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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

INQUÉRITO POLICIAL
Rafael Francisco Marcondes de Moraes
Doutor e Mestre em Direito Processual Penal (USP)
Professor da Academia de Polícia de São Paulo (ACADEPOL)
Delegado de Polícia
@rafaelfmmoraes
@rafaelfmarc

https://linktr.ee/rafaelfmmoraes
INQUÉRITO POLICIAL
Marco histórico legal: Decreto 4.824, de 22/11/1871,
regulamentador da Lei 2.033, de 20/09/1871

Decreto 4.824/1871, art. 42: O inquérito policial consiste


em todas diligências necessárias para o descobrimento
dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus
autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento
escrito.
FUNDAMENTOS NORMATIVOS
CF, art. 109, § 5º: Nas hipóteses de grave violação de direitos
humanos, o PGR, com a finalidade de assegurar cumprimento de
obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos
humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o
STJ, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de
deslocamento de competência para a Justiça Federal.
CF, art. 129, VIII: Função do MP requisitar diligências investigatórias
e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos
jurídicos de suas manifestações processuais
FUNDAMENTOS NORMATIVOS
CPP (Decreto-lei 3.689/1941), Título II (arts. 4º a 23): Do inquérito policial
Lei 12.830/2013, art.2º, § 1º: Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade
policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial
ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das
circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
Lei 14.735/2023, art. 6º: Compete à Polícia Civil, ressalvadas a competência da
União e as infrações penais militares, executar privativamente as funções de polícia
judiciária civil e de apuração de infrações penais, a serem materializadas em
inquérito policial ou em outro procedimento de investigação.
Lei 14.735/2023, art.26, p.u.: Cabe ao delegado de polícia presidir o inquérito
policial, no qual deve atuar com isenção, com autonomia funcional e no interesse
da efetividade da tutela penal, respeitados os direitos e as garantias fundamentais
e assegurada a análise técnico-jurídica do fato.
SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS E INQUÉRITO POLICIAL
 Inquisitório (inquisitivo): acúmulo de funções, ausência de
garantias fundamentais, escrito e sigiloso (indivíduo objeto)
 Acusatório: divisão de funções, incidência de garantias
fundamentais, oral e público (indivíduo sujeito de direitos)
 Misto?
 Dicotomia inquisitório-acusatório?
 Característica do Inquérito Policial?
 Procedimento inquisitório (visão tradicional) x Procedimento
apurativo/apuratório (visão moderna)
 Dignidade humana: fundamento da República (CF, art. 1º, III)
 Princípio-matriz: cláusula geral
 Existência do Estado voltada para proteção das pessoas.
 Valor intrínseco: toda pessoa como sujeito de direitos (materiais e
processuais), sem distinção.
 CF, art. 5º, inciso LIV: ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal
 Cláusula geral: evolui e agrega garantias fundamentais
 Devida investigação criminal e dignidade procedimental: etapa
preliminar extrajudicial
 Garantias: legalidade, proibição de provas ilícitas, estado de inocência,
reserva jurisdicional, juiz natural (delegado natural), publicidade, motivação,
não autoincriminação, contraditório e ampla defesa.
Há contraditório e defesa no
Inquérito Policial?
Joaquim Canuto Mendes de Almeida (1957):
direito de defesa no inquérito policial
X
José Frederico Marques (1960):
investigado mero objeto da investigação e
inquérito policial inquisitório
Rogério Lauria Tucci (1993)
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (2002)
Marta Saad (2004)
CONTRADITÓRIO E DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL?
 CF, art. 5º, inciso LV: aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
 Acusado em geral: imputado (suspeito, indiciado, réu)
 Contraditório formal: ciência e participação
 Contraditório material: ampla defesa e poder de influência (dimensão
substancial do contraditório)
 Dicotomia acusatório-inquisitório? Sistema misto?
 Inquérito policial: apuratório (supera inquisitório), contraditório
extrajudicial (possível; limitado; mitigado; fraco ou imperfeito), na densidade
aplicável à investigação criminal.
DEVIDO PROCESSO PENAL E DEVIDA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

(BALDAN, Édson Luís)


DEVIDO PROCESSO PENAL E DEVIDA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

(COELHO, Emerson Ghirardelli)


DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL?
Autodefesa:
 Direito de presença
 Direito de audiência
 Direito de postular pessoalmente
 Direito ao silêncio
 Não autoincriminação

Defesa técnica:
 Advogado: indispensável à administração da Justiça (CF, art.133)
 Defensor Público defesa judicial e extrajudicial aos necessitados (CF,art.134)
CONTRADITÓRIO E DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL?

Indiciamento e interrogatório policial: ciência dos fatos, autodefesa


positiva (oferece versão; requer diligências) ou negativa (direito ao
silêncio; não autoincriminação)
Assistência advocatícia: defesa técnica (facultativa?)
Defesa endógena: versões (autodefesa), diligências, juntada de
documentos (CPP, art. 14), razões e quesitos (EAOAB, art.7º, XXI, a)
Defesa exógena: medidas judiciais como habeas corpus e mandado de
segurança
CONTRADITÓRIO E DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL?
CPP, art. 14-A (Lei 13.964/2019): Servidores da Segurança Pública investigados por
uso da força letal praticados no exercício profissional, o indiciado poderá constituir
defensor.
§ 1º Investigado deverá ser citado da instauração do procedimento
investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 horas a contar do
recebimento da citação.
§ 2º Esgotado prazo do § 1º com ausência de nomeação de defensor pelo
investigado, autoridade deverá intimar instituição a que estava vinculado o
investigado à época dos fatos, para que essa, no prazo de 48 horas, indique defensor
para a representação do investigado.
§§ 3º* a 6º: preferencialmente Defensoria Pública; Poder Público disponibilizará
procurador; aplicável para Forças Armadas nos fatos envolvendo missões de Garantia
da Lei e da Ordem.
*Obs.: §§ 3º a 5º foram objeto de veto, derrubado em 19/04/2021.
Há publicidade no
Inquérito Policial?
 Inquérito Policial: sigiloso ou de publicidade restringível?

 CF, arts.5º, LX e 37: autoriza restringir princípio da publicidade quando


defesa da intimidade ou interesse social exigirem.

 CPP, art.20: autoridade assegurará no inquérito sigilo necessário à


elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade (modulação da
publicidade).

 STF, SV 14: Direito do defensor ter acesso amplo aos elementos de prova já
documentados em procedimento investigatório criminal.

 Resolução CNMP 181/2017, art. 15: atos e peças do procedimento


investigatório criminal da acusação são públicos.
 Inquérito Policial: sigiloso ou de publicidade restringível?
Níveis de publicidade:
1º) Publicidade externa: regra, acesso aos autos (findos ou em andamento e
ainda que conclusos) e cópias físicas ou digitais a interessado e defensor
sem procuração (EAOAB-Lei 8.906/1994, art.7º, XIV-Lei 13.245/2016);
2º) Publicidade interna (sigilo externo ou segredo de justiça): para autos
sujeitos a sigilo, acesso aos envolvidos e defensores com procuração
(EAOAB, art.7º,§10);
3º) Sigilo interno: acesso restrito às autoridades a diligências em
andamento ainda não documentadas nos autos principais, para não
comprometer tais medidas, por tempo delimitado (EAOAB, art.7º, § 11).
 Inquérito Policial: sigiloso ou de publicidade restringível?
Níveis de publicidade:
1º) Publicidade externa: regra, acesso aos autos (findos ou em andamento e
ainda que conclusos) e cópias físicas ou digitais a interessado e defensor
sem procuração (EAOAB-Lei 8.906/1994, art.7º, XIV-Lei 13.245/2016);
2º) Publicidade interna (sigilo externo ou segredo de justiça?): para autos
sujeitos a sigilo, acesso aos envolvidos e defensores com procuração
(EAOAB, art.7º,§10);
3º) Sigilo interno: acesso restrito às autoridades a diligências em
andamento ainda não documentadas nos autos principais, para não
comprometer tais medidas, por tempo delimitado (EAOAB, art.7º, § 11).
EAOAB (Lei 8.906/94), art.7º, §12: inobservância do inciso XIV (publicidade e
acesso aos autos), fornecimento incompleto de autos ou retirada de peças já
incluídas implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade
do responsável que impedir acesso do advogado, sem prejuízo do direito subjetivo do
advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.
Lei 13.869/2019 (Nova Lei de Abuso de Autoridade), art. 32: Negar ao interessado,
seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo
circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de
infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias,
ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a
realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Acesso a vítimas e familiares aos autos? STJ, RMS 70.411-RJ, j. 18/04/2023; STJ,
RMS 55.790-SP, j. 06/12/2018
Enunciado 3 do Seminário Polícia Judiciária e a Nova Lei de Abuso de
Autoridade (Lei 13.869/2019, art. 32):
O Delegado de Polícia decretará o sigilo externo de procedimento investigatório,
fundamentadamente, para a tutela da intimidade ou do interesse social e, do
mesmo modo, determinará o sigilo interno quando houver risco de
comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências a
serem realizadas.

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Inquérito Policial:

Escrituralidade
x
Oralidade?
 Inquérito Policial: escrito ou preferencialmente oral?
 CPP (Decreto 3.689/1941), art. 9º: Todas as peças do inquérito policial serão,
num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso,
rubricadas pela autoridade.
 CPP, art. 405, §1º: Sempre que possível, o registro dos depoimentos do
investigado, indiciado, ofendido e testemunha será feito pelos meios ou
recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar,
inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações
(Lei 11.719/2008).
Inquérito Policial: escrito ou preferencialmente oral?
 Técnicas de Entrevista Investigativa (psicologia do testemunho):
planejamento, preparação, elaboração de hipóteses, respeito e cooperação
(rapport), relato livre, perguntas abertas e registro audiovisual.
 Provas dependentes da memória: (ir)repetíveis? Elementos informativos?
 Audiências e gravações audiovisuais (incremento da oralidade):
 Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006, art.10-A, §2º, III – Lei 13.505/17)
 Colaboração premiada (Lei 12.850/2013, art.4º, §13 – Lei 13.964/19)
 Depoimento especial (Lei 13.431/2017, art. 12, VI)

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 Inquérito Policial: (in)dispensável ou autônomo?
Pode haver inquérito policial sem ação penal ou ação penal sem inquérito
(raro).
CPP, art. 12: O inquérito policial acompanhará denúncia ou queixa, sempre
que servir de base a uma ou outra.
CPP, art. 395, III: denúncia ou queixa-crime rejeitada quando faltar justa causa
para ação penal.
STF, ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, j. 24/08/2023: inconstitucionalidade,
com redução de texto, dos §§ 3º e 4º do art. 3º-C do CPP (Lei 13.964/2019)
e interpretação conforme para entender que os autos que compõem matérias
do juiz das garantias serão remetidos ao juiz da instrução. e
julgamento;
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE DIREITO

OBRIGADO PELA ATENÇÃO!


RAFAEL FRANCISCO MARCONDES DE MORAES

@rafaelfmmoraes
@rafaelfmarc

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