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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO

MARIANA GUERRA SABADIN

AUTONOMIA PRIVADA E LICENÇA PARA MENTIR –


UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO CONTRATUAL
DA RESPONSABILIDADE POR DOLO

SÃO PAULO
2015
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Sabadin, Mariana Guerra.


Autonomia Privada e Licença para Mentir – Uma Investigação Sobre a
Possibilidade de Limitação Contratual da Responsabilidade por Dolo /
Mariana Guerra Sabadin. - 2015.
100 f.

Orientador: Mariana Pargendler


Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas.

1. Dolo (Direito privado). 2. Cláusulas (Direito). 3. Contratos. 4. Direito


comercial. I. Pargendler, Mariana. II. Dissertação (mestrado) - Escola de
Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. III. Título.

CDU 347.7

 
 

MARIANA GUERRA SABADIN

AUTONOMIA PRIVADA E LICENÇA PARA MENTIR –


UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO CONTRATUAL
DA RESPONSABILIDADE POR DOLO

Dissertação apresentada à Escola de Direito de


São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, como
requisito para a obtenção do título de Mestre
em Direito

Campo de conhecimento:
Direito dos Negócios Aplicado

Orientadora: Profa. Dra. Mariana Pargendler

SÃO PAULO
2015

 
 

MARIANA GUERRA SABADIN

AUTONOMIA PRIVADA E LICENÇA PARA MENTIR –


UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO CONTRATUAL
DA RESPONSABILIDADE POR DOLO

Dissertação apresentada à Escola de Direito de


São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, como
requisito para a obtenção do título de Mestre
em Direito

Campo de conhecimento:
Direito dos Negócios Aplicado

Data de aprovação:
28/10/2015

Banca Examinadora:

__________________________
Profa. Dra. Mariana Pargendler (Orientadora)
EDESP-FGV

__________________________
Prof. Dr. Mario Engler Pinto Junior
EDESP-FGV

__________________________
Profa. Juliana Krueger Pela

__________________________
Prof. Daniel Kalansky Ponczek

 
 

Ao Daniel, por seu amor e compreensão


imprescindíveis para a elaboração deste
trabalho

Aos meus pais, Sergio e Sonia, pelo


apoio incondicional

 
 

“For the first part of my career I was, for more


than a decade, an in-house lawyer of
multinational companies, first in Italy and then
in Norway. For all those years I have been
drafting and negotiating financial and
commercial contracts that were meant to be
operative in a variety of countries, from
various continental European countries to
Russia and what has become the former Soviet
Union. It struck me that all contracts were
written mainly on the basis of the same
models, quite irrespective of the law to which
they would be subject. The models were
obviously inspired by the common law
contract practice, even though the contracts
were not meant to be governed by English law.
Queries arising out of this observation would
be quickly dismissed on account of the
expectation by the other contractual party, and
even more by involved financial institutions,
that recognisable models would be used. Also,
these models were deemed to have proven
successful in the past. Any ambition to verify
the compatibility of the models with the
applicable law would be limited to asking
local lawyers to render a legal opinion on the
enforceability of the contract. These legal
opinions would focus on the absence of
conflict with mandatory rules of the applicable
law, but would not consider the drafting style.
Any attempt to adjust the drafting style to the
applicable law tradition would be to no avail –
in part because contracts are, most of the time,
written under time pressure and in part due to

 
the reluctance to modify proven models.
Therefore, I went on drafting and negotiating
clauses that I suspected would not always be
enforceable according to their terms.”

Giuditta Cordero-Moss

 
 

RESUMO

A presente dissertação de mestrado tem por objetivo investigar se as partes de


negócios jurídicos empresariais celebrados à luz do ordenamento jurídico
brasileiro podem evocar a autonomia privada para, por meio da inserção no
contrato de mecanismos importados da common law – como as declarações e
garantias, as regras de indenização e limitação de responsabilidades
(frequentemente acompanhadas de disposição de remédio exclusivo), as
cláusulas de entendimento integral e os dispositivos de disclaimer of reliance –,
estabelecer limites à responsabilidade extracontratual por dolo prevista no
Código Civil e, assim, criar contratualmente verdadeira licença para mentir.
Para tanto, dada a ausência de jurisprudência brasileira a esse respeito, parte-se
da análise do caso Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A.
No. 1756-N, examinado pela Court of Chancery do estado norte-americano de
Delaware em 2006. Busca-se, então, compreender – com base na decisão
proferida em tal caso e na doutrina estrangeira que sobre ela se debruçou – os
efeitos pretendidos e obtidos, no âmbito da common law, pela inserção das
cláusulas e mecanismos mencionados acima e, posteriormente, segue-se – de
acordo com os princípios que regem a formação, a conclusão e a intepretação
dos contratos comerciais no Brasil (tal como a boa-fé objetiva) – rumo ao exame
de como o Poder Judiciário brasileiro tenderá a conduzir a acomodação e/ou
adaptação de tais mecanismos e cláusulas ao direito pátrio.

Palavras-chave:

Autonomia privada, boa-fé objetiva, cláusula de confiança exclusiva (disclaimer


of reliance), cláusula de entendimento integral, cláusula de remédio exclusivo,
contratos comerciais, declarações e garantias, direito comparado, dolo, limitação
contratual de responsabilidade, negócios jurídicos empresariais.

 
 

ABSTRACT

This master’s dissertation aims at investigating whether the parties to business


deals executed in accordance with Brazilian law can evoke the party autonomy
to – through the inclusion in the contract of mechanisms imported from the
common law – such as representations and warranties, rules regarding
indemnification and limitation of liability (generally accompanied by exclusive
remedy clauses), entire agreement clauses and disclaimer os reliance clauses –,
limit their extracontractual liability for fraud (dolo) set forth in the Brazilian
Civil Code and, therefore, create a true license to lie. In view of the lack of
judicial precedents on this issue in Brazil, this dissertation analyzes the case
“Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N” examined
by the Court of Chancery of the State of Delaware in 2006 in order to (i)
comprehend – according to the decision of such Court of Chancery and to the
foreign literature that has studied the case – the intended and actual effects of
such clauses and mechanisms within the common law system; and, afterwards,
(ii) attempt to understand – according to the principles applicable to the
formation, conclusion and interpretation of commercial agreements in Brazil
(such as the objective good faith) – how the Brazilian Judiciary should conduct
the accommodation and/or adaption of such clauses and mechanisms to
Brazilian law.

Keywords:

Freedom of contract (autonomia privada), objective good-faith (boa-fé


objetiva), disclaimer of reliance clause, entire agreement clause, exclusive
remedy clause, commercial agreements, representations and warranties,
comparative law, fraud (dolo), contractual limitation of liability, business deals.

 
 

ÍNDICE

I. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 9
II. INFORMAÇÃO E DOLO NO ÂMBITO DE NEGÓCIOS JURÍDICOS EMPRESARIAIS ...................... 18
2.1 Assimetria Informacional e Relevância da Informação ............................................. 18
2.2 Dolo: Manipulando a Informação .............................................................................. 23
2.2.1 Consequências do Dolo no Direito Brasileiro ................................................... 27
2.3 Declarações e Garantias como Mecanismo Mitigador do Comportamento Doloso .. 31
III. CASO ABRY PARTNERS V, L.P. V. F & W ACQUISITION LLC ............................................ 37
3.1 Descrição do Caso ...................................................................................................... 39
IV. ANÁLISE DO CASO ABRY PARTNERS V, L.P. V. F & W ACQUISITION LLC À LUZ DO

SISTEMA DA COMMON LAW ........................................................................................................ 45


4.1 Seleção de Informações Relevantes para a Formação da Vontade: Cláusulas de
Entendimento Integral e Disclaimer of Reliance ....................................................... 50
4.2 Afastamento da Lei pelo Contrato: Cláusulas de Entendimento Integral e Remédio
Exclusivo .................................................................................................................... 61
V. ANÁLISE DO CASO ABRY PARTNERS V, L.P. V. F & W ACQUISITION LLC À LUZ DO

DIREITO BRASILEIRO ................................................................................................................. 66


5.1 Boa-fé Objetiva: Deveres Acessórios, Restrições à Autonomia Privada e Preceito de
Ordem Pública ............................................................................................................ 69
5.2 Seleção de Informações Relevantes para a Formação da Vontade: Cláusulas de
Entendimento Integral e Disclaimer of Reliance ....................................................... 78
5.3 Afastamento da Lei pelo Contrato: Cláusulas de Entendimento Integral e Remédio
Exclusivo .................................................................................................................... 85
VI. CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 89
VII. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 93

 
9

I. INTRODUÇÃO

No contexto de negócios jurídicos empresariais1, tais como as crescentes operações de


fusões e aquisições2 3, a celebração do contrato é, via de regra, precedida por uma extensa
fase de negociações, durante a qual os figurantes envolvidos discutem os termos do negócio,
buscando encontrar um ponto de equilíbrio entre seus interesses – comumente contrapostos –
para, então, formular um regulamento contratual que satisfaça suas respectivas exigências e
que, portanto, possa ser por ambos aceito4.

Em se considerando que as partes, em razão da posição que ocupam, dispõem de


informações privativas que são relevantes para o estabelecimento das premissas do negócio5 –
caracterizando-se verdadeira assimetria informacional –, para que referido equilíbrio de
interesses seja atingido, é imprescindível que haja, no decurso das tratativas com vistas à
celebração do contrato, intenso fluxo de informações entre os contratantes – sobretudo por
meio do procedimento de due diligence, como se abordará ao longo desta dissertação – que
permita a cada um deles formar sua própria vontade em relação à realização do negócio e aos
termos com base em que este se consumará.

Isto, pois, a informação – entendida como a expressão cognoscível de algo presente no


mundo fático e como a transmissão desse dado nas relações humanas – é uma das molas
                                                                                                               
1
Serão objeto desta dissertação de mestrado os negócios jurídicos realizados exclusivamente entre empresários, EIRELIs ou sociedades
empresárias, em oposição àqueles consumados por pessoas que não são diretamente ligadas à produção de bens ou serviços. Como ensina
FORGIONI, “[h]á pressupostos teóricos e fáticos do direito empresarial que devem ser observados quando tratamos da interpretação dos
negócios comerciais”. E completa: “os contratos empresariais obedecem a uma lógica diversa daqueles civis que influencia sua
interpretação. Essa peculiaridade decorre da realidade, da prática, dos ‘usos e costumes da praça’. Qualquer comerciante – e isso é mais
do que reconhecido por nosso direito positivo – leva em conta o ‘padrão de normalidade’ do mercado (prática, usos e costumes) para
pautar o seu comportamento, para calcular a jogada da contraparte, diminuindo o fator risco e, portanto, aumentando a eficiência da sua
atuação no sistema como um todo”. FORGIONI, P. A. A Interpretação dos Negócios Empresariais no Novo Código Civil Brasileiro, Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 130, abr-jun/2003, pp. 9 e 22. Para os fins desta dissertação, as expressões
“mercantil”, “empresarial” e “comercial”, quando relacionadas ao contrato, ao negócio jurídico ou à operação jurídica, serão tidas como
sinônimas.
2
Assiste-se, nos últimos anos, a um crescimento sem precedentes das operações de fusões e aquisições envolvendo sociedades brasileiras.
De acordo com levantamento realizado pela PriceWaterhouseCoopers (PwC), em 2014, foram anunciadas 879 operações ante a um total de
811 negócios identificados em 2013. É de se notar que o número de operações realizadas em 2013 já havia sido o maior registrado no país
pela PwC nos últimos 12 anos. “Fusões e aquisições crescem 8,2% no Brasil em 2014, aponta PwC”, notícia publicada pelo jornal “Valor
Econômico” em 16.1.2015 e disponível [online] in http://www.valor.com.br/empresas/3863328/fusoes-e-aquisicoes-crescem-82-no-brasil-
em-2014-aponta-pwc [20.6.2015].
3
Conforme ensina BOTREL, “[t]radução da expressão do mercado anglo-saxão mergers and acquisitions (M&A), a nomenclatura fusões e
aquisições identifica o conjunto de medidas de crescimento externo ou compartilhado de uma corporação, que se concretiza por meio da
‘combinação de negócios’ e de reorganizações societárias. Estão inseridas na terminologia sob análise não somente compras de ativos
empresariais e participações societárias, e a união de duas ou mais sociedades para a formação de uma terceira, mas também a formação
de grupos societários, a constituição de sociedades de propósito específico (SCP), a formação de consórcios, a cisão, a incorporação de
sociedades ou de ações etc. Enfim, o modelo jurídico escolhido pelas partes pode variar consideravelmente, pois o que caracteriza uma
operação de fusão e aquisição é a sua finalidade: servir de instrumento de implementação da estratégia de crescimento externo ou
compartilhado”. BOTREL, S. Fusões & Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 21. O autor lembra ainda que, sob o ponto de vista técnico,
o termo “merger” não identifica o instituto da fusão (artigo 228 da Lei no 6.404/76), mas sim o da incorporação (art. 227 da Lei no 6.404/76).
4
ROPPO, E. O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 105.
5
A título ilustrativo, tome-se o exemplo de uma compra e venda de participação acionária, em que o vendedor tem informações – a respeito
das características das ações, bem como da situação financeira da companhia emissora e dos atributos de seus ativos e passivos –, a princípio,
desconhecidas pelo comprador.

 
10

propulsoras de todo o procedimento de se conduzir segundo a vontade própria, representando


o comburente na equação da liberdade dos indivíduos6.

Assim, partindo-se da noção de que o contrato é um instrumento que visa refletir a


realidade de interesses e relações exteriores a si próprio – i.e., a operação econômica que lhe é
subjacente e da qual representa a tradução científico-jurídica7 –, não há dúvidas de que as
informações disponibilizadas ao longo de sua formação e conclusão são essenciais para a
completa e fiel apreensão da realidade da operação econômica8 almejada.

Acontece que não são raras as situações em que, no curso da formação e da conclusão
do negócio, uma das partes – seja na esfera extracontratual (e.g., por meio de memorandos
informativos ou contatos escritos ou verbais havidos na fase pré-contratual) ou contratual
(i.e., por meio de cláusulas de declarações e garantias9 inseridas no próprio contrato) – presta
à outra informações sabidamente falsas, ou omite ou distorce, de forma intencional, dados e
elementos decisivos para a formação de seu consentimento e, consequentemente, para a
adequada tradução científico-jurídica, pelo instrumento contratual, da operação econômica
pretendida10.

                                                                                                               
6
ARAGÃO, L. S. de. Dever de Informar e Operações de Reorganização Societária – procedimento preparatório e as informações
assimétricas. In: CASTRO, R. R. M. de; ARAGÃO, L. S. de. (coord). Reorganização Societária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 56.
7
“‘Contrato’ é um conceito jurídico: uma construção da ciência jurídica elaborada (além do mais) com o fim de dotar a linguagem jurídica
de um termo capaz de resumir, designando-o de forma sintética, uma série de princípios e regras de direito, uma disciplina jurídica
complexa. Mas como acontece com todos os conceitos jurídicos, também o conceito de contrato não pode ser entendido a fundo, na sua
essência íntima, se nos limitarmos a considerá-lo numa dimensão exclusivamente jurídica – como se tal constituísse uma realidade
autónoma, dotada de autónoma existência nos textos legais e nos livros de direito. Bem pelo contrário, os conceitos jurídicos – e entre
estes, em primeiro lugar, o de contrato – reflectem sempre uma realidade exterior a si próprios, uma realidade de interesses, de relações, de
situações económico-sociais, relativamente aos quais cumprem, de diversas maneiras, uma função instrumental. Daí que, para conhecer
verdadeiramente o conceito do qual nos ocupamos, se torne necessário tomar em atenta consideração a realidade económico-social que lhe
subjaz e da qual ele representa a tradução científico-jurídica: todas aquelas situações, aquelas relações, aqueles interesses reais que estão
em jogo, onde quer que se fale de ‘contrato’ [...]. As situações, as relações, os interesses que constituem a substância real de qualquer
contrato podem ser resumidos na ideia de operação económica. De facto, falar de contracto significa sempre remeter – explícita ou
implicitamente, directa ou mediatamente – para a ideia de operação económica.” ROPPO, E. O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, pp. 7-
8.
8
“Muito simplesmente, pode dizer-se que existe operação económica – e portanto passível matéria de contrato – onde existe circulação da
riqueza, actual ou potencial transferência de riqueza de um sujeito para outro (naturalmente, falando de ‘riqueza’ não estamos nos
referindo só ao dinheiro e aos outros bens materiais, mas consideramos todas as ‘utilidades’ susceptíveis de avaliação económica, ainda
que não sejam ‘coisas’ em sentido próprio [...]).” ROPPO, E. O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 13.
9
Optou-se, na presente dissertação, pelo uso da expressão “declarações e garantias”, uma vez que comumente utilizada na prática jurídica
brasileira, a exemplo do termo empregado no direito anglo-saxão do qual se originam tais cláusulas (representations and warranties). Como
esclarece PEREIRA, representations são declarações a respeito de fatos ou circunstâncias que devem ser verdadeiras tanto em momento
anterior (passado), quanto no exato momento em que as partes as convencionam e celebram o instrumento contratual que as contém
(presente). Já o conceito warranties se relaciona à certeza de determinado fato em certo período de tempo, que pode inclusive abranger o
futuro (declarações sobre o passado, o presente e, eventualmente, o futuro – i.e., momento superveniente à conclusão do negócio). Há de se
ressaltar, destarte, a existência de incongruência terminológica, eis que, a bem da verdade, aquilo que se convencionou chamar de
“declarações e garantias” se trata, como observa mencionado autor, da mera descrição das qualidades prometidas de um bem, ou seja,
consiste apenas em declarações. A garantia específica, de modo geral, faz-se presente em cláusula separada pela qual a parte declarante se
obriga a indenizar a contraparte caso qualquer das afirmações feitas se revele incorreta. PEREIRA, G. D. C. Alienação do Poder de Controle
Acionário. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 104-113. Para mais considerações a respeito da inadequação do termo “declarações e garantias” vide
PONTES, E. F. de. Representations and Warranties no Direito Brasileiro, 1a ed. São Paulo: Almedina, 201, pp. 15-16. PONTES recomenda a
adoção dos termos “cláusulas enunciativas” ou “cláusulas representativas”, em consonância com o artigo 219, parágrafo único, do Código
Civil brasileiro, que se utiliza da expressão “declarações enunciativas”.
10
Cabe aqui evocar o exemplo utilizado por MARTINS-COSTA: “[s]e se tratar, por exemplo, de uma compra e venda, sendo as informações
pré-contratuais de incumbência do vendedor, só mais tarde, quando já na posse do bem vendido e com acesso às informações que lhe são
respeitantes é que terá o comprador ciência de dados e elementos que teriam sido relevantes ou para a própria vontade de contratar ou

 
11

Diante de tais circunstâncias, surgem indagações a respeito da presença de dolo capaz


de macular o contrato e – verificando-se o dolo – de quais as suas consequências, em face do
disposto na lei brasileira, bem como de eventual regramento delineado pelo próprio contrato.

O Código Civil brasileiro estabelece que, em havendo dolo principal ou causal – i.e.,
aquele sem o qual o negócio não seria celebrado – o negócio é anulável (atingem-se os planos
da validade e da eficácia do negócio jurídico)11, independentemente de eventual indenização
devida à vítima do dolo conforme o caso concreto. Já na hipótese de verificação de dolo
acidental ou incidental – i.e., aquele sem o qual o negócio teria sido consumado, mas em
termos diversos – prevê o mesmo diploma legal que o negócio se mantém, obrigando-se o
agente do dolo a indenização por perdas e danos12.

Entretanto, para além do farto aparato normativo e protetivo oferecido pela lei
brasileira – que contempla e disciplina institutos e salvaguardas como o dolo –, muitas vezes,
as partes, valendo-se de sua liberdade de contratar, disciplinam contratualmente toda a esfera
de responsabilização decorrente do negócio, alocando os riscos13 a ele inerentes14. Utilizam-
se, então, de artifícios como as já mencionadas declarações e garantias15, as regras de
indenização e limitação de responsabilidades (frequentemente acompanhadas de disposições

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
para uma adequada formação e composição do preço contratual”. MARTINS-COSTA, J. Os Regimes do Dolo Civil no Direito Brasileiro:
Dolo Antecedente, Vício Informativo por Omissão e por Comissão, Dolo Acidental e Dever de Indenizar, Revista dos Tribunais, v. 923,
set./2012, p. 116.
11
Artigo 145 do Código Civil: “São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”.
12
Artigo 146 do Código Civil: “O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio
seria realizado, embora por outro modo”. É pertinente ainda lembrar que, nos termos do artigo 147 do Código Civil brasileiro, o dolo pode
assumir a forma omissiva ou negativa, caso decorra de uma conduta passiva (em oposição ao dolo comissivo, que se origina de uma conduta
ativa): “[n]os negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja
ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”.
13
Interessante destacar o ensinamento de HARPER a respeito da assunção de riscos em negócios empresariais: “[a] person in a business
transaction cannot have insurance of profit unless he enters into an express agreement therefore. He must take some business risks.
‘Business risks’, however, are of two kinds: those which arise from the economics of the transaction, and those which result from ignorance
of facts of economic significance and inability to ascertain them with accuracy. As to the first type of risks, the entrepreneur must rely upon
judgment-his own or someone else's; as to the latter, he must rely upon knowledge-his own or someone else's”. HARPER, F. V. A Synthesis
of the Law of Misrepresentation, Minnesota Law Review, v. XXII, n. 7, jun/1938, p. 941.
14
Nesse sentido, aponta FERNANDES: “[c]omo os contratos são incompletos, e não temos controle sobre a ocorrência de eventos futuros,
resta-nos atuar sobre os seus efeitos, alocando entre as partes e definindo os danos ressarcíveis ou não, bem como estabelecendo limites ou
prefixando o valor da reparação”. FERNANDES, W. Cláusulas de Exoneração e de Limitação de Responsabilidade. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 88.
15
GILSON apresenta definição esclarecedora de tais dispositivos: “[t]he next major portion of the agreement consists of representations and
warranties made by the seller and, typically to a much lesser extent, by the buyer. These provisions consist of a series of detailed statements
of fact concerning the relevant business. The seller commonly will warrant, inter alia, the accuracy of its financial statements; the absence
of any liabilities for taxes or other matters accruing after the date of its most recent audited financial statements including, most importantly,
the absence of contingent liabilities; the ownership and condition of various assets of importance to the operation of the seller's business; the
existence of litigation against the seller, whether actual or threatened; and the extent to which the seller's operations are unionized.
Thoroughly done, this portion of the acquisition agreement paints a detailed picture of the seller-the capital asset that is being acquired”.
GILSON, R. J. Value Creation by Business Lawyers | Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, pp. 259-
260.

 
12

de remédio exclusivo) 16 , as cláusulas de entendimento integral 17 e os dispositivos de


disclaimer of reliance18.

Com base em tais dispositivos, poder-se-ia crer que (i) informações falsas prestadas
intencionalmente em momento anterior à conclusão do contrato (dolo antecedente) teriam
sido excluídas do campo de responsabilização das partes por meio das cláusulas de
entendimento integral e/ou disclaimer of reliance acordadas por estas de comum acordo; e (ii)
para os casos de declarações e garantias pérfidas constantes do texto contratual (dolo
contemporâneo19), operar-se-iam – graças às cláusulas de entendimento integral adicionadas
de disposição de remédio exclusivo – as regras de indenização e limitação de
responsabilidades, não havendo que se falar nos remédios extracontratuais da anulabilidade
do negócio jurídico em questão e/ou do ressarcimento adicional por perdas e danos (conforme
previstos no Código Civil).

                                                                                                               
16
Tais mecanismos visam estabelecer procedimentos e limites quantitativos e temporais (indemnity caps) relativos à obrigação de indenizar
decorrente do inadimplemento contratual (e.g., falsidade de qualquer das declarações e garantias prestadas no contrato), de modo a
restringir/delimitar a esfera de responsabilização das partes no âmbito do negócio jurídico celebrado. Sobre tais dispositivos, expõem WEST
e LEWIS, JR.: “[i]ndemnification and exclusive remedy provisions combine to circumscribe post-closing liability as follows. First,
indemnification provisions generally stipulate the time period after closing during which a buyer may bring a claim based upon a
representation and warranty set forth in the transaction agreement. Second, indemnification provisions typically restrict the amount of
damages available for any post-closing breach to a specified percentage of the purchase price. Third, most indemnification provisions seek
to preclude small claims by establishing so-called ‘deductibles’ or ‘baskets’, which set a minimum dollar threshold below which a buyer’s
losses do not qualify for reimbursement. And finally, the exclusive remedy provision is designed to prevent a plaintiff from circumventing the
foregoing limitations, by stipulating that the right of indemnification constitutes the only post-closing recourse available to either party for
any alleged breach of the contractual representations and warranties”. WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid Extra-
Contractual Liability - Can Your Contractual Deal Ever Really Be the “Entire” Deal? The Business Lawyer, v. 64, ago/2009, pp. 1019-1020.
A respeito da cláusula de indenização, afirma ainda PONTES: “é uma das cláusulas mais disputadas em negócios de alienação de controle,
ao lado das cláusulas enunciativas. É com base nesta cláusula que o planejamento de sucessão de um alienante para um adquirente do
controle é construído. Os procedimentos para notificação de contingências, passivos ocultos ou ativos subavaliados são previamente
estabelecidos, com prazos para ciência, resposta, providências, descontos ou execuções de garantias, ajustes de preço ou prestações
vincendas e demais fluxos de pagamento em um período de transição de controle e possível intertemporalidade das responsabilidades
assumidas. Nessa cláusula também se estabelecem prazos bastante exíguos de decadência para o exercício do direito de regresso,
normalmente relacionados a alguma preclusão processual que envolver a contingência a ser arguida no regresso”. PONTES, E. F. de.
Representations and Warranties no Direito Brasileiro, 1a ed. São Paulo: Almedina, 2014, p. 56.
17
Trata-se de cláusulas importadas do direito anglo-saxão, assim como as declarações e garantias, originalmente denominadas entire
agreement, merger ou integration clauses. Como explicam WEST e LEWIS, JR., “[a] typical merger clause, also known as an ‘entire
agreement’ provision, stipulates that the applicable written agreement contains all obligations between the parties that are the subject of
that written agreement and specifically supersedes any other promise or understanding between the parties that is not set forth in that
agreement”. WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability - Can Your Contractual Deal Ever Really Be
the “Entire” Deal? The Business Lawyer, v. 64, ago/ 2009, pp. 1018-1019. A respeito de tais cláusulas, anota MARTINS-COSTA: “[e]m seu
contexto originário, o objetivo dessas cláusulas é atrair a incidência da parol evidence rule, a qual afasta, relativamente a contratos que
reflitam o entendimento integral das partes, a apreciação, pelo júri ou juiz, de provas acerca das negociações pré-contratuais ou de outras
evidências não escritas”. MARTINS-COSTA, J. Os Regimes do Dolo Civil no Direito Brasileiro: Dolo Antecedente, Vício Informativo por
Omissão e por Comissão, Dolo Acidental e Dever de Indenizar, Revista dos Tribunais, v. 923, set./2012, p. 139.
18
Também denominados “waiver of reliance provision”, “reliance disclaimer”, “anti-reliance” ou “big boy provision”. Este último termo
parece, em especial, bastante elucidativo: “[a]s the name suggests, by executing a contract containing a waiver of reliance clause, a party
disclaims any reliance on statements made or information provided by the other party. Essentially, the party confirms that it is a “big boy”
and is conducting its own due diligence”. ZEITLIN, A. M.; BAKER, A. P. At Liberty to Lie? The Viability of Fraud Claims after Disclaiming
Reliance disponível [online] in http://apps.americanbar.org/litigation/committees/businesstorts/articles/spring2013-0413-viability-of-fraud-
claims.html [20.6.2015]. Trata-se de dispositivos também importados do direito anglo-saxão.
19
Trata-se de classificação proposta por MARTINS-COSTA: “[c]onsiderada a fase formativa do negócio, é preciso realizar uma segunda
distinção: denomina-se dolo antecedente, se verificado durante as tratativas negociais; ou dolo contemporâneo, se ocorrente no momento
da conclusão de um negócio”. MARTINS-COSTA, J. Os Regimes do Dolo Civil no Direito Brasileiro: Dolo Antecedente, Vício Informativo
por Omissão e por Comissão, Dolo Acidental e Dever de Indenizar, Revista dos Tribunais, v. 923, set./2012, p. 119.

 
13

Mas, podem as partes estabelecer contratualmente limites à responsabilização por dolo


– antecedente e/ou contemporâneo – no âmbito de negócios jurídicos empresariais celebrados
sob a lei brasileira? Em um ordenamento regido pelos princípios da probidade e da boa-fé
objetiva20, pode-se evocar a autonomia privada para se estabelecer contratualmente uma
licença para mentir?

De imediato, há de se considerar, para a condução da investigação aqui proposta, que


os mecanismos contratuais utilizados para delinear a esfera de responsabilização das partes no
âmbito dos “quatro cantos do contrato” – assim como ocorre com a maior parte das cláusulas
constantes dos modelos de contratos comerciais difundidos em todo o mundo – são oriundos
do sistema da common law21, que tem por alicerce princípios como a ampla liberdade de
contratar22 e o caveat emptor23, bem como a parol evidence rule24.

Nesse sentido, em face do transplante de tais mecanismos para um sistema jurídico de


tradição romano-germânica – como o brasileiro –, dotado de regras relativas à disciplina e à
interpretação dos contratos distintas daquelas existentes na common law, mostra-se

                                                                                                               
20
Artigo 422 do Código Civil: “[o]s contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé”. Como se explorará na dissertação de mestrado pretendida, a boa-fé objetiva é ainda evocada pelo diploma
civil em seus artigos 113 (“[o]s negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”) e 187
(“[t]ambém comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico
ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”).
21
Trata-se de fenômeno analisado por CORDERO-MOSS: “[i]n the past few decades it has been possible to observe that commercial contracts
are written primarily using the model of English or US contracts. This contract practice obviously started because the communication
between the parties in international transactions takes place mainly in English. It is, therefore, only natural that the contract is also written
in English. […] Not only does the drafter of the contract use English, it also applies contract models that are developed in England, the
USA, or other jurisdictions of common law. It means that the drafter (directly or indirectly through the application of contract models that
are already available) thinks and structures the contract according to the common law legal tradition under which the model was developed,
and not under the law that it has chosen to govern the legal relationship between the parties. This is a relatively unconscious process. It
started several decades ago, largely because of the desire to ensure a proper linguistic result: the numerous publications that commented or
collected model contracts in English were very useful as a basis for non-native English speaking lawyers to properly draft contracts in
English. Adopting these models, however, also meant adopting the legal structures of the legal system under which the model was
developed”. CORDERO-MOSS, G. Anglo-American Contract Models and Norwegian or other Civilian Governing Law – Introduction and
Method. Disponível [online] in http://folk.uio.no/giudittm/AngloAmerican%20Contract%20Models.pdf [20.6.2015], pp. 17-18. A respeito
da presença de tal fenômeno na prática negocial brasileira, vide: PINTO JÚNIOR, M. E. Importação de Modelos Contratuais. Disponível
[online] in http://www.valor.com.br/legislacao/3285322/importacao-de-modelos-contratuais [20.6.2015].
22
É o que ensina PEEL: “[f]reedom of contract remains the core principle at the heart of the English law contract. The content of a contract
remains almost entirely in the hands of the parties to it. There are few ‘default’ provisions which will be included in the absence of any
express agreement of the parties”. PEEL, E. The common law tradition: application of boilerplate clauses under English law. In: CORDERO-
MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011, cap. 7, p. 129.
Conforme se extrai da leitura de referido texto, prevalece no direito inglês a seguinte racionalidade: quanto mais negociada e adaptada ao
caso concreto for a cláusula, melhor se demonstrará que ambas as partes optaram e concordaram com seus termos e, portanto, menor será o
espaço para questionamento e/ou complementação de tais termos pelo Judiciário. É nessa linha que se sustenta a afirmação: “[t]he more
unreasonable the result, the more unlikely it is that the parties can have intended it, and if they do intend it the more necessary it is that they
shall make that intention abundantly clear.” PEEL, E. The common law tradition: application of boilerplate clauses under English law. In:
CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011, cap. 7,
p. 133.
23
Trata-se de expressão utilizada por Lord Mansfield in Stuart v. Wilkins, I Dougl. 18, 99 Eng. Rep. 15 (1778), que desde então vem sendo
utilizada para designar o princípio segundo o qual cada parte deve cuidar de seus próprios interesses.
24
De acordo com referida regra – que, atualmente, comporta diversas exceções –, evidências extrínsecas ao contrato não podem ser
admitidas (ou, ainda que admitidas, não podem ser usadas) para acrescentar, alterar ou contradizer um instrumento escrito. “Thus, where a
contract has been reduced to writing, neither party can rely on extrinsic evidence of terms alleged to have been agreed, i.e., on evidence not
contained in the documents itself.” PEEL, E. The common law tradition: application of boilerplate clauses under English law. In: CORDERO-
MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011, cap. 7, p. 137.

 
14

indispensável a averiguação da existência de harmonia, ou de tensão, entre as estruturas de


blindagem contratual importadas mencionadas acima e os princípios do ordenamento pátrio.

Como pondera CORDERO-MOSS, a adoção de ditas estruturas de blindagem deveria


partir da premissa de que os contratantes e/ou seus assessores legais: (i) têm profundo
conhecimento do ordenamento jurídico integrante da família da common law sob o qual o
modelo contratual que as contempla foi desenvolvido; (ii) têm o completo entendimento da
função de tais estruturas naquele ordenamento; (iii) procederam a uma comparação daquele
ordenamento com o ordenamento jurídico no qual se encontra a lei que se aplicará ao
contrato; e (iv) excluíram ou adequaram as cláusulas desenvolvidas sob medida para o
sistema da common law que não funcionariam da mesma forma no sistema da lei que regerá o
contrato25.

Note-se, contudo, que se trata de procedimento extenso e minucioso que não se


coaduna com a dinâmica de trabalho e tratativas que se impõe aos negócios de natureza
comercial. Como resultado, os modelos contratuais acabam por ser empregados tais como
propostos – i.e., sem qualquer esforço de adaptação – e, por conseguinte, refletem estruturas e
pressupostos que não são compatíveis – ou, ao menos, não totalmente – com a lei que os
regerá. Não é diferente o que se observa na prática da advocacia empresarial brasileira26.

Levando-se em conta que (i) com exceção das áreas do direito fortemente reguladas
por envolverem a proteção de atores hipossuficientes (e.g., direito do consumidor), as normas
brasileiras que regem a conclusão dos contratos não têm, de modo geral, caráter cogente; e (ii)
o princípio da autonomia privada desempenha papel significativo no ordenamento pátrio,
pode-se deduzir que parcela expressiva do regramento contratual desejado pelas partes – a
despeito de se originar de modelo projetado sob os preceitos da common law – será
compatível com a lei brasileira.

                                                                                                               
25
CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011,
pp. 9-10.
26
Conforme comenta PONTES, “[d]os muitos instrumentos atualmente celebrados, os advogados, bancas, assessores e bancos de
investimento que atuam na área, se utilizam de um modelo padrão de CCV, com cláusulas e linguagem própria já sedimentadas pela
experiência nos últimos vinte anos de desenvolvimento desse ramo. Esse modelo padrão de CCV está consolidado em um documento
editado pela Seção de Direito Comercial da American Bar Association intitulado Model Stock Purchase Agreement with Commentary. [...]
Dessa prática e desse modelo nasceram e ainda nascem muitos negócios. Não há, contudo, em direito brasileiro, nem estudo comparativo,
nem busca de adaptação desses modelos, com análise crítica ou, ao menos, em tentativa de associações possíveis com o direito brasileiro.
A verdadeira tipicidade desse instrumento, infelizmente, não decorre de uma previsão legal mas sim desse singelo documento, que é, em
muitas vezes, o parâmetro que substitui a lei em diversos argumentos de autoridade, ao longo de negociações com companhias brasileiras.
Até quando duas partes brasileira negociam, o modelo da American Bar Association prevalece, em detrimento, muita vez, do sistema que
nos é próprio.” PONTES, E. F. de. Representations and Warranties no Direito Brasileiro, 1a ed. São Paulo: Almedina, 2014, p. 53.

 
15

Todavia, não se pode ignorar a existência de situações em que a lei – acompanhada da


interpretação a ela atribuída pelo Poder Judiciário – poderá estabelecer limites à integral
implementação de referido regramento em prol da proteção de princípios soberanos do
ordenamento nacional, como a boa-fé objetiva. Em tais casos, o standard oriundo da common
law será interpretado à luz do direito brasileiro e, possivelmente, aplicado de modo diverso
daquele previsto e querido pelas partes.

É, aliás, a imprevisibilidade da forma como as ferramentas contratuais de delimitação


e partilha de responsabilidades seriam interpretadas e aplicadas pelos juízes brasileiros a
responsável pela insegurança jurídica, que faz com que empreendedores estrangeiros – que já
não têm familiaridade com as peculiaridades da cultura jurídica pátria – tenham receio da
adoção da língua, da legislação e da magistratura brasileira nos instrumentos que disciplinam
seus investimentos no país27.

Assim, será papel desta dissertação examinar a forma como as declarações e garantias,
as regras de indenização e limitação de responsabilidades e, precipuamente, as cláusulas de
entendimento integral, disclaimer of reliance e remédio exclusivo serão interpretadas pelo
Poder Judiciário e acomodadas pelo direito brasileiro na hipótese de conflito entre os atores
que optaram por incluí-las no instrumento contratual decorrente da conduta dolosa de um
deles. Afinal de contas, como bem refletido por ROPPO, “observando as coisas de modo
realista, na verdade, os efeitos contratuais que, concretamente, vinculam as partes e lhes
determinam as posições jurídicas não são tanto os efeitos que correspondem ao regulamento
contratual tout court, mas sobretudo os que correspondem ao regulamento, tal como é
interpretado pelo juiz, lançando mão das directivas e dos critérios fixados pelo legislador,
com carácter geral28”.

Para tanto, dada a ausência de jurisprudência brasileira a respeito do quanto se


pretende aqui investigar, partir-se-á da análise, à luz do direito pátrio, do caso Abry Partners
V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006)29, examinado pela Court

                                                                                                               
27
PONTES, E. F. de. Representations and Warranties no Direito Brasileiro, 1a ed. São Paulo: Almedina, 2014, pp. 10-11.
28
ROPPO, E. O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 169 (grifou-se).
29
Vide a íntegra da decisão proferida pela Court of Chancery do estado de Delaware:
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015].

 
16

of Chancery do estado norte-americano de Delaware (Court of Chancery of the State of


Delaware)30.

Primeiramente, a averiguação de tal caso terá por objetivo apurar a possibilidade de as


partes se utilizarem de cláusulas de entendimento integral e disclaimer of reliance para se
eximirem da responsabilidade extracontratual (i.e., que decorre da lei) resultante da
constatação de comportamento mal-intencionado ou omissão maliciosa durante a etapa de
negociações e a troca de informações que lhe é característica (fase pré-contratual).

Ora, tomando-se, a título ilustrativo, o contexto de um procedimento de due diligence


prévio à conclusão de uma operação qualquer de compra e venda de participação societária,
tendo em vista o número de atores envolvidos no tráfico de informações a respeito do bem
alienado, de seus status e de suas características (e.g., vendedor, potencial comprador,
administradores e funcionários da sociedade alvo 31, assessores financeiros do vendedor,
consultores contábeis do comprador, advogados de ambas as partes etc.), parece razoável que
o vendedor queira se proteger de responsabilidade que possa derivar de informação falsa
eventualmente prestada por seus representantes e/ou consultores ao comprador e/ou a seus
assessores. Nesse cenário, caberia ao comprador selecionar cautelosamente as informações –
inclusive negativas – decisivas para a formação de sua vontade pela realização do negócio e
assegurar que estas figurem como declarações e garantias do vendedor e/ou da sociedade alvo
constantes do instrumento contratual.

Em segundo lugar, a análise terá também por enfoque perquirir se podem as partes
lançar mão das cláusulas de entendimento integral e remédio exclusivo para criarem,
exclusivamente na esfera contratual (i.e., regras de indenização e limitação de
responsabilidades associadas a declarações e garantias) seu próprio regulamento de
responsabilização e, assim, afastarem, por completo, a disciplina do dolo – bem como a
responsabilidade extracontratual que dela provém – prevista no Código Civil brasileiro.

                                                                                                               
30
De acordo com o sítio eletrônico oficial do Judiciário do estado norte-americano de Delaware (http://courts.delaware.gov), a denominada
“Court of Chancery” tem jurisdição para apreciar e decidir sobre matérias que envolvam equidade (equity). A maior parte dos litígios
apreciados por referida corte relaciona-se com questões societárias, trusts, propriedades (estates), outros assuntos de caráter fiduciário,
disputas envolvendo a aquisição de terras e assuntos referentes a títulos imobiliários, assim como de natureza comercial e contratual. A
Court of Chancery of the State of Delaware goza de expressiva reputação no âmbito da comunidade empresarial norte-americana, sendo
responsável pelo desenvolvimento da jurisprudência do estado de Delaware no que diz respeito a matérias societárias. Apelações de
sentenças proferidas pela Court of Chancery de Delaware são apreciadas pela suprema corte do estado (Supreme Court of the State of
Delaware). Para mais informações vide: http://courts.delaware.gov/Chancery/index.stm [20.6.2015].
31
Trata-se de expressão oriunda do vernáculo inglês (“target company”) que designa a sociedade cujas quotas ou ações encontram-se sob
negociação, i.e., serão, potencialmente, objeto de compra e venda.

 
17

Em consonância com a ponderação de CORDERO-MOSS apresentada acima, o estudo


de referido caso concreto partirá da compreensão – com base na decisão da Court of
Chancery de Delaware e na doutrina que se debruçou em sua análise – dos efeitos pretendidos
e também obtidos, no âmbito da common law, pela inserção das cláusulas e mecanismos sob
investigação, e seguirá, pautado nos princípios que regem a formação, a conclusão e a
intepretação dos contratos comerciais no Brasil, rumo ao exame de como o Poder Judiciário
brasileiro tenderá a conduzir a acomodação e/ou adaptação de tais cláusulas ao direito pátrio.

Com base em tais subsídios, pretende-se, então, auxiliar os agentes econômicos na


mensuração e na alocação dos riscos de natureza jurídica relativos aos negócios por eles
ambicionados. Afinal, como se constata da própria observância do processo negocial, a
assunção e a administração de riscos – inclusive daqueles de natureza jurídica – são
intrínsecas ao ato de negociar. Nesse sentido, os contratos podem ser tidos como o resultado
final de um processo dinâmico em que se procura levar em conta todas as imponderabilidades
da operação. Sendo assim, por óbvio, o processo de negociação contempla a executoriedade
das disposições contratuais à luz da lei a elas aplicável32.

                                                                                                               
32
No original: “[b]usiness is about assuming and managing risks, including legal risk. This reality is mirrored in the negotiation process.
Contracts can be viewed as the final result of a dynamic process seeking to take into consideration all the imponderabilities of transactional
business. Of course, the negotiation process contemplates the enforceability of contractual provisions under the relevant applicable law”.
ECHENBERG, D. Negotiating international contracts: does the process invite a review of standard contracts from the point of view of national
law requirements? In: CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York:
Cambridge, 2011, cap. 1, p. 11. No mesmo sentido leciona VETTESE: “[t]he first characteristic of a contract is to reflect the expectations of
the parties and consequently their risk allocation. Therefore, the first negative impact of the unenforceability of contractual clauses will be
on the expectations of the parties; parties will not be able to rely on a correct assessment of their expectations and will not have an efficient
allocation of the economic (but also technical) risk connected to the transaction.” VETTESE, M. C. Multinational companies and national
contracts. In: CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York:
Cambridge, 2011, cap. 2, p. 24.

 
18

II. INFORMAÇÃO E DOLO NO ÂMBITO DE NEGÓCIOS JURÍDICOS EMPRESARIAIS

2.1 Assimetria Informacional e Relevância da Informação

Para a análise da assimetria informacional e da relevância da informação no contexto


de negócios jurídicos mercantis ora pretendida, partir-se-á, para fins didáticos, do quadro de
uma compra e venda de participação societária, em que uma das partes – o vendedor –
conhece as características do objeto da operação (i.e., das quotas ou ações correspondentes à
participação societária), bem como dos elementos a ele subjacentes (i.e., dos ativos e passivos
das sociedades cujas quotas ou ações serão alienadas), que a outra parte – o comprador –
ignora. Trata-se de situação na qual o vendedor, em razão da proximidade e/ou do fácil
acesso à administração prévia da sociedade alvo, tem informações a ela concernentes que o
comprador não tem, mas gostaria de adquirir33.

Diante de tal cenário – e com base na noção de que o comportamento humano é


autointeressado em sua essência –, poder-se-ia presumir, que o vendedor – detentor de
conhecimento superior – teria incentivos para agir oportunisticamente, dando origem à
problemática do risco moral34, que afetaria negativamente a alocação de riscos do negócio
almejado.

Ora, sabe-se que o ser humano é eminentemente racional e, como tal, procura sempre
selecionar a melhor alternativa possível em face das restrições de determinada situação35 –
i.e., está em constante busca da maximização de sua satisfação36. Assim, sujeitos econômicos
tendem a responder diretamente a incentivos, uma vez que, em face deles, presumivelmente
                                                                                                               
33
GILSON, R. J. Value Creation by Business Lawyers: Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, p. 270.
34
O fenômeno do risco moral (moral hazard) contempla a possibilidade de o agente econômico conduzir suas ações sem o devido cuidado –
ou seja, com maior disposição à assunção de riscos – por saber que não estará sujeito às consequências de seu próprio comportamento (i.e., a
eventuais ônus que resultem dos riscos tomados). YAZBEK exemplifica a situação referindo-se aos contratos de seguro, no âmbito dos quais
os segurados, por verificarem que estão resguardados, tendem a reduzir seus cuidados normais em relação ao bem protegido. YAZBEK, O.
Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 44. Ainda na esfera das relações securitárias, COOTER e
ULEN esclarecem que “o risco moral surge quando o comportamento do segurado muda após a aquisição do seguro, de modo que a
probabilidade de perda ou sinistro ou o tamanho da perda aumenta”. COOTER, R.; ULEN, T. Direito & Economia, 5a ed. Porto Alegre:
Bookman, 2010, p. 69.
35
Conforme ensinam RIBEIRO e GALESKI JUNIOR, atuar de maneira racional, pressupõe que o sujeito (i) tenha preferências completas e
transitivas a respeito de determinados bens; (ii) seja capaz de escolher entre tais bens em função da utilidade que estes lhe proporcionam; e
(iii) possa optar por uma alternativa que lhe trará mais benefícios do que eventuais custos. RIBEIRO, M. C. P.; GALESKI JUNIOR, I. Teoria
Geral dos Contratos – Contratos Empresariais e Análise Econômica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 81.
36
COOTER e ULEN descrevem de maneira inequívoca a “conduta de maximização”: “[e]scolher a melhor alternativa que as restrições
permitem pode ser descrito matematicamente como maximização. Para perceber por que, leve em conta que os números reais podem ser
classificados em ordem crescente, dos menores para os maiores, assim como o consumidor racional classifica as alternativas de acordo com
o quanto elas lhe dão o que ele quer. Consequentemente, melhores alternativas podem ser associadas com números maiores. Os
economistas chamam essa associação de ‘função de utilidade’ [...]. Além disso, a restrição na escolha pode, em geral, ser expressa
matematicamente como uma ‘restrição de viabilidade’. Escolher a melhor alternativa que as restrições permitem corresponde a maximizar
a função de utilidade dependendo da restrição de viabilidade. Assim, diz-se que o consumidor que vai às compras maximiza a utilidade
dependendo de sua restrição orçamentária”. COOTER, R.; ULEN, T. Direito & Economia, 5a ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 37.

 
19

modificarão suas condutas se isto permitir que atinjam mais facilmente seus objetivos37. Na
ausência de incentivos para se evitar o risco moral, o vendedor poderia, então, usar a
discrepância informacional em seu próprio favor, por exemplo, negando ou dificultando o
acesso do comprador a dados que poderiam reduzir o valor do bem negociado ou mesmo
ameaçar a conclusão do negócio.

Contudo, tendo em vista que, via de regra, o montante total a ser pago pelo comprador
em contrapartida à aquisição da participação societária corresponde à soma do preço a ser
pago ao vendedor com os custos de transação incorridos pelo comprador para a efetivação do
negócio – os quais, incluem, naturalmente, aqueles associados ao alcance de informações
necessárias à consecução do negócio –, o vendedor acaba por se interessar na redução dos
custos a serem arcados pelo comprador para a obtenção de tais informações, pois a economia
representada pela redução desses custos será dividida entre comprador e vendedor. Há,
portanto, incentivo para que ambas as partes cooperem em prol da diminuição da assimetria
informacional, reduzindo, por conseguinte, os custos relacionados à aquisição de informações
essenciais à realização do negócio38.

Outro incentivo à contribuição do vendedor para a mitigação da assimetria


informacional – que, a princípio, lhe favoreceria – reside no fenômeno da seleção adversa39.
Isto, pois, diante da recusa do vendedor em disponibilizar informações privativas a respeito
do objeto da operação, o comprador presumirá que tais informações não reveladas contêm
dados que afetam negativamente o valor da sociedade a ser alienada e, consequentemente,

                                                                                                               
37
POSNER, R. A. Economic Analysis of Law, 5ª ed. New York: Aspen Law & Business, 1998, p. 4. No mesmo sentido, COOTER e ULEN
aproximam o conceito de sanção do sistema jurídico à ideia de preços, sugerindo que o estabelecimento, pela lei, de determinadas
penalidades influencia o comportamento humano tal qual o aumento no preço de um dado bem. “A economia proporcionou uma teoria
científica para prever os efeitos das sanções legais sobe o comportamento. Para os economistas, as sanções se assemelham aos preços, e,
presumivelmente, as pessoas reagem às sanções, em grande parte, da mesma maneira que reagem aos preços. As pessoas reagem a preços
mais altos consumindo menos do produto mais caro; assim, supostamente, elas reagem a sanções legais mais duras praticando menos da
atividade sancionada.” COOTER, R.; ULEN, T. Direito & Economia, 5a ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 25.
38
GILSON, R. J. Value Creation by Business Lawyers: Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, p. 270.
GILSON pondera ainda que esse mesmo incentivo para o fornecimento de informações pelo vendedor ao comprador se opera com relação à
obtenção de informações das quais nenhuma das partes dispõe (e.g., informações a respeito da existência ou não de contaminação do solo
ocupado por determinada sociedade alvo que exerça atividade industrial, as quais dependem da condução de auditoria técnica ambiental que
nunca fora realizada). “Precisely the same analysis holds for information that neither party has yet acquired. The seller could refuse to
cooperate with the buyer in its acquisition. To do so, however, would merely increase the information costs associated with the transaction
to the detriment of both parties. There is thus an incentive for the parties to cooperate both to reduce informational asymmetries between
them and to reduce the costs of acquiring information either believes necessary for the transaction.” GILSON, R. J. Value Creation by
Business Lawyers: Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, p. 270.
39
O modelo do “mercado de limões” proposto por AKERLOF explica referido fenômeno: assumindo que o comprador não é capaz de se
certificar acerca da qualidade do veículo que deseja adquirir, este concordará apenas em pagar um preço que já contemple eventuais vícios
do automóvel, afastando, assim, os carros bons do mercado. Desse modo, em razão da assimetria de informações, apenas os carros ruins são
levados ao mercado, prejudicando a circulação eficiente de riquezas. AKERLOF, G. A. The Market for Lemons: Quality Uncertainty and
Market Mechanism. Disponível [online] in http://www.jstor.org/pss/1879431 [20.6.2015], pp. 489-490.

 
20

reduzirá o preço ofertado ao vendedor em contrapartida à aquisição das quotas ou ações de


dita sociedade40.

É bem verdade que o ordenamento jurídico brasileiro contempla salvaguardas que


podem contribuir para a mitigação dos efeitos negativos da disparidade de conhecimento entre
as partes. Como se verá no decorrer desta dissertação, a boa-fé objetiva, na esfera de sua
função de elo cooperativo entre os contratantes, cria deveres anexos cuja observância se
impõe às partes, destacando-se entre eles o dever de informar.

Conforme se abordará mais adiante, não é inequívoco, porém, o conteúdo de tal dever.
A amplitude de sua extensão – especialmente no âmbito de um negócio jurídico complexo,
multifacetado e conduzido por partes sofisticadas como as operações de natureza comercial –
faz com que seu teor careça de objetividade e, assim, deixa espaço para controvérsias. Desse
modo, é de se concluir que as salvaguardas oferecidas pelo direito pátrio não são suficientes
para tutelar os interesses das partes envolvidas na compra e venda de participação societária.

Daí a razão pela qual, no mercado de fusões e aquisições, é comum que os atores
envolvidos concordem com a submissão do objeto negociado, bem como dos elementos (e.g.,
ativos e passivos) a ele atrelados, a um escrutínio anterior à implementação do negócio41, cujo
resultado é, via de regra, traduzido em declarações e garantias apostas no corpo do contrato42.
Tal costume verifica-se justamente pois, ao contrário da premissa adotada por AKERLOF para

                                                                                                               
40
GILSON, R. J. Value Creation by Business Lawyers: Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, p. 271.
41
A esse respeito, constata BOTREL que “[a] flexibilidade do processo de negociação é consequência da inexistência de um procedimento
cogente a ser observado, o que permite às partes conduzir as negociações de modo que melhor lhes aprouver. No entanto, é importante
registrar que o mercado brasileiro atingiu um grau de maturidade e profissionalismo que permute afirmar e existência de um processo
padrão de negociações nas fusões e aquisições. Apesar de algumas variáveis desse processo padrão, a realização de auditorias (jurídica,
financeira, e estratégica) [...] acaba compondo uma prática quase que uniforme no mercado de F&A”. BOTREL, S. Fusões & Aquisições.
São Paulo: Saraiva, 2012, p. 197. Ressalta o autor que as auditorias inserem-se no plano jurídico-negocial, na fase em que os deveres de
informar, de se informar (dever de diligência) e de não informar (dever de sigilo quanto a informações de caráter confidencial) se manifestam
de maneira intensa. BOTREL, S. Fusões & Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 200. Nesse sentido, acresce ARAGÃO : “[u]ltrapassadas
as conversas preliminares, nas quais os empresários iniciam uma eventual e futura operação societária, externando (nem sempre
amplamente) desejos e motivações negociais, em exercício de sondagem sinergética, passa-se, geralmente, à implementação de estudos
investigativos da viabilidade concreta da operação”. ARAGÃO, L. S. de. Dever de Informar e Operações de Reorganização Societária –
procedimento preparatório e as informações assimétricas. In: CASTRO, R. R. M. de; ARAGÃO, L. S. de. (coord). Reorganização Societária.
São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 52.
42
GILSON aponta que a elaboração das declarações e garantias representa um meio de produção de informações necessárias para a
precificação do negócio que envolve o menor custo possível. “The portion of the acquisition agreement dealing with representations and
warranties – commonly the longest part of a typical acquisition agreement and the portion that usually requires the most time for a lawyer to
negotiate has its primary purpose to remedy conditions of asymmetrical information in the least-cost manner. […] This analysis, it seems to
me, accounts for the quite detailed picture of the seller's business that the standard set of representations and warranties presents. Among
other facts, the identity, location and condition of the assets of the business are described; the nature and extent of liabilities are specified;
and the character of employee relationships – from senior management to production employees – is described. This is information that the
buyer wants and the seller already has; provision by the seller minimizes its acquisition costs to the benefit of both parties.” GILSON, R. J.
Value Creation by Business Lawyers: Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, p. 269 e 272. No mesmo
sentido, afirma PONTES que “a auditoria tem papel central na formação das cláusulas enunciativas. É dessa auditoria que as partes
extraem as principais informações que são formuladas em modelos de enunciado e, convencionadas pelas partes, atingem o status de
verdade inter-subjetiva [...]”. PONTES, E. F. de. Representations and Warranties no Direito Brasileiro, 1a ed. São Paulo: Almedina, 201, p.
45. A presente dissertação dedicar-se-á ao estudo das declarações e garantias mais adiante.

 
21

propor seu modelo do “mercado de limões”, o comprador não assume uma posição passiva
diante da falta de informações a respeito do bem que pretende adquirir. Ademais, como já
demonstrado acima, o próprio vendedor tem incentivos para compartilhar informações com o
comprador43.

Assim, na praxe de operações dessa natureza, as informações consideradas essenciais


pelo vendedor são colocadas à disposição do adquirente44 para que este, com o auxílio de seus
assessores, conduza o procedimento preparatório de due diligence45. Em que pese não haver
regra que determine os pontos de investigação de uma auditoria, normalmente esta abrange
aspectos contábeis, financeiros, patrimoniais, societários, contratuais, trabalhistas, fiscais, de
propriedade intelectual e regulatórios (conforme o ramo de atuação da sociedade alvo). Nesse
contexto, a due diligence envolve o exame das atividades operacionais e não operacionais da
sociedade cujas quotas ou ações se encontram sob negociação, o diagnóstico legal de dita
sociedade, o levantamento e a quantificação de seus passivos e contingências e a emissão de
relatório por auditores46.

A auditoria pode ser interpretada, então, como uma perseguição implacável à


aquilatação da veracidade e da qualidade da informação, em que os atores negociais lutam,
incessantemente, para desvendar o emaranhado de informações que lhe são disponibilizadas,

                                                                                                               
43
Como pontua STIGLITZ, “[…] Akerlof ignored the desire of both some sellers and buyers to acquire more information. They did not need
to sit passively by making inferences about quality from price”. STIGLITZ, J. E. The Contributions of the Economics of Information to
Twentieth Century Economics. Disponível [online] in
http://www.jstor.org/pss/2586930?searchUrl=%2Faction%2FdoBasicResults%3Fhp%3D25%26la%3D%26wc%3Don%26acc%3Doff%26g
w%3Djtx%26jcpsi%3D1%26artsi%3D1%26Query%3DSTIGLITZ%26sbq%3D%2528STIGLITZ%2529%2BAND%2B%2528STIGLITZ%
2529%26prq%3DSTIGLITZ%26swp%3Don%26si%3D26%26jtxsi%3D26 [20.6.2015], p. 1452. Ademais, como lembram NEJM e BRUNA,
“a due diligence pode também ser do interesse do vendedor, na medida em que pode servir de defesa contra possíveis reclamações feitas
pelo comprador”. NEJM, E.; BRUNA, S. V. Due diligence – identificando contingências para prever riscos futuros. In: SADDI, J. (org.).
Fusões e Aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. São Paulo, IOB, 2002, p. 215.
44
Como informa PONTES, a disponibilização de informações “costuma se dar em um centro único de informações, por tempo limitado. Essa
central de informações, outrora física e atualmente organizada na forma digital, toma o nome de data room. Nesse local (físico ou virtual)
são colocados à disposição do adquirente, de forma organizada, todos os documentos relevantes da empresa-alvo e que possam ter
influência direta no preço. Trata-se de um selective disclosure e que, em muitas vezes, quando as negociações são bilaterais e sem
concorrentes no polo de aquisição, podem tomar a forma de um pacote de informações que é tornado disponível de forma direta para o
pretendente da aquisição. Esse pacote, o disclosure package, muita vez, toma a forma de anexos ao contrato de aquisição de ações do bloco
de controle”. PONTES, E. F. de. Representations and Warranties no Direito Brasileiro, 1a ed. São Paulo: Almedina, 201, pp. 43-44.
45
“O termo due diligence normalmente identifica o procedimento de auditoria que tem por principais objetivos obter a melhor compreensão
possível do negócio a ser adquirido ou ‘combinado’; aumentar a possibilidade de uma escolha acertada; possibilitar ajustes no preço;
realizar uma avaliação dos riscos da operação e do negócio; e reduzir a exposição do vendedor a eventuais reclamações do comprador, em
caso de venda de ativos empresariais ou participações societárias.” BOTREL, S. Fusões & Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 40.
46
BOTREL, S. Fusões & Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 200. Nas páginas 201 a 215 dessa mesma obra, o autor apresenta checklist
padrão de documentos solicitados para a realização de auditorias, sobretudo de natureza legal. Destaca-se aqui que, além do exame de
documentos e certidões, entrevistas com a administração responsável pela condução do negócio em análise também costumam integrar o
processo de due diligence. Para mais detalhes acerca das questões a serem verificadas no âmbito do procedimento de auditoria, com base na
documentação fornecida e em eventuais entrevistas realizadas, vide: NEJM, E.; BRUNA, S. V. Due diligence – identificando contingências
para prever riscos futuros. In: SADDI, J. (org.). Fusões e Aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. São Paulo, IOB, 2002, pp. 215-217.

 
22

exercitando a capacidade de cotejo da realidade intra-societária com o lastro informacional


construído durante as negociações47.

Trata-se, pois, de processo de extrema importância, por ser voltado a equalizar o nível
de informação a respeito do bem negociado entre os contratantes. Nesse sentido, a due
diligence, na medida em que proporciona ao comprador oportunidade de analisar as
informações relativas à sociedade a ser adquirida, consiste em mecanismo de redução de
assimetria informacional e, como tal, acaba por exercer papel preventivo, uma vez que – ao
lado dos incentivos à disponibilização de informações pelo vendedor já expostos acima – o
procedimento de auditoria também contribui para a mitigação de eventuais comportamentos
indesejados por parte do alienante, como o risco moral48.

Para arrematar, é de se manter em mente que, ao promover a equalização do nível de


informação e, portanto, atuar no combate à assimetria informacional, o procedimento de due
diligence cria ambiente mais propício à declaração da vontade das partes – principalmente do
comprador – pela celebração do contrato. Privados de informação, ou providos de dados e
elementos incompletos, o processo de formação do consentimento dos sujeitos envolvidos na
operação poderia se desenvolver de forma deturpada, gerando a manifestação inadequada da
vontade e, consequentemente, comprometendo a validade do negócio jurídico almejado –
como se discutirá na sequência.

                                                                                                               
47
ARAGÃO, L. S. de. Dever de Informar e Operações de Reorganização Societária – procedimento preparatório e as informações
assimétricas. In: CASTRO, R. R. M. de; ARAGÃO, L. S. de. (coord). Reorganização Societária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 53.
48
ARAGÃO, L. S. de. Dever de Informar e Operações de Reorganização Societária – procedimento preparatório e as informações
assimétricas. In: CASTRO, R. R. M. de; ARAGÃO, L. S. de. (coord). Reorganização Societária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 81.

 
23

2.2 Dolo: Manipulando a Informação

Apesar dos incentivos para o compartilhamento de informações entre as partes e do


predomínio da presença do processo de due diligence na fase negocial das operações de cunho
mercantil – responsáveis pela minimização da discrepância informacional – outro dilema a
respeito da obtenção de informações e do custo a ela relacionado persiste: de que maneira
pode o comprador averiguar se os dados por ele recebidos são precisos e verdadeiros? Afinal,
como se sabe, o vendedor – que, por si ou por seus representantes e assessores, provavelmente
forneceu a maior parte de tais dados – tem claro estímulo para, se aproveitando de seu
conhecimento superior, agir de maneira oportunista e levar o comprador a super-avaliar o
negócio a ser alienado49.

Assim, pode acontecer de o alienante – de modo desleal e egoístico (i.e., atendendo


apenas a seus interesses particulares e agindo exclusivamente em proveito próprio) – tome
iniciativas que prejudiquem injustamente o comprador. Não é outro o comportamento
daquele que, durante as tratativas prévias à celebração do contrato, por meio do manejo
estratégico de informações somente por ele conhecidas, induz em erro a outra parte, fazendo-
lhe crer que o objeto da operação tem determinadas características na realidade inexistentes,
ou ocultando-lhe determinadas circunstâncias – para ela, essenciais – com o propósito de
valorizar o negócio50.

Ora, no mundo dos negócios, pode-se verificar com alguma frequência situações em
que, na fase formativa e na conclusão do contrato, um dos figurantes oferece ao outro
informações cuja falta de veracidade lhe é conhecida, ou omite ou distorce, intencionalmente,
informações determinantes para a formação do consentimento51, com vistas à maximização de
sua própria satisfação.

Como consequência, a vítima da conduta modificadora da realidade pode acabar por


concluir um negócio que lhe seja inútil ou que não lhe proporcione – ao menos, não

                                                                                                               
49
“Just as the market provides incentives that offset a seller's inclination to withhold unfavorable information, the market also provides
incentives that constrain a seller's similar inclination to proffer falsely favorable information. If, before a transaction, a buyer can neither
itself determine the quality of the seller's product nor evaluate the accuracy of the seller's representations about product quality, the buyer
has no alternative but to treat the seller's product as being of low quality, regardless of the seller's protestations.” GILSON, R. J. Value
Creation by Business Lawyers: Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, p. 280.
50
ROPPO, E. O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 106.
51
MARTINS-COSTA, J. Os Regimes do Dolo Civil no Direito Brasileiro: Dolo Antecedente, Vício Informativo por Omissão e por Comissão,
Dolo Acidental e Dever de Indenizar, Revista dos Tribunais, v. 923, set./2012, p. 116.

 
24

integralmente – os benefícios em função dos quais o concluiu e nos quais legitimamente


confiou. Constata-se, então, a presença de vício informativo caracterizador de defeito do
negócio jurídico denominado dolo informativo ou, simplesmente, dolo52.

Conforme ensina PONTES DE MIRANDA, consiste o dolo em uma indução em erro53 –


i.e., seu autor o provoca, o reforça ou apenas deixa que este persista na mente da vítima54.
Entretanto, há uma diferença determinante entre referidos institutos: no erro, a falsa percepção
da realidade se dá de forma espontânea – i.e., sem indução alheia –; já no dolo, o contrato é
celebrado – ou, pelo menos, pactuado de acordo com determinados termos – em razão da
existência de ardil, artifício ou manobra, que leva o contratante a declarar sua vontade de
forma diversa da que declararia se não houvesse o agir malicioso da outra parte. Há, portanto,
por parte do agente do dolo, um consciente e reprovável enganar a outrem55. Trata-se de
conduta de má-fé.

Em outras palavras, dolo é artifício ou expediente astucioso empregado para induzir


alguém à prática de um ato que o prejudica e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro56. Por
meio da manipulação – consciente e mal intencionada – de informações fundamentais para o
livre surgimento e desenvolvimento da vontade, o autor do dolo compromete a formação do
consentimento contratual da outra parte. Ausente o dolo, o negócio jurídico não seria
realizado, ou o seria em condições diversas, mais vantajosas à sua vítima (e.g., compra de um
determinado bem cuja característica essencial tenha sido omitida por preço bastante inferior).

                                                                                                               
52
Cabe aqui esclarecer que a presente dissertação trata do dolo como defeito do negócio jurídico – e, portanto, situado antes da (dolo
antecedente), ou em momento contemporâneo à (dolo contemporâneo), celebração do contrato –, em oposição àquele superveniente à
conclusão do contrato e decorrente de sua infração (dolo como ilícito contratual). Para BATALHA, a definição de dolo divide-se em sentido
amplo e sentido estrito: dolo, lato sensu, é má-fé, intenção de prejudicar ou delinquir; ao passo que, dolo, stricto sensu, ou seja, como vício
do consentimento, consiste em artifício ou manobra tendente a induzir outrem a erro. BATALHA, W. S. C. Defeitos dos Negócios Jurídicos,
1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 121. No primeiro caso, as consequências se restringem ao plano da eficácia (indenização), ao passo
que, no segundo, pode-se se atingir o plano da validade pela anulação do negócio jurídico defeituoso. A esse respeito vide MARTINS-COSTA,
J. Os Regimes do Dolo Civil no Direito Brasileiro: Dolo Antecedente, Vício Informativo por Omissão e por Comissão, Dolo Acidental e
Dever de Indenizar, Revista dos Tribunais, v. 923, set./2012, pp. 117-119.
53
Como ensina RODRIGUES, o erro corresponde à falsa ideia da realidade que conduz o declarante a manifestar sua vontade de modo diverso
do que o faria se melhor conhecesse as circunstâncias do negócio jurídico em questão. RODRIGUES, S. Direito Civil – Parte Geral, v. I,
34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 183 e 187. Destaca-se ainda a definição do próprio PONTES DE MIRANDA, que identifica no erro a
situação na qual o manifestante atribui à manifestação da vontade, ou à sua própria atitude, significado diverso daquele que lá estaria, se a
manifestação de vontade tivesse de ser considerada sem essa atribuição. PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de Direito Privado, t. IV,
2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 274.
54
PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de Direito Privado, t. IV, 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 332.
55
MARTINS-COSTA, J. Os Regimes do Dolo Civil no Direito Brasileiro: Dolo Antecedente, Vício Informativo por Omissão e por Comissão,
Dolo Acidental e Dever de Indenizar, Revista dos Tribunais, v. 923, set./2012, p. 117. Como aponta RODRIGUES, dessa distinção resulta que,
no erro, importante é não só a proteção do errante, mas do declaratário de boa-fé que confiou na vontade emitida por aquele; já no caso do
dolo, não há que se falar em conflito entre interesses dignos de proteção do ordenamento jurídico, uma vez que o comportamento mal-
intencionado de uma das partes provoca contra ela a reação da lei, qual seja o desfazimento do ato (e/ou o dever de reparação), como se verá
na sequência. RODRIGUES, S. Dos Vícios do Consentimento, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1982, pp. 167-168.
56
BEVILAQUA, C. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado, v. I, 3ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1927, p. 331.

 
25

É de se notar, destarte, que o instituto do dolo compõe-se por dois elementos: (i) o
elemento subjetivo, consistente no animus decipiendi (intenção de enganar); e (ii) o elemento
objetivo, traduzido em maquinações, mentiras ou omissões57. Deste último, resta claro –
como já evidenciado acima – que o dolo pode se dar por ação (dolo comissivo ou positivo) ou
omissão de informações (dolo omissivo ou negativo ou, ainda, silêncio intencional).

Em sua faceta ativa, o dolo é verificado quando da prestação de informações


inverídicas – de forma direta, por meio de mentira, ou indireta, utilizando-se de manobras
fraudulentas – capazes de enganar a contraparte a respeito de características do bem sob
negociação ou de circunstâncias relevantes a ele relacionadas. No que tange ao dolo
comissivo, é de se destacar que – sobretudo em relações comerciais (i.e., travadas entre partes
sofisticadas) –, a despeito de não haver um amplo dever legal de informar, há incontestável
dever de ser verdadeiro nas informações que se divulga58. Trata-se do dever de lealdade
decorrente do princípio da boa-fé objetiva, que será analisado mais adiante.

Como conduta negativa – i.e., reticência ou ausência maliciosa de ação com vistas a
incutir falsa ideia ao declaratário59 –, o dolo encontra-se qualificado no artigo 147 do Código
Civil brasileiro60 61. Conforme ensina RODRIGUES, são quatro os pressupostos que, juntos,
compõem a caracterização do também denominado silêncio intencional: (i) intenção de
induzir o outro à prática de ato que o prejudica e beneficia o autor do dolo; (ii) silêncio como
recurso para ludibriar o outro, na medida em que implica o descumprimento da obrigação de

                                                                                                               
57
JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A. Negócio Jurídico e Declaração Negocial – Noções Gerais e Formação da Declaração Negocial. São Paulo:
1986, p. 184.
58
MARTINS-COSTA, J. Os Regimes do Dolo Civil no Direito Brasileiro: Dolo Antecedente, Vício Informativo por Omissão e por Comissão,
Dolo Acidental e Dever de Indenizar, Revista dos Tribunais, v. 923, set./2012, p. 128. A autora esclarece: tendo em vista que o comprador
não tem direito irrestrito e incondicionado à verdade, não é o vendedor obrigado a lhe expor minuciosamente todas as características do
produto a ser alienado. Contudo, não pode o vendedor mentir ou se conduzir de maneira capciosa, de modo a ocultar o que não existe,
deixando crer que existe.
59
VENOSA, S. de S. Direito Civil, v. I, 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 421.
60
“Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja
ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.”
61
ARAGÃO dá destaque à faceta econômica/oportunista do dolo negativo: “[a] omissão dolosa, quando imbricada com o problema
informacional, revela, então, sua faceta econômica: tal omissão nada mais é que a visão do jurista sob um dos pressupostos
comportamentais capazes de impactar os custos de transação, qual seja, o oportunismo. Omissão dolosa e oportunismo são, em verdade, as
vestes mais bonitas que, respectivamente, o jurista e o economista puseram em um mesmo comportamento humano, qual seja, o da busca
iníqua da satisfação de interesses próprios nas suas relações interativas: enfim, ambos estão intimamente ligados às assimetrias
informacionais”. E completa: “[n]este ponto, a possibilidade de utilização de uma informação privilegiada e essencial, em omissão dolosa
(como quer o jurista), ou em ação oportunista (como quer o economista), gera uma alocação ineficiente de bens, permitindo a ocorrência de
falhas de mercado (como, p. ex., o fenômeno da ‘seleção’ adversa). [...] o direito repele um caráter meramente instrumental e despido de
valor, como que quer impingir-lhe algumas ‘análises econômicas do direito’, para, isso sim, assumir um papel relevante na introdução de
considerações éticas e de outros valores na disseminada estrutura do ‘comportamento auto-interessado’; aliás, a previsão de anulação do
fato jurídico concretizado com dolo omissivo é prova cabal da eticidade e valoração que o direito pode, ainda que não na plenitude,
impingir às trocas econômicas, até mesmo como forma de torna-las mais eficientes (menos custosas), por incentivar valores facilitadores da
fluidez econômica, como, v.g., a cooperação e a solidariedade”. ARAGÃO, L. S. de. Dever de Informar e Operações de Reorganização
Societária – procedimento preparatório e as informações assimétricas. In: CASTRO, R. R. M. de; ARAGÃO, L. S. de. (coord). Reorganização
Societária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pp. 70-71. A despeito de referido autor restringir o paralelo com o oportunismo ao dolo
negativo, acredita-se, por todo o exposto, que o dolo pode ser entendido como tradução jurídica de oportunismo, seja em sua forma omissiva,
seja em sua modalidade comissiva.

 
26

revelar questões objetivas do negócio; (iii) omissão como motivo determinante do


consentimento; e (iv) omissão oriunda do próprio contratante, e não de terceiro62.

Tal modalidade de dolo pode se revelar em circunstâncias nas quais há o dever de


informar, dever este que, aos olhos da maioria da doutrina, independe de imposição legal ou
contratual, decorrendo das necessidades e dos costumes do comércio, que impõem aos
contratantes um comportamento em conformidade com os ditames da boa-fé objetiva63.
Como informa THEODORO JÚNIOR, em virtude da lealdade e da cooperação contratuais, há
“recíproco dever de informação a respeito de qualquer circunstância relevante para o
negócio, de forma que nenhuma das partes pode reter só para si o conhecimento de tais
circunstâncias64”.

Apresentado o dolo e evidenciada a sua interação com a disponibilização de


informação, investigar-se-á na sequência – e na medida em que necessário para o
desenvolvimento da análise aqui pretendida – as consequências advindas da presença deste na
formação do consentimento pela conclusão de determinado negócio jurídico.

                                                                                                               
62
RODRIGUES, S. Dos Vícios do Consentimento, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1982, pp. 167-168. No que toca ao quarto pressuposto indicado
por RODRIGUES (item (iv) acima), é de se ressaltar que deve ele ser considerado e interpretado com cautela, visto que, em negócios jurídicos
empresariais, comumente os representantes e assessores das partes falam (ou omitem) em nome desta, como se fossem extensão dela. Faz-se
necessário, nesse sentido, atentar ao disposto nos artigos 148 e 149 do Código Civil, que serão abordados na sequência.
63
RODRIGUES, S. Dos Vícios do Consentimento, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 166. Sendo assim, indica PONTES que a hipótese de dolo
negativo é mais factível de acontecer em processos de alienação de controle, do que o ardil grosseiro ou deliberado. “O dolo por omissão se
liga à averiguação, no processo de aquisição, se o fluxo das informações previamente conhecidas pelo alienante e que poderiam ter influído
no preço e na avaliação pelo adquirente, se deram dentro da boa-fé e dentro do que é necessário para definir as principais características
do controle, objeto do negócio.” PONTES, E. F. de. Representations and Warranties no Direito Brasileiro, 1a ed. São Paulo: Almedina,
2014, p. 131.
64
THEODORO JÚNIOR, H. Comentários ao Novo Código Civil - Livro III - dos Fatos Jurídicos: do Negócio Jurídico (arts. 138 a 184) -
Vol. III, Tomo I. In: TEIXEIRA, S. DE F. (coord.). Comentários ao Novo Código Civil, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 143. Nessa
mesma linha, ensina BOTREL: “[a]inda sobre a conduta das partes durante as tratativas, destaca-se a cogente observância do princípio da
boa-fé objetiva, que impõe àqueles que negociam uma conduta diligente e proba (CC, art. 422), do que se podem extrair os principais
deveres impostos às partes nas negociações preliminares: a transparência e o sigilo. Em virtude do dever de transparência impõe-se aos
pré-contratantes prestarem as informações necessárias ao exercício de uma escolha livre da outra parte (dever de fazer). Não basta não
prestar informações inverídicas: a omissão daquele que não revela informação relevante deve ser compreendida, também, como uma
violação ao dever sob exame”. Defende ainda o autor que, “como nem sempre a informação omitida durante as tratativas é capaz de
contaminar o contrato concluído (por erro ou dolo), a violação do dever de informar confere à vítima o direitos de obter indenização pelas
perdas e danos apuradas”. BOTREL, S. Fusões & Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 217.

 
27

2.2.1 Consequências do Dolo no Direito Brasileiro

Antes de se avançar no tratamento atribuído ao dolo pelo ordenamento brasileiro, há


de se fazer uma breve digressão a respeito do papel desempenhado pela vontade das partes no
âmbito dos negócios jurídicos, para que se esclareça a razão pela qual o direito pátrio oferece
determinadas soluções para sanar a assimetria entre a realidade e as intenções característica de
negócios contaminados por vícios do consentimento, como o dolo.

Nesse sentido, é de se considerar que, conforme pontuado por RODRIGUES, todo ato
jurídico é, fundamentalmente, um ato de vontade e, para que se aperfeiçoe, faz-se mister que
essa vontade se externe efetivamente livre e consciente65. Trata-se da teoria voluntarista do
negócio jurídico, nos termos da qual a vontade humana, revelada por meio da declaração,
figura como elemento essencial – e, portanto, definidor – do negócio jurídico66.

Ainda que se parta da concepção estrutural defendida por JUNQUEIRA DE AZEVEDO67 –


segundo a qual negócio jurídico é “todo fato jurídico consistente em declaração da vontade, a
que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os
pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele
incide68” –, tem-se que a vontade, apesar de não fazer parte, no plano da existência, do
negócio, reveste-se de grande relevância jurídica, na medida em que a declaração – esta sim,
elemento do negócio – deve resultar de processo volitivo, sob pena de não valer ou não
produzir efeitos (planos da validade e da eficácia). Assim, no caso de vício do consentimento
– tal como o dolo – a vontade age sobre o negócio jurídico, corrigindo-o no plano da validade,
uma vez que ela não resultou de uma exata noção da realidade e, logo, não foi regular69.

                                                                                                               
65
RODRIGUES, S. Dos Vícios do Consentimento, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 10.
66
RODRIGUES, S. Direito Civil – Parte Geral, v. I, 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 169 e 171. Esclareça-se que negócio jurídico é, ao
lado de ato jurídico em sentido estrito (ou ato jurídico lícito), espécie de ato jurídico (em sentido amplo), de modo que a teoria voluntarista
aplicada a este estende-se àquele.
67
Em oposição às concepções tradicionais voluntarista (defendida por RODRIGUES, como já exposto) e funcionalista (pouco repercutida no
Brasil e, destarte, não enfatizada nesta dissertação), que entendem o negócio jurídico como ato de vontade do agente ou como norma jurídica
concreta, respectivamente. Para JUNQUEIRA DE AZEVEDO, o negócio jurídico não é o que o agente quer, mas sim o que a sociedade vê como
a declaração da vontade do agente. Ademais, seus efeitos “não estão presos, como normas, a outras normas, mas sim, mais simplesmente,
são relações jurídicas (em sentido lato) que o ordenamento jurídico, respeitados certos pressupostos (de existência, validade e eficácia),
atribui ao negócio, em correspondência com os efeitos manifestados como queridos”. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A. Negócio Jurídico –
Existência, Validade e Eficácia, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 21.
68
JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A. Negócio Jurídico – Existência, Validade e Eficácia, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 16. Por fato jurídico,
tem-se, nos termos da mesma obra, “todo fato do mundo real sobre o qual incide norma jurídica”. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A. Negócio
Jurídico – Existência, Validade e Eficácia, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 23.
69
JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A. Negócio Jurídico – Existência, Validade e Eficácia, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 85.

 
28

Ora, a racionalidade subjacente a tais assertivas parece lógico, notadamente em se


tratando de negócios jurídicos empresariais – via de regra, resultantes de complexos processos
volitivos por excelência: uma operação econômica tem sentido para quem a faz, se as
valorações de conveniência do contratante estiverem alicerçadas em um correto conhecimento
da realidade; por outro lado, esse sentido resta prejudicado – arriscando-se, pelo contrário, em
se transformar de fonte de ganhos em ocasião de perda –, se o cálculo econômico que a
embasa se apoia na ignorância ou no falso conhecimento de elementos da realidade,
essenciais – ou, ao menos, relevantes – para a operação70.

Consiste, portanto, o dolo em medida grave com a qual o direito não pode compactuar
e que precisa combater, provendo às partes mecanismos suficientes para extirpar tal vício
provocado pela má-fé71. Daí o motivo pelo qual o diploma civil brasileiro determina que o
dolo conduz à anulabilidade do negócio72 se em sua forma principal (também denominada
causal ou determinante) – i.e., aquela que diz respeito a um dado ou circunstância
determinante para a formação da vontade em prol da consecução do negócio jurídico, de
modo que, ausente o dolo, a vítima sequer teria exteriorizado consentimento negocial73.

Em se tratando da presença de dolo em negócios empresariais, merece destaque o


ensinamento de RODRIGUES, no sentido de que – além dos requisitos da causalidade
(mencionado acima) e da não reciprocidade do dolo (determinado pelo artigo 150 do Código
Civil74) –, para que o dolo enseje a anulabilidade do negócio jurídico, há ainda de se constatar
a sua efetiva gravidade (dolus malus)75. Dita lição se justifica, pois o dolo pode ser inocente
(dolus bonus) nas circunstâncias em que se traduz na exaltação, para além do verdadeiro e do
                                                                                                               
70
ROPPO, E. O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 232. Nesse sentido, para o autor italiano, uma regra elementar do jogo contratual é a
seguinte: “aquele que assume compromissos, no âmbito de uma operação económica que pretende levar a cabo, deve estar em condições de
avaliar as suas conveniências, de modo razoavelmente correcto, sem que intervenham elementos tais, que perturbem ou alterem gravemente
o processo conducente à decisão de concluir o contrato e de o concluir com determinado conteúdo. Se não existem, pelo menos, estes
pressupostos de sensatez e de racionalidade das decisões contratuais, não parece oportuno, nem justo, manter o contraente vinculado às
mesmas. O mercado, por sua vez, não poderia funcionar eficazmente, se não existisse um mínimo de garantia de que as tomadas de posição
dos operadores económicos não são tomadas de modo arbitrário ou irracional”. ROPPO, E. O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 226.
71
PONTES, E. F. de. Representations and Warranties no Direito Brasileiro, 1a ed. São Paulo: Almedina, 2014, p. 130.
72
“O dolo principal ataca o negócio no plano de sua validade, conduzindo à sua anulação, além de caber o pagamento das perdas e danos
representativas da sanção ao ilícito praticado.” MARTINS-COSTA, J. Os Regimes do Dolo Civil no Direito Brasileiro: Dolo Antecedente,
Vício Informativo por Omissão e por Comissão, Dolo Acidental e Dever de Indenizar, Revista dos Tribunais, v. 923, set./2012, pp. 121-122.
No mesmo sentido, manifesta-se JUNQUEIRA DE AZEVEDO, para quem é possível cumular o pedido de anulação do negócio jurídico com o
pleito de perdas e danos, com base na responsabilidade aquiliana preceituada pelo artigo 927 do diploma civil brasileiro, já que o dolo
compreende ato ilícito. Nessa hipótese, as perdas e danos deveriam ser reduzidas ao que for apurado após a anulação do negócio.
JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A. Negócio Jurídico – Existência, Validade e Eficácia, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 189.
73
MARTINS-COSTA, J. Os Regimes do Dolo Civil no Direito Brasileiro: Dolo Antecedente, Vício Informativo por Omissão e por Comissão,
Dolo Acidental e Dever de Indenizar, Revista dos Tribunais, v. 923, set./2012, p. 121. Trata-se de pontuação em linha com a dicção do
artigo 145 do Código Civil, segundo o qual “[s]ão os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”.
74
“Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.” Como informa
BATALHA, ao citar VAMPRÉ: “o dolo por omissão se compensa com o dolo por omissão ou comissão, e vice-versa; o dolo principal de uma
parte se compensa com o dolo acidental ou principal da outra, e vice-versa”. BATALHA, W. S. C. Defeitos dos Negócios Jurídicos, 1ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 133.
75
RODRIGUES, S. Dos Vícios do Consentimento, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1982, pp. 140 e ss.

 
29

verossímil, das qualidades da coisa que se quer negociar76. Desse modo, propaganda, elogios,
gabança e demais recursos usuais na práxis comercial são toleráveis na medida em que já
esperados pelo declaratário77 e, destarte, não constituem motivo para a anulabilidade do
negócio.

Em oposição ao dolo principal, o artigo 146 do Código Civil78 apresenta a figura do


dolo acidental (ou incidente), concebido como aquele que, a despeito de sua existência, não
recai sobre motivo determinante da vontade e, sendo assim, não obstaria a realização do
negócio jurídico em questão (ainda que fizesse com que este fosse realizado de outro modo).
Referida modalidade de dolo obriga seu autor apenas à reparação de perdas e danos79, não
havendo que se falar na anulabilidade do negócio. Note-se que, para que seja devida tal
reparação, os requisitos da gravidade (dolus malus) e não reciprocidade do dolo informados
acima também se aplicam.

Por fim, importa mencionar que o dolo praticado por terceiro80 somente enseja a
anulação do negócio jurídico caso a parte a quem este aproveite tenha ou deveria ter
conhecimento da conduta dolosa81. Protege-se, portanto, a boa-fé daquele que contratou com
a vítima do dolo e não sabia, nem teria como saber, da existência do ludíbrio.

                                                                                                               
76
ROPPO, E. O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 240.
77
VENOSA, S. de S. Direito Civil, v. I, 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 420-421. Nesse diapasão, acrescenta ROPPO que “nenhuma pessoa
de bom senso, medianamente esperta e ajuizada, seria levada a concluir o contrato, só por efeito de semelhantes jactâncias”. ROPPO, E. O
Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 240. Ora, como expõe RODRIGUES, ao citar determinada decisão do antigo Tribunal de São Paulo, é
natural que o vendedor faça sobressair o valor e as boas qualidades do objeto e que o comprador procure avultar seus defeitos, como é
natural também que contra tais expedientes todos estejam prevenidos, em virtude de sua normalidade. RODRIGUES, S. Direito Civil – Parte
Geral, v. I, 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 142. É justamente por essa razão que “um idealismo ingênuo e exagerado não pode cegar o
intérprete a ponto de fazê-lo aplicar açodadamente textos normativos de abrangência geral (ou mesmo de inspiração consumerista) a
contratos empresariais, desconsiderando sua especificidade em relação aos contratos de natureza diversa. Enfim, uma eventual orientação
distorcida (ou seja, dando guarida a princípios conflitantes com a lógica comercialista) influenciará a interpretação dos contratos
celebrados entre empresários ou sociedades empresárias e, consequentemente, poderá dificultar a concretização da função econômica deles
esperada”. FORGIONI, P. A. A Interpretação dos Negócios Empresariais no Novo Código Civil Brasileiro, Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, n. 130, abr-jun/2003, p. 9.
78
“O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por
outro modo.” Cabe aqui observar que tanto o dolo principal, como o dolo acidental podem ser comissivos ou omissivos.
79
Tendo em vista que não há orientação legislativa semelhante quando se está diante do erro acidental, conclui-se que o legislador considera,
na imposição de tal obrigação de reparar perdas e danos, a reprovabilidade da conduta daquele que incorre em comportamento doloso. Dessa
forma, representa o dolo acidental não um vício do consentimento propriamente dito, mas um ato ilícito que gera responsabilidade aquiliana
para seu agente. Note-se, como bem aponta RODRIGUES, que em ambas as hipóteses existe a deliberação do agente de iludir o co-
contratante: em havendo dolo principal, o artifício faz gerar uma anuência até então inerte e que de modo algum se manifestaria sem o
embuste; já no caso de dolo acidental, o consentimento seria manifestado de qualquer maneira, mas, em função da incidência do dolo, o
negócio surgiu mais oneroso para a vítima do engano. RODRIGUES, S. Dos Vícios do Consentimento, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 144.
80
Destaca-se a definição de terceiro traçada por PONTES DE MIRANDA, qual seja aquele que tenha participado dos entendimentos, dos ajustes
e da feitura de minutas ou contraminutas ao lado dos figurantes ou pôde influir em tais entendimentos, ajustes e minutas ou contraminutas ou
em informações ao figurante. PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de Direito Privado, t. IV, 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 335.
81
Assim dispõe o artigo 148 do Código Civil: “[p]ode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem
aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por
todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou”. Como expõe AZEVEDO, “ter conhecimento” refere-se à evidência de que o figurante
beneficiado pela conduta dolosa tinha ciência do embuste, mas não tomou providências para evitá-lo, configurando verdadeiro dolo omissivo
por parte do beneficiado. Já “deveria ter conhecimento” implica noção de negligência, em que, diante de indícios concretos, o beneficiado
deixou de melhor perquirir o sentido da contratação. AZEVEDO, A. V. Código Civil Comentado – Negócio Jurídico. Atos Jurídicos Lícitos.
Atos Ilícitos – Artigos 104 a 188, vol. II. In: AZEVEDO, A. V. Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 214-215.

 
30

Todavia, caso o embuste se dê por parte de representante da parte a quem o dolo


aproveite, caberá a ela responder por perdas e danos (i) até a importância do proveito que
obteve, em se tratando de representação legal ou necessária; ou (ii) em caráter solidário, em se
tratando de representação convencional ou voluntária (i.e., proveniente da autonomia privada
exercida livremente entre representante e representado, por meio de negócios jurídicos como
o mandato e a administração)82.

Trata-se de hipóteses especialmente relevantes em contratos empresariais,


considerando-se o recorrente envolvimento de administradores e empregados das partes e da
sociedade alvo, bem como de assessores e consultores especializados (estes, vinculados por
instrumento de mandato ou não), nos estudos e negociações que permeiam a operação.

Apresentadas as problemáticas – intimamente relacionadas entre si – da assimetria de


informações e do vício informativo do dolo, as quais – como se viu – têm o potencial de
afetar a livre formação e manifestação da vontade do contratante a respeito da consumação do
negócio jurídico, analisar-se-á o mecanismo das declarações e garantias, que – além de
proporcionar uma melhor alocação de riscos decorrentes de eventual falsidade ou imprecisão
das informações fornecidas de parte a parte durante o processo de due diligence – podem,
atreladas a outras ferramentas contratuais, atuar como forma de coibir o comportamento
doloso (ensejador da responsabilidade extracontratual traçada nos artigos 145 e 146 do
Código Civil brasileiro, como apontado acima).

                                                                                                               
82
É o que dispõe o artigo 149 do Código Civil: “[o] dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder
civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá
solidariamente com ele por perdas e danos”. Lembre-se que, em qualquer caso, o dolo do representante, se principal, ensejará a
anulabilidade do negócio oponível ao representado, uma vez que o ato do representante obriga o representado, como se fosse por ele
praticado. THEODORO JÚNIOR, H. Comentários ao Novo Código Civil - Livro III - dos Fatos Jurídicos: do Negócio Jurídico (arts. 138 a
184) - Vol. III, Tomo I. In: TEIXEIRA, S. DE F. (coord.). Comentários ao Novo Código Civil, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 155 e
158. Note-se, ainda, que a responsabilidade solidária do representado convencional justifica-se por culpa in elegendo – já que o
representado escolheu livremente seu representante – e culpa in vigilando – pois o representado não fiscalizou devidamente a atuação de seu
representante. AZEVEDO, A. V. Código Civil Comentado – Negócio Jurídico. Atos Jurídicos Lícitos. Atos Ilícitos – Artigos 104 a 188, vol.
II. In: AZEVEDO, A. V. Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 217-218.

 
31

2.3 Declarações e Garantias como Mecanismo Mitigador do Comportamento Doloso

Conforme se demonstrou, os problemas relativos ao custo da informação não cessam


com sua aquisição. Ora, assim como os incentivos para a disponibilização de informações
pelo vendedor (relacionados ao incremento do preço a ser recebido pelo bem alienado e ao
esforço de se evitar o fenômeno da seleção adversa) e as proteções contempladas no
ordenamento brasileiro contra o oportunismo alheio (a exemplo da boa-fé objetiva e de seu
dever anexo de informar), o procedimento de auditoria conduzido na fase negocial das
operações de caráter empresarial também não é suficiente para fazer frente aos efeitos
negativos da assimetria informacional existente entre as partes de negócios mercantis, em sua
integralidade. Resta pendente a questão de como lidar com os riscos concernentes à falsidade
e/ou à imprecisão das informações fornecidas pela contraparte (i.e., riscos decorrentes de
eventual comportamento doloso desta).

A esse respeito, há de se ponderar que, muitas vezes (mas nem sempre, como se
explorará ao longo desta dissertação), a aplicação da disciplina do dolo prevista no Código
Civil brasileiro não representa proteção satisfatória para a vítima do vício do consentimento.
Veja-se.

Em se tratando de negócio jurídico eivado de dolo do tipo causal, é de se considerar


que o exercício do direito à anulação do negócio pode não ser desejado pelo comprador
declaratário, o qual pode preferir manter a avença, reduzindo-se o valor envolvido, do que
desfazê-la por completo.

Ainda que seja do interesse do declaratário comprador anular o negócio defeituoso, a


demonstração da presença de dolo determinante, grave (dolus malus, em oposição ao dolus
bonus) e não recíproco (conforme acima tratado) pode se mostrar intrincada no caso concreto
– especialmente no que importa à causalidade e à gravidade do dolo –, visto que tais
requisitos carregam consigo considerável carga de subjetividade.

Ora, como provar a caracterização de dolo causal, ou seja, que inexistente a conduta
maliciosa do declarante vendedor, o contrato não teria mesmo sido concluído, ainda que em
termos diversos? Como distinguir e evidenciar, na prática, dolo principal de dolo acidental?
Em um negócio jurídico empresarial, que envolve múltiplos interesses e motivações, é tarefa

 
32

extremamente desafiadora avaliar quais são, a critério do declaratário comprador, as


informações acerca do bem adquirido efetivamente determinantes para a tomada de decisão
pela conclusão do negócio – em especial quando tal tarefa é desempenhada pelo juiz, um
terceiro estranho à economia do contrato.

Também é relevante considerar a dificuldade para a caracterização de dolus malus no


contexto de negócio viciado por dolo principal ou acidental. Tendo em vista que as operações
de natureza comercial têm por peculiaridade um alto grau de especialização das partes
envolvidas e de seus respectivos assessores, não se pode esquecer que nelas se privilegia a
esperteza própria do bom comerciante em detrimento do comportamento não diligente de um
mercador83. Aponta-se, assim, a fragilidade do reconhecimento, pelo juiz – em muitos casos,
pouco ou nada familiarizado com a prática empresarial –, da linha tênue entre dita esperteza –
traduzida em boa propaganda, elogios e gabança, em linha com os usos e costumes mercantis
– e a efetiva gravidade caracterizadora do dolus malus. Eventual paralelismo, por parte do
juiz, com relações constituídas de um polo hipossuficiente (e.g., relações consumeristas),
poderia acabar por prejudicar o declarante vendedor astuto, cujo comportamento, porém,
esteja de acordo com os ditames da boa-fé objetiva.

Ainda, não é menos tormentosa a verificação da reciprocidade do dolo, a qual


impediria ambas as partes de alegar a presença deste para a anulação do negócio, ou para a
reclamação de indenização. Tome-se, a título exemplificativo, a situação em que o
comprador – ciente da conduta dolosa por parte do vendedor ao lhe omitir a existência de
determinado passivo relativo ao bem negociado – ardilosamente prossegue com a operação –
que, a despeito de tal passivo, continua a lhe interessar em igual intensidade –, para, após a
sua consumação, pleitear perdas e danos em valor superior ao desconto que provavelmente
negociaria com o alienante caso tivesse revelado o conhecimento daquele passivo. Resta
evidente a dificuldade em se provar e apurar o conhecimento do adquirente a respeito do dolo
alheio e, diante disto, a caracterização de dolo omissivo por parte deste.

Adicionalmente, em se tratando de dolo constatado em virtude de inexatidão ou


omissão de informações, é deveras complicado provar e especificar a que informação o
                                                                                                               
83
Como assevera FORGIONI, “a boa-fé que rege as relações mercantis parte de uma realidade diversa e desempenha uma função um tanto
diferente dos negócios celebrados entre não comerciantes”. E ainda, “[n]o direito comercial, o respeito ao princípio da boa-fé não pode
levar, em hipótese alguma, a uma excessiva proteção de uma das partes, sob pena de desestabilização do sistema. Afinal, [...] o ‘erro de
cálculo’ do agente é um instrumento que premia a eficiência do outro”. FORGIONI, P. A. A Interpretação dos Negócios Empresariais no
Novo Código Civil Brasileiro, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 130, abr-jun/2003, pp. 30-31.

 
33

vendedor permitiu ou deixou de permitir que o comprador tivesse acesso, bem como que dita
inexatidão ou omissão tenha decorrido, de fato, de má-fé por parte do vendedor84.

Expõe-se, destarte, a insegurança das partes ao ficarem sujeitas exclusivamente à


disciplina constante do Código Civil brasileiro, em havendo a verificação de dolo.

Assim, como antídoto contra eventual comportamento doloso da outra parte e meio de
se buscar assegurar ao menos alguma alocação de risco entre os contratantes, é de se
considerar que um vendedor com credibilidade (i) não hesitará em demonstrar ao comprador
que suas declarações a respeito das características do bem ofertado são verdadeiras e precisas
e, portanto, dignas de confiança; e, em função de seu interesse na manutenção dos custos da
informação em um patamar mínimo (de modo que a maior porção possível do montante total
do comprador disponível para a consumação do negócio lhe seja atribuída em contrapartida
ao bem alienado), (ii) terá também incentivos para proceder à referida demonstração – e,
consequentemente, para colaborar com a verificação da veracidade e da precisão das
declarações por parte do comprador – da maneira mais econômica possível85.

As declarações e garantias – atreladas à cláusula de indenização (i.e., à obrigação


contratual do declarante de ressarcir o declaratário de quaisquer perdas por este sofridas em
decorrência da violação de qualquer declaração)86 – surgem, então, como mecanismo que
possibilita ao declaratário verificar a veracidade e a precisão das informações prestadas pelo
declarante, com menor dose de subjetividade87 e a baixo custo.

Isto, pois, constatada, posteriormente à efetiva implementação do negócio (i.e., a seu


fechamento ou closing88), a falsidade ou a imprecisão de qualquer declaração feita – em

                                                                                                               
84
ABLA, M. S. Sucessão Empresarial – Declarações e Garantias – o Papel da Legal Due Diligence. In: CASTRO, R. R. M. de; ARAGÃO, L.
S. de. (coord). Reorganização Societária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 113.
85
GILSON, R. J. Value Creation by Business Lawyers: Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, p. 280.
86
Vide nota de rodapé no 9. Destaca-se ainda o seguinte esclarecimento: “a ‘garantia’ é uma declaração do vendedor acerca de
determinado fato, que fica obrigado a indenizar quaisquer danos decorrentes da falsidade ou inexatidão do fato declarado, quer por meio
do reembolso ao comprador do valor de tais prejuízos quer mediante redução proporcional do preço”. NEJM, E.; BRUNA, S. V. Due
diligence – identificando contingências para prever riscos futuros. In: SADDI, J. (org.). Fusões e Aquisições: Aspectos Jurídicos e
Econômicos. São Paulo, IOB, 2002, p. 218.
87
Nesse sentido: “[u]nder civil law, the clause also has effects, if a certain characteristic was expressly represented or warranted in the
contract, failure to comply with it will more easily be qualified as a defect in the consent or a breach of the contract, without the need to
verify whether it had been relied on, whether it was essential, etc. The clause therefore creates certainty regarding the consequences of the
breach of the representations and warranties that were made”. CORDERO-MOSS, G. Conclusion: the self-sufficient contract, uniformly
interpreted on the basis of its own terms: an illusion, but not fully useless. In: CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International
Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011, p. 166.
88
Utiliza-se o termo fechamento ou “closing” para designar o tempo do adimplemento da obrigação principal, com a consequente
consumação do negócio jurídico – por exemplo, quando da efetiva transferência de ações nominativas, por meio de termo lavrado em livro
societário próprio, mediante o pagamento do preço, no caso de uma operação de compra e venda de participação acionária envolvendo ações
nominativas. O fechamento pode se dar no mesmo ato da assinatura do contrato – também denominado “signing” – ou ser diferido no

 
34

relação aos momentos do signing e/ou do closing89 – no âmbito do contrato, fica o declarante
obrigado a – pelo menos – indenizar o declaratário90. A economia caracterizadora desse
mecanismo deve-se ao fato de que, com exceção dos custos de negociação do contrato
(sobretudo das cláusulas ora abordadas), não há dispêndios para o vendedor, a não ser que
qualquer informação por ele declarada venha a se revelar falsa ou imprecisa91.

As cláusulas de declarações e garantias atuam, pois, como verdadeiros incentivos para


que o oportunismo surgido da assimetria de informações seja minimizado e a estrutura
contratual funcione com maior eficiência. Nesse sentido, tem-se que ditas cláusulas servem,
primordialmente, como (i) mais uma forma de persuadir o vendedor a divulgar e
disponibilizar ao comprador a maior quantidade possível de informações sobre o bem a ser
adquirido; (ii) argumento para o comprador eventualmente desistir do negócio, diante da
relevância e/ou gravidade das informações prestadas pelo vendedor; e (iii) base para a fixação
de indenização na hipótese de as declarações se revelarem imprecisas ou inverídicas após o
fechamento da operação92. Consequentemente, as declarações e garantias servem ainda como

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
tempo, ocorrendo em momento posterior à celebração do instrumento contratual, via de regra, após a verificação de determinados requisitos
indispensáveis para a implementação do negócio (e.g., a aprovação das autoridades de defesa da concorrência, conforme necessária nos
termos da lei). A esse respeito, veja-se esclarecimento de FREUND: “[o]ne of the first decisions to make in drafting an acquisition
agreement, assuming it has not been resolved in the preliminary negotiations, is whether to have a simultaneous agreement and closing (i.e.,
whether title to the stock or assets is transferred and the purchase price paid at the same time that the agreement is signed) or a deferred
closing (i.e., whether the agreement is signed first, with the closing of the transaction to take place at some point in the future). The
preponderance of significant transactions employ the deferred closing method. In some cases, there is no real choice in the matter, since
this is the only conceivable way that the deal can be accomplished. Take, for instance, the merger of a publicly-held seller. The typical
procedure under applicable state law calls for the directors to approve an agreement of merger, which is then executed by the parties and
submitted to stockholders for their approval. The SEC requires a detailed proxy statement to be furnished to stockholders before they can be
allowed to vote. Since the merger cannot be consumed until stockholder’s approval is received, and inasmuch as the companies have to sign
the agreement prior to mailing the proxy statement, there must of necessity be a deferred closing”. FREUND, J. C. Anatomy of a Merger –
Strategies and Techniques for Negotiating Corporate Acquisitions. New York: Law Journal Press, 1975, pp. 148-149.
89
Note-se que, comumente, as declarações e garantias – redigidas com base na situação do bem negociado e dos ativos e passivos a ele
subjacentes no momento da assinatura do contrato – são acompanhadas de cláusulas que estabelecem que sua veracidade também no tempo
do fechamento do negócio consiste em requisito essencial e indispensável para que este ocorra. Daí porque a falsidade ou a imprecisão de
determinada declaração e garantia pode se dar com relação ao momento do signing e/ou do closing do contrato.
90
“Caso, após a conclusão da operação, o comprador tome conhecimento de obrigações e contingências que não foram reveladas naquela
oportunidade, o vendedor estará, [conforme o disposto no contrato,] obrigado ao pagamento da indenização lá pactuada como forma de
ressarcir o comprador dos prejuízos decorrentes pela sucessão daquela determinada contingência que não foi precisamente declarada ou
até mesmo omitida do contrato.” ABLA, M. S. Sucessão Empresarial – Declarações e Garantias – o Papel da Legal Due Diligence. In:
CASTRO, R. R. M. de; ARAGÃO, L. S. de. (coord). Reorganização Societária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 111. Como ilustra GILSON:
“[...] in effect, the seller posts a bond that it has provided accurate information. This technique has the advantage of being quite
economical.” GILSON, R. J. Value Creation by Business Lawyers | Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2,
dez./1984, p. 281. O autor explica que a percepção de que a expectativa de futuras operações (no caso, eventual indenização) serve para
validar as informações prestadas pelo vendedor pode ser utilizada para a criação de uma técnica econômica de verificação de tais
informações (pelo comprador), ainda que no contexto de uma operação de aquisição, que é, por definição, monofásica (one-shot
transaction). A respeito dessa técnica, o autor informa: “[t]his technique is among the most common approaches to verification that appear
in corporate acquisition agreements. The seller verifies the accuracy of the information it has provided through its representations and
warranties by agreeing to indemnify the buyer if the information turns out to be wrong, i.e., if a breach of a representation or warranty
occurs. […] the seller's promise to indemnify the buyer is frequently backed by the buyer's or a neutral third party's retention of a portion of
the consideration as a fund to assure the seller's performance of its indemnification obligation”. GILSON, R. J. Value Creation by Business
Lawyers | Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, p. 282.
91
Ressalva-se que, em havendo a criação de conta garantia (escrow account) para o depósito e manutenção de parcela do preço pago ao
vendedor retida para garantir o pagamento de eventual indenização devida ao comprador, poderá haver custos adicionais àqueles relativos à
negociação contratual (e.g., taxa de administração).
92
ABLA, M. S. Sucessão Empresarial – Declarações e Garantias – o Papel da Legal Due Diligence. In: CASTRO, R. R. M. de; ARAGÃO, L.
S. de. (coord). Reorganização Societária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 110.

 
35

componente da formação de preço, haja vista que seu teor permite ao adquirente estimar o
risco da operação pretendida93.

Nesse sentido, pode-se dizer – como assinala PONTES – que são dois os elementos que
se sobressaem quando do debate acerca da qualificação jurídica das declarações e garantias, a
saber, (i) sua indelével vinculação com as partes, os terceiros vinculados ao objeto do
negócio, o objeto do instrumento contratual e, sobretudo, o próprio objeto do negócio, seja
para descrevê-lo, seja para precisá-lo, mas, de modo geral, com a função de convencionar
sobre o objeto do negócio e demais elementos; e (ii) sua intuitiva marca preventiva em
relação aos vícios da vontade do adquirente, inclusive aqueles causados por dolo, sejam eles
de natureza anulatória ou meramente indenizatória94.

É de se notar, contudo, que o mecanismo composto pelas declarações e garantias


conjugadas com a cláusula de indenização, por mais cuidadosamente arquitetado que seja –
contemplando, inclusive, a retenção de parte do preço e seu depósito em conta garantia
mantida por ambas as partes – pode não ser, na prática, “à prova de bala” (i.e., completamente
eficiente), pois, conforme ressaltado por GILSON95, as partes costumam negociar a limitação a
obrigação de indenizar a determinado montante, via de regra, inferior ao valor total da
aquisição 96 . Desse modo, caso a redução do valor do bem negociado decorrente da
divulgação da integralidade das informações a ele relativas exceda o limite da obrigação de
indenizar, tal obrigação deixará de operar como uma garantia em prol do comprador e se
tornará uma isca para este em favor do vendedor, o qual abrirá mão de parte de seus recursos
a título de ressarcimento, mas incrementará seu ganho líquido com a operação97. Em casos

                                                                                                               
93
BOTREL, S. Fusões & Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 255. Referido autor traz breve descrição das declarações mais usais em sua
obra: pp. 257-264.
94
PONTES, E. F. de. Representations and Warranties no Direito Brasileiro, 1a ed. São Paulo: Almedina, 2014, p. 66. Mencione-se ainda que
o autor classifica as declarações e garantias (declarações enunciativas, como já se mencionou) em quatro grupos distintos: (i) declarações
referentes aos sujeitos; (ii) declarações referentes a terceiros; (iii) declarações referentes ao objeto do instrumento (i.e., quotas ou ações, no
caso de compra e venda de participação societária); e (iv) declarações referentes ao objeto do negócio (i.e., a participação societária em si).
PONTES, E. F. de. Representations and Warranties no Direito Brasileiro, 1a ed. São Paulo: Almedina, 2014, pp. 62-64.
95
GILSON, R. J. Value Creation by Business Lawyers | Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, p. 288.
96
Ressalte-se que também é comum que a obrigação de indenizar se sujeite a limite temporal, sendo fixado contratualmente um período
determinado, durante o qual terá a outra parte direito a reclamar por ressarcimento.
97
GILSON, R. J. Value Creation by Business Lawyers | Legal Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, p. 288.
O autor esclarece: “[u]ltimately, all of these verification techniques are imperfect because they do not entirely eliminate the potential for
opportunism inherent in one-time transaction. The techniques […] operate to reduce final-period problems by adding an artificial second
round to the transaction. For this reason, all share a common limit on their effectiveness: as long as the gain from cheating in the first
round can exceed the penalties if caught in the second – whether because the probability of detection is less than 1.0, or because the
financial risk borne by the seller in the second round is too low, since the solutions to other kinds of problems conflict with what would be
the optimal resolution of the verification problem – the buyer lacks the assurance that the information provided by the seller can be entirely
trusted. […] At this point, further efforts at verification by the buyer or seller are unlikely to be successful”. GILSON propõe então a figura
do “intermediário reputacional” (reputational intermediary), que consiste em um terceiro pago por uma parte para verificar as qualidade das
informações prestadas pela outra parte. A reputação desse terceiro servirá para assegurar a veracidade e a precisão das informações
fornecidas durante a operação, reduzindo, por conseguinte, o custo da informação. A credibilidade de tais intermediários (e.g., advogados e
contadores) resulta do fato de que sempre terão interesse em manter sua reputação, para que permaneçam a ser contratados pelos agentes de

 
36

desse tipo, é provável que, desde que os elementos necessários possam ser devidamente
provados, seja mais vantajoso para o comprador recorrer judicialmente aos remédios
extracontratuais previstos no Código Civil para condutas maliciosas, podendo até – a
depender do caso – pleitear o desfazimento do negócio.

Ainda assim, dada a sua contribuição para o intercâmbio de informações entre as


partes a respeito do objeto da operação e o seu efeito mitigador de condutas oportunistas por
parte do agente detentor de maior conhecimento, a inclusão de ditas cláusulas nos contratos
empresariais, como se viu, se justifica.

Posto isto, passar-se-á a investigar – com base na análise do caso Abry Partners V,
L.P. v. F&W Acquisition LLC (regido pelo direito do estado de Delaware) e à luz do sistema
jurídico brasileiro e – as seguintes questões:

1. Podem as partes, contratualmente – i.e., por meio da redação das declarações e


garantias e de cláusulas de entendimento integral e disclaimer of reliance –,
escolher quais dentre as informações prestadas na fase pré-contratual foram
efetivamente determinantes para a tomada de decisão pela celebração do
negócio, de modo que quaisquer outros dados por elas não selecionados, bem
como eventuais vícios (dolo) a eles relacionados sejam tidos como irrelevantes
para a formação do consentimento contratual?

2. Caso as partes desejem não só acrescer o tratamento contratual proporcionado


pelas declarações e garantias atreladas à obrigação de indenização às regras e
princípios do direito brasileiro, mas sim substituí-los (regras e princípios) por
aquele (tratamento contratual), podem elas afastar o regramento
extracontratual (i.e., decorrente da lei pátria) relativo ao dolo?

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
mercado em negócios futuros e assim possam dar continuidade à sua atividade. Maior aprofundamento a respeito de mencionada teoria
desenvolvida por GILSON encontra-se fora do escopo da presente dissertação. GILSON, R. J. Value Creation by Business Lawyers | Legal
Skills and Asset Pricing, The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, dez./1984, pp. 288-290.

 
37

III. CASO ABRY PARTNERS V, L.P. V. F & W ACQUISITION LLC

Como se demonstrou até aqui, as partes de negócios empresariais sofisticados lançam


mão de diversos artifícios para assegurar que os riscos a eles inerentes sejam alocados de
forma que lhes seja apropriada no instrumento contratual: os vendedores proporcionam aos
compradores a oportunidade de auditar o objeto da operação, os compradores – amparados
por seus assessores – conduzem sua investigação com base no material disponibilizado pelos
vendedores, bem como pautados em levantamentos independentes (conforme se revele
necessário), o preço é ajustado de modo a refletir os riscos identificados e as partes se
utilizam da linguagem contratual para estabelecer seus respectivos direitos e obrigações,
buscando se proteger de eventuais prejuízos decorrentes de eventos incertos. Ainda assim –
seja em virtude de oportunismo, seja por uma questão de interpretações distintas – ocorrem
divergências e disputas entre as partes no momento pós-contratual.

Como observam WEST e LEWIS, JR., a responsabilidade extracontratual (i.e.,


proveniente exclusivamente da lei) representa especial ameaça aos agentes econômicos que
avaliaram e optaram pela consumação do negócio com base na certeza proporcionada pelos
termos e condições por eles negociados e bem delineados no documento contratual, sobretudo
no que diz respeito aos limites de responsabilização e indenização. Ora, referidos limites –
comumente resultantes de intensa barganha e estabelecidos com extrema cautela – não se
impõem, via de regra, a demandas fundadas em responsabilidade extracontratual (por dolo,
por exemplo)98. Ademais, por maior cuidado que se tenha tido na definição do texto
contratual – com vistas a refletir de maneira precisa a vontade dos contratantes – em havendo
ação pautada em responsabilidade contratual, a decisão final ficará nas mãos do juiz ou do
júri, pouco familiarizados com o contexto negocial e, destarte, mais propensos a um veredito
inadequado. Isto, sem se mencionar a possibilidade de a parte que não esteja satisfeita com o
pacto para o qual contribuiu se utilizar da faculdade de ingressar com processo judicial
calcado em responsabilidade extracontratual para chantagear a contraparte99.

Daí a razão pela qual contratos regulando operações empresárias complexas


frequentemente contemplam disposições defensivas, que buscam – de diversas formas –

                                                                                                               
98
Vide nota de rodapé no 118.
99
WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability - Can Your Contractual Deal Ever Really Be the “Entire”
Deal? The Business Lawyer, v. 64, ago/2009, pp. 1016-1017.

 
38

assegurar que o texto neles contidos representa a única fonte de direitos, obrigações e
remédios jurídicos para os signatários após o fechamento do negócio.

Nesse sentido, é paradigmático o caso Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC,
escolhido como ponto de partida da investigação que aqui se pretende conduzir. Ora, a
operação, a due diligence, o arranjo contratual e até mesmo os incidentes verificados após a
celebração do negócio que levaram ao processo analisado pela Court of Chancery de
Delaware representam um padrão reproduzido diversas vezes no universo das tratativas
mercantis. O expressivo capital e a sofisticação de ambas as partes nele envolvidas também
contribuem para sua tipicidade. Ademais, como se verá nos próximos capítulos, o caso
apresenta discussões teóricas relevantes acerca da possibilidade de se restringir os direitos e
obrigações dos atores econômicos exclusivamente à letra do contrato, cujo estudo se revela
essencial para explorar e solucionar as questões que norteiam esta dissertação, conforme
acima expostas.

 
39

3.1 Descrição do Caso

Trata-se de apreciação, pela Court of Chancery of the State of Delaware, do pedido,


apresentado por um grupo de entidades afiliadas a sociedades de private equity sofisticadas
denominadas ABRY Partners, L.P. e ABRY Partners V Affiliated Investors, L.P. (doravante
simplesmente referidas, conjuntamente, como “Comprador”) –, de anulação do contrato de
compra e venda de ações (Stock Purchase Agreement, doravante simplesmente referido como
“SPA”) por meio do qual o Comprador adquiriu, de uma entidade controlada por outra
sociedade de private equity sofisticada, denominada Providence Equity Partners, Inc.
(doravante simplesmente referidas, conjuntamente, como “Vendedor”), a totalidade das ações
representativas do capital social da F&W Publications, Inc. (doravante simplesmente referida
como “Sociedade Alvo”), integrante do portfólio de investimentos do Vendedor e atuante no
negócio de publicação de livros e revistas. Na hipótese de procedência da anulação pleiteada,
o Vendedor deveria tomar de volta a Sociedade Alvo e restituir o preço de US$ 500 milhões
pago pelo Comprador.

O pleito do Comprador fundamentava-se na alegação de que (i) a Sociedade Alvo


prestou declarações e garantias falsas no âmbito do SPA; e (ii) o Vendedor apresentou ao
Comprador “Certificado do Diretor” (Officer’s Certificate) contemplando informações falsas
a respeito da Sociedade Alvo, de modo a, fraudulentamente, induzir o Comprador a celebrar o
SPA em 11 de junho de 2005 e, na sequência, a fechar o negócio em 5 de agosto de 2005.

Depois de assumir a propriedade e a administração da Sociedade Alvo, o Comprador


teve conhecimento de graves problemas financeiros e operacionais, chegando à conclusão de
que havia sido fraudado pelo Vendedor e pela Sociedade Alvo com vistas à conclusão do
SPA. O principal problema identificado dizia respeito à manipulação de dados constantes das
demonstrações financeiras da Sociedade Alvo, objetivando o incremento do preço a ser
recebido pelo Vendedor em contrapartida à aquisição de suas ações, uma vez que o montante
correspondente ao preço seria fixado pelas partes com base no EBITDA (earnings before
interest, taxes, depreciation and amortization)100 da Sociedade Alvo101.

                                                                                                               
100
Ou, em tradução para o português, LAJIDA - lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização.
101
“[…] the Buyer claims that the Company’s December 2004, March 2005, and June 2005 financial statements contained material
misrepresentations and did not accurately portray the Company’s financial condition. The Buyer contends that this resulted in overstated
net revenues, which in turn inflated the Company’s EBITDA.” Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch.
2006). Disponível [online] in http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 9.

 
40

Como de costume em operações dessa estirpe, o SPA contemplava declarações e


garantias extensas e cuidadosamente delineadas, prestadas, sobretudo, pela Sociedade
Alvo102. A declaração e garantia alegadamente violada (§ 3.6) foi prestada exclusivamente
pela Sociedade Alvo e continha a seguinte redação:

“The Company Financial Statements: (i) are derived from and reflect, in all material
respects, the books and records of the Company and the Company Subsidiaries; (ii)
fairly present in all material respects the financial condition of the Company and the
Company Subsidiaries at the dates therein indicated and the results of operations for
the periods therein specified; and (iii) have been prepared in accordance with GAAP
applied on a basis consistent with prior periods except, with respect to the unaudited
Company Financial Statements, for any absence of required footnotes and subject to
the Company’s customary year-end adjustments.103”

A despeito de referida declaração e garantia ter sido prestada tão-somente pela


Sociedade Alvo, como condição precedente para o fechamento da operação, o Vendedor
apresentou ao Comprador o Certificado do Diretor, por meio do qual o Vendedor,
devidamente representado por um de seus diretores, afirmou que (i) as condições para o
fechamento relativas à veracidade e à precisão das declarações e garantias prestadas não só
pelo Vendedor, mas também pela Sociedade Alvo haviam sido satisfeitas; (ii) o Vendedor e a
Sociedade Alvo haviam cumprido todas as obrigações a eles aplicáveis; e (iii) a Sociedade
Alvo não havia sofrido qualquer efeito adverso relevante (material adverse effect)104.

Ademais, por meio do SPA, o Vendedor também se comprometeu a indenizar o


Comprador caso qualquer das declarações e garantias prestadas pela Sociedade Alvo se

                                                                                                               
102
Antes de adentrar na discussão sobre os termos específicos do SPA, o Vice Chancellor Strine apresenta alguns esclarecimentos relevantes
sobre o contexto em que referido instrumento foi celebrado: “[b]oth the Seller and the Buyer are private equity firms. The Company was a
portfolio company of the Seller. That meant that the Seller had an intense interest in its value and in keeping with that, the Seller had
assigned key personnel, […], to monitor the performance of the Company and interact with the Company’s management during the sale.
But that did not necessarily mean that the Seller knew the Company in the same intimate manner that the Company’s managers did. The
managers had no prior affiliation with the Seller, and like any other private equity firm, the Seller was as much a monitor of, as a partner
with, the Company’s management”. Tendo em vista referido contexto, não é de se surpreender que os termos do SPA tivessem sido
redigidos com base em uma clara distinção entre Vendedor e Sociedade Alvo, sobretudo no que diz respeito àqueles que atribuíam
responsabilidades às partes. Assim, o SPA não associava – como ocorre em diversos casos – o Vendedor à Sociedade Alvo, não
responsabilizando aquele por atos ou declarações feitas por esta ou pela administração desta. O Vendedor somente assumia responsabilidade
pelas ações ou palavras da Sociedade Alvo na medida em que expressamente previsto no SPA ou no Certificado do Diretor, cuja assinatura
era necessária para o fechamento da operação. Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível
[online] in http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], pp. 13-14.
103
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 15.
104
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 18.

 
41

revelasse incorreta105. Note-se que o SPA limitava a responsabilidade do Vendedor por


qualquer declaração falsa ou imprecisa (misrepresentation) contida no SPA ao montante de
US$ 20 milhões, correspondente a 4% do preço de aquisição da Sociedade Alvo (US$ 500
milhões).

Além disso, de acordo com os termos do SPA, a apresentação de pedido de


indenização (indemnity claim) era o único remédio disponível ao Comprador para o caso de
declarações falsas ou imprecisas106, sendo vedado ingressar com ação de anulação nos moldes
daquela promovida pelo Comprador.

É de se destacar ainda que o SPA contemplava, em linguagem simples e inequívoca,


declaração do Comprador no sentido de que este não estava se pautando em informações não
traduzidas em declarações e garantias constantes dos “quatro cantos do contrato” e estabelecia
que nenhuma declaração extracontratual (extra-contractual representation) havia sido feita107.

                                                                                                               
105
Nesse sentido dispunha o SPA (Section 9.1): “the Selling Stockholder agrees that, after the Closing Date, the Acquiror and the Company
and . . . each controlling shareholder of the Acquiror or the Company . . . shall be indemnified and held harmless by the Selling Stockholder
from and against, any and all claims, demands, suits, actions, causes of actions, losses, costs, damages, liabilities and out-of-pocket
expenses incurred or paid, including reasonable attorneys’ fees, costs of investigation or settlement, other professionals’ and experts’ fees,
and court or arbitration costs but specifically excluding consequential damages, lost profits, indirect damages, punitive damages and
exemplary damages . . . to the extent such Damages . . . have arisen out of or . . . have resulted from, in connection with, or by virtue of the
facts or circumstances (i) which constitute an inaccuracy, misrepresentation, breach of, default in, or failure to perform any of the
representations, warranties or covenants given or made by the Company or the Selling Stockholder in this Agreement […]”. Abry Partners
V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 19.
106
Veja-se a redação do § 9.9(a) (Exclusive Remedy Provision): “[e]xcept as may be required to enforce post-closing covenants hereunder . .
. after the Closing Date the indemnification rights in this Article IX are and shall be the sole and exclusive remedies of the Acquiror, the
Acquiror Indemnified Persons, the Selling Stockholder, and the Company with respect to this Agreement and the Sale contemplated hereby;
provided that this sentence shall not be deemed a waiver by any party of its right to seek specific performance or injunctive relief in the case
of another party’s failure to comply with the covenants made by such other party”. Adicionalmente, o § 9.9(b) estabelecia que “[t]he
provisions of Article IX [Exclusive Remedy, Indemnity Claim and Indemnity Fund] were specifically bargained for and reflected in the
amounts payable to the Selling Stockholder in connection with the Sale pursuant to Article II”. Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition
LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015],
p. 20.
107
O § 7.8 do SPA continha a seguinte previsão: “[a]cquiror acknowledges and agrees that neither the Company nor the Selling Stockholder
has made any representation or warranty, expressed or implied, as to the Company or any Company Subsidiary or as to the accuracy or
completeness of any information regarding the Company or any Company Subsidiary furnished or made available to Acquiror and its
representatives, except as expressly set forth in this Agreement . . . and neither the Company nor the Selling Stockholder shall have or be
subject to any liability to Acquiror or any other Person resulting from the distribution to Acquiror, or Acquiror’s use of or reliance on, any
such information or any information, documents or material made available to Acquiror in any ‘data rooms’, ‘virtual data rooms’,
management presentations or in any other form in expectation of, or in connection with, the transactions contemplated hereby.” De acordo
com o Vice Chancellor Strine, trata-se de uma previsão contratual crítica, pois define exatamente em quais informações o Comprador
confiou e se pautou em sua decisão pela celebração do SPA. Ora, conforme os termos dessa cláusula, o Comprador concorda e reconhece
que nem a Sociedade Alvo, nem o Vendedor prestaram quaisquer declarações e garantias quanto à veracidade e à precisão das informações
relativas à Sociedade Alvo que não aquelas contempladas no SPA. Adicionalmente, o Comprador concorda e reconhece que nem a
Sociedade Alvo, nem o Vendedor terão qualquer responsabilidade por informações relativas à alienação da Sociedade Alvo que tenham sido
disponibilizadas tão somente em âmbito extracontratual. Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006).
Disponível [online] in http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], pp. 14-15.
Além disto, o article III, § 3.23, também reforçava a promessa do Comprador no sentido de que ele não estava se pautando em informações
extracontratuais. Veja-se: “[e]xcept as expressly set forth in this Article III, the Company makes no representations or warranty, expressed
or implied, at law or in equity, in respect of the Company or the Company Subsidiaries, or any of their respective assets, liabilities or
operations, including with respect to merchantability or fitness for any particular purpose, and any such other representations or warranties
are hereby expressly disclaimed. Acquiror hereby acknowledges and agrees that, except to the extent specifically set forth in this Article III,
the Acquiror is acquiring the Company on a ‘as is, where is’ basis. The disclosure of any matter or item in any schedule hereto shall not be
deemed to constitute an acknowledgement that any such matter is required to be disclosed.” Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC,
C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 17.

 
42

Em sua defesa, o Vendedor alegou que as partes envolvidas na compra e venda eram
sofisticadas e, ao longo das negociações, barganharam a inclusão da cláusula de remédio
exclusivo no SPA, sendo tal disposição levada em consideração para fins de determinação do
preço atribuído à totalidade das ações representativas do capital social da Sociedade Alvo.
Assim, referida limitação contratual deveria se aplicar, ficando o Comprador restrito ao pleito
de indenização, em virtude da qual poderia ser ressarcido em não mais do que US$ 20
milhões108.

O Comprador, por sua vez, entre tantas outras alegações rejeitadas pela Court of
Chancery de Delaware, argumentou que a limitação de responsabilidade fixada
contratualmente era inexigível por uma questão de política pública. Ora, não poderia o
Estado admitir e tolerar a tentativa de uma parte de se utilizar do instrumento contratual para
se eximir de responder a processo anulatório fundamentado em declaração falsa constante do
contrato e expressamente reconhecida pelas partes como essencial para a formação de sua
vontade no sentido de contratar. De acordo com o Comprador, agir dessa forma seria
sancionar práticas de negócio antiéticas e repugnantes e criar um insensato sistema de
incentivos para as partes contratantes que subestimaria a fidedignidade das promessas
contratuais109.

Analisados e ponderados os argumentos apresentados pelas partes, a Court of


Chancery de Delaware decidiu pela procedência da ação anulatória promovida pelo
Comprador desde que este demonstrasse inequivocamente que o Vendedor (i) prestou
declarações e garantias falsas no SPA de modo intencional; ou (ii) sabia sobre a falsidade das
declarações e garantias prestadas pela Sociedade Alvo. Isto, pois, em ambas as
circunstâncias, teria sido o Vendedor responsável pelos danos sofridos pelo Comprador por
ter se pautado em uma mentira quando da formação de sua vontade pela conclusão da compra
e venda110.

                                                                                                               
108
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 2.
109
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], pp. 2-3.
110
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], pp. 3-4. Veja-se o relato de WEST e LEWIS, JR. sobre referida
decisão: “[s]o while the court did not reach the issue of whether the seller had, in fact, ‘lied’ to the buyer, the effect of the decision was to
allow an uncapped, extra-contractual tort claim based upon contractual warranties to proceed against the seller despite the specifically
negotiated remedial limits set forth in the carefully crafted stock purchase agreement that delineated the disputed warranties”. WEST, G. D.;
LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability - Can Your Contractual Deal Ever Really Be the “Entire” Deal? The
Business Lawyer, v. 64, ago/2009, p. 1001.

 
43

Para Vice Chancellor Strine, referida conclusão justifica-se pois, nas situações em que
um vendedor presta, intencionalmente, declarações e garantias falsas – i.e., quando um
vendedor mente deliberadamente no âmbito do contrato – a política pública contra a fraude
não permite que o instrumento contratual restrinja o direito à reparação de danos do
comprador a um pedido de indenização limitado a determinado valor111. Nesses casos, o
comprador tem total liberdade para reclamar judicialmente a anulação do contrato ou o
ressarcimento integral dos prejuízos por ele sofridos112.

Adicionalmente à decisão proferida pela Court of Chancery de Delaware, há de se


ressaltar – inclusive para fins de desenvolvimento da linha lógico-argumentativa desta
dissertação – que, ao longo da apreciação do caso Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition
LLC, se enfatizou que os precedentes daquela corte reconheciam a validade e a eficácia de
cláusulas de disclamer of reliance, as quais têm o condão de fazer com que o comprador se
abstenha de pleitear a anulação do negócio e/ou a reparação de danos para além dos limites
estipulados contratualmente sob a alegação de que informações extracontratuais prestadas
fraudulentamente pelo vendedor o induziram à consecução da operação113.

De acordo com Vice Chancellor Strine, permitir que, a despeito do acordo entre as
partes quanto à inclusão da cláusula de disclaimer of reliance no contrato, o comprador
alegue e comprove que o vendedor mentiu a respeito de informação determinante para a
conclusão da operação fora dos contornos contratuais significaria proteger o engodo do
comprador – que, por meio do dispositivo de disclaimer of reliance, afirmou expressamente
não ter se pautado em elementos extracontratuais para decidir pela celebração do negócio – e,
por conseguinte, deixar de promover a política pública contra a mentira. Nesse sentido, Vice
Chancellor arremata: “[f]or the plaintiff in such a situation to prove its fraudulent inducement
claim, it proves itself not only a liar, but a liar in the most inexcusable of commercial
circumstances: in a freely negotiated written contract. Put colloquially, this is necessarily a
‘double liar’ scenario114”.

                                                                                                               
111
Assim, “[t]o the extent that the Stock Purchase Agreement purports to limit the Seller's exposure for its own conscious participation in
the communication of lies to the Buyer, it is invalid under the public policy of this State”. Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC,
C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 54.
112
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 4.
113
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], pp. 41-44.
114
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], pp. 43-44. Ademais, “[t]he enforcement of non-reliance clauses
recognizes that parties with free will should say no rather than lie in a contract. The enforcement of non-reliance clauses also recognizes
another reality that is often overlooked in morally-tinged ruminations on the importance of deterring fraud. That reality is that courts are

 
44

Exposto o caso Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A., passar-se-á à
sua análise, com foco nas questões propostas ao final do Capítulo 2.3. Primeiramente,
conduzir-se-á tal análise à luz da common law – da qual se originaram os modelos de
contratos utilizados para regular as mais diversas operações comerciais ao redor do globo, e,
por conseguinte, as cláusulas e mecanismos sob exame. Na sequência, após identificadas a
finalidade da inserção de referidas cláusulas e mecanismos e suas respectivas consequências
em seu sistema originário, tomar-se-á a lei brasileira por referência para a continuidade da
pesquisa pretendida.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
not perfect in distinguishing meritorious from non-meritorious claims of fraud. Permitting the procession of fraud claims based on
statements that buyers promised they did not rely upon subjects sellers to a greater possibility of wrongful liability, especially because those
statements are often allegedly oral, rather than in a writing, and thus there is often an evidentiary issue about whether the supposedly false
statement ever was uttered. As important, even when a court rejects a buyer’s fraud claim that is grounded in a disclaimed statement, the
seller does not get the full benefit of its bargain because the costs (both direct and indirect) of the litigation are rarely shifted in America to
the buyer who made a meritless claim”. Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível
[online] in http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 44.

 
45

IV. ANÁLISE DO CASO ABRY PARTNERS V, L.P. V. F & W ACQUISITION LLC À LUZ DO
SISTEMA DA COMMON LAW

Da descrição do caso Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A., são dois
os posicionamentos da Court of Chancery de Delaware que aqui se destacam.

O primeiro deles consiste no entendimento – suscitado no decorrer da discussão sobre


o caso – de que, de acordo com a política pública do estado de Delaware, são permitidas – e
deverão ser executadas pelo Poder Judiciário – as cláusulas de disclaimer of reliance, quando
relacionadas a mentiras deliberadas havidas em âmbito extracontratual, i.e., fora do escopo
das declarações e garantias contempladas nos “quatro cantos do contrato”. Acredita-se se
tratar de proteção legítima acordada pelas partes em benefício do vendedor, pois, na fase pré-
contratual, são muitas as informações prestadas pela própria sociedade alvo ou pelos
assessores envolvidos, sem a ciência do vendedor ou, ao menos, sem que este saiba da
falsidade ou imprecisão daquelas informações (sobretudo em sendo a sociedade alvo mais
uma entidade integrante do portfólio de investimentos de um grupo de private equity)115.

O segundo deles diz respeito à compreensão de que, observada a política pública de


Delaware, não pode o Poder Judiciário fazer valer cláusulas de entendimento integral (entire
agreement) e de remédio exclusivo (sole remedy) que afastem a possibilidade de formulação
116
de demandas fundamentadas na conduta fraudulenta do vendedor ao mentir
intencionalmente na prestação das declarações e garantias contratuais.
                                                                                                               
115
Veja-se a esse respeito: “[w]hile courts in some states permit virtually all types of extra-contractual misrepresentation claims to proceed
based upon allegations of fraud and negligent misrepresentations in the face of contractual limitations on such claims, the ABRY court
adopted a more nuanced approach. Indeed, Vice Chancellor Strine found it ‘difficult to fathom how it would be immoral for the [s]eller and
[b]uyer to allocate the risk of intentional lies by the [portfolio] [c]ompany’s managers to the [b]uyer, and certainly that is so as to reckless,
grossly negligent, negligent, or innocent misrepresentations of fact’ by the portfolio company. As a result, the Court of Chancery enforced
the disputed exclusive remedy provisions — and a related non-reliance clause — to preclude most of the buyer’s other tort-based
misrepresentation claims, including fraud claims based upon proof of mere ‘recklessness’, and even fraud claims premised upon purported
‘lies’ that were not set forth within the four corners of the written agreement. Therefore, Vice Chancellor Strine held that Delaware law only
prohibited the court from enforcing the exclusive remedy and disclaimer-of-reliance provisions to dismiss the fraud claims that the plaintiff
premised upon the deliberate lies of the seller itself, and then only to the extent those lies were expressed as specific contractual
representations and warranties set forth in the contentious stock purchase agreement”. WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid
Extra-Contractual Liability - Can Your Contractual Deal Ever Really Be the “Entire” Deal? The Business Lawyer, v. 64, ago/2009, pp. 1001-
1002.
116
Para melhor compreensão da decisão relativa ao caso sob análise, expõe-se a seguir as circunstâncias em que uma ação judicial
fundamentada em fraude (fraud claim) – i.e., com base na tort law (responsabilidade extracontratual) – pode ser promovida no âmbito de
negócios de compra e venda de participação societária regidos pelo direito norte-americano: “[i]ndeed, allegations of fraud can occur
whenever a buyer encounters what it contends to be an unanticipated problem with a business it acquired, and either the bargained-for
contractual representations and warranties do not cover that particular problem or the bargained-for contractual cap on liability for breach
of those contractual representations and warranties proves insufficient. If the buyer was in fact deliberately lied to by the seller, or facts
were deliberately concealed from the buyer by the seller, respecting a matter that was specifically negotiated by the buyer to be represented
by the seller as a predicate to the buyer’s decision to purchase, such claims are understandable and, more importantly, may be enforceable,
without regard to any contractual limits on fraud claims”. WEST, G. D. That Pesky Little Thing Called Fraud: An Examination of Buyers’
Insistence Upon (and Sellers’ Too Ready Acceptance of) Undefined “Fraud Carve-Outs” in Acquisition Agreements, The Business Lawyer,
v. 69, ago/2014, pp. 1049-1050. Tal esclarecimento de WEST aplica-se, via de regra, ao sistema da common law como um todo.
Note-se que uma tort claim – tal como uma fraud claim – independe da existência de acordo negociado entre as partes e traduzido em

 
46

Note-se que, dessa segunda posição, se extrai que referidas cláusulas (entendimento
integral e remédio exclusivo) aplicar-se-iam, na visão da Court of Chancery de Delaware,
somente às violações de declarações e garantias que não resultassem de mentiras
propositadamente declaradas pelo vendedor, ou por seus assessores, com seu
conhecimento117.

A partir de referidas interpretações atribuídas pela Court of Chancery de Delaware a


determinados dispositivos do SPA – as quais serão examinadas com maior profundidade mais

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
instrumento contratual, fundamentando-se na prática de ato ilícito por determinado sujeito, que cause danos a outrem. Aí reside a distinção
entre contract law e tort law. Veja-se o esclarecimento de WEST e SHAH a respeito de tal distinção: “[c]ontract law is generally based on
the simple principle that the court should enforce the expectations of the parties according to the bargain made by those parties. […] a
contract exists if there is mutual assent to mutual promises made. A claim for breach of contract requires only that the claimant prove that
the other party to the agreement failed to perform its promises pursuant to the contract and the claimant incurred damages as a result.
There is no requirement that a claimant prove that it specifically relied upon a specific promise made by the other party in entering into the
contract; rather, a claimant is entitled to enforce all of the promises made in the contract independent of any specific reliance on each
particular promise made by the other party. […] A tort claim is based not on a bargain made between the parties, but on a wrongful act
committed by another party that resulted in injury to the claimant. In commercial relationships, that wrongful act is typically an intentional,
reckless or negligent misrepresentation of fact intended to cause another person to act in a manner detrimental to such person. Because
such a claim is extra-contractual, a tort-based misrepresentation claim is not premised on the breach of reciprocal promises; rather the
claim is that a party was induced to detrimentally change its position (i.e., enter into an agreement) in reliance upon a false statement of fact
that it was justified in believing and acting upon”. WEST, G. D.; SHAH, K. M. Debunking the Myth of the Sandbagging Buyer: When Sellers
Ask Buyers to Agree to Anti-Sandbagging Clauses, Who Is Sandbagging Whom? The M&A Lawyer, v. 11, jan./2007, p. 4. Para concluir a
distinção, WEST, em outro de seus artigos, expõe: “[…] in a breach of contract case the court generally seeks to provide the non-breaching
party the benefit of the bargain made, while in a tort case the court seeks to put the aggrieved party in the place that party would have been
but for the wrongful act and, in certain exceptional cases, to actually punish the wrongdoer by awarding punitive damages in excess of the
actual damages that were incurred”. WEST, G. D. Avoiding Extra-Contractual Fraud Claims in Portfolio Company Sales Transactions — Is
“Walk-Away” Deal Certainty Achievable for the Seller? Disponível [online] in http://www.weil.com/articles/avoiding-extra-contractual-
fraud-claims-in-portfolio-company-sales-transactions [20.6.2015], p. 2.
Por fim, aproveita-se do esclarecimento acerca dos conceitos de tort law e contract law para explicar a diferença, existente na common law,
entre o termo “misrepresentation” e a expressão “breach of representations and warranties”. Aquele relaciona-se às informações falsas ou
imprecisas prestadas na fase pré-contratual e determinantes para a formação da vontade do comprador no sentido de prosseguir com a
celebração do negócio, tenham sido elas traduzidas ou não em declarações e garantias apostas no texto contratual. Já a expressão “breach of
representations and warranties” diz respeito à verificação de falsidade ou imprecisão das declarações e garantias inseridas no contrato. As
demandas decorrentes de misrepresentation exigem que as informações falsas ou imprecisas tenham sido prestadas intencional ou
negligentemente; já aquelas fundadas na violação de declarações e garantias (breach of representations and warranties) independentemente
da averiguação do comportamento da parte que as prestou. Veja-se “[a] misrepresentation claim is grounded in tort and seeks to redress
breaches of a party’s common law duty to establish honestly the ‘factual predicates’ to his or her commercial relationships. But
misrepresentation liability is generally not imposed strictly on the basis that a given representation was incorrect. Instead, liability only
attaches if the defendant made a material misrepresentation fraudulently or, in some cases, negligently, upon which the recipient justifiably
relied to his or her detriment. A claim based upon a breach of an express warranty, by contrast, is premised upon one party’s specific
contractual promise that a stipulated fact or set of facts is correct. If the warranty set forth in the written agreement is incorrect, it would be
irrelevant that the warranting party honestly believed that the disputed statement was true, that the recipient of the warranty did not rely
upon the incorrect statement, or that the warranty was not a material basis upon which the complaining party entered into the contract.
Indeed, a warranty is strictly enforced like any other contractual covenant or agreement, generally without regard for intention, materiality,
or reliance”. WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability - Can Your Contractual Deal Ever Really Be
the “Entire” Deal? The Business Lawyer, v. 64, ago/2009, pp. 1008-1009. Na hipótese de misrepresentation claim, pode-se pleitear a
rescisão do contrato, acrescida, conforme o caso, do ressarcimento de perdas e danos; ao passo que no caso de ação decorrente de violação
contratual (claim based upon a breach of an express warranty), são devidos somente perdas e danos. “When it comes to damages, the
measure is different for misrepresentations compared to contractual liability: While damages in contract seek to place the claimant in a
position as if the statement were true, damages for misrepresentations seek to place the claimant in the position as if the statement had never
been made.” BJØRNSTAD, H. W. Entire Agreement Clauses – Abstract, Disponível [online] in
http://www.jus.uio.no/ifp/english/research/projects/anglo/essays/bjornstad_abstract.pdf [20.6.2015], p. 11.
117
Ao tratar do caso, WEST aponta: “[a]ccording to then Vice Chancellor Strine, only a fraud involving the ‘conscious participation in the
communication of lies’ by the ‘Seller itself’ and with respect to the representations and warranties specifically set forth in the stock purchase
agreement constituted the type of fraud which, as a matter of public policy, could not be excluded by virtue of an exclusive remedy provision.
A fraud perpetrated by the seller itself includes, of course, contractual representations made by the company in the acquisition agreement
that are known by the seller to have been false when made. But then Vice Chancellor Strine thought there was nothing immoral about
allocating the risk of lies being told by the management of the target company, without the seller’s knowledge, in such a way that the seller
was not exposed to an extra-contractual fraud claim based upon its management team’s misrepresentations”. WEST, G. D. That Pesky Little
Thing Called Fraud: An Examination of Buyers’ Insistence Upon (and Sellers’ Too Ready Acceptance of) Undefined “Fraud Carve-Outs” in
Acquisition Agreements, The Business Lawyer, v. 69, ago/2014, p. 1067.

 
47

adiante – fica evidente que, nos ordenamentos integrantes da common law, apesar de os
advogados responsáveis pela estruturação jurídica das operações comerciais (business
lawyers) delinearem contratualmente – a partir de extensas negociações e trocas de minutas
feitas em nome de seus respectivos clientes – toda a esfera de responsabilidade das partes –
estabelecendo, para tanto, limites bem definidos –, aquele que estiver insatisfeito com o
negócio, tal qual contemplado no contrato, frequentemente buscará contornar suas restrições
extracontratualmente, com suporte na tort law, alegando a existência de incorreções nas
informações prestadas pela contraparte no momento pré-contratual ou nas declarações e
garantias. Assim, a mera ameaça da promoção de demandas judiciais alicerçadas em tal
fundamento acaba por servir de moeda de barganha para o ator que deseje evitar o ajuste
contratual com o qual concordou.

Tem-se, portanto, que as disposições constantes dos contratos empresariais, não


importa o quão fervorosamente tenham sido negociadas ou o quão cuidadosamente tenham
sido redigidas, podem não representar a única fonte de direitos, obrigações e proteções das
partes contratantes118.

Diante de tal contexto, ganha relevância a questão da interpretação a ser conferida às


cláusulas de entendimento integral, de disclaimer of reliance e de remédio exclusivo. Ora,
assim como a Court of Chancery de Delaware concluiu, com base no direito daquele estado
(que regia o SPA), no sentido que aqui se expôs, o julgamento resultante da averiguação dos
mesmos dispositivos poderia ser distinto, se tivesse o SPA sido concluído sob outro sistema
normativo.

Importa aqui ressaltar que referidas cláusulas – que têm sua origem na mencionada
tentativa dos advogados empresariais de afastar o surgimento de responsabilidades
extracontratuais decorrentes da tort law119 adicionais àquelas delineadas no contrato – são

                                                                                                               
118
Não é outra a constatação de WEST e LEWIS no artigo “Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability - Can Your Contractual Deal
Ever Really Be the “Entire” Deal?”, que contempla a análise do caso em tela. “On one level then, ABRY illustrates the proposition that
written agreements, no matter how fervently negotiated or tightly drafted, may not always constitute the exclusive source of the rights,
protections, duties, and remedies of their signatories. Indeed, that the buyer’s fraud claim survived the seller’s motion to dismiss illustrates
the susceptibility of contractual relationships to tort-based attacks and the reluctance of some courts to enforce the liability-limiting
provisions that contracting parties employ to disable them. And this phenomenon, whereby courts permit extra-contractual
misrepresentation claims based upon allegations of fraud to advance in the face of contractual provisions that expressly preclude them,
presents difficult challenges for business lawyers whose clients specifically factor the remedial options available to their counterparties into
the purchase price of their transactions.” WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability - Can Your
Contractual Deal Ever Really Be the “Entire” Deal? The Business Lawyer, v. 64, ago/2009, p. 1001.
119
“[...] the private equity seller generally seeks to construct the sale and purchase agreement so that, as much as possible, the various
common law tort concepts are not allowed to create additional liabilities for the seller beyond the exclusive and limited contractual
obligations for which it bargained for in the written contract. In particular, the seller almost always seeks to assure that the buyer has

 
48

hoje inseridas nos contratos mercantis celebrados sob os mais diferentes ordenamentos
jurídicos, dada a predominância da língua inglesa e, consequentemente, do padrão de
contratos anglo-saxão nas operações comerciais desenvolvidas em nível internacional 120.
Note-se que, quando implantados em instrumentos regidos por outro sistema que não a
common law, ditos dispositivos – por não se referirem diretamente ao objeto ou às condições
essenciais do negócio disciplinado no contrato – não costumam ser cautelosamente
analisados, sobretudo no que diz respeito a sua interação com a lei aplicável121.

Daí a relevância de se investigar o motivo da introdução desses dispositivos no âmbito


do direito que rege os modelos contratuais dos quais se originaram. Diante da conjuntura dos
ordenamentos da família da common law, por que inserir cláusulas desse tipo? Para que
servem? O que pretendem as partes ao incluí-las no texto contratual? E, uma vez
esclarecidas suas respectivas finalidades: exercem tais cláusulas as mesmas funções à luz do
direito brasileiro, aplicável à maioria dos contratos com os quais lidam os advogados
empresariais do país (i.e., de acordo com as regras e princípios que compõem o ordenamento
jurídico pátrio)? São mesmo essas as funções visadas pelas partes? Seriam tais cláusulas
reconhecidas e executadas pelo Poder Judiciário brasileiro?122

É esse o objetivo da análise comparativa do caso Abry Partners V, L.P. v. F&W


Acquisition LLC, C.A. conduzida nesta dissertação: sua averiguação de acordo com alguns
ordenamentos integrantes da common law servirá de suporte123 para o posterior exame do

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
agreed to a ‘non-reliance’ provision pursuant to which the buyer is (hopefully) precluded from asserting claims based on breaches of
representations and warranties made outside the written contract. The seller also seeks, pursuant to an ‘exclusive remedies’ clause, to make
the seller’s liability for any breaches of representations and warranties that are made in the written contract subject to specific, limited and
contractual (as opposed to tort-based) remedies. These are all considered appropriate allocations of risk between the buyer and seller”.
WEST, G. D.; SHAH, K. M. Debunking the Myth of the Sandbagging Buyer: When Sellers Ask Buyers to Agree to Anti-Sandbagging Clauses,
Who Is Sandbagging Whom? The M&A Lawyer, v. 11, jan./2007, pp. 3-4.
120
A esse respeito, vide nota de rodapé no 21.
121
Não é por outro motivo que ditas cláusulas são referidas por alguns autores como “boilerplate clauses”. Explica-se: “[t]he term
‘boilerplate’ is understood to be derived from the metal plates on which syndicated or ready-to-print copy was supplied to newspapers. The
point of such plates was that they could not be modified before printing, hence the borrowing of the term to refer to clauses in a contract
which are not intended to be the subject of any negotiation. In fact, in the commercial transactions which are the principal focus of this
book, a ‘boilerplate clause’ may well be the subject of negotiation, and perhaps of modification, in the particular contract at hand. The
clause is a ‘boilerplate’ or ‘standard form’ in the sense that one party (or possibly both) requires a clause of that type, but there is still room
for negotiation as to is precise content”. PEEL, E. The common law tradition: application of boilerplate clauses under English law. In:
CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011, cap. 7,
p. 131.
122
Nesse sentido, pondera CORDERO-MOSS: “[f]or many clauses the simple fact that they originated in a legal tradition different from that of
the governing law will not create particular problems of interpretation. For other clauses, however, the originally intended results might be
incompatible with the law that governs the contract. In such cases, even if certain clauses might have been intended to achieve certain
results by the original drafters of the model, such intentions are not relevant and should not be given effect. These clauses will therefore
have to be interpreted in another more restrictive, more extensive way, or even be deprived of their effect, if that is more in line with the
applicable law”. CORDERO-MOSS, G. Anglo-American Contract Models and Norwegian or other Civilian Governing Law – Introduction
and Method. Disponível [online] in http://folk.uio.no/giudittm/AngloAmerican%20Contract%20Models.pdf [20.6.2015], p. 21.
123
Portanto, não ambiciona ser exaustiva ou pormenorizada.

 
49

caso – bem como dos principais mecanismos jurídicos por ele abarcados – à luz do direito
brasileiro – para, então, se responder às indagações propostas ao final do Capítulo 2.3.

Proceder-se-á, assim, à apreciação propriamente dita – com base no sistema da


common law – das posições adotadas pela Court of Chancery de Delaware no caso objeto de
verificação.

 
50

4.1 Seleção de Informações Relevantes para a Formação da Vontade: Cláusulas de


Entendimento Integral e Disclaimer of Reliance

A investigação ambicionada neste Capítulo relaciona-se com o entendimento da Court


of Chancery de Delaware no sentido de que, sempre que se referirem a mentiras intencionais
havidas tão somente na esfera pré-contratual – ou seja, não cristalizadas por meio de
declarações e garantias contratuais – deve o Poder Judiciário assegurar a eficácia das
cláusulas de disclaimer of reliance. Proceder-se-á, para tanto, ao estudo de tais cláusulas, seu
conteúdo e suas peculiaridades.

No entanto, antes de se partir à averiguação das cláusulas de disclaimer of reliance,


parece pertinente analisar as cláusulas de entendimento integral (entire agreement) – cujos
teor e finalidade as aproximam das primeiras – com vistas a melhor compreender toda a
dimensão funcional desses dispositivos e verificar quais as diferenças existentes entre eles.

A cláusula de entendimento integral costuma ter o seguinte enunciado (ou redação que
a ele se assemelhe):

“Acordo Integral. O presente contrato contempla a totalidade do acordo e dos


entendimentos entre as partes com relação ao objeto aqui previsto e substitui todas as
negociações, declarações, promessas e acordos anteriores havidos entre as partes com
relação ao objeto deste contrato124”.

Como se vê, o fragmento inicial do enunciado assevera – utilizando-se de linguagem


aberta – que o instrumento contratual regula de modo exaustivo a relação entre as partes que
ali se estabelece. Assim, a partir da interpretação desse fragmento pode-se entender que são
excluídas da esfera relacional existente entre os contratantes (i) comunicações, declarações e
acordos anteriores que não tenham sido contemplados no texto contratual (interpretação

                                                                                                               
124
Veja-se a definição de tais cláusulas constante do Black’s Law Dictionary: “[a] contractual provision stating that the contract represents
the parties’ complete and final agreement and supersedes all informal understandings and oral agreements relating to the subject matter of
the contract”. Como se verá mais adiante – ao se explorar a parol evidence rule, tal como descrita por FARNSWORTH – os entendimentos e
acordos superados pela cláusula de entendimento integral não são necessariamente informais e orais, podendo ser também aqueles
formalizados por escrito.

 
51

restritiva); ou (ii) eventuais outras fontes de direitos e obrigações que não o próprio contrato
(interpretação ampla)125.

A segunda parte da cláusula, por sua vez, é inequívoca ao prever que o contrato
substitui todos e quaisquer entendimentos relativos à sua matéria, havidos entre as partes
previamente à celebração do instrumento.

Trata-se de disposição que busca incorporar a incidência da parol evidence rule –


vigente no sistema da common law – à disciplina contratual, com o objetivo de obstaculizar a
apreciação de evidências extrínsecas, tais como provas relativas às tratativas pré-contratuais
ou outros meios orais, ou mesmo escritos, de demonstração e comprovação – prévios ou
contemporâneos ao contrato – que visem alterar, contradizer ou complementar seu teor126. De
acordo com tal regra, no âmbito de uma demanda judicial em que se discuta a interpretação
do contrato, o juiz – ou o júri – não deve permitir que evidências dessa estirpe integrem a
instrução processual.

É de se enfatizar, contudo, que a parol evidence rule comporta exceções, não se


prestando a afastar evidências que tenham o condão de comprovar a existência de erro, fraude
ou coação127, ainda que o contrato em questão contenha cláusula de entendimento integral128.
Tem-se, destarte, que, a princípio, em havendo uma declaração falsa ou imprecisa, que (i)
tenha sido prestada na etapa pré-contratual (misrepresentation); (ii) tenha sido decisiva para a
                                                                                                               
125
LAGARDE, X.; MÉHEUT, D.; REVERSAC, J. The Romanistic tradition: application of boilerplate clauses under French law. In: CORDERO-
MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011, cap. 9, pp. 214-
215.
126
É essa a lição de FARNSWORTH a respeito da parol evidence rule: “[t]he parties to a contract often reduce to writing part or all of their
agreement, following negotiations during which they have given assurances, made promises, and reached understandings. They do this in
order to avoid reliance on uncertain memory. However, should litigation ensue, one party may seek to introduce evidence of the earlier
negotiations in an effort to show that the terms of the agreement are other than as shown on the face of the writing. The party will be met
with a rule known as the ‘parol evidence rule’, which may bar the use of such extrinsic evidence to contradict and perhaps even to
supplement the writing”. FARNSWORTH, E. A. Contracts. 4a ed. New York: Aspen, 2004, pp. 414-415. De acordo com o autor, “[…] the
rule simply affirms the primacy of a subsequent agreement over prior negotiations and even over prior agreements. […] It is often useful to
be able to replace the negotiations of yesterday with an authoritative agreement of today. It is this purpose that the parol evidence rule
ought to serve – giving legal effect to whatever intention the parties may have had to make their writing a complete expression of the
agreement that they reached, to the exclusion of all prior negotiations, whether oral or written” (grifou-se). FARNSWORTH, E. A. Contracts.
4a ed. New York: Aspen, 2004, p. 418. A definição da parol evidence rule apresentada por WISE, SZYGENDA e LILLARDI traz ainda a noção
de que quaisquer evidências extrínsecas – sejam elas passadas ou contemporâneas ao questionamento contratual – devem ser deixadas de
fora do exercício interpretativo do contrato: “[t]he parol evidence rule provides that when contracting parties intend their written agreement
to be the final and complete expression of their understanding, the writing is deemed integrated and cannot be contradicted by evidence of
prior or contemporaneous oral or written agreements. In other words, the existence of an integrated agreement operates to limit the scope
of the parties’ contractual obligations to those set forth in the written agreement, thereby precluding admission of extrinsic evidence to vary,
add to, or contradict the written agreement’s terms”. WISE, R. K.; SZYGENDA, A. J.; LILLARDI, T. F. Of Lies and Disclaimers – Contracting
Around Fraud under Texas Law, St. Mary’s Law Journal, v. 41:119, 2009, pp. 132-133.
127
Nesse sentido, “[…] the parol evidence rule does not exclude evidence to show mistake, misrepresentation, or duress as a ground for
avoidance. Of these grounds, misrepresentation has produced the most litigation. It is generally agreed that the parol evidence rule does
not bar extrinsic evidence to show fraud as a ground for rescission, a tort action for damages or reformulation”. FARNSWORTH, E. A.
Contracts. 4a ed. New York: Aspen, 2004, p. 429.
128
“To the extent that evidence of misrepresentation is admissible even if the agreement is completely integrated, it is admissible in the face
of the usual merger clause […]. […] Such evidence is admissible even if the agreement is completely integrated and the usual merger clause
shows no more than that”. FARNSWORTH, E. A. Contracts. 4a ed. New York: Aspen, 2004, p. 430.

 
52

formação do consentimento em prol da conclusão do negócio; e (iii) não tenha sido


reproduzida nas declarações e garantias (i.e., no corpo do contrato), pode a parte declaratária
procurar judicialmente o desfazimento negocial e/ou ressarcimento de perdas e danos (por
meio de uma misrepresentation claim), contemple o contrato uma cláusula de entendimento
integral ou não.

Daí porque dita cláusula – quando redigida da maneira acima indicada – não constitui
ferramenta suficiente para – por si só – proteger o vendedor contra eventuais demandas
baseadas em sua responsabilidade decorrente de declarações pré-contratuais falsas ou
imprecisas prestadas ao comprador durante as negociações do contrato, possuindo aptidão
apenas para afastar o direito da parte de, diante de dado inadimplemento contratual que não
decorra de erro, fraude ou coação, pleitear judicialmente remédios adicionais àqueles
previstos contratualmente129.

Por conseguinte, não são raros os arranjos celebrados à luz dos ordenamentos
integrantes da common law – sobretudo entre partes sofisticadas – que contemplam cláusula
de disclaimer of reliance estabelecendo que (i) declarações prestadas tão-somente na esfera
extracontratual não ensejarão responsabilidade para o declarante; e (ii) as partes não
confiaram ou se pautaram em tais declarações – mas apenas nas declarações e garantias
expressas contratualmente –, quando da tomada de decisão pela celebração do negócio130.

                                                                                                               
129
É este, inclusive, o entendimento da Court of Chancery de Delaware a respeito da amplitude da eficácia das cláusulas de entendimento
integral. Veja-se: “[n]onetheless, this court consistently has respected the law’s traditional abhorrence of fraud in implementing this
reasoning. Because of that policy concern, we have not given effect to so-called merger or integration clauses that do not clearly state that
the parties disclaim reliance upon extra-contractual statements. Instead, we have held, as in Kronenberg, that murky integration clauses, or
standard integration clauses without explicit anti-reliance representations, will not relieve a party of its oral and extra- contractual
fraudulent representations. The integration clause must contain ‘language that […] can be said to add up to a clear anti-reliance clause by
which the plaintiff has contractually promised that it did not rely upon statements outside the contract’s four corners in deciding to sign the
contract’. This approach achieves a sensible balance between fairness and equity — parties can protect themselves against unfounded fraud
claims through explicit anti-reliance language. If parties fail to include unambiguous anti-reliance language, they will not be able to escape
responsibility for their own fraudulent representations made outside of the agreement’s four corners”. Abry Partners V, L.P. v. F&W
Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140
[20.6.2015], pp. 45-46.
130
“Contracting parties often attempt to immunize themselves from liability for false statements made during negotiations and due diligence
not set forth in the written contract by including a ‘reliance disclaimer’ that (1) disclaims all extra-contractual representations, and (2)
provides that the contracting parties are not relying on any such representations. […] Typically, such a provision consists of a
representation disclaimer (e.g., ‘seller disclaims all warranties and representations not expressly set forth in this agreement’) and a ‘no-
reliance’ clause (e.g., ‘buyer acknowledges that it is not relying on any representation or statement of defendant or its agents not set forth in
this agreement’).” WISE, R. K.; SZYGENDA, A. J.; LILLARDI, T. F. Of Lies and Disclaimers – Contracting Around Fraud under Texas Law,
St. Mary’s Law Journal, v. 41:119, 2009, p. 122 e 131. Note-se que há ocasiões em que a redação contratual consolida as cláusulas de
entendimento integral e disclaimer of reliance. Para BJØRNSTAD, os dispositivos resultantes dessa fusão seriam uma versão de maior
complexidade das cláusulas de entendimento integral. “Entire agreement clauses appear primarily in two versions, one simply stating that
the contract constitutes the entire agreement, and the other also providing that no other statement or representation has been relied upon by
either party when entering into the contract. The former, hereafter referred to as the ‘entire agreement clause simpliciter’, merely regulates
the content and possibly also the interpretation of the contract; while the latter, hereafter referred to as an ‘acknowledgement of non-
reliance’, even seeks to prevent liability for misrepresentation (a false statement inducing the other party to enter into contract).”
BJØRNSTAD, H. W. Entire Agreement Clauses – Abstract, Disponível [online] in
http://www.jus.uio.no/ifp/english/research/projects/anglo/essays/bjornstad_abstract.pdf [20.6.2015], p. 2.

 
53

Trata-se de mecanismo – composto, em sua primeira parte, por um disclaimer of


reliance propriamente dito e, em seu segundo fragmento, por um no reliance correspondente
a uma espécie de entendimento integral – que tem por finalidade esclarecer e bem delimitar
quais informações prestadas ao longo das tratativas entre os contratantes foram
verdadeiramente indispensáveis para o convencimento destes a respeito da conclusão do
contrato. Como consequência, informações prestadas durante a fase pré-contratual
consideradas pelas partes como irrelevantes e, destarte, não contempladas, de comum acordo,
no documento contratual, não poderiam ser evocadas pelo declaratário para fins de
responsabilização do declarante, ainda que se revelassem falsas ou imprecisas131.

A peculiaridade da cláusula de disclaimer of reliance reside no fato de que ela não


exclui ou limita propriamente a responsabilidade do declarante por misrepresentations, mas
atua sobre o pressuposto de que não há que se falar em responsabilidade se estas não
estiverem contempladas nas declarações e garantias do contrato. Ora, o fato de que o
declaratário confiou e se pautou nas informações falsas ou imprecisas para sua tomada de
decisão em prol da celebração do negócio constitui elemento essencial para a existência de
responsabilidade do declarante. Ao consentir com a inclusão desse tipo de dispositivo, o
declaratário afirma expressamente não ter se orientado por informações outras que não
aquelas consolidadas nas declarações e garantias. Diante de tal disposição, não se verifica,
pois, o ingrediente indispensável à responsabilidade do declarante132.

Pode-se dizer, então, que a cláusula de disclaimer of reliance se operaria como “uma
exceção à exceção” da parol evidence rule – ao vedar a apreciação de evidências extrínsecas
ao contrato inclusive para fins de comprovação de fraude – o que enseja o questionamento
acerca da eficácia de tal dispositivo, mesmo sob a égide da common law133. Nesse sentido,

                                                                                                               
131
É o que afirmam WISE, SZYGENDA e LILLARDI: “[t]ogether, these provisions literally provide that no oral or written representations
(other than those in the contract) made during negotiations or due diligence are actionable, irrespective of their importance and even if they
induced the other party to enter into the contract”. WISE, R. K.; SZYGENDA, A. J.; LILLARDI, T. F. Of Lies and Disclaimers – Contracting
Around Fraud under Texas Law, St. Mary’s Law Journal, v. 41:119, 2009, p. 131. No contexto da estrutura de uma compra e venda
mercantil, tem-se que as cláusulas ora investigadas se revestem de especial relevância para o vendedor, responsável pela disponibilização, ao
comprador, de documentos e informações relativos ao objeto da operação. Diante da inexistência de tais cláusulas (ou da recusa do juiz
competente de as fazer valer), o vendedor fica sujeito à condenação em uma ação movida por fraude, que não se limita aos tetos e valores
estabelecidos contratualmente. Nesse sentido: “[a]nti-reliance provisions are particularly important for sellers: although indemnification
deductibles and caps define the scope of a party’s post-closing liability for breaches of contractual representations, the same often will not
apply to tort-based claims premised on extra-contractual statements. As a result, selling parties are particularly motivated to eliminate the
potential for fraud-based claims to the greatest extent possible”. HOUTMAN, R. L.; SCHMIERER, C. A. Walking the Tightrope: Limiting
Fraud Claims Based on Extra-contractual Statements and Omissions disponível [online] in
http://www.americanbar.org/publications/blt/2013/08/02_houtman.html [20.6.2015], p. 1.
132
PEEL, E. The common law tradition: application of boilerplate clauses under English law. In: CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses,
International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011, cap. 7, p. 141.
133
Trata-se de entendimento de ZEITLIN e BAKER: “[a]n exception to the parol evidence rule exists, however, when a party claims that it was
fraudulently induced to enter into the contract by misrepresentations. When reliance on such misrepresentations is disclaimed, the question
then becomes whether that waiver will operate as an exception to the exception, precluding evidence of oral representations”. ZEITLIN, A.

 
54

cabe aqui evocar a lição de WISE, SZYGENDA e LILLARDI, que – no artigo denominado “Of
Lies and Disclaimers – Contracting Around Fraud under Texas Law” – expõem argumentos
favoráveis e desfavoráveis ao reconhecimento da eficácia do dispositivo em discussão.

De acordo com referidos autores, as alegações em prol da execução das cláusulas de


disclaimer of reliance podem ser sumarizadas da seguinte forma134:

(i) aplicar tais dispositivos contribui para a concretização e para a proteção da


liberdade de contratar135;

(ii) reconhecer a eficácia de tais dispositivos colabora para o incremento da


segurança jurídica e da previsibilidade no âmbito das operações mercantis136;

(iii) deixar de conferir eficácia a tais dispositivos pode fazer com que contratantes
honestos fiquem desprotegidos contra mentirosos convincentes e juízes ou júris
ingênuos137; e

(iv) fazer cumprir o previsto em tais dispositivos acaba por amparar os tribunais em
face do cenário do duplo-mentiroso (double-liar) – em que, muitas vezes, se
recompensa uma mentira do requerente, o qual é agraciado com um lucro
inesperado138.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
M.; BAKER, A. P. At Liberty to Lie? The Viability of Fraud Claims after Disclaiming Reliance disponível [online] in
http://apps.americanbar.org/litigation/committees/businesstorts/articles/spring2013-0413-viability-of-fraud-claims.html [20.6.2015].
134
WISE, R. K.; SZYGENDA, A. J.; LILLARDI, T. F. Of Lies and Disclaimers – Contracting Around Fraud under Texas Law, St. Mary’s Law
Journal, v. 41:119, 2009, pp. 126-128.
135
Como expõe COMPORT, “[t]hose who choose to enter into contracts must be willing to accept the possibility of a loss along with the
potential for a gain. They should be free to take the risk, if they so desire, that they have been fraudulently induced to enter into the
transaction. […] Freedom of contract is a recognized principle; however, freedom from contract, in the sense of allowing individuals to free
themselves from the contractual obligations to which they consented for example by claiming fraud, must cease to be the automatic flip-side
of that notion”. COMPORT, M. R. Enforcing Contractual Waivers of a Claim for Fraud in the Inducement. Santa Clara Law Review, v. 37, n.
4, jan./1997, p. 1032. Também é o que defende FARNSWORTH, sobretudo em se tratando de contratos empresariais: “you make your bed and
lie in it. I think unconscionability in the commercial area is overrated as a subject of discussion”. FARNSWORTH, E. A. Contract Is Not
Dead. Cornell Law Review, v. 77, jul./1992, p. 1035.
136
Nesse sentido, conclui COMPORT: “[b]y recognizing the right of sophisticated business parties to include a provision in their contract
waiving the right to sue for fraud in the inducement, courts would be providing for the judicial economy and legal certainty necessary in
contractual relations”. COMPORT, M. R. Enforcing Contractual Waivers of a Claim for Fraud in the Inducement. Santa Clara Law Review,
v. 37, n.4, jan./1997, p. 1062.
137
Ora, “protests of misrepresentation are easily lodged and courts often have difficulty distinguishing meritorious from non-meritorious
fraud claims. Permitting fraudulent-inducement claims based on statements on which a contracting party promised in writing not to rely can
subject an honest contracting party to liability for representations it did not make, particularly because the alleged misrepresentations often
are oral ones that create a fact issue regarding whether they were ever uttered”. WISE, R. K.; SZYGENDA, A. J.; LILLARDI, T. F. Of Lies and
Disclaimers – Contracting Around Fraud under Texas Law, St. Mary’s Law Journal, v. 41:119, 2009, p. 127.
138
Vice Chancellor Strine também se pronuncia nesse sentido ao longo da análise do caso Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC,
C.A.: “[p]ermitting a party to sue for relief that it has contractually promised not to pursue creates the possibility that buyers will face
erroneous liability (when judges or juries make mistakes) and uncompensated costs (when they incur uncompensated costs in defending
successfully against a contractually-barred claim that was permitted on public policy grounds)”. Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition
LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p.
51. A despeito de esta dissertação ter se utilizado do elenco de argumentos favoráveis à execução da cláusula de disclaimer of reliance

 
55

Em linha com tais proposições favoráveis à execução das cláusulas de disclaimer of


reliance pelo Judiciário, WEST e LEWIS, JR. apontam que, no âmbito de arranjos empresariais
celebrados entre atores sofisticados, a criação de exceções à liberdade negocial baseada na
existência de fraude acaba por menosprezar a função descritiva (da vontade das partes) e a
inviolabilidade do contrato e abre espaço para a incursão em um caminho crítico, marcado por
tentativas do juiz – ou do júri – de acertar na definição do desfecho de situação que pouco
conhecem. Como afirmam mencionados autores, já se comprovou que, a despeito da
intricada delimitação da substância de fraud misrepresentations claims, estas são de fácil
alegação e difícil solução, resultando em um extenso e custoso processo judicial, suscetível de
erros139.

Ademais, no decorrer da averiguação do caso Abry Partners V, L.P. v. F&W


Acquisition LLC, C.A., Vice Chancellor Strine destaca algumas alegações adicionais em prol
da possibilidade do rígido delineamento contratual de responsabilidades em negócios
conduzidos entre partes sofisticadas. Em primeiro lugar, defende ele que os tribunais devem
permitir que os contratantes façam seus próprios julgamentos com relação aos riscos que
estão dispostos a assumir e à auditoria que pretendem conduzir, reconhecendo que eles são
capazes de precificar fatores como a limitação de responsabilidade140. Em segundo lugar,
Vice Chancellor afirma que as decisões judiciais não são a única forma de se assegurar o fair
play nas relações comerciais, pois aquele que se ariscar em um comportamento fraudulento
pagará o preço de sua escolha no mercado141. E, finalmente, observa Strine que, diante de
toda dificuldade e sofrimento que assolam o mundo, é improvável que as sociedades de
private equity sejam candidatas a ocupar o primeiro lugar na fila por proteção judicial,
mormente quando tal proteção – se, de fato necessária – pode se dar por meio legislativo142.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
proposto e organizado por WISE, SZYGENDA e LILLARDI, entende-se que as alegações indicadas nos itens (iii) e (iv) acima estão intimamente
relacionadas e poderiam compor um único argumento.
139
WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability - Can Your Contractual Deal Ever Really Be the
“Entire” Deal? The Business Lawyer, v. 64, ago/2009, pp. 1034.
140
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 49. Do contrário, teriam os contratantes de conviver com o
medo do surgimento de eventuais responsabilidades anteriormente não previstas, uma vez que seus esforços para a alocação de riscos e
custos no instrumento contratual seriam ignorados.
141
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], pp. 49-50. Ora, os agentes de mercado não mais desejarão
contratar com aquele que se revelou desonesto em operações passadas, sancionando-o naturalmente.
142
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 50. Destaca-se, nessa linha, a seguinte conclusão de WEST e
LEWIS, JR.: “[a]s one commentator has noted, ‘tort duties arise to protect individuals unable to protect themselves from the unscrupulous
actions of others’. More specifically, ‘[t]ort law […] governs the relationship between a [buyer] and a [seller], where it is impractical or
impossible […] to negotiate the terms of a sale or each party’s duty to the other’. But where sophisticated parties contract pursuant to
comprehensive written agreements intended to outline the specific extent of their respective obligations and liabilities, contract law alone
should be sufficient to protect them. Indeed, that is why early courts adopted the ‘economic loss rule’ – to prevent contracting parties from

 
56

De outro lado, há de se considerar também os seguintes argumentos contrários à


atribuição de eficácia às cláusulas de disclaimer of reliance, apresentados por WISE,
SZYGENDA e LILLARDI143:

(i) aplicar tais dispositivos consiste em atitude contrária à política pública contra a
fraude – já mencionada acima –, segundo a qual o declarante deve sempre
arcar com as consequência das declarações que presta de maneira falsa ou
imprecisa (afinal, não há justificativa moral para a mentira e as sanções a ela
atribuídas pela lei podem contribuir para dissuadir os agentes econômicos de
agirem de tal maneira mal-intencionada);

(ii) conferir eficácia a tais dispositivos significa proteger o defraudador, que, se é


capaz de mentir de modo convincente o suficiente para induzir a outra parte a
contratar, também o será para levá-la a declarar, no corpo do contrato, que as
mentiras em questão nunca foram ditas ou não compuseram a razão para a
celebração do negócio; e

(iii) determinar a concretização do previsto em tais dispositivos permite aos


defraudadores escapar da responsabilidade decorrente da prestação de
informações falsas e imprecisas por terem redigido o contrato de determinada
forma e faz com que estes tenham incentivos para continuar a escrever o
contrato daquela forma.

Ainda no que diz respeito a reservas quanto à execução das cláusulas de disclaimer
of reliance, cabe aqui ressaltar a posição de LIPSHAW, para quem – apesar da tentativa de Vice

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
compensating for their failure to bargain for a specific warranty by bringing their claim in tort instead of contract. To allow tort claims to
maintain a ‘parasitic’ existence within the ‘host’ of a contractual relationship that disclaims the application of tort law to that contract
‘render[s] warranties duplicative, at best, and marginalize[s] the risk/benefit allocation subsumed in the contractual terms on which the
transaction actually, but may not otherwise have, occurred’.” WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid Extra-Contractual
Liability - Can Your Contractual Deal Ever Really Be the “Entire” Deal? The Business Lawyer, v. 64, ago/2009, pp. 1034. Os mesmos
autores esclarecem, sobre a “economic loss rule” que “[t]he better reasoned decisions applying the economic loss rule to fraud and negligent
misrepresentation claims seem to be based on the premise that an action brought to recover the economic losses occasioned by the breach of
a contractual promise should be classified as a claim for breach of warranty, but an action brought to recover damages that arose
independently of the economic losses caused by the contractual breach should be classified as a tort claim for misrepresentation. By this
logic, any action that depends upon the existence of a contract to calculate the damages alleged is essentially ‘interwoven with’ that contract
and properly brought as a claim for breach of express warranty (which, in turn, would be subject to any contractual limitations on the
remedies available for breach of that express warranty)”. WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability -
Can Your Contractual Deal Ever Really Be the “Entire” Deal? The Business Lawyer, v. 64, ago/2009, pp. 1011.
143
WISE, R. K.; SZYGENDA, A. J.; LILLARDI, T. F. Of Lies and Disclaimers – Contracting Around Fraud under Texas Law, St. Mary’s Law
Journal, v. 41:119, 2009, pp. 128-129.

 
57

Chancellor Strine de conciliar as polaridades da liberdade de contratar e da regra moral de


não mentir – a decisão proferida pela Court of Chancery de Delaware não é isenta de falhas,
uma vez que parte da premissa de que o contrato incorpora integralmente todas as entranhas
do negócio e, assim, deixa de apreender e considerar a completa essência da promessa
contratual, bem como o contexto desta144, os quais envolvem omissões e meias verdades (i.e.,
declarações que são verdadeiras, mas omitem determinado fato relevante e, em razão disto,
ludibriam o declaratário145) 146.

Ocorre que, para LIPSHAW, as cláusulas de disclaimer of reliance ora investigadas –


tal como comumente redigidas (inclusive no SPA) – não podem e não devem ser tidas como
possuidoras de eficácia em situações que envolvam a responsabilidade do declarante por
omissões ou meias verdades147.

No que tange às omissões, referido autor defende que o remédio extracontratual não
poderia ser razoavelmente afastado, pois é o único modo de evitá-las, sob pena de se permitir
expressamente que uma das partes minta, não podendo a outra nada fazer para se defender148.

                                                                                                               
144
LIPSHAW, J. M. Of Fine Lines, Blunt Instruments, and Half-Truths: Business Acquisition Agreements and the Right to Lie disponível
[online] in http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=957647 [20.6.2015], p. 5. Trata-se de artigo oriundo do debate desenvolvido
– de 28.2.2006 a 3.3.2006 – por LIPSHAW, J. M., SMITH, G. e SNYDER, F. no blog “Conglomerate”. Veja SMITH, G. Contracting to Lie
disponível [online] in http://www.theconglomerate.org/2006/02/contracting_to_.html [20.6.2015].
145
LANGEVOORT define o termo “meia verdade” da seguinte forma: “a statement that is literally true but omits some material fact, thereby
making it misleading”. LANGEVOORT, D. C. Half-Truths: Protecting Mistaken Inferences by Investors and Others. Stanford Law Review, v.
52, n. 1, nov./1999, p. 88. Sobre a meia verdade dispõe LIPSHAW: “[t]he half-truth is the most pernicious kind of lie, under this reasoning,
because it violates not only the warranty of truth, but the warranty of sincerity. The subjective experience to which the speaker has access is
the whole truth, yet it remains unspoken”. LIPSHAW, J. M. Of Fine Lines, Blunt Instruments, and Half-Truths: Business Acquisition
Agreements and the Right to Lie disponível [online] in http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=957647 [20.6.2015], p. 41.
146
Note-se que tanto as omissões, quanto as meias verdades são verificadas em circunstâncias em que (i) há o dever de informar; e (ii) tal
dever é violado. Para LANGEVOORT – cuja doutrina é invocada por LIPSHAW –, existe uma relação de continuidade (continuum) entre a
prestação de informações falsas, a prestação de meias verdades e as omissões, sendo que o alcance de cada uma de tais expressões não
encontra delimitação teórica e varia de acordo com a extensão do dever de informar verificada no caso concreto. Ora, LANGEVOORT, ao
ponderar a respeito dos limites que tangenciam a admissibilidade de meias verdades, aponta que: “[m]y sense is that some insight can be
achieved by situating the half-truth on a continuum roughly half way between de duty to avoid affirmative misrepresentation and the more
controversial and contingent duty to reveal hidden private information […]. […] Just as there is no clean distinction between classic
misrepresentations and half-truths, neither is there between half-truths and nondisclosure. It is all still a continuum”. LANGEVOORT, D. C.
Half-Truths: Protecting Mistaken Inferences by Investors and Others. Stanford Law Review, v. 52, n. 1, nov./1999, pp. 91, 92 e 96.
147
Para LIPSHAW, “disclaimer should only be effective in the instances either (a) where the extra-contractual representation conflicts with
the contractual representation, or (b) where the contract is wholly on the subject matter of the extra-contractual representation”. Nesse
sentido, o autor ainda conclui: “[c]ourts need not be concerned that the world of commerce will collapse if the threat of a fraud claim hangs
over deal participants, because the existence of some fraud remedy, even if the impact is somehow to go beyond the contractual
representations, in fact reflects the way the parties do and should act. Accordingly, courts should give effect to disclaimers of truth-telling,
but should presume they are exceptions to the default state, and hence construed as narrowly as possible”. LIPSHAW, J. M. Of Fine Lines,
Blunt Instruments, and Half-Truths: Business Acquisition Agreements and the Right to Lie disponível [online] in
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=957647 [20.6.2015], p. 6, 50 e 51.
148
É o que pondera o autor diante da questão “but how do you disclaim an omission?”: “[o]mission liability arises when there is a duty to
disclose and one fails to do so. So the contract would have to disclaim the duty of disclosure. The language would read something like: ‘our
understanding is this sale is ‘as-is where is, with all faults,’’ or ‘if I said something that was a lie, you have no remedy’. In short, that is the
doctrine of caveat emptor. But we do not really find that level of disclaimer in an acquisition agreement. (I have tried to write a provision
that disclaims omission liability, and it is almost impossible to write, short of saying ‘I have the right to lie to you, and you cannot do
anything about it’). We do allow due diligence, there is an expectation that you will not withhold data, and it seems to me that the fraud
remedy for extra-contractual omissions is the only backstop to deal with that”. LIPSHAW, J. M. Of Fine Lines, Blunt Instruments, and Half-
Truths: Business Acquisition Agreements and the Right to Lie disponível [online] in
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=957647 [20.6.2015], p. 16. Entretanto, HOUTMAN e SCHMIERER sugerem que “[t]o the
extent the parties intend to preclude all claims based on extra-contractual statements and omissions, anti-reliance disclaimers should also
include express disclaimers of reliance on the ‘accuracy and completeness’ of the information provided and the omission of material facts

 
58

Já com relação às meias verdades, LIPSHAW acredita que a ponderação a respeito da


eficácia da cláusula de disclaimer of reliance deveria observar o grau de confiança existente
entre os contratantes. Portanto, dadas a complexidade e a sofisticação envolvidas em
negócios de natureza empresarial, poder-se-ia dizer que há significante coeficiente de
confiança e, por conseguinte, pouco espaço para verdades parciais, uma vez tendo sido
evocado determinado assunto149.

Expostas as distintas posições doutrinarias da common law quanto à eficácia e à


abrangência dos dispositivos de disclaimer of reliance inseridos em contratos comerciais,
cabe, então, destacar o posicionamento de algumas cortes em relação ao assunto.

Em que pese as cortes inglesas terem, em um primeiro momento (Thomas Witter Ltd.
v. TBP Industries Ltd., 1996), decidido pela invalidade total dos dispositivos de disclaimer of
reliance que não excepcionassem as hipóteses de comportamento fraudulento do declarante –
em linha com o Unfair Contract Terms Act150 –, tais cortes têm entendido que os dispositivos
sob discussão são válidos e eficazes, mas não se aplicam a misrepresentations fraudulentas

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
outside of the agreement”. HOUTMAN, R. L.; SCHMIERER, C. A. Walking the Tightrope: Limiting Fraud Claims Based on Extra-contractual
Statements and Omissions disponível [online] in http://www.americanbar.org/publications/blt/2013/08/02_houtman.html [20.6.2015], p. 4.
149
LIPSHAW, J. M. Of Fine Lines, Blunt Instruments, and Half-Truths: Business Acquisition Agreements and the Right to Lie disponível
[online] in http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=957647 [20.6.2015], p. 50. Trata-se de posição fundamentada na doutrina de
LANGEVOORT. A despeito de tal autor defender a existência de um dever de informar mais enxuto no âmbito de relações comerciais, sua
conclusão quanto à possibilidade de se apresentar meias verdades não é permissiva: “[t]his connection between half-truth doctrine and
affirmative disclosure duties is important. As we just saw, there is a well-recognized place in nondisclosure cases for a property-based
privilege of ‘deserved information advantage’ as a limit on the duty to disclose. Similarly, a well-grounded normative theory of the half-
truth should incorporate; it should accept that there both is and should be a ‘background norm’ in commercial negotiations that permits a
party to hide some items in his private stock of information. In the typical case where the informed party makes a factual statement that
caries with it a reasonable (but not obvious) implication, the informed party should have a duty to add the additional or qualifying
information to the extent that there is no compelling case for a nondisclosure privilege. Under the half-truth doctrine, in other words, the
willingness to speak on the subject assuages our concern about forcing disclosure of private information, causing us to move the line
towards the disclosure duty even where there is some lingering ambiguity as to the extent of the implication. […] we should expect that
negotiations characterized by a high degree of trust should lead to an upward adjustment: a broad half-truth doctrine, one with little
privilege to conceal once a matter is addressed at all”. LANGEVOORT, D. C. Half-Truths: Protecting Mistaken Inferences by Investors and
Others. Stanford Law Review, v. 52, n. 1, nov./1999, pp. 97-98. Para exemplos concretos de como se interpretar as cláusulas de disclaimer of
reliance de acordo com a doutrina da meia verdade (half-truth doctrine) – tal qual sugerido por LIPSHAW – vide Appendix A do artigo “Of
Fine Lines, Blunt Instruments, and Half-Truths: Business Acquisition Agreements and the Right to Lie” disponível [online] in
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=957647 [20.6.2015].
150
“In Thomas Witter, the court stated that a provision whereby the buyer disclaimed reliance upon any representation other than those
contained in the written agreement would be invalid under the Unfair Contract Terms Act because the provision purported to exclude
liability for any type of pre-contractual misrepresentation, including those that were fraudulently made. According to the court, it would be
inappropriate to imply an exception for fraudulent misrepresentations from a disclaimer provision that did not explicitly provide for such
exclusion. Therefore, it was suggested that a broad disclaimer provision without an express fraud exception would be invalid, even as to
claims involving negligent or innocent misrepresentations, which could have otherwise been validly disclaimed. As stated by Mr. Justice
Jacob: ‘It is not for the law to fudge a way for an exclusion clause to be valid. If a party wants to exclude liability for certain sorts of
misrepresentations, it must spell those sorts out clearly’.” WEST, G. D. That Pesky Little Thing Called Fraud: An Examination of Buyers’
Insistence Upon (and Sellers’ Too Ready Acceptance of) Undefined “Fraud Carve-Outs” in Acquisition Agreements, The Business Lawyer,
v. 69, ago/2014, pp. 1069-1070.

 
59

consignadas ou não no instrumento contratual (ainda que o contrato não contenha exclusão
expressa a casos de fraude)151.

Já nos Estados Unidos, não há uma regra geral equivalente ao Unfair Contract Terms
Act, que poderia servir de fundamento para se invalidar, aos menos parcialmente, as cláusulas
de disclaimer of reliance. Consequentemente, há estados (e.g., Califórnia) em que – assim
como na Inglaterra – a política pública impede a aplicação de ditas cláusulas a situações em
que a declaração extracontratual foi intencionalmente prestada de forma falsa ou imprecisa152,
bem como estados – como Delaware, Nova Iorque e Texas – em que se permite que partes
sofisticadas se utilizem do instrumento contratual para delimitar suas obrigações e restringir
suas responsabilidades inclusive por misrepresentations fraudulentas153.

                                                                                                               
151
“English commentators have noted, however, that Thomas Witter has not subsequently been followed by the English courts and that an
express carve-out for fraud is now not necessary. It appears that subsequent case law has effectively held that unless a disclaimer clause
expressly includes fraudulent misrepresentations, it will not be deemed to do so simply by virtue of broad language concerning non-reliance
upon all pre-contractual representations.” WEST, G. D. That Pesky Little Thing Called Fraud: An Examination of Buyers’ Insistence Upon
(and Sellers’ Too Ready Acceptance of) Undefined “Fraud Carve-Outs” in Acquisition Agreements, The Business Lawyer, v. 69, ago/2014,
p. 1070.
152
Nesse sentido, informa WEST: “[w]hile there is a strong policy in the United States favoring “freedom of contract,” there is also a strong
and sometimes conflicting policy against allowing that freedom to be used to diminish or waive the minimum standards of conduct imposed
by the common law of torts. Indeed, because tort law duties and remedies are extra-contractual in nature, there is a common misperception
(even among some lawyers) that there is little one can do contractually to avoid the automatic imposition of these extra-contractual
obligations and liabilities in the case of ‘fraud’”. WEST, G. D. Avoiding Extra-Contractual Fraud Claims in Portfolio Company Sales
Transactions — Is “Walk-Away” Deal Certainty Achievable for the Seller? Disponível [online] in http://www.weil.com/articles/avoiding-
extra-contractual-fraud-claims-in-portfolio-company-sales-transactions [20.6.2015], p. 3.
153
Via de regra, tal permissão é concedida pelas cortes de tais estados desde que as partes delimitem obrigações e restrinjam
responsabilidades de forma clara e inequívoca. Como concluem SMITH e HALL, após analisarem decisões da corte de Nova Iorque a respeito
da eficácia de cláusulas de disclaimer of reliance: “[t]he likelihood of enforceability increases as the disclaimer gets more specific, but, on
the other hand, as the disclaimer gets more specific, the scope of the misrepresentations and omissions that it catches may draw narrower”.
SMITH, G. B.; HALL, T. J. Exceptions to the Enforceability of Contractual Disclaimers of Reliance disponível [online] in
http://www.chadbourne.com/files/Publication/08a599e1-2fb4-47bd-b874-d15b88517978/Presentation/PublicationAttachment/fd7dbd8f-
1e1e-4417-bdb4-d80fbfbcf4b3/GBS%20Hall%20NYLJ%20reprin
t%206%202010.pdf [20.6.2015], p. 3. A mesma conclusão pode ser extraída – ainda que em maior ou menor grau – do exame de decisões
sobre essa questão proferidas pelos tribunais de Delaware e do Texas. Nesse sentido, vide: HOUTMAN, R. L.; SCHMIERER, C. A. Walking the
Tightrope: Limiting Fraud Claims Based on Extra-contractual Statements and Omissions disponível [online] in
http://www.americanbar.org/publications/blt/2013/08/02_houtman.html [20.6.2015], p. 1; WISE, R. K.; SZYGENDA, A. J.; LILLARDI, T. F. Of
Lies and Disclaimers – Contracting Around Fraud under Texas Law, St. Mary’s Law Journal, v. 41:119, 2009, p. 169. A título informativo,
expõe-se abaixo, em linhas gerais, os posicionamentos adotados pelos tribunais de Delaware, Nova Iorque e Texas sobre as cláusulas ora
debatidas.
“In Delaware, courts have held that clear anti-reliance clauses limiting fraud claims based on misrepresentations made outside of the
agreement are generally enforceable, but such provisions will not bar fraud claims based on intentional misrepresentations within the
agreement. In Anvil Holding Corp. v. Iron Acquisition Co., Inc., 2013 WL 2249655 (Del. Ch. May 17, 2013), the Court of Chancery
reiterated the holdings of Abry Partners and RAA, but suggested, in dicta, that a broad fraud carve-out could operate to nullify the intended
effects of anti-reliance clauses” (grifou-se). HOUTMAN, R. L.; SCHMIERER, C. A. Walking the Tightrope: Limiting Fraud Claims Based on
Extra-contractual Statements and Omissions disponível [online] in http://www.americanbar.org/publications/blt/2013/08/02_houtman.html
[20.6.2015], p. 1.
“While such disclaimers are generally enforceable, New York courts have drawn two exceptions to their enforceability. First, such
disclaimers are generally enforceable only where they are specific and track the substance of the alleged misrepresentation or omission.
For example, a general disclaimer that the buyer has not relied on any representation of the seller may be unenforceable, whereas a
disclaimer limited to representations concerning environmental matters may be enforceable. Second, even where the disclaimer is specific
and tracks the substance of the alleged misrepresentation, the disclaimer may not provide protection where the facts misrepresented or
omitted were peculiarly within the knowledge of the party seeking the protection of the disclaimer” (grifou-se). SMITH, G. B.; HALL, T. J.
Exceptions to the Enforceability of Contractual Disclaimers of Reliance disponível [online] in
http://www.chadbourne.com/files/Publication/08a599e1-2fb4-47bd-b874-d15b88517978/Presentation/PublicationAttachment/fd7dbd8f-
1e1e-4417-bdb4-d80fbfbcf4b3/GBS%20Hall%20NYLJ%20reprin
t%206%202010.pdf [20.6.2015], p. 1. Trata-se, portanto, de posição mais restritiva do que aquela emanada pela Court of Chancery de
Delaware.
Já no Texas, no que tange à atribuição de eficácia às cláusulas de disclaimer of reliance, “a court should review the contract and the
circumstances surrounding its negotiation first. ŸThe reliance disclaimer must clearly and unequivocally disclaim reliance on extra-
contractual representations. To do so, it should consist of (1) a ‘no-reliance’ clause clearly and unequivocally providing that the plaintiff is
not relying on any statement not expressly set forth in the contract, and (2) a disclaimer clearly and unequivocally disclaiming all

 
60

Enfatiza-se que, em se tratando da atribuição ou não de eficácia às cláusulas de


disclaimer of reliance no sistema da common law, há de se considerar a distinção existente
entre fraud claims fundadas em declarações extracontratuais e fraud claims que têm por base
as declarações e garantias prestadas no instrumento contratual. De acordo com o direito
inglês, por uma questão de política pública, não pode o vendedor evitar responsabilidade por
declarações extracontratuais intencionalmente falsas ou imprecisas, mas é possível que este
afaste a responsabilidade extracontratual caso as declarações falsas ou imprecisas constem do
texto contratual como “warranties” (e não meramente “representations”)154. No direito norte-
americano, por sua vez, ao menos em Delaware – como se viu no caso Abry Partners V, L.P.
v. F&W Acquisition LLC –, a responsabilidade por mentiras deliberadas constantes das
declarações e garantias são justamente aquelas que não podem ser evitadas por cláusulas de
disclaimer of reliance em hipótese alguma155.

Exploradas – à luz da common law – as facetas relacionadas ao entendimento da Court


of Chancery de Delaware em prol da eficácia das cláusulas de disclaimer of reliance em caso
de mentiras havidas somente em âmbito extracontratual (i.e., não traduzidas em declarações e
garantias apostas no corpo do contrato), partir-se-á à análise do segundo posicionamento de
referida corte que esta dissertação pretende averiguar: aquele segundo o qual embustes
consolidados contratualmente não podem ser permitidos por uma questão de política pública.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
representations not expressly set forth in the contract. ŸThe contract in dispute must be in an arm’s-length transaction. ŸThe contract in
dispute must be a negotiated one, specifically tailored for the transaction. It cannot be a standard or form contract that was offered on a
take-it-or-leave-it basis, unless (a) there is a custom or usage in the industry to include a reliance disclaimer in contracts for the goods or
services involved, or (b) the parties have a long-standing course-of- performance pursuant to which disclaimers traditionally have been
included in their contracts. The reliance disclaimer, however, need not be specifically negotiated or even discussed. If the preceding three
factors are present, the court should then review the plaintiff’s knowledge/sophistication and find that the reliance disclaimer defeats
reliance when the plaintiff is either: ŸA large business with access to topflight attorneys and other advisors, even if the attorneys or other
advisors were not consulted in connection with the contract’s negotiation or drafting. ŸA small business that or individual who (1) has the
knowledge or skill peculiar to the practices, goods, or services (or similar goods or services) involved in the transaction in dispute, or (2) is
represented by an attorney or agent, a broker or another professional or intermediary who holds himself or herself out as having such skill
or knowledge, or (3) has extensive business experience or is highly educated and the transaction or the contract is not one that is so unusual,
complex, or specialized that a layman, irrespective of his or her business knowledge, education, or intelligence, would ordinarily seek
representation. Such a reliance disclaimer in a contract signed by such a plaintiff should be effective to defeat reliance on (1) an alleged
extra- contractual representation that conflicts with a contractual representation, (2) an alleged extra-contractual representation about
which the contract is wholly silent, or (3) an alleged non-disclosure relating to a subject matter that either was discussed by the parties
during the negotiations or could have been discovered through due diligence leading to the contract’s execution”. WISE, R. K.; SZYGENDA,
A. J.; LILLARDI, T. F. Of Lies and Disclaimers – Contracting Around Fraud under Texas Law, St. Mary’s Law Journal, v. 41:119, 2009, pp.
168-170.
154
É exemplo disto a seguinte informação apresentada por WEST: “a recent English case refused to allow carefully crafted contractual
warranties in an acquisition agreement to be converted into tort-based representations that could circumvent the contractually limited
remedies available for breach of those warranties”. WEST, G. D. That Pesky Little Thing Called Fraud: An Examination of Buyers’
Insistence Upon (and Sellers’ Too Ready Acceptance of) Undefined “Fraud Carve-Outs” in Acquisition Agreements, The Business Lawyer,
v. 69, ago/2014, p. 1072.
155
WEST, G. D. That Pesky Little Thing Called Fraud: An Examination of Buyers’ Insistence Upon (and Sellers’ Too Ready Acceptance of)
Undefined “Fraud Carve-Outs” in Acquisition Agreements, The Business Lawyer, v. 69, ago/2014, p. 1072.

 
61

4.2 Afastamento da Lei pelo Contrato: Cláusulas de Entendimento Integral e


Remédio Exclusivo

A investigação aspirada neste Capítulo relaciona-se com a posição de Vice Chancellor


Strine no sentido de que, observada a política pública de Delaware, não pode a corte fazer
valer cláusulas de entendimento integral e remédio exclusivo que visem afastar a
possibilidade de formulação de demandas fundadas na conduta fraudulenta do vendedor ao
mentir intencionalmente na prestação de declarações e garantias contratuais.

Viu-se, no Capítulo anterior, que – ao menos na visão de algumas cortes norte-


americanas, como a de Delaware – os contratantes podem, em regra, delimitar em quais
informações prestadas durante o período pré-contratual efetivamente se fiaram para formar
seu consentimento pela consumação do negócio jurídico, eximindo-se de responsabilidade –
inclusive decorrente de fraude – por quaisquer outras informações. Tal façanha se perfaz pela
tradução das referidas informações relevantes e imprescindíveis para a composição da
vontade de contratar em declarações e garantias, acompanhada da afirmação, feita por meio
de cláusulas de disclaimer of reliance, de que as partes, quando da tomada de decisão pela
celebração do contrato, não se pautaram em quaisquer outros dados que não aqueles contidos
nas declarações e garantias e, portanto, que declarações prestadas unicamente na esfera
extracontratual não ensejarão responsabilidade para o declarante156.

Agora, uma vez definido o rol de declarações e garantias que serão apostas no
documento contratual – i.e., o menu exaustivo das informações que embasaram a constituição
da volição do declaratário de concretizar a operação comercial, de acordo com determinados
termos –, podem as partes estabelecer no âmbito dos “quatro cantos” de um contrato regido
pela common law quais serão as exatas consequências que enfrentarão em se verificando que
a redação de certa declaração e garantia resultou de uma mentira ou imprecisão deliberada por
parte do declarante?

Conforme já explorado acima, as cláusulas de entendimento integral preveem que o


instrumento contratual regula de modo completo a relação jurídica a ele subjacente, esgotando
                                                                                                               
156
Afinal, como já pontuado, o fato de o declaratário ter confiado e se pautado em informações falsas ou imprecisas para a formação de seu
consentimento pela celebração do negócio constitui elemento essencial para a existência de responsabilidade do declarante. Como, ao
consentir com a inclusão da cláusula de disclaimer of reliance, o declaratário afirma expressamente não ter se orientado por informações
diversas daquelas cristalizadas nas declarações e garantias, não há que se falar em responsabilidade do declarante por dados e declarações
deixados exclusivamente no plano extracontratual.

 
62

toda a esfera de direitos, obrigações e responsabilidades existente entre as partes em


decorrência daquela relação. É de se considerar, pois, que referidas cláusulas têm o intuito de
afastar outras fontes de direitos, obrigações e responsabilidades que não o próprio contrato.

Ditos dispositivos podem ser vistos não apenas como um esforço para se excluir
eventual responsabilidade de determinada parte por seu comportamento e por suas
declarações pré-contratuais, mas como resultado da intenção de ambos os contratantes de
trazer certeza e solidez para sua relação, ao travarem, por escrito e de maneira minuciosa,
quais as exatas implicações – i.e., direitos atribuídos à parte inadimplida e ônus a serem
arcados pela parte inadimplente – na hipótese de descumprimento contratual. Nesse sentido,
as cláusulas de entendimento integral podem ser consideradas como mecanismo para a
alocação de riscos contratuais157.

Contudo, como se demonstrou, essas cláusulas, por si só, não são suficientes para
blindar o contrato por completo contra influências externas, uma vez que a parol evidence
rule – da qual se originam – admite exceções, não se prestando a afastar erro, fraude ou
coação. Logo, em que pese terem aptidão para, diante de determinado inadimplemento,
afastar o direito da parte prejudicada de pleitear judicialmente remédios adicionais àqueles
previstos no contrato, caso tal inadimplemento decorra de erro, fraude ou coação, recursos
extracontratuais não serão excluídos.

As cláusulas de remédio exclusivo, por sua vez, estabelecem que as regras de


indenização contempladas no contrato constituem a única fonte e o meio exclusivo de
ressarcimento da parte prejudicada em caso de inadimplemento, inclusive na hipótese de
violação de qualquer das declarações e garantias prestadas no documento contratual158.

Ora, enquanto os contratantes lançam mão das cláusulas de disclaimer of reliance para
excluir sua responsabilidade por declarações prestadas tão somente no cenário
extracontratual, empregam eles regras de indenização acrescidas de dispositivo de remédio

                                                                                                               
157
BJØRNSTAD, H. W. Entire Agreement Clauses – Abstract, Disponível [online] in
http://www.jus.uio.no/ifp/english/research/projects/anglo/essays/bjornstad_abstract.pdf [20.6.2015], p. 32.
158
Nesse sentido, “[a]s the name suggests, an indemnification as an exclusive remedy provision (also referred to as an ‘exclusivity of
remedies’ or ‘EOR’ provision) in an M&A agreement means that the right to indemnification provided under the M&A agreement is the
parties’ exclusive remedy for any breach of the representations, warranties, covenants, agreements and obligations in the M&A agreement
and, depending upon the scope of the EOR provision, under other documents related to the M&A transaction or as to the M&A transaction
itself”. AVERY, D.; PERRICONE, N. Trends in M&A Provisions: Indemnification as an Exclusive Remedy disponível [online] in
http://www.bna.com/trends-in-ma-provisions-indemnification-as-an-exclusive-remedy/ [20.6.2015].

 
63

exclusivo objetivando limitar sua responsabilidade por declarações e garantias contempladas


no contrato159.

Em geral, as regras de indenização constantes de contratos empresariais sofisticados


delineiam – de forma detalhada – os direitos das partes em relação a pedidos de
ressarcimento, sobretudo no que diz respeito ao procedimento a ser observado (i.e., forma de
comunicação, prazos etc.), à condução de eventuais demandas de terceiros (por exemplo,
daquelas promovidas por terceiros em face da sociedade alvo, após a concretização de uma
operação de compra e venda de participação societária, mas com base em evento ocorrido
anteriormente a tal consumação), ao pagamento dos montantes devidos a título compensatório
e às limitações de responsabilidade.

Nesse contexto, as cláusulas de remédio exclusivo prestam-se a impedir que a parte


prejudicada drible tais disposições – negociadas com cautela, comumente, após longas e
intrincadas tratativas entre os contratantes e seus assessores –, estabelecendo que o direito à
indenização – tal qual disciplinado e delimitado no contrato – constitui o único recurso
disponível às partes após o fechamento do negócio e excluindo a possibilidade de se buscar
qualquer outra forma de reparação para além da esfera contratual160 161.

É de se indagar, porém, se as cláusulas de remédio exclusivo – assim como os


dispositivos de entendimento integral – também não comportariam exceções em prol da
responsabilização extracontratual da parte inadimplente, em caso de violação contratual
resultante de conduta fraudulenta. Nesse sentido, parece importante evocar o ensinamento da
Suprema Corte da Califórnia a respeito da distinção entre o propósito dos remédios
disciplinados e oferecidos pelo contrato e a finalidade dos recursos proporcionados pela lei
(tort law):

                                                                                                               
159
WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability - Can Your Contractual Deal Ever Really Be the
“Entire” Deal? The Business Lawyer, v. 64, ago/2009, p. 1020.
160
Não é outro o ensinamento de WEST e LEWIS, JR.: “[i]ndemnification and exclusive remedy provisions combine to circumscribe post-
closing liability as follows. First, indemnification provisions generally stipulate the time period after closing during which a buyer may
bring a claim based upon a representation and warranty set forth in the transaction agreement. Second, indemnification provisions typically
restrict the amount of damages available for any post-closing breach to a specified percentage of the purchase price. Third, most
indemnification provisions seek to preclude small claims by establishing so-called “deductibles” or “baskets,” which set a minimum dollar
threshold below which a buyer’s losses do not qualify for reimbursement. And finally, the exclusive remedy provision is designed to prevent
a plaintiff from circumventing the foregoing limitations, by stipulating that the right of indemnification constitutes the only post-closing
recourse available to either party for any alleged breach of the contractual representations and warranties”. WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B.
Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability - Can Your Contractual Deal Ever Really Be the “Entire” Deal? The Business Lawyer, v.
64, ago/2009, pp. 1019 e 1020.
161
Cabe mencionar que não é raro que ditas regras de indenização contemplem hipóteses excepcionais em que se admite que a parte
danificada procure por ressarcimento fora do âmbito contratual (no jargão negocial, “carve-outs”), as quais costumam, no entanto, ter escopo
bastante restrito.

 
64

“[Whereas] [c]ontract actions are created to protect the interest in having promises
performed, […] [t]ort actions are created to protect the interest in freedom from
various kinds of harm. The duties of conduct which give rise to them are imposed by
law, and are based primarily on social policy, and not necessarily based upon the will
or intention of the parties162”.

Extrai-se então que, diferentemente das obrigações contratuais, os deveres de natureza


extracontratual (tort duties) decorrem da lei e visam estabelecer condutas desejadas dos
sujeitos de direito para a promoção de uma política social adequada. Sendo assim, é natural
que a lei reconheça e determine que danos resultantes de comportamentos mal-intencionados
ou mesmo negligentes devam ser ressarcidos163. Trata-se de uma questão de política pública:
há de se preservar a liberdade contratual, sem que esta seja ameaçada pela mentira, a qual não
pode, portanto, em hipótese alguma, ser tida como socialmente aceita.

Daí o entendimento da Court of Chancery de Delaware de que, apesar de a lei do


estado permitir que partes sofisticadas se utilizem do contrato para livremente alocar riscos
decorrentes de eventual falsidade ou imprecisão de determinadas declarações e garantias164, a
liberdade contratual de se imunizar o declarante por equívocos ou indefinições acidentais em
tais declarações e garantias encerra-se aí, pois a política pública contra a fraude –
fundamentada no consenso social de que é errado mentir – é consistente e deve ser respeitada.
Ademais, para tal corte, é difícil de se identificar qualquer racionalidade economicamente
sólida que proteja o declarante contra a rescisão de um contrato que foi firmado somente em
razão de comprovados embustes de sua parte165.

Logo, conclui-se que – mesmo no sistema da common law, em que se prestigia o


respeito à autonomia privada e a preeminência da liberdade de contratar (sobretudo em cortes

                                                                                                               
162
Equip. Corp. v. Litton Saudi Arabia Ltd., 869 P.2d 454, 460 (Cal. 1994) (citando Tameny v. Atl. Richfield Co., 610 P.2d 1330, 1335 (Cal.
1980)) [adaptações e elipses constantes do original].
163
Diante de uma tal constatação, as cortes responsáveis por decisões no âmbito da common law modelaram os remédios da tort law para
servirem a dois propósitos: “(i) to restore the victim of another’s culpable harm to his or her status quo before the tortious act occurred; and
(ii) in some cases, to punish the culpable party by assessing punitive damages against him or her that exceed the actual damages that the
aggrieved party sustained”. WEST, G. D.; LEWIS, JR., W. B. Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability - Can Your Contractual Deal
Ever Really Be the “Entire” Deal? The Business Lawyer, v. 64, ago/2009, p. 1007.
164
Ora, nas palavras do Vice Chancellor Strine, “there is no moral imperative to impinge on the ability of rational parties dealing at arms-
length to shape their own arrangements, and courts are ill-suited to set a uniform rule that is more efficient than the specific outcomes
negotiated by particular contracting parties to deal with the myriad situations they face”. Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC,
C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 3.
165
Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC, C.A. No. 1756-N (Del. Ch. 2006). Disponível [online] in
http://courts.delaware.gov/opinions/download.aspx?ID=72140 [20.6.2015], p. 3.

 
65

com perfil mais liberal, como a de Delaware) – não podem as partes se utilizar de suas
vontades para afastar normas do ordenamento jurídico destinadas a proteger valores caros e
imprescindíveis para o bom funcionamento da sociedade por ele regida, como aquele que
repugna a mentira, a intenção de se enganar outrem, a má-fé.

Para arrematar – antes de se prosseguir com a análise do caso Abry Partners V, L.P. v.
F&W Acquisition LLC, especificamente dos pontos examinados supra, à luz do direito
brasileiro –, enfatiza-se ainda a constatação de que, apesar de as cláusulas de entendimento
integral, disclaimer of reliance e remédio exclusivo serem frequentemente inseridas em
contratos empresariais complexos em todo o globo, pode-se dizer que nenhuma delas produz
efeitos uniformemente reconhecidos em nível internacional. Mesmo no âmbito da família da
common law (ou, ainda, apenas no direito inglês ou no direito norte-americano), não há uma
interpretação única e amplamente aceita a respeito da extensão de cada uma delas166. O que
se dirá sobre tal extensão quando da observância do transplante de tais mecanismos para o
sistema jurídico da civil law, mais especificamente para o sistema jurídico brasileiro?

                                                                                                               
166
CORDERO-MOSS, G. Anglo-American Contract Models and Norwegian or other Civilian Governing Law – Introduction and Method.
Disponível [online] in http://folk.uio.no/giudittm/AngloAmerican%20Contract%20Models.pdf [20.6.2015], p. 40.

 
66

V. ANÁLISE DO CASO ABRY PARTNERS V, L.P. V. F & W ACQUISITION LLC À LUZ DO


DIREITO BRASILEIRO

Sabe-se, a esta altura, que os termos de um contrato não possuem um único


significado preciso e inequívoco: seus efeitos dependem de sua interação com a lei que lhe é
aplicável. Sabe-se, ainda, que, corriqueiramente, os instrumentos contratuais contemplam
cláusulas e adotam terminologia que não levam em conta a adequabilidade à lei aplicável,
podendo até ser com ela incompatíveis167.

Como se notou, dado o comparativamente escasso aparato normativo da common law,


um contrato sob ela estruturado – salvo exceções – parte da premissa de que toda a esfera
relacional das partes deve ser, na maior medida possível, disciplinada no documento entre
elas celebrado, o qual tenderá a ser a única fonte interpretativa e decisória do juiz que venha a
se deparar com disputa oriunda daquela relação.

Em que pese essa racionalidade ter contaminado a prática da advocacia empresarial na


civil law, tradicionalmente, o pressuposto dos contratos firmados sob dito sistema era o de que
estes deveriam tratar das especificidades do caso concreto, deixando seu regramento geral a
cargo da lei. Isto, pois, os ordenamentos jurídicos pertencentes à civil law são compostos por
farto conjunto de regras e princípios, que regem a interpretação e a integração dos contratos,
além de gozarem de aptidão para – por si só – regular diversos aspectos da relação negocial
estabelecida entre os contratantes168 169.
                                                                                                               
167
“They may presume the existence of legal institutions which are unknown to other legal systems. The may have been written around
problems which do not exist in the law which governs the contract. Worse, they may have failed to write around problems which do not exist
in the applicable law and may for this reason malfunction or become void.” DANNEMANN, G. Common law-based contracts under German
law. In: CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge,
2011, cap. 4, p. 64.
168
No sistema jurídico brasileiro, referida constatação se dá a partir da leitura do Código Civil, sobretudo do Livro I de sua Parte Especial,
responsável por detalhada disciplina do direito das obrigações, no qual se encontra a disciplina dos contratos.
169
A respeito da diferença entre as abordagens atribuídas ao contrato pela common law e pela civil law, merece destaque a definição
desenvolvida por MONATERI, para quem o contrato anglo-saxão é denominado “contratto rude” (contrato rígido) e o contrato tal qual
estruturado na Europa Continental é designado “contratto rugiadoso” (contrato flexível). Ora, os contratos da common law são
caracterizados pelos princípios da certeza e da previsibilidade. Efeitos de tais princípios podem ser encontrados nas definições
extremamente detalhadas dos direitos e deveres das partes delineados no instrumento contratual (daí “contratto rude”). MONATERI considera
que tal contrato resulta de uma batalha de mercado em meio à qual o contrato surgiu como uma trégua temporária entre suas partes. Por essa
razão, na abordagem da common law, tudo que se refere às partes é definido no texto contratual, de modo que reste abertura mínima para
interferência do juiz. Por outro lado, o sistema da civil law tem a prerrogativa de se pautar nas definições constantes de seus códigos civis ou
comerciais, nos quais a substância e a estrutura fundamental das diferentes espécies contratuais são claramente identificadas. Não é outro o
motivo pelo qual os contratos elaborados na Europa Continental costumavam ser menos detalhados do que aqueles firmados à luz da
common law. De qualquer modo, como já constatado na presente dissertação, a técnica de redação contratual usada na common law
claramente prevaleceu no dia-a-dia dos negócios dos países de cultura civilista, de forma que atualmente é praticamente impossível minutar
um contrato sem se ter em mente um modelo baseado no direito anglo-saxão. MONATERI, P. G. Ripensare il contratto: Verso una vision
antagonista del contratto disponível [online] in http://www.jus.unitn.it/cardozo/review/2004/ripensare%20il%20contratto.pdf [20.6.2015],
pp. 1-7. CORDERO-MOSS também trata da contaminação da prática empresarial internacional pelos moldes contratuais típicos da common
law: “[a]s opposed to common law, concepts such as good faith or fair dealing, and rules governing contracts in general, or a certain type
of contract in particular, may be invoked in civil law to interpret the contract, to integrate it, or even to correct it. International contractual
practice adopts the models developed under common law, where little or no integration of the contract is expected, and therefore includes

 
67

Uma vez inserido no sistema da civil law, o estilo minucioso de redação contratual
anglo-saxão – caracterizado pela adoção de declarações e garantias, de regras de indenização
e de cláusulas de entendimento integral, disclaimer of reliance e remédio exclusivo – pode ser
entendido como uma expressão da vontade das partes de se utilizarem do contrato para
regular de forma exaustiva a relação existente entre si, com o objetivo de se desprender de
quaisquer elementos externos, inclusive da lei que lhe é aplicável170. Todavia, não podem as
partes extrapolar os limites da liberdade de contratar que lhe é assegurada por tal lei. Ou seja,
não podem elas lançar mão do modo de redação do contrato como ferramenta para evitar
interferências da própria lei e/ou obter resultados contrários às regras e princípios
fundamentais do ordenamento jurídico sob o qual se encontram171.

Daí a razão pela qual a interpretação de contratos mercantis elaborados de acordo com
os moldes da common law pode representar, em alguns casos, um dilema a ser enfrentado
pelo juiz de um sistema integrante da família da civil law. De um lado, em respeito à
autonomia privada, não se quer impor aos contratantes princípios integrantes de um
ordenamento que sequer foi por eles considerado durante as negociações. De outro, não se
tem permissão para analisar e avaliar os termos de um contrato de forma independente da lei
vigente aplicável ao contrato, sobretudo quando esta for invocada por uma das partes para
prevenir uma interpretação literal do arranjo contratual 172. Procura-se e identifica-se a
vontade comum dos contratantes, mas se esta for contrária a regras e/ou princípios cogentes, o
dilema está instaurado.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
clauses in the contract expressing the assumptions of the parties, the purpose of the contract, the duties of the parties, the remedies in the
case of unexpected events, the limitation of liability in case of unforeseen events, etc.”. CORDERO-MOSS, G. Anglo-American Contract
Models and Norwegian or other Civilian Governing Law – Introduction and Method. Disponível [online] in
http://folk.uio.no/giudittm/AngloAmerican%20Contract%20Models.pdf [20.6.2015], p. 73.
170
“A document that sets forth a very extensive regulation, which specifies, in every detail, all the consequences of various situations that
may arise during the life of the contract, which contains clauses with long lists of information exchanged between the parties, which contains
a clause specifying that the contract document is to be deemed the exhaustive regulation of the relationship between the parties etc., seems
clearly to indicate that the parties wanted their contract to regulate all aspects of their relationship and intended to exclude any addition
from outside the contract”. CORDERO-MOSS, G. Anglo-American Contract Models and Norwegian or other Civilian Governing Law –
Introduction and Method. Disponível [online] in http://folk.uio.no/giudittm/AngloAmerican%20Contract%20Models.pdf [20.6.2015], pp.
97-98. CORDERO-MOSS completa: “[i]t seems that within international commercial transactions, the use of this drafting style is so
widespread that it may, to a certain extend, be considered to be an acknowledged contract practice. This may render it more likely that the
parties have desired to limit, to whatever extend possible, any interference from outside the contract by taking the regulation of most of the
conceivable details into their own hands. The size of and degree of detail in the contract regulation make it evident that this is the intention,
and it may be inferred even if the contract was looked upon individually. When the majority of international commercial contracts adopt this
style, it is even easier to conclude that the parties were aware of the habit of giving an exhaustive character to the contract and that they
wanted to adhere to this contract practice”. CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the
Applicable Law. New York: Cambridge, 2011, p. 117.
171
CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011,
p. 117.
172
CORDERO-MOSS, G. Conclusion: the self-sufficient contract, uniformly interpreted on the basis of its own terms: an illusion, but not fully
useless. In: CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge,
2011, pp. 352-353.

 
68

Em outras palavras, em tais circunstâncias, pode o julgador restar diante do desafio de


sopesar e equilibrar segurança jurídica – obtida pela interpretação ipsis litteris do contrato e
responsável por proteger os agentes econômicos de direitos e obrigações nele não
estabelecidas (i.e., de riscos não alocados contratualmente) – e justiça173. Note-se que, no
Brasil, a escassez de decisões exaradas pelos tribunais no âmbito de casos envolvendo
contratos empresariais complexos só faz crescer esse desafio.

Seguindo-se no cenário jurídico brasileiro, é de se ponderar que, em virtude da


existência de preceitos fundamentais – tais como a boa-fé objetiva, não só na formação e na
execução dos contratos, mas também em sua interpretação – haverá situações em que os
resultados visados por determinados dispositivos no âmbito da common law não serão obtidos
no seio do ordenamento brasileiro174.

Revela-se, pois, indispensável à análise do caso Abry Partners V, L.P. v. F&W


Acquisition LLC de acordo com o direito brasileiro – especificamente no que tange às
questões aqui selecionadas, as quais perpassam pela eficácia das cláusulas de entendimento
integral, disclaimer of reliance e remédio exclusivo –, o estudo do instituto da boa-fé objetiva
(bem como de seus deveres anexos), pedra basilar do ordenamento jurídico pátrio.

                                                                                                               
173
BJØRNSTAD, H. W. Entire Agreement Clauses – Abstract, Disponível [online] in
http://www.jus.uio.no/ifp/english/research/projects/anglo/essays/bjornstad_abstract.pdf [20.6.2015], p. 1.
174
Não é outra a previsão de CORDERO-MOSS para sistemas pertencentes à família da civil law: “[c]ontract laws generally do not contain
many mandatory rules, apart from areas relating to the protection of the weaker contractual party in other areas of regulatory concern,
which are generally not relevant to the questions that may arise out of commercial contracts and boilerplate clauses. Therefore, most of the
results that the parties wanted to achieve will be compatible with the governing law. However, in exceptional situations, particularly where
the contractual mechanism is abused for speculative purposes, the governing law might put a stop to the full implementation of the
parties’ will. When this happens, a common law contract model subject to a civilian governing law might be interpreted in a different
way from the one envisaged by the original drafters” (grifou-se). CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial
Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011, p. 116.

 
69

5.1 Boa-fé Objetiva: Deveres Acessórios, Restrições à Autonomia Privada e Preceito


de Ordem Pública

Antes de se proceder ao estudo da boa-fé objetiva propriamente dita, é pertinente


evocar os ensinamentos de ANCONA LOPEZ, no sentido de que, previamente à apreciação dos
princípios contratuais no direito atual, há de se examinar a teoria geral dos contratos de
acordo com o espírito do Código Civil de 2002 – i.e., seus valores essenciais, dentre os quais
se destacam a eticidade, a sociabilidade e a operabilidade175.

Em linhas gerais, (i) a eticidade manifesta-se juridicamente por meio do princípio da


boa-fé objetiva, que – traduzido em correção, lealdade e probidade – permeia o diploma civil
e delineia os limites à atuação das partes, em busca da justiça176; (ii) a sociabilidade implica a
prevalência dos valores sociais ou coletivos sobre os individuais, em havendo tensão entre
eles177; e (iii) a operabilidade refere-se à técnica para melhor aplicação do Direito, a qual
lança mão de cláusulas gerais e conceitos indeterminados – que têm seu conteúdo fixado
diante do caso concreto –, conferindo elasticidade ao ordenamento e permitindo-lhe
acompanhar as transições culturais, econômicas e sociais178 179.

Apresentadas as diretrizes fundamentais do direito civil pátrio contemporâneo, parte-


se à análise específica da boa-fé, definida, nos termos dos artigos 113, 187 e 422 do Código
Civil180, como um princípio que informa a interpretação dos negócios jurídicos, assim como o
conteúdo, a formação181, a conclusão e a execução de qualquer contrato, servindo de base
para as responsabilidades pré e pós-contratuais182. Segundo COUTO E SILVA, tal princípio atua

                                                                                                               
175
ANCONA LOPEZ, T. Princípios Contratuais. In: FERNANDES, W. (coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed.
São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 1, p. 21.
176
Observa-se, portanto, verdadeira superação do formalismo jurídico em favor dos valores éticos.
177
Nesse sentido, ganharam espaço na seara do direito civil brasileiro a teoria da declaração, em substituição à teoria da vontade, e a teoria
da confiança, fundada na boa-fé objetiva.
178
MARTINS-COSTA exalta a importância de conceitos abertos no sistema jurídico: “as cláusulas gerais constituem o meio legislativamente
hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios valorativos expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de
standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, das normativas constitucionais e de diretrizes econômicas,
sociais e políticas, viabilizando sua sistematização no ordenamento positivo”. MARTINS-COSTA, J. A Boa-Fé no Direito Privado – Sistema e
Tópica no Processo Obrigacional, 1a ed., 2a tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 274.
179
ANCONA LOPEZ, T. Princípios Contratuais. In: FERNANDES, W. (coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed.
São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 1, pp. 21-23. De acordo com referida autora, “[e]m todos os casos a atuação dinâmica do magistrado vai se
guiar por esse novo sistema de valores em que os princípios e normas têm que ser lidos e interpretados segundo esses valores, que, em
última instância, refletem os valores constitucionais. [...] Disso se depreende que o direito privado continuará sempre e cada vez mais
servindo os interesses privados, mas não poderá na sua operalização prejudicar a coletividade e a promoção do ser humano”. ANCONA
LOPEZ, T. Princípios Contratuais. In: FERNANDES, W. (coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed. São Paulo:
Saraiva, 2013, cap. 1, pp. 25-26.
180
Conforme reproduzidos na nota de rodapé no 20.
181
Não é outra a orientação trazida pelo Enunciado 170 da III Jornada de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça: “[a] boa-fé
objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações e após a execução do contrato [...]” (grifou-se).
182
LÔBO, P. L. N. Condições Gerais dos Contratos e o Novo Código Civil Brasileiro. In JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A.; TÔRRES, H. T.;
CARBONE, P. (coord.). Princípios do Novo Código Civil Brasileiro – Homenagem a Tullio Ascarelli. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 543.

 
70

como um “mandamento de consideração”, de acordo com o qual os interesses de cada


contratante encontram sua fronteira nos interesses do outro figurante, os quais também são
dignos de proteção183. Dessa forma, contribui a boa-fé para determinar não só a substância e
o modo da prestação, mas, ainda, os limites desta (ao relacionar ambas as partes do vínculo
negocial) 184.

Para JUNQUEIRA DE AZEVEDO, trata-se de instituto revestido de tamanha importância,


que é por ele classificado como regra cogente185. Todavia, em que pese dita vocação
normativa, é de se notar que, em linha com o valor da operabilidade do direito contratual, a
intensidade da aplicação da boa-fé objetiva – cláusula geral que é – varia de acordo com as
peculiaridades de cada caso concreto e com a função por ela exercida186. Não é por outra
razão, aliás, que MENEZES CORDEIRO alerta para a impossibilidade de se extrair uma definição
lapidar dessa figura jurídica, tendo em vista seu alcance e sua riqueza187. Consiste a boa-fé
objetiva, pois, em expressão semanticamente aberta que remete ao padrão de conduta médio
legitimamente esperado do vir bonus188.

Tem-se, portanto, que – justamente por ser desprovido de um conteúdo imanente – o


preenchimento do âmago do princípio da boa-fé poderá se dar tão-somente após a
interpretação e a aplicação do direito ao caso concreto. Apenas então o juiz terá subsídios
para averiguar se as partes observaram a boa-fé objetivamente considerada (i.e., se tiveram

                                                                                                               
183
É evidente aqui a presença do valor da sociabilidade, em detrimento da proteção do interesse exclusivamente individual.
184
COUTO E SILVA, C. V. DO. A Obrigação como Processo, 1ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 34.
185
JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A. Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 125. Trata-se de constatação
obtida a partir do exame da prática internacional dos princípios contratuais. O autor informa que, entre os “princípios contratuais” da
Unidroit, tem-se aquele consagrado pelo artigo 1.7 (good-faith and fair dealing): “as partes devem agir de acordo com a boa-fé [i.e., good-
faith and fair dealing] no comércio internacional. As partes não podem excluir ou limitar esse dever”. Para informações adicionais a
respeito de referido artigo integrante dos princípios da Unidroit, vide: http://www.unidroit.org/instruments/commercial-contracts/unidroit-
principles-2010/414-chapter-1-general-provisions/869-article-1-7-good-faith-and-fair-dealing [20.6.2015].
186
Nessa esteira, ressalta-se que, tradicionalmente, o uso de cláusulas gerais era merecedor de ressalva da técnica jurídica em razão de sua
indeterminação de conteúdo; contudo, com o desenvolvimento da prática comercial e o aumento do fluxo de negócios jurídicos, tornou-se
inevitável a utilização de ferramentas mais flexíveis para a interpretação e a execução das obrigações. Daí a ascensão da operabilidade do
direito contratual. LÔBO, P. L. N. Condições Gerais dos Contratos e o Novo Código Civil Brasileiro. In JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A.;
TÔRRES, H. T.; CARBONE, P. (coord.). Princípios do Novo Código Civil Brasileiro – Homenagem a Tullio Ascarelli. São Paulo: Quartier
Latin, 2008, p. 544. A esse respeito, destaca-se a seguinte lição de ROPPO: “[u]ma vez que o contrato reflecte, pela sua natureza, operações
económicas, é evidente que o seu papel no quadro do sistema resulta determinado pelo género e pela quantidade das operações económicas
a que é chamado a conferir dignidade legal, para além do modo como, entre si, se relacionam – numa palavra pelo modelo de organização
económica a cada momento prevalecente. Analogamente, se é verdade que sua disciplina jurídica – que resulta definida pelas leis e pelas
regras jurisprudenciais – corresponde instrumentalmente à realização de objectivos e interesses valorados consoante as opções políticas e,
por isso mesmo, contingentes e historicamente mutáveis, daí resulta que o próprio modo de ser e de se conformar do contrato como instituto
jurídico, não pode deixar de sofrer a influência decisiva do tipo de organização político-social de cada momento afirmada. Tudo isto se
experimenta através da fórmula da relatividade do contrato (como aliás de todos os outros instituto jurídicos): o contrato muda a sua
disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura segundo o contexto económico-social em que está inserido”. ROPPO, E. O Contrato.
Coimbra: Almedina, 2009, p. 24.
187
MENEZES CORDEIRO, A. M. da R. e. Da Boa Fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 2007, p. 18. O jurista ensina que “a boa fé traduz
um estádio juscultural, manifesta uma Ciência do Direito e exprime um modo de decidir próprio de certa ordem sócio-jurídica”.
188
LEÃES, L. G. P. de B. Pareceres, vol. II. São Paulo: Singular, 2004, p. 1482.

 
71

conduta proba e leal) no caso em apreço 189 . Resta evidente, assim, a relevância da
participação do ente julgador na construção do direito, uma vez que o sistema permanece
incompleto até o momento da concretização do princípio ora tratado190.

Conforme doutrina de MARTINS-COSTA, a boa-fé objetiva191, na forma atualmente


estruturada pela lei brasileira192, desempenha três principais funções, operando como: (i)
cânone hermenêutico-integrativo da atividade negocial; (ii) critério ou norte indicador do teor
geral da cooperação intersubjetiva existente em toda e qualquer relação obrigacional; e (iii)
baliza ao exercício de direitos subjetivos, relacionando-se com a noção de ilicitude civil193.

Com relação à boa-fé objetiva como pauta de interpretação e integração da atividade


negocial, conforme consagrado na Parte Geral do Código Civil (artigo 113), tem-se que tal
mandamento não se limita ao espectro obrigacional, aplicando-se ainda aos mais variados
ramos do direito e, consequentemente, firmando-se como um ponto cardeal de orientação dos
operadores do sistema jurídico como um todo194. Dessa forma, tendo por base os usos e

                                                                                                               
189
Em outras palavras, o significado preciso do conceito surgirá exclusivamente quando da subsunção dos fatos às normas. É o que REALE
chama de concrettezza. ANCONA LOPEZ, T. Princípios Contratuais. In: FERNANDES, W. (coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos
Empresariais. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 1, p. 64. Não é outro o ensinamento de MARTINS-COSTA, para quem “[n]ão é possível
saber, a priori, qual e como será a atuação da boa-fé, pois antes será preciso distinguir, definir e qualificar: a relação se dá entre titulares
de situações jurídicas subjetivas concretamente desiguais? Ou entre pessoas concretamente semelhantes em seu poderio social, econômico,
jurídico, cultural e informativo? Trata-se de um contrato paritário, em que são partes simples cidadãos em suas relações individuais? Ou
de rede contratual formada por vários ajustes estabelecidos por grandes complexos empresariais? Essas e outras distinções deverão estar
esclarecidas de modo que, em cada caso, será preciso desvendar o universo imenso, plural, transversalizado e complexo abrangido pelo
Código Civil, que é a efetiva e concreta estrutura social que subjaz à relação jurídica, pois o conceito de estrutura importa o de função cujo
papel crucial é o de fornecer o critério e a importância de fatores dinâmicos e dos processos, no interior dos sistemas”. MARTINS-COSTA, J.
Os Campos Normativos da Boa-fé Objetiva: As Três Perspectivas do Direito Privado Brasileiro. In JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A.; TÔRRES,
H. T.; CARBONE, P. (coord.). Princípios do Novo Código Civil Brasileiro – Homenagem a Tullio Ascarelli. São Paulo: Quartier Latin, 2008,
pp. 398-399.
190
É o que constata ANCONA LOPEZ: “[n]a verdade, quando temos cláusulas gerais e conceitos indeterminados precisamos de duas
declarações de vontade – a do legislador e a do juiz – para a construção da norma.” ANCONA LOPEZ, T. Princípios Contratuais. In:
FERNANDES, W. (coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 1, p. 65.
191
Em oposição à boa-fé subjetiva, que, segundo MARTINS-COSTA, se relaciona a um “estado de consciência, ou convencimento individual
de obrar [a parte] em conformidade ao direito [sendo] aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria
possessória”. Para a sua aplicação, considera-se a crença legítima ou a ignorância escusável do sujeito. MARTINS-COSTA, J. A Boa-Fé no
Direito Privado – Sistema e Tópica no Processo Obrigacional, 1a ed., 2a tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 411. Note-se, assim,
que a boa-fé subjetiva leva em conta a intenção do agente, seus estados íntimo e psicológico, enquanto que a boa-fé objetiva diz respeito a
padrões comportamentais pré-fixados e reiterados pela aceitação da sociedade. É oposta à boa-fé subjetiva a má-fé – que consiste na
intenção de lesar outrem –, ao passo que, caso dada parte aja contra a boa-fé objetiva, diz-se que esta não agiu conforme a boa-fé. Como
ensina ANCONA LOPEZ, “[...] as duas espécies de boa-fé não se excluem e têm como princípio básico a lealdade e a honestidade, seja na
apreciação da conduta por inteiro, seja no julgamento das atitudes do sujeito. Dessa forma, o conceito de boa-fé tem uma unidade e basta o
ordenamento estabelecer a cláusula geral de boa-fé para daí fazer nascerem todos os outros tipos de comportamento juridicamente
relevantes e que tenham como base a obrigação de correttezza no agir”. ANCONA LOPEZ, T. Princípios Contratuais. In: FERNANDES, W.
(coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 1, p. 62.
192
Lembre-se que, exceção feita ao artigo 131 do Código Comercial de 1850 (que colocava a boa-fé como um parâmetro para a interpretação
dos contratos mercantis), a boa-fé objetiva não encontrava guarida no direito positivo brasileiro até o início da década de 1990. Desde as
lições de COUTO E SILVA (em sua obra “A Obrigação como Processo”, originalmente apresentada, no ano de 1964, como tese de livre-
docência na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), no entanto, esse conceito foi paulatinamente introduzido à
experiência jurídica nacional, originando um movimento que culminou em sua inclusão no Código de Defesa do Consumidor (Lei
nº 8.078/90) e no Código Civil de 2002 (como se mencionou acima).
193
MARTINS-COSTA, J. Os Campos Normativos da Boa-fé Objetiva: As Três Perspectivas do Direito Privado Brasileiro. In JUNQUEIRA DE
AZEVEDO, A.; TÔRRES, H. T.; CARBONE, P. (coord.). Princípios do Novo Código Civil Brasileiro – Homenagem a Tullio Ascarelli. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 399 e ss.
194
FORGIONI, P. A. Teoria Geral dos Contratos Empresariais, 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 109.

 
72

costumes legais, serve tanto ao exercício da hermenêutica, como ao preenchimento das


lacunas resultantes da incompletude contratual.

Outro papel de extrema relevância exercido pela boa-fé objetiva no âmbito dos
negócios jurídicos consiste no estabelecimento de um padrão cooperativo de comportamento
a ser observado pelos contratantes. Observe-se que tal padrão cooperativo deve se pautar não
só pela lei, mas também pela finalidade econômico-social da operação, pelo regramento
negocial pactuado ou decorrente de usos e costumes, pelos princípios constitucionais
informadores da ordem econômica e pelos demais princípios do Direito das Obrigações,
mormente pelo respeito à legítima confiança “que, como valor social de base, explica e
garante a vinculabilidade jurídica”195.

A instrumentação de referido comportamento cooperativo mútuo entre os contratantes


faz surgir, segundo MENEZES CORDEIRO, uma “complexidade intra-obrigacional”, pois dá
origem a diversos deveres acessórios em prol da colaboração recíproca 196. Nesse sentido,
JUNQUEIRA DE AZEVEDO afirma que a boa-fé objetiva cria deveres anexos ao vínculo
principal, pois, ao passo que existe no contrato um objeto principal e expresso, há também
deveres colocados ao lado de tal objeto que independem de declaração de vontade 197 ,
especialmente o dever de informar198 – que inclui, não apenas o dever de declarar e enunciar

                                                                                                               
195
MARTINS-COSTA, J. Os Campos Normativos da Boa-fé Objetiva: As Três Perspectivas do Direito Privado Brasileiro. In JUNQUEIRA DE
AZEVEDO, A.; TÔRRES, H. T.; CARBONE, P. (coord.). Princípios do Novo Código Civil Brasileiro – Homenagem a Tullio Ascarelli. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 402. Invoca-se aqui a definição atribuída por LARENZ ao princípio da boa-fé: significa este que cada
contratante deve guardar fidelidade à palavra dada e não trair a confiança ou abusar dela, já que esta forma a base indispensável de todas as
relações jurídicas. LARENZ, K. Derecho de Obligaciones. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1958, p. 142.
FERNANDES, com base nas lições de JUNQUEIRA DE AZEVEDO, enumera os seguintes requisitos para que a confiança mereça tutela do direito:
“(a) que se dirija à realização de um negócio ou obtenção de vantagem futura; (b) que se manifeste objetivamente, em custos e
comportamento que evidenciem que a confiança provocou um efeito concreto e não um mero estado psicológico para aquele que confia, ou
seja, que haja um investimento na confiança; (c) que a confiança tenha sido provocada pela outra parte; (d) que a confiança seja
plenamente justificável para um agente normal e que possa ser objetivamente aferida segundo critério de razoabilidade sob as
circunstâncias do negócio específico. Uma confiança que, por sua vez, nasce do estar em uma circunstância especial, diferente [...] daquela
em que todos nos situamos para não causar dano ao outro. Quando duas partes iniciam uma negociação, há uma declaração de princípio
de que toda informação dada tem um propósito que é convencer o outro de que o negócio deve ser celebrado. Há uma sinalização de que
toda informação e manifestação de intenção é interessada e tem um propósito. Logo, dentro do que é esperado em determinada operação
econômica, cada uma das partes pode inferir o interesse do outro e deve preservar e não prejudicar esse interesse. Essa condição
existencial torna especial a relação”. FERNANDES, W. O Processo de Formação do Contrato. In: FERNANDES, W. (coord.). Fundamentos e
Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 4, pp. 258-259.
196
“A complexidade intra-obrigacional traduz a idéia de que o vínculo obrigacional abriga, no seu seio, não um simples dever de prestar,
simétrico a uma prestação creditícia, mas antes vários elementos jurídicos dotados de autonomia bastante para, de um conteúdo unitário,
fazerem uma realidade composta.” MENEZES CORDEIRO, A. M. da R. e. Da Boa Fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 2007, p. 587.
197
Trata-se do princípio da boa-fé objetiva como fonte de direito autônomo. A esse respeito, destaca-se lição de COUTO E SILVA: “[a]
prestação principal do negócio jurídico é determinada pela vontade. Para que a finalidade do negócio seja atingida, é necessário que o
devedor realize certos atos preparatórios, destinados a satisfazer a pretensão do credor. Alguns desses atos constituem adimplemento de
deveres que nascem da manifestação ou declaração de vontade jurisdicizada. Outros, porém, surgem desvinculados da vontade, núcleo do
negócio jurídico, por vezes ligados aos deveres principais e deles dependentes, por vezes possuindo vida autônoma. Os deveres desta última
categoria, chamados independentes, podem perdurar mesmo depois de adimplida a obrigação principal. [...] Há deveres que promanam da
vontade e outros que decorrem da incidência do princípio da boa-fé e da proteção jurídica de interesses”. COUTO E SILVA, C. V. DO. A
Obrigação como Processo, 1ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 38.
198
Ora, como assevera ARAGÃO, a informação, dada a sua natureza instrumental, merece “tutela jurídica alicerçada em valores cooperativos
e éticos, premiando comportamentos legítimos esperados pela outra parte, sem o reducionismo clássico e paradigmático da inserção da
informação na esfera decrépita, difusa e defeituosa da liberdade iluminista, posta como consequência necessária de um obscuro e

 
73

fatos ou circunstâncias que alterem o objeto do negócio de maneira essencial, mas também os
deveres de não omitir em prejuízo da contraparte ou de terceiros e de permitir, no que não for
essencial, que a contraparte investigue, audite e forme as suas conclusões199 – e o dever
negativo de manter sigilo sobre algo que o figurante soube pela outra parte200.

Assim, é possível identificar os mais diversos deveres ditos “acessórios” (ou “anexos”
ou, ainda, “de cooperação”) inseridos no ideal da colaboração que advém da boa-fé objetiva:
além do já reputado dever de informar, ROPPO também destaca os deveres de (i) conceder à
contraparte a oportunidade de sanar seus erros; (ii) modificar a prestação para realizar o
interesse da contraparte, desde que isto seja possível com o mínimo de sacrifício; (iii) agir
com coerência, i.e., sem frustrar expectativas que germinam na contraparte; bem como (iv)
não exercitar direitos lícitos que, no entanto, são substancialmente desleais ou danosos à
contratação (abuso de direito)201.

Note-se que o último dos deveres mencionados acima se aproxima da faceta da boa-fé
objetiva como baliza do exercício de direitos subjetivos 202 , cuja não observância (i)
caracteriza – independentemente da verificação de culpa – ato ilícito (ilicitude objetiva); e, em
havendo danos decorrentes de tal ato ilícito, (ii) gera o dever de indenizar (inserção da boa-fé
objetiva no campo da responsabilidade civil extracontratual). Nesse aspecto, para além de um
limite externo ao exercício de direitos subjetivos, revela-se a boa-fé objetiva como um
elemento integrante do modo de se exercer tais direitos (daí o uso da expressão “ilicitude de
meios” para se referir à ilicitude civil prevista no artigo 187 do Código Civil)203.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         
exacerbado individualismo. Até como forma de reduzir custos ínsitos às relações econômicas (dirimindo a possibilidade do moral hazard),
mas muito mais como forma de legitimar, sob a ótica valorativa dos deveres de solidariedade e cooperação, os comportamentos humanos
éticos e colaborativos, o direito, em seu conglomerado de normas, princípios, valores, enunciados e proposições, deve eleger, como regra, o
intercâmbio permanente de informações”. ARAGÃO, L. S. de. Dever de Informar e Operações de Reorganização Societária – procedimento
preparatório e as informações assimétricas. In: CASTRO, R. R. M. de; ARAGÃO, L. S. de. (coord). Reorganização Societária. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 87.
199
PONTES, E. F. de. Representations and Warranties no Direito Brasileiro, 1a ed. São Paulo: Almedina, 201, p. 109.
200
JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A. Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 128. COUTO E SILVA
acrescenta que “os deveres derivados da boa-fé ordenam-se em graus de intensidade, dependendo da categoria dos atos jurídicos a que se
ligam. Podem, até, constituir o próprio conteúdo dos deveres principais, como nas hipóteses, já mencionadas, da gestão de negócio ou da
fidúcia, ou ainda expressarem-se como deveres duradouros de fidelidade, abrangendo e justificando toda a relação jurídica, como no
contrato formador da relação de família”. COUTO E SILVA, C. V. DO. A Obrigação como Processo, 1ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 34.
201
ROPPO, V. Il Contratto. Milano: Giuffrè, 2001, pp. 495-497, tradução do italiano conforme FORGIONI, P. A. Teoria Geral dos Contratos
Empresariais, 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 109.
202
Destaque-se, no entanto, que, de acordo com os ensinamentos de MARTINS-COSTA, o dever cooperativo de se abster de agir com abuso de
direito não se confunde com a boa-fé como baliza do exercício de direitos subjetivos. O abuso de direito, além de se aproximar da
concepção segundo a qual os limites ao exercício do direito são externos a ele, perquire a voluntariedade do ato, envolvendo a noção de
culpa. Já o ato ilícito que se verifica quando do não balizamento do exercício de direito pela boa-fé objetiva (i.e., quando do exercício de
determinado direito em desacordo com os meios que lhe são inerentes) prescinde de culpa, se atendo à ausência de concordância entre dado
comportamento e os valores relevantes protegidos pelo ordenamento jurídico. MARTINS-COSTA, J. Os Campos Normativos da Boa-fé
Objetiva: As Três Perspectivas do Direito Privado Brasileiro. In JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A.; TÔRRES, H. T.; CARBONE, P. (coord.).
Princípios do Novo Código Civil Brasileiro – Homenagem a Tullio Ascarelli. São Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 408-409.
203
MARTINS-COSTA, J. Os Campos Normativos da Boa-fé Objetiva: As Três Perspectivas do Direito Privado Brasileiro. In JUNQUEIRA DE
AZEVEDO, A.; TÔRRES, H. T.; CARBONE, P. (coord.). Princípios do Novo Código Civil Brasileiro – Homenagem a Tullio Ascarelli. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 407-413.

 
74

De volta à ideia de padrão de conduta cooperativa imposto pela boa-fé objetiva, há de


se ressaltar que não se exige do contratante a colaboração com os interesses íntimos e
privados da contraparte, os quais são, muitas vezes, antagônicos aos seus próprios interesses
e, como tais, limitadores da esfera de cooperação. Ora, a colaboração decorrente do princípio
aqui abordado deve se dar exclusivamente com relação aos interesses objetivamente extraídos
da própria realização do negócio, não importando a boa-fé no sacrifício de posições
contratuais de vantagem204.

Com relação especificamente à observância da boa-fé no âmbito de operações de


natureza mercantil, cabe lembrar que tal princípio – assim como os deveres de cooperação a
ele imanentes – é delimitado pela substância socioeconômica do negócio celebrado. Daí
porque, nas relações empresariais – caracterizadas não só pelo equilíbrio entre os contratantes
sofisticados, mas também pela concorrência habitual entre eles –, a boa-fé objetiva
adequadamente observada implica a exigência de atuação correta, leal e em conformidade
com os valores consagrados no ordenamento jurídico e no mercado205, mas não cogita atribuir
proteção especial a qualquer das partes206.

Assim, a boa-fé objetiva – em sua faceta de padrão de comportamento cooperativo –


reforça as possibilidades de confiança dos agentes econômicos e, assim, reduz os riscos e
amplia o grau de impessoabilidade presentes no mercado, visto que ditos agentes, pautando-se
pelos exemplos que orientam a ética de seus negócios207, dispensam menor atenção às

                                                                                                               
204
“Em outras palavras, as partes, na prática, concorrem – e o direito não veda, em relações paritárias que concorram – entre si na
aquisição e manutenção de posições prevalentes e de proteção, o que é da essência das relações negociais. A boa-fé, seja por meio de
imposição positiva de deveres anexos, seja por meio da proibição de exercer abusivamente (em contrariedade aos deveres anexos) os
direitos contratuais, não implica renúncia a tais direitos ou às situações de preponderância que possam vir a ocorrer no curso da relação
obrigacional”. TEPEDINO, G.; SCHREIBER, A. A Boa-fé Objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no Novo Código Civil. In:
TEPEDINO, G. (coord.). Obrigações: Estudos na Perspectiva Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 40. Sustentar o
contrário, seria pura obra de ficção.
205
Como aponta FORGIONI, para quem a boa-fé se liga umbilicalmente aos usos e costumes comerciais de determinada praça. FORGIONI, P.
A. A Interpretação dos Negócios Empresariais no Novo Código Civil Brasileiro, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, n. 130, abr-jun/2003, p. 28.
206
Como afirma FERNANDES: “é preciso estimular os negócios, e um empresário não deve ser penalizado por tentar convencer seu cliente
de que detém o melhor produto. Este é o esforço de todo vendedor e de todo comprador, mesmo os mais simplórios sabem disso. Por outro
lado, todo vendedor é suficientemente esperto para saber que seu cliente pretende determinada utilidade ao buscar seu produto e espera ter
satisfeitas suas expectativas. Assim, ambas as partes têm, a partir da função específica de certos negócios, a consciência do que pretende a
outra parte ao dar início às negociações”. FERNANDES, W. O Processo de Formação do Contrato. In: FERNANDES, W. (coord.).
Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 4, pp. 250-251. Nesse sentido, FORGIONI
acrescenta que o estabelecimento de vínculo jurídico entre empresários parte de dois pressupostos básicos: (i) o contrato só é celebrado se as
partes creem que a situação dele resultante ser-lhes-á vantajosa; e (ii) a contratação sempre se desenvolve tendo em vista determinado escopo
ou, mais tecnicamente, a função econômica do negócio. FORGIONI, P. A. A Interpretação dos Negócios Empresariais no Novo Código Civil
Brasileiro, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 130, abr-jun/2003, p. 10.
207
Interessante notar a explicação de FORGIONI, no sentido de que, no mercado, aprende-se com a experiência alheia, uma vez que se sabe de
antemão as consequências que serão imputadas a determinado comportamento, ressaltando, assim, o papel da boa-fé na formação daquilo
que batiza de “memória de experiência” do mercado. FORGIONI, P. A. Teoria Geral dos Contratos Empresariais, 2a ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009, p. 102.

 
75

características subjetivas da outra parte, concentrando-se na operação em si. Como


consequência, verifica-se a diminuição de custos de transação e o incremento das relações
econômicas208.

Expostas e analisadas as funções desempenhadas pela boa-fé objetiva no âmbito das


relações jurídicas negociais brasileiras – mormente daquelas de caráter comercial –, não se
pode deixar de notar que tal instituto – como princípio que é – encontra-se em constante
choque com outros princípios essenciais ao contrato 209 , exigindo, pois, um cuidadoso
exercício de sopesamento de valores quando de sua aplicação.

Para os fins a que se propõe a presente dissertação, é merecedor de especial atenção o


conflito entre a boa-fé objetiva e a autonomia privada, a qual pode ser traduzida nas
liberdades de contratar, escolher a contraparte e fixar o conteúdo do contrato210. Ora este
último princípio, em conjunto com o respeito ao quanto contratado (pact sunt servanda211), ao
tutelar a existência de diferenciais competitivos e proporcionar segurança jurídica, possibilita
o fluxo de relações econômicas e a própria existência do mercado212.

Todavia, já ensinava COUTO E SILVA que a faculdade dispositiva das partes sujeita-se
ao ordenamento jurídico – i.e., a suas regras e princípios –, o qual pode exercer, destarte,
papel negativo e limitador da vontade. Desse modo, revela-se inegável o fato de que a

                                                                                                               
208
FORGIONI, P. A. Teoria Geral dos Contratos Empresariais, 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 102-106. Invoca-se aqui o
exemplo proposto pela mesma autora, em obra distinta: “se o comerciante Tício contrata com Caio a entrega de uma partida de algodão e
tem a certeza de que o vendedor está se comportando de acordo com as regras da boa-fé, assiste-lhe maior segurança no negócio e,
conseqüentemente, seus custos de transação podem ser dimensionados em um patamar inferior ao que seria esperado se contratasse com
um comerciante não confiável. Por isso, diz-se que, no mercado, a difusão da boa-fé azeita o fluxo de relações e, por conseguinte, a
eficiência do sistema”. FORGIONI, P. A. A Interpretação dos Negócios Empresariais no Novo Código Civil Brasileiro, Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 130, abr-jun/2003, p. 27.
209
MARTINS-COSTA, J. Os Campos Normativos da Boa-fé Objetiva: As Três Perspectivas do Direito Privado Brasileiro. In JUNQUEIRA DE
AZEVEDO, A.; TÔRRES, H. T.; CARBONE, P. (coord.). Princípios do Novo Código Civil Brasileiro – Homenagem a Tullio Ascarelli. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 403. Segundo a autora, “o exame casuístico conduzirá a perceber a incidência de outros princípios
contratuais que graduam a incidência da boa-fé [...]. [...] no universo multifacetado das relações civis, terão papel ativo outros princípios
que, necessariamente, deverão ser compostos com a boa-fé, muitas vezes em polaridade dialética ou relação de tensão”.
210
ANCONA LOPEZ, T. Princípios Contratuais. In: FERNANDES, W. (coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed.
São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 1, p. 29. Segundo COUTO E SILVA, a autonomia privada consiste na “facultas, a possibilidade, embora não
ilimitada, que possuem os particulares para resolver seus conflitos de interesses, criar associações, efetuar o escambo dos bens e dinamizar,
enfim, a vida em sociedade. Para a realização desses objetivos, as pessoas vinculam-se, e vinculam-se juridicamente, através de sua
vontade”. COUTO E SILVA, C. V. DO. A Obrigação como Processo, 1ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 24.
211
Trata-se de princípio que determina a obrigatoriedade das convenções. É, para ANCONA LOPEZ, “consequência imediata” do princípio da
autonomia privada, estando, portanto, sujeito às mesmas limitações. ANCONA LOPEZ, T. Princípios Contratuais. In: FERNANDES, W.
(coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 1, p. 34.
212
FORGIONI, P. A. A Interpretação dos Negócios Empresariais no Novo Código Civil Brasileiro, Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, n. 130, abr-jun/2003, pp. 16-17. A autora pondera que, apesar de, nos dias de hoje, o pacta sunt servanda e a
“santidade do pacto” que o acompanhava terem perdido força em virtude da aplicação pelos tribunais de institutos como a excessiva
onerosidade, a lesão e a repressão ao abuso da dependência econômica, a autonomia privada permanece como “viga-mestra” do sistema de
mercado.

 
76

vontade negocial não é absoluta, sendo passível de restrições, inclusive com relação ao
regramento das cláusulas contratuais213.

Com a transformação do direito civil – ocorrida, em nível mundial, na segunda metade


do século XX e consolidada, no Brasil, pelo advento do Código Civil de 2002 –, os valores
sociais e éticos que contribuíram para a ascensão e o fortalecimento do princípio da boa-fé
objetiva contagiaram todo o direito das obrigações e, por conseguinte, incrementaram as
restrições à autonomia privada214.

Ademais, estabeleceu o diploma civil de 2002 que nenhuma convenção contrária aos
preceitos de ordem pública – tais como os princípios da função social do contrato e da boa-fé
objetiva normatizados nos artigos 421 e 422 – prevalecerá, restando inequívoca a sujeição da
autonomia privada a tais limites de ordem pública215.

Note-se que ordem pública nada mais é do que o complexo dos princípios e valores
que permeiam a organização político-econômica da sociedade, os quais não se esgotam no
conjunto das normas imperativas da lei, transcendendo-as em nome do interesse da
coletividade216. Verifica-se a partir de tal conceito que a noção de ordem pública mantém, no
ordenamento jurídico pátrio, uma espécie de espaço discricionário em prol do interesse
público e, portanto, acaba por se confundir com a boa-fé objetiva.

Logo, conclui-se que o princípio da boa-fé objetiva – assim como o espírito da ordem
pública – limita o princípio da autonomia privada, uma vez que incide diretamente no
conteúdo do contrato. Daí a razão pela qual RIBEIRO defende a existência de verdadeiro

                                                                                                               
213
COUTO E SILVA, C. V. DO. A Obrigação como Processo, 1ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, pp. 25-26. Lembra ANCONA LOPEZ que a
autonomia privada não foi jamais absoluta, mesmo no século XIX, em que predominavam liberalismo econômico e jurídico. ANCONA
LOPEZ, T. Princípios Contratuais. In: FERNANDES, W. (coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed. São Paulo:
Saraiva, 2013, cap. 1, p. 29.
214
ANCONA LOPEZ, T. Princípios Contratuais. In: FERNANDES, W. (coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed.
São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 1, p. 29.
215
Assim informa ANCONA LOPEZ. Princípios Contratuais. In: FERNANDES, W. (coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos
Empresariais. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 1, pp. 31-32. Veja-se: “a liberdade de fixar o conteúdo do contrato segundo o interesse
individual das partes esbarra em dois limites de ordem pública e que são o pórtico (ao gosto de Reale) do Título V (Dos Contratos em
Geral) do Livro I (Do Direito das Obrigações) do Código Civil de 2002. Quis o legislador deixar claro que esses princípios são as regras
mestras de todo o sistema contratual. São o art. 421 – [...] – e o art. 422, que obriga os contratantes a guardar na conclusão, como na
execução do contrato, os princípios de probidade e boa-fé. Para assegurá-lo dispõe o parágrafo único do artigo 2.035 – das Disposições
Transitórias – que ‘nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código
para assegurar a função social da propriedade e dos contratos’” (grifou-se).
216
ROPPO, E. O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, pp. 179-180.

 
77

“controle do conteúdo dos contratos” a partir da boa-fé, que atua como critério de validade
das disposições contratuais217.

Apresentado o instituto da boa-fé objetiva – investigadas suas funções, constatada sua


preponderância sobre o princípio da autonomia privada e verificada sua supremacia
resguardada pela noção de ordem pública, partir-se-á ao exame das questões relevantes do
caso Abry Partners V, L.P. v. F&W Acquisition LLC – tais quais já destacadas acima) – à luz
do direito pátrio.

                                                                                                               
217
RIBEIRO, J. de S. O Controlo do Conteúdo dos Contratos: Uma Nova Dimensão da Boa-fé, Revista da Faculdade de Direito UFPR, vol.
42, 2005. Disponível [online] in http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/view/5184/3899 [20.6.2015].

 
78

5.2 Seleção de Informações Relevantes para a Formação da Vontade: Cláusulas de


Entendimento Integral e Disclaimer of Reliance

Neste Capítulo, utilizar-se-á do aparato do ordenamento jurídico brasileiro, para


examinar se o entendimento da Court of Chancery de Delaware no sentido de que a eficácia
das cláusulas de disclaimer of reliance deve ser assegurada – excluindo-se, portanto, eventual
responsabilidade por dolo antecedente restrito à esfera extracontratual (i.e., não cristalizado
em declarações e garantias) – prevalece à luz do direito pátrio. Para tanto, analisar-se-á o
papel efetivamente exercido pelas cláusulas de entendimento integral e de disclaimer of
reliance, quando inseridas em contratos comerciais regidos pela lei brasileira.

Dissertou-se acima a respeito da relevância que o princípio da boa-fé objetiva exerce


na esfera do direito das obrigações pátrio, ao desempenhar o papel de lastro garantidor da
correição das relações jurídicas e reforçar a tutela conferida à legítima confiança 218 .
Ressaltou-se, ainda, que a instrumentalização de referido princípio passa pela observância de
(i) deveres de cooperação, dentre os quais importa aqui destacar o dever de agir com
coerência, sem frustrar expectativas despertadas na contraparte, e o dever de não agir com
abuso de direito; e (ii) baliza que assegura o exercício adequado de direitos subjetivos. Por
fim, enfatizou-se a preponderância da boa-fé objetiva sobre o princípio da autonomia privada,
que é por aquela limitado.

Daí, a razão pela qual as partes – a despeito de gozarem do direito de regular seus
interesses da forma que melhor lhes parecer no âmbito de contratos mercantis paritários – não
podem escapar do balizamento de sua vontade pela boa-fé objetiva e pelos deveres acessórios
que esta carrega consigo. Ora, da forma como se encontra estruturado o direito brasileiro,
sobretudo após o advento do Código Civil de 2002, é inegável que tal princípio, bem como os
deveres que dele se originam constituem fontes de obrigações dos contratantes, ao lado
daquelas explicitamente previstas no instrumento contratual. Em outras palavras, são eles
(i.e., boa-fé objetiva e deveres anexos) elementos que inevitavelmente integram o negócio
jurídico celebrado, estejam documentalmente expressos ou não.

                                                                                                               
218
ARAGÃO, L. S. de. Dever de Informar e Operações de Reorganização Societária – procedimento preparatório e as informações
assimétricas. In: CASTRO, R. R. M. de; ARAGÃO, L. S. de. (coord). Reorganização Societária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 71.

 
79

Assim, em se considerando que (i) os deveres de atuar com coerência (i.e., de modo
consistente com as expectativas justificadamente surgidas na contraparte) e de se abster de
agir com abuso de direito integram, inequivocamente, a relação jurídica estabelecida entre os
contratantes desde o momento das negociações da operação219; e (ii) o exercício de direitos
subjetivos deve ser abalizado pela boa-fé objetiva a qualquer tempo, sob pena de se incorrer
em ato ilícito, tem-se que a cláusula de entendimento integral, apesar de determinar a
substituição, pelo documento que se celebra, de todos os acordos e comunicações – verbais ou
escritos – havidos anteriormente entre as partes220, não constitui mecanismo hábil para
suplantar a observância da boa-fé objetiva durante a formação do contrato221. Em havendo,
por exemplo, comprovadas tratativas pré-contratuais fundadas na existência de determinados
aspectos do objeto do negócio que acabaram por não ser contemplados nas declarações e
garantias, não será a novação causada por ditas cláusulas suficiente para afastar as
consequências da violação da boa-fé objetiva e de seus deveres imanentes222.

Ademais, não se pode olvidar que, de acordo com o disposto no artigo 113 do Código
Civil, a boa-fé objetiva também atua como cânone hermenêutico da atividade negocial,
devendo, então, reger a interpretação dos contratos pelos operadores do sistema jurídico
brasileiro. Por conseguinte, em nome da boa-fé objetiva, é possível que se lance mão de
elementos pré-contratuais (i.e., referentes ao processo de formação da obrigação contratual)

                                                                                                               
219
Em conformidade com o Enunciado 170 da III Jornada de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça, como já mencionado. É
pertinente ainda lembrar a clássica lição de COUTO E SILVA no mesmo sentido: “[o]s deveres secundários comportam tratamento que
abranja toda a relação jurídica. Assim, podem ser examinados durante o curso ou o desenvolvimento da relação jurídica e, em certos
casos, posteriormente ao adimplemento da obrigação principal”. COUTO E SILVA, C. V. DO. A Obrigação como Processo, 1ª ed. Rio de
Janeiro: FGV, 2006, p. 93.
220
De acordo com o ordenamento brasileiro, a cláusula de entendimento integral pode ser entendida como operadora de espécie de novação,
pela qual se cria nova obrigação para se extinguir a obrigação anterior. O mesmo entendimento é verificado no direito francês e no direito
italiano, conforme LAGARDE, X.; MÉHEUT, D.; REVERSAC, J. The Romanistic tradition: application of boilerplate clauses under French law.
In: CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011,
cap. 9, pp. 214-215 e 229.
221
O termo “formação do contrato” encontra-se em linha com a noção de “obrigação como processo”, difundida na doutrina brasileira por
COUTO E SILVA, para quem a relação obrigacional nada mais é do que um conjunto de atividades que se encadeiam e desdobram em direção
ao adimplemento (que, por sua vez, atrai e polariza a obrigação, uma vez que é seu fim). Segundo referido autor, “[c]om a expressão
‘obrigação como processo’, tenciona-se sublinhar o ser dinâmico da obrigação, as várias fases que surgem no desenvolvimento da relação
obrigacional e que entre si se ligam com interdependência”. COUTO E SILVA, C. V. DO. A Obrigação como Processo, 1ª ed. Rio de Janeiro:
FGV, 2006, p. 17 e 20. A respeito de tal termo, quando comparado à expressão “conclusão do contrato” (empregado no artigo 422 do
Código Civil), assevera FERNANDES: “[o] termo formação, no entanto, parece mais adequado à ideia do contrato como um processo
obrigacional. Além disso, como nem sempre é fácil determinar aquele momento ideal de conclusão do contrato, onde ocorre o consenso,
prefiro pensar em contrato em formação”. FERNANDES, W. O Processo de Formação do Contrato. In: FERNANDES, W. (coord.).
Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 4, pp. 227-228.
222
É o que ocorre no direito alemão, cuja tradição foi seguida pelo sistema jurídico brasileiro. Veja-se:“[i]f, for instance, the parties have
orally agreed on certain specifications for certain products, under German law, the entire agreement clause generally does not hinder a
party from proving, by all available means, that the specifications are part of the agreement. Nonetheless, this proof is a rather heavy
burden. The plaintiff must prove that, despite the written contract, a valid additional agreement was reached. In particular, the plaintiff
must explain and prove why the agreed addition or modification was not made part of the written contract”. MAGNUS, U. The Germanic
tradition: application of boilerplate clauses under German law. In: CORDERO-MOSS, G. Boilerplate Clauses, International Commercial
Contracts and the Applicable Law. New York: Cambridge, 2011, cap. 8, p. 195.

 
80

para se proceder à contextualização e à interpretação do contrato, ainda que este contenha


cláusula de entendimento integral223.

Adicionalmente, como bem coloca MARTINS-COSTA, se até no direito anglo-saxão a


parol evidence rule comporta exceções, relativizando a presunção de entendimento integral
determinada pelas cláusulas sob análise com relação a evidências extrínsecas que busquem
comprovar a existência de vícios do negócio – tais como a fraude, que, cabe dizer, está para o
sistema da common law assim como o dolo está para a civil law –, parece lógico que, à luz do
ordenamento brasileiro – que sequer reconhece regra semelhante e que preconiza o princípio
da boa-fé objetiva e a proteção atribuída à boa-fé subjetiva –, a comprovação de dolo
antecedente não traduzido em declarações e garantias não será obstada por tais cláusulas de
redação demasiadamente aberta224.

Portanto, também no direito brasileiro as cláusulas de entendimento integral –


redigidas do modo acima reproduzido – não são suficientes para, por si só, proteger o
declarante contra eventuais demandas baseadas em sua responsabilidade decorrente de
declarações viciadas por dolo – ou por institutos a ele semelhantes, como o erro – prestadas
somente durante as negociações do contrato.

No tocante às cláusulas de disclaimer of reliance – dispositivos nos termos dos quais o


declaratário afirma expressamente não ter se orientado por informações outras que não
aquelas devidamente consolidadas nas declarações e garantias do contrato – é de se ressaltar,
de plano, que estas não afastam ou restringem a responsabilidade do declarante por
informações prestadas com dolo durante as tratativas pré-contratuais, mas operam sobre o
pressuposto de que não há que se falar em responsabilidade se tais informações não tiverem
sido levadas em conta pelo declaratário ao tomar a sua decisão pela celebração do negócio.

                                                                                                               
223
Nesse sentido, cabe destacar o seguinte comentário constante do artigo 2.1.17 dos “princípios contratuais” da Unidroit, o qual diz respeito
às cláusulas de entendimento integral: “the effect of such a clause is not to deprive prior statements or agreements of any relevance: they
may still be used as a means of interpreting the written document”. Para informações adicionais a respeito de referido artigo integrante dos
princípios da Unidroit, vide: http://www.unidroit.org/instruments/commercial-contracts/unidroit-principles-2010/415-chapter-2-formation-
and-authority-of-agents-section-1-formation/895-article-2-1-17-merger-clauses [20.6.2015].
224
Como aponta referida autora: “[n]ote-se que, mesmo no Direito norte-americano – que reconhecidamente reserva um maior âmbito de
atuação à autonomia privada no regramento contratual comparativamente ao Direito brasileiro – tanto as cláusulas de limitação da
responsabilidade (indemnity caps) e as cláusulas de entendimento integral são, via de regra, inoperantes em face da presença de figuras
análogas ao dolo antecedente ou contemporâneo à formação do contrato (fraud ou negligent misrepresentation)”. MARTINS-COSTA, J. Os
Regimes do Dolo Civil no Direito Brasileiro: Dolo Antecedente, Vício Informativo por Omissão e por Comissão, Dolo Acidental e Dever de
Indenizar, Revista dos Tribunais, v. 923, set./2012, p. 140.

 
81

Ora, se durante as negociações contratuais, foram disponibilizadas informações


mentirosas, mas que não contribuíram de forma alguma no convencimento do declaratário
quanto à realização da operação, tais informações – por em nada impactarem a relação
jurídica travada entre as partes – não merecem a atenção do direito. Em outras palavras, o
fato de o declaratário ter confiado e se pautado em declarações dolosas para a formação de
seu consentimento é elemento essencial para a verificação de violação do princípio de boa-fé
objetiva e dos deveres anexos pelo declarante e, por conseguinte, para a existência de sua
responsabilidade.

Ao se examinar a adoção da cláusula em comento à luz do direito brasileiro, parece


que as partes se utilizam da autonomia privada que lhes assiste sem extrapolar os limites
delineados pelo princípio da boa-fé objetiva, já que declarações mal-intencionadas realmente
relevantes para o negócio jurídico em questão estarão contempladas no contrato e,
consequentemente, ensejarão a responsabilidade do declarante que deixar de agir de modo
probo e leal, conforme os ditames de referido princípio225.

A utilização da cláusula de disclaimer of reliance justifica-se, pois as partes de


negócios jurídicos comerciais – objeto da presente dissertação – são, como já se enfatizou por
diversas vezes, sofisticadas e experientes, além de contarem, via de regra, com assessores
cujas quantidade e especialidade costumam variar de forma proporcional à complexidade da
operação.

Extrai-se, então, de um lado, que o declaratário – acompanhado de seus assessores –


tem plena aptidão e total competência para identificar as informações determinantes para a
decisão de contratar e se certificar – no decorrer da constante troca de minutas que caracteriza
a fase negocial que precede o signing da operação – de que estas sejam refletidas de modo
completo e preciso nas declarações e garantias do contrato.
                                                                                                               
225
É válido aqui evocar a experiência norueguesa, cujo direito também pertence à família da civil law. Ao tratar de cláusulas de
entendimento integral que contêm uma redação mais completa do que aquela reproduzida na página 50 acima e que integram verdadeiro
dispositivo de disclaimer of reliance, pontua BJØRNSTAD: “[a]ccording to Section 36 of the Norwegian Formation of Contracts Act 1918, an
agreement or a term may be amended or held to be void if it is deemed contrary to reasonableness and good faith to enforce it. Section 36 is
very rarely applied by the courts, and it has never been applied in commercial relations since its entry into force in 1983. […] it would be a
significant limitation to private autonomy if it was deemed unreasonable and contrary to good faith according to section 36 that certain pre-
contractual circumstances were precluded from having legal effect. In addition, the courts seem to operate with a nearly insuperable hurdle
for section 36 to apply in commercial relations. However, the potential unreasonableness that may be occasioned by the clause may justify
the application of this mandatory rule under particular circumstances. […] In sum, EA-clauses do not mean that the contract document is to
be considered an exhaustive regulation of the contractual relation under Norwegian law. However, it may be said that the clause has the
consequence that circumstances arising from the parties’ pre-contractual behaviour are of less relevance for contract interpretation. Thus,
the provision in the EA-clause stating that the contract is ‘the entire agreement’ should not be understood literally” (grifou-se).
BJØRNSTAD, H. W. Entire Agreement Clauses – Abstract, Disponível [online] in
http://www.jus.uio.no/ifp/english/research/projects/anglo/essays/bjornstad_abstract.pdf [20.6.2015], pp. 31-33.

 
82

De outro lado, levando-se em conta que, durante as tratativas pré-contratuais –


sobretudo ao longo do processo de due diligence, marcado por intenso fluxo de documentos e
informações –, o declarante atua com o auxílio de assessores e representantes, parece natural
que aquele queira restringir o rol de declarações pelas quais assumirá responsabilidade, por
não ser capaz de controlar tudo o que foi dito e/ou disponibilizado por estes.

Nesse sentido, cabe lembrar que, nos termos do artigo 148 do Código Civil pátrio, o
negócio jurídico viciado por dolo de terceiro também pode ser anulado, caso aquele que dele
aproveite tivesse ou devesse ter conhecimento a seu respeito. Ora, em um contexto negocial,
dadas as características aqui realçadas, segregar a conduta da parte declarante do
comportamento de seus consultores e assessores não vinculados por instrumento mandato (ou
dos administradores e empregados da sociedade alvo, conforme o caso) – bem como os
efeitos havidos em benefício de um e de outro – representa um desafio considerável. Parece
provável que a atitude dolosa de qualquer de tais consultores e assessores acabe por aproveitar
ao declarante, que, ao menos de acordo com o senso comum, deveria conhecer todas as
entranhas de seu negócio.

Ademais, de acordo com o disposto no artigo 149 do diploma civil brasileiro, em se


tratando de dolo praticado por representante convencional ou voluntário daquele que
aproveita do embuste – i.e., seus administradores ou consultores e assessores vinculados por
instrumento de mandato –, além da anulabilidade do negócio, no caso de dolo principal, o
beneficiado também responderá solidariamente por perdas e danos.

É bem verdade que reconhecer a eficácia das cláusulas de disclaimer of reliance pode,
como consequência, implicar a proteção do defraudador, que, se é capaz de mentir de forma
persuasiva o suficiente para induzir o outro figurante a contratar, também o será para levá-lo a
declarar, no documento contratual, que as mentiras em questão nunca foram ditas ou não
compuseram a razão para a celebração do negócio. Contudo, reputa-se acobertado de razão
Vice Chancellor Strine ao pontuar que as partes de negócios de natureza empresarial –
sofisticadas que são – gozam das condições necessárias para, observados os limites da lei,
fazerem seu próprio julgamento com relação aos riscos que estão dispostas a assumir e à
auditoria que pretendem conduzir, tendo capacidade, inclusive, para precificar eventuais
limitações de responsabilidade da contraparte. Além disto, o agente econômico que se ariscar

 
83

em um comportamento doloso poderá pagar o preço de sua escolha no mercado, caso, a


despeito dos acordos de confidencialidade e cláusulas arbitrais que comumente acompanham
as operações mercantis, haja vazamento de informações relativas ao caso.

Cabe mencionar ainda que deixar de conferir eficácia aos dispositivos aqui
investigados acabaria por resultar na proteção, pelo ordenamento jurídico, do figurante que
pode ser chamado de “duplo-mentiroso”, qual seja aquele que mente (i) para a contraparte, ao
afirmar que não se pautou nas declarações por ela prestadas tão-somente na esfera
extracontratual em sua tomada de decisão pela realização do negócio; e (ii) para o terceiro
julgador da demanda em questão, ao alegar ter confiado em informações deliberadamente
falsas ou imprecisas que acreditava ser verdadeiras (i.e., ter sido vítima de dolo principal ou
acidental) em busca do desfazimento do negócio (dolo principal) ou do recebimento de
indenização, traduzida em lucro inesperado (dolo acidental). Tal proteção estaria em
completo desacordo com o artigo 150 do Código Civil brasileiro, segundo o qual, em
procedendo ambas as partes com dolo, nenhuma poderá alegá-lo com vistas à anulação do
negócio ou à reclamação por ressarcimento.

Por fim, há que se discutir especificamente sobre os efeitos produzidos – ou não –


pelas cláusulas de disclaimer of reliance na hipótese de verificação de dolo omissivo, na qual
ocorre, por parte do figurante detentor de informações a respeito do bem negociado, flagrante
violação do dever de informar oriundo do princípio da boa-fé objetiva. Trata-se de situação
em que o possuidor de informações que possam impactar na avaliação, pelo outro agente, de
seus interesses quanto à contratação e aos termos em que esta se dará deixa de divulgá-las
(omissão completa) ou as divulga de forma incompleta (meia-verdade, na linguagem de
LANGEVOORT).

Nessa circunstância, entende-se que – a depender da extensão do dever de informar, a


ser definida com exatidão a partir dos elementos que compõem o caso concreto – os
dispositivos de disclaimer of reliance não teriam o condão de afastar a responsabilização
extracontratual – i.e., decorrente dos dispositivos do Código Civil pátrio aplicáveis ao dolo.
Isto, porque, tal responsabilização seria a única maneira de se desestimular ou penalizar,
conforme aplicável, a conduta dolosa omissiva, sob pena de se permitir que uma das partes
maliciosamente oculte informações relevantes (ou seja, minta) – infringindo o dever de
informar e agindo em desacordo com os padrões éticos e cooperativos da boa-fé objetiva –,

 
84

não podendo a outra nada fazer para se defender. Em outros termos, a atribuição de eficácia à
cláusula de disclaimer of reliance em um tal contexto justificar-se-ia, apenas, se – dada a
restrita extensão do dever de informar – este não tivesse sido violado.

Nessa conjuntura, o desafio será não só do juiz, de delimitar a amplitude do dever de


informar no âmbito do caso real, mas também do demandante declaratário de provar que a
informação em questão foi, de fato, omitida ou prestada como meia-verdade pelo declarante
na etapa pré-negocial (e não simplesmente eleita por ambas as partes, após negociação, como
irrelevante para a formação de vontade em prol da contratação). Contudo, trata-se de
questões cuja completa regulação foge da racionalidade limitada dos agentes econômicos –
dadas as mais diversas variáveis que podem caracterizar a situação concreta – e, portanto,
carecem de cuidadosa análise casuística.

Examinadas – à luz do direito brasileiro – as facetas relativas ao entendimento da


Court of Chancery de Delaware em prol da eficácia das cláusulas de disclaimer of reliance
em caso de dolo antecedente verificado somente em âmbito extracontratual (i.e., não
traduzido em declarações e garantias apostas no corpo do contrato), partir-se-á à análise –
também de acordo com o aparato jurídico pátrio – do segundo posicionamento de referida
corte que esta dissertação se propôs a averiguar: aquele segundo o qual embustes
consolidados contratualmente (destarte, dolo contemporâneo) não podem ser permitidos em
medida alguma por uma questão de política pública.

 
85

5.3 Afastamento da Lei pelo Contrato: Cláusulas de Entendimento Integral e


Remédio Exclusivo

O presente Capítulo presta-se a verificar se o entendimento da Court of Chancery de


Delaware no sentido de que as cláusulas de entendimento integral e remédio exclusivo não
afastam a possibilidade de o declaratário – diante da constatação de dolo do declarante
consignado nas declarações e garantias do contrato (dolo contemporâneo) – pleitear a
aplicação dos remédios cabíveis previstos em lei permanece à luz do direito brasileiro.

Conforme exposto no Capítulo anterior, entende-se que, observadas as normas e


princípios integrantes do ordenamento pátrio, podem os contratantes – por meio da redação de
declarações e garantias e cláusulas de disclaimer of reliance – delimitar em quais informações
prestadas durante a etapa pré-contratual o declaratário efetivamente confiou para formar o seu
consentimento quanto à consumação do negócio, eximindo o declarante de responsabilidade
por quaisquer outras informações disponibilizadas durante as tratativas do contrato e
“descartadas” de comum acordo entre as partes (portanto, irrelevantes para o sistema jurídico,
ainda que afetadas por dolo).

Todavia, como se enfatizou, os dispositivos de disclaimer of reliance não têm aptidão


para afastar a responsabilidade do detentor de informação relevante – i.e., aquela capaz de
influenciar a formação da vontade da outra parte no que toca à celebração do contrato ou aos
termos em que esta se dará – pela omissão total ou parcial de tal informação. Isto, pois, sendo
o declaratário privado de conhecimento a respeito de determinada circunstância, não tem ele
como livremente consentir com o fato de que tal circunstância não importa para sua avaliação
e seu julgamento com relação ao negócio. Daí a razão pela qual se defende que as cláusulas
de disclaimer of reliance são eficazes tão somente em situações não contaminadas por dolo
omissivo.

Esclarecido esse ponto, prossegue-se ao exame, com base no aparato jurídico


brasileiro, da seguinte questão: uma vez demarcado o rol de declarações e garantias que serão
apostas no documento contratual – i.e., o menu exaustivo das informações conhecidas pelo
declaratário que foram essenciais para a constituição de seu convencimento relativamente à
concretização da operação comercial, de acordo com certos termos –, podem as partes
estabelecer no perímetro contratual quais serão as exatas consequências que enfrentarão em se

 
86

verificando que a redação de determinada declaração e garantia resultou de mentira ou


imprecisão deliberada (i.e., dolo) por parte do declarante? Em outras palavras, podem os
atores contratuais substituir integralmente os dispositivos da lei encarregados da disciplina do
dolo pelas regras contratuais, afastando aqueles por completo?

Como já apontado, em que pese o possível intuito extraído das cláusulas de


entendimento integral de – além de excluir comunicações, declarações e acordos anteriores à
celebração do contrato – afastar outras fontes de direitos, obrigações e responsabilidades que
não o próprio contrato – e, por conseguinte, cercar a relação contratual de certeza e segurança
–, no direito brasileiro, tais dispositivos não passam de meros criadores de ilusão quanto à
exaustividade do documento contratual.

Ora, não é novidade que a concretização dos propósitos da boa-fé objetiva – quais
sejam, assegurar a presença de correição nas relações jurídicas e tutelar a legítima confiança –
passa pela criação de deveres de cooperação, que não podem ser afastados pelos contratantes,
nem que se evoque o princípio da autonomia privada – ou o preceito do pacta sunt servanda
dele derivado. Tal afirmação se justifica na medida em que a autonomia privada é
relativizada e flexibilizada ao entrar em contato com o teor ético da boa-fé objetiva e dos
deveres dela oriundos226. Há, em suma, verdadeira prevalência da boa-fé objetiva sobre as
determinações contratuais, apesar de aquela não impor comportamento preestabelecido,
diferentemente de outras cláusulas que dão conteúdo ao contrato227.

Logo, resta evidente que o direito das partes de regular seus interesses como
desejarem não resiste à força conferida à boa-fé objetiva – e aos deveres que lhe são anexos –
no ordenamento brasileiro. Assim, ainda que se estabeleça documentalmente que as regras
contempladas em dado contrato são as únicas a disciplinar a relação jurídica a ele subjacente,
o princípio da boa-fé objetiva – com o caráter cogente que tem – constituirá, ao lado dos
deveres contratuais, fonte de direitos e obrigações, independentemente de declaração de
vontade nesse sentido.

Consequentemente, considerando-se que, em decorrência do princípio da boa-fé


objetiva, determinado contratante tem os deveres de agir com correção, lealdade e probidade e
                                                                                                               
226
COUTO E SILVA, C. V. DO. A Obrigação como Processo, 1ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 42.
227
ANCONA LOPEZ, T. Princípios Contratuais. In: FERNANDES, W. (coord.). Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2a ed.
São Paulo: Saraiva, 2013, cap. 1, p. 67.

 
87

de informar, a inobservância de tais deveres implicará o descumprimento da lei e acarretará,


destarte, as consequências nela previstas. Ora, é evidente que o dolo importa a violação da
boa-fé objetiva: em sua forma comissiva, consiste em consciente enganar contrário ao dever
de atuação proba; em sua modalidade omissiva, nada mais é do que flagrante descumprimento
do dever cooperativo de informar. Ao se comportar dolosamente, o contratante infringe a
boa-fé objetiva e, consequentemente, afronta a ordem pública, em que condutas de má-fé,
desleais ou desprovidas de probidade e correição não podem ser toleradas, sob pena de se
perpetuarem e desestabilizarem a ordem.

Nem se argumente que, nos negócios jurídicos de cunho mercantil, dadas a


sofisticação das partes e a paridade entre elas existente, são excluídos os deveres ancilares
decorrentes da boa-fé objetiva. Conforme já esclarecido, em operações dessa natureza, a
extensão e a intensidade de tais deveres hão de ser balizadas de acordo com o conhecimento e
a experiência dos contratantes, a finalidade econômico-social do negócio e as peculiaridades
da situação concreta (e.g., características do mercado em que se insere a operação e eventual
regulamento da negociação previamente estabelecido entre as partes). É claro, pois, que esses
deveres – devidamente balizados – têm de ser estritamente cumpridos pelas partes, não
podendo, em hipótese alguma, os usos e costumes e a prática comercial acomodarem ato
contrário à boa-fé objetiva.

No que tange às cláusulas de remédio exclusivo – segundo as quais o direito à


indenização delimitado no contrato é o único recurso disponível às partes após o fechamento
do negócio (excluindo-se qualquer outra forma de reparação prevista em lei) –, entende-se
que estas não gozam de aptidão para limitar o direito do figurante prejudicado de se ressarcir
dos danos oriundos da violação da lei (i.e., do princípio da boa-fé objetiva e dos deveres que
esta carrega consigo, e não das obrigações contratuais) ocorrida durante a formação do
contrato (ou seja, antes da, ou concomitante a, sua celebração).

Ademais, não se pode esquecer que o dolo – seja ele principal ou acidental,
antecedente ou contemporâneo – vicia a concepção da vontade da parte, de modo que, se
soubesse ela da exata realidade dos fatos (encoberta por mentira, meia-verdade ou omissão),
não teria contratado, ou o teria feito em termos distintos daqueles pactuados, inclusive no que
diz respeito às regras e limitações de indenização e à cláusula de remédio exclusivo. Em se
permitindo a exclusão dos remédios previstos no Código Civil para as hipóteses de vício do

 
88

negócio jurídico por dolo, abrir-se-ia brecha, mediante pagamento – quiçá de valor irrisório –,
para a criação, pelo instrumento contratual, de verdadeira licença para mentir, atentando-se
contra o princípio da boa-fé objetiva e, por conseguinte, contra a ordem pública.

Por fim, é de se notar que tal constatação se aplica não só ao dolo contemporâneo
cristalizado em declarações e garantias apostas no contrato, mas também a meias-verdades e
omissões dolosas, uma vez que, conforme explanado acima, entende-se que a
responsabilidade destas decorrentes não é afastada pela cláusula de disclaimer of reliance.

 
89

VI. CONCLUSÃO

Conduzida a investigação sobre a possibilidade de se utilizar de artifícios contratuais –


tais como as cláusulas de entendimento integral, disclaimer of reliance e remédio exclusivo
atreladas a declarações e garantias e regras de indenização e limitação de responsabilidade –
para o delineamento rígido e inequívoco da esfera de responsabilização do declarante na
eventualidade de verificação (superveniente ao contrato) de conduta dolosa de sua parte
anterior ou contemporânea à celebração do instrumento contratual, é de se concluir que, no
exercício da advocacia empresarial, sobretudo quando da negociação e da elaboração de
complexos arranjos contratuais, não se pode olvidar que tais arranjos não são a única fonte de
direitos e obrigações existentes entre os contratantes.

A execução dos termos ajustados entre as partes documentalmente, assim como a


interpretação de tais termos, passa necessariamente pelas regras e princípios que compõem o
ordenamento regedor do contrato, os quais podem desempenhar papel limitador da pretensão
das partes. Nesse sentido, no sistema jurídico brasileiro, a boa-fé objetiva – criadora dos
deveres maiores de correição, lealdade e cooperação entre os contratantes, cânone
hermenêutico-integrativo da atividade negocial e baliza do exercício de direitos subjetivos –
atua como princípio restritivo da autonomia privada em prol da manutenção da perfeita ordem
pública, a qual não comporta espaço para tolerância com embustes e engodos. Não se pode,
portanto, à luz da lei pátria, se utilizar do instrumento contratual para criar licença para
mentir.

Daí – i.e., da noção de que a vontade negocial não é absoluta, mas sim passível de
restrições – porque o transplante para a prática contratual brasileira de padrões contratuais
desenvolvidos nos moldes da common law (tais como as cláusulas mencionadas acima) –
ainda que mundialmente tidos como integrantes das melhores práticas negociais – requer
especial cuidado, notadamente no que tange à possível discrepância entre a expectativa dos
atores negociais quanto à alocação de riscos que se propôs ao longo da formação do contrato e
os reais efeitos das disposições contratuais, quando analisadas, à luz do direito pátrio, por um
terceiro julgador.

Ora, o contratante desonesto que acredita que sua responsabilização pela omissão
intencional de característica relevante do bem negociado está limitada a determinado valor

 
90

cuidadosamente negociado durante as tratativas do contrato pode se deparar com decisão


judicial que determine o desfazimento do negócio jurídico eivado de vício (dolo) e/ou o
pagamento de indenização em valor bastante superior ao limite estabelecido contratualmente.

Trata-se de panorama paradoxal com o qual os advogados que operam o dia-a-dia do


direito empresarial têm de lidar: de um lado, a preocupação em negociar e contemplar no
corpo do contrato mecanismos adotados em escala internacional que busquem, na maior
medida possível, dar segurança a seus clientes quanto às exatas consequências advindas da
relação jurídica que se consuma; de outro, a imprevisibilidade e, por conseguinte, a
insegurança – que escapam de seu controle – quanto ao entendimento que será conferido aos
dispositivos limitadores de responsabilização por dolo quando examinados à luz do aparato
normativo brasileiro. Verifica-se assim, do ponto de vista legal, situação intrincada a ser
enfrentada pelos assessores jurídicos, especialmente em vista da ausência de jurisprudência no
país a esse respeito e da subjetividade e sutileza que podem caracterizar a comprovação de
dolo (principalmente em sua faceta omissiva).

Contudo, cientes e conscientes das qualidades e peculiaridades do sistema jurídico


pátrio e da magnitude que nele adquire o princípio da boa-fé objetiva, devem os advogados,
para além do esforço em negociar e desenhar cláusulas contratuais exequíveis de acordo com
o ordenamento brasileiro (ao menos, na maior medida possível), alertar seus clientes acerca
das consequências que atitudes maliciosas podem gerar, incentivando-os a agir de modo
probo e permitindo-lhes lançar mão de sua experiência e sofisticação para considerar tais
possíveis implicações em uma mais apurada avaliação dos riscos legais envolvidos na
operação pretendida228.

No que tange às cláusulas de entendimento integral e remédio exclusivo – já presentes


em grande parte dos contratos mercantis celebrados à luz do direito brasileiro –, ainda que se
tenha concluído – em virtude da responsabilidade extracontratual prevista nos artigos 145 a
150 do Código Civil atrelada à mencionada preponderância da boa-fé objetiva no
ordenamento pátrio – por sua eficácia restrita nas situações em que o negócio jurídico tenha
sido maculado por dolo, recomenda-se que os agentes da advocacia empresarial brasileira
continuem a contemplar tais dispositivos nos instrumentos contratuais – sem prejuízo do
                                                                                                               
228
É de se ressaltar que, em algumas hipóteses, o valor dos riscos legais a serem assumidos por determinada parte pode ser inferior ao custo
de se buscar negociar e redigir cláusulas que sejam mais adequadas ao direito brasileiro – talvez estranhas à prática negocial – e que estarão
contaminadas, de qualquer modo, por insegurança jurídica.

 
91

alerta a seus clientes acerca dos riscos e possíveis consequências a eles relacionados –, com
vistas a melhor guarnecer o juiz com elementos denotativos da vontade das partes e dos
termos que nortearam as tratativas da operação (espírito negocial), os quais inevitavelmente
pautarão a interpretação e a contextualização do negócio em disputa (afinal, a presença desses
mecanismos, desde que efetivamente desejados pelas partes, em nada prejudica a redação e a
coerência do contrato).

Ademais, é de se considerar que não são todas as disputas oriundas de instrumentos


mercantis que adquirirão natureza litigiosa e serão submetidas ao crivo do Poder Judiciário.
Pode ocorrer de as disposições contratuais, a despeito de não estarem integralmente de acordo
com as regras e princípios que compõem a lei aplicável, sejam observadas pelas partes sem
questionamentos. Outra possibilidade é a resolução amigável da controvérsia entre as partes,
inclusive com vistas a se evitar os custos decorrentes de uma longa e incerta batalha judicial.

Já no que toca à cláusula de disclaimer of reliance – pouco utilizada pelos advogados


brasileiros no âmbito de operações mercantis – recomenda-se a inserção de dito mecanismo
nos contratos comerciais regidos pela lei brasileira 229 em que se busca a delimitação
contratual da responsabilidade do declarante por dolo comissivo que seja irrelevante para a
composição da vontade do declaratário, e, consequentemente, para o sistema jurídico230.
Adicionalmente, assim como os dispositivos de entendimento integral e remédio exclusivo,
tal cláusula também tem o condão de auxiliar na interpretação e contextualização de negócio
jurídico submetido à apreciação do Poder Judiciário.

Por fim, deve-se ressaltar que a assunção de riscos legais pelos clientes e a
observância das recomendações acima apresentadas não eximem os operadores do direito
empresarial de estudarem e se atualizarem a respeito de eventual entendimento dos tribunais
sobre a possibilidade de, contratualmente, se restringir a limitação de responsabilidade e se
afastar a previsão de anulabilidade do negócio em caso de verificação de dolo. Isto, pois, o
cálculo de riscos pressupõe um certo conhecimento de quais os riscos a serem enfrentados,
além de que o desenvolvimento e/ou o aprimoramento de mecanismos para mitigar tais riscos

                                                                                                               
229
Sugere-se a seguinte redação: “Confiança Exclusiva. As partes declaram e reconhecem que confiaram e se pautaram exclusivamente nas
informações e declarações e garantias contempladas neste contrato quando de sua decisão por celebrar o presente negócio jurídico, nos
termos aqui estabelecidos, de modo que informações e declarações prestadas tão-somente na esfera extracontratual (i.e., não constantes
expressamente do conteúdo deste contrato) não ensejarão qualquer responsabilidade para o declarante.”
230
Lembre-se que não há que se falar em criação de brecha para mentir por tal dispositivo, uma vez que a prestação de informações
relevantes para o declaratário (e para o sistema jurídico) permanece protegida contra qualquer conduta de má-fé.

 
92

serão certamente apreciados pelos agentes de mercado, contribuindo para a valorização do


papel do advogado.

 
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