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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.651 - CE (2009/0218750-2)

RELATOR : MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR


CONVOCADO DO TJ/CE)
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO : OSMUNDO EVANGELISTA REBOUÇAS
ADVOGADO : ORLANDO DE SOUZA REBOUÇAS
RECORRIDO : ERNANI JOSÉ VARELA DE MELO
ADVOGADO : ANDRÉ LUIZ PINHEIRO SARAIVA E OUTRO(S)
RECORRIDO : RAIMUNDO NONATO CARNEIRO SOBRINHO
RECORRIDO : BYRON COSTA DE QUEIROZ
RECORRIDO : ANTÔNIO ARNALDO DE MENEZES
RECORRIDO : MARCELO PELÁGIO DA COSTA BOMFIM
ADVOGADO : ANASTÁCIO JORGE MATOS DE SOUSA MARINHO E OUTRO(S)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. GESTÃO FRAUDULENTA E GESTÃO
TEMERÁRIA. DECISÃO DO CONSELHO DE RECURSOS DO
SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL DESCARATERIZANDO A
NATUREZA GRAVE DOS FATOS. PRÁTICAS ADOTADAS
CONSIDERADAS COMO COMPATÍVEIS COM A VOCAÇÃO DE
FOMENTO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. COMPROVAÇÃO DO
DOLO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADA. RECURSO
ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
1. A teor do óbice contido no enunciado nº 7 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça, não é possível o reexame de matéria fática em
sede de recurso especial.
2. Para a caracterização do dissídio é indispensável que os julgados
confrontados tenham sido proferidos em situações fáticas
semelhantes.
3. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator.
A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og
Fernandes e Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 08 de fevereiro de 2011 (data do julgamento).

MINISTRO HAROLDO RODRIGUES


(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE)
Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.651 - CE (2009/0218750-2)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO HAROLDO RODRIGUES


(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE): Cuida-se de recurso especial
interposto contra acórdão do Tribunal Federal da 5ª Região.

Extrai-se do processado que os recorridos, dirigentes do Banco do


Nordeste, foram denunciados como incursos nos artigos 4º e 10 da Lei nº 7.492/1986 e
288 do Código Penal, narrando a denúncia terem havido "gravíssimas irregularidades
perpetradas pelos denunciados na administração das carteiras de crédito do Banco do
Nordeste do Brasil do quadriênio 1997/2000." (fl. 5)

Consta na exordial acusatória a existência de "diversas fraudes


promovidas para beneficiar os grandes devedores inadimplentes e encobrir a real
situação patrimonial atravessada pela Instituição Financeira, que acarretaram, em todos
os balancetes mensais do período em referência, a omissão de registro contábil exigido
pela legislação e/ou sua realização indevida." (fls. 5/6)

Estas as condutas a eles imputadas:

a) rolagem de dívidas sem qualquer análise técnica, mediante utilização


reiterada de instrumento denominado carta-reversal (que seria simples aditivos dos
contratos de financiamento);

b) omissão de constituição em provisões, pela não classificação das


operações em contas de créditos em atraso e créditos em liquidação, conforme
disposto nas Resoluções do BACEN (com isso "operações ilíquidas eram prorrogadas
e clientes inadimplentes passaram a ser considerados de baixo risco, com base
apenas em conjecturas econômicas, estabilidade do empreendimento etc.);

c) rolagem em bloco de diversas operações de crédito, sem a


formalização de qualquer instrumento;

d) reversão de inúmeras provisões para créditos de liquidação duvidosa

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sem qualquer razão que as autorizasse;

e) realização de operação de crédito ruinosa.

Sobrevindo sentença, os recorridos foram condenados, como incursos no


art. 4º, caput e parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, nas seguintes penas:

1. Byron Costa de Queiroz: 13 anos de reclusão, regime fechado, e


pagamento de 300 dias-multa, sendo cada dia-multa arbitrado à razão de 10 vezes o
salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, pelo delito do caput, mais 300 dias-multa,
sendo cada dia-multa arbitrado à razão de 10 vezes o salário mínimo vigente ao tempo
dos fatos, pelo crime do parágrafo único.

2. Ernani José Varela de Melo: 9 anos de reclusão, regime fechado, e


pagamento de 200 dias-multa, sendo cada dia-multa arbitrado à razão de 8 vezes o
salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, pelo delito do caput, mais 200 dias-multa,
sendo cada dia-multa arbitrado à razão de 8 vezes o salário mínimo vigente ao tempo
dos fatos, pelo crime do parágrafo único.

3. Osmundo Evangelista Rebouças e Raimundo Nonato Carneiro


Sobrinho: 11 anos de reclusão, regime fechado, e pagamento de 200 dias-multa,
sendo cada dia-multa arbitrado à razão de 8 vezes o salário mínimo vigente ao tempo
dos fatos, pelo delito do caput, mais 200 dias-multa, sendo cada dia-multa arbitrado à
razão de 8 vezes o salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, pelo crime do parágrafo
único.

4. Marcelo Pelágio da Costa Bomfim e Antônio Arnaldo de Menezes:


11 anos de reclusão, regime fechado, e pagamento de 150 dias-multa, sendo cada
dia-multa arbitrado à razão de 8 vezes o salário mínimo vigente ao tempo dos fatos,
pelo delito do caput, mais 150 dias-multa, sendo cada dia-multa arbitrado à razão de 8
vezes o salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, pelo crime do parágrafo único.

Interpostas apelações pelos réus, o Tribunal Federal da 5ª Região, por

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unanimidade, acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo réu Antônio
Arnaldo de Menezes, para excluí-lo da relação processual, e deu provimento aos apelos
dos demais réus para absolvê-los de todas as imputações, com base no art. 386, VI, do
Código de Processo Penal, assim ementado o acórdão:

"Penal e processual penal. Apelações. Crimes contra o sistema


financeiro nacional e formação de quadrilha (arts. 4º e 10, da Lei
7.492/86, c/c. art. 288, do CP), em tese, perpetrados pela diretoria
do Banco do Nordeste do Brasil, no Ceará. Preliminares de
ilegitimidade passiva e de nulidade da sentença condenatória.
Carência de provas suficientes para a prolação de veredicto
condenatório. Absolvição.
1. É admissível a juntada de documentos novos em grau
recursal, desde que obtidos após a prolação da sentença, a fim
de evitar a supressão de instância (ACR 199740000059099/PI,
Des. Olindo Menezes, decisão unânime da Terceira Turma,
julgado em 04 de setembro de 2006).
2. Nos crimes societários, o sistema repressor pátrio admite o
oferecimento de denúncia que descreva, genericamente, a
participação de cada réu, reservando a tarefa de discernir as
eventuais responsabilidades para a instrução criminal. Entretanto,
o mesmo viés não pode ser admitido quando do advento da
sentença, momento em que deve reinar a certeza absoluta sobre
a antijuridicidade dos fatos atribuídos aos réus, sob pena de
afronta ao cânone da presunção de inocência, hospedado no art.
5º, inciso LVII, da Carta Magna.
3. Embora nosso ordenamento agasalhe a total independência
entre a esfera administrativa e a criminal, não há como cerrar os
olhos à força que deriva dos julgamentos administrativos do TCU,
até porque, calcados em critérios eminentemente técnicos,
provém, justamente, do órgão constitucionalmente destinado a
satisfazer tal múnus público, na forma preconizada pelo art. 71, da
Carta Magna.
4. À míngua da realização de perícia técnica contábil, a voz que
pode ser considerada mais abalizada, neste caso, é justamente a
do BACEN, que, através do seu Conselho de Recursos do
Sistema Financeiro Nacional – CRFSN, concluiu pela
descaracterização de irregularidade de natureza grave, f. 2157.
5. Sob esse prisma, a única certeza que resulta da análise dos
autos é a de que as provas colhidas no curso da instrução
processual não permitem um juízo derradeiro sobre a ocorrência
dos ilícitos de gestão fraudulenta e temerária em foco, inclusive
porque a comprovação do dolo restou inexitosa, e o prejuízo, se
houve, não teve como ser quantificado.
6. Acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva, arguida
pelo réu Antonio Arnaldo de Menezes, para excluí-lo da lide.
Provimento das apelações dos demais réus, para absolvê-los de
todas as imputações, com fulcro no art. 386, inciso VI, do CPP."
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O Ministério Público Federal interpõe, então, recurso especial, este


calcado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, apontando, além de
divergência jurisprudencial, ofensa aos artigos 4º, caput e parágrafo único, e 10, da Lei
nº 7.492/86 e arts. 157 e 184 do Código de Processo Penal.

Afirma o recorrente que o Código de Processo Penal adota o princípio do


livre convencimento motivado, "segundo o qual o juiz, extraindo a sua convicção das
provas produzidas legalmente no processo, decide a causa de acordo com o seu livre
convencimento, em decisão devidamente fundamentada." Assim sendo "torna-se
desnecessário o exame pericial em relação a documentos utilizados pelo agente para
obter vantagem ilícita, se a materialidade da fraude restou devidamente comprovada
através de outras provas."

Acentua, de outro lado, que "a boa-fé não tem o condão de elidir a conduta
criminosa nos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional".

A Subprocuradoria-Geral da República, no parecer de fls. 3797/3824,


opina pelo provimento do recurso.

É o relatório.

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VOTO

O SENHOR MINISTRO HAROLDO RODRIGUES


(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE) (RELATOR): Por primeiro,
verifica-se que o apelo especial do Ministério Público, embora indique
indiscriminadamente todos os réus como recorridos e requeira, ao final, o
restabelecimento da sentença de primeiro grau, não traz qualquer alegação no sentido
de impugnar as razões que levaram à Corte Federal a acolher a preliminar de
ilegitimidade passiva arguida por Antônio Arnaldo de Menezes, razão pela qual, em
relação a ele, fica mantido o acórdão em todos os seus termos.

De outro lado, não há qualquer pertinência a indicação do art. 10 da Lei nº


7.492/86, uma vez que, em primeiro grau, os recorridos foram condenados tão só em
razão do artigo 4º desse diploma legislativo, entendendo o magistrado primevo que a
conduta referente ao disposto no art. 10 estaria absorvida, fundamento não atacado
oportunamente pela acusação.

Embora discorde do Tribunal Federal no ponto em que afirma a


necessidade da perícia contábil para se testificar e quantificar os prejuízos causados à
instituição financeira, por entender que o delito em tela é formal, tenho que a absolvição
dos recorridos é medida que se impõe.

Extrai-se do acórdão recorrido, no que interessa:

"Em primeiro lugar, considero que a perícia contábil ajudaria a


elucidar se os atos narrados pelo dominus litis, de fato,
configuram crime, ou se, ao menos, podem ser encarados como
incompetência administrativa, sem olvidar que a mera má gestão,
desprovida do elemento subjetivo do dolo, não chega às rais do
ilícito.
(...)
Sem a perícia contábil, a voz que pode ser considerada como
mais abalizada, é justamente a do Banco Central do Brasil. E,
mais uma vez, acertam os recorrentes quando afirmam que o
BACEN não se manifestou assertivamente sobre a ocorrência
dos ilícitos investigados. Ao revés, a autarquia financeira, ao
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conhecer do processo administrativo 9900964613, através do seu
Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional -
CRFSN, concluiu pela descaracterização de irregularidade de
natureza grave, f. 2157.
(...)
Consoante já fiz questão de registrar, ao conhecer da preliminar
de ilegitimidade passiva, embora seja verdadeiro que nosso
ordenamento hospeda o princípio da independência de instâncias,
não há como subtrair ao acórdão administrativo a presunção de
veracidade que lhe é inerente, a ponto de fazer tábula rasa de
suas conclusões. Se os atos imputados aos réus não forma
reprováveis o suficiente para caracterizarem infração grave na via
administrativa é porque, no mínimo, sua licitude deve ser
seriamente examinada na seara penal.
A única certeza que resulta da análise dos autos, assim, é de que
as provas colhidas no curso da instrução processual não
permitem um juízo derradeiro sobre a ocorrência dos ilícitos de
gestão fraudulenta e temerária em foco, inclusive porque,
consoante já anotado, a comprovação do dolo restou inexitosa, e
o prejuízo, se houve, não teve como ser quantificado."

Os delitos em tela, gestão fraudulenta e gestão temerária, exigem, para a


sua caraterização, conduta comissiva dolosa, não se prevendo a forma culposa.

No caso, o magistrado de primeiro grau, ao analisar a alegação de


nulidade do processo, por cerceamento de defesa, pois não realizada a prova pericial
requisitada, afirmou:

"O pedido de realização de prova pericial, neste momento, é


prescindível, dispensável, não servindo para qualquer fim, que
não o de procrastinar o feito.
É que o processo encontra-se maduro para julgamento. As
provas documentais, em especial os procedimentos do BACEN,
são bastantes firmes e convincentes.
Por sua vez, a decisão DIFIS-2003/050 (Processo Administrativo
9900964613) é clara e definitiva sobre a lide, não havendo
necessidade, pois, de qualquer outra prova.
No mesmo diapasão, o acórdão do TCU, decisão 99/2001, traz
significativos subsídios para a questão meritória." (fls. 2727/2728)

No mérito, a sentença se remete várias vezes as conclusões obtidas no


Processo Administrativo do Banco Central para embasar a condenação dos recorridos.

Ocorre, contudo, que como bem apontado no acórdão, o Conselho de


Recursos do Sistema Financeiro Nacional do Banco Central, ao apreciar os recursos
interpostos nos autos do Procedimento nº 9900964613, concluiu pela

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descaracterização de irregularidade de natureza grave, considerando, inclusive, a
prática adotada pelos réus na gerência do Banco do Nordeste do Brasil como
compatíveis com a vocação de fomento da instituição financeira.

Veja-se o que disse o acórdão exarado pelo Conselho de Recursos do


Sistema Financeiro Nacional:

"Desse breve histórico podemos concluir que a legislação atual


permite livremente a renegociação de dívidas, sendo possível a
incorporação de encargos em casos de difícil ou duvidosa
liquidação, possibilidade não mais limitada aos chamados
'créditos periclitantes', sendo perfeitamente legítima, em
quaisquer casos, a incorporação de encargos da operação
original quando da composição de dívida, da prorrogação, da
novação, da concessão de nova operação anterior ou
qualquer outro tipo de acordo que implique na alteração nos
prazos de vencimento ou nas condições de pagamento
originalmente pactuadas.
Na verdade, o que as citadas normas objetivaram foi determinar
os critérios para a celebração de operação financeira, de maneira
a minimizar os efeitos de uma política creditícia lesiva à instituição
financeira, trazendo um desequilíbrio aos sistema bancário.
Realizar operações é conceito diverso de sua renegociação, pois
nesta o crédito já está alocado e o risco já está assumido pela
instituição financeira. Quando há a concessão do crédito
(celebração da operação) assume-se o risco da operação e,
portanto, devem ser observados os princípios da boa técnica
bancária; nas renegociações posteriores, por sua vez, ocorre a
mera administração do risco.
Essa é a tendência do direito brasileiro atual. Em situação
semelhante, a nova lei de falências, no art. 146, dispensa a
apresentação de certidões negativas por ocasião da realização do
ativo, indicando, claramente, que a situação de debilidade
econômico-financeira da empresa justifica, para prestígios dos
interesses dos credores, a dispensa de formalidades que seriam
exigíveis ordinariamente.
Para resguardar a solidez do sistema financeiro nacional,
permaneceu, no texto da Resolução CMN nº 1.559/88, pela
alteração trazida pela Resolução CMN nº 3.258/05, a vedação
quanto à realização de operações que não atendam aos princípios
de seletividade, garantia, liquidez e diversificação de riscos. Essa
é a primeira infração grave na condução de interesses da
instituição, com base no art. 44 da Lei nº 4.595/64.
Não obstante, na relação das infrações, há algumas que podem
ser consideradas como renegociações, de acordo com a norma
interpretativa do art. 8º, § 3º, da Resolução CMN nº 2.682/99, não
havendo, portanto, que se falar em celebração de operações; o
crédito já se encontrava alocado e o risco já havia sido assumido.
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Dessa forma, não podem ser responsabilizados os
administradores na tentativa de regularizar uma situação anterior.
(...)
2.2. Não transferência para 'créditos em liquidação' de operação
de crédito vencida há mais de 360 dias e de operações
consideradas de difícil liquidação - infrações (ii) e (iii)
(...)
Entretanto, com o advento da Resolução nº 2.682/99, a infração
em análise deixou de ser considerada como grave, ante a
inexistência de um dispositivo que expressamente trouxesse
essa precisão,a exemplo do art. 15 da Resolução nº 1.748/90.
Conclui-se, portanto, que tendo em vista a retirada do sistema
normativo de que as condutas presentes devem ser
consideradas como infração grave, a Administração Pública
deixou de considerá-la como tal, não mais se lhe aplicando o § 4º
do art. 44 da Lei nº 4.595/64." (fls. 2555/2558)

Ora, se o próprio órgão fiscalizador afirma que as condutas dos agentes


são compatíveis com aquelas esperadas no mercado financeiro, e o acórdão emitido
pelo BACEN é apontado como prova nuclear da sentença condenatória, não vejo como
afastar a conclusão a que chegou o aresto atacado de inexistência de dolo, tanto para o
delito de gestão fraudulenta, quanto de gestão temerária.

É bem verdade que, no Brasil, predomina tanto na doutrina quanto na


jurisprudência, inclusive dos Tribunais Superiores, o entendimento da independência
entre as esferas administrativa e penal. Contudo, isso não se dá de forma absoluta.

Nesse sentido, vale conferir as palavras do Ministro Napoleão Nunes Maia


Filho, no julgamento do HC nº 77.228/RS, in verbis:

"13. A concepção de justa causa nos crimes contra o Sistema


Financeiro Nacional, não escapa à definição de outra importante
questão no âmbito do Direito Pátrio, que já suscitou inúmeras
polêmicas e os mais variados posicionamentos: a possibilidade,
ou não, de comunicação das decisões tomadas nas esferas
administrativas e penais.
14. Muito se propagou sobre a independência absoluta entre
esses dois ramos do Direito Público, o Administrativo e o Penal;
entretanto, com a constitucionalização do Estado Democrático de
Direito e do seu consectário lógico, o devido (justo) processo
legal, que abarca o contraditório e a ampla defesa, ao julgador não
se pode conferir a faculdade discricionária de - abstraindo as
conclusões dos órgãos administrativos fiscalizadores (estatais)
sobre a inexistência do fato definido como ilícito administrativo e
penal, por ausência de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade -
alcançar a esfera penal do indivíduo com a aplicação de sanção
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limitadora da liberdade de ir e vir.
15. Essa orientação é a que tem sido abraçada pela
jurisprudência desta Corte e do colendo STF, com o trancamento
de Ações Penais por crimes contra o Sistema Financeiro
Nacional sempre que o órgão responsável pela fiscalização da
respectiva atividade termina por descaracterizar o caráter ilícito
das condutas praticadas por seus dirigentes ou administradores.
16. Nesse sentido, confira-se, desta Corte:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O


SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. GESTÃO DE
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SEM A DEVIDA
AUTORIZAÇÃO LEGAL. GESTÃO FRAUDULENTA.
ATIPICIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
1. O trancamento da ação penal por ausência de justa
causa, medida de exceção que é, somente cabe quando a
atipicidade e a inexistência dos indícios de autoria se
mostram na luz da evidência, primus ictus oculi.
2. Em resultando manifesta a atipicidade da conduta
atribuída ao agente, como nas hipóteses em que,
descomprometido com o auferimento de lucro, quanto mais
ilícito, tomou medidas urgentes e necessárias ao bom
funcionamento do órgão que geria, o trancamento da ação
penal é medida que se impõe.
3. Carece de justa causa a ação penal fundada em
representação de Autarquia Federal, quando ela própria
vem a considerar como lícita a conduta do agente
(Precedente do STF).
4. Recurso provido. (RHC 12.192/RJ, Rel. Min.
HAMILTON CARVALHIDO, DJU 10.03.03).

17. E do colendo STF:

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS


CORPUS. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
NACIONAL. REPRESENTAÇÃO. DENÚNCIA.
PROCESSO ADMINISTRATIVO. ARQUIVAMENTO.
AÇÃO PENAL: TRANCAMENTO: FALTA DE JUSTA
CAUSA.
I. No caso, tendo a denúncia se fundado
exclusivamente em representação do Banco Central, não
há como dar curso à persecução criminal que acusa o
paciente de realizar atividade privativa de instituição
financeira, se a decisão proferida na esfera administrativa
afirma que ele não pratica tal atividade. Inocorrência,
portanto, de justa causa para o prosseguimento da ação
penal contra o paciente.
II. H.C. deferido. (HC 83.674/SP, Rel. Min. CARLOS
VELLOSO, DJU 16.04.04).
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18. Com efeito, o pronunciamento do Poder Público a favor do


cidadão se incorpora imediatamente ao seu patrimônio jurídico.
Assim se deve entender, como forma de blindar a pessoa contra
o abuso da Administração, vedando-se, conseqüentemente, a
possibilidade de o Estado, por meio de outro órgão de poder, no
caso presente, o Ministério Público, demandar na Justiça
Criminal contra seu próprio ato - o que ocorreria caso fosse
desprezada a conclusão do órgão legalmente competente para a
fiscalização de determinada atividade de interesse nacional.
19. Somente se pode admitir o contrário, ou seja, que o
cidadão eventualmente prejudicado por uma decisão
administrativa ilegal recorra ao Judiciário para afastar o ato
praticado em seu desfavor.
20. Não se defende o fim da independência entre as esferas
administrativa, penal e civil, pois esta também funciona como
uma garantia de que as infrações serão apuradas e julgadas pelo
poder competente, com a devida e necessária liberdade; mas, tal
autonomia, não deve erigir-se em dogma, sob pena de engessar
o intérprete e aplicador das leis, afastando-o da verdade real, pois
não são poucas as situações em que os fatos se interligam entre
uma e outra instância. É preciso, portanto, dar temperamento a
essa regra (da independência entre a atividade punitiva da
Administração e do Direito Penal).
21. Não é toda conclusão em processo administrativo que
vincula a atividade persecutora estatal; entretanto, se o conteúdo
dessa manifestação efetivamente afirmar a inexistência de
conduta típica no âmbito penal, excluir a ilicitude do agir ou o dolo
do agente (conforme doutrina majoritária sobre a concepção
analítica do crime); isto é, se retirar algum dos pilares para a
configuração do delito - tipicidade, ilicitude ou culpabilidade, deve
ser trancada a ação penal eventualmente instaurada, por falta de
justa causa. Ao contrário, o simples encerramento do processo
por falta de provas para a punição no âmbito administrativo, por
exemplo, não arreda, por si só, eventual responsabilização do
agente na esfera penal.
22. Não se pode olvidar que o Banco Central do Brasil é a
entidade pública competente para exercer o controle das
atividades ligadas ao Sistema Financeiro Nacional. Para isso,
pode realizar desde intervenções em instituições financeiras, até
inquéritos e processos administrativos com o objetivo de apurar
eventuais ilícitos administrativos, com a aplicação da sanção
correspondente; tudo, em nome da confiabilidade e da
credibilidade do sistema financeiro, indispensável nesses dias de
globalizada interação entre os mercados."

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial, mantendo o

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acórdão que absolveu os recorridos.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA

Número Registro: 2009/0218750-2 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.166.651 / CE


MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 1422007 200181000223761 200281000076057 5812

PAUTA: 14/12/2010 JULGADO: 14/12/2010

Relator
Exmo. Sr. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TJ/CE)
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MOACIR MENDES DE SOUSA
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO : OSMUNDO EVANGELISTA REBOUÇAS
ADVOGADO : ORLANDO DE SOUZA REBOUÇAS
RECORRIDO : ERNANI JOSÉ VARELA DE MELO
ADVOGADO : ANDRÉ LUIZ PINHEIRO SARAIVA E OUTRO(S)
RECORRIDO : RAIMUNDO NONATO CARNEIRO SOBRINHO
RECORRIDO : BYRON COSTA DE QUEIROZ
RECORRIDO : ANTÔNIO ARNALDO DE MENEZES
RECORRIDO : MARCELO PELÁGIO DA COSTA BOMFIM
ADVOGADO : ANASTÁCIO JORGE MATOS DE SOUSA MARINHO E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Após o voto do Sr. Ministro Relator negando provimento ao recurso, pediu vista a Sra.
Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Aguardam os Srs. Ministros Og Fernandes e Celso
Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP)."
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

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Brasília, 14 de dezembro de 2010

ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA


Secretário

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.651 - CE (2009/0218750-2)

RELATOR : MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR


CONVOCADO DO TJ/CE)
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO : OSMUNDO EVANGELISTA REBOUÇAS
ADVOGADO : ORLANDO DE SOUZA REBOUÇAS
RECORRIDO : ERNANI JOSÉ VARELA DE MELO
ADVOGADO : ANDRÉ LUIZ PINHEIRO SARAIVA E OUTRO(S)
RECORRIDO : RAIMUNDO NONATO CARNEIRO SOBRINHO
RECORRIDO : BYRON COSTA DE QUEIROZ
RECORRIDO : ANTÔNIO ARNALDO DE MENEZES
RECORRIDO : MARCELO PELÁGIO DA COSTA BOMFIM
ADVOGADO : ANASTÁCIO JORGE MATOS DE SOUSA MARINHO E
OUTRO(S)

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:

Na sessão de 14 de dezembro de 2010, pedi vista dos autos para melhor


análise do recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, ao qual o relator negou
provimento.
A hipótese dos autos diz respeito à condenação de Byron Costa de Queiroz,
Ernani José Varela de Melo, Osmundo Evangelista Rebouças, Raimundo Nonato Carneiro
Sobrinho, Antônio Arnaldo de Menezes e Marcelo Pelágio da Costa Bomfim, nas penas do
artigo 4º, caput, e art. 4º, parágrafo único, ambos da Lei 7.492/86 (gestão fraudulenta e gestão
temerária de instituição financeira), c/c artigos 69 e 29 do Código Penal, a qual foi revista pelo
Tribunal a quo, motivo da interposição do presente recurso especial.
Sobre os pontos principais da discussão recursal, diga-se que em relação ao
réu Antônio Arnaldo de Menezes o Tribunal a quo reconheceu sua ilegitimidade passiva
frente ao fato de que o Tribunal de Contas da União, por meio do julgamento de sua Segunda
Câmara (acórdão 3538/2007), entendeu retirar-lhe qualquer responsabilidade quanto aos fatos
alegados na denúncia, já que não detinha, à época, poder de gestão na instituição financeira.
Daí ter concluído o decisum recorrido (fl. 3551):

“É certo que nosso ordenamento agasalha a total independência entre a


esfera administrativa e a criminal, razão pela qual o magistrado não se
encontra adstrito a seguir as orientações emanadas do Tribunal de Contas.
Entretanto, não há como cerrar os olhos à força que deriva dos julgamentos
administrativos deste jaez, até porque, calcados em critérios eminentemente
técnicos, provém, justamente, do órgão constitucionalmente destinado a
satisfazer tal múnus público, na forma preconizada pelo art. 71, da Carta
Magna.”

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Já no tocante aos demais envolvidos, a decisão volveu para a ausência de
comprovação do dolo na gestão da instituição financeira, consoante os seguintes trechos (fls.
3554/3555):

Em primeiro lugar, considero que a perícia contábil ajudaria a elucidar


se os atos narrados pelo dominus litis, de fato, configuram crime, ou se, ao
menos, podem ser encarados como incompetência administrativa, sem
olvidar que a mera má gestão, desprovida do elemento subjetivo do dolo,
não chega às raias do ilícito.
Nesse passo caminha sobranceira a jurisprudência dos diversos
pretórios nacionais, sendo muitos os precedentes a afirmarem que se o
crime de gestão temerária (art. 4º, parágrafo único, da Lei 7.492/86)
somente é punido na forma dolosa, deve ser descartada a responsabilização
criminal de funcionário que age de boa fé, embora de forma
reconhecidamente negligente e contrária às normas internas do Banco, ao
antecipar o crédito a cliente com base em uma relação de confiança
(ACR4917/ES, des. Maria Helena Cisne, decisão unânime da Primeira
Turma Especializada, julgada em 04 de outubro de 2006).
A indigitada perícia far-se-ia necessária, inclusive, para testificar se as
condutas atribuídas aos réus causaram prejuízos à instituição financeira.
Neste particular, a sentença sequer chegou a um juízo conclusivo,
consignando o douto magistrado da condenação que há indicação razoável
dos prováveis prejuízos causados para o patrimônio público da União, em
decorrência dos crimes praticados e apurados pela Inspeção Global
Consolidada, na ordem de R$ 2.556.218.000,00 (dois bilhões quinhentos e
cinquenta e seis milhões duzentos e dezoito mil reais).
Entretanto, por não ser a sede adequada para dirimir, com exatidão, o
quantum dos prejuízos causados, tenho que a melhor solução para o
eficiente ressarcimento do prejuízo é, após o trânsito em julgado da
sentença, remeter o título para liquidação e execução no juízo cível, com a
possibilidade da participação assistencial da União e também do
BancoCentral, f. 2533 (grifei).
Sem a perícia contábil, a voz, que pode ser considerada como mais
abalizada, é justamente a do Banco Central do Brasil. E, mais uma vez,
acertam os recorrentes quando afirmam que o BACEN não se manifestou
assertivamente sobre a ocorrência dos ilícitos investigados. Ao revés, a
autarquia financeira, ao conhecer do processo administrativo 9900964613,
através do seu Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional –
CRFSN, concluiu pela descaracterização de irregularidade de natureza
grave, f. 2157.
Em diversos momentos, a decisão, cujo traslado repousa às f.
2157-2287, pareceu referendar a prática adotada pelos réus na gerência do
BNB, considerando-as compatíveis com a vocação de fomento desta
instituição, senão vejamos:

I) Ao analisar a celebração de operações financeiras sem a observância


dos princípios da boa técnica bancária e o deferimento de crédito a clientes
detentores de restrições cadastrais (f. 2242), após tecer preciosa digressão
sobre as normas que já regulamentaram as renovações de crédito, afirmou
que desse breve histórico podemos concluir que a legislação atual permite
livremente a renegociação de dívidas, sendo possível a incorporação de
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encargos em casos de difícil ou duvidosa liquidação, possibilidade não mais
limitada aos chamados “créditos periclitantes”, sendo perfeitamente
legítima, em quaisquer casos, a incorporação de encargos da operação
original quando da composição da dívida, da prorrogação, da novação, da
concessão de nova operação para liquidação parcial ou integral de operação
anterior ou qualquer outro tipo de acordo que implique na alteração nos
prazos de vencimento ou nas condições de pagamento originalmente
pactuados. Na verdade, o que as citadas normas objetivaram foi determinar
os critérios para a celebração de operação financeira, de maneira a
minimizar os efeitos de uma política creditícia lesiva à instituição financeira,
trazendo um desequilíbrio ao sistema bancário. Realizar operações é
conceito diverso de sua renegociação, pois nesta o crédito já está alocado e
o risco já está assumido pela instituição financeira.
Quando há a concessão do crédito (celebração da operação) assume-se
o risco da operação e, portanto, devem ser observados os princípios da boa
técnica bancária; nas renegociações posteriores, por sua vez, ocorre a mera
administração do risco, f. 2245- 246 (grifei).

II) Sobre a não transferência para “créditos em liquidação” de operação


de crédito vencida há mais de 360 dias e de operações consideradas de
difícil liquidação, a diretriz apontada pelo BACEN foi de que com o advento
da Resolução nº 2.682/99, a infração em análise deixou de ser considerada
grave ante a inexistência de um dispositivo que expressamente trouxesse
essa previsão, a exemplo do art. 15 da Resolução n.º 1.748/90. Conclui-se,
portanto, que, tendo em vista a retirada do sistema normativo de que as
condutas presentes devem ser consideradas como infração grave, a
Administração Pública deixou de considerá-la como tal, não mais se lhe
aplicando o § 4º do art. 44 da Lei n.º 4.595/64. Opera-se, no caso, a
retroatividade da lei mais benéfica, princípio constitucionalmente
assegurado (art. 5º, inciso XL). É o que dispõe o art. 2º do Código Penal,
verbis: art. 2º. Ninguém poderá ser punido por fato que a lei posterior deixa
de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos
penais da sentença condenatória. Parágrafo único. A lei posterior, que de
qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que
decididos por sentença condenatória transitada em julgado, f. 2247 (grifei).

O fato de o BACEN ter concluído pela inexistência de infração grave


não escapou ao crivo do juiz a quo, que, não obstante, entendeu ser ainda
possível a subsistência da responsabilidade criminal, à vista da
independência de instâncias. Estrugiu, portanto, que o fato de o acórdão ter
descaracterizado a infração grave, ou mesmo que tivesse silenciado quanto
à ocorrência de gestão fraudulenta/temerária, não obstaria a instauração ou
mesmo a continuidade do processo criminal, em atenção ao princípio da
independência das esferas penal e administrativa, f. 2485.
Consoante já fiz questão de registrar, ao conhecer da preliminar de
ilegitimidade passiva, embora seja verdadeiro que nosso ordenamento
hospeda o princípio da independência de instâncias, não há como subtrair
ao acórdão administrativo a presunção de veracidade que lhe é inerente, a
ponto de fazer tábula rasa de suas conclusões. Se os atos imputados aos
réus não foram reprováveis o suficiente para caracterizarem infração grave
na via administrativa é porque, no mínimo, sua licitude deve ser seriamente
examinada na seara penal.
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A única certeza que resulta da análise dos autos, assim, é de que as
provas colhidas no curso da instrução processual não permitem um juízo
derradeiro sobre a ocorrência dos ilícitos de gestão fraudulenta e temerária
em foco, inclusive porque, consoante já anotado, a comprovação do dolo
restou inexitosa, e o prejuízo, se houve, não teve como ser quantificado.
Por todo o exposto, penso que o caso reclama a aplicação do imortal
brocardo in dúbio pro reo.”

É de se notar das passagens do acórdão, que a absolvição resultou claramente


da conjugação do aspecto probatório em meio à tese jurídica da inocorrência dos crimes de
gestão fraudulenta e gestão temerária por sua vertente culposa. Na linha direta, o aresto partiu
do fundamento de que tais infrações penais só são possíveis no campo penal quando presente
o dolo, o que não restou demonstrado pela prova dos autos.
Diante dessa caracterização, entendo que a pretensão de reforma não merece
amparo.
Primeiro, diga-se com o eminente Relator, que a análise do recurso pelo norte
da violação do art. 10 da Lei n.º 7.492/86, relativo a crime não reconhecido na sentença, não
se afigura permitido em face da inexistência de apelação da parte do Ministério Público.
No caso, afastada a hipótese delitiva do artigo 10 pelo Juízo Singular, sem que
houvesse oportuna devolução do órgão acusatório ao Tribunal a quo, restou operada a
preclusão e, portanto, incabível a sua repristinação no âmbito do recurso especial.
Com relação aos demais pontos da irresignação, penso ser inviável o
conhecimento do apelo.
Com efeito, primeiro, não tenho como certa a semelhança fática dos casos
vertidos nos acórdãos paradigmas, colacionados às fls. 3609/3614, para o fim da divergência
jurisprudencial, porquanto neles se observam parâmetros não anunciados no caso em exame,
tais como a existência de testemunhos comprovadores da fraude e de procedimento realizado
no Banco Central em que foram constatados os fatos ilícitos.
O caso aqui, assim me parece, é diverso, porque o acórdão se utiliza
justamente das conclusões do procedimento administrativo no BACEN para demonstrar a não
comprovação do dolo dos agentes.
Por outro lado, também se mostra inconveniente aferir o referido dissenso pela
só transcrição de ementas, a exemplo do que foi feito às fls. 3614/3617.
Em segundo plano, agora quanto à violação dos dispositivos da lei penal e
processual penal, a questão mesmo reside no apurado da prova.
Ao ensejo, afastada a hipótese da culpa, porque somente é possível a
responsabilização do agente quando tal circunstância for expressamente prevista na lei
incriminadora, o aresto hostilizado deixou acertado (plano fático) que o procedimento
administrativo concluído em grau de recurso no Banco Central retirou a existência de dolo,
situação a meu sentir de enorme importância para o caso, na medida em que edificou análise
Documento: 1029792 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/03/2011 Página 18 de 11
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independente, encaminhando a resolução para o aspecto probatório, já que consignou ser a
cognição administrativa suficientemente aparelhada para afastar a conduta dos envolvidos.
Assim, uma vez não esclarecidos, através do recurso de embargos, os pontos
da prova assumidos no acórdão, resta inadmissível pura e simplesmente avaliar o contexto
jurídico da alegada violação, haja vista que o procedimento do recurso especial não permite o
exame meritório existindo dúvidas em relação ao âmbito probatório.
É por esta razão que, divergindo somente no tocante à conclusão do voto do
eminente relator, não conheço do recurso especial.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.651 - CE (2009/0218750-2)

VOTO

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Sra. Presidente, pelos


esclarecimentos trazidos por V. Exa., acompanho o voto de V. Exa.
Data venia, não conheço do recurso especial.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.651 - CE (2009/0218750-2)

RELATOR : MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR


CONVOCADO DO TJ/CE)
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO : OSMUNDO EVANGELISTA REBOUÇAS
ADVOGADO : ORLANDO DE SOUZA REBOUÇAS
RECORRIDO : ERNANI JOSÉ VARELA DE MELO
ADVOGADO : ANDRÉ LUIZ PINHEIRO SARAIVA E OUTRO(S)
RECORRIDO : RAIMUNDO NONATO CARNEIRO SOBRINHO
RECORRIDO : BYRON COSTA DE QUEIROZ
RECORRIDO : ANTÔNIO ARNALDO DE MENEZES
RECORRIDO : MARCELO PELÁGIO DA COSTA BOMFIM
ADVOGADO : ANASTÁCIO JORGE MATOS DE SOUSA MARINHO E
OUTRO(S)

VOTO

O EXMO SR. MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR


CONVOCADO DO TJ/SP) (Relator): Sra. Presidente, peço vênia ao Sr. Ministro
Relator para não conhecer do recurso especial.

Documento: 1029792 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/03/2011 Página 21 de 11
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.651 - CE (2009/0218750-2)

RELATOR : MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR


CONVOCADO DO TJ/CE)
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO : OSMUNDO EVANGELISTA REBOUÇAS
ADVOGADO : ORLANDO DE SOUZA REBOUÇAS
RECORRIDO : ERNANI JOSÉ VARELA DE MELO
ADVOGADO : ANDRÉ LUIZ PINHEIRO SARAIVA E OUTRO(S)
RECORRIDO : RAIMUNDO NONATO CARNEIRO SOBRINHO
RECORRIDO : BYRON COSTA DE QUEIROZ
RECORRIDO : ANTÔNIO ARNALDO DE MENEZES
RECORRIDO : MARCELO PELÁGIO DA COSTA BOMFIM
ADVOGADO : ANASTÁCIO JORGE MATOS DE SOUSA MARINHO E
OUTRO(S)

RETIFICAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO HAROLDO RODRIGUES


(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE): Senhora Presidente, haja vista as
oportunas ponderações trazidas por Vossa Excelência, retifico meu voto para não
conhecer do recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA

Número Registro: 2009/0218750-2 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.166.651 / CE


MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 1422007 200181000223761 200281000076057 5812

PAUTA: 14/12/2010 JULGADO: 08/02/2011

Relator
Exmo. Sr. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TJ/CE)
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. EITEL SANTIAGO DE BRITO PEREIRA
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO : OSMUNDO EVANGELISTA REBOUÇAS
ADVOGADO : ORLANDO DE SOUZA REBOUÇAS
RECORRIDO : ERNANI JOSÉ VARELA DE MELO
ADVOGADO : ANDRÉ LUIZ PINHEIRO SARAIVA E OUTRO(S)
RECORRIDO : RAIMUNDO NONATO CARNEIRO SOBRINHO
RECORRIDO : BYRON COSTA DE QUEIROZ
RECORRIDO : ANTÔNIO ARNALDO DE MENEZES
RECORRIDO : MARCELO PELÁGIO DA COSTA BOMFIM
ADVOGADO : ANASTÁCIO JORGE MATOS DE SOUSA MARINHO E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Prosseguindo no julgamento após voto-vista da Sra. Ministra Maria Thereza não
conhecendo do recurso especial, os votos dos Srs. Ministros Og Fernandes e Celso Limongi no
mesmo sentido, e a retificação do voto do Sr. Ministro Relator no sentido de não conhecer do
recurso especial, a Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator."
A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og Fernandes e Celso
Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Documento: 1029792 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 14/03/2011 Página 23 de 11
Superior Tribunal de Justiça

Brasília, 08 de fevereiro de 2011

ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA


Secretário

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