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LEI 13.

245/16 E AS NOVAS PRERROGATIVAS


DO ADVOGADO CRIMINAL

Gylliard Fantecelle1

RESUMO: Aborda de forma sistemática as inovações trazidas pela


Lei 13.245/2016 e as novas prerrogativas do advogado criminal
durante os procedimentos administrativos de investigação.

PALAVRAS CHAVES: Direito processual penal. Inquérito Policial.


Lei nº 13.245/2016. Prerrogativas dos advogados.

ABSTRACT: Addresses systematically innovations introduced by


Law 13.245/2016 and the new powers of the criminal lawyer during
the administrative investigation procedures.

KEYWORKS: Criminal Procedural Law. Police investigation. Law


No. 13,245 / 2016. Prerogatives of lawyers.

1
Advogado; Assessor Jurídico da APNM e ASPRA (Associação dos Militares de
MG); Mestrado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES/UNIDA); Pós-
Graduado em Ciências Criminais pela UNAMA/UVB; Pós-Graduado em Direito e
Processo Civil pela FADIVALE; Professor da Polícia Militar de Minas Gerais
(PMMG); Professor do Curso de Direito das Faculdades DOCTUM e FENORD;
Professor nos Cursos de Pós-graduação da FADIVALE; Ex-Oficial Judiciário e
Assessor de Juiz do TJMG www.fantecelle.com.br.

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1 INTRODUÇÃO

Em 12 de janeiro de 2016, foi publicada a Lei 13.245/16, que


altera dispositivos do Estatuto da OAB referentes às prerrogativas dos
advogados na fase de investigação criminal.
Nesse aspecto, as inovações trazidas pela Lei 13.245/16 foram
marcantes, tais como livre acesso do advogado aos autos do inquérito
e demais procedimentos investigativos; possibilidade de fotocópias e
apontamentos digitais; acompanhamento pessoal do cliente sob pena
de nulidade absoluta; sigilo do inquérito policial decretado apenas por
juiz; possibilidade de razões e quesitos na fase de inquérito; dentre
outras inovações.
O singelo trabalho não tem o escopo de esgotar o assunto, mas
apenas de lançar luzes para uma futura e mais aprofundada pesquisa.
Vejamos as mudanças acima de maneira sistemática. Algumas
mudanças são bem marcantes.

2 LIVRE ACESSO AOS AUTOS DO INQUÉRITO E DEMAIS


PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS

A primeira alteração de monta se dá no inciso XIV do artigo 7º,


do Estatuto (Lei 8.906/94). Esse inciso trata da prerrogativa do
advogado de acesso aos autos de investigação em prol de seu cliente.

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Vejamos o artigo 7º, inciso XIV, que ficou com a seguinte
redação:

Art. 7o (...) XIV - examinar, em qualquer instituição


responsável por conduzir investigação, mesmo sem
procuração, autos de flagrante e de investigações de
qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que
conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar
apontamentos, em meio físico ou digital.

Pois bem, na redação anterior a referência era feita a autos de


investigação em “repartição policial” e a “autos de flagrante” e de
“inquérito”. Em termos redacionais, a Súmula Vinculante 14 do STF
não contribuiu muito para a solução da controvérsia, pois também fala
em “Polícia Judiciária”, excluindo assim os demais procedimentos
investigativos.
Dessa forma, por exemplo, havia membros do Ministério
Público que, arbitrariamente, vedavam acesso aos autos de
Procedimento Investigatório Criminal aos advogados, sob o pretexto
de que a lei tinha uma redação restritiva. Só para lembrar,
recentemente, o STF no Recurso Extraordinário nº 593.727, fixou com
repercussão geral o poder de investigação criminal direta do Ministério
Público (CABETTE, 2016).
Assim, veio em boa hora a reforma do Estatuto da OAB, vez
que na nova redação dada ao artigo 7º., inciso XIV, o direito de acesso
a autos pelo advogado não se limita às “repartições policiais”.

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A expressão “investigações de qualquer natureza”, constante do
novo artigo 7º, não abrange somente o Inquérito Policial Civil, Federal,
Militar, os PICs do Ministério Público, Termos Circunstanciados e
quaisquer outras investigações de natureza criminal. Também abrange
qualquer espécie de investigação, ainda que não criminal. Por exemplo,
um Processo Administrativo, uma Sindicância, uma Apuração
Preliminar, Inquérito Civil Público, uma apuração administrativa junto
ao COAF, etc.
Como ressalta Eduardo Luiz Santos Cabette, delegado de
polícia, “agora não mais se trata de uma redação literalmente restritiva
que devia ser ampliada numa interpretação sistemática e extensiva.
Trata-se de uma redação realmente ampla, clara e evidente”
(CABETTE, 2016).

3 FOTOCÓPIAS E APONTAMENTOS

Outra novidade que atualiza o Estatuto da OAB diz respeito à


cópia e tomada de apontamentos nessa consulta. Na nova redação o
legislador consigna que isso pode ser feito em “meio físico ou digital”,
mesmo sem procuração, de forma a tornar a lei condizente que o atual
estágio tecnológico.
Portanto, se alguém tinha dúvida de que um advogado poderia
fotografar peças dos autos com um celular, com um scanner portátil
etc., essa dúvida não tem mais (como, na verdade, já não tinha de
acordo com um mínimo bom senso) razão de ser.
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4 ACOMPANHAMENTO PESSOAL

No mesmo artigo 7º., agora no inciso XXI, vem a norma que


estabelece como direito do advogado a assistência pessoal aos seus
clientes durante as investigações, sob pena de nulidade absoluta. Nesse
ponto nenhuma novidade, pois a presença do advogado continua sendo
facultativa.
Vejamos o artigo 7º, inciso XXI, que ficou com a seguinte
redação:

Art. 7o (...) XXI - assistir a seus clientes investigados


durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade
absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e,
subsequentemente, de todos os elementos
investigatórios e probatórios dele decorrentes ou
derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive,
no curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
b) (VETADO).

Todavia, o dispositivo reforça a ideia de que se o advogado já


tiver procuração nos autos do inquérito deverá ser intimado para todos
os atos probatórios envolvendo o comparecimento pessoal do seu
cliente, inclusive as reconstituições, acareações e conhecimentos
criminais.
Por seu turno, a inovação reside no fato de que qualquer
embaraço ao acesso do advogado no tocante ao acompanhamento
pessoal do seu cliente ensejar agora nulidade absoluta do próprio ato e
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dos subsequentes, em alusão à Teoria do Fruto da Árvore Envenenada
(“Fruits of the poisonous tree doctrine”) (CABETTE, 2016).
É importante deixar claro que o dispositivo não impõe em
momento algum a “obrigatoriedade” da presença do advogado, mas
confere ao profissional uma prerrogativa direta e ao cliente um direito
de assistência, o que, aliás, já estava inscrito em forma de cláusula
pétrea na Constituição Federal há tempos, conforme já demonstrado.
Muitas vezes o preso, investigado ou interrogado se apresenta
sem advogado e não indica nenhum. Sua oitiva ou interrogatório
poderá ser feita sem maiores óbices. Trata-se de um direito que pode
ou não ser exercido nessa fase. O próprio advogado, comunicado da
prisão, por exemplo, pode optar por não fazer o acompanhamento nesse
primeiro momento, seguindo os trabalhos.
A presença do advogado somente se torna obrigatória, sob pena
de nulidade absoluta e eventual Abuso de Autoridade, quando o
profissional se apresenta e pretende exercer essa prerrogativa, bem
como o preso exige o cumprimento desse direito (ainda disponível
nessa fase).

5 SIGILO DO INQUÉRITO POLICIAL

Conforme visto, o acesso aos autos pelo advogado para


exercício da defesa já na fase de investigação é assegurado
independentemente de procuração (artigo 7º., XIV, do Estatuto da
OAB).
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Contudo uma exceção é posta, qual seja, nos termos do § 10,
artigo 7º., XIV, do Estatuto da OAB, “nos autos sujeitos a sigilo, deve
o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que
trata o inciso XIV”.
É de se observar que o sigilo somente é decretado por
determinação judicial, analisando circunstâncias especiais do caso
concreto ou em virtude de lei (exemplo desse último caso são os feitos
sobre crimes contra a liberdade sexual).
Portanto, é bom saber que não é dado ao Delegado de Polícia
ou qualquer outro funcionário público incumbido da presidência de
investigações, decretar “por conta própria” o sigilo dos autos, mas tão
somente representar ou requerer essa determinação ao Juiz competente.
Isto porque, a regra é que o advogado tenha pleno acesso aos
autos do inquérito ou procedimento investigativo. De modo que
havendo necessidade de maior sigilo, esta determinação deverá ser
representada ao Juiz, a rigor dos artigos 5º., LX e 93, IX, CF e artigo
792, § 1º., CPP.
Assim sendo, a manobra de uma Autoridade qualquer no
sentido de decretar o sigilo por conta própria, sem determinação
judicial, gerará abuso por violação das prerrogativas do advogado,
podendo a mesma responder por abuso de autoridade (artigo 7º., XXI,
§12º, do Estatuto da OAB).

6 RAZÕES E QUESITOS NA FASE DE INQUÉRITO

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O novo artigo 7º., XXI, alínea “a”, ainda traz a possibilidade de
apresentação de “razões e quesitos” na fase investigativa. Neste
aspecto o legislador foi tímido e poderia ter avançado ainda mais!
Quanto ao temo “razões”, entendemos que seu alcance se refere
a concessão de oportunidade de se notificar a defesa ao final da
investigação, antes do delegado elaborar o relatório final, para
apresentação das razões da defesa, que seriam verdadeiros memoriais
ou alegações finais escritas.
Quanto ao temo “quesitos”, o legislador está se referindo a
prova pericial. Não há outro sentido para esta previsão senão a
participação do investigado, por intermédio de seu advogado, em
contraditório das denominadas provas irrepetíveis ou periciais, já
aludidas no artigo 155 do CPP.
Segundo Ruchester Marreiros Barbosa, delegado de polícia, “o
legislador mandou muito mal em não trazer um procedimento mais
seguro para o expediente dos quesitos e da figura do assistente técnico
no inquérito, e, portanto, deverá incidir, por analogia, o previsto pelos
parágrafos do artigo 159 do CPP” (BARBOSA, 2016).
Agora, salvo melhor juízo, nada impede que por analogia,
sejam apresentados quesitos para produção da prova testemunhal ou
oitiva da vítima, na forma de perguntas, caso o advogado não esteja
presente.
Claro, que há investigações criminais nas quais não há ainda
um suspeito e as perícias realizadas poderão ser requisitadas de
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maneira complementar pelo advogado, evidentemente, se os vestígios
do crime ainda não tiverem desaparecidos.
Analogicamente, quanto aos quesitos, pode-se aplicar o prazo
de 10 (dez) dias previsto no artigo159, § 5º., I, CPP, tal qual ocorre na
fase processual. Quanto às razões, entende-se que também o prazo
pode ser de 10 (dez) dias, aplicando-se, novamente por analogia, agora
as regras comuns da instrução criminal no processo, nos termos do
artigo 396, CPP que trata da resposta à acusação.
Na verdade, novamente, a lei não impôs uma obrigação e sim
estabeleceu uma prerrogativa do defensor que poderá, acompanhando
o Inquérito, por exemplo, ofertar razões em seu bojo ou quesitar em
perícias. Isso praticamente já estava disposto no artigo 14, CPP,
quando estabelece que o defensor ou o imputado pode requerer
diligências durante o inquérito policial.
Apenas agora, não será dado à Autoridade Policial indeferir a
juntada de razões elaboradas pelo causídico ou seus quesitos na perícia,
porque são prerrogativa sua, legalmente determinada.
Inclusive, como aponta Eduardo Luiz Santos Cabette, “em
havendo requerimento prévio do defensor para esse fim, então deverá
obrigatoriamente a Autoridade responsável pela investigação notificá-
lo para apresentação de razões ou quesitos quando de perícia”
(CABETTE, 2016).
Entretanto, a prerrogativa somente se refere ao
acompanhamento do investigado pelo advogado, à elaboração de

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razões e de quesitos no bojo do procedimento. Nada diz a respeito de
notificações, seja para esses fins, seja, muito menos, para o
acompanhamento de oitivas de testemunhas e vítimas (Idem, 2016).
A notificação poderá ser obrigatória em caso de requerimento
expresso do causídico, mas mesmo assim somente em relação ao
acompanhamento do cliente em interrogatório e nas razões ou
quesitação. Não há falar em notificação para audiências em geral, como
se o Inquérito Policial ou qualquer Investigação Preliminar de qualquer
órgão fosse uma espécie de processo (Ibidem, 2016).

7 QUADRO COMPARATIVO

Portanto, verifica-se que as mudanças foram significativas,

conforme quadro comparativo abaixo:

Estatuto da OAB (Lei Estatuto da OAB (Lei 8.906/94)


8.906/94) antes das depois das alterações da Lei
alterações da Lei 13.245/2016
13.245/2016

“Art. 7o (...)
“Art. 7o (...)
XIV - examinar, em qualquer instituição
responsável por conduzir investigação, mesmo
sem procuração, autos de flagrante e de
XIV - examinar em qualquer
investigações de qualquer natureza, findos ou
repartição policial, mesmo sem
em andamento, ainda que conclusos à
procuração, autos de flagrante
autoridade, podendo copiar peças e tomar
e de inquérito, findos ou em
apontamentos, em meio físico ou digital;
andamento, ainda que

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conclusos à autoridade, XXI - assistir a seus clientes investigados
podendo copiar peças e tomar durante a apuração de infrações, sob pena de
apontamentos; nulidade absoluta do respectivo interrogatório
ou depoimento e, subsequentemente, de todos
os elementos investigatórios e probatórios dele
decorrentes ou derivados, direta ou
indiretamente, podendo, inclusive, no curso da
respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
b) (VETADO).

§ 10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o


advogado apresentar procuração para o
exercício dos direitos de que trata o inciso XIV.

§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a


autoridade competente poderá delimitar o
acesso do advogado aos elementos de prova
relacionados a diligências em andamento e
ainda não documentados nos autos, quando
houver risco de comprometimento da
eficiência, da eficácia ou da finalidade das
diligências.

§ 12. A inobservância aos direitos


estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento
incompleto de autos ou o fornecimento de autos
em que houve a retirada de peças já incluídas
no caderno investigativo implicará
responsabilização criminal e funcional por
abuso de autoridade do responsável que
impedir o acesso do advogado com o intuito de
prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo
do direito subjetivo do advogado de requerer
acesso aos autos ao juiz competente.” (NR).

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8 CONCLUSÃO

O que efetivamente ocorreu, com a nova Lei 13.245/16, foi uma


ampliação e explicitação das prerrogativas do defensor na fase
inquisitiva. Contudo, como ressalta Cabette (2016), a atuação do
advogado nessa fase da persecução criminal é agora mais abrangente,
mas disso a tornar-se a investigação um procedimento marcado pelo
contraditório e ampla defesa, vai um longo caminho.
Outrossim, não é possível crer que o Inquérito Policial tenha
perdido sua condição de procedimento inquisitivo. De qualquer forma,
já foi um grande avanço em direção à defesa das prerrogativas dos
advogados que militam na seara criminal.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ruchester Marreiros. Lei 13.245/16 exige mais do que o


advogado na investigação criminal. Revista jurídica eletrônica
Consultor Jurídico. Disponível: <http://www.conjur.com.br/2016 >
acesso em 09/02/2016.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Primeiros comentários à Lei


13.245/16 que altera o Estatuto da OAB e regras da Investigação
Criminal. Revista jurídica eletrônica JusBrasil. Consultor Jurídico.
Disponível: <http://http://jusbrasil.com.br/> acesso em 09/02/2016.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 22ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2015

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NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal
Comentado. 14ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

SUMARIVA, Paulo Henrique. Inquérito Policial deixa de ser


inquisitivo: Lei 13.245/16 altera as regras da investigação criminal.
Disponível <http://em www.jusbrasil.com.br > acesso em 09.02.2016.

TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 9ª ed.


Salvador: Juspodivm, 2014.

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