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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) DESEMBARGADOR PRESIDENTE

DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000058-92.2023.4.02.5116/RJ

JOÃO PEDRO OLIVEIRA DE SOUZA, já qualificado nos autos da Apelação Cível


em epígrafe, que contende em desfavor do INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA E TECNOLOGIA FLUMINENSE, também qualificado, vem tempestiva e
respeitosamente perante Vossa Excelência, por intermédio de sua procuradora signatária,
com fulcro no artigo 105, III, alínea “a” e “c” da Constituição Federal e artigo 255 do
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, vem, interpor

RECURSO ESPECIAL COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO

Em face ao respeitável Acórdão (Evento 16 - ACOR2) que reformou a Sentença a


quo e julgou improcedente o pleito exordial, por se tratar, data maxima venia, de decisão
que colide com a legislação federal e lhe dá interpretação divergente da que lhe atribuiu o
Superior Tribunal de Justiça, além de afrontar jurisprudência consolidada, em divergência,
o que o faz na forma das razões que seguem em anexo, requerendo, após as
formalidades legais, seja o recurso admitido e enviado os autos ao Superior Tribunal de
Justiça, para que dele conheça e lhe dê provimento.

Destarte, requer que a Recorrida seja intimada para que apresente contrarrazões
no prazo de 15 (quinze) dias, na forma prevista pelo artigo 1.030, caput, do Código de
Processo Civil.

Requer ainda seja positivo o juízo de admissibilidade do Recurso, a fim de que a


matéria seja apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça e, sendo verificada a
interpretação equivocada que foi atribuída à legislação federal, seja revista a respeitável
decisão proferida pela 6ª Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da
2ª Região.

Termos em que,
Pede e espera deferimento.

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Macaé/RJ, 21 de março de 2024.

LILIAN RODRIGUES DE SOUZA KEHL

OAB/RJ nº 130.442

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AO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recorrente: JOÃO PEDRO OLIVEIRA DE SOUZA

Recorrido: INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA


FLUMINENSE

Processo nº 5000058-92.2023.4.02.5116/RJ

Tribunal de origem: Tribunal Regional Federal da 2ª Região

RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL

Colendo Tribunal,

Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro Relator,

Eméritos Ministros Julgadores!

I. DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

I.I. DA TEMPESTIVIDADE

A fim de que não restem dúvidas acerca da tempestividade do presente recurso,


convém esclarecer que o recorrente foi intimado com a publicação da decisão no dia
01/03/2024, sendo tempestivo o recurso protocolado nesta data, nos termos dos artigos
1003, §5º, e 183 do Código de Processo Civil.

Portanto, a apresentação deste recurso está sendo feita estritamente em


obediência ao prazo legal, em conformidade com os artigos 219, 224, §§2º e 3º e 1.003,
§5º, todos do Código de Processo Civil, devendo assim ser apontada sua plena e irrestrita
tempestividade.

I.II. DO PREPARO

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O recorrente informa que deixou de juntar o comprovante de recolhimento do
preparo recursal, tendo em vista que é beneficiário da justiça gratuita.

I.III. DO CABIMENTO

Disciplina o artigo 105, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal, que é
da competência, exclusiva, do Superior Tribunal de Justiça, apreciar Recurso Especial,
fundado em decisão proferida em última ou única instância, quando a mesma contrariar
tratado ou lei federal, negar-lhes vigência ou lhe der interpretação divergente da que lhe
haja atribuído outro tribunal.

Neste diapasão, tem-se o pleno preenchimento dos requisitos de cabimento deste


recurso especial, posto que foi apresentado em face de acórdão de tribunal regional
federal, decisão de última instância passível de reanálise e/ou revisão somente por
instância superior, in casu, o Superior Tribunal de Justiça, o que pretende o Recorrente.

A hipótese se ajusta aos ditames supra, e, nessa esteira, converge ao exame deste
Recurso Especial.

I. IV. DO PREQUESTIONAMENTO

O presente recurso é perfeitamente cabível, frente a patente violação aos artigos


3º, alínea “a”, inciso IV, e artigo 1°, §2º da Lei nº 12.764/2012 e ao artigo 121 da Lei nº
13.146/2015, uma vez que colide com o entendimento sedimentado do Superior Tribunal
de Justiça, fazendo-se necessária a interposição deste recurso nos mesmos termos que
as controvérsias anteriormente suscitadas pelo Recorrente nas peças processuais
interpostas, de forma a provar que houve o prequestionamento.

In casu, compulsando os autos do processo, se constata que todas as matérias


arguidas neste recurso foram arguidas nas instâncias inferiores, portanto, devidamente
preenchido este pressuposto de admissibilidade.

I.V. DO AFASTAMENTO DA SÚMULA Nº 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE


JUSTIÇA

O presente recurso especial não quer cuidar novamente de matéria de fato. Ao


contrário, a discussão é meramente de direito, cingindo-se à aplicação e interpretação
incorretas de dispositivos infraconstitucionais ao caso concreto.

A propósito, é entendimento majoritário, entre processualistas, tais como a


professora Tereza Arruda Alvim Wambier e o doutrinador Fredie Didier Junior, que a
correta interpretação do enunciado da Súmula nº 07 do Superior Tribunal de Justiça deve

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levar em consideração a distinção entre a atividade de mero reexame de provas e a de
revaloração legal de provas.

Embora os termos possam aparentar ser fungíveis entre si, carregam significados
distintos. O mero reexame envolve a simples rediscussão dos contornos fáticos
apreciados e não apreciados pelos Juízos inferiores, ou seja, um exercício puro e
exclusivo de conhecimento formal dos fatos da demanda.

Em sentido contrário, a revaloração legal seria a qualificação jurídica das provas


produzidas - uma vez maduros e delineados os fatos - em conformidade com a disciplina
jurídica das provas no Processo Civil e na Constituição Federal, o que, em termos de
existência, é matéria de direito.

Ora, o acórdão vergastado expõe a infringência de legislação infraconstitucional e


da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça.

É de se destacar, ainda, que a valoração de prova (prática diversa do reexame de


provas, proibido em sede de Recurso Especial), encontra-se intrinsicamente ligado ao
cumprimento de Lei Federal (o que se enquadra no caso em tela).

Nessa linha, o ministro Athos Gusmão Carneiro leciona que erro em valoração de
prova, ora ensejador de Recurso Especial, torna-se verdadeiro erro de direito. A função
do Superior Tribunal de Justiça é cuidar pela unidade, autoridade e uniformidade da lei
federal, e é o que se pleiteia nesse momento.

Veja-se que, em nenhum momento, o recorrente discutirá em seu recurso especial


matéria de fato ou revisitará as provas dos autos.

Diante de tais circunstâncias, nasce urgente necessidade de nova valoração do


fato já comprovado em sintonia com a legislação pátria e o entendimento sedimentado
do Superior Tribunal de Justiça, sendo que o exame que se pleiteia aqui é pura e
unicamente no que se refere ao indevido enquadramento legal operado pelo Tribunal,
como se explicitará a seguir.

É de se destacar, ainda, que a valoração de prova (prática diversa do reexame de


provas, proibido em sede de Recurso Especial), encontra-se intrinsecamente ligada ao
cumprimento de lei federal (o que se enquadra no caso em tela).

Repete-se que não se pretende a análise minuciosa das provas constantes no


processo, mas sim do valor conferido à questão de tempestividade e admissibilidade, para
o fim de se afastar as ilegalidades presentes no acórdão, qual seja, a má valoração das
provas. Nesse contexto, destacam-se os seguintes entendimentos do Superior Tribunal
de Justiça sobre o tema:

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AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
FUNDAMENTOS NÃO IMPUGNADOS. ARTIGO 1.021, § 1º, DO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL/2015. PREVIDÊNCIA. PRIVADA. MIGRAÇÃO DE
PLANO DE BENEFÍCIOS. ALTERAÇÃO DE REGULAMENTO. ANULAÇÃO.
DECADÊNCIA. REVALORAÇÃO JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DOS ÓBICES
PREVISTOS NAS SÚMULAS 5 E 7, DO STJ. PREQUESTIONAMENTO
IMPLÍCITO. POSSIBILIDADE. 1. Nos termos do artigo 1.021, §1º, do
Código de Processo Civil/2015 é inviável o agravo interno que deixa de
impugnar especificadamente os fundamentos da decisão agravada. 2.. Nos
termos da jurisprudência já consolidada desta Corte, a análise do
recurso especial não esbarra nos óbices previstos nas Súmulas 5 e 7,
do STJ, quando se exige somente o reenquadramento jurídico das
circunstâncias de fato e cláusulas contratuais expressamente
descritos no acórdão Recorrido. 3. Esta Corte admite o
prequestionamento implícito dos dispositivos tidos por violados, desde que
as teses debatidas no recurso especial tenham sido objeto de discussão
pelo Tribunal de origem. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt
no AgInt no AREsp437.669/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI,
QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2020, DJe 13/11/2020) (Grifo nosso)

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. RECUSA INDEVIDA DE
COBERTURA. DANO MORAL IN RE IPSA. OCORRÊNCIA.
REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. TUTELA DE URGÊNCIA.
DANO MORAL. SÚMULA 83 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A revaloração da prova constitui em atribuir o devido valor jurídico a
fato incontroverso sobejamente reconhecido nas instâncias ordinárias,
prática francamente aceita em sede de recurso especial, como bem
observou o senhor Ministro Felix Fischer: "A revaloração da prova ou
de dados explicitamente admitidos e delineados no decisório
Recorrido não implica no vedado reexame do material de
conhecimento" (REsp 683.702/RS, Quinta Turma, julgado em
1.3.2005).2. No caso sob análise, haja vista as premissas fáticas delineadas
pelo acórdão vergastado, é possível a revaloração das provas, afastando-se
a incidência das Súmula 5 e 7 do STJ para concluir que a recusa do plano
de saúde em autorizar o tratamento de moléstia grave a idoso, qual seja,
endema macular no olho esquerdo tendente a acarretar-lhe cegueira,
afigura-se injustificada e gera odireitoàindenização por dano moral. 3. O
deferimento de tutela de urgência de caráter satisfativo não possui o condão
de afastar o dano moral in reipsa decorrente da recusa injustificada de
fornecimento de medicamento necessário ao tratamento de moléstia grave
que acomete pessoa idosa. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no
AREsp1437144/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 30/09/2019) (Grifo nosso)

Sobre o tema, sobressai o ensinamento de Tereza Arruda Alvim no sentido de que:

Não se nega que o encaixe dos fatos sob a norma seja matéria
essencialmente jurídica e quem se este processo de qualificação se dá de
modo equivocado, tudo o que lhe segue equivocado será. Em outros
termos, se a função do recurso especial e do recurso extraordinário é

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fundamentalmente a de flagrar e a de corrigir ilegalidades, todos os casos
em que os fatos foram qualificados erradamente, tendo-lhes aplicado
norma diferente daquela que, na verdade, deveria ser aplicada,
deveriam ser reavaliados pelos Tribunais Superiores no bojo desses
recursos (Teresa Arruda Alvim Wambier. Questões de fato, conceito vago e
controlabilidade através de recurso especial. In: Aspectos polêmicos e
atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. Coord. Teresa
Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista do Tribunais, 1997, pág. 452.).
(Grifo nosso)

Por esse ângulo, na hipótese em comento, como será devidamente abordado a


seguir, trata-se de análise exclusivamente de questão de direito, sem a necessidade de
revolvimento de matéria fático-probatória. Assim, resta afastada a incidência do referido
verbete sumular, restando indene de dúvidas a admissibilidade deste recurso especial
também neste particular, o que se pretende seja reconhecido e motivo pelo qual se passa
às razões de direito acerca da reforma do julgado.

Logo, não há que se falar em revolvimento de qualquer matéria fático-probatória,


mas tão somente de uma questão de cunho jurídico, de modo que o presente recurso
especial não encontra óbices no verbete sumular n˚. 7 do Superior Tribunal de Justiça.

I.VI. DA RELEVÂNCIA DAS QUESTÕES DE DIREITO FEDERAL


INFRACONSTITUCIONAL

Em que pese o Enunciado Administrativo nº 8 do Superior Tribunal de Justiça


determine que a indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da
questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos
interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei
regulamentadora, destaca-se que mesmo assim no presente caso resta demonstrada a
relevância das questões suscitadas, conforme a seguir exposto.

Assim, em similitude ao que já ocorria no recurso extraordinário do tipo que


direcionado ao Supremo Tribunal Federal, por força do § 3º acrescentado ao artigo 102,
III, da Constituição, por Emenda Constitucional, passou também o Recurso Especial a
exigir, por força do §2º do artigo 105 da Constituição Federal, que se demonstre, neste
capítulo, que há “relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas
no caso”.

De acordo com o § 3º do mesmo dispositivo, há relevância: nas ações penais, nas


ações de improbidade administrativa, nas ações cujo valor da causa ultrapasse 500
(quinhentos) salários-mínimos, naquelas que possam gerar inelegibilidade, em hipóteses
em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de
Justiça; e em outras hipóteses previstas em lei.

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Assim, passou também o Recurso Especial, desde 15 de julho de 2022, a exigir a
preliminar de “relevância”, altamente assemelhada à conhecida “Repercussão Geral” do
Supremo. Nesse sentir, nota-se que é um instrumento processual inserido na Constituição
Federal de 1988, de modo a possibilitar que o Superior Tribunal de Justiça também possa
selecionar os Recursos Especiais que irá analisar, de acordo com critérios de relevância
jurídica, política, social e/ou econômica.

O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos


encaminhados à instância. Uma vez constatada a existência de relevância, analisa-se o
mérito da questão.

In casu, existem questões relevantes do ponto de vista jurídico, econômico e social,


eis que são inúmeras as demandas que tramitam no Judiciário que versam sobre a
questão, de maneira que vêm se multiplicando e o posicionamento da Corte
Infraconstitucional é inafastável para que se sedimente a questão. Tais questões
ultrapassam os interesses subjetivos da causa, e, devem ser decididas para servir de
parâmetro para as futuras demandas que versam sobre o tema.

Assim, resta demonstrada a relevância do presente recurso, estando preenchido o


requisito para sua admissibilidade e processamento.

II. SÍNTESE DO PROCESSO E DA DECISÃO EMBARGADA

Trata-se de Recurso de Apelação (Evento 41 – APELAÇÃO1) interposta pelo


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense em face da Sentença
(Evento 36 – SENT1) que julgou procedente o pedido exordial para, confirmando os
efeitos da tutela provisória deferida anteriormente, condenar o Embargado a incluir o
Embargante no rol dos portadores com deficiência, bem como o convocar para realização
de matrícula no Curso de Eletromecânica Integrado ao Ensino Médio - Diurno – 1º
Semestre.

Em suas razões recursais, o Recorrido sustentou acerca da necessidade de


reconhecer a inexistência de deficiência capaz de gerar direito do Embargante de
preenchimento de vagas destinadas a portadores de necessidades especiais, bem como,
reconhecer a higidez do ato administrativo que indeferiu a habilitação da matrícula por
vinculação ao edital.

Em suas contrarrazões (Evento 48 - CONTRAZAP1) o Recorrente defendeu que no


artigo 6º do edital do curso, o que se existia era uma “Comissão de Processo Seletivo
Acessível”, que não tinha atribuição de reconhecer a deficiência do candidato e que o
motivo para o Embargante participar na modalidade “Ampla Concorrência” do certame,
não concorrendo a cota PcD, foi devido ao preenchimento da informação de que não
cursou todo o fundamental em escola pública e não ao suposto não reconhecimento da
deficiência.
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Por sua vez, após deslinde do feito, restou prolatado Acórdão (Evento 16 - ACOR2)
que reformou a Sentença primeva, por entender que “ao inscrever-se no concurso, adere
o candidato às cláusulas do instrumento convocatório, não se mostrando lícita sua
insurgência contra as regras as quais aderiu, após sua reprovação, exceção para os atos
manifestamente ilegais, hipótese inocorrente na espécie”.

Em face do referido acórdão, o recorrente opôs Embargos de Declaração, na


medida em que o decisum incorre em omissões que acarretam a negativa de prestação
jurisdicional, ao passo que o juízo recursal parece ter deixado de enfrentar todas as teses
apresentadas na exordial.

Ocorre que, os Embargos de Declaração foram...

Diante do exposto faz-se necessária a interposição do presente recurso.

III. DAS RAZÕES DE REFORMA

III.I. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. VIOLAÇÃO


AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. ADEQUAÇÃO DA
MELHOR INTERPRETAÇÃO DA NORMA.

Conforme se depreende da decisão recorrida, a 6ª Turma Especializada do


Tribunal Regional Federal da 2ª Região deu provimento a Apelação e reformou a
Sentença a quo por entender que “ao inscrever-se no concurso, adere o candidato às
cláusulas do instrumento convocatório, não se mostrando lícita sua insurgência contra as
regras as quais aderiu”.

Notadamente, os princípios basilares para a realização de um certame público são


o da legalidade e o da vinculação ao edital, os quais afirmam ser o edital a lei que rege a
aplicação dos certames públicos, sendo o instrumento norteador da relação jurídica entre
a administração e os candidatos.

Todavia, os princípios da vinculação ao edital e da legalidade não devem se


sobrepor, de forma absoluta, aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,
mormente quando a administração pública impõe exigências desnecessárias e de
excessivo rigor, ou mesmo quando há notória violação de preceito fundamental, qual seja,
a matrícula do Embargante, na forma deferida na Sentença.

Em verdade, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, o princípio


da vinculação ao instrumento convocatório impõe o estrito respeito às regras veiculadas
no edital regente do processo seletivo, admitindo-se a sua relativização apenas nas
hipóteses de contrariedade a preceito previsto em lei, situação verificada no presente
caso e ignorada pelo Juízo recursal.

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No presente caso, embora o Recorrente tenha estudado parte do ensino
fundamental em escola pública e parte em escola não pública, sua condição foi de
bolsista integral, conforme declaração acostada em Evento01-Decl16, por ser
economicamente hipossuficiente, cuja evidencia se verifica no contracheque do genitor
(Evento01-Cheq5).

Importante também informar que o Recorrente passou a ser membro da família


cadastrada no Cadastro Único de Políticas Sociais (CADÚnico) em novembro de 2023,
pertencendo, portanto, a família de baixa renda.

O citado cadastro tem se tornado uma importante fonte de aprimoramento de


políticas afirmativas.

No presente caso, conforme apontado na inicial e comprovado documentalmente,


"apesar da existência de cotas para PcD´s nas Cotas 1, 2, 3 e 4, apenas dois candidatos
foram inscritos na vaga PcD somente na Cota 4, sendo que um faltou e o outro candidato
foi convocado para matricula único com 17 pontos".

Significa dizer que, como bem notado na petição inicial, a "declaração do direito do
Autor para constar dentre o rol das pessoas aprovadas como portadores de deficiência
física não prejudicará nenhum outro candidato com deficiência oriundo da escola pública
porque o único que compareceu à prova foi convocado, permanecendo vagas
remanescentes para PcD".

A restrição imposta ao Recorrente, portador de deficiência CID 10:F84.0, por ter


cursado parte do ensino fundamental em escola pública e outra parte em escola particular
- na condição de bolsista integral, fere os princípios da isonomia e da razoabilidade, bem
como o art. 3º, IV, da Constituição Federal, sobretudo, porque o edital que rege a seleção
dos candidatos não contemplou solução específica para candidatos com deficiência
oriundos de escolas particulares.

Logo, se existem vagas que, originalmente destinadas a deficientes oriundos de


escola pública, não foram preenchidas, negar provimento ao pedido do Recorrente com
base no princípio da vinculação ao edital importa em entregar uma vaga de deficiente a
uma pessoa não deficiente - enquanto o Recorrente, deficiente, não pôde concorrer pelas
vagas destinadas a pessoas deficientes, o que, de fato, não se amolda aos princípios da
razoabilidade e da proporcional.

Não bastasse isso, a jurisprudência pátria é pacífica em reconhecer o direito ao


acesso à educação, impondo ao Estado o dever de assegurar o direito a alunos PCD
oriundos de escolas particulares:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.


ENSINO MÉDIO. INSCRIÇÃO. DEFICIENTE VISUAL. PROCESSO

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SELETIVO. CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNMOLÓGICA DE
MINAS GERAIS (CEFET/MG). ALUNA QUE CONCLUIU ENSINO
FUNDAMENTAL EM ESCOLA PARTICULAR. VAGAS RESERVADAS
AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. POSSIBILDIADE.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. A restrição
imposta à impetrante, portadora de deferência visual grave,
diagnosticada com Amaurse Congênita de Laber, para se inscrever no
Processo Seletivo dos cursos de Educação Profissional Técnica de
Nível Médio (EPTNM), por ter cursado ensino fundamental na Escola
Sesi Alvimar Carneiro de Rezende, em Contagem (MG), fere os
princípios da isonomia e da razoabilidade, sobretudo porque o edital
que rege a seleção dos candidatos não contemplou solução específica
para candidatos com deficiência oriundos de escola particular. 2. Na
espécie, em cumprimento à ordem judicial concessiva de segurança, a
aluna participou do processo seletivo nas vagas reservadas a pessoas
portadoras com deficiência, impondo-se a aplicação da teoria do fato
consumado, haja vista que o decurso de tempo consolidou um situação
fática cuja desconsideração não se mostra viável. 3. Sentença conformada.
4. Apelação e remessa oficial, desprovidas. (grifo nosso).” (TRF-1 – MAS
10152073920194013800, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL
PAES RIBEIRO, Data de Julgamento: 01/03/2021, SEXTA TURMA)

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA FEDERAL. PESSOA


COM DEFICIÊNCIA. AVALIAÇÃO BIOPSICOSSOCIAL. INAPTIDÃO EM
RAZÃO DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO DIVERSO DO
PREVISTO. APRESENTAÇÃO POSTERIOR DO LAUDO EXIGIDO
JUNTAMENTE COM O RECURSO ADMINISTRATIVO. EXCESSO DE
FORMALISMO. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO
EDITAL. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA
RAZOABILIDADE. OFENSA À LISURA DO CERTAME NÃO
CARACTERIZADA. VALOR DA CAUSA E MONTANTE DOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RETIFICADOS. 1. Trata-se de apelações
interpostas pela União e pelo Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e
Seleção e de Promoção de Eventos - CEBRASPE em face de sentença que
julgou parcialmente procedente o pedido, para declarar “a nulidade do ato
administrativo que considerou a parte autora inapta na avaliação
biopsicossocial, e determinar, caso haja pontuação suficiente e respeitada a
ordem de classificação, a sua continuidade no concurso público – na
qualidade de pessoa com deficiência – inclusive no Curso de Formação
Profissional, para o cargo de Agente de Polícia Federal, alusivo ao Edital 1-
DGP/PF, de 15 de janeiro de 2021, assegurando-lhe, em caso de
aprovação, a reserva de vaga, até o trânsito em julgado da presente
demanda". 2. Na origem, a apelada propôs ação de procedimento comum,
relatando que participou do aludido certame concorrendo às vagas
reservadas aos candidatos com deficiência e foi eliminada do processo
seletivo, na fase de avaliação biopsicossocial, por não haver apresentado
laudo multiprofissional, e sim laudo assinado por uma única médica.
Ressaltou, no entanto, que apresentou laudo multiprofissional por ocasião
do recurso administrativo. 3. É pacífico na jurisprudência o entendimento de
que, em se tratando de concurso público, o Judiciário deve se limitar ao
controle da legalidade dos atos, observando-se o cumprimento das normas

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fixadas no edital, que é a lei do certame, sendo-lhe vedado substituir-se à
banca examinadora na definição dos critérios de correção de prova. 4. No
julgamento do RE 632.853/CE, sob o rito de repercussão geral, o Supremo
Tribunal Federal fixou a tese de que não compete ao Poder Judiciário
substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e
os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de
inconstitucionalidade (Tema 485). 5. Todavia, este Tribunal tem mitigado
o princípio da vinculação ao edital do concurso, não amparando
situações em que a Administração interpreta com excesso de
formalismo as regras editalícias, de modo a eliminar candidato que
cumpriu, de forma diversa, os requisitos e as exigências de ingresso
sem ferir a lisura, a segurança e a legalidade do certame. 6. Nesse
sentido, “o princípio da vinculação ao edital deve ser aplicado com
razoabilidade, de modo que não acabe sendo prejudicado o objetivo
principal de todo concurso público, resumido na seleção dos
candidatos mais habilitados ao desempenho dos cargos oferecidos
pela Administração Pública.” (REOMS 0021197-33.2016.4.01.3800,
Desembargador Federal DANIEL PAES RIBEIRO, TRF1 - Sexta Turma, e-
DJF1 21/10/2019, dentre outros precedentes declinados no voto). 7. No
caso dos autos, a candidata, ao interpor recurso administrativo, apresentou
o necessário laudo multiprofissional comprovando sua deficiência e que se
somou ao laudo anteriormente apresentado. 8. Não se vislumbra, no caso
concreto, prejuízo à lisura do certame a apresentação do documento exigido
quando a interposição do recurso administrativo, uma vez que a deficiência
da autora já estava devidamente comprovada e não foi negada pela junta
médica, que baseou o indeferimento na falta de apresentação do
documento inicialmente exigido. Hipótese em que se deve atenuar o
excesso de rigor das regras previstas. 9. Tratando-se de ação que tem por
objeto a nomeação e posse em cargo público, e não a cobrança de
vencimentos, incabível a fixação do valor da causa com base em pretenso
proveito econômico. Precedentes do STF e desta Corte declinados no voto.
10. Honorários advocatícios sucumbenciais fixados em R$ 2.000,00 (dois
mil reais), na linha da jurisprudência da Turma, acrescidos de honorários
recursais no montante de R$ 200,00 (duzentos reais). Precedente declinado
no voto. 11. Apelação da União e remessa oficial desprovidas; apelação do
CEBRASPE parcialmente provida, tão somente para ajustar o valor da
causa e o montante dos honorários advocatícios fixados na origem. (TRF-1 -
AC: 10726103120214013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL
JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, Data de Julgamento: 05/12/2022, 6ª
Turma, Data de Publicação: PJe 07/12/2022 PAG PJe 07/12/2022 PAG).
(grifo nosso).

Verifica-se com as jurisprudências colecionadas acima que há manifesta existência


de um dever jurídico primário do Estado a ser cumprido: o acesso à educação e à
igualdade entre os candidatos.

No presente caso, o r. Acórdão afirma que não restou demostrado a inexistência de


escolas ou instituições públicas que atendessem, à época, as necessidades específicas
do aluno.

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Ocorre que, com a concessa venia, parece se tratar da aplicação ao caso do artigo
373, §1º, do Código de Processo Civil. Veja é impossível ao Recorrente provar algo que
não existe (é a chamada prova diabólica).

Por outro lado, uma evidência de que no ano de 2014, quando o Recorrente
concluía o primeiro segmento do ensino fundamental na escola pública, não havia, à
época, escola adequada às suas necessidades: é o sancionamento de normas nos anos
seguintes que buscam esse acompanhamento específico.

Nesse sentido, somente no ano de 2015 foi definida a tarefa do “ledor”


(necessidade do Recorrente, conforme Laudo2-Evento32 – Processo Original), constante
no art. 5º da LBI para concurso público ou processo seletivo.

Já no ano de 2021 foi instituído o acompanhamento integral específico direcionado


à sua dificuldade para educandos com dislexia ou Transtorno do Déficit de Atenção com
Hiperatividade (TDAH) ou outro transtorno de aprendizagem a ser desenvolvido pelo
Poder Público, através da Lei nº 14.254/2021.

Na cidade de Macaé, desde 2022 há discussão proposta de projeto de lei quanto à


Política Municipal de Inclusão à luz da Lei de Diretrizes e Bases nº 13.146/2015. O
objetivo é assegurar a inclusão no município e tratar de demandas específicas referentes
às pessoas com deficiência (PCD), prestando, quando necessário, serviços de apoio
especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de Educação
Especial, conforme se evidencia com as informações prestadas pelo Portal do Município
de Macaé em 14/07/2022.

Além disso, a declaração emitida pela psicóloga de que haveria a necessidade de


substituição do ambiente escolar - que na época era público, também demonstra
incapacidade de se atender às necessidades do Recorrente, à época.

Assim, a colisão entre princípios a ser resolvida por ponderação, diversamente do


que se passa com as regras, pelo que, o princípio da vinculação ao edital, no caso
concreto, deve dar lugar à aplicação dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, conferindo reforma ao Acórdão recorrido.

III.II. APLICAÇÃO DA NORMA MAIS BENÉFICA AO PCD.

Ao apresentar as Contrarrazões ao Recurso de Apelação (Evento 48 -


CONTRAZAP1), o Recorrente defendeu que o anexo XIII que trata do preenchimento das
vagas remanescentes reservadas às cotas, resulta em discriminação ou tratamento
desigual em razão da deficiência, já que destina vaga reservada a pessoa com deficiência
a não portador da necessidade especial, ao arrepio dos preceitos contidos na Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto 6.949/2009), da Lei Brasileira da

13
Inclusão (Lei n.º 13.146/2015) e da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa
com Transtorno do Espectro Autista (Lei n.º 12.764/2012).

O artigo 1°, §2º da Lei 12.764/2012 estipulou que a Pessoa com Transtorno do
Espectro Autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais,
norma que não foi considerada na apreciação do presente feito e que, necessariamente,
merece apreciação do Nobre Desembargador-Relator.

Ainda, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência


foi internalizada no ordenamento jurídico interno pelo rito previsto no artigo 5°, § 3° da
Constituição Federal e suas regras são equivalentes às emendas constitucionais e
integram o bloco de constitucionalidade, fazendo-se importante a manifestação do juízo
recursal quanto ao ponto que restou inobservado.

Isto porque o artigo 24 da dita Convenção dispõe sobre o direito fundamental à


educação inclusiva da pessoa com deficiência, sem qualquer distinção ou recorte de
natureza social, de renda, etnia, sendo vedados, por inteligência normativa, eventuais
requisitos restritivos desse direito, a exemplo da exigência feita ao candidato “PCD” de ter
cursado ensino fundamental na rede pública para fazer jus às cotas, conforme exigência
da própria Lei de Cotas.

De igual forma, a Constituição Federal também prevê em seu art. 3º, IV, que
constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.

Desse modo, ainda que a Lei de Cotas preveja sua limitação somente para alunos
oriundos de escola públicas, a não caracterização de PCD de alunos oriundos de escola
não pública caracteriza violação da proteção suficiente, uma das facetas do princípio da
proporcionalidade.

Além dessa Convenção, a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa


com Transtorno do Espectro Autista instituída pela Lei n.º 12.764/12, prevê em sua alínea
‘a’, inciso IV, do artigo 3º, que é direito do deficiente o acesso à educação e ao ensino
profissionalizante.

Vale destacar que a fundamentação constante no Voto do Nobre Desembargador


Relator de que o art. 29 do Estatuto da Pessoa com Deficiência que continha a previsão
de cota PCD, mas foi vetado pela Presidência, tendo sido mantido o veto pelo Congresso
Nacional, s.m.j., não poderia ter sido ser considerado para reformar a sentença e cassar a
liminar concedida, já que deve prevalecer a norma mais benéfica à pessoa com
deficiência, nos termos do parágrafo único do artigo 121 da Lei nº 13.146/2015 que é a
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), que se copia:
14
Art. 121. Os direitos, os prazos e as obrigações previstos nesta Lei não excluem
os já estabelecidos em outras legislações, inclusive em pactos, tratados,
convenções e declarações internacionais aprovados e promulgados pelo
Congresso Nacional, e devem ser aplicados em conformidade com as demais
normas internas e acordos internacionais vinculantes sobre a matéria.

Parágrafo único. Prevalecerá a norma mais benéfica à pessoa com


deficiência. (Grifo nosso).

De igual forma, ao nosso sentir, o eventual conflito normativo trazido pela Lei de
Cotas, que injustamente excluiu do sistema de reserva de vagas as pessoas com
deficiências que tenham cursado o ensino fundamental fora da rede pública, não teria o
condão de descaracterizar a deficiência do Recorrente.

Aliás, o Estatuto praticamente reproduz as normas cogentes anteriores,


destacando, mais uma vez, a importância da educação para os portadores de
deficiências, nestes termos:

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência,


assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e
aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo
desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais,
intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e
necessidades de aprendizagem.

Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver,


implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:

(...)

V - adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que


maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com
deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a
aprendizagem em instituições de ensino;

(...)

XIII - acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica


em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas; (...).

Sendo assim, como o acórdão recorrido não considerou os fundamentos


supracitados, deve ser reformado, na medida que deixou de aplicar a norma mais
benéfica ao PCD.

III.III. TEORIA DO FATO CONSUMADO. SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA


NO TEMPO. IMPOSSIBILIDADE DE REVERSÃO DA MEDIDA LIMINAR

15
Conforme exsurge dos autos, na data de 11/01/2023, o Juízo a quo deferiu a
medida liminar pretendida pelo Recorrente (Evento 4 - DESPADEC1), determinando que
o Recorrido incluísse o Recorrente no rol dos portadores com deficiência, bem como o
convoque para realização de matrícula no Curso de Eletromecânica Integrado ao Ensino
Médio - Diurno – 1º Semestre.

Em razão da decisão liminar, o Recorrido apresentou Agravo de Instrumento nº


5001179-80.2023.4.02.0000, onde o Nobre-relator não concedeu efeito suspensivo ao
recurso, incorporando, inclusive, parte da decisão liminar agravada.

Acertadamente, o Nobre Desembargador Relator afirmou que não se tratava de


hipótese de interpretação teratológica, fora da razoabilidade jurídica ou manifestamente
abusiva.

Assim, não foi concedido, pelo Relator, a tutela antecipada recursar, motivo pela
qual foi mantida a decisão liminar e efetivada a matrícula do Recorrente que perdura por
aproximadamente 01 (um) ano.

Desta feita, considerando o deferimento da antecipação de tutela pleiteada e a não


concessão do efeito suspensivo em sede de Agravo, o lapso temporal decorrido e o fato
de que o Recorrente já frequentou dois semestres letivos, a decisão liminar que a
confirmou sua matrícula não pode ser revista ou revogada em decorrência da teoria do
fato consumado, segundo a qual as situações jurídicas consolidadas, amparadas por
decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança
jurídica e da estabilidade das relações sociais.

Acerca da teoria do fato consumado, constata-se que a sua aplicação pela


encontra amparo na jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, onde se firmou a
compreensão de que "em casos excepcionais, em que a restauração da estrita legalidade
ocasionaria mais danos sociais que a manutenção da situação consolidada pelo decurso
do tempo por intermédio do mandado de segurança concedido, a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de admitir a aplicação da teoria do
fato consumado" (AgInt no REsp 1.338.886/SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira
Turma, julgado em 6/3/2018, DJe 19/4/2018).

16
Significa dizer que, nos documentos que instruem a exordial, o Recorrente logrou
êxito em demonstrar a probabilidade do direito invocado à época, ao passo que o próprio
Juízo primevo deferiu a medida liminar.

Assim, não se mostra razoável, a esta altura, desconstituir a situação então


delineada, vez que o Recorrente já foi incluído em sala de aula e frequentou dois
semestres letivos, não havendo possibilidade lógica de desfazimento da matrícula.

Não obstante, a seleção para ingresso no curso ocorre somente no primeiro


semestre. Desta forma, impedir que o Recorrente continue cursando o terceiro semestre
causará dano a ambas as partes, já que tanto o Recorrente terá prejuízo, pois não poderá
concluir o curso em andamento – violando o princípio da proteção integral e prioritária da
criança e do adolescente, quanto o próprio Recorrido igualmente prejudicado, tendo em
vista que a vaga não poderá ser preenchida por nenhum outro candidato, seja este PVD
ou oriundo da ampla concorrência – o que atenta contra o princípio da eficiência do
previsto no artigo 37 da Constituição Federal.

Assim, haveria uma completa inversão de valores, já que a política que visa a
inclusão dos menos favorecidos estaria justamente excluindo os que deveriam ser
incluídos.

No presente caso, a aplicação da Teoria do Fato Consumado se faz imperiosa, ao


passo que matrícula já foi realizada, em razão da concessão da tutela antecipada, não
podendo mais ser desfeito, sob pena de risco à continuidade do aprendizado já adquirido
pelo Embargante e perda da chance de conclusão do curso.

Em casos assemelhados, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aplicou a


teoria do fato consumado, reformando os julgados e mantendo os efeitos da tutela de
urgência, ipsis litteris:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO.


ENSINO SUPERIOR. VESTIBULAR. MATRÍCULA. UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MINAS GERAIS. VAGA RESERVADA A PORTADOR DE NECESSIDADES
ESPECIAIS. ARTS. 3º E 4º DO DECRETO Nº 3.298/1999. LEI Nº 12764/2012.
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA COMPROVADO. I- A Lei nº 12.764/12,
que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista, prevê em seu §2º, art. 1º, que "a pessoa com
transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos

17
os efeitos legais" II- Na espécie, o perito judicial, embora tenha discordado do
diagnóstico de retardo mental leve, feito pelo médico particular que assiste a
autora, concluiu que ela é portadora de Síndrome de Asperger, F84.5/CID10ou,
como nomeado na nova edição do manual diagnóstico da associação norte-
americana de psiquiatria (DSM-V), Transtorno do Espectro Autista. Assim, não
restam dúvidas de que a autora se enquadra no conceito legal de pessoa
com deficiência. III- Assegurado à autora, por medida liminar de caráter
satisfativo, proferida em 22/03/2018, confirmada por sentença, a matrícula no
curso de medicina da UFMG, impõe-se a aplicação da teoria do fato
consumado, haja vista que o decurso do tempo consolidou uma situação
fática amparada por decisão judicial, cuja desconstituição não se mostra
viável. IV- Apelação desprovida. Sentença confirmada. A verba honorária resta
fixada em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos dos §§ 8º e 11º do CPC
vigente. (TRF-1 – AC: 10030186320184013800, Relator: Desembargador Federal
Souza Prudente, Data de Julgamento: 20/10/2021, 5ª Turma, Data de Publicação:
PJe 21/10/2021). (Grifos nossos).”

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MERA


INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF. TEORIA DO FATO
CONSUMADO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. A simples
indicação dos dispositivos legais tidos por violados, sem que o tema tenha sido
enfrentado pelo acórdão recorrido, obsta o conhecimento do recurso especial, por
falta de prequestionamento. Súmulas 282 e 356 do STF. 2. De acordo com a
jurisprudência do STJ, se a mudança da situação consolidada pelo decurso do
tempo for mais prejudicial que a observância do princípio da legalidade
(necessidade de escritura pública), deve ser aplicada a teoria do fato consumado.
Precedentes do STJ. Incidência da Súmula n. 83 do STJ. 3. Agravo a que se nega
provimento. (STJ - AgInt no REsp: 1885347 RN 2020/0180010-5, Relator: Ministro
ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 21/02/2022, T4 - QUARTA
TURMA, Data de Publicação: DJe 25/02/2022)

Considera-se, ainda, que, por seu portador do espectro autista, a revogação da


medida liminar e consequente negativa quanto à matrícula já efetivada prejudica o
Recorrente, mormente qualquer mudança abrupta e repentina na rotina de um autista
afeta, de forma negativa e desastrosa, seu estado psíquico e sua saúde mental, lhe
causando mal considerável.

Portanto, ante as especificidades do caso e, considerando que o Recorrente já está


cursando o Curso de Eletromecânica Integrado ao Ensino Médio, a reversão do quadro
fático consolidado pelo decurso do tempo não se faz possível, além de representar danos
incomensuráveis ao Recorrente, restando a esse Juízo se manifestar quanto a aplicação
da teoria do fato consumado ao caso.

IV. DO EFEITO SUSPENSIVO

Nos termos do § 5º do art. 1.029 do Código de Processo Civil:

18
“§ 5ºO pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário
ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido:

I - ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a


interposição do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para
seu exame prevento para julgá-lo;

II - ao relator, se já distribuído o recurso;

III - ao presidente ou vice-presidente do tribunal local, no caso de o recurso


ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037.”

Veja-se que a concessão de efeito suspensivo a recurso especial depende da


presença concomitante da fumaça do bom direito, consistente na plausibilidade do direito
alegado, e do perigo da demora, que se traduz na urgência da prestação jurisdicional.

O requisito da probabilidade do direito está amplamente demonstrado ao passo


que a teoria do fato consumado, amplamente aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça e
a inteligência do artigo 1°, §2º da Lei 12.764/2012 garantem ao Recorrente o direito de
matrícula e permanência no curso, ao passo que a permanência do Recorrente no curso
não causará nenhum prejuízo a terceiros ou ao Recorrido e o dano da paralização dos
estudos de um adolescente autista ferirá o princípio da proteção integral e prioritária da
criança e do adolescente.

Além disso, quanto ao atendimento ao requisito do perigo de dano, vale ressaltar


que a demora na entrega da prestação jurisdicional, com a espera do trânsito em julgado
do presente recurso colide com a essência da medida manejada pelo Recorrente,
mormente se o mesmo cursa o terceiro semestre do curso; a decisão recorrida obsta essa
permanência, afeta seu direito constitucional e humano de acesso à educação, bem como
viola o princípio da proteção integra e prioritária da criança e do adolescente.

Além disso, caso não seja concedido o efeito suspensivo ora querido, o Recorrente
poderá apresentar desenvolvimento acadêmico deficiente e dificuldades de adaptação,
desregulação emocional com comportamentos de estresse e ansiedade e impacto na
autoestima - Isolamento social e falta de oportunidade de desenvolvimento pessoal, além
de retrocessos na habilidades sociais e acadêmicas adquiridas até o momento no IIFF,
conforme conclusão do relatório da terapeuta ocupacional, Marama Bechara da Silva,
inscrita no CREFITO 2: 11.921-TO, anexo.

O psicólogo, Bruno de Souza Correa, CRP: 05/58072 que também acompanha o


Embargante afirma em seu relatório, anexo, “que uma possível mudança escolar no
presente momento pode gerar prejuízos em seu processo de desenvolvimento da
aprendizagem em vínculos afetivos em desenvolvimento.”

19
No caso concreto, portanto, não restam dúvidas de que ambas as condições legais
se afiguram presentes na medida, pois a decisão afronta dispositivo legal e jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça (probabilidade do direito), e pode lhe causar grandes ônus
(perigo de dano).

Veja-se que o recorrente é aluno autista, com excelente desempenho, conforme


será demonstrado e será gravemente impactado psicologicamente com a decisão.

Além disso, a própria instituição terá prejuízo com o cumprimento da decisão, visto
que a vaga ficará em aberto e não poderá ser destinada para terceiro.

Assim, a decisão apenas causará prejuízo para o recorrente, enquanto a sua


suspensão não causará nenhum prejuízo ao recorrido, que não poderá preencher a vaga
aberta.

Posta assim a questão, tendo em vista a iminência de cumprimento da decisão, o


que pode gerar prejuízos de difícil reparação, requer-se de Vossa Excelência a concessão
de efeito suspensivo ao presente recurso, suspendendo o processo até ulterior decisão no
bojo da vertente irresignação.

V. DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer:

a) o recebimento do presente Recurso Especial, considerando o preenchimento de


todos os pressupostos de admissibilidade;

b) a intimação do recorrido, para, querendo, se manifestar no prazo legal, nos


termos do artigo 1.030 do Código de Processo Civil;

c) a concessão do efeito suspensivo ao presente recurso;

d) a reforma do acórdão, diante da evidente violação à Lei Federal ora apontada e


ao entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça;

e) subsidiariamente, a redução dos honorários sucumbenciais, conforme artigo 85,


§3, do Código de Processo Civil.

VI. DAS PUBLICAÇÕES

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Outrossim, requer que todas as publicações e intimações referentes aos autos em
epígrafe sejam realizadas em nome da advogada da causa, sob pena de nulidade, nos
termos do artigo 272, §2º do Código de Processo Civil.

Termos em que,
Pede e espera deferimento.

Macaé/RJ, 21 de março de 2024.

LILIAN RODRIGUES DE SOUZA KEHL


OAB/RJ nº 130.442

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