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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DE

EXECUÇÕES CRIMINAIS DE DRACENA/SP

FEITO N.º: 882.861

LUAN FELIPE DA SILVA NARDES, pela Defensoria Pública do


Estado, nos autos da AÇÃO DE EXECUÇÃO PENAL em epígrafe, vem,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência para, não se conformando, concessa
maxima venia, com a r. decisão de fl. 62/62-v do apenso de “AUTOS DE
SINDICANCIA N° 05/2018”, que homologou falta disciplinar de natureza grave,
interpor, com fulcro no art. 197 da Lei de Execução Penal, o presente

RECURSO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO

requerendo seja ele recebido e processado, juntamente com a minuta em anexo e cópia
das principais peças processuais, incluindo cópia integral do apenso “ AUTOS DE
SINDICANCIA N° 05/2018”, para integral reforma do r. pronunciamento de primeiro
grau.

O Agravante requer seja intimado de todos os atos do presente


processo, na pessoa do Defensor Público subscritor, na forma do art. 128, I, da Lei
Complementar n.º 80/94.

Presidente Prudente/SP, 17 de julho de 2018.

GUSTAVO PICCHI
9ª Defensor Público da Regional de Presidente Prudente – SP

Rua Comendador João Peretti, n.º 26 - Vila Santa Helena - CEP 19015-610 - Fone/Fax: (18) 3901-1486
MINUTA DE AGRAVO

FEITO N.º: 882.861


AGRAVANTE: LUAN FELIPE DA SILVA NARDES
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

MERITÍSSIMO JUIZ!

EGRÉGIO TRIBUNAL!

COLENDA CÂMARA!

ÍNCLITOS JULGADORES!

I - DA SINOPSE DO CASU

O agravante cumpria a sanção penal na Penitenciária de Dracena/SP,


sendo que, supostamente, teria cometido faltas graves, consistentes em subversão a
ordem e disciplina.

Por essa razão, foram instaurados procedimentos disciplinares para


apuração dos fatos.

O sentenciado foi ouvido em sede administrativa (fl. 29).

Não obstante isso, a Autoridade Administrativa concluiu pela prática


de falta disciplinar de natureza grave (fl. 55).

Sobreveio então a r. decisão de fls. 62/62-v que, reconheceu como


grave a infração disciplinar.

Data maxima venia, o r. decisum não prospera.

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II – DO DIREITO

1 - PRELIMINARMENTE: CERCEAMENTO DE DEFESA

1.1 - DESRESPEITO AO DIREITO DE AUDIÊNCIA

De se notar, ab initio, que se delegou à Autoridade Administrativa a


oitiva prévia do condenado, nos termos do art. 118, § 2º, da Lei de Execução Penal.

Data maxima venia, a diligência supra se mostra absolutamente


inválida, porquanto realizada em sede do procedimento disciplinar e porque compete ao
Juiz da execução penal ouvir o sentenciado.

A respeito, Guilherme de Souza Nucci leciona:

Ampla defesa: quando praticar fato definido como crime


doloso ou quando deixar de cumprir as condições impostas
pelo juiz, bem como deixar de pagar a multa, antes de haver
a regressão, o condenado precisa ser ouvido pelo
magistrado. Cremos que o exercício da ampla defesa é
fundamental, tanto da autodefesa quanto da defesa técnica.
Pode ele apresentar justificativa razoável para o evento.1

Deveras, a execução criminal é regida pelo princípio da


jurisdicionalização, competindo ao respectivo juízo cumprir os termos da sentença penal
condenatória.

Com efeito, reza a Lei n.º 7.210/84:

Art. 66. Compete ao Juiz da execução:


[...]
III - decidir sobre:
[...]
b) progressão ou regressão nos regimes;
c) detração e remição da pena;
[...]
f) incidentes da execução.

1
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 538.
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Dessa forma, ao se delegar ao Poder Público a oitiva prévia do
condenado, viola-se, com a devida vênia, a natureza da execução penal, o princípio do
Juiz Natural e ainda o primado da separação harmônica das funções estatais.

Como se não bastasse, ao deixar de realizar audiência pessoal com o


sentenciado, o d. magistrado singular impede o condenado de influenciar na formação
da sua convicção, obstando ao executado o efetivo exercício do contraditório e da ampla
defesa, sobretudo na modalidade de autodefesa.

Aliás, nesse mesmo sentido, assevera o art. 8º.1. da própria


Convenção Americana de Direitos Humanos que a todas as pessoas acusadas de um fato
delituoso será assegurado o direito de audiência perante um Juízo ou Tribunal
competente. In verbis:

Artigo 8º - Garantias judiciais


1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou
Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal
formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e
obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza.

Não é outro o entendimento do E. Tribunal de Justiça do Estado de


São Paulo (AG EXECUÇÃO nº 990.10.325621-2. 7ª Câmara de Direito Criminal.
Relator Fernando Miranda Data do julgamento: 02/12/2010):

“A decisão é nula. O réu tinha o direito de ser ouvido


judicialmente. Ainda que jurídica e possível a apuração pela
autoridade administrativa, mesma conclusão não se pode, por
vedada e extensiva analogia, extrair no que toca ao
procedimento para a definitiva aplicação de penalidades (como a
perda dos dias remidos), necessariamente submissas ao princípio
do contraditório e às garantias da amplitude defensiva e do
devido processo legal. É certo que, em realidade, por natural e
objetivo, o primeiro "juiz" de fato a apreciar ocorrência de falta
disciplinar de natureza grave, assim prevista e definida na Lei de
Execução Penal, é mesmo o diretor do estabelecimento em que
se executa a pena privativa de liberdade do acusado, cabendo-
lhe, em sumária e direta cognição, de modo vinculado e
fundamentado, decidir pela instauração ou não de sindicância.
Isto, contudo, ainda não é o incidente executório de eventual
regressão de regime prisional, perda de dias remidos e
outras punições, mas simples providência administrativa
preparatória do procedimento essencialmente judicial e com
expressa garantia de oitiva pessoal do sentenciado pelo juiz
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da execução (Artigo 118, § 2o, da Lei de Execução Penal),
asseguradas a prévia intimação e intervenção do defensor, tal
como ocorre no juízo de conhecimento e condenação, no ato de
interrogatório, analogicamente aplicável como meio de
preservação das garantias constitucionais:
Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade
judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e
interrogado na presença de seu defensor, constituído ou
nomeado.
§ 1º O interrogatório do acusado preso será feito no
estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria,
desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a
presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a
segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de
Processo Penal.
§ 2º Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o
direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.
Ademais, assegura a Constituição Federal:
Artigo 5º, inciso LIV: ninguém será privado da liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal.
inciso LV: aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ela
inerentes. Assim, nula a decisão judicial proferida sem a
oitiva do sentenciado, que deverá ser ouvido e nova decisão
proferida. Em face do exposto, dá-se provimento ao agravo em
execução de Flávio Alcântara da Silva, para anular a decisão
que reconheceu a falta grave, para que outra se produza,
observada a necessidade de oitiva do agravante.” (g.n.)

Nesse diapasão, acerca da imprescindibilidade da audiência de


justificação no âmbito disciplinar da Execução Penal, já decidiu o C. Superior Tribunal
de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.


REGIME PRISIONAL. REGRESSÃO. FALTA GRAVE.
PRÉVIA OITIVA DO CONDENADO. ARTIGO 118, §2º,
DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.
1. Em consequência da jurisdicionalização da execução
penal, por ofensa ao princípio do contraditório, nula é a
decisão que determina a regressão do condenado sem a sua
prévia audiência;
2. A “oitiva” do ora recorrente se deu, tão-somente, perante
a Comissão Técnica de Classificação - CTC, e não na

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presença do juiz da execução penal, destinatário final das
teses defensivas eventualmente sustentadas;
3. Recurso ordinário provido, para declarar nula a decisão
que determinou a regressão do ora recorrente para o regime
fechado, devendo outra ser proferida somente após sua
oitiva pelo juiz da execução penal (STJ, 6ª T., Recurso
Ordinário em Habeas Corpus n.º 18693/RJ, rel. Min. Hélio
Quaglia Barbosa, julgado em 18/05/2006, DJ 26/06/2006, p.
200).

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO CRIMINAL. FALTA


GRAVE. NULIDADE. AUDIÊNCIADE JUSTIFICAÇÃO
NÃO REALIZADA. ART. 118, § 2º, DA LEP.
CERCEAMENTODE DEFESA. 1. Segundo a jurisprudência
desta Corte, a falta da audiência de justificação em Juízo,
para a imputação de falta grave ao reeducando, contraria
expressa disposição legal, ex vi do art. 118,§ 2º, da LEP
incorrendo em indevido cerceamento defesa. 2. Ordem
concedida. (STJ - HC: 221020 RS 2011/0239849-0, Relator:
Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 18/06/2012,
T6 - SEXTA TURMA)

Por conseguinte, a diligência administrativa se revela insanavelmente


nula, causando manifesto prejuízo concreto ao sentenciado, em razão de repercussão
negativa em sede de execução penal, motivo pela qual novamente há de ser afastada a
aplicação de falta de natureza grave.

1.2 - DA AUSÊNCIA DO ACUSADO NA INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS

O Regimento Interno Padrão das Penitenciária do Estado de São Paulo


estabelece:

“Artigo 72 - a testemunha não pode eximir-se da obrigação de


depor, salvo no caso de proibição legal ou de impedimento.
(...)
§3º - As testemunhas da administração que se sentirem
constrangidas ou ameaçadas pelo acusado devem prestar seu
depoimento sem a presença daquele, desde que com a
anuência da autoridade apuradora.”

Com efeito, há nulidade no procedimento administrativo,


consubstanciada na ausência imotivada do sentenciado à inquirição das testemunhas.

Tanto no âmbito administrativo, como na seara judicial, é assegurado


ao acusado o direito ao contraditório e à ampla defesa, sendo certo que esta engloba não
somente a defesa técnica, mas também a autodefesa, a qual é exercida não só pelo

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depoimento do acusado, mas também através da sua presença no momento da lavratura
do termo de declarações das testemunhas.

Ocorre que, no caso em análise, o sentenciado não foi apresentado


para acompanhar a oitiva das testemunhas e devido a isso sofreu efetivo prejuízo, pois
não teve a oportunidade de apresentar questões às testemunhas, levantando eventuais
divergências e contradições.
Assim, é evidente que a omissão destes e de outros elementos de
prova, que poderiam ter sido colhidos através de questões formuladas pela Defesa
durante o depoimento das testemunhas, causou grande prejuízo ao sentenciado.

Nesse contexto, elucida Fernanda Marinela2, autora contemporânea de


Direito Administrativo, que “o princípio da ampla defesa é uma exigência
indispensável para um Estado Democrático”. Uma das vertentes desse princípio, na
própria seara administrativa, é o direito à produção de provas, direito esse que não
pode se apresentar somente como uma condição formal. A parte tem direito à produção
das provas que entender necessárias à sua defesa, mas não basta a produção; esse
princípio exige que prova seja avaliada, que possa interferir e participar da construção
do convencimento do julgador.3

Portanto, até os administrativistas defendem a necessidade


democrática das partes, dialeticamente, participarem da produção probatória e influírem
na convicção da Autoridade Apuradora.

Além disso, o RIP determina, como REGRA PROCESSUAL, a


PRESENÇA FÍSICA do sindicado, prevendo, apenas excepcionalmente, a
possibilidade de depoimentos testemunhal sem a sua presença física na hipótese de esta
causar sentimento de “constrangimento” ou “ameaça” na testemunha, caso em que ela
deverá prestar seu depoimento sem a presença daquele, desde que com a anuência da
autoridade apuradora.

No caso concreto, nenhuma das testemunhas relatou qualquer


sensação de constrangimento ou ameaça. Apesar disso, seus depoimentos foram
colhidos na ausência do acusado e sem anuência expressa e motivadamente
vinculada da Autoridade Apuradora, causando efetivos prejuízos ao sindicado.

Dessa forma, resta claro que o respectivo procedimento disciplinar


padece de nulidade insanável, já que não foram observadas as garantias constitucionais
do contraditório e da ampla defesa relativamente à regra processual do direito de
presença durante a oitiva das testemunhas.

2
Direito Administrativo, 5ª Edição, Editora Impetus: Niterói, 2011, p. 1041.
3
?
Op. Cit., p. 1.042.
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2 - DO MÉRITO DA FALTA GRAVE

2.1 - DA ATIPICIDADE DA CONDUTA

Caso não seja acolhida a preliminar arguida, necessária a análise do


mérito da falta, nos termos que seguem:

A proporcionalidade entre sanção disciplinar e falta é padrão mínimo


internacionalmente reconhecido no tratamento de pessoas privadas de liberdade. Nesse
sentido, a regra 36 das Regras Mínimas da ONU para Tratamento de Presos prevê que
as sanções disciplinares devem ser aplicadas com parcimônia, somente na medida do
necessário:

36. A disciplina e ordem devem ser mantidas com firmeza, mas sem
maiores restrições do que as necessárias para a custódia segura e uma
vida bem organizada na comunidade.

Ainda sobre o assunto, vale ressaltar o teor do Informe da Comissão


Interamericana de Direitos Humanos sobre Pessoas Privadas de Liberdade nas
Américas:

Las autoridades de los centros de privación de libertad deben


procurar que el uso de los procedimientos disciplinarios sea
excepcional, recurriendo a ellos cuando otros medios resulten
inadecuados para mantener el buen orden. Solamente
deberán definirse como infracciones disciplinarias aquellos
comportamientos que constituyan uma amenaza al orden y la
seguridad. Además, tanto las infracciones disciplinarias, como
los procedimientos por medio de los cuales éstas se apliquen,
deben estar previstos en la ley. Dichas sanciones deberán ser en
todo caso PROPORCIONALES a la falta para la cual han sido
establecidas, lo contrario equivaldría a un agravamiento
indebido de la naturaleza aflictiva de la privación de libertad 4.

Assim, por força da proporcionalidade, as sanções disciplinares devem


ser aplicadas somente naqueles casos em que outra solução não seja possível.

A proporcionalidade em comento é marcada pela tríade: a) adequação;


b) necessidade; c) proporcionalidade “stricto sensu”;

4
COMISSÃ O INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Informe sobre los derechos humanos
de las personas privadas de libertad en las Américas. p. 147.
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Desta feita, o intérprete do direito, ao agir com razoabilidade no caso
concreto, deve indagar: em primeiro lugar, se há outro meio adequado para reprimir sua
conduta; em segundo lugar, se há realmente a necessidade de aplicar a sanção que ora se
pleiteia; e em terceiro e ultimo lugar, se é razoável uma condenação por falta grave, que
acarreta conseqüências drásticas como a perda dos dias remidos, a interrupção do lapso
para benefícios e inclusive o isolamento celular, ante a uma conduta de somenos
importância.

Destarte, qualquer proibição que seja inadequada ou desnecessária


para a consecução dos fins almejados pela norma é inconstitucional por falta de
proporcionalidade (princípio da vedação da proibição em excesso).

Ora, sobre o excesso de severidade das sanções disciplinares há a


regra 03 das Regras Mínimas da ONU para Tratamento de Presos:

03. O encarceramento e medidas que resultam na exclusão do


infrator do mundo exterior são penosos exatamente pelo fato de
tirar do indivíduo o direito de autodeterminação por meio de
privação de liberdade. Portanto, o sistema penitenciário não
deve, exceto como circunstância incidental à segregação
justificável ou à manutenção da disciplina, agravar o sofrimento
inerente a esta situação.

A falta de proporcionalidade entre as condutas carcerárias e as sanções


disciplinares é tão gritante no Brasil que chegou a chamar a atenção até mesmo do
Relator Especial da ONU para tortura e tratamentos penais cruéis, desumanos e
degradantes em sua missão neste país:

O Relator Especial constatou que, em muitos casos, os presos


haviam sido transferidos para punição em celas de isolamento
por infrações de menor gravidade, tais como terem sido
encontrados em posse de um telefone celular ou por desrespeito
aos agentes penitenciários, ou porque eram ameaçados por
outros presos. Em alguns casos, eles haviam sido privados de
seus pertences e de suas roupas5.

No caso em comento, o sentenciado nega os fatos narrados na


comunicação de evento, dessa forma não pode ser entendido como falta de natureza
grave, vez que totalmente desproporcional. As condutas punidas, na realidade, mostram-
se flagrantemente insignificantes e inofensivas, sem qualquer condão de desestabilizar

5
Relató rio sobre a Tortura no Brasil Produzido pelo Relator Especial sobre a Tortura da Comissã o
de Direitos Humanos da Organizaçã o das Naçõ es Unidas (ONU) Genebra, 11 de abril de 2001.
Disponível em:
http://www.camara.gov.br/Internet/comissao/index/perm/cdh/ultimos_informes/
11042001%20-%20Relatorio%20sobre%20a%20Tortura%20no%20Brasil.htm
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a ordem ou lesionar bens jurídicos de terceiros, motivos pelo quais a aplicação de falta
grave se revelou excessiva, cruel e desumana.

Nessa toada, os tribunais pátrios já entendem pela aplicação do


princípio da lesividade, insignificância e proporcionalidade na seara disciplinar da
Execução Penal:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. FUGA.


REGRESSÃO DE REGIME AFASTADA. É de ser afastada a
regressão de regime diante da
baixa lesividade da falta cometida em obediência
ao princípio da proporcionalidade. No caso, considera-se
adequada e suficiente a sanção administrativa aplicada. Agravo
provido. (Agravo em Execução Nº 70028449452, Sexta Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Alberto
Etcheverry, Julgado em 26/03/2009)

AGRAVO EM EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. FUGA.


REGRESSÃO DE REGIME. ALTERAÇÃO DA DATA-BASE.
Afastada a regressão de regime diante da
baixa lesividade da falta cometida. Obediência ao princípio da
proporcionalidade. Considerada adequada e suficiente a sanção
administrativa aplicada. Diante da ausência de fundamentação
legal, o cometimento de falta grave não enseja a alteração da
data-base. Inteligência do art. 111, parágrafo único da LEP e art.
75, § 2º do CP. Agravo provido. (Agravo em ExecuçãoNº
70027892199, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Carlos Alberto Etcheverry, Julgado em 22/01/2009)

AGE Nº 70.056.569.387 AG/M 2.055 - S 14.11.2013 - P 72


AGRAVO DA EXECUÇÃO (ART. 197 DA LEP). PLEITO
MINISTERIAL DE RECONHECIMENTO
DA FALTA GRAVE IMPUTADA AO APENADO (POSSE
DE TELEFONE CELULAR). A preliminar contrarrecursal da
defesa, de prejudicialidade do recurso ministerial, vai rejeitada.
O apenado justificou a posse momentânea do telefone celular de
terceiros, a fim de obter notícia do seu filho hospitalizado,
contudo sequer conseguindo efetuar a ligação, pois flagrado por
agente penitenciário. O reconhecimento da falta grave, neste
caso, configura uma punição excessiva, face à ausência
de lesividade externa da conduta empreendida, em atenção aos
princípios da proporcionalidade, suficiência e individualização
da pena. AGRAVO IMPROVIDO. (Agravo Nº 70056569387,
Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em 14/11/2013)

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Logo, data maxima venia, não se constata, na espécie, qualquer
infração grave, haja vista ser a conduta sindicada materialmente atípica, por força dos
princípios da insignificância e da lesividade.

2.2 - DA VEDAÇÃO ÀS SANÇÕES COLETIVAS

Observe-se ainda que a sindicância foi injustificadamente instaurada


contra todos os supostos envolvidos no suposto tumulto, sem que houvesse a
individualização da conduta de cada um.

Portanto, evidenciada que a punição havida, por não encontrar


elementos probatórios suficientes que pudessem imputar o verdadeiro responsável pelo
tumulto/instigação/omissão, recaiu sobre todos aqueles que supostamente teriam
envolvimento com o evento. No entanto, inexiste razão para a imputação de falta grave,
já que a prova da autoria infracional deve ser individualizada e não coletiva.

É certo que, no âmbito penal, existindo dúvidas, não há suporte para


se expedir qualquer decreto condenatório, inclusive em se tratando de faltas
disciplinares e respectivas sanções, que terão reflexos negativos para o cumprimento da
pena e, principalmente, para o processo de readaptação social do agravante.

A propósito, a Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal), no artigo 45,


§ 3º, estabelece que SÃO VEDADAS AS SANÇÕES COLETIVAS, consequentemente,
não havendo provas suficientes de autoria, devidamente individualizada, não se pode
punir todos os reeducandos que ocupavam a cela.

Nesse sentido, ensina JÚLIO FABBRINI MIRABETE (Execução


penal. 11. Ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 136):

Esse princípio decorre do preceito constitucional segundo o


qual nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente (art. 5º,
XLV, da CF). Muitas vezes, a manutenção da ordem e da
disciplina tem servido como justificativa para que se inflijam
aos presos sanções coletivas, quando é principio básico de
justiça que não se deve aplicar qualquer sanção em caso de
simples dúvida ou suspeita. Sabe-se que tem ocorrido
comumente punição a todos os presos de uma cela, galeria ou
pavilhão, quando a administração deseja castigar autores de
uma infração disciplinar que não são conhecidos. Essa
punição coletiva, além de atingir o interno em sua liberdade e
dignidade, tem constado desabonadoramente, como qualquer
outra, do boletim penitenciário, embasado no qual o preso
pode ou não solicitar favores ou requerer benefícios. Diante

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da expressa disposição da lei, vige agora o principio da
culpabilidade individual. (grifos da defesa).

Da mesma forma, preconiza GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Leis


penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 438):

Logo, é vedada a aplicação de sanção coletiva. Exemplo:


encontra-se um estilete em uma cela, habitada por vários
presos, o que constitui falta grave (art. 50, III, LEP). Realizada
sindicância, não se apura a quem pertence. É justo que não se
possa punir todos os condenados ali encontrados, sob pena de
se estar aplicando sanção coletiva, exatamente o que é proibido
por este dispositivo, em consonância com o disposto na
Constituição Federal.

Destaca a jurisprudência que:

“Sem que exista no processo uma prova esclarecedora da


responsabilidade do réu, sua absolvição se impõe, eis que a
dúvida autoriza a declaração do non liquet, nos termos do art.
386, VI do CPP” (Ap. 160.077, TACRIM-SP., Rel. Gonçalves
Sobrinho).
“Sentença absolutória. Para a condenação do réu a prova há de
ser plena e convincente, ao passo que para absolvição basta a
dúvida, consagrando-se o princípio do ‘in dubio pro reo’
contido no art. 386, VI, do CPP” (JTACRIM, 72.26, Rel. Álvaro
Curiy).

Desta feita, não ocorrendo conduta reprovável por parte do agravante


não há que se falar em falta grave.

Portanto, por estrita obediência ao princípio da Legalidade, requer-se


o reconhecimento do excesso de execução.

PROCESSUAL. LEI MARIA DA PENHA. MEDIDAS


PROTETIVAS. DECISÃO. FUNDAMENTAÇÃO.
AUSÊNCIA. INADEQUAÇÃO DAS MEDIDAS.
1 - Toda e qualquer decisão, ainda que de cunho urgente e
cautelar, deve ser fundamentada, nos termos do art. 93, IX
da Constituição Federal, o que não ocorre no caso concreto,
pois as medidas protetivas decretadas, no âmbito da Lei
Maria da Penha o foram com simples menção aos
dispositivos legais, sem qualquer indicação de fatos
concretos. - De outra parte, do contexto dos autos, extrai-se
que são medidas inadequadas (uma delas inexequível) e que
se chocam, em última ratio, com outra decisão proferida em
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autos de ação de modificação de guarda, onde denotado que
já estava o casal separado, há muito. 3. Recurso provido
para revogar as medidas. (HC STJ 24946 / MG RECURSO
ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2008/0260312-0 Sexta
Turma, data do julgamento 27/09/11)

Por fim, diante da evidente penalização coletiva, impõe-se a reforma


da decisão para absolver o recorrente.

2.3 - DA DESCLASSIFICAÇÃO PARA FALTA MÉDIA

Reza a Lei n.º 7.210/84:

Art. 49. As faltas disciplinares classificam-se em leves,


médias e graves. A legislação local especificará as leves e
médias, bem assim as respectivas sanções.
Parágrafo único. Pune-se a tentativa com a sanção
correspondente à falta consumada.

Note-se que a Lei de Execução Penal confiou a tipificação das faltas


disciplinares de natureza leve e média à legislação local. Reservou-se, entretanto, o
estabelecimento do rol das infrações graves à própria Lei n.º 7.210/84, haja vista a
influência que a prática de falta disciplinar de natureza grave tem sobre o cumprimento
da pena.

A propósito, giza a Constituição da República:

Art. 5º Omissis.
[...]
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal;
[...]

Outrossim, dispõe o Código Penal:

Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há


pena sem prévia cominação legal.

No presente caso, reconheceu-se como infração grave a imputada


conduta de mera falta de urbanidade.

Com efeito, evidencia-se que o comportamento irrogado ao sindicado


não se subsume a qualquer das faltas graves previstas nos arts. 50 a 52 da Lei de
Execução Penal.

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Ao contrário, a imputada conduta do sentenciado apenas pode se
subsumir na da seguinte falta disciplinar de natureza MÉDIA prevista no Regimento
Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo, que tipifica:

Art. 45. Considera-se falta disciplinar de natureza MÉDIA::

I- atuar de maneira inconveniente, faltando com os deveres


de urbanidade frente às autoridades, aos funcionários e aos
presos;
[...]

É oportuno colacionarmos a decisão que segue:

AGRAVO EM EXECUÇÃO - Reconhecimento de falta


grave - Pedido defensivo para absolvição por atipicidade, ou
ao menos, desclassificação para falta média – Atos cometidos
pelo reeducando não apresentam a gravidade necessária
para se configurar ocorrência de falta grave, não é qualquer
ato de indisciplina que pode ser considerado como
desrespeito aos funcionários do estabelecimento prisional ou
descumprimento de dever imposto. O mais correto é o
reconhecimento de falta média nos termos do art. 47, I, do
Regimento Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais
do Estado de São Paulo - Dado parcial provimento ao
agravo para desclassificação da falta grave para falta de
natureza média (TJSP, 5ª C. Direito Criminal, Agravo de
Execução Penal n.º 0484357-96.2010.8.26.0000, rel. Des. Sérgio
Ribas, julgado em 03/03/2011).

Outrossim, em homenagem ao principio da proporcionalidade,


segundo o qual a sanção deve ser proporcional à gravidade de infração disciplinar, o ora
sindicado merece ser absolvido ou, ao menos, ter a sua falta desclassificada para a de
natureza leve.

III – DO PEDIDO

Assim, o Agravante requer, espera e confia que essa E. Corte


Bandeirante conheça e dê provimento ao presente recurso, a fim de anular a decisão
guerreada, em face dos vícios supra apontados; ou mais ainda, a fim de reformar o r.
decisum, para, afastar a condenação administrativa por falta grave pela ausência de
provas ou pela penalização coletiva, ou desclassificar a infração disciplinar para
natureza média.

Presidente Prudente/SP, 17 de julho de 2018.

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GUSTAVO PICCHI
9º Defensor Público da Regional de Presidente Prudente

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