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JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO

Com a possibilidade de julgamento conforme o estado do processo (arts. 354 e ss),


nosso legislador não só mantém uma das grandes inovações do CPC em termos de
adequação do processo ao direito material, mas também o alarga sensivelmente.

Além de manter as tradicionais espécies de julgamento conforme o estado do


processo (extinção do processo, art. 354 e julgamento antecipado do mérito, art. 355),
o legislador inova ao prever inquestionavelmente como hipótese de julgamento
fundado em cognição exauriente a tutela da parcela incontroversa da demanda (art.
356, I – “Mostrar-se incontroverso”) e a possibilidade de julgamento parcial de todo e
qualquer pedido que não necessite de instrução diversa da prova documental já
produzida na fase postulatória (art. 356, II – estiver em condições de imediato
julgamento, nos ternos do art. 355).

“O tempo do processo não pode prejudicar o autor que tem razão” (Luiz Guilherme
Marinoni).

O Julgamento conforme o estado do processo constitui um encurtamento do


procedimento. Basicamente, deixa-se de seguir o procedimento comum porque é
desnecessário: dado o estado do processo e do direito material que constitui objeto do
litígio, seguir adiante constitui apenas perda de tempo.

Daí que o legislador sumarizou formalmente o procedimento, encurtando-o, atento ao


princípio da adequação da tutela jurisdicional. Nessa linha, o julgamento conforme o
estado do processo constitui uma técnica de sumarização do procedimento que visa à
concretização do princípio da adequação do processo. Cumpre ao juiz de ofício aferir a
desnecessidade de seguir adiante no procedimento e desde logo encurtá-lo, julgando
o processo no estado em que se encontra.

EXTINÇÃO DO PROCESSO

A primeira hipótese de julgamento conforme o estado do processo é a da extinção do


processo (art. 354). Em sendo o caso de extinguir o processo sem resolução do mérito
(art. 485), de atender à autocomposição das partes – por atos unilaterais ou bilaterais
(art. 487, III) ou de julgar pela existência de prescrição ou decadência (art. 487, II),
pode o juiz fazê-lo a qualquer tempo. Esse é o sentido do termo conforme o estado do
processo: em qualquer estado em que se encontra, pode o juiz extingui-lo na forma do
art. 354.

A extinção do processo pode ocorrer em relação ao litígio no todo ou em parte. Se


extinção for total, o recurso cabível é o de apelação (art. 1009). Se a extinção for
parcial (quando disser “respeito a apenas parcela do processo”), o recurso cabível é o
de agravo de instrumento (art. 354, parágrafo único).
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JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO

No antigo CPC, o julgamento antecipado do mérito, se chamava julgamento


antecipado da lide. O instituto é o mesmo: julga-se o mérito no estado em que se
processo se encontra por não ser necessário praticar nenhum ato preparatório ao
julgamento. Rigorosamente, portanto, não há propriamente aí um julgamento
antecipado: o julgamento ocorre no momento em que tem de ocorrer, na medida em
que o processo com duração razoável é processo sem dilações indevidas. Se, portanto,
o processo encontra-se maduro para julgamento, toda e qualquer dilação posterior a
esse momento é indevida. O julgamento ocorre no momento em que tem de ocorrer:
em seu momento apropriado. Daí que a terminologia apropriado para o instituto é a
de julgamento imediato do mérito ou do pedido.

O julgamento imediato do pedido pode ocorrer de forma integral (“julgamento


antecipado do mérito”, art. 355) ou parcial (“julgamento antecipado do mérito, art.
356). No antigo CPC, uma das hipóteses que dá lugar ao julgamento parcial do mérito
(a incontrovérsia) era tratada como caso de tutela antecipada, nada obstante a
doutrina tenha sempre assinalado o fato de o julgamento aí ocorrer fundado em
cognição exauriente e não em cognição sumária. Com a nova alocação do instituto
atende-se à antiga proposta da doutrina.

Julgamento integral

Diz o art. 355: “O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com
resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras
provas; II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver
requerimento de prova, na forma do art. 349 (oportunamente).

O critério que legitima o julgamento imediato do pedido e que está presente nos 2
incisos do art. 355 é a desnecessidade de produção de provas além daquelas já
produzidas com a petição inicial e com a contestação. Nesse caso, estando o juiz
convencido a respeito das alegações de fato da causa, deve julgar imediatamente o
pedido. Não sendo cabível a colheita de prova oral (depoimentos pessoais e oitiva das
testemunhas), da prova pericial e nem a obtenção de esclarecimentos de perito a
respeito do laudo pericial, cabe o julgamento imediato do pedido. Mesmo se há
revelia, o que determina a possibilidade do julgamento imediato é a desnecessidade
de prova, na medida em que a presunção de veracidade das alegações dela oriunda é
relativa e pode ser superada pela produção de prova em contrário – que pode ser
determinado de ofício pelo juiz (art. 370). Assim para que o julgamento antecipado do
mérito possa ocorrer, duas condições devem concorrer: i) inexistência de fato
controverso, pertinente e relevante a ser esclarecido (desnecessidade de prova); e ii)
estar o juiz convencido das alegações de fato.
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Quanto à primeira, importa ter presente a desnecessidade da prova tem de ser


evidenciada pela circunstancia de as provas admissíveis já terem sido produzidas ou
de as alegações de fato serem insuscetíveis de prova. Para serem objeto de prova, as
alegações fáticas devem ser controversas, pertinentes e relevantes. Alegação
controversa é aquela sobre a qual as partes não se encontram em acordo. Alegação
pertinente é aquela que tem relação com o mérito da causa. Alegação relevante é
aquela que pode influir sobre a resolução do mérito da causa.

Se a alegação de fato não reveste alguma dessas características, a produção probatória


é inadmissível e tem o juiz o dever de indeferir eventual requerimento de prova nesse
sentido (art. 370, parágrafo único). Do contrário, sendo a alegação controversa
pertinente e relevante, a parte tem direito fundamental à produção da prova dessa
alegação (art. 5º, LVI, da CF). Daí a razão pela qual não pode o juiz inadmitir a
produção de provas de alegações fáticas controversas, pertinentes e relevantes. Como
consequência, também não pode julgar imediatamente o pedido.

Não pode indeferir a produção de prova antecipando a valoração de seu resultado.


Observe-se que não se pode confundir de modo nenhum o juízo de admissibilidade
com o juízo de valoração da prova. O critério de seleção de necessidade ou
desnecessidade da prova recai na relação objetiva que se estabelece entre tópico
probatório. Se a parte requerer, portanto, a produção de provas sobre alegação fática
controversa, pertinente e relevante, e o juiz a indefere, julgando ainda de maneira
imediata o pedido, há violação do direito fundamental à prova. Diante do direito
fundamental à prova, é evidente que o juiz não tem prerrogativa de, uma vez
requerida a prova nessas condições, optar ou não por produzi-la, ciente de que seu
resultado – ainda que em tese - pode ser importante para a resolução do mérito.

Quanto à segunda, para que caiba o julgamento imediato do pedido é a existência de


convencimento judicial a respeito das alegações de fato da causa. Vale dizer: que não
pode o juiz julgar de maneira imediata o pedido alçando a mão da regra do ônus da
prova na sua acepção de regra de julgamento (art. 373). Se o pressuposto para
incidência do art. 355, é estar o feito bem instruído, evidentemente não pode o juiz
julgá-lo de maneira imediata quando há insuficiência probatória, contingência que o
forçaria a formalizar o seu julgamento com a aplicação do art. 373. De duas, uma: ou o
feito está bem instruído e julga-se de imediato o pedido, ou observam-se as etapas do
procedimento, utilizando-se ao seu final, como última medida para o julgamento da
causa, a norma do ônus da prova na sua acepção de regra de julgamento (art. 373).
Nesse sentido, já se decidiu que o juiz, ao dirigir o processo, tem de analisar o contexto
probatório, só podendo “antecipar o julgamento da lide quando substancioso e
suficiente para a compreensão das questões de direito, sem aprisionar-se a quem
competiria o ônus da prova”. Havendo julgamento imediato do pedido, a sentença é
fundada em cognição exauriente e o recurso cabível é o de apelação.
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JULGAMENTO PARCIAL

Por vezes, o processo alberga um litígio que pode ser fracionado ou então pedidos
formulados em regime de cumulação simples que podem ser decididos
autonomamente. Nesses casos, representaria certamente uma má gestão do tempo
do processo deixar de decidir parte incontroversa da demanda ou de um dos pedidos
que se afigure incontroverso apenas para que se tenha a oportunidade de decidir o
litígio como um todo ao mesmo tempo. Se a parte tem direito à tutela tempestiva
certamente constitui violação a esse direito fazê-la aguardar o desfecho de seu pedido
– ou de parcela dele – para além do tempo necessário para maturação do julgamento.

É por essa razão que o legislador (art. 356) refere que “ O juiz decidirá parcialmente o
mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se
incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art.
355. A primeira hipótese que autoriza o julgamento parcial é a de incontrovérsia. A
segunda, a de desnecessidade de prova diversa daquela já produzida com a petição
inicial e com a contestação.

Incontroverso é aquilo sobre o qual não há discussão entre as partes. A incontrovérsia


pode defluir do não desempenho do ônus de impugnação específica das alegações
fáticas do autor (art. 341), de transação parcial, de reconhecimento jurídico do pedido
parcial, de admissão em audiência de alegações de fato incontroversas e, em geral, da
existência no processo de alegações de fato que não dependem de prova (art. 374). A
incontroversa fática só leva a tutela definitiva da parcela incontroversa se for
suficiente para caracterizar a incontrovérsia do pedido ou de parcela do pedido.
Caracterizada, pode levar ao julgamento imediato de parcela do pedido ou de um dos
pedidos cumulados em regime de cumulação simples. Nesses casos cabe o julgamento
parcial.

A decisão que julga parcela do mérito é impugnável via agravo de instrumento (art.
356, par. 5º). O restante do processo segue para elucidação probatória. O que foi
decidido mediante julgamento antecipado parcial é decidido com base em cognição
exauriente e não pode o juiz voltar a examiná-lo no decorrer do processo.

A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de


obrigação líquida ou ilíquida. A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a
obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito,
independentemente de caução, ainda que haja recurso interposto contra a decisão. Se
houver trânsito em julgado da decisão, formar-se-á a coisa julgada e execução será
definitiva. A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito
poderão ser processadas em autos suplementares, a requerimento da parte ou a
critério do juiz. Trata-se de medida que visa a demarcar com maior nitidez aquilo que
pertence à fase de conhecimento e aquilo que já teve essa etapa vencida.

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