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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Contratos Empresariais
Teoria Geral e Aplicação
Paula A. Forgioni
Prefácio: Natalino Irti

4.ª edição revista, atualizada e ampliada

1.ª edição: 2015; 2.ª edição: 2016; 3.ª edição: 2018.

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Fechamento desta edição: [07.03.2019]

ISBN 978-85-5321-399-3
PREFÁCIO
Um livro do diálogo

1. A língua italiana conhece o substantivo “empresário”, que designa


aquele que assume o exercício de uma atividade, mas não o adjetivo “empre-
sário”, que possa ser atribuído a um instituto jurídico como predicado. Assim,
é obrigada a utilizar o genitivo objetivo: contratos de empresa ou da empresa.
Mas, a “coisa” existe: o fenômeno jurídico recebe o mesmo relevo dou-
trinário e prático, assinalado no arguto texto de Paula Forgioni. Depois de um
volume desbravador de Enrico Redenti, desponta o curso de lições ministradas
por Arturo Dalmartello, eminente professor de direito comercial da Università
Cattolica del Sacro Cuore. Naquela pequena obra-prima, Contratti delle imprese
commerciali, são instituídas e desenvolvidas conexões, econômicas e jurídicas,
entre contrato e as fases da vida da empresa, lançando, portanto, uma ponte
entre as duas margens do direito privado [direito civil e direito comercial].
É a imagem da ponte que se amolda à monografia da Forgioni, que, no
largo e arejado desenho do livro, liga os dois âmbitos, e não sacrifica nem o
antigo rigor do direito civil, nem a fresca vitalidade do direito comercial. O
escopo de lucro é o pilar central, que sustenta e consolida as arcadas.
2. Nem o contrato nem a empresa vivem na solidão, fechados e exauridos
em si mesmos, mas pertencem, especialmente na nossa era, à unidade econô-
mica e jurídica do mercado.
Nítido mérito da autora é destacar esse intrínseco e recíproco perten-
cimento, no qual contratos e empresas “fazem” o mercado; fora dele, ou são
inconcebíveis, ou assumem outra e diversa fisionomia. O mercado – explica
em várias passagens Paula Forgioni – não é um lugar imaginário e abstrato,
mas uma unidade jurídica, fundada no princípio pacta sunt servanda, isto é, no
caráter vinculante e imperativo do acordo.
O mercado, na sua própria ordem jurídica, é, por assim dizer, o terreno
de encontro entre contrato e empresa, entre a tradição severa dos institutos
civilísticos e a impetuosa modernidade das trocas.
3. A página do prefácio, que a autora gentilmente solicitou ao colega ita-
liano, não pode nem resumir o denso conteúdo do livro nem percorrer os nove
capítulos, onde a análise desenvolve-se sempre mais persuasiva e profícua.
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6    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Mas, esta introdução deve pelo menos destacar, em comunhão e íntima


consonância, o tema weberiano da racional calculabilidade: tema sobre o qual
a Forgioni mostra singular sensibilidade e fundada atenção. É o pacta sunt
servanda assegurado pela autoridade coercitiva dos Estados que oferece, ou
deveria oferecer, a garantia da calculabilidade: as partes do negócio contam
com aquilo que virá; não se debruçam sobre um amanhã obscuro de incógnitas
e de sombras, mas sobre um curso previsível das coisas.
Esta calculabilidade fia-se, em grande medida, na interpretação e na
execução do contrato, na forma como as cláusulas são entendidas e aplicadas.
Explica-se, assim, o amplo [e apaixonado] tratamento que a autora reserva a
tais temas nos três últimos capítulos, nos quais o especialista saberá colher a
rara síntese entre quadro doutrinário, senso prático e casuística.
4. Estas pequenas páginas introdutivas encerram-se com o cálido e sereno
elogio ao diálogo que, há quase um século, desenvolve-se e avoluma-se entre
as culturas jurídicas italiana e brasileira. Foi, primeiramente, o exílio de Tullio
Ascarelli que, com fulgores de intuição, abriu novas estradas ao direito da eco-
nomia; após, a sensibilidade ‘missionária’ de um grande jurista, Emilio Betti,
meu venerado professor; esses e outros interlocutores, a provomer o diálogo, a
trazer riqueza mútua, a deixar incentivos e estímulos às gerações subsequentes.
Paula Forgioni [que possui o sinal do diálogo já na síntese do nome e do
sobrenome], inscreve-se nessa tradição, utiliza seus resultados mais firmes e
modernos e, assim, oferece à doutrina comercialista brasileira uma contribuição
de segura importância e de franca originalidade.

Natalino Irti
Professor emérito de Direito Civil
da Università di Roma “La Sapienza”.
Sócio nacional da Accademia dei Lincei.
PREFAZIONE
Un libro del dialogo

1. La lingua italiana conosce il sostantivo ‘impresario’, designante colui


che assume l’esercizio di un’attività, ma non l’aggettivo ‘impresario’, che possa
attribuirsi, come predicato, anche ad un istituto giuridico. E perciò è costretta
a utilizzare il genitivo oggettivo: contratti d’impresa o dell’impresa.
Ma la ‘cosa’ c’è: voglio dire che il fenomeno giuridico vi riceve lo stesso
rilievo dottrinario e pratico, segnalato nell’acuto saggio di Paula Forgioni. Dopo
un volume precorritore di Enrico Redenti, spicca il corso di lezioni, tenuto da
Arturo Dalmartello, eminente maestro di diritto commerciale nell’Università
Cattolica del Sacro Cuore. Piccolo capolavoro, i ‘Contratti delle imprese com-
merciali’, che istituiscono e svolgono le connessioni, economiche e giuridiche,
fra contratto e fasi di vita dell’impresa, e dunque – potrebbe pur dirsi – gettano
un ponte fra le due rive del diritto privato [diritto civile e diritto commerciale].
E l’immagine del ponte pur si attaglia alla monografia della Forgioni,
che, nel largo e arioso disegno del libro, collega i due àmbiti, e non sacrifica
né l’antico rigore del diritto civile né la fresca vitalità del diritto commerciale.
Lo scopo di lucro è il pilone centrale, che sostiene e consolida le arcate.
2. Né il contratto né l’impresa vivono in solitudine, come racchiusi ed
esauriti in se stessi, ma appartengono, specie nell’età nostra, all’unità economica
e giuridica del mercato.
Pregio perspicuo dell’autrice è proprio nell’avvertire codesta intrinseca e
vicendevole appartenenza, onde contratti e imprese ‘fanno’ il mercato e fuori
di esso o non sono concepibili o prendono altra e diversa fisionomia. Il mer-
cato – spiega in più pagine Paula Forgioni – non è un luogo immaginario e
astratto, ma un’unità giuridica, fondata sul principio ‘pacta sunt servanda’, cioè
sul carattere vincolante e imperativo dell’accordo.
Il mercato, nel suo proprio ordine giuridico, è, per così dire, il terreno
d’incontro fra contratto e impresa, fra la tradizione severa degli istituti civilistici
e l’impetuosa modernità degli scambî.
3. La pagina di prefazione, che l’autrice ha cortesemente chiesto al collega
italiano, non può né riassumere il denso contenuto del libro né ripercorrerne
i nove capitoli, dove sempre più stringente e proficua si svolge l’analisi.
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8    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Ma l’introduttore deve almeno segnalare, con partecipe e intima conso-


nanza, il tema weberiano della razionale calcolabilità: tema, verso il quale la
Forgioni mostra singolare sensibilità e fondata attenzione. Proprio il ‘pacta
sunt servanda’, presidiato dall’autorità coercitiva degli Stati, offre, o dovrebbe
offrire, la garanzia della calcolabilità: le parti del negozio contano su ciò che
verrà; non si affacciano su un domani oscuro d’incognite e di ombre, ma su un
corso prevedibile delle cose.
Questa calcolabilità si affida, in larga misura, all’interpretazione ed
­esecuzione del contratto, al modo in cui le clausole sono intese ed applicate.
Si spiega così l’ampia [e – si direbbe – appassionata] trattazione, che l’autrice
riserva a tali temi negli ultimi tre capitoli: nei quali il letterato saprà cogliere
la rara sintesi fra quadro dottrinario, senso pratico, gusto casistico.
4. Queste paginette introduttive vogliono chiudersi con il caldo e sere-
no elogio per il dialogo, che, da poco meno di un secolo, si svolge e infittisce
fra le culture giuridiche italiana e brasiliana. Fu dapprima l’esilio di Tullio
Ascarelli, il quale con bagliori d’intuizione ha aperto nuove strade al diritto
dell’economia; poi la sensibilità ‘missionaria’ di un grande giurista, Emilio Betti,
mio venerato maestro; furono, questi ed altri interlocutori, a promuovere il
dialogo, a trarne vicendevole ricchezza, a lasciarne spunti e incitamenti alle
generazioni successive.
Paula Forgioni [la quale reca, già nella sintesi del nome e cognome, il
segno del dialogo] si iscrive in questa tradizione, ne utilizza i risultati più fermi
e moderni, e così reca alla dottrina commercialistica del Brasile un contributo
di sicura importanza e di schietta originalità.

Natalino Irti
Professore emerito di diritto civile
nell’Università di Roma “La Sapienza”.
Socio nazionale dell’Accademia dei Lincei.
SUMÁRIO

PREFÁCIO: Um livro do diálogo – Natalino Irti................................................... 5

PREFAZIONE: Un libro del dialogo – Natalino Irti.............................................. 7

INTRODUÇÃO: A REDESCOBERTA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS E


SUA DINÂMICA COMO UM PROCESSO............................................................. 17

1. DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS.......................................... 23

1.1 Atividade empresarial e contratos. Mercado e teia contratual.................. 23


1.2 Negócios empresariais, negócios jurídicos e contratos no direito e na
economia................................................................................................... 25
1.3 As partes dos contratos empresariais........................................................ 27
1.4 Definição dos contratos empresariais. A exclusão dos contratos com
consumidores............................................................................................ 28
1.5 Contratos empresariais como categoria autônoma................................... 32
1.6 O escopo de lucro presente em todos os seus polos como marca e guia
dos contratos empresariais........................................................................ 38
1.7 Uma necessária digressão histórica: os cismas das categorias contra-
tuais e a consolidação dos contratos empresariais.................................... 39

2. CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS................................. 45

2.1 Por que classificar? Classificação tradicional dos contratos e a necessi-


dade de novas categorias........................................................................... 45
2.2 Quanto ao grau de vinculação futura entre as partes: contratos instan-
tâneos [“spot”], híbridos e societários...................................................... 48
2.3 Quanto ao grau de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente
típicos........................................................................................................ 50
2.3.1 A criação dos contratos socialmente típicos pela prática de mer-
cado............................................................................................... 52
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10    CONTRATOS EMPRESARIAIS

2.3.2 Cláusulas socialmente típicas....................................................... 53


2.4 Quanto à abrangência do objeto: contratos-quadro e contratos satélite... 53
2.5 Quanto ao grau de ligação: contratos coligados e contratos indepen-
dentes........................................................................................................ 57
2.6 Quanto ao grau de complexidade: contratos simples e contratos com-
plexos........................................................................................................ 58
2.7 Quanto ao grau de completude do regramento: contratos completos e
incompletos. Existem contratos completos?............................................ 60
2.8 Quanto ao interesse principal da parte no contrato: contratos de presta-
ção e contratos de relação [ou contratos relacionais]............................... 62
2.9 Quanto ao tipo de negociação que lhes dá origem: contratos de adesão
e contratos negociados.............................................................................. 65
2.10 Quanto ao grau de poder econômico das partes: contratos paritários e
contratos em que há situação de dependência econômica....................... 66
2.10.1 Contratos aos quais a dependência econômica é inerente............ 68
2.10.2 Contratos em que o grau de dependência econômica aumenta
durante sua execução.................................................................... 68
2.11 Quanto à ligação a contratos celebrados entre terceiros: contratos isola-
dos e contratos em rede............................................................................ 69

3. FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS.......................................... 73

3.1 Introdução. Peculiaridades da formação dos contratos empresariais....... 73


3.2 A seleção do parceiro................................................................................ 73
3.3 A seleção dos advogados. Riscos empresariais e hindsight effect............... 75
3.4 O processo de negociação......................................................................... 76
3.5 Os documentos produzidos na fase de negociação................................... 77
3.6 Responsabilidade pela ruptura das negociações....................................... 79
3.7 A redação dos instrumentos do contrato.................................................. 80
3.8 O momento da vinculação........................................................................ 81
3.9 Operação econômica, negócio jurídico e contratos empresariais. A ar-
quitetura jurídica do negócio.................................................................... 82
3.10 O nome dos contratos............................................................................... 83
3.11 Cláusulas contratuais................................................................................ 84
3.12 Disposições finais, cláusulas de estilo ou “boilerplate clauses”................. 85
3.13 Omissões e dubiedades propositais.......................................................... 86
3.14 O momento da assinatura. O início da vida do contrato.......................... 88
Sumário  | 11
4. A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS – Regras jurídicas que vincu-
lam as partes durante a execução do contrato e algumas de suas condicio-
nantes comportamentais.................................................................................... 89

4.1 As normas que regem a vida do contrato. As chamadas “fontes do


Direito”..................................................................................................... 89
4.2 A importância das regras legais dispositivas no processo de barganha e
na formatação do negócio......................................................................... 91
4.3 Quem, efetivamente, dá execução ao contrato, construindo sua vida?.... 92
4.4 As modificações do negócio jurídico ao longo do tempo. A nova regra
em conflito com a anterior........................................................................ 94
4.5 Modificações informais de contratos formais. A tendência de não se
alterar o instrumento firmado durante a vida do contrato....................... 98
4.6 Ainda sobre as modificações informais dos contratos formais. O exage-
ro na aplicação indiscriminada de institutos derivados da boa-fé objeti-
va [supressio, surrectio, venire contra factum proprium e tu quoque]........... 98
4.7 A superação do exacerbado positivismo que dominou a análise jurídica
dos contratos no século XX e a importância do contexto contratual....... 99
4.8 O impacto de tendências comportamentais das partes sobre a vida dos
contratos que celebram............................................................................. 101
4.9 Breves notas de economia comportamental.............................................. 102
4.9.1 Excessivo otimismo...................................................................... 103
4.9.2 Excessiva autoconfiança/self-serving bias...................................... 103
4.9.3 Hindsight bias.................................................................................. 104
4.9.4 Falso consenso.............................................................................. 104
4.9.5 Persistência na decisão.................................................................. 104
4.9.6 Reciprocidade............................................................................... 104
4.9.7 Aversão à iniquidade..................................................................... 105
4.9.8 Tendência de pertencer a grupos.................................................. 105
4.9.9 Endowment effect............................................................................. 106
4.9.10 Senso de justiça............................................................................. 106
4.9.11 Ancoragem/excessivo foco............................................................ 106

5. VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS..... 107

5.1 A necessária busca dos traços comuns dos contratos mercantis............... 107
5.2 Escopo de lucro......................................................................................... 108
5.3 Pacta sunt servanda...................................................................................... 109
5.4 Limitações à autonomia privada............................................................... 112
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12    CONTRATOS EMPRESARIAIS

5.5 O norte do contrato: sua função econômica............................................. 117


5.6 Segurança e previsibilidade....................................................................... 119
5.7 Agentes econômicos “ativos e probos”..................................................... 120
5.8 Egoísmo/oportunismo do agente econômico............................................ 122
5.9 O agente econômico responde a incentivos e a desincentivos.................. 124
5.10 O agente econômico é o melhor senhor de suas próprias razões............. 125
5.11 Boa-fé nos contratos empresariais............................................................. 125
5.12 Confiança nos contratos empresariais...................................................... 134
5.13 Usos e costumes........................................................................................ 137
5.13.1 Globalização e usos e costumes.................................................... 142
5.14 Custos de transação.................................................................................. 145
5.15 Contratos e necessidades dos agentes econômicos................................... 148
5.16 Contrato como instrumento de alocação de riscos................................... 148
5.17 Contrato e erro [jogada equivocada do agente econômico]..................... 151
5.18 Oportunismo e vinculação........................................................................ 154
5.19 Racionalidade limitada.............................................................................. 154
5.20 Incompletude contratual.......................................................................... 157
5.21 Desvio de pontos controvertidos.............................................................. 158
5.22 Ambiente institucional.............................................................................. 159
5.23 Tutela do crédito....................................................................................... 161
5.24 Forma nos contratos empresariais............................................................ 162
5.25 Contrato e informações............................................................................ 163
5.26 Informação e oportunismo [relação “principal/agente”].......................... 166
5.27 Modificação do comportamento pós-contratual [moral hazard].............. 168
5.28 Aumento da dependência econômica pelo contrato................................. 169
5.29 “Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”............................ 171
5.30 Contraponto: institutos tradicionais do direito mercantil e criação de
obrigações não expressamente desejadas pelas partes. Aviltamento da
segurança jurídica?................................................................................... 171

6. OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS.......................... 179

6.1 Os contratos empresariais: além dos contratos de intercâmbio e de so-


ciedade...................................................................................................... 179
6.2 O primeiro polo: os contratos de intercâmbio.......................................... 181
6.3 O segundo polo: as sociedades mercantis................................................. 182
6.3.1 A modelagem das sociedades conforme os interesses dos agen-
tes econômicos.............................................................................. 184
Sumário  | 13
6.3.2 Sociedades mercantis e a construção da responsabilidade limi-
tada............................................................................................... 185
6.3.3 Sociedades mercantis e a construção do princípio majoritário..... 187
6.4 Os contratos de colaboração não societários. A produção de novos con-
tratos pela praxe........................................................................................ 193
6.5 Principais características dos contratos de colaboração........................... 195
6.6 A lógica própria aos contratos de colaboração: por que cooperar?.......... 197
6.7 A visão dos economistas sobre os contratos de colaboração: as formas
híbridas..................................................................................................... 199
6.8 A tomada de decisão nos contratos de colaboração.................................. 201
6.9 A incompletude inerente aos contratos de colaboração........................... 203
6.10 Questões dogmáticas em aberto: inadimplemento nos contratos de co-
laboração e culpa recíproca....................................................................... 204
6.11 Segue: adimplemento suficiente............................................................... 205

7. INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS – Mercado, causa e


função econômica dos negócios. Racionalidade econômica x Racionalidade
jurídica............................................................................................................... 209

7.1 A herança da escola exegética e o desprezo pela interpretação................ 209


7.2 As regras que formatam a atuação das empresas nos contratos. Regras
endógenas e exógenas. Prática de mercado e interpretação dos contra-
tos empresariais........................................................................................ 212
7.3 Ainda sobre as peculiaridades da interpretação dos contratos empresa-
riais. Princípios jurídicos próprios ao direito comercial e formatação do
mercado..................................................................................................... 216
7.4 Causa e motivo: a necessidade de uma ótica de mercado. A importância
da função econômica................................................................................ 217
7.5 Causa como vetor da interpretação contratual. Novamente a função
econômica do negócio.............................................................................. 221
7.6 A racionalidade jurídica do direito comercial e a interpretação dos con-
tratos. Segurança e previsibilidade............................................................ 225
7.7 Racionalidade econômica e racionalidade jurídica................................... 228
7.8 A utilidade da racionalidade econômica para a racionalidade jurídica..... 234

8. REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS – Dire-


trizes clássicas e normas do Código Civil........................................................ 237

8.1 Interpretação da lei e interpretação dos contratos empresariais. A racio-


nalidade das regras tradicionais de interpretação..................................... 237
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14    CONTRATOS EMPRESARIAIS

8.2 O ponto de partida da interpretação dos contratos empresariais: seu


instrumento. Instrumento e contrato....................................................... 239
8.2.1 A importância do texto contratual. Muito além do fetiche da
palavra........................................................................................... 239
8.2.2 Texto e contexto. O significado das palavras e a prática dos con-
tratantes........................................................................................ 242
8.3 As regras clássicas de interpretação dos contratos empresariais inspira-
das em Pothier.......................................................................................... 242
8.3.1 Intenção comum das partes.......................................................... 245
8.3.2 A revelação da intenção comum das partes e a importância do
preâmbulo..................................................................................... 245
8.3.3 Interpretação pela preservação do contrato e não por sua nuli-
dade............................................................................................... 246
8.3.4 Natureza do contrato como condicionante da interpretação........ 246
8.3.5 Usos e costumes e interpretação do contrato empresarial............ 246
8.3.6 Usos e costumes e integração do contrato empresarial................ 247
8.3.7 Coerência e harmonia das cláusulas contratuais.......................... 248
8.3.8 Intepretação contra o estipulante e a favor do devedor................ 248
8.3.9 As partes somente se vinculam àquilo que contrataram............... 248
8.3.10 Referência à universalidade de coisas inclui todos os seus com-
ponentes........................................................................................ 249
8.3.11 Exemplos não excluem outros casos não referidos. O plural in-
clui o singular. O que está no fim da frase refere-se a toda ela..... 249
8.4 Diretivas gerais dos contratos empresariais inspiradas no art. 131 do
Código Comercial. Intenção comum das partes como norte interpreta-
tivo, comportamento concludente, boa-fé objetiva, força normativa dos
usos e costumes e interpretação a favor do devedor................................. 250
8.4.1 A importância do comportamento posterior das partes como
pauta interpretativa....................................................................... 252
8.5. Regras de interpretação dos contratos comerciais explicitadas por Cai-
ru. Padrão do comerciante ativo e probo, relevância do estilo mercantil
e dos usos e costumes............................................................................... 253
8.5.1 “Quem percebe o cômodo, não deve recusar o incômodo”.......... 255
8.5.2 “Não pode pretender lucro quem não concorreu para algum ne-
gócio com fundo, industrial, ordem, ou risco”............................. 255
8.6. As regras de interpretação dos negócios empresariais no Código Civil.... 255
8.6.1 Art. 113. Interpretação e boa-fé objetiva...................................... 257
8.6.2 Art. 112. Intenção das partes e vontade objetiva.......................... 260
8.6.3 Art. 423. Interpretação a favor do devedor................................... 262
Sumário  | 15
8.6.4 Art. 421. Função social do contrato............................................. 264
8.6.5 Art. 114. Interpretação restritiva dos negócios benéficos e da
renúncia. Interpretação restritiva da exceção............................... 265
8.6.6 Art. 157. Lesão/tendência de proteção à parte mais fraca............. 266
8.7 As presunções na interpretação dos negócios entre empresas.................. 268

9. INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO


FEDERAL – Interpretação a favor da livre-iniciativa e da livre-concorrência.... 271

9.1 Princípios constitucionais, ordem jurídica do mercado e contratos em-


presariais................................................................................................... 271
9.2 Livre iniciativa.......................................................................................... 274
9.3 Livre concorrência.................................................................................... 277
9.4 Liberdade de contratar.............................................................................. 279
9.5 Princípios constitucionais moldando os contratos empresariais.............. 282
9.6 Os contratos empresariais e a limitação voluntária das liberdades eco-
nômicas..................................................................................................... 282
9.7 Princípios constitucionais e seu reflexo sobre os contratos empresariais.... 284
9.8 Princípios constitucionais como regras de interpretação......................... 284
9.9 Princípios constitucionais como regras gerais dos contratos empresa-
riais........................................................................................................... 285
9.10 Ainda a questão dogmática: a força das regras gerais............................... 285
9.11 Aplicação da regra de interpretação em favor das liberdades econômi-
cas. Alguns exemplos concretos............................................................... 286
9.11.1 A exclusividade............................................................................. 286
9.11.2 Vedação à concorrência na alienação de estabelecimento comer-
cial [art. 1.147 do Código Civil] e cláusula de não concorrência
[“non compete”] contratada na alienação de controle de socieda-
de empresarial............................................................................... 287
9.11.2.1 Função econômica e tipologia das cláusulas de não
concorrência.................................................................... 287
9.11.2.2 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle.... 289
9.11.2.3 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle:
diferentes disciplinas de non compete. Limitação do
âmbito de aplicação do art. 1.147 do Código Civil........ 290
9.11.3 A necessária interpretação restritiva das cláusulas de non compete.... 292
9.12 O direito de não contratar e de pôr fim à relação contratual.................... 293
|
16    CONTRATOS EMPRESARIAIS

10. INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS – Lacunas e atuação


dos julgadores................................................................................................... 299

10.1 A integração dos contratos........................................................................ 299


10.2 A solução da incompletude contratual.................................................... 300
10.2.1 A solução da incompletude por novo acordo............................... 301
10.2.2 A solução da incompletude pelos usos e costumes...................... 301
10.2.3 A solução da incompletude pelo juiz ou pelo árbitro................... 302
10.2.4 A solução da incompletude pela atribuição voluntária de poder
decisório a terceiro ou a uma das partes....................................... 305
10.3 Boa-fé e incompletude.............................................................................. 308

BIBLIOGRAFIA....................................................................................................... 313

OUTRAS OBRAS DA AUTORA.............................................................................. 335


INTRODUÇÃO:
A REDESCOBERTA DOS CONTRATOS
EMPRESARIAIS E SUA DINÂMICA COMO UM PROCESSO

O correr dos olhos pela estrutura das obras que versam sobre contratos
comerciais editadas no Brasil nas últimas décadas evidencia que poucas pági-
nas deitam-se sobre sua teoria geral.1 Normalmente, esta é identificada com a
civilística, como se pouco houvesse de comum entre os negócios realizados
pelos empresários, a não ser que [i] estavam previstos no Código Comercial
ou [ii] tinham surgido da prática dos comerciantes.
Alguns traços não muito bem delineados são indicados como caracterís-
ticas próprias dos contratos mercantis [informalidade, cosmopolitismo etc.],
sendo raro o esforço dogmático para a compreensão do mecanismo de seu fun-
cionamento comum; tampouco, encontramos o desenvolvimento de conceitos
aptos a explicá-los em sua lógica peculiar, dos quais os juristas pudessem lançar
mão na interpretação e na sistematização desses negócios.
Nos últimos vinte anos, porém, quatro importantes fenômenos empurram
a modificação desse quadro: [i] consolidação do direito do consumidor; [ii]
desverticalização das empresas2 e incremento da utilização dos contratos de
colaboração interempresariais; [iii] desenvolvimento do pensamento microe­
conômico, que destrinça o processo empresarial de tomada de decisões e a
formação dos preços; e [iv] privatizações.

1. Como exemplo, duas das mais difundidas obras brasileiras sobre contratos mercantis:
Contratos e obrigações comerciais, de Fran Martins, e Contratos mercantis, de Waldirio
Bulgarelli. Podemos identificar duas partes na obra de Fran Martins. A primeira,
dedicada a aspectos gerais dos contratos [menos de um quinto da obra] e a segunda
sobre tipos específicos, começando pela compra e venda. Na parte geral, é evidente
debruçar-se o autor mais sobre o direito civil do que sobre o direito comercial. A
definição de contrato mercantil prende-se àquela antiga, esboçada por Carvalho de
Mendonça [77]. Bulgarelli segue a mesma estrada, dedicando a primeira parte de
seu livro quase que integralmente a considerações coincidentes com o direito civil.
2. Não nos ateremos, neste livro, à exata distinção terminológica entre sociedade [sujeito
de direito] e empresa [objeto de direito]. Para sua precisão, v. Waldirio Bulgarelli,
Sociedades comerciais, empresa e estabelecimento.
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18    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Não faz muito tempo, os contratos com consumidores integravam o direito


comercial. Embora alguns autores, como Cairu, já intuíssem as diferenças in-
trínsecas entre as “vendas de retalho ao povo” e os contratos entre mercadores,
todos acabavam merecendo tratamento jurídico semelhante. A compreensão
e expansão do direito do consumidor mostrara que existe classe diversa de
contratos, em que apenas um dos polos é orientado pela lógica empresarial do
lucro. Esse fato imprime diferenças profundas entre os ajustes com o público
e aqueles entre comerciantes. Entretanto, como veremos com mais vagar no
primeiro capítulo, o desenvolvimento dogmático brasileiro centrou-se apenas
no estudo dos negócios consumeristas, permanecendo os contratos mercantis
no limbo a que pareciam estar condenados. O “tomar-corpo dogmático” dos
contratos com consumidores obrigou os comercialistas a repensarem os ele-
mentos que, ao fim e ao cabo, dariam sentido à sua disciplina, forçando-os à
“[re]descoberta” dos contratos mercantis.
Em segundo lugar, assistimos ao incremento do volume de contratos
celebrados entre empresas, especialmente aqueles que visam a estabelecer um
liame estável entre elas. Em meados dos anos 90, Fábio Konder Comparato ob-
servava que “com o desenvolvimento do fenômeno dito de terceirização, tem-se
manifestado uma preferência marcante pela adoção do esquema reticular, em
que a vinculação entre as unidades empresariais já não se faz em termos de par-
ticipação societária de capital, mas adota antes a forma de contratos estáveis”.3
Estamos percebendo que os grupos empresariais têm se “desverticalizado”, ou
seja, as empresas não mais detêm o controle societário de fornecedores, com
eles celebrando contratos moldados para protrair-se no tempo.
Por terceiro, estamos todos dando-nos conta de que o estudo do mercado e
do comportamento dos agentes econômicos adquire importância nunca vista.4
Na busca de sua compreensão, os economistas, principalmente aqueles ligados
à Nova Economia Institucional,5 construíram importante instrumental de aná-

3. Estado, empresa e função social, 40.


4. A esse respeito, v. Paula A. Forgioni, A evolução do direito comercial brasileiro: da
mercancia ao mercado.
5. A expressão Nova Economia Institucional [NEI] teria sido inicialmente formulada por
um de seus maiores expoentes, Oliver Williamson, no ano de 1975. Entende-se que
sua origem repousa no artigo “The nature of the firm”, de Ronald Coase, publicado
em 1937 e esquecido por décadas. Para os economistas dessa corrente, a empresa
[que chamam de “firma”] não se resume a mero ente transformador de produtos,
mas em uma forma de organização. A NEI debruça-se e dá importância a institutos
que são pouco estudados pela economia clássica, tais como instituições, contratos,
formas de governança [ou seja, de organização econômica], direitos de propriedade
INTRODUÇÃO  | 19
lise do qual não podemos deixar de lançar mão. “Armados com este conjunto de
conceitos, torna-se consideravelmente mais fácil analisar o funcionamento do
mercado”6 e, portanto, das empresas e de sua atividade. Não é exagero afirmar
que a utilização desse instrumental catalisa a construção de uma teoria geral
moderna do direito comercial, auxiliando não apenas a construção, mas a com-
preensão de conceitos utilíssimos ao “adempimento dell’ufficio del giurista”.7
Como sempre advertiu Carnelutti, “[n]on v’è concetto giuridico, il quale non
supponga uno o più concetti non giuridici alla sua base”.8 A tradição do direito
mercantil sempre pregou a indispensabilidade da observação do comportamento
dos agentes econômicos, da sua prática, para a construção da ciência do direito.
“La conoscenza della vita del diritto commerciale è stata [...] in tutti i tempi
una premessa sicura anche se silenziosa dei giuristi che ad esso dedicarono la
loro vita”.9 A compreensão da realidade é pressuposto do estudo comercialista,10
por isso nossos clássicos nunca deixaram de empregar os ensinamentos dos
economistas. É tempo de revitalizarmos essa aliança, como nos propomos a
fazer no segundo ensaio deste livro.
O fenômeno da privatização também levou ao despertar dos contratos
mercantis. Diante das restrições a investimentos estatais diretos na economia,
a alienação do controle de sociedades cuja maioria das ações com direito a voto
pertencia ao Poder Público tornou-se realidade pelo processo de privatização
iniciado no final dos anos 80. A atividade de várias dessas pessoas jurídicas
liga-se à prestação de serviços públicos, de forma que funções antes desenvol-
vidas pelo Estado passam às mãos do setor privado, sujeitando-se à lógica do
lucro. Grandes sociedades, antes de economia mista, inserem-se agora no

e custos de transação. É importante notar que a Escola da “Nova Economia Insti-


tucional” não se identifica com a Escola de Chicago, sendo intenso o debate entre
elas. Os principais expoentes da Nova Economia Institucional são Ronald Coase,
Williamson e Douglass North, cujos trabalhos serão várias vezes referidos ao longo
destes ensaios.
6. No original: “Armed with this set of concepts it becomes considerably easier to analyze
the working of the market” [Richard Swedberg, Markets as social structures, 264].
7. Dicção de Carnelutti, ao explicar o escopo da teoria geral do direito.
8. Teoria generale del diritto, prefácio à segunda edição, vii.
9. Lorenzo Mossa, Scienze e metodi del diritto commerciale, 113.
10. É clássica a referência à observação de Vivante: “Non si avventurino mai in alcuna
trattazione giuridica se non conoscono a fondo la struttura tecnica e la funzione
economica dell’istituto che è l’oggetto dei loro studi. [...] È una slealtà scientifica, è
un difetto di probità parlare di un istituto per fissarne la disciplina giuridica senza
conoscerlo a fondo nella sua realtà” [Tratato di diritto commerciale, v. 1, ix-x].
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20    CONTRATOS EMPRESARIAIS

ambiente de mercado. Ainda que essa submissão seja relativa, pois, mesmo
com controle privado, lidam com serviços públicos ou de interesse geral, novo
impulso é dado aos contratos mercantis, pois boa parte desses negócios passa
a ser celebrada em regime interempresarial.
*-*-*
Posto nesse cenário, este livro pretende demonstrar a necessidade da
elaboração de uma teoria geral dos negócios entre empresas, que lhes explique
a essência e a existência. A base da sistematização aqui empreendida parte do
reconhecimento do contrato empresarial como um processo.
Em 1964, Clóvis do Couto e Silva propôs que a obrigação fosse vista em
sua totalidade, como processo, isto é, sucessão de fases que visa à satisfação dos
interesses do credor. Essa concepção pode e deve ser aplicada aos contratos
empresariais, especialmente àqueles dotados de maior grau de complexidade,
que carregam consigo uma miríade de disposições contratuais e obrigações,
explícitas e implícitas, inter-relacionadas e interdependentes entre si e que as-
sumem sentido quando vistas em sua globalidade e dinâmica. Gravitam, todas
elas, em torno dos escopos almejados por ambas as partes, i.e., da operação
econômica que encetaram.
Quanto mais nos afastarmos da visão estática que dominou a análise
jurídica da empresa e dos contratos no século XX,11 enxergamos os negócios

11. O fenômeno é sintentizado por Melvin A. Eisenberg: “Another classic characteristic


of classical contract law is that it was static rather than dynamic. Classical contract law
focus almost exclusively on a single instant in time – the instant of contract formation –
rather on dynamic processes such as the course of negotiation and the evolution of
a contractual relationship […]. Next, classical contract law was implicitly based on
a paradigm of bargains made between strangers transacting in a perfect market. So,
for example, classic contract law rejected principles of unfairness, which typically
have their fullest application in transactions that occur either off-market or on very
imperfect markets and have little application to contracts made between strangers
on perfect markets”. […] Finally, classical contract law was based on a rational-actor
model of psychology, under which actors will make decisions in the face of uncertain-
ty rationally maximize their subjective expected utility, with all future benefits and
costs discounted to present value. Particular, the rules of classic contract law were
implicitly based on the assumptions that actors are fully knowledgeable, know the
law, and act rationally to further their economic self-interest. This model accounts
in part for such rules as the duty to read, whose operational significance was that
actor were conclusively assumed to have read and understood everything that they
signed. It also accounts in part for the rule that bargains will not be reviewed for fair-
ness: if actors always act rationally in their own self-interest, than, in the absence of
INTRODUÇÃO  | 21
empresariais como processos, reconhecendo-os como sucessão de estados que
evoluem impulsionados pelo comportamento das partes, tendo em vista a conse-
cução do seu objeto, ligado à operação econômica pretendida.
Insista-se: o contrato é um processo. Um conjunto ordenado de etapas que
se estendem no tempo, visando não à satisfação do interesse da parte, e sim ao
atendimento do fim compartilhado pelas empresas. Dirige-se à concreção do
escopo comum, sem negar os interesses individuais dos polos da contratação.
Em uma operação simples de compra e venda, a vida do contrato tende
a se esgotar em um átimo. A obtenção de determinada prestação é o escopo
de cada um dos partícipes. O vendedor quer receber o preço e o comprador,
a mercadoria. “Do ut des”, “qui pro quo” ou “toma-lá-dá-cá”, em linguagem
brasileira coloquial.
Ao mesmo tempo, há negócios em que a satisfação do interesse das par-
tes não coincide com o término da relação ou com a obtenção da prestação
devida, como um pote de ouro no final do arco-íris. Repousa, ao invés, sobre
os ganhos que serão havidos durante o processo, muitos intangíveis, não con-
tabilizáveis e até avessos à avaliação pecuniária. Vantagens são colhidas pelas
partes no desenrolar do contrato; uma delas é a própria existência da relação.
O pensamento do jurista e a maioria dos institutos dogmáticos de que
dispomos foram formados para raciocinar em termos de “do ut des”; o mais
típico e comum dos atos de comércio sempre foi a compra e venda mercantil.
O problema é que essa lógica não se presta a explicar todos os contratos
empresariais. Ao longo da vida do negócio, muitas das prestações e contrapres-
tações não encontram contrapartidas facilmente identificáveis. Cumpre-se o
acordado [i.e., uma miríade de obrigações explícitas e implícitas] porque se
espera que a outra empresa também faça o que lhe cabe. Não há correspon-
dência entre uma “prestação” e outra e, às vezes, é difícil identificar a própria
prestação. O contrato é um filme e não uma fotografia.
Complica-se sobremaneira a aplicação de institutos como a “exceptio non
adimpleti contractus” [exceção de contrato não cumprido] ou o reconheci-
mento do adimplemento da obrigação, na medida em que a própria obrigação/
prestação perde seus contornos nítidos, quando imersa no ambiente contratual.
O dimensionamento dos prejuízos decorrentes de falhas da outra parte implica
grande esforço, quase sempre fadado ao insucesso.

fraud, duress, or the like, all bargains must be fair” [Why there is no law of relational
contracts, 807-808].
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22    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A economia moderna exige que o foco do operador do Direito Comercial12


repouse no processo contratual e não em prestações e contraprestações isoladas.
Insista-se: O contrato é um processo, destinado a dar concreção à intenção
comum das partes.

12. No Brasil, alguns acreditam que as expressões direito mercantil, direito comercial e
direito empresarial assumiriam significados diversos. O direito mercantil designaria
a matéria em sua primeira fase, ligada à disciplina da atividade dos mercadores me-
dievais; direito comercial estaria relacionado ao segundo período, em que os atos de
comércio definem os limites da disciplina, e, por fim, direito empresarial seria o nome
atualmente correto, porque a empresa é o centro do debate. Contudo, essa distinção
é estéril, pois as três expressões são sinônimas. Em todas as fases de sua evolução,
esse ramo especial do direito sempre disciplinou a atividade dos agentes econômicos
encarregados da geração de riqueza, fossem eles chamados mercadores, comerciantes
ou empresários. O traço diferenciador dessa área do direito, e que identifica seus
protagonistas, sempre foi o marcado escopo de lucro. Discussões semelhantes quanto
ao nome dado à matéria ocorrem na França [droit des marchands, droit commercial
e, mais recentemente, droit des affaires], como explica Jean Hilaire [Introduction
historique au droit commercial, 23]. Na Itália, a expressão “diritto commerciale”
é tradicional [v. Leone Bolaffio, Il codice di commercio commentato, 5], enquanto
“diritto imprenditoriale” não é comum. Há também quem entenda que as expres-
sões “direito mercantil” ou “mercadores” seriam demasiadamente antigas. Note-se,
porém, que possuem a mesma raiz da palavra “mercado”, nada podendo haver de
mais contemporâneo para designar aqueles que nele atuam. Anota Scandizzo que a
palavra mercado nasce do particípio passado do verbo latino mercari, que significa
comerciar [Il mercato e l’impresa: le teorie e i fatti, 8]. Neste trabalho, as expressões
direito mercantil, comercial e empresarial vêm empregadas como sinônimas, assim
como contratos mercantis, comerciais e empresariais. A utilização da expressão
“contratos comerciais” vem, contudo, perdendo força no contexto internacional,
dando-se preferência à expressão “contratos empresariais” [Buonocore, Contrattazio-
ne d’impresa e nuove categorie contrattuali, xxiii]. Sobre a questão terminológica dos
contratos comerciais ou empresariais na Itália, v. Sambucci, Il contratto dell’impresa,
nota 1, 1.
1
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

Sumário: 1.1 Atividade empresarial e contratos. Mercado e teia contratual – 1.2


Negócios empresariais, negócios jurídicos e contratos no direito e na economia – 1.3
As partes dos contratos empresariais – 1.4 Definição dos contratos empresariais.
A exclusão dos contratos com consumidores – 1.5 Contratos empresariais como
categoria autônoma – 1.6 O escopo de lucro presente em todos os seus polos
como marca e guia dos contratos empresariais – 1.7 Uma necessária digressão
histórica: os cismas das categorias contratuais e a consolidação dos contratos
empresariais.

1.1 Atividade empresarial e contratos. Mercado e teia contratual


Não se pode pensar a empresa de forma isolada. Essa visão confina o agente
econômico nas próprias fronteiras, desliga-o do funcionamento do mercado,
reduzindo impropriamente a análise. A perspectiva estreita não permite re-
conhecer o papel essencial desempenhado pelas relações estabelecidas entre os
entes que atuam no mercado.
A empresa não apenas “é”; ela “age”, “atua”, e o faz por meio dos con-
tratos. A empresa não vive ensimesmada, metida com seus ajustes internos;
ela revela-se nas transações. Sua abertura para o ambiente institucional em
que se encontra é significativa a ponto de parte da doutrina afirmar que “[o]s
modernos complexos produtivos não são tanto estoque de bens, mas feixes de
relações contratuais”.1 A empresa cristaliza-se em sua atividade de interagir;
a empresa é agente econômico.
É preciso adquirir insumos, distribuir produtos, associar-se para viabi-
lizar o desenvolvimento de novas tecnologias, a abertura de mercados etc.;
tudo exige que se estabeleçam relações com terceiros. Essa ação recíproca
[empresa – outros agentes] interessa ao Direito na medida em que dá a luz a
contratos e, consequentemente, a relações jurídicas.

1. Vincenzo Roppo, Il contratto, 56. Cf. Ronald Coase, The nature of the firm e Melvin
Eisenberg, The conception that the corporation is a nexus of contract, and the dual
nature of the firm.
|
24    CONTRATOS EMPRESARIAIS

O mercado identifica-se com um emaranhado de relações contratuais,


tecido pelos agentes econômicos.2 Como se afirmou, “o mercado [...] é feito
de contratos, os contratos nascem do e no mercado”.3 Na dicção de Roppo, “na
economia moderna, é o contrato, acima de tudo, que cria a riqueza”.4
Constatou-se que, fosse o direito comercial baseado apenas em negócios
isolados, não passaria de uma “criança frágil”. O mercado organizado dá força
às transações. As regras e a praxe negocial, assim como o moto competitivo,
proporcionam amplo espaço ao gênio dos comerciantes e às suas contratações.5
Até pouco tempo, a doutrina atribuía menor importância à dimensão
contratual do ente produtivo, fazendo repousar o foco de análise no empresário
e em sua capacidade gerencial.6 “[A] centralidade do contrato e do mercado
são fenômenos recentes”.7 A empresa mostra-se como desdobramento dessa

2. Além de contratos, a empresa pratica atos jurídicos unilaterais [para definição de ato
jurídico, v. Marcos Bernardes de Melo, Teoria do fato jurídico. Plano da existência,
159]. São exemplo desses atos os votos proferidos pela pessoa jurídica em assembleias
de sociedades nas quais detenha participação. [V., a esse respeito, Giuseppe Sena, Il
voto nella assemblea della società per azioni, 13 e ss. e Pinto Furtado, Deliberações dos
sócios, 98 e ss.]. São outros exemplos a fixação de sua sede em determinado endereço
ou a divulgação de fato relevante ao mercado.
3. Giorgio Oppo, Categorie contrattuali e statuti del raporto obbligatorio, 48. No original:
“Il mercato – lungi dal sostituire il contratto – è fatto di contratti, i contratti nascono
dal e nel mercato. Non si possono disciplinare gli uni indipendentemente dall’altro
e viceversa; gli interessi che presiedono ai primi dagli interessi che fondano l’ordine
del mercato”.
4. Roppo, Il contratto, 56.
5. Cf. Roy Goode, Il diritto commerciale del terzo millennio, 58 e ss.
6. O Codice Civile de 1942, em seu art. 2.082, define a empresa a partir do conceito
individualista de empresário, colocando o foco não em sua interação com os outros
agentes econômicos, mas em sua capacidade [isoladamente considerada] de organi-
zação dos fatores de produção. In verbis: “È imprenditore chi esercita professional-
mente un’attività economica organizzata al fine della produzione o dello scambio di
beni o di servizi”. Essa linha foi seguida pelo art. 966, caput de nosso Código Civil,
que estabelece: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
7. A frase encontra-se na abertura do livro de Paolo Gallo Contratto e buona fede. A
importância quantitativa e qualitativa dos contratos explode nos últimos anos. Uma
das razões é o pulular de direitos “especiais”, decorrentes do fenômeno da decodifica-
ção, estudado por Natalino Irti em sua clássica obra L’età della decodificazione. Sobre
a importância dos contratos comerciais na economia, bem como para sua definição
e princípios regentes, v. Fernando Araújo, Teoria económica do contrato e Marcia
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 25
perspectiva monista, de maneira que o centro de atenção não recai em sua
interação com outros agentes.8
É recorrente, na doutrina comercialista, a referência à “atividade”. Esta
menção não visa a destacar a interação da empresa com outras e sim o des-
dobramento da série de atos praticados pelo empresário na organização dos
fatores de produção. A própria definição de atividade, amplamente acolhida,
propugna que ela constitui uma “série de atos [praticados pela empresa] unifi-
cados por um escopo comum”.9 Com isso, o ponto cardeal acaba voltado para
o ente [que pratica atos], e não para suas relações com terceiros [celebração
de contratos].
Se, à época em que foi talhada, essa visão era justificável pelo destaque à
figura do empresário [= aquele que organiza], hoje pode ser considerada redu-
cionista, pois não atribui o devido destaque ao indispensável perfil contratual
do ente produtivo.
O vencedor do prêmio Nobel de economia de 1978, Herbert Simon, pro-
pôs a seguinte imagem: se representássemos cada agente econômico por um
quadrado e cada relação por uma linha, teríamos inúmeros quadrados, que
se interligam por número incontavelmente maior de traços.10 Forma-se uma
teia. Os riscos são as interações entre os atores do mercado, muitas das quais
se traduzem em contratos empresariais. Empresa, contratos e mercado são con-
ceitos indissociáveis.11

1.2 Negócios empresariais, negócios jurídicos e contratos no direito e


na economia
Embora o direito comercial não exija a certeza terminológica tradicio-
nal da dogmática civilista – pois a linguagem soberana é aquela empregada

Carla Pereira Ribeiro e Irineu Galeski Junior, Teoria geral dos contratos. Contratos
empresariais e análise econômica.
8. É possível reconhecer em Asquini compreensão estática do fenômeno empresarial.
Entre os perfis da empresa que cunhou, nenhum dá relevo à sua relação com outros
entes, debruçando-se, portanto, sobre a empresa isoladamente considerada. Entre-
tanto, isso não significa que Asquini deixe de referir a atividade de troca desenvolvida
pela empresa ou mesmo o desdobramento contratual de sua atividade. No entanto,
a linha cardeal da análise repousa sobre a empresa e não sobre suas relações [Perfis
da empresa, 109-26].
9. Nicola Rondinone, Lattività nel codice civile, 13.
10. Organizations and markets, 27 e ss.
11. Sobre a definição de mercado, v. Paula A. Forgioni, Direito comercial brasileiro. Da
mercancia ao mercado, 153 e ss.
|
26    CONTRATOS EMPRESARIAIS

pelos comerciantes – vale a pena precisar alguns termos, cujo baralhamento


mostra-se prejudicial.
Contrato é “o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral que sujeita as
partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regu-
laram”, ou seja, o negócio “cujo efeito jurídico pretendido pelas partes seja
a criação de vínculo obrigacional de conteúdo patrimonial”, como sempre
ensionou Orlando Gomes.12
Tecnicamente, o contrato é espécie de negócio jurídico que, na autorizada
visão de Junqueira de Azevedo, traduz-se em “todo fato jurídico consistente
em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos de-
signados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade
e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide”.13
Mas, na tradição do direito comercial, o termo “negócio” vem muitas
vezes empregado no sentido de “transação” ou “negociação”. Trata-se, para
Ferreira Borges, de “termo de conceito prático”, ligado a “qualquer operação
mercantil”.14-15
De acordo com a linha comercialista, o “negócio mercantil” identifica-se
com as operações feitas pelos comerciantes e que se corporificam em contra-
tos. Empregamos, assim, a palavra “negócio”, no sentido de affare, em língua
italiana, ou affair, na francesa; ou business, para os norte-americanos.
Outra precisão terminológica que se faz necessária diz respeito ao sentido
que a palavra “contrato” assume hoje para os economistas. De acordo com a
noção transcrita por Williamson, contrato é “an arragement between two or
more actors supported by reciprocal expectations and behaviour”.16 Na defi-
nição de renomados economistas brasileiros, o contrato é “[u]m acordo entre
ofertante[s] e demandante[s], no qual os termos da troca são definidos”.17
Muitas vezes, os economistas referirão como contrato algo que, para os
juristas, estabelece outro tipo de vínculo. Por exemplo, na literatura eco-
nômica é comum denominar “contrato” a relação entre administradores e
acionistas das companhias – algo inconcebível para os juristas. “Assim, são

12. Contratos, 11.


13. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 16.
14. Diccionario juridico-comercial, 327.
15. Cf., nesse sentido, os arts. 140, 165, 314 e 331 do Código Comercial de 1850 e o
art. 1.º do Dec. 737, do mesmo ano.
16. The firm as a nexus of treaties: an introduction, 3.
17. Farina et alii, Competitividade, mercado, Estado e organizações, 283.
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 27
considerados arranjos contratuais aqueles internos às firmas que definem
as relações entre agentes especializados na produção, bem como os arranjos
externos às firmas que regulam as transações entre firmas independentes,
podendo ser estendidos para as transações entre o Estado e o setor privado
[regulação]”.18 Para certos economistas, “a empresa [firm] é vista como um
conjunto de contratos entre os fatores de produção, sendo cada um desses
fatores motivado pelo autointeresse”.19
Em suma, economistas tendem a identificar a palavra “contrato” com
qualquer “maneira de coordenar as transações” ou, ainda “todas as relações que
criam vínculos de interdependência entre dois ou mais sujeitos”,20 adotando
terminologia não coincidente com a jurídica.

1.3 As partes dos contratos empresariais


O tráfico mercantil concretiza-se por meio dos contratos e, para compreender
o funcionamento do mercado, devemos caminhar por esse enredado. Uma vez
nele, emerge a questão: nessa teia, que papel cabe ao direito? Até que ponto ela
é formatada e/ou formata o regramento jurídico que a disciplina?
O primeiro passo para destrinçar essa articulação de relações é considerar
que a empresa celebra contratos com as mais diversas categorias de agentes
econômicos: consumidores, Estado, trabalhadores e assim por diante. A
compreensão de seu perfil contratual passa pela classificação desses acordos
conforme o sujeito que com ela se relaciona. Assim divisados vários grupos
de contratos, percebe-se que cada qual assumirá características específicas e
exigirá tratamento jurídico peculiar.
A atenção do comercialista recai sobre os contratos interempresariais, ou
seja, aqueles celebrados entre empresas,21 i.e., em que somente empresas fazem
parte da relação. Ao assim proceder, identificamos os contratos empresariais
com aqueles em que ambos [ou todos] os polos da relação têm sua atividade

18. Zylbersztajn e Sztajn, Direito e economia, análise econômica do direito e das organi­
zações, 104.
19. Eugene Fama, Agency problems and the theory of the firm, 289.
20. Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’economia, 57.
21. Atualmente, a maioria dos autores contrapõe duas categorias de contratos empresa-
riais: aqueles celebrados com empresas e aqueles celebrados entre empresas. Nesse
sentido, cf. Carlo Angelici, La contrattazione d’impresa, 188-9. Fábio Ulhoa Coelho
identifica os contratos mercantis como os celebrados entre empresários [Curso de
direito comercial, v. 3, 5].
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28    CONTRATOS EMPRESARIAIS

movida pela busca do lucro. Esse fato imprime viés peculiar aos negócios jurí-
dicos entre empresários.
Por mais incrível que possa parecer, esse método de análise da realidade
do mercado descortina visão jurídica pouco usual entre nós, porquanto:
[i] considera como objeto do direito comercial apenas os contratos cele-
brados entre empresas [ou contratos interempresariais, i.e., aqueles em que os
partícipes têm sua atuação plasmada pela procura do lucro]; e
[ii] coloca em relevo a necessidade do esboço de teoria geral que leve em
consideração as peculiaridades dos contratos interempresariais no contexto
do mercado [i.e, que visualize a empresa na teia contratual em que se insere e
que ajuda a construir].

1.4 Definição dos contratos empresariais. A exclusão dos contratos com


consumidores
Os contratos com consumidores [ou “B2C”, na terminologia estaduni-
dense] não mais integram o direito comercial.22 A evolução e a consolidação
do direito do consumidor como ramo autônomo em relação ao civil e ao co-
mercial desautoriza a projeção dos contratos mercantis de forma ampla, como
se ainda abrangessem todos “i rapporti pertinenti ad un’impresa”, na linha da
doutrina tradicional.23
Outrora, do ponto de vista subjetivo, a presença de uma única empresa
[ou comerciante] na relação bastava para atribuir comercialidade ao contrato;24
hoje essa qualificação25 requer que o vínculo jurídico seja estabelecido apenas
entre empresas.

22. “Denomina-se contratos de consumo todas aquelas relações contratuais ligando um


consumidor a um profissional, fornecedor de bens ou serviços” [Claudia Lima Mar-
ques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 252].
23. Ascarelli, Corso di diritto commerciale, 381.
24. O art. 191 do Código Comercial determinava que seria “considerada mercantil a
compra e venda de efeitos móveis ou semoventes [...] contanto que nas referidas
transações o comprador ou vendedor” fosse “comerciante”.
25. Trabalha-se com a ideia de “qualificação”, da qual sempre se socorreu o direito co-
mercial para delimitação da chamada “matéria de comércio”. Explica Comparato que
a definição da aplicação da legislação mercantil encerra problema de qualificação,
“que é a definição de uma situação de fato perante o Direito, ou melhor, a sua iden-
tificação como o tipo ou modelo previsto como hipótese de incidência da norma”
[A cessão de controle acionário é negócio mercantil?, 246].
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 29
Inevitável a referência à discussão acerca da caracterização da pessoa
jurídica como consumidora, para efeitos do art. 2.º do Código de Defesa do
Consumidor, que dispõe ser consumidor “toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. O empresário
ou a sociedade empresária, uma vez subsumidos à categoria de consumidor,
estariam sujeitos ao código especial e à lógica específica do sistema consume-
rista, corporificada naquele diploma.
O critério de diferenciação imposto pela letra da lei repousa na identifi-
cação da presença de um “destinatário final” na relação econômica/jurídica;
ao fim e ao cabo, tudo reside em interpretar a expressão “destinatário final”,
empregada pelo texto normativo.
A doutrina fende-se em finalistas e maximalistas. Para os primeiros, não
devem ser consideradas consumidoras as pessoas jurídicas que adquirem
produtos ou serviços utilizados em sua atividade profissional.26 “[A] pessoa
jurídica, para ser considerada consumidora, precisa adquirir bens ou serviços
a latere de sua atividade empresarial, circunstância fundamental para que seja
ela destinatária final e não simplesmente intermediária”.27
Os maximalistas, por sua vez, veem nas normas do CDC o novo regula-
mento geral do mercado brasileiro, destinado a abranger realidade mais am-
pla. Entendem que a caracterização da relação de consumo dá-se por meio da
aquisição ou uso de bem ou serviço na condição de destinatário final de fato,
por força de elemento objetivo, qual seja, o ato de consumo.

26. Nas palavras de Claudia Lima Marques, muito citadas pela jurisprudência nacional,
para a corrente finalista “[d]estinatário final é aquele destinatário fático e econômico
do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpre-
tação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de
produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final
econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional,
pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído
no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida
‘destinação final’ do produto ou serviço”. “[C]onsumidor não seria o profissional,
pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais
vulnerável. Consideram que restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles
que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção pa­
ra estes, pois a jurisprudência será construída em casos onde o consumidor era
realmente a parte mais fraca da relação de consumo e não sobre casos em que pro­
fissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o Direito Comercial já
lhes concede” [Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 254].
27. Newton de Lucca, Teoria geral da relação jurídica de consumo, 119.
|
30    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Para essa corrente, pouco importa se o bem será ou não empregado na


atividade profissional ou se o adquirente tem sua vida marcada pelo escopo
de lucro; ao invés, para assumir a classificação de “destinatário final”, inte-
ressa apenas que tenha retirado o bem da cadeia de consumo, utilizando-o ou
exaurindo-o.28
Diante disso, a extensão a ser atribuída ao direito comercial brasileiro
derivaria da interpretação do art. 2.º do Código do Consumidor. Teríamos sim-
plesmente substituído o “ato de comércio” pelo “ato de consumo”? Em muitos
aspectos, haveria mera reprodução de antiga discussão, quando indagávamos
se a aquisição de víveres pelo comerciante para a subsistência de sua família,
e não para o seu negócio, submetia-se às regras do direito comercial; falava-

28. Em 2004, a 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em criticável decisão por
maioria de votos, entendeu que “[a]quele que exerce empresa assume a condição
de consumidor dos bens e serviços que adquire ou utiliza como destinatário final,
isto é, quando o bem ou serviço, ainda que venha a compor o estabelecimento
empresarial, não integre diretamente – por meio de transformação, montagem,
beneficiamento ou revenda – o produto ou serviço que venha a ser ofertado a
terceiros”. Em sentido contrário, colocava-se a linha de acórdãos que, acolhendo
principalmente as lições de Newton de Lucca, entende que não devem ser subme-
tidas ao CDC as relações que envolvem empresas adquirentes de bens empregados
em seu processo produtivo. Como exemplo, destaque-se o REsp 264.126/RS,
julgado em 8 de maio de 2001, com relatoria do Min. Barros Monteiro. Contudo,
“desde 2005, o STJ definiu-se em favor da teoria finalista, no sentido defendido pela
doutrina majoritária, que criticava a equiparação do empresário ao consumidor,
por entender que desvirtuava a aplicação do CDC, idealizado para compensar a
desigualdade na relação de consumo. O leading case é o REsp 541.867 da Segunda
Seção do STJ. Afirma o texto, reiterado em várias ementas do Tribunal: “A aquisição
de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de
implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação
de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária” [rel. para
acórdão Min. Barros Monteiro, DJU de 16.05.2005]. No entanto, o mesmo STJ, em
diversos precedentes, adota a teoria finalista mitigada, a qual, nos dizeres da Corte:
“admite a incidência do CDC, ainda que a pessoa física ou jurídica não seja tecni-
camente destinatárias finais do produto ou do serviço, quando estejam em situação
de vulnerabilidade diante do fornecedor” [STJ, AgRg nos EREsp 1331112, Corte
Especial, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 02.02.2015]. Enfim, houve importante e
significativa evolução, ainda que, em alguns casos, a mitigação possa dar margem
à insegurança jurídica, na medida em que exige o exame da vulnerabilidade em
cada caso concreto, diminuindo a previsibilidade de sua aplicação” [Roberto Au-
gusto Castellanos Pfeiffer, em texto inédito, fornecido pelo autor]. Sobre o tema,
v. também Rodrigo Xavier Leonardo, Imposição e inversão do ônus da prova.
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 31
-se, então – lembramo-nos todos – dos “atos de comércio por dependência ou
conexão”.29
O baralhamento das fronteiras entre o direito comercial e o consumerista
deriva de questão prática ligada [i] ao ônus da prova nos processos judiciais e
[ii] ao foro competente para a propositura da ação contra o fornecedor.
Quanto ao primeiro aspecto, o art. 373 do Código de Processo Civil de
2015 determina que “[o] ônus da prova incumbe [...] ao autor, quanto ao fato
constitutivo de seu direito” e “ao réu, quanto à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor”. O Código do Consumidor, por
sua vez, em seu art. 6.º, inciso VIII, sempre estabeleceu ser seu direito a inver-
são do ônus da prova “quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou
quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.
Desse privilégio estariam excluídos os “não destinatários finais”, que seriam
obrigados a comprovar suas alegações nos estritos termos do art. 373 do Código
de Processo Civil. Contudo, deve-se considerar que o art. 373, § 1.º, do Códi-
go de Processo Civil abre a possibilidade de inversão do ônus da prova para
hipóteses além daquelas de hipossuficiência da parte. Dessa forma, mostra-se
cada vez menos necessário, para alcançar o benefício processual, “forçar” a
interpretação equiparando o consumidor ao empresário.
O foro privilegiado para os consumidores está previsto no art. 101, I, do
Código do Consumidor. Dessa forma, advogar a aplicação do diploma espe-
cial, em muitos casos, significa possibilitar ao agente econômico defesa mais
acessível e barata. Por essa razão prática, parte da doutrina tem se esmerado
para fazer subsumir os pequenos empresários à categoria de consumidor, jus-
tificando a aplicação do art. 6.º, VIII, e do art. 101, I, do diploma consumerista.
A confusão entre os contornos do direito comercial e do direito do con-
sumidor pode comprometer a percepção dos fundamentos do primeiro. As
matérias possuem lógicas diversas, de forma que a aplicação do Código do
Consumidor deve ficar restrita às relações de consumo, ou seja, àquelas em
que as partes não se colocam e não agem como empresa.
Ao contrário, se o vínculo estabelece-se em torno ou em decorrência da
atividade empresarial de ambas as partes, premidas pela busca do lucro, não

29. Consideravam-se submetidos ao direito comercial os atos praticados pelo comer-


ciante para aviar sua atividade. É comercial “uma série de atos que o comerciante
pratica não no exercício normal da sua profissão, mas em virtude ou no interêsse
dêste exercício” [Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, 5. ed.,
v. I, 506].
|
32    CONTRATOS EMPRESARIAIS

se deve subsumi-lo à lógica consumerista, sob pena de comprometimento do


bom fluxo de relações econômicas.30
Isso não significa que o empresário em posição de sujeição ao poder do
outro não seja digno de tutela. Todavia, essa proteção deverá se dar em confor-
midade com as regras e os princípios típicos do direito mercantil e não da lógica
consumerista, incompatível com as premissas daquele sistema. Desenvolve-se
a repressão ao abuso da dependência econômica no campo do direito antitruste
e do direito contratual empresarial.

1.5 Contratos empresariais como categoria autônoma


No Brasil, a expressão “contratos mercantis” nunca chegou a ser condena-
da ao ostracismo, pois vinha empregada pelo Código Comercial em seu Título
V [“Dos Contratos e Obrigações Mercantis”].
A doutrina habituou-se a comentar cada um dos tipos contratuais men-
cionados nos arts. 140 a 286 do referido Código e, com as décadas, foi-lhes
acrescentando outros que passaram a ser previstos na legislação esparsa ou
talhados pela prática dos comerciantes.
Nada muito além disso, pois a maioria dos autores não dedicava grande
esforço ao tratamento dos contratos comerciais como categoria autônoma,
regida por princípios peculiares, adaptados e esculpidos conforme a lógica
de funcionamento do mercado. No máximo, algumas referências às evidentes
especificidades dos negócios mercantis, desprezando-se talvez sua principal

30. Para Luiz Gastão Paes de Barros Leães: “quando a lei brasileira define como consu-
midor ‘toda pessoa física ou jurídica’ [à semelhança do que dispõem vários diplomas
alienígenas] [...], há que distinguir os bens adquiridos pela empresa, a título de
insumos, no exercício de sua atividade empresarial, dos bens adquiridos para uso
pessoal ou privado – for private usance – do consumidor, à margem de sua atividade
empresarial” [As relações de consumo e o crédito ao consumidor, 256]. Na mesma
linha, Fábio Konder Comparato: “O consumidor é, pois, de modo geral, aquele que
se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os em-
presários. É claro que todo produtor, em maior ou menor medida, depende por sua
vez de outros empresários, como fornecedores de insumos ou financiadores, por
exemplo, para exercer a sua atividade produtiva; e, nesse sentido, é também consu-
midor. Quando se fala, no entanto, em proteção do consumidor quer-se referir ao
indivíduo ou grupo de indivíduos, os quais, ainda que empresários, se apresentam
no mercado como simples adquirentes ou usuários de serviços, sem ligação com a
sua atividade empresarial própria. [...] [É] nessa perspectiva que faz sentido falar-se
em proteção do consumidor” [A proteção do consumidor: importante capítulo do
direito econômico, 477].
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 33
característica moderna: nos contratos empresariais, ambas [ou todas] as partes
têm no lucro o escopo de sua atividade.
Essa postura doutrinária reflete a realidade que circundava nossos autores:
as regras especiais dos contratos mercantis contidas nos arts. 121 a 139 foram
sendo sombreadas pela supressão de institutos como o “arbitramento”, pelo
advento do Código Civil e pela edição de regras que suplantaram a dicotomia
de jurisdições e as diferenças entre os processos civis e comerciais. Além dis-
so, as dissonâncias específicas entre contratos civis e comerciais foram sendo
limadas, restando poucas aparas, de importância mitigada.
Mesmo antes da entrada em vigor do atual Código Civil, a doutrina
brasileira encontrava dificuldade para classificar os negócios entre civis e co-
merciais; como admite Bulgarelli, “a distinção, na prática, entre os contratos
civis e mercantis perdeu muito da sua importância inicial, com a unificação da
Justiça [...]”.31 Assim, a necessidade de distinção advinha das “diferenças no
tratamento de certos contratos por ambos os códigos”32-33 e não de questões

31. Contratos mercantis, 38. A mesma observação é feita por Waldemar Ferreira [Tratado
de direito comercial, v. 8, 10].
32. Contratos mercantis, 38.
33. Inglez de Souza, de acordo com a realidade de seu tempo, destaca ser uma das prin-
cipais diferenças entre os contratos civis e os comerciais o fato que “os contractos
commerciaes se podem provar por qualquer genero de prova”. “Em resumo: as
distincções capitaes entre os contractos civis e commerciaes são: 1.º o caracter de
solidariedade de todas as obrigações mercantis collectivas. 2.º o caracter de onero-
sidade de todas as obrigações. 3.º a simplificação das formalidades que retardam
a perfeição dos contractos, ficando, em regra, reduzidas ao simples accordo das
vontades. 4.º a simplificação da prova” [Prelecções de direito commercial, 121]. Vê-
-se, assim, que, em exercício de comparação, os contratos comerciais são definidos
a partir de suas diferenças em relação aos contratos civis [a exceção está em Cairu,
que trata os contratos mercantis sem esse foco]. Esse método de análise será seguido
por toda a doutrina brasileira. Carvalho de Mendonça, o comercialista, faz repousar
a ênfase da distinção nos atos de comércio. “Contrato comercial é aquêle que tem por
objeto ato de comércio”, remetendo as especialidades de sua teoria geral à clássica
distinção entre direito civil e direito comercial [Tratado de direito comercial brasileiro,
v. VI, parte I, 449]. Waldemar Ferreira vê-la no critério da “profissionalidade de um,
se não dos dois contratantes”. As peculiaridades dos contratos comerciais residiriam
[i] na “simplicidade das fórmulas” e [ii] na existência de “outros contratos que o
tráfico mercantil tornou necessários” [Tratado de direito comercial, v. 8, 9]. Descartes
Drummond de Magalhães, fortemente influenciado por Inglez de Souza, entende que
as peculiaridades dos contratos comerciais estão, principalmente, na solidariedade,
na onerosidade, na simplificação dos meios de prova e na dispensa de certas formali-
|
34    CONTRATOS EMPRESARIAIS

materiais. Destaca Fran Martins, “[r]egem a matéria das obrigações, de modo


geral, as normas do direito civil”.
Nessa linha, Teixeira de Freitas sustentava que as disposições gerais
referentes aos contratos mercantis, constantes do Título V do Código Comer-
cial, “forão só motivadas pela pobrêza do nosso Direito Civil Patrio34 [...], e
não porque – para os contractos em geral – hajão, ou devão havèr, disposições
excepcionaes no Direito Commercial. A prova está, em que são do Direito Civil
todas as disposições dos arts. 121 á 139, impostas no Cod. como de Direito
Commercial pelas costumadas exagerações dos aspectos parciaes. [...] De taes
exagerações, aliás destinadas ao bem das excepções do Direito Commercial,
resulta mal para as interpretações do Direito Civil, tirando-se-lhe o que lhe-
-pertence, e minando-se-lhe as bases de sua constante applicação”.35
Comparato chega a afirmar: “[t]emos, pois, que não há, propriamente,
contraposição de dois sistemas jurídicos distintos, em matéria de obrigações:
o do Código Civil e o do Código Comercial. O que há é um só sistema, no
qual os dispositivos do Código de Comércio aparecem como modificações
específicas das regras gerais da legislação civil, relativamente às obrigações e
contratos mercantis. A duplicidade legislativa aparece, tão só, no que tange a
essas regras de exceção, dentro do sistema global”.36
Por fim, Waldemar Ferreira: “não difere, com efeito, essencialmente, a
obrigação comercial da civil. Não se distingue a relação jurídico-comercial de
qualquer outra. A essência é sempre a mesma”.37
O problema é que a unificação do direito das obrigações trouxe consigo
o descaso pela teoria geral dos contratos mercantis.38 Uma vez que coincidiam
os regimes das obrigações civis e comerciais, não haveria mesmo razão para
estudar em separado os dois grupos de contratos, buscando singularidades no

dades [Curso de direito comercial, 61]. Na sua esteira, são as lições de Alfredo Russell
[Direito commercial, 353 e ss.].
34. Additamentos ao Codigo de Commercio, publicado em 1878, muito antes da promul-
gação do primeiro Código Civil brasileiro.
35. Teixeira de Freitas, Additamentos ao Codigo do Commercio, v. I, 522.
36. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, 251.
37. Waldemar Ferreira, Instituições de direito comercial, v. 3, 12.
38. Um dos manuais de direito comercial mais difundidos no Brasil, o Curso de direito
comercial de Rubens Requião, não contém capítulo referente aos contratos mercantis.
Igualmente, o Tratado elementar de direito commercial de Spencer Vampré e o Curso
de direito comercial terrestre de João Eunápio Borges.
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 35
funcionamento e na disciplina de cada um deles. Justificava-se, tão somente,
o estudo individual dos tipos contratuais.
Esse foi o caminho trilhado pela doutrina. Com o passar do tempo, à
medida que eram desgastadas as poucas diferenças que ainda restavam entre
os regramentos, menor se fazia a preocupação com a sistematização de uma
teoria geral dos contratos mercantis.
Na Itália, por longo período, a teoria geral dos contratos comerciais restou
estagnada e a própria existência dos contratos mercantis chegou a ser contes-
tada.39 A edição do Código de 1942 “fez com que, por longo tempo, a doutrina
dominante tenha entendido não ser compatível com a nova disciplina do código
uma distinção entre contratos civis e contratos comerciais”.40 Até hoje, assinala
Salvatore Monticelli, os contratos empresariais não costumam ser reconheci-
dos como categoria autônoma41 por boa parte dos autores peninsulares.
Arthuro Dalmartello, em pioneira obra editada em 1958, lutava para
comprovar que os contratos comerciais continuavam a existir, não obstante
a unificação de 1942.42 Sobre essa obra foi dito que “desafiou toda a doutrina
privatista”, que, após a unificação, havia “sepultado os contratos comerciais”.43

39. Cf. Giorgio Oppo, Principi e problemi del diritto privato, 204. Na Argentina, sustenta
Etcheverry que “[e]l contrato de empresa no existe como categoría típica contractual,
pues en torno de la empresa se producen actos y contratos de organización, contratos
internos y de explotación, contratos externos entre el empresario y outro empresario
o entre el empresario y el consumidor. La organización empresaria exceed el campo
unicontractual” [Contratos asociativos, negocios de colaboración y consorcios, 94].
40. “[H]á fatto si che per lungo tempo la prevalente dottrina abbia ritenuto non compa­
tibile con la sopravvenuta disciplina del codice [...] una distinzione tra contratti ci­
vili e contratti commerciali” [Salvatore Monticelli e Giacomo Porcelli, I contratti
dell’impresa, 1].
41. “[...] la stessa locuzione ‘contratti commerciali’ è stata per decenni espunta del
­lessico giuridico anche in funzione meramente descrittiva; al raggruppamento,
anche ­laddove ridenominato com l’adozione dell’espressione ‘contratti d’impresa’,
è stato negato spazio e considerazione nelle enciclopedie giuridiche e nei repertori,
negli indici dei manuali tanto ti diritto privato che di diritto commerciale” [I contratti
dell’impresa, 1]. Em idêntico sentido, Leopoldo Sambucci, Il contratto dell’impresa,
1 e Buonocore, Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, “Premessa”.
Salienta este último autor que, por anos, a locução “contratos comerciais” foi expulsa
do léxico jurídico, como se pode comprovar pela ausência do verbete nas enciclopé-
dias jurídicas [exceção feita à Treccani], repertórios e, até pouco tempo, nos índices
dos manuais e direito privado e até mesmo de direito comercial [xxi].
42. Cf. I contratti delle imprese commerciali, 3-31.
43. Buonocore, Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, “Premessa”, xix.
|
36    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Somente nos últimos anos a Itália vê renascer o interesse pelos contratos


mercantis.
Premidos pela influência do Codice Civile e pela centralidade do conceito
de empresário, os doutrinadores abrigam os contratos interempresariais e os
consumeristas na mesma categoria [“contratti dell’impresa” ou “contratti
commerciali”], ainda que reconhecendo as diferenças entre eles. A obsessão
pelo epicentrismo da empresa, e certa preocupação com a perda de importância
da matéria, talvez ajudem a explicar a tentativa italiana de atrair para a órbita
do direito comercial contratos que, a toda evidência, dele se despregaram.44-45
Essa postura [na Itália e entre nós] causa embaraço ao estudo sistemático
dos contratos comerciais; no campo do direito mercantil, é impossível construir
teoria geral que explique princípios e institutos assim diversos.
Como resultado, de duas uma: [i] ou se edifica teoria que confunde e
embaralha as fronteiras de institutos diversos;46 ou [ii] recorre-se à dogmática
civilista – encarregada de sistematizar a teoria geral dos negócios jurídicos.
Perde-se a oportunidade de trazer à luz uma teoria geral efetiva dos contratos
mercantis, que explique suas peculiaridades e seu funcionamento, calcada na
realidade do quotidiano.

44. Como exemplo dessa postura que assume como “dado unificante o conceito de
empresa”, cf. Astolfo di Amato, Interpretazione dei contratti d’impresa, 11 e ss.
45. Outro fator que talvez explique a recusa italiana de considerar os contratos com
consumidores independentemente dos contratos comerciais seria o mais tardio
desenvolvimento da doutrina consumerista. Em 1995, quando, no Brasil, o direito
do consumidor era forte realidade, Buonocore afirmava sobre o contexto italiano:
“Perché quello della tutela dei consumatori, contrariamente a quanto possa apparire
ad un osservatore superficiale, è ancora un tema esclusivamente riservato al dibattito
degli addetti ai lavori e non è ancora entrato in quello che io chiamerei il patrimonio
comune e visibile del diritto civile”. Segue, explicando que “solo una sparuta mino-
ranza degli indici analitici” de “pregevolissime opere” sobre instituições do direito
privado continham o item “consumidor”. “E potrebbe essere questa una veniale
omissione dei compilatori, se all’assenza del termine non corrispondesse anche o
un’assenza di trattazione del tema oggetto della nostra considerazione o, comun-
que, una trattazione assai episodica e fuggevole di esse, condotta sopratutto sotto
la specie della responsabilità del prodotto difettoso” [Vicenzo Buonocore, Contratti
del consumatore e contratti d’impresa, 2-3].
46. Buonocore pergunta-se, “con qualche plausibilità e con tutta la prudenza del ca­
so”, se a disciplina especial [do consumidor] não teria erodido a disciplina geral e
monolítica do contrato a ponto de legitimar uma dicotomia de categorias de con-
tratos, “e cioè quella dei contratti del consumatore e quella dei contratti d’impresa”
[Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, 189].
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 37
Na França, embora exista um Código Comercial, o cenário não se mostra
muito diferente do brasileiro. Não se nega a existência da categoria dos contrats
commerciaux, mas para explicá-la os autores, no mais das vezes, limitam-se a
fazer uso da doutrina dos atos de comércio ou a lançar mão dos argumentos
que tradicionalmente justificam a autonomia do direito comercial.47 Diz-se
que os contratos mercantis estão sujeitos a regramento diverso por conta
das exigências de simplicidade, celeridade e de crédito, típicas do direito
empresarial.48
Ressaltou-se que direito comercial e direito do consumidor são regidos
por princípios peculiares diversos, submetendo-se a lógicas apartadas. É preciso,
então, distinguir as duas espécies de contratos para impedir a indevida aplicação
de princípios de um ramo do direito a outro, comprometendo o bom fluxo de
relações econômicas. Torna-se premente resgatar os contratos comerciais para
impedir sua absorção pelo consumerismo e o aviltamento da racionalidade
própria ao direito empresarial.
A grande discussão que, no passado, centrava-se na diferenciação entre
contratos civis e mercantis, hoje assume nova feição. O direito do consumidor
aflorou como ramo independente, sujeito às especificidades [ou princípios
peculiares] que lhe dão forma e conteúdo, tais como a vulnerabilidade do
consumidor no mercado de consumo e o “direito de não ser explorado”.49-50
Paradoxalmente, a consolidação do direito do consumidor tem levado
os contratos comerciais à sua “redescoberta” como categoria autônoma, me-
recedora de tratamento peculiar e distinto das regras gerais do direito civil e
do direito consumerista.

47. Cf., a título exemplificativo, Leon Lacour, Précis de droit commercial, 214 e ss. Na
mesma linha, Germain Brulliard e Daniel Laroche, Précis de droit commercial, 191.
O primeiro ponto destacado por esses autores, na esteira da doutrina tradicional,
é a aplicação aos contratos comerciais das regras gerais do Código Civil francês,
notadamente aquelas referentes à existência e à validade dos negócios, seus efeitos
e modos de extinção. Seguem, afirmando que as regras particulares dos contratos
comerciais “se justifient par les raisons mêmes qui expliquent l’existence d’un droit
commercial distinct du droit civil et qui peuvent se résumer em deux mots: rapidité
et sécurité”.
48. Cf. Jean Escarra, Manuel de droit commercial, 577.
49. Bulgarelli, Contratos mercantis, 24.
50. Para explicação dos vetores do direito do consumidor, cf. Antonio Herman Benjamin,
O direito do consumidor.
|
38    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A matéria incorpora, assim, nova e importante tripartição: [i] contratos


civis; [ii] contratos com consumidores; e [iii] contratos comerciais.51-52
Essa ideia foi esboçada entre nós por Waldírio Bulgarelli, ainda na década
de 80:
“Há, portanto, [...] de se distinguir hoje entre os contratos comuns,
firmados entre particulares, de igual ou equivalente posição econômica,
dos contratos entre empresas, e dos contratos dos particulares com as
empresas, sendo estes últimos, o alvo especial do chamado direito do
consumidor, que só agora começa a despontar entre nós”.53
Antônio Junqueira de Azevedo indica que os contratos apartam-se entre
“contratos empresariais” e “contratos existenciais”, que incluem os contratos
de consumo, contratos celebrados para viabilizar a subsistência da pessoa hu-
mana, compra da casa própria, contratos de trabalho e locações residenciais.
“Essa nova dicotomia é, a nosso ver, a verdadeira dicotomia contratual do séc.
XXI”. Trata-se de sistematização tão funcional para o nosso século quanto foi
no século passado a distinção entre os contratos paritários e os contratos de
adesão.54

1.6 O escopo de lucro presente em todos os seus polos como marca e


guia dos contratos empresariais
O diferenciador marcante dos contratos comerciais reside no escopo de
lucro de todas as partes envolvidas, que condiciona seu comportamento, sua
“vontade comum” e, portanto, a função econômica do negócio, imprimindo-lhe
dinâmica diversa e peculiar.
Por um lado, o contrato, singularmente considerado, perfaz determi-
nada operação econômica. Porém, quando imerso na empresa, revela-se como

51. “Alla distinzione tra contratti commerciali e contratti civili [...] sembra avvicendar-
si perlomeno una tripartizione: che corre dai contratti civili a quelli commerciali
passando atraverso i contratti dei consumatori” [Fabrizio di Marzio, Verso il nuovo
diritto dei contratti, 4].
52. “‘[I]l contratto del consumatore’ – inteso come contratto fra un consumatore e un
operatore economico professionale, relativo all’acquisto di beni o servizi forniti da
quest’ultimo – emerge come categoria autonoma e significativa del diritto contrattu-
ale. Questo è um dato acquisito ovunque, e da tempo” [Vincenzo Roppo, Il contratto
del duemila, 26].
53. Contratos mercantis, 24.
54. Natureza jurídica do contrato de consórcio [sinalagma indireto]. Onerosidade ex-
cessiva em contrato de consórcio. Resolução parcial de contrato, 356.
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 39
parte ou manifestação da atividade do ente produtivo. Assim, é inegável o im-
pacto da atividade da empresa sobre cada um dos negócios por ela encetados.55-56
Dizemos que a “natureza e o espírito do contrato” comercial são condi-
cionados pela “vontade comum” das partes, direcionada que é pelo escopo de
lucro que grava cada uma delas.
Nos contratos consumeristas, essa luta pelo lucro recai apenas sobre uma
das partes [a empresa fornecedora]; nos civis, pode inexistir [como no caso da
doação] ou aparecer de forma esporádica e mitigada em um dos polos que se
aproveitará economicamente do evento [locação, por exemplo].
De qualquer forma, mesmo nessas hipóteses, o escopo econômico não mar-
ca o contrato de forma tão incisiva como nos casos comerciais, pois a parte não
tem sua atividade, toda ela, voltada para o lucro, como ocorre com as empresas e
sua atividade profissional. O moto da empresa é diverso daquele do proprietário
de um imóvel que o aluga; enquanto toda a existência da primeira justifica-se
pelo fim lucrativo, o proprietário, embora deseje obter vantagem econômica
do negócio, não tem nisso sua razão de ser.

1.7 Uma necessária digressão histórica: os cismas das categorias con-


tratuais e a consolidação dos contratos empresariais
É conhecida a afirmação de Ascarelli no sentido de que o direito comercial
é uma categoria histórica e não ontológica.57 Assim, “a sua razão de ser perante
o direito civil não pode repousar sobre critérios lógicos, mas sobre critérios
históricos”.58 Somente podemos entender a essência do direito mercantil se
encararmos as razões históricas de seu nascimento, i.e., a gênese de seus “prin-
cípios peculiares”, de sua “especificidade intrínseca”.59

55. “[I]l contratto, pur destinato a regolare un singolo e specifico rapporto, rappresenta
anche uno dei momenti nei quali si realizza la più complessa attività dell’impresa: da
ciò, almeno potenzialmente, un’influenza su di esso del modo in cui questa attività è
stata programmata dall’imprenditore” [Carlo Angelici, La contrattazione d’impresa,
190-1].
56. Daí dizermos que o fim imediato das contratações é a satisfação das necessidades
econômicas das empresas, enquanto que o escopo máximo delas é sempre o lucro.
57. Cf. Corso di diritto commerciale, 79.
58. La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 4.
59. “È sempre solamente da un punto di vista storico, e cioè in relazione alle diverse
esigenze dei singoli momenti storici, che si può comprendere l’autonomia successi-
vamente rivendicata dal diritto del lavoro, dal diritto industriale, dal diritto agrario.
Diritti speciali tutti e che anch’essi si contraddistinguono per comprendere insieme
|
40    CONTRATOS EMPRESARIAIS

O método de análise sugerido por Ascarelli é indispensável para a real


compreensão da categoria dos contratos comerciais; seu reconhecimento como
categoria independente exige que sejam tomados em perspectiva histórica.
Sem embargo das interessantes e atuais discussões sobre a existência de
direito comercial em Roma,60 sigamos as lições de Goldschmidt61 e admitamos
que apenas por volta do século XII o direito mercantil solidificou-se como
ramo autônomo.62 Se antes todos os contratos estavam sujeitos à disciplina
civilista – baseada no direito romano –, aqueles comerciais começam a dela
desprender-se, assumindo regras [e jurisdição] próprias. O surgimento do di-
reito comercial faz com que os negócios mercantis sejam apartados dos demais.
Tem-se um primeiro cisma, que faz nascer a clássica dicotomia do direito privado:
direito civil e direito comercial.
A revolução industrial traz a afirmação do dogma do livre mercado e
também reações causadas pela primazia dessa lógica.
No final do século XVIII, haviam se solidificado os princípios liberais
enformadores da generalidade dos contratos: individualismo, liberdade de
contratar e presunção de igualdade entre as partes.63 O mercado se faz possí-

norme di diritto pubblico e di diritto privato, per avere, quali diritti speciali, una
esistenza che é storicamente determinata, per comprendere um ambito che è a volte
a volte diverso” [La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto com-
merciale, 5].
60. Cf., sobre a existência do direito comercial em Roma, Pietro Cerami e Aldo Petrucci,
Lezioni di diritto commerciale romano; Feliciano Serrao, Impresa e responsabilità a
Roma nell’età commerciale; Pietro Cerami, Andrea di Porto e Aldo Petrucci, Diritto
commerciale romano.
61. Storia universale del diritto commerciale, 60 e ss.
62. “Un sistema speciale del diritto marittimo e del diritto commerciale fu invece crea­
zione italiana nella primavera della nostra civiltà comunale [Tullio Ascarelli, La
funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 3]”. No
mesmo sentido, praticamente a totalidade da doutrina italiana e brasileira.
63. A lição de Orlando Gomes há de ser sempre lembrada: “A moderna concepção do
contrato como acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo
jurídico a que se prendem se esclarece à luz da ideologia individualista dominante
na época de sua cristalização e do processo econômico de consolidação do regime
capitalista de produção. O conjunto de ideias então dominantes, nos planos eco-
nômico, político e social, constituiu-se em matriz da concepção do contrato como
consenso e da vontade como fonte de efeitos jurídicos, refletindo-se nessa idealização
o contexto individualista do jusnaturalismo, principalmente na superestimação do
papel do indivíduo. O liberalismo econômico, a ideia basilar de que todos são iguais
perante a lei e devem ser igualmente tratados e a concepção de que o mercado de
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 41
vel porque o sistema jurídico presume a igualdade dos contratantes que, no
exercício de sua liberdade, estabelecem trocas entre si. “O contrato surge como
uma categoria que serve a todos os tipos de relações entre sujeitos de direito
e a qualquer pessoa independentemente de sua posição ou condição social”,
explica Orlando Gomes.64
Mas o funcionamento do mercado liberal gera disfunções [efeitos autodes-
trutíveis, “falhas”, “externalidades negativas”], que levam à desestabilização do
sistema. Daí o inteligente arranjo implementado pelo direito, intervindo para
neutralizar e evitar crises. A proteção dos “direitos sociais” dos trabalhadores
mostra-se imperativo para perpetuar o tráfico mercantil. O “interesse geral do
comércio” exige que o fator trabalho continue desempenhando seu papel no processo
produtivo, dando seguimento ao processo de acumulação de capital.
A relação entre patrão e empregado – i.e., entre empresa e empregado –
deve ser isolada e tratada de maneira especial, arrefecendo, de certa forma, os
princípios liberais do tráfico.65 Exige-se que os negócios jurídicos com empre-
gados passem a obedecer a princípios peculiares, que reconheçam e lidem com
a hipossuficiência do trabalhador. Há um “particularismo do negócio jurídico

capitais e o mercado de trabalho devem funcionar livremente em condições, todavia,


que favorecem a dominação de uma classe sobre a economia considerada em seu
conjunto permitiram fazer-se do contrato o instrumento jurídico por excelência da
vida econômica” [Contratos, 7].
64. Orlando Gomes, Contratos, 7.
65. Para Ascarelli: “Il superamento del liberalismo e dell’individualismo economico è
oggi ovunque nella realtà delle cose. Nel diritto privato è stato naturalmente innazi
tutto nel diritto del lavoro che, fin dalla fine del secolo XIX, la concezione liberale e
individualista è stata sottoposta a uma critica serrata ed a trasformazioni profonde”
[La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto commerciale, 8]. No
mesmo sentido, Cesarino Júnior: “É lugar comum nas obras de direito do trabalho a
afirmação de que o individualismo, proprio da Revolução francêsa, proclamando a
igualdade, a liberdade contratual entre o patrão e o operario, havia apenas garantido
a êste [...] o direito de... morrer de fome. Com efeito, a desigualdade das condições
econômicas dos dois contratantes, se traduzia sempre ou quase, na aceitação pela
parte mais fraca, o operário, das condições danosas que lhe eram impostas pelo mais
forte, o patrão, que podia esperar o empregado que se sujeitasse ás suas imposições,
enquanto o operario, não dispondo de outros recursos que não a sua força de trabalho,
devia sujeitar-se a aceitar as condições propostas, por mais bronzeas que fossem.
Daí, naturalmente a necessidade de uma legislação especial, a atual legislação social,
feita, como acentuou notavel civilista, com a preocupação de proteger a parte mais
fraca” [Natureza jurídica do contrato individual de trabalho, 30].
|
42    CONTRATOS EMPRESARIAIS

básico regulado pela legislação do trabalho [que] justifica as inovações nos


métodos, nos critérios e na própria técnica que distinguem o Direito do Tra-
balho do direito comum”.66
No Brasil, o apartar das relações trabalhistas assume traços característi-
cos, derivados da resistência liberal. Relata-se o veto presidencial a leis que,
no início da República, procuraram garantir alguns direitos aos trabalhadores:
“Segundo o princípio de igualdade perante a lei, a locação de serviço
agrícola deve ser regulada pelos princípios de direito comum e não por
um regime processual e penal de exceção.
Nas sociedades civilizadas a atividade humana se exerce em quase todas
as formas sob o regime do contrato.
Intervir o Estado na formação dos contratos é restringir a liberdade e a
atividade individual nas suas mais elevadas e constantes manifestações, é
limitar o livre exercício das profissões, garantidas em toda a sua plenitude
pela [...] Constituição.
O papel do Estado nos regimes livres é assistir como simples espectador
à formação dos contratos e só intervir para assegurar os efeitos e as con-
sequências dos contratos livremente realizados. Por essa forma, o Estado
não limita, não diminui, mas amplia a ação da liberdade e da atividade
individual, garantidos os seus efeitos. [...]
O trabalho humano foge sempre à regulamentação, procurando pontos
onde ele pode exercer-se livremente”.67
De início, as relações entre capital e trabalho eram disciplinadas pelo
Código Civil de 1916 como locação de serviços [art. 1.216 e seguintes].68 A
ideia base calca-se no liberalismo, pressupondo que as partes, inclusive o em-
pregado, disporiam de liberdade para negociar/aceitar os termos contratuais.69

66. Orlando Gomes e Elson Gottschalk, Curso de direito do trabalho, XIII. Esses autores
identificam em dois pontos as especificidades da relação jurídica nuclear do direito do
trabalho: [i] o predomínio do fator humano que origina, para uma das partes, dependência
pessoal e [ii] o impacto dessa relação no sistema econômico globalmente considerado,
“tornando-se algo mais do que um simples vínculo entre duas pessoas” [XII].
67. Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e Segadas Vianna, Instituições de direito do tra-
balho, 57-8.
68. Havia poucas leis protetivas, relatadas por Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e
Segadas Vianna, Instituições de direito do trabalho, 58 e ss.
69. Orlando Gomes e Elson Gottschalk afirmam que a matéria recebeu, no Código Civil,
“um tratamento no puro estilo clássico romanista” [Curso de direito do trabalho, 7].
DEFINIÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 43
Em 1938, ainda se noticiava a incipiência da proteção trabalhista no Brasil e a
ausência do reconhecimento do “contrato de trabalho”.70
Mas aos poucos se estabelece entre nós a concepção da “hipossuficiência”
do trabalhador, na expressão que se acredita cunhada por Cesarino Júnior.71 A
legislação especial assiste, a partir dos anos trinta, a uma “intensificação febril”
e à adoção da regulamentação internacional do trabalho, sob os auspícios da Or-
ganização Internacional do Trabalho [OIT].72 A influência da obra de Hauriou,
com sua teoria das instituições, é marcante.73 Merece incontestável destaque
a promulgação da CLT, quando a empresa é identificada com o empregador.
Ao primeiro grande cisma dos contratos mercantis, sucede um segundo:
decotam-se os contratos trabalhistas, firmando nova categoria autônoma.
Seguindo no tempo, a preservação do mercado exige que seja conferida
proteção especial aos consumidores. Em sua essência, o movimento que então
se verifica não difere daqueles que relatamos: mais uma vez, ocorre a separação
de um conjunto de relações econômicas, porque assumem funcionamento
peculiar. A esses negócios [contratos consumeristas] é impressa lógica diversa,
apartada daquela do corpo da qual se desprendeu.74

No mesmo sentido, Cesarino Júnior destaca que a própria expressão “locação de ser-
viços” é mera tradução da locatio ou conductio operarum do direito romano [Natureza
jurídica do contrato individual de trabalho, 18].
70. Cesarino Júnior, Natureza jurídica do contrato individual de trabalho, 23 e ss.
71. “Aos não proprietários, que só possuem sua fôrça de trabalho, denominamos hipos-
suficientes. Aos proprietários, de capitais, imóveis, mercadorias, maquinaria, terras,
chamamos auto-suficientes. Os hipossuficientes estão, em relação aos auto-suficientes,
numa situação de hipossuficiência absoluta, pois dependem, para viver e fazer sua família,
do produto de seu trabalho. [...] Há uma troca entre os bens excedentes dos ricos e os
serviços dos pobres. O lugar em que geralmente se opera esta troca é a emprêsa [...]. [...]
A hipossuficiência absoluta se caracteriza pelo fato de o indivíduo depender do produto
do seu trabalho para manter-se e à sua família” [Direito social brasileiro, 25-6].
72. Os diplomas mais relevantes desse período e sua disciplina constitucional são ano-
tados por Orlando Gomes e Elson Gottschalk, Curso de direito do trabalho, 7.
73. “As grandes linhas dessa teoria são as seguintes: uma instituição é uma ideia de obra
ou empresa que se realiza e dura juridicamente em um meio social; para a realização
dessa ideia, organiza-se um poder que avia os órgãos necessários; de outra parte,
entre os membros do grupo social interessado na realização da ideia, produzem-se
manifestações de comunhão dirigidas por órgãos de poder e regradas por procedi-
mentos” [La teoría de la institución y de la fundación, 39-40].
74. Retomemos a lição de Antonio Herman de V. Benjamin: “A adaptação de soluções do
‘liberalismo clássico’, produzidas em uma realidade econômica inteiramente diversa
da atual, deixou de levar em conta que ‘fenômenos de massa’ não comportam remé-
|
44    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Todos esses cismas e rearranjos são realizados [pelo Direito] em torno


do status das partes. Os contratos mercantis despregam-se do direito comum
porque deles participa um comerciante; os trabalhistas, porque envolvem em-
pregado e os consumeristas porque na relação há consumidor.
As interações e iterações que acontecem no mercado hão de ser agrupadas
segundo os sujeitos que delas participam, pois é em virtude deles que as relações
jurídicas acomodar-se-ão em torno de princípios comuns. Ou seja, na ordem
jurídica do mercado, as relações são disciplinadas de acordo com o “status”
das partes.75 Na atualidade, apenas as relações interempresariais submetem-se
ao parâmetro mercantil.

dios individualistas, alicerçados em ideias sem qualquer conexão com a sociedade


de consumo. Princípios como os da liberdade contratual, da liberdade de comércio,
da não intervenção do Estado no gerenciamento do mercado, da responsabilidade
do fornecedor apenas por culpa, assim como as normas rígidas de legitimidade ad
causam e de prova, foram formulados para regrar relações sociais de feições diversas
da relação de consumo. [...] Mas por que esse despertar legislativo? Primeiro porque
o surgimento da sociedade de consumo propiciou o aparecimento de relações jurídi-
cas antes desconhecidas. Ou, se preferirem, permitiu o aparecimento de ‘formas de
manifestação’ singulares para as relações jurídicas clássicas [compra e venda, locação,
mútuo]. Em segundo lugar, a mesma sociedade de consumo, pela massificação de suas
relações e pelo fortalecimento da empresa, criou uma situação de ‘vulnerabilidade’
para o consumidor” [O direito do consumidor, 49-50].
75. É inegável a tendência, referida pela melhor doutrina italiana, da consideração do
status das partes pelo ordenamento jurídico para fins da disciplina das relações das
quais participam. Por exemplo, Buonocore: “[...] la prima linea di tendenza, che
meglio sarebbe considerare come pressupposto generale di tutte le costatazioni che
seguiranno, è, dunque, quella dell’emergere nella legislazione speciale di una disciplina
diferenziata dei contratti, indotta dalla qualità, o, se si vuole, dallo status delle parti”.
E, mais adiante: “É stata, però, la legislazione speciale a dare novella, e decisiva, rile-
vanza – direta o indiretta – allo status delle parti contraenti, dettando una disciplina
differenziata rispetto a quella generale dei contratti contenuta nel codice civile: l’aspetto
fortemente innovativo dei provvedimenti sta sia nella circostanza che tale disciplina
differenziata non riguarda un singolo rapporto ma la generalità dei contratti stipulati
da un imprenditore o comunque gruppi omogenei di contratti, sia nella circostanza
[...] che nei nuovi provvedimenti viene presa in considerazione e disciplinata non solo
la posizione dell’imprenditore, e cioè il contraente ‘forte’, ma anche quella dell’‘altro
contraente’, e cioè l’interfaccia dell’imprenditore” [Contrattazione d’impresa e nuove
categorie contrattuali, 120]. Para complementação da ideia do autor, v. Ainda “Contratti
del consumatore e contratti d’impresa”, especialmente 20 e ss. Mais recentemente,
Guido Alpa, analisando a realidade da disciplina da União Europeia sobre os contratos,
afirma: “dobbiamo distinguere allora i contratti tra imprenditori [o professionisti], e
i contratti conclusi con i consumatori” [Il contratto in generale, 577].
2
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

Sumário: 2.1 Por que classificar? Classificação tradicional dos contratos e a ne-
cessidade de novas categorias – 2.2 Quanto ao grau de vinculação futura entre
as partes: contratos instantâneos [“spot”], híbridos e societários – 2.3 Quanto
ao grau de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente típicos: 2.3.1 A
criação dos contratos socialmente típicos pela prática de mercado; 2.3.2 Cláusulas
socialmente típicas – 2.4 Quanto à abrangência do objeto: contratos-quadro e
contratos satélite – 2.5 Quanto ao grau de ligação: contratos coligados e con-
tratos independentes – 2.6 Quanto ao grau de complexidade: contratos simples
e contratos complexos – 2.7 Quanto ao grau de completude do regramento:
contratos completos e incompletos. Existem contratos completos? – 2.8 Quanto
ao interesse principal da parte no contrato: contratos de prestação e contratos de
relação [ou contratos relacionais] – 2.9 Quanto ao tipo de negociação que lhes
dá origem: contratos de adesão e contratos negociados – 2.10 Quanto ao grau de
poder econômico das partes: contratos paritários e contratos em que há situação
de dependência econômica: 2.10.1 Contratos aos quais a dependência econômica
é inerente; 2.10.2 Contratos em que o grau de dependência econômica aumenta
durante sua execução – 2.11 Quanto à ligação a contratos celebrados entre ter-
ceiros: contratos isolados e contratos em rede.

2.1 Por que classificar? Classificação tradicional dos contratos e a neces-


sidade de novas categorias
Classificações não são corretas ou incorretas e sim úteis ou inúteis.1 Emer-
gem da necessidade de organização da realidade. Tais quais os modelos dos
economistas, as classificações jurídicas reduzem a complexidade do ambiente
institucional, possibilitando seu estudo e disciplina.
Classifica-se para ordenar e, dessa forma, compreender.

1. “Las classificaciones no son ni verdaderas ni falsas, son serviciales o inútiles; sus


ventajas o desventajas están superitadas al interés que guía a quien las formula, y a
su fecundidad para presentar un campo de conocimiento de uma manera más fácil-
mente comprensible o más rica em consecuencias prácticas deseables. Siempre hay
múltiples maneras de agrupar o clasificar un campo de relaciones o de fenómenos;
el criterio para decidirse por uma de ellas no está dado sino por consideraciones de
convenienzia científica, didática o prática” [Genaro Carrió, Notas sobre Derecho y
Lenguaje, 99].
|
46    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A ideia de classificação advertem Stefanos Mouzas e Michel Furmston,


deriva do conceito aristotélico de taxis, que significa ordem, ligando-se a um
sistema ou padrão no qual “elementos de vários tipos relacionam-se uns aos
outros”.2
O esforço de ordenação busca identificar os traços comuns nos negócios.
Aqueles da mesma categoria encontram-se concatenados de tal maneira que,
pelo contato com um deles, conseguimos apreender, deduzir traços peculiares
e formar expectativas em relação aos restantes. As classificações jurídicas são
uma construção, uma ordem arquitetada a partir da observação da realidade
[taxis], e não decorrente da evolução natural das coisas [kosmos].3
É natural que as classificações reflitam preocupações, fenômenos e ins-
titutos do momento histórico em que foram talhadas. Não é sem razão que o
reconhecimento da categoria dos contratos plurilaterais, ao lado dos unilaterais
e dos bilaterais, deu-se apenas no início do século XX, com a intensificação
dos problemas relacionados às sociedades.4 Igualmente, a preocupação com
os contratos de adesão surgiu com a industrialização e a difusão do comércio
em massa.
Hoje, não é possível pensar o direito dos negócios lançando mão exclu-
sivamente das classificações encetadas até meados do século XX. Decerto elas
ainda são muito importantes; contudo, a realidade econômica de agora desvela
outros contextos que requerem compreensão e sistematização.
Neste capítulo, a par da taxinomia tradicional, pretende-se dar notícia de
outros critérios classificatórios impostos pelo ambiente dos nossos tempos. Ao
contrário da dogmática tradicional civilista, este esforço de organização não
é perfeito e tampouco lapidado ao longo de mais de dois mil anos. Todavia,
o grupamento dos contratos empresariais em torno de certas características
que interessam mais de perto à dinâmica do mercado permite ao estudioso do
direito comercial reduzir a complexidade da realidade, alinhando fatores que
condicionam a natureza e a dinâmica dos negócios entre empresas.
É preciso apartar [i] a identificação dos tipos contratuais da [i] criação de
categorias de contratos. Embora se trate, ambas, de ordenações no sentido acima
apontado [Hayek] e, muitas vezes, os termos sejam tomados como sinônimos,
os tipos contratuais constroem-se sobre os elementos essenciais de determinado

2. Stefanos Mouzas e Michael Furmston, A proposed taxonomy of contracts, 2.


3. Hayek, Direito, legislação e liberdade, v. I, 38, ao discorrer sobre a função das classifi-
cações em geral.
4. V. Tullio Ascarelli, “O contrato plurilateral” em Problemas das sociedades anônimas, 273.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 47
grupo de negócios jurídicos. Um contrato pertence a certo tipo se nele estão
presentes os elementos indispensáveis à sua existência. “Sem os essentialia
negotti, o negócio não seria jurídico [= não entraria no mundo jurídico], ou
seria outro negócio jurídico que aquêle, a respeito do qual se procedeu à dis-
criminação do essencial e do acidental”.5 Por exemplo, o contrato de compra e
venda é como tal reconhecido pelo ordenamento jurídico a partir do momento
em que se têm a coisa, o preço e o consenso.
As categorias classificatórias, por sua vez, ligam-se ao grupamento confor-
me a função econômica do negócio ou conforme suas características marcantes e
singulares. A menção a contratos de alienação traz à mente determinado grupo
de negócios que levam à transferência da propriedade de bens; a categoria de
contratos de distribuição abrange os contratos que viabilizam o escoamento
da produção; os contratos bilaterais aqueles em que há dois polos etc.
Tradicionalmente, classificam-se os contratos segundo vários critérios,
como o número de partes, tempo da prestação etc.6 Assim, os contratos po-
dem ser:
• bilaterais e unilaterais [além dos plurilaterais];
• onerosos e gratuitos;
• solenes e não solenes;
• principais e acessórios;
• de execução instantânea, diferida e sucessiva;
• comutativos e aleatórios;
• por adesão e negociados; e
• empresariais e existenciais, talvez a mais importante dicotomia do
século XXI, como lembrava o Professor Junqueira de Azevedo.
Para o direito empresarial, é importante apartar os contratos conforme
os seguintes critérios:
• grau de vinculação futura das partes [contratos imediatos, híbridos e
societários];
• grau de positivação [contratos típicos, atípicos e socialmente típicos];
• abrangência do objeto [contrato quadro e contratos satélite];

5. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. III, 66.


6. Sobre as classificações dos contratos difundidas na Common Law, v. P.S. Atiyah, The
law of contract, 28 e ss. Para as classificações empregadas na nossa tradição, v. António
Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, v. VII, Direito das obrigações. Contratos e
negócios unilaterais, 183.
|
48    CONTRATOS EMPRESARIAIS

• grau de ligação de contratos celebrados entre as mesmas partes [con-


tratos coligados e contratos independentes];
• grau de complexidade [contratos complexos e simples];
• grau de completude do regramento contratual [contratos completos
e incompletos];
• interesse principal das partes no contrato [contratos de prestação e
contratos de relação];
• tipo de negociação que lhes dá origem [contratos de adesão e contratos
negociados];
• grau de poder econômico das partes [contratos paritários e contratos
em que há situação de dependência econômica]; e
• existência de ligação a contratos celebrados entre terceiros [contratos
isolados e contratos em rede].
Vejamos cada uma dessas categorias.

2.2 Quanto ao grau de vinculação futura entre as partes: contratos


instantâneos [“spot”], híbridos e societários
Quanto ao grau de integração entre as empresas, ou de vinculação futura
das partes, os contratos empresariais classificam-se em imediatos [“spot”],
híbridos [muitas vezes identificados com os contratos de colaboração] e
societários.7
Os negócios condicionam o comportamento futuro dos agentes econômi-
cos, restringindo, com maior ou menor intensidade, sua liberdade de atuação
pós-celebração. O contrato pode projetar quase ou nenhum efeito para o futuro,
quando a ligação econômica produzida for pouco intensa, desfazendo-se tão
logo adimplida a prestação. Da mesma forma, pode levar à forte vinculação
das partes, atando-as à relação econômica e diminuindo a possibilidade de, no
futuro, abraçarem estratégias conflitantes com a palavra empenhada.
Eis importante variável das contratações interempresariais: o grau de
estreitamento da liberdade futura das partes em decorrência da contratação.
Exemplificando com a situação de um fabricante de sapatos que necessita
de couro para confeccioná-los. A primeira opção seria adquirir a matéria-prima
de algum curtume. Para encontrá-lo, é possível frequentar feiras do setor,
consultar catálogos especializados, ouvir conselhos de outros empresários ou

7. Remete-se o leitor ao capítulo sobre os contratos de colaboração, em que a questão


dos híbridos é tratada com maior profundidade.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 49
utilizar ferramentas de pesquisa na Internet. Após gastar algum tempo com a
coleta de informações, o fabricante opta por comprar 50 metros quadrados de
couro negro de determinado produtor e 50 metros de couro branco de outro.
No mês seguinte, ao precisar de nova matéria-prima, estará absolutamente
livre para comprar o couro de qualquer outra empresa. A operação de compra
e venda com esses curtumes não gerou qualquer liame capaz de restringir seus
negócios futuros.
Mas essa liberdade custa tempo e dinheiro. A empresa pode preferir adotar
outro modelo de negócio que estabeleça relação mais duradoura, como um
contrato de fornecimento, em que haverá a disciplina do fluxo de relações econô-
micas entre as partes e não apenas de uma operação isolada de compra e venda.
Mesmo dentro de determinado tipo [no caso, o dos contratos de forne-
cimento], o grau de vinculação não será uniforme, pois restará moldado pela
vontade das partes naquela situação específica: o prazo pode ser longo, curto
ou indeterminado, o fabricante de sapatos pode exigir determinada maciez ou
qualidade do couro, impor processos de preparação do material, exclusividade
de fornecimento etc.
Maior o grau de vinculação entre as partes, maior a integração entre as
empresas e maior o grau de previsibilidade da operação econômica. Dizemos
com apoio nos economistas institucionais que, em certas situações, a celebração
de contratos que geram integração leva à redução dos custos de transação, na
medida em que permite à empresa economizar os recursos que despenderia
se houvesse de barganhar amplo espectro de variáveis a cada operação de
compra e venda.
A afirmação de que duas empresas “integraram sua produção” significa a
celebração de negócio mediante o qual a atividade produtiva de uma voltou-
-se à satisfação de necessidades da outra. Esses contratos de colaboração ou
híbridos surgem da necessidade de evitar os inconvenientes que adviriam da
celebração de extensa série de contratos de intercâmbio desconectados, como
os custos de transação, e da fuga da rigidez típica dos esquemas societários
[ou hierárquicos].
Seguindo o mesmo exemplo, no limite, o fabricante poderá até mesmo
constituir sociedade com o curtume, absorvendo internamente as duas fases do
processo produtivo [curtume e fabricação das bolsas]. Essa estratégia trar-lhe-
-á maior espaço para controlar as características da produção do insumo; ao
mesmo tempo, restringirá suas opções quanto aos fornecedores, pois haverá
de empregar o couro produzido pela nova sociedade.
|
50    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Dispuséssemos as formas jurídicas das relações entre empresas ao longo


de uma linha imaginária, teríamos, em um extremo, os contratos de intercâmbio
e, no outro, as sociedades. No entremeio, os mais variados tipos de contratos
híbridos, que conjugam o elemento de intercâmbio com o de colaboração.
Quanto mais próximo o contrato híbrido estiver daquele de intercâmbio, maior
o grau de independência das partes e menor a colaboração futura entre elas. Ao
nos deslocarmos na direção das sociedades, maior será o grau de estabilidade
do vínculo e da colaboração.
Representando graficamente essa classificação:

Contratos spot Sociedades


execução instantânea estruturas hierárquicas

Contratos híbridos
• menor grau de contratos • maior grau de
vinculação futura de colaboração vinculação futura
• menor grau de controle • maior grau de controle
da atividade da outra parte da atividade da outra parte

2.3 Quanto ao grau de positivação: contratos típicos, atípicos e social-


mente típicos
Na busca da satisfação jurídica de suas necessidades econômicas, as
empresas contratam com fornecedores, bancos, consumidores, empregados,
distribuidores, representantes comerciais, prestadores de serviço, consultores,
advogados etc. O desenvolvimento da atividade mercantil exige que a empresa,
ao mesmo tempo, organize suas relações internas e abra-se para o mercado,
volte-se para outros agentes econômicos, com eles estabelecendo vínculos
jurídicos, emaranhando-se em direitos e obrigações dos mais variados tipos.
Não é possível alcançar o lucro sem celebrar contratos. Não há atividade
empresarial sem contratação.
Alguns desses negócios são expressamente previstos e disciplinados por
textos normativos. É o que acontece, por exemplo, com os contratos de com-
pra e venda, locação, mandato, comodato, depósito e tantos outros. São os
contratos “típicos”.
Em quase sua totalidade, não foram “inventados” por algum legislador.
Por vezes, de tão antigos, perde-se de vista o momento em que passaram a ser
previstos em textos normativos – como é o caso da compra e venda. Em ou-
tros, um negócio vai se espalhando pelo mercado e, em decorrência de decisão
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 51
política, acaba regulamentado. Foi o que ocorreu com a representação comercial
no Brasil que, após alcançar larga difusão, foi capitulada em lei no ano de 1965.
Há, também, contratos que, embora não ditos pela lei, devem ser consi-
derados “socialmente típicos”,8 pois consolidados pela reiterada prática dos
comerciantes e reconhecidos pelos operadores econômicos, pela doutrina e pela
jurisprudência como “tipo contratual”. O contrato é socialmente típico porque
o tráfico jurídico assim o considera. Trata-se de mecanismo bastante flexível na
configuração dos tipos e que se reflete a partir da consciência social que, por
sua vez, é historicamente determinada.9 Afirmou-se, com muita propriedade,
que o corpo de normas jurídicas consuetudinárias relacionado a esses negócios
enriquece o Direito.10
A doutrina aponta três requisitos para que um contrato possa ser conside-
rado socialmente típico.11 São “elementos justificativos da relevância social” que
comprovam ser, aquele negócio específico, economicamente importante para
determinado grupo de agentes: [i] reconhecimento de sua função econômico-
-social; [ii] difusão e relevo da prática na sociedade e [iii] recepção do negócio
pela ordem jurídica.12

8. Parte da doutrina prefere designar os contratos socialmente típicos de “atípicos”.


Parece melhor reservar o termo atípico para o pacto que foge tanto à disciplina legal
expressa quanto à tipificação social. É o caso, por exemplo, da avença que, embora
celebrada em determinada situação concreta, não se espalha pelo mercado e não é
socialmente reconhecido como um “tipo”.
9. Betti assim coloca a questão: “Ma qui, almeno in diritto moderno, al posto della
rigida tipicità legislativa imperniata sopra un numero chiuso di denominazione
[...] subentra [...] un’altra tipicità, che adempie pur sempre il compito di limitare e
indirizzare l´autonomia privata, ma che [...] è assai più elastica nella configurazione
dei tipi, e che si opera mediante rinvio alle valutazioni economiche o etiche della
coscienza sociale storicamente determinata: onde si è proposto di chiamarla tipicità
sociale. [Emilio Betti, Teoria general del negozio giuridico, 323].
10. Explica Pontes de Miranda: “Os negócios jurídicos entram em certas classes, mais
ou menos rígidas, que são os tipos de negócios jurídicos. Se a prática – a vida, em
sua explicitação de exigências econômicas, sociais ou jurídicas – cria tipos novos,
esses tipos novos são criações do direito consuetudinário; de modo que à base dêles
estão regras jurídicas novas, que enriquecem o direito objetivo” [Tratado de direito
privado, t. 3, 63].
11. O Código Civil de 2002, ratificando tradição há muito solidificada entre nós, estabelece
ser “lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais” nele
fixadas. Esses contratos atípicos, referidos no art. 425, referem-se tanto aos contratos
chamados pela doutrina de “socialmente típicos” quanto aos completamente atípicos.
12. Cf. Maria Helena Brito, O contrato de concessão comercial, 168 e ss.
|
52    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Os exemplos de contratos socialmente típicos são hoje abundantes. Em


alguns casos, após algum tempo, transformam-se em legalmente típicos, pas-
sando a ser previstos em textos normativos.
Ao redor dos anos 80, os comercialistas brasileiros noticiavam a existência
de alguns “novos” contratos, que se haviam difundido na prática dos agentes
econômicos. Era o caso da franquia, do contrato de distribuição, do factoring
etc. Há tantos outros que se tornaram comuns, como fornecimento, “built to
suit”, produção sob regime de encomenda [“outsourcing”], terceirização de
serviços, “project finance” etc.
Por fim, há os contratos verdadeiramente atípicos, talhados à medida
para determinada operação econômica, cuja prática não é disseminada no
mercado. Os advogados, muitas vezes, enfrentam dificuldades para nomear
o instrumento, de tão pouco usual que é a avença; acabam ladeando-o a algu-
ma denominação típica, ao qual acrescentam a expressão “e outras avenças”.
Encontramos “contratos de locação e outras avenças”, “contratos de compra
e venda e outras avenças” que muito se afastam da tipificação legal.

2.3.1 A criação dos contratos socialmente típicos pela prática de mercado


Como será explicado no capítulo referente aos vetores dos contratos
empresariais, os usos e costumes são uma das mais importantes ferramentas
de que dispõe o direito comercial para manter-se vivo e atualizado. A doutrina
tradicional há muito destaca sua força criadora, capaz de gerar regras a serem
obrigatoriamente seguidas pelos agentes econômicos.13
Hoje, a principal função sistêmica dos usos e costumes [i.e., da prática
de mercado] é a criação não de regras isoladas, mas de tipos contratuais. É a
dinâmica da gênese dos contratos que merece atenção. A tendência é que os ne-
gócios sejam “inventados” por alguns agentes econômicos e seus advogados,
muitas vezes a partir de um contrato típico, passando a ser copiados por outros.
As práticas das empresas, a reação dos Tribunais a esses comportamentos e a
interpretação que os juízes dão aos mesmos textos normativos trazem como
resultado a formatação da ordem jurídica do mercado. Os negócios surgem da
atuação livre dos comerciantes condicionada pelas características do ambiente
em que desempenham seus negócios, pelos textos normativos e pelas decisões
dos tribunais. Ao contrário do que advogam muitos, o direito comercial, as
regras que disciplinam a atividade empresarial, não são fruto de uma “geração

13. Nessa linha, no passado, tentou-se a compilação de regras decorrentes do uso pelas
Juntas Comerciais. São os famosos “assentamentos”, de inegável interesse histórico.
Que se tenha notícia, no Estado de São Paulo, o último desses registros foi realizado
em 1966, versando sobre o comércio de café.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 53
espontânea”. A liberdade de iniciativa socorre aos agentes econômicos nos
limites da licitude e seus comportamentos, ainda que potencialmente, estão
sujeitos ao crivo dos Tribunais. As cortes, por sua vez, sinalizam para o mer-
cado o que será ou não admitido, fechando o ciclo da criação dos contratos
socialmente típicos:

Sinalização para o
mercado sobre o Práctica de
comportamento que mercado
pode ou não ser adotado

Crivos dos
tribunais sobre
o que é ou não
admitido pela
lei

A prática mercantil sempre deu lugar a inúmeros modelos de negócio que, ao


se mostrarem eficientes, acabam espraiados pelo mercado. Brotando da praxe,
sofrem certa “seleção natural”: as práticas mais adequadas ao tráfico impõem-se
sobre aquelas menos aptas à resolução de problemas. Ao longo do processo de
evolução, prevalecem os padrões de conduta mais adaptados ao funcionamento
do mercado e ao ordenamento jurídico estatal, depurados pela jurisprudência.
2.3.2 Cláusulas socialmente típicas
Ainda que a doutrina não lhes dedique muita atenção, há cláusulas [i.e.,
estipulações contratuais] “socialmente típicas”, tamanha sua utilização pelos
agentes econômicos nos mais variados tipos de contratos. São dispositivos que
acabam apostos a vários tipos de negócios jurídicos empresariais, repetindo-
-se. Como exemplo, em contratos societários, as cláusulas de “drag along”,
“tag along” e, nos contratos em geral, de outorga de preferência em compras
e vendas, sigilo, exclusividade e tantas outras.
São cláusulas socialmente típicas porque dessa maneira são identificadas
pelos agentes econômicos. Não há advogado de direito empresarial que des-
conheça seu conteúdo, a função econômica que delas é esperada, bem como
os efeitos jurídicos trazidas à luz a partir de tais disposições contratuais.
2.4 Quanto à abrangência do objeto: contratos-quadro e contratos
satélite
Os negócios de maior complexidade costumam desdobrar-se em vários
contratos, interligados entre si por sua identidade de causa ou, como querem
alguns, por integrarem a mesma operação econômica.
|
54    CONTRATOS EMPRESARIAIS

As partes optam pela celebração de contrato mais abrangente, designado


contrato-quadro ou acordo guarda-chuva [“umbrella agreement”, na tradição
anglo-saxã, “framework agreement”, na civil law], destinado a formatar o
negócio em linhas gerais, contendo a previsão da celebração, futura ou con-
comitante, de vários outros contratos com objetos mais específicos [contratos
satélite]. Na definição de Stefanos Mouzas, os contratos-quadro podem ser
entendidos como “acordos privados que fornecem um quadro de cláusulas
para regular contratos futuros”.
A partir dessa perspectiva, a expressão “contrato-quadro” assume signi-
ficados diversos em várias jurisdições.
A doutrina francesa costuma valer-se da figura para explicar a realidade
econômica e jurídica do contrato de distribuição e para superar grande dificul-
dade prática a ser enfrentada por conta do Código de Napoleão, que determina
ser o preço elemento essencial das compras e vendas. Como admitir a vinculação
das partes à avença, na ausência de acordo sobre o preço a ser praticados nas
futuras operações? A solução foi encontrada a partir da consideração do con-
trato de distribuição como contrato-quadro, em que o preço não figura como
elemento essencial. Este apenas seria exigível para os contratos de compra e
venda que vão tendo lugar ao longo do tempo.
Os contratos-quadro visam a proporcionar maior grau de segurança
para as partes em face do desenvolvimento de operações futuras. Afastando-
-se de um “congelamento” da relação, procura-se gerir o risco representado
pela ausência de vínculo contratual. A confiança assume papel primordial; o
contrato origina moldura dentro da qual se desenrolam as ligações futuras,
capaz de adaptar o liame aos tempos vindouros e salvaguardar a estabilidade
da relação. O contrato completa-se por outras avenças que passarão a integrá-
-lo [contratos de aplicação].14-15
Os italianos absorveram o debate sobre os contratos-quadro no âmbito dos
contratos normativos,16 que se caracterizam “pela circunstância de estabelecer as
cláusulas com as quais deverão [ou não deverão] ser concluídos determinados
contratos futuros, desde que, e quando, cada parte decida concluí-los”.17 O
modelo contratual associado ao contrato-quadro emparelha-se aos contratos
de coordenação, visando a “preordenar e organizar o desenvolvimento de uma

14. Cf. Jean Gatsi, Le contrat-cadre, 3.


15. V. Sayag, Le contrat-cadre, la distribution, 439 e ss. Ainda sobre a distribuição como
contrat-cadre, v. Yves Guyon, Droit des affaires, 881.
16. Sobre o tema, v. Messineo, Dottrina generale del contratto, 36 e ss.
17. Tullio Ascarelli, O contrato plurilateral, 322.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 55
continuidade de relações futuras, cuja constituição é obrigatória, pelo menos
por uma das partes, segundo um esquema predisposto”.18
Na Inglaterra, o umbrella agreement é visto como entremeio: de um lado,
a situação em que as partes ainda não contrataram e, de outro, aquela em que
se encontram após a contratação. Costumam tratar de princípios que regerão
negócios futuros. A função do contrato-quadro é “fornecer as cláusulas que
poderão ser futuramente usadas em determinado conjunto de operações”.19
O contrato-quadro é uma realidade nos negócios empresariais, assumindo
infinitas formas. Seu vetor principal repousa na disciplina geral da operação
econômica, que se abrirá em outras avenças.
Existem duas principais categorias de contratos-quadro:
[i] aqueles que visam a organizar a operação econômica como um todo,
com contratos satélite celebrados concomitantemente; e
[ii]aqueles que ditam as regras e os princípios que deverão imperar em
contratos, que serão futuramente celebrados.
A partir daí, levantam-se duas importantes observações sobre os
contratos-quadro:
A primeira é que o “umbrella agreement”, quando assume caráter de con-
trato prévio em face dos contratos de aplicação,20-21 pode encerrar problemas
ligados à execução específica dos pré-contratos.

18. Maria Raquel de Almeida Graça Silva Guimarães, O contrato-quadro no âmbito da utili­
zação de meios de pagamento eletrônicos, 40, ao transcrever e comentar a doutrina
peninsular.
19. No original: “to supply clauses that can be used in a defined set of transactions” [Stefanos
Mouzas and Keith Blois, Relational contract theory: confirmations and contradictions].
20. Em 1989, a Corte di Cassazione italiana declarou pela primeira vez que o contrato de
distribuição é um contrato-quadro, que dá ensejo à celebração de outras avenças pos-
teriores. Trata-se de negócio juridicamente atípico, mas socialmente típico: “Ed invero,
di fronte alla delineazione di una figura negoziale socialmente tipica, caratterizzata
dall’impegno del produttore di vendere al distributore i propri prodotti che il secondo
si obbliga ad acquistare dal primo, si contrappone, sia pure nell’unità del contratto di
concessione di vendita rispecchiante l’unità dell’operazione economica sottostante,
la previsione che, di fatto, alla clausola di esclusiva non consegua necessariamente
l’obbligo dell’una o dell’altra parte di vendere o di acquistare; situazione alla quale può
accedere la diversa qualificazione dei contratti di distribuzione come contratti quadro
in forza dei quali un operatore economico assume, verso contropartita consistente nelle
opportunità di guadagno che si legano alla commercializzazione delle merci contrattuali,
l’obbligo di promuovere la rivendita dei prodotti forniti dalla controparte; obbligo il cui
adempimento postula la stipulazione di singoli contratti per l’acquisto, a condizioni
predeterminate, dei prodotti da rivendere” [decisão proferida em 12 de abril de 1989].
21. Jean Gatsi, Le contrat-cadre, 296.
|
56    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Em nosso sistema, a efetivação das cláusulas do contrato-quadro deverá


passar pelos percalços característicos da execução dos acordos preliminares.
Ou seja, conforme antigo entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre
os efeitos vinculantes dos pré-contratos22-23 e considerando que o juiz não

22. V., a esse respeito, a monografia de Flávio Luiz Yarshell, Tutela jurisdicional específica
nas obrigações de declaração de vontade e Waldírio Bulgarelli, “Obrigação de contratar
por decisão judicial”. Barbosa Moreira, em clássica lição, afirma que “[o] primeiro
pressuposto da obtenção de sentença que produza o mesmo efeito do contrato não
concluído acha-se expresso nas palavras ‘sendo isso possível’. A possibilidade ou
impossibilidade tem de ser apreciada caso a caso, pelo órgão judicial. Ainda não se
encontrou fórmula genérica que englobe todas as hipóteses de impossibilidade; esta
pode originar-se de variadas circunstâncias [...]. Tratando-se de obrigação fundada
em contrato preliminar, é indispensável, para acolher-se a pretensão do credor, que
aquele negócio jurídico contenha todos os elementos do definitivo: ao juiz não é dado
estipular cláusulas e condições, mas apenas fazer desnecessária, por meio de sentença,
a declaração de vontade, que, incidindo sobre cláusulas e condições já estipuladas,
daria corpo ao negócio definitivo. Em outras palavras, a sentença não tem a virtude de
criar, sequer em parte, o objeto ou conteúdo do contrato que deveria concluir, o que
pode faltar, e que ela torna supérflua, é só a declaração de vontade, não emitida pelo
devedor” [O novo processo civil brasileiro, 211]. A jurisprudência de nossos Tribunais
corrobora o entendimento da doutrina, isto é, a execução específica de obrigação
de emitir declaração de vontade só é possível caso o contrato preliminar não esteja
sujeito a nenhuma condição e tenha o mesmo conteúdo do contrato definitivo, cuja
vontade da parte supostamente inadimplente se pretende suprir. Como exemplo,
vejamos os seguintes arestos: “O art. 639 do Código de Processo Civil pressupõe a
existência de contrato preliminar que contenha o mesmo conteúdo que o contrato
definitivo que as partes se comprometeram a celebrar” [Segunda Turma do Supremo
Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 88.716, relatado pelo Ministro Moreira
Alves, julgado em 11 de setembro de 1.979 e publicado na Revista Trimestral de Juris-
prudência 92:250]; “Se o contrato preliminar contém todos os elementos necessários
para que se converta em definitivo, é possível a aplicação do art. 639 do Código de
Processo Civil” [Quarta Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná, Apelação Cível
1.756, relatado pelo Desembargador Troiano Netto e publicado no DJPR de 18 de
agosto de1.988]; “[...] quando se trata de execução específica do art. 639 do CPC,
uma das condições para que a sentença substitua a vontade da parte recalcitrante é
que o pré-contrato reúna todos os requisitos que são necessários ao contrato defi-
nitivo, o que por sinal está no próprio texto constitucional [...]” [Primeira Câmara
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relatado pelo Desembargador Bady Curi e
julgado em 3 de outubro de 1989, publicado na Revista dos Tribunais 672:176]. Obs:
O Artigo 639 estava revogado pela Lei 11.232/2005. Não possui equivalentes no CPC
2015.
23. Dispõe o art. 462 do Código Civil: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma,
deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 57
podenegociar pela parte, o contrato-quadro apenas terá execução específica
quando encerrar o acordo sobre todos os elementos essenciais do negócio. Essa
constatação traz preocupações de ordem prática e que deixam margem ampla à
criação de problemas, na medida em que é intrínseca ao contrato-quadro certa
indeterminação dos elementos essenciais dos contratos de execução.
Outro aspecto liga-se à interpretação das operações econômicas como um
todo. O esquema global delineado e explicado no contrato-quadro auxilia a
empreitada de interpretação, orientando a descoberta da função econômica
dos instrumentos firmados e da ligação que guardam entre si, a superação de
lacunas e a compreensão da avença considerada em sua totalidade.

2.5 Quanto ao grau de ligação: contratos coligados e contratos


independentes
Alguns contratos existem por si, independentemente de outras avenças;
outros assumem sentido se vistos dentro de um contexto composto por di-
versos pactos.
Por exemplo: a empresa A, sediada no estrangeiro, é detentora de patente
para fabricação de determinado medicamento. A empresa B, brasileira, produz
outras drogas em território nacional. Decidem que constituirão a sociedade
SPE, com o propósito específico de iniciar a fabricação do remédio patenteado
no Brasil. Ademais, celebram vários contratos específicos, como a licença de
uso da patente da empresa A para a SPE, a constituição da SPE, seu acordo
de acionistas, contrato de locação de fábrica de propriedade de B para a SPE,
eventuais vendas da SPE para A ou B e vice-versa.
Esses contratos, ao mesmo tempo [i] são interdependentes, estreitamente
relacionados e [ii] existem autonomamente. Não há nisso qualquer paradoxo.
Respeitar a unicidade da operação econômica não significa derreter os contratos
e desprezar a formatação jurídica do negócio. O intérprete não tem diante de
si uma Pangeia, e sim uma estrutura jurídica escolhida pelas partes, à qual se
deve curvar.
No Brasil, os contratos coligados são definidos como “contratos que, por
força de disposição legal, da natureza acessória de um dele ou do conteúdo
contratual [expresso ou implícito], encontram-se em relação de dependência
unilateral ou recíproca”.24 Ou, como preferem outros, trata-se de “contratos
estruturalmente diferenciados, todavia, unidos por um nexo funcional-eco-

24. Francisco Marino, Contratos coligados, 99.


|
58    CONTRATOS EMPRESARIAIS

nômico que implica consequências jurídicas”.25 Na lição de Orlando Gomes:


“Os contratos coligados são queridos pelas partes contratantes como um todo.
Um depende do outro de tal modo que cada qual, isoladamente, seria desin-
teressante”, devendo, por isso, ser aplicado “o conjunto de regras próprias do
tipo a que se ajustam”.26
O vínculo existente entre os contratos coligados pode derivar [i] de dis-
posição legal [“ex lege”]; [ii] da natureza acessória de um contrato [“coligação
natural”]; [iii] de cláusulas contratuais que liguem as avenças [“coligação vo-
luntária expressa”] ou ser deduzido das circunstâncias e do contexto no qual
se inserem os pactos [“coligação voluntária explícita”].27 Ademais, “[h]á coli-
gações contratuais com intensidade maior ou menor, conforme a sua aptidão
para gerar consequências jurídicas”.
Uma das principais consequências de se considerar um grupo de contra-
tos como coligados será sentida na interpretação contratual, pois o contexto
em que se insere cada avença é afetado pela globalidade e dinâmica daquele
conjunto de contratos.28
A ponderação dos contratos como coligados mostra-se relevante no cam-
po da arbitragem. Tem-se sustentado que, na ausência de cláusula arbitral e
de eleição de foro, a coligação do contrato a outro expressamente remetido à
arbitragem poderia embasar a sujeição do primeiro à jurisdição não estatal.
Nessas hipóteses, surgiria a “extensão da cláusula arbitral”, que está sendo
reconhecida por nossos Tribunais em casos bastante específicos.29

2.6 Quanto ao grau de complexidade: contratos simples e contratos


complexos
A doutrina tradicional considera que todos os contratos possuem o mesmo
nível de complexidade – o que não é verdadeiro. Existem aqueles mais singelos
e outros mais complexos.
Contudo, pontua Fabio Gil, “[a] própria noção de complexidade induz ao
pleonasmo, uma vez que a tarefa de explicar a complexidade é, efetivamente,

25. Rodrigo Xavier Leonardo, Redes contratuais no mercado habitacional, 129.


26. Orlando Gomes, Contratos, 112.
27. Francisco Marino, Contratos coligados, 100.
28. Essa discussão será retomada no Capítulo 6.
29. Apelação de n. 00021639020138260100 SP 0002163-90.2013.8.26.0100, com
relatoria de Gilberto dos Santos, julgado em 3 de julho de 2.014 pelo TJSP.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 59
complexa. Não por outra razão, o termo complexidade é frequentemente usado
para descrever o fato de que algo é complicado”.30
Os economistas vêm tentando, nos últimos tempos, identificar o que seria
essa complexidade. É possível caracterizar um contrato como complexo quando
“1] houver elevado grau de incertezas, ou elevado número de contingências,
quanto a seu cumprimento ou fruição das utilidades nele [...] previstas; 2]
houver dispersão ou variabilidade entre a magnitude das prestações e contra-
prestações na dinâmica ou fluxo de seu cumprimento [caso típico dos contratos
cuja consecução do objeto contratual se desenvolva em ambiente de risco, ou
aleatoriedade]; e 3] quando o entendimento do conteúdo contratual demande
conhecimento amplo ou profundo”. Ademais, “contingências ou incertezas
em relação ao cumprimento do contrato somente se fazem presentes em con-
tratos que não sejam instantâneos, ou seja, em contratos em que medeie certo
período, maior ou menor, entre sua formação e cumprimento substancial”.31
Embora seja útil a tentativa doutrinária de definição do que seriam os
contratos “complexos”, ainda se está longe de sua delimitação mais acurada
e das consequências jurídicas que daí advirão.32 Todavia, é indisputável que
quanto maior a complexidade do contrato, maiores as cautelas que as partes
tomarão quando de sua celebração, até mesmo porque valerá a pena arcar com
maiores custos para diminuir as contingências futuras.
Por exemplo, a energia que uma fabricante de automóveis despenderá
para comprar lápis e canetas a serem utilizadas em seus escritórios será bem
inferior aos esforços e recursos demandados na contratação da construtora
que edificará sua nova fábrica em Manaus. Na atividade empresarial, essa
calibração dos recursos direcionados às contratações, conforme seu grau de
complexidade, mostra-se racional.

30. Fabio Gil, em sua tese de doutoramento intitulada A onerosidade excessiva em contratos
de engineering, defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em
2007, p. 29.
31. Fabio Gil, A onerosidade excessiva em contratos de engineering, p. 31 e ss.
32. O texto seminal sobre contratos complexos é normalmente identificado como sendo
de autoria de Eric Posner, Karen Eggleston e Richard Zeckhauser, “The Design and
Interpretation of Contracts: Why Complexity Matters” e disponível em: [http://
chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2763&context=jo
urnal_articles]. V. de Karen Eggleston, Simplicity and complexity in contracts.
No Brasil, além da obra de Fabio Gil, já referida, v. a tese de doutoramento de Lie
Uema do Carmo, Contratos de construção de grandes obras, defendida em 2012 na
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialmente p. 195 e ss.
|
60    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A complexidade dos contratos pode variar conforme os seguintes fatores,


todos interligados:
[i] duração da relação;
[ii] iteração da contratação;
[iii] valores das prestações e contraprestações;
[iv] grau de ingerência de uma parte das prestações devidas pela outra;
[v] magnitude dos prejuízos decorrentes do eventual insucesso da ope-
ração; e
[vi] quantidade de pessoas envolvidas na execução do contrato.
Vários são os indutores da simplicidade ou da complexidade contratual,
tais como ambiente institucional, características da transação, expectativa
sobre êxito em eventual renegociação e preenchimento de lacunas [“agreeing
to agree”], grau de assimetria informacional entre as partes, dificuldade ou
facilidade de monitoramento do comportamento da outra parte, presença de
confiança, boa ou má reputação da contraparte, custos que decorreriam de
eventual litígio, relação contratual pretérita etc.
Regra geral, quanto mais complexos os contratos, maior o grau de atenção
e de recursos que os agentes econômicos estão dispostos a investir em sua con-
creção e monitoramento. Para o Direito, o grau de complexidade do negócio
pode interessar na medida em que influencia a aferição do padrão esperado
de comportamento do comerciante ativo e probo, além de desenhar o molde
da expectativa digna de tutela jurídica.

2.7 Quanto ao grau de completude do regramento: contratos completos


e incompletos. Existem contratos completos?
Contratos simples, destinados a se exaurir no momento da prestação
principal, nascem e morrem quase que de imediato. Por exemplo, no modelo
clássico de compra e venda, o vínculo esvai-se com o intercâmbio [i.e., pago o
preço e havida a tradição]. As obrigações surgem quase todas no momento da
celebração do negócio, ainda que se destinem ao cumprimento posterior. Nos
contratos complexos, tende-se à produção de obrigações posteriores à ligação
inicial, até mesmo porque o negócio, para continuar a existir, exige adaptações
e complementações.
Acostumamo-nos a pensar os negócios como se tudo ou quase tudo pu-
desse ser previsto no momento de sua assinatura. Neste contexto ideal, aquilo
que faltaria seria completado pela lei e, no máximo, pelos usos e costumes
comerciais. Sabemos que essa situação é utópica. Contratos são, por natureza,
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 61
incompletos e maior sua complexidade, mais as lacunas far-se-ão sentir. Existe
uma “necessária incompletude em qualquer relação de cooperação entre dois
ou mais sujeitos”.33 Ou “[m]any contracts are vague or silent on a number of
key features”.34 Na súmula de Williamson: “All complex contracts are unavoi-
dably incomplete. For this reason, parties will be confronted with the need to
adapt to unanticipated disturbances that arise by reason of gaps, errors and
omissions in the original contract”.
Os economistas, nas últimas décadas, chamaram a atenção para o fenô-
meno dos contratos incompletos e os desafios que apresentam. Não se consegue
e não se quer prever tudo nos instrumentos contratuais. Isso é explicado a partir
de três aspectos dos custos de transação:35
[i] existência de contingências imprevistas [unforeseen contingencies], pois
as partes não podem definir ex ante todas as vicissitudes futuras, incluindo
o comportamento inesperado do parceiro;
[ii] custo da redação de contratos [cost of writing contracts], pois, ainda que
todas as contingências fossem previsíveis, mostrar-se-ia excessivamente
custoso descrevê-las e prevê-las no contrato;
[iii]custo de execução do contrato [cost of enforcing contracts], pois, diante
de contingências e comportamentos imprevistos, não é fácil aos julgadores
compreender o que foi avençado e dar-lhe concreção.
Do ponto de vista jurídico, o reconhecimento de que os contratos são
incompletos força a reflexão sobre:
[i] existência de inúmeras lacunas que permeiam a avença entre em-
presas. As lacunas não são necessariamente um “defeito” dos contratos,
como prega a dogmática tradicional, mas uma característica própria dos
contratos complexos;
[ii] regras ou princípios gerais aplicáveis caso não haja previsão expressa
em sentido contrário pelas partes [normas dispositivas ou default rules
para os norte-americanos]; e
[iii] tratamento que o direito deve dispensar a essas lacunas, encontrando
soluções que não aviltem vetores fundamentais de funcionamento do

33. A ideia de incompletude do contrato pode não traduzir propriamente uma catego-
ria de negócios, mas lhes apontar uma característica, pois, de certa forma, todos os
contratos são potencialmente incompletos.
34. Jean Tirole, “Incomplete contracts: where do we stand?”, 741.
35. O resumo é de Jean Tirole, “Incomplete contracts: where do we stand?”, 743.
|
62    CONTRATOS EMPRESARIAIS

sistema, como o pacta sunt servanda e a liberdade de contratar. Até que


ponto as lacunas devem ser supridas inexistindo acordo entre as partes
sobre o caminho a seguir?

2.8 Quanto ao interesse principal da parte no contrato: contratos de


prestação e contratos de relação [ou contratos relacionais]
Muitas vezes, os contratos voltam-se ao estabelecimento de relações entre
os agentes econômicos e não apenas ao oferecimento de prestações.
Com base nessa premissa, e voltando-se contra o caráter estático da dou-
trina tradicional, MacNeil encetou nova e bastante difundida distinção entre
“discrete exchanges” e “relational contracts”. Sua intenção, ao estabelecer essa
diferenciação, foi chamar a atenção dos juristas para que, em alguns contratos,
importa mais a relação que se estabelece entre as partes do que as trocas em si.
São apontadas as seguintes características dos contratos relacionais, em
oposição aos contratos de execução imediata:
[i] tendem a se estender no tempo;
[ii] em virtude de sua longa duração, neles busca-se mais a disciplina de
questões futuras entre as partes. Ou seja, o contrato visa a disciplinar, além
das trocas em si, o relacionamento a ser fruído ao longo da vida do contrato.
É normal que, na redação do instrumento, as partes valham-se de termos am-
plos, sem significado definido no momento da celebração do ato. Lançam-se
as bases para um futuro comportamento colaborativo, mais do que a ordem
específica de obrigações determinadas;
[iii] há certa interdependência entre os contratantes, uma vez que o
sucesso de uma parte [e do negócio] reverterá em benefício da outra [i.e., de
todas elas].36

36. Vale a transcrição do resumo talhado por Richard E. Speidel: “Most commentators
agree that relational contracts have at least three distinguishing characteristics. First,
the exchange relationship extends over time. It is not a ‘spot’ market deal. Rather, it
is more like a long-term supply contract, a franchise or distribution arrangement, or
a marriage. Second, because of the extended duration, parts of the exchange cannot
be easily measured or precisely defined at the time of contracting. This dictates a
planning strategy that favors open terms, reserves discretion in performance to one
or both parties, and incorporates dispute resolution procedures, such as mediation or
arbitration into the contract. The inability of the parties to ‘presentiate’ the terms of
the bargain at the time of contracting shifts the focus to circumstances and conduct
that occur ex post contract. Third in the words of Lewis Kornhauser in a relational
contract the ‘interdependence of the parties to the exchange extends at any given
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 63
Os contratos relacionais contrapõem-se aos contratos denominados “des-
contínuos” [discreate contracts, discreate exchanges].37 Valendo-nos do exem­
plo de Macneil,38 pensemos no motorista que abastece seu automóvel em um
posto ao longo da estrada que percorre. A compra e venda é instantânea e não
há maiores complexidades envolvidas na operação. Por sua vez, os negócios
relacionais tendem a se estender no tempo, dando lugar a relações de longa
duração. A confiança é-lhes elemento fundamental.
Os contratos relacionais podem encerrar rede de agentes econômicos,
como nas redes de distribuição, aumentando o grau de complexidade da teia
de deveres e direitos contratuais.
Muitas vezes, há a troca de valores que não são facilmente suscetíveis de
avaliação pecuniária. Enquanto nos contratos descontínuos os vínculos cos-
tumam ser breves, naqueles relacionais são levados em consideração outros
elementos além de preço, qualidade e quantidade: desempenho da outra parte,
planejamento futuro etc. Por isso, Porto Macedo enuncia que “os termos contra-
tuais passam a definir menos as regras para o fornecimento do produto ou do
serviço, e mais as regras processuais que pela própria regulação sobre o forne-
cimento são definidas. [...] [O]s contratos relacionais dependem inteiramente
de cooperação futura, não apenas para o cumprimento do que foi firmado, mas
também para o planejamento extensivo de atividades substantivas da relação”.39
Mesmo nos Estados Unidos, a teoria dos contratos relacionais ainda não
foi incorporada pelos Tribunais e encontra resistência. Por exemplo, Melvin Ei-
senberg lembra que os contratos relacionais não são uma categoria específica de
contratos porque todos os contratos são relacionais40 e que as “novas” regras que
estão sendo propostas pela doutrina especializada para dar tratamento jurídico
adequado aos contratos relacionais orientam-se pelos seguintes parâmetros:41

moment beyond the single discrete transaction to a range of social interrelationships’.


For example, a complex, cooperative relationship between the parties may expand
over time to others who support or rely on the exchange relationship” [The charac-
teristics and challenges of relational contracts].
37. Ou seja, contratos que implicam transações de curta duração, envolvendo limitada
interação pessoal, tendo por objeto a troca de elementos de fácil valoração pecuniária
[cf. Paul Gudel, Relational contract theory and the concept of exchange].
38. Cf. Ronaldo Porto Macedo Jr., Contratos relacionais e defesa do consumidor, 155.
39. Contratos relacionais e defesa do consumidor, 163 e 166.
40. Why there is no law of relational contracts.
41. Speidel adverte que, mesmo nos Estados Unidos, muito embora “there is a vast and
varied literature on the subject, there is still disagreement among the theorists about
|
64    CONTRATOS EMPRESARIAIS

[i] tornar mais flexível ou mesmo superar o clássico esquema “oferta/


aceitação” como base para a formação do contrato;
[ii] diminuir a intolerância a regras contratuais indefinidas, tais como
“agreements to agree”, obrigações para a negociação conforme os princípios
da boa-fé etc. [ou seja, reavaliação do tratamento de cláusulas gerais];
[iii] aumentar as possibilidades de alteração contratual em casos de mo-
dificação das circunstâncias, tais como “impossibility, impractibability, and
frustration”, causas legítimas para o descumprimento do pacto;
[iv] atribuir maior eficácia a cláusulas do tipo “melhores esforços”;
[v] tratar os contratos relacionais como autênticas sociedades [“partner-
ships”], conquanto envolvam empresa comum;
[vi] conferir caráter unitário aos contratos relacionais;
[vii] impor aos contratantes o dever de negociar conforme a boa-fé, prati-
car preços “equitativos” quando houver modificação do contexto contratual,
e mesmo instituir a uma das partes o dever de aceitar essa mudança;
[viii] permitir aos Tribunais adaptar ou revisar as cláusulas contratuais,
incluindo preços, dentro de um contexto em que as perdas de uma parte fossem
compensadas pelo lucro obtido pela outra.
Em muitos aspectos, essa linha compromete os vetores de funcionamento
do próprio mercado, quando tratamos de relações entre empresas, especial-
mente naquelas em que inexiste relação de dependência econômica. Obrigar
o agente econômico àquilo que não contratou, em nome do seguimento da
relação contratual, no mais das vezes, implica exagerada ingerência nos ne-
gócios privados, em benefício exclusivo da outra parte – e não da fluência das
relações de mercado e do desenvolvimento econômico.
Ao mesmo tempo, a teorização sobre os contratos relacionais traz conceitos
que hoje são revisitados e revitalizados por nossa doutrina e jurisprudência:
motores específicos dos contratos de longa duração, confiança como base

how to distinguish a relational contract from other contracts and what modern
contract law can or should do to respond to it. Moreover, even though courts regularly
deal with contracts that have relational characteristics, the literature about relational
contract theory has not trickled down to, much less influenced, the judicial decision
process. The challenges in interpreting and enforcing truly relational contracts,
therefore, are solved under ‘modern’ contract law or not at all” [The characteristics
and challenges of relational contracts].
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 65
da relação contratual, motivação do negócio, boa-fé objetiva42 e, acima de
tudo, a visão dos contratos empresariais como um processo. Essa discussão
ilumina a hermenêutica das avenças e opera dentro dos limites impostos pelo
sistema jurídico, i.e., pelas “premissas implícitas” do nosso ordenamento, na
feliz expressão de Ascarelli. Muitas das questões postas no quadro dos con-
tratos relacionais são as mesmas que tanta atenção tem chamado dos nossos
modernos doutrinadores: em que medida o contexto em que é celebrado o
contrato deve ser tomado em conta para determinar as fronteiras da relação
obrigacional estabelecida entre as partes? Normas não expressas no contrato
podem ser vinculantes? Como tornar suscetíveis de avaliação pecuniária os
mais variados tipos de “intangíveis”? Qual a pauta de conduta esperada de um
agente econômico durante a relação contratual? Como coadunar juridicamente
o oportunismo, o comportamento predatório, com a colaboração que se faz
necessária para o sucesso do negócio?
A análise elaborada pela doutrina dos contratos relacionais é útil para
nossa empreitada de dissecação dos contratos empresariais, porque põe em
relevo dois de seus elementos fundamentais: [i] a relação entre as partes e [ii]
a força da boa-fé, da confiança. Quanto ao primeiro ponto, pensar a ligação
entre as partes, nos moldes doutrinários dos contratos relacionais, é essencial
para dimensionar o ajuste e trazer à baila a importância da boa-fé objetiva, da
confiança, da não frustração da legítima expectativa para garantir a estabilida-
de jurídica e o melhor desenvolvimento do contrato enquanto um processo.

2.9 Quanto ao tipo de negociação que lhes dá origem: contratos de


adesão e contratos negociados
Quanto ao tipo de negociação que lhes dá origem, os contratos empresariais
podem ser de adesão ou negociados. Essa classificação assume grande relevância
nos negócios interempresariais por força do disposto nos arts. 423 e 424 do
Código Civil.43

42. Ian Macneil sustenta que “unconscionably, duress, good faith and best efforts” são
conceitos ligados aos contratos relacionais [Relational contract: what we do and
what we do not know]. Richard E. Speidel, ao analisar o caso Oglebay Norton Co. v.
Armco, Inc., envolvendo contrato relacional, conclui que a chave para a resolução de
controvérsias que se estabeleceram entre as partes seria revisitar o conceito de boa-fé
[“The key to these challenges is a more comprehensive, sophisticated development of
the duty of good faith”] [The characteristics and challenges of relational contracts].
43. Para visão atualizada sobre os contratos de adesão no Brasil, v. Cristiano de Souza
Zanetti, Direito contratual contemporâneo. A liberdade contratual e sua fragmen-
tação, 227 e ss.
|
66    CONTRATOS EMPRESARIAIS

No século XX, superando o pressuposto da igualdade contratual, reconhe-


ceu-se a existência de negócios bilaterais moldados na adesão de uma delas ao
plano contratual estabelecido pela outra e não no processo de barganha entre
as partes. A economia de massa catalisou a difusão dessa técnica de celebração
de negócios, que mereceu especial atenção da teoria geral do direito privado
no século XX.44 Os estudos concentraram-se nos problemas que afligiam os
consumidores, obrigados a aderir a “acordos” formatados pelos fornecedo-
res. Autores chegam a afirmar que, nessas hipóteses, não se estaria diante de
verdadeiro contrato, pois lhe faltaria característica essencial: a vontade livre
do aderente.
Embora os contratos de adesão interempresariais ainda não tenham re-
cebido maior atenção por parte da doutrina, mostram-se comuns no dia a dia,
empregados para viabilizar a formação das redes contratuais. Em teoria, é até
possível que um integrante da rede consiga obter a estipulação de cláusulas
específicas para a sua relação com o fornecedor. O mais constante, porém, é
que haja certa padronização. O integrante da rede adere ao programa negocial
da empresa líder, aceitando-o. Cada um dos contratos da rede será celebrado
por adesão.
A utilização de contratos que são autênticos formulários não é novidade,
sendo empregados no mercado de seguros há séculos. Muito menos significam
um mal ou algo a ser evitado. Sem a padronização contratual, seria quase im-
possível organizar uma rede de distribuição uniforme aos olhos do distribui-
dor. Os contratos de adesão possuem ainda a inegável vantagem de diminuir
os custos de transação. Como o ramo de seguros poderia ter se desenvolvido
se, a cada contratação, devesse se debruçar sobre as cláusulas e condições do
negócio específico?

2.10 Quanto ao grau de poder econômico das partes: contratos paritários


e contratos em que há situação de dependência econômica
A partir do século XVIII, ao mesmo tempo em que se consolidava o li-
beralismo econômico, o individualismo jurídico ganhou força, difundindo a
crença de que o agente econômico resta vinculado somente em decorrência
de sua vontade. Se o egoísmo do indivíduo conduz ao bem-estar geral, como

44. Como salientou Nelson Nery Júnior, o contrato de adesão “não é novo tipo contratual
ou categoria autônoma de contrato, mas somente técnica de formação, que pode
ser aplicada a qualquer categoria ou tipo contratual [...]” [Da proteção contratual,
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 290].
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 67
acreditava Adam Smith, deve ser-lhe assegurado o exercício livre de suas facul-
dades, deixando-o perseguir o objetivo [egoísta] do lucro sem entraves.
Do ponto de vista do Direito, essa visão se traduz, além do individualismo
jurídico, no voluntarismo, atribuindo-se grande força jurígena à vontade do
agente. Todos são iguais nos contratos e vinculam-se apenas na medida de sua
vontade – que há sempre de ser respeitada pelo sistema jurídico.
Mais adiante no tempo, o Direito reconheceu que o mundo não funcionava
dessa forma e que, em certas situações, assumir a paridade das partes era uma
ficção sem sentido. Finca-se, no início do século XX, o direito do trabalho e,
em sua segunda metade, o direito do consumidor. Esses subsistemas jurídicos
partem da constatação de que, tanto o processo de vinculação do empregado
ao empregador, quanto do consumidor ao fornecedor, não são presididos pela
igualdade das partes. Daí o necessário reconhecimento da hipossuficiência de
uma delas.
No direito comercial, salvo raríssimas exceções, não se pode reconhecer
no empresário um hipossuficiente; o mercado capitalista não poderia funcionar
dessa forma.
Todavia, há de se reconhecer que, em certas relações interempresariais,
existe dependência econômica de uma parte em relação a outra. Essa supremacia
implica a possibilidade/capacidade de um sujeito impor condições contratuais
a outro, que deve aceitá-las. Ou, no clássico pensamento de Guyon, “l’un des
contractants est en mesure d’imposer ses conditions à l’autre, qui doit les ac-
cepter pour survivre”.45 Em suma, são ajustes marcados por grande diferença
de poder entre as empresas.
Daí a classificação entre contratos paritários e contratos de dependência.
Trata-se de uma questão de grau e não de classificação peremptória, do tipo “ou
isso ou aquilo”. A dependência econômica verifica-se com maior ou menor
intensidade e pode inexistir, quando os contratos são paritários.
A concepção de contrato paritário liga-se a relações equilibradas, em que
certa igualdade das empresas é fator determinante na organização e desenvol-
vimento das fases do negócio, desde o ajuste inicial, passando pela execução,
criação intermediária de obrigações, até sua extinção. Embora a absoluta sime-
tria seja rara, nos contratos paritários a dinâmica do processo de negociação
e de execução contratual desenvolve-se sem a marcada preponderância dos
interesses de um dos polos.

45. Droit des affaires, p. 971.


|
68    CONTRATOS EMPRESARIAIS

2.10.1 Contratos aos quais a dependência econômica é inerente


Há contratos que, por sua própria natureza, encerram relação de depen-
dência, ou seja, para que o contrato possa desempenhar sua função econômica,
uma parte deve conseguir impor a[s] outra[s] seu esquema de negócio.
Tome-se como exemplo o contrato de franquia. Espera-se que o consu-
midor enxergue todas as lojas integrantes da rede como partícipes de uma
única empresa, com identidade de layout, de produtos e serviços oferecidos
etc. O franqueado não pode aparelhar sua loja como bem entender, ou servir
o sanduíche que quiser, ou mesmo comprar sua matéria-prima do fornecedor
que preferir: deve adequar-se às regras determinadas pela franqueadora. Se
assim não fosse, não se conseguiria o efeito uniforme e desfazer-se-ia o mote
central da franquia.
Dependendo do modelo de negócio adotado, variará o grau de vinculação
do comportamento da parte. Em certas hipóteses, vê-se total aderência a uma
miríade de regras detalhadas, em outras é deixada maior liberdade à parte em
situação de dependência.

2.10.2 Contratos em que o grau de dependência econômica aumenta


durante sua execução
Nos contratos de colaboração, não é incomum exigir-se de uma ou de
ambas as partes que realizem investimentos específicos voltados à celebração
ou ao desenrolar do contrato. Esses dispêndios são chamados de custos ou
investimentos idiossincráticos. Muitas vezes, mostra-se impossível ou muito
difícil a recuperação desses recursos ao término da relação. São os investi-
mentos/custos irrecuperáveis ou sunk costs. Nada impede que os sunk costs
sejam ao mesmo tempo idiossincráticos, quando destinados especificamente
a determinado negócio [i.e., custos irrecuperáveis incorridos para a execução
de certo ajuste].
Custos idiossincráticos podem trazer o estado de dependência unilateral
ou recíproca porque, regra geral, quanto maiores os investimentos específicos,
mais elevadas as perdas decorrentes do aborto da operação. E ainda: quanto
menor sua probabilidade de recuperação, maior o grau de dependência.46

46. O parágrafo único do art. 473 do Código Civil destina-se a prevenir o abuso de de-
pendência econômica e baseia-se nesse tipo de lógica, ao determinar que “[s]e […],
dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis
para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 69
Por exemplo, um fabricante de liquidificadores “X” impõe preços máxi-
mos que seus revendedores não exclusivos [multimarcas] podem praticar na
cidade de Sorocaba. Esses distribuidores não se encontram em uma posição
de dependência econômica; caso não pretendam sujeitar-se ao preço máximo
de revenda, cessarão a comercialização daquele produto e continuarão suas
atividades sem grandes prejuízos, com outras marcas. Na ausência dessa su-
jeição dos distribuidores, não se pode identificar a dependência econômica.
Tomemos agora um distribuidor exclusivo de sofisticado maquinário
empregado na medicina, fabricado pela empresa estrangeira A. Para atender
a todo mercado brasileiro, esse agente econômico realizou os investimentos
necessários para montar sua rede de empregados e de representantes comer-
ciais, grande estrutura de assistência técnica de alta especialização, suporte
telefônico para hospitais, investimentos promocionais e tantos outros gastos.
O fornecedor estrangeiro é comprado pela empresa B, também estrangeira,
que antes atuava no mercado brasileiro, competindo com as máquinas A.
Como possui sua própria rede de distribuição, B não tem qualquer interesse
em manter ativo os antigos distribuidores de A. O novo controlador evita a
mera denúncia do contrato, impondo série de restrições que estrangulam o
antigo distribuidor de A.
Percebe-se, neste caso, que é o grau de subordinação do distribuidor ao
fornecedor estrangeiro que gera a dependência econômica do primeiro em
relação ao segundo. Contra, poder-se-ia argumentar que seria possível para o
distribuidor incorporar-se a outra rede de maquinários médicos e não haveria
sujeição. Por conta disso, para verificar a situação de dependência econômica,
é importante analisar a eventual existência de alternativas viáveis ou solução
equivalente para a parte. A opção, para ser considerada possível, não pode
envolver prejuízos econômicos relevantes.
A solução está na acurada observação do caso concreto para identificar o
grau de dependência econômica existente entre as partes.

2.11 Quanto à ligação a contratos celebrados entre terceiros: contratos


isolados e contratos em rede
A concepção de rede está associada a um conjunto de contratos unidos por
um escopo comum; o todo é divisível, visto ser possível destacar uma avença

prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”. Sobre o tema, v. Paula
A. Forgioni, Contrato de distribuição, capítulo 13.
|
70    CONTRATOS EMPRESARIAIS

da outra, com execuções independentes. Muito embora existam redes sem a


presença de líder, o modelo mais encontrado possui um eixo central:47

empresa
empresa A empresa
M B

empresa empresa
L C

empresa empresa
K D
Líder

empresa empresa
J E

empresa empresa
I F
empresa empresa
H G

A preocupação dogmática com os contratos em rede é recente e a doutri-


na caminha para delinear seus contornos. A rede contratual não é um “ente”
jurídico, pois não há de ser considerado uma única empresa.48 É uma união de
contratos ou, no máximo, um “grupo econômico contratual”.49

47. Behar-Touchais e Virassamy, Les contrats de la distribution, p. 462.


48. “From a legal perspective, however, there is no doubt that these forms of economic
co-ordination between multiple parties must be understood as collections of bilate-
ral contracts rather than business associations. In none of these examples have the
parties created an independent legal entity, a juristic person, to wich the parties owe
duties of loyalty and which will be the repository of legal responsibility” [H. Collins,
Introduction to networks as connected contracts, 11].
49. Nas palavras de Hugh Collins, “a contractual network consists of a number of inde-
pendent firms that enter a pattern of interrelated contracts, which are designed to
confer on the parties many of the benefits of co-ordination achieved through vertical
integration in a single firm, without in fact ever creating a single integrated business
entity such as a corporation or a partnership. This phenomenon is not vertical desin-
tegration through which a large company outsorces many of its activities to separate
business, but its exact opposite: the creation of many of the features and dynamics of
vertical integration through contracts, without ever relinquishing the independence
of the business concerned” [Introdution to networks as connected contracts, 1].
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 71
Na rede, todos devem atuar coordenadamente e, mesmo se tratando de
vários contratos autônomos e individuais, existe algo que os une e que requer
que funcionem em harmonia.50 Nessa espécie de negócio, os integrantes da rede
terão sua atividade empresarial integrada ao modelo comum.
Podemos apontar as seguintes características das redes:
– trata-se de conjunto de vários contratos bilaterais, normalmente
mantidos entre um líder e outras empresas, de forma que estas não
mantêm relação contratual [formal, tradicional] entre si;
– há intensiva colaboração entre as partes, normalmente catalisada pelo
líder da rede e por sistemas de governança previstos em cada um dos
contratos individuais, como o compartilhamento online de informa-
ções e eventual monitoramento exercido pelos próprios membros da
rede sobre as atividades dos outros integrantes;
– existe interdependência econômica entre os membros da rede;
– verifica-se o aprendizado global, ainda que os integrantes da rede não
estejam conectados entre si por contratos bilaterais; a experiência de
uns aproveita aos outros;
– há relação duradoura/estável e de longo prazo entre as partes dos
contratos bilaterais;
– a eficiência econômica e o sucesso produtivo requerem intensiva
cooperação e níveis elevados de confiança superiores às transações
normais de mercado;
– todos os integrantes comungam um propósito comum de sucesso da
atividade global, porque, no longo prazo, o valor de cada negócio será
maximizado pelo sucesso da produção/operação como um todo;
– cada membro da rede tem personalidade jurídica autônoma; e
– os lucros são auferidos separada e individualmente; inexiste um ente
global que os coleta e distribui.
O fenômeno das redes contratuais gera preocupações nas esferas do di-
reito comercial e concorrencial. Até que ponto é lícita a discriminação entre os
membros da rede pelo líder? O dever de boa-fé impõe o tratamento equânime
entre todos seus participantes? Quais as obrigações do líder e de cada um dos
participantes perante a rede? Com a difusão das redes, esse tipo de questiona-
mento apresenta-se cada vez mais aos operadores do Direito.

50. Lorenzetti, Redes contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de


colaboración, efectos frente a terceros, 28.
3
FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

Sumário: 3.1 Introdução. Peculiaridades da formação dos contratos empresariais –


3.2 A seleção do parceiro – 3.3 A seleção dos advogados. Riscos empresariais e
hindsight effect – 3.4 O processo de negociação – 3.5 Os documentos produzidos
na fase de negociação – 3.6 Responsabilidade pela ruptura das negociações – 3.7
A redação dos instrumentos do contrato – 3.8 O momento da vinculação – 3.9
Operação econômica, negócio jurídico e contratos empresariais. A arquitetura
jurídica do negócio – 3.10 O nome dos contratos – 3.11 Cláusulas contratuais – 3.12
Disposições finais, cláusulas de estilo ou “boilerplate clauses” – 3.13 Omissões
e dubiedades propositais – 3.14 O momento da assinatura. O início da vida do
contrato.

3.1 Introdução. Peculiaridades da formação dos contratos empresariais


Os contratos empresariais são aqueles celebrados entre empresas, i.e.,
nos quais todos os polos têm sua existência moldada e condicionada pela
busca do lucro. Essa característica imprime dinâmica peculiar a esses negócios,
apartando-os daqueles celebrados com consumidores, com o Estado, com
empregados etc. Na avença mercantil, todas as partes visam ao lucro e são
presumidos agentes econômicos racionais, nos clássicos padrões dos comer-
ciantes ativos e probos, costumados ao giro mercantil.
Também em seu processo de formação, os contratos empresariais assumem
dinâmica especial, por conta da profissionalidade de ambas as partes.

3.2 A seleção do parceiro


A confiança – e sua preservação – são fundamentais para o adequado flu-
xo de relações econômicas. A confiança, ligada à tutela da boa-fé e da proteção
das legítimas expectativas, atua como fator de redução de custos nas transações
econômicas, pois poupa os contratantes de maiores dispêndios na seleção de
seus parceiros comerciais.
Não há contrato comercial que consiga impedir o inadimplemento ou
que resista à má-fé. Nem o mais competente advogado logra, com a redação
do instrumento contratual, coibir a parte mal-intencionada de descumprir
a palavra empenhada. É capaz, no máximo, de prever situações, estabelecer
sanções fortes, promover execuções específicas e buscar indenizações; jamais
|
74    CONTRATOS EMPRESARIAIS

poderá autorizar seu cliente a fazer justiça com as próprias mãos. Tudo há
sempre de passar pelo crivo do Poder Judiciário ou pela arbitragem e, caso haja
recusa do cumprimento da sentença, será necessário promover sua execução.
Ainda que uma parte tome todas as cautelas necessárias ao longo do pro-
cesso negocial, “não se pode fechar a porta do fórum”. Desprovidas de qualquer
razão, muitas empresas, para procrastinar o cumprimento de seus deveres,
propõem ações sem “forma nem figura de juízo”, no jargão dos advogados.
O ordenamento jurídico coíbe esse tipo de comportamento, procura de­
sestimulá-lo. Todavia, não consegue impedi-lo, pois a ninguém é permitido
afastar da apreciação do Judiciário alegações de lesão ou de ameaça a direitos
[cf. art. 5.º, XXXV, da CF/1988]. A parte ganha tempo – e isso, ainda que
configure abuso do direito de demanda –, pode mostrar-se economicamente
interessante. Em contratos complexos, os limites dos comportamentos lícitos
e ilícitos acabam difíceis de serem identificados; há zonas cinzentas, bem ex-
ploradas nas teses de habilidosos advogados, que tornam difícil a condenação
dos agentes econômicos por abuso do direito de demanda.1
Exemplo: o presidente de tradicional curtume paulista, sucessor de seu
pai no comando dos negócios familiares, pretendia arrendar dois estabeleci-
mentos fabris para dois diversos locatários [A e B]. Os modelos contratuais a
serem empregados eram quase idênticos, atendidas as peculiaridades de cada
negócio. Com o controle da empresa, o jovem havia herdado o mesmo advo-
gado de seu pai, de quem recebeu um conselho: celebrar o contrato apenas
com a empresa A e não com B. Baseado em sua experiência e na reputação
de ambas, o advogado concluíra que A estava disposta a cumprir o negócio,
enquanto B não pensaria duas vezes em deixar de pagar o aluguel avençado
diante de qualquer percalço. O rapaz, ansioso por assegurar entradas mensais
e constantes que garantissem seu fluxo de caixa, não seguiu a recomendação.
O resultado é fácil de ser deduzido: A cumpriu o contrato. Quanto a B,
houve longuíssima disputa judicial para haver os aluguéis devidos e o despejo;
B, dentro e fora dos autos, criou todo entrave possível para atrasar a devolução
do imóvel, bastante danificado, aliás.

1. No Brasil, a condenação da empresa por abuso do direito de demanda é rara, embora


não inviável. Nos últimos anos, a matéria tem encontrado espaço para discussão em
virtude de decisões proferidas no âmbito do direito concorrencial pelo Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – Cade. Foram condenados por infração à
ordem econômica vários entes que se valeram de ações judiciais infundadas para
levantar entraves desleais à atuação de competidores. São as chamadas condenações
por “sham litigation”.
FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 75
O primeiro passo para o sucesso do contrato é a escolha do parceiro. Os eco-
nomistas destacam os custos de transação envolvidos na busca da contraparte
e a importância da reputação dos agentes. O direito comercial debruça-se
sobre os mesmos temas, visando a oferecer meios para que a empresa proteja
sua reputação no mercado. Além dos princípios gerais da tutela da boa-fé, da
confiança etc., há regras específicas com a mesma função sistêmica, p. ex., os
incisos I e II do art. 195 da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996 [que capitulam
como crime de concorrência desleal o denegrimento da imagem de concorrente
e a divulgação de falsa informação]2 e o art. 52 do Código Civil, que protege a
reputação das pessoas jurídicas.

3.3 A seleção dos advogados. Riscos empresariais e hindsight effect


Negócios complexos costumam ser assistidos por advogados, sejam in-
ternos das empresas, sejam externos. Advogados internos costumam ser em-
pregados e manter vínculo de subordinação com a parte; os externos exercem
a advocacia individual ou, mais comum, vinculam-se a pequenos ou grandes
escritórios. Há bancas que reúnem centenas de profissionais, assumindo es-
trutura empresarial; alguns chegam mesmo a ser “filiais” ou “coligados” de
grandes firmas estrangeiras [law firms].
Como em qualquer setor, há profissionais competentes e outros nem tanto;
alguns são mais famosos e experientes e cobram mais por seus serviços. Certos
escritórios têm alta remuneração, pois imprimem sua “grife” aos negócios dos
quais participam.
A escolha do advogado pela parte decorre da ponderação entre custo e
benefício. Isso não significa que os advogados ou escritórios famosos e caros
sejam melhores ou imunes a erros. Tampouco que um jovem advogado, com
honorários mais modestos, não seja brilhante. A empresa, conforme o perfil,
capacidade econômica e importância do negócio, optará por profissional mais
ou menos experiente, conservador ou arrojado.
Do ponto de vista jurídico, a responsabilidade dos advogados é ligada à
assunção de obrigação de meios e não de resultados. O profissional somente
responderá por eventuais danos sofridos pelo cliente se agir com culpa – situa-
ção que, no caso da advocacia empresarial, mostra-se difícil de se caracterizar
e comprovar.

2.
In verbis: “Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: I – publica, por
qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter
vantagem; II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim
de obter vantagem [...]”.
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76    CONTRATOS EMPRESARIAIS

No mundo ideal, os instrumentos contratuais seriam perfeitos, sem lacu-


nas e preveriam soluções para todas as contingências que se apresentassem às
partes. Todavia, essa ilusão de completude não costuma sustentar-se; muitas
cláusulas são confusas, com redação canhestra.
A redação dos contratos é resultado de processo de barganha; reduz-se a
escrito o que foi possível naquele determinado contexto. As partes anseiam pelo
contrato e evitam lançar obstáculos durante a negociação que poderiam, no
limite, abortar a operação econômica. Esquivam-se de “adiantar o problema”,
deixando lacuna veladamente proposital ou empregando palavras ambíguas.
De qualquer forma, a lacuna ou a redação confusa são riscos assumidos pe-
las partes. Se o contrato não contempla determinada hipótese, se sua redação
é falha, o risco é das partes, que devem arcar com as consequências de suas
opções estratégicas. Cabe à parte suportar eventuais prejuízos decorrentes da
falta de posicionamento sobre questões futuras, durante o processo negocial.
Na esteira da antiga regra de hermenêutica: “à parte deve ser atribuída a con-
sequência de não ter se expressado melhor”. A assunção de riscos, inclusive os
jurídicos, faz parte da atividade empresarial.3

3.4 O processo de negociação


Chamado de fase pré-negocial, é o período de aproximação das partes e
de barganha de suas posições.4 Regra geral, caracteriza-se por elevado grau de
otimismo das partes. Se ambas visam à realização do negócio, pode-se presumir
que o enxergam como vantajoso, ou seja, que, no futuro, estarão melhor com
o contrato do que sem ele.
O excessivo otimismo do agente tem sido objeto de estudos por parte da
economia comportamental e mostra-se importante para a compreensão jurídica
dos vínculos que se estabelecem entre as partes. Trata-se de traço constante
do comportamento humano, pois a maioria das pessoas tende a pensar que

3. A exceção a essa regra é a excessiva onerosidade, ou seja, a hipótese prevista no art. 478


do Código Civil, quando, posteriormente à celebração do contrato de longa duração,
verificar-se a ocorrência de eventos extraordinários e imprevisíveis, que não pode-
riam ter sido razoavelmente antecipados, no momento da contratação, pelo agente
econômico ativo e probo, habituado àquele mercado. À parte não deve ser imputado
o risco de não ter previsto o imprevisível, sob pena de serem despropositadamente
aumentados os custos de transação.
4. As empresas podem ou não estar assistidas por seus advogados. Não são poucos os
administradores que preferem movimentar-se livremente, sem ter por perto profis-
sionais que tendem a adverti-los dos riscos de seu comportamento.
FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 77
acontecimentos ruins revelam menor probabilidade de acontecer com elas
próprias do que com os outros.5

3.5 Os documentos produzidos na fase de negociação


Na fase negocial, o afã de vinculação das partes pode levá-las à assinatura
de documentos, denominados pré-contratos, acordos preliminares, memoran-
do de entendimentos [memorandum of understanding – MOU], letter of intent,
gentleman’s agreements etc.6
Pretende-se que, em negociações complexas, as partes escrevam os pontos
sobre os quais acordaram e sigam adiante, deixando aquelas questões para trás.
Ao revestir os acordos pontuais de formalidade, assinando vários papéis, de
alguma forma, as empresas percebem-se mais comprometidas com o processo
negocial.
Duas ordens de problemas se colocam quanto aos pré-contratos: [i] a
possibilidade de sua execução específica e [ii] o eventual dever de indenizar
caso o contrato principal não seja celebrado.
No sistema brasileiro, a possibilidade de execução específica dessas “obri-
gações” assumidas na fase pré-contratual é reduzida, pois, no mais das vezes,
a parte recalcitrante não acabará coagida a celebrar o contrato definitivo.
Isso não implica que inexista a proteção à boa-fé na fase de negociações.
A doutrina e a jurisprudência brasileiras dominantes entendem que o art. 422
do Código Civil impõe a conduta conforme a boa-fé na fase negocial, embora
esse dever não esteja escrito no texto legal: “Os contratantes são obrigados a
guardar [...] na conclusão do contrato os princípios de probidade e boa-fé”.
A dificuldade de executar esses “acordos” não quer dizer que, no Brasil,
não se respeitem contratos, como muitos divulgam. A linha adotada por nosso
ordenamento é bastante clara: buscar o respeito à palavra empenhada é diverso de

5. “A common feature of human behavior is overoptimism: People tend to think that bad
events are far less likely to happen to them than to others. Thus, most people think
that their probability of a bad outcome is farless than others’ probability, although
of course this cannot be true for more than half the population” [Christine Jolls,
Cass R. Sunstein, and Richard Thaler, A behavioral approach to law and economics,
Disponível em: [https://www.academia.edu/5341053/A_Behavioral_Approach_to_
Law_and_Economics]].
6. Sobre a fase pré-contratual, v. José A. Engrácia Antunes, Direito dos contratos comer-
ciais, 93 e s. V. as excelentes obras de Cristiano de Souza Zanetti, Responsabilidade pela
rutpura das negociações e Karina Nunes Fritz, Boa-fé objetiva na fase pré-contratual.
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78    CONTRATOS EMPRESARIAIS

obrigar a parte àquilo que não contratou e não quis contratar. Eis o fundamento
axiológico dos arts. 462 e 463 do Código Civil. Uma coisa é obrigar a pessoa a
fazer o que prometeu, outra, bem diversa, é ir além e obrigá-la a fazer algo a que
não se vinculou.
Merece referência antigo julgado do Supremo Tribunal Federal, até hoje
lembrado pela doutrina e pela jurisprudência. A questão discutida relacionava-
-se a acordo que acertara a futura compra do controle, pelo grupo Pão de Açúcar,
de sociedade anônima do ramo de supermercado [conhecida como “Disco”].
O texto do instrumento exprimia o consenso sobre a coisa a ser vendida/ad-
quirida [ações que garantiam o controle] e o preço que seria pago. Estariam
presentes todos os requisitos necessários [essentialia negotii] à existência do
contrato de compra e venda?
À época, dispunha o art. 639 do Código de Processo Civil: “Art. 639. Se
aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação,
a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma
sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado”.7
Tornou-se célebre o debate entre o Ministro Moreira Alves e o Fábio Konder
Comparato em torno daquela controvérsia. No entender de Comparato, o ne-
gócio era de natureza civil e os elementos acordados seriam suficientes para
garantir sua existência. Na sua visão, os contratos são obrigatórios quando
houver acordo entre seus elementos essenciais. Para Moreira Alves – em tese
que se sagrou vencedora – não se poderia dar execução específica ao acordo,
porque isso implicaria transferir para o juiz aspectos negociais:
“[N]ão [pode] o julgador consagrar o que está por acertar, o que expres-
samente depende do futuro entendimento e de valoração de dados ainda
não colhidos. Se assim se fizer, estará o juiz contratando pelas partes, o

7. Era preciso definir se o negócio de compra e venda de controle acionário assumia


natureza civil ou comercial. Na primeira hipótese, estariam presentes os elementos
essenciais a esse tipo de contrato, ou seja, coisa, preço e consenso bastariam para
obrigar à celebração do negócio definitivo. Na segunda, nos termos do art. 191 do
Código Comercial, seria necessário também que as partes houvessem acordado
sobre “as demais condições do negócio”. Como havia questões ainda em aberto a
negociar, a conclusão por uma ou outra hipótese levaria a resultados opostos quanto
à admissibilidade de execução específica. Ademais, debatia-se a correta interpretação
do art. 126 do Código Comercial: os acordos mercantis seriam reputados perfeitos e
acabados quando as partes concordassem seus elementos essenciais ou, ao contrário,
seria necessário também o acordo sobre questões ancilares? Obs.: O art. 639 estava
revogado pela Lei 11.232/2005. Não possui equivalentes no CPC 2015.
FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 79
que é grosseiro desvio de função e vício insanável do julgamento, pois se
terá imposto em substituição às vontades necessariamente de se colher
das Partes, emitindo, como acabadas e perfeitas, declaração de vontade
que elas não fizeram”.8
Todavia, mesmo para Comparato, o contrato preliminar apenas pode
obrigar à contratação definitiva se encerrar consenso sobre todos os elementos
essenciais à sua existência ou, pelo menos, for acordada a “determinabilidade
dos seus elementos essenciais”.9
Assim não fosse e dar-se-ia ao julgador o poder de negociar pela parte – o
que é repelido por nosso direito positivo e por nossa tradição. “Não se admite,
em nosso sistema jurídico, [...] que o juiz se substitua às partes para preencher
os pontos em branco sobre os quais elas, apesar das negociações posteriores à
minuta, não chegaram a acordo”.10
Em conclusão, a disciplina imposta pelos arts. 462 e 463 do Código Civil
formata-se à lógica própria ao direito comercial; as críticas que lhe têm sido
deferidas não parecem ter muito fundamento.
Obrigar as empresas a aceitar termos contratuais impostos por terceiros
andaria a favor do interesse geral do comércio, do tráfico mercantil? Em nossa
ordem jurídica, a resposta é negativa. Os acordos pré-contratuais podem ser
relevantes do ponto de vista moral, e até mesmo auxiliar o bom andamento das
negociações. Porém, sua execução específica, de forma a obrigar à celebração
a parte que desiste do negócio, é bastante difícil.

3.6 Responsabilidade pela ruptura das negociações


Nos últimos anos, por força da difusão da posição alemã, tem-se conside-
rado que a ruptura abrupta e injustificada das negociações dá ensejo ao dever
de indenizar a outra parte, por quebra do dever de boa-fé e de lealdade que
deve presidir as relações interempresariais.
Em que pese algum exagero jurisprudencial, a regra geral, bem posta
pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é que a indenização apenas
se justifica se houver inequívoco aviltamento da boa-fé objetiva. Desistir das
negociações é uma faculdade da empresa, que se desdobra do princípio da
liberdade de iniciativa econômica, do direito de contratar ou não contratar.

8. Recurso Extraordinário 88.716, julgado em 11 de setembro de 1979 [RTJ 92:250].


9. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, 244.
10. Do referido voto do Ministro Moreira Alves.
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80    CONTRATOS EMPRESARIAIS

“Negociações preliminares [...] não vinculam as partes e [...] só ensejam inde-


nização pelo rompimento no caso de violação a dever de lealdade e correção”.11
Deve-se ver com bastante cautela a posição de alguns julgados do STJ
que, acreditando dar guarida ao princípio da boa-fé, acabam por neutralizar os
percalços inerentes às negociações empresariais, privilegiando o agente eco-
nômico que apenas não conseguiu realizar o negócio que pretendia. Colocar
excessivas barreiras e aumentar os riscos das negociações acaba por desesti-
mular a celebração de contratos, prejudicando o tráfico mercantil.
Quando entram em negociação, as empresas têm ciência de que o con-
trato não será necessariamente celebrado e, nesse contexto, podem estipular
penalidade pela ruptura da aproximação. Contudo, para não afugentar o par-
ceiro comercial, não se costuma propor esse tipo de estratégia, o que implica
assunção do risco da não contratação definitiva.
A correção posterior, pelo julgador, da ausência de cláusula expressa de
penalização pelo corte das tratativas pode mostrar-se inadequada do ponto de
vista sistêmico. Certa malícia nas negociações é inerente ao tráfico mercantil.
“O dolus bonus é aceito e admitido pelo direito contratual”, lembra o TJSP.12
Cabe ao agente econômico contra ele acautelar-se, se entender necessário e
conveniente.

3.7 A redação dos instrumentos do contrato


Quando as partes entendem que o negócio está amadurecido, os advogados
são chamados a redigir os instrumentos contratuais. Seu grau de conhecimen-

11. Apelação n. 994.09.339794-0, julgada em 8 de abril de 2010, com relatoria do De-


sembargador Enio Zuliani. No mesmo sentido: “Sem dúvida que a fase de debates ou
negociações preliminares não vincula os participantes quanto à celebração do contrato
definitivo; todavia, é necessário verificar, caso a caso, se as partes agiram nessa fase em
concordância com o princípio da boa-fé objetiva, relacionada com os deveres anexos
de cuidado, colaboração, informação, confiança, lealdade, razoabilidade e equidade”
[Apelação n. 9191408-83.2007.8.26.0000, julgada em 2 de outubro de 2013 pelo TJSP,
com relatoria do Des. Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho]. Vale também conferir o
julgado da lavra do Des. Carlos Alberto Garbi, de junho de 2017, no qual se esclarece
que “especulação e ampla negociação [...] fazem parte da espécie de negociação”,
pois se tratava de “negócio de grande monta e complexidade”, envolvendo “empresas
brasileiras assessoradas por escritório de advocacia de renome e empresa de assesso-
ria com vasta expertise em fusões e aquisições”. Ademais, havia “cláusula válida que
excluía a responsabilidade civil” [Apelação n. 0005452-31.2013.8.26.0100].
12. Apelação n. 994.09.339794-0, julgada em 8 de abri de 2010, com relatoria do De-
sembargador Enio Zuliani.
FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 81
to do negócio e das atividades é bastante variável e depende da familiaridade
com a parte, com o negócio específico e com o setor econômico envolvido.
Em contratos complexos, não é incomum que o redator coloque-se como
consultor externo, apartando-se do “setor operacional” da empresa. Esse fato
influencia a compreensão e interpretação dos contratos modernos: não raro,
os instrumentos são redigidos por profissionais não familiarizados com aquele
mercado ou com a dimensão técnica do negócio.
A corporificação do negócio em um documento pode significar um “ins-
trument de l’affirmation solennelle d’une volonté de coopération. La lecture
des exposés des motifs, préalables à beaucoup de conventions ou protocoles
de partenariat, est à cet égard tout à fait edifiante. Leur but est clairement de
s’efforcer de faire naître un climat de confiance entre les futurs partenaires”.13

3.8 O momento da vinculação


O Código Civil, aplicável aos contratos empresariais, disciplina o mo-
mento da sua formação com base no encontro entre a proposta e a aceitação,
de forma a garantir o consenso ao redor daquilo que ficou ajustado. Regra geral,
“[a] proposta de contrato obriga o proponente”, salvo se o contrário puder ser
deduzido de seus termos, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso
[art. 427]. Havendo aceitação, considera-se celebrado o contrato no local em
que foi proposto [art. 435].
A importância dessa disciplina diz respeito ao momento da vinculação, ao
instante a partir do qual se pode considerar que as empresas estão vinculadas
às declarações de vontade que emitiram. “A aceitação fora do prazo, com
adições, restrições, ou modificações, importará nova proposta” [art. 431 do
Código Civil].
Os contratos reputam-se celebrados se e quando houver acordo quanto
aos seus elementos essenciais. “O juiz não pode negociar pela parte” é um vetor
importante a considerar, imposto pelo ordenamento jurídico.
Essa regra é fácil de ser aplicada quando tratamos, por exemplo, de uma
compra e venda: havendo acerto sobre a coisa e o preço, diz-se celebrado o
negócio.
Em negócios mais complexos, como saber o momento da vinculação das
partes? A questão mostra-se, por vezes, de complicada resposta. Por isso, há
séculos difundiu-se a prática de se reduzir o negócio a escrito.

13. Jacques Ghestin, L’analyse économique de la clause générale, 185.


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82    CONTRATOS EMPRESARIAIS

3.9 Operação econômica, negócio jurídico e contratos empresariais.


A arquitetura jurídica do negócio
Não há regra sobre aquilo que deve ou não ser reduzido a escrito: o teor
do documento derivará de livre escolha das partes ou, como é mais comum, de
seus advogados. Em negócios jurídicos complexos, sempre haverá cláusulas
que não serão utilizadas, da mesma forma como inexistirão dispositivos para
regular todas as questões futuras.
Inexistem normas sobre a redação de cláusulas, elaboração de capítulos
ou para as obrigações principais e acessórias que serão assumidas. “O papel
aceita tudo”, costuma-se dizer, ou seja, não se pode a priori impedir que re-
dação canhestra dê lugar a dispositivos contratuais confusos, contraditórios,
incompletos ou até mesmo nulos.
Inexistindo regras sobre a redação dos contratos, a arquitetura jurídica das
operações empresariais assume grande importância, planejando-se a forma pela
qual os negócios encetados pelas empresas entrarão no mundo jurídico, como
serão organizados para produzir os efeitos almejados pelas partes.14
Exemplo: a empresa X, tradicional produtora de couro, e a empresa Y,
fabricante de bolsas e detentora da marca popular Y, com sede na Itália, decidem
constituir sociedade no Brasil para atuar no segmento de alto luxo, fabricando
e comercializando bolsas de uma nova marca [XY]. A marca Y é distribuída no
Brasil por terceiros.
De início, após um mês de negociações, decidem que as bases do negó-
cio serão as seguintes: [i] X e Y constituirão, no Brasil, a sociedade XY S.A.;
X deterá o controle; [ii] Y indicará o diretor comercial de XY S.A.; [iii] X
deverá fornecer couro para a produção de bolsas por XY Ltda.; [iv] Y deverá
comprar bolsas de XY Ltda. para nelas apor a marca Y, vendendo-as para seus
distribuidores.
É tempo de “escrever o contrato”. Há inúmeras questões a serem negocia-
das: preço de fornecimento do couro, participação societária de cada uma das
empresas na XY S.A., responsabilidade pelos investimentos, financiamentos,

14. Para Pontes de Miranda: “Pode ocorrer que os figurantes concluam, em instrumentos
separados, dois ou mais negócios jurídicos e os ligue, de modo que se tenham de tratar
como sujeitos à mesma sorte, ou que sejam separados, nas suas cláusulas e constem
do mesmo instrumento. Também é possível a ligação entre dois ou mais negócios
jurídicos concluídos em tempos diferentes – portanto, também em instrumentos
diferentes – e que um dependa do outro, ou cada um dependa de qualquer um dos
outros” [Tratado de direito privado, t. XXXVIII, 368].
FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 83
esquema de administração da XY S.A., regras para evitar o conflito de interesses
entre Y e XY S.A. e assim por diante.
Os advogados deverão decidir quais instrumentos serão redigidos. Mais
uma vez, não há soluções “certas” e outras “erradas” e sim a busca por estrutura
jurídica que melhor acomode os interesses das empresas.
Após reuniões, decide-se que as partes firmarão os seguintes instrumen-
tos: [i] “acordo quadro”, regulando o negócio como um todo; [ii] minuta do
estatuto social de XY S.A.; [iii] acordo de acionistas de XY S.A.; [iv] contrato
de fornecimento de couro entre X e XY S.A.; [v] contrato de fornecimento de
bolsas entre Y e XY S.A.; [vi] contrato de prestação de serviços entre XY S.A. e
X, pois X deverá treinar os funcionários de XY S.A. para que produzam bolsas
de qualidade.
Quais as cláusulas que constarão de cada um dos instrumentos? Qual será
a denominação e a mecânica de cada um deles? Insista-se: trata-se de opção das
partes [i.e., de seus advogados]. Há balizamentos postos pela Lei e pelos tipos
contratuais, e não cercas a serem respeitadas.
O resultado será uma miríade de instrumentos contratuais rubricados,
assinados pelas partes e por suas testemunhas. Nada assegura que as cláusulas
de todos esses contratos serão harmônicas entre si; tampouco que o teor de
cada instrumento estará em sintonia com os demais.
Os dispositivos contratuais e sua forma de organização não são fruto do
acaso. Demanda planejamento, ponderação de riscos, dos prós e contras de cada
uma das opções. As partes traçam a maneira pela qual os negócios entrarão no
mundo jurídico, como serão enformados para produzir os efeitos almejados.
Essa formatação jurídica não pode ser desprezada, sob pena de esmagar
a comum intenção das partes determinante do negócio que acabou realizado.
Quem se lança à análise do empreendimento tem perante si vários contratos,
que existem, valem e são eficazes isoladamente, embora integrem o mesmo
negócio mercantil.

3.10 O nome dos contratos


Embora não seja obrigatório, quando reduzidos a escrito, aos contratos
é atribuída uma denominação, um título.
Tecnicamente, o “nomen iuris” é irrelevante, importando a substância
do negócio contratado e não a denominação que lhe foi atribuída pelas partes
ou seus advogados. Contudo, o título aposto no instrumento pode constituir
importante elemento de interpretação quando se presta a descortinar a intenção
comum das empresas vinculadas, indicando o negócio que pretenderam abraçar.
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84    CONTRATOS EMPRESARIAIS

3.11 Cláusulas contratuais


Contratos envolvem prestações e contraprestações assumidas pelas par-
tes. Quando da redação do instrumento, espera-se que as obrigações sejam
expostas de maneira clara e coerente, possibilitando a intelecção do quanto
ajustado. Os contratos, em sua manifestação escrita [i.e., seus instrumentos]
costumam ser divididos em cláusulas.
Cláusula é a estipulação que as partes fazem em seus negócios. Há quem
a defina como “a unidade elementar [...] do regulamento contratual”. “[É]
uma disposição homogênea, por meio da qual as partes regulam determinado
aspecto da sua relação”.15
Identifica-se a cláusula com a disposição contratual, assumindo valor
preceptivo. A cláusula encerra um preceito, um comando para uma ou ambas
as empresas. É nesse sentido que vem empregada pelo Código Civil [p. ex.,
art. 109, 121, 278 e 286].
Na linguagem corrente, a palavra cláusula é também empregada como
“item”, identificando a unidade do texto contratual corporificado no instru-
mento, ou seja, cada uma das partes do texto escrito, admitindo sua divisão
em subcláusulas, subitens ou parágrafos.
O texto do contrato não corporifica, apenas, obrigações propriamente
ditas, contemplando estipulações, esclarecimentos, considerações comuns
etc. Um item não corresponde a uma obrigação, podendo conter várias delas
ou mesclá-las com considerações e esclarecimentos.
É possível grupar as cláusulas contratuais em capítulos, cuja denomina-
ção é livremente aposta pelos advogados. Valem, aqui, as observações sobre
os títulos dos contratos já feitas.
Um dos desdobramentos da liberdade de contratar consiste na faculdade
das partes moldarem as estipulações contratuais como bem lhes aprouver, desde
que respeitem os limites da legalidade. O resultado nem sempre é harmônico
e coerente. Daí a utilidade da regra de interpretação do Código Comercial de
1850, inspirada no princípio condensado por Pothier: “as cláusulas duvidosas
serão entendidas pelas que o não forem, e que as partes tiverem admitido; e
as antecedentes e subsequentes, que estiverem em harmonia, explicarão as
ambíguas”.16

15. Roppo, Il contratto, 458. Ainda sobre as cláusulas contratuais, Ernesto Capobianco,
Il contratto. Dal testo alla regola, 16 e ss.
16. Remete-se o leitor ao capítulo oitavo, no qual as regras de interpretação de Pothier
serão analisadas.
FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 85
3.12 Disposições finais, cláusulas de estilo ou “boilerplate clauses”
As vicissitudes da interpretação contratual fizeram com que se difundisse
o hábito de incluir nos instrumentos contratuais, mais para o seu final, série
de dispositivos standard ou padrão. São chamadas de “boilerplate clauses” ou,
simplesmente, “boilerplate”. Em português, “disposições gerais” ou “disposi­
ções finais”.
Com poucas exceções, acabam postas pelos advogados e não despertam
maior atenção das empresas durante o processo negocial. Seriam midnight clau-
ses, porque trazidas no final das negociações, quando todos estão exaustos.17
Afirma-se que seu processo de criação é um “recorta-e-cola” ou “controlC/
controlV”, repetindo-se quase que sem alterações nos contratos do mesmo
redator ou escritório.
São exemplos dessas cláusulas declarações no sentido de que:
•  as partes encontram-se devidamente representadas e que os signatá-
rios estão investidos de todos os poderes necessários para presentar
a sociedade;
•  as alterações do ajustado somente serão válidas, caso se revistam da
forma escrita;
•  aquele instrumento supera todos os outros documentos antes pro-
duzidos;
•  cada parte é responsável pelo pagamento de seus impostos, deveres
trabalhistas etc.;
•  o contrato não institui sociedade entre as partes;
•  as partes não estão autorizadas a ceder o contrato;
•  os sucessores, a qualquer título, estão vinculados aos termos do
contrato;
•  o não exercício de qualquer direito não implica sua renúncia;
•  a nulidade de uma cláusula não implica a nulidade do contrato; e
•  todas as notificações devem ser encaminhas aos endereços constantes
do preâmbulo.
Muitos autores entendem que as cláusulas arbitrais são “boilerplate clau-
ses”, embora a escolha da câmara de julgamento costume ser debatida entre
as partes ou, pelo menos, entre seus advogados.

17. A respeito das “cláusulas de estilo” e para a bibliografia clássica sobre o assunto, v.
Ernesto Capobianco, Il contratto. Dal testo alla regola, 21 e ss.
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86    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A principal indagação que se apresenta é como essas estipulações devem


ser interpretadas, quais os limites da sua validade e até que ponto podem
sobrepor-se às regras ditadas pela boa-fé e pela legítima expectativa das par-
tes. Por exemplo, embora conste das disposições finais que as alterações ao
contratado serão válidas apenas se formalizadas por escrito, o comportamento
reiterado das partes em sentido diverso teria o condão de modificar o pacto?
Lembrando que a resposta depende das peculiaridades do caso concreto, re-
metemos o leitor à discussão trazida no capítulo quarto, quando estudamos
as modificações do negócio jurídico ao longo do tempo.

3.13 Omissões e dubiedades propositais


Os advogados não costumam ser contaminados pelo otimismo dos agen-
tes econômicos e, no exercício profissional, tendem a trazer para o presente,
discussões futuras, ou seja, procuram resolver de antemão os problemas que
conseguem antecipar. Enfrentam resistência de seus próprios clientes que, por
força de sua profissão, querem celebrar o negócio que lhes parece vantajoso.
Esse excessivo otimismo leva muitas vezes a evitar a discussão e a dis-
ciplina de pontos controvertidos. A inexistência de previsão contratual sobre
determinadas questões pode derivar do comportamento estratégico das partes
que, visando à realização da transação, evitam enfrentar aspectos que poderiam
ameaçá-la.18 Deixam-se problemas para o futuro, até confiando no aumento
do grau de dependência econômica que tende a ocorrer ou a se incrementar
durante a relação. “Não criemos problemas” ou “quando acontecer, veremos
o que e como fazer”, afirma-se nessas ocasiões.19

18. Stewart Macaulay, em conhecido estudo empírico sobre o comportamento das partes
nos contratos, indica que, durante as tratativas, os agentes econômicos podem assumir
as seguintes posturas em relação ao negócio a ser implementado: [i] cuidadosamente
planejar comportamentos, explicitando-os formalmente [“explicit and careful”]; [ii]
possuir entendimento comum, mas tácito, sobre certa questão [“tacit agreement”];
[iii] possuir entendimentos divergentes, não manifestados expressamente [“unila-
teral assumptions”]; [iv] sequer cogitar de determinado problema [“unawareness of
the issue”]. O autor esclarece que “[c]learly other intermediate points are possible”
[Non-contractual relations in business: a preliminary study, 4].
19. “If I want a clause that says if event X takes place, the consequence Y will follow,
you may demand something in exchange that I do not want to give you. When I
antecipate this, it may be better to avoid raising the issue in negotiations and hope
that the matter can be resolved if event X ever takes place” [Stewart Macaulay, The
real and the paper deal: empirical pictures of relationships, complexity and the urge
for transparent simple rules, 55].
FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 87
Ao contratar, as empresas dirigem sua atenção para os aspectos econômicos
do negócio e não para aqueles jurídicos. Seu foco costuma recair sobre o preço,
condições de pagamento, características do bem ou do serviço adquirido etc.
Em negócios de maior complexidade, o planejamento das chamadas “contin-
gências” fica a cargo dos advogados.
Pesquisas empíricas constataram que, para a maioria das empresas, a
utilidade do instrumento escrito é secundária quando comparada aos aspectos
econômicos da transação.20 Algumas condições serão tratadas por assessores
jurídicos que, desconhecendo importantes aspectos fáticos do empreendi-
mento, não raro deixam de lhes dispensar a devida atenção.
Mas é preciso reconhecer que as chances de um instrumento contratual
disciplinar todas as questões futuras é nula, pois ninguém consegue prever o
futuro e, mesmo que isso ocorresse, não valeria a pena negociar cada ponto.
Assim, diz-se que os contratos são “naturalmente incompletos”.
A realidade com que se depara o advogado é diversa daquela exposta nos
manuais. A elaboração do contrato, o processo de barganha e, por fim, a reda-
ção do instrumento são fruto de um “cherry-picking”, no qual se pinçam as
situações que se quer disciplinar. As outras acabam ignoradas, ou porque delas
não se têm ciência, ou para que sua negociação não impeça a finalização do
negócio. Nessa perspectiva, as regras dispositivas previstas pelo ordenamento
jurídico são “default rules”, que indicarão o caminho se as partes não acordarem
expressamente em sentido contrário. A Lei, por uma opção política, coloca
a faca e o queijo nas mãos de uma parte e qualquer mudança nessa situação
exige negociação [e, consequentemente, desgaste].
Diante da incompletude contratual, apresentam-se, ao menos, duas pos-
sibilidades. Caso haja regra prevista em Lei, a solução está posta. Na ausência
de disciplina específica [como ocorre na maioria dos casos], o árbitro deverá
decidir. Em todas as situações, a lacuna [proposital ou não] traz um risco,
que recairá sobre uma das partes. Por exemplo: ajusta-se que X deve entregar
200 litros de leite para Y no dia 19 de março. As partes nada dispõem sobre
eventual penalidade em caso de descumprimento, embora tenham discutido
a questão. Caso X não entregue o leite, Y deverá propor ação judicial para

20. No relato de Collins: “[B]usinessmen focus their attention on the economic deal,
not the contract. They are interested in the core exchange of goods and services,
and do not pay much attention to the task of planning for contingences. […] The
remaining issues that are typically included in the written contract by the lawyers
will usually, though not invariably, receive scant attention from the parties to the
transaction” [Regulating contracts, 150].
|
88    CONTRATOS EMPRESARIAIS

conseguir alguma reparação. A falta de estipulação da multa é, de certa forma,


uma “lacuna” que gera risco para Y.
O mesmo se pode dizer em relação às redações dúbias, sejam intencionais
ou não. Maiores as possibilidades de interpretação, maiores os riscos a serem
enfrentados. Seguindo no mesmo exemplo: após muitas discussões em torno
da multa, X e Y chegam mais ou menos a um consenso sobre a redação de
cláusula. A redação não é nada clara, mas é o que se consegue acertar naquele
contexto. A imprecisão implica risco: se, por um lado, para Y, o texto dúbio
é “melhor do que nada”, por outro, palavras confusas trazem dificuldades na
hora da execução.

3.14 O momento da assinatura. O início da vida do contrato


Redigidos os instrumentos, marca-se a data para sua assinatura. São os
famosos “fechamentos” ou “closings”, com quase inevitáveis adaptações de
última hora nos termos contratuais. Centenas de folhas são rubricadas pelas
partes, pelos intervenientes anuentes e pelas testemunhas – normalmente
secretárias ou estagiários maiores de idade.
Abrem-se champanhes, colocam-se notas na imprensa. Celebra-se. Ter-
minada a comemoração, os instrumentos contratuais são arquivados no de-
partamento jurídico, os advogados voltam para seus escritórios e as empresas
vão “tratar de ganhar dinheiro”, como se afirma. “Longe de ser um guia para
o cumprimento do contrato, os instrumentos são mandados para o arquivo e
ignorados”, advertiu Stewart Macaulay.21
Para os advogados, o momento da assinatura pode representar um “fe-
chamento”; para as empresas e para o Direito, é ali que tem início a vida do
contrato. Longe dos assessores legais e de seus obstáculos, as partes sentem-se
livres para, finalmente, dar início ao trabalho.
Em contratos mais complexos, em especial os de colaboração, a produção
de obrigações não cessa com a assinatura do instrumento. Ao contrário do que
se costuma crer, a assinatura não é o fim da barganha ou da gênese de obriga-
ções contratuais, mas apenas uma fase do negócio. Repita-se: uma fase – embora
muito importante – e não o processo inteiro ou seu final. Muitas vezes, a vida do
contrato inicia-se quando seu instrumento vai repousar nos arquivos do departa-
mento jurídico.

21. No original: “Rather than guide performance, contract documents are filed away
and ignored”. “Relational contracts floating on a sea of custom?”, 778.
4
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS
Regras jurídicas que vinculam
as partes durante a execução do contrato
e algumas de suas condicionantes comportamentais

Sumário: 4.1 As normas que regem a vida do contrato. As chamadas “fontes do


Direito” – 4.2 A importância das regras legais dispositivas no processo de barganha
e na formatação do negócio – 4.3 Quem, efetivamente, dá execução ao contrato,
construindo sua vida? – 4.4 As modificações do negócio jurídico ao longo do
tempo. A nova regra em conflito com a anterior – 4.5 Modificações informais de
contratos formais. A tendência de não se alterar o instrumento firmado durante a
vida do contrato – 4.6 Ainda sobre as modificações informais dos contratos formais.
O exagero na aplicação indiscriminada de institutos derivados da boa-fé objetiva
[supressio, surrectio, venire contra factum proprium e tu quoque] – 4.7 A supera-
ção do exacerbado positivismo que dominou a análise jurídica dos contratos no
século XX e a importância do contexto contratual – 4.8 O impacto de tendências
comportamentais das partes sobre a vida dos contratos que celebram – 4.9 Breves
notas de economia comportamental: 4.9.1 Excessivo otimismo; 4.9.2 Excessiva
autoconfiança/self-serving bias; 4.9.3 Hindsight bias; 4.9.4 Falso consenso; 4.9.5
Persistência na decisão; 4.9.6 Reciprocidade; 4.9.7 Aversão à iniquidade; 4.9.8
Tendência de pertencer a grupos; 4.9.9 Endowment effect; 4.9.10 Senso de justiça;
4.9.11 Ancoragem/excessivo foco.

4.1 As normas que regem a vida do contrato. As chamadas “fontes do


Direito”
Embora a dimensão econômica dos negócios empresariais seja cada vez
mais importante e entrelaçada com a jurídica, cabe ao direito o principal papel
na formatação dos mercados e dos contratos. Apenas o direito é normativo
e impõe padrões de conduta aos agentes econômicos. A economia explica,
analisa incentivos e consequências. O direito comanda.
Como reconhecer as regras? Como saber o que pode ou o que não pode
ser feito, o que é ou não permitido pelo ordenamento jurídico? Para responder
a essas questões, devemos identificar a origem das regras e formular critérios
que permitam seu reconhecimento como padrões de conduta vinculantes
para as partes.
Quatro são os tipos de normas jurídicas que vinculam as partes nos con-
tratos empresariais:
|
90    CONTRATOS EMPRESARIAIS

[i] regramento estatal;


[ii] usos e costumes;
[iii] texto contratual;
[iv] regras não escritas criadas pelas partes que, por sua vez, podem
ser:
[iv.1] complementares ao instrumento; ou
[iv.2] com ele colidentes.
A primeira fonte de regras é a Lei, o direito posto pelo Estado. O com-
portamento dos contratantes é condicionado pelo direito positivo. Mediante
a edição de regras cogentes, o Estado dita o padrão de legalidade, ou seja, o
que pode ou não ser feito pelas empresas. Os limites da autonomia privada
são estabelecidos pela Lei.
Os usos e costumes perfilam regras que, se não afastadas pelos agentes,
complementam o regramento contratual. Discorreremos sobre esse assunto
ao explicar os vetores dos contratos mercantis, no capítulo quinto. Aqui, é
importante lembrar que, ao celebrar o contrato empresarial, as partes atraem
para seu âmago os usos e costumes, de forma a colmatar eventuais lacunas
percebidas na avença.
Hoje deduzido da cláusula geral da boa-fé objetiva, esse norte vinha po-
sitivado no art. 133 do Código Comercial: “Omitindo-se na redação do con-
trato cláusulas necessárias à sua execução, deverá presumir-se que as partes
se sujeitaram ao que é de uso e prática em tais casos entre os comerciantes, no
lugar da execução do contrato”. Depois da Lei, os usos e costumes são importante
fonte de regras para o contrato entre empresas, tenha-se deles consciência ou não.
O ordenamento presume que o agente econômico ativo e probo conhece o
mercado em que atua.
Além das normas postas pelo ordenamento estatal e pelos costumes, “o
contrato faz lei entre as partes”, na máxima positivada pelo Código de Napo-
leão. As diretrizes contratuais haverão de ser respeitadas. Pacta sunt servanda.
Temos, aqui, terceira fonte de regras contratuais: o que foi expressamente
acordado entre as empresas. Sua melhor prova é o instrumento contratual firma-
do, pois se presume que as partes acertaram e aceitaram aquilo que está escrito.
Como posto no capítulo anterior, a vida do contrato inicia-se quando o ins-
trumento é firmado. O ato da assinatura muitas vezes não é o fim do processo
negocial. Tampouco o que está escrito será a única fonte de obrigações, direitos
e pretensões durante a execução.
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS| 91
Por conta desse contexto, dois tipos de regras podem, com o passar do
tempo, surgir:
[i] regras que complementam o ajustado; e
[ii] regras que vão contra os termos expressamente ajustados nos instru-
mentos.
A aplicação desse regramento complementar enfrenta problemas deriva-
dos da dificuldade de comprovação de sua própria existência. Não é simples
demonstrar: [i] a ocorrência de novos padrões de comportamentos e [ii] que
são considerados pelas partes como de observância obrigatória. A conduta dos
agentes será crucial para a identificação da nova regra vinculante.

4.2 A importância das regras legais dispositivas no processo de barganha


e na formatação do negócio
A classificação das regras jurídicas entre imperativas e supletivas é uma
“maxime de tous le temps”, que se emerge, a contrario sensu, do art. 6.º do
Código de Napoleão: “On ne peut déroger, par des conventions particulières,
aux lois qui intéressent l’ordre public et les bonnes moeurs”. A distinção é por
vezes referida entre normas cogentes e dispositivas; a doutrina norte-americana
trabalha com a terminologia “imutable” ou “mandatory rules” e “default rules”.
O ordenamento jurídico estabelece comportamentos que devem ser
adotados pelas empresas, mediante normas “que se impõem por si mesmas,
excluindo qualquer arbítrio individual”. Mediante esses comandos impera-
tivos, o Estado define quais negócios serão ou não admitidos, quais práticas
podem vir à luz no âmbito jurídico. Por exemplo, as partes não podem afastar
seu dever de agir conforme a boa-fé na execução do contrato.
As normas dispositivas, por sua vez, são “todas aquelas que não se impõem
ao respeito dos indivíduos senão supletivamente, visto poderem ser avulsas
pela vontade dos interessados, e só na ausência desta são chamadas a reger suas
relações e assim obrigatoriamente aplicadas pelo juiz” ou árbitro.
As lacunas dos contratos podem ser colmatadas a partir da aplicação de
regras dispositivas previstas no ordenamento. Inexistindo penalidade expres-
samente regulada no contrato para descumprimento de alguma obrigação,
serão devidos perdas e danos, conforme estatui o Código Civil.
A maior parte da doutrina entende que as regras dispositivas devem apon-
tar para o que as partes teriam normalmente estipulado, ou seja, reproduzem
“a vontade presumida das partes, regulamentando a relação jurídica, como se
os interessados a houvessem confeccionado, eles próprios”. Indo além desse
subjetivismo, as regras dispositivas, grande parte das vezes, trazem situações
|
92    CONTRATOS EMPRESARIAIS

que usualmente ocorrem em situações semelhantes, considerando “as tradi-


ções, os costumes, os hábitos de interesse geral”.
Nesse sentido, regras dispositivas podem implicar diminuição dos custos
de transação, na medida em que poupam esforços e recursos que as partes des-
penderiam nas negociações de todos os pontos de um contrato. Para Posner, as
default rules “economize on transaction costs by supplying standard contract
terms that the parties would otherwise have to adopt by express agreement”.
Os economistas já demonstraram que “negociar custa”. Trazer um inte-
resse à baila e moldar sua disciplina específica no contrato costuma requerer
investimento de tempo e de recursos por parte daquele que exterioriza o pleito.
Por exemplo, dispõe o art. 23, inciso III, da Lei de Locações que o desgaste
natural do imóvel deve correr por conta do locador; é isso que acontecerá se
nada diferente for contratado. Para alterar essa regra geral, o locador deverá
negociar e acertar sua inversão com o locatário que, provavelmente, resistirá.
Não se espera que eventual concordância venha da bondade do futuro inqui-
lino, mas em troca de algo como, por exemplo, a redução do preço do aluguel.
Os comandos jurídicos que se aplicam se nada for disposto em sentido
contrário pelas partes [as chamadas “regras dispositivas”] são relevantes para
essa dinâmica, pois disciplinarão a relação entre as empresas, se elas optarem
por não investir, enfrentar a questão, desgastar-se e obter da outra/negociar
uma solução sob medida [“tailor made”].

4.3 Quem, efetivamente, dá execução ao contrato, construindo sua vida?


Em contratos complexos, há muitas pessoas envolvidas na execução da
avença. A imagem do negócio que tem seu cumprimento dirigido e fiscaliza-
do, em seus detalhes, pelo “dono” da empresa é romântica e cada vez menos
encontrada na realidade.
Nessas situações, os indivíduos que firmam o instrumento não são os
mesmos que executarão o contrato. Considere-se a existência dos seguintes
grupos de atores:
[i] o corpo jurídico, que atua intensamente até o momento da assinatura.
Depois, somente será chamado à cena se houver relevantes problemas a serem
solucionados;
[ii] os dirigentes ou executivos que lideram o processo de negociação, mo-
nitoram e supervisionam a execução dos contratos que não estão envolvidos
em seu dia a dia;
[iii] o pessoal técnico ou operacional que lida com a execução do contrato,
dando-lhe concreção.
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 93
Em um negócio em que a empresa A contrata a construtora B para edificar
determinada fábrica, haverá a equipe jurídica, que auxiliará as negociações,
conduzidas por alguns executivos. Os instrumentos serão firmados pelas
pessoas nomeadas nos estatutos sociais. Executivos supervisionarão e geren-
ciarão o contrato, que terá sua execução diária implementada pelos técnicos
[engenheiros, arquitetos, supervisores de obras, trabalhadores da construção
civil etc.].
Durante a vida do ajuste, a maioria dos contatos entre as duas partes será
feita pela equipe técnica na construtora B, com alguns profissionais e super-
visores da empresa A. Os advogados fizeram constar do instrumento que,
semanalmente, B enviaria relatórios a A sobre o andamento dos trabalhos. De
início, as partes agem dessa forma. Todavia, o procedimento cai no esquecimen-
to porque, todas as semanas, um gerente de A dirigia-se à obra, inteirando-se
do que ocorria. Se havia pontos a resolver, realizavam-se reuniões no próprio
canteiro de obras e soluções surgiam encontradas de comum acordo.
A e B podem ter modificado os termos do pacto no que diz respeito ao
envio de relatórios sobre o andamento dos trabalhos. O departamento jurídico
e os altos executivos somente tomarão conhecimento dessa alteração quando
e se ocorrerem desentendimentos futuros fortes entre A e B. Caso contrário,
chegando o contrato a bom termo, a disposição contratual terá sido alterada
sem que as partes se deem muita conta disso.
Para a letra da lei, as pessoas jurídicas contraem obrigações se representa-
das na forma da Lei e do estatuto ou contrato social [art. 47 do Código Civil].
Apenas alguns executivos detém o poder de “presentar” a sociedade.1 São eles
que possuem a “a caneta na mão” e são autorizados a firmar os instrumentos
contratuais em nome e por conta da sociedade.
Não obstante, várias pessoas – e não apenas as que assinaram os instru-
mentos – estarão envolvidas na execução do contrato e seu comportamento
pode gerar obrigações para a empresa.

1. A expressão “presentação” é de Pontes de Miranda, ao explicar a teoria organicista.


Tecnicamente, os administradores “presentam” [e não “representam”] a sociedade.
“Quando o órgão da pessoa jurídica pratica o ato, que há de entrar no mundo jurídico
como ato da pessoa jurídica, não há representação, mas presentação. O ato do órgão
não entra, no mundo jurídico, como ato da pessoa, que é órgão, ou das pessoas que
compõem o órgão. Entra no mundo jurídico como ato da pessoa jurídica, porque o
ato do órgão é ato seu. Ainda há presentação, e não representação […]”[Tratado de
direito privado, t. III, 233].
|
94    CONTRATOS EMPRESARIAIS

4.4 As modificações do negócio jurídico ao longo do tempo. A nova regra


em conflito com a anterior
Na dinâmica dos negócios, não é incomum que as empresas, premidas
por novos contextos e necessidades econômicas que surgem ao longo da vida
contratual, encetem modificações que impactam a avença. Nessa fase, quando
assinaram os instrumentos contratuais e lançaram-se no empreendimento, as
alterações germinam naturalmente, longe dos escritórios dos advogados. “As
partes nem sempre têm ideias exatas sobre a natureza jurídica do resultado
que perseguem. Com frequência, buscam apenas a um efeito econômico [...].
Neste sentido, e, sobretudo quando preveem um desenvolvimento fácil e pa-
cífico de suas relações, as partes não se preocupam com a técnica jurídica”.2
As partes “escrevem uma coisa e fazem outra” ou ainda “escrevem uma coisa
e, após algum tempo, passam a fazer outra”.
Uma das formas mediante as quais o ordenamento jurídico trata essa ques-
tão diz respeito à observação do comportamento das partes, posterior ao fato do
contrato. A letra do instrumento é o início do caminho, é de suma relevância,
mas não a única estrada e tampouco seu necessário ponto de chegada. Indis-
pensável, pois, a referência ao disposto no art. 131, 3, do Código Comercial,
que traduz importante princípio: “o fato dos contraentes posterior ao contrato,
que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade
que as partes tiverem no ato da celebração do mesmo contrato”. “A norma,
o conteúdo efetivo da autodeterminação dos particulares manifesta-se como
resultado dos interesses que emergem do procedimento globalmente conside-
rado e não como expressão estática apenas do momento da autodeterminação
do ato”.3 Obrigações surgem do encontro entre as declarações de vontade que
manifestam oferta e aceitação.4-5 No entanto, nada obsta que esse processo
dê-se “informalmente”, por mecanismos que implicam ofertas e aceitações
“tácitas”. Enfim, condutas fáticas, circunstâncias negociais que traduzem a
declaração de vontade do agente. Lembre-se a lição de Antônio Junqueira de

2. Von Tuhr, Derecho civil – Teoría general del derecho civil alemán, v. II, 226-7.
3. Von Tuhr, Derecho civil – Teoría general del derecho civil alemán, v. II, 2, 226-7.
4. Cf. arts. 427 a 435 do Código Civil.
5. Os internacionalistas indicam os problemas que derivam da chamada battle of
the forms, ou seja, quando há o envio de ofertas/aceitações standard de parte a
parte, sem coincidência entre elas. Quais regras disciplinarão a avença que, mui-
tas vezes, começa a ser executada? V. Aldo Frignani, Lo strumento contrattuale,
41.
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 95
Azevedo: “[...] há de se entender por negócio jurídico aquela conduta total
socialmente qualificada como negócio. [...] As ‘circunstâncias negociais’ são,
pois, um modelo cultural de atitude, o qual, em dado momento, em determinada
sociedade, faz com que certos atos sejam vistos como dirigidos à produção de
efeitos jurídicos”.6
É indisputável que obrigações são assumidas por meio do encontro das
declarações de vontade que manifestam oferta e aceitação; para a constituição
do vínculo, salvo expressa disposição legal, não é necessário documento escrito
e assinado pelas partes. Nesse sentido, a regra geral dos contratos comerciais,
hoje corporificada no art.107 do Código Civil: “A validade da declaração de
vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente
a exigir”.
De um lado, como apontado no capítulo terceiro sobre a formação dos
contratos empresariais, a redução a escrito do negócio, por facilitar sua prova
posterior, incrementa o grau de segurança jurídica das partes, diminuindo os
custos de transação. De outro, essa busca de segurança e de previsibilidade
pode levar à falta de identificação do negócio [real deal] com os termos redu-
zidos a escrito [paper deal], cindindo o que, de acordo com a teoria clássica,
deveria ser uno.
Mais uma vez, retorna-se a “la question rituelle et insoluble du positivisme
et de l’injustice”:7 até que ponto as partes podem ser obrigadas a seguir com-
portamento que não contrataram expressa e solenemente? Dizendo-o de outra
forma: é útil ao tráfico mercantil permitir a vinculação dos agentes econômicos
por meios não inequívocos de manifestação da vontade?
O positivismo jurídico tradicional, a pretexto de aumentar a segurança
no tráfico, prega o apego ao texto contratual, respondendo negativamente à
questão.8 Dessa forma, abandoná-lo [i.e., abrir-se ao ambiente institucional]
significa admitir que o comportamento das partes é a manifestação de sua
vontade e permitir que a contratação original seja alterada pela prática dos
agentes econômicos no curso da vida do contrato.

6. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 120-2.


7. Camille Jauffret-Spinosi, Theorie et pratique de la clause générale en droit français
et dans les autres systèmes juridiques romanistes, 35.
8. Cf. Paula A. Forgioni, Apontamentos sobre algumas regras interpretação dos con-
tratos comerciais: Pothier, Cairu e Código Comercial de 1850, 31.
|
96    CONTRATOS EMPRESARIAIS

O fato de as empresas, sem qualquer contestação, implementarem con-


dutas diversas das previstas no instrumento, dependendo das circunstâncias,
autoriza a conclusão de que houve alteração do negócio.9-10
O contrato é inovado sem que as partes se preocupem em modificar a letra
do instrumento – que segue placidamente arquivado. Instrumento e contrato
não mais coincidirão.
Como exemplo, tomemos acórdão proferido pelo Supremo Tribunal
Federal no ano de 1943,11-12 em linha hoje bastante seguida pelas Câmaras
Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Duas
sociedades contenderam sobre a licitude de despejo justificado pelo pagamento
do aluguel após a data aprazada.
Muitas vezes a locadora aceitara o pagamento do aluguel fora do prazo
acordado. Poderia, com base em atraso único, exigir o fim do contrato? As fal-

9. Hão de ser vistas com cautela as cláusulas de estilo como aquelas que exigem a alte-
ração por escrito do instrumento para que se considere o negócio modificado.
10. Sobre o problema dos “sequential agreements”, cf. Hugh Collins, Regulating contracts,
154 e ss.
11. Embargos ao RE 6.151/DF. José Linhares, Presidente e Bento de Faria, Relator [vencido].
12. Vale lembrar pioneiro julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que
reconhece ter o comportamento tolerante das partes o condão de alterar as obriga-
ções assumidas e modificar a base da avença: “Penso que, possível fosse afastar a
ideia da ‘transação’, que centrou o raciocínio lógico do sentenciador, ainda assim
se evidenciaria um ‘acordo tácito’ entre as partes, continuado no tempo, mercê
das sucessivas operações de compra e venda de mercadorias, em que as ulteriores
testificavam as alterações consensuais quanto às condições anteriores. Também
que os descumprimentos dos contratos eram recíprocos, embora por vezes apenas
parciais, pois enquanto a vendedora postergava a entrega de mercadorias de algumas
encomendas, a compradora atrasava excessivamente os pagamentos. Surpreende-
-se nos episódios, certamente pelas conhecidas contingências do mercado, uma
recíproca tolerância, assim alterando as bases do contrato e as condições de seu
cumprimento, dando ensejo a uma figura não bem definida, mas que em muito se
assemelha a da transação, onde a tônica é a compensação de direitos e obrigações.
Isso é o que se ressumbra com clareza dos autos, especialmente revelado na minu-
dente investigação pericial. [...] Que houve tardança na entrega de pedidos dúvida
não há, o que da mesma forma aconteceu com os pagamentos respectivos. Nem por
isso, entanto, rompeu-se a relação negocial. Pelo contrário, ela prosseguiu, o que é
dado significativo para convencer que os atrasos eram consentidos e que atendiam
às conveniências recíprocas” [TJRS, Ap. Cív. 591070297, j. 19.12.1991, rel. Pilla
da Silva].
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS| 97
tas reiteradamente toleradas teriam “tornado sem vigor” a cláusula contratual
que fixara o prazo?
Bento de Faria entendeu que a lei obrigava o locatário a pagar pontual-
mente o aluguel nas datas ajustadas, “a estipulação contratual devendo ser
observada na forma convencionada, não podendo ser alterada por forma di-
versa da que a originou, nem deduzida de atos que não alteraram a vontade das
partes”. José Linhares seguiu a mesma linha, observando que “[s]i o contrato
é lei entre as partes, ele só pode ser alterado por outra convenção. A simples
tolerância do credor em exigir a obrigação ao termo, não constitui direito do
devedor de alterar o mesmo”.
Orozimbo Nonato adotou entendimento diverso; em sua opinião, ocor-
rera a modificação dos termos contratuais. “Habitualmente, constantemente,
reiteradamente, aceitou o locador o pagamento fóra do prazo. Não se trata de
ato único ou raro, a ser interpretado como simples tolerância, não poderosa
a alterar o contrato. Trata-se, ao revés, de atos constantes e iterativos e cuja
prática habitual tornou inaplicável o dies interpelat. De-resto, devem as rela-
ções contratuais ser interpretadas de boa-fé e seria iníquo admitir a eficácia do
procedimento do locador, o que valeria por aceitar situações armadas abusiva
e maliciosamente por uma parte contra a outra”.
Castro Nunes vai na mesma vertente, inspirado no teor do art. 131 do
Código Comercial, embora não o declare expressamente: “O fato posterior das
partes contratantes infirmou a rigidez da cláusula contratual, equivalendo a um
acôrdo para dispensa-la, acôrdo que em matéria eminentemente consensual,
lhes estava ao alcance, de vez que a locação pode ser contratada sem prefixação
legal de forma, até mesmo verbalmente. [...] O que é essencial à modificação
das convenções é, como diz Josserrand, o elemento consensual [...], consen-
timento que se traduziu na dispensa consentida pelo credor da observância
da cláusula em questão”. “É certo que o contrato faz lei entre as partes. Mas é
igualmente certo que os tribunais não estão impedidos de interpretá-los fazendo
prevalecer contra a letra a vontade ou intenção das partes. De modo que, em
última análise, não sai do âmbito desses princípios pacíficos o julgamento que,
apreciando circunstâncias ocorridas na execução de um contrato, interpreta
por elas a vontade das partes no entendimento de cada cláusula, para concluir
que o próprio credor do direito de reclamar a sua estrita observância não lhe
deu esse alcance ou assentiu em um modus vivendi com o devedor, deixando
de lado a exigência contratual”.
Entre a letra do pacto e a interpretação conforme o comportamento das
partes e a boa-fé, opta o Ministro Castro Nunes pela segunda: “Porque a no-
|
98    CONTRATOS EMPRESARIAIS

ção do contrato vai cedendo dia a dia às imposições da bôa fé, que domina a
interpretação das convenções”.

4.5 Modificações informais de contratos formais. A tendência de não se


alterar o instrumento firmado durante a vida do contrato
A prática demonstra que raramente novas obrigações assumidas pelas
partes durante a vida do contrato são reduzidas a escrito, gerando aditivos
ou anexos ao contrato. São os próprios técnicos que decidem quando devem
solicitar a atuação dos advogados e isso quase nunca ocorre se acreditam ter
diante de si questões comuns, corriqueiras, ligadas ao dia a dia da implemen-
tação do contrato.
Para a área técnica, o trabalho dos advogados implica gastos com honorá-
rios, investimento em tempo, negociações etc. Por qual razão um engenheiro
traria o advogado para o campo, se tudo está correndo bem e o pessoal técnico
alcançou solução satisfatória para divergência que restou superada?
Conjugam-se vários fatores que levam ao distanciamento entre o real
deal e o paper deal, gerando riscos para as empresas. A economia de recursos é
uma das principais razões. Outra, o excessivo otimismo, que leva as empresas
a subdimensionar os riscos de sua conduta.

4.6 Ainda sobre as modificações informais dos contratos formais. O exa-


gero na aplicação indiscriminada de institutos derivados da boa-fé
objetiva [supressio, surrectio, venire contra factum proprium e tu
quoque]
A modificação tácita dos contratos pode acarretar situações de risco
para as empresas. Basta que a parte se afaste dos termos do instrumento para
que se conclua pela inapelável modificação do contrato. Como justificativa,
lançam-se institutos como supressio, surrectio, proibição do venire contra
factum proprium e tu quoque. Esse tipo de postura gera elevado grau de inse-
gurança para os agentes econômicos, que passam a nutrir o receio de que, ao
se afastar do texto, nunca mais poderão recobrar os direitos que acertaram
na formação do negócio. Tem-se o exagero, na ilusão de proteção de uma das
partes da avença.
O raciocínio, aqui, é o mesmo exposto quando tratamos da boa-fé obje-
tiva.13 No direito comercial, aqueles institutos somente fazem sentido se, no
caso concreto, sua introdução contribuir para o bom fluxo de relações econô-

13. V. capítulo quinto.


A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 99
micas – e não para alcançar a tutela do contraente que se afasta do instrumento
assinado. Tampouco há de se ter por efeito o desestímulo à flexibilização tem-
porária dos termos ajustados, obstruindo adaptação conjuntural a eventuais
circunstâncias adversas. Viola a lógica própria do direito comercial a aplicação
de pautas de modo a sinalizar para o mercado que o risco da colaboração com
o parceiro comercial revela-se alto para aquele que, por certo tempo, concorda
em abrir mão de seu direito.
O agente econômico diligente acaba incentivado a não apoiar a outra em-
presa, pois se vê premido a reduzir a escrito qualquer liberalidade concedida.
Ou seja, a parte que pretende ser maleável diante da adversidade enfrentada
pelo parceiro é forçada a adotar a prática [custosa e não usual] de documentar
a alteração.
Esse destempero pode ser evitado ao se reconhecer que o texto contratual é
o mais forte dos indícios da intenção comum das partes do momento da celebração.
Para desprezar aquele ajuste, é preciso comprovar que o comportamento gerou
indubitável alteração nos termos negociados.14 É importante a observação
dos padrões de mercado em que atuam os contratantes para apreender se,
efetivamente, o comportamento da parte que abriu mão de seu direito gerou,
na outra, expectativa de adoção perene do novo padrão. Ao contrário do que
concluem alguns julgados, dois ou três meses de complacência não costumam
ser suficientes para superar a avença anteriormente negociada e aceita por
ambas partes.

4.7 A superação do exacerbado positivismo que dominou a análise


jurídica dos contratos no século XX e a importância do contexto
contratual
Porque a empresa implica grupamento de pessoas, sua atuação apresenta
tendências que não podem ser ignoradas pelos juristas. Aquele que redige,
analisa ou julga a execução de um contrato deve conhecer a realidade na qual
o negócio se insere. Caso contrário, permanecerá vítima do exacerbado posi-
tivismo que muitas vezes formatou a doutrina do século XX.
Um dos desdobramentos da pandectística do século XIX e do movimento
positivista do século XX consistiu em afastar do Direito tudo o quanto não fosse
“jurídico”. Considerações éticas, políticas ou econômicas não constituiriam

14. V. Paula A. Forgioni, Voto parcialmente divergente. Caso Itiquira Indústria e Cons-
truções x Itiquira Energética S.A, Revista de Arbitragem e Mediação, v. 17, p. 278-327,
2008.
|
100    CONTRATOS EMPRESARIAIS

assunto do jurista como tal. Pretendia-se “subordinar a vida aos conceitos e


dobrar a realidade social a princípios deduzidos sob a forma sistemática de
imperativos lógicos”, explica Orlando Gomes.15 Na impossibilidade de afir-
mar o que é justo, que se soubesse, ao menos, o que é jurídico, identificando
com clareza quais os comportamentos juridicamente exigíveis das pessoas.
O paradigma é o da liberdade e a contração de obrigações somente se dá em
decorrência da inequívoca e expressa vontade da parte.
No que diz respeito à disciplina dos negócios, esse postulado traduziu-se
na extrema valorização da palavra escrita: vale aquilo que está no papel e nada
existe fora daquela letra. Afastam-se ponderações de qualquer outra ordem,
diminuindo a força de vetores como o da boa-fé ou da proteção da legítima
expectativa: apenas a inequívoca manifestação da vontade individual, a assi­
natura lançada no papel, seria capaz de vincular a parte. A reboque vem o
desprestígio da interpretação/integração dos contratos. No campo do direito
empresarial, ainda hoje pouco se diz a respeito da interpretação dos contratos;
ignora-se olimpicamente a realidade e todas as complicações nela envolvidas.
Ainda que não admitam explicitamente, muitos seguem afastando tudo o que
não se subsume às seguras categorias talhadas pela dogmática tradicional.
O contrato não é apenas a letra fria do instrumento. É o negócio embebido
na realidade que o circunda, concebido e conduzido por seres humanos que,
durante a vida do negócio, nele refletem suas tendências. A compreensão de
seu entorno impõe-se para a disciplina das demandas e conflitos que surgem
ao longo da sua vida. Esse tipo de estudo explica e sistematiza, a partir da ob-
servação da realidade, a tomada de decisões econômicas dos agentes [empresas,
consumidores, investidores etc.]. De certa forma, estamos diante da retomada
do caráter interdisciplinar que foi afastado do direito.
Sem a compreensão interdisciplinar do contexto do contrato, das circuns-
tâncias, não se pode interpretá-lo, imprimir-lhe execução. É preciso enxergar
os vínculos que vão surgindo durante a vida do contrato, e os fatores jurídicos
e extrajurídicos que impulsionam e aplacam os conflitos. O instrumental para
tanto não é dado pela dogmática formalista do século passado, e sim emerge da
acurada observação da realidade dos negócios empresariais contemporâneos.16

15. No prefácio de seu livro sobre os contratos, que quebrou paradigmas ao desafiar a
visão clássica que até então imperava no Brasil.
16. Por essa razão, autores como Betti, Orlando Gomes e Junqueira esforçaram-se para
comprovar que os negócios jurídicos brotam da realidade, da prática, do comporta-
mento das partes.
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS| 101
4.8 O impacto de tendências comportamentais das partes sobre a vida
dos contratos que celebram
A doutrina comercialista moldada a partir dos anos 40 do século XX
identifica a empresa com o empresário. A ele pertenceria a genialidade, a
capacidade de inovar, de ter ideias. O empresário seria o empreendedor que
molda a empresa à sua imagem e semelhança.
Isso pode até ser verdadeiro em algumas situações, especialmente no
início da vida empresarial, quando a pessoa física organiza sua atividade para
determinado fim. Ninguém nega que a dona de casa com talento excepcional
para a costura e a moda imprimirá sua marca no estabelecimento que abrir para
explorar a confecção e o comércio de roupas. Grandes empresários como Bill
Gates, Steve Jobs, Samuel Klein e Luiza Trajano, ao menos no momento inicial,
formatam seus negócios à sua imagem e semelhança – e fazem dessa identidade
importante elemento de marketing. O público tem a impressão de que essas
pessoas estão por trás de todas as decisões de “suas” empresas.
Com o passar do tempo e crescimento da empreitada, essa influência tende
a se diluir. Empresários, por mais geniais que sejam, ficam doentes e morrem
ou vendem o controle acionário das sociedades das quais participam. Nem por
isso elas desaparecem. Por quê?
A resposta é simples: porque as organizações existem independente-
mente dos empresários e desenvolvem cultura própria. É a chamada “cultura
empresarial”, estudada pelos economistas e administradores. As empresas são
grupamentos de pessoas e, nessa medida, também feitas de “carne e osso”.
Operários, gerentes, advogados internos, vendedores, supervisores, técnicos,
diretores, vice-presidentes ou presidente, em maior ou menor medida, aca-
bam condicionando a atividade do ente produtivo. A substituição de um alto
executivo pode modificar certas facetas da atuação da firma, porém é quase
impossível alterar sua forma de existir de uma hora para outra.
Esses fatores são mais importantes na organização das atividades da
empresa do que se costuma imaginar: fusões não dão certo porque culturas
empresariais entram em choque, ao invés de se amalgamarem; um novo pre-
sidente não consegue tocar os negócios como gostaria, pois esbarra na visão
solidificada ao longo de décadas. Empresas são tidas pelo mercado como “sérias”
ou “pouco confiáveis” e bem sabem os executivos o quanto é caro alterar essa
imagem ligada à cultura empresarial.
Disso extraímos dois aspectos relevantes para a compreensão dos con-
tratos empresariais:
[i] os contratos empresarias são concebidos e executados por pessoas;
|
102    CONTRATOS EMPRESARIAIS

[ii] essas pessoas aglutinam-se/organizam-se em torno de empresas, e sua


atuação reflete determinada cultura.
Para enfrentar as questões trazidas pela dinâmica contemporânea dos
contratos empresariais, a dogmática jurídica deve se perguntar “quem é a em-
presa, o que e como ela exerce suas atividades” ao invés de se restringir à análise
sobre “o que é a empresa”.

4.9 Breves notas de economia comportamental


Partindo da constatação de que o negócio somente pode ser compreendido
e interpretado a partir das condutas das partes, analisemos suas tendências,
hoje objeto de estudo da economia comportamental. Ao longo deste trabalho,
esses vieses foram referidos para explicar facetas da dinâmica dos negócios
empresariais. Por ora, expomos o resumo das principais inclinações que mol-
dam o vínculo contratual.
Um dos mais relevantes desenvolvimentos das ciências sociais dos últimos
anos foi impulsionado por profissionais voltados à análise de comportamen-
tos na vida real e não por juristas ou economistas. O foco passou a incluir a
compreensão dos mecanismos de julgamento e decisão tal como funcionam
concretamente. A vantagem a ser auferida pelo agente econômico, a curto
prazo, não é medida apenas em pecúnia. Por isso, ensina Kahneman que “utility
cannot be divorced from emotion, and emotion is triggered by chances”.17-18
Outra advertência antes de empregar as sistematizações dos economistas
na compreensão dos contratos mercantis: as tendências do comportamento das

17. Daniel Kahneman, Maps of bounded rationality: A perspective on intuitive judgment and
choice, disponível em: [http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/
laureates/2002/kahnemann-lecture.pdf]. Último acesso em abril de 2015.
18. A bibliografia sobre economia comportamental desenvolve-se rapidamente, pois
desperta grande interesse entre os economistas, inclusive aqueles ligados à Escola
de Chicago. Contudo, ainda não houve maior aprofundamento de sua interface com
os contratos empresariais. As maiores aplicações, na área jurídica, recaem sobre o
antitruste e, especialmente, sobre a disciplina do mercado financeiro e de capitais.
Apenas para viabilizar o início do estudo, v. os seguintes trabalhos: Richard Thaler
e Cass Sunstein, Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness
[2008]; Christine Jolls, Richard Thaler e Cass Sunstein, A Behavioral Approach to
Law and Economics [1998]; Cass Sunstein, Going to extremes: How like minds unite
and divide [2009]; Daniel Kahneman e Amos Tversky, “Prospect Theory: An Analysis
of Decision under Risk” [1979]; Nick Wilkinson, An Introduction to Behavioral Eco-
nomics [2008]; Cass Sunstein [org], Behavioral Law and Economics [2000] e Owen
Jones, Time-Shifted Rationality and the Law of Law’s Leverage [2001].
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 103
pessoas físicas [e, consequentemente, jurídicas] não são, por si, desculpas para
ações desidiosas ou excessivamente confiantes do empresário. São explicações
sobre tendências, das quais podem decorrer vantagens ou desvantagens para a
empresa, conforme os resultados práticos alcançados.
Ao trazer essas sistematizações para o estudo jurídico, pretende-se pontuar
como o direito lida ou deve lidar com a dinâmica do nascimento, vida e morte
dos negócios jurídicos. Isso não significa que o executivo que se porta confor-
me seus instintos está sempre correto e merece aplausos.19 O pressuposto do
funcionamento do mercado segue sempre o mesmo: os comerciantes ativos e
probos agem racionalmente.
A perspectiva seria diversa se tratássemos das relações entre empresas e
consumidores, e não exclusivamente daquelas entre empresas. Muitas vezes, na
economia de massa, as tendências irracionais de comportamento das pessoas
colocam-lhes em situações de fragilidade e clamam a tutela do ordenamento.
O pressuposto das relações empresariais é diverso daquele consumerista: a
empresa deve atuar de forma diligente, bem cuidando de seus negócios. Ao
dedicar menos tempo ou investir menores recursos na tomada de certa deci-
são, a empresa assume riscos. As coisas podem andar a bom termo, e ter-se-á
economizado dinheiro. Todavia, tudo pode andar mal e o agente econômico
será chamado pelo direito a arcar com as consequências de seus atos.

4.9.1 Excessivo otimismo


A maioria dos seres humanos é excessivamente otimista e acredita que o
pior não vai acontecer, ou que são muito maiores as probabilidades de algo
desagradável atingir os outros e não a si. Trata-se de tendência presente na
formação dos contratos empresariais, abordada em capítulo específico. A
empresa tende a agir como se, no futuro, tudo fosse dar certo e deixa de tomar
medidas que melhor assegurariam seus direitos.

4.9.2 Excessiva autoconfiança/self-serving bias


Diante de algo desagradável, o ser humano convence-se rapidamente
de que agiu adequadamente e de que a responsabilidade pelo desastre é do

19. A economia comportamental pode trazer valiosos “insights” à interpretação contra-


tual. Contudo, há riscos a serem considerados. Vale a análise da crítica à aplicação aos
contratos da behavioral economics, elaborada por Larry di Matteo e outros [Visions
of contract theory. Rationality, bargaining and interpretation, 50 e ss.].
|
104    CONTRATOS EMPRESARIAIS

outro, e não sua. Tendemos a atribuir nosso sucesso a nós mesmos e as falhas
e problemas à culpa dos outros [“self-serving bias”].
No relacionamento entre as empresas, essa tendência mostra-se bastante
forte; é incomum ouvir: “Nós erramos”. Muitas vezes, os executivos não estão
faltando com a sua verdade quando negam sua culpa, pois efetivamente não se
enxergam culpados. As pessoas são motivadas a manter sua autoestima e seus
empregos. No mundo corporativo, a admissão do erro gera responsabilidades,
penalizações e reprovação dos demais, ainda que o engano seja coletivo. A
capacidade do ser humano de se autoconvencer de que agiu corretamente é
muito acentuada.

4.9.3 Hindsight bias


Uma vez acontecido o fato, tende-se a crer que o evento seria mais previ-
sível do que se mostrava no passado. “Eu sabia que isso iria acontecer”, diz-se
em linguagem coloquial. Nossa memória tende a selecionar os acontecimentos
pretéritos que sustentam a situação que enfrentamos no presente.

4.9.4 Falso consenso


Tendemos a acreditar que os outros assemelham-se e pensam como nós,
transcurando suas verdadeiras características e assumindo pressuposições de
comportamento futuro que se mostram equivocadas.

4.9.5 Persistência na decisão


Decisões implicam comprometimento e/ou investimento de tempo e re-
cursos. Uma vez que decidimos tomar certa estrada, é-nos difícil voltar atrás.
Daí existir um “status quo bias”, que impele a pessoa a se manter na situação
em que se encontra, salvo se o incentivo da mudança for compensador.

4.9.6 Reciprocidade
Tendemos a responder a uma ação positiva com outra ação positiva. Se
agimos de boa-fé, esperamos que os outros façam o mesmo. A ideia de reci-
procidade auxilia a compreensão da manutenção das regras sociais. Alguns
autores apontam que a reciprocidade é um viés tão forte dos humanos que
tendemos a nos sentir obrigados a devolver uma gentileza, mesmo se a outra
pessoa não nos agrada. Em português, a palavra que pronunciamos quando
A VIDA DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS | 105
alguém nos faz um favor [“obrigada” ou “obrigado”] significa que estamos
obrigados à retribuição.20
Em negociações e renegociações de contratos, esperamos que haja “con-
cessões recíprocas” e não que apenas uma parte ceda. Durante a vida do con-
trato, se julgam que estão se comportando corretamente, as empresas nutrem
expectativa de que a outra parte também o faça. Se fazem concessões, esperam
retorno em igual moeda.
Quando essa reciprocidade se rompe, a tendência é que seja turvada a
fonte de obrigações contratuais, comprometendo a adaptação do negócio a
novas circunstâncias que se apresentam ao longo da relação.

4.9.7 Aversão à iniquidade


Preferimos aquilo que achamos justo; sentimo-nos bem se acreditamos
ser correto o que está sendo feito. Isso nos leva à predisposição de sancionar
aqueles que agem em desconformidade com o previsto/adequado, mesmo que
o processo de imposição da sanção traga-nos algum custo.
Experimentos têm demonstrado que, sentindo-se injustiçadas, as pessoas
aceitam ter algum prejuízo, desde que o “violador” acabe suportando prejuízo
maior.21

4.9.8 Tendência de pertencer a grupos


Somos seres sociais. Nossa sobrevivência como espécie obrigou-nos a
interagir em grupos; sentimos necessidade de ser parte de algo maior. Assim
como temos o instinto egoísta de autopreservação, vivemos o impulso da
colaboração. Pertencer a grupos nos faz sentir melhores e maiores. Qual seria
a explicação para as disputas e provocações entre nossos estudantes durante
os Jogos Jurídicos?
As pessoas envolvem-se com projetos e pontos de vista das institui-
ções/entes/grupos aos quais pertencem. Quem assistiu a uma [muitas vezes

20. Sobre a importância da reciprocidade para a colaboração, v. Robert Axelrod, Evolution


of cooperation. O mote central é que “a strategy based on reciprocity can thrive in a
world where many different kinds of strategies are being tried” [21].
21. “Participants regularly choose to forgo a small gain in order to impose a larger loss
on someone they consider to have unfairly overreached. That is, the sometimes pay
happily just to see someone else pay more” [Owen Jones, Time-Shifted Rationality
and the Law of Law’s Leverage, 1155].
|
106    CONTRATOS EMPRESARIAIS

constrangedora] reunião motivacional de grupos de vendas bem conhece


esse fenômeno.
De forma mais velada e elegante, essa tendência aparece na dinâmica dos
contratos empresariais. As equipes das empresas não raro agem como times e
aglutinam-se em torno de visões comuns, tendentes a proteger os interesses
do grupo ao qual pertencem. Administradores hábeis sabem como incentivar
esse tipo de efeito. As partes do contrato dividem-se entre “nós” e “eles”.

4.9.9 Endowment effect


Tendemos a estimar mais o que é nosso, atribuindo-lhe maior valor.
Aceita-se com mais facilidade perder o que não se tem, isto é, deixar de
ganhar, do que ver algo retirado de nosso patrimônio. Perder é bem pior do
que não ganhar.

4.9.10 Senso de justiça


Os seres humanos pretendem ser tratados com lealdade e tendem a pro-
ceder com reciprocidade em relação àqueles que agem honestamente. “As
pessoas importam-se em serem tratadas de forma justa e querem tratar os
outros de forma justa, se os outros estão se comportando de forma justa”.22
É o que os economistas comportamentais chamam de egoísmo limitado ou
“bounded self-interest”.

4.9.11 Ancoragem/excessivo foco


Tendemos a nos fiar na informação que possuímos e dominamos, deixando
de buscar ou desprezando outras que se apresentam. Focamos em determinado
aspecto da situação, desprezando outros igualmente importantes.
O fenômeno da ancoragem tem a ver com a tendência de permanecer
atado à impressão inicial. Incorpora-se a primeira informação recebida e
as decisões posteriores tendem a nela basear-se. No campo jurídico, alguns
estudiosos apontam que os valores das indenizações atribuídas às partes nos
processos manteriam relação com o quanto foi por elas pleiteado. Quem pede
mais, tende a receber mais.23

22. “People care about being treated fairly and want to treat others fairly if those others
are themselves behaving fairly” [Cristine Jolls, Cass Sunstein and Richard Thaler, A
behavioral approach to Law and Economics, 1479].
23. Para uma referência a esses estudos, Christopher R. Drahozal, A Behavioral Analysis
of Private Judging, 110 e 111.
5
VETORES DE FUNCIONAMENTO
DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

Sumário: 5.1 A necessária busca dos traços comuns dos contratos mercantis –
5.2 Escopo de lucro – 5.3 Pacta sunt servanda – 5.4 Limitações à autonomia privada –
5.5 O norte do contrato: sua função econômica – 5.6 Segurança e previsibilidade –
5.7 Agentes econômicos “ativos e probos” – 5.8 Egoísmo/oportunismo do agente
econômico – 5.9 O agente econômico responde a incentivos e a desincentivos – 5.10
O agente econômico é o melhor senhor de suas próprias razões – 5.11 Boa-fé nos
contratos empresariais – 5.12 Confiança nos contratos empresariais – 5.13 Usos e
costumes – 5.13.1 Globalização e usos e costumes – 5.14 Custos de transação – 5.15
Contratos e necessidades dos agentes econômicos – 5.16 Contrato como instru-
mento de alocação de riscos – 5.17 Contrato e erro [jogada equivocada do agente
econômico] – 5.18 Oportunismo e vinculação – 5.19 Racionalidade limitada – 5.20
Incompletude contratual – 5.21 Desvio de pontos controvertidos – 5.22 Ambiente
institucional – 5.23 Tutela do crédito – 5.24 Forma nos contratos empresariais –
5.25 Contrato e informações – 5.26 Informação e oportunismo [relação “principal/
agente”] – 5.27 Modificação do comportamento pós-contratual [moral hazard] –
5.28 Aumento da dependência econômica pelo contrato – 5.29 “Mais vale um mau
acordo do que uma boa demanda” – 5.30 Contraponto: institutos tradicionais do
direito mercantil e criação de obrigações não expressamente desejadas pelas partes.
Aviltamento da segurança jurídica?

5.1 A necessária busca dos traços comuns dos contratos mercantis


O estudo dos contratos empresariais desde a perspectiva do mercado – i.e., do
contexto que lhes dá força e sentido – exige sua consideração como categoria unitá-
ria e autônoma, afastando-se a análise truncada, tipo a tipo, que costuma ter lugar.
Essa reflexão global sobre os negócios mercantis somente se mostra
possível mediante a prévia identificação dos traços peculiares que imprimem
mecânica comum a todos eles, ou seja, de diretrizes içadas do funcionamento
próprio ao sistema do direito comercial. Em outras palavras, é preciso iden-
tificar e analisar as semelhanças que os contratos comerciais guardam entre
si para que possamos compreender [i] as peculiaridades e o funcionamento
dessa categoria autônoma de negócios jurídicos, bem como [ii] o impacto que
causam na dinâmica do mercado, influenciando-a e sendo por ela influenciada.1

1. Algumas dessas características não são exclusivas dos acordos comerciais, servindo
à explicação de outras espécies de negócios. Entretanto, em razão da importância e
|
108    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Vejamos algumas dessas diretrizes.

5.2 Escopo de lucro


Nos contratos empresariais, ambos [ou todos] os polos são movidos pela
busca do lucro, têm sua atividade – toda ela – voltada para a perseguição de
vantagem econômica.
Como observado no capítulo primeiro, o escopo de lucro é a principal
característica dos contratos empresariais. Ao contrário do que ocorre com os
contratos consumeristas, nos contratos empresariais, a economicidade final dos
comportamentos de todos os partícipes imprime-lhes características singulares,
que refletirão nos negócios por eles engendrados.2
Talvez a onerosidade3 seja o atributo dos contratos mercantis mais destacado
pela doutrina, que sempre os encarou como forma de obter proveito econômico.4

da intensidade que assumem no campo empresarial, não poderiam deixar de ser


citadas.
2. Com razão, adverte Fábio Ulhoa Coelho: “Quem escolhe o direito comercial como
sua área de estudo ou trabalho, deve estar disposto a contribuir para que o empresário
alcance o objetivo fundamental que o motiva na empresa: o lucro. Sem tal disposição,
será melhor – para o estudioso e profissional do direito, para os empresários e para a
sociedade – que ele dedique seus esforços a outra das muitas e ricas áreas jurídicas”
[Curso de direito comercial, v. 1, 27].
3. Por contratos onerosos devemos entender aqueles em que ambas as partes suportam
um sacrifício [depauperamento] patrimonial [prestação a ser adimplida], a que cor-
responde uma vantagem [contraprestação que será recebida]. Sacrifício e vantagem
estão em relação de equivalência, mesmo que meramente subjetiva [Messineo, Teoria
generale del contratto, 238]. Explica Darcy Bessone: é oneroso o contrato que onera as
duas partes [Do contrato, 74]. O escopo de lucro é diverso da onerosidade do contrato.
O primeiro é uma característica da parte, que atribui sentido à sua atuação e confere
unicidade a sua atividade. A onerosidade é atributo do contrato em que ambos os
contratantes devem auferir proveito.
4. “Os contratos comerciais são sempre onerosos, pois, tendo invariavelmente o co-
merciante intuito de lucro nas operações que pratica, não se admite possam existir
contratos comerciais a título gratuito” [Fran Martins, Contratos e obrigações comer-
ciais, 77]. Nas sempre elegantes palavras de Inglez de Souza: “Como não existe acto
de commercio sem intuito de lucro, é claro que ninguem pode fazer um contracto
mercantil sem ter em vista o lucro, e portanto sem obrigar a outra parte a um onus.
Todo contracto commercial repousa sobre este postulado: o contracto é feito com o
intuito de lucro, e como o lucro suppõe o onus da obrigação, o onus é da essencia da
obrigação mercantil” [Direito commercial, 118].
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 109
A empresa não atua no mercado por outra razão que não a obtenção de lucro;5
pode-se legitimamente supor que a celebração dos contratos interempresariais
dá-se porque todas as partes acreditam que seus interesses estão sendo satisfeitos.
O fim lucrativo é a característica fundamental a partir do qual se desdo-
bram as demais peculiaridades dos negócios mercantis, sendo o contrato um
instrumento para atingir esse fim maior. Não fosse dessa forma e a lógica que
marca as transações empresariais mostrar-se-ia diversa, pois as partes seriam
impelidas pela busca da satisfação de outras necessidades.
Isso não significa necessariamente a adoção de comportamento preda-
tório pela empresa, pois questões como a preservação da relação comercial
e a construção de boa imagem influenciam a luta pelo proveito econômico.
Muitas vezes, como veremos no próximo ensaio, a atitude leal ou colaborativa
mostra-se a alternativa mais indicada para a realização do escopo maior visado
pelo agente: o êxito de sua atividade econômica, globalmente considerada.

5.3 Pacta sunt servanda


A força obrigatória dos contratos viabiliza a existência do mercado, coibindo
o oportunismo indesejável das empresas.
Se lhes fosse permitido, os agentes econômicos valer-se-iam dos contra-
tos para vincular apenas seus parceiros comerciais, e nunca a si próprios. No
momento inicial, as partes creem que o negócio ser-lhes-á vantajoso; todavia,
com o passar do tempo, é possível que o vínculo deixe de interessar a uma delas.
Nasce o anseio de se livrar da amarra contratual para seguir outro caminho.
Partindo dessa premissa, compreende-se a importância sistêmica da for-
ça vinculante dos contratos; na sua ausência, seria impossível a coibição do
descumprimento da palavra empenhada e o desestímulo de comportamentos
oportunistas prejudiciais ao tráfico. O princípio do pacta sunt servanda mostra-
-se necessário ao giro mercantil na medida em que freia o natural oportunismo
dos agentes econômicos.6

5. Exceção feita às sociedades de economia mista e às empresas públicas, instrumentos


de ação do Estado, que possuem escopos além do mero proveito econômico. Sobre
essa questão e o escopo lucrativo das empresas, cf. Campobasso, Diritto commerciale,
v. 1, 34 e ss.
6. O princípio do pacta sunt servanda desdobra-se, segundo Roppo, em dois corolários,
igualmente importantes para o direito mercantil: [i] o contrato não se desfaz por
vontade de um dos contraentes, pois não é dado à parte liberar-se do vínculo que não
mais lhe interessa; [ii] o regramento contratual não pode ser modificado por apenas
uma das partes, exigindo-se o consenso [Il contratto, 533 e 534].
|
110    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Em suma: o funcionamento do mercado exige que os pactos sejam respei-


tados.7 O dogma da força obrigatória dos contratos – ou melhor, do respeito
à palavra empenhada – é a base da vida em comunidade e, por isso, perpassa
todas as civilizações, como advertiu Josserand. Atiyah referir-se-á ao direito
dos contratos como um “direito universal”. Os contratos, mais do que uma
categoria atemporal, escrevem-se na história das civilizações. Pode-se discutir
se a concepção de propriedade é inerente ou não à vida em sociedade e mesmo
ao ser humano. O mesmo não ocorre com a força obrigatória da palavra. Sem
o seu respeito, o progresso da raça humana seria impossível.8
Nos últimos tempos, algumas vozes têm erroneamente difundido que
os juízes brasileiros não respeitariam os contratos, como se os magistrados
ansiassem por meter suas penas nos ajustes privados, substituindo a vontade
das partes no que tange a preços e condições. Essa não é a regra no direito
empresarial. Ao contrário, percebe-se grande preocupação dos julgadores em
manter os pactos, dotando o mercado de segurança e de previsibilidade. Os
exemplos são inúmeros, valendo destacar os seguintes julgados:
“A demanda versa, basicamente, sobre empresas de grande porte e o ne-
gócio versava milhões de reais. Não há margem para o reconhecimento de
vulnerabilidade ou de hipossuficiência na negociação, não há desequilíbrio
a justificar intervenção judicial no negócio. Nessas situações, tem plena
incidência o que restou pactuado, porquanto expressa a manifestação de
vontade dos representantes das sociedades”9.
“Primeiramente, frisa-se a inaplicabilidade do Código de Defesa do Con-
sumidor no caso em tela, ante a circunstância de a Apelante ter contrata-
do, ainda que tacitamente, serviços de publicidade com a finalidade do
incremento de suas atividades empresariais. Nesse sentido, não sendo
a destinatária final do serviço prestado, o qual se qualifica como meio
para o fomento da captação de potenciais clientes, devem ser aplicadas

7. Há autores, ligados principalmente à Escola de Chicago, que não concordam com


essa premissa, advogando uma efficient breach of contract, ou seja, que a parte deve-
ria ser autorizada a quebrar o contrato e a pagar a correspondente indenização nos
casos em que esse comportamento fosse economicamente mais eficiente do que o
adimplemento da obrigação [cf. Posner, Economic analysis of law, 117]. Para comen-
tários sobre essa teoria, v. Daniel Friedmann, The efficient breach fallacy, e Richard
Craswell, Contract remedies, renegotiation, and the theory of efficient breach.
8. Alain Supiot, Homo juridicus. Essai sur la fonction anthropologique du Droit, 137 e ss.
9. Apelação nº 0005452-31.2013.8.26.0100, julgada em 14 de dezembro de 2016 pelo
TJSP, com a relatoria do Des. Carlos Alberto Garbi, fl. 11.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 111
as regras dos Contratos Empresariais em geral para dirimir a presente
celeuma. [...]
Neste sentido, preenchidos os requisitos legais do artigo 104 do Diplo-
ma Civil, não se pode falar em nulidade do Negócio Jurídico entabulado
quanto a quaisquer vícios de consentimento ou representação, devendo
prevalecer o velho brocardo ‘pacta sunt servanda’”10.
“O fato então é que, não permitindo os contratos empresariais serem
tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de
consumo, prevalentes os princípios da autonomia de vontade e da força
obrigatória das avenças, de rigor a observância da livre vontade manifesta-
da pelas partes contratantes, e isso ainda que o Código Civil de 2002 tenha
submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais, posto
que isso não significa que estes contratos sejam essencialmente iguais,
de modo que a interpretação pressupõe o comportamento adotado pelas
partes ao tempo da formação do ajuste, mantida assim tanto a segurança
como a previsibilidade jurídica”11.
“[A] força obrigatória dos contratos é o contraponto da liberdade contra-
tual. Se o agente é livre para realizar qualquer negócio jurídico dentro da
vida civil, deve ser responsável pelos atos praticados, pois os contratos são
celebrados para serem cumpridos (pacta sunt servanda). A necessidade
de efetiva segurança jurídica na circulação de bens impele a idéia de res-
ponsabilidade contratual, mas de forma restrita aos limites do contrato.
O exercício da liberdade contratual exige responsabilidade quanto aos
efeitos dos pactos celebrados. [...]O controle judicial sobre eventuais
cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em
outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas
entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeira-
mente seguidas pelos integrantes desse setor da economia”12.
“[N]os contratos mercantis, os contratantes são empresários que exer-
cem atividade econômica profissionalmente, sendo essencial ‘assegurar
a necessidade dos agentes econômicos de segurança e previsibilidade em

10. Apelação nº 1084684-41.2014.8.26.0100, julgada em 19 de abril de 2017 pelo TJSP,


com a relatoria do Des. Penna Machado, fls.4-6.
11. Apelação nº 0001777-62.2010.8.26.0586, julgada em 29 de janeiro de 2014 pelo
TJSP, com a relatoria do Des. Henrique Rodriguero Clavisio, fl. 7.
12. Recurso Especial n. 1.409.849 – PR, julgado em 26 de abril de 2016 pela Terceira
Turma do STJ, com a relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, fls. 6-8.
|
112    CONTRATOS EMPRESARIAIS

suas relações, a vinculação das partes à vontade declarada no contrato’,


por isso as pactuações empresariais, mesmo quando se mostram decisões
de gestão empresarial equivocada, em regra, devem ser observadas, como
resguardo à livre concorrência e à dinamização da economia”13.

5.4 Limitações à autonomia privada


As contratações dão-se dentro dos limites postos pelo ordenamento estatal;
o mercado é enformado pelas regras exógenas e não por suas próprias
determinações.
A sociedade existe porque há trocas, isto é, porque os agentes econômicos
podem buscar a satisfação de suas necessidades. “Não poderia durar muito uma
sociedade em que se mantivesse invariável a distribuição dos bens existentes
num dado momento”.14 Os contratos instrumentalizam esse processo, pois dão
às empresas a oportunidade de escolher com quem contratar, como contratar
e o conteúdo da contratação. A autonomia privada é viga mestra do sistema
contratual, servindo ao seu funcionamento.15
Entretanto, ao mesmo tempo em que o mercado exige que haja transações,
o sistema jurídico cobra a legalidade de seu objeto. “O funcionamento de um
sistema econômico prende-se à sua disciplina jurídica, variando conforme o
teor e a medida das limitações impostas à liberdade de ação dos particulares”.16
O limite da liberdade de contratar é encontrado na ilicitude que as normas exó-
genas impõem a certos comportamentos, especialmente por conta do art. 104,
II, do Código Civil.17-18

13. Decisão Monocrática do Recurso Especial n. 1.219.210 – RS, proferida pelo Min.
Luis Felipe Salomão em 30 de abril de 2015, fl. 9.
14. Emilio Betti, Teoria geral do negócio jurídico, v. I, 94.
15. Sobre os princípios constitucionais que formatam o mercado, v. Paula A. Forgioni,
Princípios constitucionais econômicos e princípios constitucionais sociais. A for-
matação jurídica do mercado brasileiro.
16. Orlando Gomes, Obrigações, 4.
17. Ferri destaca que a autonomia privada vai além da expressão de licitude ou de fa-
culdade, implicando manifestação de um poder, do poder de criar normas jurídicas
dentro dos limites postos pela lei [L’autonomia privata, 5].
18. De acordo com a linguagem de Pontes de Miranda, “o direito limita a classe dos atos
humanos que podem ser juridicizados”. “[S]òmente dentro de limites prefixados,
podem as pessoas tornar jurídicos atos humanos e, pois, configurar relações jurídicas
e obter eficácia jurídica” [Tratado de direito privado, t. III, 55]. Os atos ilegais serão
nulos. Sobre a evolução histórica dessa diretriz na Common Law, v. A.W.B. Simpson,
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 113
Por esse mecanismo, à praxe de mercado serão contrapostas “impres-
cindíveis exigências de salvaguarda dos valores fundamentais reconhecidos
e promovidos em cada ordenamento”.19 As disposições cogentes desenham
um “espaço de soberania” moldado conforme os valores fundamentais que
presidem o sistema. “Portanto, não podem ser afastadas no exercício da auto-
nomia privada”.20-21
Para esclarecer o espaço aberto pelas regras exógenas à liberdade de
contratar, Pontes de Miranda vale-se da imagem de uma rede. Entre as linhas
“traçadas pelas regras jurídicas cogentes”, os agentes econômicos podem livre-
mente mover-se. É o “espaço deixado às vontades, sem se repelirem do jurídico
tais vontades”. A chamada “autonomia da vontade, o autorregramento, não é
mais do que ‘o que ficou às pessoas’”.22
Com o passar do tempo, o nicho da liberdade de contratar diminui, premi-
do por traços provenientes de novos ramos do direito, como o consumerista,
o concorrencial, o ambiental; preocupações de índole social e políticas públi-
cas represam-na cada vez mais. Não obstante, a liberdade de contratar segue
presente em nosso sistema, garantida pela Constituição do Brasil, servindo à
satisfação das necessidades de cada um e de todos e ao sistema de mercado.
“A gênese que os negócios jurídicos costumam ter no terreno social” – é Betti
quem afirma –, “de acordo com a necessidade de circulação dos bens, mostra,
claramente, que eles germinam da iniciativa privada e são, essencialmente,
actos por meio dos quais os particulares procuram satisfazer a necessidade
de regular por si mesmos os seus interesses nas relações recíprocas: actos de
autodeterminação, de autorregulamentação dos seus próprios interesses”.23
A análise preconceituosa da evolução da teoria geral dos contratos acabou
ofuscando a compreensão do princípio da liberdade de contratar e do pacta

A history of the common law of contract, 506 e ss. V., ainda, estudo de Antonio
Albanese, Violazione di norme imperative e nullità del contratto.
19. Di Marzio, Verso il nuovo diritto dei contratti, 25.
20. Di Marzio, Verso il nuovo diritto dei contratti, 26.
21. Na dicção de Betti, “[s]e os particulares, nas relações entre eles, são senhores de pro-
curar atingir, graças à sua autonomia, os escopos que melhor correspondam aos seus
interesses, a ordem jurídica continua, porém, a ser o árbitro para valorar tais escopos,
segundo os seus tipos, de acordo com a relevância social, tal como ela a compreende,
de harmonia com a socialidade da sua função ordenadora. Efectivamente, é óbvio que
o direito não pode dar seu apoio à autonomia privada para a consecução de qualquer
escopo que ela se propunha atingir” [Teoria geral do negócio jurídico, t. I, 104-5].
22. Tratado de direito privado, t. III, 54.
23. Teoria geral do negócio jurídico, t. I, 91-2.
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114    CONTRATOS EMPRESARIAIS

sunt servanda no âmbito do direito comercial. A doutrina clássica prega que o


negócio seria sempre justo, porquanto “se foi querido pelas partes, resultou
da livre apreciação dos respectivos interesses pelos próprios contratantes. [...]
Sendo justo o contrato, segue-se que aos contratantes deve ser reconhecida
ampla liberdade de contratar, só limitada por considerações de ordem pública
e bons costumes”.24 Na síntese de Cairu:
“Todo o Contracto em que ha igualdade e rectidão, isto he, que está em
grao, ou circunstancias de poder dar a ambas as partes igual lucro ou
damno, correndo ambos a sorte de perder ou ganhar, deve-se considerar
racionavel, proporcionado e justo. [...] Por tanto elle se deve guardar ainda
simplesmente ajustado de palavra. E nada abona tanto, e dá credito a qual-
quer negociante da Praça, que a lealdade, inviolabilidade e pontualidade
ou religioso cumprimento da palavra, contracto e fé dada”.25
Entretanto, por conta da intervenção do Estado na economia, a partir do
segundo pós-guerra, a doutrina depara-se com o fenômeno da publicização do
direito privado, com “l’evolution contemporaine du droit commercial vers le
droit public”. “Du principe le la libertè contractuelle on est passé à celui d’une
intervention législative sans cesse plus marquée”.26
Os contratos da economia dirigida, com forte intervenção estatal, e os
negócios de adesão oferecem extensão bem menor à liberdade de contratar. Os
autores de então se perguntam o que fazer com os contratos coletivos [contrat
collectif] e com os contratos coativos [contrat forcé], proclamando o éclatement
dos contratos tradicionais.27 Com efeito, “[c]ar les contrats sont moins consi-

24. Darcy Bessone, Aspectos da evolução da teoria dos contratos, 101. A explicação de
Orlando Gomes é precisa: “A moderna concepção do contrato como acordo de von-
tades por meio do qual as pessoas formam um vínculo jurídico a que se prendem se
esclarece à luz da ideologia individualista dominante na época de sua cristalização
e do processo econômico de consolidação do regime capitalista de produção. O
conjunto das ideias então dominantes, nos planos econômico, político e social,
constituiu-se em matriz da concepção do contrato como consenso e da vontade
como fonte dos efeitos jurídicos, refletindo-se nessa idealização o contexto in-
dividualista do jusnaturalismo, principalmente na superestimação do papel do
indivíduo” [Contratos, 7].
25. Princípios de direito mercantil e leis de marinha, 471.
26. Jean Escarra, Manuel de droit commercial, 577.
27. Cf. Savatier, Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil dLaujourd dahui,
28. Savatier apregoa que “[l]e droit libéral des contrats n’est plus”, enquanto que o
contrato “continue à forger le droit que nous vivons” [26]. Ou seja, não é o contrato
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 115
dérés, aujourd’hui, comme une libre construction de la volonté humaine que
comme une contribution des activités humaines à l’architecture générale de
l’économie d’un pays, architecture que l’État actuel entend maintenant diriger
lui-même”.28
Com exagero, chega-se a sentenciar “a morte do contrato”,29 porque se
teria posto em xeque o antigo dogma da liberdade plena – e da expressão da
vontade – como seu fundamento. De que forma seguir sustentando que “[o]
contrato encerra concurso das vontades de duas pessoas”,30 quando não mais
se lograva vislumbrar a vontade na formação dos negócios e na produção de
seus efeitos?31
Passada a agitação da última metade do século XX, é necessário lançar
olhar mais sereno e lúcido sobre a realidade, digerindo os resultados de pe-
ríodo histórico no qual, muitas vezes, deu-se mais importância à exceção do
que à regra.
O fenômeno da intervenção do Estado na economia foi assimilado, embora
restem intensos debates sobre sua conveniência e oportunidade. O direito do
trabalho consolidou-se. Os contratos de adesão tornaram-se cada vez mais
frequentes, com o advento da automação e da Internet. Os contratos com consu-
midores destacaram-se, dando origem a novo ramo do direito. Desenvolveu-se
a compreensão da contratação obrigatória de serviços públicos pela população.
A existência de contratos coativos não mais assombra.

que desaparece, mas seu modelo baseado no direito liberal e individualista. Vale ainda
destacar os principais sinais desse declínio, segundo o mesmo autor: [i] o espraiar de
contratos coletivos e coativos; [ii] a determinação dos efeitos dos contratos não pela
vontade das partes, mas pela lei; e [iii] a substituição dos contratos por “relações”.
Assim, ao invés do “contrato de trabalho” temos, na verdade, a “relação de trabalho”.
“Ici, à la vérité, le contrat disparaît. Il périt. On met autre chose à sa place” [30].
Savatier nota o fenômeno dos consumidores, que obrigam a modificação da figura
do contrato: “Ici encore, le contrat change de figure” [33].
28. René Savatier, Du droit civil au droit public, 53.
29. Cf. Grant Gilmore, La morte del contratto, e comentários de Eros Roberto Grau e
nossos sobre o texto de Gilmore em Ainda um novo paradigma dos contratos?. Na
mesma linha, cf. P. S. Atiyah, The rise and fall of freedom of contract, especialmente
716 e ss.
30. Pothier, Tratado das obrigações pessoaes e reciprocas, 5.
31. Anota Orlando Gomes que “[a] política interventiva do Estado atingiu, por sua
vez, o contrato, na sua cidadela, ao restringir a liberdade de contratar, na sua tríplice
­expressão da liberdade de celebrar contrato, da liberdade de escolher o outro con-
tratante e da liberdade de determinar o conteúdo do contrato” [Contratos, 9].
|
116    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A doutrina acompanhou essas transformações gerais, indicando a emersão


de nova visão para os negócios jurídicos.32 Ultrapassa-se o excessivo indivi-
dualismo, protegem-se os trabalhadores e os consumidores e, nessa medida,
propaga-se a ideia do “bem comum” e as “razões de utilidade social” procla-
madas por De Page.
Paralelos a todo esse movimento [e por ele às vezes impactados], seguem
os contratos entre empresas, ou seja, entre agentes econômicos que hão de ser
presumidos diligentes e probos. Os autores que trataram daquela nova visão
do contrato tinham em mente questões hoje relacionadas ao direito econô-
mico [intervenção do Estado na economia], ao consumerismo e ao direito do
trabalho – e não os negócios interempresariais.
No direito mercantil, mostram-se evidentes os princípios do pacta sunt
servanda e da liberdade de contratar na orientação dos vínculos jurídicos.33 A
“ideologia do contratualismo” desvenda sua função: “favorecer a circulação dos
bens que são objeto de propriedade”, de forma que ele “é, por isso mesmo, o
‘centro da vida dos negócios’, o instrumento por excelência da vida econômica”.
Há uma “função ideológica” nos contratos, que os fazem servir ao mercado e
“proteger melhor determinados interesses”.34
Isso não significa que a liberdade de contratar seja irrestrita; mesmo no
campo do direito comercial, ela se põe como limitada [lembre-se, por exemplo,
da necessidade de controle das externalidades negativas e de incentivo das po-

32. No Brasil, Orlando Gomes foi a voz que pioneiramente levantou-se contra a concepção
tradicionalista dos contratos. Indispensável a leitura de suas obras Contratos, A crise
do direito e Transformações gerais do direito das obrigações. A literatura estrangeira
nesse tema é extensa, valendo referir os escritos que encontraram maior repercussão
no Brasil: de Georges Ripert, Le régime démocratique et le droit civil moderne, bem
como Aspects juridiques du capitalisme moderne e La règle morale dans les obligations
civiles; Leon Duguit, Les transformations générales du droit privé depuis le Code Na-
poléon; Josserand, De lDesprit des droits et de leur relativité; Savatier, Du droit civil au
droit public e Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil d’aujourd’hui;
Pietro Barcellona, Intervento statale e autonomia privata nella disciplina dei rapporti
economici e Diritto privato e processo economico.
33. Na opinião de Roy Goode, “hoje é moda subestimar o contrato e falar de seu declínio
e da sua morte”. O âmbito do direito contratual restringiu-se com a expansão do
comércio diretamente pelo Estado, bem como com o processo de nacionalização –
haveria, assim, a restrição do direito privado em favor do direito público. Esse qua-
dro teria sido alterado com as privatizações: “O contrato está reflorescendo e com
pouquíssimas restrições, excetuando-se os setores da concorrência, dos serviços
financeiros e dos consumidores” [Il diritto commerciale del terzo milenio, 50].
34. As expressões são de Orlando Gomes, Direito e ideologia.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 117
sitivas]. Porém, é inegável que, de todas as áreas do direito, aquela empresarial
mostra-se a arena na qual a liberdade econômica assume quadrantes mais largos.
A liberdade de contratar e a autonomia privada no direito mercantil, até
por força do art. 131 do Código Comercial, sempre foram objetivadas pelo
mercado, e não baseadas na vontade individual, desconectada da realidade.
Passado o vendaval – e solidificada a superação do excessivo individu-
alismo contratual do século XIX –, verificamos que os contratos mercantis
seguem com sua lógica peculiar, viabilizando o fluxo de relações econômicas
e a interação entre as empresas.
O desprestígio que atingiu a autonomia privada e a liberdade de contratar
em outros ramos não se fez sentir da mesma maneira no direito mercantil, em-
bora poucos se tenham dado conta disso. Para comprovar essa assertiva, basta
deitar os olhos na moderna jurisprudência comercial brasileira, que reafirma
esses princípios no mundo empresarial.35

5.5 O norte do contrato: sua função econômica


As partes não contratam pelo mero prazer de trocar declarações de vontade.
Ao se vincular, as empresas têm em vista determinado escopo, que se mescla
com a função que esperam o negócio desempenhe; todo negócio possui uma
função econômica.
A que vem determinado negócio? Qual a necessidade econômica das
partes que ele visa a satisfazer?
Eis questões centrais da concepção, desenvolvimento e interpretação
dos contratos interempresariais. “As partes não contratam pelo mero prazer
de trocar declarações de vontade”,36 mas em vista de determinado fim que,
no campo do direito empresarial, ser-lhes-á potencialmente vantajoso. Em
qualquer hipótese, a contratação terá um objetivo, almejado em conjunto
pelas empresas, isto é, todo negócio tem uma função econômica e nessa função
encontra sua razão de ser.

35. Como exemplo, tome-se o seguinte julgado: “Em matéria contratual, prevalecem
as regras livremente pactuadas, em consonância com o clássico princípio expresso
no brocardo latino: pacta sunt servanda” [REsp 111.971/BA, julgado pelo Superior
Tribunal de Justiça em 14.12.1998, relator Min. Nilson Naves].
36. No original: “Le parti non stipulano contratti per il piacere di scambiarsi dichiara-
zioni di volontà; ma in vista di certe finalità pel conseguimento delle quali entrano
reciprocamente in rapporto” [Giuseppe Chiovenda, Istituzioni di diritto processuale
civile, p. 188]. Vide, ainda, sobre o tema, Paula A. Forgioni, A interpretação dos
negócios empresariais no novo Código Civil Brasileiro.
|
118    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Repita-se: nenhum empresário contrata sem escopo, mas porque pretende


obter determinado resultado que acredita ser-lhe benéfico.
A consideração da função econômica do contrato leva-o à proximidade
com o mercado. Vale retomar algumas lições de Betti,37 destacando, de início,
que esse autor tinha por evidente inspiração contestar o subjetivismo e o individu-
alismo dominantes na doutrina privatista de sua época. Para ele, a aproximação
do negócio com o “social” [i.e., com a prática da circulação mercantil] signi-
ficava distanciá-lo desse subjetivismo/individualismo que procurava repelir.
O ato que leva à contratação exige justificação objetiva, cujo reconhecimen-
to reclama a adoção de perspectiva dinâmica [e não estática] da autonomia pri-
vada. Para a compreensão do acordo, é necessário deixar de considerar apenas
a letra fria do instrumento [i.e., sua estática] e passar a admitir que as partes,
valendo-se da autonomia privada, lançam mão dos contratos para consecução
de certos fins. Ou seja, indo além de sua dimensão escrita, o negócio jurídico há
de ser visto como meio empregado pelas partes na concreção de seus escopos.
Ainda segundo Betti, a adoção dessa perspectiva requer sensibilidade so-
cial, pois a visão objetiva envolve a consideração da dimensão “social” [hoje,
diríamos do mercado], distanciando-se do “individualismo dos juristas”.
O conteúdo do negócio não é uma vontade qualquer, incolor expressão do
vazio individual, mas preceito da autonomia privada, vinculado aos interesses
que movem as partes nas relações que estabelecem entre si e com terceiros.
Trata-se de ato ligado à circulação mercantil e por ela objetivada.
A vontade das partes tem em vista “escopos práticos de caráter típico,
socialmente valoráveis por sua constância e normalidade, recorrente na vida da
relação [...]. [T]odo negócio tem uma razão prática típica e a ele imanente,
um interesse social objetivo e socialmente controlável, a que deve atender”.
Concluindo: a função econômica do negócio, indispensável para sua cor-
reta compreensão,38 liga-se à “circulação dos bens e dos serviços” [perspectiva
objetiva] e não ao subjetivismo das partes. Se os contratos empresariais visam
sempre ao lucro, é impossível concebê-los distanciados da necessidade eco-
nômica que buscam objetivamente satisfazer, ou seja, à sua função econômica.

37. As expressões entre aspas encontram-se em sua obra Teoria geral do negócio jurídico,
especialmente 86 e 107.
38. “É importantíssimo para a interpretação [...] conhecer os fins econômicos que as
partes tinham em vista ao contratar; o direito ampara a consecução desses fins e,
portanto, o juiz, para poder conceder a devida proteção do direito ao negócio jurídico,
ou à declaração de vontade de que se trata, tem de começar por conhecer exatamente
aqueles fins” [Darcy Bessone, Do contrato, 174].
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 119
5.6 Segurança e previsibilidade
Os contratos empresariais somente podem produzir riqueza em um ambiente
que privilegie a segurança e a previsibilidade jurídicas.
Quanto maior o grau de segurança e de previsibilidade jurídicas propor-
cionadas pelo sistema, mais azeitado o fluxo de relações econômicas. A relação
entre segurança, previsibilidade e funcionamento do sistema, explicada por
Weber e base do pensamento de juristas modernos, é razão determinante da
própria gênese do direito comercial e um dos principais vetores do funciona-
mento dos contratos empresariais.
Na dicção de Irti, o mercado é uma ordem. Ordem no sentido de regulari-
dade e previsibilidade de agir: quem entra no mercado sabe que o seu agir [e o
agir do outro] é governado por regras e, nessa medida, os comportamentos são
previsíveis. A regularidade, a reiteração de certos comportamentos, permite um
cálculo sobre o futuro. “[A]quele ‘prever’ ou antever, onde um sujeito confia no
agir de outrem”.39 A ordem diz respeito não apenas ao passado, mas ao futuro.
Os comportamentos, ao se repetirem conforme uma regra, assumem caráter
de tipicidade e de uniformidade. A forma de uma ordem é dada por conteúdos
típicos, razoavelmente previsíveis e calculáveis pelas partes.
Mas a regularidade – a mesma regularidade que constitui a ordem – im-
plica certa superação da individualidade. As partes sabem que, estabelecido o
vínculo do acordo, as vontades devem orientar-se segundo um princípio geral,
mais forte e mais constante do que os mutáveis interesses individuais. Nesse
esquema, a liberdade [autonomia privada] é sacrificada em prol da segurança,
da previsibilidade [ou da “proteção externa”].40 Há uma gama de negócios
em que o sistema jurídico considera o intento individual do agente, após ser
rebatido no caráter impessoal e mecânico do mercado.
Ao contratar, uma parte tem a legítima expectativa de que a outra com-
portar-se-á de determinada forma, daquela maneira anônima e repetida a que
fizemos referência. Ambos os empresários planejam sua jogada e esperam que
o outro aja de acordo com esse padrão “de mercado”. Não é desejável que seja
dada ao contrato interpretação diversa daquela que pressupõe o comporta-

39. L’ordine giuridico del mercato, 5-6. No original: “[Q]uel ‘prevedere’ o vedere prima,
onde un soggetto confida nell’agire altrui”. Ainda sobre calculabilidade, racionalidade
e funcionalidade, com perspectiva Weberiana, v. sempre de Natalino Irti, Codice
civile e societá politica, 22 e ss.
40. Natalino Irti, Teoria generale del diritto e problema del mercato, 22-23.
|
120    CONTRATOS EMPRESARIAIS

mento normalmente adotado [usos e costumes]. Isso levaria ao sacrifício da


segurança e da previsibilidade jurídicas.
Larenz dá destaque à importância da segurança, da previsibilidade e da
confiança no sistema jurídico: “Uma sociedade em que cada um desconfia do
outro assemelhar-se-ia a um estado de guerra latente entre todos, e em lugar da
paz dominaria a discórdia. Onde se perdeu a confiança, a comunicação humana
resta profundamente perturbada”.41 Sempre advertiram os comercialistas que
um mercado que não dê guarida à boa-fé e à proteção da legítima expectativa
da outra parte tenderia ao colapso, porque dificultaria o “gyro comercial”
[Cairu­] ou a fluidez das relações econômicas. O direito atua para disciplinar,
para obrigar a adoção de um comportamento que, embora possa não interes-
sar ao empresário oportunista, permite a preservação e o funcionamento do
sistema como um todo.42

5.7 Agentes econômicos “ativos e probos”


Os agentes econômicos, em suas contratações, podem legitimamente presumir
que a contraparte adotará comportamento semelhante àquele normalmente
implementado pelos atores do mercado, pelos chamados agentes econômicos
“ativos e probos”.
Se, no direito do consumidor, a presunção é a vulnerabilidade de uma das
partes, no direito comercial parte-se da assunção oposta. Na dicção de Cairu:
“[...] os Commerciantes são, ou sempre se presumem, habeis, atilados, e
perspicazes em seus negócios [...] Por tanto os que exercem a profissão
de mercancia, não devem ser menos prudentes e circumspectos em seus
tratos. [...]”.43
Levin Goldschmidt, um dos maiores historiadores do direito mercantil,
advertia que os mercadores são “delle classi della popolazione economicamente
meglio addestrate e più sagaci”.44

41. Derecho civil – Parte general, 59.


42. Ainda sobre o tema da segurança e da previsibilidade, deve-se considerar a lição de
Max Weber, explicada no capítulo sétimo quando tratamos da relação entre racio-
nalidade juridica e racionalidade econômica.
43. Principios de direito mercantil e leis de marinha, v. II, 504.
44. Storia universale del diritto commerciale, 13. Goldschmidt refere-se à “grande criação
intelectual” dos romanos: o “uomo d’affari onesto [bonus vir], ugualmente lontano
cosi dall’egoismo brutale, come dall’ultraterrena rinunzia a ogni mira personale”.
Assim, “è piantato nel mondo delle lotte d’interesse un ideale, arduo bensì, ma rag-
giungibile, e vi è piantato come criterio applicabile immediatamente” [35].
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 121
Por conta da adoção do padrão de comportamento do homem ativo e
probo, ou dos “comerciantes cordatos”, o ordenamento jurídico autoriza a
pressuposição de que o agente econômico, de forma prudente e sensata, avaliou
os riscos da operação e, lançando mão de sua liberdade econômica, vinculou-se.
O sistema supõe que, naquele momento, o mercador entendeu que o contrato
ser-lhe-ia vantajoso;45 essa expectativa pode até restar frustrada – e aí reside o
risco do negócio.
O agente econômico é caracterizado por uma “esperteza própria” que lhe
faz atilado, capaz de atuar no mercado. Essa astúcia, contudo, não há de ser
confundida com uma permissão de comportamento predatório. Surge, neste
ponto, um dos principais problemas relacionados ao estudo dos contratos
mercantis: como diferenciar o comportamento sagaz, próprio das empresas,
daquele destrutivo, que há de ser repelido?
Voltemos à interessante decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, no ano de 1913. Um comerciante vendera sua loja a ou-
tro, acordando que não se restabeleceria na Rua da Consolação. Instalou-se,
porém, em rua próxima. Haveria má-fé? Entendeu o Tribunal que não, porque
a restrição territorial não fora acordada naqueles termos. O vendedor poderia
ter limitado a zona de proibição do restabelecimento; não o fez à época do
negócio e não o poderia fazer depois.46

45. Isso não afasta, em absoluto, a coibição do abuso da dependência econômica pelo
ordenamento jurídico. Cf. Paula A. Forgioni, Contrato de distribuição, 343 e ss.
46. Na íntegra: “O Apelado explorava certo ramo de negócio á rua da Consolação, nesta
capital. O Apelante, vendo-lhe a prosperidade, propoz-lhe a comprar-lhe o estabeleci-
mento se ele quizesse tomar o compromisso de não abrir naquela rua negócio identico.
A proposta foi bem acolhida, a transação foi ultimada e o compromisso foi assumido. O
homem não tardou, porém, a mostrar ao seu successor que mereceria a prosperidade
comercial que o favoneava. Era, de facto, da cabeça aos pés, um negociante esperto. Foi
a uma rua próxima á da Consolação e abriu outro negocio... O comprador do negocio
antigo pulou de raiva. Aquilo era mais do que uma deslealdade: era uma violação
positiva ao compromisso assumido. ‘– Engano, meu amigo, puro engano, volveu o
homenzinho com placidez. Nem uma cousa nem outra: nem deslealdade nem viola-
ção de compromisso... A que foi que eu me comprometi? Não fio a isto apenas: a não
abrir na rua da Consolação negocio idêntico ao que lhe vendi?’ [...] ‘– Boa duvida! Que
importa que não abrisse na rua da Consolação se abriu nas proximidades dessa rua? O
transtorno que me causa é sempre o mesmo’. ‘– Perdão. É possivel que assim seja. Mas
eu nada tenho com isso. A minha obrigação é apenas a de respeitar o compromisso,
e o compromisso é muito claro: “rua da Consolação, negocio do mesmo genero”.
Não diz palavra sobre proximidades daquela rua’. [...] Foram a juízo. O Juiz, tanto
o de primeira instancia como o Tribunal concordou com o negociante e repeliu a
|
122    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A questão envolvida diz respeito ao padrão de comportamento esperado do


mercador: no caso, o vendedor deve ser considerado “esperto” e o comprador
desidioso ou, ao contrário, tratar-se-ia de atitude desleal, avessa às regras que
devem presidir o tráfico? Qual solução é preferível tendo em vista a proteção
do “interesse geral do comércio”?
A adoção do critério do homem ativo e probo pelo sistema facilita as con-
tratações, pois autoriza a parte a supor que a outra cercar-se-á dos cuidados
necessários e normalmente esperados antes, durante e após a celebração do
negócio. Essa pressuposição diminui os custos a serem incorridos pelos agentes
econômicos em suas transações.
Em linguagem mais atualizada, poderíamos dizer que, porque o agente
econômico é ativo e probo, ele é racional47 e, portanto:
[i] é naturalmente egoísta;
[ii] responde a incentivos e a desincentivos; e
[iii] é o melhor senhor de suas próprias razões.
Vejamos, nos próximos três itens, cada um desses aspectos.

5.8 Egoísmo/oportunismo do agente econômico


A empresa perseguirá antes seu próprio interesse do que aquele do parceiro
comercial.
Pode-se esperar [e até supor] que pessoas físicas sejam altruístas, sa-
crificando-se pelo bem comum ou por seu semelhante. Assumir ou não essa
premissa depende da postura que cada um mantém diante do mundo e da
esperança que deposita na humanidade.
Mas, no giro empresarial, nem mesmo a dúvida tem lugar. Ninguém co-
gita ou pode legitimamente imaginar que empresas “amem o próximo como

pretensão do outro. O compromisso só se referia à Rua da Consolação. Nada dizia


quanto às suas proximidades. A abertura de novo negócio, em outra rua, embora
proxima daquela, não o violou. Observaram, ainda, os srs. Ministros: ‘– Porque, no
contrato, esse cidadão não falou tambem nas proximidades da rua da Consolação?
Podia até marcar a zona dentro da qual ao outro não seria permitido comerciar... Não
o fez! Quer fazer agora?’ Acórdão: Accordam em Tribunal de Justiça [...] confirmar,
como confirmam, a sentença appellada [...]. Julgado em 13 de dezembro de 1913,
por Xavier de Toledo, A. França, Meirelles Reis e Rodrigues Sette” [as aspas que
iniciam e findam as falas dos “personagens” foram por nós colocadas]. Os embargos,
posteriormente opostos, foram rejeitados e o acórdão confirmado.
47. Ainda que essa sua racionalidade seja limitada, como se verá adiante.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 123
a si mesmas”; atos de liberalidade são estranhos ao tráfico mercantil. Por ser
empresa, entende-se que o ente perseguirá seus interesses em primeiro lugar;
o agente econômico é naturalmente egoísta. Sem prejuízo da possibilidade ou
probabilidade de cooperação, nos contratos empresariais é de se assumir que,
se houver chance e for economicamente vantajoso, cada qual situará o seu
escopo adiante daquele do parceiro.48
O egoísmo será tolerado pela ordem jurídica na medida em que incre-
mentar o tráfico, pois são muitas as situações em que o comportamento indi-
vidualista traz benefícios para o fluxo de relações econômicas. Por exemplo, a
concorrência somente é possível porque uma empresa busca superar a outra,
conquistando mercado. Não fosse esse empuxo, apanágio da busca pelo lucro,
não haveria competição, mas situação de marasmo em que todos estariam satis-
feitos, não buscariam posições melhores e inexistiriam mobilidade e progresso.
Por conta disso, o egoísmo pode ser útil ao sistema e levar ao desenvolvimento.
Desdobramento direto do egoísmo do agente econômico é seu oportu-
nismo, que o mantém à espreita, visando a identificar e a usar em seu favor
todas as oportunidades que surgirão, ainda que em detrimento dos outros.49
A admissão de comportamentos oportunistas que não servem ao tráfico
mercantil teria por efeito o aumento dos custos das transações; em ambiente
hostil, cada negócio requer que uma parte procure se proteger contra o com-
portamento inadequado da outra.50 Explica-se a afirmação dos economistas de
que a disciplina dos contratos busca a contenção do oportunismo nas trocas
não simultâneas.51

48. Trata-se do homem econômico, cuja configuração tradicional vem sendo alvo de críticas
nos últimos anos, pois a propensão à colaboração condicionaria o comportamento do
agente. De qualquer maneira, a existência de outros fatores não retira a importância
do autointeresse para explicar o comportamento de entes que visam ao lucro.
49. Segundo Williamson: “Opportunism is a variety of self-interest seeking but extends
simple self-interest seeking to include self-interest seeking with guile” [Transaction-
-cost economics: the governance of contractual relations, 234, nota 3]. Ainda sobre
o oportunismo, v., do mesmo autor, Opportunism and its critics.
50. Brasilio Machado noticia que, diante de tantas fraudes e abusos cometidos após a
abertura dos portos em 1808, uma vez que “não tinhamos leis precisas, leis fixas, leis
bem determinadas para impedir a fraude, de modo que o commercio do tempo da
independencia decahiu extraordinariamente, e eram communs os actos de fraude,
razão pela qual o commercio entendeu que devia dirigir-se ao governo e pedir medidas
severas para punir esses actos de fraude que tanto comprometiam a seriedade e a boa
fé do commercio” [O Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 251].
51. Michael Trebilcock, The limits of freedom of contract, 16.
|
124    CONTRATOS EMPRESARIAIS

O egoísmo [característica do agente] e oportunismo [o agir impelido pelo


egoísmo] são tomados pelo sistema como características da empresa ou de seu
comportamento que, algumas vezes, devem ser toleradas e, em outras, evitadas
e proibidas; tudo sempre no interesse geral do comércio.

5.9 O agente econômico responde a incentivos e a desincentivos


Vimos que os comerciantes agem de forma profissional, visando ao lucro.
O Direito pressupõe que a empresa procurará sempre o ganho e agirá com tal
escopo; se não luta pelo proveito econômico, não é empresa, mas associação
beneficente ou outro ente sem fins lucrativos.Ademais, por serem profissio-
nais, os agentes de mercado são racionais, desenhando estratégias de maneira
a satisfazer seu autointeresse com avidez.
A conjunção desses três fatores [racionalidade + busca do autointeresse +
escopo de lucro] faz com que a empresa, diante de vários possíveis caminhos,
escolha aquele que acredita capaz de lhe trazer maiores benefícios52. Estratégias
são formatadas para obter a maior vantagem econômica possível.
Em seus processos de tomada de decisão, o agente econômico responde
a incentivos, ou seja, a estímulos para se conduzir de uma ou de outra forma.
Para o jurista, interessam mais de perto os impulsos jurídicos [i.e., postos pelo
Direito] que incidem sobre as empresas, capazes de produzir efeitos econômicos
e, portanto, prescrever seu comportamento.
A implementação de políticas públicas passa por esse mecanismo: o Estado
coloca regras para encorajar condutas socialmente desejáveis e desencorajar
aquelas indesejáveis, conforme objetivos previamente definidos no campo
político53.
Como exemplo, pensemos em uma sociedade que deve optar entre ser
pontual ou não no pagamento de seus impostos. Seu processo de tomada de
decisão forçosamente ponderará que o inadimplemento da obrigação levará
à imposição de multa. A chance de lhe ser impingida uma sanção constitui
incentivo para a sociedade recolher seus tributos e desincentivo para sonegá-los.
Nesse sentido, também os contratos e quaisquer pactos privados também
tecem um sistema de estímulos comportamentais para as empresas, ligados a
recompensas e sanções, ganhos e perdas, dos mais variados naipes.

52. Trata-se do que os economistas chamam de “maximização”, ou seja, “[c]hoosing


the best alternative that the constraints allow can be described [...] as maximizing”
[Robert Cooter e Thomas Ulen. Law & Economics, p. 11].
53. Sobre as sanções jurídicas e os estímulos de comportamento, indispensável a leitura
de Norberto Bobbio, Teoria generale del diritto, p. 128 e s.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 125
5.10 O agente econômico é o melhor senhor de suas próprias razões
Partindo-se do paradigma comportamental do agente econômico ativo
e probo, o sistema jurídico considera-o o melhor senhor de suas próprias
razões, que não está obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de Lei, como estatui a Constituição Federal, em seu art. 5º, II. Essa
diretriz assume inúmeros desdobramentos, desde o princípio da livre iniciativa,
passando pela livre concorrência, pela relatividade dos pactos, até a proibição
de o juiz negociar pela parte.
Pode-se presumir que a empresa, porque visa ao lucro, procure fazer o
seu melhor e ser o mais eficiente possível, até mesmo porque a presssão pela
sobrevivência tende a estimular a competência54.

5.11 Boa-fé nos contratos empresariais


A boa-fé nas contratações, instituto tradicional do direito mercantil, diminui os
custos de transação, facilitando os negócios e estimulando o fluxo de relações
econômicas.
A boa-fé é um dos mais tradicionais institutos do direito comercial; o
estudo aprofundado de sua mecânica descortina as peculiaridades intrínsecas
ao tráfico. Na dicção de Jacques Ghestin, “[l]a bonne foi, et la confiance qui
en est le corollaire, apparaissent finalement, en termes d’analyse économique,
come le principe des principes, irreplaçable das les relations contractuelles.
Elle doit être au coeur de la pratique contractuelle”.55
Evitando as armadilhas da definição de noções jurídicas que dão ampla
margem à interpretação, reconheçamos que, para o direito comercial, agir de
acordo com a boa-fé significa adotar o comportamento jurídica e normalmente
esperado dos “comerciantes cordatos”,56 dos agentes econômicos ativos e probos em
determinado mercado [ou “em certo ambiente institucional”], sempre de acordo
com o direito.57 Trata-se, a toda evidência, da boa-fé objetiva.58

54. “Firms that attempt to maximize profits can be expected to do as well as their circum-
stances permit. This is because the pressure to survive promotes competence” [Alan
Schwartz and Robert Scott, Contract theory and the limits of contract law, p. 551]
55. L’ analyse économique de la clause générale, 186.
56. Na dicção de Cairu.
57. Comentando o art. 131 do Código Comercial, Luiz Gastão Paes de Barros Leães
assevera: “Essa regra objetiva de boa-fé, consagrada como critério exegético das
convenções mercantis, partia da premissa de que, nos negócios, deveria prevalecer
a regra da lealdade recíproca, destinada a imprimir segurança ao tráfico jurídico.
Nessas condições, não caberia apurar se cada um dos contratantes se encontrava ou
|
126    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Valemo-nos da percepção de Larenz, para quem “[a] boa-fé exige que


cada parte admita o contrato como ele há de ser entendido por contratantes
honestos segundo a ideia básica e a finalidade do mesmo, tomando em consi-
deração os usos do tráfico”.59
“Reciproca lealtà di condotta fra le parti”, como aponta a moderna doutrina
italiana,60-61 direcionada à concreção da função econômica do negócio, dando
lugar ao comportamento colaborativo em torno do fim comum. “Sintetizando,
pode-se dizer que a boa-fé obriga as partes a comportarem-se – no âmbito da
relação contratual – de modo a não prejudicar, ou melhor, a salvaguardar o
razoável interesse da contraparte, quando isto não importe nenhum sacrifício
considerável e injusto”.62-63
A boa-fé no direito comercial não acompanha padrões que a apontariam
como reflexo de altruísmo exacerbado ou de algo semelhante. Não é produto

não de boa-fé ao contratar e executar o contrato: o intérprete deveria entender as


disposições contratuais como exige a boa-fé ditada pelo ‘uso e prática geralmente
observada no comércio, nos casos da mesma natureza, e especialmente o costume
do lugar onde o contrato deva ter execução’, como completava a alínea 5 do citado
dispositivo da lei comercial. Ou seja, a boa-fé, sob essa perspectiva, independeria da
avaliação anímica do agente, ao manifestar a sua vontade, cabendo apreciá-la com
base num padrão de conduta médio, que legitimamente é de esperar do vir bonus,
ou do bonus pater familiae, em circunstâncias similares” [Rompimento da boa-fé e
conflito de interesses, 1.482].
58. O Regulamento 738, de 1850, determinava que não poderiam ser reconhecidos usos
comerciais contrários à boa-fé e às “maximas commerciaes”, nos seguintes termos:
“Art. 25. Só podem ser admittidas como usos mandados guardar pelo Codigo Com-
mercial as praticas commerciaes a favor das quaes concorrerem copulativamente
os dous seguintes requisitos essenciaes: 1.º serem conformes aos sãos principios de
bôa fé e maximas commerciaes, e geralmente praticadas entre os commerciantes do
logar onde se acharem estabelecidas; 2.º não serem contrarias a alguma disposição
do Codigo Commercial, ou lei depois delle publicada”.
59. Derecho civil, 745.
60. Ernesto Capobianco, Il contratto dal testo alla regola, 126.
61. Na síntese de Roppo, “‘[c]orrettezza’ è solo una delle espressioni impiegate per spiegare
il significato di buona fede. Ma se ne propongono altre: lealtà, cooperazione com
controparte, sensibilità alle sua ragioni, salvaguardia dei suoi interessi, atteggiamento
solidale nei suoi confronti” [Il contratto, 493].
62. Vincenzo Roppo, Il contratto, 497.
63. Alguns autores, destaca Stefano Troiano, defendem que o conceito de boa-fé deveria
ser substituído pelo da “razoabilidade”, que seria um “conceito de síntese” entre o
direito continental e o sistema de common law, “simbolo stesso dell’unificazione del
diritto privato europeo” [La “ragionevolezza” nel diritto dei contratti, 369 e ss.].
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 127
de divina taumaturgia.64 Ao contrário, indica a retidão de comportamento no
mercado, conforme os modelos ali esperados [inclusive o respeito às normas,
próprio do homem ativo e probo].65 Ao se atrelar a um standard de comportamento
empiricamente observável, a boa-fé comercial abandona rasgos de subjetivismo
para aflorar como linha determinável e determinada de conduta.
Não existe mercado sem direito, sem regras que atribuam algum tipo de
sanção [consequência positiva ou negativa] externa e organizada ao compor-
tamento do agente. Quando uma empresa atua em um mercado, está sujeita a
essas normas jurídicas.66
A partir do momento em que a boa-fé [ou o respeito à boa-fé] é uma
dessas variáveis, é tomada pelo agente como um dos fatores que pautará o
seu comportamento dentro de uma racionalidade condicionada pelas “regras
do jogo”. Para o desenvolvimento da confiança não é necessário que aquele
agente tenha participado de jogadas anteriores em que tenha “aprendido” o
comportamento conforme a boa-fé. Ao atuar em um mercado [juridicamente
organizado], sabe-se de antemão quais os efeitos do descumprimento da norma,
sem a ter que infringir. Ou seja, no mercado aprende-se com a experiência dos
outros, ao contrário do que muitas vezes acontece em nossas vidas privadas.
A “memória de experiência”, que é importante para a existência da confiança,
não é atributo do indivíduo, relacionando-se ao processo de positivação da
norma jurídica. É a norma jurídica – e não o indivíduo – que contém a “me-
mória de experiência”.
Nessa perspectiva, o comportamento honesto não implica gasto e sim
economia, tanto para o agente [que atuará conforme as regras] quanto para
o mercado como um todo, que tenderá a diminuir a incidência de custos de
transação pelo aumento do grau de certeza e de previsibilidade. Dessa forma
deve ser para o direito, porque a sanção prevista desestimula o comportamento
infrator.67 Por fim, a boa reputação deve ser adquirida pelo agente, impelindo-o­
ao cumprimento das regras do mercado [i.e., ao respeito, à confiança e à boa-

64. V. Emilio Betti, Teoria generale del negozio giuridico, 330.


65. Nas palavras de David Campbell e Hugh Collins: “general clause inserts the implicit
understandings and expectations of the parties’ specific epistemic community into
the binding contractual undertakings” [Discovering the implicit dimensions of
contracts, 33].
66. Guido Alpa, Trattato di diritto civile. Storia, fonti, interpretazione, 467 e ss.
67. Ou estimular o comportamento desejado, no caso de sanção premial. Teixeira de
Freitas percebia esse fato [Consolidação das leis civis]: “O que seria do direito, se a
sancção da lei não assegurasse o seu livre desenvolvimento? Não partimos de um
estado negativo, ou de injustiça, mas da vida real da humanidade, onde a possibilidade
|
128    CONTRATOS EMPRESARIAIS

-fé].68 “La clausola di buona fede dovrebbe disincentivare i comportamenti che


hanno come unico obiettivo il trasferimento di ricchezza e, nello stesso tempo,
ridurre i costi necessari per difendersi dall’opportunismo”.69
Nem sempre a boa-fé é observada pelos agentes econômicos e a “confian-
ça” pode ser traída. A partir do instante em que a quebra da confiança trabalha
contra o próprio direito, é esperado que normas jurídicas coajam os agentes
econômicos a respeitá-las. Por isso, o sistema de direito comercial como um
todo está voltado à tutela de princípios como a boa-fé objetiva e a confiança.
Negócios que são possíveis em um ambiente institucional com fortes garantias de
cumprimento das obrigações podem não ser viáveis em ambientes institucionais
fracos – porque não seria conveniente para as partes negociar nessa última situa-
ção. Uma das funções do direito comercial é buscar a criação de um ambiente
que torne as negociações compensatórias.
No sistema de direito comercial, a boa-fé permite e estimula a eficiência
do agente econômico ao mesmo tempo em que exige [para o bem do tráfico
mercantil] seja adotado o comportamento típico dos “comerciantes cordatos”,
como dizia Cairu. No direito comercial, o respeito ao princípio da boa-fé não
pode levar, em hipótese alguma, a uma excessiva proteção de uma das partes,
sob pena de desestabilização do sistema. O “erro de cálculo” do agente é um
instrumento que premia a eficiência de outro. No processo de interpretação
dos contratos mercantis, a boa-fé não pode ser confundida com equidade ou
com “consumerismo”, erro em que incidem vários autores não habituados à
dinâmica de mercado.70

de violação do direito reclama uma serie de instituições protectoras. Se a violação


não fosse possível, a lei seria inutil”.
68. Qual brasileiro não se lembra da irônica ponderação da zelosa mãe imaginada por
Aluísio Azevedo em Livro de uma sogra, 155, ao racionalmente escolher o melhor
perfil de marido para sua amada filha no final do século XIX? Diz: “A honra do
negociante é diferente da honra dos outros homens. O militar, por exemplo, que
não solver uma letra no dia do vencimento, não fica por isso desonrado, como não
fica desonrado o negociante que levar um par de bofetadas; mas, se invertermos os
casos, tão desonrado fica um como o outro. Isso quer dizer que a chamada honra do
negociante não reside, como a de toda a gente honesta, na consciência do respeito
a si mesmo e na imputabilidade pessoal, mas no crédito abstrato da sua firma ou da
sua casa de comércio [...]”.
69. Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’economia, 345.
70. V. a análise de Guido Alpa acerca das posições doutrinárias de Wieacker e Mengoni
[Trattato di diritto civile. Storia, fonti, interpretazione, 953 e ss.]. Em suma, “il giudizio
di buona fede consente una valutazione del comportamento delle parti alla stregua dei
tipi di comportamento riconosciuti come norme sociali; l’equità invece consente al
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 129
A boa-fé que rege as relações mercantis parte de uma realidade diversa e
desempenha uma função um tanto diferente daquelas que cercam a maioria
dos negócios celebrados entre não comerciantes.
Há muito, advertia-se que a boa-fé é uma garantia dos contratos. Por
todos, Coelho da Rocha:
“A boa-fé dos contractos exige, que cada uma das partes fique responsavel
á outra pelo bom e livre uso da cousa, ou prestação, que lhe dá ou, como vul-
garmente se diz, – a fazer o contracto bom. – Esta responsabilidade constitue
as garantias dos contractos [...]”.71
Prestando-se a aumentar a garantia dos contratos, o dever de respeito à
boa-fé tende à diminuição dos custos de transação e ao incremento das relações
econômicas.72 A linha de raciocínio – baseada nas lições de Goldschmidt,73

giudice di fare ricorso ad un potere più ampio, adattando il regolamento negoziale


al fine di farvi penetrare esigenze di giustizia, tenendo conto delle circostanze pe-
culiari del caso”.
71. Instituições de direito civil, v. 2, § 742.
72. Com efeito, se o comerciante Tício contrata com Caio a entrega de uma partida
de algodão e tem a certeza de que o vendedor está se comportando de acordo com
as regras da boa-fé, assiste-lhe maior segurança no negócio e, consequentemente,
seus custos de transação podem ser dimensionados em um patamar inferior ao que
seria esperado se contratasse com um comerciante não confiável. Por isso, diz-se
que, no mercado, a difusão da boa-fé azeita o fluxo de relações e, por conseguinte,
a eficiência do sistema. Aliás, a boa-fé, enquanto uma pauta a ser respeitada para
viabilizar o funcionamento do mercado, é desígnio que há muito permeia o direito
comercial. Voltemos ao texto do Alvará de 16 de dezembro de 1771, em que é posta
a importância da boa-fé e dos bons comerciantes para os “negócios mercantis”: “[...]
as decisões dos negocios mercantis costumão ordinariamente depender muito menos
da sciencia especulativa das regras de Direito, e das Doutrinas dos Jurisconsultos,
do que do conhecimento pratico, das Maximas, Usos e Costumes, que o manejo
do Commercio, a necessidade, que ha de o livrar de embaraços, destructivos do
seu continuo gyro; e a mutua, correspectiva da boa fé, que só tem por util, e solido
fundamento dos seus interesses os verdadeiros, e bons Negociantes” [referida por
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, 210. O texto aqui
transcrito foi compilado por Visconde de Cairu, Princípios de direito mercantil e leis
de marinha, v. 2, 908].
73. “Poichè ogni diritto è il prodotto delle idee, spesso incoscienti, degli scopi [utilitatis
ratio], quali sono determinati dalle opinioni e condizioni etiche ed economiche, nel
diritto del rapporti universali prevale naturalmente di gran lunga la base economica,
ma i momenti etici [Treu und Glauben, bona fines] hanno anche qui una parte propria
di somma importanza” [Storia universale del diritto commerciale, 18].
|
130    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Weber74 e Irti75 – é singela: os momenti etici [Treu und Glauben, bona fides]76 ou
market ethics77 ampliam o grau de impessoalidade [ou objetivação] no merca-
do, pois possibilitam que os agentes econômicos dispensem menor atenção
às características específicas/subjetivas da outra parte, concentrando-se na
operação econômica em si.
Essa impessoalidade típica das relações do tráfico – que apenas se faz pos-
sível por conta da “ética de mercado” – diminui os custos de transação, indo ao
encontro do “interesse geral do comércio”.
A boa-fé é o âmago do que J.X. Carvalho de Mendonça, inspirado em Gol-
dschmidt e em Tholl, chamou de doutrina da prudência comercial, “o modo de
proceder no tráfico mercantil”, “o conjunto de princípios que ensinam a dar
efeito a escopos lícitos sòmente mediante meios lícitos”.78 “A boa fe é indispen-
sável no commercio”; “A boa fe d’um negociante deve ser illibada”; “Nenhuma
sociedade pode existir sem ella”; “A ma fe é a peste mortal do commercio”,
proclama Ferreira Borges, com base em alvarás do séc. XVIII.79-80

74. “Within the market community every act of exchange, especially monetary exchange,
is not directed, in isolation, by the action of the individual partner to the particular
transaction, but the more rationally it is considered, the more it is directed by the
actions of all parties potentially interested in the exchange. [...] Market behavior is
influenced by rational, purposeful pursuit of interests. The part to a transaction is
expected to behave according to rational legality and, quite particularly, to respect
the formal inviolability of a promise once given. These are the qualities which form
the content of market ethics” [Law in economy and society, 192].
75. Essa impessoalidade ou objetivação típica do funcionamento do mercado será, no final
do século XX, explorada por Natalino Irti: “La forma di un ordine è data, appunto, da
contegni tipici, ragionevolmente prevedibili e calcolabili dalle parti. [...] La regolarità,
costitutiva dell’ordine, implica sempre il superamento dell’individualità. [...] Questo
ritornare a riconoscersi delle azioni, strappate alla singolarità delle circostanze, esige
sempre un fondamento di carattere oggettivo, una governata e controllata continuità
[L’ordine giuridico del mercato, 5].
76. Goldschmidt, Storia universale del diritto commerciale, 18.
77. Max Weber, Law in economy and society, 192.
78. Tratado de direito comercial brasileiro, v. I, 33.
79. Diccionario juridico-commercial, 204.
80. Em 1771, estatui o Alvará de 16 de dezembro: “[...] as decisões dos negocios mercantis
costumão ordinariamente depender muito menos da sciencia especulativa das regras
de Direito, e das Doutrinas dos Jurisconsultos, do que do conhecimento pratico, das
Maximas, Usos e Costumes, que o manejo do Commercio, a necessidade, que ha de
o livrar de embaraços, destructivos do seu continuo gyro; e a mutua, correspectiva
boa fé, que só tem por util, e solido fundamento dos seus interesses os verdadeiros, e bons
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 131
A partir do séc. XIV, vários estatutos dos mercadores na Idade Média
impunham aos juízes o dever de sentenciar conforme a boa-fé, bem como
prescreviam que os mercadores deveriam manter em boa-fé os contratos e as
promessas recíprocas.81
Mesmo antes, segundo alguns, os termos “boa-fé” e “equidade” teriam
sido empregados para referir três condutas esperadas das partes contratantes,
ainda que não expressamente acordadas: [i] cada uma deveria manter sua
palavra; [ii] nenhuma deveria tirar vantagem da outra mediante sua indução
em erro; e [iii] ambas deveriam pautar seu comportamento de acordo com as
obrigações de uma pessoa honesta.82
Menezes Cordeiro noticia que, no séc. XIX, as decisões do tribunal su-
perior de apelação comercial das cidades de Lubeque, Hamburgo, Bremen e
Frankfurt [Oberappellationsgericht zu Lübeck], embora de forma vaga, desta-
cavam a boa-fé em sua “acepção objectiva pura”, exprimindo “um modo de
exercício das posições jurídicas, uma fórmula de interpretação objectiva dos
contratos ou, até, uma fonte de deveres, independentemente do fenômeno
contratual”.83 “[A] boa-fé objectiva ganha um relevo próprio, com projeção a
nível decisório. Ainda que num estádio embrionário, denota-se já a presença
dos vectores futuros de evolução do conceito; o exercício inadmissível de
posições jurídicas, a interpretação objectiva e os deveres de comportamento
no tráfego”.84

Negociantes. [...]”. “A boa fé [...] deve ser sempre inseparavel dos verdadeiros Com-
merciantes” determina o Alvará de 30 de maio de 1759. “Sem a qual [a boa-fé] não
há Sociedade”, estatui-se em 1790.
81. Conforme noticia Lattes, Il diritto commerciale nella legislazione statutaria delle città
italiane, 123. Com base na moderna doutrina alemã, esclarece-se que “Bona fides and/
or equitas also dominanted relations between merchants and became a fundamental
principle of the medieval and early modern lex mercatoria. [...] As in Roman law, bona
fides significantly contributed to the kind of flexibility, convenience and informality
required by the international community of merchants”. “Bona fides est primum
mobile ac spiritus vivificans commercii”, afirmou Casaregis, e “Bonam fidem valde
requiri in his, qui plurimum negotiantur”, na dicção de Baldo [referências de Simon
Whittaker e Reinhard Zimmermann, Good faith in European contract law: surveying
the legal landscape, 17-8].
82. Simon Whittaker e Reinhard Zimmermann, Good faith in European contract law:
surveying the legal landscape, 94.
83. Da boa-fé no direito civil, 317.
84. Da boa-fé no direito civil, 319. Cf. sobre a boa-fé no direito comercial, Judith Martins-
-Costa, A boa-fé no direito privado, 208.
|
132    CONTRATOS EMPRESARIAIS

O Código Comercial de 1850 reservava à boa-fé papel central, dispondo


que “a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao
espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita
significação das palavras” [art. 131, 1]. Embora o Código Civil de 1916 não
tenha consagrado o instituto em seu texto, ninguém jamais ousou negar que
continuava a ser princípio do nosso ordenamento jurídico. Sua previsão ex-
pressa no novo Código Civil serviu para dar-lhe maior destaque, passando a ser
infindável o número de referências à “importância sistêmica da boa-fé objetiva”.
De certa forma, a história da construção da boa-fé no direito comercial é
um “enigma”, apontado por Menezes Cordeiro;85 surpreende o pouco interesse
com que a doutrina comercialista trata a questão, ao mesmo tempo em que
identifica a boa-fé como um dos principais vetores do tráfico.
Após séculos de evolução, o reconhecimento do papel desempenhado
pela boa-fé no direito comercial como catalisador do bom fluxo de relações eco-
nômicas é pacífico. Ela surge objetivada pelo mercado, formatada pela prática
comercial de determinado ambiente institucional.
No sistema de direito comercial, a boa-fé desempenha três principais
funções, ressaltadas por Judith Martins-Costa.86
[i] De início, como exposto acima, é pauta de comportamento para os
agentes econômicos, apoiando a execução das cláusulas contratuais. A boa-fé
impõe limites ao exercício dos direitos, da forma explicitada pelo art. 187 do
Código Civil.87
[ii] Em paralelo, é pauta de interpretação, colocando-se como ponto car-
deal de orientação da atividade dos operadores do direito; a exegese do texto
contratual jamais poderá ser contrária à boa-fé. Nesse sentido, é expresso o art.
113 do Código Civil: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme
a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
[iii] Por fim, é pauta de integração dos negócios mercantis, pois se presta
como instrumento à resolução do problema da incompletude contratual.

85. Da boa-fé no direito civil, 315.


86. Judith Martins-Costa resume as funções que a boa-fé tradicionalmente assume nos
sistemas jurídicos: [i] “cânone hermenêutico-integrativo do contrato”; [ii] “norma
de criação de deveres jurídicos” e [iii] “norma de limitação ao exercício de direitos
subjetivos” [A boa-fé no direito privado, 429].
87. “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé
ou pelos bons costumes”.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 133
Roppo, com base na jurisprudência peninsular, identifica os seguintes
desdobramentos concretos do princípio da boa-fé:88
[i] dever de oferecer à outra parte oportunidade para sanear vício da
prestação recebida, quando isso for possível e razoável;
[ii] dever de cooperação, para possibilitar o adimplemento da obrigação
pela contraparte;
[iii] dever de conceder à contraparte oportunidade para correção de erros
ou de equívocos que poderiam trazer incerteza à relação;
[iv] dever de modificar a prestação para realizar o interesse da contraparte,
quando isso for possível com mínimo de sacrifício;89
[v] dever de agir com coerência, mantendo a lógica dos próprios atos de
forma a não frustar a expectativa que germinam na contraparte;90-91
[vi] proibição de exercitar direitos contratualmente assegurados de
maneira formalmente lícita, mas, em sua essência, desleal ou danosa para a
contraparte; e, por fim,
[vii] proibição de tratamento discriminatório da contraparte.92

88. Roppo, Il contratto, 495 e ss.


89. Roppo defende que, em caso de desequilíbrio contratual superveniente, surgiria o
dever de renegociar os termos do negócio.
90. Essa diretriz é claramente exposta nos Princípios Unidroit, nos seguintes termos:
“Article 1.8. Parties cannot inconsistently with an understanding it has caused the
other party to have and upon which that other party reasonably has acted in reliance
to its detriment”.
91. No contexto brasileiro, Ruy Rosado Aguiar afirma: “depois de criar uma certa expec-
tativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento
futuro, há quebra dos princípios de lealdade e confiança se vier a ser praticado ato
contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte” [Extinção dos contratos
por incumprimento do devedor, 254]. Sobre a aplicabilidade da teoria do tu quoque
no direito brasileiro, cf. Antonio Junqueira de Azevedo, Interpretação do contrato
pelo exame da vontade contratual..., 166 e ss., e Luiz Gastão Paes de Barros Leães,
Rompimento da boa-fé e conflito de interesses, 1.482 e ss. Explica Leães que a deno-
minação da teoria deve-se à célebre frase de Julio César “e se assenta na ideia básica
de que atenta contra a boa-fé o comportamento contraditório em relação a conduta
anterior, revelando duplicidade de comportamento perante situações semelhantes”
[1.483]. Expondo a doutrina internacionalista, conclui Luiz Olavo Baptista ser con-
trária a boa-fé a conduta de “[a]lguém, que sempre se comportou da mesma maneira,
porta-se, de repente, de modo diferente, e muda a sua posição, quando a outra parte
não esperava que isso acontecesse” [A boa-fé nos contratos internacionais, 32].
92. Luiz Olavo Baptista indica os seguintes “critérios de avaliação da boa-fé na conduta
do contratante durante a execução do contrato”: [i] ausência de malícia ou intuito
|
134    CONTRATOS EMPRESARIAIS

No âmbito do direito internacional, a boa-fé é vista como o “coração


comum” de vários sistemas de direito privado e, por conta disso, foi inserida
em duas das principais iniciativas de uniformização do direito contratual: os
chamados Princípios Lando [Principles of European Contract Law] e os Princípios
Unidroit [Principles of International Commercial Contracts].93
Contudo, é preciso evitar, a todo custo, que a boa-fé torne-se mera descul-
pa para o inadimplemento da obrigação, como muitas vezes se pretende. Essa
“farra dos princípios” – na feliz expressão de Ronaldo Porto Macedo Jr.94 – é
prejudicial ao bom fluxo de relações econômicas e ao desenvolvimento. Exage-
ros sempre podem ser perigosos. A impressão que se tem é que, muitas vezes, a
boa-fé é empregada para proteger uma parte sem que se pondere se ela pagou
por essa proteção no momento da celebração do contrato.95 Estabelecidas­as
devidas proporções, vale lembrar, com Paolo Gallo, que a boa-fé foi até mesmo
empregada como justificativa para o rompimento dos contratos de locação com
os judeus, na Alemanha nazista.96

5.12 Confiança nos contratos empresariais


A disciplina dos contratos empresariais deve privilegiar a confiança, tutelar a
legítima expectativa; quanto maior o grau de confiança existente no mercado,
menores os custos de transação e mais azeitado o fluxo de relações econômicas.

lesivo; [ii] obediência à letra e ao espírito do contratado [“regra da fidelidade ao


contrato”]; [iii] causa ou motivação na prática do ato; [iv] inexigibilidade de outra
conduta e razoabilidade [A boa-fé nos contratos internacionais, 30 e ss.].
93. Os Princípios de Direito Europeu dos Contratos, ou Princípios Lando, foram desen-
volvidos pela Commision on European Contract Law, presidida pelo jurista holandês
Ole Lando. Dispõe o art. 1.201: “Good Faith and Fair Dealing. [1] Each party must
act in accordance with good faith and fair dealing. [2] The parties may not exclude
or limit this duty”. Para os comentários específicos desse artigo, cf. Ole Lando e Hugh
Beale, Principles of European contract law, 113.
Os Princípios Unidroit têm por escopo promover a harmonização do direito interna-
cional dos contratos; sua última versão data do ano de 2004. O art. 1.7 dos Princípios
Unidroit determina que “[1] Each party must act in accordance with good faith and
fair dealing in international trade. [2] The parties may not exclude or limit this duty”.
Sobre os Princípios Lando e os Princípios Unidroit, cf. Guido Alpa, Trattato di diritto
civile. Storia, fonti, interpretazione, 756 e ss.
94. “Interpretação da boa-fé nos contratos brasileiros: os princípios jurídicos em uma
abordagem relacional [contra a euforia principiológica]”.
95. “[T]he courts have used good faith as a blunt instrument for providing protection to
one party’s reliance without asking whether that party would have been willing to pay
for such protection in the first place” [Victor Goldberg, Framing contract law, 102].
96. Contratto e buona fede, 610.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 135
Os custos de transação tendem a reduzir-se em mercados nos quais os
agentes econômicos confiam no comportamento dos outros, ou seja, em que
se pode legitimamente esperar/prever a adoção de determinadas atitudes pelos
parceiros comerciais.97 Esse pressuposto sempre foi reconhecido pelo direito
comercial que, há séculos, incentiva a lealdade entre os mercadores.98
A boa-fé objetiva diz respeito à confiança no contrato. 99 Nos últimos
anos, o resgate da importância desse instituto vem despertando o interesse da
doutrina, inclusive econômica. Podemos definir confiança [trust] como “um
determinado nível de probabilidade subjetiva com a qual um agente avalia que
um outro agente ou grupos de agentes praticarão uma determinada ação”;100 a
existência de confiança aperfeiçoa a fluência das relações de mercado.
Williamson resume algumas conclusões de outros economistas sobre o
fenômeno da confiança: [i] para que ela exsurja, são necessários repetidos
encontros e certa memória de experiência; [ii] o comportamento honesto
implica certo custo; e [iii] está relacionada à boa reputação e esta deve ser
adquirida.
A previsibilidade do comportamento dos agentes aumenta o grau de
segurança e reduz a preocupação [i.e., os gastos a serem incorridos] durante a
celebração ou mesmo a execução do negócio. Na medida em que as expectati-
vas são compartilhadas e compreendidas de maneira relativamente uniforme

97. Cf. Williamson, Calculativeness, trust, and economic organization.


98. Os estudos sobre a confiança nos contratos e sua importância na regulação dos
mercados têm se multiplicado na área econômica e também na jurídica. Mencione-
-se o seminal trabalho de Diego Gambetta, Trust. Making and breaking cooperative
relations. No campo jurídico, para um panorama geral do tema, a excelente obra de
Manuel António de Castro Portugal Carneiro de Frada, Teoria da confiança e res-
ponsabilidade civil e, também, Sylvia Calmes, Du principe de protection de la confiance
légitime en droits allemand, communitaire et français. V., ainda, obra coordenada por
Valérie-Laure Bénabou e Muriel Chagny, La confiance en droit privé des contrats.
99. Sobre a relação entre boa-fé e confiança, v. Menezes Cordeiro, Da boa-fé no direito civil,
1.234 e ss. Comentando o art. 1.366 do Codice Civile, diz Messineo: “È da notare
altresì che la buona fede, cui si referisce l’art. 1.366, è quella che è stata chiamata
buona fede oggettiva, cioè l’esigenza che la dichiarazione di volontà contrattuale sia
intesa secondo il criterio di reciproca lealtà di condotta fra le parti, o affidamento e
non quello stato psichico, di ignoranza di una certa situazione, che è l’altro significato
[e il significato più usuale] di buona fede” [Dottrina generale del contratto, 357].
100. Gambetta, apud Williamson, The mechanisms of governance, 257. No original: “a par-
ticular level of the subjective probability with which an agent assesses that another
agent or group of agents will perform a particular action”.
|
136    CONTRATOS EMPRESARIAIS

pelas empresas, as “dimensões implícitas” dos contratos [i.e., as pressuposi-


ções legitimamente assumidas pelas partes] levam à diminuição dos efeitos
prejudiciais do desconhecimento dos possíveis desdobramentos do negócio
[racionalidade limitada].101
A prudência recomenda que, na primeira contratação entre duas empre-
sas, cuidados sejam aviados para garantir o bom resultado. Por exemplo, A
fabrica tecidos finos, fornecendo para clientes grandes e tradicionais. B, por
sua vez, acabou de ser fundada e tem por sócias duas jovens estilistas recém-
-formadas. B pretende adquirir de A grande quantidade de tecidos para sua
primeira coleção e pleiteia o pagamento de metade do preço em sessenta dias.
A, antes da concessão do crédito, deverá informar-se sobre a higidez econô-
mica de B, negociar a outorga de garantia pessoal de suas sócias, analisar seu
passado econômico etc.
A situação seria diversa se A e B fossem parceiras comerciais há tempos.
A confiaria em B [isto é, poderia prever com certo grau de segurança seu com-
portamento adimplente] e não cogitaria perder tempo e dinheiro buscando
maiores informações sobre ela. Nesta segunda situação, a contratação entre A
e B geraria menores custos, porque haveria confiança entre as partes.
Não é difícil compreender o motivo pelo qual, nos mercados em que impera
a fidúcia, costumam ser menores os custos incorridos para a concretização de
negócios.102
A confiança pode ser incentivada pelo ambiente institucional. Interes-
sante exemplo é trazido por Lisa Bernstein após estudar o funcionamento do
mercado de diamantes em Nova Iorque. Quando as partes acordam a venda de
uma pedra, apertam-se as mãos e pronunciam a frase Mazel und Broche [good
luck and blessing – boa sorte e bênçãos].103 Entrevistas e pesquisas demonstram
que o agente, se pronunciar aquelas palavras e não respeitar o compromisso,
será penalizado, inclusive mediante a perda de sua reputação. Dessa forma, um
comerciante é levado a confiar no outro – mesmo porque pode racionalmente
crer que o sistema garante o cumprimento do pacto em caso de inadimplemento.

101. Milgrom e Roberts: “To the extent that the expectations actually are shared and com­monly
understood, implicit contracts can be a powerful means of economizing on boun­ded
rationality and contracting costs” [Economics, organization and management, 132].
102. Em outra perspectiva, Jacques Ghestin aponta que, de certa forma, a referência à con­
fiança é inútil, pois seriam os fatores relacionados ao receio de represálias, e não a
fidúcia, que incitariam a cooperação [L’analyse économique de la clause générale, 182].
103. Opting out of the legal system: extralegal contractual relations in the diamond
­industry.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 137
Nesse mercado, não é preciso que os agentes econômicos cerquem-se de
maiores cautelas quando das contratações, diminuindo os custos de transação.104
Sob esse prisma devem ser enfrentados vários institutos tradicionais do
direito comercial, tais como a proteção da legítima expectativa. Vimos que a
segurança unge o fluxo de relações econômicas, pois reduz os custos das tran-
sações ao viabilizar a previsão, com razoável grau de segurança, do comporta-
mento dos parceiros comerciais. Se Caio pode legitimamente supor que Tício
agirá mais ou menos como sempre, não perderá tempo e dinheiro procurando
precaver-se dos eventuais prejuízos de uma postura inusitada de Tício.
Como em um círculo virtuoso, a proteção da legítima expectativa aumen-
tará o grau de segurança e de previsibilidade do mercado; o resultado será a
diminuição dos custos de transação e a catalisação do tráfico.

5.13 Usos e costumes


Os usos e costumes são fonte de direito em constante atividade. O ordenamento
estatal admite em seu seio, como vinculantes, as normas produzidas pelos
agentes econômicos. Essas normas integram os contratos.
Os usos e costumes,105 outro instituto tradicional do direito comercial, são
diretriz crucial de funcionamento do mercado e dos contratos empresariais.

104. Outro exemplo relatado pela mesma autora demonstra o grau de institucionalização
alcançado por essas normas costumeiras: trata-se da prática do open cachet. Quando o
comprador faz sua oferta, coloca-se a pedra em um envelope que é fechado e selado de
determinada forma. Nele são escritas as condições da oferta e a data; apõe-se o lacre e o
comprador assina sobre o selo. A menos que o contrário seja acordado, a oferta é válida
até a uma hora do dia seguinte. Nesse período, o vendedor pode a qualquer momento
aceitar a oferta, contatando o comprador e dizendo Mazel und Broche; no entanto,
nesse período, se o vendedor recusa a oferta ou formula contraproposta, retira-se sua
opção de aceitar a oferta escrita no envelope. Caso o vendedor pretenda aceitar a oferta
mas não encontre o comprador em tempo hábil, é-lhe facultado dirigir-se ao Board
of directors of the diamond dealers club e depositar, por escrito, sua aceitação, que será
atestada por um membro do Board. A prática do open cachet desestimula o comporta-
mento oportunista do vendedor, que poderia mostrar a pedra a outro comprador – o
ofertante, ao se deparar com o selo violado, ficará sabendo do ocorrido. No entanto, se
a proposta é feita por terceiro que viu o diamante antes que fosse colocado no envelo-
pe, o ofertante resta liberado do cachet. Nessas situações, o vendedor costuma entrar
em contato com o comprador e informar-lhe sobre a oferta, permitindo que a cubra.
Assim, dá-se origem a leilão que permite a venda da pedra pela melhor oferta.
105. Adotamos, assim, a lição de Vidari que, há muito, esclarecia: “la distinzione [entre
uso e consuetudine] non ha oggi più valore pratico, e diritto oggi sono tutti gli usi
pacificamente accolti dal commercio” [Corso di diritto commerciale, v. I, 89]. Ainda
|
138    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Ainda que, por muitos anos, tenham sido aparentemente renegados pela ju-
risprudência, hoje sua força encontra-se vivificada a ponto de alguns autores
referirem-se ao fenômeno da “redescoberta” dos usos comerciais.106
O stylus mercatorum, os usos e costumes, são identificados como fonte do
direito comercial,107-108 ou seja, capazes de emanar normas de respeito obrigatório
para os mercadores.109 O art. 2.º do Decreto 737, de 1850, estabelecia que “cons-

sobre a diferença entre usos e costumes, Brasilio Machado: “antigamente fazia-se


distincção na doutrina e no D. Civil entre usos e costumes. Chamava-se uso a rei-
teração do facto, a reiteração do acto, a repetição do facto; o costume era reservado
apenas para determinar a norma jurídica derivada desse mesmo facto. Hoje em dia
essa distincção está inteiramente esquecida, tanto o uso como o costume exprimem
uma mesma ideia, i.e. a relação juridica derivada e a reiteração do acto ou do facto
juridico” [O Codigo Commercial do Brasil em sua evolução histórica, 264].
106. Buonocore, Contrattazione d’impresa e nuove categorie contrattuali, Premessa, xxv.
107. Brasilio Machado assentou algumas das mais belas páginas sobre os usos comer-
ciais, apontando sua dúplice função de [i] fonte do direito comercial e [ii] fonte de
interpretação. Para o Professor das Arcadas, usos comerciais são “aquellas normas
jurídicas feitas pela pratica dos commerciaintes” ou “aquellas normas que se observam
uniforme, diuturna e geralmente no commercio” [O Codigo Commercial do Brasil em
sua formação histórica, 263].
108. A doutrina civilista brasileira, ao comentar o art. 4.º da LINDB, é unânime ao classificar
os usos e costumes como fonte de direito. Haveria dois requisitos para que o costume
transformasse-se em regra jurídica. O primeiro deles é a “constância da repetição dos
mesmos atos, a observância uniforme de um mesmo comportamento, capaz de gerar
a convicção de que daí nasce uma norma jurídica”. O segundo, a “convicção de que
a observância da prática costumeira corresponde a uma necessidade jurídica, opinio
necessitatis. [...] Esta convicção, que seria o fundamento de sua obrigatoriedade,
revela-se na conformidade de seu reconhecimento como hábil a regular a conduta
individual, de forma a justificar a sua aplicação compulsória aos que não se submetem
voluntariamente a ela” [Caio Mario da Silva Pereira, Instituições de direito civil, v. I,
44 e ss.]. “Pluritas, uniformitas, continuitas, frequentia acti” resumem a ideia de uso
prolongado [Serpa Lopes, Curso de direito civil, 115]. No campo do direito comercial,
assevera Brasilio Machado os requisitos para que a prática seja uso comercial: [i] “o
uso commercial precisa ser reiterado, precisa ser repetido durante um certo tempo”;
[ii] “é preciso que seja uniforme”; [iii] “é preciso que os commerciantes considerem
esse uso como um verdadeiro preceito legislativo que deve ser obedecido, que deve
ser obrigatorio como se elle se traduzisse em uma lei expressa” [opinio juris seu
necessitatis]; [iv] “é preciso que o costume seja harmônico com a lei”; e, enfim [v]
“que não offenda os princípios da ordem publica nem os sentimentos da moral” [O
Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 265-6].
109. Normalmente, as discussões mais extensas sobre os usos e costumes travam-se en-
tre os civilistas. V. François Gény, Méthode dMinterpretation et sources em droit privé
positif, 316 e ss. e Enneccerus, Kipp e Wolff, Tratado de derecho civil, t. I, 145 e ss.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 139
tituem legislação commercial o Código do Commercío, e subsidiariamente os
usos commerciaes [art. 291 Código] e as leis civis [arts. 121, 291 e 428 Código]”.
A prática mercantil impõe-se como direito, que deve ser observado pelos
agentes econômicos. Regras que “por direito se deva guardar”, na magnífica
expressão empregada em 1769 pela Lei da Boa Razão. “[A]quelles que os com-
merciantes observam como se observassem uma verdadeira regra de D. escripto”,
ensinava Brasilio Machado na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1907.110
Os usos e costumes são a prática dos comerciantes que, na busca de so-
luções para os problemas quotidianos, encontram e consolidam determinada
forma de resolvê-los.111 Esses esquemas espraiam-se ao serem imitados por
outros agentes. Daí a força uniformizadora dos usos e costumes, que tendem a
planificar o comportamento das empresas.
Por brotarem da praxe mercantil, os usos e costumes sofrem certa “seleção
natural”: as práticas mais adequadas ao tráfico impõem-se sobre aquelas menos
aptas à resolução de problemas; ao longo do processo de evolução, prevalecem
os padrões de conduta mais bem adaptados ao funcionamento do mercado.112
Forma-se repertório de experiências bem sucedidas que, ao permitir maior grau
de previsibilidade do comportamento, transforma o mercado em repositório
de memórias de jogadas.
A jurisprudência atua como forte fator de “seleção” dos usos e costumes. Por
um lado, eles são depurados pela prática, mostrando aos agentes econômicos os
caminhos mais “eficientes”; por outro, são trabalhados pela pena nos tribunais
ao interpretarem fatos e textos normativos. O julgador não se prende somente ao
texto da lei, debruçando-se também sobre os fatos do caso concreto trazidos ao seu
conhecimento. Um costume não aceito pelos tribunais – i.e., por eles considerado
violador de norma jurídica – acaba desautorizado ou não se consolida.
Retomando o mecanismo que explicamos ao estudar os contratos so-
cialmente típicos:113 uma empresa realiza determinado negócio jurídico, até
aquela época pouco usual, que supõe ser lícito. A prática mostra-se vantajosa

110. O Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 263.


111. Sobre a formação do costume, cf. Jean Escarra, De la valeur juridique de l’usage em
droit commercial, 98-9.
112. Lisa Bernstein contesta esse pressuposto, afirmando que a teoria dos jogos comprovou
que o costume pode refletir equilíbrio não necessariamente eficiente. Ademais, a
evolução do uso pode ser “path-dependent and strongly influenced by information
cascades or any of a number of heuristic biases” [The questionable empirical basis
of article 2’s incorporation strategy: a preliminary study, 754-5].
113. V. capítulo segundo, item sobre a classificação dos contratos empresariais quanto ao
seu grau de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente típicos.
|
140    CONTRATOS EMPRESARIAIS

e, rapidamente, outros agentes econômicos copiam-na. Passado algum tempo,


os tribunais, interpretando/aplicando textos normativos, consideram que o
original negócio é ilegal. No torvelinho do mercado, não mais será prudente
adotar a prática e esta não se perpetuará, ainda que, em um primeiro momen-
to, tenha-se mostrado eficiente; diante da orientação jurisprudencial, há forte
desestímulo para sua utilização por parte de outros agentes.
Os usos e costumes refletem complexa interação entre texto normativo, atos
dos comerciantes e jurisprudência.114
As empresas não precisarão agir para, observando as consequências de suas
práticas, apreender com os resultados obtidos. O costume consolidado tende
a indicar o melhor caminho a ser seguido [ou, ao menos, poderá demonstrar
os possíveis resultados das jogadas, sem que haja necessidade de jogar].
Os usos e costumes geram legítimas expectativas de atuação, probabilidades
de comportamento; presume-se que as partes comportar-se-ão de acordo com o
modelo usual, de maneira que cada agente é capaz de planejar sua jogada [i.e.,
estratégia de atuação no mercado] com maior margem de segurança.
O conúbio entre previsibilidade, criação de legítima expectativa e usos
comerciais é hoje expresso na legislação comercial norte-americana, que con-
sidera “uso do comércio” como “any practice or method of dealing having such
regularity of observance in a place, vocation, or trade as to justify an expectation
that it will be observed with respect to the transaction in question”.115
A tipificação social de contratos também tem origem nos usos e costumes,
transformando negócios livremente encetados pelos agentes econômicos em
tipos socialmente reconhecidos. Por exemplo, os contratos de concessão mer-
cantil ou de distribuição comercial, nascidos da prática dos mercadores, são
hoje pacificamente aceitos pela jurisprudência.116
Estipulações comuns em operações de compra e venda de ações ou de
quotas, tais como cláusulas de put/call, drag along e tag along nada mais são do
que a redução a escrito de uma prática consolidada. Seu reconhecimento social
é tão notável que não há advogado da área comercial que ignore seu significado,
muito embora os livros nacionais pouco esclareçam sobre o assunto.117

114. V. sobre o tema Paula A. Forgioni, A unicidade do regramento jurídico das sociedades
limitadas e o art. 1.053 do novo Código Civil. Usos e costumes e regências supletivas.
115. Alínea c do art. 1-303 do Uniform Commercial Code.
116. Esse mecanismo de gênese dos contratos empresariais foi estudado no capítulo se-
gundo, no item sobre a classificação dos contratos empresariais quanto ao seu grau
de positivação: contratos típicos, atípicos e socialmente típicos.
117. Maria Rosaria Ferrarese dá destaque à força uniformizadora das minutas norte-
-americanas em todo o mundo [Diritto sconfinato, 83 e ss.]. Sobre a uniformização
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 141
Enfim, a relação entre o funcionamento do sistema mercantil e usos e cos-
tumes faz aflorar sua função de fator de diminuição dos custos de transação. O
reconhecimento da força vinculante de regras que traduzem respostas adequadas a
necessidades econômicas, permitindo o cálculo de jogadas, facilita as contratações,
reduzindo seus custos. Nas palavras de Bolaffio, ao comentar os usos comerciais:
“È la legge del minimo mezzo che determina così il fenomeno economico come la
regola giuridica che lo presidia: si mira ad un risultato immediato, tranquillante
per il credito e per la buona fede, col minor dispendio di attività e di formalità”.118
A prática brasileira dos últimos anos traz exemplo bastante interessante
sobre a interação entre prática comercial, usos e costumes, atividade jurispru-
dencial e texto normativo: os contratos built to suit [“construção sob medida”],
mediante o qual uma construtora, por sua conta e em seu nome, adquire o
terreno e constrói prédio de acordo com os interesses da empresa contratante,
que irá utilizá-lo por período determinado, garantindo à construtora o retorno
do investimento e a remuneração pelo uso do imóvel. Com isso, a empresa
contratante não imobiliza os recursos necessários à aquisição\construção e pode
considerar as quantias referentes ao pagamento da construtora como “despesas
operacionais”, que diminuem a base de cálculo do imposto de renda devido.
Muitas vezes, a operação é tripolar, envolvendo instituição que financia tanto
a aquisição do imóvel quanto sua construção, garantindo-se com os futuros
pagamentos a serem feitos pela contratante.119
A contraprestação devida [“aluguel”] é superior àquela de uma locação
comum, porquanto envolve a retribuição por outras prestações realizadas pela
construtora.

dos contratos comerciais pela prática, cf. Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto
e nell’economia, 221 e ss.
118. Il Codice di Commercio commentato, v. I, 61.
119. De acordo com Francisco Maia Neto, mencionado na justificativa do Projeto de Lei
5.505/2009, o contrato de “built to suit” é “ modalidade de operação imobiliária,
que consiste em um contrato pelo qual um investidor viabiliza um empreendimento
imobiliário segundo os interesses de um futuro usuário, que irá utilizá-lo por um
período preestabelecido garantindo o retorno do investimento e a remuneração [alu-
guel] pelo uso do imóvel. Do ponto de vista operacional o futuro usuário, espera do
investidor a aquisição do terreno, definição do projeto que atende suas necessidades
desenvolvimento e construção do móvel e entrega do empreendimento pronto por
valor predeterminado a ser pago em parcelas mensais. Pelo lado do investidor, este
busca o retorno dos investimentos alocados no projeto e a remuneração pelo uso
do móvel, cuja principal característica é a exigibilidade da permanência do usuário,
associada às previsibilidades e segurança do fluxo projetado, o que permite a secu-
ritização deste contrato, através da distribuição de títulos a investidores, que terão
como lastro o pagamento das parcelas contratadas”.
|
142    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Imaginemos que esse contrato fosse considerado por nossos Tribunais


como mera locação, sujeita à disciplina da Lei 8.245, de 1991. O pagamento
contratado poderia ser revisto para adequar-se aos níveis de aluguel praticados
no mercado. Dessa forma, ruiria todo o negócio por conta da inviabilização da
adequada remuneração da construtora. Houvesse essa sinalização dos Tribunais
e o contrato de built to suit teria sido esquecido entre nós.
Mas não foi isso que ocorreu.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a existência
desse tipo contratual, considerando-o diverso da mera locação120 e afastando
pretensões de contratantes que visavam a livrar-se da remuneração ajustada.
Na esteira da instrução do Poder Judiciário, o contrato de built do suit seguiu
com ampla utilização.121
Posteriormente, em dezembro de 2012, a Lei de Locações foi alterada e
nela foi introduzido o art. 54-A, resolvendo a questão.

5.13.1 Globalização e usos e costumes


As práticas contratuais tendem a uniformizar-se, em processo acelerado nos
últimos anos pela globalização.

120. No entender do TJSP, o traço marcante do “built to suit” é “o fato do terreno e a


construção que nele será feita atenderem, de forma especial no que se refere à lo-
calização e características, a pessoa que posteriormente irá alugá-lo, por um prazo
bastante longo. Não havendo regulamentação legal desse tipo de contrato, as partes
podem ainda ajustar regras especiais não contempladas na Lei 8.245/91. [...] Como
a locação se faz, com garantia de cumprimento da obrigação do locatário, durante
longo prazo [geralmente 10 ou mais anos], ao término da avença, o empreendedor
recupera totalmente desembaraçado o imóvel, valorizado pela planta erguida em seu
terreno. Não é, portanto, uma singela locação de imóveis” [Apelação n. 0036632-
84.2007.8.26.0000, julgada pelo TJSP em 11 de maio de 2011].
121. “A avença contempla em seu bojo amplo feixe de direitos e obrigações às partes que
extrapolam os limites da pura locação de imóvel, o que põe a legislação especial
da locação em segundo plano quanto ao negócio jurídico sob exame, que deve ser
regido pela autonomia da vontade privada, em atenção ao princípio da liberdade de
contratar. Cuidando-se de contrato paritário, em que as partes entabularam trocas
úteis e justas de acordo com suas vontades e em posição de igualdade [par a par],
ou seja, não sendo a renúncia predisposição de direito unilateral imposta por parte
dominante em contrato de adesão, a renúncia ao direito de revisar a remuneração é
válida e eficaz, por força da homenagem ao princípio da boa-fé objetiva e da função
social do contrato” [Apelação com Revisão 992.08.037348-7 Comarca de São Paulo,
julgada pelo TJSP em 4 de maio de 2011].
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 143
Outra tradicional característica dos contratos mercantis [e do próprio
direito comercial] é seu cosmopolitismo, sua tendência de ignorar fronteiras. O
comércio vai até aonde lhe é permitido, sem creditar muita atenção a barreiras
culturais ou jurídicas; com menor ou maior facilidade, tende a expandir-se.
Há muito, entre nós, Conselheiro Orlando advertia:
“De envolta com as mercadorias [o comércio] transporta usos, costumes,
modos e ideias dos differentes povos da terra, estimulando e inspirando
viagens remotas de exploração, quasi fabulosa; com seu genio cosmopo-
lita, approximando as distancias, tem lutado constante em prol dos mais
legitimos e importantes interesses; – um povo de commerciantes é um
povo laborioso e abastado, – e o commercio é para as nações o que póde
ser a imprensa para as letras”.122
O cosmopolitismo deve ser hoje compreendido no contexto da globa-
lização, com a disseminação cada vez maior de práticas [usos e costumes] e
modelos de negócios desenvolvidos no exterior.123 Advirta-se, contudo, que “as
diferenças não são pura e simplesmente canceladas, mas chamadas a interagir
com tais standards”, produzindo aspectos jurídicos novos e inesperados.124
A primeira e necessária advertência diz respeito à descuidada importação
de institutos, sem a consideração daquelas que Ascarelli chamou de “premissas
implícitas” de cada ordenamento.125 Observou o mestre italiano que, no estudo
de institutos estrangeiros, as “premissas implícitas” próprias de cada sistema
não podem ser desprezadas. No entanto, essa singela recomendação não é
sempre atendida, de sorte que alguns entornam a experiência estrangeira sobre
nosso sistema, pretendendo imprimir direcionamento que lhe é estranho.126

122. Conselheiro Orlando, na introdução ao Codigo Commercial do Imperio do Brazil.


123. De certa forma, a “globalização” sempre esteve presente no direito mercantil. Assim, a
antiga lição de Vivante sobre a “índole cosmopolita” da matéria poderia, sem sombra
de dúvidas, ser empregada para explicar a realidade hodierna: “cada comerciante,
grossista ou varejista, sente passar no seu estabelecimento as correntes de um comércio
mundial cuja direção deve seguir” [Tratatto di diritto commerciale, v. I, Introdução].
124. Maria Rosaria Ferrarese, Le istituzioni della globalizzazione, 57. A ideia da autora,
exposta mais adiante na mesma obra, é que “il diritto globalizzato si avvicina di più a
svolgere il ruolo di una lingua parlata in ambito internazionale: una sorta di passepar-
tout linguistico, che permette di comunicare a persone di diverse nazionalità, ma che
ognuno parla a modo proprio, com le proprie inflessioni e costruzioni lessicali” [70].
125. Premissas ao estudo do direito comparado, 13. Cf. Paula A. Forgioni e Renato Och-
man, Riscos da importação de cláusula contratual no direito brasileiro.
126. Com Eros Roberto Grau, observamos: “É certo, no entanto, que embora o recurso
à doutrina e à jurisprudência estrangeiras possa mostrar-se fonte de subsídios útil,
|
144    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A aplicação do direito brasileiro não pode abraçar princípios diversos


daqueles cristalizados em nosso ordenamento jurídico, sob pena de dar lugar
a açodado transplante, incompatível com nossa realidade.
Nessa toada, muitas vezes as posturas assumidas pelos operadores do
direito não passam de mera reprodução de ideias alienígenas, talhadas no
processo de interpretação/aplicação de outro direito, que não o nosso; de outra
constituição que não a brasileira.
O cosmopolitismo inerente ao direito comercial voltou a ocupar o interes-
se da doutrina especializada sob nova roupagem, travestido de preocupações
com os estatutos jurídicos do mercado, envolto no intrincado contexto da
globalização.127 Na lição de Maria Rosaria Ferrarese:128
“A complexidade deriva de vários fatores: em primeiro lugar, do incre-
mento no número de sujeitos produtores de direito; em segundo lugar, do
caráter privado e invisível de alguns desses sujeitos; em terceiro lugar, da
pressão crescente de interesses sobre as regras jurídicas, que as tornam mais
mutáveis; enfim, uma certa opacidade das regras, devida à interação entre
elementos formais e informais. O quadro jurídico assume, assim, caráter
múltiplo: é constituído por numerosos elementos, como um mosaico;
mas, diferentemente de um mosaico, não é jamais estático e contempla
uma interação contínua entre os vários elementos que o compõe”.
A inclinação à harmonização das normas endógenas, decorrente da
uniformização do comportamento dos players, incrementa-se de forma
proporcional ao aumento do fluxo de relações econômicas. Quanto maior o
comércio entre as nações, mais intensa a tendência de as práticas comerciais
tornarem-se análogas.
A conclusão será de que hoje, mais do que nunca, o direito comercial as-
sume seu viés cosmopolita e os contratos empresariais são projetados a partir
desse complexo ambiente institucional, do qual não podem ser arrancados.

nem uma nem outra podem ser tomadas como absolutas. Vale dizer: elas não devem
ser transplantadas para a realidade brasileira sem que sejam consideradas as particu-
laridades do nosso mercado e do nosso sistema jurídico. A indiscriminada transposição
de teorias e modelos pode mostrar-se inadequada e mesmo perigosa, colocando em
risco a efetividade e a eficácia do direito brasileiro, conduzindo-nos por caminhos
com ele incompatíveis” [O Estado, a empresa e o contrato, Prefácio, 12].
127. Não é nosso foco, aqui, a relação entre o Estado e os impactos gerados pela globali-
zação. Sobre o tema, v. Eros Roberto Grau, Nota sobre a globalização, 270 e ss.
128. Le istituzioni della globalizzazione, 61.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 145
5.14 Custos de transação
A empresa contrata porque entende que o negócio trar-lhe-á mais vantagens
do que desvantagens. As contratações são também resultado dos custos de suas
escolhas; o agente econômico, para obter a satisfação de sua necessidade, opta
por aquela que entende ser a melhor alternativa disponível, ponderando os custos
que deverá incorrer para a contratação de terceiros [“custos de transação”].
Quanto menores os custos de transação, maior a fluência das relações
econômicas e o desenvolvimento.
No momento da celebração, as partes acreditam que estarão “melhor com o
contrato do que sem ele”.129 O agente econômico celebrará o ajuste se entender
que esta é uma boa alternativa para a satisfação de sua necessidade. Vale dizer,
o negócio com terceiros será realizado apenas se a opção de produzir inter-
namente determinado bem ou serviço não for mais vantajosa para a empresa.
A produção interna corporis envolve custos; a contratação com terceiros
também. Tudo está em ponderar qual o caminho mais lucrativo: adquirir o bem
no mercado ou obtê-lo internamente?
Por exemplo, A necessita que, diariamente, seja feita a limpeza de suas ins-
talações. Abrem-se duas alternativas: A poderá empregar faxineiros, incorrendo
nos respectivos custos, ou contratar outra empresa que lhe preste esses serviços.
Para selecionar a empresa a ser contratada, A pesquisa as opções existentes
no mercado, preços praticados, idoneidade das firmas, qualidade dos serviços,
reputação etc. Após esse processo, opta por B. A e B deverão negociar os termos
do contrato, os horários em que o serviço poderá ser realizado, as precauções
em relação à segurança, inclusive os cuidados com o sigilo dos dados empresa-
riais, o asseio dos faxineiros, a responsabilidade por eventuais danos causados
aos equipamentos e assim por diante. Tudo isso representa tempo e dinheiro,
que serão ponderados por A quando da decisão de sua estratégia: contratar B
ou utilizar o trabalho de faxineiros empregados?
Os economistas debruçaram-se sobre esses problemas, estudando e ex-
plicitando os dispêndios associados à solução “de mercado”, i.e., à obtenção
do bem ou do serviço mediante a contratação de terceiros. Esses custos são
chamados “custos de transação”,130 incorridos por conta e em virtude das
contratações da empresa com outros agentes econômicos.

129. “There is only one reason why a person would want to make a contract: to obtain an
advantage os some kind. […] Contracts […] are typically made only because they
are mutually advantageous” [Louis Kaplow e Steven Shavell, Contracting, 2].
130. Em outra oportunidade, explicamos que o estudo dos custos de transação originou-se
das observações de Coase, em 1937, no opúsculo intitulado The nature of the firm.
|
146    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Classificam-se os custos de transação em ex ante e ex post, conforme ocor-


ram antes ou após a celebração do negócio. Há custos de transação referentes
à coordenação [coordination costs] e aqueles relacionados à motivação [moti-
vation costs]. Os primeiros são os gastos próprios às negociações, incluindo a
definição de suas condições [preço, prazo, época de entrega etc.] e mesmo à
busca de parceiros comerciais. Os custos de motivação podem ser apartados
em dois principais tipos: [i] aqueles ligados à assimetria e à falta de completude
da informação, quando as partes não conhecem todos os dados relevantes e
necessários sobre a outra e sobre o negócio, e [ii] aqueles inerentes ao possível
prejuízo decorrente do comportamento oportunista da outra.
Note-se que o interesse pelo estudo dos custos de transação tem como
razão cardeal a empresa e as opções que faz no exercício de sua atividade. Sua
compreensão desnuda a atuação dos agentes no mercado e, principalmente,

Suas primeiras indagações podem ser assim resumidas: se os mercados funcionam


tão bem e seriam aptos a assegurar o fluxo econômico, por que existem empresas?
Por que elas contratam entre si? Segundo Coase, a realização de transações econô-
micas implica custos [custos de transação ou transaction costs], que variam segundo
a natureza da própria operação e a forma mediante a qual é organizada. Em suma,
os custos de transação são os gastos para se valer do mercado [cf. Viscusi, Vernon e
Harrington, Economics of regulation and antitrust, 221]. Como expressa ainda Coase
em trabalho de 1960, retomando as lições expostas em 1937: “In order to carry out a
market transaction, it is necessary to discover who it is that one wishes to deal with,
to inform people that one wishes to deal and on what terms, to conduct negotia-
tions leading up to a bargain, to draw up the ­contract, to undertake the inspection
needed to make sure that the terms of the contract are being observed, and so on”
[The problem of social cost, 114]. Na síntese de Hovenkamp: “Use of the market can
be expensive. Negotiating costs money. Dealing with other persons involves risk,
and the less information one firm has about the other, the greater the risk” [Federal
antitrust policy, 372]. Partindo das ideias de Coase, Williamson assim define os
custos de transação: “The ex ante costs of drafting, negotiating, and safeguarding an
agreement and, more especially, the ex post costs of maladaptation and adjustment
that arise when contract execution is misaligned as a result of gaps, errors, omis-
sions, and unanticipated disturbances; the costs of running the economic system”
[The mechanisms of governance, 379. Cf. do mesmo autor The vertical integration of
production: market failure considerations].
Costuma-se apontar como bibliografia fundamental da teoria dos custos de transação
os trabalhos de Coase, The nature of the firm [1937] e The problem of social cost
[1960] e de Williamson, Transaction-cost economics: the governance of contractual
relations [1979] e The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational
contracting [1985]. Importante a consulta a Milgrom e Roberts, Economics, organi-
zation and management, 28 e ss.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 147
as relações jurídicas que encetam.131 Muitos aspectos da função econômica dos
negócios interempresariais apenas podem ser dimensionados a partir desses
custos e de sua influência na mecânica da decisão empresarial.
Os custos de transação prestam-se a explicar, além da atividade empresa-
rial, a própria realidade do direito comercial. Douglass North indica os fatores
jurídicos que, na Baixa Idade Média, contribuíram para a diminuição dos custos
de transação, fazendo florescer o comércio e o direito comercial: [i] mobiliza-
ção de capitais; [ii] diminuição de custos para obtenção de informações e [iii]
divisão de riscos.
Além da superação de algumas leis contra a usura, North destaca como
fundamentais a criação e a evolução das letras de câmbio, além do desenvol-
vimento de técnicas que permitiram sua negociação e desconto. Houve ainda
a concepção de mecanismos para o controle dos parceiros comerciais situados
em terras distantes, incluindo métodos de contabilidade e de auditoria. Por
fim, North lembra a importância da “transformação da insegurança em risco”,
com o desenvolvimento do seguro e de formulários uniformes e impressos. A
utilização da comenda e, posteriormente, das sociedades por ações, contribuiu
para a alocação de riscos e para o aumento do fluxo de relações econômicas.132
Não é por acaso que Ascarelli deter-se-á praticamente sobre os mesmos
institutos, referindo-se às soluções encontradas para a mobilização do crédito.
A letra de câmbio, de mero documento probatório e instrumento de pagamento,
transformou-se em instrumento de crédito. Das companhias coloniais vieram a
[i] circulação dos direitos e [ii] participação dos sócios. Resolveu-se o problema
da mobilização dos financiamentos, o que levou ao desenvolvimento dos ban-
cos e do desconto, bem como ao incremento de um mercado de capitais.133-134
Essa coincidência entre as visões dos autores repousa no fato de terem
ambos vislumbrado que, na essência, o desenvolvimento de novos institutos e a

131. Entre nós, juristas dedicaram-se a esclarecer o que seriam os custos de transação.
Cf. Calixto Salomão Filho, Condutas tendentes à dominação dos mercados – Análise
jurídica, 30 e ss. V., ainda, Competitividade: mercado, Estado e organizações, de Eliza-
beth Farina, Paulo Furquim de Azevedo e Maria Sylvia Macchione Saes.
132. Douglass North, Institutions, transaction costs, and the rise of merchant empires, 27-9.
133. Panorama do direito comercial, 32.
134. Bonfante indicará o desenvolvimento da ciência contábil, das sociedades e dos ban-
cos [p. ex., banco genovês de S. Giorgio], chamando-os de “instituições mercantis”
[Pietro Bonfante, Storia del commercio, 240 e ss.]. Cf., sobre o mesmo tema, Jacques
Le Goff que, referindo-se ao “progresso dos métodos nos séculos XIV e XV”, explica
os seguintes fatores da evolução: seguro, letra de câmbio e contabilidade [Mercadores
e banqueiros na Idade Média, 23 e ss.].
|
148    CONTRATOS EMPRESARIAIS

derrocada de barreiras atuam a favor dos negócios entre os agentes econômicos


porque “diminuem os custos de transação” [Douglass North] ou satisfazem
“exigências econômicas capitalísticas”, em consonância com “a ideia do mer-
cado” [Tullio Ascarelli].

5.15 Contratos e necessidades dos agentes econômicos


As partes, quando negociam e contratam, não tomam confortavelmente
assento diante de um código e escolhem, entre fórmulas preexistentes [i.e.,
tipificadas], aquela que mais lhes apraz. Os contratos empresariais nascem
da prática dos comerciantes e raramente de tipos normativos preconcebidos
por autoridades exógenas ao mercado.
Longe de ser apenas um instituto histórico da matéria, a força jurígena
dos usos e costumes está fortemente presente na prática do direito comercial,
impulsionando diuturnamente a vida mercantil.
Como observamos com Eros Roberto Grau: “O negócio é feito no mundo
dos fatos, por certo à luz dos códigos, das leis e regulamentos, mas a exegese
contratual somente será praticada se a paz temporária obtida por via do con-
trato resultar, em sua aplicação, no surgimento de problemas. Instaurada a
cizânia, tem início uma frenética atividade de composição de suportes fáticos
e de exercícios de ‘subsunção dos fatos à norma’. Nesses momentos podemos
perceber com nitidez que o direito não é apenas um sistema de regras, mas uma
prática social no bojo da qual o dever-ser e o ser se interpenetram. Embora seja
assim, a esmagadora maioria dos contratos, para sorte dos agentes econômicos,
nasce, se desenvolve e perece sem a presença de juristas”.135

5.16 Contrato como instrumento de alocação de riscos


O contrato é um instrumento de alocação, entre as partes, dos riscos da
atividade econômica. O ordenamento jurídico distingue e atribui disciplina
diversa ao risco normal dos contratos e ao risco extraordinário.
As contratações empresariais envolvem riscos,136-137 ou seja, a possibilidade
de que, por razões previsíveis ou imprevisíveis, restem frustradas as expecta-

135. O Estado, a empresa e o contrato, 159.


136. No Brasil, a visão do contrato como instrumento de alocação de riscos é tratada
com maestria por Wanderley Fernandes, Cláusulas de exoneração e de limitação de
responsabilidade, 47 e ss.
137. “El riesgo consiste en la eventualidade de que suceda un acontecimiento futuro,
incierto o de plazo indeterminado, que no depende exclusivamente de la voluntad
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 149
tivas que orientaram a conclusão do negócio. O risco é inevitável porque “[c]
ontratar é prever”, de forma que “[o] contrato é um empreendimento sobre
o futuro”.138-139
Mas, se não consegue evadir as possibilidades de perda, ao menos é pos-
sível alocá-las, dividi-las entre os agentes econômicos por força de lei ou pelo do
contrato. Como situa Ripert, “[r]isco profissional, risco da propriedade, risco
criado, são fórmulas de atribuição”.140
O Código Civil, em vários de seus artigos, lança sobre uma parte os even-
tuais prejuízos decorrentes de acontecimento futuro e incerto. Por exemplo, ao
determinar, no art. 492, caput, que “[a]té o momento da tradição, os riscos da
coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador”,
o Código determina quem deverá arcar com o peso econômico se e quando o
fato prejudicial ocorrer, isto é, atribui de antemão a possibilidade de perda a
uma ou a outra parte.
Por vezes, as empresas valem-se do contrato para disciplinar a forma de
divisão dos riscos.141 “O futuro traz incertezas que podem ser reduzidas se
outras pessoas adotarem determinados comportamentos [ou deixarem de
adotá-los]. Nessa medida, o contrato costuma ser uma distribuição recíproca
de riscos; um sistema eficiente de disciplina dos contratos deve apoiar essa
divisão, mantendo a alocação realizada pelo negócio”.142

de los sujetos. Los elementos constitutivos del riesgo son, pues, posibilidade y resul-
tado dañoso” [Doler Aleu, El nuevo contrato de seguro, 62]. Ainda sobre a definição
de risco, para o panorama das opiniões mais difundidas, v. a introdução às seguintes
obras: Florence Millet, La notion de risque et ses fonctions en droit privé e Anne-Cécile
Martin, L’imputation des risques entre contractants.
138. Ripert, A regra moral nas obrigações civis, 156.
139. Para a explicação do risco nas diversas teorias econômicas, Otávio Yazbek, Regulação
do mercado financeiro e de capitais, 7 e ss.
140. A regra moral nas obrigações civis, 213, destacamos.
141. No original: “[t]hat contracts are often structured to allocate risk is a time-honored
assumption of contract theory” [Douglas W. Allen e Dean Lueck, The role of risk in
contract choice, 704].
142. No original: “Much if the future we face is uncertain, but one way of partially re-
ducing that uncertainty is to obtain binding promises from other people that they
will perform [or refrain from performing] certain acts in the future. A contract is
often a reciprocal allocation of specified risks and an efficient system of contract
law should facilitate risk-sharing by upholding the allocation of risks made by the
contract” [Donald Harris e Cento G. Veljanovski, The use of economics to elucidate
legal concepts: the law of contract, 114].
|
150    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Algumas estipulações normalmente apostas nos contratos internacionais


de compra e venda de mercadorias [Incoterms] não passam de fórmulas de
distribuição das possibilidades de prejuízo. Por exemplo, na cláusula FOB, a
responsabilidade do vendedor [i.e., sua obrigação de arcar com os prejuízos
no caso da concretização de evento danoso] estende-se até o momento da co-
locação da mercadoria no navio; no caso de venda FAS, até que seja depositada
ao lado do costado da embarcação.
A cada transação correspondem “riscos típicos”, inerentes à natureza
do negócio ou, como prefere a doutrina italiana, que se situam dentro de sua
“moldura típica”.143 “O risco é próprio dos negócios jurídicos e dificilmente a
ele não se expõe um contrato”.144 “Todo contrato expõe as partes a algum tipo
de risco”. “Cada tipo de contrato incorpora um plano diverso de repartição
dos riscos entre os contratantes”.145
Há o risco imponderável, extraordinário,146 que extrapola aquilo que pode
ser razoavelmente previsto pelos agentes econômicos ativos e probos daquele
mercado. O tratamento do risco imponderável pelo sistema jurídico sempre foi
questão tormentosa.147 Hoje, entre nós, o Código Civil [art. 478 e seguintes]
determina que, diante de evento imprevisto e imprevisível, gerador de exces-

143. Como salientamos com Eros Roberto Grau: “Os contratos, ao projetarem efeitos
para o futuro, implicam certo ‘congelamento’ de interesses. As partes, no momento
da vinculação, acomodam suas pretensões, calculando os desdobramentos futuros
das obrigações assumidas. Esse cálculo, obviamente, leva em conta vários cenários
fáticos, eventos futuros e razoáveis do contexto existente quando da contratação. Enfim:
todo negócio implica risco; cada contrato tem o seu ‘risco típico’; o risco é inerente
[= caracteriza] à atividade empresarial. Ao contratar, as partes estão obrigadas a
considerar esse risco, sob pena de serem impelidas ao prejuízo. Essa projeção, esse
cálculo sobre o futuro, baseia-se em um estado mais ou menos normal de coisas; a
parte que desconsidera o risco normal do negócio é sancionada no próprio jogo do mercado.
O agente econômico que despreza o risco, ‘errando’ a sua jogada ou previsão, sofre
perdas econômicas. Igualmente, a parte pode frustrar-se porque o cenário futuro
que concebeu no momento da contratação não se verificou. Tudo isso faz parte da
dinâmica de mercado” [Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados
com a Administração. Teoria da imprevisão e fato do príncipe, 112-3].
144. REsp 5.723, relator o Min. Eduardo Ribeiro, julgado em 25.06.1991.
145. Vincenzo Roppo, Il contratto, 1.024.
146. Sobre os tipos de risco extraordinário, cf. Comparato, O seguro de crédito, 60 e ss.
147. Cf., para indicação bibliográfica, Eros Roberto Grau e Paula A. Forgioni, Equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração. Teoria da
imprevisão e fato do príncipe. Mais recentemente, Luiz Gastão Paes de Barros Leães,
Resolução por onerosidade excessiva.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 151
siva onerosidade para uma parte, deve haver a liberação do vínculo, caso não
se chegue a acordo a respeito da modificação dos termos contratuais.
Nos contratos internacionais, para responder às necessidades de readap-
tação do negócio em casos de superveniências imprevistas, desenvolveu-se a
prática das hardship clauses. Trata-se, como salienta a doutrina especializada,
de estipulações que permitem a revisão do contrato nos casos da ocorrência
de imprevistos que alterem substancialmente o equilíbrio original das obriga-
ções das partes,148 mediante sua renegociação. São “cláusulas de adaptação”,
visando a impedir que o “endurecimento das condições” torne mais onerosa
sua execução, rompendo o equilíbrio das prestações ajustadas.149
Esses dispositivos contratuais têm, todos eles, a mesma e última função
econômica: permitir que as partes lidem com o risco [previsível ou imprevisí-
vel], alocando-o entre si ou buscando o reequilíbrio da equação econômico-
-financeira do contrato em caso de frustração das expectativas negociais.

5.17 Contrato e erro [jogada equivocada do agente econômico]


O agente econômico pode se equivocar em suas jogadas e previsões; a possibilidade
do erro é fundamental para o funcionamento do sistema de direito comercial e
não pode ser desprezada pela disciplina dos contratos empresariais.
Os agentes econômicos algumas vezes adotam estratégias equivocadas,
e esses enganos são previstos e desejados pelo sistema jurídico, na medida em
que, diferenciando os agentes, permitem o estabelecimento do jogo concorren-
cial [que desembocará na “regulação natural do egoísmo”, para utilizar a lição
de Jhering]. Ou seja, é a diferença entre as estratégias adotadas pelos agentes
econômicos e entre os resultados obtidos [uns melhores, outros piores] que dá
vida a um ambiente de competição [porque todos buscam o prêmio do maior
sucesso, da adoção da estratégia mais eficiente].
A questão teórica que vem à mente é a explicação do erro, partindo da
pressuposição de que os agentes atuariam, sempre, de forma racional, visando
à obtenção do melhor resultado, como pregam alguns economistas. Autores da
linha de Posner, muito embora falem em “escolha” dos agentes econômicos,
adotam noção de eficiência e de maximização que acaba paradoxalmente por
eliminar esse mesmo processo de escolha.150

148. Frignani, Lo strumento contrattuale, 51.


149. Luiz Olavo Baptista, A vida dos contratos internacionais, 165.
150. Nas palavras de Jeanne Schroeder sobre Posner, “his definition of rationality excludes the
process of making choices” [Economic rationality in law and economics scholarship].
|
152    CONTRATOS EMPRESARIAIS

É possível entender a relação entre escolha e erro dentro do sistema mi-


croeconômico151 a partir da lição de Williamson: a maioria das atividades eco-
nômicas é desenvolvida por empresas [firms].152 Estas não são meras “curvas
de custo e de demanda”, indo além da “lógica do preço ótimo e da combinação
de insumos”.153-154
A empresa é um centro de tomada de decisões; há alocações de recursos
que derivam da escolha do empresário, e não do comportamento dos preços.
Não é em decorrência de uma alteração nos preços relativos que um trabalhador
muda do departamento y para o departamento x, mas simplesmente porque
alguém ordenou que ele agisse desse modo!155
Podemos dizer que o erro é possível dentro do sistema porque não é o
“infalível” mercado que determina as jogadas e sim a lógica do empresário.
Para cada sujeito, uma jogada, uma conclusão, mesmo que tomando as mesmas
variáveis. Dado o “estímulo” pelo meio, cada qual reagirá de uma maneira,
embora possamos conceber todos como economicamente racionais.
Essa verificação tem efeitos práticos relevantes para o direito. Se não
considerarmos que uma empresa pode ter adotado uma estratégia equivocada,
jamais entenderemos um prejuízo suportado por uma das partes na execução
do negócio decorrente de sua “álea normal” [= não derivado de alterações
contextuais imprevisíveis].
Nenhuma interpretação de um contrato empresarial será coerente e
adequada se retirar o fator erro do sistema, neutralizando os prejuízos [ou lu-

151. Os economistas tradicionais costumam explicar a diferença de comportamentos


entre os agentes econômicos e seus erros apenas com base em sua “racionalidade
limitada”. As assimetrias de informação e a impossibilidade de conhecimento de
toda a realidade forçariam ação embasada não em uma racionalidade plena [Sylvie
Lebreton, L’exclusivité conctractuelle et les comportements opportunistes, 62].
152. The mechanisms of governance, 94.
153. Coase, The firm, the market and the law, 3.
154. Explica Coase que, para os economistas, o sistema econômico funcionaria por si
mesmo. Sua operação dar-se-ia sem um controle centralizado, sem uma visão geral.
O fornecimento é ajustado à demanda e a produção ao consumo por um processo
automático, elástico e confiável. Em suma, “the economic system works itself”. As
escolhas dos agentes seriam apreendidas diretamente em função do mecanismo do
preço [The firm, the market and the law, 34 e ss.].
155. “Yet in the real world we find that there are many areas where this does not apply. If
a workman moves from department Y to department X, he does not go because of
a change in relative prices, but because he is ordered to do so” [Coase, The firm, the
market and the law, 35].
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 153
cros] que devem ser suportados pelos agentes econômicos, decorrentes de sua
atuação no mercado. Regra geral, o sistema jurídico não pode obrigar alguém
a não ter lucro [ou prejuízo]; apenas a agir conforme os parâmetros da boa-fé
objetiva, levando em conta as regras, os princípios e as legítimas expectativas
da outra parte [agir conforme o direito]. Não fosse dessa forma e o sistema
jurídico [i] estaria cometendo equívoco metodológico bastante semelhante
ao da análise da microeconomia clássica, porque anularia ou desconsideraria
o necessário diferencial entre os agentes econômicos ou [ii] desestimularia
as contratações.
Um ordenamento que – em nome da proteção do agente econômico
mais fraco – neutralizasse demasiadamente os efeitos nefastos do erro para o
empresário poderia acabar distorcendo o mercado e enfraquecendo a tutela
do crédito. Em termos bastante coloquiais, o remédio erradicaria a doença e
mataria o doente. Seria a condenação da busca pela vantagem competitiva.156
No entanto:
[i] a mesma lógica do direito comercial não pode e não deve ser aplicada,
tal e qual, a relações jurídicas das quais participam terceiros que não empre-
sários. Por exemplo, as relações entre fabricantes e consumidores [inclusive
para fins de proteção do mercado] são regidas por cânones diversos, em que
se garante proteção para a parte tida como hipossuficiente. Ou seja, o direito
comercial não se presta a uma “consumerização”; e
[ii] ainda que considerando relações entre empresários, é preciso coibir os
abusos propiciados pela dependência econômica de um em relação ao outro,
sob pena de consagrarmos igualdade meramente formal. Note-se, entretanto,
que o empresário não é considerado pelo sistema de direito comercial como
um tolo irresponsável e o direito não pode ter a função de corrigir os “erros”
eventualmente praticados [mas isso não exclui a atuação do Estado para, im-
plementando uma política pública, propiciar condições de concorrência e de
sobrevivência para as empresas menos poderosas ou em posição de sujeição].157

156. Definida no § 1.º do art. 36 da Lei Antitruste brasileira [Lei 12.529, de 2011]: “A
conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência
de agente econômico em relação a seus competidores”.
157. A respeito da dependência econômica, v. Paula A. Forgioni, O contrato de distribuição,
277 e ss.; Francesco Macario, Equilibrio delle posizioni contrattuali ed autonomia
provata nella subfornitura, 131; Yves Guyon, Droit des affaires – Droit commercial gé-
néral et sociétés, t. 1, 971; Marc Courtès, Dependance économique et abus de dépendance
économique en droit de la concurrence et en droit des contrats, 234 e ss.; Amiel-Cosme,
Les réseaux de distribution, 216 e ss.; David Gerber, Law and competition in the twentieth
century Europe: protecting Prometheus, 324 e ss.
|
154    CONTRATOS EMPRESARIAIS

5.18 Oportunismo e vinculação


A parte gostaria de vincular o parceiro comercial e, ao mesmo tempo, permanecer
livre para abandonar aquela relação e abraçar outra que eventualmente se
apresente como mais interessante.
Mediante a celebração do contrato, a parte tende a buscar a vinculação do
parceiro; entretanto, se lhe fosse permitido, preferiria permanecer livre para
desvencilhar-se do negócio.
Essa observação é diretamente ligada ao oportunismo inerente ao agente
econômico, ao qual nos referiremos mais adiante. Compreenda-se, nesse ce-
nário, a importância da força obrigatória dos contratos [pacta sunt servanda]
para o funcionamento do sistema, por coibir o comportamento oportunista
da parte que abortaria o contrato.

5.19 Racionalidade limitada


Ao contratar, a parte não possui todas as informações existentes sobre a outra,
sobre o futuro e sobre a própria contratação; diz-se que sua racionalidade é
limitada.
No mundo real, as partes simplesmente não conseguem prever todas as
contingências futuras no momento que se vinculam ao contrato. Sempre faltarão
dados sobre a outra contratante, sobre os possíveis desdobramentos do am-
biente institucional, sobre o porvir. As empresas “não são capazes de prever
todos os eventos futuros que poderão se verificar no curso da relação, não são
capazes de adquirir e processar todas as informações relevantes para delinear
planos de ação adequados, não são capazes de descrever em um contrato todas
as possíveis eventualidades de forma clara e não ambígua”.158
Por conta disso, afirmam os economistas que os agentes econômicos
agem impelidos pela racionalidade limitada e não por uma racionalidade plena
e onisciente – que existiria se tudo fosse perfeito.
A ideia de racionalidade limitada foi proposta inicialmente por Her-
bert Simon e baseia-se na constatação de que, contrariamente ao que prega a
economia clássica, as habilidades humanas de cognição não são infinitas.159

158. Antonio Nicita e Vicenzo Scoppa, Economia dei contratti, 19.


159. A definição do “homem econômico” postula que “an ‘economic man’, who, in the
course of being ‘economic’ is also ‘rational’. This man is assumed to have knowledge
of the relevant aspects of his environment which, if not absolutely complete, is at least
impressively clear and voluminous. He is assumed also to have a well-organized and
stable system of preferences, and a skill in computation that enables him to calculate,
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 155
A racionalidade limitada “refers to behavior that is intendedly rational but only
limitedly so; it is a condition of limited cognitive competence to receive, store,
retrieve, and process information”.160-161 O comportamento humano liga-se não

for the alternative courses of action that are available to him, which of these will permit
him to reach the highest attainable point on his preference scale” [Herbert Simon,
A behavioral model of rational choice, 99]. A respeito dessa visão sobre o “homem
econômico”, esclarece Arthur Barrionuevo Filho: “Esse pressuposto é adotado por
alguns economistas, para quem o homem econômico caracteriza-se por dois aspectos
[i] racionalidade instrumental e [ii] autointeresse. No entanto, essas duas premissas
têm sido contestadas. À ideia de racionalidade instrumental plena contrapõe-se a
‘racionalidade limitada’, conceito definido por H. Simon, que assume a capacidade
analítica limitada e a incompletude das informações disponíveis para o tomador de
decisão. Supondo a racionalidade limitada, o tomador de decisão seria alguém em
busca do ‘satisfatório’ ao invés do ‘ótimo’, pois as condições para atingir este último
não estariam presentes, ou teriam um custo maior do que o benefício [esse é o con-
ceito de ‘quase-racionalidade’, desenvolvido por Akerloff]. Essa limitação própria
do agente econômico pode ser considerada aceita por boa parte dos economistas da
corrente principal [neoclássicos, novos-keynesianos etc.]. Ou seja, hoje se entende
que o agente econômico é maximizador de ganhos, mas sujeito à limitações de ca-
pacidade analítica e informação. O segundo ponto, referente ao autointeresse, foi
questionado pela economia experimental. Para essa corrente, na prática do mercado,
os indivíduos não se comportam baseados exclusivamente no autointeresse. Assim,
o altruísmo não seria uma ‘escolha moral’, mas comportamento a ser explicado. En-
tretanto, ainda não há uma explicação robusta aceita pela teoria econômica para esse
problema. A ‘reciprocidade forte’ é uma hipótese que vem ganhando peso; trata-se de
explicação de fundo sociobiológico, qual seja, a seleção natural darwinista operaria
não sobre indivíduos, mas sobre grupos. Portanto, a ‘moral altruísta’, religiosa ou
não, seria funcional à sobrevivência de grupos. Neste ponto, caberia a questão: ‘Como
ficou a situação atual na teoria econômica?’. Os modelos econômicos continuam
sendo baseados na racionalidade instrumental e no autointeresse, mesmo porque
esses pressupostos são mais fáceis de representar matematicamente. Todavia, há
a consciência dos problemas apontados acima e tentativas de solucioná-los” [em
conferência proferida na cidade de São Paulo, em fevereiro de 2008].
160. Williamson, The mechanisms of governance, 377.
161. Para a explicação em língua portuguesa da racionalidade limitada, Calixto Salomão
Filho, Condutas tendentes à dominação dos mercados – Análise jurídica, 38 e ss. Ainda
em língua portuguesa, vale transcrever a definição de Farina et alii: “pressuposto
comportamental segundo o qual os indivíduos agem racionalmente [utilizam, na
medida do possível, os meios para atingir os fins desejados], encontrando, porém,
limites em sua capacidade de resolver problemas complexos. Sua principal conse-
quência [...] é a incompletude dos contratos” [Competitividade, mercado, Estado e
organizações, 286].
|
156    CONTRATOS EMPRESARIAIS

apenas à racionalidade; tem a ver também com complicadas forças motrizes


como intuição, crenças e paixões. Não existe essa “racionalidade olímpica”
[Herbert Simon] pregada por muitos economistas.
Apesar das limitações a que estão sujeitos, os agentes econômicos buscam
agir racionalmente.162 “Elas reconhecem que não são capazes de prever todas
as coisas que podem vir a ser importantes, elas compreendem que a comuni-
cação é custosa e imperfeita e que os entendimentos são sempre deficientes,
e elas sabem que não podem encontrar matematicamente a melhor solução
para problemas difíceis. Elas podem agir de forma intencionalmente racional,
procurando fazer o melhor possível dadas as limitações sob as quais trabalham.
E elas aprendem”.163
A concepção da racionalidade limitada não nega o pressuposto de que os
agentes econômicos são racionais, porém afirma que exercem essa racionali-
dade dentro das inapeláveis fronteiras impostas pela condição humana e pelo
contexto em que se inserem.
O direito mercantil sempre reconheceu a impossibilidade de o empresário
deter todas as informações relacionadas à transação e ao futuro; a racionalidade
limitada dos economistas não nos é estranha. Ao longo dos séculos, o sistema
jurídico criou mecanismos para lidar com essa incompletude. Eloquente exem-
plo é o instituto da excessiva onerosidade, que autoriza a denúncia no caso do
advento de evento imprevisto e imprevisível, capaz de alterar profundamente
a economia contratual.164
Outra diferença entre a visão econômica e a jurídica é que, para a primeira,
“o ser humano tem limites em sua capacidade de lidar com problemas complexos,
mesmo que a informação lhe seja plena e sem custos”.165 No Direito, esse fato é
identificado com as possibilidades de ação que o mercado abre para a empresa
e não como um problema.

162. “People can respond sensibly to these failings; thus it might be said that people so-
metimes respond rationally to their own cognitive limitations, minimizing the sum
of decision costs and error costs” [Christine Jolls, Cass Sunstein e Richard Thaler,
A behavioral approach to law and economics, 1.477].
163. Milgrom e Roberts, Economics, organization and management, 129-30. No mesmo
sentido, Christine Jolls, Cass Sunstein e Richard Thaler, A behavioral approach to
law and economics.
164. Os economistas distinguem a racionalidade limitada da incerteza: a primeira é uma
característica do indivíduo, enquanto que a segunda refere-se ao ambiente, ao contexto
contratual.
165. Elizabeth Farina et al., Competitividade, mercado, Estado e organizações, 74.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 157
Por exemplo, diante da valorização do real em face do dólar norte-ame-
ricano, alguns agentes preferirão investir em maquinário pesado, enquanto
outros no incremento do estoque de matéria-prima importada. Juridicamente,
essas diversas estratégias não provêm de restrições da capacidade cognitiva do
agente, mas do leque de opções que o ambiente institucional proporciona. Ao
contrário dos economistas, nunca cogitamos que, para cada situação, haveria
apenas uma solução correta e ótima.

5.20 Incompletude contratual


Os contratos não contêm – e não podem mesmo conter – a previsão sobre todas
as vicissitudes que serão enfrentadas pelas partes.
Discutiu-se no capítulo segundo a questão dos contratos incompletos.
Viu-se que, na maioria das vezes, as partes não detêm todas as informações
relacionadas ao negócio que pretendem celebrar, sendo a lacunosidade natural,
ainda mais quando a relação é desenhada para ter longa duração.166
A doutrina especializada costuma apontar as seguintes causas dessa
incompletude:167
[i] impossibilidade de previsão do futuro;168
[ii] improbabilidade do acontecimento de certos fatos: alguns eventos,
embora possam até ser cogitados, são tão improváveis que sua disciplina no
contrato não se mostra compensadora. “[H]á limites para o tempo que nós

166. Segundo os economistas, o contrato é “completo” quando “estabelece, para cada


possível situação atual e futura, as obrigações recíprocas das partes quanto às presta-
ções e pagamentos” e “o respeito a essas obrigações [enforcement] é assegurado pela
capacidade de verificação de uma autoridade externa [um juiz ou tribunal] e pela
possibilidade de impor sanções às partes eventualmente inadimplentes” [Antonio
Nicita e Vincenzo Scoppa, Economia dei contratti, 17].
167. Cf. Milgrom e Roberts, Economics, organization and management, 130. Ainda sobre o
mesmo tema, David Campbell e Hugh Collins, Discovering the implicit dimensions
of contracts, 40 e ss. Estes autores destacam que a inserção do contrato em seu
contexto traz dimensões implícitas não decalcadas na letra fria do papel. V. sobre a
impossibilidade de o instrumento conter as “dimensões implícitas” das negociações,
Stewart Macaulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships,
complexity and the urge for transparent simple rules.
168. “Our ability to predict the future is limited, and even careful business people often
leave gaps in written contracts. The word changes and surprises us” [Stewart Ma-
caulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships, complexity
and the urge for transparent simple rules, 54].
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158    CONTRATOS EMPRESARIAIS

podemos ou devemos perder procurando prever todas as contingências em


nossos contratos”;169
[iii] imprecisão da expressão do acordo: a linguagem é naturalmente inexata
e muitas vezes falha na exata determinação do contratado.
Tome-se como exemplo um negócio de fornecimento de matéria-prima ce-
lebrado por prazo indeterminado. As partes preverão o preço inicial do produto,
que, seguramente, não poderá ser mantido ao longo dos anos. Outras fendas
contratuais virão à tona, ainda mais se considerarmos a grande probabilidade
de alteração das circunstâncias fáticas que circundam o negócio.
Que o desajuste do contrato ocorrerá ao longo de sua existência é mesmo
evidente. Visando a afastar o rompimento posterior da avença, as empresas
costumam prever, no momento inicial da contratação, mecanismos que visam
a pacificar controvérsias futuras, que nem sempre funcionam a contento.
Afirma-se que, por conta da incompletude contratual inerente à avença, o risco
do rompimento sempre ameaçará a empresa.
Para o ente que realizou investimentos em ativos específicos, aumentando
seu grau de dependência, a incompletude representa perigo mais elevado, pois
pode incitar comportamento oportunista da outra parte.
Como explica Bellantuono, “[a] celebração de um contrato incompleto
expõe as partes ao risco de serem forçadas a suportar os efeitos de uma situação
não prevista. As oscilações de mercado ou as inovações tecnológicas podem
modificar a relação entre o custo e o benefício das prestações acordadas. Ainda
que algumas situações possam ser geridas mediante a utilização de mecanismos
de adequação, a incompletude do contrato torna-se relevante quando nenhuma
cláusula contratual oferece resposta ótima aos eventos supervenientes. Nesse
caso, a única possibilidade é a renegociação dos termos do acordo”.170

5.21 Desvio de pontos controvertidos


Por vezes, para não obstar a realização do negócio, as partes deliberadamente
evitam tratar de questões que geram desconforto.
A inexistência de previsão contratual sobre determinadas questões pode
derivar do comportamento estratégico das partes que, visando à realização da
transação, evitam enfrentar pontos controvertidos que poderiam ameaçá-la.171

169. Stewart Macaulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships,
complexity and the urge for transparent simple rules, 54.
170. Giuseppe Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’eco­nomia, 75.
171. Stewart Macaulay, em conhecido estudo empírico sobre o comportamento das
partes nos contratos, indica que, durante as tratativas, os agentes econômicos po-
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 159
Deixam para a solução de alguns problemas para o futuro, até mesmo confiando
no aumento do grau de dependência econômica que poderá ocorrer durante
a relação. “Não criemos problemas” ou “quando acontecer, veremos o que e
como fazer”, costuma-se afirmar nessas ocasiões.172
Ao contratar, as empresas dirigem sua atenção para os aspectos econômicos
do negócio e não para aqueles jurídicos. Seu foco costuma recair sobre o preço,
condições de pagamento, características do bem ou do serviço adquirido etc.
Em negócios de maior complexidade, o planejamento das chamadas “con-
tingências” fica a cargo dos advogados. Com base em pesquisas empíricas,
constatou-se que, para a maioria das empresas, a utilidade do contrato escrito
é secundária quando comparada aos aspectos econômicos da transação.173
Algumas condições não serão tratadas pelos homens de negócio e sim por
seus assessores jurídicos que, desconhecendo importantes aspectos fáticos do
empreendimento, não raro deixam de lhes dispensar a devida atenção.

5.22 Ambiente institucional


O negócio jurídico somente pode ser entendido na complexidade de seu
contexto, cuja análise requer visão interdisciplinar.
Os contratos devem ser considerados no ambiente que os circunda,
condicionando-os. Não é possível desgarrar o negócio da realidade em que está

dem assumir as seguintes posturas em relação ao negócio a ser implementado: [i]


cuidadosamente planejar comportamentos, explicitando-os formalmente [explicit
and careful]; [ii] possuir entendimento comum, mas tácito, sobre certa questão [tacit
agreement]; [iii] possuir entendimentos divergentes, não manifestados expressamente
[unilateral assumptions]; [iv] sequer cogitar de determinado problema [unawareness
of the issue]. O autor esclarece que “[c]learly other intermediate points are possible”
[Non-contractual relations in business: a preliminary study, 4].
172. “If I want a clause that says if event X takes place, the consequence Y will follow,
you may demand something in exchange that I do not want to give you. When I
antecipate this, it may be better to avoid raising the issue in negotiations and hope
that the matter can be resolved if event X ever takes place” [Stewart Macaulay, The
real and the paper deal: empirical pictures of relationships, complexity and the urge
for transparent simple rules, 55].
173. No relato de Collins: “[B]usinessmen focus their attention on the economic deal,
not the contract. They are interested in the core exchange of goods and services,
and do not pay much attention to the task of planning for contingences. […] The
remaining issues that are typically included in the written contract by the lawyers
will usually, though not invariably, receive scant attention from the parties to the
transaction” [Regulating contracts, 150].
|
160    CONTRATOS EMPRESARIAIS

inserto [chamada, pelos economistas, de “ambiente institucional”], tornando-o


peça estéril de atribuições de obrigações desconexas da realidade. Frise-se bem:
a empresa é um agente que se move nesse ambiente institucional; existe somente
porque age. Essa ação é conformada pelo “conjunto de regras políticas, sociais e
jurídicas que estabelecem as bases da produção, das trocas e da distribuição”.174
Ao privilegiar a visão objetiva do negócio, o direito comercial torna-o
reflexo das circunstâncias que levaram as partes à vinculação e que o contrato
continua a embeber.
Para ilustrar a importância do contexto contratual, tomemos exemplo for-
mulado por Hugh Collins. Quando Tício, pela manhã, pede um café na sofisticada
cafeteria da esquina de sua casa, o significado de conduta derivará do contexto
negocial – ou do que Collins chama de implicit understandings. A intenção de
trocar o café por dinheiro somente pode ser reconhecida a partir do contexto em
que o negócio se aperfeiçoa que, por sua vez, é condicionado pelo padrão de
comportamento difundido entre as pessoas naquele local.175 Se Tício visita seu
amigo Caio e pede um café, a mesma solicitação não gera expectativa de paga-
mento e muito menos outras que podem relacionar-se ao atendimento na especial
cafeteria, como qualidade, sofisticação do serviço e alta qualidade dos grãos.176
Na expressão de Collins:
“Contracts certainly have the distinctive quality of constituting a discrete,
voluntary type of relationship, but like other forms of human association,
they are nevertheless embedded in conventions, norms, mutual assump-
tions and unarticulated expectations”.177
Junqueira de Azevedo, de forma mais técnica e apurada, parafraseando
Ortega y Gasset, afirma “o negócio jurídico é o negócio jurídico e todas as suas
circunstâncias”. As “circunstâncias negociais” assumem tal relevância a ponto
de integrar o negócio jurídico. Consistem no

174. No original: “Set of fundamental political, social and legal ground rules that esta-
blishes the basis for production, exchange and distribution” [Lance Davis e Douglass
North, Institutional change and American economic growth, 6].
175. “Our intention to make an exchange of a cup of coffee for money can only be un-
derstood from the context in which the conduct takes place, that is the retail shop,
and the broader conventional patterns of people exchanging goods for money in
that location” [The research agenda of implicit dimensions of contracts, 2].
176. Com o mesmo escopo, Junqueira de Azevedo utiliza os exemplos de declarações de
vontade feitas em um palco teatral ou em sala de aula, durante uma preleção [Negócio
jurídico: existência, validade e eficácia, 122].
177. The research agenda of implicit dimensions of contracts, 2.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 161
“[...] conjunto de circunstâncias que formam uma espécie de esquema, ou
padrão cultural, que entra a fazer parte do negócio e faz com que a decla-
ração seja vista socialmente como dirigida à criação de efeitos jurídicos.
[...] As ‘circunstâncias negociais’ são, pois, um modelo cultural de atitude,
o qual, em dado momento, em determinada sociedade, faz com que certos
atos sejam vistos como dirigidos à produção de efeitos jurídicos”.178

5.23 Tutela do crédito


A disciplina dos contratos empresariais prestigia a tutela do crédito.
O ordenamento jurídico ligado ao sistema de mercado há de prestar-se
à defesa do crédito; a mecânica dos contratos empresariais deve incorporar
esse pressuposto. Como assinala Pajardi, “a credibilidade dos ordenamentos
jurídicos modernos, no que diz respeito ao direito material e ainda mais à
eficiência da jurisdição, que postula um processo estritamente eficaz, por sua
vez, é ligada à capacidade concreta de tutela do crédito. De fato, é este último
que, de várias formas, representa a cidadela jurídica da pessoa humana. Esta
verte no crédito seu trabalho, o seu empenho existencial, sua própria economia
e, definitivamente, as próprias esperanças e os próprios destinos econômicos,
suporte indefectível de liberdade e de crescimento”.179-180 Por isso, Clóvis do
Couto e Silva inicia sua obra A obrigação como processo, assegurando que “a
relação obrigacional [...] se encadeia e se desdobra em direção ao adimplemento,
à satisfação dos interesses do credor”.181
Um sistema jurídico que não tutela o crédito acaba por desestimular o
fluxo de relações econômicas e comprometer o seu próprio funcionamento. O

178. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 122.


179. Piero Pajardi, Radici e ideologie del fallimento, 6 e ss. No original: “la credibilità degli
ordinamenti giuridici moderni in tema di diritto sostanziale, ed ancor più in tema di
efficienza della giurisdizione, che postula un processo stretamente efficace, a sua volta,
è proprio legata alla capacità concreta di tutela del diritto di credito. Infatti è ormai
quest’ultimo che, in maniera variegatissima, rappresenta la roccaforte giuridica, della
persona umana. Quest’ultima riversa nel credito il proprio lavoro, il proprio impegno
esistenziale, il proprio risparmio, ed in definitiva le proprie speranze ed i propri destini
sul piano economico, supporto quest’ultimo indefettibile di libertà quanto di crescita”.
180. A importância do crédito para o sistema econômico é de tal sorte que Ascarelli re-
puta sua mobilização pelo direito comercial como um dos “institutos jurídicos que
mais profundamente caracterizam o direito privado moderno” [Panorama do direito
comercial, 34].
181. A obrigação como processo, 5.
|
162    CONTRATOS EMPRESARIAIS

direito não protege o crédito por uma questão de afirmação de valores liberais,
para legitimar a supremacia do mais forte sobre o mais fraco ou algo dessa or-
dem. Esse mesmo crédito é um pilar de sustentação do mercado, indispensável
à sua preservação. Se o sistema veda o enriquecimento sem causa, aquele que
possui um crédito contra outrem ou [i] já experimentou uma diminuição em
seu patrimônio e pretende recompô-lo, às vezes obtendo lucro, ou [ii] “con-
gelou” trabalho, “gerou riqueza” e pretende ser remunerado por isso. Quem
possui “crédito” “crê” em sua satisfação.182
A título exemplificativo: quando o sistema jurídico disciplina a falência,
tem em vista a tutela do crédito, ainda que modernamente sejam igualmente
perseguidos outros valores, como a preservação das empresas e de empregos.
O sistema – ainda que em nome da proteção de outros interesses – não pode-
ria, simplesmente, “perdoar” os débitos do falido, sob pena de desestabilizar
o ordenamento, com o consequente declínio do investimento.183
Por mais que outros valores sejam considerados dignos de tutela jurídi-
ca, a proteção do crédito continuará desempenhando função primordial na
organização do sistema de direito mercantil e, especialmente, na disciplina e
na execução dos contratos empresariais.

5.24 Forma nos contratos empresariais


No direito comercial, a forma assumida pelos negócios é instrumental ao bom
fluxo de relações econômicas.
A doutrina comercialista sempre apontou a informalidade como uma das
principais diferenças entre os negócios civis e mercantis.184 O tráfico não pode

182. “Appunto perchè in tanto una persona dà ad un’altra temporaneamente una cosa in
quanto crede alla [conta sulla] restituzione, lo scambio temporaneo prende il nome
di credito [...]” [Carnelutti, Teoria giuridica della circolazione, 5].
183. Vivante faz referência aos problemas enfrentados pelos comerciantes na Roma Impe-
rial em virtude de normas que prejudicaram grandemente os interesses do crédito:
“Solo negli ultimi secoli dell’impero, sotto l’influenza di tristi condizioni economiche,
si cercò di venire in aiuto ai debitori con numerosi provvedimenti legislativi che
pregiudicarono grandemente gli interessi del credito. Questa fu una delle ragioni
per cui più tardi, quando il commercio risorse e fiorì, si sentì la necessità di leggi e di
usi speciali che sciogliessero la rinnovata attività commerciale dalle regole fiacche
e pietose che, per una malintesa clemenza pei debitori, erano invalse nel diritto di
Roma imperiale” [Istituzioni di diritto commerciale, 4].
184. Na dicção de Vivante: “[I]l commerciante come uomo d’affari, la cui professione sta
nel contrattare, ha tale energia di pronte ed accorte deliberazioni che è superflua per
lui la cautela delle forme solenni” [Trattato di diritto commerciale, v. IV, 67].
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 163
ser obstado por formalismos inúteis; a esse propósito, lembre-se de que o direito
comercial surge também para liberar os mercadores das amarras romanísticas,
que embaraçavam seus negócios.
Na área empresarial, as formalidades prestam-se a lubrificar o fluxo de
relações econômicas, aumentando a segurança e a previsibilidade dos agentes e
não a fins insensatos, desconectados do mercado.185 Na linguagem própria aos
economistas, as formalidades diminuem os custos de transação, seja por acoplar
determinadas garantias ao negócio, seja por espraiar informações relevantes
para o tráfico.
Os livros dos comerciantes são interessante exemplo. As formalidades
que os cercam prestam-se a incrementar sua força probante, facilitando a pres-
tação de informações ou a comprovação de fatos. A transferência do controle
de sociedade anônima com vultoso patrimônio é realizada sem a participação
de qualquer agente público, mediante os adequados lançamentos no livro de
registro de ações nominativas e no livro de transferência de ações, em manobra
que não costuma tomar mais de alguns minutos. Se as ações da companhia
forem escriturais, essa transferência dar-se-á em segundos pelos lançamentos
nas contas de depósito mantidas junto à instituição financeira competente.
Nos termos do art. 100, § 1.º, da Lei 6.404, de 1976, qualquer interessado pode
solicitar certidões sobre as informações constantes naqueles livros. Seguindo
os exemplos da Lei Societária, todas as publicações ali ordenadas informam o
mercado dos andamentos dos negócios sociais, diminuindo assimetrias infor-
macionais que seriam prejudiciais ao público investidor e à economia em geral.
As formalidades, no direito comercial, somente se justificam porquanto
úteis ao fluxo de relações econômicas.

5.25 Contrato e informações


A imposição de padrão jurídico quanto às informações que devem ser prestadas
quando da celebração dos negócios permite o incremento do fluxo de relações
econômicas.
O agente econômico está legitimamente autorizado a presumir que seus
parceiros comerciais são aptos a realizar negócios. Um dos desdobramentos

185. A liberdade de forma justificava-se porque a prova na seara comercial não poderia
ficar adstrita à escritura pública. Comentando o art. 122 do Código Comercial,
afirma Waldemar Ferreira: “Basta para comprovar o contrato mercantil o simples
documento assinado pelas duas partes, ou a correspondência epistolar, telegráfica,
radiográfica ou telefônica, com a proposta de aceite do negócio, para sua validade”
[Tratado de direito mercantil brasileiro, v. I, 125].
|
164    CONTRATOS EMPRESARIAIS

dessa assunção é que eles detêm – ou deveriam ter diligenciado para deter – as in-
formações relevantes à contratação, passíveis de serem obtidas a custo razoável.
Não se espera que, no momento da vinculação, as empresas efetivamente
disponham de todas as informações sobre o negócio ou sobre o contexto fático
que o circunda [mesmo porque isso seria impossível]. Ao contrário, o tráfico
exige apenas que:
[a] a empresa tenha se esforçado razoavelmente para obter as informações
sobre o negócio; se não o fez, presume-se que essa foi sua opção consciente [a
busca de informações é processo custoso e a empresa pode deliberadamente
não o levar adiante, assumindo o risco da informação defeituosa]; e
[b] as empresas não omitam informações relevantes à contraparte.
O ordenamento exige que o empresário empregue a diligência normal
dos homens sensatos e prudentes para granjear as informações referentes à
contratação. Não lhe é reclamado mais, pois isso aumentaria sobremaneira os
custos de transação.
Por outro lado, a empresa que detiver grau de informação inferior àquele
que dela seria esperado deverá suportar os eventuais prejuízos decorrentes
dessa falta. Muitas vezes, o agente econômico tem consciência de que possui
quantidade de informações aquém do ideal. Se segue com negócio, deverá arcar
com os riscos correspondentes a essa sua estratégia.
Mediante a presunção objetiva do nível ideal de informação do agente
em cada contratação, o sistema de direito comercial busca disciplinar questão
complexa. “[I]t is difficult to conceive of a choice as autonomous without basic
information on its implications, but because information is often costly it may
be rational to choose to forgo the acquisition of further information where its
expected benefits are less than its expected costs”.186
Como exemplo, retomemos o exemplo da empresa A, que pretende ter-
ceirizar as atividades de limpeza de suas instalações. Seu presidente entende
tratar-se de questão menor, que desaconselha gastos para resolução; ordena
que seja contratada “qualquer limpadora”, desde que prontamente. Dessa
forma, A não despenderá recursos para a seleção da parceira B. No entanto,
esse comportamento eleva os riscos de insucesso da estratégia. Note-se bem:
não é dito que a contratação de B não será uma boa opção; apenas que A, com
sua atitude, assumiu o risco de que não o fosse.
A prestação de informações à outra parte segue a mesma lógica: dentro
dos padrões da boa-fé objetiva [i.e., considerando a legítima expectativa criada

186. Michael Trebilcock, The limits of freedom of contract, 103.


VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 165
pela prática de mercado] deve-se tomar a quantidade e a qualidade de dados
normalmente oferecidos em negociações semelhantes.
Espera-se que sejam reveladas as informações importantes para a contra-
tação, i.e., que podem influenciar a decisão de contratar ou de não contratar
e impactar sua formatação básica, desde que a prestação dessas informações
não implique custos irrazoáveis para a parte. A omissão, por uma empresa,
de dado relevante para o negócio do qual tem ciência costuma ser entendida
como contrária ao padrão de comportamento esperado do agente econômico.
Eis outra diferença entre o sistema consumerista e o comercialista. O padrão
imposto aos homens de negócio supõe que buscarão diligentemente as informa-
ções necessárias à tomada da sua decisão; ao revés, não se espera do consumidor
grande empenho na coleta de dados a partir do momento em que o fornecedor
está vinculado à “transparência obrigatória nas relações de consumo”.187

187. O fenômeno é destacado por Claudia Lima Marques: “É a nova transparência obriga-
tória nas relações de consumo, em que vige um novo dever de informar, imputado
ao fornecedor de serviços e produtos, e uma nova relevância jurídica da publicidade,
instituída pelo CDC como forma de proteger a confiança despertada por este método
de marketing nos consumidores brasileiros” [Contratos no Código de Defesa do Con-
sumidor, 191. Itálicos nossos]. Com efeito, embora se tenha notícia da existência,
há séculos, de regras impondo a obrigatoriedade da prestação de informação aos
consumidores, até há pouco não se esperava [= não se exigia] que o comerciante
prestasse essas informações sponte propria, senão, simplesmente, que seguisse as
prescrições específicas das leis e dos regulamentos incidentes sobre sua atividade e/
ou os produtos ou serviços que comercializasse. Tome-se, à guisa de exemplo, a Lei
1.521, de 26.12.1951, que considerava crime contra a economia popular “expor à
venda ou vender mercadoria ou produto alimentício, cujo fabrico haja desatendi-
do a determinações oficiais, quanto ao peso e composição” [art. 2.º, inciso III]. A
preocupação com a informação aos consumidores restringia-se à obrigatoriedade
de “anter afixadas, em lugar visível e de fácil leitura, as tabelas de preços aprovadas
pelos órgãos competentes” [art. 2.º, inciso VI, in fine]; a coibição de “dar indicações
ou fazer afirmações falsas em prospectos ou anúncios” referia-se somente a “títulos,
ações ou quotas” [art. 3.º, inciso VII]. A Lei Delegada 4, de 26.09.1962, considerava
ilícita somente a atividade de “produzir, expor ou vender mercadorias cuja embala-
gem, tipo especificação, pêso ou composição, transgrida determinações legais, ou
não corresponda à respectiva classificação oficial ou real” [art. 11, alínea f], nada
dispondo sobre a prestação adicional de informações. As palavras de Paolo Gallo,
referindo-se ao direito italiano, são plenamente aplicáveis à realidade brasileira
anterior a 1990: “In base all’opinione tradizione occorreva escludere l’esistenza di
un dovere generale d’informazione. Le esigenze dei traffici e della competizione
economica era infatti considerate preminenti rispetto a quelle di correttezza e di
solidarietà. In applicazione dei principi di autoresponsabilità, tipici specie del
diciannovesimo secolo, si pensava che ciascuna parte dovesse bastare a se stessa e
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166    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Por exemplo, em processo de compra e venda de controle de sociedade,


não se confia que o vendedor entregará relatório detalhado sobre o andamento
de cada uma das ações judiciais da qual a empresa participa, a menos que isso
seja expressamente contratado. Conta-se, apenas, que eventuais contingências
sejam devidamente registradas e que as notas explicativas às demonstrações
financeiras correspondam à realidade. Em relação ao consumidor, por conta da
presunção de sua hipossuficiência, entende-se que o fornecedor deva prestar
as informações necessárias sobre o bem – e não que o consumidor busque-as
sponte propria.188-189

5.26 Informação e oportunismo [relação “principal/agente”]


A empresa tende a utilizar a informação que detém em proveito próprio, e
não naquele da contraparte.
Em determinados contratos mercantis, o interesse das partes não é coin-
cidente porque uma delas necessita da colaboração da outra para desenvolver
suas atividades de forma mais adequada e lucrativa. A empresa cuja colaboração
se requer tende a situar seus escopos em primeiro lugar, o que pode prejudicar
sua parceira comercial.

non fosse soggetta ad alcun obbligo di correttezza e di informazione nei confronti


della controparte; chiunque era in linea di principio libero di approfittare a proprio
vantaggio degli errori e delle mancanze di conoscenza altrui. In queste condizioni
l’esistenza di doveri di informazione poteva operare solo in presenza di specifiche
disposizioni legislative in questo senso [...]” [Buona fede oggettiva e trasformazioni
del contratto, 162].
188. Não tratamos, aqui, da disciplina do fluxo de informações no mercado de valores
mobiliários, que segue escopos mais amplos, visando a diminuir as assimetrias in-
formacionais existentes entre as empresas e os investidores.
189. Nessa linha, a disciplina jurídica dos vícios redibitórios trata de questões derivadas
da ausência de informações sobre o bem adquirido e dos procedimentos a serem
adotados nessas situações.
Nosso Código Comercial determinava, em seu art. 210, que o vendedor, mesmo
depois da entrega, ficaria responsável pelos vícios e defeitos ocultos da coisa vendida
“que o comprador não podia descobrir antes de a receber, sendo tais que a tornem
imprópria ao uso a que era destinada, ou que de tal sorte diminuam o seu valor, que
o comprador, se os conhecera, ou a não comprara, ou teria dado por ela muito menor
preço”. Ou seja, disciplina-se a informação relevante sobre a coisa, que influencia a
decisão de contratar e o preço a ser pago. Quanto à diligência das partes, estabelece
que somente terá lugar a indenização caso se trate de informação que “o comprador
não podia descobrir”. O Código Civil de 1916 [art. 1.101 a 1.106] e o novo Código
Civil [art. 441 a 446] tratam a questão de forma ligeiramente diversa, sem destacar
expressamente o conhecimento que se espera seja detido pelo comprador.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 167
Essa situação, identificada no direito como um tipo de conflito de in-
teresses, é bastante estudada pelos economistas, que a denominam “relação
principal/agente”, em literal tradução da expressão em língua inglesa prin-
cipal/agent.190-191
Tenha-se como exemplo dessa espécie de situação aquelas relativas aos con-
tratos de distribuição ou de representação comercial. Embora haja escopo comum
entre fabricante e distribuidor, cada empresa buscará a satisfação prioritária de
seu interesse, em detrimento daqueles de sua parceira – o “agente” [distribuidor]
tomará decisões capazes de prejudicar os negócios do “principal” [fabricante].192
Sempre a título de ilustração, cogite-se que a empresa A decide organizar
sua biblioteca e contrata B para auxiliá-la nessa empreitada. B dirige-se a um
conhecido sebo e, deparando-se com obra rara oferecida a excelente preço,
inclina-se a adquiri-la para si e não para o acervo de A. A tendência de A é
contentar seu interesse, antes daquele de B.
Geralmente, apontam-se duas alternativas para a solução desse problema:
[i] concessão de incentivos para que o agente comporte-se de acordo com os
fins do principal;193 e [ii] obrigatoriedade de prestação, pelo agente, de infor-
mações sobre sua atividade e/ou sobre o mercado.
A Lei de Sociedades por Ações, ao dispor sobre a atividade do administra-
dor, disciplina situação típica de agente/principal. Nessa linha, a imposição do
dever de perseguir o bem da sociedade, independentemente dos seus interesses
ou daqueles de quem o elegeu,194 sendo-lhe vedado aproveitar oportunidades

190. A tradução do termo “principal” seria “ordenante”, “concedente em geral”. Entre-


tanto, como esclarece o Dizionario Giuridico de Francesco de Franchis, trata-se de
“termo cujo preciso significado é acertado caso a caso nos diversos contextos em
que é empregado” [v. I, 11.85-6]. Principal and agent significariam “representante e
representado” em sentido muito amplo; são termos que podem ser subsumidos ao
instituto da agency, típico da common law, que vai além da mera relação de repre-
sentação.
191. Do ponto de vista jurídico, a questão foi explicada entre nós por Erasmo Valladão
Azevedo e Novaes França, ao referir as “relações entre os interesses”: “Quando [...]
a satisfação de uma necessidade exclui a de outras, dá-se, então, o conflito, que é a
consequência da limitação dos bens, em confronto com as necessidades do homem”
[Conflito de interesses nas assembleias de S.A., 16 e ss.].
192. Thráinn Eggertsson, Economic behaviour and institutions, 41.
193. A questão do monitoramento dos agentes e dos incentivos é discutida por Eugene F.
Fama no clássico texto Agency problems and the theory of the firm, em que aborda
problemas referentes à administração das grandes corporações.
194. Cf. art. 153 e ss. da Lei 6.404, de 1976.
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168    CONTRATOS EMPRESARIAIS

de negócio em detrimento da companhia. Igualmente, os arts. 667 e seguin-


tes do Código Civil impõem deveres ao mandatário, visando precipuamente
à proteção do mandante. Ainda, o representante comercial deve fornecer ao
representado “informações detalhadas sôbre o andamento dos negócios a seu
cargo, devendo dedicar-se à representação, de modo a expandir os negócios
do representado e promover os seus produtos”.195
Para o jurista, a compreensão da situação agente/principal é importante
para desvelar a função econômica de várias cláusulas contratuais normalmente
utilizadas pelos agentes para atribuir incentivos ou controlar o desempenho
da contraparte.

5.27 Modificação do comportamento pós-contratual [moral hazard]


A celebração do contrato pode levar à alteração do comportamento de uma
parte, em detrimento da outra.
Por vezes, o estabelecimento do vínculo contratual instiga uma parte a modi-
ficar seu comportamento, prejudicando sua parceira comercial. Trata-se de espécie
de “oportunismo pós-contratual”, denominado “risco moral” ou moral hazard.
O mais comezinho exemplo de moral hazard refere-se ao seguro. A empresa
segurada, depois da contratação, tende a não agir com a diligência de antes,
pois tem ciência de que será indenizada na eventualidade de sofrer prejuízos.
O motorista que segura seu veículo não mantém o mesmo incentivo para
guardá-lo em estacionamento, aumentando as probabilidades de deixá-lo pela
rua, à mercê dos bandidos.
O moral hazard demanda disciplina para que as consequências prejudiciais
ao tráfico mercantil sejam mitigados. Para facilitar a compreensão, considere-
-se situação em que as empresas A e B celebram contrato, mediante o qual B
fornecerá a A determinado bem, pelo prazo de dez anos. É possível que, após a
contratação, B diminua a qualidade dos produtos fornecidos a A sem, contudo,
resvalar no inadimplemento. Por essa razão, não são incomuns cláusulas que
visam ao monitoramento da qualidade da prestação. Visando a atenuar o moral
hazard, no campo dos seguros, a indenização do agente econômico por vezes
é estabelecida em patamar inferior ao valor real do dano sofrido.
No mesmo diapasão, a corrente jurisprudencial que, interpretando o
art. 214 do Código Comercial, sempre obrigou o vendedor a fazer a coisa alie-
nada “boa, firme e valiosa” para o comprador, mesmo após a transferência da
propriedade, visa a coibir o risco moral. Os Tribunais Nacionais, decidindo

195. Cf. art. 28 da Lei 4.886, de 09.12.1965.


VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 169
sobre o dever de não concorrência na alienação de estabelecimentos comer-
ciais, construíram um dos mais belos capítulos da jurisprudência comercial,
obrigando o alienante a proteger os interesses do comprador, abstendo-se de
disturbar o gozo da coisa adquirida.196
Em síntese, a imposição legal do dever de colaboração visa à coibição do
moral hazard.

5.28 Aumento da dependência econômica pelo contrato


O contrato pode levar ao aumento do grau de dependência econômica das
partes.
No capítulo segundo, destacamos que a maioria dos contratos encerra
situações de dependência econômica. Vale aprofundar o tema.
Não é incomum que a conclusão do negócio demande investimentos espe-
cíficos – denominados, pelos economistas, “investimentos idiossincráticos”.197
Por exemplo, a adaptação da linha de produção do fornecedor para satisfazer
a necessidade específica de seu [futuro] parceiro comercial.
Nessas situações, a parte que realiza a inversão vê aumentar sua depen-
dência em relação à outra, pois o desfazimento do negócio, com muita proba-
bilidade, causar-lhe-á perdas. A sujeição será ainda maior se, após o término
da relação, esses gastos não puderem ser recuperados [“custos irrecuperáveis”
ou sunk costs]. Imagine-se a empresa B que, para distribuir os produtos de A,
investe pesadamente em publicidade. Findo o contrato que mantém com A, B
não conseguirá recuperar o quanto despendido na promoção.198

196. Sobre essa construção jurisprudencial, cf. Eros Roberto Grau e Paula A. Forgioni,
Cláusula de não concorrência ou de não restabelecimento. Evolução histórica, função
econômica e análise jurídica, 273 e ss.
197. Em vários textos, Williamson destaca que um dos elementos mais relevantes da relação
contratual é a especificidade de ativos. “The crucial investment distinction is this: to
what degree are transaction-specific [nonmarketable] expenses incurred. Items that
are unspecialized among users pose few hazards, since buyers in these circumstances
can easily tur to alternative sources, and suppliers can sell output intended for one
order to other buyers without difficulty. Nonmarketability problems arise when the
specific identity of the parties has important cost-bearing consequences. Transaction
of this kind will be referred to as idiosyncratic” [Transaction-cost economics: the
governance of contractual relations, 239].
198. Em determinados casos, os investimentos específicos e irrecuperáveis feitos por uma
das partes podem significar comprometimento [commitment] que atesta a seriedade
de intenções, i.e., a pouca disposição de se abandonar o negócio. Nestas hipóteses, o
“comprometimento mútuo de ativos específicos” poderia incentivar o aumento do
|
170    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Porque os investimentos idiossincráticos e irrecuperáveis aumentam o


grau de dependência de uma parte em relação à outra, impactam a dinâmica
das relações contratuais e não podem ser desprezados pelos juristas. Maiores
os investimentos e menores as possibilidades de posterior recuperação, mais ame-
açador o término contratual para a parte que os realizou.199
Alguns contratos têm a situação de dependência econômica como apa-
nágio típico, sendo impossível à parte ignorá-la no momento da vinculação.
Supõe-se que as empresas aderem voluntariamente a esses esquemas contratuais,
ponderando previamente as consequências da diminuição de sua liberdade.
No contrato de franquia, o franqueado sabe que deverá desenvolver ati-
vidades ao abrigo de marca que não é sua – i.e., que, de certa forma, passará a
depender do fornecedor. Se abraça o negócio, presume-se ter ponderado que
os lucros vindouros compensariam as adversidades. “Cômodo quem o tem,
deve suportar o incômodo”, na máxima divulgada por Teixeira de Freitas.200
Disciplinando situações análogas àquela que ora expomos, o novo Código
Civil determinou que a denúncia dos contratos de longa duração não produzirá
efeitos antes de recuperados os investimentos realizados.201 Com isso, evita que
o término abrupto do negócio traga prejuízos indevidos à parte que investiu
no empreendimento.
Ao contrário do que pretendem muitos, esse dispositivo não atua contra
a lógica de mercado. Incentiva o tráfico ao coibir a exploração oportunista da
dependência gerada pelo negócio, reduzindo o risco moral [moral hazard].

grau de colaboração entre as partes [Robson Antonio Grassi, Williamson e “formas


híbridas”: uma proposta de redefinição do debate, 55 e ss.].
199. A existência de investimentos idiossincráticos normalmente gera o fenômeno do hold
up, que se verifica na presença dos seguintes pressupostos: [i] existência de investi-
mentos idiossincráticos que, enventualmente, significarão sunk costs; [ii] viabilidade
de amortização desses investimentos apenas a longo prazo e [iii] investimentos
“assimétricos”, ou seja, realização de investimentos significativamente maiores por
uma das partes do que pela outra. Cf. Doris Hildebrand, Economic analysis of vertical
agreements – A self-assesment, 18. Para um resumo da teoria do hold up, cf. Robert
Freeland, Creating holdup through vertical integration: Fisher body revisited, em
que são analisados os trabalhos pioneiros de Klein, Crawford e Alchian.
200. Regras de direito, 246.
201. “Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente
o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se,
porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos
consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois
de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 171
5.29 “Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”
Por força do princípio do pacta sunt servanda, diante do descumprimento
contratual, a ordem jurídica obriga a parte faltosa ao adimplemento da obri-
gação ou ao pagamento da indenização correspondente. Os contratos são, por
definição, executáveis ou, como preferem os economistas, enforceable.
Entretanto, na realidade dos fatos, mostra-se mais importante a possibi-
lidade de execução do pacto do que propriamente sua execução; é a eventual
execução [e não a execução em si] que influencia a dinâmica da relação entre
as partes. O temor dos prejuízos de demanda judicial futura influencia mar-
cadamente o comportamento presente das partes, projetando uma “sombra
para o futuro”.
Poucas vezes as disputas que emergem durante a vida contratual são
levadas ao Judiciário ou à arbitragem; sua grande maioria é resolvida pelos
próprios agentes econômicos. “Compromissos são assumidos na pressuposição
de que as partes manterão a relação e não estão limitadas pelos aspectos legais
considerados pelo juiz na apreciação do problema”,202 o que facilita o acordo.
Os agentes econômicos têm ciência de que o caminho até a obtenção da
decisão judicial ou arbitral costuma ser longo e custoso. Acabam preferindo
meios “extralegais” para a solução do impasse. Essa situação pode até mesmo
fomentar o comportamento oportunista do inadimplente, que usa em seu
benefício os percalços típicos dos procedimentos exógenos de pacificação de
controvérsias. Aquele que descumpriu o acordo tem ciência de que, diante dos
custos da solução judicial ou arbitral, a parte inocente tende a adotar posição
mais complacente durante as negociações.

5.30 Contraponto: institutos tradicionais do direito mercantil e criação


de obrigações não expressamente desejadas pelas partes. Avilta-
mento da segurança jurídica?
O novo impulso dado à utilização de institutos tradicionais do direito
comercial reacende a discussão sobre a insegurança jurídica, na medida em
que podem dar origem a deveres não expressamente contratados pelas partes.
É preciso reconhecer que, por força de institutos como a boa-fé, o padrão do
homem ativo e probo, a proteção da legítima expectativa etc., o agente econô-

202. No original: “compromises are reached in the light of their part to maintain an existing
relationship between them; they are not limited to the ‘legal’ considerations which
the judge may properly take into account when reaching a judgment” [Harris e Vel-
janovski, The use of economics to elucidate legal concepts: the law of contract, 116].
|
172    CONTRATOS EMPRESARIAIS

mico resta vinculado a comportamentos que não foram por ele explicitamente
negociados.
No passado, embora nunca tenha sido negada a importância desses ins-
titutos para a disciplina do tráfico, sua discussão explícita foi arrefecida.203 Os
tribunais aplicavam a lógica a eles inerente, ao mesmo tempo em que evitavam
embasar as decisões declaradamente em conceitos fluidos como a boa-fé. Por
exemplo, são raros acórdãos impondo expressos deveres às partes por força
dos usos e costumes comerciais.
No campo da teoria geral do direito civil, para muitos autores, a inserção
no negócio de cláusulas não expressamente desejadas e negociadas pode levar
ao sacrifício da autonomia da vontade e à submissão das partes ao arbítrio do
legislador, do jurista ou do intérprete.204
Ilustrativa a esse respeito é a contenda mantida entre Betti e Stolfi no final
dos anos 40.205 Vimos acima a linha bettiana, destacando a função econômica
dos negócios e sua objetivação com base nas práticas de mercado. Tenha-se em
mente, mais uma vez, que Betti lutava contra o subjetivismo e o voluntarismo

203. As razões dessa subestimação são explicadas por Guido Alpa: [i] pouca familiaridade
dos juizes da época com a aplicação de disposições de conteúdo indeterminado diante
da interpretação formalística que imperava, privilegiando a aplicação literal do texto
do Código; [ii] desconfiança em relação à doutrina que tendia a considerar os juízes
como representantes do Estado e via a aplicação de cláusulas gerais aos negócios
privados uma forma de intervencionismo estatal; [iii] temor de atribuir-se aos juízes
excessivo poder discricionário [Trattato di diritto civile. Storia, fonti, interpretazione,
954]. No mesmo sentido, Alpa, Corso di sistemi giuridici comparati, 272. Ainda sobre
esse ostracismo, cf. Stefano Rodotà, Le fonti di integrazione del contratto, 184 e ss. Em
suma: “Il concettualismo ed il positivismo, tra loro strattamente alleati, spiegavano
tutta la loro influenza, com effetti che arrivavano fino ad espungere dall’ordinamento
alcune norme: ma anche questa è una conseguenza quase inevitabile, che ciascuna
cultura non è disposta a riconoscere altri strumenti tecnici che non siano quelli ad
essa omogenei, negando agli altri il carattere della giuridicità” [188]. Carlos Ferreira
de Almeida dá notícia da relutância do reconhecimento do costume como fonte de
direito [Contratos I. Conceito, fontes, formação, 63].
204. A questão discutida é sempre a mesma: “in ciascun ordinamento si esprimono le me-
desime preoccupazioni, relative alla discrezionalità dell’interprete nella applicazione
della clausola attesa la sua genericità e indeterminatezza; al contempo, questa clausola
ha finito per assolvere un ruolo tanto importante da considerarsi essenziale, sia per
adattare l’intero ordinamento alle nuove esigenze economico-sociali, di cui il legislatore
non può tempestivamente tener conto, sia per adattare la regola del caso alla fattispecie
concreta” [Alpa, Trattato di diritto civile. Storia, fonti, interpretazione, 951].
205. V. discurso de Natalino Irti desenvolvido no primeiro capítulo de seu livro Letture
Bettiane sul negozio giuridico, de 1991.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 173
de sua época, que via como desdobramentos de inaceitável liberalismo. De
qualquer forma, um dos resultados práticos de sua teoria é o reconhecimento
de que a prática social gera deveres de conduta. Note-se bem: a prática social
e não exclusivamente a vontade individual é fonte de obrigação.
Stolfi, refutando duramente as críticas que lhe são formuladas, defende
ser sempre necessário o consenso do homem para sua vinculação, ou seja,
exige-se “efetiva intenção de dar origem à relação concreta”.206 A submissão a
deveres não expressamente contratados [i.e., não derivados de sua vontade]
significaria sujeição do ser humano ao arbítrio.207
O debate, que pareceria “técnico” aos mais afoitos, não pode sombrear a
questão política nele envolvida. Por um lado, a supremacia do individualismo
e da vontade do sujeito como motores absolutos de sua vinculação. Por outro,
a objetivação dessa vontade, levando-se em conta o fator social. A questão é
explicada por Orlando Gomes, com a habitual clareza:
“A adoção do negócio jurídico como instrumento da autonomia privada,
fá-la, na realidade, impregnar-se de sentido social, ao abandonar o dogma
da vontade. A característica no negócio passa a ser [...] o fato de se vin-
cular o sujeito por seu comportamento, no sentido de que a sua conduta
sucessiva não pode se desenvolver senão na conformidade do ‘empenho’
que assumiu, segundo o ordenamento positivo, com seu comportamento.
Obviamente, é a lei que vincula o sujeito, ou as partes, a observar esse com-
portamento. Vincula-se por seu comportamento, não se lhe permitindo
invocar deficiências do processo volitivo que não puderam ser descober-
tas pelos outros e, além disso, prescinde da investigação do intento do
agente. Sobem ao primeiro plano os princípios da autorresponsabilidade
do sujeito e da confiança dos outros sujeitos”.208

206. No original: “[a] ragione si esige sempre il suo [do homem] consenso [...] e cioè la
sua effettiva intenzione di dare origine al rapporto concreto, e non si è scritto un
solo articolo da cui si possa argomentare il contrario [...]” [Il negozio giuridico è un
atto di volontà, 248].
207. Em suma: “Si può invero discutere fino alla noia se la buona fede della controparte
o le necesità del commercio o un’altra bizzaria del genere impongano o consiglino
di ritenere vincolanti anche le dichiarazioni contrattuali non volute, perchè la loro
efficacia è solo patrimoniale: siamo ormai tanto abituati alla disinvoltura con cui
il legislatore dispone dei beni del prossimo, che non ci scandalizziamo troppo nel
constatare come nemmeno il giurista sia alieno dal sacrificare il danaro degli altri
pur di dare corpo ai suoi preconcetti” [Giuseppe Stolfi, Il negozio giuridico è un atto
di volontà, 248].
208. Transformações gerais do direito das obrigações, 48.
|
174    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Não vem a talho determo-nos nas discussões travadas entre objetivistas


e voluntaristas sobre o negócio jurídico.209 Ao comercialista interessa mais de
perto o viés dessa contenda ligado à objetivação do comportamento pelo padrão
de mercado [que – destaque-se mais uma vez – sempre foi a regra do direito
mercantil] e ao eventual aviltamento da segurança jurídica derivada de estipu-
lações insertas no acordo independentemente do processo de barganha típico
de certos negócios interempresariais.210
Tudo está na questão da eventual compatibilidade entre a assunção
de condições não formalmente expressas e a segurança exigida pelo tráfico
mercantil. A atribuição de força normativa às “dimensões implícitas”211 das
negociações corrompe o bom fluxo de relações econômicas, aumentando os
custos de transação? Eis a preocupação do direito comercial.

209. Para análise das doutrinas voluntarista e objetivista do negócio jurídico, cf. Junqueira
de Azevedo, Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 4 e ss.
210. Mais recentemente, Lisa Bernstein chega a duvidar até mesmo da existência dos usos
e costumes da forma como tradicionalmente considerados e incorporados no Uni-
form Commercial Code norte-americano. No entendimento da autora, vários fatores
sugeririam que “‘usages of trade’ and ‘commercial standards’, as those terms are
used by the Code, may not consistently exist, even in relatively close-knit merchant
communities. While merchants in the industries examined here sometimes do and
did act in ways amounting to loose behavioral regularities, most such regularities
are either much more geographically local in nature or far more general in scope
and conditional in form than in commonly assumed” [The questionable empirical
basis of article 2’s incorporation strategy: a preliminary study, 715].
211. Sobre as “dimensões implícitas” dos contratos, cf. Milgrom & Roberts, Economics,
organization and management, 132-3, e Hugh Collins, The research agenda of implicit
dimensions of contracts, 2-13. A respeito da diminuição do grau de segurança jurídica
em virtude da consideração de elementos não expressamente mencionados pelas
partes na letra do instrumento, afirma o autor: “It is not disputed that predictability
of legal outcomes is an important goal for the regulation of contracts, though not of
course the only goal. The important question is rather whose predictions matter?”
[9]. A conclusão é que a opção pela abordagem formal, que exclui as dimensões
implícitas das contratações, agrada mais aos advogados do que a seus clientes, na
medida em que estes realmente as consideram em suas expectativas. “There is much
evidence of a gap between the lawyer’s prediction based upon the express terms of
the contract and their clients’ prediction based upon implicit understandings and
expectations […] Their intentions were not completely expressed in the contract,
and so to enforce the terms without modification may make the law produce unpre-
dicted outcomes. So the question becomes whose calculability really matters: the
lawyers or the businessmen?” Enfim, a consideração das dimensões implícitas pode
ter como resultado a maior garantia de concreção de um dos principais escopos da
lei: “support for trust and confidence in markets” [10].
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 175
As partes, ao contratar, trazem para seu negócio todas as regras cogen-
tes existentes na legislação incidente sobre o contrato. O art. 133 do Código
Comercial sempre determinou que “[o]mitindo-se na redação do contrato
cláusulas necessárias à sua execução, deverá presumir-se que as partes se su-
jeitaram ao que é de uso e prática em tais casos entre os comerciantes, no lugar
da execução do contrato”.
A incorporação de “dimensões” além do que foi expressamente deliberado
não é mecanismo estranho aos negócios; fontes externas à vontade das partes
são reconhecidas pelo ordenamento.212
Quanto aos usos e costumes, a pedra de toque não repousa na vontade
das partes, mas na incorporação ao negócio de regras cujo grau de institucio-
nalização não é tão elevado como aquele que caracteriza o direito positivo
codificado.213
O mesmo raciocínio pode ser aplicado às chamadas “cláusulas gerais”
como a boa-fé e o padrão do homem ativo e probo: embora sua compreensão
seja fácil na teoria, é no momento de sua aplicação ao caso concreto que a in-
segurança faz-se sentir. Na hipótese específica, qual seria a conduta esperada
do agente econômico perante a situação que diante dele se apresenta?
Nem todos os mercados são como aqueles da praça de Santos no início
do século XX, fonte de inspiração de Carvalho de Mendonça, ou do comér-
cio de diamantes de Nova Iorque, estudado por Lisa Bernstein.214 Os agentes
econômicos que neles interagem têm certa ciência das regras costumeiras que
devem ser respeitadas.215 No mundo contemporâneo, as coisas não se colocam

212. Como esclarecia Rodotà, a pretexto de comentar o art. 1.374 do Codice Civile: “1.374.
Integrazione del contratto. Il contratto obbliga le parti non solo a quanto è nel mede-
simo espresso, ma anche a tutte le conseguenze che ne derivano secondo la legge, o,
in mancanza, secondo gli usi e l’equità” [Le fonti di integrazione del contratto, 93 e ss.].
213. Por mais que, como adverte Antoine Kassis, “[a]u total, la certitude absolue du droit
écrit, législatif ou jurisprudentiel, est une velleité” [Théorie générale des usages du
commerce, 47].
214. Opting out of the legal system: extralegal contractual relations in the diamond
­industry.
215. O assentamento dos costumes visa a dar-lhes publicidade entre os mercadores. Nesse
sentido, a Lei da Boa Razão determinava que “os Estylos da Côrte devem ser sómente
os que se acharem estabelecidos, e approvados pelos sobredictos Assentos da Casa da
Supplicação”. Como não havia disposição semelhante para os costumes, apontava
Corrêa Telles: “Mas sendo occasião de muitas duvidas o não se saber com certeza,
quaes os costumes racionaveis, e que teem mais de cem annos de duração, seria obra
de grande preço mandar o Governo compilar os costumes legitimos, e saparal-os das
|
176    CONTRATOS EMPRESARIAIS

de maneira tão simples. “Customs are vague and they often differ from place to
place”. “Judges might not be able to rely on trade usage because none existed
or none could be proved”.216
Poder-se-ia estar diante de paradoxo no seio do direito mercantil: de um
lado, institutos tradicionais levam ao aumento do grau de segurança jurídi-
ca, reduzindo custos de transação por aceitar certas presunções; de outro, as
regras que permitem essas mesmas assunções trariam o aumento do grau de
insegurança porque, na realidade dos fatos, não se conseguiria determinar com
razoável grau de precisão o comportamento esperado do agente.

curruptélas, e abusos, com os quaes innocentemente os póde qualquer confundir:


até os Soberanos interessariam nisto, porque jurando no acto da acclarmação guardar
os bons costumes, mal podem saber quanto se compreenhende neste vocabulo de
significação tao larga” [Commentario critico á lei da boa razão, 91]. O Regulamento
738, de 1850, dispunha sobre a publicidade dos usos reconhecidos e os esforços que
os Tribunais do Comércio deveriam fazer para sistematizá-los.
Modernamente, sabe-se que não costuma ser frutífera a tentativa de “codificar”
os usos e costumes, compilando-os de forma a aumentar o grau de segurança e de
previsibilidade que seria por eles proporcionado. Na súmula de Bernstein: “The de-
bates surrounding these codification efforts suggest that there was not widespread
agreement among merchants as to either the meaning of common terms of trade or
the content of many basic commercial practices. Rules committee debates sometimes
went on for years, customs relating to important aspects of transactions were left
uncodified because consensus could not be achieved, and in most industries drafting
committees eventually engaged in only selective codification. In addition, over time,
many associations came to explicity concede that they were attempting to change
rather merely incorporate existing practices” [The questionable empirical basis of
article 2’s incorporation strategy: a preliminary study, 715].
No caso brasileiro, a situação não é diversa. Em 1907, Brasilio Machado lamentava-se
que, mesmo após sessenta anos de vigência do Código Comercial, “mal chegamos a
contar 20 assentos das juntas commerciaes estabelecendo usos nacionaes do com-
mercio” [O Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 268]. Nos termos
do art. 8.º, VI, da Lei 8.934, de 1994 [conhecida como “Lei da Junta Comercial”],
compete às Juntas Comerciais o assentamento dos usos e práticas mercantis. Por sua
vez, os arts. 87 e 88 do Decreto federal 1.800, de 1996, e os arts. 182 e 183 do Decreto
do Estado de São Paulo de n. 51.072, de 1968, estabelecem procedimentos para esse
assentamento. O art. 6.º, caput, da Portaria JUCESP 21, de 24.04.2003, estabelece que
“[a] cada mês de abril, a Junta Comercial dará cumprimento ao art. 88, do Decreto
Federal 1.800/1996, publicando os usos e práticas mercantis assentados de 01.01 a
31.12 do 6.º ano anterior, para sua revisão”.
216. Stewart Macaulay, The real and the paper deal: empirical pictures of relationships,
complexity and the urge for transparent simple rules, 66.
VETORES DE FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS   | 177
Contudo, a história do direito mercantil demonstra que, no cômputo
geral, os institutos tradicionais próprios ao tráfico prestam-se ao seu bom
funcionamento,217 diminuindo os custos de transação e aumentando o grau
de confiança do agente econômico.218
Ademais, considerando que a maioria dos contratos interempresariais é
naturalmente incompleta, como se verá adiante, é cada vez mais difícil admitir
seu desenvolvimento sem o recurso às cláusulas gerais. Elas permitem que as
normas endógenas integrem o direito exógeno, que as abraça e sorve. Aterrar essa
estrada em nome de inútil formalismo seria condenar a ordem jurídica do
mercado à perene desadaptação219 e comprometer irremediavelmente o fluxo
de relações econômicas.

217. Hoje, alguns autores sustentam que a utilização das cláusulas gerais aumenta o grau de
racionalização do direito. “Al mito della certeza del diritto [della legge], si avvicenda
l’obbiettivo della certezza delle decisioni. Non può sfuggire che l’uso delle clausole
generali svolge, in tale contesto, uma obbiettiva funzione di razzionalizzazione degli
indirizzi interpretativi” [Fabrizio di Marzio, Verso il nuovo diritto dei contratti, 22].
Trabalha-se com a relativização da importância que a segurança formal teria para
o tráfico. Com efeito, “despite, or because of, the imprecise and often conflicting
nature of our contract law, the American economy has been successful” e “Clearly
there is room for a contract law with strong elements of flexibility and qualitative
norms in many areas of business” [Stewart Macaulay, The real and the paper deal:
empirical pictures of relationships, complexity and the urge for transparent simple
rules, 79].
218. Atualmente, os autores que mais se ocupam dessa questão, combatendo o que
chamam de “excessivo formalismo doutrinário” em prol da aplicação das cláusulas
gerais e da consideração do contexto que enforma o negócio, são de origem inglesa
ou norte-americana e não familiarizados às regras de interpretação de Pothier, cuja
influência doutrinária e jurisprudencial na Europa Continental e no Brasil é inegável.
Nessa linha, à luz do art. 131 do Código Comercial, é incontestável a necessidade
de consideração das “dimensões implícitas” dos negócios, ou seja, de regras ditadas
pela boa-fé, usos e costumes, bem como a atuação de uma contextual interpretation.
Em nossa tradição, não existe um só manual de direito comercial que negue a força
jurígena dos usos e costumes e sua função integrativa, que sempre foi expressamente
trazida pelo art. 133 do Código Comercial.
219. Carl Schmitt identifica nas cláusulas gerais a ruína do positivismo. “En todas partes
y en todos los campos de la vida jurídica penetran las llamadas ‘cláusulas generales’
en detrimento de la ‘seguridad’ positivista: conceptos indeterminados de todo tipo,
reenvíos a medidas y conceptos extralegales como buenas costumbres, lealtad y
buena fe, exigibilidad y no-exigibilidad, razón suficiente, etcétera, que suponen una
renuncia al fundamento del positivismo, a saber, la decisión legal, a la vez contenida
y desvinculada de la norma. [...] En el momento en que conceptos como ‘lealdad
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178    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Muito se lutou para a objetivação das expectativas de comportamento,


substituindo a “dimensão individualista” da parte e de sua intenção pela “di-
mensão social” [Betti]. O que não pode ser admitido, porque prejudicial ao
sistema, é o subjetivismo do intérprete que, despregando-se propositadamente
da prática social, confunde suas decisões com suas aspirações, substituindo
juízo minimamente objetivo por aquilo que entende ser “justiça social”.

y buena fe’, ‘buenas costumbres’, etc., se aplican no a una sociedad civil de tráfico
individualista, sino al interés de la totalidad del pueblo, cambia de hecho todo el
derecho sin que sea preciso que cambie una sola ley”. As cláusulas gerais, assim,
“deben ser utilizadas como medios específicos de un nuevo tipo de pensar jurídico”
[Sobre los tres modos de pensar la ciencia jurídica, 67 e ss.].
6
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS

Sumário: 6.1 Os contratos empresariais: além dos contratos de intercâmbio e de


sociedade – 6.2 O primeiro polo: os contratos de intercâmbio – 6.3 O segundo
polo: as sociedades mercantis: 6.3.1 A modelagem das sociedades conforme os
interesses dos agentes econômicos; 6.3.2 Sociedades mercantis e a construção
da responsabilidade limitada; 6.3.3 Sociedades mercantis e a construção do prin-
cípio majoritário – 6.4 Os contratos de colaboração não societários. A produção
de novos contratos pela praxe – 6.5 Principais características dos contratos de
colabo­ração – 6.6 A lógica própria aos contratos de colaboração: por que coo-
perar? – 6.7 A visão dos economistas sobre os contratos de colaboração: as formas
híbridas – 6.8 A tomada de decisão nos contratos de colaboração – 6.9 A incom-
pletude inerente aos contratos de colaboração – 6.10 Questões dogmáticas em
aberto: inadimplemento nos contratos de colaboração e culpa recíproca – 6.11
Segue: adimplemento suficiente.

6.1 Os contratos empresariais: além dos contratos de intercâmbio e de


sociedade
Os contratos – que, frise-se ainda mais uma vez, concretizam e possibi-
litam a atuação das empresas no mercado, formando seu substrato – admitem
classificação em duas categorias, delineadas por Jhering: de uma parte, contratos
de intercâmbio e, de outra, contratos em que há “solidariedade de interesses”,
como as sociedades comerciais, em que as partes “têm o mesmo fim”.1

1. “[N]a associação o egoísmo não desempenha o mesmo papel que nos contratos de
troca. Aqui os dois contratantes teem interêsses diametralmente opostos: se a ven-
da é favorável para o comprador, é em detrimento do vendedor, e vice-versa. Seu
dano, meu benefício, é a divisa de todos os contratos. Ninguém pode querer mal aos
outros por zelarem sómente os seus interêsses. Assim não acontece na associação: o
interêsse particular e o de outrem caminham a par; se um dos associados foi lesado,
também o outro o foi por igual; do mesmo modo o lucro de um é do outro. A ideia
de solidariedade dos interêsses deve guiar as duas partes na celebração do contrato
de sociedade. Se uma delas, em vez de trabalhar pelo lucro comum, só procura o seu
interêsse, destroi a própria essência da instituição – uma tal prática, a generalizar-
-se arruinála-ia para o comércio jurídico” [A evolução do direito, 192 e ss.]. Note-se
que Jhering identifica na sociedade uma forma de concretização da associação entre
|
180    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Em sequência ao que foi assinalado no capítulo segundo, aqui serão es-


tudados os negócios mercantis que se encontram no entremeio dessas duas
categorias, ora pendendo para uma, ora para a outra e que, por conta disso,
vêm sendo denominados “híbridos” pela doutrina econômica. Não se trata de
um novo tipo contratual, mas de uma categoria que busca seu lugar na teoria
geral do direito.2 Para compreendê-los, bem como a sua função, será necessário
examinar, de início, as características dos negócios que estão nas extremidades
dessa linha: contratos de intercâmbio [spot] e contratos de sociedades.
O entendimento desses dois polos é importante para que se tenha a real
dimensão dos problemas dos contratos “de entremeio” e que derivam, principal-
mente, da ausência de respostas jurídicas a vários impasses que surgem durante
sua execução. Se, no que toca ao intercâmbio e às sociedades, essas soluções
foram sendo construídas com o passar do tempo e hoje são conhecidas dos
juristas, o mesmo não ocorreu com os “híbridos” – até porque a disseminação
de seu uso é fenômeno recente.3
Muitas das questões aqui abordadas estão em aberto, e as conclusões
que exsurgem visam mais a pôr em ordem, explicar, clarificar o que ainda se
tem por complicado; não se busca construir uma teoria geral completa sobre

os indivíduos: “quando o fim é superior às forças do indivíduo isolado, ou quando


há maior economia, maior facilidade e mais segurança de o alcançar pelos esforços
comuns, o interêsse respectivo das partes ordena-lhes que congreguem as suas fôrças
e os seus meios de ação. Chega-se a êste resultado pelo contrato de sociedade” [A
evolução do direito, 132].
Ascarelli, com base em Grocio, entende que “pode dizer-se tradicional a sensação
da diferença entre o contrato de sociedade e os contratos que poderíamos dizer,
genericamente, de permuta” [O contrato plurilateral, 274]. Para o estudo dessas
duas categorias [contratos de escambo e contratos que chama de “associativos”],
cf. Ferro-Luzzi, I contratti associativi, 83-125.
2. Suzanne Lequette, Le contrat-coopération, Introduction.
3. Não estamos a afirmar que esses contratos não existiam, mas seu uso era bastan-
te restrito. As próprias sociedades em conta de participação, em muitos de seus
aspectos, poderiam ser consideradas no entremeio dessa linha que propomos. A
respeito de sua natureza jurídica, v. Mauro Brandão Lopes, Ensaio sôbre a conta de
participação no direito brasileiro, 11 e ss., e A sociedade em conta de participação, 34
e ss., concluindo tratar-se de sociedade, após a análise da doutrina especializada e
do Código Comercial. Em língua italiana, Salvatore Giovanni Grandi, em sua obra
L’associazione in partecipazione, segue orientação oposta. Mais recentemente, Gianni
Mignone elabora profundo estudo sobre a evolução histórica desse “rapporto par-
tecipativo”, discutindo, inclusive, sua natureza jurídica [Un contratto per i mercanti
del Mediterraneo: l’evoluzione del rapporto partecipativo].
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 181
o tema. Esta é mais uma função reservada à dogmática comercialista nos pró-
ximos anos: erigir a disciplina jurídica dessa categoria contratual, em prol do
“interesse geral do comércio” e do desenvolvimento da economia.

6.2 O primeiro polo: os contratos de intercâmbio


Nos contratos de intercâmbio, o incremento da vantagem econômica de
uma parte leva à diminuição do proveito da outra. O exemplo típico é a com-
pra e venda: mais alto o preço que Tício consegue obter pela alienação de suas
ovelhas a Caio, maior a vantagem de Tício, em detrimento da de Caio. Aqui,
os interesses das partes são contrapostos.
A leitura de antigos livros de pareceres de nossos jurisconsultos, bem
como de decisões que lhes são contemporâneas, faz entrever que, outrora, as
relações entre os agentes econômicos concretizavam-se em sua grande parte
por meio de contratos de intercâmbio. Lembremos, a esse propósito, que o ato
de comércio típico sempre foi a compra e venda.4
A centralidade da operação de intercâmbio é confirmada a partir do
segundo pós-guerra, em virtude da forte corrente doutrinária que enxergava
no direito comercial um “[d]erecho llamado a regir operaciones em masa”,5
dando lugar a uma “tendencia [...] a acentuar el contenido típico del negocio”,6
levando ao que Natalino Irti referiu, nos anos 90, como “notas de anônima
repetitividade”.7 Mais uma vez, o foco recai sobre a compra e venda, pois é ela
que instrumentaliza as contratações em série com o público.
A teoria que se produz, desenvolvida nessa realidade, preocupa-se quase
que exclusivamente com contratos de intercâmbio e com a contraposição de

4. Na síntese de Waldemar Ferreira, “[d]esde os romanos que o contracto de compra e


venda é tido como um dos paradigmas de acto de commercio” [Manual do commer-
ciante, 241]. “[Q]uase tudo, no Direito Mercantil, àquele contrato [o de compra e
venda] se liga” [Tratado de direito comercial, v. I, 469], afirma Inglez de Souza, indo
além: “O typo desses contractos é o de compra e venda, ou de troca, e si analysar-
mos detidamente qualquer contracto mercantil, chegaremos á conclusão de que é,
no fundo, um contracto de compra e venda” [Direito commercial, 119]. Na mesma
linha, Honório Monteiro: “A compra e venda é o centro da atividade mercantil. To-
dos os demais contratos do direito comercial são complementares ou auxiliares do
contrato de compra e venda. Daí a sua extraordinária importância prática” [Direito
comercial, 318].
5. Garrigues, Tratado de derecho mercantil, t. I, v. I, 32.
6. Garrigues, Tratado de derecho mercantil, t. I, v. I, 24.
7. L’ordine giuridico del mercato, 86.
|
182    CONTRATOS EMPRESARIAIS

interesses que lhes é peculiar.8 Não é incomum que obras jurídicas tratem so-
mente dos negócios de troca. Lê-se em um dos melhores manuais brasileiros
sobre esse tema: “[t]raço característico do contrato é a plurititularidade, isto
é, a coparticipação de sujeitos de direito com interesses econômicos contra-
postos. A contraposição é essencial, não passando o contrato, assim, de uma
composição”.9

6.3 O segundo polo: as sociedades mercantis


Não apenas de contratos de intercâmbio é feita a atividade empresarial.
Os agentes econômicos sempre se socorreram das sociedades comerciais para
efetivar associações10 ou cooperações com terceiros.11
O Código Comercial não definia a sociedade, levando os comercialistas
a se socorrerem do art. 1.363 do Código Civil de 1916, que dispunha: “[c]
elebram contrato de sociedade as pessoas, que mutualmente [sic] se obrigam
a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comunss”.12 A doutrina
indica que caracterizariam as sociedades em geral [essentialia negotii]: [i] fim

8. À mesma constatação chega Massimiliano Granieri, Il tempo e il contratto, 61. Na


França, Jean-François Hamelin, Le contrat-alliance, 19 e ss.
9. Orlando Gomes, Contratos, 13.
10. Na tradição do direito mercantil, a expressão “associação” muitas vezes vem em-
pregada no sentido de “sociedade”. A esse respeito, v. os arts. 290 e 291 do Código
Comercial que se referem às “associações” no Título XV, Capítulo I, dedicado às
“companhias e sociedades comerciais”: “Art. 290. Em nenhuma associação mercantil
se pode recusar aos sócios o exame de todos os livros, documentos, escrituração e
correspondência, e do estado da caixa na companhia ou sociedade, sempre que o re-
querer; salvo tendo-se estabelecido no contrato ou outro qualquer título da instituição
da companhia ou sociedade, as épocas em que o mesmo exame unicamente poderá
ter lugar. Art. 291. As leis particulares do comércio, a convenção das partes sempre
que lhes não for contrária, e os usos comerciais, regulam toda a sorte de associação
mercantil; não podendo recorrer-se ao direito civil para decisão de qualquer dúvida
que se ofereça, senão na falta de lei ou uso comercial”.
11. Vale destacar os problemas enfrentados no âmbito da teoria geral para delinear as
características peculiares dos contratos de sociedade – ou “associativos”, na dicção
de Ferro-Luzzi. Cf. Tullio Ascarelli, O contrato plurilateral, e Ferro-Luzzi, I contratti
associativi, especialmente primeiro capítulo e 92 e ss.
12. Atualmente, determina o art. 981 do Código Civil: “Celebram contrato de sociedade
as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para
o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo
único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determi-
nados”.
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 183
comum; [ii] contribuições dos sócios e [iii] affectio societatis,13 esta última
identificada como a vontade de suportar áleas comuns, arcando todos os só-
cios com as eventuais perdas decorrentes da atividade e pertencendo o lucro
a todos.14 No mesmo sentido é a clássica lição de Thaller, para quem a socie-
dade caracteriza-se por: “a] La constitution d’un capital, au moyen d’apports
respectivement faits par chaque associé; – b] Une vocation simultanée de tous
les membres aux bénéfices et aux pertes; – c] Un lien de collaboration active
entre les associés”.15
Como se percebe, o elemento da colaboração, da reunião de esforços,
sempre marcou as sociedades, bem assim a ideia de que os riscos, as áleas do
empreendimento cabiam e seriam suportados por todos os sócios. “[O] que
realmente caracteriza a sociedade – porque apenas nela se encontra – é [...] a
repercussão direta sobre o patrimônio dos sócios dos atos de gestão social, das
obrigações assumidas em nome da sociedade pelo representante desta. Isso
não ocorre nas outras relações”, esclarece João Eunápio Borges.16-17-18

13. Por todos, Orlando Gomes, Contratos, 443 e ss., e Serpa Lopes, Curso de direito civil,
v. 6, 551 e ss.
14. Ainda para a exposição dos elementos que caracterizam as sociedades, e a crítica da
doutrina tradicional, v. Ferro-Luzzi, I contratti associativi, 2-82.
15. Traité élémentaire de droit commercial, 188.
16. Curso de direito comercial terrestre, 266.
17. Apenas haverá sociedade quando as partes pretenderem reunir esforços, suportando
igual e conjuntamente as áleas, os riscos e as perdas do plano comum. Por essa razão,
Orlando Gomes afirma que a affectio societatis expressa-se, “em termos mais objetivos
[...] sob o aspecto da partilha obrigatória dos lucros e perdas” [Contratos, 444]. A
lição de Lagarde, lembrada por Rubens Requião, caracteriza a affectio societatis “por
uma vontade de união e aceitação das áleas comuns” [Curso de direito comercial, v.
1, 276]. Fábio Konder Comparato entende que a “comunhão de escopo”, “elemento
diretor e unificador da relação societária” implica a participação dos sócios nos re-
sultados deficitários. O risco inerente à atividade societária envolve a predisposição
à partilha do prejuízo [e não somente dos lucros] [Direito empresarial – Estudos e
pareceres, 153]. No mesmo sentido, Ferreira Borges, Diccionario juridico-commercial,
471, refere-se ao “risco commum” inerente às sociedades, bem assim que há “com-
munhão de ganhos e perdas”.
18. Esse espírito vinha corporificado no art. 288 do Código Comercial: “É nula a so-
ciedade ou companhia em que se estipular que a totalidade dos lucros pertença a
um só dos associados, ou em que algum seja excluído, e a que desonerar de toda a
contribuição nas perdas as somas ou efeitos entrados por um ou mais sócios para
o fundo social”. O art. 305 do Código Comercial deixava clara a ideia de atuação
comum, de colaboração, de reunião de esforços, de pessoalidade das sociedades: “Art.
305. Presume-se que existe ou existiu sociedade, sempre que alguém exercita atos
|
184    CONTRATOS EMPRESARIAIS

6.3.1 A modelagem das sociedades conforme os interesses dos agentes


econômicos
Quando da promulgação de nosso Código Comercial, vários eram os tipos
de sociedades: anônimas, em comandita por ações, em comandita simples, em
nome coletivo ou com firma, de capital e indústria, em conta de participação19
e, mais tarde, as sociedades por quotas, de responsabilidade limitada.
Cada tipo societário satisfazia as necessidades específicas dos agentes
econômicos em suas associações, propiciando a composição de interesses no
que dizia respeito à responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade
e ao poder de cada um na condução dos negócios. As sociedades, como ad-
vertia Sylvio Marcondes, representam “a satisfação jurídica de necessidades
econômicas”20 e, nesse sentido, seus tipos são considerados pelos agentes com
base, principalmente, nessas duas variáveis.
Foi longa a estrada percorrida pelo direito mercantil para atender de
forma cada vez mais adequada as aspirações dos comerciantes e, portanto, do
tráfico. Com o passar do tempo, solidificaram-se dois vetores que viabiliza-
riam a acomodação dos interesses dos partícipes nas sociedades comerciais e
a colaboração entre eles: [i] responsabilidade limitada, [ii] proporcionalidade
entre o capital investido e o poder interna corporis dele decorrente e [iii] a
consolidação do princípio majoritário.
A opção dos agentes econômicos pela forma de concretização da associação
será influenciada por esses atributos das sociedades comerciais – nos negócios

próprios de sociedade, e que regularmente se não costumam praticar sem a qualida-


de social. Desta natureza são especialmente: 1. Negociação promíscua e comum. 2.
Aquisição, alheação, permutação, ou pagamento comum. 3. Se um dos associados
se confessa sócio, e os outros o não contradizem por uma forma pública. 4. Se duas
ou mais pessoas propõem um administrador ou gerente comum. 5. A dissolução da
associação como sociedade. 6. O emprego do pronome nós ou nosso nas cartas de
correspondência, livros, fatura, contas e mais papeis comerciais. 7. O fato de receber
ou responder cartas endereçadas ao nome ou firma social. 8. O uso de marca comum
nas fazendas ou volumes. 9. O uso de nome com a adição – e companhia”. O art.
1.372 do Código Civil de 1916 estatuía que seria nula a cláusula [e não a sociedade]
que atribuísse todos os lucros a um dos sócios, ou subtraísse o quinhão social de
algum deles à comparticipação nos prejuízos. O art. 1.008 do Código atual dispõe
no mesmo sentido, estabelecendo a nulidade da cláusula que excluir qualquer sócio
de participar dos lucros e das perdas.
19. Sobre os tipos societários empregados no final do século XIX no Brasil, cf. Sousa
Pinto, Diccionario da legislação commercial brazileira, 411-35.
20. Ensaio sobre a sociedade de responsabilidade limitada, 13.
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 185
híbridos, muitas vezes abre-se mão das soluções “tradicionais” oferecidas pe-
las sociedades mercantis, trocando, de certa forma, a segurança oferecida pelos
tipos societários pela preservação de maior mobilidade de atuação no mercado.
Tanto o princípio majoritário, quanto a responsabilidade limitada, são
soluções jurídicas que foram sendo construídas e não surgiram de chofre, fruto
da pena de algum jurista iluminado.

6.3.2 Sociedades mercantis e a construção da responsabilidade limitada


Um dos principais incentivos aos agentes econômicos proporcionados
pelas sociedades toca à separação patrimonial e à responsabilidade limitada dos
sócios quanto às obrigações sociais, diretamente relacionada à circunscrição
do risco a ser incorrido pelo empreendedor.
Alguns autores apontam que a responsabilidade limitada estava presente
em tipos societários medievais. Na commenda ou societas maris, salienta Max
Weber que a grande questão referia-se à “divisão do risco”.21 Constituída para
cada expedição determinada, o sócio capitalista [comendador ou socius stans]
tinha sua responsabilidade limitada ao capital aportado, fossem mercadorias,
dinheiro ou o próprio navio. O sócio comanditário [tractor, tractador, portitor
ou portador] era ilimitadamente responsável pelas dívidas contraídas, mesmo
porque era o tractor quem viajava e expunha o empreendimento comum ao
risco.22
A sociedade comandita [denominada, em Genova, societas terrae] segue
os mesmos princípios da commenda, com a limitação da responsabilidade
do sócio capitalista. Mas seu objeto não dizia respeito apenas a expedições
marítimas e não costumava ficar restrita à única operação. No entender de
Braudel, apresentava como principais vantagens aos investidores a limitação
da responsabilidade e a ocultação dos sócios.23

21. “Such a risk which according to the conditions of trade at the time was the biggest
factor that had to be taken into account, had to be shared among those who in
some function participated in the undertaking. How to do this was legally the most
important problem” [The history of commercial partnerships in the Middle Ages, 64].
22. Ainda segundo Weber, a diferença entre a comenda e a societas maris consistia no
fato de que, na primeira, o aporte de capital era realizado apenas por uma parte, o
sócio comendador. Ao invés, na societas maris, ambas forneciam recursos para o em-
preendimento [The history of commercial partnerships in the Middle Ages, 68]. Sobre o
mesmo tema, e com opinião semelhante, Pietro Bonfante, Storia del commercio, 240
e ss.
23. The wheels of commerce, 438 e ss. “O processo de limitação da responsabilidade,
que hodiernamente domina o campo do Direito Comercial, foi-se formando
|
186    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Note-se, contudo, que em todos esses tipos apenas parte dos sócios tem
sua responsabilidade limitada; somente a eles é dada a concessão da limitação
do risco.
No início do século XVII, a construção das sociedades anônimas responde
à necessidade da mobilização de grandes capitais e da responsabilidade limitada de
todos aqueles que aportam recursos ao empreendimento, para que se viabilizasse
a exploração do Novo Mundo. Assim, uma das principais características das
sociedades anônimas, encontrada nas Companhias das Índias, vai ao encontro
das necessidades econômicas daquela época: Quanto à responsabilidade, ela
é plenamente limitada, nenhum acionista respondendo pelas dívidas sociais,
mas apenas pelo valor das ações subscritas, ou seja, do numerário aportado
ao empreendimento.
No século XIX, com o nascimento e a afirmação das companhias ferro-
viárias – que em pouco tempo conquistaram reputação de segurança e ren-
dimento –, as sociedades anônimas tornam-se mais comuns, prestando-se à
mobilização de capitais para o desenvolvimento industrial.24
No quadro brasileiro, o Código de 1850 previa apenas um tipo de socie-
dade em que todos os sócios eximiam-se da responsabilidade pelas obrigações
sociais: a sociedade anônima, que exigia autorização governamental para
funcionamento. De resto, sempre ao menos uma parte dos sócios tinha seu
patrimônio garantindo as dívidas sociais. Nas sociedades em comandita, os
comanditados, pessoas físicas, eram responsáveis solidária e ilimitadamente;
somente os comanditários permaneciam obrigados pelo valor de suas quotas.
Nas sociedades em nome coletivo, todos os sócios eram ilimitadamente res-
ponsáveis. Nas sociedades em conta de participação, os sócios ostensivos são
responsáveis perante terceiros pelas obrigações sociais.
As sociedades limitadas, criadas no início do século XX, vieram a permitir
que empreendimentos de menor porte gozassem do privilégio da total limitação
dos riscos pelos partícipes. Assim, dispunha o art. 2.º do Decreto 3.708, de 1919,

lentamente na Idade Média. É de notar-se que o princípio ou preocupação da


ocultação dos sócios parece não ter surgido sòmente do propósito de restrição e
limitação da responsabilidade, mas como decorrência também da prática dos que,
impedidos de comerciar, se acobertavam mediante a organização de sociedade
com outrem” [Rubens Requião, A preservação da sociedade comercial pela exclusão
do sócio, 31].
24. Mignoli, Idee e problemi nell’evoluzione della company inglese, 53.
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 187
que o título constitutivo poderia “estipular ser limitada a responsabilidade dos
sócios à importancia total do capital social”.

6.3.3 Sociedades mercantis e a construção do princípio majoritário


Uma das principais questões referentes às associações toca à sua forma de
gestão. Havendo divergência quanto aos rumos do empreendimento comum,
qual solução será adotada? A quem pertence o direito de decisão? A quem
tocará indicar os administradores?
Nas sociedades comerciais, a evolução jurídica encontrou solução razoável
para esse problema, consolidando o princípio majoritário.25
Nosso Código Comercial de 1850 apartava as sociedades em dois grandes
grupos: as “companhias de comércio ou sociedades anônimas” e as “sociedades
comerciais”. Uma das diferenças centrais era que as primeiras, ao contrário de
todas as outras, não eram passíveis de dissolução pela vontade de apenas um
de seus participantes.26 Nas demais, um único sócio, mesmo minoritário, que
não concordasse com os destinos do empreendimento, poderia finalizá-lo, nos
termos do art. 335, 5.27
Diz-se que esse dispositivo, inspirado na Codificação Napoleônica, tem sua
origem no direito romano,28 segundo o qual a quebra do liame entre os sócios
determinava a dissolução da sociedade; as obrigações, sendo personalíssimas

25. Para a explicação da evolução histórica do princípio majoritário, indispensável a


consulta ao opúsculo de Otto von Gierke, Sulla storia del principio di maggioranza.
O mesmo tema foi mais recentemente desenvolvido por Francesco Galgano, La forza
del numero e la legge della ragione, 13 e ss.
26. Dispunha o art. 295 do Código Comercial: “As companhias só podem ser dissolvi-
das: 1. Expirando o prazo da sua duração; 2. Por quebra; e 3. Mostrando-se que a
companhia não pode preencher o intuito e fim social”.
27. “Art. 335. As sociedades reputam-se dissolvidas: [...] 5 – Por vontade de um dos
sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado”. Atualmente, o
art. 1.033, III, do Código Civil admite a dissolução da sociedade por deliberação da
maioria absoluta dos sócios.
28. Francesco Galgano anota que a regra, em Roma, era a unanimidade e não a maioria.
Ainda segundo Galgano, “[a] regra de coexistência é a unanimidade, expressa na
mássima de Papiniano, a qual impunha que in re communi neminem dominorum iure
facere quicquam invito altero posse: se a coisa é comum a mais de um proprietário,
nenhum deles pode legitimamente fazer algo contra a vontade de um dos demais”
[La forza del numero e la legge della ragione, 56-7]. E complementa: “Outro terreno
no qual domina o princípio da unanimidade é aquele da administração da societas,
|
188    CONTRATOS EMPRESARIAIS

e intransmissíveis, não se transferiam a terceiros [quia qui societatem contrahit,


certam personam sibi elegit].29 “A dissolução da sociedade tinha por precípua
finalidade proporcionar a libertação do sócio de seus compromissos sociais”,30
ainda mais considerando a responsabilidade ilimitada a que estava sujeito.
Dessa forma, embora nosso Código Comercial contivesse previsão de
governo da sociedade por sócios representando a maioria do capital social,31
atribuía-se grande poder à vontade individual do participante, que poderia pôr
fim ao empreendimento ao discordar de sua condução.
Esse espírito individualista e contratualista influenciou a interpretação
do Decreto 3.708, de 1919, que introduziu as sociedades limitadas entre nós.
Para evitar a extinção da sociedade com base no art. 335, V, do Códi­
go Comercial – que, segundo a corrente dominante, seria aplicável às
sociedades limitadas32 – a jurisprudência criou o instituto da dissolução

ou seja, do contrato com o qual as pessoas se empenhavam a desenvolver atividade


comum para fim comum” [58].
29. As informações são de Requião, A preservação da sociedade comercial pela exclusão do
sócio, 40-1.
30. Requião, A preservação da sociedade comercial pela exclusão do sócio, 149.
31. “Art. 331. A maioria dos sócios não tem faculdade de entrar em operações diversas
das convencionadas no contrato sem o consentimento unânime de todos os sócios.
Nos mais casos todos os negócios sociais serão decididos pelo voto da maioria,
computado pela forma prescrita no artigo n. 486”. E, por sua vez, o art. 486, in fine,
assim dispunha: “Os votos computam-se na proporção dos quinhões; o menor qui-
nhão será contado por um voto; no caso de empate decidirá a sorte, se os sócios não
preferirem cometer a decisão a um terceiro”.
32. Sobre a posição jurisprudencial, afirma Cunha Peixoto: “O Supremo Tribunal Federal
perfilhou a opinião que considera dissolvida a sociedade por cotas de responsabilidade
limitada, desde que seja por tempo indeterminado, por vontade de apenas um sócio”.
A explicação da necessidade de aplicação do art. 335, V, às sociedades limitadas posta
por Cunha Peixoto foi amplamente acolhida pela jurisprudência: “A sociedade por
quotas de responsabilidade limitada [...] é constituída intuitu personae [...]. Não há
possibilidade de se pretender perpètuamente um acionista à sociedade de capital, da
qual pode retirar-se livremente, sem prejuízo algum, vendendo sua parte na Bôlsa de
Valores pelo preço da cotação que é, em geral, seu real valor, devido à concorrência.
Ao revés, o mesmo não sucede com as limitadas, visto como, precisando do consen-
timento da maioria para a transferência da cota, é possível retê-lo para sempre, o que
violaria as normas de liberdade pessoal” [A sociedade por cota de responsabilidade
limitada, v. II, 35]. Vale referir julgado do Supremo Tribunal Federal que, em julho
de 1950, admitiu a dissolução da sociedade limitada por vontade de apenas um de
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 189
parcial, autorizando a retirada do sócio que não desejasse seguir vinculado
à sociedade.33-34
Em 1946, decide o Supremo Tribunal Federal, em acórdão de relatoria
de Orosimbo Nonato:
“A faculdade que a lei encerra não autoriza abusos, uma vez que os direitos
não são absolutos e não pode ser exercida proveitosamente se intempestiva
ou animada pela má-fé. [...]
É exato que o fundamento doutrinário da regra legal [...] o de que não há
contratos eternos, especialmente o de sociedade, alicerçado na confiança
recíproca – não é poderoso justificar a dissolução da sociedade, senão,
apenas, a retirada do sócio. Mas o texto do art. 335, V, é suficientemente
claro, e outorga, deveras, a faculdade de que se trata”.
Assim, interpretando sistematicamente o contrato, Orosimbo Nonato
chega à conclusão de que, havendo previsão da continuação da sociedade
com os herdeiros do sócio premorto, o contrato social continha dispositivo
que repelia a “convenção de dissolução plena”. O fundamento é sempre o da
autonomia da vontade: o princípio geral corporificado no art. 335, V, do Códi-
go Comercial “está, como todos os princípios sujeito ao critério superior da
relatividade, e pode ceder à vontade contrária dos contratantes”.35 Ou seja,

seus sócios, com apoio na lição de Waldemar Ferreira: RE 17.376, rel. Min. Anibal
Freire. Voto divergente de Macedo Ludolf.
33. No resumo de Priscila Maria Corrêa da Fonseca: “o certo é que a jurisprudência
criou uma nova forma de afastamento do sócio da sociedade, à qual impropriamente
denominou também de dissolução parcial. Consiste esta no decreto de retirada do
sócio que requereu a dissolução total, porquanto se entende que a vontade unilateral
do sócio não deva prevalecer sobre a utilidade social e econômica representada pela
empresa. Todavia, neste caso, como ao sócio assiste o direito de pleitear a dissolução
total da sociedade, permite-se que este saia da sociedade recebendo os respectivos
haveres calculados do mesmo modo como sucederia na hipótese de acolhimento do
pedido de dissolução total” [Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio, 66].
34. Afirmou o Supremo Tribunal Federal em histórico julgado: “Não se afigura razoável,
porém, que em virtude da vontade de um dos sócios, seja decretada a dissolução de
empresa que se encontra em pleno fastígio, cumprindo seus objetivos, produzindo
riquezas e contribuindo para o desenvolvimento da economia interna. Seria odioso
reduzir à inatividade de uma sociedade como essa, só porque um dos sócios, embora
em razão de desentendimentos sérios e ponderáveis, não mais deseja continuar no
grupo” [RE 89.464/SP, rel. para o acórdão Min. Décio Miranda, j. 12.12.1978].
35. RE 9.929, j. 04.01.1946.
|
190    CONTRATOS EMPRESARIAIS

a dissolução seria total, a menos que as partes houvessem disposto de forma


diversa no contrato social.
Embora os primeiros acórdãos sobre a dissolução parcial não o indicassem
expressamente, acabavam por preservar a empresa [ou o estabelecimento,
como se preferia dizer à época].
Outro movimento importante para a consolidação dos princípios que hoje
regem as sociedades limitadas diz respeito à alteração do contrato social por
sócios representando a maioria do capital, dispensando o consenso. Antes, a
doutrina majoritária e muitos acórdãos deixavam claro ser a alteração impos-
sível sem a autorização unânime de todos os participantes.36
De início, entendia-se que naquele “estágio de nossa legislação, para que
prevaleça a deliberação representativa do capital majoritário nas alterações
contratuais das sociedades por quotas esse critério há de vir expressamente
prefixado no próprio contrato; de outra forma, só a unanimidade, valorizadora
do intuitu personae, autorizará a inovação”.37
Com o passar do tempo, esse posicionamento foi sendo superado pelos
Tribunais. Conforme esclarece Requião em 1956, “os altos interêsses econô-
micos e sociais que as emprêsas passaram a representar nos tempos modernos
provocaram uma reação contra o excessivo individualismo herdado do direito
romano, surgindo o princípio preservativo, que aos poucos vai dominando”.38
Passou-se, paulatinamente, a adotar a seguinte diretriz: “[p]ara o arquiva-
mento da alteração do contrato social, por deliberação da maioria dos sócios,
não é necessária a assinatura do sócio dissidente”. 39

36. Sobre a doutrina que atesta a impossibilidade de alteração do contrato social pela
maioria, cf. Sylvio Marcondes, Ensaio sobre a sociedade de responsabilidade limitada,
156.
37. Apelação Cível 177.979, do antigo Tribunal de Alçada de São Paulo, parcialmente
transcrita no RE 89.464/SP, de 1978, reproduzido na RDM 49 [1983], 88-100.
38. A preservação da sociedade comercial pela exclusão do sócio, 41.
39. Superior Tribunal de Justiça, REsp 26.950-0/DF, Rel. Min. Torreão Braz, j. 08.11.1993.
Paradigmática foi a decisão proferida no RE 76.710, j. 11.12.1973, tendo sido Rodri-
gues Alckmin relator para o acórdão. Naquela ocasião, decidiu o Supremo Tribunal
Federal que, mesmo sem previsão contratual expressa, era possível a alteração do
contrato social pela maioria dos sócios, registrando-se documento do qual não
constava a assinatura do dissidente. Vencido o Min. Aliomar Baleeiro, para quem,
“se o contrato inicial não previu expressamente que podia ser alterado pela maioria
de votos do capital social, não era lícito aos sócios intentá-lo ante a discrepância de
um sócio divergente”. A análise desse acórdão é importante ainda para a compreen­
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 191
Firmam-se as seguintes linhas condutoras da disciplina das sociedades
limitadas: 40-41
[i] é possível governá-las conforme os desígnios da maioria do capital, sem
que paire sobre a empresa a ameaça de dissolução total;42 e

são da evolução da nossa jurisprudência no sentido da consagração do princípio


majoritário nas limitadas.
40. Em 1994, com a edição da Lei 8.934 [conhecida como “Lei da Junta”] o problema
da alteração do contrato social pela maioria do capital social foi definitivamente
superado, estabelecendo-se que ela seria possível ainda que não contasse com a con-
cordância de todos os sócios [cf. art. 35, VI, da Lei 8.934, de 1994]. Antes, o art. 6.º da
Lei 6.939, de 1981, determinava que a alteração pela maioria somente seria possível
se expressamente prevista: “Art. 6.º O cancelamento dos registros ou arquivamento
somente poderá ser declarado: I – na alteração contratual, se o instrumento não es-
tiver assinado por todos os sócios, salvo: a] quando o contrato ou estatuto permitir
a deliberação de sócios que representam a maioria do capital social; b] no caso de
exclusão do sócio do cargo de gerente, por deliberação da maioria do capital social;
c] nas demais hipóteses de exclusão de sócio previstas em lei”. No mesmo sentido,
dispunha o art. 38 da Lei 4.726, de 1965.
41. Desconsiderando nossa evolução histórica, o Código Civil de 2003 passou a exigir
a aprovação de três quartos do capital social para a deliberação sobre determinadas
matérias [cf. art. 1.076, I], comprometendo a força que o princípio majoritário há
muito tem entre nós. Outra dúvida que paira em relação à nova regulamentação
das sociedades limitadas toca à dissolução parcial – questão que, como vimos,
encontrava-se resolvida pelo excelente trabalho de nossos Tribunais. Em face do
art. 1.077, pergunta-se hoje se apenas nas hipóteses ali previstas [modificação do
contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra] os sócios
descontentes poderiam retirar-se da sociedade. Essa visão modificaria aquela soli-
dificada entre nós, que estabelece a retirada do sócio a qualquer momento da vida
da limitada. Quer nos parecer, contudo, que a melhor solução é aquela que honra
nossa tradição e interpreta o art. 1.029 a latere do art. 1.077, de forma que ainda se
facultaria o recesso ao sócio descontente, sem maiores restrições. A consideração
do art. 1.029 estaria autorizada pelo art. 1.053, parágrafo único, que manda aplicar
supletivamente a regulamentação das sociedades simples às limitadas.
42. Ainda sobre o princípio da maioria nas limitadas, afirma Cunha Peixoto: “A lei prestigia
a maioria durante o funcionamento da sociedade, isto é, enquanto ela se encontra
em tôda sua plenitude; uma vez que o sócio se manifestou contrário a seu prossegui-
mento e houve a dissolução, outros princípios norteiam a matéria. [...] Realmente,
a dissolução da sociedade por tempo indeterminado, por vontade exclusiva de um
sócio, funda-se no princípio da liberdade humana. Não é possível ao homem alienar
sua liberdade por tôda a vida, de sorte que se deve permitir ao sócio libertar-se da
sujeição social. O princípio pode, entretanto, ser atenuado em cláusula contratual,
permitindo a retirada do sócio, independentemente da dissolução da sociedade. Assim
|
192    CONTRATOS EMPRESARIAIS

[ii] é possível modificar o contrato social mesmo na falta da concordância


unânime de todos os sócios.
As sociedades anônimas brasileiras, em seus primórdios, não consagravam
o princípio da proporcionalidade entre o direito de voto e o capital investido43 –
ou seja, sua disciplina não acolhia a máxima “uma ação, um voto”. O Decreto
8.821, de 1882, estabelecia que “[n]os estatutos se determinará [...]o numero
de votos que compete a cada accionista em razão do numero de acções que
possuir” [art. 71].44 Para Trajano de Miranda Valverde “[ê]sse sistema refletia
ainda o pensamento de que sòmente os grandes participantes do capital da
companhia deviam decidir dos seus destinos”.45 Na mesma linha dispunha o
Decreto 434, de 1891 [art. 141].
O Dec.-lei 2.627 passou a basear a tomada de decisões no princípio ma-
joritário, respeitando a proporcionalidade entre o capital investido em ações
e o direito de voto.46-47
Hoje, a distribuição do poder nas sociedades anônimas – inclusive com a
atribuição de direitos aos acionistas minoritários – é regulada pela Lei 6.404,
de 1976, propiciando elevado grau de segurança jurídica.

se conciliam os dois interêsses: o do sócio, que não fica durante tôda sua vida ligado
à sociedade, e o desta, que não desaparece por vontade da minoria. Se a maioria não
deseja o desaparecimento da sociedade, mais razoável é que ela não desapareça” [A
sociedade por cota de responsabilidade limitada, v. II, 36-7].
43. O voto dos acionistas não está previsto no estatuto da Companhia das Índias Ociden-
tais, de forma que esta não é uma sua característica essencial [conforme transcrição
de Joannes de Laet, Historia ou annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias
Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636, 7 a 16]. Quanto à East India
Company, noticia Galgano que o voto era proferido por cabeça e não pelas quotas
do capital [La forza del numero e la legge della ragione, 105].
44. Transcrito por Conselheiro Orlando, Codigo Commercial do Imperio do Brazil, 1.039
e ss.
45. Sociedade por ações, v. II, 54.
46. Ao comentar o art. 80 do Dec.-lei 2.627, idêntico ao art. 110 da atual Lei 6.404, de
1976, afirma Modesto Carvalhosa: “[c]onstituiu o preceito inovação, na época, na
medida em que, seguindo as legislações modernas de então, conferiu a cada ação
ordinária um voto, assegurando dessa forma à minoria o exercício de seus direitos de
participação nas deliberações coletivas da companhia”. Antes, afirma ainda Carva-
lhosa, “ao vincular a lei o direito de voto aos lotes de ações possuídos, consagrava o
domínio oligárquico da sociedade anônima, na qual somente os grandes detentores
do capital poderiam votar” [Comentários à lei de sociedades anônimas, v. IV, 59].
47. A Lei 6.404, de 1976, previu a possibilidade da emissão de ações preferenciais que,
embora em princípio privadas de poder político, teriam vantagens econômicas
compensadoras dessa ausência de voz decisiva [cf. art. 17 da Lei 6.404, de 1976].
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 193
Concluindo: atualmente, entre nós, a questão da governança das socie-
dades comerciais não gera maiores questionamentos. Tanto nas sociedades
anônimas, quanto nas limitadas, após longo período de evolução, a disciplina do
poder decisório encontra-se consolidada, estando prevista e detalhada no Código
Civil [sociedades limitadas] ou na Lei 6.404, de 1976 [sociedades anônimas].
Os tipos societários oferecem, com razoável grau de segurança48 e de previsibili-
dade jurídicas, solução para a questão da distribuição do poder entre os sócios.

6.4 Os contratos de colaboração não societários. A produção de novos


contratos pela praxe
No correr da segunda metade do século XX, a forma de fazer negócios
alterou-se; contemporaneamente, o desenrolar da atividade de cada empresa
liga-se cada vez mais à sua colaboração com outras.
Essa interação assume veste jurídica diversa daquelas que eram normalmen­
te empregadas. Ela não se dá apenas por meio dos contratos de sociedade – forma
típica de associação entre agentes econômicos, como vimos – e igualmente não
se concretiza por meros contratos de intercâmbio. As empresas passam a se valer
intensamente de “formas híbridas”; a viabilização jurídica da associação entre
agentes econômicos é agora também realizada de novas maneiras, despregadas
das fórmulas tradicionais oferecidas pelo ordenamento jurídico para acomodar
interesses em empreendimentos comuns.
Trata-se de realidade inegável: os empresários, em sua prática diária,
trazem à luz contratos que pressupõem esforços conjugados, mas em que as
partes, patrimonialmente autônomas, mantêm áleas distintas, embora interde-
pendentes. Nem sociedade, nem intercâmbio, mas uma categoria que se situa
entre esses dois polos.
Por exemplo, tomemos um fabricante estrangeiro de artefatos de couro de
elevado valor agregado, que almeja vender seus produtos no Brasil. Mostra-se
pouco eficiente a constituição de filial – ou mesmo de sociedade controlada.
Além dos altos custos envolvidos [organização de lojas, decoração, aquisição do
ponto, treinamento de pessoal, marketing etc.], o desbravamento do mercado

48. Nem sempre foi assim. Em 1956, Egberto Lacerda Teixeira clamava por maior
segurança em relação às sociedades por quotas de responsabilidade limitada: “É
necessário libertar as sociedades por quotas da incerteza doutrinária e legislativa em
que ela vive, a oscilar, perigosamente, entre a rigidez constrangedora das sociedades
solidárias do Código Comercial e a flexibilidade insinuante, porém nem sempre
adequada, das sociedades anônimas” [Nota explicativa à obra Das sociedades por
quotas de responsabilidade limitada].
|
194    CONTRATOS EMPRESARIAIS

brasileiro exige conhecimento específico. Esse agente econômico opta pela


celebração de contrato de distribuição com empresa brasileira.
A primeira série de preocupações tocará à imagem de sua marca: será pre-
ciso controlar a atividade da parceira, até mesmo para manter o layout luxuoso
das lojas, conforme padrão mundialmente adotado. Dessa necessidade, nascerá
feixe específico de obrigações contratuais. A empresa brasileira, sempre seguida
de perto pela estrangeira, providenciará a estratégia de mercado, a abertura de
lojas, treinamento de pessoal e assim por diante.
No contrato de distribuição, acorda-se que o fornecedor venderá por
mês ao distribuidor a bolsa modelo D pelo valor de R$ 2.000,00; o preço ao
consumidor final será sugerido pelo fabricante.
Claramente, as atividades e as áleas da fornecedora e da distribuidora são
interdependentes: quanto maiores as vendas ao consumidor final, maiores os
proveitos para ambas. No entanto, a fornecedora obtém seu lucro da alienação
à distribuidora e esta, por sua vez, das vendas aos consumidores finais. Manter-
-se-ão apartados seus custos, fontes de receitas, patrimônios e obrigações. Ou
seja, as atividades, as áleas, os lucros e os prejuízos de ambas são interdependentes,
mas não comuns.
Reconhece-se a força do elemento de intercâmbio. Seguindo o exemplo,
supomos que, por força da concorrência existente nesse nicho de mercado, as
bolsas não possam ser oferecidas aos consumidores finais por valor superior
a R$ 4.000,00. A fornecedora procurará vender a bolsa à distribuidora pelo
maior valor possível; à brasileira interessará o preço baixo.49
Nessa situação, não bastaria às partes a celebração de um contrato de
intercâmbio, porque a realização de várias operações apartadas de compra e
venda não satisfaria seus interesses. Igualmente, não lhes seria conveniente a
constituição de sociedade, pois perderiam sua autonomia patrimonial e não
mais poderiam contratar com terceiros separadamente, por sua conta e risco.
Os contratos de colaboração surgem da necessidade de evitar os incon-
venientes que adviriam da celebração de uma extensa série de contratos de
intercâmbio desconectados [custos de transação] e da fuga da rigidez típica
dos esquemas societários [ou hierárquicos].
Retornando à imagem de que nos valemos no início deste capítulo, dis-
puséssemos as formas jurídicas das relações entre empresas ao longo de uma

49. Isso porque, “[n]a cooperação também encontramos o antagonismo entre as pres-
tações e aspirações das partes” [Luiz Olavo Baptista, Negociação de contratos inter-
nacionais de cooperação, 549].
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 195
linha imaginária, teríamos, em um extremo, os contratos de intercâmbio e,
no outro, as sociedades. No entremeio, os mais variados tipos de contratos
híbridos, que conjugam o elemento de intercâmbio com o de colaboração.
Quanto mais próximo o contrato híbrido estiver daquele de intercâmbio, maior
o grau de independência das partes e menor a colaboração entre elas. Ao nos
deslocamos paulatinamente na direção das sociedades, maior será o grau de
estabilidade do vínculo e da colaboração.50

6.5 Principais características dos contratos de colaboração


A doutrina se tem descurado dos contratos de colaboração: a literatura
a seu respeito é avara. Há referências esparsas ao tema, normalmente ligadas
aos contratos de longa duração ou aos contratos-quadro, referidos pela dou-
trina francesa. Tudo faz crer que, porque no passado a utilização desse tipo de
negócio era reduzida, não se costumava dedicar maior atenção a seu estudo.51
Atualmente, reconhecida sua importância, procura-se identificar as razões
da celebração52 e os traços caracterizadores dos contratos associativos não

50. A exposição aqui desenvolvida sobre os contratos de colaboração guarda pontos de


semelhança com estudos sobre contratos relacionais, contratos-quadro, contratos
incompletos e contratos de longa duração [ou contratti di durata]. Ao colocar em relevo
o aspecto cooperativo e a incompletude inerentes aos contratos associativos interem-
presariais, aproveitamos vários elementos destacados por aquelas teorias. Não foram
elas expostas aqui, todavia, de forma sistemática. Para tanto, v. Massimiliano Granieri,
Il tempo e il contratto, 141 e ss. Importante a consulta a pioneira obra brasileira sobre
contratos relacionais, de Ronaldo Porto Macedo Jr., Contratos relacionais e defesa do
consumidor. Cf., também, Ian Macneil, Relational contract theory: challenges and
queries e Relational contract: what we do and do not know. Coletânea de seus prin-
cipais artigos pode ser encontrada em The relational theory of contract: selected works
of Ian Macneil. Por fim, para a resenha sobre os contratos incompletos, cf. Antonio
Fici, Il contratto incompleto e Giuseppe Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto
e nell’economia.
51. Massimiliano Granieri indica as seguintes razões para esse ostracismo: [i] ideologia
individualista inspiradora do instituto do contrato, exaltando o papel do consenso
e impedindo a consideração de valores externos; [ii] assunção da compra e venda
como modelo dominante e originário do negócio jurídico e [iii] consideração do
contrato como algo instantâneo e fechado, que não produz efeitos externos [Il tempo
e il contratto, 55 e ss.]. No entanto, uma das principais razões do pouco interesse
doutrinário e jurisprudencial pelos contratos associativos interempresariais é que,
outrora, não assumiam a importância de que hoje se revestem.
52. Referindo-se ao fenômeno da associação entre agentes econômicos privados em joint
ventures, Luiz Olavo Baptista dá notícia de estudo empírico que constatou serem as
|
196    CONTRATOS EMPRESARIAIS

societários – que chamaremos, simplesmente, de contratos de associação, de co-


laboração ou colaborativos, em homenagem a um de seus principais elementos.
Os contratos colaborativos tendem a se estender no tempo; seu aspecto as-
sociativo faz com que a relação deles decorrente não se destine ao esgotamento
imediato, como ocorre nos contratos de intercâmbio.53 Costumam, assim, ser
celebrados por prazo indeterminado.54
Neles, busca-se mais a disciplina de questões futuras. Ou seja, o negócio
não visa a estabelecer apenas regras sobre trocas, mas balizar a relação entre as
partes. No instrumento do contrato empregam-se termos amplos, sem signifi-
cado claramente definido no momento da celebração. Lançam-se as bases para
um futuro comportamento colaborativo, indo além do mero estabelecimento
de deveres e obrigações específicos.
Por fim, como explicado, as áleas das partes são interdependentes, mas
não comuns.55

empresas impelidas pelas seguintes motivações: [i] conhecimento do local em que o


empreendimento comum deverá desenvolver-se; [ii] reconhecimento de quadros ad-
ministrativos superiores na contraparte; [iii] especialização em marketing; [iv] acesso
ao mercado; [v] contribuições de capital; [vi] acesso a matérias-primas e, finalmente,
[vii] capacidade de produção, pesquisa e desenvolvimento [Les joint ventures dans les
relations internationales, 421-2, e Uma introdução às joint ventures, 264].
53. Há contratos de intercâmbio não instantâneos como, por exemplo, aqueles de lo-
cação; de qualquer forma, o elemento de troca neles encontra-se presente de forma
acentuada.
54. Nos contratos por prazo indeterminado, é lícita a denúncia a qualquer tempo por
uma das partes, segundo seu critério de conveniência/oportunidade. No entanto,
essa denúncia não poderá ser abusiva; ademais, é assegurada à parte que efetuou
“investimentos consideráveis” a concessão de aviso prévio em prazo compatível com
esses investimentos [cf. art. 473, parágrafo único, do Código Civil. V., a respeito do
tema, Paula A. Forgioni, Contrato de distribuição, 449 e ss.]. Sobre a possibilidade de
denuncia unilateral nos contratos por prazo indeterminado, afirmava Luis Gastão
Paes de Barros Leães mesmo antes do início da vigência do atual Código Civil: “Se o
prazo for indeterminado, qualquer das partes poderá, unilateralmente, e a qualquer
tempo, denunciar o Acordo. A resilição unilateral é o meio próprio de dissolvê-los.
Se não fosse facultado a qualquer das partes o poder de resilir, seria impossível ao
contratante liberar-se do vínculo se o outro não concordasse. A indeterminação do
tempo de duração do contrato ocasionaria a perpetuidade do vínculo, muitas vezes
com a renúncia definitiva de direitos inalienáveis. Assiste, assim, a cada um dos
contratantes o direito potestativo de desvincular-se. A lei presume que as partes não
quiseram se obrigar indefinidamente, e, portanto, se reservaram a faculdade de, a todo
tempo, dissolver o contrato” [Acordo de acionistas a prazo indeterminado, 1.151].
55. Desde 1976, o art. 278 da Lei 6.404 prevê a associação entre empresas [i.e., de socie-
dades] por meio dos consórcios, ou seja, de contratos “para executar determinado
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 197
6.6 A lógica própria aos contratos de colaboração: por que cooperar?
Os economistas observaram que, em determinadas situações, as partes
tendem a adotar comportamento colaborativo, mostrando-se dispostas a so-
lucionar eventuais divergências56 e a evitar o rompimento contratual.
O estudo dos contratos colaborativos deve necessariamente considerar os
motivos que levam à não adoção do comportamento oportunista. “[E]m um
mundo de egoístas, sob quais condições a cooperação irá emergir?”57, “como
e em quais circunstâncias é possível fazer com que o indivíduo, naturalmente
e de esponte própria, coopere com seu semelhante”?58
O primeiro desses fatores liga-se à dependência recíproca derivada de
investimentos específicos [idiossincráticos] e relevantes feitos por ambas as
partes para a realização do contrato – e que não poderão ser alocados para
outro negócio [sunk costs].59
Nessa situação, é provável que o oportunismo imediatista dê lugar à ati-
tude colaborativa; as partes têm ciência de que o naufrágio do negócio seria
desastroso para ambas.

empreendimento”. Partindo da interpretação do texto normativo, a doutrina muito


discutiu a possibilidade da utilização dessa figura para o desenvolvimento de atividade
econômica duradoura, e não apenas para realizar “determinado empreendimento”. Os
consórcios situam-se em um dos extremos da linha que sugerimos acima, devendo ser
encarados como sociedades; a própria exposição de motivos da Lei Societária define
o consórcio como “sociedade entre sociedades”, não personificada. Todas as partes
cooperam para o fim comum e, embora não sejam solidariamente responsáveis pelas
dívidas e obrigações do consórcio, coincidem as áleas suportadas. Nesse sentido, Luiz
Gastão Paes de Barros Leães denomina os “contratos de colaboração empresarial” de
“consórcios informais” [Contrato de consórcio, 521].
56. O estudo sobre a colaboração deve iniciar-se pelas obras de Robert Axelrod, que
trazem nova perspectiva para o jurista: The evolution of cooperation, de 1984, e The
complexity of cooperation, de 1.997.
57. Essa a pergunta inicial da obra de Robert Axelrod, The evolution of cooperation.
58. A indagação é formulada por Calixto Salomão Filho [Breves acenos para uma aná-
lise estruturalista do contrato, 11]. Em seu entendimento, “[o] estudo cuidadoso
do dilema do prisioneiro e os modernos estudos sobre a cooperação já permitem
chegar a algumas conclusões básicas. Três são as condições mínimas para o sucesso
de soluções cooperativas: pequeno número de participantes, existência de informa-
ção sobre o comportamento dos demais e existência de relação continuada entre os
agentes” [13].
59. “Interdependência temporal, sob uma ótica econômica, é uma consequência da espe-
cificidade dos ativos envolvidos em uma transação, na medida em que a interrupção
de uma relação implica custos àqueles que investiram em tais ativos” [Farina et al.,
Competitividade: mercado, Estado e organizações, 82].
|
198    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Advertem Milgrom & Roberts que o comprometimento [commitment]


pode ser útil para o sucesso do negócio na medida em que influencia favo­
ravelmente a expectativa de uma parte sobre o comportamento de sua par­
ceira.60 Assim, se A e B investem elevadas quantias no empreendimento
comum, uma pode legitimamente supor que a outra se empenhará para o
sucesso do negócio.
Outra situação em que o oportunismo costuma ser abrandado relaciona-se
à “sombra do futuro”. Nos contratos de longa duração, as partes estão cientes de
que o comportamento oportunista pode quebrar a confiança entre elas e, assim,
gerar perdas futuras. Há uma “expectativa de reciprocidade” ou de “iteração
contínua”. A cooperação é mantida porque cada empresa compara o ganho
imediato do comportamento oportunista com as possíveis perdas causadas pela
deslealdade. “[P]romessas quebradas no presente diminuirão a possibilidade
de cooperação no futuro”. “Assim, a iteração incrementa as perspectivas de
cooperação encorajando estratégias de reciprocidade”. “[L]ongos horizontes de
tempo, iterações frequentes e alta transparência comportamental” encorajam
o bom comportamento recíproco.61
Na sempre atual lição de Max Weber sobre fenômeno que normalmente
ocorre nas relações estáveis: “It is normally assumed by both partners to an
exchange that each will be interested in the future continuation of the exchance
relationship, be it with this particular partner or with some other, and that he
will adhere to his promises for this reason and avoid at least striking infringe-
ments of the rules of good faith and fair dealing […] In so far as that interest
exists, ‘honesty is the best policy’”.62
Decorre daí a afirmação de que a quantidade e a qualidade das informações
disponíveis sobre as partes podem incentivar a colaboração. Nas palavras de
Douglass North: “Normalmente observamos comportamento cooperativo
quando os indivíduos interagem repetidamente, possuem boa quantidade de

60. Economics, organization and management, 133. Por um lado, se os investimentos


específicos unilaterais costumam levar ao aumento da vulnerabilidade da parte, por
outro podem prestar-se a demonstrar a predisposição ao cumprimento da obrigação,
incrementando a confiança e facilitando a adaptação do negócio.
61. Robson Antonio Grassi, Williamson e “formas híbridas”: uma proposta de redefinição
do debate, 57.
62. Law in economy and society, 194. Segue Weber com a advertência de que “this pro-
position, however, is by no means universally applicable, and its empirical validity
is irregular; naturally, it is highest in the case of rational enterprises with a stable
clientele”.
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 199
informações sobre a contraparte, e quando o grupo é composto de reduzido
número de indivíduos”.63
Por fim, em mercados nos quais a reputação assume relevância, a estra-
tégia colaborativa pode significar ganhos futuros. Tal como ocorre no caso de
“sombra do futuro”, o agente econômico calculará as perdas econômicas que
o dano à sua imagem poderá trazer para outros negócios que realizará.

6.7 A visão dos economistas sobre os contratos de colaboração: as formas


híbridas
“These are exciting times for interdisciplinary social theory”. Essa afir-
mação de Williamson, feita ao final de um dos mais importantes artigos sobre
os contratos de colaboração, reflete o atual estágio da matéria.64
Os estudos dos economistas nos últimos anos revelam-se de singular
utilidade para os juristas, pois auxiliam a compreensão e a sistematização da
realidade. No que tange aos contratos de colaboração, a visão interdisciplinar
é mesmo indispensável.
Vimos que, para as empresas, existem basicamente duas principais formas
de se obter satisfação de necessidades econômicas: em algumas situações, será
mais vantajoso comprar o bem de que necessita, buscando-o no mercado; em
outras, pode mostrar-se mais interessante organizar fatores de produção para,
como resultado, obter o mesmo bem.
A primeira solução [ou, na linguagem econômica, “forma de governança”]
é denominada “de mercado”; a segunda, “hierárquica”, pois nela a organiza-
ção dos fatores de produção goza dos benefícios decorrentes da existência de
hierarquia, de comando. Explica-se a afirmação corrente entre os economistas:
“[m]arkets and hierarchies are two of the main alternatives”.65
Do ponto de vista jurídico, essa classificação [mercado/hierarquia] equi-
vale à linha hipotética antes exposta, que tem em um de seus extremos os
contratos de intercâmbio e, no outro, os de sociedade. A solução “de mercado”

63. No original: “We usually observe cooperative behavior when individuals repeatedly
interact, when they have a great deal of information about each other, and when
small numbers characterize the group” [Institutions, institutional change and economic
performance, 12].
64. Comparative economic organization – The analysis of discrete structural alternatives,
119.
65. Transaction-cost economics: the governance of contractual relations, 235.
|
200    CONTRATOS EMPRESARIAIS

corresponde à celebração de contrato de intercâmbio; por sua vez, a solução


“hierárquica” significa a constituição de sociedade.
Williamson aponta que a adaptação dos negócios ao longo do tempo é um
dos principais problemas das organizações. A linguagem econômica trata a
adaptação como “a capacidade de uma forma de governance de lidar com dis-
túrbios que continuamente surgem entre os agentes que a integram ao longo do
tempo”.66 Valendo-nos de terminologia jurídica, diríamos que, diante de novas
circunstâncias fáticas, é possível a desestabilização da disciplina do negócio
jurídico, ou mesmo sua inadequação ou insuficiência para dirigir a relação das
partes, comprometendo o seguimento do negócio. Assim, sua “adaptação ao
longo do tempo” é questão que requer tratamento jurídico.
Ao adotar a solução “de mercado” [i.e., ao preferir adquirir de terceiro o
bem de que necessita], a empresa tem grande liberdade para contratar o que
quiser, com quem entender conveniente. É-lhe facultado, sem grandes percal-
ços, substituir um fornecedor pelo outro. O agente econômico pode modificar
sua estratégia com relativa rapidez, adaptando-se a novos contextos. Como
exemplo, tomemos uma rede de restaurantes que adquire carne de certo forne-
cedor argentino. Caso o câmbio passe a ser marcadamente desvantajoso para o
importador, ou o produto tenha sua qualidade reduzida, poderá simplesmente
passar a comprá-lo de outra fazenda, sem enfrentar grandes problemas por
causa da mudança.
Nas formas hierárquicas [que chamamos “societárias”], essa liberdade
de atuação fica arrefecida; os percalços a serem enfrentados para modifi-
cação da estratégia são mais acentuados, dificultando sua implementa-
ção. Seguindo o exemplo, suponha-se que a rede de restaurantes tenha
decidido adquirir a fornecedora argentina, integrando-se verticalmente.
Nesse contexto, a modificação de fornecedor não é mais possível – ou é
excessivamente custosa.
Mas, de outra parte, a solução hierárquica apresenta vantagens decorren-
tes da possibilidade de comando da organização da atividade produtiva. Ainda
no mesmo exemplo, integração vertical possibilitaria à rede de restaurantes o
controle direto da qualidade da carne, além da garantia do fornecimento nas
entressafras.
Dizemos, assim, que as formas híbridas, quando comparadas à solução de
mercado, oferecem maior possibilidade de controle da organização; por outro

66. Robson Antonio Grassi, Williamson e “formas híbridas”: uma proposta de redefinição
do debate, 46.
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 201
lado, apresentam-se como alternativa mais maleável do que a hierárquica,
propiciando ao agente econômico a oportunidade de valer-se rapidamente das
oportunidades que surgem no mercado. O grau de autonomia das partes nas
formas híbridas é mais acentuado do que nos modelos hierárquicos, porém
inferior ao da solução de mercado.67
Na súmula de Williamson: os híbridos encontram-se entre a solução de
mercado e a hierárquica no que diz respeito aos incentivos, adaptabilidade e
custos burocráticos.68-69

6.8 A tomada de decisão nos contratos de colaboração


A tomada de decisões nas sociedades tende a ser menos árdua e custosa
do que nos contratos. Regra geral, mostra-se mais simples resolver problemas
entre sócios do que entre contratantes, pois, como ressaltamos, a disciplina
legal da sociedade regula de forma mais segura a solução de eventuais im-
passes.70
Para ilustrar essa afirmação, imagine-se situação em que quatro agentes
econômicos unem-se para desenvolver certa tecnologia, cada qual respon-

67. Williamson, Comparative economic organization, 104.


68. Williamson, Comparative economic organization, 107.
69. Ainda quanto às formas híbridas, “elas realçam a capacidade das firmas de lidarem
com distúrbios que os mercados à vista poderiam não ter facilmente, enquanto
mantêm os incentivos que a integração pura não tem. Por outro lado, um incremento
da frequência dos distúrbios pode inviabilizá-las, levando os agentes a preferirem
ou mercados ou hierarquias, que apresentam modos de adaptação para os quais
não é necessário o consenso mútuo, que leva tempo para ser alcançado” [Robson
Antonio Grassi, Williamson e “formas híbridas”: uma proposta de redefinição do
debate, 47].
70. Daí a afirmação de Williamson no sentido de que a tomada de decisão interna em uma
sociedade [que ele chama de “forma hierárquica de governança”] é mais fácil e menos
custosa do que aquela típica da forma híbrida [p.ex., contrato de colaboração], que
tem a “adaptação bilateral” mais tormentosa. São as seguintes as razões apontadas
por Williamson para justificar essa superioridade: “[1] proposals to adapt require less
documentation; [2] resolving internal disputes by fiat rather than arbitration saves
resources and facilitates timely adaptation; [3] information that is deeply impacted
can more easily be accessed and more accurately assessed; [4] internal dispute re-
solution enjoys the support of informal organization, and [5] internal organization
has access to additional incentive instruments – including especially career reward
and joint profit sharing – that promote a team orientation” [Comparative economic
organization, 104].
|
202    CONTRATOS EMPRESARIAIS

sável por 1/4 das despesas do empreendimento comum. Em determinado


momento, divergem quanto aos novos investimentos. Três deles entendem
que o objeto da pesquisa deve ser modificado, enquanto o outro coloca-se
contrário à alteração.
Caso a associação tenha se concretizado por meio de sociedade limitada,
a vontade de três sócios será em regra suficiente para a tomada de decisão: o
escopo da pesquisa seria modificado e o sócio descontente deveria retirar-se
da sociedade ou aceitar a deliberação.
No entanto, se os quatro agentes econômicos houvessem celebrado
um mero contrato, seria exigido o consenso para a alteração do objeto da
pesquisa. O princípio do pacta sunt servanda indica que a parte não pode
ser obrigada a aceitar outros termos para o negócio, exigindo sua adesão às
novas condições.
A obrigatoriedade do consenso para a modificação do negócio coloca
diante dos juristas questão crucial: como devem ser organizados os poderes de
decisão dentro dos contratos associativos, visando a aumentar as possibilidades
de seu sucesso?
Nos contratos de intercâmbio inexistem problemas quanto à distribuição
dos poderes de decisão, pois as partes mantêm absoluta autonomia. Na outra
ponta, em relação às sociedades comerciais, as soluções estão legalmente pre-
vistas, como apontamos.
Mas, no caso dos híbridos, como solucionar questões referentes à adap-
tação a novos contextos? Como distribuir o poder de decisão?71
A resposta deverá, necessariamente, levar em conta outra advertência
de Williamson: “the hybrid form of organization is not a loose amalgam of
market and hierarchy but possesses its own disciplined rationale”. Em suma,
cada forma de governança [mercado, híbridos e hierarquia ou, para os juristas,
contratos de intercâmbio, de associação e sociedades] possui lógica própria,72 que
há de ser considerada na formatação de sua disciplina jurídica.
Os contratos de colaboração não podem ser disciplinados como se fos-
sem meros intercâmbios e muito menos receber o tratamento reservado às
sociedades.

71. “[H]armonizing interests that would otherwise give way to antagonistic subgoal
pursuits appears to be an important governance function” [Williamson, Transaction-
-cost economics: the governance of contractual relations, 239].
72. Williamson, Comparative economic organization, 119.
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 203
Uma alternativa que poderia ser apresentada para o impasse seria a dis-
ciplina contratual das contingências, estabelecendo-se de antemão a decisão
que ambas as partes estariam obrigadas a aceitar.
No entanto, a eficácia desse mecanismo é limitada, pois, em sua maioria,
os contratos de colaboração são naturalmente incompletos. É do que passamos
a tratar.

6.9 A incompletude inerente aos contratos de colaboração


Os contratos de colaboração tendem a não prever a disciplina de todos os
problemas que podem ser enfrentados pelas partes durante o negócio. Reto-
mando o quanto afirmado nos capítulos anteriores, no momento da celebração
é impossível deter todas as informações sobre o negócio e sobre seu contexto,
inclusive futuro. Podem ser realizadas previsões, cálculos considerando pro-
babilidades, mas jamais haverá o controle do porvir. “Real people are not om-
niscient nor perfectly far-sighted”.73 Por isso, muitos contratos, especialmente
os complexos, são natural e inexoravelmente incompletos.74
As empresas assumem a incompletude natural dos contratos de associa-
ção como risco contra o qual se protegem na medida do possível e do que se
apresenta economicamente razoável. Os agentes econômicos desenham seus
contratos cientes de que, com toda a probabilidade, eles não serão perfeita-
mente adequados a todas as circunstâncias futuras; não obstante, procuram
moldá-los da melhor maneira.75
Por essas razões, o contrato de colaboração normalmente buscará:
[i] a possibilidade de adaptação eficiente às novas necessidades e às cir-
cunstâncias futuras;
[ii] restringir as chances de inadimplemento; as partes sabem que o
processo de execução contratual costuma ser lento e penoso, além de nor-
malmente não garantir compensação adequada aos prejuízos causados pelo
descumprimento da avença;

73. “No one could conceivably foresee every eventuality in such a complex environment.
Moreover, no human language could possibly be both rich enough and precise enough
to describe all the eventualities, even if they could be foreseen” [Milgrom e Roberts,
Economics, organization and management, 129].
74. “All complex contracts are unavoidably incomplete” [Williamson, The mechanisms
of governance, 377].
75. Milgrom e Roberts, Economics, organization and management, 131.
|
204    CONTRATOS EMPRESARIAIS

[iii] gerir da melhor forma possível o risco do oportunismo contratual,


especialmente na presença de investimentos idiossincráticos;
[iv] acordar mecanismos de gestão de eventos extraordinários que afetem
a economia contratual.76

6.10 Questões dogmáticas em aberto: inadimplemento nos contratos


de colaboração e culpa recíproca
Afirmamos que o direito ainda não desenvolveu instrumental satisfatório
para operar os contratos de colaboração, calcando-se a teoria geral nos negó-
cios de intercâmbio. Somente agora a doutrina começa a cogitar da solução
para um dos problemas mais comuns da prática dos contratos associativos:
as situações de inadimplemento recíproco, em que ambos os participantes não
cumprem suas obrigações, ou cumprem-nas com deficiências.
Destaca Verdera Server, em lição aplicável ao direito brasileiro, que “não
existe nenhuma norma relativa à solução do frequente problema derivado dos
chamados inadimplementos recíprocos: falta uma norma específica de caráter
geral”.77-78

76. Esses fatores são indicados por Massimiliano Granieri, Il tempo e il contratto, 233-4.
77. “[N]on esiste nessuna norma relativa alla soluzione del frequente problema derivato
dai c.d. inadempimenti reciproci: manca uma specifica norma di carattere generale”
[Verdera Server, Inadempimento e risoluzione del contratto, 371].
78. O Supremo Tribunal Federal assim decidiu: “Rescisão de contrato. Contrato bila-
teral. Obrigações recíprocas. Inadimplência [art. 1.092] do CC. Compensação de
culpas. 1. A imputação de inadimplência à contraparte não dispensa da exigência do
cumprimento de sua obrigação a quem visa competir o cumprimento da obrigação
simultânea e recíproca, conforme o art. 1.092 do CC. 2. Evidenciada a reciprocidade
das culpas, na condução do contrato, uma parte não pode tirar vantagem contra a
outra, importando em razão da compensação de culpa, rescindir o contrato, restabe-
lecendo o status quo ante”. Neste caso apreciado pelo STF, o construtor não entregou
a obra no prazo combinado. Não obstante, declarou o proprietário que, “por mera
liberalidade”, considerava a obrigação cumprida e marcava prazo para o recebimento
e pagamento. Essa declaração foi tomada pelo STF como responsável pela conduta
faltosa da contraparte, nos seguintes termos: “Se tal declaração pode ser responsa-
bilizada, de certo modo, pela conduta faltosa da contraparte no cumprimento de
sua obrigação contratual, não a eximiria, entretanto, de fazê-lo devidamente. Tenho,
portanto, diante dos fatos, que ambas as partes contribuíram com o seu comporta-
mento para a inadimplência que o Recorrente imputa ao Recorrido, não sendo justo
nem jurídico que uma das partes se beneficie da culpa de que partilha e para a qual
contribuiu. Assim, dou provimento ao recurso para julgar procedente, em parte, a
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 205
A doutrina tradicional oferece solução apenas para o inadimplemento
singular: a parte que não cumpriu sua obrigação não pode pleitear o adimple-
mento da do outro [cf. art. 476 do Código Civil].
Atualmente, a resposta ao importante problema do inadimplemento re-
cíproco deve ser buscada nos vértices gerais do sistema de direito comercial,
tais como:
[a] vedação do enriquecimento sem causa;
[b] respeito à boa-fé objetiva;
[c] proteção da legítima expectativa da outra parte;
[d] usos e costumes;
[e] vedação de aproveitamento da própria torpeza, de modo que nenhuma
das partes pode tirar benefícios de sua culpa.79
Ou seja, a solução dos problemas concretos baseia-se no recurso às cláu-
sulas gerais, com a imprevisibilidade a elas inerente.

6.11 Segue: adimplemento suficiente


Nos negócios de colaboração, muitas vezes a parte cumpre sua obrigação,
mas não o faz exatamente da forma contratada. Nessas hipóteses, a solução
tradicional – como sempre talhada para os contratos de intercâmbio –, aponta
para a possibilidade de denúncia pela parte “inocente”, nos termos do art. 475
do Código Civil.80
Entretanto, como é logo de se perceber, a autorização à denúncia pode
não se mostrar a solução mais adequada ao enfrentamento dos percalços de-
correntes dos contratos de associação, ainda mais quando o interesse do credor
mostrar-se em grande parte satisfeito, apesar da falta na prestação. Mais uma

rescisória do contrato, reconhecida a reciprocidade das culpas e mandando que as


partes voltem ao statu quo ante, conforme se apurar” [RE 93045/SP, j. 08.09.1981,
rel. Min. Rafael Mayer].
79. Diante do inadimplemento recíproco, entende Carvalho de Mendonça, o civilista,
que deve haver a compensação da culpa: “É um caso característico da compensação
da culpa, em que as duas ações se ilidem e nenhuma das partes pode contra a outra
tirar vantagem da culpa que lhes é comum” [Doutrina e prática das obrigações,
328].
80. Inexplicavelmente, não existe em nosso ordenamento texto normativo análogo ao
art. 1.455 do Codice Civile: “Art. 1.455. Importanza dell’inadempimento. Il contratto
non si può risolvere se l’inadempimento di una delle parti ha scarsa importanza,
avuto riguardo all’interesse dell’altra”.
|
206    CONTRATOS EMPRESARIAIS

vez, a resposta deve ser buscada nos princípios gerais de funcionamento do


tráfico mercantil, especialmente na boa-fé objetiva.
Na década de 70, Clóvis do Couto e Silva sustentava que a denúncia contra-
tual não poderia ser realizada de forma abusiva e contrária à boa-fé, atracando-
-se a parte que busca o término da relação a questões de menor importância.81
Atualmente, sua lição reverbera nos escritos de Ruy Rosado de Aguiar:
“A extinção do contrato por inadimplemento do devedor somente se
justifica quando a mora causa ao credor dano de tal envergadura que não
lhe interessa mais o recebimento da prestação devida, pois a economia do
contrato está afetada. [...] Usar do inadimplemento parcial e de importân-
cia reduzida na economia do contrato para resolver o negócio significa
ofensa ao princípio do adimplemento substancial, admitido do Direito e
consagrado pela Convenção de Viena de 1980, que regula o comércio in-
ternacional. No Brasil, impõe-se como uma exigência da boa-fé objetiva”.82

81. Cf. O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português. Na esteira das lições
de Clóvis do Couto e Silva, destaca-se toda uma geração de juristas gaúchos
hoje capitaneada por Judith Martins-Costa. Em especial, sobre o tema do “adim-
plemento substancial”, vale referir Anelise Becker, cujo artigo “A doutrina do
adimplemento substancial no Direito brasileiro e em perspectiva comparativis-
ta” tem servido de referência aos julgadores. Destaque-se a seguinte passagem
desse trabalho: “O direito de resolução é um direito formativo extintivo. Seu
fundamento está na distribuição da relação de reciprocidade, no rompimento do
equilíbrio contratual, que faz com que as partes de um contrato oneroso não mais
possam lograr o fim econômico-social por elas visado. O inadimplemento ou o
adimplemento inútil são causas de desequilíbrio porque privam uma das partes da
contraprestação a que tem direito. Por isso se lhe concede o direito de resolução,
como medida preventiva. Mas, para que haja efetivamente um desequilíbrio, algo
que pese na reciprocidade das prestações, é necessário que tal inadimplemento
seja significativo a ponto de privar substancialmente o credor da prestação a que
teria direito – não se pode tratar, portanto, simplesmente de falha secundária,
sem reflexo na economia contratual. No caso de adimplemento substancial, há
um adimplemento bom o suficiente para satisfazer o interesse do credor, pelo que,
não há comprometimento da comutatividade. Haverá, isto sim, com a resolução.
Eventuais diferenças serão remediadas através de indenização. Não há falar-se,
portanto, em resolução, tampouco em exceção de contrato não cumprido, eis que,
nestas circunstâncias, carecem de fundamento” [65].
82. Voto proferido no REsp 272.739/MG, julgado em 1.º.05.2001 pela 4.ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar.
OS CONTRATOS DE COLABORAÇÃO ENTRE EMPRESAS  | 207
Cumpre dar especial relevo a essa última observação do autor: a denún-
cia contratual por questões marginais anda contra a boa-fé, de forma que há
de ser afastada a solução tradicional no caso do chamado “adimplemento
suficiente”, ou seja, em que o interesse do credor resta em grande parte
satisfeito, apesar de o cumprimento da obrigação ter-se dado de maneira
parcial, e não total.
Assim como tem ocorrido na ciência econômica, nos próximos anos os
estudiosos do direito deverão debruçar-se sobre os contratos de colaboração,
aperfeiçoando a dogmática para dotar esses negócios de maior grau de se-
gurança e de previsibilidade. Para tanto, é preciso reconhecer que contratos
complexos são naturalmente incompletos; seu tratamento jurídico há de
ser feito de maneira a azeitar o fluxo de relações econômicas no mercado. O
contrato de colaboração, acima de tudo, é uma estrutura econômica e jurídica
capaz de gerar riquezas.
7
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS
Mercado, causa e função econômica dos negócios.
Racionalidade econômica x Racionalidade jurídica

Sumário: 7.1 A herança da escola exegética e o desprezo pela interpretação – 7.2 As


regras que formatam a atuação das empresas nos contratos. Regras endógenas e
exógenas. Prática de mercado e interpretação dos contratos empresariais – 7.3 Ainda
sobre as peculiaridades da interpretação dos contratos empresariais. Princípios jurí-
dicos próprios ao direito comercial e formatação do mercado – 7.4 Causa e motivo:
a necessidade de uma ótica de mercado. A importância da função econômica –
7.5 Causa como vetor da interpretação contratual. Novamente a função econômica
do negócio – 7.6 A racionalidade jurídica do direito comercial e a interpretação dos
contratos. Segurança e previsibilidade – 7.7 Racionalidade econômica e racionalidade
jurídica – 7.8 A utilidade da racionalidade econômica para a racionalidade jurídica.

7.1 A herança da escola exegética e o desprezo pela interpretação


Pouca importância dá-se à interpretação dos negócios empresariais,1 como
se a letra do instrumento existisse por si só, e por si só fosse capaz de discipli-
nar a relação formatada pelos agentes econômicos nos amplos quadrantes da
autonomia privada.
Uma das possíveis explicações para esse fenômeno está na preponderância,
até bem pouco tempo, do movimento tradicional que, a pretexto da obtenção
de maior grau de segurança e de previsibilidade jurídicas, relegava a atividade
interpretativa à segundo plano. O “intérprete deve ater-se à mera interpretação
literal ou remeter-se sempre à ‘interpretação autêntica’ – entendida esta como
a dada ao texto pelo legislador”.2 Há de se reservar “ao legislador o papel de
único intérprete, negando-se o mesmo aos juízes”.
Interpretar não deveria ir além de expor o “verdadeiro sentido de uma
lei obscura por defeitos de sua redação, ou duvidosa com relação aos fatos

1. V. Richard Posner, The law and economics of contract interpretation.


2. Cf. Eros Roberto Grau, explicando a “interpretação negativa” e dando notícia de sua
superação pela “nova hermenêutica”, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação
do direito, 66.
|
210    CONTRATOS EMPRESARIAIS

ocorrentes ou silenciosa. Por conseguinte, não” teria “lugar sempre que a lei,
em relação aos fatos sujeitos ao seu domínio, é clara e precisa”.
Na súmula de Gaudemet sobre a Escola Exegética: “toute solution juridique
doit se tirer d’un texte du Code, soit directement, soit par déduction, soit par
induction; [...] tout problème de droit se réduit à la recherche de la volonté,
expresse ou présumée, du législateur”.3
Gerações influenciadas por Paula Baptista, ainda que o neguem formalmen-
te, ou façam-no inconscientemente,4 seguem reproduzindo as seguintes máximas:
– a interpretação deve limitar-se aos “casos acidentais de obscuridade nas
leis”. A doutrina que nega esse pressuposto possui natureza “vaga e absoluta”,
que “pode fascinar o intérprete, de modo a fazê-lo sair dos limites da interpre-
tação para entrar no domínio da formação do direito”;
– o primeiro dos meios de interpretação é o exame da construção do texto
segundo as regras da ortografia, da sintaxe, e “do mais que respeita à pureza
da linguagem”. Após, “[d]eve-se também recorrer aos diversos sentidos das
palavras, o gramatical, jurídico, usual, absoluto ou relativo, exemplificativo
ou taxativo, simplesmente enunciativo ou dispositivo etc., conforme o caso
exigir, e sempre com o cuidado de dar às palavras a significação que tinham ao
tempo em que a lei foi feita. Conseguindo-se, assim, ligar ao texto seu verda-
deiro sentido, já não é lícito aventurar-se a outros meios, salvo se servirem de
corroborar este mesmo sentido, redobrando sua força e autoridade”;
– “[e]m nenhum caso [...] é permitido negar execução ou alterar o sentido
de uma lei clara por ser a sua letra rigorosa, dura e desarrazoada, e não se lhe
pode atribuir um motivo justo e razoável, porquanto a ignorância dos verda-
deiros motivos da lei não fá-la decair de sua força e autoridade, e por muito
que o intérprete presuma de si, deverá convencer-se de que, neste caso, a falta
é antes sua do que do legislador”;5
– “[f]ica subentendido que, quando a disposição da lei é clara é ilimitada,
se não devem fazer distinções arbitrárias, que enervem o seu sentido, e des-
truam a sua generalidade”.6

3. Eugène Gaudemet, L’interpretation du Code civil en France depuis 1804, 51. Vale, tam-
bém, considerar o resumo de Fernand Mallieux sobre a doutrina de Laurent [L’exégèse
des codes et la nature du raisonnement juridique, 13 e ss.].
4. Em 1983, Alfredo Buzaid afirmava que o compêndio de Paula Baptista “conserva
palpitante atualidade, podendo ser lido e consultado, com real proveito, por juristas,
professores, juízes, advogados e membros do Ministério Público” [Apresentação, in
Francisco de Paula Baptista, Compêndio de hermenêutica jurídica].
5. Paula Baptista, Compêndio de hermenêutica jurídica, 37.
6. Paula Baptista, Compêndio de hermenêutica jurídica, 39.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 211
Compõe ainda esse cenário – cujo principal apanágio é o ostracismo da
atividade interpretativa – o fato de apenas recentemente termos nos dado conta
de que o regramento jurídico talhado para contratos de intercâmbio [i.e., cujo
escopo é estabelecer prestação e contraprestação destinadas a exaurir-se no
momento do adimplemento] não basta à disciplina dos contratos de longa
duração, cujo foco é o estabelecimento de uma relação duradoura entre as
partes, e não somente uma troca imediata.
As discussões jurídicas sobre negócios mercantis e sua interpretação
gravitam quase que exclusivamente7 em torno dos problemas derivados dos
contratos em que o lucro de uma parte significa o prejuízo da outra [“meu lucro
é o seu prejuízo”],8 tais como as operações de compra e venda.
Mesmo no estrangeiro, não são muitos os trabalhos sobre a interpreta-
ção dos contratos empresariais. Nos países de tradição anglo-saxã, o apego
ao texto do instrumento constitui forte impulso na exegese dos acordos. Os
estudos sobre economia comportamental e economia institucional, desenvol-
vidos naqueles países, parecem ainda não ter impactado satisfatoriamente a
interpretação contratual. Até observações sobre a psicologia das decisões têm
chamado mais a atenção do que os mecanismos jurídicos de interpretação.9
Já se disse que, no mundo do Direito, “não há uma única interpretação
correta”.10 Todavia, reconhecer que, para cada caso concreto, há uma pluralida-

7. Como sempre, a genialidade de Ascarelli faz dele exceção. A análise de suas pon-
derações sobre os contratos plurilaterais é indispensável [O contrato plurilateral,
Problemas das sociedades anônimas e direito comparado].
8. Na expressão de Jhering, resgatada por Eros Roberto Grau.
9. Como exemplo, v. de Edna Sussman, Arbitrator decision making: unconscious phi-
chological influences and what you can do about them.
10. Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito,
102. Kelsen critica a visão tradicional de que haveria apenas uma interpretação
correta em cada caso concreto. Há, na verdade, uma “moldura” estabelecida pelo
texto normativo que permite, em seu seio, interpretações em várias direções. “O
Direito […] forma […] uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades
de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste
quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível. […]
Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma
única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que
[…] têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do
órgão aplicador do Direito. […] A teoria usual da interpretação quer fazer crer que a
lei, aplicada ao caso concreto, poderia fornecer, em todas as hipóteses, apenas uma
única solução correta [ajustada], e que a ‘justeza’ [correção] jurídico-positiva desta
decisão é fundada na própria lei. Configura o processo desta interpretação como se
se tratasse tão somente de um ato intelectual de clarificação e de compreensão, como
|
212    CONTRATOS EMPRESARIAIS

de de decisões juridicamente possíveis mostra-se demasiadamente desafiador,


especialmente diante da tradição que identifica no processo interpretativo
mecanismo capaz de assegurar segurança e de previsibilidade. Ao não trazer
uma única resposta adequada, a interpretação carrega consigo insegurança,
escancarando fragilidade que, muitas vezes, não se quer ver reconhecida.
Isso não justifica que se atire o estudo da interpretação dos contratos
empresariais ao ostracismo, como tem sido feito. A dogmática aí está para
buscar a coerência sistêmica da interpretação, azeitando a fluência de relações
econômicas. O momento da interpretação do contrato não pode ser uma “terra
de ninguém”, um “vale tudo” que abre espaço a um pragmatismo caótico ou
ao arbítrio do julgador. Respeitados os quadrantes da legalidade e os limites
impostos à autonomia privada, aquele que julga não está autorizado a trans-
formar o contrato em algo diferente do que as empresas acordaram.

7.2 As regras que formatam a atuação das empresas nos contratos. Re-
gras endógenas e exógenas. Prática de mercado e interpretação dos
contratos empresariais
O substrato do sistema de direito comercial é composto por dois tipos
de normas, que acabam desaguando na disciplina da atuação das empresas:
[i] aquelas originadas dos próprios comerciantes em sua prática e que
viabilizam a fluência de relações no mercado, sob a mesma força motriz do
nascimento do direito comercial, da nova lex mercatoria11 e dos usos e costumes
comerciais;

se o órgão aplicador do Direito apenas tivesse que pôr em ação o seu entendimento
[razão], mas não a sua vontade, e como se, através de uma pura atividade de inte-
lecção, pudesse realizar-se, entre as possibilidades que se apresentam, uma escolha
que correspondesse ao Direito positive, uma escolha correta [justa] no sentido do
Direito positivo” [Teoria pura do direito, 366-367].
11. Ensina José Alexandre Tavares Guerreiro: “somente na corporação medieval se
vislumbrou um centro de irradiação normativa, autônomo em relação ao Estado e
capaz, por isso mesmo, de diferenciar um setor de atividade nitidamente profissional,
vocacionado a atuar acima das limitações políticas, em plano caracteristicamente
inter ou supranacional” [Fundamentos da arbitragem do comércio internacional, 89].
Interessante a crítica de Hermes Marcelo Huck sobre os limites da lex mercatoria, que
nos faz perceber a força das regras originadas dos Estados sobre aquelas talhadas
pelos comerciantes: “As regras do comércio internacional encontram-se sempre
vinculadas a um direito nacional. Paralelamente a essa vinculação, deve haver uma
aceitação dos princípios desse conjunto de regras pelos próprios direitos nacionais,
pois, caso contrário, a ordem pública soberana de cada Estado há de barrar a aplica-
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 213
[ii] aquelas nascidas de autoridades exógenas aos comerciantes que devem
introduzir no jogo jurídico a proteção de interesses outros que não apenas
aqueles dos mercadores.12-13
A dicotomia que acabamos de destacar é historicamente comprovada.14 Em
sua origem, o direito comercial emerge, por volta do século XII, da necessidade
prática dos mercadores, para quem o direito romano [que então estava sendo
redescoberto] não bastava para [i] atribuir um maior grau de segurança e de
previsibilidade às relações comerciais e [ii] proteger a celeridade e outras carac-
terísticas peculiares da vida mercantil. Mas, ao mesmo tempo em que os comer-
ciantes gravavam suas normas conforme suas aspirações, as comunas procuravam
disciplinar as atividades dos mercadores [e das corporações de ofício] para o
resguardo de interesses diversos.15 Os exemplos de regras buscando proteção
para os consumidores grassam e podem ser pinçadas dos autores especializados.
Citemos a vedação do açambarcamento de mercadorias em Florença, punindo
com multas os acordos monopolísticos, e a Ordenança de Messina de Ricardo
e Felipe Augusto, no ano de 1190, assegurando que os membros das Cruzadas
tivessem pão a um preço não excessivo. Sapori relata várias normas que seriam
destinadas ao amparo do consumidor, impostas pela comuna; em Florença, um
fiscal, ao fim do dia, cortava a cauda de todos os peixes que haviam sido postos
à venda, para que o comprador, no dia seguinte, soubesse que o produto não era
fresco. Empregava-se mecanismo das feiras para evitar abusos de preços por parte
dos comerciantes, principalmente de gêneros de primeira necessidade, com a

ção direta ou indireta desse mesmo conjunto de princípios perante o referido direito
nacional” [Sentença estrangeira e lex mercatoria. Horizontes e fronteiras do comércio
internacional, 118].
12. Sobre a tensão existente entre o regramento das corporações e das cidades, v. Calasso,
Gli ordinamenti giuridici del rinascimento medievale, 143 e ss.
13. Mais recentemente, os estudos de Schioppa iluminam os limites de autorregulação
dos estatutos das corporações. Saggi di storia del diritto commerciale, 29.
14. A propósito, Grossi: “Se è vero che il diritto trova oggi ‘normalmente’ nel legislatore
e nella pubblica amministrazione i suoi abituali produttori è pur vero [ed è oggi
acquisizione indiscussa] che la produzione del diritto è privilegio esistenziale di
ogni agglomerazione sociale che intenda vivere appieno la propria libertà nella
storia: dalla struttura maestosa e mostruosa dello Stato a quella di una comunità
spazialmente e temporalmente esile si ha il miracolo di quello specifico sociale che
è il diritto ogni qual volta la societas si organizza autoordinandosi e unisca al fatto
materiale della organizazzione la diffusa coscienza del valore primario ed autonomo
dell’ordinamento posto in essere” [L’ordine giuridico medievale, 19].
15. O que não impediu que, em muitas cidades, as corporações de ofício amalgamassem-
-se com o poder político, influenciando-o.
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214    CONTRATOS EMPRESARIAIS

imposição da liquidação da mercadoria antes do final da feira. Os comerciantes


eram obrigados a contratar funcionários públicos para efetuar a pesagem de
suas mercadorias.16 Algumas cidades chegaram a fixar o lucro máximo que uma
determinada categoria profissional poderia obter para “tutela dos consumido-
res menos abastados”.17 Na Idade Antiga havia normas que tinham por escopo
impedir a exploração da população pelos mercadores.18
Crônicas históricas à parte, o fato primordial é que sempre, desde o seu
nascimento, a disciplina comercial assumiu esse duplo aspecto: de um lado,
temos as normas esculpidas pelos comerciantes, conforme suas necessidades; de
outro, as normas que procuram [sem abortar a lógica de funcionamento do mercado]
proteger interesses além daqueles dos mercadores, dos comerciantes, das empresas,
subjugando o determinismo econômico.
Muitas das normas advindas da prática comercial acabam positivadas em
textos normativos emanados do poder político, porque é inerente ao direito
comercial e ao seu sistema o reconhecimento da força genética da práxis. Esses
dois tipos de diretrizes convivem no seio do ordenamento jurídico comercial,
formando um só todo organizado, sem contradições ou lacunas, visando a
assegurar a fluência das relações econômicas.19
O desprezo da prática como elemento essencial de organização do sistema
implicaria a ineficaz obstrução do fluxo de relações do mercado: as avenças
comerciais encontram sua razão de existir na atividade dos empresários,
porque devem desempenhar determinadas “funções econômicas”. Ou seja,
as contratações comerciais obedecem à lógica da função econômica que estão
destinadas a desempenhar.20
O texto do contrato empresarial é fruto de uma práxis. “Para viver e para ser
compreendido deve retornar à praxe social e a ela remeter-se constantemente”.
“A construção de significados se determina e se redetermina incessantemente
na praxe, na interação social, nas diversas formas de vida”.21

16. Cf. Clive Day, Historia del comercio, 51.


17. Por isso, Sapori observa a força política das corporações mais poderosas: o lucro mé-
dio do comércio de tecidos franceses era da ordem de 12%, sendo certo que o lucro
de um padeiro e outros profissionais pertencentes a categorias menores estava bem
abaixo desse percentual [Studi di storia economica medievale, 222].
18. Paula A. Forgioni, Os fundamentos do antitruste, capítulo primeiro.
19. Sobre a coerência e completude do ordenamento jurídico, v. Norberto Bobbio, Teoria
generale del diritto, 173 e ss.
20. O art. 187 do CC manda-nos considerar o “fim econômico” do direito assegurado a
uma parte para caracterizar seu eventual exercício abusivo.
21. Giuseppe Zaccaria, “Testo giuridico e linguaggi: una prospettiva ermeneutica”, 8.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 215
Esse talho peculiar da matéria comercial, impregnada da prática de mer-
cado, trouxe consequências teóricas relevantes:
[a] a causa do negócio no direito comercial assume importância, porque
permite a objetivação do comportamento do comerciante no mercado e, com
isso, a possibilidade de seu cálculo pelo outro. A atenção à causa do negócio
transforma-se em fator intrinsecamente ligado à proteção da legítima ex-
pectativa da outra parte, da chamada boa-fé objetiva e, como quer Roppo, à
“gestão de uma economia capitalista”22 ou às “regras de bom funcionamento
do mercado”;23
[b] a racionalidade econômica do empresário sempre foi considerada pelo
direito comercial e pela jurisprudência. Evita-se a tomada de decisões judiciais
que fujam da racionalidade própria do agente, rebatida na boa-fé e na proteção
da legítima expectativa. A previsão do standard do homem “ativo e probo”24
nada mais é senão a assunção de uma racionalidade própria aos empresários
[socialmente típica] depurada pelo direito [regras cogentes] como um padrão
interpretativo;
[c] a proteção da eficiência das decisões empresariais é outra fonte em
que há muito se fartam os intérpretes autênticos25 e o ordenamento jurídico.
A imposição de diretivas que comprometem a segurança e a previsibilidade do
mercado sempre causou preocupação, bem como decisões que amarfanhassem
a lógica do sistema.
Chega-se a importante conclusão: a racionalidade do agente econômico e
a busca da eficiência do sistema são fatores de que o direito comercial necessita
[e sempre necessitou] para assegurar o funcionamento adequado do merca-
do e a sua preservação. São aspectos estudados em muitas de suas faces pela
ciência econômica, mas que estão presentes na vida do direito comercial. Sua
consideração enquanto elemento jurídico passa pela interpretação das avenças,
dos direitos e das obrigações comerciais, reanimando conceitos clássicos como
boa-fé, proteção da legítima expectativa da outra parte e dando novo fôlego à
teoria da causa do negócio jurídico.

22. O contrato, 224.


23. O contrato, 223.
24. A Lei das Sociedades por Ações [Lei 6.404, de 1976] positivou esse princípio de
forma expressa em seu art. 153: “O administrador da companhia deve empregar,
no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo
costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”. O art. 68, § 1.º, a,
impõe o mesmo padrão comportamental para o agente fiduciário dos debenturistas.
25. Usamos a expressão “intérprete autêntico” no sentido que lhe é dado por Kelsen.
|
216    CONTRATOS EMPRESARIAIS

7.3 Ainda sobre as peculiaridades da interpretação dos contratos empre-


sariais. Princípios jurídicos próprios ao direito comercial e formatação
do mercado
Um ramo autônomo do direito é regido por princípios peculiares; o ele-
mento de distinção é a “peculiaridade de seus princípios jurídicos”.26 Ferrara
identificava a existência de “principi direttivi che sono diversi ed opposti
rispetto a quelli che valgono per gli stessi rapporti degli altri settori. Il valore
dell‘autonomia si manifesta nel campo dell’interpretazione, perchè importa la
necessità di anteporre, nell’ambito del settore, il regolamento che si desume
dall’analogia e dai principi generali del sistema autonomo, all’applicazione
del diritto comune”.27
A moderna teoria da interpretação ensina que os princípios embasam
as regras e lhes são hierarquicamente superiores, configurando, pois, todo o
sistema. Desempenham papel fundamental na interpretação do direito e dos atos
jurídicos: a exegese deve obedecer aos vetores que conformam o ordenamento.28
O direito comercial tem fundamentos próprios, mesmo diante de um código
obrigacional único. Há muito, Goldschmidt explicou que o que é uma qualidade
no direito civil pode ser um defeito no direito comercial [como a formalidade,
por exemplo].29 No auge de sua experiência, Vivante afirmou que o espírito de
classe e a lógica da especulação imprimem à atividade comercial um “ímpeto de
iniciativa” e uma “refinação de técnica” diversos do direito civil.30 A completa

26. “A explicação da autonomia do direito comercial não está apenas em peculiarida-


des técnicas necessariamente inerentes à matéria por ele regulada, mas na peculiari-
dade dos seus princípios jurídicos, acolhidos de início em um âmbito limitado [...],
sucessivamente em um âmbito mais vasto” [Problemas das sociedades anônimas, 93].
“Ciò che determina la nascita di un diritto speciale è non già la semplice peculiarità
tecnica della materia, ma la novità dei principi giuridici”. “É dunque innanzi tutto
sulla specialità dei suoi principi che si si può fondare l’esistenza di un diritto speciale:
principi speciali, frutto a loro volta di una speciale mentalità storica e che rimango-
no speciali fino a che i concetti generali dei quali sono la conseguenza rimangono
limitati ad un determinato ambito o almeno agiscono in un determinato ambito con
particolare intensità” [La funzione del diritto speciale e le trasformazioni del diritto
commerciale, 6].
27. Francesco Ferrara, Gli imprenditori e le società, 8 e, na tradução espanhola, Empre-
sarios y sociedades, 14.
28. Cf. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988 [interpretação e
crítica], 73-120. Do mesmo professor, O direito posto e o direito pressuposto, 46-47.
29. Storia universale del diritto comerciale, 13.
30. “La difesa di classe e lo spirito di speculazione imprimono alla attività commerciale
un tale impeto de iniziative e una tale finezza di tecnicismo, che non è possibile di
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 217
unificação não implica, apenas, eliminar o que Fábio Konder Comparato chamou
de “duplicidade de normas legais, referente a algumas obrigações privadas”.31
Trata-se de admitir que ambos os sistemas estariam submetidos a idênticos
princípios. Em muitos pontos, a eliminação de duplicidade realmente ocorreu
com o advento do novo Código. Todavia, o direito comercial não foi sepultado,
porque continua existindo, vigoroso, com seus “princípios peculiares”.
Essa digressão foi necessária para [re]afirmar que os contratos comerciais
obedecem à lógica diversa daqueles civis ou consumeristas, o que influencia sua
interpretação.32 Essa peculiaridade decorre da realidade, da prática, dos “usos
e costumes da praça”. Qualquer comerciante – e isso é mais do que reconhe-
cido por nosso direito positivo – leva em conta o “padrão de normalidade”
do mercado [= prática, usos e costumes] para pautar o seu comportamento,
para calcular a jogada da contraparte, diminuindo o fator risco e aumentando
a eficiência da sua atuação e do sistema como um todo. A tradicional proteção
e o reconhecimento da força normativa dos usos e costumes pelo direito positivo
comercial têm esse sentido de possibilitarem o cálculo do futuro e pautarem a ati-
vidade conforme a intenção de assunção de determinado risco.

7.4 Causa e motivo: a necessidade de uma ótica de mercado. A impor-


tância da função econômica
No estudo jurídico dos tipos contratuais, costuma-se desprezar a moti-
vação que levou o agente a celebrar o acordo. Isso porque, tradicionalmente,
“[n]o direito comum domina o princípio da irrelevância dos motivos”.33 A
explicação desse fato é dada por Serpa Lopes: “os motivos determinantes da
vontade de contratar permanecem, em sua maioria, no desconhecimento da
outra parte contratante” e a sua consideração prejudicaria “a segurança dinâ-
mica do negócio jurídico”.34
A doutrina distingue os motivos da causa da avença.35 Para Pontes de Mi-
randa, “[c]om a causa [...] não se confundem os motivos, que levam a pessoa

affidare all’esame del legislatore civile una simile materia che è in continua evoluzio-
ne” [L’autonomia del diritto commerciale e i progetti di riforma, 573].
31. Fábio Konder Comparato, Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, 246.
32. V. a sempre atual lição de Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito,
379 e ss.
33. Alcides Tomasetti Jr., Abuso de poder econômico e abuso de poder contratual, 92.
34. Curso de direito civil, vol. 1, 484.
35. Um dos mais clássicos estudos, sempre mencionado, é o trabalho de Bonfante, publi-
cado na Rivista di Diritto Commerciale, 1.ª parte, de 1908, 115, intitulado Il contratto e
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218    CONTRATOS EMPRESARIAIS

a praticar o ato. Não se inserem, êsses, no suporte fáctico; ficam aquém, ou


além; psicologicamente, subjazem. Isso importa em dizer-se que não entram
no mundo jurídico, porque só entrariam se integrassem o suporte jurídico, e
não o integram”.36 Nas palavras de Serpa Lopes, o “motivo liga-se ao passado,
prende-se às forças internas determinadoras da volição, enquanto que a causa
age como elemento integrante do acordo de vontades, ligado ao futuro”.37 Os
“motivos íntimos que acionam a vontade das partes”, afirma Orlando Gomes,
“são, de regra, irrelevantes, nada tendo a ver com o problema da causa”. À ordem
jurídica interessaria o propósito dos contratantes, que somente seria lícito se não
tivesse finalidade ilícita ou imoral.38 Junqueira afirma que os motivos, mesmo
aqueles determinantes, são, em tese, irrelevantes para o direito, podendo-se
falar em um “princípio geral da irrelevância dos motivos”.39
No entanto, hoje muitos autores refutam a separação absoluta entre
causa e motivo. Para Guido Alpa, por exemplo, essa segmentação seria uma
“mitizzazione”.40 Para Bessone e Roppo, na raiz do pretenso princípio geral
da irrelevância dos motivos está o “vício de abstração” que historicamente
contamina as teorias do negócio jurídico e mesmo o método dogmático do
direito civil.
De qualquer forma – e disputas doutrinárias à parte –, é importante ob-
servar que os motivos, enquanto permanecem no íntimo do agente e não são
objetivados, realmente não assumem maior relevância jurídica, ao menos no
campo do direito comercial, uma vez que isso nos levaria a nível insuportável de
insegurança e de imprevisibilidade. Quem arriscaria contratar se a contraparte
pudesse liberar-se das obrigações assumidas, alegando que, no fim das contas,
a avença não correspondeu ao que ela intimamente esperava?
Contudo, muitos “motivos” são “objetivos” porque, no torvelinho do mer-
cado, todos os agentes econômicos “ativos e probos” costumam levar em conta
certos motivos para realizarem determinados negócios [ou seja, o mercado acaba

la causa del contrato, em que sustenta que a causa é o motivo mais próximo, elevado
a “motivo giuridico”. Imperiosa a referência ao clássico estudo de Joseph Timbal, De
la cause dans les contrats et les obligations en droit romain et en droit français. Etude
critique, de 1.882. Mais recentemente, em 2006, Jacques Guestin publicou Cause de
l’engagement et validitè du contrat, que tem encontrado grande repercussão.
36. Tratado de direito privado, t. III, 101.
37. Curso de direito civil, vol. 1, 482.
38. Introdução ao direito civil, 329.
39. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 121.
40. Causa e contratto: profili attuali, 267. Sobre a inadequação dessa “drástica contra-
posição”, Bessone e Roppo, Rischio contrattuale ed autonomia privata, 21 e ss.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 219
tornando objetivos os motivos juridicamente relevantes]. O motivo acaba relacio-
nando-se intrinsecamente à causa [= função econômica]41 da avença, estudada
no capítulo quinto. Por isso, muitos italianos modernos têm se voltado contra o
dogma da separação entre causa e motivo. E alguma razão parece lhes assistir.42
Toda construção teórica apoiada na causa do negócio tem origem na
doutrina civilista. O principal problema enfrentado diz respeito à inclusão
da causa entre os requisitos essenciais do negócio, em especial do contrato. Por
exemplo, o Código Civil de 1916 dispunha, em seu art. 90, que “só vicia o
ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob forma de
condição”. Hoje, o art. 140 do novo Código dispõe que o “falso motivo só vicia
a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”. E, mais
adiante, no art. 166, III, fulminará com a nulidade o negócio jurídico em que
“o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito”.
Orlando Gomes nos conduz pelo resumo de disputa entre teóricos de es-
col: tratando da teoria da causa, podemos identificar duas escolas principais:
causalistas e não causalistas. Estes não atribuem à causa o papel de requisito
essencial do negócio jurídico, porque “não pode ser requisito essencial do negócio
um elemento que está fora de seu conteúdo”. Os causalistas apartam-se entre
os adeptos da teoria subjetiva da causa e da teoria objetiva. A causa subjetiva
seria a “razão determinante da vontade de contratar”. Os objetivistas lidam
com a significação social do negócio e sua função. A causa é liberada do seu viés
psicológico, nada tendo a ver com a motivação subjetiva. Nessa última linha,
temos autores como Scognamiglio, Betti e Scialoja. Por todos os brasileiros, a
obra de Torquato Castro.
Alguns criticam os causalistas, argumentando que confundiram a causa
com o conteúdo do negócio. Orlando Gomes rebate essa alegação, apondo

41. Alguns autores preferem referir à causa enquanto fundamento econômico do contrato
e não como função econômica.
42. Para Alpa e Bessone: “di regola i motivi sono irrilevanti” por questões de certeza e
segurança jurídicas. Mas, os mesmos autores logo advertem que a distinção entre
causa e motivo não é tão simples. Devem-se considerar os motivos como “circuns-
tâncias objetivas” e não como razões psicológicas internas e a causa como escopo
da manifestação da vontade. Esvaem-se, assim, os limites entre a causa e o motivo.
O motivo passa a ser definido como “circunstância objetiva externa” que influencia a
repartição dos riscos contratuais e torna-se um instrumento para adequar o resultado do
negócio às legítimas expectativas das partes. Temos, então, uma revaloração do motivo e
desmentimos o dogma da sua irrelevância [Elementi di diritto privato, 269-272]. Essa
linha parece ter sido seguida pelo art. 166, III, do Código Civil de 2002, quando
refere-se ao “motivo comum” das partes.
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220    CONTRATOS EMPRESARIAIS

que o objeto é “a coisa, ou a prestação, sobre que incide o vínculo, enquanto a


causa é a finalidade do próprio negócio”.43 Ademais, devemos reconhecer que,
“sendo o negócio jurídico o instrumento da vida econômica, o propósito de
sua realização tem importância fundamental. [...] Adquire relevo, em conse-
quência, o aspecto funcional, isto é, como esclarece Santoro Passarelli, saber
se o interesse que se tende a alcançar é digno de tutela jurídica”.44
Antônio Junqueira de Azevedo adverte que os juristas devem notar o “fim
último” do negócio, que assume diversas funções: “a] se ilícito, é por ele que
se pode decidir pela nulidade dos negócios jurídicos simulados, fraudulentos
etc. [...]; b] se se torna impossível, o negócio deve ser ineficaz; [...] c] é ainda
o fim último que explica a pós-eficácia das obrigações; d] serve, finalmente
para interpretar corretamente o negócio concreto realizado pelos declarantes”.45
Retornando ao campo do direito comercial, para fins da interpretação dos
contratos, a função da causa que nos interessa não é aquela de determinar a
licitude ou ilicitude da avença, nem tampouco saber se deve ser incluída entre os
requisitos essenciais do ato jurídico. O importante é compreender como a causa
do negócio pode pautar a sua interpretação, de acordo com a lógica do sistema de
direito comercial [ou conforme os seus princípios peculiares].46
O desprezo do estudo da causa do negócio não se justifica no direito comer-
cial, na medida em que a função econômica do ato mercantil acaba delineando
sua análise jurídica, quer no aspecto interno do contrato [que diz respeito à
relação jurídica entre os contratantes], quer em seu aspecto externo [efeitos
da avença sobre a concorrência]. Essa sempre foi a posição de grandes comer-
cialistas. Por todos, vale lembrar Ascarelli e Vidari. Para o primeiro, causa é a
função econômica do negócio e o elo entre o aspecto econômico e aquele jurídico:
“A noção de causa do contrato [pouco importando se mencionada ou
não mencionada na lei] servirá, por isso, como elemento identificador e
classificador dos contratos, o que, por seu turno, servirá para a identificação

43. Introdução ao direito civil, 330.


44. Introdução ao direito civil, 332.
45. Negócio jurídico e declaração negocial – Noções gerais e formação da declaração nego-
cial, 129.
46. É o mesmo Prof. Junqueira que ensina, ao explicar um dos sentidos que a causa pode
assumir, qual seja, enquanto função econômico-social: “Nesse significado, a causa
é de grande importância, na dogmática jurídica e na política legislativa, para boa
compreensão de cada instituto e de cada tipo de negócio, mas, na verdade, pouco
influi na validade e eficácia de cada negócio concreto” [Negócio jurídico e declaração
negocial – Noções gerais e formação da declaração negocial, 128].
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 221
da disciplina jurídica aplicável; constituirá como traço de união entre o
aspecto econômico e o jurídico.”47
Para o segundo:
“Ricercare la causa dei contratti, è lo stesso che ricercare la ragione per cui
l’uno dei contrenti od ambedue [se il contratto è bilaterale] si determinano
ad assumere una data obbligazione.”48
A causa pode servir como elemento da integração contratual, principal-
mente quando tratamos de contratos atípicos. Para Larenz, a subsunção de
um acordo a determinado tipo acaba por determinar a incidência de normas,
em caso de necessidade de integração contratual.49 No caso dos contratos
atípicos, é bastante razoável que o intérprete valha-se da motivação [intento
objetivo] dos agentes ao celebrar a avença para, diante de eventual lacuna,
definir as normas integrativas ou a correta interpretação contratual. Ensina-
va Torquato Castro, “os atos pertencentes ao mesmo tipo têm causa única,
constante, uniforme”.50

7.5 Causa como vetor da interpretação contratual. Novamente a função


econômica do negócio
Na literatura jurídica, a noção de causa gera perplexidades e opiniões
divergentes, e muito se discute a conveniência de se atribuir qualquer “signi-
ficado útil a um termo que continua a parecer perigosamente indeterminado,
equívoco e polivalente – quase destinado a permanecer muito vago e miste-
rioso”. “Conceito indecifrável”, “elucubração metafísica” ou “a mais filosófica
das palavras”.51 “Conceito pouco seguro”,52 enfim.

47. Panorama do direito comercial, 63-64.


48. Corso di diritto commerciale, vol. 4, 62.
49. “[...] la ley ha previsto para las clases típicas y frecuentes de contratos, y en forma de
normas complementarias pero dispositivas – esto es, renunciables por las partes –,
regulaciones que ejercen su función siempre que un contrato determinado sea típi-
co, y si las partes no hubiesen dispuesto otra cosa respecto al punto de que se trate”
[Derecho civil, 751]. V., sobre tipo e tipificação, Rachel Sztajn, Contrato de sociedade
e formas societárias, 9-19; Carlo Bhedusci, Tipicità e diritto, contributo allo studio della
razionalità giuridica, e Giorgio de Nova, Il tipo contrattuale.
50. Da causa no contrato, 40.
51. Transcrições de Bessone e Roppo, Volontà dei privati e controlli dell’ordinamento:
formazione, contenuto e validità del contratto, 3-4.
52. Michele Giorgianni, Negozi giuridici collegati, 11.
|
222    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Nesta altura da nossa exposição, estamos aptos a perceber que, hoje, quan-
do referimos à motivação [intento] do agente [relacionada à racionalidade de
sua conduta e à objetivação do mercado] e à causa do negócio, abandonamos
o caráter subjetivo de sua intenção. Não é mais possível, no campo das relações
econômicas, definir o motivo do negócio como “a razão contingente subjetiva
e, por isso mesmo, variável de indivíduo a indivíduo, que leva a pessoa a cele-
brar um contrato”.53 Estamos tratando, no mínimo, da “intenção comum” das
partes, a que se refere Pothier54 ou, valendo-nos das lições de Scognamiglio, da
“justificação objetiva do ato de autonomia privada em contraposição às razões
subjetivas que o motivaram”.55 Inocêncio Galvão Telles refere-se a “motivo
típico”, ou seja, “despojado de quaisquer particularidades ou contingências
individuais, comum a todos os que celebram um negócio jurídico de determina-
da espécie”.56 Esse o “espírito”, a “natureza do contrato”, referido pelo art. 131
do revogado Código Comercial, que continua como pauta de interpretação
das avenças empresariais.
Torquato Castro, professor catedrático de Direito Civil da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Pernambuco, em 1966, elucidava:
“Há, pois, um ponto comum às vontades das partes, no contrato, ponto êsse
que se situa além da perspectiva fracionária das obrigações consideradas
isoladamente; além da mera consideração das prestações contratuais ou
das atribuições patrimoniais que a parte realiza através dele.”57

53. Henri Capitant, De la causa de las obligaciones, 23.


54. Tratado das obrigações pessoaes e reciprocas, 70.
55. Scognamiglio lembra a distinção entre causa finalis e causa impulsiva, distinguindo
entre “la giustificazione obiettiva dell’atto di autonomia privata, alla stregua della
valutazione operatane dall’ordinamento, e le ragioni soggettive del suo compimen-
to”, ressaltando que essa distinção é “centrale nella dottrina moderna sul contratto”
[Interpretazione del contratto e interessi dei contraenti, 48].
56. Manual dos contratos em geral, 256. O mesmo autor explica-nos que, no movimento
de integração contratual, conforme o disposto no art. 704 do Código Civil português,
devem ser consideradas as “consequências usuais” dos contratos e se pergunta: “Por
que se manda aí atender às consequências usuais? Porque os sujeitos, conquanto as
não tenham mencionado, decerto as quiseram, ou pelo menos as teriam querido, caso
as houvessem previsto. Ora, se é assim, por que não considerar também abrangidas
no contrato cláusulas que as partes não expressaram, mas que teriam querido se
tivessem pensado nelas e na sua possível necessidade? A resposta afirmativa impõe-
-se, pelo menos todas as vezes que sem a integração da lacuna se torne impossível a
execução da declaração de vontade no seu conjunto” [361].
57. Da causa no contrato, 39. Torquato Castro, buscando mostrar os equívocos que haviam
sido cometidos pela doutrina francesa em relação à causa, desenvolve a seguinte tese:
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 223
Não se trata mais de dar relevo a considerações personalíssimas ou contin-
gentes, que o direito deixa exaurir no campo da subjetividade do agente,58 mas
de levar em conta o comportamento esperado de um empresário ativo, probo
e, principalmente, racional, interagindo com outro no mercado. A intenção
do agente econômico [ou do contratante], na moderna teoria jurídica do direito
comercial, deixa de ser um elemento endógeno para tornar-se exógeno.
Na década de 40, Betti difunde a visão [bastante aceita por nossos tribu-
nais] de que a causa tem a ver com a função que o negócio assume socialmente
e não com as motivações internas do agente.59 Este destina-se a regular os in-
teresses individuais dos agentes econômicos, tendo em vista objetivos práticos,
socialmente típicos, dotados de constância e normalidade no ambiente conside-
rado60 [no caso do direito comercial, o mercado]. Vista a função de ordenação

a causa da obrigação não se confunde com a causa do contrato. A primeira pode até ser
individual, mas aquela relevante para o direito é a segunda, quando teremos o encontro
das declarações de vontade. O ponto de harmonia das vontades em busca de um objetivo
comum é a causa, a função prática, econômica, que o contrato tende a realizar.
58. Calasso, Il negozio giuridico, 106.
59. Nas palavras de Betti: “L’elemento di novità che l’autonomia privata mira ad intro-
durre nella situazione preesistente, esige una giustificazione oggettiva. Per rendersi
conto di tale giustificazione, bisogna passare dalla considerazione statica del negozio
alla considerazione dinamica dell’autonomia privata che esso trova lo strumento
adeguato ai propri fini. E in tale indagine ocorre portare, apecie nell’ambiente della
società moderna, un grado di sensibilità sociale, del quale il vecchio individualismo
dei giuristi non aveva sentore. Solo così, esaminata la struttura – forma e contenuto
[il come e il che cosa] – del negozio, può riuscire fruttoso indagare la funzione [il
perchè]. Tale funzione, che non termine tecnico legittimato dalla tradizione si de-
nomina ‘causa’, ossia la ragione del negozio, si ricollega logicamente a quello che del
negozio è il contenuto senza tuttavia identificarsi con esso. Contenuto del negozio
è – come si è detto – non già una ‘volontà’ qualunque, vuota e incolore espressione
del capriccio individuale, ma un precetto dell’autonomia privata, con cui le parti
provvedono a regolare propri interessi nei rapporti fra loro o con terzi, in vista di scopi
pratici di carattere tipico, socialmente valutabili per la loro costanza e normalità ricor-
rente nella vita di relazione. [...] In ogni negozio, analizzato nel suo contenuto, si può
distinguere logicamente un regolamento d’interessi nei rapporti privati e, concretata
in esso [...] una ragione pratica tipica ad esso immanente, una ‘causa’, un interesse
sociale oggettivo e socialmente controllabile, cui esso deve rispondere. Causa, ben
s’intende, non già in senso fenomenologico, ma teologico e deontologico, attinente
all’esigenza di socialità che presiede alla funzione ordinatrice del diritto” [Teoria
generale del negozio giuridico, 170-171].
60. Maria Helena Brito acentua que a tipicidade social do contrato “supõe a consciência
de que os tipos assim criados venham a adquirir validade geral e justifica-se pela
|
224    CONTRATOS EMPRESARIAIS

que o direito desempenha, a causa deve ser entendida como objetiva, porque
reflexa de um padrão de constância e normalidade. Quando um agente celebra
com outro uma compra, busca o efeito [socialmente típico] de adquirir a pro-
priedade do bem, mediante o pagamento de uma soma; a função econômica
do contrato é delimitada e deve ser caracterizada pelos efeitos típicos que dele
costumam emanar. Eis a causa, a “spinta” do negócio. Um dos aspectos mais
interessantes dessa noção de Betti é o papel fundamental desempenhado pela
causa contratual: a causa assume relevância porque socialmente típica, constante
e normal.
A moderna doutrina italiana empreendeu uma útil sistematização da noção
de causa. Guido Alpa, em estudo intitulado Causa e contratto: profili attuali, após
reflexão sobre o direito comparado e italiano, explica novamente a distinção,
igualmente cara aos franceses, entre causa subjetiva e causa objetiva. A causa
é, ao mesmo tempo, “ragione giustificativa dell’atto, funzione economica del
negozio, intento pratico delle parti”.61 Essa visão, ao contrário do que poderia
parecer, implica dualismo e não “unidade conceitual constitutiva da intenção

importância que os tipos em causa revistam na realidade social, atendendo à sua


difusão e à função económico-social que desempenham” [O contrato de concessão
comercial, 168].
“A tipicidade social, sendo um dado que se impõe à ordem jurídica, é também um
instrumento de racionalidade, economia e evolução, porquanto:
– facilita a negociação; os operadores económicos não têm a necessidade de, a cada
momento, reinventar uma solução jurídica adequada para prosseguir a função
económico-social correspondente ao tipo social em causa;
– permite a referência simplificada a uma determinada realidade, uma vez que ao
contrato socialmente típico é, em regra, atribuída uma designação global;
– simplificada a discussão sobre a validade e efeitos jurídicos do contrato em causa,
tendo em conta a elaboração, por via doutrinária e jurisprudencial, de uma disciplina
própria do tipo social;
– prepara a absorção legal de novas realidades; o tipo social tornar-se-á, naturalmente,
quando de uma reforma legislativa, tipo legal” [169].
61. A jurisprudência peninsular parece aceitar, quase como uma obsessão, a ideia betti-
-ana de causa como “função econômico-social” [Alpa, Causa e contratto: profili
attuali, 270]. Alpa menciona o entendimento da Corte de Cassação, em julgado de
1983, para quem “a causa do contrato se identifica com a função econômico-social
que o negócio objetivamente persegue e o direito reconhece relevante para os fins
da tutela ‘apprestata’”. No resumo desse autor: “a noção de causa como função
econômico-social vem entendida geralmente pela jurisprudência como a técnica
mais simples para objetivação do contrato e, portanto, para exclusão dos motivos
[e das circunstâncias objetivas a que essas se referem] da área dos interesses a serem
considerados” [267].
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 225
prática das partes e da função objetiva do negócio”. Ao mesmo tempo, põe em
relevo o “programa econômico” das partes e as “circunstâncias pressupostas”
ou sobrevenientes que auxiliaram ou dificultaram sua realização. A causa
assumiria hoje diversos papéis:
[a] atribuir fundamento e relevância jurídica ao contrato;
[b] ser critério de interpretação do contrato;
[c] ser elemento de qualificação;
[d] ser critério de adaptação – para os casos de necessidade de adequação
da avença em virtude de um novo contexto que abale o programa econômico
das partes.
A causa do negócio é indispensável à sua correta compreensão, sistematiza-
ção e interpretação e não tem ligação com os motivos subjetivos ou egoísticos que
levaram o agente à sua prática. Ao contrário, a causa coliga o negócio ao mercado,
à praça onde nasce, desenvolve-se e se exaure, permitindo o cálculo do comporta-
mento da outra parte. As “notas de anônima repetição” típicas do mercado [a
que se referiu Irti] tornam os negócios cada vez mais “objetivados”, despidos
dos interesses individuais das partes.
Valemo-nos da sistematização de Bulgarelli62 para deixar vincado que a
moderna teoria objetiva conceitua a causa por três formas diversas, todas abso-
lutamente imprescindíveis para o dimensionamento dos contratos comerciais:
“1. como função econômico-social do contrato;
2. como resultado jurídico objetivo que os contratantes pretendem ao
concluir o contrato;
3. como a razão determinante que impulsiona as partes à celebração do
contrato.”

7.6 A racionalidade jurídica do direito comercial e a interpretação dos


contratos. Segurança e previsibilidade
Há inegavelmente uma racionalidade própria ao direito empresarial que
é cultivada, desejada e incentivada pelo sistema, porque mola propulsora da
fluência de relações do mercado. Basta pensar que, para fins de diminuição
da insegurança e da imprevisibilidade, é preciso que o direito dê guarida ao
comportamento legitimamente esperado de um comerciante ativo e probo. Não
fosse dessa forma e o sistema não se prestaria à pacificação dos conflitos e a
evitar crises.

62. Contratos mercantis, 71.


|
226    CONTRATOS EMPRESARIAIS

De uma forma mais contemporânea, Natalino Irti traz lição para esclarecer
essa intrincada questão: como podemos utilizar a função econômica do negócio
como pauta para sua interpretação? A vantagem do estabelecimento da relação
entre função econômica e interpretação aparece clara: revestir a interpretação
contratual de juízo de coerência e previsibilidade [ou calculabilidade, como
quer Irti inspirado em Weber] que viabiliza e incrementa o funcionamento
do sistema.
Para Irti, o mercado é uma ordem. Ordem no sentido de regularidade e
previsibilidade de agir: quem entra no mercado tem consciência de que o seu
agir [e também o agir do outro] é governado por regras e, nessa medida, os
comportamentos são previsíveis. A regularidade, a reiteração de certos comporta-
mentos, permite um cálculo sobre o futuro. “[Q]uel ‘prevedere’ o vedere prima,
onde un soggetto confida nell’agire altrui”. A ordem diz respeito não apenas
ao passado, mas ao futuro. Os comportamentos, ao se repetirem conforme
uma regra, assumem caráter de tipicidade e de uniformidade. A forma de uma
ordem é dada por conteúdos típicos, razoavelmente previsíveis e calculáveis
pelas partes.
Mas a regularidade – a mesma regularidade que constitui a ordem – implica
a superação da individualidade. As partes sabem que, estabelecido o vínculo
do acordo, as vontades devem orientar-se segundo um princípio geral, mais
forte e constante do que os mutáveis interesses individuais.63 Em outro texto,
Irti conclui que, nesse esquema, a liberdade [autonomia privada] é sacrifica-
da em prol da segurança, da previsibilidade [ou, literalmente, da “proteção
externa”].64 Há uma gama de negócios em que o sistema jurídico considera o
intento individual do agente, após ser rebatido no caráter impessoal e mecâ-
nico do mercado.
Ao contratar, uma parte tem a legítima expectativa de que a outra com-
portar-se-á de determinada forma. Isso faz com que ambos os agentes econô-
micos planejem sua jogada de acordo com esse padrão “de mercado”. Não se
pode permitir que seja dada ao contrato uma interpretação diversa daquela que
pressupõe o comportamento normalmente nele adotado. Isso levaria ao sacrifício
da segurança e da previsibilidade jurídicas.
De acordo com Max Weber, um dos significados e pressupostos do ca-
pitalismo moderno é a “calculable law”. A forma capitalista de organização
industrial – porque é racional – deve depender de processo decisório, decisões

63. L’ordine giuridico del mercato, 5-6.


64. Teoria generale del diritto e problema del mercato, 22-23.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 227
e administração calculáveis, previsíveis.65 Esse sistema dependerá do direito,
pois é impossível calcular a jogada do outro agente na ausência de um sistema
jurídico racional. Por isso, afirma-se que a segurança e a previsibilidade são
fundamentais para a economia de mercado. Deve-se saber de antemão “quais
os comportamentos a adotar e quais os efeitos que tais comportamentos podem
provocar”66.
Cabe esclarecimento: o direito não retira do agente econômico a opção
fática de transgredi-lo, embora o ideal fosse a eliminação da prática de atos
ilícitos. Não há norma jurídica que possa alterar algumas realidades fáticas
apontadas pelos economistas, dentre elas, que o comportamento “adequado”
para o direito somente será seguido pelo agente econômico se for compensador, ou
seja, se os benefícios trazidos pela prática superarem os prejuízos.
A racionalidade jurídica está relacionada à econômica na medida em
que o direito parte do comportamento a ser disciplinado. Podemos dizer que
um sistema jurídico é “eficiente” quando consegue conformar número tal de
comportamentos que garanta a fluência das relações de mercado. Se a conduta
desviante acontece, pode-se supor que: [i] a lógica econômica prevaleceu sobre
a jurídica e o desestímulo representado pela sanção negativa não foi suficiente
para fomentar determinado comportamento. Se esse fato for recorrente, teremos
um sistema em crise; e/ou [ii] o agente adotou uma estratégia equivocada e
será devidamente sancionado pelo ordenamento jurídico. A sanção negativa
poderá culminar com o agravamento da sua situação econômica e até levá-lo
à exclusão do sistema [acarretando sua quebra, por exemplo].
Embora não possa alterar a “lógica” econômica, fazendo com que o
empresário transforme-se naquilo que não é67 – por exemplo, um agente que
não visa ao lucro –, toca ao direito traçar os limites da licitude da sua atuação,
determinando os atos desejados e acolhidos pelo sistema jurídico e aqueles que são
considerados ilícitos e repelidos. Repise-se: o direito existe para subjugar a lógica
econômica, preservando o funcionamento do mercado.

65. General economic history, 277.


66. Maria Manuel Leitão Marques et alii, Manual de introdução ao direito, 38.
67. Mesmo porque o egoísmo do empresário leva à competição e, portanto, vai ao
encontro do interesse do sistema econômico como um todo. Sem o “egoísmo” e
sem o “oportunismo”, não haveria mercado. Nesse sentido, Williamson: “Strategic
considerations now come into play if, rather than frailty of motive, opportunism
is the operative condition” [Why law, economics, and organization?]. Necessário é
colocar esses elementos sob o controle jurídico, visando à consecução dos fins do
sistema.
|
228    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A calculabilidade jurídica assume dimensão própria: apanágio da racio-


nalidade jurídica significa a possibilidade de cálculo do resultado [note-se:
devemos falar em cálculo ou previsibilidade, e não em certeza. O direito é
racional porque garante o processo e não o resultado a ser obtido]. Ou seja, o
direito é estruturado com o propósito de possibilitar o cálculo do resultado
[Weber] – viabilizando, inclusive, a previsão do comportamento do outro,
segundo os parâmetros por ele colocados [Irti].

7.7 Racionalidade econômica e racionalidade jurídica


W. Sombart, analisando o sistema econômico capitalista e diferenciando-
-o do sistema de produção que lhe antecedeu, pondera que, em substituição à
busca da satisfação das necessidades [“Bedarfsdeckung”] e ao tradicionalismo,
o capitalismo tem como princípios econômicos dominantes o ganho e a racio-
nalidade [“razionalismo”, na tradução de Luzzatto]. O primeiro manifesta-se
porque o escopo imediato da atividade econômica é o aumento de uma quantia
inicial de dinheiro; o segundo, a racionalidade, é o esforço de orientar o quanto
possível todas as atividades segundo um princípio de finalidade.
Nem mesmo entre os economistas há consenso sobre o que seja a “raciona-
lidade econômica”.68 Alguns creem em um egoístico parâmetro de racionalidade
[“standard of rationality”]. A teoria econômica predominante nos dias atuais
parte do chamado “individualismo metodológico”, ou seja, de que o comporta-
mento econômico global é agregação da tomada de decisões individuais. Tem-se
o comportamento individual como ponto de partida e pressupõe-se que encerra
uma racionalidade procedimental, isto é, de adequar meios a fins e de ordenar os
objetivos dos agentes econômicos de acordo com sua preferência. O agente sempre
decidirá pelo resultado que lhe é mais benéfico, em detrimento de outro, que lhe
satisfaz em menor grau. De acordo com a economia clássica, o sujeito econômico
atua como um hobbesiano, buscando maximizar seus interesses individuais.69
Para exemplificar essa linha de entendimento, vale trazer as lições de Posner.70-71

68. V. estudo de Joanne Schroeder sobre o conceito de racionalidade na doutrina eco-


nômica, bem como suas recentes modificações [Economic rationality in law and
economics scholarship].
69. Esse resumo é de Arthur Barrionuevo Filho, em palestras proferidas. Mais recente-
mente, os pressupostos de racionalidade do agente econômico têm sido contestados
pela economia comportamental. V., a respeito, obras de Richard Thaler, Cass Sunstein
e Christine Jolls, referidas na bibliografia final.
70. Economic analysis of law, 3 e 4.
71. Paul Milgrom e John Roberts explicam as limitações da assunção da racionalidade
pelos economistas [Economics, organization and management, 42 e ss.]. No conceito
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 229
“[t]he task of economics, so defined, is to explore the implications
of assuming that man is a rational maximizer of his ends in life, his
satisfactions – what we shall call his ‘self-interest’ [...]. Behavior is rational
when it conforms to the model of rational choice, whatever the state of
mind of the chooser. [...] The concept of man as a rational maximizer
of his self-interest implies that people respond to incentives – that if a
person’s surroundings change in such a way that he could increase his
satisfactions by altering his behavior, he will do so.”72
Muitos autores procuram mostrar que a racionalidade dos agentes não
se baseia apenas nos ganhos para o próprio indivíduo, que existem outros
objetivos levados em consideração, como o reconhecimento dos semelhan-
tes, capazes de explicar, por exemplo, o altruísmo.73 A racionalidade está
ligada a “present-aim standard of rationality”, relacionada não apenas ao
objetivo de lucro, mas à eficiência, conforme os escopos pessoais a que
cada um se propõe.
Avançando um pouco no tempo, a visão neoinstitucionalista da economia,
esposada por autores da linha de Williamson e Douglass North, propõe que o
individualismo metodológico deva ser temperado pelas instituições, ou seja,
pelas regras do jogo. O agente hobbesiano maximiza os seus objetivos sujeitos
às restrições colocadas pelas instituições formais [o direito, por exemplo] ou
informais [valores culturais, tradições etc.] que definem os custos e os benefí-

de racionalidade, presume-se que “people learn to make good decisions and that
organizations adapt by experimentation and imitation, so that there is at least ‘fossil
evidence’ available for testing theories” [43, quando os autores colocam a opinião
de Richard Nelson e Sidney Winter]. Para o jurista, é ainda importante conhecer o
conceito de “bounded rationality” [racionalidade limitada], explicado por Willia-
mson: “This refers to behavior that is intendedly rational but only limitedly so; it is
a condition of limited cognitive competence to receive, store, retrieve, and process
information. All complex contracts are unavoidably incomplete because of bounds
on rationality” [The mechanisms of governance, 377]. Para a explicação jurídica em
língua portuguesa sobre racionalidade limitada, Calixto Salomão Filho, Condutas
tendentes à dominação dos mercados – Análise jurídica, 38 e ss.
72. “Most economic analysis consists of tracing out the consequences of assuming that
people are more or less rational in their social interactions. In the case of the activi-
ties that interest the law, these people may be criminals or prosecutors or parties to
accidents or taxpayers [...]” [Values and consequences: an introduction to economic
analysis of law. Disponível em: [http://www.law.uchicago.edu/files/files/53.Posner.
Values_0.pdf]. Último acesso em abril de 2015].
73. V. Becker, Altruism, egoism, and genetic fitness: economics and sociobiology, The
economic approach to human behavior, 282 e ss.
|
230    CONTRATOS EMPRESARIAIS

cios que advirão de suas ações. É uma discussão em andamento, em que a visão
neoinstitucional lentamente é aceita por um maior número de economistas.
Outrossim, podemos dizer que, atualmente, para os economistas,
a racionalidade do agente econômico está ligada a um comportamento que
visa à “maximização do seu proveito [utility] ou do seu lucro [profit]”. A
concepção de “maximização do proveito ou do lucro”, não obstante os
acesos debates existentes, pode ser encontrada nos escritos da maioria dos
economistas.74-75-76
A racionalidade jurídica – que deve necessariamente informar a atividade de
interpretação contratual – é diversa da econômica, embora ambas tenham pontos
em comum e seja útil sua consideração recíproca. Para o sistema jurídico, a única
racionalidade do agente econômico que pode ser levada em conta é aquela que é
condicionada pelo direito; essa obrigatoriedade decorre da garantia de pressu-
postos do funcionamento do sistema. O direito não pode tomar como um dos
parâmetros de interpretação ou integração contratual uma racionalidade que não
o aceite, ou que faça tábula rasa de seus princípios orientadores.
Qualquer agente econômico “ativo e probo” considera o direito na plani-
ficação de suas jogadas, para plasmar a estratégia com que atuará no mercado.
A atuação do sujeito será moldada pelo sistema jurídico [porque ele será san-
cionado se infringir a “lei” e, consequentemente, os “princípios conformadores
do sistema”]. O direito não pode desprezar os elementos que ele mesmo coloca
como fundamentais; não seria funcional nem desejável que o ordenamento
deixasse de fazer caso de valores eleitos como primordiais para o seu funcio-
namento, acolhendo um modelo de racionalidade que repudia.
Em síntese: se o homem econômico, afirmava Knight no início do século
XX, é aquele que obedece às leis econômicas [“obeys economic laws”],77 devemos
dizer que o sujeito de direito é aquele que obedece às normas jurídicas [ou, pelo
menos, espera-se que o faça], dentro de uma racionalidade jurídica.

74. Segundo Becker, “now everyone more or less agrees that rational behavior simply
implies consistent maximization of a well-ordered function, such as a utility or profit
function” [The economic approach to human behavior, 153].
75. O resumo crítico das opiniões dos principais economistas sobre o conceito de efi-
ciência é feito por Jeanne L. Schroeder, Economic rationality in law and economics
scholarship.
76. Maria Rosaria Ferrarese chega a sustentar que o princípio da racionalidade econômica
é o deus ex machina e desempenha no mercado um papel análogo ao que a norma
fundamental tem no sistema kelseniano. Diritto e mercato, 104.
77. Ethics and economic interpretation, The ethics of competition and others essays, 35.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 231
A compreensão, sob a perspectiva jurídica, da racionalidade e do fun-
cionamento do mercado obriga o estudo das lições de Max Weber. A produ-
ção das normas ou dos textos normativos pode ser irracional, quando não
controlada pelo intelecto [por exemplo, aquelas normas ditadas por orácu-
los]. O processo racional é governado por regras gerais. Uma lei é racional
quando, tanto do ângulo material quanto do processual, considera apenas
os aspectos não ambíguos dos fatos78 [porque previamente selecionados e
previstos]. O pensamento jurídico racional é aquele governado por funda-
mentos racionais [ou por normas gerais] ou aquele que “não é mágico”. O
agir, então, é depurado desses elementos sobrenaturais e passa a ser baseado
em dados calculáveis.
Essa racionalidade, por sua vez, pode ser formal ou substantiva [material].
A primeira é portadora de uma dimensão extrínseca, ou seja, pode ser percebi-
da pelos sentidos: a aposição de uma assinatura, por exemplo. Desde a Idade
Média, sabe-se que quem examina um documento firmado pode supor que o
signatário conhecia o seu teor e com ele estava de acordo. A possibilidade de
pressuposição trazida pela racionalidade formal serve a um sistema que deve
garantir a segurança e a previsibilidade.
Ao mesmo tempo, a racionalidade possui dimensão lógica substantiva ou
material que se expressa pelo uso de conceitos abstratos, criados pelo pensa-
mento jurídico e concebidos como parte de um sistema completo; os aspectos
fáticos relevantes para o direito são selecionados mediante um processo de
análise lógica, conforme a previsão de regras gerais.79 A sistematização é possível
apenas porque nos valemos desse método abstrato de interpretação, dessa lógica
dos significados [i.e., a seleção e a racionalização conforme normas legalmente
válidas]. Generalização [= redução dos motivos relevantes da decisão a um ou
mais princípios] e sistematização [= coordenação de todos os princípios para
a formação de um sistema de regras logicamente claro, sem contradições ou
lacunas]80 integram a racionalidade jurídica.
A racionalidade [lógica e formal] típica de alguns sistemas jurídicos é
resultado dos seguintes fatores:81
[i] cada decisão tomada em determinado caso concreto é a aplicação de
uma regra abstrata a uma situação fática;

78. Law in economy and society, 63.


79. O racional contrapõe-se ao irracional, ou seja, não governado por regras gerais [Law
in economy and society, 63].
80. Cf. Rebuffa, Max Weber e la scienza del diritto, 86-87.
81. Cf. Introdução ao Law in economy and society, escrita por Max Rheinstein, xvii-lxiv.
|
232    CONTRATOS EMPRESARIAIS

[ii] cada situação fática concreta terá uma solução conforme a lógica das
regras abstratas do direito positivo;
[iii] o direito positivo é um sistema sem falhas, apto a dar solução para
todos os casos concretos.
Explica José Alexandre Tavares Guerreiro que, no sistema weberiano,
assume extrema relevância a crença do agente na produção de certo resultado.
Por exemplo, acredita-se que o descumprimento de um contrato dará lugar a
um específico remédio; é esse acreditar na resposta do sistema para as ações
que lhe confere a possibilidade de garantir segurança e previsibilidade.
Eis os conceitos cardeais do pensamento weberiano que aproveitamos
para conscientemente contrapor a racionalidade econômica à racionalidade
jurídica: o sistema jurídico deve garantir segurança e previsibilidade; a raciona-
lidade [jurídica] formal e racionalidade [jurídica] material complementam-se
na busca desse propósito.
A racionalidade de Weber move o sistema jurídico, sendo, ao mesmo tempo,
seu pressuposto e seu resultado. Para Weber, a escolha do que receberá ou não
a chancela do direito, ou seja, do que terá ou não execução [validade], será
influenciada por diversos grupos de interesses, conforme a estrutura econô-
mica. Em uma economia em expansão, aqueles que têm “interesses de mercado”
constituem o grupo mais importante.82-83
A separação entre racionalidade econômica e racionalidade jurídica vai se
delineando de forma mais evidente: a economia lida com as possíveis escolhas
do agente econômico, dentro de uma ótica de maximização de seu provei-
to.84-85 “Mentir, enganar, trapacear são ações esperadas se forem do interesse do

82. Law in economy and society, 100.


83. Weber expõe os limites da liberdade nos contratos, move-se dentro da lógica do
sistema jurídico que reputa válido aquilo que aceita e inválido aquilo que repele. Essa
organização do sistema tem por efeito viabilizar o capitalismo ocidental moderno.
Weber é profundamente ligado a uma história do direito comercial continental. Não
podemos esquecer que o primeiro trabalho de Weber, sua tese de doutorado [1889],
intitulava-se Uma contribuição para a história da organização da empresa medieval [A
contribution to the history of medieval business organization, na tradução de Rheins-
tein ou Zur Geschichte der Handelsgesellschaften im Mittelalter], e que o tema lhe foi
sugerido por Goldschmidt, seguramente um dos maiores historiadores do direito
comercial que o mundo conheceu. Weber foi professor de direito comercial até o
ano de 1894, quando aceitou assumir a cadeira de economia na Universidade de
Friburgo.
84. Elizabeth Farina et alii: “Do ponto de vista puramente econômico [e, portanto, aé-
tico], a decisão de implementar uma ação oportunista depende de um confronto de
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 233
indivíduo”.86 Para o direito, essa escolha da melhor conduta já foi feita pela lei, que
85

elegeu determinados modelos comportamentais como adequados para a proteção


de certos interesses. Um economista pensa que o agente econômico pode ou não
proceder de acordo com o parâmetro da boa-fé, ponderando os resultados de
uma equação custo/benefício: essa a racionalidade econômica. A única alterna-
tiva possível para o direito, nos parâmetros da legalidade, é a atitude conforme
a boa-fé [porque, como vimos, ela foi eleita como digna de tutela para fins de
funcionamento do sistema]. O comportamento “desviante” será sancionado; a
racionalidade jurídica considera a preferência do agente econômico plasmada
pelo direito [e pelos interesses que foram entendidos como dignos de tutela].
Atualmente, os exemplos que poderíamos citar são inúmeros. Talvez um
dos mais modernos e elucidativos seja o direito do meio ambiente, no contexto
explicado pelo Prof. Guido Fernando Silva Soares.87 No início deste século,
dominava a “ideia de que o desenvolvimento material das sociedades, tal como
potencializado pela Revolução Industrial, era o valor supremo a ser almeja-
do, sem, contudo atentar-se para o fato de que as atividades industriais têm
um subproduto altamente nocivo para a natureza e, em consequência, para o
próprio homem”. No entanto, a necessidade de proteção do meio ambiente
foi sendo sentida e regulamentada nos níveis domésticos e, posteriormente,
internacional. Ora, para o empresário, pode ser mais “racional” e “eficiente” [de
acordo com a sua lógica econômica] derrubar uma floresta inteira.88 A lógica

seus benefícios com seus custos. O primeiro corresponde ao ganho imediato obtido
ao se aproveitar lacunas contratuais em benefício próprio, não coletivo. O segundo
corresponde ao valor presente dos benefícios conjuntos que seriam gerados no caso
de continuidade da relação de confiança entre as partes” [Competitividade: mercado,
Estado e organizações, 52].
85. Cf. Coase, The firm, the market and the law, 2-4. Paradigmáticas as seguintes passagens,
que incorporam críticas [ou, no mínimo sugestões] à análise econômica tradicional:
“The analysis is held together by the assumption that consumers maximize utility [...]
and by the assumption that producers have as their aim to maximize profit or net income.
The decisions of consumers and producers are brought into harmony by the theory of
exchange. The elaboration of the analysis should not hide from us its essential character:
it is an analysis of choice... This preoccupation of economists with the logic of choice,
while it may ultimately rejuvenate the study of law, political science, and sociology, has
nonetheless had, in my view, serious adverse effects on economics itself”.
86. Elizabeth Farina et alii, Competitividade: mercado, Estado e organizações, 78, expli-
cando o oportunismo.
87. Direito internacional do meio ambiente, 19-21.
88. Ele somente não derrubará a floresta a partir do momento em que, dentro da sua
lógica, esse comportamento não for maximizador de resultados [o que pode ocor-
|
234    CONTRATOS EMPRESARIAIS

do direito é outra e esse ato, embora “economicamente racional e eficiente”,


não será lícito, não será recebido pelo ordenamento como algo “juridicamente
racional ou juridicamente eficiente”. Há escopos outros, não apenas a maximi-
zação do profit ou utility, que o direito incorpora ao regulamentar os institutos.
A racionalidade jurídica, ainda que tome o objetivo de lucro ou proveito
como legítimo89 e desejável no mercado,
[i] não traduz visão predatória e oportunística a curto prazo e sim a ob-
tenção de vantagens pelo estabelecimento de um esquema de colaboração; e
[ii] leva em conta o respeito aos princípios jurídicos orientadores do
sistema. Não se pode supor um mote contrário ao art. 422 do Código Civil,
que manda que os contratantes comportem-se conforme os ditames da boa-fé.
Uma última observação sobre as diferenças entre a racionalidade jurídica
e a racionalidade econômica: é fato que a primeira foi fruto de longo período
de evolução, ou, como afirma Julien Freund, “la rationalization du droit fut
le résultat d’une oeuvre plutôt discontinue, faite de ruptures, de retards et de
détours, suivant les différents domaines de la pensée juridique”.90 Dessa forma,
não pode ser identificada com a racionalidade econômica, que despontaria natu-
ralmente do mercado, pressupondo-se sua existência em um sistema capitalista.

7.8 A utilidade da racionalidade econômica para a racionalidade jurídica


Deixando preconceitos estéreis de lado,91 é preciso investigar como a
racionalidade econômica pode ser empregada para a melhor construção da racio-

rer se a sanção for desestimulante]. Também Mattei, Monateri e Pardolesi na obra


coletiva Il mercato delle regole, Introdução, em especial 11-12: “l’economista non
concepisce il diritto come un insieme di precetti [per lo più divieti] accompagnati
da una sanzione. Egli lo considera come un insieme di incentivi rivolti ai consorciati.
[...] Come in qualsiasi situazioni di mercado, il soggetto avrà aperta la possibilità di
comparare il prezzo della disubbidienza al precetto con possibili usi alternativi di
quelle risorse”.
89. A racionalidade jurídica está ligada ao que se chama de lucratividade, caracterizado-
ra da atividade dos comerciantes. Mas lucratividade e mesmo a racionalidade não
significam apenas obter o maior lucro possível a curto prazo. A cooperação com a
contraparte passa, muitas vezes, a assumir papel central nas atividades econômicas,
quando vislumbrados objetivos de maior prazo, incluindo o interesse na manutenção
da relação.
90. Julien Freund, Études sûr Max Weber, 241.
91. Sobre as críticas à Escola de Chicago, bem como sobre sua utilidade para o jurista, v.
Paula A. Forgioni, Análise econômica do direito: paranoia ou mistificação, publicado
na Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, v. 139, p. 242-256.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 235
nalidade jurídica, nos casos concretos que demandem apreciação. Devemos ter
presente a afirmação de Eros Roberto Grau de que “[a] economia condiciona
o direito, mas o direito condiciona a economia”.92 A relação entre economia e
direito não é de forma e conteúdo, como quiseram muitos.93
Apreendendo os “motivos objetivos” que levam ao ato e à necessidade de
caracterização da “função econômica do negócio” [causa], assumem grande
relevância para o direito os estudos empreendidos pelos economistas e mesmo
pelos juristas norte-americanos [que identificam a função econômica de cada
espécie contratual]. Com essa base, podemos trabalhar as premissas implíci-
tas do direito, partir da racionalidade econômica para chegar àquela jurídica
[temperando-a com as regras e com os princípios jurídicos] e determinar a
incidência ou a não incidência de normas.
Se todos fôssemos movidos pela mais pura racionalidade econômica, não
conseguiríamos explicar o fato de um bombeiro arriscar a vida em um incêndio,
ou a mãe que se sacrifica pelos filhos.94 Seríamos incapazes de devolver uma
carteira abandonada, socorrer um animal ferido. Todos venderíamos nossos
mestres, nossas crenças e nossos princípios por trinta dinheiros. Por isso – afir-
ma Robert Frank de forma jocosa –, não se pode eleger o homo economicus como
um padrão comportamental,95 ou uma atitude como a de Judas seria aquela
esperada pelo ordenamento. É óbvio que, como dissemos, o direito tem que
reconhecer como padrão legal [= homem ativo e probo] algo bastante diverso.
No entanto, quando se vai investigar o autor de um crime, o primeiro ponto
de que se cogita é quem teria tirado vantagens da morte. Para interpretar [e
para legislar], é por vezes necessário entender os comportamentos gerados pela
motivação egoística. O mesmo se pode dizer em relação aos efeitos econômicos
da regulamentação. Aqui, é inestimável o auxílio que nos traz a consideração
da racionalidade econômica.96

92. Direito posto e direito pressuposto, 41. No mesmo sentido, a lição de Max Weber, no
comentário de Anthony Kronman, Law and capitalism, 118.
93. V. relatório de Valerio Pescatore, Tullio Ascarelli e Luigi Mengoni, o della forma
giuridica e del contenuto economico, Diritto ed economia, 231.
94. Alguns economistas explicam esse fato lembrando que somos animais sociais e, com
isso, o reconhecimento que obtemos de nossos semelhantes pode ser incluído entre
nossas aspirações.
95. Microeconomics and behavior, 20.
96. Para Fábio Nusdeo: “Direito e economia devem ser vistos, pois, não tanto como duas
disciplinas apenas relacionadas, mas como um todo indiviso, uma espécie de verso e
reverso da mesma moeda, sendo difícil dizer-se até que ponto o Direito determina a
Economia, ou, pelo contrário, esta influi sobre aquele. Existe, isto sim, uma intrincada
|
236    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Concluindo: o comportamento é racional, em termos jurídicos, quando


viabiliza a fluência das relações de mercado, conforme as regras e os princípios
jurídicos [ou seja, de acordo com o direito]. O comportamento é dito racional,
do ponto de vista econômico, quando traz a maximização do proveito ou lucro
para o agente. Para a interpretação dos negócios, toma-se em consideração uma
racionalidade jurídica, que parte da necessidade de conferir ao sistema segurança
e previsibilidade. A racionalidade econômica auxilia a compreensão da função
econômica da avença [= causa] e dos motivos [intento] dos sujeitos econômi-
cos, primordiais para a interpretação contratual.97

dinâmica de interação recíproca entre ambos, donde tornar-se indispensável para


o jurista o conhecimento, pelo menos, de noções básicas de Economia e vice-versa
para os economistas” [Curso de economia. Introdução ao direito econômico, 33].
97. “Em substância, todo negócio é caracterizado por um escopo típico que se destina
a realizar e no qual se identifica precisamente a sua causa econômica e jurídica [por
exemplo, a troca da coisa pelo preço da venda], mas nada impede, no entanto, seja
ele, embora dentro de determinados limites [aqueles que, em substância, resultam dos
chamados elementos essenciais de cada negócio], disciplinado pelas partes de modo tal
que não só possa realizar, imediatamente, o escopo que lhe é típico, mas também, me-
diatamente, outros objetivos que até adquirem importância predominante na vontade
das partes. Perante a fixidez da finalidade típica de cada negócio, é a variabilidade
dos motivos que permite a diversidade de configuração deles, e, por conseguinte, a
consecução de finalidades ulteriores” [Ascarelli, Problemas das sociedades anônimas
e direito comparado, 107, nota 44].
8
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO
DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS
Diretrizes clássicas e normas do Código Civil

Sumário: 8.1 Interpretação da lei e interpretação dos contratos empresariais. A racionalida-


de das regras tradicionais de interpretação – 8.2 O ponto de partida da interpretação dos
contratos empresariais: seu instrumento. Instrumento e contrato: 8.2.1 A importância do
texto contratual. Muito além do fetiche da palavra; 8.2.2 Texto e contexto. O significado
das palavras e a prática dos contratantes – 8.3 As regras clássicas de interpretação dos
contratos empresariais inspiradas em Pothier: 8.3.1 Intenção comum das partes; 8.3.2 A
revelação da intenção comum das partes e a importância do preâmbulo; 8.3.3 Interpre-
tação pela preservação do contrato e não por sua nulidade; 8.3.4 Natureza do contrato
como condicionante da interpretação; 8.3.5 Usos e costumes e interpretação do contrato
empresarial; 8.3.6 Usos e costumes e integração do contrato empresarial; 8.3.7 Coerência
e harmonia das cláusulas contratuais; 8.3.8 Intepretação contra o estipulante e a favor do
devedor; 8.3.9 As partes somente se vinculam àquilo que contrataram; 8.3.10 Referência à
universalidade de coisas inclui todos os seus componentes; 8.3.11 Exemplos não excluem
outros casos não referidos. O plural inclui o singular. O que está no fim da frase refere-se
a toda ela – 8.4 Diretivas gerais dos contratos empresariais inspiradas no art. 131 do Có-
digo Comercial. Intenção comum das partes como norte interpretativo, comportamento
concludente, boa-fé objetiva, força normativa dos usos e costumes e interpretação a favor
do devedor: 8.4.1 A importância do comportamento posterior das partes como pauta
interpretativa – 8.5. Regras de interpretação dos contratos comerciais explicitadas por
Cairu. Padrão do comerciante ativo e probo, relevância do estilo mercantil e dos usos e
costumes; 8.5.1 “Quem percebe o cômodo, não deve recusar o incômodo”; 8.5.2 “Não
pode pretender lucro quem não concorreu para algum negócio com fundo, industrial,
ordem, ou risco” – 8.6. As regras de interpretação dos negócios empresariais no Código
Civil: 8.6.1 Art. 113. Interpretação e boa-fé objetiva; 8.6.2 Art. 112. Intenção das partes e
vontade objetiva; 8.6.3 Art. 423. Interpretação a favor do devedor; 8.6.4 Art. 421. Função
social do contrato; 8.6.5 Art. 114. Interpretação restritiva dos negócios benéficos e da
renúncia. Interpretação restritiva da exceção; 8.6.6 Art. 157. Lesão/tendência de proteção
à parte mais fraca – 8.7 As presunções na interpretação dos negócios entre empresas.

8.1 Interpretação da lei e interpretação dos contratos empresariais.


A racionalidade das regras tradicionais de interpretação
Se o direito é um sistema, as regras do ordenamento jurídico mantêm
necessariamente, entre si, relação de compatibilidade, que repele antinomias.1

1.
Bobbio, Teoria generale del diritto, 208.
|
238    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Assim não fosse e o direito veria comprometida sua função de ordenação da


sociedade e deixaria os destinatários das normas sem sinalização sobre o que
pode e o que não pode ser feito.
O repúdio às contradições veio lapidado ao longo dos séculos. Regras
foram construídas para que o direito, ao fim e ao cabo, tornasse-se imune a
esse fator de instabilidade. Deve existir, sempre, resposta jurídica às situa-
ções de conflito e o julgador está adstrito a proferir uma decisão, ainda que
passível de reforma. Para a estabilidade do sistema, o importante é a crença
na racionalidade jurídica [Weber]. O agente econômico precisa crer [= ter
confiança] no direito.
É compreensível que um dos principais escopos da interpretação repouse
na necessidade de eliminação das antinomias – missão a ser desempenhada com
o auxílio de meios hermenêuticos. Daí a colocação de algumas regras técnicas,
que atribuem a necessária coerência ao sistema. Solidificam-se as máximas de
que o ordenamento jurídico é um todo completo e um todo ordenado.2-3
Mais recentemente, o desenvolvimento da teoria dos princípios deixou
clara a existência de normas basilares, que formatam o sistema jurídico. Sem
entrar nas discussões sobre os abusos que têm sido cometidos e a chamada
“farra dos princípios”,4 é fato que o próprio sistema contém normas fortes que
empuxam a interpretação.
Essa lógica de coerência replica-se na interpretação dos contratos
empresariais.
O julgador, seja ele árbitro ou juiz togado, vê-se premido pela necessidade
de proferir uma decisão, tendo diante de si o texto do instrumento firmado
pelas partes. Esse o seu ponto de partida. Em caso de aparente antinomia entre
as regras postas pelos agentes econômicos, aqui o intérprete deverá lançar
mão de técnicas para solucioná-las, alcançando a harmonia da disciplina do
negócio.
Presume-se que [i] o negócio empresarial é um todo ordenado, por mais
confusos ou caóticos que sejam os seus termos e que [ii] o direito que o rege é
coerente. O processo de interpretação de um negócio empresarial é racional e
se constrói a partir de sua função econômica, ou da intenção comum das partes.

2. Bobbio, Teoria generale del diritto, 210.


3. As regras fundamentais para a solução das antinomias são três: [i] critério cronoló-
gico; [ii] critério hierárquico e [iii] critério da especialidade.
4. Na feliz expressão de Ronaldo Porto Macedo Jr., “Interpretação da boa-fé nos con-
tratos brasileiros: os princípios jurídicos em uma abordagem relacional [contra a
euforia principiológica]”.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 239
Os princípios que orientam a interpretação dos contratos na economia
capitalista constam, em grande parte, da Constituição e dos Códigos. Outros
deduzem-se tradicionalmente a partir deles, com a doutrina e a jurisprudência
dando-lhes maior concreção.
Muitos desses gabaritos consolidaram-se em máximas de interpretação,
diretrizes que são “shortcuts”, “thumb rules”, atalhos de raciocínio ou “compri-
midos de ideias jurídicas”, na dicção de Carlos Maximiliano. Permitem reduzir
a complexidade da análise e propor solução para o problema hermenêutico
que se apresenta.
O que se fará neste capítulo é uma tentativa de compilação dos mais em-
pregados desses vetores interpretativos na prática dos contratos empresariais
de hoje.

8.2 O ponto de partida da interpretação dos contratos empresariais:


seu instrumento. Instrumento e contrato
Instrumento e contrato não se confundem. Instrumento é a base física, o
acordo reduzido a escrito em um suporte material, um conjunto de proposi-
ções expressas em certa língua que, em determinado momento, contou com a
aquiescência das partes. Por mais que a informática esteja presente em nossos
dias, negócios complexos ainda são reduzidos a escrito em papel e firmados
pelas partes e por duas testemunhas, até mesmo para facilitar eventual prova
e execução das obrigações assumidas.
Não se “firma” um contrato, mas seu instrumento. Igualmente, não se
“celebra” o instrumento, mas o contrato.

8.2.1 A importância do texto contratual. Muito além do fetiche da palavra


Voltando ao que observamos no capítulo terceiro, sobre a formação dos con-
tratos empresariais, normalmente, para que a parte obrigue-se, não é necessária
a assinatura de qualquer documento. O princípio é o da liberdade de formas,
estatuído no art. 107 do Código Civil: “A validade da declaração de vontade
não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.
Por que, então, tantos negócios são reduzidos a escrito, rubricados,
datados, assinados e têm firmas reconhecidas? A resposta é simples: porque
a letra do instrumento contratual faz surgir presunção do que foi efetivamente
ajustado pelas partes. Na medida em que o documento é um “resíduo de uma
obra do passado”, uma memória de algo já ocorrido,5 constitui meio de prova,

5.
Natalino Irti, Sul concetto giuridico di documento, 246.
|
240    CONTRATOS EMPRESARIAIS

indicando aquilo que restou acordado no momento da vinculação. Advertia


Cairu: “Ainda que a simples palavra e honra, seja a cousa mais sagrada no
Commércio, e o timbre, e brazão dos Commerciantes, e se farão em Praça
muitas transacções do maior porte só ajustadas de palavra, que não se podem
com decência distratar; todavia convém que se reduzão logo a escripto, para
prevenir dúvidas, e poder apresentar-se titulo ao Juiz, sendo necessário”.6 O
documento é a “rappresentazione materiale destinata ed idonea a riprodurre
una data manifestazione del pensiero”7 e sua função ata-se precipuamente à
prova do avençado entre as partes.
A assinatura faz presumir [i] a autoria do documento e [ii] o conheci-
mento de seu conteúdo pelo signatário.8 Dispõem o art. 219, caput, do Código
Civil que “[a]s declarações constantes de documentos assinados presumem-se
verdadeiras em relação aos signatários”9 e o art. 221 do mesmo Código que
“O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem
esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações
convencionais de qualquer valor [...]”. O art. 412, caput, do Código de Processo
Civil de 2015 estatui que “O documento particular de cuja autenticidade não
se duvida prova que o seu autor fez a declaração que lhe é atribuída”.
O fato de o instrumento ser forte indício da intenção comum das partes
no momento de sua assinatura não significa ser impossível que as empresas
tenham acertado coisa diversa ou que seu escopo tenha sido outro. Embora
raro isso pode ocorrer e deverá ser considerado pelo intérprete, nos termos do
art. 112 do Código Civil. Contudo, diante do pressuposto de racionalidade
do agente econômico, a derrocada da presunção de que ele concordou com
aquilo que assinou não é tarefa simples. Enganos acontecem, mas hão de ser
comprovados cabalmente para autorizar a desconsideração da palavra escrita.
A regra geral é que o instrumento firmado constitui prova forte da intenção
comum das partes; para derrubá-la, não bastam meras especulações sobre o
que as partes teriam almejado.
No direito empresarial, deve-se atribuir àquele que assinou um docu-
mento as decorrências de não ter se expressado melhor e o ônus da prova de

6. Princípios de direito mercantil, Tratado V, 1.


7. Giuseppe Chiovenda, Istituzioni di diritto processuale civile, v. II, 456. Para Santoro-
-Passarelli, documentos são “cose rappresentative di un fatto giuridicamente rile-
vante” [Dottrine generali del diritto civile, 45].
8. Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no cível e comercial, v. IV, 39.
9. A questão também é regulada pelo Código de Processo Civil de 2015: “Art. 408.
As declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente
assinado presumem-se verdadeiras em relação ao signatário [...]”.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 241
que algo diverso teria sido contratado por ambas as partes. No momento da
contratação, uma empresa não está obrigada a adivinhar ou a deduzir o que
a outra acredita estar contratando.10 Isso traria para o mercado um nível de
insegurança insuportável. O valor objetivo, dado pela prática e pelos usos e
costumes, sobrepõe-se ao subjetivismo individualista e, por isso, a prova cor-
porificada no instrumento firmado assume grande relevância.
Diante de alguns exageros que têm sido cometidos, é preciso repisar que
o texto contratual não pode ser atirado ao lixo, como se não existisse ou como
se o art. 112 do Código Civil autorizasse o intérprete a tanto.11 No mais das
vezes, o instrumento constitui o mais importante e seguro elemento de que
dispõe o julgador para resolver questões que se levantam durante a vida do
contrato. É preciso “respeitar o texto” como apontado pela doutrina italiana.12
“Non limitarsi al senso letterale delle parole non vuol dire che è consentito
attribuire alla dichiarazione, in base ai dati extratestuali, un significato privo
di congruenza col testo”.13
Se a intenção [comum] das partes é o norte interpretativo, o instru-
mento contratual – ainda mais quando resultado de intenso processo de
barganha, redigido por especialistas e brindado com as presunções ins-
culpidas nos dispositivos legais citados –, faz concluir qual a vontade que
ambas tiveram no momento da celebração do negócio.14 O art. 112 “não

10. Não é o caso de recolocar o debate que, no passado, tanto ocupou a doutrina civilista,
dividida entre os defensores da prevalência da “intenção” e da “declaração” no mo-
mento interpretativo do negócio jurídico, e que será adiante referida. Para o direito
comercial, não importa a intenção individual de cada uma das empresas ao contratar,
mas sua intenção comum, objetivada pelo mercado.
11. O STJ, ao comentar o art. 112, deixou vincado que “o intérprete deve partir das
declarações externadas para alcançar, na medida do possível, a manifestação dese-
jada, sem conferir relevância, dessa forma, à vontade omitida na declaração” [REsp
1.013.976-SP, j. 17.05.2012, rel. Min. Luis Felipe Salomão].
12. Segue Natalino Irti: “Le parole usate delle parti, formano il texto dell´accordo: esse
tracciano l´orizzonte, entro cui rifluiscono i risultati di ogni altra indagine” [Testo e
contesto, 14].
13. Luigi Mengoni, Interpretazione del negozio e teoria del linguaggio [note sull´ arti-
colo 625 C.C.].
14. Há muito, advertiu Pontes de Miranda em citação que se tornou célebre, ao glosar o
art. 85, do Código Civil de 1916: “‘Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua
intenção que ao sentido literal da linguagem’. A regra jurídica de interpretação que se
edicta no art. 85 impõe que se veja, através do sentido literal, a intenção ou propósito
do manifestante da vontade. De modo nenhum se disse que o sentido literal é sem im-
portância, ou que se poderia buscar a intenção para se entender algo diferente do que
|
242    CONTRATOS EMPRESARIAIS

permite que se tenham as palavras como não empregadas, ou alguma delas


por palavra não escrita”.15

8.2.2 Texto e contexto. O significado das palavras e a prática dos contratantes


As palavras do instrumento devem ser entendidas como os comerciantes
empregam-nas, até mesmo por força do art. 113 do Código Civil: “Os negó-
cios jurídicos devem ser interpretados conforme [...] os usos do lugar de sua
celebração”.
O sentido a ser dado à linguagem é aquele correspondente à prática de
mercado. “As partes empregam expressões próprias à sua linguagem, muitas
vezes imprecisa, não técnica, criada do patrimônio cultural individual, do
ambiente, da praxe e assim por diante”. A regra é sempre a mesma: “aquilo
que se deve indagar não é a intenção individual, subjetiva e isolada, mas a
comum intenção e, portanto, deve-se levar em conta como a outra parte com-
preendeu, ou deveria ter compreendido, o sinal linguístico [dando relevo à
sua confiança]”.16-17

8.3 As regras clássicas de interpretação dos contratos empresariais ins-


piradas em Pothier
No Brasil, a evolução das regras de interpretação contratual seguiu estrada
que vai da sistematização de Pothier18 – editada em 1.761 e traduzida para a

foi dito; apenas se explicitou que a intenção há de servir, ao lado, ou, até, afastando o
sentido literal, na interpretação da vontade manifestada. [...] Objeto da interpretação
não é a vontade interior, que o figurante teria podido manifestar, mas sim a manifestação
de vontade, no que ela revela da vontade verdadeira do manifestante. É preciso que o
querido esteja na manifestação; o que não foi manifestado não entra no mundo jurídico;
o simples propósito, que se não manifestou, não pode servir para a interpretação. A
vontade, ainda que buscada segundo o art. 85, há de estar dentro, não fora, nem, com
maioria de razão, contra o que se manifestou. A descida em profundidade é dentro das
raias do manifestado” [Tratado de direito privado, t. 3, 333-334].
15. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. 3, 334, a pretexto de comentar o
art. 85 do código antigo.
16. Guido Alpa, Interpretazione del contratto, 96.
17. “The meaning of the document is what the parties using those words against the
relevant background would reasonably have been understood to mean” [Catherine
Mitchell, Interpretation of contracts, 40].
18. Sobre as influências sofridas por Pothier, inclusive do direito romano, v. Menezes
Cordeiro, Da boa-fé no direito civil, p. 242 e ss. Também Guido Alpa, Interpretazione
del contratto, 1.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 243
língua portuguesa em 1.835 por Corrêa Telles – passando por Cairu,19 pelo
Código de Napoleão20 e desembocando no Código Comercial de 1850, espe-
cialmente em seus artigos 131 e 133.21 Obrigatória a referência à compilação

19. Há, aqui, evidente “corte” histórico, porque muito do art. 131 está no Digesto e nas
Ordenações, conforme o estudo do Conselheiro Orlando [Codigo commercial do
Imperio do Brazil, 84 e ss.].
20. In verbis: “Section 5: De l’interprétation des conventions. Article 1.156: On doit dans
les conventions rechercher quelle a été la commune intention des parties contrac-
tantes, plutôt que de s’arrêter au sens littéral des termes. Article 1.157: Lorsqu’une
clause est susceptible de deux sens, on doit plutôt l’entendre dans celui avec lequel
elle peut avoir quelque effet, que dans le sens avec lequel elle n’en pourrait produire
aucun. Article 1.158: Les termes susceptibles de deux sens doivent être pris dans le
sens qui convient le plus à la matière du contrat. Article 1.159: Ce qui est ambigu
s’interprète par ce qui est d’usage dans le pays où le contrat est passé. Article 1.160:
On doit suppléer dans le contrat les clauses qui y sont d’usage, quoiqu’elles n’y soient
pas exprimées. Article 1.161: Toutes les clauses des conventions s’interprètent les
unes par les autres, en donnant à chacune le sens qui résulte de l’acte entier. Article
1.162: Dans le doute, la convention s’interprète contre celui qui a stipulé et en faveur
de celui qui a contracté l’obligation. Article 1.163: Quelque généraux que soient les
termes dans lesquels une convention est conçue, elle ne comprend que les choses
sur lesquelles il paraît que les parties se sont proposés de contracter. Article 1.164:
Lorsque dans un contrat on a exprimé un cas pour l’explication de l’obligation, on
n’est pas censé avoir voulu par là restreindre l’étendue que l’engagement reçoit de
droit aux cas non exprimés.
21. E também nos arts. 1.362 a 1.371 do Codice Civile. Vale reproduzir, mesmo que ex-
tensas, as regras positivadas no diploma italiano: “Dell’interpretazione del contratto.
Art. 1.362. Intenzione dei contraenti: Nell’interpretare il contratto si deve indagare
quale sia stata la comune intenzione delle parti e non limitarsi al senso letterale
delle parole. Per determinare la comune intenzione delle parti, si deve valutare il
loro comportamento complessivo anche posteriore alla conclusione del contratto.
Art. 1.363. Interpretazione complessiva delle clausole: Le clausole del contratto si
interpretano le une per mezzo delle altre, attribuendo a ciascuna il senso che risulta
dal complesso dell’atto [1.419]. Art. 1.364. Espressioni generali: Per quanto generali
siano le espressioni usate nel contratto, questo non comprende che gli oggetti sui
quali le parti si sono proposte di contrattare. Art. 1.365. Indicazioni esemplificative:
Quando in un contratto si è espresso un caso al fine di spiegare un patto, non si
presumono esclusi i casi non espressi, ai quali, secondo ragione, può estendersi
lo stesso patto. Art. 1.366. Interpretazione di buona fede: Il contratto deve essere
interpretato secondo buona fede [1.337, 1.371, 1.375]. Art. 1.367. Conservazione
del contratto: Nel dubbio, il contratto o le singole clausole devono interpretarsi nel
senso in cui possono avere qualche effetto, anziché in quello secondo cui non ne
avrebbero alcuno [1.424]. Art. 1.368. Pratiche generali interpretative: Le clausole
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244    CONTRATOS EMPRESARIAIS

de Teixeira de Freitas, intitulada “Regras de Direito”, de 1882, que, tratando


de pautas gerais de interpretação, abarca gabaritos referentes aos contratos,
incluindo as Regras da interpretação dos contratos, de Corrêa Telles.
São sistematizações lógicas, coerentes com a dinâmica do fluxo de relações
econômicas: dar condições para o melhor funcionamento possível do mercado,
catalisando o fluxo de riquezas mediante a redução dos custos de transação
e eliminação dos efeitos autodestrutíveis decorrentes do funcionamento do
próprio sistema. Não é de se estranhar que, há séculos, estejam presentes em
grande número de códigos, com larga aplicação pelos tribunais.
Não raro, a manualística predominante refere-se às regras tradicionais de
interpretação sem indicar sua origem e sem lhes tributar a real dimensão que
assumem no sistema de direito comercial. Vale revisá-las,22 lembrando que
“mais do que meras máximas de experiência”, “assumem como conteúdo uma
exigência ética de correção social”, imprimindo “à atividade interpretativa um
endereço, uma diretiva, que exprime em si um juízo de valor”.23 Iniciemos o
estudo dessa sistematização pelas regras de Pothier, analisando-as sob o prisma
do funcionamento do mercado.

ambigue s’interpretano secondo ciò che si pratica generalmente nel luogo in cui il
contratto è stato concluso. Nei contratti in cui una delle parti è un imprenditore
[2.082], le clausole ambigue s’interpretano secondo ciò che si pratica generalmente
nel luogo in cui è la sede dell’impresa. Art. 1.369. Espressioni con più sensi: Le es-
pressioni che possono avere più sensi devono, nel dubbio, essere intese nel senso
più conveniente alla natura e all’oggetto del contratto. Art. 1.370. Interpretazione
contro l’autore della clausola: Le clausole inserite nelle condizioni generali di con-
tratto [1.341] o in moduli o formulari [1.342] predisposti da uno dei contraenti
s’interpretano, nel dubbio, a favore dell’altro. Art. 1.371. Regole finali: Qualora,
nonostante l’applicazione delle norme contenute in questo capo [1.362 e seguenti],
il contratto rimanga oscuro, esso deve essere inteso nel senso meno gravoso per
l’obbligato, se è a titolo gratuito, e nel senso che realizzi l’equo contemperamento
degli interessi delle parti, se è a titolo oneroso”.
22. Essa necessidade faz-se sentir de forma ainda mais aguda quando nos damos conta
que a semelhança entre as disposições do Código Comercial brasileiro de 1850 e as
regras vigentes no Codice Civile explica-se pela raiz comum encontrada na sistema-
tização de Pothier. Sua extirpação do atual Código Civil brasileiro é inexplicável e
parece pretender abandonar – sem sucesso – a objetivação da interpretação através
de sua inserção no contexto e na realidade contratual, privilegiando amorfo subjeti-
vismo ultrapassado pela boa doutrina e pela jurisprudência. No que tange às regras
de interpretação, o Código brasileiro afastou-se de sua declarada fonte de inspiração
e – o que é muito pior – de nossa tradição, corporificada no Código Comercial.
23. As palavras são de Betti, a pretexto dos comentários aos arts. 1.362 e seguintes do
Codice Civile [Interpretazione, p. 249].
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 245
8.3.1 Intenção comum das partes
Primeira regra: “Nas convenções mais se deve indagar qual foi a intenção
commum das partes contrahentes, do que qual he o sentido grammatical das
palavras”.
Pothier refere-se à “intenção commum das partes” e não à “intenção das
partes”. Isso significa que a primeira regra de interpretação toca ao intento co-
mum, àquilo que chamamos de “causa objetiva”, relacionada aos usos e costu-
mes comerciais. Qual a função econômica que as partes pretenderam obter com
a avença? Para que a celebraram? Qual a racionalidade [jurídica] que deve ser
considerada como mote interpretativo, levando em conta a objetivação trazida
pelo mercado? O que, no mercado, normalmente se busca com tal prática? [a
“intenção comum” deve ser entendida como reflexa da práxis mercadológica,
ou de fatos socialmente reconhecíveis, como ensina Betti]. Todas essas questões
interpretativas atuais, ligadas à primeira das lições de Pothier.

8.3.2 A revelação da intenção comum das partes e a importância do


preâmbulo
Quando expusemos o processo de formação dos contratos empresariais,
deixamos vincado que os indivíduos que firmam o instrumento não são os
mesmos que executarão o contrato. Da mesma forma, quem redige o instru-
mento ou participa da vida do contrato, não são aqueles que o julgarão caso
surjam litígios. Por definição, juízes e árbitros devem ser neutros e não podem
conhecer os meandros do negócio que analisarão.
Os redatores dos contratos parecem não considerar que, ao menos no
primeiro momento, o único elemento de que os julgadores disporão para com-
preender a intenção comum das partes do momento da celebração do contrato é
o seu instrumento. É inexplicável o descaso com que o preâmbulo contratual
é tratado na prática dos negócios e na literatura especializada.
Um preâmbulo aceito de comum acordo pelas partes dá ao juiz ou ao ár-
bitro relativa segurança sobre o escopo conjunto que as impeliu à contratação,
apresentando concretamente a operação econômica aos julgadores.24
Em negócios complexos, que se desdobram em vários instrumentos e
contratos, os preâmbulos são a primeira estrada que o julgador trilhará para
recompor a intenção comum das partes, identificando a coligação e a causa
comum dos acordos.

24. Uma das poucas obras sobre o tema é de Federico Ferro-Luzzi, Del preambolo del
contratto, de 2004.
|
246    CONTRATOS EMPRESARIAIS

8.3.3 Interpretação pela preservação do contrato e não por sua nulidade


Segunda regra: “Quando huma clausula he susceptivel de dous sentidos, deve
entender-se naquelle, em que ella póde ter effeito; e não naquelle, em que não
teria effeito algum”.
Se as partes não contratam pelo prazer de contratar, como assinalou Chio-
venda, o contrato deve ser concebido de acordo com uma função [= função
econômica = causa] e a interpretação da avença deve levar à sua consecução.
Caso contrário, atirar-se-ia o contrato à inutilidade – decisão incompatível com
a lógica do sistema. Em suma: se as partes contrataram, seu escopo era atingir
determinada função econômica, porque o negócio não pode racionalmente
ser entendido como atividade de deleite. Deve-se atender à função econômica,
porque esse o destino dos contratos no sistema jurídico. Negar-lhe a função
típica [ou querida pelas partes] é negar seu pressuposto de existência.25

8.3.4 Natureza do contrato como condicionante da interpretação


Terceira regra: “Quando em hum contracto os termos são susceptiveis de
dous sentidos, devem entender-se no sentido que mais convém à natureza do
contracto”.
A “natureza do contrato” está ligada à sua tipificação social, ou seja, aos
efeitos que dele normalmente decorrem. A “natureza do contrato” liga-se à sua
função econômica [reconhecida pelo direito], às consequências que lhe são
próprias por força de lei ou mesmo da tipificação social. Mais uma vez, a inter-
pretação contratual há de se basear sobre os efeitos normalmente esperados da
avença [i.e., social e mercadologicamente esperados] – e, portanto, calculáveis.
Essa mesma “natureza do contrato” foi referida pelo art. 131 do Código
Comercial, como veremos adiante.

8.3.5 Usos e costumes e interpretação do contrato empresarial


Quarta regra: “Aquillo que em hum contracto he ambiguo, interpreta-se
conforme o uso do paiz”.
Dentro de critério de racionalidade, de proteção da boa-fé, da confiança
e da legítima expectativa da outra parte, não se pode compreender que um
contrato tenha interpretação diversa da prática de mercado. Os usos e costumes
não ocupam lugar apenas como fonte do direito [ou seja, como polo emanador

25. Na literatura brasileira, sobre o tema, indispensável a referência à obra de Cristiano


Zanetti, A conservação dos contratos nulos por defeito de forma, de 2013.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 247
de normas jurídicas vinculantes], mas igualmente como pauta de interpretação
dos contratos.
A objetivação social dos efeitos típicos dos acordos torna-os previamente
reconhecidos e desejados pelas partes, autorizando a interpretação conforme
o que costuma acontecer naquele setor da economia. Esse procedimento
reverte-se a favor da segurança e da previsibilidade, dando lugar a um melhor
cálculo das jogadas.
Pothier refere-se ao “uso do paiz”, ou seja, aos efeitos típicos esperados
naquele determinado mercado, por aquele específico grupo de pessoas. Mais
tarde, Ascarelli chamaria atenção para as “premissas implícitas” de cada or-
denamento, que devem ser consideradas no momento da interpretação dos
negócios.

8.3.6 Usos e costumes e integração do contrato empresarial


Quinta regra: “O uso he de tamanha authoridade na interpretação dos
contractos; que se subentendem as cláusulas do uso, ainda que se não
exprimissem”.
Os usos assumem função de integração contratual, preenchendo as lacu-
nas na declaração das vontades, em mecanismo explicitado quando tratamos
dos vetores de funcionamento do mercado e que será também retomado no
próximo capítulo. Retomam-se, pois, a racionalidade e a função econômica da
avença, conforme espelhada no mercado, para autorizar a presunção de que os
partícipes do acordo agem segundo as “notas de anônima repetição” apontadas
por Irti. Todo contrato empresarial traz consigo a práxis do mercado, que adere
aos termos do instrumento, colmatando suas eventuais lacunas.
No mesmo sentido, o art. 133 do Código Comercial continha princípio
importante, que hoje devemos deduzir da cláusula geral de boa-fé, consa-
grando os usos e costumes do mercado como fonte de direito, apta a integrar os
termos contratuais: “[o]mitindo-se na redação do contrato cláusulas neces-
sárias à sua execução, deverá presumir-se que as partes se sujeitaram ao que
é de uso e prática em tais casos entre os comerciantes, no lugar da execução
do contrato”.
Aquilo que é comum integra-se ao regramento particular, como se toda a praxe
se acoplasse ao negócio. Essa regra básica de interpretação/integração colabora
para a tutela da legítima expectativa da outra parte, desde que baseada no que
ocorre no mercado. Sua ratio liga-se à facilitação dos negócios: no processo
interpretativo deve-se ter em conta aquilo que costuma acontecer e que as
partes, racionalmente, incorporaram como base para estimar a atuação de
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248    CONTRATOS EMPRESARIAIS

determinado comportamento da outra.26 Na lição de Savigny: “L’interpretation


ne doit pas être basée sur la supposition que l’auteur de l’acte a eu vue un cas
tout à fait extraordinaire, et ne se présentant que très-rarement”.

8.3.7 Coerência e harmonia das cláusulas contratuais


Sexta regra: “Huma clausula deve interpretar-se pelas outras do mesmo
instrumento, ou ellas precedão, ou ellas se sigão áquella”.
O negócio jurídico, enquanto expressão de racionalidade e modo de atin-
gir um resultado [função], é uno. A causa ou fim objetivo do contrato realiza
“uma só função econômica”. Essa unicidade há de presidir a interpretação
contratual, sob pena de se chegar a conclusões incompatíveis com a eficiência
que se espera traga a avença.
Da mesma forma como não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços
[Eros Grau], o contrato não pode ser esfacelado, isolando-se suas disposições.
Elas assumem sentido quando consideradas partes do negócio que integram,
com ele colocando-se de forma harmoniosa. “Il negozio, insomma, va consi-
derato come un tutto unitario, da interpretare nella sua interezza: un tutto,
fra singole parti del quale, preliminar e conclusive, non è ammissibile una
separazione netta”.27

8.3.8 Intepretação contra o estipulante e a favor do devedor


Sétima regra: “Na duvida huma clausula deve interpretar-se contra aquelle
que tem estipulado huma cousa, em descargo daquelle que tem contrahido a
obrigação”.
Interpreta-se contra aquele que estipulou. Se o agente econômico é ra-
cional, a ele devem ser imputadas as consequências de não ter se expressado
melhor. Igualmente, interpreta-se a favor do devedor.

8.3.9 As partes somente se vinculam àquilo que contrataram


Oitava regra: “Por muito genericos que sejão os termos em que foi concebida
uma convenção, ella só comprehende as cousas, sobre as quaes parece que os
contrahentes se propozerão tratar, e não as cousas em que elles não pensárão”.
É sempre a função econômica do contrato que deve imperar. Se concebi-
do para determinado fim, não se pode admitir interpretação extensiva que o

26. Savigny, Le droit des obligations.


27. Emilio Betti, Interpretazione del negozio giuridico, 325.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 249
desvie daquilo que objetiva e socialmente dele se esperava – e do que as partes
efetivamente contrataram.
O princípio da autonomia da vontade estatui que, nos negócios empresa-
riais, ninguém seja obrigado ao que não contratou. Se as partes não acordaram
sobre determinado ponto, se os usos não as vinculam, é defeso ao intérprete
impor-lhes obrigações além dos limites que acertaram.

8.3.10 Referência à universalidade de coisas inclui todos os seus componentes


Nona regra: “Quando o objeto da convenção he huma universalidade de
cousas, comprehende todas as cousas particulares que compõem aquella
universalidade, ainda aquellas de que as partes não tivessem conhecimento”.
Quando as partes fazem referência a um conjunto, incluem todas as coisas
que o integram. Por exemplo, se acordam que uma transfere a outra determina-
do estabelecimento, nele está a integralidade de seus componentes. Eventuais
exceções devem ser discriminadas.
Essa regra tem por escopo facilitar as contratações, na medida em que
as partes ficam dispensadas de relacionar todos os elementos integrantes do
conjunto, bem como de proteger a integridade do objeto do contrato quando
este for uma universalidade, evitando o seu esfacelamento. O art. 1.148 do
Código Civil está embasado nesse princípio.28

8.3.11 Exemplos não excluem outros casos não referidos. O plural inclui o
singular. O que está no fim da frase refere-se a toda ela
Décima regra: “Quando em hum contracto se exprimio hum caso, por causa
da dúvida que poderia haver, se a obrigação resultante do contracto se
estenderia áquelle caso; não se julga por isso ter querido restringir a extensão
da obrigação, nos outros casos que por direito se comprehendem nella, como
se fossem expressos”.
Undécima regra: “Nos contractos, bem como nos testamentos, huma cláusula
concebida no plural se distribue muitas vezes em muitas clausulas singulares”.
Duodécima regra: “O que está no fim de uma fraze ordinariamente se refere
a toda a fraze, e não áquillo só que a precede immediatamente; com tanto que
este final da fraze concorde em genero e numero com a fraze toda”.
Essas três regras finais determinam formas para se auferir a intenção
das partes quando da celebração do negócio. Por ser a regra de interpretação

28. Cf. Campobasso, Diritto commerciale, 137.


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250    CONTRATOS EMPRESARIAIS

objetiva [sabida e conhecida por todos], ao aplicá-la despreza-se a intenção


íntima para chegar a uma motivação objetiva, comum aos partícipes.
Essas regras de interpretação buscam auferir qual o verdadeiro “interesse
comum das partes”, remetendo-se à primeira [e talvez mais importante] de
todas as regras.

8.4 Diretivas gerais dos contratos empresariais inspiradas no art. 131


do Código Comercial. Intenção comum das partes como norte in-
terpretativo, comportamento concludente, boa-fé objetiva, força
normativa dos usos e costumes e interpretação a favor do devedor
O art. 131 do Código Comercial indica pautas para interpretação e inte-
gração contratual, in verbis:
“Art. 131. Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpre-
tação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases:
1. a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e
ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer
à rigorosa e restrita significação das palavras;
2. as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não forem, e que as
partes tiverem admitido; e as antecedentes e subsequentes, que estiverem
em harmonia, explicarão as ambíguas;
3. o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o
objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem
no ato da celebração do mesmo contrato;
4. o uso e prática geralmente observada no comércio nos casos da mesma
natureza, e especialmente o costume do lugar onde o contrato deva ter
execução, prevalecerá a qualquer inteligência em contrário que se pre-
tenda dar às palavras;
5. nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo as bases
estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor”.
Sua revogação formal pelo Código Civil não logrou extirpá-las de nosso
sistema jurídico. Assim como é impossível revogar as regras de Pothier, não se
pode suprimir a penadas a tradição que existe nas entranhas de nosso direito
mercantil.
Vale aqui repisar os pontos centrais do art. 131, que norteiam a interpre-
tação dos negócios mercantis:
[i] respeito à boa-fé objetiva [e não subjetiva];
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 251
[ii] força normativa dos usos e costumes;
[iii] vontade objetiva e desprezo pela intenção individual de cada um dos
contratantes; o texto legal faz referência expressa ao “espírito do contra-
to” e à “natureza do contrato” e não à intenção de cada uma das partes,
individualmente considerada;
[iv] comportamento das partes como forma de chegar à vontade comum,
ao espírito do contrato;
[v] interpretação a favor do devedor;
[vi] respeito à autonomia privada.
Esse talho peculiar da interpretação dos contratos comerciais que poreja
do art. 131 – relacionado às características intrínsecas do sistema – traz des-
dobramentos relevantes para o sistema de direito comercial:
[a] a função econômica do negócio no direito comercial assume impor-
tância, porque permite a objetivação do comportamento do comerciante no
mercado e, com isso, a possibilidade de seu cálculo pelo outro; a atenção à
causa do negócio transforma-se em fator ligado à proteção da legítima ex-
pectativa da outra parte, da chamada boa-fé objetiva e, como quer Roppo, à
“gestão de uma economia capitalista”29 ou às “regras de bom funcionamento
do mercado”;30
[b] a racionalidade econômica do empresário sempre foi considerada
pelo direito comercial e pela jurisprudência; evita-se a tomada de decisões
judiciais que fujam da racionalidade própria do agente, rebatida na boa-fé e
na proteção da legítima expectativa; a previsão do standard do agente “ativo e
probo”31 nada mais significa senão a assunção de uma racionalidade própria
aos empresários [socialmente típica], depurada pelo direito como mínimo
padrão interpretativo;
[c] a proteção da eficiência das decisões empresariais é outra fonte na
qual há muito se fartam os intérpretes autênticos32 e o ordenamento jurídico

29. O contrato, 224.


30. O contrato, 223.
31. A Lei das Sociedades por Ações [Lei 6.404, de 1976] positivou esse princípio em
seu art. 153: “O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas
funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração dos seus próprios negócios”. O art. 68, § 1.º, a, impõe o mesmo padrão
comportamental para o agente fiduciário dos debenturistas.
32. A expressão intérprete autêntico é aqui empregada no sentido que lhe é dado por
Kelsen.
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252    CONTRATOS EMPRESARIAIS

brasileiro; a imposição de decisões que comprometam a segurança e a previ-


sibilidade do mercado sempre causou preocupação, da mesma forma como as
decisões que colocam em xeque a lógica do sistema.33

8.4.1 A importância do comportamento posterior das partes como pauta


interpretativa
Uma das mais aplicadas e difundidas pautas de interpretação dos con-
tratos empresariais relaciona-se ao comportamento das partes posterior ao
ato da celebração do negócio como melhor indício da intenção comum que
tiveram ao contratar. Se, após o fechamento, as partes agiram pacificamente de
determinada forma, se não houve protestos, é de se presumir que estão agindo
conforme aquilo que acertaram.
É indisputável que esse parâmetro interpretativo, embora não tenha
sido explicitamente transportado para o atual Código Civil, segue sendo
firme diretriz na compreensão dos contratos empresariais, até mesmo por-
que deduzido do parâmetro geral de boa-fé: é lícito supor que a parte leal
age de forma coerente, sem surpreender a outra, e que está fazendo aquilo
que pactuou.34
Como acontece com várias das regras interpretativas, não há, aqui,
uma presunção incontestável. Mas, para afastá-la, é necessária prova forte
de que não há coincidência entre comportamento posterior e as obrigações
contraídas.

33. Como exemplo, tome-se a jurisprudência brasileira sobre a prescrição em matéria


comercial. O estudo sistemático de julgados relativos à prescrição nas sociedades por
ações chama a atenção para o fato de que a orientação dada pelos Tribunais aponta
para claro sentido: preservação da segurança jurídica [Paula Forgioni e Paulo de
Lorenzo Messina, Sociedades por ações, 55].
34. Sobre o comportamento das partes posterior ao fato do contrato como indício daquilo
que efetivamente contrataram, vale a referência à clássica obra de Mosco:
. “[S]e le parti nella fase di esecuzione osservarono un certo senso del contratto, ciò
contribuisce a ritenere che era quello il senso voluto al tempo della stipulazione. I
difetti che tale criterio può in pratica presentare vengono, almeno in parte, corretti
dal fatto che il comportamento di ciascuna parte viene controllato dalla contropar-
te, la quale naturalmente di solito reagirà se il comportamento non è conforme alle
pattuizioni. [...] Il comportamento ha poi una speciale rilevanza se consiste in veri
e propri atti di esecuzione degli obblighi contrattuali. Si pressuppone naturalmente
che tale esecuzione non sia stata contrastata dall’altra parte, e si afferma esattamente
che la rilevanza è ancora maggiore se l’esecuzione fu prolungata per um notevole
periodo” [Luigi Mosco, Principi sulla interpretazione dei negozi giuridici, 107-9].
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 253
8.5. Regras de interpretação dos contratos comerciais explicitadas por
Cairu. Padrão do comerciante ativo e probo, relevância do estilo
mercantil e dos usos e costumes
Na realidade brasileira, destacam-se algumas lições de interpretação
contratual do Visconde de Cairu,35 calcadas em Pothier e apuradas no caldo
do nosso direito comercial. Para o maior de nossos comercialistas, o contrato
é o “consenso recíproco de duas ou mais pessôas sobre fazer ou dar alguma
cousa” e, dos seus ensinamentos, podemos extrair as seguintes principais
regras interpretativas:
[i] “Havendo duvida sobre a intelligencia e força de hum Contrato mer-
cantil, deve-se interpretar a mente dos contrahentes segundo o uso, ou
Estatuto da Praça e lugar em que se fez o mesmo contracto; e bem assim o
Juizo dos Commerciantes costumados a praticar essa espécie de negocio,
ainda que aliás as palavras do trato, ou escripto diversamente signifiquem:
pois sempre a boa fé o o estylo mercantil he que deve prevalecer e reger,
e não o estreito significado dos termos e menos ainda as intelligencias
cavillosas e contrarias ao verdadeiro espirito do contrato”.
A partir desse texto, identificamos alguns pontos centrais da interpretação
dos contratos entre agentes econômicos que atuam no mercado:
[a] a vontade dos contraentes deve ser interpretada de acordo com os usos
e costumes comerciais, repelindo-se a exegese que leva à prevalência da causa
subjetiva sobre a causa objetiva;
[b] o perfil do negócio deriva da função econômica que normalmente é
esperada pelos agentes que atuam naquele mercado. Resgata-se, aqui, a lição de
Simão Vaz Barbosa Lusitano, colacionada por Teixeira de Freitas: “Ato julga-se
pelo seu fim [actus omnis a fine judicatur]. Seu fim jurídico, bem entendido,
que determina sua espécie segundo a intenção dos agentes”;36
[c] o parâmetro a ser considerado como de normalidade é aquele dos “co-
merciantes costumados a praticar essa espécie de negócio” e não o do cidadão
comum, distanciado daquele business. Um contrato de bolsa deve ser valorado
conforme o fazem os homens que lá atuam, e não conforme os padrões do
comerciante que compra e vende alfaias. A correta interpretação do negócio
pressupõe o profundo conhecimento de sua práxis;

35. Princípios de direito mercantil e leis de marinha, 469 e ss.


36. Regras de direito, 15.
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254    CONTRATOS EMPRESARIAIS

[d] a racionalidade a ser tomada para fins de interpretação da avença –


determinação dos parâmetros da licitude – é aquela conforme a boa-fé, neces-
sária ao “estylo” comercial. Não se pode pressupor uma racionalidade ardilosa,
predatória, oportunista, sob pena de comprometimento do sistema;
[e] o “espírito do contrato” leva em conta fatores como a boa-fé e a mútua
confiança. Mesmo que o contratante não tenha sido movido por essa regra no
estabelecimento da avença, a interpretação do negócio somente pode corro-
borar o respeito a esses princípios. Em outras palavras, a racionalidade aceita
pelo direito comercial é aquela segundo seus princípios basilares [boa-fé, que
vai ao encontro do “estylo mercantil”];
[f] os usos e costumes devem vir ligados à boa-fé; agir conforme a boa-fé
é respeitar os usos e costumes do mercado, o “estylo” comercial. Ou seja, os
usos e costumes aportam objetividade que corrigiria o elemento subjetivo da
boa-fé.37
[ii] ensina Cairu: “porque deve tambem cada hum conhecer a condição
daquelle, com quem contracta, e a quem encarrega seus negocios, e deve
por tanto imputar a si o ter empregado o ministerio de hum humem pouco
activo e desleixado” [...] “porque os graos de diligencia mais, ou menos
exacta se devem regular segundo a qualidade, a difficuldade do negocio
compettido, usos do Commercio, e estylo das praças, e dos Comerciantes
cordatos [...]”.38
O sistema exige do mercador, para o bem do comércio, que aja como
um homem diligente. O padrão de normalidade aceitável, para fins de
cálculo do comportamento da outra parte, é o do comerciante habituado
àquele mercado. A racionalidade jurídica, mais uma vez, é aquela calcada
pelo mercado.
[iii] “O Contrato feito por qualquer dos Socios em nome social obriga a
todos os outros quanto aos negocios da Sociedade, ainda que na estipu-
lação se não fizesse menção dos mesmos Sócios, e aliás no escripturado
Acto social seja convindo, que a Sociedade fosse só administrada por hum
Caixa; pois assim o pede a boa-fé, e o gyro mercantil; ninguém tendo a
obrigação de examinar, se cada Socio he ou não o Caixa, ou o acreditado
para tratar dos negócios da Sociedade”.

37. Para a visão crítica dessa posição, Béatrice Jaluzot, La bonne foi dans les contrats.
Étude comparative de droit français, allemand et japonais, 107.
38. Princípios de direito mercantil e leis de marinha, 479.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 255
Embora Cairu esteja tratando especificamente do contrato de socieda-
de, é importante analisar a força que a aparência assume no direito, sempre
atendendo às necessidades do “gyro mercantil”. O que Cairu chama “gyro
mercantil” é o que nós denominamos “adequada fluência de relações no
mercado”. A ideia que relata é bastante fértil: é preciso proteger a aparência
para viabilizar a celeridade do fluxo de relações econômicas. O resguardo
da boa-fé, da confiança, leva ao bom “gyro mercantil”. Colocando as razões
práticas de sua existência “especialmente nas relações comerciais”, Alpa e
Bessone destacam que é melhor privilegiar aquilo que aparece sem dever
pesquisar a efetiva vontade do declarante, porque isso “economiza tempo e
dá certeza às relações jurídicas”.39

8.5.1 “Quem percebe o cômodo, não deve recusar o incômodo”


Por essa velha máxima, reproduzida por Cairu, tem-se que o negócio é
uno e deve ser interpretado dentro de sua unidade. Não se pode – sob pena de
subversão da boa-fé e da confiança úteis ao bom “gyro mercantil” – segmentar
o negócio, dele retirando, apenas, os efeitos que seriam favoráveis. O mesmo
princípio embasa a regra: “Quem quer o conseqüente, quer o antecedente, isto
he, quem quer os fins, he visto querer os meios, que a elle tendem”.

8.5.2 “Não pode pretender lucro quem não concorreu para algum negócio
com fundo, industrial, ordem, ou risco”
A noção de que o lucro é a remuneração do risco, cardeal na organização
do sistema de direito comercial, aparece clara nessa regra de interpretação dos
negócios mercantis. O fruto da atividade comercial tem um preço: o risco que
a ela é inerente. Lucro e risco, conceitos orientadores do sistema comercial,
presentes na obra de Cairu.

8.6. As regras de interpretação dos negócios empresariais no Código


Civil
Seguindo o Código Civil de 1916, o novo diploma ignorou uma das prin-
cipais “redescobertas” da ciência jurídica do final do século XX: a importância
da interpretação, inclusive daquela contratual. O Código, ao invés de repudiar
o ostracismo positivista a que a atividade interpretativa havia sido condenada,
parece repeti-la. As regras gerais declaradamente ligadas à interpretação dos
negócios e dos contratos gravitam em torno de parcos artigos: 112, 113, 114
e 423.

39. Elementi di diritto privato, 159.


|
256    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Para efeitos comparativos, note-se que o Codice Civile dedica ao tema


da interpretação as regras positivadas nos arts. 1.362 a 1.371, tratando da
intenção dos contratantes, com expressa alusão ao comportamento con-
cludente [art. 1.362]; interpretação unitária [complessiva] das cláusulas
contratuais, impondo que se tome uma por meio das outras e levando em
conta o contrato como um todo [art. 1.363]; expressões gerais, que não de-
vem ser interpretadas de forma a incluir elementos sobre os quais as partes
não pretenderam contratar [art. 1.364]; indicações exemplificativas, para
não excluir os casos não expressos que se podem considerar abarcados pelo
pacto [art. 1.365]; interpretação segundo a boa-fé [art. 1.366]; conservação
do contrato, ou seja, supremacia da interpretação que não reduza o contrato
ou a cláusula à inutilidade [art. 1.367]; interpretação de cláusulas ambíguas,
com especial referência aos contratos empresariais [art. 1.368]; interpreta-
ção de cláusulas com mais de um sentido conforme a natureza e o objeto do
contrato [art. 1.369]; interpretação contra o autor da cláusula [art. 1.370];
interpretação de forma menos gravosa para o obrigado e, em casos de con-
tratos onerosos, realizando-se “l’equo contemperamento degli interessi delle
parti, se è a titolo oneroso” [art. 1.371].
Dos artigos do novo diploma brasileiro que influenciam a interpretação
dos negócios empresariais, destacamos os seguintes:
– Art. 112: preponderância da “intenção consubstanciada nas declarações”
sobre “o sentido literal da linguagem”;40
– Art. 113: para os negócios jurídicos em geral, deve imperar a interpre-
tação conforme a boa-fé e os usos e costumes;41
– Art. 114: interpretação restritiva para a renúncia;42
– Art. 157: na esteira do art. 1.448 do Codice Civile, reintroduz o instituto
da lesão43 no nosso ordenamento, desaparecido dos Códigos anteriores;

40. “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubs-
tanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
41. “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos
do lugar de sua celebração”.
42. “Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente”.
43. “Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta. § 1.º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores
vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2.º Não se decretará a
anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida
concordar com a redução do proveito”.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 257
– Art. 421: a liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites
da função social do contrato;44
– Art. 422: mais uma vez, a imposição da boa-fé para os contratantes;45
– Art. 423: interpretação a favor do aderente;46
– Art. 424: proibição de renúncia a direito decorrente da natureza do
negócio por parte do aderente.47
O principal problema do Código Civil para os contratos mercantis é que,
embora tenha entrado em vigor em 2003, sua redação é anterior ao Código de
Defesa do Consumidor e mesmo à consolidação do direito do consumidor no
Brasil. Ou seja, muitas de suas regras foram talhadas para proteger o elo final da
cadeia produtiva e não o fluxo de relações mercantis. Isso gerou distorções que
a boa jurisprudência comercial tem procurado corrigir, pois não são poucos
aqueles que aplicam essa lógica consumerista a relações entre empresas, com-
prometendo a segurança e a previsibilidade do sistema.

8.6.1 Art. 113. Interpretação e boa-fé objetiva


A boa-fé objetiva sempre foi um dos vértices do sistema mercantil. O
mesmo se pode dizer dos usos e costumes, tidos como fonte de direito e pauta
de interpretação por qualquer manual de direito mercantil.48
Viu-se no capítulo terceiro que a boa-fé no direito comercial não desem-
penha apenas função moral, desconectada da realidade dos negócios e fundada
em valores outros que não a busca do melhor funcionamento do mercado. Ao
contrário, reforça as possibilidades de confiança dos agentes econômicos no

44. “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato”.
45. “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
46. “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contradi-
tórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.
47. “Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
48. Muitos autores apontam os problemas que podem derivar da aplicação da boa-fé
como parâmetro de interpretação contratual. De um lado, por se tratar de um
“conceito vago”, encerraria riscos. Por outro, traria vantagens evidentes, atuando
como uma valvola di sicurezza e tornando mais flexível o regime contratual;
permitiria a repressão de certos comportamentos, “moralizando a substância do
contrato” e procurando conciliar a “utilidade com a justiça” [Gisella Pignataro,
Buona fede oggettiva e rapporto giuridico precontrattuale: gli ordinamenti italiano e
francese, 55].
|
258    CONTRATOS EMPRESARIAIS

sistema, diminuindo o risco.49 A boa-fé é um catalisador da fluência das relações


no mercado.
Analisando o tratamento que a doutrina dispensava ao dogma da vontade
das partes na celebração do negócio, Betti apresenta algumas críticas incisivas,
iluminando a correta dimensão do problema.50
O “preconceito individualista” produziu tantos mitos em torno do dogma
da vontade que se chegou a afirmar que tanto a intenção do testador quanto a
“intenção comum dos contraentes” poderiam ser reduzidas a um dado de na-
tureza psicológica, independentemente de qualquer relação com o “fato social
da sua objetiva reconhecibilidade” por ambas as partes. A consequência desse
equívoco foi a negação do critério da boa-fé como um cânone hermenêutico
ligado à formação da “intenção comum”. Recusa-se que a lealdade recíproca,
clareza e retidão não possam inspirar o estudo de processo que culmina com
o encontro de resultado prático comum. Por isso, renega-se a segundo plano
o espírito de cooperação que leva à satisfação das expectativas mútuas – aque-
la mesma cooperação que os romanos haviam identificado na buona fides
contratual. Conclui Betti que o centro da questão hermenêutica não está nas
coincidências incidentais entre os estados de ânimo concebidos no íntimo das
partes [in interiore homine], mas na recíproca congruência de comportamentos
socialmente reconhecidos, que se engendram um em correspondência do outro,
conforme regras de lealdade e retidão. Betti procura pôr à mostra o preconceito
que grassava à volta da consideração da boa-fé como pauta de interpretação
negocial, para consolidar a sua importância e atribuir-lhe função sistêmica
bastante próxima daquela que, em nosso ordenamento, era-lhe reservada pelo
art. 131 do Código Comercial. A boa-fé vem relacionada ao uso e ao costume
da praça, ou seja, ela é objetiva e não pinçada no íntimo dos partícipes da avença.51

49. Que a confiança ocupa papel central no moderno direito dos contratos – e que sua
importância para o bom funcionamento do sistema é cada vez mais premente –
ninguém duvida. Por exemplo, discorrendo sobre garantias à primeira demanda,
Marcelo Huck inicia a explicação afirmando: “A confiança é o princípio orientador
das relações comerciais” [Garantia à primeira solicitação no comércio internacional,
5]. No mesmo artigo, o autor ressalta que a boa-fé é “cada vez mais importante no
dinâmico processo do comércio internacional” [11-12]. V. também sobre a confiança,
Orlando Gomes, Introdução ao direito civil, 244 e ss.
50. Interpretazione della legge e degli atti giuridici, 389 e ss. V., também, Teoria generale
del negozio giuridico, capítulo sexto.
51. Essa noção permitiu, por exemplo, à jurisprudência alemã, com base do art. 242
do BGB, deduzir “novos” princípios gerais de direito em casos em que as normas
existentes mostravam-se inadequadas à resolução dos conflitos. Ebke e Steinhauer
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 259
Quando o direito manda interpretar os acordos conforme a boa-fé, não
está apenas dando guarida a uma regra monacal, mas vivificando tradicional
norma de direito mercantil, útil às empresas e ao mercado. Nessa perspectiva, a
boa-fé despe-se de tantos aspectos morais que a revestem em outros contextos,
exsurgindo objetivada, ou seja, segundo os padrões de comportamento aceitos
em determinado mercado [ou em determinada praça].
É tradicional a diferenciação entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva,
presente na obra de Pothier, para quem deveríamos apartar a boa-fé no “foro
interior” daquela no “foro externo”. A primeira “deve ter-se como contrário
[...] tudo o que se affasta, ainda que pouco seja, da sinceridade mais exacta e
escrupulosa: a dissimulação mesma sobre o que concerne á cousa que faz o
objeto do contracto, e que a outra parte contrahente teria interesse em saber,
he contraria a esta boa fé: pois sendo preceito amarmos o proximo como a nós
mesmos, não póde ser permittido encobrir-lhe alguma coisa, que nós quereria-
mos que nos não encobrissem, se estivessemos no seu lugar”. No foro externo,
“huma parte não seria atendida se se queixasse destes ligeiros ataques feitos á
boa fé: de outra sorte mui grande numero de contractos estaria sujeito a rescisão,
os processos serião innumeraveis, e causarião desarranjo no commercio. Só
aquelle que abertamente ataca a boa fé, he no foro externo havido por verda-
deiro doloso, e então tem lugar a acção de rescindir o contrato, provando-se
plenamente as manobras, e artificios iniquos, que huma parte empregou para
enganar a outra”.52-53
A boa-fé subjetiva é relacionada a um “estado de consciência” ou “con-
vencimento individual de obrar a parte conforme o direito”. Bastante comum
em questões possessórias, “[d]iz-se subjetiva justamente porque, para a sua
aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurí-
dica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé está
a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem”.54
Por sua vez, a boa-fé objetiva liga-se a standards comportamentais esperados
do homem ativo e probo.

afirmam que os Tribunais alemães sempre superaram limitações legais ou barreiras


doutrinárias quando percebiam que uma nova realidade social ainda não havia sido
considerada pelo legislador [The doctrine of good faith in German contract law, 189].
52. Tratado das obrigações pessoaes e reciprocas nos pactos, contratos, convenções, &c, 26.
53. V. Giovanni Francesco Basini para uma resenha bibliográfica sobre a ampla lite-
ratura italiana em tema de boa-fé objetiva [Risoluzione del contratto e sanzione
dell’inadempiente, 211].
54. Judith Martins-Costa, A boa-fé no direito privado, 411.
|
260    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A boa-fé que assume relevância para fins de interpretação dos negócios comer-
ciais é a objetiva, na medida em que permite a objetivação da conduta esperada da
outra parte e um melhor cálculo [aumentando o grau de certeza e de previsibilidade
presente no mercado].
O respeito à boa-fé na interpretação contratual implica o repúdio à ma-fé.
A regra que veda interpretação a favor da má-fé é tradicionalíssima no direito
das obrigações e, em especial, no direito comercial. Teixeira de Freitas, ao
compilar suas famosas Regras de Direito, anotou diretrizes das ordenações que
já estabeleciam: “Má-fé a ninguém deve aproveitár”. Em 1.770, a Lei de 30 de
agosto estatuiu: “Má-fé considera-se a peste mortál do Commercio”.55 “A lei
nunca autoriza o dolo, nem permite a cavilação”, segundo Coelho da Rocha.56

8.6.2 Art. 112. Intenção das partes e vontade objetiva


A doutrina brasileira sempre considerou haver grande diferença entre o
sistema dos revogados Código Civil de 1916 e Código Comercial no que diz
respeito à vontade a ser considerada quando da interpretação dos negócios
jurídicos.
O art. 85 do Código de 1916 baseava-se em um sistema “subjetivista”,
que mandava perquirir a vontade individual da parte quando da celebração do
negócio. O Código Comercial, em seu art. 131, sempre se referiu à “natureza
do contrato” e ao “espírito do contrato”, além de estabelecer o comportamento
das partes posterior ao contrato como cânone de interpretação de sua vontade
no momento da celebração do negócio. Vontade objetiva, portanto [melhor
dizendo: vontade objetivada pelo mercado].
Antônio Junqueira de Azevedo, comentando o art. 85 do Código Civil
de 1916,57 afirma que, “pelo nosso Código Civil, não resta dúvida de que é a
vontade que prevalece”. O método sugerido de interpretação é partir da decla-
ração [objetiva] para encontrar a vontade real do declarante [subjetiva].58 No
entanto, adverte que “doutrina e jurisprudência, porém, tentam, na medida
do possível, forçar os quadros legais”.59 Em outro texto, ao comentar o Código

55. Garnier, Rio de Janeiro, 1.882, 378, 379.


56. Instituições de direito civil, São Paulo, Saraiva, 1.984 [1.844], 1º v., § 45, regra 10]
57. “Art. 85. Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido
literal da linguagem”.
58. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, 116-118.
59. Após estudar a jurisprudência brasileira, afirma Junqueira de Azevedo: “o que importa
salientar é que, para o ponto que ora nos ocupamos, do conflito entre a intenção
[subjetivismo] e da boa-fé [objetivismo], como critérios de interpretação, há decisões
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 261
Comercial de 1850, mais precisamente o seu art. 131, Junqueira de Azevedo
complementa que o Código Civil assume posição subjetivista; o Código Co-
mercial, uma posição “objetivista, fundada nos usos e costumes e na boa-fé”.60
O art. 85 do antigo Código Civil foi reproduzido, quase idêntico, no
art. 112 do Código: “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais
à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
Houve a inserção do direito comercial no sistema “subjetivista” [o que seria
perigoso retrocesso considerando a necessidade de segurança no tráfico do
direito comercial]?
A resposta afirmativa parece delinear-se, ainda mais considerando a su-
pressão do comportamento concludente como parâmetro de interpretação.
Aliás, não se logra compreender porque o art. 131 do Código Comercial foi
mutilado em uma de suas principais bases, qual seja, no reconhecimento de
que o comportamento das partes é o melhor indício [objetivo] da vontade que
tiveram quando da celebração do negócio. É inexplicável a razão de o Código
não ter reproduzido disposição análoga à contida no art. 1.362 do Codice Ci-
vile, que se refere à indagação da “intenção comum das partes”,61 bem como
liga sua determinação ao “comportamento geral inclusive posteriormente à
conclusão do contrato”.62-63
Essa conclusão pode ser contestada, mediante o desdobramento do se-
guinte raciocínio: o Código Civil consagrou a boa-fé objetiva [como princípio]

que, implicita ou mesmo expressamente, utilizam o critério da boa-fé, ao lado do da


intenção, para interpretar o negócio; a boa-fé, assim, apesar do silêncio do Código,
é critério utilizado pelos nossos Tribunais” [Negócio jurídico: existência, validade e
eficácia, 117].
60. Interpretação do contrato pelo exame da vontade contratual. [...], 277.
61. No original: comune intenzione delle parti.
62. No original: comportamento complessivo anche posteriore alla conclusione del contratto.
63. A supressão é ainda mais injustificável considerando-se a explicação de Betti:
“[d] ove la legge [art. 1.362] mira a mettere in valore l’intenzione comune delle
parti di fronte al senso letterale delle parole, essa intende per intenzione comune
non già la ‘volontà’ della parte singola, rimasta inespressa nella sfera interna della
coscienza, ma il concorde intento formatosi fra entrambe le parti, in quanto si è reso
riconoscibile nella loro comune o congruente dichiarazione e condotta. Essa intende
perciò questa comune o congruente dichiarazione e condotta, interpretata peraltro
non secondo la morta e astratta lettera delle parole o dei contegni, sebbene secondo
lo spirito: interpretata, cioè, in funzione del reciproco comportamento complessivo
delle parti da cui proviene e della situazione di fatto, nella quale appare in concreto
inquadrata [Teoria generale del negozio giuridico, 333].
|
262    CONTRATOS EMPRESARIAIS

e, com isso, a vontade das partes a ser considerada seria a “comum”. Mas não
deixa de ser um esforço hermenêutico para dotar o sistema de adequado grau
de segurança/previsibilidade e evitar o retrocesso. O fato é que o art. 112 do
atual Código Civil está impregnado de subjetivismo, cuja superação requer
esforço. O argumento de que a intenção a que se refere o novo texto estaria
vinculada à declaração não parece dissipar o ranço subjetivista do preceito,64
porque elege a intenção que está “consubstanciada nas declarações”, ou seja,
na manifestação da vontade de cada uma das partes e não naquela comum,
correspondente à natureza do negócio.
Apesar dos problemas, o estágio de evolução do direito brasileiro no campo
da interpretação dos negócios jurídicos atrela-nos ao cânone hermenêutico da
consideração da comum intenção das partes. Interessa ao intérprete o escopo
com que ambas estão de acordo, que entre elas se formou e que veio à luz em
sua declaração comum ou congruente, além de se espelhar em sua conduta.
Tanto a declaração, quanto o comportamento hão de ser interpretados a par-
tir dos fatos concretos, segundo o espírito do contrato. Isso inclui a análise do
comportamento posterior das partes como indício da intenção comum que as
moveu quando da celebração.65

8.6.3 Art. 423. Interpretação a favor do devedor


Também neste ponto, o Código Civil apresenta obstáculos a serem su-
perados. Determina o art. 423 a interpretação a favor do “aderente”, tendo
retirado a expressa menção à interpretação mais favorável ao “devedor”,
que constava do art. 131, 5, do Código Comercial. Cabe, aqui, uma pergun-
ta: a interpretação não mais deverá ser a favor do devedor em um contrato

64. Aliás, esse mesmo visgo individualista pode ser colhido em outros dispositivos do
Código como, por exemplo, o art. 144: “O erro não prejudica a validade do negócio
jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer
para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”. O mote do
art. 1.431 do Codice Civile, nesta parte, foi modificado profundamente pelo legisla-
dor brasileiro: “La parte in errore non può domandare l’annulamento del contratto
se, prima che ad essa possa derivarne pregiudizio, l’altra offre di eseguirlo in modo
conforme al contenuto e alle modalità del contratto che quella intendeva conclu-
dere”. Ou seja, enquanto o Codice Civile refere-se ao conteúdo e à modalidade do
contrato que se pretendia celebrar, o Código brasileiro volta-se para a “vontade real
do manifestante”.
65. Sobre o comportamento concludente no negócio jurídico, v. a completa obra de Paulo
Mota Pinto, Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 263
empresarial negociado pelas partes? De duas uma: ou [i] a noção de contrato
de adesão será ampliada – o que pode ser desastroso para o direito comercial,
caso se arremesse contra os negócios mercantis uma interpretação concebida
para contratos com consumidores – ou [ii] não mais teremos a interpretação
a favor do devedor.
Ao mesmo tempo em que o art. 423 do Código Civil estipula interpretação
contratual favorável ao “aderente”, o seu art. 133 contém regra específica que
impõe a presunção do prazo “em proveito do devedor”.66 Se, por um lado, a
interpretação dos negócios mercantis deverá ser favorável ao “aderente”, por
outro, no que diz respeito ao prazo, a ordem é a interpretação “em proveito do
devedor”. Presumindo que não estamos diante de mera falta de rigor técnico
ou descuido ocorrido na revisão do texto final do Código, a razão e utilidade
dessa distinção deverão ser, mais uma vez, aclaradas pelo trabalho doutrinário
e jurisprudencial.
A interpretação contra aquele que dita a cláusula [interpretatio contra
stipulatorem] é um tanto diversa da menos gravosa para o obrigado. Essa dis-
tinção vem bem marcada nos arts. 1.370 e 1.371 do Codice Civile; enquanto
o primeiro trata da “interpretação contra o autor da cláusula”,67 estipulando
que “[a]s cláusulas inseridas nas condições gerais de contrato ou em mode-
los ou formulários elaborados por um dos contratantes, interpretam-se, na
dúvida, a favor do outro”,68 o segundo faz o contrato “menos gravoso para
o obrigado”.69-70 Diante do texto no Código de 2002, entrevemos duas pos-
sibilidades: [i] ou houve a supressão da regra geral de interpretação a favor
do devedor, mantendo-a, o Código Civil, apenas para questões relativas a
prazo; ou [ii] toma-se a interpretatio contra stipulatorem por aquela menos
gravosa para o onerado.71

66. “Salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que
se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes”.
67. No original: “interpretazione contro l’autore della clausola”.
68. No original: “[l]e clausule inserite nelle condizioni generali di contratto o in moduli
o formulari predisposti da uno dei contraenti s’interpretano, nel dubbio, a favore
dell’altro”.
69. No original: “meno gravoso per l’obbligato”.
70. Sobre a interpretação dos arts. 1.370 e 1.371 do Codice Civile, v. Franco Carresi,
Dell’interpretazione del contratto, 132 e ss.
71. Como fez o Tribunal de Justiça de São Paulo ao dar concreção ao princípio herme-
nêutico do art. 131, 5, do Código Comercial [Ap. Cív. 084.441-4/1, j. 10.08.1999,
rel. Des. Santarelli Zuliani].
|
264    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Por fim, a interpretação a favor do devedor é uma pauta de “correção”


do ordenamento mercantil, favorecendo aquele em situação de desvantagem.
Não se pode razoavelmente supor que, privilegiando uma regra aplicável ex-
clusivamente aos contratos de adesão, o texto do Código Civil tenha deixado
de positivar cânone hermenêutico bastante útil ao funcionamento do sistema
de direito comercial.

8.6.4 Art. 421. Função social do contrato


Estardalhaço tem sido feito quanto a esse ponto, dizendo que o Código
Civil seria inovador ao retirar o contrato de sua visão individualista extremada,
lançando-o na estrada de sua função social. Esse texto normativo expressa a
concreção de princípio constitucional e de tradição identificada nos Tribunais.
A função social do contrato está positivada na Constituição Federal de 1988:
lembre-se que a liberdade de contratar é corolário necessário da afirmação da
propriedade privada dos bens de produção, de modo que não há função social
da propriedade sem função social dos contratos.72-73
Analisando a jurisprudência comercial brasileira de forma sistemática,
é possível afirmar que as grandes linhas traçadas pelos julgados há muito se
desprenderam de um espírito individualista, preocupando-se sempre com o
impacto do contrato sobre o todo social, ao mesmo tempo em que se procura
azeitar o fluxo de relações econômicas. Por essa razão, ao menos no que diz
respeito ao direito comercial, a inovação trazida pelo art. 421 do Código Civil

72. Não se pode deixar de fazer referência às consistentes críticas de Junqueira de Azevedo
sobre o Código Civil, que lançaria mão de elevado número de conceitos que “não
têm conteúdo, são vazios do ponto de vista axiológico. Eles servem para retórica, e
o mundo de hoje não se conforma mais com esses conceitos vazios” [O princípio da
boa-fé nos contratos, 43]. A conclusão a que chega Junqueira de Azevedo é, no míni-
mo, estimulante: “Todo código implica um certo desgaste social e um trabalho muito
grande para os operadores do Direito. O meu ponto de vista é que o Projeto de Código
Civil é um pouco, só um pouco, mais adiantado do que o Código Civil vigente.
Claro, porque um é de 1916 e o outro é de 1970. Porém, não concordo – tendo em
vista as mudanças do mundo de hoje – em adotarmos, para o ano 2000, um Projeto,
de 1970, por uma pequena melhora em relação ao Código Civil. Não vale, tudo
posto na balança, o desgaste que isso representa e aquilo que vai resultar para nós.
A questão não é só o Código Civil, e sim todo o Direito Civil, e o Direito Civil como
está é superior ao Direito Civil como ficaria, se fosse aprovado o Projeto” [44].
73. Sobre o tema, v. Leonardo de Faria Beraldo, Função social do contrato. Contributo
para a construção de uma nova teoria e, também, Gerson Luiz Carlos Branco, Função
social dos contratos.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 265
faz-se sentir mais na retórica dos advogados do que na modificação da realida-
de jurídica. Como exemplo, a construção da dissolução parcial das sociedades
limitadas laborada ao longo das últimas décadas e em contínuo processo de
evolução, ou mesmo a construção do princípio da preservação da empresa,
orientador de tantas decisões pretorianas.
Se a empresa gera riquezas, aumentando o grau de bem-estar, o contrato
empresarial também cumpre essa função, contribuindo para o desenvolvimento
econômico e social do País.

8.6.5 Art. 114. Interpretação restritiva dos negócios benéficos e da renúncia.


Interpretação restritiva da exceção
Dispõe o art. 114 do Código Civil que “Os negócios jurídicos benéficos
e a renúncia interpretam-se estritamente”.
Negócios benéficos não devem ser confundidos com gratuitos. Benéfico é
algo que beneficia alguém. Em se tratando de empresas, presume-se que seus
negócios são onerosos, ou seja, que o benefício eventualmente outorgado a
alguém implica compensação de alguma espécie. Mas, na presença do benefício,
a interpretação da concessão faz-se de maneira restritiva.
O mesmo se deve dizer em relação à renúncia. Qualquer renúncia a direito
há de ser tomada cum grano salis. Por exemplo, se a empresa, ainda que racio-
nalmente, renuncia ao pagamento a que teria direito, a renúncia não poderá
abranger algo não incluído no ato original.
Essa regra aplica-se também às hipóteses de direitos garantidos pela
Constituição Federal às empresas, como as liberdades econômicas. Cláusulas
contratuais limitativas da livre-iniciativa, que de alguma forma restringem
a atividade empresarial, bem assim aquelas que implicam fronteiras à livre
competição, chamam interpretação restritiva, abrangendo o menor número
de situações possíveis.74
De certa forma, todas essas regras desdobram-se de comando bastante
antigo: exceções interpretam-se restritivamente. “Quando um ato dispensa de
praticar […] ordem geral, assume o caráter de exceção, interpreta-se em tom li-
mitativo, aplica-se às pessoas e aos casos e tempos expressos, exclusivamente”.75
Presume-se que as partes afastaram a regra dispositiva naquilo que não queriam
que vinculasse; fora desse espaço acordado, segue a força da diretriz geral.

74. A questão será abordada com maior profundidade no capítulo sobre a incidência das
regras constitucionais sobre os contratos empresariais.
75. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 4ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.947, p. 285.
|
266    CONTRATOS EMPRESARIAIS

8.6.6 Art. 157. Lesão/tendência de proteção à parte mais fraca


Em vários de seus dispositivos, o Código Civil abriga tendência à pro-
teção da parte mais fraca na relação contratual, destacando-se o art. 157, que
dispõe sobre a lesão. É indispensável lembrar, mais uma vez, a lição de Cairu
ao explicar o instituto da lesão no sistema de direito comercial. Em princípio,
toda pessoa tem o direito de contratar validamente e “pode licitamente usar
de sua industria, diligencia, e liberdade em quaesquer convenções permitidas,
com tanto que não use de fraude, e violencia contra a pessôa com quem trata,
ou contra terceiro, a quem destine prejudicar em seu direito”. Assim – segue
Cairu – “póde no ajuste do preço tirar a possivel vantagem estipulando-a com
franqueza e boa-fé”. Porém a “boa razão” impede que haja “abuso do domínio”
ou de “qualquer outra faculdade humana, e social”. Sobretudo nas “transações
do Commercio, que, por serem acceleradas, e peremptorias, muitas vezes se
fazem na confiança da boa-fé do vendedor, suppondo-se que elle exige hum
preço racionavel, e commum”.
No entanto, “os Commerciantes são, ou sempre se presumem, habeis,
atilados, e perspicazes em seus negocios: he-lhes por tanto inadmissivel al-
legarem lesão em tratos mercantis por escusa ou ignorancia. [...] Por tanto
os que exercem a profissão de mercancia, não devem ser menos prudentes e
circumspectos em seus tratos. [...]
Mas, nas vendas de retalho ao povo, ainda que raras vezes se proponha
causa de lesão, ella comtudo frequentemente acontece nos Paizes pobres,
e immorigerados, com terrivel encargo de consciencia do vendedor, que se
prevalece da sinceridade, boa fé, inexperiencia, ou simpleza, rusticidade, ou
precisão do comprador”.76
Esse espírito vinha corporificado no revogado art. 220 do Código Comer-
cial, que dispunha: “A rescisão por lesão não tem lugar nas compras e vendas
celebradas entre pessoas todas comerciantes; salvo provando-se erro, fraude ou
simulação”.77
Caio Mário da Silva Pereira, em monografia sobre a lesão, valendo-se
das lições de Bento de Faria e de Carvalho de Mendonça, admite que, se-
gundo a doutrina comercialista, o instituto não integra o sistema de direito
mercantil.

76. Princípios de direito mercantil e leis de marinha, 504.


77. Igualmente, como vem positivado no Codice Civile e é lembrado por Caio Mário da
Silva Pereira, o instituto da lesão não se aplica aos contratos aleatórios [Lesão nos
contratos, 174].
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 267
A reanimação do instituto da lesão em nosso sistema jurídico não pode
ser empregada para aviltar o comércio jurídico. É o mesmo Caio Mário quem
adverte: “Uma vez que o direito positivo forneça o meio de faltar o contratante
à fé jurada, e venha em abono da atitude assumida pela parte inadimplente, é
todo o comércio jurídico que sofre, é a insegurança que se institui como norma,
é a infidelidade protegida pela lei que abala e ameaça todo o edifício do direito
obrigacional, lançando o germe da desconfiança e do receio nos meandros da
vida econômica”.78
É preciso cuidado para que o texto do Código Civil não acabe aplicado
de forma tal a neutralizar as vantagens competitivas normais e desejáveis
no mercado. Em linguagem mais tradicional, poderíamos falar na “normal
álea do negócio”, que parece ter sido ignorada pelo Código Civil em alguns
aspectos fundamentais. Além da questão da lesão, lembre-se da disciplina da
onerosidade excessiva, positivada no art. 478 e ss. Ao contrário do art. 1.467
do Codice Civile,79 nosso diploma não contemplou expressamente as hipóte-
ses em que a excessiva onerosidade subsume-se à “álea normal do contrato”.
Ora, terá sido ignorada a “incerteza sobre a margem dos prejuízos ou do lucro
superveniente”, que, em tal caso, presumir-se-ia “matéria de risco assumido,
sendo por definição matéria de normal álea do contrato”?80
Preocupa a interpretação que pode ser dada ao art. 157 do Código Civil
quando estiverem envolvidos negócios celebrados entre empresários. Será
desconsiderada a força do contrato quando uma das partes “errar” na sua
previsão? Tomemos empresa em difícil situação econômica que, para captar
determinado parceiro comercial, resolve conceder-lhe grandes vantagens. O
contrato poderá ser descartado, alegando-se a lesão? Qual agente econômico
racional contratará com outro que passa por percalços financeiros? Se hou-
ver o negócio, o custo a ser suportado pela empresa em dificuldades não será
agravado pela situação de incerteza jurídica trazida pelo novo texto legal?
Maior o risco do negócio, maior o lucro esperado, sabem aqueles ligados ao
torvelinho do mercado.

78. Princípios de direito mercantil, 110.


79. “Art. 1.467. Nei contratti a esecuzione continuata o periodica, ovvero a esecuzione
differita, se la prestazione di una delle parti è divenuta eccessivamente onerosa per il
verificarsi di avvenimenti straordinari e imprevidibile, la parte che deve tale presta-
zione può domandare la risoluzione del contratto con gli effetti stabiliti dall’articolo
1458. La risoluzione non può essere domandata se la sopravvenuta onerosità rientra
nell’alea normale del contratto [...]”.
80. As expressões entre aspas são de Mario Bessone, Ratio legis dell’art. 1.467 Cod. Civ.,
risoluzione per eccessiva onerosità e normale alea del contratto, 390 e 391.
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268    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Pensemos ainda em empresa que comercializa produtos perecíveis e


resolve “queimar” seus estoques com data de vencimento próxima, venden-
do-os a preços excessivamente baixos. Poderá o adquirente ter o negócio
desconstituído?
Esse dispositivo, se bem dosado pela jurisprudência, poderá mostrar-
-se útil ao tráfico e evitar, por exemplo, o abuso de dependência econômica.
No entanto, como ainda não temos construção doutrinária sólida sobre essa
questão, a aplicação do preceito no campo do direito empresarial há de ser
cuidadosa, sob pena de transformar-se em instrumento de neutralização de
vantagens competitivas.

8.7 As presunções na interpretação dos negócios entre empresas


Vimos que as regras de interpretação foram identificadas e testadas ao
longo de séculos; algumas acabaram positivadas no Código Civil. Esses cânones
hermenêuticos longe estão de serem pautas estéreis, formais, desconectadas da
realidade. Como método exegético, uma de suas principais funções sistêmicas
é autorizar presunções jurídicas, ou seja, “juízos sobre a verdade de uma coisa,
por uma consequência tirada de outra coisa, conforme o que ordinariamente
acontece”; “consequências que a lei ou o magistrado tiram de um fato conheci-
do para um fato desconhecido”.81 Na dicção de Teixeira de Freitas, “a legítima
dedução de um fato para o conhecimento da verdade de outro”.82
Apesar de todas as críticas que lhes podem ser feitas,83 as presunções
jurídicas encurtam caminhos, economizam tempo e esforços de perscruta-
ção. Trazem um “processo de raciocínio; a partir do fato conhecido permitem
escolher, entre as hipóteses possíveis, a mais provável delas”.84 As presunções
trabalham com probabilidades, com aquilo que ordinariamente ocorre em
casos semelhantes. “Qui dit présomption, dit nécessairement probabilité”.85
Empregadas corretamente, aumentam a eficiência do processo hermenêutico,
pois diminuem custos de transação relacionados aos negócios.

81. Código de Napoleão, art. 1349: “Les présomptions sont des conséquences que la loi
ou le magistrat tire d’un fait connu à un fait inconnu”.
82. Vocabulário Jurídico, São Paulo, Saraiva, 1983 [1.883], 270.
83. Orlando Gomes, A crise do direito, 249.
84. A definição é da clássica obra de Roger Decottignies, Les présomptions en droit privé,
1950. No original: “Le présomption est le procédé de raisonnement qui, en partant
du fait connu, permet de faire un choix parmi les hypothèses en présence pour ne
retenir que la plus probable d’entre elles” [9].
85. Roger Decottignies, Les présomptions en droit privé, 11 e 12.
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS  | 269
Em sua maioria, as regras interpretativas encerram presunções juris tan-
tum, admitindo prova em contrário; são uma “conjectura provável”, que se
toma por evidência se não for destruída por outra contrária.86 Por exemplo: a
má-fé não se presume, mas, diante da constatação de sua existência, há de ser
considerada. A presunção de que o agente agiu de boa-fé é derrubada diante
do atestado da ocorrência da má-fé.
A presunção de que, nos contratos empresariais, o contratante é homem
ativo e probo, acostumado às práticas de mercado, é inafastável: ele sempre será
assim considerado. Caso escape desse padrão, será sancionado. A presunção,
aqui, é iuris et de iuris, “tendo-se verdadeira uma coisa, que se passará por tal,
como se disso houvesse prova convincente”.87
Quando o ordenamento autoriza uma parte a supor que a outra adotará
determinada conduta, desestimula o investimento exagerado na precaução
contra comportamento diverso. Isso diminui os custos de transação no mercado
e facilita o fluxo de relações econômicas. Por exemplo, se a lei garante sanção à
parte que agir de má-fé, não é necessário que a outra persiga a repetição dessa
regra do contrato.
Sem qualquer pretensão de exaustão, trazemos os seguintes exemplos de
presunções que assistem aos contratantes nos contratos empresariais:
[i] a contraparte é agente econômico [empresa] acostumado ao giro
mercantil;
[ii] a contraparte agirá dentro dos padrões de mercado, mesmo sendo
agente econômico sagaz, que persegue seu autointeresse;
[iii] a contraparte não adotará comportamentos desleais, embora esteja
autorizada a perseguir seu autointeresse com avidez;
[iv] as partes agirão em conformidade com aquilo que julgam ter contratado;
[v] eventualmente, a contraparte poderá descumprir a lei e o dever de
boa-fé; ou seja, embora a lei coíba o comportamento desleal ou ilícito,
este pode ocorrer; cabe à parte acautelar-se;
[vi] por ser agente econômico ativo e probo, a contraparte valorou os
riscos envolvidos no negócio, bem como as vantagens que dele possivel-
mente auferiria;
[vii] a contraparte tem plena ciência da conduta que se comprometeu a
adotar, das prestações que deve e que lhe são devidas;

86. Teixeira de Freitas, Vocabulário Jurídico, v. I, 271.


87. A definição de presunção juris et de jure é sempre de Teixeira de Freitas.
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270    CONTRATOS EMPRESARIAIS

[viii] a contraparte leu e concordou com os termos do instrumento que


firmou, aceitando-os integralmente;
[ix] a contraparte assumiu os riscos decorrentes da escolha de sua asses-
soria, bem como dos atos praticados por seus prepostos;
[x] a contraparte conhece o negócio que está celebrando;
[xi] as partes não entabularam o negócio para com ele ter prejuízos, mas
podem vir a sofrê-los;
[xii] as partes podem divergir no futuro;
[xiii] as partes vincularam-se livremente;
[xiv] as partes pretenderam vincular-se ao que contrataram – e não a
outras coisas que não contrataram ou que não fazem normalmente parte
daquele negócio;
[xv] a contraparte avaliou os riscos inerentes ao negócio – ou optou
por não investir nessa investigação, dentro de padrões razoáveis de
comportamento;
[xvi] a contraparte têm ciência de que seu grau de vinculação/dependência
pode acentuar-se durante o negócio.
Ao contrário do que sustentam muitos, nos contratos empresariais não
existe a presunção de igualdade entre as partes, pois certa assimetria de poder
é-lhes cada vez mais inerente. Há contratos paritários, mas numerosos são
aqueles em que se encontra a dependência.
Ninguém ignora que, quando contratam, raramente as partes encontram-
-se em situação de igualdade. A presunção do direito não é essa, e sim que
as empresas analisaram o negócio e decidiram contratar, avaliando que as
vantagens trazidas pela operação superam as desvantagens. Nesse ponto, as
presunções jurídicas que cercam os contratos empresariais são bem diversas
dos contratos consumeristas, pois são lógicas formatadas por ratio distintas.
9
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS
E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Interpretação a favor da livre-iniciativa
e da livre-concorrência

Sumário: 9.1 Princípios constitucionais, ordem jurídica do mercado e contratos


empresariais – 9.2 Livre iniciativa – 9.3 Livre concorrência – 9.4 Liberdade de con-
tratar – 9.5 Princípios constitucionais moldando os contratos empresariais – 9.6 Os
contratos empresariais e a limitação voluntária das liberdades econômicas – 9.7 Prin-
cípios constitucionais e seu reflexo sobre os contratos empresariais – 9.8 Princípios
constitucionais como regras de interpretação – 9.9 Princípios constitucionais como
regras gerais dos contratos empresariais – 9.10 Ainda a questão dogmática: a força
das regras gerais – 9.11 Aplicação da regra de interpretação em favor das liberdades
econômicas. Alguns exemplos concretos: 9.11.1 A exclusividade; 9.11.2 Vedação à
concorrência na alienação de estabelecimento comercial [art. 1.147 do Código Civil]
e cláusula de não concorrência [“non compete”] contratada na alienação de controle
de sociedade empresarial; 9.11.2.1 Função econômica e tipologia das cláusulas de
não concorrência; 9.11.2.2 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle;
9.11.2.3 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle: diferentes disciplinas
de non compete. Limitação do âmbito de aplicação do art. 1.147 do Código Civil;
9.11.3 A necessária interpretação restritiva das cláusulas de non compete – 9.12 O
direito de não contratar e de pôr fim à relação contratual.

9.1 Princípios constitucionais, ordem jurídica do mercado e contratos


empresariais
No modo de produção capitalista, o direito instrumenta o desenvolvimen-
to das relações de mercado.1-2 “[A] intervenção do Estado na vida econômica
é um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas,
identificando-se, em termos econômicos, com um princípio de segurança.”3
Na síntese de Eros Roberto Grau: “(i) a sociedade capitalista é essencialmente

1. Eros Roberto Grau, O direito posto e o direito pressuposto, p. 20.


2. “Legge intese a proteggere lo scambio mercantile si fano risalire ad ogni buon sovrano”
[Berardino Libonati, La categoria del diritto commerciale, p. 9].
3. Eros Roberto Grau, O direito posto e o direito pressuposto, p. 278.
|
272    CONTRATOS EMPRESARIAIS

jurídica e nela o direito atua como mediação específica e necessária das re-
lações de produção que lhe são próprias; (ii) essas relações de produção não
poderiam estabelecer-se, nem poderiam reproduzir-se sem a forma do direito
positivo, direito posto pelo Estado; (iii) este direito posto pelo Estado surge
para disciplinar os mercados, de modo que se pode dizer que ele se presta a
permitir a fluência da circulação mercantil, para domesticar os determinismos
econômicos”.4
O direito comercial não é exceção, pois não é concebido para socorrer o
agente isolado, mas o funcionamento do mercado; o interesse da empresa é pro-
tegido na medida em que implica o bem do tráfico mercantil.
De fato, desde a sua origem, o direito comercial liga-se ao mercado, or-
denando a dinâmica estabelecida entre os mercadores. Seu objetivo sempre se
relacionou à tutela do tráfico econômico – ou seja, à defesa do “interesse geral do
comércio”, na expressão de Carvalho de Mendonça –, e não dos comerciantes,
individualmente considerados.5 Nessa linha, Teixeira de Freitas advertia que
a proteção liberalizada pelo Código Comercial era em favor do comércio – e não
dos comerciantes.6-7 Por todos, sempre Cairu: “A liberdade do Commercio não
he huma faculdade concedida aos Negociantes para fazer o que quiserem; isso

4. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 32. Por sua vez, explica Fábio Nusdeo:
“[...] não se conteve o Estado naquele papel de relativa neutralidade e platonismo.
Aberto o caminho para a sua entrada no sistema, passa gradualmente a assumir um
segundo papel, dentro do qual marca presença ao impor finalidades outras que não
a de mero suprimento de condições para superar as imperfeições anteriormente
apontadas. Trata-se, agora, de lograr a obtenção de objetivos de política econômica
bem definidos para análise, impor-lhe distorções, alterá-lo, interferir no seu funcio-
namento, a fim de fazer com que os resultados produzidos deixem de ser apenas os
naturais ou espontâneos, para se afeiçoarem às metas fixadas” [Fábio Nusdeo, Funda-
mentos para uma codificação do direito econômico, p. 25].
5. A expressão é de Carvalho de Mendonça [Dos livros dos commerciantes, p. 6].
6. Additamentos ao Codigo do Comercio, p. 322.
7. No mesmo sentido, Montesquieu afirma, em seu De l’esprit des lois, que os ingleses
restringem o mercador, mas o fazem em favor do comércio: “La liberté du commerce
n’est pas une faculté accordée aux négociants de faire ce qu’ils veulent; ce serait bien plutôt
sa servitude. Ce qui gêne le commerçant ne gêne pas pour cela le commerce. C’est dans
les pays de la liberté que le négociant trouve des contradictions sans nombre; et il n’est
jamais moins croisé par les lois que dans les pays de la servitude. L’Angleterre défend de
faire sortir ses laines; elle veut que le charbon soit transporté par mer dans la capitale; elle
ne permet point la sortie de ses chevaux, s’ils ne sont coupés; les vaisseaux de ses colonies
qui commercent en Europe, doivent mouiller en Angleterre. Elle gêne le négociant, mais
c’est en faveur du commerce” [livro XX, capítulo XII, destacamos].
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 273
seria antes sua real servidão. O que incommoda ao Commerciante, não grava
por isso o Commercio”.8
Mesmo normas que tutelam empresas em situação de inferioridade, como
a repressão ao abuso da dependência econômica, na realidade visam a incre-
mentar as garantias para a atuação no mercado, impedindo que tenham lugar
explorações desestimuladoras do tráfico.
Poderíamos seguir analisando inúmeros institutos, desde a coibição do
abuso do poder econômico até a disciplina dos contratos e das sociedades
comerciais. Alcançaríamos sempre a mesma conclusão: o direito mercantil não
busca a proteção dos agentes econômicos singularmente considerados, mas da
torrente de suas relações.
É preciso superar alguns preconceitos que, infelizmente, vêm se acentu-
ando no Brasil, nestas épocas de polarização ideológica. O direito empresarial
moderno não mais cultiva aquele “ranço privatístico”, de exacerbação das
liberdades pelas liberdades, que marca sua historiografia9. Hoje, a função do
direito comercial ata-se à implementação de políticas públicas, desdobrando-se
também na determinação do papel que o mercado desempenhará na alocação
dos recursos em sociedade.
O mercado não existe sem o direito; seu desenvolvimento dar-se-á nos espa-
ços deixados pelas regras jurídicas. Por isso, os limites e a função do mercado,
do fluxo de relações econômicas, esboçam-se a partir do reflexo dos princípios
constitucionais. Nesse prisma, os princípios constitucionais são a fôrma que
primeiramente moldará o mercado. Por consequência, a Constituição Federal
deve ser situada como elemento fundamental na interpretação dos contratos
empresariais.
Os princípios de organização do mercado fluem a partir do texto cons-
titucional e não podem ser esquecidos na concreção dos negócios, em seu

8. José da Silva Lisboa (Visconde de Cairu), Principios de direito mercantil e leis de mari-
nha, p. 875.
9. É bem verdade que o direito comercial marca-se por forte tradição liberal. Nessa
toada, seu cerne seria constituído quase que exclusivamente por regras e princípios
brotados da praxe dos agentes econômicos. A visão tradicional carrega consigo a
ideia de que se deve evitar a intervenção sobre o mercado, entregando a disciplina das
empresas a elas próprias: maior o espaço deixado à autonomia privada, mais azeitado
seria o fluxo de relações econômicas. Essa visão é anacrônica. Hoje, reconhece-se a
inafastável importância do Direito para a existência e disciplina do próprio merca-
do [Paula A. Forgioni, A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: Da mercancia ao
mercado, capítulo terceiro].
|
274    CONTRATOS EMPRESARIAIS

dia-a-dia. Refiro-me, especialmente, às liberdades econômicas. As faculdades que


delas emergem não são atribuídas aos agentes para que eles possam “fazer o que
quiserem”, para “proteger uma classe”, mas a fim de que o mercado funcione
adequadamente, gerando riquezas, impostos, empregos e bem-estar social.
A Constituição Federal possui um inteiro capítulo dedicado à Ordem
Econômica, no qual estão escritos os princípios norteadores da organização
dos nossos mercados. Esses princípios, embora sejam instrumentais e devam
coadunar-se com os objetivos maiores da República, marcam a ordem brasi-
leira como uma economia de mercado, assentada na propriedade, na iniciativa
econômica privada, na livre concorrência e na liberdade de contratar, tudo
com base na legalidade10.
É certo que o sistema econômico possui e produz falhas, assim como é
indisputável que, para o equilíbrio das sociedades modernas, não basta o bom
funcionamento do mercado. É preciso também proteger outros pilares essen-
ciais ao bem-estar social, sem natureza imediatamente mercantil, que também
estão postos pela Constituição. Mas, para tanto, a Constituição determina que
exigências do bem comum sejam coadunadas com os princípios econômicos.
É a Constituição que proíbe mero descarte arbitrário e ideológico de tudo que
tem a ver com o “livre mercado”. Repita-se à exaustão: as vigas-mestras da ordem
econômica também são importantes para o desenvolvimento social.
Vejamos os traços básicos desses princípios ligados à ordem econômica,
naquilo que influencia diretamente os negócios privados, sua formatação e
interpretação.

9.2 Livre iniciativa


A livre iniciativa é um dos fundamentos da República e da ordem eco-
nômica [cf. Art. 1º, IV e 170, caput, IV da Constituição Federal]. Tradicional-
mente identificada com a “liberdade de comércio e de indústria”, “liberdade

10. “A economia de mercado tem na liberdade de iniciativa económica e de concorrên-


cia sua ‘marca genética’, na medida em que delas depende o livre jogo de Mercado
conducente ao equilíbrio entre oferta e procura, ainda que a concorrência nunca
tenha excluído a cooperação entre empresas. Estas noções básicas de mercado e de
economia de mercado podem ser mais sofisticadas e representadas em modelos abs-
tratos muito elaborados: modelos de mercados em concorrência pura e perfeita ou
modelos de mercados em concorrência imperfeita, sendo estes os mais comuns. Seja
qual for o caso, as características essenciais do mercado e da economia de mercado
devem manter-se” [Maria Manoel Leitão Marques, Maria Elisabete Ramos, Catarina
Frade e João Pedroso, Manual de introdução ao direito: saber Direito para entender o
Mercado, p. 21].
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 275
econômica, ou liberdade de iniciativa econômica, cujo titular é a empresa”,11 a
livre iniciativa garante aos agentes econômicos ingresso ao mercado, à arena de
disputas. A existência de adequado fluxo de trocas, de encontro entre oferta e
demanda, depende da possibilidade de os indivíduos estabelecerem contratos.
O papel central do princípio da livre iniciativa na economia capitalista
é garantir que os agentes econômicos tenham acesso ao mercado e possam nele
permanecer12, assegurando o acesso à contratação. Está visceralmente atado à
liberdade de iniciativa econômica e à liberdade de empresa, que, por sua vez,
significa a liberdade de lançar-se à atividade, desenvolvê-la e abandoná-la sponte
propria.13 Encerra, ao mesmo tempo, a liberdade de contratar e a liberdade de
concorrência, que serão adiante analisadas.
O princípio da livre iniciativa deve ser lido em conjunto com aquele da
legalidade, pois implicam verso e reverso da mesma medalha. A empresa é
livre para agir, para empreender. Contudo, essa liberdade é limitada pela lei;
o agente econômico privado pode empreender, é-lhe facultado organizar-se e
contratar, desde que o faça dentro de parâmetros pré-estabelecidos. Com efeito,
nenhum agente “será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei” [art. 5º, II]. A empresa é livre para agir no espaço deixado
pela lei, de forma que o texto normativo é, ao mesmo tempo, limite e garantia
da sua liberdade.
Em uma frase: a liberdade de iniciativa é uma viga mestra da nossa ordem
econômica, mas é limitada pela legalidade.
Um contraponto histórico faz-se útil para compreensão dessa relação
entre liberdade de iniciativa e legalidade. Na Idade Média, o acesso ao mercado
era minuciosamente regulado pelos estatutos das corporações de ofício, que
impunham o monopólio da fabricação e da comercialização, regras de conduta
e de polícia que neutralizavam a concorrência entre seus membros e, via de
consequência, coibiam a possibilidade de captação da clientela alheia.14

11. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 203.


12. Na dicção de Fábio Konder Comparato: “Liberdade de iniciativa comporta um duplo
sentido: [...] Garante-se, de um lado, a livre criação ou fundação de empresas, ou
seja, a liberdade de acesso ao mercado (art. 170, parágrafo único). [...] Mas protege-se,
de outro lado, a livre atuação das empresas já criadas, isto é, a liberdade de atuação
e permanência no mercado” [Regime constitucional do controle de preços no mercado,
p. 18-19].
13. Natalino Irti, Diritto e mercato, xvii.
14. Sobre os estatutos medievais, é definitiva a obra de Lattes, Il diritto commerciale nella
legislazione statutaria delle città italiane [Alessandro Lattes, Il diritto commerciale nella
|
276    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Com a ascensão da burguesia, mostrou-se necessário ampliar os horizontes


dos negócios e, assim, aumentar as oportunidades econômicas. Explicam-se assim
as leis francesas que ceifaram as amarras medievais, em nome da liberdade. O
princípio da liberdade de iniciativa econômica é originalmente posto no édito
de Turgot, de 1776, e reafirmado plenamente no decreto d’Allarde, de 1791.
A partir de 1º de abril daquele ano, “seria livre a qualquer pessoa a realização
de qualquer negócio ou exercício de qualquer profissão, arte ou ofício que lhe
aprouvesse, sendo, contudo, ela obrigada a se munir previamente de uma ‘pa-
tente’ (imposto direto), a pagar as taxas exigíveis e a se sujeitar aos regulamentos
de polícia aplicáveis”. No mesmo ano de 1791, a Lei Le Chapelier reitera essa
diretriz, ao proibir as corporações de ofício.15 A liberdade de iniciativa emerge
para corporificar o ideal de libertação dos ligames das corporações medievais,
abrindo espaço para o sistema de mercado que começava a se impor.16
Mas não apenas; historicamente, a busca pela liberdade de iniciativa sig-
nifica também a revolta contra os privilégios tradicionalmente concedidos ou
gozados pelo monarca. Liberdade de iniciativa evoca o aumento do espaço de
atuação privada em face dos favorecimentos concedidos a apenas alguns agentes.17

legislazione statutaria delle città italiane, V. também Franceschelli, Trattato di diritto


industriale, p. 121 e s. e Levin Goldschmidt, Storia universale del diritto commerciale,
especialmente, p. 117 e s.] A intenção monopolística das corporações é explicada por
Tullio Ascarelli, Corso di diritto commerciale: Introduzione e teoria dell’impresa, p. 8.
15. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 21.
16. “Nella tradizione europea la libertà di impresa si è manifestata, in prospettiva storica,
come una reazione al sistema di barriere e controlli caratteristici dell’organizzazione
economica medievale” [Giorgio Bernini, Un secolo di filosofia antitrust, p. 23-24].
17. Uma das primeiras contestações de privilégios de que se tem notícia é relatada no
conhecido Case of Monopolies, julgado na Inglaterra no ano de 1603. A rainha havia
atribuído a Edward Darcy o monopólio da importação e da fabricação de cartas de
jogo. Esse poder real de concessão de privilégios é contestado, alegando-se que a
outorga de monopólios empobrecia o país, pois eles levavam ao aumento de preço, à
diminuição da qualidade e do nível de atividade econômica da população em geral.
No início do século XVII, o Parlamento inglês, visando a minar o poder do soberano,
invoca argumentos calcados no princípio da liberdade de iniciativa: a concessão de
privilégios para exploração exclusiva não deveria ser tolerada porque avilta o bom
fluxo de relações econômicas, prejudica a população, eleva os preços, diminui a
qualidade e impede o desenvolvimento de atividade econômica por terceiros. Após
outras decisões no mesmo sentido, em 1610, é promulgado o Statute of Monopolies,
disciplinando e reduzindo as hipóteses de concessão de privilégios pelo monarca.
Sobre o Statute of monopolies e outras decisões contestando o poder real de concessão
de monopólios, v. Harold Fox, Monopolies and patents, p. 113 e s.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 277
Desde sua origem, a livre iniciativa está ligada à liberdade de atuação e ao
repúdio de privilégios, da proteção de alguns em detrimento de outros. Não há
empreendedorismo e desenvolvimento sem livre iniciativa. A empresa, de uma
startup até a Petrobras, ao buscar o lucro, gera riqueza.
Mas a liberdade de iniciativa nunca foi e não é ilimitada. “Duas limitações
de caráter geral sempre a confinaram: a ordem pública e os bons costumes”.18-19
Nem a mais liberal das economias prescinde de certa regulação da atuação
empresarial. Pode-se debater o grau de contenção da iniciativa privada que se
entende ideal – e isso é uma questão de política pública. Os mais liberais de-
fenderão o mínimo de intervenção. Outros buscarão regulação mais marcada.
Mas ninguém pode seriamente defender o fim de qualquer lei de formatação
do mercado pelo Direito.
O sistema de mercado não existe sem fronteiras às atividades de seus agentes.20

9.3 Livre concorrência


Retomemos o conceito técnico de concorrência, firmado com base nas
observações de Max Weber: “[d]izemos que há mercado quando há competição
[...] por oportunidades de troca”.21
Por força do princípio da livre concorrência, aos agentes econômicos é
assegurada a garantia da disputa,22 ou seja:

18. Orlando Gomes, Contratos, p. 27.


19. Mesmo os autores liberais admitem que “i poteri pubblici, anche sposando una
politica assai liberale e concedendo quindi alle imprese la più ampia autonomia,
non potranno mai rinunciare, a pena d’anarchia, né ad un intervento preventivo di
tipo regolatore, che di solito compie il Parlamento su impulso del Governo dettando
coordinate e confini, né ad interventi moderatori, che, pur previsti da leggi, sono per
lo più contenuti in atti amministrativi” [Vincenzo Buonocore, L’impresa, p. 162].
20. Na dicção de Grau: “Nem mesmo na sua origem, se consagrava a liberdade absoluta
de iniciativa econômica. Vale dizer: a visão de um Estado inteiramente omisso, no li-
beralismo, em relação à iniciativa econômica privada, é expressão pura e exclusiva de
um tipo ideal. Pois medidas de polícia eram impostas neste estágio, quando o princípio
tinha o sentido de assegurar a defesa dos agentes econômicos contra o Estado e contra
as corporações. [Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 203].
21. Na tradução inglesa: “A market may be said to exist wherever there is competition,
even if only unilateral, for opportunities of exchange among a plurality of potential
parties” [Max Weber, Law in economy and society, p. 191].
22. Nas palavras de Francesco Ferrara: “Come il soggetto è libero di indirizzare la sua
attività a qualsiasi settore, quindi per la produzione di qualsiasi bene o servizio (salvo
i divieti di legge), così è libero di indirizzarla anche in quei settori, dove operano
già produttori economici. La circostanza che un soggetto abbia iniziato per primo
|
278    CONTRATOS EMPRESARIAIS

[i] que poderão disputar trocas com os outros agentes econômicos; e


[ii] que não terão suas oportunidades de troca indevidamente subtraídas
por terceiros.
É preciso admitir que “a concorrência, ainda que lícita, prejudica os con-
correntes, pois faz com que o empresário acabe por auferir lucros menores, força
o cuidado com a qualidade do produto e gera a necessidade de investimentos
para que o agente econômico possa manter-se no mercado, competindo”23.
Explica-se a célebre afirmação de Jhering no sentido de que a concorrência é
o “regulador espontâneo do egoísmo”.24 Observava Ascarelli: “A concorrên-
cia obriga os produtores a procurarem, constantemente, a melhoria de seus
produtos e a diminuição do preço de custo”25.
Deixada no exercício de sua atividade sem pressões competitivas, a em-
presa tende a obter o maior lucro possível e a explorar a coletividade. Todo o
cidadão brasileiro tem noção das penúrias a que está sujeito quando se depara
com um monopólio.
Se ao adquirente for garantida a opção de escolha entre os bens oferecidos
por vários agentes econômicos, eles serão forçados a disputar a oportunidade
de troca e aquele que oferecer melhores condições ganhará o contrato.
Ao mesmo tempo em que é nociva ao agente, a concorrência indica o
caminho pelo qual ele poderá atrair novas oportunidades de negócios, aumen-
tando a perspectiva de obtenção de proveito econômico. A fim de incrementar
o volume de operações, a empresa deve desfrutar de novas oportunidades de
troca. Para obtê-las, de duas uma: ou as subtrai de outros agentes ou as cria.
Em ambas as hipóteses deverá competir.
A disputa é essencial para o desenvolvimento das atividades empresariais e,
apenas nessa medida, desejada pelo agente econômico. A empresa não aprecia a
concorrência; suporta-a porque esta é a forma admissível de conquistar mercado
e de aumentar os lucros.

la produzione di beni o servizi, salvo che ricorrano i presupposti per la costituzione


di una esclusiva a suo favore, non impedisce ad altri di fare altrettanto e quindi che
successivamente il primo venga a concorrere con altri sul mercato” [La tutela della
libertà della concorrenza nel diritto italiano, AAVV La libertà di concorrenza, Milano,
Giuffrè, 1970, p. 17].
23. Paula A. Forgioni, Os fundamentos do antitruste, 9ª ed., São Paulo: Revista dos Tri-
bunais, 2016, cit., pp. 324-325.
24. Rudolf von Jhering, p. 140.
25. Tullio Ascarelli, “Os Contratos de cartel e os limites de sua legitimidade no direito
brasileiro”, Ensaios e pareceres, p. 223.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 279
Nossa Constituição enxerga a concorrência como um fator de produção
de externalidades positivas, capaz de colaborar no funcionamento do sistema
econômico, diminuindo preços e aumentando a qualidade do produto ou do
serviço oferecido aos consumidores.26
Tem-se, aí, um dos mais fortes pilares da ordem econômica constitucional
[art. 170, caput, inciso IV]: para o bem da coletividade, os agentes econômicos
devem disputar, devem concorrer.

9.4 Liberdade de contratar


O princípio da autonomia da vontade liga-se à liberdade de contratar,27 que,
por sua vez, deriva do princípio da livre iniciativa.28 Uma das faces do princípio
constitucional da livre iniciativa é a garantia ao agente econômico de que sua
vontade importará [autonomia da vontade], preservando-se sua liberdade de
contratar e de não contratar. Regra geral, no campo da autonomia privada, a
Constituição Federal garante à empresa que não será obrigada a contratar com
quem não quiser, da mesma forma que poderá escolher a quem se vincular.

26. Na lição de Hayek: “A concorrência, quando não obstada, tende a ocasionar um es-
tado de coisas em que: primeiro, alguém produzirá tudo o que for capaz de produzir
e vender lucrativamente a um preço em que os compradores preferirão seu produto
às alternativas existentes; segundo, tudo que se produz é produzido por alguém capaz
de fazê-lo pelo menos a um preço tão baixo quanto o de quaisquer outras pessoas
que na realidade não o estão produzindo; e, terceiro, tudo será vendido a preços
mais baixos, ou pelo menos tão baixos quanto aqueles a que poderia ser vendido
por qualquer pessoa que de fato não o faz” [Friedrich A. Hayek, Direito, legislação e
liberdade, vol. III, p. 78].
27. Na clássica sistematização de Messineo, o princípio da liberdade de contratar desdo-
bra-se [i] na vedação de qualquer das partes impor à outra o regramento contratual,
pois o conteúdo do contrato deve ser resultado do debate entre elas; [ii] liberdade
de fixar o conteúdo do contrato; [iii] liberdade de derrogar normas supletivas; [iv]
liberdade de estabelecer a disciplina a que estarão sujeitas (i.e., liberdade de estipular
contratos normativos) e [v] liberdade de celebrar contratos inominados [Francesco
Messineo, Dottrina generale del contratto, p. 11-12].
28. Para Orlando Gomes, a liberdade de iniciativa significa “o poder dos indivíduos
de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela
ordem jurídica. No exercício desse poder, toda pessoa capaz tem aptidão para pro-
vocar o nascimento de um direito, ou para obrigar-se. [...] O conceito de liberdade
de contratar abrange os poderes de autorregência de interesses, de livre discussão
das condições contratuais e, por fim, de escolha do tipo de contrato conveniente à
atuação da vontade. Manifesta-se, por conseguinte, sob tríplice aspecto: a) liberdade
de contratar propriamente dita; b) liberdade de estipular o contrato; c) liberdade de
determinar o conteúdo do contrato” [Orlando Gomes, Contratos, p. 25-26].
|
280    CONTRATOS EMPRESARIAIS

O sistema de mercado baseia-se em trocas, que somente vêm à luz a par-


tir da celebração de contratos. Para que possa haver trocas e associações, os
agentes econômicos devem interagir, estabelecer vínculos entre si. Vínculos
significam compromissos perante terceiros. Os contratantes comprometem-se
reciprocamente, isto é, “prometem com” o outro e para o outro.
De outra parte, a fluência das relações econômicas exige a garantia da
execução dos contratos, ou seja, que não seja dada guarida ao comportamento
oportunista da parte que rompe o negócio após a sua celebração. A máxima
pacta sunt servanda coloca-se como um dos principais pilares da economia de
mercado porque, fosse dado ao agente desvencilhar-se do liame que volunta-
riamente assumiu, o tráfico simplesmente não poderia seguir.
Não há disputa pelas oportunidades de troca se não houver liberdade de
contratar. Note-se bem: a afirmação de que a concorrência significa a disputa
pela oportunidade de troca implica o reconhecimento de que ela é a disputa
pela celebração de um contrato. A assertiva de que o bom funcionamento do
sistema requer a exposição a oportunidades de troca denota que é preciso
garantir oportunidades de contratar aos agentes econômicos. Sem a liberdade
contratual, o sistema de mercado não se sustentaria: “The legal principle of
contractual liberty and the elaborate rules of contract law are the prerequisite
for the development of complex economic market transactions”.29
A sociedade existe porque há negócios, porque os agentes econômicos
podem buscar a satisfação de suas necessidades. “Não poderia durar muito uma
sociedade em que se mantivesse invariável a distribuição dos bens existentes
num dado momento”.30 Os contratos instrumentalizam esse processo, ao darem
às empresas a oportunidade de escolher com quem contratar, como contratar e
o conteúdo do pacto. A autonomia privada/liberdade de contratar são, assim,
fundamentais para o sistema contratual, servindo ao seu funcionamento.31
Novamente: isso não significa que a liberdade de contratar seja irrestrita;
mesmo no campo do direito comercial, ela se põe como limitada [lembre-se,
por exemplo, da necessidade de controle das externalidades negativas e de
incentivo das positivas]. Porém, é inegável que, de todas as áreas do direi-
to, a empresarial mostra-se a arena na qual a liberdade assume quadrantes
mais largos.

29. Terence Daintith e Gunther Teubner, Sociological jurisprudence and legal economics:
risks and rewards. In: AAVV. Contract and organization: legal analysis in the light of
economic and social theory, p. 3.
30. Emilio Betti, Teoria geral do negócio jurídico, p. 94.
31. Emilio Betti, Teoria geral do negócio jurídico, p. 91-92.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 281
A compreensão do modus operandi do sistema exige que reconheçamos
as seguintes correspondências entre princípios constitucionais e fatores cata-
lisadores do fluxo de relações econômicas:
[i] a livre iniciativa garante ao agente econômico o acesso ao campo das
contratações, à arena de trocas;
[ii] a livre concorrência garante a disputa pela oportunidade de troca;
[iii] a liberdade de contratar garante que o agente econômico poderá
realizar essas trocas, organizar-se e celebrar contratos.
Todas essas liberdades e as faculdades que delas derivam, porém, hão de
ser exercidas sempre nos limites da legalidade.
O problema é que, somente neste século, a cultura da concorrência e
mesmo da livre iniciativa espalhou-se no mundo empresarial e jurídico brasi-
leiro. Antes da chamada “abertura” de nossa economia, as políticas públicas
fincaram-se no dirigismo e na coordenação dos agentes, sob a batuta do Estado.
Até hoje, muitas são as faculdades de direito que não inseriram direito
concorrencial em suas grades. Piorando o quadro, a imagem transmitida
pelo Código Civil é a de uma economia intervencionista, própria da Itália
dos anos 30 e 4032, onde as associações anticompetitivas eram vistas com
bons olhos33.
Nos grandes escritórios de advocacia, não raro as áreas de direito concor-
rencial e de direito contratual/societário trabalham de forma independente.
Como resultado, os profissionais não são treinados para aplicar o art. 170,
caput, IV da Constituição no dia-a-dia das relações empresariais.
Advogados, doutrina, árbitros e jurisprudência estatal dão lugar a uma
visão turva, embaçada, como se os ditames postos na Constituição tivessem
sua serventia limitada a argumentar a constitucionalidade ou inconstitucio-
nalidade de leis e da regulação em geral, e devessem ser invocados perante
os tribunais somente para garantir as liberdades econômicas das empresas
contra o Estado. Ignora-se que os princípios constitucionais econômicos
incidem diretamente sobre os negócios privados, deixando-se à deriva uma
das mais importantes pautas de interpretação dos contratos: aquela que, em
caso de dúvida, manda-os preferir a interpretação a favor da liberdade e da
concorrência.

32. Paula A. Forgioni, A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: Da mercancia ao mer-


cado, p. 47 e s.
33. Tullio Ascarelli, Consorzi volontari tra imprenditori, 2. ed., Milano: Giuffrè, 1937.
|
282    CONTRATOS EMPRESARIAIS

9.5 Princípios constitucionais moldando os contratos empresariais


Os princípios constitucionais incidem plena e diretamente sobre as
relações privadas, formatando o mercado e sua ordem jurídica. Por isso, a
interpretação deve dar-se em harmonia com os comandos constitucionais.
A regra geral constitucional é pela livre iniciativa, que impulsiona e em-
basa a disciplina da ordem econômica e a atuação das empresas, consagrando
a liberdade de estabelecimento e de atuação dos agentes, nos termos do inciso
IV do art. 1º e do caput do art. 17034-35. O mesmo se deve dizer sobre a livre con-
corrência, corolário da livre iniciativa. O norte é sempre a favor da competição,
posta no inciso IV do mesmo art. 17036.

9.6 Os contratos empresariais e a limitação voluntária das liberdades


econômicas
Bem posto que o princípio constitucional é pro-liberdade, uma questão
emerge naturalmente: pode haver restrição às liberdades econômicas? Cami-
nhando em direção a um menor grau de abstração, perfilado ao quotidiano
dos agentes econômicos, pergunta-se: em quais situações a empresa há de ser
obrigada a adotar determinado comportamento?

34. Art. 1º A República Federativa do Brasil [...] tem como fundamentos: [...] IV - os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. “Art. 170. A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim asse-
gurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: [...]. (grifo nosso);
35. “O princípio da livre-iniciativa, tradicionalmente identificado com a ‘liberdade de
comércio e de indústria’, ‘liberdade econômica, ou liberdade de iniciativa econômica,
cujo titular é a empresa’, garante aos agentes econômicos ingresso ao mercado, à arena
de disputas. A existência de adequado fluxo de trocas depende do acesso dos indivíduos
à oportunidade de oferecer oportunidades de troca, estabelecendo contratos. Eis o papel
central do princípio da livre-iniciativa na economia capitalista: garantir que os agentes
econômicos tenham acesso ao mercado e possam nele permanecer. O princípio da liberdade
de iniciativa econômica implica a liberdade de empresa, que, por sua vez, significa a
liberdade de lançar-se à atividade, desenvolvê-la e abandoná-la sponte própria” [Paula
A. Forgioni, A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado, p. 145].
36. “[...] esclareça-se que a ordem econômica, segundo o modelo constitucional bra-
sileiro, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
finalidade assegurara a todos existência digna, no rumo da justiça social, objetivos
que deverão ser atingidos mediante a observância dos princípios enumerados nos
incisos I a IX do art. 170 da Constituição. Um desses princípios, por isso mesmo viga
mestra do sistema econômico, é o da livre concorrência [...]” [ADI nº 1094-8, Rel.
Ministro Carlos Velloso, Medida liminar indeferida em 21 de setembro de 1.995].
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 283
A resposta envolve duas situações:
– a empresa pode ter sua liberdade e comportamento limitados pela lei,
pois lhe é defeso empreender fora dos limites postos pelo ordenamento
jurídico; volta-se, aqui, ao princípio da legalidade; e
– a empresa pode ter sua liberdade e comportamento limitados pela sua
própria vontade, desde que o faça nos quadrantes do direito.
Viu-se acima que as liberdades são a regra geral, mas outra escolha política
pode ser tomada, também baseada em princípios constitucionais. Ao mesmo
tempo em que estabelece que as liberdades devem imperar nos mercados, a
Constituição reconhece possível, para atingir os fins maiores da República
[art. 1º] ou aqueles explicitados no art. 170, o sacrifício total ou parcial das
liberdades em certos setores, submetendo-os a regramento diverso. No campo
das leis que restringem as liberdades, a inconstitucionalidade é uma questão
de limites e não de possibilidade de existência.
O sistema jurídico cobra a legalidade do objeto dos contratos empresariais.
Aos agentes econômicos não é permitido contratar tudo, da forma que bem
entendem. Se violarem a lei, o objeto do pacto será ilícito e não se colocará ao
abrigo do ordenamento. A regra posta pelo art. 104, II, do Código Civil é uma
das mais importantes na formatação da ordem jurídica do mercado: são inválidos
contratos cujo objeto for ilícito.
Os licitantes não podem fazer contratos para combinar o preço que ofe-
recerão em suas propostas. É defeso aos fabricantes pactuar entre si a divisão
do mercado e assim por diante. Ao menos no Brasil, não se pode organizar
uma empresa para comercializar órgãos humanos. A fabricação de brinquedos
deve respeitar regras de segurança para crianças. Em todos esses casos, há leis
específicas que vedam certos comportamentos, fulminando de nulidade os
pactos que os tenham por objeto.
Contudo, como indicado, há o reverso da medalha. Nos limites da lega-
lidade, os agentes podem contratar e dispor de suas liberdades econômicas,
insculpidas na Constituição Federal. É neste campo que nascem, desenvolvem-
-se e terminam os ajustes entre as empresas.
Os negócios privados empresariais podem estabelecer limitações volun-
tárias à sua própria liberdade. Uma das principais funções dos contratos é via-
bilizar, do ponto de vista jurídico, a autocontenção futura do comportamento
dos agentes. A indústria que, em dezembro, garante à outra que fornecerá 20
toneladas de açúcar em março, voluntariamente limita seu comportamento
futuro, vinculando-se à prestação. Em março, ela não “poderá fazer o que
quiser”, pois haverá de entregar as 20 toneladas que prometeu. Contrata-se
|
284    CONTRATOS EMPRESARIAIS

hoje para garantir à contraparte que, no futuro, adotar-se-á o comportamento


prometido. Às empresas é facultado limitar sua liberdade, prendendo-se, pelo
contrato, a compromissos futuros. Na medida em que o contrato é indispensá-
vel não apenas à coesão social, mas à existência de uma economia de mercado,
essa vinculação voluntária é relevante para o sistema e fortemente protegida
pelo ordenamento jurídico [pacta sunt servanda].
Nas últimas décadas, o Brasil tem assistido àquilo que já se chamou de
“farra dos princípios”, na feliz expressão cunhada por Ronaldo Porto Macedo Jr..
Ao estudar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tem-se a impressão
de que toda decisão é possível, bastando justificá-la. Com tal escopo, arruma-
-se algum princípio ou se faz alguma “ponderação” entre eles. Olvida-se que a
legalidade é uma conquista da humanidade e que nos afastar dela é perigoso.

9.7 Princípios constitucionais e seu reflexo sobre os contratos empre-


sariais
Os princípios constitucionais, ao se colocarem diante dos negócios priva-
dos, produzem duas ordens de consequências, agindo como [i] pautas de inter-
pretação e [ii] comandos gerais a serem seguidos pelos operadores do direito.
Desprezando a confusão teórica que se tem feito, lembremos que os prin-
cípios jurídicos são normas com grau de abstração mais elevado, enquanto
que as regras tendem a uma concreção maior, abrangendo menor espectro
de situações. Ao se aproximarem dos contratos empresariais, os princípios
transformam-se em algo bem menos abstrato, iluminando aquele específico
caso/negócio que será objeto de interpretação.
A técnica jurídica é refinada e merece atenção.
O princípio constitucional, ao incidir na realidade do contrato empresarial,
transforma-se em diretriz interpretativa. Assim, por exemplo, o princípio da
livre iniciativa tem a ver com liberdade e com autonomia. Quando trazido para
um contrato, manda que seja preferida a interpretação a favor da liberdade e
da autonomia.
Ao mesmo tempo, o princípio constitucional solidifica-se em um comando
geral de idêntica direção, que exige acordo expresso das partes para ser afastado.
Vejamos cada um desses reflexos separadamente.

9.8 Princípios constitucionais como regras de interpretação


Na encruzilhada da interpretação, se a vontade das partes não estiver
expressa de forma clara, se houver confusão, dúvidas, a solução há de pre-
ferir as diretrizes postas pelos princípios constitucionais. Daí ser necessário
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 285
reconhecer a existência de uma regra de interpretação contratual a favor das
liberdades econômicas e, especialmente, da livre iniciativa e da livre concor-
rência: quando houver mais de um entendimento possível do texto/contexto
contratual, aquele contra as amarras haverá de prevalecer.
Essa pauta não deixa de representar uma modernização da diretriz que
prestigia a liberdade, posta há muito pelo brocardo Odiosa restringenda, favo-
rabilia amplianda. “Restrinja-se o odioso; amplie-se o favorável. Refere-se a
que, em princípio, as disposições que restringem direitos devem ser devem ser
interpretadas de forma estrita”37. O que evolui, agora, é seu fundamento, que
passa a repousar também na Constituição Federal, amparando visão favorável
às liberdades econômicas.

9.9 Princípios constitucionais como regras gerais dos contratos empre-


sariais
Se os princípios constitucionais que protegem as liberdades econômicas
mostram-se pautas gerais, qualquer restrição a essas garantias/liberdades
configurará sempre exceção38 e, como tal, há de ser tomada cum grano salis.
“Quando um ato dispensa de praticar […] ordem geral, assume o caráter de
exceção, interpreta-se em tom limitativo, aplica-se às pessoas e aos casos e
tempos expressos, exclusivamente”39.
No prisma dogmático, temos que a diretriz geral é pró-concorrencial/
pró-liberdade; as restrições constituem não apenas exceção, mas verdadeira
renúncia do agente a uma liberdade constitucionalmente garantida, que clama
por interpretação restritiva. O art. 114 do Código Civil também compõe esse
quadro: “Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se
estritamente”.

9.10 Ainda a questão dogmática: a força das regras gerais


A colocação das liberdades econômicas constitucionais como comandos
gerais longe está de ser meramente teórica, produzindo consequências eco-
nômicas relevantes para os contratos empresariais.

37. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 300.


38. Cf. Paula A. Forgioni, Os fundamentos do antitruste, p. 220.
Na mesma linha, v.: Lei Antitruste e leis que autorizam práticas restritivas da con-
corrência. In: Eros Roberto Grau; Paula Forgioni, O Estado, a empresa e o contrato,
p. 187-208.
39. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 285.
|
286    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Vimos, no capítulo referente aos vetores de funcionamento dos contratos,


que as regras gerais são fundamentais na dinâmica dos negócios e no processo
de barganha.
Para se evadir da regra geral, a parte costuma pagar, especialmente nas
negociações travadas entre agentes econômicos sofisticados. Deixá-la haver
a mesma vantagem sem a respectiva contraprestação é intervir no esquema
de custos e riscos que os agentes econômicos livremente desenharam. Nos
contratos empresariais, o intérprete que assim procede está aviltando o pacta
sunt servanda e pode resvalar no julgamento por equidade, trocando a vontade
das partes por aquilo que entende “justo”.
Para o direito comercial, o agente econômico é ativo e probo, habituado
ao mercado em que atua. Há de se presumir que assumiu os riscos da falta de
contratação expressa de uma exceção à regra geral, até mesmo porque optou
por não despender recursos na barganha do ponto específico. Calar-se e, pos-
teriormente, procurar levar vantagem, estendendo as restrições para além do
contratado, é conduta oportunista. Não age de boa-fé quem pretende algo em
desacordo com a regra geral, seja posta pelo direito, seja reconhecida como
usualmente ligadas àquela restrição.

9.11 Aplicação da regra de interpretação em favor das liberdades eco-


nômicas. Alguns exemplos concretos
A regra de interpretação pró-concorrencial e pró-liberdade de iniciativa
traz soluções importantes e relativamente simples para alguns problemas cada
vez mais comumente encontrados na prática do direito empresarial. Proponho
a análise de três exemplos.

9.11.1 A exclusividade
A exclusividade é uma estipulação inserida nos mais variados contratos
e, embora assuma uma pluralidade de significados, geralmente estabelece a
proibição de a parte realizar negócios com terceiros, tornando-se “exclusiva”
da outra, por certo período.
A exclusividade implica restrição à liberdade do agente que se vincula e
também àquela de terceiros, que com ele não poderão mais contratar. Quem
aceita ser exclusivo está “fora do mercado”, longe do alcance dos concorren-
tes da empresa que se beneficia com a restrição. Tanto assim que, na área do
direito concorrencial, esses dispositivos são considerados exemplos clássicos
de restrição vertical, ou seja, de restrição posta à concorrência e à liberdade
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 287
de atuação da empresa40. “La clausola di exclusiva rientra pertanto nei patti
limitativi dela concorrenza”41, ensina a doutrina especializada. É uma renúncia
à liberdade por parte daquele que se vincula a somente comerciar com outro e
que impacta diretamente o campo de atuação de terceiras empresas.
Reconhecendo-se a exclusividade como uma restrição concorrencial e de
ação no mercado, percebem-se duas consequências relevantes.
A primeira delas é que a exclusividade não pode ser presumida; há de
derivar da lei ou da vontade das partes. A regra é a liberdade de contratar; para
afastá-la é preciso expresso dispositivo legal ou acordo voluntário no sentido
de sua limitação.
A segunda é que sua interpretação há de ser restritiva. Primeiro, porque
implica exceção à regra geral – e às exceções, vimos antes, não pode ser dada
interpretação extensiva; depois, porque é uma renúncia a um direito, chamando
a incidência do art. 114 do Código Civil.

9.11.2 Vedação à concorrência na alienação de estabelecimento comercial


[art. 1.147 do Código Civil] e cláusula de não concorrência [“non
compete”] contratada na alienação de controle de sociedade em-
presarial

9.11.2.1 Função econômica e tipologia das cláusulas de não concor-


rência
Nas compras e vendas que envolvem sociedades comerciais e seu patri-
mônio, tornou-se bastante usual a aposição de cláusula que estabelece a obri-
gação de não reestabelecimento ou de não concorrência, chamada, também,
de “non compete”.
Por meio dela, aquele que aliena fica proibido de oferecer concorrência
ao comprador, por determinado período de tempo e/ou em certo mercado.
Restringe-se, por vontade das partes, a concorrência entre o vendedor e o
comprador, reduzindo-se o risco de retorno não satisfatório do investimento.

40. A exclusividade posta em contratos celebrados entre fornecedores e distribui-


dores [chamados, no direito da concorrência, de acordos verticais] é um dos
principais focos de estudo e regulação antitruste. Sobre a definição e os efeitos
da exclusividade nos contratos de distribuição, bem assim para o panorama do
direito brasileiro, europeu e norte-americano, v. Paula A. Forgioni, Contrato de
Distribuição, p. 163.
41. Gianluca Ronchetti e Valeria Carfí, Il patto di esclusiva, p. 13.
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288    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A justificativa é viabilizar a transferência para o novo proprietário da efetiva


da capacidade de gerar lucros da organização42-43.
A expansão e mesmo a manutenção da empresa tornam-se mais penosos
em um mercado onde há concorrência pela disputa da clientela. Não espanta,
portanto, que os adquirentes busquem diminuir o grau de concorrência a ser
oferecido por agente econômico que já conhece o ramo de negócios, inserido
em uma profícua e cobiçada teia contratual.
Há vários tipos de cláusulas de non compete. Naquela mais usual, ajusta-
-se que certas pessoas físicas [antigos controladores e diretores da empresa
vendida, por exemplo] não se lançarão em negócio semelhante ao alienado.
Em outras, as pessoas jurídicas estão envolvidas, colocando-se a restrição
sobre a atividade de sociedades e/ou de empresas ligadas. Trata-se de prática
absolutamente disseminada, em que as partes estipulam cláusula expressa no
instrumento do contrato, ajustando a restrição.
Há, também, outros cenários/contratos nos quais nada se estipula; as
partes restam silentes sobre a concorrência pós-operação.
Essas hipóteses trazem consequências jurídicas diversas e, portanto,
merecem estudo separado.
Por força da nossa regulação específica [art. 1.147 do Código Civil],
também é necessário apartar dois tipos contratuais distintos: o trespasse de
estabelecimento comercial, de um lado, e a alienação de controle de sociedades
limitadas ou anônimas, de outro.

42. A jurisprudência deixa bem claro que os agentes econômicos, mediante a aposição
de tal cláusula, visam a diminuir o grau de competição entre eles. Por exemplo, no
ano de 1.993, afirmou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “[n]a cessão e
transferência de empresas ou de quotas sociais, é licita a proibição de os cedentes,
durante prazo determinado, se estabelecerem, em nome próprio ou de terceiros, com
o mesmo ramo que exerciam, a fim de evitar concorrência” [Apelação n. 203.158-2/8,
Revista dos Tribunais 702:88].
43. Por isso afirma a doutrina italiana sobre a restrição de que ora tratamos: “Al’imprenditore
è consentito, in tal modo, di utilizzare come valore di scambio anche il proprio su-
cesso negli affari; egli consegue, come “maggior valore” dell’azienda, una somma
che rappresenta il prezzo di una entità estranea, a rigore, all’azienda”.O comentário
é feito a pretexto do art. 2.557 do Codice Civile, que prevê dispositivo análogo ao
art. 1.147 do novo Código Civil brasileiro [Comentario al Codice Civile, diretto da
Paolo Cendon, Torino, UTET, 1.991, p. 1.421]. Art. 2.557, in verbis: “[c]hi aliena
l’azienda deve astenersi, per il periodo di cinque anni dal trasferimento, dall’iniziare
una nuova impresa che per l’oggetto, l’ubicazione o altre circostanze sia idonea a
sviare la clientela dell’azienda ceduta [...]”.
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 289
9.11.2.2 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle
Ninguém tem dúvidas de que, nas sociedades personificadas [especial-
mente nas sociedades anônimas e nas sociedades limitadas], o patrimônio dos
sócios não se confunde com aquele da sociedade.
Exemplifiquemos com um esquema societário simples. Na cidade de
Gramado, situa-se uma grande fábrica de acessórios de couro, que produz os
sapatos da renomada marca Schulptz. O povo da cidade pensa que o prédio e seus
maquinários pertencem à Sra. Beatriz, mulher muito ativa que está à frente dos
negócios, conversa com os empregados, dá ordens e até desenha alguns modelos.
No mundo do direito e de suas ficções jurídicas, o quadro que se apresenta
é diverso. A Sra. Beatriz é a controladora da Schulptz, detendo 70.000 ações
ordinárias de emissão da Schulptz S.A., representando 70% de seu capital com
direito a voto. Os outros 30% pertencem à sua filha Isabela, que atualmente
reside em Portugal. A Sra. Beatriz não é “dona” da empresa, do prédio, do es-
tabelecimento, do maquinário, dos moldes, da tecnologia, do know-how etc.
Tudo pertence à Shulptz S.A.
A Sra. Beatriz resolve aposentar-se, juntando-se à sua filha, em Portugal.
Agrada-lhe muito mais gozar do azul céu de Lisboa do que enfrentar as infinitas
crises da economia brasileira.
Do ponto de vista jurídico, a Sra. Beatriz tem duas opções:
– alienar as ações de que é titular; ou
– fazer praticar todos os atos societários e administrativos necessários
para que a Shulptz S.A. aliene o estabelecimento fabril.
A escolha de uma ou outra forma de negócio [venda do estabelecimento
ou do controle] envolve variáveis, especialmente de ordem trabalhista e tribu-
tária, que não nos interessam no presente texto. O que importa notar é que a
Sra. Beatriz não conseguiria vender o estabelecimento, simplesmente porque
não lhe pertence. Escolhido fosse esse modelo de negócio, ele seria necessa-
riamente efetivado pela sociedade Shulptz S.A.
Caso prefira vender as ações que lhe pertencem, o estabelecimento conti-
nuará a pertencer à Shulptz S.A., que terá um novo acionista controlador. Nada
se alterará em relação à propriedade do estabelecimento, pois o patrimônio da
Shulptz S.A. não sofrerá qualquer modificação.
No passado, eram mais comuns as vendas diretas de estabelecimento,
chamadas tecnicamente de “trespasse”. Hoje, entre nós, grassam as compras
e vendas de participações envolvendo controle das sociedades. Em negócios
de porte, se a operação não for alardeada pela imprensa, o público em geral
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290    CONTRATOS EMPRESARIAIS

sequer percebe a mudança dos acionistas. Em 2.012, o controle do grupo Pão


de Açúcar passou ao francês Casino, deixando as mãos da família Diniz. Quem
de nós notou alguma diferença, ao entrar no supermercado?
Voltando ao exemplo da Sra. Beatriz, empresária extremamente eficiente,
capaz de erguer outro negócio em poucos meses. Imaginemos que ela, mesmo
na encantadora cidade de Lisboa e perto da filha, não resista a poucos meses
de dolce far niente e queira voltar à ativa. É-lhe defeso abrir uma nova fábrica
de artefatos de couro em Gramado?
A resposta será diversa, conforme o tipo de negócio que escolher, bem
como as cláusulas que acertar no instrumento do contrato.

9.11.2.3 Trespasse de estabelecimento e alienação de controle: dife-


rentes disciplinas de non compete. Limitação do âmbito de
aplicação do art. 1.147 do Código Civil
Se nada for disposto no contrato de trespasse de estabelecimento empre-
sarial, a regra geral, posta pelo art. 1.147, caput do Código Civil, determina que
o alienante não poderá concorrer com o comprador, por cinco anos:
“Art. 1.147 – Não havendo autorização expressa, o alienante do estabe-
lecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos
subsequentes à transferência”.
Note-se bem que essa regra é específica para o caso de trespasse do es-
tabelecimento. Aplicá-la às hipóteses de alienação de controle de sociedades
comerciais requer interpretação extensiva de dispositivo legal altamente
limitador da livre iniciativa e da livre concorrência. Isso não é possível, tendo
em vista os ditames constitucionais.44
Não bastasse, outros elementos igualmente importantes compõem o
quadro a ser analisado: a prática de mercado, as legítimas expectativas dos
agentes e a boa-fé.
Até mesmo por conta de nossa evolução histórica, não há dúvidas de que,
se as partes efetivamente ajustam a regra de non compete nas alienações de
controle, escrevem-na no instrumento. Essa é a prática de mercado, os “usos
e costumes” seguidos pelos agentes econômicos45. Quem a quer, contrata-a.
Essa constatação já era feita em 1969, por Oscar Barreto Filho:

44. V. STJ, AREsp 1239219, julgado em 27 de fevereiro de 2.018, com relatoria do Min.
Luis Felipe Salomão.
45. Anota objetivamente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “A propósito,
trata-se de condição não rara em negócios comerciais de venda de quotas sociais e
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 291
“A fim de obviar à discussão, costuma-se incluir no contrato de venda a
cláusula expressa de não-restabelecimento”46.
A proibição de reestabelecimento é uma forte limitação ao direito do
alienante de empreender, restringindo-lhe ganhos futuros ou até mesmo sua
liberdade de exercer profissão remunerada. No processo de barganha das alie-
nações empresariais, paga-se um preço pela não concorrência, muitas vezes
incluído no valor das próprias ações.
Por isso, uma interpretação extensiva do art. 1.147 do Código Civil, além
de inconstitucional, interfere na alocação de riscos e na precificação barganhada
e contratada pelas partes.
Atenção deve ser dada à proteção da boa-fé objetiva nestes casos e aos
equívocos que em seu nome têm sido cometidos. A boa-fé objetiva exige a
consideração do efetivo e atual comportamento dos agentes econômicos. Não
existe legítima expectativa e boa-fé construída longe daquilo que normal-
mente ocorre no mercado. Contrata-se a não concorrência, paga-se por ela.
Dá-la de presente significa premiar o oportunismo disfuncional do agente
econômico.
Considerando as práticas de mercado, na ausência de cláusula contratual
expressa, o silêncio da parte acerca de non compete não pode ser tomado como
aquiescência. Não há vinculação silenciosa que seja contrária aos usos; segundo
o art. 111 do Código Civil, “o silêncio importa anuência” apenas “quando as
circunstâncias ou os usos o autorizarem”, o que não ocorre no caso da estipu-
lação de não concorrência na transferência de participações societárias.
Em suma: nas alienações empresariais, deve-se respeitar a regra geral que
privilegia a liberdade de iniciativa e a liberdade de concorrência. Exceções
somente existem se expressamente contratadas, nos limites da legalidade47.

de empresas, sendo, às vezes, determinante da transação” [Apelação n. 203.158-2/8,


julgada em 1.993, publicada na Revista dos Tribunais 702:88].
46. Teoria do estabelecimento comercial, p. 246.
47. Já em 1.953, o Supremo Tribunal Federal fincou a necessidade de limitação da cláusula
para a sua validade, pois ela é sempre uma exceção à liberdade. Em erudito voto, da
lavra do Ministro Orozimbo Nonato, fixou-se que: “Faz-se mister conciliar o prin-
cípio que veda a concorrência desleal com o que assegura a liberdade de comércio.
E essa conciliação somente é possível com o se admitir a cláusula de que se trata,
mas limitada no tempo, no espaço e no objeto”. Recurso Extraordinário n. 15.970
[Embargos]. Essa é a posição de Eunápio Borges, afirmada em seu Curso de direito
comercial terrestre, p. 196.
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292    CONTRATOS EMPRESARIAIS

9.11.3 A necessária interpretação restritiva das cláusulas de non compete


As cláusulas de non compete, porque significam restrição à livre iniciativa
e à livre concorrência, hão de ser interpretadas restritivamente.
Não estamos tratando de fraudes escancaradas. Preocupam-nos as
situações em que se pretende estender o non compete a pessoas [físicas e
jurídicas] não expressamente mencionadas no instrumento, bem assim a
atividades que não implicam concorrência direta e efetiva com a empresa
alienada. É bem verdade que, na complexidade das relações empresariais,
cada caso exigirá uma solução, de acordo com a situação fática. Mas a re-
gra geral há de ser fixada, até mesmo porque bem conhecida: interpreta-se
sempre a favor das liberdades constitucionais, e os agentes econômicos não
podem ser obrigados a não empreender e a não competir, além dos limites
que expressamente contrataram.
A linha posta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 1.911, em um
de seus mais sábios acórdãos sobre a matéria, mostra-se bastante atual. Um
comerciante vendera sua loja a outro, acordando que não se restabeleceria
na rua da Consolação. Instalou-se, porém, em rua próxima. Haveria má-fé?
Entendeu o Tribunal que não, porque a restrição territorial não fora acordada
naqueles termos. O vendedor poderia ter limitado a zona de proibição do
restabelecimento; não o fez à época do negócio e não o poderia fazer depois.
Na íntegra:
“O Apelado explorava certo ramo de negócio á rua da Consolação, nesta
capital. O Apelante, vendo-lhe a prosperidade, propoz-lhe a comprar-lhe
o estabelecimento se ele quizesse tomar o compromisso de não abrir
naquela rua negócio identico. A proposta foi bem acolhida, a transação
foi ultimada e o compro- misso foi assumido. O homem não tardou,
porém, a mostrar ao seu successor que mereceria a prosperidade comer-
cial que o favoneava. Era, de facto, da cabeça aos pés, um negociante
esperto. Foi a uma rua próxima á da Consolação e abriu outro negocio...
O comprador do negocio antigo pulou de raiva. Aquilo era mais do que
uma deslealdade: era uma violação positiva ao compromisso assumido.
‘– Engano, meu amigo, puro engano, volveu o homenzinho com pla-
cidez. Nem uma cousa nem outra: nem deslealdade nem violação de
compromisso... A que foi que eu me comprometi? Não fio a isto apenas:
a não abrir na rua da Consolação negocio idêntico ao que lhe vendi?’
[...] ‘– Boa duvida! Que importa que não abrisse na rua da Consolação
se abriu nas proximidades dessa rua? O transtorno que me causa é sem-
pre o mesmo’. ‘– perdão. É possivel que assim seja. Mas eu nada tenho
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 293
com isso. A minha obrigação é apenas a de respeitar o compromisso, e
o compromisso é muito claro: “rua da Consolação, negocio do mesmo
genero”. Não diz palavra sobre proximidades daquela rua’. [...] Foram a
juízo. O Juiz, tanto o de primeira instancia como o tribunal concordou
com o negociante e repeliu a pretensão do outro. O compromisso só se
referia à rua da Consolação. Nada dizia quanto às suas proximidades. A
abertura de novo negócio, em outra rua, embora proxima daquela, não
o violou. Observaram, ainda, os srs. Ministros: ‘– porque, no contrato,
esse cidadão não falou tambem nas proximidades da rua da Consolação?
podia até marcar a zona dentro da qual ao outro não seria permitido co-
merciar... Não o fez! Quer fazer agora?’ Acórdão: Accordam em tribunal
de Justiça [...] confirmar, como confirmam, a sentença appellada [...].
Julgado em 13 de dezembro de 1913, por Xavier de Toledo, A. França,
Meirelles Reis e Rodrigues Sette”.48
Resumindo:
– A cláusula de non compete implica forte restrição às liberdades econô-
micas constitucionais;
– Cumpre ao adquirente da participação acionária acautelar-se, barga-
nhar e obter a restrição da atividade do vendedor, pois a regra é pela
liberdade de iniciativa e liberdade de concorrência.
– Nas alienações de participações societárias, o vendedor somente pode
ser obrigado a não competir se cláusula expressa for estabelecida nesse
sentido.
– A cláusula de non compete não comporta interpretação extensiva.

9.12 O direito de não contratar e de pôr fim à relação contratual


Muito se fala da liberdade de contratar e pouco daquela de não contratar, de
o agente econômico não permanecer vinculado contra a sua vontade. A baliza,
deduzida também a partir do pacta sunt servanda, determina que o agente não
deve ser obrigado a permanecer em uma relação contratual, a não ser que tenha
assumido esse compromisso. Não se protege uma ou outra parte, mas o fluxo
de relações econômicas. A faculdade de não se vincular ou de se desvincular,
na ausência de regra contratual ou legal impeditiva, também é fundamental
para o funcionamento do mercado.

48. As aspas que iniciam e findam as falas dos “personagens” foram acrescentadas. Os
embargos, posteriormente opostos, foram rejeitados e o acórdão confirmado.
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294    CONTRATOS EMPRESARIAIS

Tratemos das regras gerais, e não das patologias, dos abusos e das exceções
postas por textos normativos específicos49. Sabe-se que os contratos podem ter
prazo determinado e indeterminado. Quando celebrados por prazo determi-
nado, deixam de vincular as partes tão logo atingido o seu termo. Quando por
prazo indeterminado, comportam denúncia unilateral, nos limites da lei. Ao
menos nos contratos comerciais, não existe vinculação ad aeternum. “Nenhum
vínculo é eterno”, asseveram constantemente nossos Tribunais. “[O]rientada
a ordem econômica pelo princípio da livre concorrência (art. 170, IV, da Cons-
tituição Federal), não se pode negar à parte a possibilidade de desvincular-se
de determinado contrato, na hipótese em que prefira contratar outra empresa
do ramo, ou adotar formato diverso para conduzir suas atividades”50.
Esta regra vale até mesmo para as sociedades limitadas. Em que pesem
opiniões doutrinárias contrárias, sabiamente os Tribunais nacionais reconhe-
ceram que, sendo a sociedade por prazo indeterminado, o sócio pode dela se
desvincular, recebendo seus haveres51.
Tem-se defendido que existiria um “princípio de preservação dos con-
tratos” a obrigar o intérprete a se esforçar para manter os ajustes em vigor. A
terminologia empregada já induz à confusão. Quando a doutrina e a juris-
prudência referem-se à ideia de “preservação dos contratos” têm em mente o
gabarito bem sintetizado na Segunda Regra de Pothier, que manda preferir, se
possível, a interpretação que não leva à inutilidade do pacto, trilhando estrada
que não termina na sua nulidade52.

49. Como é o caso do art. 720 do Código Civil: “ Art. 720. Se o contrato for por tempo
indeterminado, qualquer das partes poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de
noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do
investimento exigido do agente”.
50. TJSP, Apelação nº 0109819-53.2006.8.26.0100, 19ª Câmara de Direito Privado, Rel.
Desembargador Mario de Oliveira, julgado em 6 de junho de 2016.
51. V. Paula Andrea Forgioni, A unicidade do regramento jurídico das sociedades limi-
tadas e o art. 1.053 do C.C.. Usos e costumes e regência supletiva, p. 7-12.
52. V., também, sobre o tema, a monografia de Cristiano Zanetti, A conservação dos
contratos nulos por defeito de forma, p. 55 e s. Lembre-se, também, que essa regra
consta dos “Princípios Unidroit de Direito dos Contratos”, sendo sempre relacionada
à interpretação útil: “4.5. Intepretação útil. Os termos de um contrato devem ser
interpretados de modo a que se dê efeito a todos eles, ao invés de privar quaisquer
deles de efeito” [tradução de Lauro Gama, disponível em https://www.unidroit.org/
overview-principles-2010-other-languages/portuguese-black-letter, acesso em 14
de janeiro de 2018].
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 295
“Quando huma clausula he susceptível de dous sentidos, deve entender-
-se naquele, em que ella póde ter efeito; e não naquele em que não teria
effeito algum”.53
Sobre a racionalidade e a utilidade dessa pauta de interpretação no
direito comercial, lembre-se que se encontra visceralmente ligada à con-
creção da função econômica dos negócios. Se as partes não contratam pelo
mero prazer de trocar declarações de vontade, como assinalou Chiovenda,
o contrato deve ser concebido de acordo com uma função [= função eco-
nômica = causa] e a interpretação da avença deve levar à sua consecução.
Caso contrário, atirar-se-ia o negócio à inutilidade – decisão incompatível
com a lógica do sistema.
Em suma: se as partes contrataram, seu escopo era atingir determinada
função econômica, pois o negócio não pode racionalmente ser entendido
como atividade de deleite. Deve-se atender à função econômica ao interpretar
o contrato. Negar-lhe o escopo típico [ou querido pelas partes] é sepultar seu
pressuposto de existência. Por ser contrária à noção de função econômica
dos pactos, evita-se a interpretação que leva à inutilidade de alguma de suas
disposições.
Não se deve empregar terminologia consagrada [“princípio da preservação
do contrato”] para referir algo totalmente diferente. Uma coisa é a manutenção
do negócio porque se prestigia a interpretação que não leva à nulidade/inuti-
lidade do pacto. Outra bem diversa seria uma máxima exegética ordenando
privilegiar a manutenção da vinculação das partes, em detrimento de sua li-
berdade. Sempre com o respeito por aqueles que entendem diversamente, esse
último “princípio” não existe no direito comercial, especialmente nas relações
entre partes sofisticadas54.
Em ajustes entre empresas, como vêm reconhecendo a melhor juris-
prudência, uma das maiores pautas de interpretação é o pacta sunt servanda.
Sua aplicação não visa a corroborar abusos, mas a dar concreção ao que as
partes contrataram [função econômica que desejaram para o ajuste comum],
sempre nos limites deixados à autonomia da vontade pelo ordenamento
jurídico.

53. Tratado das obrigações pessoais e reciprocas, 71.


54. As situações que permitem a prorrogação forçada de contratos são raríssimas, como
abordado em Paula A. Forgioni, Contrato de Distribuição [Contrato de Distribuição,
p. 297 e s.].
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296    CONTRATOS EMPRESARIAIS

A regra para o direito empresarial é pró-liberdade, pró-concorrência, ao


contrário do que pode ocorrer em outras áreas do direito55, comandadas por
diferentes lógicas. Presume-se a liberdade e, em caso de dúvida, a liberação/
desoneração da parte.
Sabe-se hoje que, em contratos de longa duração, que exigem forte carga
de colaboração das empresas envolvidas, mostra-se altamente ineficiente
forçá-las a permanecer no negócio contra a vontade de uma delas. A associa-
ção simplesmente deixa de progredir, emperrando a cada nova situação que
se apresenta. Sem congruência de vontades, impera a desconfiança e esvai-se
a disposição para empreender conjuntamente. Os acordos congelam sua ca-
pacidade de adaptação, tendendo ao desgaste e à ineficiência56. Na ausência
de regra contratual em sentido diverso, inexiste vantagem para o sistema em
sua manutenção a fórceps, contra a vontade de uma delas.
Ainda sobre esse tópico, uma última observação. Deixando sempre de
lado os abusos, não cabe paralelo entre a manutenção forçada de um contrato
e o objetivo de preservação da empresa. Doutrina e jurisprudência, ad una
voce, reconhecem que a empresa é um agente econômico cuja atividade traz
riqueza, empregos, pagamento de impostos etc., gerando desenvolvimento
aproveitado por toda a sociedade. Essa diretriz, especialmente importante nas
áreas do direito societário e falimentar, protege o núcleo aglutinador em torno
do qual se dá a atividade econômica.

55. Por exemplo, o direito de família ou consumerista.


56. Nessa linha, o seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça, da lavra da Ministra
Nancy Andrighi: “Com efeito, não se ignora que a boa-fé objetiva se apresenta como
uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual
impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo
como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal. Esta premissa, porém não permite
inferir que os contratos devam ser mantidos a todo custo, sem observância da vontade
das partes e das circunstâncias presentes em cada hipótese. A opção de contratar e
manter-se em um contrato é expressão máxima da autonomia da vontade, sendo certo
que eventual descumprimento de compromissos assumidos frente à parte adversa
estará sempre sujeito à recomposição pela via indenizatória, com ampla possibilidade
de discussão acerta da existência ou não de justa causa para a ruptura” [STJ, Recurso
Especial nº 1.250.596/SP, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado
em 3 de novembro de 2.011]. No mesmo sentido, é o acórdão proferido no Recurso
Especial nº 966.163/RS: “Muito embora o comportamento exigido dos contratantes
deva pautar-se pela boa-fé contratual, tal diretriz não obriga as partes a manterem-se
vinculadas contratualmente ad aeternum, mas indica que as controvérsias nas quais o
direito ao rompimento contratual tenha sido exercido de forma desmotivada, imode-
rada ou anormal, resolvem-se, se for o caso, em perdas e danos” [STJ, Quarta Turma,
Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 26 de outubro de 2010].
INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS EMPRESARIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL  | 297
Todavia, o gabarito não pode ser aplicado aos contratos empresariais,
pois as situações e os efeitos são marcadamente diversos. Contratos inte-
rempresariais corporificam uma forma de atuação das empresas no mercado,
estabelecendo relações e vínculos entre elas. Regra geral, esses liames não
precisam ser preservados para que se alcance a eficiência empresarial ou o
bem-estar social. É a atividade da empresa [globalmente considerada] que
se mostra relevante e merece a tutela jurídica, e não seu quadro de parceiros
comerciais. O agente econômico é titular do direito, constitucionalmente
assegurado, de se organizar livremente, escolhendo aqueles com quem quer
manter vínculos jurídico-econômicos. Por isso, o vetor é a favor da liberdade
e da não vinculação.
Como conclusão deste capítulo, temos que os princípios constitucionais
que garantem liberdades econômicas não são algo a ser invocado apenas na
defesa das empresas contra o Estado ou suas agências reguladoras. Estão mais
próximos do que se pode pensar, influenciando diretamente o dia-a-dia dos
agentes econômicos e os contratos empresariais. Ao se aproximarem dos negó-
cios, os princípios da ordem econômica concretizam-se em regras gerais e em
pautas de interpretação, a serem obrigatoriamente seguidos pelos operadores
do direito.
10
INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS
Lacunas e atuação dos julgadores

Sumário: 10.1 A integração dos contratos – 10.2 A solução da incompletude con-


tratual: 10.2.1 A solução da incompletude por novo acordo; 10.2.2 A solução da
incompletude pelos usos e costumes; 10.2.3 A solução da incompletude pelo juiz
ou pelo árbitro; 10.2.4 A solução da incompletude pela atribuição voluntária de
poder decisório a terceiro ou a uma das partes – 10.3 Boa-fé e incompletude.

10.1 A integração dos contratos


É clássica a separação entre interpretação e integração contratual. Na
primeira, parte-se do texto para desdobrar seu sentido.1 “[A]pura-se o que
as partes quiseram ou, melhor, declararam querer”.2 Na segunda, da falta de
previsão expressa sobre o tratamento que se deve dar a fato superveniente, o
intérprete deverá [ou não] complementar a avença.
Embora, muitas vezes, em contratos de elevada complexidade, essa dis-
tinção não apareça com nitidez, há diferença mais ou menos evidente entre
aquilo que foi e aquilo que não foi pactuado. O contrato é exercício de previsão
sobre o futuro. Algumas situações são cogitadas no momento da celebração,
e sobre elas se dispõe. Por exemplo, um contrato de distribuição de chocolate
no qual se estipula que o dealer deve atingir meta de compra de dez toneladas
por mês. Se não o fizer, pagará multa prefixada. As situações expressamente
previstas no instrumento costumam ser [ou deveriam ser] aquelas de maior
importância para as partes.
Mas há outros contextos que restam sem qualquer referência. Tem-se,
efetivamente, uma lacuna. O que fazer? A incompletude não é novidade para
os juristas, que sempre estiveram às voltas com a integração contratual, ou seja,
com “a construção do regulamento contratual por obra de fontes heterônomas,

1. Sobre a interpretação dos contratos entre empresas, v. Paula A. Forgioni, Teoria geral
dos contratos empresariais, 2. ed., São Paulo, RT, 2010.
2. Inocêncio Galvão Telles, Manual dos contratos em geral, 360.
|
300    CONTRATOS EMPRESARIAIS

diversas da vontade das partes”.3-4 O art. 133 do Código Comercial de 1850


asseverava que, “[o]mitindo-se na redação do contrato cláusulas necessárias à
sua execução, deverá presumir-se que as partes se sujeitaram ao que é de uso e
prática em tais casos entre os comerciantes, no lugar da execução do contrato”.
O problema é que, nos quadrantes do positivismo tradicional e do in-
dividualismo metodológico, a intervenção de terceiro no negócio desafia
a autonomia da vontade. Tradicionalmente, “o acordo das partes deve ser
completo; em outros termos, deve ser suficiente para criar o vínculo”.5 Não é
sem razão que inexistia disposição análoga ao art. 133 do Código Comercial
no Código Civil anterior. Admitir os usos e costumes como fonte integrativa
de todos os negócios empresariais arrasta para dentro do contrato uma massa
imensa de normas, sem o expresso consentimento das partes, desafiando a
visão clássica.
Nesse contexto, a integração contratual nos contratos empresariais é
raramente tratada pela doutrina e mesmo pela jurisprudência, que se desviam
do real problema. Contudo, diante da proliferação dos contratos complexos
[e, portanto, incompletos] nos nossos dias, esse cenário vem se alterando.

10.2 A solução da incompletude contratual


Em face das inevitáveis lacunas dos contratos complexos, de duas, uma:
ou são solvidas e o negócio prossegue ou restam sem solução e o contrato
encontra seu fim.
Vejamos algumas hipóteses de solução disponíveis nos contratos empre-
sariais, bem como suas implicações jurídicas.
Se nada for disposto em sentido contrário, às lacunas aplicar-se-ão as
regras dispositivas, em processo já analisado quando estudamos a vida dos
contratos empresariais [capítulo quarto].

3. Vincenzo Roppo, Il contratto, 461. Bulgarelli apontava a pouca difusão da integração


contratual entre nós, pois os autores, apesar de mencioná-la, não lhe dedicavam
maior atenção. Define-a como “um processo específico mais profundo que a sim-
ples interpretação, permitindo não só a complementação das lacunas verificadas no
contrato, como também a sua própria ‘complementação’, através da invocação do
ordenamento jurídico” [Contratos mercantis, 145].
4. A interpretação integrativa distinguir-se-ia daquela que visa a meramente aclarar o
sentido do texto. Na primeira, o juiz “constrói” o contrato, considerando sua base
econômica; na segunda, busca o significado do negócio para adequá-lo à disciplina
vigente [cf. Guido Alpa, L’interpretazione del contratto, 215].
5. Guido Alpa, Il contrato in genere, 465.
INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 301
10.2.1 A solução da incompletude por novo acordo
A doutrina especializada costuma apontar o acordo entre as partes
como a mais clássica forma de supressão das lacunas contratuais. Diante da
ocorrência de evento não contemplado no contrato, assiste aos contratantes
a prerrogativa de, no exercício da autonomia da vontade, acertar a adaptação
do negócio.
Nessa linha, colocam-se as cláusulas de hardship e de renegociação,
comuns nos contratos internacionais. As primeiras determinam que, diante
de certos eventos que perturbam o equilíbrio do contrato, a qualquer das
partes assiste a faculdade de requerer sua modificação. Chega-se a estipular
que a empresa onerada suspenda o adimplemento da obrigação até a solução
do impasse. Nas cláusulas de renegociação, não é pressuposta a alteração da
equação econômico-financeira do negócio, tornando mais abrangente sua
aplicação.
De qualquer forma, para evitar o fim da relação, é necessário que os con-
tratantes voluntariamente cheguem a consenso. O ordenamento jurídico não
obriga a parte à aceitação de novos termos, ainda que lhe sejam mais vantajosos.
Há apenas o dever de negociar, não de alcançar acordo ou de aceitar termos
impostos por outrem.6-7

10.2.2 A solução da incompletude pelos usos e costumes


A colmatação do contrato pode derivar da integração contratual pelos usos
e costumes. Essa regra, antes expressa no art. 133 do Código Comercial, hoje há
de ser deduzida do art. 113 do Código Civil, que se coloca como instrumento
para o suprimento de lacunas. Ampara-se a legítima expectativa da parte ba-
seada no comportamento que seria de se esperar do comerciante ativo e probo
naquela situação. Larenz, com razão, observa que a interpretação integrativa

6. A questão longe está de ser pacífica, notando-se, nos últimos anos, movimento a
favor da imposição do dever de renegociar e, com isso, de manter o contrato. Na
opinião dos adeptos dessa corrente, o dever de renegociar não afrontaria a autonomia
negocial das partes porque “a obrigação de renegociar, de acordo com a exigência
própria dos contratos de longo período, permite a realização e não a alteração da
vontade das partes” [Pasquale Gerardo Marasco, La rinegoziazione e l’intervento
del giudice nella gestione del contratto, 553].
7. É defeso à parte abusar de sua prerrogativa de não modificar o contrato. No entanto,
são notórias as dificuldades de se impedir o oportunismo, em virtude da fluidez das
fronteiras que separam o uso do abuso do direito de não se vincular.
|
302    CONTRATOS EMPRESARIAIS

não é mera ponderação das declarações de vontade individuais das partes, e


sim autêntica regulação objetiva criada pelo contrato, no contexto do mercado.
“A boa-fé exige que cada parte aceite o contrato como fariam os contratantes
honestos a partir da ideia básica da finalidade do negócio, tomando em consi-
deração os usos do tráfico”.8
A jurisprudência brasileira traz exemplo dessa linha de solução em im-
portante acórdão da lavra de Aliomar Baleeiro.9 No final da década de 50, os
litigantes haviam contratado a compra e venda de 2.000 arrobas de cacau e
somente 800 foram entregues pelo vendedor. No pedido da mercadoria, único
documento a comprovar a operação, acordou-se singelamente “a quantidade,
data de entrega e preço”, nada sendo dito quanto à data do pagamento.
O comprador interpelou o vendedor para que entregasse a mercadoria;
este se recusou, alegando que ainda não havia recebido o preço. Nos termos
do art. 1.092 do Código Civil então vigente, semelhante ao art. 476 do Código
atual, o vendedor não estaria obrigado a entregar o cacau.
Ficou comprovado que os costumes comerciais da região determinavam
que o pagamento se desse apenas após a entrega. Nas palavras de Aliomar Ba-
leeiro: “Como é de uso muito antigo no comércio de cacau entre fazendeiros
produtores e firmas exportadoras da Bahia, as operações se realizam a termo,
para entrega futura, fixados desde logo em singelo ‘pedido’, – único docu-
mento – a quantidade, a data de entrega e o preço. Nada mais [...]. É o uso
imemorial na Bahia. Milhões de quilogramas são vendidos desse modo, cada
ano, sem estrépito [...]”. O contrato foi completado pelos usos comerciais no
que dizia respeito à determinação do prazo de entrega, não expressamente
convencionado pelas partes.
Nem sempre há usos e costumes que possam ser invocados para sanar a
disciplina contratual, ou são eles suficientemente institucionalizados a ponto de
permitirem sua demarcação. A discussão desloca-se para a eventual atribuição
a terceiro do poder de completar as disposições do negócio.

10.2.3 A solução da incompletude pelo juiz ou pelo árbitro


Aqueles não acostumados à prática dos contratos empresariais complexos
costumam defender que a integração contratual deve dar-se na maior amplitude
possível. O intérprete estaria autorizado a, partindo do que foi escrito, dar-se

8. Derecho civil, 745.


9. Supremo Tribunal Federal, RE 79.545, rel. Min. Aliomar Baleeiro, j. 22.11.1974.
INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 303
a deduzir regras sobre aquilo que não o está, acatando intervenção exógena
na solução de lacunas. Isso valeria até mesmo para contratos celebrados por
partes sofisticadas, i.e., grandes agentes econômicos. O julgador haveria de
empunhar os contratos associativos como sociedades [partnerships],10 impelido
por um “princípio geral de preservação dos contratos”.
Essa visão não se coaduna com os vetores de funcionamento do direito
comercial. Como observou Betti, pode ser “inútil e irrelevante dar-se a pesquisar
uma vontade ‘suposta’ ou ‘presumível’ que, na realidade, não existiu”.11 Adi-
vinhar o que as partes teriam contratado se houvessem previsto determinado
fato à época da contratação mostra-se, no mais das vezes, inadequado.12 No

10. Segundo Melvin A. Eisenberg, as “novas” regras propostas pela doutrina especializada
para o tratamento jurídico dos contratos relacionais orientam-se pelos seguintes
parâmetros: [i] tornar mais flexível ou mesmo superar o clássico esquema “oferta/
aceitação” como base para a formação do contrato; [ii] diminuir a intolerância a
regras contratuais indefinidas, tais como agreements to agree, obrigações para a ne-
gociação conforme os princípios da boa-fé etc. [ou seja, reavaliação do tratamento
de cláusulas gerais]; [iii] aumentar as possibilidades de alteração contratual em
casos de modificação das circunstâncias, tais como impossibility, impractibability, and
frustration, causas legítimas para o descumprimento do pacto; [iv] atribuir maior
eficácia a cláusulas do tipo “melhores esforços”; [v] tratar os contratos relacionais
como autênticas sociedades [partnerships] uma vez que envolvem empresa comum;
[vi] conferir caráter unitário aos contratos relacionais; [vii] impor aos contratantes
o dever de negociar conforme a boa-fé, praticar preços “equitativos”, quando hou-
ver modificação do contexto contratual, e até instituir para uma das partes o dever
de aceitar essa mudança; [viii] permitir aos Tribunais adaptarem ou revisarem as
cláusulas contratuais, incluindo preços, dentro de um contexto em que as perdas de
uma parte fossem compensadas pelo lucro obtido pela outra [Relational contracts,
298-299].
11. No original: “è inutile e irrilevante andare a ricercare uma volontà ‘supponibile’ o
‘presumibile’, che in realtà non ci fu” [Teoria generale del negozio giuridico, 343].
12. Ao comentar o art. 704 do Código Civil Português, leciona Inocêncio Galvão Telles:
“Porque se manda aí atender às consequencias usuais? Porque os sujeitos, conquanto
as não tenham mencionado, decerto as quiseram, ou pelo menos as teriam querido,
caso as houvessem previsto. Ora, se é assim, porque não considerar também abrangi-
das no contrato cláusulas que as partes não expressaram, mas que teriam querido se
tivessem pensado nelas e na sua possível necessidade? A resposta afirmativa impõe-
-se, pelo menos todas as vezes que sem a integração da lacuna se torne impossível
a execução da declaração de vontade no seu conjunto. O critério orientador é aqui
o mesmo que vimos dominar os problemas, afins a este, da redução e conversão dos
contratos: a determinação da vontade conjectural ou hipotética das partes. Não se
trata de averiguar o que estas provavelmente quiseram, mas o que teriam querido se
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304    CONTRATOS EMPRESARIAIS

processo de negociação, não é incomum que as empresas, deliberadamente,


evitem enfrentar pontos controvertidos que aumentariam seus custos de
barganha. Com esse proceder, assumem riscos que não podem ser ignorados pelo
intérprete. Impor obrigação não contratada pode significar a neutralização do
risco assumido pelo agente econômico. Lacunas não são um “defeito” do negócio
jurídico, mas sua característica.
Nos contratos entre empresas, a autonomia econômica não implica tributo
ao velho individualismo, nem tampouco defesa dos agentes de maior porte.
Seu respeito é fundamental para a preservação das liberdades econômicas:
ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude
de lei ou de sua própria vontade. Autorizar o intérprete a ajustar disposições
contratuais em nome e por conta das partes pode golpear sua liberdade, ferindo
a Constituição.
A presunção é oposta àquela que decorreria da existência de um “prin-
cípio de preservação dos contratos”: Não tendo as partes investido terceiro
do poder de complementar os termos do acordo, assumiram o risco de seu
aborto na ausência de futuro consenso. Agiram para preservar seu poder de
conduzir suas próprias estratégias comerciais: “sem acordo, sem negócio”. Os
prejuízos sistêmicos que adviriam do ataque ao princípio do pacta sunt servan-
da e da liberdade de contratar não parecem compensados por eventual ganho
decorrente na preservação forçada. É preciso abandonar certo “preconceito
progressista” que presume ser o respeito ao pacto asserção própria apenas ao
contexto social e econômico do século XVIII. Trata-se de um dos principais
pilares do sistema mercantil; sem ele, ruiria o mercado. Exceções devem ser
tomadas cum grano salis e se alçam não a partir da vontade do julgador, daquilo
que ele entende ser “correto”, e sim da prática de mercado e da preservação
da legítima expectativa.
A jurisprudência comercial brasileira consolidou-se no sentido de refutar a
intervenção exógena, em respeito à autonomia privada. Na síntese do Supremo
Tribunal Federal: “não [pode] o julgador consagrar o que está por acertar, o
que expressamente depende do futuro entendimento e de valoração de dados
ainda não colhidos. Se assim agir, o juiz estará contratando pelas partes, o
que é grosseiro desvio de função e vício insanável do julgamento, pois se terá
imposto em substituição às vontades necessariamente de se colher das Par-
tes, emitindo, como acabadas e perfeitas, declaração de vontade que elas não

se houvessem ocupado da matéria que deixaram em branco” [Manual dos contratos


em geral, 361].
INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 305
fizeram”.13 Isso não significa, em absoluto, que o interesse egoístico do agente
deva prevalecer sobre qualquer outro fim. Nada impede que, para dar concreção
aos objetivos impostos pelos arts. 1.º, 3.º e 170 da Constituição do Brasil, o
princípio do pacta sunt servanda seja mitigado. Em certos casos, o ordenamento
admite que a parte seja impelida à contratação, como na hipótese de negativa
de acesso a facilidades essenciais, estudada pelo direito concorrencial. Atual-
mente, entende-se que a recusa de contratar por parte do agente detentor de
posição dominante pode caracterizar infração à ordem econômica, ainda mais
nos casos em que o bem ou o serviço é indispensável para a continuidade das
atividades empresariais.14 Outro exemplo de obrigatoriedade de contratação
encontra-se no art. 473, parágrafo único, do Código Civil, que impõe à parte
denunciante a manutenção do contrato até a recuperação dos investimentos
realizados pela outra em prol do negócio.

10.2.4 A solução da incompletude pela atribuição voluntária de poder


decisório a terceiro ou a uma das partes
Cientes da incompletude contratual e visando a estabelecer mecanismos de
solução de problemas que germinarão durante a vida do negócio, no momento
de sua celebração as partes podem atribuir o preenchimento de lacunas [i] a
um terceiro ou [ii] a uma delas.
Em exemplo: ao tratar da incompletude dos contratos de intercâmbio,
o antigo Código Comercial previa a possibilidade de determinação do preço
da mercadoria por terceiros, se dessa forma fosse estipulado.15 A alternativa

13. REsp 88.176, rel. Moreira Alves, RTJ 92:251. Sobre a jurisprudência italiana, no
mesmo sentido da brasileira, cf. Guido Santoro, La responsabilità contrattuale, 764
e ss.
14. Essa situação ocorreria na presença dos seguintes elementos [i] controle da facilidade
essencial por agente econômico detentor de posição dominante; [ii] impossibilidade
de o contratante que pretende obter a facilidade essencial construí-la ou obtê-la de
outra forma razoável; [iii] recusa de acesso para um concorrente e [iv] possibilidade
de fornecimento de acesso à facilidade essencial pela empresa em posição dominan-
te, ou seja, “the feasibility of providing the facility”. Sobre o tema das facilidades
essenciais, a doutrina antitruste é muito extensa. Para síntese das diversas posições,
cf. Hovenkamp, Federal antitrust policy, 305 e ss. V., também, Paula A. Forgioni, Os
fundamentos do antitruste, 322 e ss.
15. “Art. 194. O preço de venda pode ser incerto, e deixado na estimação de terceiro;
se este não puder ou não quiser fazer a estimação, será o preço determinado por
arbitradores”.
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306    CONTRATOS EMPRESARIAIS

continua presente no art. 485 do atual Código Civil. Há, contudo, diferença
entre essas disciplinas: O Código Comercial estipulava que, caso o terceiro
não quisesse ou não pudesse cumprir sua função, ela seria desempenhada
por arbitradores.16-17 O atual Código Civil, visando a não obrigar as partes
àquilo que não contrataram, sinaliza que, nos contratos de compra e venda,
na hipótese de o terceiro não aceitar a incumbência, “ficará sem efeito o
contrato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa”
[art. 485].
Alternativamente, é facultado às empresas convencionarem, no início da
vida contratual, que uma delas será responsável por completar o regramento.
Como ressaltou certo autor, “[a] atribuição a um contratante do poder de de-
terminar unilateralmente o conteúdo do contrato incompleto constitui, em
certas operações econômicas, solução necessária ou preferível, na falta da qual
os interesses das partes não poderiam se realizar ou não restariam plenamente
satisfeitos”.18
Os pontos a serem completados desempenham função econômica impor-
tante no negócio celebrado, revelando-se indispensáveis para o sucesso do
empreendimento comum. Exemplo clássico é a cláusula de estoque mínimo,
mediante a qual se atribui ao fornecedor a faculdade de, durante a vida do
contrato, estabelecer ou alterar a quantidade de bens que o distribuidor deverá
manter em estoque. A função econômica dessa estipulação relaciona-se ao bom
atendimento ao consumidor; se não encontrar o produto no estabelecimento
do distribuidor, poderá dirigir-se àquele do concorrente.
A licitude dessas estipulações contratuais é muitas vezes contestada,
sustentando alguns que seriam puramente potestativas, vedadas em nosso or-
denamento jurídico pelo art. 122 do Código Civil.19 A potestatividade restaria
configurada “quando se releva ao exclusivo arbítrio de uma das partes todo o

16. Isto é, por peritos arbitradores nomeados em juízo, consoante arts. 189 a 205 do
Decreto 737, de 1850.
17. A referência é de José Alexandre Tavares Guerreiro, baseado nas lições de Luiz
Gastão Paes de Barros Leães [Fundamentos da arbitragem do comércio internacional,
32].
18. Antonio Fici, Il contratto incompleto, 54.
19. Art. 122, in verbis: “São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à
ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que
privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma
das partes”.
INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 307
efeito da manifestação da vontade, não possibilitando à outra parte a interfe-
rência volitiva nessa formação”.20
É importante retomar a distinção encetada pela doutrina civilista entre
as cláusulas puramente potestativas [ou potestativas puras], fulminadas pela
nulidade, e aquelas meramente potestativas, que seriam válidas. Nas primeiras,
a eficácia do ato jurídico [ou seja, a produção de seus efeitos típicos] fica con-
dicionada à vontade exclusiva de uma das partes.21 Nas cláusulas meramente
potestativas o devedor não está sujeito ao capricho do credor. Elas “dependem
da prática de algum ato por parte do contraente, na dependência, porém, do
exame de circunstâncias que escapam ao controle dele”, afirma Washington de
Barros Monteiro.22 Para Carvalho Santos, na “condição simplesmente potesta-
tiva, [...] o evento não está subordinado única e exclusivamente à vontade ou
ao arbítrio da parte, mas depende também de um conjunto de circunstâncias,
que independem de sua vontade”.23
A potestatividade será afastada se os efeitos da cláusula dependerem de
circunstâncias objetivas24 que se relacionam à busca do êxito do empreendi-
mento comum, e não apenas da vontade de uma das partes. Justificam-se e
embasam-se, pois, na função econômica pressuposta pelas partes quando da
contratação.
O parâmetro da função econômica é fundamental por conferir objetividade
à determinação dos limites da licitude do exercício de poder que, embora
unilateralmente detido, foi por ambas as empresas atribuído a apenas uma
delas.
Essa conclusão não afasta a condenação do abuso nos contratos interem-
presariais, repelindo-se o exercício disfuncional [= contrário à função econô-
mica] da faculdade de colmatar unilateralmente as lacunas contratuais, nos
termos do art. 187 do Código Civil. Esse abuso tem lugar quando a empresa
“completa” o regramento não respeitando a função econômica da cláusula,
que justificou a atribuição desse poder a apenas uma das partes, dispensando

20. Superior Tribunal de Justiça, REsp 54.989, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,
publicado em 23.06.1997.
21. Para Pontes de Miranda , a “potestatividade pura estabelece o arbitrário, que é a
privação do direito, da relação jurídica; [...] o querer puro, sem limites, repugna ao
direito” [Tratado de direito privado, t. V, 157].
22. Curso de direito civil, v. 1, 238.
23. Código Civil brasileiro interpretado, III, 34.
24. Paula A. Forgioni, Contrato de distribuição, 267 e ss.
|
308    CONTRATOS EMPRESARIAIS

o consenso posterior. No exemplo acima, haveria abuso caso o fornecedor


impusesse ao distribuidor a compra de quantidade exagerada de bens [i.e.,
superior àquela necessária ao bom atendimento do consumidor], visando a
desovar produtos de pouca aceitação no mercado.
O oportunismo disfuncional não há de ser tolerado; o exercício do poder
conferido a uma das partes deve ocorrer dentro dos limites impostos pela boa-
-fé e da função econômica dele esperada.25

10.3 Boa-fé e incompletude


A solução de problemas derivados da incompletude dos contratos tem se
socorrido de institutos tradicionais do direito comercial, que há muito perten-
cem ao nosso patrimônio jurídico, tais como a proteção da legítima expectativa,
o respeito à sua função econômica, a vedação ao abuso de direito e a boa-fé.26

25. A doutrina em língua inglesa costuma referir-se ao poder conferido por essas cláusu-
las como discretionary power. Sobre o tema, cf. Hugh Collins, Discretionary powers
in contracts. Em interessante conclusão, o autor aponta a “dimensão implícita” das
“legítimas expectativas” das partes como parâmetro a ser levado em consideração
no controle do exercício dos poderes discricionários.
26. “Le pronunce che rinviano al principio di buona fede sono in costante crescita. Più
frequente che in passato è anche il ricorso alla nozione di abuso del diritto” [Bellan-
tuono, I contratti incompleti nel diritto e nella economia, 337]. No mesmo sentido,
Guido Alpa, La buona fede integrativa: note sull’andamento parabolico delle clausole
generali, 155.
“Particolarmente rilevanti appaiono oggi la normazione ed i principi comunitari al
fine della interpretazione-integrazione di quelle formule elastiche, siano esse o meno
clausole generali, a contenuto variabile, rispetto alle quali è affidato all’interprete il
compito di concretizzarne il contenuto, in linea con i criteri assiologici desumibili
dal sistema normativo nelle sue varie articolazioni ed ai suoi vari livelli” [Fabrizio
Criscuolo, Adeguamento del contratto e poteri del giudice, 195]. Para comentário de
sentenças da Corte de Cassação italiana reconhecendo a boa-fé integrativa, concluin-
do que “l’applicazione del principio di buona fede si esplica in un’attività negoziale
di integrazione del texto contrattuale, che deve essere inteso così come lo avrebbero
voluto contraenti onesti e leali”, cf. Veronica Todaro, Buona fede contrattuale: nuovi
sviluppi della Cassazione.
É inegável o contexto favorável à expansão da aplicação das cláusulas gerais em que
hoje nos encontramos, especialmente em relação aos contratos complexos. Sempre
é útil recordar a lição de Stefano Rodotà: em determinados contextos, afloram as
cláusulas gerais por uma questão de necessidade: “In verità, più che da una ferrea
legge, la fortuna o il declino delle clausole generali dipendono dallo specifico contesto
INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 309
Existe tendência de resolução dos conflitos tomando como norte as chamadas
cláusulas gerais, ainda mais acentuada após a edição do novo Código Civil.
A consideração da boa-fé como vetor da disciplina dos contratos substitui
a lógica oportunista, advantage-taking, por outra colaborativa, que impele os
agentes econômicos à atuação em prol do fim comum.27 “Se as partes firmaram
acordo é porque comungavam do mesmo objetivo. Ocorre que se o objetivo é
comum, é necessário que as partes colaborem antes, durante e após a conclusão
do contrato para a sua consecução”.28-29
Mostra-se fundamental para a integração do negócio a demarcação da sua
função econômica – ungida à “natureza” e ao “espírito” da associação. O dever
de colaboração impõe-se para a consecução desse fim comum; a partir dele
borbotarão condutas obrigatórias para as partes, objetivadas [e previsíveis]
pelo mercado. Tudo é sempre feito a partir da observação do que normalmente
ocorre na prática comercial, a ponto de gerar legítima expectativa, i.e., fundada
confiança de que a outra parte comportar-se-ia de acordo com a praxe. 29
É com essa perspectiva objetiva, ligada à prática, que a boa-fé vai se abrindo
em comportamentos concretos,30 assumindo função integrativa admitida pela
doutrina.31 Transforma-se, além de parâmetro de interpretação, em fonte de

storico in cui di volta in volta devono essere riguardate” [Le fonti di integrazione del
contratto, 187].
27. Francesco Macario, Rischio contrattuale e rapporti di durata nel nuovo diritto dei
contratti: della presupposizione all’obbligo di rinegoziare, 229.
28. Calixto Salomão Filho, Breves acenos para uma análise estruturalista do contrato, 15.
“A função da ideia de boa-fé no direito contratual, especialmente se este é entendido
como instrumento de organização social – e essa é sem dúvida uma premissa que
precisa ser aceita [...] – é permitir a cooperação contratual entre as partes no cumpri-
mento dos objetivos econômicos do contrato. Na verdade, a boa-fé nada mais é que
um dos corolários da ideia cooperativa” [Breves acenos para uma análise estruturalista
do contrato, 21].
29. A ideia de colaboração como inerente ao contrato vem repisada no art. 1.202 dos
Princípios de Direito Europeu dos Contratos, nos seguintes termos: “Each party
owes to the other a duty to co-operate in order to give full effect to the contract”.
30. Roppo, Il contratto, 495 e ss.
31. “Da tempo dottrina e giurisprudenza riconoscono nella buona fede [oggettiva]
un’importantissima fonte d’integrazione del contratto. Para a resenha bibliográfica
sobre a boa-fé integrativa, v. Ernesto Capobianco, Il contratto dal testo alla regola,
201, e, também, Roppo, Il contratto, 505. Ainda sobre a função integrativa da boa-
-fé, explica Judith Martins-Costa: “para que possa ocorrer uma coerente produção
|
310    CONTRATOS EMPRESARIAIS

deveres e de obrigações. Adverte Clóvis do Couto e Silva que “[n]ão se pode


recusar a existência de relação entre a hermenêutica integradora e o princípio
da boa-fé”.32
A boa-fé objetiva, especialmente nos contratos complexos, pode levar
os chamados deveres laterais, ou seja, “deveres de cooperação e proteção dos
recíprocos interesses”, “deveres de comportamento”, “deveres de proteção”,33
que se dirigem a ambos os polos da relação jurídica. “Ao ensejar a criação des-
ses deveres, a boa-fé atua como fonte de integração do conteúdo contratual,
determinando a sua otimização, independentemente da regulação voluntaris-
ticamente estabelecida”.34
As “circunstâncias concretas do desenvolvimento e da execução con­
tratual”35 podem ser fonte de deveres e de obrigações.36 O caso não é, contudo,
de “tirania dos valores”.37 O controle do oportunismo requer a análise da es-

dos efeitos do contrato, tornam-se exigíveis às partes, em certas ocasiões, compor-


tamentos que não resultam nem de expressa e cogente disposição legal nem das
cláusulas pactuadas. A boa-fé atua como cânone hermenêutico integrativo frente
à necessidade de qualificar esses comportamentos não previstos, mas essenciais
à própria salvaguarda da fattispecie contratual e à plena produção dos efeitos cor-
respondentes ao programa contratual objetivamente posto” [A boa-fé no direito
privado, 429].
32. A obrigação como processo, 34.
33. Expressões de Mota Pinto, Cessão da posição contratual, 279.
34. Judith Martins-Costa, A boa-fé no direito privado, 440.
35. Dicção de Judith Martins-Costa, A boa-fé no direito privado, 430.
36. Esse método também é advogado pelos autores da linha dos contratos relacionais, que
procuram flexibilizar a visão tradicional, neoclássica. Assim, Ian Macneil sustenta
que sua consideração exige o reconhecimento de que cada negócio está enraizado
[embedded] em relações complexas, de forma que se exige sejam considerados os
elementos essenciais das relações que os envolvem. Aponta esse autor as seguintes
características dos contratos relacionais: “First, every transaction is embedded in
complex relations. Second, understanding any transaction requires understanding all
essential elements of its enveloping relations. Third, effective analysis of any transac-
tion requires recognition and consideration of all essential elements of its enveloping
relations that might affect the transaction significantly. Fourth, combined contextual
analysis of relations and transactions is more efficient and produces a more complete
and sure final analytical product than does commencing with non-contextual analysis
of transactions” [Relational contract theory: challenges and queries, 881].
37. Na conhecida expressão de Carl Schmitt, retomada por Natalino Irti [Un diritto
incalcolabile].
INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS  | 311
trutura econômica da operação, das circunstâncias que a acompanham e dos
mercados a ela relacionados.38
O completamento do regramento contratual com base no que usualmente
ocorre no mercado deve ser apartado da mera atribuição de poder a terceiro
que, em nome da preservação do contrato, ditaria seus termos futuros. No
entanto, na realidade dos fatos, essa fronteira não se delineia de forma clara e
os julgadores acabam muitas vezes utilizando a boa-fé para justificar decisão
que implica o aviltamento da legítima liberdade de contratar.
É preciso evitar o risco de empregar a boa-fé como remédio para todos
os males, empregando-a em nome de amorfa busca da “justiça social”. Não
se trata de uma caixa de Pandora, da qual se podem extrair as soluções mais
díspares.39 Sempre na dicção de Larenz: “O juiz não deve impor seus próprios
módulos às partes, que determinam por si o conteúdo do contrato no âmbito
de sua autonomia privada, mas apenas levar a termo a ponderação das valora-
ções em que elas se basearam”.40 No que toca ao direito comercial, a boa-fé não
pode ser aplicada de maneira a despir o agente econômico da sagacidade que lhe é
peculiar. Tampouco deve ser sacada como justificativa para o inadimplemento
da parte ou desculpa para comportamentos imprudentes ou desconformes ao
parâmetro de mercado.

38. Bellantuono, I contratti incompleti nel diritto e nell’economia, 349.


39. Paolo Gallo, Contratto e buona fede, 606.
40. Derecho civil, 746.
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OUTRAS OBRAS DA AUTORA

A evolução do direito comercial brasileiro: Da mercancia ao mercado. 3. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2016.
Os fundamentos do antitruste. 10. ed. São Paulo: Ed. RT, 2018.
Contratos de distribuição. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014.
Teoria geral dos contratos empresariais. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013.
Direito concorrencial e restrições verticais. São Paulo: Ed. RT, 2007.
O Estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005. [Em coautoria com Eros
Roberto Grau]
Sociedades por ações: jurisprudência, casos e comentários. São Paulo: Ed. RT, 1999. [Em
coautoria com Paulo de Lorenzo Messina]
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