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Aulas ministrada em redes sociais

Direito Processual Penal

LEI 13.245/20161

A presente lei entrou em vigor no dia 13.01.2016 e trouxe algumas mudanças no


Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei 8.906/94, no que tange aos direitos dos
advogados na investigação preliminar.

Art. 1o O art. 7o da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem


dos Advogados do Brasil), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 7o - são direitos dos advogados:

.............................................................................................

XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação,


mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer
natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo
copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;

.............................................................................................

XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob


pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e,
subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele
decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso
da respectiva apuração:

a) apresentar razões e quesitos;

b) (VETADO).

............................................................................................

§ 10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o
exercício dos direitos de que trata o inciso XIV.

§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar


o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em
andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de
comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.

§ 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento


incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de
peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal
e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do
advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do

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Aula do dia 23.02.2016
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direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.”
(NR).

1. ART. 7º, XIV DO EOAB


1.1 ACESSO DO ADVOGADO AOS AUTOS DE PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DE QUALQUER
NATUREZA

Devemos dividir a persecução penal em dois momentos distintos: (i) investigação


preliminar e (ii) fase processual propriamente dito.

Essa divisão é importante, pois quando estamos na fase processual sabemos que, em
regram, vigora o princípio da publicidade (art. 93, IX CF) em sua plenitude, sendo uma garantia
de todo cidadão, revelando, portanto, uma clara postura democrática do processo.

Vale lembrar, porém, que a CF autoriza restrições a essa publicidade ampla quando
visualiza-se um prejuízo ao direito, por exemplo à intimidade e à vida privada, v.g. crimes
sexuais, que em regra tem a publicidade restrita.

Já a fase investigatória, em regra, deve tramitar de maneira sigilosa, pois o sigilo é


inerente a eficácia das diligências investigatórias. Cuidado, pois excepcionalmente a publicidade
pode ser útil para as investigações preliminares, como por exemplo, no caso do retrato falado,
que divulgado pela imprensa pode gerar contribuição da sociedade para a identificação do
criminoso.

Assim, a pergunta que se faz é: Diante do caráter sigiloso do IP, o advogado pode ter
acesso aos autos?

Por força do próprio art. 5º, LXIII CF, o qual prevê que “o preso será informado
de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e de advogado” é assegurado ao preso a assistência de
advogando. E essa assistência passa obrigatoriamente aos autos de investigação.
Ressalta-se que a expressão “preso” não pode ser interpretada restritivamente,
devendo ser entendida como toda aquela pessoa que seja investigada, indiciada ou
acusada, pouco importando se está presa ou em liberdade.

Vejamos como era e como ficou o art. 7º, XIV do EOAB

Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94)


ANTES AGORA

Art. 7º São direitos do advogado: Art. 7º São direitos do advogado:


(...) (...)
XIV - examinar em qualquer repartição XIV - examinar, em qualquer instituição
policial, mesmo sem procuração, autos responsável por conduzir investigação,
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de flagrante e de inquérito, findos ou em mesmo sem procuração, autos de


andamento, ainda que conclusos à flagrante e de investigações de qualquer
autoridade, podendo copiar peças e natureza, findos ou em andamento, ainda
tomar apontamentos; que conclusos à autoridade, podendo
copiar peças e tomar apontamentos, em
meio físico ou digital;

Interessante lembrar que a previsão de acesso aos autos de investigação de


qualquer natureza está de acordo com as atuais atualizações jurisprudências, que há
muito superou a ideia de que somente cabia à Polícia Judiciária a atribuição para a
investigação. Atualmente, o STF no julgamento do RE 85372 reconheceu a atribuição de
investigação pelo MP.
1.2 AMPLITUDE DO ACESSO DO ADVOGADO AOS AUTOS DA INVESTIGAÇÃO

A questão já era tratada na súmula vinculante 14, a qual prevê que: É direito do
defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que,
já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência
de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Ressalta-se que esta súmula deve-se ler adaptada a nova redação dada ao art.
7º, XIV do EOAB, ou seja, onde se lê “procedimento investigatório realizado por órgão
de competência de polícia judiciária” deve-se ler como investigação de qualquer
natureza.

Assim, a interpretação que deve ser dada a súmula é que o acesso do advogado
não é um acesso ilimitado, mas sim limitado aos elementos anexados aos autos do IP,
não podendo, portanto, ter acesso a eventuais diligências em andamento. O
contraditório e a ampla defesa, nesse caso, será diferido.
De qualquer forma, a Lei 13.245/2016 introduziu o §11 no art. 7º prevendo, de
certa forma, o que a súmula vinculante 14 já dizia.
De acordo com esse parágrafo, a autoridade policial pode delimitar o acesso do
advogado aos autos de investigação, outorgando a autoridade uma discricionariedade
para estabelecer o exato momento para a juntada das diligências.
Cuidado, porém, que este parágrafo confere uma discricionariedade, mas a
autoridade não pode atuar com arbitrariedade, ou seja, uma vez certificando que a
juntada da diligência em um determinado momento trará risco a investigação, a
autoridade tem a discricionariedade de juntá-la em momento mais oportuno. Ex.: um
depoimento no qual revela o exato local da droga. Caso a autoridade junte antes de
realizar a busca e apreensão do material ilícito, o advogado terá acesso a essa
informação e a diligência poderá ser frustrada.
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Porém, não havendo risco de comprometimento à investigação a autoridade


deve juntar a diligência após a sua realização.
1.1.3 NECESSIDADE DE PROCURAÇÃO
Em regra não precisa, exceto quando há informações sigilosas, como quebra de
sigilo bancário, telefônico, fiscais, pois neste caso somente advogado habilitado poderá
ter acesso aos autos (§10 do art. 7º do EOAB)
1.1.4 CONSEQUÊNCIAS DECORRENTES DA NEGATIVA DE ACESSO AOS AUTOS DA
INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR E INSTRUMENTOS PROCESSUAIS A SEREM UTILIZADOS
PELO DEFENSOR.
Em que pese a Lei 13.245/2016 ter acrescentado o §12 no art. 7º do EOAB a
consequência para a negativa de acesso aos autos, essa consequência já era prevista no
art. 3º da lei 4.898/65 (Abuso de autoridade)

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

(....)

j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

2. ART. 7º, XXI, EOAB2


2.1 NATUREZA JURÍDICA DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR E OBRIGATORIEDADE DE
DEFENSOR
Duas correntes:
a) Primeira corrente:
Há quem venha sustentando que diante da mudança do EOAB não só teria
havido uma mudança da natureza do IP, como também a previsão da obrigatoriedade
da presença do advogado na fase de investigação preliminar.
Para essa primeira corrente, a investigação preliminar deixa de ser um
procedimento inquisitorial, passando a ser uma investigação sujeita ao contraditório e
a ampla defesa.

• Argumentos:

I) Art. 5, LV, CF “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos


acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes”

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Aula dia 04.03.2016
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Entendem que este artigo não pode ser interpretado restritivamente. Assim,
deve-se entender que a expressão “processo” abrange também eventuais
procedimentos investigatórios, como é o caso do IP, bem como a expressão “acusados”,
que deverá ser interpretada, a grosso modo, como todo imputado, ou seja, o suspeito,
o investigado e o indiciado.
Assim não há porque se restringir o contraditório e a ampla defesa a fase judicial,
pois numa leitura constitucional e ampliativa podemos concluir por isso.

II) Art. 5º, LXIII, CF: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de
advogado”

Referido artigo consagra o direito ao silêncio, que nada mais é do que um dos
desdobramentos do direito da não autoincriminação. Além disso, traz implicitamente o
direito de ser ouvido, que é um dos desdobramentos da autodefesa.
Diante disto, não podemos negar que há nas investigações ampla defesa uma
vez que o investigado tem direito de ser ouvido. Assim, podemos deduzir que o
contraditório e ampla defesa são válidos para toda fase de investigação preliminar.
Lógico que não é um contraditório real, mas sim diferido
II.1) Exercício de direito de defesa na investigação preliminar
Pode ser exercido de duas maneiras:
a) Exercício exógeno: aquele que é exercido fora dos autos da investigação preliminar,
através do uso dos remédios heroicos, e de requerimentos endereçados ao juiz e ao MP.
O art. 7, §12 é um exemplo desse exercício.
b) Exercício endógeno: aquele exercido dentro dos autos da investigação e encontra-se
previsto no art. 14 do CPP “O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão
requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”.
Ressalta-se que as diligências requeridas não são de caráter obrigatório, cabendo
à autoridade verificar a pertinência da realização da prova.
Outro exemplo de exercício endógeno é o previsto no art. 7, XIV, “a”: “apresentar
razões e quesitos”
A possibilidade de apresentar razões na fase investigatória seria uma estratégia
de defesa para tentar evitar o indiciamento do seu cliente, ou evitar eventual
requerimento de medidas cautelares por parte da autoridade.
Com relação aos quesitos, tecnicamente este seriam perguntar endereçadas aos
peritos para que prestem esclarecimentos sobre o exame pericial, mas a doutrina vem
interpretando de maneira extensiva, entendendo que a quesitação pode ser direcionada
às testemunhas.
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Importante pontuar que apresentação de razões e quesitos é uma FACULDADE


do advogado, podendo fazê-lo ou não.
→ O advogado pode requisitar diligências?
Cuidado, pois na fase do projeto da lei 13.245/2016, este previa, na alínea b do
art. 7ª, XIV essa possibilidade, ou seja, de o advogado poder requisitar diligências. Mas
essa alínea acabou sendo vetada pela Presidência da República, exatamente por
entender que essa requisição colocaria em xeque a própria discricionariedade do
Delegado de Polícia e conduziria a perda de eficácia das investigações. O que aliás acaba
confirmando a natureza discricionária das investigações.
b) Segunda corrente:
Entende essa segunda corrente que as investigações preliminares possuem
natureza inquisitorial e a presença do advogado nas investigações NÃO é obrigatória.

• Argumentos:

I) O IP é um procedimento administrativo de natureza preparatória, não


resultando a imposição de nenhuma sanção;

II) A discricionariedade dada ao Delegado de Polícia para conduzir as


investigações, ou seja, entendendo que o IP é um procedimento que vige o
contraditório retira-se a discricionariedade outorgada a autoridade, o que
acabaria por esvaziar a eficácia da qualquer investigação;

Por mais que se queira questionar essa natureza do IP, devemos lembrar que o
elementos obtidos nessa fase são elementos informativos e o valor probatório deles é
menor. Basta olhar o art. 155 do CPP, o qual diz que esses elementos não podem ser
usados de maneira exclusiva para condenar alguém. Assim, o valor probatório dos
elementos informativos é menor, o que, portanto, justifica a não observância do
contraditório e da ampla defesa.
III) Art. 306 do CPP: “A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre
serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público
e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”
Esse artigo não foi modificado pela lei 13.245/16 e portanto continua vigente a
redação que prevê que não é necessária a presença de o advogado durante a lavratura
da APF. Tanto é assim que a autoridade policial tem 24h para remeter o APF à Defensoria
Pública.
IV) Além disso, exigir a presença do advogado em todas as diligências policiais
seria inviável, pois se não há defensor suficiente para atender a demanda
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judicial, quiçá a demanda policial. Assim, fazer essa exigência inviabilizaria o


interrogatório, o inquérito e a prisão em flagrante. Logo, conclui-se pela não
obrigatoriedade da presença do advogado;

V) Súmula vinculante 5: “A falta de defesa técnica por advogado no processo


administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.
Apesar desta súmula dizer respeito ao processo administrativo, podemos
entender que se o STF admite que em um processo administrativo, no qual há
possibilidade de aplicação de sanção, o advogado não é imprescindível, ora, seria no
mínimo contraditório dizer que para um interrogatório no qual não resulta em sanção é
obrigatória a presença do defensor.

→ Diante de todo exposto, como devo interpretar o art. 7º, XXI do EOAB?
Caso o advogado esteja presente, ele tem o direito de acompanhar o seu cliente.
Ressalta-se que desta premissa não podemos concluir que é obrigatória a presença do
advogado.
Importante frisar que, apesar de o referido artigo prevê que a ausência do
advogado resulta numa nulidade absoluta, esta nulidade absoluta só será absoluta
quando resultar em prejuízo comprovado. É o entendimento do STF, que há muito
entende que o prejuízo deve ser comprovado independentemente da espécie de
nulidade, apesar de em tese a nulidade absoluta trazer uma presunção de prejuízo.

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