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DECISÃO

 
Vistos.
A UNIÃO interpõe recurso extraordinário (folhas 134 a 141) contra
acórdão proferido pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da
4ª Região, assim ementado:
 
“ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO. ILHAS COSTEIRAS.
BEM PÚBLICO. TERRENO DE MARINHA.
1. Com o advento do texto constitucional de 1988, as ilhas
oceânicas e costeiras foram expressamente incluídas no rol dos
bens da União, nos termos do artigo 20, IV.
2. Na vigência da Constituição Federal de 1967, somente
as ilhas oceânicas pertenciam à União, conforme entendimento
do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso
Extraordinário nº 101.037-SP, Rel. Ministro Francisco Rezek
(RTJ 113/279).
3. Os elementos encontrados nos presentes autos
corroboram as alegações deduzidas na inicial evidenciando o
preenchimento dos requisitos necessários à aquisição por
usucapião da propriedade.
4. Os terrenos de marinha pertencem à União e não
integram a área usucapienda” (folha 67).
 
Interpostos embargos de declaração (folhas 71 a 74), foram rejeitados
(folhas 113 a 117).
Insurge-se, no apelo extremo, fundado na alínea “a”, do permissivo
constitucional, contra alegada contrariedade aos artigos 5º, incisos XXXV
e LV, 20, inciso IV, 183, § 3º e 191, parágrafo único, da Constituição
Federal, em razão de ter sido admitida a possibilidade de usucapião a
recair sobre bem público.
Processado sem contrarrazões (folha 148), o recurso foi inadmitido,
na origem (folha 151), daí a interposição do presente agravo de
instrumento.
O recurso especial paralelamente interposto já foi definitivamente
rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça (folha 157).
Decido.
Anote-se, inicialmente, que o representante legal do recorrente foi
intimado do acórdão recorrido em 2/3/01, conforme expresso na certidão
de folha 119verso, não sendo exigível a demonstração da existência de
repercussão geral das questões constitucionais trazidas no recurso
extraordinário, conforme decidido na Questão de Ordem no Agravo de
Instrumento nº 664.567/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda
Pertence, DJ de 6/9/07.
A irresignação, contudo, não merece prosperar.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido
de que a afronta aos princípios constitucionais da legalidade, do devido
processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da motivação dos atos
decisórios, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, tal
qual posta nestes autos, se dependente de reexame prévio de normas
infraconstitucionais, seria indireta ou reflexa. Nesse sentido, anote-se:
 
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS
CONDOMINIAIS. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE
NEGA PROVIMENTO. 1. Impossibilidade da análise da legislação
infraconstitucional e do reexame de provas na via do recurso
extraordinário. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
firmou-se no sentido de que as alegações de afronta aos princípios do
devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, dos limites
da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de
reexame de normas infraconstitucionais, podem configurar apenas
ofensa reflexa à Constituição da República” (AI nº 594.887/SP–AgR,
Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de
30/11/07).
 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALEGAÇÃO DE


OFENSA AO POSTULADO DA MOTIVAÇÃO DOS ATOS
DECISÓRIOS - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE OFENSA
DIRETA À CONSTITUIÇÃO - RECURSO IMPROVIDO. O
Supremo Tribunal Federal deixou assentado que, em regra, as
alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido
processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos
limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem configurar,
quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da
Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso
extraordinário. Precedentes” (AI nº 360.265/RJ-AgR, Segunda
Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 20/9/02).
 
Como se não bastasse, eventual análise acerca da alegada violação
dos demais princípios constitucionais objetos do presente recurso
demandaria o necessário reexame do conjunto fático-probatório constante
dos autos, o que se mostra de inviável ocorrência no âmbito do recurso
extraordinário, a teor do que dispõe a Súmula 279 do STF.
Nesse sentido, citem-se os seguintes precedentes, proferidos em
casos que cuidam de processos de usucapião:
 

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO


DE DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO DE MARINHA.
NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 279 DO
STF. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. I - O
julgamento do RE demanda o reexame do conjunto fático-
probatório dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do
STF. II - O acórdão recorrido dirimiu a controvérsia com base
na legislação infraconstitucional aplicável à espécie.
Inadmissibilidade do RE, porquanto a ofensa à Constituição, se
ocorrente, seria indireta. III - Ausência de prequestionamento
da questão constitucional suscitada. Incidência das Súmulas 282
e 356 do STF. IV - Agravo regimental improvido” (RE nº
534.546/PE-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo
Lewandowski, DJe de 19/9/08).

 
“Trata-se de recurso extraordinário, interposto com
fundamento na alínea ‘a’ do inciso III do art. 102 da
Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional
Federal da 5ª Região. Acórdão assim ementado (fls. 36):
‘DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO. TERRENO DE
MARINHA. BEM PÚBLICO DOMINICAL. DOMÍNIO ÚTIL.
INEXISTÊNCIA DE AFORAMENTO. POSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 17 DO TRF-5ª.
- Ação de usucapião onde se pretende seja reconhecida a
prescrição aquisitiva de domínio útil de imóvel sito em terreno
caracterizado como acrescido de marinha.
- A sentença julgou a pretensão improcedente em face de o
bem em questão estar sendo utilizado sob o regime de
ocupação.
- A impossibilidade jurídica do pedido não ocorre quando
a pretensão não tem amparo legal, como afirma a peça recursal,
mas quando o ordenamento jurídico expressamente veda sua
dedução em Juízo, a exemplo do art. 814 do atual Código Civil.
- O fato de o imóvel estar inserido em loteamento ou
inscrito no registro imobiliário não implica o reconhecimento de
aforamento enfitêutico. Prevalece, in casu, a certidão emitida
pela Delegacia de Patrimônio da União, onde se informa que o
terreno em questão está sendo utilizado sob o regime de
ocupação.
- 'É possível a aquisição do domínio útil de bens públicos
em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja
movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem se
operará a prescrição aquisitiva, sem abranger o domínio útil da
União' (Súmula 17 deste Tribunal).
- Apelação improvida.’
2. Pois bem, a parte recorrente sustenta ofensa aos  arts. 19
e 183 da Magna Carta Federal.
3. A Procuradoria-Geral da República, em parecer do
Subprocurador-Geral Wagner de Castro Mathias Netto, opina
pelo não conhecimento do apelo.
4. Tenho que a insurgência não merece acolhida. Isso
porque entendimento diverso do adotado pela Instância
Judicante de origem exigiria o reexame da legislação
infraconstitucional pertinente e a análise do conjunto fático-
probatório dos autos (Súmula 279 do STF), providências
vedadas na instância extraordinária.
o
Isso posto, e frente ao caput do art. 557 do CPC e ao    § 1
do art. 21 do RI/STF, nego seguimento ao recurso.
Publique-se” (RE nº 589.272/PE, Relator o Ministro Carlos
Britto, DJe de 14/12/09).
 

“Trata-se de recursos extraordinários interpostos contra


acórdão assim ementado:
‘USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO DE
MARINHA. EXISTÊNCIA DE REGIMES DE AFORAMENTO E
DE OCUPAÇÃO.
Apenas o domínio útil de terreno de marinha, utilizado
em razão de aforamento firmado pela União Federal, poderá ser
objeto de usucapião.
Inexistente a enfiteuse, regularmente constituída, sendo o
imóvel utilizado em regime de ocupação, não é possível a
aquisição de domínio útil via usucapião, em razão da própria
natureza precária e características do instituto.
Procedência do pedido em relação ao lote de terreno
urbano, objeto de aforamento.’ (Fl. 187).
Conforme fundamentação do acórdão recorrido, ‘apenas o
lote nº 09 se encontra aforado, consoante se depreende do
documento de fls. 68/69, que converteu o regime de ocupação
anteriormente existente (fls. 13). Quanto aos demais lotes, não
há qualquer prova da existência de aforamento. Pelo contrário,
foi apresentada certidão do DPU que comprova a utilização
desses lotes (nº 07 e 10) em regime de ocupação.’ (Fl. 182).
2. No RE da União, sustenta-se ofensa ao artigo 183, §3º,
da Constituição Federal, ao argumento de que ‘admitir-se a
usucapião equivaleria a compelir a União a constituir
aforamento inexistente’, uma vez que ‘consta dos registros da
Delegacia do Patrimônio da União que o lote nº 09 está
cadastrado sob o regime de ocupação, regulado pelo Decreto nº
1.561, de 13.07.77’.
No RE de José Manoel Filho e outros, sustenta-se, também,
ofensa ao artigo 183, §3º, da Constituição Federal, com a
seguinte argumentação:
‘Ocorre, no entanto, nos termos de certidão de
propriedade exarada pelo Cartório do 1º Ofício do Registro
Imobiliário de Recife, acostada aos autos, que o imóvel objeto
da ação em tela é DE PROPRIEDADE da litisconsorte passiva
Ester da Mota Valença. [...]
Impossível a existência de propriedade de particular sobre
terreno de marinha, unicamente existindo, como direito real
passível de inscrição no Registro Geral de Imóveis, em relação a
tais terrenos, os direitos de foreiro, sendo esta a situação dos
autos, irrelevante sendo como restaram, no assentamento
cartorial concernente ao citado imóvel, qualificados, pelo Oficial
competente, tais direitos; sendo terreno de marinha, o único
direito real inserto na patrimonialidade de particular, passível
de inscrição imobiliária, é a enfiteuse ou aforamento.’ (Fls.
203/204).
3. Admitidos os recursos (fls. 216/217), subiram os autos.
4. O Ministério Público Federal opinou pelo não-
conhecimento dos recursos (fls. 267-270).
5. Os recursos não merecem prosperar. Para divergir da
conclusão a que chegou o Tribunal a quo, no sentido de
existência do regime de aforamento apenas em relação ao Lote
09, estando os Lotes 07 e 10 em regime de ocupação, seria
necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos autos,
hipótese inviável em sede extraordinária. Incide, pois, o óbice
da Súmula STF 279.
6. Ante o exposto, nego seguimento aos recursos
extraordinários (art. 557, caput, do CPC).
Publique-se” (RE nº 503.473/PE, Relatora a Ministra Ellen
Gracie, DJe de 1º/12/09).
 
Ressalte-se, por oportuno, que a decisão atacada não negou vigência
à norma constitucional que arrola as ilhas costeiras como propriedade da
União, pois fez a necessária distinção quanto ao fato de que esse
dispositivo apenas passou a integrar nossa Magna Carta a partir de 1988,
disciplinando, destarte, o período de posse anterior, para fins de
usucapião.
Tal decisão harmoniza-se com a jurisprudência desta Suprema Corre
a respeito do tema, citando-se, para exemplificar, os seguintes
precedentes:

“DECISÃO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – AUSÊNCIA DE
VULNERAÇÃO À CARTA DA REPÚBLICA – NEGATIVA DE
SEGUIMENTO.
1. O processamento do extraordinário pressupõe
encontrar-se o recurso enquadrado em uma das alíneas do
inciso III do artigo 102 da Carta da República. Na maioria dos
casos, evoca-se a alínea “a” e, então, cumpre à parte interessada
na reforma da decisão, dadas as premissas do acórdão
impugnado, demonstrar a transgressão de texto constitucional.
Não se há de vislumbrar ofensa à Lei Máxima no que a Corte de
origem explicitou a diferença de tratamento das Constituições
relativamente às ilhas oceânicas e costeiras, ressaltando que o
período referente ao usucapião mostrou-se anterior ao Diploma
de 1988. Disse o Tribunal ainda da necessidade de distinguir a
situação geográfica do imóvel, considerada a ilha de Santa
Catarina, tida como costeira. No mais, assentou que a condição
de terra devoluta não se presume, não se podendo afirmar que
bens não titulados em nome de particular são obrigatoriamente
públicos.
2. Nego seguimento ao extraordinário.
3. Publiquem.
Brasília, 23 de setembro de 2010” (RE nº 451.920/SC,
Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 13/10/10).
 
 
“DECISÃO
RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. ADMINISTRATIVO.
USUCAPIÃO DE ALEGADA ÁREA DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE. NECESSIDADE DA ANÁLISE PRÉVIA DE
LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E DO REEXAME
DO CONJUNTO PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS.
IMPOSSIBILIDADE. OFENSA CONSTITUCIONAL
INDIRETA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DESTE
SUPREMO TRIBUNAL. RECURSOS AOS QUAIS SE NEGA
SEGUIMENTO.
Relatório
1. Recursos extraordinários interpostos, o primeiro, pela
União, e, o segundo, pelo Ministério Público Federal, ambos
com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição.
2. Os recursos têm como objeto acórdão do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região que julgou apelação em ação
ordinária, nos termos seguintes:
“ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO. IMÓVEL.
FLORIANÓPOLIS. ILHA COSTEIRA. POSSIBILIDADE
JURÍDICA. ARTS. 20, IV, e 26, II, da CF/88. REQUISITOS
COMPROVADOS. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE.
POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO.
1. Localizado o imóvel em ilha classificada como sendo
costeira, é ele passível de ser havido por particulares via
prescrição aquisitiva. Inteligência dos arts. 20, IV, e 26, II, da
CF/88. Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso.
2. Demonstrado que, anteriormente à edição da CF/88, os
autores, considerando a accessio possessionis, atendiam aos
pressupostos legais para aquisição do imóvel por usucapião
extraordinária, é de ser julgada procedente a ação declaratória.
3. A eventual caracterização do imóvel, ou parte dele,
como área de preservação permanente não implica obstáculo
legal ao seu assenhoramento pelo particular, podendo, então,
ser objeto de usucapião. É que a qualificação de determinada
área como sendo de preservação permanente não a insere, por
si só, no domínio público. Há compatibilidade legal entre o
domínio privado e a delimitação da área de preservação
permanente; configura-se, apenas, limitação administrativa à
propriedade, estabelecida em prol do interesse coletivo de
preservação ecológica”
3. A União alega que o Tribunal a quo teria afrontado o
art. 225, § 5º, da Constituição.
Argumenta que:
“Na questão discutida nestes autos existe um ponto
central que é a possibilidade de usucapião de área de
preservação permanente. O artigo 225, § 5º, da Constituição
Federal é expresso ao determinar que: ‘São indisponíveis as
terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações
discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas
naturais’.
A finalidade deste dispositivo é preservar as terras que
apresentam ecossistemas naturais, bloqueando a sua
disponibilidade.
Assim, não há dúvidas que a usucapião representa forma
de dispor da coisa, transferindo-a a terceiros fora do domínio
público. Permitir a usucapião, no caso, é tornar indisponível
este bem que possui uma função pública especial, qual seja, a
preservação do ecossistema. A área em questão esta localizada
em área de preservação permanente, composta por dunas e
restingas.
Note-se que o imóvel em questão teria sido adquirido em
1974, quando o imóvel em questão já estava enquadrado como
área permanente de preservação, não podendo agora ser
alegado o desconhecimento do fato a justificar a aquisição da
propriedade através da prescrição aquisitiva” (fl. 308).
4. O Ministério Público Federal também alega que o
Tribunal de origem teria contrariado o art. 225, § 5º, da
Constituição.
Sustenta que:
“Primeiramente, ressalte-se que é incontroverso que a
usucapião se deu em Área de Preservação Permanente – APP.
Assim, não se está utilizando da via do recurso extraordinário
para rediscutir aspectos fáticos, mas apenas apresentando
questionamento acerca da solução jurídica conferida pelo Eg.
Tribunal Regional Federal da 4ª Região à presente ação
declaratória de usucapião.
(...)
O Relator reconheceu que se trata de área acobertada por
proteção legal, mas negou-lhe tal proteção ao argumento de que
‘há compatibilidade legal entre o domínio privado e a
delimitação da área de preservação permanente’ (fl. 299).
Ora, negada a proteção permanente – mediante o
reconhecimento de que particulares exercem o seu domínio -,
restam extrapolados os limites constitucionais acerca de áreas
como as APPs, desconfigurando-as ante a recusa do seu
elemento essencial (qual seja, a proteção permanente por parte
do Poder Público). O art. 225, § 5º, da Constituição Federal é
explícito ao mencionar que tais terras são indisponíveis, vez que
necessárias à proteção dos ecossistemas naturais: (...)
E, ressalte-se, tais limites não foram estabelecidos por
capricho do legislador, pois são de cunho ambiental: trata-se de
direito de todos e das gerações futuras, o qual, se não
observado, potencializará o risco de prejuízos ao meio
ambiente, por vezes incomensuráveis.
Em outras palavras: reconhecer o domínio privado por si
só já representaria um descuido de tais áreas, cujos atributos
naturais reclamam constante preservação por parte do Poder
Público. Dessa forma é que se acredita que a melhor
interpretação a ser conferida aos dispositivos legais
mencionados é em sentido contrário ao afirmado no acórdão
recorrido, não se podendo reconhecer a arguida
‘compatibilidade’ entre o domínio privado e as especificidades
ambientais das APPs” (fls. 323-324).
Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO .
5. Em razão da identidade de pedidos de ambos os
Recorrentes, analiso conjuntamente os dois recursos.
6. Razão jurídica não assiste aos Recorrentes.
O Desembargador Relator consignou em seu voto
condutor que:
“O imóvel usucapiendo, está claro nos elementos de prova
e na descrição da sua caracterização e localização, situa-se no
perímetro da ilha de Florianópolis, cujo território, em face da
sua classificação como ilha costeira, é passível de ser havido por
particulares via prescrição aquisitiva.
(...)
Veja-se, ainda, o art. 1º do Decreto-lei n. 9.760/46, que
incluía dentre os bens da União as ilhas situadas nos mares
territoriais ou não, não foi recepcionado, neste tópico, pela
Constituição de 1967. É que o diploma constitucional, acerca do
tema, foi mais comedido, aludindo como sendo da União
apenas as ilhas oceânicas (art. 4º, II, acima reproduzido),
conceito no qual, vale repetir, não se insere a Ilha de Santa
Catarina.
Sem óbice, então, que seja declarada a propriedade de
imóvel situado em ilha costeira, desde que atendidos os
pressupostos regulares da prescrição aquisitiva.
Resta, agora, tratar da posse do imóvel alegada pelos
autores.
A posse das áreas de terras objeto da presente demanda
foi havida pelos autores no ano de 1974, via de escritura pública
de cessão de direitos possessórios, sendo que os respectivos
outorgantes, declararam, exerciam tais direitos há mais de 41
anos (fls. 09/14). A União não opôs qualquer reserva a estas
afirmativas, e as testemunhas confirmam as circunstâncias
fáticas e temporais da posse alegada:
JOSÉ SANTOS SILVA:
‘Que o terreno dos autores é extremado com o do
depoente; que o terreno está situado no Santinho; que o terreno
ficando de frente para a Rua Geral do Santinho; que o terreno
tem ‘mais ou menos’ mil metros de fundos e a frente tem uns
vinte metros; que o Sr. Otto comprou o terreno em 1974, e que
comprou de José Fernandes da Silva; que José Fernandes tinha
o terreno há mais de quarenta anos; José Fernandes, durante
esse período, dizia-se proprietário do terreno. (fls. 163)’.
AILTON JOSÉ SILVA:
‘Que o terreno dos autores é vizinho do terreno do sogro
do depoente - José Santos Silva; que o depoente mora no
terreno do seu sogro há trinta e cinco anos e quando foi ali
residir os autores já detinham a posse sobre o terreno vizinho
(...) que o terreno é cercado com muro de tijolo, por quarenta
metros, para o lado norte do terreno, e com arame, no restante;
que nos fundos do terreno não há cerca; que há um marco -
uma pedra - para delimitar o terreno, nos fundos. (fls. 167)’.
ENIO AGUIAR:
‘Que o terreno é do Sr. Otto e D. Irene; que quando a irmã
do depoente adquiriu o terreno (1974-75) os autores já eram
donos do terreno; que os autores têm a posse há bastante
tempo, aproximadamente desde 1972; que a área está cercada;
que há plantações. (fls. 165)’.
Veja-se, ademais, que há referências documentais de posse
do imóvel pelo Sr. José Fernandes da Silva, cedente dos direitos
possessórios aos autores, desde 1966, consoante certidão
expedida pela Divisão de Cadastro Rural do INCRA (fls. 118).
Fica confirmado que efetivamente os autores e seus
antecessores exerciam a posse alegada, qualificada pelo animus
domini sem oposição.
Segundo levantamento efetuado pelo IBAMA, bem assim
as afirmações das testemunhas, existe na área um cordão de
dunas, as quais têm proteção legal, sendo considerada a área
como de preservação permanente (art. 2º, f, da Lei n. 4.771/65 e
art. 3º, IX, b, e XI da Resolução CONAMA n. 303/02).
Importante consignar que as dunas estão situadas nos
fundos da área objeto do pedido de declaração, não
dominando, pois, a integralidade do imóvel. A caracterização
de parte do imóvel como área de preservação permanente não
implica obstáculo legal ao seu assenhoramento pelo particular,
podendo, então, ser objeto de usucapião. É que a qualificação
de determinada área como sendo de preservação permanente
não a insere, por si só, no domínio público. Há compatibilidade
legal entre o domínio privado e a delimitação da área de
preservação permanente; configura-se, apenas, limitação
administrativa à propriedade, estabelecida em prol do interesse
coletivo de preservação ecológica. O proprietário tem, apenas,
contido o exercício do domínio, com a supressão do seu livre
gozo, que deverá atender às regras de preservação e
conservação do sistema natural compreendido na sua
propriedade. A limitação administrativa tem respaldo no
exercício do poder de polícia ambiental, assim abordado pela
doutrina:
‘Poder de polícia ambiental é a atividade da
Administração Pública que limita ou disciplina direito,
interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de
fato em razão de interesse público concernente à saúde da
população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da
produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
ou de outras atividades dependentes de concessão,
autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas
atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.
O poder de polícia age através de ‘ordens e proibições,
mas, e sobretudo, por meio de normas limitadoras e
sancionadoras, ou pela ordem de polícia, pelo consentimento de
polícia, pela fiscalização de polícia e pela sanção de polícia. O
campo de atuação de poder de polícia originariamente
restringir-se-á segurança, moralidade e salubridade,
expandindo-se atualmente para a defesa da economia e
organização social e jurídica em todas as ordens imagináveis.
Analisaremos os meios de atuação do poder de polícia
ambiental mais à frente’ (Paulo Affonso Leme Machado, in
Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros, 1999, 253/254).
De então, tomando por base a data da promulgação da
Carta Constitucional de 1988, e considerando a accessio
possessionis (art. 552 do CCB de 1916), os autores ostentam os
requisitos legais necessários à obtenção da declaração judicial
de prescrição aquisitiva - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA -
do imóvel objeto da presente demanda, descrito e caracterizado
no petitório inicial” (fls. 297-299v).
Conforme se verifica, concluir de forma diversa do que foi
decidido pelas instâncias originárias demandaria o reexame do
conjunto probatório constante dos autos, procedimento
incabível de ser adotado validamente no recurso extraordinário,
a teor do que dispõe a Súmula 279 deste Supremo Tribunal.
O reexame do acórdão impugnado demandaria, ainda, a
análise prévia da legislação infraconstitucional aplicável à
espécie. Assim, a alegada contrariedade à Constituição da
República, se tivesse ocorrido, seria indireta, o que não viabiliza
o processamento do recurso extraordinário.
Nesse sentido:
“Meio ambiente: ‘indisponibilidade de terras devolutas ou
arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias,
necessárias à proteção dos ecossistemas naturais’ (CF, art. 225, §
5º): embora prequestionada, a invocação da regra constitucional
não viabiliza o recurso extraordinário, se o acórdão recorrido,
para afastar-lhe a incidência, fundou-se na prova da
inocorrência do seu suposto de fato” (AI 211.829-AgR, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 21.5.1999 – grifei).
Nada há a prover quanto às alegações dos Recorrentes.
7. Pelo exposto, nego seguimento aos recursos
extraordinários (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e
art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal).
Publique-se.
Brasília, 1º de fevereiro de 2010” (RE nº 605.658/RS,
Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 22/2/10).

Ante o exposto, nego seguimento ao agravo.


Publique-se.
Brasília, 6 de maio de 2011.
 
Ministro DIAS TOFFOLI
Relator

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