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DEFENSORIA PÚBLICA ESPECIALIZADA DE SAÚDE PÚBLICA – BELO HORIZONTE

EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE


JUSTIÇA DE MINAS GERAIS

Autos nº 1.0000.22.181425-4/002 (19ª CACIV – TJ/MG)

5008710-85.2021.8.13.0183 - (CNJ).
TEMA 1.002 – STF – REPERCUSSÃO GERAL

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, no exercício de sua


autonomia, preconizada no §2º do art. 134 da CRFB/88 e no uso de suas atribuiçõ es
previstas no art. 4º da Lei Complementar Federal 80/94 e nos artigos 4º e 5º da Lei
Complementar Federal nº 65/03, vem, respeitosamente, interpor

RECURSO EXTRAORDIÁRIO

para o Colendo Supremo Tribunal Federal, com fulcro no art. 105, inciso III,
alínea ‘a’ da Constituiçã o da Repú blica c/c arts. 1.029 a 1.035 do CPC/2015, cujas
razõ es vã o anexas.

Requer-se seja o recurso recebido, processado e admitido, remetendo-o ao


Tribunal ad quem, para que este possa conhecê-lo e provê-lo.

Termos em que, pede deferimento.


Belo Horizonte, 09 de Janeiro de 2023.

ISABELLA MARQUES PASTORE

DEFENSORA PÚBLICA - MADEP 0270

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EXMO/A. SR/A. MIN. PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,

EXMO/A. SRS. MINISTROS/AS JULGADORES,

Autos nº 1.0000.22.181425-4/002 (19ª CACIV – TJ/MG)

5008710-85.2021.8.13.0183- (CNJ)

Recorrente: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Recorrido: ESTADO DE MINAS GERAIS

RAZÕES DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,

EMINENTE MINISTRO/A RELATOR/A,

I – DA EXPOSIÇÃO DOS FATOS

Trata-se de açã o cominató ria movida pela parte autora Jose Carlos da Silva em
face do Estado de Minas Gerais, para que fosse compelido a fornecer os insumos de
saú de de que necessita.

O douto juiz em instâ ncia de primeiro grau julgou procedente a açã o ajuizada
pela parte autora, o que restou confirmado pela Turma Recursal do Juizado Especial da

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Fazenda Pú blica, entretanto, afastou a condenaçã o do Estado ao pagamento de


honorá rios de sucumbência.
Foram interpostos Embargos de Declaraçã o, sendo estes rejeitados, ao
fundamento de que a matéria já havia sido decidida, com base na Sú mula 421 do STJ.

Nã o obstante, tendo em vista que o Acó rdã o ofende disposiçõ es constitucionais,


a interposiçã o deste Recurso Extraordiná rio é medida que se impõ e.

II – DOS PRESSUPOSTOS RECURSAIS

II.1 – DA TEMPESTIVIDADE

Cumpre frisar, inicialmente, a tempestividade da presente peça, pois nos termos


do art. 186 do NCPC, c/c o art. 128, inciso I, da Lei Complementar Federal 80/94 e art.
74, inciso I, da Lei Complementar Estadual 65/2003, os Defensores Pú blicos deverã o
ser intimados pessoalmente de todos os atos, com a contagem em dobro de todos os
prazos processuais.

No presente caso, a intimaçã o da Defensoria Pú blica ainda nã o se materializou,


motivo pelo qual o presente é indubitavelmente tempestivo.

II.2 – DO PREPARO

O presente recurso está livre do preparo, já que a parte recorrente tem direito
pú blico subjetivo à justiça gratuita, uma vez que a Defensoria Pú blica passa a atuar em
defesa de interesse pró prio, pelo que há de ser observada a isençã o legal prevista por
analogia no art. 1.007, §1º, do CPC/2015.

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II.3 – DO PREQUESTIONAMENTO
II.3.1 - Do efetivo debate acerca da matéria. Pronunciamento explícito
sobre o art. 381, CC/02, art. 4º, inciso XXI, da Lei Complementar nº 80/1994.

Verifica-se que a matéria relativa à condenaçã o do Estado no pagamento de


honorá rios advocatícios em favor da Defensoria Pú blica foi efetivamente debatida e
decida pelo Tribunal a quo. Confira-se:

DISPOSITIVOS MANIFESTAÇÃO NA DECISÃO RECORRIDA


PREQUESTIONADOS

“Trata-se de EMBARGOS DE DECLARAÇÃO interposto por José


Carlos da Silva contra acórdão em que foi negado provimento
Art. 381, CC/02, Art. 4º,
aos recursos e confirmada a sentença na remessa necessária. O
inciso XXI, da Lei embargante questiona a ausência de condenação do Estado de
Complementar nº Minas Gerais ao pagamento de honorários advocatícios em

80/1994 favor da Defensoria Pública; aduz que o acórdão foi omisso em


relação à entrada em vigor de legislação federal e
constitucional posterior à súmula 421 do STJ; aponta a
existência de repercussão geral sobre o tema – 1002; alega que
a EC 45/2004 conferiu autonomia funcional, administrativa e
financeira à Defensoria Pública; que essa também é assegurada
pela Lei Complementar Federal 80/94 e Lei Complementar
Estadual 65/2003; defende a legitimidade do pagamento de
honorários advocatícios em seu favor pelo embargado; que a
questão encontra-se pendente de apreciação em repercussão
geral; que Súmula 421 não é compatível com a legislação
vigente. Recurso respondido. É o relatório.”

Ademais, impende registrar o entendimento desta Suprema Corte, bem como de


nossa Corte Superior, é no sentido da desnecessidade da mençã o expressa do
dispositivo que se tem por violado para configuraçã o do prequestionamento. Veja-se:

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“Para que o requisito da admissibilidade do prequestionamento esteja satisfeito,


é dispensável a menção expressa, por parte do tribunal a quo, do dispositivo
legal tido como violado pelo recorrente especial. Basta que a Corte de apelação
tenha apreciado e solucionado a questão federal agitada no recurso
excepcional.” (STJ, REsp n. 122.345-MG, rel. Min. ADHEMAR MACIEL, DJU
8/9/97, p. 42.453).

“Impor-se, para configuração do prequestionamento, além da matéria veiculada


no recurso, a referência ao número do dispositivo legal pertinente, é exigência
que extravasa o campo da razoabilidade, chegando às raias do exagero e do
mero capricho, paixões que devem estar ausentes quando do exercício do ofício
judicante.” (STF, Segunda Turma, Agravo Regimental em Agravo n. 178.745-7-
DF).

PROCESSUAL CIVIL, AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. SÚ MULA 7/STJ.


INAPLICABILIDADE. DESNECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DA MATÉ RIA
FÁ TICA. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. ADMISSIBILIDADE.
PREQUESTIONAMENTO NUMÉRICO. DESNECESSIDADE.
1. Trata-se de Agravo Interno contra decisã o que deu provimento ao Recurso
Especial do Ibama para julgar improcedentes os Embargos à Execuçã o Fiscal
de multa imposta pela autarquia pela operaçã o de posto de gasolina sem
licença, considerada desproporcional pelo tribunal de origem. A agravante
sustenta que o recurso nã o poderia ter sido conhecido por incidência das
Sú mulas 7/STJ e 282 e 386/STF, diante da necessidade de revolvimento da
matéria fá tica e falta de prequestionamento dos dispositivos ditos violados.
2. A decisã o agravada está baseada nos fatos como estabelecidos pelas
instâ ncias ordiná rias, inclusive com transcriçã o dos trechos pertinentes do
acó rdã o recorrido. Assim, incorreta a alegaçã o de que a Sú mula 7/STJ deveria
ter obstaculizado o conhecimento do recurso.
3. "O prequestionamento implícito consiste na apreciação, pelo
tribunal de origem, das questões jurídicas que envolvam a lei tida por
vulnerada, sem mencioná-la expressamente. Nestes termos, tem o
Superior Tribunal de Justiça admitido o prequestionamento implícito"
(EREsp 155.621, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Corte
Especial, julgado em 2/6/1999, DJ 13/9/1999).
4. "Não é de exigir-se, de modo a que se tenha por atendido o

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requisito do prequestionamento, o denominado prequestionamento


numérico. Basta que a questão federal suscitada, no Recurso
Especial, tenha sido efetivamente versada, no acórdão objurgado. O que
se prequestiona é a matéria jurídica, não o número do dispositivo
de lei". (AgRg no REsp 1.417.199/RS, Rel. Ministra Assusete
Magalhães, Segunda Turma, julgado em 1º/9/2015, DJe 15/9/2015 ).
5. Agravo Interno nã o provido. (AgInt no AREsp 664.479/RN, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2016, DJe
06/09/2016) [destacou-se]

Constata-se, portanto, que o requisito do prequestionamento da matéria foi


atendido na íntegra.

II.4 – DA RELEVÂNCIA DAS QUESTÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAIS

No caso em exame, certo é que presente a relevâ ncia exigida, tendo em vista
que a pretensã o recursal em evidência traz notá vel questã o relativa à autonomia
financeira da Defensoria Pú blica, consolidada pela Lei Complementar Federal
132/2009, a qual deu nova roupagem ao art. 4º, inc. XXI, da Lei Complementar
80/1994, bem como pelas emendas constitucionais que alteraram o art. 134 da CR/88.

Deste modo, constata-se que a discussã o no presente recurso extrapola os


interesses das partes nesse processo em específico, possuindo configuraçã o mais
ampla, envolvendo questã o de grande importâ ncia jurídica acerca do cabimento de
honorá rios advocatícios em prol da Defensoria Pú blica quando sucumbente ente
pú blico ao qual está vinculada.

A relevância jurídica, política e social do tema em discussão é tamanha que


o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a existência de repercussão geral no
tema ora em discussão, o qual envolve norma constitucional, mas também discussã o
acerca da legislaçã o federal.

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Em 03/08/2018, no RE 1.140.005, o STF afetou a discussã o da matéria ao


regime de repercussã o geral, pela qual definirá se é possível o pagamento de
honorá rios advocatícios à Defensoria Pú blica nos litígios com o ente pú blico ao qual
está vinculada. Na ocasiã o se fixou o seguinte tema:

Tema 1002: Discussão relativa ao pagamento de honorários à Defensoria


Pública, em litígio com ente público ao qual vinculada.

Direito Constitucional. Recurso Extraordinário. Pagamento de honorários à


Defensoria Pública que litiga contra o ente público ao qual se vincula.
Presença de repercussão geral. 1. A decisão recorrida excluiu a condenação
da União ao pagamento de honorários advocatícios à Defensoria Pública da
União. 2. A possibilidade de se condenar ente federativo a pagar honorários
advocatícios à Defensoria Pública que o integra teve a repercussão geral negada
no RE 592.730, Rel. Min. Menezes Direito, paradigma do tema nº 134. 3. As
Emendas Constitucionais nº 74/2013 e nº 80/2014, que asseguraram
autonomia administrativa às Defensorias Públicas, representaram alteração
relevante do quadro normativo, o que justifica a rediscussão da questão. 4.
Constitui questão constitucional relevante definir se os entes federativos devem
pagar honorários advocatícios às Defensorias Públicas que os integram. 5.
Repercussão geral reconhecida. (RE 1140005 RG, Relator(a): Min. ROBERTO
BARROSO, julgado em 03/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-162 DIVULG
09-08-2018 PUBLIC 10-08-2018 )

Nesse quadro, demonstrada a existência da relevâ ncia inerente ao caso em


exame, merece trâ nsito o presente Recurso Extraordiná rio.

III – OVERRULING INCIDENTAL – NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DA SÚMULA


421 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Nã o se ignora o conteú do da Sú mula 421 do Superior Tribunal de Justiça


invocada no decisum. Contudo, deve-se frisar que a legalidade ou nã o da condenaçã o ao
pagamento de honorá rios em favor da Defensoria Pú blica pela pessoa jurídica de
direito pú blico à qual “pertença” nã o está pacificada.

A Sú mula 421, além de nã o ter natureza vinculante, é incompatível com a


legislaçã o que lhe é superveniente, incidindo o fenô meno processual do overruling,
que autoriza a revisã o incidental de tal posicionamento.

Debruçando-se sobre as razõ es pelas quais essa modificaçã o do precedente


pode ocorrer, a abalizada doutrina refere:

O art. 927, §4º, CPC, prevê que o overruling (ou “modificação”) do enunciado de
súmula, da jurisprudência “pacificada” (que é a dominante) e do precedente
oriundo do julgamento de casos repetitivos deve decorrer de decisão
devidamente fundamentada. [...]

É necessário que essa fundamentação seja “adequada e específica”, em


observância aos princípios da proteção da confiança e da isonomia.

[...] Embora possam existir outros motivos, Celso de Albuquerque Silva bem
sintetiza as hipóteses mais comuns de superação do precedente: (i) quando o
precedente está obsoleto e desfigurado; (ii) quando é absolutamente
injusto e/ou incorreto; (iii) quando se revelar inexequível na prática. Para
Melvin Eisenberg, o overruling deve ocorrer quando: a) o precedente não mais
corresponda aos padrões de congruência social e congruência sistêmica e
b) as normas jurídicas que sustentam a estabilidade, tais como a isonomia
e a segurança jurídica, mais fundamentam a sua revogação que a sua
preservação.

[...] Também é correta a lição consagrada no enunciado n. 322 do Fórum


Permanente de Processualistas Civis: “A modificação de precedente
vinculante poderá fundar-se, entre outros motivos, na revogação ou
modificação da lei em que ele se baseou, ou em alteração econômica,
política, cultural ou social referente à matéria decidida".

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Bom motivo para não aplicação do precedente é a superveniência de lei nova


com ele incompatível. Nesse sentido, enunciado n. 324 do Fórum Permanente
de Processualistas Civis: “Lei nova, incompatível com o precedente
judicial, é fato que acarreta a não aplicação do precedente por qualquer
juiz ou tribunal, ressalvado o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, a
realização de interpretação conforme ou a pronúncia de nulidade sem redução
de texto”.

(BRAGA, Paulo Sarno; DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de.
Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probató rio, decisã o,
precedente, coisa julgada e tutela provisó ria, v. 2. 12. ed. Salvador: JusPodivm,
2017, p. 566-568)

Portanto, como a seguir será demonstrado, a Sú mula 421 nã o constitui ó bice à


condenaçã o do Estado de Minas Gerais ao pagamento de honorá rios de sucumbência.

IV – DAS RAZÕES DO PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA

IV.1 – DA VIOLAÇÃO AO ART. 4º, INCISO XXI, DA LEI COMPLEMENTAR


80/1994 E ART. 381, CC/02 – INOBSERVÂNCIA DA TRÍPLICE AUTONOMIA DA
DEFENSORIA PÚBLICA

A tô nica da discussã o a respeito dos honorá rios advocatícios envolvendo


Defensoria Pú blica e Estado membro reside na Sú mula 421 do STJ, que se sustenta no
instituto da confusã o, previsto no artigo 381 do Có digo Civil.

De fato, a argumentaçã o invocada no acó rdã o recorrido parte da premissa de


que haveria confusã o entre as figuras do credor e devedor da verba honorá ria. Segundo
constou do acó rdã o, a matéria estaria pacificada no seio desta Corte Superior por meio
da Sú mula 421 do STJ, a qual foi editada em 03/03/2010.

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Por esse enunciado do Superior Tribunal de Justiça, entende-se que nã o sã o


devidos honorá rios advocatícios à Defensoria Pú blica quando ela atua contra pessoa
jurídica de direito pú blico a qual pertence. O entendimento alicerça-se na suposta
confusã o, figura prevista no art. 381 Có digo Civil: “extingue-se a obrigação, desde que na
mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor”.

Nã o se renega que a jurisprudência, quer dos Tribunais de Justiça, quer de


nossas Cortes Superiores, realmente convergia para a tese adotada no acó rdã o, sendo
francamente majoritá ria no sentido de que à Defensoria, só seriam devidos honorá rios
sucumbenciais, quando patrocina quem litiga contra ente federativo diverso, evitando a
confusã o.

Todavia, a questã o deve ser enfrentada sob o prisma da tríplice autonomia da


Defensoria Pú blica consagrada nos planos constitucional e infraconstitucional. E o que
seria “autonomia”?

Em sentido jurídico, autonomia consiste no poder de autogoverno, de guiar-


se acorde à Constituiçã o e à s leis, sem guardar subserviência a ninguém e a nenhum
dos Poderes, nã o estando os seus membros, no desempenho de suas atribuiçõ es,
subordinados a nenhum ó rgã o ou Poder (seja Executivo, Legislativo ou Judiciá rio),
subsumindo-se tã o somente à sua consciência e aos limites imperativos do
ordenamento jurídico.

Explanando sobre a citada trinca de autonomias, a seguinte doutrina:

4.7.1 Autonomia funcional

A autonomia funcional permite à Defensoria Pública planejar e escolher os


caminhos que devem ser percorridos para que alcance o seu fim, determinado
pela própria Constituição, em termos genéricos, e especificados na Lei

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Complementar 80/94. A autonomia funcional é conferida à instituição, e não se


confunde com a independência funcional, que é prerrogativa de seus membros.

É evidente que a autonomia funcional valoriza a instituição na medida em que


lhe outorga poder político, permitindo valoração de conveniência e
oportunidade sobre os meios para a prestação da melhor assistência jurídica à
população carente. Dentro dos limites da lei e justificado o ato com os princípios
constitucionais e objetivos da Defensoria Púbica, é ampla a liberdade para a
escolha de prioridades, criação e atribuição de funções e criação de estruturas
que maximizem a eficiência da instituição.

Não poderá sofrer ingerência externa direta ou indireta, ou seja, não deve
obediência aos chamados poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário na
tomada de direções políticas para o exaurimento de suas funções.

4.7.2 Autonomia administrativa

A Defensoria Pública goza ainda de autonomia administrativa, ou seja, tem


poder para organizar sua própria estrutura, nos limites da respectiva lei
orgânica, de forma a melhor alcançar seus objetivos.

Respeitado o limite orçamentário, caberá ao defensor público-geral decidir


sobre os investimentos prioritários, capacidade de funcionamento de cada
unidade e mesmo sobre a nomeação e posse de novos servidores e regulação de
todos os procedimentos internos na carreira.

4.7.3 Iniciativa de proposta orçamentária

A Defensoria Pública elabora sua própria proposta orçamentária,


permitindo assim o planejamento das ações vindouras e, também, a justificação
direta das despesas ao Poder Legislativo, foro adequado para melhor
repercussão da vontade popular. A iniciativa orçamentária é importante
conquista, “medida assaz pertinente, com vistas a inculcar, finalmente, nas
Defensorias Públicas, a capacidade de estruturar e desenvolver sua atividade-
fim sem qualquer interferência estranha (externa). (ZVEIBIL, Daniel Guimarães;
JUNQUEIRA, Gustavo; REIS, Gustavo Augusto Soares dos; Comentários à lei da
defensoria pública. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 41-42)

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No plano normativo, o art. 134 da Constituiçã o Federal, em seu pará grafo


segundo, evidencia a autonomia da Defensoria Pú blica e, consequentemente, a
inexistência de confusã o com o Estado-executivo.

Art. 134. (...)

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e


administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos
limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao
disposto no art. 99, § 2º

O legislador constituinte também conferiu maior densidade à autonomia das


Defensorias Pú blicas no art. 168:

Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias,


compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos
Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública,
ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei
complementar a que se refere o art. 165, §9º. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)

A norma constitucional, ao impor ao ente federado o dever de repassar


orçamento em duodécimos à Instituiçã o, permitiu que o STF entendesse que a
Defensoria Pú blica gozava de referida autonomia financeira, apesar de esta nã o
constar expressamente no texto constitucional.

Com efeito, na ADPF 307, o STF assentou que “A autonomia administrativa e


financeira da Defensoria Pública qualifica-se como preceito fundamental,
ensejando o cabimento de ADPF, pois constitui garantia densificadora do dever do Estado
de prestar assistência jurídica aos necessitados e do próprio direito que a esses
corresponde. Trata-se de norma estruturante do sistema de direitos e garantias
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fundamentais, sendo também pertinente à organização do Estado”, descabendo ao Poder


Executivo reduzir sua proposta orçamentá ria e ingerir no estabelecimento de sua
programaçã o administrativa e financeira.

Nesse quadro, como o Poder Constituinte alçou a Defensoria Pú blica à categoria


de Instituiçã o permanente e autô noma, deve ser superado o entendimento
consubstanciado na Súmula 421 do STJ, eis que em franco desacordo com as
aspirações constitucionais.

Nã o é demais lembrar que a expressã o do Poder Constituinte redundou em


reformas na legislação infraconstitucional, o que reforça a tese de necessidade de
superaçã o da sú mula em aná lise.

A Lei Complementar Federal 132/2009 deu nova roupagem ao art. 4º, inc. XXI,
da Lei Complementar 80/1994, cuja redaçã o passou a ser a seguinte:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

XXI - executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua


atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos,
destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados,
exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação de
seus membros e servidores. [destacou-se]

De acordo com esse dispositivo, as verbas sucumbenciais “devidas por quaisquer


entes públicos” integram o orçamento da Defensoria Pú blica.

Esse arranjo normativo demonstra que a autonomia almeja justamente apartar


o que a subordinaçã o confundia. Malgrado idêntica a pessoa jurídica – na casuística, o
Estado de Minas Gerais –, as origens e a destinaçã o dos orçamentos sã o
constitucionalmente distintos.

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E, sendo diversos os orçamentos, bem como suas destinaçõ es, é descabida a


perpetuaçã o da tese da confusã o que norteou a construçã o jurisprudencial. Nesse
contexto, o pagamento de honorários advocatícios nas ações em que a Defensoria
Pública é vencedora, mesmo litigando em face do próprio Estado, é medida
inexorável para garantia de sua autonomia administrativa e funcional, por seu
turno indecliná vel para o cumprimento de sua missã o institucional.

O norte de todas essas mudanças é a preservaçã o das condiçõ es necessá rias


para a efetivaçã o do acesso à justiça, nã o mais condicionando a estrutura das
Defensorias a decisõ es governamentais de ocasiã o ou a indevidas, inconvenientes e
arbitrá rias ingerências do Estado-membro em sua atividade-fim.

Entender o contrá rio significaria ingente retrocesso na á rdua luta da Defensoria


Pú blica por sua consolidaçã o, sem mencionar frontal violaçã o à nossa Carta Política,
fomentando a hipertrofia de poderes nas mã os do Executivo, do qual a Defensoria, que
contra ele litiga diuturnamente, tornar-se-ia refém, e ignorando a disputa orçamentá ria
que, nã o raro, resvala em prejudicial conflito de poderes (equacionando que a mesma
pessoa jurídica tem, por certo, objetivos e interesses distintos, de acordo com as
funçõ es institucionais de seus ó rgã os).

Conjugando tais inferências, à outra ilaçã o nã o se chega senã o de que a Sú mula


421, do Superior Tribunal de Justiça, sobre a qual se calça o acó rdã o recorrido, está
hoje SUPERADA, haja vista que nã o acompanhou a legislaçã o que a sucedeu.

Esse foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, em


acórdão publicado em 09/08/2017:

Agravo Regimental em Ação Rescisória. 2. Administrativo. Extensão a servidor


civil do índice de 28,86%, concedido aos militares. 3. Juizado Especial Federal.

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Cabimento de ação rescisória. Preclusão. Competência e disciplina previstas


constitucionalmente. Aplicação analógica da Lei 9.099/95. Inviabilidade.
Rejeição. 4. Matéria com repercussão geral reconhecida e decidida após o
julgamento da decisão rescindenda. Súmula 343 STF. Inaplicabilidade. Inovação
em sede recursal. Descabimento. 5. Juros moratórios. Matéria não arguida, em
sede de recurso extraordinário, no processo de origem rescindido. Limites do
Juízo rescisório. 6. Honorários em favor da Defensoria Pública da União.
Mesmo ente público. Condenação. Possibilidade após EC 80/2014. 7.
Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo a que
se nega provimento. 8. Majoração dos honorários advocatícios (art. 85, § 11, do
CPC). 9. Agravo interno manifestamente improcedente em votação unânime.
Multa do art. 1.021, § 4º, do CPC, no percentual de 5% do valor atualizado da
causa.

(AR 1937 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
30/06/2017, ACÓ RDÃ O ELETRÔ NICO DJe-175 DIVULG 08-08-2017 PUBLIC
09-08-2017)

Nesse quadro, demonstrada a necessidade de superaçã o da Sú mula 421 do


Superior Tribunal de Justiça, forçoso reconhecer que a decisã o recorrida violou
diretamente o art. 381 do Código Civil e, consequentemente, o artigo 4º, inc. XXI,
da Lei Complementar 80/1994, bem como o entendimento desta Suprema Corte.

V – PEDIDO

Ante o exposto, satisfeitos todos os requisitos de admissibilidade do presente


Recurso Extraordiná rio, requer o seu conhecimento, a fim de que seja provido para,
superando-se a Sú mula 421 da Corte Superior, reformar o acó rdã o de modo a fixar a
verba honorá ria em favor da Defensoria Pú blica do Estado de Minas Gerais, nos termos
do art. 85, §§2º, 8º e 11, do CPC/2015.

Reitera que a Defensoria Pú blica passa a atuar em defesa de interesse pró prio,
pelo que há de ser observada a isençã o legal prevista no art. 1.007, §1º, do CPC.

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DEFENSORIA PÚBLICA ESPECIALIZADA DE SAÚDE PÚBLICA – BELO HORIZONTE

Por fim, reitera as prerrogativas da Defensoria Pú blica, notadamente a


intimaçã o pessoal e a contagem em dobro dos prazos processuais, nos termos do art.
186 do CPC/2015 c/c art. 44, inciso I, da Lei Complementar Federal 80/1994 e art. 74,
inciso I, da Lei Complementar Estadual nº 65/2003.

Termos em que, pede deferimento.

Belo Horizonte, 09 de Janeiro de 2023.

ISABELLA MARQUES PASTORE


DEFENSORA PÚBLICA - MADEP 0270

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