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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Distribuído por prevenção a 5ª CACRI

DAVID VIEIRA HALLACK, advogado regularmente inscrito nos quadros da


OAB/MG sob o nº 100.620, com escritório profissional situado na Ataliba de
Barros, nº 182, sala 306, bairro São Mateus, Juiz de Fora - MG, vêm,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos artigos 5º, inciso
LXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, 647, 648, inciso
I, e seguintes, do Código de Processo Penal Brasileiro, e 448 e seguintes do
Regimento Interno deste Ínclito Sodalício, impetrar ORDEM DE HABEAS
CORPUS com pedido liminar, em razão de ato praticado, nos autos de
origem do processo n. 0033071-81.2019.8.13.0521, pela MMº. Juiz de Direito da 2ª
Vara Criminal da Comarca de Ponte Nova/MG, FELIPE ALEXANDRE VIEIRA
RODRIGUES, ora apontado como autoridade coatora, em favor de BRUNO
SANTOS GERHEIM, brasileiro, solteiro, vendedor autônomo, nascido em 19 de
setembro de 1984, filho de Luiz Gerheim e de Maria Madalena Santos Gerheim,
inscrito no RG sob o nº 14.609.863 (SSP/MG), residente e domiciliado na Rua
Luiz Fávero, nº 475, bairro Bom Jardim, Juiz de Fora/MG -, ora apontado como
paciente, pelas razões de fato e de direito a seguir consignadas.

EPÍTOME

O paciente foi preso em flagrante delito em 21 de fevereiro de 2019


em flagrante delito por ter praticado, em tese, os delitos de tráfico de drogas,
associação para o tráfico e lavagem de dinheiro, tendo sido concedida liberdade
provisória mediante pagamento de fiança em 23 de fevereiro daquele ano.

É que, na oportunidade, policiais militares de Ponte Nova teriam


recebido uma denúncia anônima informando que indivíduos de outra cidade
estaria negociando veículos suspeitos e, em abordagem no estabelecimento
1
comercial, o Paciente foi encontrado em posse de um veículo Hilux suspeita de
estar clonada.

Iniciadas as investigações através de quebra de sigilo em aparelhos


celulares apreendidos pela Polícia Civil, verificou-se em conversas entre o Paciente
e demais acusados, sem quaisquer provas ou indícios, que o Paciente
comercializava veículos em dívidas relacionadas ao tráfico.

No dia 09/10/2019, então, o MMª. Juiz de Direito, aqui apontado


como autoridade coatora, entendendo, pois, estarem preenchidos o fumus commissi
delicti e o periculum libertatis, promoveu, de forma ilegal, para o opróbrio do
Paciente, a desditosa conversão em preventiva.

Nada obstante, como será, agora, demonstrado, com acuidade, os


fundamentos plasmados para justificar o preenchimento do decreto extremo são
insipientes, conjecturais e inidôneos, não servindo para restringir, acima de
qualquer dúvida razoável, o direito fundamental à liberdade de locomoção
consagrado na Carta Política desta régia República.

É o relatório, sucinto e objetivo. Vou aos fundamentos de plexo,


pois.

DA COGNOSCIBILIDADE

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, em seu


rol de direito e garantias fundamentais, mais precisamente em seu artigo 5º, inciso
LXVIII, estabelece que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou
se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção,
por ilegalidade ou abuso de poder” (destaquei).

O Código de Processo Penal Brasileiro, por sua vez, considera ilegal


a coação “quando não houver justa causa1”.

In casu, há clara ofensa à liberdade de locomoção do Paciente, vez


que, sem fundamentação válida, foi promovida, em desconformidade com a lei, a
conversão de sua prisão em preventiva, sem que exista, pois, necessidade de se
precatar, de fato, a ordem pública.

1
Artigo 648, incisos I, do Código de Processo Penal Brasileiro
2
Não há, para o exame da presente ordem de habeas corpus, dilação
probatória (matéria invocada é exclusivamente de direito, sendo consentânea com
a via estreita), muito menos, ainda, a substituição de recurso próprio.

Já não fosse o bastante, o § 2º, do artigo 654, do Código de Processo


2
Penal , prescreve que “os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício
ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre
ou está na iminência de sofrer coação ilegal”, de modo que, ainda que não se
admita ser este o meio pertinente para impugnar a matéria, torna-se patente a
concessão da ordem, por este Colegiado, ex officio. É que, a ordem, como cediço, se
verte no great writ of liberty, sufragando garantia casta ao ius libertatis de todo e
qualquer cidadão.

Conforme ensina Guilherme de Souza Nucci, “a legitimação,


conferida por lei, envolve matéria de ordem pública, que é a inviolabilidade da liberdade
individual. Chegando ao conhecimento do juiz ou Tribunal competente, mesmo que não
seja pela via processual, a ocorrência de um abuso contra a liberdade de locomoção, torna-
se cabível a concessão da ordem de habeas corpus de ofício3” (grifei).

Ademais, a autoridade coatora, Flávia de Vasconcellos Araújo, é


Juíza de Direito da Vara Criminal da Comarca de Leopoldina/MG, sendo este
Colendo Sodalício, portanto, competente para apreciar a presente ação autônoma
de impugnação, ex vi do artigo 106, inciso I, alínea “d”, da Constituição deste
Estado de Minas Gerais.

Desta forma, ante as flagrantes coações e ilegalidades que serão, hic


et nunc, especificamente apontadas, a concessão da presente ordem, até mesmo de
ofício, é medida que impera.

SÍNTESE DA CONTROVÉRSIA

A presente ordem de habeas corpus repressivo irá se cingir em dois

pontos, a saber: (i) prisão ilegal por ausência de fumus commissi delicti e periculum

2
Respectivo dispositivo encontra paridade, vale mencionar, no artigo 456, do Regimento Interno
deste Egrégio Tribunal de Justiça, que assim consigna, in verbis: “Art. 456. Os órgãos julgadores do
Tribunal têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso do processo for
verificado que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”.
3
NUCCI, Guilherme de Souza / Habeas corpus. – Rio de Janeiro: Forense, 2014; p. 54, epub.

3
libertatis; e (ii) possibilidade de se aplicar medidas cautelares diversas da prisão.

Trago, para melhor elucidação, o seguinte briefing:

Juiz de Fora, 25 de maio de 2020.

assinado digitalmente

DAVID VIEIRA HALLACK

OAB/MG 100.620

CAMILO LELIS FELIPE CURY, advogado regularmente inscrito nos


quadros da OAB/MG sob o nº 104.122, e RODRIGO BASTOS DE
FIGUEIREDO, advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB/MG sob o
nº 186.526, ambos com escritório profissional situado na Rua Dr. Penna, nº 38,
Bairro São Sebastião, urbe de Barbacena/MG, vêm, respeitosamente, à presença
de Vossa Excelência, com fulcro nos artigos 5º, inciso LXVIII, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1.988, 647, 648, inciso I, e seguintes, do
Código de Processo Penal Brasileiro, e 448 e seguintes do Regimento Interno
deste Ínclito Sodalício, impetrar ORDEM DE HABEAS CORPUS com
pedido liminar, em razão de ato praticado, nos autos de origem do processo
4
n. 0384.19.000047-9, pela MMª. Juíza de Direito da Vara Criminal da Comarca
de Leopoldina/MG, FLÁVIA DE VASCONCELLOS ARAÚJO, ora apontada
como autoridade coatora, em favor de MAILSON SOARES DA SILVA,
brasileiro, solteiro em união estável, office boy, filho de Antônia Aparecida
Soares Duarte Silva e Sebastião Ferreira da Silva, inscrito no RG sob o nº
20.287.894 (SSP/MG), nascido em 02/09/1993, residente e domiciliada na Rua

5
José Mariano, nº 34, Bairro Arvoredo 2, Contagem/MG, CEP nº 32.180-522 -
atualmente recolhido no presídio de Juiz de Fora/MG -, ora apontado como
paciente, pelas razões de fato e de direito a seguir consignadas.

EPÍTOME

O paciente foi preso, em 08/01/2019, pela suposta prática dos crimes


previstos nos artigos 16, da Lei n. 10.826/03, 28, da Lei n. 11.343/06, e 180 e 288,
parágrafo único, do Código Penal Brasileiro.

É que, na oportunidade, policiais militares de Leopoldina/MG teriam


recebido, do setor de inteligência de Belo Horizonte/MG, o informe de que
havia uma associação criminosa instalada na Zona Rural daquela urbe, com o
unívoco objetivo de praticar roubos na região.

Neste diapasão, os policiais encontraram o local e iniciaram


monitoramento, logrando êxito em identificar, lá, dois carros “clonados”.

Feito o flagrante, foram localizadas 16 armas de fogo (inclusive fuzis),


munições, carregadores, coletes a prova de balas, diversos cartões de crédito,
pequena quantidade de entorpecentes e 17 celulares.

Foram presas, na ocasião do flagrante, nove pessoas, incluindo o


paciente.

Haurindo os objetos apreendidos na propriedade, os policiais militares


concluíram que o grupo iria praticar um assalto contra a empresa “Proforte”, do
“Grupo Protege”, localizada na cidade.

Durante a abordagem, ainda foram encontrados mais 03 carros,


supostamente de propriedade dos presos. Em um deles foi encontrada uma
espingarda.
No dia 10/01/2019, então, a MMª. Juíza de Direito, aqui apontada como
autoridade coatora, entendendo, pois, estarem preenchidos o fumus commissi
delicti e o periculum libertatis, promoveu, de forma ilegal, para o opróbrio do
paciente, a desditosa conversão em preventiva.

Nada obstante, como será, agora, demonstrado, com acuidade, os


fundamentos plasmados para justificar o preenchimento do decreto extremo
são insipientes, conjecturais e inidôneos, não servindo para restringir, acima de
qualquer dúvida razoável, o direito fundamental à liberdade de locomoção
consagrado na Carta Política desta régia República.

É o relatório, sucinto e objetivo. Vou aos fundamentos de plexo, pois.

DA COGNOSCIBILIDADE

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, em seu rol


de direito e garantias fundamentais, mais precisamente em seu artigo 5º, inciso
LXVIII, estabelece que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer
ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (destaquei).

O Código de Processo Penal Brasileiro, por sua vez, considera ilegal a


coação “quando não houver justa causa1”.

In casu, há clara ofensa à liberdade de locomoção do paciente, vez que,


sem fundamentação válida, foi promovida, em desconformidade com a lei, a

1
Artigo 648, incisos I, do Código de Processo Penal Brasileiro.
conversão de sua prisão em preventiva, sem que exista, pois, necessidade de se
precatar, de fato, a ordem pública.

Não há, para o exame da presente ordem de habeas corpus, dilação


probatória (matéria invocada é exclusivamente de direito, sendo consentânea
com a via estreita), muito menos, ainda, a substituição de recurso próprio.

Já não fosse o bastante, o § 2º, do artigo 654, do Código de Processo


Penal2, prescreve que “os juízes e os tribunais têm competência para expedir de
ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que
alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”, de modo que, ainda
que não se admita ser este o meio pertinente para impugnar a matéria, torna-se
patente a concessão da ordem, por este Colegiado, ex officio. É que, a ordem,
como cediço, se verte no great writ of liberty, sufragando garantia casta ao ius
libertatis de todo e qualquer cidadão.

Conforme ensina Guilherme de Souza Nucci, “a legitimação, conferida por


lei, envolve matéria de ordem pública, que é a inviolabilidade da liberdade individual.
Chegando ao conhecimento do juiz ou Tribunal competente, mesmo que não seja pela
via processual, a ocorrência de um abuso contra a liberdade de locomoção, torna-se
cabível a concessão da ordem de habeas corpus de ofício3” (grifei).

Ademais, a autoridade coatora, Flávia de Vasconcellos Araújo, é Juíza


de Direito da Vara Criminal da Comarca de Leopoldina/MG, sendo este
Colendo Sodalício, portanto, competente para apreciar a presente ação
autônoma de impugnação, ex vi do artigo 106, inciso I, alínea “d”, da
Constituição deste Estado de Minas Gerais.

2
Respectivo dispositivo encontra paridade, vale mencionar, no artigo 456, do Regimento
Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça, que assim consigna, in verbis: “Art. 456. Os órgãos
julgadores do Tribunal têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso
do processo for verificado que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”.
3
NUCCI, Guilherme de Souza / Habeas corpus. – Rio de Janeiro: Forense, 2014; p. 54, epub.
Desta forma, ante as flagrantes coações e ilegalidades que serão, hic et
nunc, especificamente apontadas, a concessão da presente ordem, até mesmo de
ofício, é medida que impera.

SÍNTESE DA CONTROVÉRSIA

A presente ordem de habeas corpus repressivo irá se cingir em dois


pontos, a saber: (i) prisão ilegal por ausência de fumus commissi delicti e
periculum libertatis; e (ii) possibilidade de se aplicar medidas cautelares diversas
da prisão.

Trago, para melhor elucidação, o seguinte briefing:

Ementa: HABEAS CORPUS CRIMINAL. PRISÃO PREVENTIVA.


CONVERSÃO. COMPLETA AUSÊNCIA DE FUMUS COMMISSI DELICTI
E PERICULUM LIBERTATIS. REVOGAÇÃO. NECESSIDADE. AUSÊNCIA
DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA E DE INDÍCIOS SUFICIENTES
DA AUTORIA. DECISÃO DESPIDA DE FUNDAMENTAÇÃO EMPÍRICA
IDÔNEA. MÍNIMA REPROVABILIDADE DA CONDUTA NO PLANO
CONCRETO. ELEMENTAR DOS CRIMES DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO COMO
GRAVIDADE CONCRETA PARA O ACAUTELAMENTO.
IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE GARANTIA À ORDEM PÚBLICA.
LIBERDADE PROVISÓRIA. NÃO PRESCINDIBILIDADE. APLICAÇÃO DE
MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. VIABILIDADE. ORDEM A SER
IMEDIATAMENTE CONCEDIDA.
1. O decreto extremo, medida, sempre, de exceção, como cediço, exige,
para sua configuração, inarredavelmente, a presença, indissociável, de fumus
commissi delicti e periculum libertatis, o que deve ser demonstrado, pois, a luz
do princípio da necessidade, de forma democrática e dialética,
fundamentadamente (art. 93, IX, CRFB/88).
2. O fumus commissi delicti, como é de sabença, entendido como requisito
processual cautelar próprio que se funda em um juízo de probabilidade,
consiste na comprovação da existência do fato e na constatação minudente
de indícios suficientes de autoria. Nesta perspectiva, in casu, em que pese a
inevitável evidência dos fatos, não há, contra o paciente, indícios suficientes
de autoria, conditio sine qua non para o decreto extremo.
3. É que, a autoridade coatora, além de não individualizar a conduta do
paciente, tão somente mencionou, de forma genérica, que se encontram
presentes, nos autos, a prova do crime e indícios suficientes da autoria, o que
é vedado, ex vi do artigo 489, § 1º, III, CPC.
4. Já não fosse o bastante, não há, em um exame do inquérito, quaisquer
indícios, muito menos suficientes, de autoria do paciente para a prática dos
fatos. Ausente, portanto, o fumus commissi delicti, evidencia-se arbitrária a
conversão do flagrante em decreto provisório.
5. Ademais, in casu, as circunstâncias em que o paciente foi preso não
revelam, inexoravelmente, qualquer gravidade concreta à sociedade, apta a
demonstrar a premente necessidade do acautelamento. Ademais, o mero
status associativo, sem que ainda se tenha praticado crimes, substancia como
baixa a reprovabilidade da conduta (meros atos preparatórios), não
desbordando, no plano concreto, qualquer mácula que pragmatize, com
imediato repúdio, o bem jurídico protegido pelo legislador.
6. A fundamentação adotada pela magistrada primeva, de que a
associação criminosa gera total insegurança à sociedade, uma vez que não
resulta somente em prejuízo econômico às vítimas, mas em violentas mortes
de pessoas e policiais, se perfaz, indubitavelmente, ilegítima, eis que despida
de elementos objetivos do processo, o que é vedado, nos termos da súmula
n. 32, do Grupo de Câmaras Criminais deste Egrégio TJMG.
7. Atrelar a preservação da ordem pública ao clamor social ou à
credibilidade da Justiça é fundamentar com bases retóricas e emocionais,
destituindo a validade do argumento – pois se daria azo a qualquer prisão,
em qualquer processo, de qualquer pessoa –, por mera ornamentação
linguística, para se antecipar, com isso, o juízo próprio de culpa do
investigado e puni-lo inadequadamente, em completo vilipêndio aos
postulados e axiomas processuais constitucionais.
8. Apenas quando demonstrado, no decisum, a gravidade concreta do
crime, a luz de elementos próprios dos fatos, suas circunstâncias
excepcionais e modus operandi, aliados, pois, à periculosidade do agente, é
que haverá, indubitavelmente, insegurança pública objetiva que sustente o
decreto extremo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. In casu,
considerando que os elementos fáticos que levaram, o paciente, à prisão, não
traduzem, pois, qualquer periculosidade concreta, ou seja, não escapam à
abstração incutida no tipo, não há que se falar, indubitavelmente, em
garantia da ordem pública.
9. O objetivo de se praticar crimes (artigo 288, do CPB) - podendo ser
qualquer um, como, por exemplo, o roubo - é uma elementar do tipo penal e,
como tal, é, indubitavelmente, atrelado à gravidade abstrata. Ora, se não
houvesse a finalidade de se praticar um crime, não haveria que se falar em
associação criminosa.
10. Da mesma forma, a posse ilegal de arma de fogo de uso restrito é uma
elementar do crime previsto no artigo 16, da Lei n. 10.826/03, de modo que a
sua gravidade, assim descrita, é claramente abstrata, posto que já
contemplada previamente pelo legislador.
11. Desta maneira, a fundamentação adotada pela autoridade coatora, de
que o paciente, juntamente com os demais presos, objetivava praticar um
roubo, podendo ser com o uso de arma de fogo, resta, inevitavelmente,
atrelada à gravidade abstrata dos crimes de associação e posse ilegal de
arma de fogo de uso restrito, eis que, o roubo, no iter criminis, sequer atingiu
a execução, de modo que, meros atos preparatórios, como cediço, não são
puníveis, inclusive na forma tentada (art. 14, II CPB). Neste desiderato, se os
atos preparatórios não são puníveis, a luz dos princípios da
proporcionalidade e lesividade, também não podem servir para subsidiar o
decreto extremo. Precedentes do STJ.
12. Diante o princípio da proporcionalidade, sendo o paciente detentor de
residência fixa e trabalho lícito, bem como diante a gravidade concreta dos
crimes – que não extrapolaram a abstrata -, e não existindo, pois, risco à
aplicação da lei penal ou à instrução processual, resta premente,
inexoravelmente, a necessidade de se aplicar, hic et nunc, medidas cautelares
diversas da prisão, ex vi dos artigos 282, incisos I e II, e 319, do Código de
Processo Penal Brasileiro.

Passo, agora, a revelar, com acuidade, cada um dos pontos, de forma


clara e objetiva.

A DECISÃO OBJETADA: BREVE DELIMITAÇÃO

A malograda decisão ilegal, a qual ora se hostiliza, aqui, com o objetivo,


é claro, de tutelar em lume a liberdade de locomoção do paciente, se detém,
como forma de dar fundamento ao decreto extremo, em três prismas, voltados,
pois, para a existência de fumus commissi delicti e periculum libertatis.

A autoridade coatora, neste desiderato, após deduzir breve escorço


sobre os fatos, o que se dispensa a transcrição (eis que já há relato nesta peça –
capítulo denominado “epítome”), justificou, para o acautelamento, os seguintes
termos:

Há, nos autos, prova inequívoca da existência do crime e indícios


suficientes da autoria. Presentes estão, portanto, os pressupostos da prisão
preventiva (art. 312, parte final, do Código de Processo Penal).
Igualmente presente, nos autos, circunstância autorizadora
prevista no art. 312 do Código de Processo Penal, qual seja, a garantia da
ordem pública, pois ensina Mirabette que “o conceito de ordem pública não se
limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio
social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua
repercussão”.
Assim sendo e tendo em mira a afirmação da Autoridade Policial
no sentido de que os fatos são de natureza grave e que a ação policial que
resultou nas prisões em questão certamente evitou a prática de fatos
delitivos ainda mais gravosos, pois, segundo o Delegado de Polícia, a
quadrilha, agora detida, tencionava praticar roubo à empresa de valores,
com uso de armas de grosso calibre e que tais fatos geram total insegurança
à sociedade, uma vez que não resultam somente em prejuízo econômico à
empresa/banco vítima, mas em mortes violentas de policiais e pessoas que,
não raras vezes, são tomadas como vítimas/reféns no momento da ação
criminosa, sem ignorar o pesado armamento apreendido, estou convencida
que é significativo o perigo que FELIPE RODRIGUES ABRANCHES,
WEDSON MACHADO DA SILVA, LUCIANO SANTOS LOURENÇO,
SULINGTON TOME ARAUJO ESPERANÇA, NATANAEL FELIPE
COSTA BONIFÁCIO, MAILSON SOARES DA SILVA, JOAQUIM
RAIMUNDO DE ALMEIDA NETO, ARTHUR FIDALE OLIVEIRA DE SÁ
e GERMANO MARTINS MONTEIRO DE CASTRO podem causar à
ordem pública, caso permaneçam em liberdade, não existindo nenhuma
outra medida, diversa da presente, que possa assegurar a ordem pública,
isto é, não é cabível a substituição da Prisão Preventiva por outra medida
cautelar prevista no art. 319, do CPP, conforme disposto no art. 282, § 6º, do
CPP.
Por via de consequência, presentes os pressupostos da Prisão
Preventiva, inviável se mostra a concessão de liberdade provisória em
favor dos autuados, conforme art. 310, parágrafo único do Código de
Processo Penal e entendimento adotado no HC 1.0000.08.478621-
9/0004786219-9.2008.8.13.0000 TJMG.
Por fim, a medida de exceção se impõe para a garantia da ordem
pública, salvaguardando os interesses da coletividade, exigindo-se uma ação
rápida e rigorosa do poder Jurisdicional.
Isso posto, fiel a essas considerações, com fundamento nos artigos
310, II, 311, 312, 313, I, todos do Código de Processo Penal, CONVERTO a
PRISÃO EM FLAGRANTE de FELIPE RODRIGUES ABRANCHES,
WEDSON MACHADO DA SILVA, LUCIANO SANTOS LOURENÇO,
SULINGTON TOME ARAUJO ESPERANÇA, NATANAEL FELIPE
COSTA BONIFÁCIO, MAILSON SOARES DA SILVA, JOAQUIM
RAIMUNDO DE ALMEIDA NETO, ARTHUR FIDALE OLIVEIRA DE SÁ
e GERMANO MARTINS MONTEIRO DE CASTRO em PRISÃO
PREVENTIVA.4

Do exposto, podemos assim delimitar: (i) suposta existência de fumus


comissi delicti; e, também, de periculum libertatis, exclusivamente pela
preservação da ordem pública, a qual se sustenta, pois, (ii) na divinação de que
os presos, então associados, cometeriam o crime de roubo, e (ii) de que a
prisão, lida em sua vertente positiva, assegura, sempre, o interesse da
coletividade através de uma ação rápida e rigorosa do Poder Jurisdicional
(clamor social e credibilidade da Justiça).

4
Trecho extraído da decisão ilegal objetada, às ff. 200/201, dos autos de origem (anexa a esta
ação autônoma de impugnação).
Convém ressaltar, nesta oportunidade, que a presente ação autônoma
de impugnação se cingirá em objetar os seguintes fundamentos, posto que,
como cediço, não pode este Egrégio Tribunal de Justiça, ao examinar o caso,
empregar novos motivos para o acautelamento provisório.

É que, segundo a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de


Justiça, “os argumentos trazidos pelo Tribunal de origem, tendentes a justificar a
prisão provisória, não se prestam a suprir a ausente motivação do Juízo singular, sob
pena de, em ação concebida para a tutela da liberdade humana, legitimar-se o vício do
ato constritivo ao direito de locomoção do paciente 5”. Cito, ainda, os seguintes
precedentes: AgRg no HC 442.637/SP6, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA
TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe 23/10/2018; HC 455.611/ES7, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
02/10/2018, DJe 11/10/2018; e HC 436.813/RJ8, Rel. Ministra MARIA THEREZA
DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe 28/08/2018.

Portanto, não se pode levar em conta, agora, por exemplo, os


antecedentes criminais do paciente, posto que não foram objeto de
fundamentação pela autoridade coatora.

É o que se tinha a ponderar. Vou ao mérito.

DO DIREITO

5
HC 461.016/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
16/10/2018, DJe 05/11/2018.
6
“Não apresenta fundamentação concreta para a decretação da prisão preventiva, fazendo a decisão
referência apenas à gravidade abstrata do delito e na genérica regulação de cautelar penal, resta
caracterizada a flagrante ilegalidade, não podendo ser convalidada por acréscimo de fundamentação em
acórdão da Corte de origem que denegou o writ”.
7
“novos fundamentos agregados pelo Tribunal de origem não servem para suprir eventual deficiência de
fundamentação do decreto de prisão preventiva. Precedentes do STF e STJ”.
8
“Não é dado ao Tribunal a quo agregar fundamentos não presentes na decisão do Juízo singular, sob
pena de incidir em indevida inovação”.
1. DA COMPLETA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS QUE

SUBSIDIAM A PRISÃO PREVENTIVA: DECISÃO FUSTIGADA


QUE SE SUBJAZ DESPIDA DE FUNDAMENTAÇÃO EMPÍRICA
IDÔNEA.

O decreto extremo, medida, sempre, de exceção, como cediço, exige,


para sua configuração, inarredavelmente, a presença, indissociável, de fumus
commissi delicti e periculum libertatis, o que deve ser demonstrado, pois, a luz do
princípio da necessidade, de forma democrática e dialética,
fundamentadamente (art. 93, IX, CRFB/88).

Contudo, in casu, não há, de um lado, fumus commissi delicti, assim como
não há, do outro, periculum libertatis.

Pontuo, com minudência, cada um dos motivos:

 DA COMPLETA AUSÊNCIA DE FUMUS


COMMISSI DELICTI.

O fumus commissi delicti, como é de sabença, entendido como requisito


processual cautelar próprio que se funda em um juízo de probabilidade,
consiste na comprovação da existência do fato e na constatação minudente de
indícios suficientes de autoria.

Nesta perspectiva, in casu, em que pese a inevitável evidência dos fatos,


não há, contra o paciente, indícios suficientes de autoria, conditio sine qua non
para o decreto extremo.

Já de início, impende destacar a completa ausência de


fundamentação, pela autoridade coatora, sobre a existência dos indícios
suficientes de autoria do paciente para a participação na empreitada
criminosa, levando em consideração a irretorquível carência de
individualização. A magistrada, aliás, tão somente se conteve a mencionar, de
forma genérica – sem apontar qualquer justificativa concreta -, que, contra
todos os presos, “há, nos autos, prova inequívoca do crime e indícios
suficientes da autoria”.

Ora, nos termos do artigo 489, § 1º, inciso III, do Código de Processo
Civil Brasileiro (aplicável por analogia, ex vi do artigo 3º, do CPP), “não se
considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória,
sentença ou acórdão, que invocar motivos que se prestariam a justificar
qualquer outra decisão”.

Pari passu, já não fosse bastante a ilegalidade apontada, não há, em


um exame dos autos, quaisquer indícios, muito menos suficientes, de autoria
do paciente para a prática dos fatos.

Ele, em depoimento prestado em sede policial, uníssono a todas as


demais provas constantes do inquérito, foi firme ao revelar que, a bem da
verdade, teve a infelicidade de se encontrar no lugar errado, na hora errada.

É que, juntamente com Sulington Tome Araújo Esperança, foi


contratado, por “Maranhão” (conhecido daquele), para levar, ao sítio (local do
flagrante), 10 (dez) aparelhos celulares, pelo montante de R$ 1.500,00 (um mil e
quinhentos reais). Lá estando, sem saber sobre qualquer empreitada criminosa,
teve a infelicidade de ser apanhado em flagrante delito (por atos que não
cometeu).

Tal versão, vale destacar, foi corroborada por Sulington Tome Araújo
Esperança, que, em seu interrogatório, inclusive, fez questão de apontar o
endereço da pessoa de alcunha “Maranhão”, para que a polícia procedesse a
correta averiguação.
De mais a mais, dando maior coro à uníssona versão, Luciano Santos
Lourenço, tido pela Autoridade Policial, no inquérito, como o chefe da suposta
associação criminosa, foi peremptório ao aduzir que, de fato, encomendou os
aparelhos celulares da pessoa de “Maranhão”, o qual, para a adequada
prestação dos serviços, enviou Sulington e o paciente, que, portanto, nada
sabiam sobre a prática de quaisquer crimes. Colham-se as suas palavras:

LUCIANO SANTOS LOURENÇO: “QUE o declarante afirma que veio a esta


cidade de Leopoldina, na data de ontem, sozinho, trazendo todas as armas
apreendidas no sítio, pois iria se juntar com demais pessoas para cometerem
crimes; QUE não havia nada em específico, só sabe dizer que iriam se reunir
para cometerem crimes; QUE não é o responsável pela reunião, e nem o
responsável pelo aluguel do sítio; QUE afirma que o declarante foi quem
encomendou o bloqueador da pessoa de MARANHÃO, sendo que
JOAQUIM era o responsável por trazer o bloqueador para o declarante;
QUE afirma que JOAQUIM não sabia que o declarante iria fazer com o
bloqueador, nem mesmo o declarante, pois não havia nada programado
ainda; QUE o valor das armas apreendidas é aproximadamente R$
270.000,00; QUE conseguiu adquirir tais armas com dinheiro de assaltos a
bancos e outros crimes; QUE trouxe as armas no veículo ASX; QUE afirma
que o referido carro, o declarante obteve como um recebimento de dívida e
nada tem a ver com clonagem de tal veículo; QUE afirma que os aparelhos
celulares também foram obtidos através do contato com a pessoa de
MARANHÃO; QUE as pessoas de SULINGTON E MAILSON eram os
responsáveis por trazerem tais celulares; (...) QUE afirma que as pessoas
de SULINGTON, MAILSON e JOAQUIM não iriam se juntar ao bando
para cometerem os crimes e sim somente para trazerem as respectivas
encomendas9”. (destaquei)

São essas, exclusivamente, as provas que existem, acerca da autoria do


paciente, nos autos, de modo que não há, acima de qualquer dúvida razoável,
um mínimo indício (quem dirá suficiente) de que tenha participação na
prática dos crimes.

Ausente, portanto, o fumus commissi delicti, evidencia-se arbitrária a


conversão do flagrante em decreto provisório.

Requer-se, assim, a concessão da ordem para a imediata soltura do


paciente, mediante a expedição do competente alvará.

9
Trecho extraído às ff. 16/17, dos autos de origem (em anexo).
Cito, como precedente, o seguinte aresto, in verbis:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TRÁFICO DE DROGAS -


PRISÃO EM FLAGRANTE NÃO RATIFICADA PELA AUTORIDADE
POLICIAL - PEDIDO DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA DA
CONDUZIDA - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE INDÍCIOS
SUFICIENTES DE AUTORIA NECESSÁRIOS À CONFIGURAÇÃO DO
FUMUS COMMISSI DELICTI - RECURSO DESPROVIDO.
- Não havendo demonstração dos pressupostos autorizadores da prisão
preventiva, inviável acolher o pleito ministerial de decretação da medida
cautelar em desfavor da recorrida.10

 DA COMPLETA AUSÊNCIA DE PERICULUM LIBERTATIS.

In casu, a douta autoridade coatora, entendendo, a uma, pela legalidade


da prisão em flagrante delito, e, a duas, pelo escorreito preenchimento do fumus
commissi delicti, fundamentou, para promover a ilídima conversão em
preventiva (como meio de dar credibilidade à Justiça), a título de periculum
libertatis, a necessidade premente de se garantir a ordem pública (art. 312,
CPP), notadamente diante a gravidade abstrata dos crimes.

Contudo, ainda que, hipoteticamente, se entenda existir, de um lado, no


presente caso sub examine, fumus commissi delicti, não há, de outro, periculum
libertatis, eis que, diversamente dos fundamentos inidôneos empregados pela
autoridade coatora, subjazem ausentes os requisitos do artigo 312, do Código
de Processo Penal Brasileiro.

É que, in casu, as circunstâncias em que o paciente foi preso não


revelam, inexoravelmente, qualquer gravidade concreta à sociedade, apta a
demonstrar a premente necessidade do acautelamento. Ademais, o mero status
associativo, sem que ainda se tenha praticado crimes, substancia como baixa a

10
TJMG - Rec em Sentido Estrito 1.0024.15.067450-5/001, Relator(a): Des.(a) Furtado de
Mendonça, 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 31/05/0016, publicação da súmula em
10/06/2016.
reprovabilidade da conduta (meros atos preparatórios), não desbordando, no
plano concreto, qualquer mácula que pragmatize, com imediato repúdio, o bem
jurídico protegido pelo legislador.

Precipuamente, é importante consignar que, a fundamentação adotada


pela magistrada primeva, de que a associação criminosa gera total insegurança
à sociedade, uma vez que não resulta somente em prejuízo econômico às
vítimas, mas em violentas mortes de pessoas e policiais, se perfaz,
indubitavelmente, ilegítima, eis que despida de elementos objetivos do
processo, sendo, irrefutavelmente, guarida insofismável da gravidade abstrata
do crime (tema já vislumbrado pelo próprio legislador), alopoiese inaceitável
sob as vias democrática e republicana. É este, aliás, o entendimento esboçado,
por este Egrégio Tribunal de Justiça, através de sua súmula n. 32, do Grupo de
Câmaras Criminais, segunda a qual “a prisão preventiva deve ser, sempre,
fundamentada com dados objetivos do processo. (unanimidade)11”.

Ademais, como é de sabença, o clamor/comoção social, até mesmo


aliado à credibilidade da Justiça, não é fundamento suficiente e, portanto,
idôneo, para, sozinho ou conjuminado com a gravidade abstrata do crime,
justificar a prisão preventiva pela garantia da ordem pública. É esse, pois, o
entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO


PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. COMOÇÃO
SOCIAL. INIDONEIDADE. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO
CRIMINAL. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE BASE FÁTICA. 1. A
jurisprudência do Supremo Tribunal está sedimentada no sentido de que
a alusão à comoção social não consubstancia base empírica idônea para a
decretação da prisão preventiva. 2. A prisão cautelar, por conveniência da
instrução criminal, também não se sustenta quando fundada na simples

11
Extraído do site deste Egrégio Tribunal de Justiça, em 28/10/2018, às 10h24min: <
http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/arquivos/sumulas/Enunciados_Sumula_Grupo_Camar
as_Criminais.pdf>.
afirmação de sua necessidade, sem indicação de elementos fáticos que a
ampare. Ordem concedida.12

É que, não se pode descurar, atrelar a preservação da ordem pública ao


clamor social ou a credibilidade da Justiça é fundamentar com bases retóricas e
emocionais, destituindo a validade do argumento – pois se daria azo a qualquer
prisão, em qualquer processo, de qualquer pessoa –, por mera ornamentação
linguística, para se antecipar, com isso, o juízo próprio de culpa do acusado e
puni-lo inadequadamente, em completo vilipêndio aos postulados e axiomas
processuais constitucionais.

Ora, dar credibilidade ao Judiciário não é, jamais, antecipar o juízo de


culpa, mas sim preservar a sua imagem com a condução justa do processo
penal, garantindo, ao acusado, pessoa a quem se presume a inocência, as
garantias processuais constitucionais mínimas que subjazem a entrega do
direito material em um Estado Democrático de Direito.

Portanto, clamor social e credibilidade da Justiça, sozinhos, jamais


podem justificar acautelamento para garantia da paz e tranquilidade, mas sim
direito de cólera, cultura do punitivismo e prevalência da moral sobre o direito,
institutos que, inexoravelmente, não se pode, nunca, tolerar. Aliás, nas fecundas
palavras de Aury Lopes Jr., “a prisão seria um antídoto para a omissão do Poder
Judiciário, Polícia e Ministério Público. É prender para reafirmar a ‘crença’ no aparelho
estatal repressor13”.

A ordem pública, na sua acepção, deve ser entendida como um conceito


negativo, vez que é bem jurídico distinto da incolumidade das pessoas e do
patrimônio. É, pois, bem jurídico que, por efeito, preserva o modo
personalizado ou as especialíssimas circunstâncias subjetivas em que se deu, no

12
HC 92368, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 13/11/2007, DJe-070
DIVULG 17-04-2008 PUBLIC 18-04-2008 EMENT VOL-02315-04 PP-00831 REVJMG v. 58, n. 183,
2007, p. 317-318.
13
LOPES JR., Aury. Direito processual penal – 13. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2016; p. 556, epub.
plano concreto, a violação da integridade física, da saúde pública ou do
patrimônio de outrem.

Portanto, a ordem pública se distingue, inexoravelmente, da


incolumidade em si, mas se açoda ou não diante o modo ou as circunstâncias
em que tais bens jurídicos penais são violados na esfera de integridade das
pessoas ou do patrimônio de terceiros. É esta, assim, a sua categorização
jurídico-positiva, que, por não corresponder à incolumidade em si, não se atrela
à descrição abstrata do delito ao à cominação da pena, mas sim à imperiosa
necessidade de se acautelar o meio social – pressuposto de prisão cautelar (ai
sim) – contra fatores de perturbação que se localizam na peculiar execução do
crime, ou seja, no modus operandi e na gravidade concreta, diante situações e
circunstâncias de excepcionalíssimo repúdio.

Portanto, apenas quando demonstrado, no decisum, a gravidade


concreta do crime, a luz de elementos próprios dos fatos, suas circunstâncias
excepcionais e modus operandi, aliados, pois, à periculosidade do agente, é
que haverá, indubitavelmente, insegurança pública objetiva que sustente o
decreto extremo.

Neste sentido, para melhor ilustrar, sirvo-me do fecundo entendimento


sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, mutatis mutandis, in verbis:

Ementa: HABEAS CORPUS. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. PRISÃO


CAUTELAR. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM
PÚBLICA. DELIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL DESSE FUNDAMENTO
DA PRISÃO PREVENTIVA. ORDEM DENEGADA. 1. Muito já se escreveu
sobre esse fundamento específico da prisão preventiva, previsto no art. 312
do CPP. Para alguns estudiosos, serviria ele de instrumento para evitar
que o acusado, em liberdade, praticasse novos crimes ou colocasse em
risco a vida das pessoas que desejassem colaborar com a Justiça, causando
insegurança no meio social. Outros preferem associar a ordem pública à
credibilidade do Poder Judiciário e das instituições públicas. Por fim, há
também aqueles que encaixam no conceito de ordem pública a gravidade
do crime ou a reprovabilidade da conduta, sem falar no proverbial “clamor
público”, muitas vezes confundido com a repercussão, na mídia, causada
pelo suposto delito. 2. No seu cotidiano exercício de interpretação
constitucional do Direito Penal e Processual Penal, o Supremo Tribunal
Federal já consolidou o entendimento de que o uso de expressões
fortemente retóricas ou emocionais, além do apelo à credibilidade da
Justiça ou ao clamor público, não se prestam para preencher o conteúdo da
expressão “ordem pública”. Seja porque não ultrapassam o campo da mera
ornamentação linguística, seja porque desbordam da instrumentalidade
inerente a toda e qualquer prisão provisória, antecipando, não raras vezes,
o juízo sobre a culpa do acusado. 3. Em matéria de prisão cautelar, a
expressão “ordem pública”, justamente, é a que me parece de mais difícil
formulação conceitual. Como a Constituição fala de “preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, fico a
pensar que ordem pública é algo diferente da incolumidade do
patrimônio, como é algo diferente da incolumidade das pessoas. É um
tertium genus. Um conceito negativo mesmo: ordem pública é bem
jurídico distinto da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Enquanto
a incolumidade das pessoas e do patrimônio alheio vai servir como a
própria razão de ser da criminalização das condutas a ela contrárias, a
ordem pública é algo também socialmente valioso e por isso juridicamente
protegido, mas que não se confunde mesmo com tal incolumidade. Mais
que isso: cuida-se de bem jurídico a preservar por efeito, justamente, do
modo personalizado ou das especialíssimas circunstâncias subjetivas em
que se deu a concreta violação da integridade das pessoas e do patrimônio
de outrem, como também da saúde pública. Pelo que ela, ordem pública,
se revela como bem jurídico distinto daquela incolumidade em si, mas
que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo próprio modo ou em
função das circunstâncias em que penalmente violada a esfera de
integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros. Daí a sua
categorização jurídico-positiva, não como descrição de delito ou
cominação de pena, mas como pressuposto de prisão cautelar; ou seja,
como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de
perturbação que já se localizam na peculiar execução de certos crimes. Não
da incomum gravidade desse ou daquele delito, entenda-se. Mas da
incomum gravidade da protagonização em si do crime e de suas
circunstâncias. 4. Não há como desenlaçar a necessidade de preservação da
ordem pública e o acautelamento do meio social. No mesmo passo em que
o conceito de ordem pública se desvincula do conceito de incolumidade
das pessoas e do patrimônio alheio, ele se liga umbilicalmente ao conceito
de acautelamento do meio social. Acautelamento que não se confunde com
a mera satisfação de um sentimento generalizado de insegurança, senão
com medidas de efetiva proteção de uma certa comunidade; ou seja, se a
ambiência fática permite ao magistrado aferir que a liberdade de
determinado indivíduo implicará a insegurança objetiva de outras
pessoas, com sérios reflexos no seio da própria comunidade, abre-se
espaço para o manejo da prisão em prol da ordem pública. Insegurança
objetiva, portanto, que direciona o juízo do magistrado para a concretude
da realidade que o cerca. Não para um retórico ou especulativo apelo à
indeterminação semântica daquilo que tradicionalmente se entende por
“paz pública”. 5. No caso, a custódia preventiva do paciente não foi
decretada tão-somente em meras suposições de risco à garantia da ordem
pública, ou na gravidade em abstrato do crime debitado ao paciente. Trata-
se de decisão que indicou objetivamente dados concretos quanto à premente
necessidade de acautelamento do meio social, notadamente quanto ao
modus operandi brutalmente incomum. Deveras, quando da maneira de
execução do delito sobressair a extrema periculosidade do agente, o decreto
de prisão ganha a possibilidade de estabelecer um vínculo funcional entre o
modus operandi do suposto crime e a garantia da ordem pública. Isso na
linha de que a liberdade do paciente implicará a insegurança objetiva de
outras pessoas, com sérios reflexos no seio da própria comunidade. 6.
Ordem denegada.14

Ademais, como bem preconizado pelo Ministro decano do Supremo


Tribunal Federal, Celso de Mello:

A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter


excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta
necessidade.
A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico,
impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do
CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios
suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base
empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa
extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do
réu.
- A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade
excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do
CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da
imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes.
A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA
CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE
PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU.
- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder
Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se
imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em
bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com
punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não
objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se,
considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da
atividade estatal desenvolvida no processo penal.
A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR
DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
- A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento
justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução
criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.
O CLAMOR PÚBLICO NÃO BASTA PARA JUSTIFICAR A
DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR.
- O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado
pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si,
14
HC 111244, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 10/04/2012,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 25-06-2012 PUBLIC 26-06-2012.
a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento
delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado
fundamental da liberdade.
- O clamor público - precisamente por não constituir causa legal de
justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se qualifica como fator
de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu.
Precedentes.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE
CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO
PACIENTE.
- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a
privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes
razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a
decretação ou a subsistência da prisão preventiva.
O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO
FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL
IRRECORRÍVEL.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional
(CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por interpretações
doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de
conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em
detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela
Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime
hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível,
não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional
(CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do
ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse
respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema
jurídico, consagra, além de outras relevantes conseqüências, uma regra de
tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em
relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já
houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder
Judiciário. Precedentes.15

Portanto, in casu, considerando que os elementos fáticos que levaram, o


paciente, à prisão, não traduzem, pois, qualquer periculosidade concreta, ou
seja, não escapam à abstração incutida nos tipos, não há que se falar,
indubitavelmente, em garantia da ordem pública.
15
HC 96577, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 10/02/2009, DJe-
050 DIVULG 18-03-2010 PUBLIC 19-03-2010 EMENT VOL-02394-01 PP-00242.
É que, a autoridade coatora, para fundamentar a ignomínia do
paciente, sustentou que a associação criminosa formada iria praticar o crime
de roubo contra uma empresa e, para tanto, utilizaria armas.

Contudo, analisemos, agora, acuradamente, tal fundamento.

Doutos Desembargadores, qual o objetivo de se participar de uma


associação criminosa? Ora, na esteira do artigo 28816, do Código Penal
Brasileiro, é o “fim específico de cometer crimes”.

O objetivo de se praticar crimes, portanto - podendo ser qualquer um,


como, por exemplo, o roubo -, é uma elementar do tipo penal e, como tal, é,
indubitavelmente, atrelado à gravidade abstrata. Ora, se não houvesse a
finalidade de se praticar um crime, não haveria que se falar em associação
criminosa.

Da mesma forma, a posse ilegal de arma de fogo de uso restrito é uma


elementar do crime previsto no artigo 16, da Lei n. 10.826/03, de modo que a
sua gravidade, assim descrita, é claramente abstrata, posto que já
contemplada previamente pelo legislador.

Assim sendo, os fundamentos adotados pela autoridade coatora se


mostram completamente despidos de fundamentação empírica idônea, vez
que se atrelam, exclusivamente, às elementares dos tipos penais que
ensejaram o flagrante delito.

Não há, assim, qualquer menção à gravidade concreta dos crimes, suas
circunstâncias excepcionais ou o modus operandi dos agentes.

Ademais, o suposto e mencionado roubo sequer atingiu, no iter


criminis, a execução, de modo que, meros atos preparatórios, como cediço, não
são puníveis, inclusive na forma tentada (art. 14, II CPB).

16
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Neste desiderato, se os atos preparatórios não são puníveis, a luz dos
princípios da proporcionalidade e lesividade, também não podem servir para
subsidiar o decreto extremo. Aliás, como já bem decidiu a Colenda Corte
Cidadã (mutatis mutandis):

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO


CONHECIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO
PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. ATOS PREPARATÓRIOS
IMPUNÍVEIS. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. PROTEÇÃO DA
SOCIEDADE A CONDUTAS NEFASTAS; GARANTIA DA
TRANQUILIDADE SOCIAL. DISCURSO TEÓRICO. CONDIÇÕES
PESSOAIS FAVORÁVEIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
(...) No sistema penal pátrio, os atos preparatórios não são puníveis, salvo
se configurarem crimes autônomos. No caso vertente, em que pese a
investigação policial tenha chegado a um grupo organizado e envolvido
com tráfico de entorpecentes, certo é que os atos externados pelo ora
paciente, ao menos inicialmente, não ultrapassaram meros atos de
cogitação ou de preparação, tampouco expuseram a perigo real o bem
jurídico protegido pela norma penal17.

Portanto, é de baixíssima reprovabilidade a conduta concreta do


paciente, a qual não desbordou, pragmaticamente, com extremo repúdio, os
bens jurídicos tutelados pelo legislador.

Neste diapasão, diante a ausência de fundamentação empírica idônea,


não há justa causa para a prisão preventiva, sendo a sua revogação, pois,
medida de direito e de Justiça.

Pugna-se, assim, pela concessão da ordem, revogando-se a preventiva e


concedendo-se, ao paciente, a liberdade provisória mediante a expedição do
competente alvará de soltura.

2. DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO.

17
HC 306.101/RO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
julgado em 17/12/2015, DJe 02/02/2016.
Com o advento da Lei n. 12.403/11, a prisão preventiva passou a ser
medida excepcional, que, por força do princípio constitucional da não-
culpabilidade, só pode ser aplicada quando não puder ser substituída por
qualquer outra medida cautelar diversa, nos termos do artigo 282, § 6º, do
CPP.

Instituiu-se, assim, sob as medidas cautelares alternativas (art. 282,


CPP), dentro de um processo penal democrático, o princípio da
proporcionalidade, o qual se compõe pelos subprincípios da adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Deve ser observada, portanto, para a sua incidência, a não


prescindibilidade diante a aplicação da lei penal, para a investigação ou a
instrução criminal e, também, para, em casos excepcionais, se impedir a prática
de outras infrações penais, bem como a sua adequação em vista à gravidade
concreta do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do
indiciado ou acusado.

In casu, diante o princípio da proporcionalidade, sendo o paciente


detentor de residência fixa e trabalho lícito, bem como diante a gravidade
concreta do crime – que não extrapolou a sua gravidade abstrata -, e não
existindo, pois, risco à aplicação da lei penal ou à instrução processual, resta
premente, inexoravelmente, a necessidade de se aplicar, hic et nunc, medidas
cautelares diversas da prisão, ex vi dos artigos 282, incisos I e II, e 319, do
Código de Processo Penal Brasileiro.

Neste sentido, aliás, é a jurisprudência da Colenda Corte Cidadã:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO,


RECEPTAÇÃO, ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E CORRUPÇÃO ATIVA.
PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. DECISÃO QUE
DECRETOU A PRISÃO CAUTELAR FUNDADA APENAS NA
GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL MANIFESTO.
1. No caso, observo que o Juízo singular não apontou fundamentação
concreta, porquanto se limitou apenas a apontar a natureza dos crimes
imputados ao ora recorrente, deixando de mencionar elementos concretos
que justifiquem a prisão cautelar. 2. Sendo a segregação cautelar a mais
excepcional das medidas, deve ser aplicada somente quando comprovada
a inequívoca necessidade, o que não se apresenta na hipótese.
3. Importante salientar que, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a prisão
cautelar passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas,
devendo ser aplicada somente quando comprovada a inequívoca
necessidade, devendo-se sempre verificar se existem medidas alternativas
à prisão adequadas ao caso concreto. Precedente.
4. Recurso em habeas corpus provido para que o recorrente aguarde em
liberdade o julgamento da ação penal, salvo se por outra razão estiver
preso.18 (grifei)

Pugna-se, assim, subsidiariamente, pela revogação da prisão preventiva


e concessão de medidas cautelares diversas.

DA LIMINAR

Requer-se, liminarmente, a expedição do competente alvará de soltura,


ex vi do artigo 660, § 1º, do CPP, eis que o presente writ é repressivo liberatório,
em face a coação ilegal ao direito de ir, vir e ficar do paciente, a qual vem lhe
causando incomensurável constrangimento, tendo em vista a conversão, pela
autoridade coatora, da prisão flagrancial em preventiva.

A concessão de medida liminar comporta, como cediço, para o seu


deferimento, a presença de dois requisitos, quais sejam: (i) o fumus boni juris; e
(ii) o periculum in mora.

O fumus boni juris se deflagra na viabilidade concreta de ser concedida a


ordem ao final. Já o periculum in mora, por seu turno, refere-se à urgência da
medida, que deve ser prontamente deferida, sob pena de se sufragar por
completo os direitos do paciente.

18
RHC 92.614/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em
14/08/2018, DJe 28/09/2018.
In casu, o fumus boni juris se encontra amplamente evidenciado, tendo
em vista a ausência de fundamentação idônea a sustentar o decreto extremo,
vez que, a simples menção às elementares dos crimes e a preservação da
credibilidade da Justiça, destituídos de elementos concretos de gravidade dos
fatos, quer pelo modus operandi ou pelas circunstâncias subjetivas dos crimes,
não são suficientes para demonstrar a necessidade de acautelamento da ordem
pública. Não há, portanto, base para incidência do artigo 312, do CPP.

Nem se diga, ainda, a completa ausência de fumus commissi delicti, eis


que não existem indícios suficientes, no inquérito policial, da autoria do
paciente para a perpetração dos crimes.

Ademais, diversamente, levando em consideração o princípio da


proporcionalidade, o caso, indubitavelmente, é de substituição da prisão
preventiva por medidas cautelares diversas da prisão.

Por sua vez, o periculum in mora também resta caracterizado, eis que, o
paciente, de forma ignóbil e vil, já se encontrando recluso, indevida e
ilicitamente, em patente constrangimento ilegal, injusto e grave.

Desta feita, liminarmente, requer-se a imediata expedição de alvará de


soltura, ex vi do artigo 660, § 1º, do CPP, para que o paciente possa ver este
processado em liberdade, até o desate final.

DOS PEDIDOS

Ex positis, requer:

 A concessão da liminar ora pleiteada, posto que presentes o fumus boni


juris e o periculum in mora, com a consequente expedição de alvará de
soltura em favor do paciente, ex vi do artigo 660, § 1º, do CPP;
Posteriormente, ao fim, requer-se a ratificação da liminar ou, no caso de
não deferida, a expedição do alvará de soltura, tal como pleiteado;
 A dispensa de informações à MMª. Juíza de Direito da Vara Criminal da
Comarca de Leopoldina/MG, eis que já se encontram, instruindo esta
ação autônoma de impugnação, todas as peças do inquérito e do auto de
prisão em flagrante delito;
 A oitiva do Parquet, na figura do Procurador-Geral de Justiça, para que,
no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, emita parecer, na forma
do artigo 449, caput, do Regimento Interno;
 A concessão da ordem de Habeas Corpus, com espeque no artigo 5º, inciso
LXVIII, da Constituição Federal c/c os artigos 647 e 648, inciso I, do
Código de Processo Penal Brasileiro, até mesmo de ofício, nos termos dos
artigos 654, § 2º, do CPP, e 456, do Regimento Interno deste Egrégio
Tribunal, para: (i) revogar a prisão preventiva, diante a completa
ausência de fumus commissi delicti e periculum libertatis (art. 312, CPP),
colocando-se o paciente, imediatamente, em liberdade, com a
consequente expedição do competente alvará de soltura; e/ou, (ii)
subsidiariamente, nos termos dos artigos 282 e 319, do CPP, revogar a
prisão preventiva, conceder alvará de soltura ao paciente e lhe fixar, por
consequência, medidas cautelares alternativas à prisão.

Termos em que, pede deferimento.

De Barbacena para Belo Horizonte, 14 de janeiro de 2019.

CAMILO LELIS FELIPE CURY


OAB/MG nº 104.122

RODRIGO BASTOS DE FIGUEIREDO


OAB/MG 186.526

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