pelo descumprimento
do disposto na norma do artigo 7°, V, da Lei n.° 8.906/94, merece parcial concessão a
ordem para determinar que o paciente seja recolhido em sala do Estado Maior,
compatível com sua profissão.
Com efeito, depreende-se dos autos que, não obstante as providências
empreendidas no juízo a quo, não foi possível o cumprimento das disposições legais, que
determinam que é direito do advogado “não ser recolhido preso, antes de sentença
transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades
condignas e, na sua falta, em prisão domiciliar”. E, no presente caso, não se demonstra
razoável a concessão de prisão domiciliar ou a substituição por medidas alternativas, em
razão da gravidade da conduta do paciente, do corrente risco de reiteração delitiva e de
evasão do distrito da culpa.
Contudo, diante da inexistência de sala de Estado Maior na Penitenciária
Estadual de Caxias do Sul e de notícia de local compatível na região, determino o
recolhimento de Ricardo Almeida Campbell ao 4º REGIMENTO DE POLÍCIA
MONTADA DE PORTO ALEGRE (4° RPMON), que compõe a estrutura da Brigada
Militar e se vincula ao sistema prisional do Estado, o órgão para o qual são remetidos
agentes detentores de prerrogativas legais.
Ressalto que solução similar foi adotada no julgamento do habeas corpus n.°
70041641911, de relatoria da Desembargadora Fabianne Breton Baisch, com a transferência
de preso provisório detentor da condição de advogado a Batalhão de Polícia Militar; nos
11
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

habeas corpus n.° 70068527928 e 70068754282, de minha relatoria, determinando a


segregação no 4° RPMON, e no habeas corpus n.º 70069197440, de relatoria da
Desembargadora Naele Ochoa Piazzeta.

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:


PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS.
ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ADVOGADO. PRISÃO
ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE SALA DE ESTADO-
MAIOR. DESCABIMENTO DA PRISÃO DOMICILIAR.
HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. Encontrando-se o paciente - advogado - preso no 4º
Regimento de Polícia Montada de Porto Alegre-RS, com
instalações condignas e separado dos demais detentos, não
há falar em constrangimento ilegal, sendo descabido o
deferimento da prisão domiciliar, sob o argumento de
inexistência de Sala do Estado Maior das Forças Armadas.
Precedente desta Corte Superior.
2. Habeas corpus denegado.
(HC 361177 / RS. Relator Ministro NEFI CORDEIRO. Sexta
Turma. Julgado em 20.09.2016, DJe 03.10.2016).

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS


SUBSTITUTIVO DO RECURSO PRÓPRIO. HOMICÍDIO
QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER.
PACIENTE ADVOGADO. DIREITO AO RECOLHIMENTO
EM SALA DO ESTADO-MAIOR. PRISÃO PREVENTIVA
EM CELA INDIVIDUAL, SEPARADA DE OUTROS
PRESOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO
CONFIGURADO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O art. 7º, inciso V, da Lei nº 8.906/1994, que teve sua
constitucionalidade confirmada em julgamento realizado
pela Suprema Corte, assegura aos advogados presos
provisoriamente o recolhimento em sala de Estado Maior
ou, na sua falta, em prisão domiciliar (Precedentes).
2. A alteração havida no Código de Processo Penal pelas
Leis nº 10.258/2001 e 12.403/2011 (arts. 295 e 318), no
tocante à prisão especial e à prisão domiciliar
respectivamente, não alteram a prerrogativa de índole
profissional, qualificável como direito público subjetivo do
advogado regularmente inscrito na OAB, quanto à prisão
provisória em Sala de Estado Maior.
3. Nos termos da jurisprudência das Turmas integrantes da
3ª Seção desta Corte "a ausência, simplesmente, de sala do

12
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

Estado Maior não autoriza seja deferida prisão domiciliar


ao paciente, advogado, preso preventivamente, dado que
encontra-se segregado em cela separada do convívio
prisional, em condições dignas de higiene e salubridade,
inclusive com banheiro privativo" (HC n. 270.161/GO, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe
25/8/2014).
4. Pelas informações prestadas, o recorrente está em cela
por ele escolhida, sem registro de eventual inobservância
das condições mínimas de salubridade e dignidade
humanas, separado dos outros presos e sem o rigor e a
insalubridade do cárcere comum, não havendo falar em
constrangimento ilegal, porquanto não subsiste mais prisão
em cela comum.
5. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída
do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira
inequívoca, por meio de documentos, a existência de
constrangimento ilegal imposto ao paciente.
6. Recurso de Habeas corpus não provido.
(RHC 70289 / SP. Relator Ministro REYNALDO SOARES
DA FONSECA. Quinta Turma. Julgado em 11.10.2016, DJe
21.10.2016).

Por esses fundamentos, voto no sentido de CASSAR A LIMINAR e


CONCEDER PARCIALMENTE A ORDEM, determinando a transferência do
paciente para o 4° Regimento de Polícia Montada de Porto Alegre (4° RPMON).

DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA (PRESIDENTE)


Acompanho a divergência lançada pelo Desembargador Dalvio Leite Dias
Teixeira.

DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA - Presidente - Habeas Corpus nº 70072355084,


Comarca de Gramado: "“POR MAIORIA, CASSARAM A LIMINAR E CONCEDERAM
PARCIALMENTE A ORDEM, DETERMINANDO A TRANSFERÊNCIA DE RICARDO
13
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DLDT
Nº 70072355084 (Nº CNJ: 0445702-35.2016.8.21.7000)
2017/CRIME

ALMEIDA CAMPBELL PARA O 4° REGIMENTO DE POLÍCIA MONTADA DE


PORTO ALEGRE (4° RPMON), VENCIDA A DESEMBARGADORA ISABEL DE
BORBA LUCAS, QUE RATIFICAVA A LIMINAR E CONCEDIA PARCIALMENTE A
ORDEM PARA REVOGAR A DECISÃO QUE DECRETOU A PRISÃO PREVENTIVA
DO PACIENTE, IMPONDO-LHE AS MEDIDAS CAUTELARES PREVISTAS NO ART.
319, INCS. I, IV E VI, DO CPP.”"

Julgador(a) de 1º Grau:

14

Você também pode gostar