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Análise da transparência na ausência de publicação de valor de referência em


pregões

No atual módulo de estudo, que versou sobre fundamentos do direito


administrativo, tivemos uma unidade inteira abordando a transparência na
administração pública. Di Pietro trata a transparência como princípio, no qual, de
acordo com sua lição, “se inserem o princípio da publicidade, o direito à informação,
a exigência de motivação”1.
Porém, sabe-se que todo princípio deve ser aplicado conjuntamente com
outros princípios do direito. Dessa forma, analisarei neste artigo uma possível
exceção ao princípio da transparência na administração pública: a ausência de
publicação de valor de referência em licitações na modalidade pregão é uma afronta
ao princípio da transparência?
O Tribunal de Contas da União (TCU)23 e diversos estudos na área45 vêm, nos
últimos anos, destacando que a publicação, junto ao edital, de valor de referência
(valor máximo ou valor estimado que a administração pretende pagar por
determinado produto/serviço) em licitações na modalidade pregão, quando o valor
de referência não for critério de aceitabilidade de preços, é uma mera faculdade da
administração.
Essa deliberação do TCU ocorre pelo motivo de que, se o valor não é critério
de aceitabilidade de preços em determinado pregão e, tendo em vista que haverá
uma disputa de valores pelos licitantes na fase de lances da licitação, é essencial
que as empresas participantes da licitação não saibam quanto a Administração
planeja gastar com a aquisição de determinado produto ou serviço.

1
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p.
34.
2
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão 2166/2014, do Plenário. Disponível em:
<https://tinyurl.com/yda2yczr>, p. 7.
3
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Informativo TCU 267. Disponível em:
<http://www.olicitante.com.br/informativo-tcu-licitacoes-contratos-267/>.
4
MOURA, Rodolfo André P de. Divulgação do valor estimado, obrigatoriedade?. Disponível em:
<https://portal.conlicitacao.com.br/licitacao/duvidas/divulgacao-do-valor-estimado/>.
5
WEILER, Rogério Ivanes. Da (Des) Necessidade de divulgação do valor máximo admissível da
contratação juntamente com o ato convocatório em licitação na modalidade de pregão.
Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/2110062>.
2

Porém, uma corrente do TCU6 entende que, considerando a redação do art.


40, inciso X da Lei 8.666/1993, o qual determina “a fixação de preços máximos” no
edital, a publicação de valor de referência em editais de todas modalidades de
licitação seria obrigatória.
Entretanto, analisando-se a Lei do Pregão (Lei 10.520/2002), mais
especificamente o inciso III do art. 4º, observa-se que essa lei determina os
elementos obrigatórios do instrumento convocatório do pregão, não citando os
orçamentos estimados da contratação. Esses orçamentos estimados devem ser
parte apenas do processo do pregão, e não do edital, conforme inciso III do art. 3º
da mesma lei.
Ocorre que, usualmente, se a administração divulga o valor de referência em
pregões, ocorre um fenômeno entre os licitantes, que cotam valores iguais ou muito
próximos aos valores de referência divulgados no edital. Ademais, ao divulgar o valor
de referência, é comum que os licitantes não baixem muito seus preços na fase de
lances, por saberem que a administração está disposta a pagar determinado valor
pelo objeto da licitação. A divulgação do valor de referência no edital de pregão
também aumenta a possibilidade de fraude no caráter competitivo da licitação, tendo
em vista possíveis ajustes (ilegais7) entre os licitantes, com a combinação entre as
empresas de divisão nas vitórias de itens e permanência do valor proposto muito
próximo ao valor de referência.
Ademais, se o TCU permite que a administração não divulgue os valores de
referência nos editais de pregão, tal disposição também se aplica a possíveis
pedidos administrativos, antes da fase de lances da licitação, advindos das
empresas, objetivando a divulgação dos valores de referência ou das pesquisas de
preços dos pregões. Caso a administração divulgue os valores por meio de pedidos
administrativos, além de afastar a vantagem da administração citada anteriormente,
a administração estaria ferindo os princípios da isonomia e da igualdade,
determinados pelo art. 3º da Lei 8.666/1993, e também o princípio da
impessoalidade, que, além de ter sido também determinado pelo art. 3º da Lei

6
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão n.º 392/2011, do Plenário. Disponível em:
<tinyurl.com/y7e96yut>, p.14.
7
BRASIL. Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e
civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira,
e dá outras providências, art. 5º, inciso IV, alínea “a”.
3

8.666/1993, foi incluído como um dos princípios basilares da administração pelo art.
37 da Carta Magna.
Dessa forma, conforme argumentos elencados acima, já adotados pelos
principais órgãos públicos nacionais, conclui-se que a ausência de divulgação dos
valores de referência é uma das formas de a Administração obter valores menores
para aquisição de produtos e contratação de serviços, praticando os princípios da
seleção da proposta mais vantajosa para administração e da economicidade,
estabelecidos pelo art. 3º e pelo inciso IV do art. 15, ambos da Lei 8.666/1993 e o
princípio da eficiência (estabelecido pelo art. 37 da CF), não sendo uma afronta ao
princípio da transparência.
É importante destacar que tal procedimento da administração não se trata de
negação a acesso de informação, afinal, sempre que as empresas, organizações e
cidadãos interessados desejarem as pesquisas de preços e os valores de referência
após a realização da fase de lances, é necessário apenas que protocolem um
pedido na repartição pública, e as informações lhes devem ser concedidas8.
Ao final, importante transcrever inovadora decisão do TCU sobre esse
assunto:

Assim, à vista das opiniões favoráveis na doutrina, do precedente


expressamente dirigido ao FNDE por meio do Acórdão 1789/2009-TCU-
Plenário e, também, de a medida não ter potencial para causar dano ao
erário, pelo contrário, tender a incentivar maior competitividade e
redução nos preços ofertados, conforme defendido por parte
respeitável da doutrina, entende-se que a opção adotada pela autarquia
de não divulgar o preço estimado na fase interna antes do término da
fase de lances não é capaz de macular o certame em análise. Ainda,
conforme verificado nos casos concretos de licitações passadas do FNDE
em que a medida foi adotada, obteve-se descontos significativos em
relação ao valor estimado pela Administração, resguardando o
princípio da eficiência9. (grifos nossos)

8
BRASIL. Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no
inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal;
altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e
dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências, art. 10º.
9
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão 2080/2012, do Plenário. Disponível em:
<https://tinyurl.com/yb87bwex>, p. 7.

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