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12/05/2023, 15:58 Zênite Fácil

ESTATAIS: SIGILO DA PROPOSTA NO PREGÃO ELETRÔNICO E O EXCESSO DE FORMALISMO NA


DESCLASSIFICAÇÃO DE LICITANTE

Título ESTATAIS: SIGILO DA PROPOSTA NO PREGÃO ELETRÔNICO E O EXCESSO DE FORMALISMO


NA DESCLASSIFICAÇÃO DE LICITANTE

ORIENTAÇÃO PRÁTICA – MAI/2023

ESTATAIS: SIGILO DA PROPOSTA NO PREGÃO ELETRÔNICO E O EXCESSO DE FORMALISMO NA


DESCLASSIFICAÇÃO DE LICITANTE

Questão apresentada à Equipe de Consultoria Zênite:

“A questão formulada pela Estatal Consulente está relacionada com o sigilo das propostas em pregão
eletrônico. Noticia que, após a fase de lances, solicitou ao licitante classificado em primeiro lugar, o
envio da proposta readequada ao lance vencedor e respectiva planilha de custos e que, o licitante
enviou referidos documentos com identificação da empresa. Questiona sobre a necessidade de
desclassificação dessa proposta, pelo fato de a Estatal ainda não ter divulgado aos demais licitantes o
nome do primeiro colocado”.

ORIENTAÇÃO ZÊNITE

De acordo com o § 3º do art. 3º da Lei nº 8.666/93, aqui citado referencialmente, “a licitação não será
sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao
conteúdo das propostas, até a respectiva abertura.” (grifamos)

Assim, assegura-se o sigilo das propostas até o momento adequado para sua abertura, com vistas a
“evitar o comprometimento da moralidade e isonomia do certame”, pois o “conhecimento do
conteúdo de uma proposta poderia conduzir a benefício indevido em favor de terceiro”.1

Caso fosse possível que um determinado particular, interessado na licitação pública, conhecesse o
teor das propostas já apresentadas, o princípio da competitividade e da isonomia restariam violados.
Isso porque este particular seria indevidamente beneficiado, já que poderia planejar a sua proposta a
partir das outras, de forma a deixá-la mais vantajosa, na exata medida para vencer as propostas dos
demais concorrentes.

No pregão, o conhecimento do valor das propostas antecipado por um dos licitantes poderia
prejudicar a efetiva competitividade, na medida em que ajustes e conluios poderiam se formar,
prejudicando assim a efetividade da fase de lances.

Interessante registrar o entendimento de Renato Geraldo Mendes, o qual, ainda que esteja a falar em
licitação presencial, com apresentação de envelopes, se mostra útil ao apontar o prejuízo que se
pretende evitar com o conhecimento das propostas antes do momento adequado:

“Princípio – Publicidade – Violação do sigilo da proposta – Revelação do conteúdo


da proposta – Diferenças – Configuração da ilegalidade – Mandado de segurança
– Renato Geraldo Mendes

Podemos entender como um direito decorrente do § 3º do art. 3º da Lei nº


8.666/93 o dever da Administração de assegurar sigilo ao conteúdo da proposta.
Esse é um direito de natureza subjetiva, que tem fundamento de validade na ideia
de igualdade e competitividade. A partir do instante em que a Administração
recebe os envelopes com as propostas até o momento definido no edital para

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que ele (envelope) seja aberto em sessão pública, o seu conteúdo não pode ser
defasado. Com isso, o legislador quer assegurar, por um lado, a igualdade entre
todos os competidores e, por outro, a necessária competitividade. Se um dos
licitantes tiver acesso ao conteúdo da proposta de seu competidor, especialmente
o preço, a competitividade estará prejudicada. O objetivo é impedir que um
licitante possa conhecer os termos da proposta de seu competidor antes de
apresentar a sua. Assim, é isso que configura a violação do direito líquido e certo.
Se um licitante obtém acesso ao conteúdo da proposta de seu competidor, mas
não pode mais se beneficiar ou se valer da informação obtida para proveito
próprio, não haverá violação de direito. Isso acontecerá nos casos em que ele
apresentou sua proposta e não pode mais alterar o seu preço ou outra condição
a ser considerada para fins de julgamento. Portanto, quando tal fato ocorrer, será
incabível a invocação da quebra de sigilo do conteúdo da proposta para o fim
específico de obter decisão favorável em mandado de segurança. E será incabível
porque, mesmo havendo a revelação do conteúdo da proposta, não existiu a
respectiva quebra do sigilo. Há, portanto, uma diferença entre violação do sigilo e
revelação do conteúdo da proposta. A violação do sigilo pressupõe a revelação do
conteúdo da proposta; mas isso não implica, necessariamente, que houve
violação do tratamento isonômico. Somente se deve reconhecer a violação de
sigilo se a informação obtida atingir o tratamento isonômico, sob o ponto de vista
material. Não é possível reconhecer ilegalidade se não houver prejuízo concreto
(material). A ideia de sigilo protege a igualdade e a competitividade, ou seja, o
sigilo existe para atender a esse fim. Se a igualdade e a competição são
preservadas mesmo com o conteúdo da proposta revelado, não haverá
ilegalidade. Então, entende-se que não cabe ao juiz reconhecer a violação de
direito líquido e certo em caso de impetração de mandado de segurança. A
diferença entre violação do sigilo da proposta e revelação do seu conteúdo é sutil,
mas fundamental para determinar a fronteira entre ilegalidade e legalidade.”2
(Destacamos.)

Essa racionalidade é defendida por Marçal Justen Filho e Joel de Menezes NIebuhr quando tratam da
finalidade em torno da garantia de sigilo em relação ao autor dos lances no âmbito de pregões
eletrônicos:

“Contratação pública – Pregão eletrônico – Licitação – Pregão – Eletrônico – Fase


de lances – Vedação da identificação do licitante – Evitar o risco de conluio

Sobre o motivo para a proibição da identificação do licitante quando do registro


dos lances, Marçal Justen Filho aduz: “o sigilo em relação aos demais licitantes
visa, supõe-se, a eliminar o risco de conluio entre competidores. Os potenciais
competidores podem avençar um pacto para manter a disputa até certos limites,
frustrando a competitividade. A dimensão dos riscos poderia ser ampliada pela
disponibilidade de tecnologias de comunicação à distância. Com o sigilo acerca da
identidade do autor do lance, restringe-se o risco de ocorrência de desvios dessa
ordem. Observe-se, no entanto, que não há sigilo da autoria do lance
relativamente ao pregoeiro”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão (comentários à
legislação do pregão comum e eletrônico). 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Dialética,
2009. p. 362.) No mesmo sentido é a opinião de Joel de Menezes Niebuhr: “a
identificação dos licitantes responsáveis pelos lances é vedada para o efeito de
impedir que eles entrem em contato e promovam arranjos entre si. Isto é, quer-
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se evitar a prática, infelizmente corriqueira, de conluios entre licitantes, em que


se põe em negociação a desistência de licitante em uma licitação em troca de
outra, etc.”. (NIEBUHR, Joel de Menezes. Pregão presencial e eletrônico. 5. ed. rev.,
atual. e ampl. Curitiba: Zênite, 2008. p. 415.)”3 (Destacamos.)

Como se vê, o dano material da quebra do sigilo do conteúdo da proposta ou da sua autoria se efetiva
nos casos em que há a possibilidade de os licitantes alterarem suas próprias ofertas diante do
conhecimento do teor da proposta divulgada. E isso, em sede de pregão, dificilmente seria verificado
após a fase de abertura da sessão, posto que, a partir de tal momento, não podem mais os licitantes
substituírem suas propostas.4

Inclusive, isso resta bastante claro do teor do § 1º do art. 26 do Decreto nº 10.024/19, aqui citado
referencialmente:

“Art. 26. Após a divulgação do edital no sítio eletrônico, os licitantes


encaminharão, exclusivamente por meio do sistema, concomitantemente com os
documentos de habilitação exigidos no edital, proposta com a descrição do
objeto ofertado e o preço, até a data e o horário estabelecidos para abertura da
sessão pública.

§ 1º A etapa de que trata o caput será encerrada com a abertura da sessão


pública.

(...)

§ 8º Os documentos que compõem a proposta e a habilitação do licitante melhor


classificado somente serão disponibilizados para avaliação do pregoeiro e para
acesso público após o encerramento do envio de lances.” (Destacamos)

A partir das disposições acima infere-se que a própria normatização do pregão eletrônico em âmbito
federal, aqui mencionada como referência, possibilita a identificação do licitante melhor classificado
após o encerramento do envio dos lances.

Logo, se no caso concreto, a proposta do licitante vencedor somente foi de conhecimento dos demais
licitantes após o esgotamento da fase de lances, no momento do envio de proposta e planilha
readequadas, pode-se afirmar não ter havido qualquer prejuízo à isonomia e competitividade que a
regra do sigilo impõe.

No Acórdão de Relação nº 2386/2021 - Plenário, o TCU, citado como exemplo, reconheceu a


possibilidade de continuidade da licitação realizada por estatal em que houve a identificação
antecipada dos licitantes e das suas propostas, tendo em vista justamente a ausência de elementos
que denotassem prejuízo à isonomia ou a ocorrência de conluio. E aqui, importante frisar que a
identificação se deu no curso da fase de lances, momento anterior a vivenciada pela Estatal
Consulente:

“VISTOS e relacionados estes autos de representação, com pedido de cautelar,


formulada pela empresa licitante Truechange Tecnologia Ltda. acerca da Licitação
Oportunidade 7003477766, promovida pela empresa Petróleo Brasileiro S.A.
(Petrobras), tendo por objeto a subscrição de Software na modalidade Software
As a Service - SaaS, suporte remoto, e serviços especializados em plataforma de
desenvolvimento rápido de aplicações (Low-Code).

(...)

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Considerando que a representante relata que iniciada a nova disputa, a empresa


Tech Engenharia e Sistemas Ltda. apresentou o menor preço, porém teria restado
violado o sigilo das propostas durante a realização da licitação, possibilitando que
os licitantes, nessa segunda fase de lances, identificassem os seus concorrentes,
também em violação ao regulamento de licitações e contratos da estatal, de
maneira que poderiam acompanhar os lances das empresas concorrentes,
conhecidas por meio dos procedimentos adotados no certame, razão pela qual
pleiteia a adoção da cautelar suspensiva e a anulação da segunda fase de lances,
determinando ainda o início de uma nova fase para disputa de preço, sem
qualquer adoção de medida que possibilite a identificação dos licitantes,

Considerando que após diligência junto à Petrobras a Selog concluiu à peça 10


que a licitação ocorreu no modo de disputa aberto, e que, diferentemente do
modo de disputa fechado, resulta na apresentação pública de propostas, bem
assim que ”os elementos constantes dos presentes autos demonstram que as
medidas adotadas pela Petrobras, que deram margem à possibilidade de
identificação do valor inicial das propostas, buscaram garantir a continuidade do
certame, não sendo possível concluir que tenha havido indícios de restrição à
competitividade ou de conluio entre competidores”, e ”Em que pese o fato de ser
observada a ocorrência de falha operativa que afetou a realização do certame,
não se verifica a existência de elementos nos autos que indiquem irregularidade
apta a perfazer interesse público suficiente para a continuidade da atuação do
TCU quanto ao suscitado no caso concreto, sendo inefetiva a medida de sigilo
pleiteada pelo representante, relativa a lances já apresentados, ante o fato de,
procedida a fase de disputa de lances e o ordenamento provisório de propostas,
constatar-se, no sistema Petronect, que o procedimento está em andamento
regular”,

Considerando que a análise empreendida conduziu a secretaria a propor o


conhecimento da representação, o indeferimento da cautelar pleiteada, e a
improcedência da representação (instrução de peça 10),

(...)

Considerando que o Parecer lavrado pelo representante do Ministério


Público/TCU à peça 21 registrou que ”Embora a representante alegue a hipótese
de a empresa vencedora ter identificado não só o valor do lance de cada empresa
durante a segunda fase de oferta de preço, mas também a autoria desses lances
(o que não estava previsto para ocorrer, nos termos do item 3.3.14.6. do Edital),
tal possibilidade configura uma falha que, pelos elementos objetivos constantes
nos autos, não causou prejuízos à isonomia do certame, uma vez que todos
licitantes obtiveram as mesmas informações do sistema. Além disso, não há
prejuízos ao princípio da economicidade, em especial porque a nova disputa
resultou em valor inferior ao menor valor obtido nas propostas iniciais das
empresas”,

(...)

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão de


Plenário, por unanimidade, em:

(...)

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b) indeferir o pedido de concessão de medida cautelar formulado pelo


representante, tendo em vista a inexistência dos elementos necessários para sua
adoção;

c) no mérito, considerar a presente representação improcedente;” (Destacamos.)

CONCLUSÕES OBJETIVAS:

Do exposto conclui-se:

Tendo em vista que o conhecimento da proposta do licitante classificado em primeiro lugar, pelo
pregoeiro e sua equipe de apoio e até mesmo pelos demais licitantes, somente se deu após o
encerramento da fase de lances, não trazendo qualquer prejuízo à competitividade, já que a fase
competitiva encontra-se concluída, a situação noticiada não representa ofensa ao dever de sigilo da
proposta. Com isso, não há ilegalidade ou prejuízo para o regular prosseguimento da licitação no caso
descrito, e eventual desclassificação do licitante poderia caracterizar excesso de formalismo.

Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Zênite, de caráter opinativo e orientativo, elaborada de
acordo com os subsídios fornecidos pela Consulente.

NOTAS E REFERÊNCIAS
1JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo:
Dialética, 2012, p. 98.
2Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 8.666/93, nota
ao art. 3º, Acesso em: 09 mai. 2023.
3
Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 8.666/93, nota
ao art. 10, Acesso em: 09 mai. 2023.
4
Acerca do ponto, recomenda-se a leitura do texto da lavra de Renato Geraldo Mendes publicado na
Revista Zênite - Informativo de Licitações e Contratos (ILC) nº 110, abr/2003, p. 317, sob o título “O
conteúdo Jurídico do Princípio do Sigilo das Propostas.”

Como citar este texto:


Estatais: sigilo da proposta no pregão eletrônico e o excesso de formalismo na
desclassificação de licitante. Zênite Fácil, categoria Orientação Prática, 10 mai.
2023. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: dd mmm. aaaa.

Fonte:

https://www.zenitefacil.com.br/pesquisaDocumento?task=GET_DOCUMENTO&idDocumento=4EE876E3-48CD-481F-BB75-579086E88555 5/5

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