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MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-EMPRESARIAS

TRABALHO FINAL DE DIREITO DAS SOCIEDADES


COMERCIAIS

O DIREITO DE REGRESSO DO COMISSÁRIO PERANTE


UMA EMPRESA COMITENTE QUE ESTA EM PROCESSO DE
INSOLVÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO ANGOLANO

ISAAC LUCAS CAMBUNDO

JULHO DE 2022

1
INTRODUÇÃO

Neste trabalho apresenta-se a revisão da literatura efectuada no âmbito das


temáticas objecto deste estudo.
A empresa é uma organização autónoma de meios - humanos e materiais -
apta à realização de uma finalidade útil1. Quando viável, a empresa contribui para a
criação de riqueza de qualquer país, gera receitas para o Estado, produz bens e
serviços, e cria empregos1.
Porém, da gestão dolosa pode ocorrer a falência de uma empresa. A
falência de uma empresa causa danos aos sócios, credores, trabalhadores e à
sociedade. Os credores, p.e., amiúde não conseguem cobrar os seus créditos na
íntegra, os sócios são confrontados com a dissolução da sociedade e a liquidação
do respectivo património, vendo esfumar-se o valor das suas participações sociais2.
Uma das acepções com que a palavra empresa é mais frequentemente
utilizada é com referência a um sujeito jurídico que exerce uma actividade
económica. Atentando nos exemplos acima dados, é esse o significado com que a
expressão é utilizada no direito da concorrência, designadamente quando se
proíbe a adopção de práticas restritivas da concorrência por empresas. Afinal,
em rigor, apenas se pode dirigir uma proibição a um sujeito, cujo comportamento se
pretenda impedir ou evitar3.
Por outro lado, os trabalhadores perdem os seus postos de trabalho e, com
eles, o seu sustento e o das suas famílias, dando origem a problemas sociais.
Identificam-se noções do que é a previsão de insolvência, que serve de base
para perceber quais os motivos e situações em que uma empresa entra em
insolvência, sendo ainda apresentados os principais interessados na informação
financeira de uma empresa, e todos os conceitos considerados importantes para
uma melhor percepção desta.
Posteriormente serão evidenciados os modelos de insolvência existentes e
conhecidos actualmente, os contributos que os mesmos tiveram ao longo dos
últimos anos para o desenvolvimento e melhoria da sua aplicação.

1
CUNHA, Paulo. O., Lições de Direito Comercial, Almedina, Almedina. Coimbra. 2010. Pág. 53.
2
FRADA, Manuel C, A Responsabilidade dos Administradores na Insolvência, Lisboa, Revista da
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Themis. 2006. Pág. 669.
3
VALE, Sofia, As Empresas no Direito Angolano, Lições de Direito Comercial, Gráfica Maiadouro,
Portugal. 2015. Pág. 178.
2
Explicaremos de como os credores titulares do direito de regresso poderão
exigir a reparação do seu direito pelos danos causados por uma empresa comitente
que se encontra em processo de insolvência.
Canto (2014) afirma que a situação de insolvência precisa de ser bem
caracterizada para uma melhor compreensão da sua abrangência.

3
Descrição da situação problemática

O desenvolvimento da actividade das empresas sucede a um ritmo


dinâmico, levado com as mesma a vender certos bens e serviços que atende das
especificações destas actividades leva com se celebre determinados contratos quer
entre as empresas ou a empresa com os particulares estabelecido uma relação
juridicamente relevante entre as partes originado direitos e obrigação, durante o
desenvolvimento e cumprimentos das obrigações estatuídas no contrato nas
relações que estabelece com terceiro origina danos para uma das partes perante
terceiro dando lugar a responsabilidade civil em que causou os danos foi uma
empresas que depois dos prejuízo isto no momento em que esta pretendia reparar
os danos entra num processo de insolvência.

4
Problema científico

Que direito é garantido ao comissário na reparação de danos a terceiro


causado por uma empresa comitente que está em processo de insolvência no
ordenamento jurídico angolano?

5
Objectivo geral

 Explicar a necessidade de exercer o direito de regresso do comissário perante


uma empresa comitente que esta em processo de insolvência no
ordenamento jurídico angolano.

Objectivos específicos

 Analisar a forma da reparação dos danos causados a terceiro por uma


empresa em processo de insolvência;

 Identificar a qualidade de ser credor da insolvência para se poder exigir o


direito de regresso;

 Enfatizar a finalidade do processo de insolvência.

6
Hipoteses

Na base do problema de investigação, formulou-se as seguintes hipóteses:

 Forma da reparação dos danos causados a terceiro por uma empresa


em processo de insolvência é possível no ordenamento jurídico
angolano.

 Para qualquer terceiro lesado comissário numa relação jurídica com o


comitente para ver o seu direito reparado num processo de
insolvência de uma empresa deve estar na qualidade credor da
insolvência para poder exigir o direito de regresso.

 A insolvência no ordenamento jurídico angolano produz variadas


finalidades.

7
2. Metodologia de investigação a ser usada

Método científico - (metodologia) é compreendida como uma disciplina que


consiste em estudar, compreender e avaliar os vários métodos disponíveis para a
realização de uma pesquisa académica. A Metodologia, em um nível aplicado,
examina, descreve e avalia métodos e técnicas de pesquisa que possibilitam a
colecta e o processamento de informações, visando ao encaminhamento e à
resolução de problemas e/ou questões de investigação.
Os autores Lakatos e Marconi acrescentam que, além der ser “uma
sistematização de conhecimentos”, ciência é “um conjunto de proposições
logicamente correlacionadas sobre o comportamento de certos fenómenos que se
deseja estudar4”.

2.1. Métodos
Os métodos usados são o bibliográfico e indutivo.

2.2. Método bibliográfico


Segundo Chiara Kaimen é materializado com base na pesquisa feita com o
intuito de levantar um conhecimento disponível sobre teorias, a fim de analisar,
produzir ou explicar um objecto sendo investigado. A pesquisa bibliográfica visa
então analisar as principais teorias de um tema e pode ser realizada com diferentes
finalidades5, para o efeito, recolhemos livros, artigos científicos, dissertações de
mestrados, teses de doutoramento, jornais, revistas (online), e com eles retiramos o
necessário para ajudar na fundamentação teórica do trabalho que nos propusemos
apresentar.

2.3. Método dedutivo


É um método responsável pela generalização, isto é, partimos de algo
particular para uma questão mais ampla, mais geral6.

4
LAKATOS, E. M., & MARCONI, M. A. Metodologia de Trabalho Científico (4ª Ed.). São Paulo: Atlas.
2007. Pág. 80.
5
ANDRADE, M. A. Introdução A Metodologia Do Trabalho Científico, 6ª Edição. São Paulo. Atlas S.
A. (2003) Pág. 101.
6
LAKATOS, E. M., & MARCONI, M. A., Op. Cit., 2007, Pág. 86.

8
2.4. Técnicas e instrumentos de pesquisa
Procedemos o levantamento bibliográfico descritivo, bibliográfico em livros,
dissertações de mestrado, teses de doutoramento, documentos, consultas em sites
de Universidades de vários países, com isto analisamos os dados levantados, e
aplicamos os métodos dedutivo, indutivo, através dos quais, partimos de aspectos
particulares e chegamos a conclusões gerais.
Na pesquisa bibliográfica utilizamos manuais de bibliotecas físicas e virtuais,
livrarias, de onde obtivemos informações de livros, revistas, jornais, monografias,
dissertações, teses e relatórios de instituições. Fizemos também recurso à internet
onde visitamos portais de instituições oficiais, órgãos de notícias e de portais
pessoais.

9
Revisão da literatura

A consagração de um direito de regresso à luz do Código Civil no que à


compra e venda de coisas defeituosas respeita, conforme tivemos oportunidade de
verificar uma responsabilização directa e objectiva do produtor face ao consumidor.
É que, em boa verdade, este não pode agir contra o produtor fazendo valer o
mesmo feixe de direitos de que pode lançar mão contra o vendedor.
Compreende-se pois que na maioria das vezes o consumidor age,
responsabilizando, aquele com quem contratou maxime, o vendedor final que nem
sempre é o responsável pela desconformidade do bem. Uma vez satisfeito o direito
do consumidor à reposição da conformidade, emerge, na esfera jurídica do
vendedor final, o direito de fazer repercutir os custos de tal operação.
Acrescente-se que esta relação de responsabilização, já de si complexa, se
agrava se pensarmos na quantidade de intermediários que podem existir entre
o produtor e o vendedor final. Dessarte, é necessário determinar quem é que pode
agir, contra quem, e em que prazo o pode fazer.
Previamente, contudo, afigura-se-nos proveitoso proceder a um estudo do
instituto do direito de regresso das regras constantes do Código Civil e do instituto
da insolvência a luz da Lei n.º 13/21 de 10 de Maio. De facto, é aqui que o mesmo
vem regulado e enquadrado, pelo que só atendendo a este regime nos será possível
efectuar uma correta e cabal caracterização dos referidos institutos no âmbito da
venda de bens de consumo. É o que faremos em primeira linha.

10
1. O regime jurídico da insolvência no ordenamento jurídico angolano

O regime da falência em Angola é regulado no Código de Processo Civil,


herdado do tempo da colonização portuguesa.

O primeiro Código de Processo Civil foi elaborado em 1876, aparecendo pela


primeira vez nele previsto em 1895 a execução universal dos bens do comerciante
em estado de falência. Posteriormente, em 1932, foi introduzido o processo especial
de insolvência para os devedores não comerciantes, a par do processo especial de
falência que se manteve para os comerciantes.

O Código de Processo Civil de 1961 é o que ainda hoje se mantém em vigor


em Angola, continuando a apresentar um processo especial de falência para
devedores comerciantes (artigos 1135º a 1312º) e um processo especial de
insolvência para devedores não comerciantes (artigos 1313º a 1325º). O processo
de falência apresenta uma regulamentação mais exaustiva, decorrendo o processo
de insolvência, em grande medida, por remissão para as disposições do processo
de falência7.

Com o cenário económico prevalecente no país, reconheceu, no âmbito do


programa sobre melhoria do ambiente de negócios, a necessidade de revisão da
legislação vigente sobre falência. Tal legislação, inserida no código de processo civil
de 1961, mostra-se, hoje, completamente desajustada do contexto socioeconómico
urgindo, por isso, a sua reformulação e adequação às modernas tendências globais
nessa matéria.

A aprovação de um regime jurídico sobre recuperação de empresa e da


insolvência constitui, pois um passo importante no sentido da adequação do quadro
legal angolano ao moderno direito da insolvência que, em detrimento do outrora
predominante Instituto da Falência, se centra no Instituto da Insolvência e
particularmente nas situações de insolvência iminente ou de situações económica
difícil, privilegiando os procedimentos de recuperação de empresas

7
LOPES, Paulette e VALE, Sofia, Notas para Actualização do Regime Jurídico da Falência em
Angola (Publicado Na Revista Comemorativa do 35 Anos da Faculdade de Direito da Universidade
Agostinho Neto, Angola. 2014). Pág. 1.
11
economicamente viáveis em lugar dos que, no âmbito do processo de falência,
visavam a mera recuperação de créditos dos seus credores.8

A insolvência funciona como um filtro para as economias, garantindo a


sobrevivência das empresas economicamente diferentes e a reafectação dos
recursos eficientes, tendo impacto directo na potenciação do investimento
estrangeiro e nacional. Por outro lado, tomando o tecido empresarial mais forte e
atractivo, potencia a concessão de crédito à economia, melhorando as condições
necessárias à salvaguarda dos interessados e do próprio devedor, em casos de
situação económica difícil ou insolvência.

Assim, visando conformar o quadro legal à dinâmica do desenvolvimento


económico, à urgência do melhoramento do ambiente de negócios no país, bem
como ao imperativo de segurança jurídica e celeridade processual, impõe-se o
desagregar da matéria e seu tratamento jurídico-legal do Código Processual Civil,
autonomizando-o e estabelecendo uma dinâmica optimizado de tratamento judicial e
extrajudicial das questões relativas à recuperação de empresas e insolvência.

Actualmente o regime jurídico da insolvência é está consagrado na Lei n.º


13/21 de 10 de Maio, Lei que Aprova o Regime Jurídico da Recuperação de
Empresas e da Insolvência.

8
Preâmbulo da Lei n.º 13/21 de 10 de Maio, Lei que Aprova o Regime Jurídico da Recuperação de
Empresas e da Insolvência.

12
2. Direito de Regresso no âmbito do Código Civil

Em sede de Código Civil, o direito de regresso poderá ser encontrado no


seio do regime da responsabilidade solidária. As obrigações solidárias
caracterizam-se, antes de mais, pela correspondência entre uma pluralidade de
sujeitos e um cumprimento unitário da prestação9.
A sua definição consta do n.º 1 do artigo 512.º do Código Civil, de acordo o
qual “a obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela
prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a
faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com
todos eles”.
O normativo legal referenciado é o ponto de partida para a aferição dos
pressupostos da aplicabilidade da responsabilidade solidária. Assim, poderão desde
logo ser apontados dois pressupostos indiscutíveis da responsabilidade solidária. O
primeiro será o dever ou o direito da realização da prestação integral, ou seja, o
direito de exigir a prestação por inteiro a qualquer devedor ou o direito de exigir a
prestação por inteiro por qualquer credor10.
Como segundo pressuposto podemos apontar a existência de um efeito
extintivo recíproco, ou seja, que o cumprimento por parte de um devedor exonere os
restantes da realização da prestação e que o recebimento da prestação por um
dos credores precluda tal recebimento por parte dos restantes11.
Estes são os requisitos apontados pelo n.º 1 do artigo 512.º do Código
Civil, que adopta, na esteira de Antunes Varela, uma noção ampla de
solidariedade12. Antunes Varela ensina ainda que a maioria das normas constantes
no regime da
solidariedade estão pensadas para os casos de solidariedade perfeita, ou seja,
quando a cada um dos devedores cabe determinada quota-parte de
responsabilidade.
Contudo, existem múltiplos casos de solidariedade imperfeita, que cabem
na noção ampla de solidariedade apesar de assumirem algumas especificidades de

9
Mário Júlio de Almeida COSTA, Noções Fundamentais de Direito Civil, 5ª edição Revista e
Actualizada, Coimbra, Almedina, 2009, p. 127 e Mário Júlio de Almeida COSTA, Direito das
Obrigações, 12ª edição Revista e Actualizada, Coimbra, Almedina, 2009, Pág. 666.
10
João de Matos Antunes VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição
Revista e Actualizada, Coimbra, Almedina, 2010, Pág. 755.
11
João de Matos Antunes VARELA, Das Obrigações em Geral, cit., Pág. 756.
12
João de Matos Antunes VARELA, Das Obrigações em Geral, cit., Pág. 756.
13
regime mormente no que respeita às relações internas13. Não obstante, aquando da
aferição dos pressupostos da solidariedade deveremos levar em consideração a
noção ampla fornecida pela lei. Ora, partindo dessa mesma noção, em termos
sumários, são ainda apontados como pressupostos da responsabilidade solidária a
identidade da prestação e a comunhão de fim.
Diferentemente, já não constituirá pressuposto da responsabilidade
solidária a identidade de causa ou fonte de obrigação14.
A solidariedade constitui, nos termos do artigo 513.º do Código Civil, um
regime excepcional, podendo apenas resultar directamente da lei ou da vontade das
partes, rectius, podendo consubstanciar uma solidariedade legal ou uma
solidariedade convencional15.
Ademais, da norma referida podemos concluir que a solidariedade pode
ser passiva ou activa. Na solidariedade passiva o credor pode exigir a prestação
integral a qualquer um dos devedores, sendo que a prestação por este
realizada libera os restantes devedores perante o credor16.
Por seu turno, na solidariedade activa qualquer um dos credores pode
exigir do devedor a prestação por inteiro, sendo que com a satisfação dessa
prestação o devedor fica exonerado perante todos os outros credores17.
O regime da solidariedade justifica-se num quadro legislativo tendente à
protecção dos interesses do credor. Através do estabelecimento da
responsabilidade solidária ficará facilitada a exigência do crédito, para além de

13
Assim, João de Matos Antunes VARELA, Das Obrigações em Geral, cit., p. 756 e 757. No mesmo
sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Julho de 1981, cujo Relator é
Amaral Aguiar, de acordo com o qual “não se vê, pois, qualquer razão para que o conceito legal de
solidariedade, acima definido, não compreenda também o que vem sendo chamado solidariedade
imperfeita, ou seja, quando só um dos devedores responsáveis e o principal devedor, isto é, quando
um só deles, nas relações internas, deve suportar o encargo da dívida na sua totalidade”, disponível
para consulta em dgsi.pt.
14
Atente-se, nesta sede, ao caso da assunção de dívida, onde a obrigação do novo devedor
nasce num momento posterior à constituição da obrigação do primeiro devedor e provém de
causa diversa, sendo certo que, não obstante, as obrigações continuam a ser solidárias. Este
é, contudo, um caso discutível de solidariedade perfeita, porquanto não há responsabilidade
por partes nas relações internas, nos termos do disposto do artigo 524º do Código Civil. De
acordo com o disposto veja-se João de Matos Antunes VARELA, Das Obrigações em Geral, cit.,
p. 760 e 761. Sobre o regime da assunção de dívida veja-se João de Matos Antunes VARELA,
Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª edição Revista e Actualizada, Coimbra, Almedina, 2010, p.
358 a 383.
15
De acordo com Mário Júlio de Almeida COSTA, Noções Fundamentais de Direito Civil, cit., p.
128 e Pedro Romano MARTINEZ, Direito das Obrigações, 3ª edição, Lisboa, Associação
Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2011, p. 178.
16
Assim, João de Matos Antunes VARELA, Das Obrigações em Geral, cit., p. 751 e Jorge Leite
Areias Ribeiro de FARIA, Direito das Obrigações, vol. II, Coimbra, Almedina, 1990, p. 166.
17
Neste sentido, João de Matos Antunes VARELA, Das Obrigações em Geral, cit., p. 752 e Jorge
Leite Areias Ribeiro de FARIA, Direito das Obrigações, cit., p. 166.
14
que se salvaguardará a posição do credor contra o risco da incobrabilidade da
dívida, mormente nos casos de insolvência de algum dos devedores.
Face ao exposto, sempre se dirá que a solidariedade activa constituiu “uma
figura de reduzido interesse prático”, pelo que as verdadeiras vantagens práticas
serão obtidas pela via da solidariedade passiva.
Não perdendo de vista o nosso propósito e na esteira do ora exposto,
assume especial importância atentar ao regime da solidariedade passiva,
porquanto será do ponto de vista dos réus que nos interessará analisar o direito
de regresso.
Por esse mesmo motivo, propomo-nos passar em revista o regime da
solidariedade passiva, ainda à luz do nosso Código Civil.
O regime da solidariedade reveste carácter excepcional e que as
vantagens práticas deste instituto são prosseguidas pela via da solidariedade
passiva. Dessarte, e não obstante o regime regra ser o da conjunção, há ainda um
vasto campo de aplicação da solidariedade passiva legal no que respeita às relações
civis. Isto sem olvidar, naturalmente, que não são raras as vezes em que se
convenciona a solidariedade passiva tendo em vista a tutela dos interesses do
credor18.
Os efeitos do regime da solidariedade passiva poderão ser abordados
de duas perspectivas diferentes e complementares: por um lado, temos os
efeitos da solidariedade no âmbito das relações externas; por outro, temos os
referidos efeitos no âmbito das relações internas. Serão os efeitos das relações
internas que melhor servirão o propósito da nossa dissertação, motivo pelo
qual lhes serão conferidos maior destaque. Não obstante, passaremos em
revista, embora de forma breve, os efeitos da solidariedade passiva nas
relações externas.

18
Neste sentido, João de Matos Antunes VARELA, Das Obrigações em Geral, cit., p. 766 e
Mário Júlio de Almeida COSTA, Noções Fundamentais de Direito Civil, cit., p. 129. No mesmo
sentido, quanto à ordem jurídica brasileira, veja-se Álvaro Villaça AZEVEDO, Teoria Geral das
Obrigações e Responsabilidade Civil, 11ª edição, São Paulo, Editora Atlas, 2008, p. 76.
15
3. A INSOLVÊNCIA DE EMPRESA

Na literatura encontram-se inúmeras concepções de empresa, no entanto a


maioria resume-se à seguinte definição, de acordo com Duque (2010).
Uma empresa é um conjunto de meios técnicos, humanos e
financeiros, organizados com vista à concretização de um
determinado fim económico, o qual passa pelo exercício de
uma actividade orientada para a satisfação das necessidades
dos seus vários stakeholders, nomeadamente: os seus clientes
(pela oferta de bens ou serviços), os trabalhadores (através do
emprego e da contraprestação salarial), os accionistas (pela
realização do lucro que remunera o risco incorrido), os
credores (pelo reembolso do capital e juros em prazo
acordado), dos fornecedores (pela procura de bens ou
serviços), o Estado (pelo cumprimento das obrigações fiscais e
legais), etc.
As empresas, tal comos os seres vivos, também passam por um conjunto
de fases ao longo da sua vida (Cardoso, 1995: 102). Estas fases são a
introdução, o crescimento, a maturidade e o declínio, e compõem o ciclo de vida
de uma organização.
Para o presente estudo importa aprofundar a fase do declínio, pois é
quando se chega a este ponto que as empresas procuram a sua recuperação. O
declínio consiste na deterioração do desempenho organizacional, traduzindo-se
em, por exemplo, perda de quota de mercado, prejuízos ou perda de liquidez
(Madeira, 2003: 193).
Segundo Drucker (2006, apud Sousa, 2012: 4), é natural que as
empresas tenham que lidar com desafios e problemas no decurso do seu ciclo de
vida. Muitos destes problemas levam a que estas entidades vivenciem a fase de
declínio, vindo a falir ou a encerrar as suas actividades.
Os gestores e os detentores de empresas poderão só a vir dar conta de
problemas internos quando existir incumprimento das obrigações, decorrente de
baixa liquidez, ou seja, quando identificam a ocorrência de dificuldades
financeiras. Estas dificuldades são notórias quando o fluxo de caixa não é suficiente
para saldar as obrigações correntes, de acordo com Wruck (1990, apud
Sousa, 2012: 5).
É a conjugação de diversos factores que pode conduzir uma determinada
empresa a enfrentar uma crise económico-financeira. Madeira (2001a: 591)
16
esquematiza as principais causas apontadas como parte integrante de um
processo de declínio.
Actualmente, previsto e regulado na Lei n.º 13/21 de 10 de Maio, Lei que
Aprova o Regime Jurídico da Recuperação de Empresas e da Insolvência., o
processo de insolvência, tal como definido no artigo 3º alínea i) é a situação de
impossibilidade, em que se encontra o devedor, para cumprir comas suas
obrigações vencidas, por falta de meios, sendo que no caso das pessoas colectivas
e dos patrimónios autónomos por cuja dívidas nenhuma pessoa singular responda
pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados
insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados
segundo as normas contabilísticas aplicáveis salvo, quando o activo seja superior ao
passivo, avaliados em conformidade com determinadas regras.
Este é um processo de natureza mista, pois conjuga os dois tipos de acções
previstas no artigo 4º do Código do Processo Civil (CPC): acções
declarativas e acções executivas. Diz-se que é um processo declarativo na medida
em que visa declarar a situação de insolvência e verificar e graduar os créditos do
devedor19.
Por outro lado, classifica-se como processo executivo “uma vez que a
sua finalidade última corresponde à obtenção de providências relativas à satisfação
efectiva do direito violado28 […]” (Leitão, 2012a: 19), através da apreensão e
liquidação do activo para satisfação dos créditos. Caracteriza-se também por ser um
procedimento de execução colectiva, na medida em que envolve todos os credores
do devedor e pretende compensá-los em proporção dos seus créditos, caso o
património do devedor seja insuficiente para pagar todos os créditos20 (Epifânio,
2012: 12).
O processo de insolvência é universal, porque abrange todo o património
do devedor. Ou seja, é possível que se venha a apreender todos os bens do
insolvente para liquidação e satisfação dos credores. No entanto, esta norma só
se aplica aos bens penhoráveis, ou relativamente impenhoráveis desde que
voluntariamente apresentados pelo devedor21 (Epifânio, 2012: 12).
Este processo caracteriza-se ainda por ser especial, na medida em que
está regulado autonomamente em diploma próprio – o CIRE (Epifânio, 2012: 15).

19
cf. artigo 4º, nº 2, a) do CPC
20
cf. artigo 176º.
21
artigo 9º, nº 1
17
Leitão (2012a: 20) acrescenta que o procedimento referido afasta-se de
determinados princípios do processo civil. No entanto, trata-se de um processo
multidisciplinar pois articula-se com o Direito Civil, o Direito Comercial, o Direito
do Trabalho, o Direito Penal, o Direito Processual Civil e Penal, entre outros.
(Epifânio, 2012: 15). Finalmente, o regime do processo de insolvência “tem carácter
urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal”. Quer isto dizer
que o processo não suspende durante as férias judiciais (Leitão, 2012b: 54).
Em suma, o processo de insolvência instituído pela Lei n.º 13/21 de 10 de
Maio, Lei que Aprova o Regime Jurídico da Recuperação de Empresas e da
Insolvência., caracteriza-se por ser de natureza mista (engloba acções de natureza
executiva e declarativa), é de execução colectiva e universal, está regulado
autonomamente, é multidisciplinar e goza de carácter urgente.

18
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