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Contratos Empresariais

(DCO 0320)

Prof. Rodrigo Octávio Broglia Mendes


Aluno: Marcos Leal de Moraes Santana
Turma: 13 – 191 (2020)
Contratos Empresariais
Prof.: Rodrigo Octávio Broglia Mendes
Aluno: Marcos Leal de Moraes Santana

Sumário
I. Contrato, Empresa e Mercado ...................................................................................... 3
II. Design Contratual e Racionalidade econômica dos Contratos Empresariais ........... 5
III. Contrato e Risco ............................................................................................................. 9
IV. Contratos Típicos e Atípicos ........................................................................................ 11
V. Gênese e formação dos Contratos Empresariais ....................................................... 14
VI. Contrato e Tempo......................................................................................................... 17
VII. Coordenação contratual e redes contratuais ............................................................. 22
Contratos coligados ................................................................................................... 22
Contratos únicos ........................................................................................................ 24
VIII. Interpretação dos Contratos Empresariais ................................................................ 25
IX. Compra e venda de ações e CISG ............................................................................... 29
Compra e venda de participações societárias ............................................................ 29
CISG (Compra e Venda Internacional de Mercadorias) ........................................... 32
X. Contratos de Colaboração I......................................................................................... 33
Contratos de consignação ou Contrato estimatório ................................................... 33
Mandato..................................................................................................................... 34
Contratos de comissão............................................................................................... 34
Contrato de corretagem ............................................................................................. 35
XI. Contratos de Colaboração II ....................................................................................... 36
Representação comercial ........................................................................................... 36
Concessão mercantil.................................................................................................. 37
Contrato de agência ................................................................................................... 38
XII. Contratos de Colaboração III ..................................................................................... 39
Contrato de distribuição ............................................................................................ 39
Contrato de franquia (Franchising)........................................................................... 42
XIII. Garantias e insolvência. Financiamento de projeto. ................................................. 47
XIV. Leasing (arrendamento mercantil) e factoring. Contratos bancários ..................... 50
Contratos Bancários .................................................................................................. 50
Leasing financeiro (arrendamento mercantil) ........................................................... 50
Factoring ................................................................................................................... 52
XV. Contrato de seguro ....................................................................................................... 53

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Contratos Empresariais
Prof.: Rodrigo Octávio Broglia Mendes
Aluno: Marcos Leal de Moraes Santana

I. Contrato, Empresa e Mercado

“Os comercialistas não vêm tentando aplicar o direito civil às relações empresariais. Nos dias
de hoje, a intenção é compreender a racionalidade econômica e, a partir disso, desenvolver os
instrumentos jurídicos necessários”

Contratos e Mercado. Disse-se que o contrato é a veste jurídico-formal de operações


económicas. Donde se conclui que onde não há operação econômica, não pode haver também
contrato1.

Partes dos Contratos Empresariais. A atenção do comercialista recai sobre os contratos


interempresariais, ou seja, aqueles celebrados entre empresas, i.e., em que somente empresas
fazem parte da relação. Ao assim proceder, identificamos os contratos empresariais com aqueles
em que ambos [ou todos) os poios da relação têm sua atividade movida pela busca do lucro. Esse
fato imprime viés peculiar aos negócios jurídicos entre empresários2.

Contratos e a Empresa. A empresa não apenas "é"; ela "age", "atua", e o faz por meio dos
contratos. A empresa não vive ensimesmada, metida com seus ajustes internos; ela revela-se nas
transações. Sua abertura para o ambiente institucional em que se encontra é significativa a ponto
de parte da doutrina afirmar que "lois modernos complexos produtivos não são tanto estoque de
bens, mas feixes de relações contratuais".' A empresa cristaliza-se em sua atividade de interagir;
a empresa é agente econômico. É preciso adquirir insumos, distribuir produtos, associar-se para
viabilizar o desenvolvimento de novas tecnologias, a abertura de mercados etc.; tudo exige que
se estabeleçam relações com terceiros. Essa ação reciproca (empresa outros agentes] interessa
ao Direito na medida em que dá a luz a contratos e, consequentemente, a relações jurídicas3.

Direito Comercial e Direito do Consumidor. A confusão entre os contornos do direito


comercial e do direito do consumidor pode comprometer a percepção dos fundamentos do
primeiro. As matérias possuem lógicas diversas, de forma que a aplicação do Código do
Consumidor deve ficar restrita às relações de consumo, ou seja, àquelas em que as partes não se
colocam e não agem como empresa. Ao contrário, se o vínculo estabelece-se em tomo ou em
decorrência da atividade empresarial de ambas as partes, premidas pela busca do lucro, não se

1
ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009. p. 11.
2
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 27.
3
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 29.

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deve subsumi-lo à lógica consumerista, sob pena de comprometimento do bom fluxo de relações
econômicas." Isso não significa que o empresário em posição de sujeição ao poder do outro não
seja digno de tutela. Todavia, essa proteção deverá se dar em conformidade comas regras e os
princípios típicos do direito mercantil e não da lógica consumerista, incompatível com as
premissas daquele sistema4.

Contratos comerciais como categoria autônoma. O diferenciador marcante dos contratos


comerciais reside no escopo de lucro de todas as partes envolvidas, que condiciona seu
comportamento, sua "vontade comum" e, portanto, a função econômica do negócio, imprimindo-
lhe dinâmica diversa e peculiar. Por um lado, o contrato, singularmente considerado, perfaz
determinada operação econômica. Porém, quando imerso na empresa, revela-se como parte ou
manifestação da atividade do ente produtivo. Assim, é inegável o impacto da atividade da
empresa sobre cada um dos negócios por ela encetados. Dizemos que a "natureza e o espírito do
contrato" comercial são condicionados pela "vontade comum" das partes, direcionada que é pelo
escopo de lucro que grava cada uma delas. Nos contratos consumeristas, essa luta pelo lucro
recai apenas sobre uma das partes [a empresa fornecedora]; nos civis, pode inexistir [como no
caso da doação] ou aparecer de forma esporádica e mitigada em um dos poios que se aproveitará
economicamente do evento [locação, por exemplo] (...) Todos esses cismas e rearranjos são
realizados [pelo Direito] em tomo do status das partes. Os contratos mercantis despregam-se do
direito comum porque deles participa um comerciante; os trabalhistas, porque envolvem
empregado e os consumeristas porque na relação há consumidor5.

Os contratos comerciais constituem hoje, sem dúvida, uma categoria autónoma ou classe “sui
generis” de contratos. Essa autonomia é formal – mormente, atenta a consagração legislativa de
um elenco próprio e extenso de “contratos especiais de comércio” -, mas também substancial –
sobretudo tendo em conta o crescimento exponencial das figuras contratuais mercantis, o seu
relevo central no quadro da “práxis” contratual contemporânea, a densidade e a complexidade
do respectivo quadro regulatório, bem assim como o actual recentramento do paradigma
normativo e operativo de tais contratos em torno da empresa6.

“Os contratos empresariais não se distinguem dos contratos civis pela sua estrutura, mas sim
por sua finalidade”

4
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 31.
5
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, pp. 39 e 44.
6
ENGRÁCIA, José Antunes. A contratação mercantil em perspectiva. Coimbra: Almedina, 2004. p. 85.

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II. Design Contratual e Racionalidade econômica dos Contratos Empresariais

O que caracteriza o contrato empresarial é a intenção das partes, sua finalidade, e não sua forma.

Sintagma Contratual. Sintagma, em qualquer estrutura, de acordo com Carlos Ferreira de


Almeida, “(...) é formado pelo conjunto de elementos que, entre si, estão em relação cumulativa,
de co-presença”7. Carlos Ferreira de Almeida sugere a seguinte estrutura para a sintagma
contratual:8

Pessoas. Correspondem às partes que concorrem para a formação do contrato, sejam as


pessoas que praticam os atos, ou em nome de quem o ato é praticado, e sobre quem o
contrato produz efeitos, podendo ser beneficiário (em relação a quem situações jurídicas
ativas (e.g. direitos) são criadas ou situações jurídicas passivas (e.g. deveres) são extintas)
ou sujeito – quem sofre os “sacríficos”.

Objetos. Correspondem aos bens ou serviços sobre os quais incidem os efeitos contratuais.

Funções. Referem-se aos efeitos jurídicos produzidos (função eficiente) e os objetivos


“metajurídicos” a serem alcançados pelo ato (função econômico-social).

Circunstâncias. Correspondem aos elementos que completam a função eficiente e a


função econômico-social do contrato [distingue-se da sintagmática]. O entendimento de
Almeida é distinto do entendimento de Junqueira, na medida em que as circunstâncias do
contrato não lhe são exógenas, constam no próprio contrato.

Circunstâncias da função eficiente.

7
ALMEIDA, Carlos Ferreira. Contratos II. Conteúdo. Contratos de Troca, 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2011,
p. 18.
8
ALMEIDA, Carlos Ferreira. Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, vol. I. Coimbra:
Almedina, 1992

5
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Tempo. Estabelece os momentos de produção dos efeitos contratuais (e.g.


termo inicial e final);

Espaço. Estabelece os limites espaciais de produção dos efeitos contratuais


(e.g. limite do licenciamento de marca para um determinado espaço físico –
p.e Município);

Conformidade. Relação de adequação a certos padrões normativos (e.g.


cláusula de escolha do direito aplicável nos contratos internacionais, remissão
a usos e costumes etc);

Eventualidade. A verificação de ocorrência de determinado evento para a


produção ou interrupção de certos efeitos (e.g. condições suspensivas e
resolutivas).

Circunstâncias da função econômico-social:

Tempo. Não afeta a eficácia do negócio jurídico, simplesmente indica o


momento de realização de determinada ação (e.g. prazo de vencimento de
obrigação pecuniária);

Espaço. Estabelece os locais de realização das ações (e.g. local de


pagamento);

Eventualidade. Elemento eventual, característico de certos tipos de contratos


(e.g. no contrato de seguro, ocorrendo o evento futuro e incerto, presta-se a
garantia);

Finalidade. Complementa com informações sobre o objetivo da ação ou da


sua afetação ao objeto (finalidade de consumo, finalidade empresarial etc).

Design Contratual. Robert E. Scott (Columbia) e George Triantis (Stanford) são os pais do
design contratual.

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Desigualdade entre partes empresárias. Ao contrário do que sustentam muitos, nos contratos
empresariais não existe a presunção de igualdade entre as partes, pois certa assimetria de poder
é-lhes cada vez mais inerente. Há contratos paritários, mas numerosos são aqueles em que se
encontra a dependência. Ninguém ignora que, quando contratam, raramente as partes
encontram- -se em situação de igualdade. A presunção do direito não é essa, e sim que as
empresas analisaram o negócio e decidiram contratar, avaliando que as vantagens trazidas pela
operação superam as desvantagens. Nesse ponto, as presunções jurídicas que cercam os
contratos empresariais são bem diversas dos contratos consumeristas, pois são lógicas
formatadas por raio distintas9.

Oportunismo e Egoísmo do agente de mercado. Mediante a celebração do contrato, a parte


tende a buscar a vinculação do parceiro; entretanto, se lhe fosse permitido, preferiria
permanecer livre para desvencilhar-se do negócio. Essa observação é diretamente ligada ao
oportunismo inerente ao agente econômico (...) A empresa perseguirá antes seu próprio interesse
do que aquele do parceiro comercial. Pode-se esperar [e até supor] que pessoas físicas sejam
altruístas, sacrificando-se pelo bem comum ou por seu semelhante. Assumir ou não essa premissa
depende da postura que cada um mantém diante do mundo e da esperança que deposita na
humanidade. Mas, no giro empresarial, nem mesmo a dúvida tem lugar. Ninguém cogita ou pode
legitimamente imaginar que empresas "amem o próximo como a si mesmas"; atos de liberalidade
são estranhos ao tráfico mercantil. Por ser empresa, entende-se que o ente perseguirá seus
interesses em primeiro lugar; o agente econômico é naturalmente egoísta. Sem prejuízo da
possibilidade ou probabilidade de cooperação, nos contratos empresariais é de se assumir que,
se houver chance e for economicamente vantajoso, cada qual situará o seu escopo adiante
daquele do parceiro. (...) Desdobramento direto do egoísmo do agente económico é seu
oportunismo, que o mantém à espreita, visando a identificar e a usar em seu favor todas as
oportunidades que surgirão, ainda que em detrimento dos outros. A admissão de comportamentos
oportunistas que não servem ao tráfico mercantil teria por efeito o aumento dos custos das
transações; em ambiente ' hostil, cada negócio requer que uma parte procure se proteger contra
o comportamento inadequado da outra. (...) O egoísmo [característica do agente] e oportunismo
[o agir impelido pelo egoísmo] são tomados pelo sistema como características da empresa ou de
seu comportamento que, algumas vezes, devem ser toleradas e, em outras, evitadas e proibidas;
tudo sempre no interesse geral do comércio10.

9
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 265.
10
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 160.

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Racionalidade econômica limitada. RODRIGO BROGLIA MENDES afirma que os “contratos


são mais uma forma de lidar com o tempo. O economista não consegue prever o futuro,
justamente por sua racionalidade limitada”.

Ao contratar, a parte não possui todas as informações existentes sobre a outra, sobre o futuro e
sobre a própria contratação; diz-se que sua racionalidade limitada. No mundo real, as partes
simplesmente não conseguem prever todas as contingências futuras no momento que se vinculam
ao contrato. Sempre faltarão dados sobre a outra contratante, sobre os possíveis desdobramentos
do ambiente institucional, sobre o porvir. As empresas "não são capazes de prever todos os
eventos futuros que poderão se verificar no curso da relação, não são capazes de adquirir e
processar todas as informações relevantes para delinear planos de ação adequados, não são
capazes de descrever em um contrato todas as possíveis eventualidades de forma clara e não
ambígua. Por conta disso, afirmam os economistas que os agentes econômicos agem impelidos
pela racionalidade limitada e não por uma racionalidade plena e onisciente — que existiria se
tudo fosse perfeito11.

Custos de transação. A empresa contrata porque entende que o negócio trar-lhe-á mais
vantagens do que desvantagens. As contratações são também resultado dos custos de suas
escolhas; o agente econômico, para obter a satisfação de sua necessidade, opta por aquela que
entende ser a melhor alternativa disponível, ponderando os custos que deverá incorrer para a
contratação de terceiros ("custos de transação”). Quanto menores os custos de transação, maior
a Prenda das relações econômicas e o desenvolvimento12.
Agentes econômicos “ativos e probos”. Os agentes econômicos, em suas contratações, podem
legitimamente presumir que a contraparte adotará comportamento semelhante àquele
normalmente implementado pelos atores do mercado, pelos chamados agentes econômicos
“ativos e probos”. Se, no direito do consumidor, a presunção é a vulnerabilidade de uma das
partes, no direito comercial parte-se necessariamente da assunção oposta. [...] Por conta da
adoção do padrão de comportamento do homem ativo e probo, ou dos “comerciantes cordatos”,
o ordenamento jurídico autoriza a pressuposição de que o agente econômico, de forma prudente
e sensata, avaliou os riscos da operação e, lançando mão de sua liberdade econômica, vinculou-
se. O sistema supõe que, naquele momento, o mercador entendeu que o contrato ser-lhe-ia

11
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 150.
12
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 141.

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vantajoso; essa expectativa pode até restar frustrada – e aí reside o risco do negócio. O agente
econômico é caracterizado por uma “esperteza própria” que lhe faz atilado, capaz de atuar no
mercado. [...] A adoção do critério do homem ativo e probo pelo sistema facilita as contratações,
pois autoriza a parte a supor que a outra cercar-se-á dos cuidados necessário e normalmente
esperados antes, durante e após a celebração do negócio. Essa pressuposição diminui os custos
a serem incorridos pelos agentes econômicos em suas transações13.
III. Contrato e Risco

Conceito de Risco. Risk is the effect of uncertainty on objectives. Apenas definindo os objetivos
do agente econômico é que conseguimos reduzir a complexidade do campo das incertezas. É neste
contexto que o contrato é um instrumento de alocação de riscos.

O “risco” pode ser definido de algum modo como segue. Se A é o valor do bem que pode resultar,
p é sua probabilidade (p + q = 1), e E é o valor da “expectativa matemática”, de modo que E =
pA, então “risco” é R, onde R = p (A – E) = p (1 – p)A = pqA = qE. Isso pode ser colocado de
outro modo: E mede o sacrifício imediato que deveria ser feito para se obter A; q é a
probabilidade de que esse sacrifício seja em vão; então qE é o “risco”14.

Contratos e Risco. O contrato é exercício de previsão sobre o futuro. Algumas situações são
cogitadas no momento da celebração, e sobre elas se dispõe. (...)Mas há outros contextos que
restam sem qualquer referência15.

Pacta sunt servanda e Risco. O contrato é um instrumento privilegiado da autonomia


privada. Trata-se provavelmente da mais importante espécie de negócio jurídico. Por seu
intermédio, as partes podem criar, modificar e extinguir relações jurídicas
obrigacionais. A delimitação do conteúdo do negócio fica essencialmente a cargo dos
contratantes. Para o direito privado, todos são livres para assumir os riscos julgados
apropriados. Não podem depois, todavia, recusar as consequências de sua
materialização. Liberdade e responsabilidade são faces de uma mesma moeda. Sem isso
não há sociedade de direito privado. Sem isso, não ha cidadãos16.

13
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, pp. 119-122.
14
KEYNES, J. M. (1921/2008). A treatise on probability. Rough Draft Printers, 2008. p. 315.
15
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 267.
16
ZANETTI, C. S.. O risco contratual. In: Teresa Ancona Lopez; Patrícia Faga Iglecias Lemos; Otavio
Luiz Rodrigues Junior. (Org.). Sociedade de risco e Direito privado: desafios normativos, consumeristas e
ambientais.. 1ed.São Paulo: Atlas, 2013, p. 455-468.

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Contrato, Tempo e Risco. Salta aos olhos, assim, que a extensão temporal do contrato
interessa grandemente a definição dos respectivos riscos. Maior a duração, maior o risco
e menor a chance de que os fatos supervenientes possam ser qualificados como
extraordinários e imprevisíveis. Os contratos destinados a viger por menor extensão
temporal, por sua vez, encerram risco mais reduzido e, por conseguinte, são mais
sensíveis a alteração das circunstancias17.

Função do Contrato e seu risco intrínseco. Demarcar a causa é essencial para compreender
quais são os riscos normais do negócio, isto é, aqueles que lhe são próprios, por integrar o tipo
(legal ou social) do contrato, sendo, portanto, risco previsível, na medida em que o risco
previsível pode ser objeto de garantias contratuais. Todo e qualquer contrato, constituindo um
"ato de previsão", 38 conforme a célebre definição de Maurice Hauriou, pode e deve ser objeto
de garantias que visem fazer face ao risco, nessa possibilidade de previsão do risco residindo,
justamente, a distinção entre "previsibilidade" e "imprevisibilidade" contratual18.
É relevante entender que somente por meio dos contratos é que se podem realizar investimentos
com vistas à redução de riscos no futuro19.

Especificidades do Direito Comercial. Se, em regra geral, a obrigação é uma só, decorra de
atos de natureza civil ou empresarial, inegável é que as resultantes dos atos empresariais sofrem
a influência deles e, por isso mesmo, em determinados aspectos divergem das obrigações civis.
Sabe-se que o Direito Comercial tem características próprias, que retratam justamente o
dinamismo do comércio, em contraste com a posição conservadora, de certo modo estática, dos
atos de natureza civil. Assim, enquanto o Direito Civil é um direito tradicional, preso a antigas
regras, de lenta evolução, o Direito Comercial, para atender às exigências do desenvolvimento
do comércio, é um direito que se renova a cada instante, prescindindo, quando necessário, de
fórmulas solenes, adaptando-se ao progresso e, de certa forma, procurando acompanhar as
contingências econômicas dos diversos povos. E por que as relações comerciais exigem prontas
soluções para fatos __que surgem a cada momento, o direito mercantil procura dar ao
empresário maior -elasticidade de ação, mais ampla liberdade, mais facilidade para que os casos

17
ZANETTI, C. S.. O risco contratual. In: Teresa Ancona Lopez; Patrícia Faga Iglecias Lemos; Otavio
Luiz Rodrigues Junior. (Org.). Sociedade de risco e Direito privado: desafios normativos, consumeristas e
ambientais.. 1ed.São Paulo: Atlas, 2013, p. 455-468.
18
MARTINS-COSTA. Os contratos de leasing financeiro, a qualificação jurídica da parcela denominada
valor residual garantido - vrg e a sua dupla função: complementação de preço e garantia. In. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 49. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
19
SADDI, Jairo. Teoria da imprevisão no contrato bancário sob a égide do novo código civil. In. Doutrinas
Essenciais de Direito Empresarial, v. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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surgidos sejam resolvidos com a rapidez que as transações empresariais requerem. Caracteriza-
se, assim, o Direito Comercial, como já anteriormente assinalamos, pela simplicidade de suas
fórmulas, pela internacionalidade de suas regras e institutos, pela rapidez de sua aplicação, pela
elasticidade dos seus princípios e também pela onerosidade de suas operações. Neste sentido,
distancia-se grandemente o Direito Comercial do Civil, em regra formalístico, nacional, lento,
restrito. Esses princípios característicos, necessários para que o Direito Comercial possa
acompanhar a permanente evolução da atividade empresarial, não poderiam deixar de se refletir
nas obrigações resultantes dos contratos empresariais. Estes e aquelas, em muitos casos, fogem
à regra geral prescrita no Direito Civil para adotar soluções próprias, condizentes com os atos
de que se originaram, de natureza empresarial20.

La mer c’est la mére de droit. A origem do direito comercial é associada ao


desenvolvimento do direito marítimo, quando tudo era uma grande incerteza. Financiar a
atividade marítima era um risco absolutamente incerto.

IV. Contratos Típicos e Atípicos

Regime jurídico. Artigo 425 do Código Civil21.

Autonomia privada. A autonomia privada corresponde ao grande espaço de liberdade imposta


pela dignidade humana e pela Ideia de Direito, liberdade que não é tributária do Estado porque
não é por ele concedida e que, por isso mesmo, não pode também ser pelo Estado suprimida. É
uma liberdade originária que as pessoas têm de, por si e autonomamente de criar Direito. O
modo interpretativo de criar Direito, através do negócio e do contrato, e o modo estatal de criar
Direito, através da lei, harmonizam-se e integram-se na realização concreta do Direito22.

Contratos Típicos. As operações económicas mais importantes e mais difundidas são aquelas,
em suma, mais «típicas» - são tomadas em consideração pela lei que dita para cada uma delas
um complexo de regras particulares: os tipos de contratos que lhes correspondem dizem-se então
«tipos legais», justamente porque expressamente previstos, def1nidos e disciplinados pelo
legislador (que, submetendo-os a uma certa regulamentação em vez de a uma outra, propõe-se

20
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2010. p. 10.
21
Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste
Código.
22
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Contratos Atípicos. Dissertação de Doutoramento. Almedina:
Coimbra, 1995. p. 364.

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influenciar e orientar a dinâmica das operações econômicas que, lhes correspondem,


concertando os interesses contrapostos que aí se encontram desenvolvidos)23.

Previsibilidade e Tipicidade. A tipicidade, evidentemente, é elemento de previsibilidade


do Direito, uma vez que, presentes determinados elementos do tipo, será quase imediata a
identificação das normas aplicáveis ao contrato24.

Incidência do direito normativo. Nos contratos legalmente típicos, pode contar-se mais
com o direito injuntivo ou dispositivo do tipo, estatuído na lei; a estipulação contratual
pode reduzir-se a pouco e pode ter um papel quase residual, dado o caráter completo ou
quase completo dos modelos regulativos típicos. Embora nada impeça as partes de
estipular exaustivamente a disciplina contratual nos contratos legalmente típicos, tal não
é, em princípio, necessário. A disciplina do tipo supre, na generalidade dos casos,
suficientemente a estipulação das partes, precisamente porque é típica25.

Incompatibilidade com elementos do tipo. A incompatibilidade das estipulações das


partes com a disciplina invariável do tipo social tem como consequência, em princípio, a
nulidade das estipulações, nulidade que poderá acarretar ou não a de todo o contrato,
consoante ele seja redutível ou não. A incompatibilidade das estipulações das partes com
a disciplina invariável do tipo social não tem como consequência a invalidade, mas sim a
não qualificação. Se as partes tiverem estipulado no contrato cláusulas incompatíveis com
a disciplina invariável do tipo social, o contrato não poderá ser qualificado como desse
tipo26.

Contratos Atípicos. Os atípicos não se ajustam em qualquer dos tipos, dos moldes contratuais
previstos em lei. A atipicidade significa ausência de tratamento legislativo específico27.

Relação com os Contratos Mistos. Isto equivale a dizer, também, que, em grande número
dos casos, os contratos atípicos se reduzem - ou melhor, são reduzidos em sede de

23
ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009. p. 133.
24
FERNANDES, Wanderley. RODRIGUEZ, Caio Farah. Aspectos Contratuais Da “Aliança” Em
Empreendimentos De Infraestrutura. In. FERNANDES, Wanderley. Contratos empresariais: contratos de
organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 129.
25
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Contratos Atípicos. Dissertação de Doutoramento. Almedina:
Coimbra, 1995. p. 365.
26
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Contratos Atípicos. Dissertação de Doutoramento. Almedina:
Coimbra, 1995. p. 366.
27
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15ª edição. Rio de Janeiro: Forense: 2015. p. 121.

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interpretação e qualificação por parte do juiz - a contratos mistos, nos quais se reconhece
a presença de prestações próprias de contratos típicos, e por esta via à disciplina adaptada
pelo legislador para os tipos legais28.

Contratos Mistos. Na maior parte dos casos, os contratos atípicos são celebrados com
referência a tipos que são misturados ou modificados, são contratos mistos. Nestes casos, os tipos
de referência dão ainda um contributo importante à disciplina do contrato, embora de um modo
diferente daquele em que fornecem aos contratos típicos a base regulativa. A disciplina dos tipos
de referência, nos contratos atípicos mistos, de tipo múltiplo ou modificado, é modificada e
adaptada ao sentido e ao modo de ser do contrato em questão. Naquilo em que as partes não
tiverem estipulado, a interpretação complementadora ir-se-á inspirar nos tipos de referência
para formular a disciplina concreta do caso, num processo comparativo e analógico. Não se
trata de aplicação directa, mas sim de analogia.

Diferenciação. Dizem-se típicos ou nominados os contratos para os quais há regras jurídicas


próprias e denominação estipulada em lei; atípicos ou inominados são os que ainda não foram
regulados em lei. Em Direito Empresarial existem vários contratos atípicos, oriundos do natural
desenvolvimento das atividades econômicas. Como contratos atípicos se destacam, no momento,
os às faturização (factoring), de concessão de know-how e de utilização dos cartões de crédito29.

Contratos socialmente típicos. Há, também, contratos que, embora não ditos pela lei, devem ser
considerados "socialmente típicos", pois consolidados pela reiterada prática dos comerciantes e
reconhecidos pelos operadores económicos, pela doutrina e pela jurisprudência como "tipo
contratual". O contrato é socialmente típico porque o tráfico jurídico assim o considera. Trata-
se de mecanismo bastante flexível na configuração dos tipos e que se reflete a partir da
consciência social que, por sua vez, é historicamente determinada. Afirmou-se, com muita
propriedade, que corpo de normas jurídicas consuetudinárias relacionado a esses negócios
enriquece o Direito. A doutrina aponta três requisitos para que um contrato possa ser
considerado socialmente típico." São "elementos justificativos da relevância social" que
comprovam ser, aquele negócio específico, economicamente importante para determinado grupo
de agentes: [i] reconhecimento de sua função econômico-social; [ii] difusão e relevo da prática
na sociedade e [iii] recepção do negócio pela ordem jurídica30.

28
ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009. p. 137.
29
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2010. p. 86.
30
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 51.

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V. Gênese e formação dos Contratos Empresariais

Fases contratuais.

Tratativas. A caracterização das tratativas não está condicionada à existência de um


contrato cujos termos principais já estejam definidos, englobando também as discussões a
respeito do projeto de um futuro contrato. Tanto isso é verdade, que as tratativas não são
vinculantes, faltando-lhes, em regra, não só a intenção de se obrigar, mas também os
próprios elementos essenciais de qualquer negócio jurídico. Nesse momento, deve-se
frisar, há apenas a intenção de tratar, e não de se obrigar31.

Formação. O período de formação do contrato pode ser qualificado como um estágio


avançado das negociações, no qual as partes praticam atos relevantes que, por si só,
podem produzir efeitos jurídicos, como as declarações de oferta e de aceitação, a opção,
o contrato de preferência, o contrato preliminar, entre outros. A fase de formação do
contrato difere da fase das tratativas precisamente por contemplar atos com eficácia
jurídica própria, ou seja, vinculantes32.

Auditoria (due diligence). [I]nvestigação normalmente conduzida por advogados e consultores


da confiança dos compradores, cuja finalidade é obter informações para que se psosa realizar
um juízo sobre a situação patrimonial e econômico-financeira das sociedades das quais se
pretende adquirir a participação societária, bem como analisar potenciais riscos e a
possibilidade de realização de eventos que possam impactar essa situação patrimonial e
econômico financeira (as denominadas contingências). A realização da due diligence justifica-
se pela acentuada assimetria de informações entre potencial comprador e vendedor (...) As
informações obtidas – ou omitidas – na due diligence servirão de base para promover ajustes
nos termos de negociação, usualmente com grande impacto no preço. E permitirão a alocação
dos riscos decorrentes da materialização das contingências 33.

31
ZANETTI, Cristiano de Sousa. Responsabilidade pela Ruptura das Negociações. São Paulo: Editora
Juarez. p. 9.
32
ZANETTI, Cristiano de Sousa. Responsabilidade pela Ruptura das Negociações. São Paulo: Editora
Juarez. p. 11.
33
MENDES, Rodrigo Octávio Broglia. XXX. Os efeitos jurídicos do Memorando de Entendimentos, os
Achados da Due Diligence e a Responsabilidade pela Ruptura das Negociações. In. YARSHELL, Flávio
Luiz. SETOGUTI, Guilherme J. Pereira. Processo Societário v. 3. São Paulo: Quartier Latin, 2018.

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Memorando de entendimentos (MoU). Normalmente estabelecem as bases segundo as quais as


negociações continuarão. (...) Dentre os conteúdos possíveis, é comum constar um parâmetro do
preço da participação societária, a ser ajustado em razão dos achados decorrentes da due
diligence, algumas das condições a serem incluídas nos contratos que culminarão com a compra
e venda da participação; uma cláusula de confidencialidade a respeito das informações trocadas
e, também, do próprio fato das partes estarem negociando; a obrigação de que o vendedor
conceda exclusivamente ao comprador, por um período de tempo, nas negociações, significando
que o vendedor não negociará a venda e compra da participação societária com terceiros, dentre
outras34.

Vinculabilidade dos MoU’s. A discussão sobre a vinculabilidade dos contratos envolve a sua
caracterização como um contrato preliminar. A compreensão doutrinária, portanto, busca
apartar os memorandos de entendimentos (acordos não contratuais) dos contratos
preliminares35. Ainda assim, é possível que se entenda que os MoU’s são contratos preliminares,
uma vez que, nos termos do art. 462 do Código Civil, estes contratos não impõem necessidade de
forma, desde que contenham seus requisitos essenciais (i.e., nos SPA’s, preço e coisa). Sobre o
assunto, RODRIGO BROGLIA MENDES pondera que (i) comumente os MoU’s relativos a
contratos de compra e venda de participação societária possuem uma identificação quanto aos
parâmetros a serem utilizados na formação do preço e não o preço final em si, de tal forma que
não configuram, no mais das vezes, contratos preliminares; e (ii) além do preço e coisa, é
necessário se atentar às condições estabelecidas nos memorandos de entendimentos, sem as quais
uma das partes não firmará o contrato efetivamente.

Sistemas de formação do contrato.

Sistema da cognição ou da informação. Sua aplicação dá-se nos contratos entre


ausentes, tratando-se da utilização de correspondência epistolar, telegráfica ou
equivalente, formando-se o contrato no momento em que o proponente tem efetivo
conhecimento da aceitação da proposta. (...) O aspecto positivo de tal sistema está no fato
de que o contrato somente se aperfeiçoa quando proponente toma conhecimento da

34
MENDES, Rodrigo Octávio Broglia. XXX. Os efeitos jurídicos do Memorando de Entendimentos, os
Achados da Due Diligence e a Responsabilidade pela Ruptura das Negociações. In. YARSHELL, Flávio
Luiz. SETOGUTI, Guilherme J. Pereira. Processo Societário v. 3. São Paulo: Quartier Latin, 2018.
35
MENDES, Rodrigo Octávio Broglia. XXX. Os efeitos jurídicos do Memorando de Entendimentos, os
Achados da Due Diligence e a Responsabilidade pela Ruptura das Negociações. In. YARSHELL, Flávio
Luiz. SETOGUTI, Guilherme J. Pereira. Processo Societário v. 3. São Paulo: Quartier Latin, 2018.

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aceitação, feita sem adições, restrições modificações da proposta (o que, a teor do artigo
431, implica em nova proposta)36.

Sistema da agnação ou declaração. Segundo esta teoria, na formação do contrato é


importante não apenas a efetiva vontade individual (tal como se forma na esfera psíquica
do sujeito), mas também a sua projeção social externa, especialmente a maneira pela qual
a vontade manifestada contratualmente por alguém é percebida pela contraparte, tomada
em seu aspecto objetivo. A teoria da declaração está fundada no valor da confiança
(“affidamento”). O destinatário de uma declaração contratual a percebe segundo o seu
significado socialmente típico, o qual gera confiança. (...) A teoria agasalha ainda uma
ideia extremada e inverídica, no sentido de que relações contratuais poderiam ser
estabelecidas entre duas partes mesmo na ausência da manifestação válida de uma vontade
contratual como resultado de um contrato social entre elas estabelecido37. Esta teoria
comporta 3 subteorias.

Teoria da declaração propriamente dita ou simples aceitação. Neste caso, o


contrato é considerado como concluído no momento em que o oblato declara a
vontade de aceitar a proposta. Dessa forma, surgem os direitos e obrigações
inerentes ao acordo independentemente da expedição do documento de aceitação
e/ou de sua chegada às mãos do proponente e, muito menos de que tomasse
conhecimento daquele ato38.

Teoria da expedição. Segundo esta doutrina, o contrato é tido como formado no


momento em que a aceitação é enviada39.

Teoria da recepção. Pela teoria da recepção o contrato somente é considerado


concluído quando o proponente recebe a aceitação do oblato, mesmo que do seu

36
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Contratos mercantis e a teoria geral dos contratos: o código
civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 277.
37
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Contratos mercantis e a teoria geral dos contratos: o código
civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 280.
38
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Contratos mercantis e a teoria geral dos contratos: o código
civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 280.
39
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Contratos mercantis e a teoria geral dos contratos: o código
civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 280.

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conteúdo não tenha ainda tomado conhecimento. Para este efeito, é suficiente que o
proponente tenha conhecimento da chegada da aceitação ao seu domicílio40.

VI. Contrato e Tempo

Adimplemento ao longo do tempo (execução diferida, por trato sucessivo e execução


continuada). Quanto ao tempo na execução dos contratos, temos que considerar, como é sabido,
que, se há lapso temporal entre a conclusão e a execução do contrato, as circunstâncias podem
variar – e daí o problema dito da “alteração das circunstâncias”. Se a execução das prestações
não imediata, há três hipóteses possíveis: na primeira, uma das partes tem interesse em que a
satisfação de suas necessidades ocorra em determinado momento. O tempo funciona, assim,
como fator de fixação da “sede temporal”, um termo assinalado à execução da prestação,
marcando a distância entre o ato constitutivo da relação jurídica e o ato do adimplemento; por
exemplo, na compra e venda com pagamento futuro. Pode-se falar, então, em “execução
diferida”. Semelhante a esse caso é aquele em que o tempo, embora também não desejado pelas
duas partes, é necessário para que a execução se aperfeiçoe; é o que ocorre, por exemplo, no
contrato de empreitada, no qual a satisfação do interesse e o adimplemento dependem do
resultado final de uma atividade preparatória mais ou menos longa. A entrega da prestação pode
também ser parcial, por exemplo, no pagamento em prestação, quando, em tese, poderia ser dita
“continuada”, mas todos esses contratos são tecnicamente de execução diferida ou de execução
fracionada, e não de duração. Uma segunda hipótese é a execução por trato sucessivo, como
ocorre nos contratos de fornecimento de mercadoria e nos de locação de coisas (quanto ao
pagamento mensal do aluguel); é como se, no mesmo contratos, vários pequenos contratos de
sucedessem. Finalmente, uma terceira hipótese, da execução continuada, no sentido próprio; por
exemplo no contrato de trabalho, no de locação de coisas (quanto a colocação da coisa a
disposição), no contrato de sociedade etc. Nas duas últimas hipóteses, contratos de trato
sucessivo e de execução continuada, o tempo corresponde ao interesse das partes na satisfação
de uma necessidade duradoura; ela faz pane da causa final do contrato. Tem-se adimplemento
continuado ou protraído no tempo. Ao passo que, na primeira hipótese, o tempo suportado por
uma, ambas ou todas as partes, em virtude da impossibilidade de obter a satisfação de seus
interesses instantaneamente (pensa-se novamente na empreitada), nos duos últimas, o tempo
desejado pelas panes. Somente nos dois últimos casos, há verdadeiramente contrato de duração
sem sentido próprio41.

40
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Contratos mercantis e a teoria geral dos contratos: o código
civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 284.
41
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza Jurídica do Contrato de Consorcio. Classificação dos Atos
Jurídicos Quanto ao Número de Partes e quanto aos Efeitos. Os Contratos Relacionais. A Boa-Fé nos

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Contratos de longa duração (Contratos evolutivos). A expressão "contratos evolutivos" não


diz respeito a nenhum tipo contratual. Ela é evocativa de um fenômeno atinente à arquitetura do
contrato e à sua relação com o tempo, abrangendo contratos que contém obrigações diferidas
e/ou duradouras, como, exemplificativamente, contratos de fornecimento de bens, prestação de
serviços, distribuição, financiamento ou locação. A valência evocativa da expressão - "contratos
evolutivos" - destina-se a sublinhar que tais contratos comportam problemas específicos,
estranhos aos contratos instantâneos42.

Risco e Tempo nos Contratos de longa duração. O tempo está no cerne de todo e
qualquer contrato, mas tem um peso particular nos contratos duradouros em que, nem
sequer como ilusão, a fixidez se pode manter. Estes vivem no tempo dinâmico, móvel,
compreendendo-se, assim, estarem muito fortemente sujeitos à sua ação. Entre seus traços
peculiares está a suscetibilidade ao risco do desequilíbrio econômico motivado pelos mais
diversos fatores: financeiros, climáticos, estratégicos, ecológicos, fiscais, políticos, e,
inclusive, o risco do inadimplemento de outros contratos, especialmente quando integram
cadeias contratuais complexas em que o inadimplemento de um contrato tem reflexo direto
sobre os demais. Nesses ajustes, "complexidade" e "contrato" se apresentam como
conceitos necessariamente correlatos, articulando-se elementos "transacionais".43

Adaptabilidade dos Contratos de longa duração. A relação contratual, nestes contratos,


é mutável, i.e., é passível de revisão a depender das circunstâncias e do “projeto de
adaptação” pactuado.

Mudança das condições originalmente pactuadas.

Onerosidade excessiva (art. 478 do Código Civil). Não há dúvida, entretanto, que o risco
contratual assume particular relevância nos contratos de execução diferida, continuada
ou peri6dica. São os contratos que se protraem no tempo. Na esteira da doutrina europeia,
os contratos de execução continuada e os de execução peri6dica podem ser agrupados
como contratos de duração, dado o papel essencial que neles desempenha o elemento

Contratos Relacionais. Contratos de duração. Alteração das Circunstancias e Onerosidade Excessiva.


Sinalagma e Resolução Contratual. Resolução Parcial do Contrato. Função Social do Contrato; In. Revista
dos Tribunais v. 832, fev/2005.
42
MARTINS-COSTA, Judith. A Cláusula De Hardship E A Obrigação De Renegociar Nos Contratos De
Longa Duração. In. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 25/2010 | p. 11 - 39 | Abr - Jun / 2010.
43
MARTINS-COSTA, Judith. A Cláusula De Hardship E A Obrigação De Renegociar Nos Contratos De
Longa Duração. In. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 25/2010 | p. 11 - 39 | Abr - Jun / 2010.

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temporal.4 A longevidade da relação jurídica incrementa os riscos e reclama atenta


consideração das consequências provenientes da alteração das circunstancias negociais.
Afinal de contas, por definição, o futuro jamais é igual ao presente, razão pela qual tais
contratos necessariamente serão cumpridos em urn ambiente diverso daquele em que
foram pactuados44.

Cláusula rebus sic stantibus (teoria da imprevisão). As circunstâncias para o


cumprimento do contrato devem se manter as mesmas. “A cláusula ‘rebus sic stantibus’
surgiu na Idade Média, da frase seguinte: ‘Os contratos que têm trato sucessivo e
dependência futura devem ser entendidos estando as coisas assim’, ou seja, como se
encontram no momento da contratação ‘contractus qui habent tractum sucessivum et
dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur’. Ela se apresenta com roupagem
moderna, sob o nome de teoria da imprevisão, tendo sido construída pela Doutrina, com
o intuito de abrandar a aplicação do princípio ‘pacta sunt servanda’ (‘os pactos devem
ser cumpridos’), quando da alteração brusca das situações existentes no momento da
contratação. Todavia, essa cláusula, considerada, pela Doutrina e pela Jurisprudência
brasileiras, como existente em todos os contratos, ainda que não expressamente
contratada, apresenta-se com três pressupostos fundamentais, autorizadores de sua
aplicação. Deve ocorrer, primeiramente, uma alteração radical do contrato, em razão de
circunstâncias imprevistas e imprevisíveis (álea extraordinária). Todavia, há situações que
ocorrem, de um momento a outro e que podem ser previstas e causam desequilíbrio
contratual, ficando obstada de aplicar-se a teoria da imprevisão (cláusula ‘rebus sic
stantibus’) (...). Por outro lado, é preciso que exista enriquecimento, prejuízo, inesperado
e injusto por um dos contratantes. O terceiro pressuposto é a onerosidade excessiva, que
sofre um dos contratantes, tornando-se, para ele, insuportável a execução contratual.

44
ZANETTI, C. S.. O risco contratual. In: Teresa Ancona Lopez; Patrícia Faga Iglecias Lemos; Otavio
Luiz Rodrigues Junior. (Org.). Sociedade de risco e Direito privado: desafios normativos, consumeristas e
ambientais.. 1ed.São Paulo: Atlas, 2013, p. 455-468. No mesmo sentido: Para que se possa invocar a
resolução por onerosidade excessiva é necessário ocorram requisitos de apuração certa, explicitados no
art. 478 do Código Civil: a) vigência de um contrato de execução diferida ou continuada; b) alteração
radical das condições econômicas objetivas no momento da execução, em confronto com o ambiente
objetivo no da celebração; c) onerosidade excessiva para um dos contratantes e benefício exagerado para
o outro; d) imprevisibilidade daquela modificação (...). Nunca haverá lugar para a aplicação da teoria da
imprevisão naqueles casos em que a onerosidade excessiva provém da álea normal e não do acontecimento
imprevisto, como ainda nos contratos aleatórios, em que o ganho e a perda não podem estar sujeitos a um
gabarito predeterminado (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. 3. Rio de
Janeiro: Forense: 2017, n. 216).

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Como visto, torna-se impossível a aplicação da cláusula "rebus sic stantibus", ante a não-
ocorrência de um desses três pressupostos45.

Cláusula de hardship. [C]láusula cuja eficácia consiste, essencialmente, em provocar uma


renegociação do contrato, sempre que a mudança das circunstâncias ocorrer. Pelas cláusulas de
renegociação, portanto, as partes, cientes de que podem advir superveniências relevantes, com
impacto no programa contratual, reservam-se o poder de determinar, por meio do mútuo
consenso, a incidência destas circunstâncias supervenientes sobre o equilíbrio entre as
prestações impedindo, pois, que o acaso ou a sorte venham a governar a sua relação46.

Funções. (a) assegurar a preservação do equilíbrio econômico e a continuação do


contrato, impedindo que o princípio da intangibilidade do pactuado conduza a um rigor
excessivo no momento da execução contratual; (b) atuar como meio de repartição, entre
os contratantes, dos custos resultantes do evento superveniente e incerto, de modo que a
etapa da renegociação permite às partes acordar sobre essa repartição dos ônus, por si
mesmas, ou através de um terceiro, que a arbitrará; (c) impedir a extinção contratual
devida à resolução por excessiva onerosidade de um contrato que ainda pode ser útil,
atendendo aos mútuos interesses das partes; (d) encontrar um novo regime adaptado aos
mútuos interesses (self tailored rule), viabilizando-se, nos limites do princípio da
atipicidade contratual, uma reorganização do pactuado, sendo essa, precipuamente, a
função "adaptativa" da autonomia privada47.

Evento causador. As cláusulas de hardship versam não apenas a circunstâncias


imprevisíveis, mas, igualmente, a circunstâncias previstas no an, mas incertas no quantum,
podendo as partes tanto prever a possibilidade de um fato incerto ocorrer, 30 quanto
cogitar da possibilidade de vir a impactar o contrato um fato incerto e indeterminado na
sua possibilidade de previsão48.

45
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Princípios gerais de direito contratual aplicáveis à dívida externa dos países
em desenvolvimento. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 92,
1995, pp. 101/102.
46
MARTINS-COSTA, Judith. A Cláusula De Hardship E A Obrigação De Renegociar Nos Contratos De
Longa Duração. In. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 25/2010 | p. 11 - 39 | Abr - Jun / 2010.
47
MARTINS-COSTA, Judith. A Cláusula De Hardship E A Obrigação De Renegociar Nos Contratos De
Longa Duração. In. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 25/2010 | p. 11 - 39 | Abr - Jun / 2010.
48
MARTINS-COSTA, Judith. A Cláusula De Hardship E A Obrigação De Renegociar Nos Contratos De
Longa Duração. In. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 25/2010 | p. 11 - 39 | Abr - Jun / 2010.

20
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Obrigação de renegociar. A cláusula determinativa da obrigação de renegociar constitui


uma pré-figuração da possibilidade de mudança dos termos e condições do contrato,
permitindo às partes postular uma "nova arrumação" do contrato se e quando uma
mudança incidente sobre os dados iniciais da contratação vier a modificar o equilíbrio do
contrato. Há, portanto, uma injuntividade obrigacional do dever de renegociar muitas
vezes expressada no próprio modo verbal imperativo ("deverão ser negociadas"; "serão
renegociadas") utilizado pelos contraentes na redação da cláusula49. A recusa na
renegociação enseja inadimplemento contratual culposa. Mas o inadimplemento contratual
também estará configurado se a negociação tiver ocorrido de modo discordante ao que
direciona o princípio da boa-fé50. Esta negociação frontalmente discordante com a boa fé
objetiva consiste na contradição com o seu espírito [do contrato], por meio de uma
negociação renitente e destituída de lealdade contratual que, no mais das vezes, é um mal-
disfarçado expediente protelatório. Agindo deslealmente, o contratante a quem beneficia
a situação de hardship só aparentemente acede em negociar, mas, na realidade, não
pretende chegar a bom termo ou faz proposições irrazoáveis, assim criando impasses a um
acordo51.

Diferença hardship e force majeure. Hardship occurs when the party’s duty becomes
more burdensome, although not impossible, while force majeure occurs when the duty is
impossible, at least temporarily. More than that, there is a functional difference between
the concepts: hardship is a reason to amend the contract, with the purpose of maintaining
the contract in force. Its goal is to solve the problems of the fundamentally changed
circumstances through the adaptation of the contracts to the new situations. Force
majeure, on the other hand, is located in the non-performance arena, and deals with the
suspension or termination of the contract. Thus, it relates to the party’s liability and the
consequences of its fail to perform52.

Boa fé objetiva. [N]as relações interempresariais, a feição que adquire quando associado à
"lógica peculiar" dessas relações e aos seus princípios reitores, como o princípio da diligência

49
MARTINS-COSTA, Judith. A Cláusula De Hardship E A Obrigação De Renegociar Nos Contratos De
Longa Duração. In. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 25/2010 | p. 11 - 39 | Abr - Jun / 2010.
50
MARTINS-COSTA, Judith. A Cláusula De Hardship E A Obrigação De Renegociar Nos Contratos De
Longa Duração. In. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 25/2010 | p. 11 - 39 | Abr - Jun / 2010.
51
MARTINS-COSTA, Judith. A Cláusula De Hardship E A Obrigação De Renegociar Nos Contratos De
Longa Duração. In. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 25/2010 | p. 11 - 39 | Abr - Jun / 2010.
52
BARRETO, Gabriel de Almeida. Hardship in international commercial contracts. A comparative analysis
of the rules in transnational Commercial Law. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, São Paulo, v. 111, 2016, pp. 697-698.

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Contratos Empresariais
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empresarial, o do risco comercial e o princípio da confiança, substrato da realizabilidade dos


negócios. Como escrevi em outra sede, é possível afirmar que, nas relações regidas pelo Código
Civil, a boa-fé se apresenta fundamentalmente como lealdade, confiança e probidade, este último
termo estando no texto do art. 422 com os significados de retidão ou correção de conduta,
integridade e seriedade no trato com o alter. Assim sendo, o princípio da boa-fé objetiva atua,
prima facie, tendo em vista a implementação de deveres de lealdade, cooperação, correção e
consideração com os legítimos interesses alheios, em vista do bem jurídico subjacente, qual seja,
o da confiabilidade do tráfego negocial. A violação dos deveres destinados a implementar esse
bem jurídico, pela recusa ou renitência em negociar, conforme o pactuado, tipifica, assim,
ilicitude contratual53.

VII. Coordenação contratual e redes contratuais

Contratos coligados

Conceito. [C]ontratos que, por forca de disposição legal, da natureza acessória de um deles ou
do conteúdo contratual (expresso ou implícito), encontram-se em relação de dependência
unilateral ou recíproca54.

Critérios.

Diversidade instrumental. Diversidade instrumental corresponderá, então, não à mera


existência de mais de um instrumento contratual, mas à segregação de porções do
conteúdo do negócio, de modo que cada uma delas tenha um sentido c uma dinâmica
própria, isto é, autonomia estrutural. No caso de negócios solenes, a diversidade formal
poderá ser um fator ainda mais relevante55.

Diversidade temporal. O critério da diversidade temporal, por sua vez, mostra-se


decisivo nas coligações entre contratos de execução instantânea e contratos de duração,

53
MARTINS-COSTA, Judith. A Cláusula De Hardship E A Obrigação De Renegociar Nos Contratos De
Longa Duração. In. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 25/2010 | p. 11 - 39 | Abr - Jun / 2010.
54
MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.
55
MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.

22
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ou entre contratos com prazos distintos. Nestas hipóteses, dificilmente poder-se-á falar em
contrato único56.

Diversidade de contraprestação. [T]al critério é apto a decidir a qualificação de uma


situação de fato concreta enquanto contrato único ou pluralidade de contratos. Conquanto
não se descarte que a unidade de contraprestação, aliada às demais circunstâncias
relevantes, leve a interpretar e a qualificar determinado contrato como único, por vezes o
modo de fixação da contraprestação será absolutamente irrelevante57.

Elementos essenciais. (i) pluralidade de contratos, não necessariamente celebrados entre as


mesmas partes: (ii) vinculo de dependência unilateral ou recíproca.58

Espécies.
Coligação ex lege. Hipóteses em que o vínculo contratual entre os contratos é
expressamente estipulado pela lei.

Coligação natural. Hipóteses em que o vínculo contratual decorre da natureza acessória


de um dos contratos. A coligação natural é caracterizada pela necessidade do próprio tipo
contratual, em seu conteúdo ou natureza, pressupor o vínculo com outro contrato. São
exemplos de coligação natural: união entre contrato-base e subcontrato; entre contrato
principal e contrato de garantia típico (fiança, seguro-fiança, contratos de hipoteca,
penhor e anticrese etc); entre contrato preliminar e definitivo. Trata-se, normalmente, mas
não necessariamente, de coligação com dependência unilateral, visto que também o
principal pode, conforme o caso, seguir o acessório59.

Coligação voluntária. Hipóteses em que a vontade das partes é a fonte do vínculo


contratual entre os contratos. A união "voluntária" entre contratos pode advir de cláusulas
contratuais que expressamente disciplinem o vínculo intercontratual ("coligação
voluntária expressa"), ou pode ser deduzida a partir do fim contratual concreto e das

56
MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.
57
MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.
58
MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.
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MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.

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circunstâncias interpretativas ("coligação voluntária implícita")60. A coligação natural


pode advir de diversas cláusulas contratuais, e.g. aquelas que condicionam a eficácia de um
contrato a outro.
Contratos únicos

Contratos únicos. Haverá, então, a princípio, contrato único quando o ripo contratual for
suficientemente flexível a ponto de abarcar as diversas prestações contratuais em jogo; quando
figurem somente duas partes ou, figurando mais de duas, quando o interesse de todas elas for
indissociável e disser respeito à operação econômica subjacente como um todo; quando houver
compatibilidade temporal entre as prestações, bem como, secundariamente, unidade de
contraprestação.61

Contratos complexos. O negócio jurídico, apesar de único, pode ter suporte fático complexo,
sendo tal complexidade caracterizada por pluralidade de sujeitos (complexidade subjetiva),
pluralidade de objetos ou prestações (complexidade objetiva) ou pluralidade de manifestações
de vontade (complexidade volitiva)62.

Contratos mistos. O contrato misto é definido, de modo quase unânime na doutrina atual, como
o contrato em que se combinam elementos próprios de tipos contratuais diversos63.

Tipicidade. A doutrina dominante conceitua o contrato misto como atípico64. Apesar disso, há
autores que apontam contratos mistos típicos, como o contrato de sociedade em que o sócio
integraliza a sua quota do capital social sob a forma de algum tipo de prestação de serviços (arts.
1.005 e 1.006 do Código Civil).

Espécies. (i) contratos combinados ou gêmeos, em que a várias prestações principais, próprias
de vários tipos contratuais, corresponde uma contraprestação unitária (v.g., prestação de
transporte somada à prestação de um dormitório e à prestação de alimentação, em troca de

60
MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.
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MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.
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MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.
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MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.
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MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.

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contraprestação global); (ii) contratos mistos em sentido estrito, em que o contrato contém um
elemento que representa ou implica um contrato de outro tipo (v.g., o negotium mixtum cum
donatione; contrato de transação em que a concessão de uma das partes corresponde à venda de
certa coisa por preço inferior ao de mercado); e (iii) contratos de duplo lipo, nos quais o
"conteúdo total do contrato se encaixa em dois tipos distintos de contrato.65

Distinção Contratos complexos e Contratos mistos. Enquanto o contrato complexo pode sê-lo
do ponto de vista subjetivo (ao menos uma das partes é subjetivamente complexa), volitivo (ao
menos uma das partes realiza diversas manifestações de vontade) ou objetivo (ao menos uma das
partes efetua diversas prestações, ou as prestações das partes correspondem a tipos contratuais
distintos), o contrato misto diz respeito, por um lado, somente à complexidade objetiva e, por
outro, a uma hipótese específica de complexidade objetiva, na qual as prestações das partes
aludem a tipos contratuais distinto66.

VIII. Interpretação dos Contratos Empresariais

Regime jurídico. Artigos 112 e 113 do Código Civil. A Lei de Liberdade Econômica inseriu ao
art. 113 o §2º, que cria às partes a possibilidade de convenção das regras interpretativas a serem
adotadas.

Default Rules. A maior parte da doutrina entende que as regras dispositivas devem
apontar para aquilo que as partes teriam normalmente estipulado, ou seja, reproduzem “a
vontade presumida das partes, regulamentando a relação jurídica, como se os interessados
a houvessem confeccionado, eles próprios”. (...) Nesse sentido, regras dispositivas podem
implicar diminuição dos custos de transação, na medida em que poupam esforços e
recursos que as partes despenderiam nas negociações de todos os pontos de um contrato67.

Interpretação funcional do direito. Aplicando-se uma analogia simples entre Direito e futebol,
é como dizer que a análise estrutural se ocupa apenas em descrever as traves, o campo, as
medidas e peso da bola, os uniformes dos times etc. Já a análise funcional tem a tarefa de aplicar

65
MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.
66
MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Capítulo III: Contratos Coligados: Conceito, Espécies e
limites. In. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 99/140.
67
FORGIONI, Paula Andréa. Integração dos Contratos Empresariais: lacunas, atuação dos julgadores, boa-
fé e seus limites. In. Revista de Arbitragem e Mediação v. 45/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

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essas descrições estruturais à dinâmica do jogo, quando os times entram em campo e a bola
efetivamente passa a rolar68.

Boa fé e direito comercial. É preciso evitar o risco de empregar a boa-fé como remédio para
todos os males, empregando-a em nome de amorfa busca da “justiça social”. Não se trata de
uma caixa de Pandora, da qual se podem extrair as soluções mais díspares. (...) Especificamente
no que toca ao direito comercial, a boa-fé não pode ser aplicada de maneira a despir o agente
econômico da sagacidade que lhe é peculiar. Tampouco deve ser sacada como justificativa para
o inadimplemento da parte ou desculpa para comportamentos imprudentes ou desconformes ao
parâmetro de mercado69.

Boa fé e integração. Mostra-se fundamental para a integração do negócio a demarcação


da sua função econômica – ungida à “natureza” e ao “espírito” da associação. O dever
de colaboração impõe-se para a consecução desse fim comum e, portanto, é a partir dele
que borbotarão condutas obrigatórias para as partes, devidamente objetivadas (e
previsíveis) pelo mercado. Tudo é sempre feito a partir da observação daquilo que
normalmente ocorre na prática comercial, a ponto de gerar legítima expectativa, i.e.,
fundada confiança de que a outra parte comportar-se-ia de acordo com a praxe. É com
essa perspectiva objetiva, ligada à prática, que a boa-fé vai se abrindo em comportamentos
concretos, assumindo função integrativa largamente admitida pela doutrina70.

Reconstrução da vontade das partes. [E]stá claro que no primeiro contato do intérprete com o
texto, o que ele busca é a reconstrução da percepção que as partes possam tertido quanto ao que
foi declarado, de acordo com a sua “objetiva recognoscibilidade”. Nesse momento, o escopo é
compreender o que foi declarado por cada um dos figurantes, eu nosso Código Civil, adotando
a teoria da declaração, determina ser “vontade consubstanciada na declaração negocial” (art.
112 do Código Civil)71.

Interpretação. É clássica a separação entre interpretação e integração contratual. Na primeira,


parte-se do texto para desdobrar seu sentido. “[A]pura-se o que as partes quiseram ou, melhor,

68
ARAÚJO, Paulo Dóron Rehder de. Contrato de Representação Comercial. In. FERNANDES,
Wanderley. Contratos empresariais: contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 20.
69
FORGIONI, Paula Andréa. Integração dos Contratos Empresariais: lacunas, atuação dos julgadores, boa-
fé e seus limites. In. Revista de Arbitragem e Mediação v. 45/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
70
FORGIONI, Paula Andréa. Integração dos Contratos Empresariais: lacunas, atuação dos julgadores, boa-
fé e seus limites. In. Revista de Arbitragem e Mediação v. 45/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
71
COMIRAN, Giovana Cunha. Os Usos Comerciais. Quartier Latin: São Paulo, 2019. pp. 203/255.

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declararam querer”. Na segunda, diante de inegável lacuna, da falta de previsão expressa sobre
o tratamento que se deve dar a fato superveniente, o intérprete deverá [ou não] complementar a
avença72.

Momentos da interpretação. A interpretação propriamente dita também ocorre em duas


fases. A primeira, a fase subjetiva, é aquela mediante a qual se busca a apreensão do
significado do texto de um contrato – momento em que se investiga a relação entre os
contratantes e a declaração por eles realizada. Na segunda fase serão investigados,
objetivamente, o texto da declaração e os elementos que informam seu significado73.

Usos e costumes na interpretação. Dentro de critério de racionalidade, de proteção da


boa-fé, da confiança e da legítima expectativa da outra parte, não se pode compreender
que um contrato tenha interpretação diversa da prática de mercado. Os usose costumes
não ocupam lugar apenas como fonte do direito [ou seja, como polo emanador de normas
jurídicas vinculantes], mas igualmente como pautade interpretação dos contratos. A
objetivação social dos efeitos típicos dos acordos torna-os previamente reconhecidos e
desejados pelas partes, autorizando a interpretação conforme o que costuma acontecer
naquele setor da economia. Esse procedimento reverte-se a favor da segurança e da
previsível idade, dando lugar a um melhor cálculo das jogadas74.

Integração. A integração com normas supletivas ou dispositivas pressupõe, precisamente, a falta


de um preceito dedutível da fórmula, portanto uma lacuna não só nesta, mas também na própria
ideia (preceito), no regulamento do interesse; ela diz respeito não à fattispécie do negócio, mas
unicamente aos seus efeitos: é integração de seus efeitos75.

Momento da integração. A interpretação busca a determinação do conteúdo da relação


contratual. A integração – nem sempre necessária – ainda que se remeta à manifestação
de vontade das partes (ato de autonomia), ocorre em momento sucessivo, agregando ao
conteúdo contratual aquilo que deveria estar no contrato e não está, seja por omissão das
partes, seja em decorrência de contrariedade a Direito76.

72
FORGIONI, Paula Andréa. Integração dos Contratos Empresariais: lacunas, atuação dos julgadores, boa-
fé e seus limites. In. Revista de Arbitragem e Mediação v. 45/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
73
COMIRAN, Giovana Cunha. Os Usos Comerciais. Quartier Latin: São Paulo, 2019. pp. 203/255.
74
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 243
75
BETTI, Emilio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. São Paulo: Servanda, 2008. p. 496.
76
COMIRAN, Giovana Cunha. Os Usos Comerciais. Quartier Latin: São Paulo, 2019. pp. 203/255.

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Usos e costumes na integração. Os usos assumem função de integração contratual,


preenchendo as lacunas na declaração das vontades, em mecanismo explicitado quando
tratamos dos vetores de funcionamento do mercado e que será também retomado no
próximo capítulo. Retomam-se, pois, a racionalidade e a função econômica da avença,
conforme espelhada no mercado, para autorizar a presunção de que os partícipes do
acordo agem segundo as "notas de anônima repetição" apontadas por bm. Todo contrato
empresarial traz consigo a papeis do mercado, que adere aos termos do instrumento,
colmatando suas eventuais lacunas (...) Aquilo que é comum integra-se ao regramento
particular; como se toda a praxe se acoplasse ao negócio. Essa regra básica de
interpretação/integração colabora para a tutela da legítima expectativa da outra parte,
desde que baseada no que ocorre no mercado. Sua ratio liga-se à facilitação dos negócios:
no processo interpretativo deve-se ter em conta aquilo que costuma acontecer e que as
partes, racionalmente, incorporaram como base para estimar a atuação de determinado
comportamento da outra77.

Interpretação integrativa. A interpretação integrativa, assim, não revela o conteúdo da


declaração negocial constitutiva do negócio jurídico, pois não houve declaração negocial
relativa ao ponto lacunoso. Mediante a interpretação integrativa, revela-se o conteúdo implícito
ou não declarado do negócio jurídico. É ela, em outras palavras, “meio para se dar ao conteúdo
toda a extensão que ele deve ter, dentro do que pode ter”78.

Lacunas. A lacuna da declaração negocial, suprível pela via da interpretação integrativa, não
é qualquer ponto não regulado expressamente pelas partes, mas sim uma falha no plano traçado
pelas partes, um ponto cuja ausência o intérprete detecta tendo por base não as necessidades
surgidas após a celebração do negócio e impensáveis naquele momento, mas sim raciocinando
a partir do regramento concretamente estabelecido pelas partes. (...) A lacuna preenchida pela
interpretação integrativa é uma lacuna da declaração negocial, isto é, de uma lacuna do
conteúdo expresso ou declarado, mas não do conteúdo total do negócio79.

77
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 244.
78
MARINO, Francisco Paulo De Crescenzo. Interpretação do negado jurídico. São Paulo: Saraiva, 2011.
pp. 215/224.
79
MARINO, Francisco Paulo De Crescenzo. Interpretação do negado jurídico. São Paulo: Saraiva, 2011.
pp. 215/224.

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IX. Compra e venda de ações e CISG

Compra e venda de participações societárias

Conceito. Afirma GABRIEL BUSCHNELLI que a transferência de participação societária


constituiria modalidade de cessão de contrato, seja na hipótese de cessão de quotas, seja na de
transferência de ações80.

Objeto. O objeto deste contrato é a participação societária, a qual não se limita à ação/quota em
si, mas abrange também direitos e deveres ao adquirente. O conjunto dos direitos e obrigações
da posição jurídica de sócio é designado "participação" societária porque compreende direitos
de participação. Nos tipos de sociedade empresária mais antigos a participação societária é
denominada quota ou quinhão; nas cooperativas, quota-parte; e nas companhias e sociedades
em comandita por ações, ação81.

Valor mobiliário. Com o significado de valor mobiliário, a expressão "ação de


companhia" é o título de crédito (em sentido lato) no qual é incorporado o conjunto de
direitos e obrigações da posição de acionista, sujeito a regime jurídico análogo ao das
coisas corpóreas móveis82.

Natureza jurídica. A compra e venda de participações societárias de controle, após a vigência


do Código Civil de 2002, muito embora não fosse considerada modalidade de contrato comercial
enquanto o Código Comercial de 1850 estava em plena vigência, passou a ser considerada
exemplo típico de contrato empresarial83.

Forma. O negócio de transferência de participação societária prescinde da forma pública84.

80
BUSCHINELLI, Gabriel. Compra e Venda de Participações societárias de controle. São Paulo: Tese de
Doutorado, 2017. p. 75.
81
PEDREIRA, J. L. Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo. “Ação como participação societária”. In:
PEDREIRA, J. L. Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo. (org.). Direito das companhias, v. 1. Rio de Janeiro:
Forense: 2009, pp. 215-274, p. 218.
82
PEDREIRA, J. L. Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo. “Ação como participação societária”. In:
PEDREIRA, J. L. Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo. (org.). Direito das companhias, v. 1. Rio de Janeiro:
Forense: 2009, pp. 215-274, p. 219.
83
BUSCHINELLI, Gabriel. Compra e Venda de Participações societárias de controle. São Paulo: Tese de
Doutorado, 2017. p. 200.
84
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: contratos, volume 3 [livro eletrônico]. 2ª edição. São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 193.

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Características.

Auditoria (due diligence). A expressão "auditoria" não é uma tradução exata de "due
diligence", já que, nesta última, existe uma ambiguidade de sentido entre "diligência-
processo" e "diligência-cuidado". Parece-nos, porém, a melhor expressão e, além disso, a
designação "auditoria" não significa que não tenha a atividade de ser desenvolvida de
acordo com determinado cuidado. No fundo, traduz a "avaliação do objeto da venda" em
momento anterior à aquisição70. Assim, podemos também definir a auditoria na venda da
empresa como um exame detalhado, sistemático e cuidado da empresa visada85.

Caveat emptor. Caveat emptor significa «o comprador que se acautele», ou seja, o


comprador tem o ónus de tomar as suas próprias cautelas quanto ao que compra, já que,
na falta delas, ser-lhe-á em princípio negada a tutela ex lege. Ora, nos contratos de compra
e venda de participações sociais essas «cautelas» resultam essencialmente das cláusulas
de garantia, cuja redação pressupõe, em maior ou menor medida, o conhecimento do quid
transaccionado, o que passará frequentemente pela realização de uma auditoria. Claro
está que este princípio não se acha acolhido, pelo menos nos termos referidos, no nosso
ordenamento, mas ainda assim as cautelas afiguram-se relevantes, como terei ocasião de
salientar86.

Preço. Na compra e venda de participações societárias de controle de sociedades empresárias,


o patrimônio em geral é constituído por bens organizados para o exercício de empresa. O preço,
por conseguinte, é calculado e negociado pelas partes tendo em vista avaliação que se faz da
própria empresa. (...) A avaliação dos bens não se esgota na determinação do valor dos próprios
bens, pois a sua união faz surgir um novo valor, relativo à organização. As partes, em vista disso,
em geral adotam critérios de mensuração como a análise da rentabilidade, de eventuais reservas
ocultas, da estrutura tributária (para avaliar a possibilidade de aproveitamento de créditos
existentes), do aviamento, da clientela, ou avaliação por múltiplos. O método varia
consideravelmente conforme o porte da companhia. Tratando-se de companhias abertas, pode-
se utilizar como referência também o valor de negociação em bolsa, ainda que se ressalte que,
em geral, esse é apenas um dos pontos de partida adotados pelas partes na negociação. No caso
de sociedades fechadas, por outro lado, muitos métodos de avaliação adotados para grandes

85
PIRES, Catarina Monteiro. Aquisições de empresas e de participações acionistas: problemas e litígios.
Coimbra: Editora Almedina, 2018. p. 32.
86
RUSSO, Fábio. “Das cláusulas de garantia nos contratos de compra e venda de participações sociais de
controlo”. In: DSR, v. 4, 2010, pp. 115-136, p. 130.

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empresas, como é o caso do cálculo por fluxo de caixa descontado podem-se revelar inadequados
para fins de avaliação, pois se ressalta que “a small business is not a little big business”87. Em
suma, a bem da verdade é que [c]ompanies create value for their owners by investing cash now
to generate more cash in the future88.

Relevância da clareza sobre os métodos de precificação adotados. A referência aos


critérios concretos utilizados pela prática adquire relevância tanto para a
interpretação do negócio jurídico (CC, art. 113), quanto para a aplicação de remédios
contratuais, como é o caso do dolo acidental, ou garantias contratualmente
negociadas89.

Impacto das declarações e garantias na formação do preço. Caso avancem, as


informações fornecidas pelo vendedor servirão como pressuposto para a celebração
daquele negócio — e serão plasmadas em clausulas denominadas representation and
warranties, que consagrando as condições sob as quais aquele contrato foi celebrado
e, por conseguinte, autorizarão determinadas condutas ou ações do comprador contra
o vendedor, na hipótese de se constatar que os dados transmitidos não eram completos
ou corretos. Em ambos os casos, as informações obtidas — ou omitidas — na due
diligence servirão de base para promover ajustes nos termos da negociação,
usualmente com grande impacto no preço. E permitirão a alocação dos riscos
decorrentes da materialização das contingencias, posto que é admitido — ao menos
pelos usos nesse tipo de compra e venda — que e o comprador quem deve se acautelar
— caveat emptor.90

Modalidades de preço. Nos termos do art. 487 do CC, é possível as partes contratarem
sem efetivamente obterem um preço inteiramente fixo. O importante é a possibilidade
de sua fixação, i.e., se não determinado, o preço há de ser determinável. Há a
possibilidade das partes pactuarem uma parcela variável do preço na forma das
denominadas cláusulas de earn out.

87
BUSCHINELLI, Gabriel. Compra e Venda de Participações societárias de controle. São Paulo: Tese de
Doutorado, 2017. p. 153.
88
KOLLER, Tim GOEDHART, Marc. WESSELS, David Valuation: Measuring and Managing the Value
of Companies, 6ª ed. New Jersey: John Wiley & Sons, 2015.
89
BUSCHINELLI, Gabriel. Compra e Venda de Participações societárias de controle. São Paulo: Tese de
Doutorado, 2017. p. 154.
90
MENDES, Rodrigo Octávio Broglia. XXX. Os efeitos jurídicos do Memorando de Entendimentos, os
Achados da Due Diligence e a Responsabilidade pela Ruptura das Negociações. In. YARSHELL, Flávio
Luiz. SETOGUTI, Guilherme J. Pereira. Processo Societário v. 3. São Paulo: Quartier Latin, 2018.

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Dever de informar limitado. Alcançar soluções abstratas nesta matéria não é acertado, pois se
deve atentar às peculiaridades do caso. Contudo, mostra-se razoável supor que uma relação
paritária envolvendo profissionais (empresários, investidores, profissionais liberais etc.)
acostumados a realizar determinado tipo de negócio será mais reduzido o dever de informar
sobre seus elementos usuais. Prevalece o papel da autonomia privada e da autorresponsabilidade
com a consequente restrição ao dever de informar91.

Market of lemons. George Akerlof cunha este termo para estudar o mercado onde a assimetria
de informação impede que o comprador saiba a qualidade do bem que visa adquirir. Neste
mercado, a desinformação e a mentira do vendedor levam a uma realidade em que cada vez menos
vendedores “justos” visam vender seus ativos. É um mercado em que não se consegue distinguir
os ativos podres, “lemons”, dos ativos condizentes com o preço ofertado, “peaches”. A lemon
market will be produced by the following: (i) Asymmetry of information, in which no buyers can
accurately assess the value of a product through examination before sale is made and all sellets
can more accurately assess the value of a product prior to sale; (ii) an incentive exists for the seller
to pass off a low quality product as a higher quality one; (iii) Sellers have no credible disclose
technology (sellers with a great car havo no way to disclose this credibly to buyers); (iv) either a
continuum of seller qualities exists or the average seller type is sufficiently know.

CISG (Compra e Venda Internacional de Mercadorias)

Conceito. Trata-se de tratado que oferece uma lei internacional uniforme de venda de bens. O
tratado, que já foi ratificada por 85 países (três quartos de todo o comércio mundial), foi elaborado
na Convenção das Nações Unidas para a Venda Internacional de Mercadorias ou Convenção de
Viena de 1980.

Regime legal. O Brasil incorpora a Convenção pelo Decreto nº 8.327/2014.

Objetivos. Nos termos dos “considerandos” da convenção, seus objetivos são (i) desenvolvimento
do comércio internacional com base na igualdade e em vantagens mútuas constitui elemento
importante na promoção de relações de amizade entre os Estados; e a (ii) adoção de regras
uniformes para reger os contratos de compra e venda internacional de mercadorias, que
contemplem os diferentes sistemas sociais, econômicos e jurídicos, contribuirá para a eliminação

91
BENETTI, Giovana. Dolo no direito civil: uma análise da omissão de informação. São Paulo: Quartier
Latin. 2019. p. 271/272.

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de obstáculos jurídicos às trocas internacionais e promoverá o desenvolvimento do comércio


internacional. No fundo, a CISG colabora para uma real redução de custos de transação
envolvendo compra e vendas de bens e mercadorias no plano internacional.

Importância. As of today, approximately 80 per cent of the world's trade in goods are therefore
potentially governed by the Convention. Efforts to unify the law on the international sale of goods,
which began in the 1920s, have thus succeeded to an extent far beyond the expectations of those
involved92.

X. Contratos de Colaboração I

Contratos de consignação ou Contrato estimatório

Conceito. Trata-se de acordo por meio do qual o consignante entrega bens móveis ao
consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo, se o
preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada (art. 534 do CC). é um tipo de
contrato no qual a pessoa entrega um bem para que um terceiro o venda dentro de um determinado
prazo e entregue ao dono da coisa o valor combinado. Caso a venda não seja efetivado o bem
deve ser restituído. Responsabilidade pelo vício oculto é do proprietário.

Regime legal. Artigos 534 a 537 do Código Civil.

Objeto. É absolutamente afastada a possibilidade da utilização deste contrato quanto a bens


imóveis, tendo em vista as circunstâncias pelas quais se transfere a sua propriedade no direito
brasileiro, sistema comum aos ordenamentos de base romano-germânica93.

Risco. Um dos pontos principais da consignação está na restituição da coisa ao consignante,


correndo este o risco da sua superveniente imprestabilidade ou da redução significativa de sua
utilidade com a consequente perda sensível de preço. Como se verifica pela leitura do art. 535
do CC/2002, o consignatário somente se obriga a pagar o preço do bem adquirido se a sua
restituição se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável. Esta impossibilidade diz

92
SCHLECHTRIEN, Peter. SCHWENZER, Ingborg. Commentary on the UN Convention on the
International Sale of Goods (CISG). 3rd edition. New York: Oxford University Press, 2010. p. 1.
93
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: os contratos empresariais em espécie
segundo a sua função jurídico-econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 108.

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respeito à destruição da coisa ou a algum acidente que tenha sofrido, apto a fazê-la perder sua
utilidade94.

Distinção do Contrato de Comissão. O contrato estimatório afasta-se claramente da comissão


na medida em que, como se verá, entre outros elementos: (1) o consignatário vende o bem por
sua própria conta, risco e interesse; e (ii) não está vinculado às instruções do consignante,
estabelecendo as condições de preço e de prazo conforme melhor lhe aprouver95.

Mandato

Conceito. Nos termos do art. 653, [o]pera-se o mandato quando alguém recebe de outrem
poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o
instrumento do mandato. Em suma, o mandato é o contrato pelo qual alguém se obriga a praticar
atos jurídicos ou administrar interesses por conta de outra pessoa96. No contexto empresarial, o
mandato necessariamente é oneroso.

Relação com a Representação Comercial. Uma coisa é certa. Se o representante comercial


efetivamente tiver poderes para falar e fechar negócios em nome do representado, ou seja, se
tiver poderes de representação nos termos do art. 116 do Código Civil, a ele se aplicarão as
normas do mandato, por expressa disposição da Lei de Representação Comercial97.

Regime Legal. Artigos 653 a 692 do Código Civil.

Contratos de comissão

Conceito. Nos termos do art. 693, [o] contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda
de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente. O comissário não responde
pela insolvência das pessoas com quem tratar, exceto em caso de culpa e no do artigo seguinte
(art. 697). Trata-se de um contrato oneroso, portanto.

94
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: os contratos empresariais em espécie
segundo a sua função jurídico-econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 109.
95
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: os contratos empresariais em espécie
segundo a sua função jurídico-econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 110.
96
GOMES, Orlando Contratos. 26ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2009. p. 426.
97
ARAÚJO, Paulo Dóron Rehder de. Contrato de Representação Comercial. In. FERNANDES,
Wanderley. Contratos empresariais: contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 26.

34
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Partes (Comissário e Comitente). O comitente é o primeiro sujeito do contrato. Integra ele,


diretamente, o contrato de comissão. É ele o dono dos bens a serem alienados, ou o interessado
nos bens que são adquiridos pelo comissário. Ele é, portanto, o dono do negócio. (...) O
comissário é a pessoa que celebra, com o comitente, o contrato de comissão. É ele quem realiza
o objeto do contrato, ou seja, a com pra ou venda de bens do comitente. Na venda de bens, o
valor auferido, isto é, o preço apurado, pertence ao comitente, que pagará ao comissário sua
respectiva rem uneração. E, na com pra de bens, o domínio dos bens adquiridos também é do
comitente. Daí por que se diz que o dono do negócio é o comitente, agindo o comissário para
ele98.

Obrigações do Comissário. Nos termos do art. 695, o comissário é obrigado a agir de


conformidade com as ordens e instruções do comitente, devendo, na falta destas, não podendo pedi-
las a tempo, proceder segundo os usos em casos semelhantes.

Objeto. A comissão se resume, portanto, à aquisição e à alienação de bens, não sendo possível
se valer deste contrato, como bem salienta a doutrina, para a prática de outros negócios
mercantis ou de outros negócios jurídicos em geral.1 Então, não deve a comissão ser contratada
para a celebração de negócio jurídico diverso da compra e venda de bens, como, por exemplo, a
prestação de um serviço. Caso seja contratada para fim diverso da compra e venda de bens,
desnaturado estará o contrato de comissão99.

Regime Legal. Artigos 693 a 709 do Código Civil.

Diferença do Mandato. Ao confrontá-los; é possível constatar que, na essência, a comissão e o


mandato são contratos distintos. Isso porque, no contrato de comissão o comissário age em seu
próprio nome, e responde pessoalmente perante terceiros pelas obrigações assumidas. Já no
mandato, o m andatário age em nom e do m andante, sendo que é este último que se obriga
perante terceiros. O mandatário atua como se fosse o próprio mandante, enquanto o comissário
atua por si mesmo, apesar de fazê-lo no interesse do comitente (...) Mal comparando, e aqui se
frisando que atuação do comissário é lícita, atua ele como se fosse um “laranja”, um “testa de
ferro”, uma vez que contrata em nome próprio, mas para beneficiar o comitente100.

Contrato de corretagem

98
NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. Contratos mercantis. São Paulo: Atlas, 2013. p. 99.
99
NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. Contratos mercantis. São Paulo: Atlas, 2013. p. 93.
100
NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. Contratos mercantis. São Paulo: Atlas, 2013. p. 96.

35
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Conceito. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato,
de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a
segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas (art. 722). Corretor não comete
nenhum ato em nome próprio.

Espécies. No campo da corretagem, destacam-se as áreas de seguro, de mercado de capitais, de


imóveis, sujeitas a regulamentos próprios. Exceto as sociedades corretoras de títulos e valores
mobiliários (que têm a natureza jurídica de instituições financeiras e, para tanto, dependem,
necessariamente, de autorização do BCB), a atividade é exercida como prestação de serviços,
sob a responsabilidade pessoal de quem a pratica, ou por intermédio de uma sociedade
organizada para tal finalidade. Não se caracterizam, portanto, como empresários ou sociedades
empresárias101.

Regime legal. Artigos 722 a 729 do Código Civil e Lei 6. 530/1798 (sobre Corretor de Imóveis)

Boa fé e corretagem. Como elementos comuns a todos os contratos, estão os corretores


obrigados a agir com probidade e boa-fé (art. 4 22). Desta maneira, revelam-se absolutamente
contrárias aos princípios que regem o instituto manobras que certos corretores costumam fazer,
no sentido de forçar uma ou ambas as partes para a celebração do negócio, tendo como objetivo
tão somente a conclusão do contrato, do que redundará o direito à remuneração
correspondente102.

XI. Contratos de Colaboração II

Representação comercial

Conceito. Nos termos do art. 1º da Lei 4.886/65, [e]xerce a representação comercial autônoma
a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não
eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis,
agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos
relacionados com a execução dos negócios. Pode-se dizer, portanto, que que o contrato de

101
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: os contratos empresariais em espécie
segundo a sua função jurídico-econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 171.
102
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: os contratos empresariais em espécie
segundo a sua função jurídico-econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 172.

36
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representação comercial tem como função principal colaborar para o sucesso da cadeia de
suprimentos de um agente econômico. Se trata da organização de coordenação e mediação de
negócios mercantis, sem qualquer relação de emprego. Geralmente, a representação comercial
não consiste em efetiva representação em sentido próprio: ele não contrata por si só, apenas media
negócios.

Função. A função primordial do contrato de representação comercial é aproximar os elos da


cadeia de suprimentos e servir de veículo para o fechamento de negócios entre esses elos103.

Regime legal. Lei 4.886/65.

Diferença entre o Mandato. Diferentemente do mandatário, o representante comercial é


profissional e se relaciona com o representado com habitualidade. Lei tutela ambos os
representantes e representados, mas tende a tutelar mais o representante. Desta feita, o traço que
realmente diferencia o mandatário do representante comercial é a sua atuação. O mandatário
pode ser constituído para a realização de um único negócio, isto é, no mandato é possível haver
a eventualidade de realização de negócios. O representante comercial é, como já se disse,
profissional. A eventualidade não condiz com sua realidade. O representante comercial
relaciona-se com o representado com habitualidade. Relações eventuais não caracterizam
contrato de representação comercial, podendo, ao contrário, caracterizar mandato, com ou sem
representação. Outro traço diferencial é que o mandato admite-se gratuito (art. 658 do Código
Civil). Já o contrato de representação comercial é sempre oneroso, pois é a profissão do
representante104.

Concessão mercantil

Conceito. Trata-se de contrato cuja finalidade é “comprar para revender”. É um contrato típico e
atípico, isso porque possui uma lei de concessão de automotores. [E]ste contrato se caracteriza
como uma operação realizada entre o produtor e uma rede de concessionários, os quais,
favorecidos pelo estabelecimento de uma zona territorial de exclusividade de vendas, realizam a
colocação dos produtos do primeiro, se estabelecendo um período mínimo de duração do acordo,

103
ARAÚJO, Paulo Dóron Rehder de. Contrato de Representação Comercial. In. FERNANDES,
Wanderley. Contratos empresariais: contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 23.
104
ARAÚJO, Paulo Dóron Rehder de. Contrato de Representação Comercial. In. FERNANDES,
Wanderley. Contratos empresariais: contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 27.

37
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de forma a que seja permitida aos concessionários a recuperação do investimento e a apuração


de lucro105.

Características. [A]lém da exclusividade: (i) o controle externo praticado pelo concedente; (ii)
a independência jurídica e econômica das partes; e (iii) a continuidade das compras para
revenda, considerado o fato de que o concessionário compra o bem em seu nome para
revender.106

Exclusividade. Isoladamente considerada, a exclusividade territorial também se apresenta no


contrato de agência, que pode tomar um aspecto bilateral ou unilateral.97 Enquanto bilateral,
essa cláusula proíbe ao concessionário concorrer com o concedente e, de outro lado, ela impede
o concedente de negociar com terceiros na zona de exclusividade entregue ao primeiro. Do ponto
de vista unilateral, cabe ao concedente estabelecer o território de exclusividade, do que decorre,
como no exemplo do mercado automobilístico, a existência de mais de um concessionário na
mesma cidade107.

Regime legal. Lei 6.729/79 (“Lei Ferrari”).

Diferença do Contrato de distribuição. Dentre as diversas modalidades para se colocar os


produtos no mercado pelo sistema triangular, a concessão mercantil ou comercial é aquela que
mais se aproxima da distribuição, já que nela também o concessionário adquire os produtos do
fabricante para posterior revenda 3. Entretanto, entendemos que a diferença entre tais tipos
contratuais reside na obrigatoriedade de exclusividade por parte do concessionário, que não
pode revender produtos de outros fabricantes e na existência de legislação específica108.

Contrato de agência

Conceito. Trata-se de um contrato de promoção de negócios, não necessariamente de


comercialização. Nos termos do art. 710, [p]elo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter
não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante

105
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: os contratos empresariais em espécie
segundo a sua função jurídico-econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 130.
106
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: os contratos empresariais em espécie
segundo a sua função jurídico-econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 130.
107
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: os contratos empresariais em espécie
segundo a sua função jurídico-econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 130.
108
MELITO, Giancarlo. Contrato de distribuição. In. FERNANDES, Wanderley. Contratos empresariais:
contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 172.

38
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retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição


quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

Características. (i) o exercício de atividade empresarial pelas duas partes; (ii) partes autônomas,
ausente qualquer subordinação do agente ou do distribuidor ao proponente; (iii) ação do agente
ou distribuidor por conta do proponente; (iv) obrigação do proponente de pagar uma
remuneração à outra parte; (v) ter como objeto a realização de negócios; (vi) indicação de uma
região determinada para a atuação do agente ou distribuidor; (vii) especificando a distribuição,
deve estar presente o elemento posse dos bens a serem negociados, nas mãos do agente ou
distribuidor109.

Relação com Contrato de distribuição e Contrato de representação comercial. A agência se trata de


gênero no qual se enquadra o contrato de distribuição e de representação comercial. [E]mbora muito
próximos, algumas diferenças separam tais institutos, principalmente o fato de que a
representação comercial jamais inclui a disponibilidade da coisa (o que não se confunde com os
atos relacionados à execução do contrato) e que ela é voltada, exclusivamente, para a compra e
venda mercantil. O resultado do inegável parentesco entre essas figuras leva o aplicador da lei
a tomar a agência como gênero, ao passo que a distribuição e a representação comercial
autônoma se colocam como espécies. Além disto, enquanto o último contrato é empresarial pela
sua natureza, os outros dois podem, também, ser utilizados no âmbito da atividade econômica
civil110.

Regime legal. Artigos 710 a 721 do Código Civil.

XII. Contratos de Colaboração III


Contrato de distribuição

Conceito. Contrato bilateral, sinalagmático, atípico e misto, de longa duração, pelo qual um
agente econômico (fornecedor) obriga-se ao fornecimento de certos bens ou serviços a outro
agente econômico (distribuidor), para que este os revenda, tendo como proveito econômico a

109
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: os contratos empresariais em espécie
segundo a sua função jurídico-econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 137.
110
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: os contratos empresariais em espécie
segundo a sua função jurídico-econômica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 157

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diferença entre o preço de aquisição e de revenda e assumindo obrigações voltadas à satisfação


das exigências do sistema de distribuição do qual participa111.

Racionalidade econômica. O contrato de distribuição cria uma maior capilaridade à venda do


produto do fornecedor. Há um interesse comum do fornecedor e do distribuidor, qual seja a efetiva
venda dos bens (seja direta ou indiretamente). Assim, fato é que o contrato de distribuição
viabiliza o escoamento da produção de um agente econômico por intermédio de outro
empresário112.

Regime legal. Lei 6.729/79 (“Lei Ferrari”) que, apesar de regrar a concessão mercantil de
automóveis, cria, de certa forma, um regramento para contratos de distribuição em geral. O
contrato de distribuição, portanto, é socialmente típico e legalmente atípico.

Características. O concessionário é um comerciante que negocia o bem profissionalmente e em


caráter não eventual113. (...) A aquisição pelo concessionário é efetuada para a revenda114 (...)
Há uma integração do distribuidor a uma rede de concessionários115. Além disso, há quem
argumente que há mais uma característica: o monopólio de revenda em um determinado território.

Venda direta e indireta. A primeira delas é a de que a própria empresa cuide da distribuição
da mercadoria, colocando-se diretamente junto ao consumidor (venda direta). (...) Mas o agente
econômico também poderá, ainda, buscar a colaboração de outros empresários para a venda,
aproveitando eventuais sinergias (venda indireta). (...) Note-se que o contrato de distribuição é
um dos instrumentos de que pode valor o empresário para implementar a venda indireta; outros
negócios (tais como a representação comercial ou a comissão mercantil) também se presentam
à mesma finalidade. A peculiaridade do contrato de distribuição reside no fato de abarcar
operações de compra e venda mercantil de caráter não eventual, mas sim habitual (estável)116.

111
FORIONI, Paula A. Tulio Ascarelli e os Contratos de Distribuição. In. JUNQUEIRA DE AZEVEDO,
Antonio. TORRES, Heleno Tabeira. CARBONE, Paolo. Princípios do Novo Código Civil Brasileiro e
outros temas – Homenagem a Tulio Ascarelli. 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 521
112
FORIONI, Paula A. Tulio Ascarelli e os Contratos de Distribuição. In. JUNQUEIRA DE AZEVEDO,
Antonio. TORRES, Heleno Tabeira. CARBONE, Paolo. Princípios do Novo Código Civil Brasileiro e
outros temas – Homenagem a Tulio Ascarelli. 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 519.
113
FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 57.
114
FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 59.
115
FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 62.
116
FORIONI, Paula A. Tulio Ascarelli e os Contratos de Distribuição. In. JUNQUEIRA DE AZEVEDO,
Antonio. TORRES, Heleno Tabeira. CARBONE, Paolo. Princípios do Novo Código Civil Brasileiro e
outros temas – Homenagem a Tulio Ascarelli. 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 520.

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Contrato de distribuição é um tipo de acordo vertical. O contrato de distribuição, por


corporificar acordo entre o produtor e o(s) distribuidor(es), é um tipo de acordo vertical, assim
corno a franquia, a comissão mercantil, o contrato estimatório e a representação comercial (...).
Os acordos verticais e os contratos da distribuição identificam-se na medida em que podemos
visualizar um centro comum de suas funções econômicas: o escoamento da produção pelo sistema
de vendas indiretas. Repita-se, contudo, que, sob o prisma do direito concorrencial, a ênfase
recai sobre as restrições verticais (aposições contratuais que normalmente impactam o
mercado), enquanto, no direito contratual, o ponto cardeal é o tipo de negócio adotado para o
escoamento da produção que dará forma às relações jurídicas (e econômicas) que se
estabelecerão entre as partes117.

Prazo final. Nos termos do art. 473, parágrafo único118, a resilição unilateral somente pode
ocorrer quando o termo final for compatível com os investimentos feitos pela parte que fez
investimentos consideráveis no negócio. O entendimento do STJ119 é coerente com o dispositivo
legal, uma vez que extrai um abuso de direito a resilição unilateral do fornecedor que denúncia o
contrato sem se atentar à legítima expectativa gerada ao distribuidor120.

Dependência econômica. Há uma dependência econômica intrínseca nestes contratos entre o


fornecedor e o distribuidor, na medida em que suas atividades são intimamente ligadas. O que é
necessário se coibir, entretanto, é o abuso de direito. Nos termos do art. 13 da Lei Ferrari, o preço
de venda do produto pode ser livremente estabelecido, o que fomenta a concorrência entre
concessionários da mesma marca e evita que o fornecedor controle os preços do mercado e a
margem de lucro do distribuidor. Em contrapartida, o fornecedor pode impor quantidades

117
FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. pp.
53/54.
118
Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera
mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma
das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só
produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
119
STF - RE 95.052-RS, Rel. Min. Néri da Silveira - j. 26.10.1984 - RTJ 133/326; STJ, REsp 1.112.796-
PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 10.08.2010.
120
"En raison de son caractère potestatif, le droit de résiliation unilatérale risque d'être exercé de façon
arbitraire. Aussi convient-il de réserver l'hypothèse de son exercice de mauvaise foi. [...] A ce titre
l'obligation de respecter um délai de préavis suffisant constitue déjà la manifestation particulière d'une
exigence plus générale de bonne foi contractuelle. Mais celle-ci ne se satisfait pas de la seule application
de cette première règle. En effet l'application généralisée de la théorie de l'abus de droit vient encore
renforcer la moralisation de l'exercice de la résiliation unilatérale, qui contrairement à la situation qui
prévalait au XIXe siècle, ne peut plus être discrétionnaire. En matière de concession commerciale, la Cour
de cassation rappelle ainsi fréquemment que si le concédant peut librement mettre fin à son contrat, c'est
à la condition de ne pas agir abusivement". (GHESTIN, Jacques. Traité de droit civil - les obligations, 2ª
parte ("Les effets du contrat"), 2eme edition. Paris: LGDJ, 1994. pp. 286-289).

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mínimas de estoque, índice de fidelidade de compra dos componentes e quota de veículos (cf.
arts. 7, 8, 10 da Lei Ferrari).

Distinção do contrato de fornecimento. Geralmente, contratos de fornecimento têm por objeto


matérias primas que, posteriormente, serão processadas pelo adquirente ou utilizadas no
processo de produção, ao passo que os contratos de distribuição normalmente tratam com bens
de capital ou de consumo que necessitam de distribuição capilarizada121.

Contratos relacionais. Há, no contrato relacional, um contrato de duração que exige fortemente
colaboração. São relacionais todos os contratos que, sendo de duração, tem por objeto
colaboração (sociedade, parcerias, etc.) e, ainda, os que, mesmo não tendo por objeto a
colaboração, exigem-na intensa para poder atingir os seus fins, como os de distribuição e da
franquia 122

Boa fé e Contratos relacionais. Procurando traçar as bases dessa nova categoria, pode-
se afirmar que o contrato relaciona tem por características principais a longa duração e
a exigência de forte colaboração entre as partes. São relacionais, assim, todos os contratos
que, sendo de duração, têm por objeto a colaboração (contratos de sociedade, parcerias,
consórcios interempresariais etc.), e, ainda, os que, mesmo não tendo por objeto a
colaboração, exigem-na intensa para poder atingir os seus fins, como os contratos de
distribuição e de franquia. O princípio da boa-fé deve ser mais fortemente considerado
nos contratos relacionais, tendo em vista seu caráter aberto, com forte indefinição na sua
projeção para o futuro, impondo, para atingir os seus fins, intensa lealdade entre as
partes123.

Contrato de franquia (Franchising)

Conceito. É possível a extração do conceito do art. 1º da Lei 13.688/19: sistema de franquia


empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar
marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção

121
FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 104.
122
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza Jurídica do Contrato de Consorcio. Classificação dos Atos
Jurídicos Quanto ao Número de Partes e quanto aos Efeitos. Os Contratos Relacionais. A Boa-Fé nos
Contratos Relacionais. Contratos de duração. Alteração das Circunstancias e Onerosidade Excessiva.
Sinalagma e Resolução Contratual. Resolução Parcial do Contrato. Função Social do Contrato; In. Revista
dos Tribunais v. 832, fev/2005.
123
GOMES, Orlando Contratos. 26ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2009. p. 100.

42
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ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso


de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional
desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem
caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus
empregados, ainda que durante o período de treinamento.

Racionalidade econômica. O contrato serve para que alguém que esteja interessado em vender
determinado serviço ou produto se utilize de marca ou patente já consagrada, de titularidade do
franqueador, pagando pelo conhecimento de que a marca ou o produto desfrutam e pelo know-
how que lhe é transmitido. Justamente pelo fato de o franqueado adquirir o direito de explorar
um negócio já existente, a Lei assegura a ele a obtenção prévia de informações fundamentais que
deverão constar na circular de oferta de franquia, para que possa decidir sobre a realização ou
não do investimento, tais como balanço e demonstrações financeiras do franqueador relativos
aos dois últimos exercícios, indicação de pendências judiciais eventualmente existentes,
estimativa de investimento inicial, dentre outras (Lei n o 8.955/94, art. 3º)124.

Origem. ‘Boom’ na 2ª guerra mundial, com a criação do Burger King, KFC e McDonald’s. O
contrato de franquia (franchising) surgiu, como tantos outros novos contratos empresariais,
como uma técnica de comercialização de certos produtos para incentivar e facilitar as vendas
dos mesmos. Tal aconteceu nos Estados Unidos principalmente depois da Segunda Guerra
Mundial, quando inúmeras pessoas, desmobilizadas de suas atividades ou nos campos de batalha
ou nas indústrias, procuravam novas oportunidades para firmar-se economicamente. Para
aproveitar esse material humano na expansão dos seus negócios, várias empresas descobriram
um modo de ligar esses elementos aos seus empreendimentos, passando a oferecer franquia
(franchising) aos que desejavam dedicar-se a esse ramo de atividade125.

Regime legal. Lei nº 8.955/94 e, atualmente, a Lei 13.966/19. O contrato de agência-distribuição


regido pelo Código Civil se trata de um contrato distinto do aqui tratado, o qual equivale ao
contrato de concessão comercial.

Características. Em poucas palavras, aponta FRAN MARTINS que o que principalmente


caracteriza a franquia é a independência do franqueado, ou seja, a sua autonomia como

124
PEREIRA, Caio Mário da Silva Instituições de direito civil. vol. III. 21ª edição. Rio de Janeiro: Forense:
2017. p. 278.
125
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2010. p. 439.

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empresário, não ligado, assim, por um vínculo empregatício com o franqueador126. Trata-se,
entretanto, de uma autonomia relativa127.

Partes. São partes do contrato: o concedente da licença e o concessionário ou


licenciado128.

Objeto. Seu objeto, a comercialização, mediante assistência técnica e às vezes financeira,


de artigos de fácil revenda, instalações, equipamentos, tudo, enfim, que comporte
distribuição por intermédio de uma rede de lojas129.

Forma e conteúdo. O contrato celebra-se sempre por escrito e contém condições


uniformes a que aderem os licenciados. Seu conteúdo abrange, de um lado, as duas
obrigações típicas do concedente, isto é, autorizar o uso da marca e prestar assistência na
sua comercialização, e, do outro lado, as obrigações do licenciado, dentre as quais
relevam as de distribuir o produto e pagar a taxa de filiação e os direitos de ingresso130.

Intuitu personae. Uma característica essencial do contrato de franchising, sem dúvida, é


o seu caráter personalíssimo, ou intuitu personae, como preferem alguns. Nas relações de
franchising, o franqueador deve buscar entre os candidatos interessados aquele que
melhor desempenhará as atividades de franqueado131.

Elementos. São dois, portanto, os elementos do Franchising. O primeiro é a licença de utilização


de marca, de nome, e até de insígnia do franqueador. O segundo, a prestação de serviços de
organização e métodos de venda, padronização de materiais, e até de uniforme de pessoal
externo132.

126
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2010. p. 442.
127
A good franchise will never permit a franchisee complete freedom (KURSH, Harry. The Franchise
Boom. 32 edition. Prentice-Hall, NY, 1969).
128
GOMES, Orlando Contratos. Rio de Janeiro, Forense: 2009. p. 578.
129
GOMES, Orlando Contratos. Rio de Janeiro, Forense: 2009. p. 578.
130
GOMES, Orlando Contratos. Rio de Janeiro, Forense: 2009. p. 578.
131
SILVA, Flávio Lucas de Menezes. TUSA, Gabriele. Contrato de franquia empresarial:
instrumentalização de um negócio formatado. In. FERNANDES, Wanderley. Contratos empresariais:
contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 216.
132
PEREIRA, Caio Mário da Silva Instituições de direito civil. vol. III. 21ª edição. Rio de Janeiro: Forense:
2017. p. 278.

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Marca. No franchising, grande parte da doutrina reconhece na marca um elemento


essencial, sendo impossível imaginar um sistema que não possua uma marca forte e
reconhecida pelo público consumidor, pelo que se parte agora para a definição da marca,
a maneira pela qual o titular adquire direitos sobre a marca e os respectivos tipos de sua
apresentação e funções133.

Trade-dress. O trade dress não é objeto de proteção legal específica no Brasil, porém
guarda relação intrínseca com o desenho industrial e outros institutos da propriedade
intelectual e vale-se de remédios jurídicos e proteções indiretas para se resguardar em
face de eventuais práticas de concorrência desleal. Trata-se de expressão emprestada do
direito norte americano que designa a configuração de produtos, embalagens, a
perspectiva do interior e do exterior de estabelecimentos empresariais, dentre outros, que
contribuam para a constituição do código visual de determinado negócio (...) O trade dress
é de suma importância para uma rede de franquia e são vários os seus componentes. O
projeto arquitetônico da rede de franquia e o design de interiores, a despeito de serem
protegidos por meio dos direitos autorais dos arquitetos – cujos direitos autorais
patrimoniais são posteriormente cedidos ao franqueador –, dada a celebração de contrato
próprio a atender esse fim, configuram o trade dress da rede de franquia e dos seus
estabelecimentos, por consequência134.

Know-how. O know-how ingressou no Direito brasileiro por meio da Lei de Franquia, em


seu art. 3º, XIV, segundo o qual o franqueador deverá fornecer ao interessado em tornar-
se franqueado uma Circular de Oferta de Franquia, dispondo, entre muitas questões, a
situação do franqueado após a expiração do contrato de franquia em relação ao know-
how ou segredo de negócio a que venha a ter acesso em função da franquia. A existência
de referida previsão legal pressupõe que a relação de franquia sempre dependerá de
tecnologias, conhecimentos, informações, sigilosas ou não, componentes essenciais do
know-how do franqueador e inerentes ao modus operandi do negócio franqueado,

133
SILVA, Flávio Lucas de Menezes. TUSA, Gabriele. Contrato de franquia empresarial:
instrumentalização de um negócio formatado. In. FERNANDES, Wanderley. Contratos empresariais:
contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 220.
134
SILVA, Flávio Lucas de Menezes. TUSA, Gabriele. Contrato de franquia empresarial:
instrumentalização de um negócio formatado. In. FERNANDES, Wanderley. Contratos empresariais:
contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 221.

45
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transmitido a todos os franqueados, ou seja, a relação de franquia sempre será designada


pela existência de know-how transmissível ao franqueado135.

Extinção. O contrato de franquia se extingue, normalmente, pela expiração do prazo


convencionado entre as partes. Extingue-se, igualmente, a qualquer momento, pela mútua
vontade dos contratantes, como acontece com os contratos em geral (...) Em geral, apesar de ser
o contrato por tempo determinado, costumam as partes estabelecer cláusulas que deem lugar à
sua extinção por ato unilateral. Nos Estados Unidos existem empresas que permitem a resilição
do contrato, mesmo sem causa. Esse procedimento é justificado pelo fato de ser a franquia um
contrato de boa-fé. Se, por qualquer motivo, não interessa mais ao franqueado a continuação da
franquia, basta o mesmo comunicar ao franqueador a sua intenção do desfazimento do contrato,
sem necessidade de explicar os motivos por que assim o faz136.

Contrato de adesão. [C]om fundamento na doutrina e nos julgamentos deste Superior Tribunal
de Justiça, o contrato de franquia ou franchising é inegavelmente um contrato de adesão137. O
fato de a franquia ter a natureza de contrato de adesão não impressiona. O contrato de franquia
não se equipara a contrato de consumo, visto que não existe relação consumerista entre as partes,
mas relação de fomento econômico com a finalidade de potencializar as atividades empresariais
do franqueado, conforme jurisprudência pacífica do E. Superior Tribunal de Justiça138.

Cláusula Compromissória em Contratos de Franquia. Por ser um contrato de adesão, o


contrato de franquia com cláusula compromissória exige, para sua validade, atenção aos
requisitos estabelecidos pelo art. 4º da LArb139.

135
SILVA, Flávio Lucas de Menezes. TUSA, Gabriele. Contrato de franquia empresarial:
instrumentalização de um negócio formatado. In. FERNANDES, Wanderley. Contratos empresariais:
contratos de organização da atividade econômica. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 222.
136
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2010. p.
448/449.
137
STJ, REsp nº 1.602.076/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 15.09.2016. No mesmo sentido:
NEGRÃO, Theotonio. Código Civil e legislação civil em vigor. 36. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
p. 1633; STJ, REsp nº 1.803.752/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.02.202.
138
TJSP, Apelação Cível nº 1088471-44.8.26.0100, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des.
Alexandre Marcondes, j. 23.04.2018.
139
As exigências examinadas acima têm o foco voltado aos casos de cláusula compromissória inserida em
contratos de adesão não relacionados com relações de consumo, e que são os contratos de adesão
genéricos, de que fala o Superior Tribunal de Justiça. A doutrina entende porem que a técnica do
documento anexo e palavras grafadas em negrito não e suficiente para evitar as adesões açodadas dadas
e sem a plenitude de uma consciência, porque mesmo com cuidados e destaques o aderente pode
simplesmente não conhecer as consequências dessa clausula, aderindo a ela sem qualquer reflexão
(Guerreiro). Com vista, acima de tudo, a assegurar a liberdade na manifestação da vontade de pactuar a
arbitragem, o art. 51, inc. VII, do Código de Defesa do Consumidor da por nulas de pleno direito as

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XIII. Garantias e insolvência. Financiamento de projeto.

Alienação fiduciária. [N]egócio jurídico pelo qual uma das partes adquire, em confiança, a
propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-la quando se verifique o acontecimento a que se
tenha subordinado tal obrigação, ou lhe seja pedida a restituição140. Por meio da alienação
fiduciária, transfere-se ao credor o domínio fiduciário e a posse indireta da coisa móvel ou
imóvel alienada. Por ser peculiar à função econômica e aos interesses das partes, o devedor é
possuidor direto e depositário do bem – fato que, normalmente, é essencial para o desempenho
da atividade empresária141.

Propriedade do bem garantido é subordinada a evento futuro. Importante diferir, nessa


ordem de ideias, que não se trata propriamente da propriedade resolúvel em estrito
sentido. Com efeito, essa é propriedade de eficácia pendente, subordinada a evento futuro,
como na compra e venda com reserva de domínio, ao passo que a propriedade fiduciária
tem eficácia pendente, com domínio transmitido ao credor para fins de garantia de
dívida142.

Não submissão à recuperação judicial, exceto nos casos de bens essenciais (Artigo 49,
§3º, da Lei 11.101/05). Os créditos garantidos por alienação fiduciária em garantia não se
submetem ao concurso de credores na recuperação judicial. Ainda que tenha sido
construído o princípio da preservação da empresa como fundamento do art. 47 da Lei
11.101/2005 (LREF), a função econômica da garantia fiduciária erigiu uma salvaguarda
para as instituições financeiras, alcunhada metajuridicamente de “trava bancária” (STJ
– REsp 1.202.918). Acontece que os bens em alienação fiduciária não se submetem aos
efeitos da recuperação judicial, havendo uma sobregarantia aos credores
143
plenipotenciários para conseguir essa modalidade de cláusula acessória . A bem da
verdade é que, por meio da alienação fiduciária em garantia, o devedor obtém capital para

cláusulas arbitrais que determinem a utilização compulsória da arbitragem”, incluindo-as entre as


cláusulas abusivas, que o sistema repele. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral
do processo. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 86/87).
140
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 357.
141
DINIZ, Gustavo Saad. Alienação fiduciária e atividade empresarial. In. Revista de Direito Empresarial,
v. 17. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
142
DINIZ, Gustavo Saad. Alienação fiduciária e atividade empresarial. In. Revista de Direito Empresarial,
v. 17. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
143
DINIZ, Gustavo Saad. Alienação fiduciária e atividade empresarial. In. Revista de Direito Empresarial,
v. 17. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

47
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manter sua atividade econômica e se reerguer, sem perder a posse de seus bens. Em
contrapartida, o credor torna-se o verdadeiro proprietário do bem, garantindo o recebimento
de seu crédito mesmo que a devedora se encontre em recuperação judicial144.

Ainda que o credor possa satisfazer seu crédito através da liquidação do bem garantido, o
estado de insolvência do devedor gera alguns empecilhos. Primeiro, o bem dado em
garantia, não pode ser retirado do estabelecimento durante o prazo improrrogável de 180
dias, mas fica livre ao credor depois desse interregno145. Segundo, caso o bem garantido
seja essencial a atividade econômica da empresa, ele não poderá ser vendido para satisfação
do crédito, mesmo que garantido146.

Project finance. [C]aptação de recursos para financiar um projeto de investimento de capital


economicamente separável, no qual os provedores de recursos veem o fluxo de caixa ( cash flow)
vindo do projeto como fonte primária de recursos para atender ao serviço de seus empréstimos
e fornecer o retorno sobre seu capital investido no projeto (...) o Project Finance não é uma
alternativa para financiar aqueles projetos que não podem ser financiados pelas bases
convencionais, ou que sejam tão fracos economicamente que não conseguiriam atender às
dívidas ou fornecer uma taxa de retorno aceitável aos investidores de capital. (...) O oferecimento
de garantia neste tipo de estruturação não é essencial, mas de forma a mitigar eventuais riscos
a serem suportados pelos envolvidos, acaba se tornando normal, pelo menos em algumas fases
do projeto, que o financiador condicione a liberação do crédito conforme o andamento e
superação de determinados riscos pelo patrocinador147.

Diferença do balance sheet. O financiamento balance sheet é a forma de financiamento


pela qual o tomador do empréstimo precisa demonstrar garantias de ativos suficientes
para alavancar o capital junto à instituição financeira. Explica Hoffman que este tipo de
financiamento está em contraste com o Project Finance, pois a decisão a ser tomada pelos

144
STJ, REsp 1.207.117, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 10.11.2015.
145
DINIZ, Gustavo Saad. Alienação fiduciária e atividade empresarial. In. Revista de Direito Empresarial,
v. 17. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
146
[A] satisfação do próprio crédito fiduciário está limitada pelo imperativo maior de preservação da
empresa, contido na parte final do § 3o do art. 49 e no caput do art. 47, de modo que é o Juízo da
recuperação que vai ponderar, em cada caso, os interesses em conflito, o de preservar a empresa, mediante
a retenção de bens essenciais ao seu funcionamento, e o de satisfação do crédito tido pela Lei como de
especialíssima importância (STJ, REsp, nº 1.263.500/ES (2011/0151185-8), Rel. Min. Maria Isabel
Galotti, j. 05.02.2013. No mesmo sentido: STJ, REsp, nº 1.758.746/GO (2018/0140869-2), Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze, j. 25.09.2018)

147
TIMM, Luciano Benetti. Alienação fiduciária em garantia no projet finance no Brasil. In. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 51. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. pp. 131-156.

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provedores do recurso para concessão ou não do empréstimo terá como base a análise do
balanço patrimonial da empresa, e não o que a empresa pode vir a gerar com a utilização
do financiamento148.

Diferença do asset-based finance. Já na segunda forma de financiamento corporativo, o


asset-based finance, o financiamento é fundado no valor dos ativos a serem financiados,
enquanto que no Project Finance o provedor do recurso avalia primeiramente a habilidade
de um projeto gerar receita para satisfação do crédito149.

Sponsor e lenders. O primeiro agente envolvido na estruturação do Project Finance é o


patrocinador do empreendimento, desenvolvedor ou acionista (project sponsor ou apenas
sponsor), que é "a entidade, ou o grupo de entidades, interessadas no desenvolvimento do
empreendimento e que se beneficiarão, dentre outras formas, economicamente, desde o
desenvolvimento geral, construção até a operação do projeto". É essa empresa ou um
conjunto delas que vão criar uma empresa de propósito especial, também conhecida como
Project company, para representá-las no projeto. No Brasil, a Project company ou a
Sociedade de Propósito Específico – SPE, tem como principal ativo uma estação geradora
de energia elétrica, estrada com pedágio ou outro item de infraestrutura150.

Sociedade de Propósito Específico (SPE). Nos projects finance, a criação de SPE’s tem
como função (a) a segregação dos riscos do projeto em uma única entidade, pois com a
segregação, o único risco assumido pelos investidores é o relativo ao próprio projeto e ao
valor inicialmente disponibilizado para a sua implementação; (b) o deslocamento do
endividamento ocasionado pelo projeto para uma pessoa jurídica determinada, não
contaminando, assim, o orçamento e o balanço das partes envolvidas151.

Alienação fiduciária em garantia nos projects finance. Diferentemente do que ocorre


num contrato tradicional de alienação fiduciária em garantia, em que a financeira repassa
a quantia diretamente ao vendedor do bem, no Project Finance estes recursos são

148
TIMM, Luciano Benetti. Alienação fiduciária em garantia no projet finance no Brasil. In. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 51. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. pp. 131-156.
149
TIMM, Luciano Benetti. Alienação fiduciária em garantia no projet finance no Brasil. In. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 51. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. pp. 131-156.
150
TIMM, Luciano Benetti. Alienação fiduciária em garantia no projet finance no Brasil. In. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 51. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. pp. 131-156.
151
TIMM, Luciano Benetti. Alienação fiduciária em garantia no projet finance no Brasil. In. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 51. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. pp. 131-156.

49
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repassados ao patrocinador do projeto, que contratualmente garante a propriedade


fiduciária de tais bens que serão adquiridos ao financiador152.

XIV. Leasing (arrendamento mercantil) e factoring. Contratos bancários

Contratos Bancários

Conceito. [T]odos os negócios jurídicos que têm como uma das partes uma empresa autorizada
a exercer atividade própria dos bancos153. Como toda e qualquer relação jurídica, o contrato
bancário possui elementos caracterizadores, ou seja, sujeitos e objetos de direito. Por sujeitos,
aqui se nos apresentam os clientes da instituição financeira e a própria instituição financeira;
por sua vez, o objeto do contrato bancário é o crédito bancário154.

Teoria da imprevisão. Consiste, resumidamente, em presumir, nos contratos comutativos, uma


cláusula, que não se lê expressa mas figura implícita, segundo a qual os contratantes estão
adstritos ao seu cumprimento rigoroso, no pressuposto de que as circunstâncias ambientais se
conservem inalteradas no momento da execução, idênticas às que vigoravam no momento da
celebração155.

Função social dos Contratos bancários. A função social do contrato bancário incide sobre e
condiciona o exercício da atividade empresarial, por meio de sua oferta e de sua completude.
Assim, o contrato bancário, tanto por força do novo Código Civil como da Carta de 1988 [art.
192], deve preencher tais requisitos a fim de promover o desenvolvimento equilibrado. Por
conseguinte, o contrato deve ser respeitado não em face do que já se considerou uma "eclipse
contratual", mas por oposição, dando força à sua função social, que é exatamente o seu
mandamento constitucional. Aqui, por oportuno, é mais importante a oferta de moeda e de crédito
do que o seu desaparecimento156.

Leasing financeiro (arrendamento mercantil)

152
TIMM, Luciano Benetti. Alienação fiduciária em garantia no projet finance no Brasil. In. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 51. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. pp. 131-156.
153
GOMES, Orlando Contratos. 26ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2009. p. 396.
154
SADDI, Jairo. Teoria da imprevisão no contrato bancário sob a égide do novo código civil. In. Doutrinas
Essenciais de Direito Empresarial, v. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
155
PEREIRA, Caio Mário da Silva Instituições de direito civil. vol. III. 21ª edição. Rio de Janeiro: Forense:
2017. p. 66.
156
SADDI, Jairo. Teoria da imprevisão no contrato bancário sob a égide do novo código civil. In. Doutrinas
Essenciais de Direito Empresarial, v. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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Regime legal. Lei 6.099/74. Súmula 293 do STJ.

Objeto. O leasing financeiro, estruturalmente, como o contrato que tem por objeto indireto bem
móvel, adquirido pela arrendadora por indicação e eleição do usuário ou arrendatário e para
uso próprio deste último, que deve arcar com as contraprestações e demais pagamentos previstos
no contrato, sendo estes em montante suficiente "para que a arrendadora recupere o custo do
bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno
sobre os recursos investidos". O arrendador não é o fabricante, importador ou fornecedor do
bem arrendado, mas instituição financeira que adquire o bem com a única finalidade de arrendá-
lo157.

Conceito de leasing. O leasing é uma operação de financiamento para proporcionar aos


empresários o acesso a bens de produção necessários ao funcionamento da empresa, sem que
tenha de comprá-los. Três empresas são necessárias à operação: a que vende as máquinas; a
que as compra da primeira e paga o preço; e a que as obtém, sem ter comprado os referidos
bens. A operação é realmente trilateral, entre o fornecedor das máquinas, o financiador, e a
empresa interessada em usá-las (leasing financeiro). A operação é, entretanto, bilateral, quando
é o próprio interessado que aliena o bem ao fornecedor ou concedente e o recebe de volta a título
de leasing (lease-back), ou quando não há financiador (leasing operacional). O leasing é a nova
técnica jurídica imaginada para atender à necessidade econômica de aquisição ou renovação de
maquinaria de um estabelecimento industrial, sem desembolso, pela empresa, da quantia
necessária para comprá-la. É outra empresa que adquire esses bens e os aluga, com opção de
compra dada à empresa que os toma em arrendamento. Em síntese: por meio de leasing a
empresa equipa-se sem investir capital158.

Especificidade do leasing financeiro. O que peculiariza o leasing financeiro em relação


às demais espécies, bem demarcando a operação econômica que está na base do contrato,
é, pois, o maior peso do financiamento sobre o arrendamento159.

157
MARTINS-COSTA. Os contratos de leasing financeiro, a qualificação jurídica da parcela denominada
valor residual garantido - vrg e a sua dupla função: complementação de preço e garantia. In. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 49. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
158
GOMES, Orlando Contratos. 26ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2009. p. 571.
159
MARTINS-COSTA. Os contratos de leasing financeiro, a qualificação jurídica da parcela denominada
valor residual garantido - vrg e a sua dupla função: complementação de preço e garantia. In. Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 49. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

51
Contratos Empresariais
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O arrendamento mercantil é um contrato sui generis. Decomposto atomisticamente, nele


podem-se identificar cláusulas de locação, de promessa de compra e venda e, quando o
arrendatário recebe do arrendador poderes para adquirir o bem, de mandato. O conjunto,
todavia, é diferente de suas partes, e nem é o mesmo em todos os casos. O arrendamento
mercantil tem uma função econômica importante quando a arrendatária é uma pessoa
jurídica. Dá-lhe meios de produção, de um lado, ou, de outro, facilita-lhe as coisas, pela
redução dos encargos fiscais. Ao invés de investimentos próprios, a pessoa jurídica paga
um aluguel e, como ganho secundário, aproveita o respectivo montante como custo ou
despesa operacional, diminuindo o lucro operacional. Já a pessoa física opta pelo
arrendamento mercantil quando as condições lhe pareçam mais favoráveis do que as
outras formas de financiamento, sem outras consequências160.

Valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de leasing financeiro. O VRG
nada mais é que a garantia de recebimento, pelo arrendador, de quantia mínima final de
liquidação do negócio, em caso de o arrendatário optar por não exercer seu direito de compra
e, também, não desejar que o contrato seja prorrogado. (...) Quanto ao valor em si, é o mesmo
do valor residual, ou saldo não depreciado, ou preço de opção de compra, que pode o contrato
eleger seja o preço de mercado. É esse valor que o arrendatário fica obrigado a cobrir se houver
diferença entre o valor contábil e o valor conseguido na venda161. Conforme esclarece a Súmula
293 do STJ, o VRG não descaracteriza o contrato de leasing financeiro, funcionando apenas como
uma espécie de garantia de recuperação do valor empregado162. O VRG não se torna o contrato
de leasing um contrato de compra e venda parcelada pois o arrendatário ainda não exerceu a opção
de compra.

Factoring

Conceito. Factoring é o contrato por via do qual uma das partes cede a terceiro (o jactar)
créditos provenientes de vendas mercantis, assumindo o cessionário o risco de não recebê-los
contra o pagamento de determinada comissão a que o cedente se obriga. Importa, no entanto,
distinguir o conventional factoring do maturity factoring. No primeiro, os créditos negociados
são pagos ao cedente no momento da cessão, isto é, os respectivos valores são adiantados; no
segundo, quando se vencem163.

160
STJ, REsp 164.918/RS, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, j. 03.08.2000.
161
ERESP 213.828/RS, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, Corte Especial, j. 07.05.2003.
162
ERESP 213.828/RS, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, Corte Especial, j. 07.05.2003.
163
GOMES, Orlando Contratos. 26ª edição. Rio de Janeiro: Forense: 2009. p. 580.

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Objeto. Prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica,


gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de
direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços164.

Risco. Pelo fato de assumir os riscos, não tem ação de in rem verso contra o faturizado. Por esta
razão ainda, deve ter a liberdade de escolher os créditos antes de sua cessão. Pelo fato de prestar
um serviço de cobrança, tem uma remuneração percentual sobre os resultados obtidos. O
faturizador não financia o faturizado, e portanto não se obriga a adiantar-lhe o valor dos créditos
cedidos, e por aí fica bem claro como o Factoring se distingue do desconto bancário. Sendo
cessionário dos créditos, o factor adquire legitimatio ad causam para acionar os devedores
nomine suo, e somente é obrigado para com o faturizado, a recolher o valor cobrado em face do
êxito do procedimento judicial. Não se pode dizer uma “substituição processual”, porque a
legitimação ativa verifica-se ante litem. Trata-se, assim, de um contrato oneroso, consensual e
bilateral165.

XV. Contrato de seguro

Conceito. Entende-se por contrato de seguro aquele em que uma empresa assume a obrigação
de ressarcir prejuízo sofrido por outrem, em virtude de evento incerto, mediante o pagamento de
determinada importância166.

Objeto. Garantia do risco. O risco precisa ser existente, futuro e incerto. Caso o segurador saiba,
por exemplo, que o risco do contrato já passou e mesmo assim contrata com o segurado, deve
pagar o prêmio estipulado em dobro (cf. artigo 773 do Código Civil). Da mesma forma, o
segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato (cf.
artigo 773 do Código Civil). Impõe-se, ao segurado, que informe o segurador, logo que saiba,
todo incidente suscetível de agravar o risco coberto (cf. artigo 769 do Código Civil).

Regime legal. Artigos 757 a 802 do Código Civil.

164
Artigo 15, §1º, “d”, da Lei nº 9.249/95.
165
PEREIRA, Caio Mário da Silva Instituições de direito civil. vol. III. 21ª edição. Rio de Janeiro: Forense:
2017. p. 433.
166
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2010. p. 330.

53
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Regime regulatório. A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) é órgão governamental


responsável pela autorização, controle e fiscalização dos mercados de seguros no Brasil.

Características. Contrato consensual, oneroso, bilateral, comutativo.

Caráter coletivo. A primeira ideia a ressaltar é a de que o seguro é uma operação em


massa. Esta é uma noção básica para se compreender o mecanismo securitário. O seguro
não é uma operação isolada. É um contrato em massa. A sua estrutura econômica impede
se possa falar em operações de seguro isoladas (...) Nesta pluralidade de pessoas
submetidas aos mesmos riscos (mutualidade), reside a base característica unitária de toda
a operação de seguros (independentemente de sua configuração jurídica) (...) O custo da
ocorrência do sinistro é diluída pelo agrupamento167.

Máxima Boa fé (uberrimae fidei). O contrato de seguros é, essencialmente, um contrato


de boa-fé. O contrato de seguro baseia-se num duplo fundamento: na ideia de boa fé e
naquela de solidariedade (ou o seguro é mutualidade ou não é seguro). E o contrato de
seguros está de tal forma fundado na boa fé que a sua ausência é suficiente para permitir
a sua anulabilidade168. Nestes contratos, obviamente exige-se do segurador forte boa-fé.
Isso porque este agente de mercado concentra as informações de todos os segurados,
gerindo o risco. Mas a boa-fé também é exigida dos segurados que, por ser possuidor de
informações fundamentais para a análise de risco, deve ser transparente com o segurador169.

167
FRANCO, Vera Helena de Melo. A operação de seguros e sua qualificação jurídica. In. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico Financeiro, v. XXVI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.
168
FRANCO, Vera Helena de Melo. A operação de seguros e sua qualificação jurídica. In. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico Financeiro, v. XXVI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.
169
Não apenas a norma citada [artigos 765 e 766 do Código Civil] caminha na mesma trilha da concepção
da boa-fé como inerente ao negócio jurídico e à teoria geral do contrato, mas a reforça com dupla
natureza, quantitativa e qualitativamente. Sob o primeiro aspecto, a boa-fé no seguro é colocada no
patamar mais elevado que o direito tem estabelecido. Do outro lado, o mencionando dispositivo diz
respeito ao conteúdo e à extensão horizontal da boa-fé, instituto que é absolutamente fundamental na
construção do seguro. E a exigência abrange os dois lados de forma igual, de maneira que não pode ser
adotada aqui a teoria consumerista do hipossuficiente. Tendo em conta estas considerações, conclui-se
que a interpretação desse contrato deve ser feita de forma restritiva e não extensiva, sob pena de dar-se
lugar ao surgimento do desequilíbrio contratual, que já é montado sobre a premissa de diversas variáveis,
suportadas pela utilização da ciência atuarial. Em sentido contrário e aparentemente contraditório em
parte, veja-se Pedro Alvim, o qual admite que, em caso de dúvida, considerando tratar-se de contrato por
adesão, o problema seja resolvido contra o segurador (VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Contratos
mercantis e a teoria geral dos contratos: o código civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier
Latin, 2010. p. 334).

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Gestão do risco e assimetria informacional. A organização de carteiras para cobertura


de riscos parte de análises da frequência com que o evento danoso ocorreu na sociedade
(localidade), considera o futuro, sempre buscando reduzir potenciais incertezas. (...)
Segurados conhecem suas preferências melhor do que o segurador e, quando
correlacionadas a riscos, seguramente a assimetria é magnificada. Isto pode levar à
seleção adversa170.

Contrato de seguros é de adesão. Considerando que a mutualidade é uma característica


fundamental da operação de seguros, o contrato é classificado como adesão. O contrato de
seguros apresenta características específicas, distinto dos demais contratos comerciais.
Em primeiro lugar é um contrato realizado em massa. O contrato não existe como
operação de prevenção de riscos sem a presença de mutualidade. Além disso é, também,
atividade de empresa (cuidando-se de exploração industrial), cuja exploração é privativa
das sociedades comerciais. Por outro lado, o conteúdo geral de cada contrato não se
regula por pactos especiais, variáveis de caso para caso, mas por normas prefixadas,
antecipadamente, nas condições gerais das apólices de seguros171.

Contrato de seguros é contrato aleatório? A doutrina, hoje em dia, é pacificada no


sentido de classificar o contrato de seguros como contrato comutativo. Para alguns o
contrato seria aleatório já que a prestação do segurador dependeria da ocorrência ou não
do sinistro. O sinistro, como acontecimento incerto pode ou não ocorrer (incertus na), ou
a data de ocorrência pode não ser previsível (a álea estaria no “quando”). Mas, não
parece ser esta a visão correta do contrato. E aqui, entram em cena os fundamentos
técnico-econômicos da exploração do seguro. É que, em decorrência da exploração em
massa do seguro pelas empresas seguradoras e das bases técnicas da sua exploração
(ideia de: mutualidade e de dispersão de riscos), a álea, no sentido de vantagens ou
desvantagens para o segurado, é suprimida. Aqui tem-se em vista o conjunto dos contratos
celebrados já que as vantagens de um contrato são compensadas com as vantagens dos
outros e a exploração total é realizada com base em cálculos precisos172. Ou seja, ao se
especializar o gerenciamento do risco (através da ciência atuária), o segurador não agrega
mais riscos à sua atividade: os eventuais sinistros vão ser pagos e estão cobertos pelo

170
SZTAJN, Rachel. In. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Contratos mercantis e a teoria geral dos
contratos: o código civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 297.
171
FRANCO, Vera Helena de Melo. A operação de seguros e sua qualificação jurídica. In. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico Financeiro, v. XXVI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.
172
FRANCO, Vera Helena de Melo. A operação de seguros e sua qualificação jurídica. In. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico Financeiro, v. XXVI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

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“índice de sinistralidade” média. O cálculo deste índice estipula a média de risco que será
concretizado, determinando que um mínimo valor seja reservado para a concretização das
contingências.

Seleção adversa. A expressão, originada no sistema securitário, espelha o mecanismo de


mercado que leva a resultados indesejáveis por conta da assimetria informacional, no
caso, informação individual da qual o segurado tem amplo conhecimento, mas que é
desconhecida pelo segurador. Usualmente essa assimetria é relacionada ao potencial de
risco (propensão a risco ou certeza de que o sinistro ocorrerá), não revelada de forma
clara quando da proposta feita ao segurador, que dificulta a classificação da
probabilidade de ocorrência do sinistro pelo segurador173.

Moral hazard. Se não conseguirem separar interessados segundo a propensão para risco,
os prêmios cobrados serão iguais para todos, o que os estimula a agir distintamente. Os
agentes avessos a riscos entenderão que pagam prêmios mais elevados do que deveriam
na comparação com agentes propensos a riscos, podendo, até mesmo, abandonar o seguro.
Moral hazard, expressão cunhada por Adam Smith, espelha a possibilidade de que a
pessoa, uma vez celebrado o contrato de seguro, se comporte de forma diferente do que
faria se estivesse exposta ao risco sem qualquer proteção. Ao não ter de suportar as
consequências de suas ações, as pessoas tendem a agir de forma mais negligente, menos
cuidadosa.

Espécies. O objeto do seguro é a garantia contra o risco que pode sofrer uma coisa ou uma
pessoa. Assim, podem os seguros ser de pessoas ou de coisas174.

Seguro de pessoas (artigos 789 a 802 do Código Civil). O interesse assegurado aqui é a
vida, morte, integridade física, acidentes e fatos como o casamento, natalidade, o estudo
etc. Neste caso, leva-se em conta a própria pessoa do segurado, suas qualidades e eventos
que lhe possam trazer qualquer ônus econômico.

Seguro de dano (artigos 778 a 788 do Código Civil). O objeto do contrato é a garantia de
um risco indenizatório. O prejuízo – e não mais que isso – será indenizado. Há diversas

173
SZTAJN, Rachel. In. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Contratos mercantis e a teoria geral dos
contratos: o código civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 298.
174
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2010. p. 330.

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modalidades de seguros de dano: seguro de obrigações, seguro de direitos, seguro de


garantia e seguro de bens.

Prestações. Prêmio175 (pago pelo segurado) e a garantia de “interesse legítimo do segurado,


relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados” (oferecido como contraprestação pela
seguradora, cf. artigo 757 do Código Civil).

Sinistros. Sinistro é a ocorrência do dano previsto no contrato, acarretando a obrigação da


seguradora de fazer a indenização prometida. É a verificação do acontecimento incerto que
constitui o risco, próprio do contrato, assumido pelo segurador. Acontecendo o sinistro, sendo o
seguro contratado mediante a emissão de bilhete de seguro, a prova da ocorrência do risco
compete ao segurado ou ao beneficiário, bem como a justificação do seu valor, sendo permitida
à sociedade seguradora, para exonerar-se de responsabilidade, a arguição de existência de
circunstância relativa ao objeto ou interesse do segurado cujo conhecimento prévio influiria na
sua aceitação. Se houve violação ou inobservância, pelo segurado, de qualquer das condições
estabelecidas para a contratação do seguro, esse fato exonera a seguradora de
responsabilidade176.

Corretores de seguros. Outro elemento de grande importância no Sistema Nacional dos Seguros
Privados são os corretores. Corretores de seguros, nos termos do art. 122 do Decreto-Lei n° 73,
são pessoas, naturais ou jurídicas, que, devidamente habilitadas e autorizadas, se dedicam a
angariar e promover contratos de seguros entre as sociedades seguradoras e as pessoas físicas
ou jurídicas de direito privado. Deve o corretor, para poder exercer essas atividades, habilitar-
se e estar registrado como tal. A habilitação é feita perante a SUSEP, mediante prova de
capacidade técnico-profissional177

Diferença entre contratos de seguros e jogo/aposta (interesse segurável). De fato, os que


seguem essa tendência, acertadamente notam, que, nas hipóteses de jogo ou aposta: o risco não
é senão uma consequência do fato de se haver jogado ou apostado - pois de outro modo o evento
seria indiferente: na hipótese do seguro, ao contrário, o risco preexiste ao contrato. É esta a

175
Entende-se por prêmio a importância que o segurado deve pagar ao segurador como contraprestação
pela assunção dos riscos por parte desse. "O pagamento do prêmio é o correspectivo da assunção do
risco", diz Ferri. É ele fixado de acordo com as garantias assumidas pelo segurador; e a sua função é
muito importante. (MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16ª edição. Rio de Janeiro,
Forense: 2010. p. 338)
176
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2010. p. 340.
177
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16ª edição. Rio de Janeiro, Forense: 2010. p. 332.

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inegável diferença entre contrato de seguro, de um lado e jogo do outro; o seguro refere-se a um
risco que já existente, objetivamente, quanto ao patrimônio do beneficiário, ao revés do que
acontece no jogo. A celebração de um contrato de seguro constitui, portanto, ato de previdência;
quem segura, previne um dano possível: quem joga ou aposta, cria a possibilidade de um dano.
Daí se conclui, com toda a coerência, que não pode haver seguro, se não houver um “interesse
segurável”; é preciso que o beneficiário do seguro “se encontre em situação tal que o sinistro se
converta, para ele, em um dano, e, por isso, tenha interesse na não ocorrência do sinistro178.

Probabilidade e atuária. Ainda que sujeitas a tais dificuldades, a aplicação do cálculo atuarial
como suporte técnico no trato dos seguros privados, que são o que interessa ao presente, a
organização de mutualidades perde o caráter meramente especulativo179.

Resseguros. Outra forma de dispersão de riscos dentro do sistema securitário é o resseguro.


Trata-se de operação pela qual um segurador contrata com outro (chamado ressegurador)
cobertura sobre risco já segurado. Por esse mecanismo, o segurador transmite parte de sua álea
ao ressegurador. Em contrapartida, o ressegurador recebe parcela proporcional dos prêmios
arrecadados. Nos contratos de resseguro, o ressegurador cobre exatamente o que foi segurado
pelo segurador, em proporção à cota preestabelecida dos riscos previstos (resseguro em cota),
ou de parte do valor segurado (resseguro até certa soma). De maneira geral, constituem-se entre
segurador e ressegurador relações jurídicas de seguro cujo conteúdo, no todo ou em parte,
equivale aos contratos de seguro firmados pelo segurador. Trata-se de operação de distribuição
de risco regida por contratos simples, nos quais o ressegurador resume-se a dizer se aceita ou
não cada risco (ou porção deste) coberto pelo segurado, e ponto final180.

178
ASCARELLI, Tulio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. 2ª edição. São Paulo:
Edição Saraiva, 1969. p. 206.
179
SZTAJN, Rachel. In. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Contratos mercantis e a teoria geral dos
contratos: o código civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 298.
180
SOUZA, Pedro Guilherme Gonçalves. ZANCHIM, Kleber Luiz. Seguro: ato e atividade. In.
FERNANDES, Wanderley. Contratos empresariais: contratos de organização da atividade econômica. São
Paulo: Saraiva, 2011. p. 129.

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