Você está na página 1de 6

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE NACIONAL DE DIREITO


PRÁTICA JURÍDICA III (PENAL)

Prof. Rafael Fonseca de Melo

CASO CONCRETO HIPOTÉTICO 1

Após investigações preliminares realizadas pela Polícia Federal no Rio de Janeiro, foi
deflagrada a 1ª fase da Operação Prego no Pão que, dentre outros fatos, investigava
supostos ilícitos relacionados à fraude a licitações, corrupção passiva, lavagem de capitais
e organização criminosa. Após o cumprimento de vários mandados de busca e apreensão e
de prisões preventivas, você na qualidade de aluno inscrito no NPJ da FND foi contatado
pela família de Elton Raposo Gonzaga de Medeiros (um dos investigados e alvo da ação
policial) que, por estar em viagem, não foi localizado e, por isso, não foi detido – mesmo
tendo em seu desfavor uma ordem de prisão preventiva expedida pelo juízo da 1ª Vara
Federal do Rio de Janeiro/RJ. Após se dirigir até a Delegacia de Polícia Federal, você
recebe a informação do Delegado responsável por conduzir aquelas investigações que
algumas provas ainda estavam sendo colhidas e que, por esse motivo, você não poderia ter
acesso ao Inquérito Policial que – segundo aquela autoridade policial – era sigiloso, nem
tampouco às medidas cautelares representadas à justiça que igualmente estavam em
segredo de justiça. Diante dessa situação, quais as medidas judiciais cabíveis a serem
adotadas na qualidade de aluno inscrito no NPJ da FND e já constituído pela família de
Elton Raposo Gonzaga de Medeiros?
Redija a(s) peça(s) processual(is) cabível(is) nesse caso concreto, invocando todas as
questões (preliminares e de mérito), fundamentos jurídicos e dispositivos legais e
jurisprudenciais aplicáveis à espécie.

EXMO. SR. DR. JUIZ DA 1ª VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ELTON RAPOSO GONZAGA DE MEDEIROS, vem, à presença de Vossas


Excelências, por seu advogado (DOC 01), impetrar o presente

MANDADO DE SEGURANÇA

com fundamento no art. 5º, LXIX, da CR/88 e art. 1º da Lei 12.016/09 e no art.
7º, XIV, da EOAB, contra ato do Exmo. Delegado Federal, ora apontado
como Autoridade Coatora, que negou vista dos autos n. ao seu defensor
constituído, no qual consta como investigado, apesar do constante na súmula
vinculante n. 14 do STF.

1. BREVE HISTÓRICO
Após diversas tentativas infrutíferas na Delegacia Federal de vista
dos autos do inquérito, apesar de ter a procuração em mãos (uma via já juntada
aos autos, e uma em anexo a este writ) foi negada à Defesa argumentando se
tratar de um inquérito tramitando sob segredo de justiça.
Porém, a decisão contraria diretamente a Súmula Vinculante n. 14
do STF, que determina ser direito do defensor do investigado ter acesso a todas
as provas documentadas em procedimento investigatório, seja ele sigiloso ou
não.

Assim, a decisão é manifestadamente ilegal, e fere o direito líquido


e certo do Impetrante de ter vista dos autos do procedimento cautelar, onde este
figura como investigado.

2. DO CABIMENTO DO PRESENTE WRIT

Na lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA, o mandado de segurança é

“um remédio constitucional, com natureza de ação civil, posto à


disposição de titulares de direito líquido e certo lesado ou
ameaçado de lesão por ato ou omissão de autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder
Público”.

Com efeito, o mandamus é utilizado para assegurar direito líquido e


certo dos titulares em face de atos praticados pelo Poder Público. A práxis
jurídica revela que grande parte dos atos sujeitos a controle pela via do
mandado de segurança é proveniente do Poder Executivo.

Neste sentido, a Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009),


consagrando posição já consolidada pelos tribunais, determina que:

Art. 5º. Não se concederá mandado de segurança quando se


tratar:
I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito
suspensivo, independentemente de caução;
II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito
suspensivo;
III - de decisão judicial transitada em julgado.

Sendo assim, do dispositivo legal depreende-se ser cabível


mandado de segurança em face de ser recusa do Impetrado em autorizar o
impetrante a fotografar os autos ou permitir carga temporária que tramita na
Delegacia de Polícia Federal, em grave afronta à Lei. O Código de Processo Penal
não prevê em nenhum de seus artigos qualquer recurso para decisões que
possuem esse objeto, menos ainda com efeito suspensivo.

Portanto, perfeitamente cabível é o mandado de segurança no caso


em questão.
Por derradeiro, destaca-se que qualquer ato que não comporte
recurso poderá ser impugnado por via do Mandado de Segurança, seja na esfera
civil ou criminal. Nas palavras de MIRABETE: "Tendo o mandado de segurança
fundamento constitucional, tanto pode ser impetrado contra ato da autoridade
civil como criminal desde que implique violação de direito líquido e certo" .

Nesse sentido, são os precedentes sobre o tema:

CRIMINAL. HC. PLEITO DE EXTRAÇÃO DE CÓPIAS INTEGRAIS DO


INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE AMEAÇA À LIBERDADE
DE LOCOMOÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO PROLATADO EM SEDE
DE MANDADO DE SEGURANÇA. VIA INADEQUADA. ACESSO
IRRESTRITO DAS PARTES AO PROCESSO. PEDIDO PREJUDICADO.
ORDEM NÃO CONHECIDA. 1- Hipótese na qual se requer a
extração de cópias de todos e quaisquer atos do inquérito policial
instaurado contra o paciente, além de todos os seus apensos e
processos dependentes ou a ele vinculados. 2- Não resta
configurada qualquer ameaça ao direito de locomoção da acusada,
por abuso de poder ou ilegalidade, nos termos da previsão
constitucional que institucionalizou o habeas corpus como meio
próprio à preservação do direito ambulatorial, quando
demonstrada a ofensa ou ameaça referidas. 3- Tratando-se de
writ contra acórdão proferido nos autos de mandado de
segurança, ausente ameaça ao direito de ir e vir ou
flagrante ilegalidade, sendo certo que a via adequada seria
o recurso em mandado de segurança, não se justifica o uso
do meio eleito. 4- Se a Autoridade coatora noticiou que o
processo está com pleno acesso aos agentes de todas as peças,
resta prejudicado o pleito. 5- Ordem não conhecida
(STJ - HC: 82997 PB 2007/0110616-0, Relator: Ministra JANE
SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), Data de
Julgamento: 04/10/2007, T5 - QUINTA TURMA, Data de
Publicação: DJ 22.10.2007 p. 333)

3. DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DE VISTA DOS AUTOS – SÚMULA 14


DO STF – MANIFESTA ILEGALIDADE

Diz a súmula vinculante n. 14 do STF:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso


amplo aos elementos de prova que, já documentados em
procedimento investigatório realizado por órgão com competência
de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa.
Como se percebe, o STF, em sua súmula, garante ao defensor
direito AMPLO de acesso a tudo que já se encontra documentado em
investigação realizada contra seu cliente. No caso em questão, o Impetrante se
encontra sob investigação nos autos n. , tendo, inclusive, mandado de prisão
preventiva em aberto, em razão de tal investigação. Porém, o Delegado Federal
nega vista aos defensores do Impetrante alegando ser inquérito sob segredo de
justiça.

Ora, como está expresso na súmula supracitada, é direito do


investigado que seu defensor tenha acesso a quaisquer autos, não importando
serem ações cautelares conclusas ou inconclusas, sob segredo de justiça ou não.
Mais ainda, o Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994) garante ao advogado a vista de
processos judiciais ou administrativos, não fazendo distinção de qualquer
natureza: “Art. 5º, XV: ter vista dos processos judiciais ou administrativos de
qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos
prazos legais.”

Portanto, a decisão do Exmo. Delegado vai de encontro à Súmula


Vinculante n. 14 do STF, e à legislação pertinente, sendo manifestamente
ilegal. Houve violação do direito líquido e certo do Impetrante de vista dos
autos no qual é investigado, devendo tal ilegalidade ser imediatamente reparada
através deste remédio heroico.

A jurisprudência das Cortes é unânime neste sentido:

PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA


NECESSÁRIA. II - ACESSO AOS AUTOS DE INQUÉRITO. SÚMULA
VINCULANTE N.º 14 DO STF. REMESSA NECESSÁRIA NÃO
PROVIDA. I - Negativa de acesso do advogado constituído aos
autos de IPL. Sentença concessiva da segurança que está alinhada
à súmula vinculante n.º 14 do c. STF. II - Remessa não provida.
(TRF-2 - ReeNec: 01809965320164025104 RJ
0180996-53.2016.4.02.5104, Relator: ABEL GOMES, Data de
Julgamento: 14/12/2017, 1ª TURMA ESPECIALIZADA)
RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. PROCEDIMENTO
INVESTIGATIVO CONTRA MAGISTRADO. ACESSO A ADVOGADO
DA SUPOSTA VÍTIMA. POSSIBILIDADE. EXTRAÇÃO DE CÓPIAS.
AUTORIZAÇÃO. SÚMULA VINCULANTE N. 14 DO STF. RECURSO
PROVIDO. 1. A Lei n. 8.906/1994 - Estatuto da Advocacia - prevê
nos incisos XIII e XIV do seu art. 7º o direito do advogado em
obter cópias dos autos, norma que, todavia, encontra limitação no
próprio Estatuto da Advocacia, no § 11 do mesmo dispositivo,
inserido após a edição da Lei n. 13.245/2016. 2. O fundamento
para a participação da vítima no processo penal está no direito à
tutela jurisdicional efetiva, bem como no crescente
reconhecimento da importância de seu papel para a realização da
justiça, cuja ideia passa, também, pela maneira de julgar. 3.
Ausente notícia de diligências de caráter sigiloso no Inquérito
Judicial n. 6.308/2012, não há razão para impedir o acesso aos
autos da investigação, bem como para não permitir que o
advogado da vítima extraia cópias de seu inteiro teor, para os fins
que entender devidos. 4. Recurso especial provido para autorizar
que o recorrente obtenha cópia dos autos do Inquérito Judicial n.
6.308/2012, nos exatos termos da Súmula Vinculante n. 14 do
Supremo Tribunal Federal. (STJ - REsp: 1776061 MT
2014/0205844-3, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ,
Data de Julgamento: 26/02/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 12/03/2019)

3. DA CONCESSÃO DA LIMINAR

A possibilidade iminente do Impetrante ser preso, em razão de


investigação que lhe é negado acesso ao conteúdo e da ordem de prisão
preventiva, justifica a concessão da ordem o quanto antes. Além do mais, o
fumus boni iuris está presente visto ser decisão contrária à Súmula Vinculante
do STF e a legislação pertinente.

Portanto, a concessão da ordem sana frontal violação do Estado


Democrático de Direito, e de inúmeros princípios do Direito Penal, como Ampla
Defesa, Contraditório, Presunção de Inocência, entre outros.

III. DOS PEDIDOS

Ante o exposto requer:

a) A concessão da LIMINAR alegada;

b) Após, espera-se a concessão definitiva da segurança, com a concessão de


vista dos autos à defesa fora de secretaria.
P. Juntada e Deferimento.
Rio de Janeiro, 25 de julho de 2021

Gabriel Carneiro de Oliveira


OAB/RJ

Você também pode gostar