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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


FACULDADE DE DIREITO

Lucas Eller Freitas de Alencar Miranda

A amplitude da participação nos ANPP após a Lei 13.964: uma análise a partir da
disparidade na aplicação para a população mais carente em Minas Gerais.

Governador Valadares
2022
Lucas Eller Freitas de Alencar Miranda

A amplitude da participação nos ANPP após a Lei 13.964: uma análise a partir da
disparidade na aplicação para a população mais carente em Minas Gerais.

Projeto de pesquisa apresentado ao Curso de


Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora,
campus Governador Valadares.
Orientador: João Vitor de Freitas Moreira

Governador Valadares
2022
RESUMO
A justiça negocial, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n° 9.099/95, e por
mais que não se trate de um instituto novo, carece de melhorias em seu campo, a fim de
abranger igualmente, toda população. Dito isso, presente trabalho tem a finalidade de
apresentar o Acordo de Não Persecução Penal, ferramenta relacionada a justiça consensual
implantado pela Lei 13.964/2019, analisando o disposto no artigo 28-A do referido dispositivo
legal. Feito isso, foi realizado um estudo acerca da constitucionalidade do dispositivo, sua
aceitação popular e seus benefícios para os indivíduos envolvidos, utilizando como referência
jurisprudências, conceitos metodológicos e princípios do direito brasileiro.

Palavras-chave: Justiça. Negocial. Acordo. Persecução. Penal. Lei 13.964/2019.


Constitucionalidade.

ABSTRACT

Negotiation Justice, introduced in the Brazilian legal system by law n° 9.099/95, and even
though it is not a new institute, needs improvements in its field, in order to equally cover the
entire population. That said, the present work aims to present the criminal Non-Persecution
Agreement, a tool related to consensual justice implemented by law 13.964/2019, analyzing
the provisions of article 28-A of that legal provision. After that, a study was carried of the
constitutionality of the device, its popular acceptance and its benefits for the individuals
involved, using case law, methodological concepts and principles of brazilian law as reference.

Keywords: Justice. Negotiation. Agreement. Persecution. Criminal. Law 13.964/2019.


Constitutionality.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANPP Acordo de Não Persecução Penal


MP Ministério Público
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..........................................................................................01
2. OBJETIVOS..............................................................................................03
2.1 Objetivo Geral ...........................................................................................03
2.2 Objetivos específicos.................................................................................03
3. HIPÓTESE.................................................................................................03
4. METODOLOGIA........................................................................................03
5.
DO DIREITO CRIMINAL NEGOCIAL NO SISTEMA JURÍDICO
BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO..........................................................04

5.1 A constitucionalidade do Acordo de Não Persecução Penal......................05


6. O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL..........................................07
6.1 Da natureza pré-processual do Acordo de Não Persecução Penal............08
7. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DA AMPLITUDE DA
PARTICIPAÇÃO NOS ACORDOS DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL......10
8. MECANISMOS NECESSÁRIOS PARA APLICAÇÃO IGUALITÁRIA DOS
ANPP NAS DIVERSAS CAMADAS SOCIAIS...........................................13
9. CONCLUSÃO............................................................................................14
REFERÊNCIAS.........................................................................................16
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1. INTRODUÇÃO

A justiça brasileira é constantemente alvo de críticas na sociedade, tendo em vista seu


caráter considerado moroso e sobrecarregado, sendo comum a ocorrência de prescrição em
alguns casos, ou, a simples perda da efetividade judicial, na qual o tribunal deveria prezar,
culminando em um sentimento de impunidade à população. A partir da teoria da reputação
judicial de Nuno Garoupa e Tom Ginsburg, é perceptível a perda da reputação ocasionada por
essa inefetividade do judiciário, fato que deslegitima as decisões judiciais para a sociedade.

Dito isso, tendo em vista a necessidade de uma eventual melhora na efetividade da


seara processual penal, deve-se, também, pensar em estratégias fora do âmbito judicial, já
que os tribunais carregam com si a morosidade processual. Dessa forma, a criação de
mecanismos alternativos, que permitem uma aplicação mais efetiva da justiça consensual
devem ser priorizados, visto que também se tratam de medidas menos severas para os réus
de um processo.

Inspirado no “plea bargaining" americano, instituto que prevê a possibilidade de


negociação entre o Ministério Público e o acusado, e em demais institutos semelhantes
europeus relacionados à justiça negocial, em agosto de 2017, foi editado a resolução 181 do
Conselho Nacional do Ministério Público, introduzindo em seu artigo 18° o Acordo de Não
Persecução Penal (ANPP), proporcionando um espaço de consenso aos crimes que se
enquadram nos requisitos.

Conforme expresso no artigo 28-A do Código de Processo Penal, reformado após a


vigência da lei 13.964/2019, de modo sumário, esse instituto trata-se de um acordo de natureza
pré-processual, firmado pelo Ministério Público junto do investigado e de seu defensor, por
escrito, e depois direcionado ao juiz para que seja homologado, caso cumpra os requisitos.

Esse novo mecanismo foi alvo de severas críticas, em virtude de sua possível
contradição ao princípio da obrigatoriedade, que rege o sistema penal, vinculado ao Ministério
Público o dever de agir, sem qualquer discricionariedade para se avaliar os critérios de
oportunidade e conformidade na ação penal.
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Assim, este presente trabalho tem o objetivo de demonstrar, por meio da análise
normativa e jurisprudencial, e das noções dos filósofos penalistas alemães Claus Roxin e
Bernd Schunemann, que inviabilizam o sistema penal brasileiro. Além disso, a
constitucionalidade e importância desse novo mecanismo da justiça negocial, o Acordo de Não
Persecução Penal, e a necessidade de refiná-lo para que seja adepto igualmente a todas as
camadas sociais em nossa sociedade.
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1. OBJETIVOS

2.1. OBJETIVO GERAL

Compreender e analisar o Acordo de não persecução penal e suas limitações atuais


frente às mudanças provocadas a partir de 2019, pelo pacote anticrime, no âmbito criminal.

2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS


a. Inserir os objetivos específicos
b. Inserir os objetivos específicos
c. Inserir os objetivos específicos
d. Inserir os objetivos específicos

3. HIPÓTESE

De que maneira o Acordo de Não Persecução Penal pode ser efetivo visto que carece
de limites no que tange sua aplicação. Além disso, como ele pode ser mais desenvolvido para
a população mais carente do estado de Minas Gerais.

4. METODOLOGIA

O presente trabalho, busca respaldo nas teorias dos penalistas Claus Roxin e Bernd
Schunemann, sobre a necessidade de reforma na estrutura dos procedimentos penais, visto
que a sociedade carece de sistema processual penal mais dinâmico, frente às mudanças
sociais existentes.
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Além disso, a partir das concepções acerca do garantismo penal, de Luigi Ferrajoli, e
dos princípios da legalidade e da obrigatoriedade da ação penal pública, essa pesquisa
encontra respaldo constitucional, contradizendo as alegações de inconstitucionalidade, dos
mecanismos de justiça negocial.

A pesquisa foi estruturada por meio da análise de documentos, jurisprudências, livros,


artigos e pesquisas em que tiveram o mecanismo dos acordos de não persecução penal como
forma de solução de conflitos. Além disso, será necessário anteriormente uma retomada aos
dispositivos legais brasileiros, a fim de traçar os limites e condições necessárias para que os
acordos possam ocorrer, de forma efetiva e incluindo amplamente as diversas camadas
sociais.

5. DO DIREITO CRIMINAL NEGOCIAL NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO


CONTEMPORÂNEO

A partir das concepções do filósofo penalista alemão Claus Roxin e de seu estudante
Bernd Schunemann, também filósofo penalista e jurista alemão. Schunemann, afirma em sua
tese de questões básicas de estrutura e reforma dos procedimentos penais, sobre a
ineficiência de submeter cada caso concreto a um juízo oral detalhado, visto que a sociedade
atual pós-moderna tem natureza fragmentada e dinâmica. (SCHUNEMANN, 2009).

Dito isso, levando em conta o dinamismo presente nas sociedades contemporâneas,


torna-se inviável submeter-se todo delito aos morosos procedimentos judiciais, devendo haver
medidas fora dos tribunais. Portanto, os casos compostos por delitos de menor potencial
ofensivo, por meio dos mecanismos de justiça negocial, devem optar por uma solução
consensual, visto que é mais veloz, efetiva e não gera um sentimento de impunidade para a
sociedade, mantendo, também, a reputação do judiciário intacta.
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O referido filósofo e jurista alemão, em sua obra “Cuestiones Básicas de la Estructura y


Reforma del Procedimiento Penal bajo una Perspectiva Global”, afirma que:

O ideário do século XIX, de submeter cada caso concreto a um juízo oral


completo (audiência de instrução e julgamento), reconhecendo os princípios da
publicidade, oralidade e imediação somente é realizável em uma sociedade sumamente
integrada, burguesa, na qual o comportamento desviado cumpre quantitativamente
somente um papel secundário. Nas sociedades pós-modernas desintegradas,
fragmentadas, multiculturais, com sua propagação quantitativamente enorme de
comportamentos desviados, não resta outra alternativa que a de chegar-se a uma
condenação sem um juízo oral detalhado, nos casos em que o suposto fato se
apresente como tão profundamente esclarecido já na etapa da investigação, que nem
sequer ao imputado interessa uma repetição da produção da prova em audiência de
instrução e julgamento. (Schunemann, 2019).

O disposto pelo filósofo representa uma crítica à ideia trazida pela Lei 13.964/2019
acerca do conceito de “juiz das garantias”, assinalando no sistema brasileiro um direito
acusatório, no qual em primeira instância busca investigar e acusar, e somente depois julgar.
Isso é inviável, já que as características presentes no modelo acusatório se encaixam nas
modalidades do século XIX, fator necessário à época devido ao papel social que cumpria o
juízo oral completo dos juízes, visto que a sociedade no século XIX era mais integrada,
característica contrária das sociedades atuais.

5.1 A constitucionalidade do Acordo de Não Persecução Penal

Conforme a nova tendência mundial de expansão das discussões e aplicações dos


mecanismos da justiça consensual, percebe-se forte conservadorismo doutrinário por parte de
alguns juristas, com receio de as novas mudanças afrontarem o papel do Direito como agente
limitador do poder estatal. Para os aplicadores do direito, a expansão da justiça negocial é
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vista como retrocesso jurídico, pois vai contra alguns princípios e garantias fundamentais, as
quais são de obrigação do Estado promover.

A partir da teoria do garantismo penal, proposta por Luigi Ferrajoli, jurista italiano, e das
noções de Estado Democrático de Direito, percebe-se a tendência atual à priorização das
garantias dos direitos dos cidadãos em virtude do poder punitivo do Estado. Portanto, o
garantismo penal busca garantias processuais para os indivíduos, além de mecanismos para
uma maior eficiência do sistema penal e processual penal com tendências a desburocratizar o
judiciário. Dessa forma, visto que a justiça consensual visa a solução do conflito a partir do
consenso entre o investigado e o ministério público, de uma forma menos agressiva e morosa,
quando possível essa ferramenta deve ser priorizada, por se tratar de uma solução mais leve
para ambas as partes.

A priori, o ANPP foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro por meio de


Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, que por sua vez não tem competência
para introduzir novas normas, nem contradizer os regulamentos já existentes, apenas explicá-
los. Tal vício foi sanado após a vigência da Lei 13.964/2019, na qual introduziu tal mecanismo
no Código de Processo Penal.

O ANPP também foi alvo de críticas dos juristas por supostamente violar o princípio da
obrigatoriedade da ação penal pública, que representa o dever do Ministério Público de agir,
por intermédio de ação penal, assim que houver ciência do acontecimento litigioso.

É certo que o Ministério Público tem o dever positivo de agir, porém esse não deve se
valer apenas pelo meio processual penal. No caso dos Acordos de Não Persecução Penal, ao
propor reparação dos danos causados e cumprimento das condições impostas, o Ministério
Público está agindo positivamente de forma a reparar e desincentivar a prática litigiosa.

Portanto, é claro os benefícios da justiça consensual, visto que busca a solução da lide,
e os mesmos objetivos de desincentivo da prática criminosa, em detrimento de uma medida
menos agressiva para o indivíduo envolvido, respeitando os artifícios constitucionais.
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6. O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

O Acordo de Não Persecução Penal, trata-se de um negócio jurídico, ocorrente na fase


pré-processual, em que o acusado confessa a prática litigiosa, e aceita algumas condições em
troca do não ajuizamento de ação penal contra o indivíduo. As condições necessárias para a
promoção do acordo estão previstas no artigo 28-A da lei 13.964/2019, que dispõe:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e
circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com
pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de
não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção
do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como
instrumentos, produto ou proveito do crime;
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente
à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser
indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal);
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse
social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como
função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo
delito; ou
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público,
desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
(Constituição Federal, 2019).

Conforme o exposto, vemos que o ANPP tem natureza jurídica reparadora, já que visa
principalmente a reparação do dano causado à vítima, mediante restituição ou reparação do
dano causado, se possível, pela confissão, pela renúncia voluntária dos proveitos do crime e
pela reparação social, por meio de serviços comunitários. Dessa forma, por mais que a prática
litigiosa seja uma afronta ao próprio Estado, a vítima também poderá ter seu direito ressarcido,
diminuindo ou anulando o sentimento de impunidade.

No que tange as questões que inviabilizam a aplicação do acordo, o Código de


Processo Penal, artigo 28-A,
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§2°, em seus incisos I a IV, dispõe o seguinte:

I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos
termos da lei; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem
conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as
infrações penais pretéritas; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da
infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão
condicional do processo; e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados
contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
(Constituição Federal, 2019).

Diferente do caput do artigo, em que o Ministério Público aceita ou recusa a


possibilidade de propor acordo baseado em se o indivíduo se enquadra nos requisitos exigidos,
no que diz respeito ao segundo parágrafo deste artigo, o legislador visa a vedação legal desse
mecanismo, ou seja, a lei exclui a possibilidade de aplicação, não havendo margem para
discricionariedade do agente do Ministério Público, como é o caso das questões referidas no
caput do artigo.

6.1 Da natureza pré-processual do Acordo de Não Persecução Penal

Como já dito no presente trabalho, o Acordo de Não Persecução Penal, tem natureza
pré-processual, isto é, sua propositura é dada antes da instauração de um processo penal, ou
seja, antes da própria queixa do crime. As normas processuais, são aquelas que visam a
instauração de um processo levando os autos a juízo, dessa forma, por evitar o tribunal, pode-
se dizer que o ANPP, não possui natureza processual penal.
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Dito isso, por se tratar apenas dos fatos, e evitar a instauração de processo judicial,
pode-se dizer que o acordo tem natureza normativa procedimental, visto que é realizado em
um procedimento investigatório, que possui natureza administrativo, isto é, ainda não há uma
intenção punitiva.

Outro ponto de extrema importância acerca da natureza jurídica dos ANPP, diz respeito
à reincidência, que significa praticar um novo delito já possuindo passagem em condenação
anterior. Dessa forma, desde que respeitados os requisitos de aplicabilidade ou
inaplicabilidade, e promovido o acordo, não há ocorrência de ação judicial, como não há
tramitação processual, o delito não gera reincidência penal, fato previsto no artigo 28-A, §13°,
CPP ao dizer que após a homologação do acordo pelo juiz, estará extinta a punibilidade.

A Constituição Federal brasileira prevê, em seu artigo 5°, XL, que uma lei terá caráter
retroativo apenas se for para beneficiar a parte envolvida. Dito isso, no que tange a
possibilidade de retroatividade dos Acordos de Não Persecução Penal, ainda não se tem um
entendimento definido.

A 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento, identificado por REsp


1.664.039/PR, em respeito à natureza pré-processual do acordo, entende que o mesmo
poderá retroagir apenas nos casos em que a denúncia ainda não for recebida, representando
apenas os casos cujo ainda não houve tramitação judicial.

Em desacordo com o citado julgado, a 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça, em


julgamento do agravo regimental HC 575.395/RN, teve uma interpretação mais abrangente,
oferecendo a possibilidade de promoção do acordo até o momento que houver trânsito em
julgado. Dessa forma, é visível que dentro do mesmo órgão do poder judiciário há uma
discordância acerca do limite da ação de retroatividade.

Novamente, reitero que o ANPP é um mecanismo pré-processual, porém, ao gerar


exclusão da punibilidade, ele tem impacto processual, dessa forma, o acordo possui uma
natureza mista da norma. Todavia, como a lei deve retroagir sempre em benefício do réu, e
devido ao caráter misto desse instituto, buscando a hipótese mais benéfica ao indivíduo,
entende-se que a retroatividade da lei deve se limitar apenas ao trânsito em julgado.
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7. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DA AMPLITUDE DA PARTICIPAÇÃO NOS


ACORDOS DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

Uma questão que gera ampla discussão no meio jurídico, é se o Ministério Público tem
a obrigação de pleitear o acordo, caso o investigado cumpra os requisitos necessários. De um
lado, tem uma teoria que afirma que o acordo se trata de direito subjetivo do indivíduo, portanto,
caso cumpra os devidos requisitos, é dever do Ministério Público propor o acordo.

Por outro lado, tem a teoria de que tal mecanismo não se trata de direito subjetivo,
cabendo então ao Ministério Público analisar o caso concreto, fundamentando caso decida ou
não propor o ANPP. Dessa forma, o MP teria discricionariedade para decidir, fato que deve
ser visto com cautela, já que em todos os âmbitos, o excesso de discricionariedade por algum
agente, pode ocasionar a ofensa ao direito de outrem.

Mediante o exposto, o presente capítulo discorre sobre a amplitude da participação nos


ANPP, com o intuito de analisar, por meio de jurisprudências julgadas no estado de Minas
Gerais e de casos que tomaram repercussão a nível nacional, se o acordo foi proposto para
as diversas camadas sociais levando em conta critérios semelhantes para a instauração de
condições que devem ser cumpridas pela parte.

Dessa forma, serão expostos a seguir cinco casos distintos a fim de objetos de análise
e discussão posterior.

O juízo da 2ª vara criminal, comarca de Ipatinga, no ano de 2020, em documento


de inteiro teor, processo n° 0313.20.000212-6, propôs para a ré Stefani Bragança Raimundo,
investigada pelo delito de furto qualificado, o acordo de não persecução penal. Visto que
cumpria os requisitos, a ré, em audiência determinada pelo juiz, confessou a autoria do delito.
Após homologação do acordo pelo juiz, Stefani assumiu a obrigação de pagamento de
prestação pecuniária no valor de R$1000,00 divididos em 10 parcelas iguais. Caso ocorra o
descumprimento da obrigação, a ré será julgada pelo ato praticado em tribunal, não podendo
mais recorrer ao mecanismo negocial.

Outro procedimento ordinário, proferido pelo Tribunal de justiça de Minas Gerais, por
meio de documento de inteiro teor, processo n° 0933178-73.2018.8.13.0024, os réus Arthur
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Henrique Silva e Emerson de Freitas Barcelos, por meio de proposta de ANPP, concordaram
em pagar as quantias, respectivamente, de R$300,00 divididos em 60 parcelas, e R$250,00
também parcelados em 60 vezes. Tais valores foram calculados tendo em vista a condição
financeira dos réus.

Sob outra perspectiva, tem-se a aplicação dos acordos em casos que ganharam maior
notoriedade, visto a posição política e social dos envolvidos. Por exemplo, pode-se analisar o
caso do atual chefe de gabinete da presidência do Brasil, Onyx Lorenzoni, que devido aos
crimes de falsidade ideológica eleitoral e no desvio de dinheiro por omissão na declaração de
contas eleitorais. Devido a raridade na condenação de casos semelhantes, o Ministério Público
optou pela atribuição do ANPP, que após homologado, estipulou a prestação pecuniária de
R$189.145,00. Vale ressaltar, que Lorenzoni assumiu para as autoridades competentes o
recebimento de R$300.000 em propina pagos pela JBS.

Outros casos semelhantes, foram dos deputados Eduardo Gomes e Augusto Nades,
que desviaram, respectivamente, a quantia de R$100.000,00 e R$20.000,00 da prestação de
contas eleitorais. Ambos assumiram a obrigação, após o acordo, de restituir através de
prestação pecuniária, o montante de R$1.000,00 para programas governamentais definidos
pelo Ministério Público, além da visita, pelo período de dois anos, em escolas públicas, com o
intuito de dar palestras sobre o sistema democrático e sobre questões eleitorais.

Não restam dúvidas, que o método para designar as obrigações a serem cumpridas,
assim como o cálculo das prestações pecuniárias, baseiam-se na condição financeira dos
investigados e na gravidade do delito cometido. Portanto, a partir das noções de equidade, e
visando o julgamento justo, essa desigualdade na promoção de sanções se torna legítima, já
que é necessária para promover a igualdade de direitos.

Como já dito anteriormente, o ANPP tem natureza reparadora, ou seja, seu objetivo
primordial é a restituição do dano causado. É perceptível, a partir das jurisprudências
apresentadas, que o principal artefato utilizado pelos acordos é por meio da imposição de
prestação pecuniária. Todavia, conforme exposto nos casos políticos, assim como os valores
designados aos réus Arthur Silva e Emerson Barcelos, percebe-se que o montante imposto
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não é suficiente para reparar integralmente o ato cometido, passível então, questionar a
efetividade dos acordos propostos.

Outro caso controverso acerca da utilização do ANPP, diz respeito ao auto de prisão
em flagrante delito (APFD) n° 5019004-28.2021.8.13.0433, TJ-MG, em que o autuado Edvaldo
Rodrigues Sampaio foi detido ao dirigir embriagado. Atentando-se aos fatos e ao já disposto
sobre o ANPP, por se tratar de prisão em flagrante, fica nítido que já há claro interesse do
Ministério Público em apurar os autos, mediante já ocorrente queixa crime. Esse fato é de
suma importância, já que a instauração da queixa dá início a fase processual, na qual a justiça
negocial busca evitar. Porém, no caso em questão, o Ministério Público, mesmo por auto de
prisão em flagrante, optou em audiência de mediação, a instauração do acordo, valendo-se do
entendimento que a há possibilidade de instauração até o momento em que ocorre o trânsito
em julgado, sendo esse o marco que dá fim ao direito.

Por mais que o campo da justiça consensual traz mecanismos inovadores ao sistema
jurídico processual, é impensável aos juristas se acomodarem, dado a necessidade de refinar
esse campo, para que cumpra com os deveres de efetividade e celeridade públicos. O instituto
carece de conteúdo relacionado às obrigações impostas aos investigados, tendo em vista a
inefetividade de contar majoritariamente com as prestações pecuniárias como forma de
reparação.

Dito isso, o próximo capítulo tem o objetivo de expor práticas que devem ser tomadas
para que o Acordo de não persecução penal se torne mais amplo e efetivo, cumprindo com
presteza seus objetivos e aplicando-se igualmente em todos os segmentos sociais.
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8. MECANISMOS NECESSÁRIOS PARA APLICAÇÃO IGUALITÁRIA DOS ANPP NAS


DIVERSAS CAMADAS SOCIAIS

Considerando que, devido às mudanças trazidas pela justiça consensual e sua recente
inserção no Código de Processo Penal, é de se esperar a ocorrência de decisões divergentes
por parte dos magistrados. Será apresentado a seguir três situações-problemas existentes no
âmbito do ANPP, nas quais seus conflitos de interpretação afrontam diretamente os direitos
fundamentais dos cidadãos no que tange a igualdade de direitos e a efetividade do mecanismo.

A primeira situação-problema refere-se à carência de dispositivo legal classificando os


Acordos de Não Persecução Penal como direito subjetivo do investigado. Se tratando de direito
subjetivo, o indivíduo teria o direito de, cumprindo os requisitos legais, analisar sua situação e
optar pelo acordo. Infelizmente, a realidade tende para o outro lado, visto que em grande parte
dos julgados em primeira instância do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, os acordos não
são tidos como direito, cabendo então a discricionariedade do Ministério Público de decidir
pela promoção, ou não, do acordo. Na seara jurídica, é claro a disparidade de poder dos órgãos
estatais, em detrimento do cidadão, portanto qualquer entendimento que ofereça
discricionariedade além do necessário deve ser analisado com cautela.

A segunda situação diz respeito à necessidade de, mediante os órgãos superiores como
o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça, promover um entendimento
conjunto dispondo sobre o assunto. Recentemente, o Ministro do STF, em agravo regimental
n° AgR 131.320/PR, votou a favor da possibilidade de retroatividade do ANPP até o momento
do trânsito em julgado, justificando que pelo acordo possuir natureza jurídica mista, ou seja,
em seus termos, normas de natureza mista e processuais de conteúdo material, dessa forma
deve-se aplicar o disposto no artigo 2° do Código de Processo Penal, artigo este que trata
sobre a aplicação da lei no tempo.

A terceira e última situação-problema relaciona-se com a não utilização de critérios


semelhantes na fixação de multas e penalidades. Tal afirmativa é comprovada ao analisar as
jurisprudências expostas no presente trabalho, em que o mesmo valor de R$1.000,00 foi
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aplicado como prestação pecuniária, sendo que, em um caso houve a prática de um furto
qualificado, enquanto noutro foi desviado RS 100.000,00 de verba eleitoral, qualificando o
crime de caixa dois. É claro, que mediante as condições do crime, o segundo se qualificaria
em uma instância mais grave, porém a penalidade pecuniária foi a mesma, questionando o
princípio da igualdade, garantido constitucionalmente.

Mediante esse problema, o Procurador da República Aldo Campos Costa desenvolveu


uma metodologia a partir da aplicação de sistema de cálculos para estipular a prestação
pecuniária. Sua teoria divide-se em dois parâmetros, conduta e condição financeira, ambos
sendo classificados de A até E (A menos grave, E mais grave). Para definir a conduta, Campos
Costa analisa as seguintes variáveis: motivação, valendo-se de critérios de se o crime foi
culposo, doloso ou preterdoloso; consequência, que analisa o impacto causado pelo delito na
sociedade; e por fim, itinerário, avaliando se houve apenas a preparação do delito, se foi
tentado ou consumado.

Ao juntar os critérios conduta e patrimônio, valendo-se de critérios objetivos, é possível


uma aplicação de multas e penalidades proporcionais ao litígio causado, promovendo a
igualdade na aplicação do dispositivo legal.

9. CONCLUSÃO

A justiça negocial vem ganhando espaço no ordenamento jurídico brasileiro, como


forma de aliviar o problema de efetividade que os tramites judiciais possuem. Devido a suas
características restritas, ela não é aplicada a muitos casos, por isso não corrigirá as falhas do
sistema processual, todavia já é um auxílio, visto a necessidade urgente de buscar soluções
rápidas e efetivas.

Neste presente trabalho, o foco foi direcionado aos Acordos de Não Persecução Penal,
por se tratar de um novo mecanismo jurídico, que possibilita ao acusado, de maneira
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consensual e não obrigatória, optar por uma punição mais branda, sem passar pelo estresse
que envolve os trâmites processuais.

Também foi concluído a constitucionalidade do acordo, bastante criticado por


supostamente ferir os princípios da obrigatoriedade da ação penal pública e legalidade. Porém,
como explicado, o Ministério Público tem o dever legal de agir em casos de delitos penais, não
estando condicionado a obrigação de levar o caso a julgamento em tribunais, sendo então, os
moldes de justiça consensual, efetivos e cabíveis em situações de menor ofensividade.

Infelizmente, como foi mostrado por meio da análise jurisprudencial, o ANPP apresenta
algumas questões pendentes de melhorias, caso contrário o princípio da igualdade, protegido
pelo artigo 5°, caput, será ofendido.

Dito isso, fica pendente de urgente decisão, questões como a subjetividade desse
direito, devendo ser analisada com cautela, para não oferecer demasiado poder discricionário
aos juízes, os limites retroativos desse dispositivo, e por fim, a instauração de critérios
semelhantes para instauração de penalidades a serem cumpridas.
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