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Milisa Cristine Romera
Editorial: Diego Garcia Mendonça, Karolina de Albuquerque Araújo, Marcella Pâmela da Costa Silva e Thiago César Gonçalves de Souza
Produção Editorial
Coordenação
Andréia R. Schneider Nunes Carvalhaes
Especialistas Editoriais: Gabriele Lais Sant’Anna dos Santos e Maria Angélica Leite
Analistas de Operações Editoriais: Damares Regina Felício, Danielle Castro de Morais, Felipe Augusto da Costa Souza, Marília Gabriela
Gradin, Mayara Macioni Pinto e Patrícia Melhado Navarra
Analistas de Qualidade Editorial: Carina Xavier, Daniela Medeiros Gonçalves Melo, Leonardo Rocha e Rafael Ribeiro
Analistas: Ana Paula Cavalcanti, Jonatan Souza, Luciano Guimarães e Rafael Ribeiro
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indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
ISBN 978-85-5321-399-3
PREFÁCIO
Um livro do diálogo
Natalino Irti
Professor emérito de Direito Civil
da Università di Roma “La Sapienza”.
Sócio nacional da Accademia dei Lincei.
PREFAZIONE
Un libro del dialogo
Natalino Irti
Professore emerito di diritto civile
nell’Università di Roma “La Sapienza”.
Socio nazionale dell’Accademia dei Lincei.
SUMÁRIO
5.1 A necessária busca dos traços comuns dos contratos mercantis............... 107
5.2 Escopo de lucro......................................................................................... 108
5.3 Pacta sunt servanda...................................................................................... 109
5.4 Limitações à autonomia privada............................................................... 112
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12 CONTRATOS EMPRESARIAIS
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................... 313
O correr dos olhos pela estrutura das obras que versam sobre contratos
comerciais editadas no Brasil nas últimas décadas evidencia que poucas pági-
nas deitam-se sobre sua teoria geral.1 Normalmente, esta é identificada com a
civilística, como se pouco houvesse de comum entre os negócios realizados
pelos empresários, a não ser que [i] estavam previstos no Código Comercial
ou [ii] tinham surgido da prática dos comerciantes.
Alguns traços não muito bem delineados são indicados como caracterís-
ticas próprias dos contratos mercantis [informalidade, cosmopolitismo etc.],
sendo raro o esforço dogmático para a compreensão do mecanismo de seu fun-
cionamento comum; tampouco, encontramos o desenvolvimento de conceitos
aptos a explicá-los em sua lógica peculiar, dos quais os juristas pudessem lançar
mão na interpretação e na sistematização desses negócios.
Nos últimos vinte anos, porém, quatro importantes fenômenos empurram
a modificação desse quadro: [i] consolidação do direito do consumidor; [ii]
desverticalização das empresas2 e incremento da utilização dos contratos de
colaboração interempresariais; [iii] desenvolvimento do pensamento microe
conômico, que destrinça o processo empresarial de tomada de decisões e a
formação dos preços; e [iv] privatizações.
1. Como exemplo, duas das mais difundidas obras brasileiras sobre contratos mercantis:
Contratos e obrigações comerciais, de Fran Martins, e Contratos mercantis, de Waldirio
Bulgarelli. Podemos identificar duas partes na obra de Fran Martins. A primeira,
dedicada a aspectos gerais dos contratos [menos de um quinto da obra] e a segunda
sobre tipos específicos, começando pela compra e venda. Na parte geral, é evidente
debruçar-se o autor mais sobre o direito civil do que sobre o direito comercial. A
definição de contrato mercantil prende-se àquela antiga, esboçada por Carvalho de
Mendonça [77]. Bulgarelli segue a mesma estrada, dedicando a primeira parte de
seu livro quase que integralmente a considerações coincidentes com o direito civil.
2. Não nos ateremos, neste livro, à exata distinção terminológica entre sociedade [sujeito
de direito] e empresa [objeto de direito]. Para sua precisão, v. Waldirio Bulgarelli,
Sociedades comerciais, empresa e estabelecimento.
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18 CONTRATOS EMPRESARIAIS
ambiente de mercado. Ainda que essa submissão seja relativa, pois, mesmo
com controle privado, lidam com serviços públicos ou de interesse geral, novo
impulso é dado aos contratos mercantis, pois boa parte desses negócios passa
a ser celebrada em regime interempresarial.
*-*-*
Posto nesse cenário, este livro pretende demonstrar a necessidade da
elaboração de uma teoria geral dos negócios entre empresas, que lhes explique
a essência e a existência. A base da sistematização aqui empreendida parte do
reconhecimento do contrato empresarial como um processo.
Em 1964, Clóvis do Couto e Silva propôs que a obrigação fosse vista em
sua totalidade, como processo, isto é, sucessão de fases que visa à satisfação dos
interesses do credor. Essa concepção pode e deve ser aplicada aos contratos
empresariais, especialmente àqueles dotados de maior grau de complexidade,
que carregam consigo uma miríade de disposições contratuais e obrigações,
explícitas e implícitas, inter-relacionadas e interdependentes entre si e que as-
sumem sentido quando vistas em sua globalidade e dinâmica. Gravitam, todas
elas, em torno dos escopos almejados por ambas as partes, i.e., da operação
econômica que encetaram.
Quanto mais nos afastarmos da visão estática que dominou a análise
jurídica da empresa e dos contratos no século XX,11 enxergamos os negócios
fraud, duress, or the like, all bargains must be fair” [Why there is no law of relational
contracts, 807-808].
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22 CONTRATOS EMPRESARIAIS
12. No Brasil, alguns acreditam que as expressões direito mercantil, direito comercial e
direito empresarial assumiriam significados diversos. O direito mercantil designaria
a matéria em sua primeira fase, ligada à disciplina da atividade dos mercadores me-
dievais; direito comercial estaria relacionado ao segundo período, em que os atos de
comércio definem os limites da disciplina, e, por fim, direito empresarial seria o nome
atualmente correto, porque a empresa é o centro do debate. Contudo, essa distinção
é estéril, pois as três expressões são sinônimas. Em todas as fases de sua evolução,
esse ramo especial do direito sempre disciplinou a atividade dos agentes econômicos
encarregados da geração de riqueza, fossem eles chamados mercadores, comerciantes
ou empresários. O traço diferenciador dessa área do direito, e que identifica seus
protagonistas, sempre foi o marcado escopo de lucro. Discussões semelhantes quanto
ao nome dado à matéria ocorrem na França [droit des marchands, droit commercial
e, mais recentemente, droit des affaires], como explica Jean Hilaire [Introduction
historique au droit commercial, 23]. Na Itália, a expressão “diritto commerciale”
é tradicional [v. Leone Bolaffio, Il codice di commercio commentato, 5], enquanto
“diritto imprenditoriale” não é comum. Há também quem entenda que as expres-
sões “direito mercantil” ou “mercadores” seriam demasiadamente antigas. Note-se,
porém, que possuem a mesma raiz da palavra “mercado”, nada podendo haver de
mais contemporâneo para designar aqueles que nele atuam. Anota Scandizzo que a
palavra mercado nasce do particípio passado do verbo latino mercari, que significa
comerciar [Il mercato e l’impresa: le teorie e i fatti, 8]. Neste trabalho, as expressões
direito mercantil, comercial e empresarial vêm empregadas como sinônimas, assim
como contratos mercantis, comerciais e empresariais. A utilização da expressão
“contratos comerciais” vem, contudo, perdendo força no contexto internacional,
dando-se preferência à expressão “contratos empresariais” [Buonocore, Contrattazio-
ne d’impresa e nuove categorie contrattuali, xxiii]. Sobre a questão terminológica dos
contratos comerciais ou empresariais na Itália, v. Sambucci, Il contratto dell’impresa,
nota 1, 1.
1
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS
1. Vincenzo Roppo, Il contratto, 56. Cf. Ronald Coase, The nature of the firm e Melvin
Eisenberg, The conception that the corporation is a nexus of contract, and the dual
nature of the firm.
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24 CONTRATOS EMPRESARIAIS
2. Além de contratos, a empresa pratica atos jurídicos unilaterais [para definição de ato
jurídico, v. Marcos Bernardes de Melo, Teoria do fato jurídico. Plano da existência,
159]. São exemplo desses atos os votos proferidos pela pessoa jurídica em assembleias
de sociedades nas quais detenha participação. [V., a esse respeito, Giuseppe Sena, Il
voto nella assemblea della società per azioni, 13 e ss. e Pinto Furtado, Deliberações dos
sócios, 98 e ss.]. São outros exemplos a fixação de sua sede em determinado endereço
ou a divulgação de fato relevante ao mercado.
3. Giorgio Oppo, Categorie contrattuali e statuti del raporto obbligatorio, 48. No original:
“Il mercato – lungi dal sostituire il contratto – è fatto di contratti, i contratti nascono
dal e nel mercato. Non si possono disciplinare gli uni indipendentemente dall’altro
e viceversa; gli interessi che presiedono ai primi dagli interessi che fondano l’ordine
del mercato”.
4. Roppo, Il contratto, 56.
5. Cf. Roy Goode, Il diritto commerciale del terzo millennio, 58 e ss.
6. O Codice Civile de 1942, em seu art. 2.082, define a empresa a partir do conceito
individualista de empresário, colocando o foco não em sua interação com os outros
agentes econômicos, mas em sua capacidade [isoladamente considerada] de organi-
zação dos fatores de produção. In verbis: “È imprenditore chi esercita professional-
mente un’attività economica organizzata al fine della produzione o dello scambio di
beni o di servizi”. Essa linha foi seguida pelo art. 966, caput de nosso Código Civil,
que estabelece: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
7. A frase encontra-se na abertura do livro de Paolo Gallo Contratto e buona fede. A
importância quantitativa e qualitativa dos contratos explode nos últimos anos. Uma
das razões é o pulular de direitos “especiais”, decorrentes do fenômeno da decodifica-
ção, estudado por Natalino Irti em sua clássica obra L’età della decodificazione. Sobre
a importância dos contratos comerciais na economia, bem como para sua definição
e princípios regentes, v. Fernando Araújo, Teoria económica do contrato e Marcia
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 25
perspectiva monista, de maneira que o centro de atenção não recai em sua
interação com outros agentes.8
É recorrente, na doutrina comercialista, a referência à “atividade”. Esta
menção não visa a destacar a interação da empresa com outras e sim o des-
dobramento da série de atos praticados pelo empresário na organização dos
fatores de produção. A própria definição de atividade, amplamente acolhida,
propugna que ela constitui uma “série de atos [praticados pela empresa] unifi-
cados por um escopo comum”.9 Com isso, o ponto cardeal acaba voltado para
o ente [que pratica atos], e não para suas relações com terceiros [celebração
de contratos].
Se, à época em que foi talhada, essa visão era justificável pelo destaque à
figura do empresário [= aquele que organiza], hoje pode ser considerada redu-
cionista, pois não atribui o devido destaque ao indispensável perfil contratual
do ente produtivo.
O vencedor do prêmio Nobel de economia de 1978, Herbert Simon, pro-
pôs a seguinte imagem: se representássemos cada agente econômico por um
quadrado e cada relação por uma linha, teríamos inúmeros quadrados, que
se interligam por número incontavelmente maior de traços.10 Forma-se uma
teia. Os riscos são as interações entre os atores do mercado, muitas das quais
se traduzem em contratos empresariais. Empresa, contratos e mercado são con-
ceitos indissociáveis.11
Carla Pereira Ribeiro e Irineu Galeski Junior, Teoria geral dos contratos. Contratos
empresariais e análise econômica.
8. É possível reconhecer em Asquini compreensão estática do fenômeno empresarial.
Entre os perfis da empresa que cunhou, nenhum dá relevo à sua relação com outros
entes, debruçando-se, portanto, sobre a empresa isoladamente considerada. Entre-
tanto, isso não significa que Asquini deixe de referir a atividade de troca desenvolvida
pela empresa ou mesmo o desdobramento contratual de sua atividade. No entanto,
a linha cardeal da análise repousa sobre a empresa e não sobre suas relações [Perfis
da empresa, 109-26].
9. Nicola Rondinone, Lattività nel codice civile, 13.
10. Organizations and markets, 27 e ss.
11. Sobre a definição de mercado, v. Paula A. Forgioni, Direito comercial brasileiro. Da
mercancia ao mercado, 153 e ss.
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26 CONTRATOS EMPRESARIAIS
18. Zylbersztajn e Sztajn, Direito e economia, análise econômica do direito e das organi
zações, 104.
19. Eugene Fama, Agency problems and the theory of the firm, 289.
20. Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’economia, 57.
21. Atualmente, a maioria dos autores contrapõe duas categorias de contratos empresa-
riais: aqueles celebrados com empresas e aqueles celebrados entre empresas. Nesse
sentido, cf. Carlo Angelici, La contrattazione d’impresa, 188-9. Fábio Ulhoa Coelho
identifica os contratos mercantis como os celebrados entre empresários [Curso de
direito comercial, v. 3, 5].
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28 CONTRATOS EMPRESARIAIS
movida pela busca do lucro. Esse fato imprime viés peculiar aos negócios jurí-
dicos entre empresários.
Por mais incrível que possa parecer, esse método de análise da realidade
do mercado descortina visão jurídica pouco usual entre nós, porquanto:
[i] considera como objeto do direito comercial apenas os contratos cele-
brados entre empresas [ou contratos interempresariais, i.e., aqueles em que os
partícipes têm sua atuação plasmada pela procura do lucro]; e
[ii] coloca em relevo a necessidade do esboço de teoria geral que leve em
consideração as peculiaridades dos contratos interempresariais no contexto
do mercado [i.e, que visualize a empresa na teia contratual em que se insere e
que ajuda a construir].
26. Nas palavras de Claudia Lima Marques, muito citadas pela jurisprudência nacional,
para a corrente finalista “[d]estinatário final é aquele destinatário fático e econômico
do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpre-
tação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de
produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final
econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional,
pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído
no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida
‘destinação final’ do produto ou serviço”. “[C]onsumidor não seria o profissional,
pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais
vulnerável. Consideram que restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles
que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção pa
ra estes, pois a jurisprudência será construída em casos onde o consumidor era
realmente a parte mais fraca da relação de consumo e não sobre casos em que pro
fissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o Direito Comercial já
lhes concede” [Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 254].
27. Newton de Lucca, Teoria geral da relação jurídica de consumo, 119.
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30 CONTRATOS EMPRESARIAIS
28. Em 2004, a 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em criticável decisão por
maioria de votos, entendeu que “[a]quele que exerce empresa assume a condição
de consumidor dos bens e serviços que adquire ou utiliza como destinatário final,
isto é, quando o bem ou serviço, ainda que venha a compor o estabelecimento
empresarial, não integre diretamente – por meio de transformação, montagem,
beneficiamento ou revenda – o produto ou serviço que venha a ser ofertado a
terceiros”. Em sentido contrário, colocava-se a linha de acórdãos que, acolhendo
principalmente as lições de Newton de Lucca, entende que não devem ser subme-
tidas ao CDC as relações que envolvem empresas adquirentes de bens empregados
em seu processo produtivo. Como exemplo, destaque-se o REsp 264.126/RS,
julgado em 8 de maio de 2001, com relatoria do Min. Barros Monteiro. Contudo,
“desde 2005, o STJ definiu-se em favor da teoria finalista, no sentido defendido pela
doutrina majoritária, que criticava a equiparação do empresário ao consumidor,
por entender que desvirtuava a aplicação do CDC, idealizado para compensar a
desigualdade na relação de consumo. O leading case é o REsp 541.867 da Segunda
Seção do STJ. Afirma o texto, reiterado em várias ementas do Tribunal: “A aquisição
de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de
implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação
de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária” [rel. para
acórdão Min. Barros Monteiro, DJU de 16.05.2005]. No entanto, o mesmo STJ, em
diversos precedentes, adota a teoria finalista mitigada, a qual, nos dizeres da Corte:
“admite a incidência do CDC, ainda que a pessoa física ou jurídica não seja tecni-
camente destinatárias finais do produto ou do serviço, quando estejam em situação
de vulnerabilidade diante do fornecedor” [STJ, AgRg nos EREsp 1331112, Corte
Especial, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 02.02.2015]. Enfim, houve importante e
significativa evolução, ainda que, em alguns casos, a mitigação possa dar margem
à insegurança jurídica, na medida em que exige o exame da vulnerabilidade em
cada caso concreto, diminuindo a previsibilidade de sua aplicação” [Roberto Au-
gusto Castellanos Pfeiffer, em texto inédito, fornecido pelo autor]. Sobre o tema,
v. também Rodrigo Xavier Leonardo, Imposição e inversão do ônus da prova.
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 31
-se, então – lembramo-nos todos – dos “atos de comércio por dependência ou
conexão”.29
O baralhamento das fronteiras entre o direito comercial e o consumerista
deriva de questão prática ligada [i] ao ônus da prova nos processos judiciais e
[ii] ao foro competente para a propositura da ação contra o fornecedor.
Quanto ao primeiro aspecto, o art. 373 do Código de Processo Civil de
2015 determina que “[o] ônus da prova incumbe [...] ao autor, quanto ao fato
constitutivo de seu direito” e “ao réu, quanto à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor”. O Código do Consumidor, por
sua vez, em seu art. 6.º, inciso VIII, sempre estabeleceu ser seu direito a inver-
são do ônus da prova “quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou
quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.
Desse privilégio estariam excluídos os “não destinatários finais”, que seriam
obrigados a comprovar suas alegações nos estritos termos do art. 373 do Código
de Processo Civil. Contudo, deve-se considerar que o art. 373, § 1.º, do Códi-
go de Processo Civil abre a possibilidade de inversão do ônus da prova para
hipóteses além daquelas de hipossuficiência da parte. Dessa forma, mostra-se
cada vez menos necessário, para alcançar o benefício processual, “forçar” a
interpretação equiparando o consumidor ao empresário.
O foro privilegiado para os consumidores está previsto no art. 101, I, do
Código do Consumidor. Dessa forma, advogar a aplicação do diploma espe-
cial, em muitos casos, significa possibilitar ao agente econômico defesa mais
acessível e barata. Por essa razão prática, parte da doutrina tem se esmerado
para fazer subsumir os pequenos empresários à categoria de consumidor, jus-
tificando a aplicação do art. 6.º, VIII, e do art. 101, I, do diploma consumerista.
A confusão entre os contornos do direito comercial e do direito do con-
sumidor pode comprometer a percepção dos fundamentos do primeiro. As
matérias possuem lógicas diversas, de forma que a aplicação do Código do
Consumidor deve ficar restrita às relações de consumo, ou seja, àquelas em
que as partes não se colocam e não agem como empresa.
Ao contrário, se o vínculo estabelece-se em torno ou em decorrência da
atividade empresarial de ambas as partes, premidas pela busca do lucro, não
30. Para Luiz Gastão Paes de Barros Leães: “quando a lei brasileira define como consu-
midor ‘toda pessoa física ou jurídica’ [à semelhança do que dispõem vários diplomas
alienígenas] [...], há que distinguir os bens adquiridos pela empresa, a título de
insumos, no exercício de sua atividade empresarial, dos bens adquiridos para uso
pessoal ou privado – for private usance – do consumidor, à margem de sua atividade
empresarial” [As relações de consumo e o crédito ao consumidor, 256]. Na mesma
linha, Fábio Konder Comparato: “O consumidor é, pois, de modo geral, aquele que
se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os em-
presários. É claro que todo produtor, em maior ou menor medida, depende por sua
vez de outros empresários, como fornecedores de insumos ou financiadores, por
exemplo, para exercer a sua atividade produtiva; e, nesse sentido, é também consu-
midor. Quando se fala, no entanto, em proteção do consumidor quer-se referir ao
indivíduo ou grupo de indivíduos, os quais, ainda que empresários, se apresentam
no mercado como simples adquirentes ou usuários de serviços, sem ligação com a
sua atividade empresarial própria. [...] [É] nessa perspectiva que faz sentido falar-se
em proteção do consumidor” [A proteção do consumidor: importante capítulo do
direito econômico, 477].
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 33
característica moderna: nos contratos empresariais, ambas [ou todas] as partes
têm no lucro o escopo de sua atividade.
Essa postura doutrinária reflete a realidade que circundava nossos autores:
as regras especiais dos contratos mercantis contidas nos arts. 121 a 139 foram
sendo sombreadas pela supressão de institutos como o “arbitramento”, pelo
advento do Código Civil e pela edição de regras que suplantaram a dicotomia
de jurisdições e as diferenças entre os processos civis e comerciais. Além dis-
so, as dissonâncias específicas entre contratos civis e comerciais foram sendo
limadas, restando poucas aparas, de importância mitigada.
Mesmo antes da entrada em vigor do atual Código Civil, a doutrina
brasileira encontrava dificuldade para classificar os negócios entre civis e co-
merciais; como admite Bulgarelli, “a distinção, na prática, entre os contratos
civis e mercantis perdeu muito da sua importância inicial, com a unificação da
Justiça [...]”.31 Assim, a necessidade de distinção advinha das “diferenças no
tratamento de certos contratos por ambos os códigos”32-33 e não de questões
31. Contratos mercantis, 38. A mesma observação é feita por Waldemar Ferreira [Tratado
de direito comercial, v. 8, 10].
32. Contratos mercantis, 38.
33. Inglez de Souza, de acordo com a realidade de seu tempo, destaca ser uma das prin-
cipais diferenças entre os contratos civis e os comerciais o fato que “os contractos
commerciaes se podem provar por qualquer genero de prova”. “Em resumo: as
distincções capitaes entre os contractos civis e commerciaes são: 1.º o caracter de
solidariedade de todas as obrigações mercantis collectivas. 2.º o caracter de onero-
sidade de todas as obrigações. 3.º a simplificação das formalidades que retardam
a perfeição dos contractos, ficando, em regra, reduzidas ao simples accordo das
vontades. 4.º a simplificação da prova” [Prelecções de direito commercial, 121]. Vê-
-se, assim, que, em exercício de comparação, os contratos comerciais são definidos
a partir de suas diferenças em relação aos contratos civis [a exceção está em Cairu,
que trata os contratos mercantis sem esse foco]. Esse método de análise será seguido
por toda a doutrina brasileira. Carvalho de Mendonça, o comercialista, faz repousar
a ênfase da distinção nos atos de comércio. “Contrato comercial é aquêle que tem por
objeto ato de comércio”, remetendo as especialidades de sua teoria geral à clássica
distinção entre direito civil e direito comercial [Tratado de direito comercial brasileiro,
v. VI, parte I, 449]. Waldemar Ferreira vê-la no critério da “profissionalidade de um,
se não dos dois contratantes”. As peculiaridades dos contratos comerciais residiriam
[i] na “simplicidade das fórmulas” e [ii] na existência de “outros contratos que o
tráfico mercantil tornou necessários” [Tratado de direito comercial, v. 8, 9]. Descartes
Drummond de Magalhães, fortemente influenciado por Inglez de Souza, entende que
as peculiaridades dos contratos comerciais estão, principalmente, na solidariedade,
na onerosidade, na simplificação dos meios de prova e na dispensa de certas formali-
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34 CONTRATOS EMPRESARIAIS
dades [Curso de direito comercial, 61]. Na sua esteira, são as lições de Alfredo Russell
[Direito commercial, 353 e ss.].
34. Additamentos ao Codigo de Commercio, publicado em 1878, muito antes da promul-
gação do primeiro Código Civil brasileiro.
35. Teixeira de Freitas, Additamentos ao Codigo do Commercio, v. I, 522.
36. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, 251.
37. Waldemar Ferreira, Instituições de direito comercial, v. 3, 12.
38. Um dos manuais de direito comercial mais difundidos no Brasil, o Curso de direito
comercial de Rubens Requião, não contém capítulo referente aos contratos mercantis.
Igualmente, o Tratado elementar de direito commercial de Spencer Vampré e o Curso
de direito comercial terrestre de João Eunápio Borges.
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 35
funcionamento e na disciplina de cada um deles. Justificava-se, tão somente,
o estudo individual dos tipos contratuais.
Esse foi o caminho trilhado pela doutrina. Com o passar do tempo, à
medida que eram desgastadas as poucas diferenças que ainda restavam entre
os regramentos, menor se fazia a preocupação com a sistematização de uma
teoria geral dos contratos mercantis.
Na Itália, por longo período, a teoria geral dos contratos comerciais restou
estagnada e a própria existência dos contratos mercantis chegou a ser contes-
tada.39 A edição do Código de 1942 “fez com que, por longo tempo, a doutrina
dominante tenha entendido não ser compatível com a nova disciplina do código
uma distinção entre contratos civis e contratos comerciais”.40 Até hoje, assinala
Salvatore Monticelli, os contratos empresariais não costumam ser reconheci-
dos como categoria autônoma41 por boa parte dos autores peninsulares.
Arthuro Dalmartello, em pioneira obra editada em 1958, lutava para
comprovar que os contratos comerciais continuavam a existir, não obstante
a unificação de 1942.42 Sobre essa obra foi dito que “desafiou toda a doutrina
privatista”, que, após a unificação, havia “sepultado os contratos comerciais”.43
39. Cf. Giorgio Oppo, Principi e problemi del diritto privato, 204. Na Argentina, sustenta
Etcheverry que “[e]l contrato de empresa no existe como categoría típica contractual,
pues en torno de la empresa se producen actos y contratos de organización, contratos
internos y de explotación, contratos externos entre el empresario y outro empresario
o entre el empresario y el consumidor. La organización empresaria exceed el campo
unicontractual” [Contratos asociativos, negocios de colaboración y consorcios, 94].
40. “[H]á fatto si che per lungo tempo la prevalente dottrina abbia ritenuto non compa
tibile con la sopravvenuta disciplina del codice [...] una distinzione tra contratti ci
vili e contratti commerciali” [Salvatore Monticelli e Giacomo Porcelli, I contratti
dell’impresa, 1].
41. “[...] la stessa locuzione ‘contratti commerciali’ è stata per decenni espunta del
lessico giuridico anche in funzione meramente descrittiva; al raggruppamento,
anche laddove ridenominato com l’adozione dell’espressione ‘contratti d’impresa’,
è stato negato spazio e considerazione nelle enciclopedie giuridiche e nei repertori,
negli indici dei manuali tanto ti diritto privato che di diritto commerciale” [I contratti
dell’impresa, 1]. Em idêntico sentido, Leopoldo Sambucci, Il contratto dell’impresa,
1 e Buonocore, Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, “Premessa”.
Salienta este último autor que, por anos, a locução “contratos comerciais” foi expulsa
do léxico jurídico, como se pode comprovar pela ausência do verbete nas enciclopé-
dias jurídicas [exceção feita à Treccani], repertórios e, até pouco tempo, nos índices
dos manuais e direito privado e até mesmo de direito comercial [xxi].
42. Cf. I contratti delle imprese commerciali, 3-31.
43. Buonocore, Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, “Premessa”, xix.
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36 CONTRATOS EMPRESARIAIS
44. Como exemplo dessa postura que assume como “dado unificante o conceito de
empresa”, cf. Astolfo di Amato, Interpretazione dei contratti d’impresa, 11 e ss.
45. Outro fator que talvez explique a recusa italiana de considerar os contratos com
consumidores independentemente dos contratos comerciais seria o mais tardio
desenvolvimento da doutrina consumerista. Em 1995, quando, no Brasil, o direito
do consumidor era forte realidade, Buonocore afirmava sobre o contexto italiano:
“Perché quello della tutela dei consumatori, contrariamente a quanto possa apparire
ad un osservatore superficiale, è ancora un tema esclusivamente riservato al dibattito
degli addetti ai lavori e non è ancora entrato in quello che io chiamerei il patrimonio
comune e visibile del diritto civile”. Segue, explicando que “solo una sparuta mino-
ranza degli indici analitici” de “pregevolissime opere” sobre instituições do direito
privado continham o item “consumidor”. “E potrebbe essere questa una veniale
omissione dei compilatori, se all’assenza del termine non corrispondesse anche o
un’assenza di trattazione del tema oggetto della nostra considerazione o, comun-
que, una trattazione assai episodica e fuggevole di esse, condotta sopratutto sotto
la specie della responsabilità del prodotto difettoso” [Vicenzo Buonocore, Contratti
del consumatore e contratti d’impresa, 2-3].
46. Buonocore pergunta-se, “con qualche plausibilità e con tutta la prudenza del ca
so”, se a disciplina especial [do consumidor] não teria erodido a disciplina geral e
monolítica do contrato a ponto de legitimar uma dicotomia de categorias de con-
tratos, “e cioè quella dei contratti del consumatore e quella dei contratti d’impresa”
[Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, 189].
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 37
Na França, embora exista um Código Comercial, o cenário não se mostra
muito diferente do brasileiro. Não se nega a existência da categoria dos contrats
commerciaux, mas para explicá-la os autores, no mais das vezes, limitam-se a
fazer uso da doutrina dos atos de comércio ou a lançar mão dos argumentos
que tradicionalmente justificam a autonomia do direito comercial.47 Diz-se
que os contratos mercantis estão sujeitos a regramento diverso por conta
das exigências de simplicidade, celeridade e de crédito, típicas do direito
empresarial.48
Ressaltou-se que direito comercial e direito do consumidor são regidos
por princípios peculiares diversos, submetendo-se a lógicas apartadas. É preciso,
então, distinguir as duas espécies de contratos para impedir a indevida aplicação
de princípios de um ramo do direito a outro, comprometendo o bom fluxo de
relações econômicas. Torna-se premente resgatar os contratos comerciais para
impedir sua absorção pelo consumerismo e o aviltamento da racionalidade
própria ao direito empresarial.
A grande discussão que, no passado, centrava-se na diferenciação entre
contratos civis e mercantis, hoje assume nova feição. O direito do consumidor
aflorou como ramo independente, sujeito às especificidades [ou princípios
peculiares] que lhe dão forma e conteúdo, tais como a vulnerabilidade do
consumidor no mercado de consumo e o “direito de não ser explorado”.49-50
Paradoxalmente, a consolidação do direito do consumidor tem levado
os contratos comerciais à sua “redescoberta” como categoria autônoma, me-
recedora de tratamento peculiar e distinto das regras gerais do direito civil e
do direito consumerista.
47. Cf., a título exemplificativo, Leon Lacour, Précis de droit commercial, 214 e ss. Na
mesma linha, Germain Brulliard e Daniel Laroche, Précis de droit commercial, 191.
O primeiro ponto destacado por esses autores, na esteira da doutrina tradicional,
é a aplicação aos contratos comerciais das regras gerais do Código Civil francês,
notadamente aquelas referentes à existência e à validade dos negócios, seus efeitos
e modos de extinção. Seguem, afirmando que as regras particulares dos contratos
comerciais “se justifient par les raisons mêmes qui expliquent l’existence d’un droit
commercial distinct du droit civil et qui peuvent se résumer em deux mots: rapidité
et sécurité”.
48. Cf. Jean Escarra, Manuel de droit commercial, 577.
49. Bulgarelli, Contratos mercantis, 24.
50. Para explicação dos vetores do direito do consumidor, cf. Antonio Herman Benjamin,
O direito do consumidor.
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38 CONTRATOS EMPRESARIAIS
51. “Alla distinzione tra contratti commerciali e contratti civili [...] sembra avvicendar-
si perlomeno una tripartizione: che corre dai contratti civili a quelli commerciali
passando atraverso i contratti dei consumatori” [Fabrizio di Marzio, Verso il nuovo
diritto dei contratti, 4].
52. “‘[I]l contratto del consumatore’ – inteso come contratto fra un consumatore e un
operatore economico professionale, relativo all’acquisto di beni o servizi forniti da
quest’ultimo – emerge come categoria autonoma e significativa del diritto contrattu-
ale. Questo è um dato acquisito ovunque, e da tempo” [Vincenzo Roppo, Il contratto
del duemila, 26].
53. Contratos mercantis, 24.
54. Natureza jurídica do contrato de consórcio [sinalagma indireto]. Onerosidade ex-
cessiva em contrato de consórcio. Resolução parcial de contrato, 356.
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 39
parte ou manifestação da atividade do ente produtivo. Assim, é inegável o im-
pacto da atividade da empresa sobre cada um dos negócios por ela encetados.55-56
Dizemos que a “natureza e o espírito do contrato” comercial são condi-
cionados pela “vontade comum” das partes, direcionada que é pelo escopo de
lucro que grava cada uma delas.
Nos contratos consumeristas, essa luta pelo lucro recai apenas sobre uma
das partes [a empresa fornecedora]; nos civis, pode inexistir [como no caso da
doação] ou aparecer de forma esporádica e mitigada em um dos polos que se
aproveitará economicamente do evento [locação, por exemplo].
De qualquer forma, mesmo nessas hipóteses, o escopo econômico não mar-
ca o contrato de forma tão incisiva como nos casos comerciais, pois a parte não
tem sua atividade, toda ela, voltada para o lucro, como ocorre com as empresas e
sua atividade profissional. O moto da empresa é diverso daquele do proprietário
de um imóvel que o aluga; enquanto toda a existência da primeira justifica-se
pelo fim lucrativo, o proprietário, embora deseje obter vantagem econômica
do negócio, não tem nisso sua razão de ser.
55. “[I]l contratto, pur destinato a regolare un singolo e specifico rapporto, rappresenta
anche uno dei momenti nei quali si realizza la più complessa attività dell’impresa: da
ciò, almeno potenzialmente, un’influenza su di esso del modo in cui questa attività è
stata programmata dall’imprenditore” [Carlo Angelici, La contrattazione d’impresa,
190-1].
56. Daí dizermos que o fim imediato das contratações é a satisfação das necessidades
econômicas das empresas, enquanto que o escopo máximo delas é sempre o lucro.
57. Cf. Corso di diritto commerciale, 79.
58. La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 4.
59. “È sempre solamente da un punto di vista storico, e cioè in relazione alle diverse
esigenze dei singoli momenti storici, che si può comprendere l’autonomia successi-
vamente rivendicata dal diritto del lavoro, dal diritto industriale, dal diritto agrario.
Diritti speciali tutti e che anch’essi si contraddistinguono per comprendere insieme
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40 CONTRATOS EMPRESARIAIS
norme di diritto pubblico e di diritto privato, per avere, quali diritti speciali, una
esistenza che é storicamente determinata, per comprendere um ambito che è a volte
a volte diverso” [La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto com-
merciale, 5].
60. Cf., sobre a existência do direito comercial em Roma, Pietro Cerami e Aldo Petrucci,
Lezioni di diritto commerciale romano; Feliciano Serrao, Impresa e responsabilità a
Roma nell’età commerciale; Pietro Cerami, Andrea di Porto e Aldo Petrucci, Diritto
commerciale romano.
61. Storia universale del diritto commerciale, 60 e ss.
62. “Un sistema speciale del diritto marittimo e del diritto commerciale fu invece crea
zione italiana nella primavera della nostra civiltà comunale [Tullio Ascarelli, La
funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 3]”. No
mesmo sentido, praticamente a totalidade da doutrina italiana e brasileira.
63. A lição de Orlando Gomes há de ser sempre lembrada: “A moderna concepção do
contrato como acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo
jurídico a que se prendem se esclarece à luz da ideologia individualista dominante
na época de sua cristalização e do processo econômico de consolidação do regime
capitalista de produção. O conjunto de ideias então dominantes, nos planos eco-
nômico, político e social, constituiu-se em matriz da concepção do contrato como
consenso e da vontade como fonte de efeitos jurídicos, refletindo-se nessa idealização
o contexto individualista do jusnaturalismo, principalmente na superestimação do
papel do indivíduo. O liberalismo econômico, a ideia basilar de que todos são iguais
perante a lei e devem ser igualmente tratados e a concepção de que o mercado de
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 41
vel porque o sistema jurídico presume a igualdade dos contratantes que, no
exercício de sua liberdade, estabelecem trocas entre si. “O contrato surge como
uma categoria que serve a todos os tipos de relações entre sujeitos de direito
e a qualquer pessoa independentemente de sua posição ou condição social”,
explica Orlando Gomes.64
Mas o funcionamento do mercado liberal gera disfunções [efeitos autodes-
trutíveis, “falhas”, “externalidades negativas”], que levam à desestabilização do
sistema. Daí o inteligente arranjo implementado pelo direito, intervindo para
neutralizar e evitar crises. A proteção dos “direitos sociais” dos trabalhadores
mostra-se imperativo para perpetuar o tráfico mercantil. O “interesse geral do
comércio” exige que o fator trabalho continue desempenhando seu papel no processo
produtivo, dando seguimento ao processo de acumulação de capital.
A relação entre patrão e empregado – i.e., entre empresa e empregado –
deve ser isolada e tratada de maneira especial, arrefecendo, de certa forma, os
princípios liberais do tráfico.65 Exige-se que os negócios jurídicos com empre-
gados passem a obedecer a princípios peculiares, que reconheçam e lidem com
a hipossuficiência do trabalhador. Há um “particularismo do negócio jurídico
66. Orlando Gomes e Elson Gottschalk, Curso de direito do trabalho, XIII. Esses autores
identificam em dois pontos as especificidades da relação jurídica nuclear do direito do
trabalho: [i] o predomínio do fator humano que origina, para uma das partes, dependência
pessoal e [ii] o impacto dessa relação no sistema econômico globalmente considerado,
“tornando-se algo mais do que um simples vínculo entre duas pessoas” [XII].
67. Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e Segadas Vianna, Instituições de direito do tra-
balho, 57-8.
68. Havia poucas leis protetivas, relatadas por Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e
Segadas Vianna, Instituições de direito do trabalho, 58 e ss.
69. Orlando Gomes e Elson Gottschalk afirmam que a matéria recebeu, no Código Civil,
“um tratamento no puro estilo clássico romanista” [Curso de direito do trabalho, 7].
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 43
Em 1938, ainda se noticiava a incipiência da proteção trabalhista no Brasil e a
ausência do reconhecimento do “contrato de trabalho”.70
Mas aos poucos se estabelece entre nós a concepção da “hipossuficiência”
do trabalhador, na expressão que se acredita cunhada por Cesarino Júnior.71 A
legislação especial assiste, a partir dos anos trinta, a uma “intensificação febril”
e à adoção da regulamentação internacional do trabalho, sob os auspícios da Or-
ganização Internacional do Trabalho [OIT].72 A influência da obra de Hauriou,
com sua teoria das instituições, é marcante.73 Merece incontestável destaque
a promulgação da CLT, quando a empresa é identificada com o empregador.
Ao primeiro grande cisma dos contratos mercantis, sucede um segundo:
decotam-se os contratos trabalhistas, firmando nova categoria autônoma.
Seguindo no tempo, a preservação do mercado exige que seja conferida
proteção especial aos consumidores. Em sua essência, o movimento que então
se verifica não difere daqueles que relatamos: mais uma vez, ocorre a separação
de um conjunto de relações econômicas, porque assumem funcionamento
peculiar. A esses negócios [contratos consumeristas] é impressa lógica diversa,
apartada daquela do corpo da qual se desprendeu.74
No mesmo sentido, Cesarino Júnior destaca que a própria expressão “locação de ser-
viços” é mera tradução da locatio ou conductio operarum do direito romano [Natureza
jurídica do contrato individual de trabalho, 18].
70. Cesarino Júnior, Natureza jurídica do contrato individual de trabalho, 23 e ss.
71. “Aos não proprietários, que só possuem sua fôrça de trabalho, denominamos hipos-
suficientes. Aos proprietários, de capitais, imóveis, mercadorias, maquinaria, terras,
chamamos auto-suficientes. Os hipossuficientes estão, em relação aos auto-suficientes,
numa situação de hipossuficiência absoluta, pois dependem, para viver e fazer sua família,
do produto de seu trabalho. [...] Há uma troca entre os bens excedentes dos ricos e os
serviços dos pobres. O lugar em que geralmente se opera esta troca é a emprêsa [...]. [...]
A hipossuficiência absoluta se caracteriza pelo fato de o indivíduo depender do produto
do seu trabalho para manter-se e à sua família” [Direito social brasileiro, 25-6].
72. Os diplomas mais relevantes desse período e sua disciplina constitucional são ano-
tados por Orlando Gomes e Elson Gottschalk, Curso de direito do trabalho, 7.
73. “As grandes linhas dessa teoria são as seguintes: uma instituição é uma ideia de obra
ou empresa que se realiza e dura juridicamente em um meio social; para a realização
dessa ideia, organiza-se um poder que avia os órgãos necessários; de outra parte,
entre os membros do grupo social interessado na realização da ideia, produzem-se
manifestações de comunhão dirigidas por órgãos de poder e regradas por procedi-
mentos” [La teoría de la institución y de la fundación, 39-40].
74. Retomemos a lição de Antonio Herman de V. Benjamin: “A adaptação de soluções do
‘liberalismo clássico’, produzidas em uma realidade econômica inteiramente diversa
da atual, deixou de levar em conta que ‘fenômenos de massa’ não comportam remé-
|
44 CONTRATOS EMPRESARIAIS
Sumário: 2.1 Por que classificar? Classificação tradicional dos contratos e a ne-
cessidade de novas categorias – 2.2 Quanto ao grau de vinculação futura entre
as partes: contratos instantâneos [“spot”], híbridos e societários – 2.3 Quanto
ao grau de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente típicos: 2.3.1 A
criação dos contratos socialmente típicos pela prática de mercado; 2.3.2 Cláusulas
socialmente típicas – 2.4 Quanto à abrangência do objeto: contratos-quadro e
contratos satélite – 2.5 Quanto ao grau de ligação: contratos coligados e con-
tratos independentes – 2.6 Quanto ao grau de complexidade: contratos simples
e contratos complexos – 2.7 Quanto ao grau de completude do regramento:
contratos completos e incompletos. Existem contratos completos? – 2.8 Quanto
ao interesse principal da parte no contrato: contratos de prestação e contratos de
relação [ou contratos relacionais] – 2.9 Quanto ao tipo de negociação que lhes
dá origem: contratos de adesão e contratos negociados – 2.10 Quanto ao grau de
poder econômico das partes: contratos paritários e contratos em que há situação
de dependência econômica: 2.10.1 Contratos aos quais a dependência econômica
é inerente; 2.10.2 Contratos em que o grau de dependência econômica aumenta
durante sua execução – 2.11 Quanto à ligação a contratos celebrados entre ter-
ceiros: contratos isolados e contratos em rede.
Contratos híbridos
• menor grau de contratos • maior grau de
vinculação futura de colaboração vinculação futura
• menor grau de controle • maior grau de controle
da atividade da outra parte da atividade da outra parte
13. Nessa linha, no passado, tentou-se a compilação de regras decorrentes do uso pelas
Juntas Comerciais. São os famosos “assentamentos”, de inegável interesse histórico.
Que se tenha notícia, no Estado de São Paulo, o último desses registros foi realizado
em 1966, versando sobre o comércio de café.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 53
espontânea”. A liberdade de iniciativa socorre aos agentes econômicos nos
limites da licitude e seus comportamentos, ainda que potencialmente, estão
sujeitos ao crivo dos Tribunais. As cortes, por sua vez, sinalizam para o mer-
cado o que será ou não admitido, fechando o ciclo da criação dos contratos
socialmente típicos:
Sinalização para o
mercado sobre o Práctica de
comportamento que mercado
pode ou não ser adotado
Crivos dos
tribunais sobre
o que é ou não
admitido pela
lei
18. Maria Raquel de Almeida Graça Silva Guimarães, O contrato-quadro no âmbito da utili
zação de meios de pagamento eletrônicos, 40, ao transcrever e comentar a doutrina
peninsular.
19. No original: “to supply clauses that can be used in a defined set of transactions” [Stefanos
Mouzas and Keith Blois, Relational contract theory: confirmations and contradictions].
20. Em 1989, a Corte di Cassazione italiana declarou pela primeira vez que o contrato de
distribuição é um contrato-quadro, que dá ensejo à celebração de outras avenças pos-
teriores. Trata-se de negócio juridicamente atípico, mas socialmente típico: “Ed invero,
di fronte alla delineazione di una figura negoziale socialmente tipica, caratterizzata
dall’impegno del produttore di vendere al distributore i propri prodotti che il secondo
si obbliga ad acquistare dal primo, si contrappone, sia pure nell’unità del contratto di
concessione di vendita rispecchiante l’unità dell’operazione economica sottostante,
la previsione che, di fatto, alla clausola di esclusiva non consegua necessariamente
l’obbligo dell’una o dell’altra parte di vendere o di acquistare; situazione alla quale può
accedere la diversa qualificazione dei contratti di distribuzione come contratti quadro
in forza dei quali un operatore economico assume, verso contropartita consistente nelle
opportunità di guadagno che si legano alla commercializzazione delle merci contrattuali,
l’obbligo di promuovere la rivendita dei prodotti forniti dalla controparte; obbligo il cui
adempimento postula la stipulazione di singoli contratti per l’acquisto, a condizioni
predeterminate, dei prodotti da rivendere” [decisão proferida em 12 de abril de 1989].
21. Jean Gatsi, Le contrat-cadre, 296.
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56 CONTRATOS EMPRESARIAIS
22. V., a esse respeito, a monografia de Flávio Luiz Yarshell, Tutela jurisdicional específica
nas obrigações de declaração de vontade e Waldírio Bulgarelli, “Obrigação de contratar
por decisão judicial”. Barbosa Moreira, em clássica lição, afirma que “[o] primeiro
pressuposto da obtenção de sentença que produza o mesmo efeito do contrato não
concluído acha-se expresso nas palavras ‘sendo isso possível’. A possibilidade ou
impossibilidade tem de ser apreciada caso a caso, pelo órgão judicial. Ainda não se
encontrou fórmula genérica que englobe todas as hipóteses de impossibilidade; esta
pode originar-se de variadas circunstâncias [...]. Tratando-se de obrigação fundada
em contrato preliminar, é indispensável, para acolher-se a pretensão do credor, que
aquele negócio jurídico contenha todos os elementos do definitivo: ao juiz não é dado
estipular cláusulas e condições, mas apenas fazer desnecessária, por meio de sentença,
a declaração de vontade, que, incidindo sobre cláusulas e condições já estipuladas,
daria corpo ao negócio definitivo. Em outras palavras, a sentença não tem a virtude de
criar, sequer em parte, o objeto ou conteúdo do contrato que deveria concluir, o que
pode faltar, e que ela torna supérflua, é só a declaração de vontade, não emitida pelo
devedor” [O novo processo civil brasileiro, 211]. A jurisprudência de nossos Tribunais
corrobora o entendimento da doutrina, isto é, a execução específica de obrigação
de emitir declaração de vontade só é possível caso o contrato preliminar não esteja
sujeito a nenhuma condição e tenha o mesmo conteúdo do contrato definitivo, cuja
vontade da parte supostamente inadimplente se pretende suprir. Como exemplo,
vejamos os seguintes arestos: “O art. 639 do Código de Processo Civil pressupõe a
existência de contrato preliminar que contenha o mesmo conteúdo que o contrato
definitivo que as partes se comprometeram a celebrar” [Segunda Turma do Supremo
Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 88.716, relatado pelo Ministro Moreira
Alves, julgado em 11 de setembro de 1.979 e publicado na Revista Trimestral de Juris-
prudência 92:250]; “Se o contrato preliminar contém todos os elementos necessários
para que se converta em definitivo, é possível a aplicação do art. 639 do Código de
Processo Civil” [Quarta Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná, Apelação Cível
1.756, relatado pelo Desembargador Troiano Netto e publicado no DJPR de 18 de
agosto de1.988]; “[...] quando se trata de execução específica do art. 639 do CPC,
uma das condições para que a sentença substitua a vontade da parte recalcitrante é
que o pré-contrato reúna todos os requisitos que são necessários ao contrato defi-
nitivo, o que por sinal está no próprio texto constitucional [...]” [Primeira Câmara
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relatado pelo Desembargador Bady Curi e
julgado em 3 de outubro de 1989, publicado na Revista dos Tribunais 672:176]. Obs:
O Artigo 639 estava revogado pela Lei 11.232/2005. Não possui equivalentes no CPC
2015.
23. Dispõe o art. 462 do Código Civil: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma,
deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 57
podenegociar pela parte, o contrato-quadro apenas terá execução específica
quando encerrar o acordo sobre todos os elementos essenciais do negócio. Essa
constatação traz preocupações de ordem prática e que deixam margem ampla à
criação de problemas, na medida em que é intrínseca ao contrato-quadro certa
indeterminação dos elementos essenciais dos contratos de execução.
Outro aspecto liga-se à interpretação das operações econômicas como um
todo. O esquema global delineado e explicado no contrato-quadro auxilia a
empreitada de interpretação, orientando a descoberta da função econômica
dos instrumentos firmados e da ligação que guardam entre si, a superação de
lacunas e a compreensão da avença considerada em sua totalidade.
30. Fabio Gil, em sua tese de doutoramento intitulada A onerosidade excessiva em contratos
de engineering, defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em
2007, p. 29.
31. Fabio Gil, A onerosidade excessiva em contratos de engineering, p. 31 e ss.
32. O texto seminal sobre contratos complexos é normalmente identificado como sendo
de autoria de Eric Posner, Karen Eggleston e Richard Zeckhauser, “The Design and
Interpretation of Contracts: Why Complexity Matters” e disponível em: [http://
chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2763&context=jo
urnal_articles]. V. de Karen Eggleston, Simplicity and complexity in contracts.
No Brasil, além da obra de Fabio Gil, já referida, v. a tese de doutoramento de Lie
Uema do Carmo, Contratos de construção de grandes obras, defendida em 2012 na
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialmente p. 195 e ss.
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60 CONTRATOS EMPRESARIAIS
33. A ideia de incompletude do contrato pode não traduzir propriamente uma catego-
ria de negócios, mas lhes apontar uma característica, pois, de certa forma, todos os
contratos são potencialmente incompletos.
34. Jean Tirole, “Incomplete contracts: where do we stand?”, 741.
35. O resumo é de Jean Tirole, “Incomplete contracts: where do we stand?”, 743.
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62 CONTRATOS EMPRESARIAIS
36. Vale a transcrição do resumo talhado por Richard E. Speidel: “Most commentators
agree that relational contracts have at least three distinguishing characteristics. First,
the exchange relationship extends over time. It is not a ‘spot’ market deal. Rather, it
is more like a long-term supply contract, a franchise or distribution arrangement, or
a marriage. Second, because of the extended duration, parts of the exchange cannot
be easily measured or precisely defined at the time of contracting. This dictates a
planning strategy that favors open terms, reserves discretion in performance to one
or both parties, and incorporates dispute resolution procedures, such as mediation or
arbitration into the contract. The inability of the parties to ‘presentiate’ the terms of
the bargain at the time of contracting shifts the focus to circumstances and conduct
that occur ex post contract. Third in the words of Lewis Kornhauser in a relational
contract the ‘interdependence of the parties to the exchange extends at any given
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 63
Os contratos relacionais contrapõem-se aos contratos denominados “des-
contínuos” [discreate contracts, discreate exchanges].37 Valendo-nos do exem
plo de Macneil,38 pensemos no motorista que abastece seu automóvel em um
posto ao longo da estrada que percorre. A compra e venda é instantânea e não
há maiores complexidades envolvidas na operação. Por sua vez, os negócios
relacionais tendem a se estender no tempo, dando lugar a relações de longa
duração. A confiança é-lhes elemento fundamental.
Os contratos relacionais podem encerrar rede de agentes econômicos,
como nas redes de distribuição, aumentando o grau de complexidade da teia
de deveres e direitos contratuais.
Muitas vezes, há a troca de valores que não são facilmente suscetíveis de
avaliação pecuniária. Enquanto nos contratos descontínuos os vínculos cos-
tumam ser breves, naqueles relacionais são levados em consideração outros
elementos além de preço, qualidade e quantidade: desempenho da outra parte,
planejamento futuro etc. Por isso, Porto Macedo enuncia que “os termos contra-
tuais passam a definir menos as regras para o fornecimento do produto ou do
serviço, e mais as regras processuais que pela própria regulação sobre o forne-
cimento são definidas. [...] [O]s contratos relacionais dependem inteiramente
de cooperação futura, não apenas para o cumprimento do que foi firmado, mas
também para o planejamento extensivo de atividades substantivas da relação”.39
Mesmo nos Estados Unidos, a teoria dos contratos relacionais ainda não
foi incorporada pelos Tribunais e encontra resistência. Por exemplo, Melvin Ei-
senberg lembra que os contratos relacionais não são uma categoria específica de
contratos porque todos os contratos são relacionais40 e que as “novas” regras que
estão sendo propostas pela doutrina especializada para dar tratamento jurídico
adequado aos contratos relacionais orientam-se pelos seguintes parâmetros:41
how to distinguish a relational contract from other contracts and what modern
contract law can or should do to respond to it. Moreover, even though courts regularly
deal with contracts that have relational characteristics, the literature about relational
contract theory has not trickled down to, much less influenced, the judicial decision
process. The challenges in interpreting and enforcing truly relational contracts,
therefore, are solved under ‘modern’ contract law or not at all” [The characteristics
and challenges of relational contracts].
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 65
da relação contratual, motivação do negócio, boa-fé objetiva42 e, acima de
tudo, a visão dos contratos empresariais como um processo. Essa discussão
ilumina a hermenêutica das avenças e opera dentro dos limites impostos pelo
sistema jurídico, i.e., pelas “premissas implícitas” do nosso ordenamento, na
feliz expressão de Ascarelli. Muitas das questões postas no quadro dos con-
tratos relacionais são as mesmas que tanta atenção tem chamado dos nossos
modernos doutrinadores: em que medida o contexto em que é celebrado o
contrato deve ser tomado em conta para determinar as fronteiras da relação
obrigacional estabelecida entre as partes? Normas não expressas no contrato
podem ser vinculantes? Como tornar suscetíveis de avaliação pecuniária os
mais variados tipos de “intangíveis”? Qual a pauta de conduta esperada de um
agente econômico durante a relação contratual? Como coadunar juridicamente
o oportunismo, o comportamento predatório, com a colaboração que se faz
necessária para o sucesso do negócio?
A análise elaborada pela doutrina dos contratos relacionais é útil para
nossa empreitada de dissecação dos contratos empresariais, porque põe em
relevo dois de seus elementos fundamentais: [i] a relação entre as partes e [ii]
a força da boa-fé, da confiança. Quanto ao primeiro ponto, pensar a ligação
entre as partes, nos moldes doutrinários dos contratos relacionais, é essencial
para dimensionar o ajuste e trazer à baila a importância da boa-fé objetiva, da
confiança, da não frustração da legítima expectativa para garantir a estabilida-
de jurídica e o melhor desenvolvimento do contrato enquanto um processo.
42. Ian Macneil sustenta que “unconscionably, duress, good faith and best efforts” são
conceitos ligados aos contratos relacionais [Relational contract: what we do and
what we do not know]. Richard E. Speidel, ao analisar o caso Oglebay Norton Co. v.
Armco, Inc., envolvendo contrato relacional, conclui que a chave para a resolução de
controvérsias que se estabeleceram entre as partes seria revisitar o conceito de boa-fé
[“The key to these challenges is a more comprehensive, sophisticated development of
the duty of good faith”] [The characteristics and challenges of relational contracts].
43. Para visão atualizada sobre os contratos de adesão no Brasil, v. Cristiano de Souza
Zanetti, Direito contratual contemporâneo. A liberdade contratual e sua fragmen-
tação, 227 e ss.
|
66 CONTRATOS EMPRESARIAIS
44. Como salientou Nelson Nery Júnior, o contrato de adesão “não é novo tipo contratual
ou categoria autônoma de contrato, mas somente técnica de formação, que pode
ser aplicada a qualquer categoria ou tipo contratual [...]” [Da proteção contratual,
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 290].
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 67
acreditava Adam Smith, deve ser-lhe assegurado o exercício livre de suas facul-
dades, deixando-o perseguir o objetivo [egoísta] do lucro sem entraves.
Do ponto de vista do Direito, essa visão se traduz, além do individualismo
jurídico, no voluntarismo, atribuindo-se grande força jurígena à vontade do
agente. Todos são iguais nos contratos e vinculam-se apenas na medida de sua
vontade – que há sempre de ser respeitada pelo sistema jurídico.
Mais adiante no tempo, o Direito reconheceu que o mundo não funcionava
dessa forma e que, em certas situações, assumir a paridade das partes era uma
ficção sem sentido. Finca-se, no início do século XX, o direito do trabalho e,
em sua segunda metade, o direito do consumidor. Esses subsistemas jurídicos
partem da constatação de que, tanto o processo de vinculação do empregado
ao empregador, quanto do consumidor ao fornecedor, não são presididos pela
igualdade das partes. Daí o necessário reconhecimento da hipossuficiência de
uma delas.
No direito comercial, salvo raríssimas exceções, não se pode reconhecer
no empresário um hipossuficiente; o mercado capitalista não poderia funcionar
dessa forma.
Todavia, há de se reconhecer que, em certas relações interempresariais,
existe dependência econômica de uma parte em relação a outra. Essa supremacia
implica a possibilidade/capacidade de um sujeito impor condições contratuais
a outro, que deve aceitá-las. Ou, no clássico pensamento de Guyon, “l’un des
contractants est en mesure d’imposer ses conditions à l’autre, qui doit les ac-
cepter pour survivre”.45 Em suma, são ajustes marcados por grande diferença
de poder entre as empresas.
Daí a classificação entre contratos paritários e contratos de dependência.
Trata-se de uma questão de grau e não de classificação peremptória, do tipo “ou
isso ou aquilo”. A dependência econômica verifica-se com maior ou menor
intensidade e pode inexistir, quando os contratos são paritários.
A concepção de contrato paritário liga-se a relações equilibradas, em que
certa igualdade das empresas é fator determinante na organização e desenvol-
vimento das fases do negócio, desde o ajuste inicial, passando pela execução,
criação intermediária de obrigações, até sua extinção. Embora a absoluta sime-
tria seja rara, nos contratos paritários a dinâmica do processo de negociação
e de execução contratual desenvolve-se sem a marcada preponderância dos
interesses de um dos polos.
46. O parágrafo único do art. 473 do Código Civil destina-se a prevenir o abuso de de-
pendência econômica e baseia-se nesse tipo de lógica, ao determinar que “[s]e […],
dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis
para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 69
Por exemplo, um fabricante de liquidificadores “X” impõe preços máxi-
mos que seus revendedores não exclusivos [multimarcas] podem praticar na
cidade de Sorocaba. Esses distribuidores não se encontram em uma posição
de dependência econômica; caso não pretendam sujeitar-se ao preço máximo
de revenda, cessarão a comercialização daquele produto e continuarão suas
atividades sem grandes prejuízos, com outras marcas. Na ausência dessa su-
jeição dos distribuidores, não se pode identificar a dependência econômica.
Tomemos agora um distribuidor exclusivo de sofisticado maquinário
empregado na medicina, fabricado pela empresa estrangeira A. Para atender
a todo mercado brasileiro, esse agente econômico realizou os investimentos
necessários para montar sua rede de empregados e de representantes comer-
ciais, grande estrutura de assistência técnica de alta especialização, suporte
telefônico para hospitais, investimentos promocionais e tantos outros gastos.
O fornecedor estrangeiro é comprado pela empresa B, também estrangeira,
que antes atuava no mercado brasileiro, competindo com as máquinas A.
Como possui sua própria rede de distribuição, B não tem qualquer interesse
em manter ativo os antigos distribuidores de A. O novo controlador evita a
mera denúncia do contrato, impondo série de restrições que estrangulam o
antigo distribuidor de A.
Percebe-se, neste caso, que é o grau de subordinação do distribuidor ao
fornecedor estrangeiro que gera a dependência econômica do primeiro em
relação ao segundo. Contra, poder-se-ia argumentar que seria possível para o
distribuidor incorporar-se a outra rede de maquinários médicos e não haveria
sujeição. Por conta disso, para verificar a situação de dependência econômica,
é importante analisar a eventual existência de alternativas viáveis ou solução
equivalente para a parte. A opção, para ser considerada possível, não pode
envolver prejuízos econômicos relevantes.
A solução está na acurada observação do caso concreto para identificar o
grau de dependência econômica existente entre as partes.
prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”. Sobre o tema, v. Paula
A. Forgioni, Contrato de distribuição, capítulo 13.
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70 CONTRATOS EMPRESARIAIS
empresa
empresa A empresa
M B
empresa empresa
L C
empresa empresa
K D
Líder
empresa empresa
J E
empresa empresa
I F
empresa empresa
H G
poderá autorizar seu cliente a fazer justiça com as próprias mãos. Tudo há
sempre de passar pelo crivo do Poder Judiciário ou pela arbitragem e, caso haja
recusa do cumprimento da sentença, será necessário promover sua execução.
Ainda que uma parte tome todas as cautelas necessárias ao longo do pro-
cesso negocial, “não se pode fechar a porta do fórum”. Desprovidas de qualquer
razão, muitas empresas, para procrastinar o cumprimento de seus deveres,
propõem ações sem “forma nem figura de juízo”, no jargão dos advogados.
O ordenamento jurídico coíbe esse tipo de comportamento, procura de
sestimulá-lo. Todavia, não consegue impedi-lo, pois a ninguém é permitido
afastar da apreciação do Judiciário alegações de lesão ou de ameaça a direitos
[cf. art. 5.º, XXXV, da CF/1988]. A parte ganha tempo – e isso, ainda que
configure abuso do direito de demanda –, pode mostrar-se economicamente
interessante. Em contratos complexos, os limites dos comportamentos lícitos
e ilícitos acabam difíceis de serem identificados; há zonas cinzentas, bem ex-
ploradas nas teses de habilidosos advogados, que tornam difícil a condenação
dos agentes econômicos por abuso do direito de demanda.1
Exemplo: o presidente de tradicional curtume paulista, sucessor de seu
pai no comando dos negócios familiares, pretendia arrendar dois estabeleci-
mentos fabris para dois diversos locatários [A e B]. Os modelos contratuais a
serem empregados eram quase idênticos, atendidas as peculiaridades de cada
negócio. Com o controle da empresa, o jovem havia herdado o mesmo advo-
gado de seu pai, de quem recebeu um conselho: celebrar o contrato apenas
com a empresa A e não com B. Baseado em sua experiência e na reputação
de ambas, o advogado concluíra que A estava disposta a cumprir o negócio,
enquanto B não pensaria duas vezes em deixar de pagar o aluguel avençado
diante de qualquer percalço. O rapaz, ansioso por assegurar entradas mensais
e constantes que garantissem seu fluxo de caixa, não seguiu a recomendação.
O resultado é fácil de ser deduzido: A cumpriu o contrato. Quanto a B,
houve longuíssima disputa judicial para haver os aluguéis devidos e o despejo;
B, dentro e fora dos autos, criou todo entrave possível para atrasar a devolução
do imóvel, bastante danificado, aliás.
2.
In verbis: “Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: I – publica, por
qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter
vantagem; II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim
de obter vantagem [...]”.
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76 CONTRATOS EMPRESARIAIS
5. “A common feature of human behavior is overoptimism: People tend to think that bad
events are far less likely to happen to them than to others. Thus, most people think
that their probability of a bad outcome is farless than others’ probability, although
of course this cannot be true for more than half the population” [Christine Jolls,
Cass R. Sunstein, and Richard Thaler, A behavioral approach to law and economics,
Disponível em: [https://www.academia.edu/5341053/A_Behavioral_Approach_to_
Law_and_Economics]].
6. Sobre a fase pré-contratual, v. José A. Engrácia Antunes, Direito dos contratos comer-
ciais, 93 e s. V. as excelentes obras de Cristiano de Souza Zanetti, Responsabilidade pela
rutpura das negociações e Karina Nunes Fritz, Boa-fé objetiva na fase pré-contratual.
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78 CONTRATOS EMPRESARIAIS
obrigar a parte àquilo que não contratou e não quis contratar. Eis o fundamento
axiológico dos arts. 462 e 463 do Código Civil. Uma coisa é obrigar a pessoa a
fazer o que prometeu, outra, bem diversa, é ir além e obrigá-la a fazer algo a que
não se vinculou.
Merece referência antigo julgado do Supremo Tribunal Federal, até hoje
lembrado pela doutrina e pela jurisprudência. A questão discutida relacionava-
-se a acordo que acertara a futura compra do controle, pelo grupo Pão de Açúcar,
de sociedade anônima do ramo de supermercado [conhecida como “Disco”].
O texto do instrumento exprimia o consenso sobre a coisa a ser vendida/ad-
quirida [ações que garantiam o controle] e o preço que seria pago. Estariam
presentes todos os requisitos necessários [essentialia negotii] à existência do
contrato de compra e venda?
À época, dispunha o art. 639 do Código de Processo Civil: “Art. 639. Se
aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação,
a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma
sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado”.7
Tornou-se célebre o debate entre o Ministro Moreira Alves e o Fábio Konder
Comparato em torno daquela controvérsia. No entender de Comparato, o ne-
gócio era de natureza civil e os elementos acordados seriam suficientes para
garantir sua existência. Na sua visão, os contratos são obrigatórios quando
houver acordo entre seus elementos essenciais. Para Moreira Alves – em tese
que se sagrou vencedora – não se poderia dar execução específica ao acordo,
porque isso implicaria transferir para o juiz aspectos negociais:
“[N]ão [pode] o julgador consagrar o que está por acertar, o que expres-
samente depende do futuro entendimento e de valoração de dados ainda
não colhidos. Se assim se fizer, estará o juiz contratando pelas partes, o
14. Para Pontes de Miranda: “Pode ocorrer que os figurantes concluam, em instrumentos
separados, dois ou mais negócios jurídicos e os ligue, de modo que se tenham de tratar
como sujeitos à mesma sorte, ou que sejam separados, nas suas cláusulas e constem
do mesmo instrumento. Também é possível a ligação entre dois ou mais negócios
jurídicos concluídos em tempos diferentes – portanto, também em instrumentos
diferentes – e que um dependa do outro, ou cada um dependa de qualquer um dos
outros” [Tratado de direito privado, t. XXXVIII, 368].
FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 83
esquema de administração da XY S.A., regras para evitar o conflito de interesses
entre Y e XY S.A. e assim por diante.
Os advogados deverão decidir quais instrumentos serão redigidos. Mais
uma vez, não há soluções “certas” e outras “erradas” e sim a busca por estrutura
jurídica que melhor acomode os interesses das empresas.
Após reuniões, decide-se que as partes firmarão os seguintes instrumen-
tos: [i] “acordo quadro”, regulando o negócio como um todo; [ii] minuta do
estatuto social de XY S.A.; [iii] acordo de acionistas de XY S.A.; [iv] contrato
de fornecimento de couro entre X e XY S.A.; [v] contrato de fornecimento de
bolsas entre Y e XY S.A.; [vi] contrato de prestação de serviços entre XY S.A. e
X, pois X deverá treinar os funcionários de XY S.A. para que produzam bolsas
de qualidade.
Quais as cláusulas que constarão de cada um dos instrumentos? Qual será
a denominação e a mecânica de cada um deles? Insista-se: trata-se de opção das
partes [i.e., de seus advogados]. Há balizamentos postos pela Lei e pelos tipos
contratuais, e não cercas a serem respeitadas.
O resultado será uma miríade de instrumentos contratuais rubricados,
assinados pelas partes e por suas testemunhas. Nada assegura que as cláusulas
de todos esses contratos serão harmônicas entre si; tampouco que o teor de
cada instrumento estará em sintonia com os demais.
Os dispositivos contratuais e sua forma de organização não são fruto do
acaso. Demanda planejamento, ponderação de riscos, dos prós e contras de cada
uma das opções. As partes traçam a maneira pela qual os negócios entrarão no
mundo jurídico, como serão enformados para produzir os efeitos almejados.
Essa formatação jurídica não pode ser desprezada, sob pena de esmagar
a comum intenção das partes determinante do negócio que acabou realizado.
Quem se lança à análise do empreendimento tem perante si vários contratos,
que existem, valem e são eficazes isoladamente, embora integrem o mesmo
negócio mercantil.
15. Roppo, Il contratto, 458. Ainda sobre as cláusulas contratuais, Ernesto Capobianco,
Il contratto. Dal testo alla regola, 16 e ss.
16. Remete-se o leitor ao capítulo oitavo, no qual as regras de interpretação de Pothier
serão analisadas.
FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 85
3.12 Disposições finais, cláusulas de estilo ou “boilerplate clauses”
As vicissitudes da interpretação contratual fizeram com que se difundisse
o hábito de incluir nos instrumentos contratuais, mais para o seu final, série
de dispositivos standard ou padrão. São chamadas de “boilerplate clauses” ou,
simplesmente, “boilerplate”. Em português, “disposições gerais” ou “disposi
ções finais”.
Com poucas exceções, acabam postas pelos advogados e não despertam
maior atenção das empresas durante o processo negocial. Seriam midnight clau-
ses, porque trazidas no final das negociações, quando todos estão exaustos.17
Afirma-se que seu processo de criação é um “recorta-e-cola” ou “controlC/
controlV”, repetindo-se quase que sem alterações nos contratos do mesmo
redator ou escritório.
São exemplos dessas cláusulas declarações no sentido de que:
• as partes encontram-se devidamente representadas e que os signatá-
rios estão investidos de todos os poderes necessários para presentar
a sociedade;
• as alterações do ajustado somente serão válidas, caso se revistam da
forma escrita;
• aquele instrumento supera todos os outros documentos antes pro-
duzidos;
• cada parte é responsável pelo pagamento de seus impostos, deveres
trabalhistas etc.;
• o contrato não institui sociedade entre as partes;
• as partes não estão autorizadas a ceder o contrato;
• os sucessores, a qualquer título, estão vinculados aos termos do
contrato;
• o não exercício de qualquer direito não implica sua renúncia;
• a nulidade de uma cláusula não implica a nulidade do contrato; e
• todas as notificações devem ser encaminhas aos endereços constantes
do preâmbulo.
Muitos autores entendem que as cláusulas arbitrais são “boilerplate clau-
ses”, embora a escolha da câmara de julgamento costume ser debatida entre
as partes ou, pelo menos, entre seus advogados.
17. A respeito das “cláusulas de estilo” e para a bibliografia clássica sobre o assunto, v.
Ernesto Capobianco, Il contratto. Dal testo alla regola, 21 e ss.
|
86 CONTRATOS EMPRESARIAIS
18. Stewart Macaulay, em conhecido estudo empírico sobre o comportamento das partes
nos contratos, indica que, durante as tratativas, os agentes econômicos podem assumir
as seguintes posturas em relação ao negócio a ser implementado: [i] cuidadosamente
planejar comportamentos, explicitando-os formalmente [“explicit and careful”]; [ii]
possuir entendimento comum, mas tácito, sobre certa questão [“tacit agreement”];
[iii] possuir entendimentos divergentes, não manifestados expressamente [“unila-
teral assumptions”]; [iv] sequer cogitar de determinado problema [“unawareness of
the issue”]. O autor esclarece que “[c]learly other intermediate points are possible”
[Non-contractual relations in business: a preliminary study, 4].
19. “If I want a clause that says if event X takes place, the consequence Y will follow,
you may demand something in exchange that I do not want to give you. When I
antecipate this, it may be better to avoid raising the issue in negotiations and hope
that the matter can be resolved if event X ever takes place” [Stewart Macaulay, The
real and the paper deal: empirical pictures of relationships, complexity and the urge
for transparent simple rules, 55].
FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 87
Ao contratar, as empresas dirigem sua atenção para os aspectos econômicos
do negócio e não para aqueles jurídicos. Seu foco costuma recair sobre o preço,
condições de pagamento, características do bem ou do serviço adquirido etc.
Em negócios de maior complexidade, o planejamento das chamadas “contin-
gências” fica a cargo dos advogados.
Pesquisas empíricas constataram que, para a maioria das empresas, a
utilidade do instrumento escrito é secundária quando comparada aos aspectos
econômicos da transação.20 Algumas condições serão tratadas por assessores
jurídicos que, desconhecendo importantes aspectos fáticos do empreendi-
mento, não raro deixam de lhes dispensar a devida atenção.
Mas é preciso reconhecer que as chances de um instrumento contratual
disciplinar todas as questões futuras é nula, pois ninguém consegue prever o
futuro e, mesmo que isso ocorresse, não valeria a pena negociar cada ponto.
Assim, diz-se que os contratos são “naturalmente incompletos”.
A realidade com que se depara o advogado é diversa daquela exposta nos
manuais. A elaboração do contrato, o processo de barganha e, por fim, a reda-
ção do instrumento são fruto de um “cherry-picking”, no qual se pinçam as
situações que se quer disciplinar. As outras acabam ignoradas, ou porque delas
não se têm ciência, ou para que sua negociação não impeça a finalização do
negócio. Nessa perspectiva, as regras dispositivas previstas pelo ordenamento
jurídico são “default rules”, que indicarão o caminho se as partes não acordarem
expressamente em sentido contrário. A Lei, por uma opção política, coloca
a faca e o queijo nas mãos de uma parte e qualquer mudança nessa situação
exige negociação [e, consequentemente, desgaste].
Diante da incompletude contratual, apresentam-se, ao menos, duas pos-
sibilidades. Caso haja regra prevista em Lei, a solução está posta. Na ausência
de disciplina específica [como ocorre na maioria dos casos], o árbitro deverá
decidir. Em todas as situações, a lacuna [proposital ou não] traz um risco,
que recairá sobre uma das partes. Por exemplo: ajusta-se que X deve entregar
200 litros de leite para Y no dia 19 de março. As partes nada dispõem sobre
eventual penalidade em caso de descumprimento, embora tenham discutido
a questão. Caso X não entregue o leite, Y deverá propor ação judicial para
20. No relato de Collins: “[B]usinessmen focus their attention on the economic deal,
not the contract. They are interested in the core exchange of goods and services,
and do not pay much attention to the task of planning for contingences. […] The
remaining issues that are typically included in the written contract by the lawyers
will usually, though not invariably, receive scant attention from the parties to the
transaction” [Regulating contracts, 150].
|
88 CONTRATOS EMPRESARIAIS
21. No original: “Rather than guide performance, contract documents are filed away
and ignored”. “Relational contracts floating on a sea of custom?”, 778.
4
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS
Regras jurídicas que vinculam
as partes durante a execução do contrato
e algumas de suas condicionantes comportamentais
2. Von Tuhr, Derecho civil – Teoría general del derecho civil alemán, v. II, 226-7.
3. Von Tuhr, Derecho civil – Teoría general del derecho civil alemán, v. II, 2, 226-7.
4. Cf. arts. 427 a 435 do Código Civil.
5. Os internacionalistas indicam os problemas que derivam da chamada battle of
the forms, ou seja, quando há o envio de ofertas/aceitações standard de parte a
parte, sem coincidência entre elas. Quais regras disciplinarão a avença que, mui-
tas vezes, começa a ser executada? V. Aldo Frignani, Lo strumento contrattuale,
41.
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 95
Azevedo: “[...] há de se entender por negócio jurídico aquela conduta total
socialmente qualificada como negócio. [...] As ‘circunstâncias negociais’ são,
pois, um modelo cultural de atitude, o qual, em dado momento, em determinada
sociedade, faz com que certos atos sejam vistos como dirigidos à produção de
efeitos jurídicos”.6
É indisputável que obrigações são assumidas por meio do encontro das
declarações de vontade que manifestam oferta e aceitação; para a constituição
do vínculo, salvo expressa disposição legal, não é necessário documento escrito
e assinado pelas partes. Nesse sentido, a regra geral dos contratos comerciais,
hoje corporificada no art.107 do Código Civil: “A validade da declaração de
vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente
a exigir”.
De um lado, como apontado no capítulo terceiro sobre a formação dos
contratos empresariais, a redução a escrito do negócio, por facilitar sua prova
posterior, incrementa o grau de segurança jurídica das partes, diminuindo os
custos de transação. De outro, essa busca de segurança e de previsibilidade
pode levar à falta de identificação do negócio [real deal] com os termos redu-
zidos a escrito [paper deal], cindindo o que, de acordo com a teoria clássica,
deveria ser uno.
Mais uma vez, retorna-se a “la question rituelle et insoluble du positivisme
et de l’injustice”:7 até que ponto as partes podem ser obrigadas a seguir com-
portamento que não contrataram expressa e solenemente? Dizendo-o de outra
forma: é útil ao tráfico mercantil permitir a vinculação dos agentes econômicos
por meios não inequívocos de manifestação da vontade?
O positivismo jurídico tradicional, a pretexto de aumentar a segurança
no tráfico, prega o apego ao texto contratual, respondendo negativamente à
questão.8 Dessa forma, abandoná-lo [i.e., abrir-se ao ambiente institucional]
significa admitir que o comportamento das partes é a manifestação de sua
vontade e permitir que a contratação original seja alterada pela prática dos
agentes econômicos no curso da vida do contrato.
9. Hão de ser vistas com cautela as cláusulas de estilo como aquelas que exigem a alte-
ração por escrito do instrumento para que se considere o negócio modificado.
10. Sobre o problema dos “sequential agreements”, cf. Hugh Collins, Regulating contracts,
154 e ss.
11. Embargos ao RE 6.151/DF. José Linhares, Presidente e Bento de Faria, Relator [vencido].
12. Vale lembrar pioneiro julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que
reconhece ter o comportamento tolerante das partes o condão de alterar as obriga-
ções assumidas e modificar a base da avença: “Penso que, possível fosse afastar a
ideia da ‘transação’, que centrou o raciocínio lógico do sentenciador, ainda assim
se evidenciaria um ‘acordo tácito’ entre as partes, continuado no tempo, mercê
das sucessivas operações de compra e venda de mercadorias, em que as ulteriores
testificavam as alterações consensuais quanto às condições anteriores. Também
que os descumprimentos dos contratos eram recíprocos, embora por vezes apenas
parciais, pois enquanto a vendedora postergava a entrega de mercadorias de algumas
encomendas, a compradora atrasava excessivamente os pagamentos. Surpreende-
-se nos episódios, certamente pelas conhecidas contingências do mercado, uma
recíproca tolerância, assim alterando as bases do contrato e as condições de seu
cumprimento, dando ensejo a uma figura não bem definida, mas que em muito se
assemelha a da transação, onde a tônica é a compensação de direitos e obrigações.
Isso é o que se ressumbra com clareza dos autos, especialmente revelado na minu-
dente investigação pericial. [...] Que houve tardança na entrega de pedidos dúvida
não há, o que da mesma forma aconteceu com os pagamentos respectivos. Nem por
isso, entanto, rompeu-se a relação negocial. Pelo contrário, ela prosseguiu, o que é
dado significativo para convencer que os atrasos eram consentidos e que atendiam
às conveniências recíprocas” [TJRS, Ap. Cív. 591070297, j. 19.12.1991, rel. Pilla
da Silva].
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS| 97
tas reiteradamente toleradas teriam “tornado sem vigor” a cláusula contratual
que fixara o prazo?
Bento de Faria entendeu que a lei obrigava o locatário a pagar pontual-
mente o aluguel nas datas ajustadas, “a estipulação contratual devendo ser
observada na forma convencionada, não podendo ser alterada por forma di-
versa da que a originou, nem deduzida de atos que não alteraram a vontade das
partes”. José Linhares seguiu a mesma linha, observando que “[s]i o contrato
é lei entre as partes, ele só pode ser alterado por outra convenção. A simples
tolerância do credor em exigir a obrigação ao termo, não constitui direito do
devedor de alterar o mesmo”.
Orozimbo Nonato adotou entendimento diverso; em sua opinião, ocor-
rera a modificação dos termos contratuais. “Habitualmente, constantemente,
reiteradamente, aceitou o locador o pagamento fóra do prazo. Não se trata de
ato único ou raro, a ser interpretado como simples tolerância, não poderosa
a alterar o contrato. Trata-se, ao revés, de atos constantes e iterativos e cuja
prática habitual tornou inaplicável o dies interpelat. De-resto, devem as rela-
ções contratuais ser interpretadas de boa-fé e seria iníquo admitir a eficácia do
procedimento do locador, o que valeria por aceitar situações armadas abusiva
e maliciosamente por uma parte contra a outra”.
Castro Nunes vai na mesma vertente, inspirado no teor do art. 131 do
Código Comercial, embora não o declare expressamente: “O fato posterior das
partes contratantes infirmou a rigidez da cláusula contratual, equivalendo a um
acôrdo para dispensa-la, acôrdo que em matéria eminentemente consensual,
lhes estava ao alcance, de vez que a locação pode ser contratada sem prefixação
legal de forma, até mesmo verbalmente. [...] O que é essencial à modificação
das convenções é, como diz Josserrand, o elemento consensual [...], consen-
timento que se traduziu na dispensa consentida pelo credor da observância
da cláusula em questão”. “É certo que o contrato faz lei entre as partes. Mas é
igualmente certo que os tribunais não estão impedidos de interpretá-los fazendo
prevalecer contra a letra a vontade ou intenção das partes. De modo que, em
última análise, não sai do âmbito desses princípios pacíficos o julgamento que,
apreciando circunstâncias ocorridas na execução de um contrato, interpreta
por elas a vontade das partes no entendimento de cada cláusula, para concluir
que o próprio credor do direito de reclamar a sua estrita observância não lhe
deu esse alcance ou assentiu em um modus vivendi com o devedor, deixando
de lado a exigência contratual”.
Entre a letra do pacto e a interpretação conforme o comportamento das
partes e a boa-fé, opta o Ministro Castro Nunes pela segunda: “Porque a no-
|
98 CONTRATOS EMPRESARIAIS
ção do contrato vai cedendo dia a dia às imposições da bôa fé, que domina a
interpretação das convenções”.
14. V. Paula A. Forgioni, Voto parcialmente divergente. Caso Itiquira Indústria e Cons-
truções x Itiquira Energética S.A, Revista de Arbitragem e Mediação, v. 17, p. 278-327,
2008.
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100 CONTRATOS EMPRESARIAIS
15. No prefácio de seu livro sobre os contratos, que quebrou paradigmas ao desafiar a
visão clássica que até então imperava no Brasil.
16. Por essa razão, autores como Betti, Orlando Gomes e Junqueira esforçaram-se para
comprovar que os negócios jurídicos brotam da realidade, da prática, do comporta-
mento das partes.
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS| 101
4.8 O impacto de tendências comportamentais das partes sobre a vida
dos contratos que celebram
A doutrina comercialista moldada a partir dos anos 40 do século XX
identifica a empresa com o empresário. A ele pertenceria a genialidade, a
capacidade de inovar, de ter ideias. O empresário seria o empreendedor que
molda a empresa à sua imagem e semelhança.
Isso pode até ser verdadeiro em algumas situações, especialmente no
início da vida empresarial, quando a pessoa física organiza sua atividade para
determinado fim. Ninguém nega que a dona de casa com talento excepcional
para a costura e a moda imprimirá sua marca no estabelecimento que abrir para
explorar a confecção e o comércio de roupas. Grandes empresários como Bill
Gates, Steve Jobs, Samuel Klein e Luiza Trajano, ao menos no momento inicial,
formatam seus negócios à sua imagem e semelhança – e fazem dessa identidade
importante elemento de marketing. O público tem a impressão de que essas
pessoas estão por trás de todas as decisões de “suas” empresas.
Com o passar do tempo e crescimento da empreitada, essa influência tende
a se diluir. Empresários, por mais geniais que sejam, ficam doentes e morrem
ou vendem o controle acionário das sociedades das quais participam. Nem por
isso elas desaparecem. Por quê?
A resposta é simples: porque as organizações existem independente-
mente dos empresários e desenvolvem cultura própria. É a chamada “cultura
empresarial”, estudada pelos economistas e administradores. As empresas são
grupamentos de pessoas e, nessa medida, também feitas de “carne e osso”.
Operários, gerentes, advogados internos, vendedores, supervisores, técnicos,
diretores, vice-presidentes ou presidente, em maior ou menor medida, aca-
bam condicionando a atividade do ente produtivo. A substituição de um alto
executivo pode modificar certas facetas da atuação da firma, porém é quase
impossível alterar sua forma de existir de uma hora para outra.
Esses fatores são mais importantes na organização das atividades da
empresa do que se costuma imaginar: fusões não dão certo porque culturas
empresariais entram em choque, ao invés de se amalgamarem; um novo pre-
sidente não consegue tocar os negócios como gostaria, pois esbarra na visão
solidificada ao longo de décadas. Empresas são tidas pelo mercado como “sérias”
ou “pouco confiáveis” e bem sabem os executivos o quanto é caro alterar essa
imagem ligada à cultura empresarial.
Disso extraímos dois aspectos relevantes para a compreensão dos con-
tratos empresariais:
[i] os contratos empresarias são concebidos e executados por pessoas;
|
102 CONTRATOS EMPRESARIAIS
17. Daniel Kahneman, Maps of bounded rationality: A perspective on intuitive judgment and
choice, disponível em: [http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/
laureates/2002/kahnemann-lecture.pdf]. Último acesso em abril de 2015.
18. A bibliografia sobre economia comportamental desenvolve-se rapidamente, pois
desperta grande interesse entre os economistas, inclusive aqueles ligados à Escola
de Chicago. Contudo, ainda não houve maior aprofundamento de sua interface com
os contratos empresariais. As maiores aplicações, na área jurídica, recaem sobre o
antitruste e, especialmente, sobre a disciplina do mercado financeiro e de capitais.
Apenas para viabilizar o início do estudo, v. os seguintes trabalhos: Richard Thaler
e Cass Sunstein, Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness
[2008]; Christine Jolls, Richard Thaler e Cass Sunstein, A Behavioral Approach to
Law and Economics [1998]; Cass Sunstein, Going to extremes: How like minds unite
and divide [2009]; Daniel Kahneman e Amos Tversky, “Prospect Theory: An Analysis
of Decision under Risk” [1979]; Nick Wilkinson, An Introduction to Behavioral Eco-
nomics [2008]; Cass Sunstein [org], Behavioral Law and Economics [2000] e Owen
Jones, Time-Shifted Rationality and the Law of Law’s Leverage [2001].
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 103
pessoas físicas [e, consequentemente, jurídicas] não são, por si, desculpas para
ações desidiosas ou excessivamente confiantes do empresário. São explicações
sobre tendências, das quais podem decorrer vantagens ou desvantagens para a
empresa, conforme os resultados práticos alcançados.
Ao trazer essas sistematizações para o estudo jurídico, pretende-se pontuar
como o direito lida ou deve lidar com a dinâmica do nascimento, vida e morte
dos negócios jurídicos. Isso não significa que o executivo que se porta confor-
me seus instintos está sempre correto e merece aplausos.19 O pressuposto do
funcionamento do mercado segue sempre o mesmo: os comerciantes ativos e
probos agem racionalmente.
A perspectiva seria diversa se tratássemos das relações entre empresas e
consumidores, e não exclusivamente daquelas entre empresas. Muitas vezes, na
economia de massa, as tendências irracionais de comportamento das pessoas
colocam-lhes em situações de fragilidade e clamam a tutela do ordenamento.
O pressuposto das relações empresariais é diverso daquele consumerista: a
empresa deve atuar de forma diligente, bem cuidando de seus negócios. Ao
dedicar menos tempo ou investir menores recursos na tomada de certa deci-
são, a empresa assume riscos. As coisas podem andar a bom termo, e ter-se-á
economizado dinheiro. Todavia, tudo pode andar mal e o agente econômico
será chamado pelo direito a arcar com as consequências de seus atos.
outro, e não sua. Tendemos a atribuir nosso sucesso a nós mesmos e as falhas
e problemas à culpa dos outros [“self-serving bias”].
No relacionamento entre as empresas, essa tendência mostra-se bastante
forte; é incomum ouvir: “Nós erramos”. Muitas vezes, os executivos não estão
faltando com a sua verdade quando negam sua culpa, pois efetivamente não se
enxergam culpados. As pessoas são motivadas a manter sua autoestima e seus
empregos. No mundo corporativo, a admissão do erro gera responsabilidades,
penalizações e reprovação dos demais, ainda que o engano seja coletivo. A
capacidade do ser humano de se autoconvencer de que agiu corretamente é
muito acentuada.
4.9.6 Reciprocidade
Tendemos a responder a uma ação positiva com outra ação positiva. Se
agimos de boa-fé, esperamos que os outros façam o mesmo. A ideia de reci-
procidade auxilia a compreensão da manutenção das regras sociais. Alguns
autores apontam que a reciprocidade é um viés tão forte dos humanos que
tendemos a nos sentir obrigados a devolver uma gentileza, mesmo se a outra
pessoa não nos agrada. Em português, a palavra que pronunciamos quando
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 105
alguém nos faz um favor [“obrigada” ou “obrigado”] significa que estamos
obrigados à retribuição.20
Em negociações e renegociações de contratos, esperamos que haja “con-
cessões recíprocas” e não que apenas uma parte ceda. Durante a vida do con-
trato, se julgam que estão se comportando corretamente, as empresas nutrem
expectativa de que a outra parte também o faça. Se fazem concessões, esperam
retorno em igual moeda.
Quando essa reciprocidade se rompe, a tendência é que seja turvada a
fonte de obrigações contratuais, comprometendo a adaptação do negócio a
novas circunstâncias que se apresentam ao longo da relação.
22. “People care about being treated fairly and want to treat others fairly if those others
are themselves behaving fairly” [Cristine Jolls, Cass Sunstein and Richard Thaler, A
behavioral approach to Law and Economics, 1479].
23. Para uma referência a esses estudos, Christopher R. Drahozal, A Behavioral Analysis
of Private Judging, 110 e 111.
5
VETORES DE FUNCIONAMENTO
DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS
Sumário: 5.1 A necessária busca dos traços comuns dos contratos mercantis –
5.2 Escopo de lucro – 5.3 Pacta sunt servanda – 5.4 Limitações à autonomia privada –
5.5 O norte do contrato: sua função econômica – 5.6 Segurança e previsibilidade –
5.7 Agentes econômicos “ativos e probos” – 5.8 Egoísmo/oportunismo do agente
econômico – 5.9 O agente econômico responde a incentivos e a desincentivos – 5.10
O agente econômico é o melhor senhor de suas próprias razões – 5.11 Boa-fé nos
contratos empresariais – 5.12 Confiança nos contratos empresariais – 5.13 Usos e
costumes – 5.13.1 Globalização e usos e costumes – 5.14 Custos de transação – 5.15
Contratos e necessidades dos agentes econômicos – 5.16 Contrato como instru-
mento de alocação de riscos – 5.17 Contrato e erro [jogada equivocada do agente
econômico] – 5.18 Oportunismo e vinculação – 5.19 Racionalidade limitada – 5.20
Incompletude contratual – 5.21 Desvio de pontos controvertidos – 5.22 Ambiente
institucional – 5.23 Tutela do crédito – 5.24 Forma nos contratos empresariais –
5.25 Contrato e informações – 5.26 Informação e oportunismo [relação “principal/
agente”] – 5.27 Modificação do comportamento pós-contratual [moral hazard] –
5.28 Aumento da dependência econômica pelo contrato – 5.29 “Mais vale um mau
acordo do que uma boa demanda” – 5.30 Contraponto: institutos tradicionais do
direito mercantil e criação de obrigações não expressamente desejadas pelas partes.
Aviltamento da segurança jurídica?
1. Algumas dessas características não são exclusivas dos acordos comerciais, servindo
à explicação de outras espécies de negócios. Entretanto, em razão da importância e
|
108 CONTRATOS EMPRESARIAIS
13. Decisão Monocrática do Recurso Especial n. 1.219.210 – RS, proferida pelo Min.
Luis Felipe Salomão em 30 de abril de 2015, fl. 9.
14. Emilio Betti, Teoria geral do negócio jurídico, v. I, 94.
15. Sobre os princípios constitucionais que formatam o mercado, v. Paula A. Forgioni,
Princípios constitucionais econômicos e princípios constitucionais sociais. A for-
matação jurídica do mercado brasileiro.
16. Orlando Gomes, Obrigações, 4.
17. Ferri destaca que a autonomia privada vai além da expressão de licitude ou de fa-
culdade, implicando manifestação de um poder, do poder de criar normas jurídicas
dentro dos limites postos pela lei [L’autonomia privata, 5].
18. De acordo com a linguagem de Pontes de Miranda, “o direito limita a classe dos atos
humanos que podem ser juridicizados”. “[S]òmente dentro de limites prefixados,
podem as pessoas tornar jurídicos atos humanos e, pois, configurar relações jurídicas
e obter eficácia jurídica” [Tratado de direito privado, t. III, 55]. Os atos ilegais serão
nulos. Sobre a evolução histórica dessa diretriz na Common Law, v. A.W.B. Simpson,
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 113
Por esse mecanismo, à praxe de mercado serão contrapostas “impres-
cindíveis exigências de salvaguarda dos valores fundamentais reconhecidos
e promovidos em cada ordenamento”.19 As disposições cogentes desenham
um “espaço de soberania” moldado conforme os valores fundamentais que
presidem o sistema. “Portanto, não podem ser afastadas no exercício da auto-
nomia privada”.20-21
Para esclarecer o espaço aberto pelas regras exógenas à liberdade de
contratar, Pontes de Miranda vale-se da imagem de uma rede. Entre as linhas
“traçadas pelas regras jurídicas cogentes”, os agentes econômicos podem livre-
mente mover-se. É o “espaço deixado às vontades, sem se repelirem do jurídico
tais vontades”. A chamada “autonomia da vontade, o autorregramento, não é
mais do que ‘o que ficou às pessoas’”.22
Com o passar do tempo, o nicho da liberdade de contratar diminui, premi-
do por traços provenientes de novos ramos do direito, como o consumerista,
o concorrencial, o ambiental; preocupações de índole social e políticas públi-
cas represam-na cada vez mais. Não obstante, a liberdade de contratar segue
presente em nosso sistema, garantida pela Constituição do Brasil, servindo à
satisfação das necessidades de cada um e de todos e ao sistema de mercado.
“A gênese que os negócios jurídicos costumam ter no terreno social” – é Betti
quem afirma –, “de acordo com a necessidade de circulação dos bens, mostra,
claramente, que eles germinam da iniciativa privada e são, essencialmente,
actos por meio dos quais os particulares procuram satisfazer a necessidade
de regular por si mesmos os seus interesses nas relações recíprocas: actos de
autodeterminação, de autorregulamentação dos seus próprios interesses”.23
A análise preconceituosa da evolução da teoria geral dos contratos acabou
ofuscando a compreensão do princípio da liberdade de contratar e do pacta
A history of the common law of contract, 506 e ss. V., ainda, estudo de Antonio
Albanese, Violazione di norme imperative e nullità del contratto.
19. Di Marzio, Verso il nuovo diritto dei contratti, 25.
20. Di Marzio, Verso il nuovo diritto dei contratti, 26.
21. Na dicção de Betti, “[s]e os particulares, nas relações entre eles, são senhores de pro-
curar atingir, graças à sua autonomia, os escopos que melhor correspondam aos seus
interesses, a ordem jurídica continua, porém, a ser o árbitro para valorar tais escopos,
segundo os seus tipos, de acordo com a relevância social, tal como ela a compreende,
de harmonia com a socialidade da sua função ordenadora. Efectivamente, é óbvio que
o direito não pode dar seu apoio à autonomia privada para a consecução de qualquer
escopo que ela se propunha atingir” [Teoria geral do negócio jurídico, t. I, 104-5].
22. Tratado de direito privado, t. III, 54.
23. Teoria geral do negócio jurídico, t. I, 91-2.
|
114 CONTRATOS EMPRESARIAIS
24. Darcy Bessone, Aspectos da evolução da teoria dos contratos, 101. A explicação de
Orlando Gomes é precisa: “A moderna concepção do contrato como acordo de von-
tades por meio do qual as pessoas formam um vínculo jurídico a que se prendem se
esclarece à luz da ideologia individualista dominante na época de sua cristalização
e do processo econômico de consolidação do regime capitalista de produção. O
conjunto das ideias então dominantes, nos planos econômico, político e social,
constituiu-se em matriz da concepção do contrato como consenso e da vontade
como fonte dos efeitos jurídicos, refletindo-se nessa idealização o contexto in-
dividualista do jusnaturalismo, principalmente na superestimação do papel do
indivíduo” [Contratos, 7].
25. Princípios de direito mercantil e leis de marinha, 471.
26. Jean Escarra, Manuel de droit commercial, 577.
27. Cf. Savatier, Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil dLaujourd dahui,
28. Savatier apregoa que “[l]e droit libéral des contrats n’est plus”, enquanto que o
contrato “continue à forger le droit que nous vivons” [26]. Ou seja, não é o contrato
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 115
dérés, aujourd’hui, comme une libre construction de la volonté humaine que
comme une contribution des activités humaines à l’architecture générale de
l’économie d’un pays, architecture que l’État actuel entend maintenant diriger
lui-même”.28
Com exagero, chega-se a sentenciar “a morte do contrato”,29 porque se
teria posto em xeque o antigo dogma da liberdade plena – e da expressão da
vontade – como seu fundamento. De que forma seguir sustentando que “[o]
contrato encerra concurso das vontades de duas pessoas”,30 quando não mais
se lograva vislumbrar a vontade na formação dos negócios e na produção de
seus efeitos?31
Passada a agitação da última metade do século XX, é necessário lançar
olhar mais sereno e lúcido sobre a realidade, digerindo os resultados de pe-
ríodo histórico no qual, muitas vezes, deu-se mais importância à exceção do
que à regra.
O fenômeno da intervenção do Estado na economia foi assimilado, embora
restem intensos debates sobre sua conveniência e oportunidade. O direito do
trabalho consolidou-se. Os contratos de adesão tornaram-se cada vez mais
frequentes, com o advento da automação e da Internet. Os contratos com consu-
midores destacaram-se, dando origem a novo ramo do direito. Desenvolveu-se
a compreensão da contratação obrigatória de serviços públicos pela população.
A existência de contratos coativos não mais assombra.
que desaparece, mas seu modelo baseado no direito liberal e individualista. Vale ainda
destacar os principais sinais desse declínio, segundo o mesmo autor: [i] o espraiar de
contratos coletivos e coativos; [ii] a determinação dos efeitos dos contratos não pela
vontade das partes, mas pela lei; e [iii] a substituição dos contratos por “relações”.
Assim, ao invés do “contrato de trabalho” temos, na verdade, a “relação de trabalho”.
“Ici, à la vérité, le contrat disparaît. Il périt. On met autre chose à sa place” [30].
Savatier nota o fenômeno dos consumidores, que obrigam a modificação da figura
do contrato: “Ici encore, le contrat change de figure” [33].
28. René Savatier, Du droit civil au droit public, 53.
29. Cf. Grant Gilmore, La morte del contratto, e comentários de Eros Roberto Grau e
nossos sobre o texto de Gilmore em Ainda um novo paradigma dos contratos?. Na
mesma linha, cf. P. S. Atiyah, The rise and fall of freedom of contract, especialmente
716 e ss.
30. Pothier, Tratado das obrigações pessoaes e reciprocas, 5.
31. Anota Orlando Gomes que “[a] política interventiva do Estado atingiu, por sua
vez, o contrato, na sua cidadela, ao restringir a liberdade de contratar, na sua tríplice
expressão da liberdade de celebrar contrato, da liberdade de escolher o outro con-
tratante e da liberdade de determinar o conteúdo do contrato” [Contratos, 9].
|
116 CONTRATOS EMPRESARIAIS
32. No Brasil, Orlando Gomes foi a voz que pioneiramente levantou-se contra a concepção
tradicionalista dos contratos. Indispensável a leitura de suas obras Contratos, A crise
do direito e Transformações gerais do direito das obrigações. A literatura estrangeira
nesse tema é extensa, valendo referir os escritos que encontraram maior repercussão
no Brasil: de Georges Ripert, Le régime démocratique et le droit civil moderne, bem
como Aspects juridiques du capitalisme moderne e La règle morale dans les obligations
civiles; Leon Duguit, Les transformations générales du droit privé depuis le Code Na-
poléon; Josserand, De lDesprit des droits et de leur relativité; Savatier, Du droit civil au
droit public e Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil d’aujourd’hui;
Pietro Barcellona, Intervento statale e autonomia privata nella disciplina dei rapporti
economici e Diritto privato e processo economico.
33. Na opinião de Roy Goode, “hoje é moda subestimar o contrato e falar de seu declínio
e da sua morte”. O âmbito do direito contratual restringiu-se com a expansão do
comércio diretamente pelo Estado, bem como com o processo de nacionalização –
haveria, assim, a restrição do direito privado em favor do direito público. Esse qua-
dro teria sido alterado com as privatizações: “O contrato está reflorescendo e com
pouquíssimas restrições, excetuando-se os setores da concorrência, dos serviços
financeiros e dos consumidores” [Il diritto commerciale del terzo milenio, 50].
34. As expressões são de Orlando Gomes, Direito e ideologia.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 117
sitivas]. Porém, é inegável que, de todas as áreas do direito, aquela empresarial
mostra-se a arena na qual a liberdade econômica assume quadrantes mais largos.
A liberdade de contratar e a autonomia privada no direito mercantil, até
por força do art. 131 do Código Comercial, sempre foram objetivadas pelo
mercado, e não baseadas na vontade individual, desconectada da realidade.
Passado o vendaval – e solidificada a superação do excessivo individu-
alismo contratual do século XIX –, verificamos que os contratos mercantis
seguem com sua lógica peculiar, viabilizando o fluxo de relações econômicas
e a interação entre as empresas.
O desprestígio que atingiu a autonomia privada e a liberdade de contratar
em outros ramos não se fez sentir da mesma maneira no direito mercantil, em-
bora poucos se tenham dado conta disso. Para comprovar essa assertiva, basta
deitar os olhos na moderna jurisprudência comercial brasileira, que reafirma
esses princípios no mundo empresarial.35
35. Como exemplo, tome-se o seguinte julgado: “Em matéria contratual, prevalecem
as regras livremente pactuadas, em consonância com o clássico princípio expresso
no brocardo latino: pacta sunt servanda” [REsp 111.971/BA, julgado pelo Superior
Tribunal de Justiça em 14.12.1998, relator Min. Nilson Naves].
36. No original: “Le parti non stipulano contratti per il piacere di scambiarsi dichiara-
zioni di volontà; ma in vista di certe finalità pel conseguimento delle quali entrano
reciprocamente in rapporto” [Giuseppe Chiovenda, Istituzioni di diritto processuale
civile, p. 188]. Vide, ainda, sobre o tema, Paula A. Forgioni, A interpretação dos
negócios empresariais no novo Código Civil Brasileiro.
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118 CONTRATOS EMPRESARIAIS
37. As expressões entre aspas encontram-se em sua obra Teoria geral do negócio jurídico,
especialmente 86 e 107.
38. “É importantíssimo para a interpretação [...] conhecer os fins econômicos que as
partes tinham em vista ao contratar; o direito ampara a consecução desses fins e,
portanto, o juiz, para poder conceder a devida proteção do direito ao negócio jurídico,
ou à declaração de vontade de que se trata, tem de começar por conhecer exatamente
aqueles fins” [Darcy Bessone, Do contrato, 174].
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 119
5.6 Segurança e previsibilidade
Os contratos empresariais somente podem produzir riqueza em um ambiente
que privilegie a segurança e a previsibilidade jurídicas.
Quanto maior o grau de segurança e de previsibilidade jurídicas propor-
cionadas pelo sistema, mais azeitado o fluxo de relações econômicas. A relação
entre segurança, previsibilidade e funcionamento do sistema, explicada por
Weber e base do pensamento de juristas modernos, é razão determinante da
própria gênese do direito comercial e um dos principais vetores do funciona-
mento dos contratos empresariais.
Na dicção de Irti, o mercado é uma ordem. Ordem no sentido de regulari-
dade e previsibilidade de agir: quem entra no mercado sabe que o seu agir [e o
agir do outro] é governado por regras e, nessa medida, os comportamentos são
previsíveis. A regularidade, a reiteração de certos comportamentos, permite um
cálculo sobre o futuro. “[A]quele ‘prever’ ou antever, onde um sujeito confia no
agir de outrem”.39 A ordem diz respeito não apenas ao passado, mas ao futuro.
Os comportamentos, ao se repetirem conforme uma regra, assumem caráter
de tipicidade e de uniformidade. A forma de uma ordem é dada por conteúdos
típicos, razoavelmente previsíveis e calculáveis pelas partes.
Mas a regularidade – a mesma regularidade que constitui a ordem – im-
plica certa superação da individualidade. As partes sabem que, estabelecido o
vínculo do acordo, as vontades devem orientar-se segundo um princípio geral,
mais forte e mais constante do que os mutáveis interesses individuais. Nesse
esquema, a liberdade [autonomia privada] é sacrificada em prol da segurança,
da previsibilidade [ou da “proteção externa”].40 Há uma gama de negócios
em que o sistema jurídico considera o intento individual do agente, após ser
rebatido no caráter impessoal e mecânico do mercado.
Ao contratar, uma parte tem a legítima expectativa de que a outra com-
portar-se-á de determinada forma, daquela maneira anônima e repetida a que
fizemos referência. Ambos os empresários planejam sua jogada e esperam que
o outro aja de acordo com esse padrão “de mercado”. Não é desejável que seja
dada ao contrato interpretação diversa daquela que pressupõe o comporta-
39. L’ordine giuridico del mercato, 5-6. No original: “[Q]uel ‘prevedere’ o vedere prima,
onde un soggetto confida nell’agire altrui”. Ainda sobre calculabilidade, racionalidade
e funcionalidade, com perspectiva Weberiana, v. sempre de Natalino Irti, Codice
civile e societá politica, 22 e ss.
40. Natalino Irti, Teoria generale del diritto e problema del mercato, 22-23.
|
120 CONTRATOS EMPRESARIAIS
45. Isso não afasta, em absoluto, a coibição do abuso da dependência econômica pelo
ordenamento jurídico. Cf. Paula A. Forgioni, Contrato de distribuição, 343 e ss.
46. Na íntegra: “O Apelado explorava certo ramo de negócio á rua da Consolação, nesta
capital. O Apelante, vendo-lhe a prosperidade, propoz-lhe a comprar-lhe o estabeleci-
mento se ele quizesse tomar o compromisso de não abrir naquela rua negócio identico.
A proposta foi bem acolhida, a transação foi ultimada e o compromisso foi assumido. O
homem não tardou, porém, a mostrar ao seu successor que mereceria a prosperidade
comercial que o favoneava. Era, de facto, da cabeça aos pés, um negociante esperto. Foi
a uma rua próxima á da Consolação e abriu outro negocio... O comprador do negocio
antigo pulou de raiva. Aquilo era mais do que uma deslealdade: era uma violação
positiva ao compromisso assumido. ‘– Engano, meu amigo, puro engano, volveu o
homenzinho com placidez. Nem uma cousa nem outra: nem deslealdade nem viola-
ção de compromisso... A que foi que eu me comprometi? Não fio a isto apenas: a não
abrir na rua da Consolação negocio idêntico ao que lhe vendi?’ [...] ‘– Boa duvida! Que
importa que não abrisse na rua da Consolação se abriu nas proximidades dessa rua? O
transtorno que me causa é sempre o mesmo’. ‘– Perdão. É possivel que assim seja. Mas
eu nada tenho com isso. A minha obrigação é apenas a de respeitar o compromisso,
e o compromisso é muito claro: “rua da Consolação, negocio do mesmo genero”.
Não diz palavra sobre proximidades daquela rua’. [...] Foram a juízo. O Juiz, tanto
o de primeira instancia como o Tribunal concordou com o negociante e repeliu a
|
122 CONTRATOS EMPRESARIAIS
48. Trata-se do homem econômico, cuja configuração tradicional vem sendo alvo de críticas
nos últimos anos, pois a propensão à colaboração condicionaria o comportamento do
agente. De qualquer maneira, a existência de outros fatores não retira a importância
do autointeresse para explicar o comportamento de entes que visam ao lucro.
49. Segundo Williamson: “Opportunism is a variety of self-interest seeking but extends
simple self-interest seeking to include self-interest seeking with guile” [Transaction-
-cost economics: the governance of contractual relations, 234, nota 3]. Ainda sobre
o oportunismo, v., do mesmo autor, Opportunism and its critics.
50. Brasilio Machado noticia que, diante de tantas fraudes e abusos cometidos após a
abertura dos portos em 1808, uma vez que “não tinhamos leis precisas, leis fixas, leis
bem determinadas para impedir a fraude, de modo que o commercio do tempo da
independencia decahiu extraordinariamente, e eram communs os actos de fraude,
razão pela qual o commercio entendeu que devia dirigir-se ao governo e pedir medidas
severas para punir esses actos de fraude que tanto comprometiam a seriedade e a boa
fé do commercio” [O Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 251].
51. Michael Trebilcock, The limits of freedom of contract, 16.
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124 CONTRATOS EMPRESARIAIS
54. “Firms that attempt to maximize profits can be expected to do as well as their circum-
stances permit. This is because the pressure to survive promotes competence” [Alan
Schwartz and Robert Scott, Contract theory and the limits of contract law, p. 551]
55. L’ analyse économique de la clause générale, 186.
56. Na dicção de Cairu.
57. Comentando o art. 131 do Código Comercial, Luiz Gastão Paes de Barros Leães
assevera: “Essa regra objetiva de boa-fé, consagrada como critério exegético das
convenções mercantis, partia da premissa de que, nos negócios, deveria prevalecer
a regra da lealdade recíproca, destinada a imprimir segurança ao tráfico jurídico.
Nessas condições, não caberia apurar se cada um dos contratantes se encontrava ou
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126 CONTRATOS EMPRESARIAIS
Weber74 e Irti75 – é singela: os momenti etici [Treu und Glauben, bona fides]76 ou
market ethics77 ampliam o grau de impessoalidade [ou objetivação] no merca-
do, pois possibilitam que os agentes econômicos dispensem menor atenção
às características específicas/subjetivas da outra parte, concentrando-se na
operação econômica em si.
Essa impessoalidade típica das relações do tráfico – que apenas se faz pos-
sível por conta da “ética de mercado” – diminui os custos de transação, indo ao
encontro do “interesse geral do comércio”.
A boa-fé é o âmago do que J.X. Carvalho de Mendonça, inspirado em Gol-
dschmidt e em Tholl, chamou de doutrina da prudência comercial, “o modo de
proceder no tráfico mercantil”, “o conjunto de princípios que ensinam a dar
efeito a escopos lícitos sòmente mediante meios lícitos”.78 “A boa fe é indispen-
sável no commercio”; “A boa fe d’um negociante deve ser illibada”; “Nenhuma
sociedade pode existir sem ella”; “A ma fe é a peste mortal do commercio”,
proclama Ferreira Borges, com base em alvarás do séc. XVIII.79-80
74. “Within the market community every act of exchange, especially monetary exchange,
is not directed, in isolation, by the action of the individual partner to the particular
transaction, but the more rationally it is considered, the more it is directed by the
actions of all parties potentially interested in the exchange. [...] Market behavior is
influenced by rational, purposeful pursuit of interests. The part to a transaction is
expected to behave according to rational legality and, quite particularly, to respect
the formal inviolability of a promise once given. These are the qualities which form
the content of market ethics” [Law in economy and society, 192].
75. Essa impessoalidade ou objetivação típica do funcionamento do mercado será, no final
do século XX, explorada por Natalino Irti: “La forma di un ordine è data, appunto, da
contegni tipici, ragionevolmente prevedibili e calcolabili dalle parti. [...] La regolarità,
costitutiva dell’ordine, implica sempre il superamento dell’individualità. [...] Questo
ritornare a riconoscersi delle azioni, strappate alla singolarità delle circostanze, esige
sempre un fondamento di carattere oggettivo, una governata e controllata continuità
[L’ordine giuridico del mercato, 5].
76. Goldschmidt, Storia universale del diritto commerciale, 18.
77. Max Weber, Law in economy and society, 192.
78. Tratado de direito comercial brasileiro, v. I, 33.
79. Diccionario juridico-commercial, 204.
80. Em 1771, estatui o Alvará de 16 de dezembro: “[...] as decisões dos negocios mercantis
costumão ordinariamente depender muito menos da sciencia especulativa das regras
de Direito, e das Doutrinas dos Jurisconsultos, do que do conhecimento pratico, das
Maximas, Usos e Costumes, que o manejo do Commercio, a necessidade, que ha de
o livrar de embaraços, destructivos do seu continuo gyro; e a mutua, correspectiva
boa fé, que só tem por util, e solido fundamento dos seus interesses os verdadeiros, e bons
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 131
A partir do séc. XIV, vários estatutos dos mercadores na Idade Média
impunham aos juízes o dever de sentenciar conforme a boa-fé, bem como
prescreviam que os mercadores deveriam manter em boa-fé os contratos e as
promessas recíprocas.81
Mesmo antes, segundo alguns, os termos “boa-fé” e “equidade” teriam
sido empregados para referir três condutas esperadas das partes contratantes,
ainda que não expressamente acordadas: [i] cada uma deveria manter sua
palavra; [ii] nenhuma deveria tirar vantagem da outra mediante sua indução
em erro; e [iii] ambas deveriam pautar seu comportamento de acordo com as
obrigações de uma pessoa honesta.82
Menezes Cordeiro noticia que, no séc. XIX, as decisões do tribunal su-
perior de apelação comercial das cidades de Lubeque, Hamburgo, Bremen e
Frankfurt [Oberappellationsgericht zu Lübeck], embora de forma vaga, desta-
cavam a boa-fé em sua “acepção objectiva pura”, exprimindo “um modo de
exercício das posições jurídicas, uma fórmula de interpretação objectiva dos
contratos ou, até, uma fonte de deveres, independentemente do fenômeno
contratual”.83 “[A] boa-fé objectiva ganha um relevo próprio, com projeção a
nível decisório. Ainda que num estádio embrionário, denota-se já a presença
dos vectores futuros de evolução do conceito; o exercício inadmissível de
posições jurídicas, a interpretação objectiva e os deveres de comportamento
no tráfego”.84
Negociantes. [...]”. “A boa fé [...] deve ser sempre inseparavel dos verdadeiros Com-
merciantes” determina o Alvará de 30 de maio de 1759. “Sem a qual [a boa-fé] não
há Sociedade”, estatui-se em 1790.
81. Conforme noticia Lattes, Il diritto commerciale nella legislazione statutaria delle città
italiane, 123. Com base na moderna doutrina alemã, esclarece-se que “Bona fides and/
or equitas also dominanted relations between merchants and became a fundamental
principle of the medieval and early modern lex mercatoria. [...] As in Roman law, bona
fides significantly contributed to the kind of flexibility, convenience and informality
required by the international community of merchants”. “Bona fides est primum
mobile ac spiritus vivificans commercii”, afirmou Casaregis, e “Bonam fidem valde
requiri in his, qui plurimum negotiantur”, na dicção de Baldo [referências de Simon
Whittaker e Reinhard Zimmermann, Good faith in European contract law: surveying
the legal landscape, 17-8].
82. Simon Whittaker e Reinhard Zimmermann, Good faith in European contract law:
surveying the legal landscape, 94.
83. Da boa-fé no direito civil, 317.
84. Da boa-fé no direito civil, 319. Cf. sobre a boa-fé no direito comercial, Judith Martins-
-Costa, A boa-fé no direito privado, 208.
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132 CONTRATOS EMPRESARIAIS
101. Milgrom e Roberts: “To the extent that the expectations actually are shared and commonly
understood, implicit contracts can be a powerful means of economizing on bounded
rationality and contracting costs” [Economics, organization and management, 132].
102. Em outra perspectiva, Jacques Ghestin aponta que, de certa forma, a referência à con
fiança é inútil, pois seriam os fatores relacionados ao receio de represálias, e não a
fidúcia, que incitariam a cooperação [L’analyse économique de la clause générale, 182].
103. Opting out of the legal system: extralegal contractual relations in the diamond
industry.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 137
Nesse mercado, não é preciso que os agentes econômicos cerquem-se de
maiores cautelas quando das contratações, diminuindo os custos de transação.104
Sob esse prisma devem ser enfrentados vários institutos tradicionais do
direito comercial, tais como a proteção da legítima expectativa. Vimos que a
segurança unge o fluxo de relações econômicas, pois reduz os custos das tran-
sações ao viabilizar a previsão, com razoável grau de segurança, do comporta-
mento dos parceiros comerciais. Se Caio pode legitimamente supor que Tício
agirá mais ou menos como sempre, não perderá tempo e dinheiro procurando
precaver-se dos eventuais prejuízos de uma postura inusitada de Tício.
Como em um círculo virtuoso, a proteção da legítima expectativa aumen-
tará o grau de segurança e de previsibilidade do mercado; o resultado será a
diminuição dos custos de transação e a catalisação do tráfico.
104. Outro exemplo relatado pela mesma autora demonstra o grau de institucionalização
alcançado por essas normas costumeiras: trata-se da prática do open cachet. Quando o
comprador faz sua oferta, coloca-se a pedra em um envelope que é fechado e selado de
determinada forma. Nele são escritas as condições da oferta e a data; apõe-se o lacre e o
comprador assina sobre o selo. A menos que o contrário seja acordado, a oferta é válida
até a uma hora do dia seguinte. Nesse período, o vendedor pode a qualquer momento
aceitar a oferta, contatando o comprador e dizendo Mazel und Broche; no entanto,
nesse período, se o vendedor recusa a oferta ou formula contraproposta, retira-se sua
opção de aceitar a oferta escrita no envelope. Caso o vendedor pretenda aceitar a oferta
mas não encontre o comprador em tempo hábil, é-lhe facultado dirigir-se ao Board
of directors of the diamond dealers club e depositar, por escrito, sua aceitação, que será
atestada por um membro do Board. A prática do open cachet desestimula o comporta-
mento oportunista do vendedor, que poderia mostrar a pedra a outro comprador – o
ofertante, ao se deparar com o selo violado, ficará sabendo do ocorrido. No entanto, se
a proposta é feita por terceiro que viu o diamante antes que fosse colocado no envelo-
pe, o ofertante resta liberado do cachet. Nessas situações, o vendedor costuma entrar
em contato com o comprador e informar-lhe sobre a oferta, permitindo que a cubra.
Assim, dá-se origem a leilão que permite a venda da pedra pela melhor oferta.
105. Adotamos, assim, a lição de Vidari que, há muito, esclarecia: “la distinzione [entre
uso e consuetudine] non ha oggi più valore pratico, e diritto oggi sono tutti gli usi
pacificamente accolti dal commercio” [Corso di diritto commerciale, v. I, 89]. Ainda
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138 CONTRATOS EMPRESARIAIS
Ainda que, por muitos anos, tenham sido aparentemente renegados pela ju-
risprudência, hoje sua força encontra-se vivificada a ponto de alguns autores
referirem-se ao fenômeno da “redescoberta” dos usos comerciais.106
O stylus mercatorum, os usos e costumes, são identificados como fonte do
direito comercial,107-108 ou seja, capazes de emanar normas de respeito obrigatório
para os mercadores.109 O art. 2.º do Decreto 737, de 1850, estabelecia que “cons-
114. V. sobre o tema Paula A. Forgioni, A unicidade do regramento jurídico das sociedades
limitadas e o art. 1.053 do novo Código Civil. Usos e costumes e regências supletivas.
115. Alínea c do art. 1-303 do Uniform Commercial Code.
116. Esse mecanismo de gênese dos contratos empresariais foi estudado no capítulo se-
gundo, no item sobre a classificação dos contratos empresariais quanto ao seu grau
de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente típicos.
117. Maria Rosaria Ferrarese dá destaque à força uniformizadora das minutas norte-
-americanas em todo o mundo [Diritto sconfinato, 83 e ss.]. Sobre a uniformização
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 141
Enfim, a relação entre o funcionamento do sistema mercantil e usos e cos-
tumes faz aflorar sua função de fator de diminuição dos custos de transação. O
reconhecimento da força vinculante de regras que traduzem respostas adequadas a
necessidades econômicas, permitindo o cálculo de jogadas, facilita as contratações,
reduzindo seus custos. Nas palavras de Bolaffio, ao comentar os usos comerciais:
“È la legge del minimo mezzo che determina così il fenomeno economico come la
regola giuridica che lo presidia: si mira ad un risultato immediato, tranquillante
per il credito e per la buona fede, col minor dispendio di attività e di formalità”.118
A prática brasileira dos últimos anos traz exemplo bastante interessante
sobre a interação entre prática comercial, usos e costumes, atividade jurispru-
dencial e texto normativo: os contratos built to suit [“construção sob medida”],
mediante o qual uma construtora, por sua conta e em seu nome, adquire o
terreno e constrói prédio de acordo com os interesses da empresa contratante,
que irá utilizá-lo por período determinado, garantindo à construtora o retorno
do investimento e a remuneração pelo uso do imóvel. Com isso, a empresa
contratante não imobiliza os recursos necessários à aquisição\construção e pode
considerar as quantias referentes ao pagamento da construtora como “despesas
operacionais”, que diminuem a base de cálculo do imposto de renda devido.
Muitas vezes, a operação é tripolar, envolvendo instituição que financia tanto
a aquisição do imóvel quanto sua construção, garantindo-se com os futuros
pagamentos a serem feitos pela contratante.119
A contraprestação devida [“aluguel”] é superior àquela de uma locação
comum, porquanto envolve a retribuição por outras prestações realizadas pela
construtora.
dos contratos comerciais pela prática, cf. Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto
e nell’economia, 221 e ss.
118. Il Codice di Commercio commentato, v. I, 61.
119. De acordo com Francisco Maia Neto, mencionado na justificativa do Projeto de Lei
5.505/2009, o contrato de “built to suit” é “ modalidade de operação imobiliária,
que consiste em um contrato pelo qual um investidor viabiliza um empreendimento
imobiliário segundo os interesses de um futuro usuário, que irá utilizá-lo por um
período preestabelecido garantindo o retorno do investimento e a remuneração [alu-
guel] pelo uso do imóvel. Do ponto de vista operacional o futuro usuário, espera do
investidor a aquisição do terreno, definição do projeto que atende suas necessidades
desenvolvimento e construção do móvel e entrega do empreendimento pronto por
valor predeterminado a ser pago em parcelas mensais. Pelo lado do investidor, este
busca o retorno dos investimentos alocados no projeto e a remuneração pelo uso
do móvel, cuja principal característica é a exigibilidade da permanência do usuário,
associada às previsibilidades e segurança do fluxo projetado, o que permite a secu-
ritização deste contrato, através da distribuição de títulos a investidores, que terão
como lastro o pagamento das parcelas contratadas”.
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142 CONTRATOS EMPRESARIAIS
nem uma nem outra podem ser tomadas como absolutas. Vale dizer: elas não devem
ser transplantadas para a realidade brasileira sem que sejam consideradas as particu-
laridades do nosso mercado e do nosso sistema jurídico. A indiscriminada transposição
de teorias e modelos pode mostrar-se inadequada e mesmo perigosa, colocando em
risco a efetividade e a eficácia do direito brasileiro, conduzindo-nos por caminhos
com ele incompatíveis” [O Estado, a empresa e o contrato, Prefácio, 12].
127. Não é nosso foco, aqui, a relação entre o Estado e os impactos gerados pela globali-
zação. Sobre o tema, v. Eros Roberto Grau, Nota sobre a globalização, 270 e ss.
128. Le istituzioni della globalizzazione, 61.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 145
5.14 Custos de transação
A empresa contrata porque entende que o negócio trar-lhe-á mais vantagens
do que desvantagens. As contratações são também resultado dos custos de suas
escolhas; o agente econômico, para obter a satisfação de sua necessidade, opta
por aquela que entende ser a melhor alternativa disponível, ponderando os custos
que deverá incorrer para a contratação de terceiros [“custos de transação”].
Quanto menores os custos de transação, maior a fluência das relações
econômicas e o desenvolvimento.
No momento da celebração, as partes acreditam que estarão “melhor com o
contrato do que sem ele”.129 O agente econômico celebrará o ajuste se entender
que esta é uma boa alternativa para a satisfação de sua necessidade. Vale dizer,
o negócio com terceiros será realizado apenas se a opção de produzir inter-
namente determinado bem ou serviço não for mais vantajosa para a empresa.
A produção interna corporis envolve custos; a contratação com terceiros
também. Tudo está em ponderar qual o caminho mais lucrativo: adquirir o bem
no mercado ou obtê-lo internamente?
Por exemplo, A necessita que, diariamente, seja feita a limpeza de suas ins-
talações. Abrem-se duas alternativas: A poderá empregar faxineiros, incorrendo
nos respectivos custos, ou contratar outra empresa que lhe preste esses serviços.
Para selecionar a empresa a ser contratada, A pesquisa as opções existentes
no mercado, preços praticados, idoneidade das firmas, qualidade dos serviços,
reputação etc. Após esse processo, opta por B. A e B deverão negociar os termos
do contrato, os horários em que o serviço poderá ser realizado, as precauções
em relação à segurança, inclusive os cuidados com o sigilo dos dados empresa-
riais, o asseio dos faxineiros, a responsabilidade por eventuais danos causados
aos equipamentos e assim por diante. Tudo isso representa tempo e dinheiro,
que serão ponderados por A quando da decisão de sua estratégia: contratar B
ou utilizar o trabalho de faxineiros empregados?
Os economistas debruçaram-se sobre esses problemas, estudando e ex-
plicitando os dispêndios associados à solução “de mercado”, i.e., à obtenção
do bem ou do serviço mediante a contratação de terceiros. Esses custos são
chamados “custos de transação”,130 incorridos por conta e em virtude das
contratações da empresa com outros agentes econômicos.
129. “There is only one reason why a person would want to make a contract: to obtain an
advantage os some kind. […] Contracts […] are typically made only because they
are mutually advantageous” [Louis Kaplow e Steven Shavell, Contracting, 2].
130. Em outra oportunidade, explicamos que o estudo dos custos de transação originou-se
das observações de Coase, em 1937, no opúsculo intitulado The nature of the firm.
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146 CONTRATOS EMPRESARIAIS
131. Entre nós, juristas dedicaram-se a esclarecer o que seriam os custos de transação.
Cf. Calixto Salomão Filho, Condutas tendentes à dominação dos mercados – Análise
jurídica, 30 e ss. V., ainda, Competitividade: mercado, Estado e organizações, de Eliza-
beth Farina, Paulo Furquim de Azevedo e Maria Sylvia Macchione Saes.
132. Douglass North, Institutions, transaction costs, and the rise of merchant empires, 27-9.
133. Panorama do direito comercial, 32.
134. Bonfante indicará o desenvolvimento da ciência contábil, das sociedades e dos ban-
cos [p. ex., banco genovês de S. Giorgio], chamando-os de “instituições mercantis”
[Pietro Bonfante, Storia del commercio, 240 e ss.]. Cf., sobre o mesmo tema, Jacques
Le Goff que, referindo-se ao “progresso dos métodos nos séculos XIV e XV”, explica
os seguintes fatores da evolução: seguro, letra de câmbio e contabilidade [Mercadores
e banqueiros na Idade Média, 23 e ss.].
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148 CONTRATOS EMPRESARIAIS
de los sujetos. Los elementos constitutivos del riesgo son, pues, posibilidade y resul-
tado dañoso” [Doler Aleu, El nuevo contrato de seguro, 62]. Ainda sobre a definição
de risco, para o panorama das opiniões mais difundidas, v. a introdução às seguintes
obras: Florence Millet, La notion de risque et ses fonctions en droit privé e Anne-Cécile
Martin, L’imputation des risques entre contractants.
138. Ripert, A regra moral nas obrigações civis, 156.
139. Para a explicação do risco nas diversas teorias econômicas, Otávio Yazbek, Regulação
do mercado financeiro e de capitais, 7 e ss.
140. A regra moral nas obrigações civis, 213, destacamos.
141. No original: “[t]hat contracts are often structured to allocate risk is a time-honored
assumption of contract theory” [Douglas W. Allen e Dean Lueck, The role of risk in
contract choice, 704].
142. No original: “Much if the future we face is uncertain, but one way of partially re-
ducing that uncertainty is to obtain binding promises from other people that they
will perform [or refrain from performing] certain acts in the future. A contract is
often a reciprocal allocation of specified risks and an efficient system of contract
law should facilitate risk-sharing by upholding the allocation of risks made by the
contract” [Donald Harris e Cento G. Veljanovski, The use of economics to elucidate
legal concepts: the law of contract, 114].
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150 CONTRATOS EMPRESARIAIS
143. Como salientamos com Eros Roberto Grau: “Os contratos, ao projetarem efeitos
para o futuro, implicam certo ‘congelamento’ de interesses. As partes, no momento
da vinculação, acomodam suas pretensões, calculando os desdobramentos futuros
das obrigações assumidas. Esse cálculo, obviamente, leva em conta vários cenários
fáticos, eventos futuros e razoáveis do contexto existente quando da contratação. Enfim:
todo negócio implica risco; cada contrato tem o seu ‘risco típico’; o risco é inerente
[= caracteriza] à atividade empresarial. Ao contratar, as partes estão obrigadas a
considerar esse risco, sob pena de serem impelidas ao prejuízo. Essa projeção, esse
cálculo sobre o futuro, baseia-se em um estado mais ou menos normal de coisas; a
parte que desconsidera o risco normal do negócio é sancionada no próprio jogo do mercado.
O agente econômico que despreza o risco, ‘errando’ a sua jogada ou previsão, sofre
perdas econômicas. Igualmente, a parte pode frustrar-se porque o cenário futuro
que concebeu no momento da contratação não se verificou. Tudo isso faz parte da
dinâmica de mercado” [Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados
com a Administração. Teoria da imprevisão e fato do príncipe, 112-3].
144. REsp 5.723, relator o Min. Eduardo Ribeiro, julgado em 25.06.1991.
145. Vincenzo Roppo, Il contratto, 1.024.
146. Sobre os tipos de risco extraordinário, cf. Comparato, O seguro de crédito, 60 e ss.
147. Cf., para indicação bibliográfica, Eros Roberto Grau e Paula A. Forgioni, Equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração. Teoria da
imprevisão e fato do príncipe. Mais recentemente, Luiz Gastão Paes de Barros Leães,
Resolução por onerosidade excessiva.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 151
siva onerosidade para uma parte, deve haver a liberação do vínculo, caso não
se chegue a acordo a respeito da modificação dos termos contratuais.
Nos contratos internacionais, para responder às necessidades de readap-
tação do negócio em casos de superveniências imprevistas, desenvolveu-se a
prática das hardship clauses. Trata-se, como salienta a doutrina especializada,
de estipulações que permitem a revisão do contrato nos casos da ocorrência
de imprevistos que alterem substancialmente o equilíbrio original das obriga-
ções das partes,148 mediante sua renegociação. São “cláusulas de adaptação”,
visando a impedir que o “endurecimento das condições” torne mais onerosa
sua execução, rompendo o equilíbrio das prestações ajustadas.149
Esses dispositivos contratuais têm, todos eles, a mesma e última função
econômica: permitir que as partes lidem com o risco [previsível ou imprevisí-
vel], alocando-o entre si ou buscando o reequilíbrio da equação econômico-
-financeira do contrato em caso de frustração das expectativas negociais.
156. Definida no § 1.º do art. 36 da Lei Antitruste brasileira [Lei 12.529, de 2011]: “A
conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência
de agente econômico em relação a seus competidores”.
157. A respeito da dependência econômica, v. Paula A. Forgioni, O contrato de distribuição,
277 e ss.; Francesco Macario, Equilibrio delle posizioni contrattuali ed autonomia
provata nella subfornitura, 131; Yves Guyon, Droit des affaires – Droit commercial gé-
néral et sociétés, t. 1, 971; Marc Courtès, Dependance économique et abus de dépendance
économique en droit de la concurrence et en droit des contrats, 234 e ss.; Amiel-Cosme,
Les réseaux de distribution, 216 e ss.; David Gerber, Law and competition in the twentieth
century Europe: protecting Prometheus, 324 e ss.
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154 CONTRATOS EMPRESARIAIS
for the alternative courses of action that are available to him, which of these will permit
him to reach the highest attainable point on his preference scale” [Herbert Simon,
A behavioral model of rational choice, 99]. A respeito dessa visão sobre o “homem
econômico”, esclarece Arthur Barrionuevo Filho: “Esse pressuposto é adotado por
alguns economistas, para quem o homem econômico caracteriza-se por dois aspectos
[i] racionalidade instrumental e [ii] autointeresse. No entanto, essas duas premissas
têm sido contestadas. À ideia de racionalidade instrumental plena contrapõe-se a
‘racionalidade limitada’, conceito definido por H. Simon, que assume a capacidade
analítica limitada e a incompletude das informações disponíveis para o tomador de
decisão. Supondo a racionalidade limitada, o tomador de decisão seria alguém em
busca do ‘satisfatório’ ao invés do ‘ótimo’, pois as condições para atingir este último
não estariam presentes, ou teriam um custo maior do que o benefício [esse é o con-
ceito de ‘quase-racionalidade’, desenvolvido por Akerloff]. Essa limitação própria
do agente econômico pode ser considerada aceita por boa parte dos economistas da
corrente principal [neoclássicos, novos-keynesianos etc.]. Ou seja, hoje se entende
que o agente econômico é maximizador de ganhos, mas sujeito à limitações de ca-
pacidade analítica e informação. O segundo ponto, referente ao autointeresse, foi
questionado pela economia experimental. Para essa corrente, na prática do mercado,
os indivíduos não se comportam baseados exclusivamente no autointeresse. Assim,
o altruísmo não seria uma ‘escolha moral’, mas comportamento a ser explicado. En-
tretanto, ainda não há uma explicação robusta aceita pela teoria econômica para esse
problema. A ‘reciprocidade forte’ é uma hipótese que vem ganhando peso; trata-se de
explicação de fundo sociobiológico, qual seja, a seleção natural darwinista operaria
não sobre indivíduos, mas sobre grupos. Portanto, a ‘moral altruísta’, religiosa ou
não, seria funcional à sobrevivência de grupos. Neste ponto, caberia a questão: ‘Como
ficou a situação atual na teoria econômica?’. Os modelos econômicos continuam
sendo baseados na racionalidade instrumental e no autointeresse, mesmo porque
esses pressupostos são mais fáceis de representar matematicamente. Todavia, há
a consciência dos problemas apontados acima e tentativas de solucioná-los” [em
conferência proferida na cidade de São Paulo, em fevereiro de 2008].
160. Williamson, The mechanisms of governance, 377.
161. Para a explicação em língua portuguesa da racionalidade limitada, Calixto Salomão
Filho, Condutas tendentes à dominação dos mercados – Análise jurídica, 38 e ss. Ainda
em língua portuguesa, vale transcrever a definição de Farina et alii: “pressuposto
comportamental segundo o qual os indivíduos agem racionalmente [utilizam, na
medida do possível, os meios para atingir os fins desejados], encontrando, porém,
limites em sua capacidade de resolver problemas complexos. Sua principal conse-
quência [...] é a incompletude dos contratos” [Competitividade, mercado, Estado e
organizações, 286].
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156 CONTRATOS EMPRESARIAIS
162. “People can respond sensibly to these failings; thus it might be said that people so-
metimes respond rationally to their own cognitive limitations, minimizing the sum
of decision costs and error costs” [Christine Jolls, Cass Sunstein e Richard Thaler,
A behavioral approach to law and economics, 1.477].
163. Milgrom e Roberts, Economics, organization and management, 129-30. No mesmo
sentido, Christine Jolls, Cass Sunstein e Richard Thaler, A behavioral approach to
law and economics.
164. Os economistas distinguem a racionalidade limitada da incerteza: a primeira é uma
característica do indivíduo, enquanto que a segunda refere-se ao ambiente, ao contexto
contratual.
165. Elizabeth Farina et al., Competitividade, mercado, Estado e organizações, 74.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 157
Por exemplo, diante da valorização do real em face do dólar norte-ame-
ricano, alguns agentes preferirão investir em maquinário pesado, enquanto
outros no incremento do estoque de matéria-prima importada. Juridicamente,
essas diversas estratégias não provêm de restrições da capacidade cognitiva do
agente, mas do leque de opções que o ambiente institucional proporciona. Ao
contrário dos economistas, nunca cogitamos que, para cada situação, haveria
apenas uma solução correta e ótima.
169. Stewart Macaulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships,
complexity and the urge for transparent simple rules, 54.
170. Giuseppe Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’economia, 75.
171. Stewart Macaulay, em conhecido estudo empírico sobre o comportamento das
partes nos contratos, indica que, durante as tratativas, os agentes econômicos po-
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 159
Deixam para a solução de alguns problemas para o futuro, até mesmo confiando
no aumento do grau de dependência econômica que poderá ocorrer durante
a relação. “Não criemos problemas” ou “quando acontecer, veremos o que e
como fazer”, costuma-se afirmar nessas ocasiões.172
Ao contratar, as empresas dirigem sua atenção para os aspectos econômicos
do negócio e não para aqueles jurídicos. Seu foco costuma recair sobre o preço,
condições de pagamento, características do bem ou do serviço adquirido etc.
Em negócios de maior complexidade, o planejamento das chamadas “con-
tingências” fica a cargo dos advogados. Com base em pesquisas empíricas,
constatou-se que, para a maioria das empresas, a utilidade do contrato escrito
é secundária quando comparada aos aspectos econômicos da transação.173
Algumas condições não serão tratadas pelos homens de negócio e sim por
seus assessores jurídicos que, desconhecendo importantes aspectos fáticos do
empreendimento, não raro deixam de lhes dispensar a devida atenção.
174. No original: “Set of fundamental political, social and legal ground rules that esta-
blishes the basis for production, exchange and distribution” [Lance Davis e Douglass
North, Institutional change and American economic growth, 6].
175. “Our intention to make an exchange of a cup of coffee for money can only be un-
derstood from the context in which the conduct takes place, that is the retail shop,
and the broader conventional patterns of people exchanging goods for money in
that location” [The research agenda of implicit dimensions of contracts, 2].
176. Com o mesmo escopo, Junqueira de Azevedo utiliza os exemplos de declarações de
vontade feitas em um palco teatral ou em sala de aula, durante uma preleção [Negócio
jurídico: existência, validade e eficácia, 122].
177. The research agenda of implicit dimensions of contracts, 2.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 161
“[...] conjunto de circunstâncias que formam uma espécie de esquema, ou
padrão cultural, que entra a fazer parte do negócio e faz com que a decla-
ração seja vista socialmente como dirigida à criação de efeitos jurídicos.
[...] As ‘circunstâncias negociais’ são, pois, um modelo cultural de atitude,
o qual, em dado momento, em determinada sociedade, faz com que certos
atos sejam vistos como dirigidos à produção de efeitos jurídicos”.178
direito não protege o crédito por uma questão de afirmação de valores liberais,
para legitimar a supremacia do mais forte sobre o mais fraco ou algo dessa or-
dem. Esse mesmo crédito é um pilar de sustentação do mercado, indispensável
à sua preservação. Se o sistema veda o enriquecimento sem causa, aquele que
possui um crédito contra outrem ou [i] já experimentou uma diminuição em
seu patrimônio e pretende recompô-lo, às vezes obtendo lucro, ou [ii] “con-
gelou” trabalho, “gerou riqueza” e pretende ser remunerado por isso. Quem
possui “crédito” “crê” em sua satisfação.182
A título exemplificativo: quando o sistema jurídico disciplina a falência,
tem em vista a tutela do crédito, ainda que modernamente sejam igualmente
perseguidos outros valores, como a preservação das empresas e de empregos.
O sistema – ainda que em nome da proteção de outros interesses – não pode-
ria, simplesmente, “perdoar” os débitos do falido, sob pena de desestabilizar
o ordenamento, com o consequente declínio do investimento.183
Por mais que outros valores sejam considerados dignos de tutela jurídi-
ca, a proteção do crédito continuará desempenhando função primordial na
organização do sistema de direito mercantil e, especialmente, na disciplina e
na execução dos contratos empresariais.
182. “Appunto perchè in tanto una persona dà ad un’altra temporaneamente una cosa in
quanto crede alla [conta sulla] restituzione, lo scambio temporaneo prende il nome
di credito [...]” [Carnelutti, Teoria giuridica della circolazione, 5].
183. Vivante faz referência aos problemas enfrentados pelos comerciantes na Roma Impe-
rial em virtude de normas que prejudicaram grandemente os interesses do crédito:
“Solo negli ultimi secoli dell’impero, sotto l’influenza di tristi condizioni economiche,
si cercò di venire in aiuto ai debitori con numerosi provvedimenti legislativi che
pregiudicarono grandemente gli interessi del credito. Questa fu una delle ragioni
per cui più tardi, quando il commercio risorse e fiorì, si sentì la necessità di leggi e di
usi speciali che sciogliessero la rinnovata attività commerciale dalle regole fiacche
e pietose che, per una malintesa clemenza pei debitori, erano invalse nel diritto di
Roma imperiale” [Istituzioni di diritto commerciale, 4].
184. Na dicção de Vivante: “[I]l commerciante come uomo d’affari, la cui professione sta
nel contrattare, ha tale energia di pronte ed accorte deliberazioni che è superflua per
lui la cautela delle forme solenni” [Trattato di diritto commerciale, v. IV, 67].
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 163
ser obstado por formalismos inúteis; a esse propósito, lembre-se de que o direito
comercial surge também para liberar os mercadores das amarras romanísticas,
que embaraçavam seus negócios.
Na área empresarial, as formalidades prestam-se a lubrificar o fluxo de
relações econômicas, aumentando a segurança e a previsibilidade dos agentes e
não a fins insensatos, desconectados do mercado.185 Na linguagem própria aos
economistas, as formalidades diminuem os custos de transação, seja por acoplar
determinadas garantias ao negócio, seja por espraiar informações relevantes
para o tráfico.
Os livros dos comerciantes são interessante exemplo. As formalidades
que os cercam prestam-se a incrementar sua força probante, facilitando a pres-
tação de informações ou a comprovação de fatos. A transferência do controle
de sociedade anônima com vultoso patrimônio é realizada sem a participação
de qualquer agente público, mediante os adequados lançamentos no livro de
registro de ações nominativas e no livro de transferência de ações, em manobra
que não costuma tomar mais de alguns minutos. Se as ações da companhia
forem escriturais, essa transferência dar-se-á em segundos pelos lançamentos
nas contas de depósito mantidas junto à instituição financeira competente.
Nos termos do art. 100, § 1.º, da Lei 6.404, de 1976, qualquer interessado pode
solicitar certidões sobre as informações constantes naqueles livros. Seguindo
os exemplos da Lei Societária, todas as publicações ali ordenadas informam o
mercado dos andamentos dos negócios sociais, diminuindo assimetrias infor-
macionais que seriam prejudiciais ao público investidor e à economia em geral.
As formalidades, no direito comercial, somente se justificam porquanto
úteis ao fluxo de relações econômicas.
185. A liberdade de forma justificava-se porque a prova na seara comercial não poderia
ficar adstrita à escritura pública. Comentando o art. 122 do Código Comercial,
afirma Waldemar Ferreira: “Basta para comprovar o contrato mercantil o simples
documento assinado pelas duas partes, ou a correspondência epistolar, telegráfica,
radiográfica ou telefônica, com a proposta de aceite do negócio, para sua validade”
[Tratado de direito mercantil brasileiro, v. I, 125].
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164 CONTRATOS EMPRESARIAIS
dessa assunção é que eles detêm – ou deveriam ter diligenciado para deter – as in-
formações relevantes à contratação, passíveis de serem obtidas a custo razoável.
Não se espera que, no momento da vinculação, as empresas efetivamente
disponham de todas as informações sobre o negócio ou sobre o contexto fático
que o circunda [mesmo porque isso seria impossível]. Ao contrário, o tráfico
exige apenas que:
[a] a empresa tenha se esforçado razoavelmente para obter as informações
sobre o negócio; se não o fez, presume-se que essa foi sua opção consciente [a
busca de informações é processo custoso e a empresa pode deliberadamente
não o levar adiante, assumindo o risco da informação defeituosa]; e
[b] as empresas não omitam informações relevantes à contraparte.
O ordenamento exige que o empresário empregue a diligência normal
dos homens sensatos e prudentes para granjear as informações referentes à
contratação. Não lhe é reclamado mais, pois isso aumentaria sobremaneira os
custos de transação.
Por outro lado, a empresa que detiver grau de informação inferior àquele
que dela seria esperado deverá suportar os eventuais prejuízos decorrentes
dessa falta. Muitas vezes, o agente econômico tem consciência de que possui
quantidade de informações aquém do ideal. Se segue com negócio, deverá arcar
com os riscos correspondentes a essa sua estratégia.
Mediante a presunção objetiva do nível ideal de informação do agente
em cada contratação, o sistema de direito comercial busca disciplinar questão
complexa. “[I]t is difficult to conceive of a choice as autonomous without basic
information on its implications, but because information is often costly it may
be rational to choose to forgo the acquisition of further information where its
expected benefits are less than its expected costs”.186
Como exemplo, retomemos o exemplo da empresa A, que pretende ter-
ceirizar as atividades de limpeza de suas instalações. Seu presidente entende
tratar-se de questão menor, que desaconselha gastos para resolução; ordena
que seja contratada “qualquer limpadora”, desde que prontamente. Dessa
forma, A não despenderá recursos para a seleção da parceira B. No entanto,
esse comportamento eleva os riscos de insucesso da estratégia. Note-se bem:
não é dito que a contratação de B não será uma boa opção; apenas que A, com
sua atitude, assumiu o risco de que não o fosse.
A prestação de informações à outra parte segue a mesma lógica: dentro
dos padrões da boa-fé objetiva [i.e., considerando a legítima expectativa criada
187. O fenômeno é destacado por Claudia Lima Marques: “É a nova transparência obriga-
tória nas relações de consumo, em que vige um novo dever de informar, imputado
ao fornecedor de serviços e produtos, e uma nova relevância jurídica da publicidade,
instituída pelo CDC como forma de proteger a confiança despertada por este método
de marketing nos consumidores brasileiros” [Contratos no Código de Defesa do Con-
sumidor, 191. Itálicos nossos]. Com efeito, embora se tenha notícia da existência,
há séculos, de regras impondo a obrigatoriedade da prestação de informação aos
consumidores, até há pouco não se esperava [= não se exigia] que o comerciante
prestasse essas informações sponte propria, senão, simplesmente, que seguisse as
prescrições específicas das leis e dos regulamentos incidentes sobre sua atividade e/
ou os produtos ou serviços que comercializasse. Tome-se, à guisa de exemplo, a Lei
1.521, de 26.12.1951, que considerava crime contra a economia popular “expor à
venda ou vender mercadoria ou produto alimentício, cujo fabrico haja desatendi-
do a determinações oficiais, quanto ao peso e composição” [art. 2.º, inciso III]. A
preocupação com a informação aos consumidores restringia-se à obrigatoriedade
de “anter afixadas, em lugar visível e de fácil leitura, as tabelas de preços aprovadas
pelos órgãos competentes” [art. 2.º, inciso VI, in fine]; a coibição de “dar indicações
ou fazer afirmações falsas em prospectos ou anúncios” referia-se somente a “títulos,
ações ou quotas” [art. 3.º, inciso VII]. A Lei Delegada 4, de 26.09.1962, considerava
ilícita somente a atividade de “produzir, expor ou vender mercadorias cuja embala-
gem, tipo especificação, pêso ou composição, transgrida determinações legais, ou
não corresponda à respectiva classificação oficial ou real” [art. 11, alínea f], nada
dispondo sobre a prestação adicional de informações. As palavras de Paolo Gallo,
referindo-se ao direito italiano, são plenamente aplicáveis à realidade brasileira
anterior a 1990: “In base all’opinione tradizione occorreva escludere l’esistenza di
un dovere generale d’informazione. Le esigenze dei traffici e della competizione
economica era infatti considerate preminenti rispetto a quelle di correttezza e di
solidarietà. In applicazione dei principi di autoresponsabilità, tipici specie del
diciannovesimo secolo, si pensava che ciascuna parte dovesse bastare a se stessa e
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166 CONTRATOS EMPRESARIAIS
196. Sobre essa construção jurisprudencial, cf. Eros Roberto Grau e Paula A. Forgioni,
Cláusula de não concorrência ou de não restabelecimento. Evolução histórica, função
econômica e análise jurídica, 273 e ss.
197. Em vários textos, Williamson destaca que um dos elementos mais relevantes da relação
contratual é a especificidade de ativos. “The crucial investment distinction is this: to
what degree are transaction-specific [nonmarketable] expenses incurred. Items that
are unspecialized among users pose few hazards, since buyers in these circumstances
can easily tur to alternative sources, and suppliers can sell output intended for one
order to other buyers without difficulty. Nonmarketability problems arise when the
specific identity of the parties has important cost-bearing consequences. Transaction
of this kind will be referred to as idiosyncratic” [Transaction-cost economics: the
governance of contractual relations, 239].
198. Em determinados casos, os investimentos específicos e irrecuperáveis feitos por uma
das partes podem significar comprometimento [commitment] que atesta a seriedade
de intenções, i.e., a pouca disposição de se abandonar o negócio. Nestas hipóteses, o
“comprometimento mútuo de ativos específicos” poderia incentivar o aumento do
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170 CONTRATOS EMPRESARIAIS
202. No original: “compromises are reached in the light of their part to maintain an existing
relationship between them; they are not limited to the ‘legal’ considerations which
the judge may properly take into account when reaching a judgment” [Harris e Vel-
janovski, The use of economics to elucidate legal concepts: the law of contract, 116].
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172 CONTRATOS EMPRESARIAIS
mico resta vinculado a comportamentos que não foram por ele explicitamente
negociados.
No passado, embora nunca tenha sido negada a importância desses ins-
titutos para a disciplina do tráfico, sua discussão explícita foi arrefecida.203 Os
tribunais aplicavam a lógica a eles inerente, ao mesmo tempo em que evitavam
embasar as decisões declaradamente em conceitos fluidos como a boa-fé. Por
exemplo, são raros acórdãos impondo expressos deveres às partes por força
dos usos e costumes comerciais.
No campo da teoria geral do direito civil, para muitos autores, a inserção
no negócio de cláusulas não expressamente desejadas e negociadas pode levar
ao sacrifício da autonomia da vontade e à submissão das partes ao arbítrio do
legislador, do jurista ou do intérprete.204
Ilustrativa a esse respeito é a contenda mantida entre Betti e Stolfi no final
dos anos 40.205 Vimos acima a linha bettiana, destacando a função econômica
dos negócios e sua objetivação com base nas práticas de mercado. Tenha-se em
mente, mais uma vez, que Betti lutava contra o subjetivismo e o voluntarismo
203. As razões dessa subestimação são explicadas por Guido Alpa: [i] pouca familiaridade
dos juizes da época com a aplicação de disposições de conteúdo indeterminado diante
da interpretação formalística que imperava, privilegiando a aplicação literal do texto
do Código; [ii] desconfiança em relação à doutrina que tendia a considerar os juízes
como representantes do Estado e via a aplicação de cláusulas gerais aos negócios
privados uma forma de intervencionismo estatal; [iii] temor de atribuir-se aos juízes
excessivo poder discricionário [Trattato di diritto civile. Storia, fonti, interpretazione,
954]. No mesmo sentido, Alpa, Corso di sistemi giuridici comparati, 272. Ainda sobre
esse ostracismo, cf. Stefano Rodotà, Le fonti di integrazione del contratto, 184 e ss. Em
suma: “Il concettualismo ed il positivismo, tra loro strattamente alleati, spiegavano
tutta la loro influenza, com effetti che arrivavano fino ad espungere dall’ordinamento
alcune norme: ma anche questa è una conseguenza quase inevitabile, che ciascuna
cultura non è disposta a riconoscere altri strumenti tecnici che non siano quelli ad
essa omogenei, negando agli altri il carattere della giuridicità” [188]. Carlos Ferreira
de Almeida dá notícia da relutância do reconhecimento do costume como fonte de
direito [Contratos I. Conceito, fontes, formação, 63].
204. A questão discutida é sempre a mesma: “in ciascun ordinamento si esprimono le me-
desime preoccupazioni, relative alla discrezionalità dell’interprete nella applicazione
della clausola attesa la sua genericità e indeterminatezza; al contempo, questa clausola
ha finito per assolvere un ruolo tanto importante da considerarsi essenziale, sia per
adattare l’intero ordinamento alle nuove esigenze economico-sociali, di cui il legislatore
non può tempestivamente tener conto, sia per adattare la regola del caso alla fattispecie
concreta” [Alpa, Trattato di diritto civile. Storia, fonti, interpretazione, 951].
205. V. discurso de Natalino Irti desenvolvido no primeiro capítulo de seu livro Letture
Bettiane sul negozio giuridico, de 1991.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 173
de sua época, que via como desdobramentos de inaceitável liberalismo. De
qualquer forma, um dos resultados práticos de sua teoria é o reconhecimento
de que a prática social gera deveres de conduta. Note-se bem: a prática social
e não exclusivamente a vontade individual é fonte de obrigação.
Stolfi, refutando duramente as críticas que lhe são formuladas, defende
ser sempre necessário o consenso do homem para sua vinculação, ou seja,
exige-se “efetiva intenção de dar origem à relação concreta”.206 A submissão a
deveres não expressamente contratados [i.e., não derivados de sua vontade]
significaria sujeição do ser humano ao arbítrio.207
O debate, que pareceria “técnico” aos mais afoitos, não pode sombrear a
questão política nele envolvida. Por um lado, a supremacia do individualismo
e da vontade do sujeito como motores absolutos de sua vinculação. Por outro,
a objetivação dessa vontade, levando-se em conta o fator social. A questão é
explicada por Orlando Gomes, com a habitual clareza:
“A adoção do negócio jurídico como instrumento da autonomia privada,
fá-la, na realidade, impregnar-se de sentido social, ao abandonar o dogma
da vontade. A característica no negócio passa a ser [...] o fato de se vin-
cular o sujeito por seu comportamento, no sentido de que a sua conduta
sucessiva não pode se desenvolver senão na conformidade do ‘empenho’
que assumiu, segundo o ordenamento positivo, com seu comportamento.
Obviamente, é a lei que vincula o sujeito, ou as partes, a observar esse com-
portamento. Vincula-se por seu comportamento, não se lhe permitindo
invocar deficiências do processo volitivo que não puderam ser descober-
tas pelos outros e, além disso, prescinde da investigação do intento do
agente. Sobem ao primeiro plano os princípios da autorresponsabilidade
do sujeito e da confiança dos outros sujeitos”.208
206. No original: “[a] ragione si esige sempre il suo [do homem] consenso [...] e cioè la
sua effettiva intenzione di dare origine al rapporto concreto, e non si è scritto un
solo articolo da cui si possa argomentare il contrario [...]” [Il negozio giuridico è un
atto di volontà, 248].
207. Em suma: “Si può invero discutere fino alla noia se la buona fede della controparte
o le necesità del commercio o un’altra bizzaria del genere impongano o consiglino
di ritenere vincolanti anche le dichiarazioni contrattuali non volute, perchè la loro
efficacia è solo patrimoniale: siamo ormai tanto abituati alla disinvoltura con cui
il legislatore dispone dei beni del prossimo, che non ci scandalizziamo troppo nel
constatare come nemmeno il giurista sia alieno dal sacrificare il danaro degli altri
pur di dare corpo ai suoi preconcetti” [Giuseppe Stolfi, Il negozio giuridico è un atto
di volontà, 248].
208. Transformações gerais do direito das obrigações, 48.
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174 CONTRATOS EMPRESARIAIS
209. Para análise das doutrinas voluntarista e objetivista do negócio jurídico, cf. Junqueira
de Azevedo, Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 4 e ss.
210. Mais recentemente, Lisa Bernstein chega a duvidar até mesmo da existência dos usos
e costumes da forma como tradicionalmente considerados e incorporados no Uni-
form Commercial Code norte-americano. No entendimento da autora, vários fatores
sugeririam que “‘usages of trade’ and ‘commercial standards’, as those terms are
used by the Code, may not consistently exist, even in relatively close-knit merchant
communities. While merchants in the industries examined here sometimes do and
did act in ways amounting to loose behavioral regularities, most such regularities
are either much more geographically local in nature or far more general in scope
and conditional in form than in commonly assumed” [The questionable empirical
basis of article 2’s incorporation strategy: a preliminary study, 715].
211. Sobre as “dimensões implícitas” dos contratos, cf. Milgrom & Roberts, Economics,
organization and management, 132-3, e Hugh Collins, The research agenda of implicit
dimensions of contracts, 2-13. A respeito da diminuição do grau de segurança jurídica
em virtude da consideração de elementos não expressamente mencionados pelas
partes na letra do instrumento, afirma o autor: “It is not disputed that predictability
of legal outcomes is an important goal for the regulation of contracts, though not of
course the only goal. The important question is rather whose predictions matter?”
[9]. A conclusão é que a opção pela abordagem formal, que exclui as dimensões
implícitas das contratações, agrada mais aos advogados do que a seus clientes, na
medida em que estes realmente as consideram em suas expectativas. “There is much
evidence of a gap between the lawyer’s prediction based upon the express terms of
the contract and their clients’ prediction based upon implicit understandings and
expectations […] Their intentions were not completely expressed in the contract,
and so to enforce the terms without modification may make the law produce unpre-
dicted outcomes. So the question becomes whose calculability really matters: the
lawyers or the businessmen?” Enfim, a consideração das dimensões implícitas pode
ter como resultado a maior garantia de concreção de um dos principais escopos da
lei: “support for trust and confidence in markets” [10].
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 175
As partes, ao contratar, trazem para seu negócio todas as regras cogen-
tes existentes na legislação incidente sobre o contrato. O art. 133 do Código
Comercial sempre determinou que “[o]mitindo-se na redação do contrato
cláusulas necessárias à sua execução, deverá presumir-se que as partes se su-
jeitaram ao que é de uso e prática em tais casos entre os comerciantes, no lugar
da execução do contrato”.
A incorporação de “dimensões” além do que foi expressamente deliberado
não é mecanismo estranho aos negócios; fontes externas à vontade das partes
são reconhecidas pelo ordenamento.212
Quanto aos usos e costumes, a pedra de toque não repousa na vontade
das partes, mas na incorporação ao negócio de regras cujo grau de institucio-
nalização não é tão elevado como aquele que caracteriza o direito positivo
codificado.213
O mesmo raciocínio pode ser aplicado às chamadas “cláusulas gerais”
como a boa-fé e o padrão do homem ativo e probo: embora sua compreensão
seja fácil na teoria, é no momento de sua aplicação ao caso concreto que a in-
segurança faz-se sentir. Na hipótese específica, qual seria a conduta esperada
do agente econômico perante a situação que diante dele se apresenta?
Nem todos os mercados são como aqueles da praça de Santos no início
do século XX, fonte de inspiração de Carvalho de Mendonça, ou do comér-
cio de diamantes de Nova Iorque, estudado por Lisa Bernstein.214 Os agentes
econômicos que neles interagem têm certa ciência das regras costumeiras que
devem ser respeitadas.215 No mundo contemporâneo, as coisas não se colocam
212. Como esclarecia Rodotà, a pretexto de comentar o art. 1.374 do Codice Civile: “1.374.
Integrazione del contratto. Il contratto obbliga le parti non solo a quanto è nel mede-
simo espresso, ma anche a tutte le conseguenze che ne derivano secondo la legge, o,
in mancanza, secondo gli usi e l’equità” [Le fonti di integrazione del contratto, 93 e ss.].
213. Por mais que, como adverte Antoine Kassis, “[a]u total, la certitude absolue du droit
écrit, législatif ou jurisprudentiel, est une velleité” [Théorie générale des usages du
commerce, 47].
214. Opting out of the legal system: extralegal contractual relations in the diamond
industry.
215. O assentamento dos costumes visa a dar-lhes publicidade entre os mercadores. Nesse
sentido, a Lei da Boa Razão determinava que “os Estylos da Côrte devem ser sómente
os que se acharem estabelecidos, e approvados pelos sobredictos Assentos da Casa da
Supplicação”. Como não havia disposição semelhante para os costumes, apontava
Corrêa Telles: “Mas sendo occasião de muitas duvidas o não se saber com certeza,
quaes os costumes racionaveis, e que teem mais de cem annos de duração, seria obra
de grande preço mandar o Governo compilar os costumes legitimos, e saparal-os das
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176 CONTRATOS EMPRESARIAIS
de maneira tão simples. “Customs are vague and they often differ from place to
place”. “Judges might not be able to rely on trade usage because none existed
or none could be proved”.216
Poder-se-ia estar diante de paradoxo no seio do direito mercantil: de um
lado, institutos tradicionais levam ao aumento do grau de segurança jurídi-
ca, reduzindo custos de transação por aceitar certas presunções; de outro, as
regras que permitem essas mesmas assunções trariam o aumento do grau de
insegurança porque, na realidade dos fatos, não se conseguiria determinar com
razoável grau de precisão o comportamento esperado do agente.
217. Hoje, alguns autores sustentam que a utilização das cláusulas gerais aumenta o grau de
racionalização do direito. “Al mito della certeza del diritto [della legge], si avvicenda
l’obbiettivo della certezza delle decisioni. Non può sfuggire che l’uso delle clausole
generali svolge, in tale contesto, uma obbiettiva funzione di razzionalizzazione degli
indirizzi interpretativi” [Fabrizio di Marzio, Verso il nuovo diritto dei contratti, 22].
Trabalha-se com a relativização da importância que a segurança formal teria para
o tráfico. Com efeito, “despite, or because of, the imprecise and often conflicting
nature of our contract law, the American economy has been successful” e “Clearly
there is room for a contract law with strong elements of flexibility and qualitative
norms in many areas of business” [Stewart Macaulay, The real and the paper deal:
empirical pictures of relationships, complexity and the urge for transparent simple
rules, 79].
218. Atualmente, os autores que mais se ocupam dessa questão, combatendo o que
chamam de “excessivo formalismo doutrinário” em prol da aplicação das cláusulas
gerais e da consideração do contexto que enforma o negócio, são de origem inglesa
ou norte-americana e não familiarizados às regras de interpretação de Pothier, cuja
influência doutrinária e jurisprudencial na Europa Continental e no Brasil é inegável.
Nessa linha, à luz do art. 131 do Código Comercial, é incontestável a necessidade
de consideração das “dimensões implícitas” dos negócios, ou seja, de regras ditadas
pela boa-fé, usos e costumes, bem como a atuação de uma contextual interpretation.
Em nossa tradição, não existe um só manual de direito comercial que negue a força
jurígena dos usos e costumes e sua função integrativa, que sempre foi expressamente
trazida pelo art. 133 do Código Comercial.
219. Carl Schmitt identifica nas cláusulas gerais a ruína do positivismo. “En todas partes
y en todos los campos de la vida jurídica penetran las llamadas ‘cláusulas generales’
en detrimento de la ‘seguridad’ positivista: conceptos indeterminados de todo tipo,
reenvíos a medidas y conceptos extralegales como buenas costumbres, lealtad y
buena fe, exigibilidad y no-exigibilidad, razón suficiente, etcétera, que suponen una
renuncia al fundamento del positivismo, a saber, la decisión legal, a la vez contenida
y desvinculada de la norma. [...] En el momento en que conceptos como ‘lealdad
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178 CONTRATOS EMPRESARIAIS
y buena fe’, ‘buenas costumbres’, etc., se aplican no a una sociedad civil de tráfico
individualista, sino al interés de la totalidad del pueblo, cambia de hecho todo el
derecho sin que sea preciso que cambie una sola ley”. As cláusulas gerais, assim,
“deben ser utilizadas como medios específicos de un nuevo tipo de pensar jurídico”
[Sobre los tres modos de pensar la ciencia jurídica, 67 e ss.].
6
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS
1. “[N]a associação o egoísmo não desempenha o mesmo papel que nos contratos de
troca. Aqui os dois contratantes teem interêsses diametralmente opostos: se a ven-
da é favorável para o comprador, é em detrimento do vendedor, e vice-versa. Seu
dano, meu benefício, é a divisa de todos os contratos. Ninguém pode querer mal aos
outros por zelarem sómente os seus interêsses. Assim não acontece na associação: o
interêsse particular e o de outrem caminham a par; se um dos associados foi lesado,
também o outro o foi por igual; do mesmo modo o lucro de um é do outro. A ideia
de solidariedade dos interêsses deve guiar as duas partes na celebração do contrato
de sociedade. Se uma delas, em vez de trabalhar pelo lucro comum, só procura o seu
interêsse, destroi a própria essência da instituição – uma tal prática, a generalizar-
-se arruinála-ia para o comércio jurídico” [A evolução do direito, 192 e ss.]. Note-se
que Jhering identifica na sociedade uma forma de concretização da associação entre
|
180 CONTRATOS EMPRESARIAIS
interesses que lhes é peculiar.8 Não é incomum que obras jurídicas tratem so-
mente dos negócios de troca. Lê-se em um dos melhores manuais brasileiros
sobre esse tema: “[t]raço característico do contrato é a plurititularidade, isto
é, a coparticipação de sujeitos de direito com interesses econômicos contra-
postos. A contraposição é essencial, não passando o contrato, assim, de uma
composição”.9
13. Por todos, Orlando Gomes, Contratos, 443 e ss., e Serpa Lopes, Curso de direito civil,
v. 6, 551 e ss.
14. Ainda para a exposição dos elementos que caracterizam as sociedades, e a crítica da
doutrina tradicional, v. Ferro-Luzzi, I contratti associativi, 2-82.
15. Traité élémentaire de droit commercial, 188.
16. Curso de direito comercial terrestre, 266.
17. Apenas haverá sociedade quando as partes pretenderem reunir esforços, suportando
igual e conjuntamente as áleas, os riscos e as perdas do plano comum. Por essa razão,
Orlando Gomes afirma que a affectio societatis expressa-se, “em termos mais objetivos
[...] sob o aspecto da partilha obrigatória dos lucros e perdas” [Contratos, 444]. A
lição de Lagarde, lembrada por Rubens Requião, caracteriza a affectio societatis “por
uma vontade de união e aceitação das áleas comuns” [Curso de direito comercial, v.
1, 276]. Fábio Konder Comparato entende que a “comunhão de escopo”, “elemento
diretor e unificador da relação societária” implica a participação dos sócios nos re-
sultados deficitários. O risco inerente à atividade societária envolve a predisposição
à partilha do prejuízo [e não somente dos lucros] [Direito empresarial – Estudos e
pareceres, 153]. No mesmo sentido, Ferreira Borges, Diccionario juridico-commercial,
471, refere-se ao “risco commum” inerente às sociedades, bem assim que há “com-
munhão de ganhos e perdas”.
18. Esse espírito vinha corporificado no art. 288 do Código Comercial: “É nula a so-
ciedade ou companhia em que se estipular que a totalidade dos lucros pertença a
um só dos associados, ou em que algum seja excluído, e a que desonerar de toda a
contribuição nas perdas as somas ou efeitos entrados por um ou mais sócios para
o fundo social”. O art. 305 do Código Comercial deixava clara a ideia de atuação
comum, de colaboração, de reunião de esforços, de pessoalidade das sociedades: “Art.
305. Presume-se que existe ou existiu sociedade, sempre que alguém exercita atos
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184 CONTRATOS EMPRESARIAIS
21. “Such a risk which according to the conditions of trade at the time was the biggest
factor that had to be taken into account, had to be shared among those who in
some function participated in the undertaking. How to do this was legally the most
important problem” [The history of commercial partnerships in the Middle Ages, 64].
22. Ainda segundo Weber, a diferença entre a comenda e a societas maris consistia no
fato de que, na primeira, o aporte de capital era realizado apenas por uma parte, o
sócio comendador. Ao invés, na societas maris, ambas forneciam recursos para o em-
preendimento [The history of commercial partnerships in the Middle Ages, 68]. Sobre o
mesmo tema, e com opinião semelhante, Pietro Bonfante, Storia del commercio, 240
e ss.
23. The wheels of commerce, 438 e ss. “O processo de limitação da responsabilidade,
que hodiernamente domina o campo do Direito Comercial, foi-se formando
|
186 CONTRATOS EMPRESARIAIS
Note-se, contudo, que em todos esses tipos apenas parte dos sócios tem
sua responsabilidade limitada; somente a eles é dada a concessão da limitação
do risco.
No início do século XVII, a construção das sociedades anônimas responde
à necessidade da mobilização de grandes capitais e da responsabilidade limitada de
todos aqueles que aportam recursos ao empreendimento, para que se viabilizasse
a exploração do Novo Mundo. Assim, uma das principais características das
sociedades anônimas, encontrada nas Companhias das Índias, vai ao encontro
das necessidades econômicas daquela época: Quanto à responsabilidade, ela
é plenamente limitada, nenhum acionista respondendo pelas dívidas sociais,
mas apenas pelo valor das ações subscritas, ou seja, do numerário aportado
ao empreendimento.
No século XIX, com o nascimento e a afirmação das companhias ferro-
viárias – que em pouco tempo conquistaram reputação de segurança e ren-
dimento –, as sociedades anônimas tornam-se mais comuns, prestando-se à
mobilização de capitais para o desenvolvimento industrial.24
No quadro brasileiro, o Código de 1850 previa apenas um tipo de socie-
dade em que todos os sócios eximiam-se da responsabilidade pelas obrigações
sociais: a sociedade anônima, que exigia autorização governamental para
funcionamento. De resto, sempre ao menos uma parte dos sócios tinha seu
patrimônio garantindo as dívidas sociais. Nas sociedades em comandita, os
comanditados, pessoas físicas, eram responsáveis solidária e ilimitadamente;
somente os comanditários permaneciam obrigados pelo valor de suas quotas.
Nas sociedades em nome coletivo, todos os sócios eram ilimitadamente res-
ponsáveis. Nas sociedades em conta de participação, os sócios ostensivos são
responsáveis perante terceiros pelas obrigações sociais.
As sociedades limitadas, criadas no início do século XX, vieram a permitir
que empreendimentos de menor porte gozassem do privilégio da total limitação
dos riscos pelos partícipes. Assim, dispunha o art. 2.º do Decreto 3.708, de 1919,
seus sócios, com apoio na lição de Waldemar Ferreira: RE 17.376, rel. Min. Anibal
Freire. Voto divergente de Macedo Ludolf.
33. No resumo de Priscila Maria Corrêa da Fonseca: “o certo é que a jurisprudência
criou uma nova forma de afastamento do sócio da sociedade, à qual impropriamente
denominou também de dissolução parcial. Consiste esta no decreto de retirada do
sócio que requereu a dissolução total, porquanto se entende que a vontade unilateral
do sócio não deva prevalecer sobre a utilidade social e econômica representada pela
empresa. Todavia, neste caso, como ao sócio assiste o direito de pleitear a dissolução
total da sociedade, permite-se que este saia da sociedade recebendo os respectivos
haveres calculados do mesmo modo como sucederia na hipótese de acolhimento do
pedido de dissolução total” [Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio, 66].
34. Afirmou o Supremo Tribunal Federal em histórico julgado: “Não se afigura razoável,
porém, que em virtude da vontade de um dos sócios, seja decretada a dissolução de
empresa que se encontra em pleno fastígio, cumprindo seus objetivos, produzindo
riquezas e contribuindo para o desenvolvimento da economia interna. Seria odioso
reduzir à inatividade de uma sociedade como essa, só porque um dos sócios, embora
em razão de desentendimentos sérios e ponderáveis, não mais deseja continuar no
grupo” [RE 89.464/SP, rel. para o acórdão Min. Décio Miranda, j. 12.12.1978].
35. RE 9.929, j. 04.01.1946.
|
190 CONTRATOS EMPRESARIAIS
36. Sobre a doutrina que atesta a impossibilidade de alteração do contrato social pela
maioria, cf. Sylvio Marcondes, Ensaio sobre a sociedade de responsabilidade limitada,
156.
37. Apelação Cível 177.979, do antigo Tribunal de Alçada de São Paulo, parcialmente
transcrita no RE 89.464/SP, de 1978, reproduzido na RDM 49 [1983], 88-100.
38. A preservação da sociedade comercial pela exclusão do sócio, 41.
39. Superior Tribunal de Justiça, REsp 26.950-0/DF, Rel. Min. Torreão Braz, j. 08.11.1993.
Paradigmática foi a decisão proferida no RE 76.710, j. 11.12.1973, tendo sido Rodri-
gues Alckmin relator para o acórdão. Naquela ocasião, decidiu o Supremo Tribunal
Federal que, mesmo sem previsão contratual expressa, era possível a alteração do
contrato social pela maioria dos sócios, registrando-se documento do qual não
constava a assinatura do dissidente. Vencido o Min. Aliomar Baleeiro, para quem,
“se o contrato inicial não previu expressamente que podia ser alterado pela maioria
de votos do capital social, não era lícito aos sócios intentá-lo ante a discrepância de
um sócio divergente”. A análise desse acórdão é importante ainda para a compreen
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS | 191
Firmam-se as seguintes linhas condutoras da disciplina das sociedades
limitadas: 40-41
[i] é possível governá-las conforme os desígnios da maioria do capital, sem
que paire sobre a empresa a ameaça de dissolução total;42 e
se conciliam os dois interêsses: o do sócio, que não fica durante tôda sua vida ligado
à sociedade, e o desta, que não desaparece por vontade da minoria. Se a maioria não
deseja o desaparecimento da sociedade, mais razoável é que ela não desapareça” [A
sociedade por cota de responsabilidade limitada, v. II, 36-7].
43. O voto dos acionistas não está previsto no estatuto da Companhia das Índias Ociden-
tais, de forma que esta não é uma sua característica essencial [conforme transcrição
de Joannes de Laet, Historia ou annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias
Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636, 7 a 16]. Quanto à East India
Company, noticia Galgano que o voto era proferido por cabeça e não pelas quotas
do capital [La forza del numero e la legge della ragione, 105].
44. Transcrito por Conselheiro Orlando, Codigo Commercial do Imperio do Brazil, 1.039
e ss.
45. Sociedade por ações, v. II, 54.
46. Ao comentar o art. 80 do Dec.-lei 2.627, idêntico ao art. 110 da atual Lei 6.404, de
1976, afirma Modesto Carvalhosa: “[c]onstituiu o preceito inovação, na época, na
medida em que, seguindo as legislações modernas de então, conferiu a cada ação
ordinária um voto, assegurando dessa forma à minoria o exercício de seus direitos de
participação nas deliberações coletivas da companhia”. Antes, afirma ainda Carva-
lhosa, “ao vincular a lei o direito de voto aos lotes de ações possuídos, consagrava o
domínio oligárquico da sociedade anônima, na qual somente os grandes detentores
do capital poderiam votar” [Comentários à lei de sociedades anônimas, v. IV, 59].
47. A Lei 6.404, de 1976, previu a possibilidade da emissão de ações preferenciais que,
embora em princípio privadas de poder político, teriam vantagens econômicas
compensadoras dessa ausência de voz decisiva [cf. art. 17 da Lei 6.404, de 1976].
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS | 193
Concluindo: atualmente, entre nós, a questão da governança das socie-
dades comerciais não gera maiores questionamentos. Tanto nas sociedades
anônimas, quanto nas limitadas, após longo período de evolução, a disciplina do
poder decisório encontra-se consolidada, estando prevista e detalhada no Código
Civil [sociedades limitadas] ou na Lei 6.404, de 1976 [sociedades anônimas].
Os tipos societários oferecem, com razoável grau de segurança48 e de previsibili-
dade jurídicas, solução para a questão da distribuição do poder entre os sócios.
48. Nem sempre foi assim. Em 1956, Egberto Lacerda Teixeira clamava por maior
segurança em relação às sociedades por quotas de responsabilidade limitada: “É
necessário libertar as sociedades por quotas da incerteza doutrinária e legislativa em
que ela vive, a oscilar, perigosamente, entre a rigidez constrangedora das sociedades
solidárias do Código Comercial e a flexibilidade insinuante, porém nem sempre
adequada, das sociedades anônimas” [Nota explicativa à obra Das sociedades por
quotas de responsabilidade limitada].
|
194 CONTRATOS EMPRESARIAIS
49. Isso porque, “[n]a cooperação também encontramos o antagonismo entre as pres-
tações e aspirações das partes” [Luiz Olavo Baptista, Negociação de contratos inter-
nacionais de cooperação, 549].
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS | 195
linha imaginária, teríamos, em um extremo, os contratos de intercâmbio e,
no outro, as sociedades. No entremeio, os mais variados tipos de contratos
híbridos, que conjugam o elemento de intercâmbio com o de colaboração.
Quanto mais próximo o contrato híbrido estiver daquele de intercâmbio, maior
o grau de independência das partes e menor a colaboração entre elas. Ao nos
deslocamos paulatinamente na direção das sociedades, maior será o grau de
estabilidade do vínculo e da colaboração.50
63. No original: “We usually observe cooperative behavior when individuals repeatedly
interact, when they have a great deal of information about each other, and when
small numbers characterize the group” [Institutions, institutional change and economic
performance, 12].
64. Comparative economic organization – The analysis of discrete structural alternatives,
119.
65. Transaction-cost economics: the governance of contractual relations, 235.
|
200 CONTRATOS EMPRESARIAIS
66. Robson Antonio Grassi, Williamson e “formas híbridas”: uma proposta de redefinição
do debate, 46.
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS | 201
lado, apresentam-se como alternativa mais maleável do que a hierárquica,
propiciando ao agente econômico a oportunidade de valer-se rapidamente das
oportunidades que surgem no mercado. O grau de autonomia das partes nas
formas híbridas é mais acentuado do que nos modelos hierárquicos, porém
inferior ao da solução de mercado.67
Na súmula de Williamson: os híbridos encontram-se entre a solução de
mercado e a hierárquica no que diz respeito aos incentivos, adaptabilidade e
custos burocráticos.68-69
71. “[H]armonizing interests that would otherwise give way to antagonistic subgoal
pursuits appears to be an important governance function” [Williamson, Transaction-
-cost economics: the governance of contractual relations, 239].
72. Williamson, Comparative economic organization, 119.
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS | 203
Uma alternativa que poderia ser apresentada para o impasse seria a dis-
ciplina contratual das contingências, estabelecendo-se de antemão a decisão
que ambas as partes estariam obrigadas a aceitar.
No entanto, a eficácia desse mecanismo é limitada, pois, em sua maioria,
os contratos de colaboração são naturalmente incompletos. É do que passamos
a tratar.
73. “No one could conceivably foresee every eventuality in such a complex environment.
Moreover, no human language could possibly be both rich enough and precise enough
to describe all the eventualities, even if they could be foreseen” [Milgrom e Roberts,
Economics, organization and management, 129].
74. “All complex contracts are unavoidably incomplete” [Williamson, The mechanisms
of governance, 377].
75. Milgrom e Roberts, Economics, organization and management, 131.
|
204 CONTRATOS EMPRESARIAIS
76. Esses fatores são indicados por Massimiliano Granieri, Il tempo e il contratto, 233-4.
77. “[N]on esiste nessuna norma relativa alla soluzione del frequente problema derivato
dai c.d. inadempimenti reciproci: manca uma specifica norma di carattere generale”
[Verdera Server, Inadempimento e risoluzione del contratto, 371].
78. O Supremo Tribunal Federal assim decidiu: “Rescisão de contrato. Contrato bila-
teral. Obrigações recíprocas. Inadimplência [art. 1.092] do CC. Compensação de
culpas. 1. A imputação de inadimplência à contraparte não dispensa da exigência do
cumprimento de sua obrigação a quem visa competir o cumprimento da obrigação
simultânea e recíproca, conforme o art. 1.092 do CC. 2. Evidenciada a reciprocidade
das culpas, na condução do contrato, uma parte não pode tirar vantagem contra a
outra, importando em razão da compensação de culpa, rescindir o contrato, restabe-
lecendo o status quo ante”. Neste caso apreciado pelo STF, o construtor não entregou
a obra no prazo combinado. Não obstante, declarou o proprietário que, “por mera
liberalidade”, considerava a obrigação cumprida e marcava prazo para o recebimento
e pagamento. Essa declaração foi tomada pelo STF como responsável pela conduta
faltosa da contraparte, nos seguintes termos: “Se tal declaração pode ser responsa-
bilizada, de certo modo, pela conduta faltosa da contraparte no cumprimento de
sua obrigação contratual, não a eximiria, entretanto, de fazê-lo devidamente. Tenho,
portanto, diante dos fatos, que ambas as partes contribuíram com o seu comporta-
mento para a inadimplência que o Recorrente imputa ao Recorrido, não sendo justo
nem jurídico que uma das partes se beneficie da culpa de que partilha e para a qual
contribuiu. Assim, dou provimento ao recurso para julgar procedente, em parte, a
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS | 205
A doutrina tradicional oferece solução apenas para o inadimplemento
singular: a parte que não cumpriu sua obrigação não pode pleitear o adimple-
mento da do outro [cf. art. 476 do Código Civil].
Atualmente, a resposta ao importante problema do inadimplemento re-
cíproco deve ser buscada nos vértices gerais do sistema de direito comercial,
tais como:
[a] vedação do enriquecimento sem causa;
[b] respeito à boa-fé objetiva;
[c] proteção da legítima expectativa da outra parte;
[d] usos e costumes;
[e] vedação de aproveitamento da própria torpeza, de modo que nenhuma
das partes pode tirar benefícios de sua culpa.79
Ou seja, a solução dos problemas concretos baseia-se no recurso às cláu-
sulas gerais, com a imprevisibilidade a elas inerente.
81. Cf. O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português. Na esteira das lições
de Clóvis do Couto e Silva, destaca-se toda uma geração de juristas gaúchos
hoje capitaneada por Judith Martins-Costa. Em especial, sobre o tema do “adim-
plemento substancial”, vale referir Anelise Becker, cujo artigo “A doutrina do
adimplemento substancial no Direito brasileiro e em perspectiva comparativis-
ta” tem servido de referência aos julgadores. Destaque-se a seguinte passagem
desse trabalho: “O direito de resolução é um direito formativo extintivo. Seu
fundamento está na distribuição da relação de reciprocidade, no rompimento do
equilíbrio contratual, que faz com que as partes de um contrato oneroso não mais
possam lograr o fim econômico-social por elas visado. O inadimplemento ou o
adimplemento inútil são causas de desequilíbrio porque privam uma das partes da
contraprestação a que tem direito. Por isso se lhe concede o direito de resolução,
como medida preventiva. Mas, para que haja efetivamente um desequilíbrio, algo
que pese na reciprocidade das prestações, é necessário que tal inadimplemento
seja significativo a ponto de privar substancialmente o credor da prestação a que
teria direito – não se pode tratar, portanto, simplesmente de falha secundária,
sem reflexo na economia contratual. No caso de adimplemento substancial, há
um adimplemento bom o suficiente para satisfazer o interesse do credor, pelo que,
não há comprometimento da comutatividade. Haverá, isto sim, com a resolução.
Eventuais diferenças serão remediadas através de indenização. Não há falar-se,
portanto, em resolução, tampouco em exceção de contrato não cumprido, eis que,
nestas circunstâncias, carecem de fundamento” [65].
82. Voto proferido no REsp 272.739/MG, julgado em 1.º.05.2001 pela 4.ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar.
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS | 207
Cumpre dar especial relevo a essa última observação do autor: a denún-
cia contratual por questões marginais anda contra a boa-fé, de forma que há
de ser afastada a solução tradicional no caso do chamado “adimplemento
suficiente”, ou seja, em que o interesse do credor resta em grande parte
satisfeito, apesar de o cumprimento da obrigação ter-se dado de maneira
parcial, e não total.
Assim como tem ocorrido na ciência econômica, nos próximos anos os
estudiosos do direito deverão debruçar-se sobre os contratos de colaboração,
aperfeiçoando a dogmática para dotar esses negócios de maior grau de se-
gurança e de previsibilidade. Para tanto, é preciso reconhecer que contratos
complexos são naturalmente incompletos; seu tratamento jurídico há de
ser feito de maneira a azeitar o fluxo de relações econômicas no mercado. O
contrato de colaboração, acima de tudo, é uma estrutura econômica e jurídica
capaz de gerar riquezas.
7
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS
Mercado, causa e função econômica dos negócios.
Racionalidade econômica x Racionalidade jurídica
ocorrentes ou silenciosa. Por conseguinte, não” teria “lugar sempre que a lei,
em relação aos fatos sujeitos ao seu domínio, é clara e precisa”.
Na súmula de Gaudemet sobre a Escola Exegética: “toute solution juridique
doit se tirer d’un texte du Code, soit directement, soit par déduction, soit par
induction; [...] tout problème de droit se réduit à la recherche de la volonté,
expresse ou présumée, du législateur”.3
Gerações influenciadas por Paula Baptista, ainda que o neguem formalmen-
te, ou façam-no inconscientemente,4 seguem reproduzindo as seguintes máximas:
– a interpretação deve limitar-se aos “casos acidentais de obscuridade nas
leis”. A doutrina que nega esse pressuposto possui natureza “vaga e absoluta”,
que “pode fascinar o intérprete, de modo a fazê-lo sair dos limites da interpre-
tação para entrar no domínio da formação do direito”;
– o primeiro dos meios de interpretação é o exame da construção do texto
segundo as regras da ortografia, da sintaxe, e “do mais que respeita à pureza
da linguagem”. Após, “[d]eve-se também recorrer aos diversos sentidos das
palavras, o gramatical, jurídico, usual, absoluto ou relativo, exemplificativo
ou taxativo, simplesmente enunciativo ou dispositivo etc., conforme o caso
exigir, e sempre com o cuidado de dar às palavras a significação que tinham ao
tempo em que a lei foi feita. Conseguindo-se, assim, ligar ao texto seu verda-
deiro sentido, já não é lícito aventurar-se a outros meios, salvo se servirem de
corroborar este mesmo sentido, redobrando sua força e autoridade”;
– “[e]m nenhum caso [...] é permitido negar execução ou alterar o sentido
de uma lei clara por ser a sua letra rigorosa, dura e desarrazoada, e não se lhe
pode atribuir um motivo justo e razoável, porquanto a ignorância dos verda-
deiros motivos da lei não fá-la decair de sua força e autoridade, e por muito
que o intérprete presuma de si, deverá convencer-se de que, neste caso, a falta
é antes sua do que do legislador”;5
– “[f]ica subentendido que, quando a disposição da lei é clara é ilimitada,
se não devem fazer distinções arbitrárias, que enervem o seu sentido, e des-
truam a sua generalidade”.6
3. Eugène Gaudemet, L’interpretation du Code civil en France depuis 1804, 51. Vale, tam-
bém, considerar o resumo de Fernand Mallieux sobre a doutrina de Laurent [L’exégèse
des codes et la nature du raisonnement juridique, 13 e ss.].
4. Em 1983, Alfredo Buzaid afirmava que o compêndio de Paula Baptista “conserva
palpitante atualidade, podendo ser lido e consultado, com real proveito, por juristas,
professores, juízes, advogados e membros do Ministério Público” [Apresentação, in
Francisco de Paula Baptista, Compêndio de hermenêutica jurídica].
5. Paula Baptista, Compêndio de hermenêutica jurídica, 37.
6. Paula Baptista, Compêndio de hermenêutica jurídica, 39.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 211
Compõe ainda esse cenário – cujo principal apanágio é o ostracismo da
atividade interpretativa – o fato de apenas recentemente termos nos dado conta
de que o regramento jurídico talhado para contratos de intercâmbio [i.e., cujo
escopo é estabelecer prestação e contraprestação destinadas a exaurir-se no
momento do adimplemento] não basta à disciplina dos contratos de longa
duração, cujo foco é o estabelecimento de uma relação duradoura entre as
partes, e não somente uma troca imediata.
As discussões jurídicas sobre negócios mercantis e sua interpretação
gravitam quase que exclusivamente7 em torno dos problemas derivados dos
contratos em que o lucro de uma parte significa o prejuízo da outra [“meu lucro
é o seu prejuízo”],8 tais como as operações de compra e venda.
Mesmo no estrangeiro, não são muitos os trabalhos sobre a interpreta-
ção dos contratos empresariais. Nos países de tradição anglo-saxã, o apego
ao texto do instrumento constitui forte impulso na exegese dos acordos. Os
estudos sobre economia comportamental e economia institucional, desenvol-
vidos naqueles países, parecem ainda não ter impactado satisfatoriamente a
interpretação contratual. Até observações sobre a psicologia das decisões têm
chamado mais a atenção do que os mecanismos jurídicos de interpretação.9
Já se disse que, no mundo do Direito, “não há uma única interpretação
correta”.10 Todavia, reconhecer que, para cada caso concreto, há uma pluralida-
7. Como sempre, a genialidade de Ascarelli faz dele exceção. A análise de suas pon-
derações sobre os contratos plurilaterais é indispensável [O contrato plurilateral,
Problemas das sociedades anônimas e direito comparado].
8. Na expressão de Jhering, resgatada por Eros Roberto Grau.
9. Como exemplo, v. de Edna Sussman, Arbitrator decision making: unconscious phi-
chological influences and what you can do about them.
10. Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito,
102. Kelsen critica a visão tradicional de que haveria apenas uma interpretação
correta em cada caso concreto. Há, na verdade, uma “moldura” estabelecida pelo
texto normativo que permite, em seu seio, interpretações em várias direções. “O
Direito […] forma […] uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades
de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste
quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível. […]
Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma
única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que
[…] têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do
órgão aplicador do Direito. […] A teoria usual da interpretação quer fazer crer que a
lei, aplicada ao caso concreto, poderia fornecer, em todas as hipóteses, apenas uma
única solução correta [ajustada], e que a ‘justeza’ [correção] jurídico-positiva desta
decisão é fundada na própria lei. Configura o processo desta interpretação como se
se tratasse tão somente de um ato intelectual de clarificação e de compreensão, como
|
212 CONTRATOS EMPRESARIAIS
7.2 As regras que formatam a atuação das empresas nos contratos. Re-
gras endógenas e exógenas. Prática de mercado e interpretação dos
contratos empresariais
O substrato do sistema de direito comercial é composto por dois tipos
de normas, que acabam desaguando na disciplina da atuação das empresas:
[i] aquelas originadas dos próprios comerciantes em sua prática e que
viabilizam a fluência de relações no mercado, sob a mesma força motriz do
nascimento do direito comercial, da nova lex mercatoria11 e dos usos e costumes
comerciais;
se o órgão aplicador do Direito apenas tivesse que pôr em ação o seu entendimento
[razão], mas não a sua vontade, e como se, através de uma pura atividade de inte-
lecção, pudesse realizar-se, entre as possibilidades que se apresentam, uma escolha
que correspondesse ao Direito positive, uma escolha correta [justa] no sentido do
Direito positivo” [Teoria pura do direito, 366-367].
11. Ensina José Alexandre Tavares Guerreiro: “somente na corporação medieval se
vislumbrou um centro de irradiação normativa, autônomo em relação ao Estado e
capaz, por isso mesmo, de diferenciar um setor de atividade nitidamente profissional,
vocacionado a atuar acima das limitações políticas, em plano caracteristicamente
inter ou supranacional” [Fundamentos da arbitragem do comércio internacional, 89].
Interessante a crítica de Hermes Marcelo Huck sobre os limites da lex mercatoria, que
nos faz perceber a força das regras originadas dos Estados sobre aquelas talhadas
pelos comerciantes: “As regras do comércio internacional encontram-se sempre
vinculadas a um direito nacional. Paralelamente a essa vinculação, deve haver uma
aceitação dos princípios desse conjunto de regras pelos próprios direitos nacionais,
pois, caso contrário, a ordem pública soberana de cada Estado há de barrar a aplica-
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 213
[ii] aquelas nascidas de autoridades exógenas aos comerciantes que devem
introduzir no jogo jurídico a proteção de interesses outros que não apenas
aqueles dos mercadores.12-13
A dicotomia que acabamos de destacar é historicamente comprovada.14 Em
sua origem, o direito comercial emerge, por volta do século XII, da necessidade
prática dos mercadores, para quem o direito romano [que então estava sendo
redescoberto] não bastava para [i] atribuir um maior grau de segurança e de
previsibilidade às relações comerciais e [ii] proteger a celeridade e outras carac-
terísticas peculiares da vida mercantil. Mas, ao mesmo tempo em que os comer-
ciantes gravavam suas normas conforme suas aspirações, as comunas procuravam
disciplinar as atividades dos mercadores [e das corporações de ofício] para o
resguardo de interesses diversos.15 Os exemplos de regras buscando proteção
para os consumidores grassam e podem ser pinçadas dos autores especializados.
Citemos a vedação do açambarcamento de mercadorias em Florença, punindo
com multas os acordos monopolísticos, e a Ordenança de Messina de Ricardo
e Felipe Augusto, no ano de 1190, assegurando que os membros das Cruzadas
tivessem pão a um preço não excessivo. Sapori relata várias normas que seriam
destinadas ao amparo do consumidor, impostas pela comuna; em Florença, um
fiscal, ao fim do dia, cortava a cauda de todos os peixes que haviam sido postos
à venda, para que o comprador, no dia seguinte, soubesse que o produto não era
fresco. Empregava-se mecanismo das feiras para evitar abusos de preços por parte
dos comerciantes, principalmente de gêneros de primeira necessidade, com a
ção direta ou indireta desse mesmo conjunto de princípios perante o referido direito
nacional” [Sentença estrangeira e lex mercatoria. Horizontes e fronteiras do comércio
internacional, 118].
12. Sobre a tensão existente entre o regramento das corporações e das cidades, v. Calasso,
Gli ordinamenti giuridici del rinascimento medievale, 143 e ss.
13. Mais recentemente, os estudos de Schioppa iluminam os limites de autorregulação
dos estatutos das corporações. Saggi di storia del diritto commerciale, 29.
14. A propósito, Grossi: “Se è vero che il diritto trova oggi ‘normalmente’ nel legislatore
e nella pubblica amministrazione i suoi abituali produttori è pur vero [ed è oggi
acquisizione indiscussa] che la produzione del diritto è privilegio esistenziale di
ogni agglomerazione sociale che intenda vivere appieno la propria libertà nella
storia: dalla struttura maestosa e mostruosa dello Stato a quella di una comunità
spazialmente e temporalmente esile si ha il miracolo di quello specifico sociale che
è il diritto ogni qual volta la societas si organizza autoordinandosi e unisca al fatto
materiale della organizazzione la diffusa coscienza del valore primario ed autonomo
dell’ordinamento posto in essere” [L’ordine giuridico medievale, 19].
15. O que não impediu que, em muitas cidades, as corporações de ofício amalgamassem-
-se com o poder político, influenciando-o.
|
214 CONTRATOS EMPRESARIAIS
affidare all’esame del legislatore civile una simile materia che è in continua evoluzio-
ne” [L’autonomia del diritto commerciale e i progetti di riforma, 573].
31. Fábio Konder Comparato, Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, 246.
32. V. a sempre atual lição de Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito,
379 e ss.
33. Alcides Tomasetti Jr., Abuso de poder econômico e abuso de poder contratual, 92.
34. Curso de direito civil, vol. 1, 484.
35. Um dos mais clássicos estudos, sempre mencionado, é o trabalho de Bonfante, publi-
cado na Rivista di Diritto Commerciale, 1.ª parte, de 1908, 115, intitulado Il contratto e
|
218 CONTRATOS EMPRESARIAIS
la causa del contrato, em que sustenta que a causa é o motivo mais próximo, elevado
a “motivo giuridico”. Imperiosa a referência ao clássico estudo de Joseph Timbal, De
la cause dans les contrats et les obligations en droit romain et en droit français. Etude
critique, de 1.882. Mais recentemente, em 2006, Jacques Guestin publicou Cause de
l’engagement et validitè du contrat, que tem encontrado grande repercussão.
36. Tratado de direito privado, t. III, 101.
37. Curso de direito civil, vol. 1, 482.
38. Introdução ao direito civil, 329.
39. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 121.
40. Causa e contratto: profili attuali, 267. Sobre a inadequação dessa “drástica contra-
posição”, Bessone e Roppo, Rischio contrattuale ed autonomia privata, 21 e ss.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 219
tornando objetivos os motivos juridicamente relevantes]. O motivo acaba relacio-
nando-se intrinsecamente à causa [= função econômica]41 da avença, estudada
no capítulo quinto. Por isso, muitos italianos modernos têm se voltado contra o
dogma da separação entre causa e motivo. E alguma razão parece lhes assistir.42
Toda construção teórica apoiada na causa do negócio tem origem na
doutrina civilista. O principal problema enfrentado diz respeito à inclusão
da causa entre os requisitos essenciais do negócio, em especial do contrato. Por
exemplo, o Código Civil de 1916 dispunha, em seu art. 90, que “só vicia o
ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob forma de
condição”. Hoje, o art. 140 do novo Código dispõe que o “falso motivo só vicia
a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”. E, mais
adiante, no art. 166, III, fulminará com a nulidade o negócio jurídico em que
“o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito”.
Orlando Gomes nos conduz pelo resumo de disputa entre teóricos de es-
col: tratando da teoria da causa, podemos identificar duas escolas principais:
causalistas e não causalistas. Estes não atribuem à causa o papel de requisito
essencial do negócio jurídico, porque “não pode ser requisito essencial do negócio
um elemento que está fora de seu conteúdo”. Os causalistas apartam-se entre
os adeptos da teoria subjetiva da causa e da teoria objetiva. A causa subjetiva
seria a “razão determinante da vontade de contratar”. Os objetivistas lidam
com a significação social do negócio e sua função. A causa é liberada do seu viés
psicológico, nada tendo a ver com a motivação subjetiva. Nessa última linha,
temos autores como Scognamiglio, Betti e Scialoja. Por todos os brasileiros, a
obra de Torquato Castro.
Alguns criticam os causalistas, argumentando que confundiram a causa
com o conteúdo do negócio. Orlando Gomes rebate essa alegação, apondo
41. Alguns autores preferem referir à causa enquanto fundamento econômico do contrato
e não como função econômica.
42. Para Alpa e Bessone: “di regola i motivi sono irrilevanti” por questões de certeza e
segurança jurídicas. Mas, os mesmos autores logo advertem que a distinção entre
causa e motivo não é tão simples. Devem-se considerar os motivos como “circuns-
tâncias objetivas” e não como razões psicológicas internas e a causa como escopo
da manifestação da vontade. Esvaem-se, assim, os limites entre a causa e o motivo.
O motivo passa a ser definido como “circunstância objetiva externa” que influencia a
repartição dos riscos contratuais e torna-se um instrumento para adequar o resultado do
negócio às legítimas expectativas das partes. Temos, então, uma revaloração do motivo e
desmentimos o dogma da sua irrelevância [Elementi di diritto privato, 269-272]. Essa
linha parece ter sido seguida pelo art. 166, III, do Código Civil de 2002, quando
refere-se ao “motivo comum” das partes.
|
220 CONTRATOS EMPRESARIAIS
Nesta altura da nossa exposição, estamos aptos a perceber que, hoje, quan-
do referimos à motivação [intento] do agente [relacionada à racionalidade de
sua conduta e à objetivação do mercado] e à causa do negócio, abandonamos
o caráter subjetivo de sua intenção. Não é mais possível, no campo das relações
econômicas, definir o motivo do negócio como “a razão contingente subjetiva
e, por isso mesmo, variável de indivíduo a indivíduo, que leva a pessoa a cele-
brar um contrato”.53 Estamos tratando, no mínimo, da “intenção comum” das
partes, a que se refere Pothier54 ou, valendo-nos das lições de Scognamiglio, da
“justificação objetiva do ato de autonomia privada em contraposição às razões
subjetivas que o motivaram”.55 Inocêncio Galvão Telles refere-se a “motivo
típico”, ou seja, “despojado de quaisquer particularidades ou contingências
individuais, comum a todos os que celebram um negócio jurídico de determina-
da espécie”.56 Esse o “espírito”, a “natureza do contrato”, referido pelo art. 131
do revogado Código Comercial, que continua como pauta de interpretação
das avenças empresariais.
Torquato Castro, professor catedrático de Direito Civil da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Pernambuco, em 1966, elucidava:
“Há, pois, um ponto comum às vontades das partes, no contrato, ponto êsse
que se situa além da perspectiva fracionária das obrigações consideradas
isoladamente; além da mera consideração das prestações contratuais ou
das atribuições patrimoniais que a parte realiza através dele.”57
a causa da obrigação não se confunde com a causa do contrato. A primeira pode até ser
individual, mas aquela relevante para o direito é a segunda, quando teremos o encontro
das declarações de vontade. O ponto de harmonia das vontades em busca de um objetivo
comum é a causa, a função prática, econômica, que o contrato tende a realizar.
58. Calasso, Il negozio giuridico, 106.
59. Nas palavras de Betti: “L’elemento di novità che l’autonomia privata mira ad intro-
durre nella situazione preesistente, esige una giustificazione oggettiva. Per rendersi
conto di tale giustificazione, bisogna passare dalla considerazione statica del negozio
alla considerazione dinamica dell’autonomia privata che esso trova lo strumento
adeguato ai propri fini. E in tale indagine ocorre portare, apecie nell’ambiente della
società moderna, un grado di sensibilità sociale, del quale il vecchio individualismo
dei giuristi non aveva sentore. Solo così, esaminata la struttura – forma e contenuto
[il come e il che cosa] – del negozio, può riuscire fruttoso indagare la funzione [il
perchè]. Tale funzione, che non termine tecnico legittimato dalla tradizione si de-
nomina ‘causa’, ossia la ragione del negozio, si ricollega logicamente a quello che del
negozio è il contenuto senza tuttavia identificarsi con esso. Contenuto del negozio
è – come si è detto – non già una ‘volontà’ qualunque, vuota e incolore espressione
del capriccio individuale, ma un precetto dell’autonomia privata, con cui le parti
provvedono a regolare propri interessi nei rapporti fra loro o con terzi, in vista di scopi
pratici di carattere tipico, socialmente valutabili per la loro costanza e normalità ricor-
rente nella vita di relazione. [...] In ogni negozio, analizzato nel suo contenuto, si può
distinguere logicamente un regolamento d’interessi nei rapporti privati e, concretata
in esso [...] una ragione pratica tipica ad esso immanente, una ‘causa’, un interesse
sociale oggettivo e socialmente controllabile, cui esso deve rispondere. Causa, ben
s’intende, non già in senso fenomenologico, ma teologico e deontologico, attinente
all’esigenza di socialità che presiede alla funzione ordinatrice del diritto” [Teoria
generale del negozio giuridico, 170-171].
60. Maria Helena Brito acentua que a tipicidade social do contrato “supõe a consciência
de que os tipos assim criados venham a adquirir validade geral e justifica-se pela
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224 CONTRATOS EMPRESARIAIS
que o direito desempenha, a causa deve ser entendida como objetiva, porque
reflexa de um padrão de constância e normalidade. Quando um agente celebra
com outro uma compra, busca o efeito [socialmente típico] de adquirir a pro-
priedade do bem, mediante o pagamento de uma soma; a função econômica
do contrato é delimitada e deve ser caracterizada pelos efeitos típicos que dele
costumam emanar. Eis a causa, a “spinta” do negócio. Um dos aspectos mais
interessantes dessa noção de Betti é o papel fundamental desempenhado pela
causa contratual: a causa assume relevância porque socialmente típica, constante
e normal.
A moderna doutrina italiana empreendeu uma útil sistematização da noção
de causa. Guido Alpa, em estudo intitulado Causa e contratto: profili attuali, após
reflexão sobre o direito comparado e italiano, explica novamente a distinção,
igualmente cara aos franceses, entre causa subjetiva e causa objetiva. A causa
é, ao mesmo tempo, “ragione giustificativa dell’atto, funzione economica del
negozio, intento pratico delle parti”.61 Essa visão, ao contrário do que poderia
parecer, implica dualismo e não “unidade conceitual constitutiva da intenção
De uma forma mais contemporânea, Natalino Irti traz lição para esclarecer
essa intrincada questão: como podemos utilizar a função econômica do negócio
como pauta para sua interpretação? A vantagem do estabelecimento da relação
entre função econômica e interpretação aparece clara: revestir a interpretação
contratual de juízo de coerência e previsibilidade [ou calculabilidade, como
quer Irti inspirado em Weber] que viabiliza e incrementa o funcionamento
do sistema.
Para Irti, o mercado é uma ordem. Ordem no sentido de regularidade e
previsibilidade de agir: quem entra no mercado tem consciência de que o seu
agir [e também o agir do outro] é governado por regras e, nessa medida, os
comportamentos são previsíveis. A regularidade, a reiteração de certos comporta-
mentos, permite um cálculo sobre o futuro. “[Q]uel ‘prevedere’ o vedere prima,
onde un soggetto confida nell’agire altrui”. A ordem diz respeito não apenas
ao passado, mas ao futuro. Os comportamentos, ao se repetirem conforme
uma regra, assumem caráter de tipicidade e de uniformidade. A forma de uma
ordem é dada por conteúdos típicos, razoavelmente previsíveis e calculáveis
pelas partes.
Mas a regularidade – a mesma regularidade que constitui a ordem – implica
a superação da individualidade. As partes sabem que, estabelecido o vínculo
do acordo, as vontades devem orientar-se segundo um princípio geral, mais
forte e constante do que os mutáveis interesses individuais.63 Em outro texto,
Irti conclui que, nesse esquema, a liberdade [autonomia privada] é sacrifica-
da em prol da segurança, da previsibilidade [ou, literalmente, da “proteção
externa”].64 Há uma gama de negócios em que o sistema jurídico considera o
intento individual do agente, após ser rebatido no caráter impessoal e mecâ-
nico do mercado.
Ao contratar, uma parte tem a legítima expectativa de que a outra com-
portar-se-á de determinada forma. Isso faz com que ambos os agentes econô-
micos planejem sua jogada de acordo com esse padrão “de mercado”. Não se
pode permitir que seja dada ao contrato uma interpretação diversa daquela que
pressupõe o comportamento normalmente nele adotado. Isso levaria ao sacrifício
da segurança e da previsibilidade jurídicas.
De acordo com Max Weber, um dos significados e pressupostos do ca-
pitalismo moderno é a “calculable law”. A forma capitalista de organização
industrial – porque é racional – deve depender de processo decisório, decisões
de racionalidade, presume-se que “people learn to make good decisions and that
organizations adapt by experimentation and imitation, so that there is at least ‘fossil
evidence’ available for testing theories” [43, quando os autores colocam a opinião
de Richard Nelson e Sidney Winter]. Para o jurista, é ainda importante conhecer o
conceito de “bounded rationality” [racionalidade limitada], explicado por Willia-
mson: “This refers to behavior that is intendedly rational but only limitedly so; it is
a condition of limited cognitive competence to receive, store, retrieve, and process
information. All complex contracts are unavoidably incomplete because of bounds
on rationality” [The mechanisms of governance, 377]. Para a explicação jurídica em
língua portuguesa sobre racionalidade limitada, Calixto Salomão Filho, Condutas
tendentes à dominação dos mercados – Análise jurídica, 38 e ss.
72. “Most economic analysis consists of tracing out the consequences of assuming that
people are more or less rational in their social interactions. In the case of the activi-
ties that interest the law, these people may be criminals or prosecutors or parties to
accidents or taxpayers [...]” [Values and consequences: an introduction to economic
analysis of law. Disponível em: [http://www.law.uchicago.edu/files/files/53.Posner.
Values_0.pdf]. Último acesso em abril de 2015].
73. V. Becker, Altruism, egoism, and genetic fitness: economics and sociobiology, The
economic approach to human behavior, 282 e ss.
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230 CONTRATOS EMPRESARIAIS
cios que advirão de suas ações. É uma discussão em andamento, em que a visão
neoinstitucional lentamente é aceita por um maior número de economistas.
Outrossim, podemos dizer que, atualmente, para os economistas,
a racionalidade do agente econômico está ligada a um comportamento que
visa à “maximização do seu proveito [utility] ou do seu lucro [profit]”. A
concepção de “maximização do proveito ou do lucro”, não obstante os
acesos debates existentes, pode ser encontrada nos escritos da maioria dos
economistas.74-75-76
A racionalidade jurídica – que deve necessariamente informar a atividade de
interpretação contratual – é diversa da econômica, embora ambas tenham pontos
em comum e seja útil sua consideração recíproca. Para o sistema jurídico, a única
racionalidade do agente econômico que pode ser levada em conta é aquela que é
condicionada pelo direito; essa obrigatoriedade decorre da garantia de pressu-
postos do funcionamento do sistema. O direito não pode tomar como um dos
parâmetros de interpretação ou integração contratual uma racionalidade que não
o aceite, ou que faça tábula rasa de seus princípios orientadores.
Qualquer agente econômico “ativo e probo” considera o direito na plani-
ficação de suas jogadas, para plasmar a estratégia com que atuará no mercado.
A atuação do sujeito será moldada pelo sistema jurídico [porque ele será san-
cionado se infringir a “lei” e, consequentemente, os “princípios conformadores
do sistema”]. O direito não pode desprezar os elementos que ele mesmo coloca
como fundamentais; não seria funcional nem desejável que o ordenamento
deixasse de fazer caso de valores eleitos como primordiais para o seu funcio-
namento, acolhendo um modelo de racionalidade que repudia.
Em síntese: se o homem econômico, afirmava Knight no início do século
XX, é aquele que obedece às leis econômicas [“obeys economic laws”],77 devemos
dizer que o sujeito de direito é aquele que obedece às normas jurídicas [ou, pelo
menos, espera-se que o faça], dentro de uma racionalidade jurídica.
74. Segundo Becker, “now everyone more or less agrees that rational behavior simply
implies consistent maximization of a well-ordered function, such as a utility or profit
function” [The economic approach to human behavior, 153].
75. O resumo crítico das opiniões dos principais economistas sobre o conceito de efi-
ciência é feito por Jeanne L. Schroeder, Economic rationality in law and economics
scholarship.
76. Maria Rosaria Ferrarese chega a sustentar que o princípio da racionalidade econômica
é o deus ex machina e desempenha no mercado um papel análogo ao que a norma
fundamental tem no sistema kelseniano. Diritto e mercato, 104.
77. Ethics and economic interpretation, The ethics of competition and others essays, 35.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 231
A compreensão, sob a perspectiva jurídica, da racionalidade e do fun-
cionamento do mercado obriga o estudo das lições de Max Weber. A produ-
ção das normas ou dos textos normativos pode ser irracional, quando não
controlada pelo intelecto [por exemplo, aquelas normas ditadas por orácu-
los]. O processo racional é governado por regras gerais. Uma lei é racional
quando, tanto do ângulo material quanto do processual, considera apenas
os aspectos não ambíguos dos fatos78 [porque previamente selecionados e
previstos]. O pensamento jurídico racional é aquele governado por funda-
mentos racionais [ou por normas gerais] ou aquele que “não é mágico”. O
agir, então, é depurado desses elementos sobrenaturais e passa a ser baseado
em dados calculáveis.
Essa racionalidade, por sua vez, pode ser formal ou substantiva [material].
A primeira é portadora de uma dimensão extrínseca, ou seja, pode ser percebi-
da pelos sentidos: a aposição de uma assinatura, por exemplo. Desde a Idade
Média, sabe-se que quem examina um documento firmado pode supor que o
signatário conhecia o seu teor e com ele estava de acordo. A possibilidade de
pressuposição trazida pela racionalidade formal serve a um sistema que deve
garantir a segurança e a previsibilidade.
Ao mesmo tempo, a racionalidade possui dimensão lógica substantiva ou
material que se expressa pelo uso de conceitos abstratos, criados pelo pensa-
mento jurídico e concebidos como parte de um sistema completo; os aspectos
fáticos relevantes para o direito são selecionados mediante um processo de
análise lógica, conforme a previsão de regras gerais.79 A sistematização é possível
apenas porque nos valemos desse método abstrato de interpretação, dessa lógica
dos significados [i.e., a seleção e a racionalização conforme normas legalmente
válidas]. Generalização [= redução dos motivos relevantes da decisão a um ou
mais princípios] e sistematização [= coordenação de todos os princípios para
a formação de um sistema de regras logicamente claro, sem contradições ou
lacunas]80 integram a racionalidade jurídica.
A racionalidade [lógica e formal] típica de alguns sistemas jurídicos é
resultado dos seguintes fatores:81
[i] cada decisão tomada em determinado caso concreto é a aplicação de
uma regra abstrata a uma situação fática;
[ii] cada situação fática concreta terá uma solução conforme a lógica das
regras abstratas do direito positivo;
[iii] o direito positivo é um sistema sem falhas, apto a dar solução para
todos os casos concretos.
Explica José Alexandre Tavares Guerreiro que, no sistema weberiano,
assume extrema relevância a crença do agente na produção de certo resultado.
Por exemplo, acredita-se que o descumprimento de um contrato dará lugar a
um específico remédio; é esse acreditar na resposta do sistema para as ações
que lhe confere a possibilidade de garantir segurança e previsibilidade.
Eis os conceitos cardeais do pensamento weberiano que aproveitamos
para conscientemente contrapor a racionalidade econômica à racionalidade
jurídica: o sistema jurídico deve garantir segurança e previsibilidade; a raciona-
lidade [jurídica] formal e racionalidade [jurídica] material complementam-se
na busca desse propósito.
A racionalidade de Weber move o sistema jurídico, sendo, ao mesmo tempo,
seu pressuposto e seu resultado. Para Weber, a escolha do que receberá ou não
a chancela do direito, ou seja, do que terá ou não execução [validade], será
influenciada por diversos grupos de interesses, conforme a estrutura econô-
mica. Em uma economia em expansão, aqueles que têm “interesses de mercado”
constituem o grupo mais importante.82-83
A separação entre racionalidade econômica e racionalidade jurídica vai se
delineando de forma mais evidente: a economia lida com as possíveis escolhas
do agente econômico, dentro de uma ótica de maximização de seu provei-
to.84-85 “Mentir, enganar, trapacear são ações esperadas se forem do interesse do
seus benefícios com seus custos. O primeiro corresponde ao ganho imediato obtido
ao se aproveitar lacunas contratuais em benefício próprio, não coletivo. O segundo
corresponde ao valor presente dos benefícios conjuntos que seriam gerados no caso
de continuidade da relação de confiança entre as partes” [Competitividade: mercado,
Estado e organizações, 52].
85. Cf. Coase, The firm, the market and the law, 2-4. Paradigmáticas as seguintes passagens,
que incorporam críticas [ou, no mínimo sugestões] à análise econômica tradicional:
“The analysis is held together by the assumption that consumers maximize utility [...]
and by the assumption that producers have as their aim to maximize profit or net income.
The decisions of consumers and producers are brought into harmony by the theory of
exchange. The elaboration of the analysis should not hide from us its essential character:
it is an analysis of choice... This preoccupation of economists with the logic of choice,
while it may ultimately rejuvenate the study of law, political science, and sociology, has
nonetheless had, in my view, serious adverse effects on economics itself”.
86. Elizabeth Farina et alii, Competitividade: mercado, Estado e organizações, 78, expli-
cando o oportunismo.
87. Direito internacional do meio ambiente, 19-21.
88. Ele somente não derrubará a floresta a partir do momento em que, dentro da sua
lógica, esse comportamento não for maximizador de resultados [o que pode ocor-
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234 CONTRATOS EMPRESARIAIS
92. Direito posto e direito pressuposto, 41. No mesmo sentido, a lição de Max Weber, no
comentário de Anthony Kronman, Law and capitalism, 118.
93. V. relatório de Valerio Pescatore, Tullio Ascarelli e Luigi Mengoni, o della forma
giuridica e del contenuto economico, Diritto ed economia, 231.
94. Alguns economistas explicam esse fato lembrando que somos animais sociais e, com
isso, o reconhecimento que obtemos de nossos semelhantes pode ser incluído entre
nossas aspirações.
95. Microeconomics and behavior, 20.
96. Para Fábio Nusdeo: “Direito e economia devem ser vistos, pois, não tanto como duas
disciplinas apenas relacionadas, mas como um todo indiviso, uma espécie de verso e
reverso da mesma moeda, sendo difícil dizer-se até que ponto o Direito determina a
Economia, ou, pelo contrário, esta influi sobre aquele. Existe, isto sim, uma intrincada
|
236 CONTRATOS EMPRESARIAIS
1.
Bobbio, Teoria generale del diritto, 208.
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238 CONTRATOS EMPRESARIAIS
5.
Natalino Irti, Sul concetto giuridico di documento, 246.
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240 CONTRATOS EMPRESARIAIS
10. Não é o caso de recolocar o debate que, no passado, tanto ocupou a doutrina civilista,
dividida entre os defensores da prevalência da “intenção” e da “declaração” no mo-
mento interpretativo do negócio jurídico, e que será adiante referida. Para o direito
comercial, não importa a intenção individual de cada uma das empresas ao contratar,
mas sua intenção comum, objetivada pelo mercado.
11. O STJ, ao comentar o art. 112, deixou vincado que “o intérprete deve partir das
declarações externadas para alcançar, na medida do possível, a manifestação dese-
jada, sem conferir relevância, dessa forma, à vontade omitida na declaração” [REsp
1.013.976-SP, j. 17.05.2012, rel. Min. Luis Felipe Salomão].
12. Segue Natalino Irti: “Le parole usate delle parti, formano il texto dell´accordo: esse
tracciano l´orizzonte, entro cui rifluiscono i risultati di ogni altra indagine” [Testo e
contesto, 14].
13. Luigi Mengoni, Interpretazione del negozio e teoria del linguaggio [note sull´ arti-
colo 625 C.C.].
14. Há muito, advertiu Pontes de Miranda em citação que se tornou célebre, ao glosar o
art. 85, do Código Civil de 1916: “‘Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua
intenção que ao sentido literal da linguagem’. A regra jurídica de interpretação que se
edicta no art. 85 impõe que se veja, através do sentido literal, a intenção ou propósito
do manifestante da vontade. De modo nenhum se disse que o sentido literal é sem im-
portância, ou que se poderia buscar a intenção para se entender algo diferente do que
|
242 CONTRATOS EMPRESARIAIS
foi dito; apenas se explicitou que a intenção há de servir, ao lado, ou, até, afastando o
sentido literal, na interpretação da vontade manifestada. [...] Objeto da interpretação
não é a vontade interior, que o figurante teria podido manifestar, mas sim a manifestação
de vontade, no que ela revela da vontade verdadeira do manifestante. É preciso que o
querido esteja na manifestação; o que não foi manifestado não entra no mundo jurídico;
o simples propósito, que se não manifestou, não pode servir para a interpretação. A
vontade, ainda que buscada segundo o art. 85, há de estar dentro, não fora, nem, com
maioria de razão, contra o que se manifestou. A descida em profundidade é dentro das
raias do manifestado” [Tratado de direito privado, t. 3, 333-334].
15. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. 3, 334, a pretexto de comentar o
art. 85 do código antigo.
16. Guido Alpa, Interpretazione del contratto, 96.
17. “The meaning of the document is what the parties using those words against the
relevant background would reasonably have been understood to mean” [Catherine
Mitchell, Interpretation of contracts, 40].
18. Sobre as influências sofridas por Pothier, inclusive do direito romano, v. Menezes
Cordeiro, Da boa-fé no direito civil, p. 242 e ss. Também Guido Alpa, Interpretazione
del contratto, 1.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 243
língua portuguesa em 1.835 por Corrêa Telles – passando por Cairu,19 pelo
Código de Napoleão20 e desembocando no Código Comercial de 1850, espe-
cialmente em seus artigos 131 e 133.21 Obrigatória a referência à compilação
19. Há, aqui, evidente “corte” histórico, porque muito do art. 131 está no Digesto e nas
Ordenações, conforme o estudo do Conselheiro Orlando [Codigo commercial do
Imperio do Brazil, 84 e ss.].
20. In verbis: “Section 5: De l’interprétation des conventions. Article 1.156: On doit dans
les conventions rechercher quelle a été la commune intention des parties contrac-
tantes, plutôt que de s’arrêter au sens littéral des termes. Article 1.157: Lorsqu’une
clause est susceptible de deux sens, on doit plutôt l’entendre dans celui avec lequel
elle peut avoir quelque effet, que dans le sens avec lequel elle n’en pourrait produire
aucun. Article 1.158: Les termes susceptibles de deux sens doivent être pris dans le
sens qui convient le plus à la matière du contrat. Article 1.159: Ce qui est ambigu
s’interprète par ce qui est d’usage dans le pays où le contrat est passé. Article 1.160:
On doit suppléer dans le contrat les clauses qui y sont d’usage, quoiqu’elles n’y soient
pas exprimées. Article 1.161: Toutes les clauses des conventions s’interprètent les
unes par les autres, en donnant à chacune le sens qui résulte de l’acte entier. Article
1.162: Dans le doute, la convention s’interprète contre celui qui a stipulé et en faveur
de celui qui a contracté l’obligation. Article 1.163: Quelque généraux que soient les
termes dans lesquels une convention est conçue, elle ne comprend que les choses
sur lesquelles il paraît que les parties se sont proposés de contracter. Article 1.164:
Lorsque dans un contrat on a exprimé un cas pour l’explication de l’obligation, on
n’est pas censé avoir voulu par là restreindre l’étendue que l’engagement reçoit de
droit aux cas non exprimés.
21. E também nos arts. 1.362 a 1.371 do Codice Civile. Vale reproduzir, mesmo que ex-
tensas, as regras positivadas no diploma italiano: “Dell’interpretazione del contratto.
Art. 1.362. Intenzione dei contraenti: Nell’interpretare il contratto si deve indagare
quale sia stata la comune intenzione delle parti e non limitarsi al senso letterale
delle parole. Per determinare la comune intenzione delle parti, si deve valutare il
loro comportamento complessivo anche posteriore alla conclusione del contratto.
Art. 1.363. Interpretazione complessiva delle clausole: Le clausole del contratto si
interpretano le une per mezzo delle altre, attribuendo a ciascuna il senso che risulta
dal complesso dell’atto [1.419]. Art. 1.364. Espressioni generali: Per quanto generali
siano le espressioni usate nel contratto, questo non comprende che gli oggetti sui
quali le parti si sono proposte di contrattare. Art. 1.365. Indicazioni esemplificative:
Quando in un contratto si è espresso un caso al fine di spiegare un patto, non si
presumono esclusi i casi non espressi, ai quali, secondo ragione, può estendersi
lo stesso patto. Art. 1.366. Interpretazione di buona fede: Il contratto deve essere
interpretato secondo buona fede [1.337, 1.371, 1.375]. Art. 1.367. Conservazione
del contratto: Nel dubbio, il contratto o le singole clausole devono interpretarsi nel
senso in cui possono avere qualche effetto, anziché in quello secondo cui non ne
avrebbero alcuno [1.424]. Art. 1.368. Pratiche generali interpretative: Le clausole
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244 CONTRATOS EMPRESARIAIS
ambigue s’interpretano secondo ciò che si pratica generalmente nel luogo in cui il
contratto è stato concluso. Nei contratti in cui una delle parti è un imprenditore
[2.082], le clausole ambigue s’interpretano secondo ciò che si pratica generalmente
nel luogo in cui è la sede dell’impresa. Art. 1.369. Espressioni con più sensi: Le es-
pressioni che possono avere più sensi devono, nel dubbio, essere intese nel senso
più conveniente alla natura e all’oggetto del contratto. Art. 1.370. Interpretazione
contro l’autore della clausola: Le clausole inserite nelle condizioni generali di con-
tratto [1.341] o in moduli o formulari [1.342] predisposti da uno dei contraenti
s’interpretano, nel dubbio, a favore dell’altro. Art. 1.371. Regole finali: Qualora,
nonostante l’applicazione delle norme contenute in questo capo [1.362 e seguenti],
il contratto rimanga oscuro, esso deve essere inteso nel senso meno gravoso per
l’obbligato, se è a titolo gratuito, e nel senso che realizzi l’equo contemperamento
degli interessi delle parti, se è a titolo oneroso”.
22. Essa necessidade faz-se sentir de forma ainda mais aguda quando nos damos conta
que a semelhança entre as disposições do Código Comercial brasileiro de 1850 e as
regras vigentes no Codice Civile explica-se pela raiz comum encontrada na sistema-
tização de Pothier. Sua extirpação do atual Código Civil brasileiro é inexplicável e
parece pretender abandonar – sem sucesso – a objetivação da interpretação através
de sua inserção no contexto e na realidade contratual, privilegiando amorfo subjeti-
vismo ultrapassado pela boa doutrina e pela jurisprudência. No que tange às regras
de interpretação, o Código brasileiro afastou-se de sua declarada fonte de inspiração
e – o que é muito pior – de nossa tradição, corporificada no Código Comercial.
23. As palavras são de Betti, a pretexto dos comentários aos arts. 1.362 e seguintes do
Codice Civile [Interpretazione, p. 249].
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 245
8.3.1 Intenção comum das partes
Primeira regra: “Nas convenções mais se deve indagar qual foi a intenção
commum das partes contrahentes, do que qual he o sentido grammatical das
palavras”.
Pothier refere-se à “intenção commum das partes” e não à “intenção das
partes”. Isso significa que a primeira regra de interpretação toca ao intento co-
mum, àquilo que chamamos de “causa objetiva”, relacionada aos usos e costu-
mes comerciais. Qual a função econômica que as partes pretenderam obter com
a avença? Para que a celebraram? Qual a racionalidade [jurídica] que deve ser
considerada como mote interpretativo, levando em conta a objetivação trazida
pelo mercado? O que, no mercado, normalmente se busca com tal prática? [a
“intenção comum” deve ser entendida como reflexa da práxis mercadológica,
ou de fatos socialmente reconhecíveis, como ensina Betti]. Todas essas questões
interpretativas atuais, ligadas à primeira das lições de Pothier.
24. Uma das poucas obras sobre o tema é de Federico Ferro-Luzzi, Del preambolo del
contratto, de 2004.
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246 CONTRATOS EMPRESARIAIS
8.3.11 Exemplos não excluem outros casos não referidos. O plural inclui o
singular. O que está no fim da frase refere-se a toda ela
Décima regra: “Quando em hum contracto se exprimio hum caso, por causa
da dúvida que poderia haver, se a obrigação resultante do contracto se
estenderia áquelle caso; não se julga por isso ter querido restringir a extensão
da obrigação, nos outros casos que por direito se comprehendem nella, como
se fossem expressos”.
Undécima regra: “Nos contractos, bem como nos testamentos, huma cláusula
concebida no plural se distribue muitas vezes em muitas clausulas singulares”.
Duodécima regra: “O que está no fim de uma fraze ordinariamente se refere
a toda a fraze, e não áquillo só que a precede immediatamente; com tanto que
este final da fraze concorde em genero e numero com a fraze toda”.
Essas três regras finais determinam formas para se auferir a intenção
das partes quando da celebração do negócio. Por ser a regra de interpretação
37. Para a visão crítica dessa posição, Béatrice Jaluzot, La bonne foi dans les contrats.
Étude comparative de droit français, allemand et japonais, 107.
38. Princípios de direito mercantil e leis de marinha, 479.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 255
Embora Cairu esteja tratando especificamente do contrato de socieda-
de, é importante analisar a força que a aparência assume no direito, sempre
atendendo às necessidades do “gyro mercantil”. O que Cairu chama “gyro
mercantil” é o que nós denominamos “adequada fluência de relações no
mercado”. A ideia que relata é bastante fértil: é preciso proteger a aparência
para viabilizar a celeridade do fluxo de relações econômicas. O resguardo
da boa-fé, da confiança, leva ao bom “gyro mercantil”. Colocando as razões
práticas de sua existência “especialmente nas relações comerciais”, Alpa e
Bessone destacam que é melhor privilegiar aquilo que aparece sem dever
pesquisar a efetiva vontade do declarante, porque isso “economiza tempo e
dá certeza às relações jurídicas”.39
8.5.2 “Não pode pretender lucro quem não concorreu para algum negócio
com fundo, industrial, ordem, ou risco”
A noção de que o lucro é a remuneração do risco, cardeal na organização
do sistema de direito comercial, aparece clara nessa regra de interpretação dos
negócios mercantis. O fruto da atividade comercial tem um preço: o risco que
a ela é inerente. Lucro e risco, conceitos orientadores do sistema comercial,
presentes na obra de Cairu.
40. “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubs-
tanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
41. “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos
do lugar de sua celebração”.
42. “Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente”.
43. “Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta. § 1.º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores
vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2.º Não se decretará a
anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida
concordar com a redução do proveito”.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 257
– Art. 421: a liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites
da função social do contrato;44
– Art. 422: mais uma vez, a imposição da boa-fé para os contratantes;45
– Art. 423: interpretação a favor do aderente;46
– Art. 424: proibição de renúncia a direito decorrente da natureza do
negócio por parte do aderente.47
O principal problema do Código Civil para os contratos mercantis é que,
embora tenha entrado em vigor em 2003, sua redação é anterior ao Código de
Defesa do Consumidor e mesmo à consolidação do direito do consumidor no
Brasil. Ou seja, muitas de suas regras foram talhadas para proteger o elo final da
cadeia produtiva e não o fluxo de relações mercantis. Isso gerou distorções que
a boa jurisprudência comercial tem procurado corrigir, pois não são poucos
aqueles que aplicam essa lógica consumerista a relações entre empresas, com-
prometendo a segurança e a previsibilidade do sistema.
44. “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato”.
45. “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
46. “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contradi-
tórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.
47. “Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
48. Muitos autores apontam os problemas que podem derivar da aplicação da boa-fé
como parâmetro de interpretação contratual. De um lado, por se tratar de um
“conceito vago”, encerraria riscos. Por outro, traria vantagens evidentes, atuando
como uma valvola di sicurezza e tornando mais flexível o regime contratual;
permitiria a repressão de certos comportamentos, “moralizando a substância do
contrato” e procurando conciliar a “utilidade com a justiça” [Gisella Pignataro,
Buona fede oggettiva e rapporto giuridico precontrattuale: gli ordinamenti italiano e
francese, 55].
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258 CONTRATOS EMPRESARIAIS
49. Que a confiança ocupa papel central no moderno direito dos contratos – e que sua
importância para o bom funcionamento do sistema é cada vez mais premente –
ninguém duvida. Por exemplo, discorrendo sobre garantias à primeira demanda,
Marcelo Huck inicia a explicação afirmando: “A confiança é o princípio orientador
das relações comerciais” [Garantia à primeira solicitação no comércio internacional,
5]. No mesmo artigo, o autor ressalta que a boa-fé é “cada vez mais importante no
dinâmico processo do comércio internacional” [11-12]. V. também sobre a confiança,
Orlando Gomes, Introdução ao direito civil, 244 e ss.
50. Interpretazione della legge e degli atti giuridici, 389 e ss. V., também, Teoria generale
del negozio giuridico, capítulo sexto.
51. Essa noção permitiu, por exemplo, à jurisprudência alemã, com base do art. 242
do BGB, deduzir “novos” princípios gerais de direito em casos em que as normas
existentes mostravam-se inadequadas à resolução dos conflitos. Ebke e Steinhauer
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 259
Quando o direito manda interpretar os acordos conforme a boa-fé, não
está apenas dando guarida a uma regra monacal, mas vivificando tradicional
norma de direito mercantil, útil às empresas e ao mercado. Nessa perspectiva, a
boa-fé despe-se de tantos aspectos morais que a revestem em outros contextos,
exsurgindo objetivada, ou seja, segundo os padrões de comportamento aceitos
em determinado mercado [ou em determinada praça].
É tradicional a diferenciação entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva,
presente na obra de Pothier, para quem deveríamos apartar a boa-fé no “foro
interior” daquela no “foro externo”. A primeira “deve ter-se como contrário
[...] tudo o que se affasta, ainda que pouco seja, da sinceridade mais exacta e
escrupulosa: a dissimulação mesma sobre o que concerne á cousa que faz o
objeto do contracto, e que a outra parte contrahente teria interesse em saber,
he contraria a esta boa fé: pois sendo preceito amarmos o proximo como a nós
mesmos, não póde ser permittido encobrir-lhe alguma coisa, que nós quereria-
mos que nos não encobrissem, se estivessemos no seu lugar”. No foro externo,
“huma parte não seria atendida se se queixasse destes ligeiros ataques feitos á
boa fé: de outra sorte mui grande numero de contractos estaria sujeito a rescisão,
os processos serião innumeraveis, e causarião desarranjo no commercio. Só
aquelle que abertamente ataca a boa fé, he no foro externo havido por verda-
deiro doloso, e então tem lugar a acção de rescindir o contrato, provando-se
plenamente as manobras, e artificios iniquos, que huma parte empregou para
enganar a outra”.52-53
A boa-fé subjetiva é relacionada a um “estado de consciência” ou “con-
vencimento individual de obrar a parte conforme o direito”. Bastante comum
em questões possessórias, “[d]iz-se subjetiva justamente porque, para a sua
aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurí-
dica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé está
a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem”.54
Por sua vez, a boa-fé objetiva liga-se a standards comportamentais esperados
do homem ativo e probo.
A boa-fé que assume relevância para fins de interpretação dos negócios comer-
ciais é a objetiva, na medida em que permite a objetivação da conduta esperada da
outra parte e um melhor cálculo [aumentando o grau de certeza e de previsibilidade
presente no mercado].
O respeito à boa-fé na interpretação contratual implica o repúdio à ma-fé.
A regra que veda interpretação a favor da má-fé é tradicionalíssima no direito
das obrigações e, em especial, no direito comercial. Teixeira de Freitas, ao
compilar suas famosas Regras de Direito, anotou diretrizes das ordenações que
já estabeleciam: “Má-fé a ninguém deve aproveitár”. Em 1.770, a Lei de 30 de
agosto estatuiu: “Má-fé considera-se a peste mortál do Commercio”.55 “A lei
nunca autoriza o dolo, nem permite a cavilação”, segundo Coelho da Rocha.56
e, com isso, a vontade das partes a ser considerada seria a “comum”. Mas não
deixa de ser um esforço hermenêutico para dotar o sistema de adequado grau
de segurança/previsibilidade e evitar o retrocesso. O fato é que o art. 112 do
atual Código Civil está impregnado de subjetivismo, cuja superação requer
esforço. O argumento de que a intenção a que se refere o novo texto estaria
vinculada à declaração não parece dissipar o ranço subjetivista do preceito,64
porque elege a intenção que está “consubstanciada nas declarações”, ou seja,
na manifestação da vontade de cada uma das partes e não naquela comum,
correspondente à natureza do negócio.
Apesar dos problemas, o estágio de evolução do direito brasileiro no campo
da interpretação dos negócios jurídicos atrela-nos ao cânone hermenêutico da
consideração da comum intenção das partes. Interessa ao intérprete o escopo
com que ambas estão de acordo, que entre elas se formou e que veio à luz em
sua declaração comum ou congruente, além de se espelhar em sua conduta.
Tanto a declaração, quanto o comportamento hão de ser interpretados a par-
tir dos fatos concretos, segundo o espírito do contrato. Isso inclui a análise do
comportamento posterior das partes como indício da intenção comum que as
moveu quando da celebração.65
64. Aliás, esse mesmo visgo individualista pode ser colhido em outros dispositivos do
Código como, por exemplo, o art. 144: “O erro não prejudica a validade do negócio
jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer
para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”. O mote do
art. 1.431 do Codice Civile, nesta parte, foi modificado profundamente pelo legisla-
dor brasileiro: “La parte in errore non può domandare l’annulamento del contratto
se, prima che ad essa possa derivarne pregiudizio, l’altra offre di eseguirlo in modo
conforme al contenuto e alle modalità del contratto che quella intendeva conclu-
dere”. Ou seja, enquanto o Codice Civile refere-se ao conteúdo e à modalidade do
contrato que se pretendia celebrar, o Código brasileiro volta-se para a “vontade real
do manifestante”.
65. Sobre o comportamento concludente no negócio jurídico, v. a completa obra de Paulo
Mota Pinto, Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 263
empresarial negociado pelas partes? De duas uma: ou [i] a noção de contrato
de adesão será ampliada – o que pode ser desastroso para o direito comercial,
caso se arremesse contra os negócios mercantis uma interpretação concebida
para contratos com consumidores – ou [ii] não mais teremos a interpretação
a favor do devedor.
Ao mesmo tempo em que o art. 423 do Código Civil estipula interpretação
contratual favorável ao “aderente”, o seu art. 133 contém regra específica que
impõe a presunção do prazo “em proveito do devedor”.66 Se, por um lado, a
interpretação dos negócios mercantis deverá ser favorável ao “aderente”, por
outro, no que diz respeito ao prazo, a ordem é a interpretação “em proveito do
devedor”. Presumindo que não estamos diante de mera falta de rigor técnico
ou descuido ocorrido na revisão do texto final do Código, a razão e utilidade
dessa distinção deverão ser, mais uma vez, aclaradas pelo trabalho doutrinário
e jurisprudencial.
A interpretação contra aquele que dita a cláusula [interpretatio contra
stipulatorem] é um tanto diversa da menos gravosa para o obrigado. Essa dis-
tinção vem bem marcada nos arts. 1.370 e 1.371 do Codice Civile; enquanto
o primeiro trata da “interpretação contra o autor da cláusula”,67 estipulando
que “[a]s cláusulas inseridas nas condições gerais de contrato ou em mode-
los ou formulários elaborados por um dos contratantes, interpretam-se, na
dúvida, a favor do outro”,68 o segundo faz o contrato “menos gravoso para
o obrigado”.69-70 Diante do texto no Código de 2002, entrevemos duas pos-
sibilidades: [i] ou houve a supressão da regra geral de interpretação a favor
do devedor, mantendo-a, o Código Civil, apenas para questões relativas a
prazo; ou [ii] toma-se a interpretatio contra stipulatorem por aquela menos
gravosa para o onerado.71
66. “Salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que
se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes”.
67. No original: “interpretazione contro l’autore della clausola”.
68. No original: “[l]e clausule inserite nelle condizioni generali di contratto o in moduli
o formulari predisposti da uno dei contraenti s’interpretano, nel dubbio, a favore
dell’altro”.
69. No original: “meno gravoso per l’obbligato”.
70. Sobre a interpretação dos arts. 1.370 e 1.371 do Codice Civile, v. Franco Carresi,
Dell’interpretazione del contratto, 132 e ss.
71. Como fez o Tribunal de Justiça de São Paulo ao dar concreção ao princípio herme-
nêutico do art. 131, 5, do Código Comercial [Ap. Cív. 084.441-4/1, j. 10.08.1999,
rel. Des. Santarelli Zuliani].
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264 CONTRATOS EMPRESARIAIS
72. Não se pode deixar de fazer referência às consistentes críticas de Junqueira de Azevedo
sobre o Código Civil, que lançaria mão de elevado número de conceitos que “não
têm conteúdo, são vazios do ponto de vista axiológico. Eles servem para retórica, e
o mundo de hoje não se conforma mais com esses conceitos vazios” [O princípio da
boa-fé nos contratos, 43]. A conclusão a que chega Junqueira de Azevedo é, no míni-
mo, estimulante: “Todo código implica um certo desgaste social e um trabalho muito
grande para os operadores do Direito. O meu ponto de vista é que o Projeto de Código
Civil é um pouco, só um pouco, mais adiantado do que o Código Civil vigente.
Claro, porque um é de 1916 e o outro é de 1970. Porém, não concordo – tendo em
vista as mudanças do mundo de hoje – em adotarmos, para o ano 2000, um Projeto,
de 1970, por uma pequena melhora em relação ao Código Civil. Não vale, tudo
posto na balança, o desgaste que isso representa e aquilo que vai resultar para nós.
A questão não é só o Código Civil, e sim todo o Direito Civil, e o Direito Civil como
está é superior ao Direito Civil como ficaria, se fosse aprovado o Projeto” [44].
73. Sobre o tema, v. Leonardo de Faria Beraldo, Função social do contrato. Contributo
para a construção de uma nova teoria e, também, Gerson Luiz Carlos Branco, Função
social dos contratos.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 265
faz-se sentir mais na retórica dos advogados do que na modificação da realida-
de jurídica. Como exemplo, a construção da dissolução parcial das sociedades
limitadas laborada ao longo das últimas décadas e em contínuo processo de
evolução, ou mesmo a construção do princípio da preservação da empresa,
orientador de tantas decisões pretorianas.
Se a empresa gera riquezas, aumentando o grau de bem-estar, o contrato
empresarial também cumpre essa função, contribuindo para o desenvolvimento
econômico e social do País.
74. A questão será abordada com maior profundidade no capítulo sobre a incidência das
regras constitucionais sobre os contratos empresariais.
75. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 4ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.947, p. 285.
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266 CONTRATOS EMPRESARIAIS
81. Código de Napoleão, art. 1349: “Les présomptions sont des conséquences que la loi
ou le magistrat tire d’un fait connu à un fait inconnu”.
82. Vocabulário Jurídico, São Paulo, Saraiva, 1983 [1.883], 270.
83. Orlando Gomes, A crise do direito, 249.
84. A definição é da clássica obra de Roger Decottignies, Les présomptions en droit privé,
1950. No original: “Le présomption est le procédé de raisonnement qui, en partant
du fait connu, permet de faire un choix parmi les hypothèses en présence pour ne
retenir que la plus probable d’entre elles” [9].
85. Roger Decottignies, Les présomptions en droit privé, 11 e 12.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS | 269
Em sua maioria, as regras interpretativas encerram presunções juris tan-
tum, admitindo prova em contrário; são uma “conjectura provável”, que se
toma por evidência se não for destruída por outra contrária.86 Por exemplo: a
má-fé não se presume, mas, diante da constatação de sua existência, há de ser
considerada. A presunção de que o agente agiu de boa-fé é derrubada diante
do atestado da ocorrência da má-fé.
A presunção de que, nos contratos empresariais, o contratante é homem
ativo e probo, acostumado às práticas de mercado, é inafastável: ele sempre será
assim considerado. Caso escape desse padrão, será sancionado. A presunção,
aqui, é iuris et de iuris, “tendo-se verdadeira uma coisa, que se passará por tal,
como se disso houvesse prova convincente”.87
Quando o ordenamento autoriza uma parte a supor que a outra adotará
determinada conduta, desestimula o investimento exagerado na precaução
contra comportamento diverso. Isso diminui os custos de transação no mercado
e facilita o fluxo de relações econômicas. Por exemplo, se a lei garante sanção à
parte que agir de má-fé, não é necessário que a outra persiga a repetição dessa
regra do contrato.
Sem qualquer pretensão de exaustão, trazemos os seguintes exemplos de
presunções que assistem aos contratantes nos contratos empresariais:
[i] a contraparte é agente econômico [empresa] acostumado ao giro
mercantil;
[ii] a contraparte agirá dentro dos padrões de mercado, mesmo sendo
agente econômico sagaz, que persegue seu autointeresse;
[iii] a contraparte não adotará comportamentos desleais, embora esteja
autorizada a perseguir seu autointeresse com avidez;
[iv] as partes agirão em conformidade com aquilo que julgam ter contratado;
[v] eventualmente, a contraparte poderá descumprir a lei e o dever de
boa-fé; ou seja, embora a lei coíba o comportamento desleal ou ilícito,
este pode ocorrer; cabe à parte acautelar-se;
[vi] por ser agente econômico ativo e probo, a contraparte valorou os
riscos envolvidos no negócio, bem como as vantagens que dele possivel-
mente auferiria;
[vii] a contraparte tem plena ciência da conduta que se comprometeu a
adotar, das prestações que deve e que lhe são devidas;
jurídica e nela o direito atua como mediação específica e necessária das re-
lações de produção que lhe são próprias; (ii) essas relações de produção não
poderiam estabelecer-se, nem poderiam reproduzir-se sem a forma do direito
positivo, direito posto pelo Estado; (iii) este direito posto pelo Estado surge
para disciplinar os mercados, de modo que se pode dizer que ele se presta a
permitir a fluência da circulação mercantil, para domesticar os determinismos
econômicos”.4
O direito comercial não é exceção, pois não é concebido para socorrer o
agente isolado, mas o funcionamento do mercado; o interesse da empresa é pro-
tegido na medida em que implica o bem do tráfico mercantil.
De fato, desde a sua origem, o direito comercial liga-se ao mercado, or-
denando a dinâmica estabelecida entre os mercadores. Seu objetivo sempre se
relacionou à tutela do tráfico econômico – ou seja, à defesa do “interesse geral do
comércio”, na expressão de Carvalho de Mendonça –, e não dos comerciantes,
individualmente considerados.5 Nessa linha, Teixeira de Freitas advertia que
a proteção liberalizada pelo Código Comercial era em favor do comércio – e não
dos comerciantes.6-7 Por todos, sempre Cairu: “A liberdade do Commercio não
he huma faculdade concedida aos Negociantes para fazer o que quiserem; isso
4. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 32. Por sua vez, explica Fábio Nusdeo:
“[...] não se conteve o Estado naquele papel de relativa neutralidade e platonismo.
Aberto o caminho para a sua entrada no sistema, passa gradualmente a assumir um
segundo papel, dentro do qual marca presença ao impor finalidades outras que não
a de mero suprimento de condições para superar as imperfeições anteriormente
apontadas. Trata-se, agora, de lograr a obtenção de objetivos de política econômica
bem definidos para análise, impor-lhe distorções, alterá-lo, interferir no seu funcio-
namento, a fim de fazer com que os resultados produzidos deixem de ser apenas os
naturais ou espontâneos, para se afeiçoarem às metas fixadas” [Fábio Nusdeo, Funda-
mentos para uma codificação do direito econômico, p. 25].
5. A expressão é de Carvalho de Mendonça [Dos livros dos commerciantes, p. 6].
6. Additamentos ao Codigo do Comercio, p. 322.
7. No mesmo sentido, Montesquieu afirma, em seu De l’esprit des lois, que os ingleses
restringem o mercador, mas o fazem em favor do comércio: “La liberté du commerce
n’est pas une faculté accordée aux négociants de faire ce qu’ils veulent; ce serait bien plutôt
sa servitude. Ce qui gêne le commerçant ne gêne pas pour cela le commerce. C’est dans
les pays de la liberté que le négociant trouve des contradictions sans nombre; et il n’est
jamais moins croisé par les lois que dans les pays de la servitude. L’Angleterre défend de
faire sortir ses laines; elle veut que le charbon soit transporté par mer dans la capitale; elle
ne permet point la sortie de ses chevaux, s’ils ne sont coupés; les vaisseaux de ses colonies
qui commercent en Europe, doivent mouiller en Angleterre. Elle gêne le négociant, mais
c’est en faveur du commerce” [livro XX, capítulo XII, destacamos].
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL | 273
seria antes sua real servidão. O que incommoda ao Commerciante, não grava
por isso o Commercio”.8
Mesmo normas que tutelam empresas em situação de inferioridade, como
a repressão ao abuso da dependência econômica, na realidade visam a incre-
mentar as garantias para a atuação no mercado, impedindo que tenham lugar
explorações desestimuladoras do tráfico.
Poderíamos seguir analisando inúmeros institutos, desde a coibição do
abuso do poder econômico até a disciplina dos contratos e das sociedades
comerciais. Alcançaríamos sempre a mesma conclusão: o direito mercantil não
busca a proteção dos agentes econômicos singularmente considerados, mas da
torrente de suas relações.
É preciso superar alguns preconceitos que, infelizmente, vêm se acentu-
ando no Brasil, nestas épocas de polarização ideológica. O direito empresarial
moderno não mais cultiva aquele “ranço privatístico”, de exacerbação das
liberdades pelas liberdades, que marca sua historiografia9. Hoje, a função do
direito comercial ata-se à implementação de políticas públicas, desdobrando-se
também na determinação do papel que o mercado desempenhará na alocação
dos recursos em sociedade.
O mercado não existe sem o direito; seu desenvolvimento dar-se-á nos espa-
ços deixados pelas regras jurídicas. Por isso, os limites e a função do mercado,
do fluxo de relações econômicas, esboçam-se a partir do reflexo dos princípios
constitucionais. Nesse prisma, os princípios constitucionais são a fôrma que
primeiramente moldará o mercado. Por consequência, a Constituição Federal
deve ser situada como elemento fundamental na interpretação dos contratos
empresariais.
Os princípios de organização do mercado fluem a partir do texto cons-
titucional e não podem ser esquecidos na concreção dos negócios, em seu
8. José da Silva Lisboa (Visconde de Cairu), Principios de direito mercantil e leis de mari-
nha, p. 875.
9. É bem verdade que o direito comercial marca-se por forte tradição liberal. Nessa
toada, seu cerne seria constituído quase que exclusivamente por regras e princípios
brotados da praxe dos agentes econômicos. A visão tradicional carrega consigo a
ideia de que se deve evitar a intervenção sobre o mercado, entregando a disciplina das
empresas a elas próprias: maior o espaço deixado à autonomia privada, mais azeitado
seria o fluxo de relações econômicas. Essa visão é anacrônica. Hoje, reconhece-se a
inafastável importância do Direito para a existência e disciplina do próprio merca-
do [Paula A. Forgioni, A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: Da mercancia ao
mercado, capítulo terceiro].
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274 CONTRATOS EMPRESARIAIS
26. Na lição de Hayek: “A concorrência, quando não obstada, tende a ocasionar um es-
tado de coisas em que: primeiro, alguém produzirá tudo o que for capaz de produzir
e vender lucrativamente a um preço em que os compradores preferirão seu produto
às alternativas existentes; segundo, tudo que se produz é produzido por alguém capaz
de fazê-lo pelo menos a um preço tão baixo quanto o de quaisquer outras pessoas
que na realidade não o estão produzindo; e, terceiro, tudo será vendido a preços
mais baixos, ou pelo menos tão baixos quanto aqueles a que poderia ser vendido
por qualquer pessoa que de fato não o faz” [Friedrich A. Hayek, Direito, legislação e
liberdade, vol. III, p. 78].
27. Na clássica sistematização de Messineo, o princípio da liberdade de contratar desdo-
bra-se [i] na vedação de qualquer das partes impor à outra o regramento contratual,
pois o conteúdo do contrato deve ser resultado do debate entre elas; [ii] liberdade
de fixar o conteúdo do contrato; [iii] liberdade de derrogar normas supletivas; [iv]
liberdade de estabelecer a disciplina a que estarão sujeitas (i.e., liberdade de estipular
contratos normativos) e [v] liberdade de celebrar contratos inominados [Francesco
Messineo, Dottrina generale del contratto, p. 11-12].
28. Para Orlando Gomes, a liberdade de iniciativa significa “o poder dos indivíduos
de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela
ordem jurídica. No exercício desse poder, toda pessoa capaz tem aptidão para pro-
vocar o nascimento de um direito, ou para obrigar-se. [...] O conceito de liberdade
de contratar abrange os poderes de autorregência de interesses, de livre discussão
das condições contratuais e, por fim, de escolha do tipo de contrato conveniente à
atuação da vontade. Manifesta-se, por conseguinte, sob tríplice aspecto: a) liberdade
de contratar propriamente dita; b) liberdade de estipular o contrato; c) liberdade de
determinar o conteúdo do contrato” [Orlando Gomes, Contratos, p. 25-26].
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280 CONTRATOS EMPRESARIAIS
29. Terence Daintith e Gunther Teubner, Sociological jurisprudence and legal economics:
risks and rewards. In: AAVV. Contract and organization: legal analysis in the light of
economic and social theory, p. 3.
30. Emilio Betti, Teoria geral do negócio jurídico, p. 94.
31. Emilio Betti, Teoria geral do negócio jurídico, p. 91-92.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL | 281
A compreensão do modus operandi do sistema exige que reconheçamos
as seguintes correspondências entre princípios constitucionais e fatores cata-
lisadores do fluxo de relações econômicas:
[i] a livre iniciativa garante ao agente econômico o acesso ao campo das
contratações, à arena de trocas;
[ii] a livre concorrência garante a disputa pela oportunidade de troca;
[iii] a liberdade de contratar garante que o agente econômico poderá
realizar essas trocas, organizar-se e celebrar contratos.
Todas essas liberdades e as faculdades que delas derivam, porém, hão de
ser exercidas sempre nos limites da legalidade.
O problema é que, somente neste século, a cultura da concorrência e
mesmo da livre iniciativa espalhou-se no mundo empresarial e jurídico brasi-
leiro. Antes da chamada “abertura” de nossa economia, as políticas públicas
fincaram-se no dirigismo e na coordenação dos agentes, sob a batuta do Estado.
Até hoje, muitas são as faculdades de direito que não inseriram direito
concorrencial em suas grades. Piorando o quadro, a imagem transmitida
pelo Código Civil é a de uma economia intervencionista, própria da Itália
dos anos 30 e 4032, onde as associações anticompetitivas eram vistas com
bons olhos33.
Nos grandes escritórios de advocacia, não raro as áreas de direito concor-
rencial e de direito contratual/societário trabalham de forma independente.
Como resultado, os profissionais não são treinados para aplicar o art. 170,
caput, IV da Constituição no dia-a-dia das relações empresariais.
Advogados, doutrina, árbitros e jurisprudência estatal dão lugar a uma
visão turva, embaçada, como se os ditames postos na Constituição tivessem
sua serventia limitada a argumentar a constitucionalidade ou inconstitucio-
nalidade de leis e da regulação em geral, e devessem ser invocados perante
os tribunais somente para garantir as liberdades econômicas das empresas
contra o Estado. Ignora-se que os princípios constitucionais econômicos
incidem diretamente sobre os negócios privados, deixando-se à deriva uma
das mais importantes pautas de interpretação dos contratos: aquela que, em
caso de dúvida, manda-os preferir a interpretação a favor da liberdade e da
concorrência.
34. Art. 1º A República Federativa do Brasil [...] tem como fundamentos: [...] IV - os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. “Art. 170. A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim asse-
gurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: [...]. (grifo nosso);
35. “O princípio da livre-iniciativa, tradicionalmente identificado com a ‘liberdade de
comércio e de indústria’, ‘liberdade econômica, ou liberdade de iniciativa econômica,
cujo titular é a empresa’, garante aos agentes econômicos ingresso ao mercado, à arena
de disputas. A existência de adequado fluxo de trocas depende do acesso dos indivíduos
à oportunidade de oferecer oportunidades de troca, estabelecendo contratos. Eis o papel
central do princípio da livre-iniciativa na economia capitalista: garantir que os agentes
econômicos tenham acesso ao mercado e possam nele permanecer. O princípio da liberdade
de iniciativa econômica implica a liberdade de empresa, que, por sua vez, significa a
liberdade de lançar-se à atividade, desenvolvê-la e abandoná-la sponte própria” [Paula
A. Forgioni, A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado, p. 145].
36. “[...] esclareça-se que a ordem econômica, segundo o modelo constitucional bra-
sileiro, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
finalidade assegurara a todos existência digna, no rumo da justiça social, objetivos
que deverão ser atingidos mediante a observância dos princípios enumerados nos
incisos I a IX do art. 170 da Constituição. Um desses princípios, por isso mesmo viga
mestra do sistema econômico, é o da livre concorrência [...]” [ADI nº 1094-8, Rel.
Ministro Carlos Velloso, Medida liminar indeferida em 21 de setembro de 1.995].
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL | 283
A resposta envolve duas situações:
– a empresa pode ter sua liberdade e comportamento limitados pela lei,
pois lhe é defeso empreender fora dos limites postos pelo ordenamento
jurídico; volta-se, aqui, ao princípio da legalidade; e
– a empresa pode ter sua liberdade e comportamento limitados pela sua
própria vontade, desde que o faça nos quadrantes do direito.
Viu-se acima que as liberdades são a regra geral, mas outra escolha política
pode ser tomada, também baseada em princípios constitucionais. Ao mesmo
tempo em que estabelece que as liberdades devem imperar nos mercados, a
Constituição reconhece possível, para atingir os fins maiores da República
[art. 1º] ou aqueles explicitados no art. 170, o sacrifício total ou parcial das
liberdades em certos setores, submetendo-os a regramento diverso. No campo
das leis que restringem as liberdades, a inconstitucionalidade é uma questão
de limites e não de possibilidade de existência.
O sistema jurídico cobra a legalidade do objeto dos contratos empresariais.
Aos agentes econômicos não é permitido contratar tudo, da forma que bem
entendem. Se violarem a lei, o objeto do pacto será ilícito e não se colocará ao
abrigo do ordenamento. A regra posta pelo art. 104, II, do Código Civil é uma
das mais importantes na formatação da ordem jurídica do mercado: são inválidos
contratos cujo objeto for ilícito.
Os licitantes não podem fazer contratos para combinar o preço que ofe-
recerão em suas propostas. É defeso aos fabricantes pactuar entre si a divisão
do mercado e assim por diante. Ao menos no Brasil, não se pode organizar
uma empresa para comercializar órgãos humanos. A fabricação de brinquedos
deve respeitar regras de segurança para crianças. Em todos esses casos, há leis
específicas que vedam certos comportamentos, fulminando de nulidade os
pactos que os tenham por objeto.
Contudo, como indicado, há o reverso da medalha. Nos limites da lega-
lidade, os agentes podem contratar e dispor de suas liberdades econômicas,
insculpidas na Constituição Federal. É neste campo que nascem, desenvolvem-
-se e terminam os ajustes entre as empresas.
Os negócios privados empresariais podem estabelecer limitações volun-
tárias à sua própria liberdade. Uma das principais funções dos contratos é via-
bilizar, do ponto de vista jurídico, a autocontenção futura do comportamento
dos agentes. A indústria que, em dezembro, garante à outra que fornecerá 20
toneladas de açúcar em março, voluntariamente limita seu comportamento
futuro, vinculando-se à prestação. Em março, ela não “poderá fazer o que
quiser”, pois haverá de entregar as 20 toneladas que prometeu. Contrata-se
|
284 CONTRATOS EMPRESARIAIS
9.11.1 A exclusividade
A exclusividade é uma estipulação inserida nos mais variados contratos
e, embora assuma uma pluralidade de significados, geralmente estabelece a
proibição de a parte realizar negócios com terceiros, tornando-se “exclusiva”
da outra, por certo período.
A exclusividade implica restrição à liberdade do agente que se vincula e
também àquela de terceiros, que com ele não poderão mais contratar. Quem
aceita ser exclusivo está “fora do mercado”, longe do alcance dos concorren-
tes da empresa que se beneficia com a restrição. Tanto assim que, na área do
direito concorrencial, esses dispositivos são considerados exemplos clássicos
de restrição vertical, ou seja, de restrição posta à concorrência e à liberdade
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL | 287
de atuação da empresa40. “La clausola di exclusiva rientra pertanto nei patti
limitativi dela concorrenza”41, ensina a doutrina especializada. É uma renúncia
à liberdade por parte daquele que se vincula a somente comerciar com outro e
que impacta diretamente o campo de atuação de terceiras empresas.
Reconhecendo-se a exclusividade como uma restrição concorrencial e de
ação no mercado, percebem-se duas consequências relevantes.
A primeira delas é que a exclusividade não pode ser presumida; há de
derivar da lei ou da vontade das partes. A regra é a liberdade de contratar; para
afastá-la é preciso expresso dispositivo legal ou acordo voluntário no sentido
de sua limitação.
A segunda é que sua interpretação há de ser restritiva. Primeiro, porque
implica exceção à regra geral – e às exceções, vimos antes, não pode ser dada
interpretação extensiva; depois, porque é uma renúncia a um direito, chamando
a incidência do art. 114 do Código Civil.
42. A jurisprudência deixa bem claro que os agentes econômicos, mediante a aposição
de tal cláusula, visam a diminuir o grau de competição entre eles. Por exemplo, no
ano de 1.993, afirmou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “[n]a cessão e
transferência de empresas ou de quotas sociais, é licita a proibição de os cedentes,
durante prazo determinado, se estabelecerem, em nome próprio ou de terceiros, com
o mesmo ramo que exerciam, a fim de evitar concorrência” [Apelação n. 203.158-2/8,
Revista dos Tribunais 702:88].
43. Por isso afirma a doutrina italiana sobre a restrição de que ora tratamos: “Al’imprenditore
è consentito, in tal modo, di utilizzare come valore di scambio anche il proprio su-
cesso negli affari; egli consegue, come “maggior valore” dell’azienda, una somma
che rappresenta il prezzo di una entità estranea, a rigore, all’azienda”.O comentário
é feito a pretexto do art. 2.557 do Codice Civile, que prevê dispositivo análogo ao
art. 1.147 do novo Código Civil brasileiro [Comentario al Codice Civile, diretto da
Paolo Cendon, Torino, UTET, 1.991, p. 1.421]. Art. 2.557, in verbis: “[c]hi aliena
l’azienda deve astenersi, per il periodo di cinque anni dal trasferimento, dall’iniziare
una nuova impresa che per l’oggetto, l’ubicazione o altre circostanze sia idonea a
sviare la clientela dell’azienda ceduta [...]”.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL | 289
9.11.2.2 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle
Ninguém tem dúvidas de que, nas sociedades personificadas [especial-
mente nas sociedades anônimas e nas sociedades limitadas], o patrimônio dos
sócios não se confunde com aquele da sociedade.
Exemplifiquemos com um esquema societário simples. Na cidade de
Gramado, situa-se uma grande fábrica de acessórios de couro, que produz os
sapatos da renomada marca Schulptz. O povo da cidade pensa que o prédio e seus
maquinários pertencem à Sra. Beatriz, mulher muito ativa que está à frente dos
negócios, conversa com os empregados, dá ordens e até desenha alguns modelos.
No mundo do direito e de suas ficções jurídicas, o quadro que se apresenta
é diverso. A Sra. Beatriz é a controladora da Schulptz, detendo 70.000 ações
ordinárias de emissão da Schulptz S.A., representando 70% de seu capital com
direito a voto. Os outros 30% pertencem à sua filha Isabela, que atualmente
reside em Portugal. A Sra. Beatriz não é “dona” da empresa, do prédio, do es-
tabelecimento, do maquinário, dos moldes, da tecnologia, do know-how etc.
Tudo pertence à Shulptz S.A.
A Sra. Beatriz resolve aposentar-se, juntando-se à sua filha, em Portugal.
Agrada-lhe muito mais gozar do azul céu de Lisboa do que enfrentar as infinitas
crises da economia brasileira.
Do ponto de vista jurídico, a Sra. Beatriz tem duas opções:
– alienar as ações de que é titular; ou
– fazer praticar todos os atos societários e administrativos necessários
para que a Shulptz S.A. aliene o estabelecimento fabril.
A escolha de uma ou outra forma de negócio [venda do estabelecimento
ou do controle] envolve variáveis, especialmente de ordem trabalhista e tribu-
tária, que não nos interessam no presente texto. O que importa notar é que a
Sra. Beatriz não conseguiria vender o estabelecimento, simplesmente porque
não lhe pertence. Escolhido fosse esse modelo de negócio, ele seria necessa-
riamente efetivado pela sociedade Shulptz S.A.
Caso prefira vender as ações que lhe pertencem, o estabelecimento conti-
nuará a pertencer à Shulptz S.A., que terá um novo acionista controlador. Nada
se alterará em relação à propriedade do estabelecimento, pois o patrimônio da
Shulptz S.A. não sofrerá qualquer modificação.
No passado, eram mais comuns as vendas diretas de estabelecimento,
chamadas tecnicamente de “trespasse”. Hoje, entre nós, grassam as compras
e vendas de participações envolvendo controle das sociedades. Em negócios
de porte, se a operação não for alardeada pela imprensa, o público em geral
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290 CONTRATOS EMPRESARIAIS
44. V. STJ, AREsp 1239219, julgado em 27 de fevereiro de 2.018, com relatoria do Min.
Luis Felipe Salomão.
45. Anota objetivamente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “A propósito,
trata-se de condição não rara em negócios comerciais de venda de quotas sociais e
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL | 291
“A fim de obviar à discussão, costuma-se incluir no contrato de venda a
cláusula expressa de não-restabelecimento”46.
A proibição de reestabelecimento é uma forte limitação ao direito do
alienante de empreender, restringindo-lhe ganhos futuros ou até mesmo sua
liberdade de exercer profissão remunerada. No processo de barganha das alie-
nações empresariais, paga-se um preço pela não concorrência, muitas vezes
incluído no valor das próprias ações.
Por isso, uma interpretação extensiva do art. 1.147 do Código Civil, além
de inconstitucional, interfere na alocação de riscos e na precificação barganhada
e contratada pelas partes.
Atenção deve ser dada à proteção da boa-fé objetiva nestes casos e aos
equívocos que em seu nome têm sido cometidos. A boa-fé objetiva exige a
consideração do efetivo e atual comportamento dos agentes econômicos. Não
existe legítima expectativa e boa-fé construída longe daquilo que normal-
mente ocorre no mercado. Contrata-se a não concorrência, paga-se por ela.
Dá-la de presente significa premiar o oportunismo disfuncional do agente
econômico.
Considerando as práticas de mercado, na ausência de cláusula contratual
expressa, o silêncio da parte acerca de non compete não pode ser tomado como
aquiescência. Não há vinculação silenciosa que seja contrária aos usos; segundo
o art. 111 do Código Civil, “o silêncio importa anuência” apenas “quando as
circunstâncias ou os usos o autorizarem”, o que não ocorre no caso da estipu-
lação de não concorrência na transferência de participações societárias.
Em suma: nas alienações empresariais, deve-se respeitar a regra geral que
privilegia a liberdade de iniciativa e a liberdade de concorrência. Exceções
somente existem se expressamente contratadas, nos limites da legalidade47.
48. As aspas que iniciam e findam as falas dos “personagens” foram acrescentadas. Os
embargos, posteriormente opostos, foram rejeitados e o acórdão confirmado.
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294 CONTRATOS EMPRESARIAIS
Tratemos das regras gerais, e não das patologias, dos abusos e das exceções
postas por textos normativos específicos49. Sabe-se que os contratos podem ter
prazo determinado e indeterminado. Quando celebrados por prazo determi-
nado, deixam de vincular as partes tão logo atingido o seu termo. Quando por
prazo indeterminado, comportam denúncia unilateral, nos limites da lei. Ao
menos nos contratos comerciais, não existe vinculação ad aeternum. “Nenhum
vínculo é eterno”, asseveram constantemente nossos Tribunais. “[O]rientada
a ordem econômica pelo princípio da livre concorrência (art. 170, IV, da Cons-
tituição Federal), não se pode negar à parte a possibilidade de desvincular-se
de determinado contrato, na hipótese em que prefira contratar outra empresa
do ramo, ou adotar formato diverso para conduzir suas atividades”50.
Esta regra vale até mesmo para as sociedades limitadas. Em que pesem
opiniões doutrinárias contrárias, sabiamente os Tribunais nacionais reconhe-
ceram que, sendo a sociedade por prazo indeterminado, o sócio pode dela se
desvincular, recebendo seus haveres51.
Tem-se defendido que existiria um “princípio de preservação dos con-
tratos” a obrigar o intérprete a se esforçar para manter os ajustes em vigor. A
terminologia empregada já induz à confusão. Quando a doutrina e a juris-
prudência referem-se à ideia de “preservação dos contratos” têm em mente o
gabarito bem sintetizado na Segunda Regra de Pothier, que manda preferir, se
possível, a interpretação que não leva à inutilidade do pacto, trilhando estrada
que não termina na sua nulidade52.
49. Como é o caso do art. 720 do Código Civil: “ Art. 720. Se o contrato for por tempo
indeterminado, qualquer das partes poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de
noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do
investimento exigido do agente”.
50. TJSP, Apelação nº 0109819-53.2006.8.26.0100, 19ª Câmara de Direito Privado, Rel.
Desembargador Mario de Oliveira, julgado em 6 de junho de 2016.
51. V. Paula Andrea Forgioni, A unicidade do regramento jurídico das sociedades limi-
tadas e o art. 1.053 do C.C.. Usos e costumes e regência supletiva, p. 7-12.
52. V., também, sobre o tema, a monografia de Cristiano Zanetti, A conservação dos
contratos nulos por defeito de forma, p. 55 e s. Lembre-se, também, que essa regra
consta dos “Princípios Unidroit de Direito dos Contratos”, sendo sempre relacionada
à interpretação útil: “4.5. Intepretação útil. Os termos de um contrato devem ser
interpretados de modo a que se dê efeito a todos eles, ao invés de privar quaisquer
deles de efeito” [tradução de Lauro Gama, disponível em https://www.unidroit.org/
overview-principles-2010-other-languages/portuguese-black-letter, acesso em 14
de janeiro de 2018].
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL | 295
“Quando huma clausula he susceptível de dous sentidos, deve entender-
-se naquele, em que ella póde ter efeito; e não naquele em que não teria
effeito algum”.53
Sobre a racionalidade e a utilidade dessa pauta de interpretação no
direito comercial, lembre-se que se encontra visceralmente ligada à con-
creção da função econômica dos negócios. Se as partes não contratam pelo
mero prazer de trocar declarações de vontade, como assinalou Chiovenda,
o contrato deve ser concebido de acordo com uma função [= função eco-
nômica = causa] e a interpretação da avença deve levar à sua consecução.
Caso contrário, atirar-se-ia o negócio à inutilidade – decisão incompatível
com a lógica do sistema.
Em suma: se as partes contrataram, seu escopo era atingir determinada
função econômica, pois o negócio não pode racionalmente ser entendido
como atividade de deleite. Deve-se atender à função econômica ao interpretar
o contrato. Negar-lhe o escopo típico [ou querido pelas partes] é sepultar seu
pressuposto de existência. Por ser contrária à noção de função econômica
dos pactos, evita-se a interpretação que leva à inutilidade de alguma de suas
disposições.
Não se deve empregar terminologia consagrada [“princípio da preservação
do contrato”] para referir algo totalmente diferente. Uma coisa é a manutenção
do negócio porque se prestigia a interpretação que não leva à nulidade/inuti-
lidade do pacto. Outra bem diversa seria uma máxima exegética ordenando
privilegiar a manutenção da vinculação das partes, em detrimento de sua li-
berdade. Sempre com o respeito por aqueles que entendem diversamente, esse
último “princípio” não existe no direito comercial, especialmente nas relações
entre partes sofisticadas54.
Em ajustes entre empresas, como vêm reconhecendo a melhor juris-
prudência, uma das maiores pautas de interpretação é o pacta sunt servanda.
Sua aplicação não visa a corroborar abusos, mas a dar concreção ao que as
partes contrataram [função econômica que desejaram para o ajuste comum],
sempre nos limites deixados à autonomia da vontade pelo ordenamento
jurídico.
1. Sobre a interpretação dos contratos entre empresas, v. Paula A. Forgioni, Teoria geral
dos contratos empresariais, 2. ed., São Paulo, RT, 2010.
2. Inocêncio Galvão Telles, Manual dos contratos em geral, 360.
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300 CONTRATOS EMPRESARIAIS
6. A questão longe está de ser pacífica, notando-se, nos últimos anos, movimento a
favor da imposição do dever de renegociar e, com isso, de manter o contrato. Na
opinião dos adeptos dessa corrente, o dever de renegociar não afrontaria a autonomia
negocial das partes porque “a obrigação de renegociar, de acordo com a exigência
própria dos contratos de longo período, permite a realização e não a alteração da
vontade das partes” [Pasquale Gerardo Marasco, La rinegoziazione e l’intervento
del giudice nella gestione del contratto, 553].
7. É defeso à parte abusar de sua prerrogativa de não modificar o contrato. No entanto,
são notórias as dificuldades de se impedir o oportunismo, em virtude da fluidez das
fronteiras que separam o uso do abuso do direito de não se vincular.
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302 CONTRATOS EMPRESARIAIS
10. Segundo Melvin A. Eisenberg, as “novas” regras propostas pela doutrina especializada
para o tratamento jurídico dos contratos relacionais orientam-se pelos seguintes
parâmetros: [i] tornar mais flexível ou mesmo superar o clássico esquema “oferta/
aceitação” como base para a formação do contrato; [ii] diminuir a intolerância a
regras contratuais indefinidas, tais como agreements to agree, obrigações para a ne-
gociação conforme os princípios da boa-fé etc. [ou seja, reavaliação do tratamento
de cláusulas gerais]; [iii] aumentar as possibilidades de alteração contratual em
casos de modificação das circunstâncias, tais como impossibility, impractibability, and
frustration, causas legítimas para o descumprimento do pacto; [iv] atribuir maior
eficácia a cláusulas do tipo “melhores esforços”; [v] tratar os contratos relacionais
como autênticas sociedades [partnerships] uma vez que envolvem empresa comum;
[vi] conferir caráter unitário aos contratos relacionais; [vii] impor aos contratantes
o dever de negociar conforme a boa-fé, praticar preços “equitativos”, quando hou-
ver modificação do contexto contratual, e até instituir para uma das partes o dever
de aceitar essa mudança; [viii] permitir aos Tribunais adaptarem ou revisarem as
cláusulas contratuais, incluindo preços, dentro de um contexto em que as perdas de
uma parte fossem compensadas pelo lucro obtido pela outra [Relational contracts,
298-299].
11. No original: “è inutile e irrilevante andare a ricercare uma volontà ‘supponibile’ o
‘presumibile’, che in realtà non ci fu” [Teoria generale del negozio giuridico, 343].
12. Ao comentar o art. 704 do Código Civil Português, leciona Inocêncio Galvão Telles:
“Porque se manda aí atender às consequencias usuais? Porque os sujeitos, conquanto
as não tenham mencionado, decerto as quiseram, ou pelo menos as teriam querido,
caso as houvessem previsto. Ora, se é assim, porque não considerar também abrangi-
das no contrato cláusulas que as partes não expressaram, mas que teriam querido se
tivessem pensado nelas e na sua possível necessidade? A resposta afirmativa impõe-
-se, pelo menos todas as vezes que sem a integração da lacuna se torne impossível
a execução da declaração de vontade no seu conjunto. O critério orientador é aqui
o mesmo que vimos dominar os problemas, afins a este, da redução e conversão dos
contratos: a determinação da vontade conjectural ou hipotética das partes. Não se
trata de averiguar o que estas provavelmente quiseram, mas o que teriam querido se
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304 CONTRATOS EMPRESARIAIS
13. REsp 88.176, rel. Moreira Alves, RTJ 92:251. Sobre a jurisprudência italiana, no
mesmo sentido da brasileira, cf. Guido Santoro, La responsabilità contrattuale, 764
e ss.
14. Essa situação ocorreria na presença dos seguintes elementos [i] controle da facilidade
essencial por agente econômico detentor de posição dominante; [ii] impossibilidade
de o contratante que pretende obter a facilidade essencial construí-la ou obtê-la de
outra forma razoável; [iii] recusa de acesso para um concorrente e [iv] possibilidade
de fornecimento de acesso à facilidade essencial pela empresa em posição dominan-
te, ou seja, “the feasibility of providing the facility”. Sobre o tema das facilidades
essenciais, a doutrina antitruste é muito extensa. Para síntese das diversas posições,
cf. Hovenkamp, Federal antitrust policy, 305 e ss. V., também, Paula A. Forgioni, Os
fundamentos do antitruste, 322 e ss.
15. “Art. 194. O preço de venda pode ser incerto, e deixado na estimação de terceiro;
se este não puder ou não quiser fazer a estimação, será o preço determinado por
arbitradores”.
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306 CONTRATOS EMPRESARIAIS
continua presente no art. 485 do atual Código Civil. Há, contudo, diferença
entre essas disciplinas: O Código Comercial estipulava que, caso o terceiro
não quisesse ou não pudesse cumprir sua função, ela seria desempenhada
por arbitradores.16-17 O atual Código Civil, visando a não obrigar as partes
àquilo que não contrataram, sinaliza que, nos contratos de compra e venda,
na hipótese de o terceiro não aceitar a incumbência, “ficará sem efeito o
contrato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa”
[art. 485].
Alternativamente, é facultado às empresas convencionarem, no início da
vida contratual, que uma delas será responsável por completar o regramento.
Como ressaltou certo autor, “[a] atribuição a um contratante do poder de de-
terminar unilateralmente o conteúdo do contrato incompleto constitui, em
certas operações econômicas, solução necessária ou preferível, na falta da qual
os interesses das partes não poderiam se realizar ou não restariam plenamente
satisfeitos”.18
Os pontos a serem completados desempenham função econômica impor-
tante no negócio celebrado, revelando-se indispensáveis para o sucesso do
empreendimento comum. Exemplo clássico é a cláusula de estoque mínimo,
mediante a qual se atribui ao fornecedor a faculdade de, durante a vida do
contrato, estabelecer ou alterar a quantidade de bens que o distribuidor deverá
manter em estoque. A função econômica dessa estipulação relaciona-se ao bom
atendimento ao consumidor; se não encontrar o produto no estabelecimento
do distribuidor, poderá dirigir-se àquele do concorrente.
A licitude dessas estipulações contratuais é muitas vezes contestada,
sustentando alguns que seriam puramente potestativas, vedadas em nosso or-
denamento jurídico pelo art. 122 do Código Civil.19 A potestatividade restaria
configurada “quando se releva ao exclusivo arbítrio de uma das partes todo o
16. Isto é, por peritos arbitradores nomeados em juízo, consoante arts. 189 a 205 do
Decreto 737, de 1850.
17. A referência é de José Alexandre Tavares Guerreiro, baseado nas lições de Luiz
Gastão Paes de Barros Leães [Fundamentos da arbitragem do comércio internacional,
32].
18. Antonio Fici, Il contratto incompleto, 54.
19. Art. 122, in verbis: “São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à
ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que
privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma
das partes”.
INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 307
efeito da manifestação da vontade, não possibilitando à outra parte a interfe-
rência volitiva nessa formação”.20
É importante retomar a distinção encetada pela doutrina civilista entre
as cláusulas puramente potestativas [ou potestativas puras], fulminadas pela
nulidade, e aquelas meramente potestativas, que seriam válidas. Nas primeiras,
a eficácia do ato jurídico [ou seja, a produção de seus efeitos típicos] fica con-
dicionada à vontade exclusiva de uma das partes.21 Nas cláusulas meramente
potestativas o devedor não está sujeito ao capricho do credor. Elas “dependem
da prática de algum ato por parte do contraente, na dependência, porém, do
exame de circunstâncias que escapam ao controle dele”, afirma Washington de
Barros Monteiro.22 Para Carvalho Santos, na “condição simplesmente potesta-
tiva, [...] o evento não está subordinado única e exclusivamente à vontade ou
ao arbítrio da parte, mas depende também de um conjunto de circunstâncias,
que independem de sua vontade”.23
A potestatividade será afastada se os efeitos da cláusula dependerem de
circunstâncias objetivas24 que se relacionam à busca do êxito do empreendi-
mento comum, e não apenas da vontade de uma das partes. Justificam-se e
embasam-se, pois, na função econômica pressuposta pelas partes quando da
contratação.
O parâmetro da função econômica é fundamental por conferir objetividade
à determinação dos limites da licitude do exercício de poder que, embora
unilateralmente detido, foi por ambas as empresas atribuído a apenas uma
delas.
Essa conclusão não afasta a condenação do abuso nos contratos interem-
presariais, repelindo-se o exercício disfuncional [= contrário à função econô-
mica] da faculdade de colmatar unilateralmente as lacunas contratuais, nos
termos do art. 187 do Código Civil. Esse abuso tem lugar quando a empresa
“completa” o regramento não respeitando a função econômica da cláusula,
que justificou a atribuição desse poder a apenas uma das partes, dispensando
20. Superior Tribunal de Justiça, REsp 54.989, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,
publicado em 23.06.1997.
21. Para Pontes de Miranda , a “potestatividade pura estabelece o arbitrário, que é a
privação do direito, da relação jurídica; [...] o querer puro, sem limites, repugna ao
direito” [Tratado de direito privado, t. V, 157].
22. Curso de direito civil, v. 1, 238.
23. Código Civil brasileiro interpretado, III, 34.
24. Paula A. Forgioni, Contrato de distribuição, 267 e ss.
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308 CONTRATOS EMPRESARIAIS
25. A doutrina em língua inglesa costuma referir-se ao poder conferido por essas cláusu-
las como discretionary power. Sobre o tema, cf. Hugh Collins, Discretionary powers
in contracts. Em interessante conclusão, o autor aponta a “dimensão implícita” das
“legítimas expectativas” das partes como parâmetro a ser levado em consideração
no controle do exercício dos poderes discricionários.
26. “Le pronunce che rinviano al principio di buona fede sono in costante crescita. Più
frequente che in passato è anche il ricorso alla nozione di abuso del diritto” [Bellan-
tuono, I contratti incompleti nel diritto e nella economia, 337]. No mesmo sentido,
Guido Alpa, La buona fede integrativa: note sull’andamento parabolico delle clausole
generali, 155.
“Particolarmente rilevanti appaiono oggi la normazione ed i principi comunitari al
fine della interpretazione-integrazione di quelle formule elastiche, siano esse o meno
clausole generali, a contenuto variabile, rispetto alle quali è affidato all’interprete il
compito di concretizzarne il contenuto, in linea con i criteri assiologici desumibili
dal sistema normativo nelle sue varie articolazioni ed ai suoi vari livelli” [Fabrizio
Criscuolo, Adeguamento del contratto e poteri del giudice, 195]. Para comentário de
sentenças da Corte de Cassação italiana reconhecendo a boa-fé integrativa, concluin-
do que “l’applicazione del principio di buona fede si esplica in un’attività negoziale
di integrazione del texto contrattuale, che deve essere inteso così come lo avrebbero
voluto contraenti onesti e leali”, cf. Veronica Todaro, Buona fede contrattuale: nuovi
sviluppi della Cassazione.
É inegável o contexto favorável à expansão da aplicação das cláusulas gerais em que
hoje nos encontramos, especialmente em relação aos contratos complexos. Sempre
é útil recordar a lição de Stefano Rodotà: em determinados contextos, afloram as
cláusulas gerais por uma questão de necessidade: “In verità, più che da una ferrea
legge, la fortuna o il declino delle clausole generali dipendono dallo specifico contesto
INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 309
Existe tendência de resolução dos conflitos tomando como norte as chamadas
cláusulas gerais, ainda mais acentuada após a edição do novo Código Civil.
A consideração da boa-fé como vetor da disciplina dos contratos substitui
a lógica oportunista, advantage-taking, por outra colaborativa, que impele os
agentes econômicos à atuação em prol do fim comum.27 “Se as partes firmaram
acordo é porque comungavam do mesmo objetivo. Ocorre que se o objetivo é
comum, é necessário que as partes colaborem antes, durante e após a conclusão
do contrato para a sua consecução”.28-29
Mostra-se fundamental para a integração do negócio a demarcação da sua
função econômica – ungida à “natureza” e ao “espírito” da associação. O dever
de colaboração impõe-se para a consecução desse fim comum; a partir dele
borbotarão condutas obrigatórias para as partes, objetivadas [e previsíveis]
pelo mercado. Tudo é sempre feito a partir da observação do que normalmente
ocorre na prática comercial, a ponto de gerar legítima expectativa, i.e., fundada
confiança de que a outra parte comportar-se-ia de acordo com a praxe. 29
É com essa perspectiva objetiva, ligada à prática, que a boa-fé vai se abrindo
em comportamentos concretos,30 assumindo função integrativa admitida pela
doutrina.31 Transforma-se, além de parâmetro de interpretação, em fonte de
storico in cui di volta in volta devono essere riguardate” [Le fonti di integrazione del
contratto, 187].
27. Francesco Macario, Rischio contrattuale e rapporti di durata nel nuovo diritto dei
contratti: della presupposizione all’obbligo di rinegoziare, 229.
28. Calixto Salomão Filho, Breves acenos para uma análise estruturalista do contrato, 15.
“A função da ideia de boa-fé no direito contratual, especialmente se este é entendido
como instrumento de organização social – e essa é sem dúvida uma premissa que
precisa ser aceita [...] – é permitir a cooperação contratual entre as partes no cumpri-
mento dos objetivos econômicos do contrato. Na verdade, a boa-fé nada mais é que
um dos corolários da ideia cooperativa” [Breves acenos para uma análise estruturalista
do contrato, 21].
29. A ideia de colaboração como inerente ao contrato vem repisada no art. 1.202 dos
Princípios de Direito Europeu dos Contratos, nos seguintes termos: “Each party
owes to the other a duty to co-operate in order to give full effect to the contract”.
30. Roppo, Il contratto, 495 e ss.
31. “Da tempo dottrina e giurisprudenza riconoscono nella buona fede [oggettiva]
un’importantissima fonte d’integrazione del contratto. Para a resenha bibliográfica
sobre a boa-fé integrativa, v. Ernesto Capobianco, Il contratto dal testo alla regola,
201, e, também, Roppo, Il contratto, 505. Ainda sobre a função integrativa da boa-
-fé, explica Judith Martins-Costa: “para que possa ocorrer uma coerente produção
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310 CONTRATOS EMPRESARIAIS
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