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Professor Rogério Cruz

Prática III (Penal) – UNESA - Aula 8 – HABEAS CORPUS

Caso concreto

Michael da Silva foi preso em flagrante no dia 10 de julho de


2016 pela prática do crime previsto no art. 16, § único, IV da Lei
10.826/03 e art. 28 da lei 11.343/06. No auto de prisão em flagrante
constavam os depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão.

Michael fora preso em razão de uma notitia criminis realizada


por sua mulher Angelina da Silva afirmando que o mesmo possuía
armas dentro de casa com numeração raspada e isso a assustava.

Diante da informação e com o consentimento de Angelina, os


policiais se dirigiram a casa onde o casal residia e após uma intensa
busca no imóvel, encontraram três revólveres calibre 38 com a
numeração raspada, em um armário dentro do quarto. Em outro
armário, os policiais encontraram 50 munições. Em seguida,
encontraram um papelote contendo 0,9 decigramas de cocaína.

Perguntado sobre a posse do material encontrado, Michael


afirmou que adquirira as armas em Angra dos Reis de um amigo, e
quanto à droga, disse que era para seu uso pessoal.

O auto de prisão em flagrante foi devidamente lavrado e


distribuído ao juízo da 22a Vara Criminal da Capital, onde foi
requerida a sua liberdade provisória, que foi negada pelo juiz ao
argumento de que se tratava de crime grave, haja vista o preso
possuir 03 revólveres com numeração raspada em sua residência e
em razão do depoimento da sua esposa que afirmou ser ele um
homem agressivo.
Não há anotações na folha de antecedentes de Michael da
Silva.

O advogado abaixo é contratado pela família de Michael para


patrocinar seus interesses, redija a peça cabível objetivando a sua
liberdade.

OBSERVAÇÕES PERTINENTES AO TEMA

1. PEÇAS COM OBJETIVO DE RESTITUIÇÃO DA


LIBERDADE:
• RELAXAMENTO DE PRISÃO: Art. 5º, LXV da CRFB
• LIBERDADE PROVISÓRIA: Art. 5º, LXVI da CRFB e Art. 321
do CPP
• HABEAS CORPUS: Art. 5º, LXVIII da CRFB e Art. 647 do CPP

2. HIPÓTESES DE CABIMENTO DE HABEAS CORPUS


• HABEAS CORPUS: Art. 5º, LXVIII da CRFB e Art. 647 do CPP

3. Espécies:

• Liberatório – Quando alguém já está preso (alvará soltura), ou


que já teve prisão decretada, muito embora o mandado de
prisão (contra mandado).
• Preventivo – Quando se encontra na iminência de ser preso
(salvo conduto).
4. PERSONAGENS DO HC
• PACIENTE – BENEFICIÁRIO DA MEDIDA
• IMPETRANTE – QUEM APRESENTA O PEDIDO DE HC
• AUTORIDADE COATORA – RESPONSÁVEL PELA
RESTRIÇÃO AO DIREITO DE IR E VIR.

Estrutura da peça:

Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Rio


de Janeiro.

Ref. ao processo nº..........

MICHAEL DA SILVA, nacionalidade, estado civil, profissão,


portador da identidade nº........, CPF..........., com endereço ............., vem a presença de
V.Exa., por seu advogado (procuração em anexo), com fundamento nos artigos 647 e 648
do Código Processual Penal c/c art. 5º, LXVIII da CRFB, impetrar

HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

pelas razões fáticas e jurídicas a seguir aduzidas:

DOS FATOS:

Michael da Silva foi preso em flagrante no dia 10 de julho de 2016 pela prática do
crime previsto no art. 16, § único, IV da Lei 10.826/03 e art. 28 da lei 11.343/06. No auto
de prisão em flagrante constavam os depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão.
Michael fora preso em razão de uma notitia criminis realizada por sua mulher Angelina
da Silva afirmando que o mesmo possuía armas dentro de casa com numeração raspada e
isso a assustava. Diante da informação e com o consentimento de Angelina, os policiais
se dirigiram a casa onde o casal residia e após uma intensa busca no imóvel, encontraram
três revólveres calibre 38 com a numeração raspada, em um armário dentro do quarto.
Em outro armário, os policiais encontraram 50 munições. Em seguida, encontraram um
papelote contendo 0,9 decigramas de cocaína. Perguntado sobre a posse do material
encontrado, Michael afirmou que adquirira as armas em Angra dos Reis de um amigo, e
quanto à droga, disse que era para seu uso pessoal.
O auto de prisão em flagrante foi devidamente lavrado e distribuído ao juízo da
22ª Vara Criminal da Capital, onde foi requerida a sua liberdade provisória, que foi
negada pelo juiz ao argumento de que se tratava de crime grave, haja vista o preso possuir
03 revólveres com numeração raspada em sua residência e em razão do depoimento da
sua esposa que afirmou ser ele um homem agressivo.
Não há anotações na folha de antecedentes de Michael da Silva.

DOS FUNDAMENTOS:
I – DA NULIDADE DECORRENTE DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO

A prisão antes da condenação definitiva tem natureza de medida


cautelar, e deve ser fundamentada de acordo com os requisitos da lei, indicados no art.
312 do CPP. Desta forma, a decisão de decretou a prisão preventiva, sem demonstrar a
existência concreta dos requisitos autorizadores da medida cautelar é nula se confrontada
com o que dispõe o art. 93, IX da CRFB.
A respeito da questão o STF, por sua vez, em decisão da Segunda
Turma concedeu ordem de Habeas Corpus (HC 95118-0 SP), em razão da ausência de
requisitos autorizadores da prisão preventiva, o que permitiu a concessão da ordem. Como
bem esclarecido no Acórdão o Juízo deve apontar, com base em fatos concretos, os fatos
objetivos que induziram a conclusão acerca da reiteração de práticas criminosas.
Segue abaixo, outra decisão do Supremo, no mesmo sentido:
“Como se sabe, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido
de que “o decreto de prisão cautelar há que se fundamentar em
elementos fáticos concretos suficientes a demonstrar a
necessidade da medida constritiva, sendo certo que a mera
afirmação de suposta periculosidade e de gravidade em
abstrato do crime, por si só, não são suficientes para
fundamentar a constrição cautelar, sob pena de transformar o
acusado em instrumento para a satisfação do anseio coletivo
pela resposta penal” (HC 93.971, DJE de 20.3.2009).”

No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, também já se decidiu


desta forma:

0018841-58.2011.8.19.0000 - HABEAS CORPUS


1ª Ementa
DES. PAULO BALDEZ - Julgamento: 17/05/2011 - SETIMA
CAMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO TENTADO.
ALEGA O IMPETRANTE QUE AS DECISÕES DE
INDEFERIMENTO DA LIBERDADE PROVISÓRIA SÃO
DESTITUÍDAS DE FUNDAMENTAÇÃO E, AINDA, QUE
ESTÃO AUSENTES OS REQUISITOS AUTORIZADORES DA
PRISÃO CAUTELAR, OBJETIVANDO A CONCESSÃO DE
LIBERDADE AO PACIENTE. 1. Paciente preso em flagrante
pela suposta prática de roubo tentado e circunstanciado pelo
concurso de agentes. 2. O pedido de liberdade provisória foi
indeferido por duas vezes, a primeira sob o fundamento de que
estão presentes os requisitos autorizadores da custódia cautelar
e a segunda por não ter ocorrido alteração na situação fática e
diante da não comprovação de que o paciente exerça atividade
lícita, bem como ter sido o delito praticado mediante grave
ameaça à pessoa. 3. Todavia, a manutenção da custódia do
paciente não se apresenta devidamente fundamentada diante das
circunstâncias do caso concreto, sendo certo que se trata de réu
primário, de bons antecedentes, com apenas 19 anos de idade e
com residência fixa no distrito da culpa, não havendo o delito
ultrapassado a esfera da mera tentativa. 4. Não se justifica, pois,
a excepcionalidade da medida restritiva, fazendo jus o paciente
à liberdade provisória. CONSTRAGIMENTO ILEGAL
CONFIGURADO. CONHECIMENTO E CONCESSÃO DA
ORDEM.

II – DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS QUE AUTORIZAM A PRISÃO


PREVENTIVA

Além do fato de ser nula a decisão por falta de fundamentação, o


que por si só autoriza a concessão da ordem em Habeas Corpus, verifica-se que a situação
concreta não indica a presença dos elementos ensejadores da prisão preventiva, como
veremos a seguir.
O caso em tela não é de conversão em prisão preventiva. O Art.
312, por sua vez, prevê que “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal.

Sobre os requisitos para prisão cautelar, Aury Lopes Junior (in


Direito Processual penal – 12 ed. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 589-590) , defende que
se justifica pela presença de fumus comissi delicti e periculum libertatis. A primeira
representa a idéia de probabilidade em relação ao cometimento do crime e a conseqüente
aplicação da pena. Há que se considerar que qualquer presunção em desfavor do réu fere
a garantia da presunção de inocência, e consequentemente atinge a própria Constituição
da República. A segunda representa a evidência de risco à sociedade em razão da
periculosidade do agente, e frise-se, está também não pode ser presumida.
Como se verifica a partir da análise dos documentos carreados
aos autos o acusado tem residência fixa com sua esposa e filhos e mantém vínculo formal
de emprego, restando evidente a inexistência de risco a ordem pública ou a aplicação da
lei penal.
A prisão só deve se dar quando for de inegável necessidade,
evitando-se ao máximo o comprometimento do direito de liberdade que o ordenamento
jurídico tutela e ampara, o acusado, enquanto não condenado, não é culpado, não
podendo ser tratado como se o fosse, gozando ele de um status de inocência, porquanto
as restrições à sua liberdade, quaisquer que sejam elas, só se admitem se ditadas pela
mais estrita necessidade, o que "in casu" não ocorre.

Neste caso o que se constata é que o acusado não demonstra


qualquer indício de periculosidade. Do contrário, é trabalhador mantendo vínculo
formal de emprego. Não há necessidade da manutenção da custódia cautelar. Além do
mais a manutenção da prisão provavelmente acarretará sua demissão e prejudicará seu
sustento e de seus filhos.

A respeito da desnecessidade da manutenção da prisão,


indispensável refletir sobre as palavras do ilustre e saudoso jurista Dr. Evandro Lins e
Silva, in O Salão dos Passos Perdidos, ed. Nova Fronteira, pág. 214/215:

“[...]A prisão é realmente monstruosa, e eu tenho verdadeira


alergia à cadeia. A política criminal hoje dominante no
pensamento científico dos estudiosos do direito penal é: prisão só
ultima ratio, só em último caso. Só deve haver segregação de
quem é perigoso. O cidadão não sendo perigoso, vamos encontrar
uma maneira de permitir que ele volte à sociedade .... nos casos,
por exemplo, de crime contra a propriedade sem violência, por
que a prisão? Muito melhor é encontrar uma fórmula de
ressarcimento do dano, de prestação de serviço gratuito à
sociedade, uma sanção qualquer que não leve sobre tudo o mais
jovem para a prisão, que é uma universidade às avessas, que,
que em vez de recuperar, vai formar um delinqüente. A prisão
oferece um mal contágio, e quem reconhece isso é a própria lei,
que manda dar o sursis, a suspensão condicional da pena as
infrações menos graves...
Nos casos em que a prisão é desnecessária para a recuperação
de um indivíduo, o justo, o correto, o inteligente, o racional, é
que não haja prisão”.(grifo nosso)

III - DA SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO POR OUTRA MEDIDA CAUTELAR:

No novo panorama importante é perceber o caráter subsidiário


da prisão preventiva, que segundo o art. 282, § 6º “a prisão preventiva será determinada
quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).”

Breve leitura do rol de direitos e garantias fundamentais deixa


claro que entendimento desta natureza é incompatível com a ordem constitucional.
Torna impossível tanto a interpretação da norma afastada dos ditames constitucionais,
como a sua própria existência. Segundo Barroso (in Direitos Humanos e Globalização,
editora Lúmen Juris), a partir da Constituição de 1988 a dignidade da pessoa humana
deve funcionar como uma “lente” pela qual devem passar a ser observadas as normas
infraconstitucionais.

Nestes termos, a prisão antes de decisão condenatória


irrecorrível só se justifica pela extrema necessidade. Sendo assim a prisão processual
deve ser considerada como provisória, como não podia deixar de ser, haja vista que o
que permanente é a liberdade, que na excepcionalidade da condenação pode ser
cerceada, por tempo determinado.

DO PEDIDO:

Não há justificativa, em concreto, para a manutenção da prisão


preventiva do acusado, por tudo o que foi dito acima, pelo que requer o que ao paciente
seja concedida LIMINAR EM HABEAS CORPUS E QUE AO FINAL ESTA SEJA MENTIDA DE
FORMA DEFINITIVA, e com a imposição de uma das medidas cautelares do art. 319 do
CPP.
Termos em que pede e espera deferimento.

Local, data.

Advogado/OAB

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