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EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUIZA FEDERAL DA 1ª VARA FEDERAL DE...

Ação Civil Pública n...

Os Terceiros Prejudicados1 pela v. sentença2 proferida nos


autos em epígrafe, APELANTE..., brasileira, casada,
empresária, inscrita no RG sob o n... expedido pela
SSP/SC, e CPF n..., residente e domiciliada na Rua..., n...,
Bairro..., Cidade..., CEP..., vem, à presença de Vossa
Excelência, por seu advogado, interpor

RECURSO DE APELAÇÃO
com fundamento no art. 996 e art. 1009 do Código de
Processo Civil, requerendo, após as formalidades legais, a
remessa ao juízo ad quem para processamento e
julgamento, com a guia de preparo devidamente recolhida
e acosta aos autos.

Pede deferimento.
Florianópolis/SC, 08 de junho de 2020.

Advogado
OAB/SC

EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO


1
CPC, Art. 996. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou
como fiscal da ordem jurídica.
2
Evento 423 – SENT1.
Ação Civil Pública n....
Origem: 1ª Vara Federal de...
Apelante...
Apelado...

COLENDA TURMA

ÍNCLITO (A) DESEMBARGADOR (A) RELATOR (A)

DOUTA PROCURADORIA

RECURSO DE APELAÇÃO
Em que pese o notório saber jurídico da MM Juíza Federal a quo, maneja-se o
presente recurso, com fundamento nos artigos 996 e 1.009 do Código de Processo Civil, no tocante à
sentença de procedência em Ação Civil Pública que declarou “toda a área do Loteamento... como
Área de Preservação Permanente não edificável e não sujeita a processo de regularização fundiária” ,
e condenou os Réus a “obrigação demolir todas as edificações irregulares e recuperar toda a área
degradada [...],por meio da elaboração, apresentação e implantação de PRAD.”

Contudo, a r. sentença é nula, aliás, todo o processo, sobretudo porque os


Apelantes, em nenhum momento fizeram parte do processo, e na condição de moradores do
Loteamento..., são/serão atingidos diretamente pelos efeitos da sentença, o que viola o princípio do
devido processo legal e seu direito à defesa e ao contraditório, consoante as razões de fato e de
direito que passa a expor.

1. TEMPESTIVIDADE

Cediço, o prazo para impugnar sentença é de 15 (quinze) dias úteis (art. 1.003, §
5º, CPC), em conformidade com o art. 219 do Código de Processo Civil. In casu, a sentença fora
prolatada em 02.04.2020 (Evento 423), contra a qual foram opostos Embargos de Declaração
(Evento 435), julgados em 06.04.2020 (Evento 443), cujo prazo no sistema eProc iniciou-se no dia
06.05.2020 com término em 02.06.2020. Houve suspensão para inspeção judicial. Portanto,
tempestivo o recurso.
2. CABIMENTO DO RECURSO

O art. 1.009 do Código de Processo Civil dispõe que o recurso de apelação será
cabível contra sentença (art. 203, §1º do CPC), por meio da qual, o (a) magistrado (a), com
fundamento no art. 487 do CPC, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum. Este é o caso dos
autos. Cabível, portanto, a interposição do recurso.

3. DA SUSTENTAÇÃO ORAL

Nos termos do inciso I, do art. 105 do Regimento Interno 3 deste Egrégio Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, é admissível sustentação oral em sede de recurso de apelação,
razão pela qual, este patrono, previamente informa seu interesse em ocupar a tribuna da Corte para
produzir sustentação, e responder eventuais perguntas que lhe forem feitas pelos julgadores, bem
como para prestar esclarecimentos em matéria de fato, nos termos do § 3º do art. 102 do citado
Regimento.

4. REQUISITO DO RECURSO INTERPOSTO POR TERCEIRO PREJUDICADO –


LEGITIMIDADE DOS APELANTES – DEMONSTRAÇÃO – VULNERAÇÃO DO
PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DO CONTRADITÓRIO

O art. 996 do Código de Processo Civil, autoriza que o terceiro prejudicado


interponha recurso, bastando demonstrar a possibilidade de a decisão submetida à apreciação
judicial atingir seus direitos, in verbis:

Art. 996. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo
Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica.
Parágrafo único. Cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a
relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou
que possa discutir em juízo como substituto processual.

Fredie Didier Jr. leciona sobre “terceiro prejudicado”:

Terceiro é aquele que não participa do processo. O recurso de terceiro é uma modalidade
de intervenção de terceiro; o terceiro, com o recurso, passa a fazer parte do processo.
Cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica
submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir
em juízo como substituto processual (art. 996, par. ún., CPC). [...] Pode-se dizer, para
simplificar, que todos aqueles que, legitimados a intervir no processo, não o fizeram,
podem recorrer [...]. O litisconsorte necessário não citado também poderá recorrer. 4

3
https://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/apg_rrt_ritrf4_01_04.htm
4
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de
tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal / Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha — 13.
ed. refornn. — Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. v. 3. p. 113-114.
Logo, para interpor o recurso, o terceiro prejudicado deve demonstrar que a
sentença afetará o seu direito. No caso, os Apelantes, legítimos possuidores de lotes e casas no
Loteamento..., não foram citados na ação civil pública epigrafada para compor o polo passivo na
condição de litisconsórcio necessário, mas são/serão atingidos pelos efeitos da sentença que
determinou a demolição de suas casas e recuperação da área. Nesse sentir, há a demonstração
clara e precisa de que a questão posta à apreciação judicial atinge direito de particular não envolvido
na lide, sobretudo, na esfera individual-patrimonial, fato que irremediavelmente autoriza que os
Apelantes interponham o presente recurso, mesmo porque, são pessoas de fácil identificação, cujos
dados são de conhecimento do Parquet e da própria MM Juíza a quo, conforme será exposto no
decorrer deste recurso.

E nesse sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça, “tem entendimento segundo o


qual o regime da coisa julgada nas ações difusas não dispensa a formação do litisconsórcio
necessário quando o capítulo da decisão atinge diretamente a esfera individual. Isto porque consagra
a Constituição Federal que ninguém deve ser privado de seus bens sem a obediência ao princípio do
devido processo legal (art. 5º., LIV da CF/1988) (REsp. 480.712/SP, Rel. p/ Acórdão Min. LUIZ FUX,
DJ 20.6.2005, p. 207; REsp. 405.706/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ 23.9.2002, p. 244)”.

Referido entendimento foi reiterado no AgIn no AREsp 1.255.376, julgado em


13.05.2019, de relatoria do preclaro Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, assim ementado:

AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA. LOTEAMENTO COM PARCELAMENTO IRREGULAR. IMÓVEL LOCALIZADO
EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS
ADQUIRENTES DOS LOTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. ACÓRDÃOS
PARADIGMAS: RESP 480.712/SP, REL. P/ ACÓRDÃO MIN. LUIZ FUX, DJ 20.6.2005, P.
207 E RESP 405.706/SP, REL. MIN. LUIZ FUX, DJ 23.9.2002, P. 244. TRIBUNAL DE
ORIGEM CONCLUIU SER POSSÍVEL A IDENTIFICAÇÃO DE CADA UM DOS
ADQUIRENTES, NÃO SÓ POR CONTA DOS DOCUMENTOS, MAS POR MEIO DE
FOTOS JUNTADAS AOS AUTOS DO PROCESSO, AS QUAIS COMPROVAM VÁRIAS
CASAS CONSTRUÍDAS. INVIABILIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO EM
SEDE DE RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO DO PRESENTANTE
MINISTERIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

In casu, é possível identificar cada um dos moradores/proprietários de lotes e


residências que são/serão afetados pela r. sentença guerreada, importando em necessária e
imprescindível formação de litisconsorte passivo, para que os Apelantes possam exercer seus
direitos constitucionalmente assegurados, até porque, muitos deles, sequer tem relação com aqueles
demandados na origem, conforme depreende-se dos documentos acostos. E mais. Há imóveis no
loteamento em questão com lançamento de IPTU5, e devidamente autorizados pela municipalidade.

À propósito, o Réu Município..., ao longo do feito, fez alusão à necessidade de


citação dos moradores do loteamento, mas a MM Juíza a quo afastou a tese quando da prolação da
sentença (Evento 4236).

5
Exemplo de lançamento de IPTU no imóvel da Apelante...
Portanto, exsurge claro e insofismável o direito e legitimidade dos Apelantes para
interpor o presente recurso de apelação contra a r, sentença proferida em processo do qual não
fizeram parte, e que resultou em determinação de demolir suas casas, as quais estavam identificadas
nos autos, com nomes, endereços e demais dados dos proprietários, e inclusive, em sede de
inquéritos civis. Ademais, os Apelantes adquiriram seus imóveis de boa-fé. Daí a necessidade de
serem partes no processo de origem e legítimos para interpor o presente recurso. Feitas essas
considerações, passa-se a síntese dos autos.

5. ESCÓLIO PROCESSUAL

Trata-se na origem, de ação civil pública com pedido de antecipação dos efeitos da
tutela ajuizada em 16.12.2016 pelo Ministério Público Federal apenas em face de (i) União –
Advocacia Geral da União; (ii) Município..; (iii) Cooperativa...; e (iv) Réu..., mesmo tendo o Parquet, à
época, conhecimento de quem eram os moradores, identificados no Anexo 8, p. 29-50, Evento 1.

Segundo o Parquet, os Inquéritos Civis..., apontaram a implantação de um


loteamento irregular ou clandestino em área de preservação permanente, terrenos de marinha e no
interior da unidade de conservação..., localizado em... Ocorre que, o loteamento supostamente
irregular, está dentro do Loteamento..., este, autorizado pelo Município... em 01 de dezembro de
1981.

[...]

Contudo, maxima venia, a sentença, aliás, todo o processo, são nulos, porque o
resultado da ação civil pública atinge/atingirá diretamente os moradores/Apelantes, de forma a ser
inaceitável que estes não componham o polo passivo da ação, dada a natureza jurídica existente na
presente demanda, conforme será demonstrado nas razões a seguir.

6. RAZÕES PARA DECRETAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA

No caso em lume, a lide versa sobre suposta ocupação em área de preservação


permanente, terreno de marinha e unidade de conservação, tendo o Parquet indicado somente (i)
União – Advocacia Geral da União; (ii) Município..; (iii) Cooperativa...; e (iv) Réu...,, como sujeitos a
compor o polo passivo da demanda, ignorando, por completo, a necessidade dos
moradores/adquirentes de lotes a exercerem o direito ao contraditório, já que o objeto da demanda
penetra na esfera individual-patrimonial dos Apelantes.

6
“Ao longo do feito, o MUNICÍPIO fez alusão à necessidade de citação dos moradores do Loteamento. Todavia, de acordo com
jurisprudência consolidada, "Nos danos ambientais, a regra geral é o litisconsórcio facultativo, por ser solidária a responsabilidade
dos degradadores. O autor pode demandar qualquer um deles, isoladamente, ou em conjunto pelo todo, de modo que, de acordo
com a jurisprudência do STJ mais recente, não há obrigatoriedade de formar litisconsórcio passivo necessário com os adquirentes
e possuidores dos lotes" (REsp 1826761/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/10/2019, DJe
29/10/2019) ”
A procedência do pedido (demolição das casas e recuperação da área), portanto,
atinge diretamente a esfera dos direitos individuais de cada um daqueles que adquiriu frações do
loteamento descrito na inicial, o qual, repise-se, foi aprovado pela municipalidade em 1981.

Há nos autos, informações claras e precisas dos compradores/adquirentes de


lotes, inclusive cópias de escrituras e de instrumentos particulares de compra e venda, nos quais há
menção expressa aos nomes, CPFs, telefones e endereços dos proprietários ou compromissários
compradores, com discriminação do lote. Ou seja, seria possível ao Parquet, incluir os Apelantes na
inicial. De igual forma, seria possível à MM Juíza a quo, determinar a emenda da inicial para inclusão
dos moradores. Mas não o fizeram, o que importa, concessa venia, na extinção do feito como já
decidido em caso análogo por esta Egrégia Corte Federal:

DIREITO AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MOLHE NORTE DO


PORTO DE ITAJAÍ. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DESOCUPAÇÃO E
DEMOLIÇÃO. EFEITOS SUBJETIVOS DA PRETENSÃO DEDUZIDA. AÇÃO
DEFLAGRADA APENAS CONTRA PESSOAS JURÍDICAS, SEM DIRECIONAMENTO
CONTRA AQUELES QUE SERIAM DIRETAMENTE AFETADOS PELAS PRETENSÕES
DE DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO. - A proteção ao meio
ambiente tem previsão constitucional (artigo 225, § 3º, da CF/88), que define a sujeição
dos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados. - Ainda que a coisa
julgada formada em ação civil pública seja oponível contra todos, e a responsabilidade
civil ambiental seja solidária, podendo o autor escolher contra quem vai demandar, o
regime da coisa julgada nas ações em defesa de interesses difusos não dispensa a
formação do litisconsórcio necessário quando a decisão atingir diretamente a esfera
individual de pessoas que podem ser identificadas, a afastar a facultatividade do
litisconsórcio. - Medida constritiva, por mais grave que seja a conduta atribuída a alguém,
pressupõe o devido processo legal, nos termos do artigo 5º, inciso LVI da Constituição
Federal ("ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal"). Ademais, o contraditório e a ampla defesa devem ser assegurados a todos (inciso
LV do artigo 5º da CF). - Provimento judicial que implique desocupação de imóvel e
demolição importa severo comprometimento do patrimônio jurídico e material dos
interessados, e, por mais justa que possa eventualmente ser a postulação, caracteriza
medida que pressupõe direcionamento da demanda contra as pessoas que podem ser
diretamente atingidas. - Extinção do feito. Precedentes do STJ e das 3ª e 4ª Turmas do
TRF4. (TRF4, AC 5007797-77.2012.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO
TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 10/11/2016).

O caso, portanto, é de litisconsórcio passivo necessário, dada a natureza da


relação jurídica ora analisada, nos termos do art. 1147 do Código de Processo Civil.

Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LIV, garante que
"ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" . Por óbvio que
não poderiam os compromissários simplesmente se verem despojados de suas casas sem nem
mesmo integrarem o polo passivo da demanda.

7
Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a
eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.
Por outro lado, importa consignar, que há moradores no aludido loteamento que
adquiriram lotes já há muitos anos, e sem qualquer relação com os réus que teriam iniciado a
suposta comercialização irregular ou loteamento clandestino. Há moradores ainda, que possuem a
competente inscrição imobiliária para fins de lançamento de IPTU, conforme documentos acostos.

De rigor, portanto, que o processo seja anulado, extinguindo-se o feito sem


resolução de mérito, ou, alternativamente, anule-se a sentença determinando a baixa dos autos à
origem para que seja o Ministério Público Federal intimado a emendar a inicial, promovendo a citação
dos litisconsortes passivos necessários, nos termos do art. 114 do Código de Processo Civil,
conforme melhor fundamentação a seguir.

6.1. DA INOBSERVÂNCIA AO DIREITO DA AMPLA DEFESA E DO


CONTRADITÓRIO – VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL - NULIDADE ABSOLUTA

Antes de se demonstrar o equívoco cometido pela r. decisão recorrida, cumpre


demonstrar sua absoluta nulidade, data venia, na medida em que atingiu diretamente interesse de
terceiro que, em momento algum, teve a oportunidade de se defender.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a ampla defesa e o


contraditório ganharam nova roupagem no direito pátrio, sendo atualmente vistos como princípios
jurídico-constitucionais indispensáveis para a obtenção dos direitos e garantias fundamentais e à
manutenção do Estado Democrático de Direito, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Tamanha é a importância dada pelo ordenamento legal, que este determina que o
juiz atuará como genuíno garantidor destes direitos e garantias (art. 1º 8, do CPC), dando-lhe a
competência de zelar pela observância e aplicação do exercício do contraditório, bem como lhe
incumbe do dever de não decidir sem que se tenha oferecido o contraditório as partes, conforme
extrai-se da processualística cível de 2015:

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos


e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de
sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências
do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e
8
Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos
na Brasil, observando-se as disposições deste Código.
observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a
eficiência.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se
trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Seguindo o entendimento Constitucional, vê-se que o Código de Processo Civil dá


a devida importância à ampla defesa e ao contraditório, tornando-os alicerces no qual o devido
processo legal se estabelecerá, sendo a sua observação e efetivação obrigatória em todo e qualquer
processo, sob pena de nulidade absoluta9.

Ademais, frisa-se que as nulidades absolutas não se convalidam em nenhuma


hipótese, pois ocorrem com a violação de norma de ordem pública, por defeitos no processo,
prejudicando seu andamento.

No caso em tela, não houve o exercício da ampla defesa e do contraditório no caso


em lume, dado que em momento algum foi ofertado o direito dos possuidores/moradores (Apelantes)
de se manifestarem no processo, sendo qualquer ato de demolição, nestes moldes, um verdadeiro
ato tirânico, de modo que o processo judicial de numeração em epígrafe, com sentença autorizando a
demolição dos imóveis deverá ser declarado nulo, tendo em vista a inobservância do contraditório.

E que nem se cogite a possibilidade de que os Apelantes eram desconhecidos ou


impossíveis de serem localizados. Consta nos autos prova inequívoca de que a União, Município
de..., a Polícia Militar Ambiental e o próprio Ministério Público Federal não só tinha conhecimento,
como identificaram mais de uma vez cada um dos moradores do suposto loteamento clandestino,
que diga-se, implantado sobre o Loteamento..., este, como já mencionado, devidamente autorizado
pela municipalidade em 1981. Lamentavelmente, não houve a inclusão de nenhum dos moradores no
polo passivo da demanda.

Com a devida vênia, mas ao assim decidir, a r. sentença guerreada acabou


desconsiderando que, no caso dos autos, a natureza da relação jurídica e dos pedidos formulados na
ação civil pública transpassam a responsabilidade ambiental. Importa dizer que, no caso, os pedidos
vão muito além da simples constatação de suposto dano ambiental, adentrando na esfera patrimonial
dos particulares Apelantes, que não fizeram parte da lide, mas que sofrerão irremediável prejuízo se
mantida a sentença, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa, da moradia, da
dignidade da pessoa humana...

Cediço que o CPC, em seu art. 1810, veda que os demandados na ação civil pública
de origem tivessem defendido em nome próprio, interesses ou direitos que, na verdade, pertencem a
terceiros, os Apelantes. Daí a necessidade destes integrarem o polo passivo, a fim de rechaçar as
alegações do Parquet, mesmo porque, alguns moradores adquiriram lotes no suposto loteamento

9
Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será: I - nula, se a decisão deveria ser
uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo;
10
Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
clandestino ou irregular, que popularizou-se como Loteamento..., há muitos anos, mas não tiveram a
oportunidade de se defenderem e comprovar tal fato.

Com efeito, a citação de todos os réus em litisconsórcio passivo necessário é


pressuposto para a regular formação da relação processual, e sua ausência implica na nulidade do
processo. Assim, até mesmo por cautela, inconcussa a necessidade de citação dos moradores para
responder à ação civil pública de origem, sob pena de violação dos mandamentos constitucionais.

Fica patente, da leitura da parte dispositiva da própria sentença, que o provimento


jurisdicional afetou sobremaneira a esfera de direitos dos adquirentes dos lotes. Veja-se, neste
diapasão, que, ainda que a sentença fosse de indeferimento total dos pedidos, em sua petição inicial,
o Parquet requereu como pedido principal, a demolição de todas as edificações, o que já seria
suficiente para ensejar, necessariamente, a participação dos proprietários dessas construções no
polo passivo da demanda. Sem isso, seria caso de julgamento sem resolução de mérito, nos termos
do art. 485, IV, do CPC11.

É bem verdade que nas demandas que visam à proteção do meio ambiente, a
regra é do litisconsórcio facultativo. Sucede que, na presente ação civil pública, a pretensão
formulada pelo Parquet resulta/resultaria em ordem de demolição de moradias de terceiras pessoas
não envolvidas na lide, fato que atrai a incidência do direito à defesa e ao contraditório, pois, afetadas
em sua esfera individual-patrimonial. Daí a necessidade da MM Juíza a quo determinar, no mínimo, a
emenda da inicial para inclusão dos Apelantes.

Tal entendimento está em total harmonia com o princípio do devido processo legal,
dado que através da citação válida, os Apelantes teriam/terão a oportunidade de exercer seus
direitos, de modo que, retirar deles a possibilidade de participar da demanda, é levar a óbito seu
direito fundamental, constitucionalmente assegurado.

Desta forma, conclui-se que a medida cabível nesta hipótese é a decretação de


nulidade de todo processo, com a consequente extinção do feito, ou, subsidiariamente, a nulidade da
sentença proferida pela 1ª Vara Federal de... com a retroação de todo o processo até atingir o
momento da prática dos atos de citação, a fim de determinar o ingresso de todos os terceiros
adquirentes (Apelantes) que possam vir a ser atingidos pelo decreto judicial.

6.2. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO


PASSIVO NECESSÁRIO - PRECEDENTES

Conforme demonstrado no tópico anterior, a observação do litisconsórcio


necessário é fato processual obrigatório em relações jurídicas indivisíveis, sendo a falta de citação de
qualquer dos litisconsortes necessários motivo de nulidade de qualquer sentença de mérito proferida,
conforme manifestação do art. 115 do CPC, in verbis:
11
Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: [...] IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento
válido e regular do processo;
Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será:
I - nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado
o processo; [...].

Pois bem. Haverá litisconsórcio necessário quando a sua formação for obrigatória,
estando a sua constituição diretamente ligada na integração do polo da relação processual por todos
os sujeitos, seja por conta da própria natureza da relação jurídica discutida ou por imperativo de lei,
conforme regula o art. 114, do CPC:

Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza
da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que
devam ser litisconsortes.

Do texto legal, se verifica que, quando houver relação jurídica indivisível, restará
indispensável a composição de vários sujeitos dentro do mesmo polo. Sobre o assunto, Nelson Nery
Junior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam:

Eficácia da sentença. Influência na esfera jurídica de outrem. Toda vez que se vislumbrar
a possibilidade de a sentença atingir, diretamente a esfera jurídica de outrem, a menos
que a lei estabeleça a facultatividade litisconsorcial (v.g. CC 1314 caput, 1642 III e V),
deve ser aquele citado como litisconsorte necessário a fim de que possa se defender em
juízo.12

Como se sabe, caso não citado o litisconsorte passivo necessário, os efeitos de


eventual sentença do processo em que não foi parte é, em relação a ele, absolutamente ineficaz.
Não se olvida que a sentença proferida nas ações coletivas detém efeitos erga omnes (art. 16 da Lei
n. 7.347/1985). Isso não afasta, contudo, situações em que a formação do litisconsórcio seja
indispensável, sob pena de ineficiência do próprio comando judicial.

Por sua vez, o litisconsórcio unitário se configura quando o provimento jurisdicional


de mérito tem de regular de modo uniforme a situação jurídica dos litisconsortes, não se admitindo,
para eles, julgamentos diversos, ou seja, o julgamento deve ser o mesmo para todos os
litisconsortes. O art. 116 estabelece que o litisconsórcio será unitário quando:

Art. 116. O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz
tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes.

Pode-se concluir que, em regra, quando a natureza da relação jurídica for una, será
obrigatória a composição das partes afetas a lide no polo passivo da demanda, o que encaixa-se com
perfeição ao litisconsórcio existente entre a loteadora clandestina, o Município, a União e os
adquirentes/proprietários de lotes ou edificações eventualmente demolidas, porquanto o teor da
decisão estender-se-ia a todos esses de maneira idêntica, na esfera individual, não havendo
diferenciação entre as consequências das irregularidades constatadas ou mesmo de tratamento
distinto para eventuais lotes.

12
Comentários ao Código de Processo Civil - Novo CPC – Lei 13.105/2015, 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 520
Nesse sentir, o Ministro Luiz Fux, quando integrante do Superior Tribunal de
Justiça, também em sede de ação civil pública que analisava loteamento com parcelamento irregular,
assentou que "o regime da coisa julgada nas ações difusas não dispensa a formação do
litisconsórcio necessário quando o capítulo da decisão atinge diretamente a esfera individual. Isto
porque, consagra a Constituição, que ninguém deve ser privado de seus bens sem a obediência ao
princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88). Nulidade de pleno direito da relação
processual, a partir do momento em que a citação deveria ter sido efetivada, na forma do art. 47 13 do
CPC.” (REsp 405.706/SP).

No referido aresto, restou consignado ainda, que “consequentemente, revela-se


patente a configuração do litisconsórcio passivo necessário, decorrente da natureza da relação
jurídica, impondo necessária citação dos adquirentes dos lotes para integrarem a lide, sob pena de
tornar-se ineficaz a sentença impugnada. Aliás, a formação do litisconsórcio não é incidente avesso à
fisiologia do procedimento das ações que versam interesses supraindividuais. Assim é que na ação
popular, não obstante a eficácia erga omnes da decisão, impõe-se a convocação, dentre outros, dos
beneficiários do ato. ”

Como se vê, basta que o imóvel objeto da lide por supostos danos ambientais
esteja na posse de terceiros para que se configure o litisconsórcio passivo necessário. No presente
caso, tratando-se de ação civil pública que visa a demolição de casas em loteamento, é de rigor a
inclusão dos adquirentes de lotes que terão sua esfera jurídico-patrimonial diretamente atingida, na
medida que os Apelantes adquiriram, construíram e ocuparam a área de boa-fé.

Repise-se, que se trata de loteamento aprovado pela municipalidade no ano de


1981, e que alguns dos lotes objeto da ação, foram adquiridos muitos anos antes dos fatos narrados
pelo Parquet, e sem qualquer relação com os demandados na inicial e consequentemente
condenados a promover a demolição das casas e recuperação da área.

Assim, a lógica impõe reconhecer o litisconsórcio passivo necessário em ação civil


pública ambiental, de regra, quando houver pedido demolitório e houver adquirentes de unidades
autônomas na área sub judice, passíveis de terem a sua esfera jurídico-patrimonial afetada pela
decisão definitiva de mérito.

Esse é o entendimento da doutrina de Édis Milaré14:

Deveras, nesses e em todos os casos em que a ação difusa evidenciar interesses de


particulares que podem ter sua esfera jurídico-patrimonial atingida pelos efeitos da
sentença, impõe-se, sob pena de inexistência do ato jurisdicional em relação a eles, a
formação elo litisconsórcio passivo necessário. Para Luiz Fux, impõe-se o litisconsórcio
passivo nas hipóteses em que a sentença deva "ser formalmente una e materialmente
dúplice, dispondo o juiz em simultaneus processos sobre a situação jurídica de todas as
partes litisconsorciadas”. Examinando a questão sob esse prisma, o STJ já reconheceu,
por exemplo, que "os empreendedores de loteamento em área de preservação ambiental,
bem como os adquirentes de lotes e seus ocupantes que, em tese, tenham promovido
13
Dispositivo correspondente ao art. 114 do Novo Código de Processo Civil.
14
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. 9ª ed. P. 447.
degradação ambiental, formam litisconsórcio passivo necessário", e que "o regime da
coisa julgada nas ações difusas não dispensa a formação do litisconsórcio necessário
quando o capítulo da decisão atinge diretamente a esfera individual. Isto porque consagra
a Constituição que ninguém deve ser privado de seus bens sem a obediência ao princípio
do devido processo legal (art. 5°, LIV, da CF/1988)".

Édis Milaré15 finaliza com acuidade:

Destarte, inelutável a conclusão de que o dano an1biental, marcado pela responsabilidade


civil objetiva e solidária, dá ensejo, como regra, no âmbito processual, ao litisconsórcio
facultativo, salvo naqueles casos de afetação da esfera jurídico-patrimonial de terceiro,
quando, então, se impõe a formação do litisconsórcio passivo necessário.

E no mesmo sentido, é a orientação de Hugo Nigro Mazzilli16:

Se o resultado do processo coletivo deve atingir, porém, direitos subjetivos de terceiros, a


citação destes será indeclinável. Assim, numa ação civil pública cujo pedido consistia em
mandar desfazer um parcelamento irregular do solo, o Superior Tribunal de Justiça
considerou, corretamente, que a solução da lide atingiria diretamente a esfera jurídico-
patrimonial dos adquirentes dos lotes, tornando-se necessário formar um litisconsórcio
passivo necessário entre o responsável pelo loteamento irregular e os adquirentes das
unidades, pois ninguém pode ser privado de seus bens sem o devido processo legal.

Caso semelhante ao dos presentes autos chegou a Suprema Corte, cuja decisão
foi proferida pelo e. Min. Gilmar Mendes, assim ementado:

ADMINISTRATIVO, PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.


DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO DE EDIFÍCIO RESIDENCIAL. RECUPERAÇÃO DA
ÁREA AMBIENTAL DEGRADADA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS CONDÔMINOS.
LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. EXTINÇÃO SEM ANÁLISE DE MÉRITO. 1.
Não obstante a coisa julgada na ACP seja oponível contra todos, inclusive contra aqueles
que não integraram a relação processual, e a responsabilidade civil ambiental seja
solidária, podendo o autor escolher contra quem vai demandar, tenho que o regime da
coisa julgada nas ações em defesa de interesses difusos não dispensa a formação do
litisconsórcio necessário quando a decisão atingir diretamente a esfera individual, como no
caso dos autos, afastando-se a facultatividade. 2. Embora requeridas medidas visando
resguardar o direito dos condôminos (e possíveis adquirentes), dando ciência de
eventuais óbices à construção daquele imóvel ante a existência de irregularidades
ambientais, e que subsista a possibilidade de manifestação dos adquirentes em embargos
de terceiro, bem como de ajuizamento de ação regressiva contra a construtora, a citação
dos condôminos para integrarem a lide é necessária para possibilitar a ampla aplicação
dos princípios do contraditório e da ampla defesa, sob pena de tornar-se ineficaz a
sentença impugnada. (ARE 929336 / RS. Relator(a): Min. GILMAR MENDES Julgamento:
26/01/2016. PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 01/02/2016 PUBLIC
02/02/2016).
Mais recentemente, o e. Min. Luís Roberto Barroso anulou ex officio uma ação civil
pública que pedia a demolição de construções e retirada de vestígios, justamente porque os
adquirentes não foram citados:

15
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. 9ª ed. P. 447-448.
16
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Públicos em Juízo. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 387-388
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Loteamento irregular. Demanda que visa à regularização do
empreendimento e também à reparação de danos ambientais causados na APP existente
no local. Pronunciamento da c. Turma Especial - Público fixando a competência desta
Câmara para o deslinde da controvérsia. Local que, quando da propositura, já havia ser
tornado um bairro populoso, com várias casas e dotados de serviços públicos. Pedido de
demolição das construções e retirada dos vestígios do parcelamento. Falta de citação dos
adquirentes. Nulidade configurada. Ha litisconsórcio passivo necessário quando a
sentença proferida em ações difusas atinge diretamente a esfera individual. Precedentes
do D. STJ. Anulação do feito ex officio, com determinação. Recursos prejudicados. (ARE
1136171 / SP. Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO Julgamento: 05/06/2018.
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-114 DIVULG 08/06/2018 PUBLIC 11/06/2018).

No Superior Tribunal de Justiça, conforme anunciam os letrados r. doutrinadores, o


entendimento é pacífico no sentido de configuração de litisconsórcio passivo necessário, para casos
tal como o aqui debatido, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. LOTEAMENTO CLANDESTINO. ADQUIRENTES POSSUIDORES.


RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. 1. Trata-se, na origem
remota, de Ação Civil Pública movida contra loteadores e representantes de vendas, sob o
fundamento de implantação de loteamento não registrado (clandestino). 2. No dano
ambiental e urbanístico, a regra geral é a do litisconsórcio facultativo. Segundo a
jurisprudência do STJ, nesse campo a "responsabilidade (objetiva) é solidária" (REsp
604.725/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 22.8.2005, p. 202); logo,
mesmo havendo "múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do
litisconsórcio", abrindo-se ao autor a possibilidade de "demandar de qualquer um deles,
isoladamente ou em conjunto, pelo todo" (REsp 880.160/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, DJe 27.5.2010). 3. Contudo, como única forma de garantir
plena utilidade e eficácia à prestação jurisdicional, impõe-se o litisconsórcio necessário
entre o loteador e o adquirente se este, por mão própria, altera a situação física ou realiza
obras no lote que, ao final, precisarão ser demolidas ou removidas. Precedentes: REsp
901.422/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009; REsp
1.194.236/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 27.10.2010; REsp
405.706/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 23.9.2002. 4. A Segunda Turma
do STJ, com a composição atual, em julgamento unânime e em relação ao mesmo
loteamento ora em questão, assim já se posicionou: "Na ação civil pública de reparação a
danos contra o meio ambiente os empreendedores de loteamento em área de
preservação ambiental, bem como os adquirentes de lotes e seus ocupantes que, em
tese, tenham promovido degradação ambiental, formam litisconsórcio passivo necessário"
(REsp 901.422/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009, grifo
acrescentado). 5. No citado precedente, acrescentou a eminente Relatora, Ministra Eliana
Calmon, em seu Voto: "Ora, como julgar a validade do parcelamento e as alterações
empreendidas no meio ambiente unicamente com relação aos empreendedores, excluindo
os adquirentes e ocupantes que também possam ou já tenham realizado alterações no
bioma protegido pelas normas ambientais? De fato, a tutela do meio ambiente, como
direito difuso, pressupõe a máxima concentração de medidas para que sua eficácia seja
ótima, revelando-se a ação civil pública como instrumento concretizador dessa máxima
efetividade da reparação e precaução do meio ambiente" (REsp 901.422/SP, Segunda
Turma, DJe 14.12.2009). 6. "O litisconsórcio, quando necessário, é condição de validade
do processo e, nessa linha, pode ser formado a qualquer tempo, enquanto não concluída
a fase de conhecimento (...)" (AgRg no Ag 420256/RJ, Rel. Ministro Ari Pargendler,
Terceira Turma, DJ 18/11/2002). No mesmo sentido: REsp 146.099/ES, Rel. Ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ 14/02/2000; REsp 260.079/SP, Rel.
Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJ 20/06/2005. 7. Embargos de Declaração
rejeitados. (EDcl no REsp 843.978/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 07/03/2013, DJe 26/06/2013).

Citam-se ainda, acórdãos paradigmas do STJ: REsp 1.383.707/SC, Rel. Min.


Sérgio Kukina, DJe de 05/06/2014; REsp 1.194.236/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe
27/10/2010; RESP 480.712/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 20.6.2005; REsp n. 843.978/SP, Rel. Min.
Herman Benjamin, DJe 09/03/2012; REsp 405.706/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 23.9.2002; AgInt no
AREsp 1.255.376/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Sessão Virtual de 07/05/2019 a
13/05/2019;

Na mesma linha, confira-se os arestos deste E. Tribunal Federal da 4ª Região:

ADMINISTRATIVO, PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.


DESOCUPAÇÃO E DEMOLIÇÃO DE EDIFÍCIO RESIDENCIAL. RECUPERAÇÃO DA
ÁREA AMBIENTAL DEGRADADA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS CONDÔMINOS.
LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. EXTINÇÃO SEM ANÁLISE DE MÉRITO. 1.
Não obstante a coisa julgada na ACP seja oponível contra todos, inclusive contra aqueles
que não integraram a relação processual, e a responsabilidade civil ambiental seja
solidária, podendo o autor escolher contra quem vai demandar, tenho que o regime da
coisa julgada nas ações em defesa de interesses difusos não dispensa a formação do
litisconsórcio necessário quando a decisão atingir diretamente a esfera individual, como no
caso dos autos, afastando-se a facultatividade. 2. Embora requeridas medidas visando
resguardar o direito dos condôminos (e possíveis adquirentes), dando ciência de
eventuais óbices à construção daquele imóvel ante a existência de irregularidades
ambientais, e que subsista a possibilidade de manifestação dos adquirentes em embargos
de terceiro, bem como de ajuizamento de ação regressiva contra a construtora, a citação
dos condôminos para integrarem a lide é necessária para possibilitar a ampla aplicação
dos princípios do contraditório e da ampla defesa, sob pena de tornar-se ineficaz a
sentença impugnada. (TRF4, AC 5003833-13.2011.4.04.7208, QUARTA TURMA, Relator
LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 23/01/2014)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. SUPERVENIÊNCIA DA CONCLUSÃO DO


EMPREENDIMENTO. DEMOLIÇÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO
ULTERIOR. ADQUIRENTES DAS UNIDADES IMOBILIÁRIAS. DIALETICIDADE. 1. Em se
tratando de danos ambientais, a legislação de regência evidencia hipótese de verdadeira
responsabilização solidária dos envolvidos, o que resulta na simples facultatividade de
formação do litisconsórcio passivo. 2. Porém, quando a demanda puder resultar em ordem
judicial de demolição de empreendimento imobiliário, forçoso reconhecer a necessidade
de viabilização do direito de defesa e do contraditório aos proprietários das unidades
imobiliárias, com a respectiva integração à lide processualizada. Precedentes. 3. Ou seja,
não estando em discussão a questão específica da responsabilidade por dano ambiental,
mas a garantia da dialeticidade, deve ser extinto o processo sem resolução de mérito
quando o autor opta por não promover a cientificação dos interessados (proprietários de
unidades imobiliárias de empreendimento cuja demolição é objeto de pedido principal em
ação civil pública). 4. Apelação improvida. (TRF4, AC 5003445-76.2012.4.04.7208,
TERCEIRA TURMA, Relator NICOLAU KONKEL JÚNIOR, juntado aos autos em
24/01/2013).
Desta Casa de Justiça, colhem-se ainda os seguintes arestos de julgamentos: AC
5007797-77.2012.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE
PEREIRA, juntado aos autos em 10/11/2016; AC 5005476-98.2014.4.04.7208, QUARTA TURMA,
Relator EDUARDO VANDRÉ O L GARCIA, juntado aos autos em 30/11/2017; AC 5004211-
66.2011.4.04.7208, QUARTA TURMA, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos
em 25/07/2012; AG 5009476-76.2010.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora MARGA INGE
BARTH TESSLER, juntado aos autos em 07/12/2010; AG 5023131-71.2017.4.04.0000,
TERCEIRA TURMA, Relatora MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, juntado aos autos em 12/06/2017; e,
AG 5016724-49.2017.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO
AURVALLE, juntado aos autos em 27/04/2017;

Harmônico é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO


IRREGULAR. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO POSSUIDOR. PRETENSÃO DE
DEMOLIÇÃO DE CONSTRUÇÃO E DESOCUPAÇÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO
NECESSÁRIO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. Ação civil pública ajuizada pelo ICMBio
em face de ocupante, objetivando a condenação às obrigações de não erigir novas
construções e não suprimir a vegetação do local, além de desocupar imediatamente a
área, demolindo as estruturas fixadas e removendo os entulhos. Pleiteia a reparação do
meio ambiente mediante a elaboração de Projeto de Recuperação da Área Degradada -
PRAD, a ser avaliado pelo ICMBio, além do pagamento de indenização por danos
interinos e morais causados à coletividade. 2. Embora o Superior Tribunal de Justiça
reconheça, como regra, que havendo múltiplos agentes poluidores, não existe
obrigatoriedade na formação do litisconsórcio, abrindo-se ao autor a possibilidade de
"demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo" (REsp
880.160/RJ, DJe 27.5.2010), no caso, é necessário que o possuidor, cessionário de
direitos possessórios, integre a demanda, eis que o ICMBio pretende a desocupação de
toda a área, bem como a demolição de construções erigidas sobre terreno. 3.
Considerando os limites subjetivos da coisa julgada e que o ICMBio deduz pretensão que
interfere no interesse jurídico de pessoa que apresenta direitos possessórios sobre a área
em que se discute a existência de dano ambiental, é inevitável o reconhecimento do
litisconsórcio necessário. 4. Apelação provida. Sentença anulada. Remessa necessária
prejudicada. (TRF2. AC 0050967-25.2015.4.02.5111 - TRF2 2015.51.11.050967-6. Relator
Luiz Paulo da Silva Araujo Filho. Orgão Julgador: 7ª TURMA ESPECIALIZADA Data de
Decisão: 09/10/2017. Data de Disponibilização: 08/11/2017).

Em caso praticamente idêntico, assim decidiram o Tribunal de Justiça de São


Paulo e o Tribunal de Justiça do Amazonas, respectivamente:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – PARCELAMENTO ILEGAL E CLANDESTINO DE


SOLO – DANOS AMBIENTAIS CONSTATADOS – EDIFICAÇÕES EM ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE – PLEITO VOLTADO À REGULARIZAÇÃO DO
LOTEAMENTO OU À DESOCUPAÇÃO DA ÁREA, ALÉM DA REPARAÇÃO DOS DANOS
AMBIENTAIS – LOTES ADQUIRIDOS DE BOA-FÉ PELOS OCUPANTES – RESULTADO
DA DEMANDA QUE AFETARÁ DIRETAMENTE OS ADQUIRENTES QUE, EM TESE,
TENHAM PROMOVIDO DEGRADAÇÃO AMBIENTAL – ANÁLISE DA CONTROVÉRSIA À
LUZ DOS PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À MORADIA – CITAÇÃO – LITISCONSÓRCIO
PASSIVO NECESSÁRIO – RECONHECIMENTO – NULIDADE CONFIGURADA –
ANULAÇÃO DO FEITO, COM DETERMINAÇÃO. Tratando-se de ação civil pública
ambiental que visa à regularização de loteamento clandestino ou a desocupação e
demolição de imóveis lá erigidos, bem como a apuração e condenação dos réus a
procederem à reparação dos danos ambientais causados em áreas de preservação
permanente, de rigor o reconhecimento de que todos os adquirentes e moradores dos
lotes são partes legítimas para figurarem no polo passivo da presente ação, ocorrendo, no
caso, litisconsórcio passivo necessário, nos termos do art. 114 do NCPC, razão pela qual
deve ser reconhecida a nulidade do feito, com determinação de retorno dos autos à Vara
de Origem, para regular processamento. (TJSP;  Apelação Cível 0001997-
73.2011.8.26.0247; Relator (a): Paulo Ayrosa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada ao
Meio Ambiente; Foro de Ilhabela - Vara Única; Data do Julgamento: 09/02/2017; Data de
Registro: 12/02/2017).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTOS CLANDESTINOS. ÁREAS


OCUPADAS POR TERCEIRAS PESSOAS QUE NÃO PARTICIPARAM DA RELAÇÃO
PROCESSUAL. DEMANDA QUE RESULTA EM DEMOLIÇÕES. LITISCONSÓRCIO
PASSIVO NECESSÁRIO. PRECEDENTE STJ. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA
PÚBLICA NAS AÇÕES COLETIVAS. PRECEDENTE STJ. ERROR IN PROCEDENDO.
SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. – [...]; - Em demandas que visem à
reparação de danos ambiental e urbanístico, tem-se como regra o litisconsórcio passivo
facultativo, razão pela qual, havendo múltiplos agentes poluidores, cada um pode ser
demandado isoladamente; - Sucede que, consoante entendimento do STJ, na ação civil
pública de reparação a danos contra o meio ambiente os empreendedores de loteamento
em área de preservação ambiental, bem como os adquirentes de lotes e seus ocupantes
que, em tese, tenham promovido degradação ambiental, formam litisconsórcio passivo
necessário para viabilizar a eficácia da ordem judicial que importe em demolições; -
Apelação da DPE/AM conhecida e provida. Apelação do IMPLURB prejudicada. (Apelação
Cível  0606923-80.2015.8.04.0001. Relator (a): Mirza Telma de Oliveira Cunha; Comarca:
Manaus/AM; Órgão julgador: Terceira Câmara Cível; Data do julgamento: 11/11/2019;
Data de registro: 26/11/2019).

É flagrante, portanto, que a lide atrai a figura do litisconsórcio passivo necessário.


Tal entendimento mostra-se salutar na medida em que a ordem judicial oriunda deste feito importará
na afetação de direitos alheios e, não tendo as terceiras pessoas (Apelantes) a oportunidade de se
defenderem, restará trucidado não apenas o Estado Democrático de Direito no qual se firma o Brasil,
mas também, as garantias constitucionais consubstanciadas nos princípios da dignidade da pessoa
humana, da moradia, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, debatidos
exaustivamente no capítulo anterior, que por si só, autorizam a nulidade da sentença guerreada,
aliás, do próprio processo.

Como se vê, basta que o imóvel objeto da lide por supostos danos ambientais
esteja na posse de terceiros para que se configure o litisconsórcio passivo necessário. No presente
caso, tratando-se de ação civil pública que visa o desfazimento do loteamento, é de rigor a inclusão
dos adquirentes de lotes que terão sua esfera jurídico-patrimonial diretamente atingida, na medida
que os Apelantes adquiriram, construíram e ocuparam a área de boa-fé. Repise-se, além de se tratar
de loteamento aprovado pela municipalidade no ano de 1981, alguns dos lotes objeto da ação, foram
adquiridos muitos anos antes dos fatos narrados pelo Parquet, e sem qualquer relação com os Réus,
que sequer produziram provas nos autos. Aliás, ausentes na audiência de instrução e julgamento.
Contudo, muito embora não remanesça dúvidas acerca da caracterização dos
adquirentes dos lotes como litisconsortes passivos necessários, ainda assim a necessidade de sua
integração no processo passou desapercebida até o presente momento, após o seu julgamento
definitivo, nulidade que não pode ser ignorada e que é passível de reconhecimento de ofício a
qualquer tempo antes do trânsito em julgado.

Importa consignar ainda, que a sentença guerreada confronta inclusive, o art. 506
do CPC, que de forma categórica e induvidosa, dispõe que “a sentença faz coisa julgada às partes
entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.”

Édis Milaré citando Marcelo Buzaglo Dantas obtempera em sua obra Direito do
Ambiente:

Não se pode descartar peremptoriamente a configuração do litisconsórcio necessário, tal


qual se dá, por exemplo, quando, a par dos malefícios da fonte poluidora, também se
questione a higidez do ato que ensejou o seu funcionamento. Basta pensar, diz ele, "em
uma ação civil pública cujo objeto se consubstancia na obtenção da tutela específica da
obrigação de não fazer, consistente na paralisação de uma atividade licenciada pelo órgão
ambiental competente. Parece óbvio que a demanda há de contemplar um pedido de
anulação do ato administrativo respectivo, o que enseja a necessidade de citação do
órgão público integrante do Sisnama que expediu referida autorização, sob pena de
nulidade do feito (art. 47, parágrafo único, do CPC). É que, caso tal não ocorra e a
sentença porventura venha a julgar procedente o pedido, a licença outorgada pelo órgão
ambiental será atingida pelo ato jurisdicional sem que este tenha tido a oportunidade de vir
a juízo defender a legitimidade de seu ato. Nesse caso haveria, de uma só vez, ofensa
aos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa
(art. 5.º, LIV e LV, da CF/1988), bem como ao disposto no art. 472 17, 1ª parte, do CPC,
segundo o qual 'a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não
beneficiando, nem prejudicando terceiro." Deveras, nesses e em todos os casos em que a
ação difusa evidenciar interesses de particulares que podem ter sua esfera jurídico-
patrimonial atingida pelos efeitos da sentença, impõe-se, sob pena de inexistência do ato
jurisdicional em relação a eles, a formação do litisconsórcio passivo necessário. 18

Deste modo, tendo em vista a gravidade do abalo à esfera jurídico-patrimonial, em


especial a seu direito à moradia, e os precedentes pacíficos colacionados, é forçoso reconhecer a
nulidade de todo o processo, ante a necessidade de os Apelantes integrarem o polo passivo da ação
civil pública, em litisconsórcio passivo necessário, ou, subsidiariamente, a nulidade da sentença,
determinando-se a baixa dos autos à origem até atingir o momento da prática dos atos de citação dos
Apelantes.

7. PEDIDO ALTERNATIVO – AUSÊNCIA DE PROVAS NECESSÁRIAS AO


JULGAMENTO DE MÉRITO – RETORNO DOS AUTOS À FASE DE
PRODUÇÃO DE PROVAS

17
Dispositivo correspondente ao art. 506 do Novo Código de Processo Civil.
18
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. 9ª ed. P. 1486-1487.
Por força do princípio da eventualidade, em caso de não provimento do presente
recurso para decretar a nulidade do processo, ou, subsidiariamente, da sentença, necessário alertar,
que a demanda não contou com o adequado prolongamento da fase de instrução probatória,
porquanto, neste caso, seria imprescindível a realização de prova pericial para apurar uma série de
questões não reveladas de forma suficiente através da reduzida prova documental, como:

a) a caracterização dos imóveis objeto do Loteamento... de acordo com o


zoneamento municipal, a fim de averiguar a possibilidade de licenciamento e
regularização;
b) a configuração da vegetação no local – inicialmente apontada como restinga – e
a existência de área de preservação permanente, de risco ou de outros espaços
especialmente protegidos, na medida em que a sua incidência, por si só, não é
capaz de obstar a regularização do loteamento;
c) a possibilidade de regularização por se tratar de loteamento implantado sobre
outro loteamento que fora devidamente aprovado pelo Poder Público em 1981, o
qual encontra-se em área consolidada, ao contrário da narrativa do Parquet, bem
como, que incide sobre a área a Lei 13.465/2017.
d) de forma geral, a identificação das particularidades da área em que se localiza o
loteamento, acompanhada de informações acerca das ruas, do sistema de
iluminação pública, água, bem como de outras que forem pertinentes ao estudo do
presente caso, com vistas inclusive a sua regularização; e,
e) que, por meio de perícia técnica, fique demonstrado de forma inequívoca que
somente a demolição das edificações viabilizariam a projeção da possibilidade de
restauração do ecossistema do local.

Nesse sentido, a produção de provas é imprescindível a se verificar a verdadeira


situação fática-jurídica do Loteamento..., conforme precedente deste Egrégio Tribunal:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. OCUPAÇÃO EM ÁREA DE


PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA
PERICIAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA EX OFFICIO. 1. Consigno que a solução
adequada à controvérsia imprescinde da produção de prova técnica a fim de efetivamente
verificar a extensão dos prejuízos ambientais causados pela ocupação da região e qual a
melhor solução a ser adotada em prol do meio ambiente - manutenção da ocupação com
construção de equipamentos ou remoção das construções -, ainda que ausente
requerimento das partes a tanto. Tal providência reveste-se de especial importância diante
do conflito de garantias constitucionais presente na espécie (proteção do meio ambiente e
direito à moradia). Forçosa, pois, a produção da prova pericial aos fins adrede apontados,
de maneira que possam ser acertadamente ponderados os direitos em conflito. 2.
Sentença anulada de ofício. 3. Apelações prejudicadas. (TRF4, AC 5007797-
77.2012.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON
FLORES LENZ, juntado aos autos em 30/01/2014).
No caso dos autos guerreados, a prova documental produzida ao longo do feito,
muito embora forneça alguns dados, não desvenda de forma satisfatória todos estes detalhes
essenciais para a verificação do êxito dos pedidos contidos na peça inicial, além de, ter sido
elaborada de forma unilateral pelo Poder Público, através de seus órgãos competentes, ante a
inexistência de qualquer documento juntado pelos Réus tidos como os loteadores clandestinos e
invasores da área, e muito menos pelos Apelantes, que não fizeram parte da lide, e dessa forma,
tiveram seu direito ao contraditório totalmente tolhido. Por outro lado, consta nos autos, documentos
dando conta que o proprietário de toda a área supostamente invadida, não figura como réu, nem
como assistente.

Desta forma, na hipótese remota deste Egrégio Tribunal Federal não vislumbrar os
casos de anulação do processo ou da sentença por ausência de litisconsórcio necessário e violação
dos princípios debatidos, mostra-se inafastável a anulação da sentença e o retorno da demanda à
fase de produção de prova em virtude da existência de um pronunciamento judicial sem a suficiência
de provas comumente exigidas para este tipo de demanda.

8. POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO – APLICAÇÃO DOS


PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE

Ad argumentandum tantum, a sentença guerreada acolheu a tese aventada pelo


Parquet, de que o Loteamento... implantado sobre o suposto loteamento clandestino ou irregular, não
se subsume à regularização fundiária, pois ausentes os requisitos da Lei 10.257/01, Lei 11.977/09 e
Lei 13.240/15, pois, não haveria no local fornecimento de serviços de água e esgoto; densidade
demográfica risível por se tratar de casas de veraneio e a população não é de baixa renda; e que a
energia elétrica foi fornecida por meio de TAC, ainda que existisse determinações de ligação de
energia elétrica da Justiça Estadual Catarinense.

Ocorre que as casas não são de veraneio. A grande parte dos moradores são
efetivos, fixos e de baixa renda. Basta verificar in loco. Além disso, as casas são abastecidas pelo
sistema de saneamento público, conforme faturas de água acostas ao presente recurso. Por outro
lado, o loteamento não está em área de marinha, e também não obsta o acesso as praias. Trata-se,
pois, de área consolidada, antropizada e com população de baixa renda, cuja sentença que
determinou a demolição e recuperação da área é extrema e desproporcional, ferindo de morte o
princípio constitucional do direito à moradia19. Nestes casos, o direito ao meio ambiente previsto no
art. 225 da Carta Primaveral merece mitigação.

Pois bem. Após a edição da Lei Federal n.12.651/2012, que instituiu o Novo Código
Florestal, já em 2016, foi editada a Medida Provisória n. 756, convertida na Lei Federal n.
13.465/2017, dispondo sobre a regularização fundiária rural e urbana. Referida norma revogou o

19
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.   
Capítulo III da Lei Federal n. 11.977/2009, que tratava da regularização fundiária de assentamentos
urbanos, e trouxe significativas alterações para as políticas públicas voltadas às áreas urbanas.

Como se vê, referida Lei de Regularização Fundiária é posterior ao ajuizamento da


ação civil pública em questão, e elenca condições aptas a se concluir pela possibilidade de
regularização do suposto loteamento clandestino ou irregular, ainda que se entenda, como já
mencionado neste recurso, que o aludido loteamento na verdade, está sobre o Loteamento...,
aprovado pela Prefeitura em 1981.

Referida legislação introduz o procedimento de regularização fundiária de interesse


específico (Reurb-E) e de interesse social (Reurb-S), sendo esta admitida em núcleos urbanos
informais como é o caso dos autos. Isso porque, referida lei possui como objetivo (art. 10, Lei
13.465/2017):

I - identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e


assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as
condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior;
II - criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e
constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes;
III - ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a
priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais
regularizados;
IV - promover a integração social e a geração de emprego e renda;
V - estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à
cooperação entre Estado e sociedade;
VI - garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas;
VII - garantir a efetivação da função social da propriedade;
VIII - ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-
estar de seus habitantes;
IX - concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo;
X - prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais;
XI - conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher;
XII - franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização
fundiária.

Portanto, é possível considerar que se aplica ao caso em análise


a regularização fundiária de interesse social, sendo passível de regularização o trecho inserido em
área de preservação permanente ou unidade de conservação que se encontra ocupada e em área
consolidada.

Superada essa reflexão, sabe-se que a jurisprudência consolidada deste Egrégio


Tribunal Federal, enaltece o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO. INVIABILIDADE.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. ZONA URBANA CONSOLIDADA. Devem ser
mitigadas as restrições de construção em Áreas de Preservação Permanente, mormente
nas hipóteses de zonas urbanas consolidadas e antropizadas, tendo sido constatado que
a total recuperação do meio ambiente ao seu estado natural dependeria de ação conjunta,
com a remoção de todas construções instaladas em área de ocupação histórica, sendo
certo que a retirada de uma edificação isoladamente, em atenção ao princípio da
proporcionalidade, não surtiria efeitos significantes ao meio ambiente, haja vista que as
adjacências do local encontram-se edificadas. (TRF4, AC 5001563-50.2010.4.04.7208,
TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos
autos em 09/06/2016).

Concessa venia, mas não parece razoável que o direito à moradia se sobreponha
ao do meio ambiente, quando não houver comprovação de que a demolição das casas resultará em
efetivo benefício ao meio ambiente. Neste passo, calham as lúcidas observações do eminente
Desembargador Luiz Carlos de Castro Lugon:

Tenho como premissa a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que
haja a efetiva configuração do fato consumado, de modo que sejam desestimuladas
práticas de violações ecológicas contando com o beneplácito fundado na constatação de
que "o mal já está feito." Porém, ainda que não perca de vista a realçada importância do
meio ambiente, com o incentivo de peculiaridades do caso concreto, pode-se amenizar a
regra de prevalência, mesmo que esteja em pauta a integridade ambiental de área de
preservação permanente. Assim penso, guiado pela ideia de que benefício algum surtirá
em prol do meio ambiente a paralisação da obra, uma vez que a recuperação da restinga,
pela intervenção da própria natureza, é inviável naquele trecho. 20 

É incontroverso que a demolição trará prejuízos aos moradores, não só de ordem


patrimonial, como também moral. Os moradores são pessoas humildes, ao contrário do que fez
parecer o ilustre representante do Ministério Público Federal. Os Apelantes, durante anos,
economizaram para adquirir um lote, certos que naquela região, construiriam sua moradia definitiva,
mesmo porque, o Loteamento... foi aprovado pelo Poder Público ainda em 1981, assim como o
Loteamento..., Loteamento... e Loteamento..., todos confrontantes um do outro. O fato de chamar-se
popularmente de Loteamento..., deriva do simples fato de que foi a requerida na origem, tida como
loteadora clandestina, que teria comercializado alguns lotes, mas não todos.

Há indícios nos autos a demonstrar que, efetivamente, as construções podem,


caso sejam de fato irregulares, serem regularizada, pois, cediço que demolir, é medida extrema, que
somente pode ser adotada nos casos em que a regularização seja considerada impossível, o que
não parece ser o caso dos autos, mesmo porque, faltam estudos. Repise-se que não foi oportunizado
aos moradores o direito de apresentar defesa técnica, nem de regularizar o loteamento nos termos
da Lei 13.465/2017, caso seja de fato irregular, incidindo, portanto, os princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade ao provimento jurisdicional.

20
TRF4, AC 2003.72.00.004185-0, Terceira Turma, DJ 04/10/2006 Relator Luiz Carlos de Castro Lugon.
9. PREQUESTIONAMENTO

No caso de não provimento do presente recurso de apelação, e desejando os


Apelantes ascender às Instâncias Superiores, então necessário, nessa oportunidade, prequestionar a
matéria, sobretudo, para que este E. Tribunal Federal aprecie expressamente os dispositivos legais e
constitucionais abaixo suscitados:

a) art. 1º do CPC: violação do processo enquanto dever de interpretação conforme os valores


e normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal;
b) art. 7º do CPC: dever do juiz em zelar pelo efetivo contraditório;
c) art. 8º do CPC: dever do juiz em resguardar e promover a dignidade da pessoa humana e
observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência;
d) art. 10 do CPC: decidir sem dar a parte o direito de se manifestar;
e) art. 18 do CPC: vedação aos réus em pleitear e defender direito de terceiros;
f) art. 114 do CPC: litisconsórcio passivo necessário;
g) art. 115, inc. I, do CPC: a ausência de contraditório torna a sentença nula;
h) art. 116, do CPC: litisconsórcio passivo necessário em razão da natureza da demanda;
i) art. 370, caput, do CPC: necessidade de produção de provas para que o juiz resolva o
mérito;
j) art. 464, caput do CPC: necessidade de prova pericial para averiguar a verdadeira
condição do loteamento enquanto provocador de suposto dano ambiental;
k) art. 485, inc. IV, do CPC, ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento
válido e regular do processo para decidir o mérito do processo;
l) art. 996 do CPC: cabimento de recurso de apelação por terceiro prejudicado que não fez
parte do processo.
m) parágrafo único do art. 996 do CPC: demonstração de a decisão sobre a relação jurídica
submetida à apreciação judicial atingir direitos dos Apelantes;
n) art. 1.009 do CPC: cabimento de recurso de apelação;
o) art. 1º, inc. III, da CF/88: dignidade da pessoa humana enquanto direito à moradia;
p) art. 5º, caput, da CF/88: princípio da isonomia enquanto garantia à propriedade.
q) art. 5º, caput e incisos LV da CF/88: contraditório e ampla defesa;
r) art. 5º, caput e incisos LIV da CF/88: princípio do devido legal enquanto afetação na esfera
jurídica patrimonial;
s) art. 5º, caput e incisos XXII e XXIII da CF/88: direito de propriedade e função social;
t) art. 6º, caput, da CF/88: direito à moradia
u) art. 225, caput, da CF/88: possibilidade de mitigação do direito ao meio ambiente em face
do direito à moradia, da dignidade da pessoa humana;

10. PEDIDOS E REQUERIMENTOS

Diante de tudo o que foi exposto, requer se digne este Egrégio Tribunal Regional
da 4ª Região, a conhecer e dar provimento ao recurso de apelação, no sentido de:

a) decretar a nulidade de todo processo, nos termos do art. 1.010, inciso III, do Código de Processo
Civil, com a consequente extinção do feito sem resolução de mérito, por ausência de formação de
litisconsórcio passivo necessário entre os demandados na origem e os Apelantes não citados, os
quais são/serão atingidos diretamente na esfera individual-patrimonial pelos efeitos da sentença;
b) alternativamente, requer o provimento do recurso para decretar a nulidade da sentença proferida
pela 1ª Vara Federal..., com a retroação de todo o processo até atingir o momento da prática dos
atos de citação, a fim de determinar o ingresso de todos os terceiros adquirentes (Apelantes) que
possam vir a ser atingidos pelo decreto judicial;
c) caso seja negado provimento ao presente recurso de apelação para anular o processo ou a
sentença pelos motivos anteriores, requer, por força do princípio da eventualidade, a anulação da
sentença e o retorno da demanda à fase de produção de provas em virtude da existência de um
pronunciamento judicial sem a suficiência de provas comumente exigidas para este tipo de
demanda, e sem qualquer estudo técnico elaborado por perito qualificado;
d) pugna ainda, pelo prequestionamento da matéria para eventual interposição de recurso especial e
extraordinário;
e) eventualmente requer, seja concedido efeito suspensivo ao presente recurso de apelação, na
hipótese de se entender pela segunda parte do caput do art. 1.00521, do Código de Processo Civil;
f) informa que a guia de preparo foi recolhida.
g) nos termos do art. 932, parágrafo único, do Código de Processo Civil, pugna ao digníssimo (a)
Relator (a), que antes de considerar inadmissível o recurso, seja concedido o prazo de 5 (cinco)
dias aos Apelantes para que seja sanado o vício ou complementada a documentação exigível;
h) o cadastramento das partes como Apelantes;
i) que as futuras intimações e notificações sejam todas realizadas em nome do advogado subscritor.

Pede provimento.

Florianópolis/SC, 08 de junho de 2020.

Advogado
OAB/SC
Petição assinada digitalmente
(Lei 11.419/2006, art. 1º, §2º, III, “a”)

21
Art. 1.005. O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses.

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