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Inquérito policial I

Nestor Távora

A persecução criminal
A persecução criminal para a apuração das infrações criminais e sua respectiva
autoria comporta duas fases bem delineadas. A primeira, preliminar, inquisitiva e objeto
do presente estudo, é o inquérito policial. A segunda, submissa ao contraditório e à am-
pla defesa, é denominada de fase processual.

Polícia judiciária
e polícia administrativa (CF, art. 144)
Basicamente, podemos subdividir o papel da polícia em:
■ Polícia administrativa ou de segurança – de caráter eminentemente pre-
ventivo, visa, com o seu papel ostensivo de atuação, impedir a ocorrência de
infrações. Por exemplo, a polícia militar dos Estados-membros.
■ Polícia judiciária – de atuação repressiva, age, em regra, após a ocorrência de
infrações, visando angariar elementos para apuração da autoria e constatação
da materialidade delitiva. Nesse aspecto, destacamos o papel da polícia civil
que deflui do parágrafo 4.º do artigo 144 da Constituição Federal (CF), verbis:

Art. 144. [...]


§4.º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressal-
vada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações
penais, exceto as militares.

Conceito e finalidade
do inquérito policial (CPP, art. 4.º)
Como ensina o professor Tourinho Filho (2003), o inquérito é “o conjunto de
diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e sua
autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”.

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Natureza jurídica do inquérito


O inquérito é um procedimento de índole meramente administrativa, de caráter in-
formativo, preparatório da ação penal.

Inquéritos extrapoliciais
A titularidade das investigações não está concentrada somente nas mãos da polícia
civil. Compulsando o teor do parágrafo 3.º do artigo 58 da CF, vemos que este consagra a
possibilidade de inquéritos extrapoliciais. Tal ocorre nos chamados inquéritos parlamen-
tares – patrocinados pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) –, nos inquéri-
tos militares, nos inquéritos por crimes praticados por magistrados ou promotores, nos
quais as investigações são presididas pelos órgãos de cúpula de cada carreira etc.

STF, N. 397. O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso
de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão
em flagrante do acusado e a realização do inquérito.

Características do inquérito policial

Discricionariedade
O delegado de polícia conduz as investigações da forma que melhor lhe aprouver.
O rumo das diligências está a cargo do delegado, que pode atender ou não aos requeri-
mentos patrocinados pelo indiciado ou pela própria vítima (CPP, art. 14).

Apesar de não haver hierarquia entre juízes, promotores e delegados, caso os dois
primeiros emitam requisições ao último, este está obrigado a atender.

Veja nos artigos 6.º e 7.º do Código de Processo Penal (CPP) a longa série de dili-
gências possíveis durante a tramitação do inquérito policial.

Escrito
Sendo procedimento administrativo destinado a fornecer elementos ao titular da
ação penal, o inquérito, por exigência legal, deve ser escrito, prescrevendo o artigo 9.º
do CPP que “todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a
escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.

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Sigiloso
Ao contrário do que ocorre no processo, o inquérito não comporta publicidade,
sendo um procedimento essencialmente sigiloso, disciplinando o artigo 20 do CPP que
“a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido
pelo interesse da sociedade”.

O sigilo tratado no artigo 20 do CPP não se estende ao juiz nem ao Ministério


Público.

O advogado do indiciado pode consultar os autos do inquérito policial, conforme


preceito legal insculpido no artigo 7.º, XIII a XV, e parágrafo 1.º da Lei 8.906/94 – Esta-
tuto da OAB. Configurando-se a hipótese de o delegado, arbitrariamente, negar o acesso
aos autos, pode o causídico valer-se do mandado de segurança.

Oficialidade
O delegado de polícia de carreira, autoridade que preside o inquérito policial,
constitui-se em órgão oficial do Estado (CF, art. 144, §4.º).

Oficiosidade (CPP, art. 5.º, I)


Em havendo um crime de ação penal pública incondicionada, a autoridade policial
deve atuar de ofício, instaurando o inquérito e apurando prontamente os fatos, haja vista
que, na hipótese, sua atuação decorre de imperativo legal (CPP, art. 5.º, I), dispensando,
pois, qualquer autorização para agir.

Nos crimes de ação penal pública condicionada e ação penal privada, isto é, naqueles
que ofendem de tal modo a vítima, em sua intimidade, que o legislador achou por bem
condicionar a persecução criminal à autorização desta, ou conferir-lhe o próprio direito
de ação, a autoridade policial depende da permissão legal para poder atuar, eis que a
própria legislação condicionou o início do inquérito a esse requisito (CPP, art. 5.º, §§ 4.º
e 5.º).

Indisponibilidade
A persecução criminal é de ordem pública e, uma vez iniciado o inquérito, o dele-
gado de polícia não pode dispor deste. Se, diante de uma circunstância fática, o delegado
percebe que não houve crime, nem em tese, não deve iniciar o inquérito policial. Contu-
do, uma vez iniciado o inquérito, deve levá-lo até o seu final, não podendo arquivá-lo, em
virtude de expressa vedação contida no artigo 17 do CPP.

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Inquisitivo
O inquérito é inquisitivo, pois as atividades persecutórias estão concentradas nas
mãos de uma única autoridade, não havendo contraditório nem ampla defesa.

Autoritariedade
O delegado de polícia, presidente do inquérito policial, é autoridade pública (CF,
art. 144, §4.º).

Competência (atribuição): CPP, arts. 4.º e 22


Apesar de a lei referir-se à competência, é certo que os delegados têm atribuição.
Afinal, o termo competência é afeto aos juízes, significando a delimitação de sua jurisdi-
ção. Para sabermos então qual o delegado com atribuição para atuar em um determinado
caso, ou seja, quem vai investigar uma certa infração, podemos nos valer de dois crité-
rios, que se complementam.

Critério territorial
Por esse critério, o delegado com atribuição é aquele que exerce suas funções na
circunscrição em que se consumou a infração. Lembre-se de que o termo circunscrição
significa a delimitação territorial na qual os delegados exercem as suas funções.

Critério material
Pelo critério material, temos a especialização da atuação da polícia, com delega-
cias especializadas na investigação e combate a determinado tipo de infração, a exemplo
das delegacias especializadas em homicídios, entorpecentes etc.

Prazos
O inquérito policial não pode se estender indefinidamente, dispondo o CPP e a
legislação extravagante acerca dos prazos de conclusão do inquérito policial. Vejamos
quais são eles.

Regra geral
Como regra geral para os crimes da atribuição da polícia civil estadual, o prazo para
a conclusão do inquérito é de 10 dias, estando o indiciado preso, prazo este improrrogável;

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e de 30 dias, se ele enfrenta o inquérito solto. Esse último prazo comporta prorrogação, a
requerimento do delegado e mediante autorização do juiz (CPP, art. 10).

Regras especiais
A legislação extravagante consagra regras especiais de conclusão do inquérito po-
licial. As principais regras são:

■■ Inquéritos a cargo da polícia federal – se o indiciado estiver preso, o pra-


zo para conclusão do inquérito é de 15 dias, prorrogável por igual período (Lei
5.010/66, art. 66). Estando solto o indiciado, seguimos a regra geral, ou seja,
30 dias para a conclusão, prorrogáveis mediante solicitação do delegado e autori-
zação do juiz, cabendo a este estipular o prazo, haja vista o silêncio da lei sobre
o prazo de prorrogação.

■■ Crimes contra a economia popular (Lei 1.521/51) – o parágrafo 1.º do artigo


10 da referida lei prevê o prazo de 10 dias para a conclusão do inquérito policial.
Todavia, não faz distinção entre indiciado preso ou solto.

■■ Na lei antitóxicos (Lei 11.343/2006, art. 51) – a nova lei de repressão aos en-
torpecentes prevê o prazo de 30 dias, duplicáveis, em estando o indiciado preso,
e de 90 dias, também duplicáveis, se solto estiver.

Contagem do prazo
Vistas as regras gerais de fixação dos prazos para o encerramento do inquérito
policial, vejamos como fixar os marcos inicial e final da contagem. Doutrinadores res-
peitáveis, tais quais os professores Mirabete e Fernando Capez, entendem que o prazo
deve ser contado atendendo aos ditames do CPP, ou seja, excluindo-se o dia do começo
e incluindo-se o último dia, e seguem essa regra, sem fazer distinção entre indiciados
presos ou soltos (CPP, art. 798, §1.º).

Não obstante o respeitável entendimento citado, deve-se ter na memória a distinção


que o professor Tourinho Filho faz para a contagem do prazo. Assim, para o ilustre professor,
se o indiciado estiver preso, o prazo do inquérito deve ser contado na forma do artigo 10
do Código Penal, ou seja, incluindo-se o dia do começo e excluindo-se o do vencimento.
Em estando solto o indiciado, segue-se a regra insculpida no parágrafo 1.º do artigo 798
do CPP, a qual explicamos no parágrafo anterior.

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Valor probatório
Segundo o professor Fernando Capez (2003, p. 72), o inquérito policial tem valor
probatório relativo, pois carece de ser confirmado por outros elementos colhidos durante
a instrução processual. O inquérito, já sabemos, objetiva angariar elementos para con-
tribuir na formação da opinião delitiva do titular da ação penal, pois, nessa fase, não há
contraditório ou ampla defesa. Assim, não pode o magistrado condenar o réu com base
tão-somente em elementos colhidos durante o inquérito. É essencial que a instrução pro-
batória em juízo, regida pelo contraditório e ampla defesa, oportunize colher elementos
convincentes e robustos a fundamentar um decreto condenatório.

Vícios
Os vícios ocorridos no inquérito policial não atingem a ação penal. A jurispru-
dência e a doutrina afirmam que, como uma série de processos inicia-se sem ter havido
previamente o inquérito policial, esse procedimento preliminar não é essencial à proposi-
tura da ação penal, sendo, portanto, dispensável. Assim, algo que não é essencial ao pro-
cesso não tem o condão de, uma vez viciado, contaminar a ação penal. Em outras pala-
vras, os males ocorridos no inquérito não têm a força de contaminar o processo criminal.
A irregularidade ocorrida durante o inquérito poderá gerar a invalidade ou ineficácia do
ato inquinado, todavia, sem levar à nulidade processual. Por exemplo, em havendo uma
prisão em flagrante ilegal durante o inquérito, esta deve ser relaxada; todavia, esse fato
não leva à nulidade do futuro processo contra o suposto autor do fato.

Notitia criminis (notícia do crime)

Conceito
É o conhecimento pela autoridade policial, quer seja espontâneo quer seja provo-
cado, de um fato aparentemente criminoso.

Espécies

Espontânea (cognição imediata)


É o conhecimento direto dos fatos pela autoridade policial ou através de comuni-
cação informal (exemplo: a autoridade tem notícia da infração por meio de suas investi-
gações).
A chamada delação apócrifa ou notitia criminis inqualificada é o que vulgarmente
chamamos de denúncia anônima.

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Provocada (cognição mediata)


É o conhecimento da infração pela autoridade mediante provocação de terceiros,
conforme descrito a seguir.

Requisição do juiz ou Ministério Público

Nos crimes de ação penal pública, o juiz ou o promotor de justiça podem deter-
minar a instauração do inquérito policial através da requisição. Aqui, requisição é sinônimo
de ordem, sendo espécie de notícia-crime, pois, por meio dela, a autoridade policial tem
conhecimento da infração.

Requerimento da vítima

A vítima de uma infração ou o seu representante legal noticiam o fato à autorida-


de policial por meio de requerimento, devendo conter a narração dos fatos e suas circuns-
tâncias; a individualização do suposto autor da infração, ou seus sinais característicos e
razões de convicção de ser mesmo o autor do delito; a nomeação de testemunhas, com
indicação da profissão e residência delas.

Caso o delegado de polícia indefira o requerimento da vítima para instauração


do inquérito policial, ela poderá recorrer administrativamente ao secretário de Segurança
Pública (o CPP usa a expressão chefe de Polícia no art. 5.º, §2.º).

Representação da vítima (delatio criminis postulatória)

Nos crimes de ação penal pública condicionada à representação, ou seja, naqueles


em que o legislador, por uma questão de política criminal, conferiu à vítima o poder de
autorizar ou não a persecução criminal, se ela resolve fazê-lo, noticiando o fato para que
o inquérito seja instaurado, essa espécie de notícia-crime é chamada de representação.

Delação

Qualquer do povo, nos crimes de ação penal pública incondicionada, pode, vali-
damente, noticiar o fato delituoso à autoridade policial, dando ensejo à instauração do
inquérito, pelo que se chama de delação.

Requisição do ministro da Justiça

Em alguns crimes, a persecução criminal está condicionada a uma autorização do


ministro da Justiça, também chamada de requisição. O estudante deve distinguir que essa
requisição, apresentada pelo ministro da Justiça, ao contrário da requisição emanada dos

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juízes e promotores, não é sinônimo de ordem, e sim uma mera autorização para o início da
persecução criminal em algumas infrações que a exigem.

Notícia-crime revestida de forma coercitiva


Essa espécie de notícia-crime nada mais é do que a prisão em flagrante, que pode
representar hipótese de notícia-crime espontânea, quando quem realiza a prisão é a pró-
pria autoridade policial ou seus agentes, ou provocada, quando quem realiza a prisão é
um particular (CPP, art. 301).

Peças inaugurais do inquérito policial


Sendo o inquérito policial um procedimento escrito, a peça inaugural dele é a
portaria, indicando assim a sua instauração.

O aluno deve assimilar as características do inquérito policial, entendendo que


este é apenas uma fase da persecução criminal, sem contraditório ou ampla defesa, no
intuito de angariar elementos para a futura ação penal.

Não deve jamais incorrer em erro quanto à notícia-crime, que é a comunicação da


ocorrência de uma infração à autoridade com atribuição para investigá-la.

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Referências

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